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Universidade
Organizadoras
Dani Marino
Laluña Machado
Revisão:
Aline Cardoso Braz
Arte da capa
Alice Monstrinho
Dani Marino & Laluña Machado
Organizadoras
Universidade
Conheça a produção científica de grandes quadrinistas.
Este livro é de distribuição gratuita.
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frequentar espaços onde ela não se sentia bem-vinda?
7
atividade que concerne seres humanos adultos, por que que uma produção
masculina sobre sexo é universal, mas uma feminina é considerada produ-
ção voltada ao público feminino? Muita literatura promovendo um revisio-
nismo feminista das obras já produzidas até então ressaltam a ideia de que
não existiria uma narrativa universal, pois, como diz a filósofa Djamila Ri-
beiro, é um equívoco acreditar que uma pessoa, ao produzir conhecimento
a partir do seu lugar social, poderia se pretender neutra, universal e pudesse
abarcar as complexidades culturais e sociais que existem no mundo, afinal,
como uma única visão de mundo, centrada em um conhecimento acessado
por uma minoria dominante, poderia ser capaz de “julgar todo tipo de co-
nhecimento originado de diversas localizações culturais e sociais?”. Não
só isso, ainda que certos temas fossem mais facilmente identificáveis como
femininos, o que aconteceria às pessoas de outros gêneros ao conhecerem
perspectivas diversas sobre um determinado assunto, além de se tornarem
mais empáticas? Também é preciso ter em mente que as artistas podem
ter como principal objetivo de suas publicações a livre expressão de seus
sentimentos, ou seja, não deveriam se preocupar em agradar um núme-
ro significativo de pessoas apenas visando o lucro, até porque, em termos
editoriais, dados de sites especializados em vendas de livros e quadrinhos
comprovam que a venda de produtos de nicho somada é maior do que a
venda individual de best sellers, por exemplo.
8
nos quadrinhos!”. No entanto, ao menos no que diz respeito ao Brasil, a
ausência das mulheres nos eventos, publicações e prêmios indica que pro-
jetos como Mulheres & Quadrinhos seguirão sendo necessários enquanto
os equívocos mencionados continuarem sendo reproduzidos, pois são esses
equívocos que promovem uma segregação real, que é a das mulheres do
mercado editorial dos quadrinhos no Brasil.
Sabemos que entre as várias funções da ficção, uma delas é a de
nos propiciar recursos para que possamos interpretar a realidade que nos
cerca. Narrativas, ficcionais ou não, nos contam muito sobre quem somos,
sobre nossos medos e angústias, sobre nossos sonhos e expectativas. Por
isso, as histórias em quadrinhos, ainda que tenham sido popularizadas em
um contexto conhecido como cultura de massa, integram um apanhado de
expressões artísticas que nos trazem entretenimento, reflexão, aventura,
diversão, crítica e mais uma infinidade de emoções que nem sempre são
compartilhadas igualmente por todos os seus leitores, afinal, as pessoas
partem de vivências diferentes que muitas vezes não são representadas nes-
sas histórias.
Muitas das narrativas consideradas universais, na verdade, partiam
de um pressuposto que um pequeno grupo de pessoas, majoritariamente
formado por homens brancos, julgava ser ou não universal ou que poderia
contemplar todos os seres humanos, independentemente de suas vivências,
histórias, realidades... Isso significa dizer que, por muitas vezes, vários
grupos cujos integrantes não guardavam qualquer semelhança com esses
homens brancos, não se sentiam representados nessas histórias.
Bom, se as narrativas nos ajudam a construir a noção que temos
de nós mesmos, o que aconteceria se ao longo da história da humanidade
certas pessoas nunca se vissem representadas nesses espaços? O que acon-
teceria se o mundo e todas as produções indicassem que você não existe ou,
quando existe, é sempre de uma maneira estereotipada e pejorativa?
As consequências da ausência de pessoas nas histórias ou de sua
subrepresentatividade têm sido objeto de estudos de acadêmicos e pes-
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quisadores de diversas áreas do conhecimento, e os quadrinhos não ficam
fora deles. Considerados por muito tempo como subliteratura ou uma ex-
pressão artística inferior, os quadrinhos enfrentaram muita resistência até
passarem a ser reconhecidos como uma linguagem e uma mídia legítima e
esse processo pode ser observado a partir da pesquisa de Beatriz Sequei-
ra de Carvalho, em sua dissertação de Mestrado intitulada O processo de
legitimação cultural das histórias em quadrinhos (2017). No entanto, por
estarem inseridos em contextos sociais onde o machismo, o racismo e a
homofobia se fazem tão presentes, não é de se estranhar que essas mesmas
lógicas sejam encontradas na produção das HQ, influenciando de maneira
significativa não só a criação e circulação, mas a maneira que consumimos
esses materiais.
Por isso, o trabalho de integrantes dos grupos que nunca se sentiram
representados na Nona Arte, tem sido fundamental para que suas histórias
cheguem até um público que encontra, principalmente na produção inde-
pendente, obras que dialogam com suas experiências. Entre esses grupos,
estão as mulheres e seus coletivos, que têm buscado por meio da autopubli-
cação e da publicação em sites e redes sociais, conseguir maior visibilidade
em um meio que as segrega em função de gênero e orientação sexual.
Para que a realização desse projeto fosse possível, foi preciso que
outras mulheres antes de nós trilhassem um caminho tortuoso envolvendo
muitas batalhas para que quadrinistas conseguissem algum espaço em an-
tologias, indicações em prêmios e participação em eventos. Desde Trina
Robbins, com sua pesquisa sobre as cartunistas estadunidenses, e Sonia
Luyten, uma das mais importantes pesquisadoras de quadrinhos do mundo
e que assina nosso prefácio, às precursoras como Nair de Teffé, Pagu, Hilda
Weber, Ciça Pinto e tantas outras no Brasil e no mundo, aos coletivos como
Lady’s Comics, Minas Nerds, Fanzinada, Zine XXX, Mulheres em Quadri-
nhos, Mina de HQ e vários outros espalhados pelos quatro cantos do país,
foi graças ao esforço contínuo dessas pioneiras que conseguimos conectar
todas as autoras envolvidas nesse projeto, que conta com 120 mulheres li-
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gadas aos quadrinhos, entre ilustradoras, roteiristas, letristas, editoras, jor-
nalistas, pesquisadoras, coloristas...
Então, muito obrigada por apoiar e divulgar o trabalho dessas mu-
lheres presentes no livro, assim, em breve talvez as pessoas não se surpre-
endam mais com sua ausência nos espaços, mas se encantem com a quali-
dade e diversidade de suas produções.
Muito Obrigada!
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Dani Marino e Laluña Machado....................................................................006
A VULNERABILIDADE COMO RESISTÊNCIA POLÍTICA EM DESCONSTRUINDO
UNA
Raquel Vitorelo..............................................................................................013
“SE VOCÊ NÃO DORMIR, AS FEMINISTAS VIRÃO”: HUMOR GRÁFICO FE-
MINISTA E PODER NA EMERGÊNCIA DOS FEMINISMOS NO CONE SUL
Cintia Lima Crescêncio...................................................................................022
O DEVIR-MONSTRO EM MY FAVORITE THING IS MONSTERS
Alice Grosseman Mattosinho.........................................................................041
MAGRA DE RUIM E AS (RE) INVENÇÕES DE SI
Mariana Souza Paim.....................................................................................057
A MULHER E OS EVENTOS DE QUADRINHOS: UMA CARTOGRAFIA
Keli Vasconcelos.............................................................................................072
RECORTES DA PRODUÇÃO DE SHOUJO MANGÁ NO BRASIL
Mariana Petrovana Ferreira da Silva.............................................................078
LIBERTE-SE!!
Sabrina da Paixão Brésio...............................................................................098
AS NARRATIVAS VISUAIS URBANAS FEMINISTAS E LGBT
Thais Linhares................................................................................................111
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resistência pode se dar através de exposições artísticas, protestos silenciosos
e não-violentos, em um texto que se dá pelos relatos pessoais das próprias
autoras, indo contra a linguagem convencional do discurso acadêmico. Su-
gere-se aqui, principalmente, um paralelo entre o capítulo escrito por Ma-
rianne Hirsch (2016) e a HQ analisada.
14
Essas ilustrações são intermitências da narração e recorrem ao re-
pertório do leitor para dar significado à metáfora, num processo semelhante
ao dos livros ilustrados (NIKOLAJEVA; SCOTT. 2011). A maior parte da
narrativa se dá em quadrinhos, contudo, ressalta-se a apropriação dramá-
tica feita pela autora dos signos gráficos típicos das HQs: elementos como
balões de fala e pensamento ganham dimensão física e interagem com a
personagem, que se vê incapaz de falar sobre as violências que sofreu - a
voz que a princípio “flutua” e carrega a menina, passa a ser literalmente um
fardo, como um saco em suas costas (Figura 2, Figura 3 e Figura 4).
Figura 2 - Capa da versão brasileira Figura 3 - Apropriação dramática dos
de Desconstruindo Una signos gráficos dos quadrinhos
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depoimento foi desconsiderado pelos investigadores, pois ela não se pare-
ceria com uma “prostituta” e, portanto, o estripador não teria interesse em
matá-la. Peter Sutcliffe só seria preso em 1981 por acaso, após uma patrulha
identificar que a placa de seu carro era roubada. Descobriu-se então que
Sutcliffe já havia sido entrevistado pela polícia diversas vezes durante a in-
vestigação e, ao colocar lado a lado os 92 retratos falados de crimes sexuais
cometidos em West Yorkshire desde 1972, era possível reconhecer seu rosto
em vários desenhos.
16
204), negligenciando assim outras vítimas de Sutcliffe que não se encaixa-
vam nesse perfil subjetivo, e encorajando a imprensa e o público a fazer um
julgamento moral das vítimas.
Figura 6 - Imagens da mulher Figura 7 - Imagens do homem
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e a subsequente falta de compreensão de sua família (Figura 6); segundo,
quando o livro finalmente descreve a prisão de Sutcliffe (Figura 7). Essas
duas figuras são análogas ao entendimento de Cagnin (2004) da relevância
nos quadrinhos do contexto intraicônico, e da relação dos elementos que
constituem o desenho - a mudança de um deles pode alterar o significado
de todo o conjunto (Figura 8). Semelhantemente, os códigos ilustrados por
Una se referem às expectativas arbitrárias de gênero, e satirizam a classifi-
cação simplista da investigação, desenvolvida sem basear-se em evidências,
mas em hábitos e características das vítimas, como o hábito de beber que era
o suficiente para considerar sua moral “questionável”.
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vulva e a vagina.
Figura 9 - Autorretrato de Una Figura 10 - Autorretrato de Una
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As páginas finais do livro dedicam-se a ser o memorial que essas
vítimas nunca tiveram: ao perguntar-se o que essas mulheres estariam fa-
zendo hoje, Una retratou-as sem limitá-las a vítimas, mas sim como pessoas
completas, refletindo a vida que poderiam ter vivido. Una optou por de-
senhá-las em situações corriqueiras e que seriam absolutamente banais, se
não representassem o exercício do direito à vida que lhes foi negado.
Figura 11 - Memorial
20
Bibliografia
CAGNIN, Antonio Luiz. Os Quadrinhos: um estudo abrangente da arte se-
quencial: linguagem e semiótica. São Paulo: Criativo, 2014.
EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Sequencial. São Paulo: Martins Fontes,
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São Paulo: Cosac Naify, 2011.
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SANTOS, R. E. (Org.). A Linguagem dos Quadrinhos: estudos de estética,
linguística e semiótica. São Paulo: Criativo, 2015.
21
“SE VOCÊ NÃO DORMIR, AS FEMINIS-
TAS VIRÃO”: HUMOR GRÁFICO FEMI-
NISTA E PODER NA EMERGÊNCIA DOS
FEMINISMOS NO CONE SUL
Cintia Lima Crescêncio
UFMS
cintia.crescencio@ufms.br
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Para as mulheres o ato de tomar para si o lugar de sujeito assertivo,
que provoca o riso, é por si só um ato de transgressão, na medida em que
essa ação ignora a premissa das mulheres como sujeitos passivos e, princi-
palmente, sem senso de humor. A ação de deslocamento do sujeito que é
alvo do humor para o sujeito que ri é, por si só, subversora e a iniciativa de
produzir humor a partir da perspectiva das mulheres tem, definitivamente,
resultados diversos. Não é coerente afirmar de maneira categórica que o
humor das mulheres e o humor feminista é sempre revolucionário. Assim
como os homens, elas são capazes de produzir humor depreciativo – inclu-
sive autodepreciativo – e baseado nos estereótipos mais cruéis. Contudo,
dadas as justificativas históricas e científicas que rondam o senso de humor
das mulheres, é importante pontuar que a tomada de lugar, ou melhor, que
a tomada do humor é um ato de autoridade assumido por elas.
23
senso de humor é o mesmo que, por muito tempo, – principalmente du-
rante o século XIX – questionou sua capacidade intelectual com base em
argumentos de clérigos, de cientistas, de filósofos. Estando inteligência e
senso de humor interligados, parece bastante claro que “[...] quem negou
o senso de humor das mulheres, por conseguinte, começou negando-lhes a
capacidade de pensamento lógico” (WALKER, 1988, p. 82, tradução livre)2.
Assim como muitos outros discursos que, apesar da necessidade de serem
repetidamente reforçados, figuram como verdades e constituem as vivências
das mulheres, o esforço de provar sua inabilidade de rir, e principalmente de
fazer rir, precisam hoje ser desconstruídos. Um vasto universo de produções
de mulheres que fazem uso do humor questionam tais premissas e isso vale
para diversos contextos, incluído o dos países do Cone Sul das décadas de
1970-1980.
Para Ricky Goodwin (2011), o humor gráfico que emergiu com for-
ça nos anos 1950 no Brasil e se fortaleceu nas décadas seguintes, foi um
campo dominado por homens. É difícil negar tal afirmação, uma vez que
ela se refere ao domínio de um campo. Contudo, é motivo de desconfiança
a inexistência de mulheres na extensa lista de cartunistas reconhecidos cita-
dos pelo autor em um intervalo de quase 50 anos. Reconhecer o domínio do
campo como masculino não pressupõe ignorar mulheres cartunistas que,
na época, eram sim reconhecidas. Ciça, Mariza, Cahu, Hilde Weber, Crau
são alguns exemplos.
2 “[…] who deny woman the sense of humor thus have begun by denying her capacity for
logical thought”.
24
afirma que o que muitos entendem por humor estadunidense é, na verdade,
o humor masculino dos Estados Unidos. Chegamos a conclusão parecida
quando lançamos um olhar atento ao humor gráfico brasileiro e dos outros
países do Cone Sul.
3 “The man who fears the laughter of women is the man who fears the power of women”.
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majoritariamente com outras mulheres, sendo elas feministas ou não. As-
sim, espelhado na cultura, o humor é demarcado pelo gênero, tanto em sua
produção como na forma de reagir a ele.
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O humor não simula, como o carnaval, conduzir-nos
além dos nossos próprios limites. Ele nos dá o sentimen-
to, ou melhor, a imagem da estrutura dos nossos limites.
Ele nunca é fora dos limites. Ele enfraquece os limites
por dentro. Não procura uma liberdade impossível, mas
é um verdadeiro movimento de liberdade. Humor não
nos promete a libertação: pelo contrário, ele nos alerta
sobre a impossibilidade de libertação global, lembran-
do-nos da presença de uma lei que não temos razão de
obedecer. Essa lembrança enfraquece a lei (ECO, 2011,
p. 8, tradução livre)5.
5 “Humor does not pretend, like carnival, to lead us beyond our own limits. It gives us the
feeling, or better, the picture of the structure of our limits. It is never off limits, it undermines limits
from inside. It does no fish for an impossible freedom, yet it is a true movement of freedom. Humor
does not promise us liberation: on the contrary, it warns us about the impossibility of global liber-
ation, reminding us of the presence of a law that we no longer have reason to obey. In doing so it
undermines the law”.
27
Imagem 1 – Autoria Ilegível. Mulherio, Brasil, março-agosto de 1986.
Edição 25, p. 17.
6 “We smile because we feel sad for having discovered, only for a moment, the truth”.
28
de plena consciência das injustiças do mundo. O riso feminista é, em sua
maioria, um triste riso de descoberta, como bem demonstra a tira de Sylvia
Bruno.
29
decidir sobre mi persona”.
30
ri da própria ideia da desigualdade de gênero numa tentativa de tornar essa
desigualdade algo absurdo e impotente” (WALKER, 1988, p. 145, tradução
livre)9.
9 “Feminist humor [...] laughs at the very idea of gender inequality in an attempt to render
such inequality absurd and powerless”.
10 “If we tell these jokes about ourselves, we’ll make the straight, white, patriarchal man our
pal, because he finds these jokes funny too. He knows at this point that he’s probably not allowed to
tell any of these jokes himself, at least not in mixed company, but he still enjoys hearing them. If a
joke, especially a joke laced with aggression, is directed at the power structure in front of a member
of the power structure, however, the results can be dangerous”.
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A partir do conceito de humor de Umberto Eco, baseado no movi-
mento de liberdade e na descoberta que resulta em um riso triste, mas reve-
lador, parece coerente presumir que o humor gráfico feminista produzido
nos países do Cone Sul carrega em si uma possibilidade de transgressão.
Mais do que tirar do anonimato o humor feminista produzido abaixo da
linha do Equador, contestando inúmeros paradigmas que desconsideram e
invisibilizam esse tipo de produção, ainda podemos celebrar o fato de que
o conteúdo desse tipo de humor era, e ainda é, potencialmente transforma-
dor. A transformação, por sua vez, não é fruto apenas do riso de descoberta,
eminentemente triste, é também derivado de um riso que celebra, um riso
esperançoso.
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normas de gênero impostas socialmente. Observar os detalhes da ilustração
é, entretanto, reconhecer a cruz sendo transformada no símbolo do femi-
nino, com tinta, publicamente. As duas mulheres representadas na imagem
mostram satisfação, uma sorri e a outra tem os braços para o alto, sugerindo
felicidade. Celebra-se o poder das mulheres de contestar e mudar a lei.
Tal concepção de lei, que aqui opto por entender como cultura, ser-
ve de maneira muito eficaz para explicar e entender as lutas feministas que
foram empreendidas na segunda metade do século XX no Cone Sul, espe-
cialmente se olharmos para a maneira como o humor gráfico foi explorado
para esses fins.
O humor feminista que não figura nos cânones que celebram a lin-
guagem inédita e satírica fundada por alguns poucos e significativos jornais
alternativos, como aconteceu no Brasil, pode não ter seus melhores mo-
mentos publicados em belas edições de capa dura a venda por uma pequena
fortuna, mas ele é potente e capaz de contestar privilégios e injustiças. Tendo
potencial de transformação, portanto, ele causa medo, sentimento muito co-
mum na sociedade em relação ao feminismo. “Si no te duermes, vendrán las
feministas”, anuncia a charge assinada por Arana e publicada no Mulherio.
33
pós-revolucionário francês.
34
No humor feminista produzido por mulheres no Cone Sul, a de-
sigualdade, a injustiça, o machismo são, notadamente, representados por
faces descontentes e furiosas de homens. Alguns personagens podem, even-
tualmente, não ter nenhuma identificação de gênero, mas em sua maioria
o personagem que tem uma premissa questionada, é desenhado com ele-
mentos que o identificam com o masculino. Em tais imagens as mulheres
raramente são representadas como as vilãs da história. O exemplo do jornal
uruguaio La Cacerola se adequa bem a essa importante característica do
humor feminista produzido em forma de arte gráfica no Cone Sul.
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Quem pesquisa humor não tem o dever de explicar porque algo é
engraçado, até porque aprendemos desde sempre que uma piada que pre-
cisa ser explicada perde a graça (WALKER, 1998). A explicação da piada,
do cartum, do chiste, desnuda o gracejo de seu original potencial de fazer
rir. Sendo assim, explicar os motivos pelos quais as mulheres feministas do
Cone Sul riem de certas charges e tiras não é minha intenção. Entretanto, é
crucial procurar entender os assuntos que mobilizam esse humor gráfico, já
que essa compreensão ajuda a iluminar não só as preocupações feministas
do período, como também as formas como essas mulheres procuraram rir
e, como dito anteriormente, colocar em cheque algumas premissas.
11 “[...] women – like anyone else, for that matter – have created humor about what they
know best and what concerns they most […] they have written about neighbors, relationships, sewing
circles, and children. When their humor has been political, as it often has, it has tended to focus on
women’s rights – suffrage until 1920, and other forms of equality since women won the right to vote
[…] women’s humor has been less aggressive and hostile than has that of men [...] because of their
unequal position in society, women may be even more conscious than men [...]”
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A forma de produzir humor assinado por mulheres é identificada
como distinta daquela dos homens, tanto em termos temáticos, quanto do
ponto de vista da forma. Elas, assim como eles, produziram humor sobre
temas que conhecem e as preocupam, no caso da realidade americana: vi-
zinhos, relacionamentos, crianças e questões políticas, como o voto femini-
no e seus desdobramentos pós-sufrágio. É comumente aceito que o humor
produzido por mulheres é menos agressivo que o dos homens. Obviamente
há exceções, e elas não são recusadas, mas em termos gerais é importante
tentarmos compreender as marcas que caracterizam esse humor feito por
mulheres que se desdobra no humor feminista. Nancy Walker finaliza afir-
mando que, em função da posição política, social e econômica das mulhe-
res, elas foram capazes de ser mais conscientes em relação aos homens na
produção do humor. Esta última assertiva pode, certamente, causar contro-
vérsias, no entanto, parece difícil negar que a produção humorística delas
baseou-se com muito mais frequência em questionamentos conscientes e
engajados.
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Incongruência tem sido um grande dispositivo para de-
codificar os mitos do patriarcado, porque no humor das
mulheres frustração e raiva, baseadas nas desigualdades
de gênero, tiveram de ser expressas de maneira dissi-
mulada. Expondo as disparidades entre as realidades da
vida das mulheres e as imagens das mulheres promovi-
das pela cultura, entre as desigualdades às quais as mu-
lheres são submetidas e os ideais igualitários aos quais a
nação foi fundada. As humoristas americanas têm como
alvo o sistema patriarcal (WALKER & DRESNER, 1998,
p. 174, tradução nossa)12.
38
Comédia é contextual, ela dialoga com as preocupações de um de-
terminado período (BARRECA, 1991). Talvez o grande estranhamento em
relação ao humor feminista seja o fato de ele continuar aparentando atua-
lidade mesmo depois de décadas e até séculos. Além deste elemento, é im-
portante ressaltar que ele ainda supera barreiras geográficas. Humor gráfico
feminista com conteúdos muito parecidos promovem o riso no Brasil e na
Bolívia.
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DEU: Walter de Gruyter, p. 1-9, 2011.
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Book’s: USA, 2002.
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SCOTT, Joan. Cidadã Paradoxal: as feministas francesas e os direitos do
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SKINNER, Quentin. Hobbes e a teoria clássica do riso. São Leopoldo: Edito-
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WALKER, Nancy A. & DRESNER, Zita. Women’s humor in America. In:
What’s so funny? Humor in American Culture. American Visions: United
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______. What’s so funny? Humor in American Culture. American Visions:
United States, 1998.
40
O DEVIR-MONSTRO EM MY FAVORITE
THING IS MONSTERS
Alice Grosseman Mattosinho
Alexandre Linck Vargas (Professor)
Resumo: O presente artigo científico tem como objetivo traçar uma análise
estética da história em quadrinhos “My favorite thing is monsters” da autora
norte-americana Emil Ferris, publicada em 2017, que recebeu as premia-
ções Ignatz , três prêmios Eisner e a premiação de Angoulême International
Comics Festival. O quadrinho já possui sua edição nacional e é apresentado
na forma dos cadernos de Karen Reyes, uma garota de 10 anos apaixonada
por monstros e terror, que se representa como menina-lobo em seus dese-
nhos. Ambientado em Chicago nos anos 60, a trama inicia-se quando Karen
descobre que sua vizinha, uma sobrevivente do holocausto, supostamente
comete suicídio e a garota decide investigar as causas de sua morte. Ilustra-
do através de diários, Karen precisa enfrentar seus medos, anseios e desejos
enquanto criança numa área pobre da cidade, passando por acontecimentos
como a morte de sua vizinha, o assassinato do reverendo Martin Luther
King e o câncer de sua mãe. As ilustrações utilizam apenas caneta esferográ-
fica sob páginas pautadas com espirais de caderno, e muito da trama remete
à infância da própria autora. Será utilizada a obra de Gilles Deleuze e seus
conceitos para analisar como interferem o devir-animal da protagonista,
analisando esteticamente o roteiro, arte e a maneira que a autora traduz o
terror através de sua obra.
Palavras-chave: Histórias em quadrinhos. Terror. Monstro. Devir.
41
1 Introdução
42
afirma que “Emil Ferris é uma das quadrinistas mais importantes da atuali-
dade” (JENNINGS, 2017).
2.1 Devir-monstro
43
Figura 1: “Karen Reyes”
44
mente ameaçadores; são cognitivamente ameaçadores.
São ameaças ao senso comum. Sem dúvidas, é em virtude
dessa ameaça cognitiva que esses monstros terríveis são
remontados; mas também pela maneira a qual afetam
aqueles que os encontram, tornando-os loucos, raivo-
sos, degenerados e assim por diante. Isso ocorre porque
monstros são, de certa forma, desafios à base da maneira
de pensar de uma cultura.
(CARROLL, 1990, pg. 34).
Karen, uma garota pobre, homossexual, que não conheceu seu pai,
com uma mãe cigana e supersticiosa, um irmão latino, tatuado e mulheren-
go, seria, portanto, um monstro perante à cultura de sua época. Um outro,
um desvio. Sua ligação com monstros se faz além do lúdico, criando um
devir-animal, um devir-monstro:
Um devir não é uma correspondência de relações. Mas
tampouco é ele uma semelhança, uma imitação e, em últi-
ma instância, uma identificação. Toda a crítica estrutura-
lista da série parece inevitável. Devir não é progredir nem
regredir segundo uma série. E sobretudo devir não se faz
na imaginação, mesmo quando a imaginação atinge o ní-
vel cósmico ou dinâmico mais elevado, como em Jung ou
Bachelard. Os devires-animais não são sonhos nem fan-
tasmas. Eles são perfeitamente reais. Mas de que realidade
se trata? Pois se o devir animal não consiste em se fazer de
animal ou imitá-lo, é evidente também que o homem não
se torna “realmente” animal, como tampouco o animal se
torna “realmente” outra coisa. O devir não produz outra
coisa senão ele próprio. É uma falsa alternativa que nos
faz dizer: ou imitamos, ou somos.
(DELEUZE, 2009, pg. 15)
45
Figura 2: “Anka”
46
caso. Anka era, na realidade, uma sobrevivente do holocausto e histórias de
sua vida como prostituta e prisioneira na Alemanha nazista foram gravadas
em um gravador caseiro para uma entrevista que ela havia dado anos atrás.
O marido de Anka, sr. Silverberg, mostra uma fita de áudio à Karen, que
rouba o restante das fitas quando o sr. Silverberg encontra-se bêbado, na
esperança de utilizar essas informações para desvendar quem a assassinou.
47
Ao observar no museu a pintura “O abençoado Guillaume de Tou-
louse atormentado por demônios” de Ambroise Frédeau, Karen questiona-
-se sobre ela própria querer ser um monstro e segrega monstros em duas
categorias: os bons e os maus. Os maus, para a protagonista, são aqueles
que assassinaram o reverendo Martin Luther King, o pior tipo de mons-
tro. Monstros maus não querem que os outros sejam livres, querem que o
mundo torne-se do jeito que eles desejarem e, enquanto monstros bons são
assustadores por uma razão além de seu controle, monstros maus só que-
rem saber de ter o controle. Aplicando a definição de Noel Carroll (1990)
mencionada anteriormente, monstros bons são aqueles que se desvirtuam
de uma certa cultura regente. Já os monstros maus são a cultura regente
tentando se impor aos demais.
48
funciona por redes flexíveis modulares, “como uma mol-
dagem auto-deformante que mudasse continuamente, a
cada instante, ou como uma peneira cujas malhas mudas-
sem de um ponto a outro”
(HARDT, 2000, p. 357, tradução da autora)
49
Sandy também não possuem suas diferenças integradas na ordem da socie-
dade do controle, são considerados párias, como Karen.
Tal qual apontado por Carroll (1990), a cultura regente teme o poder
de cognição causado pelo contato de monstros perante suas vítimas. Mons-
tros podem afetar e mudar quem estiver perto (CARROLL, 1990), tendo na
figura dos pais a cultura vigente, na figura de Missy a vítima e na figura de
Karen, o monstro. Em alguns momentos da obra é implícito que Karen es-
50
tivesse apaixonada por ela, o que torna sua rejeição como amiga ainda mais
dolorida à protagonista.
Figura 5: “Noiva da filha de Drácula.”
4.3 Reflexo
51
de buscar algum tipo de superstição que curasse a doença e, ao mesmo tem-
po, reclama sobre não a levarem a sério por terem escondido a seriedade do
câncer de sua mãe. Próximo ao final do quadrinho, com a morte vindoura
de sua mãe, Deeze a leva para um espelho e lhe pergunta o que ela vê. Após
responder que “me vejo”, Deeze pressiona sua irmã, dizendo “Karen, você
diz que quer saber a verdade, então olhe para seu reflexo” (FERRIS, 2017).
Com algum esforço após olhar para sua imagem, Karen vê, pela pri-
meira e única vez na GN, seu reflexo humano. Enxerga uma garota de 10
anos, fragilizada segundo seu irmão, que talvez precise de ajuda. No entan-
to, a estranheza de Karen ao ver um rosto humano em seu rosto a assusta
mais que qualquer reflexo monstruoso, já que não mais se enxergava como
qualquer outra coisa que não um monstro. Tal reação poderia significar que
sua realidade como monstro é tão forte que Karen já não é mais a menina.
Ela parece uma humana em sua casca, mas seu cerne é monstro, e seu lado
humano é apenas uma semelhança aos demais humanos. Não se torna além
do similar, da cópia da ideia (DELEUZE, 2000, p. 4) do que seria um hu-
52
mano. Enquanto seu irmão pensa que Karen é uma garota tentando escon-
der-se na casca de um monstro, Karen é o monstro que se assusta quando
relembra que sua casca é uma garota.
Figura 8: “Uma garota!”
Seu irmão comete uma violência ao forçá-la a ver seu próprio re-
flexo, impondo uma representação pré-determinada. Faz uso do controle
para estabelecer uma relação de poder, para impor à sua irmã uma maneira
de vê-la própria dele, mesmo enquanto Karen vê-se, sente-se um monstro.
Na sociedade do controle, as possibilidades são identificadas, previstas e
apesar de não necessariamente binárias, precisam ser catalogadas. Não há
espaço para o devir dentro controle. O devir é a fuga, pois o monstro pode
ser controlado e pode vir a ter um espaço na sociedade do controle, porém
o devir-monstro, enquanto linha de fuga, não participa do controle. Para
o paradigma da sociedade do controle, o problema principal não é ser um
monstro, mas ser uma garota em rota de fuga ontológica em direção ao
monstruoso. Essa é a alternativa indecidível entre verdade e aparência, a
potência do falso.
53
Olhar para seu reflexo no espelho e ver uma garota ao invés de um
monstro assemelha-se a uma maneira invertida de olhar para o abismo.
“Quem deve enfrentar monstros deve permanecer atento para não se tornar
também um monstro. Se olhares demasiado tempo dentro de um abismo, o
abismo acabará por olhar dentro de ti.” (NIETZSCHE, 2001, pg. 89). Como
para Karen, monstros são bons, enxergar-se como uma menina é a visão
mais assustadora que poderia ter.
3 Conclusão
Referências
54
Industry. Tese-Social Works, Georgia State University, 2007.
DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. 4ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. pp.
259-271 (Estudos).
JENNINGS, Dana. First, Emil Ferris was paralyzed. Then her book got lost
at sea. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/02/17/arts/design/
first-emil-ferris-was-paralyzed-then-her-book-got-lost-at-sea.html>. Aces-
so em 27 jun. 2019.
MACDONALD, Heidi. Emil Ferris wins the Fauve D’Or for My Favorite
thing is Monsters. Disponível em: <https://www.comicsbeat.com/emil-fer-
ris-wins-the-fauve-dor-for-my-favorite-thing-is-monsters/>. Acesso em: 20
fev. 2020.
55
fia do futuro. São Paulo: Editora Hemus AS, 2001.
56
MAGRA DE RUIM E AS
(RE) INVENÇÕES DE SI
Mariana Souza Paim1
57
Introdução
58
Existe atualmente uma enorme quantidade de grupos, fóruns,
comunidades em diversas redes sociais e paginas próprias e/ou coletivas
hospedadas em plataformas como o tumblr, instagram, facebook, entre
outras. Essas movimentações em meio virtual constantemente tem se
desdobrado em ações e encontros presenciais, como as feiras e estandes de
publicações, como o Vênus Press, cursos de formação e encontros, como o
Lady’s Comics5 e o [Des]enquadradas6 e as publicações coletivas, como a
Zine XXX, publicada através de financiamento coletivo em 2014, em cinco
volumes que reúnem as obras de diversas quadrinistas brasileiras. Sendo
uma produção bastante heterogênea, com relação ao modo de produzir,
técnicas e temas, as mulheres que fazem quadrinhos no país atualmente se
autopublicam seja através da internet ou dos impressos de baixa tiragem e
orçamento.
5 Lady’s Comics foi um coletivo que surgiu em 2010 como uma inciativa pautada na busca
por pensar e refletir a produção de quadrinhos, especialmente das mulheres. O coletivo desenvolveu
diversas ações relacionadas a crítica e visibilidade da produção das mulheres nos quadrinhos, como
a manutenção do site homônimo com resenhas, entrevistas e um banco de mulheres quadrinistas,
o BAMQ!, a publicação da revista Risca! (2015), além de encontros e oficinas de formação para
educadoras/es.
6 A primeira edição do evento ocorreu em Fortaleza no ano de 2014, tendo como proposta
o debate sobre a relação entre consumo e produção dos quadrinhos feitos por mulheres.
7 Surgido na década de 1970 inicialmente com o nome It Aint Me Babe Comix, o Wimmen’s
Comics Collective era um coletivo formado exclusivamente por mulheres voltado a publicação
de quadrinhos feitos por mulheres, tendo como objetivo estabelecer um espaço de visibilidade e
circulação dessa produção frente ao machismo e misoginia da cena underground do período.
8 É o nome de um movimento surgido nos Estados Unidos na década de 1990, envolvendo
fanzines, música hardcore e punk rock feminista e festivais. O termo é uma referência a fanzine Riot
Girrrl feita por Alison Wolfe, da Bratmobile, questionando o espaço das mulheres nas bandas de rock.
59
boletins de histórias de ficção cientifica criadas fora do circuito editorial,
mas ao longo do tempo tiveram seu sentido ampliado, podendo ser definido
como:
Uma publicação independente e amadora, quase sempre de
pequena tiragem, impressa em mimeógrafos, fotocopiadoras,
ou pequenas impressoras offset. Para sua edição, contamos
com fãs isolados, grupos e associações ou fãs-clubes de
determinada arte, personagem, personalidade, hobby ou
gênero de expressão artística, para um público dirigido,
podendo abordar um único tema ou uma mistura de vários
(MAGALHÃES, 2004, p. 27).
Magra de Ruim
60
seu trabalho fosse veiculado em revistas, jornais e campanhas publicitarias
de grande circulação nacional, tanto que a página do facebook Magra de
Ruim já conta com mais de 200.0000 seguidores. Além de fazer quadrinhos,
Sirlanney, participa de rodas de discussão sobre feminismo e quadrinhos,
ministra oficinas e cursos de quadrinhos e fanzines por todo o país.
Além disso, lançou uma campanha pelo Apoia-se, uma plataforma de
financiamento coletivo que funciona com a arrecadação de contribuições
de quantias variadas destinadas ao custeio das despesas da artista.
61
o ano de 2014. O livro inclui também seu primeiro zine autopublicado, o
SddS, que foi produzido em 2013, com a temática escolhida pelos leitores
que já acompanhavam sua página, Magra de Ruim, na internet.
13 O termo beat generation teria surgido no final da década de 1940 e se refere a uma literatura
que dava conta de refletir principalmente sobre as experiências subjetivas. Os beats inauguraram e
reelaboraram novas modalidades de escrita, como o fluxo de pensamento, realizando inovações tanto
na prosa quanto na poética, onde os poemas desenhavam outras manchas gráficas, sem rimas ou
cortes convencionais, mas se voltavam também a tecer críticas a sociedade conservadora estabelecida
nos Estados Unidos na década de 1950. Alguns dos autores desse geração são: Jack Kerouack, Alen
Ginsberg, Diane di Prima, dentre outros.
62
explora em suas ilustrações a ficcionalização de si, bem como as questões de
gênero e sexualidade.
63
objeto dos mais variados saberes, lugar de uma fala
abundante, relegando a voz feminina ao silêncio. Hoje, as
mulheres apropriaram-se dele, lutando pelo conhecimento e
pela autonomia de seu corpo, grande bandeira do feminismo
contemporâneo. (XAVIER, 2008, p. 22)
64
Há assim um investimento que se desdobra na tentativa de se pensar
a sexualidade centrada no prazer, bem como levar a sexualidade feminina
para além do agenciamento dos constructos relacionados ao gênero e
sua dinâmica em nossa sociedade patriarcal. Dessa forma, as narrativas
caminham no sentido em que pensa Butler,
[...] a sexualidade que emerge na matriz das relações de poder
não é uma simples duplicação ou cópia da lei ela mesma,
uma repetição uniforme de uma economia masculinista
da identidade. As produções se desviam de seus propósitos
originais e mobilizam inadvertidamente possibilidades
de “sujeitos” que não apenas ultrapassam os limites da
inteligibilidade cultural como efetivamente expandem as
fronteiras do que é de fato culturalmente inteligível (2015, p.
54).
65
Figura 2, 2013, p.112.
66
As personagens masculinas presentes na publicação tanto provocam
e despertam o erótico, como também representam de certa maneira a
manutenção ou o chamado a uma ordem que se inscreve através do universo
das interdições sobre o comportamento e escolhas da personagem. Sendo a
família, e mais especificamente a figura paterna, uma das personagens que
representam esse apelo a normatização da conduta da personagem.
67
Figura 4, 2014, p.136.
68
Figura 5, 2014, p. 31.
69
em sua produção.
Referências
70
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: A vontade de saber. São
Paulo: Paz e Terra, 2014.
MELO, Erica Isabel de. Riot Grrrl: feminismo na cultura juvenil punk. In:
Anais do VII Fazendo Gênero, Florianópolis, 2006. Disponível em: <http://
www.fazendogenero.ufsc.br/7/artigos/E/Erica_Melo_Riot_01.pdf>. Acesso
em 13 de novembro de 2016.
NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? São Paulo:
Edições Aurora, 2016.
71
A MULHER E OS EVENTOS DE
QUADRINHOS: UMA CARTOGRAFIA
Keli Vasconcelos1
Hoje, convidada a fazer parte deste livro, faço essa cartografia desses
anos como frequentadora/repórter/curiosa de eventos de Quadrinhos, das
pessoas que conheci e do quanto tenho que aprender. Recordo-me também
quando adolesci, indo às convenções de Animês e Mangás, aí conta-se uns
quinze anos atrás.
72
Selecionei e editei frases (e suas respectivas notas de rodapé) das mulheres
que palestraram nessas ocasiões, e que resultou em matérias3, para este ca-
pítulo.
Confesso que ia mais para ver as palestras com o tópico: “como co-
meçar a publicar”, por conta do gosto pelo desenho, já que permeia em mim
a vontade de experimentar. E nessas experimentações, passei a buscar even-
tos onde a presença feminina tenha vez e voz. A cada palestra, mais me
instigava entender esse universo. A coragem veio e, por um ano, ilustrei a
tira “Sensações” para o site Jornalirismo4, que eu já atuava como cronista
voluntária.
73
Espaço” e “Gibi de Menininha – 1 e 2”.
74
Franco fizeram o recorte na indústria cinematográfica e streaming do gêne-
ro, sem deixar de lado os Quadrinhos.
10 Linda Susan Boreman (Nova York, 10 de janeiro de 1949 — Denver, 22 de abril de 2002) –
ficou conhecida pelo filme “Garganta Profunda” (1972). Em sua autobiografia, revelou ter sido vítima
de estupro e violência doméstica (1980).
75
Mais espaço, mais diversidade
Pois é, diversidade. E insisto: será que jamais existiu nessas feiras,
nesses salões, nas páginas de HQs, eróticas ou não? Agora, digitando essas
palavras, percebo que as mulheres sempre estiveram e têm protagonismo
em desenhar, escrever, entender o seu jeito de ser.
76
“A” ou “B”, e sim para todas as letras, cores, para quem começa, para quem
prossegue.
Sigamos, portanto.
77
RECORTES DA PRODUÇÃO DE SHOUJO
MANGÁ NO BRASIL
Mariana Petrovana Ferreira da Silva1
78
1. Porque Shoujo Mangá?
2 Otaku: Termo utilizado para se referir a uma pessoa doente, obcecada por algo, porém
no Brasil, o termo recebeu um contexto diferente, se referindo a fãs exclusivamente de cultura pop
japonesa.
79
surgiram dentro da demografia. Segundo site de cultura pop, Jbox (2012),
a Revista Nakayoshi, surgiu em 1954, uma das mais significativas da de-
mografia, e que se mantem em publicação até hoje. Na década seguinte, o
crescimento geral do mercado foi intenso para todos os setores editoriais de
mangás e algumas revistas alcançaram valores de tiragens recorde. Houve
momento onde essas tiragens alcançaram a casa dos milhões, mas os núme-
ros nunca foram equivalentes aos das revistas shonens, para rapazes.
80
a posição da mulher na sociedade, que este artigo não pretende contemplar
estes aspectos em particular.
Vale frisar nesse contexto, que quando essas histórias shoujos che-
garam no Brasil, a narrativa delas dialogava de uma forma diferente com as
leitoras mulheres e jovens garotas. Mesmo que não houvesse uma instru-
mentalização por parte desse público acerca dos hábitos e costumes japone-
ses, os mangás ainda assim caíram no gosto do público, pois já tinha se esta-
belecido um contato prévio advindo do “BOM” das animações distribuídas
pela TV aberta, (BRAGA JR. 2010)
81
livros de RPG, propagandas e mais.
82
metesse a animes populares como: Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco,
animes amplamente divulgados nesse primeiro momento do quadrinho ja-
ponês no país. É possível perceber que vários manuais que se destinavam a
ensinar o traçado nipônico foram produzidos e distribuídos em banca de
revista. Um dos mais conhecidos e que recebeu diversas republicações, foi a
revista: “Como desenhar mangá”, dos anos 2000, as ilustrações que compu-
nham o manual, eram da artista brasileira, Denise Akemi, da editora escala.
E em comparação com a figura 02, é possível ver na figura 03 que existe um
traçado que é facilmente reconhecível com esses elementos típicos da visua-
lidade e estética característica do shoujo.
Figura 03 – Revista como desenhar mulheres, Ed. Escala, 1999, Denise Akemi
83
pônico estava sendo absorvido e amplamente reproduzido nas primeiras
iniciativas de coletâneas de mangás. E era visível a tendência dos desenhos a
seguir o tipo de visualidade e estética característica do shoujo, mesmo que a
narrativa das histórias tivesse outros desenvolvimentos.
84
Figura 05 – Mangás, Oiran, Studio Seasons, 2002.
85
da personagem, é comum, os cenários serem descartados, deixando os fun-
dos com gradientes de cinza simples ou totalmente brancos.
86
do autoras com sobrenomes japoneses, não é estranho pensar que essas ilus-
tradoras já tinham acesso aos mangás antes mesmo deles chegarem ao gran-
de público nacional. Mas também é perceptível em casos como do próprio
Studio Seasons, que o interesse pela demografia se desenvolveu para além
de terem componentes na equipe que sejam descendentes de japoneses.
Para além dos elementos estéticos, como já foi descrito nesse tra-
balho, o enredo e desenvolvimento do roteiro, também traz em si caracte-
rísticas comuns a demografia. E é possível citar roteiristas mulheres, que
87
trabalharam enredos de suas histórias com influência do tipo de narrativa
japonesa, seja ela mimética ou apenas inspirada. Montserrat do próprio Stu-
dio Seasons é roteirista de vários dos trabalhos apresentados pelo studio:
Sete dias em Alesh, Zucker, Mitsar e vários outros.
88
Figura 09 –Ação Magazine, ed 03, Assombrado de Petra Leão e Roberta
Pares, 2012..
89
Popcake Magazine. (figura 10)
Figura 10 -Edições da Revista on-line Popcake Magazine, Reação Editora, 2013.
90
o Editoras de Texto: Lilith Lior Et Leihan, Ellen Momo
o Mascote: Tabby chan
3 Fanzine: é o termo utilizado para produções caseiras de quadrinhos, feitas por iniciantes
para feiras e eventos.
91
bem-sucedidos, 2017 para o vol 01, 2018 para o vol 02 e 2019 para o vol 03.
92
Outra produtora de trajetória fortemente marcada por aspectos de
visualidade shoujo é a autora Cah Poszar, que tem sua própria série com-
pleta: Terra & Windy, além de duas oneshots que são: The little good Wolf,
e A Torre; Tendo este último se classificado entre os 15 melhores títulos
no BMA (Brasil Mangá Awards), organizado pela editora JBC em 2016. No
mesmo ano, a história ainda ficou em 2° lugar no tradicional prêmio literá-
rio Nikkei do Bunkyo.
93
de plataformas internacionais. E toda essa trajetória coloca o shoujo mangá
no momento atual.
94
e isso explicita que a trajetória do shoujo foi se fortalecendo sendo respalda-
do pelo trabalho de muitas autoras.
Figura 12 –trecho do Mangá turma da Mônica geração 12, MSP, ed. Panini
2019.
Disponível em https://maisdeoitomil.wordpress.com
95
mais autoras. As abordagens já mostram versatilidade nos temas, estes, cada
vez mais alinhadas com o tipo de público brasileiro. Indo além do simples
mimetismo de obras japonesas, esse shoujo mangá nacional, desponta em
obras que unem a visualidade japonesa, com enredos e roteiros cada vez
mais plurais de referências.
Referências.
Livros:
BRAGA JR. A. X. Desvendando o Mangá Nacional. Maceió. Edufal. 2011.
p. 22-60.
CHINEN, N. Linguagem Mangá: Conceitos Básicos. São Paulo. Criativo.
2013. p. 20-28
GUSMAN, S. OKA, A.M. LUYTEN, S.B. (Org) Cultura Pop Japonesa:
Mangá e Animê. São Paulo. Hedra. 2005. p. 49-86.
LUYTEN, S.B. Mangá o Poder dos Quadrinhos Japoneses. São Paulo. He-
dra 2001. p. 19-55.
MOLINÉ, A. O Grande Livro dos Mangás. São Paulo. JBC. 2004. p. 62.
VERGUEIRO, W. Panorama das Histórias em Quadrinhos no Brasil. São
Paulo. Peirópolis. 2017. p. 57.
Artigos:
O Desenvolvimento das Histórias em quadrinhos no Brasil. Santos,I.
G.R.B. De A.; Cruz, T. A. da;Horn, M. L. V. Revista E-LOGOS. Vol. II,
2011.
Os custos ao leitor de Quadrinhos Brasileiros e o efeito o mercado.
Daniel do Canto Oliveira Saks. 2° Jornada Internacional de Histórias em
Quadrinhos. Anais. São Paulo. 2013.
O Consumo de Mangá: Experiência individual e coletiva. Elisabeth
Eglem. 2° Jornada Internacional de Histórias em Quadrinhos. Anais. São
Paulo. 2013.
Websites:
96
Especial: O Mercado Interno Japonês. MIRABOLANTE. site: Jbox. 2012.
Disponível em: <http://www.jbox.com.br/2012/09/12/especial-o-mercado-
-interno-japones-de-mangas/>, 17/06/2017.>
Mangás JBC. JBC Editora. Disponível em: <http://mangasjbc.com.br/titu-
los/card-captor-sakura/ >.
97
LIBERTE-SE!!
Sabrina da Paixão Brésio 1
O convite
Nada aconteceu.
98
O que teria eu para acrescentar? Como propor um texto novo, sobre histó-
rias que verdadeiramente amo, sobre mulheres que me inspiram com sua
arte? Há pouco havia escrito um texto, a ser publicado no portal de livros
abertos da USP, sobre a HQ O jogo das andorinhas, de Zeina Abirached,
e não sentia que neste momento tivesse muito mais a acrescentar sobre a
obra (se você ainda não conhece este livro, pare agora e dê uma pesqui-
sada, eu espero). No ano passado já havia me debruçado sobre a obra Sita
conta o Ramayna, das indianas Samhita Arni e Moyna Chitrakar (mais um
quadrinho para conhecer hein, anota aí). Havia acabado de submeter um
trabalho sobre Bordados, de Marjani Satrapi (Ah! Esta você conhece não
é! Não? Vai lá, eu continuo esperando), para ser apresentado durante o IV
Entre ASPAS2. Estava sem ideias, sobre o que propor. Retomar uma destas
autoras? Ampliar o que já havia desenvolvido nos textos anteriores? Marjani
Satrapi, Trina Robbins, Alison Bechdel, são nomes, dentre outras, já supra-
citadas como referências de produção feminina em quadrinhos, e por isso
não achei interessante ser mais uma a expor aqui a obviedade (nem sempre
óbvia), de sua fundamental importância para a ampliação do horizonte de
mulheres quadrinistas, dentre outras do panteão matricial de fazedoras de
quadrinhos.
Sem saber o que propor, o que poderia ser realmente significante para
mim em uma coletânea deste calibre, eis que a tal luz divina que eu pa-
cientemente esperei veio, mais ou menos assim: De repente, enquanto eu
tamborilava na mesa, com uma gata dormindo no colo, detive o olhar nas
prateleiras entulhadas de mangás e disse a mim mesma: Baka!!!
A trajetória da leitora
99
mininas de auto-formação, uma saga em busca de uma jornada da heroína.
Pois bem, eu poderia naturalmente me enveredar por uma história já co-
nhecida, ou uma autora já referenciada, expondo algum ponto fulcral de
sua obra, mas os mangás deram a dica: por que não retornar às origens de
minha própria relação com os quadrinhos?
100
com as colônias imigrantes presentes no Brasil, onde estes mangás circula-
vam em sua língua original, e pelo interesse que não-descendentes come-
çaram a ter pelo material, ao ponto de estudarem a língua japonesa, prática
que permanece até os dias de hoje entre os fãs, muitos dos quais vão estudar
o idioma e acabam por criar uma rede de trocas virtual de materiais tradu-
zidos, tornando-se fansubbers e ampliando o volume e variedade de títulos
em quadrinhos que dificilmente seriam publicados por aqui.
101
já haviam sido transmitidos na rede aberta, com cortes, como Sailor Moon,
e novidades como Samurai X (Rurouni Kenshin) e Sakura Card Captors. Já
o canal Locomotion era muito mais direcionado às produções japonesas
e priorizava a exibição de animes, o que me iniciou em um mundo novo,
como uma qualidade de animação muito diferente do saudoso Saint Seiya
dos anos 1990. Neste período tive contato com o blues ciberespacial de
Cowboy Bebop, com as distopias de Akira e Ghost in the Shell, ao ciberfu-
turismo de Bubblegum Crisis Tokyo 2040, com protagonistas femininas, as
Knight Sabers. Neste período eu estudava de manhã, e minha rotina era pau-
tada pela grade destas duas emissoras. Das 13h às 15h assistia os animes da
Locomotin, das 16h às 19h na Cartoon Network, e após as 23h, as reprises
dos episódios que mais gostava.
Neste ponto você deve estar pensando: mas onde estão os mangás mu-
lher??? Desculpe pelo preâmbulo, mas ele é necessário para entender o que
motivou o boom de publicações de mangá no Brasil. Pois bem, este inves-
timento por parte das editoras, notadamente neste período da editora JBC,
dialoga com esta produção televisiva. Houveram tentativas anteriores em
publicar material japonês nos anos 1990, como O lobo solitário¸ Akira, Mai
a garota sensitiva, Kamui¸dentre outros. Entretanto, estas publicações che-
gavam via Estados Unidos, sendo reeditadas em formato ocidental, como
um comic, o que gerou erros de imagem e tradução. Cabe dizer que os man-
gás são lidos da direita para a esquerda, o que para nós, equivale a ler “pelo
final” da revista. Esta foi a aposta das editoras nos anos 2000. Pois bem, esta-
va eu completamente fascinada, imersa nestas experiências estéticas que as
animações me proporcionavam. E eis que um belo dia aparece na banca de
jornais próxima da escola o primeiro volume de Sakura Card Captor, com
orientação original de leitura. Comprei.
102
murai X (Rurouni Kenshin), e paulatinamente outros mangás que já haviam
sido exibidos nos anos 1990, como Yu Yu Hakusho Guerreiras Mágicas de
Rayearth, A princesa e o cavaleiro, já a Conrad trouxe Saint Seiya em 2001.
Fonte: http://www.guiadosquadrinhos.com/edicao/sakura-card-captors-n-1/
ca049100/39053
Tornar-se pesquisadora
103
existia um universo acadêmico de pesquisadores da área. Escolhi o curso
História com motivações muito diferentes, queria me tornar egiptóloga. En-
tretanto, eram os volumes de mangás que me acompanhavam no ônibus no
trajeto para as aulas, eram as revistas sobre anime e mangás que estavam
junto aos livros teóricos, os montes de bottons de personagens que deco-
ravam minha mochila. Eram os fãs de cultura japonesa os colegas que fiz
durante a graduação, com quem trocava ideias sobre um novo anime, um
evento, o desejo de fazer cosplay.
104
de a primeira pesquisa acadêmica realizada sobre mangás partiu daqui é de
tal importância para a compreensão de como este tipo de quadrinhos está
alinhavado à nossa experiência leitora e consumidora. Já na década de 1970,
Sonia Luyten, então redatora da revista/fanzine Quadreca lançava um nú-
mero especial sobre mangás, com uma chamada final para a criação de uma
associação de pesquisa de mangá no Brasil, a Abrademi, fundada em 1978.
Fonte: http://sonialuyten.blogspot.com/p/livros-publicados.html
105
dução acadêmica me auxiliou muito a compreender como eu fazia parte de
uma cultura maior e mais complexa do que eu supunha enquanto leitora
adolescente de mangás. Através das leituras de suas obras, fui conhecendo
outros autores, outros livros, e assim compondo uma vasta bibliografia de
pesquisa, que culminou em um projeto de mestrado e no Núcleo de Expe-
rimentações em HQ que ministrei no lab_arte5 de 2011 a 2017. Em se tra-
tando de mulheres, em meu percurso acadêmico a professora Sonia Luyten
foi essencial para que eu me reconhecesse também como pesquisadora, e
enveredasse por estes meandros acadêmicos.
Como disse, o primeiro mangá que comprei e que iniciou minha mo-
desta coleção (na listagem atual em quase 600 títulos, e contando), foi Saku-
ra Card Captors. Já acompanhava o anime na televisão, e acumulava posters,
álbum de figurinhas, as cartas Clow, pelúcias, etc... Juntando moedinhas e
cuidando de afazeres domésticos, ia comprando volume a volume e lendo
afoitamente. Sakura trazia um misto de magia, de comédia e romance que
ressoavam em minha vivência pré-adolescente. Eu, rata de biblioteca desde
os 8 anos de idade, encontrava uma história na qual uma menina de 10 anos
descobre um livro mágico repleto de cartas com poderes incríveis. Acompa-
nhar sua história, as relações com os amigos, com os familiares, a crescente
tensão amorosa com o antagonista e futuro parceiro de aventuras, Shaoran-
-Li, tudo isso criava uma aura de encantamento pelo Japão, pelas referências
culturais de gastronomia, educação, artes manuais e mitologia. Claro que
também criava estranhamentos: uma menina do ensino fundamental que
namora o professor? Um menino (ainda que reencarnação do mago mais
106
poderoso), vive com uma professora?
107
Mokona, Satsuki Igarahi, Tsubaki Nekoi e Ageha Ohkawa, que se organizam
entre a produção de roteiros, concepção de personagens, cenários, arte final,
direção de arte e marketing. O que torna o trabalho desta quatro artistas
fundamental para a minha (e talvez e de muitas outras leitoras) formação
enquanto leitora e fã de quadrinhos é a relevância de suas publicações no
Brasil. Suas produções são as mais publicadas no país 9, pela editora JBC
Guerreiras Mágicas de Rayearth (2 edições), Sakura Card Captors (2 edi-
ções), RG Veda, Chobits, X/1999, Tokyo Babylon, Angelic Layer, xxxHOLiC,
Tsubasa: Reservoir Chronicle, Miyuki-chan no País das Maravilhas, Kobato,
já pela editora Newpop temos disponível A Pessoa Amada, O Homem de
Várias Faces, Gate 7, Shunkaden, Soel & Larg: As Aventuras de Mokona Mo-
doki e Kakyou e se Diário de Conquista da Terra. Se isso não é muito para
qualquer autor de mangá traduzido, o que pode ser?
Como podemos notar nos títulos, esse grupo envereda por diferentes
temáticas, e tem como um ponto fundamental em seus roteiros a trama
dos relacionamentos interpessoais, com protagonistas fortes, e uma gama
de mulheres com personalidades muito bem trabalhadas. O amor, seja ele
hétero ou homossexual, é tratado com delicadeza e nuances de uma intimi-
dade que extrapola gêneros, sendo também colocado em termos de tabus,
como o amor não realizado de Tomoyo por Sakura, que espelha o amor que
a mãe de Tomoyo também nutria pela mãe de Sakura. A questão da dificul-
dade da intimidade e da relação com o outro é muito presente e denota uma
referência muito calcada na realidade japonesa, sobretudo no tema da soli-
dão, como vista em Chobits, no qual o relacionamento afetivo entre pessoas
é transferido para as máquinas, bonecas hiper-realistas feitas sob medida,
que levam a um isolamento social. Outros temas que envolvem a mitologia
e o misticismo, fantasia e o esboço de criação de um universo próprio inter-
ligado entre diferentes obras tornam a CLAMP instigante em sua produção.
Considerações
9 Segundo o blog Biblioteca Brasileira de Mangás: https://blogbbm.com/2017/09/25/bbm-
-lista-6-curiosidades-aleatorias-sobre-o-mercado-de-mangas-no-brasil/
108
O que tentei demonstrar com este breve relato é como é indissociá-
vel para mim a relação entre a leitora, a pesquisadora, a produtora e fã de
quadrinhos. Pensando em um panorama feminino de produções de quadri-
nhos no Brasil, espero que tenha ficado clara a importância destas mulheres
como Sonia Luyten na pesquisa, como as mangakás da Clamp na produção
de quadrinhos, como as protagonistas fortes das histórias que lia, para que
eu me tornasse quem sou.
Luyten, Sonia Bibe (org.). Cultura pop japonesa. São Paulo: Hedra, 2005.
Luyten, Sonia Bibe. Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses. 3ª ed. São
Paulo: Hedra, 2011.
Moliné, Alfons. O grande livro dos mangás. São Paulo: Editora JBC, 2004.
http://sonialuyten.blogspot.com/p/livros-publicados.html. Acesso em
18/03/2019
https://blogbbm.com/2017/09/25/bbm-lista-6-curiosidades-aleatorias-so-
bre-o-mercado-de-mangas-no-brasil/ Acesso em 18/03/2019
109
http://www.guiadosquadrinhos.com/edicao/sakura-card-captors-n-1/
ca049100/39053 Acesso em 18/03/2019
http://valkirias.com.br/representatividade-lgbt-em-sailor-moon/ Acesso
em 29/03/2019
https://blogbbm.com/2017/09/25/bbm-lista-6-curiosidades-aleatorias-so-
bre-o-mercado-de-mangas-no-brasil/ Acesso em 01/04/2019
110
AS NARRATIVAS VISUAIS URBANAS
FEMINISTAS E LGBT
Thais Linhares 1
RESUMO
MÉTODO
111
participativa. Desde 2014 a autora vem documentando por meio de fotos,
relatos, vídeos e artes gráficas, diversos cenários do ativismo feminista, lés-
bico e LGBT em geral. Opta-se por um recorte preciso sobre a arte dos qua-
drinhos/cartuns e grafitagem urbana – visto que é frequente que as artistas
transitem com fluidez entre estes meios de expressão – com um laço extra
para a poesia de rua, onde as mensagens dos grafites ganha oralidade.
112
conseguiram fazer valer a letra Constitucional garantindo plenos direitos de
autonomia no que tange à interrupção voluntária da gravidez, garantida em
34 países incluindo a França, Alemanha, Estados Unidos, Uruguai, Zâmbia,
Cuba ou Canadá, mas ainda criminalizada aqui. Em agosto de 2006, já
passados mais de 20 anos do fim do regime militar, a Lei Maria da Penha
(Lei 11.340/2006) instituiu agravante para crimes cometidos por parceiros
dentro do contexto da violência doméstica.
113
junta a poesia, os impressos, exposições e grafites. Interferências estéticas
nos corpos como tatuagens, piercings e cortes estilizados de cabelo, também
costumam ocorrer. A predileção é por tatuagens que simbolizem a pauta: o
espelho de Vênus que simboliza o feminismo, solitário ou em dupla repre-
sentando o relacionamento lésbico, flores cujo desenho lembre a forma da
vagina, o machado de dois fios – outro símbolo lésbico, o punho dentro do
espelho de Vênus evocando o ativismo negro, a borboleta significando a
transformação de gênero etc.
114
sobretudo travestis, expulsas de casa por suas famílias, e promove o Ocupa-
NEM, pré-vestibular para LGBT, usualmente prejudicadas em seus estudos
por conta das agressões homofóbicas promovidas dentro das escolas. Neste
apresentaram-se as poetas mulheres transsexuais do coletivo Sertransnejas.
2 – elas possuem nome próprio, não pode ser: “mãe de fulano”, “namo-
rada de sicrano”;
Ainda é difícil fazer com que os homens nos meios de quadrinhos com-
preendam que sua arte não é “normal” no sentido em que se produz conta-
minada por pontos de vista limitantes. O dito “mainstream” dos quadrinhos
é, na realidade, arte masculina. Por outro lado, o dito “quadrinhos femini-
115
nos” é tão mainstream quanto se queira qualquer outra vertente. Apenas
faltava o reconhecimento de que não há de se limitar narrativas. E que estas
são pautadas por demandas bem mais amplas que a de editores homens
heterossexuais.
3.1 As PERIQUITAS
116
que existia, então surgiu a ideia deste projeto. Cheguei a pensar em A Ara-
ra, mas havia o Pau-de-arara, da ditadura. Então optei por A Periquita. No
singular. Isso foi no milênio passado. Foram chegando mais artistas, e agora
virou As Periquitas. A conotação maliciosa está na cabeça das pessoas. É
uma revista feita por mulheres de humor e opinião” comenta Cláudia Fran-
ça, a cartunista Crau, editora da revista. Reuniu o time de mulheres para
publicarem quadrinhos e cartuns e promover o debate sobre a participação
feminina nas artes e em especial as fronteiras do dito feminino e masculino,
traçadas pela sociedade, o machismo histórico nas curadorias brasileiras e o
futuro das artes.
117
Trina foi pioneira em alertar para as questões de gênero nos quadri-
nhos e artes gráficas urbanas em geral:
118
garet Keane, cuja arte fora assinada por seu esposo por anos, antes que se
descobrisse a verdadeira autoria.
Saber que sua carreira poderá talvez decolar após seus 80 anos.
Estar segura de que qualquer tipo de arte que produzir será rotulada
de “feminina”.
Ter mais tempo livre pra produzir quando seu parceiro a largar por
uma mulher mais jovem.
Ter sua foto publicada em revistas sobre arte usando uma roupa de
gorila.
119
arte, mas sim do poder patriarcal. Atualmente as artes das Guerrilla Girls
ocuparam as paredes das mesmas instituições que elas criticam, ainda que
a desigualdade na representatividade feminina esteja longe de se considerar
superada. Em 2017, elas estiveram expostas nos salões do MASP –Museu de
Arte de São Paulo.
120
alimentam as narrativas poéticas para os embates do slam.
121
para tomar, mas é adequado, é correto, é visto com bons olhos, é uma
produção da sua família, é uma produção do bairro, é uma produção
da novela, é uma produção do cinema, está em todo lugar. Como a
gente vem disputando a cidade, quando você transgride algum des-
ses acordos tácitos é que você percebe que ele é um acordo tácito.
Nessa ocupação, nessa disputa pelo seu corpo, “meu corpo, minhas
regras”, você vai, então, se defrontar com isso. (…) o Brasil é um
dos países mais machistas do mundo, e a violência contra a mulher
está muito longe de ser só de chegar às vias de fato, de chegar a ser
estuprada, por exemplo. A violência está em não poder existir, não
poder ocupar os lugares, ou quando pode ocupar, tem que ocupar na
lógica masculina.
122
assassinatos de mulheres são um perigo real.
5. INTERNET
123
mente macho-hetero-normativa. Mulheres e LGBTs se organizam pra rom-
per a barreira do medo e silêncio se apoiando em táticas coletivistas. Daí
surgem as campanhas que se valem da tecnologia das hashtags (#) com in-
tuito de compartilhar experiências pessoais de assédio, estupro – alertando
e denunciando a opressão de gênero. Como por exemplo a campanha, que
se tornou planetária,
Este artigo não ambiciona esgotar as listas dos grupos e das páginas
das redes feministas e LGBT, que prosseguem crescendo em número e di-
124
versidades. O que é importante perceber é que estamos diante de uma nova
dimensão de publicidade de pautas que antes sufocadas pelo não acesso aos
meios de comunicação. Tinha-se a falsa impressão de que “não existiam”,
o que facilitava seu controle e a imposição de um único padrão estético a
delimitar as narrativas visuais de sociedade.
Considerações finais
Em 2017 o maior grafite do mundo feito por uma mulher foi pro-
duzido no centro do Rio, por Luna Buschinelli então uma artista de apenas
17 anos, dentro de um projeto de arte urbana chamado Rio Big Walls da
Secretaria Municipal de Cultura. A obra, intitulada “Contos”, cobre o prédio
da Escola Municipal Rivadávia Corrêa na Av. Presidente Vargas entre a Igre-
ja da Candelária e a Central do Brasil.
125
siões em que homens interferem de forma invasiva. O fato do microfone
ser exclusivo para as mulheres é desafiado ou com berros, ou ainda com a
tomada do equipamento, como ocorreu no SLAM das Minas na Casa Nem,
casa de acolhimento da população LGBTT na região da Lapa, do centro do
Rio de Janeiro, em julho de 2017. Um suposto “produtor cultural” confiscou
o microfone e tomou para si o mérito pela apresentação da atriz trans Bian-
ca, do coletivo Sertransnejas. Em outras três ocasiões, homens alcoolizados
gritavam interrompendo a fala de Letícia Brito, organizadora do evento, tão
logo ela anunciava o espaço como sendo de uso exclusivo das poetas. Tais
interrupções não são observadas em eventos de organização mista ou mas-
culina.
126
servador de políticos, com discursos que parecem cópias de velhos roteiros
de filmes sem cor. Apesar de parecerem demandas progressistas, colocadas
como grandes novidades, as questões de gênero na realidade sempre esti-
veram à baila. Aguardavam uma porta de entrada no debate público e esta
veio com a popularização de meio de acesso à comunicação, à informação,
à produção e, sobretudo, à articulação em rede e financiamentos coletivos
(onde se passa a gerir tempo e capital de forma horizontal, sem interferência
dos chefes do poder econômico).
Reparamos numa força incontida nas linhas das artes gráficas das
artistas que se apropriaram da linguagem das pichações, dos termos porno-
gráficos e fizeram releituras que as colocam como protagonistas. Os grafites
não se limitam no estilo. Podem se recortes que lembram a estética do cor-
del, pinturas renascentistas, cartuns cômicos, quadrinhos, carimbos e pop
art. A nudez não é erótica, é subversiva. Retorna para a mulher o domínio
sobre seu corpo e o faz circular pela cidade, questionando uma cultura que
a agride e reduz a animal reprodutor ou mesmo de abate. As redes forne-
cem a segurança e reverbera ideias de liberdade e transformação. Captura
olhares e reduz ao escárnio, agressões antes naturalizadas. A arte feminista
é suporte para iniciativas que chegam a transformar políticas empresariais e
estatais. Muda tradições publicitárias e relações de consumo.
127
Slam das Minas 1ª edição no Largo do Machado, zona sul do Rizo, foto de Thais
Linhares, e o encontro das quadrinistas com Trina Robins, em 2017 na SIQ! Se-
mana Internacional de Quadrinhos da Escola de Comunicação da UFRJ. Foto de
Hamilton Kabuna.
Referências bibliográficas
Jornal El Pais Brasil Online. Entre 84 países, Brasil é o quinto onde mais se
mata mulheres. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/06/
politica/1446826193_178862.html. Acesso em 2 set. 2018.
128
vorcio-e-da-separacao-judicial-lei-6515-77. Acesso e, 23 ago. 2018.
Minas Nerds: “Pagu Comics, o selo de quadrinhos feitos 100% por mulhe-
res”
http://minasnerds.com.br/2016/03/15/pagu-comics-o-selo-de-quadri-
nhos-feitos-100-por-mulheres/. Acesso dia 20 set. 2018.
129
Gender differences in comics, author Trina Robbins, September 2002. Dis-
ponível em http://www.imageandnarrative.be/inarchive/gender/trinarob-
bins.htm. Acesso em 20 set. 2018.
Hypeness: O Maior Grafite do Mundo feito por uma mulher acaba de ser
inaugurado no Rio. Disponível em https://www.hypeness.com.br/2017/06/
maior-grafite-do-mundo-feito-por-uma-mulher-acaba-de-ser-inaugurado-
-no-rio-de-janeiro/?utm_source=social. Acesso dia 20 set. 2018.
130
SILÊNCIOS NO PASSADO: QUANTITA-
TIVO DE PRODUÇÃO DE QUADRINIS-
TAS MULHERES NA REVISTA
METAL PESADO (1997)
Luana Balieiro Cosme1
Resumo
131
Palavras-chave: Mulheres quadrinistas, quadrinhos, apagamentos.
2 Sobre Pagu e suas tirinhas ver o trabalho de Natânia Aparecida Da Silva Nogueira intitula-
do Pagu: Política E Pioneirismo Nas Histórias Em Quadrinhos Nos Anos De 1930, cf referências.
3 Cf. Biblioteca Nacional em O Rio na Caricatura: “Atualmente, uma caricaturista vem man-
tendo a flama da caricatura entre nós, especialmente a política, o que não deixa de ser incomum,
por se tratar, justamente, de uma artista femininamente grácil, possuidora de traço personalíssimo,
vigoroso, espontâneo e belo: a caricaturista Hilde, autora de páginas memoráveis aparecidas, inicial-
mente, em ‘Tribuna de Imprensa’ e colaborando hoje, no “Estado de S. Paulo’”. (Biblioteca Nacional,
1965, p. 25)
4 Deixo claro que esta lista é incompleta, caso queira saber mais nomes ver Lady’s Comics
(2015) e ver também Nogueira (2016).
132
que se dedicou a roteirizar quadrinhos do gênero terror5.
5 Cf. Lady’s Comics. Risca! Belo Horizonte, volume 1, novembro de 2015. Ressalto que Ma-
ria Aparecida (Cida) Godoy merece estudos voltados para seu protagonismo em um gênero de hqs
bastante restrito às mulheres.
6 Doravante, irei usar o termo BHM, para me referir à revista Brasilian Heavy Metal.
133
e ilustrações que tinham como temas ficção científica, fantasia, aventura,
erotismo e algumas pinceladas de terror e surrealismo. Foi publicada pela
editora Comix Club, tendo como editores Carlos Mann e Dario Chaves.
HQ sem título,
série “Leão Negro”
7 Cynthia Carvalho é a criadora do Leão Negro. Hoje, existem várias edições próprias de his-
tórias em quadrinhos do universo da Ilha de Gardo, publicando-as pela primeira vez em 1987 (tendo
Ofeliano como desenhista) e em atividade até 2013 (publicação regular pela editora HQM). Ofeliano
foi o primeiro desenhista dos roteiros de Cynthia, depois vieram outros como Danusko Campos.
Porém, no índice de BHM, ela não foi creditada como criadora da história e dos personagens, apenas
aparece o nome de Ofeliano. Na página 139 quando inicia sua história é que podemos ver seu nome
creditado. No livro “Almanaque dos quadrinhos” diz que Eduardo Ofeliano, “ano mais tarde, viria
a criar o Leão Negro, a única tira diária brasileira de aventura em quase vinte anos e muitos outros
personagens”. (Patati e Braga, 2006, p. 203).
134
Para esse artigo, achei importante fazer uma tabela da Brasilian Hea-
vy Metal que servisse de comparação com a Metal Pesado que teve sete edi-
ções regulares.8
8 No ano de 1998, sairam dois volumes que eram compilações das revistas publicadas no ano
anterior.
9 Ela assumiu algumas assinaturas como “Lilian Toshimi” ou “Miriam Tomi”. Seu nome
completo é Lilian Toshimi Mitsunaga. Não encontrei informações sobre local e ano de nascimento.
Ela também foi letrista da BHM, assim como na Metal Pesado, ela era letrista de algumas das histó-
rias.
10 Como forma de entender a forma como se dava a publicação nesta Revista, aloquei quem
fez ilustração no campo de desenhista (essas função, na maioria dos casos, é exercida pela mesma
pessoa, sendo designada apenas como desenhista). Existia uma sessão fixa intitulada “Paleta” que
tinha como foco a publicação de ilustrações e materiais artísticos experimentais. E, por pela proposta
da revista, não é possível dividir o que é um quadrinho com formato padronizado e o que é uma
ilustração. Até mesmo, não entendo as padronizações como limitações das funções de cada mulher
citada, na verdade, segue a proposta de produção experimental.
135
Nome Funções Título Edição
136
dução de ludonarrativas, o subprojeto na área de Artes do Programa Insti-
tucional de Iniciação à Docência (PIBID)-UFJF e o Laboratório Interdisci-
plinar de Linguagens para licenciaturas da UFJF. Atua como pesquisadora
em grupo de pesquisa sobre poéticas centradas no corpo. Possui doutorado
(2008) em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Essas informações foram retiradas do Currículo Lattes (Godinho, 2018).
Eliane também se dedicou à publicação na área de RPG. Por isso, a Metal
Pesado a trouxe na seção Paleta, a qual também promovia artes, quadrinhos
e ilustrações experimentais.
137
dia Braga. Esta é uma das mulheres colaboradoras de quem eu não en-
contrei absolutamente nada.14 Primeiramente, não consegui identificá-la.
Perguntei a várias pessoas envolvidas na produção e publicação de quadri-
nhos. Procurei homônimas, porém sem sucesso. . Ninguém se lembra dela.
Algumas pessoas me perguntaram se não era Cláudia Lévay, pois não se
recordavam de nenhuma Claudia Braga (o nome consta sem o acento). De
todas as mulheres que pesquisei, esta é a que me fez iniciar uma jornada em
busca das quadrinistas que produziam, mas que não ganharam tanta visibi-
lidade quanto os homens.
138
diversidade sexual, entre outros.”17 (Gallas, 2019).
Considerações finais
Nesse sentido, é possível perceber que duas revistas que tinham se-
melhanças nas temáticas e no projeto editorial publicaram trabalhos de mu-
lheres, porém em proporções distintas. Quando me propus a verificar os
nomes das/dos quadrinistas que apareceram nos índices na Metal Pesado no
livro Enciclopedia dos Quadrinhos (Goidanich; Kleinert, 2011), apenas uma
única mulher estava presente em um verbete dedicado a ela. Vejam o gráfico
abaixo:
17 Em 2013, foi a terceira colocada no Prêmio Freitas Nobre, concedido pela INTERCOM. Cf.
Gallas (2019).
18 Em outro artigo irei trazer a BHM para ser discutida a partir dos mesmos dados apresen-
tados aqui.
139
140
roteirista dos filmes Tainá – uma aventura na Amazônia
(2001) e Tainá 2 (2004). (Goidanich; Kleinert, 2011, p.
278-279).
141
De Oliveira Boff (2014), há um trecho que explica: “No que diz respeito
à produção de quadrinhistas mulheres, no Brasil, encontramos grande di-
ficuldade em visualizar artistas produzindo personagens femininas relati-
vamente relevantes” (Boff, 2014, p. 218). É interessante questionar o que
seria “personagens femininas relativamente relevantes”, bem como de que
temporalidade a autora estaria falando. Nesse sentido, a afirmação torna-se
incisiva sobre as produções de mulheres quadrinista brasileiras, podendo
ser interpretada como um juízo de valor acerca desta produção, pois não
há explicação dos parâmetros de avaliação do que seria esse conceito. É, in-
clusive, uma alegação recorrente de que mulheres não produziam material
de qualidade e, por isso, elas não eram selecionadas para serem publicadas.
142
presentes em gibitecas ou compradas para acervo pessoal, eu encontrei qua-
drinistas que produziam em vários gêneros das histórias em quadrinhos.
Sendo que as leituras de muitas enciclopédias, antologias e teses, bem como
alegações discursivas, foram as motivações para que eu fizesse a escolha da
publicação Metal Pesado em quanto fonte desta pesquisa.
143
e outras publicações. Não há menção de nenhuma quadrinista no tópico
citado do livro (este é fruto da tese da mesma autora, à qual não tive acesso)
sobre quadrinhos brasileiros.
144
Figura 1: Tirinhas em vertical sobre mulheres quadrinistas e suas lutas por
reconhecimento. Personagem Kabelluda de Aline Lemos (Desalinhada).
145
Referências
Crescêncio, Cíntia Lima. Quem ri por último, ri melhor: Humor gráfico fe-
minista (Cone Sul 1975-1988). Florianópolis, 2016. 316 p. Tese. Universi-
dade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas.
Programa de Pós-Graduação em História.
146
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Moya, Álvaro de; Jotapê (eds). Metal Pesado. Ano 1, número 2. São Paulo:
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Moya, Álvaro de; Pacheco, Eloyr (eds). Metal Pesado. Ano 1, número 4. São
Paulo: Metal Pesado Editora e Distribuidora, 1997b. (Direção de Leão Azu-
147
lay).
Moya, Álvaro de; Pacheco, Eloyr (eds). Metal Pesado. Ano 1, número 5. São
Paulo: Metal Pesado Editora e Distribuidora, 1997c. (Direção de Leão Azu-
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Moya, Álvaro de; Pacheco, Eloyr (eds). Metal Pesado. Ano 1, número 6. São
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Moya, Álvaro de; Pacheco, Eloyr (eds). Metal Pesado: Edição Comemorati-
va, 15 anos, Gibiteca de Curitiba. Ano 1, edição especial . São Paulo: Metal
Pesado Editora e Distribuidora, 1997e. (Direção de Leão Azulay).
Patati, Carlos e Braga, Flávio. Almanaque dos Quadrinhos: 100 anos de uma
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TELUMI Hellen. In: SP Escola de Teatro. 2019. Disponível em: http://www.
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149
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