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QUADRINHOS E GUERRA FRIA - GIBIS RETRATAM O CONFLITO ENTRE EUA E URSS

A Guerra Fria foi uma disputa travada durante quase cinco décadas pelas duas superpotências
vencedoras da Segunda Guerra Mundial: os Estados Unidos e a União Soviética. Foi um
período marcado por muita espionagem e propaganda política, tanto do lado norte-americano
quanto do soviético. Não bastasse tudo isso, armas atômicas seriam usadas caso as duas
superpotências partissem para o conflito militar direto.

Foi durante a Guerra Fria que uma nova onda de super-heróis surgiu nos gibis norte-
americanos, especialmente nos da Marvel Comics (hoje a maior editora de quadrinhos do
mundo). Você certamente já ouviu falar dessas personagens, pois várias foram adaptadas para
o cinema nos últimos anos, com grande sucesso de bilheteria. Dentre essas personagens,
podemos destacar o Homem-Aranha, os X-Men, o Hulk e o Quarteto Fantástico.

Aqui, falaremos da relação delas com a Guerra Fria. Afinal, embora sejam fictícias e tenham
sido criadas apenas para entretenimento, seus criadores se inspiraram na época que viviam.
Começaremos pelo Quarteto Fantástico, o primeiro gibi da Marvel em que o escritor-editor Stan
Lee fez parceria com o desenhista Jack Kirby.

O primeiro gibi do Quarteto Fantástico foi publicado em novembro


de 1961 - ou seja, poucos meses depois de o cosmonauta soviético
Yuri Gagarin ter-se tornado o primeiro ser humano a viajar para o
espaço, realizando um voo orbital (12 de abril de 1961), e quase
uma década antes de o astronauta norte-americano Neil Armstrong
ter sido o primeiro a pisar na Lua (20 de julho de 1969). Assim, o
Quarteto Fantástico foi lançado na mesma época em que os EUA e
a URSS disputavam a corrida espacial.

O próprio surgimento desse grupo de heróis faz alusão à Guerra Fria: no início da história,
pouco antes de os quatro futuros heróis viajarem para o espaço, a narração menciona que os
EUA estão numa "corrida espacial" com "uma potência estrangeira". Claro que a tal "potência
estrangeira" era a URSS, mas, diferentemente do que tinha acontecido durante a Segunda
Guerra Mundial, os autores dos gibis da Guerra Fria preferiam não dar nome aos bois quando
se referiam aos "inimigos da América".
Tulio Vilela https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/quadrinhos-e-guerra-fria-gibis-retratam-o-conflito-entre-eua-e-urss.htm
Ulisses Condutta https://compartilhandohistoria.wordpress.com/2015/12/09/os-super-herois-e-viloes-da-marvel-como-propaganda-politica-norte-americana/
No gibi, o Quarteto Fantástico tem origem um pouquinho diferente daquela contada no filme de
2005: quatro amigos - o cientista Reed Richards; sua noiva, Sue Storm; o irmão adolescente
dela, Johnny Storm; e o piloto de foguetes Ben Grimm - embarcam num foguete experimental,
voam para o espaço e são bombardeados por raios cósmicos. Ao voltarem para a Terra,
descobrem que os raios cósmicos os afetaram, dando-lhes superpoderes.

Richards consegue esticar partes de seu corpo e assume o codinome Senhor Fantástico
(qualquer semelhança com outro super-herói, o Homem-Borracha, não é mera coincidência);
Sue se torna a Garota Invisível (anos depois, mudará o nome para Mulher Invisível, pois em
nossos tempos "politicamente corretos" é considerado machismo chamar de "garota" uma
mulher adulta); Johnny vira, o Tocha Humana; e Ben, o monstruoso Coisa. Os raios cósmicos
existem mesmo, mas na vida real eles matam, como seu professor ou professora de ciências
poderá lhe explicar.

A corrida espacial não é a única alusão à Guerra Fria que encontramos nos primeiros gibis do
Quarteto Fantástico. O principal inimigo do Quarteto era o Doutor Destino, que governava
literalmente com mãos de ferro um pequeno país do Leste Europeu, bem na região onde se
concentravam os países do bloco socialista.

Na tradução feita no Brasil, o nome dado ao país do Doutor Destino era "Latvéria", o que
poderia levar a concluir que se tratava de uma terra imaginária. Mas, no original, o nome era
"Latvia" - cuja tradução correta para o português é Letônia, na época uma das repúblicas que
compunham a URSS. O próprio visual do vilão, com sua armadura de ferro, pode ser referência
à "Cortina de Ferro", a expressão popularizada pelo ex-primeiro-ministro britânico Winston
Churchill para se referir aos países da Europa oriental que ficaram sob influencia da URSS
após a Segunda Guerra Mundial.

O Incrível Hulk, segunda criação da parceria Stan Lee-Jack


Kirby, também refletia o contexto da Guerra Fria. No primeiro
número do gibi, lançado em maio de 1962, ficamos sabendo
como o cientista Bruce Banner se tornou o Hulk: ele tenta
salvar um adolescente que invadiu o local onde se testará
pela primeira vez a "bomba gama" (projetada pelo próprio
Banner) e fica exposto aos raios gama quando a bomba é
detonada propositalmente por seu assistente, um espião
iugoslavo disfarçado. Banner, em vez de morrer de leucemia
ou queimaduras radiativas (que é o que aconteceria na vida
real), descobre que os raios gama alteraram a química de seu
corpo. Agora, sempre que se enfurece, é humilhado ou entra
em pânico, ele se transforma no Hulk, um brutamontes capaz
de levantar toneladas. Curiosamente, o Hulk era para ser
cinzento, mas falhas de impressão no primeiro número do gibi
fizeram que ele aparecesse esverdeado em alguns
quadrinhos. Assim, o verde se tornou sua cor definitiva.

Até o fato de Banner ser físico nuclear tinha relação com a Guerra Fria. Desde o Projeto
Manhattan (o qual desenvolveu as bombas atômicas que foram lançadas sobre Hiroshima e
Nagasaki), os físicos nucleares tinham "importância estratégica" para o governo dos EUA. Vale
recordar que, segundo alguns historiadores, as bombas atômicas usadas contra o Japão
marcaram não apenas o fim da Segunda Guerra Mundial, mas o começo da Guerra Fria.

Tulio Vilela https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/quadrinhos-e-guerra-fria-gibis-retratam-o-conflito-entre-eua-e-urss.htm


Ulisses Condutta https://compartilhandohistoria.wordpress.com/2015/12/09/os-super-herois-e-viloes-da-marvel-como-propaganda-politica-norte-americana/
Segundo tal interpretação, o ataque a Hiroshima e Nagasaki teria sido a forma que os EUA
encontraram de mandar o seguinte recado à URSS: "Cuidado conosco! Nós temos a bomba!"
Depois disso, a procura por carreiras científicas, sobretudo em física nuclear, aumentou
consideravelmente nas universidades norte-americanas. Bruce Banner, assim como os físicos
do Projeto Manhattan, trabalha para os militares; e a "bomba gama" explode no deserto do
Novo México, região dos EUA onde foram mesmo realizados os primeiros testes atômicos.

Outro elemento da Guerra Fria presente na saga do Hulk é o espião iugoslavo. Naquela época,
histórias de espionagem eram comuns tanto na ficção quanto na realidade. Além disso, a
Iugoslávia era um dos países do Leste Europeu onde os comunistas haviam chegado ao poder.
(No entanto, os iugoslavos eram um caso à parte: o então governante do país, o marechal Tito,
principal líder da resistência contra os invasores alemães durante a Segunda Guerra Mundial,
não seguia todos os ditames da União Soviética; por isso, o modelo socialista adotado na
Iugoslávia era um pouco diferente daquele que predominava nos outros países do Leste.

Em suas primeiras aventuras, o Hulk enfrentou vários vilões comunistas, mas havia igualmente
críticas aos EUA. Em primeiro lugar, porque o principal inimigo do Hulk era o general Ross,
também pai da namorada de Banner. Ou seja, em muitas histórias do Hulk, o inimigo era o
próprio Exército norte-americano, sempre perseguindo o gigante verde. E não se deve
esquecer que o Hulk era um monstro criado pelo horror atômico. Ao conceberem a história,
Stan Lee e Jack Kirby pretenderam transmitir uma lição de moral: Banner é vítima de uma
arma que ele mesmo projetou, e o cientista sente remorsos por isso.

A luta pelos Direitos Civis nos EUA, década de 1960.

Os X-Men são uma referência forte na luta pelos direitos civis nos EUA há 50 anos. Lançado
em 1963, a saga conta a luta de um grupo de mutantes contra o preconceito da sociedade,
uma clara referência as minorias sociais nos Estados Unidos.

Conclusão: Desenhos, de uma forma em geral, sempre foi uma arte que expressou uma
opinião, uma cultura ou um modo de vida de determinado lugar e tempo. As charges, por
exemplo, já expressavam opiniões críticas desde os jornais do século XIX. Não foi diferente
com os quadrinhos. Assim como os pôsteres de propagandas de guerra, os quadrinhos foram
mais uma forma de “desenhar as opiniões” de um sentimento coletivo (nacional) e da
supremacia do país sobre o seu inimigo da vez. Mas os quadrinhos possuem o seu próprio
jeito de fazer isso: ele leva às crianças, adolescentes e adultos todo aquele pensamento
nacional em forma de entretenimento, e o resultado disso é um amplo alcance de leitores em
toda a camada da sociedade.
Tulio Vilela https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/quadrinhos-e-guerra-fria-gibis-retratam-o-conflito-entre-eua-e-urss.htm
Ulisses Condutta https://compartilhandohistoria.wordpress.com/2015/12/09/os-super-herois-e-viloes-da-marvel-como-propaganda-politica-norte-americana/

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