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Roberto de Sousa Causo

Ficção científicâ, fantasia e horror no Brasil


1875 a 1950

SBD.FFLGH-USP

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DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE

Belo Horizonte
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Editora UFMG
213001 33845 2003
Copyright @ 2003 by Editora UFMG
Este livro ou parre dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizaçíto esc'rit:r
do Eclitor

C374f Causo, Roberto de Sousa


Ficção científica, fantasia e horror no Brasil : 1875 a 1950
/ Roberto de Sousa Causo. - Belo Horizontc : Editora
UFMG ,, 2003.
337p. (Origem)
ISBN: 85 -7041-355-ó

I. Literanrra - Ficção - Brasil 2. Literarura cornparada


I. Título II. Série
CDD: 809
CDU: 82.09

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t INIVI:I(SIl)Al)L', FIIDL,RAL DE Editornção d.e Tbxtos: Ana Mari;r dc Moracs


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Alrr clircit:r cl.r llit-rliotcca Ceutral - Térreo - Formatação : M'arcelo l3elico, llrrqtrcI (l«rnclé
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Cclnsclho Irclitorill
Titularcs: Antôuio L.uíz Pinho Ribeiro,
Beatriz li.czende Dirutas, Carlos Antônio
Leite Br:rndíro, Hcloisa Maria Murgel
Starling, Luiz Otávio Fagundes Amaral,
Mirria cl:'rs Grrrçrrs Srtrta l)árbara, Maria
Helena L):rrnirsccuo c Silva Megale, Romeu
(lardoso (iuimar:1cs, Watrdcr Melo Miranda
(Prcsiclcntc)
Sult lerut c s: Cristi:rno Mrrchaclo Gontijo, Para ]oão Lviz Machado Lafetá (L946-L996)
l)cnisc llibciro S()rrrcs) I.conardo Barci e Sam Moskowrtz (1920-1997)
(lrrstri«rt:r, [,trcrrs J<lsé I]rct:rs dos Santos,
M.rri:r Ap.rrccich clos Srurtos Paivit, Maurílio
Ntrncs Vicirrr, Ncrvton llignotto cle Souza,
Itc i n:r kk r M :r rt i rt i rt uo M rr rrltrcs, llicardo
(l:rst:tnlrci rrt l'i rttcntrr F igtrcircdcr
Agradecimentos

Este livro é resultado de um Projeto de Iniciação Científica


reabzado entre junho de L995 e fevereiro de 1997, com bolsa forne-
cida pela Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo.
Mas é também e antes de mais nada fruto do interesse que o Prof.
loío Luiz Machado Lafetá, do Departamento de Teoria Literária e
Literatura Comparada da Universidade de São Paulo, tomou pelo
assunto) ao me convidar para reabzar este trabalho. Eu tinha minhas
dúvidas de que a FAPESP iria patrocinar uma pesquisa sobre ficção
científica e fantasia) campo tão desprestigiado no meio acadêrnico,
mas para minha surpresa o projeto foi aceito e, durante a sua conse-
cução, avaliado de forma positiva pelos consultores da FAPE,SP
encarregados do seu processo. Certamente devo agradecimentos
ao anônimo acadêmico que deu o parecer final foi um grande
incentivo.
-
Infelizmente, o Prof. Lafetá adoeceu durante o trabalho, vindo a
falecer ern polrco tempo, deixando-rne órfão de orientador. Mesmo
enquanto hospitalizado, o Prof. Lafetá encontrou tempo e interesse
para transferir minha "custódia" ao seu colega, o Prof. |oão Alexandre
Barbosa. O Prof. Barbosa ficou pouco tempo cornigo; logo r:ra o
Prof. ]oáo Adolfo Flansen que assumia minha custódia definitirrrr.
Além dessa tripla paternidade os "Joães" virlcnlados à Faculdade
-
de Letras da lJniversidade de São Paulo devo agradecer aos "tios"
-
Prof. Lynn Mário Tfindade Menezes de Souza e Prof. Fleitor Megirle,
tambérn da tlSP, gue, ao me revelarem aspectos da literatLlra cspccu-
lativa enriqueceram, além deste trabalho, â minha própria rrisão das
formas aqr-ri abordadas.
Agradeço ainda a Rutrens Teixeira Scavclne, por ter rne
franqueado seus livros de David §1., a enciclopédia de Picrrc
Versirrs, a alltologia Scien.ce Fictiott, of the Tbirties e unla cluzia de
outros volume que foram e serão úteis, por muito tcmpo rrinda. A
|esr-rs cte Paula Assis, por me ter sugerido Origins of Fwturristic
Fiction, d. Paul Alkon. A Mary E,lizaberh Ginway, por chamar
tninha atenção para o contato entre a ficção científica brasileira
clo começo do século XX, com o pensarnento eugenista e de higicnc
sttcial vigente no país, mesmo período. Libby Ginway também Minha abordagem da ficção especulativa aqui é, penso eu) poLrco
rne enviou cópias de O Reino de lGnto e de Swa Excia. a presid.ente ortodoxa. A bibliografia é um misto de livros em português e inglês,
do Brasil no a.no 2500, que estavam na biblioteca da Universidade ediçóes antigas e modernas. (Após a menção de um título, segue
cla Flórida em Gainesville. Novamente ao Prof. FIansen, pelo entre parênteses seu título original, se for tradução, e o ano de publi-
cxemplar de Mold,e nacionnl e ftrrna cíyica, de Marta Maria Chagas cação no país de origem.) O arcabouço crítico talvez deva mais às
dc Carvalho, estudo bastante útil justamente sobre esse tópico. A práticas informais de crítica praticadas na comunidade de ficção
Carlos Angelo, pelo empréstimo de Robert A. Heinlein: Arnericã. ã,s especulativa do que a uma determinada teoria ou escola em vigência
Science Fiction, d. H. Bruce Franklin, e pela ajuda com o meu pc. no mundo acadêmico. Não há contradição: a proposta sempre foi
Ao Dr. Ruby Felisbino Medeiros) pelos livros garimpados nos investigar o gênero a partir de uma perspectiva que o considere como
scbos de Porto Alegre, e que incluíram títulos de Afonso Schrnidt, tradição literária autônoma ainda que os limites dessa autonomia
estejam abertos ao debate.
-
Albino José Ferreira Coutinho, Berilo Neves, Coelho Neto c
fcrônymo Monteiro. A Thereza Monteiro Deutschc e Sórgio Os assuntos ficção científica, fantasia, horror e fantástico têm
Motrtciro, filhos de ]erônymo Monteiro, pelo cmpróstirno c1c Fuga muito pouca penetração nas universidades. A biblioteca da Faculdade
pttrít. parte olgwrn,ã. e pelas informaçóes a respeito do pcrsotregcnl de Letras da USB por exemplo, possui menos volumes de e sobre
l)ick Pctcr (sem falar do bolo com sorvete). E 11 Guurcrcinclo essas literaturas do que as bibliotecas pessoais de muitos fãs brasi-
ll«rcha Dorea) pelos livros de Stanton A. Coble ntz c pclrr c«llc- leiros de FC e fantasia. A rninha biblioteca pessoal enriqueceu-se
tâttcrr dc Stanley G. Weinbaum, The Red, Peri obres quc chcgrrranr muito com o projeto. Sou um bibliófilo e este é com certezaum livro
- Fiction", Forrcst
clc etravés da boa vontade do "Mr. Sciencc
rt escrito para bibliófilos.
|.
Ackcnnan. Como se pode ver pela data de publicação de muitos títulos
Sc todos eles contribuíram, só um atrapalhor.r. Sc hí nrorir,,«>s c1c incluídos na bibliografia, continuei a expandir e aprofundar este
rcProvação e censura neste livro, são responsabilidadc cxclusivrr- esrudo, após o final da bolsa concedida pela FAPE,SP. Não obstante,
nlcntc do autor. deixo claro que nem tudo pôde ser apreciado integralmente. Como
Preciso agradecer ainda aos meus pais, Roberto Causo c Mrrria todas as visóes críticas, este é wrn recorte) entre muitos possíveis.
Nircc Pinto de Sousa Causo, por cobrirem despesas dc a(llrisição Sou o primeiro a admitir seus limites e a convidar outros pesqui-
-
sadores a expandi-los, desenvolvendo, discutindo ou contestando cada
bibliográfica, quando a bolsa faltou ou encontrou seu lin-ritc (rr trolsa
me Proibia qualquer vínculo empregatício, durante a suat durrrção). idéia aqui presente. De fato, este livro é menos uma visão unificada
Minha esposa, Finisia Fideli, forneceu ainda valioso incentivo c irpoio, do que uma coleção de hipóteses que, longe de "esgotar o assunto",
enquento eu insistia em sucessivas revisóes e ampliaçóes dcstc livrcl. lançam uma série de linhas investigativas à espera de mentes capazes)
que assumam os riscos de lidar com este objeto literário ainda nebu-
Finahnente, à profa. Heloisa Starling, que resgatoLl os originrris
loso, a ficção especulativa brasileira.
dc Literatwrn especwlatipa brasileira da pilha de trabalhos concorrcncl«r
iro Prêmio Cidade de Belo Horizonte) na categoria ensaio, c os
subrncteu à Editora UFMG.
Sumário

Iuncr,xs...... ...... 13

PnrrÁcro
Joã,0 Ad.olfo Hansen . f5

Ivrno»uçÃo
Mito, realidade e ficçáo especulativa ... 25

CnpÍrulo I PnoroucçÁo ESPECULATIVA 51

CnpÍrur-o II Rouaxcr crENrÍuco L23

CapÍrurc III A,. purP ERA euE NÃo HouvE .233

PArÁvnAS FTNAIS ... .....295


NorAS ............ ...... .... 299

nrrrnÊNCTAS BrBl-roctúncns . 323


Imagens

1. Six Weeks in The Chwd., por


'Noname" (Luis P. Senarens) .....2L5
2. L n gaerr e aw uingtiàrne sià cle,
de f887 2L6

3. O afterw.ath deAgwerra dns ru.undot,


de H. G. Wells, na visão do artista
brasileiro Henrique Alvim Corrêa -
L876-r910... ....2L7

4. Florror e sensualidade: ilustração cle


Alvim Corrêa para a sua edição de
190ó de A guetrn. dos rnwndns . ... 2 18

5. Ilustração de Watson Charlton para o


romanceA Son of the Stars, de Fenton
tuh - L907 .2L9

6. Revista semanal Argogt All- Story


Weekly: fusão de duas publicações
controladas por Frank A. Munsey -

rB54-L925... ....220

7. Arnazing Stories - Wells, Verne e Poe: três


"prir" da ficção científica. .. - 1926 .....22L

8. AArnazônia rnisteriosa, de Gastão


Cruls - L925: um clássico da ficção
científica brasileira .. ..222

9. Sécwlo XXI, de Berilo Neves -


L934 ....223

r0. Arnazing Stories, effi que aparece ulx


romance planetário de Edgard fuce
Burroughs - I94l ...22+
14 . FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL
Prefácio
II. Agaerrn dns nuendot, de H. G. Wells,
iltrstrado por Frank R. Paul - 1927 ....225

12. Fantastic - primeira rerrista brasileira de


ficção científica - 1955 .... .....226

r3. Número I de Gakíxia 2000 - segundrr


(...) os leitores de ficção científica estão preParados
para muitos futnros".
revista nacional de ficção científica -
l9óB ....227 CARD, Orson Scott. "science Fictiott, in the l990s'

t4. Terceiro número de Goltíxin 2000,


Conheci Roberto Causo anos atrás, quando me procurou no
em que o contista brasileiro Fausto
Cunha aparece entre os cientistas- curso de Literatura Brasileira cla USB por indicação de um colega
escritores Fred Hoyle e Isaac Asinrov - e amigo,loío Alexandre Barbosa, que passara a orientar tempo-
1968 ....228 rariamente seu trabalho de Iniciação científica após a morte de seu
primeiro orientador, o João Luiz Machado Lafetá. Eu gostava do
r5. no Brasil cm l970
.FSF reencarna Lafctá e assumir a orientação da pesquisa Roberto tinha uma
como Magazine de Ficçao CienttJicn,
bolsa da FAPESP
-
era urn jeito de lembrá-lo. Só depois de muita
editado por )erônyrno Montcir«r, -
conversa, fiquei sabendo que o rapaz era escritor de Íicção científica,
1908-1970. 22e
com vários textos) alguns premiados, publicados aqui e no exterior.
I6. Últi*o número de Mngnzinc dc bicçno Desde o início, percebi que era tão informado quanto inteligente)
Cierutíf.cã,.)no qual aprtrccc o grrúch«r conhecendo como ninguéffr o que se fazia na ficção científica fora e
Fernando G. Sampaio ...230 dentro do país. Mas como era (e é) muito na moita, para provocá-lo
e fazê-lo falar passei a lhe perguntar, toda vez que nos encontrávamos,
L7. Núrnero L2 de Isaac Asiruov Mannzhtc.,
ts o que achava da opinião de que a ficção científica é subliteratura ou
S cien c e F ic tion,
vers ão.,4 situnv P ri n r c i «
r

atrazer uffr conto brasileiro - l99l .... 231


kitsçh. Propôs-rne, certa vez) o que agore dcscnvolve muito efrcaz'
mente neste livro: o conceito de "fantástico" só tem vigência em
18. Quark - prirneira revist;r brrtsilcirrr ckr relação a urr conceito particular de "real". Como realutente ninguérn
gênero que não era versão dc trur sabe o que é a realidade, pois só há interpretaçóes múltiplas da mesn-Ia)
título norte-americano, utcs nt( ) também o far-rtástico é Llm diferencial, varianclo historicamente .
contando com alttores estrarlgciros - Na boa ficção especulativa, afirma o Roberto) o fantástico é meio
2001 ....232 de pluralizar e relativrzu a racionalidade dorninante. A expressão
"ficção especulativa", gue prefere a "ficção científicrl", indictrria o
que caracterrza nuclearmente o gênero: a especulação sobre os limites
da noção de "rei1l".
Achei satisfatória a hipótese, pois era antropológicrl, atentll à
particularidade histórica das representaçóes, e politizava o estudo.
16 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BMSIL Prefácio - L7

Como eu nada conhecia do assunto) a não ser os indefectíveis )úlio reis, classe dominante e dominada, trabalho escravo, religião, sexua-
Verne e FI. G. Wells, e pensando que em geral as histórias literárias lidade masculina e feminina e até dinheiro. Barthes já falara disso nos
brasileiras não contemplam o gênero, propus-lhe fazer uma pesquisa anos 50, tratando dos marcianos. Divertia-se, então, dizendo que a
sobre a ficção científica no pú. Iàmbém lhe propus que discutiríamos Llnião Soviética era urn mundo entre a Terra e Marte.
à medida que redigisse um texto gue, mais tarde, depois de terminar Apesar de minha suspeita inicial de que fosse hitsch, a coisa me
a Graduação, poderia vir a ser a célula inicial de um Mestrado. Falamos interessava como prática. Quero dizer: me interessava a possibilidade
algumas vezes da sua pesquisa sobre o mito e fontes medievais da de tratar antropologicamente a fusão de elementos mitológicos,
ficção especulativa, como o ciclo arturiano e a matéria da Bretanha. medievalizantes, mágicos, arcaicos e regressivos com elementos
Passei-lhe textos) como o de Henry Thomas, sobre as novelas de "científicos", tecnológicos, energias fulminantes e seres alienígenas
cavalaria espanholas e portuguesas) ou o de William J. Enrwistle, com sutis corpos de lagarto) mentes sem corpo, teletransporte e
sobre a lenda arturiana nas literaturas da Península Ibérica. Mas dobras temporais. A que corresponderia) no imaginário contempo-
também conversamos algumas vezes sobre o romance gótico e o râneo, a fusão do arcaico do mito com a livre especulação sobre
simbolismo da sua ambientação decadente e cormpta; o Frankenstein, imagens estereotipadas das ciências da natureza e da tecnologia
de Mary Shelley; o Drrículo, de Bram Stoker; I{oite nn tatterna, de astronáutica| A ficção científica era sempre iluminista e utópica) como
Alvares de Azevedo; os contos de Poe; as teorias de Lovecraft sobre o o Roberto me tinha dado a entender, produzindo o estranhamento
horror; o terrível de Burke; o gênero fantástico de Luciano de Samósata. . . das convençóes interpretativas do "real"| Ou também seria um futu-
Por sua vez) o Roberto me passou textos de darkfantasy de Stephen rismo regressivo, propondo a força incondicionada como resolução
I(ing, contos de Asimov e mais publicaçóes em que também era de problemasl Ou, ainda, uma espécie de alegoria política do Outro,
,,uto. Me lembro de um texto diveitido, em que a flóresta amazônica o pobre, o negro, o comunista soviético-cubano-vietnamita-chinês, a
marcha sobre as cidades, que me lembrou a cena da floresta que ideologia exótica da ditadura de 64, o fundamentalista islâmico de
anda, do final de Macbeth. Af;íbula de muitos textos que li me pareceu hoje, reconhecível imediatamente no monstruoso da sulfurica gosma
ruirn e convencional, poré*, quando os personagens e os conflitos verde insidiosa e dissolvente dos marcianos dos filmes B, no tempo
eram alegorias de arquétipos, o Bem e o Mal, esquemáticos e con- da Guerra Fria, formigóes sem alma marchando em hordas socialistas
formistas. E, acima de tudo, me desagradava o evolucionismo positi- contra a Civilizaçáo Ocidental Cristã, defendida como sempre pelos
vista dos autores: se a Grande Pirâmide de Gizé tem pedras de trinta EUAI Essa espécie de metáfora pnp do retorno do recalcado do puri-
toneladas, só foi possível erguê-la, segundo muitos narradores) tanismo ianque, tão fundamentalista e psicótico quanto terrorisra)
porque os egípcios tiveram o auxílio de racionalíssimos entes extra- até que era e é inteligível quando, por exemplo, a genre pensa na
galácticos) deuses do vimana talvez portadores do vril de Madame evidência do imperialismo baseado materialmente no desenvolvimento
Blavatsky ou de mais gad,gets de Spielberg como meio técnico qlre científico e tecnológico dos gringos. Mas qual era a condição de
inseminou o pólen da inteligência que fez as pedras levitarem. Ou possibilidade da existência da ficção científica em Botucaru ou São
teria sido o Oitavo Raio Boorsoomiano modulado de mantras budis- Paulq valnos dizê-lo assim, como perguntei ao Roberto algumas vezes)
tasl Em toda a parte do exótico, do passado e do fururo, o Outro era quero dizer, em lugares como o Brasil, a Bolívia ou Angola, que aré
nruittrs vczes o Mesmo. A organizaçáo social das civilizaçóes perdidas ontem foram colônias de metrópoles carolas, inimigas do empirismo
crn sclvas e planetas fantásticos, distantíssimos no tempo-espaço, e do chamado método experimental, lugares onde o horror é instiru-
tlmbérn não tinha nenhuma imaginação: presidentes ou, pior ainda, cional e o máximo da imaginação ainda é a discussáo do preço do
1B - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL Prefácio - 19

sapato, algum lobisomem esporádico e sempre o abusão da genealogia e cientistas realizando a coisa assustadora que é a república platônica.
familiarf Gabriel Garcia Márquez disse certa vez que o maior desafio A narrativa do subgênero "fantasia" relaciona-se a matrizes populares
para os escritores latino-americanos foi a insuficiência dos recursos e cultas da narrativa de magia e sobrenatural, recuperando tópicos
convencionais para fazer crível a vida que se leva por aqui. medievais, principalmente) caso do rei Artur e a Távola Redonda, as
Roberto lembra que urna das primeiras obras brasileiras de ficção lendas em que aparecem o mago Merlim e a bruxa Morganq associados
especulativa, O Doutor Benignws (1875), de Augusto Emílio Zal:uar, a práticas pré-cristãs) como os cultos celtas do vegetal e da fertilidade
não faz dessa insuficiência uma questão crítica ou política posta na estudados por Frazer em The Gold.en Bough, e incorporações, no caso
base da invenção da forma. A maioria das obras escritas depois também do Brasil, do espiritismo kardecista e de culturas indígenas e africa-
não. O texto de Zaluar tem menos ação fisica que os romances de nas. O subgênero do "horror", finalmente) relaciona-se ao que Freud,
Júlio Verne e seu enfoque da ciência e da tecnologia é exterior: elas falando de Os elixires d"o diabo, de Hoffinann) chamou de "sinistro" ou
são objetos de descrição e contemplação, não de transformação ime- Unheirnlich, o espectral não-familiar, indeterminação e medo do ino-
diata da natvreza. Num país de ciência tênue, em que à literatura minado grotesco) que rompe os hábitos cotidianos com uma força
coube a tarefa de compor as metáforas formativas da confusão perene incontrolável de angústia sem explicação.
clc público/privado, como já disse um nacionalista, Cruz Costa, que
Tkatando com muita eficácia analítica da expressão brasileira
scria a "ficção científica")
desses subgêneros já no século XIX por exemplo, analisando l{oite
É inviável, nurn texto introdutório como este) dar conta da tota- na tave?'na,) de Alvares de Azevedo- (1878); O Dowtor Benignws, de
liclrrclc das análises desenvolvidas pelo Roberto, pois escreve fazendo
Augusto Emílio Zaluar ( 1875); o conto "O imortal", de Machado de
ur)l 1-rtrrtrlelo entre a ficção especulativa estrangeira e a brasileira, Assis (L872; 1882); entre L920-1950 por exemplo, O presid.ente
r.lclurlLllando inúmeros exemplos de obras, descrições de enredos, - Lobato (L926), analisado
negrl ou O choque d.ns rã,ça,s., de Monteiro
rcfbrências a obras críticas estrangeiras e brasileiras especializadas
por André Carneiro em urn estudo pionei ro, Introd,wça.o ao estwd.o d.a
no rlssunto e dados factuais. Prudentemente) reconhece que o gênero
"ficção especulativa" é escorregadio. Para dar conta dele, ordena o "Science Fiction" (L967);Af,lha d.o Inca ou A República 3000 (f 930),
de Menotti del Picchia; "O homem silencioso" (1928) e Znnzahi e
livro em três grandes articulaçóes complementares: investigtr as teorias
Reino d.e Dews (1938), d. Afonso Schmidt; "O mistério de Highmore
do fantástico e suas definiçóes; reconstitui elementos da história
antiga e moderna do gênero; comenta obras) estrangeirtrs c l-rrtrsileiras,
Flall", "Makiné" e "Kronos kai Anagke" (L929-1930), de loáo
antigas, medievais, renascentistas) românticas, modernas c contem- Guimarães Rosa, redescobertos por Braulio Thvares na Biblioteca
porâneas, dos três subgêneros que propóe como constinrtivos clrr "ficção Nacional; A cidad.e perüd.a, de |erônymo Monteiro ( I94B), além de
especulativa": a ficção científica, a fantasia e o horror. Digrulros brc- vários textos contemporâneos dos anos f9B0 e 1990 Roberto
vemente que o subgênero da "ficção científicâ", como tr dcfltrc, 1'rõc estuda as matrizes dos subgêneros) começando por discutir -, se as
em cena metáforas da ciência e da tecnologia, geraln-rcntc cnr Lur-rr.l obras de gênero fantástico de Luciano de Samósata e suas imitaçóes,
narrativa de "viagem fantástica" por espaços-tempos inconrur'rs) dos séculos XU, XWI e XWII, por Francis Bacon, Campanella,
profundeza da Terra, interior do corpo humano) pla,nctrrs dc ()utros More, Cyrano de Bergerac, |onathan Swift etc., podem ser conside-
sistemas, florestas ou desertos primitivos) o passado dc civilizrrçõlcs radas "protoficçáo científica". A noçáo de "proto" é, obviamente)
lendárias, Lemúria, Atlântida, Manoq ou o improvável funrro lltuttru'to, antecipatória. Roberto sabe dessa teleologia e propóe a especificidade
devastado por guerras nucleares e civilizaçóes cruéis c sllnguinrírirrs histórica, mítica, religiosa e poética, de antigos textos narrativos de
ou absolutamente pacificado sob a direção ilustradíssimrr clc frl«'rsofos viagens, em que aparecem elementos fantásticos, como o épico
20 _ FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Prefácio 2L

sumério-babilônico de Gilgamesh e Enkidu ou a Od.isséia, eviden- conceber operacionalmente a "ficção verdadeira" como a narração
ciando que se tornam "protoficção científica" quando apropriados que relaciona a existência ou a essência verdadeira de algo com eventos
em programas de usos do passado que inventam tradiçóes. Ou que as que não aconteceram. E também definir a ficção de algo falso, que
destroeffi, como ocorre exemplarmente com Machado de Assis, em não é nem existe, como história que relaciona o não-ser com aconte-
quem vamos nos deter um poucor para ainda falar do "fantástico". cimentos que nunca ocorreram. Afalsaf,ctio inventa algo impossível
Em 1882, ele republicou "O imortal", conto de L872, em que de ser ., .rti.r, de acontecer. Em amboi os casos, verdãa.i- e falso,
narra a vida de um personagem que vive mais de 250 anos. O conto o termo "ficçío" define uma operaçáo da imaginação, uma técnica,
parodia e desmonta o romanesco romântico da aventura e do amor) uma forma e um efeito aplicados ora ao conhecimento de existência,
elegendo uma tradição antiga, a de Luciano de Samósata) grego do ora ao conhecimento de essência.
século II d. C., autor de obras satíricas e paródicas relacionadas à O exame que Roberto faz das inúmeras obras é funcional e visa,
chamada Segunda Sofística. Caso de l{isaírin v erd.ad.eira, runa paródia, justamente) a definir a imaginação, a técnica) a forma e os efeitos da
informa Flenrique Murachco, das narrativas de Odisseu na corte do "ficção especulativa". O qre caracterízanuclearmente o gênero espe-
rei Alcino) nos cantos IX e seguintes da Od.isséia.r Como outros culativo e seus subgêneros é, com o dí2, o interesse pela figuração do
textos de Luciano, I{istória tterd.ad,eira se caracteriza pela improba- Outro. No caso estrangeiro, é possível datar de fins do século XWII
bilidade das ações e dos eventos narrados, improbabilidade que e início do XIX as obras de "ficção científica" no sentido do
Roberto analisa tratando do "fantástico". O gênero) demonstra, foi subgênero que metafortza a ciência e a tecnologia como referência
usado por autores conhecidos de Machado de Assis, como o Swift de principal e, ainda, de horror e de fantasia, que figuram o Outro.
Viagens d,e Gulliver) olr o Cyrano de Bergerac de Wagern à Lwn. Tem
-
No caso brasileiro, a coisa se rare faz. Como sugeri antes) Roberto {r:

regras específicas: é uma ficção falsa, ou seja, ficção sobre coisas avança hipóteses explicativas dessa rarefação: a primeira delas associa-se
impossíveis e improváveis. Para especificá-la, podemos repetir a ao quase nenhum desenvolvimento da filosofia e da ciência num país
pergunta de Espinosa: A narração de tiln evento que não ocorreu em que continuou agrarista e escravista por muito tempo depois da sua
parte alguma é falsa ou fictícia| Há dois tipos de critérios para res- independência política. Como diz Antonio Candido) em Forrnnçã.0 d.a
ponder, o de existência e o de essência. Quando a narração se refere literaturo brasileirnrz desde os árcades existe uma posição, que se
a algo que realmente existe e o relaciona com um evento que não sistematiz,ou no país durante o Romantismo, de considerar a atividade
ocorreu em parte alguma) tem-se a "ficção primeira". Por exemplo, das letras como prática constitLrtiva da nacionalidade. Obviamenre
com a referência de uma pessoa que realmente existiu, Machado de interessado, esse pragmatismo implica até agora a diminuiçáo da
Assis, podemos inventar a ficção imaginação, dado o interesse pela apropriação política da literarura
9.3lgo que nunca ocorreLr) como
uma viagem dele à Inglaterra) onde faz contatos com umrl brasileira como meio de representar imediatamente a experiência humana e
de belos olhos, leitora assídua de Otelo., chamada Capitolina. Tcrn-se social, fixada por vezes no pitoresco mediado pelo favor que restringe
a "ficção segunda" quando a narração se refere somentc à cssôr-rcia a universalização do valor estético. Os usos da literatura como ins-
dos seres; com a referência à essência, é possível inventrlr umi.r ficção tmmento de formação da nacionalidade teriam preferido a docu-
verdadeira, como 'perã, f,ctio, e uma ficção falsa, conro fnlsa f,ctio. mentação realista e naturalista orientada pelas ideologias do progresso
Como exemplo desta última, imaginemos uma história rrbstrrclrr cnr e do determinismo. Nesse sentido, aqui a ficção especulativa teria
que um inseto infinito voa num espaço 9ue, teorictrmcntc', dcvcrií sido praticada, preferencialmente) nas formas do subgênero "horror",
estar todo ocupado por seu corpo; ou urn personagem com rulrrl rrlnrtr como ocorre emA noite na ta;pe?Tta,)de Alvares de Aíevedo; ou como
quadrada. O*, ainda, um homem imortal. A distinção pcnnitc sátira, em A lantemo rnrigica (1844), de Araújo Porto-Alegre; em
22 - FICÇÃo CIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Prefácio - 23

paródias byronianas) como O elixir d,o pnjá, de Bernardo Guimarães, civilização. Lár "...o cidadáo vive e procede de acordo com a educação
c nrais invenções, como o Thtwtwreru,a e O inferuo d.e Whll Street, de cívica e moral que recebeu".
Sousândrade. E, ainda) com a tópica da viagem fantástica a mundos Ponto alto do livro do Roberto é o terceiro capítulo, 'APulp Era
perdidos no interior do território, caso de vários textos do início do que não houve", em que trata da produção de revistas) pulp yna,gil,zines,
século XX escritos por Menotti del Picchia) como Afilha d,o Inca, ou
divulgadoras da ficção científica e fantasia, na Europa e nos EUA
Gastão Cruls, A Arnazônia rnisteriosn (L925). O sucesso brasileiro de
nos anos L920-I950. Elencando títulos de obras estrangeiras e
textos que representam mundos perdidos, propóe Roberto, teria sido
nacionais e datas de ediçóes, casas editoras brasileiras e meios de
condicionado pela imensidão, exotismo e desconhecimento do proprio
distribuição da ficção especulativa no país, esse capírulo transcende o
território nacional. No início do século XX, num momento em que assunto de que trata) pois interessa imediatamente para uma história
vários projetos políticos de controle das populações proletárias de
cultural das práticas de leitura no país. Por que não se formou uma
negros e imigrantes aplicam ideologias eugenistas) racistas, tayloristas
pulp fi,ction ou uma palp erã, por aquif , pergunta. De modo geral,
e fordistas à organrzaçáo racional do trabalho ern centros urbanos
evidencia, se já é diÍícil editar textos da literatura sancionada por
como Rio de |aneiro e São Paulo, a ficção especulativa tornou-se
críticos, historiadores literários e pela instituição escolar, mais difícil
meio para a propaganda das medidas. Algumas publicaçóes desse
ainda é publicar literatura especulativa não sancionada no cânone
tempo) como a revistaA Bond.eh,o, publicada pelo Club dos Bandei-
literário. As editoras brasileiras preferem traduzir obras de ficção
rantes) do Rio de ]aneiro, tinham capas futuristas; num número de
especulativa estrangeiras gue, por existirem em grande quantidade e
A Band.eira do início dos anos 20.,a Baía de Guanabara aparece como já terem recebido direitos autorais em seus lugares de origem) saeln
que defendida por uma muralha de arranha-céus de centenas de
mais baratas que o texto de autor nacional. Além disso, como aponta
andares ligados por passarelas, cenário que lembra o planeta Mongo
olrtro estudioso do gênero) Braulio Tavares) por aqui não houve
do Flash Gord.on. dos anos 30, por onde multidóes militarizadas, que
grandes obras prod,riorm de imitaçóes, nem rê orgnt iro., nenhum
descem de zeppelins, balóes e aeroplanos) marcham em ordem
grupo de autores unidos no projeto de inscrever a ficção especulativir
unida, provavelmente à espera de um Duce ou Führer imitados pelos
na história literária do país. A ficção especulativa vive do interesse de
galinhas verdes de Plínio Salgado e logo conc rettzados por Vargas e o
um público por assim dtzer especiahiado, que a edita e consome
Estado Novo. Caso também de Monteiro Lobato, 9ue louva a discri-
hoje em fanzines, como Megalon,; revtstas) como Dragã.0 Brasilrolr ne
minação racial norte-alnericana em O presid,ente negro e que, nas certas
coleção MlNlbolso-Futurama) da editora Opera Graphica. Público
que escreve a Anísio Teixeira, imagina o futuro do Brasil como um
mínirno e) não seria preciso dizê-lo, sujeito como tr-rdo o rnais à
cenário de ficção científica; ou de Albino |osé Ferreira Coutinho,
instabilidade econômico-política do país.
autor de A liga d"os planetns (1923), em 9ue, colxo Roberro aponra
com agudeza, o narrador compensa o imobilismo sociarl apclando Não obstante, como diz o Roberto no final do texto, "coisas
para o discurso patriótico, quãndo viaja à Lua e faz conrrlros, r'ra estranhas e instigantes acontecem e nos fazem sonhar com o que a
qualidade de embaixador brasileiro, com os povos de Vênus c Martc. ficção especLllativa brasileira poderi a fazer, adaptando influências
Caso ainda de O Reino de lOato (Irtopa,es da.verdade) (L922), de Iloclolpho estrangeiras, descobrindo estratégias para a representação dtr reali-
Theofilo, que narra a história de King Paterson, nortc-rlmcricano dade local, se as condiçóes fossem outras". Este livro é uma dessas
descobridor da Novrovicina, sedativo homeopático, guc chcga il coisas estranhas e instigantes.
Kiato, sociedade que havia abolido os três principais malcs da humtr-
Ioan AdoW Hansen
nidade: o áIcool, o fumo, â sífilis. Em Kiato tem de tudo, ó oLrrrtl
Introd ução
Mito, realidade e ficção especu Iativa

E possível afirmar que o objeto deste estudo literatura espe-


culativ existe e sempre existiu sob a forma de narrativas orais: o
que era contado à volta das fogueiras nos campos e cavernas do paleo-
lítico deviam ser narrativas de deuses e demônios, fantasmas e avatares
cujas açóes podiam promover o desenvolvimento ou a destmição de
uma comunidade. Em termos de crítica literária, eram narrativas
próximas ao que Northrop Fry. chamou de "miro", denrro de sua
"Teoria dos modos" (em A nnatornin da. wítica lAna,tnril.y of Criticisrn,
I9571), "Se superior em cond.içã,0 tanto aos outros homens como ao
meio desses outros homens, o herói é um ser diviro, e a [história] sobre
ele será um rnitorno sentido comum de uma história sobre Lun deus."r
I)e modo semelhante, é possível argumentar que o elemento
fantástico da literatura especulativa está presenre também na cons-
ciência individual do ser humano. Sigmund Freud fala do "animismo",
em sua abordagem do "sinistro" ou "estranho", como alguns
-
prefcrem chamar. Freud define o animismo como

caracterizado pela proliferação de espíritos humanos no mundo,


pelo subestimar narcisista dos processos psíquicos, pela onipo-
tência do pensarnento e pela técnica da rnagia que nela se basêia,
pela atribuição de forças mágicas, minuciosamente graduadas a
pessoas estranhas e objetos ( . . .), e finahnente por todas as criaçóes
mediantes as quais o ilimitado narcisismo desse período evolu-
tivo se defendia contra a inegável força da irrealidáde. Parece qlre
no curso de nosso descnvolvimento individual passamos por
uma fase correspondente a esse animisrno dos priàritivos (.. .) .
quando hoje (algo) nos parcce "sinisrro" lerra à condição de
evocar esses restos de uma atividade psíquica animista, estimu-
lando-os a manifestar-se.2
26 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL Introdução - 27

Do argumento de Freud se deduz a concepção positivista de (autor de Pwzzles and Epiphanies., L962), K. K. Ruthven tende a
que a evolução humana no sentido do racional superou o irnpulso concordar: "Esse é o diagnóstico de Kermode: 'no território do mito',
animista, deixando-o apenas como um resquício a ser estimulado ele escreve) 'podemos curto-circuitar o intelecto e liberar a imagi-
pelo gênio dos autores) evocando dessa fonte subconsciente o nação que o cientismo do mundo moderno suprime; e esta é a posição
"sinistro" ou o "estranhamento". central modeÍnd."7
Segundo Laure nce Coupe, effi Myth (1997), o criador da Apoiado em Fry. e em Frederick )ameson) Coupe nos fornece
psicanálise teria sido influenciado pelo folclorista Sir |ames Frazer, um contexto de mitopéia viva e operante em nosso tempo e lugar,
autor de The Gold,en Bowgh ( I9I 1- f 9 f 5 ), visto como "muito próximo não relegada ao passado e a culturas "primitivas". Scott McCracken,
do positivismo) encarando a humanidade como tendo progredido autor de Pulp: Read,ing Popwlar Fiction (1998), partilha da minha
da magia, passando pela religião, até a ciência".3 E ainda: desconfiança com relação à visão freudiana do Sinistro:

Como Frazer, [Freud] é um racionalista que vê o mito conlo O (. . . ) problema com a teoria de Freud do Sinistro se relaciona
uma espécie de erro rudimentar. Para um [Frazerf, a depen- com a sua discussão das culruras "primitivas". (. . .) Ao descrever os
dência da magia da fertilidade significâ que o mito é urna espécie funcionamentos do Sinistro, ele buscou suas origens num passado
de falsa ciência ( ..). Para o outro [Freud], mito e religião são inventado, 9ue, dtziaele, estava ainda evidente nos ritos "primi-
invalidados a partir do momento ern que são reconheciclos tivos" das culturas pré-modernas.s
como neuróticos.a
E é esse contexto que fenômenos literários relativamente recentes)
A questão do mito torna central, flo debate em torno da literar-
se como a literatura pós-colonial ou world literatwre (como em world,
tlrra fantástica, especialmente quando o mito assume um caráter dc rnwsic) e a literatura nativa-americana (realizada pelos indígenas das
possibilidnd,e. Coupe: Américas), vêm contestar por meio de novas perspectivas. Em tais
novos exercícios, a orntwrae de certas culturas se torna literária (o.t
"letrada") e traz para o plano literário internacional crenças ainda
I*lTli,'lH:,fr l':ffi'tr§:,ll?Í':âiif:i'.t1*lH:5['i: vivas, gue nossa compreensão ocidental veria como "resquícios
perfeita, também carrega consigo a prornessa de um outro rnoclo
animistas" de um pseudo-desenvolvimento evolucionário humano,
ff t':Tl:nffiTtrtríii:iflli:ff il[,i:,t'§,ilH::ri::csEIc mas que convivem culturalmente conosco.
Assim) o romance vencedor do prestigioso Booker Prize inglês,
Escapanclo da visão positivista e racionalista, a crirrção clc nritcr The Faru,ished. Road,, do nigeriano Ben Okri, foi resenhado na
("mitopéia") na literatura e a leitura mítica da litcratLrrrl ("nritcl- revista Locws - The Newspa.per of the Scien,ce Fiction Field. como "um
grafia") encontram função como dispositivos literários. A ccntrrrli- exótico amálgama de fantasia e romance rnainstrea,rn" rr0 quando,
dade que o conceito asslrme é expressana afirmativa finrrl clc Coupc: para o autor) a sua narrativa pode muito bem representar a trans-
"O mito pode ser apreciado como sendo aquele moclo llrr rativo clc posição literárrade crenças interpretadas por ele e por seus conter-
compreensão que envolve uma dialética contínua do lncsmo c clcr râneos como a mais pura realidade, e não "fantasia". (Embora)
outro) da memória e do desejo, da ideologia e da utopia, d. hicrrrrcluirr no caso de Okri, aceitemos que possa haver uma forte autocons-
c clo horizonte) e do sagrado e do profano."6 Ao citar Frank I(cnr-rodc ciência literária no emprego dessas crenças.)
28 - FICÇÃo cIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Introdução - 29

Ocorrência semelhante se dá com a novela de Amos Tutuola simulacros de seres humanos) figuras messiânicas guiadas por prin-
(L920-L997),The Pnlrn-Wine Drinkard. (L952) ) montagens de narra- cípios deterministas de atemporalidade (como em Pnssageiros pa,ra.
tivas orais nigerianas "em épicos em prosa frouxamente construídos, Vênws, ou The World, Jones Mod,e, de L956, no qual o Protagonista
que improvisam sobre temas tradicionais encontrados em narrativas ]ones, apresentado como o líder messiânico de um movimento
folclóricas iorubás", mas que não o impediram de ser definido como fascista futuro, se diz guiado por previsóes nas quais ele simplesmente
"autor de fantasias ricamente inventivas".II vê a si mesmo executando atos e decisões, sem vontade própria), e
As novas regras de nosso mundo multicultural nos obrigam a intervençóes de figuras deificadas.
compreender outras culturas como soluções igualmente válidas de Em 'A formiga elétrica", conto claramente inspirado em A
cxistência social e de cognição da realidade. Elas também nos obrigam rnetarnorfose (Die Wrwand.lung,Igl5) de FraruKafka, o protagonista
a reavaliar afirmativas como a de Freud, gue, dentro da nova perspec- Garson Poole acorda no hospital após um acidente automobilístico,
tivrr, talvcz nos parecesse hoje tão etnocêntrica quanto positivista e para descobrir que é uma "formiga elétrica" um andróide ou "robô
"cronocêntrica" (no sentido de propor um único tempo evolutivo, o
-
orgânico" (como é definido no conto). Poole descobre ainda que
«rcidcntal europeu, para toda a humanidade). dentro de seu peito há um "dispositivo fornecedor de realidade", fita
Os novos fenômenos aglutinam o duplo desafio representado perfurada que se desenrola lentamente de um carretel que passa
c:ssc "fantástico" que confronta tanto o paradigma dipercepção diante do leitor ótico. Todas as percepçóes de Poole, sua própria
lx)r
rlrr rcaliclade quanto o paradigma literário do mero efeito de estranha-
consciência, são condicionadas por esse dispositivo. Não se trata de
r)lcnt(). Eles oferecem tun desafio aos limites dos modos de pensar programação de comportamento) mas de toda uma formulação da
trcidcntais, inclusive e especialmente aqueles expressos na literarura realidade que deve por ele ser apreendida.
c nrl crítica cultural. O caráter subversivo do fantástico que Poole decide intervir sobre o dispositivo, para testar suas possi-
nos cnvolve em uma realidade alternativa à nossa -
é empregado bilidades. Bloquear alguns orifícios da fita com vernizproduz o desa-
duplarnente. - parecimento de uma parte de Manhattan. Cortar e emendar uln ftrg-
Compreendendo as contradiçóes implícitas no atrito entre o fato mento não-perfurado da fita diante do leitor ótico produz algumas
ou "evento fantástico" e o paradigma racionalista do Ocidente, e horas de total escuridão, sem o menor inpwr de sensações. Ao intro-
entre as possíveis concepçóes de real e irreal, facrual e imaginário, duzir novos furos na fita, surgem diante de seus olhos uma revoada
muitos autores têm produzido obras que procurarn) propositúnente, de patos) um velho lendo jornal num banco de jardim...
atenuar essas fronteiras. No conto "Las ruínas circulares", de Jorge Finalmente o personagem decide cortar um trecho da fita, de
Luis Borges (f 899-198ó), há essa inversão de um determinado para- modo que o leitor ótico nada encontre para ler. Poole acredita que
digma do real, com a transformação do protagonista que se imagina assim lerá um lampejo da total;id,ad.e uma visão do que seria colher
criador) em objeto criado.
-
todo um espectro de sensaçóes e não apenas um recorte momen-
Outro exemplo instigante é o conto 'A formiga elérrica", do tâneo.l2 De fato, isso ocorre) mas o resultado final é a "morte" da
norte-americano Philip K. Dick (I928-I9S2), autor que se caracre- formiga elétrica.
rizou por levar a extremos os jogos de realidade, incluindo mundos Mas o conto não termina aí. A secretárrade Poole, Sarú Benton,
irreais e alternativos (é famoso o seu romance O l,tornern. d,o castelo nlto, que ele considerava ser apenas mais um elernento da realidade perfu-
ou Tbe Man in the HAh Castle, L962), percepçóes esquizofrênicas, rada no dispositivo, testemunha sua morte. "Ele me considerava como
il

30 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Introdução - 31

um fator de estímulo em sua Íita de realidade", ela pensa, para, logo rlutoconsciente.láa sua novela "Fidler's Greert'' fala de um grupo de
a seguir, ir desaparecendo gradarivamenre. náufragos que descobre através de um deles, um certo Iftuger
-
uma maneira de encontrar um espaço que os abrigue. Para atingi-lo
-
Ambos os contos de Borges e Dick ou talvez devamos nos
referir a um "tipo" de narrativa -
fazem parte de uma exploração eles também passam por um processo hipnótico) mas a especulaçáo
- e fantasia. Mesmo um autor
bastante comum na ficção científica de Mcl(enna é a de que a realidade é fruto de um consenso) e que o
pouco ativo ainda que apreciado no campo, próprio isolamento dos náufragos e a absoluta confiança que depositaln
-
McKenna) escreveu - Secret Place"como
trabalhos como "The
Richard
(19óó)) ven- na fantasia de Kruger determina a transição deles para um espaço
cedor de um Prêmio Nebula póstumo. É de run oficial do alternativo, que cresce continuarnente com a adesão de outras pessoas,
^história
exército americano) encarregado de investigar a presença de urânio gue, por um motivo ou outro) se encontram alienadas da nossa
nos arredores de uma cidadezinha do Estado de Oregon. A única geografia do real. O protagonista, Kinross) consegue escapar da
evidência da presença do material estratégico ali viera de um rapaz utopia de lftuget, mas a um custo terrível.
encontrado morto em circunstância misteriosas. O oficial rapida- Todas as investigaçóes de McKenna sobre a natureza do "ser" e
mente reconhece a inexistência do material no lugar) mas não pode da realidade o campo filosófico da ontologia são fascinantes e
abandonar a operação. Para se entreter, ele contrata como secretária - -
bern escritas) sem abandonar a atmosfera e os temas e motivos que a
Helen, irmã do rap az morto. Durante os trabalhos de campo, ela lhe ficção científica fornecia ao autor. Seu interesse maior está na impor-
fala de um mundo mágico que partilhava com o irmão. Aos poucos o tância que dá às paixóes humanas como motivadores do coutato com
oficial penetra nesse mundo de fantasia e descobre 9ue, de algum els realidades alternativas. Isso garante à sua ficção não apenas as
modo comandado pelas forças da imaginação, eles recuam no rempo qualidades do estranharnento e da especulação intelectud, mas também
até o paleolítico, quando a região continha o urânio. teor clramático muito consistente) às vezes faltante em Ilorges e em
Em outra história, "Casey Agonistes", homens que se encon- seus imitadores.
tram prisioneiros, aparentemente em quarentena por contaminação Na novela'Últim o Gentlernan",deClifford D. Simak (I904-I9BB),
radioativa, esperam a morte. Thmbém para se entreterem ou fugirem Flollis Harrison é Lrm renomado romancista que descobre, ao
do seu contexto desesperador, eles de algum modo se auto-hipno- senrir que esgotara sua fonte literária (pot "ter dito tudo o que
tizam, criando "Case/', um macaco que percorre os seus dias, entra- havia para scr dito"), que a realidade à qual estava habitr-rado
mando-se tão fortemente na consciência dos homens a ponto de se i1refluâ-se diante de seus olhos. Harrington, para realizar o tipo
tornar tuna espécie de expressão coletiva de suas ansiedades e temores) de literatlrra que produzia, neccssitarra compor ao seu redor ulrl
e válvula de escape por meio do cômico. contcxto de situaçóes de elegância e bom gosto, guc sLra vida nãct
Em "Ffunter, Come F{ome", Lrma noveleta, um casal se depara comportava. A história se desenrola a partir da dúvida do protll-
com uln planeta consciente) que está disposto a abrigá-los, se aceitarem gonista, de ter ele próprio construído ir ilusáo, ou de ela ter sido
fundir suas mentes a um toão maior, q". os aceiiará como Adão e implantada ncle . A conclusão escolhe a segunda hipótese) dentro
Eva (o mito do casal primordial) de um paraíso do qual nunca serão c1a premissa de urna rnanipulação da humanidade, por meio d;r
expulsos e sempre estarão integrados. Também de McKenna) "Mine seletiva inclusão de idéias no plano cultural, condicionando deseu-
Own Ways" propóe que rituais baseados na dor poderiam ligar os r,,olvimelltos nos campos da política c da idcologia. Essa mrrnipu-
homens (mas não as mulheres) a um passado comuffi, a uffr incons- lação seria feita por uma espécie alienígena que coabita o nosso
ciente coletivo que é necessário para o surgimento da inteligência planetâ, e que Harrison vem a expor.
32 - FICÇÃo CIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Introd ução - 33

Perspectiva semelhante é sugerida no conto "O homem que hip- Orson Scott Card. poderia facilmente ter escriro "Losr Boys"
notuzava" (196I), de André Carneiro. O protagonista) insátisfeito do modo convencional. Chamar o narrador, digamos, de Péte,
com sua existência, cria para si uma nova realidade, pelo recurso da dar-lhe um emprego de, digamos) engenheiro áe software (...)
A história ainda funcionariá. Ela aindã entraria dentro da vida
hipno_se. A medida que a realidade se intromete nas ilusóes constrúdas,
ele reforça novas auto-hipnoses) do mesmo modo que urn viciado em
t
Hl'H"o: ,;?,ft:';,ff :,H1".:'ffil:i J; J *H[t : f, à';
drogas necessitaria de doses maiores) com o passar do tempo. seria um dos contos mais poderosos-de Card. (..:) Mas você
teria perdido alguma coisa. Você teria perdido aquela momen-
A novela de Simak, além de ffatar das ilusões humanas e de tânea suspensão da descrença, quandolê as últimas páginas da
questionar a Percepção da realidade, evidencia ainda uma interiori- história e se pergunta: Isto realmente aconteceulr3-
zaçáo da vivência literária, elemento também presente no conto de
Borges. Neste, investiga-se a relação criador-criatura) que se expressa
"Lost Boys" realíza um jogo de realidade nã, stt,ã, prtípria arti-
na criação do personagem ficcional. Na obra de Simãk, trrrr-se da culnçã,0 d.e leitwratrabalhando sobre a expectariva do leiror em
necessidade de uma vivência sinton izada com a criação) com o - literário, um produto, por definição ficcional,
encontrar um artefato
aspecto ficcional condicionando a realidade. transformado subitamente em uma confissão, e entáo, novamente
Essa metalingüística tem se expressado em ffabalhos recentes) em relato imaginado. O resultado é tanto o embaçamenro dos
caracterizados pela Presença do próprio autor e de índices de sua limites, quanto a confrontação com um objeto que parecerá ao
vida pessoal, como parucipes da narrativa imaginada. No conto "Leica, leitor mais verdadeiro, mais essencial do que aqueles cómportados
modelo L932", de Rubens Teixeira Scavone) ele próprio, e membros dentro das fronteiras já conhecidas. Trata-se de um efeiio básico
de sua família assim como a paisagem paulisianã onde vivem da ficção especulativa construção de uma realidade que é ao
personagens.- A história fala de uma máquina fotográfica rece-- mesmo tempo próxima e distante da percepção do leitor, de modo
:ão
bida como Presente pelo protagonista, possuidora da cipacidade cle que a sua percepção crítica possa ser recuperada. Em essência,
revelar, a cada chapa, momentos do passado ou do futuro. A presença uma realidade alternativa por meio da qual o leitor acessa a sua
do autor e de aspectos de sua vida agregam à narrativa uma sugestiva própria realidade de modo renovado.
irnpressão de verossimilhança e de estranhamenro.
No polêmico "Lost Boys", do norte-arnericano Orson Scott Card,
o autor e sua família são parte de um drama suburbano (e que é :

também uma história de fantasmas) marcado pela inadaptação dê urn


filho (ficcional) à mudança da família Card- à Greepsboio, cidade
onde de fato os Cards se fixaram. Em paralelo ocorre uma série de Essa tendência de ter autores como personagens de criaçóes
desaparecimentos de crianças. claramente ficcionais incorpora na articulação de produção e leitura
Como o autor fazdesse filho ficcional vítima de um serinl killer, do texto literário algum nível de dissociação usualmente percebido
o conto gerou todo tipo de reação controversa. A escritora Pat como claro limite enffe ficção e fato. Como na narrativa de Borges,
Murphy chamou-a de uma "mentira" que ia além da mendra que a "Borges y Yo" (1960), nâ qual um Borges (o homem) comenra seu
ficção deveria ser. Em resposta) outro autor, Andrew Weiner, adinite relacionamento com outro Borges (a figura literária), chegando a
que o trabalho de Card realizotro milagre de instaurar nele a dúvida um ponto de absoluta incapacidade de distinção enrre urn e outro. O
entre os limites da realidade e da ficção: produto transformando o criad mas levando igualmente à idéia
34 - FrcÇÃo crENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Introdução - 35

de que a experiência existencial do escritor passa a ocorrer em asso-


ciação direta com a experiência literária e suas próprias percepçóes
-
tornam-se uma lente polida pela vivência da ficção.
No centro dessas narrativas está a tentativa de criar realidades
[**lltr**#Hrf'jx§]Hi#]T*il
compreendido como sendo uma bola de fogo muito maior que a
alternativas que vêm relativtzaÍ a nossa própria. Exatamente o que Terra, e que seu comportamento seja descrito por um sistema de
especular sobre a realidade, leis científicas, a velha pseudo-explicação mitológica se esvazia (. . .)
tenta fazer a literatura especulativa
-
fornecendo paradigmas que relativizaÍn as compreensóes estabelecidas .
Ficção científica é a mitologia do mundo moderno
-
ou uma de
r.,T mitologiT embora seja Lrma fo1ml de arte altamente intelec-
Neste estudo tentaremos abordar a protoficção científica ou - seja um modo não-intelectual de apreensão.
tual, e a mitologia
protoficção especulativa, definida aqui como uma visão retrospec- Pois a ficção científica usa a faculdade de criação de mitos para
tiva partindo do observador contemporâneo e deslocando-se para o :tr#:f#ffii?:,fr Hi:'xil::h,]ffi ffiJ:'#**f i::il
passado) em busca de obras com run teor que as identificaria como (. . .) Mitos, símbolos e imagens não desaparecem sob o escnrtínio
expressões especulativas. Nosso objetivo é encontrar pistas dos do intelecto; nem urn exarne ético, ou estético, ou mesmo religioso
elementos formativos da literatura especulativa (que especula sobre a deles faz com que encolham e desapareçam. Ao contrário: Quanto
realidad.)) mas sempre tendo em mente que as obras que os contêm mais você olha, mais eles são. E quanto mais você pensa, mais
eles significam.r5
podem não ter sido produzidas dentro dessa chave. Veremos que
o autor moderno de ficção especulativa) se não é de fato o fruto de
uma tradição literária que vem da antigüidade e deságua no mar da Le Guin deixa claro que a visão positivista de que a crença ani-
especulação, muitas vezes retorna ao passado para apropriar-se dessa mista será atenuada até urna condição de traço inconsciente, com o
herança e transformá-la em urn novo produto. Tâmbém nesse novo avanço intelectual e científico, não eliminará a dimensão do rnito
objeto muitas vezes entrelaçam-se fato e ficção, sob ulna nova luz, como modo legítimo de apreensão não-intelectual da realidade. A
em uma constante reconstrução da realidade, nessa tentativa relativi- afirmativa vem ao encontro à visão do folclorista ]oseph Campbell:
zadora e de compreensão indireta dos nossos modos de percepção e
interação com o real. A mitolngl, tem sido interp,:etada pelo intelecto moderno como
um primitivo e desastrado esforço para explicar o mundo da natu-
reza (Frazer); como um produto da fantasia poética das épocas
pré-históricas, mal compreendido pelas sucessivas geraçóes (MiiLller) ;
como um repositório de instruçóes alegóricas, destinadas a adaptar
o indivíduo ao seu grupo (Durkheim); como sonho grupal,
sintomático dos impulsos arquetípicos existentes no interior da
psique humana (Iung); como veículo tradicional das mais
Àr a ficção científi ca é chamada de "mitologia modernâ", profundas percepçóes metafisicas do homem (Coomarswmy); e
".res
o que nos obriga a retornar à questão do mito. A escritora de FC e como a Revelação de Deus aos Seus filhos (a Igreja). A mitologia
é rudo isso. Os vários julgamentos são determinados pelo ponto
fantasia L]rsula K. Le Guin afirma:
de vista dos juízes. Pois, a mitologia, quando submetida a um
escrutínio que considera não o que é, mas o modo como funciona,
"Mito é uma tentativa de explicar) em termos racionais, fatos que o modo pelo qual serviu à humanidade no passado e pode servir
ainda não são racionalmente entendidos." Essa é a definição hoje, revela-se tão sensível quanto a própria vida às obsessóes e
proporcionada pela mentalidade científica redutora) da prirneira exigências do indivíduo, da raça e da época...ró
36 - FICÇÃo CIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Introdução - 37

As múltiplas faces do mito na narrativa) a oratLrra e a transfor- a ficção científica tenta imaginar, freqüentemente) como seria a
mação dos mitos e seu uso corrente pela ficção especulativa serão üda nurn plano tão acima de nós como estamos acima da selvageria;
seu cenário é amiúde de um tipo que nos parece tecnologicamente
importantes para um estudo da associação enrre a ficção científica e
miraculoso. É assim .,* *ddo ãe [nar?ativa] romanesca) com
a chamada "protoficção científicâ", que nós chamaremos neste forte e inseparável tendência ao mito.20
trabalho de "protoficção especulativa", pois agrupamos dentro da
literatura especulativa os gêneros da ficção científica e ficção de
|á vimos que a "forte e inseparável tendência ao mito" é obser-
fantasia (science f,ction e fantasy f,ction). "Porque o rermo 'ficção
vável, mas ao mesmo tempo a intenção realista, aliada à tradição
esPeculativa', como agora mais freqüentemente usado, não define
popular da ficção especulativa, faz com que ela se aproxime de um
claramente nenhuma limitação genérica, ele veio a incluir [além da
outro modo posrulado por Fry., mas não registrado por ele em seu
ficção científica] também a fantasia como um todo [incluindo o
comentário sobre a ficção científica: o imitativo baixo, no qual o
horror]."'7 Esperalnos poder desenvolver melhor as implicaçóes dessa herói não é "superior aos outros homens e seu meio", e onde são
associaÇão, no primeiro capítulo, especialmente no que diz respeito
exigidos "os mesmos cânones de probabilidade que notalnos em nossa
aos usos) pela ficção especulativa, do poder criador do mito, tanto na
experiência comurn". Esses cânones são às vezes violados de uln modo
obtenção de seus efeitos técnicos na narrativa, quanto na afirmação suave) ou são paulatinamente reformulados em um novo contexto
do seu modo peculiar de representação da realidade. (como ocorre no ramo do horror conhecido como d.arh famtasy, e em
Ficção científica e fantasia agrupam-se pelo denominador grande parte da fantasia contemporânea, isto é, ambientada eln
comum de uma certa e paradoxal intenção realista de ambas. contexto contemporâneo). Tânto que os autores de ficção especulativa
Nas palavras de André - Carneiro, "(...)
- Poder-se-ia caracrerrzar a comumente rejeitam a acusação de que seus mundos ficcionais são
difcrença entre a literatura fantástica e a [ficção científica] pela desinteressantes porque neles "tudo pode acontecer". Ao contrário,
impressão de arbitrário geralmente colocado pela primeira, a para cada mundo ficcional é criada uma lógica com a qual o leitor
sensação pela sensaÇão, sem nenhuma tentariva de situar possibi- deve familiarizar-se, enquanto o autor se obriga a mantê-la.
lidades reais, embora longínquas."'* Erquanto o senso comum O modo imitativo baixo aparece igualmente quando com-
em torno da fantasia afirma que ela preendemos que uma grande parte da ficção especulativa descende
do scientifi,c rlrna,n.ce à moda de H. G. Wells e de Jules Verne,
é situada em um mundo afastado da experiência comum) contemporâneo do surgimento do romance realista e naturalista,
alguns ou todos os seus personagens são diGrenres de qualquer
criatura conhecida, o mundo de fantasia rem sllas prófrias no século XIX, enquanto e quase simultaneamente) desenvolvia-se
regras e lógica e é usualmente bem-ordenado dentro dehs, e o planeta.ry rlr'nã,nce) à moda de E,dgar Rice Burroughs, effi que
qualquer personagem comum que entre nesse mundo derre prevalece o aventuresco ou a história romanesca, oâ teoria cle Frye.
conformar-se com o novo modo de vida. Por ourro lado, -
Sobre a relação da ficção científica com o momento realista e
criaturas fantásticas podem entrar no mundo conhecidcl, e
quando o fazem o seu poder freqüentemenre prevalece (.. .),, naturalista, James Gunn afirma gue,

Essa intenção realista da ficção especulativa, embora estando no Por trás das assunçóes dessa história clo futuro [coletivatnente
centro de seu interesse como literatura) dificulta o trabalho dos teóricos. :[x3fl:',*'::ffi xi,"rilr..'úT,;",?iJ:Pfl:*nâ'#r?x;
Fry., por exemplo, afirmou que que cresceu a partir dos movimentos literários e científicos do
38 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTAsTA E HoRRoR No BMSrL Introdução - 39

século dezenove e do início do século vinte : realismo e natura- "Death in Bangkok" (1993), de Simmons, é uma noveleta de
!smo, do lado literário, darwinismo, sociologia, marxismo e
horror, ambientada na capital da Tâilândia e envolvendo um vete-
freudianismo no lado científi co.22
rano do Vietnã que ali estivera de licetrÇâ, com seu comPanheiro
de unidade, um autodidata em esoterismo que o leva a testemunhar
Além dessas consideraçóes) soma-se ainda o fato de muito da
literatura especulativa depender fortemente do modo irônico de um estranho ritual de felação , realízado pela reencarnação de um
dos demônios hindus que tentaram Buda no famoso episódio sob
Frye, na qual o protagonista é visto de cima, como centro de
a árvore sagrada. O amigo do protagonista morre com a exPe-
"uma cena de escravidão, malogro ou absurdez". Isso é particu-
larmente forte em autores que empregam a forma da tragédia, com riência) e quando entendemos que ele retorna a Bancoc décadas
ótimos resultados. São nomes como Card, Theodore Sturgeor, mais tarde para passar pelo mesmo ritual, entendemos que ele
Dan Simmons e Stephen King, em 9ue, paradoxalmenre, existe busca a própria morte em troca de um prazer sexual máximo.
Mas Simmons mais adiante inverte o sentido da narrativa o
também um forte senso mítico inalienável. -
protagonista é um homossexual gue, na época) apaixonara-se pelo
Em O jogo d,o exterw,inad.or (Ender's Garne, I9B5), de Card, o
companheiro de armas) e agora retorna a confrontar-se com o
Personagem Andrew "Ender" Wiggin é uma criança brutalizada em demônio para exercer uma vingança motivada por amor.
uln campo de treinamento de soldados espaciais, cujo objetivo maior
é encontrar uma mente genial que apreenda algo dos modos de ação Mas é em Stephen King, mais do que nos outros, 9ue esse giro
e reação da espécie alienígena que está em guerra com a humanidade. entre o irônico e o mítico se efetua com maior impacto e constância.
Mas quando Ender obtém o grande fcito de destruir completamenre O melhor exemplo talvez seja o médico protagonista de O cernitério
o inimigo em um jogo virtual onde o lúdico e o real se confundem (Pet Sernotaryr|g\3). Nesse romance run homem se envolve na tenta-
-
o evento marca o ápice final de sua própria brutalizaçáo. Quando tiva de reviver seus entes queridos, por meio dos poderes de um
-)
Ender se reconstrói, ao final do romance) contando a história dos cemitério indígena (escondido atrás de um cemitério de animais
alienígenas e a verdadeira face da sua destruição, ele abandona o domésticos). As tentativas são malfadadas porque a criatura revivida
modo irônico e se projeta diretamenre para o mítico. retorna transformada. Seres humanos voltam perversos ao extremo.
Com Sturgeor, emViolentaçã,0 cdsrnica (The Cosrnic Raper l95B), Ainda assim o homem persiste, e o leitor sabe o tempo todo qual será
seu destino ainda assim o suspense é inevitável. Mais importante)
algo semelhante se dá com o protagonista Gurlick, um vagabundo
o leitor
-
compreende o que o motiva, e é incapaz de desvencilhar-se
contaminado pelo esporo espacial da "Medusâ", uma consciência
coletiva invasora do nosso planeta. Para alcançar seu objetivo, a da identificação com ele.
Medusa deve fazer da espécie humana também uma consciência A solução para o paradoxo da aparente contradição da litera-
plural. Ao fazer isso, a humanidade se transforma em um oponente tura especulativa desenrolar-se em todo o espectro dos modos
maior que o esperado, e o invasor é expulso. Mas fica a consciência literários de Frye e náo em uma faixa estreita entre a história
partilhada por todas as individualidades) e seu momenro mais expres-
-
romanesca e o mito, como ele o interpretou é oferecida nova-
sivo é prota gonizado pelo vagabundo Gurlick, até enrão inserido no
-
mente em A anatornia da crítica,) onde se afirma que "(...) A ironia
modo irônico) mas gue, pelo amor e pela união física com uma descende do imitativo baixo: começa com o realismo e a observação
mulher (também ela títere da ironia até então), se projeta para uma imparcial. Mas, ao fazer isso, move-se firmemente em direção ao
representação dessa nova realidade humana. mito :)23 Esse ciclo se estabelece quando
40 - FrcçÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL Introdução - 4L

Este, até onde eu possa ver) é o valor específico da literatura


l,'Jtri:fi :'ilh:,t3:Íi.iáx":i:,:H:i:ff ,T::'Il'iiÍ;,i:,'.11 considerada como Locus (histórir); ela nos admite a outras
o 9Pe lhe acontece (...) Se há ulna razáo para escolhê-la para a experiências além das nossas. Elas não são, lão m-ais que nossas
catástrofe, é uma razáo inadequada e suscitimais objeçõer ,io qur: experiências pessoais, todas igualmente válidas. Algumas) como
esponde.2a dizemos) nos "interessam" mais que outras. As causas desse
interesse são naturalmente e extremamente variadas e diferem de
um homem para outro; pode ser o típico (e nós dizemos "como
Laurence Coupe, lendo Frye, sugere gue,
é verdadeiro!") o., o anórmal (e dizemos "como é estranho!");
pode ser o belo, o terrível, o que inspira espanto,_g euforizante,
com o modo narrativo final nós somos forçosunenre lembrados o patético, o cômico) ou o meramente picante. I iteratura dá a
de que o modoprimeiro e fundador, o mito propriamenre dito, enltrée a todas elas. Aqueles de nós que iêm sido leitores verda-
deiros durante todas ãs nossas vidas raramente entendem Por
xiil,r:#'i:T:Jffi ::mTHffi ;fl H:;::,?;il,',;:y,n);,), completo a enorme extensão do nosso ser que devemos aos
do mesmo modo a ironia retorna ao rnito.25 autores. (...) O homem que está satisfeito em ser apenas ele
mesmo, e portanto menos que um ser) está em Lrma prisão.
Meus própiios olhos não me bastam) eu verei através dos olhos
A ligação da ficção especulativa com a idéia do mito, de uma dos oütrôs. Realidade, mesmo vista através dos olhos de
"qualidade mítica", de uma função mitopéica do campo, aparece muitos, não é o bastante. Verei o que os outros inventaram.
muito nos seus debates internos, nos quais mito e mítico perdem Mesmo os olhos de toda a humanidade não são o bastante.
muito da rigidez anatômica de Frye e adquirem uma conoração mais Lamento que os brutos não possam escrever livros. Com muita
gratidão eu aprenderia qual a face com que as coisas se aple-
flexível, que nós taMez devamos chamar de "qualidade mírica", a senram a um camundongô ou a uma abelha; com maior gratidão
título de distinção. C. S. Lewis, Ursula K. Le Guin, Orson Scott ainda eu perceberia o mundo olfatório carregado com todas
Card e Stephen I(ng, de um modo ou de outro) discutiram o mito âs informaçóes e emoções que ele leva a um cão.
colno uma forma corporificada na própria experiência da leitura da A experiência literária cura a ferida) sem minar o privilé_gio, a
ficção especulativa (entre outras). Pode-se dizer) num senrido, que a individualidade. Há emoçóes de massa que clrram a ferida,
experiência de leirura assume o papel de um ritual, e o ritual é ence- mas elas destroem o privilégio. Nelas as nossas consciências
separadas são emboladas e nós afundamos de volta a uma subin-
nação, de algum modo reparadora, do mito. Na litertrtura popular, dividualidade. Mas lendo grande literatura eu me torno mil
esse movimento corresponde ao que Coupe chama de "tipologia homens e ainda permaneço eu mesmo. Como o céu noturno
radical", tipologin sendo o processo em que um prirneiro rnito é no poema grego, vejo com uma mrríade de olhos, mas ainda
sancionado Por uln discurso dogm arizador. Difere-se dela a tipologia sou eu mesmo quem vê. Aqui, como na adoração, no amor)
na ação moral, e no conhecimento) transcendo a mim mesmo;
radical, gue liberta o mito do dogffia, e o recondvz ao campo da
e nunca sou mais eu do que quando o faço.28
imaginação, realizando um movimento do sagrado para o profano.2ó
*[M]itos refazem outros mitos, e não
há razáo para que não devam
Orson Scott Card e Stephen King são dois autores de grande
continuar afazê,-lo, sendo o impulso mitopéico infinito."27
representatividade nos campos da ficção científica e fantasia, que
Irwis defendeu a qualidade mítica e com grande eloqüência se integram a essa posiçáo de Lewis. Card, por exemplo, tem sua
- An. Experiruent in. Criticisrn
effI seu pioneiro ensaio sobre a recepção, -, própria descrição dos modos de leitura, primeiro expresso em
(19ól), . perdoem-me por citá-lo longamente) chamando a atenção seu ensalo "Fantasy and the Believi.g Reader". São três os seus
para o segundo parágrafo: modos, â partir do nível de crença do leitor) na história que está
42 - FrcÇÃo clerurÍncA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL Introdução - 43

lendo: Mythick, epick e criticá, sendo que o mais superficial seria


i::-;
justamente o último, o modo crítico,
#,xlx{Tr?il'J§.:}#l3?.H
li;'::ffi ;;',::,'iÍl3i::H:"ffi :3frffi #tf :H:i;**:
de um grupo. Antes, os leitores críticos avaliam o sentido ou a
Enconffamos mecanismo semelhante descrito Por Orson Scott
Card, no que drz respeito à ficção científica, em seu ensaio "Science
verdade da história conscientemente
. Em geral separando o sentido Fiction in the I9B0s", gue serve de introdução à antologia Futwre
da história em si.2e
on Fire ( I99I):

Ainda na sua definição, uma história que se reali za na dimensão Não que os leitores de ficção científica estarão preparados Para
de epick é aquela que "é recebida por run grupo como se foss
como uÍna verdade d,essegrwpl" r30 e a que se realiza no nível de rnythick,
é a que é "recebida pelos leitores como verdade de todos os seres
humanos".3r Assim como emAn Experirnent in Criticisrn, de Lewis,
m[f*{r*m*m*f**'-'r'"*
na visão de Card está no leitor a determinação do valor literário, a
partir da recepção particular de cada um. ll'3fff nl?j#r';..."slt;*iffi ;:j:ll$}*:d
são, que inclua
A
perspectiva de Lewis está igualmente bem viva e de modo reconitruir uma visáo do modo como as coisas e
acomode as antigas contradiçóes; inventar o seu próprio papel na
bastante claro e com emprego metaficcional em Ros e Mnd.d,er acordo com o seu novo papel e sua nova
-
(1995), de Stephen King, urn romance de d.ork- fantasy no qual a 1il3;li:Iàlãx.,Í'
protagonista, Rosie Daniels, é uma mulher fugitiva, renrando escapar
de seu marido psicótico. O tema central é o abuso físico e sexual da
O romance ao mesmo tempo mitopéico e mitógrafo de l(ing se
mulher) mas I(ng fala antes de mais nada da capacidade que teria a articula em torno de um quadro comprado por Rosie, uma represen-
arte popular de fornecer um espaço mítico reparador, e de elementos
tação mitológica grega, aparentemente uma versão corrompida da
para que o sujeito possa se situar, diante de um mundo em constante lenda de Demétriõ e Éerséiorr.. O quadro é definido por todos como
transformação. Vai ao encontro da tese de Scott McCracken: "arte ruim" (assim como os romances de love story lidos pelas amigas
de Rosie)) mas ele tem o poder de admitir Rosie à "realidade do
O texto) â narrativa popular em si, é produzida no mundo e se quadro". Nesse espaço mítico é que ela se confronta finalmente com
torna parte do mundo. Mas uma narrativa ficcional é mais do que
o marido abusador, Norman Daniels, vencendo-o e adquirindo auto-
apenas uma parte do mundo; é também uma reflexão projetáda
sobre esse mundo. O relacionamento entre texto e mundô envolve suficiência. Mas essa ascensão da mulher abusada à mulher inde-
um proçTso de mão-dupla que requer um leitor para ser posro em pendenre rem um preço a incorporação da violência sofrida e a
efeito. O leitor é também uÍn prodúto do mundó) mas) ao lnesrro tendência a passá-la
-
adiante, dirigida contra a família e os colegas de
tempo, ela ou ele é um agente nesse mundo, mudando-o através trabalho. Para evitar a violência, Rosie tem de fechar o ciclo e trazer
de suas açóes. A despeito do fato de freqüentemenrc a pensarrrros
como Lrma atividade passiva e prlramente recreacional, ã leitura de o ritual reparador encontrado na "arte ruim", para a sua realidade.
textos populares é parte desse processo de mudança. A ficção Esse ritual ela encontra em tun bosque, onde planta uma árvore que
popular pode nos fornecer as narrativas de que precisalnos para simboltza suas memórias e suas dores, e onde ela deve ver crescer.
44 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Introdução - 45

Para I(ng,o fator essencial é a capacidade da arte ((§sa"


ou "ruim" de gênero) como rnrnnnce) como fábula e como épico. Parrinder não
-
de arrastar o espectador ou leitor para fora do "mundo real" e para
-dentro de um mundo alternativo que funciona como espaço tenta domar o "animal", tendo até mesmo a ousadia de absorver
mítico e, e empregar parte dos conceitos surgidos dentro do gênero) que se
portanto, reparador. define por uma consciência rara e combativa.
Meu esrudo é uma investigação teórica e histórica do fantástico
(,rm termo que engloba) no meu emprego, a ficção especulativa effI
um exffemo, e, noutro, o fantástico como "a sensação pela sensação,
sem a rentativa de situar possibilidades reais, embora longínquas",
conforme definiu André Carneiro) e sua expressão brasileira em um
A ficção especulativa é um objeto escorregadio. Para o observador período ideal que compreende meados do século XIX à década de
iniciante parece ser um gênero "fechado" em suas possibilidades e t9+0, confrontada com a produção internacional. O objetivo é esta-
estnrturas) como é para alguns a ficção de detetives (detective f,ction). belecer parâmetros de como a literatura fantástica estabeleceu-se no
Mas logo o desenvolvimento do gênero começa a imporrar variaçóes Brasil, e de como os literatos e escritores locais a assimilaram.
que não se encaixam nos modelos teóricos. Minha perspectiva é a da ficção especulativa como uma tradição
Patrick Parrinder, no seu especialmente lúcido Science Fiction: diferenciada, que bebe de fontes míticas, satíricas, utópicas, roma-
Its Criticisrn and Tbachinq, esclarece que seu livro perrence aos nescas e mesmo científicas, para reabzar-se como uln corPo multifa-
trabalhos de "crítica de gênero", e que "(...) No presenre estado cetado de possibilidades ficcionais, existindo em interaçáo com o
confuso da teoria literária, não é surpresa que haja várias conside- rnninstrearn literário, mas não em uÍna chave de inferioridade artística.
raçóes competidoras quanto ao que é crítica de gênero." Ainda LJma expressão dessa perspectiva de uma tradição relativamente
segundo Parrinder: '?\mbos o crítico teórico e o semiótico prova- autônoma e autoconsciente é o modo como vêm brotando intensa-
velmente terão problemas em demonstrar que a ficção científica, rnenre) nos ultimos anos) formas de ficção especulativa que se dirigem
como eles a definiriam, é o mesmo animal (...) que atende por aos formadores dessa herança, em um diálogo com os elementos
esse nome junto aos seus escritores e leitores."34 formativos do gênero) encontrados principalmente no scientffic
Parte do problema parece estar no fato de a literatura. especula- política do
rurna,nce e no planetary rnrnã.nce) além da sátira social e
tiva ser um objeto que resiste à dissecação. Tome o caso de Darko século XIX e anteriores.
Suvin e sua teoria da ficção científica como a literatura do "esrranha- Exemplo seminal é o romance The Dffirence Engirue (L99I), de
mento cognitivo", uma teoria que nega o interesse da fantasia, quanto William Gibson e Bruce Sterlirg. Ambientado no século XIX, é uma
mais uma articulação dela com a ficção científica. Mas quando a história de realidade alternativa, especulando sobre os caminhos
fantasia começa a misturar-se com a ficção científica (uma das históricos que poderiarn ter sido tomados com a alteraçáo de deter-
tendências mais em voga atualmente), o "animal" descrito por Suvin minados acontecimentos. Neste caso) o computador analítico a
começa a contorcer-se) libertando-se da rede conceirual. Parrinder vapor, constmído pelo inglês Charles Babbage naquele século, e nunca
afasta-se habilmente das armadilhas escolhendo um viés historicisra, operacionalizado. No universo alternativo de Gibson & Sterling, o
partindo do scient'ifi,c rnrna,nce até a new wa:t2e (movimento caracterís- "Difference Engine" de Babbage funciona, atirando os ingleses na
tico da década de t9ó0), . em seguida discutindo a FC como ficção era do cartão de crédito, dos telégrafos individuais, da comPutação
46 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Introdução - 47

aplicada à engenharia etc. O clima da narrativa bebe muito, é claro, poderá vir depois. São relacionais por darem a definição de uma
dos scientifi,c ?'nrna,rrces de Wells e Verne (Sterling é um grande fã de forma que mostra como ela difere de outras formas literárias.3ó
Verne), bem como das descriçóes sombrias de Charles bickens.
Não é à toa que dois dos autores mais gtobalistas e multicul- McCracken também assrune a volatilidade das definiçóes: "Cada
turalistas da ficção especulativa tenham se unido para compor o rlovo exemplo de tun gênero em particular pode modificar e alterar o
romance inaugural do stearnpunk, termo "cunhado no final do anos que se compreende pela classificação a que ele pertence."37
oitenta, em analogia a cyberpun\ para designar um subgênero Bruce Sterling, em entrevista, coloca a consciência cla linha
moderno, cujos eventos de FC têm lugar contra tun pano-d.-frt do história do gênero em perspectiva: "Se você vai extrapolar seriamente)
do século XIX".35 tem que olhar para os exemplos que já tivemos", afirma. "Tecnologias
nascem, se desenvolveffi, e as vezes morreffi, atravessaln certos estágios
Se a world literature nos obriga a entender outras culturas
contemporâneas como resPostas autônomas às solicitaçóes de inserção específicos) de modo que eu estava olhando para as raízes de onde
de gruPos sociais humanos em geografias e modos de existência surgiu a ficção científica [.o idealizar The Dffirence Engine7.""
social diversos, a literatura especulativa voltada para o século passado A relatlizaçáo do cronocentrismo dos nossos tempos, que
(o,, sécuhs passados) nos obriga a reabilitar está§ios culrurais iiruados pretende ver nosso momento histórico como o justo desenvolvimento
em ulna linha de ternpo, conferindo legitimidade às suas soluçóes de estágios anteriores e inferiores de cultura) aparece em The
-
Dffirence Engine quando o protagonista
- Ed Mallory afirma: "Não há
tecnológicas, senão sociais ou políticas. A teoria pós-modernista
sugere que a subjetividade (como modos particulares de cognição) história há somente a contingência!"3e E mais adiante um outro
-
personagem admite, sombrio: "Não há nada na história. Nem
varia de acordo com culturas que se distribuem nurn sentido rirrtrO-
nico (sirnultâneo à cultura dominante). A ficção científica sugere que progresso) nem justiça. Apenas horror aleatório."aO
a subjetividade varia igualmente nuÍn sentido diacrônico O cronocentrismo tem precedente na expressão de C. S. Lewis,
1ãispoito
nlrma linha de tempo), porque culturas se sucedem e modos dê vida "esnobismo cronológico", definido como
assumem novas configuraçóes. Essa perspectiva deve se manter na
mente do leitor) se o que buscamos é , .ó*pr.ensão dos efeitos do a aceitação acríticado ambiente intelecrual comum à nossa época e
gênero, ro plano dos estudos culturais e na relação entre expressóes a suposição de que t rdo aquilo que ficou desatualizado é por isso
hegemônicas e periféricas; muito além, portanto, dos remas) morivos
lHIi.:,?H:xi:Tlliliff â,
e convençóes específicos da FC, ou da sua mera articulação em torno "Ti,xi'dH'il!';f.!ii,iT:*'::fl
por quem, onde e até que ponto)), ou merarnente morreLl) como
do discurso científico.
Nesse sentido, a ficção especulativa deve ser compreen,Cida como
ffin*x',H:*ff T[ffit'it1x[1;,âJ'it*:txxx
conta disso, passamos à percepção de que nossa própria época é
uma tradição literária autônoma, e não apenas como lun arranjo de "um período", e certamente tem) como todos os períodos, suas
temas e modv observação que serve também para todos os
outros gêneros literários. Citando Scott McCracken nórrrmenre: ffi [:ii:t,J;ff 1;::T[Ítr:a:#?:,i;ili:'Jã:'].;;,'§trl:Tl
época, ninguém ousa atacar nem sente necessidade de defender.ar

Gêneros são melhor entendidos, então, não em termos de elementos


básicos, mas como históricos e relacionais. São históricos por defi-
. Um golpe contr_a o cronocentrismo ou esnobismo cronoló-
gico aparece num dos últimos best-sellers de ficção científica
nirem urna forma em termos do que se passou anter . do que
48 - FrcçÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRAsTL Introdução - 49

assinados por Michael Crichton, Linha d,o ternpo (Tirneline; L999) . Essas e muitas outras obras de ficção científica (e fantasia) como
Crichton ataca a crença de que na trilogia "The Hammer and the Cross", de FIarry Harrison e John
Holrn) usarn o tempo passado como recurso desestabilizador da nossa
própria visão do presente. Eles mostraln que o passado se desenvolveu
como alternativa legítima no esforço de lidar com as exigências do
#Ii*:?#lf[','#t["jí]lt,T*f fx'.ri,$:fi:fi seu momento) e que o nosso presente é apenas tun caminho possível
no desenvolvimento do histórico) e não o produto final da
r l'JâT ;,il, fl x ; i :il :r#: ni;,l:â : processo
lHifh##,â' progressão antecipável de uma cadeia de eventos seguramente
O
fixos
" r1o rumo do progresso) conforme afirma o positivismo. que
A noveleta "Georgia on My Mind" (L994), d. Charles Sheflield, responde pela condição ambígua da ficção científica como forma
também reabilita a iniciativa de Babbage, mas sem recorrer ao ficcional burguesa que questiona as faltas do mundo burguês) sem
recurso da história alternativa ou viagens no tempo. A história, abdicar de alguns de seus valores, especialmente a ciência e a valori-
vencedora do prêmio Nebula, fundamenta-se na descoberta de zaçáode um novo homem apto para a tecnologia e disposto a encarar
um *Difference Machine" de Babbage na Nova Zelàndia, para a cruel face, por mais fugidia e incerta que seja, do universo.

onde teria sido levado por um casal incestuoso de pregadores. O Para a ficção científica, tudo é relativo em termos de que as
casal toma contato com os nativos com uma estranha espécie ideologias dominantes são incapazes de resumir a realidade em suas
de seres de grandes poderes curativos. Quando a mulher adoece) o intenções totalrzadoras. Para a FC, o universo é uln processo dinâmico
homem decide empreender uma jornada até um ponto de enconrro) no qual operam fatores que vêm sempre relativizar visóes estabelecidas.
cujas coordenadas são calculadas pelo aparelho. A noveleta é uma No gênero, a especulação livre é a norma) e um mesmo autor se dá
espantosa história de primeiro contato (com uma inteligência alie- alodireito de escrever obras que abrigam visões contraditórias,
nígena), e um conto de paixão pela história da ciência, com porque a especulação em si representa a possibilidade de encarar o
sobretons stearnpwnks e um posfácio gue, como nas histórias universo de maneira aberta.
metaficcionais já discutidas anteriormente, atira os maravilhosos
conceitos da narrativa para aquele terreno crepuscular entre a
ficção e o fato.
Um precursor stearnpunk são os romances The Warlord.s ofthe Air
(L97L), Tbe Land, Lepiathan (L97! e Tbe Steel Tiar (I98I), os
chamados "Livros de Oswald Bastable", escritos pelo inglês Michael Ao longo deste estudo) tentarei acumular evidências de que a
Moorcock e altamente inspirados pelo scientif,c rnr'nã.nces vitorianos e ficção especulativa atual volta-se freqüentemente a modelos antigos,
edwardianos. Na trilogiâ, o protagonista Bastable trafega por vários que constituiriam a sua herança comum. Também de que muitas
mundos alternativos, em torno de I9I0, sempre através de urna clas buscas e efeitos da ficção especulativa existiam ao menos em
romântica tecnologia da era do vapor) encarnada em maravilhosos cstado embrionário) nesses modelos mais antigos. O objetivo é
dirigíveis de combate e outras armas de guerra. Outro precursor libertar o gênero da precipitada rotulação que o atinge de que os
stearnpwnk é Os portais d.e Anúbit (The Anubis Gntes,1983), de Tim fenômenos da ficção científica, fantasia e horror especial-
Powers, que emprega o motivo da viagem no tempo. mente em sua expressão popular seriam contingências diante
-
50 - FrcÇÃo crENrÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMsrL

Capítulo I
de situaçóes culturais, extraliterárias, particulares do nosso século, Protoficção especu lativa
relativas simplesmente à fascinação pela ciência (r" FC) ou pelo
saudosismo de um mundo mágico ou sobrenatural (na fantasi.).
A ficção especulativa é uma expressão literária legítima, gue,
como outros gêneros literários, deve ser compreendida como
solução do engenho humano na busca de um entendimento aberto
e multifacetado da realidade.

Como já anunciava na introdução, â idéia de uma protoficçáo


científica (ou protoficção especulativa, neste estudo) é problemá-
tica por inúmeras razóes. Não obstante, alguns observadores
propóem que tudo o que se assemelhava à ficção científica) mas
produzída antes da denominação do gênero) seria definido como
"protoficção científicâ".
O termo "ficção científica" (science f,ction) surgiu em julho de
lg2g rquando Hugo Gernsback criou a revista Science Wond.er Stories.
Antes, Gernsback chamou o gênero de scientif,ction, para designar o
material empregado em uma revista anteriormente criada por ele,
intituladaArnazing Stories a primeira revista espectahzada em FC.
-
Publicaçóes como essas ftzeram parte de um fenômeno editorial
conhecido como pup rnfl,ga,zines publicaçóes impressas em papel
-
barato, feitas com a parte menos nobre da madeira, a "polp a" (Prl?),
cobrindo gêneros variados: ficção científica e fantasia (Astowrud,ing
Stories, Astonishing Stories., Wond.er Stories, Marvel Stories, Stnrtli*g
Stories etc.), fantasia e horror (Weird. Tales), ficção de detetives
(l)etective Stoty MonthlyrBl"aahMnsh),westem (Western Stories), histórias
ffil
tlc amor (Loue Stories), histórias de esportes, de guerra etc. Em
oposição, haviam as slick rnngã.z,ines, revistas de papel liso brilhante,
que publicavam formas de ficção mais aceitas pela cultura literária.
lo pilp surgiram na última década do século KX,
ntã,ga,z,ines
com The Argosy ( 1896), criação de Frank A. Munsey, e se estenderam
rrté a década de 1950 nos Estados LInidos, importante lembrar. O
-
rermo palp também designa o formato empregado por essas revistas
(.* torno de 25cm x lScm), e um tipo de literatura comercial
52 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTAsTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo I - 53

composta d.entro de runa fórmula que dava ênfase à "ação) romance) Os discordantes afirmam que a FC e a fantasia, oriundas da era das
heroísmo) sucesso) milenux exótico) aventuras fantásticas (freqüen- pulp vna.gã,zines, são literaturas bastardas de pequena significância,
temente com uln lampejo de interesse arnoroso) e quase invariavel- cujas tentativas de olhar para o passado serialn uÍna busca desajeitada e
mente um final feLíz)".r Peter Nicholls observa que artificial por pais legítimos. Ou) como afirma o autor e pesquisador
inglês Brian Stableford :
Em crítica literária,palp é freqüentemente tido como sinônimo de
"estilisticamente tosco", mas esse não é necessariamente o caso. Tentar identificar urna tradição coerente de proto FC é vã, em mais
Boa cadência narrativa, de modo algum uma qualidade negligen- de um sentido dessa palawa. Sem dúvida alguma, obras individuais
ciável, era regularmente encontrada nos pülps) tanto quanto outras
virrudes como cor) inventividade, clarezade imagens) e observação Íô:::xT;tr1âL'âX",1HJ:â,1:TnTS"dH:'*,?t:;ffff :i
aguda ocasional, tal como pode ser visto na obra de ]ack London, zamos r p4*a "g1diçT':se a usarnos para descrever ulna série de
que escreveu pâra os prim eíros pupt.'
iriil#
Ao pensar sua então scient'if,ction, Gernsback a definiu do *lüh.'fuxffislrft:fln
seguinte modo: "Por scientifi,ct'ion, quero dizrr o tipo de história escrita
por |ules Verne, F{. G. Wells e Edgar Allan Poe encantador Outro inglês, Robert Holdstock, dá um passo além ao afirmar
rzrna.nce entremeado de fato científico e visão profetica."3 que a ficção científica não passa de um rótulo comercial e que não
haveria sentido, por exemplo, em abrigar nulna mesma categoria um
A referência a Verne, Wells e Poe não foi acidental. Visava
fornecer um modelo do que Gernsback desejava ter em sua revista, e, autor do nível de Robert Silverberg ao lado de uma série popular
de fato ,Arnazing Stories publicou muito do material desses aurores e como Perry Rhodan.ó Ao que parece) para Holdstock, o agmpamento
de outros praticantes do que se convencionou chamar de scientifi,c cle autores de qualidade díspar sob o rótulo de FC iria macular o
rllltã.nce) na época já difundido junto aos palps não especializados. potencial de reconhecimento dos escritores de melhor nível) mas seu
Por exemplo, o número de abril de L926 deArnazing Stories trouxe na cxemplo é desastrado: Silverberg começou como ffi e durante os
capa os três "pais" da ficção científica: Edgar Allan Poe (soletrado primeiros anos de sua carreira foi um escrito r hack como tantos
erronearnente como 'Allen" Poe), )ules Verne e H. G. Wells com outros, despejando no mercado dezenas de contos escritos sem inspi-
o seu conto "The New Accelerator", originalmente publicado - em ração ou controle da linguagem, e de pouca inventividade.T O seu
The Strnnd de dezembro de 190I. O romance The Wnr of the World,s, contínuo contato com o gênero e com suas convençóes e possibilidades
de Wells) apareceu no número de agosto de L927 rda mes maArnnzrg é que lhe deu, com o tempo, a chance de afinal contribuir para o
Stories. E justo afirmar, portanto, que a ficção científi ca já existia irlargamento dessas mesmas possibilidades. Não há "gênio literário",
como scienffic rnrna,nce desde a primeira metade do século XIX. E a lnas o autor que soube melhor aproveitar aquilo que o contexto e a
continuidade entre tuna e outra é direta e sem interrupção. tradição em que ele opera tem a oferecer.
A protoficção científica seria então urn objeto ainda mais antigo. O estudo da protoficção científi ca é uma realidade ainda que
-
e ao leitor habinral de FC não escapam
Peter Nicholls é um dos que acreditam que a ficção científica "é não supere suas contradiçóes
meralnente uma continuaçãô, sem qualquefhiato verdadeiro, de uma
-)
tls semelhanças entre a ficção científica contemporâne a e As uiagens
tradiçáo de ficção imaginativa muito mais antiga, cujas origens esrão de Gwlliver (Gulliyer's Tia»els,L726), de ]onathan Swift, apenas para
perdidas nas brumas míticas e neblinas folclóricas da tradição oral".a citar um exemplo amplamente acessível ao público atual.
#l
§l

54 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMsrL


Capítulo I - 55

Sem dúvida é um exagero a afirmativa do pesquisador Sam que fosse) especializado e consciente dessa antiga "tradiçáo", além
Moskowiu,, de que "o primeiro boorn em ficção científica (. . . ) ainda *1 de autores que a estariam explorando:
não havia terminado durante a vida de Tiberius Claudius Nero
Caesar, segundo imperador de Rom a (42 a.C. a 37 d.C.
)",t e de que
o ProPrio Tibérius teria sido run ccfã" de FC. Não obstanre) a pesqúsa
de Moskowiz tem o mérito de demonstrar que havia um inteiesse §,h#ff r3lifil'l:ffi ;:H:
duradouro em torno de formas antigas, antecessoras da ficção cientí-
fica. Citando Im,perial Parpte, de fag.r Salrus, Moskowttz levanta
':#I*tffil'*:ffi
virtualmente esquecido do século KX, Sidney Whiting, gue com
quase certezafoi um importante colecionador de ficção científica
do seu tempo. Isso se torna aparente em seu livro Heliond,e; or
evidências de que Tibérius colecionaria narrativas de viagens fantás-
Ad.ventures in the Swn, primeiro publicado anonimamente por
ticas ou imaginárias. O ensaio "The Origins of Science Fiction Chapman & Hall, Londres) em 1855 (...) O romance conta da
Fandom: A Reconstructiofl", de Moskowitz, dedica-se a reunir evi- dissolução em átomos nebulosos mas não obstante coesos, de um
dências de que colecionadores, pesquisadores e escritores de viagens homem que é arrastado para o sol e no seu estado tênue é capaz de
fantásticas ou imaginárias, e de sátiras e utopias, poderiam rer explorar as formas de vida e as civilizaçóes que lá encontra. (. . .)
Whiting também demonstra sua paixão por toda a tradição da
formado uma ponte entre os textos mais antigos e as práticas mais ficção científica. O romance tem uma citação de Luciano em slra
recentes) nos séculos XIX e XX, contrariando em rermos a idéia de
'Justaposiçóes isoladas". Mesmo no século XWII haveria ao menos rsm*Í,ffi :HxrfmÍ:ffi:*ffà::Ht#il"'ffi:i
um traço de consciência da peculiaridade dessas narrarivas precur- para que assim o autor possa responder: "Sim) urn grande número.
soras,e pois um certo Charles George Thomas Garnier teria editado
em L7B9 uma coleção de 39 volumes contendo obras de Luciano de |H$ffi,.F[:,:i;*:'i::;,;1fr:,$ff ffi il:r*ff :*'i
Samósata) ]onathan Swift, Cyrano de Bergerac) Voltaire) entre ourros
que escreveram trabalhos dentro dessas formas. Moskowrtzconclui: fu várias ediçóes deAnatomy ofWond.erreditadas por Neil Barron,
"Um editor não compila uma coleção de 39 volumes composra ocupam-se em fichar dezenas de exemplos de proto FC e scientif,c
predominantemente de romances de ficção científica anriga a menos v'zvlta.nce, por vezes demonstrando ligações e linhas de continuidade
que haja uma demanda por tais obras. Não pode haver demanda a entre os vários exemplos. A narrativa A Journey to the World. Urud.er-
menos que haja colecionadores e leitores."r0 E informa que ranto Grownd,: By l{icolns lürniws (I742,de autoria anônima) é uma história
Thomas More (A wtopia,ls16) . ]ohannes I(epler (Sornmiwrn, L634) cle "Terra oca" comparada, como sátira, ar4s viagens d,e Gulliver (L726).
foram tradutores de Luciano de Samósata) estando cientes de sua Segundo o pesquisador Robert Philrnus, ela teria sido imitada emA
narrativa Wra Í{istdrin, escrita em algum ponro do século I00 e na Voynge to the World, in the Centre of the Earth: Giving an Accownt of the
qual Lun navio é uansportado à Lua. Em carras) IGpler teria adrnitido Manners, Cwstorns, La.ws, Gopernrnent nnd, Religion of the Inhabitants
Wra llisuíria como fonte do seu Sornniwvn) também uma narrativa de (1755), outra aventura na Terra oca) que também aparece em vários
"viagem à Lua". Ao menos aqui Moskowitz comprova uma ligação romances científicos como Wngern a.o centro dn krun (Vryage au centre
admissível entre obras separadas por um lapso de mais de mil e çíe la terre,IBó4) de Verne) e A naruntiya d.e Arthwr Gordon Pyrn (The
quinhentos anos. Mais importante talvezseja a noção de gue, quando l,{nryative ofA. Gord.on Py*, f 83 7), de Edgar Allan Poe. Quando Poe
surgiram os scientif,c rnrnfl,rrces e as pulp rna,gnzines no fim do século c Verne abordaram o tema) a Terra oca, já se tornara objeto
XIX e início do século XX, já haveria um público leitor (por menor ",m
csotérico) uÍna lenda cuja fonte se tornara difícil de rastrear. E, possível
56 - FICÇÃo cIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo I - 57

que as narrativas tenham alimentado a lenda) tanto quanto o inverso. precursora) e novamente Edgar Allan Poe registra seu débito a
Edgar Rice Burroughs ( 18 74-1948) foi um escritor que, comprova- Godwin no posfácio de "Flans Pfaal", traçando uma ligação entre
damente, alimentou-se do campo do oculto, e que levou seus viris obras separadas por quase 200 anos. A história é particularmente
heróis várias vezes à Terra oca) como emAt tl,te Core's Enrth (1914), interessante pelas justificativas científicas que oferece confirmando
sua seqüênctaPellwcidar (1915)) e em Th,rznn atthe Earth\ Core (L929-
-
a "verdade da 'nova astronomia' de Kepler e particularmente de
1930), d. sete possíveis
exemplos. De qualquer forma) em 1990, o Galileu",'n embora o livro se dedique mais à descrição de uma utopia
escritor cyberpunk, Rudy Rucker publicou Tbe Hollow Earth, que rea- lunar. David Kyle também sugere que a obra de Cyrano teria influen-
cende a chama do velho tema ao levar o personagem Edgar Allan Poe ciado Daniel Dafoe, oo seu The Consolidator: ory Mernoirs of Sundry
'fi,anslations
a viver a aventura de Gordon Py*." frorn the Wbrld, of the Moon Translated frorn the Lunar
Lnnguã.ges by the Awtl,tor ofthe Tiue-Bnrn English Mnn,de I705.ts
h, o motivo da antigravidade parece ter sido introduzido no
início do século XIX por )oseph Atterley, com o seu.4 Voyage to the Um tema mais antigo, a Adântida, aparece em "The New Atlantis"
Moon O conceito seria posteriormente explorado emAcross the Zoüac (in Sylva Sylvarwffi, L627), de Francis Bacon. Ao contrário de outras
(1880), de Percy Greg, e na obra de H. G. Wells, Osprirneiros l,tornens narrativas do continente perdido, esta é francamente ficcional. A
na Lua (The FirstMen,in the Moon, f90I), e desse romance para as Atlântida é outro tema esotérico cujo interesse atual se alimenta dupla-
palp ril,ã,ga,zines. Há indícios de que a ficção de ]oseph Atterley tenha nlente do ficcional e do lendário. Um exemplo recente é o premiado
'fhe Moon and, the Swn (L997), de Vonda N. Mclntyre, premiado
influenciado a Poe, que o menciona em "F{ans Pfaal" (Atterley foi
r'omance ambientado em um século X\rI[ alternativo.
profcssor na Universidade de Virgínia, quando Poe ali estudou).
Carvorita, a estranha substância antigravitacional "inventada" por Para fechar o ciclo, o próprio Hugo Gernsback começou a
Wells em Os prirneiros horu.ens na, Lwa para possibilitar o vôo inter- cscrever a sua ficção científica em f9I5 com uma série de histórias
planetírio, aparece no desenho animado japonê s Lapwta (palavra extraída sob o dnrlo geral de "Baron Munchausen's New Scientific Adventures"
deAs vingens d.e Gulliver), em 1986, juntamente com toda urna tecno- (rra revista Electrical F*prni*enterraté 1917, com reedição emArnazing
logia aérea reminiscente da era do vapor, robôs e cidades flutuantes ,\tories em l92B). O título se refere a Baron Mwnchoasen's Ti,nvels,
(como na obra de Swift). proto FC do século XVIII. tó
A maioria das obras anteriores ao século )OX tinham como tônica
Quanto a Swift, aliás, David §le informa que
rr descrição de utopias ou a satirizaçáo das sociedades da época. A
srítira só tem sentido quando se dirige a urn objeto solidamente fixado,
muito mais influenciado por Cyrano [de Bergerac] foi (. . .) o
gênio |onathan Swift. Com respeito aAs oventwrns d,e Gwll;werrhá c rr utopia igualmente se posiciona como objeto de comparação diante
inúmeras referências acadêmicas ao seu débito à obra e idéias de rlc uma ordem social e política já estabelecida. E natural, portanto)
Bergerac. Curiosarnente, é o Mundus Aber et ld.ern (L607), de tluc essa formas crescessem em número com o advento da Era
Bishop Hall, que é geralmente tido como uma de suas fontes.13 M«rderna, ainda que em sua fase mais antiga, iniciada por volta de
1500, segundo historiadores.rT Thomas D. Clareson enfatrza o
Por sua vez) Cyrano Savien de Bergerac foi o autor de Histoire .rsl)ccto científico) em raciocínio semelhante:
corniqwe d,es états et ernpires d,e ln lwne, de 165ó, e) por sua vez)
inspirou-se em The Man on the Molne; or A Discowrse of a Yoynge [N]enhuma sociedade pode desenvolver uma ficção científica
Thither (L638), de Francis Godwin, outra obra muito citada como até que ela alcance um certo estágio de inquirição científica e
58 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo I - 59

conhecido do autor. Para que a sátira e a utopia façam sentido, é


§f#ffi#dlffxffiIfffl*H:,i necessário que o autor pressuponha a existência de falhas no sistema
social e político que ele ataca) e que essas falhas possam ser corrigidas,
essas premissas, deve-se notar que ficção é um continuum que rem
certas convenções esabelecidas, das quais escritores e leitores esperam que o sistema possa ser transformado. Em todo o caso, tais formas
fazer uso. Exemplos são abundantes: a viagem à Lua no §éculo antigas de ficção científica dispostas a fazer o leitor alcançar um
-
mundo alternativo onde os problemas da sua sociedade possam ser
il'Ja3,,H:Í:r*?*H":;H:*;n,ffi iffi"tü:i,í1ff :l;: vistos por uma lente aumentada dependem de uma sólida
mente desaparecida, seja ela terrestre (século XIX) ou extrarerresrre
(século XX).t8
consciência de sociedade, estado, governo) classe, nacionalidade e
do jogo de opinióes. Objetos que se tornaram mais presentes na
vida humana ocidental a partir da Era Moderna.
Porém, não bastam apenas os aspectos científicos e recnológicos.
Antes que existisse o conceito de ciência, já existiam os trabalhos de Tâlvez seja até mesmo possível estabelecer que quanto maior o
proto FC, nessas linhas de utopias e sátiras. Clareson nora) enrão, que sentido de nacionalidade, maiores as chances de haver alguma forma
de proto FC sendo produzida em um país, de modo relativamente
autônomo com respeito aos aspectos científicos e tecnológicos. Afinal,
qualquer náufrago poderia refugiar-se em Liliput ou em Utopia. Mas
*d§#k[fix#*T:rrffi ldnffiTidi##d o auto r d.we provir de uma sociedade com essa consciência de estado
centro da criação e a vida da humanidade e seu destino são ditados c nacionalidade, para empregar efetivamente os dispositivos dessas
pela Queda e pelo luízo Final, poderia haver pouca especulação
formas críticas. Isso explicaria, em certa medidâ, o surgimento relati-
::::'':"1;::x';::ff ':il:[:LT":.HH';iffr'"":1Tâ*X: valnente tardio dessas formas de proto FC, ou mesmo das imitaçóes
Cruzadas) e encontrado expressão em "livros de viagens" subse- diretas do scienttfic rnrna,nce) no Brasil, um país que demorou para
qüentes., por homens como Sir ]ohn Mandeville e Marco Polo, rrbandonar seu estatuto colonial.
que registraram as maravilhas que jaziamalém da península euro-
Nesse aspecto, parece sintomático que a primeira narrativa utópica

ffi t?:T:.,'ffi r:j#H:'i;ilH:ã3:"":'.""ffi ;ilrü': crn língua portuguesa) Histtíria dn futuro (L7LB), do Padre Antonio
Vieira, tente "reavivar o mito do'Quinto Império': um império cristão/
ITr::X3[ti,ffi,i*1t;#:',H?f]à'ff [;,x1i#:ffiiT3 l)ortuguês que dominaria o mundo, sucedendo aos quatro grandes
impérios do passado (assírio, persa, grego e romano)",20 tendo
r:ffJxff :ilTil#Tff ::il:'â!âtr:!',{,,1:,Y:ft T:*:'ilü l'}ortugal como o centro dessa visão utópicâ, e não a colônia brasileira.
que advogavam mudança e anteviam a perfectabilidade do estado
Os argulnentos de Thomas D. Clareson encontram ressonância
ffi fiffi ff T*::'*JlJ,m?n*;il:xf*r,x;'#i,;I rlo estudo sobre a ficção futurista (aquela que imagina o futuro) feito
formas literárias essenciais da FC, qualquer que seja o destino
da viagem.re [)or Paul K. Alkon: Origins of Fwtwristic Fiction (L987). Alkon abre o
livro notando que

O que me parece claro é que a estnrrura da viagem fantástica ou


a impossibilidade de se escrever histórias sobre o futuro era tão
imaginárta foi empregada na perspectiva mais crítica e sofisticada de amplamente assumida como certa até o século XVI[, que somente
contrastar o mundo alternativo que o viajante encontra com o mundo duas obras anteriores dessa espécie são conhecidas (. . .) Obras que
60 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo I - 61

rompem o tabu contra histórias sobre o futuro são um desen- acumuladas até então. Bernard Mouralis aborda o exotismo em As
volvimento significativo, marcando a emergência de uma forma contra-literntwras (Les contre-lineratures) 1982), primeiro no que diz
desconhecida às literarLrras clássica, medieval e renascentista. Elas
respeito à introdução de novas paisagens na literarura:
marcam também o início do que pode ser visto como modo de
afirmação literária mais revelador do mundo moderno. Nossas
fantasias de fururos utópicos ou distópicos) ainda mais claramenre [A]o longo do século XVIII, se vai verificar uma mudança desse
que outros sonhos que partilhamos) contarn-nos o que somos) ao tipo: a páisagem abstrata, 9ue se inspirava na mitologia greco-
nos mostrar nossos desejos e medos coletivos.2r lúina, dêixa, nesta alrura, de ser o único cenário narural susceptível
de ser concebido por urn escritor para entrar em concorrência com
outros cenários pôssíveis "tropicais", "orientais", "românticos"
Paul Alkon é um dos que acreditam nas possibilidades do estudo erc.
-
cujos primeiros exemplos foram propostos pela literatura
da proto FC: -)
de viagens.2ó

Eu suspeito, mas não posso provar, gue, sem tais pioneiros como Para Mouralis, a introdução da paisagem exótica passa a ser
Mercier [que escreveuliAn 240., em I77L], nãó teria havido lá um recurso de subversão do campo literário da época, sob a forma
pelo final do século XIX um clima literário favorável aA nooíqwina
do ttorpo e sua progênie reconh ectda32 t. . .] Realizações posteriores
de uma "perspectiva de descentralizaçáo"." Mas o exotismo se
podem apenas ser totalmente compreendidas como soluçóes para torna também a porta que permite a entrada em cena de "otttros
problemas enfrentados por escritores mais antigos, de manêiras hornenr cuja presença vai constituir uma nova interrogação mais
diferentes.23 complexa sobre o fundamento e a legitimidade
-
campo lite-
[do
-
rário europer]",'* que é, afinal, representante de uma determinada
Alkon também registra gue, nurn certo sentido, a ficção fururista consciência até então hegemônica na literatura. Essa alteridade
vem tÍazer novos recursos Para a Perspectiva desgastada da viagem questiona) automaticamente) as estruturas de produção da litera-
imaginárra- que se vê cercada por um mundo cada yezmais conhe- rura hegemônica, abalando suas fundaçóes, âo mesmo tempo em
cido. Thl busca por verossimilhança é igualmente um efeito da nova que fornece nova forma de auto-investigação da realidade vivida
mentalidade científica, fruto do acúmulo de informaçóes e dos pelo autor) a partir do confronto com a alteridade.
próprios relatos de viagens, que já náo aceitavam terras impossíveis
sendo atingidas por náufragos ou exploradores) a cada instante.2a E (. . . ) necessário que haja sempre entre o escritor e o esPaço em
"Para a sátirâ, o dispositivo de viagens a várias naçóes remoras do que se situa o fato exótico que retém a slra atenção) uma üstâ.tccia
riecessária: distância baseada no afastamento geográfico e na falta
mundo) como [.*] Swift (...) pode prover uma valiosa perspecriva.
de conhecimento relativos a esse espaço que, por isso, é ampla-
Thl distanciamento pode ser ainda mais remoto somando-se um salto mente mítico. (. ..)
para adiante no tempo."2s O exotismo consdrui, realmente) um processo qlre tende a sttbverter
Essas narrativas mantinham o modelo de uma terra estranha a o equilíbrio do. caqrpo literário, e-) nesse .aspecto) corresponde a
ser visitada, apenas com essa estranh eza agora sendp justificada através uma tentativa de pôr em causa o dogmatismo e o etnocentrismo
literário. Ao mesmo tempo, porém, a alteridade que o exotislrto
das transformaçóes imagináveis para o futuro. E menos curioso c
implica tem um carácter muito relativo, porque não é rnais clo clue o
mais instigante que o recurso se desenvolvesse em paralelo com a pretexto para desenvolvimentos baseados em problemáticas pró-
chamada "literatura exótica", também fruto da mesma busca por prias do observador. Falando sobre o Outro, falando para o Outro,
ô discurso exótico só mediocremente pode exprimir a diferença.
PersPectivas mais científicas e mais sintonizadas com as informaçóes
62 - FrcÇÃo crENTÍFICA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo I - 63

gênero) taÍlro quanto a verdadeira nanreza dos nativos teria sido irrele-
:s::i:tÍ,"i;xT;lÍffi*:m:T;*?'ncapazdeverdadei' vanre) para o escritor de literatura exótica do século XVIII ou XIX.
Na ficção especulativa, o Outro nunca tomará a palavra a
A descrição da geografia exótica e o jogo enrre Eu e Outro no -
menos que se reallzem as fantasias de contato com inteligências alie-
exotismo visa, antes de mais nada, relativrzar a própria sociedade do nígenas da ficçáo científicâ ao contrário do que ocorreu com o
autor. É .r* artiffcio especular p.r, investigar ã si *.r-o. -,
exotismo. Mas o jogo entre E, t Outro continua o mesmo, e desse
Eventualmente, a literatura exótica, muitas vezes encarnada nurn jogo nascem novas percepçóes. E o mesmo processo de aPresentação
modelo de aventura, perdeu o poder de realtzar-se nesses termos, râ de realidades alternativas através das quais nós reavaliamos as nossas
medida em que a geografia e a natu reza do Outro foram toma,Cos percepçóes da realidade que comPreendemos.
pelo discurso do próprio Outro, isto é, daqueles povos que anres É irrt.ressante, dentro desse ponto de vista, que a ficção especu-
eraln vistos com esPanto e esffanhamento pelos europeus. Athamada lativa norte-americana e inglesa das últimas décadas tenha se concen-
literatura pós-colonial deu a yoz ao Outró, para q"ô ele se apresenre trado tanto em ambientar suas histórias no presente ou em futuros
e desafie tanto o etnocentrismo cultural e literáriô qtranto iprópria próximos, mas em geral na Terra. A realidade alternativa buscada
ordem do mundo "ocidental", nos seus próprios teimos. atualmenre pela ficção especulativa torna a se aproximar do exo-
Não obstante, é possível argumentar que a ficção especulativa tismo, na medida em,que as narrativas se passam ,o: estranhos
continuou projetando o mesmo modelo de investigação.rp...rlar do mundos do Tibete, d. Africa tribal, da China, do |apão cyberpunk,, do
seus próprios objetos, originários da própria esffurura da qual o Brasil sincrético e místico.
autor extrai os elementos de sua produÇão, mas com um sujeitô exó- Talvezfosse o momento daqueles que, estando na periferia tanto
tico, uma alteridade que é ttirtual o Outro é o ser alienígena, e não do mundo ocidental quanto da própria ficção especulativa, tão deve-
- o mutante
o nativo dos trópicoJ o,, das Índias; ou o monsrro e não dora da tradição anglo-americana) assumissem a voz do Outro
os selvagens primitivos; o homem do futuro, e não o colono que numa d,wpln alteridade, sendo uma real, assumida na posição do au-
-
se misturou aos nativos. O Outro certamente está no centro ãrt tor) e outra virtual, presente nos deslocamentos conceituais da ficção
intençóes da ficção especulativa, tanto quanto a ciência ou a exrrapo- especulativa para acrescentar novos ângulos à literatura especula-
lação. Or, segundo Scott McCracken, -;
tiva mundial. E com esse enfoque que analisamos) neste estudo, os
modos com que as formas importadas do gênero foram absorvidas
aqui, e qual o potencial para que a ficção especulativa brasileira venha
lfr
jll;ff ':3'.1:;:f,'lTÍÍ::,#;ff :ffi ,li"H.Jffi [::il: a retornar ao mundo mais central da tradição anglo-americana o seu
tador, o mais excitante e o mais erótico enconffo de todos. Oferece próprio olhar inquiridor, mas nos nossos termos.
novas.possibilidades de ser e a exploração de novas realidades al-
ternativas : terras desconhecidas, êstranhos planetas) visitas aliení-
genas, e a descoberta de novas dimensóes.3Õ

Que esse seja uln sujeito estranho dá a medida mais connrndente da


mudança. O fato do Outro na ficção especulativa ser virrual ou sem
corresPondência imediata com a realidade, como o fantasma de uma A estruü,rra narrativa antiga mais associada à proto FC, especial-
possibilidade futura ou não, é irrelevante, dentro da esrrurura do rrrente no carnpo dos pesquisadores da ficção científicâ,3' é a chamada
64 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL
Capítulo I - 65

"viagem fantástica" ou "imaginária", segundo alguns. Na opinião Gilgamesh não tinha páreo no mundo dos homens) e sua aruação
de Brian Stableford,- "(...) A viagem fantástica (...) permanece uma como rei tornou-se um tanto problemática para os deuses) que come-
das molduras básicas para a formação de fantasias literárias. Das çaram a receber reclamaçóes dos fiéis de que seus filhos eram levados
formas em prosa existente antes do desenvolvimento do romance no pelo arrogante soberaro, que as virgens erarn tomadas por ele, diante
século XVI[, a viagem fantástica é a mais imporrante) na ancestrali- dos noivos. Diante disso, a solução foi criar urna nova criatura, Enkidr,
dade da FC."32 um ser poderosíssimo em força frsica) que primeiro vivia errr conraro
As obras mais antigas apontadas como proro FC são viagens com os animais selvâgens e era descrito como um homem selvagem,
fantásticas descritas em épicos antigos: O épico d.e Glgarnesh ,tun té*to integrado à natureza como urn protetor dos herbívoros. Assim coffro
sumério sobrevivente em placas de argila, A odisséia, d. Ffomero) e tro mito de Adão e Eva, Enkidu é expulso de sua condição de homem
Argonríwtica, de Apolônio de Rodes. integrado à ordem natural, sendo apresentado à ordem social e histó-
O épico d.e Gilgnrnesh teria sido escrito no rerceiro milênio anres rica hurnana por uma mulher) uma cortesã 9ue, por "suas artes de
de Cristo. Mike Ashley o define como "(...) Uma mitografia suméria tnulher", faz com que ele seja rejeitado pelas feras selvagens que
primeiro escrita em cerca de 2100 a.C.) mas de uma tradição verbal partilhavam sua vida.36 Enkidu então segue até o reino de Uruk e lá
consideravelmente mais antiga. "33 trava uma luta com Gilgamesh, sendo derrotado por ele, tornando-se
seu comPanheiro na viagem fantástica até uma grande floresta
A viagem fantástica de Gilgamesh
á antecedida por tiln prólogo
guardada pelo gigante Humbaba. A dupla se dedica a marar o giganre
bastante extenso. Gilgamesh é criado pelos deuses para ser o sobeia-
c a destruir indiscriminadamente a floresra:
no da cidade de Uruk, estabelecendo uma associação direta com a
compreensão do soberano como um ser de proveniência divina. Gil-
gamesh é belo e poderoso de corpo: 3ji,'"ãTtlH'.i:ÍH"ãffi::'f; i'f,:"i:hi:*:T3;3lJ:jâT
espada dos oito talentos. Eles expuseram os lares sagrados dos
Quando os deuses criaram Gilgamesh, eles lhe deram um corpo annunnaki e enquallto Gilgamesh âerrubava a primeirrã.r árvores
perfeito. Shamash, o sol glorióso, o dotou de bele za, Adad, da floresta Enkidu limpou suas raízes até as margens do Eufrates.3T
deus da tempestade, o dotou de coragem, os grandes deuóes"
Os sumérios criaram em Gilgamesh um herói mítico civilizador,
lhl?.i;ls3':",.'*;:i?Iiff *'átr:
ldtüâH:lüf clue doma a narureza)matando criaturas que corporificam a qualidade
selvagem que se interpunha entre os ideais de desenvolviúento de
Lrlna civilização então já baseada na agriculrura intensiva e em Lrma
E o Poeta declara logo no primeiro parágrafo as jornadas de
ordem hierárquica bem definida. Gilgamesh também estabelece a
Gilgamesh:
cxPressão guerreira do dpo de herói real rzador de fcitos) comum a
rocla a EuroPa. O historiador I. M. Roberts) em History of the World,
Proclamarei ao ffIundo os fcitos de Gilgamesh. Este foi o homem
observa que
g,re conheceu todas as coisas; este foi orei que conheceu os países
clo mundo. Ele era sábio, e viu mistérios e conheceu coisas seôret.r,
ele nos trouxe um conto de dias anteriores à inundação. Ele partiu a história mais velha do mundo é o Epico de Gilgamesh. Stra
em urna longa jornada, estava desgastado com o ésforço, ?etor- versão mais completa em verdade vai somente ao sédmo século
nando descansou) e gravou em uma pedra a história toda-3s â.C., mas a história em si aparece em épocas sumérias e é sabido qlre
66 - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL Capítulo I - 67

foi escrita logo depois 2000 a.C. Gilgamesh foi uma pessoa real, Embora fosse mais tarde esquecida, para ser recuperada na época
governando em Uruk. Ele se tornou também o primeiro indivíduo moderna, Gilgamesh foi por dois mil anos ou mais urn nome para
e herói na literarura mundial, aparecem em outros poemas, também. o qual a literarura de muitas línguas poderia se referir com conhe-
(. . .) Para um leitor moderno) a parte mais notável do Epico é a cimento, de dgo* modo como) digamos) os autores europeus até
vinda de uma grande inundação que oblitera a humanidade exceto recentemente poderiam asslrmir com segurança que Lrma alusão à
por uma favorecida família que sobrevive ao constrLrir uma arca; Grécia clássica seria compreendida por séus leiiorês.{
deles nâsce uma nova raça para povoar o mundo depois que a
inundação retrocede. Isso não fazíaparte das versões mais antigas
do Epico) mas é um poema separado contando uma história que O que Roberts parece sugerir é qub O épico d.e Gilgarnesh teria se
aparece em muitas fôrmas do Ôriente Médio, embora sua incor- tornado um texto precursor de muitos aspectos do pensamento dos
poração sej a facilmente compreensível. 38 povos do Oriente Médio e mesmo do Ocidente (se fosse aceita sua
ascendência sobre alguns textos bíblicos, por exemplo). Esse processo
Roberts fornece então tuna chave para a natureza competitiva é o que Laurence Coupe chama de "tipologia" ou "tipificação" a
do herói, a partir dessa narrativa do Dilúvio Universal: 'A Baixa apropriação de um mito por outro) até a sua dessacralizaçáo -sob
Mesopotâmia [que abrigava os sumérios] deve sempre ter tido muitos forma literária, percorrendo um caminho que vai do sagrado ao
problemas com inundaÇfos, que indubitavelmente colocariam urn peso profano.ar Robers) retornando à sua avaliação de O épico dn Glgarnesh,
sobre o frágil sistema de irrigação do qual dependia a sua prosperi- conclui que a comparação entre a herança ocidental com o Epic o "é
dade.')3e Sentindo-se arneaçada, a culnra local cria heróis que enfrentam sugestiva, porque a tradição literária e lingüística incorpora idéias e
os perigos para gerar uma raça abençoada pelos deuses, ou um herói imagens que impóem, permitem e limitam diferentes modos de ver o
que conquista a narurez\ fonte dos maiores temores. Num certo mundo; ela tem) por assim drzer, o seu próprio peso histórico".42
sentido, O épico d.e Gilgaru.esh incorpora mitos que afirmam a sepa- Para este estudo, interessa mais a especulação de que a influên-
ração da humanidade com respeito ao mundo natural urna espécie cia de O épico d,e Gilgarnesl,t teria mantido vivo durante muito tempo
de "expulsão do paraíso"
-
e nada mais justo que essa construção da Antigüidade a estrutura e os dispositivos da viagem fantástica ou
-)
de mitos acontecer na própria alvorada da civilização ocidental. imaginária, fornecendo a fiada de uma possível tradição antecessora
Roberts especula quanto à importância do Épico para o pensa-
da ficção científica e fantasia. O próprio I. M. Roberts emprega a
expressão "tradição literária" de um modo bastante amplo, neste caso
mento ocidental:
em particular, e talvez sejajusto pensar em uma tradição literária que
atravesse milênios e centenas de culturas) com pontos de contato em
E fascinante especular que podemos dever tanto da nossa herança
número suficiente para combater a noção das "justaposiçóes isoladas".
intelectual à reconstmção mítica pelos sumérios, da sua própria
pré-história, quando a agriculrura foi criada a partir do delta rneso- O caso de O épico d,e Gilgatu,esh também demonstra como os
potâmico. Mas isso é só especulação; a cautela sugere que nos rnitos têm grande relevo na formação de idéias e no estabelecimento
satisfaçamos merarnente em notar os paralelos entre o Epico e uma de culturas) e de como a construção de novos mitos pode conduzir a
das melhores histórias da Bíblia, a da Arca de Noé.
novas articulações na dinâmica da cultura como deveremos ver
Essa história fornece um vislumbre da possível importância da
mais tarde, neste estudo. -
difusão de idéias sumérias no Oriente Médio, muito depois que o
foco de sua história se moveu para a alta Mesopotâmia. Versóes ou Um autor contemporâneo que se voltou para Gilgamesh como
partes do Épico (. . . ) aparecerarn nos arquivos ê refiquias cle rnuitos inspiração é o norte-americano Robert Silverberg, que escreveu dois
povos que dominaram parte dessa região no segundo milênio a.C. romances sobre o herói suméri o, Lwd, of Darkness ( 1983 ) e Gilga.ru.esh
68 -

the
FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTAsTA E HoRRoR No BRAsTL

IGng (1984), além de várias histórias curtas. Aceitando que recor-


rências do Epico apareceriam na Bíblia, este seria urn caso de "tipo-
logia ortodoXâ", segundo Coupe, enquanto que seu aparecimento
I Capítulo

deuses) demônios, feiticeiros) várias raças de gigantes, ciclopes


I - 69

-etc. Ao final, eles terão provado seu valor e conquistado seus objetivos.
Em ambos os casos) ainda, os personagens não se limitam a viver
nos romances de Silverberg, de "tipologia radical": avenruras e feitos, mas sofrem perdas, enfrentam dilemas e tragédias,
o que dá, a profundidade "clássica" reputada a essas obras, além do
A tipologia ortodoxa hesita em admitir a natLrr eza fantástica ou seu asPecto romanesco.
legendária [do mito], e quer traduzi-lo como doutrina, ou logos Para ilustrar como a viagem fantástica sobrevive na moderna
[conhecimento objetivo]n' . (...) [E se] a tipologia ortodoxa ficção científica, basta examinar o romance clássico de ficção cientí-
envolve Luna reescrinua total dos textos sagrados, a tipologia radical
envolve um mudança de ênfase do sagrado para o profano. fica hnrd. escrito por Hal Clement (FIarry Clement Srubbs) .- 1953,
C.onquanto possa parecer urna arrogante apropriação, similar àquela Mission of Gra»ity. Prtmeiro visto na revistaAstownüng Science Fiction,
pela qual um conjunto de textos sagrados se torna um endosso o romance denota ter sido publicrdo em partes ao apresentar uma
para uln olltro) o seu efeito é de libertar a imaginação. O seu clara divisão tripartite: a primeira funciona como a apresentação, a
negócio não é a úrmativa dogmática, mas a exploração narrativa.#
segunda é o núcleo das aventuras) e a terceira conclui a jornada dos
personagens com a conquista do objeto da demanda.
Mas os protagonistas são seres do planeta Mesklin, alienígenas
de pequeno tamanho e com o formato de lagartas, capitaneados pelo
:

industrioso Barlenrfan. No romance) o d,estinad.or (r-ta teoria narrativa


de Vladimir Propp) é representado não como sendo um deus, mas
The Encycloped.ia of Science Fictinn aponta um número de viagens um astronauta humano, Lackland., encarregado de convencer o aven-
fantásticas que poderiam ser chamadas de ficção científica: The Man tureiro mesklinita a seguir até o pólo do planeta e lá resgatar uma
in the Molne ( tó38), de Francis Godwin;,4s uiagens d.e Gwlliver (1726), sonda planetária humana que pode dar à Terra o domínio da força da
de ]onathan Swift; Nicolai l(lirnii iter subterraneurn (L741), de gravidade. O meio de transporte é a balsa articulada de Barlennan
Ltrdwig Holberg; A ShonAccownt of a. Rernarh.able Aerinl Yoaynge an.d o que remete diretamente às aventuras marítimas de A odisséin ou -
Discopery of a New Planet (18I3), por Willem Bilderdijk, enrre de A argonoíottica. E, assim como nessa obras, â embarcação e seus
outros.as A enciclopédia, poré*, hesita em recuar muito no tempo, tripulantes também enfrentam, oâ segunda parte) o ataque de uma
mas obras como A od,issáia, de F{omero) e A argoruriutica, de Apolônio misteriosa raça) representada por mesklinitas que cometeram a
de Rodes, podem nos dar uma imagem mais clara ainda da estrurura suprema ousadia de criar máquinas voadoras e armas de projéteis (a
da viagem fantástica. gravidade de Mesklin é táo alta que para os seus habitantes a idéia do
A oüsséia data do século VIII antes de Cristo) e A argond,utica do vôo ou do lançamento de objetos fere o seu finrne of rnind.). Enfiffi, o
século III. Em ambas, os heróis são postos em movimento por forças objeto da demanda é recuperar a sondâ, € não o velocino de ouro,
superiores deuses, gue determinam o exüo prolongado de Odisseus mas o capitão mesklinita e seus "homens" ganham a transcendência
no mar) ou- a necessidade do rei Pelias afastar o herói |asão, comissio- que se espera dos heróis.
nando-o como capitão de urna tripulação de heróis que têm de caprurar Em Mission of Gropity, Clement não apenas recupera a estrutura
o velocino de ouro. No caminho) tanto num caso como no outro) os da viagem fantástica usualmente associada à fantasia menos rigo-
heróis enfrentarão não só obstáculos físicos, mas forças supranarurais rosa
-
em um contexto de ficção científi ca hard. (aquela que exige
-
7O - FICÇÃo CIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo I - 7L

mais de conhecimentos científicos), como inova sobre o caráter do Seus valores implícitos são o espírito aventureiro, â ciência e a
d,estinad.or e sobre a transcendência do herói. Em geral, o ser que tecnologia como as ferramentas para a chegada às estrelas, o
motiva o herói a partir em sua jornada tem caráter supranatural. Ao confronto com o novo e com o radicalmente diferente) a valorizaçáo
colocá-lo como uln ser humano) Clement joga com uma série de do conhecimento e do espírito científico.
sugestóes, entre as quais a de que Lackland seria para os mesklinitas
O exemplo mais extremo dessa perspectiva talvezseja a série de
um análogo dos deuses gregos) uma criatura acima das suas condi- narrativas criadas por Gordon R. Dickson (L923-2001) . conhecida
çóes materiais, habitante de um "céu" que é menos compreensível e como o Ciclo Chitde, no qual a humanidade se divide entre aqueles
aceitável para os mesklinitas, do que o céu dos anjos é para nós. Aqui
que incorporarn o futuro de consenso) e os que o rejeitaÍn. O próprio
temos tun exemplo perfeito do processo de tipologia radical. Por fi-, Dickson:
ao recuPerar a sonda planetária, Barlennan a ffoca não por riquezas
materiais, mas por conhecimento científico e tecnológico iúnica uma que
Você vê duas partes em particular da alma humana
- ascende,
coisa, afinal, que torna Lackland superior. Barlennan portanto -
anseia por crester e alcançar outros mundos) ulna que é conserva-
como os heróis míticos, a ulna condição mais elevada em termos de dora e^determinada a deter todas essas aventuras na direção de
valores abstratos. Esses valores pendem para os que a ficção cientrfica fururos desconhecidos. E você vê estas duas partes originalmente
cultivava na época (e ainda hoje, em muitos momenros). Valores que como uma batalha dentro da alma humana individual, que se
expressa mais e mais através de meios externos como a tecnologja
o autor e Pesquisador ]ames Gunn identifica pela expressão "futúro qú é criada para manifestá-las, até que eventualmente) a distinção
de consenso": sê torna não apenas externa) mas demandando irresistivelmente
urna resolução.
lol e_scritores de Íicção científica dos anos quarenta e
cinqüenta] Então, ao final de quatrocentos anos no fururo) vem a revolução
satisfizeramr.qylse como um efeito colateral de suas atividades, um ponro no qual os indivíduos da raça se alistam em um lado
o terceiro critério para a existência da ficção científica: eles se -ou outro, e o conflito sobre a direção na qual a raça caminhará é
libertaram de velhos conceitos sobre a nati, reza do univ finalmente estabelecido, não por uma guerra material) lnas Por
cultural e religioso e começaram a estender o debate ficcional uma guerra que se dá num lugar que já está conosco) tnas ainda
sobre o início e o -fim das coisas) e o significado e destino da não identificádo, um lugar onde a vitória pode apenas ser vencida
humanidade, qye resultou em uma espéõie de consenso dentro corn mentes convencendo mentes.
da ficção científica.
O Universo Criativo.
Mais especificamente, o debate ficcional resultou em um história
funrra de consenso. (. . .)
É r formação dessa batalha e o seu desfecho que fortnam os
segmentos e partes que são os livros e histórias indiüduais do Cicln
A história do futuro abarca a conquista do espaço pelo homem e e que os amarrarn juntos em uma história-mestra que cobre um
sua colonízaçíq lua e dos planetas) sua lütapára alcançar as milênio. Agora você vê a tapeçaria conforme eu a tenho vivido
{.
estrelas mais próximas, seguida pela ascensão e qüeda do império pelos últimós trinta e cinco anos (. . , ) [P]orque e] sei, se ninguern
galáctico humano) um períodõ medieval, e a-redescoberia cla mais o sabe, que todos as (...) barreiras serão ineficazes, todas [as]
galáxia humana e da variedade de formas e sociedades humanas oposições serão futeis.
nas quais se desenvolvera a humanidade.
Nós, nós humanos) acredito, emergiremos Por fim, como a borbo-
O consenso existia na convicção não de que o homem necessaria- leta que sai do casulo, para ganhar as correntes aéreas que cotno
mente 'iria alcançar os planetas e as estrelas, mas de que ele deveria, e lagaitas não tínhamos me io de supo r capazes de nos sustentar.
qualquer coisa que o afastasse desse objetivo era nrim não só ern si Emergiremos em tun universo mais amplo, e lá corneçaremos nosso
mas porque ela seria uma frustração do destino do homem (. . .)* trabaiho verdadeiro, o trabalho para o qual estiveffIos treinando
72 - FICÇÃo CIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo I - 73

ulconscientemente) desde a prirneira vez que olhamos além do


de Shef e de Alfred o Grande (este um personagem verdadeiro).
chão abaixo de nossos pés, e enxergamos o céu.n,
A aliança se realiza pelas vitórias de Shef e de seus aliados vikings,
amparadas pela tecnologia belica que ele, incansavelmente, desenvolve .
O fluturo de consenso é urn dos mitos da ficção científica, e é poisua vez)o desejo de avanço técnico e de acúmulo de conhecimento
Portanto natural que esse mito se articule em torno do seu herói recebe o suporte da religião nórdica conhecida como "o Caminho"
trpico, que eu gostaria de chamar de "homem (ou mulher) do fururo
("The W.y'), gu€ enfattza a proficiência nas atividades liberais e o
de consenso". Mais do que um Robinson Crusoé espacial, é um ipdi-
desenvolvimento de novas práticas e conhecimentos. O Carninho
víduo que toma o conhecimento) a curiosidade . r ê*ploração como
combare o imobilismo católico e promove uma revolução no cenário
valores elevados e progressistas. Enxerga o mundo ã sua volta de
medieval surgem armas e táticas que apareceriam apenas na Alta
maneira não dogmática, e tem na aceitação do fenômeno da mudurça
Idade
-
Média (a partir de 1200 d.C.); quatrocentos ou quinhentos
(seja ela cie ntíficaltecnológica, ou sociopolítica) um paradigrr. á.
anos mais rarde, universidades são fundadas (em Stanford), e o conhe-
comPortalnento individual e de ação social. Sua presença é pervasiva.
cimento é buscado ostensivamente. Harrison e Flolm combatem o
Encontramos a mulher do consenso na figura de Lauren Olamina,
cronocentrismo, ao sugerirem que tanto a Renascença quanto a
adolescente afro-americana vivendo em um futuro distópico, no
modernidade poderiam rer surgido séculos antes) e que seriam
excelente romance de Octavia E. Butter, Pornbte of the Sowei (1993).
portanro) ant.J d. mais nada, fenômenos associados às rnentnlid,ad,es
Reconhecendo a condição apocalíptica do condomínio-fortal eza
ã não ao determinismo histórico. "Não há progresso", como afir-
em que vive
próximo - nos turbulentos Estados Unidos de unl futuro
ela se choca com a adtude dos seus parentes e vizinhos,
rnaram Gibson e Sterling; "há aPenas a conjuntura".
-)
que escondem o temor da mudança atrás da rotina e da imobilidade. A Mesmo no rnainstrearn \rterário é possível encontrar o homem
reação de Lauren contra o sta.tus qul assume a forma de urrra religião do futuro de consenso (se o autor for também um escritor de FC).
de contornos budistas e revolucionários, "Earthseed", que ablaça É o caso do romance The Sand. Pebbles (L962), gu€ deu origem ao
a nrudança c(§smos filme O canhoneiro d.o Tang-Tié (Tbe Sand. Pebbles, L966), d. Robert
a Semente da Terrallvida que rã p.r.eUãi
Mudando"48 - propóe que o destino do ser hum*ó são aiestrelas,
Wise. Seu auror é Richard McKenna) e o enredo acompanha o Prota-
vistas como um novo terreno de semeadura: "Somos Vida da Terra gonista Jake Holman como um marujo num canhoneiro na China
Í1os rempos do Kuomintang e Chiang Kai-shek, durante a década de
se PreParando Para se enrarzar em novo terreno, Vida da Terra
L920. Holman foi definido pelo crítico Gilbert Highet (na contracaPa
preenchendo o seu propósito, a sua promessa) o seu destino :)4s
da edição inglesa pela Gollancz) como "um marinheiro duro e alnargo,
O homem do fururo de consenso está também presenre na f,rntasia, um Hemingway semi-educado, uffi solitário". Tiansferido para um
como vemos na trilogiaThe Hnrnrner ond tl,te Cross (L993-Lgg5) de novo navio, o San Pablo.,Flolman se relaciona melhor com a casa de
FIarry Flarrison e John Holm. Os romances acompanhaffI a traje- máquinas (o próprio McKenna foi maquinista da Marinha Americana,
tória de shef senhor, e rei -i- ,r.,*, Europa
- os deusesguerreiro,
escravo) durãnte a II Guerra Mundiat) do que com os seus indolentes colegas,
rnedieval em que do Valhala nórdico manipularlr as forças cujo trabalho na rotina do navio é, na maior parte) executado Por
humanas para terem em Shef uma oposição ao avanço do cristin- esquálidos trabalhadores chineses. Po-han é um deles, mas em Po-han
nismo. Uma história alternativa que parre das invasóês dc vikings Hóknan encontra sua contraparte e firma com ele um relacionamento
dinamarqueses à Inglaterra iniciadas na nossa história crrr Síf que desafia a exploração colonialista os dois se encontraln na curio-
d.C. -
para imaginar uma união dos ingleses e vikiogs, sob o reinado -
- sidade e na sede pelo conhecimento objetivo da máquina.
7 4- FICÇÃo cIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo I - 75

Holman observa as reações de Po-han, as suas instruçóes sobre forma, para que fosse conhecido, num motor ou no calor e no
o funcionamento do motor: fôlego de umhomem; você se unia e se misturava e vinha a saber.
Mainão podia parar ou segurá-lo. Ele nunca voltava para trás. Ia
para ondé tudo ia, porque ele era tudo.s3
Seu rosto era como um holofote. Ele olhou para Holman e deu
tapinhas no vidro da válvula da caldeira.
Esses trechos são pura ficção científica, em um romance
- Vapô morto!
rnainsfirea.rn O homem do futuro de consenso está representado Por
Em seguida ele bateu no espaço de vapor acima da água no vidro.
essa articulação Holman/Po-han, seres que se encontram na busca
- Vapô vivo! Vapô vivo! pelo conhecimento, râ epifania da descoberta) no encontro com a
Era maravilhoso ver o seu rosto. Ele acabava de perceber, à sua
nova idéia, e desse processo extraem a sua identidade. Tanto que
ld3,lf":J::ft :,:':f,,':,tiil#:ffi itlár:;::;üil:T: Damon Ifuight nos informa que "The Sand. Pebbles [Mcl(enna]
calor, Para criar a grande mágica. Parecia com Colômbúesco- manrinha, é ficção científica a ciêncía é a antropologia culrural.
brindo a América.so
-
Ele foi um dos primeiros a perceber que a ficção científica não é uma
categoria, mas um modo de olhar para o universo".Sa São desloca-
"Po-han tinha o fogo do aprendizado",sr diz o narrador. Ele é mentos que sugerem epifanias e transcendências, num caráter mito-
tanto a contraParte de F{olman, que um colega marinheiro comenta: péico (do qual Mclftnna estava bem ciente e explorou mais explicita-
mente em "Flunter, Come Home", coÍlto de 19ó3).
Que o futuro de consenso e o seu herói se manifestem num
*ê:ixtl;llh I: f mx .TÍ,:JL[r ;: Sxff : jl':: ; romance rnninstrearn e voltado para o passndn sugere uln outro campo
músculos, só que.a sua pele é mais escura. É,.rrgoyne olhava de
Holman para.o.alegre.e sorridente coolie. - Eu jaio! Ficaem pé de reflexóes. Ao mesmo tempo que Richard Mclknna foi um escritor
a cabeça do mesmo
- erê está estudanào de ficção científica escrevendo ficção literária, The Snnd. Pebbles é
Iake,
;?fl:;::il*:T: produto de suas experiências pessoais diretas. Como encarar o mito
- Delxe ele - Holman disse. Ele vai ser um bom maquinista.s2 da ficção científica que ele contéml Mcl(enna foi capaz de conjugar
- as duas percepçóes a mítica e a pessoal porque elas estão
-
representadas na experiência da modernidade. O encontro entre o
Porérn se a identidade de Holman se ffansfere a Po-han) o inverso
também se dá, e Posteriormente no romance) quando o chinês é Eu e o Outro, representado por Holman e Po-han) num contexto
torturado pelos agitadores do I(uomint.rg, e Hóknan o mara para traumático de imperialismo militar e colonialismo cultural,ss fornece
PouPar seu sofrimento) o Protagonista aparentemente deixa de ser o um quadro das ansiedades modernas) enquanto acena com uma
que a fonética do seu nome sugere (quase idêntica à de whole-tnntu, possibilidade utópica (no sentido da promessa de uma condição melhor)
olr "homem. inteiro"), e sua presença empalidece no que resta clo através do conhecimento (ciência) e da máquina, em torno dos quais
romance , até o seu final. Parte do que ele era morreu com Po-han. Ao os dois personagens se encontravam, diminuindo todas as distâncias
entrar na casa de máquinas após a perda do amigo, Holman reflete: culturais, étnicas e ideológicas. Aproxima-se da afirmativa de Scott
McCracken de que "(...) O elemento utópico na ficção popular sugere
Via Po-han nas chamas espiralantes e o esclrtava no sgssurro do a possibilidade de novas e diferentes identidades."só Mas, simultanea-
vaPor e.no gotejar da água para dentro do poço qlrenre . Tlrdo isso menre, McKenna questiona a própria possibilidade utópica, pois,
surgia do sol e ia para ondê tudo ia. Pelo camir.ho assllnia uma derradeiramente) Po-han não pode ser encontrado na máquina:
7 6- FICÇÃo CIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo I - 77

Não era possível reparar um homem rnorto. O motor era apenas é um mercenário lutando nas Guerras Persas. Ele sofre a maldiçáo de
metal. Ele tateou as mãos ao longo das suaves mas duras conexóes uma deusa: sua memória retém apenas os acontecimentos de um dia,
e hastes e colunas e ele não podia tocar Po-han. Golpeou â coluna
e os romances seriam compostos de relatos diários anotados por Latro
do motor até que seus punhos sangrassem) consolado pela dor,
Inas o motor não sentiu nada. Era apenas metal. Não podia dar cm um pergaminho que se torna sua "memória exterior", e que ele
nada em troca. deve consultar sempre. Este é um exemplo de d.estinad.or (a deusa)
obrigando o d.estinntrírio a pôr-se em movimento) em uma viagem
I:*x1ffi?;':ilâ;llT:;,'tril:.:TJt'J:#§11;l;lJ:,':il ftrntástica. Mas há urna explicação menos sobrenatural, pois o problema
olhos dançando com uma nova idéia. Po-han estâva sozinho nas rle memória de Latro também se deve a uln golpe de espada que ele
areias escuras do rio, pendurado em ombros partidos. Seu fog,
rccebeu em batalha. Os romances se passam na Grécia das invasóes
;'jTil5:r:1";X5T,rosbrancosselvasensdispersoseperdidos l)crsas) em torno do ano 500 a.C.) mas a explicação do ferimento é
lxrsrante plausível para o leitor moderno. Só que novamente Wolfc
l';r'r, o pêndulo conceitual dos romances atingir o outro extremo
Se em tons tão heróicos quanto os dc Gordon R. Dickson ou
un'r outro "efeito colateral" do golpe de espada é tornar Latro capaz
-
não, há um certo otimismo no fururo de conscnso) em torno da ciência
e da superação dos problemas humanos, em franca afirmação da ,k'vcr e falar com todos os deuses) demônios e fantasmas da Grécia
curiosidade e do espírito de empreendimento como valores acima e (t'hrrvia uma profusão deles por lá, naquela época). Latro se associa
além de contextos ideológicos e temporais. Em Missioru 0f Gra»ity, .r r,.írios outros personagens que se unem a ele em sua jornada (algo
rr rrrir() comum na fantasia). Nestes romances mitopéicos e mitógrafos,
Hal Clement emprega uma estnrtura muito antiga, de fundo mítico-
( it'rrr: Wolfe retorna à fonte num processo de tipologia radical, Para
lendário, para reafirmar esses mesmos valores, freqüentemente iden-
tificados com o mundo burguês, mas afirmados como estando acima r ,nrcber uma viagem fantástica contada com grande originalidade

e além dessa ideologia, sendo comuns a toda a humanidade. Em 1t'nltxrrrr o recurso do "manuscrito encontrado" seja bastante antigo,
Pat able ofthe Sower são valores que podem levar a humanidade adiantc, r('n)( »rrtrrndo ao medievalismo) e no seu belo estilo, tuna das melhores
(',( rit.rs seja dentro ou fora da ficção especulativa.
Para sobreviver a um período de turbulência, mantendo a esperança
utópica de um mundo melhor e de um destino mais grandioso dcr
que a impotência e a imobilidade. Em The Sand. Pebbles, o míticcr
aparece como tuna breve chama utópica) num contexto que a irnpedc
de brilhar por muito tempo, e os valores acima mencionados sã«l
questionad.os, mas não negados de maneira absoluta.
Muitos trabalhos de ficção científica moderna mantêm a esrnr- i\ r,i.rgcrn fantástica pode ser definida como uma sucessão de
tura da viagem fantástica) com variações. O que mais varia é cLlrrr- r \r rrros lrrntásticos ou maravilhosos) ocorridos dentro de uma Pro-
mente o d.estinad.orrque em geral não se apresenta como supranarurrrl l,r,
,,,..r( ) tr«t tcrTlpo e no espâÇo, e testemunhada por
Personagens que
transcendênciapod.e vir a ser alcançada no fim) mas nunca anLul- rr rrrlt'rrr .l .sc fiIanter) de um evento a outro. A noção de "eventos
ciada no início. I rrrr,r',rrt r )s" ()Ll "maravilhosos" (incluindo a presença de um d,estinad.or
LJm exemplo pertencente ao campo da fantasia moderna são os
romances Soldadn da névoa (Sold,ier ofthe Mist,lgSó) e Sold.ier ofArctc , I,' l,' I I
I i' ; I I J, I I l, ;,:'.:T,r.-'ff :1';:':i:.1'i?í:;n; §fffi 3;
(1989), de Gene Wolfe, conhecidos como a "Seqüência Larro". Larr'( ) Irr,, Lrrrr.rsricr)oumaravilhosopodeserdivinardemoníacaroumisteriosa.
Capítulo I - 79
7B - FrcÇÃo cIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL

"Milagre", "maravilhoso", "sublime" "sentido do maravilhoso"


e apenas conceitualiza, effi termos mais afins com a teoria literária
Prometeu e do Dr.
(sense of wond,er) podem ser interpretados como a evoluçáo de um lilicnous abre o verbete com os mitos de

ir,rr,.rs), o que o instinro dos fãs havia localizado nas obras.
princípio que pressupóe a presença de um fato extraordinário inter-
penetrando a consciência do real e do cotidiano) causando, em alguma o verbo inglê s to wond.er rem a dupla aplicação que caracte rrza o
medidâ, o choque entre o que a consciência admite como parte de escopo de senseõfwonder: significa mnto "maravilhar-se, esPantar-se
sua experiência imediata, e esse algo novo que vem desafiar a experi- .o* algo", q.rrrro "perguntar-Se, querer saber desse algo"' Thl
ência. As vezes chamado de "estranhamento", tal choque está na base conjuná aá êntidor pro"*elmente eitá no centro da afirmativa de
de toda a ficção especulativa. Ao gerar o estranhamento) o texto Damon Knight, de que
provoca o questionamento da concepção do real que é defrontada
com o estranho. Rosem ary ]ackson observa que "o fantástico ioga
com as dificuldades de interpretaçáo de eventos/coisas como objetos ilffi?i' :§*3:J,H;l fftr: J;ü: :l: : il: "|ffi : r:*'."::
ou como imagens) assim desorientando a categorrzaçáo do leitor ..À.rp*td Lawej,q": éíma misrurã de amoie medo. "O público"
sobre o 'real))).s8 Ao forçar a superação das amarras da experiência 'tr'*s::il*'#H*âi':::i*"JJ'"á:
imediata) o sublime ou o maravilhoso propóem apresentar ao leitor ffi#I..:f *ffi
um vislumbre da transcendência.
of Wond.er ou "sentido do maravilhoso" é o que muitos fãs
Sense para ilustrar o dilema em rorno da idéia do sense ofwond.e/ como
e autores de ficção especulativa elegem como o seu piincipal efeito. principal efeito ou valor da ficçáo científica, selecionei dois exemplos
"'Sense ofwond.er' éuma interessante frase crítica, pois ela define a FC à*traíào, da série Perry Rhodan. A escolha da série fornece um
não por seu conteúdo, mas por seus efeitos :)se Essa afirmativa, modelo de FC que podéríarnos chamar de básico ou não sofisticado.
extraída de Tbe Encyclopeüa of Science Fiction, precede a discussão, O primeiro é o roman ce Maior que o Sol (Griisser als d.ie Sonne), de
urn tanto desorientada, da facilidade com que o sense ofwond,er aparece I(urt Brand, volume 15 2.ÍJma nave exploratória do Império Solar
em textos escritos de modo tosco e às vezes inepto. A série alernã chega ao planeta ImPo, onde os tripulante: t: deparam com ulrla das
chaladas âo Imortri uma inteligência coletiva que )á apareceu em
Perry Rhodan está cheia de sense of wond.er e, não obstante, é vista
volumes anreriores da série. O imortal é um trickster que gosta de
como a mais rala expressão da tendência da ficção científica para o
brincar com a humanidade. E,le espalhou pela galáxia um número
sensacionalismo palp) ausente de valor literário. Mesmo autores
de ativadores celulares, aparelho portátil que garante ao seu possuidor
respeitados, mas tidos como "maus escritores" no que diz respeito
o não-envelhecimento, Por tempo indeterminado'
ao estilo tanto quanto A. E. van Vogt e E. E. "Doc" Smith são
-
valorizados por sua capacidade de evocar o sense of wond,er.
-,
Para se O protagonista é este curioso personage.T, Tyll Leyden, descrito
esquivar dessa faca de dois gumes incidindo sobre a noção de valor como Lrm clentrsra pouco brilhanie, mas aplicado, detentor de uma
literário, Peter Nicholls (considerado por muitos como o mais fleuma inabalável. ieyden náo se importa em ser ridicularizado Por
importante crítico da ficção científica) cunhou a expressão "avanço seus colegas, quando se propóe a comprovar uma teoria desprezada,
conceitual" (conceptwal breakthrowgh), râ tentativa de se obter um contanto que tenha n .hnrrce de fazê-lo - e mesmo nessa busca ele
substituto mais "sério" e "científico" para o sense ofwond,er. O avanço não revela motivaçóes pessoais, nenhuma fé egocêntrica em seu
conceitual se articula em torno de busca pelo conhecimento, modos instinto de cientistr, .p.nas uma curiosidade infinita que só se satisfaz
de cognição e ataque a paradigmas. Não obstante) a nova expressão com a comprourçáo da experiência. Eventualmente o Imortal se
78 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL Capítulo |' 79

"Milagre", "maravilhoso", "sublime"


e "sentido do maravilhoso" apenas conceitualiza, effi termos mais afins com a teoria literária
podem ser interpretados como a evolução de um
(sense of wond,er) (Nicholts abre o verbete com os mitos de Prometeu e do Dr.
princípio que pressupóe a presença de um fato extraordinário inter- Faustus), o que o instinto dos fãs já havia localizado nas obras.
penetrando a consciência do real e do cotidiano) causando, em algurna O verbo inglê s to wond.er tem a dupla aplicação que caracteriza o
medidâ, o choque entre o que a consciência admite como parte de escopo de sense ofwond.er: significa tanto "maravilhar-se, espantar-se
sua experiência imediata) e esse algo novo que vem desafiar a experi- corrl algo", quanto "perguntar-se, querer saber desse algo". Thl
ência. As vezes chamado de "estranhamento", tal choque está na base conjunto de sentidos provavelmente está no centro da afirmativa de
de toda a ficção especulativa. Ao gerar o estranhamento, o rexro Damon lfuight, de que
Provoca o questionamento da concepção do real que é defrontada
com o estranho. Rosem ary /ackson observa que "o fantástico joga
com as dificuldades de interpretação de eventos/coisas como objetos ilffi*à§,11:::J,::;3,Ttr: J ffilT : ;; :,|ffi : [:*'J,::
ou como imagens) assim desorientando a categorizaçáo do leitor com espanto l*yr),qü. é uma misrura de amor e medo. "O público"
sobre o 'real))).s8 Ao forçar a superação das amarras da experiência não pensa dessa maneira; ele quer ser alimentado na boca Por suas
e vê o universo com horror, que é uma rnistura de
imediata) o sublime ou o maravilhoso propóem apresentar ao leitor
ffiâr:.a:Hff
um vislumbre da transcendência.
Sense of Wond.er ou "sentido do maravilhoso" é o que muitos fãs Para ilustrar o dilema em torno da idéia do sense ofwond.er como
e autores de ficção especulativa elegem como o seu principal efeito. principal efeito ou valor da ficção científica, selecionei dois exemplos
"'Sense ofwond.er' éuma interessante frase crítica, pois ela define a FC extraídos da série Perry Rhodan. A escolha da série fornece um
não por seu conteúdo, mas por seus efeitos."se Essa afirmativa, modelo de FC que poderíarnos chamar de básico ou não sofisticado.
extraída de The Encycloped.ia of Science Fiction., precede a discussão, O primeiro é o roman ce Moior qwe o Sol (Griisser nls d,ie Sonne), de
uln tanto desorientada, da facilidade com que o sense ofwond.er aparece I(urt Brand, volume 152. Uma nave exploratória do Império Solar
em textos escritos de modo tosco e às vezes inepto. A série alemã chega ao planeta Impo, onde os tripulantes se deparam com ulna das
Perry Rhodan está cheia de sense of wonder e, não obstante, é vista charadas do Imortal, uma inteligência coletiva que já apareceu em
como a mais rala expressão da tendência da ficção científica para o volumes anteriores da série. O Imortal é um trickste?' que gosta de
sensacionalismo palp) ausente de valor literário. Mesmo aurores brincar com a humanidade . EIe espalhou pela galáxia um número
respeitados, mas tidos como "maus escritores" no que diz respeito de ativadores celulares, aparelho portátil que garante ao seu possuidor
ao estilo tanto quanto A. E. van Vogt e E. E. "Doc" Smith são o não-envelhecimento, por tempo indeterminado.
- por sua
valorizados -,
capacidade de evocar o sense of wond,er. Para se O protagonista é este curioso personagem, Tyll Leyden, descrito
esquivar dessa faca de dois gumes incidindo sobre a noção de valor como um cientista pouco brilhante, mas aplicado, detentor de uma
literário, Peter Nicholls (considerado por muitos como o mais fleuma inabalável. Leyden não se importa em ser ridicularizado por
importante crítico da ficção científica) cunhou a expressão "avanço seus colegas, quando se propóe a comprovar ulna teoria desprezada,
conceitual" (conceptual breakthrough), na rentativa de se obter um contanto que tenha a chance de fazê-lo e mesmo nessa busca ele
substituto mais "sério" e "científico" para o sense ofwon d.er. O avanço -
não revela motivações pessoais, nenhuma fé, egocêntrica em seu
conceitual se articula em torno de busca pelo conhecimento, modos instinto de cientista, apenas uma curiosidade infinita que só se satisfaz
de cognição e ataque a paradigmas. Não obstante) a nova expressão com a comprovação da experiência. Eventualmente o Imortal se
BO . FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo I - 81

encanta com ele e diz ao comandante da nave para não perder tempo Mas vejamos o que Tyll Leyden encontra:
em procurar o ativador celular, pois "(...) Sornente Tyll Leyden é
quem vai encontrá-1o",ór e o Imortal justifica a sua escolha: Enquanro era levado nurna trilha zuspensq passou-lhe pela cabeça
que era lmpossír,el tecnicamente fazer uma miniatura perfeita da
Mas não existe motivo de impedi-los de saber da grande piada. Via Láctea. Não se podia jamais pensar em concluir um conjunto
n'[eedirigidas
Quando lhes disse há pouco que somente §ll Leyden é que
iria achar o ativador celular, ele [Leyden] pensou: "Que me 3;:::',r:lT:,'râ::á:T::trJ1'Ji?*t',:".'ifi ::l'ffi
o que desejo é saber o que existe
;ã?![Xr:'oT"t!1::"r33'P") Então ele descobre um planetário gigante, que reprodLlz a Via
Láctea. A visáo é de tirar o fôlego, mas o sense ofwond.er despertado
Ecoando o estranho senso de humor do lrnortal, Tyll Leyden se pela imagem não implica apenas na dificuldade do leitor em aPreender
apresenta como um paradigma de um novo tipo de homeffi, uma a sua magnitude. Ela exige também algum conhecimento) como o de
variação do homem do futuro de consenso para o qual as convençóes que a galáxia da Via Lácteapossui centenas de bilhóes de sóis, planetas
sociais e o impulso de ser aprovado pelo grupo é menor que um e outras apresentaçóes (cometas) asteróides, nuvens de poeira cósmica,
desejo íntimo por conl,tecirnento. Leyden incorpora a visão do futuro buracos negros etc.), e que construir um planetário que a represen-
de consenso e sua ênfase na curiosidade científica como valor maior. um trabalho inimaginável de cálculo,
rasse significaria não apenas
Chega ao ponto de menos prezar a imortalidade, efl favor da resolução mas também uma compreensáo sirnultá,nea do estado de cada um
do mistério por trás do "paredão" que por sua vez envolve o que desses corpos e provavelmente dos seus constituintes atômicos o
-
The Encycloped.ia of Science Fiction chama de big durnb objects (grandes - -)
que é impossível, pelas consideraçóes da física atual. Há uma medida
objetos inanimados): de esforço intelectual da parte do leitor, para compreender todas as
implicaçóes do conceito.
Um tema popular infalível na FC é a descoberta, usualmenre
É pr..iso dizer ainda que os big d,urnb objects e o efeito que se
supóe que causam têm uma tigação direta com a noção do sublime,
aqui definido a partir de Kant, na paráfrase de Marilena Chaui:
ffi{*lílikH*d*rffi*,*l{ff lffitr
,üim:#JHià?,3:*:ffi::xi,TrÍ,:§,h:iã.3[:?ff :
e os trazem perto de um avanço conceitual, para um estado de
consciência intelectual mais transcendente.u'
I#ffi[,mf*H:t###.",m:}*ll#ili
o
mas sublima enquanto ser racional, dando-lhe consciência do
triunfo do supra-sensível sobre o sensível.tr
Big d.wrnb objects são às vezes considerados como uln efeito "fácil",
comuln especialmente nas formas mais comerciais de ficção ciendfica, e me lembro de ter feito pela primei ra vez a associação entre o
embora uln clássico como Encontro cüvn Rarna (Rtrudez-vot/tswitb Rarna, -sublime e o sense of wond,er em ulna aula do meu orientador, Prof.
L973), de Arthur C. Clarke, seja runa variante de viagem fantástica loáoAdolfo Flansen) em que ele exemplificava o sublime romântico
dependente) de um modo absoluto, do big d,wrnb object, representado com as Grandes Pirâmides do Egito (o exemplo clássico de Kant), e
pela espaçonave Rarna.e a sensaçáo de espanto e sugestáo de ffanscendência por elas inspiradas
82 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo I - 83

no observador. É j*to, portanto, associar o sense of wond.er com o da morre sentidos pelo herói Rhodan, gerando assim uma identi-
romantismo, que Por sua vezse nutriu de formas antériores) oriundas ficação entre personagem e leitor. No momento crucial, Rhodan
da Idade Média e suas "maravilhas,,. transfere essa simpatia para a máqúna) ao pedir, de modo angustiado,
O segundo exemplo extraído de Perry Rhodan é O ruwnd.o d.os que ela se salve. C,omo resultado, o leitor sentirá a perda representada
regenerad.os (Die Weltàt, Regenerierten), á. William Yoltz. Yoltz é pela destruição do que antes ele pensara ser apenas uma máquina) e
considerado Por alguns como uln dos melhores aurores da ficção que no fim se revela como uma criatura autoconsciente e até mesmo
científica alemã, embora nunca tenha escrito nada fora da séri humana) em seus temores.
outro paradoxo Para a discussão do valor da FC de expressão Como técnica) essa inversão tem urn impacto táo grande quanto)
mais popular. por exemplo, o conto "Caleidoscópio" ("I(aleidoscope", L949), d.
Esse romance oferece ouffo modelo de sentido do maravilhoso. Rry Bradbury que possui um prestígio muito maior que os escri-
Perry Rho.d.an, o protagonista da série, esrá preso em um planeta -
tores de Perry Rhodan ffiâs O rnwrud.o d.os regenerad,os é mais rico
desconhecido, onde encontram Kilderirg, "a ferrament, rrgi.«la de
-,
em conceitos. "Caleidoscópio" fornece tun impacto apenas emociofld,
Kalak". Kildering é uma inteligência artificial que, em dadolrrrtrnre mas o episódio da "morte" de lClderirg oferece também um
do enredo, se encontra com Rhodan em urn .rçã espacial prestes a ser impacto cognitivo.
abatido Por baterias localizadas em terra. De repente a "ferramenra" O exemplo cabe muito bem no que Peter Nicholls chama de
ordena que o humano desligue os escudos defensivos, a sua única "avanço conceitual", gue se relaciona com a idéia de romPer ou subs-
esPerança de não ser destruído, e por alguns segundos Rhodan se tituir paradigmas, ou modos estabelecidos de compreensão do uni-
debate contra o medo e o instinto dã sobrãvivêncá. Mas se ele não se verso. Melhor, ela vem acompanhada de uma resposta emotiva e não
sacrificar, quatro mil seres humanos morrerão. I(lderirg sabe disso apenas intelecrual. Os paradigmas podem ser tânto científicos quanto
Porque possui poderes telepáticos que lhe permitem calcular o culturais, e sua ruptura instiga no leitor o efeito de "expansão do
que aconte cerá, mesmo a uma grande distância de onde esrão. pensamento", em geral associado à ficção esPeculativa.6s
Rhodan se rebela, em um ato pouco característico, e â ferramenta o
ofwond,er é uma expressão romântica, que fala do temor e
Sense
condena: "fsso é um egoísmo sem fronteiras (...)Até mesmo você
c) \'''l ^ ^Lv rrrvvrrr\.' \''\-v)
v
da simultânea fascinação que o homem tem diante do universo, e a
você, você."ó7
misrura de medo e dessa busca pelo conhecimento gera uma atitude
Rhodanse enffegâ, e momentos mais tarde encontra um meca-
que espelha a do "futuro de consenso" que vimos anteriormente. As
nismo de ejeção no caça e salta, escapando das salvas inimigas. Rhodan
duas expressóes são fruto de uma única atitude, gue, embora contes-
pede que I(lderirg frç, o mesmo, para que ela não *úrr, mas é a
tada em vários momentos) está no centro da ficção científica e lhe
ferramenta que o lembra de sua nature za artificial, admitinclo que
confere parte significativa do seu sentido de identidade e distinçáo.
,]ã, poderia morrer, já, que nunca vivera. Mas, no último segundà a wonder, apesar de sua dimensão romântica, continua sendo
Sense of
ferramenta lança um terrível grito telepático, pedindo por sün vida.
um termo crítico bastante flexível, adaptado à autoconsciência que
O efeito desse episodio é o de uma poderosa inversão de expec- aurores e leitores de FC (e dos outros ramos da ficção especulativa)
tativas) mas também de conceitos. O leiior não espera quc a desirui- têm do seu campo. Ao escolher exemplos selecionados de uma série
ção de I(lderitg seja uma perda, e a própria inieligêicia artificial de FC pouco conceituada, mas muito popular) tentei demonstrar o
afirma sua condição de não-vivente. Mãs ioltzfoi hibil, levantando quanto a ênfase no sentido do maravilhoso e no avanço conceitual
as exPectativas do leitor ao primeiro demonstrar a covardia e o medo esrá sempre na superfície da produção do gênero que justifica
84 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo I - 85

a extraordinária popularidade da ficção especulativa diante de é uma lenda surgida no


- Como emloío"
Prestc loáo ou "Padre
uma audiência que anseia pelo maravilhamenro e pelo simultâneo KI, na Europa.
-
século |ohn Mandeville, a fonte principal
estímulo intelecrual. da lenda de Prestá |oão são rextos, âs três cartas que ele teria
enviado ao Papa e aos imperadores do Império Romano do Oriente
e do Ocidenrê, oferecendo seus préstimos na retomada da Terra
* Santa. Colin Wilson afirma que "tudo começou por volta de 1Ió5,
com o aparecimento na Itália de um a Letter of Prester f oh*", e que
"po, trrit de um século a lenda de Preste |oão (...) foi tão famosa
Sense of Wondnr é, portantq herdeiro de ouffas expressões anterior- na Europa quanto aquela do mago do Rei Artur, Merlin».70 Na
mente existentes c(glaravilhoso",
"sublime" etc. Ele as mantém carra) piestó )oão se afirmava um monarca cristão, que reinava
-
vivas e em desenvolvimento. sobre povos fantásticos, dotado de um poderio militar e de riquezas
Incluir o "maravilhoso" nessa mesma "linha evolutiva" é interes- de fazàr inveja aos monarcas europeus , junto.r. Preste ]oão oferecia
sante Porque fornece uma instigante ligação com tuna proro FC que seus humildes préstimos às forças cristãs em sua luta contra os
teria sido escrita na Idade Média) urrr período em gãral relegào infiéis, râ recuperação da Terra Santa. Ele iá colocara seus
magníficos exércitos em movimento) mas fora retido na tentativa
P.lg: Pesquisadores. De fato, os poemas narrativú (romaÀces)
medievais eram abarrotados de fatos maravilhosos. 'Maravilhoso" é frustrada de vadear com eles um dos grandes rios das Índias.
pedia que o Papa e os Imperadores lhe dissessem como proceder,
um termo ambíguo, pois registra tanto a diferença ameaçadora
ingoforada na nova paisagem ou no Outro quanro os atos atribuídos
com respeito io seu oferecimento. Algum tempo se passou até
a divindades sancionadas. Segundo Stephen Greenblatt, emPossessões que o Papa enfim respondesse à carta) que foi entregue a um
rna,ra;pilhosas (Marvelnws Possessions, L99I grupo de religiosos, imediaramenre enviàdo às Índiai. Infeliz-
), "'Maravilh a' é (. . .) a figura
central da resPosta inicial dos europeus ao Novo Mundo, â declsiva ,r.t t. "as Índias" eram um termo genérico Para o mundo desco-
experiência emocional e intelectual em presença da diferença radical" nhecido situado além da orla mediterrânea da Africa do Norte.
ru,
e sinal tanto de terror diante do estranho, quanto de deslumbrame.rio. t Para alguns, a Índia era o que hoje chamaríamos de Etiopia.
Assim cotno o sublime-ou o senle ofwond.ei, omaravilhoso é, no plano Outros a colocavam um pouco além da Pérsia, na Eurásia Central.
da resposta emocional, um efeito potencialmente subreisiro, que É claro que os mensageiros não conseguiram entregar a carta ao
sacode percepçóes cosnuneiras, automatizadas. enigmátito Preste João, que provavelmente foi um dos maiores
Há uma lenda medieval persistente, a de Preste loáo, que se embusteiros da história.
,'i,
Mas sua fama se propagou na Europâ, e as descriçóes que ele
, ,l

Presta (se me perdoam o trocaditho) a estudo de caso de .o-o a


;i;, ,:.
i}:iiii-,:, :
ril:1,ii':-.

*:l'..],.í,
:jri:'i.'
í-r:ii
\),t:t,.: :
'
tradição das viagens fantásticas ou imaginárias acabaram fornecendo fornecia de suas terras) dos povos e criaturas estranhas que as Povoa-
'{:i:,i,,,r
i{q'i:
matéria:Prl_ma para formas de "realidade alternativa" que acabam se varn e seus relatos de riqu eza se fixaraln no imaginário europeu, a
;:'i:'
confundindo com os modos de pensar vigentes. ponr,o de os portugueses) ao aportarem pela primeiraYez na Etiópia
. .
l',-r,i ii .-, :

i;í::r,.'

(o., Índia), perguntarem aos nativos Por Preste loío.


B1i.l:'t:..

O fenômeno Preste loáorassim como Iohn Mandeville, antecede .!Í


f,l
em muitos séculos os festejados "enigmas ficcionais" de ]ôrge Luis 1
§
* |ohn Mandeville, outro possível embusteiro, parece ter se influen-
Borges. Ao estudá-lo, não é possível fugir à sensação de q.rJna um ciado pela Lenda de Preste ]oão) em suas Yiagens d.e Mand.eville., do
ct
;§r
§l

locus particular de onde emana uma estrãnha realidade altelnativa. século XIY uma viagem imagin árra que se tornou imensamente
J
86 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL Capítulo I - 87

popular. /untamente com Marco Polo, os relatos de Mandeville Mas o que todo esse trajeto Preste )oão a Colombo nos dtz é que
criaram
I imagética que Cristóvão Colombo levou consigo, em suas a América, desde o momento em que o europeu aqui pisou, tornou-se
viagens à América. Quem quer que os tenham escritos (; é possível
uma terra maravilhosa e estranha, onde deslumbramento e terror se
que tenham sido vários autores), estimulou a imaginação eüropéia, fundem no cotidiano de um Eu transplantado, que não consegue
aPresentando-lhes Outro que possui opinião própria e divergenre nem totalmente manter-se europeu) nem se deixar absorver pela nova
((psr
exemplq os númidas, escreve Mandeville, considerarn boãita a rerra. Daí a aceitação do maravilhoso pela literatura do realismo
-pele negra e 'quanto mais pretos são, mais belos se acham' ( ...)»-)7r mágico ou do real maravilhoso, que veio trazer o fato fantástico, a
bem como criaturas coletadas de muitas mitologias e crenças) e que forma narrativa folclórica, convivendo com o realismo que PressuPóe
Possuem ligação com as descriçóes de Preste ]oão. A compreerrJão o predomínio do científico e do racional, porque a ciência e a razáo
geográfica de Mandeville estende essas criaturas,e povos à iaei, a, o.id.rrtal nunca se fixaram de maneira plena e bem articulada com
Antípoda, ou o pólo inverso do mundo europer. É p^r.trrrto) narural, todos os setores de composição social e cultural. Num certo sentido,
9ue, ao chegar às Américas, Colombo imaginassô esrar aporrando é o que Ivan Carlos Reginâ, o autor do "Manifesto Antroqof;ígico da
nesse estranho mundo inverso) as Índim o.rãs Antípodas, ,16
quais Ficção Científica Brasileira" (1988), quer drzer quando afirma que a
os esPeravam estranhos seres e homens fabulosos) que não tirúam tecnologia não funciona bem em histórias escritas Por autores
cabeça ou possuíam rabos, em muitos dos relatos qrr; permearam os que vivem em um país onde nem mesmo as máquinas de Coca-Cola
testemunhos dos viajantes daquele tempo. operam eficientemente.
Os casos de Preste Joáo e de ]ohn Mandeville ilustram a idéia de Como escreveu Alejo Carpentier, "o que éa história da América
que as lendas mandam cartas e escrevem livros, e as realidades alter- senão uma crônica do real maravilhoso ?"tz Torna-se impossível fugir
nativas neles descrito-: t. imprimem no imagin árrorse rornam para- a essa compreensão) e as tentativas em contrário são aPenas fugas de
digmas virtuais insidiosos que convivem simultanearnenre com as uma realidade mal compreendida e mal aceita por um Eu que reluta
tealizações e os testemunhos concretos. Hoje, encontramos no fenô- em se deixar envolver pela sensação de insegurança que se Proleta
meno dos discos voadores um objeto análogo. Agora) as lendas se com o maravilhoso.
comunicam Por telepatia ou têm filhos com oi t .r.*nos. Do mesmo Nesse sentido, é interessante enxergar o premiado romance de
modô que as lendas de Preste loáo se nuffiam ranro de um discurso
Robert Charles Wilson) Darwinia (1998)) como a "devolução" dessa
cristão em temPos da hegemonia do catolicismo, de lendas e folclores
projeção do maravilhoso sobre o Velho Mundo. No romance) em
que sobreviviam na Europa de então, bem como da tradição dos março de f 912, t Europa é subitamente substituída Por uma nova
relatos de viagens fantásticas, o fenômeno do disco voado, ,. nurre
rerra povoada por toda uma flora e fauna alternativa. Todos os habi-
d..T vago discurso científico que permeia a compreensão do homem
tantes humanos desaparecem) e o novo território virgem se torna
médio, e das construçóes da ficçãô científica qlre se fixaram no seu
alvo das açóes colonialistas que partem da América (principalmente
imagin ário: vôo antigravitacional e viagens intãrestelares em veloci-
da América do Norte) já que o Brasil ou as outras naçóes sul-ameri-
dade acima da luz, experiências genéticár . disputas enrre fe,Cerações
canas nem são mencionadas). "Darwinia", como o novo continente
galácticas) telepatia e comunicações espiriruais. Para a ufologia, a
é chamado, é uma espécie de infecção viral causada Por inteligências
pseudociência que "estuda" os O\NIs, nós muitas vezes parecemos
arrificiais formadas no seio de um grande banco de memória g'aláctico.
estar no meio de uma movimentada space opern. Thmbém aqui se
Sua manipulação do passado resulta na confusão de realidades,
trata de uma mitopéia.
produzindo alternativas que se entrecruzam em torno de pontos
BB - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo I - 89

nodais. No caso em Particular, a tragédia da I Guerra Mundial na Ibn Fadlan (século X) para escrever o seu interessante Os d,worndnres
Europa cria a affação entre a nossa reíidrde e a realidade alternativa -
de rnortos (The Eaters ofthe Dead,, L976), no qual o próprio Ibn Fadlan
de Darwinia, resultando na confusão das duas. Toda essa especulação ó personagem de uma demanda entre vikings da Noruega e as cri-
cosmogônica de Wilson não esconde o caráter exótico e rnaravilhoso aturas monstruosas do título, racionalizaçóes científicas do "Grendel
da nova geografia, efeirot que são agora reconfigurados e aplica,Cos de Beowulf", poema heróico nórdico, escrito entre 700 e 750 d.C.i3
à
fonte da percepção do Eu ôcidentrl, , Europa.
Essa fonte medieval européia transita pelo mundo todo, conta-
E, é claro, toda a visão positivista herdada pelo herói, Guilford minando também o Novo Mundo, como já vimos. No estudo De
La*r- partit
] .do Pensamento ocidental e .r'rrop.u é que o impede, Carlos Magno e outrns histdrias: cristã.os (r rnowrls n0 Brnsil (1995),
Por décadas, de reconhecer a nova realidade e dê se torrrn, um agente Marlyse Meyer demonstra que romances medievais como Orlondn
oPerante na solução do conflito cósmico que ela sublinha. Sua
pJriçao Fwrioso penetraram na nossa cultura nordestina e se fixaram na litera-
como Eu dominante é deslocada pela transformação ontológica, .Lt.
tura de cordel. Alguns romances de cordel que examinei comprovam
só se reequilibra ao reconhecer o caráter desse dêslocamenro.
esse emprego. Em O rorna.nce d.a princesã, d.o reino d,o rnã,?" sevn f,rn
De maneira análogà, ãprodução de uma ficção especulativa afim (L979), de Severino Borges Silva, a narrativa em sextilhas começa
com a realidade do Brasil ou do continente em que o país se insere com o desaparecimento de uma princesa, raptada por um bruxo.
talvez Passe tanto pela percepção de nossa condição de Ouffo Surge então o príncipe Adriano) filho do rei Flerculano, que vai
ou
de um Eu em posição desconÍbrtável -
quarlro pàto reconhecimento parar em urna cidade encantada. Eventualmente ele se torna o salvador
-,
dessa herança do maravilhoso que nos cerca com terror e deleite. da princesa) após lutar com gigantes, perder a princesa) ser transpor-
tado ao seu reino por criaturas mágicas como uma personificação
do vento. Um segundo poema
-
narrativo, contido no mesmo livro de
cordel e também assinado por Severino Borges Silva, é "O valente
Felisberto ou O reino dos encantos". O protagonista um príncipe
é
bondoso que protege vários animais e entidades da natureza) que lhe
A fantasia é o gênero irmão da ficção científica. Enquanro esra permitirão mais tarde enfrentar um teste mágico sob a forma de uma
se apresenta como um mundo ficcional diferenre do nossô
po. força série de enigmas lançados por um bruxo. Todos esse motivos são
de fatores científicos e tecnológicos) a fantasia apresenra , àiF.r.rrçn muito comllns na literatura medieval, de gigantes a provas mágicas.
a partir de fatores mágicos e sobrenaturais. Coúo fontes)
a fantasia Esse aproveitamento táo direto da imagética mítica rnedieval se
tem folclores, mitos e lendas ainda mais antigos que as referências
da evidencia ainda mais em/o ã.0 Valente e a, vwzntã,nha rnald.ita, de Minel-
FC. Mas o rico período medieval talvezseja o centro dessa herança, vino Francisco Silva, que reconta) com adaptaçóes de linguagem e
e a literatura de fantasia bebe conscienternente dessa fonte. paisagem indicativas do sertão hrasileiro, o "conto de fadas" de João
O cana-
1:T. Gry Gavriel Key explora os poemas épicos narrativos de El e Maria) tambérn com truques de magia e o auxílio de cães mágicos
Cid, no seu romance The L'i,ons ofAt-Rassan no enfrentamento de gigantes) pragas de serpentes e o vilânico bruxo
Q§95), , aurora irlandesa
Morgan Llywllyn criou em Red, Brancb (1989) urna releitura das em pessoa. Recentemente, Braulio Tâvares, escritor de ficção cientí-
lendas do chefg-Buerreiro irlandês Cuchuiain, primeiro escritas fica e fantasia, republicou um cordel fantástico de sua autoria, A
a partir de crônicas orais no século VI. Áté mesmo Michael - pedrrn d"o rueio-ün owAr"twr e Isadm,n (originalmente publicado em 1979),
Crichton Partiu de um texto medieval o relato de viagens do árabe com todas as características das obras mais antigas: personagens que
-
90 - FICÇÃo cIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo I - 91

se deparam com recursos de magia, cuidadosamente descritos em Mais tarde tlther, ainda com Merlin como conselheiro, encanta-se
sua aplicação, por ulna entidade mágica (um sábio ou enre da natu reza), com a beleza de Igraine, â bela esposa do duque de Gorlois. Notando
e mais tarde empregados em siruaçóes em que cada recurso deve ser o interesse do reiiobre a sua mulher, o duque fog. Para o seu castelo
aplicado com exatidão, para cumprir a tarefa dos heróis. na Cornualha, dando a Uther o pretexto de persegui-lo, pois Gorlois
Os exemplos mostram uma discreta apropriação da Idade teria se insurgido contra a autoridade real. Merlin então elabora um
Média, flo contexto da paisagem e dos costum"r proprios do nordeste. ffuque mágião, ffansformando Uther à semelhança de Gorlois, Para
Um produto distinto dessa tradição é Gyand.e sertã.o: vered.as (1956), que ele po-rm rer sua noite de luxúria com Igraine. No ínterim, o
obra máxima de loáo Guimarães Rosa, que faz um aproveitamento d.rq,r. éhorto em uma investida contra o acampamento de Uther.
épico-mítico dessa herança. Não obstante, tais empregor ainda esrão Mai o ato escuso já estava consumado) e conforme Merlin previra,
distantes do gênero fantasia, embora representem um manancial runa criança especial foi gerada Artur) que) logo após o nascimento)
-
teria de sei enffegue ao mago, para ser criado em segredo. Conforme
ainda inexplorado.
Uma das fontes medievais mais conhecidas é o ciclo do Rei muitos pesquisadores já notaram) essa criação Por outros corres-
Arrur, conhecido como'Arturiana" ou "Matéria da Bretanha". Arnrr ponde ao hábito celta dofostering.
teria vivido entre os séculos V e VI, e as poucas crônicas que o Na juventude, Artur se depara com a famosa esPada cravada'na
mencionam falam de um chefe-guerreiro que teria expulsaáo os pedra (é bigorna, segundo .lg,r*r, narrativas), . ao arrarÍàá-la,
saxões invasores) numa campanha de doze batalhas. A esta ainda rorna-se o rãi d. Inglãterra. Mas não sem passar por uma série de
controversa base histórica foram agregados urn sem-número de lendas luras, a fim de afirmar sua qualidade real diante dos outros Preten-
e mitos pré-cristãos celtas, mais tarde cristianizados durante a Alta dentes ao rrono. Ao final de im período de pacificação, Artur erige a
Idade Média tro processo de tipologia. Para alguns arturia- sua famosa Távola Redonda, com os cavaleiros que se tornam a sua
nistas, certos elementos do Ciclo Arturiano seriam pror.rrientes até principal força na defesa da ilha contra os invasores saxóes, e também
mesmo de regióes do Oriente Médio, ou reminiscenres das glórias na rmposrçãó da paze das virtudes da sua breve utopia, gue termina
de Alexandre Magno.Ta com o seu confrorrto contra o filho Mordred, nascido da relação inces-
tuosa com sua irmã Morgana ou Morgause, effi outras narrativas.
A trajetória de Arnrr começq segundo Geoffr.y de Monmourh, -
entre ouffos cronistas) com o rei bretão Vonigern convocando aliados Assim como a trajetória de Merlin se iniciou antes do surgimento
saxóes para a ilha. Sua rainha Rowena era de sangue saxão, mas isso de Artur) seu final também se dá após a morte do rei.
não impediu que surgissem conflitos entre os dois povos. Temendo Dentre os muitos narradores medievais que deram forma e colo-
por seu futuro, Vortigern ordena a construção de uma fortalezarmas rido à lenda, esrão Sir Thomas Malory Robert de Boron, e Chrétien
as muralhas desmoronavaln seguidamente. Os sábios a serviço de de Tfoyes. À lenda de Arrur se agregaram outras) como a de Tiistão
Vortigern então o instruem para que capturem um "menino rr.rcido e Isolda.
sem
P"i", e Merlin, cujo pai teria sido um demônio ou espírito, é Há certa nature za aberta na Arturiana) que sempre ProPorciona
escolhido, mas com suas capacidades superiores de premonição, ele apropriaçóes e modernizações das mais diversas. No século XVIII, o
reverte o quadro a seu favor, e em favor de Aurélio Ambrósio e seu inglês Tobias Smoller) em The Lü and, Ad,ventures of Sir Launcelot
irmão Uther Pendragon. No curso final desses evenros, Ambrósio se Gíea»es) tomou emprestado Lancelot) um dos Personagens centrais
torna rei, mas Por curto tempo doença o adnge, determinando do ciclo, misturando-o a referências de Cervantes) Para satirizar e
que Uther o suceda no trono. criticar a sociedade inglesa do seu tempo) mantendo um dos Pontos
92 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo I - 93

centrais da mítica arturiana: o conflito para reconciliar as tensões .Além dos limites do mundo" implica, para uma infinidade cle
entre as obrigaçóes sociais e o amor erótico individual. No século crenças) num território dominado por deuses ou demônios, criaturas
XIX, o norte-americano Mark Twain escolheu como seu 'rcanto do mágicas e perigosas. A própria visão celta fala de mundos subterrâneos
cisne" literárig a produção de Urn ianqwe na corte d.o Rei At thur (A . t.irrs dá fadãs que se fixararn na literatura inglesa) indo da fantasia
Connecticut Tonkee in IGng Arthwr's Cowrt,lBBg)) uma crítica feroz de A1ice n0 pnís d,as rnara»ilhas (Alice's Ad,perutures in Wond,erland., 1Bó5 )
"às crenças ocas do seu século progresso) tecnoiogia, democracia, de Lewis Carroll, aré contaminar o racionalismo de H. G. Wells, em
-
livre iniciativa", conforme expresJo,, iustin Kaplan, ãa inrodução de contos como "No país das fadas" e '?\ porta no muro".
uma das ediçóes da Penguin Classics.Ts Até mesmo no Brasil dá-se
Os romanos voltaram, não obstante, colonizando a Bretanha até
esse Processo de tipologia radical que está por trás ranro da fantasia
(gênero literário popular) anglo-amelicrrra q,r*to do cordel brasileiro. o século IV, quando a abandonaram finalmente. Em History of the
Encontra-se em duas narrativas arturianm, .ê.,.rperando Tfistão, Isolda World,, J. M. Roberts afirma que
e Persival, em encarnaçóes originais, as novelis A tisane (LgBg) e
O
pao de ca.t'oí (1995), de Roberto deMello e Souza) em total a civili zaçáo româno-bretã desapareceu [diante das invasóes
ti*rp*ição
^G..ãir, nórdicas] mais complerarnenre do qüe seus equivalentes ein qualqller
das narrativas de Chrétien de Tkoyes para o serrão de Minas
com direito a tun tratamento de linguagem reminescenre de Guimarães
Rosa e recursos da literarura de cordel, em efeito colorido e instiganre)
;:ffi f;';:Í?,,'fi ffi::,",:3tr3:l?:,"rsi::ilfr:1#;::â11;
que poderia ser uma remi-
lênda do Rei Arthur e sdus cavaleiros,
fusão de influências e visóes sobreviventes de um ouffo rempo, niscência dos talentos para a luta de cavãlaria do exército imperial
Que
atordoa e encanta. tardio, mas é só.76

.bem A ligação da Matéria da Bretanha com a língua porruguesa é Tâl associação da lenda arruriana a tun momento particular da
anterior, aliás. Pyte importante do manuscrito *êdi.urT r.rgr-
tado da Dernanda d.o Santo Graal está,em porruguês anrigo) rornnã" história da Inglaterra) povoada então por uln vislumbre da civihzaçáo
acessível público moderno por meio do excãpcional trabalho do romana, sugere urn movimento no qual o mundo mágico subterrâneo
1.
Prof. Heitor Megale, o mais destacado ,.t.riianista brasileiro, coabitando o nosso teria sido "hortzontalizada" em uma linha cte
também tradutor do Merlin de Robert de Boron, e de A ruorte d.o Rei ternporpela lenda de Artur. O mundo mágico então Passa a ser um
Artur, cuja autoria é anônima. momento transitório, no qual uma expressão civilizadora cristá antes
A mística de Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda e da perdida se ergue momentaneamente em uma breve era de ouro.
busca do Graal se transformaram em pau-pra-roda-obra literário,
e Na década de 1930, a noçáo se torna matéria-prima do mundo
alimentaraln a literatura dp fantasia com.r*i ampla paleta de recursos mágico de I. R. R. Tolkien (1892-1973) o scholm' inglês que se
-
ainda 1r"i! emPregada. E um movimenro de tipoLgia radical sem traÀsformou) com a trilogia O senhor dos onéis (The Lord of the Rings,
fi*, mas freqüenremenre ainda vivo e instigante. L1S4-I956), no mais influenre nome da chamada "alfa fantasin)) - 21

Quando os romanos aPortaraln como conquistadores da Bretanha, Terra-Média. Assim como o mundo arturiano, a Terra-Média é um
em 55 a-C., a resistência selvagem dos breióes celtas os fez reti- campo de batalha mítico à espera da chegada de uma nova ordem,
rarem-se um, ondã a consciência da rnagia cede lugar ao cristianismo e depois ao
1ro depois, disseminando a lenda de que a Bretanha,
repleta de bárbaros selvagens, estava "além dos ürútes do mundo racionalismo cientificista que ainda vivemos. Ou, como foi colocado
conhecido". por Isaac Asimov:
94 - FICÇÃo CIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo I - 95

9 yotggl [A fortalezado vilão] d. O senhor dns anéisé o mundo


industrializado, Que está aos poucos se desenvolvendo
e tomando ;r;::fl i:ifi'ffi r:.'Jff :?Íil'iâ';[:tt'&:'.ffi:;H:U;
conta do planera) consurnP{o-or envenenando-o.
os .lfb;,.p; aléú dos limites da casa senhorial.sr
sentam a tecnologia pré-industrial que está saindo
de cena.'O,
anões, os entes e Tom Bomba,Cil representam as
várias faces àa
Natureza.que estão sendo destruídas. E os hobbits O que permite a leitura de Tolkien fora desse discurso contradi-
represenraln o
passado simples, pasroral da humanidade. tório é o fato de seus romances se sustentarem muito mail em um
E o Anelf plano mítico. Sua obra demonstra que a fantasia, assim como a FC,
Ele é o encanto da tecnologia, a sedução de coisas feitas também se ocupa darnwd,atuÇfrrmas ulna mudança que vem com tons
mais
facilmenre) d9 pJo.duros .-Jráior quantidade, de aparelhos ern
deterministas e que é recebida com a nostalgia devida à antiga ordem
r
tentadora varieãade. (...)r, que se foi. Nesie sentido , talvez seja possível ler os romances de
Cliffirrd D. Simak"Airvnnnd"ild"e d"o talisrnã, (Th, Fellowshrp ofthe Tal,isrnam,
Embora Asimov questione a existência desse mundo Lg7l,tírulo que é quase referência direta aThe Fellowship ofthe Ring,
pastoral
perdido um dos três romances que formam a trilogia de O senhor d,os anáis), e
- "o fehzmundo
Nostalgia"]8
pastoral nunca existiu exceto na mente da
ac.itrr Ond.e lnnra.o rnal (Where the Evil Dwells., L9BZ), como interessante
.. Parece sem grandes problemas uma leitura
menos simbólica e talvez mais míticú e O senl,tor visão alternativa e opositora. Ambos se passam nulna Europa medieval
d,os aruéis. ursula K.
Le Guin também não vê a força da obra de Tolkien no alternativa em que) sempre que uma inovação está prestes a surgir, o
terreno da
alegoria, mas no território menos decifrável do continente é invadido pela "horda)' uln coletivo de seres fantásticos,
mito: ..pois como -
todos. os grandes artistas, ele escapa da ideologia ogros., duendes e dragóes que tudo dizima em seu caminho. A
sendo rápido -
premssa parece sugenr a compreensão de Simak de que o mundo
d.em{s para suas rede.s, complexo demais para as
suas grandes
simplicidades, fantástico demais para a suã racionalidade, mágico e a realidade agrária do passado só podem ser mantidos Por
real meio de uma imobilizadora brutalidade.
demaispara as suas generahzaçóes."7Ç C. S. Lewis
tarnbém reconhece
em Tolkien uma qualidade mítica inerente.s, Não obstante, a imagem de uÍna terra que na verdade é um
Tolkien demonstra que parte desse poder mítico mornento detransição, levando o mágico de predominante a clandes-
vem da sugestão tino, subterrâneo, foi importada de Tolkien para a quase totalidade
de uma transformação ptrrr.t ária., durãnte a qual a ordem ideal é
substituída Por uma nova perspectiva, carregra, da fanrasia, transformando-o no autor mais imitado do gênero.
de inseguranças. o
conceito está também Mas a fonte primeira, o Ciclo Arturiano) continua viva na
Presente em muito dípercepção modernisra,
em que o mundo moderno burguês seria conitit"íàó moderna literatura de fantasia. Um dos exemplos mais distintos é a
de uma ..reali-
dade degradada". "Degradado"-implica a decadência tritogia de Merlin, escrita pela autora inglesa Mrry Stewart, ao longo
de um objeto
que em algum momento viveu r,rf condição ideal da década de L970. No Brasil, os livros, publicados a partir dos anos
justamenre o
que a lucidez de Asimov conresta: - noventa pela Best Seller, estão na sétima ediçáo, o que lhes dá o status
de um cutt silencioso) desapercebido pelos observadores literários,
mas consumido fielmente por tuna classe de leitores que deve incor-
Pode ter havido uma fina.camada de proprietários
e aristocraras porar um grande número de mulheres primeiro encantadas com /s
1grrg,íu.is, mas essas vida;.r;;úra,i*i,,p.r*
que üveram üdT
por causa do trabalho incessante de servos) camponeses hruonas d,e Avalon (The Mists of Avalon,r 1983), o grande sucesso de
e escravos.
cujT vidas eram uma longa brutalidade. Aquelê, q,r.
t;ã;;;; Marion Zímmer Bradley (I930-L999), a ponto de estarem consu-
tradiçóes de uma classe doãrinante (com" fniú.",
À;à. por dernais mindo qualquer romance do Rei Artur que apareça, incluindo a
96 - FICÇAO CTENTTFICA, FANTASIA E HORROR NO BMSIL
Capítulo I - 97

série assinada por Patricia Wolley, e enfrentando as traduçóes ruins e


Stewart não se lirnita a recontar a lenda. Ela constrói sua versão
a revisão péssima da editora. (Do século XIII em dianre) a Arturiana
em d.irilog, com ela. Por exemplo, as mutaçóes de Merlin em homens
entretinha as damas das cortes européias, o que talvez nos diga da
mais velhos ou jovens) pobres ou ricos, que povoam o Merliru de
atemporalidade desse uso. ) Robert de Boron, explicam-se pelo fato de Merlin viajar disfarçado
A obra de Bradley, aliás, mantém a noção de um mundo mágico de rnédico itinerante ou menestrel, deixando a barba crescer ou não,
prestes a ser clandestinizado pela presença cristã, católica. Mais que apoiado sempre pelo prosaico fato de ser muito pouco conhecido, na
isso, o momento de transição abriga também a sr-rbstituição de uma totalidade, de um jeito esparsamente povoado. Do mesmo modo, o
visão feminina de mundo pelo patiiarcado romano; a visâo reencar- disfarce de L]ther em Gorlois se deveu mais ao uso do broche e anel
nacionista das religióes pagãs pelo castigo eterno judaico-cristão . As do duque do que à magia de Merlin.
brurnas de Avalon é mais que a leitura "feminista" das lendas arturianas)
emprestando vários significados distintos a essa caracrerística limí- O momento do combate entre dragóes, ainda no prirneiro livro,
trofe que a Arturiana possui. quando Merlin sozinho rompe a determinação do rei Vortigern)
revela-se merarrente metaforico: o dragáo é como as crenças popu-
Os romances de Mary Stewart) porém, não são um subproduto
lares interpretavam o traçado de uma estrela cadente.
bradleyniano. Eles antecedem As brwvnã,s de Avalon e sãõ consi-
derados clássicos modernos da fantasia arturiana contemporânea, Mas cada intervenção do ma go é mais tarde transformada etn
tendo dado a Stewart o prêmio do Pen Club. São A caperna-d.e cristnl poemas e lendas, às vezes por sua própriavoz. Quando Merlin foge
(The Crystnl Cave,L970),As colinas ncã.s (The Hollow Hills,L973) e O ferido e envergonhado do embuste imposto a Ygraine, ele fala â um
últiwr.o encã.nta,rnento (The Last Enchnntru,ent, 1979), todos narados pastor que o mago teria realmente transformado o rei em Gorlois,
por Merlin. semeando a lenda que cresceria com os enos.
O mago, chamado de filho do diabo nas lendas cristianizadas, Assim, cada elemento da lenda entra em diálogo com a versão
aParece como filho bastardo de Ambrosius, pretendente ao trono do de Stewart) que vai elirninando calrnamerlte aqueles elemetltos ma.is
Grande Rei da Breturha, ele próprio produto da linhagem de Maximus puramente rolranescos c sensacionais, e trazendo a narrativa para
ou Macsen) o último soberano romano da ilhar Que partiu para a uma fantasia mais evocativa do que explosiva (aquela em que dragóes
conquista de Roffiâ, sendo declarado imperador por seus vassalos, e gigantes saltam a cada duas páginas), que ó tcndência de boa parte
mas que veio a perecer em combate. da fantasia atual.
As artimanhas de Merlin se transformam) na visão de Stewart, O Merlin de Mary Stewart é um homern empenhado cffI um
em ulna ação dos próprios deuses usando-o como intermediário: pâra projeto de estado, rnas guiado pelas mãos dos deuses. Stta n-ragia ó a
trazer de volta a civilização romano-bretã, expulsando os invasôres sugestão e a presciência formas mais f.íceis de serem aceitars pela
saxóes. Ambrosius se torna o Grurde Rei, sendo mais tarde substiruído
-
místictr espirirualista de hoje o conhccimento científico de herbários
por seu irmão, Uther Pendragon. -)
e de truques de engenharia herdados dos rotrlanos, que teriam
lJther será o pai de Arrur) no célebre episódio no qual Merlin o perrnitido a Merlin reerguer Stonehengc (embora Stewart tenha-se
faz dormir com Ygraine, disfarçando-o com a aparência do Duque abstido, "estrategicamente", de explicar corno).
de Gorlois, que acabara de morrer em luta conrra as ffopas de {.lther. Esse Merlin é também um homem sensível c tolerallte) ernpe-
Fruto do encontro) Artur é levado por Merlin para ser ciiado por um nhado ern servir ao seu deus com resignada devoção. funa o pupilo
rei menor no norte) e mais tarde é instruído e doutrinado pelo Artur, o predestinado) mas prcocupa-se tambérn com as pessoas
próprio mago) em sua gruta nas colinas ocas. collluns. Ao contrário do corpo principal da lencla, no último volumc
t

98 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo I - 99

Merlin encontra o amor em Niniane, e não a sedução e o aprisiona- e 'forrnenta, que fornecem uma visão da fantasia já dominada Por
mento vivo por ela na caverna de cristal. O encarceramento teria sido clichês e estruturas rnenos abertas ou híbridas. No mesmo sentido
fruto de uma catalepsia extrema) ápice de um processo epiléprico surge em 2001 A recornperusa, dosgwetreiros, romance de alta fantasia
tardio. O ponto de vista desse Merlin doce e arguto) em oposição ao por Fábio Rezende.
demoníaco e frio de outras narrativas, é apoiado pela descrição
rninuciosa e lírica de todos os elementos drr paisagem e cultura do
baixo medievalismo na Inglaterra, e a própria autora reconhecc o
quanto foi penosa a pesquisa, dizendo que se soubesse o quanto teria
de ler, não teria se aventurado a escrever a trilogia. Termina esperando
que sue "trilogia de Merlin talvez seja um começo para um outro
O horror é o terceiro pé da ficção especulativa. Suas raízes
entusiasta do assunto", no que foi profetica a autora, pois seus
míticas, é claro, estão no medo natural sentido pelo ser humano) em
romances se tornaraln de fato influentes rla fantasia arturiura moderna.
face do universo e do poder destrutivo da natureza. Suas raízes literá-
Ao firn dc cada volume, há uma transcrição da lenda e do rrilra- rias estão no romance gótico. A palavra "gótico" se refere aos Povos
rlento que Stewart deu a cada elemento central. As referências são germânicos conhecidos como godos, que no século XVIII iluminista
Iingüísticas, folclóricas e geográficas, e ao observá-las é possível haviam se tornado sinônimo do obscurantismo medieval. As relaçóes
compreeuder melhor como Mnry Stewart) num processo mitográfico,
do termo com suas origens etimológicas são de difícil compreensão.
dialogou com a Arturiana, incorporirndo na prirpria estrutllra dos
De qualquer forma, o efeito do romance gótico ou da narrativa gótica
romances o processo, próprio da fantasia, de recllperar '.1s fbntes
deve irromper de um determinado espaço em direção a uma degene-
medievais, transformtrndo - as e enriquecendo- AS ) apresentarndo- ltos o
ração dos envolvidos. Chris Baldwick, na introdução do The Oxford.
processo rJe tipologia radical de maneira explícita. Na trilogirl, o leitor
Boole of Gothic Thles (1993) afirma que para que o "efeito do gótico
acolxpanha o mundo mágico em transformação, à espera dcr
seja obtido) uma história deve combinar um atemorrzador senso de
molrlento seguinte) nesse limbo fantástico entre as intenções civiliza-
herança no tempo com um claustrofobico senso de fechalnento no
doras. Mais que isso, o leitor percebe a própria produção da lcndrr
espaço) essas duas dirnensões reforçando urna a outra numa impressão
qut: ltos chega, entrelaçando-se no tecido cle um mundo qlle já nãcr
é rnágico.
de doentia queda até a desintegração».82 Reconhecendo o peso do
abstrato na definição, Baldick esclarece que uma história gótica
Os romances de Stewarq Bradley e oLltros mostriln quc a matériir-
prima da fantasia é universalmente acessível como um rnaterial ainclit
irrvocará a tirania do passado [daí a hertrnça no ternpol (uma
vivo. Os trabalhos de Guimarães Rosa, de Roberto de Mcllo e Sonza rnaldição de farlília, a sobrevivêncitr de fbrmas arcaicas de clespo-
e dos escritores de cordel mostram que essa matéria-prirna meclicrral tismo e supe rstição) corn tal pescl a ponto de sufc)car as cspc-
é eucarnável em formatos originais e surpreendentes. Mas e fantilsia rânças do presente (a liberdade da heroína ott do herói) clentro
conto gênero tevc pouco exercício no Brasil, só recentcnlcnte do beco sem saída formado pela encarccralnento físictt (o c;rh-
bouço, a sala trancada) ou sirnplesmente os conflnalnentos c1a
nascendo como Llma prática mais constante) às vezes vinculadrr à
cesa de uma farnília, fechando-se sobre si tnestna). Ainda tnais
literanrrir infanto-juvenil como os romances de l-ttrz llobertr-r Mec, concisamente (. . .) poderíamos apenas dizer qlre a ficção gótica é
-
lla sua "Sa.ga Rcal de SellardLlr", publicada. a partir de L994 caracteristicamentsobcccada por velhas construçóes cotno locais
outras ao estímulo de revistas dc rpg como Dragão Brnsil, Só
-,
Apantr,trAs de decadência humana.83
100 - rrcçÃO CIENTIFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL Ca pítu lo I- 101

BradfordMorrow e PatrickMcGrath afirmam) na antolo giaTbe Jack Torrance, um escritor frustrado que leva sua família para um
LIaa Goth'i'c, que hotel deserto, effi que eles trabalham na sua rlanutenção de inverno.
Aos poucos, do próprio hotel, imagens de violência e corrupção vão
vários fatores surgindo e envolvendo Torrance, até o ponto em que ele se volta
.conspiraram p.ara o nascimento [da tradição
gótica], entre eles a teoria estélica de que o Horrivêt e o Terrivel contra a família. Ainda que o romance esteja cercado de outros
eram fontes legítimas do Sublime. Uma olrrra influência foi o
culto da Natüreza) que desabrochou plenamenre com cle Sade, elementos do horror moderflo, há uma estrutura clara de ficção
que considerava o conto de terror um produto de rebelião gótica presente nele.
revolucionária: em 1800 ele escreve) "não há ninguém vivo E quais seriam os elementos mais modernos do horror) A
qle não tenha experimentado mais infortúnios em quarro ou distinção mais significativa é justamente o afastamento da atmosfera
clnco anos do que poderia ser descrito em um sécirlo pelos
romancistas mais famosos da literatura: foi necessário invocar carregada das ruínas e charnecas ou florestas sombrias da Tiansilvânia
o inferno para conquistar o interesse". Finalmente) houve o elementos que haviam se cristalizado com o romance gótico e
duradouro apeü.t: pell gentil melancolia das ruínas) úm apetite -com obras de sucesso como Drricwla, de Bram Stoker. Simulta-
que agora adquiria subtons bem sinisrros.Ba neamente) o distanciamento dos monstros imemoriais de FI. P.

Lovecraft.
O terror gótico parece emanar da casar QUe, como símbolo da O horror se voltou para o cotidiano, disposto a assumir a função
psique lrumana, sugere a idéia do cotidiano assolado pela decadência de um espaço metafórico para os horrores mais reais que cami-
e pela coÍrupção. Nesse espaço) a mente perde o controle e se elpro- nhavam em nossas rLlas. Para o próprio Stephen I(ng, em seu ensaio
xima da loucLrra. Dança rnacabra (Dance Macabrer IgBl), foi Jack Finney, o tlutor de
O horror como gênero também se nutriu dos contos de faclas e Os invasores de cnrpls (The Invasion of tbe Bodl Snatcbers ) I95 5 ), quern
de fantsslrlâs, dos folclores e crenças como as do vampiro e do lobi- trouxe essa perspectiva à tona. Outros nomes) como Richard Matheson)
fmi somerl. Esses fatores são análogos às fontes míticas cla ficção cieptí- Frttzleiber ou Robert Bloch i*portante para a fixação do horror
t5: i
fica e da fantasia. Assim como esses gêneros irmãos, o horror se psicológico tiveram
-
contribuiçóes que os tornararl populares
fortaleçsu corl as convençóes do gótico, estabelecidas primeiro coln e influentes.
-,
O castetode Otranto (The Castle ofOtranto,L764), d. F{orace Walpole, IJma das formas mais modernas do horror é a dnrk fantnsy. São
do mesno modo como a ficção científica cresceu corn as sátiias e narrativas que partem de um cotidiano contemporâneo, onde à
utopias, e a fantasia com os romances de cavalaria. O gótico ainda primeira vista nada ocorre fora do normal. Paulatinamente um
esrá vivo no final do século XX, tendo atravessado t.-Üém o século elemento fantástico mágico, sobrenatural ou até mesrno perten-
KX, co[1 obras como 'A queda da casa de L]sher" ("The Fall of the -
cente aos temas da ficção científica se intromete e vai construindo
F{ouse of Usher", 1839), de Edgar Allan Poe, 'A Chapter ip the -
uma atmosfera de horror. Nesse contexto, o horror se torna uma
History of a §rone Family" (t B 39), de She ridan Le Fanu, outra forma de contemplar a realidade irnediata através de Lun espelho
"R.ppacini's Daughter" (1844), d. Nathaniel Flawthorne) e "Olalla" distorcido, no qual a violência, o absurdo ou o inesgerado inerente à
(1885), d. Robert Louis Stevenson. As prestigiadas Joyce Carol vida moderna surge sob uma forma identificável. E, o proccsso que
Oates e Angela Carter são chamadas de autoras neogóticas. Mesmo o Scott McCracken chama de "duplicação", "onde o mundo normal é
romance o ilwrninad.o (The Shinninry,L97T), de Stephen I(ng, pode refletido de volta como uma caricatura distorcida e grotesca de si
conrer algo de gótico, pois narra a desintegração da personaliãaàe de mesmo)) 8s E muitas vezes essa reflexão assume a forma do mal que
1OO - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo I- 101

sua família Para um


Bradford Morrow e Patrick McGrath afirmam) na antolo graThe |ack Torrance, um escritor frustrado que leva
I{aa Gothic, gue hotel deserto, effi que eles trabalham na sua manutenção de inverno.
Aos poucos, do próprio hotel, imag.ry de violência e corruPção
,r1,
vários fatores conspiraram para o nascimento [da tradição s.,rgindo . .rrrrolr.t do Tiorrance, ãté o Ponto em que ele se volta
gótica] ) entre eles a teoria estética de que o Florrível e o Terrível conrra a família. Ainda que o romance esteja cercado de outros
eram fontes legítimas do Sublime. IJma outra influência foi o elernentos do horror *oã..oo, há uma estrutura clara de ficção
culto da Natureza) que desabrochou plenamente com de Sade,
que considerava o conto de terror um produto de rebelião gótica presente nele.
revolucionária: erl 1800 ele escreve) "não há ningném vivo E, quais seriam os elementos mais modernos cto horror)
A
distinçáô mais significativa é justamente o afastamento da atmosfera
3,.;HXX:'J53'ff ;trJ"lii:1"á::ilr:'H'.:,;"#.1il1:,:: .rrr.gàda das *írrm ou florestas sombrias da Tfansilvânia
e charnecas
romancistas mais famosos da literatura: foi necessário invocar
o inferno para conquistar o interesse". Finalmente) houve o elémentos que haviam se cristali zado com o romance gotico e
duradouroapetite pêla gentil melancolia das ruínas) rim apetite
-com obras de sucesso como Drricwln, de Bram Stoker. Sirnulta-
que agora adquiria subtons bem sinistros.Ba neamente) o distanciamento dos monstros imemoriais de F{. P.

Lovecraft.
O terror gótico parece emanar da casa) 9ue, como símbolo da O horror voltou para o cotidiano, disposto a assumir a função
se
psique humana, sugere a idéia do cotidiano assolado pela decadência de um espaço metafóri.o para os horrores mais reais que cam.i-
e pela corrupção. Nesse espaço) a mente perde o controle e se apro- nhavam em nossas ruas. parã o próprio stephen I(ng, em seu ensaio
xima da loucura. Dançn rnacabra (Dance Mncabie,Ig8l), foi ]ack Finney, o 21utor de
Os invasores d.e cntrpu: (The Invnsion of the Body Snatche?s) 1955),
quem
O horror como gênero tambérn se nutriu dos contos de fadas e
de fantasmas, dos folclores e crenças como as do vampiro e clo lobi- ffouxe essa perspecüva à tona. Outros nomes) como Richarcl Matheson)
i-portante para a fixação do horror
ffir somerl. Esses fatores são análogos às fontes míticas da ficção cientí-
fica e da fantasia. Assim como esses gêneros irmãos, o horror se
Frrtzleibei ouRobert Bloch
psicológico
-,
-
riveram contribuiçóes que os rornaram populares
fortaleceu com as convençóes do gótico, estabelccidas primeiro corrl e influentes.
O castelo de Otranto (The Cnstle ofOtranto,L764), d. Florace Walpole, l]ma das formas mais modernas do horror é a dorle fantcüsy. São
do mesmo modo como a ficção científica cresceu corn as sátiras e narrativas que partem de um cotidiano contemporâneo, onde à
utopias, e a fantasia com os romances de cavalaria. O gótico ainda primeira viita Àada ocorre fora do normal. Paulatinamente um
está vivo no final do século XX, tendo atravessado também o século ãl.rr.rrto fantástico mágico, sobrenatural ou até mesmo perten-
KX, com obras como 'A queda da casa de Usher" ("The Fall of the -
cenre aos remas da ficção cÉntífica se intromete e vai construindo
F{ouse of Usher", lB39), de Edgar Allan Poe, 'A Chapter in the
-
gma atmosfera de horror. Nesse contexto, o horror se torna uma
History of a Tyrone Family" (I B 39), de Sheridan Le Fanu, ourra forma de contemplar a realidade imediata através de uln espelho
"Rrppacini's Daughter" (1844), de Nathaniel Hawthorne) e "Olalla" distorcido, no qual a violência, o absurdo ou o inesgerado inerente à
(1885), de Robert Louis Stevenson. As prestigiadas Joyce Ctrrol vida moderna surge sob uma forma identificável. E, o Processo qtle
Oates e Angela Carter são chamadas de autoras neogóticas. Mesmo o Scott McCrackenih.*. de "duplicação", "onde o mundo normal é
romance O ilurninad.o (The Shinning,1977), de Stephen I(ng, pode refletido de volta como uma caricatura distorcida e grotesca de si
conter algo de gótico, pois narra a desintegração da personalidade de mesmo)) 8s E muitas vezes essa reflexão assume a forma do mal que
I

LO2 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo I- 103

convive conosco) em nossos interiores) enquanto em ouffos momen-


cloutrina religiosa-filosófica nascida na França do século XIX, mas
tos é uma força exterior de corrupção e de uÍna alteridade incomuni-
gue, dizem ,lg,rrm) encontrou o seu verdadeiro lar no Brasil.
cável, lembrando o "terror cósmico" proposto por Lovecraft. Outras
vezes ainda, é uma ordem subjacente da naturera, cujo significado Thmanha presença do sobrenatural na vida quotidi1o nos reffIete
à noçáo de q,rê o único modo de compreender a América Latina -
ou origem nos escaPa. No horror, o sense ofwond.e?f e exp.ri*.rrtado
e Brásil em êspecial é recorrer à projeção de elementos absurdos,
como uma espécie de catarse que nos faz vlenciar o terror ou o -
btzarros, e ,ob..rraturais sobre o qúotidiano. A assunçáo básica do
grotesco, Para que, ao abandonarmos o contato com ele, cleixemos a
realismo mágico.
experiência de leirura mais fortalecidos para enfrenrarmos o rerror
contido na vida real. Na visão de StepheÀ t<ing, âo menos, o horror Mas pode-se perceber, ao se analisar a produção recente de
cumPre não aPenas a função de espaço metaforico dos terrores coti- horror brasileiro, que aqui o gênero muitas \rezes se encontra artar-
dianos) lnas) dentro dessa função, se encontra o aspecto mítico dos rado pelo clichê ü§eiro, ãltamente visível (e previsível), d. horror.
contos de fadas, que é apresentar ao ouvinte .*periências terríveis Os exemplos mais claros talvez sejam dos dois cineastas br;rsi-
que o Preparam) criando modelos mentais que lhe são sugeridos seffl leiros associaãor ao gênero, |osé Mojica Marins e Ivan Cardoscl.
que ele tenha que sofrer as experiências terríveis, e Cardoso faz pasricheJcômicos de filmes sobre vamPfro_s e mirmias.
çlue o p.r*item,
relativamente, enfrentar as ameaças do mundo .rrr.i.to. Afirma ter c?iado o seu próprio gênero, o "Terrir". Por sua vez)
Marins parece retornar, talvez inconscicntemente) às narrativas
folclóricãs, no ripo de horror de ossos expostos qlre- Stephen .I(ng
chama de tervor) ouurna espécie de história que "não oferece nenhuma
caracte rrzaçáo, nenhum tema) nenlrum artifício em particular; náo
aspira à l:eleza simbólica ou tenta resumir o espírito do telxPo, e
mente, ou o espírito humano".86 Os filmes de Marins são grotescos)
O potencial da ficção de horror terceiro tripé da ficção grosseiros, às vêzes oferecendo urla moral rudimentar. Todavitr a sLlll
especulativa brasileira vem da alegada vocação do país como
irnro** cinematográfica) o Zé do Cairão, uffi coveiro
com tendências
reunião de diferentes heranças culrurais. Primeiro is tradiçôes narivas, necrófilas e canúais, traveste-se colno versão tropical do Conde
com seus mitos e costumes. Somando a elas (quando não as oblite- Drácula, com ridículas cartola, fraque e bengaltl, unhas monstruosas
rando) vieram os folclores e crenças elrropéias, ih.ior de lobisomens (e verdadeiras), e maneirismos histéricos.
e gnomos protetores dos bosques, rapidanlente adaptados ao Novo
Isso começou cedo na ficção de horror brasileira. I{oite tco trwe?'/l1t,
Mundo. E então, quase simultaneamente) riruais nhi.rrro, e o seu
(IB7S), d. Arnr.s de Azeved., é um exemplo. Algumas cotrsidc-
panteão de entidades da natvrcza. Muitas dessas tracliçóes, crenças
raçóes sobre a presença do fantástico nessa obra podem iluminar a
olt verdades alternativas ainda estão passando muito bem, obrigoár.
questão, inclusive oferecendo insights quanto ao modo como o gênero
Também temos) como tempero forte, muitas tradições religiosas se desenvolveu entre nós.
e suas expressóes sincréticas, no caldeirão brasileiro de religiorid.d.
Segundo o teórico literári oTzvetan Todorov, o fantástico como
e misticismo. A prjelança nadvo-brasileira, o fervoroso .nóli.ismo,
gêneror:.p.rr.s se efetiva no ceso de o texto obrigal ". leitor a consi-
os cultos afro, e várias seitas protestantes mais recentemente impor-
á.r.r o mundo das personagens corrro Llrrl mundo de criaturas vivas c
tadas, as tradiçóes xintoísta e budista que vieram com os colónos a hesitar cnrre urla explicação natural e uma explicação sobrenatural
japoneses no começo do século XX, ê o difundido espiritismo, dos acontecimentos evocados".
87
LA4 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo I- 105

Na novela de Álu.t.s de Azevedo, apenas o Capírulo II, intirulado O horuor sobrenatwral na literotura (Superwnturnl Horuor in Literã,tttre,
"Solfieri", aPresenta essa ambigüidadê) essa "hesitação entre uma L939). Essa percepção redundou em polêmica com Toclorov, que
explicação natural e tuna sobrenatural" necessária à ,.oii. de cita Lovecraft em seu Introd,wçã,0 à literntwrn fntctristicn:
Todorov.
Nesse capítulo, Solfieri narra aos companheiros de orgia a sua
"história sangrenta, um daqueles contos fantásticos como Hoffinann A atmosfera é a coisa mais importante pois o critério deflnitivo
os delirava ao clarão dourado do |ohannisber g!" A narrativa de autenticidade [do fantásti.o] náo é a estrLrtura clir intrig.,
mas a criação de uma impressão específica. ( .) Eis Porclue
se
desenrola em Roma (uma Roma indistinra e vaga, porém) e epvolve
devemos jülgar o conto fantástico não tanto em relação às
a visão de uma dama que provoca profunda iú.;;são no parrador,
intenções doãLrtor e os mecanismos da intriga, mas etn firnção
levando-o a segui-la até um cemitéiio. "LJm ,rro depois,,, âo voltar da intensidade elnocional que ele provoca.se
a
Roma num exemplo de exffema derivação ,, ,inr.rtirn, onde as
-
transiçóes são sob a forma de guinadas bruscas Solfieri reencontra Logo adiante, Todorov contesta: "O medo está freqüentetnente
a mesma dama, porém_ agora jazendo em uma-)cripta rnal ligado ao fantástico mas não como condição necessária."e0
guardada
por um coveiro bêbado. Solfieri a toma em .,rrin rrípidi cena de
De fato, o ensaio de Lovecraft alicerça-se muito mais na defesa e
necrofilia, que resulta na reanimação da mulhe. .rrt., considertrda
na compreensão de suas próprias teses sobre a presença de um sentido
morta. "Nunca ouvistes falar de catalepsiaf É um pesadelo horrível
atávico de "horror cósmico" no espírito humano. Ele próprio traça
aquele que gira ao acordado que emparedam num sepulcro...,,88 Aze-
distinçóes ao que considera "o conto verdadeiramente preternatural":
vedo assim lança a sugestão de um ênômeno,rnt.rrr^l) mas os
acopte-
cimentos posteriore o novo falecimento d;r dtrrna) seu sepulta-
Há que estar presente uma certa atmosferir de terror sufocante e
mento no piso sob o leito de Solfieri e a realização de uma eitátua inexplicável ante forças externas ignotas; e tep qug haver Lrnla
com sLra figurtr compóe Luna atmosfera dúbia, permitindo ao leitor alusão, expressa com a solenidade e seriedade adequada ao tema, à
-
uma fraca, mas Presente "hcsitação" erltre mais terrível concepção da inteligência httmana uma suspensão
as d.ras soluçó naftrral -
ou derrogação particular das imutáveis leis da Naturez\ qllg são a
ou sobrenatural ao ocorrido.
- nossa única defesa contra as agressóes do caos e dos demônios do
os *-lrs capítulos "Bertranrr,, ,,Gennarorr, .,claudius espâço insondado.er
F{ermallll" e "/ohann"
- dispensam
de sobrenatural. São relatos
a presença de qualquer sugcstão
ãe açóes violentri . inioraii, 1..,rútic,rs Por sua vez)a teoria todoroviana também possui Pontos questio-
em suas dimensões trágicas) envolvendo adultério e crimes náveis, que ele próprio parece reconhecer ao afirmar que
passiopais,
incesto e canibalismo. Os itens de violência e sexo são bastante
visuais
r-ro primeiro caso) e bem tnais sugeridos no segundo.
A cacla teste- o fantástico, como vimos, dura apenas o ternpo de uma hesitação:
munho dos convivas da taverna) entretanto, aÀpliam-se os cepários hesitação comlrm ao leitor e à peisonagem, que devem decidir se o
quase oníricos etn sua indistinção e vagu eza.) marcados pelo clima qu: percebe* d.i-.rrg. ou não da "realidade", tal.qual existe na
tétrico e rerrorífico. opinião comurn. No flun da história, o leitor, quando não a perso-
nãgem, toma contudo rrna decisão, opta por uma ou olrtra solução,
Se, estruturalmente ,Itloite nn tavev%.ct não vai de encontro saindo desse modo fantásti Co,"
.,\ teoria
dc Todorov, a realtzação desse "clirna" se encaixa na percepç-ão
que
I-J' P' Lovecraft, um dos nomes fundamentais para o ..rr.ncli6rerlto quando antes confrontara Lovecraft e outros, negando a percepção do
da rnoderna ficção de horror) tem do gênero) expressa no leitor na definição do gênero de um trabalho de ficção.
seu ensaio
106 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo I - ra7

A obra de Álur.., de Azevedo se enconrra armadilhada enrre Outras questóes se fazem presentes) e a principal delas, obvia-
essas duas Percepçóes do gênero do fantástico ou do horror, a que rrente , é se Ái rrr.s de Azevedo teria reahzado, na prática da narrativa
Noite na tavernfi. é usualmente associado. Porém, um caminho *ãis e da comunicação com o leitof, o conceito do sublime.
tortuoso pode ser traçado na tentativa de encontrar uma defilição ao
Thlvez sim, se considerarmos gue, apesar da Pomposidade
mesmo temPo mais definitiva e menos fechada em seus princípios,
exagerada da narrativa e da inépcia em solucionar de maneira satisfa-
comoéadeTodorov.
tóriã as ffansições narrarivas) a novela possui passagens capazes de
Esse caminho passa pelo reconhecimento das intenções de causar forte impressão pela atmosfera e intensidade das imagens. Eu
Azevedo em buscar o efeito do sublime, conforme forrnalizado próprio escolhelia "Bertram" como o capírulo mais inteuso, ro qual a
Por I(ant. A fusão do elevado e do baixo imagem da "virgem- |ruialidade do personagem-narrador e das experiências por ele vividas
prostituta", por exemplo a atmosfera onírica e a incapacidade adngem fortemente os tabus da antropofagia e do assassinato.
de tot ahzar a exPeriência-, tudo isso criando, pela ausência de
- parte essencial dos fatos narrados, Por outro lado, se Azevedo falhou em suas intençóes, isso se
significados apreensíveis mas
deveu aos mesmos exageros e inépcia, agravados pela qualidade vaga
a sensaçáo de um abo alérn, de um ponto de transcendênc-ia esbo-
cle sua ambiência e caracterizaçáo dos Personagens.
çado com o eclipse da razá,o. No caso de lr[oite na, taverna, a
resultância do conceito do sublime aplicado à narrativa é qualquer Em seu ensaio, Lovecraft não poupa implacáveis observaçóes
coisa escura e determinista. críticas à evolução do horror, demonstrando o quanto os seus primeiros
exercícios eram calcados em efeitos mecânicos de aunosfera e repetição
O enfrentamento de tabus sexuais e sociais incesto) o assas-
de clichês de domínio popular. Expóe a freqüente desarticulação das
sinato também, percebe-se) enfraquece certas leis de comporta-
narrativas) c sua excessiva dependência a esses clichês. Defende o
mento -que igualmentc fornecem a "defesa contra as agressóes do
uso mais amadurecido das técnicas realistas) e quando elogia a obra
caos e dos demônios do espaço insondado", tanto quanto as leis ntlturais,
Melrnotb, de Charles Robert Maturin ( L7B2-1524), afirma que nela
na perspectiva lovecraftiana.
.i
íi
"(...) O medo é rerirado da esfera do convencional e exaltado de
Modernamente o conceito do sublime evoluiu junto às litera- B modo a transformar-se numa nuvem negra pairando sobre o destino
- que compóem
turas populares como o horror e a ficção científica, B
§
dos homens."e3 Mais à frente observa que "(...) Histórias fantásticas
uma das heranças do romantismo *
para o do sentido do marayilhoso sérias ou se fazem realisticamente intensas por perfeita congruência
-
(sense ofwortd.er), onde se defende que o maravilhar-se rompc com as
T
d

ü
# e estrita conformidade com a Natureza salvo no asPecto mágico
funçóes mecânicas do pensar corriqueiro, abrindo passagens para ei

específico que o autor se permite (. . .)"'n


;
outras dimensóes do pensâmeltto. E,is porque a ficção cientrfica ténde l
Não se rrata de julgar L[oite nã, tcüverna, pelos paclrões do horror
a se aPresentar como um exercício de expansão mental e o horror
moderno) mas observar que) mesmo Para um texto romântico, é
conro um gênero de contestação dos valores materiais.
necessário uma dosagem de realismo a fim de que a pretensão do
Se Àtroite nn taverna não apresenta elementos sobreralturais en-r sublime não se resrrinja apenas a uÍna formula de efeitos de linguageltl.
Proporção suficicnte para projetá-lo em definitivo dentro clo rrlcance Para que a transcendência possa ser atingida, são necessários índices
do gênero) scm dúvida os seus componentes essenciais e suas do real a contrapor-se.
proPostas de efcitos estão ali embrionários, como em outros textos
Ál,rnr.r de Azevedo tangeu para longe essa possibilidade ao
românticos de tendência semelhanre.
escolher personagens e ambiência alienígenas ao contexto social
1OB - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo t- 109

brasileit?. de sua época. Mais que isso, sua narrativa foi enfraquecida
A novelaVornpiro (L993), de Luciano Tkigo, sintomaticalnente
pelos índices imitativos nela piesentes, que remerem não ro à ouffa
apresenra um protagonista que é tão agorófabo, tímido e enrustido
realidade, tnas a outro ideário não dominado pelo autor) rornando-o
quanto o próp no Azevedo parece ter sido. Na narrativa, o Perso-
apenas um imitador das convenções góticas.
nagem sem nome paulatinamente se observa mudando para uma
Bertram, Claudius Flermann) Johann, Solfieri, Archibal,C, forma comportamento semelhantes aos de um vampiro. Essa hipó-
e
Arnold; cidades exóticas e castelos soturnosi piratas, becos escuros e tese se real LZa) porém, apenas no plano metaforico, como uma deri-
duelos. As nacionalidades sugeridas são o itafiàro, o ínglês, o alemão. vação de influências culturais diversas (cinema, principalmente),
A lrusca de um exotismo afinado com esse gêrr.rõ de narrativa associadas a clichês e velhas recorrências usuais, serl um lastro mais
impregna ostensivamente l{oite no tayerna.)mas ancorada em índices forte na realidade particular da sociedade brasileira. E o horror colno
de uma forte estereotipia. gênero) nunca se realtza na novela.
fsso de deveu à combinação das influôncias européias sofiidas Tudo parece o produto de uma experiência restrittr ao plano
P.lo autor) e a ulna "saudade da metrópole" qlre Azevedo *rt conseguia cultural-literário apenas) tanto na obra de Azevedo quanto na de
refrear, exPressando-a freqüentemente em sua interminável coães- Tfigo, que também partilha urn clima de degradação (ainda que
pondência com a mãe, a irmã e o amigo Luís Nunes, onde a São descrito de modo mais sutil) enquanto se apega ao valor romântico
Paulo em que vivia, pela metade do sécul,r XfX, era retrata,Ca como o do amor puro.
pior dos rincóes, Povordl por gente inculta e rústica. As impressóes
Se no aro de analisar a personalidade de Azevedo com base nos
de Azevedo chegaram a impreisionar Edgard Cavalheiro, àorro ,.
seus textos esbarra no claro equívoco de julgar o caráter íntimo do
percebe em sua introdução ao volume duplõ l{oite nata;perru.afMacririo.,
criador pelo artefato que é uma ficção construída de linguageffi
e foram desmistificadas no ensaio "ú São Paulo de Á1.,rr., de - -,
a carência da cor local (tanto brasileira quanto estrangeira, pois o
Azevedo", de Brito Broca.es
vago da ambiência torna-se cada vez mais incômodo à medida que
Se Azevedo considerava São Paulo como assolada pelo tédio caminha a narrativa) é urn fato a apontar para uma postura detectável
ea
insipidez) aopinião não era compartilhada por seus conremporâneos. de negação da realidade brasileira, e de qualquer intenção de agir
Tânto Cavalheiro quanto Brocà, porém, ãceitam gue, .- algurna sobre ela. Em associação com os depoimentos registrados em sua
medida, o poeta interiorizãra-se em Lun mündo pa.tiZ,rlar, correspondência, firma-se assim a impressão de "saudade da metró-
ior19m
marcado pela literatura de Byron, Musset, Hugo, Shakespãare. Suas pole" e iaeat ízaçáoromântica que teriám movido Álu.res de Azevedo
criações literátiTl portanto) seriam a expressão desse murrao pessoal ite na tapern a.
em Àtr0
apartado da realidade do "mundo e*terior", onde tensões básic
sexualidade e identificação social
Alguns trechos de sua peça Mncririo) como salientou E,dgard
se digladiariam.
- Cavalheiro na Introdução, sugerem o choque desses impulsos saudo-
Essa exPressão de um universo mental inte riortzado, distapte
da sistas por uma realidade menos provinciana que a brasileira, e Ltm
realidade social brasileira, e muito mais determinado por uma influ-
impulso contrário que reconhecia a distinção de ser não-euroPeu:
ência cultural e literária que por uma experiência o" reflexão em
"Esperanças ! e esse americano náo sente que ele é filho de uma nação
primeira-mão da vida, está présente na moderna expressão local da
nova) não a sente cheia de sangue , de mocidade e verdo r?"e6 E o que
ficção científica e do horror. Predorninam o imitativã e o introspec-
drz o personagem Penseroso. Mais adiante, responde-lhe Macário:
tivo, tornando a ficção o palco de ext errorizações de ansiedadãs e "Muito bem, Penseroso. Agora cala-te: falas cotno esses oradores de
desejos mal resolvidos no plano imediato da vida.
lugares-comum que não sabem o que dizem. A vida está na garrafa
1 10 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL Capítulo I- 111

de conhaque, na fumaça de um charuto de F{avana) incentivava outros autores a produzirem ficção dentro do seu modelo,
nos seios volup-
tuosos da morena. (...).r, e Clive Bloom, autor de Cult Fiction: Popular Reading nnd Pulp Theory
Em ]{oite nn topernct vence a saudade da metrópole e a imitação. (1998), observa que ao permanecer
Em boa Parte da literarura brasileira atual, ainda'r.r-,..r, dirrersas
exPressões.d...r- provincianismo que não se permitiu diluir-se anônimo, Lovecraft não impóe nerúuma ética burguesa do artista:
com
o avanço da história. No gue diz respeito aô gênero do horror) qualquer escritor pode unir-se à sua mitologia e criar novos
o monítros. O nome-de Lovecraft em suas histórias funciolt;l colno
mesmo padrão se rePete. É como se a ênfase-dada pelo
horroi à um tipo de história que qualquer urn pode criar e que permite a
criação de aunosfcra impelisse os autores a buscar os rnesmos uma tradição emerglr: mesmo durante o seu tempo de vida ele
recursos)
os mesmos dispositivos. Isso se revela, por exemplo, rescreveu histórias de outras pessoas, e August Derleth completou
no modo como
tentativas mais modernas.de prod uzir hbrror ,r, Érrsil os trabalhos náo terminados de Lovecraft, após a rlorte do alrtor.
apelam para o
pastiche e a citação, esPecialmente cinemarográfica. A O elemento essencial que assim emerge constitui os processos
cinemarografia industriais dentro dos quais as histórias de Lovecraft existem.
de rvatl Cardoto.,. por exemplo, baseia-r.lro pastiche,
no humor Sempre diferentes) as "histórias de Lovecraft" (. . .) são, ao tnesmo
arrancado dos clichês de filmes B norte-amêricanos tempo, sempre as mesmas: elas refletem a necessidadc de um
e ingleses,
enquanto que a de ]osé Mojica Marins é uma diluição processo emlinha de produção e de um produto não rnodificado
desses ãti.t C,
em um mundo não modificado um mundo cuja ausência de
em uma massa elementar que dispensa até mesnlo a - terrifica.e8
citação. mudança reconforta tanto quanto
A mesma tendência é perceptível na influência de H. p.
Lovecraft sobre autores como Cirlos Orsi Martinho e
Miguel A pergunta que fica é: precisamos nos unir a esse Processo, além
Carqueija. Martinho tem um livro de pastiches de Lovecrafr,
Med.o, do plano circunstancial da hornrncügel Bloom ainda localrza na ficção
ruistério e ruorte (1996). Neles temos antigas raças
e altigos horrores de Lovecraft traumas pessoais que a impulsionariam. Mas
cósmicos, livros antigos com estranhos cóãigos para
reviver os rnorros
ou Para invocar antigos e inenarráveis
-.^tros. Em várias ocasióes
Martinho é capaz de converter os excessos lovecraftianos à realidade
a fim de cornpreender [a] ambivalência sobre a obra de Lovecraft
é necessário ver que os traumas pessoais de Lovecraft foratn, de
brasileira, cercando-os com alusões indígenas ou ao futebol fato, os trauvníts sàciais de um grlrpo do qual a sua obra emergiu e
ou a
cultos new nge (como no conto de 1998; "Sob o signo para o qual sua obra era endereçada. Enquanto o grlrpo de leitores
de Xorh,,, cvoluitiao longo dos anos desde a sue morte) e r> rruilieu específico
em owtras copas, oatros ru.un,dosr IggB), mas quase semprc
a slra no qual ele escreveu pertence ao passado, não obstante ainda ci
linguagem soa fora de tom efeitos'baratos. Martinho está bem
e seus posíível identiÍicar algumas qlr.eslões culturais mais a.Tfil1., q.l,:
quando se afasta da influência. Por ouffo lado, Carqueija runpederr o seu trabalho de ser de interessc puratnente histórico.'e
T:ll_:t_
lnterPreta mal o chocante niilismo de Lovecraft e colore ,, ,.rá,
histórias com alegres heroínas) como na sua edição ama,Cora Para empregar as estrllruras narrativas do autor norte-alnericano,
cle I999t.
A ôncoro dos a.rg0vtã.u,tas, ulna noveleta love.rofri, najuveni:l.grrUrr. sem se tornar apenas um repetidor mecânico dessas estruturas) seria
algumas vezes apreciável, as apropriaçóes lovecraftianas necessário, para manter o espírito da sLra produção, somar e elas
fr.qüen-
temente populares raramente funcionam como o programa - dã u.r treun-ras ou angústias de olltros grupos, outro tempo e outro espaço
-
autor) e o único escritor vivo que parece se dar bem com elas contemporânecl c L'lrasileiro, nestc caso.
enquanto exPõe, dolorosapnente) as limitaçóes de Lovecraft -
é É pr..iso lembrar ainda que o próprio Lovecraft estava cansado
talentoso norte-americano Thomas Ligotti. Mas o - o
próprio Lo'ecrafr do seu esquema) que) no final de sua curta vida, ele assumia como
LLz - FICÇÃo cIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo I- 113

tolo. r00 Em *L929 Lovrecraft escreveu sobre sua inabilidade em sobreviver como leitura e como exercício de horror nacional. Tâlvez
cscapar da influência literária seja de Poe ou de Dunsany, 'onde', ele porque o estilo rebuscado, beletrista ao extremo) característico do
perguntou, 'estão os meus trabalhos de Lovecraftl)))I0r à,rtoi, nubla apenas parcialmente uma estrutura romanesca muito
O fenômeno da recuperação mecânica do clichê também se dá precióa . .o*p.tente. Cada cenário é montado com cuidado, o grau
com Heloisa Seixas) autora que surgiu em I995 como revelação na ãe sobrenarural de cada evento fantástico é calculado para amParar o
literatura brasileira. Sua coletânea de histórias, Pente d.e Vênus, foi suspense) e os diálogos contribuem para a caracterização dos Perso-
finalista do Prêmio /abuti. O seu primeiro romance) A porta (1996), na§ens, dando a cada uma Yoz própria.
é uma ficção de horror na linha de Anne Rice: cheia dê situações de A premissa é também interessante: um grui_o d. lr.bitantes do
erotismo, escatologia, ambigüidade e dominação sexual. Fala de Rio de janeiro na virada do século XIX para o XX se vê dividido em
F{elena, que conhece um homem misterioso durante uma orgia no suas opiniões a respeito do mais estranho morador da pensão em q!.
Rio de ]aneiro. Como acontece com a maior parte da ficção cúta de viveml o inglês James Marian, descrito como p_ossuilot do físico de
Seixas, os temas da submissão feminina e escravidão sexual são um Adónis) mas com o rosto de uma beldade feminina. O narrador
imgortantes. A prosa é pomposa, cheia de frases convoluras de imagens eventualmente se aproxima dele e descobre que não se trata de uma
ambiciosas que se esgoram em alguma metáfora apagada. metáfora, e sim db engenho de um místico oriental, Arhat: ao
A porta, como em muitos romances de Arne Rice, exibe urr presenciar um acidente, Arnat recupera dois corpos mutilados
cruzaffIento muito claro entre ficção de horror e roman uma menlna cuJo corpo foi esmigathado) um menino decapilado -,
sern
mencionar o seu conteúdo de pornografia soft. A linguagem de Seixas e recombina as parres aproveitáveis numa criatura híbrida qY.
é artificialmente "elevadâ", e a maior parte dos seus ãf.itor dramáticos ele traz de volta à vida, recorrendo aos seus conhecimentos da
..Magna ciênciC'. Na premissa encontram-se a influência do romance
se dilui em rnetáforas batidas. Seixas também editou duas
- que
antologias de histórias clássicas de horror internacional (sem brasi-
fraikmstem,; orThe Modern Prornetheus (IBIB), de M.ry Shelley (L797'
leiros) é uma espécie de 'Anne Rice brasileira".
IB5I), com urn misticismo oriental reencarnacionista que se comunica
- muito bem com o espiritismo, muito presente no Brasil dessa época.
A razág do apelo dos clichês está na própria narure za da ficção
É, desse segundo aspecto que emana ainda outro elemento
de horror. Como apontou o crítico norte-ãmericano Gary K. Woife,
fantástico do rornance, sob a forma de uln livro entregue a )arnes
a diferença entre o horror e a fantasia (como gêneros literários) está
Marian por Arhat, que o informa: "Tens neste livro toda a tua vida,
llos efeitos de clima e atmosfera, mais do que nos temas e motivos do
mas o iãeograma em que foi escrito só poderá ser decifrado Pot
gênero. r02 O termo dnrk fantasy (fantasiã sombria) irrompe dessa
alguém q,rã haja atingido a perfeição.')r04 Desvendado o destino
percepÇão_, quapdo os elementos de horror são aplicados conrra um
iripresso no liwo de sÍmboloi, ]ames Marian se tornaria "um anjo
fundo realista. E natural então (ainda que inaceitávêl;, que os escritores
forcem a mão sobre a linguagetn, que deve criar o clima sombrio e a
..&. os homens) senhor de todas as graças, de todo o Prestígio, uma
vontade soberana em um espírito rlaravilhoso').r0s Se não obtiver
atmosfera certa Para o horror, caindo seduzidos pelo clichê. Como
sucesso) porérn) um fardo muito mais pesado o aguarda. Parece
Wolfe alerta: 'A fantasia [e o horror] mais memorãvel deriva não das existência de um
descre,r.r, na verdade, a vida que ele/ela já leva
convençóes de gênero e de arabescos de imagens, mas do fluxo da
ser dividido, assombrado pela dupla sexualidade:
-
história sendo contada.') I 03

Nesse sentido) o romance do prolífico Coelho Neto (1864- Lg34), Se em ti predominar o feminino que transluz n beleza do tett
Esf.nge (1908), incorre na maioria desses "pecados", mas consegue rosto) o rosto de tua irrnã, serás ulTl-rnonstro; se vencer o espírito
T

TL4 . FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo I- 115

do homeffi, como faz acreditar o vigor clos teus músculos, serás


como um imã de lascívia; mas infelizlerás como aincJa não Íroru. o seu diário (por meio do qual aprende sobre sua origem), abriga-se
outro no mundo se as duas almas que pairavam sobre a carne em uÍna propii.drd. mral, tenta faznr amizade com os seus habitantes)
rediviva lograram insirluar-se nela. Iffi lnas é noVamenre rejeitado (agora por sua aparência), e sai ao encalço
do seu "pri". A certa altura, ambos se encontram numa ilha remota
É o que Arhat informa. do arquipélago britânico, onde a criatura exige do t:t criador uma
O livro de símbolos contendo o sentido da vida do personagem fêmea, "ào [ottet da quanto ele",rr0 com quem deseja Partilhar sua
incorpora o Progralrta literário do romance, quc obedece ã ipfluênc-ias solidão. Pensa em fugir com ela para "as vastas áreas selvagens da
simbolistas (também expressas nas alusões órientalistas, ro dcscriti- América do Sul" (todos fogem para o Brasil...), onde viverão como
vismo maneirista dos ambientes) e na condenação cla Era
um novo casal primordial. Percebendo a analogia, Victor se assusta
c-la Máquina com a possibilidade de multiplicar o horror de sua criação) com o
pelo poera Décio, um dos personagens secundários)
casal gãrando uma tribo de monstros nas selvas amazônicas. E,le

E, encerrando-ffie, irbria agoniadamente o volurne cravando os


,..,rri a oferta, precipitando o confronto derradeiro nas vastidóes
r rr
olhos nos sírnbolos para drãr deles a Verdade, qualquer rlue fosse, geladas do Artico.
a solução d9 grobletna terrível da rninh'úna oodat .lrnas gôrninadas Em comparaçáo, Arhat é um criador de muito maior resPonsa-
que se degladiam na arena revolta que é o meu coração rnísero.,u, bitidade prt.irral e senso de sacrifício, talvez mesmo num sentido
( ) .E q.,.rn sabe a história da sua almal Qr-reml I Todos posssern cristão, ,p.rnr de toda a afetação orientalista que o autor lhe confere:
urn livro como este visível ou invisível, irão é verdacle)^A vicla é
-
assim: temo-la sob os olhos e não a decifralnos... e ela clevora-nos.
E a Esfinge. (. . .),0*
[iin:.",ffi ft:ç,rlllllâ§:rffi*Tfti+l#iF"i*
meu fluido com o mesmo amoroso desinteresse cotrl que a ave
|ames Marian declara ao seu amigo) o narrador, em duas oportuni-
dades. A existência humana) em toda a sua complexidard., t.ii. o sell rxarernal encrava as garras no peito esborcina e chlga a bicadas
fàzendo rebentar o sangue com que ciba o ninho.r12
sentido desvelado a quem fosse capazde decodificar os seus sírnbolos.
A razío da presença de James no Brasil, por sua yez)se conecta com
t1 visão simbolista de que na natlrreza também se encontrrlm O dilema de ]ames Marian (nome bastante ambíguo) não é,
os
sírnbolos reveladores: "Eu aqui procurci a Narurcz:,t, sóme relacionci portanto, o de uma criatura rejeitada pelo criador, mas o de uma
com ir paisagem e com a luz.))loe p.5on de sexualidade dividida, que não encontra lugar no seu
conrexro social. Nos últimos capítulos, o leitor fica sabendo que
Talvez valha a pena ainda retornar à comparação com Frnnkenstein.
)ames havia, ao longo de sua trajetória, fixado para si uma identidade
O pioneiro livro de Mary Shelley, que muiios, a partir de Briarp W feminina. Diante diiso parece correto enxergar em Efi*g, uÍna reflexão
Aldiss, acreditaffI ser a prirneira obra moderna de ficção cieptífica, é apesar do equívoco representado pelo estilo
simpática e eftcaz
claramente um rontance lnoralizador. Shetley escreveu a história de
excéssivo
-
sobre a transexualidade e o homossexualismo.
uffIa gravidez indesejada e nela condenou a falta de responsabiliclacle -
O romance foi certamente inspirado pelo quadro simbolista do
paternal. O I)r. Victor Frankctrstein gera a sua criarura rl pirrtir clc
pintor belga Fernand I(hnopff ( 185 B-L92L) A esf,nge (The Sphirux), tJe
processos químicos e alquímicos, Inas) depois de um curto entusiitslrro
iSqO. Thmbém conhecido como-4 rtl,uma das obras mais conhecidas
por sua criação, é assolado por dúvidas e a rejeita. A criarura enconrra
do artista) o quadro apresenta a sensual e inquietante imagem de um
116 - rrcçÃo crenÍrlcn, FANTASTA E HoRRoR No BRASIL Capítulo I - Ll7

homem sendo acariciado por uma estranha criatura híbrida de muitas situaçóes, os temas estão presentes) mas a obra não será
guepardo e de tun homem. Por sua vez)a figura do homem incorpora percebida como sendo de horror. }Já, um encontro com o diabo em
um outro nível de hibridismo: seu rosto é o mesmo da mulher rêtr.- Grnndn sertã.0: vered.os de Guimarães Rosa) e) embora o ffato com o
tada em Estwd.o d.e uvlrzr rnwlher (Study of a Wornan), também de f 89ó. diabo contribua para o enredo e para a transformação de Riobaldo,
Essa mulher era a irmã do artista, que aparece em várias de suas dificitmenre ele séria chamado de romance de horror. Mas o conto de
pinturas, inclusive Med,wso nd.orru.ecid.a (The Steeping Med.wsn), outra enconrro-com-o-diabo de Braulio Tâvares, "sympathy for the Devil"
pinrura de 1896, agora com a cabeça de urna muthér unida .ô.o.po (1989), ainda que altamente literário) metaficcional e estilizado, é
de uma ave. claramenre uma história de horror por causa da qualidade sombria
Coelho Neto, assim sintonizado com a ambigüidaderfezainda da transformação do personagem principal. "Engaiolado", de Cid
um bom proveito daquela "hesitação entre uma eiplicação natural e Fernan dez (na antolo gia Estrnnloos contntos: arn pnnorarna d,n wfologia
uma sobrenatural", de que fala Todorov. A história tennina com o ern 15 nnruntiyas extraord,ind,rinsr lgg8), é uma história de OVNIs
narrador que, após ser visitado por um espectro de James Marian tão carregada de rorrurantes imagens de claustrofobia induzida
enquanto o inglês já estava embarcado em um navio corn destipo por alienígenas abdutores) que só poderia se chamada de uma
- EuroPa tem um colapso e passa algum tempo desacordado num história de horror, e runa de grande impacto e qualidades assustadoras.
hospício. -,
1
Teria ele sonhado tudo aquilo, sugestionado pela diário de Tàmbém runa noveleta sobre O\rNIs em Estronhos contatos que pode-
|ames (o,, texro ficcionall) enrregue a ele para traduçaõ1... ríamos chamar de horror é 'A nós o vosso Reino", Por Finisia Fideli,
Há ainda na obra elementos distintivos, que o distanciam dos tratando de um culto ufológico que tem o seu guru místico eufren-
modelos estrangeiros para o romance sobrenatüral, especialmente o tando náo apenas E.Ts invasores de corpos) mas também um aPoca-
de'forma britânica: os argumentos religiosos que o fi§am ao espiri- lipse muito pessoal.
tismo, filosofia então muito em voga (e aindi nqe d. ..percuisão Mas enrão, quando se quer produzir uma comédia de lrorror)
sem precedentes) em sua fixação no Brasil, quando compara,Ca ao pende-se para o lado oposto é necessário enfattzar as convençóes
esPaço conquistado em ouffos países); o peso da paisag.rn brasileira,
-
ão gênero) que são satirizadas sem perdão) como no romance de
e o próprio beletrismo de inspiração francesa que rornava rão carre- Neil Gaiman & T.rry Pratchett) As belns e precisns profecios d.e ,4gnes
gada a escrita de Coelho Neto. Seu exemplo nõs permite reavaliar o LIuttery bruxa (Good. Ornens: The ltlice and.Accwrate Prophecies ofAgnes
dilema da incolporação do horror a partir do peso de urna linguagem Nwttery Witch,1990). Algo semelhante se dá por razóes satíricas no
marcada pelo clichê embora convoluto e dedicado ao arab.i.oã *o recente romance curto de Ivan Iaf, O vnrnpiro qwe d,escobriw o Brasil,
arcaísrno, o estilo de -C,oelho Neto em Esf.ruge consegue evitar os clichês que segue um vampiro que, por sua vez) é seguido de Portugal para
do gênero e) no máximo) torna apenas um po.rcô mais opaca uma ó Brasil pelo mestre-vampiro que o transformou na criatura amaldi-
narrativa desenvolvida com admirável precisãó. Tema . ..r.ãterização çoada. Sendo imortal e tendo dificuldades para encontrar seu alvo, o
é que o colocam como uma obra de horror) nem tanto o estilo. vampiro Antônio Brás testemunha a história do Brasil, encontrando-se
A pesquisadora venezuelana Ingrid Kreksch e o auror brasileiro com outros de sua espécie pelo caminho, a maioria deles vivendo
Braulio fàvares argumentam que autores latino-americanos como como importantes políticos.
Iúlio Cortázar, Carlos Fuentes) Gabriel García Márques e Jorge Luis Outra sátira histórica é Merndrins d.e uru. diabo de gnrunfn, d.
Borges tendem a cenffar suas intenções de horror nà cüma e atmos- Alexandre Raposo (1999), vasto épico de história oculta narrado por
fera, distanciando-se das convençóes do gênero. Por outro lado, em um "diabo de garrafa", desde a sua conjuração em L526. Leitura
118 . FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo I- 119
-
agradável com momentos hilariantes) o romance não obstante se durante a jornada ela é abduzida, seu bebê é levado e seu corPo
torna) com freqüência, uma aula meio chata, baseada nos vários murilado é abandonado diante de um intrigado e chocado Chaucer.
livros de historiae biografias que o autor glosou) em costura às vezes Scavone projetou ao passado o padrão das assim chamadas "abduçóes
frouxa. Um pouco mais de humor e enredo dariam a ele um apelo por O\rNIs" dos nossos tempos, e criou uma inquietante história de
maior e mais força narrati".. É urn livro espirituoso e erudito, misrura horror sobre abuso e desamparo. Na perficrmance virnrosa de Scavone,
de fantasia e relato histórico, que dificilmenre se poderia chamar de o esrilo e as convençóes próprias da linguagem medieval contribuem
história de horror. também para tornar o livro notavelmente verossímil.
Vampiros estão também presentes na série de noveletas escritas Alguns romances bem recentes têm combinado a d,ark fantasy a
Por Gerson Lodi-Ribeiro, no seu "IJniverso de Palmares", uma rea- um ethos genuinamente brasileiro. A rnã,e d,o soruho (1990), d. Ivanir
lidade alternativa na gual o Quilombo de Palmares se rornou uma Calado, é um dos melhores exernplos. Ambientado nos anos setenta)
nação independente. E nesse contexto que Lodi-Ribeiro coloca o seu segue o anrropólogo ]orge Damatta (homenagem a Roberto Damatta)
"vampiro-científico", noção emprestada do inglês Brian Stableford numa expedição à selva amazônica, em busca de uma tribo indígena
(também uÍn conceituado escritor de literatura especulativa). A criação perdida. Seu grupo é atacado por monstros invisíveis e ele é o único
de Lodi-Ribeiro é o último de uma espécie que habitava a América sobrevivente. Eventualmente encontra os índios e passa a viver com
do Sul. A primeira na série é "O vampiro de Nova Holanda" (1998), eles. Mais tarde a aldeia é atacada por uma companhia de mineraçáo
uma noveleta prejudicada por excesso de informação. Em 'Assessor que demandava as terras dos índios. Apenas l)amatta e um curumim
Para assuntos fúnebres" (1997), o vampiro viaja para Londres e escapaffi, e agora todos os "defensores" da tribo criaturas fantas-
se encontra lá com ninguém menos que ]ack o Estripador. A terceira mrgôricas ligadas a cada índio como o seu protetor
- espirirual têm
-
na série é "Os canhóes de Palmares", com menos motivos de horror apenas o menino para proteger. Há um truque metaficcional no
e mais nranobras políticas e militares. Está claro que Lodi-Ribeiro já
conceito dos defensores) que eles surgem do sistema de crenças da
investiu um bocado nessas histórias (todas publicadas em Portugal), tribo perdida, que é sincrético c inclui não apenas seres da natrtreza)
mas elas são escritas de maneira deselegaltte e coln caracteri- mas entidades dos folclores afro e português lendas e narrativas
zaçáo superficial, não sustentando aquilo que a originalidade do
-
que se tornam reais. Quando Damatta e o menino recuam outra Yez
conceito demanda. para a floresta) a firn de real rzar os últimos ritos para a tribo mortâ
ritos que dispersarão os defensores ) são seguidos Por militares
-
No notável caso de O 31" peregr'inl, por Rubens Te ixeira Scavone)
a ambientação histórica da Inglaterra do século XIV ajuda a reforçar a esúpidos demais para perceber que estão lidando com o sobrenarural
qualidade de horror desta noveleta de 1993, que é uma homenagem (principalmente porque a cultura nativa é opaca para eles). I)este
a Geoffrey Chaucer sob a forma de um trabalho de ficção cier-rtífica modo, Calado expóe a estupidez inerente da ditadura e o caráter
que nos diz algo do modo como a cognição é modelada por conrexros obtuso da sociedade capitalista ocidental, quando liclando com
sociais e históricos. A história se dá dentro dos Contos d.n cantutírin crenças não ocidentais.
(The Canterbury Thles), de Chaucer) como um novo conro qu«: apre- Seu segundo romance foí lru.perntriz no fi,rn do rnund.o: ncernórias
senta um trigésimo-primeiro peregrino junto ao grupo que se enca- d.úbias de Arnélia de Lewchternberg (L992) ) romance histórico que
mirtha para a abadia de Thomas Beckett. Ela é uma camponesa que cornbina outra vez dark fantnsy e metaficção. A protagonista é, a
narra aos seus companheiros como teria sido fecundada por demônios. segunda imperatriz do Brasil, casada com D. Pedro I. E ela quem
Tem a esperança de purificar-se por meio da peregrinação) mas narra) enquanto vaga pelos corredores da Biblioteca Naciclnal em
120 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo I - Lzr

busca de sua própria história, para manter viva a sua identidade. O limitaçóes na linguagem que emprega (ainda soando infanto-juvenil).
romance tem o subtítulo de "memórias dúbias" porque Amélia {-lm demônio e duas bruxas aparecerão mais tarde assim como o
encontra relatos biográficos contraditórios, rornando toda a experi- erorismo explícito
-
e embora Kupstas tenha feito um bom trabalho
ência narrativa literária histórica -)
- com que euma
incerta. Calad o faz -
também conrraditóiia c
representação da morte a visite em
com a textura naturalista que encontralxos em l(ing, I(oontze Straub,
e na comunicação de um da classe mais pobre, ela falha com a carac-
diferentes momentos de sua vida. Infelizmente o romance) que denota terrzaçáo e na tentativa de dar ao seu complexo enredo as mtútas camadas
a influencia de Stephen l(ing em seus momentos descritivos, soa de relacionamentos e profundidade psicológica que ele requeria.
como um livro resumido, e não plenamente reahzado.
Essa tendência metaficcional encontra um outro lrlomento ruim
Calado emprega uma outra apresentação cultural brasileira mais em L999, corn a novela de Lutz Antonio Aguiar, (Jrdboro, gue tem
efetivamente na noveleta "Tia Moira" (1994)) Llma história sobre um demônio chamado 'Asimov" fsic) patrocinando uma apagada
telenovela. Tia Moira, que está bem velha e aparentemente fraca da família de mágicos de salão num mundo contemporâneo. A obra
cabeça, obsessivamente escreve cartas para a novela das seis. Seu mistura narração com ensaio, contra o qual os elementos ficcionais soam
sobrinho Carlos nota que a sua vida se torna mais e mais similar ao fracos e básicos) e a caracterrzação geral é igualmente vaga dernais.
enredo da novela, gue, por sua vez) vai sendo realmente conduzida
Por outro lado, Tàbajara Ruas, autor da boa novela O fascínio
pelas cartas de Moira. "Moira", claro, é o nome de uma deidade
(1996), inverte a equação efazum ótimo trabalho de caracterrzaçío
grega associada ao destino) e na história de Calado ela eventualmente
e construção de clima) mas não tão bom com a textura desta história
assume seus poderes de vida e morte. Neste terceiro trabalho meta-
de um homem de classe média qLle herda uma propriedade rural
ficcional, o habilidoso Calado combina a telenovela como elemenro assombrada por urn passado brzarco e violento. Poderia ser chamada de
cultural local, com mitologia clássica e o ethos da classe média brasi- rornance gótico) no sentido de quc é das paredes do velho casarão qLle
leira. E,le é certamente um dos melhores escritores trabalhando no brotarn os horrores psicológicos que irão impregnar o protagonista,
estreito campo do horror no Brasil, e seu A rnã.e do sonhg encontraria Bertholino Rodrigues, homem que descobre que a casa foi testemunha
editor em qualquer país com um mercado forte para a d.arte fontasy. de matança quase ritualística de prisioneiros que seu bisavô, general
Tâmbém influenciada por Stephen King, Dean I(oontz e ourros de uma das guerras brasileiras do século KX, reahzou em vingançar
autores norte-americanos de d.arkfantasy no seu substancial romance de uma suspeitada traição de sua esposa. O que acontece a Bertholino,
de 1997 , O d.eru.ônio d.o cornputador, Marcia Kupsras é oriunda da rica capaz de ver o fantasma do velho general, é que ele abraça o assassi-
literarura infanto-juvenil, em que se deu muito bem escrevendo histórias nato em sua vida, e ern seguida transforma seu filho em círmplice. O
de medo para crianças. Seu romance fala de Tâdeu, Llm jovem da gosto pela rnatança é transmitido pela linhagem familiar, e a vio-
periferia de São Paulo, que aspira se tornar escritor, e que começa a lência histórica do homem brasileiro (freqüentemente chamirdo de
ver as suas histórias incipientes editadas por uma entidade que habita "cordial" e "amante da paz") é brutalmente exposta. Mas no final o
o seu recém-adquirido pc. Então esta é também uma história leitor compreende gue, com mais textura, ele teria sentido a própria
metaficcional (há certamente uma tendência aqui, em ressonância aspereza das paredes desse matadouro) ao inr,és de apenas ouvir faltrr
com obras de Ifing com o Angústia fMysery, I9B 71, A rnetade negra. dela. Ern entrevista ao programa Literntura, de Ricardo Soares) elrl
lThe Dark Holí 1989] e Saco d.e ossos lBag ofBones, l99B], e O cluie do L999, Ruas também admitiu a influência de H. P. Lovecretft.
fogo do infevytr lThe ÍIellfue Clwb, L996), de Peter Straub), e I(upstas É irrprovável que possamos tratar do horror moderno seln ter â
descreve as reaçóes de Tâdeu com grande habilidade, embor, .o* d,ark fantnsy firmemente localizada effI seu celttro. Nesse tipo de
T22 - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL
Capítulo II
ficção, o romance contemporâneo realista vai suavemente sendo defor- Romance científico
mado pelos elementos fantásticos que compóem o clima de horror.
Alguns autores brasileiros realízam processo análogo ao que e
darh fantasy produziu nos países de língua inglesa. Converter as
tradiçóes do horror "clássico" ou do horror anglo-americano contem-
porâneo ao tecido da sociedade e cultura brasileira, é análogo ao
processo qlre autores como Robert Bloch , Frttz Le ibe r, ]ack Finney,
Richard Matheson) Stephen l(ng, Dan Simmons, Stephen Gallagher
e outros fizeram ao converter as velhas tradiçóes de uma literatura de
horror cheias de "convençóes de gênero e arabescos de irnagens" ao que o ouro e os diamantes brasileiros,
contexto de países modernos com todo um rlovo conjunto de medos Iá éum truísmo afirmar
explorados pelos colonizadores por.qgues_es durante o Brasil colônia,
e terrores que estão lá para serem mapeados. O horror ganha rele- Industrial na Inglaterra uma vez que
pagara* pãln Revoluçáo -
vância não apenas por confiar no efeito que lhe dá o nome) mâs por
b"ír"gat tinha pesada dívida com os banqueiros ingler.:. Benr recen-
tentar compreender o tempo e o lugar de sua produção.
temente, quando a Inglaterra derramou no mercado internacional
esse ouro
Autores como Ivanir Calado, Tâbajara Ruas e Marcia l(rpstas toneladas d. o.rro das suas reservas, aqueles que analisaram
ou mais,
têm revelado o potencial para essa revelação no contexto brasilciio. É concluíram que erabrnsileirorestocaaô U há-trezentos anos
difícil dtzer se o mercado permitirá que eles continuerrr investigando e ainda caPaz de causar confusão'
o seu potencial. A ficção de gênero (à qual pertence o horror) no o próprio relacionamento de porrugal com a riqueza represen-
Brasil ainda não é bem vista pela intelligerutsin literárirl ou pelo jorna- metal
tada p.io ouro era marcado po.. sua nolao de que o.nobre
lismo cultural. Quando pensamos nela, imediatamente pensamos eln ministério na Terra) a
deveria ser usado para honrarã D..rs e ao Seu
ficção tradttzida, vinda dos Estados lJnidos olr da Inglaterra) c o Igreja Católica Rómana. E por isso que temos tantos altares
maravi-
único mercado real para ela está confinado t1o carrpo infanto-juvenil lhosos inteiramente decorador com ó.rro, no Brasil e em Portugal
-
quc
ou a variaçóes de romances baratos que nunca alcinçanl as livrarias, e tão pouca ciência e recnologia nos doii países. É it teressante
restritas como estão às bancas de revista. E, preciso criar alternativas Antôriio vieira, padre jesuíta nascido no Brasil, advogou uma Yez
que Pornrgal não à.".tiá exPu§T os jude*.dq P"í:, conforme
editoriais e novas maneiras de enxergar o gênero, dando a ele, quem requeriir
sabe, Lrm lugar mais respeitável, como o que o romance policial e o judeus levariam com eles o
a'Inquisição no sécuto XVft. Afinal, esses
romance histórico já parecem ter conquistado. Luna espécie de prgtoficção científica
sgrr iopȈt vieira, qLre escreveu
publicada em lTLB,Hitt*i* dní"tyro) nurfca foi ouvido - ao conuário,
àt. próprio foi perseguido pelos inquisidores. como resultado
no
distânt. d.rr* poií,i., i"rrq,risitorial, umgrupo de judeus que vivia
Brasil sob , pi.,eçáo ds colonos holandeús, tiveram) com a saída

clos holand.ràr, q"; abandonar a então colônia, às Pressas.


f)epois de
várias aventuras marítimas que incluíram piratas e temPestades,
terminaram nos Estados unidos, onde ajudara a fundar - de todos
os possíveis lugares Nova York'
-
( It NItÍ I(-A, IANI^stA I lt()lilroR
No lil(A.,ll =çÇ Capítulo II r 25

Mls ctrtícl, [)or tlll] pcllsrunct)t() tol'tLl()s()) sc o I]rrrsil ajtrrlr..t assonrlrrol,-sc corlr o cnnrsiâsmo
criar as condiçóes.Para a Rcvolr-rção Incfi-rstrial, rrrnrbópr :lilXil:1,;lli;:1.:1,,,.sinrplcsnrcntc
,rjr,.1.,,, .l
criar a ficção científica, ela também filha da Revolução
rndr-rsrri.rl. ()
Não obstante) no final do sécu-lo pouca ciência e rccrxrl«rgi;r - Dai-rnc uln movimento vibratório tão extenso quanto a
{\
estavam Presentes no Brasil. o país coletivamente
se pensavtl c()r).r( )
tendo o p.apel d: Prover os meios para as naçóes esrrangeiras, Í*H:13,X#:#fl â::i"n.:::X',#:,:n:rT#ffi ,:""3*,::r:
c ,rr Quantas milhas) reverendol..
prolongado relacionalnento colonial foi mantido pela
nossa monarquirr.
- .

Em 1893, Roberto Landell de Moura) um padre


1-
que havia sici«»
comPanheiro de estudos de Enrico Marconi ,r. 'Urriversidaclc
Gregoriana, na Itália, testolr um aparelho de rádio
Íftlff ü1t*1TJffilT,,:l:,f;,"*:r:d$il,';:*
uns dos outros) e isto presentemente, porque funrramente servirão
em São paul até mesmo para comunicaçóes interplane[árias. . .
dois anos à frente de Marconi. A invenção de Moura
foi consideracla
ptll Igreja como um dispositivo diabólico (comunicações sem Íio Olhando-o, espantado com tudo áquilo que acabara de ouvir, o
sci representante governamental, com aquela empáfia muito própria
poderiam ser uma artimanha do Diabo), e ele se dàparo.,
com o desses imbecis, empertigando-se todolnão havia entendidó naãa),
descrédito governamental. Embora Moura tenha
sido bem-sucediclo
:P
patentear o seu emissor de ondas nos Estados Unidos)
nunca o liiHH:,Í'HI;ndo; farei um minucioso relatório a sua
vru ser Produzido e
Posto em prática, até a sua morre em I gZB. Mas
Por essa época todo o Brasil apãixonava-se pelo rádio rerornou
HTI'ffi'â;::l::'i:T["1'"1:'"iTi'i;,:rlá;i:ff g:'::#:',
ao país através do único caminho que importa' - que
vindo áa Europa e
dos E'stados Unidos, depois de seu uso tef sido Chegando ao Palácio do governo, não deu ourra:
certificado por .rr.,
sociedades mais avançadar.

..O
ttguinte diálogo, parafraseado por Reynaldo C. Tâvares
em
- Excelência, o tal padre é positivarnente url rnaluco. Imagine
seu livro rrr,1nírias que o rrid,io não contoa
em um trabalho sobre ficção científica brasileira:
(t»lz; exige ser reproduzido
- :Hfik$il,:l$fi il'":h?:jxã:::

De volta ao Brasil, em 1905, pretendia o Padre Em LB92, Alberto Santos Dumont) um fã de ]ules Verne, foi
Lanclell de Moura
doar seus inventos) com,. t*pr.ctivas patentes,
ao govemo brasileiro.
Para a França construir o primeiro avião capaz de decolar e pousar
Escreveu ao Presidente da Repírblica do Brasil,
Dr. Fra'cisco de Por seus próprios meios) o 14-Bis, pássaro estranho que parecia com
Alves, soliciturdo clois navios da esquadra brasi-
Itl*:tl8u.:
lerra para Lrma demonstração pírblica dos seus invenros.
uma crüz inverticla feita de pipas. Antes do seu histórico vôo de 26
de outubro de l906rele havia ganho o Deustch Prize em 1901, âo
o Presidente clesignoll. um dos seus assessorcs ( . . .), para strber
junto ao padre, a circular a Torre E,iffel com um balão dirigível. O seu Dernoiselle ruma
{'ue ,Cistância desejava que ficesse uln navio do
olltro) no interior da Baía da Guarrr-brr, ( . concepção de 1907.,foio protótipo de todos os aviões leves modernos.
I
Distânciaf No interior da baíal Não, doutoq fora dtr baía) er, Todavia, enquanto os irmãos Wright contestavam ativamente
-alto mar e à distância m:íxima que for possível.. .. outras invençóes de aeroplanos, baseados em urna patente reqlreridtr
(..) nos Estados Unidos, Dumont doou de bom grado a sua invenção à
humanidade, sem se importar em "auferir benefícios".2
L26 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo II - L27

E em seguida, quando os avióes se tornaram um recurso crucial também um impulso substancial à aeronáutica no país (talvez o selr
na I Grande
Guerra, Santos Dumont ficou tão deprirnido pelo mau verdadeiro interesse). Foi ignorado.
uso da "sua" invenção, que terminou cometendo suicídio em 1932,
Ainda no início do século XX, a jovem república brasileira
quando a guerra aérea finalmente chegava ao Brasil, durante a Revo-
permanecia um país rural, agora com um forte fluxo de imigrantes
lução Constitucionalista.
vindos da Europa e do Japão, mas uln país repleto de doenças tropicais
Pode-se argumentar que Santos Dumont era ingênuo, â despeito que feriam o comércio internacional. Um jovem médico que havia
de toda a sua aura cosmopôtita. Ele pôde facilmenre ãngolir o disiurso esrudado na França foi chamado para fazpr dgo a respeito. Era Oswaldo
positivista europeu do benfeitor da humanidade porque ele próprio Cruzr gue , usando os conhecimentos do médico cubano Carlos
era um proprietário de terras no Brasil, herdeiro de uma das maiores Finlay, foi cap az de determinar os meios de transmissão e a estratégia
fazendas de caft da época. Tàmbém não era dele a preocupação de de combate contra doenças como a febre amarela e a peste bubônica,
dar ao seu país onde nasceu e viria a morrer a vantagem na que ele debelou em um gigantesco esforço sanitário que foi recebido
- O Brasil, uma sociedade
corrida tecnológica. -
de base rural, não se com grande suspeita pelo povo, que parecia temer mais a intrusão
preocupava com isso. Paradoxalmente, em L917, Santos Dumont das equipes sanitárias em suas casas do que as doenças. Revoltas
escreveu ao Presidenre da República, com o apelo de que popr-rlares eclocliram, mas Cruz prer.'aleceu.
Ern seguida ele se engajou cm uma cxpedição para pesquistlr o
[de que os] senhore.s dirigentes e representanres da Nação que te rritório continental do Brasil. Era a primeira yez qLle urtll expe-
dêern asas ao Exército e à Marinha Nacional. Hoje, quandô a
aviação é reconhecida como Llma das armas principais dà guerra, dição dessc tipo se realrzav\ identificando os problemas do homem
quandg .rq nação europeia possui dezenas de milharês de aparelhos, brasile iro, em termos médicos e sociais . Cruz c seus seguidores de
quandoo Congresso americano acaba de ordenar a constiução de fato introduzira.m o pens'arrlento moderno na ciência brasileira, quase
22 m1l destas máquinas e já estií elaborando uma lei ordenando a
duas dócadas antes de o movimento modernista chegar aos cantPos
cot]llrução de uma nova série, ainda maior; quurdo a Argentina e
o Chile possLlem uma esplêndida frota aéreaãe gnerra, ús, aqui, das arrcs e da filosofia. Apresentando-se na Feira Mundial na EuroPâ,
não encararnos ainda esse problema coln a atenção que elc merect!, a ciência médica brasileira provou-se tão avançada quanto quirlquer
Lrffra no rnlrndo. O Instituto Manguinhos) coltstn-rído por Cruz,
Sern dúvida, uffi veemente apelo belicista da parre do homem era cntão "unr dos melhores do mundo no seu gênero,"s couforme
que em janeiro de L926 ofereceria um prêmio para um ensaio que declarolr o narrador da ficção científi ca A itgo dos planetas (L923), de
condenasse o emprego de aeronaves na guerra. Santos Dumont foi Albinc> José Ferreira Coutinho.
também o primeiro a demonstrar alguma aplicabilidade rnilitar c1e Cruz era unl sujeito rea.lmente espe rto, que sal-liâ que trtrdar
aparelhos aéreos) ao disparar uma pistola a parrir clo seu dirigível n. disso sobrcviveria à volubilidade dos governos brasileiros. O seu
9, na coÍnemoração do Dia da Bastilha, em 1903. Pretendia homena- rnodo de prevenir-se foi construir o Instituto Manguinhos como
gear o presidente Loubet) mas acabou pregando um susto no francês.a um cirstelo mourisco) morlumento que não passaria des;rpcrccbido,
Santos Dumont tinha certamente uma personalidade conrraclitória, belo dernais para ser posto abaixo pelo capricho de um novo govcr-
que lhe permitia abdicar de patentes) e ao mesmo rempo exigir do nanre . Afinal, o Brasit do corneço do século XX era aitrdrl uttt país
Brasil de 19I7 vm esforço industrial e tecnológico que forneceria com uma queda pela posse da terra e por seu emblcttlil tltrrior: lr
não só um equilíbrio estratégico) em relação a países vizinhos, mas ci1si1 grancle e a lllensão.
L2B - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo II - r29

É em confronto com fundo que os primeiros


esse pano de I§le também fala de um imitador nos Estados Unidos: Luis P.
exemPlos claros de ficção científica brasileira irão ãp.rec.i. togo sc Senarens) autor extremamente prolífico e vinculado a urna série para
percebe que o Brasil não esteve alienado do scient'if,c jovens que I§le chama de "o início do d.irne nwel de ficção científica".
ruvytcün a que sc
produziu no século XIX. Muitos brasileiros tinham o francês como
segunda língua, e estavam familiarizados com aurores como Apareceu em agosto de l8ó8 com o The Steatn. Man ofthe Prairies,
|ules n. 45 da série American Novels, mas passou desapercebida em urr
Verne (1828-1905) e Camille Flammarion (I842-L925). O inglês H. I

mercado menor, de escritos menores. Dentro de doze anos)


G. Wells (1866-L946) também foi influente entre os aurores brasi- I

:x"Hl?:,"!,,:;#T!*;?iTffi il':.":*tÍfJ$i:x:,Ki
1,,,

leiros, ffIas talvez um tanto tardiamente) já que muitos dos trabalho l

locais que evidenciam influência clara do ingtês sobre nós, apare- popular, particularmente [os que tratavarn do] Oeste Selvagem I

ceraln na década de L920. Outro inglês influente por aqui foi Sir Americano) ou histórias de sucesso acerca do mais comum léste,
c.omo Horntio Al4er. Os americanos estavarn lendo grandes qllan-
Arthur Conan Doyle (IB 59-1930). Ern compensaçãô, a influência de tidades de ficção barata, assim com os ingleses) com a sua Railway
Wells é bem mais duradoura que a de outros aurores de scientif.c
r2?uta,utce) excetuando apenas Edgar Allan poe se bern H*m:à:il I:Xffi li.} il :;f'|; ;##,',á*ffi:i; :);; ),
tanto no campo do romance científico propriamente- dito. que nem of tbe Prairies reapareceu como uma reedição dos Bendley's Pocket
No.pels
.(n. a0). Irwin Beadle _ajudou a lançar os d.im,e noyels nos
Um romance brasileiro clararnente influenciado por Verne é O prlmelros anos da guerra dos l8ó0s. Tousley leu sobrc o invenror
dowtor Beruigttus (IB75), de Augusto Ernílio Zaluar (IB)5-IB 82). de quinze anos e.seu.r.obô_gullutavam contra os índios no Oeste
e.se apropriou da idéia. EIe fez o selr próprio escritor imitar a
história e o resultado foí Frank Rende and,His Stenrn Mnn of the
O modelo de Zaluar é sern dúvida []ules] Verne, especialprenre o Plains, aparecendo dois meses depois como um seriado, pratica-
[]ules] verne de wagun an redor dn Lua 1 iszol e',Je cincr se?nnnas mente uma cópia do original. Então veio Frank Reade ànd l{is
nuwt balã.o (1863).ó Or-rtra inspiração confbssa é a do trstrôpomo Stea.rn Hgrserseguido de His Stearn Tearn. (dois cavalos), seguido
francês [Carnille] Flammarion, córn qllern Beniglss se corres- -
ponde e que fornece o telxa ce ntral do iomance: úat-ritabili«Jade
do Sol. l)ele o autor conhecia sem dúvicla, A Pluralid.nde clos W#JfrK,íilff jlffi4gm'âlYh"x:l'H;
em 1862, e os Mwnrtos rruasirtrírios
#::,1;;#!'##:,,f."i§[tii Talvez de maneira um tanto surpreendente, Senarens e Verne se
tornaram correspondentes e criaram uma estrada de mão dupla, ern
Verne não foi imitado apenas pelo brasileiro. David I<1ll. termos de influências:
revela que
]ules Verne, provavelmente atraído pelo romarlce curto para a
o impacto dos seus primeiros allos
[de sr-rcesso como alltor] forapr revista juvenil, em I879,A Tiip to the Center ofthe Earth ôbvia-
cle balançar a terra. Conforme elé continuava) seLls iniiadores mente derivado do seu romance anterior ern enredo e -título
aulnentâvarn. Sua influência na literatura daqueles telnpos agi- -
escrevel para ele tuna carta amigável. O francês, qlre tão freqüente-
tados desafia avaliação. Seus conterrâneos frúceses colrreçararlr mente havia sido copiado) encontrava em Frank Reade, |i. A su;l
Llm estouro dc boiada [no rulno da sua ficção]. Alguns clclcs criull própria fonte de idéias) como em The Stearu House lLn rnnison à
na realidade r.l,r,r pascha[ Giot,rõt, corl1 o pseu- uapewr, IB80] de Verne. Mesmo Robur the Conquerlr lRobwr
$gcíp1los, corno
dônimo de André Laúrie, que colaboroll com o rornâncc c-le FC le Conquéront, lB8ó] deveu muito ao pensarnenro criativo de
The Wreck of Cyruthia lllepave tíw Cynrhin; IBBSl.s Senarens, tal corno o próprio helicóprero gigante. (. . ) As idéias
t'ltl

130 - FICÇÃo cIENTÍFrcA, FANTASIA E HoRRoR No BRASTL Capítulo II - 131

agora estavarn sendo constantemente interpolinizadas; Scnrrrcns Não obstante a influência de urn dos maiores autores de aventLrras
emprestava de volta as suas idéias de Veme descaradamcntc ('
com afeição. to do século KX, o romance de Zaluar tem menos ação física que as
obras de Vernerró e seu enfoque da ciência e da tecnologia reveltt
outro posicionamento.
A apropriação do material verniano por Zaluar deve ser analisrrdrr
sob o ponto de vista de coruo essa apropriação acontecia. Senarens, clrr
Apesar da inspiração de (. .. ) Verne, doutor Benignus e rrnl cren- I

sua parte, teria alcançado, segundo §1., por volta de 1890, a posiçã«r
tista rnuito mais à antiga, rnuito mais ao estilo dos nantralistas
de "escritor líder de 'histórias de invcnçóes"',rr no mercado de ficçã«l eLlropeus e brasileiros que percorreram o país ntr prirneira metade
popular arrericana, passando a ser ele mesmo imitado: do século XIX. [Jules] Verne era fascinado pelas descobertas cien- I

tíficas da época) a máquina a vapor) a eletricidade, a navegação


Uma olrtra editora havia iniciado Luna irnitação com urna série dc aérea. Era fascinado pela tecnologia. Não por acaso) ingleses e
rorlanccs sobrc Tonc EüsonJr cscrita pg. um autor cham.dg Philip americanos apareciarrr com freqiiência em slras obras. Ptrrtictrlirr-
Reade e publicado nulrr jomal de cinco centavos para jorrens. lnente os americanos, cujo país era visto colno centro clo desen-
Então veio um personagern chamado Electric Bob. O editor volvimento da engenharia. AWageru, tto redor d,a Lwa lDt la Tàrye à
Tousley contra-atacou corn umA outra série além de Frank Reade, lnLane, l8ó5] é um hino à engenharia americura. Tecnologia não era
também, por incrível cl,e possa parece! o forte de Benignus. Sua expediçiio é equipadâ coln instmmentos
|;..ffi:lgit}t|;; científicos, inclusirre escafandros, mas eles têrn presença apagada.
O escafandro nem mesmo é posto em uso. A proeza balonística é
delxada a cargo de um amigo unericuro. Benignus é astrônolno e
Zaluar não escrevia para jovensr3 e nío participava de uln biólogo) seu colega de expedição, o francês Fronville, é geólogo e
mercrrdo florescente de ficção popular; inexistente no Brasil de 1875. rnineralogista. Sua principal preocupação é observar c explicar os
Seu mercado era o dos folhetins em jornais da capital brasileira (então fenômenos naturais, não transforrnar lgrtfo nosso] a natlrrc,za.r7
o Rio de ]aneiro), nunla época em que toda a produção literária
corrcspondia ao que Antonio Candido chamou de "tempo da consci- Essa ciência passiva) contemplativa, é índice evidente do modo
ência amerla do atraso", em que "o escritor partilhava da ideologia como a ciência e a tecnologia tinham pouca relevância no Brasil do
ilwstrad.a) segundo a qual a instrução traz automaticamente todos os autor. Do mesmo modo, trata-se de uma ciência e técnica que não se
benefícios que permiterl a humanizaçáo do homem e o progresso da integra ao contrário do que ocorria na Europa e nos Estados
sociedade".la Or', seja, o complexo de infcrioridade cultúrilios fazia Unidos agressivamente à economia ou à vicla social do Brasil. '?\
copiar os modelos de literatura e de pensamento oriundos dtr Europtr -
finalidade da ciência é tornar a humanidade feliz, moral e material-
especialmente cla França effiulando uma consciôncia social qLlc mente. Divulgá-la é um sacerdócio. Quem o faz é um benemérito, é
-preconrzaya a erudição e o didatismo
-, sobre o aventuresco c o narra- alguém que busca o bem da humanidade, é um'benemérito'."r8 Para
tivo. A própria idéia de literatr-rra populnr seria de difícil colocação: acentuar essa qualidade de "sacerdócio" (e portanto desvinculada dos
'A penírria culturalfaziao escritor voltar-se para os padróes metropo- setores produtivos da nação) , Zaluar faz Benignus retirar-sc do
litanos e eLrropeus em geral, formando um agrupamento de certo convívio direto com a humanidade:
modo aristocrático cm relação ao homem inculto."ts E tambérn essa
a razãr> clo herói de Zaluar se chamar "Benignus" c quc a sLra nraior Acreditava plenamente na purificação da. alma p.elo bern. Nãcr
preocupaçío sejar filosofar, exit:ir en-rdição e sugerir utopi:rs rcrnissór'ias queria que o seu espírito, apesar do grosseiro invólucro terrestre)
do Brasil c da Anérica Latina. fosse pela morte degradado para os limbos inferiores. Aspirava ao
L32 - HcÇÃo crENTÍFrcA, FANTAsTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo II - 133

alto, ao inacessível. Queria desprender-se, quanto humanamente humana) massa cósmica, espécie de chama cor de ouro) que se
agitava às mais ligeiras ondulaçóes do ar, sem perder nunca a Pureza
:x:fi::.n;:'JJ:1,1â"'Jff tri#Ítr.:T:ff ffi::::iJ::r,,,"' dos contornos.
Dr. Benignus disse-lhe a maravilhosa apariç.ão eu sou o
Ainda assim, o romance de Zaluar é um dos testemunhos mais
-habitante qúe rlr-procuravas inutilmente nas regióes-,do espaço.
Assim corrro o homem) no mundo em que nasceste, é uma alma
antigos de que o scientif,c rnrnã,nce existiu no Brasil do século XIX.
vestida de ar condensado, eu sou também Luna alma rrestida de luz.
Como afirma Fernando Lobo Carneiro: Venho das regióes sidéreas que nr procuras conhecer e se não fosse
a rua impaciêácia de saber, tão rara entre teus semelhantes) que ngs

O Dowtor Benignws (. . .), que descreve uma hipotética expedição chegou â impressionar, eu nunca me resolveria a descer a utn mundo
científica ao interior do Brasil, enquadra-se sem dúvida no gênero tãolnfimo iomo aquele em que vives. (. . .)"
do romance científico) ao estilo de [Jules] Verne) e já antecipa
algumas preocupaçóes da ficção científica moderna) por sua entu- E o que a etérea criatura tem a revel ar é a confirmação da vocação
do cientista:
ffi ::::'ffi:::'á:3$:r"*;"ff ;',:lffiif, ;i'iiiff i1;,3::
como a da "possibilidade de poderem comunicar-se por qualquer
forma as humanidades irmãs". Também irrestrita é a adesão do Caminha, pois, Dr. Benignus, concorre para infiltrar o bem na
dr. Benignus às então recentes teses de Darwin sobre a evolução alma de teirs semelhantes, e no momento de praticares Lrma boa
das espécies.2o

Zaluar aderiu a várias correntes de pensamento europeu, mas a


ffiliT'fi1**I*rHkm:*H';:.lHffiffilfi
o sírnbolo da aliança e da
púq.re ru talvez
estás destinado a ser
ciência que descreve é primitiva ou ausente) suas fontes são com-
pêndios de história natural e possuem pouco caráter especulativo; as Hüií:'f, :i:il.?l::,'i,'::*?f ;:iffi,.,,1:;,""'rinen'reameri.
aventuras vividas pelos personagens são passivas) sem que os heróis
intervenham sobre a realidade do mundo (ao contrário do que faziam Temos então confirmada a nota de Antonio Candido sobre o
os protagonistas de Verne ou Wells). O romance científiio que ele ideal da iluminação, tanto quanto a sua idéia de que "quando as
produziu diverge da influência. Um romanesco sem avenruras) ulna contradiçóes do estatuto colonial levaram as camadas dominantes
ciência que é só testemunha e nunca agente. Logo no início, Benignus à separação política das metrópoles, surge a idéia complementar
encontra em uma caverna uÍn papiro com a Íigura humanizada do de que a América tinha sido predestinada a ser a pátria da liber-
Sol e uma inscrição indígena que ele interpreta como sinal da dadê e, assim) consumar os destinos do homem do Ocidente".23
existência de vida no Astro-Rei e em concordância com as idéias Um ideal utópico que encontramos endossado pela visitação
espiritualistas de Flammarion. Mais tarde, já durante a fase final da quase-divina do habitante solar junto ao Dr. Benignus, 9ue
expedição aos sertóes do Brasil, ele recebe a visita) como em um int.r já fantasiara em fundar uma utopia na América Central,
sonho, de urn ser espiritual proveniente do Sol: num ponto eqüidistante entre as maiores massas de terra do
continente, râ ilha de Santana, onde Benignus e seus arnigos
No silêncio que dominava esse quadro admirável, viu ainda o "quere m fazer representar (. . .) todas as naçóes principais, atraindo
sábio cousa mais singular. Apareceu diante dele uma figura lumi- à civil rzaçío pela santa comunháo do trabalho, as raças ainda
nosa semelhante ao que se pode idear de mais perfeito na fonna mergulhadas na indolência e no barbarismo".2a
,Yf,I'

T34 - FICÇÃo cIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Ca pítu lo II - 13 5

Há na evocação de seres etéreos) de matéria sublirnada, pre- não conseguiu interpretar as convençóes e os motivos do gênero)
sente na expedição científica e no sonho positivista de depuráção restando-lhe repeti-los sem maior engenhosidade.
da raça latino-atnericana pelo trabalho, â mistura bem brasileipdc
Nesse senrido, os filhos wellsianos no Brasil muitas vezes
inflr-rências conflitantes: Verne era Lrm racionalista, Flarnrnarion um
também redundaram em objetos mal-adaptados.
místico espírita.2s É pottível aplicar a O Doator Benignus orótulo dc
"romance científico", nessas circunstâncias l
Segundo Ilrian Stableford, o scientific ru?nllnce se clesenvolve
coln características opositivas ao que se tornaria mais tarcle a ff1dição
norte-americana da ficção científica.

Flerbert George V\Iells nasceu em 18ó6 na suburbana Bromley,


lO]bras caracterizadas por longas perspectivas evoluciolárias;
P.o1 tlma attsência de múito do sentiAo cie fronteira e da superfi-
enrão urra cidade em rápido crescimento. Era filho de um lojistir, e
cialidade do tipo de herói derivado dasp wlp-ruagozines. qü. .r. como muitos intelectuais ingleses de origem hurnilde quc "se fizeram",
concebido para penetrar em qualquer fronteirúispo1íveÍ; . .r1 Wells assumiu muitas das posiçóes alimentadas pela aristocrtrcia. Os
geral pgt um toln moderadatnente menos espe.rriç,rr,, sobre o corlros de Àtr0 país das fadns (The Best Science Fiction Stories 0f H. G.
funrro do que aquele típico da FC de gêne.o ,té décadàs recenres.2ó
Wells, L966) estão cheios dc nostalgia por Ltm tnundo mágico e
prirnordial terras de fadas ou Marte visto poÍ Lllrl peculiar visor
Mas suas definiçóes são mais dirigidas ao scientific ry?nnnce - diante de um pragmatismo mesquinho e burguês. A loja
-
que se esvar
inglês, cabendo muito bem em Wells e oú.rr) mas deixando de fora,
do pai cteve ter se fixado em sua memória, tanto quanto a paisargem
Por exemPlo, Verne e Flammarion (lembr*do, que na França o gêlero bucólica de Bromley antes de suas trausforrnaçóes urbanas: "O ovo
era conhecido como l)ryttges extrnord.innires). E natural, portanto)
que de cristal" ("The Crystal Egg",lB97) .'A loja rnágica" ("The Magic
o romance científico aPresentasse variações e alcances distiltos, àm
Shop", 1903) apresentam empórios e penhores como janelas Paril
concordância com os autores e países que os produziram.
mundos c evelltos fabulosos) e o último conto está rnais próximo do
O romance de Zaluar é um legítimo romance científico brasileiro lirismo de Ray Bradbury que da fama de Wells cotrlo dono de um dos
do século KX, mas é produto tanto da imitação quanro da distância grandes discursos racionalistas da virada do século XIX para o XX.
cultural sofrida pelo país em relação à Europa. Em-bora tenha tentado
Quando jovem, Wells ganhou bolsa de estudos para Ltma escola
abordar alguns mitos locais (rs idéias ai emérica como rerra cla de ciências londrina e estudou biologia com Thomas F{. F{uxle)I o
liberdade e do continente sul-americano colno o mais antigo do maior defensor das idéias evolucionistas de Darwin no século XIX.
planet o que lhe dtrria alguma primogenitura)) suas disti'-nções Essa formaçáo foi o fundamento da carreira de Wells colrlo jornalista
como romance não são fruto da engenhosidade do autor em adaptar
científico. Simultarleamente) passa a vender contos para jornais
a fiÓrmula ao contexto. Ao contrárió, o contexto se intromete sobre
tr publicaçóes gue, não obstante, ele despre zava. Seus romances tanlbém
-
forma toda a motivação da jornada, sob a forma do papiro colrl a apareceram serializados nesses periódicos, sendo o primeiro clelcs y'
imagem - do Sol e a inscrição indígena, não
passaram clre um ffuque ru.riquinn do tenopo (The Tirue Mochine, LB95), no qual sc evidencia a
do criado do I)r. Benignus, para pô-lo .rr, *ôvimenro e justific.r r,.rn
perspectiva cvolucionista: o Viajante do Ternpo descobrc quc, ;rssiut
afetação de cientista. A especullçío cientrfica não é, portaÍrro) compro-
como outras espécies animais, o ser humarlo é um ser biolilgicct c
vada ou refutada, e na graruidade do recurso) atestamos que Ziluar
náo epenas histórico, destinado, portanto) a Llm declínio c cxtinçãcl
IU{( )lt N( ) lil(A,,ll
Capítulo Il - t37
cvcllturtl' A filrttc rxl liv*r, ó rr rlivis:xr s,cirrl c,tr.c r,r,
cl«l clcclírti«r,
proletariado embrutcciclo . .,rrrr, br-rrgucri. (irt.s.sct frtlrrratt'l
i,r.lolcntc trrrcluzi,tl r .r c()lttrrr et princípicl dcmocrático c pediram por líderes
pri,cipal,preocupação de wells,
que era a de comellrar - e i,rcrfcr.ir. filrtcs, lrirscados ou não cm uma aristocracia intelectual.
nos problemas sociais do seu rempo.
O "Darwinismo Social" as idéias de evolução por prevalência
o grande temor de wells partilhado
pela maioria dos intclcc- *.is -
apto aplicadas à dinâmica social, inspiradas pelai teorias de
tuais europeus do seu tempo - 19
era a explosão demográfica Charles Darwir, (f 809-1882) é facilmente associãvel a Wells e a
- e a catl:r
outros autores que escreveram -o romance científico. Nas palavras de
vez mais explícita pres..rç,
9: .grrndes càndng.rrr.r-li,r*.nos parri -
lhando o mesmg esPaço á. idélas
e culrura anres exclusivo Brian Stableford, "o Darwinismo Social é a tese de que à evolução
cracia intelecrual' Em os intelectwais da aristr-
e ã.s rncüssas (The Intellectwals
and social e a história social são governadas pelos mesmos princípios
tbe 'fuIasses, lggl), o catedrático
d; OxforO, Iohn Carey, dedica dois que governam a evolução das espécies na Natureza, de modo que
capítulos a wells' Num deles,
fantasias apocalípticas a sua Íi:-., il; ; ;;r;; J*p..rsava enr
ansied1.9. É;; ,ma diminuição
conflitos entre e dentro das culturas se constiruem nruna luta pãt.
lacional drástica. Daí contos corno popu_ existência que é o motor do progresso".30 Stableford nora ainda qr.
'A eirela,, (..Th;-star,,, lBgT), "(...) O próprio Darwin não era um darwinista social, preferindo
um dos favoritos dos fãr, com
o planer, q".re sendo vapo rizadopelo acentuar o valor de sobrevivência [representado pela] cooperação nas
choque com um cometâ, e romances
com o Agwevra, di, ,nrndos sociedades humanas."3 I
wor of the world's, l8g8j,.- que (The
a Terra é invadida por marcianos
desejosos de nos usar como Para Stableford, "o mais importante escritor de FC que poderia
gnào, e que destroem toda a resistência
com raios da morte e gases venenosoi. ser chamado de Darwinista Social foi o socialista H. G.-Wells, que
carey ainda nora que a prin-
cipal zona de destruição dos marciarro, não tinha dúvidas de que as 'leis da evolução'descoberras por Darwin
eã.rpldn justamenre pelos
subúrbios que Wells àprendera se aplicavam à sociedade human a,'.32
a despre zarà.rd. menin o.27
wells explicirou:".m opiniões em Freqüentemente o seu Darwinismo Social assumia um aspecro
obras d: ,as quais
Pregava conceitos próximoi da eugenia ou da lã.o-ficção) autoritário e elitistq com o emAMod,eru, (ltopia (1905), em que à,.r-,
higiene Jocial:
luta pela existência'é artificialmente mantidã aqui no treinamenro
rornou-seeüdeiit?,§sT:Í::,lrT,H,1l"Tx.à,i:i:"*,m:: asceta da elite 'samurai"'.33 -
Uma exPressão panicularmente popular da lógica do Darwinisrno
poge dar opo*unidacres a eras ou
ü;;l':t':;"':. conriar-,res o Social no século XIX e início do XX foi a eugenia, compreendida
como ulna transPosição da seleção artificial aplicada a plant6i animais,
í#::'Jfffi§lllllH*u*{**f*Íd'k?'4fi { para o terreno da reprodução humana e do cenário social.
Monteiro Lobato, cidadão do seu tempo que era) caiu pela falácia
Tàis opiniões estavam em concordância do Darwinismo Social. Claramente influenciado por Welli3+ em seu
com as de vários ourros
intelecruais, que na época atacavarn
a educação univcrsal, e so,havam romance O presid,ente negro ow O choque d.as ra.çã,s (L926), Lobato
coln Lrm estado de coisas onde
as "massar"
ipo, si um conceito desu- condena a m€stiçagem brasileira, louva a discriminação racial nos
manizador, segundo carey) fossem
colocadas ern seus devidos lugares Estados Unidos e linça um projeto de eugenia que afirma: "Desapa-
extermi,adas' Ern carta) D. H. receram os peludos [e lembrem-se das sobrancêhas do autor]... os
Lawrence antecipou o uso
câmaras de gás ," e pensadores como
der
Niezstche, Fr.,rà e orreg a ,r
surdos-mudos) os aleijados) os loucos (. . .) a legião inteira de mal-
formados no físico e no moral, causadores de toãas as perrurbaçóes
llil[r
\
llrl
1

138 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo II - 139

da sociedade humana."3s No romance) a divisão do eleitorado branco, O seguinte trecho do romance ilustra bem a visão racista e
emllZ\,permite a surpreendente ascensão de um presidente negro. darwinisti social de Lobaro. Visão que faz a crítica da mistura racial
Como resultado, os brancos se unem mais uma yezpara ressubmeter brasileira e se mostra apologética em relação ao conflito racial nos
os negros ao seu controle. Estados Unidos, pela boca da personagem |ane, filha do Prof.
No seu Introdwçã,0 ao estud.o dn "science-f,ction' (1967), Bensoo, o inventoido "porviroscópio" (um "visor do porvit"), aPa-
Ardré
Carneiro cita o Prefácio da edição de 1926: relho que permite enxerg*r o fururo. |ane dialoga com Ayrton Lobo,
hóspeáe dã família de cienrisras, enquanto os dois assistem ao desen-
rolar dos fatos no ano de 2228:
Ernbora aparenternente uma brincadeira de talento) cncerra
uln quadro do que realmente seria o munclo de arnanhã, se
fosse Lobato o reformador... O conserto do rnundo pela Não acho disse ela. A nossa solução [brasileira] fbi
- -
rnedíocre. Estragoll as duas raças, fundindo-as. O negro perdeu as
eugeniâ, o ajuste do casamento por me io de férias conjr.r§ais,
o teatro onírico... Como FI. G. Wells, Monteiro Lobato suas admiráveis-qualidades físicas de selvageqe o brauco sofieu a
talvez não tenha irnaginado coisas e sim apenas "rrntecipado"
coisas.3ó :fi L-",ni[[,*?:['á,,:::à"?.lHTrX"?Í31;;J;:Ítl,'Ji,[:
se vai operatlão através dos séculos.4r O crLrzamento.pcrturba
essa crisialização, liquefá-la, torna-a instável. A nossa solução deu
Carneiro fornece o scu próprio julgamento, âo afirmar que
não conhece Tâ:ttrt'it#10.,. prefere a solução arnericana, que. não é sotução
de cóisa nenhum ar-jáque deixou as duas raças a se desenvolverem
paralelas dentro dó mêsmo território separadas por Lllna barreira
ã3,ti:'ll'1rffiruã'*'#ff i.:1,à1i,#:l:lJi:l,L1.Jix[: de ódio?
lelo ntr Aletnanha da época naz.ista. Aliás, a leirura atenra dos iivros - Esse ódio, ott melhor, esse orgulho resPondeu tniss |ane
infantis de Monteiro Lobato já rnostra essa atitude prorerore) lnas
-
r,::,;,:"*Tf, ;ã1,Ppffililx:iffi:f"T:1,*xl,H*,;,f :;
i:l'i:ilffi ':r,T;,x:ii:l::xf,::,T:';,:i]:tm;..ry:':19:: descristalizasse a ouffa) e consenrou a ulbas ern estado de rclativa
nheira Áurastácia, é sornente chula.da de "rlegrrl", "ncgrrr bciçuda" fenômen. dc
e suas reaçóes são sempre de urirnal de estimação, bcnr tratado) nles
37
3:i:'á: Ii[J,;.q:.,}? ff ,l.Tl1f,.:i?ffiL[r-o,
"rbserviente e inferior.
Não obstante, Lobato apenas repetia, dentro do paradigma da
Fausto Cunha mais tarde endossaria essa crítica,38 e Leo Godoy época como o fizeram e fazem muitos intelectuais brasileiros
Otero afirmaria quc em O presidettte negrl) Lobato "é Lun r;rcista -
vivepdo em Lrma sociedade mulata idéias e conceitos irnportados.
confesso) amArgo".3e A norte-arnericana Daphne Patai afirma err seu -,
O clássico de Arthur Conan Doyle, O ruundo perdid.o (The Lost World,
ensaio "Race and Politics in Two llrazilian Utopias" (1982) que "O f 9f 2), também esrá repleto de marcas de etnocentrismo e Paterna-
choque das ra,çcts é em alguns aspectos urn romance fraco [d.] enredos lismo especialmenre quando dirigido ao cria do Zambo, descrito
insubstar-rciais e personagens pobremente desenhados, quc são poLrco como -um ,r.gro gigantesco com as qualidades de um cão fiel. E a
mais qlle microfones para certas idéias."a0 O único interesse que eltr fidelidade irrestrita de Zambo aos seus senhores que salva os Llventu-
encontra no roffIance está no seu relacionamento entre a especr-rlação reiros ingleses do planalto alnazônico onde eles encontrararl dirlos-
utópica e o contexto histórico-culturirl brasileiro dtr época. sauros ,rfuos e dois grupos em luta uln formado por indígenas e
-
138 . FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR No BRASIL
Capítulo II - 139

da sociedade humana."3s No romance)


divisão do eleitorado branco,
a O seguinte trecho do romance ilustra bem a visão racista e
racial
em 2228, permite a surpreendente ascensão de um presidenre negro. darwinista social de Lobaro. Visão que faz acrítica da misnrra
racial nos
Como resultado, os brancos se unem mais uma yezpara ressubmetcr brasileira e se mosffa apologética em relação ao conflito
Estados unidos, pela Lo.í a. personagem |ane, filha
do Prof.
os negros ao seu controle.
Benso1, o inventoido "porviror.ópio" (um "visor do porvir"),
âPâ-
No seu Introduçã.0 ao estud.o do "science-f,ction" (L967), Andró Lobo,
relho que permite enxergnr o futuró. Jtt . dialogl .oT
Ayrton
Cameiro cita o Prefácio da edição de 1926: eo desen-
hóspeáe dà família de ciãnristas, enquanto os dois assistern
rolir dos fatos no ano de 2228:
Ernbora aParenterlente ulna brincadeira cle talento) encerrll
uln quadro do que realmente seria o mundo de rrrnanhã, sc
fosse Lobato o reformador... O conserto do mundo pela Não acho disse ela. A nossa solução [brasileira] foi
- -
rnedíocre. Estragolr as duas râçâs, fundindo-as. O negro perdeu
as
eugeniâ, o ajuste do casarnento por meio de férias conju§ais,
o reatro onírico... Como H. G. Wells, Monreiro Lo6ato 'i*.{,gr;dkHlfil]:li+:iiiffi
talvez não tenha imaginado coisas e sim apenas "anrecipado,,
coisas.3ó
xdtrfiiffi l:i,'ff
se vai op.r.rrào .rrrvés dos séculos.4r O crLrzarlento.perturba
essa cris^talizrção, tiquef;i-la, rorna-a instável. A nossa solução deu
Carneiro fornece o seu próprio julgamento) ao afirmar que
não conhece Tà:'JJ'::}|10,,. prerere a sotução âmerica'a, qlre. não é solução
de coisa nenhuirr a,'jáqlle deixotias duas raças a se desenvolverem
p;*1.ils dentro dó *êsmo te rritório sepaiadas por urrla barreira
il,ili:'l|,1T'.â'.HL'.:ã'Ji',#*i.:,,à1:,§3:l:ls:Hi,:'i:[:
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lelo na Alemanha da época nazista. Aliás, i leirura arenra clos fivros
infantis de Monteiro Lobato já rnostra essa atirude proterora) rlas ll}
Ári, profturda das prohhxias. Lnpediu qlle L.'ra raça desnanrrasse,
de relativa
descristalizasse a ouffa) e conseryou a uirbas em estado
p*reza. Esse orgulho foi o criador do rnais L'relo fenôrneno de

51:giff ffi 6$..,ffi'f


ilIir*T::,*'-m ãclosáo étnica qí. VI em Ineus cortes do futuro3z

Não obstante, Lobato apenas repetia, dentro do oaradigma da


Fausto Cunha mais tarde endossaria esstl crítica,38 e Leo Godoy época corrro o fizeram e fazem rnuitos intelectuais brasileiros
Otero afirmaria que em O presidente negrl, Lobato "é um racista -
vivendo em Llma sociedade mulata -, idéias e conceitos importados'
O clássico de Arthur Conan Doyle, O rnundo perd,ido (The Lost
confesso) amargo".3e A norte-alnericana Daphne Patai afirma cln seLr World,
e
ensaio "Race and Politics in Two Brazilian Utopirrs" (1982) que "O IgI2), também esrá repleto de marcas de etnocentrismo Paterna-
choque das raçã.s é em alguns aspectosum rornance fraco [de] enreclos lismo especialm.rrt. quando dirigido.ao criado Zambg, descrito
insr-rbstanciais e personagens pobrementc descnhtrdos, qLlc são poLrco -
como um ,-r.gro giga'tesco com as qualidades de um cão ficl.
Ea
'.1ve11tu-
rnais que rnicrofones para certas idéias."40 O único interesse que cla fidelidade irrãstriá á. Zambo aos seus senhores que salva os
dinos-
encontra no romance estrí no seu relacionaffrento entre a especr-rlação reiros ingleses do planalto amazônico onde eles encontraralrl
utópica e o contexto histórico-cultural brasileiro da época. sauros vlvos e doii grupos em luta urn formado por indígenas c
-
L4O - FrcÇÃo crENrÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo II - L4L

outro por hominídeos primitivos. Os ingleses se aliam aos índios autor norte-americano que Lobato teria traduzido várias vezes. Em
no extermínio da outra espécie: "(...) e o reinado do Homem ficou "The Unparalted InvaJior", conto de guerra futura de London,
assegurado para sempre (...). Os antropóides masculinos foram primeiro publicado em 1910, a China é vista como uma ameaça Para
exterminados; a cidade dos homens-macacos foi destruída; as fêmeas ãs bran.oi, devido à sua elevada taxa de natalidade. A soluçáo é lançar
e os filhos foram levados dali, para viverem em escravidão; e a longa urn ataque biológico contra os chineses) exterminando os seus então
rivalidade, que durara séculos incontáveis, chegou, afinal, ao seu 800 milhóes de Àabitanres e permitindo a ocupaçáo do seu território
término cruento."43 pelos brancos triunfantes. Palai comenta que, perto {1 '."olução' de
Para a sensibilidade atual, a destruição do modo de vida de um Londoo, â de Lobato é, num certo sentido, humana".46 A solução de
gruPo é inaceitável, mas tal destruição cabia muito bem na sensibi- Lobato é seduzír os negros com um tratamento alisador de cabelos,
lidade da época, que via com naturalidade o conceito do desapare- os "raios Ômega", que tem como "efeito colateral" a esterilizaça,o
cimento de espécies ou organizações sociais tidas como "atrasadas" total do usuário-. Patai comenta que "(...) Algo como um movimento
ou "primitivâs", dentro da chave de luta pela sobrevivência do mais do tipo Btnck-is-benutiful nuncaleria cruzado a mente de Lobato, já
aPto, própria do Darwinismo Social. ]á ern A nwttern d.a rnorte (The que à br.rrqueamento como algo moral, estética e geneticamente
Poison Beltr l9l3), também de Doyle, o mundo sofre uma espécie desejável era uÍna conclusão inevitável no Brasil"a7 de então.
de sufocamento em massa causado por uma alteração no "éter". O Lobato supunha que seu romance seria um imenso sucesso nos
ricos Estados Unidos, Com taVezuÍn milhão de exemplares vendidos.
Protagonista é o mesmo Prof. Challenger do romance anterior, e ele
nos informa que "as raças menos desenvolvidas foram as primeiras Mas lá o romance foi rejeitado.
a responder" à ação do novo fenômeno) e que "(...) As raças do Érico Veríssimo) em Wagern à a,u,rarn dn rnwndo (1939), se aPropria
norte mostraram) Por enquanto) um poder de resistência maior do dos recursos de Lobato e evidencia dupla influência de Wells e Conan
que as do sul."aa Doyle. Como a obra de Lobato) a sua é uma história de máquina do
, ]effrey D. Needell, autor de Belle Epoqwe tropicnt (A tropicat Bette rempo gue, ao contrário da de Wells, permite apenas a visualizaçã,0
Epoque, L9B7), considera que o assentamento de tais posruras no do p.sâao ou do futuro. A narrativa do autor inglês se inicia na
Brasil no final do século XIX constitui índice de nosso esraruro resiàência do Viajante do Tempo, onde ele apresenta o artefato às
neocolonial, ou à expressão de uma espécie de imperialismo interno: autoridades de slra cidade, descrevendo os princípios da viagem
remporal. Essa "ciência domésticC'deve ter sido particularmente agra-
[Thomas] Skidmore mostrou de que modo o racismo "cienrí- dávôl para o auror brasileiro, que incorporou o maravilhoso da super-
fico" desta era de intenso imperialismo europeu foi aceito no Brasil, ciênciã da FC à culrura patriarcal centrada na propriedade, emblema-
e como ele conduziu a elite branca e a seus porta-vozes ao deses- trzadapela casa grandCou mânsão. Na obra de Lobato) o narrador
pelo em relação ao fururo do pú. Com freqtiência a elite percebia o Si Ayrron
- élevado ao "castelo" (,rm toque gotico|) do Prof.
o Brasil de forma semelhante aos colonizadores europêus da -Benson) o estrangeiro inventor da máquina. Em Veríssiffio, o narrador
época, gue em outras partes do mundo viam as colônias propria-
mente ditas como runa áreade riquezas potenciais, cuja explorãção é recebido em tuna misteriosa "vila" em região rural.
era diÍicultada pela presença de raças e culruras inferioresl (. . .)au Em O rnundn perdid"o, a ciência entra em cena em um congresso
científico e é coberta pela imprensa. O Prof. Lidenbrock, d. Viagern
Daphne Patai sugere a possibilidade de Lobato ter sido influen- a,o centro d.a terva (Yoyage au centre d.e ln terre r l Só4), d. |ules Verne, é
ciado, em O choqwe d.as ra,ça.srtambém por Iack London ( I 876-19Ió), descrito como firmemente estabelecido junto a uma variedade de
L42 - FICÇÃo CIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo II - r43

institutos e sociedades científicas) e detentor de uma cadeira em


É curioso que, rantos anos mais tarde, o autor carioca )osé dos
]ohannaeum) em Flamburgo. fu duas primeiras páginas do romance Santos Fernaná.r fosse empre gar elementos semelhantes aos de
de Wells, O alirnento dos d.euses (The Fiod of the Codt,1904), ciram tr
Lobato e Veríssimo na noveleta 'A janela do segundo andar" (in l)o
revista }r[ature e as instituiçóes Sociedade Real, Socieda'
Química outyo lado d.o ternpor lgg0). Nela, uln jovem estudante de direito vai
oBond Street C,otlgge (da Universidade de Londres), a Associação
Vt),^
Britânica, a Academia Real de Cientistas, e â Sociedrá. das Artei.n*
morar com um iio .*.êntrico (num casarão agora decadente), Para
Nas obras brasileiras, por sua yez) a ciência parece não ter instiruição
descobrir que ele é o inventor de um dispositivo gue, disfarçado
qlle a abrigue, e ela, quando ocorre de estar presente, permanece como uma janela, permite testemunhar o passado. Aos PoLtcos o
anônima. Resta-lhe aPenas ir enffeter a burguesia em seus lares jovem vai se tornando fascinado por uma jovem que costLlmava
majestosos. Isso aParece especialmente no romance de Veríssilno) p*rr.r pela rua num tílburi) nesse tempo passado. Quando a moça é
ãtacadá prr bandidos, ele atravessa a janela e vai até ela para uma
9,r. gira em torno de uma estranha família composra por vários interverrçao heróica. A imagem d. lanela como moldura de uma
irmãos, cada um representante de um campo do .,rrrÊ.cimento
humano (há um físico, urn naturalista, um filósofo) uma teóloga e visão e passagem para um outro espaço é brilhante) se confrontadi't
trln mírsico), que se juntaln em siruação social para observar as irna[eps aos roman..icitaáos. O salto do herói vem como um grito de liber-
g,re a máquina traz do passado da Terra, do zurgimento da vida Í.r. dade de uma ficção científica amordaçada pela descrença lla ação.
dgt grandes mamíferos, passando pelo irnpérioãos dinossauros (daí IJm desaÍio muito interessante a esse tradição de Lobato e Veríssitno,
a influência.de Doyle e o seu O rnwndo periido). Veríssimo não apenas na qual a "máquina do tempo" permitia apenas o "ver" e l]ul]Ca o
cc- Ficamos ne posição de Lrm
revela o caráter de enffetenimento da ciência) mas tem no personagem "agir", ou, nas palavras de tniss |ane ,
I." * capiSlistaque financia o aparelho apenas para chegir ao corãção .rp..tador imóvel num ponto. Só vemos e ouvimos o que Passa ao
de Magnolia, a jovem filha do cientist*. S., i.,t.r.5. C puram.irr. alêance de nossos olhos ou soa ao alcance de nossos oLrvidos ( . .)",uu
romântico. Ió vê muito pouco do potencial financeiro da niáquina do como se os dois autores assumissem que a ciência brasileira náo teria
temPo a possibilidade real de intervir nos destinos do país. Alguma coisa sc
- que ele supóe poderá ser um novo tipo de cipe-à 1o,rtp
vez) não url objeto de conhecimento) mas de eitretenirnento). alierou, clas primeiras décadas do século XX, até o nosso Presenr.,:t
No romance, cuias intençóes didáticas são enfattzadars pelas ilus- embora fiqr-rã claro ainda, na noveleta de Fernandes, gue é ao passado
traçóes precisas de "E 2", os cinco irmãos que nos remetemos o futuro ainda se aPresenta inacessível.
Prof.
- ColibriFabúcius, f)r. -
parecc claro que Lobato e Veríssimo dão conta da ausência
Aristobulus, Prof. Calamar, D. Serena e Prof. virrem se
digladiando em razão das incompatibilidades dos seus - campos, quase arbsoluta de instituiçóes científicas no Brasil do seu telxPo, e
mostrando que a luta pelo conhecimento se assemelha mais . .rrp da fonrra deslocada com que o pensameltto cieutífico se mostrtlvrl
tola disputa Por algurn tipo de prerrogativa intelectual. A irolia é prcsenre na sociedade da época. Nisso seus romances se assemelham
cortante c clara, especialmente no rnomento em que todo o experi- a O Doutor Benignus, de Zaluar. A ausência de rnétoclo, ao n-Icsnlo
mento se perde€m um incêndio, e o narrador descôbre que o bojudo rempo, permitia que o discurso científico fosse muitas vezes aPro-
volume qrre o filósofo lia o tempo todo era nada mais nada menos priaào como um dispositivo de especulação filosófica veiculado pcLr
que Reinações de l{arizinho, o clássico infanto-juvenil de Lobaro. Os iiteratura. Por exemplo, o discurso científico de Euclictes c1a Curlhtl,
romances de Lobato e o de Veríssiffio, a propósito, se conect;llrr ern Os sertões (1909), estava sabidamente desatualizado colll rls
claramente com a máquina do Prof. Fabrício dã Veríisimo) empre-
concepçóes da ciência que lhe era contemporânea. De modo sclrlc-
gando as mesmas "ondas z" do porviroscópio de Lobato.ae , ^ lhantg ess?1 mesma distância permitia a aproximação do cliscurscl
L44 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTAsTA E HoRRoR No BRASTL Capítulo II - r45

cientrfico com o discurso místico especialmente No período em que a nossa literatura ganhou corPo (do século
- já aportararnconsiderando
filosofias influentes como o espiritismo
que
no Brasil coniti- XW11 ao século XIX), eram muito restritos os grupos sociais ao seu
tuídas em cima de tun discurso científico alternativo redundandr, alcance. Foi justamente em função destes que ela trabalhou, dando-lhes
aliás, em obras como Híí d.ez rnit séculos (1926), -,
de Enéas Lintz de certo modo alimento espiritual e recursos mentais para comPreender
(Thomaz de Alencar). o país. As ciências narurais e humanas) a despeito do belo início que
Antonio Candido, no capírulo "Literarura e Cultura de 1900 a tiveram aqui em fins do século XVIII e início do XIX ( ..), não se
L945, de Literatwrra e socied.nd.e (19ó5), tem algo a drzer, indireta- desenvolveram em seguida no mesmo ritmo que as letras ou o direito.
mente, a resPeito do fenômeno que redundou nessas adaptações do Em parre) porque não tinham ressonância ou Possibilidade (...); .m
scientifi,c rnvru.a,nce no Brasil, marcadas pela ausência da ciência e pelo parre porqu. , trrefa social mais urgente era) como ficou indicado,
predomínio do opinativo, e por apropriaçóes tacanhas de .orr.áitot ã. oràem política e jurídica. Deste modo, o espírito da burguesia
científicos oriundos da Europa: brasileira sõ desenvolveu sob influxos dominantemente literários) e a
sua maneira de interpretar o mundo circundante foi estilizada em
(..) Diferentemente do que sucede em outros países) a literatura
.
rermos, não de ciêncir, filosofia ou técnica) mas de literatura. (...)tn
l.rl sido aqui, mais do que a filosofia e as ciêhcias humanas) o Se esse conrexto responde pela fraca exploração da ciência e
fenômeno cenrral da vidi do espírito.s2 tecnologia, em comparação com o scientif,c rnrna,nce tnglês, francês
A longa soberania da literatura tem) no Brasil, duas ordens de (verniano) e none-americano) a atsência da avennrq outro comPonente
fatores. LJns, derivados da nossa civilização européia e dos nossos fundamental do gênero (rornonce) em inglês, é traduzido como roma-
conraüos permanentes com a Europa, quais sejam o prestígio das
humanidades clássicas e a demoradã irrâaiação do esilíriro-cientí-
nesco) avenruresco) extraordinário), é respondida pela imobilidade
fico. outros, propriarnenre locais, qlle proiong"rarn indefinida- social própria do mesmo aspecto colonial que determinou a ausência
mente aquele prestígio e obstaram ésta irradiaian. Assinalemos) de insiiruiçóes e do pensamento científico no Brasil. Imobilidade
enffe os fatores. logaig (. . .), a ausência de iniciarivapolítica irnplicada social e a ausência de perspectivas imediatas de mudança, mudança
no estanrto colonial, o atraso ainda hoje tão sensivel da instrução, em geral promovida pela consciência do avanço científico e técnico.
a fraca divisão do tratralho intelectual.
O Brasil ão século XIX e início do XX era urna naçáo espectadora, e
A literarura se adaptou.muito bem a esras condiçóes) ao permitir, e não agente) nesse processo. E avenfttra pressuPóe ação, a Presença
mPPg forçar, pto.minência da interpretação poetica,
l dâ descrição de agenres que se posicionam na linha de frente (às vezes como rea-
subjetiva, da técnica metaforica (daiisan, n,rÀa palavra), sobie a
interpretação racional, a descrição científica) o êstilo diieto (o,, lizadores, outras como repressores) da mudança. Nesse sentido, o
seja, o conhecirn1nto) all: a impossibilidade de forrnar aqui elemento romanesco de Wells foi bem menos incorporado que os
pesquisadores, técnicos, filósofor, ela preencheu a seu modó a elementos discursivos, retóricos. Não há Viajante do TemPo, mas
lacuna, criando mitos e padrões que serviram para orientar e dar espectad,ores) nos primei ros scienÜc rurna,nçes brasileiros. Simultanea-
forma ao pensamento. (...)t, mente, a ênfase em aspectos sentimentais sobre os aventurescos estava
]ustamente devido inflação literária, a literarura contribuiu
a essa em concordância com os gostos da época, estabelecidos pelo romance-
com eficácia maior do que supóe para formar Llma consciência
folhetiffi, e que certamente se encontravam mais próximos da imobi-
nacional e pesquisar a vida e os problemas brasileiros. Pois ela foi
menos um empecilho à formação do espírito científico e técnico lidade da burguesia brasileira de então.
(reT condiçóes para desenvolver-set do que um paliativo à Quando renra compensar o peso do imobilismo apelando para o
sua fraqveza. (. . .) discurso parriótico, a ficção científica brasileira da década de 1920
L46 - FICçÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo II - L47

se torna ainda mais desastrada. É o caso deA liga dos planetos (Ig23), Thmbém de postura semelhante deve ser "O outro mundo"
de Albino José Ferreira Coutinho (18ó0-1940), ntr. que Braulio (1934), de Epaminondas Martins, obra 9ue, segundo Léo Godoy
Tavares considera como a primeira FC brasileira a apresenrar Otero no seu Introd.wçã,0 a, urnil, histdria d,n f,cçã,0 cienttfito (1987),
viagens espaciais.ss Nesta viagem fantástica em que o narrador "rrara de um robô sem mobilidade, funcionando a eletricidade. [Jm
constrói uma nave espacial (chamada por ele cle "aeroplano") cte 500 habitanre de Saturno vem à Terra a fim de convidar o narrador cta
toneladas, finca a bandeira brasileira na Lua e clam, ô r.télite como estória a dar Llm giro, acompanhado do saturniano, pelo seu planeta
território brasileiro, antes de visitar) como ernbaixador, os povos de de origem".Se
Vênus e Marte. Náo há, aparentemente) o que possa fazer^fr.rrt. no
O patriotismo de Albino Coutinho tem como expressão maior a
ergenho deste brasileiro. Mas o objetivo da missão é satírico: inc apaz
sua oratória bacharelista, gue ele desfia aos pobres venusianos em
de encontrar recursos humanos nuffr Brasil corrupto e endividian
longas descrições das belezas naturais e virtudes artísticas do Brasil.
com os gastos realizados durante a I Guerra Mundial, o Presidenre
Impressionadas, "(...) Il* grupo de moças chegando-se [ao prota-
da República solicita ao herói que vá enc-ontrar cm ourros mundos a
gonista] assim falou: 'O Brasil é, encantador e Preza a sorte que
gente de qualidade que ele precisa. Por fi-, toda tr porêpcia tecloló-
possamos vê-lo. (...) Desejarros ver esse pedaço abençoado do seu
gica brasile ira é minada pelo recurso qlle dá forma ao romance: o
sonho. Nosso heró r nío faa nadar planeta. Quer levar-nos etrazer-nos no seu aeroplano))))60 Com o qlle
elC apenas sonha.
-
O recurso do sonho, aliás, dá contir da distâpci:r clo Brasil em
o patriótico propagandista do Brasil veio com esta:
termos do_estágio em que se encontrava a ficção científica cla ópocrt. e lhes garanto
- Grande será nisso o meu prazer resPondi
E,mbora Coutinho tente manipular a ciência e 11 tecnol,rgi. c1e - -
clue os lneus patrícios saberão acolher cotn amor e carinho tão
maneira realista em seu livro,só o recurso do sonho permite-lhi ulrrrl belas flores de Vênus.
saída frícil: informa ao leitor que o seu "aeroplairo" faz dez mil "Na minha volta dos outros mundos, para onde rne dirijo ern
quilôn-retros Por segundo, e em seguida percebê q.r. "(...) O lcitor missão especial do Sr. Epitácio Pessoa, acordarerlos o dia dessa
estudioso há dc pensar como podíamos rêsistir a ril velociclade c eLl viagem, cuja alegria estoll alltegozando."
tarnbém Peryaria do meslno modo, rnas lembro qllc isso foi feito Eu pensei cornigo mesflro: "Se as levo e elas se assllstam ou
em sonho."s7 Sua preocupação não e ra extrapolar a partir c1a ciôpcitr lhes contrariam as nossas modas) os vestidos pelos joelhos, o
de s ua época, projetar-rdo convi ncentcn'rente novos cleiepyolviprentos calçado de salto exagerado, a pintura carnavalesca no rosto
mas Pregar contra os vícios da sua époc;r, usando os vcltr-rsirrnos c
) de muitas muflreres, até de ridículas velhas Inilscâradas, os
alruofadinhas.,os homens pardgt nos passeios das ruas princi-
nrarcianos que encontra cotno interlocutores. Nesse sentido
,A lign pais) entorpecendo a tnarcha dos transeuntes) como acontece
dos plotr,etcls, assim como os livros de Rodolpho Theophilo e Ac-lal eln rnuitas cidades do nosso globo, e outras cousas tnais, lá se
Ãrrtr
Bittencourt qut: extrtninaremos a seguir, eitão mais d.,rt.,, c1c uprir vão as ilusóes da Terra que deixei em Vênus. Não voltarei por
protoficção científica, do-que dc um romance científico. Thnto quc, aqui para evitar desgostos."ór
ao chegar à Lua, o narrador cita Luciuro de Samosata c C),.,,rro d.
Bergerac (também Wells), como autores que lá estiyerapr rlllres. Não deixa de haver alguma graça na cara-de-pau do narrador,
"Sendo desabitacla tomei conta dela e fi-L1 possessão brasileirir, dividido entre enaltecer o seu país diante dos estranhos) e Poupar-lhes
f-icando rJoravaltte o lnundo da lua pertencente ao Brasil."ss Mtris a decepÇão. A crítica é dirigida, claro, âo leitor brasileiro, que va,i sc
tarde ele recomendaria ao Presidente da República que transfcrissc sentir parte de uma sociedade imerecedora da visita de seres suPe-
o congresso Nacional para "o mundo da luar". riores. Uma definição de sátira é a de "(...) lJrn ataque litcrário
lrl'

148 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo II - L49

através do ridículo, da ironia e da paródia (. . .) com a intenção de O feminismo vencera em toda linha.
despertar uÍn desprezo dlertido pelo seu alvo."ó2 O processo desta dos Estados unidos do Brasil, estava
viagem fantástica é encontrar) em outros mundos, socieda,Ces moral- àflfjàl?ffi|*iflÍllica
mente avançadas, e que Possam iluminar o caminho para uma socie- O exército brasileiro era o assombro do mundo.
dade melhor aqui também. A sátira contrasta "o r.d com um ideal O Brasil o país mais forte, mais belo e rico.
-
Para aqui con)/e.rgiam povos de todos os recantos da terra) porém,
existente ou desejado e tem uma postura ffroral subjacente na sua
exposição da fraqLreza) vício e insensatez,,.ó3 pouca gente rinhã a veÀrura dg poder desembarcar nas centenas de
portos da imensa costa brasileira.
Por sua vez) e retornando ao argumento da aventura, Gomes A polícia marírima, a polícia da rlúq., não consentiam no desetn-
Netto perdeu a chance de ter um viajante do tempo realmente aven- ba?que, senão dos priülegiados de Deus.e
turesco no conto de L934r "O cronomóvel". Não só o protagonista
abdica de conhecer os mistérios da história em favõr de seguir Nesse paraíso nacionalista e xenófobo, apenas os mais bem-
incógnito os Passos dados por sua noiva, como o autor hesit. .átr. dotados poãem entrar. Cientistas da Inglaterra e dos EUA maravi-
a ficção científica e a fantasia: o dono da máquina do rempo é um lham-se êom os milagres operados pela "raça brasileira": o mais
certo "Belzebuth", e, após testemunhar a traição da noiva, ô perso- comum dos homens do Brasil mede dois metros e 40 centímetros
nagem desperta em ulna cena rural, acreditando que tudo não p6r"., de altura. As mulheres) as menores) medem um metro e B0 centí-
de um sonho revelador. Gomes Netto era um imitador de Berilo metros) com os rapazes pesando I50 quilos e as moças I00,ós e as
Neves, Que usou o recurso do despertar do sonho até a exaustão. pessoas vivem de I30 a I80 anos. A Amazônta está urbanizada, o
Invertendo um Pouco a perspectiva apresentada em O presid,ente ána[abetismo foi abolido, e na roça "os rudes trabalhadores cantam
negrl)em 1929 Adalzira Bittencourt (I90a-L976) trouxe urna norre- trechos da última ópera lírica que assistirâffi, ou recitam de cor)
poemas) os mais lindos, dos últimos livros brasileiros, ou dos livros
americana Para observar a utopia social brasileira, na novela Sua -brratos
que acabam de aparecer em Paris".66 Tirdo isso e muito mais,
Excia. a Presid.ente da Repúblicn n0 nno 2500. Mas não é apenas nessa
graças à ãscensão de mulheres na política, mulheres que implemen-
inversão que a novela contradizo romance de Lobato obra de
--na divide o raram um rígido programa de eugenia e higiene social. Bittencourt
L926, a ascensão de uma candidata mulher à presidência
prevê que em L933 a mulher obteria direito ao sufrágio universal,
eleitorado branco em 2228, dando a vantagem ao candidato negro
que em 1950 entraria na senda da política, e que em 1990
sugerido no título, o que soa como crítica ao movimento fcminiíta.
lá na ficção futurista de Bimencourt) o Brasil chega ao século XXV nós brasileiros) éramos ainda como em 1930t (...) Homens de
com uma presidenta) a Dra. Mariangela de Albuquerque, de 28 anos, barbinha rala e fala fi.na, quase sempre tendo nas veias um pouco
diplomada em medicina e em direito. Em ouffos aspemos, porém, as de sangue negro e por issô mesmo, preguiçosos-, indolentes (.. . )
duas obras se deslocam num mesmo contínuo de Dãrwinismo Social Mutheres raquíticãs ou de excessiva gordura balgfr, estéreis,
sardentas ) espinhentas) incultas, pretensiosas, cabotinas e feias.ó7
e defesa da eugeniâ, e como em Albino Coutinho, o nacionalismo
exacerbado estroPia qualquer vislumbre de uma exffapolação coerenre
para o futuro.
Trdo isso começou a mudar com as mulheres na política, criando leis
como a que acabava com os cemitérios, a que instiruía aeutanásia dos
Swa Excia. w Presid.ente d.a República abre com a constatação de
leprosos) a erradicação por decreto da mendicância, o exalne neonatoló-
9ue, em 2500, gico obrigatório e o extermínio dos malficrmados, a obrigatoriedade
150 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo II - 151

do aleitamento materno) a obrigatoriedade de exames médicos O processo de branqueamento era urn dos artifícios da sociedacle
pré-nupciais, e a execução da mãe que protegesse uma criança racista àa época) no sentido de superar o que ela entendia como as
condenada à eutanásia, a,expulsão de todos os negros (até a vigésima limitaçóes d. r..iedade brasileira. "O preto de alma bran cà" r" drz o
geração) de volta para a Africa. (A autora também queria expulsar os 1.,.rrndor de Albino Coutinho, em elogio ao herói das guerras holan-
portugueses) por razóes não fornecidas. . . ) desas, Henrique Dias. Outra esperança que o neolamarckianismo
A associação entre eugenia e a seleção artificial de aninrais é fornecia era a noção de qlre o avanço dos ideais de higiene tirariam o
apontada por Bittencourt, nestas passagens: pú do seu estado de maràsmo e indolência social. Marta Maria Chagas
ãe Carvalho, aurora de Molde nacionnl e ftrrno cívico: higiette, ruornl e
Os fazendeiros gastavam fortunas na aquisição de um rollro que trnbalhy n0 projeto d,n Associaçã,0 Brasileirn de Educaçã.0 (1924-1931)
mandava vir da Holanda ou da Inglaterra. E cavalos árabes. Gursos (lJniversidade São Francisco) f 99B) nos faz ver que
chineses. E ratos surços para pes.1.ri-sas médicas. E lnacacos das írdias
que nos vinham via Hamburgo com o pornposo norne derhesws,
também para pesquisas médicas. E porcos, e galinhas, e pardais, e
coelhos, e tudo do mais puro sanglle, vinharn do estrangeiro.ós i.#'":f
:",*,lHI1l"!x,i"":::2:,ã:3:?itl:t:n:;l:[ffi
transformar o processo de seleção naftual, que frurcionava'as octtltas
( .) do homeffi, em instrlrmento racional conscientelnente elnPre-
Enquanto tanto se empenhavam na seleção dos anirnais, o

*fl*f*lmffi rlq
homem, o brasileiro, o nativo legítimo, conrinuava arlalfabero;
carcomido de arnarelão; trêmulo de maleita; carregado de sífilis;
empesteado até a alma.óe [d','t-I':iffi
como degeneração da espécie e abtrstardunento
Segundo Susan Brady, autora de The Politics of Race arud, Repro-
3:ffi1.:.,",."dido
dwction: Sã.0 Pawlo, Brazil, 1920-1945 (dissertação apresentada na
Universidade da Flórida) em Gainesville, L997), a eugenia chegou Entre as orga nrzarçóes que possuíam tais persPectivas estive ram
ao Brasil via França, então o nosso modelo de civilização. A base a Liga de Defeia Nacional, a Liga Nacionalista de São Paulo, a

teórica da eugenia francesa era neolamarckiana: Sociõdade Brasileira de Fligiene, â Liga Brasileira de Higiene Mental
e a Associação Brasileira de Educação.74 A fundação dessa úrltiffiâ,
,.inspirada no modelo da National Education Association dos Estados
A teoria de hereditariedade neo-lamarckiana foi a base do rnovi-
mento eugênico na França e Itália e na rnaior parre da Anérica Unidos",Ts "(...) Deu-se como desdobramento de um amplo movi-
Latina até os anos quarenta. A premissa dessa teoria de heredirarie- mento educacional o'entusiasmo pela educação'- que teria como
dade era a de que as características adquiridas poderiam ser herdadas. -
caracrerística principal postular a educação como espécie de chave
Ern outras palavras, influências exterrlas poderiam redirecionar a
mágica capaz de soluci,cnar todos os problemas do país :)76 Ainda
degeneração, tornurdo a regeneração, por sua vez) urna rea.lidade.7O
O neolamarckismo tinha apelo junto aos brasileiros eln parre citúdo o êstudo de Marta Maria Chagas de Carvalho, vemos qLrc sc
porque era a teoria eugênica predominante na Frmça ( . . . )) lrras criou uma retórica para a condição nacional, na qual
também porque o neo-lamarckianismo dava aos brasileiros) conl
slla população de africanos mestiços e descendentes dos amerírdios, o futuro é insistentemente aludidcl corlto dependelttc clc Llllltl
url senso de esperança de que a variável da raça não os impedia de política educacional: futuro d.e glorias ou de pcsrtclcltls, ll:1
se tornarem uma potência mundial.it àepeldência da ação condutora de úrna "elite" qlle dirccione, pcla'
Capítulo II - 153
L52 - FrcÇÃo crENrÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMsrL

educação, â transformação do país. Na oposição consrruída por Embora melhor escrita que o livro de C,outinho ou o de Adalzira
imagenl d..uT país presente condenado e lastimado e de um país Bittencourr) a obra de Theophilo tem o mesmo caráter didático,
futuro desejado, país de prosperidade, é que se constitui a impor- quase ao ponto da cartilhâ, e o objetivo de admoestar o leitor contra
tância da educação como espécie de chave mágica que viabiliiarirr
a passagem do pesadelo para o sonho. (. . .) Afirmar a importância
í il-.ntição exagerada, o uso do espartilho, os cosméticos e tinturas
da educação era) muitas vezes) espécie de exorcismo de angústias
de cabelo, âs casas pouco arejadas, âs atitudes Pouco cívicas, o
alimentadas por doutrinas deterministas que, postulando êfeitos coquerismo, as aspiraçóes de independência da mulher. (Coutinho,
nocivos do meio ambiente ou da raça) tornariam infundadas as por sua vez)condena o jogo, o álcool, o hábito de se pintar o rosto ,
esperanças de progresso para o Brasil, pú de mestiços sob o uópico.77 ãs aspiraçóes de independência da mulher.) Informa que o súdito do
reinô é cumpridor da lei, pois "(...) Em qualquer recanto de Kiato) o
Não é de se estranhar, portanto, que tenham surgido panfleros cidadão vivé e procede de acordo com a educação cívica e moral que
ficcionais utópicos que incorporavam esse movimento educador e recebeu."So Bitiencourt) por sua yez)aPresenta ulna "Escola de mães"
higienízador, bem como esse movimento de "passagem do pesadelo e reprod LLZ o seu currículo extensivamente) incluindo, em retórica
Para o sonho". Em A l@n d"os planeta,s, o narrador recebe a seguinte bacflarelística (Bittencourt formou-se em direito em 1927, então um
lição dos venusianos: "(...) a instrução era o assunto de mais alto feito norável para uma mulher), indicações de como se vestir e se
interesse do povo; que foi com ela que os seus antepassados de milhares porrar) dicas iobre aleitamento) sobre como obrigar as crianças à
de anos extinguiram as guerras) os vícios e ftzeramr por espontânea calistenia desde a inffincia, no banho, alérn de recomendaçóes de que
vontade, â unificação de todos os povos do planeta".78 as moças fossem suficientemente fogosas para garantir que os maridos
O "entusiasmo pela educação" é também essencial para a novela não buscassem a satisfação em outros leitos. Retornando à novela de
de Rodolpho Theophilo (1853-I933), O Reino d.e lâato (I{o país d.a Theophilo, vemos que o aspecto cívico é mais tarde dramatrzado, flo
uerd.ade), publicada em I 9 22 por., talvezsintomaticamente) Monteiro capítúlo "O centenário", por meio de uma tediosa festa cívica) em
Lobato & Co. Editores, de São Paulo, o centro do pensamenro eugê- qu«: apenas os homens comparecem) enquanto as mulheres ficam em
nico e higienista da época. Em O Reino d,e Kiato, o norte-americano casa preparando o jantar.
Kitg Paterson, dono da patente da substância'Novrovicina", sedativo Theophilo reconhece ainda a hereditariedade do alcoolismo e da
obtido a partir de princípios homeopáticos (Theophilo era farmacêu- sífilis, louva a parcimônia e a economia gesrLtal dos súditos do reino,
tico), apórta em Kiato ãpós uma tempestade. Ali ele descobre uma estabelece urna base filosófica para a postura higienista, e cita como
sociedade que havia abolido os três principais males da humanidade:
parronos Pasteur e Cristo, lado a lado. (Coutinho também busca um
o álcool, o fumo e a sífilis. Thmbém em Kiato) os homens e mulheres
ãquilíbrio entre as noçóes) com freqüência mutuamente excludentes,
Possuem elevada estatura mais de dois metr e a sociedade, r.br. a origem da Terra apresentadas pela ciência e pelo catoli-
ultraorganizada, sofrera run - doloroso) mas inevitável (como em Sua cismo. ) Ttrdo é às vezes muito frouxo e contraditório quase todo
Excia. a Presid.ente d.a Repúblicn n0 ã,n0 2500) processo de purgação, -
urn capítulo fala de como a pena de morte é sintoma de baixo desenvol-
que incluiu eutanásia e puniçóes severas aos infratores de leis conrra
vimenio de uma civilização, enquanto em outro temos os hóspedes de um
o fabrico e o consumo de bebidas e cigarros. Ao aportarern) os hotel sendo ameaçados com a pena capital, se pegos na bebedeira
Passageiros recebem um "manifesto dos poderes públicos do reino pelas autoridades da utopia de l(ato.
de Kiato", que ameaça com a pena de morte qualquer um que
fabricar álcool, e com o banimento qualquer estrangeiro que for A tentariva desastrada de retratar uma sociedade higicnizada
apanhado em estado de embriaguez.Te socialmente) benévola e positivâ, e que ao mesmo temPo dcpenclc de
T54 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo II - 155

um autoritarismo radical, é ponto em comum enrre Theophilo c As tendências eugênicas da ditadura de Vargas se manifestaram nas
Bittencourt. Em Theophilo, a utopia nascera de um melodrama: áreas cta educaçãô, da organi zaçáo do trabalho, e no controle do
bêbado, o rei Niel assassina por engano a própria filha, para effr número e procedência dos imigrantes (com quotas raciais atingindo
seguida regenerar-se impondo a moralizaçáo do reino, apoiado a imigr.çío japonesa, por exemploss ). A conexáo entre a ditadura
em "leis sábias, severíssimas", "(...) O ferro em brasa com que ia Vargas e as viúes de Ádalzíra Bittencourt) em particulaÍ, e docu-
cauterizar as chagas daquela sociedade."sl É a ilustração víviàa da
-.Àtnl. Susan Canry Quinlan informa que Bittencourt foi
"passagem do pesadelo para o sonho", na qual o momento de pesadelo
(o momento atual caótico ou uma sofrida fase de transição) é visto
colno um rnnl necessd,tnio. Em Binencourt) o melodrama surge no quafto fr'[5if,;:1iTüxx::ff:l'5:§i:ffi [':,1"'::'X3Í:.iil#
final do livro) em que a presidenta Dra. Mariangela de AlbLrquerque de exames médicos pré-nupciais, eutattásia, esteriliza.ção invo-
apaixona-se platonicamente pelo pintor ]orge, gue, após uma corte lêvaram à atenção dos nacioualistas
epistolar em que ele se esquiva de apresentar-se pessoahnente a ela, é
[:::tl,:#ilh},*l'a
aprisionado por otdem da irnpaciente dama e arrastado à sua presença:
"Jorge era lindo, muito lindo de rosto, porém não tinha mais que 90 Não obstante tais exemplos da institucionalização das idéias
centímetros de altura e trazia nas costas uma enorme corcunda."s2 eugenistas) Susan Brady sugere ainda a eugenia no Brasil como uma
Como a Dra. Mariangela de Albuquerque pertence ao gênero que "idéia fora de lugar":
trouxe ao munclo a utopia eugenista, ela irnpltrcavelmente ordcna a
Em geral, os elrgenistas brasileiros eram médicos, e não cientistas
eutanásia profilática do amado. A novela encerra-se com a afinnarivtr
triunfante : "ErA mulher."S3
ü:'.'*'il*"ffi ,';:*il'â?sf;;:lüfflH::::H'#fi X
A propósito desse desfecho) no ensaio "Past Voices and Future
Predictions", de 1994, Susan Canty Quinlan enxerga um elemenro ::tilfi .:;ll,Till';'ff ::iff .';:13,?'Jll""#;tr;"i:,ff '$':H
irônico: "O leitor (. . .) não pode evitar de notar a ironia ine renre, set s-escritcls ecléticos. Esta confusão) esta incerteza, sugere que
suas teorias, antes de se constituírem sirnplesmente elll posftrras
quando o artista mais talentoso do mundo é rnorto. A deformidade
ãü;.gras) como eles clamavarn) erarn de faio,subjetivrr, pô,rntadas
de ]orge tem o potencial de desconstruir o significado da utopia, por inconsistências, de acordo com os capriclgs. dos eugeuistas.
Porque ele é um contra-exemplo de uma sociedade perfeitA."84
Há em Bittencourt e ern Theophilo urna ânsia pelo líder forte, inml'lu:':$::x:i*l['Jfi ,*?':11:","'.9't;3í1,]s'n"'
autoritário, que impusesse à sociedadc relapsa as medidas imagi-
uadas para o seu desenvolvimento. Eventu;rlmente ) essa expecta- Discordando de Susan Canty Quinlan, no meu modo de ver) ao
tiva foi respondida pela ascensão dc Getúlio Vargas ao poder; ern ordenar a morte do seu amado, a Dra. Mariangela de Albuquerque
novembro de L930.8s Susan Brady: "No Brasil, o legado do movi- náo apenas tradttz a ânsia por um líder forte, mas revela a reaçáo da
mento [eugenista] continuou) imortalizado na estrutura estatal corpo- ,,rtorã àr críticas comuns à emotividade e à fiivolidade femininas.
rativ:r construída por Getúlio Vargas."Bó "Vargas usaria o seLr novo Os eugenistas alertavam as mulheres para que "restringissem a sua
poder parcialmente para implementar uln número senl preccdcntes natureza sentimental"rel ao educarem os seus filhos, sob pcna de
de reformas sociais êr.rgêni.ir q.,e) colnbinadas com ..forrrirs polí- torná-los indolentes e improdutivos. A necessidade de endurecer) m?1s
ticas e ecollômicas, formaria tr base do estado moderno brasileiro."sT sem perder a ternura?
156 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo II - L57

Wells também não possuía uma imagem muito positiva das y,,'"i;;fr 3:,;*:4x3,x'.:
mulheres. |ohn Carey observa que H*xt#:,Í:J:ffi :T."üâ".:?.ffi
olhos do seu marido, de seu noivo, do seu namorado, dos homens
,oáor, das outras mulheres e para o seu próprio encanto. (. . .)"
apesar de Wells ter sido extremamente suscetível aos encantos
femininos) sua opinião meditada da influência da mulher na civili-
era desfavorável. Por um lado, era inegavelmente a fertilidadc A própria autora nos explica a que forma de feminismo ela está
7ação
incontrolada da mulher a culpada do problema populacional. Por reagindo:
outro lado, as mulheres notoriarnente usavam se.r^ro nppentpara
cativar os jovens do sexo masculino e obrigá-los ao casaÍnento)
A vida da mulher passou por grandes transformaçóes desde a con-
atando-os assim à máquina do ganha-pão é encerrando efetiva-
flagração euroPéia de L9L4.
mente suas vidas como pensadores. (. ..) As evidências indicam
qyg Wells cria que as mulheres erarn exffavaganres por narureza e
viciadas em roupffi, tagarelice e compras. (. . .Ie.r*ão as mulheres â#}ffi fJ,.ffi l*,ff :::'l:ffi:ffi itn::f .X'::'â'liffiT
de Wells divulgaln aos homens a verdadeira narureza da feminili- os homens e as

{ade, o retrato não é lisonjeiro. fu mulheres (. . . ) não têm generosi- à$il:lã ::[:,]#Ji3f§ fJ.Jffrlrl :ngoriu
dade, são parasíticas, qedros§, firteis, fáceis de confundir,htigadas
pelo trabalho mental e falsas. Também são muiro menos iriaiüãuali- :§fl il1,E.K".'Ê;:JiHffi?:âÍil'i#§'TlHffi ::ii?3;;,r:fi
zadas que os homens
- indústriatradição romântica nos fazer crer
âpesar da
o contrário a vasta da moda, da perfumaria e dos
cosméticos foi criada unicamente para lhes conGrir a individuali-
dade que lhes falta.e2
[m]Hfi [l]#ffH:#];THHd]ifi fiff
sigo: '%stou perdendoê* casa energias formidáveis!" E o ser forte,
r.?ti.,-re frato e imporenre para sõzinho manter o lar. Arranjou
É curioso supor em Ad alzira Bittencourt uma resposra a essas
críticas. Ainda citando os para nós hoje ridículos textos da "Escola de
i:Uf;;'+*l;f ;;:;.?,:1Hfl:?:"*3Jil1'J$i?"8:?
Correu à casa, disse à esposa que parasse de ter filhos e que fosse ao
mães", ela nos diz que
escritório ou à oficinr.ô* ete. tvtandou as filhas para as repartiçóes
públicas ou como datilógrafas de escritórios alhêios, e aProveitou
são também anti-fcministas as mulheres que se masculinizarn em inteligentemente todas as energias'
seus trajes. As que clamam contra os enfeires e as rraidades tão tla Ele, como não tinha o que fazerr_insnlou uma nova profissão -
índole da mulher. inscreveu-se na lista do§ sEM TRABALHO.
A mulher deve ser sempre mulher. Não deve deixar de se enfeitar É .ont.a isso que o feminismo se levanta. A rnulher que trabalha
embora não deva ir ao ridículo. não é a concori.rrt. do homem. Ela trabalha porque precisa rlan-
ter-se e às vezes sustentar toda a família. Voltem os homens para os
Ç Po.O. arroz)o. rouge, os.batons) os cremes) os perftrmes) as ágrras mulheres dos seus náo querem se afastar.ea
de toilette). os óleos, as brilhantinas, os preparaãos para o baãho, seus lugares porquanto as

para. amaciar as mãos, para acetinar a pelê, as florês) as firas, as


rendas, as plumas, tudo, constinrem objetos necessários à rnulirer
Com a I Guerra Mundial a mulher na Europa foi obrigada a
que é mulher.
ocupar os postos de trabalho, anunciando a sua comPetência e
Ser feminista não é banir essas "futilidades". A mulher deve saber
q.ye é deusa, gueé rainh], e que é para ela e por ela que o mundo
.roàrrdo a primeira onda do feminismo do período entre-guerras.
vibra, que o comércio trabalhâ, que as fábricas se dinami zamlTudo Mas a "femiirista" Bittencourt meio que lamenta o ocorrido e afirma
se inventa, rudo se cria para a mulher se enfeitar, e ela deve fazer jus que no Brasil o conrexto é outro e clama pela manutenção dos papéis
158 . FICÇÃo cIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo II - 159

sexuais tradicionais. O seu feminismo é um que deve se conformar Progresso fruto da Ordem e devendo a Oldem repousar sobre a
fuíitia (c5s6[e do Amor" não era admissível afastar a mulher
às idéias do movimento eugenista brasileiro: "Os eugenistas sc voltaram
do -
Lar.e7
-
Para a mulher em discussões envolvendo reprodução eugênica",
Susan Brady informa,
Adalzira Bittencourt luta para manter um equilíbrio entre essas
duas corretltes. "Náo venham os homens dizer dogmaticamente que
porque entendiam qlre reprodução era papel biológico da mulher,
a mulher é o anjo do lar e por isso não tem direito de voto, não tem
a
muito mais do que do homem. (.. .) Subseqiientemenrc) âs
mulheres receberun urn sta,tus privilegrado nas refoirnas eugênicas. e5 direitos políticos"'e8 exige, para, simultanearletlte) declarar quc é o
(. . .) fu mulheres, especificamente as rnães) erarn percebiãas como lar, realmente) o seu espaço:
sendo a base sólida da nação) as forças estabilizadoras no meio da
rápida modernizaçáo. Elas eram também a garantia cle progresso O feminismo, o llosso verdadeiro feminisffio, é esse. Ferninismo
nacional. O neo-lamarckianismo, em partiéular, acreditarã q.,e,
através dos cuidados prudentes das crianças) as mães pocleriam I xffi::,Y3.t :iü::; #:;:^i; i :»:;»:'l:'ffi -l ; : :
projetar a trajetória da nação. Educar os filhos se rornava) conse-
qtientemente) central para as suas respollsabilidades sociais.eu
'ffjiá#:lff ,['.'.Hxii3:n?lrff"::i :
§J#Hf#fi ii:r,:ffi
Daí as longas citações dos manuais da "Escola de rnães"
Presentes em Saa Excin. a Presidente da República ruo fr,no 2500. A posição de Bittencourt em seu panfleto ficcional é caractcrís-
Marta Maria Chagas de Carvalho relata uma discussão seme- tica da iituação das mulheres da elite brasileira, conforme se aPresen-
lhante, ro seio da Associação Brasileira de E,clucaÇão, clurante a tava ainda no final do século XIX.
Segunda Conferência da entidad. (L2ZB):
Bittencolrrt certamente se considerava Lrmà ferninisttt em linha
com o movilnento feminista brasileiro dos attos vinte c tritlta,
lO] ponto polêmico foi a incorporação de urn dos itens da tese
que se rnodelava a partir de idéias.positivistas sugeritlcl.o clue
c1e [Tobia.s] Moscoso., que _presõrevia não poder a vida política ltomens e rlulheres tinharn coutribuiçóes específictrs do sett
"prescindir da ação da rnulher no lar, na êscola c na atirridade
gênero a, fazer à socicdade.roo
pública, cabendo-lhe o direito de voto e o exercício de toclas ..1s
funções e mandatos políticos". Os direitos políticos concedidos à
mulher Por Moscoso inflafflararl a Conferência qlle decidiu não Susan Qtrinlan opina, afirmando ainda que Bittencourt "sewe
aprovar o voro q.re os estabelecia. (. . .) o de bare qlle precedeu à assim corro uma porta-v oz para esta primeira onda de feministxo
decisão é marcado por acalorada polartzaçáo. Lindolfo Xavicr é
que se alinha intelectualmente com o lado da moedrr modernista quc
que.P pede destaqtre à questão, justificando: "Desejo colocar a
rnulher em selr pedestal de educadora da farnília. Aí é que ela é ajudou a levar ao poder o regime autôritário do Estado Novo".r0r
grande ry É q.r. ela estará no seu altar. Desde que ela sâia deste Nesse conrexto, pelar afirmativa de ]effrey D. Needell, "dentro c1e um
terreno, falha a sua missão." Se l mulher abandônasse o lar para patriarcado tradicional, a posição da mulher é ao rtesnlo tenlPo
participar das atividad.es políticas estaria pondo em risco a RêpÍr- àepepdente c central".rO2 Não obstante, "a alta sociedtrde, Por urais
blica. Seria concebível súa participação fofiti corr]o rairiha, -
ferninina que fosse em sllrl cxpressão, cra trlasculina em setl ProPosi*r.
evidentemenre) nluna monãrquia. sendb a Repírblica, contudo,
"o regíTen do progresso coÃciliado coln a ordern para evitai [A mulhei] senria para rrranter c prorrovcr os intercsscs das Írurtílias
e corrlgir os excessos retrógrados ou revolucionários, e sendo g àa elite, definidos pelos pais e maridos qLle os supervisiottr.l\/'.tltt.))r03
160 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL Ca pítu Io II - 161

Adalzira Bittencourt foi a fundadora, no Rio de |aneiro, da deve ser uma das primeiras obras ness a área, talvez um dos primeiros
Academia Brasileira Feminina de Letras) da qual foi presidenre.I0a O buracos da represa.))r0ó Esperança frustrada. O feminismo só voltaria
seu discurso literário em Saa Excia. a Presidente d.a República n0 cünl a integrar-se ao debate em torno da FC nacional em L997, por inter-
2500 é um argumento de simultânea abertura para os direitos da venção da contista Finisia Fideli, primeiro em um painel na V Interi-
mulher e de conservação do seu papel. Por sua vez)o discurso euge- orCon) uma convenção de fãs, e em seguida com artigos em Cwlt:
nista lhe fornece runa valorízaçáodo papel tradicional da mulher brasi- Rwista Brnsileirn d.e Literatwra (janeiro de 1998) . Ciêncin Hoje (abril
leira, e lhe dá importância épica na formação da nacionalidade. Susan de t99B). tr ainda assim, de maneira tímida e introdutória ao debate,
Quinlan define o seu feminismo como "'super' nacionalista e fascista, que foi rejeitado por muitos escritores homens.I0T
que leva a uma crença fanática numa posição potencial do Brasil na Reaçóes a movimentos de liberação da mulher jáse manifestavam
comunidade mundial e no papel das mães na formação das menres por aqui desde a segunda metade do século )([X. Um momento inau-
dos seus cidadãos".ros A Dra. Mariangela de Albuquerque comparece
gural da questão pode ter sido o Congresso Operário realizado em
na novela para deslocar ainda mais o poder para as mãos femininas, Bruxelas em 1891. O evento, d. perfil socialista, defendeu a igualdacle
ainda em concordância com o discurso eugenista: é a mulher quem de direitos entre homens e mulheres. Antes de le, a Revolução
vai implementar as reformas da eugeniâ, e revolucionar o mundo, Francesa inspirou movimentos de igualdade entre os sexos) na Ingla-
mas mantendo um pé em casa) cuidando dos filhos (e de homens que terra e Estados tlnidos, onde o debate sobre os direitos femininos
são descritos como infantilizados e às vezes ridículos). crescia em paralelo à rejeição da escravatura.rOs Isso tudo obrigava os
Para o atual entendimento do que é o feminismo) essa postura intelecruais brasileiros, atentos aos caminhos do liberalismo e mais
o "feminismo latino" q.,. quer manter a mulher no lar e reage tarde do socialismo na Europa, a se posicionarerl. (Para a ficção
-contra as correntes européias menos conservadoras se torna de científica é interessante notar que um dos textos fundamentais dos
- que lhe dava
dificil manutenção, mesmo porque o discurso eugenista primeiros momentos do feminismo foi Vindication of the Rcgbts of
suPorte desmoronou . Sun Excia. a Presid.ente d.o República n0 a.no 2500 Wornan (1792), de Mrry Wollstonecraft, mãe de Mary Wollstonecraft
soa agora como uma afetação de madame. Shelley, a escritora de Frankenstein.
Logo em I89ó, a Repistn Brasileiro, em sua edição de julho a
setembro, publicou o artigo de M. de BethencourtrrOe "LJm aspecto
a
da questão feminista", no qual o autor declara que

ostensivalnente o homem hroderno faz propaganda em prol da


emancipação fcminina, aplaude os esforços que a rnulh er faz para
Se é possível aceitar AdalziraBittencourt como emissora de um
discurso feminista brasileiro (por mais incongruenre que ele hoje nos
;3tffi :
soe) cm forma de ficção científica
-
drplamente desastrado corrro H:i$'Hffi$;fi ffâIffi iÉ'§Htrii:ft 'ff
discurso feminista e como ficção científica após a sua novela o
-,
feminismo só viria a ressurgir com Dinah Silveira de Queiro z) em Para o articulista, neste ensaio um tanto confuso) os atributos cltr
1960, com seu üvro Eles herd.nrão n terya. Apos ler o conto "O carioca", mulher são um misto de elementos históricos (relativos ao conrexro
de Queíroz, o pesquisador norte-americano David Lincoln Dunbar social e econômico) e essenciais (ditados pela nature za). *É Lro-rr1
escreveu: "Esta sátira de ficção científica ao machismo dos cariocas misoginia mascarada", prossegu€, "mas não deixa de ser misoginia,
T

Capítulo II - 163
L62 - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL

através do seu disfarce: o homem não quer a mulher revestida dos traz dezesseis páginas com notas extraídas da imprensa, afirmando
dotes que o passado a fez, aspira a transformá-la em ser diferente, que Neves a) é run escritor promissor, b) escreve ulna literatura original
com ele parecido psicologicamepls>>.rrr E,le faz a crítica aos temPos na linha de Herbert George Wells e ]ules Verne, c) é tun satirista do
modernos) enquanto tenta manter um equilíbrio entre as novas seu rempo e lugar, e d) é um misógino "q,r. não cansa em dizer mal
necessidades sociais e os antigos papéis, que lhe parecem consagrados das ml,rlheres e) por isso mesmo, é o escritor mais lido pelas mulheres)
pela nature za. A. seu ver) o homem se tornou no século XIX um ser no Brasil" (segundo o comentário de Manuelito d'Ornellas). Berilo
iacional, científico, e a mulher uma criatura que se fixa no "estetica- Neves foi um dos primei ros best-sellers da ficção científica nacional.
menre ideal, do aceito como abstração ética indispensável à arte do A costela d,e Adão apresenta trinta contos) antes publicados em
atrativo)'.Ir2 Dessa diferença de orientação surgiria um abismo entre revistas e jornais da época. São na maioria curtos, repetitivos e de
os sexos) com a presença social da mulher sob a forma de uma desenvolvimento superficial, com finais-surpresa e linhas narrativas
exrensão do seu papel biológico de reprodutora. Mais do que Pro- abortadas. A segunda coletâneatraz mais trinta, todos de temática e
criar, as necessidades de "nutrição", segundo o autor (quer dizer a esrrurura semelhanres. Há fábulas e contos de ficção científica,
manurenção da mulher pelo homem) estão presentes nas açóes horror, textos que sugerem pequenas peças teatrais, e alguns trabalhos
femininas) tomando-a runa "inimiga econômica do homeffi, (. . .) para realistas inspirados em Eç, e em Machado. O humor impera em
ele um embaraço à solução do problema da nutrição, o primeiro quase todos eles. Ainda em L934 o seu primeiro imitador aParece)
problema a resolver na ordem dos fenômenos biológicos",rr3 mas Por como já anunciava o seu resenhador em O rnalho. Esse imitador
razáo social, conffariando a prerrogativa biológica, que coloca a rePro- foi Gomes Netto, seguindo-o de perto com o volume -Àtovelns fnn-
dução em primeiro lugar. Desse conflito surge a "misoginiâ, â arrersão tdsticns ( I934).
àquela que lhe é necessária à função sexual, mas que lhe pede ao orga-
As dezenas de contos de FC produzidos por Berilo Neves e a
niimo esforços superiores à normal de sua excitação biológica').r14
forma com que foi associado ao gênero de Verne e Wells as
Bethencourt identifica o probleffiq baseado em idéias econômicas expressóes "fantasia científica" e "fantástico-científico" sáo também
e biológicas (.m raciocínios que nos parecem antiquados e enganosos n .rito reperidas sugerem ter sido ele o primeiro autor brasileiro a
hoje)) mas não oferece soluçóes. Nele, a condição feminina lrabita -
se dedicar de maneira mais sistemática à ficção científica. Essa hipó-
um continuurn neurótico marcado pela problemática da divisão do
tese conffa dtz a afirmativa de Raimundo de Menezes) no verbete
trabalho e a essencialidade feminina de procriadora e de "ser biologi-
sobre FC no seu Dicionrírio literririo brasileiro (1969), d. que Jerônymo
camente inferior ao homem)).trs Ela é mais um probleffIa social do
Monteiro ( 1908- L970) teria sido o primeiro; afirmativa que tem sido
que um ser arivo em busca da solução das suas ansiedades individuais I 16
repetida desde então.
e coletivas, e qualquer movimento que frzer será desestabilizador
- Náo há muito o que comparar çntre os dois. À.*.eçáo de terem
daí a necessidade absoluta de sua contenção.
ambos sido influenciados pela retórica de Wells, as semelhanças são
No campo da literatura especulativa brasileira propriamente dita,
pequenas. Berilo Neves escrevia melhor) num estilo que foi saudado
essa misoginia alcança um ápice no trabalho de Berilo Neves (190I-
1974), gue publicou com grande sucesso a coletânea de contos ,4
("o seu tempo) como modernO, e com maior ironia e desenvoltura.
costela de Adã,0, em L932, segr-rida de Sécwlo XXI, em 1934. Meu
Por ourro lado, sua exploração das idéias da FC era tírnida) em
comparação com as investidas de Monteiro nos subgêneros do mundo
exemplar da sexra edição do primeiro livro (que alcançou oito, tendo
a quinta sido de oito mil exemplares, segundo Epaminondas Martins)
perdido, da utopia hipertecnológica e da viagem no temPo. Isto se
L64 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTAsTA E HoRRoR No BMsrL Capítulo II - 165

deve, em parte, âo fato de Neves ter se concentrado em contos curtos) Uma fantasia que o autor explorou igualmente em "No ano 2000".
calibrados para caberem no espaço restrito de jornais e revistas do Nessa narrativa, o protagonista viaja) em sonho, de L927 a 2000,
final da década de 20 e início da de 30, enquanto o melhor de para acordar num Rio de |aneiro bem parecido com o futuro
Monteiro está em seus romances,rrT cujas dimensóes mais amplas lhe ianeado de Adalzira Bittencourt cheio de prédios laváveis, de
permitiam diluir suas deficiências literárias. Neves tinha na FC apenas
-
metal e vidro, seus cidadãos vestidos com uma rouPa metálica,
uma fonte de recursos para as suas sátiras sociais) como veremos) perfeitamente higiênica.Ire Um homem do futuro lhe informa que
enquanto que Monteiro possuía maior familiaridade com a FC e a
empregava claramente em diálogo intertextual com a tradição anglo-
americana do gênero. Neves tinha afetaçóes aristocráticas tanto na *n1,?,1Í"üT."ák"§u::i'1?1?;ffi:J:rrI;ã.;;tx[:x:
linguagem quanto em sua postura irônica, enquanto Monteiro era
um pulp writer por excelência, com uma narração direta, imagens
melodramáticas e caracterizaçáo reduzida dos personagens. Final-
mente) o compromisso de Monteiro com a Íicção científica foi mais
r*rllmmfffi$'+s$;rmxm
duradouro e influente. Tiata-se, quase, de urna ilustração da problemática apresentada Por
A FC de Berilo Neves era centrada em invenções em sintonia M. de Bethencourt: removendo a mulher da equação biológica reprodu-
com a ficção científica norte-americana da época, por- coincidência riva, alcança-se a estabilidade social e a utopia se nos apresenta.
que vinham desestabilizar as estruturas sociais brasileiras de A mulher é problema mundial em'A ultima Eva" (in Sécwll XXI).
então, permitindo a satirizaçáo de certos comportamentos. A mulher lJma epidemia mata todas as mulheres do mundo, menos uma jovem
brasileira e carioca em especial, pois o Rio de |aneiro era o locus brasileira. A guerra civil irrompe por sua causa) e em seguida os
-
preferencial de sua ficção era o alvo cosrumeiro. Estados Unidos oferecem 26 bilhóes de dólares por sua posse, soma
-
A costela de Adao abre com uma epígrafc de Antônio Vieira) elrr com a qual o Brasit paga sua dívida externa. Um a vez na terra dos
que o padre conclui que Eva teve que literalmente snir do Eden e tantos transtornos que outros 2ó bilhóes são oferecidos
yanleees ela causa
"procurar sarna para se coçar", já que a entrada do animal vil que era para que os brasileiros a aceitem de volta. O final não obedece ao
a serpente seria proibida no paraíso. A sugestão implícita é a de que mesmo tom leve satírico, ganhando força com uma evocação mais
a mulher deve ficar em casâ, e gue, fora dela, o feminino é um ele- sombria e trágica.
fflento desagregador do social. Nesse sentido, o primeiro conto da "uma carta de amor do século )fi" oferece ainda outra variante.
coletânea (e o trabalho que lhe dá o título) é uma paráfrase do episódio O ano é 250L e "os processos de fecundação artificial dos óvulos
da expulsão do paraíso. O segundo conto) "O homem sintético") tem sintéticos tornaram perfeitamente inútil a mulher corno procriadora
uln jorrralista (como o autor) entrevistando o austríaco Dr. Finemberger, do homem". Desta vez) porém, elas não entram em extinção, mas
inventor da reprodução artificial do ser humano em encubadeiras. masculinizam-se:

Porgue, já agora) as mulheres são inírteis. Elas serviam para Elas são pessoas sernelhantes a nós outros. Tiabalhatn colno nós,
-fabricaçãoda humanidade, mas o meu hornem sintético supre e cortarn os cabelos à nossà moda e usam as mesmas nuric:ts dc fro dc
dispensa a maternidade. l)entro de duas gerações, não haverá mais seda e amianto que nós usamos. A r,,oz engrossou-sc-lhcs) o tíxax
uma única mulher na terra. . . (. . .)"t tornou-se-lhes mais amplo, e perderarn aquelas forurrts inscllitas
166 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL Capítulo II - L67

diversas dos secos e masros hotnens dos Agora o recurso é inver-


12ó
H:,::;'rXilH 'l'? uÍnas aparências fortemente masculinas".
tido, e a inimiga dos homens) uma intelectual feminista) propóe a
yezao
processo de reprodução
Uma garrafa contendo mensagem de amor é descoberta) neste
obsolescência d'o -rcho, graças outra
artificial. Claro) em r. trrtando de Neves) primeira
a reação vem de
admirável mundo novo de racionalismo (masculino); pâra que os fabricar hornetcs
urna solteirona gorda que pergunta se não será possível
homens do futuro possam se admirar com a "patologia sentimental" feminismo, só mesmo
por esse procesío. Pioi q.r. esta condenação do
do século XX. O amor é definido como doença também em "lJma
ã a. Albino Coutinho, ôr. d.isse, pela boca do seu narrador, falando
manhã no ano 2000", "mais f,ícil de curar do que um resfriado».122
aos marcianos (qt. chama de "martianos"):
Para mostrar como esse tipo de argumento refletia a atmosfera do
tempo, basta recorrer a A lig* d,os planeta,srnum episódio em que um
Entendo que quando casa uma moça nessas condiçóes [de seclu-
dos companheiros do narrador se apaixona por urna das venusianâs) roras . r.g.ri,lorm de modismos]., passados os primeiros telllpgs.o
e é censurado veementemente : "Lenf bra-te , Guilhermer Que as marido pErde a ilusão matrimqnial epor isso a grurde qllantidade
mulheres reunidas de um planeta não valem um pouco do amor da áe diuo..ior no meu plureta, principalmente agora que tuna regular
nossa Pátria", proclama o narrador, e o seu amigo responde estar
'r:l;fi l;
regenerado: "( ...) já sou um homem novamente"rl23 dtz, do que se
deduz, pela visão de Coutinho e Neves, que a paixão priva o homem ffi $,",'.ffi lil#fàl+ffi Hffi
de sua masculinidade) tornando a mulher uma ameaça à sua própria
identidade sexual. Outros conros de Berilo Neves effrpregam inovaçóes tecnoló-
gicas 9ue, no conrexro doméstico do lromem brasileiro da elite,
O argumento da masculinização da mulher surge com mais evi-
ãcabam revelando o que ele imagina ser o caráter falso, dissimulado
dência no ano XXV da "era feminista", no conto de Neves, "No
e aproveitador das múh.res. Em "o suco do yaié", o autor imagina
clube de Eva" (Sécwlo XXD, escrito como urna curta peça de teatro.
uma beberagem amazônica que dá a quem a ingere o poder de ler
Durante uma festa, duas moças machonas brigam por um rapaz efe-
pensamentos. Quer testá-la em sua esposa. E[a não aPenas Protesta,
minado. O foco do conto são essas pequenas inversóes, lnas fica
como destrói o frasco com a poção) antes de sufocar o marido colrl
claro o clichê da fcminista masculinizada e recalcada também em
beijos. Gomes Netto praticamente plagiou esse conto no seu "O neuros-
"LJma revolução no outro mundo", em que ferninistas do século XXI
cópio,') mas com uma máquina telepática despertando a ira da espo:.
querem estender seus direitos também no paraíso. Essa fantasia se
do invenror) que roca f"g" no labôratório. O próprio Neves, aliás,
conclui com a revolução sendo debelada com run arranjo casarnenteiro
consranremenre se auroflagiav um fenôrneno quase inevitável
entre clona Emerenciana, a cabeça das feministas) e "um velho jardi-
para muitos escritores) eu mesmo tendo sido por vezes culpado do
neiro do céu)).124 IJma estrutura semelhante é vista em "Evópolis em
crime ffiâs bem além do aceitável. "O psicógrafo", por exemplo,
pé de guerra", conto no qual a guerra entre os sexos se dá na capital -,
oferece uma variação sobre o mesmo enredo: a invenção agora lão
da República das Mulheres. A guerra termina quando os "belos rap?lzes
surge da química, mas de uma racio nahzação do discurso cspírita,
de bigodinho aparado a Carlitos" enfim invadem o palácio presidencial
*,rito .* na época. O aparelho fotografa a alma e sLras intcnçócs.
e o ministério "desmaia nos braços dos valentes').r2s Iá'lA inimiga "oga
para variar, agora a esposa dá cabo do cientista, enforcando-«). Ilrn
dos homens" é apresentada nesse conto como uma solteirona de 37 .A luz verrnelha", um brasileiro em visita a Paris toma col-ltato colll
anos) tendo no lábio superior "um pêlo áspero e escuro que lhe dava
um aparelho que permite ver o interior das pessoas. L,lc sonclrr o
168 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo II - 169

"íntimo" de sua namorada e descobre a moça empanturrando-se de que permite falar com os mortos. O jornalista que narra o conto
guloseimas. (A gula era um dos "pecados" femininos mais denun- rêsof,re entrevistar ninguém menos que Adão, fechando o círculo
ciados.) Desfaz o namoro. Pior é a situação do milionário yankee iniciado com o conto de abertura) mas agora com ênfase na sátira.
Richard Holmes) em "Llma festa em Paris" (in Sécwlo XXI), Que, ao As intenções satíricas de Neves são prejudicadas pela repetição
testar um "aparelho radiotelefotográfico" qr. havia adquirido para sem falar do seu claro preconceito contra
de recursos e de enredos
entreter os amigos (como em Verissimo), descobre a esposa, do -
as mulheres. Ele, como muitos homens do seu temPo (aqui e no
outro lado do Adântico, "entretendo" a uÍn outro. exterior) em ficção de gênero e em ficção literária), acusa as mulheres
As mulheres de Berilo Neves são freqüentemenre violenras. Em de serem frívolas, dissimuladas e tolas. O homem) por sua vez) aPenas
"O Sr. Carlos Aut«lgênico", uffi americano chega ao Rio com o seu rorna-se tolo por efeito da sedução feminina. (1á sou um homem
homem mecânico. Seu maior trunfo parece ser a imunidade da novamente", diz Guilherme, o companheiro do narrador de A ligo
máquina aos encantos femininos: "Passa pelas mulheres) como um d.os planeta.s.,ao ver-se livre do jugo da sedução.) Se as mulheres traem
Santo Antão sem tentaçóes",r28 infbrma o cientista. Mas em seguida, em nove de cada dez das histórias de Berilo Neves, a traição mascu-
o hotel em que se hospedavam é invadido por urn bando de mulheres, lina aparece com freqüência bem menor.
"furiosas porque dizem que [o robô] não tem coração". (S. a única
Alguns contos salvam-se) porém. Em'Arca de Noé", um novo
realização da mulher é sentimental, a ausência de coração ou de
dilúvio torna os tripulantes e passageiros de um transatlântico apa-
sentimentos representa a sua nulificação como ser humano.) Diante
rentemente os únicos sobreviventes. A certa altura são interceptados
da ameâÇâ, o autômato tem um curto-circuito. Suas últirnas palavras:
por um submarino brasileiro. Por uma incrível coincidência) o narra-
"Mulheres ! Estou perdido ! "tzq
dor, que é também o capitão do transatlântico) encontra no vaso
Em'A mulher de cimento armado" (in Século XXD) o que remos brasileiro a sua noiva. Aparentemente) a moça aceitara o convite do
é uma autômata) feita sob encomenda para o protagonista. A ironia seu primo marinheiro para "um passeio no submarino". Colltrariado
aqui é mais leve: as mulheres artificiais são imortais e totalmente e suspeitando traição, ele se resigna a continuar com ela, Para "repo-
fiéis (algo que o autor vinha cobrando daquelas de carne e osso) em voar o planeta". O valor da mulher está, novamente) no seu papel
dezenas de outras histórias). Mas há um efeito colateral inesperado, biológico de reprodutora.
que leva a f,ibrica a suspender a sua produção: "Porque estão, quase t)ma outra história de catástrofe é 'A vingança de Mendelejeff".
todas, viúvas. Parece que o excesso de fidelidade das damas é p§udicial
O personagem mencionado no dmlo é um cientista russo que, enlou-
aos maridos...')I30 De qualquer forma, a mulher é reduzida a conjunto
quecido, rouba o oxigênio da atmosfera em torno do Rio de Janeiro
de atributos requeridos pelo homem, por um lado, e por outro é -
premissa provavelmente inspirada em A nwvern d.n rnorte, de Conan
definida apenas por sua sexualidade. Doyle. Numa última tentativa desesperada, o herói, um assistente de
O espiritismo reencarna em "O Espirit of Saint l{icolas", conr um Mendelejeff, parte para a casa da noiva a fim de socorrê-la com uma
aviador morto se manifestando nurna sessão organizadapela esposa do última garrafa de oxigênio. Mas tem o inforúnio de encontrar-se
narrador. Mas aqui o evento fantástico é explicado como resultado de urr primeiro com a sogra, gue, ao saber do que ele tinha em máos,
pesadelo explicação que s'alta do texto no ultimo parágrafo. Neves era assalta-o) rouba-lhe o oxigênio e o abandona ali para morrer) junta-
-
muito adepto desse tipo ingênuo de surpresa final. Em "uma entrevista mente com a própria filha. A história sobrevive muito bem como
com Adão", o ultimo conto da primeira coletânea, lá estão o espiritismo uma narrativapwlp, especialmente se a tomarmos aparte do conjtlnto
e o futurismo: o ano é 5432, e â inovação agora é o psicotelefone da irregular produção de Berilo Neves.
L7O - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo II - L7L

Neves escrevia dentro daquele continuLtril, exposto por M. de homens. Needell cita Júlia Lopes de Almeida, escritora de prestígio
Bethencourt) em que a condição da mulher é definida, por um lado, literário na Belle Epoque carioca, gue teria dito que "(...) O homem é
como um problema de organrzação do trabalho no mundo rnoderro, egoísta e autoritário e (...) para fazê-Io fehz, como [cumpre às
e por outro) como run ser que tem a sua suposta "essência" compro-
mulheres) elas devem] renunciar ao doce ócio em que o [pensamento
metida pelos processos da modernidade. O problema do sarcástico da mulher] se balança e tê-lo sempre vigilante e ativo.')I33 Adalzira
escritor talvez tenha sido justamente o de essenciahzar reconhecer Bittencourr parrilhava dessa visáo de um homem infantilizado,
como natwreza feminina o que era contingência -social, como necessitando de permanente tutela feminina. "Dependerá dela e tão-
-
sugere esta passagem de Jeffrey Needell: somente dela , fazer do fitho o que quiser)))r34 escreveu. E segundo
Bittencourr) a decadência moral da sociedade é culpa só do homem.
Não havia [na segunda metade dcl século XIX] nenhum motivo "É preciso que a mulher se desdobre em atividades para podgr .oT
os seus próprios recursos endireitar a sociedade corrompida pelo
3,U,5rüfj',:'#âff ;,Hilil:Í::;Ll:Jffi tÂf *13.T*::
homem. A política corrompida pelo homem. Os governos corrom-
:il::,:'iJâ;HJffi.Xti::,tr!:';:#;ir,xrtmSn:uilil;,1 pidos. Avida corrompida.')I3s A função educadora da mãe se projeta
ência, os comentários sobre a ignorancia das mulheres, sua falta de por toda a sociedade, levando pela mãozinha, "maternalmente", a
habilidade na conversação e tirnid ez nío podem ser simplesmenre criança crescida que é o macho da espécie.
desconsiderados, pois fazem muito sentido. Exceto nó caso da-
É irrt.ressanre especular sobre a sobrevivência do tipo de ficçáo
:ff nilH:#:â1;Ifl3l§Jlá3,Tft :Í,:::t:Í:#[1'ffiTl',ilX científica explorado por Berilo Neves. Um caso recente é Eden 4 e
às mulheres. As conseqüências em terffros de realização pãssoal owtras histórins farutrísticos (200I), de um outro jornalista carioca,
Alexandre Raposo.
#:f, ;;ifl:t:il:.111fl ::H;H:-rff ii:tsB[:;:H,fl :T,T::
pela janela para fazrr mexericos sobre os passantes e o cafturé ( . . . ).,,,
O primeiro conto de Alexandre Raposo no livro é "Rito de
passageÀ", Lunamulher e urn homem) conversando enquanto passeiam
Needell assinala ainda que "tais hátritos modificaram-se pouco a em um cenário apocalíptico, revelam terem se encontrado em outras
pouco» )r32 especialmente com o advento de veículos, que derarn à encarnaçóes. Todos os seus encontros envolvendo guerras e cataclismos.
rnulher mais mobilidade, com o aumento do contato com os centros
e
Em 'A caixa de Pandorâ", um alienígena conversando com o último
europeus. Porcerto que nas décadas de 20 e 30 as mulheres brasileiras descendente dos seres humanos) agora mantido em um zoologico,
já tinham novas perspectivas) o que confere às investidas de Berilo faz acrítica da natvrezadestrutiva do Horno sapienr. No borgiano "O
Neves contra elas um caráter estereotipizante e preconceituoso. Sua peixe-rei", um peixe falante que se afirma o ser vivente mais velho do
tendência a essencializar, sugerindo que as faltas que er»(crgava nas
mundo) narra a um menino as suas aventuras pela história, na esPe-
rança de convencer o garoto a soltá-lo da piscina em que está Preso.
mulheres eram parte da naturezaferuinina,seria hoje condenadir pela
"De olhos bem abertos" é runa narrativa envolvendo paranormalidade,
maior parte da crítica cultural. As "essências" vinculadas aos papéis
um jovem seqüestrado e um garoto autista. "succubus" é outro collto
sexuais e sociais são negadas e confrontadas pelo conceito da fabricação
borgiano, ern sua criação de civihzaçóes imaginárias) e outra história
cultural c pelas práticas alternarivas.
de rêencarnaçáo como vimos, Berilo Neves também gostavtr dessas.
A posição "do lado oposto", porém, não deve passar desaperce- -
Outra mania de Neves era terminar suas histórias com o despertar dc
bida. As mulheres muitas vezes se armavam de estereótipos contra os um sonho é o que acontece ao final de 'A onda", de Raposo) Llllla
-
L72 - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo II - L73

história de abdução por alienígenas. "]ustiç.", por sua vez) é uma pouco mudou, de 1930 para cá. Exceto talvez Por um Pequeno
das poucas narrativas realmente perturbadoras do livro: run médico ,rú-.ro de aurores que ainda acreditam no potencial desses gêneros
captura o assassino de sua família e o tortura lentamente. Fosse e se imporram em contribuir pa rl a sua evolução e integração ao
contada de maneira mais engenhosa, daria um bom conto de d.ark cenário literário brasileiro.
swspense, gênero pouco praticado no Brasil.
Contos como 'Ambulante" e "Ressaca" tentam extrair seu inte-
resse do cotidiano e da linguagem das ruas do Rio de )aneiro. Outro
paralelo com Berilo Neves, gue também escrevia a partir da Cidade
Maravilhosa.
Em seu tempo, Neves esteve pouco interessado em dialogar ou Um dispositivo narrarivo de H. G. Wells que teria encantado
expandir a emergente (nos Estados llnidos) tradição de ficção cien- nossos a,rtorês foi o seu modo indireto de exposição. O Viajante do
tífica. O que ele queria era empregar o potencial do gênero para fins Tempo ou o alter ego de Wells emAguevrfl, d,os rnandos não apenas
satíricos, dentro de comentários sociais rasteiros e jocosos. vivem os acontecimentos extraordinários, mas vivem-nos depois que
É o que acontect nos contos de Alexandre Raposo, "Entrevista com a incredulidade do leitor foi minada por depoimentos que surgem
um alienígena" e "Edefl 4", a história que dá nome ao livro. Nesta como resremunhos de veracidade. Essa foi uma inovação de Wells
última, por fim, aparece o grande tema de Berilo Neves: a guerra dos gue, ao lado das contribuiçóes de Verne, gerou a ficção científica
sexos. Um viajante no tempo chega a um futuro em que a revolução moderna a partir do instante em que passou a envelopar o extraordi-
feminista decretou o fim do macho da espécie. Neves brincava com a nário com um realismo irrefutável. Ele mesmo explicou:
idéia da mulher sendo declarada obsoleta por encubadeiras ou robôs,
embora) como vimos, tenha usado o argumento ao menos um a vez) Em todo esre tipo de história o interesse real náo está eIrI seus
contra o homem. No conto de Raposo) a engenharia genéti ca )á não elementos não fàntásticos e nem na invenção etn si (. . ) A coisa
dá mais conta de manter as moças geneticamente sãs. E preciso uma que rorna tais imaginaçóes interessantes é sua traduçáo em termos
ingestão de masculinidade no processo) e o herói da história é forçado
ao papel. Torna-se urn prêmio a ser disputado por facçóes rivais, em
reviravoltas de comicidade apagadâ, e no final assume a tarefa de ser
lljfii§l*':iifi{H,r"}#:}#ffi'Hr}r::r'3ff':
o Adão de uma nova tentativa da humanidade, em dar certo. O tema
bíblico era ulna constante em Neves) que costumava terminar alguns Uma definição basranre boa dos mecanismos da ficção científica.
dos seus contos misóginos com disúrbios ou revoluçóes, e em "Eden Patrick Parrinder) um especialista em Wells, observa que ele e
4" Raposo usa o mesmo recurso um par de vezes. Verne trouxeram para o romance científico) no qual predominavatn
Alexandre Raposo não pode ser a reencarnação de Berilo Neves, o aventuresco e o exótico, a revolução da especulaçáo lógica: "O
mas é curioso que temas e enfoques se repitam dessa maneira) em resultado não é primariamente tuna ficçáo'estética', dirigida a deleitar
contos pouco ambiciosos e sem texrura. Não deve causar surpresa, a sensibilidade do leitor, mas) antes) um modelo operante de uma
porém. No Brasil, ficção científica e fantasia ainda são vistos realidade alternariva :)r37 Realidade alternativa gue, confrontada com
especialmente pelos autores do noainstrenrn Literárro como formas os paradigmas do leitor (associados à realidade por ele perce bida),
-
destinadas ao entretenimento f,ícil e à sátira superficial. Nesse sentido, for(a a flexão dos músculos intelectuais e imaginativos.
L72 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo II - L73

história de abdução por alienígenas. "|ustiç.", por sua vez) é uma pouco mudou, de 1930 para cá. Exceto talvez Por um Pequeno
das poucas narrativas realmente pertllrbadoras do livro: um médico rrú*.ro de aurores que ainda acreditam no potencial desses gêneros
captura o assassino de sua família e o tortura lentamente. Fosse e se imporram em contribuir para a sua evolução e integração ao
contada de maneira mais engenhosa, daria um bom conto de d,ark cenário literário brasileiro.
gênero pouco praticado no Brasil.
swspense,
Contos como'Ambulante" e "Ressaca" tentam extrair seu inte-
resse do cotidiano e da linguagem das ruas do Rio de ]aneiro. Outro
paralelo com Berilo Neves, 9ue também escrevia a partir da Cidade
Maravilhosa.
Em seu tempo, Neves esteve pouco interessado em dialogar ou Um dispositivo narrativo de H. G. Wells que teria encantado
expandir a emergente (nos Estados Unidos) tradição de ficção cien- ,rtorês foi o seu modo indireto de exposição. O Viajante do
nossos
tífica. O que ele queria era empregar o potencial do gênero para fins Tempo ou o alter ego de Wells emAguevrfl, d,os rnwnd.os não apenas
satíricos, dentro de comentários sociais rasteiros e jocosos. vivem os acontecimentos extraordinários, mas vivem-nos depois que
É o que acontece nos contos de Alexandre Raposo, "Entreüsta com a incredutidade do leitor foi minada por depoimentos que surgem
um alienígena" e "Edefr 4", a história que dá nome ao livro. Nesta como resremunhos de veracidade. Essa foi uma inovação de Wells
última: por fim, aparece o grande tema de Berilo Neves: a guerra dos gue, ao lado das contribuiçóes de Verne, gerou a ficção científica
sexos. Um viajante no tempo chega a um futuro em que a revolução moderna a partir do instante em que passou a envelopar o extraordi-
feminista decretou o fim do macho da espécie. Neves brincava com a nário com um realismo irrefutável. Ele mesmo explicou:
idéia da mulher sendo declarada obsoleta por encubadeiras ou robôs,
embora) como vimos, tenha usado o argumento ao menos um a vez) Em todo esre tipo de história o interesse real náo está em seus
contra o homem. No conto de Raposo) a engenharia genética jánão elementos não fantásticos e nem na invenção em si ( . .) A coisa
dá mais conta de manter as moças geneticamente sãs. E preciso uma
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o Adão de uma nova tentativa da humanidade, em dar certo. O tema
bíblico era ulna constante em Nevest que costumava terminar alguns Uma definição basmnre boa dos mecanismos da ficção científica.
dos seus contos misóginos com disúrbios ou revoluçóes, e em "Eden Patrick Parrinder, um especialista em Wells, observa que ele e
4" Raposo usa o mesmo recurso urn par de vezes. Verne trouxeram para o romance científico) no qual predominavam
Alexandre Raposo não pode ser a reencarnação de Berilo Neves, o aventuresco e o exótico, a revolução da especulação lógica: "O
mas é curioso que temas e enfoques se repitam dessa maneira) em resultado não é primariamente tuna ficçáo'estética', dirigida a deleitar
contos pouco ambiciosos e sem textura. Não deve causar surpresa, a sensibilidade do leitor, mas) antes) um modelo operante de uma
porém. No Brasil, ficção científica e fantasia ainda são vistos realidade alternariva :)r37 Realidade alternativa gue, confrontada com
especialmente pelos autores do rnainstrea.vn literári como formas os paradigmas do leitor (associados à realidade por ele percebida),
destinadas ao entretenimento f;ícil e à sátira superficial. Nesse senrido, força a flexão dos músculos intelectuais e imaginativos.
L7 4 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BMSIL
Capítulo II - L75

Os brasileiros influenciados por Wells certamente reconheceram que falamos anteriormente. Atahualpa enumera as atrocidades
o poder desse estímulo intelectual, o poder de uma "literatura de cometidas pelos invasores euroPeus:
idéias". Infelizmente, a absorçáo do autor inglês por Lobato, Veríssimo
aPos o saque
e outros alimentou um discurso darwinista social e eugênico em um [C]idades reverberando ao clarão dos incêndios,
pela matula infrene; populações inteiras cruciadas pela s^ede e pela
país mestiço e neocolonizado, e no abuso da exposição wellsiana em
longos episódios descritos através de discurso indireto, produzindo
io-.; caciques e principes de sangue real aviltante e feramente
tortrirdosi fro*êns fivres trazidos à escravidão e forçados ao
textos maçantes e demasiado opinativos. trabalho exaustivo das minas; mulheres violadas Por uns monstros
Uma preciosa exceção éAArnazôninruisteriosa (L925), de Gastão de lascívia; crianças renras espostejadas para servir de pasto à matilha

Cruls (1888-1959), um livro notável em muitos aspectos. Esse


dos perros feroies e industiiados à caça dos índios ( . . .) "'
romance curto se inicia sob a forma do diário mantido pelo protago-
nista-narrador) que) num recurso comum à literatura do século XX, O outro elemento fantástico revela a influência de Wells - que
não é denominado e parece se colocar como alter ego do autor. Neste chega a ser citado no texto. Ao chegar à tribo das arrÂzonas) o Doutor
caso) assim como o narrador de Wells em A gaewã. d.os rnundos, o e seu companheiro sáo recebidos por um pesquisador alemão, o Prof.
protagonista partilha de algumas das características do aut Cruls HartmarrÃ, casado com uma bela jovem francesa, Rosina. Eventual-
era um médico que abandonou carreira, o seu protagonista
a e tem a
mente o Doutor se verá interessado em Rosina e descobwá que
mesma profissão. Essa seção do livro não mais que um capítulo Hartmann reahzapesquisas fisiológicas com seres humanos,'no aPro-
- -
se dedica a caracte rízar o cenário amazônico) testemunhado por uma veitando-se em parte do lendário desprezo das amazonas Por suas
expedição perdida na selva. Quando os dois sobreviventes são salvos crianças do sexo masculino. Flartmann se apresenta) Portanto) como
por um grupo de índios, a narrativa muda para um relato mais linear uma versão do Dr. Moreau, de Wells, em A ilhn d.o Dtc Morenu (The
e coerentc. Islnnd of Dr, Moreau,LB96).

O Doutor e seu amigo, o caboclo Pacatuba, terminam na tribo Moreau é um pesquisador que reahzaexperiências de vivissecção,
perdida das amazonas) que o autor sugere serem descendentes das misturando espéciCs e él.uando os animais à condição de seres morais
vestais do império inca. Em uma viagem onírica provocada por e pensanres. Wells também leva um protagonista-narrador até o local

urna beberagem local, o protagonista obtém a confirmação do próprio dôs experimcntos. Seu romance termina sendo uma alegoria bastante
Atahualpa, que resenha para ele as realizaçóes da cultura e socie- ambiciosa (mas desajeitada), d, cteserção de Deus às suas criaturas,
dade incas, e a posterior destruição do império pelos conquistadores. ao rornar a dor e a solidão fatos incontestáveis da vida. I{á tarnbém
urn conteúdo darwinista, pois o livro sustenta que a tentativa de "elevat''
Um aspecto interessante são as medidas econômicas tomadas pela
administração inca, que o narrador chama de "sábio comunismo". r3s criaturas acima do seu estágio evolutivo está fadada ao insucesso e a
uma situação trágica a mesma tragédia vivida pela parte animal
O diálogo com Atahualpa é um dos elementos fantásticos do -
dos seres humanos, que não se coloca no mesrno Patamar de sLltls
romance) e um dos momentos mais reveladores do ponto de vista
expecrativas morais e éticas. Um certo determinismo ecoa nas págin'as
de nossa investigação de uma qualidade singular da ficção especula-
tiva brasileira. Cruls emprega índices da cultura pré-colombiana de A ilho Dr Morenu.
do

em caracte rizaçáo que suge re uma identidade nativa) americana, Esse protótipo do "cientista louco" praticava seus expcrirllclltos
para as situaçóes do seu romance, bem como uma aceitação natural, pelo pr^ré, de eiperimentar sugerindo assim umA attsôtrcil dc
-
propósito de Deus em relação às suas criaturas. ]á F{artntrllttt L-ruscir
quase "mágico-realista", dos mistérios da América maravilhosa de
L7 6 - flcçÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL Capítulo II - L77

encontrar soluçóes para problemas como a afasia (Cruls tem uma Neste caso) Gastão Cmls reahzou o feito de absorver a influência
teoria mirabolante sobre o aprendizado de línguas se rea\rzando "em estrangeira para produzír, a partir dela e de influências locais de caráter
camadas") e o rejuvenescimento. Descobre um modo de combinar mítico) urna obra original e com claros elementos nacionais. Essa
os genes de espécies difcrentes. Cruls não se detém em aspecros estratégia crítica e mitopéica é funcional ainda hoje, e é certamente
transcendentais. Eventualmente as ambiçóes do cientista alemão se um caminho lícito para a produção de uma ficção especulativa de
voltarão contra o Doutor, seu companheiro, e até mesmo contra caráter mais brasileiro.
Rosina. Cabe, portanto) uma escapada com a ajuda de Malina, É pr..iso dizer ainda) com um certo orgulho) que A Arnazônia
-
ulna sagazjovem amarrrnq que é um dos personagens mais simpáticos rnisteriosa é escrito com mais elegancia e ímpeto que o às vez€s trôpego
do romance e nesse instante a narrativa abandona qualquer espe- A ilha d.o Dr Moreaw.
-)
culação maior e retorna à aventura. Talvez teria sido melhor para a
ficção científica brasileira se Cruls se detivesse mais nos aspectos
especulativos do seu romance) mas por outro lado ele demonstrou :

que a influência de H. G. Wells pôde ser absorvida sem que a totali-


dade da sua ideologia fosse igualmente integrada. Ao contrário, os
aspectos "brasileiros" do livro o deslumbramento
- simple são maispela
simpatia pelos indígenas e sua vida
terra) a
penerranres
H. G. Wells é um dos autores mais importantes para a ficção
científica, não apenas pelas técnicas de exposição ou pela extrapolação
que a influência, 9ue, ao final, se limita aos dispositivos narrarivos lógica que desenvolveu. Ele também criou todo um lote de temas e
criados pelo autor inglês, o que me parece bastante razoável. subgêneros que seriam posteriormente incorporados à FC: a viagem
A comparação entre as motivaçóes e os atos de Moreau com o física no tempo via artefato tecnológico, a invasão alierugena, a mani-
seu correspondente Hartmann também nos é valiosa. F{artmann não pulação biológica, a guerra total (The War in the Air,I90B), a invisi-
tem presunçóes ou justificativas pseudodivinas para os seus aros. Como bilidade (O hornem inuiswel ou The Invisible Man.,1933). O peso do
cientista estrangeiro em terras brasileiras, ele se dedica à exploração seu racionalismo também tornou-se baliza para a produção de FC
e ao abuso do material humano nativo) sem dilemas ou escrúpulos. que se iniciaria nas primeiras décadas do século XX.
Mais que isso, acreditando na superioridade racial do homem branco) Hugo Gernsback reproduziu em Arnazing Stories muitas das
Flartmann pretende lançar mão do próprio protagonista, como alvo histórias de Wells como modelo do que desejava para o gênero.
de seus experimento ele precisa de um cérebro ewropew, e não Gernsback, no entanto) dirigiu os recursos wellsianos para ulna ficção
indígena, para experimentar. Chocado, o Doutor admire: "Eu, ainda mais otimista do que a produzida pelo autor ainda que muitas
que revoltado e contendo a custo os ímpetos de uma exploração
-
narrativas apocalípticas também surgissem. O escritor I. G. Ballard,
imediata, decidira-me a ouvi-lo também com a maior calma e aré quando esteve no Brasil em 1969, fez notar a aliviadora tendência da
simulando estar perfeitamente irmanado às suas idéias.)'r4r Cruls, FC do período da Grande Depressão, em ser otimista: "Me pareceu
portanto, expóe de modo talvez conradian or42 a falácia do dis- maravilhoso que fosse uma literatura) uma literatura combativa, que
-
curso humanista que mascarava o projeto colonrzatório- europeu. A revelava aquele imenso otimismo quanto ao futuro da humanidade
destruição do modo de pré-colombiaro, que nos é apresentada pelo em uma época em que milhóes de pessoas estavam no ffrarasmo.)'r43
discurso de Atahualpa, expande, por contraste imediato, a denúncia Esse otimismo durou até a década de 50 e ó0, com o perigo
do colonialismo. nuclear, â Guerra Fria e o conflito no Vietnã. Antes disso, Wells, às
L7B - FICÇÃO CIENTÍTICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL Capítulo II - L79

II Guerra Mundial, )á, dizia que era impossível manter a


vésperas da Se a ficção científica é nesse sentido um gênero ambíguo por
ft em uma literatura cautelar sobre catástrofes planetárias, na emi- interagir com o modernismo sem aceitá-lo completamente) talvez até
nência de uma. mesmo desafiando-o, o homem H. G. Wells era igualrnente ambíguo
Gernsback e seus seguidores acreditavam na ingênua premissa em termos semelhantes.
de que a ficção científica possuía um poder transformador por incor- Em Os intelectunis e fl.s rnlússã,s, ]ohn Carey reconhece que
porar a mudança social em termos do reconhecimento de uma tecno-
logia cada vez mais presente e avassaladora. O conto cautelar, não
obstante, progride em paralelo, e o ingênuo otimismo transformou-se âff :i:r,i;Tͧ;,'#,xHffi â;*;:i'";i':'Tfr':,*iltr:l'T;
ao longo da notável evolução do gênero no nosso século em um novo
princípio de intervenção social através da literatura) do qual não };:i;:üTffid*F.Hfi,trft?[,r"flT:i[lfji;:t
escapa a crítica das estrururas sociais. De algum modo Wells tem um privando-nos de cert eza.ras
pé em cada uma das tendências, mas não deixa de ser irônico que as
preocLrpaçóes partilhadas por seus colegas intelectuais europeus, e Assim como a maioria dos seus contemporâneos, Wells parece
que a pârtir deles se desenvolveram no movimento modernista, ter sido atropelado pelas aceleradas mudanças científicas e sociais
vieram a produzir uma literarura tão diversa do modernismo quanto do seu tempo. Pregou a liberdade sexual como renúncia à moral
a ficção científica. Ainda Ballard: vitoriana) mas tinha opinióes cabeludas sobre o papel social da mulher
e sua sexualidade. Pretendia libertar a mulher do tolhimento familiar
Sempre me pareceu que este (. . .) chamado movimento moclerno, e da submissão econômica ao homem) mas com o fim de deixá-ltr
esta literarura de alienação e instrospecção, e de imensa sofisticação
livre para escolher os melhores exemplares masculinos l1o cumpri-
literária (. . .) não podia ser a principal tradição literária clo século
XX. Como poderial (...) O chamado movimento moderno lne mento de sua principal função: a geração de uma elite eugênica.
parece, sob ?odos os aspectos) Lrm rrrovimento c1o século XIX. E Preocupado com o problema demográfico, defendia o controle da
antiburguês, é alienado etc. O século XX exige Lrma literatura ori- natalidade, e brigou com a Igreja por isso. Foi adepto do socia-
entada para o seu principal fato, e o principal fato do século XX é lismo fabiano na Inglaterra) urna corrente que abraçou o Darwinismo
a noção de um futuro ilirnitado (... ) O século XIX, ao contrário,
Social por ser simpática à noção de uma elite dirigente de super-
era totahnente orientado para pessoas obcecadas por seu cAráter,
experiência e passado familiar etc.; e produzia-se literatura que se
homens nietzschianos. Algumas de suas utopias, tão impregnadas
adaptasse a isso. O maior florescimento da literatura do século XIX de elitisrno, se aproximam da divisão absoluta de classes que seria
deu-se no século XX, por um assustador paradoxo.rg desenvolvida mais tarde por outro elitista, Ndous Fluxley (I894-
L963), no seu Adrnirrivel rnwnd.o vt0y0 (Brave lr[ew World, L932).
Um dos grandes desafios da ficção especulativa é essa idéia do C,onrudo e de novo como muitos dos seus contemporâneos
gênero como urna contra-revolução destinada a se apropriar de irlguns
- -,
Wells debatia-se entre seu reconhecimento do valor e unicidade cta
dos motivadores do modernismo a explosão demográfica, a dinâmica experiência de cada indivíduo, e seu desejo de erigir um sistetna
-
industrial crescente) a fragmentação da experiência dos indivíduos) a que aplacasse os fatores gue, ele sentia, viriam a ameaçar o futuro
saturaçáo informativa, a mudança do quadro social e cultural e da hurnanirjade.
-
redirecioná-lo a outros objetivos menos associados a uma percepção Talvez o melhor exemplo dessa dicotomia, encontrado cnl sur.1
característica do século XIX. ficção, esteja em um episódio especialmente estranho, por fugir à
180 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo II - 181

predictabilidade do enredo, encontrado em A guelvfl, d,os ru.wnd.os. O aos problemas da humanidade conforme ele os via, e discursando
narrador, após testemunhar todo o terror da invasão marciana, para quem o ouvisse.
encontra um militar desgarrado de sua unidade. O personagem é A trajetória desse pensador às vezes brilhante, às vezes ingênuo,
tratado apenas de'Artilheiro". Ele e o narrador discutem o cataclismo correto no reconhecimento dos nossos grandes problemas) mas
com que se deparam: o fim da espécie humana. Mas o Artilheiro tem freqüentemente errado nas soluçóes que imaginava) adquire um tom
urn plano. Acredita que outros homens peculiares como ele e o narrador patético) em seu final.
sobreviverão) e) agora livres, pela intervenção alienígena) dos fracos
Porém permanece o fato irrefutável de que os dilemas humanos
e dos insensíveis que não possuem a mesma capacidade para a sobre-
observados por ele no Íim do século XIX continualn a nos assombrar)
vivência, unir-se-ão para conduzir uma resistência que não apenas e de que o gênero de ficção que
agora no crepúsculo do século XX
vencerá a guerra dos mundos) mas também construirá um novo mundo -
ele ajudou a dar forma permitirá que os abordemos com todos os
para a humanidade. O pensamento do Artilheiro parece ser estrita-
poderes de que dispóe. Wells é ainda modelar, tanto tempo depois.
mente "natural": "No melhor ou no pior) morte é só morte ." Sua
-
extrapolação do que o futuro reseÍvaria ao ser humano sob o jugo dos
Mas, como ocorre com muitos outros, âs idéias que defendeu e que
hoje são bem menos aceitáveis, devem ser purgadas, para que o núcleo
invasores é aterradora, e foi mais tarde também desenvolvida em
de sua preocupação central com problemas sociais sobreviva para ser
muitas obras de ficção científica animais de corte ou de estimaÇão,
-
homens treinados como cães domados para caçar seus semelhantes
emulado. Os escritores de hoje terão de trilhar carninhos não anteci-
pados, e isso vale especialmente com respeito aos autores brasileiros.
selvagens. O discurso do Artilheiro é de um pragmatismo absoluto,
Se antes Lobato e Veríssimo incorreram na repetiçáo de discursos
um darwinista social puro, mas ele vê esse grupo de resistência
ideológicos inadequados à realidade particular do Brasil, hoje os
sobrevivendo para aprender como vencer os alienígenas no futuro.
autores em atividade sofrem a sedução de ouuos discursos emergentes.
O narrador se encanta com a idéia) com o fervor desse líder tão
O futuro dirá se as nossas interpretaçóes do agora serão ou não
poderoso. Porém mais tarde, quando os dois se indulgem a uma
atropeladas pelas mudanças sociais e científicas que nos tocam com
faustosa refeição, ao vinho e aos charutos deixados na mansão em
tal ime díateze impacto que teriam roubado o fôlego do próprio Wells.
que se abrigam, o narrador tem um insight inesperado amigo
é um embusteiro, com tanto medo do futuro quanto ele, agarrado às
pequenas vantagens materiais de que d-ispóe no momento. O narrador
atira longe o charuto, sentindo-se traidor de sua esposa e de sua
espécie. Decide então abandonar esse "estranho e indisciplinado
sonhador"l46 e seguir para Londres) reatando-se ao destino comum)
qualquer que fosse, dos seus companheiros seres humanos.taT A ficção especulativa brasileira do século XIX e do início do XX
Mas Wells, gue em outro momento descreveu-se em termos não se limitava às versóes tupiniquins do scientrfrc rlvna.nce ) como
semelhantes) como uma "pessoa completamente imoral", "dis- vimos, aliás, pelas sátiras e viagens utópicas discutidas. Um exemplo
cursiva, experimental e flutuaÍrte", toma o caminho oposto e pas- que.vale mencionar é o conto "O imortal", de Machado de Assis
sa grande parte da vida quixotescamente perseguindo o sonho de ( 1839-1908), influenciado por esquemas narrativos do conto gótico,

sua utopia, visitando dignatários (entre os quais Roosevelt e mas com momentos prefigurativos da ficção científica: um médico
Stalin, em 1934), em busca de quem se unisse a ele no combate homeopata narra ao seu círculo de amigos as aventuras do pai, nascido
182 - FrcÇÃo crENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL
Capítulo II - 183

em 1600 e que teria adquirido a imortalidade ao beber uma poção XXI, L934), effi que dois homens) sem razáo aparente, têm as suas
identidades trocadas. Esses e outros exercícios em torno do "duplo"
indígena. '7\ ciência de um século não sabia tudo; outro século vem e
compóem novo índice da influência do gótico na literatura brasileira
passa adiante. Quem sabe se os homens não descobrirão um dia a
do século XIX, em sintonia com o que se dava em países de língua
imortalidade, e se o elixir científico não será esta mesma droga selvá-
inglesa e francesa.I5o
tica|", escreve Machado,r4s ficrnecendo o esboço de uma justificativa
científica. Thmbém na resolução do conto se forma um argumento É irrt rosante investigar a presença também) nesse mesmo período,
científico: o filho do imortal, já na vida adulta, se torna médico de scientific rnvnã,nces do tipo "mundo perdido", bem como a awsência
homeopata, e isso inspira ao seu pai a solução para o dilema da de um outro subgênero muito em voga então no exterior, o plnnetflry
imortalidade (o tédio e o passamento dos entes queridos).Ele se rnrna.nce ou "romance planetário".
recorda do princípio da similitude na homeopatia, e urna outra dose Uma das obras seminais do planeta,vy rzrna,n,ce é A Princess of
da poção milagrosa inverte o seu efeito. Mars (19L2), de Edgar Rice Burrõughs (L874-1948), romance ori-
"(...) A imortali-
The Encycloped,in of Science Fiction ínforma que ginalmente publicado napwlp vnã.ga,zine All-Story Weekly como (Jnder
the Moons ofMars e sob o pseudônimo de Norman Bean. Só em L9l7
dade é um dos motivos básicos do pensamento especulativo; o elixir
da vida e a fonte da juventude são objetivos hipotéticos das clássicas
a obra foi publicada com o título que a consagrou e com o verdadeiro
buscas intelecruais e exploratórias."r4e São citados como precursores
nome do autor. Já, então Burroughs havia lançado o romance que o
as fantasias góticas Sr. Leon (L799), d. William Godwrn;Melrnoth the
tornou mundialmente famoso: Tarzan of the Apes (1914). O sucesso
Wand.erer (1820), de Charles Maturin; The Wand,ering Jna (1844-
do "FIomem-Macaco" provavelmente deu-nos a chance de ver
també m A Princess of Mnrs em forma de livro.
f 845), de Eugêne Sue; e Auriol (L850), de \M Harrison Ainsworth.
Qualquer uma delas poderia ter inspirado Machado de Assis a es- Em A Princess of Mnrs, Burroughs finge estar trazendo à luz o
crever "O imortal" com um certo "clima" de narrativa fantasma- ffranuscrito de um conhecido de sua família, o aventureiro ]ohn
górica
-
primeiramente publicado em 1BB2 emA estaçã.0. Carter, natural da Virgínia e veterano da Guerra Civil Americana)
-, tendo lutado junto às forças confederadas e mais tarde alugado suas
O terna do duplo ou do d"oppelgcinger,tão caro à literatura fantás-
armas para os exércitos de países africanos e asiáticos. O truque em
tica, aparece aqui por provável influência do conto clássico de Edgar
que o autor afirma ser apenas o portador do manuscrito de uffIa
Allan Poe, "William Wilson" (1840). Coelho Neto fez uso dele em
aventura "real jáhavia sido empregado antes por I I. Rider F{aggard,
"O duplo", e) mais tarde, Gastão Cruls com o interessante "Meu por exemplo, no romance de mundo perdido Elo (She: A History 0f
sósia" (1938). Neste últiffio, as ansiedades com respeito à singulari-
Adventotre,l BBZ).
dade e à identidade individual no mundo moderno são levadas para o
terreno da criação literáriâ, â angústia da influência e a criatividade Enquanto procurava ouro nas montanhas do Arizona) Carter é

pessoal, quando o escritor Paulo de Alencastro (.rm claro nlter ego de acossado por índios apaches e se refugia nulna caverna. IJma preseuça
Cruls) descobre que um estranho) muito parecido com ele, reahza ao fundo da gruta se avulta, enquanto o herói perde o controle sobrc
pesquisas semelhantes às que ele desenvolve para a escritura de um o próprio corpo, sofre uma experiência extra-corpórea e teln sLul

romance ambientado na Amazonia e envolvendo as lendárias amazonas alma ou "perispírito" transferido para Marte. Ele imediatamentc sc
(num curioso jogo intertextual, trata-se, claro, do romance de Cruls, integra a um grupo de tharks (marcianos gigantes de pclc vcrclc c
A Arnazônin rnisterioso, d. L925). Uma variação interessante é apre- quatro braços) capitaneados por Lorquas Ptormel e Thr Trrkrrs.
sentada por Berilo Neves, com o conto 'A troca de almas" (in Século
Deixado aos cuidados da tharkiana Sala, Carter rapidamcntc sc tonrrl
184 - FrcÇÃo cIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL
Capítulo II - 185

proficiente na língua do planeta, descobre que os locais chamam Marte


de "Barsoom", e que o planeta é habitado por toda uma fauna de ;T$ff *"",ffi',;ffi lfJ;.[ãffiTffi :,*#T::f'g:i::i
Lowell escreveu livros como Mars as the Abod.e of Life (1905)
seres de três pares de membros inclusive um animal peculiar que
-
se torna o seu amigo mais fiel no planeta macacos gigantes prateados,
argumentando que o planeta tivera uma vez mâres como os da
Terra. O tamanho menor de Marte e a sua menor gravidade super-
e os homens vermelhos
-) idênticos aos humanos,
virtualmente ficial permitirarn que a maior parte de sua atmosfera escapâsse para
-
embora se reproduzam botando ovos. Os homens vermelhos são o o espãço. Para sobreviver) os marcianos construíram canais par-l
bombear água dos pólos para as regióes tropicais. fu linhas, Lowell
produto da fusão de três raças ancestrais de Barsoom: brancos como inferiu, deviam sei fàixai de vegetaçáo ao longo desses canais, já
Carter, negros e amarelos. A eles pertence Dejah Thoris, princesa de que qualquer linha marciana visível da Terra deveria ter pelos rlenos
Helium) uma das cidades-estado do planeta. |ohn Carter imediata- B0 quilômetros de largura.
mente se apaixona por ela e tudo faz para salvá-la de uma série de Mais tarde Lowell raciocinou que Marte deveria ter Lun governo
perigos) nuÍna narrativa às vezes pomposa em demasia, mas densa planetário para tornar tais obras possíveis. E pena, mas não impor-
em sense of wond,er e em peripécias sob a forma de duelos, lutas, tando o quanto sua cultura fosse avançada) os marcianos estariam
-
escapadas, batalhas terrestres e aéreas, confissóes e traiçóes quase perdidos por causa da inevitável perda da água remanescente. Esta
-
que página a página. Contudo, como se dá no plnneta.ry rnvna.nce) a
teria sido uma brilhurte deduÇão, J, os canais realmente existissem.
Quando Burroughs escreveu, presumia-se que eles existiarn, e
"construção de mundo" e a descrição da paisagem, ecologia e hábitos Burroughs pôs canais em seu romance.Is2
culturais têm idêntica predominância no enredo.
Na introdução ao volume duplo da The Easton Press, At tbe De Camp também nos informa que "(...) Uma olrtra fonte óbvia
Enrth's Core/A Princess ofMars (1996) ,L. Sprague de Camp informa de Barsoom está na teosofia, urn culto mágico-religioso fundado por
ao leitor que "duas das fontes de Burroughs lparaA Princess ofMars) Helena Petrovna Blavatsky (1831-I891)."tss Blavatsky publicou o seu
são bastante óbvias": tratado A douwircosecreta (The Sect et Docwine) em IBBB, no qual afirmou
que o ser humano era fruto de uma evolução a partir de sete raças)
Uma é o astrônomo Percival Lowell (1855-f 9f ó). I-Jm aristocrata sendo uma delas, a terceira,
bostoniano) Lowell fez fortuna nos negócios, aposentou-se, viajou,
ocupou postos diplomáticos, escreveu livros, e resolveu devotar o os lemurianos gigantescos) hermafroditas e botadores de ovos,
resto de sua vida à astronomia. Construiu um observatório coln o com quatro braços e olhos na parte de trás da cabeça. A Lernúria
seu próprio dinheiro, perto de Flagstaff, Arizona, e empenhou-se tinha sido proposta por cientistas britânicos do século XIX corno
no estudo dos planetas) no qual fez substanciais descobertas. sendo uma ponte de terra indo da India à Africa do Sul via
Através de um telescópio, a maior parte de Marte parece ser de um Madagascar) para explicar alguns enigmas geológicos e zoológicos.
salmão-rosq com manchas oliva-cinza e verde-azuladas; como, disse Mme . Blavatsky transformou essa Lemúria num continente
um astrônomo, "uma tangerina bolorenta". Durante a aProxi- submerso no Oceano Indico; subseqüentemente) os ocultistas a
mação maior entre a Terra e Marte em 1877 ro astrônomo italiano rnudaram para o Pacífico.Isa
Schiaparelli aÍirmou ter üsto linhas finas se entrecruzando na super-
ficie do planeta. Schiaparelli chamou essas linhas de canalis, "leitos" Mais tarde, os seguidores de Blavatsky iriam ampliar c apro-
ou "sulcos". Outros traduziraln o termo como "canais", que é
âpenas urn sentido secundário da palavra italiana.rsr Eles infcriram
fundar o seu conto:
que esses canais deveriam ter sido feitos por seres inteligentes.
Começando na década de 1890, Lowell conseguiu descobrir ainda Assim, Annie Besant explicou que os toltecas) ulna sub-rrrçrt clc
mais canais do que o seu colega italiano 437 ao todo. Na época atlantes, gigantes de pele vermelha com oito metros dc rrlturrr. Illcs
-
Capítulo II - LB7
186 - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL

ser rnais audacioso do que foram os zulus


HXXilffi â:tâiltr#:ffi:1il,",:1i',ii:ü:;i:;il;iffi
A raça de Lytton em questão era Lrma de super-homens
iÍi
vivendo
Í:o*llÍlr.t':'e
em subterrâneos e usando a força do vril para estourar rochas e LJm cumprimento que o próprio Burroughs poderia ter escrito) como
destruir monstros. Burroughs, por sua vez, se apropriou do vril, sugere esta passagem de A Princess of Mnrs, râ fala de um thark: '7\
transformando-o na Oitavo Raio Barsoomiano, gue, estocado
garora vermelha [Dejah Thoris] nos disse que nos faltam os senti-
em tanques de flutuação, sustentavam as aeronaves em fortna de
barco barsoomianas. mentos mais suaves da humanidade, mas somos ulna raça justa e
honesta:)rs7 Sem dúvida, a idéia de um mundo onde todos são "brutais
mas honestos" e as relaçóes mais claras e básicas, responde Por boa
A despeito das semelhanças claramente estabelecidas, d. Camp
reconhece que "ninguém sabe quando ou como Burroughs caiu sob
parte do interesse que a série Barsoom mantém até hoje.
a influência da teosofia)).r5s De qualquer forma, em Burroughs Após A Princess ofMars, Burroughs escreveu mais dois romances
encontramos outro exemplo da ficção científica operando como um continuando as aventuras do casal Iohn Carter/Dejah Thoris em Mafre,
dispositivo de tipologia radical, eferuando a transferência do material The Gods ofMars e The Warlords of Mars, ambos publicados em revista
mítico da esfera do sagrado para a do profano. no ano de 1914, mas "oito outros romances seguiram as aventuras de
Carter, percebe-se) é um herói típico da literatura colonial sua família e amigos".rss São eles Thuvia, Mnid ofMars (l9Ió),The
branco, totalmente heróico e devotado aos princípios do dever e da
- Chessrnen of Mars (L922), The Master Mind. of Mnt's (1928), /
honra. Capaz de rudo para salvar a donzela em perigo, ele ainda Fighttng Man ofMars (I93 L), Sword,s ofMars (1936), Synthetic Men,of
encontra tempo para ensinar aos nativos bases mais humanas de e;,is- Mnts (193L),Llana of Gnrhol (1948) eJohn Carter ofMnrs (1964).
tência ainda que para tanto não hesite em matar e conquistar. Burroughs, obviamente) foi muito imitado em seu país. O mais
- a menor gravitação de Marte dá ao herói força fisica e
Por sorte) descarado dos seLrs imitadores foi Otis Adelbert Kline (tB9L-19+6),
agilidade muito além da conhecida pelos marcianos ele é capaz de cuja seqüência Robert Grandor, iniciada em L930 com The Plonet
-
matar uma criatura de cinco metros de alrura com um soco certeiro, of Peril, apresenta um herói à lá ]ohn Carter, mas em Vênus. Como
e de saltar a distância de quinze metros ou mais. Alguns substantivos se deu entre Verne e Senarens, mas de maneira mais competitiva,
usados na descrição dos homens vermelhos e sua sonoridade sllgerem Burroughs aproveitou a deixa e lançou o seu Pirates of Wnus (1932),
que Burroughs os modelou também a partir dos indianos do período com um novo herói, Carson Napier. Kline também parodiou o
colonial britânico, e muitas cenas de batalha e de massacres remetem Thrzan de Burroughs. Outro imitador foi Ralph Milne Farley (Robert
à experiência colonial na ari.. Átri.a. Como a Batalha de I(hambula, Sherman F{oar, f 887-L963)., também com um aventureiro em
na Africa do Sul em29 de março de 1879, na qual morreram cerca Vênus, Miles Cabot na série Radio Man, iniciada em 1924). Não
de três mil guerreiros zulus, contra um total de perdas de 32 homens -
cncontramos apenas o processo de tipologia radical em Burroughs,
do lado britânico. Sobre o massacre um correspondente de guerra mas urn exemplo dos movimentos próprios dap ulp f,ction) ntrrn dina-
inglês escreveu: mismo capitalista em que a ética do artista burguês é posta dc lado na
busca pelos limites da idéia e na competição entre autores difercntes
Mas ainda assim eles vinham com a fbrocidade de tigres) nunca trabalhando um mesm o continuLtv'n temático. "O vcrdaclciro pulp
tropeçândo, nunca vacilando, nunca se esquivando ou hesitando é uma recusa da consciência burguesa e das formas burgucsas c1c
por um momento seqller. Digam o que quiserem sobre ser mais
rcrrlismo", escreveu Clive Blooffi, em Cwlt Fiction. "E capitrtlistrt.,
ferocidade animal do que bravura varonil, nenhum solclado
1BB - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BMSIL
Capítulo II - 189

anárquico, empresarial e individualista.)'rse Bloom contudo não iden-


tifica nesse processo "uma escravidão esúpida ao mercado", como
3:ffi:ff *:ffi :lâfl%:lH.*razáo'narurarmente,eraóbvia
declaram os críticos maffistas, "nem tuna revolução no avanço do
Semelhanças entre Flnsh Gord,on e A Princess of Mars e outros
gosto. Antes de tudo ele marca uma negociação e reaproximação na
romances da série Barsoom aparecem logo na primeira seqüência
experiência d.ernocrriticn de massa.')r60
das aventuras criadas por Raymond. Nas primeiras duas páginas da
Ao longo dos anos) as descrições românticas de Barsoom tira, o herói, sua futura noiva Dale Arden e o Prof. Hans Zarkov, na
escritas por Burroughs engajaram os talentos de vários artistas de eminência do choque de um cometa com a Terra, são simplesmente
relevo, incluindo J . Allen St. )ohn ( 18 72-1957), Roy I(renke I
transferid.os para o planeta Mongo, assim como Iohn Carter foi
(l9IB-1983), Frank Frazetta (1928- ), e Michael Whelan (1950- ). transferido a Barsoom sem delongas ou justificativas científicas. E
Em Infi,nite World,s: The Fantastic Yisions of Science Fiction Art -
a seqüência do torneio de Mongo de número 49 a 60
(1997), Vincent Di Fate observa que "(...) Mesmo em seu desenho - pranchas
provavelmente deve algo aThe Chessrnen ofMars.
-
em preto-e-branco pode-se enxergar a influência de St. )ohn sobre
Flash Gord.on,era lido no Brasil. O conto de Gomes Netto, 'A
grandes artistas de aventura como Hal Foster, o criador da vene-
viagern sensacional" (.rn \Iopelas fantristicos, novembro de 1934),
rável tira de quadrinho s Príncipe ynlente lPrince Valinnt), e Alex
fala de um "fogo.te-torpedo",Ie expressão provavelmente emprestada
Raymond, o originador de Flash Gord.0vt.))t6r
dos quadrinhos de Raymond.
Ainda em 19ó8, o escritor brasileiro Walter Martins notava que,
Ainda assim, o plnneta,?y rnrnã,nce permanece ausente na FC
"(...) Por alguma razáo a série Princess of Mars nunca foi traduzida
nacional. As razóes podem ser várias. I-Jm subgênero de vocação
para o português :)162 Se John Carter e suas aventuras em Barsoom
eminentemente aventuresca cairia em terreno inftrtil, como já
nunca apareceram no Brasil, num certo sentido a sua influência se
vimos. Que tenha chegado primeiro como história em quadrinhos
fez sentir nesse outro romance planetário, Flnsh Gord,on, visto por
deve ter alienado ,r.rtoro de pietensões literári.r. É possível ie obseffar)
aqui sob a forma de páginas dominicais de histórias em quadrinhos
porém; Que todos os romances de Thrzan escritos por Burroughs
sindicalizadas (pelo King Features Syndicate) e publicadas no Suple-
chegaram ao Brasil, e que eles, de certo modo, formam um outro
rnento Juvenil, a partir de março de 1934.
vasto p lanetmy rorutã.nce .
Em L974 a Editora Brasil-América lançou uma bela edição de
Uma hipótese que talvezvalha a pena investigar é a de que o pró-
Flash Gord"on, no reino dns cã,veruta;) em comemoração ao aniversário
prio Brasil fosse intuído pelos brasileiros como umplanetary rzru.ã.nce
de quarenta anos de publicação de Flash Gordon no Brasil . Flnsh
um vasto mundo cuja ecologia e relaçóes sociais evocariam um
Gordon in tbe Cayes ofMongo ( I93 7) foi a primeira edição do perso- -forte senso de exotismo, romantismo e inquietação para uma sensibi-
nagem de Alex Raymond (1909-1956) em livro) nos Estados Unidos.
lidade européia que o público burguês brasileiro praticamente o
Cnmo introdução ao volume brasileiro, os editores citam urna passagem
único com acesso à leitura
-
tendia a reproduzir. LJm aproveitamento
de History of Cornics Yolwrne I (1970), d. James Steranko: -
dessa percepção do Brasil (especialmente o Brasil amazônico) coffro
paisagem exótica está no subgênero do "mundo perdido", rrm rónrlo qlle
Flash Gordon era outra versão de Iohn Carter (personagem criado
[pot] Edgar Rice Burroughs), um terrestre que vivia num mundo
onde Luna lógica inescmtável de guerreiro o faziausar facas e espadas cobre raças perdidas, cidades perdidas, terras perdidas: tocl«ls os
quando tinha à mão armas de raios ou, por alguma razáo.,preferia enclaves de mistério num mundo que encolhe rapidamcnte) c qrrc
190 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo II - 191

dava (o,, dá) à consciência brasileira ulna paisagem colot id, ocupando
;trtH?::üf lç:,ã"11'tEil::',::âff*?H1"""'.:::l: o nicho mental de um irnpério rico e inexplorado, uffi dos trunfos
da viagem fantástica do século XVIII e até mais cedo (...)'ut
para projetar o Brasil para a esfera das potências mundiais. Embora
as histórias de mundo perdido "fossem a forma mais popular de ficção
Um exemplo clássico é Ela,de FI. Rider Haggard. Influenciado
científica do seu período"róe (as décadas de I870 e 1930), no Brasil
por Haggard,'uu Edgar Rice Burroughs semeava mundos perdidos elas âssumiram uma expressão menos relacionada ao imperialismo
por toda parte centro da Terra) em At the Enrth's Core e suas
dirigido a territórios ultramarinos) como as presenças coloniais
seqüências, e nas aventuras de Tarzan) com cidades e raças perdidas
eurõpéias na Áfri.r. Árir, mas como expressão de um imperialisrno
presentes em Tarzan o teruíttel (Thrznn the Teryible, l92L), em que
interno ou a projeção de estratégias colonialistas sobre as terras
aparece Pal-ul-Don, "uma terra primitiva com lagartos gigantes -
selvagens do próprio país.r7o Quem deu o pontapé inicial Para o
vivendo ainda no interior, e uma civilização r,rb.rmrrá iendo
emprego do Brasil e da Amazônia nesse tipo de história, a proPósito,
construída por Pithecnnthropi".r0z Th,rzan e os hornens-forru,igas (Tarznn
foi o inglês Sir Arthur Conan Doyle, com Mwnd,o perdido, effi L9L2.
and the Ant Men,1924), apresenta o herói capturado e reduzido em
tamanho por minúsculos humanóides de não mais que trinta cenrí- A Arnnúnin rnisterilsa, nos leva até atribo perdida das arnazonas)
metros de altura. Cidades romanas são descobertas pelo rei das selvas rnas seu autor) Gastão Cruls, fornece-nos antes de mais nada uma
no coração da África, em Tarza,n e o irnpério perd,id^o (Tkrzan and. the descriçáo da floresta amazônica que cerca as mulheres guerreiras, e
Lost Ernpire, L929), e duas cidades perdidas em conflito perpétuo, sua própria orga nizaçáo social, integrada aos l'rábitos indígenas
além da história do continente. Mais importante) o livro nos fornece
-
Onthar e Thenar) aparecem em Thrzan e a cid,ade de ouro (Tkrzan and.
the City of Gold.rlg3l). Ao contrário dos romances de Barsoom, rodos um epick oriundo do passado pré-colombiano, relacionado à identi-
os romances de Tarzan foram publicados no Brasil, primeiro na dade latino-americana) que nos permite contrapô-lo às pressóes neo-
famosa Coleção Terramaear, da Companhia Editora Nacional, com coloniais da época.
ilustrações de I. U. Campos e I. Gargiulli altamente calcadas nas Cruls escreveu o romance antes de visitar a Amazônia, e um
originais (tanto que o primeiro artista assinava "adapta" entre o seu livro de relatos) depois de lá ter estado. laA Repúblicn 3000 ouAf,lhn
I e U, um caso raro de um artista admitindo ter copiado o trabalho d.o Inca (1927), d. Menotti del Picchia tem muito de superciência e
de outro). Mais tarde, a editora fundada por Monteiro Lobato reeditou especulação utópica) mas a textura da floresta também é valorrzada
uÍna seleção das aventuras do senhor dos macacos em formato grande, pelas descriçóes. Literalmente circundada pela selva do Brasil Central,
com ilustraçóes de capa e um magnífico sprend, que se repetia ao a uropia supertecnológica e socialista montada por descendentes de
começo e final de cada volume, assinadas por Manoel Victor Filho. habitantes de Creta que chegaram ao Brasil milhares cle anos antes
Essa segunda coleção era dirigida ao público juvenil. dos portugueses) tenta controlr-..^g passado, ao aprisionarem a
A análise dos romances nacionais de mundo perdido dá substância princesa inca do título, com o seu'pai'i"e o futuro, Pot meio de uma
àhipótese de que esse subgênero encontrou maior ressonância enrre cmigração em massa para as estrelas, onde irão fundar uma ttova
nós, por conta da imensidão e do exotismo do nosso próprio território utopia. Enn'e passado e futuro, os protagonistas aparentemente escollrem
nacional. "[E]sse tipo de história refletia (...) o renovado vigor das Lrma existência quase mítica) atemporal, sob a forma de vidt'r caboclrr,
exploraçóes que búscavam mapear os interiores da Áfri..,-Ári, c simples) na qual as aventuras fantásticas assumem uma allrrl clc cotttrt
América do Sul"rt0s Thomas D. Clareson escreveu no ensaio "Lost c1e fadas.rTr Num continuuvn de mobilidad o moviurctrt«r cltt
Lands, Lost Races" (L977). O vasto território selvagem da Amazônitr parssado, para o presente e o futuro eles escolhcm i1 iruobilidndc clc
-
190 - FrcÇÃo crENrÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo II - 191

eram apresentados tão freqüentemente na FC do final do século dava (o,, dá) à consciência brasileira ulna paisagem colodd, ocupando
XIX e começo do XX. tO] subgênero é obviamente um sucessor
o nicho mental de um irnpário rico e inexplorado, um dos trunfos
da viagem fantástica do século XVIII e até mais cedo (. . .)'ut
para projetar o Brasil para a esfera das potências mundiais. Embora
as histórias de mundo perdido "fossem a forma mais popular de ficção
Um exemplo clássico é Ela,de H. Rider Haggard. Influenciado
científica do seu período"róe (as décadas de lB70 e 1930), no Brasil
por FIaggard,'uu Edgar Rice Burroughs semeava mundos perdidos
elas âssumiram uma expressão menos relacionada ao imperialismo
por toda parte o centro da Terra) em At the Enrthts Core e suas
- dirigido a territórios ultramarinos) como as presenças coloniais
seqüências, e nas aventuras dc Tarzan, com cidades e raças perdidas
eurõpéias na Áfri.* . Ásir, mas como expressão de um imperialisrno
presentes em Tarzan o teruípel (Tia,znn the Teruible, L92L), em que
intermo ou a projeção de estratégias colonialistas sobre as terras
aparece Pal-ul-Don, "Llma terra primitiva com lagartos gigantes -
selvagens do próprio país.I70 Quem deu o pontapé inicial para o
vivendo ainda no interior, e uma civilização subumana sendo
emprego do Brasil e da Amazônia nesse tipo de história, a propósito,
constrLlída por Pithecã,nthrnpi".r0z Th,rzan e os bornens-forrnigns (Tiz,rzan
foi o inglês Sir Arthur Conan Doyle, com Mund.o perd,ido) em L9L2.
and. theAnt Men, L924), apresenta o herói capturado e reduzido em
tamanho por minúsculos humanóides de não mais que trinta cenrí- A Arnazônin rnisteriosa nos leva até a tribo perdida das amazonas)
metros de altura. Cidades romanas são descobertas pelo rei das selvas mas seu autor) Gastão Cruls, fornece-nos antes de mais nada uma
no coração da Africa, em Tiz,rza,n e o irnpério perdid"o (Titrzan. a,nd. the descrição da floresta amazônica que cerca as mulheres guerreiras, e
Lost Ernpire, L929), e duas cidades perdidas em conflito perpéruo, sua própria orga nrzaçáo social, integrada aos hábitos indíge
Onthar e Thenar) aparecem em Tarzan e a cidad,e d.e owro (Tizrzan and. além da história do continente. Mais importante) o livro nos fornece
the City ofGold,, I93f ). Ao contrário dos romances de Barsoom, rodos urrr epick oriundo do passado pré-colornbiano, relacionado à identi-
os romances de Tarzan foram publicados no Brasil, primeiro na dade latino-americana) que nos permite contrapô-lo às pressóes neo-
famosa Coleção Terramaear, da Companhia Editora Nacional, com coloniais da época.
ilustraçóes de I. tf . Campos e I. Gargiulli altamente calcadas nas Cruls escreveu o romance antes de visitar a Amazônia, e um
originais (tanto que o primeiro artista assinava "adapta" entre o seu livro de relatos) depois de lá ter estado. IaA Repúblicn 3000 ouAf,lhn
I e U, um caso raro de um artista admitindo ter copiado o trabalho do lruca (1927), de Menotti del Picchia tem muito de superciência e
de outro). Mais tarde, a editora fundada por Monteiro Lobaro reeditou cspeculação utópica) mas a textura da floresta também é valorizada
ulna seleção das aventuras do senhor dos macacos em formato grande, pelas descriçóes. Literalmente circundada pela selva do Brasil Central,
com ilustraçóes de capa e um magnífico spread, que se repetia ao 11 Lrropia supertecnológica e socialista montada por descendentes de
começo e final de cada volume, assinadas por Manoel Victor Filho. habitantes de Creta que chegaram ao Brasil milhares de anos antes
Essa segunda coleção era dirigida ao público juvenil. clos portugueses) tenta controhj.^gpassado, ao aprisionarelrl a
A análise dos romances nacionais de mundo perdido dá substância princesa inca do título, com o seu-p.âi'i"e o futuro, pot meio de uma
àhipótese de que esse subgênero encontrou maior ressonância entre crnigração em massa para as estrelas, onde irão fundar uma ttovâ
nós, por conta da imensidão e do exotismo do nosso próprio território utopia. EnH'e passado e futuro) os protagonistas aparentemente escolhern
nacional. "[E]sse tipo de história refletia (...) o renovado vigor das Luna existência quase mítica) atemporal, sob a forma de vida cabocla,
exploraçóes que buscavam mapear os interiores da Africa, Asia e sir-r-rples) na qual as aventuras fantásticas assumem uma aLlrrl clc cotrtrt
América do Sul"rtos Thomas D-. Clareson escreveu no ensaio "Lost clc fadas.rTr Num cyntinuwrn de mobilidad o movitnctrt«l clo
Lands, Lost Races" (L977). O vasto território selvagem da Amazônia 1'xrssado) para o presente e o futuro -
eles escolhem a iruobilidndc clc
L92 - FIcçÃo cIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo II - 193

uma existência celebrada pelo ethos rural brasileiro das décadas de que acabava de sair de um novo conflito mundial, agora com
L920 e 1930. (Uma realidade mantida pela exploração do trabalho e poderes nucleares.
pela mínima representação das classes menos favorecidas, não nos
Nestes três casos) o exotismo iruaginad,o tem menos expressão
esqueçarnos.) Essa opção pela simplicidade era comuln ao subgênero
que o d.escrito. A pressão do exotismo amazônico é superior ao
também internacionalmente) e pode ser interpretado como "parte de
irnpulso de especulação em torno de um exótico imaginado.
urn novo primitivismo, uÍna rejeição da sociedade urbano-tecnológica
cada vez mais complexa) sendo gerada pelo novo século».r72
IJma ourra aventura de mundo perdido, agora projetada sobre a
Áfri., , faz o herói popular de Monteiro, Dick Peter, encontrar uma
Mas o que a utopia da República 3000 oferecia era apenas uma
cidade perdida dos atlantes em A serpente d,e bronze (As aventuras de
ourra forma de imobilidade, no que diz respeito propriamente ao Dick Perer, O herói moderro, n. 9, L949). Ao tomarem conheci-
Brasil, como se vê neste diálogo entre o herói, capitão Fragoso, e mento antecipado do cataclismo que os aguardava, os habitantes dtr
Gurnia) uIrI dos cabeças da Republica Atlântida puseram em ação os seus eugenistas) que "percorreram
todas as terras do Império para selecionar os casais mais saudáveis e
Então nada mais aspiram desta pobre terra) indagou irônico
-Fragoso. - perfeitos)'rr7s que foram postos em animação suspensa) no interior
de instalaçóes subterrâneas em várias partes do planeta. Despertados
Gurnia perrnaneceu mudo uns instantes. Depois, pausadamente,
pela intrusão de Peter e seus amigos, eles, comandados por Lrma
como medindo as palavras, penetrando-lhes o sentido, disse:
belíssima mulher reminescente da Ayesha de Haggard, em Eln
Nada mais aspiramos desta terra. Cumpritnos o nosso destino - -
-planetário e atingimos todas as nossas finalidades. (. . .) "'
planejam conquistar o mundo com sua tecnologia superior. São
porém derrotados no último instante por um d,eus ex ?vlil,chino
desde
-
o seu "congelamento", o clima da Terra tornou-se inóspito
A ordem social da República deve muito aos discursos utópicos
para os atlantes. Atlantes em animação suspensa também estão
vigentes na época, fruto de "(...) Uma questão simples de educação
presentes em When the World, Shooh: Being an Accownt of the Great
e de higiene", como explica Gurnia.rTa Ao rejeitar os preceitos dessa
Ad.yenture ofBastin, Bichley, andArbuthnot (1919), do mesmo FIaggard.
utopia em favor do romantismo, representado pelo amor entre
Fragoso e a inca Raymi, e da vida simples oposta à simplicidade Histórias de mundo perdido continuaram a aparecer, de lti para
instirucional rzada, determinista dos
-
habitantes da República não cá. Uma fantasia picaresca de Ariano Suassuna, A pedra d.o reinl e 0
estaria del Picchia rejeitando também o artificialismo do -,
projeto Príncipe do sa,ngue d,o rui-e-yolta (L97L), fala de um reino perdido no
higientzador e eugênico do seu tempol sertão nordestino. Seu herói é um certo Quaterna) nome que lembra
a Allan Quatermain, personagem de Haggard em série de romances
Mais sintomático talvez seja o romance de Jerônymo Monteiro
ambientados nurna Africa mítica. O rom anceAllan. Qtatervnain, (IBB7)
(1908-L970),A cid.adeperd,idn (1948). O autor, que também visitou foi "o protótipo da expressão totalmente desenvolvida do motivo da
o espaço amazônico) narra a excruciante jornada do seu alter ego pela raça perdida».176 Mais adantes tentando conquistar o mllndo apareccffl
Amazônia brasileira até a cidade perdida dos atlantes) mas a chegada em Arnnr e rnorte na Atlâ,ntid.a (L994), d. Sylvio Pereira, tambéur
é um desapontamento: é a floresta e seus habitantes que merecem lrabitando uma Terra oca. Por outro lado, em Os deuses subteryâ?xels
toda a atençáo do autor; o mundo perdido, o terreno da fantasia, é (L994), de Cristovam Buarque , os criadores da humatridrtclc
pálido em comparação. Os próprios atlantes têm pouco a oferecer) tratada por eles como "andróides"
-
querem é salvar o plrrtrcta clrr
além de uma ingênua admoestação pela beligerância do ser humano, -
guerra nuclear, num romance de implicaçóes esotéricits vitrctthclas
L94 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo II - 195

ao Planalto Central e a Brasília) um espaço que o autor conhece bem confundindo-se com a space opern, num rol de obras seminais que
(como reitor da L)niversidade de Brasília e como governador do inclui o clássico Dwnn (Dwne,1965).
Distrito Federal) e que possui mitologia própria.

Há outras coisas inquietantes. O senhor sabe qlle a Igreja


-Católica é dona de extensas áreas de terras nesta exata região do
Brasil| Sabe 9ue, no século passado, quando aquilo ali era um
deserto, uffi italiano em transe, que depois virou sarlto da Igreja
Católica, apontou aquele exato lugar no mapa dizendo que ali Uma outra forma rara por aqui foi o subgênero da guerra futura
estava o futuro do mundol O senhor sabe que os brasileiros (fwtwre wnr), embora o verbete "Brésil" da Encyclopédie d.e I'wtopie et de
cosrLrmam dizer que Deus é brasileiro, apesar de a realidade dramá- la science f,ction (L972), d. Pierre Versins, assinale a existência de
tica do país que l)eus tem horror ao Brasil) ( ...)"' uma tradução da obra pioneira de Sir George Chesney,The Battle of
Dorking, no Rio de Janeiro em I B7L) mesmo ano de sua publicação
éo comentário de um observador norte-arnericano) resurnindo vários original na InglaterrarrTe e apenas um ano após o fim da Guerra da
mitos relativos a Brasília e ao Planalto Central. Tiíplice Aliança (18ó5-I870), conflito que envolveu o Brasil, a
Os dewses swbtervâ,neos está perfeitamente inserido na tradição de Argentina e o lJruguai, em aliança contra o Paraguai.
A f,lha d,o Inca e A cid.ad.e perd,id,a. Veja o que os "deuses" confessam A ausência do tema da guerra furura na ficção científica brasileira
a urn dos seus visitantes: do final do século XIX e começo do XX espelha, provavelmente) a
forma singularmente tímida com que o tema da guerra foi tratado
Os deuses não sonham. Ao fazermos os andróides à sua imagem e pela nossa literatura do período) como se pode verificar, por exemplo,
semelhança, ao construirmos o lrosro Éd.n (...), nos tornamos pclas minguadas páginas que Machado de Assis dedica à Guerra do
deuses. Deixamos de sonhar. Por isso, falta-nos uln mundo que Paraguai em lairí Garcia (I878). E claro, o clima na Europa era bem
não conheçamos) onde possamos ter a liberdade de irnaginar. E
mais propício à especulação em torno de novos conflitos, o que
nos fr,ç, sonhar. rTs
sustentou a voga das future wa,rs.I. F. Clarke, uffi especialista nesse
subgênero) comenta que os EUA eram um outro país em que o
Na maioria dessas histórias dispostas numa escala mitográfica
-
bastante discernível, de exploração de mitos nacionais os perso-
contexto para a eclosão da futwre wa,r na década final do século XX
-, ttão cra tão propícro, jáque "os Estados Unidos não tinham nenhum
nagens que descobrem o mundo perdido têm pouco afazer, além de
irrimigo capaz de guerrear na escala dos conflitos contemplados do
observar os planos de uma civilizaçío superior. Embora o mundo ()rrtro lado do Atlântico').r80 Mas nem por isso deixaram de adaptar A
perdido de tecnologia ou da moralidade superior esteja latente no querro dos rnwnd.os, de Wells, para o seu cenário, primeiro conl
coração do Brasil, permanece ainda como um objeto intocável e ali- Mars: The War ofthe World,s in and. Near Boston ( 1B9B)
b'tqhters Frowt,
enígena. A estranheza ali presente tem um potencial explosivo de rcrrdo a autorizaçáo do próprio Wells e em seguida com Edison's
-
transformação) mas prefere (ou é obrigada pelas circunstâncias a) ()onquest ofMars (LB9B), de Garrett P. -Serviss, no qual Thornas Alva
manter-se incógnita. I',rlison desenvolve a tecnologia capaz de levar um contra-rltrlquc
Por sua vez) a tradição internacional do planeta,?y rnrna,nce sofis- Itrrrtreno a Marte. Em L996, o reclrrso de revisitar a invasão nrrrrci:rnrr
ticou-se, embora mantendo tun caráter de aventLlra e freqüentemente tlcscrita por Wells, mas a partir de novos ângulos, rctonrrr conr rl
196 . FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL
Capítulo II - I97

No entanto, de um dia para outro os economistas ficaram perplexos.


antologia War 0f the Worlds: Globnl Dispntches, editada por Iftvin j. Seus.cálculos, baseados em estatísticas exatas) pennitiun as mais
Anderson. Os diversos contos narram a invasão como se testemu- auspiciosas conclusões. M1: o pão que s9p1av.a no papel foi min-
nhada por personalidades como Mark Tvain, Pablo Picasso, Emily Slando parâ as bocas. Fiscalizaram a exatidão das solnas) tirararn a,
Dickinson) Albert Einstein, ]ules Verne, Teddy Roosevelt, I{. P. prova dós nove e outras, e
- nada. A conta estava certa, ryas o pão
tinha sumido. Então) como se fez no remoto passado, foi preciso
Lovecrafr, ]ack London, Rudyard I(plirg e ]oseph C,onrad. Mas apesar
ir caçar o homem de carga rrr lsi, e na Áfric.. Ért.r recalcitràrrrr, .,
da palavra "global" nos títulos, todos os autores contribuintes são como já estivessem mais civilizados) ou mais bárbaros, resistiram de
americanos ou ingleses, o que me motivou a escrever 'A vitória dos espingarda na mão. Mas fome é fome. Rebentou a guerrer.Isl
minúsculos" (1997) ) conto na mesma linha, apresentando Machado
de Assis como narrador da invasão dos marcianos ao Rio de |aneiro. Por que seriam necessárias bestas de carga humanas) se os autô-
No Brasil, logo em lB93 eclode a Revolução Federalista, a partir matos faziam todo o trabalho, e em que a irnportaçáo de nova força
do Rio Grande do Sul; em 1893-94, a Revolta Armada na Marinha; de trabalho humana representaria r1o alívio da equação da fomel O
e ainda em 1893 até LB97 , a Guerra de Canudos) esta sim até hoje ergumento deixa a desejar (embora possivelmente seja um índice
muito explorada pela ficção. Adentrando ao século XX, a Revolta da da lembrança ainda fresca do escravismo no Brasil)) mas há outros
Chibata (em f 9f 0) . a Guerra do Contestado (1912 a l9l5). Ainda aspectos no conto que valem menção corno os Estados Unidos
I

I em I9l4 dá-se a Revolta de ]uazeiro,com repercussóes que se esten- apresentados como tun único - Alasca
pú, indo "do à Terra do Fogo')r82)
dem até 1922. Na I Guerra Mundial, o Brasil foi a única nação der c e conseqüente americanízaçáo da toponímia brasileira: "Chora
{ América do Sul a participar oficialmente do conflito. I'â o Tenentismo Menino Road", "Tietê River", "Paisandú Square", 'Anhangabaú Park",
(
durou de 1922 até 1934, e também em L922 tivemos o Levante de c tr Avenida São loáo transformada em "St. Iohn Avenue".
(
Copacabana. A Rebelião de 1924 foi um levante tenentista em São No pref,ácio da edição do Clube do Livro (1949), Zamznkí e
Paulo, e também nesse ano tivemos a Coluna Prestes, longa serpente Ileino de Dews, Schmidt apresenta "O F{omem Silencioso" como o
de25 mil quilômetros) partindo do Rio Grande do Sul sob o comando irrspirador da novela"Zanzalá" (originalmente publicada em I 936),
de Luís Carlos Prestes, para se encerrar apenas em L927 sob uma c' o inclui como um primeiro capítulo,I83 embora não haja continui-
aura de invencibilidade um episódio digno de Gabriel Garcíar clrrde verdadeira entre um e outro. O próprio autor sugere que "(...)
Márquez. Enfi*, ainda é preciso mencionar a Revolução de 30 e a llstc capítulo, se o leitor estiver com preguiça, pode ser pulado.))rs4
Revolução Constitucionalista em 1932. Um período deveras movi- "Zanzalá" é uma doce utopia com intensos elementos de brasili-
mentad., porérn pouco evidente em nossa ficção e em nossa ficção rlrtclc, qLle incluem o apego à terra e à vida simples que iríamos ver
científica em particular.
- rnrris tarrde emAf,lhn dn Incn e na ficção curta de )erônymo Monteiro.
( ) tírr-rlo vem de um certo "Vale de Zanzdá", situado, flo ano de 2036,
O trabalho mais antigo de guerra futura nacional que pude
encontrar foi o conto "O hoffrem silencioso", de Afonso Schmidt nunr ponto entre São Paulo e Santos (o autor nasceu em Cubatão).
( I890 -I964), primeiro publicado em 1928. Schmidt tenta extra- l't'ovítrcia de um Brasil bem diferente e ao mesmo tempo muito
polar urrr conflito mundial a partir da criação de robôs que des- scttrclhtlnte ao de Schmidt ao tempo da escritura da novela, funciona
io.n- de seus empregos imerisas populações. Alguns momentos :rli un'lil espécie de comuna) com cores de vilarejo interiorano
satíricos como a compra de uma "autôrnata" por um rancheiro lristtirirl sc abre sob o subtítulo de "O século da simplicidaclc", no
-
atrapalham o rigor da extrapolação, assim como a confusa tltrrtl convivem elementos de alta tecnologia, que inclucnr virrgcus
justificativa para a guerra: irrtcrl'rlarletárias e a colonizaçáo do Sistema Solar,rss corr urne utol'»irr
198 - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL
Capítulo II - 199

cabocla de pessoas que vivem próximas à naturez\ morando em duas facçóes se formaÍrr) uÍna pró-Instituto, outra pró-Flanela. "Quurdo
choupanas desmontáveis e vestindo maiôs despojados. Todos se os grupos se encontraram, irrompeu tun conflito. (. . .) E quando a
conhecem e se tratam por apelidos; uma certa inocência e intimidade briga terminou, só se viam pelo chão fragmentos de violóes, de flautas)
perpassam as relaçóesiociais.rso g um momento surgido de grandes de cavaquinhos. Mas foram os instrumentos os únicos a sofrer no
conflitos bélicos) mas as gerações mais novas desconhecem a guerra embate; quanto aos partidários, escaparam a tempo) sem o mais leve
e a têm como uma curiosidade histórica. A linha narrativa é bastante arranhão.')I8e O brasileiro do futuro desconhece a guerrq mas é ainda
solta e Schmidt é muito hábil na transição de um segmento a outro. um povo espontâneo e emotivo, que não dispensa uma briguinha de
O núcleo da narrativa (além do geográfico, pois todos os eventos se Yez em quando.
dão em torno de Zanzalá) éo amor o dilema do casal de dançarinos
e O desafio dos pró-Flanela ao Instituto ganha interesse planetário,
Tirca e Zéfiro. Tüca) a mulher, padece de alguma condição fatal inde- numa sociedade globalizadana qual o pequeno vale ainda causa inte-
terminada. Desenganada pelo médico, é ievada por Zéfiro até um resse e na qual o sentido comunitário claramente se mantém vivo.
feiticeiro (que realiza rituais afro-brasileiror), e depois aos espíritas e -
F-lanela arma os seus instrumentos) em árvores e nas ravinas. E o
teosofistas) sem encontrar esperança. Schml.lt dá ao leitor um instan- vento e os pássaros que serão os per'fovvners do concerto) numa aqua-
tâneo das práticas religiosas da época e) por não julgar sua validade rcla brasileira feita de palavras e imagens:
ou competência, preserva assim outro elemento de brasilidade: o
sincretismo. Thrnbém menciona o papel da Ig*j" Católica) que) após Terceira lufada. Começou com sons baixos e graves, lembrando o
urn encíclica papal em L987., concentra as atençóes dos fiéis no direito marulho das águas nas pedras cavadas do Itaipu. Foi-se erguendo,
dos animais e promove a adoção da dieta vegetariana. Não é por aos poucos. Encheu o âmbito cristalino da manhã. Era como se
nada que Schmidt foi definido por Brasil Bandecchi como dono de todas as árvores) ao invés de folhas, de flores e de frutos, estivessem
cobertas de guizos. De guizos de ouro. Foi-se erguendo cada vez
um "franciscanismo radicalizado" rrsz e da novela que acompanha mais. Arqueou-se sobre os abismos onde manchas de sol alter-
"ZaÍtzàlá" na edição do Clube do Livro ser "Reino do Céu", paráfrase navam com aglomerados de nuvens. Acabou por se tornar Llm
fantástica e instigante da trajetória de Francisco de Assis e do que arco-íris, onde os ouvidos distinguiam os sete sons e as almas, os
teria vindo depois da sua ffrorte) numa denúncia do desvirtuamento sete silêncios que estão para lá da musica. fu aves maravilharam-se
da Igreja, conforme observado por um anônimo seguidor. Ern com aquilo. Então, de cada copa subiu para o ar pelo menos um
casa de pássaros. Grandes e pequenos. De todas as cores. Suas asas
"Zanzalá" mesmo, é assim que o autor descreve um momento de douradas projetaram sombras trêmulas sobre a encosta) sobre o
religiosidade no seu futuro utópico: púbtico perplexo. Das devesas elevaram-se iguahnente todos os
besouros, todas as borboletas, todos os pequenos insetos. Nuvens
|á não se üam templos pomposos) a não ser os que haviam chegado trêmulas de abelhas ergueram-se à guisa do fumo das fogueiras.
Era como se as corolas da serra tivessem criado asas e) a urn chamado
3n["":?:;mr.:'ãL";'JrÊ;JãIF.ir1?{?:1,":ài:â.::,i: do sol, fugissem dos seus pedúnculos ! E a terceira lufada eslno-
recell) passou. Cavou-se um grande silêncio azul. E nesse silêncio
fffl::1#:ffi'tr;:I§â"'Jifff ,fl;§:§l'uocruerembravapoeti' ficou apenas a cigarra. Era urna nota estrídula, cristalina, mirravi-
lhosa, que enchia a terra e o céu. reo

Urn dos episódios mais bonitos da novela é o concerto realizado


pelo "maluco local", um certo "Flanela". Tüca e Zéfiro compram a Assim como A f,lhn do Inca o seria mais tarde, "ZanzrtLí" poclc
briga do pobre-coitado, junto aos figuróes do Instituto Musical. Logo, scr vista como uma abordagem do "sonho brasileiro" o sonho clc
-
200 - FrcÇÃo crENrÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo II - 2oL

uma vida pacata, sonho da cordialidade em um país sem guerra nem am m arc h a s h e ró i c a s' rio gr o d i t a s de

conflitos raciais ou religiosos; o sonho da existência descomplicada, 3#S,TJ;üffi ,ffi';1:X


em que o contato com a naturezaé inspirador de bele za e paz. Noção - Polo rey e pola grey!
que pode ser vista em comparação com o "sonho americatlo)) de Uma festa para os zanzalianos de 2029.re4
oportunidades pela competiçáo que é freqüentemente menos valo-
rízada., no "sonho brasileiro". -
"Festa" porque o homem puro de Zanzalá náo comPreende o
Mas a novela também possui elementos de guerra futura. Logo que é a guerra, O recurso é simples mas efrcaz, especialmente Por
após o concerto de Flanela, Zanzalá, é atacada por uma força militar csrar amparado pelo notável equilíbrio estilístico entre a descrição
composta de europeus que os zanzalianos chamam de "caborés". objetiva e o comentário satírico, 9ue captura ainda o ethos imperia-
-
Os caborés que vivem próximos de Zanzalá são homens maltrapilhos lista europeu) na passagem acima reproduzida. Alguns zanzalianos
e selvagens, ocupando o lugar do estereótipo do indígena como o rrcham que os caborés vieram se vingar da "punição" imposta a
bruto sujo e ignorante) em inversão satírica. Num episódio anterior, clcs por causa do rapto do cavalo-mascote. Outros que "querem
& os caborés de Zanzalá haviam roubado o cavalo que era o mascote da flcrrr com as terras do distrito e comer-nos moqueados, como é
U, comuna) para comê-lo. Capturados, são levados para a vila: "Os
q\.
rt-.S
scu costume').les
caborés iam à frente, fazendo barulho com as botas) as lrarbas ruivas
Aos dezesseis anos) Schmidt "resolveu conhecer a Europa e
emaranhadas, enroscadas de folhas e gravetos. Alguns haviam perdido
ffi na fuga as cápsulas de feltro a que chamavam de chapéu."tsl Urna
corrrprou passagem de terceira classe a bordo do vap or Berenger El I

("") Ornrude) e) sem dinheiro, visitou Porrugal e Espanha, fixando-se em


invocação dos bandeirantes do nosso passado, agora totalmente deslo-
,-* l'rrris. Passou rniséria e sofreu fome".reó Em 1913, retornou à Europa,
Ãe cada do seu sentido "heróico" original. Os prisioneiros caborés são
r):.ls uresrrras condiçóes, regressando ao Brasil às vésperas da I Guerra
EL soltos logo em seguida, porque "o povo de Zanza\á, não tinha (...) a
Mr-rndial. Fica claro, portanto) que sua sátira à belicosidade européia
idéia de castigar ninguém)).re2 i

c fi'uro da inquietação a respeito da guerra e crítica às atitudes políticas


(fr Os invasores) por sua vez) vêm da Europa e desembarcam com (luc a cla conduziram. Ao mesmo tempo, se existe a crítica à atitucle
ffi uma demonstração de poderio bélico que diverte os zanzalianos: crrrclpéia irnperialistâ, e se os europeus como "caborés" se opóelx aos
w ttnr,tliru-ros) passa a existir igualmentc a afirmaçáo de que o habitante
Os noventa aparelhos públicos [de televisão], siruados nas praças tl.rs Américas e do Brasil não precisa incorrer nos mesmos erros.
e nos pérgolas das avenidas, ficararn logo rodeados de curiosos
gue, de olhos arregalados, se puseram a admirar esse espetáculo I. E Clarke sugere que as muitas narrativas européias de futwre
anacrônico: uma rebelião. Sim, o que se estava passando era nada tytt,,'cnvolvendo a invasão do continente por tropas asiáticas no
lnenos que uma insurreição de europeus da pior espécie, isto é, (lr.rr: ficou conhecido como "Perigo amarels))
-
"eram temas de guerra-
daqueles que ao longo dos séculos não haviun sido assimilados -
Íirrurrr levados ao limite. Não havia ligaçóes diretas e substanciitis
pelo Zanzalá,.re3
c( )nr rr siruação mundial contemporânea (. . .):re7 This narratives scrirtm
Os homens atrasados apareciam nos televisores em formaçóes com-
('xl)rcssão do mal-estar europeu diante dos seus próprios proccssos
pactas, com os capacetes de aço brilhando ao sol e, na rápida
avançada, iam formando núcleos para onde eram conduzidas .,,i,»riais t n loi,. Áf.ica,. ão contínuo diálogoãas naciotrtrlic-lrrclcs
rnáquinas de guerra. Desses nírcleos, depois de fortificados, partiam ('r.u'opóias com uma alteridade constantemente vista coltto rllttcrrçrl-
outras linhas de homens) marchurdo ntun ritmo sacudido, e mais tl«rrrr. Nesse sentido e com alguma liberdade, "Zanz.lLi" lxlclc scr
adiante estabeleciam novas posiçóes. Bandeiras tremulavarrr no ar. vistrl como uma tardia expressão desse mesrlo urrrl-cstrlt; 1-rcltt
202 - FrcÇÃo crENrÍFrcA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo II - 203

ponto de vista de um país pítirna do neocolonialismo, invertendo das forças armadas) num momento em que se busca compreender o
as perspectivas de alteridade. papel dos Estados Unidos como polícia planetária o que aliás
havia sido sugerido em lB95 pelo inglês G. Danyer no - seu trabalho
Essa possibilidade de inversão conceirual dá ao breve episódio
Illood. is Thicker than Water200 Um aspecto dessa produção, do século
de guerra futura na novela um fundamento histórico para a visão de
Schmidt, embora o tratamento seja mais alegórico do que extrapola-
XIX ao início do XXI, vista como literatura popular é a apropriação
tivo: a guerra termina com multidóes de curiosos inundando o e a democ ratizaçáo do assunto por autores que não são parte do
establishrnent político-militar. O tema é retirado do campo exclusivo do
campo de batalha, a ponto de romper as linhas dos caborés e deter-
tratado e do estudo acadêmico, e popularizado também como delrate
minar a sua "derrota". Milhares de zanzalianos morreram) enquanto
junto à sociedade civil. Um exemplo do que Clive Bloom chama de
que o castigo dos prisioneiros inimigos foi terem as barbas e cabelos
clualidade ilícita e subversiva da pulp f,ction, ou literatura popular.
cortados) as roupas substituídas por trajes mais higiênicos e arejados,
e um banho, "qr. deve ser prolongado, pois o perigo de um golpe Só em tempos mais recentes é que o Brasil veio a produzir
anafilático em tais casos é lenda do passado que pertence ao domínio histórias de guerra futura em termos semelhantes de esforço extrapo-
da História..."re8 Ao invés de rechaçar o inimigo, portanto) Zanzalá lrrtivo coerente. ]osé Antonio Severo no romanceA invasã,0 (L979)
o absorve. As mortes são compreendidas dentro de um estoicismo de fez o Brasil invadir Angola, e a -convite de uma das facçóes de
quem não vê na morte mais do que um fenômeno natural cotidiano.
-gucrrilheiros angolanos) para desalojar o contingente de soldados I

A guerra futura se encontra muito bem integrada dentro desse arti- ctrbanos lá instalados desde L975. Projetando as açóes para l9Bó,
fício de especulação e de crítica, mas não serve como extrapolação a Scvero sugere um Brasil potência militar, mas concentra-se mais nos
partir de elementos militares e políticos mais concretos) que é a base lrastidores políticos e na preparação da invasão propriamente dita.
dafuture war mais valorizada por L F. Clarke. (Os cubanos, aliás, só deixaram Angola em 1991.) ]ornalista político
LJm outro aspecto do subgênero diz respeito ao freqüente duplo c ccolrômico, Severo estava mais familiarizado com esse contexto. O
stntws dos seus exemplos muitas vezes existindo nunl espaço entre ccn;írio por ele proposto, com todo um poderio militar brasileiro
-
o tratado sobre a guerra e a ficção propriamente dita. Por um lado, itrcoucebível tanto na época quanto hoje, faz pes ar ainvenção sobre a
os aspectos literários podem estar enfraquecidos, como em A Terceirn cxtrapolação também neste caso. Nem por isso o romance deixou de
Gwery'aMwnüal (Tbird.World.Wor,L97&), do general inglês Sir ]ohn Crllrsilr repercussóes junto à imprensa e até mesmo junto ao meio
Flackett; por outro) esse tipo de narrativa é um dos poucos dentro da nrilitar que ainda controlavam o país, em L979 sugerindo,
-
ncssc último particular, que haveria uma demanda entre - os nossos
ficção científica ainda objetivamente tentando antecipar desenvolvi-
mentos futuros e imediatos) especificamente no campo dos conflitos solcltrdos por alguma expressão literária que cumprisse uma função
armados. Sobrevive muito bem como parte da ficção militar e do dc cpiclz junto a eles, para usar o termo criado por Orson Scott Card.20r
techno-thriller à moda de Harold Coyle em Trial by Fire (L992,com lri na década de 1980, Daniel Fresnot narra uma guerra civil
um conflito entre EUA e México) e The - Ten Thowsand (1993; EUA cr)trc os ianques) nâ noveleta "O cerco de Nova Yorld' (em O cerco d.e
vs. Alemanha), por exemplo ou de Tom Clancy com Druid,a d.e Nova Tork e outras histrírias, 1984), a partir da ascensão do político
- -
horura (Debt of Honor, L994; EUA vs. |apãotee) e Ord.ens d.o executivo f r tlur Barnes Fillick. Talvez mais ousado, Flenrique Flory fala de uma
(Executbe Ord,ersrL996; EUA vs. uma fusão do Irã com o Iraque). gucrra entre Brasil e Argentina por volta de 2020, no collro quc clií
Assim como os seus precedentes das décadas finais do século títtrl«r à sua coletânea A pedro que canta (I991). A movimcnt:rcla
XIX são obras que tentam alertar para a importância da prontidão rtrtrrrrtiva revela a influência do romance de Card, O jogo do exterminafur,
204 - FIcÇÃo cIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL
Capítulo II - 205

e fala de um Paraguai ambicioso gue, transformado em Potência No século XIX a maioria dos livros brasileiros era imprcssa l1o
econômica por força de investimentos asiáticos, resolve expandir seu cstrangeiro, na França ou Portugal. Os folhetins, tendo por L-rrrsc «r
território sobre o da Bolívia, com o apoio da Argentina. Numa refe- .feuilleton, francês e surgindo dentro desse contexto) se tornaranr Lunil
rência à Guerra do Paraguai, no século XIX, há a sugestão de que rrltcrnativa popular de produção ficcional brasileira.
agenres da Inglaterra estariam por trás das açóes que levam o jovem Marlyse Meyer registra a chegada do folhetim ao Brasil em lB3B,
protagonista a decidir a guerra conr O cnpitã.0 Pnulo, de Nexandre Dumas.202 |osé Paulo Paes nota
Outras formas de ficção especulativa também náo ocorreram no quc Justiniano ]osé da Rocha teria sido o prirneiro autor brasileiro
Brasil do período estudado (ou seus exemplos ainda não foram desco- clc folhetins, coln Os assnssínios rnisteriosos ou A paixã.0 dos dintnntr.tes,
benos)) entre elas o romance pré-histórico à moda do belga I. H. Rosny lrtrblicado em IB39 no Jornal d.o Cornírcio. "Imitação ou plágio de
Ainé (1856-1940), muito populares na França. Seu romance de 1909, rrlgum original francês não identificado, a ação dessa narrativa, que
Agwerro d.o fogo (Laguewe dufew) é menção obrigatória. A fascinação sc pllssa em Paris no reinado de Luís XIY traz os ingredientes típicos
dos franceses pelas descobertas paleontológicas realizadas em seu país rlo folhetim (.. .).))203 Não obstante, caberia ar Joaquim Manoe I de
e no restante da Europa a partir da descoberta das pinnrras mPestres Maccdo dar origern "a um romance reconhecidamente brasileiro').20't
de Altamaria em 1875
- nunca se transferiu para o Brasil, apesar da Meyer comenta certos índiccs do sucesso dos fblhetins no Brasil:
-
influência francesa sobre o nosso país. Atualmente) nos Estados Unidos
e Inglaterra) são comuns os romances desse tipo) como a série Earth's (.. )Ainda que níro cxistam as nccessárias pesquisas, de difícil cxc-
Children de ]ean M. Auel, o romance de Elizabeth Marshall Thomas) cução dada t1 escassez de dados sobre tiragens e publicaçõles, rtão
A lwa d,a rena (Reind.eer Moon; L9S7), ou os romances People of the faltarn indícios da correlação entre a prosperidade dcl jornal e cr

Mist, People of the Fire, People of the Mashs, People of the Lake etc., do 3Ht*-?:#:àlt::T3[f:ltr,';'1"à:':l:::'K:u?{:::;:,i
casal Kathleen O'Neal Gear e \M Michael Gear obras que p§etam
a especulação científica para o passado
-
remoto(acessível apenas pela
sucessivas, mudança de formato) de ditrgrarnação, dos rodapés,
clos anirncios. A publicação do folhetirn parece irnprcscinclír,el à
especulação paleontológica) e não para o futuro. r:l vida.2os

O folhetim foi urna forma relativamente popular os nirme ros


-
tl.r pclpr-rlação letrada no Brasil do século XIX não eralll suficientes
prrrrr Írrlrentir uma popularidade real c rlarcou um período inte-
-
rcs.srlrrtc para as letras brasileiras, ainda que Meyer se apressc eln
.r1'r«xrtrlr a falta de qualidade literária da maioria dos folhetins nacio-
A indústria do livro chegou tarde ao Brasil. A metrópole pornr-
n.lis.,2('('c suil submissão à mera imitação do rnodelo francês. Dc
guesa proibia a impressão e o consumo de livros, embora muitos
(lurrkltrcr fbnna, o folhetirn abraçava igualmente muitos tipcls dc
aqui chegassem contrabandeados. Mas em I8A7 D. João VI veio ao
Íirç.r«1. Emlrora as grandes obras de Machado de Assis tenhrlr-r] sido
Brasil, fugindo da invasão napoleônica, e aqui o monarca português
funda a primeira editora em lB0B, juntamente com o primeiro lrrrblicrrclrrs em folhetins) esse meio aceitava também trrrbrlh«rs dc
.rvcntLrra, ntistóricl, e meslncl ficção científica corno vinl()s c()r)r
( ) l)outor Benigtxus. O mais importante dentre -
jornal, Gazetnd.o Rio d,e Janeiro. A primeira biblioteca pública aparece
os aut()rcs [)o[)rrlrrrcs
somente em fBIf. Todas essas mudanças se deram em url país de
vasta população analfabeta.
liri J«rsó dc Nencar) que se atirou à tarefa mitopéicrr clc cxtrlir r.unrl
206 - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL Capítulo II - 207

identidade nacional dos mitos nativos, influenciado pelo norte-


arnericano James Fenimore Cooper. :;H:ryi,iltffi:ffi13".H:.:il::li:x';iil#il'::lfitiiÍÍ;'l;
próprias forças qlle fizeram nascer a literatura rritoriana.2O"
Quando Machado de Assis fundou t1 Academia Brasileirtr de
Letras em L897, as formas literárias e populares começaranl a se
distanciar. FIavia agora uma literatura accita e, claro) ulllrl rejei- Assim como Carey, Scott McCracken vê no modernisllto o
-
tada. Sobre a Academia, ]effrey D. Needell observa ainda qlle inar-rgurador "de uma divisão entre alta cultura, que se move ntl
clireção do elitismo) arte difícil, e cultura de massas, que inclr-riria
rr ficção popular)).2r0
o distanciamento em rclação tro ativisrno político c o clesejo de
reconhecimento oficial enquanto árbitros e produtores clc cul- Considerando, porém, gue "(...) Ot analfabetos eraÍn) no Brasil,
tlrra implicavam a aceitação dos valores dorninatltcs ua sociedrr- cnl I890, cerca de B4o/o; em L920 passaraffl a 75o/o; em 1940 eraffl
de , ou seja, dos valores da elite. Alguns pollcos (. . . ) não iriam
tão longe, rrras era evidentc a "respeitabilidade" dar Acadetnirr sob
57yo"2l1, fica claro que o elitisrrro literário em nosso país teln raízes
a direção de Machado de Assis c seu grlrpo. ( . .) A circunspecção difcrcntes de uma reação à "ameaça" representada, junto aos intelec-
pessoal de Machado c seu comentário de que a Acadetniir era ru:lis, pela emergência de um grande púrblico leitor. Menos reativo,
dc "boa colnpanhia" adaptavem-se perfeitamente a literatos c1e clc ó rnais provavelmente imitativo das tendências européias, cotrto
hábitos e gostos mais sóbrios.207
sugcrido por Needell:

Somou-se a esse processo urrr movimellto de atitudes c pensa- A cultura e a sociedade cle elite [no Brasil da virada do século]
mentos intelectuais irnportados da Europa, que redr-rndaria eveutual- seruiram pâra lnanter e promover os interesses e a visáo da propria
mente no modernismo. Conforme |ohn Carcy, elite, e (. . . ) paradigrnas culnrrais derivados da aristocrircia européia
foram adaptados ao meio (...) corl estâ finalidade.zt2
a literatlrrll e a arte modernistas podern ser vistas colno Lllrtrl
rcação hostil ao pírblico leitor, que alcança Llgora [na virac-la dc-r Essa importação encontra-se nas raízes também do modernismo
século] um vollune humano seln preccdentes c cllle foi gerado
brrrsilciro, com slras referências ao futurismo italiano etc. Não
pelas reformas eclucacionais do fim do século XIX [nir Inglaterra].
Sugere quc a finalidirde da escrita moderuist'.l era cxcluir csses «rtrsrrrnte , Marta Maria Chagas de Carvalho localizou um discurso
leitores recém-cducados (ou "scrni-eclucrrdoS"), preser\ritudo (.( )ntrírio à alfab etizaçáo universal, na falir de Azevedo Sodré, no
irssim â segregirção erltre o intelectual c 11 "lnass't)).208 1rr'«iprio seio Associação Brasileira de Educaçáo:

Clive Bloorn dcsenvolve pensamento em tcrmos da eclosão


csse Os analfabetos eram (. . .) "obreiros pacíficos e conformados ao
de uma anárquica e democrática "cultura de massa" na Ingltrterra ató progresso nacional". Se era verdade qlle "produziriam nt:tis, coITI
meados do século XIX: rnenos esforço", se fossem instruídos) era entretanto "prefbrír,el
clue fossem analfabetos" porqlre "os iletrados adultos qLle trirb:tlhrun,
produzem) não fazem revoltas, não perturbarn) nerrl allarcluizrrur
O crescimc'nto do público leitor vitoriano e o extraordinário o nosso meio".2l3
impulso da máquina editorial foram o r.írus incontrolável da dento-
cracia liberal vitoriana. (. . . ) Era o triunfo dos leitores e clrr indúrstri:r
editorial vitoriane que fossem ecléticos e proteanos e foi a tragéclil )«rsó Paulo Paes traçou) sem abdicar do seu próprio sclttinlct)to
da literarLlra rritoriana clue os autores, editores) actrdêmicos e críticos t'lrti.strl., o processo de afastamento entre o gosto populrtr (rclrttiv«l,
2OB - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL Capítulo tI - 209

cm uffI país com tantos analfabetos) e o elitismo litertírio modernista, clitização e controle, presentes no conceito do "bom gosto", tãc>

em seu ensaio "Por uma literatura brasileira de entretenimcnto": ccntrel para as noçóes de alta literarura e de vanguarda:

[Ulma das características dir nossa ficção romântica foi a clc nunca O conceito do born gosto como um srnônrmo de scnsilriliclac-le
ter se afastado dos padrões de gosto do leitor colnurn dc sua refinada foi um dispclsitivo inerenternente conserador rrntide-
mocrático e reacionário, serviu para separar e filtrar grlrpos scprl-
Íff ?§:*l*'::i';ffS,f;l'1,?:',Tl,Xt,:fi':,tTTi,1lllfi: rárreis nácl econorniciurente) ern linhas tão invisíveis quanto às dcr
corrlumente rotuladir dc erudita. Bssa proxirnidade persistitr rrté o fienologista ou do cspiritualista (.. .) I)esse moclo a ordcm polí-
Naturalismo, quando os teffras da patologia social c: individual tica em democracias de massa indisciplinadas e industrializadas
lo,am o rolnancistir a chocar os preconceitos do pírbliccl burguês, poderia ser mantida por outros rneios.2ru

ffiJ,'I.*,1'."#ilmx::::::",:::;ru:,:lã,ff ':::;#,;n; O cânone tarnbém é parcialniente contestado por Bloom:


Lx':iil::â'xf,?::;:;ii?:::J,T*iff i§iilff :iii;:ill,fJr§:::
brecha irreprarávcl. A prosa experirnental de Osrvirld c Mário de A partir cla segundâ mctlldc clo século XIX a cluestãcl clo born
gosto ligava-sc não apenas a urna cultura passadir, latinizrrdl c
*r,'lfix;i:'*'-:;,"JrT,?H:.',Tã:::iiJlfi :H5,?í?x::i,:'].::.11 clíssica, refinad'.lno tempo presellte) mas também e urna sensibili-
clade capaz de reconhecer tarnbém a obra. clcíssicn contentporânen
xâ:âi];;T;:'Jâ"1llilfxl.:;?x::i'.?,?lxJiJil:,1i]i§ilT,:: rccérn- criada e r,álida para incltrsão no panteãcl. O bonr gosto se
acaso as décad:rs de 30 e cle 40 assistenl ao aparecilncnto c1t: tornou Luna pre&rpação especial parrl, e rurril habilidlclc dc, compre -
grandes coleções de literatur'"r de cntretenirnento: a Colcção clrrs cnder a importarlte otrra rnodcrna, instiurtenealncnte histclricizad ir
Moças, d. rorrances sentirnentais; as coleções Terramarcrr e jrutto às continuidacles do gosto e con'rport:lrlrentcl civilizirclc,rs.2IT

:;i;,.i't,*J::,iil:::iliü:l:Hil,,l;,:::'*T,,..',...1',:'0c'l1;i1s A rrrtificialidade clo proccsso ó dcstacirda por Bloom) neste


C«rrnpostrls dc ot-rrtrs trirduzidas, principrrlnrcnte c1o inglês c clo I r'('c ht l :
frrrncês) essas coleçócs assinalam os prirn<lrdios da inrra.são clo
best-seller estrangeiro, fircilitacla c estinrul:rcl:r pela rnrsência de
similares naciclnais.2 ra Quandcl o dinheiro reinarra sozinho, os rcfinamentos ctrlturais já
trão ererl procminentes, talvcz neln rnais reconhccír,eis. O bonr
gosto apenas salvaria a ctilrura e iria, acirna dc tr.rdr), prcscr\rr1r 11

Scott McCracke n fala de uma crítictl cultural negatit,n do popr-rlar, civilização (. .). A pcssoa crudita) c não o rnt: rcirdo, irirr :lsor;r
que conclena a literatura popr-rlirr coffro repctitiva c conformlciorrr, tonlar o tnunclo civilizado. Mas se a pessoil enrditir confrontAva o
(prcocupada só em "lisonjcar o leitor"), opinião quc jri fonna o tncrcaclcl (e o próprio sucesso dos inrrestidorcs crâ pr()vrr clir su;r
consenso da crítica hegernônica, da qual partilham Pacs e Candidcl. firltl clc culnrra), então cra un) paradoxo quc o rlundo clrr litcrirftrra
fossc clc'rradciruneute irnpulsionado por forçirs clc nrcrcrrckr c [)or
As conclusóes de McCraken porém) cxtraídas qlle são do qlle lhc
tun pírblico cujo gosto por livros era insaciír,cl. Plrrr liclar conl cs.s:'r
sugeriram as críticas culrurais pós-moclernista) ftministrl e pós-coloniirl sittrirçíro, todo tun ninho de serpentes foi apÍescntackr c()ur() r'rrzílcs
(conrpondo uffrrl crítica culturalpositiua do popular), apontrrm para 11
p;tr:1 jtrsrificar clistinçíles ctl litertrtura desc'onhcciclrrs d:rs gcr:rçõcs
noção cte quc) em rnuitos tcxtos populares) "(...) FIii Llm t:xcesso antcriores. Ao rnesrrro tempo, grandes industriais c c()r'[)orrç«lc.s
que clesconforta, problematizando a identidacle do leitor elrl relação prccisarrrrm cl;r "culftrr'.l" perâ criar a respeitatrilidaclc cluc scri:r crrt:r«r
rcconhecicla pelos guardiães do born gosto. (...)''*
r1o munclo :)zts Por sua vez) Clive lJloorn disseca os processos «1c
2LO - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL Capítulo tt - 2LL

Para autores como Bloom e McCracken


-
entre muitos outros Quando pensamos no qLre viria a seguir em terrtos dc ficção
dentro e fora da província da literatura especulativa os valores cspeculativa nacional, fica claro qLre a separação rígida entrc I litcra-
da cultura literária do -,
ensino formal de
que nos chegam através e t.ria sancionada e a literatura não sancionada, redundaria. lta qLlrlsc
literatura podem e devem ser questionados. Desse questionamento) total ausência de vma pulp era no contexto brasileiro, colt-Io ve ret-l-Ios
surge urn espaço teórico que permite a revalorrzação da ficção popular no próximo capído. A produçáo nacional nunca ganhou o impr-rlso c
e do seu papel na cultura, do seu surgimento no século XIX até o ,', arcnção popular que caracte rrza o fenômeno pu,lp. A ficção especLl-
mornento arual. lativa p.rá.,-, esse espaço de inventividade desregrada e intensa, de
rrberrura de novas possibilidades, de formação de protocolos de leinrra
rrutônomos e adequados ao contexto, de constiruição de ulrla tradição
mais enérgica e empreendedora.

Recentemente, Braulio Thvares vem recuperando folhetins do


século XIX, rotuláveis como de ficção especulativa. FIá um pouco de
tudo, o que demonstra a vitalidade do período.
Pcígin ns dn Flistória clo Brasil, escrita,s n0 a,no 2000, de ]ot'rquirn
Felício dos Surtos (182ó-1895), é urna obra satírica de um republicano
sobre a monarquia brasileira no livro, publicado de I BóB a lB72
-
no jorn al O Jequitinhonhn, D. Pedro II é levado ao ano 2000, quando
testerxunha a falência do Império.2le Esse tipo de emprego satírico
era bastante comum no século XVIII e início do XIX. t]m exemplo
interessante é A rainha do lgnoto (1899), de Emilia Freitas, uma
fantasia que apresenta a "(...) Ilha do Nevoeiro, urna utopia feminista
situada no litoral do Ceará; a ilha é protegida do mundo exterior
pelos poderes hipnóticos de sua Rainha, gue é descrita como abolicio-
nista, rcpublicana e espírita."z20
Tâis trabalhos, assim como vários outros que adentrarrl ao século
XX, até a década de lgz}rdemonstram o interesse dos autores brasi-
leiros em desenvolver narrativas satíricas e utópicas, bem como de
fantasias moralizadoras e até exemplos do scienffic rlrna,nce ) gerando
um corpo de ficção especulativa que poderia ter sustentado uma
produção maior nas décadas seguintes) mais intensa do que a regis-
trada. Infelizmente) como viria a acontecer muito mais tarde nos
anos 70., os exercícios nacionais não resistiram à invasão estrangeira,
à pressão da crítica, que nunca criou um nicho para a ficção especu-
lativa no Brasil, e ao relativo desinteresse do público leitor.
Imagens
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l. "N91r1l'pc": prseuclônin-ro dc Luis P. Scnrrrcns (1863-1939) prrrrt rls:l\/clltttt'rts tlc


Frrrnk Reade, |r., c«rm() ncsta dc 1903. Autor de mais de 150 dirnc nrn'rls. c()lllcç()tl
rrclolesccntel cm 1882, e f«>i chtrmado dc "o |ules Vcrtrc rrnrcricrtll()". Ohcqtttr rl
influcr-rcirrr o cscritor fiancôs., conl rrpr«rpriaçíles cle prrrtc x Pru'tc.
2. () r,isionár'io ilr-rstrrrtklr Í'rrrrrcôs Albcrt Rotrid;r (ttt4ti-1926) concct-rcu csres 3. O nJtermntl,,rle Á t1u.cr,'rn dos ttu.utdrts, rlc F{. G. Wclls, Ilit t'islio rl«r.tt-tistr [rt'.tsilciro
cttc()ur:tcad«ts ltr't scgunclrr rnctilclc c-kr século XIX. Outrrts visilcs cle gucrrrr firturir He rrricluc Alvin-r (lorrêir (1876- 1910). W'e lls foi o alutor nrrris irtflucrttt' itrrrto i
cstã() prescrltcs l'lo sctr Lz llLtavre nu vingtiàtne siàclc. clc lttttT. ficç-ão cicr-rtíflcr,r brasilcirir clrr sesunda mctrrclc do sdcul«r XX (19(Xr).
4. Horr()r c scnsualitlrrdc: Ilttstrarção dc Alvirn (}rrrôl pera a surr cdição clc 190ó clc 5. Iltrstrarção dc Watson Clharlton prara o r()nrence A Son of tbe Stars., rlc llclttolt Ash.
A gwerra clos rnurr.dos. (}rrrêa fez irrte crritictr no c()mcço do século XX, com«r
lrtrblicad() cnl 1907 na revistaTouttg England. "Rcvistes Prlrrl rltPrlzcs"
firt'rllt't [x)])tl-
"FI. Lcm()rt". larcs na viracla cl«l sécul«r c tambe{nr epresenta\Iâm ficçã«r cicrrtífrc.r.
" //1,yit, #)sá 25 (]err fs

ó. A revistrl scnranrrl Atgosy All-Stotr Wbekly - firsã«r de cluas pul-rlicrrçircs corrt«rlrrc'las t'lr1 cepa) aParcccltl rta printcit':t crliçio tle
7. \Àt'lls., V'crtre c Poc lrlal solctr;rd()
pxrr Fratrk A. Mutrsc\' ( 1854- 1925) c scu imprc(rio clc pulp ruagazinrs. Este rrúmerur cicntíficrl (lllc fize ranr rt p()ntc cnfr-c () 11)t)t:ltlcc
Atruazin11 Stot ies. Tiês "pr.1is" cla ticção
trez unrr.1 i.1\'entura de lrclgar Ricc Btrrr«ltrghs ne sd'ric cle rornilnces planctririos cicntíflc() c: â nrodcrna F'C. Arte clc Fratrk R. Pitttl (1926).
conhecicla conxr B:rrs(x)n. Arte dc M«>rrirhrrr-r (11)22).
§cn,*m*rrtn
9. Século XXI firi rr scgur-rda colctâncrl dc Bcrilo Ncvcs., o prirrlciro [-rr:tsilcir-<) rt sc
tt. Unr clássic«r da ficção científlc-a lrrasileira., A Aruazônia (1925\, dc
ruister''iosa
dcclicar L-()m algumrl constância à frcçao cicntífica. Setrs cont()s crrlnr poltttlat'cs cltt
Ciastão (lrtrls.,
firi influcnciackr pckr rornar-rce dc H. G. Wells,,4 ilha do l)r: Moreau
rcvistrs c jr>nriris e scus livros foram best-selltrs (1934).
(l89ó). A:rrte do iltrstrtrdor e clcsenhista cic cluaclrinhos Nicco Rosso firi plrra e
cclição cla poprular Colcção Sarrrivir.
10. Unr r()lttrlrtcc plrrnctrír'io clc Irclgrrr Ricc lJtrrr«rughs rlprrrccc cr'n Antttzinn Stot'it:s. I l. Frarrk R. Prrul ilustra A.qu.erun dos rutuytdos., dc H. (;. Wclls., ncstrl cxtr':l«»-tlin.tri.r
Nrrs dccaclirs dc 1930 c I940, r'rs iltrstraçí>cs.tc I. Allcn St. John errln-l sarirntie clc crrpa d,c Arunzirry Storries, a prrimcirrr revista norte-amcriciu-lil cspcci.rlizrrtl.r crrt ficçio
vcnclrs ( 1941). cie rrtíflca (1927 ) .
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The Mgr§auine of §nntâs-Y a nd §e iiê,mc:m Firtion
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üÊ!l{lt / tlYR0§ / l{llit0f; I


üaÍM I qufBHÂ-(À§§{l

12. A primeira ro'ista brasilcira cle ficçã«r cicntífica, Fantnstic. Editrlda a Pârtir dc 1.3. O pírmcre I dc Gnhíxia 2000., ir scgunda rcvista nacional clc ficçio cicrrtíÍic.r-
São Paulo., cra ir versão nacitlllal de publicaçãt> ltortc-amcricana c1e iclêntictl títultr
(;rrn elenc<l clc cstrclas c publicrrda a partir do Rio de latrciro., crrl tttl):t t'ct'sio tl:t
(rr. l, I955). rrortc-amcricrrntt T'he Magnzitte of bantasl' nnd' Science Lictiott ( l9(rtt )'
15. F.\r'rccncAntà lto Brasil corno Mnfiazine de Ficçao CientíJícn., ctlitrttlr) l)()r'
Jcrr)nvmo Monteiro (1908-1970) e publicado a partir de P«rrto Alcsrc. () prirttcir'<r
c()rlt() hrasilciro a rlpelrecer é dc Nils«rn Martello. Havia um trrttrrtlhrt lt:tt-iott.tl l)()l-
rrúnrcro. Artc dc' cirpa por Ohcsley Bonestcll (1970).
ló. O gaírcho Fcnrando (i. Sampaio apârccc r"ur últinto ttíttnero dc Mngazinc de 17. O númcro 12 da Isnac Asirnoy Magaz,ine, versáo Asirnotr's Sciencc F'ictittn., t-<'ti tt
Licçao CientíJcca.A rcvista tcve 20 ediçõcs. Arte c1e Richard (irrbcn (1971). prinrcir«) ?l trazer Llm conto brasileiro. O autor, Robert«t Schimrl, vcllccLl c()lll cs.sc
rr'.rbalho o primeiro c-oncllrs() nacional de FC, o Prêmio |erônvmo Morttcir«r (l9t)l ).
Capítulo III
A Pulp Era que não houve

L,m L996, o pesquisador norte-americano Sean Wallâcc


c()tltilcton fãs e pesquisadores brasileiros de ficção científica e
Írrrrtasia pcdindo um artigo sobre a pwlp erã, brasileira. Segundo
Wrllace, â maioria dos países por ele pesquisados passou por un"r
pcr-íoclo) em geral entre os anos 20 e 40, effi que a ficção especu-
l.rtiv:r ;rpareceu intensaffrente em revistas ou livros populares (para
r:f-cito cle analogia, é possível clcsvincular a literatura pulp das pulp
tnnlrnzines), confeccionados em pepel llarato) suas capas ilustrtrdas
conr irnagerls apelativas.
E rJifícil dizer que o Brasil tevc uma putp erct, cornpirtível corn a
clos rlorte-americanos. O corltexto cm que se estabcleceu apwlp era
rtssocii,tva-se especialnlente ao pequerlo impacto que a I Guerra Munclial
tc\/e sobre os Estados Unidos. Segundo Brian Stableford, a gLlen';l

lcvott à Europa uln medo profundo clas possibiliclaclcs catirst«'r-


ficas dc tmra nova guerra, travacla coln aeroplanos e g;is vencnoso.
Ernllora a funérica niio cstivesse lirrre de ursiedtrdes siurilrrres, clrrs
crarn cclnsideravelmentc rnenores ( .) [E,nr relação à lltrroprr, ol
otimismo pennaneceu à tona apenas na Américl, rcflcrinclo o
fato cle cluc os Estados Unidos h;rviam sidcl os úuricos \/cuccclclrcs
reais clrr guerra..A.gucrra h;rvia ârrancado o coraçãr) curopctr cl:r
ecottomta mturdial, permitindo que a Arnérictr ocuprrssc ( ) (:spirço.
Esse boonc durou até a quebra de Wâll Strect em l929 c rr strbsc-
qtiente Grande_l)epressão, rnas seus efeitos atingir tn rrs firíscis
ccoltollttrr.s da Europa de tal maneira qllc intcnsiflcru'rlnr su.ls
18. Qunzá. rnesnto corttrutd<l com rlut()res cstrrrrrgcir«ls, foi rr prirlcirrr rcl'ista lrr;rsi- clcsvatrtâgens. Dificilurctrtc c;lusrl surpresâ tluc.r ficç.ro Íirttrrisrrr
lcirrr dcl gôncr() qLrc não cra vcrsat> dc ur'n títukr n()rte-alnerican«r. Pulrlicadrr p()r americana de pós-1918 fossc irnpulsionacla por unl corrfirrntc
Marccl«r llirlclini a partir de São Clactancl dr> Sul, SP, tevc tlcz númcr()s. Iltrstração clc espírito dc aventlrra, que estcve quese intcirrrnlcnrc rruse r)tc rl.r
Mrrrcel N{artins (2001 ). ficção especulativa européia. I
234 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL
Capítulo ttt - 235

t r )n.struir Lurla audiência que desse o apoio necessário aos cscritorcs


Um bom número de revistas e jornais ingleses, franceses e de
outras nacionalidades européias imprimiam algum tipo de ficção I
x )l)tr l:rrcs ou cotnerciais (sr-rpõe -se que os escritores clitistrrs sc
t )nr('r)tcm âpcnas corn glórias literárias). Diante clesse qltirclro, o
(
especulativa em suas páginas, desde a segunda metade do século XH,
.rrrt«)l-cstrrlngeiro está nLrmA posição bem mais confbrtável; vindo dc
mas "(...) Os anos que vieram depois do fim da guerra testemu-
nharam mudanças dramáticas na siruação do mercado para ficção l,.ríscs nrais desenvolvidos (principalmente Estados Unidos, Françrl
popular" e "a ficção especulativa se tornou rrirtualmente tabu."2 A
(' Irrqlrltcrra) no caso da ficçáo especulativa e de aventuras), elcs
('n('()ntrrltrr lá a trudiência que lhes sLlstenta) e podem vencler seLrs
razáo disso foi a necessidade de dirigir as publicaçóes para urn públicc>
feminino) isolado como o principal grupo de consumidores) c prlra rr.rtxrlhos ao Brasil e a outros países subdesenvolvidos a preços infc-
quem os anúncios eram dirigidos. Os dois lados do Atlântico viram ri«rrcs. Tlmbém são provenientes de tradiçóes literárias mais antigas e
r ir'.rs., c por isso podem criar obras mais coerentes e sólidas. Os edi-
uma divisão entre as revistas apoiadas por anúncios e as baseadas ern
r( )r'c.s brasileiros encontraram assim um produto capaz de conquistar
venda. Estas últimas "passaram por uma dramática diversificação,
experimentando colrr dúzias de novos tipos) na esperança de desco- , público popular disponível, pagando rlenos do que o fariarl aos
brir novos 'nichos ecológicos"'.3 E "(...) As demandas do mercado .rrrtr)rcs locais. O fenômeno é o rlesmo que ainda assola. os llossos
americano pulp encorajaram a produção de histórias de aventura exó- cscrit()rcs) tanto que os autores verdadeira.mente comerciais estão
( ( )nccntrados no nicho cadir vezmais estreito da "ficção de banç11))
tica, mas o desenvolvimento de uma audiência especiahzada permitir.r -
à ficçáo científica assumir características distintivas próprias."4 r( )nrr.rr-rces curtos dc cspionagcrTt) tyestern, suspense e ficção militar,
.rssinrrdos cor1l pseudônimos. O restante da litcratura colnerci;ll
A criação desse público espe ciahzado é a principal responsável
, ,rr rlc gênero publicada no Brasil é dominado pelos estrengeiros.s
-
pela identidade de gênero literário assumida pela ficção científica e -
a fantasia, e também por uma divisão mais aguda entre a litertrtLlra llraulio Thvares argurnenta que
publicada nas slick, rna.ga.zines, supostamente mais aceitável e séria,
e a das pulp rnã,gnzines, supostamente menos aceitável e puralnente irté o final dos anos 30, praticarnente inexistiu cm nosso país utn
coffrercial. movimento literário nos rnoldes da ficção científica atnericaua,
envolvendo escritores e leitores em contato consttlrlte) e revistas
Como vimos no capítulo anterior, o final do século XIX c as cspecializadas. O balanço que fizcrnos ( . .) mostrâ qrre os diversos
prirneiras décadas do século XX rnarcararn a divisão entre a literaturll subgêneros det literatrlra fantástica foram praticados de morJcr
sancionada e a literatura não aceita, "não séria" ou "vulgar". Esse casual, de "passagem", por alguns dos grtrndes nomes de nossa
tipo de divisão existe em muitos países e faz parte de uma disputa Iiteratura e por autores lnenores cuja obrir não provocou tlrtior
repercussão. Não tivemos) portantcl, dois dos fatorcs cpre cristalizun
pela prerrogativa cultural dentro das artes) comumente associada
o cultivo de um gênero: l) , existência de urna ou mais Grltrclcs
ao modernismo. Obras cllre desencadeiarn dezenas de imitaçóes por anos rr fio, ott
Náo obstante, nós sabemos que na disputa pela prerrogirtiva 2) de urn gnlpo organizado de autores com objctivos
^existência qlle, à força da pura e simples rnilitâncirr, ittscro,cttt
semelhantes)
cultural o poder de ditar o que é bom, ruim ou significativo ern
-
termos artísticos e literários forrnas populares conseguem
ulra tendência intelecrual na histirria da literanrra dc sctr prrís (cout« r
são as chamadas "escolals" oLl "movimeutos").u
sobreviver em parte graças ao seu sucesso comercial. No Brasil, a
prerrogativa cultural seduziu um grande núrmero de escritores para
Ainda assim, pesquisando os arquivos da Bibliotccrr Nrrci«rttrtl,
as fileiras modernistas, enquanto a pequena população de pessoas 'l.rv;rres
realmente alfabetizadas e com o hábito de leitura não foi cap'ez de
foi capaz de encontrar no cartel de um grandc r"r()rl)c c()r)r()
236 - FrcÇÃo crENTiFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL Capítulo ltt 237

)oão Guimarães Rosa, ao menos três contos de fantasia e horror de


formato que ele definiu como pulp: "Creio que se no Brasil dos anos ::Tr?:T:ffir#'ii:*:íi,$3ã:i#ô::T,"'.Tii^o:z::;;:;
brírbaro. Não afirmo que Rosa conhecia as obras destes âLltorcs)
30 ou 40 houvesse literatura fantástica cle grande qualidade e de mas sim que todos eles respiravarn) na época) a mesma atmosfbra.
dimensões épicas a carreira literária de Guimaríes Rosa (1908- 1967) A literatura ru.ainstrea,rn da época ainda era fortemente influenciada
poderia ter se desviado no rumo da fantasia (...)" Tâvares compara pelo Romantismo, e pelo seu revival do exotismo, do orientalismo
Rosa a ]. R. R. Tolkien e observa que e da exploração lite rárta de um Passado mítico que é recomposto
mais às custas da magia verbal do que da pesquisa historiográfictt.
Vale notar que S. T |oshi, em seu excelente estudo The Weird Tales,

il,:Jiã'ült'f r::3;fJi't:';:;#::;:;,::1fi :T;ll1tJ:l;:


em sua obscura estréia como ficcionista não erarr rnuito distantes
ffi: .x,T lt *
a
",8r,
i'^ffimY ff.H, lli1l .?Í ; à, I ",f
R. Jones (1862-193ó), Ambrose Bierce (1842-1913)) e FI. P
dos que se exploravam) nA mesrna época, nos palp ruagazines Lovecraft ( I890- 1937), lembra 9ue , com exceção talvez de
dos EUA (...)' Lovecraft, todos os demais autores náo imaginavaln estar fazendo
"literarura de gênero": todos viam seus textos fantásticos e fanta-
Os três contos fantásticos cle Rosa levantados por Thvares são sistas como fazendo parte do rnainstrearu de sua época.e
"O mistério de Highmorc F{all", "Makiné" e "I(ronos kai Atagne)),
publicados em 1929 c 1930. O primeiro é uma cspécie de narrativa O que não significa que Rosa, em particular, não tenha mais
de horror) inspirada por Edgar Allan Poe e pelo "ronrance negro", t.rrdc adquirido essa consciência, como sugere a anedota contacla por
associado ao folhetim. O segundo teria sido influenciado pela eünos- lrrrusto Cunha, effi "Ficçáo científica no Brasil: uln planeta quase
fera de exotismo e orientalismo que se instaurara com o movinrcnto irrrrbitado":
romântico, expressa também, por exemplo, no roman ce A luneta
rnrígicn) LtmA f;íbula moral de )oaquim Manuel de Macedo, publicada Guimarães Rosa considerava'A terceira margem do.rio" urrl conto
em 1869, que apresenta o protagonista a Lrm artesão armênio capaz na linha do fantástico e certa yez)em conversa comigo) estranhou
de atribuir uma visão rnágica à lente da luneta, que passa a exacerbar, que eu) um cultor dascierucef.ction.r.nío tivesse reagido com rnais
entusiasmo a essa história, gue conheci de primeira mão (Rosa às
enganosâmente) os lados positivo e negativo da vida, apontando ao vezes me telefonava para eu ir ouvir a leitura de seus contos r1o
protagonista a necessidade de um ponto de equilíbrio. "Sem a sutileza Itamarati, ali na Rua Larga). Chegou a insinlrar que a escrevera
das entrelinhas, o livro dá alfinetadas no poder público) em certos pensando em mim como leitor, o que evidenternente não tomei
hábitos arraigados na sociedade brasileira do século passado, em ao pé da letra.ro
alguns valores rotulados pela burguesia ronrântica."8
Aexplicação dada por Braulio Tavares para a coincidência c1e Não obstante o número de obras que possamos encontrAr rlrl
telnas entre Rosa e os autores norte-americanos de Weird Th,les, por produção nacional de ficção especulativa no início do século XX, rt
exemplo, está na influência do romantisnlo, cujos ecos chcgaraln ao pulp ern brasileira está principalmente nos textos estrangeiros cluc
século XX: .rc1ui chegaram via coleçóes como Terramarear e Paratodos, colcçõrcs
qlle ainda permanecem na memória dos fãt, e compostas principrrl-
A sonoriclade [da prosa de Roser, rlrente de livros de aventura e scient'ific rnvna,nces do sécukl XIX. Irle
nessa época] . .. não cstá rntrito
distante da "prosa pírpura" de Clark fuhton Smith ( I 893- 19ó I ), cm ccrtamente não está tanto em revistas, como ocorrcll nos list.trkls
setr ciclo de histórias (escritas entre L932 e 1935), arnbienradrrs no lJnidos e Inglaterra. Aqui, como ocorreu com o testo rlo nlLrttrl«r

:.tirllr sltÉ!1-9§1ÊtesiÊÍr*lx*,T
238 - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo tu - 239

lusófoflo, o centro do interesse dos fãr, o local onde o leitor costumaz Com anúncios da Casa Pratt e seu revolucionário sistema l(ardex
do gênero encontra o selr "alirnento", é a coleção. Vide, por exemplo, e da Guaraína, seguia o modelo convencion al do pwlp antcricano.
a profusão de coleçóes especializadas, gue apareceram em meados da
Papel jornal vagabundo, capa em quadricomia e duas colunas clc
texto por página. Com ilustrações obviamente piratcadas dos
década de 1950 em diante, a partir da portuguesa Argonauta (Livros
similares de fora, surgem contos de aventlrras na Africa e no
do Brasil), que chegava regularmente ao país, e da importante Ficção Pólo, alguma coisa de ficção científica, histórias de guerra, do
Científica GRD (Edições GRD), seguida da Cienciaficção (EdArt), Velho Oeste e policiais. Alguns nomes são reconhecíveis com os
a Futurâmica (Ediouro), a Galíxia 2000 (Ediçóes O Cruzeiro), r1 de Franck (sec) Belknap Long |r., George Harmon Coxe, R.y
Mundos da Ficção Científica (Francisco Alves) e tantas ourras num Cummhgr, Lúe Short e Edmond Hamilton. Num dos nírmeros
surge L. Ron Hubbard, com urn conto sobre caçadores de cabeças.
amplo movimento editorial (quase totalmente dedicado a traduçóes)
Muito divertido parâ quem pensa nele como um gllru místico,
que só veio a se extinguir em meados da década de 1990. fundador da Cientologia.ln
Revistas do tipo pwlp exitiram no Brasil, de qualquer maneira. A
primeira delas foi a quinzenal Detective, lançada em I936 a parrir do Por sua vez) o pesquisador Ruby Felisbino Medeiros lista as
Rio de Janeiro, pelo Editorial Novidade Limitadtl e sob a direção de « rlrrrrs de ficção científica e fantasia que teriam aparecido nas pulp
I. T de Alencar Lima. Outro título da época foi Mistério.ç, aparenre- utítqzLz,ines brasileiras e em revistas de assuntos gerais como Eu Sei
mente lançada no mesmo ano pela EditorA "LIJ", do Rio de ]aneiro, 'liulo, uIrI "clone da homônima francese", segundo Medeiros)rs contri-
tendo Rubey Wanderley como editor. Contos Magazine (I93 7 -1945) lruindo para a determinação do papel que os periódicos tiveram na
combinava vários gêneros populares, incluindo mistério, averltura e vciculação cle FC e fantasia nas primeiras décadas do século XX no
westervr,. Finalmente) no início da década seguinte surgiria a,X-9 (1941-
llrrrsil. Em Ew Sei Tud,o, por exemplo, foram publicados, de L9L7 a
1962). Segundo o pesquisador português Nuno Mirand., "( ..) Este 1958, contos de H. G. Wells, E. M. Lanman, Jorge fsic) Griffith,
pulp brasileiro parece ser urna compilação de várias revistas ameri- ( )ctave Béliard, C. G. I(anan, F{. de Vere Stacpole, Beatrice
canas"," qr. seriam Blnch Booh Detectiye (L939-195 3),The Phontono (irinshaw, Jacques Constant) Conan Doyle, R. G. I(rk, Leo Peruta,
Detective e G-Men Detectitte. O nome da revista teria vindo do perso-
l{obert Lenzener, M. Renard, Francis H. Sibson, Curt Siodmak,
nagem de quadrinhos "Secret Agent X-9", e que derradeirameltrc
Itey Bradbury I(urt Vonnegut, |r., Ward Moore) Arthur S. Gordon,
vlrou nome de escola de samba.
l;ritz Leiber, Robert Bloch, Lysander l(emp, Isaac Asimov, Paul
Geraldo Galvão Ferraz rdentifica uma "época de ouro dos pwlpt' llcngt e Rry I)arby.16 Da revista X-9, Medeiros catalogolr os
no Brasil, como tendo ocorrido na década de 1950, coincidindo sc:guintes autores, de 1942 a I9ó0 (mais ou menos o período que
com "a agonia do gênero lsic) nos Estados Unidos". 12 Os títulos nos interessa): Bill Adams, Bertram Atkey, Nelson Bond, Ward
que arrola incluem as revistas Detetipe , X-9, Mein-l{oite, Eruoçã.0, llotsford, Ray Bradbury, Algis Budrys, I(arel Capek, Graham f)oar,
Mistério Magnzine. M. Cumnrings, Paulo Gallico, Robert A. Heinlein, Paul l)cnnis
Lavond, H. P. Lovecraft, Léo de Maré, )ack Morley, Frtz famcs
(. . .) O pai cle todos os rlossos pulps era a Detetive, inicirthuenre
O'Brien, Martin Pearson) Vic Philip, Steve Philips, Dorotl"ry Quick,
batizada dc Detectivr, que foi para as bancas eln agosro dc 1936 a
I.200 róis por cópia. Apelidada de 'A revista das emoçõcs", crr Joel Towsley, Walter de Steiguer e S. M. Thnneshaw.t7 X-9 foi rrparcn-
public:rda no primeiro e no tcrceiro sábado dc cada mês pela F,di- tclnente uma revista de grande difusão e impacto entre scrrs lcitorcs,
torial Novidardes Lirnitada, cuja redação ficava em São Paulo, rla rara atingindo mais de 650 ediçóes. Medeiros, no curso dc srrrr pcs('prisrr
Vitória, e tinha como diretor-responsável Annando dc Cirsrro.r3 clc dez anos levantando o material de FC e fantasia na rcvistrr.,
240 - rucÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL Capítulo III - 24r

afirma gue, após o número 648) esse tipo de ficção deixou de Seus contos) selecionados entre os mais famosos e moclcruos
freqüentar
l,::*x:fr i*'ffi 'àili::HH,H:::f,'J::1*:ii:,:ü,::
18
as páginas da publicação. A última notícia que tive dessa
importante publicação foi que o editor paulista José Luíz Dias, da
de ficção ciôntífica. Nestas páginas de SUSPENSE, não hii cr
M&C E,ditora, havia adquirido os direitos da marca "X- 9" e esrava pieguismo das histórias construídas lpenas. p-ar1 impressionar o
aguardando um momento oportuno para relançá-la. ieitór pouco exigente. NÃO! Há inteligência habilidosa) há con-
Mas existiram revistas nacionais esp eciaLtzadas em ficção cientí- cepçãõ e rrama, há bom gosto e mistério, de surpresa e esPera.
fica e fantasia. A primeira delas fot Fantnstic, também conhecida Uma atmosfera estranha e alucinante norteia seus personagens)
como Cinela.r Fantastic (a capa ostentava: "Cine-lar apresenta a versão
lr
ü:à:?â1"ã,T:ffi i:l'f#,'á:i,3'il':T,;:IJilã"'ffi?j1ffi ,
f, brasileira de Fantastic, a maior revista de ficção científica que se intensamenre psicológicas e humanas; tramas policiais cuidado-
:

edita nos Estados Unidos"), iniciada em 1955 pela Edigraf de São samenre urdidas e surpreendentes. E sátira! E humorismo refinado!
Paulo de propriedade do publisher Mário M. Ponzini, que possuía Emoçóes sensíveis e fones que apenas a inteligência e a irnaginação
oficina- gráfica própria, na Rua Uruguaiana, Bó. Encerrou-se em rdias podem despertar. Isto é FANTASTIC.2I

19ólte e foi a versão brasileira de Fnntastic, revista norte-americana


do tipo d,igest, publicada pela Ziff-Davis, de L952 a l9ó5, e pela Não era bem assim... Só a partir de 1958 e com o trabalho
Ultimate Publishing Co., de 1965 a 1980, tendo atingido 208 ediçóes. ctlitorial de Cele Goldsmith é que a revista original norte-americana
Os editores da matrtz) no período em que existiu a versão brasileira, tlcstacou-se como um título importante) especialmente no campo da
foram F{oward Browne (.,o período L952-195ó), que idealizou â Íirntasia. A ilustração de capa do número I brasileiro é extremamente
revista, Paul\M Fairmur (L956-I958) . Crle Goldsmith (f 95 B-L96f1.zo 1nilp (provavelmente pintada pelo artista norte-americano Barrye W
No Brasil, o redator-chefe foi Zaé |únior, e a tradução dos conros l'lrillips), de sugestáo gótica, com uma sombra demoníaca projetada
ficou aos cuidados de Manuel Campos. s«rbrc um homem de aparência decadente, e contrasta de maneira
O primeiro número trazia contos de ]erome Bixby, Frrtz .rgucla com as "emoçóes sensíveis" e o "refinamento" proclamado
Leiber, fvar Jorgensen) Dean Evans, e Roy H,rggins, ilustrados pclo edital. Essa disparidade de argulnentos, pendendo entre o culto
c () popular, a emoção sensível e a emoção forte, mostra já uma difi-
Por Ed E,mshwiller e Virgil Finlay, entre outros. Também apresen-
tava as seçóes Pequena História Clássica (com um conro de E,dgar ctrldad e dapwlp fi,ction emse fixar, contra a predominância de valores
Allan Poe) e Conto brasileiro, que trouxe uma fantasia folclórica de litcrários mais vinculados à alta cultura.
Zaé Júnior, "Moleque pardo caboclo d'água". A participação Em I95ó, Vero de Lima foi o novo redator-chefe) e em I95B
- "Cuca", desenho de
brasileira também incluiu a charge Mendoza de cnrrou Manuel Campos em seu lugar. O escritor de ficção científica
textura pontilhista muito bem reabzado, de clima onírico e inspiração t. flrturo membro da Geração GRD Nilson Martello chegou a ser o
tarnbém folclórica. Logo nessa primeira edição, a redação brasileira rcdator-chefe a partir de 1960. Martello também convocou os autores
anuttciava a sua vontade de publicar contos nacionais, não apenas trrrrsileiros a submeterem suas histórias à revista, aparentemcntc arpós
ao imprimir a história do redator-chefe) mas também através do r.un período de ausência nacional em suas páginas. Fantastic foi i1
anúncio do "Nosso Fantástico Concurso de Contos Fantásricos", rcvista brasileira esp eciahzada em ficçáo especulativa a circular por
com Cr$ 2.000,00 em prêmios e publicação na revista. '?\ revista rniris rempo. Sua periodicidade, porém, não permitir.r quc cxccclcssc
FANTASTIC é, como o leitor que já a leu concordará conosco) rr Lrma duzíade ediçóes. Em 2 de setembro de L997,Nilson Mrrrtcll«l
uma revista EANTASTICA', anunciavam. rrrc escreveu) opinando que "(...) A Inntastic brasilcira ( ) st'l trã«l
242 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo III - 243

foi para a frente Por causa do título (. . .) (Cine-Lar) cotsa mais O exame do primeiro número de Gnkíxin 2000 nos pcrmitc
[infe-
lizll... ) e a apresentação pobre", e informando que ele havia pêgo o rleduzir quais .ram as "idéias" que impressionaram Macha'do. Para
número 12, deoutubro de 19ó0, para editar, e preparado "Lun r.gúra" começ.r,iirrha direitos sobre o materiat publicado em.F'SF tambéu'r
(melhor recheado) e que jamais veio à luz.-finaôu-se o prole,õ'.
cpr suas versóes alemã, inglesa (Wrutwre), francesa (Fiction), italiana
A segunda revista nacional, Galdxin 2000,também não foi longe, (bantwsin (r Fantnscienzn)ê rrgentina (fuIinotawro). Como resulttrd.,
!._"d." grodlzido apenas meia duzia de ediçóes. Paulo Sérgio M. () índice do primeiro número apresentava nomes como Grtrhelm
Machado informa que ela (ireene, Isaac Asimov, Brian W Aldiss, |uravleva Valentina (autora
r-ussa), |orge Luis Borgese Rachel de Queiroz) eÍttre outros. Aparte
. qualidadã particular ãe cada contribuição, trata-se de uma seleção
ã#ff ül :x i*ii:â'â ti il? :?ffi':n T*'ff;:r gf i:i.:
tlc aurores f.ro-pesados. E, num esforço didático semelhante ao
nlese.s subsequentes e depois) sem maiores explicâçóes, cleixou de
cc-lital do concurso de contos de Fnntostic, Gnhixin 2000 abre coffI
circular. A. equipe da revista chegou a renrar itgumas soluções cle
"I)efinindo ciência-ficção", de Edson Guedes de Morais, seguido de
r-csenha de O hornern d,irnotid.o (The Dernolished. Mnn', 1953), de Alfred
*,:?*: llcster, publicado aqui pelas mesmas Ediçóes O Cruzeiro. Quem
fiitr::'ü#il;dx:u{iffitH*rffi rrssina i resenha é ninguém menos que Assis Brasil. O papel .fo
lrrilhanre e não do tipo iutp rcostumeiramente empregado, tornando
Desta vez o fflaterial era oriundo de The Magazine of Fantã,sy atcd, Ontrixia 2000 uma êrpe.i. de serni-slicle, com ilustraçóes em duas
Sciertce Fiction, ou,FSF, revista de imensa relevância paia a liteiarura
corcs e diagramação vàriada. As Ediçóes O Cruzeiro também putrli-
especulativa nos Estados Unidos. Surgiu em L949 peÉ Mercury Press,
crlralrr ,-. coleião de livros com o mesmo nome) que durou de
através da sua subsidiária, Fantasy Flouse. O primeiro número 1967 aL97L e produziu dezessete títulos-
s.urgiu como The Magazine of Fantasy, títr-rlo que iofreu a alteração
definitiva logg The Mngozine of Fantasy arud Science Fiction retornaria ao Brasil
lo segundo número. Seus criadôres for am o pwbtiiher crrr 19 70r rgor" basêada em Porto Alegre. Chamou-se Mngazine de
Lawrence Spivak(q,re também publicava a revista de mistéiio Ettery
b'icçã.o Cienííf,ca. A,editora era a Revista do Globo S. 4., sob a direçáo
9?rr^r\ Mystery Magazine) e os editores Anthony Boucher e J. Francís rlc |osé Rertazzo) e o editor responsável foi o já veterano autor e ã,
McComas. Boucher foi o principal editor até deixar a revista em
L954, passando a editoria para Joseph VY Ferman. O editor duranre )crônymo Monteiro. A Revista do Globo já havia tentado o mercado
o período em que a versão brasileiia foi publicada era o seu filho, l)rrra ievistas antes) com a revista
mensalANoveln, flâ década de 30
apresentando
Edward L. Ferman. Recebeu o Prêmio Hugo para melhor revista i r laO- Lg3Z). Num formaro semelhanre ao pwlp) rnas
em 1958, rgíg,lgó0, Lg63,Lg6g,Lg70,Lg7l etgzz., e Ed Ferman Íicção literária ao lado de romances góticos e histórias de fantasffIas)
o de Melhor Editor de 1981 a 1983. Desde o início, a revista buscou Ir rcvista teve Erico Veríssimo como editor.
impor novos padróes de qualidade de escrita, afasiando-se das putp Infelizmenre, )erônymo Monteiro, o editor de Mngozine de
magazines e
-aProximando-se das slich ?na,ga,zines "qr. haviam dadã bicçã,0 Científ,ca, víria a falecer ainda no primeiro ano de existênci;r
forma à escrita de contos enffe as guerras"r'3 nos Estados Unidos. 6rr revista. Um editorial publicado no número 9, de dezernbro de
The Magaz!,e o{Fa?tuty and. Science-Fiction ainda circula) agora sob a lg70,informoll â sua morre . Sua filha, Thereza Mouteiro Dcutsch,
direção de Gordon Van Gelder. O primeiro editor brasileiro da revista .rssurriu os trabalhos editoriais embora Flávio |. Carcl ozo aPtlre -
foi Mário Camarinha. -
ccsse como editor. A revista foi encerrada em ltovctnl-rrtl clc l97l-
244 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL
Capítulo ltt 245

Muito se especula quantoinfluência que a morte de Monteiro teria


à Alll'cclcl )acques e Fernando G. Sampaio. Thereza Monteiro informa
tido sobre a decisão de fechá-la. Ther ezaMonteiro afirma que a revista (luc todos teriam sido selecionados Por ]erônymo Monteiro.
foi fechada assim que acabou o material selecionado por ]erônym o.2a Material traduzido e jápublicado na revista foi ainda reaProvei-
Os responsáveis pela revista enxergaram razóes mercadológicas r.rrl«) cm três antologias publicadas pela mesma editora , aAntologia d.e
e explicaram que "(...) No decurso desses vinte meses) podemos I;icçno Cienffica (os três números em 1972) ) tnantendo inclusive o
informar que não nos foi dado o prazer de uma única edição que Íirntrirto em duas colunas e imprimindo anúncios.
atingisse ulna venda de seis mil exemplares, o que represenra prejuízo Outra revista brasileira a conter o tipo de estrutura interna
em cada um dos números publicados :)2s Fica claro, porérn, Que ('()nsllgrada na era das revista s pulp (predomínio de contos ilustrados,
Monteiro contribuiu para a existêncin da revista: rrrrris coluna de cartas) resenhas e artigos), mas em formato d,tgest
c()r'no as anteriores, foi a Isnnc r4sirnov Mngazine, versão nacional da
fá em L947, inaugurando de fato a ficção científica no Brasil, a cntão Isnac , sirnop Science Fiction Magnzine da Davis Publications
Globo editava Tiês Meses ruo Sécwlo Bl lsic). [ferônymo Monteiro] (lrojc apenas ,4sh,noy\ Science FictionrdaDell Magazines). Nos Estados
lançava o primeiro de ulna série de sucessos. (. . . ) Quando decidimos
I.,lrridos, ela apareceu com muito sucesso em 1977 , então editada Por
y,';"n:;:,tr:;;'[Hrffi;Hgâ:*#íyí!{íT^{iy;::x (icorge H. Scithers. Passou em seguida para Shar,vna McCarthy, de
dc Redação. Ele aquiesceu ao corlvite corn um entusiasmo quase l9B3 a 198ó. Foi assumida entáo por Gardner Dozois, o mais im-
de trans-
trad utores expe rienres, convocou au rores, o rga- lx)rrante editor da atualidade, o principal agente no Processo
i#:ljl ftT,:r,;r Íirrrnar a publicação na mais influente e importante das décadas de
ttO c 90. No Brasil, estreou em 1990, com Ronaldo Sergio de Biasi
Outro aspecto digno de menção foi a presença, como "Consultor c()mo editor, e Adétia Marques Ribeiro como supervisora editorial,
Científico" junto à revista até o seu número B (novembro de t97O), rc.ndo cabido a ela o corpo-a-corpo com fãs e autores nacionais, esPe-
da Associação Brasileira de Ficção Científica, o primeiro ã-clube cirrhnente aqueles congregados no Clube de Leitores de Ficção Cien-
brasileiro de FC, que Monteiro ajudou a fundar em L965. Não remos tífica, fã-clube criado por R. C. Nascimento em dezembro de 1985.
muitos detalhes sobre o papel da ABFC em apoio ao Magazine de Ronaldo de Biasi é filho de Renato de Biasi (I921-I9BI), que
Ficçno Científ,cã,) mas uma colaboração entre fãs e profissionais só foi um dos editores da revista Gnkixia 2000 e da coleção Galíxia
viria a repetir-se em 1990, com o relacionamento do Clube de Leitores 2000. Ronaldo, por sua vez)já havia traduzido contos Para a revista
de Ficção Científica com a fsoac Ásirmoy Magazine. cditada por seu pai, e livros para a Record, que imediatalnente Pensou
O Magnzine d,e Ficçã,0 Cientcf.cfr, tever portanto) vinte números rrele para editar aAil[, quando ainda planejavam lançá-la. Seu trabalho,
em dois anos (mais que Fantastic em seis), cada um deles com unl claro, era selecionar a partir do material ja preparado por McCarthy
conto de autor nacional, evidenciando o interesse de Monteiro em c Dozois, nos Estados Unidos, mas também dar uma cara mtris
fomentar a nossa FC. Nem todos esses contos eraffr publicáveis ou lrrasileira à revista, o que ele começou a fazer a partir do númcro 3,
antolo gizáveis, mas um número substancial de autores interessantes com um artigo de sua própria autoria. O número 4 trouxe cntrcvistrr
chegou a contribuir. Alguns dos brasileiros publicados foram Nilson com Orson Scott Card concedida a mim, e o número 5 umrr rcsctrhrr
D. Martello, Dirceu Borges, Walter Martins, Clóvis Garcia, Wtrlmes escrita por Sylvio Gonçalves. Logo agregaram-se mais rcsctrhldot'cs,
Nogueira Galvão, Rubens Teixeira Scavone, |erônymo Monteiro, ilustradores e, finalmente, contistas. Os contos nacionais, 1'r«lrórtr, .s«'r
Luciano Rodrigues, Iosé Coiro, Oswaldo Baucke, Marinho Galvão, iriam aparecer no número L2rcom a publicação de "Ct)nt() rl ttcvc clc
246 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASIA E HoRRoR No BRASTL Capítulo III - 247

maio", de Roberto Schima. Foi o vencedor do Prêmio Jerônymo Em decorrência de problemas de disuibuição) atrasos na produção
Monteiro, concurso lançado pela IAÀtt como estratégia de divr-rlgação c rlivcrgências internas na própria editora, a Isnac Asiw-r.ov Magnzine
junto à imprensa. Foi o primeiro concurso nacional de FC promovido rlcixcru de circular em princípio de 1993, após vinte e cinco núme ros
por uma grande editora. Aquela altura a revista era um sucesso nas ptrblicados. Os trabalhos mais populares dentre esses dezesseis uabalhos
bancas) e seus leitores responderam enviando, de dezessete estados Íirrrun a história alternativa'A ética da traição", d. Lodi-Ribeiro
brasileiros, 444 histórias originais, das quais três foram premiadas: o r rulrbérn publicada na França e em Portugal, tendo alcançado hojc o
-
conto de Schima; "Lost", de Cid Fernan dez; e "Patrulha para o stntus de um clássico moderno entre os brasileiros e aspace opern
desconhecido", de minha autoria. Outros contos submetidos ao
-)
" l .ost", d. Fernan dezrsegundo pesquisa feita entre os sócios do Clube
concurso foram posteriormente aproveitados, a coffreçar de 'Aliení- tlc Leitores de Ficçáo Científica. Mesmo imprimindo dois contos
genas rnitológicos", de Gerson Lodi-Ribeiro, noveleta publicada na [rrrrsileiros por edição perto do seu encerramento, â UAlt publicou
IA-ALrn. 15. Entre os autores que colaborararn com a revista estiveram xl)cnas dezesseis histórias nacionais menos, portanto) que o
André Carneiro, Ivanir Calado, Jorge LurzCalife, Finisia Fideli, Ruth Magnzine d,e Ficçã.0 Cientcf,cã, em seus vinte números. Não obstante)
de Biasi (também do clã de Biasi), Carlos Orsi Martinho, |osé Carlos l)rovou existir uma demanda por um espaço profissional destinado à
Neves, Sylvio Gonçalves, Braulio Tavares (com artigos), entre Íicção especulativa brasileira, como atestam as quase 450 histórias
outros. Lodi-Ribeiro foi o único a ter dois trabalhos de ficção subrnetidas ao concurso e que nos fãs do gênero é que as editoras
impressos na revista.
-
tlcvem encontrar os espccialistas de que necessitam para sustentar
AAsiruzp's americana era urna publicação que deslocava a ficção unlrl iniciativa dessa espécie.
cientrfica e a fantasia para longe dos clichês e dos formatos consagrados Todas estas quatro publicaçóes apareceram no que os ameri-
ao longo do tempo, e que embalou os primeiros desenvolvimentos crlnos costumam chamar de formato d,igest (cerca de 14 por 19 centí-
das duas correntes principais da ficção científica surgidas na década n'rctros), típico do penodo pós-pulp dasdécadas de 40 e 50. Publicando
de 1980: os cyberpwnles e os humanistas, ambos associados ao pós- uurA maioria de histórias anglo-americanas por curtos períodos de
modernismo na FC. O prblico brasileiro, acostlrmado a consumir a rcmpo, não conseguiram fazer muito pela difusão do gênero no
coleção portuguesa Argonauta) estava mais familiarízado corn a FC llrrrsil. Dando espaço para urna fração de histórias nacionais, o grosso
dagolden ã.ge (f938 a I94B), tivera pouco contato com a ?,t.ew wm)e clclas constituído de contos fracos e imaturos tanto literariamente
(característica da dócada de I9ó0) e com a FC feminista da décac1a quanro em rnatéria de FC ou fantasia propriamente ditas, contri-
de L970, de modo que o rxaterial da MM representoll) em certa ll-ríram ainda menos para combater a noção predominante de que
medida, um choque junto aos leitores. Para compensá-lo, de Biasi íicçáo científica não casa bem com a realidade brasileira. Não há
acertadamente passou a publicar, a partir do número I3, material colno comparar essas iniciativas, por mais interessantes que tcuhrtm
extrtrído de Anolog Science Fiction/Science Fact, revista herdeira da sido r1o seu momento e por mais saudades que tenharn deixaclo) cotl-l
tradição de Astoundirry Science Fiction, o principal motor da gold.en r pulp erã, na América do Norte.
ege. Em l99LrAnnlog erauma revista-irmã daAsirnry's (o que acon- Seguindo a mesma tendência, em agosto de 2001 a rcvista Qunrlt
tece ainda hoje, com o seu nome discretamente alterado paraAnnlog rrdotou o form ato diges, a partir do seu número B. E,la cxistirl 1-rritttc:ir«l
Science I'iction ond, Fact e sendo publicada pela Dell Magazines), mas colno fanzine, e a partir de 200I ressurgiu no formato rcvistrr) c()l)l
contendo histórias mais dentro da FC hard. e mais interessadas em rcportagens sobre FC no cinema e na televisão) mas incluirtdo ct)nt()s
extrapolação científica e social do que em novos estilos e abordagens. c1e âutores nacionais. O número B marcou a tentativrr rlc t«lt'ttí-l.t

l
248 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo tlt - 249

1,,xlc .rbdicar do excesso de ação física) mantendo as noçóes de


mais propriamente uma revrsta d.e ficção científica, com a maior r-tma
parte do espaço destinado a contos de autores nacionais tornando, 1,roÍrrncla penetração no tempo e no espâÇo, a disputa entre mega-
-
pela primeiravez)o autor estrangeiro uma minoria. O publicador foi rr rsr ituiçóes que se espalham por sistemas solares ou galiíxias inteirtrs,

Marcelo Baldini, fundador da MB Editorâ, o editor de assuntos cine- (' .r convivência da superciência com a paranormalidade. A fôrma
matográficos e televisivos Aldo Novak, e o editor de ficção Roberto lr.isicrr clo subgênero permanece sendo aquela criada por Doc Smith
de Sousa Causo (posição a que cheguei depois de vários projetos rr.r tl('crrda de 1930.
fracassados de lançar um título semelhante no mercado). Muitos autores que ainda hoje formam a referência obrigatória
Duas semanas depois do aparecimento da Qwark, 8, a 67 Editora tl.r Íicçío científica começaram publicando nos anos finais da pulp
lançou a revis ta Sci Fi Nnus Contos) uma cnrnpfr.nnion de Sci Fi \Iaus, t't'tt. Isaac Asimov, Ray Bradbury L. Sprague de Camp, Robert A.
revista existente desde 1997 e destinada à cobertura da FC e fantasia I lcirrlcin, Frraleiber, Theodore Sturgeon, Clifford D. Simak, A. E.
no cinema) televisão e quadrinhos. O editor do novo tírulo é Fábio \/.ur V;gt, )ack Williamson.
Barreto, com a acessoria editorial do Clulre de Leitores de Ficção O principal autor dapwlp ern,)porém, foi Stanley G. Weinbaum,
Científica, incorporada na pessoa do fã e editcr Marcello Simão Branco. nl()t'ro precocemente aos trinta e três anos. Boa parte de suas histórias
Nenhuma das duas revistas chegou até o início de 2002, suge- ('r'.lnl dramas ambientados em outros planetas ou luas do Sistema
rindo fortemente que o tempo das revistas de FC, sempre em dificul- S« rlru; com a ciência muito bem explorada, personagens caracterizados

dades para sobreviver no mercado brasileiro, já passou. t r )rn alguma solid ez t partir de motivações claras e aceitáveis pelo

De qualquer modo, vê-se que a palp ern brasileira também não It'it«rr de pwlp f,ction como ambição, amor) vingança, tradição
-
l:rnriliar, patriotismo etc. Isaac Asimov era da opinião de que seus
esteve nas obras nacionais, que mais ou menos vinham apenas repe-
tindo, século XX adentro, as formulas do scientcfic rnrnfl,nce ou do "crlrcdos) ernbora densos e bem construídos, projetam-se na mente
fantástico inspirado por Edgar Allan Poe, Gry de Maupassant e E,. T tlos lcitores principalmente pela opornrnidade que oferecem às viagens
A. Hoffinann. A FC característica da pulp erã, foi certamente um tk: dcscoberta de estranhos mundos e sempre fascinantes formas de
d.esenpolvirnentl pnpulnr do scientif,c rnrna,nce ) e não apenas uma conti- vidr".28 Weinbaum não apenas se excedia no aspecto científico; ele
nuação imitativa e pouco inspirada. Embora tenda a ser desprezada t'crrarnente contesta a afirmativa de que toda a ficçáo científica da
pelas áreas mais intelecrualizadas da ficção especulativa, apwlp era fot ('1xlca era sexista) sempre mantendo a mulher na posição de vítima
para a fase moderna do gênero nos Estados Unidos, especialmente) tl«r monstro de olhos esbugalhados e à espera de ser resgatada pelo
uma espécie de animada adolescência. Muitas convençóes e motivos hcrói espacial. Sua novela'A pirata esPacial" ("The Red Peri", 1935)
novos foram introduzidos, expandindo os limites do gênero. O vôo r l'rlrr1 de uma jovem ruiva bem ativa, pilotando uma nave pirata inven-

espacial mais rápido que a luz, por exemplo, e todo o subgênero da cívcl, que assola o Sistema Solar parâ vingar as injustiças colnetidas
spã,ce operor largamente uma criação de E. E. "Doc" Smith. conrra seu pai, por um conglomerado comercial interplanetário.
Aspace opera., com seu conteúdo aventuresco sempre evidente e Quando o hãroi Érank Keene tenta conquistá-la e apresentá-la à justiça
o pouco respeito aos ditames da ciência, tende a ser despre zado pelos [):rra que ela se regenere) a bela ruiva fog. do estereótipo drt iovctn
setores mais elitistas, embora tenha produzido obras definitivas, como rcbelde conquistada pelo herói masculino, ao não alterar cnr turcLl rls
a série "Fundação", de Isaac Asimo\" romances clássicos como su;ls convicçóes.
I956), de Alfred Besrer, e
Estrelas lneu d.estino (Sta,ts My Destinotionr A obra mais citada de Weinbaum é o conto 'A Mtrrtirrrr Otlysscy"
Dwnn (Dwne, 1963), de Frank Herbert. A estrutura da space opera (1934), deliciosa narrativa plena de sense of wond.er, antl-rictrtrrtlrr t:nr
250 - flcÇÃo crENTÍFrcA, FANTAsTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo III - 25r

Marte. Uma espécie de viagem fantástica na qual um membro da t rrrrrctcrísticas da pwlp fi,ction, possui uma dimensão trágica qLlc
primeira expedição ao Planeta Vermelho se perde de seus compa- .sr.rsrcl-lta comparaçóes com obras respeitadas pela cultura literária,
nheiros e acaba se associando a um curioso alienígena que expressa c tLí testemunho ainda mais relevante da versatilidade do rllttot.
sua alegria dando saltos gigantescos na baixa gravidade cte Marte) l'rrssivelmente influenciado pela obra de ]ohn Davys Beresford, The
aterrando de cabeça. O humor é contrabalanceado pela fascinante I Imnpdenshire Wond,er (L91I),'o é a história de uÍna mutação positiva,
especulação de que duas espécies inteligentes, o humano e o aliení- unr super-homem dotado de inteligência e destreza manual muito
gena saltador, seriam capazes de se entender a partir de unl vocabu- supcrior ao restante da espécie humana. Na verdade, ele é o próximo
lário limitado de meia duzía de expressões, enquanto cada um csrrígi<t da espécie, mas seu avanço o coloca como ulna criatura deslo-
manteria características incomunicáveis, um ao outro. A história incapaz de se inte grar à vida mundana) embora ele se esforce
t'.rrl:.r,
misrura aventura, especulação científica, urna lógica clara e momentos ncssc sentido. Seu intelecto o leva a solucionar os grandes problemas
de contínuo maravilhamento) como quando a dupla encontra miste- t('cnicos e científicos do seu tempo. As patentes adquiridas dessa
riosas pirâmides na planície marciana) e descobre que se tratam dos nrrrrrcira lhe trazem fortuna. E,le absorve a erudição humana com
dejetos de criaturas minerahzadas, que têm uma expectativa de vida llrcilidade, mas no final de tudo, nem as reahzaçóes humanitárias,
inimaginável para os padróes humanos. r)cr)r rr fortuna e nem a erudição lhe trazem o sentimento que lhe
Nesse sentido, Weinbaum inaugurou vários dos dispositivos que Í.rltrr, qlre é o de pertencer) amar e ser amado. Por fim ele rejeita até
seriam mais tarde considerados nucleares para a revolução que John rlrcsnro os seus iguais que vêm procurá-lo para formar uma coahzáo
W Campbell |r. realizoLlprimeiro como escritor e depois como editor tl« rs superseres do futuro. Contendo ainda algo de nietzschiano) o

do berço dagolden nge da ficção científica norte-americana) a revista 1rr-orrrgonista de O noyo Adao reconhece o beco sem saída representado
Astoundi*g Science Fiction. "\ feinbaum foi um autor de Campbell pcl«rs ideais da sociedade burguesa e renega até mesmo a noção de
anterior a Campbell"r2e escreveu Asimov. A prosa de Weinbaum era l)r'ogrcsso) na medida em que rejeita os seus pares, os novos seres
clara e vigorosa) como cabia à ficção publicada nesse tipo de veículo, 1rr-ivilcgiados pelo processo evolutivo. Só lhe resta refugio em um
mas realizava com naturalidade soluçóes narrativas sofisticadas para irlcrtl de beleza representado pela mulher humana quem
a época.
- - Por
cstrí rrpaixonado, mesrto sabendo que o amor entre eles seria sempre
Muitas de suas histórias enfatizavam o côrnico. "The Mad linritaclo pela barreira erguida por esse mesmo processo de evolr-rção.
Moon" é um dos seus melhores exemplos. Outros contos são mais Aincla assim, ele encontra esperança em um conceito místico, a natu-
circunspectos) como a guerra futura "shiftirg Seas" (1937)) com rczrl cíclica do universo) que permite que todas as coisas que possam
um cataclismo que elimina a corrente do golfo e ameaça atirar a scr Lrm dia. venham a sê-lo, d. modo que os abismos c as barrcir;rs
Europa numa idade do gelo e o mundo, logo a seguir, nurna scrrlo anuladas com o próprio correr drordem do universo. É n'ruitcr
-
imensa guerra de domínio territorial. Um exemplo superior é lrcl«r, e ainda assim fruto também dos desenvolvimentos qLIC rr ficçã«l
"Proteus Island" (1936) ) com um toque de A ilha do Dr, Moreau, cspcculativa alcançara até então.
agora com um aventureiro mais ativo, em uma ilha em que o tr triste que a expressão brasileira da ficção espccuLrtivrr ttÍo
biólogo Callan ativa um processo evolutivo caótico e acelerado, a rcnha tido o ambiente que formou tanto E,. E. "Doc" Srttith qururt()
partir de projeçóes radioativas. Stlnley G. Weinbaurn. Um ambiente de relativo isoLuncnto dirlntc
O romance póstumo de Weinbaum) O novo Adao (The l,{ew rlrrs irnposiçóes do meio literário sancionado, de mocl«r clr.rc rl Íicçrr«r
Ad.arn., L939), apesar de escrito com algo da energia e da brevidade cicntífica) a fantasia e horror da época pudessem c-lcscr-rvolvct' s«rltrç«rcs
252 - FrcÇÃo cIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL
Capítulo III - 253

e ideais próprios, nrun intenso processo mitopéico do qual pudesse lilx)u-r) de que "poucos escritores assumirão as artes PoPulares pelo
emergir as qualidades subversivas e ilícitas admiradas por Bernard tptc clls sáo e em seus próprios termos".33
Mouralis, Clive Blooffi, Scott McCracken e outros. Por outro lado, No que diz respeito aos desenvolvimentos da ficção especulativa
esse relativo isolamento gerou uma pressão contrária que aflige o l.,r'.r.sitcira, já vimos que o scierutifi,c rurna,nce do século XIX teve
gênero até hoje. A "guetificação" da ficção especulativa tornou-a um (.\l)r'cssão entre nós, mas 9ue, salvo talvez por AArnazônin rnisteriosa
objeto de diminuição pelos setores literários mais elitistas) o que veio tlt. (irrstão Cruls, ouAf,lha d,o Inca de Menotti del Picchia, nenhuma
se associar à visão firmada na primeira década do século XX, de que ,[rr-rr clc interesse maior o que Braulio Thvares chama de Grande
o romance científico e as aventuras interplanetárias à moda de
-
( )trrrr que assume papel inspirador, merecendo ser imitada surgi"
- -
Edgar Rice Burroughs, por exemplo eram mais apropriados a um .r 1.,,rrtii desse exeicíêio. O romance científico, ainda que praticado
- já verificamos, esgotou-se e
público juvenil. Nesse sentido, Damon Knight, emln Sea.t ch ofWonder 1,.:l.6 brasileiros até os anos 30, como
(L967), nos informa que iri«r fbi renovado ou substituído. Por outro lado, o confinalnento dos
:ricntif,c rnrnfr,nces traduzidos em coleçóes como Paratodos e Terra-
H. Bruce Franklin, in Fature Perfect (Oxford, l9óó), aponta o p)rlrc?lr) ao lado de aventuras de cunho juvenil, alimentou o Precon-
curioso fato de que antes de 1900 a Íicção científica apareceu em ccir«r, em nosso país, da ficção especulativa como runa literarura gão
todas as reüstas literárias importantes) e todos os autores arnericanos .scril, feita para entreter crianças e jovens.3a
importantes do século XIX a escreveram (...) Algum outro
Como já vimos, um scientifi,c rurnfl,nce tardio brasileiro, que
rpisrura uropia e a narrativa de mundo perdido (como em Elnrde H.
#/»1]»{jü*flffii;=erà:l:::';:ix';#:"-:; t(iclcr Haggard), é Afilhn d,o Incn ow A Repúbl,icn 3.000 (1930), d.
Mcnorti dei Picchia. O romance se destaca) com inúmeras reedições
FIá quem afirme exatamente isso: a ficção especulativa, tão em çScgando aos nossos dias, além de uma tradução Para o francês
voga nos agitados I800s, deixou de ser respeitável porque foi adotada 1.,,,.-Manoêl Gahisto (como Ln Répwblique
3000) e ilustraçóes de
por veículos desprezados pela cultura literária. Existe até mesmo uma (iuillemin, em 1950, pelas Editions Albin Michel. O enredo lembra
disputa dentro do próprio gênero, promovida por autores e fãs, de r tle A Arnazônia rnisieriosn também apresenta uma expedição, da
que o pior que poderia ter acontecido à ficção especulativa foram as
«
-
rltr:rl dois sobreviventes) urn oficial (que detém o potlto de vista) e um
pulp rnã.ga,zines. Em geral quem o propóe são ingleses, que consideram etrxiliar caboclo, váo parar na utopia da República 3000, erigida Por
que o gênero estava muito bem com o que o scienffic rzvil,a.nce rlcscendentes dos habitanres de Cnossos) na ilha de Creta, que teriam
especialmente o de tradição britânica
-
havia estabelecido,32 por sc esrabelecido no Brasil central há milhares de anos. Esse mundo
-
sua qualidade artística e intelectual mais preponderante) em contra- pcrdido de nome enigmático e pomposo permanece incógnito
posição ao caráter mais aventLrresco e delirante da pwlp f,ction. De graças a um campo energético invisível que mantém suas frontcirrrs
fato, por toda a Europa nomes como Wells, Olaf Stapledon (fBBó- (r.- dúvida) urn recurso de "superciência"), tão antigo que o ctrpitã<l
1950), Aldous Fluxley (1894-1963), Karel Capek (1890-1938), Evgenii Fragoso e seu companheiro Maneco reconhecem os esquclctos dc
Zamiatin ( I B 84- L9 37 ), ate.starn run a ficção es peculativa diferente em scres pré-históricos 'Adiante, a uns cinqüenta metros) tl ctlrcilssil
-
lsicl Ciclopica de um brontosaurio Uitl,35 - o que aliás
tom e em preocupaçóes, e de grande qualidade, em relação à prfu corltrrlstrl

fi,ction rrori.-r*.ii.ana. Atituáes r.*êhantes de contestaçãó dá vioientamente com a hipótese cretense) pois os dinossallr()s tlcsct'it«ls
importância dapulp erã, aunda perdurarn) dentro da afirmação de Clive por del Picchia como vítimas do campo de força vivcrrtltt rttilhírcs tlc
254 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo III - 255

anos antes d,o surgimento do ser humano) quanto mais da civihzaçáo olhrrr exrern a própria idéia de uma utopia Proveniente dc Crcta,
cretense. ur)) rrrmo misterioso e obscuro do mundo clássico , até a forma cLlro-
A cidade é habitada por pequenos seres de aparência frágil. Há, l,cizrrcla com que os incas são descritos (a alvura e
os olhos azuis
nessa imagem) uma clara ligação com os "elóis" de Wells, em A nrcrlitativos da princesa inca). Em A Arnaúnin rttisteriosn Para
rnríqwino d,o ternpo. Na cidade subterrânea da República 3000, são , rll.r'ccer um contraponto Gastão Cruls vai buscar uIrI sentido
I r':ulsce
-,
ndente para a narrativa direto na história dos POVos Pré-
mantidos alguns espécitnens da nação inca) entre os quais Capac) e)
claro, Raymi, a filha do inca, descrita pelos habitantes da utopia t ok»nbianos, e o modo como o protagonista se ajusta à vida na
.r ltlcirl amazona sugere tanto a submersão na terra americana maravi-
como "o monstro". Del Picchia lançou mão de um recurso fiícil de
inversão, aqui, para dar conta da distância entre os ideais estéticos llxrsrr quanto a aceitação desse mesmo ideal de vida cabocla.
dos "cretenses", em relação aos nossos. Raymi é descrita como "alva" Um ourro ramo da ficção especulativa vigente no final do século
e dotada de pupilas onde há "o azuldos céus profundos e a calma dos X IX c início do século XX no Brasil eram as narrativas místicas, que
espíritos meditativos e solitários",'u o que também não combina com ..lt rrlgurn modo criavam uma "realidade alternativa" a Partir de suas
crenças.
nossa visão morena dos incas, mas que lembra a caracteruzação de lrrr'rprias tipologias radicais, para fundamentar suas próprias
Ayesha, a princesa egípcia de Ela. Thomas D. Clareson obsen a que I Iá rlezruit séculos (L926), d. Eneas Lintz (Thomas de Alencar), tem
muitas narrativas de mundo perdido como esta) inspiradas por .rlso c1e espírita tanto nos conceitos que aborda quanto na qualidade
Haggard, "forneciam aos seus leitores a erótica aceitável do seu "clcl,rtda" da linguagem. Fala do narrador que encontra, na zona
tempo».37 O romance de del Picchia) com sua exótica descrição de rrrr':.r.1 do Rio de |aneiro, um homem estranho de idade avançada, que

Raymi, é uma das poucas versões nacionais do subgênero que se sc rcvela portador de um método de expansão mental capaz de dar ao
aproximam desse aspecto erótico. O prdor dos autores de FC brasi- rr.rrrrrdor um vislumbre de um mundo transcendental de espirituali-
leira, salvo pelas sugestóes maliciosas de Berilo Neves, só iria cair na thclc e percepçóes mais aguçadas. Assim como muitas obras de cunho
década de 1960 a ponto de impressionar o crítico norte-arnericano rrrístico) essa novela apresenta a característica recorrente de fomecer
David Lincoln -Dunbar com a idéia do sexo como um elemento unrrl visão geológica do planeta totalmente fora dos conhecimentos
distintivo da ficção científica nacional. tl.r ciência.
A f.lha do In.ca combina o caráter aventuresco corn o aspecto Outro exemplo no mesmo período é o conto "Uma viagem de
mais filosofante das formas brasileiras do scienffic rnrnfr,nce. Assim
'/,cppelin" (1934), de Gomes Netto, que trata de um norte-ameri-
como os excmplos levantados anteriormente, ele nunca chega a tratar Crlno que encontra um amigo na rua, tido como morto pelos jornais.
com a devida atenção e coerência os elementos científicos e históricos ( ) sujeito esrá de fato morto e explica ao protagonista quc cle
que aborda. Seu maior interesse está em dar como resposta ao rrultbóm ó recém-chegado ao mundo dos espíritos, juntamentc conl
discurso positivista e determinista da r.rtopia da República 3000, Lrm r.ull lote de outras vítimas de um acidente com um dirigívcl. Coruo ó
ideal de vida cabocla, de uma tranqüilidade que nem cogita em se t ípico nessas narrativas) ele não compreende nem aceita estilr lllorto.
meter na competitividade conturbada, que é a tônica do ideal de M:.rs, como de hábito nos contos de Gomes Netto assitn colll() l1()
-
s('u inspirador, Berilo Neves ) a conclusão é flácida: tttcl«l ttã«l
"progresso" noção interessante por trazer à tona a distância do
- a essa competitividade,
Brasil em relação conforme praticada pelos l)rlssrlva de um sonho.
países europeus e norte-arnericanos desenvolvidos. Mas ela se enfrtr- Esse tipo de narrativa mística ficcional ainda cstrí t,it,«) cltl
quece quando notanlos que toda a ótica do romance depende de uln nossos tempos) com grande força. É ptrticamentc itnl-rossívcl, tti«r

I
256 - FrcçÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo ttt - 257

obstante, falar em uma tradição dessas obras, pois é mais lógico (', ('u clcstaco "falta de resistência ou discriminação em face de inflr.r-
pensar que cada autor busca inspiração e recursos não nas obras r1r rcilrs e pressóes externas".3e
precedentes) mas no corpo da sua própria filosofia ou religião. Um Está claro que tanto a tradição do scierutefrc rnunartce qüanto a
contribuinte recente dentro desse fenômeno é Paulo Coelho, cuja obra , ,cr rrrência de obras ficcionais místicas ftzeram pouco pela ficçáo
se confunde facilmente com uma espécie de fantasia contemporânea. (.sl)r'clllativa brasileira. É tamMm possível argumentar que essas formas
Não há, porém, como afirmar que a ficção especulativa mística não ,. il,,rcuiveram por mais tempo aqui justamente em decorrência de
seja runa faceta potencialmente interessante, embora aqui também nrlo termos vivido uma era das PulP rna,gã,z,ines, e a sua decorrente
seja difícil encontrar a Grande Obra que todos aguardam. sistcnr atizaçío do gênero.
Fica claro por estes e outros exemplos que a ficção especulativa Vamos dar uma olhada no que essas publicaçóes representaram
brasileira vista nas décadas de L920 e 1930 tinham pouco do caráter l)rlrr1 a ficção especulativa norte-americana.
palp e mais dos aspectos filosofantes que caracterizaram o gênero na
Europa, embora sem jamais igualar a sua qualidade intelectual. Sobre
a FC inglesa do período, Brian Stableford definiu suas características :

como "fáceis de se eÍxergar":

Os romances eram sérios em suas intençóes, ambiciosos em sua No campo da fantasia, surgiu em L932, nas páginas da revista
tentativa de analisar problemas humanos genuínos) e freqüente-
Weird Thles, a figura seminal de Robert E. Floward e sua fantasia
lnente sutis no desenvolvimento de suas idéias. Foram escritos
dentro e feitos com a intenção de contribuir para
hcróica) centrada nos personagens Conan e l(rull, ambos habitantes
um clima
- no quat a preocupaÉo com
intelectual -
os prospectos funros da socie- tlc um rempo anterior à história humana (anterior até mesmo à
1n é-história humana), a Era Hiboriana. Howard
dade tinha urna certa urgencia. A ficção científica americana não reve era Pura energia
o beneficio de tal clima intelectual; ela teve de construir a sua própria nerrativa e nenhuma elegância, mas) escrevendo para a Weird, Tales,
subcultura para gerar tal interesse numa escala mais limitada.3s na década de 1930, ele ajudou a dar forma à fantasia heróica que
viria a ressurgir com grande impacto assim como aconteceu com
Ig,rrktente sem o "beneffcio" da pujança capitalista e do otimismo o spã.ce opern nos anos 60 e 70.
-
com respeito à ciência e tecnologia dos Estados Unidos) a literatura -
Em todas as suas histórias de Conan, Floward se esforça parâ
especulativa brasileira era filosofante e beletrista) mas ela passava longe :rrenuar qualquer traço de bondade ou idealismo em sua Era Hiboriana,
do rigor intelectual sugerido por Stableford. A razáo disso pode ser cm que predominam os valores da força, e o próprio Conan é marcado
encontrada na "debilidade cultural" descrita por Antonio Candido: brutalidade e a impiedade. Todos os outros são assassiuos,
1;ela
traidores, ladróes e bruxos ansiosos por poder.
Falta de meios de comunicação e difusão (editoras) bibliotecas) Diga-se o que for das deficiências de Howard como cscritor, ()
revistas, jornais); inexistência, dispersão e fraqueza dos públicos
fato é que sua manipulação vigorosa de magia, monstros e dcr-nôni«rs,
disponíveis para a literatura) devido ao pequeno número de
leitores reais (muito menor que o número járeduzido de alfabeti- gcografias e raças imaginárias, confere um clima solt-tt"rrio c tlt't)
zados); impossibilidade de especializaçáo dos escritores em suas senso de coisas estranhas e grotescas muito forte e sugcstivo. Ncs.sc
tarefas literárias, geralmente realizadas como tarefas marginais ou sentido, F{oward alcança o senso de estranhamento e do urlrrrvilh«rstr
mesmo amadorísticas próprio da fantasia.

I
258 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo III - 259

No outro extremo de possibilidades talvez esteja a série "Fafhrd lrrrr rnuitas das histórias de fantasia heróica de Leiber, os Perso-
& Gray Mouser", de Fritz Leiber, um escritor bem mais talentoso n.rl,.('n.s lruscam fugir da opressáo de mulheres) seja em papéis de
que Howard. Segundo o próprio Leiber, "Fafhrd e Gray Mouser nr.r('s ()u csposas. E no caso específico de Fafhrd e Gray Mouser, a
nasceram nos anos trinta da depressão e como verdadeiras crianças , r,l.r .lvcnrureira dos dois se dirige não para uma justificativa da vida
da Depressão, eles não ganharam um centavo por anos e anos .ru.rvcs clc ideais de força e conquista, mas na direção de um Processo
cinco anos) para ser exato."4O A maioria das histórias que compõem
- .r1',r r(k r dc desilusão e amargura) e as histórias váo perdendo os asPectos

a trajetória da dupla de espadachins apareceram nos anos 60, mas o rrr.ris rcrrlistas para ganhar ares sombrios e surrealistas, como em
importante é que o universo em que se passam foi concebido nos " li.rzrrrlr of the Rtzarre", com sua prosa barroca narrando o choque
anos 30, dentro da atmosfera imaginativa da época) tanto que Leiber , k rs cftris heróis em sua missão de destruir um espaço aterrador de
chegou a submeter algumas histórias à revista Weird, Tizles .I"lma delas ( ( )rr rrrnicirção entre universos. Enquanto Conan de Robert E. Floward
foi publicada naquela década, "TMo Sought Adrrenture", em L939. ,lt.srrlrírr, a cada história, criaturas transcendentes (demônios ou
O universo ficcional de Fafhrd e Gray Mouser foi concebido a ,r( )rrstros invocados, magos e sacerdotes)) como se o materialismo
partir de um exercício mitopéico epistolar cartas trocadas entre ,1, l)crsonagem estir,,esse a serviço do extermínio do místico e do
-
Leiber e Harry Otto Fischer, a partir de L934. Fischer era leitor das , ivilizrrdo (representado pela religião organtzada), os Personagens de
pulp Astoun,ding Science Fiction) mas a ambi-
rnã.ga.zin,es Weird. Thles e itt, Lctber ganham em drama ao se apresentarem como joguetes
lrr

entação deve também a influências tão diversificadas quanto mitologia rr.rs nrãos de forças que se mostram muito superiores às suas próprias

nórdica e celta. "The Snow Womefl", por exemplo, é uma noveleta .r rrrtriçóes e desejos.
que deve muito à geografia e cultura nórdica. Narra a disposição do Eventualmente) tanto Howard como Leiber foram recuPerados
jovem Fafhrd em abandonar a tirania das rnulheres da sua aldeia e n( )s luros ó0, para substanciar uma nova onda de fantasia heróica.
perseguir uma vida de avenruras. Tomando o seu própri o bnckgrowrud Srrrr influência chegou tarde, ou não chegou em absoluto, ao território
teatral, Leibe r faz com que o mecanismo para esse rompirnento e lrr'.rsilciro, de modo que a fantasia heróica, e mesmo a alta fantasia
início de jornadas se dê através de uma troupe de saltimbancos que irrÍlucnciada por Tolkien, é um objeto literário muito recente e quase
vem apresentar-se no lugar. Ao contrário das narrativas de Floward, rlcsconhecido entre nós. A revista derole playinggã.rnes Dragão Brasil
a de Leiber é mais assentada e desenvolve com precisão e encanta- 1'li'rrrnrt Editorial) deu, a partir de L995, a oportunidade Para que
mento todos os elementos que a compóe caracterizaçáo dos perso- jt rvcns autores como Marcelo Cassaro e I . Mauro Tfevisan criassem
-
nagens e construção do ambiente, antecipação do enredo e a criação lri.st(rrias no rastro da encarnação dafantasy fl,ction, como role ltloyirtg
de suspense, humor e drama. O estilo é elegante e a percepção da .tttuxes. I'á Luís Roberto Mee, inspirado por Tolkien, publicor-r
Lllllrl
psicologia dos personagens é sofisticada. dirigida ao público infanto-juvenil.
s('r'ic
Leiber reconhece a influência de F{. P. Lovecraft, com quem ele Titmbém nos anos 30 o horror sofreu um impulso significrrtivtl,
e Fischer trocaram correspondência. Lovecraft chegou a comentar as c()nr o material publicado emWeird.Th.les, revista popular inicirttll ctrt
virtudes da novela 'Adept's Gambit", texto que ajudou a revisar.ar 1923., anrerior, portanto, às primeiras publicaçóes esPccializrrtlls clll
Em urna nota do autor, publicada no romance The Sword.s ofLanh.ltrnar Íicção científica nos Estados Unidos. Nas páginas clrr rcvistrt sc
(1968), Leiber sugere outras influências, na criação de Fafhrd e Gray ;cupi1m Clark fuhton Smiú e FI. P Lovecraft, c utais trtrclc lrt'.tttli
Mouser: os personagens "Corund e Gro", do romance de E,. R. liclknap Long, Robert Bloch, Rry Bradbury, Fritz Lclt-rct- c M.rrtll'
Eddison, The Worw. Owroborls) de L922. Wrcle Wellman) com Lovecraft se destacando iniciirhr-rcntc: c( )nt( ) ut'tlrl

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260 - FIcÇÃo cIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo tIl 261

influência sobre os mais jovens. Bloch, por exemplo, foi uln seguidor, r r'r ro .sc ocupa extensivamente com as indas e vindas dessas raças

anres de criar o seu próprio ramo de horror psicológico. "[S]em sua t',rlrrccitlrrs. E claro que, o que o narrador supunha ser Luna estranha
presença ao fundo, uma contribuição altamente significativa Para o '.u r(lrotttc rnental, é uma experiência real, o que nos é revelado quando

desenvolvimento da ficção esquisita dos EUA teria sido consideravel- ,nr .u't1ucólogo australiano encontra nos desertos do seu país restos
mente enfraquecida :)42 .1, un'rrl civilização que corresponde, em detalhes, às descriçóes que
outras l't'.rslcc flzera em umjowru,al psiquiátrico.
Lovecraft inovou ao combinar temas de ficção científica
dimensões, invasóes alienígenas a perspectivas de mundo
- perdido l'crtslce viaja para a Austrália com seu filho, os dois encontram o
-
(raças inteligentes que habitaram o planeta antes dos humanos), em ',rtr() :u'clueológico, e o assustado narrador penetra em suas galerias
histórias de um tipo de horror que ele chamou de "cósmico", dada a "ulrtct't'âtreas, para comprovar) enfim, a veracidade absoluta dos seus
.,(
)nlr«rs c pesadelos.
amplitude da fonte de ameaça aos humanos, representada pela figura
do "Grande Cthulhu". Para apoiar a presença do monstro) Lovecraft A prosa é densa e pesada de adjetivos, ainda assim capaz de
criou toda uma mitologia ao longo das histórias) no que ficou conhe- (.rl)tr.u'rlr e intrigar o leitor nos labirintos do universo mitopéico de
cido como "Mitos de Cthulhu". "Ele tentou fornecer uln senso de I ,r'ccrrlft. O final é narrado com alguma habilidade, as constantes
que o lJniverso é essencialmente horrível e hostil à humanidade (. . .)."n' t ,r'r'crirrs do protagonista espelhando a sua agitação mental, num efeito
Esse niilismo aparente continua a constituir um atrativo para leitores tlu.rsL: rtpocalíptico. Não obstante, fica a sensação junto ao leitor de
mais modernos) e) com o já ftz notar) no Brasil Lovecraft possui ao tlur'() urodo com que ele reage aos eventos é exagerado e fora de
menos dois seguidores e muitos fãs, 9ue, assim como nos Estados lrrs:tt'. Afinal, a experiência por ele vivida, por mais extraordinária
Unidos e Inglaterra, formam tuna espécie de "culto" à obra de Lovecraft t;uc l)ossa parecer) tem pouco de horripilante: trata-se de uma espécie
e sua personalidade reclusa. ,lt' irttcrcâmbio acadêmico, como dois professores visitando univer-
.,itl.rrlcs de países e culturas diferentes.
Um exemplo do seu trabalho é a novela Na noite d"os ternpo§, que
apareceu originalmente como The Shodow Owt of Tirne na revista No campo da ficção científica, talvez o que mais se nutriu das
Astownd.ing Science Fiction, edição de junho de 193ó, quando ganhou rcvistrls populares) já destacarnos alguns nome E. E. "Doc" Smiú,
a capa daquela edição) numa ilustração do excelente Howard V , r ittvcntor do spa.ce opero, e Stanley G. Weinbaurn) um precursor do

Brown, calculada para ser impressionante e sugestiva. A novela de t;uc viria a ser chamado (e contestado) como agolden nge da ficção
.. icntífica) um período bastante fertil, dominado pela atuação de
Lovecraft também é calculada para ser impressionante e sugestiva, )ohn
mas a ação do tempo enfraqueceu um pouco os efeitos dessa narra- W. Ctrmpbell Jr. como editor de Astownding Science Fiction.
tiva que é constituída basicamente de 70o/o de uma longa exposição Para muitos uma maioria de norte-americanos Canrpbcll
da mitologia criada pelo autor para os seus Mitos de Cthulhu, e 30o/o I I'( maturidade- à FC publicada em revistas, após os -anos dc ac'lo-
)Lrxc
apenas de ação. O narrador, Nathaniel Wingate Peaslee, um acadê- k'scôncia, exigindo maior rigor científico de seus escritorcs) r-nuirrrs
mico da Nova Inglaterra (onde Lovecraft viveu a vida toda), suposta- vt'zcs sugerindo enredos e temas (ele fora tun autor dc rclcv«r n()s
menre passa por um disúrbio psicológico que o tornou alienado por .ur()s dapulp era) e enfatizando a extrapolação e especulação cicnríficrr
algum tempo, e agora o faz sonhar com uma complexa siruação em r' .s«rcial. Nessa época) os anos 40-50, formararn-se os granclcs n()nlcs
que seu espírito teria sido lançado a uma civilizaçáo pré-histórica, e tlrt FC mundial, incluindo Asimov, Clarke, Robert A. Hcinlcin,
seu corpo ocupado por urn dos monstros disformes que antes domi- l'ltcodore Sturgeoqe dúzias de outros que delxaran'r slrr.rs n)rlrcrl.s (lc
naram a Terra. Não foram os primeiros nem serão os últimos) e o rttrrtreira indelével. E claro) setores novos e mais intclccturrlizrrrl«r.s tl.r

l
Capítulo III - 263
262 - FICÇÃ6 CIENrÍFICA, FANTASIA E HORR9R No Bp,qSI

I(night abre sua antologia afirmando que "muitas das histórias


ficçáo especulativa igualmente contestam a primazia desse período,
csqrrccidas dos anos 30 são jóias negligenciadas".4s Ao longo dos
tentando transferi-la para a chama da n na wa,pe )que esteve em alta nos
.ux)s, outras histórias dessa década haviam sido antolo gizadas, dando
anos 60 e 70.,marcaà. por experimentalismos formais e temáticos
rr in-rpressão de que não havia mais nada a peneirar dessa "infância"
e por uma atitu,Ce mais ,rrt gúardista, effi relação à "velha guarda"
rl.r ficção científica.
do gênero.
pulp rna.gã.zimes, Parece A primeira história de Scien,ce Fiction of the Thirties é a curiosa
No que diz respeito à contribuição das
rrrrrrativa de Robert H. Wilson, "Out Around Rigel" (f931). Dois
razoável ãceitá-la .ã*o de modelagem de convençóes e disposi-
rrrnigos vivendo na Lua, Garth e Dunal, disputam a mesma garota,
tivos, abertura de horizonres temáticos) aperfeiçoamento técnico
I(clvar. A Lua é descrita com a toponímia que conhecemos) mas
cle aurores e formação de um público fiel. Sam Moskowrtz, que
rl«rtada de atmosfera, mares) e outras apresentaçóes geográficas mais
viveu a época, araca a opiniáo de que o período foi embaraçoso
:rssociadas à Terra e não ao seu satélite estéril. Garth convence Dunal
para o gênero. Ele narra:
.l rlcompanhá-lo num vôo até Rigel, nurna nave experimental. Pousam
cnr um dos planetas da estrela, e ali Garth surpreende Dunal com um
Eu rne lembro de quando [o autor e crítico] Alexei Panshin veio
até mim na Conve.tçao Mundial em Washington, D.C. Ele acabara
rltrclo. Durante a luta, porém, ambos são atacados por criaturas
de ler Before the Goiden Age (., .), .editada por.Is.aac Asimov, que l«rcais uma gramínea semovente e apenas Dunal, o prometido
continhiq,rm. I.000 páginas de histórias que fuimov se lembrava - consegue retornar à nave.- Mas os dois haviam negligen-
tlc lGlvar,
como excépcionais, denrie a sua leirura rnais antiga do gênero. Elc cirrclo o fator da relatividade em vôos próximos à velocidade da luz, e
havia me dado os tírulos e eu encontrei copias para ele.
[Asirnov] rltrando o herói retorna à Lua, para ele apenas seis meses haviam
àE., s.mpre acreditei que tudo o 9,-,9 foi publicado antes qle
rlccorrido, enquanto que para o satélite natural, mais de mil anos
Campbeli se rornass. editor era lixo", disse A9x9i,'lma,s depois de
^

ler este volume fiquei espantado com a qualidade.de algumas das Íirrarm sentidos) transformando a Lua no mundo que conhecemos.
histórias". Era.,-, sabàoria convencionada, cujo conceito fora O que torna o conto especialmente interessante é o equilíbrio
amplamente encorajado por |ohn W Crypbell, de que não havia cntre as suas diversas potencialidades que a Lua habitável estivesse
bois histórias anres áele rê ton '.r editor. Uma vez elr seu escritório -
rro futuro (através de um processo de terraformrzação, por exemplo)
ele me desafiou para que eu nomeasse uma) esqueccndo-se das
slras próprias histórias àssinadas como Don A. Snrart. (' ' ')* rrulto quanto no passado e a ironia final. Esse equilíbrio é alcan-
-)
çrrdo pelo estilo despojado, que possui as características da literatura
Assinando como Don A. Stuart ou com o próprio nome) ltulp movimento e a aventura) a pouca penetração psicológica, a
Campbell havia se tornado uÍn dos autores mais populares e influentes nrlrrativa compacta ffiâs sem a sua grandiloqüência excessivtr. O
-,
r rbjetivo não é causar surpresa) mas ter a história narrada cle ntrcr
dos anos 30. Suas histórias ajudaram a fazer a Ponte entre a era das
rlcssa simultaneidade de potenciais, até que um deles seja fixado trl
putp rnã,gnzines e agold.en, ã,gerassim como as de Stanley G. Weinbaum.
crrrrclusão. A fluidez do estilo, por outro lado, é um dos pontos f«rrtcs.
Mosko w1tzdemonsrra que mesmo no quesito qualidade literária
ou qualidade narrariva, originalidade de idéias e desenvolvimento "The Fifth-Dimension CatapulC' (1931), de Murray Lcinstcr; i'
-de .,rrêd.r a ficção da época possui exemplos merloráveis clll unla história de aventuras bem equilibrada com idéias cicntíficrls c
-
número suficiente. Examinarros algurnas antologias, com a intenção rura tecnologia fictícia de funcionamento extrapolado conr c«rcrôttcirt.
de comprovar a afirmariva: Science Fictioru of th9 Thirties, editada Por
O herói, Tommy Reames) um cientista, é convocado por unr c«rlcgrt,
() prof. Denham, a colaborar em uÍn experimento ir-róclit« r.ull
Damop t<rright, e Before the Golden, r4ge, editada Por Isaac Asimov.

I
264 - FrcÇÃo cIENrÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo III 265

aparelho que manipula a geometria do universo e é cap az de lançar "The Battery of Hate" (1933), de |ohn W Campbell Jr., apre-
objetos e pessoas deste para outros mundos. Ao chegar, ele encontra mesrno tipo de oposição. Bruce Kennedy é o inventor de urna
.sctttâ o
I)enham e sua bela filha isolados em um mundo paralelo povoado supcrbateria elétrica (algo com o qual ]ules Verne já sonhava elrr
por homens hostis) os "andrajosos" Q,agged, vnen). Para complicar, o Itt87, em Robwry 0 c0nquistad"or), capaz de revolucionar a produção
assistente de Denham, um certo Von F{oltz, é um espião dognrugster ntr-rndial de energia, decretando outras tecnologias obsoleras. O vilão
]acaro, cujo maior interesse é apoderar-se da tecnologia que pode tlrr história, o capitalista Marcus Gardner) deseja comprar a parenrt:,
levá-lo ao mundo paralelo onde o 0utr0 é o mais comum dos me- n)rls para abafar a idéia. Kennedy, porém, percebe o truque e recorre
-
tais . Osgangsters estavam em alta na época, vistos o tempo todo nos rr uIrIamigo de faculdade que é hoje um milionário. ]untos, os dois
cinemas tanto quanto nos jornais. Surpreendentemente) a ação torna-se ir'ão produzir anova invenção em escala comercial. Mas Gardner não
menos fisica do que seria de se esperar) contra esse tipo de oposição, (' cle desistir f;ícil e coloca seus contatos no mundo do crime organi-
e se concentra mais nos aspectos extrapolativos da nova tecnologia, e zrrdo ga.ngsters em ação outra vez para matar Kennedy e seu
em como resgatar Denham e sua filha que, effi outra situação do -
c«rlcga. Isolados em uma ilha deserta,- os dois estão aparentemente
tipo stock.rdesperta tanto o interesse de-Reames quanto do sell ines- tlcsartnados, quando Gardner supervisiona um ataque aéreo contra eles.
perado ajudante) o mecânico Smithers. Um momento particularmente N«l último instante, os dois engenheiros conseguem montar urna arma
inspirado surge quando Reames dispara uma rajada de submetralha- clótrica improvisada, fechando a narrativa com uma vitória final.
dora através do campo transportador, de um mundo a outro, para O capitalista e o especulador, os grandes conglomerados e as
proteger I)enham do ataque dos andrajosos. trrlltsnacionais também aparecem como'oposição ao herói em 'A
"fnto the Meteorite Orbit" (1933), de Frank I(. Kelly, é ainda lrirrrta espacial", de Weinbaum) e no seu "Flight on Titan" (1936)
mais pwlpish na linguagem que emprega. Não obstante, enquanto «
-
rttclc uma recessão causada por especuladores força o casal de prota-
muitô dãputp f,ctioõ, dalépocá exibia um temor da África (e daãsia e s« rnistas a arriscar a vida no satélite de Saturno e em dúzias de
seu Perigo Amarelo), a históriatraz um engenheiro que acredita que «
-) acabavam de
rtttrâs histórias da época, o que é natural: seus autores
o continente tem muito a oferecer: "Eles estão realizando coisas, srtir da Grande Depressão e não podiam ver a figura do especulador
esses africanos. Ngum dia o mundo vai ouvir do gue é chamado o c()nl bons olhos.
Continente Negro... ollvir falar dele para valer."46 E pena gue, nesta
história, robôs, poderes telepáticos, viagem espacial e intriga política
O escritor paradigmático dessa postura teria sido Robert A.
Ilcinlein, cuja estréia se deu em I939rcom o conro "Linha da vida"
se embolem nurna narrativa pouco coerente. Não obstante) um outro
("Life Line"). F.f. Bruce Franklin, em RobertA. Iteinlein: Armerica, a,s
aspecto vale a pena ser mencionado. A oposição que os heróis
,\cicnce Fiction (1980), resume a narrativa e nos informa sobre as
enfrentarn é representada por um vasto conglomerado, o Monopólio,
s u lls fonte s:
que controla o planeta. O herói é um sujeito chamado Ron Girard,
urn crente na livre-iniciativa. Por isso, torna-se alvo das açóes homi-
cidas do Monopólio. (Frank M. Robinson, effi Science Fiction of the O herói de "Linha da vida" (. . .) é o Dr. Hugo Pinero (. . . ) Pincr«r
inventou uma maravilhosa rnáquina que ãetermina conr :lrrc-
20'h Centwty: An lllwstrated. Stovy, conta uma curiosa anedota sobre a
piante precisão a hora da morte de uma pessoa. Ridictrl:rrizrrckr
carreira de Frank K. Kelly, que começou a escrever com dezesseis pelo establishrnent científico) mas saudadõ pela mídil c()n)o "()
anos e se aposentou da FC aos vinte e urn) para se tornar urn jornalista homem miraculoso vindo de lugar algum", e1e mont:r ul)) ncg«'rcir »

em Kansas Ciry "onde ele conheceria Harry S. Tfuman e se tornaria lucrativo, "Sands ofTime, Inc.", tão bem-sucedid«r quc c()r'r)cçrl :l
um escritor de discursos para ele, nas eleiçóes de L94B'47 .) ameaçar os lucros das grandes corporaçóes dc scgur()s.
266 - FIcÇÃo cIENrÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo ltt - 267

Determinada a esmagar a pequena iniciativa, a Amalgamated Life .rllcrrtc do stntus QUl, agindo em favor da imobilidade: "E tudo o
Insurance tenta destruir o negócio do Dr. Pinero com uma (luc clc queria era paz!"rso dtz o narrador) a respeito de Gardner.
injunção. Mas eles encontram um juiz que faz uma preleção das
mais reveladoras) obviamente expressando a visão de Robert
A história é previsível, e) após dar cabo de Gardner, o herói
Heinlein, cujo negócio de implementos agrícolas de sua família l'.cnncdy aceita que sua invenção deva ser introduzida paulatinamente)
havia sido suplantado por um monopólio emergente e cujas .r íinr de causar o mínimo possível de impacto negativo sobre os
('nr[)regos e a economia estabelecida. Toda a querela com Gardner

tdffit#ã*f*fft*l1d§lHr:Jri:" ;'i: (prc lcvou o especulador à morte -


parece ter sido uma disputa por
-
1,osiçóes relativas, dentro de um jogo de poder) no qual prevaleceu a
Como muitos na sua classe social, Heinlein agarrava-se tentzmente lci clo mais forte ou mais inteligente. Mais Darwinismo Social, enfim,
r' r único toque de um hurnanismo menos competitivo aparece no
l;'1;'.lüJT]::,'ff:;#:ffi :üfi liJ:[: «

l-rrrrrl: 'Agíamos em verdadeira autod.efesa. É.n*ot nós or', .1.t. Mas é


1ffi.,'i.:T,[ffi
urr)r.r carga triste de se carregar a perda de uma vida humana."Sr
A despeito da visão do "Mundo do amanhã", projetada pela -
Feira Mundial de L939, a Depressão havia destroçado os sonhos Ern "The Wall" (L934), d. Floward W Graham, Ph.I)., encon-
trrunos Lrma mistura eftcaz de catástrofe e humor. Dois cientistas
rrebalhando em Manhattan deparam-se por acidente com uln fenô-
lilHfi #k'H'ff ;fi l*T::nl*i,,l1,ã:'H:*lI! n)r)no que desafia as leis da física. Ao criarem um verniz especial,
5Íiffi ,x'iHlfl f x'§';:#:1?r.,üu,*:::,i"üTfi ;::i: tlcscobrem que do plano vertical em que o verniz foi aplicado, é
projctada para todos os lados uma muralha invisível e intransponível,
(luc alcança a estratosfera e penetra o rnanto da Terra. Mas ao se
dfflflffil'Hxlli,l;,:Híi;liilü::sfii:rff rr )( )\/cr a. supet{ície na qual está pintado o vern tz) rwrue-se todo o ruwrolhn,
crescentes monopólios e burocracias das corporaçóes gigantes e ('( )r'r)o se não se estivesse movendo toda a massa separada por ela. Se
do estado controlado por essas forças impessoais.ae
.r sLlperfície despencasse da mesa em que está colocada, por exemplo,
M.rnhattan afundaria no oceano. O objetivo dos desastrados criadores
O que serve para Heinlein nesta avaliaÇão, sen/e para Carnpbell tl«r fenômeno é encontrar um meio de dissolver o vernrz e não
e para muitos outros autores da era das pulp vnã.ga.zines durante -
scrcrn incriminados como os causadores de todos os transtornos por
a década de f930. O descontentamento com respeito à 'América (luc passe a cidade. Um delicioso e intrigante exercício de lógica
corporativa" está mais vivo do que nunca) aliás, emprestando inte- .rltcrnativa, cheio de sense ofwond,er.
resse às histórias que eles produziram, e refletindo-se no crescente
"The Lost Language" (1934), d. David H. I(eller, M.D., ó trm
número de filiados do Partido Libertário norte-americano. Fleinlein, tilr«r de soft sciemcef.ction (mais apoiada nas ciências humrlnrls) c não
aliás, há muito tornou-se urna figura paradigmática do libertarianismo. ('n) cxlltas) como na hard, S,F) baseada em distúrbios dc lingurlscnr.
O conto de Campbell, por sua vez) projeta um ethos do inven- N.rrrado de maneira suave e com grande simpatia pelo clilcnrrr do
tor muito distinto daquele do especulador. O primeiro é visto como rrrcnino David Phillipt, filho de uma família abastada, m:rs qr.rc nÍo
um agente de transformação, alguérn que vai agitar o tecido da l.rl.r c possui uma linguagem escrita própria. Com irlgtrnr csli)r-ç().,:l
sociedade, por meio do seu invento. Representa ainda a força da lrnrília consegue que uln cientista britânico crie para clc unr rll).lrcllxr
juventude contra o imobilismo do velho. Iá o especulador é um (.r[)r1z de traduzir os símbolos em fonética. Daí, enr ul]r c()ngrcss«r clt'
268 - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL Capítulo III - 269

lingüisras, conseguem a informação de que essa língua misteriosa rlurante uma viagem ao Artico, ao lado dos restos de um mastodontc
teria correspondente em uma aldeia de Gales (Wales), tendo como qLre tivera as patas misteriosamente amputadas. Dominado pela palxão
última falante urna velha senhora- recentemente falecida. O garoto clirigida à estranha figura, Ingvaldssen elaborou run meio cientifica-
seria um caso de "memória herdada". O conto termina como ulna rrrcnte coerente de trazer de volta à vida a mulher alienígena ali apri-
reafirmação do amor familiar, nulna narrativa delicada, mostrando .sionada. Estarrecido, o jornalista observa então a mulher despertar)
que a pulp rtcüon, era mais do que aPenas aventura. parâ completar o gesto interrompido acionar a arma desintegra-
-
dclra que havia cortado as pernas do mastodonte. O primeiro a cair é
O contrário é justamente o que se vê em "The Last Men" (1934),
() nórdico capitão seguido de quarteirões da Quinta Avenida.
de Frank Belk rp Long, |r. Basicamente uma aventura cheia de senti-
(iraham escrevia com bastante segurança, dava atenção aos aspectos
mentos, o conto narra) em linguagem romântica, tun fururo distante
em que a espécie humana se encontra dominada por alienígenas cicntíficos) e tinha urn humor quase-histérico, bem representado,
.rssirn com no primeiro conto de sua autoria que examinamos) na
invasores) que possuem a aparência de imensas vesPas. Maljoc, o
.scnsação de 9ue, oculto nas coisas pequenas ou belas, há um potencial
herói, é um jovem impetuoso) que conquista para si uma bela garota.
insuspeito para a destruição.
Mas esse é um mundo em que as belas garotas são colecionadas pelos
monstros) pregadas em expositores) como fazemos com as borboletas. Um humor em clara referência a Alice no país d.as ?ltã,trã,yilhas,
Ainda assim o casal) num gesto patético de dignidade humana num "The Mad Moon" (1935), de Stanley G. Weinbaum.
:r[)rlrece em
contexto que não mais a permite, arrisca-se, e os dois terminam Anrbientada em Io, uma lua de )úpiter bem difcrente daquela que a
tragicamente) numa reafirmação tanto do seu orgulho quanto do seu ciôncia da segunda metade do século XX nos revelou, a história apre-
amor. O conto é concebido para emocionar justamente pela reafir- scntâ um herói solitário, Grant Calhorpe, vivendo da coleta de um
maçáo desses valores. O título oferece ainda uma outra nota irônica Irrngo especial, parte de um meio-ambiente povoado de criaturas
- um gato-papagaio que emite frases
refere-se ao contexto) em que os últimos homens lutam Para sobreviver r'.strrrnhas e incompreensíveis
à tirania alienígena, ou ao casal malfadado, que exercitou um gesto
-
sr:n) sentido quase todo o tempo (como o gato de Alice), nativos
derradeiro de dignidade humana? Apesar da relativa Pomposidade .rtrrrpalhados e ratos inteligentes e combativos. Tiafcgando dentro de
do texto) o conto alcança seus efeitos. un'r continuuw, da literatura de aventuras imperialistas, o conto ao
r))csuro tempo sustenta-se nessa tradição, e a satiriza.
Um novela semelhante é "Thmithak in Shawn" (1933), de Charles
R. Tânner. Aqui os humanos conquistados por alienígenas vivem em A certa altura, Calhorpe, tomado de febre (r'rm estado em que
subterrâneos , reduzidos a uma condição tribal. Um grupo ensaia um .rl)rlrcntemente tudo pode acontecer)) encontra Lee Neilan, filha do
avanço para a superfície, numa batalha épica que marca o primeiro 1r.rtrão e garota do jet-set sobre a qual o moço costurnava fantasiar,
passo para a reconquista do planeta. Um aspecto interessante é que tlctrruçado sobre recortes das colunas sociais. Enquanto Lee erâ Lunr.l
eles logo encontram uma jovem, gue os ajuda na tarefa. Essa mulher .rtlrttiradora de sua carreira prévia, como grande caçador braucc) nr.l
partilha do mesmo ethos guerreiro que os homens. r\Ír'icn c Ásia. Num mometio interessantlssimo, os dois nío srrtrcnr
(lurrl deles pertence ao delírio do outro. Daí em diantc :r histririrr
"The Other" (L934) investe noutra visão patética do alnor) agora
rt'tr)rnâ a correria e a âventura) contra exércitos de roedorcs, nulr() rl
voltado para o passado. Seu autor é novamente Floward W Graham,
Ph.D., 9ue conta a história de um jornalista que descobriu o segredo
t r rrr Í'inal impetuoso.
do ensandecido capitão Ingvaldssen: uma exótica mulher, paralisada Irrn 1936, ]ohn \M Campbell |r. tentou algo scnrclhrrntc c( )nr
em meio a um gesto, num bloco de gelo. Ele a havia encontrado "'l'lrc Brain Stealers of Mars" (in Before the Golden. Age), cnr (lr.rc rkris
No BMSIL Capítulo III - 27L
270 - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORRoR

aventureiros aportam em Marte e são recebidos Por um bando de tkrs imortais. Um jovem americano determinado, porém, ele con-
(luisra a admiração dos seus captores) que) nuln argumento darwinista)
metamorfos qrr. assumem a sua forma e que, chegando à Terra,
dar."to da civihzaçíocomo o conhecemos. Repleta de epi- t'rrc«lntram nele características de bravura e hombridade que andam
poderia
ióaior divertidos, o conro é também uma problern story em que os t'rn firlta nesse futuro de seres humanos tutelados até em seus senti-
protagonistas têm de superar a charada em que se encontram. nr(:nros revolucionários. Thmbém desperta o amor da princesa
problern stories se rornariim uma das principais características da Mrrrgaret of LJrbs, a chama negra do título.
gold,en, nge comandada por Campbell, a partir de f938. Campbell Outro exemplo é "Redemption Cairn" (f 93ó), effi que a riva-
retorn.ii" ainda ao ffuque do metamorfo que ameaça a Terra em sua litlrrclc entre dois pilotos
-
um homem e uma mulher
-
a caminho

história mais famosa, "Who Goes There" (1938), duas vezes filmado t lc lruropâ, outra lua de júpiter, se transforma em alnor após intensas

como The Thing.s2 .r\/cnturas em sua superfície gelada. Ilm subenredo envolve a
Lidando ou não com um humor mais acentuado, Stanley G. r.lru)ância de personagens secundários do conto, por um raro
t' I c nrcnto radioativo.
Weinbaum era chegado a situaçóes amorosas envolvendo casais de
jovens que esravarn pouco ,.r-, de relacionamentos adoles..rrt.r- É De Raymond Z. Gallum, "Davey lones'Ambassador" (L935) é
assim em'A pirata espacial", com a ousada Peri e o valoroso I(eene, .rnrt-ricntado no fundo do mar de um outro mundo. Clifford Rodney é
mas também com "The Parasite Planet" (f935, in Before the Gold,en, li'it«r prisioneiro por uma inteligência alienígena que usa de uma
Ag4. O mundo aqui é Vênus, o herói um certo FIammond, e a rt'crrologia baseada em criaturas vivas, concebidas para reahzarem
hãroína Patricia Búr[ngame. Ele é. um yanlzee arrivista, ela uma tlmcrrninadas operaçóes. A princípio ela quer coagir de Rodney as
britânica de esrirpe. O relacionamento dos dois é tempestLtoso e ado- irrfilrmaçóes que deseja, mas aos poucos ele a convence de que há
lescente, enquanro sáo perseguidos pela agressiva fauna venusiana. rrrclhores maneiras. Esta intrigante noveleta, cujo maior interesse talvez
Vênus aqui é um mrrnão tão exótico e de ecologia tão complexa scj:r a descrição precisa da comunicação entre seres tão diferentes e
quanro I; em "The Mad Moon", e tão distante do _que a ciência lr.rscada numa tecnologia inesperada, terminada com o Estudante, o
tãrminou por comprovar. Um dos contos que fez a.fama do autor .rlicnígena captor, entregando-se à mercê do humano, para que ele o
como criaãor de oútras biologias e biosferas) nuÍna época em que a lcvL' até o seu mundo, para que lá ele possa fazer mais perguntas e
maioria das histórias era bastante tímida nessa área de especulação. t'ncontrar mais respostas. LJm predecessor do mesklinita Barlennan
dc Mission of Gravity.
O seu ourro romance póstumo, The Block Flaru.e (1938), é
basicamente uma história de amor cercada de vários outros temas e Outro alienígena dotado de curiosidade e espírito de inquirição

morivos da FC da época. Condenado por um crime passional, Tom .rl)rrrece em *Old Faithfuf' (1934 in Before the Gold.en,Age), também
Connor é eletroc,rt.ão e, como efeito colateral, desperta milhares de tlc Gallun. I)esta vez trata-se de um cientista marciano, que enfrenta
anos no fururo (quando, justamente) choques elétricos calculados sáo rcsistência local quanto aos seus experimentos. Consegue estabcleccr
(.( )ntato com cientistas da Terra, pâra onde fog., pegando carone cnt
empregados prr" lançar pessoas em catatoni.). O mundo para o qual
^deJp"rtr
ele é uma misrura de utopia supertecnológica e distopia unl cometa. Na Terra, sua existência é breve e funciona apcnas conto
un'rir afirmação dos valores da curiosidade e do espírito dc ttvclttLlrrt c
social, com grupos de rebeldes tentando tomâr o poder e acabar com
r crrlização científica. Tânto que os colegas do Velho Fiel, coltx) os
a tutelrg.-ã. ú* pequeno grupo de imortais. Com a ajuda de Tom
eles fabiicam fuzir ê m.tralhadoras) mas são facilmente subjugados.
Irrrnranos o chamavam) fazemum voto de imitá-lo, usanclt) su:t csprr-
Tom é feito prisioneiro, passando a viver de acordo com o arbítrio ç( )nave para visitar Marte.
272 - FICÇÃo cIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMsIL Capítulo III - 273

O Velho Fiel é descrito de maneira muito próxima do retrato Uma variação interessante do herói que dorme para despertar
que Wells fez de seus marcianos emAgwerva,d,os rnund,os, e tambérn r)() futuro se dá com "Past, Present, Future" (L937., in Before the
( )olden Agr), de Nat Schachner: Kleon, uffi orgulhoso herói grego,
sabemos que o autor inglês escreveu sobre seres subaquáticos apri-
sionando humanos em fossas abissais. Gallun, influenciado por .rp«rrtâ na América do Sul milhares de anos antes de Colombo.
Wells, parece assinalar uma visão oposta à de Wells, de que é possível l)c:scontente com a idéia de passar o resto de sua vida entre bárbaros,
o encontro entre humanos e alienígenas) sem conflito e com base clc invoca conhecimentos secretos) e) usando na verdade não de
na cooperação. rrr:rgia, mas de um tmque científico, adormece por rneio de gases e
s(' prcpara para despertar dez mil anos no futuro, depois de instalar
'?\las, All Thinking!" (f935), de Harry Bates) é uma novela
r,u)) "despertador atômico". AÍrtes disso, porém) um intrépido aven-
marcada pelo anti-racionalismo, também contrariando Wells, con-
t trrciro norte-americano, Sam Ward, descobre a sua câmara oculta ao
quanto inspirada por ele. Um gênio contemporâneo é visitado por
sopó de um vulcão e também atlormece sob os efeitos dos gases.
uma mulher do futuro, gu€ o leva para conhecer o seu mundo, gue
M ilônios no futuro ambos são despertos pelos descendentes dos
ele descobre ser marcado por pensadores e filósofos reminiscentes
dos yogwis da Índia, que nadi mais fazem além de meditar. São Irtrnranos, agora divididos em castas que são na verdade espécies
apenas pensamento como em A rnriqwina d,o ternpo, de Wells, uma tlistirltas) mais uma vez numa recorrência a Wells. Nesse futuro
-
tendência do comportamento humano parece ser extrapolada até tlistópico em que todos vivem em subterrâneos e os trabalhadores
sri«r clesprezados pela aristocracia, Kleon e Ward descobrem uma ter-
o limite, redundando em transformaçóes na conformação física
(extrema fragilidade, neste caso). Enfurecido com esse estado de t'cirrr contraparte em Beltan, que também possui inquietudes existen-
coisas, o protagonista embarca em uma missão homicida, que poupa t i.ris que o levam a contestar a rigidez do sistema de castas e, final-
apenas a mulher que primeiro frzera contato com ele. Escrito num rlrcnte) a fugir com os amigos para a superfície, numa afirmação de
estilo mais associado ao século XIX, a pesada narrativa ganha um vrrlores democráticos e individualistas.
inesperado pathos próxima do fim. Como se vê, nem sempre a viagem no tempo se dá por via de
O tema da viagem no tempo talvez encontre um melhor mo- rrrríquinas. No romance After 12,000 Tàars (1929), de Stanton A.
( )«rblentz, um americano médio, Henry Merwin, desesperado para
mento em "The Time I)ecelerator" (I93ó), de A. Macfadyen, ft.,
conro mais compacto e de estilo mais direto. Os elementos pulp ('ncontrar um emprego, alista-se como cobaia em um experimento
com o herói ameaçado por armas de fogo
-
são mais um aceno na rrri'clico que o colocará em suspensão animada, para ser despertado
-
direção das convençóes do formato. O autor está mais interessado lx)Lrcos dias depois. Como o tírulo sugere, o experimento não é bern-
nas idéias a respeito da viagem temporal, com o herói projetado para .succdido, e Henry desperta num mundo muito diverso daquclc cJrr
o futuro seguidamente) em progressão geométrica. Arnérica dos anos da Grande Depressão. Há um pouco dc When. tbe
Siruação semelhante se dá em "seeker of Tomorrow" (1937), de ^\lccper.,4wakes, d. Wells, no trugue, assim como há um poLrco clc A
E,ric Frank Russell e Leslie T |ohnson) novela bem mais ambiciosa)
tttríquina d,o terupl na sugestão de uma espécie humana dividiclrt l'ri«rl«r-
porém realizada com menos felicidade. IJm dos aspectos extrapolativos sicrmente) por força da especialização e da divisão social. Mrts n()
nela presente é urna guerra entre os brancos (europeus ocidentais) e t':rso de Coblentz, náo são duas espécies (como em Wclls), nrrr.s qurr-

os amarelos nota tardia do "Perigo amarelo", motivo bastante t r-() seguindo o modelo das formigas. A leve ironia (-prc n'lrlrcrl ()s
- -
primeiros capítulos logo se transforma numa sátira às f.rntrtsirt.s c«rlc-
presente na ficção popular do final do século XIX até a década de
1930, via Sax Rohmer e outros. tivizadoras da humanidade, ao belicismo e à socieclrrclc ttt«xk:t'ttrt c
27 4- FrcÇÃo cIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo III - 275

H.rrry quem narra a sua atrapalhada


seus processos massificadores. É N,rman Winters) um banqueiro, elabora um modo de adorrleccr
de Nova York,
âventura) amparado por uma obrusidade característica desse tipo de lx)r- clezenas de anos) em uma instalação.subterrânea
personagem, que vai tropeçando pelos eventos) amparado às vezes no futuro. Seu objetivo é descobrir se o lromem do
ir:rr-rr clesperrar
pela sorte) às vezes pela obtusidade ainda maior dos que o cercam. i,'r,,r,, foi capaizdesolucionar as ansiedades humanas.só Acorda pela
mundo que devolveu as florestas à face da Terra e
Henry encontra nos subterrâneos do mundo futuro o seu verdadeiro 1rr-irrrci rtveznuÍn
,*or, Luellan. É .- seguida recrutado à força nulna guerra entre ,;,,., vô o desperdício de recursos como um crime. FIá um Conselho
.i.r f trvelrudê, gue julga o consumo de recursos por seus pais e avós,
três grandes coalizóes continentais (idéia que viria a ressurgir em
1948, no clássico de George Orwell, I9B4), torna-se oficial, prisio- (.pl rclação aos-"Direitos da sua Geraçáo", ponderando sobre cada
neiro e desertor) até finalmente encontrar uln espaço idílico para ele .ír-r,r)rc dcrrubada. Acreditam que o surgimento de Winters seja uma
prrrpobrrl clos mais velhos para justificar o consumo excessivo de re-
e Luellan, fora do caminho da destruição.
cgl-.s.s flrlrrlrais, e é dessa desconfiança que surgem as complicaçóes
,4fteir 12,000 làa.rs é uma sátira na mesma tradição de As uingens
tl.r Sistória. Não há nela nenhum dos esquemas mais rePetidos da
de Gwlliyer) mantendo tun cuidadoso equilíbrio da prosa, para alcançar verdade noiva do herói,
a forma de ironia estruturalss que sustenta o às vezes notável interesse
ltrrllt f,ction: nenhuma heroína que é na
,rci,lir_,rrr pcrigo amarelo oLlga,ngsters ou organrzaçóes secretas) e ao
deste romance. Como ocorre com toda a boa sátira que se preze, o p1cs,o r.rrpó, a qualidade da prosa é percebida como objetiva, clara
romance contém "uma posrLrra moral subjacente na sua exposição de
c lxx-lcrurr, ô * rrrriativa flui com invejável naturalidade. A consciência
fraquezarvício e tolice"rtn portura essa que freqüentemente se mani- causa esPanto
.rrrrtricntrrlista nurna noveleta publicada em 1933 !
festa como uma pregação morali zadora. Outro aspecto comum à - -
c sri cnc()rlffa paralelo na nostalgia de um ecossistema intacto, 9ue
sátira é a guinada do comentário irônico para um desfecho muitas vc,ros cpr "sidewise in Time", de Murray Leinster) esta de L934.
vezes trágico ou apocalíptico neste caso) a guerra entre os três
-
blocos degenera em praga de insetos) que vem a assolar o plancta e
Esr;r noveleta de Leinster é pioneira no subgênero da história
:rlrt.r-prrrivrr. Um fenômeno natural faz com que a Terra Passe a partilhar
quase decretar o fim da espécie (or', espécies) no caso) humana.
vrír.i:rs rcelidades alternativas diferentes. O caos se instaura, mas o
Coblenaaparentemente não era muito simpático ao Darwinismo l,r-rÍ. Mipott havia previsto os eventos e se PreParado, saindo Para
Social, o que podemos intuir por esta fala de Luellan, descrevendo o r.s)r prrsscio a cavalo com seus melhores alun ele planeja encontrar
caráter do seu povo, considerado primitivo pelas casta dominante, os tunr cstr.lro temporal onde poderia se transformar em imperador. Leva
"cabeças-grandes": corr.r clc uma rúrra que cobiça e que será a sua consorte. Esse tipo de
r.r-r,r ivrrçÍo, sob a forma de um superficial e quase-automático inte-
- (. . . ) Tudo o que aprendemos é como viver pacificamente uns r-cssc :rpl()roso) é um índice pulp que Leinster repetiria em oLltras
com os outros... como fazer cançóes e coisas belas, e cuidar dos 5isr«irirr.s. Além dessa linha narrativa mestra) seguindo o Perctlrso clc
nossos filhos e ajudar nossos amigos) e apreciar aluz do sol e as
flores, e ver que ninguém entre nós esteja doente ou desprezado.
Mirr,tt, .r poveleta mostra como o fenômeno está afetando es socic-
Mas não aprendemos como asfixiar ou envenenar. E por isso estarlos rl.r,lcs lrtrgranas) mundo afora. Há não só um interesse csPecttLttivrl
condenados à extinção. E isso o que os cabeças-grandes chamam .rí t.rrvolvido, como urn certo humor seco) que funciona lt'ltlittl [-rcttr.
de "Sobrevivência dos mais apto".ss LJrrr ;lsIx.cro interessante é o autor ter observado que csttrtrclo
() ll()ss()
cst r..rt.i l.rtlo a lado com outros em que o hornem europctt dcvrtst()tl

Outra excelente história de viagem no tempo é "The Man Who nrrrit«l l)t(.nos o continente americano) retornam à Anréricrr tltl Nt)l'tc
Awoke" (1933, in Before the Gold.en Agt), de Laurence Manning. csl,trcics t.xtintas como o pombo-migratório e o bisír«l-clos-tr«).sqtt(:.s.
Capítulo III - 277
27 6- FrcÇÃo cIENrÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL

( l().14), de Donald Wandrei. Num contexto de guerra mundial (que


Além de toda a destruição casual provocada pelo fenômeno) há
r\sipr()v considera prefigurativo da II Grande Guerra), o Protagonisttr
ainda uma contaminação produtiva, restabelecendo o equilíbrio
I )r r.rpc foge em urna nave espacial relativista) para surgir sob o micros-
da vida no planeta.
.,ipi«r clc alienígenas. Asimov exPlica:
Muitas tendências que seriam extensivamente exploradas na área
da história alternativa foram prefiguradas por esse trabalho. Entre
elasuffr contexto em que a Confederação venceu a Guerra da Secessão,
etun outro em que o Homem de Neanderthal tornou-se hegemônico, 3f;:lff xl.IlH{#*:"j*};,'m';rs:',l:*r:
no lugar do antecessor do homem moderno, o Cro-Magnon. comuns se tornavam sistemas solares) mas aqui o herói elevou-se
ao nível em que o universo todo era um átomo. (...)u*
Leinster foi um autor especialmente competente) no seu tempo.
Nele talvezse encontre o estado ideal para uma das características da
Asimov devia gosrar desse tipo de história, pois incluiu na anto-
ficção científicapulp a de ter romances condensados em novelas. the Golden
- l« rsirr rambém a novela "He Who Shrank" (1936 , rnBefore

O espaço nas pulp para romances seriados era relati-


vna,gã,zines ,l.iyc), de Henry F{asse. Um indivíduo é forçado ao papgl de cobaia
vamente pequeno) enquanto que, simultaneamente) devia haver urna tlc trm experimento que o farádiminuir constantemente de tamanho,
demanda por parte do público leitor, por histórias repletas de idéias e .rt(. prroporçóes subatômicas, quando ele também alcança uln universo
especulaçóes, que seriam melhor distribuídas no formato mais arejado t-ir-cunscrito a um átomo de matéria. O soro aplicado nele à revelia
do romance. Uma outra narrativa de Leinster com esse perfil é a r.rr1bém permite que ele guarde, de maneira misteriosa, ar resPirável
impressionante "Proxima Centauri" (L935, in Before the Gold,eru,Age). clr torrro d. si, enquanto penetra no outro universo, circundado pelo
Nela encontramos uma nave de geraçóes a caminho do nosso sisterna r,:ícpo espacial. Esia aglutinação de truques de superciência torna a
solar vizinho, interceptada por naves vivas tripuladas por alienígenas pr-cprisripo,rco aceitável, e em decorrência as primeiras páginas são
belicosos, que são plantas carnívoras que se movem. A preocuperção ,t. aitcil progressão. A novela é basicamente uma viagem fantástica,
ambientalista precoce de Irinster se manifesta novalnente, sob a forma (-( )m o protafonista conhecendo diferentes culturas e níveis tecnoló-

do argumento de que os E.Ts, sequiosos de carne) consumiram toda gicos, ionfoime encolhe e é simultaneamente alijado e introduzido
a vida animal do seu planeta e ameaçam fazer o mesmo com a cnr outro universo. Mas como em "out Around Rigel", o autor
-
Terra. Sua tendência para uma intriga paralela, baseada em interesse tlcscnvolve a sua narrativa ao longo de uma fina linha de potenciali-
amoroso) também comparece. rlrrdcs, e o leitor logo se vê diante da surpresa em constatar qLIe o
"Proxima Centauri" daria um romance interessante) mas como protagonista não é 6umano) mas um alienígena 9r.,_!ol I-, alcança
novela é ainda tun texto relativamente bem equilibrado. Outros autores, i f.ri. e) acossado por forças militares nos Estados Unidos) tertnina
seduzidos pelo mesmo formato, não foram tão felizes. cornunicando-se telêpaticamente com um escritor de ficção cicntífica
chamado "santon Cobb Lentz". Aesttl altttrrt, o
Em Before the Gold.en Age (1974), Isaac Asimov explica que um - um certo satirista representado pela cxPeriôncirr d«r
tipo de história popular na década de 1930 havia sido introduzida 1-rrolongado exercício imaginativo
.tienígãrr. resulta num forte senso de maravilhamento, tl lloçí«l clc
pelo editor de Astounding Stories, F. Orlin Tiemaine (I899-1956),
Llm ,rrri,r.rso expandido em proporçóes trágicas e ent t'tlclatrctilica
chamadas por ele de "histórias de Variante-de-Pensamento" (Thought-
contemplação, enq.ranto "aquele que encolhe" desaParccc tnrri.s tlll'lrl
Yariaruü), urn "conto que apresentava um novo conceito ou uma nova
vcz) numa jornada sem fim.
glosa de uma idéia familiar".57 Seu primeiro exemplo é "Colossus"
278 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BMSIL
Capítulo III ' 279

No Posfácio a esse trabalho, Asimov escreveu que "(...) A bela .rl).u'ôncia normal das pessoas. E os protagonistas) o professor Oliveira
qualidade de elaboração de'He Who Shrank'foi um dos fatores que (. scLr erssistente) sáo bem-sucedidos. Contudo eles descobrerl que â
me manteve convencido de que a ficção científica estava além de Irtrprrrpidade havia se acosmmado ao conforto de uma pelagem Prote-
mirn, e que apenas semideuses poderiam escrever tal material."se I ( )t'rl) c não está mais interessada em livrar-se dela.
Henry Ffasse só pôde criar essa sutil manipulação de expectativas "The Merman" (1938) é outra peça humorística de L. Sprague
após incorporar as diversas possibilidades de um gênero que teve tlc Camp. O funcionário de um aquário acidentalmente assLrme a
intensa sistematizaçáo e avanço temático durante apulp e?/a,. (A sua t'.r[rrrcidade de respirar debaixo d'água. Como isso aconteceria é rnuito
história e a de Wandrei devem algo, é claro, âo conto pioneiro de lrcrrr focaltzado em termos científicos.
Wells, "Under the I(nife", d. 1896, na qual o protagonista, após "The Day Is Done" (1938), de Lester Del Rey, é uma ficção
sofrer um choque na mesa de operação, vê o seu "espírito" projetado cir:ntífica pré-histórica uma extrapolação científica que imagina a
até o universo, saindo dele para descobrir que todo o C,osmos não passa -
virlrr r1o passado distante) ao invés da vida no futuro assim como a
de um átomo do rubi engastado no anel de uma misteriosa mão.) -
pióneira dessa vertente) Agwervn dofigo, d. J. F{. Rosny Ainé.
«rtrrrr
Outro exemplo de variante-de-pensamento é a novela de |ack l)cscreve, de maneira comovente, os últimos dias do último Flomem
Williamson) "Born of the Sun" (1934), effi que uma organizaçáo rlc Ncanderthal, vivendo entre os Cro-Magnon.
esotérica oriental (motivos orientalistas eram comuns na pulp rtcilon O rema da elevação de animais à condição humana esteve na
da época) conhece o segredo do universo: os planetas, inclusive a Íicçío científica presente desde A ilha d,o Dr Moreau (lB9ó), d. Wells.
Terra, são apenas ovos) cujos embrióes são chocados pelo Sol. Assim Invariavalmenté, a criatura póe em xeque aspectos da existência dos
como "Colossus", há um contexto apocalíptico) amenizado apenas .scrcs humanos. LJm aproveitamento satírico de um animal comen-
pela fug, do herói com sua noiva, em uma nave interplanetária que rrurclo a sociedade humana aparece no conto'A Report to an Academ/'
permitirá aos dois construir uma nova civilizaÇão, noutra parte. ( 1913), d. Franz IGfka (IBB3-L924). Até meslno o brasileiro Berilo
"The Council of Drones" (193ó), de W I(. Sonnemann tem Ncves produziu um conto nessa linha, "História triste de utn macaco"
problemas de coerência científica, apesar do autor ter pesquisado (crrr A costeln d.e Adão., L932). O conto de Manly Wade Wellman,
intensivamente o seu assunto. Fala de um homem que teve a sua "lrirhecanrhropus Rejectus" (L938), é um sério candidato ao melhor
consciência transferida para o corpo de uma abelha-rainha. Sua tlrr safra, por seu perfeito equilíbrio entre comédia e tragédia. O
intenção era aprender mais sobre o funcionamento da colmeia, em sorila aqú é elevado à condição humana) o que o isola na verdade,
seu trabalho de apicultor) mas em breve ele se torna o cabeça de urra irravés de tun doloroso processo científico mais sugerido do que
rcbelião das abelhas. O final, porém, é precipitado e previsível, rlcscrito, o que é uma sutileza bastante adequada à narrativa.
remetendo ainda a tom severo e aos estilemas da litcratura fantástica Tfatando da vida no Cosmos como uma espécie de infestaçíro
do século XIX. rrcidentalmente provocada por um cientista alienígena, partc clc tttlrr
Mais coerente e bem-humorado, tendo em vista o seu tema, é inteligência extracorpórea, existente desde os primórdios do r-rnivcrso)
"Flyp.rpilosiry' (L938), de L. Sprague de Camp. tlm vírus póe ern trdrnónd Hamilton escreveu o convincente conto "Thc Accttrsccl
ação um gen adormecido, causando o crescimento explosivo dos Cialax/' ( 1935), em que um jornalista descobre um metcoro quc rtã<r
pêlos corporais nas pessoas. Essa é uma problern story como as que é nacla menos que o casulo-prisão daquele cientiste qttc, qr.lrlsc tlc
viriam a se tornar populares durante a goldeyt. a.ge. O problema a ser maneira divina mas desasrada, havia gerado a vida. Emtxrrrr I Irttttilt«ltt
resolvido aqui é como reverter os efeitos do vírus, e recuperar a scja mais conhecido por suas spa,ce operns envolvcnclo «r "Orlllitrr«l
2BO - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo III - 2Br

Futuro", e por ter a ele creditado a criação do "Império Galámico", 1rt'lc trzul, capitalistas dos mais selvagens. Se After 12,000 Tears era
este conto é surpreendentemente sóbrio e intelectual nas suas refle- r urrrl sátira ao comunismo) este se volta para o capitalismo competitivo

xóes, com um bom conhecimento da teoria do Big Bang e da expan- t' lrclicista que levou o mundo à multiplicação de conflitos territoriais
são das galáxias (embora tenha errado em algumas datas, subseqüen- t trlnrinados na I Guerra Mundial. Outros aspectos da modernidade
temente revisadas pela ciência moderna). criticados em ambos os romances são a massificação das atividades
Um enredo semelhante é apresentado por Hamilton em "Devo- tlo rrabalho e do cotidiaro, a submissão aos modismos e à artificiali-
lution" (193ó ,inBefore the Gotd.en,Agt), quindo orgulhosos conquis- z.rção da vida.
tadores galácticos, sob a forma de seres protoplasmáticos, chegam à Por sua vez) o herói de After 121000 Tànrs é considerado inteli-
Terra e, após atacarem alguns homens num acampamento isolado, gcnre demais para o serviço militar, e forçado a passar por uma
descobrem que os seres detestáveis que haviam exterminado eram os nrríquina de diminuição de inteligência) que basicamente o obriga a
descendentes diretos dos seus antepassados protoplásmicos aportados rcpctir os mesmos movimentos) de novo e de novo.
em nosso mundo bilhóes de anos no passado, que haviam misteriosa- The Blae Barbarians náo tem a mesma força do final apocalíptico
mente involuído para protozoários daí o trocadilho com o título. tlcAfter 12,000 Tàars, mas há uma nova dimensão de ironia: para
- p«rder escapar do planeta a dupla de protagonistas usa os mesmos
"The Ffuman Pets of Mars" ( L936, in Before the Gold,en Ag4 é
ulna aventura satírica em que humanos de várias origens são abduzidos rnótodos de acúmulo de capital , statas e poder. LJma vez no topo da
por marcianos e transformados em animais de estimaÇão, em Marre) s«rciedade venusiana) tentarn eliminar ou diminuir a sua belicosidade,
até que conseguem se apoderar de um disco voador e voar de volta qLrc termina como um tiro-pela-culatra e a conseqüente guerra total e
para a Terra. A autora) Leslie Frances Stone) era uma das mulheres « r finr da civihzaçío do planeta.
em ação, nas pulp lnã,ga,z,ines de FC na década de 1930. Frank M. Hid,d.en World, (1935) possui ele-
O romance de mundo perdido
Robinson afirma que a primeira autora a ser publicada em um a pulp nrcntos semelhantes: dois engenheiros de minas descobrem uln vasto
rnagnzine de FC foi Clare Winger Ffarris, em Arnazing Stories de nrundo subterrâneo dividido entre duas potências que se dedicam à
outubro de L928.60 clcsrruiçáo mútua. Aqui também eles são obrigados a se misturarem
Menos aventuresco e tolo é "Minus Planet" (L937, rn Before the à sociedade local, um em cacla uma das nações rivais. São duas
GoldcnAgt),de ]ohn D. Clark, um "cientista de foguetes" que escreveu sociedades divididas entre castas trabalhadores, burocratas)
apenas dois contos de FC. Tfata de um planetóide de antimatéria que soldados e aristocratas ) mas tão marcadas pela imbecilidade e
se dirige para a Terra. O único modo de desviá-lo de seu caminho é ineficácia institucionalizadas, que os dois não têm dificuldades enl
atirar a Lua contra ele, depois de implantar em nosso satélite imensos clregar ao poder. Como em The Blue Borbarian§) suas tentativas de
propulsores nucleares. O rigor científico com que Clark compôs o clcnroc ratrzar e humanizar as suas sociedades adotivas encontr:l
seu conto inspirou Asimov a se tornar ele também um autor pautado c:nfática resistência da populaçáo que eles pretendiam melhot rtt c
pela coerência dos dados científicos contidos em suas histórias. l)roteger) a ponto de serem forçados a fugir de volta à superfícic.
As preocupaçóes de Coblentz eram as mesmas que motivrtvrlnl
h' no romance de Stanton A. Coblentz, The Blwe Barbarians
(I93f ), o rigor no manejo da ciência é menos importanre que a os modernistas e os críticos da cultura de massa) mas clc cscolhctr
aventura e a sátira, quando dois aventureiros espaciais, urn piloto e urlla linguagem pulp para traduzi-las.
um Poeta (este tun substituto de última hora)) caem em Vênus e são Muito se pode dizer no sentido de que a maioritr clos cont()s,
obrigados a se misturarem com os nativos) descritos como seres de novelas e romances aqui enfocados (e de muitas outras qLlc clcixrunt>s clc
282 - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL
Capítulo III - 283

observar) a suposta aventura sem sentido, a fantasia escapista .r 30, como se deu na Europa, através de Wells, ou Júlio Verttc",ó2
r)( )s
- -
dão lugar à especulação e à extrapolação científica; a prosa descuidacta , r1uL', penso eu, já é argumento vencido pelas evidências quc fortrm
"típica" dapalp f,ction é contrabalançada pelo não menos típico vigor t olhiclirs em anos posteriores.

e controle narrativo, pelo despojamento estilístico. Tendências e subgê- t)c qualquer modo, há um marco nos anos 30 a produção de
- escrevia uffIa
neros bastante diversos estão lado a lado com a aventura espacial, a Jt'r'«^»]ylrlo Monteiro, autor gue, reconhecidamente)
imaginação projetada sobre tecnologias fictícias ao lado da ação e do licçÍo científica com consciência de se realtzar cotno um gênero
interesse amoroso. Thagédias e comédias, observações sobre a época tlisrinro. Mas sua FC era pouco tecnológica e influenciada por H. G.
e a sociedade humana estão presentes. Wclls, o escritor do século XIX que balizou muito da FC dapulp era,.
'l:rnro que a contribuição mais clara de Monteiro
Sem dúvida, o Brasil perdeu ao não ter acesso a esse rnaterial. E Para o que
bem mais, por não ter desenvolvido a sua própria versão de uma era 1',otlcríamos chamar de uma pulp fi,ction brasileira, o herói Dick
de revistas populares) em que a inventividade estava presente e o l'ctcr, apareceu numa série de livros escritos sob o pseudônimo cle
" ltonnie Wells".
público reagia, criando o vínculo único entre produtores e consumi-
dores de ficção, que caracteríza a literatura especulativa em muitas Scgundo Th ereza Monteiro Deutsch e Sérgio Monteiro, filhos
partes do mundo. tk' |crônyffio, Dick Peter primeiro apareceu como um herói do
Segundo Léo Godoy Otero, no seu capítulo sobre FC brasileira r'.itlio, com seu próprio programa sernanal, '?$enturas de Dick Peter,
ã, utnã, história d.nficçã,0 cientfficn (L987), r r lrcrói moderno", na rádio Tupi, a partir de L937: Um capítulo era
em Introd,uçã.0
crrccnado como radionovela por dia, e na sexta-feira milhares de
f 930 rnarca a primeira etapa de um longo e custoso processo cle orrvintes enviavam suas cartas) depositadas em urnas nos correios e
industrialízaçío brasileira, o qual, embora localizado no Sul, é ( )urros locais públicos) com o seu palpite sobre quem era o vilão ou

drzrr,nos Estados de São Paulo e do Rio de )aneiro, viria nos vinte c()nro a aventura seria concluída. |erônymo Monteiro já tinha a
anos posteriores a crlar condiçóes propícias ao desenvolvimento conclusáo determinada, porém, e não se deixava influenciar pelas
da literatura de antecipação, florescente todavia somente após a
crlrtrls dos fãs. O programa prossegulu por anos) como ulna coqueluche
quando da implantação da indústria eletrônica
!:ffi*l,f*Tü1 Irrlcional, com cartas recebidas até da Argentina. Crnamente redundou
crn rnilhares de aventuras escritas algumas no afã do momento)
A mentalidade bacharelista, o ufanismo retórico davam lugar à -
tecnologia, emrazío da demanda de especialização. A cllsto) com- t'nr irnprovisos feitos no próprio esúdio radioflônico. Logo em 1938,
batia-se a poderosa influência do aforismo importado, arraigado, « r hcrói chegava à literatura pela Ediçóes e Publicaçóes Brasil, dc São
a idéia de que jamais o Brasil, ou qualquer nação tropical abalxo l'.rtrlo. Quase dezanos depois também foram livros de formato grrtnclc,
do Rio Grande da fronteira dos EE.UU. com a América Latina
- teriam necessidade de possuir sua própria in- pcll Livraria Martins Editora (São Paulo)) com ilustraçócs clc c.rprr
nem
*r[:,Í.n**, lrcrrr ao estilo pwlp, por Augustus.
Os títulos publicados pelas Edições e Publicaçóes Rrrrsil Íi)t'rrnl
LJma noção que contextualiza a produção local de FC somente ( scguintes : O fantasrna dn QuintaApenidn; Dragno, o estrntuyilndor;
)s
( ) nlf,nete d,n noorte, três episódios em um único livro; O colct'ittrttdrry
em concordância com a conjuntura histórica e econômica do país,
tem apelo também junto a outros observadores) como ]orge Luiz dc ruã.0s1 O crirne do n0n0 andar; As ruortes no observnttírio., tttrtis tr"ôs
Calife. Godoy afirma gue, "no Brasil nenhuma obra, no estrito clrisódios; A ilha d,os cond.enodos; O ca,so de Gkíria Maur.,, tlo is cpi.s«i-
conceito de ficção científica, foi escrita em épocas anteriores aos tlios ; O hornern d.o pull-ouer cnr d,e vinhl; O clwbe dn ruortc; ( ) I csrtr rru tlo

I
284 - FrcÇÃo crENrÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Capítulo III - 285

Tio Onek; O crirne d,a represa nnuã,; Dick Peter confira a teia invisíyet; O y, ,r n.rlista, Dick Peter consegue solucionar o caso e prender o Tàrânnrla.
hornern solitrít io; Dick Peter contra o l,tornern inuisútel; O enigrna do awto- ( ) tlctctive-engenheiro havia construído um rastreador de ondas,
rnóvel cor d,e prata; O misterioso Titrâ,ntwta;A serpente d.e bionze;Afebre .r
l).rrclho que lhe permite chegar ao ninho do vilão uma espécie de
verd.e; O gã,vya. sinistra; O assassino d.e
frno. Os títulos da Livraria -
t.rsrclo gótico, construído às margens do Rio Hudson. O contexto
Martins diferiam um pouco dessa relação) mas de qualquer modo
lttrllt no qual Monteiro trabalha aparece com bastante clareza) nesse
são dezesseis volumes que mostram o alcance e a iniensidade desta t'1risódio uma ciência de invenção, organizaçóes criminosas tenta-
criação de Jerônymo Monteiro. -
t rrlrrrcs, uffi herói másculo seguido de perto por uma heroína de espí-
Dick Peter tinha algo de típico dos pulp heroes das décadas de r itr r ir-rdependente,* rpoiado pgla polícia local, mas também capaz de
1930 e 1940, personagens como "o Sombra", criação de Walter B. vi.rjrr a terras distantes como a Afric em O tesawro do Tio Oneh e
Gibson (L897-1985), e também um herói do rádio, ou Doc Savage, tlc crrcontrar mundos perdidos em A serpente d.e bronze.
-)
"O Ffomem de Bronr,e". São combatentes do crime que o fazãm -
As histórias erarn movimentadas) com açóes físicas acontecendo
com grande auxílio da ciência, da tecnologia ou de poderes pàranormais,
-"o :r c:rclâ pouco) e um suspense sempre presente) mas a lógica interna
às vezes oriunda, como no caso de Lamont Crànstofl, Sombra" tlrrs aventuras era relativamente fraca. A cadência com que eram
do contato com alguma cultura perdida, de contornos orientalistas]
produzidas, aliás, não deveria favorecer a total coerência das narrativas.
Os pwlp heroes chegaram aos quadrinhos sob a forma de personagens
l'«rr sua vez) a escolha de tun herói americano) sob tun pseudônimo
como Batman ou o Dick Tfacy (ernbora Doc Savage tenha inspirado
.rnglo, forma runa estratégia de manipulação de estereótipos e clichês,
também aos criadores do Super-Homem). O detetive particular Dick
.rssociados à cultura norte-americana. Recorrendo novamente aos
Peter é um engenheiro que conta com a simpatia da polícia de Nova
:u'gumentos de Clive Bloom, poderíamos dizer que o objetivo dessa
York no combate ao crime e à espionagem, cbnduzidã especiahnente
cstratégia conhecida como "pseudotraduçóes" é apropriar-se
pelo seu arquiinimigo, "o Tarânrula". - -
rlc urna demanda existente por esse tipo de produto, que é índice de
uma cultura que é recebida ao mesmo tempo como fascinante e alie-
O Thrânrula era invisível e intangí*rel, mas alcançava longe. Não
havia nenhum lugar do mundo õnde um homem pudessã.r.or- nígena. Seria possível criar um herói com esse perfil, adaptado à
der-se Para fugir à t.B mão. O seu nome impunha iespeiro e a slla sociedade brasileiraf Que reaçóes teria despertado por parte do
Yoz causava terror. Desde muitos anos o Thrântula comandava publico? Dick Peter é um herói própri apesar das suas investidas
y*.1 organizaçã.o de espionagem e de sabotageffi, qlre tambérn se rta Africa e em outros cenários exóticos de uma civilização urbani-
dedicava, quando possível, aõ roubo e ao.ssilto, rolU slras ordens. -
zada, capitalista, repleta de novos movimentos sociais e de novos
Yrt ninguém jamais o vira. Seus capitães, escolhidos enrre os
homens mais cruéis, mais sern escúpulõs, eram infleíveis nlulca
tcmores que surgiam com ela. Seria a sociedade brasileira, crr
-
.gtt.guiram ver o rosto do terrívêl chefe. No entanro) eles bem transição para um contexto mais urbaoo, mas ainda amplamentc
sabiam que o Tàrântula os conhecia a todos, uffi por urn) e esrava rural e de urbanização tímida, capaz de absorver esses modelos c
sempre a par de seus aros) não perdoando o menôr deslize. (. . .)u.
adaptá-los ao seu contextol Difícil dizer, ainda mais considcrtrnclo
que o fenômeno das pseudotraduçóes persiste hoje, fruto das inicietivrrs
I: Te aPrendemos sobre o vilão, effi O ruisterioso Tkrá.ntulo (Marrins, de Monteiro e de outros) a partir da década de 1930. Tcrirr .sicl«r
1948). O Târântula, nunca visto, emprega um ffansmissor de rádio diferente) se tivessem enfrentado, já então, o desafio dc adrrptilr cssrls
Para comunicar-se com seus diversos grupos de criminosos) espalhados estruturas de ficção de gênero a um contexto nacional? Tcrirun sicl«r
Por Nova York. Com a ajuda de Mabel Carson) sua ererna nãmorada menos bem-sucedidos se tentassem|
286 . FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL Capítulo III - 287

O outro auto r a fazer algum tipo (itrerra e primeiro serializado no jornal Dirírio d.a Noite, como .4s
fi,ction a partir dos anos
de pwlp
30, e que nos chega até hoje com interesse para a ficção especulativa, rneruórias secretns d.e Giselle, a espiã nuã, qae abnlou Paris. Foi pul-rlicado
é, R. F. Lucchetti, que começou publicando contos de horror e crrr livro) em L952 e se tornou parte do catálogo da Editora Monterrcy
suspense nas revistas X-9, Detetiue, Swspense (norte-americana), crtt 1964. No ano seguinte) a editora carioca lançou a série ZZ7 .66 O
Meia-I{oite etc. Não é de se
Contos Mngazine, Policiol eru, Revistn., tiltimo ressurgimento de Brigitte Montfort se deu em 2000, desta vez
estranhar que )erônymo Monteiro tenha tido participação no "lança- corrlo parte de ZZ7 Seleções como o título sugere, não a série
-
c«rrnpleta) mas uma seleção de episódios.ó7
mento" de Lucchetti:
Outras áreas de literatura pulp exploradas pela editora foram o
O começo de sua carreira (. . .) remonta aos velhos e eloriosos wcstern, ou faroeste (com a série Extra-Oeste) iniciada em 1965), o
tempos da GazetoJwvenil, de São Paulo, onde recebeu um incen-
lxrlicial ou ficção de detetive (com a série FBI, iniciada em I9ó1,
tivo de |erônymo Monteiro) autor das aventuras dc Dick Peter .scndo reeditada pela última vez em 2000), ficção militar (com F{ora

l;;];,1,1?ilàx;l'13,:"##?"T;Tff i:ü1';:l'll:J:ffi k?',#T; H, ou HH, iniciada em L965). O conhecido ilustrador Benício deu
trabalhos publicados pelos PulPs dos anos cinqüenta (. . .)ut «I tool para todas as capas) com ilustraçóes de poucos elementos) mas
c()m grande virtuosismo na execução e no domínio da anatomia.
Assim como Monteiro se tornou peça importante para a ficção É pottível que outros nomes nacionais tenham se perdido com o
científica, ficção de detetives e para as radionovelas de avenrura
para a tclnpo ) vez ou outra sendo recuperados, com no caso recente de
no Brasil, Lucchetti é personalidade marcante dos campos do horror, Prrtrícia Galvão (1910-L962), a "Pagu", com os contos originalmente
da ficção de detetives, do cinema de horror e das histórias em lrublicados na Detetive e reunidos em Snfra rnacabra.: clntos policiais
quadrinhos. Monteiro foi essencial para o sllrgimento de um grupo ( I99B). Pagu escrevia sob o pseudônimo de "I(ing Shelter".
de fãs e autores de ficção científica, na década de l9ó0, enquanto Nelson Rodrigues) o renomado dramaturgo, também escreveu
Lucchetti foi um dos protagonistas no surgimento do que viria a ser pulp fiction. do tipo romântico, e em L997 um dos romances que ele
conhecido como "literarura de banca" pseudotraduçóes de ficçáo cscreve sob o pseudônimo de Suzana Flag ,Ir[úpcias d.e fogo, fui edi-
de gênero) inclusive horror e FC, no
-
formato de dirne-novels, escritos tado pela primei ra vez em livro (havia sido lançado como seriado
sob pseudônimo e distribuídos em bancas de revista. As editoras cnr I94B; outro romance, Mew d,estino é pecor, foi publicado dessa
Cedibra e Monterrey são as mais conhecidas neste campo editoras rlrcsrla maneira em L944). No artigo "O mestre do folhetinr",
-
que dão prosseguimento à estratégia de apropriação de uma clemanda Lóo Schlafman aponta a articulação entre a obra dramatúrgica clc
por ficção de gênero escrita a partir de sociedades supostamente mais Itodrigues e seus romances populares:
afinadas com essas produçóes e algumas das séries por elas publi-
-)
cadas tiveram presença marcante entre os leitores de livros popularcs) Helena, recuperada da loucura) sucumbe à guerrilha amor()srr c, jrí
como ZZ7, protagonizada pela agente secreta Brigitte Montfbrt, e vestida de noiva, "como se estivesse dentro de um sonh{)", srritr clc
que incluiu alguns episódios de ficção científica, tírulos corn o Sold,ad.os casa e se atirou debaixo de um carro que passava, e quc vinh.r :r scr
d.ofutwrl e O hornernguewã., todos assinados por "Lou Carrigan". o carro conduzido pelo próprio noivo, Carlos. (C«»nr cstrl ccn:r,
Suzana FIag assinava embaixo Nelson Rodrigues, ctrj:r [)('çrl, Vtstido
Brigitte, por sua vez) era a "filha" de Giselle, protagonista do de Nohtã,) estreara um ano antes.) Um transeuntc quc l):lss:l\/rl,
romance Giselle, ã. espiã, nuã, que abnlou Pnris (1948), romance de espantado com a aparição àquela hora de uma noivrr, :rj« rcllrr )u-sc
espionagem e erotismo ambientado na Europa durante a II Grande ao lado do corpo. A noiva dizia: "Beija-me ... Ilciy:r-n)('... N:r
2BB - FrcÇÃo cIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Capítulo III - 289

boca..." À poficia, mais tarde, disse que dera o beijo "porclue não ).r r'.r e ficção científica, amparado pelas iniciativas do editor baiano
I
se recusa nada a uma agonizante". (Com O Beijo no Asfnlto, L3 ( irunc-rcindo Rocha Dorea,
9ue publicou um número impressio-
anos depois, só que deslocando o beijo homem-rnulher para ho- n.urrc de clássicos e obras significativas, por autores estrangeiros,Tr
mem-homem) Nelson assinava embaixo Suzana Flag.)ut
(' tlt:scnvolveu um programa para atrair autores brasileiros para a
lit'çrro científica, publicando trabalhos de Monteiro, André Carneiro,
No exemplo cabe perfeitamente a afirmativa de Clive Bloom,
l(rrl-rcns Teixeira Scavone) Dinah Silveira de Queiroz, Fausto Cunha
de que t' r))uitos outros escritores ativos na época, que formam o primeiro
t t)t'pus coerente de FC brasileira a referenciar o desenvolvimento do
Pulp é o que rejeita a respeitabilidade, mas que muito anseia pelo
1,,ôrrcro no Brasil: a chamada "Geração GRD'.72
respeitável. Pulp é o ilícito vestido corno o respeitável, mas que não
disfarça) nem esconde do consumidor a sua verdadeira natureza. Infelizmente a década seguinte apenas ecoou com triste palidez
Assirn ele se torna um tipo de jogo codificado: uma sedução con- .r.s rcalizaçóes desses nomes, sendo substituídas por um retorno a
cordada por ambas as partes) mas nãn-rnencionada por nenhuma. ('.ss:l ficção especulativa evenrual, escrita por autores com muito pouco
O praze r pap é um praz.er ilícito. 4 p:yer vem de ler [e escrcver]
t'« rnhecimento do gênero e de suas possibilidades, buscando apenas
conscienterlente pelas razóes erradas.óe
s.ríclls mais ou menos simplistas para intençóes satíricas e críticas de
r unil sociedadc brasileira que na época vivia a situação singularmente
Mais recentemente, o brasileiro Rioky Inoue se tornou o autor
ncgrrtiva representada pela ditadura militar e pela censura e repressão
mais prolífico do mundo) escrevendo para a Editora Monterrey legióes
:u r livre-pensar.
de livrinhos de faroeste e espionagem. Chegou inclusive a desenvolver,
em I9BB, a série de ficção científica Século XXf, sob os sarcásticos Ainda dentro do período enfocado neste trabalho, 3 rneses no
pseudônimos de "stephen McSucker" e "Edward Gapfinder". Foram çícwlo Bl (1947), de Monteiro, é especialmente interessante. Alta-
publicados quatro títulos Vida ern, owwas gahixias ; Ad,eus ciuilizaçã.0 ; n)crltc influenciada por WellsT3 com ecos deAguetra, d,os rnwnd.os,
- 11
-
rncíqwina d"o ternpo eWhen the Sleeper.4wakes (1899) o romance
Partícwlas da rnorte e Energia ncortaL lnoue me disse, poré-, que teria -
escrito run quinto) nunca publicado ou distribuído. Um aspecto curioso rlcvc também ser comparado a O presidente negro e aViagern à a,urlra,
sobre eles é que o tipo de FC escolhido por Inoue continha mais do ru.umd.o, outras obras nacionais de viagem no tempo. Campos) um

elementos de uma extrapolação científi ca hard, do que de space opera .rtrdacioso brasileiro, confronta o próprio Wells, em uma visita
ou outros subgêneros mais populares. O prestigiado autor Rubens :lo escfitor:
Figueiredo também confessou, effi entrevista a Ricardo Soares para
o prograrna Literatwra (T\r SENAC, São Paulo), gue havia trabalhado - Muito bem, senhor Wells. Vou tentar. O senhor terti notícim
para uma editora carioca de livros de banca, a Cedibra.T0
Contudo é Lucchetti, ainda vivo e em atividade, que permanece
ü*? f, ãt['fr .o.:'.ü J:i*' ffJ: hm 3" #il Hiiil::
"máquina de explorar o tempo" ...'u
como o decano dos palp writers brasileiros e testemunha viva desse
tipo de ficção entre nós. Temos, portanto, um brasileiro em meados da década clc 1940,
Os trabalhos mais significativos de )erônymo Monteiro só foram cluando o país ainda apresentava imensa diferença tecnolrigic:r cnl
aparecer no final dos anos 40 ao início dos anos ó0, década em que relação às naçóes desenvolvidas, afirmando a um inglês, pcrtcnccrlrc
também surgiu o primeiro movimento editorial brasileiro voltado rl uIrIâ das potências tecnológicas mais avançadas do planctrl, tltrc clc
290 - FrcÇÃo cIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Capítulo III - 29L

seria capaz de realuzar a viagem no tempo imaginada pelo escritor de Ncste romance apocalíptico, alimentado por um discurso
ficção científica. O que torna 3 ru.eses no sécwlo Bl precioso é a maneira ,l.rrrvinista semelhante ao que Wells usou para tratar da guerra entrt:
escolhida por Monteiro para viabilizar a visita ao futuro: não uma Irurrrrrnos e marcianos em Aguevva. d.os rnwnd,os, a última resistêncitr
rnriqwina do tempo nascida em uma sociedade ainda incapaz para a Irtrnrrrna se dá na Austrália, em torno do personagem Aron c sua
tecnologia, mas através de um vôo do espírito, gerenciado por l.rnrília e amigos. No final do livro) restam apenas cinco pessoas em
médiuns reunidos por Campos) na capital paulista. ur)) terreno ilhado num mar de formigas antropófagas, gue reúnem
Campos desperta no corpo de Loi, urn humano (uma criatura srrrls forças para a tomada final. A narrativa náo persegue um único
wellsiana, de cabeça imensa, corpo franzino de órgãos atrofiados prottlgonista, mas vai compondo o cenário apocalíptico a partir dos
pela falta de alimentação sólidâ, e membros alongados, figura muito p« rntos de vistas de personagens que vêm e que vão, como na grande

r rl'rrrr de Karel Capek , A gueyya, d.as salarnorud.ras (The Wnr with the
bem capturada no traço de |oão Mottini, que produziu 45 pranchas
para o livro, duas delas coloridas) do século LXXK, vítima recente lrlcwts,lg3ó) urna esffatégia bastante adequada, embora a linguagem,
-
.r l)cnetração psicológica e os diálogos deixem a desejar.
de um atropelamento.Ts Desmemoriado, Campos vai aos poucos se
inteirando das suas relaçóes no ano 8000. Ele é um industrial que Há um aspecto que lhe confere certa originalidade: segundo
produz o rato da morte que decidirá a guerra com os marcianos. Mas ltLnund Crispin (Roben Bruce Montgomery), histórias de catacüsmo
Campos/Loi acaba entrando em contato com um grupo dissidente) c()mo esta costumam ser ambientadas em fururo próximo, coln a
dentro da sociedade altamente restritiva e organizadado futuro. Após intcnção de descrever "como reagimos a uma tremenda e inesperada
uma comunicação que ele realiza., através da televisão da época, .rltcração em nosso modo de vida normal. São um tipo muito popular
denunciando as deficiências da sociedade do século LXXXI, ele é tlc: ficção científica, em parte porque a sua proximidade para nós no
cooptado por essa resistência para liderar a rebelião que termina rcnrpo as torna mais 'reais' (. . .)".'7 Sem dúvida) a escolha de Monteiro
-
com um holocausto planetário e o estabelecimento de uma sociedade cnl ambientar seu romance num futuro tão distante) contribui um
alternativa no que restou da floresta awtazônica, além da sobrevivência [)ouco para alienar o leitor) mas por outro lado casa-se muito bem
dos marcianos. corl-r a proposta geral de confrontar, pela ironia, a evolução futura da
O romance combina, pelo seu caráter aventuresco e pela audácia hurnanidade, vivendo uma utopia de superciência, tendo avançado
das situaçóes) tanto o scientif,c rnrna.nce Lnspirado por Wells, quanto o trrnto em relação a nós, com minúsculo mas derradeiro inimigo reprc-
vigor da pulp f,ction Monteiro retornaria ao mesmo universo na scntado pelas formigas mutantes. Mais ou Inenos como Wells colt-
seqüên cra Fuga pã,rfl, parte algurno, desta vez ambientado no século Íi'ontou a invencibilidade belica dos rnarcianos) em Aguerro dos noundos.,
CXKI. A obra foi elogiada pelo crítico Fausto Cunha: com os microorganismos terrestres responsáveis pela dcrrotlt clos
invasores. Uma lição contra a presunção e a arrogância do ser htttnatr«1.
de Fwga para Parte Algwntã. se pode afirmar sem favor que é um Ainda que publicado em I 96L, Fuga parn parte olgwrna col'tsc't'Vrl
dos marcos da ficção científica brasileira. Lançado em 19óI) narra urna certa energiapulp que nos faz avançar a leitura, bent colno ult-trl
a conquista da Terra por forrnigas mutantes. A idéia não era exâ-
intensidade impressionista em muitas passagens de clroqLrc cntl'c ()s
tamente nova (Wells escreveu run conto sobre a invasáo das formigs,
que se inicia na Á'rnazônia). Penence à nurnerosa família das mut'açóes
Irurnanos indolentes do século CXXII, com os insetos nrLlt;.lntcs.
provocadas por cataclismos) radioatividade e raios cósmicos. Nem Em rninha análise de 3 rneses no sécwlo Bl, o que intcrcssrl, [x »'('nr.,
por isso deixa de ser um texto forte e mesmo irnpressionante) ao ó rnenos o modo com que Campos realiza a viagem plu'rl () Íirtur'( )
nível da melhor ficçáo científica brasileira.T6
--
místico e não científico/tecnológic mas que ele dc frrto c()ns('sr,r(',

I
292 - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL Capítulo III - 293

e Luna vezlá, torna-se protagonista, e não observador de feitos alheios. tl.rs fbrramentas do gênero. É rl-" pena que não haja um suportc
O brasileiro se tornará um agente no fururo, não importa o quê, e a rrrcrctrdológico para esses experimentos de imaginação e técnica. As
solução de Monteiro representa uma espécie de "jeitinho brasileiro" lrrrl-rlicaçóes periódicas recém-surgidas, Qu,nrk, e Sci Fi l{ews Contos,
que dá conta da distância tecnológica do Brasil em relação aos países tivr:rrltn vida curta e duvidosa contribuição para a FC brasileira. Não
modelares da FC estrangeira, ao mesmo tempo em que não permite r rtrstrtnte, coisas estranhas e instigantes acontecem) e nos fazem

que essa consciência limite a capacidade da sociedade nacional de se s()nlrar com o que a ficção especulativa brasileira poderia fazer
tornar protagonista da sua própria experiência histórica; ou da ficção
- rrdaptando influências estrangeiras, descobrindo estratégias para
científica produzida em um país de pouca ciência e tecnologia, ainda rcprcsentação da realidade local se as condições fossem outras.
assim encantar pela sua engenhosidade e vigor narrativo, nutrida pelo
-
espírito de aventura e de maravilhamento) tão próprios dapwlp f,ction
que o inspirou) e que hoje nos chega como uma mistura encantadora
do visionário e do nostálgico.

Apenas no início da década de 1980 é que a ficção especulativa


sofre um renascimento no Brasil, destavez brotando da vontade dos
fis e leitores fiéis, que começaram a se reunir em clubes, publicando
fanzines, organizando encontros e) inevitavelmente, se metendo
também a escrever. Mas agora a influência estrangeira era absoluta,
e a Geração GRD permanecia como urna tentativâ uln tanto pálida de
se criar um movimento nacional de ficção especulativa duradouro.
Num certo sentido, talvez francamente romântico e idealista, a
eru pwlp brasileira está se dando agora mesmo, principalmente nas
páginas de fanzines como Megalon, Notícias... d"0 Firn do l{ad.a, e
Sornniurn, de algumas revistas como Dragã,0 BrasilrHorvorShzw, e Sd
A'ttentwras (que infelizmente ofereceram um espaço muito marginal
para ficção), e de antologias como Owtras Cop^, OutrosMwrudos (1998),
Phantnstica Brasiliann (2000) , e Intenopol (2000), ou na coleção
MINIbolso séries Futurama (ficção científica) e Bruxos & Bárbaros
(fantasia heróica), da editora Opera Graphica.Ts Mas em especial
nos fanzines, onde jovens autores iniciantes (e alguns veteranos)
encontram espaço para libertar a imaginação e testar seu domínio

I
F

Pa lavras fi na is

Reproduzir as direçóes e os efeitos de um a pulp era, qute se deu


ó0 ou 70 anos no passado e em outra cultura não é o bastante,
porém. É pr.ciso rroirr as "distâncias ideológicas" entre o Brasil e os
rnodelos anglo-arnericanos de literatura especulativa e criar estratégias
cliferenciadas de representação e exploração do contexto. Alguns dos
trabalhos investigados neste estudo sugerem que isso não é apenas
necessário, mas viável.
Neste livro, tentei levantar paralelos entre a literatura especulativa
brasileira e a internacional, após traçar linhas gerais sobre as raízes e
as intençóes desse campo. Tentei isolar momentos e obras que
lnostrassem a tensão existente entre a realidade nacional e o modelo
cstrangeiro que nos chega. Dessa tensão, tentei extrair algumas
cstratégias para a busca de uÍna harmonia entre esses pólos às vezes
conflitantes. Meu recorte foi a produção inte rnacional e nacional
cnffe meados do século XIX e início do século XX. Lembrando ainda
que o debate relativo a uma independência ou singularidade da
ficção especulativa brasileirq em relação aos modelos norte-arnericanos
c europeus, só veio a ser problematuzado primeiro pelo acadêmico
norte-arnericano David Lincoln Dunbar) em seu estudo tJniqwe Motifi
in Brazilinn Science Fiction (dissertação junto à University of Artzona)
1976), e entre escritores e leitores num momento bem poste rior;
perto da segunda metade da década de 1980, especialmente através
do "Manifesto Antropof;ígico da Ficção Científica Brasileira" (I9BB),
de Ivan Carlos Regina. Ainda assim e em ambos os casos, dc mrrncirrr
tímida e isolada das demais discussóes literárias no país.
Do meu ponto de vista) as obras mais interessantes p:rrir «l c:sftrckr
da influência e da composição de uma ficção especulativa rurci«»r:rl tlc
alguma importância seriam aquelas que mais registram n()ss«r cstrltut()
--"!r

296 - FrcÇÃo cIENrÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL


Palavras finais - 297

de subdesenvolvimento e a distância ideológica entre o contexto rlctcrrninada ideologia, hoje esquecida ou rejeitada) como vlmos cm
brasileiro e o norte-arnericano e europeu, num registro composto de rchção à eugenia e à higieruraçío social. Narrativas que nos informa.m
s«rbrc a distância ideológica entre o mundo desenvolvido e o subdc-
forma crítica e consciente.
scnvolvido e pavimentam o caminho para uln exercício mais auto-
Há mesmo urn elemento wtopico por incrível que possa parecer
-
para o nosso "complexo de inferioridade cultural" no reconheci-
c«rnsciente. Textos que podem formar a base de uma mitopéia para a
-
menro do estatuto de subdesenvolvimento do Brasil. Segundo
litcratura especulativa brasileira, habilitando-a a extrair, áa "eiperi-
ôncia brasileira" e das exploraçóes do "sonho brasileiro", a força viva
Antonio Candido: do mit e com ele, todo o seu potencial utópico.
Há maisdessa obscura história da ficção especulativa brasileira
[Q]uanto mais se imbui da realidade trágica do subdesenvolvi- e ser investigado, pois o gênero teve intensa continuidade a partir da
menro, mais o homem livre que pensa se imbui da inspiração
jr.rgo econômico e clécada de 1950, com o aparecimento de problemáticas novas e enri-
revolucionária
- isto é, o desejo de rejeitar o
político do imperialismo e de promover a modificaçãq d.as estru- quecedoras) do esboço de um argumento teórico) e uln surto editorial
ruras internas, que alimentarn a siruação do subdesenvolvimento.r cle grande importância na década de 1960. Um momento em parti-
cular de 1960 a 1969 tornou-se conhecido como a Primeira
Por Lrm lado, a lite;a+u{a que registra essa distância ideológica
- -
Onda da Ficção Científica Brasileira, tendo como base editorial a
pode iluminar a comfreensâddo,leitor quanto à conjuntura parti- atuaçáo das Ediçóes GRD (então no Rio de Janeiro) e da Edart (ern
cular em que vive e daqui nasce um elemento que a literatura São Paulo). Os autores que dela participaram são freqüentemente
especulativa
-
brasileira teria de singular em relação àquela oriunda clramados de Geração GRD. Durante esses dez anos também surgiu
do Primeiro Mundo. Por outro) o reconhecimento dessa conjuntura o Primeiro Fandom Brasileiro, com a Associação Brasileira de Ficção
fundamenta a rejeição de conceitos importados) como o Darwinismo Científica, criada em I9ó5 durante a I Convenção Brasileira de Ficção
Social, gue ainda sobrevive como discurso ideológico junto aos Científica (São Paulo). A Íicçáo científica produzida então está regis-
países desenvolvidos, mas um discurso que não tem providência trada no estudo de David Lincoln Dunbar,Uniqwe Motifi in Brazilian
quanto ao subdesenvolvimento. Para o Darwinismo Social, os Science Fiction, Do qual ele identifica o material da Primeira Onda
países subdesenvolvidos não são mais que os perdedores da história, com os ideais da \[ew Wave da FC anglo-americana e encontra
numa disputa determinista. Não há, razáo na convivência entre um r1o humor, na sensualidade e) principalmente, oâ brasilidadc
discurso darwinista social, e uma conjuntura de neocolonialisrno escrachada, elementos distintivos da FC brasileira em relação rlos
como vimos a respeito da FC brasileira do final do século XIX c
- modelos estrangeiros.
início do século XX salvo dentro de uma postura elitista interna Ecos da Geração GRD se estenderam pela década dc 1970,
ao país.
- período em que surgiu um bom número de autores emprcg;.rtrckr
Os melhores exemplos, dentro do período observado, talrrez alguns dispositivos da literatura especulativa contra o autoritrrrist'n«r
sejam Esf,nge, d. Coelho Neto (no campo do horror) , A Awtnzônia e a censura) sob a forma de utopias e distopias. Não ol-rstru-rtr:,
esse foi um período de descontinuidade, em relação às c«>nrlui.strrs rlrt
rnisteriosa, de Gastão Cruls ;"Zanzalá" rde Afonso Schmi dt;Af,lha do
Inca, de Menotti del Picchia e 3 rneses no sécwlo Bl, de Jerônymo Primeira Onda.
Monteiro. Obras que conseguem escapar da imediatista percepção A partir de l9B2 deu-se início à Segunda Ondrr )u ir "l(ct'rrr.s-
do gênero como veículo de intençóes didáticas em defesa de uma cença da FC Brasileiysf2 em torno do surgimento rl«r Ii.tttrl«»rt
-,
298 - FICÇÃ6 CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL
Notas
Moderno. Novos escritores apareceram) novos estilos e tendências
foram apresentados. Os autores da Segunda Onda ainda estão em
atividade, entrando agora no século XXI.
A maior parte dessas reahzações, é claro) encontra-se obscurecida
pela falta de atenção crítica sistemática, algo típico de como ficção
científica, fantasia e horror são encarados no Brasil. Com um Pouco Prefácio
de sorte) este estudo será apenas um primeiro segmento de um
esforço maior de remediar esse estado de coisas) a ser tentado em
futuro próximo. ' LUCIANO. Didlngo d.os rnnrtos: versão bilíngue grego/português. TladuÇão,
introduçáo e notas de Henrique G. Murachco. São Paulo: Palas Ahena:
EDUSB L996, p. L4.
2 CANDIDO, Antoni o. Forrnação d,a literatara brasileira (Mornetctos d"ecisivos).
2. ed. v. I. São Paulo: Martins, l9ó4.2Y.

(
Introdução Mito, Realidade e Ficção Especulativa

I FRYE . A anatornia dn *ítica., p. 39.


2
FREUD. Lo siniestro, p. 2.497.
3
COUPE. IWJrh, p. 24.
4 COUPE. À[yth, p. 126.
s COUPE. tuÍyth, p. B-9.
ó COUPE. À[yth, p. L97.
?
RUTHVEN. O rnito, p. 104.
8
McCRACIGN . Pulp: Reading Popular Fiction, p. L37.
e"Termo técnico para a poética, o drama e outros gêneros e tradiçõcs «lriris clc
povos pré ou nãoliterários, seja antes da invenção da escrita oLl cnr pirrtcs cl«r
inundô que mantiverarn tradições não literárias intactas, tais como a Afi-icrr c rr
América do Sul". (Tht O*f*dCornpanionto the English Lnnguage. Ttrm McArtlrtrr
(Ed.). p. 73L.
t0 FAIltr,N MILLER. Locws - The Nnvspaper ofthe Science Fictiort Licld., rr. 37().,
Oakland: Lclcus Publications, ago. L992, p. 15.
rr Mewiaru-Webster)s Ettcyclopeclia of Literatu,re, p. 1.139.
300 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Notas - 301

12
A premissa desse conto de Dick aparentelnente segue as especulaçóes 34
PARRINDER. Science Fiction: Its Criticism and Teaching, p. xv-xvi.
filosóficas de Henri Bergson (1859-1941) ou as reflexóes de Aldous 3s
Huxley (I894-L963) sobre o uso de drogas como meio de expansão da CLUTE; PETER NICHOLLS. The Encyclopeüa of Science Fict'inn, p. 1. tóI.
consciência, como proposto no seu Ls pzrta.s dn percepçã.o (1954), por 3ó
McCRACKEN. Pwlp: Reading Popular Fiction, p.12.
exernplo. 37
McCRACKEN. Pulp: Reading Popular Fiction, p.L2.
t3 ANDREW WEINEI{. Short Forrn, n. 8, fev. 1990, p. L7-LB. Interes- 38
"On the virrual chicken circuit". Entrevista em Locws - The Newspaper of the
sante notar gue, na expansão desse conto em forma de romance (Lost
Boys. New York: Tor Books, 1992), Card aceitou quase ao pé da letra as
Science Fiction Field,, n. 364,maio L991, p. 5.
3e
GIBSON; STERLING. Engine,p.301.
::Pff::'..; x;ft? ü"H13* :: HTffi' i :,f#'H
engenheiro de softw fl,res.
iu'ff J: 10
GIBSON; STERLING.
The Difference

The Difference Engine,p.3A2.


4t LEWIS. Swrpreenüdn peln alegria, p.2L3.
14
LE GUIN . Myth and. Archetype in Science Fiction, p.3-5.
42
ts CRICHTON . Linha d,o ternpl, p.559-5ó0.
LE GUIN . IuÍyth and. Archetype iru Science Fictiott., p. L5.
Ió CAÀ{PBELL . O herói de ru.ilfaces, p. 367-368.
17
CLUTE; PETER (Ed.).The Encycloped.inof Science Fiction,p.I.I45.
t8 CARNEIRO. Introdwçã.0 a.o estwdn da "science f.ction", p. 32.
Capítulo I Protoficção Especulativa
ffi te TOM McCARTHUR. The Oxford. Cornparcion to the Englisb Langunqe,
Ç) p. 398. t CLUTE; NICHOLLS. The Encycloped,ia of
._J Science Fiction, p.980.
20
FRYE . A anatornia d.a crítica, p. 54. 2
B"e* CLUTE; NICHOLLS. p.980.
The Encyclopeüa of Science Fict,ion,
2r
LL Com os modos irônico e mítico naruralmente implicados. 3 Conforme citado por ASHLEY, em The Illustrated Book of Science Fiction
22
GLINN. Science Fiction and rheMainstrearn, p. 190. Lists,p. ló.
23
FRYE . A anatornia da crítica, p. 54. 4 CLUTE; NICHOLLS. The Encyclaped.ia of Science Fiction, p.980.
21
A onatoruia d.a crítica, p. 48.
FRYE, . s CLUTE; NICHOLL S. The Encyclopeüa of Science Fiction, p. 965 .
2s COUPE. Myth,
p. fó5. ó
HOLDSTOCK. Encycl.opedia of Science Fiction, p. L3.

COUPE,. Myth, p. I0ó-LL2. CLUTE; NICHOLLS.
'z The Encycloped.ia of Science Fiction., p.l.I0Z.
27
COUPE. Myrh, p. I0B. 8
Moskowia. The Origins of Science Fiction Fandom: A ReconsrrLrcri«»r.
Sam
28
LEWIS. An Experirnent in. Criticisrn, p. I39-14I. In: SANDERS. Science Fiction Fandorn, p. 19.
2e e
Orson Scott Card, conforme citado por Michael R. Collings) ern In. tlte A palawa "precursor"_sugere
4go que estabelece antecipadamentc um curso
Irnage of God,: Theme, Characterization, and Landscape in the Fiction of que mais tarde será trilhado. Só é possível empregar o rermo accirirndo-sc
Orson Scott Card, p. 46. uma "tradiçá.o" ou de uma "linhãgem" de narrarivrrs qr,rc
30
Orson Scott Card, conforme citado, p. 46.
LãTl"T,:rnde
r0 Sam
3r Orson Scott Card, conforme citado, p. 45. Moskowia,. The Origins ofscience Fiction Fandom: A Rcc«»'rsrrucri«»r.
In: SANDERS. Science Fiction Fandnrn, p. 22.
32
McCRACKEN. Pulp: Reading Popular Fiction, p. 16-17. n Sam Moskowiz. The Origins of Science
Fiction Fandom: A l(cc«»r.srrucri« »r.
33
CARD. Introduction: Science Fiction in the l980s, p. 3. In: SANDERS. Science FictionFandnrn, p. 23-24.
302 - FrcÇÃo cIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL
Notas - 303

12 definição bem liberal, cada um dos seguintes poderia clamar a honra por urnrr
Em A Pictorial History of Science Fiction,David Kyle fala ainda deMwndws
razío ou outra."
swbteryaneLts) de Athanasius Kircher, publicado em L665, p. l8-f 9.
Em seguida ao Epico d,e Gitgamesl,t aparecem, ordenados segunclo ir rJata
13
KYLE. A Pictorinl History of Science Fiction, p. 16. de surgimento: A od.isséia, de Homero (oitavo século a.C.); The Bird, por
t4 BARRON. Anatomy of Wond.er, p. 54. Aristófanes (4L4 a.C.); Tirnaios e kritias, drálogos de Platão (c350 a.C.)
que falam pela primeiravez da Atlântida; Heliopolis, de Iambolous (c260
ts KYLE.APictorialHistoryof ScienceFictio%,P. f5-1ó. =\ a.C.); A argondutica, Apolônio de Rodes (c250 a.C.); Sornniwrn Scipianws,
ró KYLE. A Pictorial History of Science Fiction, p. 46. \ de Marcus Cicero (45 a.C.); Facies in Orbe Lunare., de Plutarco (cf00
t7 ROBERTS. History of the World., p. 436'437.
AD); Of Marvels Beyond. Thule, de Antonius Diogenes (cI00 AD); c
\\ Alethes Historia, de Luciano de Samósata (cL70 AD).
rsThomas D. Clareson. The Emergence of Science Fiction: The Beginning
'nGilgnrneslt and.Enkid,u, p. l.
Through I9I5. In: BARRON. Anatomy of Wond.er 4, p. 5.
'uGilgnrnesh and. Enkidu, p. 1.
reThomas D. Clareson. The Emergence of Science Fiction: The Beginning
Through 1915. In: BARRON. Anatorny of Wond.er 4, p. 5. 'u Gilgnrneslt and. Enkid.u, p. I
" Gilgnrnesh nnd, Enkidu, p. 7.
20
f}\VARE,S. As origens da ficção científica no Brasil, p.2.
38
2t AI KON. Origins of Fwtwristic Fiction, p. 3-4. ROBERIS. History of the World., p. 4L-42.
3e
22 AI KON.Orryins ROBERTS. History of the World., p. 42.
of Futwristic Fiction, p. 5.
40
23 Ar I(ON. OrUins of Futuristic Fiction, p. ó. ROBERTS. History of the World., p. 42.
4t COUPE. .luÍJth., p. LA7-I09.
2a
Evenrualmente, esse mesmo jogo driblou o problema do espaço conhecido,
42
jogando a viagem fantástica ou imaginária para os mundos de um universo ROBERTS. History of the World, p. 42.
infinito. 43
COUPE. A,Íyth, p. 110.
2s
ALKON. Origins of Fwtwristic Fiction, p. 19. 44
COUPE. IuIyth, p. f 12.

MOURALIS . As contra-literatwras, p. 74. 4s
CLUTE; NICHOLLS. The Encycloped.ia of Science Fiction, p. 406.
27
MOURALIS . As contro-literatwras., p. 75. 4ó
GLTNN. Introduction . The Road to Science Fiction Volurne 3: From Flere to
28
MOURALIS . As contrn-literatwras, p. 80. Eterniry p. xiv-xv.
2e
MOURALIS . As contrn-literaturas, p. lL2'113.
47
DICI(SON. Introduction: See a Thousand Years. Ín Tlte Dwswi Cornpanion;
p. xiv.
30
McCRACKEN . Pwlp: Reading Popular Fiction, p. f 02. 48
BUTLER. Parnble ofthe Sower, p. LL7.
3r Com freqüência, pesquisadores informais, sem vinculação acadêmica. 4e
BLITLER. Parnble ofthe Sower,p. 139.
32
CLUTE; NICHOLLS. The Encycloped.ia of Science Fiction, p. 405-406. so
McKENNA . The Sand. Pebbles., p. 42.
33 ASHLEY. The lllwstrated, Book of Science Fiction Lists, p.35. A mençáo sI
aparece dentro da lista "I0 obras que poderiam, cada urna) ser a primeira obra
McKENNA . The Snnd, Pebbles,p. 93.
s2
de FC", o que incorpora a indecisão dos observadores quanto â essa prerroga- McKENNA . The Sand. Pebbles.,p. 93.
tiva. Ashley admite, flâ introdução a essa lista: "I-Jma vez que a primeira de s3
McI(ENNA. The Sand, Pebbles, p. 3ó5-366.
nossas listas ['10 definiçóes de ficção científica'] mostrou que ninguéln tem
urna definição clara de ficção científicq nesse sentido ninguém pode realmente
un
k ight. Introduction. In: McKENNA: Casey Agoniste ntttl. Otbcr Srinrt-t'
dizer qual foi a primeira obra de ficção científica. Contudo) usando uma Fiction and Fnntary Stories, p. 9-10.
304 - FrcÇÃo cIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL Notas - 305

s5
LJma das linhas narrativas do romance) por exernplo) acornpanha a trajetória I
72
CARPENTIER. A literatura do noara»ilhoso, p. L42.
de um grupo de missionários cristãos. i
7 3
Mevyinrn -Webster \ En cy clop e dia of Liter ntu.re, p. I 2 8 .

McCRACKEN. Pwtp: Reading Popular Fiction, p. f 83. l
7a
últirno aspecto é a tese de Artwr e Alexand,re: crônica de dois rcis, de
Esse
57
McI(ENNA . The Sand. Pebbles, p. 366. Antonio L. Furtado (São Paulo: Atica, 1995).
7s
s8
IACI(SON. Fantary: The Literature of Subversion, p.20. KAPLAN. Introduction. In: A Connecticwt Tankee at IGng Arthwr's Court.
As variaçóes de tírulo se devem às ediçóes arnericana e inglesa.
se p. I.083.
CLUTE; NICHOLLS . The Encycloped.ia of Science Fictioru,

ó0
ROBERTS. History of the World, p. 237.
I(NIGHT In Search of Wond.er, p. 277-228.
ór
77
ASIMOV The furg of Evil. In: A Reader's Cornpaniorc ro The Hobbit nnd
BIU\ND. Maior qae o Sol, p. I4B. The Lord of the Rings, p.27-28.
oz 3R\ND. Maior que o Sol, p. L49. 78
ASIMOV The Ring of Evil, p.29.
ó3
CLUTE; NICHOLLS. The Encyclopeüa of Science Fiction, p. f 18. 7e
LE GUIN. The Staring Ey.. In: A Rcad.er's Cornpanion toThe Hobbit nnd,
e Outro romance de ficção científicahard no formato de viagem fantástica é The Lord of the Rings, p. 1I8.
80
LEWIS. The Gods Return to Earth, p. 42-43.
Wxm:i?íÀl#::i:ilXHT;;ffi :"#",kdwrnbobje*dominan'le 8t ASfMOV The Ring of Evil, p.29.
ós BIU\I{D. Maior qwe o Sol, p. f 5a. *' BAI DICI(.
6 CHAUI. IQnt L724-1804: vida e obra. In: Crítica The Oxford. Book of Gothic Thles, p. xk
da razãn para, p. 18.
8' BAI DICI(. The Oxford. Book of Gothic Thles, p. xix-nr.
ó7
VOLIZ. O m.und.o d.os regenernd.os, p. 78. 84
MORROW; McGRAIH. The Nn» Gorhic,p. xii.
ós ofwond.er e o avanço conceitual
Seria interessante tentar compreender sen:s?
8s
como um efeito desautomatizador, no sentido de atacar o que o escritor pós- McCRACI(EN. Pwlp: Reading Popular Fiction, p. L42.
colonial Wilson Harris, da Guiana Inglesa, chama de blockfwnctions) oLt fun- 8ó
K[NG. Dnnse Macnbre, p. 35.

::H i[m#:: * r"'ff::ffi ::?]t#i:;.*;;,x *'nx'1:


teórico para o seu trabalho, que se encontra muito próximo dos ideais da
87

88
TODOROV Introdwção à literatwrafantristicn, p. 39.
AZEVEDO. Noite na ta»ernnfMncrírio, p. 43.
"T:*
ffJÍ:.':":;',ff ffi ,ffiiiffál[:*ffi
própria
:?,Í;:;];;y;;"Hx;xtüÍ
O caminho que ele
8e

e0
LOVECRAFT O horuor sobrenataral na literatwra, p.
TODOROV Introd.wçãn à literaturafantrística., p. 40.
efeito pretendido por sua ficção subversíva: a,we.
emprega para chegar a esse feito passa pela condenação do positivismo e da et LOVECRAFT O borror sobrenatwrol run literatu.rã,., p. 5.
literatura realista convencional, adotando técnicas pós-modernas e metafic- e2
cionais. Como a ficção científica é fruto de ideais positivistas e) em geral,
TOI)OROV In*od.wçãn à literaturafantrística, p. 48.
e3
emprega urn formato realista convencional de discurso, é interessante questionar LOVECRAFT O horyor sobrenatwral na literatu.ra, p.23.
apârentemente antagônicas' podem se integrar e4
LOVECRAFT O horuor sobrenatural nn literntotrfl., p. 85.
:f ffi!-*xx|;ru1:::t' e5
óe BRITO BROCA. Na São Paulo de Alvares de Azevedo. In: lltnndrttitos,
GREEMBLAfI. Possessões ru.nravilhosas: o deslumbramento do Novo pré-rorná.ruticos, wltrarorná,nticos: vida literária e romantismo brasilciro, I ()7().
Mundo, p. 3I.
e6 AZEVEDO. Noite na. tm)erna/Arlncdrio, p. 23L.
70
COLIN WILSON. A Crirninal History of Mankind., p. 3I4.
e7
7t
AZEVEDO. Noite nã, tm)ernn/Macririo, p. 232.
GREENBIAfT hssessões rnarapilhlsa.s: o deslumbramento do Novo Mundo,
e8
p-66. BLOOM. Cwlt Fiction: Popular Reading and Pulp fhc«rry,., 1't. 201.

I
ti
306 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL
Notas - 307
ee
BLOOM. Cult Fiction: Popular Reading and Pulp Theory p. 201.
'{ I(YLE . A Pictoryet History of Science Fiction, p. 26. Otítulo cita,Co t:rrnbérn
r00
CLUTE; GRANT. The Encycloped.ia of Fnntnsy, p. 597. rparece como Snlvage ofthe Cynthia, effi inglês.
tOr
BLOOM. Cult Fiction: Popular Reading and Pulp Theory p. 200. 'I(YLE . A Pictoryel History of Science Fiction, p. 3L.
r02 I0 KYLE. A Pictgryal History of
WOLFE. Locus - The Newspaper ofthe Science Fiction Field,,n. 439,p. 55. Sciencs Fiction, p.31. E curioso qlre Verne
r03 tenha desenvolvido uma rivalidade com H. G.-Wells e não corn Senarcns,
WOLFE. Locus - The Naaspaper ofthe Science Fiction Field.,n. 429,p. 55.
to4
lxovavelment: por-que o inglês se distanciava da ficção científica escrita por
NETO. Esphinge, p. 205. cle, ao contrário de Senarens, que como irnitadoi teria de partilhar ãos
ros
NETO. Esphinge,p. 205. rnesmos ideais.
tt KYLE. A Pictoryal History of Science Fiction,
Ioó
NETO. Esphinge,p. 208. p. ZL.
t2 KYLE. A Pictoryal History of Science Fiction, p.
ro7
NETO. Esphinge, p. 226. 3I.
to8
tt É porém uma idéia intrigante pensar num Santos Dumont |únior em
NETO. Esphinge., p. 62.
aventuras de romance científico na Europa e no Brasil, seguindo o padrão
r,eNETO.ltp4iryg!, p.-25A. Os principais noi"res do simbolismo francês, sugerido por Tom Edison., Jr. (um filho de Thomas Atvã Edison)^e |ack
Flaubert e Baudelaire, são mencionadosha págu:a 49. Wright (um parenre dos irmãos Wright|).
1r0
SHELLEY. Frankenstein; or The Mod.ern Prornetbetts) p. I 12. t4 CA]§DIDO. Literatura e subdesenvolvimento. In: A Arnérica Latinn, evn
rrr A autora fcre
a sua própria lógica, neste aspecro em particular: as duas swaliterntara. MoRENo, César Fernández (Ed.). p. 349.
criaturas .tyn cgmpo.stás dê ly.tes ae cadáv.r.si supondo q,r. o processo que rs CAN{DIDO. Literarura e subdesenvolvimento, p. 350.
t c as ativaria de volta á vida p.tàitisse_ que informaçãb genérica em espermaro-
1
{
I
i zóides e óvulos fosse co.nseryada, ela seria a dos indivíáuos que .o.rtribuíram 'u 9. bem que algumas obras de Verne primam mais pelo didatismo que pela
1

com.os genitais, redundando em crianças normais, e não rrrs hortes de mons- ação o.u aventura) como é o caso de Robury 0 cnnquistador, para citar^um
tros imaginadas por Victor Frankenstein. exemplo.
t'z
rr2 NETO. Esphinge, p. 206. CARVALHO. Benigna ciência. In: o Dowtor Benignu,s.)p. 9-I0.
18
CARVALHO. Benigna ciência. In: o Dowtor Benignu\ p. I0.
te 7,AI ULR. O Doutor Benignas, p.S8-S9.
20
CARNEIRO. Comentários ao romance O Doutor Benignas.In: O Doutor
Capítulo II - Romance Científico Ben'ignus, p. L3.
2t 7,AI L)^R. O Dowtor Ben,ignus,
p. 293.
I TAVARES. r{istórias 22 7,AI .UAR. O Dowtor Benign?ts)
que o rd.üo não contott., pt. 36-37. p.295.
2
SANTOS DUMONT o que ea vi, 0 qae nrís peremos)p. I39. 23
cANiDIDo. Literarura e subdesenvolvimento, p. 344.
3
SANTOS DUMONT o que eu vi, 0 qae nds verevnus)p. I Z2-L34. 24 7,AT .UAR. O Dowtor Benignus) p. 346.
4
WINTERS. O l{oruern voa! A vida de Santos Dumont) o conquistador do 'u Éconhecido-o papel de Flammarion como difusor do cspiritisnr«r c«xliÍ'i-
ar, p. 75. cldo P_or Alan I(ardec) e Inesmo suas obras de ficção) corrro () rol)):lncc cicrr-
s
ALBINO COUTINHO. A tífico Urâ.nia (1889)t PoI exemplo, tinham um êaráter par:rcl«rtrrrinrír'io. A
l,iga dns planetas, p. 44.
ó
CARVALHO. Benigna ciência. In: o Doator Benignus,p. s. :lriT.. edição brasileirã de Urá,nia é de 1979 e publi.*l. pcl:r licrlcr-.rçi« r
Espírita Brasileira (São Paulo).
CARVALHO. Benigna ciência. In: o Doutor Benignws, p. g. 2ó
CLUTE; NICHOLLS.
'z The Encyclopedia of Science Fictio?t, p. |.(176.
308 - FIcÇÃo cIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL
Notas - 309

48
27
WELLS. O alirnento dns deuses, p. 5-6.
CAI(EY. Os 'intelectuwis e as /na,ssa;: orgulho e preconceito entre a intelligentsia
literária: I880-L939, p. L26.
ae
Citada como "onda T' por Lobato na página 38 de O presid.ente negro oa O
28
choqwe d.as raças (São Paulo: Clube do Livro, L945), e como "raiõs- Z" na
CAI(EY. Os intelectwnis e a3 rnassã,s: orgulho e preconceito entre a intelligentsia
página 83 de Wngeru. à aurorn dn rnwndo (Sío Paulo: Globo, Ió. ed. , L996).
literária: 1880- 1939, p. f20.
s0
2e
LOBATO. O presid,ente negrr ow O choque d,as raças, p. 51.
CAREY. Os i.ntelcctuwis e frs rna,ssas: orgulho e preconceito entre a intelligentsia
sr O.presidnnte
literária: I880-1939, p. f20. negrlrWngern à awrorarnundn e'A janela do segundo arldar"
d.o
curiosamente se nutrem de alguma coisa da estrutura folhetinesca) corrr o
30
CLUTE; NICHOLLS. The Encyclopeüa of Science Fiction, p. l.l28. asPecto romântico respondendo por grande parre do interesse. Todos se
3t CLUTE; NICHOLLS. The Encyclopeüa of Science Fiction,p.l.I28. Passam em uma residência distinta e apresentam run narrador qlle ao rneslno
32
CLUTE; NICHOLLS. The Encyclopeüa of Science Fiction, p. I.l2B. tempo participa, enquanto permanece distante) o que era freqüênte na litera-
tura do século XIX e do tipo
33
CLUTE; NICHOLLS. The Encyclopedia of Science Fiction, p. l. f 28. - seguidores.de exposição nariativa valortzadaespecial-
mente por Wells e seus
3a
Léo Godoy Otero também identifica a influência de Sir Arthur Conan 52
CANDIDO . Liternturn e socied.ad.e, p. 119.
Doyle e Edward Bellamy no romance de Lobato. V.ja o capítulo Os
brasileiros, no livro de OTERO. Introd,uçã,0 a, urna, histríria dafi,cçao cien- \ s3
CANDIDO. Literatwra e socied.od.e, p. 120.
p. 18ó- 187 .
rífi,ca, s4
CANDIDO. Literatwra e socied.ad.e, p. 121.
3s
LOBAIO. O presid.ente negrl 0a O choqwe d,as ra,çã.s) p. 88. ss
T)ryARES. As origens da ficção científica no Brasil, p.2.
oscience
fi,ction", p. I09.

CARNEIRO. Introdwçã,0 an estudn d.a
':A lign d.os plnnetas contém) entre outros aspectos interessantes, a sugestão
37 CARNEIRO. Introd.wçã,0 a,o estwdn d.a
oscience
f,ction", p.tII. Há pelo de que dois outros planetas seriam descoberlos, além de Netuno. Plúão, c>
menos dois outros exemplos) um anterior e outro posterior ao romance de gutrg planeta conhecido além de Netuno, só foi descoberto por Clyde
Lobato, gue irei abordar a seguir. Tornbaugh em março de f 930.
38 si COUTINHO.A
Em "Ficção científica no Brasil: um planeta quase desabitaclo". In: Wn dns planeta,s, p. 27.
ALLEN. No rnwnd.o d.af.cçan científ.ca, p. L0. s8
COUTINHO.A lAn dns planetã,s, p. 28.
3e
OTERO. Introd.wçãn a urna, hisuíria d,nficça,o cienttfice, p. L87. 5e
orERo. Introd,açãn fl, urna, histdria daficçao cienfficfr, p.rB8.
40
PATAI. Race and Politics in nvo Brazilian Utopias, p. 70. ó0
COUTINHO.A lign dns planetAs., p. 62.
ar {Jma expressão do Darwinismo Social de Lobato. ót COUTINHO.A
Wn d,os planetAs, p. 62-63.
42
LOBATO. O presid,ente negro ow O choqwe d.as raças, p. 8I-82. ó2
McCARTHUR. The Oxford, Cornpnnion to the Engtish Literotare., p.887.
43
DOYLE. O ruundo perd,idn., p. 249. ó3
McCARIHUR. The Oxford. Cornparuion to the Engtish Literatare, p.887.
44
DOYLE. A nupern d,a rnorte, p. 43. ó4
BITTENCOURT, Saa Excia. a Presidente d.a República n0 ã,n0 2500,p. 13.
45
NEEDELL. Belle Époqrt tropicnl: sociedade e cultura de elite no Rio de ós
BITTENCOURT Swa Excia. a Presid,ente d.n Repúbticlü n0 nno 2500,p. f 4.
]aneiro da virada do século, p.72. óó

BITTENCOURT, Saa Excia. a Presid.ente d,a Repúblicã. n0 a,no 2500., p. 17.
PATAI. Race and Politics in rwo Brazilian Utopias, p. 75. É .ot ttaditório gue, num momento o Brasil seja'afirmado corno o mãio, .
47 mais importante produtor de bens e de cultura do mundo, enquanto que em
PATAI. Race and Politics in rwo Brazilian LJtopias, p. 72. Daphne Patai
comete um engano) ao afirmar que tanto London quanto Lobato teriam outro Paris é ainda o centro de emissão de cultura e de modismos.
usado guerra. biologica contra as raças inimigas: o recurso de Lobato não é ó7
BITTENCOURT, Saa Excia. a Presid.erute d.a Repúbtica n0 a.no 2500, p. 2L .
estritamente biológico.
310 - FrcÇÃo crENTÍrrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL ( Notas - 311

ó8
BITTENCOURT, Swa Excio. a Presid.ente d.o República n0 a,no 2500, p. 4I. "t QUINLAN. Past Voices and Future Predictions, p.73.
óe
IIITTENCOURT Sua Excia. n Presid.erute da República, n0 a,no 2500, p. 42.
/ "2 CIARF.Y. Os intel"ectwwis e a3 vnã.ssal: orgulho e preconceito entre a intelligcnrsirr
70 lircrária: 1880- L939,p. I 18.
BRADY. The Politics of Race and. Reproduction; São Paulo, Brazil, 1920-
L945, p.ó0. '3 IIITTENCOURI SwaÜxcia. nPresifunte daRepúbliconr ano 2500,p. B5-ttó.
7r O texto original também aparece em itálico, porque a aurora estii cit:rnclo o
BRADY. The Politics of Race and, Reprodwction: São Paulo, Brazil, 1920-
tcxto da "Escola de Mães".
L945, p.óI.
72
COUTINHO.A lign dns planetos, p. 34.
e4
BIIIENCOURT Saa Excin. a Presidente d,a República n0 a,no 2500,p. ó0-61 .

CARVALHO. Mold.e nacional e firrna cívica: higiene, rnoral e trabalho no 's BRADY. The Politics of Rnce nnd, Reprod.wction; São Paulo, Brazil, 1920-
'z3 1945, p. 69-70.
projeto da Associação Brasileira de Educação (L924-f931), p. 3L4.

BRADY. The Politics of Race and. Reprod.wction; São Paulo, Brazil, 1920-
CARVALHO. Mold.e nacional e ftrrnn chica; higiene) moral e trabalho no
'z4 L915, p. 73.
projeto da Associação Brasileira de Educação (L924-f93I), p. I38.
e'z
CARVALHO. Mold.e nacional e firrna cívica: higiene, moral e trabalho no
'zs
CARVALHO. Molde nacional e finna cwica: higiene) moral e trabalho no
projeto da Associação Brasileira de Educação (L924-f931), p. 339-340.
projeto da Associação Brasileira de Educação ( L924-1931), p. 2L4.
e8
BITTENCOURT, Swa Excia. a Presid.ente d.a República n0 ã,n0 2500, p. 61 .
CARVALHO. Mold.e nocionnl e firrnn cívicn: higiene) moral e trabalho no
'zó
ç'Í'
projeto da Associação Brasileira de Educação (L924-I931), p. f 35. BITTENCOURT, Saa Excia. a Presid.ente da Repúblicã. n0 a.no 2500, p. 57 .
too
'z?
CARVALHO. Molde nacional e ftrvna cívica; higiene) moral e trabalho no QUINLAN. Past Voices and Future Predictions, p.34.
projeto da Associação Brasileira de Educação (L924-193I), p. I4f . tot
QUINLAN. Past Voices and Furure Predictions, p. 35.
78
COUTINHO.A lU, d"os ploneta,s, p. Bó. r02
NEEDELL. Belle Époq*e tropical: sociedade e culrura de elite no Rio c-lc
7e
THEOPHILO. O Reino d.e lOato (No pnís d.averdad.e), p.23. )aneiro da virada do século, p. f 59.
r03
80
THEOPHILO. O Reino d.e lânto (No peís d.a uerd.ad,e), p. I 12. NEEDELL. Belle Époq*e tropical: sociedade e cultura de elite no Rio dc
8t THEOPHILO. O Reino de l{iato (No pnís d.a verd.ade) ,
)aneiro da virada do século, p. Ió0.
p. 80.
t04
MENEZES. Dicionrírio literário brasileiro, p. 2L7.
82
BITTENCOURT Saa Excia. a Presidcnte d.a Repúbliccl n0 a.no 2500, p. L57 .
tos
ffi BIT'|ENCOURT Sua Excia. a Presid"ente dn República n0 nnl 2500,p. f 58. Q(JfNLANI. Past Voices and Furure Predictions, p. 35.
tn
r0ó
DLTNBAR. Uniqwe Moü in Brazilian Science Fiction, p. L27.
QU[I.{LAN. Past Voices and Furure Predictions, p. 37.
r07
85 E aParentemente ignorado pelas escritoras. A maioria das histórias presellrcs
Adolf Hitler, claro, foi a opção européia do movimento eugenista.
8ó !a antologia amadora Lwgnr d.e mulher é na cozinha (ARGEL, Martha. (Ed.) .
BRADY. The Politics of Rnce and Reprodwction; São Paulo, Brazil, L920- São Paulo: Writers, 2000)) com dozecolaboradoras, não se aplica em aracar ()
L945, p. 80. clichê machista que seu tírulo denuncia.
87 108
BRADY. Ths Pol,itics of Race and Reprod,wction; São Paulo, Brazil, L920- DAVIS. The Other Revolution, p. 42.
L945, p. 85. r@ Não disponho de informação se este M. de Bethancourr era francês ou
88
BRADY. The Politics of Race and. Reprod.uction: São Paulo, Brazil, L920- brasileiro. O "l{.'lpode ser a abrevia ção de Monsieur.Nada impede, por ourro
L945, p. Bl. lado, que a inicial esconda o sexo do autor ou aurora.
t'QUINLAN. Past Voices md Furure Predictions, p. 34. rr0 M. DE BETHANCOURI Revista Brasileira.,p.233.
* QUINLAN. Past Voices and Future Predictions, p. 65. Irr M. DE BETHANCOURI Rnista Brasileira.,p.233.
3L2 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL Notas - 313
\
\
rr2 M. DE BETHANCOURT Rwista Brasileirn.,p.234 \ r34
BITTENCOURT SwaÜxcia. aPresidente daRepú.bliranr ã.n0 2500,p.76-77 .

rr3 M. DE BETHANCOURT, Rwista Brasileira, p.234-235. r3s


BITTENCOURT SuaÜxcia. aPresidente daREúbl,icanr ã,n0 2500,p. 6l-62.
rr4 M. DE BETHANCOURT Rnista Brasileira, p. 235. 13ó
Conforme citado por Patrick Parrinder em Science Fiction: Its Criticism anc-l

rr5 Teaching, p.L2.


M. DE BETHANCOURT, Rwista Brasileira, p. 238.
r37 pARRINDER. Science Fiction: Its Criticism and Teaching, p. 10.
rró
MENEZES. Dicionrírio literário brasileiro, p. L.463. Depois de arrolar
várias obras pioneiras, Menezes afirma: *(...) mas o primeiro escritor a se 138
CRULS. / Arnazônia rnisteriosarp. I 19.
dedicar ao gênero permanentemente foi ]erônymo Monteiro". l3e CRULS. A Arnazônia rnisteriosa, p. L23.
rr7O próprio |erônymo Monteiro acreditava, segundo entrevista publicada r40
Em entrevista reproduzida em Papública d.as letras.,de Homero Senna (fuo
no fanzine O Cobra, n. 2 (o primeiro fanzine brasileiro), de l9ó5, que o seu de ]aneiro: Civilização Brasileira, L996,3'. edição), Gastão Cruls explica a
livro de contos,Thngentes d.arealid.ade (que só viria a ser publicado em L967), origem da idéia para escrever o romance: "Miguel Osório, Afrânio Peixoto e
era o que melhor o refletia (O Futuro da FC no Brasil: Entrevista Concedida
por /erônymo Monteiro, p. 2). i;;lTl:J,traÍX:il:il§ff ".l§liil;§;làffi tr-:*";;;70#;,itr:;;:,il:
tt8 NEVES. A costela d,e Adãn, p. 38. nunca passou de simples palestra. Um dia, porém, já bem mais tarde, veio-me a
rre idéia de ligar a esse romance a lenda das amazonas e) desde então, com a
A influência do discurso higienista está presente também em fábulas goza-
aquiescência de meus ex-futuros colaboradores, decidi-me escrevê-lo sozinho. a
doras como "O baile dos micróbios", "Vida de cachorro" e "Memórias de um
Esrudada a bibliografia que me permitisse criar o ambiente em que ia desen-
micróbio" (estes dois últimos em Séculr XXI).
volver a história, pus mãos à obra e em L925 era o livro editado." (p. 239)
t2o
NEVES. A costeln d.e Adãl, p. 5ó. I4r CRULS. A Arnazônia rnisterioso, p. f 59.
r2r NEVES.,4 costela d,e Ad,a.o, p. I81. ra2
|ohn Clute observa, effi Science Fiction: The Illustrated Encyclopedia, que
t22
NEVES. XXI, p. 54.
Sécwlo Heart of Darkness (1902)) a novela clássica de )oseph Conrad, "inspirou,
t23
COUTINHO.A Wn dns planeta,s, p. 74. talvez, mais histórias de FC do que qualquer outra obra (. . .) Sua horripilrrnte
odisséia até o desconhecido e sua visão da Alteridade da vida alienígena,
t24
COUTINHO.A Wn d,os planeta,s, p. l3a. capturou a imaginação dos escritores de FC desde então" (p. 42).
t2s COUTINHO.A lU, d"os planetAs,
p. 148. r43 SANIZ. FC sirnptísio/SF Symposiwm, p. ló0.
12ó
NEVES.,4 costela d.e Ad.ão, p. Ió3. t44
SANtrZ. FC sirnptísio/SF Symposium, p. 1ó0.
tzz çOgTINHO.A l@n d.os planetas, p. L26. t4s
CARF,Y. Os 'intelectwnis e a3 vnãlsa,s: orgulho e preconceito entre a intclligcntsirr
t28
COUTINHO. A liga dns planeta.s) p. L26. literária: 1880-L939, p. 130.
t2e t4ó
COUTINHO.A Wn d.os planetAs, p. L27. CARF,Y Os intelectwnis e a,s mã,ssfr,s: orgulho e preconceito enffe a intclligcntsirr
t3o literária: 1880-L939, p. 130.
NEVES. Século XXI, p. 39.
r+t 147gyLS. The War ofthe World,s,p. I 56.Écurioso que o mclhor inri'r1)rcrc
r3r NEEDELL. Belle Époqoe *opical: sociedade e cultura de elite no Rio de visual deA Guerua dns rnwndns tenha sido um brasileiro vivendr) nrl lrrrrt)p.I,
]aneiro da virada do século, p. L62-Ió3. Henrique Alvim Corrêa (L874-19I0), autor de três dezenas clc vit'rr:rntcs c
I32
NEEDELL . Belle Époqut *opical: sociedade e cultura de elite no fuo de sugestivas ilustrações internas para uma edição belga de 190ó, inrprcs.s:r lx)r'
|aneiro da virada do século, p. 163. sua encomenda, e de apenas 500 exemplares.
r33 r48
NEEDELL. Belle Époqrt tropical:sociedade e cultura de elite no Rio cle MACHADO DE ASSIS. O Imortal. In: . Relíqu.ins dt rnst rtlbt.,
]aneiro da virada do século, p. Ió4. p.24L.
3I4 . FICÇÃo CIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL Notas - 315

t4e
CLUTE; NICHOLLS. The Encycloped.ia of Science Fiction., p.ó15-óló. I7t DEL PICCHIA. A f,lha d,o Incn, p. 188.
rso
CLUTE; GRANT.The Encycloped.iaofFantary, p. 285. "O sinistro duplo, 172
CLARESON. Lost Lands, Lost Races, p. I2f .

originaltnente como o d"oppe@qngrr, foi um dos motivos centrais da ficção


gótica e permaneceu um tema importante naweird.f,cti,on por todo o século '73 DEL PICCHIA. A filha d.o Inca, p. 106-L07.
xlx." ri4 DEL PICCHIA. A f.lha dn Incn, p. 106.
lsl No original, "channels", "grooves" e "canals". t75
MONTEIRO (assinando "Ronnie Wells").A serpente de bronze, p.94.
t52 L. Sprague de C*p. Introduction. In: BURROUGHS. At the Eanl,t's 17ó
BARRON. Anatorny of Wond.er 4, p. 43.
Core/A Princess ofMars, p. vii-viii. t77 BUARQUE . Os d.ewses subteryâ,nels) p. L52.
rs3 Sprague de C*p. Introduction.
L. In: BURROUGHS. At the Earth's t78 BUARQUE . Os dewses subterrá.nels) p. 176.
Core/A Princess ofMars, p. viii.
t7e
r54
VERSINS. Encyclopédie d.e l'wtopie et de lascience,p. L29. Versins não espe-
L. Sprague de Camp. Introduction. In: BURROUGHS. At the Earth's cifica se The Battle of Dorking terra sido publicado no Brasil em forma de livro
Core/A Princess ofMars, p. i*. ou folhetim.
rss L. Sprague de
C*p. Introduction. In: BURROUGHS. At the Eorth's t80
CLARKE. Scieruce Fiction Stuües, p. 406.
Cory'A Princess ofMars, p. ix.
tst §ÇHMIDT O homem silencioso, p.25.
rsó
Conforme citado por Iohn Young, no artigo Dramatic Zulu Reversal at
Khambula. In: Miütnry History, v. 14, p.28.
tB2
SCIilVIIDT O homem silencioso, p. f9.
tss
ts7
BURROUGHS. At Earth\ Core/A Princess ofMars., p. 209.
the 5ÇHMIDT O homem silencioso, p. 13. Nesse Prefácio, Schmidt também
rs8
cita H. G. Wells e Edward Bellamy, alrtor do romance utópico Looking
BARRON. Anatorny of Wond.er 4, p. 34. bnckward; A. D. 200-1887, de 1888, publicado no Brasil em I9II colno
rse
BLOOM. Cult Fiction: Popular Reading urd Pulp Theory p. 14. DAqwi a cern ã,nls (por A Editora); em L92ó com o mesmo título, por |oãcr
tó0
do Rio) e em L99I pela Record) com o subtírulo de Rnend.o o fwturo.
BLOOM. Cwb Fiction: Popular Reading and Pulp Theory p. 15.
ts+ 5QHMIDT O homem silencioso, p. 15.
rór I)I
FATE. Infinite World.s: The Fantastic Visions of Science Fiction Arr,
r8s
p. 279. Na página 45, os personagens principais assistem a ulna projeção ciucma-
ró2
tográfica, de caráter informativo: "(...) outra partida para o espaço sidcr:rl.
IvL\RTINS . Amazing Stories, p. I35. Urn sonho velho como o rnundo vai, pouco a pouco) se realizando. I)cp«ris
ró3 das fantasias de Cyrano de Bergerac) de ]írlio Verne e de tantos poctas d«r
O mundo de Alex Raymond nas cavernas do planeta Mongo. In: Flash
Gord.on no reino d.as catterna.s. infinito, começa a aparecer no horizonte a possibilidade das comuuicrrçõrcs
ró4 interplanetárias... Não têm faltado navegadores desse filar nunca datrtcs r):rvc-
GOMES NETIO. Novelas fnrutrísticns, p. 33 .
gado. I)e quando em quando, audaz aventureiro de nova espécic, rlcnrr«r ck:
tós CLUTE; NICHOLLS. The Encycloped.ia of Science Fiction, p. 734-735. sua bala, projeta-se no azul, eD direção de um dos mundos do n«rss«r si.srctrt:t
róó solar. Poderíunos citar vinte nomes ao acaso." A seguir, o loctrtrlr infi)nlrrl rl
CLUTE; NICHOLLS. The Encycloped,ia of Science Fiction, p. L77 .
presença de seres humanos na Lua.
tó7
POST. An Atlas of Fantary, p. 58. 18ó
Esse tipo de enfoque do Brasil tem apelo também junto:l()s cstr':rrrscir-()s.,
tó8
CLARESON. Lost Lands, Lost Races, p. f 18. como se vê no romance de Orson Scott Card, Oradnr dos ruortos (.\1ttilrrr.litr'
róe
CLARESON. Lost Lands, Lost Races, p. Il8. the Dend., 1986). No planeta Lusitânia, uma colnunidadc clc colortiz:trlorcs
brasileiros é descrita em termos muito semelhantes: collx) urll:l l)c(lucrt:t vil.t
r70
Ufm pouco como os Estados Unidos no período do avanço para o Oeste onde todos se conhecem e se tratam por apelidos, onclc «r p:rclrc r)):lntl:r nt:ti.s
e durante as Guerras Indias. que o prefeito e uma supertecnologia convive lad«l rt lltl«) c()n'r unl:l t'r'r't.t
316 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL
Notas - 3L7

simplicidade dos modos e dos espíritos. A vida cabocla descrita por Crrd .[, 20r
|osé Antonio Severo me disse que chegou a ser convidadcl para ullra
Lusitânia porém não é utopia, e ã sua constituiçã baseada nâs cidades do cerimônia militar na Amazônia, após a publicação do seu romance .
interior de S.lqPaulo qug ele conheceu durante sua missão rnónnon no Brasil,
202
em L97L-L972 éjustificada em termos bastante complexos: a presença da MEYER. Folhetirn: uma história , p. 282.
igt l, é requisito -para que a comunidade, tão longe dos ceirros adm^inist rtirror, 203 PAtrS.,4 a»entwra literriria: ensaios sobre ficção e ficçóe s, p. 32.
mantenha a sua coesão social; a limitação
1o prógresso e no avanço da popu- 204 PAF,S.,,{ a»entara literríria; ensaios sobre ficção e ficçóes, p. 32.
lação e do urbanismo é dada pela existência de uma outra espécie inteligente
no planeta) que
9."-g ser pre§ervada e mantida imune à influência huõana;
20s
MEYER. Folhetirn: uma história , p. 294.
Íinalmelte, aquela. dispos(ão brasileira para a iconoclastia e para o afrouxa- 20ó
mento das normatizações leva a comunidade a romper com o centro distante MEYER. Folhetim.: uma história, p. 303-313.
e a amparar os alienígenas, no momento de dificuldade que enfrentarn. 207
NEEDELL. Belle Epoqwe tropical: sociedade e culrura de elite no Rio de
Karen Tei Yamashita, que viveu no Brasil por nove anos) também escolhe falar |aneiro da virada do século, p.228-229.
da vida cabocla e de suas contradições em relação ao mundo desenvolvido e 208
CARF'Y Os intelectwnis e a3 rnãlsa.s: orgulho e preconceito entre a intelligentsia
imperialista norte-americano, no romance de realismo mágico Throwgh the
,!rc1f th.e Roin Forest (L991)r g"guanto Patricia Anthony, ã.r. viveu ão sul literária: 1880-L939, p. 7.
do Brasil como professora de língüas, durante a década aí]920, vai estilizar 20e
BLooM. Cu.lt Fiction: Popular Reading and prrlp Theory p. S0-5 r.
o complexo mundo do espirirualisrno brasileiro à luz da ficçáo científica e dos 2r0
McCRACKEN. Pulp: Reading Popular Fiction, p. W7.
conflitos estratégtcgs (teldo mais rrna vez os Estados Unidos como adversário),
no romance Crad.le of Splendo, (L996). 2rr CANIDIDO.
Literatura e socied,ad,e, p. L2S.
r87
Conforme citado por Flernuri Donato no Prefácio à 3a. edição de Colônia 2t2 NEEDELL. Belle Époqo, tropical: sociedade e culrura de elite no Rio de
Cecília, de Afonso Schmidr, p. 5. |aneiro da virada do século, p. I I.
r88
SCHMIDT Zanzahi..., p. 54. 2t3
CAI(VALHO. Mold.e nacional e ftrrna cívica; higiene) moral e trabalho no
tao
5ÇHMIDT Zanzahi..., p. 82. projeto da Associação Brasileira de Educação (L924-f931), p. L49.
2r4 pAF.S.
too
5ÇHMIDT Zanzahi..., p. 88. 14 a»entura literríria; ensaios sobre Íicção e ficçóes, p. Z3-24.
tot 5QHMIDT Zanzahi..., 2rs
p. 76. McCRACKEN. Pulp: Reading Popular Fiction, p. IsS.
2tó BLooM.
toz 5ÇHMIDT
Zanzahí..., p. 76. Cwb Fiction: Popular Reading and pulp Theory p. I0ó.
trs 5ÇHMIDT Zanzalá..., 2t7 BLOOM. Cwh Fiction: Popular Reading and Pulp Theory p. l0ó- lO7.
p.92.
te4 SCHMIDT Znnznhi..., p. 92-93. 2tB
BLooM. Cwlt Fiction: Popular Reading and pulp Theory p. lOa.
res 2re
SCIil\4IDT Zanzahi..., p. 93. Braulio Thvares) em comunicação pessoal com o autor.
teó 220
MENEZES. Dicionrírio literririo brasileiro, p. 620. IhVARES. D. O. Leitura, p. 2.
toz
QT ARI(E. Furure-War Fiction: The First Main Phase, 187l-1900, p. 388.
re8
MENEZES. Dicionririo literrírio brasileiro, p. I.000.
reeNeste romance é.qyg
se encontra o já famoso trecho em que um piloto Capítulo 3 - A Pulp Era eue Não Houve
japonês.d.
!y{ejra, desiludido com a morte do seu filho na breve guerra enffe
os Estados Unidos e o |ap{o, atira o Boein g7+7 que pilota .orrtrío Capitólio
americano, virrualmentCdecapitando todã a fideiania do país. I Brian Stableford. Science Fiction between the W:rrs:
zoo
l9l(r- I g3g. In.
CI ARI(E. Future-War Fiction: The First Main Phase, t87l-1900, p. a09. BARRON. Anntom of Wond"er, p. 62-63.
318 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HORRoR NO BMSIL
\ Notas - 319

2 Brian Stableford. Science Fiction between the Wars: 1916-1939. In: 20


Ms. Goldsmith morreu em 14 de janeiro de 200I, ern um acidcntc mto-
BARRON . Anatomy of Wond,er, p. 63 rnobilístico em Newtown, Connecticut.
3 Brian Stableford. Science Fiction between the Wars: 1916-1939. In: 2tFarutastic, n. l, 1955, Gráfica e Editora Edigraf Ltda., p. f 5.
BARRON . Anntorny of Wond.er, p. ó3. 22
À4ACHADO. Ficção científica: roteiro, discussão e leitura, p. 230.
aBrian Stableford. Science Fiction between the Wars: 191ó-f %9. In: 23
CLUTE; NICHOLLS. The Encycloped.ia of Scieruce Fiction, p. 764.
BARRON. Arcatomy of Wond.er, p. ó3. 2+
Comunicaçáo pessoal com o autor) em7 de fevereiro de 2001.
t É sempre possível ârgumentar, porém, que a maior parte da literatLrra infanto- 2s
Magazine d,e Ficçan Científ,cfl,D.20, novembro deL97I, Revista do Globo
juvenil publicada em nosso país é constituída de ficção de gênero.
S. 4., Porto Alegre, p.2.
ó
TAVARES. D. O. Leiturn, p. 3. 26
Mngazine d.e Ficçã.0 Cientr,f,ca,, n.9, dezernbro de L970, Revista do Globo
i TAVARE,S. Caderno de Sábado.Jornal d.o Brnsil, p. l. S. 4., Porto Alegre, p.2.
27
8Marisa Philbert Lajolo. Os superpoderes de Simplício. In: MACEDO, O próprio Asimov assim o reconhece: "Eu era fascinado pelo épico de
Joaquim Manoel de. A luneta rnrigica., p. 6. superciência lspare opera),assim como a maioria dos leitores de ficção científica
e
dos arlos 30. Nunca escrevi nada que pudesse ser considerado corrlo um) no
TAVARE,S. APulp Fiction de João Guimarães Rosa, p. f .
sentido estrito do termo) mas a trilogia Fundação foi a minha própria versão
t0 CLTNHA. Ficção científica no Brasil: um planeta quase desabitado, p. f 0. do formato) com a ênfase na política e sociologia, ao invés da ciência físictr."
rr In: Before the Goldrn.Agt Book 3. ASIMOV Isaac. (Ed.). p. 262.
No srte The Pwlp Zone, www.ip.pt/pulp/m_x9b.hun.
28
t2
ASIMOV No rnund"o d,af,cção cientr,f.cfrrp.272.
GERALDO GALVÁO FERRAZ.Introdução. In: Safra ru,acnbra.: conros 2eASfMOV No rnwndo d.aftção cienffice, p. 273.
policiais, Patrícia Galvão (Pagu), p. ó.
30 BARRON. Anatorny of Wonder 4, p. 33. The Hanopd,enshire Wond.er é
13Informação que contrasta com a reprodução do cabeçalho da revista,
considerado um dos primeiros romances de super-homem) apresentando unl
reproduzida por Nuno Miranda no srte The Pwlp Zorue in www.ip.pt/prlp/
rnenino cuja mente estaria milhares de anos mais avançada que o estágio attral
m_detective_br.htm.
da humanidade, embora seu silêncio permanente o faça passâr por um idiota,
t+ Çf,tu\LDO GALVÃO FERRAZ. IntroduÇão, p. ó. junto à sociedade.
rsMEDEIROS . Índ,ice d.e contos 3t KNIGHT In p. 283.
d.e fi,cçao científicct. e fnrutrísticls enc língwa Search ofWond.er.,
portugweso, p. f 93

" E preciso notar gue, enquanto as putp rnagazines concentravarn rr ficçã«r
MEDEIROS . Índ.ice d.e contos d.e f,cçao científi,cn e fantrísticos ern lírugwn especulativa dos anos 20 e 30 nos Estados Unidos) os ingleses produzirrnr
portugwesa,., p. lB7. obras de grande impacto) fora desse campo. Exemplos sãor{ dm.irh,el ruundo
ntpr (Bra»e Nru World.,, L932), de Aldous Huxley; Last and, First Man (1930 ) ,
17
MEDEIROS . Índ.ice d.e contos de f,cçno científ,cn e fantrísticos ern língwa Odd, John (1935), e Star Maker (1937), de Olaf Stapledon; as ot'rrrrs rn;ri.s
portwgwesã,, p. 19f -L92. tardias de H. G. Wells, e até mesmo O Hobbit (The Hobbit,1937), dc I. lt. lt.
rB MEI)EIROS. Índ.ice d.e contos Tolkien, tro campo da alta fantasia.
d.e ficçno científi,ca, e fantristicls evu língwa
portugwesa,, p. I90. 33
BLOOM. Cultf,ction: Popular Reading and Pulp Theory p. 130.
re Segundo Aguinaldo Silva, no artigo Introdução ao estudo da ficção- 3a
LJm aspecto mercadológico corrobora essa noção: :r pr«rduçã«r tlc Íit'çi«r
científica. In Rwtru,o: Rnista d.e Cultwra ntrmero especial Comemorativo do científica, fantasia e horror dentro da esfera dos livros irtf:rnr«»-jrrvcnis, rr«r
40' Aniversário da Casa do Estudante do Brasil, agosto de L969, Livraria- Brasil, supera em muito a produção de livros de ficção dc gôncr« r, Í« rr'.r tlc.ssr'
Editora da C.E.B., fuo de ]aneiro-RJ, p. 56. Há indícios, porém, de que o mercado. Em comparação, a ficção científica brasileira annl, clirigitl:r :ro ptiblicr r
número 12, de ourubro de I9ó0, teria sido o último. adulto, praticamente inexiste.
320 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL
Notas - 32I

35
DEL PICCHIA. A f,lha d,o Inca, p. 49. stt
ASIMOV Before the Gold.en 4e Book 2, p. 184.

DEL PICCHIA. Af.lha Inca, p. lló. s' ASINIOV Before the Golden Age Boole
dn 3, p. f 84.
37 u0
CLARESON. Lost Lands, Lost Races, p. I3I. II.OBINSON . Science Fiction ofthe 2Ut' Century: An Illustrated History,, p. 9.
38
STABLEFORD. Science Fiction benveen the Wars: I9Ió- I93 9 , p. 70. "r OTERO. Introd.uçã,0 ã, arnã. hisuíria d.aficça.o cienffica, p. I84.
3e n2
CANDIDO. Literarura e subdesenvolvimento, p. 346. OTERO. Inwodução a.aril.ã, histríria d.afi,cçãn cientr.f.ca, p. 185.
u3
40
LEIBER. I'll Met in Lankhrnar,p. 5. MONTEIRO (escrevendo como "Ronnie Wells'). O ruisterioso tarârrtula,
41 p. 28.
LEIBER. Leon. Tirnes in Lankl.trnarrp. 9-10.
42
CLUTE; NICHOLLS. '{ Monteiro deu-se ao luxo de retratar uma mulher ativa e independcnrc) cnl
The Encycloped.ia of Science Fiction, p.736. Mabel Carson, enquanto a maior parte da sua ficção fora das ^Avenrur:r^s clc
43
CLUTE; NICHOLLS. The Encychped.ia of Science Fictioru, p.737. Dick Peter não registrava a mesma presença desse modelo de mulher. Tlrlv cz clc
44 iclcntificasse a mulher independente como um elemento típico da sociedirdc
MOSKOWITZ. Out of the Surfeit Comes Specialization , p. 75. :rrrrericana urban rzada que seu herói habitava.
45
KNIGHT Science Fiction of the Thirties, p. i*. us
PIPEI{. Theodore Fieldf Terence Grayl Não! Rubens Francisco Lucchetti.

KELLY. Into the Neteorite Orbit, p. 82. Irr: GUIMARÁES, Edgard. (Ecl .). R"bens Lwcchetti NicoRosso, p.97.
47
ROBINSON . Science Fiction ofthe 20't' Century; An illustrared Hisrory, :* Segundo as informaçóes disponíveis no site da Edirora Montcrrey cn]
P. 50. Outra curiosidade apresentada por Robinson em seu livro é a históríá lr ttp I I www.monrerrey. com. br/his torico. hrml.
:

"The V.tgglnge_of Nitocris", do dramaturgo Tennessee Williams, publi- u7


As rneruírias secretas d.e Giselle, a, espiã, naa. que abalou Paris também retornou
cada em Weird. Titlar) em L928, quando Williams dnha apenas l7^anos. às bancas em 2001.
Seria interessante analisar peças õomo Sudd.enly Last Swrnrner (L958) ou o8
Sweet Bird. of Towth ( 1959) à luz de um ethos putp. SCHLAFMAN. Jornal do BrasiL ldéias/Livros, p. I.
ue
48
FIUU{KLIN. RobertA. Heinleiru,: lrnterica IJLOOM. Cwlt Fiction: Popular Reading and Pulp Theory p. r33.
as Science Fiction, p. lB-19.
70
4e
FIUU{KLIN. Ainformação de qual editora em particular veio de R. F. Lucchetti, enr umrr
Robert A. Heinlein: lvnerica as Science Ficti on, p. 22.
s0
crlrta de 3I de ourubro de 2001: 'No seu livro O cã,sa.rneltto d.o lnbisomernvr>ct.
CAIvIPBELL, IR. The Battery of Hate, p. 13ó. cita o Rubeng Figue_iredo e faz alusáo [de] que ele tenha começado nalgurnrr
st CAIVIPBELL, cditora popular [. . .1
IR. The Battery of Hate, p. lS3. Bealrnente. Ele é proGssor de pomlrguês no Rio,ãnclc
rcside, e
s2 ryualmente [é] uadutor. Ele trabalhou comigo nos meus dois úitir1«rs
No Brasil, Ornonstro dn_Ártic9 (195I), de ChristianNybyeO enigmad.o ânos de Cedibra. Era copidesque e eu batia longos papos com ele."
0atr0 rnundn (1982), de Iohn Carpenter. 7r
Dorea foi o_primeiro a publicar) no Brasil, livros de H. P. Lovecrafr, Rotrcrr
t' S.gondo Oxford. Cornpanion to the Engtish Language, "rma qualidade
" T!,nos textos) na qual as observaçóes de um narradoíingê1uo
que se constrói
4 Y.inSh, C. S. Lewis, WalterM. Miller, Ir., e muitos outros que são refcrêncirr
obrigatória no gênero.
apontam as implicações mais profundas de uma situação" (p. SZZ)
Expressão cunhada por Fausto Cunha, no ensaio "Ficção científica n«r
sa
McARIHUR. The Oxford. Cornpanion to the Engl:ish Langwnge, p. 882.
:
llrasil: yT ptrne_tl quase desabitado" em No
rnund,o d.ofi.cçao cientr,f,ca, de L.
s5
COBLENTZ. After 12,000 Tàars, p. l)avid Allen, p. I f .
II5.

Este é o primeiro de uma série reunida no volu me The Man Who Awoke
73
Monteiro f"iy- grande fã de Wells, tendo em 1965 apresentado o voltrmc
(L975). A?ntorny of Wond,er 4 assume que Manning teria sido tarnbém A rnelhnres hisuírias dê H. G. Wglls (EditoraLaselva), cori traduçóes assinird:r.s
influenciado por Last nnd. the First Men (tlaOy, de Õtaf Stapledon. qgt ele próp{ig e pela ql$, Thereza Monteiro Deutsch. O seu fróprio pscu-
dônimo nas histórias de Dick Peter, "Ronnie Wells", é uma hômenagem x()
s7
CLUTE; NICHOLLS. The Encychped.ia of Science Fiction, p.L.239. autor inglês.
322 - FrcÇÃo crENTÍrrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL

74
MONTEIRO. 3 rneses no século B/, p. 19.
Referências bi bl io graficas
75
"Lor" lembra os "Elóis" de Wells, ernA ru,tírywina do ternpl (Tht Ti?aa MÃrh,ine),
tanto na fonética do nome quanro na sua descrição física.

CLTNIfA ft Ção científica no Brasil: um planeta quase desabitado, p. I0-r r.
O conto de Wells aludido por Fausto CuÀha é The Empire of the^Ants, de
r905.
77
CRISPIN. What Science Fiction Is, p. 17.
78
Os livros eram escritos por R. F. Lucchetti, sob pseudônimo. A coleção Crítica e Referência
teve vida curta) não indo além dos quaffo volumeílançados.

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9 Orçamento Participativo e o Dilema da Câmara Municipal
de Porto Alegre
Marcia Ribeiro Dias
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Mapeamento, Mudanças e Efeitos na Renda
Jwé Alcid.es F,igueired.o Santos

8. ROTEIRO BIBLIOGRÁFICO DO PENSAMENTO


POLÍTICO-SOCIAL BRASILEIRO (1870-19ó5)
Wand.erley Gwilherne d.os Santos
A presente edição foi composta pela Editora
IJFMG, effi caracteres _Galliard, corpo LA|L}, e Roberto de Sousa Causcl é escrit«rr
impressa pela Geo-Gráfica e Editora) em sistema
offset, papel offset 90g (miolo) e car.tão supremo e editor. Autcx de A clanw clas sctmbras
2509 (capa), effi maio de 2003. (1999) e Tera vercle (2000), entre
outros. Publicou ensaios e artigos
no Brasil e n«> exterior.

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