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l,aulo Knauss, Marize Malta. Cláudia de Oliveim. Mõnica Pimenta Vclloso e1 ai.. 2014
em coedição com
Faperj- Fundaç-ão Carlos Chagas Filho de Amparo à l)e:sqllísa
do Eslado do Rio de Janeir o
Av,J;msmo Bragtl, 1 18. 6 Andar-Centro
°
Projeto Gdifrco:
Núcleo de Artc/Mauad Editora
Re-t·4·ào:
llárbaro Mauad
Cn•·BRASIL. CATALO<JAc;Ao--NNFovn:
SINO!<."ArO NM10NAt. oos Eo•roRts ot LIVROS, RJ.
R349
Revislas ilustradas : modos de ler e ver no Segundo Reinado I Paulo
Knauss... (et ai.). organizadores.- Rio de Janeiro : Mauad X: FAPERJ.
2014.
)
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7478-665-0
1. Periódicos brasileiros. História -Sé<:ulo XIX. 2. Periódicos
ilustrados- Brasil- História-Século XIX. 3. Jornalismo Ilustrado- Brasil
- História -Século XIX. 4. Bra sil - Vida intelectual -Século XIX. 5. Brasil
-História -11 Reinado. 1840·1889. I. Knauss. Paulo, 1965-. 11. Fundaçao
Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.
111. Titulo: Modos de ler e ver no Segundo Reinado.
11-2761. CDD: 079.81
CDU: 070(81)
Sumário
INTRODUÇÃO 7
Paulo Knauss
Mulheres d e estampa:
o folhetim e a representação do feminino no Segundo Reinado 157
Cláudia de Oliveira
Os sentidos do humor:
Henrique Fleiuss e as possibilidades de uma sátira bem-comportada 173
Laura Nery
Rafael Cardoso
sas específicas, de reses, monografias o u edições fac-similares. Mesmo as mais célebres care
cem de publicações que as abordem profunda e detalhadamente. Ape sar do número crescente
de livros e artigos que tangenciam ou traspassam o assumo, as principais fontes secundárias
ainda são as mesmas de tri nt a anos atrás.2
como do posterior (republicano) , pelo menos no que diz respeito à quantidade de livros
publicados sobre cada época.> Pelo visto, as contradições inerentes à "única monarquia das
' Destacam-se, em meio à produçao acadêmica recente: TELlES, Ângela Maria Cunha da Motta. Desenhando o
na� RevislaS iluslradasdo Rio de Janeiro e de B<JenosAires nasdécadas de 1860-1870. Tese de Doutoradoinédita,
Programa de Pó&graduaçOOem História Sociai/UFRJ. 2007: e COSTA. Carlos Robeflo da. Arevisto no em.i/, o século
XIX. Tesede Doutorado iroédita, Programa de Pós-graduaçãoem Ciênciasda Comunicaçâo/USP. 2007.
'As fontes Incontornáveis são: UMA. Herman. História da caricatUfa no Brasil. Rio de Janeiro: José otympio. 1963.
14v.): SODRÉ. Nelson Wemecl<. História da imprensa no Brosil. Rio de Janei'o: Mauad. 199911966): e FERREIRA.
Orlando da Costa. Imagem e letra: introdução à bibliologia brasileira: a imagem gravada. sao Paulo: Ed usp. 1994
11976). uma viS30 panotamiea da produçao esl3 diSponlvet em: A reví$1a no 8rosil(São Paulo: Abril. 2000). O lugar
das revistas no oenariO mais amplO daleilura é trataclo por varios autOI'es em: ASREU. Marcia & SCHAPOCHNIK,
Nelson(org.). CuhuraletradanoBrosil: objetos eprátiCas. Campinas: Mercado o eLettas/AlB. 2005. Uma contribuição
reoen te ll compr00<1sao oocontexto gráfoco é: CARDOSO. Rafael (org.).lmpresso no Brasil. 180$-1930: destaques
da história gráfica no acervo da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Verso Brasil. 2009.
*Sobre a história da imprensa brasileira no iniciO do século XIX, ver: SILVA, Maria Beatriz Nizza. A Gazeta do
Rio do Janeiro (1808-1822): cultura e sodedaoe. Rio de Janeiro: Eo. Ue�. 2007; LUSTOSA. Isabel. lnsu/10$
Impressos-. a guefra dos jomali stas na Independência. Sao Paulo: Companhia das Letras. 2000 e O nascimento
da imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2003: MEIRELLES. Jula i n a GesueiiL Imprensa e poder
na corte joanina: A Gazeta do Rio de Janeiro (18Q8..1821). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008. Sobre o
inrcio do sécuk> XX, ver: PEREGRINO, Nadja. O Crozeiro: a revotuçao da fotorreportagem. Rio d e Janeiro :
Oazibao, 1991; VELLOSO. Mônica Pimenta. Modernismo n o Rio de Janeiro: turunas e quixotes. Rio de Janeiro:
FundaÇão Getúlio \largas. 1996: LUCA.Tânia Regi na de. A Reví$1a do Brosil: um d�gnôstloo para a (N)aÇàO.
Sao Pauto; Ed.Unesp, 1999; MARTINS, Ana Luiza . Revistas em revista; imprensa e J)tátieas culturais em
tempos de República, Sao Paulo (1890-1922). Sao Paulo: Edusp/lmprensa Oficial, 200 1.
17
Américas" ainda não foram devidamente digeridas. Entre elas, vale destacar que a imprensa
brasileira se viu relativameme livre da nefasta prática da censura no intervalo emre 1840 e
1889, apesar do conservadorismo inerente ao modelo de governo. A falta de interesse pelo
assumo é sintomática da dificuldade em processar o legado da "Europa possível"- um pais
elitista, porém culto- que se tentou construir por aqui.'
Em meio ao silêncio dos arquivos, sobram perguntas. Quantas revistas circularam, de fato?
Qual era sua distribuição? Quem eram seus leitores? Como ocorria sua produção? Qual sua
relação com o restame do universo de impressos? Até que ponto havia empresas e estabele
cimentos especializados em sua edição e comercialização? Quais eram as relações d e socia
bilidade entre seus produtores (editores. ilustradores, homens de letras, tipógrafos, etc.)? E
quanto ao partido gráfico, propriamente dito, quais eram as caracterfsticas físicas das revis
tas? Papel? Tipos? Composição? Impressão? São muitas as dúvidas, e só se sentem seguros
para asseverar respostas prontas aqueles que usufruíram pouco do contato direto com as
fomes. Quanto mais se pesquisa, maior se dimensiona a lacuna d e conhecimento que nos
separa desse passado nada remoto.
O presente rexto se propõe a esboçar um mapeamento inicial do universo das revistas ilus
tradas, focando em sua inserção como produto gráfico de um meio editorial. Por conta da
amplidão do assunto e da escassez de dados confiáveis, as conjeturas feiras aqui devem ser
entendidas como incipientes ao extremo, sujeitas a confirmação ou refutação por pesquisas
mais detidas.' Urge que toda uma nova geração d e pesquisadores ingresse nos arquivos à cara
das informações que, um dia, poderão vir a alimentar uma verdadeira história dos impressos
no país. O objeto muito vale a pena, pois a memória gráfica brasileira é um vasto e belo ter
ritório pouco explorado.
• ver SANTOS. Afonso CMos Marques �os. Da OOIOnizaçao à Europa possrvel: as �imensões �a contra�iÇ3o.
In: A invenç�o do Brasit. ensaios �e história e e<�ltura. Rio �e Janeiro: E�. UFRJ. 2007, p.19-38.
•Muitas das informações inéditas contidas no presente texto sao oriundas do trabalho de pesquisa realizado na
Biblioteca Nacional durante a preparaçêo do livro Impresso no Brasil. O autor deseja reconhecer a oolaboraçOO
das pesquisado(as Amancla Oanelli. teUeia Pe<truul. Lúcia Garcia e Priscila Serejo. responstlves i por grande
numero de achados onginats. Em especial, no caso <lO presetlte texto, deve-se destacar o trabalho deAmanda
Oanelll no levantamento de dados relativos ãs revistas Ilustradas.
•MARTINS. Ana luiZa. Revistas na emergênCia � a graMe imprensa: entre pr<!licas e representaÇOes (1890·
1930)./n: ASREU & SCHAPOCHNIK (org.). Op. ci t . p.248·251. Sobre pl'l\Ucas �e teitura no Brasil, verLAJOlO.
.
Marlsa & ZILBERMAN. Regina. A leitura rarefeUa: leitura e livro no Brasl.l. Sao Paulo: Ática, 2002.
18
ter uma ideia da penetração das revistas no imaginário brasileiro durante o período de sua
primaza
i como veículo de co municação, postO cedido parcial e lentamente para o rádio e a
televisão. Ainda hoje são elas que dão a dimensão plena do público leiror no Brasil� ao atin·
girem picos de circu lação improváveis para livros e abranger raios de dis tribu içã
o inviáveis
para jornais.
Como roda verdade recebida, contudo, o status privilegiado da revista precisa ser posto em
questão. Para início de conversa, não existe uma definição precisa do objeto. Os casos citados
acima, exemplares, servem para firmar um senso comum. Ora bolas, dirão os leigos, todos
sabem o que é uma revi sta! É um impresso. menor que um jornal e maior que um livro, com·
posto de cadernos e capa em brochura, com periodicidade semanal, quinzenal ou mensal.
Vende-se em bancas ou por assinatura e trata de assuntos diversos, embora, geralmente, seja
diri gid a a algum segmento específico do público leitor. Do ponto de vista histórico, todas es
s as regras possuem exceções, algumas bastante significativas . Assim como outras categorias
referidas no dia a dia com grande facilidade (e.g., vida, verdade, beleza), a "revista" é algo de
natureza evidente, contanto que não se busque explicá-la.
Alguns exemplos talvez sejam pertinentes, a fim de fundamentar a objeção. Muito citada
como uma das primeiras e mais i mpor tantes revistas do período joani no, O Patriota (1813·
1814), de Manuel Ferreira de Araújo Guimarães, definia-se no subtítulo como jortwlliterário,
pol!tico, mercantil, erc. Sua periodicidade costumava ser mensal (às vezes, bimensal), o que
condiz com a noção atual de revista; porém, seu formato (14 x 9 em) e sua aparência mais
se assemelham a um livro. A Marmota Fluminense (1852-1857), de Francisco de Paula Brito,
normalmeme referida na histor ografi a como um jornal, costumava circular duas vezes por
i
semana, aparecendo às terças e sextas. Suas dimensões (32 x 23,5 em) e formato tabloide
remetem o Jeitor de hoje mais a uma revista do que um jornal. Muitas revistas definiam·Se
como '1jornais" em seus subtítulos. Por outro lado, uma ou outra "revista", autointirulada,
estaria mais para jornal aos olhos da posteridade (e.g., a primeira Revista Tipográfica, de 1864).
Os limites entrejornal e revista mantiveram-se bastante fluidos ao longo do século XIX, e era
comum os próprios redatores usarem os termos como sinônimos, ora empregando um. ora
outro, juntamente com a designação mais ampla • periódic o", a única precisa, a rigor, à medi
da que ela permite uma diferenciação dos livros.'
Quando o assunto são as revistas ilustrad as, a definição de tern1os fica ainda mais compli
cada. Nos dias de hoje, em que praticamente toda revisra co nt ém imagens, a distinção entre
ilustrada e não ilustrada fica menos do que evidente. Considera..se um periódico uilustrado1',
a partir de que grau de informação visual não tipográfica? Desde a Impressão Régia , há exem
plos de periódicos que trazem vinhetas, ornamentos e detalhes figurados. impressos em xi ·
logravura ou por clichê, principalmente em seus cabeçalhos. Conforme demonstrou Orlando
da Costa Ferreira, a Gazeta do Rio de janeiro (1808-1822) já ostentava, em suas páginas, ilus·
7 Mesmo assim. há num erosos casos de periódicos que nao passaram dos primeiros nUmeros. o que
desconstrói a rigidez até desta distínçao lmportante. Os almanaques e a.nuàrios também constituem uma
categoria J)(Oblemática; embOra possuam peri«<ici<IMe. assemelham-se mais a livros. em termos de produçao
e cirClllaçao. A confusao entre os termos ·;omal" e ·revista• é referi<!a po< Olavo Bltac na crOnica de abertura do
primeiro número da Kosmos. v.1 (1904), s.n.p.
19
trações simples (mapas de batalhas) em 1809 e 1810, no que foi seguida por diversos outros
periódicos brasileiros do início do século XIX.' Uma estampa impressa à parte e encartada
em meio ao periódico qualifica·o como ilustrado? Em caso afirmativo, devem ser considera·
das como ;'revistas ilustradas" uma série de periódicos nem sempre classificados assim pela
historiografia, inclusive a própria Marmota Fluminense, que veiculou retratos, caricaturas e
estampas de moda, esporadicamente, ao longo de sua existência.
Independentemente do valor atribuído aos exemplos citados- precursores, por assim dizer
-não há nada que justifique a continuada invocação da Lanterna Mágica (1844-1845) como
"primeira revista ilustrada entre nós".' Essa atribuição é antiga, derivando de afirmativa de
Nelson Werneck Sodré, segundo a qual o Periódico pldstico-filos6fico (no subr!ndo), de Manuel
de Araújo Porto-Alegre, "assinala, a rigor, o início das publicações ilusrradas, com caricaturas
impressas".10 Embora muito repetida, é uma afirmação insustentável, em especial quando
vem desprovida da sutil distinção que Werneck Sodré introduziu por meio da cláusula final
apensada. Noves fora, as caricaturas publicadas em outros periódicos anres de 1844- pelo
próprio Porto-Alegre, inclusive - e as melindrosas exceções referidas no parágrafo anterior,
não resta dúvida alguma de que o Museu Universal: jornal das famllias brasileiras (1838-1844)
[Fig.l] constiwi um exemplo claro e incontroverdvel de revista ilusrrada a atingir ampla e
sustentada circulação no Brasil, muito antes d a Lanterna Mágim.
Somente a cegueira nadonal-desenvolvimenrista que acometeu a geração de estudiosos liga
dos ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (lseb) é capaz de explicar a incrível omissão
do Museu Universal do índice de periódicos, compilado por Werneck Sodré, em sua exaustiva
História da imprensa no Brasil (1966)." Pelo simples fato de que os textos e ilustrações que
compunham essa revista eram criados no exterior, em sua maioria, e adaprados para o públi
co brasileiro por J. Villeneuve & Cia . - mesma empresa que então editava o jornal do Comér·
cio(1827-) -,boa parte da historiografia adotou o costume de ignorá-la, até que Orlando da
Costa Ferreira a resgatasse do limbo em 1976.12 A consideração insuficiente dada ao Museu
Universal acaba por gerar uma distorção grave nos estudos sobre o assunto, escamoteando
o fato de que a revista ilustrada surgiu na sociedade brasileira na tentativa de suprir uma
demanda percebida por informação visual. Quando se pensa que esse periódico circulou se
manalmente durante seis anos, tem..se a dimensão exata da quantjdade de imagens -cerca
de 200 por ano- que foram introduzidas no repertório, então paupérrimo, do público local.
A qualidade e a variedade dos clichês, produzidos por boas oficinas europeias, devem ter re
volucionado o olhar de toda uma geração de pequenos leitores. que despertava para o grande
mundo descortinado para as famílias brasileiras por esse periódico.
n Sobre o lseb. ver SANTOS. Afonso Carlos MarQues dos. A invençao do Brasil: um problema nacional?. In: Op.
e ORTIZ. Renato. CUltura brasileira e identidade nacional. sao P aulo Brasiliense. 1985. p.45-67.
cit. . p.63-65: :
20
MUSEO UNIVERSAL,
<IJ®IDliJAU.
. \ bn.tt So Duqu e
ne
s n�ueu em Dlei'JJ'IC no onno de \ tgn('.!lo, c rol ser, Ir na m :arl nbt� d a guernt. e mc r
1610. Al;uns autores ditem que $CU p:at em de f:. mlla e�nto dcb:ll� o ®s ord ens de $CU pai. Mas, em 1 633 ,
t f este tomndo p e los llesp:mbóes no runto que eo
�·o bre c obfcu �, ou ros o fazem des«!ltdcnt" du huma. oi m
r.ata nobr e. :u .. � esta qu e$t �o hc de nenl iUmn. inipor- .. mandanl, e morreu poueo depo is em Dunli: erque dai
l il nda. Nobre ou ple l)eo, tra o p:�l de Duqut lnC h :abll ferfdo.s que recebera vo comb3W . E ste s utct$$0 f u
• · t'.. \: IH!rfnu tlrotm ov<t
.•nllldo I I O UUto, ta r tlll
·l f �o re � nest "l , ando o jO lCn Duqu cs n c do $CU m es tre e do
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ro t mada, c o se u nu �rito o Unt.a. elen•do ltO posto de seu n p olo. dceldlo da su:s carreira e tah'ti mesmo d.,
CApiiA O d e m3r e guerra. Edu�ou �u filho p,; ra a suo lllustrarao. D esde esse dl ll rotou a os Uesp:.·
mftro o e:nrel n que segulrn, c nos prlnc:ls lios dll r� u ... nh6cs 110m odlo l mp 1;ae,; m �l , e rrs< *eu v ingar
�il l o de Cahf no, dO$ gu1es nunca SCiir.ul.ll rllo. De:-. co m as suos proe2a.s a pe r da e ruel que lhe R 1 edo
J )()l5 de se hoH:r in!lruf do na U1eorla de tu:a proOssào, sorrrer. E com etri!' U O • nJo tard ou a MSig nal , r· k
• 1 ult o j chCn Duq.u osnc c xertitar-se napratica da na- contra elle$ n o ataque di S flb OI d o santo M ugorldo .
i
TOliO H, I
Fig. 1 ·Museu Urov&rStJf, n.1. 0710711838, p.1. Al:étvO da Fundação BibfiOt&ea NaCional· Br asil.
Reproctuçao cedida gentilmente pela Verso B.fasil Editora Ldi a.
21
Antes de considerar mais as revistas, propriamente, recomenda-se uma pequena digressão
para qualificar a crítica ao nacionalismo, ventilada acima. Por coma de motivações ideológi
cas, herdadas de disputas políticas geralmente .superadas, coneinua a ser tolerada certa falta
de isenção no <rato dos agentes e atores envolvidos em nossa história editOriaL A tendência
a destacar aquilo que foi feito por brasileiros e, por tabela, subestimar as realizações de es
trangeiros é sintoma de um provincianismo inadmissível. Praticamente roda nossa história
gráfica do século XIX foi protagonizada por imigrames europeus! A longa listagem, de Agos
tini a Zuzarte, inclui, forçosamente, nomes corno: Bordallo, Briggs, Debret, Fleiuss, Garnier,
Heaton, Held, Hildebrandt, Hirsch, Hunt, Laemmert, Larée, Leuzinger, Linde, Lombaerts,
Ludwig, Ogier, Palliere, Plancher, Rensburg. Riviere, Robin, Sisson, Sreinmann, Thérier, Trei
dler. Villeneuve, dentre outros. É natural que seja assim, visto que as arividades ligadas à pro
dução de impressos tiveram de ser importadas, após séculos de proibição pelo poder colonial,
e a matriz portuguesa não possuía desenvoltura e organização que lhe permitissem dar conta
da rápida expansão da demanda após a abertura do mercado brasileiro entre 1808 e 1821.
Além do mai s , a circulação de impressos na era industrial é um dos fenômenos mais derer
minames para a consolidação do processo que hoje emendemos como globalização." Sendo
assim, não há sentido em traçar fronteiras artificiais entre práticas que são híbridas e com
partilhadas por definição- como a litografia, inventada pelo alemão Senefelder (nascido em
Praga. de origem bavara), aperfeiçoada pelo alsaciano Engelmann (<rat1Splantada sua oficina
de Mulhouse para Paris) e desenvolvida a contento nos quatro cantos do planeta, com nume
rosos avanços independentes e variações regionais. A comunicação visual gráfica visa, afinal,
à difusão de ideias e informações para além de quaisquer fronteiras, mesmo as nacionais e
linguisticas. Evidentemente. o fato de que um clichê foi desenhado em Londres, uma es
tampa impressa em Paris ou um ilustrador nascido na Itália não altera seu impacto sobre o
cenário editorial em que uma imagem é vista e consumida.'"
Se a recepção e a circulação são chaves para compreender a representatividade de um objeto
de comunicação, a importância de sua origem deve ser relativizada. Mesmo no tocante à
origem, aliás, impera o mau hábito de esquecer que ainda são falados cerca de 180 idiomas
no Brasil, e que algumas das comunidades correspondentes possuem tradição de publicar
por aqui impressos em línguas outras que o português (e.g., alemão, francês, iídiche, inglês,
italiano, pomerano, entre outras). Tais impressos também costumam ser objeto de lamemá·
vel negligência, e o maior exemplo é nada menos do que a outra das duas primeiras revistas
ilustradas publicadas no Brasil: !:Ec/to Français, editada por J- Villeneuve & Cia. a partir de
1838. mesmo ano e mesma editora de O Museu Universal.
n Sobre isso. ver CARDOSO. Rafael. Os impressos efêmeros oomo fonte para o estudo da história cultural
brasüeira. In: HEYNEMANN. Cláudm Beatriz & RAINHO, Maria do Carmo Teixeira (org.). Marc-as doprogresso:
oonsu mo e �esi gn no BraSil �o século XIX. Rio �e Janeiro: Maua� X/Arquivo Nacional, 2009. p.13-17,
••MapeandO para o presente a omissao praticada por gerações passadas d e historiadores. qual seria o sentido
de realizar um estudo histórico da televisao no Bras il e excluir. a priori. toda a programaçao imporlada? O fato
de que os Chamados "enlatados· nao fOtam p(OCfuzidos aqui quer <fi.ter que nao foram viStos e nao tive(am
impacto? e o que lazer �os mediadores �o processo �e lmportaçao. no caso CIO exemplO cita�o: �ublae!Ores.
pmgramadores, emiss oras. anunciantes?
22
Surgimento das revistas de variedades
Quando o Museu Universal parou de circular em 1844, já haviam surgido alguns sucessores,
embora nenhum ostentasse a mesma prof usã o de ilustrações . Revistas como Correio das Modas
(1839-1840), Minerva Brasiliense (1843-1845), Ostensor Brasileiro (1845-1846), Museu Pitoresco,
Histórico e Literário (1848), O jornal das Senhoras (1852-1855) e O Brasil/lustrado (1855-1856)
cont inuaram a suprir a demanda por informação visual por meio de estampas encanadas e/
ou ilustrações i mpr essas na própria página, juntas ao texto, por clichê ou por processos lito
gráficos. Algumas estampas eram produzidas no Brasil, mas muitas eram importadas ainda
-em especial, as de moda. Cabe ressaltar a ext rema dificuldade técnica de se introduzirem
ilustrações litográficas nas revistas dessa época. Ames do advento d a prensa litográfica rot a
tiva, por volta de 1854, fazia·se necessário imprimir manualmente cada estampa,em número
suficiente para compor a tiragem total da revista. Apes ar desse obstáculo, há numerosos
ex e mplos de ilustração por litografia, inclusive em cores, como a célebre estampa de dois
beija-flores desenhada por Descourrilz e veiculada na Minerva Brasiliense, em 1843 [Fig. 2]."
" /�idem, p,218, 380. Ver também ANDRADE. Joaquim Març<ll Ferreira de. Processos de rep<OduçM e
impressao no Brasil, 1808-1930./n: CARDOSO (org.). op. cll .. p.S0-51.
23
Dentre as r evi stas citadas acima, O Brasil Ilustrado merece destaque es pecial por suas expe
riências inovadoras em matéria de paginação e diagramação. O mais comum, à época, era
"Ver bidem.
i p . 52-56 .
24
dico brasileiro a veicular uma ima -
.... ___.....,......_______
.,..
.
-iorquino Harper's Weekly, sendo
que este último é posterior ao seu
equivalente brasi leiro. A consta· Fig. 4- OBtasl llusltado. v.1. nA. 31105118SS. p.45.
ra ção surpreende apenas por con Acervo da Fundaç.ao Biblioteca Nacional Brasi • l.
"Ver CARDOSO. Rafael. Origens do projeto gráfiCO no Brasil. In: CARDOSO (org.), op. cit.. p.78.
u Apesar de sua importancia Indiscutível. a La11tema Mágica nem oonforma muito aos moldes do que hoje se
considera uma revista. em termos de focmato e da matéria tratada. Seria mais exato descrevê·la como uma
narrativa humorfstica em fasclculos. mais para graphic pantomime (um •drama em 366 a tos·. nas palavras
de seus editores) do que uma revista d o tipo magazine (é verdade. entretanto. que foi uma das primeiras a
incluir uma partitura: de lundu. nada menos). A ênfase excessiva dada a ela nos estudos advém do entusiasmo
naturat por sua reallzaÇ3o pt�suca. do cutto tradicional aos a uto res e �s reputaçoes anrsticas e. deve-se admitir
também. um pouco dO complexo naciOnalista citado acima. dentro do qual assume maior importancia o papel
de Araújo Porto..Aiegre na formaçao de uma &dela de culu t ra brasileira.
25
de I:lride Italiana (1854-1856) e de O Cltarivari Nacional (1859), emre ouuas tentativas, com
prova que o público para esse tipo d e revista ainda era reduzido. Em paralelo, conrinuavam a
pipocar concorrentes na seara das atualidades e variedades, como Ilustração Brasileira ( 1854�
1855) e O Universo llusrrado ( 1858- l 859). algumas das quais continham também caricaturas.
Afinal, uma coisa não exclui a outra: segundo ensina Herman Lima, •a publicação regular das
revi stas de caricaturas'' começou ju stame nt e com O Brasil Jlustrado.19
para a reprodução das imagens era o uso de clichês metálicos, o que se deve a vários motivos:
facilidade de obtenção de clichês importados, possibilidade de impressão simultânea com a
matriz tipográfica, tradição de detalhamento volumétrico n a gravura e m madeira (origem
dos clichês), falta de conhecimentos práticos da incipiente litografia comercial. O sucesso
de periódicos como o Museu Universal, dentre outros, deve-se à demanda evidente por infor
mação visual numa sociedade em que havia pouca oferta de imagens. O ímpeto de comprar
essas revistas e colecionar- mesmo que memalmenre- as ilustrações comidas nelas deve ser
aproximado à cultura de compra de estampas e vistas, que começava a prosperar no Brasil
na década de 184020 Essas revistas são a origem da tradição de reportagem visual, que teria
de Henriq u e Fleiuss consolida a crítica de costumes como vocação. Ridendo casrigat mores era sua
divisa ladnau e, apesar do relativo comedimemo no tom das criticas. firmou-se rapidan1ente
como revista satírica, sendo os governos seu alvo principal. A fórmula ligeira de sua crônica
política e social alcançou sucesso� transformando a Semana Ilustrada em primeira revista ilustra·
da a transpor a barreira dos dez anos de publicação. Embora faltem dados mais precisos sobre
tiragem e circulação, os ecos de seu sucesso junto ao público da época chegam até nós.
1• UMA, op. cit., p.94. Para a cronologia precisa das primeiras caricaturas no Brasil, ver p.69·95.
• ZENHA, Celeste. O negócio csas "vistas do Rio <Se Janeiro"; Imagens csa ci<lade imperial e da escravi<Jao.
Estudos Históricos. n.34. 2004. É interessante considerar essa oomparaçao em termos de pteços também:
enquanto um exemplar do Museu universal custava 320 réis, em 1838, uma única gravura podia alcançar 80
réis. a essa época. Ver SANTOS. Renata. A imagem gravada: a gravura no Rio de Janeiro entre 1808 e 1853.
Rio de Janeiro: Casa da Palallfa. 2008, p.104. Ver também CARDOSO (org.), op. cit .. p.94-95.
1' Ver ANDRADE. Joaquim Marçal Ferreira de. Hlstónà da fotOtfepottagem no Brasil: a fotografia na imprensa
26
•
.
..;
com oito páginas, impressas em uma só folha grande, por processo litográfico de um lado e
tipográfico do outro. Sendo dobrada a folha duas vezes e refilada, obtinha-se um caderno de
tamanho in-quarto (nesse caso, 28 x 22 em), em que se sucediam páginas de texto (I, 4, 5, 8)
e de ilustração (2, 3. 6. 7). Esse formato foi adotado por grande número de revistas ilustradas
contemporâneas, tornando-se quase um padr
ão nas décadas de 1860 e 1870. O modo de ela
boração e publicação da Semana Ilustrada firmou ainda uma espé<ie de "modelo de negócios".
n
Incrivelmente. nao existe ainda um estudo sisterl'K'Itico da revista. A tese de Joaquim Marçal Ferreira <Je
Andrade sobre a Semana Ilustrada e a Guerra do Paraguai. sendo desenvolvida at\Jalmente no IFCSIUFRJ
sob orientaçao de José MuriiO de CaiVatho. promete um primeiro passo em dlreçao a remediar essa tacuna.
Enquanto nao chega a público. o remédio é consultar. ANORAOE. op. cit. (2004). p.119-152: e também,
ANORAOE, op. cit. (2009). p.53-55. Ver. também. LIMA. op. c/1., p.745-757.
27
se é possível referi-lo assim, seguido por muitos ediwres de periódicos ilustrados à época.
Mediante o esforço obsessivo de Fleiuss, que desenhava a maioria das ilustrações e redigia
boa parte do texto, a revista conseguia sair semanalmeme, com poucas falhas e atrasos.
O referido modelo de negócios é o da precariedade total: a concentração de todas as facetas
da produçã
o em poucos indivíduos, quase sem divisão de tarefas, com o intuito de minimizar
custos. Daí, talvez, advenha a explicação para a predileção das revistas ilustradas brasileiras pela
liwgrafia, caracreristica apontada porJoaquim Marçal Ferreira de Andrade como uma das grandes
questões a serem dimensionadas.>< Diferentemente da complexa cadeia produtiva e do alto grau
de especialização exigido pela xilogravura de topo - té<:nica preferida das melhores revistas ilus
tradas da Europa e dos Estados Unidos -, a litografia permitia a um linico indivíduo habilidoso
assumir, de modo centralizado, a confecçã
o das ilustrações. A monotonia resultante era compen
sada por ganhos em autonomia editorial e custos baixos.
28
sombra à Semana Ilustrada, em matéria de impacco sobre política e sociedade. A coincidência
que fez com que uma iniciasse a publicação no ano em que a outra pôs fim à sua, aliada à pro
ximidade nominal de seus títulos, reforça a tendência historiográfica a comemplá·las como
um par. A revista de Agostini é comumente tratada de sucessora daquela de Fleiuss. para
eterna irritação do desenhista italiano. que já se via obrigado em vida a protestar "que não
copiou de nenhum jornal alemão''.u Sem dúvida, existe um paralelismo, reforçado negativa·
mente pelas ironias e deboches dirigidos por Agostini contra Fleiuss. As reputações de um
e outro chegam até nós geminadas, por meio de uma tradição historiográfica que vem desde
Monteiro Lobato até Herman Lima.26
Segundo a construçã
o consagrada, Fleiuss seria supostamente mais operoso do que talentoso
como artista, politicamente conservador, adesista e bajulador do imperador. Essa caracteriza
ção de sua figura costuma ser contraposta à de Agostini como genial desenhista, crítico com
bativo, paladino das causas abolicionista e republicana, verdadeiro precursor de um estilo brasi
leiro de caricatura. Evidentemente, trata-se de uma simplificação reducionista, que deve muito
à pena panfletária de Monteiro Lobato. Mesmo que seja apenas para confirmar o que qualquer
leitor dos periódicos pode constatar por si mesmo. faz-se necessário problematizar essa velha
dicotomia entre um e outro. Senão. o estudo sério das duas principais revistas ilustradas do
Segundo Reinado ficará sempre subordinado à caricatura histórica desses caricaturistas.
Foi O Bazar Volrulte que deu início à concorrência direta com a Semana ilustrada. Desenhada por J.
[oseph] Mill e Flumenjunius [Ernesto Augusro de Sousa e Silva Rio], com colaboração de Doão]
Pinheiro Guimarães - os dois últimos reve.lados pela revista de Fleiuss como colaboradores - a
nova revista reproduziu diversas características da ourra. O formato era quase idêntico, até mes
mo na paginação. Sala aos domingos. como a revista de Fleiuss. e oferecia a assinatura um pouco
mais barata, embora o preço do exemplar avulso fosse o mesmo (500 réis). Durou relativamente
pouco, talvez porque a qualidade do desenho fosse nitidamente inferior à da concorrente. Toda
via, no terreno gráfico e editorial, promoveu ações que suscitaram reações importantes.
29
Flg. 8- A Vld• Rumlntnse,
ano I, n.6. 08102/1868, s.n.p.
Ace<voda FundaçaoBiblioteca
Nacional·Brasil.
Rep<oduçao cedida
genntmente pela Verso Brasl
Editora Ltda.
D. JO\Ul ct'11J
·<
,
A.
•ema 1om.1.
...
.
NaciOnal · Bta$1.
Rep<oduçao cedida
genwmante pela verso Srasíl
Editora Ltda.
U:t;tOl U.t'b UIIOll�l U1'il
cente profissionalização de um ramo que costumava depender das assinaturas para garantir
a sobrevivência dos periódicos.
Fig. 10 � A Vk/9 Flt�mkren$11, ano UI, n,10S. 01101/1870. Acervo da Fund&çao Biblioteca NooiooaJ · Brasl.
Re-produção cedtda gê'nti!Ménlé pela Vtmo Brasil Editora Lida.
" Ver LIMA. op. ot., p.799-800: CIRNE, Moacy. História e critica dos quadnhos
ri brasileiros. Rio de Janeiro:
Funane. 1990, p.17-18: e também AGOSTINI. Angelo (pesquisa, O<ganizaçao e introeuçao de Atllos Eichler
Cardoso). As aventuras de Nhó·Quim & Zé C8fpora: os primeiros quadrinhos brasileiros 1869·1883. Brasma:
Senado Federal. 2002.
" A Vida Fluminense, n.2 (11/0111868), p.11 (23). trazia o seguinte aviso:
·os proprietMos deste semanário
publicam anúncios Hustrados pelos preços seguintes: meia pagina CO<I1 desenhO a 1<\pis ou a pena 30$000 e
página intefra 50$000. A pessoa que encomendar um anúncio ilustrado de meia página terá direito. além da
publicação no corpo deste jomal, a receberem avulso cem exemplares do mesmo anúncio sobre papel branco. A
que encomendar um anúncio de página inteira receberá 150 exemplares do mesmo anUncio sobre papel branco
e de cores, e terá igualmente direito â publkaçao do supracitado anUncio. AnUncios escritos- 120 reis a linha:
ver wmbém A Vida Fluminense, n.10ó (01101/1870). p.1G-11: n.382 (24/04/1875) e n.384 (08/0511875). Para
rep<oeuÇ()e$ do anúnoiO referido. de 1870, WJr ANDRADE. op, cít. (2004), p.114; e CARDOSO (org.), op. Cit..
p.128.
33
A mesma rede de sociabilidade que gerou, sucessivamente, entre 1863 e I 878, a linhagem de re
vistas descrita acima, ainda encontrava disposição para tocar projetos paralelos. Em 1869, surgiu
O Mosquito, desenhada por Agosrini, Faria e Pinheiro Guimarães, rime reforçado a partir de 1875
pela chegada ao Brasil de Borda!lo Pinheiro. Também aparecendo aos domingos e vendida avulsa
por 500 réis, é de se admirar que exisússe mercado para tantas revistas de teor mais ou menos
próximo. Entretanto, O M<XquM conseguiu uma boa sobrevida (oito anos}, perseguindo uma
linha editorial mais mundana. Não chegava a ser uma revista "galante" - como foram chama-
das no início do século XX as
precursoras das amais revis·
34
de mosquitos, sem nenhum
•
mosquito. Um verdadeiro
festival de criatividade gráfi RIO m: 1.\:\tiBO
galante A Maçã."
� � -.�-«a-;
(chegando a medir 46 x 32 OOifolrw � tt � .
T
r t vMi r • •
� "-eaM(i
�l
em, em 1869), sempre com
"Ver HALUCH,Aline. A Maçl e a renovaçaooo deslgn ed Jtorlal na década de 1920. In: CARDOSO, Rafael (org .).
O dosign bras/loiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1871) .1960. Sao Paulo: Cosac Nalfy, 2005.
*' A palavra bataclan, em francês. é onomatopeia que significa •trastes if'ICOmodos� ou ·aparato estorva-doi"'...
em uma palavra: "tralha·.
35
camada ainda mais rarefeita do que o já restrito público de leitores em geral. Afinal, apesar da
presunção de que boa pane da elite brasileira lia o r.·ancês, certamente o grau de fluência variava
muito. Surpreendeme é constatar que conseguiu permanecer em circulação durante quatro anos.
Ainda mais quando se sabe que a revista de Berry testava os limites da liberdade de imprensa
como nenhuma outra do período imperial." Exatamente por trazer seu texto em francês, Ba·ta
--clan foi capaz de veicular os ataques mais ferozes de que se tem notícia ao imperador, ames do
advento do movimento republicano propriamente dito.
Coroando essa ampla frente de periódicos antagônicos ao estado imperial, certamente merece
destaque a Revi
sta Ilustrada, carro chefe de Agostini e principal revista ilustrada brasileira após o
encerramento da Sema11a Ilustrada. Não há como superestimar o papel exercido por ela nas cam
panhas abolicionista e republicana, agitando a opinião públicacom suas charges de um modo im
possível para o texto sozinho. Ninguém menos do queJoaquim Nabuco ejosé do Patrocinio ates
taram, à época, a importâ
ncia de Agosrini para o sucesso da campanha abolicionista. Apesar disso
tudo, ainda não foi publicado um esrudo alentado sobre sua figura e. muito menos, sobre a Revista
Ilustrada, sua mais importante criação, apelidada por Patrocinio de •bíblia do abolicionismo"."
No emanto, apesar da preponderância da Revista Ilustrada, ela nem é a mais interessante das
publicações nas quais Agostini colaborou em matéria de projeto gráfico. Seu partido era bem
mais convencional do que o de A Vida Flunrúzense ou de O Mosquito. Nada de invencionices
na impressão e paginação: a Revista Ilustrada guardava sua ousadia para a porção editorial,
expressa em traço e texto. No que diz respeito ao projeto, assemelha-se muito à Semana Jlus·
trada. Embora de dimensões maiores (37 x 27 em), repetia o bom e velho esquema de oito
páginas (quatro de texto, quatro de imagem). com a maioria dos desenhos produzida pelo
próprio Agostini. Mesmo sendo opostas em termos editoriais e políticos, a Semana Ilustrada
e a Revista Ilustrada seguiram, por ironia, a mesma fórmula de produção, rão conservadora
quanto econômica, o que [alvez ajude a explicar o sucesso de ambas.
A ascensão da Revista Jlustradll, após 1876. corre paralela à extinção de A Vida Flumi11tnse e de
O Mosquito, a qual acabou absorvida pela revista de Agostini. Na falta de pesquisas mais apro
fundadas, podem-se apenas adivinhar os motivos que levaram à gradativa dissolução do gru
po responsável pela publicação de tantas revistas e cujo n•cleo
< consisr.ia dos anistas Agoscini,
Cândido Faria, Flumenjunius, J. Mill, Pinheiro Guimarães e Valle, com o auxílio luxuoso dos
recém-imigrados Bordallo Pinheiro e Borgomainerio 3• Seja isso como for, é fato que o grupo
foi-se desfazendo. sofrendo baixas. Pinheiro Guimarães e Flumen junius criaram, em 1871.
O Mundo da Lua, que durou apenas seis meses. Faria partiu para fazer sozinho O Mefistófeles
• Ver ibidem. p.780·804. e passim. Na seara acadêmica, existem: OLIVEIRA. Gilberto Maringoni de. Angelo
Agostini ou impressões de uma viagem da corte à cspftsf federal (1864·1910). Tese de Doutorado inédita.
Programa <Je Pós-graduaçao em História SociavUSP, 2006: e RIBEIRO. Mar<:<�s Tadeu Daniel . Revista Ilustrada
.
(1876-1898). slntese de vma 6poca. Oissertaçao de MeStradO inéd�a. Instituto de FKosof\a e Ciências SooiaiSI
UFRJ, 1988.
" Herman Lima dá uma pista pata possíveis desentendimentos pessoaiS que podem ter apressado o deelfnio
de A Vida Fluminense. ao referir uma caricatura de janeiro de 1675 feita porvaue em o Meqvetrefê oontra seu
colega Borgomainerio. Ver liMA, op. cit.. p.833.
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linguagem gráfica, incluindo a célebre série de reponagens sobre a seca do Ceará, de 1 878, uma
das quais foi ilustradapor "cópias fidelíssimas" de fotografias, constituindo a primeira fotorrepor
tagem da história da imprensa brasileira." Além de sua conhecida genialidade como ilustrador,
BordaUo foi um inovador também no aspeCto comercial, desenhando e assinando anúncios que
ganharam lugar de destaque em sua revista, na forma de página própria [Fig. 14] ." Ele teveainda
o mérito de estender sua atuação para fora do Rio de janeiro, colaborandocom a recifense O Diabo
a Quatro, a qual também contou com os préstimos de Aurélio de Figueiredo.
AO BACCARAT
11, Rna do Oofi�or 11
CRISTAES, PORCHLANAS
LOUÇAS E METAES
OA%-rr.AL No:a«XNA.L
'
4,000:000..'000
Jlit �. �lliÍ!O.
39
Apesar dos muitos ríwlos novos surgidos na década de 1880, nenhum deles conseguiu sobre
por-se aos já consagrados na década anterior. O Mequetrefe e a Revista Ilustrada permaneceram
incólumes em meio à proliferação de periódicos de curta duraçã
o. Fechando o período do
Segundo Reinado, começa a surgir uma nova safra de ilustradores, que marcaria a ruptura
com a geração fundadora à qual pertenceram Fleiuss e Agostini. Merece destaque o nome
de Selmiro de Almeida, mais conhecido como pintor, mas que teve atuação marcante como
(1881), a versão carioca de O Diabo a Quatro (1881)
caricarurisra em revistas como O Binóculo
e Rataplan (1886). Com a geração de Belmiro, intensifica-se a troca de informações e atuações
o comercial e o das belas�artes, dando início à sociabilidade boêmia
entre o meio da ilustraçã
que passaria a cer importância rnarcante na virada para o século XX.
Considerações finais
O panorama precedente é apenas um mapa esquemátco para quem queira explorar o uni
verso das revistas ilustradas do Segundo Reinado. Foram apontadas algumas relações entre
projeco gráfico e meio editorial, mais com o imuito de levantar questões do que de franquear
respostas. Esras dependem de pesquisas mais deralhadas , principalmenre visando observar
o comportamento de cada periódico ao longo do tempo. Era comum ocorrer troca de cola
boradores, assim como dos estabelecimentos gráficos utilizados (tipografias e litografias). É
de se presumir que tais mudanças tenham correspondido a transformações no aspecto visual
das revistas. Falta investigar ainda quem eram os profissionais responsáveis pela composiç-
Jo
e paginação. Sabe-se que tais trabalhadores gráficos já existiam à época, mas sua atuação
permanece obscura.
Outra linha de investigação que clama por atenção diz respeito à história empresarial. Ainda
se sabe muito pouco sobre o aspecto comercial dos periódicos. Quem eram seus proprietá·
rios? Qual sua relação com as empresas impressoras? Como eram as relações trabalhistas
com os colaboradores? Percebe-se que as redes de relacionamento entre ilustradores e cari
camristas foram determinantes para a evolução das revistas. Ilustradores que aparecem em
uma como colaborador ressurgem em outra, alçados à condição de editor ou proprietário .
Como e por que isso ocorria? A partir de uma melhor compreensão da concorrência comer
cial entre os periódicos, poderão ser deslindadas dúvidas importantes.
O mais importante é renovar o olhar para essas publicações, detendo-se sobre suas particulari
dades. Como se vê pelo mapeamento acima, as revistas realmente innuenres não foram tantas
assim. É perfeitamente viável, portamo, que cada uma delas seja abordada em profundidade,
para além do panorâmico, enfocando-as caso a caso. A revista A Estaçilq, por exemplo, quase
não foi comentada aqui e sua continuada publicação, ao longo de três décadas, certamente é
,
digna de exame por qualquer um interessado em história da moda. São muitos outros os exem
plos assimÉ animadora a perspectiva atual de amadurecimenro, em que as revistas ilustradas
.
do Segundo Reinado. finalmente, poderão receber a consideração histórica que lhes é devida.
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