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Nmero 1 - Novembro de 2012

Do infantil ao terror,
sem perder o humor.

Seja bem vindo ao primeiro nmero de Memo.


Esta revista nasceu da minha vontade de
compartilhar com quem mais novo do que
eu todas as coisas legais que eu vi, li e colecionei
nos ltimos 40 anos. No h um critrio rgido
sobre os assuntos que eu pretendo abordar,
mas o principal foco da revista a recuperao
da memria grfica com o evidente filtro da
memria afetiva. Vamos falar de quadrinhos,
de artistas, de filmes, sries de tv, desenhos
animados, brinquedos, propaganda, de coisas
que no existem mais ou que ainda existem
de outra forma. Alguns vo se lembrar de coisas
e pessoas que merecem ser lembradas, outros
vo conhecer coisas das quais apenas tinham
ouvido falar. Para alguns, tudo vai ser indito.
Colaboraes sero sempre bem vindas,
no se acanhem. Ah, importante: esta uma
publicao sem fins lucrativos, ningum est
autorizado a vend-la sob qualquer forma,
digital ou impressa.
Boa viagem.
Toni Rodrigues
toni30@hotmail.com
Memo nmero 1, novembro de 2012.
Redao e Direo de Arte: Toni Rodrigues
Texto final: Danilo Rodrigues

Agradeo muito a Luiz Rosso e Claudio Rosso, por todas as


colaboraes inestimveis que prestaram a este trabalho e
tambm pelo ttulo da capa.
Meus agradecimentos tambm a Josmar Fevereiro, Lancelot
Martins, Luiz Saindenberg, Gonalo Jnior, Osni Winkelman,
Fbio Moraes e ao Professor Waldomiro Vergueiro por todo o
apoio que deram para tornar este trabalho possvel. E tambm
a Heitor Pitombo pelo cutuco que me fez sair do imobilismo.
E agradeo muito minha querida Lase por toda a pacincia
que tem e sempre teve comigo.
Proibida a cpia, reproduo, utilizao, modificao, venda,
publicao e distribuio deste material na sua totalidade ou
em parte em qualquer tipo de suporte sem prvia autorizao
por escrito de seus respectivos autores.
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Um dos maiores e
mais prolficos artistas
que o Brasil j viu,
atuando tanto nos
quadrinhos quanto na
ilustrao editorial por
mais de 40 anos.
Autor de uma incontvel
e quase inacreditvel
quantidade de trabalhos
abordando os mais
variados temas, do infantil
ao terror, passando pelo
ertico e o religioso.
E como se isso no
bastasse, tambm um
excelente professor,
lembrado com carinho
por todos os seus alunos.
Examinar sua obra
examinar boa parte
da histria das artes
grficas no Brasil.

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Nicola Rosso nasceu na


cidade italiana de Turim,
em 19 de julho de 1910.

Segundo o prprio Rosso, dois


mestres da Accademia Albertina
sero os principais
influenciadores de seu trabalho:

Ainda muito jovem,


sua paixo pelo
desenho fez com que se
tornasse aluno da
Accademia Albertina
delle Belle Arti.
A escola descendia da famosa
Accademia dei Pittori, Scultori
e Architetti fundada em 1678
pela princesa Maria Giovanna
di Savoia-Nemours.

Ela foi reaberta em 1883 pelo


Prncipe Carlo Alberto di Sardegna e
adotou o nome de seu novo patrono.
Desde o comeo, tornou-se
um importante centro de difuso das
artes e contribuiu muito para que
Turim ocupasse um lugar na
vanguarda dos movimentos
artsticos do final do sculo XIX e
incio do sculo XX.

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Gicomo Grosso (1860-1938),


ele tambm um ex-aluno da escola,
pintor respeitado com exposies
na Frana, na Alemanha
e na prpria Itlia.
Famoso por sua habilidade
como retratista, acabou se tornando
um visitante frequente da
Amrica do Sul, principalmente
da Argentina, onde atendeu
diversas encomendas, inclusive
governamentais. Tornou-se o
titular da ctedra de Pintura
na Accademia em 1906, cargo que
ocupou at sua morte, foi tambm
nomeado senador vitalcio do
reino da Itlia em 1929.

Sobre Giovanni Reduzzi, sua outra


influncia, h muito pouco disponvel.
Em vrias fontes se acham referncias
a um importante escultor chamado
Csare Reduzzi, aluno da Accademia
Albertina e autor das esttuas que
ornam a Ponte Umberto I em Turim
representando a Coragem, a Piedade,
a Arte e a Indstria. Em algumas
fontes estas mesmas esttuas so
atribudas a Giovanni Reduzzi.
Talvez se trate da mesma pessoa,
mas o problema que nas biografias
de Csare, sua data de nascimento
dada como sendo 1857 e sua morte
teria sido em 1911, apenas um ano
depois do nascimento de Nico Rosso.
Sendo assim, no poderia ser
ele o mestre citado por Rosso.
Um filho deste, talvez?

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Nico Rosso viajou pela Frana


por dois anos para completar
seus estudos. Ao voltar Itlia,
comeou a trabalhar como
ilustrador e diretor de arte.
Fez de tudo um pouco,
de capas de livros a peas
publicitrias.
Tornou-se um profissional
respeitado e logo foi convidado
para lecionar na Escola
de Artes Grficas Bernardo
Semeriz. Suas matrias:
Ilustrao e Histria do Traje.

Alm de desenhar muito bem,


o canhoto Nico Rosso (que depois,
com treino, se tornou ambidestro)
tocava piano, acordeon e bateria.

A Segunda Guerra Mundial


comeou oficialmente com a
invaso da Polnia pelos alemes
em 1 de setembro de 1939.

E foi num baile, tocando bateria,


que ele conheceu a jovem
Tina Billi, com quem se casou
em 20 de setembro de 1937.

Dez meses depois, quando a Itlia


declarou guerra Inglaterra e
Frana, em 10 de junho de 1940,
tinha munio para apenas dois
meses de combate.

O primeiro filho dos Rosso,


Gianluigi, nasceu em 21 de outubro
de 1938, quando tempos difceis
se avizinhavam na Itlia.

Na verdade Mussolini s o
fez porque acreditava que
a vitria alem sobre os Aliados
(Inglaterra, Estados Unidos e
Unio Sovitica) seria rpida.
Mas as coisas no aconteceram
exatamente como o Duce previa:
o povo italiano passou por muitos
momentos de sofrimento nos
cinco anos seguintes. A comear pelas
famlias que enviaram seus
homens para o front, de onde
muitos jamais voltaram. Ou, pelo
forte racionamento de quase tudo,
que deixava os italianos em
situao de quase misria.

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Nico Rosso no chegou a ser


convocado, mas passou por
diversos momentos difceis com
sua famlia, que ganhou mais um
membro com o nascimento de
Valeria em 5 de maro de 1944.
Em junho do mesmo ano,
os Estados Unidos tomaram Roma.
Em 27 de abril de 1945, Mussolini e
sua amante, Clara Petacci, que
tentavam fugir para a Sua, foram
capturados pelos Partigiani.
Rapidamente julgados, foram
executados e seus corpos expostos
na Piazzale Loreto, em Milo.
No dia 2 de maio de 1945, os
nazistas se renderam na Itlia.
Findava assim a longa ditadura
fascista sobre o povo italiano.
O pas estava em runas.

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Muitos europeus
deixaram seus pases
no ps-guerra.
A vida, que j era difcil
durante o conflito,
em muitas instncias
se tornou ainda pior.

No ps-guerra, a cidade
de So Paulo vivia uma
grande efervescncia nos
negcios e com certeza
a Brasilgrfica
estava a todo vapor.

Nico, Tina,
Gianluigi e Valeria Rosso
pouco antes de se
mudarem para o Brasil.

Mas logo vamos encontrar


Nico Rosso mostrando
todo o seu talento em trabalhos
muito mais interessantes
do que embalagens de
chocolates.

Os Rosso perderam
praticamente todo o seu
patrimnio e decidiram
que era hora de buscar
um novo lugar para
recomear sua vida.

Durante algum tempo houve uma


possibilidade de se transferirem para
Quebec, no Canad, mas isso
no agradava Tina e eles acabaram
se resolvendo pelo Brasil.
A escolha por So Paulo deve
ter sido bvia, uma vez que 70% de
todos os imigrantes italianos para o
Brasil vieram para este estado. Boa
parte deles para a capital.
Nico Rosso chegou ao Porto de
Santos no dia 3 de outubro de 1947.
Sua famlia chegou ao Brasil meses
depois, em 9 de abril de 1948.
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Por contatos feitos com amigos


aqui residentes, quando ainda estava na
Itlia, Nico Rosso chegou cidade j
com um emprego certo: dirigir o
departamento de arte da Brasilgrfica.
Fundada em 1927 pela famlia Cotinni
no bairro do Bom Retiro, posteriormente
se mudando para a Vila Maria, a
grfica se especializara em embalagens,
entre estas muitas de produtos fabricados
por outras famlias italianas, como os
chocolates Falchi e Gardano.
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Um dos primeiros trabalhos de


Nico Rosso no Brasil foi feito para
A Gazeta Juvenil, suplemento infantil
do jornal A Gazeta. Mais conhecida como
A Gazetinha, na sua ltima fase,
publicava mais contos ilustrados
que quadrinhos.
Messias de Melo era o principal
desenhista deste suplemento, mas j em
15 de novembro de 1949 aparece
o nome de Nico Rosso no expediente.
Ao seu lado, outros desenhistas,
que logo tambm se tornariam
muito conhecidos.
Nico Rosso ilustrou um total de
11 histrias para A Gazeta Juvenil.
A ltima foi publicada em
15 de abril de 1950 (o suplemento
acabou com a edio de
1 de julho, trs meses depois).

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Don Gicomo Alberione (1884-1971), foi


um padre e editor italiano, que em 1914
fundou a Sociedade de So Paulo. No
ano seguinte, criou a Congregao das
Filhas de So Paulo, com o apoio da Madre Tecla Merlo (1894-1964). A premissa
destas entidades, segundo as prprias,
era espalhar a palavra de Deus atravs
do jornalismo, aplicado em diversas publicaes - dos mais diversos gneros e formatos - onde quer que estivessem.
Uma delas era Il Giornalino, revista semanal voltada para o pblico infantil. Foi publicada sem interrupes por 75 anos, entre outubro de 1924 e novembro de 1999. Apesar do
evidente cunho religioso de seu contedo, nem tudo eram oraes nesta revista e logo ela
comeou a publicar histrias em quadrinhos de humor, ao e aventura, coisa que continuou fazendo at seu ltimo nmero. Grandes desenhistas comearam nela ou foram
seus colaboradores ao longo dos anos. Gente do calibre de Dino Battaglia, Jacovitti, Sergio Zaniboni, Ferdinando Tacconi, Franco Caprioli, Sergio Toppi, Tiziano Sclavi,Giorgio
Cavazzano, Alfredo Castelli e muitos outros.
Como as demais publicaes da Congregao das Filhas de So Paulo, mais conhecidas
como Irms Paulinas, logo a revista passou a ser editada fora da Itlia. No Brasil, chegou no final de 1941, rebatizada de O Jornalzinho. Era publicada quinzenalmente no formato tabloide, parcialmente impressa a cores. difcil entender isso hoje em dia, mas
edit-la no deixava de ser uma empreitada um tanto quanto complicada, pois apesar de
ser uma publicao de uma ordem religiosa, da religio
com maior nmero de adeptos no Brasil de ento, subordinada ao Vaticano, que era neutro na guerra, publicada
em So Paulo, que tinha uma grande colnia italiana, se
tratava de fato de uma publicao cujo contedo, a partir
de 1942, vinha de um pas oficialmente em guerra com
o Brasil. Isso fez com que muito material passasse a ser
produzido aqui ou vir de outros pases que no a Itlia.
Com o final da guerra, estes problemas supostamente
acabaram, mas o hbito de publicar trabalhos locais persistiu e foi isso que fez com que em ainda em 1947, Nico
Rosso passasse a produzir tambm para O Jornalzinho.
Afinal, o artista j trabalhava bastante para os religiosos
que publicavam a revista, tendo ilustrado diversos livretos de orao e cadernos de catequese.
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Com sua imensa capacidade de trabalho,


ele praticamente tomou a publicao de
assalto. De 1950 at 1959, Nico Rosso foi o
principal artista da revista e seu trabalho
englobou desde histrias em quadrinhos
at ilustraes avulsas para contos, capas, vinhetas de sees e quase tudo mais.
Ele no era o nico desenhista desta fase,
mas era um dos poucos que assinava o que
fazia. Tambm continuavam a ser publicadas
histrias italianas ou de outros pases como
O Caminho do Oriente, excelente srie portuguesa escrita por Raul Correa e desenhada
pelo grande Eduardo Teixeira Coelho. No entanto, de modo geral, 90% do que saia na revista era
de autoria de Nico Rosso. E mais, muito desse material no era apenas desenhado
por ele, mas escrito por ele tambm e de maneira bastante competente. Rosso adaptou
histrias de escritores como Jlio Verne e Carlo Collodi - autor de Pinquio, que j havia
sido ilustrado por Rosso na Itlia, com sucesso. Nas histrias bblicas, ele certamente
recebia a colaborao dos religiosos que editavam a revista, como o padre Waldemar
Pedro Bsio. Existem algumas histrias em que o texto atribudo a algum chamado
L. Caravina, mas so poucas. H no entanto um colaborador mais frequente no texto
na fase que comea em 1954, que assina como G. Basso.

No se sabe se esses nomes eram pseudnimos de algum, ou se era tambm um membro


da congregao, que tanto podia ser um homem quanto uma mulher.

Exceto, claro, pelas histrias bblicas, a temtica religiosa no


era predominante - apesar de sempre estar presente nas histrias. Livio e Wilma, da Patrulha Sideral, por exemplo, pediam
sua tripulao para rezarem Nossa Senhora em prol da
salvao eterna aos companheiros que morreram na
aventura. Desde o incio de sua colaborao na revista,
Nico Rosso criou alguns personagens recorrentes: Tat e
Tat, um casal de crianas sapecas; Lo, o destemido,
um adolescente que vive aventuras no mar; Patrulha Sideral, comandada pelo casal Livio e Wilma, Alm deles, o mais famoso: o Capito Brasil, um aviador que vive aventuras ao redor do mundo, com nfase no
Brasil, evidentemente. Estes personagens tinham histrias seriadas na
fase inicial, quando a revista saa no formato tabloide - e algumas eram
impressas em cores. Mas essa fase durou pouco: uma deciso editorial mudou o formato da revista para o que hoje
conhecemos como formato americano e ela passou a
ter apenas as capas coloridas e a evitar a publicao de
histrias em continuao.

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Logo, passaram a aparecer tambm mais histrias abordando temas da Histria do Brasil
ou de uma maneira branda, a luta contra o comunismo, um assunto quente nos anos 50.
Isso provavelmente aconteceu, porque boa parte dos professores e do clero eram contra
as histrias em quadrinhos, mas esta era uma revista editada por uma ordem religiosa,
que deve ter achado melhor se adaptar ao conceito de educativo para evitar crticas de
seus prprios pares. Alm disso, O Jornalzinho no era uma revista vendida em banca,
vivia de assinaturas e vendas diretas nas igrejas.
As colaboraes de Nico Rosso foram ficando mais esparsas medida em que findavam
os anos 50. Mais e mais, a revista foi publicando histrias estrangeiras, provavelmente
por economia. Os trabalhos de Nico Rosso s voltaram a aparecer no final anos 60, em
reprises, j perto da ltima fase da revista no Brasil, encerrada em 1972.

Republicamos a seguir uma


Amostra do trabalho de
Nico Rosso em O Jornalzinho.
Uma histria completa
do Capito Brasil publicada
originalmente no nmero 203
de Abril de 1955.

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A Coleo Saraiva | Joaquim Incio da Fonseca Saraiva, portugus de Trs-os-Montes, j


morava no Brasil h duas dcadas quando, no dia 13 de dezembro de 1914, fundou uma
pequena livraria na Rua do Ouvidor, em So Paulo, bem prxima da Faculdade de Direito do Largo So Francisco. A livraria, que tambm era sebo, recebeu o nome de Livraria
Acadmica. Por sua dedicao e simpatia para com os clientes, estudantes e professores
da Faculdade, Joaquim Incio logo ganhou o apelido de Conselheiro
Saraiva. Nos 30 anos seguintes, dedicou-se a vender e publicar apenas
livros jurdicos, sua antiga paixo - uma vez que tinha sido tambm
um acadmico de Direito. Com sua morte, em 1944, os filhos Jorge,
Joaquim e Paulino resolveram ampliar o negcio. Comearam por
montar uma grfica prpria. Logo, resolveram tambm diversificar sua linha editorial. Para tanto, em 1948, chamam dois intelectuais
de respeito para trabalhar na editora: Mario da Silva Brito e Cassiano Nunes. Sua misso: criar uma coleo com preos acessveis capaz de colocar o melhor da literatura
nas mos do pblico. Nasceu assim a Coleo Saraiva, vendida num at ento indito
sistema de assinaturas, publicando mensalmente livros impressos
num papel barato com capas coloridas e atraentes. O primeiro volume, O Rei Cavaleiro, tem capa de Guilherme Walpeteris, que fez
a maioria das capas nos primeiros dois anos. S em maro de 1950
com o nmero 21, Os Saltimbancos, que Nico Rosso estreia na
funo de capista. Nos 22 anos seguintes ele fez a maior parte das
capas, at a ltima da coleo, A Guerra dos Mascates, publicada
no comeo de 1972.

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A apresentao grfica das capas da Coleo Saraiva segue um


padro de layout bastante simples. Uma tarja amarela na parte
inferior da capa com o logotipo da coleo e a lombada branca
com o ttulo do livro e o seu nmero correspondente so os
nicos elementos fixos no design. Todo o resto ficava por conta
do ilustrador, inclusive a tipografia usada para o nome do ttulo
e do autor. Na ltima capa, mais uma ilustrao referente ao
mesmo assunto. Liberdade total para a escolha da composio,
uso de cores, tcnica de ilustrao, resultando em um trabalho
belssimo e consistente ao longo dos anos.
Nico Rosso era um leitor contumaz e no raro, lia 3 livros ao
mesmo tempo. Ele leu quase todos os livros que ilustrou, pois
achava isso muito importante para a concepo de uma capa.

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interessante notar
a simplicidade de
algumas capas e
a extrema elaborao
grfica de outras.
Olhando o conjunto
muito fcil perceber
quais capas ele
realmente gostou de
fazer e quais no,
o que mostra tambm
seu gosto literrio.

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Para a mesma Saraiva,


Nico Rosso ilustrou
a partir de 1951 vrias
capas para a famosa
Coleo Jabuti.
Essa srie era voltada
para a literatura em
lngua portuguesa e
durou muitos anos,
com vrias mudanas
de layout.
A principal marca da
coleo, a princpio,
eram as listras verdes
e uma moldura preta
que cercava a
ilustrao de capa.

Outra srie de livros da Saraiva com capas de Rosso foi a Coleo Cinzenta, com
histrias policiais de diversos autores americanos e europeus no melhor estilo noir.

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Alm das colees, Nico Rosso tambm trabalhou


em outras obras da Saraiva, tanto as voltadas para
o pblico adulto quanto o infanto-juvenil como
Robin Hood, a trilogia de Alexandre Dumas para
Os Trs Mosqueteiros e o primeiro livro da srie
do Cachorrinho Samba, da Sra. Leandro
Dupr, pseudnimo de Maria Jos Dupr,
uma escritora muito famosa na poca,
autora de ramos Seis, adaptado
diversas vezes pela TV.
Esse personagem j tinha
aparecido em outros livros
da autora e depois deste
vo solo ganhou uma
srie prpria, com mais
5 livros escritos at meados
da dcada de 60.

Paralelamente ao
trabalho na Saraiva,
Rosso tambm trabalhou
na Melhoramentos, na
poca uma das maiores
editoras brasileiras,
especializada em livros
didticos. Ele ilustrou a
famosa Cartilha Braga,
de Erasmo Braga, principal concorrente da
at hoje utilizada Caminho Suave,
da professora Branca Alves de
Lima. Nos anos seguintes, Rosso voltaria a trabalhar para
essa editora em diversos
projetos, principalmente
de literatura infantil,
que acabou se tornando o
carro-chefe da casa.

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Enquanto o volume
de trabalho crescia
mais e mais no
Brasil, continuaram

Saram tambm neste


mesmo perodo
Le Figlie dei Faraoni,
La Piccola Lady e
Il Re dei Nani,
com lindssimas
aquarelas que
reproduzimos aqui.

a sair na Itlia
vrios livros com
ilustraes de Rosso,
feitas antes do final
da guerra, como
Il Viaggio in Una
Bolla di Sapone, que
tem uma peculiaridade tcnica, o uso do
aergrafo, bastante
raro em sua obra.

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Nos dois anos seguintes, a revista seguiu publicando material americano, mas no nmero 24, de
junho de 1950, os leitores se depararam com uma novidade, a quadrinizao do romance brasileiro
O Guarani, de Jos de Alencar, com lindos desenhos em aguada do artista haitiano Andr LeBlanc.
Casado com uma brasileira, Elvira, que escreveu o texto desta adaptao, LeBlanc havia se radicado
no Rio de Janeiro naquela altura. Seis meses depois de O Guarani, saiu Iracema
no nmero 31 de janeiro de 1951. Mais de um ano depois em maro de 1952, O Tronco
do Ip no nmero 46 e em outubro do mesmo ano, Ubirajara no nmero 57. Todas
adaptaes do mesmo escritor, Jos de Alencar e trs delas de temtica indianista.
Certamente LeBlanc estava apaixonado por esse tema, pois dois personagens com
os quais ele trabalhava na mesma poca tambm traziam o tema de aventuras nas
florestas brasileiras, Morena-Flor, de sua prpria autoria
e O Capito Atlas, adaptao de um seriado radiofnico que fazia muito sucesso naqueles anos. Dono de excelente tcnica, LeBlanc teve uma
prestigiosa carreira internacional, passando muito tempo nos Estados
Editora Brasil-Amrica (EBAL) | Apesar de ainda manter uma relao firme com a editora das Irms

Unidos, onde trabalhou ao longo dos anos em Flash Gordon, O Fantasma,

Paulinas, para a qual ainda faria muitas ilustraes e capas nos anos seguintes,

The Spirit e muitas mais, quase sempre de forma annima. Para a tristeza

Nico Rosso teve boa parte de seu volume de trabalho reduzido em O Jornalzinho

de Adolfo Aizen, que adorava seu trabalho, LeBlanc mudou-se de vez para

na segunda metade dos anos 50. Isso fez com que comeasse a aceitar ofertas

os Estados Unidos em 1956, passando a colaborar apenas esporadicamen-

de trabalho de outras editoras. Uma delas foi a lendria Editora Brasil-Amrica, a

te com a EBAL at a dcada de 1970.

EBAL, de Adolfo Aizen, sediada no Rio de Janeiro.

A partir da publicao de O Guarani ocorreram algumas mudanas edi-

Fundada em 1945, a EBAL tinha entre suas publicaes uma srie de quadri-

toriais na Edio Maravilhosa. Primeiro, o

nizaes (termo criado pelo prprio Aizen) de clssicos da literatura mundial:

formato menor foi abandonado e ela pas-

a Edio Maravilhosa. A revista surgiu como um filhote de outra revista, O

sou a ter o mesmo formato das outras publicaes da editora. Passou

Heri, primeira publicao da editora, que em seu nmero 9, de fevereiro de

tambm a publicar, cada vez mais, material produzido no Brasil. De

1948, trouxe a verso americana da Classics Illustrated para O ltimo dos

201 edies, 54 foram adaptaes de clssicos da literatura brasileira

Mohicanos. Numa vinheta acima do logotipo da revista se lia Edio Mara-

e portuguesa. Alm de Jos de Alencar, tambm tiveram obras adap-

vilhosa. No nmero 12, em abril, foi a vez de A Ilha do Tesouro. A tima repercusso das duas foi o

tadas autores como Machado de Assis, Manoel Victor, Graa Aranha,

sinal verde para Aizen lanar a Edio Maravilhosa como revista autnoma. O primeiro nmero, num

Menotti Del Picchia, Ribeiro Couto, Pedro Bloch, Jorge Amado, Dinah

formato um pouco menor que o usual, foi publicado em julho de 1948, com Os Trs Mosqueteiros.

Silveira de Queirz e muitos outros.

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Outra mudana bem visvel na revista foram as capas. Os desenhos a trao das capas originais americanas deram lugar a belas pinturas de Antnio Euzbio Neto, um dos maiores
ilustradores brasileiros de todos os tempos - e que, na poca, era funcionrio da EBAL. Ele
ilustrou nada menos que 45 capas de Edio Maravilhosa - quase sempre, num nvel bastante superior aos desenhos das pginas internas. Outros grandes artistas da poca tambm
marcaram presena nas capas da Edio Maravilhosa, como Monteiro Filho, Ramn Llampayas e
Nico Rosso. Vale lembrar que essas ilustraes de
capa eram produzidas mesmo quando o material
interno no era originalmente escrito e desenhado no Brasil por encomenda da EBAL.
Em termos de texto, as adaptaes normalmente
deixavam a desejar: eram transposies quase literais dos romances. No havia grandes alteraes
na linguagem, nenhuma adaptao para o meio,
o que tornava a leitura bastante arrastada. Alm
disso, nem sempre os desenhistas eram to bons
quanto Andr LeBlanc e Nico Rosso, que estreou
nas Edies em 1957. So dele as adaptaes de A
Morgadinha dos Canaviais, de Jlio Dinis (nmero 147), A Conquista, de Coelho Neto (nmero
154), Fruta do Mato, de Afrnio Peixoto (nmero
160), Corao de Ona, de Oflia e Narbal Fontes
(nmero 168), Dona Xepa, de Pedro Bloch (nmero 172), Moleque Ricardo, de Jos Lins do Rego (nmero 182) e As Minas de Prata, de
Jos de Alencar (nmero 188). Para todas estas, Nico Rosso tambm produziu as capas.
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Um detalhe que empobrece um pouco o estilo dos desenhos de diversas publicaes da EBAL da poca
o uso de letreiramento linotipogrfico, ao invs de manual. As famosas linotipos da editora foram responsveis por gerar alguns dos bales mais feios do quadrinhos, feitos no departamento de arte da casa. Uma
escolha dos Aizen motivada por economia de tempo e dinheiro, mas que
infelizmente estragavam belos originais como os de Nico Rosso.
No que diz respeito ao trabalho de Nico Rosso para a Edio Maravilhosa, ele seguiu um padro temtico bastante parecido com o que ele
j fazia em O Jornalzinho, com histrias em que bandeirantes se encontravam com ndios, cenrios coloniais, florestas, etc. No deve ter
sido nem um pouco difcil para ele trabalhar nisso e seguramente a
qualidade do material que entregava fez com que a EBAL o chamasse
para ser o principal desenhista de uma outra srie, Grandes Figuras,
com biografias em quadrinhos de personagens histricos, cuja primeira edio data de 1957.
Nico Rosso desenhou 11 dos 20 nmeros que a compe: Tamandar, Raposo Tavares, Anchieta, Osrio, Visconde de Mau, Pedro II, Caxias,
Monteiro Lobato, Pedro Amrico, Jos Bonifcio e Santos Dumont. Os textos eram da Professora Nair da
Rocha Miranda e de Pedro Ansio, um colaborador de Aizen desde os tempos do Suplemento Juvenil.
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Na srie, de forma ainda mais elaborada do que na


Edio Maravilhosa, Rosso passou a experimentar
novas maneiras de arte-finalizar seu trabalho.
Nestas histrias, vamos encontrar tanto o bico-depena utilizado de vrias maneiras, quanto o pincel,
as aguadas e surpreendentemente para uma poca
em que os meios de reproduo no eram bons, o
simples lpis, sem qualquer cobertura. Nas capas,
assim como na Edio, Nico trafega entre o guache
e o pastel seco, duas de suas tcnicas preferidas,
usadas muitas vezes durante sua carreira.
Tanto as obras da Edio Maravilhosa quanto Grandes Figuras, alm da Srie Sagrada (biografias de santos catlicos, que no chegaram a ser ilustrados
por Rosso), eram parte de um grande esforo de relaes pblicas por parte de Adolfo Aizen junto a
padres, pais e professores - na poca, inimigos declarados das histrias em quadrinhos. Tanto que Aizen no visava grande lucro com tais sries - o dinheiro vinha de personagens como Tarzan, Superman,
Batman, Pernalonga e outros, que chegaram a vender mais de 100 mil exemplares mensais. Outro fator
que permitia o investimento de Aizen nestas sries era o subsdio governamental dado ao papel de imprensa. Infelizmente, to logo tomou posse de
seu curtssimo mandato, em 1961, o presidente
Jnio Quadros acabou com o subsdio, fazendo
com que a produo destas revistas deixasse
de valer a pena, causando seu cancelamento.
Nico Rosso, no entanto, voltou a trabalhar para a
EBAL em outras ocasies: ele ilustrou O Descobrimento do Brasil, em 1968, e uma adaptao
de Os Lusadas, de Lus de Cames, em 1972.
Ambas com textos assinados por Pedro Ansio.

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interessante notar como marcante a presena


italiana nessas duas atividades de certa forma complementares, os grficos e os jornaleiros.
Na So Paulo da primeira metade do sculo XX, nomes como Modesto,
La Selva, Scafutto, Siciliano, Chiodi, Civita, se encontram facilmente
toda vez que se pesquisa sobre isso. E muitos destes nomes ainda esto
por a, algumas vezes sem ter mais nada a ver com seus titulares.
De toda forma, o Seu Vito, como era conhecido, viveu um perodo de
prosperidade no final dos anos 40 e transformou sua banca primeiro numa
distribuidora e algum tempo depois numa editora, que viria a ser uma das mais
importantes dos anos 50 no Brasil. A primeira revista por ele editada no era de
quadrinhos: Selees de Modinhas era dedicada a cantores da poca e seus sucessos.
Vendeu muito bem e a editora progrediu, com Selees de Rir, revista de
pin-up girls e piadas, que vendeu mais ainda. Os La Selva compraram algum tempo depois o ttulo de uma revista que distribuam (O Cmico Colegial) e resolveram publicar nela seus
primeiros quadrinhos, as histrias de um super-heri
americano chamado O Terror Negro. The Black Terror, seu nome
original, era uma produo da Nedor Comics, creditada a diversos
escritores, entre eles a depois famosa Patricia Highsmith. Os desenhistas tambm variavam muito, mas os melhores eram certamente
Jerry Robinson e Mort Meskin. Ambos vinham de outras editoras, como
a DC comics, onde trabalharam em diversos outros personagens como
Batman, Aquaman e O Vigilante. A revista no vendia mal, mas nos Estados
Unidos a produo da srie foi suspensa. Coincidentemente, Jos Viegas, que era o representante da APLA

Outro importante editor


de Nico Rosso na segunda
metade dos anos 50 foi a
Editora La Selva, que evoluiu
da banca de jornais
do imigrante italiano
Vito Antonio La Selva.

(Agncia Periodstica Latino Americana), ofereceu aos La Selva um material novo que estava fazendo bastante sucesso nos Estados Unidos, histrias
de terror de uma revista chamada Beyond.
O ttulo da publicao americana no foi
aproveitado, mas suas histrias tinham tudo
a ver com o ttulo que j estava sendo editado, O Terror Negro. Assim, em agosto de
1951, foi para as bancas a primeira revista
brasileira de quadrinhos genuinamente de
terror, com um ttulo usado mas material
totalmente indito. Foi um imenso sucesso.

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A Editora LaSelva s cresceu nos anos seguintes. Muito disso


se deve no s ao trabalho rduo de toda a famlia La Selva,
mas tambm qualidade do diretor de arte que eles contrataram no incio de 1950, o portugus Jayme Cortez Martins.
Jovem veterano dos quadrinhos, que tinha comeado sua
jornada ainda em Portugal
como assistente do excepcional ilustrador Eduardo Teixeira Coelho.
Jayme Cortez chegara a So
Paulo em 1947 e trabalhava
at ento como chargista e
ilustrador na Gazeta e na Gazetinha, j tendo passado pelo Dirio da Noite, onde tambm
fez sua verso de O Guarani. As capas de Cortez para Terror Negro eram espetaculares, muito superiores s originais
americanas e logo fizeram muito sucesso. No entanto, Cortez
desenhou bem poucas histrias em quadrinhos propriamente
ditas em sua carreira depois da Gazetinha, embora tenha sido
um dos mais influentes desenhistas de quadrinhos de sua gerao. Mas capas ele fazia aos montes, de todos os gneros, do
super-heri ao cowboy, do infantil ao terror. Todas com a mesma qualidade: o poder de atrair o olhar do pblico numa banca
de jornais lotada de publicaes.
O crescimento da La Selva passou pela diversificao de ttulos. Por sua experincia com bancas de jornal, os La Selva logo
eram capazes de farejar quando algum ttulo iria vender bem e
lanaram de tudo nos anos seguintes. Para dar vazo aos bons
nmeros de vendas, tiveram que comear a produzir algum
material no Brasil. Histrias de terror, eles encontravam de
forma abundante e barata nas distribuidoras, mas como lanaram algumas revistas que vendiam muito bem, com histrias baseadas em comediantes brasileiros do rdio, cinema e
TV tiveram que produzir muitos quadrinhos aqui. Ttulos como
Fuzarca e Torresmo, Arrelia e Pimentinha, Oscarito e Grande
Otelo e Mazzaropi ficavam todos os meses na casa dos 70, 80
mil exemplares, uma vendagem muito expressiva.
E assim como no se incomodavam de serem copiados por outras editoras que lanaram inmeras revistas de terror na cola
do Terror Negro, eles tambm no tinham problema nenhum
em copiar formatos dos outros. Foi por isso que nasceu Aventuras Hericas, calcada numa revista da EBAL, Epopia, inclusive sendo publicada no mesmo formato, maior que o usual.
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Ento, entre os diversos ttulos lanados pela La Selva


no ano de 1956, surge a revista Contos de Fadas.
A princpio publicando material italiano e portugus (histrias de Eduardo Teixeira Coelho), logo
comeou a publicar histrias feitas no Brasil por
artistas como Sylvio Ramires, Jos Lanzellotti (com
a La Selva desde a primeira capa do Terror Negro),
Messias de Melo, Giorgio Scudellari, Orlando Pizzi,
Isomar, Srgio Lima e provavelmente um de seus
mais assduos colaboradores, Nico Rosso.
fcil entender porque algum como Nico Rosso,
vindo de uma parte da Europa que preserva palcios
e castelos, professor de Histria do Traje, com uma
vasta cultura sobre o tema, tenha se dado muito bem
nesta publicao. Alguns dos melhores trabalhos de
Nico Rosso em toda a sua prestigiosa carreira esto
aqui. Ele trabalhou na sua conhecida diversidade de
estilos de acabamento, mas deu ainda mais ateno
aos detalhes. Tomou cuidados redobrados com a caracterizao dos personagens e inventou layouts de
pgina totalmente inovadores para a poca.
Olhando as histrias possvel dizer que, embora
nunca tenha deixado de ser extremamente cioso de
sua produo para qualquer cliente, neste caso havia uma dose alta de prazer envolvido. As princesas
retratadas por Nico Rosso nestas revistas esto entre
as mulheres mais bonitas e charmosas que ele desenhou, isto considerando que, pelo prprio teor das
histrias, no houvesse sequer lugar para um decote
um pouco maior. Quando a histria era ainda mais
infantil e os personagens deixavam de ter propores humanas, Nico Rosso por vezes nos surpreendeu com um tratamento de luz e sombra belssimo e
dramtico, sem no entanto abusar das reas de preto, o que arruinaria o clima de um conto de fadas.
Um trabalho bastante apurado, do lpis pena,
na histria Os Msicos de Bremen, publicada
em Contos de Fadas 32, dezembro de 1958.

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A Raposa e a Cegonha, de Contos de Fadas 43, dezembro de 1959.

E a Sapa se Casou, de Contos de Fadas 51, novembro de 1960.

Rosa Branca e Rosa Vermelha, de Varinha Mgica 7, setembro de 1958.

O Tapete Mgico, de Varinha Mgica 8,novembro de 1958.

A revista Varinha Mgica, com o mesmo conceito de Contos

Infelizmente, Nico Rosso no chegou a fazer muitas capas

de Fadas, surge dois anos depois, em 1958, e tambm vai con-

para nenhuma das duas revistas. As capas, ao que parece

tar com muitas colaboraes de Nico Rosso. Para ambas ele


desenhou muitas histrias, quase sempre escritas por Milton
Jlio, um escritor muito bom e que tambm
gostava bastante do tema. Infelizmente,

quando se olham ambas as colees, eram um privilgio de


Jayme Cortez e ele muito raramente abria mo de exerc-lo.
Infelizmente tambm, a La Selva comeou a naufragar. Isso

Milton Jlio, que tambm era o editor das

se deu por causa de uma briga em famlia e acabou com a

revistas, teve uma morte sbita: suicidouse

editora na dcada seguinte. Tanto Contos de Fadas quanto

por conta de um caso amoroso. Tal fato aba-

Varinha Mgica ainda seriam publicadas at 1965, mas no

lou muito a todos os que o conheciam e se


relacionavam com ele e tocar neste assunto
foi um tab durante muito tempo. Ele se foi de forma trgica,
mas seu trabalho nesta e em outras revistas da editora so

seu final a maioria das histrias eram reprises de material


criado nos anos de ouro da La Selva.
Republicamos a seguir uma das melhores histrias de Nico

testemunhas da pessoa bastante positiva que ele devia ser.

Rosso na La Selva, A Revolta dos Brinquedos, publicada pela

So histrias lindamente escritas, cheias de poesia.

primeira vez em Contos de Fadas nmero 78, de julho de 1963.

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A Editora Outubro, nasceu como Continental em 1959.


Sua histria tem a ver em grande parte com o sucesso da La Selva,
pois tudo comeou com Victor Chiodi, outro grfico de origem
italiana. Chiodi era dono da Grfica Novo Mundo e um dos
primeiros a imprimir as revistas para os La Selva, que
no tinham grfica prpria. Vendo o sucesso do
Terror Negro, resolveu publicar alguns ttulos tambm
e o fez com certo sucesso - sem deixar de trabalhar para a
Editora La Selva. Um de seus principais ttulos era Noites de Terror.
Sabendo que a qualidade das capas de Jayme Cortez fazia diferena nas vendas
da La Selva, Chiodi recorreu a um artista igualmente talentoso, que lhe foi
apresentado pelo prprio Cortez, de quem era muito amigo: Miguel Penteado.
Penteado era um operrio grfico e gostava muito de desenhar. Tanto que, de
maneira autodidata, acabou por se tornar um bom desenhista. Foi o que chamou a ateno
de Jayme Cortez, recm-chegado ao Brasil. Ele conheceu Penteado nos estdios da Fotolabor, no centro de
So Paulo, onde este operava uma pequena impressora Multilith. Com o tempo, as dicas e o incentivo de
Cortez, acabou por se profissionalizar como ilustrador, trabalhando para vrias editoras, inclusive a Novo
Mundo. Em certa ocasio, Penteado queixou-se a Chiodi da baguna que era sua grfica e este respondeu
desafiando-o a ir trabalhar l para arrumar tudo. Foi exatamente isso o que ele fez, saneando inclusive a
parte financeira da casa, fazendo com que o negcio prosperasse. Tempos depois, resolveu que queria voltar
a trabalhar com desenho ao invs de ser gerente de grfica e Chiodi
acabou por lhe dar sociedade no negcio para impedir que sasse.
A La Selva por sua vez, na segunda metade dos anos 50 j tinha se
tornado a maior editora de So Paulo. No a maior editora de quadrinhos, veja bem, a maior editora mesmo, vendendo um milho
de revistas por ms com cerca de 30 ttulos em circulao. Eles imprimiam tudo em vrias grficas, no apenas a Novo Mundo, sendo
que a principal prestadora de servios ao longo dos anos tinha se
tornado a S.A.I.B. (Sociedade Annima Impressora Brasileira) de
Victor Civita, dono tambm da Editora Abril, na poca bem menor do que a La Selva. Bem, em 1958, alegando acmulo de servios atrasados a S.A.I.B. avisou aos La Selva que no ia mais imprimir suas revistas.
Era um problema que precisavam resolver rapidamente e eles o fizeram comprando (e logo ampliando) a
Novo Mundo, absorvendo inclusive boa parte de seus ttulos.
Chiodi saiu, mas os La Selva insistiram em manter Penteado frente da grfica, com um bom salrio. Alm
do dinheiro, Penteado topou porque tinha simpatia pelos La Selva e era muito amigo de Jayme Cortez, que
continuava sendo a maior fora criativa da editora.
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Como bons homens de negcio, os La Selva h muito


haviam percebido que era bem mais barato comprar histrias
importadas do que produzi-las aqui. Sua insistncia em fazer
isso cada vez mais comeou a deixar Jayme Cortez bastante
descontente. Afinal, ao longo dos anos ele havia conseguido
um grande espao para os desenhistas nacionais na La Selva.
Victor Chiodi, por sua vez, planejava voltar ao ramo e
comeou a conversar com outros trs empresrios do setor
grfico (Jos Sidekerskis, Arthur de Oliveira e Heli Otvio de Moura Lacerda), alm
de se manter em contato com Miguel Penteado e este por sua vez com Cortez.
Todo esse movimento culminou quando os cinco se juntaram a Cludio de Souza
(que trabalhava na Abril mas tinha passado pela La Selva) e abriram a Editora Continental, na Rua da
Mooca, em 1959. Sem que soubessem, j havia uma editora com esse nome, com problemas na justia.
Cobradores comearam a aparecer. Ento, cerca de dois anos depois, com certeza por conta da militncia
comunista de Penteado (que era membro do PCB), mudaram o nome para Editora Outubro. Nova encrenca, pois Victor Civita, da Abril, tinha registrado o nome de todos os meses do ano para ningum plagiar a
sua editora e os advertiu judicialmente. Eles se recusaram a ceder e comeou uma pendenga judicial entre as duas editoras. Desde o comeo levantando alto a bandeira dos quadrinhos nacionais, a Editora Continental/Outubro atraiu os maiores talentos dos quadrinhos na poca, muitos dos quais j trabalhavam
para Jayme Cortez na La Selva, como Nico Rosso, que aparece em duas fotos com todos os colaboradores
da casa ao lado do filho Gianluigi, que tambm iria publicar quadrinhos na casa, assinando ora como Luiz
Rosso ora como Joo Rosso. Qual seria a razo disso?
Nesta pgina, foto tirada no
dia da inauguraco da Editora
Continental, em seus
escritrios. Nela aparecem,
da esquerda para a direita,
Jayme Cortez, Miguel
Penteado, Nico Rosso, Gianluigi
Rosso, Jos Sidekerskis,
Igncio Justo, Jlio Shimamoto, Jorge Kato, Aylton Thomaz,
Gedeone Malagola, Joo Batista
Queirz, lvaro de Moya,
Guilherme Walpeteris e Zezo.
Na pgina ao lado, anncio
publicado em vrias revistas
da editora, com um
manifesto em favor dos
quadrinhos nacionais.

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O Anjo da Guarda e
Pedrinho, Tico e Alice.

O filho de Gianluigi, Luiz Roberto Rosso, hoje tambm ilustrador, imagina que

Cabe aqui notar que os roteiros

o pai no usou o nome italiano por conta do nacionalismo da editora, que estampava

de todas as histrias da editora

em todas as capas uma frase afirmando que aquelas revistas eram totalmente produ-

na sua fase inicial ou eram fei-

zidas no Brasil por artistas brasileiros. Pode ser verdade que a editora preferisse assim,

tos pelos prprios desenhistas


ou eram responsabilidade de

afinal Giorgio Scudellari tambm teve seu primeiro nome traduzido para Jorge.
Mas os estrangeiros estavam l, comeando por Jayme Cortez. De toda forma,

Cludio de Souza (que era um

Gianluigi Rosso publicou algumas histrias de terror na editora mas trocou os quadrinhos

dos scios), Waldir Wey ou H-

pela qumica industrial logo depois. Do ponto de vista artstico foi uma pena, pois apesar de uma

lio Porto, este ltimo provavel-

inegvel influncia de Nico Rosso, ele desenhava muito bem. Melhor inclusive do que boa parte de

mente o mais prolfico, mas de


quem pouco se sabe. Um pouco depois dessa poca, uma nova roteirista comea sua carreira: Helena Fonseca.

seus contemporneos, especialmente no que diz respeito figuras femininas.

Ela e Nico Rosso formaro uma grande dupla, mas no nestes primeiros tempos. Outro roteirista famoso que
trabalhava para a Continental/Outubro era Gedeone Malagola, mas ele preferia entregar suas histrias j
desenhadas, embora esse no fosse seu forte.
Antes do terror, Nico Rosso ainda passa pelos cowboys da casa, nenhum criado por ele. Desenhou O Vingador,
um mascarado tipo Lone Ranger, Dakota Jim, um mestio que vive aventuras
pulando de cidade em cidade e o Pistoleiro Fantasma, um personagem calcado
obviamente no Ghost Rider da Timely Comics. Aos poucos comeou a produzir
histrias de terror, com 4 ou 5 pginas em mdia, para os ttulos de terror da
Outubro: Selees de terror, Histrias Macabras, Histrias Sinistras, Histrias do
Alm e Clssicos de Terror. Para o nmero 5 desta ltima produz com desenhos
lindssimos uma adaptao de
Desenhos de Gianluigi Rosso

Fausto, de Goethe. sua primei-

Nico Rosso trabalhou em todos os gneros que a editora

ra histria mais longa do gnero

publicava, com exceo apenas dos super-heris, como o

terror, com 14 pginas.

Capito 7. Mas seus primeiros publicados na nova editora


no foram histrias de terror. Ao contrrio do que muitos
pensam, foram histrias infantis para as revistas Fantasia e
Contos Mgicos, concorrentes diretas de Contos de Fadas e
Varinha Mgica. Para estas revistas Nico voltou a desenhar
histrias de fadas, como O Califa e a Cegonha. Alm disso
criou duas novas sries, O Anjo da Guarda, sobre as trapalhadas de um anjinho com o menino de quem ele guardio
e as aventuras de Pedrinho, Tico e Alice, trs crianas sapecas. Seu estilo nestas histrias bastante elaborado, com
um tratamento grfico muito bonito, tal e qual o que ele usava nas revistas da La Selva. E as histrias eram muito boas,
mesmo sem contar com os roteiros de Milton Jlio.
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No muito tempo depois, Jayme Cortez lhe ofereceu


a chance de fazer a srie de terror de maior sucesso
da casa: Drcula, publicada em Selees de Terror
todos os meses. A srie j havia sido desenhada por
Giorgio Scudellari, Aylthon Thomas e Igncio Justo,
este ltimo amigo pessoal de Rosso - que o indicara
a Jayme Cortez. Uma das melhores histrias que
Rosso desenhou tambm a que redefine a srie, que
at ento no se preocupava muito com continuidade.
Nesta histria, que levemente amarrada
nos filmes de Drcula da Hammer Films com
Christopher Lee, como O Vampiro da Noite
e o Prncipe das Trevas, vemos como Drcula se tornou um vampiro e
como foi ressuscitado em nossos dias. Tambm ficamos sabendo porque
passou a ser perseguido pelo detetive Fred Jackson. A partir desta histria, Nico Rosso passou a ter para sempre seu nome ligado ao personagem do qual se tornou o principal desenhista, embora no o nico.
Ns a republicamos na integra a seguir, mas antes melhor falar do final da Continental/Outubro e de sua transformao em Taka.
Houve vrios motivos. A princpio, vrias desavenas entre os scios,
em grande parte relacionada com a complicada situao econmica do
pas naquele tempo, que diminuiu a venda dos quadrinhos em geral.
Houve tambm todo o desgaste com o movimento pela nacionalizao
dos quadrinhos, liderado por diversos desenhistas ligados editora, que
redundou num Cdigo de tica impossvel de seguir para quem editava
terror. Mas o mais grave de todos foi uma briga entre Jayme Cortez e
Miguel Penteado, que fez com que o primeiro deixasse a editora. Nem
mesmo quem era prximo sabe a razo desta briga, mas ela foi grave,
pois os dois nunca mais se falaram.
Algum tempo depois, desgostoso com os rumos do negcio, Miguel
Penteado decidiu vender tambm sua parte e deixar a casa. Era o fim
da editora tal como havia sido concebida, mas ela ainda ganharia uma
sobrevida com a entrada de um outro scio, Manoel Csar Cassoli. Ele
entrou no lugar de Jos Sidekerskis que tambm havia deixado a sociedade algum tempo depois de Penteado. Para culminar, eles perderam a
ao contra a Abril e embora ainda pudessem recorrer, resolveram que
era mais fcil mudar o nome da editora.
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Decidiram cham-la de Taka, que


era o apelido da filha de Heli Otvio
de Moura Lacerda. Saiu das capas o
escorpio da Outubro e entrou o alvo
amarelo e preto, smbolo da editora
que continuou a publicar exatamente
os mesmos ttulos da Outubro, com
muitas reprises verdade, mas tambm com muito material indito, como
veremos adiante, em outro captulo.
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A Escola
Panamericana
de Arte e
sua origem.

Principalmente por causa de seu clima agradvel e da proximidade com Nova York, a cidade litornea de Westport,
Connecticut, nos Estados Unidos desde o comeo do
sculo XX famosa por abrigar as casas e atelis de diversos
artistas. Num belo dia de 1948, dois dos mais famosos, os
ilustradores Al Dorne e Norman Rockwell, se encontraram
para um caf. Ao final do bate-papo, tinham tido a ideia de
fundar um curso de ilustrao por correspondncia. Nascia
a Famous Artists School, que funcionava assim: durante
24 meses o aluno recebia em casa uma apostila com instrues e um exerccio, que ele enviava pelo correio e
que seria corrigido e comentado por um artista e ento
devolvido ao aluno. Podia-se optar por uma das trs modalidades: pintura, ilustrao ou quadrinhos.
O sucesso de um curso assim, obviamente, dependia muito
de quem fazia as apostilas e da qualidade dos comentrios.
Para que desse certo, Dorne e Rockwell recrutaram a nata
dos ilustradores e cartunistas de Westport: Austin Briggs,
Stevan Dohanos, Robert Fawcett, Peter Helck, Fred Ludekens,
Al Parker, Ben Sthal, Harold Von Schmidt, Jon Whitcomb, Al
Capp, Milton Caniff e Rube Goldberg, alm deles prprios.
Com um verdadeiro dream-team de professores como esse,
o curso logo se tornou um imenso sucesso e existe at hoje.

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Em 1951 um pintor argentino chamado Enrique Lipszyc tentou, sem muito sucesso, montar uma escola de arte, a Escuela Norteamericana de Arte, que anunciava um mtodo baseado no desenho de
Alex Raymond (?!), criador de Flash Gordon.
Algum tempo depois, Lipszyc, grande f de ilustrao e quadrinhos, lanou um livro que ficaria
muito famoso em seu pas intitulado El Dibujo a Travs del Temperamento de 150 famosos artistas.
Com o sucesso obtido por seu livro, resolveu colocar em prtica na Argentina a mesma ideia de
Rockwell e Dorne e reuniu um grande time de famosos artistas que seriam os primeiros professores
da Escuela Panamericana de Arte: Enrique Vieytes, Daniel Haupt, Angel Borisoff, Alberto Breccia,
o brasileiro Joo Mottini, o italiano Hugo Pratt, Pablo Pereyra, Carlos Garaycochea, Carlos Roume,
Luiz Dominguez, Narciso Bayon e o espanhol Carlos Freixas. O ano era 1955.
As diferenas com o curso da Famous Artists School no eram muitas. A principal que eram apenas
12 meses de curso por correspondncia. A ideia de uma escola assim teve na Argentina o mesmo
sucesso que nos Estados Unidos, ajudando a formar uma nova gerao de grandes artistas argentinos. Tudo ia bem at o incio da dcada de 1960, quando uma grande crise de mercado fez com que
diversas editoras tivessem que fechar as portas e muitos desenhistas tivessem que ir buscar trabalho em outros pases. Esse foi o caso de Jos Delb, Rodolfo Zalla e Eugnio Colonesse, que vieram
para o Brasil. Com a crise, o nmero de interessados em cursar a escola caiu muito, e Lipszyc resolveu tambm tentar a sorte no mercado brasileiro.

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Em 7 de abril de 1963, a Escola Panamericana de Arte abriu suas portas em So Paulo, com
anncios em diversas revistas em quadrinhos. Os anncios tambm tinham forma de quadrinhos, desenhados por Luis Dominguez, Enrique Vieytes e Hugo Pratt e j tinham sado na
Argentina. No comeo Lipszyc tentou aqui tambm o esquema de aulas pelo correio, mas
logo percebeu que isso no iria ser um grande sucesso e pouco tempo depois, nos anncios
j aparecia um adendo que dizia: Ateno, aulas em classe, matrculas abertas.
Para lanar a escola aqui em So Paulo, sua primeira sede era na Rua Augusta, nmero 59,
Lipszyc importou da Argentina Enrique Vieytes e Hugo Pratt, que moraram em So Paulo cerca um ano. E claro, logo ele contatou tambm aqui, vrios famosos artistas, como os pintores
Danilo Di Prete e Aldemir Martins e os ilustradores e quadrinistas Jos Luiz Bencio, Jayme
Cortez, Flvio Colin, Getlio Delphin, Manoel Victor Filho, Joo Gargiulli, Olavo Pereira,
Ivan Wasth Rodrigues e Ziraldo.

Luiz Dominguez

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Enrique Vieytes

Hugo Pratt

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Algum tempo depois de lanada a escola, houve baixas nesta equipe, saindo primeiro Di Prete e Martins, os pintores. Quase a metade dos
demais professores morava no Rio de Janeiro e
quando a escola abandonou o esquema de cursos por correspondncia, houve outras baixas.
Foi ento que entraram alguns professores que
no constavam do corpo docente inicialmente
anunciado. Eles passaram a lecionar na Panamericana durante os anos seguintes e apareceram num dos primeiros folhetos promocionais
da escola. Nico Rosso foi um destes, ele comeou na escola cerca de um ano aps sua abertura e trabalhou l at o dia em que teve um AVC
muitos anos depois.
Muita gente que seguiu carreira no mundo da
ilustrao, quadrinhos e publicidade passou
pelas aulas de Nico Rosso, j que ele dava uma
matria essencial, Desenho Bsico, no primeiro ano da escola (ao abandonar o formato de aulas por correspondncia, o curso passou a ter a
durao de dois anos). Foi lecionando esta matria que Nico Rosso descobriu alguns jovens
talentos como Josmar Fevereiro, Wanderley
Magro e Kazuhiko Yoshikawa, que se tornaram
seus assistentes. Este ltimo foi o que mais tempo ficou trabalhando com ele, at pouco tempo
antes do AVC. Hoje, os assistentes de Nico Rosso so respeitados ilustradores. Alguns deles
continuaram nos quadrinhos, outros migraram
para a ilustrao editorial ou para a publicidade. Todos, sem dvida, carregam em si muita
gratido pelos ensinamentos, no s na escola,
mas no dia-a-dia de um estdio.
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Quando e em que circunstncias


voc conheceu Nico Rosso?
Conheci Nico Rosso em 1964, ao ingressar na Escola
Panamericana de Arte. Eu tinha 14 anos na poca, e ele foi o
primeiro mestre que tive no curso. Eram os seis meses iniciais, em que se
estudava desenho bsico. No segundo semestre mudava o professor, e as aulas
eram de tcnicas de nanquim com pena, pincel e aguada.
Como veio a ser assistente dele? Quanto tempo voc passou na funo?
As aulas do Nico sempre comeavam com uma preleo sobre o tema do dia. Iluminao, propores,
perspectiva, etc. Cada aula tinha um tema especfico e o modelo colocado na nossa frente era relativo ao
tema. Enquanto copivamos o modelo (fotos, esculturas ou objetos), tentando resolver os problemas
propostos, o professor ia sentar-se no fundo da sala para desenhar pginas e pginas das suas histrias.
Eu, que era fascinado pela rapidez e maestria com que esboava os quadrinhos, procurava me safar o
mais rapidamente possvel da tarefa curricular, para ir sentar ao seu lado e absorver ao mximo a
verdadeira aula que era v-lo trabalhar. Certo dia, ele virou-se bruscamente para mim e perguntou:
Voc no quer me ajudar na arte final pintando as reas chapadas?. Era tudo o que eu queria, mas
nem ousava admitir. Fiquei meio sem saber o que dizer, gaguejei alguma coisa, ele riu e tirou da
sua pasta umas dez pginas de terror, se no me engano para a revista Estrias Negras, que
estavam semi-finalizadas nanquim e com as reas que seriam chapadas, marcadas com um X.
Deu-me as pginas e pediu que as touxesse prontas na prxima aula. Virei seu fazedor de
chapados pelo resto do ano, mesmo quando mudei de professor. No final do ano letivo o Nico
me convidou para trabalhar como seu assistente na Equipe Nico Rosso que era, naquele
momento, informalmente fundada. Trabalhei com ele at o final de 1967, quando fui
admitido na primeira agncia
de publicidade como assistente
de direo de arte.
Alm de voc, outro famoso
assistente do Nico foi o
Kazuhiko Yoshikawa,
voc o conheceu?
O Kazuhiko entrou para a
Equipe algum tempo depois
que eu sa. No cheguei a
conhec-lo pessoalmente na
poca, pois as visitas que eu
fazia ao Nico eram

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sempre depois do expediente na agncia.


Ele colaborou com o Nico por muito mais tempo
do que eu. Depois mudou-se para o Japo,
onde morou por vrios anos.
Agora vive em So Bernardo do Campo,
onde tive a oportunidade e o prazer de
visit-lo uma vez, juntamente com
Luiz Rosso e Claudio Rosso, netos
do Nico. Ele faz ilustraes de livros
didticos para vrias editoras e
pesca nas horas vagas.
Exatamente qual era o processo de
trabalho de que voc participava?
Era um sistema de estdio, onde
cada um tinha uma tarefa especfica,
ou era variado?
Nos primeiros meses dessa fase de
assistente, s eu trabalhava com ele e ia ao seu
estdio duas vezes por semana para entregar e receber novas pginas, instrues e, quando
tinha tempo disponvel, v-lo trabalhar ou sentar-me num canto e folhear as centenas de revistas de
quadrinhos, nacionais e estrangeiras, que ele
tinha na estante. No quase um ano em que fiz os
chapados, consegui uma razovel cumplicidade com o
pincel e o Nico passou a deixar boa parte dos cenrios para que eu finalizasse.
E esse processo de concesso continuou at o final da minha participao na Equipe,
quando eu j fazia alguns roteiros, desenhava a lpis, ele corrigia os
deslizes, eu finalizava tudo e o meu pai fazia os bales e letras.
Eu era remunerado por produo. Todos os colegas que
passaram pela Equipe trabalharam mais ou menos
no mesmo esquema, sendo que alguns
cumpriram expediente no estdio

Ilustraes de
J Fevereiro

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e no sei se recebiam fixo ou por produo. Houve um perodo de


mais ou menos um ano, por volta de 1966, em que o Nico resolveu
fazer os originais em acetato. Ele comprava rolos de um acetato que
era liso de um lado, e spero do outro. Desenhava a lpis na superfcie
spera, para depois finalizar com Abdec (tinta para retoque de
fotolitos). Isso com o intuito de poder cobrar das editoras o que
economizariam com os fotolitos, para nos remunerar um pouco mais.
O drama dessa histria que ele fazia apenas as figuras e detalhes
mais delicados a pincel, sobre a prancheta, sem caixa de luz.
Ns levvamos as pginas para finalizar o resto em caixa de luz, mas
as pinceladas dele ficavam quase todas transparentes e tnhamos de
retoc-las, o que fazia os traos engrossarem e perderem a leveza
e espontaneidade. Como se no bastasse essa carga de culpa que
acumulvamos, ramos obrigados a misturar o Abdec com sabo para
que aderisse no acetato engordurado pelo grafite e pelas mos que
manipulavam as pginas. Mesmo assim, muitas vezes a tinta depois de
seca trincava e soltava pedaos no processo de gravao de chapa.
Para todos os leitores do Nico que estranharam pginas com arte final
grosseira, e at com reas esfoladas, est a a explicao. Felizmente, depois de muita reclamao
nossa, voltamos a trabalhar em papel, com o velho e bom nanquim, para alvio dos nossos olhos e dos leitores. Ficamos todos felizes, mesmo com reduo nos proventos.
Nico Rosso era famoso por ser extremamente rpido, o que explica a quantidade imensa de
trabalhos que ele fazia, dizem que ele raramente usava o lapis, verdade?
Ele costumava usar um estilo de trao a caneta para ilustraes soltas, em que no havia esboo e o
desenho fluia praticamente em um s trao contnuo. O efeito era bem expressionista. Essa histria de
usar raramente o lpis, deve ser uma lenda surgida a partir dessas ilustraes. Afinal ele lecionava
desenho a lpis na Panamericana e, pelo menos nos quadrinhos, capas e outras ilustraes editoriais,
a base era sempre o lpis que manipulava com uma velocidade espantosa.
Nico Rosso aparece em quase todas as fotos de grupos de artistas de quadrinhos dos anos 60,
ele era bastante socivel, portanto. Voc se lembra com quem ele mais se relacionava? Como era
a relao dele com os roteiristas? Gedeone? Lucchetti? Helena Fonseca?
Uma forte caracterstica do Nico era a velocidade. Alm do trabalho, ele era muito gil nos movimentos e,
tanto na Panamericana, como em sua casa,
na rua, ou nos eventos dos quais participava, e que fui testemunha de alguns,
zanzava de um lado para o outro feito um
corisco. No d para dizer que, apesar da
enorme produo, teve uma vida sedentria. Ele adorava conversar e mantinha
contato telefnico, ou pessoal, constante
com as editoras e com os autores, para
discutir roteiros e prazos. Na escola conversava muito com os colegas professores, alunos, e no seu estdio com a esposa
dona Tina, em italiano, enquanto trabalhava incansavelmente na prancheta.
102 | MeMo1

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Gostava de me contar casos e histrias dos seus colegas e


eventuais parceiros como Igncio Justo, Jorge Scudellari, Eugnio
Colonnese, Rodolfo Zalla, Jayme Cortez, Gedeone Malagola, Jlio
Shimamoto, Getlio Delphin, Srgio Lima, Lyrio Arago, etc...
Lembro que ele tinha especial predileo por Antonio Martin,
roteirista da bruxa Lucivalda e do pai-de-santo Nicolau Praxedes.
Desenhava as histrias da Terrir com um sorriso permanente
estampado no rosto.
Nico Rosso desenhava bem de tudo, do terror ao infantil, mas
parece que ele desenhou poucas histrias de guerra, no?
Eu trabalhei e convivi com muitos e timos desenhistas mas, de
todos, o que tinha melhor memria visual era o Nico. Ele teve uma
formao muito slida em Turim e sabia tudo sobre vestimentas
de todas as pocas, estilos arquitetnicos, objetos, mquinas, ambientes, paisagens das diferentes regies do planeta, etc... Poucas vezes o vi atrs de alguma referncia. Estranho saber que h
quem ignore ou no reconhea o sua produo em outros gneros,
pois testemunhei e colaborei com ele em histrias de faroeste
para as revistas Pistoleiro Fantasma e O Mestio que, apesar
do ambiente inusitado, carregam a sua inegvel marca. Dizer que ele nunca desenhou histrias de guerra
uma injustia com as sua participao admiravel na revista Combate, da editora Taika, onde, alm do
Nico, colaboravam Eugnio Colonnese, Rodolfo Zalla, etc... e eu que colaborei com ele em quase todas, e
tambm publiquei a minha primeira histria autoral com roteiro, desenhos e finalizao. Nesse gnero era
impressionante v-lo desenhar detalhes de uniformes, armas, tanques-de-guerra por fora e por dentro,
tanto americanos quanto alemes, com uma preciso incrvel, em cenrios verossmeis, totalmente de
memria. Ele viveu no cenrio da Segunda Guerra e captou tudo isso ao vivo e a cores.
Tem alguma histria do seu tempo com o Nico Rosso que voc gostaria de compartilhar?
Tenho uma histria pessoal, que foi decisiva para o meu futuro, e mostra muito o carter do velho mestre...
Em uma das tardes que fui sua casa entregar as pginas prontas, ele veio abrir o porto com uma expresso sria, dizendo que precisvamos ter uma conversa. Logo imaginei que tivesse cometido algum absurdo
na leva anterior, ou algo parecido. Entramos em silncio, ele me encaminhou para a sala e disse-me que
a minha me estivera l de manh cedo. Tinha ido para perguntar-lhe se valia a pena eu continuar
investindo no desenho, porque o meu pai trabalhava com isso e o que ganhava era pouco para as despesas
da nossa famlia. Disse tambm que gostaria que eu fosse trabalhar em um banco, ou alguma outra rea
que me garantisse um futuro melhor. Descarregadas todas as lamrias,
ele respondeu-lhe que entendia a sua situao mas, se estivesse verdadeiramente interessada na minha felicidade, que deixasse eu seguir a
minha vida em paz, que eu gostava muito do que fazia, era interessado
em aprender cada vez mais, e estava progredindo bastante no meu trabalho. E, principalmente, que eu queria evoluir, diferentemente do meu
pai que, por uma srie de razes, inclusive de sade, vivia numa redoma
e o Nico sabia disso pois o conhecia muito bem. noite tive uma bela
discusso com minha me, prometendo a ela e a mim mesmo que nunca
deixaria de seguir o meu caminho. Sou muito grato a ele por ter cortado
definitivamente o meu cordo umbilical. E, algum tempo depois, quando
lhe falei que havia uma oportunidade de emprego para mim em uma
agncia, disse-me que tinha o maior orgulho em saber disso, que fosse
adiante sempre. Estou indo at hoje.
Da coleo de Gilberto Marchi.
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A GEP | Algum tempo depois de deixar a Outubro, Miguel Penteado fundou a GEP (Grfica
Editora Penteado) em 1965. Sua primeira publicao foi uma revista de piadas e pin-ups,
Salo de Barbeiro. Logo ele se tornou um dos
mais importantes editores de quadrinhos
nacionais da poca, lanando Lobisomem,
Mmia, Frankenstein, Superargo, Raio Negro,
Fantar, Estrias Negras, Dirio de Guerra,
Histrias Caipiras de Assombrao, Esporas
de Ouro e vrias outras, publicando trabalhos
de Gedeone Malagola, Srgio Lima, Rodolfo
Zalla, Rubens Cordeiro, Edmundo Rodrigues,
Eugnio Colonesse, entre outros. A GEP publicou tambm, pela primeira vez no Brasil, alguns personagens da Marvel: X-men, Capito
Marvel e Surfista Prateado, que a EBAL no
quis publicar na poca e que lhe foram oferecidos por baixo preo. Apesar de conhecer
Penteado h bastante tempo, desde a La Selva,
Nico Rosso trabalhou muito pouco para a GEP,
talvez para no se indispor com o pessoal da
Taka, de quem Penteado era desafeto. De toda
forma, fez algumas capas importantes, entre
elas a do nmero 1 de uma das principais revistas da casa, Lobisomem, de Gedeone e Srgio Lima, que ele viria a desenhar alguns anos
depois para outro editor.
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Jos Mojica Marins era, para usar um termo

Lucchetti acertou a publicao da revista com a Editora Preldio, que no

da poca, uma coqueluche nos anos 60.

publicava tradicionalmente quadrinhos. Sua principal revista era Melodias,

A partir de seu primeiro filme como Z do

que tratava do mundo da msica, tv e rdio. Mas eles tinham comeado h

Caixo, de 1963, virou um favorito da

pouco uma pequena linha de publicaes na rea com o macaco Simozinho


e o faroeste caboclo, oriundo do rdio, Juvncio, o justiceiro.

crtica e do pblico e lotava todas as sees


das salas de cinema que exibiam seus filmes.

Tudo acertado, Lucchetti resolveu convidar seu parceiro favorito, Nico Ros-

Em 1967, ganhou um programa na recm-inau-

so, a quem admirava, para desenhar a revista. Foram feitas histrias onde o

gurada TV Bandeirantes, Alm, muito alm do

Z do Caixo era apenas o narrador e, de uma forma inovadora para a poca,

alm, que fez enorme sucesso mesmo passando

no aparecia desenhado nas histrias e sim em fotografias. Foi produzida


tambm uma histria em fotonovela, um formato bastante em voga na poca, de gosto duvidoso, com

bem tarde da noite.


Um dos roteiristas que trabalhavam para

atores e atrizes dos filmes de Mojica. Nico Rosso preparou uma bela capa usando uma colagem fotogr-

Mojica na poca era R. F. Lucchetti, que j

fica complementada por uma ilustrao a guache e assim, em janeiro de 1969, o primeiro nmero da

tinha feito A Cripta na Taka com Rosso.

revista O Estranho Mundo de Z do Caixo chegou s bancas. Era impressa num papel de boa gramatura

Vendo o sucesso de Z do Caixo, resol-

em tamanho grande. O preo alis, tambm era grande, em mdia trs vezes o preo de uma revista

veu propor a Mojica uma revista de

comum. Detalhe: a publicao chega-

histrias em quadrinhos com o

va lacrada em sacos plsticos s ban-

personagem. Mojica era um

cas e era proibida para menores de 21

grande f de quadrinhos,

anos, provavelmente um caso nico na

que colecionava desde

histria da censura brasileira.

seus tempos de garoto,

O prprio Mojica se encarregou de

e ficou muitssimo entu-

promover a revista na televiso e em

siasmado com a ideia.

apenas duas semanas os quinze mil


exemplares haviam se esgotado.
O nmero dois vendeu o dobro, o trs
vendeu trinta e dois mil exemplares e
o quarto trinta e cinco mil. A revista
estava abafando, como diria Erasmo
Carlos. Mas graas famosa inconsequncia de Mojica, tudo acabou nos
meses seguintes.
Em seu timo livro sobre Z do Caixo (Maldito), Andr Barcinski e Ivan
Finotti do a entender que Mojica
havia sido procurado por editores
inescrupulosos que lhe fizeram uma
proposta para que sasse da Preldio,

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mas no foi bem assim. Ele que se queixou publicamente do acordo que havia feito com a editora
e de que estaria recebendo muito pouco pela revista. Disse tambm que no tinha qualquer contrato com
a Preldio e que os direitos eram totalmente dele e que tinha inclusive em mos uma histria prontinha
escrita por Lucchetti e desenhada por Nico Rosso. Essa ltima afirmao era verdadeira.
Reinaldo de Oliveira enxergou a uma grande oportunidade comercial e resolveu propor a Mojica uma
porcentagem maior sobre a venda. Foi constituda a Editora Dorkas que lanou o nmero cinco da revista
em junho de 1969 e em seu expediente consta a frase publicada em convnio com Jos Mojica Marins.

Um sexto nmero saiu logo em seguida, com roteiros de Lucchetti creditados indevidamente ao prprio
Jos Mojica Marins e desenhos de Rodolfo Zalla. Lucchetti, compreensivelmente desgostoso, rompeu com
Mojica na poca, mas reatou sua amizade com ele algum tempo depois. Nem Lucchetti, nem Rosso foram
pagos pelo trabalho. Encaixaram o golpe e partiram para outras empreitadas. A revista na Dorkas no teve
o mesmo sucesso que na Preldio, mas isso no teve a ver com a mudana de equipe, como consta no livro
sobre Mojica. O perodo de tempo foi muito curto e provvelmente a imensa maioria dos leitores sequer percebeu a mudana de editor, mesmo a revista da Dorkas sendo um pouco menor. O problema que depois de
seis meses, nem a revista nem Z do Caixo eram mais novidade. E ento Mojica fez das suas de novo: procurou a Preldio e props que eles voltassem a publicar sua revista. E sabe o que eles fizeram? Toparam. S que
o ttulo havia sido registrado pela Dorkas e a Preldio teve que mudar o nome da revista para Z do Caixo
no Mundo do Terror, novamente com histrias de Lucchetti e Rosso, que durou apenas mais dois nmeros.
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EDREL | Muito mais pelos temas do que publicava do que pela qualidade das histrias e dos desenhos, a EDREL (Editora De Revistas e Livros),
fundada por Minami Keizi, Jinki Yamamoto e Salvador Bentivegna, ganhou uma inesperada estatura entre o final dos anos 60 e o comeo dos 70.
Foi uma editora cheia de jovens talentos que ainda
eram quase amadores na poca, e que transitou
por diversos gneros, do Super-heri ao Terror.
A principal bandeira da editora era o foco em histrias adultas e isso significava sexo, drogas,
enfoques diferenciados que fugissem ao lugar comum de qualquer gnero. Isso e mais um pzinho
no estilo mang, at ento indito por aqui fora da
colnia japonesa, fez com que a editora decolasse.
Nico Rosso e R. F. Lucchetti fizeram algumas histrias de terror para Minami Keizi e elas tem um
layout bem moderno, farto uso de distores e a
tal temtica adulta, psicolgica. Mas as histrias
da dupla so claramente diferentes de todo o material que compe as revistas da EDREL.
impossvel no notar que Rosso e Lucchetti eram
os nicos profissionais de verdade ali, em que pesem os talentos no refinados que havia em volta
deles e que s iriam realmente se profissionalizar
nos anos seguintes. A EDREL no duraria muito,
derrotada por divergncias entre os scios e problemas graves com a censura do regime militar,
mas Nico Rosso voltaria a trabalhar para Minami
Keizi algum tempo depois, dessa vez desenhando
alguns de seus melhores trabalhos.
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Histria publicada em Terror Especial, sem nmero, 1971.

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Editora Taka | O cenrio dos quadrinhos nacionais mudou muito com o final da Editora

Para a Taka, Nico Rosso continuou

Outubro. Algum tempo depois da sada de Sidekerskis, que iria abrir as editoras Regiart

desenhando bastante, em mais de um

e Jotaesse, Victor Chiodi tambm a deixou. A direo geral da Taka passou a ser exercida

gnero. Como j mencionamos, Nico

por Manoel Csar Cassoli e Heli Otvio de Moura Lacerda e essa foi a configurao socie-

Rosso passou a desenhar Targo quando

tria at o fechamento da empresa, j no final dos anos 1970. Para o lugar de Cortez como

Zalla deixou o personagem, que j era

diretor artstico foi contratado, a principio, o artista argentino Rodolfo Zalla. Ele estava

escrito por Helena Fonseca. Mas a

no Brasil h bem pouco tempo e colaborava com eles desenhando Colorado, um cowboy

srie ganhou um enfoque diferente

herdado de um outro artista argentino, Jos Delb, que tinha estado no Brasil de passagem e acabara de

por parte da roteirista com a entrada

se mudar para Nova York. Delb viria a ter uma longa carreira nos Estados Unidos, desenhando de tudo,

de Nico Rosso para ilustr-la.

da adaptao para os quadrinhos de Yellow Submarine dos Beatles Mulher-Maravilha.

Passou a haver na srie um certo


erotismo, leve e disfarado, que no
era presente at ento. Talvez isso
tenha se dado pela habilidade de Rosso
em desenhar mulheres bonitas e sensuais, mas o fato que comearam
a aparecer mais e mais personagens femininas nas histrias. Fossem elas
caadoras brancas ou ranhas de civilizaes perdidas no corao da selva,
todas invariavelmente se interessavam pelo heri, muitas vezes de forma
explcita, causando cenas de cime da companheira deste, a bela Arim.

Targo visto por


Fernando de Lisboa,
Rodolfo Zalla e
Nico Rosso.

Zalla desenhou vrias histrias de guerra e faroeste e tambm assumiu a


srie de Targo, que deixou de ser uma cpia sem vergonha do Tor, de Joe
Kubert, cometida por um certo Fernando de Lisboa (claramente um
pseudnimo) e passou a ser um Tarzan genrico que algum tempo
depois viria a ser desenhado por Nico Rosso.
Outros artistas apareceram na cena dos quadrinhos brasileiros a
partir de 1964, at para ocupar o espao deixado por toda aquela
turma da foto tirada no teto da Gazeta, que tinha em sua grande
maioria se mudado para o mundo da publicidade, onde muitos viriam
a ter prestigiosas carreiras. Mas claro, alguns como Nico Rosso,
Gedeone, Srgio Lima e Ignacio Justo continuaram insistindo com os
quadrinhos. A eles se juntaram Rodolfo Zalla, j citado, Eugnio Colonesse, grande artista talo-argentino, Rubens Cordeiro, Dagoberto
Lemos, Salatiel de Holanda, Osvaldo Talo e outros mais.

114 | MeMo1

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Drcula continuou sendo o personagem mais


vendido da casa e apareceu em mais de um ttulo da editora, alm de almanaques e reprises de
histrias mais antigas. Nico Rosso entregava cerca de 30 pginas mensais apenas deste personagem, mais capas.
Sabendo que o tema era
um campeo de vendas
nas bancas, Jos Sidekerskis, que havia aberto a edi
tora Regiart (que depois
mudou de nome para Jotaesse) lanou a revista O Vampiro. Nela, em 1967,
surgiu Mirza, a mulher-vampiro, criada por

Um detalhe nessa histria toda que vale a pena lembrar, que, embora mulheres-vampiro j tivessem

Eugnio Colonesse e Luis Meri, que vendeu mui-

aparecido muito antes nos quadrinhos, tanto Mirza quanto Naiara estrearam nos quadrinhos bem antes

to bem e logo ganhou revista prpria. Por causa

de Vampirella, que s apareceu em 1969. E embora Mirza fosse mais tradicional em seus trajes, Naiara

desse sucesso, Heli Otvio de Moura Lacerda

usava uma roupinha sexy, como a que Vampirella s iria usar quase dois anos depois.

encomendou Helena Fonseca e Nico

A dupla ainda iria criar mais uma vampira: Sivanara, a baronesa-vampiro, surgida tambm numa his-

Rosso que criassem eles tambm

tria do Drcula, de quem se torna inimiga mortal. Apesar de seguir o mesmo preceito das histrias

uma vampira. Logo estava nas

de Naiara, as personagens so bem diferentes, Sivanara uma mulher mais real, usa roupas comuns e

bancas o primeiro nmero de Naiara, a filha de Drcula. A bem da verdade preciso

conta com a ajuda de seu marido, o Baro, cujo nome e sobrenome nunca foram revelados na histria.

lembrar que j havia existido uma uma filha de Drcula, desenhada por Scudellari nos

Outra diferena importante que Sivanara quer

tempos da Outubro, mas ela havia durado apenas uma histria e, alm disso, Naiara

destruir Drcula e depois morrer, pois no su-

era muito mais interessante.


Nas tramas, ao contrrio do pai, de quem

vingar. J Naiara no tem qualquer dvida exis-

inimiga, Naiara demonstrava ter horror

tencial, adora sangue e no tem problemas em

a morder pescoos. Ela preferia cortar

matar. Na verdade quem quer acabar com ela

jugulares com uma pequena adaga e

Drcula, que no quer concorrncia.

tomar o sangue recolhido em taas de

A maior parte das histrias que Nico Rosso fa-

ouro, algo que segundo ela, era muito

zia para a Taka tinha roteiro de Helena Fonseca,

mais higinico.

mas ela no era a nica escritora da casa. Nico

Sempre vestida com uma roupinha pr l

Rosso tambm produziu histrias com roteiros

de minscula, a loirinha vampira esban-

de Maria Aparecida Godi e Teresa Sales.

java sensualidade por todos os lados,

Chega a parecer estranho hoje em dia, mas na

vivendo aventuras macabras enquanto

poca o Brasil tinha timas mulheres roteiris-

viajava ao redor do mundo.

116 | MeMo1

porta viver como uma vampira, quer apenas se

tas, de terror e outros gneros, como se v.

MeMo1 | 117

Alm delas, trabalhavam para a Taka tambm Francisco de Assis Pereira da Silva, Antonio Martin e R.F. Lucchetti. Com Assis, Nico Rosso
fez algumas histrias avulsas de terror, como a quadrinizao de Avatar,
livro de Thephile Gautier que trata de reencarnao. Assis era um timo
roteirista e tambm chegou a escrever Drcula para o desenho de Rosso
em algumas histrias memorveis. Uma delas, para um almanaque com
mais de 100 pginas, contando uma nova verso para a histria do
rei dos vampiros. Com os outros dois argumentistas, Nico Rosso
tambm fez trabalhos importantes e emblemticos.
Terrir! Histrias de terror que vo fazer voc morrer
de rir! como foi anunciada, foi um sucesso.
Pela revista, cujo nome inteiro era Selees de Terrir, desfilavam Lucivalda, uma bruxa
moderna que voa de aspirador de p, ao invs da
vassoura e o pai de santo Nicolau Praxedes. Outro
personagem frequente na publicao era o Lobisboy.
As aventuras, escritas por Antonio Martin, sobre quem
muito pouco se sabe, so exatamente o que o anncio diz:
histrias satricas com pitadas de terror. Para estas histrias,
Nico Rosso criou um estilo que misturava figuras levemente
caricatas luz e sombra tpicas das histrias de terror.
A revista durou 12 nmeros, o primeiro saiu em 1966. Mas,
como tudo mais da editora, muito difcil precisar o ms.

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J A Cripta era uma revista bem frente de seu tempo. A comear pelo formato grande, 22 por 30
centmetros. Ela foi concebida por R.F. Lucchetti e Nico Rosso como um veculo para histrias mais
adultas, onde o erotismo era muito presente em todas as histrias.
Rubens Francisco Lucchetti j era um colaborador da Outubro e sempre admirara o
trabalho de Nico Rosso, sem nunca ter uma histria sua desenhada por ele. Lucchetti
provavelmente um dos escritores mais prolficos do Brasil, tendo escrito para diversas mdias como cinema, televiso, quadrinhos e livros. Muitas vezes, trabalhou

Esse personagem surgiu quando em outubro de 1967 um jovem desenhista chamado Emilmar DalAlba

sob pseudnimos, como Terence Grey, Vincent Lugosi, Mary Shelby e muitos outros,

Di Tullio bateu porta de Nico Rosso para lhe mostrar um personagem que criara, um super-heri cha-

tendo escrito mais de mil e quinhentos livros.

mado Shatan. Rosso gostou do que viu e logo envolveu Lucchetti, que escreveu um roteiro baseado nas

Na revista h um personagem recorrente, o vampiro Nosferatu (um nome usado por

ideias de Emilmar e, de comum acordo, mudou o nome do personagem para Satanik.

W.F. Murnau no cinema mudo para contar a histria de Drcula). Mas beber sangue no o que o

Este ento desenhou a histria e Nico Rosso a finalizou com todo cuidado possvel para no interferir no

move e nem sempre ele o protagonista das histrias. Ele est sempre mais interessado em seduzir

estilo bastante pessoal do jovem desenhista. Segundo a trama, Satanik era um agente secreto america-

suas vtimas, mulheres lindssimas desenhadas por Rosso, do que em beber seu sangue. A revista,

no (apesar do nome Felipe) que sobrevive a um

lanada em 1968, infelizmente no foi muito bem de venda: acabou no nmero 4. Os editores atribu-

acidente areo quando sobrevoava a selva amaz-

ram isso ao formato e ao preo mais alto. Tentaram relan-la em 1970 no tamanho comum a todas as

nica. Ele salvo por um cientista que trata dele e

revistas da casa, mas a manobra no surtiu o efeito esperado. Mas a parceria de Lucchetti com Rosso,

lhe d um uniforme super-resistente e uma ms-

como j vimos, ainda deu bons frutos em outras editoras e mesmo na Taka, de forma inusitada at,

cara. A partir da ele passa a combater o Baro Von

como no caso de Satanik.

Drago e Selena, seus inimigos mortais.


Como os super-heris estavam bombando na poca, os trs acharam que ia ser muito fcil publicar
o personagem, mas no foi bem assim. Na Taka
no gostaram muito dele e preferiram apostar em
Mylar, no Escorpio, em Fantastic e at no Bola
de Fogo, uma cpia vergonhosa do Tocha Humana.
Para espanto de Lucchetti e Rosso e desgosto de
Emilmar o trabalho foi engavetado por trs anos
e s saiu em 1970 num Almanaque de Aventuras,
porque a editora, j em concordata, precisava
publicar alguma coisa rapidamente. Lucchetti e
Rosso seguiram adiante, mas Emilmar, desgostoso, nunca mais voltou aos quadrinhos.

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Os anos 70 comearam com a Taka ainda vendendo alguns ttulos muito bem, caso de Drcula, mas
recorrendo cada vez mais a reprises. As vendas foram caindo paulatinamente e a apresentao grfica
das revistas comeou a destoar de todas as outras que apareciam nas bancas. As revistas da Taka estavam entre as mais pobres e feias, apesar de no serem as mais baratas. Em setembro de 1976, com o
lanamento de Kripta (com K), da Rio Grfica, que publicava histrias da Warren Comics, o terror voltou a ser um grande negcio editorial e quase todas as
editoras lanaram revistas do gnero, em formatos dos
mais diversos, em preto e branco e em cores, tamanho
grande ou formatinho. A Taka atravs do selo EDITAL
tentou o sucesso lanando lbuns luxuosos, com trabalhos de Nico Rosso. Dois com histrias clssicas de Drcula, um outro em formato gigante com histrias que
tinham sado em A Cripta e mais dois em formato de
livro tambm com histrias da Cripta remontadas para
o formatinho. Eles desapareceram em meio enxurrada
de ttulos das bancas. Eram lbuns que certamente venderiam bem em livrarias e lojas especializadas, coisa
que no existia ainda.
A editora ainda durou mais dois anos at fechar de vez
em 1978. Em junho de 1976, pouco antes da Kripta, os
donos da Taka tentaram lanar uma outra editora, a Spell Produes, que
lanou uma nica edio: Drcula.
No expediente da revista, no constavam os nomes nem de Manoel
Csar Cassoli, nem de Heli Otvio de Moura Lacerda, mas sim os nomes Aracy
Costa Cassoli, esposa de Manoel e Otvio Galvo de Moura Lacerda, filho de Heli.
Seria uma manobra fiscal? Jamais saberemos. O fato que esta nica edio uma
das revistas mais bonitas dos quadrinhos brasileiros.

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Nela, vamos encontrar uma outra verso para a


origem de Drcula, bem diferente de todas as que
j haviam sido apresentadas, escrita por Maria
Aparecida Godi, mostrando um Drcula mais
jovem do que o costume. H tambm uma histria narrada por Drcula, da qual ele no participa, aparecendo apenas em comentrios ao longo
do texto e vinhetas de incio e encerramento, na
melhor tradio da E.C. Comics e Warren. Ambas
so ilustradas em lindas aguadas por Nico Rosso
e seu mais longevo assistente, Kazuhiko Yoshikawa. Mas a melhor coisa da revista uma histria
apresentada no caderno central, colorido, com
arte totalmente pintada em guache. Algo que jamais tinha sido feito no Brasil e que a Heavy Metal
americana s faria mais de um ano depois. A Virgem de Orleans narra a histria de Joana DArc
e mostra como Drcula atuou para que ela no
tivesse mesmo um final feliz. Pela data da publicao, esta deve ter sido uma das ltimas histrias desenhadas por Nico Rosso, que se mostra no
auge da forma.

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Luiz, quando e em que circunstncias Nico Rosso veio para o Brasil?


Nico Rosso desembarcou no Brasil em 3 de outubro de 1947. No
encontrei registro de uma possvel passagem no Albergue dos Imigrantes devido ao seu contrato de trabalho com a Brasilgrfica,
acredito que amigos j o aguardavam. Sua famlia, esposa e um casal de filhos, somente desembarcam 6 meses depois, em 9 de abril
de 1948 no mesmo porto. O nome de solteira de minha avera Tina
Billi e eles se casaram em 20 de setembro de 1937. Na foto, anterior
a sua vinda ao Brasil, o garoto de pmeu pai, Gianluigi Rosso e
nasceu em 21 de outubro de 1938, no colo de minha avestminha
tia, Valeria Rosso que nasceu em 05 de maro de1944. Quando desembarcaram no Brasil em 1948, tinham 10 e 4 anos respectivamente. Minha av era do lar e no tinha uma formao especfica.
O que vocsabe sobre o trabalho dele na Itlia?
Atravs de conhecidos, amigos e da internet, consegui obter seus
trabalhos publicados na Itlia. So trabalhos publicitrios e ilustraes. Profissional reconhecido pelo seu trabalho em sua terra natal,
premiado pelas ilustraes do livro Pinocchio em 1945. Ainda
hoje estou pesquisando qual entidade outorgou esse prmio a ele.
Aluno da Accademia Albertina delle Belle Arti di Turim, estudou
retrato com os mestres Giacomo Grosso e Giovanni Reduzzi e lecionou Ilustrao e Histria do Traje na Escola de Artes Grficas
Bernard Semeriz.
Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, Nico Rosso tinha cerca
de 30 anos. Que implicaes a guerra teve sobre a vida dele? Ele
chegou a combater?
As implicaes da guerra foram decisivas em sua escolha. Teve
seus bens dilapidados e, recm casado, passou por momentos de
muita instablidade mudando-se constantemente, Nico era natural
de Turim, onde se casou, mas meu pai nasceu em Genova e minha
tia em Chieri , e ao fim da vrios anos de guerra, escolheu o Brasil
como seu novo lar. Na poca, havia outra alternativa de trabalho em
Quebec, no Canad, que no foi aceita pelo casal por insistncia de
minha av. Nas conversas de famlia nunca nos foi dito o porqu,
mas ele no serviu na guerra.
Como se deu a contratao pela Brasilgrfica? Que tipo de trabalho
ele fazia na grfica? Alis, houve um incndio nessa l que destruiu
muita coisa do seu av, no?
Como eu disse, soube atravs de conhecidos, que ele j saiu da Itlia
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126 | MeMo1

com este contrato de trabalho. Pelo que sei a Brasilgrfica fazia, e faz

de trajes e costumes) e por que no, mestre das sensualidade, lem-

pois ainda existe, embalagens. Sim, o primeiro acidente em sua

brando das figuras femininas sempre bem desenhadas. E o que dizer

vida (sem contar o horror que foi a Segunda Guerra) foi um incndio

do contraste das figuras (mulheres) mais lindas com as figuras mais

em seu estdio que ficava ao lado da grfica.

grotescas no terror? Seria ele ento, o mestre dos extremos!? O fato

Logo aps sua chegada vemos Nico Rosso trabalhando bastante para

dele comear no terror tardiamente tem sua origem pelo Macartis-

as Irms Paulinas, ilustrando livretos de oraes e, principalmente ,

mo e consequente escassezdo material de terror estrangeiro que os

colaborando em O Jornalzinho. Voc sabe como se deu esse contato?

editores precisavam editar, associado a uma mudana nos gneros

Sabe quem era G. Basso que assina como argumentista vrias his-

editados. Dado o nvel com que executava suas histrias de terror fica

trias de O Jornalzinho junto com seu av?

claro seu comprometimento e no ter nenhum problema para dese-

Vou responder segundo minhas pesquisas. Encontrei sua colabora-

nh-las. E nunca ouvi - morei alguns anos com ele - nada que contra-

o, no peridico infanto-juvenil O Jornalzinho n 46 datado de

dissesse essa afirmao. Mas quando conversava comigo ou quando

janeiro de 1948. Neste princpio ilustra fbulas de autores consagra-

ouvia suas conversas ficava clara a paixo tambm pelo infantil (olha

dos tais como Irmos Grimm, Charles Perault, Andersen, Jonathan

o mestre dos extremos, novamente). Esta sua pluralidade, de no ser

Swift, etc, dando continuidade ao trabalho que j vinha realizando

um desenhista de um nico gnero o torma especial.

na Itlia. Acredito que o contato tenha sido feito aqui, e fatores como

Ainda sobre isso, h apenas dois gneros de quadrinhos onde no se

ser catlico praticante e falar italiano numa sociedade (naquela

vem muitos trabalhos de Nico Rosso: super-heris e guerra. No que-

poca) em que muitos da rea grfica eram italianos, deve ter influ-

sito super-herois h apenas o Satanik, a no ser que consideremos os

nciado e muito essa aproximao. No tenho nenhuma informao

heris do oeste mascarados que ele fez, como Pistoleiro Fantasma e

sobre G. Basso (que bem poderia at mesmo ser o elo que o ligaria

Vingador. J no de guerra, tem bem pouca coisa, mais capas do que

s Irms Paulinas).

histrias. Ele tinha um problema com o tema que voc saiba?

Nico Rosso era muito produtivo e aparentemente no faltava trabalho

Quando vocquestionou os gneros pensei que perguntaria do

para ele em So Paulo, mesmo assim ele arrumou tempo para traba-

gnero humor. Outro dia fui questionado sobre isso e o respondi

lhar para a Ebal no Rio. Como foi esse contato, voc sabe?

com os ttulos; Terrir, MitoloRia, Era Xixo um Astronauta?,

No. No me lembro de v-lo prospectando clientes. Sempre o pro-

As Boas do Bocagee Chico de Ogum, com variaes dentro do

curavam pelo seu talento.

prprio gnero (figuras clssicas e/ou caricatas). Sobre Chico de

Apesar de ser muito mais lembrado pelas histrias de terror, elas

Ogum, porqu no enquadr-lo como um super-heroi? Possui um

aconteceram numa fase mais tardia de sua carreira. Durante os pri-

poder e o utiliza para fazer o bem. Sim, um super-heroi brasileiro, no

meiros dez ou doze anos, o que vemos como especialidade de Nico

nos moldes dos que conhecemos tipo Marvel ou DC. O Nico atuou em

Rosso so as histrias de cunho histrico e d pra perceber o extremo

todos os gneros, alguns mais outros menos. No gnero guerra se o

carinho com que ele finaliza os contos de fadas da La Selva. Alis,

fez pouco no foi pelo motivo de ter vivenciado uma, acredito que foi

ele comea na Continental/Outubro desenhando Faroeste, o Anjinho

mais por causa da demanda.

da Guarda e Contos de Fadas. Demora algum tempo at o primeiro

Consta que Nico Rosso era uma pessoa amvel e bastante socivel.

Drcula. Ele gostava de histrias de terror? Ou fazia porque era o que

Voc se lembra de alguma meno dele a colegas da profisso ou

mais vendia e era o trabalho que tinha para fazer?

editores como Jayme Cortez, Miguel Penteado, Jos Sidekerskis,

O ttulo de mestre do terror, seu trabalho mais volumoso nos qua-

Manoel Cesar Cassoli, Shimamoto, Colin e outros?

drinhos, a qual fez jus, para os amantes deste gnero faz todo senti-

Lembro-me do meu av em seu estudio, muitas horas por dia, pro-

do. Mas muitos com quem converso e me relaciono o veem como o

duzindo e em suas poucas horas de lazer aproveitava para fazer

mestre dos infantis, dos histricos (pelo seu alto conhecimento

seus projetos pessoais (o famoso cio criativo). Alguns inditos


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ainda esto em minhas mos. Talvez essa falta de tempo no o

deixou muito mal. Tornando-se mais tarde uma das causas de seu

tenha deixado comentar trabalhos ou atitudes de outrem. E quando

AVC. Para entendermos o porqu temos que pensar que naquela

o fazia, era sempre de forma positiva.

poca seu arquivo era inestimvel. Hoje com a internet e abundn-

Seu av trabalhou com vrias mulheres argumentistas, algo muito

cia de informao fica muito mais fcil fazer uma pesquisa.

raro nos quadrinhos. O que voc sabe sobre Helena Fonseca e Maria

Vocse tornou um excelente ilustrador. Seu av chegou a ensinar

Aparecida Godoy? E com R. F. Lucchetti e Gedeone, outros grandes

tcnicas de pintura e desenho a voc?

parceiros, como ele se relacionava?

Agradeo seu elogio. Minha trajetria foi um pouco diferente. In-

Gostaria muito de conhec-las pois tiveram grande relevncia para

felizmente o nico ensinamento que meu av me passou foi o pri-

os quadrinhos. H pouco tempo soube que Helena Fonceca ainda

vilgio de ter podido v-lo criar aquelas obras incrveis. Somente

estava na ativa e gostaria muito de question-la, saber dela como

aps sua morte que decidi enveredar pelo caminho do desenho e

era o trabalho conjunto argumentista/desenhista com o Nico. J o

costumo relatar que para no haver comparaes, pois na poca o

R.F. Lucchetti tive o prazer de conhecer e ouvi dele vrias histrias

sobrenome me pesava, decidi por algo diferente e fui trabalhar com

sobre como conheceu meu av e como eram esses trabalhos conjun-

desenho animado, pintando cenrios.

tos, que muitas vezes desenvolveram-sede uma forma diferente do

Existem algumas histrias assinadas por Luiz Rosso. Era seu pai,

habitual tornando-se, a meu ver, uma das parcerias mais bem suce-

no? Porque ele no seguiu desenhando? Tinha um trabalho clara-

didas poca. Sobre o Gedeone, infelizmente, no tive este prazer.

mente influenciado pelo seu av, mas era bastante bom, bem me-

Numa certa altura, Nico Rosso passou a ter assistentes. J Feverei-

lhor do que muitos contemporneos.

ro e Kazuhiko Yoshikawa foram os principais, voc pode comentar

Bem observado. Existe uma foto, editada na revista Fantasia n 10,

algo sobre isso?

em que aparece um conclave dos colaboradores da Editora Conti-

Trata-se da equipe Nico Rosso, e uso esse termo pois em vrias

nental (depois Editora Outubro), Nela est meu pai, Gianluigi Ros-

histrias a palavra equipe aparece nos crdito. Se fez necessria

so (ao lado do Nico Rosso), que assina as histrias em questo, no

pelo grande volume de trabalho. Foram seus alunos. Lecionou, como

com um pseudnimo, mas com uma traduo literal de seu nome

j disse anteriormente na Itlia, e no Brasil na Escola Panameri-

(Gianluigi em italiano seria Joo Luiz). Em minhas pesquisas, at

cana de Arte, desde seus primrdios at sofrer seu primeiro AVC

hoje, encontrei as histrias: O Preo de um Assassinato, Legio-

em 1977. Seu lado professor/mestre de certo incentivou aqueles

nrios da Morte, A sombra do Mal, Visitando a Morte assina-

jovens a segu-lo. Voc mencinou dois. O J Fevereiro, cujo pai j

das como Luiz Rosso e Feitio contra o Feiticeiro, O Monstro do

trabalhava na rea como letreirista de quadrinhos, e que conheci

Soto assinadas como Joo Rosso. Trata se da mesma pessoa. Os

mais recentemente. Kazuhiko Yoshikawa foi o mais longevo e pr-

motivos que o levaram a assinar assim so desconhecidos, mas po-

ximo colaborador do Nico. Lembro-me dele , frente frente em me-

demos conjecturar que as tarjas verde-amarelas das capas trazendo

sas separadas, trabalhando no estdio do meu av (que era em sua

os dizeres escritas e desenhadas totalmente no Brasil tenham in-

residncia na Rua Morgado de Mateus, Vila Mariana), e as pginas

fluenciado nesta deciso. No sei bem o por qu da desistncia des-

sendo passadas de um lado a outro sempre num rtmo frentico. Ele

ta carreira visto que, como voc mesmo observou, ele apresentava

o acompanhou at a mudana para sua residncia prpria (a Rua

a veia artstica da famlia, mas preferiu a qumica trabalhando

Antnio Gomide, Planalto Paulista). Nesta nova casa, num dia de

em empresas como W. Swift, Wilson, um laboratrio farmacutico,

muita chuva que o seu estudio sofreu o outro acidente (o primeiro

acho que o Lilly, Kibon, Indstrias Jesus e Maguary. irnico mas

foi o incndio), um misto de soterramento/enchenteque causou a

no meu caso foi no sentido inverso ao dele. Comecei como qumico

perda de grande parte de seus trabalhos e arquivos pessoais. Isso o

e tornei-me desenhista.
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TRPICO | At a dcada de 1990,


quando a internet comeou a se
popularizar, as pesquisas escolares
eram, em geral, feitas em diversas
enciclopdias que faziam parte do
arsenal educativo presente em quase
todas as escolas e em muitas casas.
Havia um grande mercado para esse
tipo de publicao e muitas editoras
as publicaram em vrios formatos.
Uma das mais famosas, junto com a
famigerada Barsa e a Conhecer da
Abril, foi a Enciclopdia Trpico
e foi para uma nova srie desta,
dedicada Histria do Brasil, que
Nico Rosso foi convidado a colaborar,
brindando os leitores com belas
ilustraes em que desfila
mais uma vez todo o seu imenso
conhecimento de histria.

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EDITORA ABRIL | Com o final da Coleo Saraiva


em 1972, Nico Rosso perdeu um de seus trabalhos
mais constantes. Esse vcuo foi preenchido por
duas colees lanadas pela editora Abril em 1972.
A editora dos Civita havia fechado um contrato com
a Mondadori italiana para publicar uma srie de livros
dos Hardy Boys, personagens americanos, criados pelo
editor Edward Stratemeyer em 1927 e escritos por diversos escritores
sob o mesmo pseudnimo: Franklin W. Dixon. Os personagens haviam
sido licenciados para a Itlia e adaptados para o pblico italiano, deixando-os menos americanos do que eram, e foi esse o formato que a
Editora Abril resolveu publicar. As capas no Brasil eram as mesmas
da Mondadori, mas a edio italiana no tinha ilustraes. Como
estavam de olho no pblico juvenil, os editores resolveram encomendar as ilustraes do miolo para Nico Rosso. E ele as fez com sua
habitual maestria e elegncia, cerca de seis por edio, durante
dezessete volumes mensais.

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Ainda nesse ano, a Abril lanou a coleo Clssicos da Literatura Juvenil


com histrias dos grandes mestres da literatura adaptadas para o pblico juvenil e ilustradas por diversos artistas. So ao todo cinquenta volumes e destes Nico Rosso ilustrou onze, ao longo de dois anos. As capas
so todas pintadas em guache, mas nas ilustraes do miolo ele se permitiu brincar com materiais e tcnicas diferentes em cada edio, do
nankin ao crayon, como havia feito na Coleo Grandes Figuras da EBAL.

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Em de fevereiro de 1974, a Abril


lanou uma revista em quadrinhos
toda feita no Brasil, cuja proposta era
proporcionar aos artistas brasileiros um espao
para mostrar seus melhores trabalhos.
Era a revista Crs, que durou apenas seis nmeros, sendo os
dois primeiros em formato grande e os demais em formatinho.
Para o nmero um, o roteirista Ivan Saidenberg escreveu o primeiro
roteiro para uma srie semi-humorstica chamada Vavavum, que
girava em torno do mundo do automobilismo.
Os desenhos foram feitos por Nico Rosso e Carlos Edgard Herrero,
um timo desenhista do estdio da Abril, dono de um estilo de
forte personalidade grfica. O resultado foi um trabalho hbrido,
nem de Rosso, nem de Herrero, que no deve ter satisfeito
nenhum dos dois, pois no segundo nmero,
Rosso j no fazia mais parte da equipe.

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M&C | Em 1972, depois de deixar a EDREL, Minami Keizi fundou com Carlos da Cunha, a Minami
& Cunha Editores (M&C Editores). Logo colocou nas bancas ttulos dos mais diversos, que iam de
revistas de piadas at Modesty Blaise, heris da Marvel como Conan, Kull, Dr. Estranho (traduzido
como Dr. Mistrio), alm de vrias com personagens produzidos no Brasil por diversos desenhistas.
Duas das revistas em que ele resolveu apostar eram Lobisomem e Mmia, grandes sucessos num
passado recente editados pela GEP. A editora de Penteado nesta altura no funcionava mais, pois Miguel Penteado, no aguentando mais ter problemas com a censura, tinha resolvido parar de editar e
apenas imprimir para terceiros (inclusive para a M&C). Gedeone Malagola escreveu novas histrias
para ambas as sries. Mas Srgio Lima, o desenhista original das duas, no se interessou por desenh-las. Nesse tempo, ele estava trabalhando no estdio da Editora Abril, que produzia aqui a maior
parte dos quadrinhos Disney que editava. Srgio Lima tinha se especializado em desenhar as bruxas,
Maga Patolgica e Madame Min, ironicamente. Rodolfo Zalla, outro desenhista que tinha trabalhado em

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ambas as sries, nesta altura estava envolvido com o mundo dos livros didticos
e tambm no se interessou, embora algumas histrias que ele tinha desenhado para a GEP (e que no haviam sido publicadas), tenham sido aproveitadas
por Minami em duas edies de Lobisomem em formatinho. Gedeone ento se
lembrou de Nico Rosso, que tinha desenhado a capa da primeira Lobisomem da
GEP e que ele achava o desenhista ideal para a srie. Na poca Rosso ainda desenhava Drcula para a Taka. Mas como a editora j comeava a dar sinais de
debilidade, recorrendo cada vez mais a reprises, ele topou fazer o Lobisomem.
Ofereceram a Mmia tambm, mas achando que seria trabalho demais, mesmo
para ele, Rosso indicou seu amigo Igncio Justo, que se tornou o desenhista da srie. Apesar de serem
os mesmos personagens j editados pela GEP, as sries eram muito diferentes das originais e a principal diferena era uma presena muito maior de cenas de sexo e mulheres nuas em quase todas as
pginas. As histrias tinham se tornado mais adultas e o terror havia se tornado pano de fundo para a
temtica sexual, certamente uma encomenda de Minami Keizi, que j na EDREL demonstrava claramente uma tendncia nessa direo. Com a habilidade de Nico Rosso para desenhar mulheres bonitas
e sensuais, as histrias de Lobisomem se tornaram algumas das melhores j publicadas no pas.
A revista foi publicada num tamanho maior do que o usual e ele fugiu do layout de pgina tradicional,
buscando algo mais prximo daquele adotado por lbuns europeus. Talvez eles visualizassem uma
possibilidade de venda para o exterior, quem sabe?

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De toda forma, apesar de muito bonitas,


e bem escritas, eram muito mal editadas
e no era incomum ver histrias fora de
ordem, espalhadas por diversas revistas
da editora, algumas vezes at fora de qualquer contexto. S para dar um exemplo,
Minami havia criado uma revista chamada HQ-Competio que se propunha
a publicar material de iniciantes com
comentrios de grandes veteranos dos
quadrinhos. Porm o nmero dois da
mesma traz o Lobisomem de Nico Rosso e Gedeone Malagola.
A histria toma quase toda as pginas e talvez para justificar o
ttulo da revista, colocaram Nico Rosso para analisar a histria
de um iniciante, o que acabou se tornando algo curioso com o
passar do tempo, por vrias razes. Primeiro por ser uma das
nicas vezes em que vemos um texto de Nico Rosso analisando
um trabalho, segundo porque ele redesenhou a primeira pgina do iniciante e terceiro porque este iniciante era o desenhista
Tony Fernandes. Como previsto, Tony iria se tornar um grande
profissional, estando na ativa at hoje.

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A anlise de Nico Rosso tal como foi publicada:


Tony precisa estudar mais, principalmente anatomia.
Os rostos femininos nesta histria, careciam de charme,
indispensvel principalmente para uma personagem
central. A comunicao nestas histrias, d mais pano
pra manga: se eliminarmos o texto e entregarmos esta
histria para algum que no a conhea, acreditamos
que no conseguir entender coisa alguma. Isto devido
excessiva fragmentao de quadrinhos separados e, a
histria estar reduzida, quase que completamente, em
quadrinhos de closes. No mostra quase nada do ponto de
vista de imagem: resta-nos dela apenas o texto, sem contar o grande nmero de quadros DECORATIVOS que do
a impresso de estarem ali colocados por no se saber
o que desenhar em seus lugares. Ao refazer a primeira
pgina, procurei respeitar ao mximo a ideia e o estilo
do autor, modificando s o estritamente necessrio, para
que a histria corra mais dinmica, compreensvel e comunicativa. O Tony tem boas possibilidades, se ele no
se cansar e estudar, aprimorando seu desenho, principalmente economizando closes e procurar CONTAR a
histria VISUALMENTE MAIS COMPREENSIVA.

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Mas no foi apenas em Lobisomem que Nico Rosso trabalhou para a M&C. Seu trao tambm brindou duas sries que fazem a editora ser lembrada
at hoje: MitoloRia e Chico de Ogum. A primeira
era escrita pelo prprio Minami e mostrava aventuras altamente erticas e humorsticas de personagens da mitologia grega, particularmente Zeus.
As histrias foram desenhadas num estilo limpo e
humorstico por Nico Rosso e Kazuhiko Yoshikawa
e publicadas em preto e branco a principio na revista UAU!, que misturava fotos de mulheres nuas,
quadrinhos e contos erticos.
Sairam tambm numa revista prpria com o nome
MitoloRia. Foram posterior mente
reunidas, coloridas e publicadas em
forma de lbum, que apareceu lacrado nas bancas.
Chico de Ogum era escrito pelo excelente Carlos da Cunha. Como
Nicolau Praxedes, personagem desenhado anos antes na Terrir,
era um pai-de-santo. Mas enquanto Praxedes era um personagem
coadjuvante, Chico de Ogum era o dono da revista, o personagem
principal de todas as histrias e sempre que precisava recorria a
seu padrinho Ogum, conseguindo os poderes que precisava para
resolver qualquer parada, um verdadeiro super-heri da Umbanda.
Os desenhos aqui tambm eram de Nico Rosso e Kazuhiko, mas
em Chico de Ogum eles utilizam um desenho mais despojado, se
preocupando mais com a conduo das histrias.
Infelizmente a barra foi ficando mais e mais pesada para a M&C e
seus constantes problemas com a censura acabaram fazendo com
que vrias de suas revistas acabassem sendo proibidas
de circular. Este foi o caso de Lobisomem e Mmia.
Chico de Ogum foi uma das poucas que teve permisso
para continuar a ser editada a partir de 1974. Ser que foi
porque os censores tiveram medo de mexer com um filho
de Ogum? Pode ser, mas isso no foi o suficiente para
assegurar a sobrevivncia da editora e logo ela no estava
mais publicando coisa alguma, sendo obrigada a
fechar suas portas, melancolicamente.

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FUTUROPOLIS | Enquanto a M&C dava seus ltimos suspiros,


Nico Rosso foi assunto de um artigo escrito pelo crtico de cinema
Luciano Ramos, na revista Les Hordes de Phobos, publicada
pela Futuropolis francesa em 1975. Alm da matria, tambm
foi publicada uma bela histria, uma adaptaco livre de MacBeth
de William Shakespeare escrita pelo prprio Rosso.
Infelizmente, nunca foi publicada no Brasil.

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Chico Ansio era desde o incio dos anos 60 um dos comediantes mais populares de TV e em
1975 estava fazendo enorme sucesso na Globo, com o programa Chico City, onde ele apresentava quadros com diversos personagens que ele mesmo representava e com um quadro
semanal no Fantstico, onde ele contava causos engraados no
melhor estilo stand-up comedy. Um dos principais parceiros
de Chico nos dois programas era Arnaud Rodrigues, talentoso
compositor e escritor, que resolveu escrever uma histria com
um personagem que ele criara para Chico e que no estava em
nenhum dos dois programas, o retirante Xixo. Pensou primei-

J Manuel Maria de Barbosa lHedois du Bocage foi um grande poeta portugus que viveu
entre 1765 e 1805. Talvez por ter sido preso pela inquisio por ser desordenado nos costumes, seu nome venha h tanto tempo sendo associado com anedotas de forte contedo
ertico que ele no escreveu. Desde muito tempo portanto, se tornou um personagem sem
qualquer relao com a figura real. H muito tempo tambm que se editam livretos com piadas do Bocage e foi para um destes que a Luzeiro Editora encomendou os trabalhos de R. F.
Lucchetti, que assinou com o pseudnimo R. Bava e Nico Rosso, que pediu ao editor para
permanecer annimo, por achar o contedo do livreto forte demais, mas no foi atendido.
, junto com o lbum de Xixo, um de seus ltimos trabalhos publicados, tendo sado em 1977.

ro em fazer um livro, mas mudou de ideia e achou que aquilo ficaria bem melhor numa histria em quadrinhos. O ttulo
fazia referncia a um livro de muito sucesso na poca, Eram
os Deuses Astronautas? de Erich Von Daniken e por conhecer
e gostar de Chico de Ogum achou que Nico Rosso era o desenhista perfeito para a histria. Ele tinha razo e a histria em
forma de lbum colorido com 54 pginas um dos melhores momentos dessa fase de Nico Rosso. O lbum foi publicado por uma certa Editora Harpan de um certo Henrique
Christfani. No se sabe mais nada sobre este editor e o
lbum que saiu em 1976 no deve ter feito muito sucesso,
pois no houve um segundo.
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Nico Rosso era um profissional respeitadssimo por seus pares e


tratado com certa reverncia pela maioria dos desenhistas da Editora Outubro, porque era inclusive mais velho do que Jayme Cortez
e Miguel Penteado, os editores. Consta que ele era amabilssimo e
muito socivel. Mas como era ele dentro de casa, despido do manto
de grande desenhista? Que lembranas voc tem dele como seu
nonno? Qual era o prato favorito dele? Tinha um programa de TV
favorito? Gostava de cinema? Que tipo de msica ele ouvia? Do que
ele no gostava?
Como av era uma pessoa marcante! Minhas principais lembranas
so dele trabalhando. Quase sempre do outro lado da mesa, uma
prancha de madeira que usava como suporte dois cubos, tambm de
madeira. Me lembro de algumas vezes em que eu estava tambm desenhando, dele ter me dado umas broncas: olha a mesa mexendo!.
Mas curiosamente nunca me impediu de compartilhar esse espao, certamente sagrado para ele. Ele tinha respeito! Quando eu pedia para ele desenhar algo, sempre buscava uma referncia na sua
biblioteca. Ia certeiro ao livro que tinha a referncia mentalmente
escolhida e se propunha a me ajudar a realizar o desenho. Era um
professor por natureza. Quando minha nonna chamava para o almoo era um momento interessante, ela gritava: a tavola!. O momento aps o almoo era sagrado, ele descansava alguns minutos, s
vezes cochilava, ou ficava lendo, sempre em sua poltrona, daquele
tipo que tem apoio para os ps e que so excelentes para esse tipo de
descanso rpido. Uma memria presente dele trabalhar escutando
programas de rdio. Para mim o mais marcante era ele escutando as
narrativas policiais do Gil Gomes. No me lembro do que ele no
gostava, mas parece que ele no gostava de dirigir. Suas idas e vindas s editoras eram sempre de txi. Na verdade no sei do que ele
no gostava, assim como no conheo quem no gostava dele, como
profissional, como parente, mas principalmente como ser humano.
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Ele torcia por algum time na Itlia? E no Brasil, era Palestrino?

nenhuma oportunidade de ressaltar as virtudes, e minimizar os de-

No tenho referncias dele quanto ao gosto por futebol. Acho que na

feitos, como disse, era um mestre, sempre respeitoso com todos.

poca eu tambm no tinha essa referncia. Na verdade eu me tor-

Veja, um detalhe to pequeno e to marcante para mim!

nei palmeirense por admirao academia. Ouvir o time de 76 ser

Voc tinha ideia quando era garoto de que ele era um ilustrador fa-

campeo e a admirao com que o narrador falava do Ademir da Guia,

moso? Lia os quadrinhos dele? Mostrava para os colegas na escola,

ou melhor do Divino, foi determinante. Tambm no tenho refe-

coisas assim?

rncia de qualquer predileo dele por alguma agremiao na It-

Quando era garoto no tinha a noo do tamanho e do valor da obra

lia. Acho que o foco principal dele sempre foi o desenho, a literatura.

do Nico. Os quadrinhos eu lia, na verdade eu via, pois acompanha-

Consta que ele, com 14 anos, frequentava a biblioteca para ler filoso-

va mais a produo das histrias sem dar maior valor narrativa,

fia. Fico me perguntando o quanto ele leu e o quanto aprendeu. Certa-

histria ou aos personagens. Apenas anos mais tarde, quando iniciei

mente muito disso demonstrado em sua obra.

minha coleo de HQ, que comecei a dar mais ateno a esses as-

Seu av falava portugus ou italiano em casa, com a famiglia?

pectos. Mas confesso que o hbito de observar mais o desenho aca-

O nonno era poliglota, falava, naturalmente o italiano, o portugus,

bou ficando. Um lance que acontecia comigo, e de certa forma, era

se no me engano o ingls, o francs, inclusive morou na Frana du-

originado pelo parentesco que a minha professora de qumica, na

rante um tempo. Em casa falava o portugus frequentemente, mas

escola, me escalava para desenhar as ilustraes dos livros na lousa,

tambm falava em italiano com a nonna. O mais marcante era a for-

para explicar a matria a turma. Era uma sensao muito boa!

ma dele falar, sempre forte, determinada e rpida!

Seu pai tambm era um excelente desenhista, bastante influenciado

Ele nunca mais voltou Itlia?

pelo Nico, mas muito melhor que vrios de seus contemporneos.

Me lembro que ele fez viagens pelo Brasil, para o nordeste, onde mo-

O Luiz no conseguiu me explicar porque ele trocou esse talento

rvamos com o meu pai, seu filho Gianluigi. E tambm, se no me

pela qumica industrial. Voc arrisca um palpite? Acha que pode ter

engano, duas viagens para a Europa, retornando, entre outros pases,

sido a busca de uma profisso mais estvel do que a de desenhista?

para a Itlia. Existem alguns apontamentos dessas viagens, desenhos

Ou talvez sentisse o peso da comparao com o Nico? Qual sua opi-

que ele fazia, dos locais que visitava, situaes cotidianas como uma

nio sobre isso?

senhora aguardando numa estao de trem, um artista pintando um

Perguntando para minha me, ao que parece o meu pai comeou um

quadro numa praa em Paris, etc.

curso de Geologia na USP e tomou pau em qumica. Como era um

Nico Rosso tinha algum hobby que no fosse desenhar e pintar? Gos-

sujeito que no levava desaforo pra casa, foi cursar Qumica.

tava de animais, jogava boto, algo assim?

At por ser italiano e por haver nascido numa poca onde a religio

Acho que seu hobby principal era a leitura. Lembro de jogar xadrez

era muito importante, seu av era um bom catlico, segundo seu ir-

com ele. Certa vez, jogando com ele, fiz uma jogada e meu irmo

mo. Ele trabalhou muito para as irms Paulinas, desenhando livre-

mais velho comenta que foi uma pssima jogada ou algo assim, que

tos de orao, catecismos e muita coisa para O Jornalzinho. Ao longo

joguei errado, a, na sabedoria que ele tinha, mostrou para mim e

dos anos, uma faceta altamente ertica e sensual apareceu no traba-

para o meu irmo que a minha jogada no tinha sido ruim pois mais

-lho dele, mulheres lindssimas e nuas, cenas de sexo, etc. Voc acha

uma ou duas jogadas a frente, se no tivesse feito daquela maneira,

que ele teve algum dilema moral com isso?

teria uma determinada situao final no jogo, enfim, no perdia

Acho que no. Ou talvez, num caso. Existe uma referncia aos dese-

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nhos que ele fez para a editora Luzeiro, para uma revista com anedo-

Como netos do Nico eu e o Luiz realmente tivemos o privilgio de

tas do Bocage, que inclusive foi um de seus ltmos trabalhos. Consta

termos alguns dotes artsticos. O Luiz atua profissionalmente e eu,

que ele pediu para que seu nome no aparecesse nos crditos, por

apesar de arriscar alguns traos, no me desenvolvi como dese-

se tratar de desenhos um pouco mais ousados, com cunho um pouco

nhista. Mas no posso negar que tenho muita influncia das artes

mais ertico. Penso que os nus que ele fazia estavam mais para obras

em meu trabalho como web designer e como professor no segmen-

de arte que para uma mera exposio do corpo feminino.

to. E parece que a parte artstica segue pelo cromossomo Y, pois

E sua av, como era a relao dela com o trabalho dele? Ela conhecia,

pelo lado de minha tia Valeria, que teve duas filhas, minhas primas

gostava?Pergunto isso porque na gerao deles era comum que a es-

Andria e Paula, ambas no tem, segundo elas mesmas, a mnima

posano soubesse nada sobre o trabalho do marido, mas ao contrrio

habilidade para o desenho. Minha irm tambm no arrisca nada

de outros maridosque saiam para trabalhar de manh e s voltavam

no que se refere a desenhos.

no final da tarde,Nico Rosso trabalhava boa parte do tempo em casa,

Nico Rosso desenhou muito, trabalhou muito. Ele era extremamente

bem perto dela.

produtivo, seu volume de trabalho beirava o inacreditvel. Sei que

At onde sei ela praticamente acompanhava todo o trabalho dele.

no era praxe das editoras devolverem originais de ilustradores e

Exceto as aulas na Panamericana. Alguns desenhistas conteporne-

sei que muita coisa dele se perdeu no desabamento/inundao de

os, como por exemplo o Rodolfo Zalla, comentam que a nonna era a

seu estdio. Sobraram originais com a famlia, mesmo que danifi-

contadora, enfim era ela que organizava as finanas, deixando a

cados? Ou tudo se perdeu mesmo?

arte apenas para o artista.

Tenho um ou dois quadros originais, o Luiz tem mais algumas coi-

muito comum que artistas tenham admirao por outros artistas.

sas, mas originais de quadrinhos, temos muita pouca coisa, prin-

Voc sabe se Nico Rosso tinha admirao por algum artista?

cipalmente pelo ocorrido no estdio dele. Sabemos que existem

As informaes que tenho que o nonno colecionava desenhos, prin-

originais na praa, principalmente quadros. Dizem que existe em

cipalmente os publicados no Corrieri dei Piccoli onde tinha dese-

alguma garagem perdida, o que seria o esplio da falida editora Tai-

nhistas que ele estudava e se inspirava. Recentemente o Igncio Justo

ka, com os originais de toda a produo dos quadrinhos da poca,

devolveu ao meu irmo uma parte do arquivo do nonno que lhe havia

mas acho que isso lenda.

sido emprestada e que tinha vestgios do incndio na Brasilgrfica.

Tem alguma histria, alguma coisa sobre seu av que voc gostaria

Ele havia perdido contato com nossa famlia ao longo dos anos, mas

de compartilhar?

no primeiro encontro possvel fez a devoluo. Era algo que havia

Neste momento no me ocorre nada que gostaria de comentar. Que-

prometido ao Nico e o fez depois de muito tempo, com muita emoo.

ria apenas agradecer por meu nonno ser um grande exemplo. Exem-

Vocs so filhos do filho de Nico Rosso, que tambm desenhava.

plo de pai, av, marido, desenhista, professor, mas principalmente

Seu irmo ilustrador e voc web-designer. A gentica do Nico em-

de ser humano que veio e desempenhou seu papel com maestria

purravocs para as artes? E o lado de sua tia Valeria? Voc tem pri-

ensinando um pouco a muitos e deixando uma obra que certamente

mos? Algum deles tem algum pendo artstico?

o torna imortal.
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UMA TARDE TRGICA | Dezembro de 1976. Depois de muitos anos morando no bairro paulistano da Vila Mariana, vamos encontrar Nico Rosso
em sua nova residncia, projetada de acordo com suas necessidades num
novo local, o Planalto Paulista. Nos fundo do terreno, seu amplo e confortvel estdio de onde ele pouco saia, mesmo em suas raras horas vagas,
quando aproveitava para tocar projetos pessoais. Chovia muito em So
Paulo naquela tarde, um sbado, mais do que o normal nessa poca do
ano. Por puro acaso, Nico Rosso no estava em seu estdio, mas sim vendo TV com seu neto Luiz, a poucos metros dal, na residncia que ficava
na parte da frente do terreno. De repente, ouviram um estrondo e quando
se deram conta, uma tragdia havia acontecido: o muro dos fundo cedera provocando uma inundao e um soterramento parcial sobre o estdio
destruindo grande parte do acer vo de Nico Rosso. Depois descobriuse que a causa disso havia sido uma obra irregular no terreno que dava
fundos ao estdio, mas era tarde demais para fazer qualquer coisa. Isso
acarretou um enorme grau de stress a Nico Rosso e ele acabou sofrendo
um AVC. Socorrido a tempo, sobreviveu e acabou recuperando em parte
suas capacidades motoras, mas no o bastante para que voltasse a trabalhar como ilustrador e desenhista. Ele passou os cinco anos seguintes se
dedicando apenas pintura, at que no dia 1 de outubro de 1981 sofreu o
terceiro de uma srie de infartes e no resistiu. Postumamente, em 1990,
foi publicado o livro A Gotinha, escrito e desenhado por ele e que explica
o ciclo das guas para crianas.

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Nico Rosso se foi h 31 anos, mas sua obra era


to grande que continua disponvel para todos
aqueles que quiserem conhec-la em bibliotecas
pblicas, sites feitos em sua homenagem, nos
sebos e sites de leilo. Claro, algumas coisas so
mais raras do que outras, mas quem se dispuser
a pesquisar um pouco vai poder colecionar muitas publicaes com seus desenhos. Todas elas
valem muito a pena.

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Nmero 1 - Novembro de 2012

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