Você está na página 1de 11

“EL PULGARCITO DE AMERICA”: ESPERANÇAS, ANGÚSTIAS E

TORMENTOS. OS ANTECEDENTES DA GUERRA CIVIL EM EL


SALVADOR. (1945-1979)

Flavia Jordana Fernandes Oliveira

Resumo:

Este artigo busca apreender as estruturas política, econômica e social em El Salvador


durante o período de 1945 a 1979, destacando o papel do Exército, da Igreja, dos
oligarcas locais, bem como as relações estabelecidas com os Estados Unidos e a
influência exercida pelo imperialismo norte-americano no governo da pequena
república centro-americana, como forma de apreender os antecedentes que levaram ao
início da guerra civil no país, que durou doze anos.

Palavras-chave: antecedentes; guerra civil; Exército; Igreja; oligarquia; Estados


Unidos.

Introdução:

Gabriela Mistral, poeta chilena, apelidou El Salvador de “El pulgarcito de


America” por seu reduzido tamanho e vigor de suas lutas sociais. Com uma história
marcada por insurreições e massacres, El Salvador foi cenário de uma sangrenta guerra
civil - conflito armado entre o Estado e a guerrilha de esquerda organizada em torno da
Frente Farabundo Marti para a Libertação Nacional (FMLN) -, durante doze anos
(1980-1992), com o saldo de 75 000 mortos, entre salvadorenhos e estrangeiros e 8000
desaparecidos1. Inserida num contexto de grave crise econômica, a guerra que devastou
o pequeno país centro-americano levou ao limite uma sociedade que desde os anos
trinta vinha sofrendo com sucessivas ditaduras e violentas repressões. No entanto, este
fenômeno social na historiografia latino-americana, esta envolto em um conveniente
silêncio. Este artigo tem como objetivo preencher esta lacuna a cerca destes mais de
setenta mil mortos amordaçados e impedidos de gritar à memória da nação. Uma
questão de denúncia consciente sobre os antecedentes do conflito e como este pode ser
inserir no contexto das relações internacionais que conferem ao período conhecido
como Guerra Fria. Nesse sentido, a temporalidade compreende os anos que vão desde o
pós-guerra até o golpe de 15 de outubro de 1979, sendo este divido em três períodos
chaves: 1945-1959, caracterizado pelos intentos de modernização política, após anos de
regime autoritário; 1959-1969, sendo este período de grandes transformações no caráter
das lutas e organizações sociais, devido à influência da Revolução Cubana, o fantasma
que rondaria as repúblicas da América Central e por fim, de 1969-1979, período em que

1
ocorre o conflito contra Honduras e o agravamento da crise política que, associada a
crise econômica mundial, culminaria com o golpe de 1979.

O pequeno polegar da América – Plano Geral sobre El salvador.

El Salvador é a menor república do continente americano, sua superfície é de


aproximadamente 21.041 km²; densamente povoado, desde muito tempo, sofre com
problemas advindos da superpopulação. El Salvador é um país de grandes
contradições em sua base social. Em sua origem, sua população era uma simbiose de
pipilas (imigrantes toltecas) e maias. Por ocasião da independência, ocorrida em
1821, esta população, estabelecendo uma diferença com relação aos outros países
centro-americanos, era quase totalmente mestiça. El Salvador teve, desde o início do
processo colonizador, particulares formas de dominação, que se projetaram e
perduraram por muitos anos na estrutura econômica, social e política desse povo.
Essas formas de dominação se caracterizaram, sobretudo, pelo agudo exercício do
poder econômico e militar de um grupo hegemônico sobre uma vasta população
indígena. Não por acaso, El Salvador foi denominado “tierra de guerra” pela
constante insubmissão dos grupos indígenas ante a dominação espanhola.2

O statu quo em El Salvador tem por condição básica o monopólio advindo da


posse e propriedade da terra. Nesse sentido, a questão da terratenência nos remete as
famosas 14 famílias de El Salvador: Llach, De Sola, Hill, Dueñas, Regalado, Wright,
Salaverria, García Prieto, Quiñonez, Guirola, Borja, Sol, Daglio e Meza Ayau,
proprietárias de terras de grande parte do território nacional e responsáveis por muito
tempo pelo destino do país, juntamente com seus tradicionais aliados: a Igreja e o
exército.

O café é a base econômica do país. Um estudo realizado em 1977 3 destacou


que o monopólio das terras concentrava-se principalmente naquelas mais aptas ao
plantio do café. Ao monopólio da terra, soma-se o monopólio do crédito. As
principais famílias cafeeiras eram as proprietárias dos bancos comerciais e
conseqüentemente detentoras dos créditos agropecuários.

Com a queda do preço do café acarretada pela crise de 1929 e


conseqüentemente o desgaste da oligarquia cafeeira, houve o acirramento das tensões
sociais4 levando a população a um levante, reprimido violentamente pelo exército
salvadorenho.5 Nesse cenário surge a figura do general Maximiliano Hernández
Martinez, que se instalou no poder através do golpe militar empreendido em 1931.
Durante treze anos (1931-1944), gal. Martinez, como era chamado pelo povo,
implementou um regime de violenta repressão, dentre as mais sangrentas, destaca-se
a insurreição de 1932, vanguardiada pelo Partido Comunista6, na qual houve um
grande massacre, atingindo cerca de 40.000 mil mortos, correspondendo a 4% da
população da época, dentre eles, Farabundo Martí, um dos líderes. A propósito das
grandes matanças ocorridas, o poeta salvadorenho Roque Dalton escreveu: “Todos os

2
salvadorenhos que nasceram depois de 1932, nasceram meio mortos, meio vivos.
Nada se compara aos 30.000 mil mortos nos ombros de cada um de nós” 7.

A violenta resposta implementada por gal. Martinez ao movimento vai ao


encontro de algumas passagens antológicas proferidas pelo ditador, que são
emblemáticas; dentre as mais famosas, vale a pena reproduzir a seguinte: “É crime
maior matar uma formiga do que um homem, porque este ao morrer, reencarna –
enquanto uma formiga fica definitivamente morta.” 8

Dessa forma, gal. Martinez permaneceu no poder até 1944, quando se tornou
insustentável sua permanência, devido as constantes insurreições e greves gerais, este
teve que deixar a presidência da República nas mãos do Primeiro Ministro que foi
designado, Andrés I. Menedéz.

Embora o regime martinista ainda tenha perdurado de forma indireta por ainda
mais quatro anos, iniciou-se, embora timidamente, o processo de abertura e
reorganização política.

Esperança: Tentativa de abertura política. (1945-1959)

É no período de pós-guerra que a maioria dos regimes autoritários que


marcaram o período de crises iniciado nos anos trinta chegam ao fim. Com o término
da Segunda Guerra Mundial, os ventos de democracia e transformação social que
sopravam no mundo ocidental, alcançaram as costas centro-americanas, coincidindo
com o surgimento de novos atores sociais na cena política. 9 No entanto, diferente de
alguns países centro-americanos como Guatemala e Costa Rica, em El Salvador,
semelhante a Honduras, os processos reformistas se desenvolveram tardiamente,
muito por conta de uma estrutura econômico-social de base agro-exportadora que
resistia a aceitar uma verdadeira abertura política, posicionando-se de forma
apreensiva ante à possíveis reformas. Nesse sentido, percebe-se que durante a maior
parte da história salvadorenha essa resistência à mudança pelos grupos dominantes,
motivou os constantes golpes e o encrudecimento cada vez maior das políticas e
métodos repressivos, o que em certa medida, impediu a implementação de várias
reformas, que se faziam necessárias ante uma estrutura obsoleta. Ao estudar a relação
existente entre elites agrárias, estrutura econômica e democracia, Cardenal salienta
que:

Cuánta mayor sea la dependencia de la élite de la tierra y de mano de obra,


mayor será la probabilidad de que ésta recurra a medios políticos y no
económicos para resolver los conflictos; y viceversa, uma menor dependencia
de la élite de la tierra y la gente, aumentará la probabilidad de que utilice
medios económicos y no políticos para resolver los conflictos 10

3
Dessa forma, as medidas para retardar ou impedir possíveis mudanças são os
sucessivos golpes, como por exemplo, a tomada de poder, liderada por Castanedo
Castro, que restaurou e prolongou o regime de martinato por mais quatro anos (1945-
1948), frustrando assim, o intento de democratização política e reforma social
conduzido pelas camadas médias, que havia sido iniciado com a queda de Martinez e
a organização para convocação de eleições ( o último presidente eleito de forma livre
havia sido Arturo Araújo quase vinte anos antes) , bem como a fundação de muitos
partidos, dentre estes, o Partido Unificación Social Democrática (PUSD), o Partido
Agrário Salvadorenho, representante dos interesses da oligarquia, e a Frente Unido
Democrático, que agrupava a Unión Nacional de Trabajadores (UNT), a Frente
Democrático Estudantil e outras organizações profissionais, partidos que ganharia
destaque no cenário político nacional.

É importante destacar que o exército em El Salvador não era coeso, ao


contrário, durante os cinqüenta anos de governos militares, diversos grupos
ascenderam ao poder, através dos inúmeros golpes, contra-golpes e formação de
várias Juntas cívico-militar. Embora ao chegar ao poder, alguns grupos propusessem
restabelecer um sistema democrático de governo, sempre havia a conspiração por
parte de outros grupos militares, que relutava na queda de quem estivesse no
comando. O que motivava esta constante conspiração? Segundo Bolaños, as diversas
camadas das forças armadas “esperaban su turno para acender na escala do poder
político” 11 e a faziam através dos constantes golpes. Foi assim que por meio de
vários golpes de Estado que os governantes foram se sucedendo 12, como foi o caso do
Coronel Oscar Osório, um dos líderes do “golpe dos mayores”, que derrubou
Castanedo Castro em 1950, pondo fim de vez no regime de martinato, este por sua
vez, seria deposto, em 1956, pelo coronel José María Lemus, que posteriormente,
seria deposto por um grupo de colaboradores de Osório. Diante da manutenção de um
quadro que pouco se diferenciava daquele iniciado nos anos trinta, as esperanças
quanto ao processo de democratização foram se perdendo rapidamente.

Os sucessivos golpes também tinham como finalidade sufocar os movimentos


e organizações populares; muitos militares foram derrubados (por outros militares),
sob a alegação de incompetência por não conseguir controlar as constantes greves e
insurreições populares. De fato, a história do movimento popular em El Salvador é
marcada por importantes lutas, fazendo com que acumulassem ricas experiências que
vão se manifestar no nível das suas organizações políticas.13 Nesse sentido, com a
justificativa de manter a ordem pública é que o exército, em cada momento histórico,
irá utilizar os mais variados expedientes, que vão desde massacres até a fraude
explícita em eleições, para neutralizar a ação destes grupos populares, dos partidos de
oposição - que muitas vezes em forma de protesto abdicaram de participar das
“eleições” que eram organizadas pelas Juntas cívico-militar -, e garantir sua
permanência no comando do país.

No entanto, esse tipo de medidas tomadas não impediram o ódio e o


ressentimento que foi sendo alimentado por parte do povo contra o setor dominante e
o seu principal sustentáculo: o exército. Fazendo com que nos anos sessenta, surjam
as primeiras guerrilhas, frutos da influência exercida pela Revolução Cubana,
ocorrida em 1959, o fantasma que passou a rondar as repúblicas centro-americanas.

4
Angústia: O fantasma da Revolução Cubana. (1959-1969)

Os fundadores da Nação norte-americana revelaram, desde o início, uma


grande visão do que na atualidade passou a se chamar de geopolítica. O lema de
George Washington – “Europa para os europeus, América para os americanos” - seria
a pedra angular de uma estratégia militar, política e econômica. Uma política que se
caracterizou inicialmente pelo isolamento em relação a Europa e por um
“intervencionismo paternalista” sobre o resto do continente americano, especialmente
sobre o México, a América Central e o Caribe.14

A relação entre o “colosso” do norte e os chamados “anões” da América


Central vem de muito tempo. Considerada o “quintal” dos Estados Unidos, esta
região já sofreu diversas intervenções da diplomacia de canhoneiras e marines. As
condições para a intervenção militar no Terceiro Mundo eram muito mais
convidativas, sobretudo, nos fracos e muitas vezes minúsculos Estados, como o caso
de El Salvador, onde umas poucas centenas de homens armados podiam ter peso
decisivo e onde era provável que governos inexperientes ou incompetentes
produzissem recorrentes estados de caos, corrupção e confusão.15

Após a Revolução Cubana, os Estados Unidos passou a controlar ainda mais a


América Central, com a finalidade de impedir que houvesse outras revoluções ao
molde da ocorrida em Cuba, sobretudo, se destacarmos que esta exerceu enorme
influência sobre as novas gerações de intelectuais e dirigentes de organizações
populares, dando origem a nova esquerda e o surgimento das guerrilhas nesta região.
Para Tanto, a dominação imperialista intervinha, através de acordos militares e
alianças de fidelidade, constantemente nos governos centro-americanos, os dirigentes
por sua vez, inculcavam na população a ameaça do fantasma da Revolução Cubana,
reprimindo qualquer atitude suspeita, chegando ao ponto, de um cidadão
salvadorenho de nome Fidel Castro Rosa, 71 anos na época, colocar uma nota no
jornal La Prensa Gráfica, para que “não o confundisse com o outro (Fidel de Cuba),
pelo amor de Deus!”, salientando que havia nascido bem antes e que ambos não
tinham o menor parentesco.

Dessa forma, desde os anos sessenta, o governo dos Estados Unidos se


preocupou em impulsionar campanhas anticomunistas na região e a sua integração
militar. Numerosos militares de El Salvador foram treinados nos Estados Unidos e em
1964 se estabelece o CONDECA, Consejo de Defensa Americano.16

Os anos sessenta, também, foram marcados pelo início do processo de


integração econômica regional, com toda sua carga modernizadora, que embora tenha
proporcionado certo crescimento econômico e algumas mudanças institucionais, não
favoreceu realmente a democratização dessas sociedades e tampouco resolveu os
antigos problemas fundamentais da exclusão política e da desigualdade social. 17 A
Aliança para o Progresso, por exemplo, foi um intento do governo norte-americano,
que tinha como finalidade neutralizar a já mencionada influência cubana no
continente, propiciando algumas reformas que serviram, em certa medida, como uma

5
válvula de escape, aliviando as tensas relações nacionais e tentando mudar as
correlações de forças nesta região, embora nas palavras de Kennedy, presidente dos
Estados Unidos na época, a aliança estivesse inserida num discurso, já conhecido, de
inclusão, solidariedade e participação:

A Aliança para o Progresso significa o pleno reconhecimento de que todos


podem participar plenamente de nosso progresso. Pois não há lugar na vida
democrática para aquelas instituições que beneficiando a poucos, negam as
necessidades de muitos.

Mas como poderia ser possível efetuar reformas sociais mantendo estruturas
semifeudais, totalmente obsoletas e antieconômicas e ao mesmo tempo manter
intactos os privilégios do grupo dominante? 18

Em El Salvador, como nos outros países da região, com exceção da Costa


Rica, as tímidas reformas propostas, como já era de costume, esbarraram na
resistência dos núcleos ultraconservadores da região.

Após a queda de Lemus,em 1961, este foi substituído por mais uma Junta
cívico-militar, responsáveis por convocar eleições e organizar os partidos políticos,
mas, mais uma vez, os intentos de democratização da vida política chocou com
interesses diversos, além de acusações sobre alguns membros da Junta, com relação a
uma certa pretensão de implantar em El Salvador um regime similar ao cubano. Até
que um grupo de militares da chamada “juventud militar” depôs a Junta e em seu
lugar implantou o chamado “Directorio Cívico Militar”, que embora não fizesse parte
dos grupos influenciados por Osório ou Lemus, não romperam com a linha adotada
pelos governos anteriores. O Directório organizou eleições, com o retorno da
liberalização política eleitoral.

Apoiado pelo Partido de Conciliação Nacional, o coronel Julio Rivera é eleito


(em um processo eleitoral com menos irregularidades do que o anterior) e passa a
governar o país com forte oposição de partidos de esquerda, que desde 1964 até 1968
tiveram sua participação aumentada consideravelmente, principalmente os
democratas cristãos que lutavam por uma abertura política.

A Igreja salvadorenha foi um poderoso aliado da oligarquia, aliada


incondicional, sendo fiel defensora do poder econômico. A Igreja, a oligarquia e o
poder militar constituíam os três pilares sobre os quais se sustentavam a dominação e
exploração do povo. A partir da transformação qualitativa experimentada pelo povo
desde 1969, que um setor da Igreja, amparado nos princípios do Concílio Vaticano II
e dos documentos de Medellin, deu início a um processo de transformação, motivado,
sobretudo, pra além dos postulados teológicos renovadores, pela própria realidade
salvadorenha, que foi responsável pelas mudanças, até que o clero como um todo, se

6
transformasse no inimigo perseguido pela mesma oligarquia que antes era sua maior
aliada.19

Uma instituição que se fez muito importante foi o Socorro Jurídico do


Acerbispado de El Salvador, responsável por denunciar assassinatos políticos e
desaparecimentos, de certa forma, se constituía como o único meio utilizado pelo
povo, que com o passar dos anos não tinha mais a quem recorrer. Rivera fechou por
algum tempo o Socorro Jurídico, tirando do povo uma das poucas vias de protesto
contra os abusos das forças da “ordem”.

Rivera se manteve no poder de 1964 até 1967, durante esse período, podemos
destacar o crescimento das organizações populares e suas demandas, em contrapartida
começaram a aparecer os grupos paramilitares de caráter semi-oficial, com foi o caso
da Organizacón Democrática Nacionalista, conhecida como ORDEN, criada por
Rivera em 1966, com o intuito de impedir a sindicalização campesina. Este grupo
paramilitar se transformou na mais sangrenta quadrilha dedicada à tortura e repressão
popular.

Entretanto, esse período foi marcado também por uma considerável expansão
econômica e relativa estabilidade social provocado pelo Mercado Comum Centro-
americano, fazendo com que El Salvador desenvolvesse sua planta industrial,
colocando-o em primeiro lugar da região, tornando-se auto-suficiente, no final dos
anos sessenta, na produção de grão básicos. No entanto, este desenvolvimento não
ocorreu de forma igual em todos os países da região. Honduras, por exemplo, com
uma planta industrial limitada se converteu em mercado para os produtos
salvadorenhos.20 Esta relação desvantajosa, somada ao grande números de imigrantes
salvadorenhos, cuja origem remontava aos fugitivos camponeses vítimas da matança
ocorrida nos anos trinta pelo governo de Martinez, que residiam em Honduras, a qual
tornou uma espécie de válvula de escape, veio a tornar a relação entre os dois países
tensas, que culminaria na chamada “Guerra das cem horas” ou “Guerra do futebol”,
ocorrida em 1969. Uma das graves consequências desse conflito foi o regresso de
cerca de 100.000 salvadorenhos que somados ao já existente grande números de
despossuídos agravou a situação econômica e desencadeou uma situação de crise
política imediata, pois além de se fechar, de um lado, o mercado mais importante pra
os produtos industrializados de El salvador, por outro, fechava-se também a válvula
de escape, que por tanto tempo aliviou o angustiante problema da superpopulação.

Neste momento, El Salvador era então governado por Fidel Sanchez, este para
enfrentar a situação, decidiu por dispersar os “retornados” por todo território
nacional, fazendo-os regressar aos lugares ancestrais, com os quais já não tinham
qualquer ligação, o que provocou uma série de protestos e manifestações públicas.
Estes protestos somados à experiência de luta adquirida nos bananais hondurenhos,
foram sementes em todo país, somando-se a outros elementos políticos já em
configuração.21

A guerra contra Honduras agudizou a luta ideológica no seio da esquerda.

7
Tormentos: Aumentam as práticas repressivas, cresce a mobilização
popular. (1969 -1979)

As consequências advindas do conflito contra Honduras, somadas ao


escandaloso processo eleitoral de 1972, deram início a conformação de novos atores e
organizações dentro da cena política salvadorenha, destacando o papel dos setores
progressistas da Igreja Católica, que desde os anos sessenta iniciou um processo de
conscientização com grupos campesinos e de áreas urbanas. Neste contexto surge
uma organização criada por Salvador Cayetano Carpio, que viria a ser extremamente
importante chamada de Fuerzas Populares de Libertacíon Nacional Farabundo Martí
(FMLN).

Em fevereiro de 1972, os resultados eleitorais eram divulgados por rádio e


televisão. Todo o país acompanhava a contagem dos votos e conforme avançava,
mais se perfilava a derrota do partido do governo e se aproximava a vitória da
oposição. No entanto, sem explicação nenhuma, foram suspensos pelo “Consejo
Central de Elecciones” a transmissão dos resultados, que mais tarde, viriam
inexplicavelmente anunciar a vitória do partido oficial do governo.22 Isto foi o que
aconteceu quando a União Nacional Opositora, formada por democratas-cristão,
social democratas e marxistas, ganhou as eleições presidenciais de acordo com o voto
popular e as perdeu conforme os resultados oficiais. 23 A fraude mudou a decisão
majoritária do eleitorado. Longe de obter o governo, a UNO recebeu exílio, sangue e
repressão.

O fato é que o escândalo das eleições de 1972 põe fim ao processo de


liberalização eleitoral iniciado em 1964. A partir de 1972, o regime teve que apoiar-se
em um nível cada vez maior de violência, dada a impossibilidade de controlar uma
insurgência em processo. De 1972 a 1977, o país permaneceu sob o comandando do
Coronel Arturo Armando Molina - que para tentar melhorar sua imagem iniciou, sem
sucesso, uma controvertida reforma agrária-, sendo substituído pelo general Carlos
Humberto Romero em mais um processo eleitoral fraudulento.

O início do governo militar de Romero, coincide com o inicio do governo


Carter nos Estados Unidos, que promove um discurso de respeito aos Direitos
Humanos. Romero moderou os seus discursos na tentativa de lograr apoio norte-
americano e ajudas financeiras. Para tanto, aprova a lei de “Defensa y Garantía del
Orden Público”. Entretanto, seis meses depois, boletins do Socorro Jurídico, mostram
que mesmo com a dita lei não se poupou as 790 vítimas registradas, sendo 25
assassinadas, 45 feridas e 710 capturadas, os números aumentaria ainda mais no fim
da década de setenta. A perseguição a Igreja e a repressão brutal empreendida pelo
governo de Romero chamaram a atenção da comunidade internacional.24

Durante o governo do general Romero, El Salvador chegou ao seu estado mais


crítico, tanto no campo econômico, como no político e social. Os grandes males
estruturais, resultado da dependência externa, do grande capital transnacional e da
dominação e exploração por parte de uma oligarquia agro-exportadora com
ramificações nos setores financeiros, industrial, comercial e de serviços haviam
levado o país a mais grave crise registrada em sua história.25

8
Desde os anos 74 e 75, a crise econômica por qual passou o conjunto da
América Central, como expressão da crise geral do capitalismo, começa a se
manifestar em um crescimento do movimento popular, dando início um período de
transformação das formas de dominação na região. Este processo se manifestou
inicialmente na Nicarágua, tendo influência decisiva sobre os movimentos iniciados
posteriormente em El Salvador e Guatemala.

As tentativas de mediações com o intuito de convencer Romero a abandonar o


governo não tiveram êxito, este permaneceu irredutível no cargo. O fato é que em
1979 este sistema chegou a condições práticas de ingovernabilidade, a oligarquia
estava sensivelmente desgastada, sem o apoio americano diante das atrocidades
cometidas pelo governo de Romero com relação ao desrespeito aos direitos humanos,
agravado pela crescente inclinação por parte considerável da população na busca por
espaços de participação. Um golpe de estado, em 15 de outubro de 1979, encabeçado
pela juventude militar, coloca como pauta principal gerar um processo de
democratização e reformas socioeconômicas, através de um governo de ampla
participação26. Ainda que a iniciativa estivesse nas mãos da oficialidade jovem, foi a
fração pró-americana que jogou um papel hegemônico decisivo, ao obter o respaldo
de Washington e a neutralização de um setor da direita ligado a burguesia. 27 No
entanto, as tentativas foram frustradas pela incapacidade de transpor os obstáculos
mais problemáticos, somada a dificuldade de constituir uma base social própria de
sustentação, a reação das organizações populares ante ao golpe vai da desconfiança a
franca oposição, convocando as massas a lutar contra a nova Junta de Governo. Esta
resistência dos setores populares,levou a Junta colocar a ordem na frente das
reformas.28 A guerra civil se converteu num fator dominante no cenário nacional.

Conclusão

Ao expor todo esse percurso pelo qual passou El Salvador durante todos esse
anos, percebemos que sua história é marcada pela confrontação militar. Desde os anos
trinta, suas estruturas políticas são inseparáveis das forças armadas. Há uma violência
ancestral nos grupos dominantes, que se fez oposta a todo tipo de mudança por menor
que fossem, para a todo custo manter seus privilégios através da manutenção, década
após década, de uma estrutura obsoleta que datava da época colonial, gerando como
seqüela da impunidade e da repressão tão dura como antiga, uma resistência armada
como produto de uma luta desesperada pelos grupos oprimidos29 em busca de
participação e melhoria de vida. Segundo Fabio Castillo, ao tratar dos direitos
humanos na América Central, este ressalta que:

“Los pueblos no son reprimidos porque la clase dominante tenga


placer em asesinar, torturar, etc., sino que lo son como una necesidad,
a fin de mantener el sistema de explotación, contra el cual, lógicamente
los pueblos se rebelan teniendo el deber y el derecho de hacerlo"30

Logo, o golpe de 15 de outubro de 1979, que culminou em uma guerra civil de


doze anos, foi o estopim de uma bomba que estava prestes a explodir há muito tempo.

9
Nesse sentido, a guerra civil aparece quase como inevitável e necessária.

10
1
Os números encontram-se divulgados no Informe da Comissão da Verdade 1992-1993. in: De la locura a la esperanza.
La guerra civil de 12 años em El Salvador. Colección Universitaria, 1992.
2
FLORES, Mario. El Salvador: La insurrección em marcha. NUEVA SOCIEDAD NRO. 43 JULIO-AGOSTO 1979, PP.
77-87.
3
GRANADINO, Ruiz Santiago. Modernización agrícola en El Salvador. Revista de CC SS,CSUCA No. 22, abril de
1977.
4
Estas perduraram de forma dramática até o golpe de 1979, ano que se inicia a guerra civil.
5
AMARAL, Inês Gurgel do. Voces inocentes - Um Olhar Sobre El Salvador. Cadernos PROLAM/USP (ano 5 - vol. 1 –
2006), p. 177.
6
O Partido Comunista, em El Salvador, foi formado em 1929, a partir de um acordo dos sindicatos – o movimento sindical
vinha crescendo desde 1927, chegando a uma central sindical, por exemplo, ter mais de 80.000 mil membros - e com
delegados eleitos por eles. Na mesma época se formaram as filiais salvadorenhas do Socorro Vermelho Internacional
(organismo criado pela Terceira Internacional) e da Confederação Regional dos Operários, com sede no México. A
Regional de Operários contava com 75.000 membros e uma ampla área de influência. (SANTOS, Nilton. El Salvador.
Tendo a frente um povo em armas. Rio de Janeiro: Edições Mário Pedrosa. Partido dos Trabalhadores, 1982, p-77).
7
HARDY, Francisco. El Salvador. As Trilhas do desespero. São Paulo: Editora Global, 1981, p.26.
8
Idem, p.2.
9
BOLAÑOS, Manuel Rojas. La Política. In: BRIGNOLI, Héctor Pérez. (coordenação). Historia General de
Centroamerica. De la posguerra a la crisis.Tomo V. España: Ediciones Siruela, 1993, pp. 102-110.
10
PAIGE, J. M. (1975) Agrarian Revolution: Social Movements and Export Agriculture in the Underdeveloped World.
New York: Free Press. Citado por: CARDENAL, Ana Sofia. Élites agrarias, estructura económica y transición hacia la
democracia en El Salvador. Afers Internacionals, núm. 34-35, pp. 125-147
11
BOLAÑOS, op.cit., p.104.
12
El Salvador. Busqueda de verdad y justicia. Archivo Chile. História Politico Social- Movimento Popular. Centro de
Estudios Miguel Enriquez- CEME
13
SANTOS, op.cit., pp. 20-21.
14
SHILLING, Paul R. A intervenção norte-americana na América Central e Caribe. Anexo I. Em: HARDY, op.cit.
15
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. O breve século XX. 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p 342.
16
El Salvador. Busqueda de verdad y justicia. Archivo Chile. História Politico Social- Movimento Popular. Centro de
Estudios Miguel Enriquez- CEME
17
BOLAÑOS, op.cit., p116.
18
SHILLING, Paul R. Os grandes fracassos da estratégia norte-americana. Anexo II. Em: HARDY, op.cit.
19
HARDY, op.cit., p. 59
20
BRIGNOLI, op.cit., pp.126-128
21
Depoimento recolhido do Dr. Rafael Menjívar, representante da FDR – Frente Democrática Revolucionária.
22
TURCIOS, Roberto. El Salvador. Uma Transición Histórica y Fundacional. Nueva Sociedad Nro.150 Julio-Agosto 1997,
pp. 112-118
23
DADA, Héctor. El Salvador: Elecciones y democracia. Nueva Sociedad NRO. 132, Julio- Agosto 1994, pp. 22-28
24
El Salvador. Busqueda de verdad y justicia. Archivo Chile. História Politico Social- Movimento Popular. Centro de
Estudios Miguel Enriquez- CEME.
25
HARDY, op.cit., p.31.
26
DADA, op.cit., pp. 22-28
27
SANTOS, op.cit., pp. 28-30.
28
Idem, loc.cit.
29
FLORES, op.cit., pp. 77-87.
30
CASTILLO, Fabio. Derechos humanos en Centroamérica. San José, 2-78.

Você também pode gostar