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ALEXANDRE VALENA ALVES BARBOSA

Histrias em quadrinhos sobre a Histria


do Brasil em 1950: A narrativa dos
artistas da EBAL e outras editoras

Dissertao apresentada rea de Concentrao:


Teoria e Pesquisa em Comunicao da Escola de
Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo,
como exigncia parcial para obteno do Ttulo de
Mestre em Cincias da Comunicao, sob a
orientao da Prof. Dr. Maria Lourdes Motter.

So Paulo
2006

ALEXANDRE VALENA ALVES BARBOSA

Histrias em quadrinhos sobre a Histria


do Brasil em 1950: A narrativa dos
artistas da EBAL e outras editoras

Dissertao apresentada rea de Concentrao:


Teoria e Pesquisa em Comunicao da Escola de
Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo,
como exigncia parcial para obteno do Ttulo de
Mestre em Cincias da Comunicao, sob a
orientao da Prof. Dr. Maria Lourdes Motter.

So Paulo
2006

FOLHA DE APROVAO

Alexandre Valena Alves Barbosa


Histrias em quadrinhos sobre a
Histria do Brasil em 1950: A
narrativa dos artistas da EBAL e
outras editoras

Dissertao apresentada rea de Concentrao:


Teoria e Pesquisa em Comunicao da Escola de
Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo,
como exigncia parcial para obteno do Ttulo de
Mestre em Cincias da Comunicao, sob a
orientao da Prof. Dr. Maria Lourdes Motter.

Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. ___________________________________________
Instituio: _______________ Assinatura: ________________
Prof. Dr. ___________________________________________
Instituio: _______________ Assinatura: ________________
Prof. Dr. ___________________________________________
Instituio: _______________ Assinatura: ________________

DEDICATRIA

A Jos Alves Barbosa (in memorian), meu pai, com amor, admiraoe saudade, por
sempre ter acreditado em mim, acompanhando-me at a metade deste percurso e,
mesmo aps nos ter deixado, sendo sempre meu guia e permanecendo vivo em
minhas memrias.
Por todo apoio, amor e dedicao a mim oferecidos em vida, meu eterno carinho,
respeito e gratido.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeo professora Mary Enice Ramalho, que j no est mais


entre ns, mas que, sem sua deciso de aceitar-me como seu orientando nada disto
seria possvel.
A minha orientadora, professora Maria Louders Motter que, com sua imensa
bondade e pacincia, sempre procurou me direcionar com dedicao e sem
reservas, sendo minha principal companheira nesta jornada.
A Sonia Luyten e Waldomiro Vergueiro, membros da banca composta para o exame
de qualificao, que, com muita dedicao, leram, fizeram seus comentrios e
sugestes e, dessa forma, muito colaboraram o enriquecimento deste trabalho.
A Gazy Andraus, Cristina Merlo, amigos que se fizeram presentes, atenciosas e
colaboradoras para o sucesso desta empreitada.
A Cludio Rosso, Rodrigo Arco e Flexa, Gonalo Junior, lvaro de Moya, Rodolfo
Zalla, que muito contriburam na execuo deste trabalho, com inmeras
informaes, dicas e materiais disponibilizados.
A Umberto Losso e Argemiro Antunes, o Miro, pela tarde de recordaes sobre a
dcada de 50 e sobre os quadrinhos daquela poca.
A Igncio Justo que nos recebeu muito bem em sua casa e mostrou sua histria e
suas referncias.
As amigas Mrcia Regina Teixeira da Encarnao, pela preocupao e a Adriana
Cristina Cristianini, pela ajuda na reta final.
A Andra Ribeiro Gomes que foi uma grande incentivadora
E, por ltimo, mas no menos importante, muito pelo contrrio, a Deus, que estava
presente a todos os momentos, dando-me fora necessria na hora certa.

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

A minha famlia, em especial a minha me, por todo o seu apoio, pelo carinho, pela
constante demonstrao de fora, pela sua bondade e f, que me proporcionaram
luz e suporte emocional para que eu pudesse trilhar o caminho do conhecimento.

Estamos todos presos na verdade das linguagens, quer dizer,


em sua regionalidade, arrastados pela formidvel rivalidade
que regula sua vizinhana. Pois cada falar (cada fico)
combate pela hegemonia; se tem por si o poder, estende-se
por toda a parte no corrente e no quotidiano da vida social,
torna-se doxa, natureza: o falar pretensamente apoltico dos
homens polticos, dos agentes do Estado, o da imprensa, do
rdio, da televiso; o da conversao; mas mesmo fora do
poder, contra ele, a rivalidade renasce, os falares se fracionam,
lutam entre si. Uma impiedosa tpica, regula a vida da
linguagem; a linguagem vem sempre de algum lugar, topos
guerreiro.
Roland Barthes

RESUMO

Este trabalho procura fazer levantamentos sobre histrias em quadrinhos que


narram fatos histricos, com nfase nas histrias produzidas no Brasil na dcada de
50, principalmente aqueles produzidas pela editora EBAL. Uma analogia com outros
pases que produziram quadrinhos similares no mesmo perodo apresentada no
intuito de comparar as narrativas em cada um deles e no Brasil.
As narrativas so analisadas de forma separada, ou seja, o texto e as
imagens que compem a histria em quadrinhos so primeiramente classificados e
depois um paralelo traado para que se possa verificar a forma como artistas e
roteiristas trabalhavam este gnero.
O estudo mostra como os artistas trabalhavam a informao histrica e como
faziam sua adaptao para histrias em quadrinhos. Mostra tambm como esta
narrativa de fatos histricos produzida no Brasil, na dcada de 50, foi influenciada e
no que influenciou posteriormente.

Palavras-chave: histrias em quadrinhos, Histria, narrativa, EBAL, dcada de 50.

ABSTRACT

This work try makes a survey in comics what tell about historical facts, with
emphasis in histories produced in Brazil in the decade of 50, mainly those produced
by the EBAL publishing company.

An analogy with other countries that had

produced similar comics in the same period in intention to compare the narratives in
each one of them and Brazil.

Narratives are analyzed in separate form, or either, the text and the images
that compose the comics are classified in first and after a parallel are traced to verify
the form as artists and scriptwriters worked this sort.

The study it shows as the artists worked the historical information and how
they did adaptation for comics.

Sample also as this narrative of historical facts

produced in Brazil, in the decade of 50, was influenced and in that influenced later.

Key words: comics, History, narrative, EBAL, decade of 50.

10

LISTA DE FIGURAS

Figura 1.

Asterix entre os Bretes

66

Figura 2.

Asterix entre os Bretes/ Beatles

67

Figura 3.

Desenho de Igncio Justo com speed line

74

Figura 4.

Fort Sumter desenhado por Jack Kirby

82

Figura 5.

Desenho do coreano Kim Yong-Hwan

92

Figura 6.

Quadrinhos mitolgicos indianos

96

Figura 7.

Arte Ukiyo-e do sculo XIX

98

Figura 8.

Hokusai mang

99

Figura 9.

Ribon no Kishi de Osamu Tezuka

100

Figura 10.

Tapearia de Bayeux

107

Figura 11.

Corriere dei Piccolli

111

Figura 12.

Tintin de Herg

113

Figura 13.

Cannibale e Frigidaire

116

Figura 14.

Trabalho de Raphael Bordallo

119

Figura 15.

Caminho do Oriente, de Eduardo Teixeira Coelho

121

Figura 16.

O Bobo, de Jos Ruy

122

Figura 17.

As cobranas, trabalho de ngelo Agostini

129

Figura 18.

Almanaque O Tico-Tico de 1957 com Chiquinho na capa

130

Figura 19.

Revista Mirim de 1939

133

Figura 20.

Revista Terror Negro da editora La Selva

136

Figura 21.

Revista Crs da editora Abril

138

Figura 22.

Revistas Chiclete com Banana e Geraldo da editora Sampa

140

Figura 23.

Holly Avenger de Marcelo Cassaro e Erica Awano

143

11

Figura 24.

Almanaque O Tico-Tico com Drama de Borba Gato

146

Figura 25.

Adeus Chamigo Brasileiro, de Andr Toral

151

Figura 26.

A Saga de Martim Afonso

152

Figura 27.

Revista Jos Bonifcio, o desbravador

154

Figura 28.

Reino Divino de J de Oliveira

156

Figura 29.

Sargento Rock de Joe Kubert

165

Figura 30.

Retirada de Laguna, na Revista Epopia

168

Figura 31.

Getlio Vargas, em Grandes Figuras em Quadrinhos

174

Figura 32.

Marco Plo na Revista Epopia

178

Figura 33.

Revistas da EBAL

185

Figura 34.

Histria em quadrinhos de Raposo Tavares e Quarenta Mil


Florins, de Nico Rosso

190

Figura 35.

O Judoka, de Floriano Hermeto

190

Figura 36.

O Jornalzinho nmero 222

194

Figura 37.

Revista Vida Juvenil nmero 106

197

Figura 38.

Adaptao para os quadrinhos da vida de Wassil

199

Figura 39.

A nica testemunha, trabalho de Rodolfo Zalla

200

Figura 40.

Desenho de Igncio Justo

203

12

SUMRIO

INTRODUO

14

1 A HISTRIA E SUA INTERPRETAO

24

1.1 A Histria e o mito

24

1.2 A evoluo da narrativa histrica

29

1.3 O posicionamento do Narrador Histrico

33

2 HISTRIAS EM QUADRINHOS HISTRICOS

38

2.1 O conceitos de histria em quadrinhos

38

2.2 Os quadrinhos histricos

42

2.3 A adaptao dos roteiros em quadrinhos

48

2.4 Narrativas grficas

62

2.4.1 Elementos da narrativa grfica dos quadrinhos

69

3 HISTRIAS EM QUADRINHOS HISTRICOS NO MUNDO

77

3.1 Os quadrinhos e a conquista norte-americana

77

3.2 O quadrinho asitico e a releitura da Histria

86

3.3 Quadrinhos na Alemanha, Inglaterra e Frana: o incio da Histria

105

3.4 Portugal e a banda desenhada histrica

117

4 A CONSTRUO DA IMAGEM HISTRICA BRASILEIRA POR MEIO


DE QUADRINHOS

127

4.1 Os quadrinhos no Brasil

127

4.2 Quadrinho histrico brasileiro

143

5 A EDITORA EBAL E OS QUADRINHOS HISTRICOS

155

5.1 Editora EBAL e a dcada de 50

155

13

5.2 Estrutura narrativa das histrias em quadrinhos histricos da EBAL


na dcada de 50
166
5.3 A formao dos principais artistas da editora

180

5.4 Outras editoras e artistas do perodo

189

CONSIDERAES FINAIS

202

BIBLIOGRAFIA

208

APNDICES

214

APNDICE A Entrevista com Igncio Justo

214

APNDICE B Entrevista com Umberto Losso e Argemiro Antunes

218

APNDICE C Entrevista com lvaro de Moya

220

APNDICE D Entrevista com Cludio Rosso

222

APNDICE E Entrevista com GONALO JUNIOR

224

APNDICE F Entrevista com Rodolfo Zalla

226

ANEXOS

228

ANEXO A Entrevista: lvaro de Moya

228

ANEXO B Entrevista: Rodolfo Zalla

247

14

INTRODUO

A maioria das pesquisas realizadas na rea de comunicao em relao s


histrias em quadrinhos procura pontuar as publicaes por meio de uma descrio
do perodo e a relao com o cotidiano. Outro foco sempre englobado a questo
do contedo da obra, sob uma tica lingstica e s vezes esttica.
Podemos verificar facilmente que h uma parca bibliografia sobre o quadrinho
histrico, e praticamente inexiste se falarmos do quadrinho histrico brasileiro. O
material mais pertinente e que se aproxima do enfoque desse aspecto so aqueles
produzidos para os livros Comic Book as History, de Joseph Witek, Commies,
Cowboys and Jungle Queens, de Willian Savage Junior e, mais recentemente, a
Guerra dos Gibis, do jornalista Gonalo Junior.
Nos dois primeiros livros, a anlise de casos de perodos diferentes da
Histria dos Estados Unidos mostra a relao do quadrinho histrico com o perodo
em que o autor produziu a sua obra. O livro de Gonalo Junior, por sua vez, faz um
levantamento de fatos ligados aos editores de quadrinhos no Brasil.
Tendo realizado trabalhos na rea dos quadrinhos histricos, em 1995, 2000,
2001, 2002 e 2003, junto a vrios artistas, vimo-nos compelido a aprofundar os
estudos sobre esse tipo de produo.
As primeiras bases de estudo foram quadrinhos realizados a partir de 1995,
mas o contato com pesquisadores como Snia Luyten, Waldomiro Vergueiro e Maria
Lourdes Motter, revelou um novo vis da questo, firmando a necessidade da

15

anlise da narrativa histrica, principalmente a origem desta em forma de quadrinhos


no Brasil.
Procuramos um perodo especfico, neste tipo de trabalho, o quadrinho
histrico abordando o Brasil, que tivesse uma produo significativa em meio a uma
agitao social e poltica, por esse motivo a dcada de 50 foi a escolhida, por refletir
mudanas em diversos nveis, como veremos mais a frente.
Os artistas brasileiros de histrias em quadrinhos, durante os anos 50,
sentiram o reflexo da presso sofrida pelas editoras, por parte das associao de
pais e mestres, polticos e jornalistas, quanto ao contedo da revistas que , segundo
eles, poderia ser pernicioso para a formao das crianas e adolescentes.
Para atenuar a situao, surgiram adaptaes de personagens histricos e
clssicos da literatura, porm, a narrativa delas era diferente do material
normalmente comercializado.
Partimos, ento, da hiptese de que o peso do contedo e a presso da
sociedade inibia o trabalho do artista, fazendo com que ocorresse um
distanciamento

da

linguagem

dos

quadrinhos

histricos

em

relao

caractersticas comuns aos quadrinhos comerciais.


Devido a isso, em nosso trabalho, daremos um enfoque principal aos
quadrinhos histricos, especificamente queles que falam sobre a Histria do Brasil,
procurado verificar como o artista nacional interpreta sua Histria e como ele a
transporta para os quadrinhos, alm de mostrar a ao e o posicionamento do autor
em relao ao tempo e ao espao.

16

Objetivamos, neste trabalho, fazer uma anlise no apenas do contedo


esttico e narrativo, mas tambm do autor das histrias em quadrinhos. A pesquisa
e os levantamentos mostraro como o autor, no decorrer no tempo, vai interpretando
o documento histrico e adaptando-o para quadrinhos.
Buscaremos descobrir como esse posicionamento influenciava na forma de
narrativa, se os objetivos eram atingidos e qual a reao dos artistas e dos leitores
frente produo desse gnero de histrias em quadrinhos.
A editora EBAL Editora Brasil-Amrica era um reflexo do perodo.
Responsvel pelos ttulos, Epopia, Grandes Figuras do Brasil, lbum Gigante e
Histria do Brasi, que mostravam passagens e personagens da Histria do Brasil em
quadrinhos, a editora procurava atenuar, por meio desses ttulos, as campanhas que
vinham sendo promovidas por entidades de Pais e Mestres, jornalistas e polticos
contra as histrias em quadrinhos.
Fez-se necessrio, ento, que buscssemos um embasamento terico sobre
a origem e caractersticas das histrias em quadrinhos no decorrer do tempo.
As histrias em quadrinhos como forma de comunicao de massa tm sua
origem no final do sculo XIX em diversos pases. Alguns autores citam o trabalho
de Richard Outcault com seu personagem Yellow Kid, em 1895, nos Estados
Unidos, como o primeiro quadrinho regular, mas h autores, como lvaro de Moya,
que apresentam o suo Rudolph Tpffer, em 1827, na Frana, como precursor da
narrativa seqencial de imagem e texto. O mesmo Moya nos apresenta o trabalho
de Wilhen Busch, em 1865, na Alemanha, e ngelo Agostini, no Brasil, em 1867.

17

Os quadrinhos foram parmetros para que algumas sociedades, como os


norte-americanos, criassem uma viso herica a respeito de sua origem e das
conquistas atingidas. (Eisner, 2005).
Em Witek (1989, p.14), podemos encontrar a seguinte afirmativa:

Muito mais popular que qualquer revista com informaes


secas foram as revistas de quadrinhos da aventura da vida real.
Estes quadrinhos exploraram a histria e as lendas histricas no
intuito de alimentar a voracidade do mercado do gnero de
quadrinhos, incluindo Westerns (David Crocket, True Story of Jesse
James, Custers Last Fight); crime e gangsters (True Crime
Comics)... Combinando impulsos informacionais e sensacionalistas
em uma antologia singular, o conjunto da True Comics, a qual saiu
de 1941 at 1950 e apresentou biografias do esporte e populares,
histrias patriticas, e verdadeiras aventuras do FBI, todas
publicadas pela Parents Magazine Press. (traduo nossa).

Assim como os norte-americanos, os japoneses, chineses, coreanos e


indianos utilizaram-se dos quadrinhos para fixao de conceitos, lendas, costumes e
fatos histricos que mantiveram e mantm viva a memria nacional.

Esses

quadrinhos ganharam maior impulso principalmente aps a Segunda Guerra.


Segundo Luyten, S. (2000, p. 28): Houve uma exploso de novos temas, e a
canalizao para a agressividade foi dirigida para as histrias que focalizavam certos
esportes, como boxe e a luta livre, mais afeitos descarga de hostilidade e O
Japo, como outros pases, aps a Segunda Guerra, comeou a preocupar-se com
a forma e o contedo dos quadrinhos reforado com a participao das Associaes
de Pais e Mestres [...] (LUYTEN, 2000, p. 144).

18

Na Europa, os quadrinhos transformaram-se em espao para os autores


aliarem o pensamento esttico ao pensamento filosfico. Alguns artistas de
quadrinhos misturavam a erudio e a intelectualidade aos conceitos dos quadrinhos
no sculo XIX, isso gerou uma forma diferenciada de observ-los.
Sobre os trabalhos de Rudolph Tpffer, de 1840, Moya (1996, p.8) nos diz
que, [...] um dos mais importantes ilustradores do mundo, tendo seu nome ligado
aos de Hogarth, Dor, Busch e Cristophe, como um dos precursores da histria em
imagens, tendo sido elogiado por Goethe.
O Brasil, apesar de comear sua produo juntamente com os americanos,
japoneses e europeus, no final do sculo XIX, instituiu personagens histricos
somente a partir do fim da dcada de 40 e comeo dos 50, com trabalhos realizados
pela editora EBAL.
Essa produo tinha um parmetro norte-americano para construo da linha
narrativa, o que no deixava de ser natural, uma vez que grande parte da referncia
dos quadrinhos vinha do material importado pela editora.
Moya (1996, p.192) nos diz que:
O ano de 1945 trouxe de volta Adolfo Aizen, com sua EBAL.
Publicou romances brasileiros em quadrinhos. Com Andr LeBlanc,
Jos Geraldo, Gutemberg, Ramon Llampayas, lvaro de Moya,
Ziraldo, Otaclio, Floriano Hermeto, Manoel Victor, Ivan Wasth
Rodrigues, Antonio Eusbio, Marcelo Monteiro, Gil Coimbra, Nilo
Cardoso, Rodolfo Iltszhe, Max Yantok, Nico Rosso, Jos Menezes,
Zalla, Colonesse, Roberto Portella.

Quando o Brasil preparava-se para comemorao dos 500 anos de


descobrimento, em alguns estados brasileiros as prefeituras e os governos estaduais

19

incentivaram a produo de registros histricos em forma de quadrinhos. Os


referenciais e tpicos abordados desta vez eram diferentes daqueles produzidos
pelos artistas da EBAL nos idos de 1950. Enquanto os artistas daquele perodo
trabalhavam com material oficial do governo e sujeito a restries, os artistas do final
do sculo XX tinham novos parmetros histricos, advindos de novas pesquisas e
bibliografias histricas, como a do jornalista Eduardo Bueno, autor da srie de livros
sobre os bastidores da Histria do Brasil.
Alm da evoluo dos materiais grficos e das formas de transmisso de
informao, os artistas sofreram diferentes influncias sociais, polticas e culturais.
Isso certamente se manifesta nas obras e as leituras iconogrficas e os discursos
histricos, ento, esto prximos realidade de cada autor. Essa caracterstica fica
evidente, quando comparamos o material da EBAL sobre a Guerra do Paraguai com
aquele produzido por Andr Toral para Companhia da Letras. O primeiro segue os
parmetros das revistas de heri da dcada de 50, j o segundo tem uma esttica
diferente

daquela

apresentada

pelo

mercado

dos

quadrinhos

chamados

comerciais, na realidade este material resultado da tese de doutorado do artista,


defendido na USP em 1997.
Vale observar que os trabalhos produzidos pela EBAL na dcada de 50
sofreram uma influncia forte do momento social e poltico, alm de uma construo
de imagens estereotipadas. Muitas vezes, o quadrinho pode no condizer com o
documento histrico, mas acaba servindo de parmetro para o entendimento de uma
poca ou dos indivduos daquele perodo em que a obra foi realizada.

20

Para estudar a questo das histrias em quadrinhos histricos fez-se


necessrio uma anlise de outras questes. Primeiramente a questo da Histria e
da narrativa histrica.
Para tanto, buscamos embasamento terico em bibliografias e entrevistas,
Em Adam Schaff e Michael Certeau, buscamos as bases para discutir a ao
de narrar um fato histrico, e como se comporta o historiador. Em ambos os casos,
percebemos que os autores classificam a ao do historiador frente ao fato histrico.
Marc Ferro tambm contribui para nossa pesquisa com seus estudos de
casos sobre a escrita da Histria, da Educao e das diferenas culturais

em

diversos pases.
Quanto questo do narrador, buscamos textos de Umberto Eco para avaliar
a interao entre o produtor e leitor da obra. Ele faz, em sua obra, a relao entre a
capacidade do autor de contar uma histria e do leitor de entend-la, passando por
todas as dificuldades de interpretao que os indivduos podem encontrar na leitura
da narrativa ficcional.
Alm do trabalho de Eco, nos debruamos tambm sobre a obra de Mikhail
Bakthin que, ao estudar a obra de Dostoievski, analisa o autor e os personagens
criados. Bakthin tambm faz um estudo sobre a criao de personagens e a
utilizao da palavra na produo desses heris.
importante ressaltar que tanto Eco quanto Bakthin estudam as relaes
entre a obra, o autor e o leitor, e como a narrativa se desenvolve.

21

Partindo da questo da narrativa escrita para a visual fazemos uso tambm


de autores como Edmond Couchot e Andr Parente, buscando a cognio do
pensamento do observador sobre a obra.
Trabalhamos com o material de Eduardo Frana Paiva, que faz uma anlise
sobre a Histria e as imagens no Brasil. No aspecto de histria e fico, buscamos
no trabalho de Maria Lourdes Motter, a base para discusso sobre a questo da
narrativa histrica e do autor da narrativa.
No esquecemos tambm dos autores que trabalham com a questo dos
quadrinhos especificamente, como o caso de Antnio Cagnin que, em seu livro de
1972, j fazia uma anlise sobre a narrativa e os quadrinhos. Outras anlises
empregadas so as de Moacy Cirne, Waldomiro Vergueiro, lvaro de Moya e Sonia
Luyten.
O livro do artista e professor Will Eisner, sobre narrativa grfica, tambm foi
de grande valia para interpretao da estrutura da narrativa visual.
O obra de Gonalo Jnior foi de grande importncia para situar as editoras e
os artistas no perodo. Sem esta obra, em que o autor faz um levantamento de toda
produo de quadrinhos entre 1933 e 1964, fazendo uma analogia com a poltica e
as guerras editoriais do perodo, a pesquisa e o resultado deste trabalho ficariam
comprometidos.
Trabalhos publicados sobre o comportamento do indivduo por meio dos
quadrinhos foram aproveitados, entre eles os publicados por Gazy Andraus. Outro
livro de grande importncia para esta interpretao foi Psicologia e Histrias em
Quadrinhos, de Francisco B. Assumpo.

22

O material bibliogrfico mais prximo ao cerne do assunto abordado , sem


dvida, os de Joseph Witek e William Savage Junior. Ambos mostram algumas
obras e fazem um comparativo entre o perodo histrico e o posicionamento do
autor.
Alm do material bibliogrfico de pesquisa temos um compromisso com as
entrevistas feitas com os autores das obras. Essas entrevistas deixaram claro como
se estabelece o comportamento do autor frente informao histrica, alm de
evidenciar tcnicas empregadas para pesquisas de roteiros e de iconografias.
As entrevistas feitas com artistas que vivenciaram aquele perodo, ou seja, a
EBAL na dcada de 50, resultaram em depoimentos de Igncio Justo e Rodolfo
Zalla.
Alm desses artistas, alguns pesquisadores foram includos neste trabalho,
pois eles so capazes de dizer qual a sua viso sobre o quadrinho histrico. Entre
os entrevistados, temos o jornalista Gonalo Jnior, o professor lvaro de Moya,
pesquisador e tambm desenhista naquele perodo, e Cludio Rosso, neto de Nico
Rosso, desenhista da EBALna dcada de 50.
Dois colecionadores de quadrinhos da poca dos anos 50, Umberto Losso e
Argemiro Antunes, tambm nos cederam entrevistas que muito enriqueceram nossa
reflexo, pois forneceram dados importantes sobre as revistas e sobre outros
colecionadores daquele perodo.
Para avaliar o material de pesquisa, procuramos fazer um levantamento junto
Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, onde est todo o arquivo da editora EBAL,
doado por Naumin Aizen. Infelizmente constatamos que o material ainda no foi

23

catalogado e, por esse motivo, no est acessvel aos pesquisadores e ao pblico.


Essa informao foi-nos dada por Ana Naudi e Carla Rossana, responsveis
respectivamente pelo Registro Geral e pelos Peridicos.
A alternativa encontrada foi buscar as revistas em sebos e colees
particulares. Para isso, contamos com o auxlio do jornalista Gonalo Junior, da
professora Sonia Luyten e da jornalista e historiadora Claudia Fonseca.
Para o desenvolvimento do trabalho, procuramos mostrar, no primeiro
captulo, conceitos de histria e mito, falando um pouco do posicionamento do autor
da narrativa histrica. Tratamos tambm de avaliar o que esta narrativa e como ela
evoluiu.
O segundo captulo traz uma anlise das histrias em quadrinhos,
especificando conceitos de narrativa, roteiro, elementos grficos e um breve
histrico.
O terceiro captulo aborda os quadrinhos ao redor do mundo, enfatizando os
quadrinhos que trabalham com temas histricos e adaptaes de clssicos da lngua
de origem da histria.
A histria do quadrinho nacional e alguns casos de quadrinhos que
abordavam a Histria do Brasil so apresentados no quarto captulo.
Finalmente, o ltimo captulo aborda os quadrinhos da EBAL na dcada de
50, fazendo tambm um paralelo com outras editoras do perodo e como os
quadrinhos histricos eram abordados, alm, claro, de uma anlise de alguns
autores e seus trabalhos respectivamente.

24

Aps os apontamentos esperamos chegar s consideraes finais e reafirmar


que a arte, no nosso caso o estudo da Histria em quadrinhos histricos, pode nos
mostrar muito de um determinado tempo histrico e, tambm por isso, precisa ser
incentivado e divulgado.

1 A HISTRIA E SUA INTERPRETAO

1.1 A Histria e o mito

A tentativa de narrar seu cotidiano e deixar esse registro para posteridade


seria a base daquilo que a humanidade batizou de Histria. Essa narrativa teve suas
primeiras formas no universo mitolgico, em que a mescla de fantasia e realidade
assinalavam valores morais para uma determinada cultura.
Para a Humanidade, essa uma das formas primeiras de interpretao do
mundo que nos cerca. Para Assumpo Junior(2001), persiste uma srie de
comportamentos mticos em atividades modernas, entre as quais as nossas,
teoricamente infantis, histrias em quadrinhos.
Segundo Bierlein (2003, p.19):
[...] o mito a primeira tentativa tateante de explicar como as
coisas acontecem, ancestral da cincia. Tambm a tentativa de
explicar porque as coisas acontecem, a esfera da religio e da

25

filosofia. uma histria da pr-histria, nos dizendo o que teria


acontecido antes da histria escrita.

Assim podemos supor que nossas primeiras narrativas histricas, os mitos,


so os criadores da nossa concepo de mundo e da nossa prpria existncia como
indivduo.
O mito como discurso subjetivo ser constitudo pelos
significantes objetivos de uma cultura pr-guttemberguiana. Como
discurso potico ser constitudo pelos componentes estruturais da
ideologia. Pois compreendemos como uma realizao formal
trabalhada pela ideologia historicamente situada. (CIRNE, 1975;
p.22).

Para caracterizar ainda mais a importncia deste tipo de narrativa Cirne


(1975) apresenta o pensamento de Marx:
Os homens fazem sua prpria histria, mas no a fazem
como querem; no a fazem sob circunstncia de sua escolha e sim
sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas do passado. A tradio de todas as geraes mortas
oprime como um pesadelo o crebro dos vivos. (MARX apud CIRNE,
1975, p.23).

E em relao produo de cultura de massa e leitura historiogrfica Cirne


(1975, p. 23) ainda acrescenta:
O mito gerado em sua forma original pelas classes populares
ou comunidades indgenas, poder ser conduzido pela ideologia das
classes dominantes atravs dos aparelhos ideolgicos do Estado,
compreendidos por dada situao histrica e poltica.

Levi-Staruss (apud Bierlein, 2003, p.33) cita alguns pensamentos referentes


questo da narrativa histrica e do mito:

26

No me parece improvvel que a histria tenha substituido a


mitologia nas nossas sociedades e cumpra uma funo idntica, j
que, para as sociedades sem escrita e sem arquivos, a finalidade da
mitologia garantir que o futuro permanea fiel ao passado. Para
ns, contudo, o futuro deve sempre ser diferente, e cada vez mais
diferente, do presente...
Mas ainda assim o hiato que existe em nossa mente... entra a
mitologia e a histria pode provavelmente ser atravessado pelo
estudo de histrias que so concebidas no como sendo distintas da
mitologia, mas como uma continuao.

E, a partir deste ponto, transitamos da fantasia para a realidade buscando o


significado de Histria.
Nas lnguas romnicas essa palavra encontra trs momentos diferentes: a
procura das aes realizadas pelos homens (Herdoto) que se esfora para
constituir-se em cincia, cincia histrica; o objeto da procura o que os homens
realizaram (tanto a srie de acontecimentos como a narrao da srie); a narrao:
uma histria uma narrao verdadeira ou falsa, com base na realidade histrica
ou puramente imaginria pode ser uma narrao histrica ou uma fbula.
(MOTTER, 2001)
Para ler a narrativa de uma realidade histrica devemos procurar entender a
sua concepo. Para estudiosos como Schaff (1978), a forma como fazemos sua
leitura est ligada a vrios fatores, mas o mais importante como nos posicionamos
frente ao objeto analisado.
Schaff (1978, p. 66) questiona:
Se apesar dos mtodos e das tcnicas de investigao
aperfeioada, os historiadores no s julgam e interpretam as
mesmas questes e os mesmos acontecimentos em termos
diferentes, mas ainda selecionam e at mesmo percebem e
apresentam diferentemente os fatos, ser possvel que esses
historiadores faam simplesmente uma propaganda camuflada em
lugar de praticar cincia?

27

Em seus estudos, Schaff postula trs modelos do processo do conhecimento.


Estes modelos sero nossos parmetros para interpretar a viso do autor dos
quadrinhos histricos em relao informao que serve de base para seu trabalho.
Ele comea a definir estes postulados da seguinte maneira:
Por conseguinte, distingo trs modelos fundamentais do
processo do conhecimento [...] Se, por processo do conhecimento,
entendemos uma interao especfica do sujeito que conhece e do
objeto do conhecimento, tendo como resultado os produtos mentais
a que chamamos conhecimento, a interpretao desta relao
concebvel no enquadramento de alguns modelos tericos. Esta
tipologia no de maneira nenhuma especulativa, pois que cada um
destes modelos encontrou a sua ilustrao concreta em correntes
filosficas historicamente existentes. (SCHAFF, 1978, p. 66).

O primeiro modelo que Schaff apresenta uma construo mecanicista da


teoria do reflexo. Nessa concepo o objeto do conhecimento atua sobre o aparelho
perceptivo do sujeito que um agente passivo, contemplativo e receptivo; o produto
deste processo, ou seja, o conhecimento, o reflexo, a cpia do objeto, cuja a
gnese est em relao com a ao mecnica do objeto sobre o sujeito.
Qualificamos assim como modelo mecanicista.
Esse modelo presume que o sujeito seja um agente cujo papel na relao
cognitiva apenas registrar os estmulos vindos do exterior, semelhante ao papel de
um espelho.
No segundo modelo, temos a superioridade do idealismo sobre o
materialismo pr-marxista. Nesse modelo a relao cognitiva est centrada na
ateno sobre o sujeito a quem se atribui mesmo o papel de criador da realidade

28

histrica. Em contradio experincia sensvel do homem, o objeto do


conhecimento desaparece, mas o papel do sujeito ganha mais importncia.
O fator subjetivo o ponto mais importante do processo cognitivo neste caso.
O sujeito torna-se responsvel pela fixao da ateno sobre este ou aquele
aspecto da realidade histrica.
O terceiro modelo prope uma interao entre os outros dois modelos.
Contrariamente ao modelo mecanicista do conhecimento para o qual o sujeito um
instrumento que registra passivamente o objeto, atribudo aqui um papel ativo ao
sujeito submetido, por outro lado, a diversos condicionamentos, em particular s
determinaes sociais, que introduzem no conhecimento uma viso da realidade
histrica socialmente transmitida.
A interpretao da histria estar diretamente ligada ao modelo utilizado pelo
agente, que implica em conseqncias para a atitude cientfica, em particular a
concepo da historiografia.
O carter filosfico da anlise histrica decorrente da evoluo e
fragmentao do pensamento ocidental, que dissociou a questo religiosa da
narrativa histrica.
Essa prtica acentua-se a partir do sculo XVII como observamos em Certeau
(1974, p. 36-37):
J no sculo XVII, a crena comea a se dissociar da prtica
fenmeno no cessou de se acentuar desde ento. Para se
contarem e para marcar rupturas, os reformistas desconfiavam das
doutrinas e insistiam nos atos sociais. Presentemente, nos trabalhos
que levam em conta os gestos, o interesse se volta para as prticas,
porque elas representam uma realidade social, e tem como reverso
uma desvalorizao cientfica de sua significao dogmtica
(remetida aos preconceitos desmistificados pelo progresso ou s

29

convices privadas impossveis de introduzir uma anlise cientfica).


A lgica de uma sociologia acresce, pois, o cisma entre os fatos
religiosos sociais e as doutrinas que pretendem explicar-lhe o
sentido.

O mtodo de escrever a histria afastou-se da narrativa religiosa e mtica,


partindo para um posicionamento filosfico ligado a diferentes realidades sciopolticas e econmicas. A escolha do foco e dos objetos de estudo histrico ficou
diretamente ligada a estes fatores.

1.2 A evoluo da narrativa histrica

A evoluo do processo da narrativa histrica se deve evoluo dos


processos tecnolgicos e comunicacionais que o homem sofreu ao longo do tempo.
Partimos do princpio das pictogravuras da pr-histria, as quais j podemos
considerar como um registro histrico, colocando dessa maneira o termo prhistrico em xeque. A narrativa expressa em imagens nas cavernas de Lascaux, na
Frana, e Altamira, na Espanha, traa um paralelo com o modo de vida dos
indivduos daquele momento. Se a inteno foi religiosa, apenas uma abstrao ou o
desejo de deixar registrado para outros o seu dia-a-dia, jamais saberemos, mas
podemos constatar que o homem teve seu processo evolutivo ligado percepo e
interpretao dos fatos que o cercam.
Como a reproduo da imagem por si s um processo reservado a poucos,
havia de se criar uma outra forma de narrar os fatos. Podemos verificar que em

30

algumas sociedades a realidade histrica se faz por meio de uma narrativa oral,
passada de indivduo para indivduo.
Tanto a narrativa por meio da imagem, como as narrativas orais sofreram
mudanas. Podemos constatar no s as mudanas tecnolgicas dos processos
utilizados na narrativa, como tambm no carter dessa narrativa.
No vamos adentrar o campo da historiografia, mas tentamos definir alguns
pontos que marcam o fato de escrever a Histria de um povo, de uma determinada
cultura ou da prpria Humanidade.
Um fator sem dvida determinante na questo da narrativa histrica foi a
transposio do cdigo oral para um cdigo escrito, possibilitando o acumulo e
transmisso das informaes.

O texto escrito despertou, no homem, uma nova

espcie de poder.
O homem criou assim uma textolatria, na qual as palavras escritas assumem
as rdeas da realidade. No mais as imagens, mas a grafia seria o reflexo do
pensamento e da abstrao do homem.
Uma penetrao geral do texto impresso no conjunto das
engrenagens da vida social e cultural, correlativa de um certo
enfraquecimento das performances da comunicao oral diretas,
mas que em contrapartida autorizar uma capacidade muito maior de
acumulao e de tratamento de saberes (GUATTARI, 1999, p. 185).

Esses registros marcariam a veracidade dos fatos, a justificativa de atitudes


tomadas, para geraes presentes e futuras. Muitos deles ligados diretamente a
questes sagradas, como no caso da Bblia, do Coro, do Talmud.

31

Estas narrativas s comeam a ser estudadas e classificadas


a partir do sculo XIX quanto cresce o conceito de historicidade. Em
1872, aparece em francs historicidade como categoria real, que
vai ser definida por Charlez Moraze como uma funo. Diz ele:
Devemos procurar para alm da geopoltica, do comrcio, das artes
e da prpria cincia, aquilo que justifica a atitude de obscura certeza
dos homens que se unem, arrastados pelo enorme fluxo do
progresso que os especifica, opondo-os. Sente-se que esta
solidariedade est ligada a existncia implcita que cada um
experimenta em si, duma certa funo comum a todos Chamamos
esta funo historicidade. (MOTTER, 2001, p. 25).

Mas a preocupao do homem em retratar a realidade ao seu redor no teve


apenas no texto um suporte legtimo. Desde os primrdios, como vimos, os
indivduos procuraram diferentes superfcies para expressar sua viso do mundo.
A princpio subjetiva, a representao por meio de imagens comeou a
ganhar um novo significado a partir da Renascena. O movimento artstico do
Quattrocento suscitou uma busca pela representao da realidade em quadros e
esculturas. Desenvolveram-se tcnicas e tecnologias para isso. O conhecimento da
anatomia, da perspectiva, da luz e sombra e da composio ajudou os artistas a
recriar em telas aquilo que viam e, conseqentemente, marcando por meio de
imagens o seu perodo histrico.
Para Couchot (2001), as tcnicas figurativas no so apenas meios para criar
imagens de um tipo especfico, so tambm meios de perceber e interpretar o
mundo. O autor prope verdadeiros modelos morfogenticos e desses modelos
decorrem suas propriedades lgicas. Desse modo, a lgica da representao
procede principalmente do modelo perspectivista, capaz ao mesmo tempo de
reproduzir o mundo e de fornecer dele uma viso particular, no mais amplo sentido.

32

Mas, tanto historiadores quanto artistas preocupados em relatar determinados


momentos estariam sujeitos a ideologias vigentes. As narrativas tambm parecem
estar ligadas diretamente a fatores scio-poltico-econmicos.
A evoluo da historiografia se deve mudana na forma de anlise, em que
se substitui o fazer historiogrfico pelo dado histrico, transformando a pesquisa de
um sentido desvendado pela realidade observada, por meio de anlise das opes
ou das organizaes de sentido implicadas por operaes interpretativas. O fato
histrico agora observado sob a tica da prxis social, como um conjunto de
fatores. Para Certeau (1974, p. 41):
Sem dvida, o termo ideologia no mais convm para
designar a forma sob a qual a significao ressurgiu na tica ou no
olhar do historiador. O uso corrente deste termo data o momento em
que a linguagem se objetivou; quando reciprocamente, os problemas
de sentido foram deslocados do lado da operao e colocados em
termos de escolhas histricas investidas no processo cientfico.
Revoluo fundamental, preciso diz-lo imediatamente, pois ela
substitui o fazer historiogrfico ao dado histrico. Ela transforma a
pesquisa de um sentido desvendado pela realidade observada, em
anlise das opes ou das organizaes de sentido implicadas por
operaes interpretativas.

Ferro (1999) tambm acredita que a nova historiografia se faz por meio de
uma viso mais abrangente, acolhendo fatores como os mitos, as lendas e outros
dados que permeiam outras sociedades, capazes de dar um parecer mais relevante
das trocas e relaes humanas.
Segundo Ferro (1999), impossvel uma imparcialidade histrica pela
narrativa dos historiadores oficiais dos Estados, uma vez que estes atendem a
questes ideolgicas. Em relao Histria do ponto de vista de povos com
narrativas diferentes daquela produzida para livros oficias, Ferro classificou como
contra-histria.

33

Individual ou coletiva, a memria das sociedades surge


como uma segunda fonte de histria. Em certos momentos e em
certos lugares, esta fonte pode confundir-se com a primeira,
notadamente com a contra-histria institucional, quando o grupo s
conserva a identidade atravs das tradies, orais, mmicas,
alimentares ou outras. Tal fonte, no obstante, diferencia-se da
precedente por muitos traos. (FERRO, 1999, p. 292).

Entretanto, existem outras possibilidades de anlise que surgem provenientes


de estudos recentes ligados a arqueologia, antropologia, gentica e outras cincias
que ajudam a traar um novo perfil histrico, mais abrangente.

1.3 O posicionamento do Narrador Histrico

O autor do texto narrativo histrico possui um posicionamento capaz de


influenciar o entendimento da Histria. Ferro apresenta em seu trabalho o caso do
primeiro livro de Histria norte-americana que possui a seguinte passagem:
A derrubada de dinastias, a ascenso de outras e as maiores
revolues tiveram apenas resultados sem importncia se
comparadas com o descobrimento da Amrica [...] As conseqncias
das maiores vitrias geralmente no proporcionam felicidade
Humanidade nem o aperfeioamento da raa humana, e sim o
contrrio, mas o descobrimento da Amrica teve efeitos benficos,
embora no em todos os lugares [...] Porque em relao Amrica
do Sul, sabemos quanto tempo j se passou desde a conquista [...]
preciso assinalar bem que o progresso e a expanso das letras e das
artes foram freados pela incapacidade dos espanhis de serem
estimulados pelos espritos de iniciativa; [...] (FERRO, 1999, p. 259).

Esse texto foi publicado, em 1823, por John Pretisse e impresso por Keene,
em New Hampshire, no intuito de ensinar crianas e famlias norte-americanas.

34

Os primeiros historiadores norte-americanos criaram toda uma mitologia a


respeito de si, em detrimento de outras culturas, no levando em considerao
diversos aspectos sociais, polticos e ambientais alheios aos pases da Amrica do
Sul.
Lippmann (apud MOTTER, 2001, p. 45) afirma sobre esteretipos:
[...] nem mesmo a testemunha ocular traa um quadro
ingnuo da cena. Pois a experincia parece mostrar que ela prpria
traz cena alguma coisa, que dela retira mais tarde e o mais das
vezes, o que supe ser relato de um acontecimento , na realidade,
uma transfigurao dele.

A necessidade de auto-afirmao torna-se quase belicosa, transformando o


campo da cultura em um cenrio de batalha. A histria brota de fontes diferentes de
acordo com as necessidades de cada povo. Encontramos exemplos de contrahistria que existe paralelamente a histria institucional.
Para Ferro (1999, p. 293):
A histria dominada por essas duas fontes, que misturam
certezas e iluses, mas no estabelecem nem uma s vez uma s
verdade cientfica que seja, na qual se possa confiar, to diferentes e
contraditrias so as verses do passado que prope, impem e
reproduzem.

Dessa forma, podemos considerar como uma narrativa histrica no apenas


aquela expressa em livros didticos, como tambm a produo oral e imagtica de
diferentes grupos culturais. Cada sociedade ir refratar a realidade de acordo com a
sua necessidade naquele exato momento.

35

Os japoneses tiveram posicionamento similar quando abriram seus portos ao


comrcio com o Ocidente no sculo XIX. Para eles os mitos e antigas crenas eram
partes vivas de sua histria, fato que permitia ao Imperador exercer o poder mximo,
pois, para o povo do Japo, ele era o herdeiro legitimo dos antigos deuses. Esse
pensamento perdurou at quase a metade do sculo XX quando, aps a derrota na
Segunda Guerra, o Imperador foi obrigado a dizer em rede nacional que no era
uma divindade.
Campbell (1997) nos afirma que os mitos sustentam nossa existncia social e
so capazes de dar respostas que muitas vezes nossa praticidade cientifica no
consegue fornecer. Para alguns povos, essa verdade mitolgica torna-se mais forte
que a prpria realidade.
O Japo sempre foi um pas isolado, tanto geograficamente quanto poltica e
socialmente e isto fortaleceu suas crenas e costumes. Esse aspecto ajuda a
reforar os mitos.
Campbell (1997, p. 9) diz que:
O fato que, numa cultura que tenha mantido a homognea
por algum tempo, h uma quantidade de regras subentendidas, no
escritas, pelas quais as pessoas se guiam. H um ethos ali, um
costume, um entendimento segundo o qual no o fazemos desta
maneira.

Um exemplo desse posicionamento em relao narrativa a origem dos


quadrinhos no Japo.

36

Os primeiros artistas ocidentais ligados rea de humor e quadrinhos vieram


da Inglaterra, trazendo consigo os conceitos de um jornal de humor chamado
London Punch.
Dentre esses artistas, estava Charles Wirgman, que havia trabalhado no
jornal ingls e trouxe consigo os parmetros aplicados naquele peridico. Ele foi o
responsvel pelo surgimento do Japan Punch e revelou aos novos artistas
japoneses conceitos grficos que iriam influenciar na produo de futuras revistas.
Porm, o tipo de humor ingls no agradou muito aos japoneses e, em pouco
tempo, as histrias ganharam uma roupagem nipnica, tanto em contedo quanto na
esttica.
Os artistas japoneses criaram suas narrativas mesclando o que havia de novo
com os antigos costumes de sua terra.

Para Molin (2002), os japoneses j

possuam diferentes formas de passar por meio de imagens informaes


humorsticas e crticas sociais. Os Zenga, Otsu-e, Nanban e, em especial, o Ukiyo-e
eram suportes grficos para narrativas dos costumes e problemas sociais no perodo
Edo (1600-1867).
Luyten (2000, p. 112) afirma que:
Os artistas japoneses desenvolveram seu estilo prprio, nico
e bem nativo, e os leitores passaram a olhar os quadrinhos europeus
e americanos como ultrapassados, sentindo dificuldades em se
relacionar com eles. Alm disso, as diferenas de costumes e cultura
eram tambm uma barreira para a identificao com as situaes e
os heris.

Na produo da narrativa, assim como na relao cognitiva da histria, existe


um contrato enunciativo, no qual o historiador escritor possudo de um certo saber

37

(suas fichas, seu conhecimento, de um objeto, de uma poro qualquer do referente)


que ele distribuir sob a forma de descries. Funciona como um discurso didtico
em que a camuflagem do eu dissimula o sujeito da enunciao, a funo referencial
permite que o real assuma o dizer, ou se enfatize o contar em detrimento do pensar.
(MOTTER, 2001).
O exemplo dos artistas japoneses mostra como o narrador uniu o
conhecimento histrico com aspectos de sua cultura, gerando um novo parmetro
para os leitores. Este posicionamento reflete uma resistncia cultural por meio do
entretenimento.
A resistncia cultural via entretenimento uma das formas da chamada
contra-histria manter-se viva e possibilitar o questionamento quanto a sua escrita.
No apenas os textos escritos so a nica fonte da Histria, mas as festas, as peas
teatrais e o cinema, so capazes de criar uma memria nacional muito mais forte.
(FERRO, 1999).
Para Eco (1994, p.124), [...] J que a fico parece mais confortvel que a
vida, tentamos ler a vida como se fosse uma obra de fico.
H sculos as artes narram fatos e feitos da humanidade. As histrias em
quadrinhos so uma forma de narrativa artstica na qual o literrio e o imagtico se
fundem, aguando ainda mais o imaginrio do observador.

38

2 HISTRIAS EM QUADRINHOS HISTRICOS

2.1 O conceitos de histria em quadrinhos

Diversos autores publicaram conceitos a respeito do que seria uma histria


em quadrinhos. Artistas e pesquisadores procuraram diversas referncias para
poderem traar um momento especfico do surgimento dos quadrinhos e, assim,
classific-lo como uma expresso artstica ou como um meio comunicacional.
Contudo, essa jornada tornou-se complexa, pois na Histria da humanidade
encontraremos registros que se assemelham em muito aos quadrinhos.

39

Partindo de 15.000 anos antes de Cristo, constatamos que as primeiras


pinturas rupestres traziam algumas seqncias de ao, mostrando as caadas e
aes das comunidades daquele perodo.
Os egpcios, h 5.000 anos, pintavam, em suas paredes, seqncias de
imagens que informavam sobre a vida de um fara e como a sociedade se
comportava ao redor dele. O foco principal da narrativa estava nos aspectos
religiosos, quase como um manual de comportamento de vida e ps-vida. Podemos
tambm encontrar, na escrita egpcia, a mescla entre smbolos grficos, na
representao fontica, e imagens artsticas representando situaes do cotidiano.
Na Idade Mdia, as iluminuras dos pergaminhos e livros serviram como um
complemento no entendimento da narrativa escrita. Naquele perodo um marco na
defesa do conceito daquilo que seria uma histria em quadrinhos foi confeccionado,
por volta de 1066. Trata-se da tapearia de Bayeux que narrava graficamente a
conquista normanda da Inglaterra.
Com a inveno dos tipos mveis por Gutenberg e a evoluo dos processos
de impresso por meio de xilogravuras e litogravuras as narrativas atingiram novos
nveis de produo. Conceitos religiosos restritos apenas aos sacerdotes e pessoas
abastadas puderam ser divulgados graas impresso dos chamados santinhos,
peas grficas com passagens da Bblia de sermes catlicos. (GOMBRICH, 1999).
Essa mescla de texto e imagem no ficou restrita apenas a Europa e sia
Menor. Quando os espanhis chegaram Amrica Central encontraram na cultura
Maia um sistema de imagens que unia escrita e ilustrao. Neste sistema podemos
claramente identificar a imagem principal como foco da narrativa e pequenos

40

smbolos que podem ser traduzidos como a escrita Maia. (CHRISTIANSEN;


MAGNUSSEN, 2000).
Contudo, os quadrinhos como realmente conhecemos apenas ganhou um
conceito especfico a partir do sculo XIX. O aumento da produo de veculos
impressos, graas ao avano tecnolgico na rea tipogrfica, fez proliferar um
grande nmero de peridicos em diversos pases, principalmente nos grandes
centros industriais.
Os Estados Unidos, no final do sculo XIX, dispem de todos os elementos
para o crescimento dos quadrinhos como meio de comunicao de massa. Segundo
Vergueiro et al. (2004, p. 10):
Despontando inicialmente nas pginas dominicais dos jornais
norte-americanos e voltados para populaes de migrantes, os
quadrinhos eram predominantemente cmicos, com desenhos
satricos e personagens caricaturais. Alguns anos depois passaram a
ter publicao diria nos jornais as clebres tiras , e a diversificar
suas temticas, abrindo espao para histrias que enfocavam
ncleos familiares, animais antropoformizados e protagonistas
feministas, embora ainda conservando os traos estilizados e o
enfoque predominantemente cmico.

Por essas caractersticas os norte-americanos batizaram os quadrinhos de


Comics. Na dcada de 30, os norte-americanos tiveram a idia de fazer um
compndio das tiras de jornal em um nico exemplar criando assim a revista de
histrias em quadrinhos ou Comic Book. At ento, as histrias eram encartadas nos
jornais e vendidas como suplementos, (GONALO JUNIOR, 2004)
Diversos pases assumiram no s a esttica dos quadrinhos norteamericanos, como tambm as histrias comearam a ser traduzidas para diversos

41

idiomas, tornando as histrias em quadrinhos um dos primeiros produtos culturais de


massa em escala global.
Levados a todo mundo pelos syndicates, grandes
organizaes distribuidoras de notcias e material de entretenimento
para jornais de todo o planeta, essas histrias disseminaram a viso
de mundo norte-americana, colaborando, juntamente com o cinema,
para a globalizao dos valores e cultura daquele pas.
(VERGUEIRO et al., 2004, p. 10)

Em cada pas, este suporte comunicacional ganhou diferentes nomenclaturas.


Na Frana ficou conhecida como Bande Dessine, em Portugal Banda Desenhada,
ambas numa aluso a faixa ou tira desenhada. Para os italianos os quadrinhos so
Fumetti, ou fumacinha, devido ao espao onde a fala dos personagens vinha
impressa ser parecido com fumaa. No Japo o termo para quadrinho Mang, que
significa desenho involuntrio, nome dado pelo artista Katsushita Hokusai, no sculo
XIX. Os argentinos e demais pases da Amrica Latina chamam-nas de Historietas.
J os espanhis utilizam o termo Cmicos ou TBO fazendo um paralelo com uma
famosa publicao daquele pas. Assim como os espanhis os brasileiros tem
nomes para os quadrinhos, a primeira designao seria Histrias em Quadrinhos e a
segunda seria Gibi, referente revista publicada editora do jornal O Globo, de
Roberto Marinho, em 1939.
Em todos esses lugares, no existe dvida do que seja uma histria em
quadrinhos, mas as definies podem ser bem diferentes a comear pelo termo
Comics empregado pelos norte-americanos, pois no podemos dizer que todas as
histrias so narrativas de humor; assim como Banda Desenhada, pois nem todas
se apresentam como faixas; ou utilizar o termo italiano Fumetti, pois alguns
quadrinhos no utilizam bales de fala.

42

Para o artista Eisner (2005), a melhor definio seria Arte Seqencial, mas
esse termo mostrou ser demais abrangente, pois os desenhos animados tambm
representam arte visual em seqncia, enquanto Mc Cloud (1995) define os
quadrinhos como imagens pictricas e outras justapostas, em seqncia deliberada,
destinadas a transmitir informaes e/ou a produzir resposta no espectador.
Gubern (1979, p. 35) classifica os quadrinhos como [...] uma estrutura
narrativa formada pela seqncia progressiva de pictogramas nos quais podem
integrar-se elementos de escrita fontica.
Para Cagnin (1975, p. 25) a histria em quadrinhos [...] um sistema
narrativo formado por dois cdigos de signos: a imagem obtida pelo desenho e a
linguagem escrita.
Enquanto as duas primeiras definies esto presas questo da imagem
como o ponto mais importante das histrias em quadrinhos, as outras duas revelam
a importncia da juno entre escrita e imagem.
Conforme analisa Franco (2004, p. 25) sobre as definies de Gubern e
Cagnin:
Essas duas definies so muito prximas uma a outra e
conseguem sintetizar com objetividade o que caracteriza a unicidade
das HQs: a unio entre texto, imagem e narrativa visual, formando
um conjunto nico e uma linguagem sofisticada com possibilidades
expressivas ilimitadas.

As explicaes sobre o que seria uma histria em quadrinhos vm apenas


evidenciar o grau de importncia na crescente mudana de comportamento em
relao literatura. As imagens gradativamente substituem a comunicao escrita

43

graas aos avanos tecnolgicos na reproduo da imagem. As histrias em


quadrinhos so o ponto de transio dentro desse fenmeno.

2.2 Os quadrinhos histricos

Para classificar o quadrinho como histrico devemos primeiramente definir


quais so os gneros de histrias em quadrinhos, pois, uma vez que estes podem
traduzir todos os gneros narrativos, temos uma gama enorme de possibilidades.
Humor, drama, fico cientfica, relato histrico, aventura, todas podem ser
transformadas em histrias em quadrinhos.
Cagnin (1975, p. 21-22) apresenta algumas perspectivas quanto
classificao das histrias em quadrinhos:
Literrias - as HQs como um fenmeno paralelo aos estudos
tradicionais e/ou por eles
marginalizados, ou ainda como
continuao do folhetim e do cordel.
Histricas - a linguagem grfica sempre acompanhou o
homem, desde quando deixou impressa, pela primeira vez, as suas
mos nas paredes das grutas at os baixos-relevos das colunas de
Trajano, as tapearias, os vitrais das catedrais gticas, os afrescos
da Capela Sistina, os retbulos, as iluminuras dos livros e jornais do
sculo XIX, a fotografia, o cinema, a televiso.
Sociolgicas - o consumo em larga escala como material de
lazer ou mesmo de cultura de massas; o problema da reproduo e
democratizao da arte; a influncia sobre a sociedade e a
orientao ideolgica que exerce ou pode exercer.
Psicolgicas - a leitura dos quadrinhos como higiene mental;
como distrao; o menor dispndio de energia; a facilidade e
portanto, o menor custo de aprendizagem.
Didticas - a adequao das histrias em quadrinhos ao
mundo ldico da criana; o enriquecimento da realidade e o trato

44

com objetos concretos proporcionado pelas imagens; a substituio


do material didtico muito caro.
Esttico-psicolgicas - a obra mais curta destinada a produzir
mais eficazmente a emoo intensa e passageira.
De valores - a arte do efmero, de produo em larga escala
para o consumo, no de uma elite, mas das massas.
Publicitrias - a necessidade de persuadir, de criar imagem
do produto por meio de instrumentos eficazes. As crianas, os
melhores receptores das mensagens visuais e que, no fundo, do a
deciso de compra, so dirigidas muitas campanhas publicitrias em
quadrinhos.

Dentro dessa perspectiva, o quadrinho histrico torna-se abrangente pois


reflete tudo que diz respeito narrativa de fatos passados e aes promovidas em
um perodo especfico.
Molin (2002) nos revela os diferentes gneros nos quadrinhos japoneses.
So eles: policiais e yakuza, fico e fantasia, shojo (romance feminino), jidaimono
(histrico), desportivo, trabalho e hobbies, humor amarelo, antiblico, hentai
(ertico), didtico e alternativo.
Luyten (2000) classifica os quadrinhos japoneses como shogaku (didticas),
shonen (masculinas) e shojo (femininas).
Tanto Molin quanto Luyten reconhecem a importncia que os japoneses do
adaptao dos textos histricos em forma de quadrinhos.
Alm das suas prprias caractersticas, o quadrinho histrico mescla
caractersticas didticas e sociolgicas. Para Vilela (2004, p. 109) os quadrinhos
considerados histricos so aqueles ambientados em pocas anteriores quela que

45

foram criados.

Segundo o autor, os quadrinhos histricos fornecem mais

informaes sobre a poca em que foram criados do que sobre o perodo retratado.
Os textos autobiogrficos e biogrficos tambm constituem quadrinhos
histricos, pois fazem o relato de um perodo especfico. Os quadrinhos histricos
fornecem aspectos comportamentais e iconogrficos que os documentos e
narrativas textuais histricas no podem fornecer.
Entretanto, muito mais fcil encontrarmos dentro do quadrinho histrico o
anacronismo. Por se tratar de uma narrativa visual o risco de imagens no
correspondentes ao perodo descrito bem maior do que a narrativa textual.
Vilela (2004, p. 120) afirma que:
Uma srie em quadrinhos conhecida por seus anacronismos
a do Prncipe Valente criada por Harold Foster (1892-1982) ou
simplesmente Hal Foster, como costumava assinar seus trabalhos
[...] As aventuras so ambientadas em uma Idade Mdia idealizada,
que mescla elementos de diferentes pocas: armaduras do sculo
XIII e XIV; vikings do sculo IX; tila, o Huno, que morreu no ano
453, figura como contemporneo do lendrio Rei Arthur, que, se
existiu mesmo, teria reinado no sculo VI.

Nesse caso, assim como Asterix, de Gosciny e Uderzo, os anacronismos so


deliberados, e a leitura histrica deve preferencialmente ser feita pelo tempo em que
a histria foi concebida e no pelo perodo retratado, pois o real objetivo a crtica
do tempo presente e no passado, como se deduz pela fala do autor.
O autor da srie Prncipe Valente procurava um anacronismo proposital,
querendo, desta maneira, criar uma fantasia medieval baseada em fatos reais. Do
mesmo modo, Tolkien, nos livros da srie O Senhor dos Anis, faz com que, por

46

meio de sua fantasia, o mundo tenha acesso a aspetos da cultura celta, galica,
bret e nrdica.
J Gosciny e Uderzo trabalham com um personagem gauls que reflete a
Frana aps a Segunda Guerra. Os conquistadores romanos de Jlio Csar so
rechaados constantemente pela populao de uma pequena aldeia. Na verdade
este um paralelo com a resistncia francesa e o exrcito alemo.
O quadrinho histrico coloca os autores diante de um dilema ao ter que
trabalhar com fatos histricos e uma narrativa ficcional.

Muitos procuram uma

mescla e aqueles que no conseguem acabam criando textos com ilustraes e no


histrias em quadrinhos.
Segundo Towle (2003), questionvel a utilizao do texto histrico na
integra, colocando em detrimento a narrativa ficcional e romanceada. Na
argumentao de Towle o quadrinho histrico ser mais facilmente memorizado se
tiver elementos narrativos mais fortes.
Desde a dcada de 40, a Gilberton Company firmava-se no mercado como
uma editora voltada a quadrinhos didticos, educacionais e histrias reais. Era uma
resposta s crticas e perseguies feitas aos quadrinhos desde a dcada de 30.
Educadores, acadmicos e polticos norte-americanos achavam a leitura dos
quadrinhos perniciosa e prejudicial ao desenvolvimento intelectual de jovens e
crianas.
As revistas da Gilberton traziam adaptaes de textos histricos e clssicos
da literatura. Essa linha editorial seria seguida mais tarde por Adolf Aizen, dono da
editora Brasil-Amrica, ou simplesmente EBAL.

47

Com a proliferao dos ataques aos quadrinhos na dcada de 50 o nmero


de revistas sobre adaptaes histricas e clssicos da literatura aumentou. Esses
ataques foram intensificados aps a publicao do livro do psiquiatra Frederic
Wertham, Seduo dos Inocentes, que trazia um tratado implacvel contra os
quadrinhos com base em concluses que teria tirado dos tratamentos feitos em sua
clnica em crianas e adolescentes com distrbios de comportamento. (GONALO
JUNIOR, 2004)
Assim como nos Estados Unidos, as editoras de vrios pases passaram a
desenvolver ttulos que falassem sobre assuntos de interesse das associaes de
pais e mestres. Os principais ttulos eram aqueles que ressaltavam valores
nacionalistas, os histricos principalmente.

Os portugueses, assim como os brasileiros, enfrentaram as mesmas crticas


de educadores e eclesisticos em relao aos quadrinhos. Lameiras (1999)
apresenta o trabalho dos artistas portugueses voltados a temas histricos, aps uma
lei de 1950, em que a Comisso especial para literatura juvenil e infantil instituiu as
Instrues sobre literatura infantil, seguindo a problemtica que acontecia, naquele
exato momento, na Frana, EUA e Brasil.
Por meio da banda desenhada, vrias geraes de portugueses aprenderam
sobre fatos histricos e contos da Histria de Portugal. Segundo Lameiras (1999), a
preocupao com a quadrinizao da histria desse pas j comeou com Raphael
Bordallo Pinheiro, em 1871. No entanto, assim como no Brasil, essa prtica s
ganhou relevncia na dcada de 1940.

48

Nomes importantes como E.T. Coelho, Jos Ruy, Jos Garcs e Raul Correia
tiveram grande influncia sobre os artistas brasileiros quanto forma de narrar os
quadrinhos histricos.
As grandes Figuras de Portugal, Os 200 inimigos do Condestvel,
Peregrinao e a adaptao de Os Lusadas foram histrias em quadrinhos que
marcaram o gnero em Portugal, em especial o trabalho de Ruy, com o personagem
Porto Bom Vento, que procurava dar a viso da Histria pelos olhos de um
personagem secundrio. O artista chegou a publicar tambm a adaptao da
histria de Alexandre Herculano, O Bobo, refeita na dcada de 1980, acrescentando
informaes visuais colhidas junto a historiadores portugueses (LINO, 1988).
A mesma preocupao iremos posteriormente encontrar na produo dos
quadrinhos histricos brasileiros.

2.3 A adaptao dos roteiros em quadrinhos

Para falar da questo das adaptaes de fatos histricos em forma de


histrias em quadrinhos precisamos, antes de tudo, tratar de alguns pontos em
relao narrativa, roteiro e adaptao.
Quando decidimos contar os fatos verdadeiros ou no, estamos definindo um
tipo de narrativa e esta poder ser construda de formas diferentes. Essas formas
denotam o nosso estilo de como narrar, gerando uma esttica narrativa.

49

Utilizando a obra Odissia, de Homero, como parmetro para anlise,Todorov


(1979) mostra-nos que a esttica determina as decises crticas sobre as inseres
e as interpolaes narrativas, tais como:
-

Verossimilhana: todas as palavras, todas as aes de uma


personagem devem concordar numa verossimilhana psicolgica
como se, em todos os tempos, se tivesse julgado verossmil a mesma
combinao de qualidades. Assim, Todorov (1979, p. 106) nos diz:
Toda essa passagem era considerada como uma adio, desde a
antiguidade, porque essas palavras parecem corresponder mal ao
retrato de Nausica feito pelo poeta em outros trechos.

Unidade dos estilos: o rasteiro e o sublime no podem se misturar. Em


Odissia,

por exemplo,

uma

passagem indecorosa,

dado

sublimidade do texto, deve ser naturalmente considerada como uma


interpolao.
-

Prioridade do srio: toda verso cmica de uma narrativa acompanha,


temporalmente, sua verso sria; prioridade temporal tambm, do bom
sobre o mau: mais velha a verso que julgamos hoje melhor. Essa
entrada de Telmaco em casa de Menelau imitada da entrada de
Ulisses em casa de Alcino, o que parece indicar que a Viagem de
Telmaco foi composta depois das Narrativas da casa de Alcino
(TODOROV, 1979, p. 106).

No-contradio (pedra angular de toda crtica de erudio): se uma


incompatibilidade

referencial

resulta

da

justaposio

de

duas

passagens, pelo menos uma das duas inautntica. A ama de leite se

50

chama Euriclia, na primeira parte da Odissia, Eurimnia na ltima


portanto, as duas partes tm autores diferentes. Alm disso, diz-se na
obra que Ulisses mais novo que Nestor, ora, ele encontra Ifito que
morreu durante a infncia de Nestor como poderia essa passagem
no ser interpolada? Esses exemplos so passagens que no
obedecem ao princpio da no-contradio, portanto, inautnticas.
-

No-repetio (por mais difcil que se possa imaginar tal lei esttica)
num texto autntico, no h repeties. Todorov (1975, p. 106),
analisando Odissia, afirma que A passagem que comea aqui vem
repetir pela terceira vez a cena do tamborete e do banquinho que
Antinoo e Eurmaco lanaram precedentemente contra Ulisses [...]
Essa passagem pode, pois, com bons motivos, ser considerada
suspeita. Seguindo este princpio, poder-se-ia cortar uma boa metade
da Odissia como suspeita ou ento como uma repetio chocante.
difcil, entretanto, imaginar uma descrio de epopia que no leve em
conta estas repeties, de tal forma que elas parecem ter papel
fundamental.

Antidigressiva: toda digresso da ao principal acrescentada


posteriormente, por um autor diferente. Todorov (1975, p. 106) observa
que Do verso 222 ao verso 286, insere-se aqui uma longa narrativa
sobre a chegada imprevista de certo Teoclmeno, cuja genealogia nos
seria indicada pormenorizadamente. Essa digresso, assim como as
outras passagens que, mais adiante, diro respeito a Teoclmeno,
pouco til marcha da ao principal. Ou ainda que Essa longa
passagem, dos versos 394-466 que Victor Brard (Introuction

51

lOdysse, I, pg. 457) considera uma interpolao, parece ao leitor


uma digresso no s intil, mas tambm mal vinda, pois suspende a
narrativa num momento crtico. Pode-se excis-la do contexto
(TODOROV, 1979, p. 106).
Em sua explanao Todorov diz no haver narrativa natural. Todas so feitas
a partir de escolhas e construo. A narrativa no prpria e sim figurada.
Podemos encontrar as caractersticas das leis do estilo narrativo em diversas
pginas de histrias em quadrinhos. Eis, ento, alguns exemplos da presena
dessas leis de estilo:
-

Verossimilhana: Na construo dos personagens de quadrinhos talvez


esta seja uma das leis mais importantes, pois para existir a
identificao com as caractersticas do personagem necessrio que o
seu comportamento fique bem acentuado. muito difcil, hoje, os
leitores encontrarem um Batman risonho, ou um Superman violento.
Da mesma forma trabalhar com alguns personagens histricos
necessita a reflexo sobre o que j foi escrito e comentado sobre o
indivduo. Por esse motivo, o Jlio Csar, de Goscinny e Uderzo
maniquesta, mas ao mesmo tempo reserva um grau de honradez,
assim como o Miamoto Musashi, de Inoue Takehiko questionador e
considerado pria da sociedade do Japo Feudal.

Unidade de estilo: Dificilmente encontrada nos quadrinhos,


principalmente se for o chamado quadrinho comercial. Existe sempre
uma unidade no estilo. Mas algumas experincias podem ser
encontradas, como o caso do trabalho de Neil Gaiman, na srie

52

Sandman (1989). Na histria Parlamento das Gralhas, de 1993,


editada no Brasil pela Globo, Gaiman apresenta os dois irmos, Caim e
Abel contando sua verso sobre o mundo dos homens e sua criao.
Enquanto Caim faz uma narrativa densa e tenebrosa, seu irmo Abel
conta a histria por meio de um texto infantil. O autor consegue, com a
fala dos personagens, quebrar a narrativa inicial, alterando-a sem
perder o sentido.
-

Prioridade do srio: Os escritores de quadrinhos conseguem transitar


entre o humor e a seriedade muitas vezes com uma grande
desenvoltura. o caso de Will Eisner, criador do personagem Spirit
(1940) que mesclava o clima dos filmes noir com gags do cinema
mudo. Aquele que seria o personagem principal, Denny Colt, passa
para um segundo plano na narrativa dando lugar s situaes
inusitadas ao seu redor. Nesse aspecto o leitor diverte-se com a
situao de Colt, mas acaba envolvendo-se emocionalmente com a
narrativa de outros personagens.

No-contradio: Este aspecto nos quadrinhos pode muitas vezes ser


proposital. ainda o caso do trabalho de Gosciny e Uderzo com
Asterix. Muitos elementos narrados e mostrados na histria no fazem
parte daquele perodo especfico, mas sim do tempo presente. Numa
das histrias, mais especificamente Asterix entre os Bretes (1966),
podemos identificar em um dos quadros a descrio de uma banda de
rock famosa na poca que a histria em quadrinha foi escrita. Esta
banda Beatles.

53

No-repetio: Geralmente existe uma linearidade na narrativa dos


quadrinhos, mas, a ttulo de trabalhar a questo tempo-espao, os
autores costumam repetir certas cenas para acentuar transies. Os
artistas brasileiros Angeli e Laerte utilizam muito este recurso em suas
histrias. No clssico Watchmen (1988), de Allan Moore, podemos
tambm encontrar vrias situaes de repetio.

Antidigressiva: fcil encontrar narrativas digressivas nos quadrinhos,


porm muito mais difcil nos quadrinhos comerciais. Alguns autores j
citados, como Allan Moore e Neil Gaiman costumam utilizar este
recurso, assim como Will Eisner. Talvez o exemplo mais claro esteja
em Watchmen (1988), pois alm da narrativa principal que trama
envolvendo os super-heris, existem mais duas que ocorrem
paralelamente. Outro caso onde encontramos digresses do narrador
na minissrie Blood (1987), da editora Marvel. Nesta histria ocorre
uma quebra na linearidade e ao mesmo tempo uma histria paralela
narrada em forma de conto de fadas.

Como podemos observar, os quadrinhos possuem caractersticas estilsticas


que nos remetem s leis da narrativa e comumente literatura textual. Mais frente,
mostraremos algumas aplicaes na narrativa grfica e a base da literatura
imagtica.
Voltando para a formulao da histria, passemos para o roteiro das histrias
em quadrinhos. A base de sua construo no difere muito dos roteiros imaginados
para cinema, TV e teatro.

54

Dentro da perspectiva de um roteiro de quadrinhos temos a integrao do


textual com a imagem, mas, diferente de meios como cinema e TV e do teatro, aqui
a forma esttica do prprio meio nos remete a um comportamento de leitor e no
observador.
O leitor de quadrinhos, assim como o leitor do livro, interage com o objeto,
pois pode avanar ou retroceder na narrativa, refazer o percurso do olhar ou
demorar mais tempo em sua interpretao. J o observador do cinema, da TV e do
teatro fica refm do tempo de exposio. Vale ressaltar que estamos falando da
exibio de algo pelos aparelhos e no sua reproduo em de videocassetes e
DVDs.
Portanto, o roteiro dos quadrinhos assemelha-se aos roteiros de cinema e tv
apenas no que tange o enquadramento, o posicionamento dos personagens, a cena,
e algumas outras linguagens que permeiam cinema, tv e teatro.
As caractersticas hbridas da linguagem dos quadrinhos so comentadas por
Santaella (2005, p.12):
Em sntese, a comunicao massiva deu incio a um
processo que estava destinado a se tornar cada vez mais
absorvente: a hibridao das formas de comunicao e cultura.
De fato, um denominador comum aos meios de massa est
na mistura de meios ou multimeios. Meios de massa so, por
natureza, intersemiticos.

Por esse motivo, podemos analisar o roteiro de quadrinhos com base nos
outros meios.
Tomemos, ento, a explanao de Field (2001, p. 2):

55

O roteiro uma histria em imagens, dilogos e descries,


localizada no contexto da estrutura dramtica.
O roteiro como um substantivo - sobre uma pessoa ou
pessoas, num lugar, ou lugares, vivendo sua coisa. Todos os
roteiros cumprem uma premissa bsica. A pessoa o personagem e
viver a sua coisa a ao.
Se o roteiro uma histria contada em imagens, ento o que
todas as histrias tem em comum? Um incio, um meio e um fim,
ainda que nem sempre nessa ordem.

Caso Field no tivesse escrito estas palavras para roteiros de cinema, elas
bem poderiam ser usadas para um roteiro de quadrinhos.
Encontramos, porm, uma base mais aprofundada na anlise de Comparato
(1995). O autor desmembra as etapas de elaborao do roteiro fazendo tambm um
estudo da tipologia do roteiro e seu contedo.
Em relao ao paralelo traado entre os meios de comunicao de massa,
Comparato (1995, p. 17) afirma que:
A especificidade do roteiro no que respeita a outros tipos de
escrita a referncia diferenciada a cdigos distintos que, no produto
final, comunicaro a mensagem de maneira simultnea ou alternada.
Neste aspecto tem pontos em comum com a escrita dramtica- que
tambm combina cdigos-, uma vez que no alcana sua plena
funcionalidade at ter sido representado. A representao do roteiro,
no entanto ser perdurvel, em funo da tecnologia de gravao.

Existem aspectos do roteiro que compem seu contedo.

Estes so

fundamentais para dar sentido e criar um entendimento. Para inici-lo necessrio


trabalhar a palavra, ou seja, o Logos. No discurso, na organizao verbal, temos o
corpo do roteiro, sua estrutura geral. Todo roteiro carrega sua carga dramtica, a
idealizao dos sentimentos e pensamentos humanos, o Pathos. Sua importncia

56

reside na capacidade de refletir a prpria existncia do indivduo, por meio do drama,


da tragdia e da comdia. Essa escrita possui um sentido comunicacional e, por
conseguinte, fatores ticos e morais. Todo roteiro possui uma mensagem intrnseca
que d razo a sua prpria existncia, ou seja, o Ethos. Portanto, em todos os
roteiros, encontraremos Logos, Pathos e Ethos, ou seja, o discurso, a ao e o
significado.
Para escrever o roteiro, faz-se necessrio cumprir certas etapas. Comparato
(1995) nos mostra. em uma rpida anlise do texto de Syd Field, que existe uma
subjetividade na construo do roteiro, mas que possvel propor etapas para o
processo da criao. So elas: idia, conflito, personagens, ao dramtica, tempo
dramtico e unidade dramtica.
Essas etapas podem muito bem ser observadas em qualquer histria em
quadrinhos. Vamos tomar como exemplo a histria Crnicas da Provncia (1999),
escrita por Wander Antunes e desenhada por Mozart Couto.
A idia base do roteiro, e neste caso mostrar a problemtica dos
brasileiros do interior no sculo XIX.
O conflito o cerne da questo do roteiro, e em Crnicas da Provncia se d
entre os menos favorecidos e o coronel que exerce seu poder de vrias maneiras.
Os personagens so atores de toda problemtica e o reflexo de nossa
humanidade.Nesta histria so: O coronel, o meeiro, a filha do meeiro, o filho do
meeiro, os capangas do coronel, os soldados da guarda, o caixeiro viajante, os
bbados e as prostitutas.

57

A ao dramtica o como, quando, onde, quem e o que ir ser contado do


conflito bsico. As crnicas se passam em alguma localidade do interior do Pas, no
sculo XIX, ambiente no qual duas tramas so narradas. Na primeira o coronel
cobra do meeiro mais do que este pode pagar e a famlia se v ameaada pela
ganncia do latifundirio. A segunda mostra os desmandos e os abusos feitos em
nome do mesmo coronel.
O tempo dramtico determina o percurso, o ritmo da histria narrada, o
quanto tempo ter cada cena, cada seqncia. Crnicas da Provncia desenrola-se
em quatros captulos nos quais a ao se desenvolve em 29 pginas. As 4 primeiras
pginas apenas introduzem o conflito entre o coronel e o meeiro, j as prximas 6
pginas mostram a ao entre os capangas e a famlia do meeiro indo ao extremo,
as 2 ltimas pginas fecham o ciclo do conflito entre o coronel e a famlia trazendo
uma concluso moral.
A unidade dramtica a coeso entre a narrativa do roteiro e o processo de
produo do mesmo. Na histria, essa unidade se d pela esttica visual que
procura, com o desenho, retratar o interior do Brasil do sculo XIX e pela fala dos
personagens que se reflete regionalismo.
Dessa forma, temos as concepes necessrias para construo de um
roteiro original.
Considerando, entretanto, que o tema deste trabalho voltado para questo
da adaptao do texto histrico, faz-se necessria a discusso de como gerar um
roteiro adaptado.

58

A adaptao de um texto algo muito mais complexo que a criao de um


roteiro original, pois estamos transcrevendo uma linguagem de um suporte para
outro.
Como escreve Comparato (1995, p. 330) Portanto, j que uma obra uma
unidade de contedo e forma, no momento em que fazemos nosso contedo e o
exprimimos noutra linguagem, forosamente estamos dentro de um processo de
recriao, de transubstanciao.
Mas adaptar no apenas recriar, pois existe uma relao com o sentido da
narrativa original que no pode esvaecer. Outros autores falam desta relao da
adaptao.
Segundo Maciel (2003, p. 140):
A adaptao de uma obra preexistente, vazada em geral de
forma pica, supe uma avaliao prvia de suas possibilidades
dramticas. Escolhas feitas a partir de um deslumbramento com as
possveis qualidades lricas da obra, ou mesmo de sua exuberncia
pica, costumam ser grandes problemas de adaptao. A avaliao
do rendimento dramtico decisiva.
Histrias que indicam aes dramticas significativas, com
personagens movidos por vontades definidas e fortes, e portanto
envolvidas em conflitos ntidos, so as que melhor se prestam s
adaptaes.

E quanto ao fato do texto estar ajustado ao suporte, Field (2001, p. 174):


Adaptar significa transpor de um meio para o outro. A
adaptao definida como a habilidade de fazer corresponder ou
adequar por mudana ou ajuste modificando alguma coisa para
criar uma mudana de estrutura, funo e forma, que produz uma
melhor adequao.
Em outras palavras, um romance um romance, uma pea
de teatro uma pea de teatro, um roteiro um roteiro. Adaptar um
livro para um roteiro significa mudar um (o livro) para outro (o

59

roteiro), e no superpor um ao outro. No um romance filmado ou


uma pea de teatro filmada. So duas formas diferentes. Uma ma
e uma laranja.

O ponto mais importante da adaptao talvez seja este, o roteiro no deve ser
a obra original, mas sim t-la como parmetro para sua escrita. Em muitos casos, o
escritor do roteiro vive o dilema das diferenas do suporte e esquece de utilizar as
possibilidades de cada meio.
Pegamos como exemplo a adaptao da histria Retirada de Laguna, do
Visconde de Taunay, para os quadrinhos feita pela editora EBAL em 1956, no trao
de Gutemberg Monteiro.
A obra original, escrita por Taunay, o reflexo de sua participao direta no
conflito do Brasil com o Paraguai. O autor, formado em Letras, Matemtica e
Cincias Naturais, estudou artilharia na Escola Militar do Rio de Janeiro e fez parte
do corpo de engenheiros na expedio ao Mato Grosso em 1865.
Seu relato, no livro, mescla a narrativa cientfica e o romance, no qual o
cenrio assume grande importncia e o desfile de personagens denota a
preocupao do autor em catalogar todos os fatos.
O livro data de 1871 e as informaes aqui contidas para leitura e anlise
foram retiradas da terceira traduo da edio francesa. Portanto, o texto est o
mais prximo possvel do trabalho original do Visconde de Taunay.
O autor nos apresenta no texto vrios personagens, porm faz um retrato
especial do Guia Lopes, homem humilde, responsvel pela sobrevivncia das tropas
brasileiras com seus conselhos e vveres. Ele o grande heri da histria de Taunay

60

como podemos ler nos seguintes trechos do prlogo do livro escrito por Ernesto
Aim em Paris, em 1890:
[...] si no foram os prodgios de energia e animo inalterado
desse estupendo Lopes, maior que muitos heroes de Homero!

Ah! Que vulto grandioso e nobre o desse Lopes, simples


como os patriarchas antigos, e como elles rico de terras e gado;
abastecendo o pequeno exrcito que elle sustenta com com suas
palavras animadoras, e guia com a sua intelligencia de caboclo velho
por aquelles matos, por aquelles brejos e por aquellas solides sem
estrada.

[...] no h temer que se perca a memria de similhantes


heroes, e particularmente a do nobre velho Lopes. Um monumento
de bronze ou granito s os lembraria aos compatriotas e aos raros
viajantes que visitam o Brasil: o livro do sr. dEscragnolle-Taunay
far que toda Europa admire os prodgios da Retirada de Laguna.

O prprio autor abre um pargrafo especial para falar do personagem no


seguinte trecho:
Sempre srio e preocupado, andava s ou conversava com
Jos Francisco Lopes, um velho prctico e conhecedor da regio que
nos servia de guia.
Este merece que o apresentemos ao leitor, antes de v-lo em
aco. Dentre ns os que tinham de lembrana os romances de
Feminore Cooper, no podiam, deante di sertanejo brasileiro, o
homem das solides, deixar de pensar na grande e simples figura do
Olho do Falco no Prado. (TAUNAY, s.d., p. 21)

Todas essas palavras marcam a presena forte do personagem Lopes na


narrativa de Taunay. Ele prprio, o escritor, pea chave, pois os relatos mostram
que estava presente nos fatos, ou tinha grande articulao entre todos os outros
combatentes, para poder registrar tudo ao seu redor.

61

A adaptao do livro para os quadrinhos, por sua vez, tem alguns problemas,
no em relao ao contedo, mas na forma como o meio aproveitado para a
narrativa. Levando em considerao a diferena das linguagens, o que podemos
notar um desconforto do autor na adaptao.
Para comear, o personagem Lopes, que foi to importante para o exrcito
brasileiro, s aparece em sete quadros, de forma caricatural. No h uma narrativa
forte que introduza o personagem, ou que mostre a sua participao ativa. A
linguagem grfica no enaltece a ao e o personagem como o texto de Taunay.
Os motivos de Lopes no so revelados. O fato da invaso e da captura de
sua famlia pelos paraguaios no mostrado. No texto original este seria o grande
motivo do dio dele pelos paraguaios.
Na histria em quadrinhos, existe uma introduo explicando o que seria a
guerra do Paraguai, o que no acontece no texto original. Mas, em compensao,
suprime muitas informaes que o autor fornece no livro, como por exemplo sobre
as plantas e geografia da regio do conflito. Este problema poderia ser resolvido na
narrativa grfica, mas infelizmente a preocupao com o documento histrico
acabou por engessar a criatividade na narrativa visual da histria em quadrinhos.
Realmente a transposio de uma linguagem para outra est sujeita a certos
entraves, caso os interlocutores no estejam aptos ou predispostos a fazer a
releitura apropriada da obra.
Neste caso, estamos nos referindo a uma histria em quadrinhos adaptada a
partir de um livro pico, com uma narrativa ficcional, mas, quando o autor parte de
um texto em forma de registro histrico a adaptao torna-se mais complexa.

62

Ao comparar as duas narrativas sobre a batalha de Fort Sumter, Witek (1990)


nos mostra justamente os problemas do posicionamento narrativo na adaptao de
um texto histrico. Na primeira feita pela Gilberton Company, desenhada por Jack
Kirby entitulada The war between the States (1961), temos um engessamento da
narrativa tpica dos quadrinhos. Mesmo tendo frente Kirby, conhecido por criar
personagens como Capito Amrica, Hulk, Thor, entre outros, o texto e a
apresentao grfica da adaptao sobre a batalha do Fort Sumter no so capazes
de gerar a mesma dramaticidade e dinamismo habituais das histrias em quadrinhos
do artista.
O segundo trabalho, de Harvey Kurtzman, feito para E.C. Comics entitulado
First Shot (1952) fala do mesmo episdio que Kirby desenhou para Gilberton
Company.
Witek (1990) analisa o trabalho de Kurtzman como antimilitarista, devido ao
enquadramento aplicado nas cenas e ao discurso que conduz o leitor. Towle (2003,
p. 269) concorda com o texto de analise de Witek e afirma que: Embora a narrativa
dos livros de guerra da E.C. estejam alm de censura, neles a fico e no a
histria que reina.
Embasados

nesse

pensamento,

podemos

afirmar

que

as

melhores

adaptaes so aquelas que se assemelham fico, e no ao documento histrico.

2.4 Narrativas grficas

63

Desde a mudana no processo de produo e a criao das mquinas de


reproduo da imagem, como a prensa, a fotografia e o cinema, o homem tornou-se
mais observador, mais visual. A Revoluo Industrial no trouxe apenas uma nova
viso scio-econmica, como tambm um novo vis cultural.
A evoluo do processo de produo gerou um pensamento diferente em
relao ao observar a imagem. Antes do surgimento dessas mquinas a narrativa
textual era a reproduo da realidade. Hoje o leitor mais sofisticado devido s
possibilidades de manipulao da imagem.
Como bem manifestou Couchot (2001, p. 37):
A evoluo das tcnicas de figurao indica, desde o
Quattrocento, a constncia de uma pesquisa quase obsessiva que
visa automatizar cada vez mais os processos de criao e
reproduo da imagem. Essa preocupao comeou, primeiro entre
pintores e artistas que eram tambm, de fato, na poca
experimentados engenheiros, tais como Brunelleschi, Alberti ou da
Vinci. Os efeitos da automatizao da imagem, obtidos com o
aperfeioamento da perspectiva de projeo central, foram alm dos
limites do campo pictrico e se estenderam em outros domnios, tais
como as matemticas, a fsica e a mecnica, e mesmo a indstria.

Eco (1976) contextualiza a questo da evoluo dos modos de transmisso


das mensagens. Sobre a passagem da escrita para a impresso e a evoluo dos
processos de reproduo Eco (1976, p. 36) afirma que:
[...] e seu verdadeiro alcance s se manifesta se
considerarmos que os novos instrumentos agiro no contexto de
uma humanidade profundamente modificada, seja pelas causas que
provocaram o aparecimento daqueles instrumentos, seja pelo uso
dos mesmos instrumentos. A inveno da escrita embora
reconstituda atravs do mito platnico, um exemplo disso; a da
imprensa, ou a dos novos instrumentos udios-visuais, outro.

64

Essa busca dos instrumentos parte da aurora da Humanidade, quando os


pigmentos foram descobertos, depois a escrita, o papel e assim por diante. E nessas
superfcies o homem criou smbolos e com eles esquematizou suas narrativas.
A importncia da narrativa grfica surgiu bem antes da inveno da prensa de
tipos mveis e da evoluo dos processos grficos. J na Idade Mdia, por exemplo,
as xilogravuras serviam para divulgar preceitos catlicos. E o empenho dos artistas
em contar histrias por meio de imagens acentua-se, entretanto, no sculo XIX e
formaliza-se somente no sculo seguinte.
As histrias em quadrinhos so um reflexo dessa busca da narrativa grfica.
Elas surgem como um meio visual composto e, a passos tmidos, no sculo XIX,
ganham espao nos jornais e revistas.
Em Eisner (2005) podemos verificar os meandros que compem a narrativa
grfica e como podemos identific-lo nos quadrinhos.
Primeiramente, Eisner (2005) apresenta o trabalho dos xilogravuristas como
os predecessores da arquitetura da narrativa grfica.
Berona (apud EISNER, 2005) nos conta que, em 1919, o artista belga Frans
Masereel publicou Passionate Journey, um romance sem palavras em 169
xilogravuras que tinha introduo de Thomas Mann. Masereel fez mais de vinte
romances sem palavras que, mais tarde, influenciariam o trabalho de Otto Nckel,
um alemo, que produziu outro romance grfico intitulado Destiny, em 1930. Na
mesma, poca Lynd Ward publicou histrias no formato hoje chamado graphic
novels e esse formato acabou por estabelecer a arquitetura desta forma artstica.
Quanto questo da evoluo da narrativa grfica Eisner (2005, p. 8) diz:

65

Autobiografias, protestos sociais, relacionamentos humanos e


fatos histricos foram alguns temas que passaram a ser abraados
pelas histrias em quadrinhos. As graphic novels com os chamados
temas adultos proliferaram e a idade mdia dos leitores aumentou,
fazendo com que o mercado interessado em inovaes e temas
adultos se expandisse. Acompanhando essas mudanas, um grupo
mais sofisticado de talentos criativos foi atrado para essa mdia e
elevou seus padres.

Segundo Eisner (2005), as histrias contadas a partir de imagens so


capazes de evocar aquelas impressas na memria do indivduo e podem ser
suscitadas por meio mecnico (fotografia) ou manual (desenho). Sua representao
sempre simplista, pois deve ser de rpido entendimento, no intuito de facilitar sua
utilidade como linguagem.
As imagens convencionais e generalizadas geram um conforto ao observador,
pois simplificam o contedo e tornam a percepo mais rpida. com este aspecto
que Eisner considera os esteretipos uma ferramenta comum construo narrativa
dos quadrinhos.
De certo, temos uma tendncia a estereotipar imagens quando no
possumos um profundo conhecimento do assunto ou quando queremos satirizar
uma determinada situao.
Tomemos como exemplo mais uma vez Asterix. Na seqncia Asterix entre
os Bretes, os ingleses tm seus costumes e modos estereotipados na narrativa
grfica.

Todos so representados com bigodes similares e um certo ar

superioridade. A fala nos bales dos personagens bretes (ingleses) tem uma
gramtica invertida para lembrar que na lngua inglesa a construo gramatical
difere do francs, lngua original de Asterix.

66

As tradies e fatos histricos dos ingleses tambm so estereotipados. O


costume do ch servido s cinco horas da tarde passado em uma seqncia na
qual, todos os dias, a batalha dos bretes (ingleses) com romanos parada
exatamente s cinco horas da tarde para a gua quente; mais tarde, os gauleses,
com o pretexto de ajudarem aos bretes, do a eles uma erva que os guerreiros
imaginam ser aquela que daria super poderes, quando na verdade trata-se das
folhas de ch, que constituem a parte mais importante do famoso ch das cinco,
alardeado em filmes e estereotipado aqui por Goscinny e Uderzo, que brincam com
a histria e com a esttica, pois procuram uma imagem caricatural dos ingleses para
frisar quem est sendo retratado na histria de Asterix.

Figura 1. Asterix entre os Bretes. Em Asterix entre os Bretes a narrativa


do tempo presente transportada para o passados. Fonte: GOSCINNY,
R.; UDERZO,A. Asterix entre os Bretes. Rio e Janeiro: Cedibra, 1970.

67

Figura 2. Asterix entre os Bretes/Beatles. No ltimo quadro podemos ver


os Beatles dando autgrafos para as fs. Fonte: GOSCINNY, R.;
UDERZO,A. Asterix entre os Bretes. Rio e Janeiro: Cedibra, 1970, p. 19.

Os quadrinhos lidam com reprodues facilmente reconhecveis da conduta


humana. Seus desenhos so o reflexo no espelho, e dependem de experincias
armazenadas na memria do leitor para que ele consiga visualizar ou processar
rapidamente uma idia. Isto torna necessria a simplificao da imagem em
smbolos que se repetem. (Eisner, 2005, p. 21)
Alm dos esteretipos, existe uma forte tendncia nos quadrinhos em
trabalhar com a simbologia dos objetos e suas relaes icnicas.
A representao de uma idia, pessoa, local ou coisa por meio de uma
imagem pode ser definida como cone. (MC CLOUD, 1995)
Podemos classificar os cones de vrias maneiras diferentes: de linguagem,
de cincias e de comunicaes. So cones do reino prtico.

68

O cone que se assemelha ao seu tema o cone de figura. Essa semelhana


pode sofrer variaes e, assim, o contedo icnico tambm poder variar. Em
cones no-pictogrficos o significado fixo e absoluto, sua aparncia no afeta seu
significado porque representa idias invisveis, como o smbolo da paz, a letra M ou
o nmero 5.
Nas representaes pictogrficas, o significado fluido e varivel, pois, na
vida real, essas representaes podem ser apresentadas em graus diversos, ou
seja, podemos ter diferentes desenhos para uma mesma idia. So infinitas
possibilidades de representar um o homem e uma mulher, por meio de desenhos,
fotos, esttuas, pinturas, alm das possibilidades que a memria pode gerar, pois
nosso inconsciente capaz de criar uma anlise combinatria de imagens, gerando
imagens novas.
Nos quadrinhos, assim como acontece nos filmes, os objetos simblicos no
apenas narram , mas tambm ampliam a reao emocional.
O conhecimento prvio da linguagem e a utilizao de esteretipos e
smbolos no , contudo, premissa para entendimento da histria. Em uma narrativa
grfica a capacidade de discernimento do observador sobre as imagens e o tema
mister importante. Para que este jogo entre narrador e leitor funcione necessrio
que o autor conhea seu pblico.
Como afirma Eisner (2005, p. 51):
O perfil do leitor - sua experincia e caractersticas culturaistem de ser levado me conta antes que o narrador possa contar a
histria com sucesso. Uma boa comunicao depende da memria,
da experincia e o vocabulrio visual do prprio narrador.

69

Para a construo da narrativa grfica dos quadrinhos, Mc Cloud (1995)


prope seis caminhos:
-

A idia da histria em quadrinhos, os aspectos filosficos que geraram


a sua criao;

A forma como ela se manifesta: revista, livro, tira de jornal;

O idioma, o gnero ou escola artstica ao qual a histria pertence;

A estrutura, a composio do trabalho, a reunio dos elementos


anteriores;

A habilidade, a capacidade do artista se expressar, seu conhecimento


prtico, a inveno;

A superfcie, os valores de produo, o acabamento, ou seja, os


aspectos mais aparentes.

Esses itens no so claros para os artistas, eles fazem parte de um longo


processo de aprendizagem que o narrador absorve com o passar do tempo.

2.4.1 Elementos da narrativa grfica dos quadrinhos

Os quadrinhos so formados por dois cdigos distintos que interagem: o


verbal e o visual. Cada um tem seu peso e sua funo dentro da histria e o seu
bom aproveitamento responsvel pelo ritmo de leitura e pela compreenso.

70

Os autores de quadrinhos desenvolveram, com o passar do tempo, diversos


elementos tanto verbais quanto visuais que foram gerados a partir do prprio meio.
Mas os quadrinhos sofreram influncia de outro meio que surgiu quase na mesma
poca, o cinema.
O cinema e os quadrinhos assemelham-se no s no que diz respeito
confeco dos roteiros, como tambm nos enquadramentos.
A classificao dos elementos inerentes aos quadrinhos e suas conexes
com o cinema, portanto, se apresenta de suma importncia e faz-se necessria uma
explanao mais abrangente sobre o assunto.
Primeiramente, ento, abordaremos a linguagem icnica.
O desenho o elemento bsico dos quadrinhos e sua menor unidade dentro
de uma histria a vinheta. Normalmente os desenhos esto em quadros e em
seqncia, contendo uma narrativa ficcional ou no. O sentido da distribuio destes
quadros da esquerda para direita de cima para baixo. Esta ordem de leitura
tambm ocorre dentro de cada quadrinho em relao disposio dos personagens
e suas falas.
A tcnica utilizada nos quadrinhos depende do gnero que o artista pretende
impor a sua obra, pois os quadrinhos no diferem dos princpios das artes plsticas.
A partir do final da dcada de 20, os quadrinhos abriram espao para uma
nova forma esttica. Os traos, que anteriormente eram caricaturais, passam a uma
busca por um trao mais realista que se fez presente com as narrativas dos superheris e histrias de aventuras e fico.

71

A linguagem icnica dos quadrinhos est ligada ao


enquadramento, planos, ngulos de viso, formato dos quadrinhos,
montagem de tiras e pginas, gesticulao e criao dos
personagens, bem como a utilizao de figuras cinticas,
ideogramas e metforas visuais. (VERGUEIRO et al., 2004, p.

34)

A vinheta ou quadro a unidade que compe a seqncia narrativa. Nesse


espao desenvolve-se a ao assim como o momento captado pelo diafragma de
uma mquina fotogrfica, com a diferena que este instante no quadrinho
congelado possibilitando ao observador uma maior reflexo sobre a imagem.
Os planos e ngulos de viso representam a forma como as imagens so
apresentadas no quadro. Para nomenclatura dos planos, utiliza-se a mesma do
cinema. Esses enquadramentos so: plano geral, plano total ou conjunto, plano
mdio, plano americano, primeiro plano, plano de detalhe (close), ngulo de viso
mdio, ngulo de viso superior (plong) e ngulo de viso inferior (contra-plong).
Quando temos a cena como um todo, abrangendo no s o personagem, mas
tambm os objetos a sua volta temos um plano geral.
O quadro que mostra apenas os personagens de corpo inteiro, mas no
possibilita a viso da totalidade do cenrio um plano total.
Plano mdio a representao dos personagens da cintura para cima, j no
plano americano, eles so mostrados da altura do joelho para cima.
Primeiro plano limita o enquadramento altura dos ombros e o plano detalhe
limita o espao em uma parte da figura humana ou de um objeto.

72

Em ngulo de viso mdio, a cena acontece na altura dos olhos do


observador. J o ngulo de viso superior enfoca a ao de cima para baixo,
enquanto o ngulo de viso inferior faz o inverso.
Esses planos e ngulos devem ser utilizados da melhor maneira possvel a
fim de gerar uma leitura dinmica e uma narrativa mais atrativa.
As histrias em quadrinhos tambm precisam se adaptar ao meio para o qual
sero produzidas e como sero montadas. Jornais, revistas e a Internet possuem
sua prpria linguagem grfica. Essa montagem refere-se forma da distribuio dos
quadros e como sua seqncia ser apresentada.
Em geral, as histrias em quadrinhos de jornais so montadas em forma de
tiras, numa seqncia de quadros de propores similares. J as revistas permitem
uma explorao maior do espao e da distribuio dos quadros. As histrias em
quadrinhos produzidas para a Internet mesclam caractersticas dos meios impressos
e eletrnicos. Existe, nessas histrias, a possibilidade da utilizao de recursos de
animao o que as torna uma forma de expresso hbrida.
De acordo com Franco (2004, p. 54):
O segundo passo aps a hibridao de tcnicas de
elaborao de desenho, colorizao e letreiramento unindo suporte
papel e computador foi dado em meados da dcada de 1990 quando
surgiram as primeiras adaptaes de quadrinhos para CD-ROM,
dando incio hibridao da linguagem das HQs com as
possibilidades abertas pelos recursos multimiditicos do computador,
finalmente as HQs tomaram de assalto a rede mundial de
computadores Internet, vivendo um momento de adaptao e
experimentalismo na tentativa dos autores de adequ-la aos
recursos proporcionados pela hipermdia.

73

Outros fatores importantes em relao montagem da histria so os


requadros, elipses e logotipo. Os requadros so as molduras das histrias em
quadrinhos e constituem um forte elemento narrativo. Sua espessura e distribuio
interferem na leitura da pgina como um todo, assim como as elipses. Elas so os
espaos em branco entre cada quadro e fazem parte de trechos da seqncia que
completamos mentalmente.
O logotipo de uma histria em quadrinhos geralmente criado para
personagens com sries fixas como o caso de Batman, Superman, Spider Man,
Hulk, etc. Sua funo, assim como em outros produtos comerciais, frisar e reforar
a idia sobre aquele personagem, gerando uma expectativa no leitor.
Outro forte elemento grfico das histrias em quadrinhos o protagonista.
Sua concepo esttica marca a caracterstica da histria. Os personagens de
aventuras e super-heris so os mais expressivos, pois devem transmitir conceitos
intrnsecos ao heri mtico. Tudo que os cerca possui uma simbologia, da
indumentria aos objetos por eles utilizados.
Os personagens secundrios tambm representam um elemento marcante
dentro da narrativa grfica.

Mocinhas indefesas, ajudantes teenagers, viles

caricatos, so recursos j conhecidos entre autores e leitores das histrias em


quadrinhos.
Nas palavras de Vergueiro et al. (2004, p. 53) sobre a criao dos
personagens salientamos que:
[...] importante lembrar que, sendo um meio de
comunicao de massa, muitas histrias em quadrinhos tendem a
firmar-se em esteretipos para melhor fixar as caractersticas de um
personagem junto ao pblico. Este tipo de representao traz em si

74

uma forte carga ideolgica, reproduzindo os preconceitos


dominantes na sociedade. E no se trata apenas de representar o
heri com uma figura agradvel ao olhar e o malfeitor com traos
simiescos, mas, s vezes at sub-repticiamente, salientar traos ou
situaes que fortalecem a viso estereotipada de raas, classes,
grupos tnicos, profisses, etc. Ainda que hoje em dia esses
esteretipos j no tenham a mesma agressividade que tinham no
incio dos quadrinhos, representaes de determinados grupos
podem surgir nas histrias em quadrinhos de forma ostensiva e
preconceituosa.

Mais um elemento grfico dos quadrinhos so as figuras cinticas. As


imagens nas histrias em quadrinhos so estticas, mas, para criar a sensao de
movimento existem recursos utilizados pelos artistas como, por exemplo: o speed
line ou linhas de velocidade, traos que partem do objeto dando a idia de uma
trajetria linear; a oscilao, representada por traos curtos que circundam o objeto
ou personagem dando a sensao de tremor ou vibrao; o impacto, representado
por estrelas irregulares que tem o objeto ou personagem no centro; e muitos outros.

Figura 3. Desenho de Igncio Justo com speed line. O desenho de Igncio


Justo mostra as linhas de movimento, ou speed line, que do a sensao
de movimento no desenho. Fonte: CORTEZ, J. Tcnica de Desenho. So
Paulo: Bentivegna, 1962, p. 91.

75

Alm desses recursos visuais relacionados ao movimento, existem tambm


as metforas visuais. So signos ou convenes grficas que ajudam a reforar o
contedo verbal. Elas ajudam na compreenso rpida da idia principal da narrativa,
tais como, as estrelas desenhadas ao redor do personagem que representam dor
fazendo uma aluso frase ver estrelas.
A linguagem verbal nas histrias em quadrinhos tambm representada por
meio de elementos grficos. A fala dos personagens delimitada pelo balo que
pode ser representado de vrias maneiras diferentes. Normalmente de forma
elptica, o balo tambm pode ter linhas tracejadas indicando sussurro, formato de
nuvem para expressar pensamento, como uma descarga eltrica para rudos
mecnicos ou gritos, ligada a outro balo indicando pausa na fala e com mltiplos
rabichos, mostrando que mais de um personagem est falando ao mesmo tempo.
O texto dentro dos bales tambm pode ter variaes tipogrficas. Por
exemplo: caso o texto esteja maior e em negrito, simboliza que o personagem est
gritando ou falando em tom mais alto; em tamanho menor, significa o inverso, ou
seja, ele est sussurrando ou falando mais baixo; se as letras aparecem tremidas,
significa que os personagens esto com medo; alfabeto ou tipografia diferenciada
representa um outro idioma.
Alm destas representaes grficas, existem inmeras possibilidades para
expressar a linguagem verbal dentro de uma histria em quadrinhos. Para o narrador
o recurso a legenda. Ela pode ser apresentada dentro de um requadro ou no, ter
uma tipografia diferente daquela empregada nos bales e tambm cores diferentes
tambm. A legenda a voz onisciente do narrador, utilizada para localizar o leitor no

76

tempo e no espao, expor-lhe fatos, expressar pensamentos e emoes dos


personagens, etc. (VERGUEIRO et al., 2004).
A onomatopia outro recurso visual criada para expressar rudo. So signos
convencionais que representam ou imitam um som por meio de caracteres
alfabticos. Elas variam de pas para pas e se adaptam a cada cultura, de acordo
com o idioma utilizado na comunicao. As onomatopias so amplamente
utilizadas na literatura, o que no as transforma em privilgio dos quadrinhos.
Entretanto, a forma como os quadrinhos utilizam as onomatopias bem
diferente. Alm do seu sentido primeiro que o prprio som, elas se constituem em
elemento grfico que compe a cena e, muitas vezes, so uma parte da ao do
personagem, gerando elementos de dramaticidade.
A juno desses elementos grficos e sua distribuio na seqncia podem
gerar um ritmo as histrias em quadrinhos. A palavra ritmo normalmente associada
composio musical, mas Pietroforte (2004, p. 108) traa um paralelo entre ritmo
musical e ritmo de imagens:
Em um sistema semitico cujo plano de expresso uma
forma que realiza como uma durao, ou seja, durante tempo, como
o caso dos sistemas semiticos verbal e musical, na extenso
deste tempo que o ritmo interfere com uma marcao. Uma batida
qualquer, com sua forma de acentuao, tem seu andamento
modificado quando repetida por mais vezes durante o mesmo
intervalo de tempo. Assim, batida e andamento podem ser definidos
a partir de uma relao entre acentos tnicos e tonos. Desse modo,
ritmo definido no em termos de gnero musical e velocidade de
execuo, mas em termos de tonicidade.

Esse so, ento, os elementos que constituem graficamente uma histria em


quadrinhos: as vinhetas ou quadrinhos; os requadros; as elipses; os logotipos; a

77

esttica dos personagens principais e secundrios; os planos e ngulos; a


montagem; as figuras cinticas; as metforas visuais; os bales; o texto; as legendas
e o ritmo.
Estas informaes possibilitam discutir tanto o contedo quanto a parte
esttica de uma histria em quadrinhos. A esquematizao apresentada em relao
a roteiros e parte grfica podem ajudar a visualizar a problemtica do tema
abordado, identificando problemas e solues das histrias em quadrinhos, mais
especificamente daquelas que abordam temas relacionados Histria.
Passemos, ento, a observar como cada cultura encontrou um caminho para
representar sua narrativa histrica.

3 HISTRIAS EM QUADRINHOS HISTRICOS NO MUNDO

3.1 Os quadrinhos e a conquista norte-americana

No sculo XIX, os norte-americanos viram as cidades da costa leste ficarem


abarrotadas de imigrantes vindos da Europa e da sia. O governo e a populao de
descendncia anglo-saxnica estavam ameaados pela super populao. naquele
perodo personagens como Billy the Kid, os irmos Dalton, Bfalo Bill, General
Custer, Gernimo e vrios outros ganharam verses fantasiosas sobre suas vidas,
aumentando o interesse da populao das grandes cidades pelas terras ainda pouco
habitadas do oeste norte-americano. Desta forma nasciam os folhetins sobre heris

78

que habitavam as selvagens terras do oeste, ou seja, as aventuras de cowboys e


foras-da-lei.
Este gnero literrio era comercializado, assim como o cordel brasileiro, em
livros de poucas pginas e a baixo custo, tambm conhecidos como pulp fiction,
feitos para a populao de baixa renda. A narrativa do heri mtico norte-americano
j estava criada, porm, a juno da imagem com este gnero literrio, gerando as
histrias em quadrinhos de super-heris s foi ocorrer bem mais tarde, um pouco
depois do advento de outra grande fora na divulgao da cultura de massa, o
cinema.
A Histria dos quadrinhos nos Estados Unidos inicia sua trajetria, assim
como em outros lugares do mundo, no final do sculo XIX. Um dos personagens
mais conhecidos e considerado o primeiro produzido em larga escala foi Yellow Kid,
de Richard Fenton Outcault, em 1895. O personagem nasceu como um reflexo da
sociedade nova-iorquina daquele perodo. Sua condio de favelado (slum) estava
impressa nos locais por onde passava no bairro de Hogans Alley e em frases
escritas em sua camisola amarela. As histrias do Yellow Kid eram um reflexo da
vida dos imigrantes que procuravam os Estados Unidos em busca de um milagre e
encontravam condies sub humanas de moradia e emprego. Naquela poca os
editores dos jornais notaram que o pblico preferia os textos com imagens. Isso
gerou uma verdadeira batalha entre o jornal World de Pulitzer e o New York Journal
de Hearst, para conseguir publicar as melhores histrias em quadrinhos nas edies
dominicais (MOYA, 1977).
At a dcada de 20, as histrias em quadrinhos norte-americanas eram
baseadas em personagens humorsticos, o que gerou o termo comics. As primeiras

79

histrias falavam de crianas, garotas, personagens zooantropomorficas, duplas de


comediantes e casais.
A partir da metade dos anos 20 os desenhos passam a ser mais naturalistas e
os artistas procuram uma narrativa mais ligada realidade.
Os anos 30 ficaram marcados como a era de ouro dos quadrinhos e surgiram
diversos super-heris.
Moya (1977, p. 43) afirma que: Essas trs criaes de sucesso, Tarzan, Buck
Rogers e Dick Tracy, produziram uma reviravolta na histria dos quadrinhos,
iniciando a chamada golden age (era dourada) dos comics.
A maioria das histrias tratava de temas ficcionais, porm, em 1926, o
primeiro quadrinho com tema histrico foi produzido para o jornal Dallas Morning
News. O ttulo era Texas History Movie, desenhada por Jack Patton e escrita pelo
texano John Rosenfield, e o objetivo era disponibilzar a Histria de grandes
personalidades do Texas, por meio dos quadrinhos, com intuito educacional. O
problema desta primeira narrativa histrica em forma de quadrinhos foi a utilizao
de termos verbais normalmente usados na dcada de 30, mas no adequados para
a fala dos personagens no tempo da narrao. (TOWLE, 2003)
Na dcada de 40, comeam a ser publicadas as revistas True Comics, do
editor George J. Hecht. As revistas traziam histrias de personalidades da poca e
fatos reais. Duas das mais longas histrias escritas para True Comics foram as
histrias da Amrica e da Inglaterra em quadrinhos, feitas por David Muzzey e
Joseph Park, professores de histria da Universidade de Columbia e Universidade
de Nova Iorque respectivamente. Embora True Comics, como muitos quadrinhos

80

histricos que apareceram depois, comprimisse os eventos histricos em poucos


quadros, a exatido histrica era a principal preocupao.
Com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, as histrias
voltaram-se exclusivamente para temas relacionados a batalhas. A revista
influenciou o surgimento de vrias outras como It Really Happened, Real Life
Comics, Real Fact Comics, Pictures Stories from American History e outras.
Os quadrinhos revelam-se na dcada de 40 e 50, como grandes ferramentas
didticas e parmetros para fixao da Histria Oficial entre os jovens. Joseph Witek
(1990) nos mostra a importncia dos quadrinhos na construo de conceitos sobre
os norte-americanos em relao as imagens e a sua conexo com a realidade por
eles vivenciada.
Witek analisou autores de quadrinhos norte-americanos que, segundo seu
ponto de vista, traduzem melhor a realidade de determinados perodos da histria
dos Estados Unidos.
Enquanto isso, Savage Junior (1998), compara a relao dos quadrinhos da
dcada de 50 com a poltica externa dos Estados Unidos.
Pelo seu prisma podemos rever conceitos em relao ao momento histrico
pela narrativa cientfica. Nas entrelinhas das fices daquele perodo podemos
identificar os verdadeiros temores e anseios do homem comum e do governo norteamericano.
Em Witek (1990), encontramos vrias referncias a Gilberton Comics, uma
das maiores divulgadoras dos quadrinhos histricos nos Estados Unidos nos anos
50. Os quadrinhos histricos desta editora eram diferentes daqueles publicados em

81

1926 por Patton e Rosenfield, pois a liberdade criativa era bem reduzida, deixando
pouco espao para evoluo do roteiro. As histrias em quadrinhos da Gilberton
passavam pelo crivo de Associao de Pais e Educadores e por este motivo eram os
mais resistentes a novas experincias estticas.
Um dos maiores exemplos era a Classic Illustrated que trazia adaptaes de
clssicos da literatura, mas ocasionalmente publicava quadrinhos de no-fico,
como foi o caso da World War II, Royal Canadian Mounted Police e The Story of
Amrica. A inteno destes quadrinhos era atrair a ateno dos pais para
quadrinhos educacionais e apaziguar o apetite das crianas por revistas de histrias
em quadrinhos. (TOWLE, 2003)
A construo dos personagens era baseada mais nas roupas e no trao que
nos problemas scio-econmicos que os envolvia, bem diferente do principio de
Texas History Movie, feita quase quatro dcadas antes.

O intuito de fazer um

paralelo com a esttica dos super-heris vigentes era tanta que o artista Jack Kirby
fora contratado para fazer uma revista especial sobre a Guerra Civil norteamericana. O motivo era a forte resistncia do mercado ao quadrinho com temas
histricos. Dessa maneira a Gilberton pretendia atenuar essa tendncia do mercado.

82

Figura 4. Fort Sumter desenhado por Jack Kirby. Desenho de Jack Kirby
sobre o incio da Guerra de Secesso. Fonte: WITEK, J. Comic book as
History: the narrative of Jack Jackson, Art Spiegelman and Harvey Pekar.
Mississippi: University Press of Mississippi, 1990.

Outra editora famosa pela produo de quadrinhos histricos nos Estados


Unidos foi a E.C. Comics que possui uma linha de guerra produzida por Harvey
Kurtzman. A E.C. Comics publicou vrios ttulos de guerra na dcada de 50 em duas
sries chamadas Frontline Combat e Two-Fisted.
Em Witek (1990), podemos reconhecer a diferena de estrutura narrativa,
tanto imagtica quanto textual em relao a aspectos similares. Esta diferena fica
evidente no trabalho de Jack Kirby sobre a Guerra de Secesso, mais
especificamente sobre o Forte Sumter, e a histria de Harvey Kutzman sobre o
mesmo assunto, pois, enquanto Kirby utiliza uma linguagem mais comercial, fazendo

83

quadrinhos de super-heris, Kurtzman fez um trabalho alternativo, dando aos


assuntos de guerra uma viso pacifista.
Naquele perodo, muitos artistas viram-se ameaados por uma caa aos
comunistas e aos valores no-americanos promovidos pelo senador Joseph Mc
Carthy. Os quadrinhos no saram ilesos dessa perseguio que se acentuou aps a
publicao de vrios artigos e de um livro que seria o principal suporte para crticas e
processos. Os editores viram-se obrigados a defender seus direitos criando um
cdigo de conduta para os quadrinhos, o Comics Code.
Esse cdigo de conduta teve como fator contundente o livro Seduction of the
Innocent, publicado em 1954, pelo Doutor Frederic Wertham, no qual o psiquiatra faz
vrias crticas aos personagens dos quadrinhos. No final dos anos 40, os editores
de quadrinhos j haviam criado uma prvia do Comics Code, mas aps a publicao
do livro uma comisso do senado norte-americano exigiu regras mais fortes para as
histrias em quadrinhos.
Mesmo com as restries postura questionadora de artistas como Harvey
Kurtzman, John Severin, Bill Eder, Wallace Wood e outros que mais tarde iriam
formar a revista Mad, influenciou as histrias em quadrinhos das dcadas seguintes.
A partir das mudanas sociais dos anos 50, 60 e 70 os artistas norteamericanos comearam a ter uma nova postura em relao Histria. Era o incio
do movimento de contracultura. A resposta dos chamados underground1 ou
alternativos foi a produo de uma outra verso da Histria dos Estados Unidos.
Esse movimento ganhou fora no final dos anos 60 e na dcada de 70.

Underground: movimento ou grupo que atua fora do estabeleciso, gerando e refletindo


pontos de vista heterodoxos, vanguardsticos ou radicais.

84

Entre os artistas desse movimento, podemos desatacar trabalhos do


desenhista Robert Crumb e do roteirista Harvey Pekar. Estes artistas trazem para
literatura dos quadrinhos uma viso diferente do chamado american way of life, o
modo de vida americano, fazendo pouco caso dos sonhos da classe mdia norteamericana, mostrando novas perspectivas para este tipo de cidado.
Witek (1990) destaca que o trabalho de Pekar nos quadrinhos revela as
diferenas tnicas e a vida dos trabalhadores da classe baixa em Cleveland,
empurrando os leitores para realidade do herosmo da sobrevivncia nas grandes
cidades, pois segundo o prprio Pekar as pessoas lem mais a respeito do
Superman do que delas mesmas. (apud WITEK, 1989).
O artista responsvel pela srie American Splendor, transformada em filme
em 2002 por Shari Springer Berman e Robert Pulcini. A srie um reflexo da vida do
autor no final dos anos 60 e comeo dos 70, mostrando o dia-a-dia de um
trabalhador comum e da realidade que o cerca. A obra de Pekar foi influenciada por
outro grande quadrinhista underground norte-americano, Robert Crumb conhecido
por retratar a classe mdia de forma sarcstica.
Outro importante artista underground da dcada de 70 Jack Jackson, autor
de Los Tejanos. Ele faz uma releitura dos quadrinhos de 1926 sobre o Texas, tendo
como base no apenas o contedo mas o tipo de trao. Jackson foi buscar no
trabalho de Patton e Rosenfield a base para saga de Juan Senguin, personagem
histrico do Texas pelo qual o artista sempre nutriu admirao.
O desenho de Jackson, porm, bem caracterstico dos artistas da costa
oeste, mais especificamente So Francisco, terra de Crumb. O trao pesado e

85

espesso, o sombreamento se faz por base de hachuras e o background muito bem


trabalhando, transportando-nos ao local onde a histria se passa.
Segundo Towle (2000), o trabalho de Jackson muito importante, pois no se
trata apenas de uma narrativa histrica, mas de uma narrativa poltica. O artista
conseguiu produzir, aps um levantamento srio e cuidadoso, uma histria na qual
os fatos apresentados no fazem parte do ensino mdio norte-americano. Jackson
trouxe a pblico racismo e atrocidades cometidas na conquista do oeste por meio
dessa histria em quadrinhos.
Outro trabalho significativo sobre histria o desenvolvido por Art Spiegelman
no lbum Maus, de 1982. Essa palavra significa rato em alemo e como
Spiegelman retrata os judeus durante a Segunda Guerra, desenhando a
contrapartida, o seja os nazistas, como gatos.
Esse trabalho narra como seus pais sobreviveram ao Holocausto. A histria
carrega uma carga de informaes muito forte, no s quanto ao aspecto histrico,
mas como a descrio de passagens de sua vida pessoal e afetiva. Ele foi um dos
artistas que marcaram a histria do underground americano, tendo trabalhado nas
revistas Real Pulp, Young Lust e Bizarre Sex. Por ironia do destino, Spiegelman fez
a capa do 11 de setembro para revista New Yorker onde trabalhava. Logo aps
esse trabalho, ele pediu demisso inconformado com o posicionamento da mdia
frente aos fatos.
Maus utiliza figuras zooantropomrficas que nos remetem automaticamente
aos antigos desenhos animados de Mickey Mouse e Tom e Jerry, ou at mesmo s
primeiras tiras de Krazy Kat ou do gato Flix, mas com uma narrativa mais
dramtica, bem diferente dos desenhos citados. O trao de Spiegelman tambm

86

bem caracterstico e possui a esttica dos artistas underground, como Jackson,


Crumb e Kurtzman.
Nos anos 80 e 90, o nmero de autores e editoras trabalhando com temas
histricos diminuiram sensivelmente, aparecendo esse tipo de publicaes somente
em edies espordicas ou especiais adaptando fatos histricos e personagens
famosos. Histrias em quadrinhos que contavam a Histria dos Estados Unidos
praticamente sumiram dos pontos de vendas, mas a editora D.C. lanou, de 1997 a
2003, revistas em uma srie chamada Elseworlds, que mostravam os heris fazendo
parte de fatos importantes da Histria, principalmente da Histria do Estados Unidos.
Contudo, o interesse por assuntos histricos entre os norte-americanos no
desapareceu, haja vista o sucesso da srie 300 de Esparta, feita por Frank Miller em
1998. Com uma narrativa forte e bem ritmada, Miller mostra a saga dos 300
guerreiros gregos que enfrentaram o exrcito de milhares de persas comandados
pelo rei Xerxes. O sucesso da narrativa de Miller foi tanto que Hollywood
transformou a saga em filme a ser lanando em 2006, com direo de Zach Snyder.
certo que a adaptao da saga de Tria (2004) em filme para os cinemas abriu o
campo para o tipo de histria de Miller, mas a linguagem por ele utilizada em Sin
City, uma histria em clima noir e transformada em filme em 2005 foi, com certeza, o
ponto crucial para o sucesso e despertou a mdia para os trabalhos do artista.
Os quadrinhos histricos nos Estados Unidos ainda podem encontrar espao,
mas tudo depende de como a narrativa for apresentada.

87

3.2 O quadrinho asitico e a releitura da Histria

Apesar dos ocidentais considerarem-se os precursores das histrias em


quadrinhos, este tipo de narrativa no privilgio de um povo ou uma regio
especfica. Ao redor do mundo existem casos de similaridade narrativa, em que texto
e imagem ajudam a contar fatos e gerar interpretaes da Histria.
Segundo Luyten, S. (2000), na dinastia Han (206 A.C.-24 D.C.) os chineses j
faziam arte seqencial contando uma histria. Em 1972, na provncia de Hunan,
mais precisamente perto de Changsha, foi descoberta a tumba de Mawangdui, que
continha sarcfagos com pinturas que contavam uma histria em seqncia de
imagens. Mas foi na Disnastia Sung (960-1279) e Yan (1279-1368) que a arte
seqencial firmou-se como narrativa nos antigos textos. Os imperadores pediam
aos ilustradores que decorassem seus livros no topo de cada pgina. Estas
ilustraes eram narrativas contnuas de imagens.
A partir de 25 D.C., os quadrinhos chineses tiveram uma grande evoluo,
tendo como ponto de partida as biografias com imagens, os contos, os romances ou
peas de teatro ilustradas e, a partir do sculo VII, as ilustraes litogrficas.
No sculo XX, mais precisamente nos anos 20, os chineses receberam, na
arte da caricatura, influncia do Japo (que, por sua vez, a recebeu da Inglaterra)
para, no fim dos anos 30, utiliz-la em propaganda ideolgica contra os prprios
japoneses durante a invaso nipnica em 1937. (LUYTEN, 2000)
Naquele perodo, surgiu o artista Feng Zikai, que agrupou as ilustraes e
cartuns numa srie de vinhetas, criando uma seqncia contnua e encadeada. Essa

88

seqncia gerou o termo chins lianhuanhua, que apareceu pela primeira vez em
1927, designando na China as histrias em quadrinhos. Zikai tambm contribuiu
para o desenvolvimento da tcnica dos quadrinhos, com uma produo de 20 livros
tericos sobre o assunto.
Os anos 20 e 30 podem ser considerados a era de ouro dos quadrinhos
chineses, na qual uma gama de artistas despontou, principalmente em Xangai, onde
os principais temas estavam relacionados a humor. Na dcada de 30, surgiram
associaes de desenhistas e, durante a invaso japonesa, o artista Ye Qianyu
organizou a resistncia por meio dos quadrinhos. O governo chins percebeu que os
quadrinhos eram uma ferramenta poderosa para difundir conceitos para as massas.
No perodo de formao da Repblica Popular da China sob o comando de
Mao Tse Tung, os quadrinhos foram utilizados para reforar conceitos patriticos.
Entre 1949 e 1963, cerca de 12.700 diferentes ttulos foram editados, perfazendo um
total de 560 milhes de cpias circulando pelo pas.
Como diz Luyten, S (LUYTEN, S. Do alto da Grande Muralha da China, 2 mil
anos de histrias em quadrinhos vos contemplam... In: Universo HQ, Disponvel em:
<http://www.universohq.com/quadrinhos/sonia02.cfm>. Acesso em:15 dez. 2005a):
Os quadrinhos de Mao, como ficaram conhecidos, tinham
como caractersticas o seu formato pequeno, de 12,5 x 10 cm, em
papel jornal, e uma temtica incrivelmente variada. Foram
primeiramente adaptadas, em forma quadrinizada, as obras clssicas
da literatura chinesa, como A histria dos trs reis, para reforar os
aspectos educativos da revoluo, dando nfase ttica e
estratgia militar, alm do patriotismo.
Depois, outros temas variados iam desde a reforma agrria,
leis sobre o casamento, luta contra o analfabetismo, noes
elementares de higiene, combate corrupo, sem deixar de falar,
claro, da figura do prprio Mao, o Grande Timoneiro, como era
chamado. Quanto ao desenho, ao lado de um nmero grande de

89

produes medocres, publicaram-se quadrinhos de grande valor


artstico, contribuindo para este modo de expresso grfica.

De 1966 a 1976, a China passou pela chamada Revoluo Cultural e os


revisionistas desse movimento aboliram os quadrinhos relegando-os a cartazes de
ruas, murais e jornais da guarda vermelha.
Com a morte de Mo, em 1976, o Partido Comunista comeou a rever
conceitos e, em 1980, os quadrinhos voltam a cena influenciados pela abertura para
pases estrangeiros e novas culturas. Um dos primeiros pases a ser beneficiado por
esta abertura foi o Japo. Em pouco tempo os quadrinhos e desenhos animados
japoneses conquistaram os chineses, influenciando os artistas. Um dos personagens
de maior sucesso entre os chineses foi Astro Boy, de Ossamu Tezuka, elevado
categoria de heri pelos chineses.
Os quadrinhos atuais, produzidos na China, falam muito mais de seus
costumes, arquitetura, mitos, poltica, acontecimentos sociais, Histria, etc. Existem
quadrinizaes de mitos, lendas fantasmagricas e dos pensamentos dos grandes
mestres, como Confcio e Lao Tse.
Os quadrinhos chineses atuais sofreram uma profunda mudana esttica
aps o contato com os mangs japoneses. O trao tornou-se mais sofisticado e
competitivo, ou seja, um trao dinmico e muito parecido com os trabalhos
produzidos pelos artistas japoneses, bem diferente daquele apresentado nas
dcadas de 30, 40, 50 e 60. O antigo desenho chins tinha muito da linguagem
cinematogrfica e pouco da linguagem dos quadrinhos, pois apresentavam um texto

90

separado da imagem, sem uma conexo entre ambos. As imagens serviam apenas
como um complemento, com carter ilustrativo. (LUYTEN, 2000)
Histrias chinesas transformadas em quadrinhos, como O Tigre e O Drago,
ganham a preferncia do pblico em todo o mundo e so adaptadas para o cinema.
Outra histria em quadrinhos chinesa que correu os circuitos asiticos, europeus e
americanos foi Hero, tambm adaptada para o cinema. certo que, aps a
reintegrao de Hong Kong ao territrio chins, as possibilidades de expanso dos
quadrinhos aumentaram consideravelmente, pois o ex-protetorado ingls j possui
uma forte produo cinematogrfica e de quadrinhos graas ao fcil contato com o
Japo e a Inglaterra. L os quadrinhos foram batizados de manhua devido forte
influncia do mang japons. (MOLINS, 2002)
Outro pas asitico que sofreu influncia do mang foi a Coria. Porm esse
pas j possui uma forma de arte seqencial registrada no sculo X, a
Bomyeongshiudo, uma histria em quadrinhos na qual uma vaca explica um cnon
budista utilizando-se da juno imagem e texto, exatamente como se faz hoje em dia
nas histrias em quadrinhos.
As primeiras histrias em quadrinhos e cartuns veiculados em meios de
comunicao de massa, na Coria, surgiram no final do sculo XIX. O primeiro
artista de sucesso foi Lee Do-Yeong, com seus desenhos publicados sob o ttulo
Saphwa no jornal Daehanminbo, em 1909. No ano seguinte, o governo colonial
japons encerrou as publicaes coreanas que s foram reaparecer aps o fim da
guerra no Pacfico em 1945.

91

O termo para quadrinhos na Coria, manhwa, surgiu na dcada de 20, pois os


coreanos s tinham acesso a quadrinhos importados do Japo (mang) e da China
(lianhuanhua).
Aps a Segunda Guerra, houve um boom de revistas em quadrinhos na
Coria e o principal dolo foi Osamu Tezuka. O fato de Osamu ser japons e dos
artistas coreanos terem muita admirao pelos mangs gerou um sentimento misto
de amor e dio. Por isso, ao mesmo tempo que os artistas copiavam muito do
quadrinho japons, tentavam criar uma caracterstica genuinamente coreana na
narrativa.
A primeira tentativa genuinamente coreana bem sucedida foi a histria
Soldado Todori de Kim Yong-Hwan, em 1952. Ele, ento, considerado o pai dos
quadrinhos coreanos. A histria conta as batalhas dos soldados da Coria do Sul
com um trao que lembra os cartuns2.
Na dcada de 50, a maioria das histrias em quadrinhos coreanas era voltada
para o humor. Os desenhistas que se destacavam eram: Kim Yong-hwan, (o autor
do Soldado Todori), Shin Dong-u, Kim Kyeong-eon, Park Ki-Jeong, entre outros.
Poucos artistas se aventuravam em outras reas como Park Ki-dang e Shin Dong-u,
que introduziram personagens em temas de fico cientfica, aventura e narrativas
histricas.

As Corias ficaram em guerra de 1950 a 1953.

92

Figura 5. Desenho do coreano Kim Yong-Hwan. Desenho de 1954 de Kim


Yong-Hwan considerado pai das HQs coreanas. Fonte: LUYTEN, S. A
Coria e os manhwa: os quadrinhos do pas da manh serena. In:
Universo
HQ,
Disponvel
em:
<http://www.universohq.com/quadrinhos/2003/sonia08.cfm>. Acesso em:
15 dez. 2005.

Assim como no Japo, aps a guerra, em 1953 os coreanos adotaram a


prtica da produo de quadrinhos para serem alugados, eram os manhwabang.
Como as pessoas no tinham condies de comprar revistas novas, elas alugavam
revistas que depois eram devolvidas para serem lidas por outros, uma prtica
comum entre os japoneses aps a Segunda Guerra.
Mais tarde, o aumento da demanda fez crescer a produo gerando o
surgimento do semanrio Sunday Seoul, que dominou o mercado at 1980.
A dcada de 70 ficou marcada para os quadrinhos coreanos com o
surgimento dos ttulos para adolescentes e crianas. Os artistas que se destacaram
do perodo so Kang Cheol, Kil Chang-deok e Yun Seun-hun.

93

Nos anos 80, as vendas dos manhwa cresceram e os artistas coreanos


comearam a acreditar que a sua produo modificaria o mundo das histrias em
quadrinhos.
Aps este perodo, porm, o mercado sofreu uma retrao, o que levou ao
encerramento de vrios ttulos.
Conforme afirma Luyten, S. (2005c, A Coria e os manhwa: os quadrinhos do
pas
da
manh
serena.
In:
Universo
HQ,
Disponvel
em:
<http://www.universohq.com/quadrinhos/2003/sonia08.cfm>. Acesso em: 15 dez.
2005c):
Mas tudo que bom acaba logo. A exemplo da prpria
indstria editorial de quadrinhos no Japo, que aps os anos 1980 depois de uma exploso monumental de vendas , teve tambm um
decrscimo de vendas, a Coria enfrentou o mesmo problema.
Esta retrao se deveu a dois fatores: boa parte da produo
japonesa entrou na Coria, seja por vias oficiais ou por pirataria,
diminuindo a chance dos artistas locais. Segundo, aquilo que os
autores coreanos faziam antes da segmentao do mercado no
mais teve lugar no novo sistema.

O baque que a indstria das histrias em quadrinhos na Coria sofreu fez


com que vrios artistas migrassem para outros meios, como a Internet. Adaptados
ao novo meio, os artistas coreanos acabaram por conquistar outro suporte inusitado
para publicao de suas histrias, os celulares. Hoje a produo de quadrinhos para
celulares na Coria a maior do mundo.
Mesmo com todas as dificuldades em relao queda das vendas e ao
surgimento de novos suportes, a produo de manhwas grande.
Segundo Luyten, S. (2005c, A Coria e os manhwa: os quadrinhos do pas da
manh
serena.
In:
Universo
HQ.
Disponvel
em:
<http://www.universohq.com/quadrinhos/2003/sonia08.cfm>. Acesso em: 15 dez.
2005):

94

Tendo um vista o tamanho da Coria do Sul e sua populao,


pode-se considerar a tiragem e o consumo das HQs enorme. No ano
de 2001, foram publicados 9.177 ttulos, com 42 milhes de
exemplares vendidos, num pas de 42 milhes de habitantes.

importante ressaltar que metade desta produo tem cunho educativo. Oito
universidades tm departamento exclusivo de histrias em quadrinhos e o pas
possui um Museu dos quadrinhos, Chungkang, ligado ao Chugkang College of
Cultural Industries, uma instituio no campo de artes e criao, aberto em 2002,
com exposies permanentes baseadas em trs temas: Quadrinhos e Caricatura,
Quadrinhos e Movimento e Quadrinhos e Emoo. Para os coreanos as histrias
em quadrinhos no representam apenas entretenimento, mas tambm um fator
importante na preservao da cultura nacional.
Um pas tambm muito preocupado com a preservao da cultura por meio
dos quadrinhos a ndia. A produo dos quadrinhos como meio de comunicao
de massa comeou tarde, em relao a outros pases asiticos, por volta de 1969,
mas mostrou ser to produtiva quanto a japonesa, a coreana e a chinesa. Em uma
nica editora foram publicados 80 milhes de cpias e 650 ttulos diferentes. Esse
material lido no s na ndia, mas tambm nos pases com grandes contingentes
de hindus.
Os hindus possuem a tradio da narrativa seqencial com mais de mil anos,
vindas do Ramayana (em snscrito a Histria de Rama) e do Mahabarata (a Grande
Histria), produzidas em tecidos ou tiras de couro que eram carregadas pelos
contadores de histrias atravs do pas segundo Luyten, S. (2005).

95

O grande incentivador da narrativa dos quadrinhos indianos foi, contudo, o


engenheiro qumico Anat Pai. Em 1967, ele decidiu reunir artistas para criar histrias
em quadrinhos que contassem a tradio e a mitologia da ndia. Esse sonho se
concretizou na dcada de 70, pela editora ndia Book House, radicada em Bombaim,
onde Pai conseguiu convencer a editora a publicar Krishna, o menino-Deus. A partir
deste momento a mitologia hindu voltou a povoar o imaginrio das crianas pela
srie Amar Chitra Katha, histrias imortais em desenhos. Alm dessa srie, a editora
lanou Tinkle, que tinha seus temas voltados cultura contempornea e a assuntos
educacionais. O sucesso dessas revistas influenciaram o contedo e o surgimento
de outra editoras, como Dreamland Publications e a Diamond Comics, radicadas em
Nova Dheli, e a Jaico Publishing House, de Bombaim. A Diamond, alm dos temas
tradicionais, lanou novos personagens e super-heris.
A coleo Chakra, do Cultural Institute for the Vedic Arts, sediada em Nova
York, alm de ser distribuda na frica do Sul, Ilhas Maurcio, Qunia, Canad e
Estados Unidos, faz inovaes numa diagramao mais dinmica, no estilo das
histrias em quadrinhos japonesas e, didaticamente, oferece explicaes que
abordam desde o significado do seu logotipo Chakra, at um roteiro completo sobre
os personagens mitolgicos das histrias.

96

Figura 6. Quadrinhos mitolgicos indianos. Os desenhos indianos


resgatam lendas hindus. Fonte: LUYTEN, S. Tesouro vista: onde? Nos
Quadrinhos
da
ndia...
In:
Universo
HQ,
Disponvel
em:
<http://www.universohq.com/quadrinhos/sonia01.cfm>. Acesso em: 15 dez.
2005.

Nos anos 90, os quadrinhos hindus foram alm dos temas mitolgicos,
partindo para o humor e poltica. Segundo Luyten, S. (2005b), entrar na rea poltica
em um pas como a ndia algo complexo e perigoso. A grande quantidade de
etnias e as guerras fazem da regio uma rea turbulenta e violenta, mas os
quadrinhos abrem a possibilidade de preservao da cultura e discusso dos
assuntos sociais e polticos.
Entre todos os pases da sia, o Japo , sem dvida, aquele que mais
sofreu influncia das histrias em quadrinhos.

97

A relao dos japoneses com as imagens, todavia, no recente. Para os


japoneses as razes da narrativa das imagens em seqncia estaria em uma antiga
manifestao grfica chamada chjugiga (imagens humorsticas de animais), que
teria surgido por volta do sculo XI, nos pergaminhos de um sacerdote artista
chamado Toba. (MOLINS, 2002)
Nos sculos seguintes as caricaturas se espalharam pelos pergaminhos de
diferentes artistas com motivos que iam do humor ao erotismo. Segundo Molins
(2002), durante o perodo Edo (1600-1867) apareceram outros suportes grficos:
-

Os zenga (imagens zen), estampas monocromticas cujas caricaturas


ajudavam na meditao;

Os tsu-e (imagens de tsu, assim chamados porque vinham da


cidade com este nome prxima a Kyoto), eram amuletos budistas que
constituam uma espcie de caricatura porttil coloridas;

Os nanbam, biombos ilustrados que narravam a chegada dos


portugueses um dos primeiros povos europeus, junto com os
holandeses, a estabelecer contato com o Japo que era
representada por meio de figuras de narizes grandes;

Os ukiyo-e (imagens do mundo flutuante), gravaes em pranchas de


madeira, geralmente tinham temtica humorstica e, as vezes, ertica,
que alcanaram uma grande acolhida em sua poca.

Cabe esclarecer que, enquanto os zenga, os tsu-e e os nanbam eram


destinados s classes abastadas e tinham uma busca pela perfeio esttica,

os

98

ukiyo-e eram mais populares e seus criadores procuravam fazer stira e crtica
social .

Figura 7. Arte Ukiyo-e do sculo XIX. Ukiyo-e influenciou artistas da


Europa no sculo XIX pelo tipo de pintura e linguagem. Fonte: TRUSSEL,
S. Ukyio-e: Japanese Woodblocks Prints. In: Trussels page. Disponvel
em: <http://www.trussel.com/ukiyoe/ukiyoe.gif>. Acesso em: 15 dez. 2005.

O artista mais conhecido dessa forma de manifestao, Ukiyo-e, foi Katsuhika


Hokusai (1760-1849), e um dos pioneiros em trabalhar as pinturas em forma de
seqncia. A apario da seu primeira publicao, em 1814, de uma srie que
chegaria aos 15 tomos, chamados de Hokusai Mang.
A palavra mang, derivada de man (involuntrio, o mesmo peso) e ga
(desenho, imagem) e a juno resulta na idia de imagens grotescas ou imagens
com o mesmo peso, e se tornou o sinnimo de humor grfico no Japo
assemelhando-se ao vocbulo ingls cartoon.

99

Figura 8. Hokusai mang. Um dos trabalhos de Hokusai que originou a


expresso mang. Fonte: GILMAN, L. Images. In: Luke Gilmans Page.
Disponvel em: <http://www.lukegilman.com/images/hokusai-zoom.png>.
Acesso em: 14 dez. 2005.

Contemporneos dos ukiyo-e, foram os Toba-e (imagens estilo Toba),


batizados assim em homenagem ao criador dos chjugiga. Consistem em estampas
satricas impressas em pequenos livros. Da mesma poca, foram os kibyshi (livros
de capa amarela), similares aos Toba-e, mas que ofereciam histrias contnuas ao
invs de imagens isoladas. Isso os tornam antecessores dos comics norteamericanos. Ambos os produtos (Toba-e e kibyshi) eram fabricados em srie,
sendo impressos por meio de pranchas de madeira, o que antecedeu tambm a
produo em massa da indstria do mang atual.
Efetivamente, os quadrinhos como ns conhecemos chega ao Japo na
chamada era Meiji, quando os portos so abertos para naes estrangeiras.
Charles Wirgman e George Bigot levaram para os japoneses os conceitos de
charge, caricatura e quadrinhos nos idos de 1870. Mas o quadrinho original japons
surge com Rakuten Kitazawa, em 1901.

100

Em um primeiro instante, podemos perceber o grau de influncia que a


construo de uma fico histrica pode exercer em relao identidade e ao
orgulho de uma nao. Esta ferramenta pode servir como um fator de fixao de
conceitos culturais como tambm instrumento de liberao ou dominao de um
grupo social ou pas.
No quadrinho histrico japons no encontraremos apenas o heri clssico,
capaz de sacrificar-se para salvar a todos, mas tambm podemos encontrar
romance, humor e fantasia. Para os ocidentais difcil construir um quadrinho
histrico que se distancie do palpvel, pois nossa lgica cartesiana impede uma
viso transcendental da realidade, possvel aos indianos, chineses e coreanos que
tm em seus mitos e conceitos religiosos a base para construo de uma histria
popular.
Os orientais possuem um outro princpio para interpretao tanto do discurso,
quanto da imagem. As imagens assumem um papel to forte quanto a escrita, uma
vez que a prpria escrita baseada em pictogravuras. Desta forma as
representaes iconogrficas aderem aos conceitos criados pelas sociedades
chinesas, coreanas, japonesas, tornado-se smbolos importantes e representantes
de pensamentos de cada cultura. Para Luyten, S. (2002, p. 32), H correntes de
pensamento que dizem que o sistema de escrita japonesa (ideogrfica) cria uma
predisposio favorvel em relao apresentao grfica.
A narrativa de suas histrias assume um carter mais prximo ao mito
universal, uma vez que a construo do heri histrico japons no busca a
divindade, mas sim a humanidade.

101

Os japoneses acabaram por adaptar a esttica e a narrativa ocidental de


contar a Histria a sua realidade. Essa forma de quadrinhos conhecida hoje por
ns ocidentais como mang. A partir dos anos 50, ou seja, depois da segunda
Guerra, os japoneses investiram nas histrias em quadrinhos como forma de
preservao das tradies e da idia de unidade nacional.
Inspirados em famosos artistas norte-americanos, como Walt Disney, de
quadrinhos e animaes, os japoneses liderados pelo artista Ossamu Tezuka criam
uma nova ordem visual para os quadrinhos japoneses. Assim nascia o mang atual.
Vrias histrias em quadrinhos falando a respeito no s da Histria dos japoneses,
como tambm de outros fatos do mundo, foram adaptados para os quadrinhos.
Um dos maiores sucessos de Tezuka entre os ocidentais foi Ribon no Kishi,
de 1953. Para os brasileiros chegou primeiramente na forma de anim, conhecido
como A princesa e o cavaleiro. Essa saga contava as desventuras de uma princesa
que se fazia passar por menino e tentava restaurar a ordem em seu reino.

Figura 9. Ribon no Kishi de Osamu Tezuka. Ribon no Kishi, conhecido no


Brasil como A princesa e o cavaleiro, fico de capa e espada, de Osamu
Tezuka, considerado pai do mang moderno. Fonte: TEZUKA: God of
Comics.
In:
Hanabatake.
Disponvel
em:
<http://www.hanabatake.com/research/tezuka.htm>. Acesso em: 15 dez.
2005.

102

Essa histria uma adaptao dos contos de fada ocidentais, mas com uma
narrativa completamente diferente, na qual a personagem principal est fadada ao
sofrimento. Os conceitos de monarquia, nobreza, intrigas palacianas esto mais
prximos daqueles existentes em histrias e lendas japonesas do que nos antigos
contos europeus.
Por conta da iconografia utilizada pelo artista, podemos perceber que a
histria se passa entre os sculos XVII e XVIII, quando ainda encontramos
resqucios de um feudalismo, mas j anunciando os chamados dspotas
esclarecidos. Toda a trama, porm, transcorre na ficcionalidade, em um mundo que
no existe, apesar de utilizar-se de elementos comuns queles que tem uma
pequena viso da Histria, diferente de um outro sucesso chamado Versailles no
Bara ou A Rosa de Versailles do ano de 1972.
Versailles no Bara, de Riyoko Ikeda, uma saga que tem como pano de
fundo a Frana do sculo XVIII e, seguindo a linha de Osamu Tezuka, o
personagem principal Oscar-Franois de Jarjayes filha de um general que sonha
dar continuidade tradio militar da famlia. Ela criada como um homem, mas
mantm seu lado feminino encontrando o mesmo conflito interno de Ribon no Kishi.
A grande diferena est na tentativa da fidelidade histrica. Nomes como
Robespierre, Madame Du Barry, Hans Axel von Fersen, Maria Antonieta e Luis XV
circulam por entre as pginas dessa aventura, aproximando a fico realidade.
Em ambos os casos, tanto em Ribon no Kishi como em Versailles no Bara,
os artistas japoneses sentiram-se mais vontade para criar uma fico histrica,
uma vez que a Histria do ocidente no provocaria tanto interesse na maioria da

103

populao. Tudo soaria como extico e fantasioso, da mesma maneira como os


ocidentais vem as culturas orientais.
Os mangs de samurais so a referncia histrica mais forte que os
japoneses possuem. Segundo Molins (2002) os jidaimono, ou mangs histricos
japoneses, relatam faanhas de samurais e ninjas. Um dos primeiros exemplos
Hinomaru Hatanosuke (Hatanosuke do sol nascente), criado em 1935, por Kikuo
Nakajima, para Shonem Club. O gnero ganhou fora a partir da segunda metade
dos anos 50.
A despreocupao com a base histrica no poderia ocorrer, teoricamente,
quando se trata de escrever sobre a prpria Histria do Japo. Na dcada de 80, o
artista norte-americano Frank Miller trouxe para pblico ocidental uma saga que
falava do Japo feudal, seu nome Kozure Okami ou Lobo Solitrio.
Criado em 1970, por Kazuo Koike e Goseki Kojima, essa histria mostra a
saga de Itto Ogami, membro de uma famlia de nobres que acusado injustamente
de atentar contra a vida do Shogun, o lder militar feudal. Aps a morte de sua
esposa, Ogami, jura vingana e foge com seu filho, Daigro, trilhando o que os
samurais chamavam de Meifumado ou o caminho do Inferno.
Esta srie mostra o sentimento e comportamento de um samurai do perodo
Tokugawa, quando aqueles que no podiam servir a um daymio ou senhor feudal
eram considerados ronin, ou seja, pria, um samurai sem mestre. Esse trabalho
em quadrinhos influenciou muitos artistas, no s no Japo, mas tambm no
ocidente.

104

Um dos exemplos disto a histria Ronin de Frank Miller de 1983, que


rene elementos de fico cientfica com os princpios abordados em Lobo
Solitrio. O autor utilizou os parmetros de Koike e Kojima, autores de grande
popularidade no Japo e no mundo, para criar um dos seus maiores sucessos. Do
mesmo modo, Max Allan Collins e Richard Piers Rayner fizeram para gerar a sua
Estrada para Perdio de 1998, adaptado para o cinema em 2002.
Dentro do prprio Japo, as aventuras do Lobo Solitrio criaram uma grande
quantidade de fs. Alm dos quadrinhos uma srie de TV, um filme e outros
produtos marcaram a passagem dessa saga.
Em 1994, Nabuhiro Wazuki cria Rurouni Kenshin. Para os brasileiros a srie
ficou conhecida como Samurai X. O autor traz as aventuras de Kenshin Himura,
um samurai da era Meiji, perodo histrico do Japo em que todos tiveram que depor
suas espadas terminado assim o perodo feudal. Numa aluso ao trabalho de Koike
e Kojima, Wazuki cria o personagem, que um ronin, agora lutando no por
vingana, mas pela paz e pela integrao do Japo em relao ao futuro e a
chegada do ocidente.
Em Lobo Solitrio e Samurai X, podemos notar todos os aspectos de uma
pesquisa histrica, mas com o forte apelo fico, principalmente em Samurai X,
que rene mais elementos de ao e fantasia. Seria quase impossvel para os
quadrinhos concorrer fisicamente com veculos eletrnicos, mas os autores
japoneses conseguiram extrair elementos estticos de ao e movimento que
acabaram por enriquecer a dinmica da narrativa. Este um dos pontos fortes dessa
srie.

105

Assim como Nabuhiro, outros artistas novos utilizam deste recurso para
integrar a linguagem grfica ao discurso de outros veculos como TV, internet e
videogames.
A Histria do Japo em quadrinhos no fica restrita a esta linha. Dentro do
panorama dos quadrinhos japoneses podemos encontrar diversos ttulos que falam
das mais diferentes passagens da histria do pas. Como Mang Nihon Keizan
Nyon, ou Introduo a Economia Japonesa em Mang, de Shotaro Ishimori
produzido em 1986. Trata-se de uma histria dramtico-didtica que narra
problemas e solues da economia japonesa por meio de situaes vinculadas
companhia fictcia Mitsutomo, filial da tambm fictcia Toyosan Motors (contrao de
Toyota e Nissan). A histria, contada em seis captulos, mostra a saga de
funcionrios de uma empresa de forma romanceada. Essa revista inaugurou a moda
dos quadrinhos jodo mang ou mangs informativos, chamando a ateno para este
gnero e comprovando a capacidade didtica das revistas de histrias em
quadrinhos.
Ishinomori, com este trabalho, traduz um comportamento empresarial japons
da dcada de 80 e, ao mesmo tempo, nos fornece dados do pensamento da classe
mdia daquele perodo, os chamados sarariman.
Pela variedade de ttulos e pelo volume de produo, podemos afirmar sem
qualquer dvida que o Japo o pas que possui a maior produo de histrias em
quadrinhos no mundo. Segundo dados de 2002, no Japo a quantidade de material
publicado chegava a 750 trilhes no ano e deste total 38,1%, ou seja, 285 trilhes de
exemplares corresponde aos mangs. (FUSANOSUKE, 2005).

106

Nota-se que, no Japo, os quadrinhos tm uma importncia to grande


quanto todas as outras publicaes japonesas, ou seja, revistas e jornais.
Conforme afirma Luyten, S (2000, p. 220):
No Japo, apesar de algumas crticas por parte da
intelectualidade, o mang est sendo usado como recurso
auxiliar dos meios de comunicao e de forma didticas em
alguns assuntos antes considerados intocveis, como
economia, relatrios governamentais etc.

Os mangs podem ser considerados um dos principais meios na atualidade


para formao de uma memria nacional.

3.3 Quadrinhos na Alemanha, Inglaterra e Frana: o incio da Histria

A narrativa seqencial por imagens, na Europa, remonta o auge do imprio


romano. Dos afrescos de Pompia coluna de Trajano (114 D.C.), contando as
faanhas das legies romanas na Dcia, regio que corresponde Romnia.
Podemos afirmar, inclusive, que os povos da antiguidade tiveram uma educao
visual graas a cultura do imprio romano.
De acordo com Gombrich (1999, p. 124):
Mas a importncia que os romanos atriburam a uma
reproduo exata dos detalhes e a uma clara narrativa que gravasse
as faanhas de uma campanha, impressionando quem ficara em
casa, modificou o carter da arte. O principal objetivo deixou de ser a
harmonia, a beleza, a expresso dramtica. Os romanos eram um
povo prosaico e pouco se importavam com deuses fantasiosos.
Contudo, seus mtodos pictricos de narrar faanhas de um heri

107

provaram ser de grande valor para as religies que entraram em


contato com seu vasto imprio.

No imaginrio das populaes das grandes cidades europias, a questo da


utilizao das imagens para explicao de conceitos tornou-se prtica comum. Essa
prtica vem da Idade Mdia, quando a populao no alfabetizada tinha afrescos,
vitrais e pinturas como referncia para evangelizao.
Alm disso, Moya (1977, p. 32) afirma que Os cantores da Idade Mdia
valorizavam suas apresentaes com cartazes. [...] Aqueles quadrinhos (Via Sacra)
que vemos nas igrejas de interior contando a Paixo de Cristo (desde Dher) j
eram as histrias em quadrinhos de ento.

Figura 10. Tapearia de Bayeux. Aps a Batalha de Hasting, o Bispo de


Bayeux pediu que fosse feita uma tapearia contando a saga de William e
Harold pelo trono da Inglaterra. considerada a maior e mais famosa
histria em quadrinhos do mundo. Fonte: TRIGGS, T. D. Os Saxes. So
Paulo: Melhoramentos, 2000, p.48.

108

Com a evoluo do processo de reproduo tipogrfica, a facilidade e a


quantidade

fizeram

nascer

experincias

comunicacionais

naqueles

pases,

principalmente Frana, Alemanha e Inglaterra. A partir do sculo XIV, a busca pela


reproduo da imagem conduzem a um novo caminho na narrativa grfica na
Europa. As xilogravuras do hngaro radicado na Alemanha Albrecht Drer (14771528) fascinam e inspiram novos artistas. Livros, panfletos, cartilhas, todos os tipos
de impressos passam a receber ilustraes.
Segundo Gombrich (1999, p. 282):
Quando Gutenberg realizou sua grande inveno de usar
letras mveis num caixilho, em vez de blocos inteiros, estes
tornaram-se obsoletos. Mas logo foram encontrados mtodos de
combinar um texto impresso com a ilustrao xilografada, e muitos
livros da segunda metade do sculo XV foram ilustrados com
xilogravuras.

No sculo XIX, toda informao vinha acompanhada de imagem, gerando os


predecessores da narrativa dos quadrinhos. Artistas de renome, como o francs
Honor Daumier e o espanhol Francisco Goya, fazem parte do nascimento do
conceito de histria em quadrinhos na Europa.
Os folhetins eram ilustrados, assim como os romances seriados vendidos de
porta em porta, regularmente, em captulos, como as nossas novelas de hoje. Os
crimes da poca eram vendidos em forma de psteres em feiras populares, como a
nossa literatura de cordel. Alguns artistas retrataram sua poca e momento com
maestria, como o caso do ilustrador William Hogarth e do escritor Charles Dickens,
que editou os Pickwick Papers, ilustrado por Robert Seymour, de 1836 a 1837.

109

Na Frana, a narrativa com imagens aparece com Pellerin, em Images


dEpinal, ilustrados por Caran dAche e Benjamin Rabier, em 1811.
Outro artista francs precursor dos quadrinhos foi Georges Colomb, ou
Cristophe, como assinava. Ele no usava bales em seu trabalho, assim como
outros precursores, colocando o texto sob as ilustraes. Alguns pesquisadores
consideram seus personagens de Famille Fenouirllard, de 1889, como antecessor de
todos os quadrinhos do gnero que abordam problemas familiares. (MOYA, 1996)
Tpfer (apud Moya, 1996, p. 8), impressionado pelas estampas de William
Hogarth escreveu:
No sculo passado, um homem, um gnio, Hogarth, grande
artista, mas sobretudo grande moralista, publica diversas sries de
gravuras formando dramas completos...
Portanto, prprio das estampas reunir, num alto nvel, estas
diversas condies de ao, de reduzir toda proposio em imagens
de vida, transformando todo raciocnio em espetculo animado,
distinto, luminoso; de reunir todos os elementos com uma eloqncia
simples, grosseira, mais apropriadamente maravilhosa natureza e
ao lazer dos espritos brutos e sem cultura.

Elogiado pelo escritor Goethe, Tpffer um dos precursores dos quadrinhos.


Em 1827, realizou Ls Ampour de Monsiuer Vieux-bois, um trabalho endereado a
adultos. Publicou, na Frana, vrias histrias em quadrinhos que ainda estavam
longe de receber a denominao de bandes dessines. Seu trabalho influenciou
outros artistas, como Cham, Stop, Lence Petit e Gustave Dor. (MOYA, 1996)
Na Alemanha, os jornais-para-rir eram comuns no sculo XIX e o artista
Hoffmann publica Struwwelpeter, um menino distrado e desobediente em 1847. Do

110

mesmo modo, Schdter publica Piepmayer em 1848. Estes trabalhos seriam uma
prvia para a narrativa seqencial que viria a surgir no final do sculo.
Entre os artistas daquele perodo, Wilhelm Busch desponta com suas
caricaturas, em 1859, para o semanrio Fliegeden Bltter. Foi neste semanrio de
Busch publicou sua primeira histria em quadrinhos, em 1860, cujo ttulo era Die
Maus

oder

Die

Gestrte

Nachtruhe,

Eine

Europische

Zeitgeschichte

(o

camundongo, ou sonho perturbado. Uma histria europia dos tempos). Em


seguida, cria os personagens clebres Max und Moritz em 1865.
Apesar dos alemes serem precursores, os quadrinhos no evoluram
naquele pas, ficando nos anos posteriores com uma produo muito aqum de
pases como a Inglaterra, Frana, Itlia, Blgica, Espanha e Portugal.
Nestes pases os quadrinhos nasceram com caractersticas diversas, voltados
a diferentes assuntos. Devido ao posicionamento filosfico e ideolgico dos artistas
das histrias em quadrinhos da Europa, a arte e o contedo acabaram tomando um
rumo diferente do que aquele assumido nos Estados Unidos.
Em 1908, surge na Itlia o Corriere dei Piccolli, peridico publicado junto com
o Corriere della Serra, com histrias em quadrinhos nacionais e reprodues norteamericanas, considerado o primeiro espao de publicaes de fumetti na Itlia.
Nessa publicao surge o personagem Bilbolboul de Atlio Mussino, junto com A.
Rubino. A histria cheia de metforas, tanto visuais quanto no texto, o que foi
considerado avanado demais para poca. (Moya, 1996).
Cabe informar que esse peridico continua em circulao at hoje.

111

Figura 11. Corriere dei Piccolli de 1931. Fonte: CORRIERE DELLA


SERRA. Milo: Corriere della Serra, dirio, 1876-, Suplemento, 1931.

A dcada de 30 foi proveitosa para os quadrinhos na Europa at o incio da


Segunda Guerra, quando ocorre, inevitavelmente, o hiato de quase 10 anos. Em 34
surge a editora Opera Mundi, responsvel pela publicao de Professor Nimbus de
Daix e a revista lAvventuroso, que desempenhou na Itlia o mesmo papel que
Journal de Mickey e Robson na Frana. (MOYA.1977)
Nos momentos que precedem o conflito, os quadrinhos so utilizados como
propaganda poltica e meio para fixao de conceitos histricos, principalmente na
Itlia fascista de Mussolini. O ditador italiano promove uma caada aos quadrinhos
convencionais e aos norte-americanos, dando nfase queles que tivessem uma
proposta nacionalista. (GONALO JUNIOR, 2004)

112

Com popularizao dos trabalhos de proposta nacionalista e o afastamento


de literatos e intelectuais da produo de histrias quadrinhos, cuja presena era
comum no incio do sculo, comea a surgir uma preocupao por parte nos pais e
educadores por toda a Europa. Impulsionados por essa preocupao, justamente da
Frana e da Itlia partiram os primeiros estudos acadmicos sobre as possibilidades
estticas, artsticas e educacionais dos quadrinhos. Os textos desses acadmicos
ofereceram fundamentao para que surgissem movimentos contrrios publicao
das histrias em quadrinhos. Isso fez com que os quadrinhos fossem reprimidos,
voltando a reaparecer na mdia na segunda metade do sculo XX.
No ps-guerra, ressurgem as revistas em quadrinhos com o lanamento de
Valliant, na qual se encontra Pif, le chien e Les Pionniers de lEsprance de
Lecourex e Poivet.
A relao colonialista que pases como Inglaterra e Frana tinham com outros
povos foi colocada em cheque pelos quadrinhos justamente nesse perodo psguerra. Devemos lembrar que so desse perodo textos de Sartre e Camus sobre a
relao violenta da capital com as colnias, que lutavam pela liberdade.
O antecessor da contextualizao colonialista foi o artista Belga Herg, cujo
pseudnimo era Georges Rami. Ele fez uma viagem ao redor do Globo com seu
personagem Tintin, a partir de 1929. A saga desse personagem a histria de vrios
povos contada sob tica de uma anlise crtica do homem europeu.
Herg foi detalhista ao estudar estruturas, vesturio e costumes dos lugares
por onde seu personagem transitava, o que acabou virando parmetro para uma
srie de artistas de quadrinhos. Seu trabalho gerou uma escola de quadrinhos
conhecida mais tarde como escola belga ou linha clara, caracterstica dos

113

quadrinhos de traos limpos e contedo novelesco com background3 trabalhado


graficamente de forma detalhista. Encontraremos esta esttica no apenas entre os
belgas, como tambm entre franceses e espanhis.

Figura 12. Tintin de Herg. um dos personagens mais famosos no s


na Europa, mas tambm em todo mundo. O tipo de trao utilizado neste
trabalho influenciou vrios desenhistas. Fonte: GORIA, G. Fumetti.
Disponvel
em:
In:
<
http://www.fumetti.org/jpg/TintinPlancheBidonChina.jpg>. Acesso em: 14
dez. 2005.

Segundo Mabin (2005), os quadrinhos franceses dividiram-se em diferentes


gneros baseados em aventuras de viagens, fico e humor. No levantamento de
Mabin feito junto a Marc-Andr Delocque-Fourcaud, presidente do centro nacional da
3

Background: conjunto de elementos que, numa gravura, cena etc., so representados com menor
destaque em relao aos elementos principais; plano de fundo.

114

bande dessine de Angoulme, os quadrinhos tm um princpio prximo literatura


e os gneros neles encontrado tm o mesmo sentido.
Surgem tambm as sries de quadrinhos com fundo histrico na Frana
assinadas por Goscinny e desenhadas por diversos artistas. Nascido em 1926,
Paris, Ren Goscinny comea, com 17 anos, como escritor aprendiz numa agncia
de publicidade na Argentina. Chegando, em 1954, aos Estados Unidos, ele
empregado numa agncia comercial e, em 1948, se torna cartunista num estdio
onde trabalham, entre outros, Harvey Kurtzman, Will Elder e John Severin.
Durante os anos 50, Ren Goscinny escreve um grande nmero de roteiros.
Em 1955, escreve Lucky Luke, um cowboy americano baseado no jeito do ator
James Stewart; Oumpah-pah, contando as aventuras de uma tribo de ndios
americanos juntamente com o desenhista Uderzo, em 1958; em 1962, lana
Iznogoud, com Tabary falando das tentativas do gro vizir para se tornar o Califa.
Em 1959, com Charlier e Uderzo, Goscinny cria a revista de quadrinhos
Pilote. Ele se torna o redator chefe quando a revista comea a ser editada pela
editora Dargaud. A proximidade entre Uderzo e Goscinny na Pilote, cria a
possibilidade para que, juntos, eles viessem a criar o conhecido personagem Asterix,
o Gauls. Alm de seu trabalho como roteirista, Goscinny teve um papel importante
na evoluo dos quadrinhos na Europa.
Enquanto os norte-americanos corriam para o academicismo grfico e
quadrinhos de super-heris, que fixavam a ideologia e o american way, os artistas
da Frana, Itlia, Blgica, Espanha e Portugal exploravam todas as possibilidades
desta forma e expresso artstica. Na dcada de 60, os franceses e italianos
comearam a dar seu parecer sobre os western, principalmente nos quadrinhos.

115

influenciados pelas produes do gnero e pelo western spagheti, ou seja, as


narrativas de cowboys produzidas por cineastas italianos . Histrias sobre as
grandes conquistas tanto na Idade Mdia, revivendo os romances de cavalaria e as
sagas das grandes navegaes so produzidas com bases em relatos histricos,
mas com narrativas ficcionais. Exemplos seriam as revistas de Jean Giraud
(Moebius) e Jean-Michel Chalier, contando a saga do tenente Blueberry. Quase
duas dcadas antes, na Itlia, Giovanni Bonelli e Aurlio Gallepini lanavam o
imortal Tex Willer. Apesar de terem bases diferentes ambas mostram uma viso
europia da conquista do oeste.
Segundo Moliterni (1988), responsvel pelas edies Dargaud na dcada de
80, foi nos anos 60 que as editoras procuraram mudar a perspectiva dos quadrinhos
tentando atingir o pblico adulto.
Moliterni (1988, p. 33)conta que foi Nos anos 60, participei de um movimento
que tinha como objetivo isolar a imprensa juvenil e abrir lugar a uma banda
desenhada adulta.
A Frana aglutinou diversos artistas de quadrinhos da Blgica, Espanha,
Itlia, Inglaterra, Alemanha e Portugal. A segunda metade do sculo XX viu a
mudana do cenrio das histrias em quadrinhos. Um dos fatores desta aglutinao
foi o surgimento de revistas com diferentes propostas, como a Pilote e a Metal
Hurlant.
Artistas como Moebius, Druillet e Dionnet, decidiram sair da linha comercial
partindo para a fantasia e fico cientfica. Eles fundaram a editora Les Humanides
Associes e lanaram a revista em quadrinhos conhecida como Metal Hurlant, em
1974. Se Herg tinha uma abordagem realista nas suas histrias, transportando o

116

leitor para uma fico prxima realidade, os artistas da Metal Hurlant tinham um
caminho inverso, criando mundos fantsticos e irreais, mas com reaes e
metforas aos fatos vigentes. As dcadas de 70 e 80 fixaram este gnero a tal ponto
que os norte-americanos criaram uma revista similar, nos Estados Unidos batizada
de Heavy Metal. A esttica inovadora influenciou a produo de novas formas de
expresso e narrativa dentro dos quadrinhos ao redor do mundo.
Na Itlia, no final dos anos 70, o artista Andrea Pazienza lana a revista
Cannibale e em seguida Frigidaire. Com uma proposta revolucionria, ele e seus
colaboradores questionam a histria e o comportamento humano, produzindo
histrias que falam de sexo, violncia e drogas. Nessa revista surge o personagem
Ranxerox, um andride com perverses sexuais e tendncia homicida, com o qual
os autores questionam a autoridade poltica, corrupo e drogas, fazendo uma
analogia da Itlia naquele momento (SPARAGNA, 2005)

Figura 13. Cannibale e Frigidaire. De Pazienza, abre espao para uma


nova proposta de quadrinhos na Itlia em relao narrativa textual e
grfica. Fonte: SPARAGNA, V. Nella Legenda: Andrea Pazienza. In:

117

Frigomag. Disponvel em:<http://www.frigomag.it/frigo/>. Acesso em: 16


dez. 2005.

Um termmetro dessa mudana na forma de ver os quadrinhos foi a criao


de festivais por toda Europa, como caso de: Lucca, na Itlia; Amadora, em
Portugal; Ourense, na Espanha; Angoulme, na Frana. Alm disso, os quadrinhos
viraram motivo de estudo crticos de arte e de estudos acadmicos com o aval de
nomes como Umberto Eco, Edgar Morin, Alan Resnais, e vrios outros.
A partir dos anos 90, histrias em quadrinhos fazem uma reviso na histria
da Europa e pases como a Frana, Itlia, Espanha e Portugal tm publicaes, em
forma de lbum, valorizando a produo artstica.
Em 2000, o jornalista italiano Enzo Biagi reuniu diversos artistas para
contarem a Histria da Itlia em quadrinhos. O resultado foi um livro de 738 pginas
que comea com os primeiros povos considerados brbaros at um rpido texto
sobre os ltimos primeiros ministros da Itlia. Por meio de desenhos com
refinamentos estticos e coloridos manualmente, Biagi apresenta um texto ufanista,
colocando a Itlia como centro do mundo, a partir da dominao do Imprio
Romano. A contra-capa do trabalho de Biagi traz o seguinte texto: Atravs dos
olhos de um grande jornalista e de uma deciso histrica epopia extraordinria
recontada. Da barbrie ao ano 2000 a Itlia como jamais havamos imaginado.
(BIAGI, contra-capa)
A abordagem feita pelo jornalista no imparcial, como no nenhuma das
abordagens histricas, mas neste caso fica evidente atravs do texto o
posicionamento do narrador.

118

Diferente da histria feita sem fins de documento histrico, mas retratando um


momento especfico, a srie de fico histrica intitulada Ful, feita pelos
argentinos Carlos Trillo, responsvel pelo texto, e Eduardo Risso, desenhista,
publicada pela editora Glnat.
A srie, que comea no final dos anos 80 e corre pelos 90, conta a saga de
uma princesa negra que vem para o Brasil, vendida como escrava que, por meio de
sortilgios, destri a vida de seus algozes portugueses. Numa narrativa bem ritmada,
Trillo nos mostra uma histria antiescravagista e anticolonialista, na qual o desenho
claro e o levantamento iconogrfico, de Risso, fundem-se proposta do escritor.
Apesar da histria se passar no Brasil, o tema poderia ser transposto para qualquer
outra colnia portuguesa, francesa ou espanhola.
Como j afirmamos antes, a melhor narrativa histrica aquela que nos
conduz, como uma fico e no um registro frio dos documentos, atas e certides.
Essa a tendncia que encontramos hoje na Europa, uma narrativa mais ficcional e
menos documental, mas sem perder os parmetros que identificam o fato histrico.

3.4 Portugal e a banda desenhada histrica

A origem dos quadrinhos em Portugal, com uma narrativa voltada a temas


histricos, remonta ao trabalho de Raphael Bordallo Pinheiro sobre a Picaresca
Viagem do Imperador do Rasilb pela Europa, em 1871. Esta considerada a
primeira histria em quadrinhos de Portugal e abordava a passagem o Imperador
Dom Pedro II pela Europa.

119

Figura 14. Trabalho de Raphael Bordallo. Sobre a visita de D. Pedro II:


considerado o primeiro quadrinho portugus. Fonte: BORDALLO, R. A
Picaresca Viagem do Imperador de Rasilb pela Europa. In: Nona a arte, a
arte
dos
quadrinhos.
Disponvel
em:
<http://www.nonaarte.com.br/titulo.asp?titulo=39>. Acesso em: 13 dez
2005.

Entretanto, a criao de quadrinhos com um carter de narrativa histrica, ou


seja, a descrio de fatos acontecidos em outros perodos, s veio a ocorrer a partir
do final dos anos 40. O que impulsionou os artistas portugueses para os quadrinhos
histricos foi a lei de 1950, Instrues sobre a literatura Infantil, resultante da ao
da Comisso especial para Literatura Juvenil e Infantil. Podemos traar uma
analogia com outras aes similares que estavam acontecendo no mundo, como o
Comics Code nos Estados Unidos e as crticas e sanes na Frana e at mesmo
no Brasil.
A revista Diabrete foi uma das primeiras a publicar Histria da nossa Histria,
com desenhos de Fernando Bento e texto de Adolfo Simes Muller. Durante os anos
50, vrios personagens da Histria de Portugal foram adaptados para os quadrinhos

120

por Muller, responsvel pela srie As Grandes Figuras de Portugal. Nesse trabalho,
o escritor apresentava uma narrativa dinmica, capaz de disfarar a quantidade de
informaes histricas e transform-la em uma autntica linguagem de quadrinhos.
Esse perodo ficou marcado pelo aparecimento de vrias histrias em
quadrinhos com carter histrico, principalmente na revista Cavaleiro Andante.
Segundo Lameiras (1999), o ponto mais alto da narrativa dos quadrinhos histricos
portugueses talvez seja O Caminho do Oriente, a saga de Vasco da Gama pelo
ponto de vista de Simo Infante, um grumete embarcado na Armada que parte para
ndia. Esta histria, que fez tremendo sucesso na poca, foi publicada em 1946, na
revista O Mosquito, e escrita por Raul Correia, com desenhos de Eduardo Teixeira
Coelho, ou simplesmente E.T. Coelho.
Esse artista foi um dos grandes nomes dos quadrinhos histricos
portugueses. Eduardo Teixeira Coelho nasceu em Angra do Herosmo, uma ilha do
arquiplago de Aores, em 11 de janeiro de 1919. Colaborou com as revistas O
Mosquito, Chicos (na Espanha), Valliant entre outras. Fez ilustraes para Biblioteca
dos Rapazes, da Portuglia Ed. em 1953 (REGO, 2005).
A influncia de seu trabalho aparece no apenas em Portugal, mas tambm
em outros pases da Europa e no Brasil tambm. Para Augusto Trigo, outro famoso
artista portugus das histrias em quadrinhos, o trabalho de E.T. Coelho pode ser
comparado a Harold Foster, criador do personagem Prncipe Valente.

121

Figura 15. Caminho do Oriente, de Eduardo Teixeira Coelho. Foi um dos


maiores desenhistas portugueses, e suas adaptaes de temas histricos
marcaram um estilo em Portugal e em outros pases, como o Brasil. Fonte:
O Jornalzinho. So Paulo: Paulinas, 1956.

Jos Ruy Matias Pinto, ou simplesmente Jos Ruy, um dos discpulos de


Coelho, tambm deixou sua marca nas histrias em quadrinhos histricas. Nasceu
em Amadora, em maio de 1930.
Ele fez trabalhos para O Mosquito, O Papagaio, Cavaleiro Andante e
Camarada, adaptando Os Lusadas de Cames e autos de Gil Vicente para
quadrinhos. Foi graas a sua admirao pelo perodo Quinhentista que criou Porto
Bom Tempo, um personagem que conta a saga dos Descobrimentos sob sua viso
do mundo. Esse tipo de narrativa j havia sido utilizada por E.T. Coelho em O
Caminho do Oriente, na dcada de 50.
Um dos primeiros trabalhos de Ruy foi um conto de natal para revista O
Papagaio em 1944. Logo em seguida, em 1945, escreveu e ilustrou o conto Pierre

122

de Sayn, o Cruzado. No mesmo ano publica as histrias O Tigre, O Gnomo do


Bosque e Piratas do Ar.
Alm das revistas j citadas, Ruy trabalhou para Mundo de Aventuras, PiscaPisca, Tit, Flecha, Nau Catarineta, Spirou, Tintim e Jornal da BD. No seu trabalho
para estas publicaes, destacam-se as histrias: Homens do mar, O Reino
Proibido, O Ataque dos ndios, A Mensagem, O Bobo, O Infante Dom Henrique,
Lendas Japonesas, Na Pista dos Elefantes, Ubirajara, A Peregrinao de Ferno
Mendes Pinto, Aventuras de Quatro Lusitanos e uma Porca, Da Guerra Nasceu uma
Flor, Porque no Hei-de Acreditar na Felicidade?, A Vida Maravilhosa de Charles
Chaplin, Os Lusadas, Jorge Dimitrov, Os Autos da Barca, O Auto da ndia e Farsa
de Ins Pereira, entre tantos outros.

Figura 16. O Bobo, de Jos Ruy. Adaptao da obra de Alexandre


Herculano, fazendo parte das duas verses, a primeira de 1956 e a
segunda de 1988. Fonte: RUY, J. Selees BD: coletnea. Vol. 2,
revistas 5-8, Lisboa, Meribrica/Lber, 1988, p. 28.

123

O artista tambm responsvel pela adaptao para os quadrinhos da


Histria da Bulgria e de Macau. Todos estes trabalhos foram produzidos sob um
grande rigor grfico, pois Ruy mostrou em sua obra ser meticuloso na pesquisa
iconogrfica para evitar erros cronolgicos no que diz respeito arquitetura,
vesturio, armaduras, armamentos, embarcaes de todos os tipos e pocas,
objetos pessoais e utenslios.
Segundo matria publicada em Selees BD sobre Jos Ruy: A
meticulosidade na reconstituio, a seriedade na recriao dos acontecimentos
narrados, encontram em Jos Ruy um intrprete grfico de particular sensibilidade e
que, na Banda Desenhada, descobriu a forma ideal para se expressar
artisticamente. (LINO, 1988, p. 27).
Outro nome importante das histrias portuguesas Jos Garcs. Assim como
os outros dois artistas citados, Garcs teve trabalhos publicados em O Mosquito,
Camarada, Cavaleiro Andante, O Papagaio, Lusitos, Tits, Modas e Bordados, Tintin
e Mundo da Aventura.
Na dcada de 80, foi um dos responsveis pelo retorno do gnero, sendo
autor do best-sellers Histria de Portugal em quadrinhos, escrita pelo historiador A.
Carmo Reis, que teve publicada tambm uma verso francesa.
Garcs tambm se associou a outro clebre escritor portugus, Mascarenhas
Barreto para adaptar para os quadrinhos a polmica saga de Cristvo Colombo.
Nessa verso, escrita por Barreto, o navegador no seria genovs e sim um agente
portugus a servio de Dom Joo II. Essa trama histrico-ficcional muito se
assemelha ao material literrio publicado no Brasil pelo jornalista e tradutor Eduardo

124

Bueno. Seus livros contam curiosidades sobre a descoberta e a vida no Brasil


colonial, todos publicados no final dos anos 90.
Garcs e outros artistas trabalharam na revista Camarada produzindo
quadrinhos histricos, mas vale destacar outros artistas que apesar de no
realizarem trabalhos para esta publicao, tiveram relevncia no cenrio do
quadrinho histrico portugus. o caso de Hernani Lopes e Jlio Gill, que tiveram
suas histrias publicadas em livros escolares.
O perodo dos anos 80 marcado pelo reaquecimento dos quadrinhos
portugueses com temas histricos. Artistas novos uniram-se a desenhistas da
dcada de 50 e 60 que retornavam aos peridicos, como o caso de Vitor Pon,
que publicara na revista Mundo da Aventura, as histrias Reconquista de Angola e
Heris do Salado. Pen foi um dos primeiros artistas portugueses a publicar, na
revista belga Tintin, em 1967, uma histria com tema sobre a Histria de Portugal. A
saga foi interrompida aps duas edies por imposio do editor chefe. O artista
dedicou-se completamente criao e produo de quadrinhos histricos, dentre os
quais se destacam os lbuns Gesta Herica e Epopia dos Descobrimentos
Portugueses, ambos realizados nos anos 80.
O grande motivo dos quadrinhistas portugueses trabalharem neste gnero era
a ateno especial que o governo dedicava aos quadrinhos histrico-didticos. O
governo de Portugal criara uma Comisso Nacional para as Comemoraes dos
Descobrimentos Portugueses que financiava e premiava as histrias que narrassem
fatos daquele perodo. Vrios autores novos surgiram dessa iniciativa, como o
caso de Nuno Saraiva e Fernando Relvas. Esse tipo de iniciativa pudemos encontrar
no Brasil na comemorao de 500 anos da Descoberta, em 2000.

125

Entre os trabalhos de Relvas, podemos destacar O Rei dos Bzios e O


Umbral Luminoso, trabalhos nos quais o autor sempre aborda a temtica histrica,
mas acrescentando facetas ocultas da narrativa histrica. Nos seus trabalhos, ele
prefere utilizar como ponto central os homens simples, aqueles que participaram da
Histria, mas nunca foram citados, gerando, assim, uma narrativa ficcional, em que o
leitor capaz de se identificar com o protagonista. A Histria serve de pano de fundo
para o desenrolar da trama, sem perder os dados e a informao que a pontuam
como referncia.
O trabalho ufo, lanado em 95, que foi encomendado pela Comisso
Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos, tinha justamente este intuito,
transmitir atravs de uma histria em quadrinhos o enaltecimento aos discriminados
da Histria.
Nuno Saraiva, por sua vez, optou por trabalhar o quadrinho histrico de forma
humorstica e, com seu trao caricatural, fazer uma crtica aos fatos histricos. Esse
tipo de trabalho pode tambm ser conferido no Brasil, na obra Pindorama, de
Lalson. Em Portugal, a associao entre humor grfico e crtica j vem de longa
data, e fica ntida, se tomarmos como exemplo o trabalho de Bordallo (1871), de
Jos Ruy (1950) e Lus Correa (1970). Mas, segundo Lameiras (1999), o trabalho
portugus, comparvel a Asterix de Gosciny e Uderzo, seria Tnius, o lusitano, por
Andr e Tito. Esse personagem era acompanhado pelo seu fiel amigo Chicolindus
(que gostava de trutas ao invs de javalis) e combatia os rabes de Muhamad
Alivouj. Apesar do sucesso da srie, desavenas entre Tito e Andr inviabilizaram a
continuao do projeto.

126

Ainda na histria recente dos quadrinhos portugueses, vamos encontrar


nomes como Jos Amorim, Augusto Trigo, Carlos Tavares, Jos Macedo e Ricardo
Cabrita, trabalhando a adaptao de obras de Alexandre Herculano e Ea de
Queiros, alm de contos e lendas portuguesas.
As adaptaes histricas tambm tomaram o rumo das lendas e fatos sciopolticos de Portugal que geraram uma certa polmica, como o caso de Maria da
Fonte. Segundo a lenda, que se mistura Histria, a revolta dos moradores da
regio do Minho, em 1846, teve como base a movimentao de uma mulher, Maria
da Fonte, da regio de Povoa do Lanhoso, que se indignou com a proibio de
enterrar as pessoas em reas de Igrejas e a obrigatoriedade de recrutamento militar
imposta pelo governo de Costa Cabral.
Carlos Tavares e Jos Macedo foram responsveis pela primeira adaptao,
sendo que a elaborao textual, segundo Lameiras (1999), deixava a desejar. A
segunda adaptao, feita por Domingos Silva e Dino Souza, editado pela Cmara de
Povoa do Lanhoso, tem os mesmos problemas narrativos da primeira tentativa. So
poucos os lbuns de quadrinhos histricos que se dedicam narrativa histrica com
o carter scio-poltico questionando os poderes vigentes.
Em 1974, a exposio Uma Revoluo Desenhada: 25 de abril e a BD,
mostrou como o problema das guerras coloniais e do posicionamento portugus foi
tratado pelas histrias em quadrinhos e pelos artistas portugueses. At essa data, a
viso era maniquesta em relao as colnias portuguesas, principalmente as
africanas. Isso fica patente no trabalho do artista Vassalo Miranda que, durante a
dcada de 70 e 80, abordou os comandos portugueses na frica de forma

127

nacionalista. Em sua obra, ele defende a ao militar e vai contra a descolonizao


promovida pelo governo portugus (LAMEIRAS, 2005)
Podemos observar, entretanto, que os casos de artistas que realam os
valores da guerra so poucos logo aps o 25 de Abril, com a Revoluo dos Cravos.
Histrias em quadrinhos que falam dos horrores da guerra como Matei-o a 24,
de Victor Mesquita e Machado Ada Graa e Angola 1971, de Pedro Massano, so
mais comuns entre o pensamento da maioria dos artistas.
Cabe, por fim, algumas histrias, tais como: 7-72, de Diniz Connefrey;
Rquiem para uma Ditadura, de Jabot; O pas do Cgados, de Artur Correia e
Antonio Gomes de Almeida; Salgueiro Maia, de Antonio Martins; e 25 de Abril: o
renascer da Esperana, de Manuel de Sousa e Ernesto Neves.
Alm desses trabalhos, Portugal ainda possui um grande potencial de
histrias a serem contadas e adaptadas, tanto de seu passado mais antigo quanto
do recente.

128

4 A CONSTRUO DA IMAGEM HISTRICA BRASILEIRA POR MEIO DE


QUADRINHOS

4.1 Os quadrinhos no Brasil

O incio das histrias em quadrinhos no Brasil tem um ponto de partida que


justamente o trabalho do talo-brasileiro ngelo Agostini. Ele chegou ao Brasil, mais
especificamente em So Paulo, em 1859, e comeou a trabalhar como desenhista
em 1864 na revista Diabo Coxo. Dois anos depois se tornou colaborador da revista
O Cambrio e, em 1967, fez sua primeira histria em quadrinhos, As Cobranas. No
mesmo ano, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi trabalhar nas revistas Vida
Fluminense e O Mosquito. Em 1876, fundou sua prpria revista, que dirigiu at 1888.
Agostini foi um precursor no seu gnero de histrias em quadrinhos, muito
antes de Alex Raymond, Harold Foster e Lee Falk. Sua narrativa j possuia os
reflexos do que seriam as aventuras em quadrinhos na dcada de ouro, envolvendo
heris, mocinha e viles.

129

Figura 17. As Cobranas, de ngelo Agostini. Agostini o precursor das


histrias em quadrinhos no Brasil. Seu trabalho carregado de humor e
referncias ao cotidiano dos brasileiros. Fonte: AGOSTINI, A. Histrias das
Histrias em quadrinhos. So Paulo: Brasiliense, 1997, p. 15.

Agostini criou seu primeiro personagem fixo em 1869, para revista Vida
Fluminense, cujo ttulo dos quadrinhos era As aventuras de Nh Quim ou
Impresses de uma Viagem a Corte. Fez nove pginas duplas e depois deixou a
revista. No nmero 331 de sua Revista Ilustrada, comeou a publicar As Aventuras
de Z Caipora, aventuras em srie de um heri tipicamente brasileiro. Este trabalho
comeou 1883 e teve que ser interrompido, em 1888 com a ida de Agostini para
Europa, por razes pessoais. (MOYA, 1997)
Quando voltou ao Brasil, trabalhou na revista Dom Quixote, a partir dia 25 de
janeiro de 1895 at ela fechar. Depois, Agostini foi para O Malho, editora esta que
lanou O Tico-Tico, em 11 de outubro de 1905. Ainda em O Malho, publicou outra

130

vez Z Caipora, at o nmero 75, no dia 15 de dezembro de 1906, quando o


personagem deixa de ser editado.
Com a virada do sculo XIX os quadrinhos surgiram ligados crtica social,
poltica e humor, mas aps a O Tico-Tico os quadrinhos so encarados como uma
linguagem voltada exclusivamente para crianas.
A revista O Tico-Tico foi responsvel pelo surgimento de grandes artistas dos
quadrinhos e do humor, como Max Yantok, Theo, Alfredo Storni, Lus S e J. Carlos.
A revista era uma mescla de quadrinhos, passatempos, contos e educao.
(GONALO JUNIOR, 2004)
A revista publicava material de outros pases, mas abriu espao para
publicaes nacionais e adaptaes. Um dos personagens de maior sucesso foi
Chiquinho, ou melhor, Buster Brown, criado por Richard F. Outcault, o mesmo autor
de Yellow Kid, em 1905. Este era decalcado por artistas brasileiros e, durante muito
tempo, os leitores pensaram que era uma criao nacional. (MOYA, 1997)

Figura 18. Almanaque O Tico-Tico de 1957com Chiquinho na capa. Nesta


capa do Almanaque O Tico-Tico de 1957 podemos ver o personagem
Chiquinho (Buster Brown) desenhado por Luis S, criador de Reco-Reco,
Bolo e Azeitona. Fonte: ALMANAQUE O TICO-TICO, 1957, capa.

131

Luis Gomes Loureiro, ou simplesmente Loureiro, foi um dos primeiros a


recriar as histrias de Buster Brown/Chiquinho. A partir de 1907, ele comeou a
decalcar o personagem, porm, em 1914, a Guerra trouxe problemas com as
remessas do material para decalque e traduo, fazendo com que artistas nacionais
comeassem a criar as histrias para O Tico-Tico. Nesta poca Loureiro acrescenta
um personagem negro, o Benjamin, antevendo a criao de LilMose, por Outcault.
A revista introduziu vrios conceitos no Brasil, como: os anncios nas revistas
para crianas; as brincadeiras e jogos; e as figuras de papel para serem recortadas
e montadas. Porm, com a chegada dos comics norte-americanos, a narrativa
inocente dos personagens do O Tico-Tico comeou a perder espao, findando suas
atividades na dcada 1960.
Na dcada de 30, os quadrinhos no mundo assumiam um novo papel como
fenmeno comunicacional e, no Brasil, no foi diferente. Em 1933, o jornal A Nao
sob poder do governo de Getlio Vargas abre espao para a publicao de um
Suplemento Juvenil4, pelo ento jornalista Adolfo Aizen. Comeou, assim, o
processo de expanso de editoras de histrias em quadrinhos no Brasil. O
lanamento do Suplemento Infantil aconteceu em 14 de maro de 1934 e, a partir do
nmero 15, desligou-se do dirio e passou a ser publicado s teras, quintas e
sbados. (MOYA, 1977)
Aizen foi um dos responsveis pela vinda das sries de personagens norteamericanos, mostrando uma narrativa diferente para o pblico infanto-juvenil e
adulto. Flash Gordon, Jim das Selvas, Mandrake, Tarzan, Agente X-9, Dick Tracy,
4

Em Moya (1977, p. 203), encontraremos a informao de que Suplemento Juvenil teve seu incio em
1933. Entretanto, segundo Gonalo Junior (2004, p. 52), fica esclarecido que o que foi lanado no
perodo citado por Moya foi o Suplemento Infantil, pois o Suplemento Juvenil seria editado a partir de
27 de junho de 1934 com a desvinculao dos suplementos do jornal A Nao.

132

Prncipe Valente e Terry e os Piratas chegam aos jovens pela batalha entre dois
homens: Adolfo Aizen e Roberto Marinho.
A batalha pelo pblico infanto-juvenil fez surgir uma srie de suplementos
juvenis por todo o pas. A Gazetinha, A Gazeta Juvenil, Mundo Infantil, O Lobinho e
Mirim (de Aizen) so exemplos de algumas publicaes que invadiram o final dos
anos 30.
A Globo entra em cena e Roberto Marinho lana o Gibi, na dcada de 30,
nome pelo qual as histrias em quadrinhos seriam conhecidas no Brasil. As
primeiras histrias publicadas no Gibi so as do Capito Marvel, Tocha Humana e
Namor. Como as primeiras referncias dos desenhistas nacionais para revistas em
quadrinhos eram os comics americanos, no foi toa que os primeiros personagens
criados aqui tivessem esta esttica como parmetro. O nome da revista, Gibi,
significa garoto de recados e as outras revistas que surgiram para competir nesse
mercado emergente tinham nomes similares, como O Gury, de Assis Chateaubriand.
Os editores dessas revistas, contudo, no seriam incentivadores dos quadrinhos
nacionais, pois a maior preocupao estava nas vendas. Importar tiras e histrias
norte-americanas era o foco principal dessa batalha.

133

Figura 19. Revista Mirim de 1939. Podemos notar que na edio nmero 215 j havia uma
preocupao de Adolf Aizen em publicar referncias de personagens histricos. Fonte:
Coleo particular de Umberto Losso.

As dcadas de 40 e 50 foram os melhores momentos para a construo da


indstria nacional dos quadrinhos, mesmo com as adversidades em relao ao gosto
dos editores e a falta de incentivo para a produo nacional. Nesse perodo surgiram
as editoras EBAL, Rio Grfica, La Selva e Abril. Todas estas publicavam quadrinhos
importados, mas abriam espao para publicaes nacionais, contratando artistas
no s brasileiros como argentinos e portugueses, devido demanda na produo.
No perodo pr-televisivo o mercado consumidor era vido e grande se comparado
com o ps-televisivo.
Trs gneros estavam sempre presentes nessas revistas: policial, aventura e
fico. Essa trade era originria de Dick Tracy (1931), Tarzan (1929) e Buck Rogers
(1929), responsveis pelo desdobramento destes gneros gerando concorrentes e
similares, como: agente X-9, Jim das Selvas; Flash Gordon (1934) de Alex
Raymond; Fantasma (1936), de Lee Falk; Brick Bradford (1933), de William Ritt e
Clarence Gray; Steve Canyon (1947), de Milton Caniff; Red Barry (1934), de Will
Gould, etc.

134

Os brasileiros tambm tinham esse parmetro narrativo e podemos identificlo na criao de personagens como: Roberto Sorocaba (1934), de Monteiro Filho;
Garra Cinzenta (1937), de Francisco Armond e Renato Silva; Audaz (1938), de
Messias de Melo; e Morena Flor (1947), de Andr L Blanc.
Esses mesmos artistas desdobravam-se na produo de quadrinhos
histricos e didticos, alm de trabalharem para publicidade, pois o mercado dos
quadrinhos, no Brasil, esteve sempre sujeito a intempries vindas no do pblico,
mas de polticas e aes do governo, assim como do posicionamento dos editores
frente ao material importado que, muitas vezes, tinha um custo menor do que a
produo nacional.
No entanto, alguns nomes ficaram marcados na histria dos quadrinhos
nacionais como sinnimo de sucesso, como o caso de Maurcio de Souza que
comeou sua carreira com quadrinhos em 1959, publicando suas tiras no jornal
Folha de So Paulo. No final de uma dcada, seus personagens j haviam atingido
200 jornais em todo pas. Em 1970, conseguiu publicar sua primeira revista, lanada
com 200 mil exemplares.
Souza introduziu no imaginrio de crianas, adolescentes e adultos
personagens como Mnica, Cebolinha, Casco, Magali, Bidu, Floquinho, Franjinha,
Anjinho e tantos outros. Alm de revistas e tiras de jornais, ele conseguiu montar
uma equipe de produo e, durante as dcadas de 70, 80 e 90 vrios produtos, de
roupas a produtos alimentcios, receberam seus personagens graas excelente
estratgia de licenciamento. Maurcio tambm foi um dos poucos artistas nacionais a
colocar um desenho animado no cinema e na TV brasileira.

135

Alm de Maurcio de Souza, o artista Ziraldo Alves Pinto, ou apenas Ziraldo,


um representante do sucesso na rea dos quadrinhos e do humor no Brasil. Ele
comeou na dcada de 50, trabalhando para jornais e revistas como o Jornal do
Brasil, Folha de Minas e O Cruzeiro. Em 1960, lanou a sua primeira revista Perer,
sendo considerada a primeira revista feita por um s autor no Brasil. Durante a
poca da Ditadura Militar (1964-1984), foi um dos responsveis pelo jornal O
Pasquim. Criou quadrinhos adultos com humor como a Superme e Mineirinho: o
Comequieto. Criado em 1980, o Menino Maluquinho apareceu em forma de livro
infantil, depois foi adaptado para quadrinhos, pera, teatro, videogame, internet e
cinema. O personagem, que um reflexo da infncia do autor e da forma como ele
imagina o comportamento infantil, teve sua primeira apario em forma de
quadrinhos em 1989, pela editora Abril. A partir de 2004, as histrias do Menino
Maluquinho so publicadas pela editora Globo. O maior sucesso porm veio da
produo cinematogrfica, de 1994, e da seqncia, em 1999.
Outros artistas no tiveram o mesmo sucesso comercial como estes dois, mas
deixaram seus nomes impressos nas pginas de vrias revistas em quadrinhos na
dcada 50 e 60 com histrias de terror e fico. As histrias nasceram com base na
estrutura narrativa das histrias de sucesso norte-americanas, mas gradativamente
assumiram caractersticas nacionais.
Editoras como a La Selva, que nasceu na dcada de 40 e despontou nos
anos 50 com ttulos de terror, e como a Outubro resultante da unio de artistas
nacionais, ajudaram a fortalecer a narrativa dos quadrinhos brasileiros.
A La Selva reunia artistas como Jaime Cortez, imigrante portugus, Jos
Lanzellotti, Miguel Penteado, Reinaldo Oliveira, Silas Roberg e lvaro de Moya.

136

Entre os ttulos desta editora estavam Contos de Mistrio, O Terror Negro, Contos
de Terror e O Sobrenatural. Parte do material destas revistas vinha da E.C. Comics
e da Fawcett, distribudos no Brasil pela Record, de Alfredo Machado, o mesmo
distribuidor das grandes editoras.

Figura 20. Revista Terror Negro da editora La Selva. Contava com a


participao de artistas nacionais e histrias importadas atravs da Record
de Alfredo Machado. Fonte: Gibiteca de Santos.

Os artistas nacionais, insatisfeitos com os trabalhos espordicos e os


desrespeitos em relao aos direitos trabalhistas, comearam a se articular e, em
1959, Miguel Penteado e Jaime Cortez, que eram da La Selva, fundam a editora
Continental, que depois mudaria o nome para Outubro, uma homenagem de
Penteado a revoluo Russa de outubro de 1917. Alm dos artistas estrangeiros que

137

vieram para o Brasil, como o prprio Jaime Cortez, desenhistas aderiram editora
como Nico Rosso, Srgio Lima, Aylton Thomaz, Juarez Odilon, Jlio Shimamoto,
Lrio Arago, Flvio Colin, Getlio Delphim, Gutemberg Monteiro, Gedeone
Malagola, Jorge Scudelari, Jos Lanzellotti, Joo Batista Queiroz, Manoel Ferreira,
Orlando Pizzi, Luiz Saidenberg, Isomar Guilherme, Waldir Igayara de Souza, Jos
Bento, Almir Bortolassi, Wilson Fernandes, Incio Justo, Antnio Duarte, Paulo
Hamasaki, Maurcio de Souza e Eduardo Barbosa. A editora contou tambm com
uma equipe de roteiristas formada por Hlio Porto, Cludio de Souza e Waldyr Wey,
entre outros.
A editora especializou-se em ttulos de terror, entre eles estavam: Terror,
Contos Macabros, Histrias do Alm, Histrias Macabras e Selees de Terror. O
sucesso financeiro da editora era garantido por frmula utilizada pela La Selva e
RGE, a adaptao de sucessos radiofnicos, cinematogrficos e televisivos para os
quadrinhos. Capito 7 e o Vigilante Rodovirio foram exemplos deste tipo de
trabalho. (GONALO JUNIOR, 2004)
A adaptao de Z do Caixo para os quadrinhos, sob a superviso do artista
Nico Rosso, expressou um caminho diferente para o chamado terror nacional. O
personagem, criado na dcada de 60 por Jos Mojica Marins, foi fonte para outras
adaptaes que envolviam ritos e lendas brasileiras, como, por exemplo, os rituais
afro-brasileiros do Candombl. Outros artistas importantes para criao de uma nova
linguagem neste aspecto foram Jaime Cortez, Luiz Shimamoto, Flvio Colin e
Eugnio Colonesse. A esttica desenvolvida por esses artistas pode ser considerada
divisora de guas no perodo.

138

Gradativamente os quadrinhos diminuem a vendagem e, vrias editoras se


vem obrigadas a fechar as portas. As poucas que restaram, como a EBAL, a RGE
e a Abril, se mantm publicando material importado. Existem poucas histrias em
quadrinhos, nos anos 70 e comeo dos 80, que capazes de refletir a sociedade
brasileira. A editora Abril faz uma tentativa com a revista Crs, publicando: a Histria
do Brasil, por Reinaldo de Oliveira; Kaktus Kid, de Canini; Satansio, de Ruy Perotti;
Sacarrolha, de Primaggio e Zodac, de Jaime Cortez. A revista teve seis edies
entre 1974 e 1975 sem uma periodicidade definida.

Figura 21. Revista Crs da editora Abril. Foi uma tentativa da editora Abril
de editar material nacional. Fonte: Universo HQ. Disponvel em:
<http://www.universohq.com/quadrinhos/2005/museu_cras.cfm>. Acesso
em: 12 dez. 2005.

No final dos anos 70, alguns artistas brasileiros so influenciados pelo


movimento underground norte-americano, de Wallace Wood, Robert Crumb e Gilbert
Shelton. Em 1972, surge dentro da Universidade de So Paulo a revista Balo, que
contava com a participao de Lus Ge, Laerte, Kiko, R. Borges e Angeli. Aps esta

139

iniciativa vrios fanzines espalham-se primeiramente por So Paulo e, depois, pelo


pas. (MOYA, 1997)
Na dcada de 80, os roteiristas de quadrinhos assumem uma postura
diferente. J no h mais espao para os antigos super-heris e as histrias de
mocinhos e bandidos. O pblico reage a produes como: Cavaleiro das Trevas, de
Frank Miller; Piada Mortal, de Bran Boland; e Watchman, de Dave Gibons e Alan
Moore.
Revistas como Heavy Metal, nos Estados Unidos, Metal Hurlant, na Frana, e
Linus, na Itlia, trazem uma nova perspectiva para os autores, e assim surge no
Brasil, em 1987, pela Diffusion Editorial a revista Animal, reunindo material
estrangeiro e uma produo nacional. Em 1991, a Animal foi cancelada por
dificuldades financeiras.
Em revistas solo alguns artistas arriscaram mostrar seu material fora do Brasil
nos anos 80. Foi o caso de Alan Voss, Mozart Couto, Rodval Mathias e Watson
Portela. Todos estes tinham como parmetro aquilo que era produzido pelos artistas
da Metal Hurlant e Pilote.
Publicaes nacionais que atingiram um certo prestgio na poca foram:
Chiclete com Banana (1985), Circo (1986), Geraldo (1986), Porrada (1987). Todas
estas revistas tinham como base o humor e crtica scio-cultural e poltica. O trao
apresentado pelos autores era muito diferente daquele que as grandes editoras da
poca disponibilizavam em suas pginas. Os desenhos eram sujos e assimtricos, a
narrativa visual muitas vezes parecia amadora, mas tudo era feito de forma
proposital, com o intuito de transmitir, juntamente com o texto, uma idia de
underground e de contra-cultura. Os personagens dessas revistas eram urbanos,

140

com problemas que refletiam as neuroses das grandes cidades. Via-se um desfile de
punks, gticos, executivos, policiais, advogados e todos os grupos que compem um
grande centro urbano. As histrias tinham como base So Paulo, mas poderiam ser
vivenciadas em qualquer capital do mundo.
Quanto a este reflexo da sociedade em que foi produzida a histria Vergueiro
(2005,

Alguns

aspectos

da

sociedade

nas

histrias

em

quadrinhos.

brasileiras

da

cultura

Disponvel

em:

<http://www.eca.usp.br/agaque/agaque/ano1/numero1/artigosn1_2.htm> Acesso em:


13 dez. 2005):
Em tempos mais recentes, o humor se constitui no espao
temtico em que a realidade e a cultura brasileiras melhor so
caracterizadas. Emergiu de um grupo de artistas, principalmente na
cidade de So Paulo, que tem publicado em jornais ou em revistas
dirigidas para jovens adultos aquilo que de maior destaque, pode-se
dizer, chega s mos do leitor. Autores como Laerte Coutinho e sua
obra Piratas do Tiet, Angeli e seu Chiclete com Banana, Glauco e
seu Geraldo, Fernando Gonzalez e seu Niquel Nusea mostram a
realidade brasileira a partir de um ponto de vista urbano/paulistano,
sob a tica de uma juventude inconformada e contestadora.

Figura 22. Chiclete com Banana e Geraldo da editora Sampa. Algumas


das revistas que marcaram os anos 80. Fonte: Gibiteca Marcel Paes,

141

Santos, SP. Angeli, Revistas Chiclete com Banana e Glauco, Geraldo, da


editora Sampa, 1985. Fonte: ANGELI. Revistas Chiclete com Banana. So
Paulo: Sampa, 1985, capa. e GLAUCO. Geraldo, So Paulo: Sampa,
1985, capa.

No fim da dcada de 80 e incio dos anos 90, o deslocamento de interesse


dos melhores roteiristas de quadrinhos parte para criaes expondo os problemas
brasileiros, fazendo forte critica social. O movimento dos quadrinhos alternativos
daquele perodo influenciaria para sempre a forma se ver e fazer quadrinhos sobre
os problemas brasileiros.
O resultado disso foram as revistas alternativas que revelaram novos talentos
e futuros estudiosos sobre histrias em quadrinhos, como Flvio Calazans, Gazy
Andraus, Henrique Magalhes, Loureno Mutarelli, Edgar Franco, Edgar Guimares,
Bira, Marcatti, Worney, Jaime Leo, Fernando Gonsalez, Spacca, Edgar Vasques e
tantos outros.
Nesse mesmo perodo, as grandes editoras, principalmente a Abril,
comearam a trabalhar maciamente esquemas de divulgao e promoo de suas
revistas de histria em quadrinhos. O sucesso das revistas do Batman, Cavaleiro
das Trevas e Piada Mortal, alm da enxurrada de material estrangeiro, desviou a
ateno do pblico adolescente para o que estava acontecendo nos Estado Unidos.
O estdio Art&Comics, responsvel pela traduo e letreiramento das histrias em
quadrinhos importadas, comeou a agenciar brasileiros para trabalharem para as
editoras americanas, a um custo mais baixo que o mercado daquele pas costumava
pagar. Desenhistas que trabalhavam em suas prprias revistas passaram a adaptar
seu trao para se encaixar na esttica dos quadrinhos comerciais norte-americanos.
Os anos 90 foram marcados por esta migrao.

142

Roger Cruz, Mike Deodato, Luke Ross, Joe Bennet, Manny Clark, Klebs
Junior, Marc Campos foram os nomes que Rogrio, Deodato Filho, Luciano,
Benedito, Manoel, Marcelo, assumiram para poder t-los pronunciados pelos
editores estrangeiros.
Alm disso, uma srie de exigncias so feitas a esses desenhistas que
aspiram entrar nesse mercado. As mais importantes dessas exigncias dizem
respeito a entendimento iconogrfico e planificao cinematogrfica. As Editoras
norte-americanas tm um conceito muito comercial a respeito de como o quadrinho
deve ser produzido, com prazos curtos e dedicao total produo. Os desenhistas
passam em mdia 14 horas sobre as pranchetas para poderem entregar o desenho
a lpis, que ser revisado pelo estdio antes de ser mostrado editora para
finalmente ser aprovado. Geralmente um estdio recebe 22 pginas para serem
desenhadas a lpis e depois finalizadas com nanquim, e esse trabalho deve estar
pronto antes de um ms. Esse trabalho nunca tratado diretamente com o artista,
pois as grandes editoras norte-americanas somente negociam com agentes.
Por esse motivo o nmero de estdios e agenciadores no Brasil cresceu entre
o final da dcada de 80 e 2005. Bigjack, de Minas Gerais, Studio3, do Cear, e
Impacto, de So Paulo, so alguns estdios que alm de trabalhar no mercado
interno de quadrinhos, agenciam novos talentos para editoras norte-americanas.
Outro fenmeno encontrado dentro da atual produo dos quadrinhos
nacionais a influncia do mang no gosto dos novos artistas. Uma das revistas de
maior sucesso no Brasil, Holy Avenger, criada em 1999 por Marcelo Cassaro e rica
Awano para editora Trama, hoje Talism, o melhor exemplo.

143

Figura 23. Holy Avenger de Marcelo Cassaro e Erica Awano. Com texto
de Marcelo Cassaro e desenhos de Erica Awano mistura elementos de
RPG e mang. Fonte: GALERIA In: Holy Avenger. Disponvel em:
<http://www.holyavenger.com.br/home.htm>. Acesso em: 12 dez. 2005.

Baseada em elementos de RPG (role play game), a histria de Holy Avenger


mescla a fantasia de um mundo medieval fantstico com os traos do desenho
japons. Essa frmula j havia sido usada no Japo em outras histrias, como
Record of Lodoss War, Bastard e Berserk. O interesse pelo material produzido no
Japo cresce a cada dia e os encontros de fs vm aumentando desde 1998. Hoje
podemos contar mais de 20 eventos programados espalhados pelo Brasil que
renem aficcionados, editoras e artistas.
Em 2005, a produo dos quadrinhos nacionais apresentou poucos ttulos
fixos. Maurcio de Souza e Ziraldo so nomes que se mantm no mercado, enquanto

144

outros conseguem publicar sem regularidade, ou atravs de edies especiais e


lbuns.
Atualmente as principais editoras de histrias em quadrinhos so: Abril,
Panini, Devir, Ediouro, Globo, JBC, Mythos, Opera Graphica, Via Lettera, Talism e
Conrad. Destas, a Mythos, a Via Lettera, a Talism, pera Graphica, a Conrad e a
Devir tm publicado lbuns de artistas nacionais.

4.2 Quadrinho histrico brasileiro

Como havamos antes definido, histria em quadrinhos sobre temas


histricos, toda aquela narrativa que fala de um tempo passado, seja este recente
ou longnquo.
Vamos encontr-la em diferentes pases, com diferentes formas estticas,
mas com um nico sentido, que a manuteno das ideologias polticas e culturais
do pas. Na preservao de mitos, lendas, fatos ou em descries biogrficas, o
quadrinho histrico mantm e divulga a memria nacional.
Assim como em outros lugares do mundo, este tipo de histria em quadrinhos
s ir se manifestar plenamente a partir das dcadas de 40 e 50. As guerras que
assolavam o mundo, a busca de uma identidade nacional, as batalhas ideolgicas
entre americanos e soviticos, a movimentao poltica e a expanso da indstria da
comunicao foram fatores que ajudaram a fomentar editoras a publicar esse tipo de
material.

145

As narrativas que precedem esse perodo so, em sua maioria, ligadas ao


humor ou a aventura, tratando a Histria como pano de fundo, muitas vezes
utilizando situaes anacrnicas, como o caso de Prncipe Valente, de Harold
Foster. No Brasil, o gnero de maior aceitao entre os leitores sempre esteve
relacionado ao humor, pois os primeiros passos dados em direo s histrias em
quadrinhos vieram de artistas ligados a jornais e, conseqentemente, charge, ao
cartum e caricatura.
Porm, a revista O Tico-Tico j abordava aspectos da Histria do Brasil em
suas pginas, desde o incio at o final das publicaes na dcada de 60. Datas
comemorativas e grandes personagens da Histria faziam parte de edies
espordicas, segundo Merlo (2004). A revista tambm trazia reprodues de
quadros famosos que contavam passagens da Histria do Brasil, mas arte
seqencial de fatos histricos de forma regular ainda no havia sido publicada.

146

Figura 24. Almanaque O Tico-Tico 1957 com Drama de Borba Gato. O


Almanaque O Tico-Tico trazia histrias de personagens da Histria do
Brasil. Fonte: Drama de Borba Gato In: ALMANAQUE O Tico-Tico. Rio de
Janeiro, 1957, p. 20.

No final dos anos 30 e na dcada de 40, o editor Adolfo Aizen, responsvel


pela criao do Suplemento Juvenil, publicou lbuns em dois volumes sobre as
Grandes Figuras do Brasil. Muito antes deste perodo Aizen j havia demonstrado a
inteno de publicar quadrinhos histricos e didticos, pois acreditava ser a melhor
maneira de cativar e educar crianas e jovens. (GONALO JUNIOR, 2004)
Durante a dcada seguinte educadores, polticos e psiclogos tentaram
persuadir a populao e a opinio pblica dos malefcios que a leitura dos
quadrinhos poderia trazer a crianas e jovens. Dado a artigos baseados em relatos e
especulaes, os governos estadual e federal comearam a articular propostas de
regulamentao sobre a publicao de histrias em quadrinhos.

147

As editoras que lucravam com histrias de super-heris, contos de terror e


aventuras policiais procuraram uma maneira de atenuar a m impresso que estes
artigos haviam suscitado. Seguindo o exemplo de Aizen, outros editores, como
Roberto Marinho, procuraram lanar quadrinhos didticos. Em 1954, a RGE, de
Marinho, lana Romance em Quadrinhos e Enciclopdia em Quadrinhos, imitando as
revistas Edies Maravilhosas e Cincias em Quadrinhos, lanadas por Aizen na
EBAL.
A revista Vida Juvenil editada pela Sociedade Grfica Vida Domtica Ltda. foi
uma publicao que tambm reunia fatos cientficos com informaes sobre a
Histria. A revista tinha uma seo de cartas de duas pginas para as quais crianas
e adolescentes de todo o pas enviavam suas sugestes e casos para serem
transformados em quadrinhos em uma outra seo intitulada Heris da Vida Real.
A revista apresentava uma grande preocupao em atender aos pedidos e
opinio do pblico leitor, como podemos identificar neste trecho escrito pelo editor na
revista n 106, de 1. de setembro de 1954:
Conforme prometramos, aqui estamos para trazer uma
notcia: no prximo nmero faremos a apresentao de uma seo,
intitulada Relendo a Histria do Brasil. No pense vocs que o seu
aspecto ser o de um livro didtico, escolar, cheio de datas e de
nomes. Ser algo diferente de tudo que vocs j leram sobre nossa
Histria ptria, tendo o autor, Joo Guimares, pessoa altamente
reputada na Imprensa carioca, buscando abordar temas que
realmente interessam tanto ao estudante quanto ao leitor casual. A
preocupao do escritor mostrar a vocs pontos controvertidos na
nossa Histria, acerca dos quais tm surgido polmicas ardorosas
entre historiadores, polemicas essas de uma importncia, pois
freqentemente redundam em estudos profundssimos, que vm,
destarte, esclarecer equvocos cometidos h muitos anos, e que so,
realmente, difceis de reconhecer, dada a poeira do tempos que os
ocultam.
Podemos afianar que tudo o que o autor denega em
Relendo a Histria do Brasil foi fruto de pesquisas, de leituras, de
reflexes, pelas quais Joo Guimares assume inteira

148

responsabilidade e se oferece para sanar possveis dvidas que


venham a surgir no decorrer da seo. (VIDA JUVENIL, 1954, p. 1).

Nessa mesma edio, podemos encontrar a adaptao para quadrinhos da


vida do jogador Wassil, do Amrica do Rio. A narrativa procura passar todos os
dados do personagem, mas, como outros quadrinhos da poca, se trata de um texto
ilustrado e no de uma histria em quadrinhos. No havia uma narrativa dinmica
como aquelas apresentadas pelos heris norte-americanos, a exemplo do Falco
Negro, personagem que podemos verificar tambm nessa mesma edio da revista.
Pelo texto do editor podemos verificar a preocupao que os editores tinham
no trabalho com a Histria do Brasil. Mesmo assumindo o papel de inovadores,
existe uma busca no sentido de legitimar o trabalho, que obviamente engessava a
criatividade no roteiro e na narrativa visual.
Alm de Grandes Figuras do Brasil, a editora lanou Grandes Figuras em
Quadrinhos e Biografias em Quadrinhos, publicaes que foram reeditadas nas
dcadas de 1960 e 1970, quando a editora entrou em declnio. Outras sries ligadas
a fatos histricos foram Srie Sagrada e Epopia.
A Srie Sagrada era uma estratgia de Aizen para convencer o clero de que
os quadrinhos nada tinham de pernicioso. A revista trazia a histria de santos da
Igreja Catlica e era muito bem aceita pelo pblico em geral. Porm, no era
lucrativa para a empresa, apesar do custo de sua produo ser atenuado pelo
subsdio do papel que o editor conseguira na poca de Getlio Vargas.
A revista Epopia, por sua vez, trazia contos e histrias de diferentes pases,
mostrando sagas de personagens histricos, como Marco Plo, Napoleo

149

Bonaparte, Ricardo Corao de Leo, etc. Entre as histrias importadas, havia


algumas publicaes nacionais, como a histria j citada, Retirada da Laguna, cujo
texto original foi escrito pelo Visconde de Taunay. Na adaptao, o trabalho coube a
Gutemberg Monteiro.
Nas dcadas seguintes, a Editora EBAL fez um trabalho de reimpresso
deste material, e dificilmente trabalharia com lanamentos sobre quadrinhos
histricos, a no ser em edies especiais e comemorativas. Na dcada de 70, alm
destas reimpresses algumas iniciativas isoladas e espordicas tentavam manter o
pensamento sobre a importncia da produo didtica. Sem subsdios e com pouca
chance de retorno financeiro, as editoras gradativamente deixaram de trabalhar com
estes ttulos. Um exemplo foi revista Crs, da editora Abril, que tentou seguir uma
linha com artistas nacionais e publicar a Histria do Brasil em quadrinhos. Conseguiu
sobreviver apenas por um ano.
As revistas da EBAL sobre quadrinhos histricos foram reimpressas at 1984
e, durante a dcada, publicaes espordicas que versavam sobre temas histricos
foram produzidas de norte a sul por diversas editoras. Elias Alves publicou, em 1980,
as Lendas Indgenas, pela Fundao Cultural do Esprito Santo; em 1981, a Pastoral
da Periferia de Salvador editou Histria do Brasil em quadrinhos, com texto e arte de
Paulo Maria Tonucci; Antonio Carlos Gomes e Gerson M. Theodor produziram
Palmares em Quadrinhos, em 1984; Hlio Guimares Cardoni faz A Conquista do
Acre em quadrinhos para Fundao de Desenvolvimento dos Recursos Humanos da
Cultura e do Desporto, em 1985; Tabajara Ruas e Flvio Colin produziram A Guerra
dos Farrapos, pela L&PM em 1985; Luiz Antonio Aguiar e Jlio Shimamoto fizeram
Nos tempos de Madame Sat, em 1986; A Fundao de Curitiba possibilitou o

150

projeto Republica Jaguna, de Zuateg, em 1986; Em 1987, Flvio Calazans lanou


Guerra das Idias, pela editora Marca de Fantasia.
A Histria do Brasil em quadrinhos, entre os anos de 1980 e 1990, quase
sumiram de circulao, mas nos anos 90, uma quantidade maior de histrias foi
produzida. A comemorao dos 500 anos de descoberta do Brasil incentivou rgos
municipais, estaduais e federais a patrocinar publicaes que tivessem relao com
o tema. Esta onda tambm atingiu artistas e pesquisadores que decidiram abraar o
tema gerando histrias muito interessantes sob um novo vis histrico.
Algumas das publicaes do perodo foram: Revoluo de 93: legenda dos
desgarrados, de lvaro Barreto, em 1993; Histria de Curitiba em quadrinhos: das
origens proclamao da Repblica, de Cassiana Lacerda Carollo e Cludio Seto,
em 1993; Sep Tiaraju: histria das runas de So Miguel, de Alcy Cheuiche, em
1994; Histria do Tetra em quadrinhos, de Alexandre Dias e Alexandre Montandon,
em 1994; Maring: esta histria nossa, de Cssia Martins Arruda e Roberto
Bertola, em 1995; Rio Rio: a histria do Rio de Janeiro em quadrinhos, de Renata de
Faria Pereira, em 1997; Histria do Colgio Marista So Jos: uma viagem no
tempo, de Renata de Faria Pereira, em 1998; Klvisson, com Lampio: era o cavalo
do tempo atrs da besta da vida em 1998; O achamento do Brasil: a carta de Pero
Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel, de autoria de Henrique Campos Simes e
Reinaldo Rocha Gonzaga, em 1999; Adeus chamigo brasileiro: uma histria da
Guerra do Paraguai, de Andr Toral, produzida em 1999.

151

Figura 25. Adeus Chamigo Brasileiro, de Andr Toral. Mostra uma guerra
do Paraguai mais intimista e humana, romanceada. Fonte: GUSMAN, S.
Quadrinhos a servio da (Boa) Educao. In: Universo HQ. Disponvel em:
<http://www.universohq.com.br/quadrinhos/beco_01.cfm>. Acesso em: 18
dez. 2005.

Lanado durante o ano 2000, em comemorao aos 500 anos do


descobrimento, o trabalho de quadrinizao da fundao da Vila de So Vicente, a
primeira do Brasil, levou quase um ano e representou uma mescla de pesquisas
envolvendo historiadores locais e bibliografias levantadas pelos roteiristas; mostrava
a saga de Martim Afonso de Souza, o comandante portugus encarregado de tomar
posse e fundar uma vila no Brasil.
Os artistas Amilton Santos e Ccero Sildenberg, juntamente com os roteiristas
Gabriel Barazal e Rodrigo Piovezan, criaram uma viso diferente e herica do
personagem. Assim como fazem os japoneses em algumas adaptaes, a histria
do Governador Geral do Brasil foi romanceada e vrios elementos foram
acrescentados, dando-lhe, assim, uma caracterstica novelesca. A mesma influncia
que os desenhistas brasileiros da dcada de 1940 e 1950 tiveram dos comics norte-

152

americanos e dos portugueses, podemos encontrar neste trabalho. Em alguns


momentos, fica clara a influncia dos super-heris no desenho da anatomia dos
personagens e no enquadramento das cenas.

Figura 26. A Saga de Martim Afonso. Produzida pela Secretaria da


Cultura de So Vicente em 1999, foi um trabalho realizado a oito mos,
entre desenhistas, roteiristas, colorista e letrista. Fonte: BARAZAL, G. A
Saga de Martim Afonso. So Vicente: Secretaria da Cultura de So
Vicente, 1999.

Outras quadrinizaes sobre fatos e lendas locais foram feitas com incentivo
da Secretaria da Cultura do Municpio de So Vicente e do Governo do Estado e
esse movimento transformou a cidade em um forte centro de referncia de
quadrinhos na regio do litoral paulista.
Alm da primeira revista em quadrinhos desse projeto, sobre a lenda do
monstro Hipupiara, a Secretaria da Cultura, em parceria com o jornal A Tribuna,
publicou, durante o ano de 2000, histrias em quadrinhos que contavam sobre as
primeiras manifestaes econmicas, polticas e culturais de So Vicente. Alguns
dos artistas no tinham seus trabalhos publicados em veculos de comunicao de

153

massa e esta experincia trouxe a pblico novos talentos, como rika Saheki, Bill
Silva, Cristiano Arco e Flexa e Fbio Tatsub. O mesmo Tatsub publicou dois anos
depois a histria dos imigrantes japoneses que trouxeram o karat para regio na
revista em quadrinhos Okinawa te/ Mos de Okinawa.
Seu exemplo foi logo seguido pelas cidades vizinhas de Santos e Bertioga,
onde artistas da regio comearam a pensar em projetos relacionados Histria do
Brasil, visto que o poder pblico se mostrou interessado nesta produo.
Na cidade de Santos, a Secretaria de Cultura, em parceria com a COSIPA
(Companhia Siderrgica Paulista), patrocinou a adaptao da vida de Jos Bonifcio
aos quadrinhos no ano de 2001. A narrativa mostrava o personagem falando sobre
suas lutas e descobertas em forma de flashbacks. Esse trabalho foi desenvolvido por
Alexandre Barbosa e contou com a colaborao dos pesquisadores da Universidade
Catlica de Santos para a reviso histrica e iconogrfica.
O objetivo do trabalho

foi mostrar fatos desconhecidos da vida de Jos

Bonifcio e buscar uma narrativa voltada a crianas e adolescentes, de forma


simples e com imagens dinmicas. Barbosa foi responsvel pelos desenhos e pela
criao esttica da revista, alm de escrever o roteiro. A arte final ficou nas mos de
Wagner de Almeida Rosa e a colorizao da capa foi de Roberto Viriato Miranda. O
trabalho foi republicado no ano seguinte com pequenas revises. (BARBOSA, 2001).
As imagens buscavam uma mescla de estilos entre o mang e os comics,
uma esttica muito explorada entre artistas famosos no circuito comercial de
quadrinhos, como o brasileiro Roger Cruz e o norte-americano Joe Madurera. A
capa foi colorida digitalmente e o miolo em preto e branco, por dois motivos: baratear
o custo final e dar uma oportunidade para as crianas colorirem a revista elas

154

mesmas. A produo tornou-se uma referncia entre professores da rede municipal


de ensino.

Figura 27. Revista Jos Bonifcio, o desbravador. De Alexandre Barbosa,


produzida para Prefeitura de Santos, em 2001, mistura elementos
americanos e japoneses na construo da narrativa. Fonte: BARBOSA, A.
Revista Jos Bonifcio, o desbravador. Santos: Secretaria de Cultura de
Santos, 2001.

Em Cubato, cidade tambm vizinha, o artista Andr Luiz fez a Histria de


Cubato com aval da prefeitura municipal, para comemorao do 53 aniversrio do
municpio. Essa edio de 28 pginas veio coroar o trabalho do artista, que sempre
fez quadrinhos voltados a questes sociais como AIDS e o Estatuto da Criana e do
Adolescente.
No ano de 2005, ainda na regio de So Vicente, o professor Joo Igncio
publicou, pela prefeitura, a sua Histria de So Vicente, uma revista em quadrinhos
resultado de anos de pesquisa. Igncio j havia publicado anos antes a Lgica em
Quadrinhos, juntamente com Jair Minore Abe, pela editora Emmy. O trabalho de

155

Igncio consiste em trechos do texto ilustrados em forma de histrias em


quadrinhos, com uma tcnica de autodidata.
Podemos notar que o final do sculo trouxe de volta o interesse pela
produo de histrias em quadrinhos histricos, mas, no novo sculo, alm das
novas referncias fornecidas pelos historiadores por meio de de artigos, pesquisas e
revistas como Histria Viva, Nossa Histria e Super Interessante Histria os autores
contam com outro recurso, a Internet.
Entre as novas publicaes esto: Subversivos: a farsa, de Andr Diniz
(2000); A classe mdia agradece, de Andr Diniz (2003); Bertioga bero da histria
do Brasil, escrita pelo ento prefeito Lalson Gomes e desenhada por Walmir
Archanjo, Wagner de Almeida Rosa e Emlio Barazal (2003); Galvez, imperador do
Acre, de Domingos Demasi e Mrcio Souza (2004).
Da mesma forma, as adaptaes de Flvio Colin, com Coronel Fawcett
(2000), Andr Diniz, com Chalaa (2005), Lailson, com Pindorama (2001), J
Oliveira, com Hans Staden (2005) e Allan Alex com Zumbi de Palmares (2002),
trouxeram luz personagens histricos com uma nova abordagem.

156

Figura 28. Reino Divino de J de Oliveira. Os quadrinhos com temas


histricos passam a ter novas narrativas tanto no texto, quanto na imagem,
mais apropriadas ao pblico. Fonte: OLIVEIRA, J. Hans Staden : um
aventureiro no Novo Mundo. So Paulo: Conrad Livros, 2005.

Todas essas adaptaes traduzem uma nova viso em relao Histria do


Brasil em quadrinhos, bem diferente daquelas adotadas nas dcadas de 1940 e
1950. Os artistas atuais procuram evidenciar a problemtica dos menos favorecidos
e contar uma Histria diferente daquela ensinada nas salas de aula, em pocas
passadas. No entanto, ainda assim, pode-se afirmar que os quadrinhos histricos no
Brasil enfrentam, neste momento, uma situao de marasmo, visto que existem
poucas iniciativas na produo desse tipo de literatura.

157

5 A EDITORA EBAL E OS QUADRINHOS HISTRICOS

5.1 Editora EBAL e a dcada de 50

A EBAL foi uma das maiores representantes do quadrinho nacional, mesmo


trabalhando com uma mescla de material importado. A editora teve incio na dcada
de 40, mais exatamente em 18 de maio de 1945, quando Adolfo Aizen deixa o
projeto chamado Grande Consrcio e parte para o seu projeto, mais ousado. As
mudanas que a empresa de Aizen sofreu e a evoluo que obteve foram reflexos
de uma poca.
Os anos 1950, no Brasil, trouxeram uma srie de modificaes sensveis no
cotidiano do povo. Para comear, o sonho megalomanaco do ento presidente
Juscelino Kubitschek de construir, no centro do pas, a capital era o carro chefe de
toda essa mudana.
Seu Programa de Metas, a frase avanar 50 anos em 5 fez com que o pas
acabasse abraando a ideologia da modernidade, do progresso a todo custo. Essa
forma de pensar alastrou-se e viu guarita nos estados de So Paulo e Rio de
Janeiro, onde a efervescncia cultural e industrial foi aparentemente maior.
A Volkswagen, a Ford, a Scania-Vabis, a Mercedes e muitas outras indstrias
instalam-se no Brasil. Foram US$ 2,180 bilhes de investimentos externos a
indstria automobilstica construiu mais de 321 mil veculos entre 1955 e 1961, com
um aumento de 90% na meta prevista.

158

A palavra novo estava em todos as bocas de norte a sul, pois


ela rotulava com exatido o esprito da poca. Em 1955, o diretor
Nelson Pereira dos Santos lanou o filme Rio 40 graus, dando
partida ao Cinema Novo. Em So Paulo o Manifesto Concretista,
idealizado por Dcio Pgnatari e pelos irmos Augusto e Haroldo
Campos, propuseram nada menos que uma poesia de exportao.
No teatro, movimentos de renovao como os grupos Oficina e
Arena pem no palco propostas cnicas radicais. No Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), intelectuais formularam um
programa de modernizao nacional a partir de uma anlise do Brasil
calcada na oposio entre a velha e a nova sociedade. Viveu-se, em
todos os terrenos, a conscincia dessa passagem, desencadeadora
no s de esperanas como tambm de generalizada euforia. Houve
quem dissesse que naqueles anos dourados no havia quem,
conversando com amigos por telefone, no escutasse, tambm, o
tilintar do gelo do copo de usque (NGELO, 1992, p. 29).

Esse aspecto da sociedade brasileira desse perodo, aliado nova mdia que
tomava conta do pas, a televiso, transformou a imagem, o apelo visual, em foco de
ateno da populao. Uma linguagem diferente das dcadas anteriores estava
despertando. Essa busca de identidade atiou questes na rea sociolgica e na
opinio pblica.
Estvamos em plena Guerra Fria, Cuba via surgir a guerra civil e a
Revoluo, os Estados Unidos exportavam sua cultura atravs dos filmes, da TV, da
msica e dos quadrinhos. Os jovens eram o principal foco de ateno desse conflito
de ideologias.
Em meio a este turbilho surge a editora Brasil-Amrica Limitada, a EBAL,
fundada por Adolfo Aizen. O registro de Aizen dizia ser natural de Juazeiro, na
Bahia, nascido em 1907, (na verdade ele nascera na Rsssia) e mudou-se para o
Rio de Janeiro com 15 anos de idade. Em 1945, fundou a editora com a revista O
Heri.

159

Aizen, alm de publicar, no Brasil, personagens de quadrinhos norteamericanos, abriu espao para desenhistas nacionais com sries Edies
Maravilhosas (mais tarde editadas como Clssicos Ilustrados), Grandes Figuras do
Brasil, Histria do Brasil e Epopia.
Estas revistas eram uma resposta de Aizen s crticas que estavam sendo
feitas em relao aos quadrinhos. Socilogos e acadmicos colocavam os
quadrinhos como um dos responsveis pela delinqncia juvenil.
Segundo Cirne (1977, p. 11): Durante muito tempo as histrias em
quadrinhos foram tidas e havidas como subliteratura prejudicial ao desenvolvimento
intelectual das crianas. Socilogos apontavam-nas como uma das principais causas
da delinqncia juvenil.
Com a publicao das revistas, Aizen pretendia mostrar que era possvel as
histrias em quadrinhos participarem da vida cultural do pas de forma positiva.
O Brasil vivia, como j afirmamos, um momento de agitao em diversas
reas, e isto podia ser notado de forma explcita no setor artstico e cultural. Ferro
(1999) nos diz que as ferramentas para se controlar o passado e legitimar as
dominaes e as rebeldias so: filmes, televiso, livros didticos e quadrinhos.
O cinema brasileiro dava um passo importante buscando uma linguagem
realista no Cinema Novo, de Nelson Pereira dos Santos. O pas queria a
modernidade, ou assim se pensava nos grandes centros. No nos cabia mais as
chanchadas da Atlntida e da Vera Cruz. Eram tempos de neo-realismo e o embrio
desse pensamento foi sem dvida o cinema. Era reflexo da intelectualidade
brasileira.

160

Alm do cinema, o teatro foi um fator muito importante para esta nova
conscincia de brasilidade. Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, Augusto Boal que
procuravam em peas, como por exemplo Eles No Usam Black-tie, mostrar o
cotidiano dos trabalhadores. Buscar um estilo autntico e brasileiro tambm era
meta do teatro.
Na pintura, o grande nome era Portinari. Seus quadros refletiam aspectos da
cultura brasileira, como os bias-frias. Na literatura, Joo Cabral de Melo Neto e
Guimares Rosa davam voz ao serto e ao construtivismo literrio. O modernismo
de 1922 renasceu na virada dos anos 50 para os 60. Dcio Pignatari, Haroldo e
Augusto de Campos com a poesia buscavam projeo internacional para a cultura
brasileira, mas antes de tudo buscavam uma cultura brasileira.
Os quadrinhos, como arte de massa, no estavam longe desta participao
no cenrio brasileiro.
Classificar os quadrinhos como arte de massa segundo conceitos da poca,
no se enquadra aos ideais de Aizen. A definio do Papa Pio XII, em sua
radiomensagem de Natal de 1944 (apud Fideli Cultura popular, cultura de elite,
cultura

de

massa

In:

Artigos

Veritas.

Disponvel

em:

<http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=politica&artigo=cult
ura&lang=bra>. Acesso em: 12 jun. 2004) diz que:

[...] povo formado por indivduos que se movem por


princpios ativos. Ele, o povo, ativo agindo conscientemente de
acordo com determinadas idias fundamentais, das quais decorrem
posies definidas diante das diversas situaes. J massa, ao
contrrio, no passa de amlgama de indivduos que no se movem,
mas so movidos por paixes. A massa sempre, e
necessariamente, passiva. Ela no age racionalmente e por sua

161

conta, mas se alimenta de entusiasmos e idias no estveis.


sempre escrava das influncias instveis da maioria, das modas e
dos caprichos que passam.

Os quadrinhos de Aizen queriam mostrar outra possibilidade como arte de


massa que no esta de subproduto cultural.
Cirne (1975) nos mostra que os quadrinhos brasileiros sempre levantaram
questes significantes da cultura, da sociedade e do comportamento.
As revistas didticas foram, sem dvida, as principais ferramentas de Aizen
para tentar reverter o status cultural do quadrinho. certo que a EBAL publicou
outras sries com esse intuito, como caso da Srie Sagrada, responsvel pelos
quadrinhos contando as biografias de Santos da Igreja Catlica. Seria uma
estratgia comum em um pas catlico como o nosso, por este motivo no podemos
deixar de pensar que todos os lanamentos da editora eram bem planejados.
Na revista Epopia, nmero 47, publicada em junho de 1956, podemos ver
uma matria na segunda capa sobre a visita do novo Ministro da Educao Dr.
Clvis Salgado. A matria diz:
Em dias de maro ltimo, a Editora Brasil-Amrica teve a
satisfao de conviver por algumas horas com o Sr. Ministro da
Educao, Dr. Clvis Salgado. Teve S. Ex. o ensejo de visitar todas
as salas de trabalho do Reino Encantado das Histrias em
Quadrinhos, onde se deteve demoradamente em palestra com
inmeros dos nossos colaboradores, colhendo em fonte direta as
informaes necessrias.

162

Nesta foto vemos S. Ex. quando folheava Cincias em


Quadrinhos, uma das publicaes desta Editora para todas as
idades. Nessa oportunidade, o nosso Diretor teve ocasio de ouvir
do Ministro Clvis Salgado palavras elogiosas pela obra por ns
realizada e que o titular da Pasta do Governo do Presidente
Juscelino Kubitschek considera como de grande futuro para
educao do povo. (EPOPIA, 1956, p.2)

Podemos perceber o grau de importncia que assume esse tipo de


publicao, no s para a editora como tambm para o Ministrio da Educao do
Brasil, ou assim queria Adolfo Aizen que pensssemos.
Na mesma revista podemos ler outras matrias que nos do esta indicao.
Uma delas diz:
Deputado Ranieri Mazzili almoou em nossa companhia
(ttulo). Figura das mais exponenciais da cultura brasileira, o
Deputado Ranieri Mazzili aqui aparece quando, em um dos dias
caniculares de maro ltimo, almoou em nossa Editora,
acompanhado do Cnego Antnio de Paula Dutra. Aps o almoo
que se realizou na maior intimidade, como j de praxe dos almoos
quartaferinos desta Casa, o Deputado Ranieri Mazzili percorreu
todas as nossas instalaes, congratulando-se com a Direo pelo
ambiente sadio de trabalho que aqui encontrou. (EPOPIA, 1956,
p.2).

163

Na foto desta matria podemos ver o Deputado Mazzili, Aizen e o Cnego


Dutra, mostrando claramente uma idia de cordialidade entre os trs. Pois temos a
uma forma de oficializar o quadrinho da EBAL, estando presentes o poltico e o
religioso, um fator analisado em Ferro (1999) que prope que so os poderes
dominantes, o Estado e a Igreja, os partidos polticos ou os interesses privados que
produzem ou financiam livros didticos ou histrias em quadrinhos, filmes e
programas de televiso, foras que conseguem controlar a Histria e, por
conseguinte, legitimar-se.
Seriamos levianos ao julgar o posicionamento de Aizen neste momento da
Histria, afinal, o pas e o mundo passavam por srias modificaes sociais, mas
principalmente ideolgicas. Nos Estados Unidos, principal fornecedor desse gnero
de expresso artstica, comeava a caa as bruxas do Senador Joseph McCarthy
aos artistas comunistas. Em relao aos quadrinhos, outro Senador, Robert C.
Hendrickson, baseado nas teorias do livro the Seduction of the Innocent, do
psiquiatra alemo Frederic Wertham, j citado, procurava censurar todas as revistas
que ele julgava conter terror, violncia, sexo, preconceito e ideologias comunistas.
(GONALO JUNIOR,2005)
O editor procurava, com essa atitude, afastar do Brasil o fantasma da censura
aos quadrinhos que estavam sofrendo os artistas norte-americanos. Podemos notar
essa preocupao apresentada tambm na revista Epopia nmero 47, que fala
sobre as publicaes de quadrinhos nos Estados Unidos. O texto diz:
O que dizem as nossas outras revistas... O heri deste ms
publica em sua segunda capa a notcia de que os Estados Unidos,
onde os mtodos educacionais j atingiram o mximo
desenvolvimento, as histrias em quadrinhos vm obtendo alta
receptividade nos estabelecimentos de ensino. Vrias teses sobre
esse assunto foram preparadas por professores da prestigiosa

164

Carver School, da Carolina do Norte e uma delas recomenda as


histrias em quadrinhos para o enriquecimento do currculo escolar.
(EPOPIA, 1956, p.2)

Essa, com certeza, era outra estratgia de Aizen para colocar os quadrinhos
como integrante importante da formao cultural brasileira, a divulgao direcionada
de assuntos sobre quadrinhos e sua utilizao didtica. Podemos perceber nesSas
atitudes uma manipulao da retrica.
Como vimos, essas revistas buscavam aprovao de vrias maneiras. Uma
tentativa de enquadramento no modelo nacional, uma forma de referncia cultural
para aqueles que buscavam a Histria.
As capas da revista Epopia, por exemplo, geralmente eram pintadas mo
pelo artista Antnio Eusbio e na contracapa sempre se podia encontrar uma
reproduo de algum artista brasileiro famoso ou de importncia para histria da arte
no pas. O interior das revistas nem sempre era feito por artistas nacionais, mas um
dos que mais participou da produo de Epopia e foi bem solicitado, foi Gutemberg
Monteiro. Ele criou naquele perodo, juntamente com alguns eleitos de Aizen, uma
escola, um estilo de quadrinho brasileiro.
Na poca, muitos artistas tinham uma similaridade no trao, pois buscavam
inspirao nos trabalhos publicados nos Estados Unidos. Andr Le Blanc, Nico
Rosso, Ivan Wash Rodrigues, Eugnio Colonesse, formavam a linha de produo da
EBAL e sofreram influncia do mercado norte-americano.
Se compararmos o trabalho publicado na revista Sargento Rock, tambm da
EBAL, desenhada pelo norte-americano Joe Kubert, vamos ver a similaridade nos
traos de vrios brasileiros. Esse artista norte-americano comeou como auxiliar, no

165

estdio de Will Eisner, criador do personagem Spirit, aos 12 anos de idade.


Naquela poca, o estdio de Eisner tinha um projeto de fazer histrias para o
exrcito dos Estados Unidos, e Kubert abraou essa idia tambm. Ele foi
responsvel por diversos ttulos didticos e histricos sobre as Foras Armadas.
Kubert sofreu uma mescla de influncias, de Alex Raymond criador de Flash
Gordon e do prprio Eisner.

Figura 29. Sargento Rock de Joe Kubert. Fez sucesso nas dcadas de 50
e 60 desenhando histrias sobre a Segunda Guerra. Fonte: KUBERT, J.
Sargento Rock. Rio de Janeiro: EBAL, 1967, capa.

O desenho desse artista joga com as sombras e com a luz, utilizando as


hachuras para criar tramas, mas no os meio tons de cinza, esta tambm uma
caracterstica de Eisner. De Alex Raymond podemos perceber o cuidado em narrar
visualmente a Histria, o enquadramento cinematogrfico.
Nas tomadas e ngulos utilizados na confeco de histrias como A retirada
de Laguna, publicada na Epopia nmero 42, de 1956, podemos perceber um
enquadramento similar ao de Kubert, mas o trao em si, bem diferente. Gutemberg

166

Monteiro, responsvel por essa adaptao, procurava uma esttica nacional, na


busca de rostos que lembrassem latinos, porm, em alguns instantes, seu desenho
ficava um tanto quanto caricato. Isso de forma alguma desprestigiou seu trabalho,
apenas denota o esforo para marcar bem as diferenas.
Esses trabalhos eram bem valorizados pela editora EBAL. Em cada revista
que encontrvamos um desenhista brasileiro podamos ver: desenhos nacionais de
.... Essa era uma maneira de chamar ateno para os quadrinhos nacionais, pois
nos trabalhos feitos por estrangeiros geralmente no era possvel encontrar os
crditos.
Como podemos perceber, existia, por parte dos artistas, uma busca da
modernidade, com aquilo que era sucesso nos chamados pases de primeiro mundo
e, no caso dos quadrinhos, os Estados Unidos era a referncia. Mas e quanto
linguagem escrita, qual o discurso? Seria este um discurso integrado a esta idia de
modernidade, assim como na pintura, no cinema, na literatura e no teatro? Ao que
tudo indica, no.
Segundo Bakthin (1999, p.33):
No domnio dos signos, isto , na esfera ideolgica, existem
diferenas profundas, pois este domnio , ao mesmo tempo, o da
representao, do smbolo religioso, da frmula cientfica e da forma
jurdica, etc. Cada campo de criatividade ideolgica tem seu prprio
modo de orientao para a realidade e refrata a realidade sua
prpria maneira. Cada campo dispe de sua funo no conjunto da
vida social. seu carter semitico que coloca todos os fenmenos
ideolgicos sob a mesma definio geral.

O texto que encontramos em Epopia no condiz com a esfera de mudanas


que pairava no campo artstico. Seu discurso bem integrado ao Estado, condizente

167

apenas com a busca da estabilidade ideolgica em relao Histria Oficial que se


buscava naquele instante.
Ainda na revista Epopia, nmero 42, que fala da guerra com o Paraguai, na
pgina 4, o texto do 4 e 5 quadros dizem respectivamente:
Em todas as cidades brasileiras a revolta era a mesma e
Uma onda de indignao galvanizou o Brasil inteiro. No era
possvel deixar sem resposta tanto insulto, tanta indignidade. E tudo
se improvisou. Criaram-se batalhes Voluntrios da Ptria. Das
grandes cidades do litoral s modestas vilas do serto, o corao
brasileiro bateu num s compasso. E todos se apresentaram a
atender ao chamado da Ptria. Na verdade o que tivemos na
histria foi uma participao ativa da populao do sul do pas. Os
outros estados forneciam soldados na forma de escravos procurando
alforria ou pessoas sem ofcio que buscavam atravs do soldo uma
promessa de vida melhor. Muitos desertaram no meio do caminho.
(EPOPIA, 1956, 4)

A guerra com o Paraguai foi um dos episdios histricos brasileiros que criou
a idia de Nao. Os jornais do pas trataram de colocar para todo o povo que o
conflito era um insulto honra dos brasileiros, criando assim um elo entre as
regies que ainda no existia.

168

Figura 30. Retirada de Laguna, na Revista Epopia. Na revista Epopia


nmero 42 encontramos a histria da Retirada de Laguna. No 5 quadro,
temos uma nota fictcia sobre a integrao nacional. Fonte: MONTEIRO,
G. Retirada de Laguna In: Revista Epopia. Ed. 42, Rio de Janeiro: EBAL,
1956, pg. 4.

O elo que existe entre a idia de gerar o conceito de nao vindo da guerra
do Paraguai e o perodo, o final da dcada de 50, muito claro. Naquele instante, na
guerra, a comunicao criou um inimigo fsico. Na dcada de 50, o inimigo era
invisvel, mas presente. A idia de nao, com aspectos culturais claros e slidos,
era a grande meta dos artistas e intelectuais, uma batalha que foi travada com as
mais diferentes armas e vises do que se via na realidade da cultura brasileira.
Uma cultura fundamentada no popular, como explica Luyten (1988, p. 7):

169

O Brasil um bom exemplo histrico de deficincia crnica de


sistemas comunicacionais: de seu descobrimento at 1808, no
houve imprensa regular no pas. Boa parte dos livros existentes tinha
a sua circulao dificultada. Somente em 1808, com a vinda de D.
Joo VI, passamos a ter jornais e impressos prprios. A nossa
universidade mais antiga, a USP, completou 50 anos em 1984. As
cifras mais otimistas colocam o analfabetismo em cerca de 20%, mas
ningum se preocupa em verificar o teor da educao nos 80%
restantes. Em suma, sempre houve uma pequena elite atuante mas
a grande parcela do povo manteve-se perenemente margem dos
acontecimentos e, o que pior, ficou privada dos benefcios do
progresso.

Bakthin (1981) diz que a criatividade ideolgica refrata a realidade. Naquele


instante o necessrio para o quadrinho era manter-se distante das reprovaes
possveis do Estado e da sociedade. Vale lembrar mais uma vez que o crescimento
econmico e a ideologia da modernidade faziam com que a maioria da populao
brasileira acreditasse nas metas do Governo, no sobrando muito espao para as
contestaes.
Bordieu (2001, p. 297) afirma que:
[...] o livre jogo das leis de transmisso cultural faz com que o
capital cultural retorne s mos do capital cultural e, com isso,
encontra-se reproduzida a estrutura de distribuio do capital cultural
entre as classes sociais, isto , a estrutura de distribuio dos
instrumentos de apropriao dos bens simblicos que uma formao
social seleciona como dignos de serem desejados e possudos.

O que Aizen queria nada mais era que legitimar sua forma de expresso
artstica, assim como outros agentes da cultura brasileira.

170

5.2 Estrutura narrativa das histrias em quadrinhos histricos da EBAL na


dcada de 50

Desde a dcada de 40, Aizen trabalhava com material importado dos Estados
Unidos nos seus suplementos e depois em suas revistas. Este material negociado
atravs de Alfredo Machado refletia o que de mais recente era publicado em jornais
e revistas norte-americanas.
Diferente das histrias produzidas no Brasil no final do sculo XIX e comeo
do sculo XX, que eram repletas de humor e crticas sociais relacionadas poltica e
aos costumes, as histrias que Aizen negociava com Machado eram aventuras que
reviviam o mito do heri.
O gnero fazia um grande sucesso entre adolescentes e adultos, e a
proliferao de ttulos e personagens crescia da tal maneira que educadores,
polticos e religiosos passaram a questionar a avidez dos leitores e o contedo
destas histrias.
Para o pblico norte-americano era fcil entender o sucesso destes
personagens, pois desde o sculo XIX os folhetins, revistas e livros baratos vinham
contando as histrias de heris desbravadores, principalmente aqueles que
participaram da conquista do oeste.
Como no lembra Eco (1976), a mitificao da imagem sempre foi natural
humanidade, visto que a estrutura religiosa, principalmente na Idade Mdia, se valia
dela para a fixao de conceitos e ideologias.

171

Trabalhar com uma narrativa mtica a base do trabalho com o heri,


principalmente os super-heris. Um exemplo claro o Superman, criado por Jerry
Siegel e Joe Shuster em 1933. Como Eco (1976, p. 246) demonstra: O heri dotado
de poderes superiores aos do homem comum uma constante da imaginao
popular, de Hrcules a Siegfried, de Roldo a Pantagruel e at Peter Pan.
Na construo da narrativa histrica dos quadrinhos, os personagens acabam
recebendo uma conotao similar. Na estrutura inicial da narrativa, que o prprio
documento histrico, o personagem recebe seu papel de maior ou menor
importncia na construo do fato. Este grau de importncia ser a base para
confeco do quadrinho.
Como vimos anteriormente, a transposio de um meio para outro passa por
uma srie de problemas devido s diferenas da linguagem inerente ao meio. Na
passagem de um fato histrico para histria em quadrinhos o suporte permanece o
mesmo, porm as estruturas narrativas se modificam. Existe a necessidade do jogo
entre o escritor e o leitor para o entendimento das idias e imagens os quais o autor
procura transpor para sua narrativa. Nos quadrinhos a juno de elementos um
forte diferencial, pois o texto interage com as imagens gerando uma leitura de
elementos hbridos.
Para analisar a narrativa dos quadrinhos histricos precisamos levar em conta
vrios elementos.
Em primeiro lugar, a narrativa textual baseada no relato histrico. No caso dos
trabalhos realizados para a editora EBAL na dcada de 50, o editor Aizen tinha a
preocupao sobre a fundamentao da pesquisa e da estrutura gramatical
empregada nos quadrinhos. Os responsveis pela pesquisa e pelo texto eram

172

basicamente Nair da Rocha Miranda, Eduardo Barbosa, A. de Miranda Bastos e


Pedro Ansio. A preocupao com a informao e com a estrutura gramatical do
texto gerava histrias com uma narrativa engessada, ou seja, uma narrativa sem
versatilidade e pouco criativa. Isto se deve existncia de diferentes graus de
quadrinizao.
Segundo Cagnin (1975, p. 140):
A literatura um sistema representativo que se utiliza
exclusivamente de signos lingsticos para compor uma obra, montar
uma mensagem ou representar um ser real ou fictcio. Ela se utiliza
de um s sistema sgnico, homognea. O mesmo no se d com
as HQs. Na maioria dos casos, ocorre a juno dos dois sistemas, o
icnico e o lingstico, em que nem sempre h uma fuso com
igualdade de funes, mas a predominncia de um sobre o outro,
tornando-se, em alguns casos, o elemento subordinado mero
complemento, s vezes redundante [...]

O grau de quadrinizao marcado pela participao de um sistema sobre o


outro no conjunto significante da narrativa. Teramos a seguinte tipologia em relao
ao grau de quadrinizao, conforme Cagnin (1975):
1.

Livros com histrias ilustradas, em que a imagem um elemento


decorativo. A palavra fixa o sentido da imagem e complementada por
ela, mas dispensar-la-ia facilmente, pois mesmo os dilogos so, muitas
vezes, reproduzidos em discurso indireto.

2.

A imagem perfeitamente dispensvel, pois o texto arca com toda a


responsabilidade do significado e tira-lhe at a funo de comentar ou
enriquecer a narrativa.

173

3.

A imagem vai fazendo acompanhamento s palavras, sem redundncia


porque as duas aes, diferentes, mas coordenadas, so assumidas
separadamente pelos dois sistemas.

4.

Imagem e texto se completam; um elemento no dispensa o outro. O


texto dissolve a polissemia da imagem, mas precisa dela para que seu
significado se complete.

5.

S a imagem se encarrega do significado e da narrao.

A partir dessa descrio, podemos classificar o tipo de trabalho que se


apresenta nos quadrinhos histricos da EBAL. Comparando os exemplares da
editora publicados na dcada de 50 e republicados nas dcadas seguintes,
podemos afirmar que estes se encaixam no primeiro caso apresentado.
Com uma esttica sem grandes inovaes a editora EBAL adaptou nos anos
50 a histria de Rondon, Oswaldo Cruz, Tamandar, Raposo Tavares, Anchieta,
Osrio, Castro Alves, Machado de Assis, Mau, D. Pedro II, Tiradentes, Cairu,
Caxias, Rio Branco, Rui Barbosa, Monteiro Lobato, Getlio Vargas, Pedro Amrico,
Jos Bonifcio e Santos Dumont, e tiveram reimpresses feitas posteriormente.
Na srie Grandes Figuras em quadrinhos, que era uma forma prolongada do
lbum Grandes Figuras do Brasil, a maioria das revistas foi desenhada por Nico
Rosso e Ramon Llampayas.

174

Figura 31. Getlio Vargas, em Grandes Figuras em Quadrinhos. Nos


quadrinhos da EBAL, principalmente em Grandes Figuras em quadrinhos,
no existe uma relao sintagmtica de acordo com os conceitos de
Cagnin, comum aos quadrinhos, pois a quadrinizao refere-se apenas a
um trecho do texto e no histria como um todo. Fonte: LLAMPAYAS,
R. Grandes Figuras em Quadrinhos: Getlio Vargas, o renovador. n 17,
Rio de Janeiro: EBAL, 1983, p. 30.

Nos quadrinhos histricos da EBAL desse perodo, encontramos uma relao


narrativa em que cada quadro lido de forma isolada, no existe uma relao
sintagmtica nos quadros, ou seja, no h uma seqncia que resulte na leitura.
Segundo Cagnin (1975, p. 156):
Quando dois ou mais quadrinhos esto unidos, dois tipos de
conjunto podem se formar:
-

Uma srie, em que todos os quadrinhos permanecem


independentes; ou

Uma seqncia, ou um sintagma, como unidade


significativa de nvel superior.

175

Na revista Grandes Figuras em quadrinhos que fala sobre o Almirante


Tamandar, temos o texto escrito pela professora Nair da Rocha Miranda e os
desenhos de Nico Rosso. Nas vinhetas, podemos encontrar alguns bales de
dilogo que poderiam nos remeter ao caso nmero trs, mas ao analisar o contedo
da fala nos bales percebemos que so na verdade apndices das caixas de texto.
A narrativa visual caracterstica dos quadrinhos aparece em sua forma
mnima. Esse um dos melhores trabalhos de Rosso para as adaptaes histricas,
em que a arte final se sobressai, mas a linguagem narrativa parece inexistir. O que
observamos, na realidade, so ilustraes para o texto de Rocha Miranda.
Um dos artistas melhor conceituado no Brasil e nos Estados Unidos era, sem
dvida, Andr LeBlanc. Nos anos 50, ele fez muitas adaptaes e capas para os
quadrinhos da EBAL. Nos anos 60 e 70, trabalhou em adaptaes histricas nos
Estados Unidos como a vida de George Washington e Rosa Parks, ativista negra
que foi presa em 1955. Desta poca so seus trabalhos para a editora McMillan ao
lado de Lee Ames na srie Draw 50.
Para a EBAL, LeBlanc fez adaptaes como Menino de Engenho de Jos
Lins do Rego, O Guarani, de Jos de Alencar e muitas outras histrias na srie
Edies Maravilhosas.
Tanto nos trabalhos de LeBlanc como nos de Rosso encontramos algo similar
com o material produzido pelo Classics Illustrated e Classic Comics, pois, logo no
comeo da EBAL o editor Aizen comprava material destas publicaes para a srie
Edies Maravilhosas. O trao dos artistas buscava sempre uma proximidade da

176

realidade, seguindo o que chamado de estilo clssico, no qual todos os


parmetros de anatomia, luz e sombra, perspectiva e composio remonta s bases
das tcnicas de reproduo dos Renascentistas.
Outro parmetro eram as publicaes portuguesas sobre quadrinhos
histricos. Quando analisamos casos em separado e algumas capas, como as da
revista Cavaleiro Andante, percebemos a proximidade esttica das publicaes
brasileiras e portuguesas. Apesar disso, as narrativas grficas dos portugueses
levavam vantagens sobre as narrativas brasileiras. A primeira era o incentivo do
prprio governo, colocado de forma explicita, e a segunda era a preocupao com a
estrutura narrativa das histrias, tornando-as mais atrativas aos leitores.
Santos (apud LAMEIRAS, Histria aos quadradinhos In: Bedeteca de
LisboaSP. Disponvel em: <http://www.bedeteca.com/recursos/files.php?pdf_id=2>.
Acesso em: 12 jun. 2005), sobre quadrinhos histricos portugueses, em especial a
produo de Fernando Bento em Grandes Figuras de Portuga,l na dcada de 50,
afirma que: [...] de tal modo notvel que consegue mesmo disfarar a bvia vontade
do argumentista de introduzir (por vezes de uma maneira menos sutil) demasiada
informao histrica, de que a biografia de Cames um bom exemplo [...].
Por essa citao, podemos notar que mesmo naquele perodo havia uma
preocupao dos autores de quadrinhos portugueses com o tipo de narrativa que
seria apresentado ao pblico.
O fato que muitas vezes as histrias da EBAL eram produzidas
aproveitando momentos histricos vigentes, como era o caso das revistas Epopia
falando sobre os presidentes. Esse comportamento, que era uma estratgia de
Aizen para garantir as publicaes, acabava por diminuir a potencialidade do
trabalho e no aprimorava a narrativa dos fatos abordados.

177

Para construo dessas histrias a frmula empregada era a da escolha de


uma determinada cena dentro do texto geral e transform-la em quadrinho. Devido a
essa maneira de abordagem, fazer um estudo de ritmo ou sintagma de quadros
torna-se quase impossvel, pois, em sua maioria, esses apenas descreviam o texto
aplicado nos boxes dentro das vinhetas, transformando-se em ilustraes e no
histrias em quadrinhos.
Vamos encontrar essa caracterstica repetida em outra srie da EBAL, a
Epopia. Essa srie trazia a histria de personagens como Napoleo Bonaparte e
Marco Plo, sendo que o material, na maioria das vezes, era importado por Aizen,
mas assuntos relacionados ao Brasil eram produzidos por artistas nacionais.
A diferena do material se fazia notar em algumas histrias, como por
exemplo, Epopia, nmero 47, de 1956, que conta a histria de Marco Plo. Nessa
produo a narrativa aproxima-se muito das expectativas de uma histria em
quadrinhos, em que, alm da narrativa dinmica do texto, temos uma narrativa visual
e sintagmas a partir da justaposio dos quadros.
A tcnica grfica empregada pelo artista para produo da histria do
nanquim aguado, o que torna trabalho mais interessante. Nessa tcnica, a tinta
nanquim diluda em gua para proporcionar meios-tons de cinza, aps esse efeito,
o artista utiliza mais uma vez o nanquim em seu estado puro para finalizar o
trabalho.

178

Figura 32. Marco Plo na Revista Epopia. Na revista Epopia nmero 47


de junho de 1956 mostra a saga de Marco com uma narrativa dinmica
muito prxima aos quadrinhos de heris da poca. Fonte: Revista Epopia.
n. 47, jun. 1957, p. 7.

As capas da revista Epopia eram pintadas mo, feitas por Antonio


Eusbio, o que era comum na editora na dcada de 50. O material interno podia ser
importado, mas geralmente as capas eram produzidas por artistas nacionais.
Ao comparar o desenho da capa do exemplar nmero 47 com o contedo
interno dessa srie, podemos perceber algumas diferenas estticas e conceituais.
Na parte interna, como j afirmamos, o trabalho desenvolve-se com uma narrativa
visual dinmica, que remete aos quadrinhos de heris, comercializados em grande
escala e com maior apelo em suas histrias. O personagem principal, Marco Plo,
apresentado como um heri de ao, e seu visual lembra muito os super-heris
norte-americanos. A capa, desenhada por Eusbio, mostra um Marco Plo bem

179

diferente, utilizando uma pequena tnica verde amarela que est estrategicamente
colocada no centro da cena. A expresso e a forma como o personagem foi
desenhado apresenta caractersticas menos hericas que o personagem interno,
mostrando ao observador um homem com propores fsicas comuns, mas, pelo
enquadramento em contra-plonge5, passa-nos um ar de superioridade. Uma das
determinaes da editora era tentar chegar o mais prximo da realidade, tentando
satisfazer principalmente as expectativas de educadores, pais e polticos.
Essa forma de trabalho pode ser reconhecida na revista Retirada de Laguna,
com desenhos de Gutemberg Monteiro. O trabalho uma adaptao do texto do
Visconde de Taunay e procura sintetizar a narrativa do livro, de 235 pginas, em 11
pginas de quadrinhos.
Retirada de Laguna faz um relato do conflito entre paraguaios e brasileiros,
durante 1870, do qual o autor participa da campanha como engenheiro. A narrativa
minuciosa e mostra no apenas caractersticas fsicas, mas tambm a personalidade
de cada um dos descritos na histria. Na adaptao para quadrinhos tudo
sintetizado, desde a construo do texto at a utilizao de imagens. Um exemplo
disto a forma como o personagem Francisco Lopes apresentado. No livro, ele
recebe duas pginas que descrevem o porqu da sua sanha e presteza contra o
exrcito paraguaio, falando do rapto de sua famlia e da invaso que a regio de
Dourados sofreu.
Na revista em quadrinhos, a apresentao de Lopes resume-se a um quadro
com um enorme texto que procura resumir toda a histria deste que um dos
personagens mais importantes da trama. A imagem ainda sofre a interferncia de

Posicionamento de perspectiva em desenho que mostra a imagem de baixo para cima.

180

um balo com texto que ocupa 50% do quadro, reduzindo a narrativa visual para
25%, pois os personagens so desenhados de costas e em um plano de fundo,
caracterizando o lugar onde se desenvolve a histria.
Alm disto, alguns elementos foram acrescentados histria. Nas primeiras
pginas, quadros que falam sobre integrao e participao nacional no fazem
parte do texto original de Visconde de Taunay. Esses quadros, na pgina 4,
mostram rostos de ndios, negros, brancos, pobres e ricos, e o texto declara que
lutaram juntos, fato este que no corresponde realidade, mas integram ao
momento em que a histria em quadrinhos foi escrita com a situao histrica do
Brasil, na dcada de 50, perodo da construo de Braslia e aes do governo
Juscelino Kubitschek.
Na mesma revista, podemos ver outra histria, um conto tirado das lendas
arturianas, A Sagrada Taa de Esmeralda. Assim como as outras histrias
importadas que eram publicadas pela EBAL, esta no recebeu crditos referentes
produo do texto e das imagens, mas a qualidade narrativa lembra as adaptaes
norte-americanas da Classic Illustrated, material que era negociado por Alfredo
Machado da editora Record.
Os artistas da editora EBAL eram experientes e tinham passagem no
apenas pelos quadrinhos, como pela ilustrao para livros, revistas e publicidade. A
qualidade do trao era incontestvel na poca e, por vrias, vezes eles mostravam a
habilidade na construo da narrativa visual, diversificando a tcnica empregada na
confeco da histria. Como, por exemplo, o trabalho de Nico Rosso para srie
Grandes Figuras.

181

Normalmente Rosso utilizava a tcnica habitual dos quadrinhos, desenhando


as pginas a lpis e finalizando-as com nanquim, mas, em algumas edies,
podemos encontrar variaes, como aguadas e desenhos feitos apenas a lpis. Na
edio nmero 4 de Grandes Figuras em quadrinhos que conta a histria de Raposo
Tavares, o artista empregou tal tcnica. Esse trabalho, que mais parece um
rascunho, tem uma esttica arrojada para a poca, que poderia ser encarada por
alguns como um trabalho mal acabado, mas podemos hoje verificar que outros
artistas aderiram a esse recurso, eliminado a arte finalizao do material e
publicando apenas o resultado do trabalho a lpis.
Mas essas variaes de tcnicas grficas no correspondem ao trabalho
convencional, pois o parmetro do trabalho realizado comercialmente o quadrinho
norte-americano, mas com caractersticas relacionadas ao Brasil.

No caso, um

aspecto caricatural do desenho invadia as pginas das revistas brasileiras, visto que
o desenhista nacional era um artista hbrido, resultado de trabalhos executados com
diferentes fins, feitos para jornais e para publicidade.
Em relao a essa construo da imagem, diz Eisner (2005, p.78):
Historicamente, os filmes americanos, com sua distribuio
internacional, ajudaram a estabelecer os clichs visuais e de histria
de maneira global. Os quadrinhos se beneficiaram disso e se
utilizaram da sua aceitao.
Depois da Segunda Guerra Mundial, cada pas comeou a
desenvolver seu prprio quadro de talentos de histria em
quadrinhos. Em pouco tempo, os quadrinhos estavam sendo
publicados para as populaes de seus respectivos pases.
Desenhistas e escritores franceses, italianos, espanhis, alemes,
mexicanos, escandinavos, japoneses, e muitos outros comearam a
criar quadrinhos para satisfazer seus leitores com histrias, arte e
cones que refletiam sua prpria cultura nacional. Isso tem uma
grande influncia na narrativa dos quadrinhos, pois certas imagens
estereotipadas conservam um exemplo nacional.

182

No livro A tcnica do desenho, publicado pela editora Bentivegna, produzido


por Jayme Cortez, artista portugus radicado no Brasil desde a dcada de 40,
identificamos as tcnicas empregadas pelos artistas dos anos 50 e 60. Entre os
colaboradores deste livro esto nomes como Gutemberg Monteiro, Ivan Wasth
Rodrigues, Nico Rosso, nomes que fizeram parte da histria da EBAL.
Nesse livro, Cortez (s. d.), d um parecer sobre vrios aspectos dos
quadrinhos, inclusive sobre como produzida a narrativa. Segundo Cortez, os
quadrinhos tm suas bases na linguagem cinematogrfica, e o roteiro assemelha-se
com o roteiro de cinema, pois enquanto parte trata do dilogo, a outra trata da
imagem.
Como podemos avaliar pelas colocaes de Cortez, os artistas do perodo
tinham um total controle das tcnicas dos quadrinhos, mas no vamos encontrar o
ritmo cinematogrfico nas revistas de quadrinhos histricos. Podemos facilmente
verificar as tcnicas de planificao cinematogrfica em cada quadro, mas como foi
antes colocado no existe a leitura sintagmtica das vinhetas.
Como relata Vergueiro (2005, E o Brasil Descobriu os Quadrinhos. Disponvel
em: <http://www.eca.usp.br/nucleos/nphqeca/nucleousp/papers4.htm>. Acesso em
13 de dez. de 2005):

Vendiam o conhecimento histrico e vendiam tambm a


linguagem dos quadrinhos, mas, em geral, a informao histrica
sobrepunha-se linguagem grfica seqencial, resultando em uma
leitura nem sempre muito atrativa. Eram obras feitas com muito
esmero e valiam o esforo, claro, constituindo ttulos
intrinsecamente valiosos para o meio, mas o resultado muitas vezes
deixava de agradar aos leitores da forma como o faziam as revistas
normais encontradas nas bancas, com super-heris, aventureiros,
mocinhos do faroeste, animais falantes, crianas, etc. Talvez isso
acontecesse porque eram feitos para a aprovao dos pais ou
professores e no das crianas e jovens, os leitores finais dessas
publicaes.

183

Essas publicaes foram reflexos de um perodo, da mesma maneira que


outras publicaes do gnero em pases diferentes. Porm as publicaes da EBAL
no tiveram uma evoluo no tratamento narrativo e o resultado foi o cancelamento
dos ttulos alguns anos depois.

5.3 A formao dos principais artistas da editora

Em 1933 foram J. Carlos e Antonio Eusbio que junto com Fernando Dias da
Silva, Celso Barros e Slvio Correia de Lima, ilustraram A Grande Aventura
contando a origem do projeto de Aizen que resultaria na criao do Suplemento
Juvenil. Muitos artistas que haviam participado de histrias no Suplemento
acabaram por participar das revistas da futura EBAL.
Entre os artistas que participaram do Suplemento, alm dos j citados
estavam Monteiro Filho, com a histria do detetive, Roberto Sorocaba, Mrio Jacy,
Rodolfo Iltzche, Arcindo Madeira, Miguel Hochman, Mrio Pacheco, Alcyro, Carlos
Arthur Thir.
Na editora EBAL, os destaques ficavam por conta do haitiano naturalizado
brasileiro Andr Leblanc, do talo-brasileiro Nico Rosso, Gutemberg Monteiro, Ivan
Wasth Rodrigues, Ramon Llampayas, Antonio Eusbio, lvaro de Moya, Otaclio,
Jos Geraldo, Floriano Hermeto, Manoel Victor, Marcelo Monteiro, Gil Coimbra, Nilo
Cardoso, Max Yantok, Jos Menezes, Eugenio Colonese, Roberto Portela.

184

Pela quantidade de ttulos e pela repercusso deles no mercado de


quadrinhos brasileiros, os artistas da EBAL tiveram a possibilidade de grande
visibilidade junto ao pblico e mdia da poca.
Revistas que a editora EBAL produziu a partir de sua fundao, em 1945: O
Heri, Coleo King, Edio Maravilhosa, Grandes Figuras em Quadrinhos,
Biografias em Quadrinhos, O Idlio, A Mocinho, Mindinho, lbum Gigante, Quem
Foi?, Super X, Rosalinda, Capito Z, Epopia, Gene Autry, Papai Noel, Roy Rogers,
Histria da Bblia Sagrada, Bblia em Quadrinhos, Srie Sagrada, Superman,
Cincias em Quadrinhos, Batman, Possante, Pequenina, Popeye, Pinduca, Cowboy
Romntico, Reis do Faroeste, Zorro e Edio Monumental.

185

Figura 33. Revistas da EBAL. Algumas revistas publicadas pela EBAL:


Ruy Barbosa, Grandes Figuras em Quadrinhos n 15; Uma Histria...
Rotary Internacional; Cowboy Romntico n 4; Pedro Amrico, Grande
Figuras em Quadrinhos n 18; O Heri n 9; Quem Foi? N 58; lbum
Gigante n 8; Baro do Rio Branco, Grandes Figuras em Quadrinhos n14;
Santos Dumont, Grandes Figuras em Quadrinhos n20; Independncia do
Brasil em Quadrinhos; Proclamao da Repblica em Quadrinhos;
Superman 1952; Escrava Isaura Edio Maravilhosa n92; O Heri n12.
Fonte: Biblioteca Nacional; Gibiteca de Santos; coleo particular.

Alguns artistas da EBAL, como j afirmamos, vieram de reas diferentes,


como ilustradores de jornal, revistas e publicidade. Max Yantok, ou Max Cesarino

186

Yantok, nasceu em 1881, na Vila de Soledade, nas proximidades de Passo Fundo,


no Rio Grande do Sul. Ele comeou na Itlia com um jornal chamado Il Biricchino,
escrito e ilustrado por ele. Mais tarde fundou, junto com um amigo, o jornal
Monsignor Perrelli em Npoles. Quando morava em Roma, trabalhou no LAsino e,
em 1908, j no Brasil, comeou a trabalhar em O Malho. Em 1910, comeou nas
pginas de O Tico-Tico, com as aventuras de Kaximbow, Pipoca, Pistolo e Sbado.
Yantok trabalhou com diferentes pseudnimos, entre eles Mefisto, Ketno, W.
Ketno e Vladir Ketno. Exerceu vrias funes, entre elas guarda-livros e professor de
aritmtica. Faleceu no Rio de Janeiro em 1964. (FONSECA, 1999)
Andr LeBlanc nasceu no Haiti, no dia 16 de janeiro de 1921. Cresceu nos
Estados Unidos, mas morou muitos anos no Brasil, tendo colaborado para Aizen em
vrias ocasies. Ilustrou a coleo completa dos livros de Monteiro Lobato. A partir
de 1947, quadrinizou para a EBAL os romances de Jos Lins do Rego e foi autor de
duas tiras dirias Intellectual Amos e Morena Flor.
Nico Rosso nasceu na Itlia, em 19 de julho de 1910, mais especificamente
em Turim. Chegou ao Brasil em 1947, pois fora contratado para trabalhar no
departamento de Artes da Editora Brasilgrfica. Trabalhou em vrias editoras como
ilustrador, quadrinhista e capista. Tambm foi professor na Escola Panamericana de
Arte. Em 1976, um desabamento em seu estdio fez perder seu acervo pessoal e
deixou sua sade debilitada. No dia 1 de outubro de 1981, veio a falecer.
Na sua trajetria profissional temos os seguintes trabalhos:

187

De 1945, 1946 e 1947, fez diversos trabalhos de ilustrao de capas e


contedo de diversos livros , sendo premiado pelas ilustraes do livro Le avventure
di Pinocchio.
Sua transferncia para o Brasil se deu, em 1947, a convite da Editora
Brasilgrfica. No mesmo ano, assumiu o departamento de artes da editora.
Em 1948, fez diversas ilustraes de capas e histrias para a publicao do
quinzenrio O Jornalzinho, da Pia Sociedade San Paolo. Neste jornal, criou vrios
personagens como: Lo, o Destemido e Capito Brasil.
Em 1949, comeou a ilustrar as capas da Coleo Saraiva. Inicialmente o fez
com outros profissionais, mas aps o nmero 12, tornou-se o capista exclusivo da
coleo, que perdurou at 1972. Nesta mesma editora, tambm participou da
ilustrao de outras colees.
Em 1951, fez ilustraes da cartilha Srie Braga, da Editora Melhoramentos.
Em 1952, participou de um concurso para elaborao do selo comemorativo
do IV Centenrio de So Paulo, sendo agraciado com a segunda colocao.
Em 1953, ilustrou o livro Pequena Herona para as Edies Paulinas, e iniciou
as ilustraes das capas da Coleo Jabuti para a Editora Saraiva.
Em 1957, iniciou sua incurso pelo mundo dos quadrinhos ilustrando as
revistas, Edio Maravilhosa e Grandes Figuras, para a Editora Brasil Amrica
(EBAL).
Em 1958, ilustrou as capas e histrias da revista Vrinha Mgica e Contos de
Fadas para a Editora La Selva, dando continuidade ao segmento infantil iniciado em

188

O Jornalzinho. Constam trabalhos (no publicados) de ilustraes para a histrias


infantis dos escritores Irmos Grimm provavelmente feitos ainda na Itlia.
Em 1959, ilustrou a Coleo Edies Paulinas.
Em 1961, participou do Almanaque de Fantasia, publicado pela Editora
Outubro.
Em 1964, fez as capas e histrias da revista Biografia em Quadrinhos, uma
edio especial da Editora Billings.
Em 1965, fez as capas e ilustra a Coleo Histrias de Sra. Leandro Dupret
para a Editora Saraiva.
Em 1966, foi lanada a Revista Terrir para a Editora Taika. Neste mesmo ano,
participou com algumas histrias do Almanaque de Combate, juntamente com o
desenhista Igncio Justo (especialista em pesquisa e abordagens dos aparatos de
guerra).
Em 1967, fez Selees de Terror para a Editora Taika.
Em 1969, lanou, em parceria com o amigo e roteirista Rubens Luchetti, a
revista Estranho Mundo de Z do Caixo pela editora Preldio.
Sabe-se que, ainda nos anos 60, fez a capa e ilustraes da edio
comemorativa dos Quinhentos Anos de Pedro lvares Cabral.
Em 1972, ilustrou as capas e histrias da Coleo Literatura Infantil para a
Editora Abril Cultural.

189

Em 1973 ilustrou Os Lusadas para a editora EBAL. Fez as capas e histrias


para os Clssicos da Literatura Juvenil da Editora Abril Cultural. Tambm neste ano
foi reeditada a Coleo Clssicos da Literatura Juvenil, agora com o nome de
Grandes Aventuras. Participa da revista Contos de Terros e Targo para a Editora
Taika. Fez a revista Lobisomem. Ainda neste ano, executou as artes da revista
Mitologia, que abordava de forma humorada o tema, para a Editora M&C - Minami e
Cunha.
Em 1974, fez as histrias da Coleo Diverses Juvenis para a editora Abril.
Neste mesmo ano, ocorreu a reedio de Grandes Figuras e a realizao dos
quadrinhos de Zorro para a Editora Abril.
Em 1975, fez a quadrinizao de Chico Ansio na revista Era Xixo um
Astronauta? para a Edies Maranguape, da Editora Harpan.
Em 1976, executou um dos seus ltimos trabalhos, fez as ilustraes da
Revista Boccage para a Luzeiro Editora. Neste ano, ocorreu o j citado acidente em
seu estdio, interrompendo suas atividades profissionais. Quando retornou s
atividades artsticas, reiniciou praticando a tcnica conhecida como pontilhismo,
forma de trabalho a que teve que se adaptar para poder superar os problemas de
coordenao motora decorrentes do espasmo cerebral sofrido.
Em 1981, temos as ltimas pinceladas de Nico Rosso, que foram dadas na
vspera do dia 01 de outubro. Esse quadro inacabado pode ser visto no seu
cavalete, exposto no "Espao Cultural Nico Rosso".

190

Figura 34. Histria em Quadrinhos sobre Raposo Tavares e Quarenta mil


florins, de Nico Rosso. Alm de fazer mais da metade das histrias de
Grandes Figuras, como esta de Raposo Tavares que saiu na nmero 4,
Rosso tambm desenhou adaptaes para O Jornalzinho como os
Quarenta Mil Florins da edio nmero 222. Fonte: ROSSO, N. Grandes
Figuras em quadrinhos: Raposo Tavares. Rio de Janeiro: EBAL, 1958, p,
27. e ROSSO, N. Quarenta Mil Florins In: O Jornalzinho. n 222, So
Paulo; Paulinas, 1956.

Floriano Hermeto foi um dos desenhistas da EBAL, influenciado pelo artista


italiano Guido Crepax (autor de Valentina). Desenhou as aventuras do Judoka,
considerado o mais popular super-heri nacional tendo sido adaptado para o
cinema. (CIRNE, 1973).

Figura 35. O judoka, de Floriano


Hermeto. Foi um dos maiores
heris brasileiros, recebendo
uma adaptao para o cinema.
Fonte: HERMETO, F. O Judoka.
Rio de Janeiro: Ebal, 1970, capa.

191

lvaro de Moya nasceu em 1930, participou da EBAL, porm seus trabalhos


ficaram mais conhecidos nas pequenas editoras paulistas da dcada de 50 e 60. Na
editora La Selva fez Zumbi dos Palmares com Clovis Moma.
Moya foi responsvel pela organizao da primeira mostra de quadrinhos, em
1951. Alm da EBAL, de outras editoras paulistas e da editora Abril ele trabalhou
para TV, cinema, jornal e mais tarde como professor universitrio. Assim como
Cagnin, Sonia Luyten e Cirne ele considerado um dos primeiros pesquisadores de
quadrinhos do Brasil.
Os artistas da EBAL aqueceram o mercado no eixo Rio So Paulo, e a
linguagem e tcnica por eles empregada marcou uma poca.
Apesar desta influncia ser forte entre outros artistas e leitores, foram raros os
casos de oportunidades para novos artistas neste perodo. Um dos exemplos
Ziraldo, leitor assduo do material da EBAL, mais tarde tornar-se-ia desenhista de
quadrinhos do Cruzeiro. Muitos leitores e pretensos quadrinhistas eram barrados
pela editora de Aizen, como mostra este trecho publicado em Edio Maravilhosa
nmero 92 de 1954:
O jovem Jos Pereira, de Abatia, Paran, enviou-nos uma
histria inventada e cujo enredo se passa h muito tempo, no ano
de 1920. Certamente que o interesse do Jos Pereira ver sua
histria publicada. Mas o nosso, no. E, assim, sentimos ter de
informar-lhe que a mesma foi arquivada. (EDIO MARAVILHOSA,
1954, contracapa).

Como podemos ver pela nota do editor, no caso Aizen, no existia incentivo
criatividade, a imaginao e a inovaes nas histrias com contedo voltado
narrativa histrica.

192

Mais tarde esses artistas foram trabalhar em outras editoras como a La Selva,
Continental (depois Outubro), RGE, GEP e Abril, mas o material desenvolvido na
EBAL marcou um perodo e serviu de referncia para outros artistas produzirem
adaptaes de textos literrios famosos e fatos da Histria do Brasil.

5.4 Outras editoras e artistas do perodo

Assim como a EBAL, outras editoras adotaram o gnero didtico e histrico,


entre elas a La Selva, a Continental (depois Outubro), a RGE e a Abril. Essas
editoras, com seu trabalho em relao a este gnero, no s ajudaram a construir a
histria dos quadrinhos no Brasil como a histria do prprio Brasil, abrindo espao
para artistas nacionais e narrativas que refletiam a cultura do pas.
O Tico-Tico foi uma das primeiras publicaes a trabalhar com adaptaes de
quadrinhos histricos. No Almanaque Tico-Tico, podemos observar ilustraes sobre
passagens histricas e histrias em quadrinhos de personagens histricos como O
Drama de Borba Gato, de 1957. Alm de adaptaes de personagens nacionais a
revista tambm trazia histrias de personagens famosos da histria mundial.
A forma como a narrativa era apresentada se assemelha a todas as outras
histrias em quadrinhos sobre temas histricos produzidos na EBAL, em que trechos
so escolhidos para serem ilustrados.
Uma das revistas que mais publicou estes temas,alm dos ttulos da EBAL,
foi O Jornalzinho, das Edies Paulinas. Alm do trabalho de Diamantino da Silva

193

para quadrinhos histricos sobre temas nacionais, podamos encontrar tambm os


trabalhos de Nico Rosso, responsvel por contos de poca, e a narrativa de E.T.
Coelho, em O Caminho do Oriente, considerado, j na dcada de 50, um dos
maiores artistas da Europa.
Dentro das revistas da poca, ou seja da dcada de 50, podemos encontrar o
medo inserido nos pases ocidentais por conta da propaganda norte-americana
anticomunista. Tudo que envolvia a Unio Sovitica era exibido de forma negativa
nos meios de comunicao de massa. Na revista O Jornalzinho, nmero 222, de
1956, a histria Fuga para Liberdade mostra a aventura de fugitivos do regime
sovitico em uma narrativa dramtica na qual os soviticos so mostrados como os
nazistas na Segunda Guerra.
Na apresentao da revista, na pgina 3, podemos ler:
Na presente histria que O Jornalzinho oferece aos seus
distintos leitores narra um desses dramas que vem desenrolando-se
no seio das famlias soviticas. A FUGA PARA A LIBERDADE, com
suas simpticas personagens uma dessas tantas histrias que
saem da fantasia de um escritor e de um desenhista mas que
encontra no mundo sua realizao completa. O noticirio de todos os
dias prova de modo convincente que a presente histria ainda se
repete cotidianamente no pas, que cham-lo SEM DEUS, mas este
Deus ainda vive no corao do povo. (O JORNALZINHO, 1956, p.
12)

194

Figura 36. O Jornalzinho nmero 222. Capa da edio 222 de O


Jornalzinho e a matria sobre a liberdade e a beno as mquinas. Fonte:
O JORNALZINHO, n. 222, So Paulo, Paulinas,1956.

Na mesma pgina, podemos ver a foto de dois procos, Joo Rosatta e


Crisstemo, benzendo a mquina impressora offset. Nesse perodo, a perseguio
s histrias em quadrinhos era crescente, embasada nos artigos publicados em
jornais e revista, os quadrinhos didticos e histricos eram uma forma de atenuar as
crticas e tentar reverter a opinio publica.
No livro Guerra dos Gibis o autor Gonalo Junior mostra-nos como as
perseguies aos quadrinhos nos Estados Unidos e na Frana acabaram por
influenciar tambm na perseguio no Brasil. Os cdigos de conduta adotados
nestes pases serviram para fortalecer os opositores dos quadrinhos e deixar os
editores mais preocupados em relao ao futuro de suas publicaes
Segundo Gonalo Junior (2005, p. 257):
A campanha contra os quadrinhos ainda era uma grande
preocupao de Adolfo Aizen. O editor percebeu, como lembrou
Freyre, que muitos eram contra apenas porque estava na moda

195

condenar os quadrinhos, mesmo que nem conhecessem de fato os


gibis. Temia mais que nunca que uma Comisso Parlamentar de
Inqurito (CPI) proposta na Cmara para investigar os editores de
quadrinhos fizesse uma devassa em sua vida e descobrisse que
nascera na Rssia. Se isso acontecesse, seria difcil escapar
condenao pblica, como ocorria naquele momento com Samuel
Wainer, que tivera sua falsa nacionalidade de brasileiro descoberta
em 1953, o que poderia lev-lo priso.

Esta preocupao em relao ao Congresso, s CPIs e s crticas era


compartilhada por todos os editores que trabalhavam com quadrinhos.
Outra publicao que investiu muito no aspecto da produo de histrias em
quadrinhos histricas foi a Vida Juvenil. Alm de apresentar histrias com heris
norte-americanos,

como

Falco

Negro,

um personagem evidentemente

anticomunista, a revista trazia verses e fatos da vida real, que eram escritas pelos
prprios leitores da revista. As histrias falavam de atos hericos de pessoas
comuns, e aquelas que fossem selecionadas pela editora eram desenhadas pelos
seus artistas sendo que o autor ganhava a quantia de Cr$ 100,00 (cem cruzeiros)
pela histria. As caractersticas deste concurso podem ser verificadas no texto que
vinha impresso na pgina 2, da revista nmero 106, de setembro de 1956:
Este concurso tem por objetivo incentivar todos aqueles
jovens que tem a vocao para a arte de escrever, atravs de
reportagens e narrativas, preparando-os, pois, para virem a ser
grandes escritores ou jornalistas.
Para a seleo das histrias que nos forem enviadas,
adotamos o seguinte critrio:
1.

a narrativa deve ser enviada da melhor forma possvel em


matria de:

a)

Fidelidade, sem exageros, admitindo-se


hipteses sensatas e fico discreta.

b)

Quantidade de detalhes (data, nomes, profisso, idades,


etc)

apenas

196

c)

Informao do lugar onde se deu o feito, se possvel


acompanhado de desenho ou fotos.

d)

Dados
sobre
os
principais
personagens;
na
impossibilidade de conseguir fotografias, descrev-los,
dando, referncia do tipo, altura, trajes, etc.

2.

imprescindvel que, alm de ser observado o item 1,


sejam remetidos recortes de jornais alusivos ao incidente,
assim como o nome da publicao, data e localidade,
recortes esses que sero a prova da autenticidade do
fato.

3.

O leitor que tiver seu trabalho aproveitado em Vida


Juvenil ter seu retrato publicado na primeira pgina da
histria adaptada em quadrinhos.

4.

Ser conferido um premio de estmulo de Cr$ 100,00


(cem cruzeiros) ao autor do trabalho aproveitado.

5.

Os trabalhos devero ser remetidos para: CONCURSO


HEROIS DA VIDA REAL, redao da Vida Juvenil,
Caixa Postal 2981 - Rio de Janeiro.

S sero aceitos casos passados em territrio nacional. (VIDA


JUVENIL, 1954, p.2)

Pela preocupao da editora em relao s fontes, podemos notar que o


cerco sobre a publicao de histrias em quadrinhos pressionava a produo dos
quadrinhos histricos e didticos. Buscava-se exatido e esmero em relao s
fontes e ao resultado final. A necessidade de aceitao por entidades da sociedade
inibia a criao, tornando as histrias pouco interessantes para o pblico alvo das
revistas em quadrinhos.

197

Figura 37. Revista Vida Juvenil nmero 106. Sobre o concurso de Heris
da Vida Real. Fonte: VIDA JUVENIL. n. 106, Rio de Janeiro: s.e., 1
set.1954.

Na mesma edio de Vida Juvenil, a nmero 106, de setembro de 1956,


podemos encontrar a histria Heris da Vida Real falando sobre o salvamento de
uma mulher e duas crianas no porto de Santos. Os desenhos so de Antonio
Pacot, que possui uma assinatura muito parecida com o capista da EBAL, Antonio
Eusbio, e o texto recebe a assinatura de Euterpe, outro nome que parece ser

198

fictcio, mas quase impossvel de ser confirmado, pois no encontramos mais os


colaboradores do perodo.
A histria no segue os parmetros colocados pela editora completamente.
Apesar das exigncias em relao s referncias, no temos um levantamento
iconogrfico da regio do porto de Santos. Os personagens no possuem uma
descrio evidente e fica muito difcil identificar onde o fato acontece e quem so os
atores.
O tipo de narrativa grfica o mesmo que marca as histrias em quadrinhos
histricas e didticas do perodo, uma cena escolhida e ilustrada. No existe um
ritmo, a histria no flui atravs dos painis.
Alm dos Heris da Vida Real, podemos verificar na revistas histrias de
celebridades esportivas. Na revista nmero 106, temos a adaptao para as
histrias em quadrinhos do jogador de futebol Wassil. O tratamento grfico era
simplista, algo que deixava a desejar em relao ao trabalho do artista, no caso
desta edio Jos Geraldo. Mais uma vez as vinhetas apresentam trechos de textos
ilustrados, distanciando a histria das narrativas de super-heris que faziam sucesso
no perodo. O texto de Carlos Renato um conto esportivo, com toques de humor,
mas que nada tem de narrativa de roteiro de histrias em quadrinhos. Assim era com
a maioria dos textos, no havia um pensamento que traduzisse a mescla das
linguagens, da utilizao da planificao de cenas e do ritmo da narrativa resultante
deste estudo.

199

Figura 38. Adaptao para os quadrinhos da vida de Wassil. Na Revista


Vida Juvenilna edio 106, possui uma narrativa fraca em relao aos
quadrinhos da poca. Fonte: GERALDO, J.; RENATO, C. Histria de
Campees: Wassil In: Vida Juvenil, n 106, 1954. p. 17; 19.

Alm da Vida Juvenil e de O Jornalzinho, outras revistas tambm publicaram


em suas pginas histrias em quadrinhos histricas, dividindo espao com os superheris.
As adaptaes continuaram a sair em jornais e suplementos, e artistas
nacionais e estrangeiros mostravam suas habilidades na produo dessas histrias.
Um dos artistas que marcou poca foi Rodolfo Zalla, na verdade Rodolfo Anbal
Zalla.
Nascido em Buenos Aires, em 1931, chegou ao Brasil em 1963 para
desenhar para Barbosa Lessa e ver seu material publicado no jornal ltima Hora.
Entre os seus primeiros trabalhos no Brasil esto Xica da Silva e Marquesa de
Santos com textos de Barbosa Lessa e Paulo Setbal.

200

Alm das publicaes sobre personagens histricos Zalla desenhou o


personagem Jacar Mendoa em 1964. Entre 1965 e 1970 trabalhou para editora
Outubro e desenhou Targo, segundo ele uma espcie de Tarzan. Fez tambm
histrias de guerra, terror e western. Entre as revistas que participou estavam a
Colorado, sobre western e Combate, com histrias de guerra.
Foi responsvel pelo personagem Vingador desenhado inicialmente Fernando
Dias da Silva e editado por Pricles do Amaral. Em 1965, tambm fez trabalhos para
a GEP, com quadrinhos sobre western e guerra.
Na dcada de 70, fez quadrinhos histricos para os livros didticos da IBEP,
eram histrias sobre fatos do Brasil e da histria mundial. Zalla utilizava extensa
pesquisa iconogrfica para executar essa srie. Alm de anotaes pessoais, o
artista trazia da Argentina material de pesquisa feita em museus, jornais e revistas.

Figura 39. A nica testemunha,


trabalho de Rodolfo Zalla. Apesar
de ter feito quadrinhos histricos
para Ibep Zalla, ficou conhecido
pelas suas histrias de terror.
Fonte: ZALLA, R. A nica
testemunha
trabalho
In:
CCQHUMOR. Disponvel em:
<http://www.ccqhumor.com.br/qua
drins/quadrinhos%20zalla01.htm>. Acesso em: 12 dez.
2005.

As primeiras referncias artsticas de Zalla vieram de Hugo Pratt, e segundo


ele, Pratt sofreu influncia de Milton Caniff, que tambm o influenciou. Entre as
histrias em quadrinhos admiradas por Zalla esto Dr. Kildare criada em 1938 e
desenhada por J.M. Ardler e Big Ben Bolt de John Culling Murphy. Apesar da

201

influncia de outros desenhistas Rodolfo conseguiu desenvolver seu prprio trao


que se tornou marcante, principalmente a partir de seu trabalho com histrias de
terror e guerra.
Ainda hoje Zalla trabalha para editoras de livros didticos e, esporadicamente
faz trabalhos de quadrinhos, principalmente lbuns, para editora pera Graphica.
Apesar da grande quantidade de editoras de pequeno porte que surgiram na
dcada de 50, poucas foram as que optaram por trabalhar com o material histrico e
didtico. Todas preferiam reproduzir material norte-americano de todos os gneros,
principalmente terror, western, guerra e super-heris, era o caso da La Selva, Orbis
e Bentivegna,
Quando trabalhavam com esse gnero as editoras mesclavam publicaes
estrangeiras com publicaes nacionais, assim como a EBAL. A grande diferena
reside no fato da EBAL ter dado mais espao para as produes brasileiras, com
exceo da Continental, que naquele, perodo trabalhava s com material nacional.
Devido a problemas jurdicos a editora mudou o nome para Outubro, mas
esse nome, anos depois, veio a enfrentar um processo movido pela editora Abril, de
Victor Civita e, em 1966, passou a se chamar Taika. (GONALO JUNIOR, 2005)
Desde o comeo, a revista trazia na capa escrita e desenhada por
brasileiros e realmente entre os participantes encontramos Igncio Justo, Maurcio
de Souza, Gedeone Malagola, Flvio Colin, Getlio Delphim, Jos Lanzelloti,
Gutemberg

Monteiro,

Waldir

Igayara

de

Souza,

Luiz

Saidenberg,

Jlio

Shimamamoto, Juarez Odilon, Srgio Lima, Aylton Thomas, Srgio Lima, Lrio
Arago, Jorge Scudelari, Joo Batista Queiroz, Antonio Duarte, Paulo Hamasaki,

202

Eduardo Barbosa, Orlando Pizzi, Jos Bento, Manoel Ferreira, Isomar Guilherme,
Almir Bortoloassi, Wilson Fernandez e Nico Rosso. A equipe de roteirista contava
com Hlio Porto, Cludio de Souza e Waldir Wey, entre outros.
Igncio Justo, um dos artistas da editora Continental, ficou famoso pelos seus
trabalhos envolvendo histrias sobre a Segunda Guerra, principalmente sobre os
pracinhas e aviadores.
O artista que nasceu em 1932, comeou a publicar com 10 anos, quando o tio
levou seu material para A Gazeta. Esse trabalho intitulado As Aventuras de Paulinho
foi publicado na Gazetinha em 1942.
Filho de uma pintora de um msico, Incio sempre teve vocao para o
desenho. Trabalhou de 1942 a 1943 na Gazeta Juvenil, para a La Selva nos anos 50
e, em 1959, comeou na Continental.
Sua obsesso por assuntos relacionados Segunda Guerra comeou no
internato onde estudou quando criana e isso, anos mais tarde, o levou a pesquisar
junto ao grupo de caa Atacadores de Cumbica tudo sobre aviao. Alm de
revistas, recortes, fotos e miniaturas de mquinas, o artista foi piloto e com seu
conhecimento tcnico e prtico sobre avies desenhou histrias com uma esttica
minuciosa.

203

Figura 40. Desenho de Igncio Justo. Desenhista que se especializou em


desenhos de guerra. Seus trabalhos podiam ser conferidos na revista
Combate. Fonte: CORTEZ, J. Tcnica de Desenho. So Paulo:
Bentivegna, 1962, p. 95.

Os relatos em suas histrias em quadrinhos eram baseados em conversas


com oficiais que realmente participaram de aes durante a Segunda Guerra, o que
transformava os contos em adaptaes de fatos reais. O tipo de narrativa adotada
por Justo uma mescla das histrias norte-americanas com seu prprio parecer
sobre o assunto.
Assim como outros artistas que foram influenciados pelo estilo de Cortez, I
Justo tinha uma preocupao com todos os aspectos grficos, preocupao esta
que o levou a estudar durante um ano na Escola Paulista de Anatomia em sua
juventude.

204

Durante os anos 60 e 70, trabalhou com histrias de guerra principalmente,


sua especialidade, para revista Combate. Depois trabalhou com ilustraes para
publicidade e revistas. Atualmente colabora com uma revista da Aeronutica, que j
o homenageou vrias vezes com matrias a respeito do seu trabalho.
Para os fs daquele perodo, as histrias com narrativas mais dinmicas eram
as mais vendidas. Segundo Losso, desenhista e colecionador de revistas, as
histrias em quadrinhos de super-heris, western e guerra, produzidas pelas
editoras nacionais, eram as mais disputadas. A mesma opinio partilhada por
Argemiro Antunes, Miro, cartunista e tambm colecionador.
Ambos concordam que as revistas Xux, Pequeno Xerife, em formato
horizontal,

Selees

Coloridas,

Mindinho

Misterinho

eram

as

mais

comercializadas. O valor de Cr$ 1,00 (um cruzeiro) era um grande atrativo para as
crianas da poca. A nica srie sobre adaptaes que colecionavam eram Edies
Maravilhosas da editora EBAL.
Este perodo foi muito lucrativo para editoras de quadrinhos, e as estratgias
ligadas aos quadrinhos didticos e histricos atenuaram as discusses e a caa aos
quadrinhos como um todo. Mas, assim como em toda cultura de mercado, a avidez
por novos leitores, a produo massiva levou a uma baixa qualidade do produto e
gradativamente revistas foram tiradas de circulao. No final dos anos 90, muitas
editoras haviam desaparecido h anos e aquelas consideradas grandes comearam
a ter queda nas vendas. Quem sofreu diretamente com isto foi a produo de
histrias em quadrinhos nacionais, que praticamente entraram em colapso, se
comparada a dcada de 50.

205

CONSIDERAES FINAIS

A importncia dos quadrinhos na construo de uma cultura nacional pode ter


sido mais forte que alguns pesquisadores pensam. Entre as dcadas de 30 e 50,
ficou clara a preocupao de diversas entidades, no s no Brasil como em diversas
partes do mundo, quanto ao grau de influncia que uma forma de entretenimento
poderia gerar entre crianas e adolescentes.
A literatura da imagem, sem dvida, foi educada atravs dos sculos, mas,
com o surgimento do cinema e das histrias em quadrinhos a narrativa ganhou um
novo vis. No cabia mais ao texto gerar a percepo da imagem, pois ela prpria
faria sua narrativa por meio dos desenhos e dos fotogramas. O sculo XX trouxe
uma nova maneira de ler os fatos, as interpretaes tornam-se mais rpidas e novos
cdigos foram sendo agregados.
Esses meios de comunicao de massa tambm se tornam instrumentos de
manipulao ideolgica, ajudando a criar uma viso histrica que, muitas vezes,
ultrapassa o contedo do documento histrico. O cinema norte-americano, assim
como os quadrinhos, criou cones que hoje esto presentes em diversas partes do
globo. Do cowboy ao soldado da Segunda Guerra, do detetive de sobretudo e
chapu ao super-heri de capa, os personagens criados para entreter contaram a
histria de uma nao e ajudaram a fixar valores da cultura norte-americana.
Esse poder que os quadrinhos possuem foi captado pelos pases onde eles
adentraram e gradativamente cada um acabou por adaptar a narrativa original a sua
realidade, principalmente no que tange a narrar a sua Histria.

206

Mas a narrativa histrica dentro dos quadrinhos sempre sofreu problemas em


relao fonte de informao. Na construo do texto o documento original era
imbudo de tamanha responsabilidade junto sociedade que pairava uma ura de
mito sobre aquele fato narrado. Esse comportamento cultural sobre o fato histrico
gerava receio no produtor da adaptao, provocando um engessamento da
narrativa. A criatividade entrava em detrimento da responsabilidade da preciso dos
fatos.
A maioria das histrias em quadrinhos sobre temas histricos tornaram-se
narrativas ilustradas, perdendo as caractersticas que fazem dos quadrinhos algo
envolvente e dinmico para o leitor. As histrias que acrescentavam elementos ou
buscavam uma narrativa mais ldica e envolvente eram caracterizadas como
perniciosas e no confiveis. Como vimos, algumas destas formas de quadrinhos
no devem ser analisadas pelo contedo da narrativa, mas sim pela analogia com o
tempo de produo da obra. Casos claros so do Prncipe Valente de Harold Foster,
e Asterix, de Gosciny e Uderzo, em que podemos verificar um anacronismo
temporal.
Vilela (2004, p.109) explica:
Por exemplo, os hunos aparecem como viles nas histrias
de Prncipe Valente justamente na Segunda Guerra Mundial, quando
uma das grias utilizadas em relao aos nazistas era huns (hunos
em ingls). Buscava-se comparar, ento, a poltica expansionista de
Hitler com as invases brbaras lideradas por tila, o Huno.

O mesmo pode ser verificado em Asterix, que foi produzido a partir dos anos
50, um momento na Histria da Frana, onde a xenofobia e a busca nacionalista
estavam em evidncia. Basta lembrar que as guerras de libertao da Indochina e

207

da Arglia, sob dominao francesa, ocorreram justamente no final deste perodo.


Os povos caracterizados por Gosciny e Uderzo so feitos de forma estereotipada e
caricatural, assim como eles prprios e seus costumes. Os quadrinhos nesse caso
no abordam a questo da expanso do imprio romano, mas o problema da
dominao e da preservao de uma cultura.
Como forma de narrativa panfletria, contudo, os quadrinhos americanos
superam todos os outros. A construo dos personagens tem como base a criao
do mito do heri, tanto nas histrias comerciais de super-heris, desde a dcada de
30, como nas adaptaes histricas produzidas com maior nfase na dcada de 50.
Mesmo quando fala de outros povos a viso judiaco-crist impera sobre o
texto e as imagens. So raros os casos em que uma viso do homem branco de
classe mdia no foco principal na histria, como nos mostram Witek (1999) e
Towle (2003), nos trabalhos de Jack Jackson, baseados nas histrias de John
Rosenfeld e Jack Patton, intituladas Texas History Movie, de 1926. Jackson
considerado um dos pais do underground nos quadrinhos americanos e nas suas
histrias o foco a vida dos indgenas e dos chamados chicanos. o que Ferro
(1999) batizou de contra-histria, em que os vencidos fazem a narrativa dos fatos.
Outro artista que trabalhou com uma viso diferenciada da Histria foi Harvey
Kurtzman, como vimos no texto sobre quadrinhos histricos norte-americanos. Seu
posicionamento antimilitarista ficava explcito na forma como a narrativa se
desenvolvia. O enquadramento das imagens, o ponto de vista adotado, a forma
como os personagens eram descritos esteticamente revelavam esta preocupao do
autor.

208

Essa viso da Histria um caso isolado, pois a maioria das histrias em


quadrinhos histricas produzidas nos Estados Unidos na dcada de 50, procurava
criar um heri branco e perfeito, longe das imperfeies humanas.
Mas a questo do ufanismo na narrativa dos quadrinhos histricos nunca foi
privilgio dos norte-americanos. Em todos os pases que este gnero foi adotado, os
heris nacionais refletiam os anseios do Estado e da sociedade, principalmente da
classe mdia.
Os temas histricos esto quase sempre ligados a uma ura de mito cvico,
cujos agentes da Histria ultrapassam as fronteiras da realidade e so colocados em
cena como figuras inclumes. No existem emoes, dramas pessoais, dvidas,
erros naturais que todos os indivduos esto sujeitos a cometer. Nos pases asiticos
os personagens histricos esto muito ligados aos seus mitos ancestrais. A
existncia dos problemas polticos e sociais entra em detrimento com valores mais
antigos da sociedade, como unidade nacional, coragem, honra, virilidade, valores,
muitas vezes, machistas e egocntricos.
Egocentrismo tambm o que encontraremos nos quadrinhos histricos da
Frana, Itlia e Inglaterra. Nesse perodo analisado, a dcada de 50, o chamado
fardo do homem grande ainda uma sombra no pensamento dos colonizadores, e
a reao das colnias se mescla a novas correntes do pensamento europeu, sobre
soberania e liberdade.
Para portugueses o quadrinho histrico no uma propaganda, mas um
instrumento com o qual os artistas descobrem a possibilidade de reescrever a
Histria do pas e garantir, nas geraes futuras, uma nova viso sobre Portugal.

209

Nesse ponto, criatividade narrativa, como o assunto ser abordado pelos artistas,
torna Portugal um grande diferencial em reao a outros pases.
Os brasileiros tiveram, na iniciativa de Adolfo Aizen, na dcada de 50, uma
possibilidade de evidenciar o trabalho de vrios artistas. Porm a viso poltica e
cultural do perodo impossibilitaram em vrios aspectos o crescimento desse gnero
de narrativa. Alm da concorrncia das histrias em quadrinhos norte-americanos,
com uma narrativa dinmica e quadros bem trabalhados e cheios de ao, os
artistas brasileiros daquela poca tinham que driblar as perseguies vindas de
diferentes frentes da sociedade.
O clero, os educadores, os polticos, os pais, os jornalistas e os no leitores
de histrias em quadrinhos compunham um quadro nada auspicioso para as
publicaes nacionais. Alm desses entraves, o pas passava por mudanas
polticas que tambm refletiram no posicionamento da editora e na composio das
histrias em quadrinhos. Uma narrativa ufanista foi assumida por Aizen desde o
perodo de Getlio Vargas e esse posicionamento tambm fez parte da filosofia
editorial na poca de Juscelino Kubitschek.
Desde sua criao, a EBAL fez histria sobre a vida de todos os presidentes,
e at mesmo dos candidatos a presidente, garantindo assim o crdito junto a setores
do poder. Os artistas, por sua vez, viam sua criatividade engessada pela fidelidade
obrigatria ao texto histrico e aos crivos dos historiadores, com o perigo de
desagradar aos verdadeiros interessados nas histrias em quadrinhos, os leitores.
Mesmo com artistas j conceituados no mercado brasileiro, e at
internacional, a editora no conseguiu emplacar os seus quadrinhos histricos junto
ao maior pblico consumidor, as crianas e os adolescentes. Quando os subsdios

210

do governo para compra do papel cessaram, as revistas didticas da EBAL


comearam a decair nas vendas, o que acarretaria anos depois seu cancelamento
como srie mensal, virando apenas edies comemorativas, de forma espordica.
As outras editoras da dcada de 50 tiveram postura semelhante e, assim
como a EBAL, seguiam a linguagem da narrativa dos livros de histria e no deram
espao para criaes mais ousadas. O aspecto positivo foi a abertura de mercado
para artistas nacionais, mas o engessamento da narrativa fez do gnero sinnimo
de informao, o que para os fs das histrias em quadrinhos no refletia a busca
da diverso e do entretenimento.
Hoje algumas editoras tentam resgatar essa iniciativa, lanando adaptaes
de clssicos da literatura e histrias ficcionais sob personagens da Histria do Brasil.
Essas novas produes tratam o assunto sobre novo vis, com uma narrativa mais
arrojada e condizente com a leitura atual dos quadrinhos, mas nada disso seria
possvel se os parmetros deste gnero no fossem criados h mais de 50 anos.
Existe muito a ser pesquisado e discutido sobre o assunto, pois a memria
nacional depende desse tipo de anlise.

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217

APNDICES

Para que a pesquisa a pesquisa fosse melhor fundamentada, sentimos a


necessidade de um maior contato com pessoas que possussem uma estreita
relao com as histrias em quadrinhos. Sentamos necessidade de confirmar
informaes, preferncias, dificuldades e anseios.
Entrevistamos, ento, para a nossa pesquisa figuras que certamente seriam
representativas no cenrio atual ou da dcada de 50.
Foram entrevistados: lvaro de Moya, que conceituado desenhista que,
dentre outros, trabalhou na editora Abril; Rodolfo Zalla, que veio para o Brasil e
adquiriu experincia em quadrinho histrico; Igncio Justo, que fez quadrinho de
guerra na poca abordada por nossa pesquisa; Gonalo Jnior, que pesquisou por
dez anos sobre os quadrinhos no Brasil; lvaro Moya e Claudio Rosso, que so
colecionadores de histrias em quadrinhos e eram assduos leitores

dos

quadrinhos na dcada de 50.


Entrevistamos tambm Cludio Rosso, neto de Nico Rosso, importante
desenhista de quadrinhos histricos e de clssicos da lngua portuguesa.
As entrevistas com Incio Justo, Umberto Losso e Argemiro Antunes foram
relizadas in loco. lvaro Moya e Claudio Rosso responderam s questes por email. Gonalo Junior, alm de nos responder por e-mail, tambm nos atendeu ao
telefone. Rodolfo Zalla respondeu s questes da entrevista por telefone.

218

APNDICE A Entrevista com Igncio Justo


entrevista em 14 de maio de 2005

A- Quando comeou a desenhar?


I.J.- Aos 10 lembro-me do meu tio levando uns desenhos para a Gazeta. Era
uma tira chamada as aventuras de Paulinho, por volta de 1942. Acho que era
Gazeta Juvenil, a Gazetinha.

A- E seus pas?
I.J.- Perdi meus pais aos 5 anos. Minha me era pintora e meu pai msico. Fui
para um internato aos 8 anos.

A- Como foi seu envolvimento com o mundo dos quadrinhos?


I.J.- Milton Monteiro me chamou para trabalhar na La Selva. Em 1959 conheci o
Jaime Cortez, o Nico Rosso, foi a poca da Continental. A primeira histria foi
de terror, mas o Nico Rosso no gostou. Ele era muito bom histrias de terror
e infantis mas em histria de guerra fazia desgraa. Desenhou um Douglas
Daubt SPD destruindo um submarino, impossvel, eles nem estavam l e nem
eram daquele jeito. Eu acho que voc tem seu estilo e eu tenho o meu.

A- E os outros desenhistas?
I.J.- Como eu disse o Nico era bom em outras coisas, terror, histria do Brasil,
contos de fada... o Colonesse e o Zalla eram muito bons em western. O
Colonesse at que fez umas histrias de guerra.

219

A- E as referncias para estes trabalhos?


I.J.- Hoje os desenhistas procuram na Internet. Eu sempre pesquisei muito
antes de desenhar, em livros, revistas, fotos. Comecei este interesse por
avies e guerra no internato, principalmente por grupos de caa , como os
Atacadores de Cumbica. Eu tambm gostava muito da srie Combate com o
Vic Morrow, era uma referncia.

A- Quais trabalhos de histrias em quadrinhos fez?


I.J.- Na Gazeta fiquei de 42 a 43, anos depois fui para a La Selva e depois para a
Continental. Fiz capa na Combate e vrias histrias, desenhei terror tambm,
fiz Mmia e Calafrio.

A- E quais as dificuldades do ramo dos quadrinhos?


I.J.- Desenhar anatomia sempre foi difcil, a fiz um ano de escola de paulista de
medicina para aprender anatomia. Hoje fazem de qualquer jeito, inventam
msculos que no existem. Maquetes, tambm usei maquetes de referncia.
Muitas fotos. Mas dificuldades? Os editores acho que sempre foram um
problema, exploradores, como os atravessadores. Alguns artistas tambm
eram um problema. A gente cobrava x e fulano fazia pela metade do preo. Eu
preferia rasgar o trabalho do que receber a metade do valor.

A- E a sua relao com os outros desenhistas?


I.J.- Eu gostava do pessoal, do Nico, do Jayme, mesmo ele tendo me
sacaneando com umas ilustraes, vendendo para aquela fabricante de

220

fliperama, a Taito. Mas eu sempre gostei de quadrinhos e cheguei a dar aula de


graa aqui em casa. Os pais deixavam a molecada aqui e ficvamos a tarde
toda desenhando. Eu nunca cobrei e muita gente me criticava por isto.

A- Quais os trabalhos mais recentes?


I.J.- Em 1974 fiz alguns trabalhos com crtica aos militares e aos comunistas.
Acho que a energia dos militares mal aproveitada. Ficam l o dia todo sem
fazer nada de til. Atualmente fao ilustraes para a revista Asa. Sempre fui
apaixona do por avies e agora o que mais fao. Estou fazendo uma histria
sobre os Atacadores de Cumbica e um fato de bombardeamento com sacos de
farinha.

A- E quais os materiais que costuma usar para confeccionar as capas?


I.J.- Alm do bsico, lpis 4b, 6b e nanquim para finalizar eu costumo pintar
com guache e dar um acabamento s vezes com lpis de cor.

Aps a entrevista Igncio mostrou-nos sua coleo de miniaturas de avies de


guerra e locomotivas, de vrias pocas diferentes. Alm das miniaturas ele possui
uma grande quantidade de fotos de guerra e livros sobre o assunto, revelando uma
grande biblioteca pessoal iconogrfica sobre o assunto.

221

APNDICE B Entrevista com Umberto Losso e Argemiro Antunes


entrevista em 14 de janeiro de 2006

A- Quais eram as revistas mais compradas na dcada de 50?


U.L.- Eu costumava comprar Xux, o pequeno xerife, Mindinho e Misterinho.
Algumas revistas de cowboy tambm.
A.A.- Eu tambm comprava estas revistas, se bem que o Losso mais velho e
conhece mais revistas.

A- Como eram estas revistas?


U.L.- Elas eram menores e em formato horizontal. Todos compravam porque
era mais barata. Custava Cr$ 1,00.
A.A.- Realmente eram as mais acessveis.

A- E havia algo diferente entre os colecionadores daquela poca e os de hoje?


U.L.- Ns copivamos tirinhas de jornal, colocando no trilho de trem e usando
papel de po ou papel de cigarro. Era uma espcie de xerox primitiva.
A.A.- Todos ns comeamos a desenhar atravs deste trabalho, estas cpias
que a molecada fazia.

A- Como mantm a coleo com revistas daquela poca? Como conseguiu?


U.L.- Algumas so originais, como a Mirim, mas outras so fac similes que eu
consegui em contato com dois colecionadores. Um Doutor Jos Pinto Queiroz,

222

um aficionado que envia este material para vrios pontos do pas, e outro
Jorge Barwinfel que faz o mesmo trabalho. Eles tm tudo deste perodo.
A.A.- Eu sigo o Losso, ele me apresentou o pessoal e hoje eu tenho uma
coleo considervel. Estes dois sujeitos realmente tm tudo que voc quiser.

223

APNDICE C Entrevista com lvaro de Moya6


entrevista em 14 de janeiro de 2006

A-

Quais

artistas

trabalharam

na

EBAL

na

dcada

de

50?

(para

confrontar com os nomes que j tenho)


A.M.- Os citados abaixo mais Ziraldo, Eugenio Colonnese, Manoel Victor
Filho, Jos Geraldo, Monteiro F, Gutemberg Monteiro, Ota, Eduardo
Barboza, Gil Coimbra, Max Yantok, Floriano Hermeto, Marcelo Monteiro

A- Qual a fonte de informao para escrever os quadrinhos histricos? Livros,


artigos, pesquisadores. (J tenho os nomes... preciso confirmar)
A.M.- O livro LITERATURA EM QUADRINHOS no Brasil de Moacy Cirne, Nova
Fronteira e Jornal do Cavalcanti em O Mundo dos Quadrinhos

A- Qual a fonte de imagens? De onde vinham as referncias para desenhar botas,


roupas, armas, etc...
A.M.- Livros

A- Conhece o histrico destes desenhistas: Antonio Eusbio, Nico Rosso, Andr


LeBlanc, Ramon Llampayas, Alvaro de Moya e Ivan Wasth Rodrigues. Existem
outros desenhistas da EBAL que vocs lembram fatos pessoais e profissionais?
A.M.- Shazam, Histria da HQ, Anos 50/50 Anos, Vapt-Vupt, etc

Dada dificuldade em localizar material e entrevistas cedidas por lvaro de Moya, apresentaremos,
anexa, uma entrevista com o autor por Daniel Salomo Roque, e fotos de Sidney Jnior.

224

A- Quais as outra editoras que faziam quadrinhos histricos na mesma poca? (J


fiz o levantamento e tenho imagens mas gostaria de confirmar)
A.M.- La Selva: "Zumbi dos Palmares" de Clovis Moma e Alvaro de Moya, O
Correio Universal

A- O que pode falar de nomes como Igncio Justo e Jayme Cortez?


A.M.- idem 4

225

APNDICE D Entrevista com Cludio Rosso


entrevista em 19 de janeiro de 2003

A- O que o seu av produziu sobre quadrinhos histricos?


C.R.- Mas o que consegui sobre quadrinhos histricos de meu av foi:

(veja que no sei bem o que voc est considerando Histrico, portanto se eu
der muita bola fora, desculpe!)

"Os Lusadas" - quadrinizao do poema de Luiz de Cames, EBAL

Epopia - edio especial n 36 julho de 1955 - Capa de Antonio Euzbio - o


desenho dos quadros internos no consegui confirmar... certamente no so
do Nico. Exemplar a sua disposio.

Epopia 62 - a viagem da famlia real - capa e desenhos de Ramn Llampayas.

Epopia - edio especial - a conquista do espao - nmero comemorativo do


cinqentenrio do 14 bis Capa e desenhos do mesmo Ramom acima

Trpico Histrico - Histria do Brasil - Martins -Maltese (creio que um livro


pedaggico - tem ilustrao apenas, no quadrinizao...)

Grandes Figuras:

226

nr 03 - Tamandar - Capa e desenhos - Nico Rosso


nr 04 - Raposo Tavares - Capa e desenhos - Nico Rosso
nr 05 - Anchieta - Capa e desenhos - Nico Rosso
nr 06 - Osrio - Capa e desenhos - Nico Rosso
nr 08 - Machado de Assis - Capa e desenhos - Nico Rosso
nr 09 - Visconde de Mau - Capa e desenhos - Nico Rosso
nr 10 - D Pedro II - Capa e desenhos - Nico Rosso
nr 13- Caxias - apenas os desenhos - Nico Rosso
nr 16 - Monteiro Lobato - Capa e desenhos - Nico Rosso
nr 18 - Pedro Amrico - Capa e desenhos - Nico Rosso
nr 19 - Jos Bonifcio - Capa e desenhos - Nico Rosso

Tenho alguma coisa de Edies Maravilhosas (um ou dois exemplares apenas)


mas no estou localizando.

227

APNDICE E Entrevista com GONALO JUNIOR


entrevista em 15 de janeiro de 2006

A- Quais artistas trabalharam na EBAL na dcada de 50? (para confrontar com os


nomes que j tenho)
C.J. - Bom, os que sei esto citados em A GUERRA DOS GIBIS - VOLUME 1.

A- Qual a fonte de informao para escrever os quadrinhos histricos? Livros,


artigos, pesquisadores. (J tenho os nomes... preciso confirmar)
C.J. - No caso da EBAL, por presso dos professores e padres, Aizen recorria a
professores de histria com algum prestgio, como explico detalhadamente no
livro. Ele queria respaldo, mas o resultado nem sempre era bom porque esses
professores no dominavam a tcnica do roteiro, da narrativa. Como a EBAL
no tinha qualquer excelncia nesse sentido, as biografias ficavam irregulares.
Ou seja, faltava algum que desse um arremate nos roteiros, embora os
desenhistas tentassem melhorar um pouco.

A- Qual a fonte de imagens? De onde vinham as referncias para desenhar botas,


roupas, armas, etc...
C.J.- Dependia de desenhista para desenhista. Os brasileiros nunca foram
muito cuidadosos nesse sentido. Aizen tentou exigir mais pesquisa na parte
iconogrfica, o que melhorou muito parte das histrias. Essa mentalidade s
seria trazida para o Brasil - a importncia do arquivo - por Rodolfo Zalla

228

(Argentina) e Eugnio Colonnese (Itlia) a partir da dcada de 1970. Converse


com Zalla.

A- Conhece o histrico destes desenhistas: Antonio Eusbio, Nico Rosso, Andr


LeBlanc, Ramon Llampayas, Alvaro de Moya e Ivan Wasth Rodrigues. Existem
outros desenhistas da EBAL que vocs lembram fatos pessoais e profissionais?
C.J.- Falar desses artistas complicado, exige uma longa pesquisa histrica e
biogrfica, pois os dados esto dispersos (ver Guerra dos Gibis e O HomemAbril, ambos de minha autoria). Recomendo falar com Naumin Aizen, filho de
Adolfo Aizen.

A- Quais as outra editoras que faziam quadrinhos histricos na mesma poca? (J


fiz o levantamento e tenho imagens mas gostaria de confirmar)
C.J. - Quais as que voc identificou?

A- O que pode falar de nomes como Igncio Justo e Jayme Cortez?


C.J.- Igncio era f de quadrinhos de guerra e se esforava para ser fiel o
mximo possvel na parte de avies e armas. Sugiro entrevist-lo, fcil
localiz-lo.

229

APNDICE F Entrevista com Rodolfo Zalla7


entrevista em 05 de janeiro de 2006

A- Seu nome completo?


R.Z.- Rodolfo Anbal Zalla.

A- Onde o senhor nasceu?


R.Z.- Em Buenos Aires, na Argentina, em 1931.

A- E como comeou a desenhar no Brasil?


R.Z.- Cheguei aqui em 1963 para desenhar para o ltima Hora de Samuel
Weiner. Fazia Amores Histricos Brasileiros.

A- E quais eram as principais histrias?


R.Z.- Fiz Xica da Silva e a Marquesa de Santos. Eram publicadas no Rio e So
Paulo e depois Porto Alegre.

A- Quais outros trabalhos?


R.Z.- Na editora Outubro fiz Targo, uma espcie de Tarzan. Trabalhei de 1965
at 1970. Tambm fiz histrias e guerra, western e terror. Na GEP em 65 fiz
terror e western. Trabalhei nas revistas Combate e Colorado.

A- E as referncias? Quais eram?


7

Como material complementar, apresentaremos, anexo, uma entrevista com Rodolfo Zalla cedida ao
site UCM comics, em 2004.

230

R.Z.- Eu trouxe algo da Argentina, mas sempre fui a Museus, e procurava


tambm em recortes de revistas, fotos, e muitos livros, alguns eu importava.

A- E desenhistas? Alguma referncia?


R.Z.- Milton Cannif, era uma referncia e este por sua vez era referncia
tambm para Hugo Pratt, outro grande artista que eu tinha como referncia.
Mas com o passar do tempo cada um cria seu estilo. Mas eu gostava de Big
Ben Bolt de John Culling Murphy e Dr. Kildare de J.M. Adler.

A- E o texto das adaptaes? Quem era responsvel?


R.Z.- Quem criava os roteiros para os quadrinhos histricos ficava a cargo de
Barbosa Lessa. Ele era um excelente pesquisador e entendia tudo de folclore
brasileiro. A histria da Marquesa de Santos teve texto de Paulo Setbal e
Barbosa Lessa. Setbal era outro grande pesquisador.

A- E como o processo de criao?


R.Z.- Eu prefiro trabalhar a noite, pois tem menos barulho.

A- Quais so os trabalhos atuais?


R.Z.- Atualmente fao alguns lbuns para Opera Graphica e ilustro livros para
editora Sarandi.

231

ANEXOS

ANEXO A Entrevista: lvaro de Moya8


Por Daniel Salomo Roque

Se em todo o processo de publicao desta entrevista houve algo difcil, foi escrever
esta pequena introduo... afinal, lvaro de Moya possui inmeras e fascinantes
experincias nos quadrinhos, na televiso e no cinema: pintou o letreiro de
inaugurao da TV Tupi; foi um dos organizadores da primeira exposio sobre
histrias em quadrinhos no mundo (junto com Jayme Cortez, Miguel Penteado,
Syllas Roberg e Reinaldo de Oliveira); desenhou histrias Disney para a Editora Abril
no incio da dcada de 50, quando esta ainda era pequena; estagiou como produtor
televisivo na CBS, em New York, onde conheceu Stanley Kubrick, Paddy Chayefsky,
Rod Serling e muitos outros; chefia as delegaes brasileiras de comics em
congressos por toda a parte do mundo; professor aposentado da Escola de
Comunicao e Artes de So Paulo (a famosa ECA, da USP); criou o programa
Cinemsica na Rdio Cultura; trabalhou como programador do histrico Cine
Marach, na Rua Augusta e mundialmente reconhecido como um dos maiores
estudiosos das bandas desenhadas, alm de ser autor de quatro livros: "Shazam",
"Histria das Histrias em Quadrinhos", "O Mundo de Disney" e "Anos 50 - 50
Anos".
Como ns aqui do Palimpsesto, Moya tarado por HQ e cinema desde criana...
alis, foi uma coincidncia mais do que oportuna ele ter nascido em 1930, ano em
que se iniciava a era de ouro dos quadrinhos... s que muito mais interessante que
publicar a biografia inteira do cara deixar que o prprio conte-a para ns.
A entrevista que voc vai ler agora foi feita no dia 7 de julho de 2002 no prdio da
Gazeta, onde estava sendo realizado o sempre movimentado Fest Comix, e a
transcrio integral da nossa conversa de uma hora e meia, onde lvaro conta
histrias sensacionais que viveu ao lado de Hugo Pratt, Stanley Kubrick, Victor Civita
e Claude Moliterni; fala sobre o incio da televiso brasileira; critica a editora L&PM e
d sua opinio sobre a crise do mercado "quadrinhstico". Com a palavra, lvaro de
Moya.
**********
DANIEL - Hoje em dia voc v alguma diferena nos meios de comunicao em
relao poca em que voc estagiou na CBS?
LVARO - Antes de mais nada, me lembrei de uma coisa ao ver essa sua camiseta
do Clockwork Orange*... eu entrevistei o Stanley Kubrick para a Folha de So
Paulo na poca desse estgio. Ele estava preparando o Glria Feita de Sangue
nos estdios da Paramount e acabou brigando com o Marlon Brando, que estava na
8

Disponvel em: <http://www.palimpsestonline.hpg.ig.com.br/conteudo/televisao/moyaentrevista.html>.


Acesso em: 15 dez. 2005.

232

sala ao lado. Ele ainda estava se consagrando como um grande diretor, e logo a
seguir faria o Spartacus.
Bom... um fato deste perodo que me marcou muito foi o dia em que entrevistei o
Paddy Chayefsky, que acabou sendo considerado o escritor mais importante da
histria da televiso norte-americana, passando at mesmo o Rod Serling, que fez o
Alm da Imaginao (e que mais tarde acabei conhecendo pessoalmente
tambm)... eu e o Chayefsky ficamos muito amigos, ele inclusive me convidou para
ver um filme dele que iria estrear naquele ano, The Goddess... O Rod Serling me
chamou para ir a Hollywood assistir a produo de um teleteatro dele... eu acabei
me enturmando com todo esse pessoal... quando eles fizeram sucesso na televiso,
o Rod me falou o seguinte: quando fiz a pea Attack, passou pela minha cabea
que seria uma pea internacional, de muito sucesso, e no foi. Quando eu fiz
Peppens, que era a tpica pea americana de TV, me tornei milionrio de um dia
para o outro, porque durante a madrugada a MGM ligou para o meu agente e me
contratou, a Broadway queria fazer uma representao da minha pea.... E de
repente, ele apontou o dedo para a garagem e falou: ..a primeira coisa que fiz com
todo esse dinheiro foi comprar aquele Lincoln Continental branco, pois eu sonhava
com esse automvel desde garoto.
Voltando ao assunto... o Chayefsky foi para Hollywood, fez o primeiro filme norteamericano a ser premiado em Canness e falou para mim: Ns fizemos o teleteatro
em Nova Iorque, e quando a televiso deixou de ser uma coisa tipicamente novaiorquina para se tornar uma coisa nacional, a futilidade da Califrnia, os caipiras do
Midwest, os conservadores de Boston e os racistas do sul dos EUA passaram a
dominar a TV americana e a gente acabou no tendo mais campo neste setor.
Fomos para o cinema, a literatura, o teatro, a imprensa e outras reas, porque a
televiso acabou para a gente. E ainda me alertou: quando a televiso brasileira
deixar de ser uma coisa de So Paulo e alcanar o pas inteiro, voc e todos os seus
amigos..., se referindo a Walter George Durst e outros, ...estaro desempregados!
Porque o nvel da TV, tal como aqui nos EUA, vai cair muito e no ter mais espao
para vocs e sei disso porque acompanho seus trabalhos. E curiosamente, eu voltei
para o Brasil e fui contratado pela TV Excelsior para, pela primeira vez neste pas,
criar uma rede televisiva. A TV Tupi de So Paulo para o Sul era dirigida pelo
Edmundo Monteiro e no Rio de Janeiro para o Norte era dirigida pelo Caumon, e
como eles eram inimigos, a Tupi no tinha condies de fazer uma rede. O Paulo
Machado de Carvalho tinha a Record em So Paulo e o Pipa Amaral tinha a TV Rio,
no Rio. E, embora sendo primos, eles se degladiavam, tambm no tendo chances
de montar algo do tipo. Quando a Excelsior entrou com a rede, ela imediatamente
derrubou todas as outras emissoras, e naquele perodo ela era o que hoje a TV
Globo, o canal que dominava o Brasil inteiro. E dito e feito: ca fora da televiso e
nunca mais tive a oportunidade de dirigir uma TV como eu dirigi a Excelsior. Eu
tambm dirigi a Cultura, a Bandeirantes e outros canais, mas nunca tive a mesma
liberdade daquele perodo.
Realmente, o Chayefsky tinha razo. S que ele j morreu e provavelmente nunca
pensou que a televiso iria alcanar nveis to baixos como anda acontecendo agora
com atrocidades como o Big Brother, Casa dos Artistas, Programa do Ratinho e
todas essas coisas absurdamente niveladas por baixo... algo vergonhoso, e posso
dizer isso porque fui um dos pioneiros da TV no Brasil e sei muito bem que a TV

233

brasileira no incio era outra coisa e tnhamos absoluta liberdade de adaptar


Shakespeare, Dostoievsky e tudo isso para as telinhas.
D - Voc voltaria a trabalhar na TV, se tivesse alguma oportunidade?
A - s vezes, eu fico pensando... recentemente, criei um projeto de voltar com
aqueles teleteatros, como o TV de Vanguarda, que o Walter George Durst fazia.
Na minha opinio, o TV de Vanguarda foi o programa mais importante da histria da
televiso brasileira, pois quando a TV americana comeou, eles gravavam
adaptaes dos filmes classe B e C... Roy Rogers, Pafncio & Marocas, aqueles
filmes de 50 minutos que Hollywood produzia para programas duplos, as fitas em
srie do Flash Gordon e do Buck Rogers que eram feitas para as matins... Ento,
toda produo classe B e C de Hollywood de certa forma formou a televiso norteamericana. J na Europa, eles achavam que a televiso era uma coisa cultural,
ento a entrava a Radio Televizione e a Radio Television Franaise. Pensando
nessa idia, eles pegavam um professor no quadro negro, um ballet ou um concerto
e no colocavam linguagem nenhuma entre a imagem que estava sendo mostrada e
o espectador.
O Brasil no tinha tradio nem no cinema, nem no teatro, nem em nenhuma dessas
formas de expresso, j que a nossa grande fora era o rdio. O pessoal do rdio
que migrou para a televiso era fantico por cinema, e foi exatamente por isso que
eles passaram a imitar as produes hollywoodianas. Dessa maneira, o TV de
Vanguarda improvisou um tipo de linguagem. As primeiras exibies do programa
eram com grupos teatrais televisados. Eles representavam alguma pea em cima do
palco com aquela impostao de voz, gritando para as poltronas da ltima fila... os
personagens se posicionavam daquela maneira hiertica de esttua de praa
pblica... e a televiso mostrava quem falava!
Quando o Cassiano Gabus Mendes fez o TV de Vanguarda (o primeiro foi O
Julgamento de Joo-Ningum, do Dionzio Azevedo), ns chegamos pra ele e
falamos que aquilo no era mais teatro, era TV. Foi ento que o Cassiano, o Dionzio
Azevedo, o Walter George Durst, o Lima Duarte e todo esse pessoal comeou a
improvisar um tipo de interpretao com uma fala muito boa, pois eles tinham aquela
pegada de microfone de rdio, uma inflexo de rdio/teatro muito boa. Ento,
quando eles iam l na televiso, a inflexo deles era correta, o Durst era muito
cuidadoso com relao a isso. Outro dia, fui ver uma pea de teatro do Tchecov,
Gaivota, e no vi um ator sequer falando certo. Do comeo ao fim, todos eles
falaram Tchecov errado... o que uma pena, pois o Tchecov tem um texto
maravilhoso! Aquele pessoal do TV de Vanguarda sim, sabia falar corretamente um
texto. E o Cassiano tinha uma direo que era feita de improviso, com um corte
muito nervoso... de certa forma, entre o espetculo e o espectador que estava vendo
o programa em casa, havia toda uma linguagem de movimento de cmera, de luz,
de cenografia, e etc... isso acabou estabelecendo a linguagem bsica da televiso
brasileira.
Se a Globo conseguiu vender telenovela para o mundo inteirinho, porque essa
linguagem que nasceu no TV de Vanguarda a linguagem da televiso brasileira.
Quando planejei fazer um programa com o Gian Maria Volonte (ator italiano que
atuou no filme As Investigaes de Um Homem Acima de Qualquer Suspeita), que
no caso seria a abertura da telenovela Os Imigrantes, que eu produzia na poca,

234

ele me disse que iria cobrar um preo bem baratinho por este trabalho, porque ele
queria saber como os brasileiros conseguiam fazer telenovela to bem a ponto do
resultado final parecer com uma fita de cinema. Isso serve de prova que o Brasil
conseguiu na televiso um resultado superior ao que tinha conseguido no cinema. O
cinema nacional s foi conseguir alguma coisa na poca do Cinema Novo, mas at a
dcada de 50 a nossa TV tinha uma linguagem excepcional, que perdura at hoje
principalmente nas novelas e minissries. Por esses e outros motivos eu considero o
TV de Vanguarda o programa mais importante.
"A FIAT E A VOLKSWAGEN PREFEREM PATROCINAR ALGO COMO O BIG
BROTHER DO QUE APOIAR UMA VOLTA DO TELETEATRO BRASILEIRO.
ESSES CARAS SO UM BANDO DE FILHOS DA PUTA!"
Ns compramos todos estes scripts feitos pelo Walter George Durst, criamos um
projeto, apresentamos l em Braslia e conseguimos com que o Ministrio da Cultura
nos apoiasse. At fomos TV Bandeirantes, e para nossa surpresa, eles queriam
muito fazer esse teleteatro. Seriam aqueles mesmos scripts, mas adaptado para os
tempos de hoje, com cores, stand camera, enfim, um outro tipo de colocao. Se
voc pegasse o Meno Male, aquela pea de teatro que foi um grande sucesso, ns
utilizaramos uma sala aqui da Gazeta e montaramos o episdio mais ou menos
assim: no fundo, voc veria os carros passando, e tudo o mais. Depois, os
personagens entrariam num elevador ao lado daquele restaurante japons
(enquanto explica tudo, Moya vai apontando os dedos para os locais citados). Eles
desceriam a cmera dentro do elevador de tal maneira que pegasse uma conversa
deles e a Avenida Paulista como pano de fundo. Na seqncia, eles entrariam num
automvel, a cmera estaria no banco de trs e depois disso veramos os dois
dirigindo pela rua.
Com isso, voc quebrava a linguagem teatral e dava uma linguagem televisiva para
as coisas. Era uma metodologia de usar peas e romances brasileiros numa
linguagem moderna. Infelizmente ns no conseguimos nenhum patrocnio. A
Volkswagen, a FIAT e todos os outros que ns procuramos preferem patrocinar algo
do tipo do Big Brother do que apoiar uma volta do teleteatro brasileiro. Esses caras
so um bando de filhos da puta! Quando eu conversei com o Zaragoza, da DPZ, ele
me falou o seguinte: Moya, no adianta, eu acho o seu projeto genial, mas quando
ele chegar l no meu departamento de mdia, eles vo ver a relao de
custo/benefcio e no vo querer patrocinar... no adianta nada eu ser o dono da
agncia de publicidade e querer apoiar o seu programa. O Roberto Larrido
encaminhou o projeto para o Banco Ita, mas todos os patrocinadores mijaram para
trs...
Porra, o problema do Brasil que esses caras ficam jogando a culpa de tudo nas
classes C e D, dizendo que os pobres agora assistem TV e por isso que ela est
um lixo, e isso no verdade. Eles que fazem uma merda de televiso e no
assumem a culpa! S que eles no querem colocar um programa sequer que d ao
povo uma opo de qualidade. A gente vive uma poca em que qualquer tentativa
de dar uma boa alternativa s classes menos privilegiadas vetada, e, logo, o
pblico no tem o que gostaria de assistir. Veja bem, o cara que quer assistir
queles maravilhosos filmes clssicos, tem que pagar TV a cabo para assistir o
Telecine Classic! Quando que um sujeito que no tem dinheiro nem para comer vai
poder assistir a uma comdia do Ernst Lubistch na TV paga e perceber que aquilo

235

sim que comdia (e no aquela porcaria de escracho que passa na Sesso da


Tarde)? Mas o pblico que tem oportunidades de assistir o Lubistch no Telecine
Classic mnimo, pois os poderosos se recusam a passar os filmes decentes no
horrio nobre, ou de madrugada, que seja. Eles que esto matando a TV
brasileira, no lanam nada que preste e ainda por cima jogam a culpa em cima de
quem no tem nada a ver com a histria. O povo gosta de coisa bonita! Quando
eu produzi a novela Os Imigrantes, a gente colocava umas tomadas lindas, e a
resposta do pblico era cada vez maior. O Pantanal, a novela seguinte do Benedito
Ruy Barbosa, tambm tinha uma excelente fotografia, e como conseqncia, foi
sucesso de pblico e crtica, pois no preciso ter milhes de reais para saber
apreciar algo de qualidade.
D - Voltaria tambm a dar aulas em alguma faculdade? Voc teve uns rolos com
isso...
A - ... eu me aposentei da USP graas ao professor Marques de Mello, que foi um
dos nicos que me apoiaram enquanto eu estive l. Agora, ele assumiu a FIAM
(Faculdades Integradas Alcntara Machado) e me convidou para fazer parte do
corpo docente. Eu aceitei, e no momento estou dando aulas de Quadrinhos e
Televiso, principalmente por causa dele, que me deu muita fora quando estive na
ECA.
D - E os quadrinhos, voc pretende desenhar de novo algum dia?
A - Ah, isso difcil... desenhar duro. De lpis at que vai, mas passar tinta muito
difcil, voc perde a mo. E hoje em dia, com computador, as coisas esto muito
diferentes. O que eu poderia fazer era o desenho a lpis e arranjar algum para
fazer a arte-final, como o Jayme Cortez fez comigo com aquela adaptao em forma
de terror do MacBeth, que foi republicada no "Anos 50 - 50 Anos". Arte-final j estou
apanhando para fazer, no d mais. E ainda por cima, eu achava que no era um
bom roteirista de quadrinhos... j os meus roteiros para televiso e cinema era bons
e eu tinha confiana neles.
D - E aquele lbum, o Piracicaba, Mon Amour? O que voc achou de se tornar
personagem da histria?
A - Qual?
D - Aquela aventura do Harry Chase, feita pelo Fahrer e pelo Moliterni...
A - Ah, sim... aquela brincadeira que eles fizeram! Eles me colocaram como vilo!
D - E aparece tambm o Jayme Cortez, o Naumim Aizen...
A - mesmo, todos eles! O gozado que depois, quando eu estava em Paris,
fomos todos ns jantar num restaurante de l e o Walter Fahrer olhou para mim e
disse assim: Puxa, eu desenhei voc de cabea, eu no te conhecia pessoalmente
e nem sabia como era o seu rosto! O Claude Moliterni chegou para mim e descreveu
olha, o Moya assim, assado, desse jeito, e tal! Ele no tinha referncia nenhuma,
e no se lembrava de como era a minha cara da poca dos nossos encontros em
Lucca. Mas aquela edio foi muito engraada e eu gostei muito mais de aparecer
como vilo, e no de mocinho!

236

D - Voc j sabia de algo ou foi na surpresa?


A - No, eu vi publicado. De repente, algum me avisou e falou olha, voc t de
vilo, ele fez uma brincadeira com todos vocs por causa da vinda dele ao Salo de
Humor de Piracicaba. O mais interessante que o nome era uma brincadeira com
Hiroshima, Meu Amor.
D - E os outros? O Cortez, o Aizen... eles j sabiam de alguma coisa?
A - Eu nunca comentei isso com o Aizen... verdade, a prxima vez que eu
encontrar com ele, vou falar: sou um vilo de histrias em quadrinhos e voc no
sabia! O Cortez viu, ele e todos os outros que foram citados na histria perceberam
que aquela brincadeira foi muito bem feita com a gente!

PIRACICABA, MON AMOUR - DE WALTER FAHRER & CLAUDE MOLITERNI


Harry Chase o investigador bonito, o tpico heri que, quando metido com uma
famlia mafiosa italiana, consegue irritar o poderoso chefo, ser seduzido por sua
esposa e ainda por cima ganhar a simpatia das adorveis crianas do casal.
Olhando assim, temos a impresso de que esta srie no traz muitas novidades, o
que realmente verdade. No encare esta afirmao com um tom pejorativo, muito
pelo contrrio: admirvel um cara intelectualizado como Claude Moliterni, autor de
diversos estudos sobre comics e cultura de massa, concentrar seus esforos na
escrita de roteiros secos, diretos e instigantes (aquilo que costumamos chamar de
boas histrias em quadrinhos) e no se deixar levar por besteiras mezzo picaretas
mezzo vanguardistas. To respeitvel quanto os competentes enredos de Moliterni,
so os desenhos de Walter Fahrer.
Dentre os vrios episdios envolvendo o personagem, "Piracicaba Mon Amour"
merece destaque no s pela tima narrativa como tambm a ttulo de curiosidade.
Tudo comeou no final da dcada de 70, quando Claude veio ao Brasil como
convidado do tradicionalssimo Salo Internacional de Humor de Piracicaba, onde
conheceu e/ou passou a manter um contato mais ntimo com os profissionais
tupiniquins da rea. Voltou Europa e, em 1980 veio a homenagem: uma histria

237

em quadrinhos, que s por no mostrar macacos andando nas ruas da nossa capital
(Buenos Aires, para os desinformados) j mereceria todo o crdito do mundo.
O enredo fantstico: Harry viaja ao Brasil a trabalho e acaba se envolvendo com
um acidente de avio, mortes mal-explicadas e uma herana milionria deixada para
uma famlia mais do que desestruturada, cujo vilo leva o nome de um velho
conhecido nosso: lvaro de Moya. Curiosamente, suas feies foram desenhadas
de maneira semelhante aos retratos-falados de bandidos, j que Fahrer passou para
o papel a imagem mental que as descries de Moliterni lhe proporcionaram a
respeito de Moya.
Jayme Cortez e Naumin Aizen tambm fazem pontas. A reao de todo mundo ao
ver o trabalho publicado? Cortez e Aizen adoraram. E o nosso entrevistado, que
apareceu como um baita dum fladaputa? "Gostei muito mais de ser o vilo, e no o
mocinho!". Acho que essa frase j esclarece tudo.
D - O Histria das Histrias em Quadrinhos foi relanado h pouco tempo pela
Brasiliense, mas o original da L&PM. Porque essa mudana de editora?
A - A L&PM me pediu para fazer um livro de nvel universitrio. Para mim era difcil
escrever um livro, mas eu tinha guardado na minha casa os filmes daquela srie de
matrias que escrevi para o Caderno 2 do Estado de So Paulo. Entreguei esse
material para eles e o Histria das Histrias em Quadrinhos foi a unio desses
textos com uma diagramao muito bem-feita. S que infelizmente tive um
desentendimento com a editora, eles me interpretaram mal e brigaram comigo.
D - Como que foi isso?
A - Para comeo de conversa, eles no me pagavam. E em segundo lugar, ningum
atendia o telefone! Eu ligava para Porto Alegre e no era atendido, quando muito
algum me dizia que o responsvel estava em So Paulo. Da eu ligava pra So
Paulo e no conseguia resposta alguma. Eu mandava um recadinho escrito, e nada.
Quando resolvo procurar por eles, pergunto pra algum onde estava o Fulano, e me
falavam que Fulano estava em Frankfurt. Perguntava do Beltrano e o Beltrano
tambm estava em Frankfurt. Porra, os caras viajam para Frankfurt e no me
pagam! E a partir da, comearam a acontecer uns incidentes muito estranhos.
Uma vez, dei de presente para o Hugo Pratt um exemplar da Ilha do Tesouro,
editado pela L&PM. Ele me disse que no recebeu nada por aquela edio e me
passou um bilhetinho para eu ir cobrar da editora os direitos autorais dele. Quando o
Jules Feiffer esteve aqui no Brasil, um f apareceu com O Melhor de Feiffer,
editado tambm pela L&PM, e pediu para ele autografar. Tudo normal, no fosse o
fato do autor nem saber da existncia daquele lbum... no deu outra: o dono do
livro acabou passando o endereo da editora para ele.
Ou seja, os caras davam calote em todo mundo e ficavam indo para Frankfurt fazer
social, coisa que eu achei muito chata. Se eles tivessem me telefonado e falado
Olha, Moya, ns estamos passando dificuldade e no podemos pagar, tudo correria
perfeitamente bem. Voc acha que a Brasiliense me paga? A Brasiliense no me
paga, mas sei que eles esto passando por um momento difcil, o pessoal de l
conversa comigo, eles me pagam toda vez que recebem um dinheirinho... ento a

238

coisa outra! s uma questo de dilogo. A L&PM possui um belssimo histrico


de luta contra a ditadura militar, eu tinha uma baita admirao por eles! Falando
comigo, eles podiam me pagar quando pudessem, dinheiro no problema! Esse
negcio de no me atender que me irritou.
Pedi para o meu advogado mandar uma carta timbrada para a editora, para ver se
finalmente haveria alguma resposta. Quem sabe dessa vez! Eles ficaram furiosos
comigo e comearam a me xingar. No me lembro o nmero exato agora, mas
vamos supor que no contrato havia uma clusula dizendo que seriam impressos dez
mil exemplares do livro. Tentando burlar isso, a L&PM me enviou uma notinha fajuta
da grfica afirmando que apenas quatro mil destes dez foram impressos. Minha
resposta foi curta e grossa: Bom, pode ser que vocs tenham impresso s quatro
mil, mas no contrato estava previsto dez mil e quero ser pago pelo que diz os
papis. Comecei a engrossar cada vez mais, pois se o acordo para uma
determinada quantia, ningum tem o direito de diminu-la sem o consentimento do
autor. No final da histria, acabei recebendo o meu dinheiro.
O Caio Graco me pediu para reeditar este livro com ele e deu a sugesto de colocar
um caderno em cores, com uma pincelada no que aconteceu na dcada de 80. A
cores porque isso uma coisa caracterstica daquela poca, voc sabe como , n?
Aqueles desenhos do Brian Bolland, do Bill Sienkiewicz, coisa que no d para
reproduzir em preto e branco...
Eu adorei a idia e topei fazer uma reviso geral da obra, mas a L&PM mandou uma
carta para a Brasiliense proibindo eles de editarem o meu livro, afirmando que os
direitos eram deles. Isso cinco anos depois do meu contrato com eles ter vencido...
todo mundo sabe que depois desse tempo os direitos prescrevem! E outra: quando o
Caio pediu de volta os filmes originais das matrias, eles disseram ter encaminhado
esse material para o Estado, que eu no era o dono daqueles filmes e etc...ou seja,
os caras jogaram fora os filmes s para prejudicar a Brasiliense.
Precisa de toda essa situao, s por eu ter exigido meu pagamento? Foi uma
atitude to chata por parte deles, sabe... Quando o Maurcio de Souza foi assinar um
contrato com eles, foi esnobado por ser meu amigo e ouviu coisas como "voc est
muito mal acompanhado por gente como o lvaro de Moya". Ou seja, tambm
furaram com ele. No vivo em funo do dinheiro... se o pessoal est mantendo uma
editora de qualidade, como o caso da L&PM, no custa nada dar um toque pro
autor e avisar que as coisas esto difceis e que o papel aumentou em 25%. J teve
um editor que veio falar comigo e nossa conversa foi muito tranqila, mas a atitude
de no informar nada soa como uma posio desonesta por parte da pessoa.
Depois disso tudo, enviei uma carta para o editor da L&PM, tentando reatar com ele,
fazer amizade e tudo o mais, pois essas brigas so normais e acontecem em
qualquer lugar... mas eles nunca aceitaram nenhuma tentativa minha de amenizar as
coisas.
D - Aproveitando o gancho sobre o caderno em cores sobre a dcada de 80, eu
gostaria de saber se voc tem algum plano de lanar algo sobre essa poca...
A - Escrever um livro um processo muito complicado. O que tenho no momento
so os artigos que escrevo para a revista Abigraf, todos armazenados em
disquetes.

239

O pessoal da Abigraf conseguiu papel gratuitamente, com aquele mesmo alto


padro de qualidade em que a revista impressa. Todo esse material reunido
resultaria num volume belssimo. E para mim, essa a melhor e mais fcil opo,
pois eu tenho a possibilidade de chamar um amigo para fazer o prefcio, a
introduo e colaboraes do gnero.
SIDNEY - E depois escrever apenas uma coisa ou outra...
A - Isso mesmo. Quando eu fiz o Shazam!, falei pro pessoal da editora Perspectiva
que livro demorava no mnimo um ano para ser feito, que os direitos eram muito
pequenos e que era muito mais lucrativo escrever para revista ou jornal. Da, eles
retrucaram dizendo que era egosmo da minha parte, pois se algum quisesse ler
um artigo meu, teria que vir at a redao do Estado e do Jornal da Tarde vir
pesquisar nos arquivos, e blblbl.
Foi a que surgiu a idia de juntar um monte de artigos meus e fazer um volume, e
desde ento, esse o tipo de livro que eu costumo fazer. Escrever um livro, assim,
de propsito, muito difcil...
D - Realmente, no fcil... mas quando digo livro, me refiro apenas ao formato. O
contedo tanto pode ser um monte de material indito quanto uma compilao de
artigos para jornal...
A - Ah, sim, tem esse da Abigraf... e o Jotap me perguntou se eu no podia fazer
um livro pra ele. Eu sugeri lanar uma obra que no falasse de quadrinhos, pois
tenho muito artigo sobre televiso e cinema. Juntei uma parte desse material para
ele dar uma espiada l na minha casa. Caso ele ache que compense fazer um livro,
vasculharei toda aquela papelada antiga que tenho arquivada e o farei. O ttulo seria
Telinha e Telona.
"SOU A FAVOR DA PORNOGRAFIA. ACHO UMA HIPOCRISIA FUGIR DA CENA
DE SEXO QUANDO ELA EST OCORRENDO."
Vou dar como exemplo o Stanley Kubrick, j que a gente t falando bastante sobre
ele. Eu entrevistei o Kubrick em 1958 e saiu na Folha de So Paulo. Quando ele
morreu, a Folha me incumbiu de fazer um artigo sobre essa entrevista. No livro,
poderiam sair tanto a entrevista da poca em que eu estava nos Estados Unidos
quanto o texto que saiu depois de sua morte. E isso o mais curioso de tudo: na
verdade, as duas matrias so a mesma, mas o enfoque dado a cada uma delas
que d a diferena. Quando o conheci, ele ainda estava se consagrando como um
grande diretor, e depois de morrer, j era considerado um dos maiores e mais
importantes da histria.
Existe tambm um outro projeto, que um negcio que o Ziraldo vive insistindo
comigo: "Moya, voc conhece todo mundo. Viveu episdios curiosssimos com o Will
Eisner, o Hugo Pratt, Stanley Kubrick, Marilyn Monroe, com gente famosa e com os
maiores nomes mundiais dos quadrinhos... te aconteceu tanta coisa boa, a sua vida
to rica! Porque no rene todas essas historinhas num livro de memrias?" Eu
sempre dei essa mesma desculpa para ele: Ah, Ziraldo, voc mineiro! Mineiro
olha pro prprio umbigo e escreve conto, romance, um monte de coisa, mas eu sou

240

paulista, a concepo diferente, acho esse papo muito eu para escrever qualquer
coisa.
De um jeito ou de outro, sempre refleti muito sobre essa proposta, e acabei
encontrando uma maneira de desenvolv-la. A soluo seria uma abertura onde a
palavra "eu" estaria escrita em ingls, "I", com letra maiscula, ao lado da palavra
"Deus", "God", tambm em maisculo. Isso tudo porque a civilizao angloamericana valoriza o "I" tanto quanto ou mais que o "God". Resumindo: "God" e "I"
com letra maiscula. E, obviamente, o "eu", em portugus, seria escrito com "e"
minsculo.
Nesta obra, eu falaria das coisas que, no como mineiro, paulista ou norteamericano, mas acima de tudo como brasileiro, tive a sorte de poder presenciar, j
que sempre fui um moleque muito atrevido e entro, tendo assim oportunidade de
conhecer todo esse pessoal e ter vivido algumas histrias muito curiosas, que
mesmo o cara que l e no sabe de quem estou falando acaba achando engraado.
Por exemplo, d para eu contar uma do Hugo Pratt?
D - Com certeza!
S - Manda!
A - O Hugo no queria de forma alguma que os filhos dele aprendessem religio.
Portanto, ele saiu de Veneza e migrou para a Frana, pois o governo italiano tinha
estabelecido ensino religioso obrigatrio nas escolas.
Certa vez, fui no apartamento dele em Paris... estvamos na sala, e ele estava
segurando uma prancheta, onde apoiava folhas de papel para desenhar as pginas
do Corto Maltese. O interessante que ele pegava um lpis, fazia vrias bolinhas na
folha e depois j desenhava direto todos os detalhes por cima com uma caneta
Pentel. Aquelas bolinhas eram as cabeas dos personagens.
Enquanto isso, havia uma televiso ligada na nossa frente, onde estava sendo
transmitida a entrega do prmio Disco de Ouro. De repente, com aquelas
musiquinhas de fundo, o apresentador anunciou: o prmio de melhor trilha sonora
vai para Enio Morricone. O Enio tinha trabalhado naquele filme do Sergio Leone,
Era Uma Vez no Oeste, e os dois subiram juntos no palco para serem premiados.
O apresentador pegou o microfone de novo e disse: E para entregar o Disco de
Ouro para Enio Morricone, convidamos Mr. Henry Fonda!. O Henry Fonda estava
sentado, se levantou, veio para o palco, abraou emocionado o Disco de Ouro e fez
um discurso em ingls dizendo que nunca tinha ganho um prmio na vida... ele no
ganhou o Oscar, no ganhou nada, e ficou l, emocionadssimo agradecendo aquele
Disco de Ouro, pensando que o prmio era pra ele.
Acabado o discurso em ingls, o apresentador finalizou: Talvez Sergio Leone saiba
traduzir essas belas palavras que Mr. Henry Fonda acaba de nos dizer. O Sergio
disse, em francs, que no sabia falar ingls. Ficou aquele silncio mortal e o
apresentador deduziu que talvez algum da produo entendesse ingls. Nisso,
uma mocinha dos bastidores veio correndo, afirmando saber falar tal idioma
fluentemente: Ah, eu falo ingls!. Mais uma vez, o apresentador pediu para que a

241

traduo fosse feita, s que a menina alegou que no havia prestado ateno no
que tinha sido dito, e portanto, no sabia o que fazer... tudo isso em francs.
O apresentador, j meio cheio: Bom, estamos encerrando aqui o programa.
Provavelmente uma parte do nosso pblico sabe o que significam aquelas palavras
que Mr. Henry Fonda disse. E terminaram o programa. O Hugo Pratt olhou para
mim e ns dois comeamos a imaginar, nos bastidores, o Enio Morricone pondo o p
no peito do Henry Fonda, tentando arrancar o disco de ouro de qualquer maneira. E,
claro, no poderia faltar algum passando e gritando: No seu, dele! (risos dos
entrevistadores e entrevistado). Logo em seguida, o Hugo vira pra mim e me fala:
Voc viu, Moya, a televiso essa merda no mundo inteiro (mais risos)!
D- E dos quadrinhos atuais? Quais te chamam a ateno?
A - Nesse ltimo nmero da Abigraf, falo do Joe Sacco. Esses dois lbuns dele,
"Palestina - Uma Nao Ocupada" e "rea de Segurana Gorazde", so trabalhos
excepcionais. Tambm escrevi um artigo sobre o Do Inferno, do Alan Moore.
A pauta da Abigraf, no geral, tem muita participao do Plnio, que o diretor da
revista, e do diagramador. Os dois so fs de quadrinhos, e por isso que a sesso
dedicada HQ sai bonita... eles capricham!
De uma certa forma, como se trata de uma publicao dirigida a empresrios e
donos de grfica, eu me guio muito pelo Plnio. Eu no quero fazer nada que fuja ao
tom da revista dele. Inclusive, consegui escrever no penltimo nmero uma matria
sobre erotismo nos quadrinhos, que uma coisa que eu e o diagramador ficamos
tirando sarro dele, tipo o Plnio no quer escolher as ilustraes, voc que tem que
escolher! Ns nos divertimos muito com isso...
S - E o que vocs colocaram na matria?
A - Tinha Druuna, Manara, essas coisas, mas tomamos cuidado para no ficar um
negcio muito explcito. E no texto eu falo que no cinema, h uma fronteira
delimitada entre o que pornogrfico e o que ertico. Do ponto de vista
cinematogrfico, o ertico a elipse. Ou seja, quando o casal vai transar, a cmera
fica apontada para uma lareira, ou mostra s as costas de um e o rosto do outro,
com cobertores e etc. No cinema porn, so mostrados os rgos sexuais, a
penetrao, a ejaculao e tudo o mais. E nos quadrinhos, os melhores
desenhistas, que seriam basicamente o Guido Crepax, o Milo Manara e o Serpieri,
quebraram essa barreira e comearam a mostrar todas essas coisas. Seria como se
no cinema, Kubrick, Fellini e todos esses grandes cineastas comeassem a mostrar
sexo explcito e destrussem essa fronteira.
Escrevi tudo isso, mas na revista outra coisa, no d pra publicar... Eu sou a favor
da pornografia. No feio um homem e uma mulher fazendo sexo, pelo contrrio,
uma coisa muito bonita. Acho uma hipocrisia fugir da cena de sexo quando ela est
ocorrendo.
S - O Kubrick sofreu vrios problemas com isso, por causa do De Olhos Bem
Fechados...

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A - , porque nos EUA existe aquela categoria denominada X, em que o filme s


pode ser exibido em um nmero limitado de cinemas, pois isso acaba prejudicando o
lucro. Sendo assim, a produo no tem condies financeiras para dar continuao
s filmagens. Antigamente existia uma censura, como o cdigo Hayes e outros do
tipo que participavam dessa ao. Eu tenho um livro l em casa que conta que
esses cdigos obrigaram o diretor do "Scarface" a mudar todo o final do filme, para
mostrar que um gangster no morre como um heri, mas sim como um rato. Sempre
havia alguma interferncia nos roteiros.
Hoje em dia, a censura econmica. Se o sujeito faz um filme muito avanado, no
consegue lugar para pass-lo. Ento, todos eles procuram mostrar um selo escrito
Parental Guided, significando que o pai tem o direito de levar o filho para ver o
filme. Agora, quase todo mundo evita ultrapassar essa fronteira, pois esse um
problema puramente financeiro. Alis, a sociedade norte-americana s vive em
funo do dinheiro... ou voc um sucesso na vida ou passa a ser marginalizado.
"QUANDO O VICTOR CIVITA MORREU, EU VIA A TELEVISO
ENTREVISTANDO O FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, E TODOS ESSES
IDIOTAS POLTICOS, COISA QUE ME INDIGNAVA... ELES DEVIAM ERA
COLOCAR GENTE COMO O RENATO CANINI, O CLUDIO DE SOUZA... ELES
SIM, PODERIAM DIZER ALGUMA COISA SOBRE O VICTOR, E NO ESSE
BANDO DE IMBECIS."
D - Voc foi fantasma do Walt Disney, e...
A - Eu tinha uma facilidade enorme para imitar os desenhistas! Desenhava o
Prncipe Valente igualzinho ao Hal Foster, o Flash Gordon e o Rip Kirby igualzinho o
Alex Raymond e tambm imitava o trao do Milton Canniff perfeitamente!
O pessoal l da Europa brincava muito com isso. Certo dia, um desenhista estava
fazendo um trabalho a lpis, e o pessoal ficava sussurrando no meu ouvido: Moya,
copia o desenho dele!. Eu nunca tinha visto a sua obra, mas ficava no ombro do
cara, observando ele desenhar... fazia igual, assinava com o nome dele e ia
entregando para as pessoas.
Quando o Jim Davis esteve aqui no Brasil, o Jornal da Tarde me encarregou de
fazer uma entrevista com ele para a pgina de economia, e no de quadrinhos. Tudo
isso foi num evento dentro de um iate no Rio de Janeiro, e quando ele estava
fazendo o Garfield, me pediu para ficar atrs desenhando tambm. Eu nunca tinha
desenhado o Garfield, mas o resultado era idntico... eu assinava Jim Davis do
jeito dele e entregava para o pessoal. A presidenta da PAWS viu e brincou: Vamos
contratar ele!. Por causa dessa facilidade que eu tinha de imitar artistas, acabei
sendo empregado pela Editora Abril.
D - E o Pato Donald foi a primeira revista da Abril...
A - Isso mesmo. O Lus Destuet veio da Argentina ensinar a gente a fazer os
personagens Disney, coisa que ele fazia muito bem... possvel reconhecer
instantaneamente qual assinatura do Disney era feita pelo prprio e qual era do
Destuet. Eu fazia as capas do Pato Donald, do Mickey, do Z Carioca...

243

D - A maioria era voc que fazia? A primeira do Destuet...


A - A maioria era minha, mas a primeira dele... Uma vez, aconteceu um evento em
Braslia onde estava presente um colecionador que tinha essa coleo do Pato
Donald todinha. Quando entrei l, encontrei uma quantidade enorme de capas
minhas, sendo que eu nem sabia que tinha feito tantos trabalhos para o Pato
Donald... e conseguia reconhecer o meu trao! D para saber quando o Carl
Barks, quando algum italiano... e o meu desenho tambm tinha essa caracterstica
de ser um pouquinho diferente do Disney. No que eu tivesse me lembrado de ter
feito a capa x ou y, mas sim de olhar um desenho que eu conhecia h muito tempo e
descobrir que aquilo era meu.
Eu era free na Abril... ia l toda manh. Eu morava em frente Praa das Bandeiras
e a Abril era na Joo Adolfo. Eu atravessava a praa e ficava na redao das oito ao
meio-dia. Quando chegava esse horrio, eles viam o que eu tinha produzido e me
pagavam o free-lance. tarde eu ia para o jornal O Tempo e ficava fazendo charge
l. Depois disso veio a nova gerao, com Joo Batista Queiroz, o Jorge Kato, O
Canini, e etc, mas nessa poca eu j tinha sado da Editora Abril, pois fui trabalhar
com o Lima Barreto, que iria fazer Os Sertes. Fiquei encarregado do desenho de
produo do Antnio Conselheiro... depois o filme fracassou, acabou no saindo e
fiquei desempregado! (risos)
D - Voc se inspirava em algum na hora de desenhar os personagens Disney?
A - Eu no gostava muito do desenho do Carl Barks... o que me agradava mais e me
servia de base para o tipo de pato que eu desenhava eram aquelas tirinhas dirias
do Pato Donald que o King Features distribua. Os desenhos do Carl Barks eram
muito caractersticos dele, no tinham nada a ver com o Disney... o trao dele foi
uma ousadia que acabou funcionando. Os italianos imitavam mais o Carl Barks que
os americanos, e eu sempre me baseei mais nos trabalhos dos EUA.
D - Voc acha que em relao poca em que esteve desenhando Disney, alguma
coisa mudou nas publicaes que utilizam fantasmas?
A - Eu acho que o Carl Barks abriu um caminho, mostrou que um artista podia
trabalhar nos estdios Disney e fazer uma coisa extremamente pessoal. Ele tentou
algumas criaes prprias, que por sua vez nunca deram certo. Ele era genial para
virar o universo Disney do avesso, ou para colocar novos personagens ali, mas com
exceo disso, tudo o que fez deu errado. curioso isso...
S - Eu no ouvi falar de nenhuma dessas criaes, e o universo dos patos
praticamente todo dele...
A - , a gente s v os nomes. Eu mesmo nunca vi esse trabalho dele. Mas o Barks
era genial... e foi o Alberto Maduar quem descobriu ele... eu cheguei um pouco
depois... depois do Maduar, os italianos botaram o Barks nas nuvens...
D - Tinha alguma coisa de peculiar no mtodo que ensinaram a vocs?
A - Antigamente, no existiam esses portfolios Como Desenhar o Mickey, Como
Desenhar o Pato Donald... hoje em dia, esses portfolios ensinam aos artistas o

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tamanho das cabeas, a proporo, o trao... mas no nosso tempo no tinha isso,
era olhar e fazer. Eles davam pra gente a liberdade de fazer o que tivssemos
vontade. Eu bolava a capa que eu estivesse a fim...
S - Eram sempre piadinhas... era voc que criava?
A - Isso, uma situao... Eu era um dos que faziam aquilo. E tinha vezes em que as
vendas estavam baixas, e a gente mandava ver numa capa com o Pato Donald e um
fundo amarelo. Toda vez em que isso era feito, a tiragem aumentava.
E eu lembro que eu passava nas bancas de jornal, e as revistas ficavam assim
(neste momento, lvaro pega alguns gibis que estavam em cima da mesa onde a
gente estava sentado e as posiciona da mesma maneira que as bancas fazem,
colocando uma capa em cima da outra de maneira que apenas o canto esquerdo
fique visvel)... da, tive a idia de fazer um pequeno desenho do Mickey no canto
superior esquerdo, para facilitar a localizao. Criei um layout, ele foi aprovado, as
revistas passaram a sair desse jeito e hoje isso padro no mundo inteiro.
Quando a Editora Abril comprou a primeira Kombi para distribuir as revistas nas
bancas de jornal, eles me pediram alguma idia em relao ao carro. Sugeri que
eles tirassem da porta aquele logotipo enorme da Volkswagen e trocassem pelo
rosto do Pato Donald... desenhei uma Kombi do jeito que tinha imaginado e passei
para eles. Era um perodo em que a gente tinha uma participao muito grande e
criativa, e as pessoas aceitavam idias. Isso era incentivado, e o funcionrio no era
apenas um empregado.
Uma vez, fizemos uma reunio e o Victor Civita insistiu para lanar a revista Misterix
em um determinado formato. Ns argumentamos que aqui no Brasil aquele formato
no tinha tradio. Ele rebatia dizendo que o formatinho, que a gente usava no Z
Carioca, tambm no tinha antes de ser adotado. O Z Carioca era lanado em
formato grande e depois passou para o formatinho...
D - O Pato Donald tambm, a partir do nmero 13...
A - Essa idia do formato pequeno ele importou da Itlia, por causa de questes
econmicas. O Victor Civita, de uma certa forma, se assemelhava ao Walt Disney:
vinha com umas idias malucas, que todo mundo era contra, resolvia fazer do jeito
dele e acabava dando certo.
Brincvamos muito com o Victor, mas ele era um crnio, pois tinha uma noo
incrvel das coisas. E assim como o Disney disse aquela frase famosa, No
esqueam que tudo comeou com um ratinho, o Victor Civita dizia para ningum se
esquecer que tudo comeou com um pato... um dia eu ia cobrar isso do Roberto
Civita, porque todo mundo sabe que as revistas Disney esto uma porcaria...
S - Inclusive, saiu um especial do Pato Donald, que provavelmente foi feito no Brasil,
com uma histria em que ele, segurando um exemplar do Pato Donald #1, entra nos
escritrios do Victor Civita, mostrando todos os corredores da Abril...
A - Isso a deve ter sido feito pelo Canini, pelo Primaggio, algum deles... uma coisa
que eu adoro so aqueles Almanaques Disney feitos pelo Cludio de Souza, que

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eram excelentes. At hoje tenho aquilo em casa, e se voc for consult-los, ver que
so muito bem feitos.
D - E o material atual?
A - Muito ruim, n? Por demais de ruim...
D - Horrvel!
A - Quando a Disney me convidou para escrever O Mundo de Disney, me ofereci
para fazer um projeto para eles, porque eu acho que a soluo para essas revistas
muito simples. Depois ns no tivemos continuao, mas eu acho esse material
muito mal feito.
D - uma coisa computadorizada, artificial...
A - Eu no sei se a questo so os computadores, mas acho que elas esto erradas
como concepo.
Quando o Walt Disney morreu, o Roy Disney conseguiu segurar o gancho bem.
Quando o Roy morreu, a Disney foi para a cucuia. Da, perceberam que gente como
o George Lucas e o Steven Spielberg estavam imitando o Disney e fazendo um
dinheiro, trouxeram o Frank Wells e o Michael Eisner para consertar as coisas, que
por sua vez colocaram ela l em cima. No s com desenhos animados, mas
tambm com filmes de personagens vivos. Fizeram Uma Linda Mulher e at
colocaram o nome de outra produtora para no misturar nada com a Disney, por se
tratar de um tema "diferente", que toca na prostituio. Mas de qualquer forma, eles
conseguiram.
O Wells j morreu, mas eu espero que um dia o Eisner pegue as revistas de hoje e
pense: Puxa, e os quadrinhos? Vamos dar um jeito nisso!. Talvez assim os
quadrinhos Disney voltem a ser o que eram antes, porque atualmente esto
pssimos.
"ASSIM COMO O WALT DISNEY VIVIA DIZENDO PARA TODOS LEMBRAREM
QUE TUDO COMEOU COM UM RATINHO, O VICTOR CIVITA FALAVA PRA
GENTE NUNCA SE ESQUECER QUE TUDO COMEOU COM UM PATO. UM DIA
EU IA COBRAR ISSO DO ROBERTO CIVITA, POIS TODO MUNDO SABE QUE
AS REVISTAS DISNEY ESTO UMA PORCARIA..."
D - Em nenhum momento vocs se sentiram censurados na Abril?
A - De forma alguma! Ns nunca fomos censurados... mas eu acho que isso de
censura uma questo de ter noo das coisas. Voc nunca deve fazer algo
sabendo que est errado... existe um nvel de autocrtica que te indica que voc no
deve fazer determinadas coisas. Ns fazamos algumas molecagens com esse
negcio de esquerda e direita poltica... a gente criou um quadro nas revistas Disney
chamado A Patada, em que mostrvamos, por exemplo, um soldado americano
assassinando um coreano... tudo isso para encher o saco do Victor Civita! Rolava
muita brincadeira... a gente chamava o Victor de Boss, pois ele era um italiano de
formao americana que veio morar no Brasil. Mas no era nada com a inteno de
ofender. Todo mundo admirava muito o Victor... um cara formidvel! A redao da

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Abril era minscula e extremamente humilde, dava para contar nos dedos o nmero
de pessoas que trabalhavam nela na minha poca. E em 1990, quando o Victor
morreu, eu via a televiso entrevistando o Fernando Henrique Cardoso e todos
esses polticos idiotas, coisa que me indignava... cheguei a sugerir para a Cultura
que eles entrevistassem o Cludio de Souza, o Jorge Ctida... esses so os caras
que estiveram com o Victor desde o incio e podem dizer alguma coisa sobre aquele
comecinho... era ridculo colocar aqueles babacas que s diziam besteiras do Civita.
S - Ns estvamos falando de quando o Roy Disney assumiu a Disney. E a Abril,
como foi quando o Roberto Civita assumiu?
A - Infelizmente, o Roberto e o Richard Civita tiveram um desentendimento entre
eles dois. Eu acho que essa diviso dentro da Abril acabou prejudicando a editora.
Por outro lado, quando o Roberto chegou no Brasil, ele quis fazer a revista Veja...
todo mundo afirmava que aqui no Brasil, revistas de texto nunca deram certo aqui e
que a nica coisa vivel era fazer aquelas publicaes no padro da Manchete ou
do Cruzeiro, com aquele monte de ilustraes tinham que seguir o padro da
Manchete e do Cruzeiro, com aquele monte de ilustraes
Ele teimou em fazer a Veja, e deu certo: no comeo ela foi muito mal e hoje a
revista mais importante do pas. O Roberto tem no currculo a chance de ter feito
uma revista muito bem escrita e provar que h pblico para isso. Mas ele no tem
essa relao com os quadrinhos que o Victor tinha.
H algum tempo atrs, o Joel Nelli era o grande homem da imprensa, pois construiu
o prdio da Gazeta praticamente sozinho... s havia o Conjunto Nacional e esse
aqui. Veio um estrangeiro falar com o Joel para propr uma co-edio, na poca em
que o Reinaldo de Oliveira trabalhava na Gazeta Esportiva. Este, viu que o Joel deu
um ch de cadeira de uns quarenta minutos no estrangeiro, e pensou: Nossa, um
cara do exterior vem pra c e tratado dessa maneira! Na sequncia, ofereceu um
cafezinho para o Victor Civita. O Joel no quis fazer sociedade com o Victor... por
sua vez, o Victor fez um empreendimento com o Giordano Rossi que cresceu
absurdamente e o Joel montou a Gazeta numa crise danada.
D - A exposio de 1951 foi um marco no movimento pela nacionalizao dos
quadrinhos, do qual voc participou. Nunca te atacaram por fazer parte desse
movimento e ao mesmo tempo ser fantasma de um norte-americano?
A - Em 1947, quando ainda menino comecei a trabalhar como desenhista
profissional, ns formamos uma turma para lutar pelo quadrinho brasileiro. Muitos
anos depois, eu estava conversando com o crtico de cinema Rubem Bifora e
comentamos que Hollywood hoje est uma porcaria, nem parecendo que dali saram
Hitchcock, Ernst Lubistch, Chaplin, Orson Welles... ele falou: Moya, no faz mal...
se existir uma indstria cinematogrfica forte, sempre vai aparecer algum
importante no meio. E sem querer, naquela nossa poca, a gente estava tendo
esse tipo de comportamento. Se o quadrinho fosse forte, sempre apareceria coisas
relevantes, seja nos EUA, na Europa ou no Brasil.
O Brasil era dominado, como ainda , pelos americanos, e o pblico se identificava
com esses personagens dos EUA, assim como tambm h uma aproximao
intensa com o cinema de Hollywood. Se houver interesse do pblico, sempre existir

247

alguma chance de aparecer coisas novas. Eu acho que os quadrinhos so muito


fortes. Muita gente preconiza que a HQ est em crise, mas na minha opinio no
est. Eu trabalhava nas Empresas Cinematogrficas Hava e os cinemas estavam
numa baita crise... avisei para todos segurarem a onda, pois nos EUA estavam
passando O Poderoso Chefo, Os Caadores da Arca Perdida e Star Wars... o
cinema ia voltar a dar lucro, movimento e bilheteria. Foi a partir desses trs filmes
que o cinema comeou a se desenvolver de novo, e isso comeou a beneficiar as
salas como um todo... isso porque as pessoas gostam de assistir s obras, e caso a
sala estivesse vazia, a soluo dos empresrios era aumentar o preo dos
ingressos! Isso t errado! o contrrio, tem que baixar o preo para atrair o povo!
Eu sei que essa crise dos quadrinhos existe, que o papel est caro, que o dlar
aumentou, mas eu acho que esse tipo de linguagem que dominou o sculo passado
inteirinho, vai se manter importante nos dias de hoje e de amanh.
D - Voc acha que a mudana ser no meio e no no contedo? Algo do tipo de
quadrinhos em CD-ROM, na tela do computador...
A - difcil imaginar o que est por vir, mas se voc ver que hoje ns temos Neil
Gaiman, Alan Moore, Frank Miller, Grant Morrison e toda uma pliade de grandes
escritores e desenhistas.... enfim, est na cara que h uma equipe excepcional
fazendo quadrinhos hoje. Pode ser que ele esteja apenas segmentado... quando eu
era jovem e ia no cinema, eu podia escolher um filme do John Wayne ou do Dave
Cooper, um faroeste ou um policial. Depois o cinema mudou, o pblico se elitizou e
passou a ver o filme do Buuel, do Fellini ou do Kubrick, ou seja, comeou a orientar
suas escolhas pelo diretor. No meu tempo, o nome do diretor nunca aparecia nos
anncios de jornal... nem Alfred Hitchcock aparecia! Ns, como ramos amigos dos
profissionais de cinema, passamos a dar uns toques para colocarem o nome dos
diretores nas propagandas.
Essa mudana ocorreu tambm nos gibis, pois assim como antigamente o pessoal
comprava a revista do Flash Gordon e do Lil Abner, hoje o pblico l a revista
escrita pelo Alan Moore ou pelo Neil Gaiman, no importando se o personagem o
Batman ou o Super-Homem. Hoje, pode-se dizer que a HQ est no mesmo nvel que
o cinema neste sentido, pois o autor representa muito mais que o personagem.
S - J que a gente tocou nesse assunto de crise, como voc enxerga isso que
aconteceu h pouco com a Abril, que parou de publicar os heris da DC? Eles
afirmam que o problema mercado retrado, mas ao mesmo tempo vemos casos
como a Panini, publicando Marvel, expandindo o mercado e lanando ttulos cada
vez mais interessantes...
A - Eu, pessoalmente, acho que a Editora Abril errou. Na EBAL, o Adolfo Aizen
cometeu esse mesmo erro... eles lanavam, diariamente, uma revista de 100 mil
exemplares e outra de 75 mil. Cada tarde eram dois ttulos novos nas bancas, numa
poca em que o Tio Patinhas de Carl Barks vendia 500 mil exemplares. Na hora em
que comeou a haver uma queda nas vendagens, o Adolfo brigou com um pessoal
dizendo que eles estavam trabalhando mal. Ele no notou que estava havendo uma
retrao no mercado. Naquele perodo, ele abriu mo do Batman, do Super-Homem
e dos heris Marvel. A Abril conseguiu os direitos e faturou muito em cima desses
personagens. Ou seja, se o Aizen tivesse continuado, ele tinha lucrado o que o

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Civita lucrou. E a EBAL foi decaindo at chegar ao ponto de ser vendida para um
outro grupo. Obviamente, isto no vai acontecer com a Abril porque eles tm um
leque muito variado de publicaes, mas mesmo assim algo lamentvel. muito
provvel que algum venha faturar em cima desses heris... se no cinema o
Homem-Aranha est batendo recordes no mundo inteiro, por que ser que os
editores no esto conseguindo capitalizar este mesmo pblico para comprar a
revista?
Lembro que quando passei o Fantasia, do Walt Disney, no Cine Marach, telefonei
pro Adolfo Aizen para pedir uns exemplares da revista de colorir do Fantasia...
coloquei elas venda em cima do balco da bomboniere do cinema e esgotou!
Porque? Porque a criana entrava para ver o filme e pedia para a me comprar a
revista... o colorido do filme to deslumbrante que acaba excitando uma criana a
fazer esse tipo de coisa. Eu no sei se deveriam vender o gibi do Homem-Aranha na
porta do cinema, mas deveriam tomar algumas posturas mais agressivas em relao
ao mercado.
D - Eu s acho muito estranho o fato do gibi no vender porra nenhuma na banca e
faturar milhes em forma de filme...
A - O que que est acontecendo, ento? Deve haver alguma coisa errada! O
Roberto Civita, numa entrevista, disse o seguinte: antigamente, o pai ia com o filho
pequeno comprar o jornal numa banca e o menino pedia pai, me compra uma
revistinha? Da o garoto escolhia o Walt Disney ou a Turma da Mnica. Hoje, os
pais assinam a Folha, o Estado, a Veja e a Isto ; no vo banca; e a criana sai
da escola direto pra perua e da para a porta de casa, com medo de ser violentada.
Agora, as bancas no so mais um lugar freqentado pela garotada, pois a cidade
ficou muito perigosa e os pais vivem com medo at mesmo do percurso da porta da
escola at a perua. Por outro lado, as bancas viram que as revistas e os jornais
passaram a vender pouco, e assim comearam a fazer xerox, vender vdeo porn,
CD, refrigerante e outras coisas. E eles esto certos nesta postura, mas as
editoras no se adequaram a esse comportamento.
Quando o Samuel Wainer lanou o ltima Hora na dcada de 50, o primeiro nmero
do jornal ia de graa para os jornaleiros de todo o Brasil... o cara da banca vendia o
ltima Hora e ficava com o dinheiro todo pra ele... e evidentemente, se algum fosse
comprar algum outro jornal, ele empurrava o UH para os clientes, pois o lucro era
todo dele... a tiragem foi toda vendida e o jornaleiro ficava com capital para comprar
a edio do dia seguinte. Alm de lucrar financeiramente, o ltima Hora ganhou a
simpatia dos jornaleiros, por ter prestigiado eles... eu acho posturas deste tipo
completamente dignas e inteligentes.
D - A exposio do Centro Cultura & Progresso reconhecida internacionalmente
como a primeira do mundo. Por causa disso, h algum plano para que Anos 50 - 50
Anos chegue de alguma maneira a ser comentado ou lanado no exterior?
A - Eu consegui com que este meu ltimo livro, um balano dos anos 50 e os
cinqenta anos da exposio, tivesse o prefcio e a introduo traduzidos para o
ingls, francs, italiano e espanhol... procurei fazer o mximo para que um
estrangeiro, mesmo que no saiba falar portugus, consiga folhear o livro e entender

249

do que se trata, com as tradues em diversos idiomas, as fotos, o prefcio do Jerry


Robinson e a introduo do Will Eisner.
S - Moya, agora s uma mera curiosidade: no como desenhista, ou expert em
quadrinhos que voc , mas como leitor... qual a sua obra de quadrinhos predileta?
A - difcil de dizer, mas realmente as coisas que muito me impressionaram foram o
Flash Gordon, do Alex Raymond, o Prncipe Valente, do Hal Foster, o Lil Abner, do
Al Capp (que eu achava genial), os trabalhos do Milton Cannif, tanto no Terry & Os
Piratas quanto no Steve Canyon, o Fantasma do Lee Falk e do Ray Moore, e todos
estes europeus, como o Moebius, o Enki Bilal, o Crepax...
D - Muito obrigado pela entrevista! Gostaria de dizer mais alguma coisa?
A - Eu acho que o quadrinho uma coisa de futuro; que a televiso brasileira est
passando por um momento difcil, mas vai melhorar; e que o cinema nacional j est
apresentando filmes excelentes, como O Invasor e o Abril Despedaado.
Eu era um moleque, mas acompanhei a poca em que o Getlio Vargas caiu... e vi
que a partir de 1945 at 1964, o Brasil comeou com a Vera Cruz, a TV Tupi, o
Museu de Arte Moderna, o MASP, a Bienal, a nossa exposio de quadrinhos, a
bossa-nova, o bi-campeonato no futebol... foi ali que o Brasil descobriu a sua
nacionalidade. Eu pensava que no final da ditadura militar teramos outro perodo
como esse, mas infelizmente os polticos corruptos tomaram conta do pas e
estamos atravessando uma poca muito difcil do ponto de vista ecnomico, social e
at mesmo de encontro da nacionalidade. Mas ao mesmo tempo que a TV brasileira
est mal das pernas, o cinema est comeando a encontrar um caminho. Se o Brasil
consegue ser penta no futebol e ns conseguirmos impor um comportamento
cultural, rejeitar as coisas que esto erradas e apoiar as reas de potencial que se
encontram marginalizadas, uma pequena minoria cultural conseguir se esforar
para fazer o nosso pas atravessar uma fase to boa quanto aquela de 45 at 64.

Depois de um papo desses, no poderia faltar um autgrafo... acima, o retrato


que Moya fez de si mesmo no meu exemplar de "Shazam", no melhor estilo
Jules Feiffer... um pouco acima, foto de mural da primeira exposio de
quadrinhos do mundo, realizada em 1951.

250

ANEXO B Entrevista: Rodolfo Zalla9

UCM - H quanto tempo o senhor est afastado das Histrias em Quadrinhos?


ZALLA Na atualidade estou desenhando quadrinhos esporadicamente. Mas no
estou totalmente afastado deles.
UCM - Dos anos 70 e 80, as dcadas onde os quadrinhos nacionais prosperavam,
de hoje, o que mudou em termos da importncia desses quadrinhos para o nosso
pas?
ZALLA No temos HQs de aventuras, faroeste ou de terror. Os super-heris
dominam a banca, o desenho infantil, os mangs, o humor. H muitas coisas novas
nos quiosques, mas o desenhista nacional est quase sem trabalho.
UCM - A Grafipar foi editora que mais se conscientizou da importncia do mercado
nacional de quadrinhos para o nosso pas. Na poca, qual foi sua relao com
aquela promissora idia de se publicar autores nacionais?
ZALLA Na poca que a Grafipar se insinuava nas bancas, eu colaborava
assiduamente com a Editora Abril, na confeco dos Transfer. Trabalhvamos trs
desenhistas nessa empreitada: Rubens Cordeiro, Osvaldo Sequetin e eu.
Desenhvamos um layout e depois de aprovado, entregvamos a arte-final e o lpis.
O colorido e algumas artes-finais eram feitos pelos ilustradores da Editora, assim
como as figuras pequenas a transferir. Tinha trs tipos de transfer: o pequeno, o
mdio e o tamanho grande. Ns fornecamos a arte de todos eles. Mas eu sempre
acompanhava o que se publicava em quadrinhos. Nessa poca, seguia atentamente
o que fazia o Flvio Colin, especialmente na revista Serto e Pampas, da Grafipar.
UCM - O que o fez transitar de outras editoras para a D-Arte, sua prpria editora?
ZALLA O desejo de ter a prpria editora e as circunstncias do mercado,
naturalmente.
UCM - A importncia da D-Arte como influenciadora do levante da HQ nacional
indiscutvel, o senhor tem essa conscincia do quanto sua contribuio foi
importante para o quadrinho nacional, sendo at hoje uma fonte de inspirao e
comprometimento?
ZALLA Quando as revistas estavam na praa, no tive tempo em pensar em
conscincia ou contribuio para o quadrinho nacional. Tinha que produzir
regularmente e cumprir prazos de entrega. Procurei sempre trabalhar com os
melhores artistas do ramo, os mais competentes e os profissionais colaboradores do
mercado. Em uma oportunidade, um leitor do Rio de Janeiro escreveu: (...) com
colaboradores desse nvel, at eu fao revistas como essas! E ele tinha razo. Pela
9

Disponvel em: http://www.ucmcomics.com.br/pagina_zalla.htm. Acesso em: 15 dez. 2005.

251

D-Arte passaram artistas como: Eugnio Colonnese, Jayme Cortez, Mozart Couto,
Flavio Colin, Shimamoto, Rodval Matias, Rubens Cordeiro, Rivaldo, Edmundo
Rodrigues. Artistas promissores como: Aluisio de Castro ou Lucio Rubira,
espordicos como Olendino ou Zenival. Roteiristas j consagrados como Maria
Godoy, Gedeone, Helena Fonseca, Rubens Lucchetti, Ota ou escritores novos, mas
de excepcionais talentos como Pedro de Queirs e Antnio Rodrigues, que
entregavam os textos j rafeados. Era reconfortante trabalhar com eles. Noutro
setor, contvamos com Luiz Sampaio, Wagner Augusto, Reinaldo de Oliveira e
Osvaldo Talo. Alm de grandes artistas que ilustravam seus prprios roteiros.
possvel que me esquea de algum. Aproveito esse espao para cumprimentar e
agradecer a todos eles.
UCM - Se houvesse chance, assim como seus fs acham que deve haver, o senhor
faria tudo novamente? Ou seja, reverenciaria a produo nacional colocando no
mercado uma nova revista, assim como foi a Calafrio?
ZALLA Sem dvida. Mas o mercado mudou. Seria um Calafrio um pouco
diferente, com material selecionado, distribuio setorizada e apario bimestral. A
impresso deveria ser impecvel, os roteiros teriam que ser os melhores, assim
como os desenhistas.
UCM - Na poca da Revista Calafrio, publicaes de terror pululavam nas bancas
(Sobrenatural, Histrias do Alm, Medo, Kripta e outras), o senhor lia essas
publicaes e isso o influenciava?
ZALLA As histrias da Warren eu lia no original. A minha coleo de Kripta
obedecia mais ao desejo de apreciar as tradues. Quem leu Zora, Mirza ou o
Morto do Pntano sabe que no houve influncias nem estrangeiras, nem
nacionais. De tudo que eu lia l fora no gnero, s o Snchez Abul ou o Giancarlo
Berardi me interessaria para compor a equipe. Refiro-me exclusivamente ao gnero,
claro. Na opinio de Lus Rosales, um fanzineiro e colecionador com um acervo de
mais de vinte mil revistas, a grande maioria lidas e estudada. Havia um critrio na
Editora. Procurvamos no ambientar as histrias com tudo relacionado com
faroeste ou fico cientfica. Uma histria de terror (e west) de Gedeone foi
transformada para aventura de terror e desenhada pelo Rubens Cordeiro.
Trabalhvamos em conjunto com o artista por quase uma semana. A arte do Rubens
ficou excelente. Recebemos cartas elogiando essa histria.
UCM - Hoje, a UCMComics presta uma homenagem a Revista Kripta, antiga
publicao da RGE, hoje com autores nacionais e a Revista Calafrio, com a
republicao de suas histrias, duas publicaes on-line. O que achou dessa
iniciativa?
ZALLA Sem dvida a iniciativa boa. Gostei.
UCM - Muitos argumentistas e desenhistas comearam sobre as pginas de Calafrio
e Mestres do Terror, o senhor ainda mantm contato com esses artistas? Qual a
relao deles hoje com o quadrinho nacional?

252

ZALLA Confesso que a grande maioria deles perdeu-se no tempo. Com alguns
tenho algum contato. Apesar do tempo que as revistas no aparecem no mercado,
ainda recebo cartas de velho e hipotticos novos leitores que querem saber
novidades da Editora ou comprar nmeros atrasados. Fora uma coleo para
consultas e outra coleo completa empacotada, no tenho exemplares atrasados
para vender.
UCM - O senhor concorda com a leitura on-line de quadrinhos? Acha isso vivel
para o crescimento desse mercado e do aviamento de sua importncia diante das
grandes editoras?
ZALLA Nenhum desenhista profissional que eu conheo faria quadrinhos on-line.
Acredito que a internet seja til para a publicao de quadrinhos esquecidos que
contenham algum interesse, para divulgao, para publicao temporria ou mesmo
para contato com um eventual editor. A internet e conseqentemente o mercado
devero crescer, mas no tenho condies de avaliar sua importncia diante do
mercado das grandes editoras.
UCM - O senhor costuma se interessar por publicaes de super-heris? O que
acha desse mercado gigantesco que trs ao Brasil suas emblemticas publicaes?
ZALLA Os super-heris me interessam especialmente pelos desenhos.
Acompanho Jim Lee, Marc Silvestri e outros desenhistas de top de linha; algumas
firmas novas como Cary Nord que faz o novo Conan colorido e os ltimos trabalhos
de George Pratt. So trabalhos bons, muito bons, outros nem tanto, mas a cor
pintada mo ou no computador, reala a qualidade de todo o material publicado.
Os personagens da Editora de Bonelli, aqui publicado pela Mythos em PB, so de
qualidade.
UCM - Se hoje fosse convidado a fazer parte regular de uma publicao de
quadrinhos nacionais, o que o faria aceitar? Qual seria a triagem necessria para
colocar sua arte novamente no mercado brasileiro de quadrinhos?
ZALLA Seriedade e competncia. No adianta fazer quadrinhos, com novas
tcnicas inclusive, se os tais trabalhos ficarem guardados na gaveta. Antigamente
ns recebamos pelas pginas, hoje nem isso.
UCM - O que acha de desenhistas nacionais estarem desenhando exclusivamente
para o exterior?
ZALLA necessrio entender que nos tempos atuais tm desenhistas da Nova
Zelndia desenhando para editoras londrinas sem sair de seu pas. Enviando
material pela internet, pelo correio ou por CD. Se o mercado nacional restrito ou
no existe, bvio e natural que o desenhista procure trabalho onde este trabalho
estiver.
UCM - Para finalizar, qual seria o seu conselho para aqueles jovens quadrinhistas
que esperam entrar nesse to sofrido ramo nacional?

253

ZALLA A situao difcil. H uma revoluo no meio e toda revoluo gera crise,
especialmente num momento que todo empresrio procura lucro a qualquer custo.
Abrindo ou fechando portas, empregando ou desempregando. A crise gera, em
muitos casos, solues, mas a situao est muito difcil, a nvel mundial. Eu nunca
diria a ningum que, mesmo que a situao seja difcil, pare de desenhar. Desenhe!
Procure, se possvel, um emprego a fim de desenhar sempre. Hoje h mais
informao disponvel que no meu tempo, para o aficionado que queira se
profissionalizar. Como se diz popularmente: F em Deus e p na tbua!

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