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_____________________________
São Paulo
2013
2
Abril de 2013
3
CDD – 780.420
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BANCA EXAMINADORA
São Paulo
2013
5
DEDICATÓRIA
No exato momento em que nos preparávamos para começar a escrever uma dedicatória,
recebemos a notícia do falecimento da pianista Marina Rego Lopes, com quem
estudamos piano durante mais de uma década em Campo Grande, MS.
Todo um filme se passou em nossa memória, e resolvemos dedicar este trabalho a ela e
aos professores que mais marcaram nossa formação musical, e por quem nutrimos um
carinho especial e uma gratidão sincera:
Nas pessoas desses mestres, estendemos nossas homenagens a toda classe de docentes
brasileiros. Classe sofrida, desprezada, muitas vezes agredida – física e simbolicamente
– permanentemente desvalorizada pelas políticas públicas e explorada pelas empresas
de ensino do país.
=
6
AGRADECIMENTOS
Este trabalho não teria sido possível sem a colaboração e o apoio – direto e indireto – de
familiares, amigos, colegas, professores, entrevistados e instituições de ensino e
pesquisa. Agradecemos, sinceramente, a:
=
7
SUMÁRIO – Volume I
RESUMO ............................................................................................................... p. 10
ABSTRACT........................................................................................................... p. 11
ANEXOS – Volume II
=
10
RESUMO
HIGA, Evandro Rodrigues. “Para fazer chorar as pedras”: o gênero musical guarânia
no Brasil – décadas de 1940/50. Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de
Artes da Universidade Estadual Paulista – UNESP (tese de doutorado). São Paulo:
2013.
ABSTRACT
HIGA, Evandro Rodrigues. “Para fazer chorar as pedras”: o gênero musical guarânia
no Brasil – décadas de 1940/50. Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de
Artes da Universidade Estadual Paulista – UNESP (tese de doutorado). São Paulo:
2013.
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES I
Embora esta comunicação de Ikeda tenha sido feita em 2000, de modo algum
esse dilema encontra-se superado, seja no campo da música popular ou da música
erudita. Na abertura do Prêmio e VII Coloquio Internacional de Musicologia de la Casa
de las Americas realizado em Havana em 2012, Alejandro Madrid ainda segue
protestando contra os cânones tradicionais da musicologia centrada em seus próprios
eixos estéticos:
Como musicólogos recibimos un entrenamiento que en muchos casos
sigue privilegiando textos y valor estético. Aprendemos a analizar
estructuras de organización sonora, a decodificar antiguas formas de
escritura y notación, a rastrear pistas en bosquejos musicales y a
encontrar patrones musicales estilísticos en un intento por entender el
supuesto significado unívoco de la música. Este tipo de trabajo lo que
hace es validar criterios estéticos y cánones musicales en lugar de
cuestionar cómo estos son construidos y lo que significan para aquellos
que luchan por mantenerlos o por deshacerse de ellos. Estas
perspectivas privilegian el documento o el texto como recipientes de
valor, ignorando las muchas formas sociales y culturales en que la
música adquiere significado de manera dialógica. Este tipo de
acercamiento no nos permite explorar los motivos por los cuales nos
sentimos tan cercanos a la música y que, en mi opinión, son los que la
hacen relevante como una entrada para entender prácticas culturales.
(MADRID, 2012).
musicológico tem descortinado aspectos da música erudita que vem contribuir de forma
mais efetiva para tirar esse segmento do isolamento em que se enclausurou:
Os musicólogos geralmente examinam o contexto para esclarecer o
objeto de sua especialidade, mas não se interrogam inversamente sobre
aquilo que a música pode fornecer para a compreensão da história da
qual ela faz parte. Não é de se surpreender, portanto, que a musicologia
histórica não tenha evoluído mais sob influência da etnomusicologia.
Com efeito, numerosos etnomusicólogos estudam a música como parte
integrante das manifestações sociais e religiosas da sociedade. [...]
Podemos, no entanto, notar outros progressos desde a publicação do
artigo de François Lesure.1 Alguns trabalhos musicológicos que
abordam o período barroco, a Revolução e o século XIX, foram
consagrados não apenas à música, mas também à vida musical,
testemunhando que o interesse dos musicólogos não está mais restrito
tão somente à criação musical, mas se ampliou também em direção à
recepção. Neste sentido, a obra de Joël-Marie Fauquet, Les sociétés de
musique de chambre à Paris, de la Restauration à 1870 [Paris: Aux
Amateurs de Livres,1986] baseada na sua tese orientada por François
Lesure, pode ser considerada como pioneira na medida que leva em
consideração as dimensões musicológica, histórica, estética e
sociológica do objeto. (CHIMÈNES, 2007, p.22-23).
1
François Lesure é o autor do verbete “Musicologia” da Encyclopédie de la Musique (Paris: Fasquelle,
1961) “Em seu texto, François Lesure acusava abertamente os musicólogos e denunciava precisamente o
trabalho centrado exclusivamente sobre o objeto e desconectado do contexto geral.” (Ibid., p.18).
2
O termo “música sertaneja”, que nas primeiras décadas do século XX se referia a um repertório de
origem nordestina, a partir de meados do século passou a ser utilizado para nomear a produção
fonográfica da música caipira da região centro-sul do Brasil. Não há um consenso total a respeito do
significado do termo entre os pesquisadores e autores consultados, mas a tendência maior é para
considerar “música sertaneja” como fruto da dialética entre a música caipira e a indústria cultural.
15
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES II
3
“Enquanto este novo trem atravessa o litoral central”: Platinidad, poéticas do deslocamento e
(des)construção identitária na canção popular urbana de Campo Grande, MS.
4
A dissertação foi publicada em 2010 pela Editora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul com
o título: Polca paraguaia, guarânia e chamamé: estudos sobre três gêneros musicais em Campo
Grande-MS.
18
5
O compasso 6/8 na linha melódica de guarânias e polcas paraguaias é um dos atributos rítmicos mais
determinantes na música paraguaia, conforme demonstram diversos autores paraguaios.
20
6
“Expresión utilizada por el musicólogo Juan Max Boettner para definir la cualidad específica de la
música paraguaya, cuando la melodia tiene un anticipo o retraso de una corchea, sobre el ritmo.”
(SZARAN, 1997, p.440).
7
A partir da década de 1950 e principalmente na década de 1960, a guarânia foi disseminada pelo país e
encontrou sua consagração também fora do campo da música sertaneja. Alguns exemplos: a “Guarânia da
lua nova” e “Guarânia do amor sofrido” do cantor e compositor pernambucano Luiz Vieira (Luiz Rattes
Vieira Filho, 1928) e “Pra não dizer que não falei das flores” do paraibano Geraldo Vandré (Geraldo
Pedrosa de Araújo Dias, 1935).
21
8
O chamamé é um gênero musical surgido na década de 1930, na região nordeste da Argentina –
fronteira com o Paraguai – e pode ser considerado como uma “nacionalização” da polca paraguaia
naquele país, com a qual compartilha muitas semelhanças estruturais e identitárias. Por conta da fronteira
da Argentina com o Rio Grande do Sul, é bastante popular naquele Estado, e principalmente a partir das
décadas de 1970/80, com a intensificação migratória de gaúchos para Mato Grosso do Sul, se tornou
também um dos principais gêneros musicais nessa região.
22
=
23
Este trabalho tem por objetivo analisar os processos que possibilitaram que um
gênero musical como a guarânia paraguaia fosse apropriada, ressignificada e absorvida
pelo campo da música sertaneja no Brasil. Partimos dos seguintes questionamentos:
como e por que se constrói, reconstrói e se confere significação a um gênero musical?
Que fatores políticos e sociais possibilitam essa ação? Quem se engaja nessa prática?
Para buscar respostas, nos lançamos à pesquisa, sendo que os procedimentos
etnográficos tiveram que ser ajustados às condições do problema apresentado. Primeiro:
mais que um locus delimitado, há um campo simbólico construído pelas práticas dos
agentes; segundo: o recorte temporal dá certa margem à arbitrariedade (mas não total,
como se verá mais adiante); terceiro: os sujeitos envolvidos não estão agrupados em um
núcleo visível, mas diluídos em uma escala de espaço e tempo bastante fragmentados, e
quarto: o próprio objeto de pesquisa é uma representação extremamente volátil, uma
construção cultural feita com matéria prima marcada pela ambiguidade: as identidades.
Analisar um corpus de canções em seu duplo aspecto – intra e extra-musical,
embora essas duas dimensões estejam amalgamadas em um mesmo processo de
significação – como representação de táticas e estratégias de afirmação identitária em
um contexto de disputas simbólicas, nos levou a considerá-las – e também ao que se
fala e escreve sobre elas – como textos impregnados de incongruências e
heterogeneidades. Como procedimento metodológico, a coleta e interpretação dos dados
só foram possíveis ao optarmos por uma etnografia densa, conforme a célebre noção –
emprestada de Gilbert Ryle – explicitada por Clifford Geertz:
Considerando que “as ações sociais são comentários a respeito de mais do que
elas mesmas” (Ibid., p.17), é fundamental que se questione a condição de “verdade”
24
Uma dupla via é assim aberta: uma que pensa a construção das
identidades sociais como resultando sempre de uma relação de força
entre as representações impostas por aqueles que tem poder de
classificar e de nomear e a definição, submetida ou resistente, que cada
comunidade produz de si mesma; a outra que considera o recorte social
objetivado como a tradução do crédito concedido à representação que
cada grupo faz de si mesmo, portanto, à sua capacidade de fazer com
que se reconheça sua existência a partir de uma exibição de unidade.
(Ibid., p.73).
Considerando lutas simbólicas como “lutas que tem as representações por armas
e por objetivos” (Ibid., p.170), detectamos, no recorte temporal desta pesquisa, um
duplo plano de lutas no campo da música popular brasileira: uma, não declarada, sutil e
subliminar entre a política cultural oficial que instituiu um paradigma de música
nacional a partir do Rio de Janeiro versus a música sertaneja do interior do país com
pólo legitimador em São Paulo; e outra declarada no interior do campo dessa música
sertaneja, que polarizou uma concepção essencialista versus a “contaminação”
estrangeira representada por gêneros musicais latinos (boleros, corridos e guarânias) e
norte-americano (country). Este duplo plano de lutas terá que ser enfrentado
estratégicamente por músicos sertanejos como Cascatinha e Inhana, Nhô Pai, Irmãs
Castro e muitos outros que cultivaram gêneros de origem paraguaia e fronteiriça
(incluídos na categoria de “estrangeirismos”) em um complexo processo de apropriação
25
segundo Renato Ortiz (1986, p.7) “toda identidade se define em relação a algo que lhe é
exterior, ela é uma diferença”, ou conforme Stuart Hall (2009, p.81), “uma identidade
cultural particular não pode ser definida apenas por sua presença positiva e conteúdo.
Todos os termos da identidade dependem do estabelecimento de limites – definindo o
que são em relação ao que não são.” O que agrega os agentes sob o manto de uma
identidade comum depende principalmente do caráter “imaginado” dos laços que os
unem, conforme proposição de Benedict Anderson (2008) ao analisar a construção das
identidades nacionais.
A música, como instância privilegiada de representação da cultura e das
identidades dos agentes e dos grupos sociais está, obviamente, inserida em um amplo
contexto dialético. Recorremos a Stuart Hall que adverte sobre o perigo de “pensar as
formas culturais como algo inteiro e coerente: ou inteiramente corrompidas ou
inteiramente autênticas, enquanto que elas são profundamente contraditórias, jogam
com as contradições” (HALL, 2009, p.239):
Claro que essa via possui duas mãos, na medida em que o contrário também se
dá: assim como as culturas locais podem se apropriar das tecnologias da indústria
cultural para produzir e distribuir sua produção, a indústria cultural está sempre pronta a
se apropriar de culturas periféricas para criar e/ou consolidar mercados.
O que é mais importante registrar é o surgimento dessa perspectiva positiva da
interação entre a música popular e as tecnologias que, sem desconsiderar Adorno, abre
margem a outros planos de reflexão que envolve principalmente questões identitárias,
em que a apropriação da música pelos consumidores é atravessada por complexos
mecanismos de produção de significados.
Considerando a tática como “arte do fraco”, Certeau a diferencia da estratégia,
pois enquanto aquela se caracteriza pela “ausência de poder”, esta é “organizada pelo
postulado de um poder” (CERTEAU, 2012, p.95). Nesse sentido, o que Certeau chama
29
importante quanto o conferido às intenções do autor, pois “os autores não escrevem
livros: não, eles escrevem textos que outros transformam em objetos impressos”
(CHARTIER, 2002, p.71). Mutatis mutandis, os discos são artefatos através dos quais
os músicos se fazem ouvir por um público consumidor. Em seu processo de produção e
fabricação muitas interferências são realizadas por motivações técnicas, conceituais e
comerciais, o que obriga a análise a valer-se de dados e narrativas complementares para
levar adiante sua interpretação no espaço social, o que, evidentemente, não diminui a
importância de seu papel no processo comunicativo.
Se nas extremidades do processo de atribuição de sentidos temos os produtores e
os consumidores, é no espaço entre eles que os meios massivos desempenham a função
mediadora decisiva para a conexão das práticas e dos movimentos sociais. Jesús Martín-
Barbero (2009, p.233), ao se referir ao caso da América Latina, afirma que dos anos
1930 até finais dos 1950:
tanto a eficácia quanto o sentido social dos meios devem ser buscados
menos no lado de sua organização industrial e em seus conteúdos
ideológicos do que no modo de apropriação e reconhecimento, por parte
das massas populares, deles e de si próprias, através deles. [...] o papel
decisivo que os meios massivos desempenham nesse período residiu em
sua capacidade de se apresentarem como porta-vozes da interpelação
que a partir do populismo convertia as massas em povo e o povo em
Nação.
Fica patente que, para Canclini, no jogo cultural, a perda das territorialidades é
compensada pelas hibridações que garantem “comunicação e conhecimento”.
Porém, mesmo sob essa ótica otimista, Canclini parece detectar no consumo
artístico (“lugar de sedimentação e cruzamento de correntes culturais diversas, fusão
não resolvida”), a presença de algumas sombras marcadas pelo que chama de
“contradições da história social”, cuja “dinâmica conflitiva acompanha e reproduz as
oscilações do poder” e que “reconhecer o papel relativamente independente dos
consumidores e, portanto, sua especificidade como objeto de estudo, não implica
esquecer sua posição subordinada” (Ibid., p.153).
Neste trabalho, procuramos lançar um olhar sobre os processos de hibridação
que envolvem a transformação da guarânia paraguaia em gêneros brasileiros como o
rasqueado e a moda campera, mais além da simples sobreposição/acomodação de
estruturas musicais e imagens poéticas. Herom Vargas (2004, p.4) tem razão ao afirmar
que “o potencial híbrido é patente quando focalizamos a música popular latino-
americana”, seja em “misturas de escalas, ritmos, instrumentos, formas de execução,
materiais, novos nomes para gêneros, etc.”, porém, queremos enfatizar que essas
33
9
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas lingüísticas, Langue Française, 34, maio 1977. Traduzido
por Paula Montero in ORTIZ, 2003, p.165.
34
Uma das contribuições mais relevantes trazidas por Bourdieu foi revelar as lutas
simbólicas inerentes à produção e reprodução dos campos científicos. “Espaço
relativamente autônomo” e “microcosmo dotado de leis próprias”, o campo é o
“universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem,
reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência”, sendo um “mundo social
como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas”
(BOURDIEU, 2004, p.20).
O próprio Bourdieu já libera seu conceito de “campo científico” para ser
apropriado por outras esferas da ação pública e privada, estabelecendo como premissa
básica a conexão entre “campo” e “forças”, já que “todo campo, [...] é um campo de
35
forças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de forças” (Ibid.,
p.22), sendo ainda “o lugar de constituição de uma forma específica de capital.” (Ibid.,
p.26) e “objeto de luta tanto em sua representação quanto em sua realidade.” (Ibid.,
p.29).
Ampliando a noção marxista de capital, Bourdieu avança na direção de sua
dimensão simbólica como elemento fundamental na delimitação de hierarquias,
reconhecimento, competências e legitimidade. Quanto maior o capital simbólico do
agente, mais importante sua posição no campo. Este – o campo – quanto mais autônomo
e institucionalizado, mais poder terá para cristalizar suas práticas como ortodoxias e
afirmar, reproduzir e conservar sua hegemonia perante outros campos, ao mesmo tempo
em que é estabelecido um intrincado jogo de posições, interesses e lutas concorrenciais:
Loïc Wacquant em seu artigo “Mapear o campo artístico” (2005) aponta três
operações para analisar uma obra cultural em termos de campo: 1º) “localizar o
microcosmos artístico (literário, poético, musical, etc.) dentro do ‘campo de poder’”,
sendo esse campo de poder marcado pela “batalha contínua entre dois princípios
opostos de hierarquização: um critério autônomo (‘arte pela arte’) e um critério
heterônomo, que favorece aqueles que predominam no campo econômica e
politicamente (‘arte burguesa’)”; 2º) “traçar uma topologia da estrutura interna do
campo artístico, de modo a desvendar a estruturação das relações (de supremacia e
subordinação, distância e proximidade, complementaridade e antagonismo) que
vigoram, em determinado momento, entre os agentes e as instituições – artistas maiores
e menores, escolas e revistas, salões e tertúlias, academias e galerias – competindo pela
legitimidade artística”, revelando uma “hierarquia de produtores e de produtos baseada
na oposição dinâmica entre o subcampo da ‘produção restrita’ (de, e para, especialistas,
avaliado segundo critérios especificamente estéticos) e o subcampo da ‘produção
generalizada’, no qual as obras são dirigidas a públicos não especializados e o êxito é
medido pelo sucesso comercial”; 3º) reconstruir as “trajectórias sociais dos indivíduos
que entram em concorrência no interior do campo, de modo a tornar visível o sistema de
disposições socialmente constituído (habitus) que guia a sua conduta e as suas
representações dentro e fora da esfera artística”, pois “a prática artística não pode ser
deduzida somente a partir da localização estrutural; nem surge por si mesma das
propensões individuais; pelo contrário, nasce da sua dialéctica turbulenta”.
Um lugar de destaque nas instâncias de legitimação artística é ocupado pelos
críticos de arte. Allan de Paula Oliveira (2009, p.144-145) lembra que: “no caso da
música sertaneja, bem como da música popular no Brasil [...] os instrumentos legítimos
e hegemônicos de apropriação da obra musical são dados, sobretudo, por pessoas que
atuam na área do jornalismo. José Ramos Tinhorão, Sérgio Cabral, Zuza Homem de
Mello, Jairo Severiano, Orestes Barbosa, Francisco Guimarães, Cornélio Pires”, agentes
10
Renato Ortiz adverte que “o campo artístico não se contrapõe a essas manifestações exclusivamente
nesses termos. [...] Mesmo que as sugestões de Bourdieu sejam importantes, é necessário ir além, na
medida em que a idéia da “superioridade da arte” não é meramente uma estratégia de distinção, mas
também um elemento de crítica.” (Ibid., p.90)
37
11
CAVALCANTE, Berenice; STARLING, Heloísa; EISENBERG, José. Decantando a República:
inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira/FAPERJ; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003, 3 volumes.
39
A tendência é que o campo de estudos da música popular se torne cada vez mais
um objeto legítimo da pesquisa acadêmica, afirmando sua autonomia e construindo seus
referenciais teóricos, dentro de uma perspectiva de complexidade inerente à
configuração do próprio campo, conforme salienta Neder (2010, p.191):
O que são fronteiras? Certeau a define como “um vácuo, símbolo narrativo de
intercâmbios e encontros” em que a “junção e a disjunção são aí indissociáveis” e que o
traçado cartográfico não consegue abarcar sua significação, pois a fronteira não pertence
a ninguém: “o rio, a parede ou a árvore faz fronteira” e “é também uma passagem”, um
“um espaço entre dois” (Ibid, p.195).
Heloísa Reichel, utilizando os conceitos de fronteira-linha “que separa, define
territórios” e de fronteira-zona “que promove intercâmbios e interações econômicas,
12
Utilizamos o termo “circuito” no sentido referido por Oliveira (2009, p.73): “Um conceito importante a
ser utilizado aqui será o de ‘circuito’, tal como desenvolvido por Magnani [MAGNANI, José Guilherme e
TORRES, Lilian de Luca (org.). Na Metrópole: textos de antropologia urbana. São Paulo:
EDUSP/FAPESP, p.45], que o define como um aglutinador de ‘estabelecimentos, espaços e
equipamentos caracterizados pelo exercício de determinada prática ou oferta de determinado serviço,
porém não contíguos na paisagem urbana, sendo reconhecidos em sua totalidade apenas pelos seus
usuários’.”
43
sociais, políticas, culturais”, afirma que, com relação aos países envolvidos na região
platina13, desde o período colonial “como até os dias de hoje, apesar de forma menos
visível, as fronteiras existentes no interior do espaço platino atuaram no sentido de
fronteira-zona e de fronteira-linha” (REICHEL, 2010, p.445-446).
Segundo a autora, esse espaço em que no período colonial e “protocolonial
independente” a fronteira-zona “se sobrepunha à fronteira-linha”, hoje é marcado pela
invisibilidade da fronteira-zona: “O que aconteceu com a região platina a ponto de a
fronteira-zona ter se tornado praticamente invisível ou difícil de ser percebida na
atualidade?” (Ibid., p.451):
Até que um dia resolveram tentar a vida em São Paulo, pois o Rafael
[irmão] já tinha seu sogro morando aqui, e o Antonio [outro irmão]
vários cunhados também residindo em São Paulo. A lavoura iria perder
quatro braços muito bons, mas eles já haviam feito a sua parte. Era hora
de se pensar em alguma coisa mais leve.
46
Sobraram o Zé e eu. Agora com dois irmãos em São Paulo, a coisa seria
diferente, bem mais fácil. (FORTUNA, 2009, p.80).
Sim. Eu acho que fez mais sucesso. É... bom, o Rio de Janeiro... um
ambiente... é... pelo mar... onde tem muito brasileiro, muito mais
brasileiro que em muitas partes e... o ambiente do...do... da praia [?]
muito samba... assim a música carioca como fala. Entra também a
música paraguaia mas não com a intensidade como no sul ou em São
Paulo. Mas que... eu... eu vejo que até agora aqui em Campo Grande
está muito forte... o ritmo... derivado da música paraguaia que são todos
47
esses ritmos... né? Está muito forte ainda. Ontem porque quando
orquestra tocou [?] o público... em seguida... Quando nós tocamos...
estávamos tocando uma polca depois dele... depois... sem anunciar eu
toquei “Recuerdos de Ypacarai”. E ao fazer [?] o público já... A música
paraguaia em Campo Grande ainda está muito forte. Também tem que
ser assim porque tem muito paraguaio em Campo Grande. (Papi Galan
em 06.11.2011)
=
48
A questão das identidades tem sido objeto de estudos e debates que buscam
compreender seus fundamentos, sua configuração histórica e as transformações
advindas das intersecções de universos culturais distintos e até conflitantes. Se há
grandes dificuldades em sua conceitualização, é através de seu reflexo oposto – a
diferença – que a identidade pode ser melhor apreendida: segundo Hall (2009, p.81)
“todos os termos da identidade dependem do estabelecimento de limites – definindo o
que são em relação ao que não são”, ou, conforme Ortiz (1986, p.7) “toda identidade se
define em relação a algo que lhe é exterior, ela é uma diferença.”
Essa condição de afirmação através da negação coloca as questões identitárias
em um campo de lutas simbólicas – e às vezes reais – entre as singularidades e as
alteridades, em uma dialética marcada por violentas disputas de poder. Bauman (2005,
p.83) adverte que “sempre que se ouvir essa palavra [identidade], pode-se estar certo de
que está havendo uma batalha. O campo de batalha é o lar natural da identidade.”
A operacionalização de um conceito identitário é possibilitada pelo artifício da
representação. Esta, em uma perspectiva pós-estruturalista, se materializa em suportes
significantes que possuem uma exterioridade perceptível como textos, a oralidade, as
artes visuais, a música, etc., atribuindo-lhes sentidos que por sua vez estão estreitamente
ligadas às relações de poder:
14
Contrapondo-se à perspectiva essencialista da identidade, a perspectiva não essencialista considera as
diferenças, as características comuns ou partilhadas, bem como as transformações dos significados das
identidades ao longo do tempo (WOODWARD, 2012, p.12).
49
Cada uma dessas versões envolve uma crença na existência e na busca de uma
identidade verdadeira. O essencialismo pode, assim, ser biológico e natural, ou
histórico e cultural. De qualquer modo, o que eles tem em comum é uma
concepção unificada de identidade.
15
BAUMAN, 2005, p.66.
50
16
“una población humana denominada que ocupa un território histórico y comparte mitos y recuerdos,
una colectividad, una cultura pública, una sola economia y derechos jurídicos y obligaciones comunes."
(SMITH, 1991:cap.1 apud SMITH, 1998, p.62).
17
Renato Ortiz enfatiza que a “identidade nacional [...] assim como a memória nacional, é sempre um
elemento que deriva de uma construção de segunda ordem. [...] Existe na história intelectual brasileira
uma tradição que em diferentes momentos históricos procurou definir a identidade nacional em termos de
caráter brasileiro. Por exemplo, Sérgio B. de Holanda [...] ‘cordialidade’, Paulo Prado na ‘tristeza’,
Cassiano Ricardo na ‘bondade’; outros escritores procuraram encontrar a brasilidade em eventos sociais
como o carnaval ou ainda na índole malandra do ser nacional.” (1986, p.137). Interessante a relação que
Renato Ortiz faz entre a memória nacional e a identidade nacional com a heterogeneidade das memórias
particulares dos grupos populares: “a identidade nacional é uma entidade abstrata e como tal não pode ser
apreendida em sua essência. [...] se desvenda [...] como projeto que se vincula às formas sociais que a
sustentam. [...] Memória nacional e identidade nacional são construções de segunda ordem que dissolvem
a heterogeneidade da cultura popular na univocidade do discurso ideológico. [...]
A memória nacional opera uma transformação simbólica da realidade social, por isso não pode coincidir
com a memória particular dos grupos populares.” (ORTIZ, 1986, p.138).
18
“’hegemonia’ é um ‘momento’ historicamente muito específico e temporário da vida de uma sociedade.
[...] Tais períodos de ‘estabilidade’ talvez não durem para sempre. [...] caráter multidimensional que
envolve diversas arenas da hegemonia. [...] O domínio não é simplesmente imposto, nem possui um
caráter dominador. Efetivamente, resulta da conquista de um grau substancial de consentimento popular.”
(HALL, 2009, p.293).
51
19
“A idéia de construção nos remete a uma outra noção, a de mediação. [...] Se existem duas ordem de
fenômenos distintos, o popular (plural) e o nacional, é necessário um elemento exterior a essas duas
dimensões que atue como agente intermediário. São os intelectuais que desempenham esta tarefa de
mediadores simbólicos. [...] agentes históricos que operam uma transformação simbólica da realidade
sintetizando-a como única e compreensível. [...] o processo de construção da identidade nacional se
fundamenta sempre numa interpretação.” (ORTIZ, 1986, p.139).
52
20
Segundo Stuart Hall, o sentido do termo “hibridismo” tem sido mal interpretado: “Hibridismo não é
uma referência à composição racial mista de uma população. É realmente outro termo para a lógica
cultural da tradução. Essa lógica se torna cada vez mais evidente nas diásporas multiculturais e em outras
comunidades minoritárias e mistas do mundo pós-colonial.” (2009, p.71). No mesmo sentido, Tomáz
Tadeu da Silva adverte que “a hibridização se dá entre identidades situadas assimetricamente em relação
ao poder.” (2012, p.87).
53
21
Benedict Anderson apresenta o Paraguai como uma exceção notável: “Nas Américas, [...] A língua
nunca havia sido uma questão nos movimentos nacionalistas americanos. Como vimos, foi justamente o
fato de partilhar com a metrópole a mesma língua (e também a religião e a cultura) que havia
possibilitado as primeiras criações de imagens nacionais.[...]
No Paraguai, a tradição jesuítica setecentista de usar o guarani permitiu que uma língua ‘nativa’
radicalmente não espanhola se tornasse uma língua nacional, durante a longa ditadura xenófoba de José
Gaspar Rodríguez de Francia (1814-40). Mas, de modo geral, qualquer tentativa de conferir profundidade
histórica à nacionalidade por meios linguísticos enfrentou obstáculos insuperáveis.” (ANDERSON, 2008,
p.268). Podemos acrescentar que o idioma guarani, embora presente nas práticas cotidianas desde o
período colonial, após a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) foi combatido pela política
“regeneradora” liberal como sintoma de atraso e barbárie. Seu resgate como representação de uma
identidade nacional paraguaia foi possibilitado pela política revisionista da década de 1930.
22
A partitura impressa, como meio de expressão dos nacionalismos musicais surgidos no século XIX
também se caracteriza como uma “vernaculização de uma outra forma de página impressa.”
(ANDERSON, 2008, p.117).
54
23
Outro exemplo desse distanciamento do Brasil com relação à América Latina são os do slogans
adotados pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro: “A Voz do Brasil”, enquanto a poderosa Rádio
Mexicana XEW se auto-denominava: “La Voz de la America Latina desde el Mexico” (MADRID, 2010,
p.231).
55
Meu caro Capanema: aqui estamos por uns dias – neste profundo e
misterioso Paraguai, de minha particular simpatia e com tantas
afinidades com o brasileiro – com certo tipo de brasileiro menos
exuberante e mais concentrado. [...] Em toda a parte a vida está
caríssima – inclusive aqui. [...] Aqui tenho encontrado da parte dos
paraguaios a maior simpatia e vivo desejo de maior contato com a
cultura brasileira. [...] Seria ótimo que a Academia Brasileira de Letras,
por exemplo, que não é nenhuma pobretona, estabelecesse aqui uma
cadeira de estudos brasileiros que poderia se especializar no estudo de
coisas de interesse comum sobre nossas origens ameríndias. A
propósito: como supunha, e como lhe disse, este ponto pode ser a base
natural, nada forçada, de maior aproximação cultural dos povos da
América espanhola conosco. [...] Nós somos, dos grandes povos da
América do Sul, e, ao lado do México, o menos europeu e,
essencialmente, o menos colonial na sua cultura e por conseguinte, em
posição de ser o pioneiro de uma nova cultura americana, na qual se
valorizem, em vez de se subestimarem, os elementos não-europeus. Esta
24
Para maiores detalhes sobre a política cultural do Estado Novo, ver VELLOSO, Mônica Pimenta. Os
intelectuais e a política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação
de História Contemporânea do Brasil, 1987; WISNIK, José Miguel. Getúlio da paixão cearense (Villa-
Lobos e o Estado Novo) in O nacional e o popular na cultura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2004,
p.129-191; PARANHOS, Adalberto. Além das amélias: música popular e relações de gênero sob o
“Estado Novo”. In Artcultura: Revista de História, Cultura e Arte, v.8, n.13, 2006 – Uberlândia:
Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de História, p.163-174.
56
25
Cinco anos após essa carta, Gilberto Freire lançaria o livro “Interpretação do Brasil” onde exprime
outra visão sobre o período getulista: “A problemática do Estado aparece na obra de Gilberto Freyre, em
sua grande extensão, sob o signo da suspeita. Na verdade, o autor representa uma camada da classe
dominante que historicamente é superada pelos acontecimentos da revolução de 30. Por isso o Estado
moderno é visto quase que exclusivamente em termos de sua tendência centralizadora. Em sua análise do
Império, esta questão da unificação e da centralização já aparece. Porém, se Gilberto Freyre, por um lado,
aponta algumas vezes para os males da centralização no século passado, por outro ele ‘salva’ os valores
espirituais imperiais ao definir a existência de uma ‘aristocracia democrática’ que em princípio teria
respeitado a tradição sincrética brasileira, seja, a ‘democracia’ racial e política. O movimento de 30 vai,
no entanto, acentuar o processo de unificação nacional, o que será visto pelo pensamento tradicional
como uma tendência ‘totalitária’ que se contraporia à natureza brasileira da unidade na diversidade. É
interessante ver como Gilberto Freyre interpreta, por exemplo, o advento do Estado Novo; comparando-o
aos sistemas monárquico e de plantação que imperavam no século passado, ele dirá: ‘A atual tendência
antidemocrática na política brasileira significa, como sistematização de idéias fascistas ou quase fascistas,
fato novo, e contrário não somente aos pendores republicanos, mas às próprias tradições desenvolvidas à
sombra da monarquia e do velho sistema rural brasileiro’[Interpretação do Brasil, Rio de Janeiro: José
Olympio, 1947, p.115]. O Estado moderno é, portanto, ‘estranho’ à história brasileira. Por isso o autor
dirá que Getúlio Vargas é um caudilho, em oposição a figuras como Sílvio Romero; Getúlio é fruto da
zona missioneira, enquanto Sílvio Romero representaria as forças telúricas e tradicionais do mundo
nordestino, que em última instância definem a raiz do Ser nacional. O Estado-Getúlio é ‘forasteiro’,
porque não manifesta a brasilidade dos ‘povoadores verticais’, isto é, da velha classe dominante que
deitou as raízes de um país como o Brasil. [...] A ideologia tradicional toma o partido das regiões, isto é,
do estamento dominante que pouco a pouco perde a direção política do Brasil. Neste sentido o Estado se
contrapõe ao ‘tradicional’, pois ele é o promotor do processo de ‘modernização’ do país.” (ORTIZ, 1986,
p.98-99)
57
Os anos 1940 começaram com uma São Paulo multicultural repleta de grupos de
imigrantes, e que concentrava praticamente metade do setor industrial da economia do
país.26 A oportunidade de trabalho havia atraído também grandes levas de migrantes
rurais que passaram a compor o proletariado urbano, acentuando as contradições entre
uma modernização acelerada e agressiva e as estruturas culturais que essas populações
desenraizadas eram obrigadas a traduzir – conforme o conceito de “tradução” exposto
por Stuart Hall (2003, p.88). Nesse quadro complexo, é possível destacar três fatores
presentes desde as primeiras décadas do século que foram sendo potencializados: “o
ritmo intenso e contínuo de mudanças da metrópole, a nostalgia de imigrantes e
desenraizados de todos os tipos e as tradições sertanejas.” (MORAES, 2000, p.285).
A paisagem sonora paulistana não poderia ser outra senão uma polifonia de
referências diversas:
26
Paul Singer. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1974, p.49, apud MORAES, 2000, p.121.
27
Uma nota destoante nesse processo foi o papel subalterno e discriminatório concedido ao músico negro
paulistano, que só conseguiu espaço no rádio a partir das décadas de 1940/50. Apesar disso “os
estereótipos se mantiveram com destaque em São Paulo: o bom músico negro continuou sendo o
percussionista” (MORAES, 2000, p.93-94). Não é de se estranhar que o samba paulistano não tenha
alcançado a projeção do samba carioca: “O gênero seguiu dois caminhos, na verdade complementares: na
cidade de São Paulo, o samba regional foi desaparecendo rapidamente, por razões intrínsecas à sua
dinâmica; e o seu lugar foi sendo tomado por uma música cada vez mais parecida com o padrão regional
carioca, assim como ocorria no restante do país. Para o universo do rádio e do disco, o ‘samba brasileiro’
58
passou a ser aquele produzido no Rio de Janeiro, e de fato foi o que ocorreu, pois essa música regional
urbana carioca tornou-se, já na década de 1940, um dos símbolos da ‘identidade nacional’” (Ibid., p.288).
59
28
Lembramos que, conforme Michel de Certeau, “a tática é a arte do fraco” (CERTEAU, 2012, p.95). O
que Certeau chama de “táticas” é equivalente aos “procedimentos” em Foucault e às “práticas” ou
“estratégias” em Bourdieu.
61
No ano seguinte, foi criado o mitológico e versátil conjunto Oito Batutas que se
apresentava com um repertório diversificado que incluía sambas, choros, maxixes,
lundus, canções sertanejas, corta-jacas, batuques, cateretês, e posteriormente fox-trots,
shimmys, ragtimes, etc.29 Conforme enfatiza Lúcio Rangel, a origem urbana de seus
integrantes possibilitava esse trânsito entre os gêneros:
29
http://www.dicionariompb.com.br/oito-batutas/dados-artisticos - acessado em 21.01.2013
62
Quanto a Wilson Batista, além do polêmico duelo criativo que travou com Noel
Rosa na construção da dicotomia samba de morro/samba da vila, desempenhou um
importante papel na divulgação do paradigma da malandragem carioca:
30
Isso não exclui o fato de que outros músicos nordestinos como o maranhense Catulo da Paixão
Cearense e o pernambucano João Pernambuco já residiam no Rio de Janeiro, além dos migrantes baianos
que haviam anteriormente integrado o círculo da Tia Ciata. De um modo geral, o testemunho de
Almirante tem que ser relativizado por conta de seu nacionalismo exacerbado, mas mesmo assim é um
indicativo do grau que as lutas simbólicas travadas no campo da música popular brasileira atingiram pela
legitimação do nacional-popular.
63
Se o ano de 1929 marcou a vida musical carioca com a criação do Bando dos
Tangarás (integrado por Noel Rosa, Braguinha, Almirante e Henrique Brito) que
“lançara os tipos mais diversos: lundus, canções, toadas, cateretês, sambas e marchas e,
no entanto, o maior reforço eram as emboladas do Norte” (Ibid., p.73), os ouvidos
paulistanos passaram a ouvir os “causos” e músicas caipiras através dos discos da
Turma Caipira Cornélio Pires e Turma Caipira Victor:
Seja como for, doze anos após o 1º. Concurso de Sambas e Maxixes
Carnavalescos do Rio de Janeiro, Ary Barroso obtinha o primeiro lugar em um concurso
promovido pela Casa Édison em 1930 com a marcha “Dá nela” cantada por Francisco
Alves (ALMIRANTE, 1977, p.177). O samba já estava consagrado como principal
gênero musical do Rio de Janeiro, enquanto em São Paulo, o “caipira” Cornélio Pires,
respaldado em um surpreendente (para as gravadoras) sucesso de vendas, fazia
sucessivos lançamentos de discos 78 rpm (LOPES, 1999, p.41-45).
64
31
Almirante queria se referir ao DOP (Departamento Oficial de Propaganda) que em 1934 tornou-se
DPDF (Departamento de Propaganda e Difusão Cultural) e em 1939 DIP (Departamento de Imprensa e
Propaganda).
65
Enquanto em São Paulo a diversidade musical era vivida como uma polifonia
sonora em um “cosmopolitismo difuso” (Ibid., p.21), a crescente centralidade do Rio de
Janeiro enquanto pólo de produção musical irradiador de um ideal homogeneizante de
brasilidade atraiu músicos e radialistas paulistas em busca de maior projeção,
reconhecimento e ganhos financeiros, como Garoto, Vadico, Zé Carioca, Laurindo de
Almeida, Alvarenga e Ranchinho, Gaó e César Ladeira (MORAES, 2000, p.115). O
início do autoritarismo do Estado Novo em 1937 marcou um período de acirramento
dos mecanismos de controle estatal sobre a produção cultural, como a obrigatoriedade
dos enredos históricos, didáticos e patrióticos nos desfiles das Escolas de Samba, a
32
Lembramos que desde 1935 já eram feitas gravações de discos 78 rpm com músicos paraguaios em São
Paulo.
66
33
Não conseguimos localizar os nomes reais e completos dos componentes da dupla.
34
http://www.infraero.gov.br/index.php/br/aeroportos/sao-paulo/aeroporto-de-sao-paulo--
congonhas/historico.html - acessado em 23.01.2013
68
Já o próprio Celestino acha que a explicação está nas canções que ele
interpreta – canções onde, diz, “há sempre um drama como o de todo
mundo”. […]
Em 1947, sua chegada a Salvador, na Bahia, foi tão triunfal que deixou
enciumado o então gobernador Mangabeira. No Ceará, em Mato Grosso
e no Paraná, a gente mais simples sempre enche as salas onde ele canta.
Mas naquele ano Juscelino Kubitschek iniciava seu governo e o ISEB (Instituto
Superior de Estudos Brasileiros) se empenhava em pensar a cultura brasileira com
35
Conforme Tânia da Costa Garcia: “com o propósito de fixar e perpetuar uma determinada música de
origem urbana, a RMP [Revista da Música Popular] definiu como folclórico um repertório situado em
algum lugar entre o popular e o massivo.” (GARCIA, 2010, p.14).
71
Em 1958, foi na época que nóis tivemo que disputá vendage de disco.
Tivemo que partir pra outros ritmos. A gravadora quería que nóis
gravasse bolero, ranchera, guarânia, maxixe, tango, corrido… Aonde
estava no sucesso tremendo Miguel Aceves Mejías, que era o intérprete
mais fabuloso daquela época. Todo mundo imitava para tentá fazê
sucesso. De modos que nóis, por ordem da gravadora, partimo copiando
o estilo, disputano vendage de disco com as música ranchera.
36
Segundo Brás Baccarin em entrevista concedida a nós em 19.05.2011, “Boneca cobiçada”
originalmente era uma guarânia que foi transformada em bolero por insistência do Biá que “não gostava
de música sertaneja [...] então ele forçou o Palmeira a gravar outras coisas”, dando início ao que ele
chama de “deturpação” da música sertaneja.
72
37
Na 6ª. edição do livro, com novo título Pequena história da música popular: da modinha à
lambada, de 1991, o autor inseriu uma seção onde discorre sobre a guarânia brasileira.
74
autêntica musica popular brasileira, não foi endossada por uma grande
parte dos folcloristas, por outro, pode-se afirmar que foi esta música
urbana, formatada e veiculada pelos meios de comunicação, que
consagrou-se como um símbolo sonoro da brasilidade. (GARCIA, 2010,
p.17).
3. As fronteiras paraguaias
Abílio Leite de Barros38 (1998) indica que, pelo fato da ocupação da área do
pantanal ter sido feita por ex-moradores do atual Mato Grosso (Cáceres, Nossa Senhora
38
Abílio Leite de Barros é fazendeiro na região pantaneira da Nhecolândia e descendente dos migrantes
de Nossa Senhora do Livramento, os chamados “papabananas”. Formado em direito e filosofia, foi
professor universitário, e adotamos suas narrativas contidas no livro Gente pantaneira: crônicas da sua
75
história (1998), como fonte memorialística que procura se articular com o pensamento de Sérgio Buarque
de Holanda, resultando em um interessante estudo sociológico sobre a cultura do pantanal sul-
matogrossense.
39
“Para Corumbá foram atraídas pelo bafejo de prosperidade que transformava a cidade num promissor
pólo econômico do Estado de Mato Grosso, e para a Fazenda Firme [no atual pantanal da Nhecolândia em
Mato Grosso do Sul], pelas tentadoras e convidativas promessas do Nheco. [...] Assim, descendo o Rio
Paraguai, tomando o rumo de uma possível prosperidade que sonhava alcançar, levando seus terços, suas
rezas, seus costumes, essa gente haveria de se integrar com os imigrantes que aportavam na cidade
naquele finalzinho de século.” (PROENÇA, 1997, p.114).
40
Barros (1998, p.261) afirma que “o próprio governo brasileiro facilitou essa solução imigratória. Em
1874, por instrução do governo central, o consulado brasileiro em Assunção passou a emitir listas de
imigração com passagens [de navio] de ida para Corumbá. Até 1876, já haviam sido emitidos 5.000
vistos. [...] a população guarani passou a ser superior à local, mesmo somadas Corumbá e Ladário”.
[WILCOX, Robert. Paraguayans and the making of the Brazilian far west, 1870-1935. New York
University,1993].
Além de Corumbá, Nioaque também foi fundamental nesse processo migratório, configurando-se como
uma espécie de “estrada do meio” entre o Paraguai e o sul de Mato Grosso. (SEREJO, Hélio. Nioaque:
um pouco de sua história, 2008, vol.5, p.296).
76
41
Paraguaios recrutados por artimanhas armadas pelo “aconchavador” que, após uma noite de gastos e
bebedeiras em prostíbulos da fronteira, prendia o trabalhador na Companhia em um esquema de servidão
por dívidas. Para maiores detalhes, ver Gilmar Arruda. Frutos da Terra: Os Trabalhadores da Matte
Laranjeira. Dissertação de Mestrado (mimeo) Assis, São Paulo: UNESP, 1989 e Ciclo da Erva-Mate
em Mato Grosso do Sul (1883-1947). Campo Grande, MS, Série Histórica, Instituto Euvaldo Lodi,
1986, p.300/400, citados por Bianchini (2000, p.186 e 174).
42
Hélio Serejo é um dos mais importantes escritores e memorialistas de Mato Grosso do Sul.
Descendente de gaúchos, nasceu no município de Nioaque e trabalhou com o pai nas ranchadas
ervateiras. Seus livros que narram a vida da fronteira e principalmente do cotidiano dos ervais são fontes
importantíssimas para a historiografia regional.
79
Os relatos dramáticos que Hélio Serejo (2000 vol.8, p.250-257) faz da situação
dos ex-empregados paraguaios que ele conheceu e que ocupavam alguma posição de
mando local na Matte Larangeira nos dão uma idéia do que certamente deve ter
acontecido aos milhares de trabalhadores subalternos em sua forçada migração:
Godói
Foi visto por um compatriota, maltrapilho e doente, pedindo esmolas,
na Praça da Sé, em São Paulo. Havia sido, nos tempos áureos da erva,
um platudo comprador de costo.
Agustin
Era um homem de boa escrita, bom gênio, galhofeiro, espirituoso. Fez
parte do pelotón do escritório central da Mate. [...]
Mudou-se para a capital paulista. Vive hoje de expedientes, pobre,
balançando ao sopro do vento, porém com dignidade.
Bobadilha
Lutou desesperadamente para não cair na lama das sarjetas. Não
conseguiu, porém, o seu intento.
Na cidade paranaense de Cascavel, acabou seus dias de angústia no
cabo de uma enxada, limpando cafezais para sustentar a mulher, a sogra
e um filho paraplégico.
Alvarado
Usou e abusou da sua esplêndida situação financeira. [...]
A reviravolta veio um dia, trágica. Veio em forma de furacão,
arrasadora. O presenteador, em menos de seis meses, era um homem
reduzido a alguns tarecos apenas. Pobre e triste. [...]
Como salvação, se incorporou a uma turma de peões conchavados, que
iam tentar a sorte trabalhando na construção da gigantesca rodovia
Belém-Brasília.
O seu gênio alegre empresta uma feição original aos seus costumes. A
maior parte de seu tempo se escoa em diversões – dansas, passeios e
musicatas, [...]
Agrupam-se em qualquer parte, cantando e bebendo. É comum ficarem
horas a fio nas casas de negócio, cantando e tocando sanfonas, violões e
violinos, a pretexto de experimentarem estes instrumentos cujos
estoques são sempre vultosos.
[...]
Entre os descendentes guaranis tudo é motivo para danças, inclusive
acontecimentos fúnebres. A música preferida é a polca paraguaia e o
Chopin ou santa-fé. Predestinado para a arte dos sons, tem ele música
própria, de ritmo peculiar, coisa típica e inflexível, e que se não
submeteu, até hoje, a influências estranhas. (SILVA, 2003, p.84-85).
Mas é Abílio Leite de Barros que, ao fazer referência ao cururu trazido à região
pantaneira no ciclo migratório das famílias livramentanas (os chamados “papabananas”
que vieram a constituir a elite econômica, política e social), constata a peculiaridade
cultural e musical da ruralidade sul-matogrossense:
Um desses imigrantes, o sírio Amim Scaff que chegou em 1894, recorda “que
era muito usada a dança da catira entre a peonada dos boiadeiros. E o interessante é que
os cavalheiros dançavam de chapéu e esporas. Era do protocolo” (Ibid., p.162). O
caldeamento cultural que caracterizava o município na virada do século fazia coexistir
83
música e danças como a quadrilha, xote, catira, moda de viola e, claro, a Santa Fe43 e a
polca paraguaia: “não raro vinham violeiros de Minas Gerais, os repentistas do Rio
Grande, os cantadores paraguaios, e dessa forma a vilazinha ganhou larga fama de
arraial da alegria, onde havia muito prazer entrelaçado com o trabalho árduo”
(MACHADO, 1990, p.90). Principalmente após a chegada dos trilhos da estrada de
ferro na década de 1920, Campo Grande, que já se constituíra em importante pólo
comercial, também oferecia diversão aos seus habitantes e forasteiros:
As casas de prostituição que tinham as paraguaias como maior atração não eram
encontradas apenas em Campo Grande. Abílio Leite de Barros afirma que “os grandes
bordéis de paraguaias se tornaram o centro de lazer e boemia em todas as cidades
matogrossenses” (BARROS, 1998, p.263). Essa rede de prostíbulos será fundamental
para a constituição de um circuito para circulação de músicos e conjuntos paraguaios
em cidades da região centro-oeste, sudeste e sul do país que se estendeu por décadas,
conforme nos contou o harpista paraguaio Papi Galán:
43
Também chamada de Chopï ou Cielito Chopí, a Santa Fe é uma dança paraguaia derivada da
contradança e da quadrilha. Praticada desde fins do século XIX, é o ponto culminante das festas
populares. (SZARAN, 1997, p.435).
84
com as prostitutas e bebia e era feijão e arroz, quase não tinha carne e...
a questão de comida não era muito boa e tb porque... naquele tempo o
dinheiro era difícil e justamente por isso nós estávamos também
praticamente trabalhando nos lugares da prostituição.
Em que cidades?
Em quase todas cidades. Nós saímos de São Paulo, acho que foi em...
63, mais ou menos, saímos de São Paulo e começamos por Curitiba, a
nossa rota era Rio Grande do Sul até Santana de Livramento, então
todas essas cidadezinhas que estavam nesse caminho nós fizemos
porque passamos... creio que... agora mesmo não lembro, mas cidades
como Pelotas, esse caminho itinerário de São Paulo, Curitiba e depois
essa zona... Rio Grande do Sul. Então, esse caminho... (Papi Galán, em
06.11.2011)
44
Segundo Brígido Ibanhes, foi só após a revolução de 1932, quando os crimes cometidos por Silvino
Jacques na fronteira começaram a denegrir a imagem do presidente da república, que o Palácio do Catete
concordou com sua eliminação por um grupo de captura formado por civis autorizados pelo Estado (2007,
p.99). Porém, por volta de 1938 – Silvino Jacques foi assassinado em 1939 –, seu protetor e padrinho teria
lhe enviado por intermédio de um tenente, um pacote lacrado contendo uma arma automática para sua
defesa (2007, p.189). Conta ainda Ibanhes que Silvino, protegido pelos militares legalistas, não gostava
dos paraguaios: “Ele encarnava também a velha rixa entre gaúchos e paraguaios. A hostilidade do
bandoleiro contra os guaranis era preocupante aos militares, pois um conflito com o vizinho Paraguai,
logo após o Brasil estar se recuperando de um conflito interno, seria drástico” (IBANHES, 2007, p.215).
Com um tema tão explosivo, o livro de Ibanhes, foi embargado na justiça e, liberado, foi lançado em 1986
na cidade de Sidrolândia-MS, sob proteção policial, sendo seu autor, em 1992, sido adotado pelo Pen
Club International – organização ligada à ONU para proteger escritores perseguidos, ameaçados e presos
por suas obras.
86
Para auxiliar nas reflexões sobre o tema desta investigação, utilizamos um dos
conceitos básicos na obra de Pierre Bourdieu, que é a noção de campo:
abril/56, o artigo assinado por Nestor de Holanda (p.39) defende que o rádio deveria
“divulgar, antes de tudo, nosso folclore, nossas músicas, nossos regionalismos” e não os
“mambos, congas e guarachas, porros, boleros e tangos; foxtrotes, corridos e fados”.
No rol dos gêneros musicais populares legítimos, a Revista da Música Popular
incluia, além do “verdadeiro” samba (categoria ambígua que estaría ligada ao carnaval
carioca), o folclore rural do país interpretado pela cantora e pesquisadora Inezita
Barroso, que além de diversas críticas elogiosas em varias edições, foi capa da edição
no.6 de março/abril/55. Os principais inimigos a serem combatidos eram os “ritmos
estranhos ao nosso populário” e a influência nefasta do rádio como representante de um
“progresso” que penetrava nas “camadas mais pobres da população e nas regiões mais
afastadas da civilização, que são a fonte de todo o nosso patrimonio musical”. De forma
vaga e contraditória, condenava-se a cultura urbana do país ao mesmo tempo em que
dedicava varias páginas em todas as edições ao jazz americano tido como “a grande
criação dos negros norte-americanos” (Editorial do no.1 de setembro/54).
A “contaminação” da música popular brasileira era a preocupação principal:
identidade” (ALVES JÚNIOR, 2011, p.111) – é marcado por uma dissociação entre o
habitus46e o contexto urbano em que é inserido.
Assim como Euclides Fortuna, Aílton Estulano Vieira, filho de Rubens Vieira
Marques, o Vieira (Itajubi, SP, 1926) da dupla Vieira e Vieirinha também relata os
preconceitos sofridos:
Quando o pai cantava com o meu tio, o Vieirinha, as pessoas mais ricas,
ou remediadas, e que tinham condições, tinham vergonha de admitir
como gostavam da viola, de ser caipira, de cantar moda caipira. Então
não compravam os discos. Vendiam-se poucos discos naquela época. E
pagavam quase nada por uma apresentação. Desprezavam a gente até no
grupo escolar aqui da cidade... Hoje eu acho que é completamente
diferente. Filho de caipira, ham!
[...] a gente sempre viveu sem dinheiro e no meio de preconceito.
[...)]viajando de carro, trem, jardineira e caminhão por esse Brasil, de
ponta a ponta. [...] era em praça pública, era em circo, era em
quermesse, era em rádio, era em fazenda... (Entrevista realizada em
1995, in SANT’ANNA, 2000, p.332)
46
“o habitus não é um destino [...] trata-se de um sistema aberto de disposições que estará submetido
constantemente a experiências e, desse modo, transformado por essas experiências. [...] as pessoas terão
experiências em conformidade com as experiências que formaram o habitus dessas pessoas. [...] o habitus
– por ser um sistema de virtualidade – só se revela em referência a uma situação. [...] é na relação com
determinada situação que o habitus produz algo. Ele é semelhante a uma mola, mas é necessário um
desencadeador; e, dependendo da situação, ele pode fazer coisas opostas.” (BOURDIEU, 2011, p.62).
92
47
FOUCAULT, Michel. Outros Espaços. In MOTTA, Manoel Barros (org). Michel Foucault Estética:
Literatura e Pintura, Música e Cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001a. (Ditos & Escritos.
V.III) p.415.
93
O Wilson era cantor de samba48, não tinha nada a ver com a música
sertaneja. O público não perdoou. Ele estava interpretando muito bem,
acompanhado do conjunto e do coral Quarteto em Si. Maravilhoso!
Ocorre que não era nada bem visto pelo público sertanejo, que a esta
época, boicotava mesmo qualquer cantor de outro gênero, que invadisse
o seu terreno. Bem ao contrário do que ocorre nos dias de hoje.
(FORTUNA, 2009, p.175).
partir das iniciativas de Cornélio Pires – o que teria de fato iniciado o ciclo da música
sertaneja com a racionalização da música caipira, segundo concepção de José de Souza
Martins (1975) –, pela apropriação de gêneros latinos e fronteiriços, de paradigmas da
música country e as recentes fusões com o axé music e a cultura pop, o campo da
música sertaneja sempre se manteve como um canal privilegiado para a expressão e
fruição artística de imensa parcela da população do país. Sua emergência e paulatina
autonomização é um tema que merece estudos mais aprofundados, não só por
evidenciar uma complexa rede de práticas e estratégias sob o ponto de vista da
produção, mediação e recepção, como por estar envolvido em uma luta simbólica onde
as políticas culturais, os jornalistas e os intelectuais tem papel relevante:
comercializável49. Dessa forma, o campo da música sertaneja teria seu marco fundador
nos anos 1929 e 1930 com os lançamentos de discos 78 rpm por Cornélio Pires, sendo
que, nas décadas de 1930/40, foi lentamente configurado, ampliando seu público
consumidor, multiplicando seus agentes e interagindo com a música paraguaia
largamente praticada nas regiões fronteiriças do sul de Mato Grosso.
A emergência do conceito de música caipira autêntica na década de 1950 é
marcada pela exclusão de seu oposto. Ao delimitar um corpus de práticas como
“autêntico”, exclui-se e desqualifica-se outros segmentos sob a alegação de que seriam
ingerências estrangeiras – latinas e norte-americanas – impostas pela indústria
fonográfica. Essa luta simbólica travada no interior do campo da música sertaneja é
potencializada a partir das décadas de 1960/70 quando grande parte de seus agentes vão
paulatinamente reconfigurando elementos musicais e simbólicos como estratégia de
sobrevivência desse próprio campo, aprofundando a cisão entre os discursos de
consagração da “verdadeira” música sertaneja (ou caipira, dependendo de quem fala, de
onde fala, quando fala e porque fala) e o consumo popular de uma música híbrida
depreciada pelas elites intelectuais e estigmatizada como “alienada”, “cafona” e
posteriormente “brega”.
Hamilton Ribeiro divide o campo da música sertaneja contemporânea em três
“correntes”: “a suburbana (representada pelos ‘jovens sertanejos’); a urbana (composta
por artistas da chamada ‘viola erudita’); e a rural (o grupo da raiz do inhame)”
(RIBEIRO, 2006, p.249). Por sua vez Allan de Paula Oliveira (2009), também usando a
divisão tripartite constata três sub-circuitos: sertanejo-country, sertanejo-raiz e
sertanejo, sendo este último a esfera híbrida que abriga os amplos mercados subalternos
do espaço social caracterizado como brega.
Dessas duas classificações, o que parece coincidir é o discurso em defesa da
autenticidade de determinadas representações feito pelas esferas intelectualizadas da
música-raiz em luta simbólica entre o capital cultural de que são detentoras e o capital
econômico desfrutado pelos grandes nomes da cena sertaneja-country (ou sertanejo-pop
ou sertanejo-universitário), conforme posicionamento de Waldenyr Caldas já nos anos
1970: “a função da indústria cultural não é a de satisfazer o gosto popular, mas sim a de
explorá-lo, ainda que de forma velada. E é isso que, evidentemente, ocorre com a
49
Isso não quer dizer que consideramos a música sertaneja uma espécie de música caipira
descaracterizada e condicionada exclusivamente pelas leis do mercado fonográfico, o que a destituiria de
qualquer legitimidade no campo da música popular.
96
música sertaneja” (CALDAS, 1979, p.2). Também Hamilton Ribeiro, em 2006, utiliza a
categoria depreciativa de “sertanojo”50, ao fazer referência às novas duplas jovens do
gênero:
50
Esse termo já era largamente utilizado à época em que Hamilton Ribeiro escreveu o livro.
51
“En América Latina de los años 50 no se puede hablar de uma sociedad de consumo establecida,
consolidada, pero si de bolsones de consumo. En áreas más desarrolladas, como las metrópolis, la
presencia expresiva de las camadas medias garantizaba el desarrollo del mercado.” (GARCIA, 2009,
p.21).
52
http://www.ntelecom.com.br/users/pcastro2/revista.htm - acessado em 05.02.3013.
97
raízes culturais caipiras instaurou um padrão hierárquico que rebaixava ou excluía uma
larga parcela de práticas consideradas “alienígenas”:
Para Goiá, mais que os temas regionais, foi a forma elaborada de suas
composições que tornou sua obra sertaneja e não caipira; o cantor que
estreou com roupa de jeca não queria mais aproximação com a figura
jocosa e estereotipada do caipira. Esse desejo mostra como essas
representações, agora em conflito, adquirem sentidos diferentes
conforme suas pretensões em cada momento da carreira. (BRITO, 2010,
p.59).
A migração intensa dos moradores das áreas rurais para as cidades os colocou
não apenas nos subúrbios reais, mas principalmente nas periferias das representações
culturais hegemônicas. Negociando com o novo campo social a preservação de aspectos
indissociáveis de seus habitus constituídos, esses agentes – músicos e público –,
despossuídos do capital cultural que consagravam as elites intelectuais, lançaram mão
de “astúcias” (Certeau) e “estratégias” (Bourdieu) para sobreviver simbólicamente em
uma sociedade que se modernizava a passos largos. Se no plano ideológico as lutas
opunham a tradição à modernidade, no plano das práticas essas lutas não importavam
tanto. As mudanças na música sertaneja – fruto de acordos firmados em relações de
forças geralmente assimétricas – eram vividas de forma contraditória, mas não negadas:
98
53
Ao contemplarmos as capas dos vinte números da Revista Sertaneja podemos verificar que, com
exceção das imagens tradicionalmente estereotipadas do caipira estampadas por Alvarenga e Ranchinho,
Mazzaropi, Saracura e pelo Duo Irmãs Celeste, bem como a caracterização de vaqueiro nordestino de
Luiz Gonzaga, os demais artistas aparecem elegantemente trajados, com os homens quase sempre de
terno e gravata. Mesmo Tonico e Tinoco, que na capa do primeiro número da revista aparecem com um
figurino híbrido de caipira/mexicano, na edição 18 também vestem terno e gravata, tendo o cuidado,
porém, de ter como cenário uma igrejinha de interior com a imagem de Nossa Senhora Aparecida.
(http://www.ntelecom.com.br/users/pcastro2/revista.htm - acessado em 05.02.2013).
99
O foco principal desta tese não está direcionado apenas a um ou outro elemento
constituinte de um gênero musical. Embora a formação profissional ligada à área da
musicologia nos incline a observar primeiramente os aspectos das estruturas musicais
(ritmo, melodia, harmonia, timbres), procuramos, em um esforço teórico, trazer o objeto
de análise a outros planos analíticos, cruzando referências transdisciplinares capazes de
fornecer uma compreensão menos fragmentada e separada em determinados nichos
epistemológicos. Daí a necessidade de buscar ferramentas nas áreas de história,
sociologia, geografia humana e antropologia.
É nesta última que buscamos o conceito de etnografia como descrição de traços
e complexos culturais que visam compreender as práticas culturais. O etnomusicólogo
Anthony Seeger define a etnografia da música como “uma abordagem descritiva da
música, que vai além do registro escrito de sons, apontando para o registro escrito de
como os sons são concebidos, criados, apreciados e como influenciam outros processos
musicais e sociais, indivíduos e grupos” (SEEGER, 2008, p.239).
Considerando que a partir do século XX o suporte fundamental da música
enquanto artefato histórico é o fonograma, muitos aspectos relacionados à concepção,
criação e recepção das canções escapam ao ouvido do pesquisador. Se a base empírica é
o som gravado, não temos acesso ao gestual físico e a comunicação corporal dos
intérpretes, assim como as questões relacionadas à composição, produção,
agenciamento, seleção de repertório e músicos, etc. não estão acessíveis à investigação a
não ser que procuremos em outras fontes a complementação – razoável – das
informações necessárias para a constituição de um procedimento etnográfico.
Neste trabalho, procuramos nos cercar de referenciais teóricos transdisciplinares
para analisar um corpus musical constituído por fonogramas gravados em discos 78 rpm
(rotações por minuto) no período que vai de meados da década de 1930 ao final da
década de 1950, totalizando aproximadamente vinte e cinco anos em que um gênero
musical paraguaio – a guarânia – foi introduzido no Brasil e, transformado em suas
características musicais e ressignificado em sua carga simbólica, foi apropriado por
diversos segmentos da música popular, tendo se firmado principalmente no campo da
música sertaneja, apontando para uma conexão intensa estabelecida entre os paraguaios
100
feito por Alcino Santos, Gracio Barbalho, Jairo Severiano e Nirez em 1982 (SANTOS
et al.) que relacionou em cinco volumes a maior parte das gravações 78 rpm feitas no
Brasil desde o advento da fase mecânica em 1902 até o final de 1964. Nesse
levantamento, os pesquisadores vasculharam os arquivos (ou o que restou deles) de
mais de uma centena de gravadoras brasileiras, desde as poderosas como a Colúmbia,
Victor e Continental com sede no Rio de Janeiro e em São Paulo, até as dezenas de
pequenas gravadoras espalhadas pelo país, demonstrando a pujança da constituição de
uma indústria fonográfica brasileira que, com a popularização do disco long-playing em
meados da década de 1960 atingiu alto grau de especialização e racionalização.
A partir das informações contidas nos catálogos (divididos por gravadoras),
organizamos, para os fins de nossa pesquisa, as seguintes colunas de informação em
ordem cronológica: data da gravação; data do lançamento; nome da gravadora; número
do disco; título da canção e o lado em que se encontra (os discos 78 rpm comportavam
uma música de cada lado); número da matriz; gênero musical da canção; gênero musical
contido no outro lado do disco; nome dos autores; nome dos intérpretes; volume da
publicação em que se encontra o registro; observações relevantes. Durante
aproximadamente quatro meses nos dedicamos literalmente a “passar a régua” nos cinco
volumes da publicação, garimpando as gravações que tivessem relação com o corpus
que estávamos delineando.
O primeiro critério de seleção foi o registro do gênero musical. Selecionamos
todos os fonogramas que estavam englobados nos gêneros: guarânia, polca, polca
paraguaia, rasqueado, moda campera e tupiana. Entretanto, esse critério de nomeação
dos gêneros musicais constantes nos discos nem sempre é confiável, razão porque
lançamos mão de um segundo critério de seleção: os títulos das canções. Como já
tínhamos alguma familiaridade com o repertório de polcas paraguaias e guarânias,
passamos a considerar os títulos e descobrimos, por exemplo, que a célebre gravação da
guarânia “Meu primeiro amor” (versão da guarânia paraguaia “Lejania” de Hermínio
Gimenez, feita por José Fortuna e Pinheiro Jr. e registrada no disco Todamérica TA-
5179) feita por Cascatinha e Inhana em 1952 estava registrada como “canção” e não
como “guarânia”. Essa situação se repetiu muitas vezes, principalmente quando se
tratava de versões brasileiras de guarânias paraguaias.
O terceiro critério de seleção foi considerar os autores e intérpretes,
principalmente no caso de músicas registradas com o nome genérico de “polca”. Um
102
1. Antiguidade
2. Quantidade de vezes em que as canções foram gravadas e lançadas
3. Quantidade de gravações e lançamentos dos intérpretes
4. Discos que apresentavam gêneros contrastantes nos lados A e B,
privilegiando as polaridades: guarânia/rasqueado, guarânia/moda campera,
guarânia/polca (paraguaia), guarânia/canção, rasqueado/moda campera e
rasqueado/polca paraguaia.
Que fizeram sucesso lá? Bom, música mais conhecida é “Ponta Porã”
né. Que é homenagem à cidade. Depois tem o “Fala Coxim”, tem “Pé
de Cedro”, são músicas conhecidas. E têm outras que não me ocorre
108
agora os nomes né, mas que eram músicas que eram feitas para aquela
região, mas não música daquela região. Você me perguntou se havia
música daqueles compositores. E o Zacarias Mourão era matogrossense,
de Coxim, mas estava radicado aqui. Então é essa a razão que fez
música aqui, né.”(Brás Baccarin em 19.05.2011)
Um dos critérios que utilizamos para a seleção do corpus musical desta pesquisa
foi a classificação genérica impressa nos rótulos dos discos 78 rpm e é preciso
esclarecer que esse dado não constitui uma categorização fechada e acabada para
caracterizar o gênero de uma música. Mas, a despeito de sua relatividade, é preciso
também considerar que o rótulo nos traz informações importantes que não devem ser
descartadas. No caso da nomeação do gênero musical, o rótulo é o indício concreto de
um ou vários pontos de escuta conjugados: do compositor, dos intérpretes e dos
produtores.
Por outro lado, a recepção do público pode conferir outros significados à música,
fazendo-o associar determinado conceito genérico a outros fatores como a origem do
intérprete, sua performance, determinadas características rítmicas, tímbricas e
instrumentais, além de sua própria experiência auditiva (do ouvinte) que o leva a
configurar um quadro simbólico específico para cada música. Isso nos leva a considerar
o rótulo como um discurso sobre a música, sendo que a prática dessa mesma música
pode estar dissociada desse discurso.
109
54
Embora mantendo muitas semelhanças estruturais e identitárias com a música do Paraguai, não
incluímos o chamamé nesta pesquisa por entendermos que, embora presente também no Brasil –
principalmente no Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul –, este gênero musical representa uma
“argentinização” da polca paraguaia e da guarânia, sendo associado à identidade nacional da Argentina e
não do Paraguai.
110
. compasso 6/8;
. a ocorrência do sincopado paraguayo na linha melódica:
do outro lado a polca (paraguaia) “La canción del arriero” (matriz 3147) de Agustin
Cáceres, D.G.Serrato e Torres. O intérprete de ambos os lados é Agustin Cáceres e o
disco foi relançado – provavelmente – em agosto de 1939 (Columbia 55.108), o que
indica seu considerável sucesso comercial.
Não conseguimos localizar as gravações nem as letras, mas, considerando que a
Guerra do Chaco55 havia terminado em 1935
1935 e que, conforme Szaran (1997, p.410)
Agustin Cáceres integrou o Conjunto Folklórico Guarani (dirigido
(dirigido por Julián Rejala)
que atuou durante a guerra, podemos inferir que a letra remete a um forte sentimento
nacionalista paraguaio por duas razões: primeiro pela própria enunciação dos títulos
(“Al Paraguay” é provavelmente uma ode ao país e “La canción
canción del arriero” deve se
referir aos carregadores de mercadorias em lombo de animais) e, segundo, pelo
momento político vivido por José Asunción Flores, à época exilado em Buenos Aires e
empenhado em compor e divulgar a guarânia como um marco da identidade nacional
paraguaia, projeto assumido pelos músicos e intelectuais paraguaios exilados na
Argentina. Mais adiante, ao tratarmos dos principais intérpretes voltaremos a falar de
Agustin Cáceres.
55
Conflito deflagrado por questões territoriais entre a Bolívia e o Paraguai no período 1932/35.
112
56
http://www.dicionariompb.com.br/nho-nardo-e-cunha-jr/dados-artisticos - acessado em 09.04.2012.
113
Ex. 4: rasgueio 2
57
Sobre Nhô Pai e parceiros nos reportaremos mais adiante.
114
As vozes de Nhô Pai e Nhá Zefa (a voz masculina faz a segunda voz cantando
uma sexta abaixo da feminina) transitam em uma tessitura média, sem rubatos e
ornamentações, com glissando (portamento) nos referidos “sincopados paraguaios” e
não se furtam a emitir sapucays, gritos de euforia próprios de gêneros dançantes como a
polca paraguaia e que nunca são utilizados nas guarânias.
58
Dos dezesseis fonogramas de guarânias que analisamos, esta é a mais acelerada. A média calculada,
considerando-se o compasso 6/8, ficou em: semínima pontuada = 70. Nas duas gravações feitas por
músicos paraguaios (“Índia” pelo Conjunto Folclórico Guarany e “Recuerdos de Ypacaraí” pelo Conjunto
Alma Guarani) os andamentos utilizados foram, respectivamente, semínima pontuada = 69 e 71 (ver
tabela de análise no Anexo III).
115
59
A palavra “campera” é a forma popular de “campeira”, que se refere a campo, região rural. Na quase
totalidade dos rótulos dos discos 78 rpm constantes em Santos et al (1982) a grafia é “campera”, razão
porque optamos em mantê-la em nosso trabalho.
60
http://www.dicionariompb.com.br/arlindo-pinto/bibliografia-critica - acessado em 10.04.2012.
116
No final da década de 1950, Mário Zan (Roncade, Veneto, Itália, 1920 – São
Paulo, 2006) e Nonô Basílio (Formiga, MG, 1922 – São Paulo, 1997) inventaram um
gênero musical para se contrapor à guarânia, ao qual deram o nome de “tupiana” que,
entretanto, não obteve a repercusão desejada. Mas como é importante para nossa
narrativa constatar seu valor histórico e a preocupação de seus criadores em
“nacionalizar” a guarânia mudando até mesmo seu nome e configurações musicais, a
incluímos aqui.
Sobre Mário Zan falaremos mais adiante. Quanto a Nonô Basílio (Alcides
Felisbini Basílio), foi um compositor que transitou por diversos gêneros musicais, tendo
composto xotes, bolero-mambos, tangos, milongas, huapangos, baiões, toadas, boleros,
cururus, valsas, canções rancheiras e rasqueados. Junto com Mário Zan (um de seus
parceiros mais constantes) criou o gênero “tupiana”. Em 1972 assumiu o cargo de
diretor artístico do segmento sertanejo da gravadora Chantecler em São Paulo61.
A dupla Irmãs Celeste que gravou “Alvorada tupi” era formada pelas irmãs Diva
e Geisa Araújo (mineiras de Sacramento, MG). Em 1957 gravaram seu primeiro disco
tendo como empresário o próprio Mário Zan (com quem mais tarde Geisa veio a se
casar). No mesmo ano em que gravaram “Alvorada tupi” (1958) também lançaram a
primeira gravação do rasqueado “Nova flor” (“Os homens não devem chorar”) de
Palmeira e Mário Zan (Chantecler 78-008).62
“Alvorada tupi” é claramente uma tentativa de criação de um gênero musical a
partir de um posicionamento ideológico nacionalista que procurava substituir o
significante guarani pelo tupi, acreditando estar assim conectado com um sentido de
brasilidade em oposição a uma prática musical estrangeira (no caso, paraguaia,
representada pela guarânia).
No catálogo da discografia brasileira 78 rpm (SANTOS et al, 1982) localizamos
apenas mais uma tupiana além de “Alvorada tupi”: “Linda forasteira”, também de
Mário Zan e Nonô Basílio, gravada pelas mesmas Irmãs Celeste e lançada no início de
1959 pela Chantecler (78-0085). Curioso constatar que os lados B dos dois discos
trazem baiões, gênero associado a um nacionalismo musical que tinha em Luis Gonzaga
(amigo pessoal de Mário Zan) seu mais célebre compositor e intérprete.
61
http://www.dicionariompb.com.br/nono-basilio/obra - acessado em 10.04.2012.
62
http://www.dicionariompb.com.br/duo-irmas-celeste/dados-artisticos - acessado em 10.04.2012.
119
A letra de “Alvorada tupi” (ver letra no Anexo II) – de caráter épico cuja
narrativa busca construir um mito de origem tupi devidamente catequizado – não pode
ser descolada da música que foge aos padrões
padrões usuais de uma canção ao utilizar uma
longa e dramática introdução – que explora os registros graves e agudos das vozes das
cantoras que não economizam trêmolos e portamentos –, seguida de uma única parte A
marcada por batidas de tambor em 3/4 com intervenções
intervenções de harpa e acordeon. É de se
registrar que também na guarânia “Índia” o compositor José Asunción Flores criou uma
longa e dramática introdução instrumental – suprimida nas gravações das versões
brasileiras – o que reforça a suposição de intencionalidade
intencionalidade na criação de um gênero
musical que viesse a substituir a guarânia (carregada de significados fronteiriços e
conectada com o país vizinho).
Índia
63
Em Roche (1984, p.210) consta o ano de 1929; em Ocampo (1980, p.308) “por volta de 1926”.
Achamos mais provável que Ocampo esteja correto, pois Roche provavelmente deve se referir à criação
da segunda letra.
120
Durante mucho tiempo India poseía solo una parte; es decir, la primera.
La segunda parte nació una tarde durante un ensayo em la casa de Juan
Beloto, conocido músico y guitarrista. Este colega y amigo vivia em la
calle Aquidabán, entre Antequera y Tacuarí. La cosa fue más o menos
así... Nos preparábamos, como de costumbre, para dar uma serenata y
mientras ensayábamos surgió la melodia que faltaba. Luego introduje en
ella una suerte de “puente” para enlazar la primera con la segunda parte.
A segunda letra foi proposta por Manuel Ortiz Guerrero que alegou razões
técnicas:
64
Segundo consta em Roche (1984, p.108), Rigoberto Fontao Meza, magoado com Flores, nunca o
perdoou pela substituição de sua letra pela de Manuel Ortiz Guerrero.
65
Ver Anexo II com as duas letras e as versões em português de Ariowaldo [sic] Pires e Taiguara.
121
Las primeras guaranias no fueron sino matéria prima para realizar obras
serias y cada vez más complejas. [...] Cuando la grabé [“Índia”] al disco
causó alboroto, y también provoco ardorosas y emotivas pruebas de
aceptación. India venia precedida de una introducción que para
muchíssima gente era desconocida y rara.
Tendo gravado uma versão de “Índia” para ballet pela Orquestra e Coro da
Rádio e Televisão Soviética em 1969 (PECCI, 2004, p.215), Flores teria declarado que:
Santos Júnior credita o imenso sucesso popular (terá sido sucesso apenas nas
camadas populares?) de “India” à articulação entre “expressão da nacionalidade” e
“romantismo tardio”:
Que a letra de José Fortuna está eivada de sentimentalismo não resta dúvida.
Mas não vislumbramos uma intenção de criar metáforas para uma narrativa nacionalista
brasileira. Digno de destaque é a preocupação do poeta em afirmar o vínculo da música
com o Paraguai no último verso (“flor do meu Paraguai”) e lamentar a partida iminente
e a saudade inevitável que sentirá quando dela se separar. Poderíamos aqui fazer uma
leitura metafórica que associasse a personagem a um passado idílico, arcaico e
fronteiriço?
123
Esse curioso relato, feito a partir de uma ótica afetiva evidenciada pelo autor,
aponta para uma pergunta: José Fortuna teria feito sua versão sem conhecer a(s) letra(s)
original(is)?
O fato é que Cascatinha se interessou pela música e, juntamente com sua
parceira Inhana, começaram a cantá-la no programa ao vivo que apresentavam na Rádio
Record de São Paulo. Como o diretor artístico da Continental (onde já haviam gravado
outros discos pelo selo Todamérica) relutasse em gravá-la, Cascatinha articulou uma
estratégia relatada por Santos Júnior (2010, p.84):
Inhana já tinham em mãos a letra de José Fortuna para a Índia; aliás, até
a cantavam, como mencionamos, em seu programa ao vivo; porém o
diretor da gravadora relutava em gravá-la por já existir uma gravação
anterior da guarânia, feita pelo tenor Arnaldo Pescuma (1903-1968),
com letra de Capitão Furtado (Ariovaldo Pires – 1907-1979). Tal
gravação, no entanto, preservava o refrão da música na língua guarani, e
“o povo não entende nada”, teria argumentado Cascatinha, como se ele
entendesse. O fato é que o diretor acabou por concordar em deixá-los
gravar, mas havia ainda um segundo empecilho. Detentora dos direitos
autorais da canção, a Gravadora Fermata não permitia que um disco
apresentasse uma guarânia de um lado, e uma “música qualquer” do
outro. Haveria de serem gravadas, de acordo com suas normas, “duas
versões”, uma de cada lado, ou nenhuma.
“A gente levanta, é Índia. Vai tomar café, é Índia. A gente vai trabalhar,
é Índia. A gente vai almoçar, é Índia”. A frase, dita ao vivo pelo locutor
César de Alencar, nas ondas da PRE-8 Rádio Nacional do Rio de
Janeiro, davam a dimensão do sucesso da dupla. [...] Também o
apresentador Renato Murce, outro ícone do rádio brasileiro de então, em
seu programa Papel Carbono [transmitido pela Rádio Clube do Brasil,
do Rio de Janeiro], não deixava de mencionar Índia, Meu primeiro
amor, Cascatinha e Inhana como as “grandes novidades do ano”. Tais
reflexos do sucesso, observados no Rio de janeiro, então capital da
República e pólo irradiador de cultura, moda e costumes, dá a dimensão
do êxito das canções.
125
Tanto sucesso deu origem até mesmo a uma séria desavença entre José Fortuna e
Raul Torres, que questionou o fato de “India” já ter uma versão anterior feita por
Ariovaldo Pires (Tietê, 1907 – São Paulo, 1979), o “Capitão Furtado”. Torres chegou a
cantar uma paródia em seu programa radiofônico (Ibid., p.128):
66
Em Santos Júnior (2010, p.87-88) consta uma narrativa de Cascatinha onde ele aponta as dificuldades
para lançar sua gravação de “Índia” e “Meu primeiro amor” devido a prioridades de lançamentos de
outras gravações de “Índia” por intérpretes como Hebe Camargo, Titulares do ritmo, Mário Gennari Filho
e Serrinha e Caboclinho. Entretanto, o relato de Cascatinha não corresponde à checagem que realizamos
junto às gravações (e respectivas datas de gravação e lançamento) de “Índia” em Santos et al (1982).
127
1952) uma guarânia – a mais emblemática delas para a configuração de uma identidade
musical no Paraguai – atingiu um sucesso que surpreendeu os produtores, críticos e
comunicadores. E não podemos deixar de registrar que parece ter sido após esse boom
que a guarânia no Brasil foi paulatinamente sendo apropriada por intérpretes não
sertanejos e enquadrada no rótulo de música romântica, dissociando-se, em parte, de sua
identificação com o campo da música sertaneja no país.
Cabecinha no ombro
67
http://www.dicionariompb.com.br/paulo-borges/obra - acessado em 08.09.2012.
128
Recuerdos de Ypacarai
68
http://www.abc.com.py/edicion-impresa/artes-espectaculos/fallecio-zulema-de-mirkin-409644.html -
acessado em 10.09.2012.
129
“Noches del Paraguay” é outra famosa guarânia composta por Samuel Aguayo
(Villeta del Guarnipitán, Paraguai, 1909 – Asunção, 1993) com letra de Pedro J. Carles
(San Lorenzo, Paraguai, 1909 – San Lorenzo, 1969).
Nascido no Paraguai, a partir dos dezoito anos de idade Aguayo passou a residir
em Buenos Aires onde gravou discos e ficou conhecido como “el Gardel del Paraguay”,
tendo retornado definitivamente ao seu país em 1980. Pedro Carles escreveu a letra de
“Noches del Paraguay” quando estava na cidade de Montevidéu em 1929 (SZARAN,
1997, p.39 e 124), daí seu acentuado caráter nostálgico (ver letra no Anexo II).
130
69
Não conseguimos dados sobre Arsênio de Carvalho.
70
http://www.dicionariompb.com.br/lourivalfaissal/biografia - acessado em 10.09.2012.
131
Anahi
Chalana
O famoso rasqueado “Chalana” foi composto por Arlindo Pinto (São Paulo,
1906 – São Paulo, 1968) e Mário Zan (Roncade – Veneto, Itália, 1920 – São Paulo,
2006) provavelmente em meados da década de 1940, quando Zan viajou para as
fronteiras de Mato Grosso do Sul juntamente com Nhô Pai, Nhô Fio e Capitão
Furtado.71
Sobre Arlindo Pinto, já nos reportamos ao abordar a moda campera “Boiadeiro
bão” e sobre Mário Zan falaremos mais adiante.
Interessante notar que “Chalana”, conforme informa a Discografia Brasileira
78 rpm (SANTOS et al., 1982), teve quatro lançamentos e um relançamento antes que
o próprio Mário Zan a gravasse em 1954 e não como “rasqueado”, mas como “choro”:
1. Entre julho/agosto/52 – Duo Brasil Moreno (Star)
2. Entre outubro/novembro/53 – Tonico Melo e Ninico (Copacabana)
3. Entre abril/dezembro/54 – Duo Brasil Moreno (Copacabana)
4. Entre junho/julho/54 – Irmãs Castro (Continental) como guarânia e não
como rasqueado; esta gravação foi relançada posteriormente (em data
imprecisa anterior a setembro/59) pela Caboclo, evidenciando o sucesso da
gravação
5. Setembro/54 – Mário Zan – acordeão (RCA Victor) como “choro”
A letra descreve uma paisagem familiar aos habitantes do Pantanal: o rio que faz
a divisa entre o Brasil e o Paraguai (ver letra no Anexo II).
Morrendo de amor
71
http://www.dicionariompb.com.br/mario-zan/bibliografia-critica - acessado em 09.04.2012.
133
Paraguayta
72
Não conseguimos localizar qualquer informação sobre Maximino Parisi.
73
http://www.dicionariompb.com.br/canarinho/obra - acessado em 11.09.2012.
134
A famosa guarânia “Mis noches sin ti” (letra e versões no Anexo II) é de autoria
de Demetrio Ortiz (Pirebebuy, 1916 – Buenos Aires, 1975) e María Teresa Marquez,
nome artístico de María Teresa Villone. A respeito de Demetrio Ortiz já nos reportamos
quando falamos sobre a guarânia “Recuerdos de Ypacarai”. Sobre María Teresa
Marquez paira certa aura de mistério. Não constam informações sobre a autora na
bibliografia de música paraguaia que consultamos. A web page Nostalgias de mi
litoral74, dedicada à música da fronteira da Argentina com o Paraguai se reporta a ela
para informar seu nome real (María Teresa Villone) e mostrar a capa de um LP 33 rpm
gravado por ela com duas guarânias, duas polcas, dois chamamés, uma zamba e um
estilo, pelo selo argentino “Discos Pampa” (pela foto não é possível precisar a data).
Porém, no site El folklore argentino75, há um foro de discussão dedicado ao
folclore daquele país, onde dois internautas (Malambo e Guillermo Seara) trocam um
rápido diálogo realizado no dia 04.10.2007:
74
http://www.nostalgiasdemilitoral.com/2010/09/maria-teresa-marquez-con-armando.html - acessado em
10.09.2012.
75
http://elfolkloreargentino.com/foro/viewtopic.php?t=589&sid=d2269c23a633285621c75fbddef1db55 -
acessado em 10.09.2012.
135
76
Com exceção de Cuiabá, todas as outras cidades citadas na letra são de Mato Grosso do Sul.
136
A polca paraguaia “Paloma blanca” foi composta por Neneco Norton (Assunção,
1923), cujo nome real é Elio Ramón Benítez. A partir da década de 1940 integrou
diversos grupos musicais, tendo criado o Trío Carioca y los Caballeros del Ritmo, com
o qual fez diversas turnês pelo Brasil e Argentina. Sua polca mais famosa é “Paloma
blanca”, cujos direitos autorais foram vendidos (SZARAN, 1997, p.334). A letra é feita
em yopara, mistura dos idiomas guarani e espanhol (ver letra e versão de Teddy Vieira
no Anexo II)
No Brasil, no ano de 1959, “Paloma blanca” mereceu quatro gravações e
lançamentos diferentes (SANTOS et al., 1982):
1. Agosto/59 – Julio Cesar del Paraguay (Chantecler)
2. Setembro/59 – Irmãs Galvão (Chantecler) em versão de Teddy Vieira como
“Rola mensageira”
3. Outubro/59 – Los Fronteiriços (RCA Victor)
4. Dezembro/59 – Los Zorzales Guaranies (Philips)
O critério para a seleção das canções que foram abordadas nesta seção foi
quantitativo: canções que tiveram de quatro a vinte e dois lançamentos em discos 78
rpm até o final da década de 1950. Porém, não poderíamos deixar de dedicar algumas
linhas a outra guarânia paradigmática: “Lejania”, ou como ficou mais conhecida no
Brasil: “Meu primeiro amor”. Embora tenha havido três lançamentos desta guarânia, ela
figurou no lado B do famoso (e já clássico) disco que Cascatinha e Inhana gravou pela
Todamérica em 1952 e que tinha no lado A a guarânia “India”.
“Lejania”, cuja letra mistura os idiomas guarani e espanhol (ver no Anexo II) é
de autoria de Hermínio Giménez (General Bernardino Caballero, Paraguai, 1905 –
Assunção, 1991). Um dos mais importantes compositores paraguaios, Hermínio
137
Gimenez esteve bastante ligado ao meio musical argentino (residiu em Buenos Aires e
Corrientes) e brasileiro. Morou no Rio de Janeiro por três anos no início da década de
1940 e na década de 1950 rodou o Brasil em turnês, tendo gravado discos com seu
conjunto folclórico “Ponta Porã” e com o “Quinteto Victoria”. Segundo Szaran (1997,
p.224):
4. Músicos e compositores
Irmãs Castro
Maria de Jesus Castro (Itapeva, SP, 1926) e Lourdes Amaral Castro (Bauru, SP,
1928 – Jarinu, SP, 2011) formaram uma das duplas sertanejas femininas de maior
sucesso no Brasil. Iniciaram a vida artística ainda adolescentes, e, pelas mãos de Nhô
Pai (e acompanhadas pela mãe) cantaram no Rio de Janeiro (rádios Nacional, Tupi,
Globo e Mayrink Veiga, além de cassinos) e São Paulo (rádios Cultura, Tupi e
Bandeirantes); nessa cidade foram contratadas com exclusividade pela rádio Record
(ENCICLOPÉDIA..., 2000, p.71).
77
Para mais informações sobre Ricardo Granda, “O gato que ri” e o papel dos paraguaios na configuração
histórica e cultural de Campo Grande, consultar ARCA – Revista de Divulgação do Arquivo Histórico
de Campo Grande, MS no. 4, dezembro de 1993.
139
Em 1944 gravaram seu primeiro 78 rpm pela Continental (disco no. 15.190)
lançado em agosto daquele ano, contendo no lado A o corrido (gênero musical
mexicano) “Não me escrevas” de Gabriel Ruiz e Nhô Pai, e no lado B o rasqueado “Che
cambu” (“Vem cá”) de Nhô Pai. Tornaram-se uma espécie de especialistas em
repertório de rasqueados, guarânias e versões de músicas paraguaias, tendo lançado, no
período compreendido entre 1944/59, quinze rasqueados, doze guarânias (considerando
que “Recordações de Ipacaraí” – Continental 17.133, foi lançada como “canção”, mas é
uma guarânia) e três polcas paraguaias, sendo que dessas trinta gravações feitas pela
Continental, vinte e quatro foram reeditadas no mesmo período pela Caboclo, o que
evidencia o enorme êxito comercial que alcançaram.
Um de seus maiores sucessos no Brasil foi o corrido “Beijinho doce” de Nhô
Pai, gravado em 1945 (Continental 15.393) que também foi reeditado pela Caboclo
(CS-104) na segunda metade dos anos 1950.
Segundo Ribeiro (2006, p.114), as Irmãs Castro serviram de “inspiração e de
apoio para as Irmãs Galvão”.
Além de se apresentarem em circos e rádios pelo interior do Brasil, também
cantaram no Paraguai, Argentina e Uruguai. Um dos fatos mais memoráveis (e
confirmado a nós por Pápi Galan em conversa informal após a entrevista realizada em
06.11.2011) foi a temporada que elas realizaram em Assunção em meados dos anos
1950. Segundo consta, o sucesso foi tão grande que, contratadas para uma semana de
shows no Teatro Vitória (o maior da cidade), acabaram ficando um mês, sendo
transferidas para o Teatro Municipal sempre com lotações esgotadas. O motivo da
transferência de teatros foi que o conjunto americano The Platers tinha agendada uma
série de apresentações no Teatro Vitória. Enquanto as Irmãs Castro estiveram em
Assunção sempre com casa lotada, os The Platers não conseguiram lotar o teatro em que
se apresentavam. Tratadas como celebridades, voltaram ao Brasil em avião cedido pelo
governo do Paraguai. Entre as músicas que fizeram maior sucesso naquele país estão as
guarânias “brasileiras” “Che Yara porã tupy” de Rielinho e Ariovaldo Pires (Capitão
Furtado) e “Che china mi” de Antônio Cardoso e Ariovaldo Pires.78
Cumpre registrar que “Che china mi” não foi gravada pelas Irmãs Castro, mas
havia sido gravada pela Continental (15.194) em 1944 pelo Conjunto Folclórico
Guarany de Julian Rejalla (SANTOS et al., 1982), o que evidencia um trânsito de
78
http://www.dicionariompb.com.br/irmas-castro/shows - acessado em 10.04.2012.
140
repertórios que não se fez apenas no sentido Paraguai-Brasil, mas também no sentido
Brasil-Paraguai, isto é, guarânias e rasqueados feitos por compositores brasileiros que se
transformaram em hits no próprio Paraguai.79
Alguns músicos são como eixos que, por conta das múltiplas relações que
estabelecem, aglutinam outros agentes e acabam se tornando produtores musicais. Este
é o caso de Diogo Mulero, o Palmeira (Agudos, SP, 1918 – São Paulo, 1967) que, ao
longo de sua carreira, formou três duplas de sucesso (Palmeira e Piraci, Palmeira e
Luizinho e Palmeira e Biá) e se tornou diretor artístico do setor sertanejo da RCA Victor
e diretor geral da Chantecler.80
Com Miguel Lopes Rodrigues, o Piraci (Piracicaba, SP, 1917 – Caieiras, SP,
1974), Palmeira trabalhou no período 1941/46. Contratados por Oduvaldo Viana
começaram atuando na Rádio Difusora de São Paulo no programa Arraial da Curva
Torta, do Capitão Furtado e gravaram o rasqueado “Caboclinho apaixonado” de
Serrinha, Palmeira e Piraci em 1942 pela Victor (34970). Passaram uma temporada no
Rio de Janeiro se apresentando na Rádio Nacional e no Cassino Atlântico e em 1944, já
de volta a São Paulo, gravaram o rasqueado “Paraguaya, pepita de oro” de Palmeira e
Ariovaldo Pires pela Continental (15.191).
Seu primeiro parceiro Piraci iniciou a carreira em 1937 e formou as duplas:
Irmãos Piracicabanos (com seu irmão Santiago Lopes), Piraci e Jorginho (que ficaram
conhecidos como “os garimpeiros da música sertaneja”), Palmeira e Piraci, Piraci e
Guarani e Piraci e Cuiabá. Em 1957 passou a dedicar-se mais ao humorismo, viajando
pelo país e se apresentando em shows acompanhado por Mário Zan. Dirigiu o setor
79
Este não é o único caso registrado. Ferrete (1985, p.66) informa que o rasqueado “Paraguayita, pepita
de oro” (ou “Paraguaia, pepita de ouro”) de Palmeira e Ariovaldo Pires “chegou a ser a música predileta
do presidente Higino Morínigo, que, desejando conhecer o autor da letra, convidou Ariovaldo Pires para
visitar o país junto com uma comitiva brasileira. ‘Morínigo fez até mesmo uma carta de agradecimento
para mim’, contava Ariovaldo orgulhoso. ‘Negrão de Lima, que era embaixador brasileiro no Paraguai, na
ocasião, chegou a dizer-me que eu havia feito mais pelo Brasil na época que toda a diplomacia brasileira
em muitos anos’.” Lembramos que Higino Morínigo foi presidente do Paraguai no período 1940/48, e que
“Paraguaya, pepita de oro” teve duas gravações no Brasil em 1944: uma como rasqueado pela dupla
Palmeira e Piraci (Continental 15.191) e outra como “canção” pelo Conjunto Folclórico Guarany
(Continental 15.283) (SANTOS et al., 1982). Também até hoje a bela guarânia “Saudade” de Mário
Palmério (escritor, poeta, político e embaixador do Brasil no Paraguai no início da década de 1960), é
bastante popular naquele país.
80
http://www.recantocaipira.com.br/palmeira_fotos.html - acessado em 09.04.2012.
141
81
http://www.piraci.art.br/index2.html - acessado em 11.04.2012.
82
Mesmo após a separação, Palmeira e Luizinho voltaram a gravar um disco 78 rpm em 1956 que
continha o rasqueado “Boliviana” de Palmeira e Teddy Vieira (RCA Victor 80.1592).
142
trio Luisinho, Limeira e Zezinha, que se apresentou com muito sucesso em circos e
circos-teatro, recebendo o título de “Trio Orgulho do Brasil”. 83
A terceira dupla formada por Palmeira foi Palmeira e Biá (Sebastião Alves da
Cunha, Coromandel, MG, 1927) em 1952. Logo no primeiro ano de atuação, gravaram
dez discos 78 rpm e em 1954 excursionaram pelo país com Mário Zan. 84
Seu primeiro grande sucesso aconteceu em 1956 quando gravaram o bolero
“Boneca cobiçada” de Biá e Bolinha (RCA Victor 80.1718). Brás Baccarin, em
entrevista de 19.05.2011 fornece informações muito importantes sobre “Boneca
cobiçada”, a dupla Palmeira e Biá e as condições de transformação de paradigmas no
campo da música sertaneja:
A dupla Palmeira e Biá gravou muitos gêneros musicais: fox, boleros, sambas-
canções, calipsos, calipsos-mambos, baiões, mas também gravou, no período que vai de
1954 a 1959, cinco guarânias (sendo que uma é versão), três polcas (sendo duas versões
83
http://www.dicionariompb.com.br/luizinho-limeira-e-zezinha/dados-artisticos - acessado em
15.09.2012.
84
http://www.dicionariompb.com.br/palmeira-e-bia/discografia - acessado em 11.04.2012.
143
85
http://www.dicionariompb.com.br/palmeira-e-bia/discografia - acessado em 11.04.2012.
144
86
Dez anos antes da célebre gravação feita por Cascatinha e Inhana.
145
Serrinha e Caboclinho87
Antenor Serra, o Serrinha (Botucatu, SP, 1917 – 1978) era filho de um italiano
motorista de taxi e sobrinho de Raul Torres. Aprendeu a tocar viola com Lopinho, um
famoso violeiro de Botucatu. Aos dezoito anos começou a trabalhar na Estrada de Ferro
Sorocabana (assim como seu tio Raul Torres) em Botucatu e dois anos depois conseguiu
ser transferido para a capital paulista onde começou a vida artística. Em 1968 se
aposentou como funcionário da Estrada de Ferro.
Ao chegar a São Paulo, em 1937, na pensão onde foi morar, conheceu um
bombeiro que atendia pelo apelido Mulatinho e cujo nome real era Luiz Marino Rebelo
e que veio a ser seu futuro parceiro Caboclinho (falecido em 1957).
Nesse mesmo ano formou um trio com Raul Torres e Caboclinho e no ano
seguinte um conjunto sertanejo com Raul Torres e Rielli (seria Osvaldo Rielli, o
Rielinho?).
Compôs diversos rasqueados, modas de viola, toadas, cateretês, valseados,
cururus e catiras, tendo gravado grandes sucessos como “Meu cavalo zaino” de Raul
Torres (1939), a toada “Cabocla Tereza” de Raul Torres e João Pacífico (1940) e a
moda de viola “Moda da pinga” de Cunha Jr. (1940).
Em 1943 rompeu a parceria com Raul Torres e formou oficialmente a dupla
Serrinha e Caboclinho com a qual gravou mais de cinquenta discos rpm, entre os quais a
toada “Chitãozinho e Xororó” de Serrinha e Athos Santos (1947) que continha no lado
B o rasqueado “Linda guarani” de Serrinha e Caboclinho.
Com a inclusão do acordeão de Osvaldo Rielli, o Rielinho (São Paulo, SP, 1917)
formou um trio que ficou conhecido como “o mais querido do Brasil”.
Com a morte de Caboclinho, Serrinha e Rielinho passaram a se apresentar com
Zé do Rancho (João Izidoro Pereira). Em 1968, Serrinha retirou-se da vida artística por
problemas cardíacos e faleceu em 1978 aos sessenta e um anos de idade.
87
Informações obtidas a partir do cruzamento de dados encontrados na Enciclopédia da música
brasileira: sertaneja (2000, p.141) e nos sites:
http://www.dicionariompb.com.br/serrinha-e-caboclinho/discografia – acessado em 11.04.2012 e
http://www.revivendomusicas.com.br/biografias_detalhes.asp?id=195 – acessado em 11.04.2012.
146
são a gente que sofreu muito mais que nós. [...] aquela época era muito
duro a vida para todo mundo. A maioria não chegaram [sic] aonde
queriam de ganhar um dinheiro, ter um carrinho assim, Aristides Valdez
nunca chegou a ter um carro, nunca chegou... não. Ele morreu no
Paraguai, no Paraguai já com oitenta e quatro, oitenta e cinco anos, já
foi ficar lá, ele foi no Paraguai com a Índia Dini sua mulher e depois
que morreu ele a India Dini voltou prá São Paulo e... eu acho que a essa
altura já morreu também a India Dini...(Papi Galan em 06.11.2011)
Todamérica, Columbia e Odeon, das quais vinte e uma polcas, três guarânias e um
galope.
Cascatinha e Inhana
88
Fonograma disponível no site do Instituto Moreira Salles.
89
http://bossa-brasileira.blogspot.com.br/2011/12/cascatinha-inhana-cascatinha-inhana.html - acessado
em 15.11.2012.
90
http://www.recantocaipira.com.br/cascatinha_inhana_discografia.html - acessado em 15.11.2012.
149
Em 1981, o casal é premiado pela Ordem dos Músicos do Brasil como a Melhor
Dupla pelo conjunto de obras caipiras e em junho do mesmo ano Inhana morre aos
150
Aliás, São Paulo era um mundo separado do disco, entre Rio de Janeiro
e São Paulo. Artista de São Paulo não penetrava no Rio de Janeiro.
Pode ver que os artistas aqui gravavam aqui mais para a região de São
Paulo, Minas e Mato Grosso, então somente a partir da Rádio Nacional
na década de 50, principalmente como o programa do Alencar, me foge
o nome dele agora... César de Alencar. César de Alencar tinha um
programa de quatro horas na Rádio Nacional aos sábados e eu ouvia
muito os programas aqui em São Paulo. Foi aí que ele começou a levar
151
artista de São Paulo prá lá: Isaura Garcia, Wilson Roberto, o João Dias
que depois foi morar no Rio de Janeiro né. Então isso começou a
popularizar. Mas a música sertaneja nunca entrou no Rio de Janeiro.
91
http://www.musicaparaguaya.org.py/julianrejala.htm - acessado em 09.04.2012.
152
Tonico e Tinoco
Os irmãos Tonico (João Salvador Perez, São Manuel, SP, 1917 – São Paulo,
1994) e Tinoco (José Perez, Pratânia, SP, 1920 – São Paulo, SP, 2012) são considerados
uma das mais importantes duplas sertanejas do Brasil.
Oriundos do meio rural, filhos de um imigrante espanhol e brasileira
descendente de negros e bugres, desde a infância viveram em um ambiente musical,
153
haja vista que seus avós maternos tocavam em bailes, e praticamente toda a família da
mãe era de músicos. Essa vivência musical familiar os levou desde cedo a se
apresentarem como amadores em festas de bairro e emissoras de rádio do interior, até a
mudança da família para São Paulo em 1941. Acumulando prêmios em concursos de
calouros em rádios, conseguiram (também através de um concurso) em 1942 um
contrato para substituir a dupla Palmeira e Piraci no programa Arraial da Curva Torta
que Capitão Furtado apresentava na Rádio Difusora. A partir daí, iniciaram uma carreira
que se estendeu por mais de cinqüenta anos e que deixou como saldo oitenta e três
discos 78 rpm, quatorze compactos duplos, nove compactos simples e oitenta e quatro
LPs (além das remasterizações e relançamentos em cerca de sessenta CDs), dois livros,
um método de viola e participação em sete filmes de longa metragem. Calcula-se que
tenham realizado cerca de quarenta mil shows pelo país92.
Sempre estiveram também vinculados ao mundo do circo, seja como autores de
peças teatrais – o Dicionário da Música Popular Brasileira93 contabiliza vinte e cinco
obras – seja como diretores de uma companhia circense ou mesmo através de constantes
shows em picadeiros de circos que não abandonavam apesar da fama e prestígio
alcançados através do rádio e televisão e da venda de mais de vinte milhões de discos.
O primeiro disco 78 rpm da dupla foi lançado em 1944 e em 1957 lançaram seu
primeiro LP, ambos pela Continental. No transcorrer dos anos trocaram muitas vezes de
gravadora, passando pela Philips, Chantecler, RCA-Victor, Copacabana, RGE e
Polygram. A dupla Irmãos Perez (cujo sobrenome os associava à ascendência
espanhola) que teve o nome trocado para Tonico e Tinoco por sugestão do Capitão
Furtado (Ariovaldo Pires)94 e que logo de início se destacou pelo “modo diferente de
afinação, fino e bem alto” e que recebeu o epíteto “Dupla coração do Brasil”, foi
também pioneira na racionalização de seu trabalho de artistas sertanejos ao abrir, ainda
na década de 1940, um escritório próprio para administrar a carreira.95
92
http://www.tonicoetinoco.com.br/ - acessado em 15.11.2012.
93
http://www.dicionariompb.com.br/tonico-e-tinoco/ - acessado em 15.11.2012.
94
Esse discurso que atribui ao Capitão Furtado um marco fundador na nominação da dupla pode ser
colocado em dúvida pela evidência do lançamento de um 78 rpm em agosto de 1941 (Columbia 55.288) –
antes portanto da participação deles no programa Arraial da Curva Torta em 1942 – quando Tonico já
aparece com este nome ao gravar na Columbia (55.288) o rasqueado “Rumo a Ponta Porã” (de Nhô Fio e
Rielinho) com Nhô Fio (César Durval Sampaio). Em abril de 1942 é lançado outro 78 rpm (Columbia
55.331) que contem o rasqueado “Casinha de Carandá” (de Nhô Pai) onde constam os intépretes: Nhô Pai
e Tonico.
95
http://www.dicionariompb.com.br/tonico-e-tinoco/ - acessado em 15.11.2012.
154
O papel desempenhado por Nhô Pai (João Alves dos Santos, Paraguaçu Paulista,
SP, 1912 – 1988) no campo da música sertaneja do Brasil ainda está para ser escrito.
Autor conhecido por seus numerosos rasqueados, também compôs toadas, modas de
viola, cateretês, valseados e até mesmo tangos, totalizando mais de cinqüenta canções,
das quais se destacam o corrido “Beijinho doce” gravado pela primeira vez pelas Irmãs
Castro em 1945 e os rasqueados “Ciriema” e “Orgulhoso” em parceria com Mário Zan.
96
http://www.dicionariompb.com.br/tonico-e-tinoco/ - acessado em 15.11.2012.
97
http://www.dicionariompb.com.br/tonico-e-tinoco/ - acessado em 15.11.2012.
155
As parcerias como intérprete feitas por Nhô Pai nas décadas de 1940/50
incluíram pessoas do seu círculo familiar como Nhá Zefa (Maria di Léo, sua irmã) e
Nhá Fia (Nair de Campos, sua prima98), além de seu compadre Nhô Fio (César Durval
Sampaio),99 seu irmão Fiico (Antoninho Honório) e até mesmo Tonico (da dupla Tonico
e Tinoco quando estes tinham acabado de chegar a São Paulo em 1941). Como
compositor, seus parceiros mais constantes foram Nhô Fio, Ariovaldo Pires (Capitão
Furtado), Piraci (Miguel Lopes Rodrigues), Rielinho (Osvaldo Rielli) e Mário Zan.
O Dicionário Cravo Albim da Música Popular Brasileira100 relata que em
1943 Nhô Pai, junto com Nhá Fia e Mário Zan, viajou pelo interior do Estado de São
Paulo, pelo Triângulo Mineiro, Goiás e Mato Grosso em excursão organizada por
Capitão Furtado: “atravessaram pastos em carros de bois, viajaram em caminhões de
mudança, apresentando-se em todos os lugares possíveis, cinemas, salões de igrejas e
pracinhas”; em 1947 teria empreendido nova viagem para Mato Grosso acompanhado
por Nhô Fio e Rielinho, no curso da qual teria composto diversos rasqueados, incluindo
“Casinha de carandá” feita em parceria com Bolinha (Euclides Pereira Rangel).
O que as fontes bibliográficas consultadas não contam, é que Nhô Pai já estava
vinculado à fronteira paraguaia desde a década de 1930, quando serviu em uma unidade
do exército brasileiro, conforme relato de Brás Baccarin que entrevistamos em
19.05.2011:
O compositor de Beijinho Doce, Nhô Pai, você conhece de nome, né.
Uma ocasião conversando comigo na Chantecler eu perguntei: me conta
um pouco a estória aí do rasqueado. [Ele] Disse: quem criou o
rasqueado fui eu. Apesar que o Raul Torres também diz que foi ele né.
Mas o Nhô Pai explicou o seguinte: por volta de 1933, 34, ele servia o
exército em Mato Grosso. E nas folgas ele ia ver os paraguaios tocar
aquelas polcas, aquelas coisas deles, as guarânias e tudo o mais e tal e
ouvia muito essa expressão: rasqueia aí. Que é ... né... E ele ficou
pensando naquilo. Áh, isso aí... dá um... criar alguma coisa nova. E aí
ele criou o rasqueado que na verdade é uma mistura da polca com a
guarânia né, mas criou um ritmo brasileiro.
98
Nair Campos, a Nhá Fia, era irmã do compositor e radialista Biguá ou Comendador Biguá (José Ângelo
de Campos, Paraguaçu Paulista, SP, 1924 – Tupã, SP, 1974) e casou-se em 1950 com Motinha (Mário
Pinto da Mota, Cruzeiro, SP, 1922) da dupla Mota e Motinha e montaram o Circo Motinha
(ENCICLOPÉDIA..., 2000, p.98 e http://www.recantocaipira.com.br/comendador_bigua.html - acessado
em 23.11.2012).
99
Após o fim da parceria com Nhô Pai, Nhô Fio fez parceria com seu filho César Durval Sampaio Filho,
o Nhô Neto ou Netinho.
100
http://www.dicionariompb.com.br/nho-pai/dados-artisticos - acessado em 09.04.2012.
156
Então Nhô Pai serviu o exército no Mato Grosso uno, onde foi, no sul,
atual Mato Grosso do Sul?
101
Conforme relatou o próprio compositor em entrevista concedida a Moraes Sarmento no programa
Viola Minha Viola em 1980 e disponível no http://www.youtube.com/.
157
No Circo Nhô Pai passaram nomes importantes da música sertaneja como Nonô
e Naná, Tonico e Tinoco, Liu e Léu, Vieira e Vieirinha e Moraes Sarmento (conforme
entrevista ao “Viola minha viola”). Até mesmo a cantora sul-mato-grossense Delinha
(Delanira Pereira Gonçalves) da dupla Délio e Delinha, famosa por seus rasqueados, no
início da carreira se apresentou no Circo Nhô Pai, por volta de 1960, em Campo
Grande, e atribui ao compositor o fato de ter trazido o rasqueado para a região:
Foi. É que lá já tinha gente que cantava rasqueado, porque quem trouxe
mais o rasqueado prá cá foi o Nhô Pai, Nhô Fio. Eu lembro dele muito
mal em 60 parece... Nós fizemos um show aqui em Campo Grande
quando nós chegamos, primeira vez, de São Paulo, nós fizemos um
show aqui onde é o mercadão, que não tinha o mercadão, era a feira ali,
então ali tinha um largo ali que armava circo... Então ali era o circo Nhô
Pai Nhô Fio...
O circo deles?
É. E também o... o... outro artista também que não tô lembrando o nome
agora... antigo também... que fez... o Mário Zan também, o Mário Zan
que esteve aqui com o Raul Torres... que é... “Chalana”, aquela coisa
toda... então, aquilo já é rasqueado, então a gente acostumou com isso.
Não, eu não lembro, acho que eu nem conversei direito com ele, era o
dia de espetáculo aquela coisa né. Eu nunca tive amizade assim com ele.
158
Não, aí eu fui embora prá São Paulo. Porque dei o show aqui, fiquei uns
dias aqui em casa, porque aqui eu moro aqui desde... faz sessenta e
cinco anos que eu moro aqui, fui criada aqui, eu tenho a música da
“Velha Casinha” que eu fiz, sabe, onde eu fui criada, aí depois que veio
essa parte aqui.
É, ele tava aqui mais ou menos em 59, 60 não sei. Mas a temporada é
pouca que eles ficam né, porque aí eles vão prá outro canto. (Entrevista
realizada em 02.06.2011)
Raul Montes Torres (Botucatu, SP, 1906 – São Paulo, 1970) foi um dos mais
importantes músicos sertanejos do Brasil. Filho de espanhóis, foi para São Paulo tentar
a carreira artística, e em 1927 cantava modas de viola na Rádio Educadora Paulista
(depois rádio Gazeta) e gravou seu primeiro disco no selo Brasilphone registrando, de
sua autoria, a embolada “Segura o coco, Maria” e o samba “Verde e amarelo”,
antecipando a versatilidade que marcaria sua carreira. Na Columbia, em 1930/31
participou da Série Caipira Cornélio Pires gravando quatro músicas sob o pseudônimo
de Bico Doce, acompanhado de Sua Gente do Norte. Ao longo de sua trajetória integrou
o conjunto Raul Torres e os Turunas Paulistas, um trio com Serrinha e Mariano, trio
com Serrinha e Caboclinho, trio com Serrinha e Rielli, o trio Os Três Batutas do Sertão
102
Entrevista concedida a Moraes Sarmento no programa Viola Minha Viola em 1980 e disponível no
http://www.youtube.com/.
159
com Florêncio e José Rielli (depois substituído pelo filho Emílio Rielli) e duplas com
João Pacífico, Joaquim Vermelho, Serrinha e Florêncio (ENCICLOPÉDIA..., 2000,
p.154 e 142).
Seu ecletismo o levou a compor e/ou gravar modas de viola, emboladas, sambas-
canção, choros, cateretês, jongos, toadas, maracatus, cocos, milongas, sambas, valsas,
recortados, além de, no período entre 1943/59, nove rasqueados, dez guarânias e uma
moda campera (SANTOS et al., 1982), sendo que em 1934, sua batucada paulista “A
cuíca está roncando”, gravada no Rio de Janeiro se tornou uma das músicas mais
cantadas no carnaval de 1935.103
Com a dupla Raul Torres e Serrinha (Antenor Serra, Botucatu, SP, 1917 – 1978)
gravou cerca de cinquenta discos 78 rpm, e com a dupla Raul Torres e Florêncio (João
Batista Pinto, Barretos, SP, 1910 – 1970) mais de cem músicas, em um total de mais de
duzentos discos e trezentas e cinquenta composições.
Florêncio iniciou sua carreira na década de 1930 quando integrou o trio Os Três
Batutas do Sertão, com José Rielli (substituído a partir de 1947 pelo filho Emílio Rielli,
conforme a ENCICLOPÉDIA..., 2000, p.156) e Raul Torres. Sua primeira gravação foi
em 1932 com Raul Torres, com quem veio a formar uma dupla em 1942 e que durou
vinte e oito anos, encerrando-se em 1970. Consta que em 1950, junto com Raul Torres,
fez uma excursão ao Paraguai.104
Também digno de registro é a parceria entre o compositor paraguaio Maurício
Cardozo Ocampo – autor de polcas e guarânias importantes – e Raul Torres no baião
intitulado “Paraguai no baião”, gravado por Raul Torres, Florêncio e Rosita del Campo
no 78 rpm Copacabana 5.634 lançado em 1956 (SANTOS et al., 1982).
Sem apontar as fontes, Rosa Nepomuceno (1999, p.123) afirma que Raul Torres
foi ao Paraguai em 1935 e “reivindicou a introdução dos rasqueados e das guarânias na
música sertaneja.” Mais adiante (1999, p.130), Nepomuceno afirma que Mário Zan,
com Nhô Pai também reivindicaram a introdução do rasqueado na música brasileira,
sendo que Mário Zan teria dito à autora: “Raul Torres? Nem pensar! Ele só chegou até
Campo Grande e gostava de cantar moda de viola.” Logo adiante, Nepomuceno afirma:
O Duo Brasil Moreno (que surgiu como quarteto, depois virou trio e finalmente
duo em 1951) foi integrado pelas irmãs Dora de Paula (Guariba, SP, 1917) e Antônia
Glória de Paula, a Didi (Guariba, SP, 1914 – 2005) que passaram a infância e
adolescência na cidade paranaense de Cambará, tendo fixado residência em São Paulo
em 1940. Três anos depois, e após se apresentarem em diversos programas de calouros
nas rádios Record e Cultura, foram contratadas pela Record. Até hoje são lembradas por
suas participações nos programas sertanejos daquela emissora como o História da
Música, de Almirante (Henrique Foreis Domingues) e pelo programa semanal que
apresentaram por quase duas décadas.106
A primeira gravação do célebre rasqueado “Chalana” de Mário Zan e Arlindo
Pinto foi feita pelo Duo Brasil Moreno em 1952 na gravadora Star (78 rpm no. 370) e
relançada em 1954 pela Copacabana (78 rpm no. 5.336). Curiosamente, “Chalana”
estava no lado B do disco, sendo que no lado A figurava outro rasqueado:
“Abandonada” de Mário Zan e Palmeira.
Entre suas gravações 78 rpm no período de 1952 a 1958 constam diversos
rasqueados e uma rara guarânia de Mário Zan e Palmeira: “Nostalgia do Paraguay”
(Copacabana 5.152) lançada em 1953.
Rielinho
105
A cantora Delinha (Delanira Pereira Gonçalves) da dupla Délio e Delinha relatou em entrevista
realizada em 02.06.2001 que tanto Nhô Pai (com seu circo) e Mário Zan, como Raul Torres realmente
estiveram em Campo Grande.
106
http://www.dicionariompb.com.br/duo-brasil-moreno/discografia - acessado em 11.04.2012.
161
Irmãs Galvão108
Mary Zuil Galvão (Ourinhos, SP, 1940) e Marilene Galvão (Palmital, SP, 1942),
as Irmãs Galvão (ou simplesmente As Galvão, como passaram a denominar a dupla a
partir da década de 1980) ingressaram na vida artística ainda crianças apresentando-se
em Sapezal, interior de São Paulo e cantando na Rádio Marconi de Paraguaçu Paulista.
Logo passaram a participar de programas de rádio em Assis (SP) e Maringá (PR). Em
1952 participaram de um concurso de calouros na Rádio Piratininga de São Paulo, e a
partir daí passaram pelas rádios Nacional (de São Paulo), Bandeirantes e América.
Em 1955 começaram a gravar discos 78 rpm na RCA Victor, para onde foram
levadas por Palmeira (Diogo Mulero), então diretor artístico do setor sertanejo daquela
gravadora. Posteriormente passaram pela Chantecler, RCA Camdem, Phillips,
Sertanejo, Caboclo, Continental, Warner e Itamaraty.
Como todos os músicos sertanejos da época, também cantaram em circos,
emissoras de rádio, ginásios, clubes, praças, etc.. Bastante conhecidas pelo repertório de
rasqueados, versões de polcas paraguaias e guarânias, também gravaram boleros,
canções rancheiras, corridos, toadas, pagodes, lambadas e até mesmo MPB (Música
Popular Brasileira). Indicadas ao Grammy Latino receberam em 1993 o prêmio Sharp
de Melhor Dupla Sertaneja do ano.
Mário Zan109
107
http://www.dicionariompb.com.br/rielinho/discografia - acessado em 10.04.2012.
108
Dados compilados e confrontados com os disponíveis nos sites:
http://www.asgalvao.com.br/index.html - acessado em 12.04.2012 e
http://www.dicionariompb.com.br/as-galvao - acessado em 12.04.2012
bem como na Enciclopédia da Música Brasileira: sertaneja (2000) e no catálogo de gravações 78 rpm
(SANTOS et al., 1982).
109
Os dados foram obtidos a partir do cruzamento de informações constantes nos sites
http://www.boamusicaricardinho.com/mariozan_100.html - acessado em 09.04.2012,
http://www.dicionariompb.com.br/mario-zan/bibliografia-critica - acessado em 09.04.2012 e
http://www.terra.com.br/musica/2002/06/21/007.htm - acessado em 20.11.2012, além da Enciclopédia
da Música Brasileira: sertaneja (2000) e do catálogo de gravações 78 rpm (SANTOS et al., 1982).
163
110
Há um desencontro de informações nas fontes consultadas sobre as emissoras de rádio onde Mário Zan
trabalhou no início da carreira.
111
Na Enciclopédia da Música Brasileira: sertaneja (2000) consta a informação não confirmada de
que, encerrada a temporada de apresentações, Nhô Pai e Nhá Fia retornaram a São Paulo e Mário Zan e
Capitão Furtado prosseguiram em direção ao Paraguai.
164
com Nonô Basílio (Alcides Felisbino Basílio) criou um gênero musical que
denominaram Tupiana e que deveria ser um correlato brasileiro à guarânia paraguaia,
evidenciando sua preocupação nacionalista.112
Em 1958 foi lançado o rasqueado “Nova flor” de Palmeira e Mário Zan em
gravação das Irmãs Celeste113 (Chantecler 78-0008) que veio a se tornar um grande
sucesso nacional e internacional sob a forma de bolero e também sob o nome de “Os
homens não devem chorar” ou “Los hombres no deben llorar” (em versão de Pepe
Ávila) ou “Love me like a stranger” (em versão de Arthur Hamilton).
Além de estar ligado ao mundo da música fronteiriça por conta de seus
rasqueados, Mário Zan também é conhecido por seu entusiasmo com as festas juninas,
sendo o autor de um dos maiores clássicos que ainda hoje estão presentes nas quadrilhas
caipiras: “Festa na roça”, feita em parceria com Palmeira.
Mário Zan foi autor (e co-autor) de cerca de mil músicas gravadas em mais de
trezentos discos 78 rpm além de muitas dezenas de LPs e CDs, tendo participado de três
filmes: “Tristeza do Jeca”, “Casinha pequenina” e “Da terra nasce o ódio”.
Um fato curioso foi relatado por Mário Zan em 2002114 e aponta para o fato de
que ele fez outras viagens às fronteiras paraguaias além daquela acima referida. Seria
em 1946 (ano em que começou a gravar os discos 78 rpm e dez anos antes de criar a
tupiana com Nonô Basílio) quando, ao concluir uma série de shows em Mato Grosso,
resolveu solicitar um visto de entrada para o Paraguai a fim de conhecer a capital
Assunção. Por mediação do embaixador Negrão de Lima, tocou em um jantar oferecido
ao presidente paraguaio Higino Morínigo que, emocionado com sua interpretação da
guarânia “Índia” e da polca “Virginia” (Teodoro Mongelós e Diosnel Chase) o convidou
para integrar sua comitiva em uma viagem pelo país. Mário Zan, como hóspede do
presidente tocou todas as noites e durante vinte dias antes dos comícios onde Higino
Morínigo discursava.
Tentando traçar uma linha do tempo a partir das gravações 78 rpm, detectamos
alguns pontos importantes na trajetória composicional de Mário Zan:
112
A gravação da primeira tupiana “Alvorada tupi” foi feita em 1958 pelo Duo Irmãs Celeste (RCA
Victor 80.1961), conforme exposto na seção 2 deste capítulo.
113
Mário Zan foi casado com Geisa Araújo, que juntamente com sua irmã Diva Araújo constituiam o Duo
Irmãs Celeste.
114
“Mário Zan, o soberano da canção popular na sanfona” em:
http://www.terra.com.br/musica/2002/06/21/007.htm - acessado em 20.11.2012.
165
1. O fato de Mário Zan ter conhecido e trabalhado como músico nas regiões de
fronteira e até mesmo no Paraguai – pelo menos logo no início de sua
carreira –, o levou a compor diversos rasqueados que traçam um perfil
geográfico regional ao fazer referências a cidades do atual Mato Grosso do
Sul ou a se reportar às paisagens locais como “Três Lagoas” (Continental
15.704 de 1946 em solo de acordeão), “Ciriema” (Continental 15809 de
1947 com as Irmãs Castro), “Cidades de Mato Grosso” (Continental 16.020
de 1948 com as Irmãs Castro) e “Chalana” (Star 370 provavelmente em 1952
com o Duo Brasil Moreno);
2. Há uma preocupação em separar os gêneros musicais. Quando Mário Zan
compõe polcas, não são polcas paraguaias de compasso binário composto,
mas sim polcas para serem dançadas nas quadrilhas das festas juninas (de
ritmo binário simples, à maneira das polcas européias) como “Serelepe”
(Continental 15.905 de 1948), “Sombra e água fresca” (Continental 16.171
de 1950), “Sem descanso” (RCA Victor 80.0794 de 1951), “S.O.S.” (RCA
Victor 80.0795 de 1951), “Acertando o passo” (Continental 16.441 de
1951)115, etc. Não encontramos nenhuma polca paraguaia feita pelo
compositor;
3. Corroborando o que dissemos acima, podemos dar como exemplo o disco
RCA Victor 80.0948 gravado pelo próprio compositor em 1952 onde, no
lado A, aparece a polca “Polca pipa” (não deve ser por acaso o reforço da
nominação do gênero no título da música) e no lado B o rasqueado “Pó de
mico” que ao ouvirmos em consulta na Discoteca Oneyda Alvarenga do
Centro Cultural São Paulo foi possível constatar a ocorrência de
configurações rítmicas próprias da polca paraguaia;
4. Seria sua preocupação nacionalista que o levou a gravar com acordeão em
1954 sua célebre “Chalana” – que havia sido lançada por volta de dois anos
antes como rasqueado pelo Duo Brasil Moreno – transformada em choro no
lado B disco RCA Victor 80.1339? Nesse mesmo disco o lado A traz o choro
“Falem de mim”;
5. Esse movimento para a construção de seu nacionalismo musical se tornou
explícito com a criação (junto com Nonô Basílio) do gênero musical tupiana
115
Todas essas com Mário Zan solando no acordeão.
166
com a gravação de “Alvorada Tupi” em 1958 pelo Duo Irmãs Celeste (RCA
Victor 80.1961) cujo disco continha no lado B um baião;
6. De toda a produção de Mário Zan nas décadas de 1940 e 1950, encontramos
apenas duas guarânias de sua autoria: “Nostalgias do Paraguai” em parceria
com Sally [sic] (Continental 15799) gravada em 1947 pelo próprio
compositor (no lado B uma valsa) e reeditada pela Caboclo em 1959 (CS-
117) e “Ausência” em parceria com Palmeira (RCA Victor 80.1448) gravada
em 1955 pelo Duo Irmãos Vieira e que no lado B trazia um baião. Observe-
se que “Nostalgias do Paraguai” foi gravada no início de sua carreira, um
ano após sua temporada no Paraguai como convidado do presidente Higino
Morínigo. Quanto a “Ausência”, gravada por outros intérpretes em 1955
(alguns anos antes da criação da tupiana), não há informações sobre o ano de
sua composição.
Finalmente, não é de se descartar a possível influência exercida por Luis
Gonzaga nessa postura nacionalista de Mário Zan. Amigos desde a juventude nutriam
um pelo outro uma admiração recíproca e a construção do baião pelo músico
pernambucano de alguma forma deve ter levado Mário Zan a se posicionar em defesa de
uma cultura musical brasileira baseada em gêneros musicais como o choro e a polca
junina. Esse mesmo sentimento de brasilidade parece ter levado o músico de
ascendência italiana a incorporar em seu repertório um gênero musical que, apesar de
ter sido construído a partir de referências das fronteiras paraguaias (rasqueado) era
assimilado como nacional; ao mesmo tempo, ao nominar o gênero de suas composições,
procurava delimitar musicalmente um campo para a música brasileira apartado das
guarânias e polcas do Paraguai, tentando criar um gênero – a tupiana – que traduzisse
uma nacionalidade brasileira a partir do tupi em contraposição ao guarani.
Apesar de tudo, foi com um rasqueado que ele conseguiu sua projeção
internacional: “Nova flor”, lançado em 1958 – mesmo ano em que se gravou a primeira
tupiana – transformado em bolero (“Los hombres no deben llorar”), foi gravado por
Frank Sinatra (“Love me like a stranger”) e outros inúmeros intérpretes em vários
países.
167
Trio Mineiro116
O Trio Mineiro, que gravou diversos discos 78 rpm entre 1950 e 1962, teve
várias formações ao longo dos anos, sendo que as mais duradouras foram: Bolinha, Nhô
Pinta e Cosmorama e, a por volta de 1956, Mariano, Nhô Pinta e Robertinho (parece
que nenhum desses músicos eram de fato mineiros). Em 1959 o trio estava
completamente renovado contando com Mineirinho, Hernandez e Goiá (Gerson
Coutinho da Silva) em início de carreira, tendo se desfeito nos anos 1960.
Não conseguimos obter os nomes reais de todos os seus componentes, mas de
todos, Bolinha (Euclides Pereira Rangel) parece ter representado um eixo estruturador,
principalmente pela função de compositor de muitas das músicas gravadas pelo trio
durante o período em que esteve vinculado a ele.
O primeiro disco do Trio Mineiro foi lançado em 1950 (Elite Special N-1011)
contendo no lado A o rasqueado “Bouquê de rosas” de Bolinha e no lado B a moda
campera “Boiada carreira” de Bolinha, Jader Bruno de Carvalho e Antonio Oliveira
(seriam esses os nomes reais de Nhô Pinta e Cosmorama?). Ao todo, entre 1950 e 1959
o Trio Mineiro – em suas muitas formações – lançou diversos rasqueados e modas
camperas e em todas essas canções (com exceção do rasqueado “Capricho” de Goiá e
Arlindo Pinto – Califórnia TC-1005 de 1959) Bolinha aparece como autor ou co-autor.
Quanto a Bolinha, seu maior sucesso como compositor é o bolero “Boneca
cobiçada” feito em parceria com Biá e gravado pela primeira vez em 1956 por Palmeira
e Biá. Conforme relatamos acima ao nos reportarmos ao Palmeira, em depoimento
gravado por nós em 19.05.2011, Brás Baccarin informa que “Boneca cobiçada”
originalmente era uma guarânia.
Integrado pelas cantoras Lilian Escobar, a Anahy (1940 – 2005) e Maria Olivia,
a Itamy, o Duo Estrela D’Alva (que nascera como a dupla Itamy e Anahy) teve
existência relativamente curta, mas gravou diversos rasqueados, polcas e guarânias a
partir de 1957, a maioria de autoria e co-autoria do radialista sul-mato-grossense
116
Dados extraídos dos sites http://www.recantocaipira.com.br/trio_mineiro.html - acessado em
22.11.2012 e http://www.dicionariompb.com.br/trio-mineiro/discografia - acessado em 14.04.2012.
168
Zacarias Mourão que veio a se casar com Maria Olivia (Itamy) em 1959 e a partir do
início da década de 1980 fixaram residência em Campo Grande, MS.117
Souza e Monteiro118
A dupla foi integrada por Geraldo Braz de Souza (Igarapava, SP, 1924 – 1993) e
Francisco Monteiro dos Santos (Taubaté, SP, 1930 – 1959) que faleceu tragicamente
aos vinte e nove anos em acidente de carro quando viajava no interior do Paraná para se
apresentar em um show.
O compositor Anacleto Rosas Jr. (Mogi das Cruzes, SP, 1911 – Taubaté, SP,
1978) foi uma espécie de padrinho da dupla, haja vista que em 1952 reuniu os dois
artistas que cantavam em formação com outras duplas (Souza, como Patativa, fazia
dupla com Pintassilgo, e Monteiro, como Fumaça, com Artilheiro) e mediou a gravação
do primeiro disco 78 rpm na Todamérica em 1953 (TA-5261) que trazia as modas
camperas “Boiadeiro bão” de Anacleto Rosas Jr. e Arlindo Pinto e “De São Paulo ao
Rio Grande” do próprio Anacleto.
A carreira da dupla, interrompida pela morte de Monteiro, foi curta, mas deixou
um legado de treze discos 78 rpm, nos quais foram gravadas nove modas camperas
(todas pela Todamérica) e uma guarânia pela Continental (reeditada pela Caboclo), além
de diversos cururus, modas de viola, valseados, toadas e xotes de compositores
importantes como Teddy Vieira, Elpídio dos Santos, Goiá e principalmente de Anacleto
Rosas Jr..
Zacarias Mourão
Zacarias dos Santos Mourão, nascido em Coxim, MS, ficou célebre pelo
rasqueado “Pé de cedro” (co-autoria com Goiá) que se refere a um pé de cedro real
117
Dados compilados em Teixeira, 2009, p.77-80 e nos sites:
http://www.dicionariompb.com.br/duo-estrela-dalva - acessado em 14.04.2012 e
http://saudadesertaneja.blogspot.com.br/2012/09/homenagem-lilian-escobar-do-duo-estrela.html -
acessado em 22.11.2012.
118
Dados compilados dos sites:
http://www.dicionariompb.com.br/souza-e-monteiro/discografia - acessado em 11.04.2012 e
http://www.boamusicaricardinho.com/souzaemonteiro_69.html - acessado em 11.04.2012 e confrontados
com o catálogo de gravações 78 rpm (SANTOS et al., 1982).
169
plantado por ele em 1939 em sua cidade natal. No início da década de 1950, Zacarias
Mourão foi morar em São Paulo, trabalhou no Departamento de Rodagem como
operador de máquina e cursou jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Em pouco tempo
começou a trabalhar na Rádio Bandeirantes apresentando programas de música
sertaneja, escrevendo colunas em revistas como a Sertaneja e Melodias, vindo a ocupar
cargos de direção nas gravadoras Philips, Polygram e CID (TEIXEIRA, 2009, p. 69-72).
Na Discografia Brasileira 78 rpm (SANTOS et al., 1982), localizamos o que
possivelmente foram as primeiras composições de autoria de Zacarias Mourão gravadas
em 1956: a moda “Campeão de Três Lagoas” (RCA Victor 80.1580 em co-autoria com
Ferreira e Ferreirinha) com a dupla Zé Ferreira e Ferreirinha; a guarânia “Não me
abandones” (RCA Victor 80.1629 em co-autoria com Zé do Rancho) com a dupla Irmãs
Galvão; a polca “Desventura” (Columbia CB 10282 em co-autoria com Biguá e Zé do
Rancho) com a dupla Zé Mariano e Tibagi e a guarânia “Luar de Aquidauana”
(Continental 17.364 em co-autoria com Anacleto Rosas Jr.) com a dupla Irmãs Castro e
posteriormente reeditada pela Caboclo (CS 236) por volta de 1959.
Ao todo, entre 1956 e 1959, detectamos a gravação de três rasqueados, cinco
guarânias, duas polcas, uma rancheira, uma polca galope e uma moda de autoria de
Zacarias Mourão e diversos parceiros (a maioria com Goiá) por intérpretes variados
(sendo as mais freqüentes o Duo Estrela D’Alva onde cantava Itamy, sua futura esposa).
Sua composição mais famosa, “Pé de cedro” teve duas primeiras gravações no
mesmo ano (1963) por intérpretes e gravadoras diferentes: por Ninico e Senim (RCA
Canden Cam 1169) como “Meu pé de cedro” e Tibagi e Miltinho com declamação de
Hélio Araújo (Sertanejo CH 10342). Em ambas, “Pé de cedro” aparece como polca e
não como rasqueado como veio a ser nominado posteriormente.
Sua esposa Itamy (Maria Olívia, do Duo Estrela D’Alva) conta que Zacarias
Mourão montou em São Paulo (sem precisar a data) a gravadora Pé de Cedro localizada
na Rua Augusta e que atuou como importante mediador ao levar diversos músicos de
Mato Grosso do Sul como Beth e Betinha, Amambay e Amambaí e Dino Rocha para
gravar discos por lá (TEIXEIRA, 2009, p.80). Maciel Corrêa acrescenta:
rua por aqui. Esta era a imagem que tinham e na época havia gente com
medo de vir para Campo Grande (Ibid., p.84).
Ariovaldo Pires, o Capitão Furtado (Tietê, SP, 1907 – São Paulo, 1979) é um
agente fundamental na configuração de um campo da música sertaneja brasileira.
Sobrinho do pioneiro Cornélio Pires, passou a infância em Botucatu, SP, e em 1926 foi
morar em São Paulo. Dois anos depois já atuava no meio artístico participando da
inauguração da Rádio Cruzeiro do Sul. Em 1934 trabalhou na Rádio São Paulo, PRA-5
apresentando o programa Cascatinha do Genaro.120
119
http://www.dicionariompb.com.br/zacarias-mourao/obra - acessado em 24.11.20122.
120
http://www.dicionariompb.com.br/capitao-furtado/dados-artisticos - acessado em 24.11.2012.
171
Sua estréia como letrista foi com Marcelo Tupinambá ao compor a toada
“Coração” e em 1935 venceu um concurso de músicas carnavalescas em São Paulo
(concorrendo inclusive com Ary Barroso) com “Mulatinha da caserna” em co-autoria
com Martinez Grau.
Entre 1936 e 1939 morou no Rio de Janeiro onde trabalhou na Rádio Tupi com
Alvarenga e Ranchinho, criou o programa Repouso, gravou pela Odeon, lançou o livro
“Lá vem mentira” e ficou conhecido como “o maior caipira humorista do Brasil”. Em
seu último ano no Rio de Janeiro foi bem sucedido na iniciativa de montar o espetáculo
musical “O tesouro do sultão” em parceria com Radamés Gnattali (que misturava
danças russas, rumbas, sambas, marchas de carnaval, músicas caipiras, etc.) e,
paradoxalmente, ao se transferir para a Rádio Nacional não encontrou espaço adequado
para desenvolver seu trabalho de radialista com o programa Poemas Sertanejos (a
emissora carioca teria lhe destinado pouco tempo em horário de pouca audiência).
Retornando a São Paulo, alcançou enorme sucesso com o programa Arraial da
Curva Torta na Rádio Difusora. Por essa época começou a fazer versões de músicas
mexicanas, italianas, alemãs e norte-americanas e no final de 1948 passou breve período
na direção da Rádio Excelsior de Salvador, BA. De volta a São Paulo em 1949 foi
trabalhar na Rádio Cultura e posteriormente de novo na Rádio Difusora onde
permaneceu até 1956 quando foi contratado pela São Paulo Alpargatas para
supervisionar os programas sertanejos que a empresa patrocinava no país. Na década de
1960 atuou na Rádio Bandeirantes de São Paulo, percorreu diversas regiões do Brasil
com um projeto intitulado Roda de Violeiros e trabalhou na Editora Fermata do Brasil
em sua divisão de música caipira.
O Capitão Furtado, que recebeu o epíteto “o caipira que fala com o coração”,
além de sua produção artística, foi um mediador fundamental no campo da música
sertaneja, cavando desde cedo um espaço para si e para a cultura rural, apesar de ter
feito também incursões fora desse campo (versões de standards internacionais, música
de carnaval, etc.) o que aponta para o fato de que nunca recusava trabalho, seja
trabalhando na produção de filmes na década de 1930 (“Coisas nossas” de Wallace
Downey e “Fazendo fita” de Vittorio Capellaro) ou atuando na peça teatral “Sertão em
flor” no Circo Piolim em 1948.
Na Revista Sertaneja, publicada entre março de 1958 e dezembro de 1959,
Ariovaldo Pires assinou duas colunas: “O caipira que fala com o coração, por Capitão
172
Furtado” (que tem um perfil mais poético, transcrevendo poemas e letras de música) e
“Gostei de ver, de Ariowaldo [sic] Pires” (crônicas e causos). Foi como Ariovaldo Pires
que ele registrou algumas impressões de suas viagens ao sul de Mato Grosso em duas
matérias121 onde descreve paisagens (“navio que deslizava no imenso rio Paraguai”), a
fauna pantaneira (emas, seriemas, jacarés e biguás), faz referências às cidades de
Nioaque, Porto Murtinho e Porto Esperança e relata um vendaval que enfrentou na
cidade de Miranda que “arrancou de um golpe o pano do circo do Boculli [ou Bocutti]”.
E é como Capitão Furtado que ele se refere a Zacarias Mourão como um “dos
compositores que vieram ‘injetar’ sangue novo na música sertaneja”, afirmando que
“suas letras tem poesia, sentimento, espontaneidade”.
Não podemos afirmar se ele esteve na região fronteiriça outras vezes além da
célebre viagem que organizou em 1943 com Nhô Pai, Nhá Fia e Mário Zan se
apresentando nos cinemas da rede Pedutti, mas seus vínculos com a música paraguaia o
levaram a compor com Palmeira o rasqueado “Paraguaya, pepita de oro” em 1944
gravada pela dupla Palmeira e Piraci em 1944 (Continental 15.191) e pelo Conjunto
Folclórico Guarany em 1945 (Continental 15.283).122
No final da década de 1970 fez sua última viagem, não por acaso, para o
Paraguai, com a incumbência conferida pelo Banco do Brasil de pesquisar um repertório
de músicas paraguaias que seriam convertidas em brinde de final de ano (FERRETE,
1985, p.68).
No catálogo de gravações 78 rpm (SANTOS et al., 1982) detectamos, no
período compreendido entre 1944 e 1959, dez gravações de guarânias – sendo cinco de
guarânias paraguaias e uma de autoria da dupla mexicana Los Cuate Castilla – todas
com versões de Ariovaldo Pires:
1. “Índia” de Jose Asunción Flores e Ortiz Guerrero, gravada por Arnaldo
Pescuma e lançada em 1945 pela Continental (15.276)123
2. “Noites do Paraguai” de Samuel Aguayo, gravada pelas Irmãs Castro e
lançada em 1947 pela Continental (15.809)
121
Encontramos as matérias assinadas por Ariowaldo Pires/Capitão Furtado em fac-símile no site
http://www.vemprabrotas.com.br/pcastro5/furtado/index.htm - acessado em 09.04.2012. Infelizmente não
consta o número e data da publicação.
122
Conforme já referido, “Paraguaya, pepita de oro” rendeu a Ariovaldo Pires um convite oficial do
presidente Higino Morínigo para visitar o Paraguai junto com uma comitiva brasileira (FERRETE, 1985,
p.66).
123
Versão anterior à de José Fortuna feita em 1952 (ver letra no Anexo II).
173
124
Los Cuate Castilla foi uma dupla mundialmente famosa de Veracruz (México) formada pelos irmãos
Miguel Angel (1912 – 1979) e José Angel Díaz Mirón González de Castilla (1912 – 1994), sendo-lhes
creditada a criação e divulgação da canção huasteca. Na década de 1940 percorreram a América do Sul,
incluindo o Brasil e o Paraguai no roteiro (http://cuatescastilla.blogspot.com.br/2009/08/miguel-angel-y-
jose-angel-diaz-miron-y.html - acessado em 26.11.2012). Ao ouvirmos essa gravação no acervo da
Discoteca Oneyda Alvarenga notamos semelhanças com a música mexicana (não no compasso, que aqui
é 6/8 próprio das guarânias, mas na instrumentação e na performance das intérpretes) e sequências
harmônicas próprias da música tradicional espanhola.
125
Ao ouvirmos essa gravação no acervo da Discoteca Oneyda Alvarenga nos espantamos com o
andamento rápido que remete mais a polca paraguaia que a guarânia.
174
José Fortuna
O compositor, autor teatral, cantor e ator José Fortuna (Itápolis, SP, 1923 – São
Paulo, 1983) tem em seu currículo cerca de duas mil músicas gravadas, tendo também
transitado por diferentes gêneros musicais (marchas, rancheiras, guarânias, tangos,
maxixes, sambas-canção, corridos, fox, valsas e arrasta-pés). Foi apresentador de
programas radiofônicos, autor de trinta livros de poemas e literatura de cordel e
quarenta e duas peças de teatro que montou com sua Companhia Teatral Maracanã que
percorreu o país se apresentando em circos.126
Sua filha Iara Fortuna nos contou em entrevista realizada em 17.05.2011 que:
Filho de italiano127, José Fortuna tem nas versões feitas para “Índia” e “Lejania”
(“Meu primeiro amor”) um marco em sua vida e de sua família128 e também um marco
126
http://www.dicionariompb.com.br/jose-fortuna - acessado em 11.01.2013.
127
“Nosso pai, como bom italiano, era um fanático por Mussolini.” (FORTUNA, 2009, p.53).
175
128
“E do que eu me lembro é que ele casou-se com o dinheiro da guarânia India, em 1952... Até hoje nós
recebemos royalties de Índia, do exterior, da Finlândia, Islândia, Espanha, do Japão...” (Iara Fortuna em
17.05.2011).
129
O disco Todamérica TA-5179 que registrou as versões de “India” e “Meu primeiro amor” com
Cascatinha e Inhana foi o “disco Todamérica que teve maior vendagem; enquanto existiu ‘78rpm’, nunca
saiu de catálogo.” (SANTOS et al, 1982, p.142)
130
“O que eu sei com certeza te dizer é que a partir daí teve um boom de músicas paraguaias, a partir do
sucesso da Índia sim. Meu pai sempre deixava isso claro, que... era uma coisa muito... muito principiante,
mas depois da Índia a coisa explodiu mesmo, nossa! Explodiu!” (Iara Fortuna em 17.05.2011).
131
Embora tenha sido gravada como “canção”, trata-se de uma guarânia. A versão de “Lejania” foi
dividida com Pinheirinho Jr..
132
Nesta gravação, conforme pudemos apreciar no acervo da Discoteca Oneyda Alvarenga, apesar de
constar como “bolero”, é cantada e tocada como guarânia.
176
Além dessas versões, José Fortuna teve seis guarânias autorais gravadas na
mesma década:
1. “Índia Diacuí” gravada por Os Maracanãs133 e lançada provavelmente a
partir de 1953 (Elite Special N-1125)
2. “Flor serrana” (com Daniel Salinas) gravada por Cascatinha e Inhana e
lançada em 1953 (Todamérica TA-5262)
3. “Beijo inocente” gravada por Linêncio e Tininho e lançada em 1957 (RCA
Victor 80.1807)
4. “Nas águas do rio” gravada por Trio Sul a Norte e lançada entre 1957 e 1962
(Mocambo 15.202)
5. “As duas sombras” (com Espiguinha) gravada por Trio Sul a Norte e lançada
entre 1957 e 1962 (Mocambo 15.229)
6. “Pecado de amor” gravada pelo Trio Brasília e lançada em 1958 (Chantecler
78-0049).
Localizamos apenas um rasqueado de José Fortuna em parceria com Zé Tapera:
“Artista e circo” gravado por Zé Tapera e Chiquinho e lançado em 1957 (Todamérica
TA-5671) e uma polca (seria paraguaia?): “Regresso” (com Biá) gravada por Nenete e
Dorinho e lançada em 1957 (RCA Victor 80.1786).
Em 1947, os irmãos José e Euclides Fortuna foram para São Paulo determinados
a construir uma carreira profissional de sucesso134 e após enfrentarem as dificuldades
iniciais e se embrenharem no campo crescentemente competitivo do rádio e da indústria
fonográfica, realmente se posicionaram em um mercado de música sertaneja que se
constituía com força a partir da capital paulista. Na passagem das décadas de 1970 e
1980, já consagrado no meio artístico, José Fortuna foi premiado em grandes festivais
de música sertaneja, tendo deixado, ao falecer em 1983, cerca de oitocentas letras de
músicas inéditas, um livro de poemas inacabado e considerado como “um dos melhores
letristas da música popular no Brasil”.135
Apesar da trajetória eclética, José Fortuna continua sendo sempre lembrado
como o autor das célebres versões de “India” e “Meu primeiro amor”, na mesma
133
Trio constituído por Zé Fortuna, Pitangueira (Euclides Fortuna) e Zé do Fole (FORTUNA, 2009, p.134
e 141).
134
“Eu só tinha um pensamento em mente: fosse o que fosse, acontecesse o que acontecesse, seria para
sempre, pois para a roça eu não voltaria mais” (FORTUNA, 2009, p.81).
135
http://www.dicionariompb.com.br/jose-fortuna - acessado em 11.01.2013.
177
a gravadora torceu o nariz. Achou que não era comercial, que era uma
guarânia, que não ia ter mercado no Brasil – na época realmente não
tinha muito mercado – e quis complicar de todas as maneiras (Iara
Fortuna em 17.05.2011).
- Áh sim! Mas não lá no Rio. Quando veio prá cá a Rádio Nacional que
hoje é a Globo né, nossa... aí foi... o auge, o auge dele foi na Tupi,
depois na Rádio Nacional aqui de São Paulo tinha uma audiência
gigantesca também. Gigantesca! O programa deles era toda segunda-
feira às oito horas da noite. Mas a audiência no Brasil inteiro também.
- Não sei... não me lembro... eu sei que o papai não fez nenhum
programa no Rio de Janeiro porque o Rio de Janeiro nessa época prá
música sertaneja... sofrível como é até hoje.
. instrumentação136
Para delimitar o âmbito desta pesquisa, optamos por procurar os contrastes entre
a guarânia e o rasqueado, a moda campera, a polca145 e a canção146, além do rasqueado
136
Devido ao nível das gravações na época e o estado de conservação dos discos nem sempre é possível
precisar com certeza que instrumentos foram utilizados. Relacionamos o que nos foi possível detectar
com relativa clareza.
137
Conforme MASSAUD MOISÉS. A criação literária: poesia. São Paulo: Cultrix, 2003.
138
Utilizamos alguns critérios desenvolvidos por Alan Lomax (cantometrics), conforme ULHÔA, 2004.
139
Nível de harmonização entre as vozes relativa a pronúncia, ataque e entonação.
140
Tipo de conjunto e grau de parentesco entre os intérpretes.
141
Registro médio das vozes.
142
Alterações intencionais na métrica da música.
143
Grito de euforia emitido durante as polcas paraguaias e rasqueados.
144
Frases e chamamentos emitidos pelos intérpretes antes e/ou durante a música.
145
A polca aqui refere-se à polca paraguaia em compasso binário composto, que se constitui em uma
dança e canção de movimento acelerado e festivo, sem relação estrutural com as polcas européias em
ritmo binário simples (SZARAN, 1977, p.391-393).
180
com a moda campera e a polca paraguaia, haja vista que todos esses gêneros estão
englobados em um mesmo universo: a música de fronteira e o Paraguai.
146
Algumas guarânias e rasqueados foram gravados com a categorização genérica de “canções”, sem
qualquer justificativa aparente. O caso mais famoso é o da guarânia “Lejania” gravada por Cascatinha e
Inhana em 1952 com versão de José Fortuna e Pinheirinho Jr., como “canção”.
147
Ver tabelas de análise no Anexo III.
181
gravação de “Índia” e “Meu primeiro amor” por Cascatinha e Inhana em 1952 nem
sempre pareciam se importar com isso, conferindo muitas vezes às suas performances
um andamento mais rápido (ver tabela de análise comparativa entre guarânias no Anexo
III). Isso as aproximava do rasqueado, cujos andamentos vão de moderado a rápido (ver
tabela de análise comparativa entre rasqueados no Anexo III). Após 1952, com exceção
da gravação de “Quero beijar-te as mãos” pelas Irmãs Galvão em 1959, todas as
guarânias analisadas foram registradas em andamentos mais lentos que os imprimidos
por Cascatinha e Inhana.
Independentemente do andamento, o desenho rítmico das melodias das
guarânias brasileiras e dos rasqueados são ambíguos. Não podemos afirmar com certeza
se a escritura “correta” deveria ser feita utilizando o compasso 6/8 ou 3/4. Essa
ambigüidade parece ser superada nas gravações de guarânias feitas por intérpretes
paraguaios (“India” com o Conjunto Folclórico Guarany em 1944 e “Recuerdos de
Ypacarai” com o Conjunto Alma Guarani em 1955) e pelas Irmãs Castro em 1947
(“Noites do Paraguai”), por Carlos Gonzaga em 1955 (“Anahi”)148 e pelo Trio Tropical
por volta de 1957 (“Minhas noites sem você”)149. Observa-se que, com exceção das
célebres gravações de “India” e “Meu primeiro amor” por Cascatinha e Inhana (onde
não fica clara a fórmula de compasso), os fonogramas que apresentam a configuração
6/8 são de versões de guarânias paraguaias. Além disso, todos os rasqueados analisados
são ambíguos quanto a isso, e “Tristeza e saudade” de Sebastião Teixeira e Raul Torres,
gravado em 1951 por Raul Torres e Florêncio é ainda mais ambíguo, pois não podemos
precisar se se trata de compasso 6/8, 3/4 ou mesmo 2/4.
Claro que a tarefa de escrever em partitura uma prática musical não pertence ao
rol de preocupações de compositores e intérpretes da música sertaneja e popular de
modo geral. Essa tarefa é confiada aos editores de partituras (e aos musicólogos) que, no
caso das guarânias, hesitam na forma de abordar ritmicamente esse repertório. Isso pode
ser confirmado ao confrontarmos duas edições diferentes (ver partituras no Anexo IV)
de “Meu primeiro amor” realizadas pela Editora Fermata do Brasil em 1952 a partir de
copyright de 1941 da Ediciones Musicales Fermata de Buenos Aires: uma está em
compasso ternário (3/4) e outra em binário composto (6/4). Não por acaso, essas edições
148
Aqui, a orquestra deixa claro o compasso 6/8 embora na parte B e na cadência final o piano introduza
uma marcação próxima do tango.
149
Interessante que, apesar do selo do disco trazer impresso a categoria genérica de “bolero”, a
configuração rítmica é indubitavelmente de guarânia em 6/8.
182
150
No Paraguai não é comum a utilização do acordeão. A formação clássica de um conjunto paraguaio é
composta por um violão, uma harpa e um requinto, com o acréscimo ocasional de um contrabaixo.
151
Considerando a composição original paraguaia com letras tanto de Rigoberto Fontao Meza quanto com
a de Manuel Ortiz Guerrero. A versão feita por José Fortuna dilui esse componente épico transformando-
a em uma canção romântica de caráter lírico.
152
Aqui, a versão de José Fortuna mantem o caráter épico da letra original.
185
fundamental, enquanto nos rasqueados essa condição não é tão freqüente (ver letras no
Anexo II). Essa tendência pode ser observada nos discos que trazem um gênero de cada
lado (ver tabela de análise comparativa entre guarânias e rasqueados no Anexo III):
quando tanto a guarânia e o rasqueado não são ambos líricos ou épicos, a condição de
épico é reservada para o rasqueado, enquanto a guarânia afirma seu caráter romântico.
Mesmo quando tanto a guarânia quanto o rasqueado pertencem à espécie poética lírica
(disco Columbia CB10361 lançado entre 1957/58), aquela se refere mais explicitamente
a um evento amoroso (“Amada ausente” de Goiá e Zacarias Mourão) enquanto o
rasqueado traduz um sentimento menos passional, associado a um sentido de
desterritorialização (“Juriti mineira” também de Goiá e Zacarias Mourão).153
A maior parte dos fonogramas analisados foi gravado por duplas, e entre essas, a
maioria tem seus integrantes ligados por laços de família e compadrio (Nhá Zefa e Nhô
Pai, Irmãs Castro, Cascatinha e Inhana, Irmãos Souza, Irmãs Galvão, Duo Brasil
Moreno, Nhô Pai e Nhô Fio). As relações familiares entre os músicos sertanejos são
frequentemente intensas (ver na seção Músicos e Compositores) e os vínculos de
família parecem resistir por mais tempo às freqüentes mudanças na organização social
dos grupos.
Com relação à tessitura vocal, seguindo a tendência geral do estilo sertanejo
apontada por Ulhôa (2004, p.63), a maior parte das duplas analisadas tem registro que
vai do médio ao agudo. Apenas o Duo Estrela D’Alva e as Irmãs Galvão cantam em um
registro médio-grave. Também com relação à ornamentação e rubato, detectamos baixa
incidência desses parâmetros, confirmando o observado por Ulhôa. Em intérpretes que
não pertenciam ao campo da música sertaneja como Carlos Gonzaga, Alcides Gerardi e
Antônio Martins a ocorrência dessas características era mais presente.
As Irmãs Castro merecem uma abordagem mais detalhada. É interessante notar
que, das duplas sertanejas, elas são as que apresentam maior incidência de
ornamentação (trinados e apojaturas), bem como de trêmolos e portamentos. Essas
características estilísticas as aproximam dos paradigmas dos intérpretes paraguaios mais
populares que utilizam técnicas vocais elaboradas, com grande potência, empostação,
vibratos e dramaticidade. Não foi por acaso que a dupla encontrou imensa aceitação por
parte do público paraguaio quando de sua temporada em Assunção nos anos 1950.
153
Claro que esse não é o único critério a apontar uma distinção entre os gêneros. Devemos observar
também, por exemplo, a questão do andamento, que no caso da guarânia é sensivelmente mais lento do
que no rasqueado.
186
154
Considerando o compasso 6/8, a média dos andamentos das guarânias analisadas equivale a semínima
pontuada = 70 e dos rasqueados, semínima pontuada = 84 a 87.
155
Este é um dado novo que nos leva a revisar em parte o que escrevemos em nossa dissertação de
mestrado defendida em 2006 no Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da USP e
nas publicações posteriores, incluindo nosso livro Polca paraguaia, guarânia e chamamé – estudos
sobre três gêneros musicais em Campo Grande, Mato Grosso do Sul (HIGA, 2010).
187
Nosso corpus analítico inclui quatro modas camperas (ver tabela de análise no
Anexo III). Duas delas (“Cavalo preto” e “Boiadeiro bão”) foram as primeiras modas
camperas registradas (em 1946) pela dupla Palmeira e Luizinho. Entre essas e as outras
duas (“Cavalo fogueteiro” por Raul Torres e Florêncio em 1951 e “Caboclo patriota”
pelos Irmãos Souza provavelmente em 1956) podemos verificar uma regularidade no
andamento que não passa do moderado.156 Porém, com relação ao desenho rítmico da
melodia, aquela ambigüidade apontada nos rasqueados e guarânias brasileiras está
presente em três delas. Apenas em “Cavalo fogueteiro” é possível detectar com clareza
o compasso 3/4 cujo valseado é explicitado nos solos de acordeão.157
A simplificação formal (as quatro modas camperas analisadas apresentam
apenas uma parte A) é acompanhada pela ausência do sincopado paraguaio no desenho
rítmico da melodia e, com exceção de “Caboclo patriota”, as outras três canções tem
uma harmonia elementar baseada nas funções tônica-dominante-subdominante.
Por outro lado, nas guarânias analisadas a configuração formal AB é a mais
comum e a complexidade harmônica mais acentuada. Porém, a ausência do sincopado
(nas quatro modas camperas e na maior parte das guarânias feitas na década de 1950) no
desenho rítmico da melodia e a utilização do violão e do acordeão parece conectar os
dois gêneros.
Na letras, as quatro modas camperas tem um caráter épico, enquanto as
guarânias brasileiras tendem a um lirismo romântico.
Algumas dessas características que apontamos ao confrontar as tabelas de
análises das guarânias e das modas camperas se repetem no disco dos Irmãos Souza158
(Copacabana 5.544) lançado provavelmente em 1956, que traz no lado A a guarânia
“Seu retratinho” e no lado B a moda campera “Caboclo patriota”:
1. Andamento mais lento da guarânia em comparação com a moda campera
2. Simplificação formal da moda campera
156
A média do andamento das modas camperas analisadas, considerando o compasso 6/8, é de semínima
pontuada = 93.
157
Os gêneros configurados em compasso ternário, como a valsa e a mazurka, estão associados à dança, e
suas acentuações características – a valsa no primeiro tempo e a mazurka no terceiro tempo – respondem
às necessidades coreográficas. No caso das polcas paraguaias, rasqueados e modas camperas, percebemos
que dançarinos menos familiarizados com esses gêneros geralmente ficam indecisos na hora de dançar.
Apenas os mais experientes conseguem manter a marcação em dois tempos.
158
Não conseguimos referências sobre a dupla Irmãos Souza. O que podemos afirmar é que, conforme o
catálogo das gravações 78 rpm (SANTOS et al, 1982), junto com Caçula (Orlando Biachi, São José do
Rio Preto,SP,1934) eles gravaram duas modas camperas e uma guarânia entre 1952 e 1953 e, como dupla,
além do disco analisado, um rasqueado em 1959.
188
159
Algumas guarânias analisadas ocasionalmente receberam um tratamento mais sofisticado com a
introdução de harpas e até mesmo orquestras e piano.
160
Mas nem sempre o complemento “paraguaia” vem impresso no rótulo dos discos. Esse foi um
complicador para nossa pesquisa nos catálogos das gravações 78 rpm. A única forma de saber se o
fonograma se refere a uma polca de quadrilha ou a uma versão de polca paraguaia é ouvindo a gravação
em algum acervo ou verificando os nomes dos compositores e versionistas.
189
eufórico nos momentos de clímax dos bailes. Talvez pudéssemos afirmar que o
equivalente no Brasil à polca paraguaia seria o rasqueado e a moda campera, mas é
arriscado fazer tal afirmação, pois há outras categorias analíticas que devem ser levadas
em conta. Voltaremos a esse ponto no Capítulo IV.
Por hora, nos limitamos a examinar o disco Chantecler 78-0177 lançado em
1959 pelas Irmãs Galvão. Esse disco traz, no lado A a guarânia brasileira “Quero beijar-
te as mãos” e no lado B a versão da polca paraguaia “Paloma blanca” aqui traduzida
para “Rola mensageira”. É possível anotar o seguinte:
1. Andamento acelerado na polca e lento na guarânia
2. Estrutura formal semelhante (AB)
3. Ambigüidade rítmica detectada apenas na guarânia brasileira (embora a
harpa, provavelmente tocada por um músico paraguaio procure manter a
configuração 6/8)
4. Ausência de sincopado paraguaio em ambas
5. Harmonia mais básica na polca (tônica-dominante-subdominante)
6. Instrumentação utilizada: violão, acordeão e harpa
7. Espécie poética: lírica em ambas as letras.
Os pontos divergentes se referem, portanto, ao andamento, ao desenho rítmico
da melodia que é ambíguo na guarânia brasileira e determinado na polca em 6/8 e a
harmonia que é mais simples na polca que na guarânia brasileira.
161
Selecionamos duas gravações de “India” para possibilitar a comparação entre uma gravação feita por
um grupo paraguaio e a célebre versão de José Fortuna gravada por Cascatinha e Inhana em 1952.
190
produtores a esse procedimento, pois não há qualquer razão de ordem musical para isso,
já que se trata de duas das mais populares guarânias paraguaias.
Por outro lado, podemos aproveitar a ocasião para comparar os dois registros de
“Índia” (o de 1944, feito pelo Conjunto Folclórico Guarany no disco Continental
15.195, e o de 1952, de Cascatinha e Inhana):
1. O andamento imprimido por Cascatinha e Inhana é levemente mais
acelerado
2. A gravação do Conjunto Folclórico Guarany traz uma longa introdução
instrumental semelhante a que encontramos em uma partitura da Fermata do
Brasil publicada em 1946 com copyright de 1942, anterior à gravação (ver
partitura no Anexo IV)
3. A performance de Cascatinha e Inhana é ambígua rítmicamente, oscilando
entre o compasso ternário e binário composto, enquanto a do conjunto
paraguaio é claramente em 6/8
4. O Conjunto Folclórico Guarany faz os sincopados paraguaios, ao contrário
de Cascatinha e Inhana que não os fazem
5. A espécie poética se transfigura, de épica (na letra de Manuel Ortiz
Guerrero) para lírica (na versão de José Fortuna)
6. O cantor solista Antonio Cardozo, do Conjunto Folclórico Guarany utiliza
mais trêmolos (vibratos) que o casal Cascatinha e Inhana.
Resumindo, os pontos divergentes entre os dois registros de “India” referem-se
a: ligeira aceleração do andamento imprimido pela dupla brasileira, supressão da
introdução instrumental pelos brasileiros, desenho rítmico da melodia é ambíguo na
gravação de Cascatinha e Inhana que também não faz os sincopados paraguaios, ao
contrário do Conjunto Folclórico Guarany, transformação de uma espécie poética épica
em lírica e maior utilização de trêmolos por parte do intérprete paraguaio.
analisadas apresentam apenas uma parte A, enquanto dos doze rasqueados analisados,
nove traziam a configuração AB. Proporcionalmente, as modas camperas parecem
tender a uma simplificação da forma.
A ambigüidade do desenho rítmico das melodias detectadas nos rasqueados se
repete nas modas camperas com exceção de “Cavalo fogueteiro” que claramente está
configurado em um compasso 3/4, assim como o sincopado paraguaio é realizado
integralmente em dois rasqueados: “Ciriema” e “Figa no peito” (ambos gravados pelas
Irmãs Castro) e parcialmente no rasqueado “Casinha de carandá” gravado por
Cascatinha e Inhana.
O aumento relativo da complexidade harmônica registrada nos rasqueados
analisados a partir de 1951 parece estar presente também na moda campera “Caboclo
patriota” (provavelmente de 1956) e a presença do violão e do acordeão se fazem notar
na quase totalidade dos rasqueados e das modas camperas.
A predominância do caráter épico nas letras dos rasqueados se torna comum nas
modas camperas analisadas, que buscam idealizar o caráter heróico, valente, vencedor e
patriota do peão.162
As modas camperas parecem não admitir ornamentações, trêmolos e rubatos,
atributos encontrados ocasionalmente em alguns rasqueados (principalmente os
trêmolos).
Para confrontar uma moda campera com um rasqueado, utilizamos o disco
Todamérica TA-5067 gravado em 1951 por Raul Torres e Florêncio. Nesse disco,
observamos que o rasqueado tem um andamento mais rápido que a moda campera,
porém esse dado não parece ser muito relevante, haja vista que todos os rasqueados e
modas camperas do corpus analisado apresentam muitas variações de andamento.
Quanto à estrutura formal, ambas tem apenas uma parte A, o que, no caso das
modas camperas, parece ser mais comum do que nos rasqueados.
Quanto ao desenho rítmico da melodia, esse disco parece apresentar um caso
extremo: o rasqueado “Tristeza e saudade” é totalmente ambíguo, sendo impossível
afirmar com certeza se o compasso adotado é 6/8, 3/4 ou 2/4; por sua vez, das modas
camperas analisadas, “Cavalo fogueteiro” é a única que não apresenta ambigüidade
rítmica, estando configurada em um compasso 3/4 (valseado). Porém, podemos
162
Atributos também detectados em alguns rasqueados de caráter épico.
192
163
Ao ouvirmos o fonograma de “Moreninho lindo” no acervo da Discoteca Oneyda Alvarenga
constatamos que se tratava de uma versão da conhecida polca paraguaia “Paraguaya linda” de Jose
Pierpauli e Maurício Cardoso Ocampo, embora no disco não conste o nome do versionista.
164
Além de “Moreninho lindo” (versão de “Paraguaya linda”): “Mariposa porã-mi” de Emiliano
Fernandez e Felix P.Cardoso, com Irmãs Castro (Continental 17.133 de 1955); “Teus olhos me
queimaram” de Damásio Esquivel, com Zezinho Brasil no acordeão (Continental 17.541 de 1958);
“Maxima” de Pepe Velasquez e Joly Sanches, com Joly Sanches e Seu Conjunto Paraguaio (Continental
17.715 de 1959); “Devolva-me” de Zé Rancheiro, com Zé Rancheiro e Santana (Sertanejo PTJ-10011 de
1959); “Brincando nas cordas” de Ribeirinho, com Rufino e Ribeirinho (Califórnia TC-1035 de 1959) e
“Linda mocinha” de Mário Vieira e Arlindo Pinto, com Pirigoso (acordeão) (Califórnia TC-1038 de
1959).
194
165
No catálogo das gravações 78 rpm (SANTOS et al, 1982) há inúmeros exemplos de polcas gravadas
por intérpretes como Benedito Lacerda e Pixinguinha, Luiz Gonzaga, Mário Gennari Filho, Pedro
Raimundo, Antenógenes Silva, José Rielli, Rielinho, Ângelo Reale, Zezinha, Alberto Calçada, Mário
Zan, etc. que não tem relação com as polcas paraguaias.
166
Observamos apenas um caso divergente: a polca “Assunción” de Coqueirinho e Piracicaba gravada
pelo grupo Os Maracanãs (Odeon 13.476) em 1953. Infelizmente, por não termos tido acesso ao
fonograma, não conseguimos saber se é uma versão ou uma composição própria.
195
167
Considerando o compasso 6/8, as médias de andamento das guarânias analisadas é de semínima
pontuada = 70 a 75; rasqueados = 84 a 95; polcas paraguaias = 107 a 112.
196
Isso aponta para o fato de que, no aspecto da recepção, o gênero musical não é
algo fechado, definido e tangível, sendo que sua postulação faz parte de um processo
contínuo redimensionando constantemente na atividade musical cotidiana, o que leva à
conclusão de que o pertencimento a um determinado gênero musical não é inerente à
cada peça musical (LÓPEZ CANO, 2004) e, por conseguinte, a análise intra-musical de
cunho musicológico que privilegia aspectos estruturais será sempre descritiva e limitada
à singularidade do objeto analisado. As comparações e quantificações de ocorrências
similares ou contrastantes, enquanto método, pode fornecer algumas pistas sobre a
trajetória de construção dos gêneros, mas para compreender melhor esse processo é
indispensável considerar os espaços sociais constituídos pelo capital econômico e
capital cultural, bem como os espaços simbólicos constituídos pelos habitus.
168
Bourdieu, Les trois modes de connaissance e Structures, habitus et pratiques. In: BOURDIEU, P.
Esquise d’une Théorie de la Pratique. Genève: Lib.Droz, 1972, In: Ortiz, 2003, p.57.
198
nacional é verificável nos discursos dos músicos, artistas e intelectuais paraguaios: “la
expresión más pura del alma popular” (BORDÓN, 2004, p.45); “catalizó los
sentimientos como si ya perteneciera a la nacionalidad entera” (Elvio Romero in
PECCI, 2004, p.53); “inmortal por ser la más auténtica expresión de la sensibilidad
paraguaya” (Alcibiades González Delvalle no livro “Mi voto por el pueblo y otros
comentários”, volume 1, in PECCI, 2004, p.116); “la más sublime expresión de sua
tierra, el Paraguay” (Luis Szarán in PECCI, 2004, p.147); etc.. A despeito da visão
naturalizante bastante disseminada no país, a trajetória que o gênero percorreu até
legitimar-se foi marcada por uma intensa luta política e ideológica onde se destaca o
papel de Flores como militante de esquerda e as oportunistas apropriações dos governos
ditatoriais de direita.
Conforme narrativas atribuídas ao próprio José Asunción Flores (ROCHE, 1984,
p.27), sua infância foi marcada por uma extrema miséria, e sua mãe – Magdalena Flores
– lutava para sobreviver e sustentar os filhos. O menino criado solto nas ruas de
Assunção, aos onze ou doze anos de idade ingressou como aprendiz na Escuela de
Música de la Banda de la Policía como “uno de los tantos menores recluidos en el
cuartel de la Guardia Cárcel, castigado por vagância, robo o rapiña”.169
Por essa época, a Banda de la Policía, conduzida por regentes europeus, tinha
um repertório totalmente estrangeiro e só fazia concessão à música local ao tocar uma
galopa no final das retretas sinalizando o final da apresentação (BORDÓN, 2004, p.26).
Algo semelhante acontecia com as orquestras de bailes e serenatas que tocavam
foxtrots, tangos, paso dobles e apenas como encerramento uma polka kyre’y (Ibid.,
p.27).
O recolhimento de música popular e sua edição em partituras já vinham sendo
feitos desde 1874 quando Luís Cavedagni, músico uruguaio residente no Paraguai
publicou, pela Editorial A. Demarchi de Buenos Aires, o Álbum de los toques más
populares del Paraguay em arranjos para piano (SZARAN, 1997, p.44). Essa
publicação foi bastante criticada por conter muitos erros técnicos: “no había una
169
O livro de Armando Almada Roche é construído como uma série de entrevistas fictícias com Jose
Asunción Flores, a partir de uma compilação de fitas, cartas e outros documentos, feita pelo autor: “pero
fundamentalmente esta obra fue hecha en base a un original escrito por el próprio maestro, firmado por su
puño y letra. Es un borrador de ciento veinte carillas de cuarenta líneas, mecanografiadas a dos espacios,
por una sola cara, en hoja tamaño ofício, en donde refiere con lujo de detalles, en un lenguaje claro y
franco, episódios referentes a su niñez, a ‘La Banda de la Policía’, su amistad com Ortiz Guerrero, las
falsedades en su contra, su militância política, todo.” (ROCHE, 1984, p.14)
204
170
O papel desempenhado por Manuel Ortíz Guerrero (que veio a ser o autor da segunda letra de India)
foi fundamental não apenas para o direcionamento inicial da carreira do jovem Flores como também para
sua formação intelectual e política.
205
1945): “y fue también Guarania, la región prometida como tierra de ensueño, de ilusión
y de vida, tierra donde nacieron las flores santuarias de robustas pasiones y gestas
fabularias” (SZARAN, 1997, p.239).
Bordón (2004, p.61), afirma que no início da década de 1930, por sua difusão
nos cafés e bares “la Guarania ya era todo un fenómeno social” mas ainda era vista com
reservas e desconfiança pelas direitas e duramente reprovada pelas esquerdas, como se
pode apreender por um texto do poeta, dramaturgo e jornalista Facundo Recalde171:
171
Transcrito em Bordón, 2004, p.61-63. Infelizmente o autor não forneceu as referências.
206
Segundo Luis Szaran (in PECCI, 2004, p.146), a consciência mais ou menos
clara de um sentimento nacional e de afirmação de uma linguagem nacionalista
começou – de forma incipiente – com Agustín Barrios, mas se definiu e se fortaleceu
com Flores: “a partir de entonces y hasta bien entrada la década de 1970, no se conocerá
otra forma de expresión musical.”
Os discos contendo gravações de suas guarânias e poemas sinfônicos pela
Orquestra e Coro da Rádio e Televisão Soviéticas circularam de forma clandestina no
Paraguai e para a geração dos músicos ligados ao movimento Nuevo Cancionero da
década de 1970: “Flores era [...] como la proa de esse barco magnífico” (José Antonio
Galeano in PECCI, 2004, p.171), pois “la figura de Flores, después de su desaparición
física, se agiganto ante nuestros ojos” (José Antonio Galeano, integrante do grupo
“Sembrador” in PECCI, 2004, p.172).
Se coube a Jose Asunción Flores estruturar uma forma musical (sinfônica e de
canção popular urbana) à qual posteriormente se denominou “guarânia”, sua
legitimação como representação de uma identidade nacional paraguaia dependeu de seu
dimensionamento em um espaço social extremamente contraditório e construído
históricamente em um processo de lutas simbólicas e reais.
Creio que podemos afirmar que a emergência da guarânia como símbolo de uma
luta política se deu a partir das estratégias de agentes localizados tanto no Paraguai
208
como na Argentina, especialmente em Buenos Aires, pois foi na capital porteña que
grande parte de paraguaios se organizou em uma rede de solidariedade e resistência.
Desde a década de 1930 instituições como a Associación Paraguaya, Agrupación
Folklórica Guaraní, Associação Ortiz Guerrero, Tapyi Guaraní (Casa paraguaya),
Asociación de Artistas Paraguayos, Centro de Estudiantes Paraguayos e Centro
Gaspar Rodríguez de Francia agregaram intelectuais, artistas, estudantes e profissionais
liberais paraguaios no exílio (voluntário ou forçado) bem como argentinos identificados
com suas reivindicações: “habíamos formado un grupo compacto, en donde ya no
éramos argentinos ni paraguayos, sino artistas, escritores o intelectuales” (Augusto Roa
Bastos in PECCI, 2004, p.66).
Promovendo publicações, criando mercado de trabalho para músicos e artistas e
organizando concertos, essas associações bi-nacionais foram fundamentais para a
construção de uma identidade nacional paraguaia em um contexto onde “las guaranias
de Flores eran una alta bandera de lucha” (Mario Rubén Álvarez in PECCI, 2004,
p.118).
Com relação ao Brasil, o primeiro músico paraguaio importante a se estabelecer
no país foi Agustín Barrios (San Juan Bautista Misiones, 1885 – San Salvador, El
Salvador, 1944) que chegou a São Paulo em 1916 e percorreu o país durante quinze
anos, tendo se casado em 1925 com uma brasileira em Pelotas, no Rio Grande do Sul
(SZARAN, 1997, p.84).
Nas primeiras décadas do século, há também notícias de apresentações dos
violonistas e compositores Quirino Báez Allendo no Teatro Municipal do Rio de
Janeiro (SZARAN, 1997, p.69) e de Carlos Talavera172 na Rádio Tupi (Ibid., p.456), da
atuação do instrumentista, diretor de banda e compositor Sixto Benítez Rojas como
integrante de bandas no Rio de Janeiro (Ibid., p.99) e da presença do poeta e cantautor
Emiliano R. Fernández – que a partir da década de 1930 teve uma vida errante (Ibid.,
p.192) –, além do violinista e regente Bernardo Mosqueira e do compositor Juan Carlos
Moreno González que estudaram no Rio de Janeiro e São Paulo respectivamente.
Embora Buenos Aires fosse o destino principal dos exilados paraguaios (o
próprio Jose Asunción Flores foi para lá em 1933), o Brasil não ficou totalmente
desconectado desse processo diaspórico. Conforme palavras creditadas a Flores em
172
Szaran (1997, p.456) informa que Carlos Talavera regressou ao Paraguai em 1932 para lutar na Guerra
do Chaco e em 1940 Getúlio Vargas lhe ofereceu facilidades para morar no Brasil, mas o músico decidiu
regressar definitivamente ao seu país.
209
Roche (1984, p.128), em 1933 na Asociación Paraguaya “por primera vez se ejecutó,
más o menos respetablemente, la Guarania en la Argentina [...] las guaranias más
conocidas, por exemplo: Buenos Aires, salud! Índia, Panambí verá, Kerasý y otras”,
sendo que dois anos depois – em 1935/36 – eram lançadas as primeiras gravações de
guarânias e polcas feitas no Brasil pelo músico Agustín Cáceres (SANTOS et al, 1982),
ex-integrante do Conjunto Folklórico Guaraní dirigido pelo famoso Julián Rejala
(Areguá, 1907- Assunção, 1981).
É preciso observar que, enquanto a maior parte dos artistas e intelectuais
paraguaios se exilava em Buenos Aires, uma grande massa de trabalhadores anônimos
atravessava as fronteiras para trabalhar nos ervais e nos campos de criação de gado no
sul de Mato Grosso173. Ao mesmo tempo em que a guarânia era convertida em símbolo
de resistência da identidade nacional paraguaia e Agustin Cáceres e Amado Smendel
gravavam as primeiras polcas e guarânias em São Paulo, a Companhia Matte Laranjeira
atingia o auge de sua hegemonia econômica, contribuindo indireta, mas decisivamente,
para a configuração de uma cultura guarani-paraguaia na fronteira com o Brasil.
paradigma oficial (como o decreto que designou “Índia” como uma das “canções
nacionais” do Paraguai em 1944). A cristalização de objetos e práticas corresponde a
um momento crítico que descortina uma situação que já vinha sendo delineada pelas
heterogeneidades presentes no cotidiano dos grupos sociais, constituindo, a partir daí,
suas narrativas legitimadoras.
Segundo Rosa Nepomuceno (1999, p.129-132),
Não foi por acaso que em 1935 a Rádio Record de São Paulo manteve um
programa diário de meia hora dedicado às músicas paraguaias, assim como não foi por
acaso que, dos gêneros latinos presentes na música sertaneja do Brasil na primeira
metade do século XX, apenas os paraguaios foram “nacionalizados” através do
rasqueado e da moda campera (embora se continuasse a fazer guarânias), haja vista que,
mesmo “acaipirados”, os corridos e rancheiras continuaram sendo corridos e rancheiras,
os tangos continuaram sendo tangos e os boleros continuaram sendo boleros,
reafirmando, portanto, seu caráter estrangeiro, o que levou Hamilton Ribeiro (2006,
p.174) a afirmar que: “hoje já se compõe guarânia com naturalidade por aqui, como se
não fosse mais um artigo ‘estrangeiro’”.174
A assimilação – e adaptação – das estruturas musicais (notadamente no aspecto
rítmico) das polcas paraguaias e guarânias, de práticas de performance (como o
sapucay) bem como do imaginário fronteiriço nas letras das guarânias brasileiras, dos
rasqueados e das modas camperas, configura as fronteiras como “fundadoras de
espaços” (CERTEAU, 2012) na memória cultural de várias gerações:
174
Conforme nos alertou Alberto Ikeda, mesmo não ocorrendo a transmutação/nacionalização da
nomenclatura, a nacionalização de aspectos estruturais ou mesmo a adoção, na integralidade, das práticas
estrangeiras é suficiente para o processo identitário, pois são dinâmicas simbólicas, que superam os
aspectos “materiais”.
211
Não, não havia restrição não. Era bem aceito sim. Prova é que quase
todas as duplas, ou todas as duplas gravaram polcas paraguaias,
gravaram guarânias, gravaram rasqueado... e o importante é que tanto a
guarânia como o rasqueado entrou na música popular, né.
Segundo o músico e maestro paraguaio Oscar Nelson Safuan (1943 – 2007) que
morou no Brasil durante trinta anos no período entre 1962 e 1992 e que atuou
intensamente no campo da música sertaneja em São Paulo, a guarânia foi divulgada no
país graças à presença – esporádica – de conjuntos paraguaios nas décadas de 1930 e
1940, intensificada nos anos 1950 e 1960 (SAFUAN, 2004, p.13). Quanto à polca
paraguaia, segundo Safuan:
A polca levaria mais tempo para penetrar, pela dificuldade que tinham
os músicos e cantores em assimilar o ritmo pela sua velocidade e,
principalmente, por ser um compasso de 6/8, sendo bem interpretado só
pelos artistas paraguaios. E por gerar tal inconveniente, a polca foi
então o motivo inspirador direto para a posterior aparição do
rasqueado, ritmo este exatamente igual, apenas mais pausado,
situando-se entre a guarânia – lenta – e a polca – rápida –, eliminando
ainda da parte melódica um dos elementos que dificultava muito a
interpretação desta última: a ligadura de prolongação de um compasso
a outro. Isto, infelizmente, só pode ser compreendido cabalmente por
quem lê música. (Ibid., p.14)
175
essa configuração que ele reconhece como offbeat e que raramente é detectada nos
rasqueados, pode ser ainda encontrada “de forma oscilante, em grupos brasileiros
formados em estreito contato cultural com as populações paraguaias.”
A prática musical feita nas fronteiras sul-mato-grossenses por músicos locais
tende a incorporar de forma mais orgânica essas características rítmicas da música
176
paraguaia , o que faz lembrar as palavras de Romildo Sant’Anna (2000, p.164-165):
“Cultura e arte [...] são como o sopro do vento. Não distinguem delimitações
geopolíticas. Vão entrando sem pedir licença às autoridades.”
Não podemos esquecer os discursos divergentes e nacionalistas que, tácita ou
expressamente se insurgiram contra a introdução da guarânia no Brasil. Um dos mais
incisivos foi o de Waldenyr Caldas (1979, p.44-46) que, fundamentado em uma rígida
concepção adorniana que vê o mercado fonográfico como o grande vilão do campo da
música sertaneja, faz uma leitura negativa da presença da música paraguaia nas
fronteiras brasileiras:
175
Conceito associado à idéia de sincopação aplicado especialmente à música africana: “Uma
configuração rítmica transcorre em posição de offbeat quando faz uso consistente de um ponto de apoio
rítmico constante, deslocado e independente do valor rítmico referencial de uma peça musical. Isto é,
cria-se um plano métrico não coincidente com o plano métrico hierarquicamente definido como básico.”
(LACERDA, 2005, p.209).
176
Para maiores detalhes, cf. HIGA, 2010.
213
177
Observamos que além da importância fundamental da contiguidade geográfica/territorial, é preciso
também considerar as mediações do rádio, da fonografia e dos circos na divulgação das práticas musicais
fronteiriças, conforme abordaremos na próxima seção.
178
Designação dos grupos de animação de bailes que se dedicam a gêneros musicais como a polca
paraguaia, a guarânia, o chamamé, o vanerão, etc. e ao mesmo tempo utilizam uma poderosa percussão
que os aproxima da música baiana. Um dos grupos mais importantes desse segmento é o Tradição, cujo
vocalista foi durante muito tempo o cantor Michel Teló (que em 2012 obteve enorme sucesso
internacional com o hit “Ai, se eu te pego”).
179
A tese de Neder está dirigida ao estudo da canção popular urbana de Campo Grande, MS, a partir da
década de 1960, em um contexto onde seus agentes – de um modo geral músicos oriundos das elites
intelectualizadas – procuram afirmar uma identidade musical conectada não apenas com o Paraguai, mas
também com os demais países latino-americanos, além de gêneros como o rock, a MPB e a música caipira
“raíz”. Segundo o autor, a luta ideológica travada pela hegemonia de uma representação homogênea da
identidade nacional formulada pelas elites brasileiras no século XX, ignorou – e até mesmo rejeitou – as
culturas fronteiriças – que o autor engloba em uma “unidade cultural platina” – que traziam as marcas da
“diferença” em relação às representações oficiais. Os segmentos que conseguiram derrubar esses
bloqueios e impor suas práticas a partir das “margens” do campo legitimado da música popular brasileira
foram os grupos baileiros e as duplas sertanejas sul-mato-grossenses que Neder afirma serem portadores
de “real sustentação popular”.
215
Neder (2011, p.309) lembra que até ser legitimada como “parte da identidade do
estado”, a música paraguaia provocava “estranhamento e recusa, uma vez que
desrecalcava o marginalizado e não era acolhida pela sociedade imbuída de uma certa
ideologia modernizante, pautada nos grandes centros brasileiros.” Apesar da relativa
negatividade com relação aos paraguaios e sua cultura nos padrões de distinção das
elites urbanas de Mato Grosso do Sul, em alguns momentos a música paraguaia aflorava
estratégicamente de forma avassaladora mesmo nos elegantes bailes do Rádio Clube:
Quais?
Ai! Na hora assim não me lembro. É, tem umas que nós fizemos
adaptação, não traduziu. Não é versão, porque versão tem que ser você
falar quase igual tá falando no castelhano, às vezes não rima, entendeu?
Então a gente faz adaptação. Mas guarânia mesmo assim... não tô
lembrada...
E o rasqueado?
Não, é por causa que toda vida... aqui o folclore aqui em Campo
Grande, aqui em Mato Grosso do Sul é sempre o rasqueado, já veio...
porque tem o chamamé que é lá da Argentina né, eu canto também
chamamé com o Maurício e... e tem a polca paraguaia, que polca
paraguaia a gente não gosta de cantar muito porque ela é muito corrida,
ela é rápida sabe, a guarânia a gente canta, canta em português às vezes
alguma ... porque tem artista sertanejo que canta guarânia, não é em
castelhano nem nada, mas é em português e faz guarânia do mesmo
jeito, cê entendeu? É o ritmo que chama... que é a guarânia... entendeu?
eu não sei assim te explicar detalhadamente assim mas... (grifo nosso)
219
declarou uma das três “canções nacionais”. No mesmo ano, a dupla Palmeira e Piraci
gravou pela Continental o rasqueado “Paraguayta, pepita de oro” (que seria novamente
gravado pelo Conjunto Folclórico Guarany como “canção” no ano seguinte, pela mesma
gravadora). Conforme já comentamos anteriormente, esse rasqueado, que caiu nas
graças de Higino Morínigo, rendeu ao Capitão Furtado um convite do presidente para
visitar o Paraguai integrado a uma comitiva brasileira (FERRETE, 1985, p.66).
Porém, foi em 1946, ano que coincide com o final da Segunda Guerra Mundial,
que no Paraguai se abriu uma breve “primavera democrática” que possibilitou a
liberdade de imprensa e a atuação pública de todos os partidos políticos. Jose Asunción
Flores retornou ao Paraguai na condição de “compositor más popular del país” (PECCI,
2004, p.212) realizando diversas apresentações públicas em Assunção (algumas
organizadas pelo Partido Comunista) e cidades do interior. Concomitantemente, através
da mediação do embaixador brasileiro Negrão de Lima, Mário Zan, após tocar “Índia” e
a polca “Virginia” (de Teodoro Mongelós e Diosnel Chase) em um jantar oferecido ao
presidente Higino Morínigo, foi convidado para integrar sua comitiva em comícios pelo
país. Na condição de hóspede oficial, Zan tocou todas as noites durante vinte dias antes
do discurso do presidente. Nessa condição, o músico brasileiro se colocava em posição
política antagônica a Flores, autor da guarânia “Índia” e defensor de um nacionalismo
paraguaio que se manifestava contrário à permanência de Morínigo no poder. Viria daí a
exacerbação nacionalista de Mário Zan que procurou afirmar a brasilidade do rasqueado
em oposição à polca paraguaia, bem como a idéia de criar um gênero musical brasileiro
(tupiana) doze anos depois para substituir a guarânia no Brasil? Seria por isso que ele só
compôs duas guarânias (“Nostalgias do Paraguai”, em parceria com Sally [sic] e
“Ausência” em parceria com Palmeira) em toda sua trajetória, evitando se vincular ao
gênero? Ele teria percebido que a guarânia era ideológicamente ligada ao Paraguai e
acreditado que só ali faria sentido?
Seja como for, a “primavera democrática” paraguaia durou pouco. No ano
seguinte, em 1947, Flores retornou ao exílio na Argentina e o Paraguai mergulhou em
uma guerra civil (PECCI, 2004, p.213), enquanto no Brasil, Mário Zan, ao acordeon,
registrava em disco 78 rpm sua guarânia “Nostalgia do Paraguai” (Continental 17.799),
e em Buenos Aires, o compositor e pianista argentino Ariel Ramírez gravava seu arranjo
pianístico de “Índia” declarando posteriormente que ele considerava “una de las
222
mejores obras del repertorio que tiene Latinoamérica” (Ariel Ramírez in PECCI, 2004,
p.170).180
Enquanto na Argentina os exilados paraguaios se identificavam com a militância
política e artística de Flores, se organizando em associações e circuitos de informação e
solidariedade, no Brasil da década de 1940 alguns músicos e conjuntos paraguaios se
apresentavam em turnês e gravavam discos. Além dos já citados Agustin Cáceres e
Amado Smendel (com seu Trio Guarani, Trio Los Campesinos e Los Paraguayitos) a
partir de 1935, com base no cruzamento dos dados das gravações da Discografia
Brasileira 78 rpm (SANTOS et al, 1982) e das informações garimpadas no
Diccionario de la música en el Paraguay (SZARAN, 1997), observamos a atuação
mais expressiva de Julian Rejala, Hermínio Gimenez e Aristides Valdez a partir da
década de 1940 (ver capítulo III); de Luis Bordon e do grupo Los Zorzales Guaranies na
década de 1950; e Oscar Nelson Safuan a partir da década de 1960.
Ao redor de Julian Rejala (e seu Conjunto Folclórico Guarany ou Conjunto
Folclórico Paraguaio), orbitaram diversos músicos paraguaios como Santiago Cortesi,
Jorge Caballero, Agustín Cáceres, Agustín Laramendia, José L. Melgarejo, Fidelino
Castro Chamorro (Ibid., p.410), Wilma Ferreira (Ibid., p.196), Rodis Segovia (Ibid.,
p.438), Anibal Lovera (Ibid., p.285), Ramón Mendoza (Ibid., p.313), Juanita Espínola,
(Ibid., p.185) e Martín Leguizamon (Ibid., p.278).
Hermínio Gimenez (ver capítulo III), um dos compositores mais conhecidos da
América Latina, assim como Flores, também viveu grande parte de sua vida no exílio
(na Argentina e no Brasil) e também se dedicou à chamada “jerarquización de la música
paraguaya, que consistió en trasladar al lenguaje de la música sinfônica, la música
popular del Paraguay, a la manera de los nacionalistas europeos del siglo pasado [séc.
XIX] y los americanos de princípios de siglo [séc. XX]” (SZARAN, 1997, p.224). Entre
os músicos que o acompanharam em seus períodos vividos no Brasil estão o compositor
Emígdio Ayala Báez (Ibid., p.66) e os integrantes do Conjunto Latino-americano,
Conjunto Folklórico Perurimá e Conjunto Ponta Porã.
Aristides Valdez (ver capítulo III), com seu Trio ou Quarteto ou Conjunto
Calandria Ñu, trabalhou com os músicos paraguaios Hilarión Correa e Paulino Rivarola.
180
Lembramos que no final da década de 1940 (ou início de 1950), o acordeonista Rielinho realizou nova
viagem com Nhô Pai e Nhô Fio pelo interior de São Paulo e Mato Grosso até as fronteiras paraguaias.
223
Hilarión Correa, por sua vez, entre fins da década de 1940 e na década de 1950, formou
o conjunto Los Paraguaytos (com Paulino Rivarola e Amado Smerdél [sic]), tendo
realizado gravações para a Continental (SZARAN, 1997, p.153 e 466). 181
No dicionário de Luis Szaran (1997) localizamos ainda referências aos seguintes
músicos e grupos paraguaios que trabalharam no Brasil a partir da década de 1940:
Digno Garcia (Ibid., p.313), Teófilo Escobar, Roberto Barúa e Basílico Echagüe (Ibid.,
p.184), Gran Orquesta Típica Hermanos Vázquez e duo Riveros-Echagüe (Ibid., p.478),
Demetrio Ortíz e Ignácio Melgarejo com o Trío Asunceno (Ibid., p.364), e Los Hijos
del Guarán (SANTOS et al., 1982).
O harpista e compositor Luis Bordón (1926 – 2006) tornou-se conhecido no
Brasil a partir do lançamento do LP “Arpa Paraguaya en Hi-Fi” em 1958 (ou 1959,
segundo Luis Szaran) pela Chantecler:
O Luis Bordon era técnico de televisão, eu era chefe dele. Isso em 1954.
E ele de vez em quando tocava com um conjunto paraguaio aqui e
chegou até a gravar um disco 78 pela Odeon, disco raríssimo que
infelizmente não tem. Mas quando surgiu a Chantecler em 1958 ele foi
convidado prá gravar e como o departamento de disco da Cássio Muniz
ficava no mesmo prédio que eu estava... era dois andares, eu ficava em
cima eles ficavam em baixo e o Jairo de Almeida Rodrigues que era o
gerente do departamento de disco, na hora do café subia prá minha sala
e a gente ficava batendo papo. E eu já nessa época conhecia toda a
estória da música brasileira, popular, folclórica, erudita. E surgiu então
a gravação do Luis Bordon. O Luis Bordon conversando com o
Palmeira, havia planejado fazer um disco com um conjunto paraguaio,
harpa e tudo o mais e tal, e um cantor. Eu, e o outro, subchefe da
oficina... [toca o telefone.Interrupção.]
181
Não localizamos as gravações de Los Paraguaytos nos catálagos da Discografia Brasileira 78 rpm.
224
182
Segundo Szaran (1997, p.112), Luis Bordon veio pela primeira vez ao Brasil em 1949 para uma turnê
com o Conjunto Folkórico Guaraní de Julián Rejala.
225
183
Não conseguimos saber se ele foi atendido e se pode vir ao Brasil.
226
Trio Los Asuceños, Pepe Velasquez, Julio Cesar del Paraguay (SANTOS et al., 1982),
etc..184
Conforme já mencionado no início desta seção, na década de 1960, o nome mais
importante para o campo da música popular brasileira foi do compositor e arranjador
paraguaio Oscar Nelson Safuan que se estabeleceu em São Paulo em 1964, onde viveu
por dezoito anos até regressar ao Paraguai em 1992, tendo se tornado um requisitado
produtor musical no campo da música sertaneja:
Além de sua atuação nos estúdios, Safuan, juntamente com o cantor paraguaio
Raúl Achón fundou em 1969 uma pequena escola de música no bairro paulistano de
Bela Vista, onde ensinava solfejo, dicção, interpretação e canto “totalmente gratuita
para profissioniais copatriotas radicados em São Paulo, como também para brasileiros
interessados em estudar, igualmente sem custo algum” (SAFUAN, 2004, p.80). Com o
nome de EMA (Escola de Músicos Amigos), a escola manteve um coral que chegou a
gravar um disco com músicas paraguaias. Entre os integrantes do grupo estavam os
cantores Raúl Achón, Victoria Valiente, Judith Obrit, Lila Prado, Elena Queiroz, Lidio
Ortiz, Rubén Bobadilla, Rufi Gonzalez, Raúl Achón, Carlos Achón, Cesar A. Britez,
Tomás Acosta, Teodosio Cabañas, Carlos Bobadilla, Carlos Romero, Félix Acosta,
Marcos Monges, Javier Sanabria, Esteban Britez, Vidal Paniagua, os harpistas Juan
Carlos Herrera, Sebo Guarani e Frogita González e o contrabaixista Daniel Salinas
(blog “Paraguay Teete” acessado em 21.07.2012).
Além de nomes importantes da área sertaneja como Roberta Miranda, Safuan
também trabalhou com os cantores: Perla, Nilton Cézar, Aguinaldo Raiol, Ângela
184
Luis Szaran (1997, p.429) também cita o poeta Miguel Rotela Quintana, que residiu em Pedro Juan
Caballero a partir da década de 1950.
227
Maria, Valdik Soriano, Tom Zé, Lindomar Castilho, Claudia Barroso, Almir Sater,
Carlos Alberto, Tony Damito, Carmen Silva, José Augusto, Wilson Miranda, Dom e
Ravel e Taiguara (SAFUAN, 2004, p.80), o que indica seu ecletismo profissional que
tendia principalmente ao segmento da música romântica que com o tempo passou a ser
desqualificada como brega.
Ainda na década de 1960, Jose Asunción Flores sofreu diversos tipos de
perseguição política, tendo ficado preso na Argentina durante um ano juntamente com o
escritor paraguaio Carlos Garcete, o que motivou uma mobilização transnacional que
pedia sua liberdade:
185
Contemporâneo à emergência de diversos movimentos musicais engajados intitulados Nueva Trova
em Cuba, Nueva Canción no Chile, Nuevo Cancionero na Argentina, Canto Nuevo no México etc..
228
o Joly Sanches186 que era... depois passou o Joly Sanches para o Luis
Bordon, para a equipe de Luis Bordon, e tinha outro também que não
lembro agora... E... Já passava já quase alguns dias e não tinha trabalho
então eles falaram para o Joly, um deles era sapateiro, sapateiro, falava:
Joly vamos buscar trabalho prá você porque não temos prá comer e
186
Conforme o catálogo da Discografia Brasileira 78 rpm (SANTOS et al, 1982), em 1959 Joly
Sanches com seu Trio (ou Conjunto) Paraguayo gravou dois 78 rpm com polcas, valsa e guarânia
(Continental 17.646 e Continental 17.715).
229
vamos... e foram buscar trabalho para o Joly como sapateiro. O Joly não
queria trabalhar [ri] porque o músico quando é músico já não quer
trabalhar noutra coisa não... E... e ele tinha um paletó então eles foram
vender o paletó dele para comer um dia [ri] vendeu o paletó [?] para
comer alguns dias, né. Essa é uma estória da parte muito difícil dessa
turma que... então... porque o paraguaio é muito comunicativo, muito
fácil de fazer amizade, então eles sabe, andando por aí, na pensão, a
dona da pensão, a dona às vezes tinha dó dos músicos, e deixava ficar
um tempo aí sem pagar, muitas vezes fugiam sem pagar porque não
tinham dinheiro, tinham vergonha de enfrentar. Mas muitas vezes a
dona mesmo dava comida porque falava, é, gostava da música que
faziam e tal... e tão contente que estavam na sua casa os músicos.
Sim sim, muito bonita. Muito bonita. Sim, sim, havia. Nunca, nunca
quando eu estive aqui em São Paulo, no Brasil, nunca eu escutei uma
briga de um paraguaio com outro paraguaio nem paraguaio com um
brasileiro ou brasileira, a não ser que caso de amores, assim, aí é outra
coisa né, mas é... Briga mesmo nunca assisti, ao contrário, é... Todo
mundo: Uhh!!! Onde está aquele cara que gosto tanto dele assim... O
brasileiro também é muito evocativo, né, porque naquela época estava
muito de moda as músicas do violão, da música da seresta, era muito
romântico. Brasil teve uma época muito romântico, essa música... Essa
época é... No final dessa época que eu cheguei ao Brasil. (Papi Galan
em 06.11.2011)
raízes sofreu transformações em consonância com sua referência com o mundo atual,
adaptando-se organicamente” e que esse êxodo “interferiu na contrafação simbólica das
modas caipiras, no repertório de referências, pela interpenetração no código de valores
tradicionais do campo com outra ordem de valores, os da cidade.” (SANT’ANNA,
2000, p.351)
Segundo Ivan Vilela (2011, p.65) “a cultura dos migrantes, embora modificada,
resistiu em seus valores fundamentais [...] as populações de migrantes resistem em
bairros periféricos das grandes cidades sustentados pela solidariedade e por uma rede de
relações comunitárias que muitas vezes a cidades desconhecem.” Como uma das
conseqüências desse processo migratório, “por volta dos anos 50, começou a se delinear
um quadro no qual a música sertaneja passou a ser relacionada a uma população de
baixa renda, oriunda de áreas rurais e moradora dos bairros periféricos das grandes
cidades” (OLIVEIRA, 2009, p.310).
O perfil estético dessa música sertaneja praticada nas periferias urbanas já estava
repleto de referências e procedimentos próprios das novas configurações sócio-
econômicas que, através da apropriação estratégica dos meios tecnológicos disponíveis,
absorveu o que fosse possível absorver, porém sem se desvencilhar totalmente de um
sentido de ruralidade (um dos aspectos fundamentais de seu habitus) que continuava a
alimentar seu comportamento e, de alguma forma, sua poética. Segundo Diogo de
Souza Brito (2010, p.69):
187
Um exemplo de apropriação de gênero musical latino é o caso do bolero que – a partir de
configurações de espaços sociais e simbólicos completamente diferentes do caso da guarânia –, sob
protestos dos puristas, teria deturpado a “pureza” do samba carioca ao se hibridar com o samba e
possibilitar a emergência do samba-canção ou “sambolero”.
188
Um dos trabalhos pioneiros no estudo da categoria “brega” na música brasileira é a tese de mestrado
de Samuel Araújo intitulada “Brega: music and conflict in urban Brazil” (Universidade de Illinois, 1987).
233
É essa mesma música desqualificada como cafona e brega que Allan de Paula
Oliveira detectou recentemente nos circuitos musicais das periferias de Curitiba, e que
podemos encontrar fartamente nos bares e churrascarias dos subúrbios de Campo
Grande e nas prateleiras de vendas de CD’s das paradas de ônibus das estradas do
interior do país:
Assim, duplas dos anos 70, como Milionário e José Rico ou Léo
Canhoto e Robertinho tinham seus Lps elaborados em torno de canções
ao estilo do pop ou de rancheiras e guarânias. Ainda hoje, esta é a
música sertaneja mais praticada e escutada em circuitos organizados em
bairros populares das cidades grandes e médias no Brasil. (OLIVEIRA,
2009, p.304)
Mesmo um autor como Hamilton Ribeiro, que, ao justificar alguns critérios para
sua escolha das “270 maiores modas de todos os tempos”, inclui a guarânia e a música
de fronteira como “autêntica música caipira” – ao lado da valsa, quero-mana, maxixe,
xote e “um ou outro tango” – encontramos um discurso que desconsidera os processos
de luta simbólica do campo e exclui do rol das práticas legítimas, grande parte da
produção musical que a cada dia – para desespero dos guardiões do “bom gosto” e da
“autêntica” música popular brasileira – parece se tornar mais central do que periférica:
3. Epílogo: as mediações
Jesus Martín-Barbero (2009, p.250) afirma que, se até o final da década de 1950
a concepção latino-americana de modernidade esteve associada à idéia de nação, após a
década de 1960 o eixo principal passou a ser a idéia de desenvolvimento. O papel
catalizador central da “vivência cotidiana da Nação” coube de forma extensiva ao rádio
e, de forma mais restrita, ao cinema (Ibid., p.234), pois, enquanto o cinema – onde foi
possível se instalar de forma mais massiva – deu “voz e imagem às identidades
nacionais”, o rádio – com um raio de abrangência maior – conectou “o que vem das
culturas camponesas com o mundo da sensibilidade urbana” (Ibid., p.270).
Como parte de um contexto onde a idéia de desenvolvimento adquiriu
hegemonia, a consolidação de um “mercado de bens simbólicos no Brasil” verificada a
partir do final dos anos 1960 esteve apoiada em uma “grande expansão dos meios de
comunicação de massa e da indústria cultural.189
As músicas veiculadas nesses meios – sempre associadas à produção fonográfica
– mesmo categorizadas em gêneros musicais associados a identidades nacionais,190 se
constituíram como objetos híbridos, implicando “idéias de fratura, deslocamento e
transitividade” (VARGAS, 2007, p.63). Se desde os anos 1930, o rádio e o disco eram
responsáveis pela comunicação de culturas musicais nacionais,
189
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1988, p.77, apud ZAN, 2004, p.4.
190
Segundo Heloísa Duarte Valente, “no universo das canções nascidas nas mídias, ou popularizadas
através delas, o gênero musical dominante é prontamente associado aos países de origem. [...] os gêneros
se tornam cartões postais sonoros.” (VALENTE, 2007, p.83).
235
191
http://www.dicionariompb.com.br/as-galvao - acesso em 12.04.2012.
237
Centenário da cidade de São Paulo em 1954 tenham sido convidados músicos do Rio de
Janeiro como Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Benedito Lacerda, Jacob do
Bandolim, Aracy de Almeida e outros (convidados por Almirante que produziu o
programa comemorativo), o destaque coube a músicos de São Paulo como Mário Zan,
Inezita Barroso, Cascatinha e Inhana, Demônios da Garoa e Adoniram Barbosa (Ibid., p.
268-269).
A polarização entre a radiofonia paulistana e carioca não se evidenciou somente
no campo musical. Também no posicionamento político, a participação ativa e
fundamental da Rádio Record na Revolução Constitucionalista de 1932, que se insurgiu
contra o governo ditatorial de Getúlio Vargas, deve ser considerada:
ao longo do Estado Novo não houve, por parte do próprio regime, uma
orientação clara dos rumos a serem impostos à radiodifusão em se
192
REIS, Nélio. O dia do presidente e os novos estúdios da Rádio Nacional. Jornal A Manhã, 19
abr.1942. p.5, apud VELLOSO, 1987, p.22.
193
Departamento de Imprensa e Propaganda que funcionou de 1939 a 1945 exercendo intensa atividade
de controle, censura e de propaganda oficial durante o Estado Novo de Getúlio Vargas.
238
É a voz do Brasil que vai falar ao mundo, para dizer aos povos
civilizados do universo o que aqui se faz em prol dessa civilização. É a
música brasileira que será difundida através dos recantos mais distantes
do globo, exibindo toda a sua beleza e todo o seu esplendor. (Gilberto
de Andrade em texto datilografado de 1941, apud SAROLDI;
MOREIRA, 1984, p.48)
194
Haroldo Barbosa em entrevista ao jornal O Pasquim, no.249, abril 1974, apud SAROLDI;
MOREIRA, 1984, p.32.
195
José Mauro [Diretor Artístico da Rádio Nacional na década de 1940], em depoimento gravado em
20.10.82, in SAROLDI; MOREIRA, 1984, p.31.
240
196
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. 3ª. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1991, p.147/148, apud Brito, 2010, p.161.
242
disponível nos discos 78 rpm (três minutos de cada lado), o que obrigou os músicos e
cantores a se adequarem à limitação de tempo – o que não ocorria nas performances ao
vivo realizadas no contexto “caipira”. Essa primeira transformação já revela que, a
partir do momento em que o repertório caipira começou a ser gravado com fins
comerciais, já estava sendo ressignificado, recontextualizado e refuncionalizado.
Analisando o conteúdo dos catálogos 78 rpm contidos na Discografia brasileira
78 rpm: 1902-1964 (SANTOS et al, 1982), observamos que foi na Columbia, a partir
de 1935, que se realizaram as primeiras gravações de polcas e guarânias com músicos
paraguaios (Disco 8.147 com Agustin Cáceres) e a primeira gravação de rasqueado
(Disco 55.217 com Nhô Nardo e Cunha Jr.) . A Victor só lançou gravações de música
paraguaia a partir de 1939 (Disco 34464 com Amado Smendel e seu Trio Guarani), e foi
na Odeon, em 1941 que a dupla Nhá Zefa e Nhô Pai gravou a primeira guarânia
brasileira (Disco 11.973).197
A Continental, criada em 1943198, incorporou todo o acervo das matrizes
brasileiras de discos da Colúmbia (SANTOS et al, 1982), o que a levou a reeditar
diversos rasqueados já gravados anteriormente e, em 1959, a criar a etiqueta Caboclo,
exclusivamente para música sertaneja, o que evidencia a importância que esse segmento
havia adquirido na época. A primeira providência da etiqueta Caboclo foi reeditar os
discos de música sertaneja do acervo da Continental que haviam sido gravados desde
1945. Além de fazer lançamentos de gravações próprias, posteriormente, a Caboclo
também reeditou discos da Colúmbia, Todamérica e RGE.
Entre 1947 e 1948199, a Star – que a partir de 1953 também se denominou
Copacabana – começou a gravar guarânias e rasqueados, e em 1951, a Todamérica –
que existia como editora de música ligada à Continental desde 1945 e que foi convertida
em gravadora em 1950 – também começou a gravar música fronteiriça. Entre 1952 e
1958, diversas gravadoras passaram a fazer lançamentos de guarânias e rasqueados:
197
Segundo Szaran (1997, p.204), as gravações por músicos paraguaios começaram a ser feitas a partir da
década de 1910 em Buenos Aires e posteriormente também no Brasil: “A partir de la década del 40 se
multiplicaron los conjuntos, solistas y grupos orquestales que grabaron principalmente en Buenos Aires y
São Paulo entre los que sobresale Herminio Giménez con su insuperado LP Paraguay Romántico. [...] En
el Brasil sobresale en primer lugar el arpista Luis Bordón (Sello Chantecler), quien alcanzó en várias
oportunidades los records de ventas discográficas. En tanto que con el correr de los años se afirman en
Asunción los selllos discográficos nacionales que editan material prensado en el exterior, debido a la no
existencia de una empresa de prensado.”( SZARAN, 1997, p.206).
198
Segundo Márcia Tosta Dias, a Continental foi criada em 1946 (DIAS, 2008, p.78).
199
Segundo Marcia Tosta Dias a Copacabana (à época Star) foi fundada em 1948 (DIAS, 2008, p.78).
246
200
http://www.ntelecom.com.br/users/pcastro2/revista.htm - acessado em 05.02.3013.
248
público por uma renovação de imagem e utilização de som eletrônico e ritmo moderno
(Ibid., p.51).
Pelo que se depreende do relato de Safuan, o maestro e músico paraguaio em
muitos momentos se sentiu isolado por conta de suas exigências técnicas e estéticas que
o contrapunham ao ambiente geral de produção da música sertaneja, bem como assumiu
as dores pelas críticas e desqualificações dirigidas pelas elites intelectuais aos gêneros
musicais latinos:
E eis aqui, meus amigos, que esta música latina, varrida dos grandes
centros, unida a ritmos regionais discriminados, com expoentes à sua
vez menosprezados e preconceituados pelas classes pensante e
dominantes, volta novamente a se apossar das capitais, conseguindo de
forma impetuosa, insofismável e incrível a sua vitória mais
transcendental: a conquista também da classe A. Grande parte de este
público, como já acontecera com as classes B e C, se rendia ante a
magia e o encanto da música sertaneja, a qual passava a ser “a menina
dos olhos” no cenário artístico brasileiro. (SAFUAN, 2004, p.52).
As conexões do circo com o rádio eram uma via de mão dupla, em que o sucesso
em um reforçava a consagração no outro. Se o artista estava em início de carreira, o
circo era o espaço ideal para se lançar e fazer nome; se ele já era detentor de um capital
simbólico consagrado pelo rádio, o circo era uma alternativa a mais para manter uma
agenda de apresentações201 e reforçar sua popularidade junto a um público real em
contato direto e personalizado. É o que nos disse a cantora Delinha:
Desde cinqüenta e oito que eu casei com o Délio, nós fomos embora prá
São Paulo e ficamos cinco anos e um mês na Rádio Bandeirante, isso
sem receber nada, só prá gente ganhar nome, porque a Rádio
Bandeirante daquela época tinha muitos programas sertanejos né, era do
tempo do Biguá, do Capitão Barduíno, ficamos lá, na época também do
Zacarias Mourão, e então lá nós fizemos nome, nominho pequeno, mas
deu prá trabalhar em circo, porque naquela época só trabalhava em
circo, não tinha esse negócio de você trabalhar em... em... como é que
é... em salão, teatro, nada disso, não tinha, só circo mesmo... (Delinha
em 02.06.2011)
201
Ermínia Silva e Luis Alberto de Abreu em Respeitável público: o circo em cena (2009, p.60)
afirmam que nomes consagrados do rádio como Vicente Celestino, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira,
Herivelto Martins, Carlos Galhardo e Nelson Gonçalves não se negavam a se apresentar em circos, que
costumavam denominar de “boate de lona”, e que era visto como “a melhor escola de canto” por conta de
sua precariedade em termos de recursos técnicos e acústicos, bem como pelo desafio que consistia em
encarar uma platéia geralmente inquieta.
251
Fortuna, podemos apreender a importância do circo não só para lançar uma carreira,
mas também como laboratório de experimentação e formação:
Bem, resolvemos um dia que deveríamos testar a nossa força num circo,
para checarmos como seríamos recebidos por uma platéia. Eis que surge
um cirquinho muito humilde, na vila de Itapinas, a dezoito quilômetros
de Itápolis. O dono era um tal de Carona, o palhaço do circo, mais um
casal e a irmã dele. Essa era toda a Companhia. Quatro pessoas ao todo.
Um cirquinho quase sem pano, numa pindura que fazia gosto. E que
fome! Os comerciantes da vila já não vendiam nada fiado a eles, pois
sabiam que não receberiam nunca. Até que alguém disse ao Carona
sobre os Irmãos Fortuna, lá de Itápolis, que bem possivelmente
poderiam tirá-lo do brejo. Assim, o Carona pegou uma carona, porque
dinheiro prá ônibus era a língua do mosquito [falta de dinheiro] e
abaixou lá na casa do Vitório, onde o Zé morava, marcando com ele que
nós iríamos no próximo sábado. O Zé me convidou e eu topei. Que
emoção gostosa! Era a primeira vez que a gente se apresentava num
circo, como atração. E dessa maneira, pusemos o violão num saco de
estopa, pegamos a jardineira da tarde e rumamos para Itapinas.
Eu sabia que com o Zé, a peteca não caía, pois confiava totalmente em
meu herói. E não deu outra. À noite, o cirquinho lotou. O Carona até
pode comer uma carninha no domingo. Feliz da vida, nos levou ainda
nos três sábados seguintes, e depois, quando se mudou para outra vila,
ainda chamava os Irmãos Fortuna, porque sabia ser sucesso garantido.
Este homem foi um dos nossos grandes incentivadores no sentido de
virmos para São Paulo tentar a sorte. (FORTUNA, 2009, p.76).
Voltamos a Delinha:
É, cidade pequena... a cidade grande quase circo não ia, porque aquela
época não podia ir em circo também, né, só o povo mais pobre, o povo
que gostava mesmo de música sertaneja que ia. Mas agora não tem mais
né, agora acabou aquele circo que dava show prá todos os artista. Todos
os artista... quando nós começamos lá tava o Zilo e o Zalo, tava o...
Cascatinha e Inhana era antes de mim... Tinha o Liu e Léo... começou lá
na mesma rádio... o... Pedro Bento e Zé da Estrada... Começamos tudo
junto na Rádio Bandeirante, sabe, nós tudo tava começando ali. Tinha
a... Lourenço e Lourival já era mais antigo... as irmãs Galvão também já
era mais antiga, e elas são mais novas do que eu só que elas começaram
muito antes né.”(Delinha em 02.06.2011)
Para concluir esta seção, vamos nos permitir fazer um relato pessoal. Em nossa
infância em Campo Grande, na década de 1960, todo domingo à tarde íamos visitar
meus avós que moravam no bairro do Cascudo (hoje São Francisco) em Campo Grande.
Perto da casa, em frente à Igreja São Francisco, em um terreno baldio constantemente
varrido pela poeira nos dias secos e coberto de lama nos dias de chuva, quase sempre
havia um pequeno circo armado. De seus auto-falantes enferrujados, dependurados no
mastro central, o som estridente geralmente era de música sertaneja, constantemente
interrompida para anunciar as atrações da noite. Um dos circos mais freqüentes era o
Circo Brasília. Sua lona encardida escondia os mistérios e a magia dos espetáculos de
equilibristas, palhaços, das peças teatrais e das duplas sertanejas. Seu nome certamente
fazia alusão à coruscante novidade representada pela nova capital do país, cuja
modernidade era simbolizada pelos painéis surrados de madeira pintada com tinta
prateada que enfeitavam sua fachada e que nos despertavam um irresistível fascínio e
uma curiosidade insaciável.
E o Circo Brasília?
Naquele momento, o olhar de Delinha mirou o vazio, como se ela buscasse, nos
escaninhos da memória, a visão da platéia barulhenta, sentada nos “poleiros” estreitos
que serviam de arquibancada para o público, o cheiro doce de serragem recém
umedecida e a música que preenchia valentemente o espaço acústico que a lona surrada
do circo acolhia em seu encantamento.
=
254
CONSIDERAÇÕES FINAIS
202
Apesar disso, curiosamente, uma das canções-símbolo da luta contra a ditadura militar no Brasil, foi a
guarânia “Prá não dizer que não falei das flores” (“Caminhando”), composta por Geraldo Vandré em
1968. Segundo Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello (1998, p.125), Vandré a teria classificado como
“um rasqueado de beira de praia”.
259
=
264
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