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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, FILOSOFIA E HISTÓRIA


DAS CIÊNCIAS

ROSANE MARIA SOUZA E SILVA

NOS SUBTERRÂNEOS DA HISTÓRIA:


INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PSICOLOGIA NA BAHIA, NO
CONTEXTO DA DITADURA MILITAR (1968-1980)

Salvador
2020
ROSANE MARIA SOUZA E SILVA

NOS SUBTERRÂNEOS DA HISTÓRIA:


INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PSICOLOGIA NA BAHIA, NO
CONTEXTO DA DITADURA MILITAR (1968-1980)

Tese apresentada ao Programa de Pesquisa e Pós-


Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências,
Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia,
como requisito para obtenção do grau de Doutora em
Ensino, Filosofia e História das Ciências.

Linha de Pesquisa: História das Ciências

Orientador: Prof. Dr. Amílcar Baiardi


Coorientadora: Profa. Dra. Lucileide Costa Cardoso
Coorientadora: Profa. Dra. Fernanda Rebelo-Pinto (In
memoriam)

Salvador
2020
SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira

Silva, Rosane Maria Souza e.


Nos subterrâneos da história : institucionalização da Psicologia na Bahia, no
contexto da ditadura militar (1968-1980) / Rosane Maria Souza e Silva. - 2020.
261 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Amílcar Baiardi.


Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Lucileide Costa Cardoso.
Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Fernanda Rebelo-Pinto (In memoriam).
Tese (Doutorado em Ensino, Filosofia e História das Ciências) -
Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação, Salvador, 2020.
Programa de Pós-Graduação em convênio com a Universidade Estadual de
Feira de Santana.

1. Psicologia - Estudo e ensino (Superior) - História - Bahia. 2. Ciência -


História. 3. Psicanálise - História. 4. Ditadura - Brasil. 5. Movimentos
estudantis. I. Baiardi, Amílcar. II. Cardoso, Lucileide Costa. III. Rebelo-Pinto,
Fernanda. IV. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação.
Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências. V.
Universidade Estadual de Feira de Santana. VI. Título.

CDD 150.7 – 23. ed.


À

Francisco (In memoriam) e Alzira, meus pais, por seu amor.

Artur e Fernanda, meus filhos, amor sem medida.

Elisa, por me ensinar a transformar amor em potência.


AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente a todos os que foram por mim entrevistados e que, a partir de suas
memórias, contribuíram para a tecitura deste trabalho. Aos pioneiros, protagonistas, atores e
testemunhas da história da psicologia na Bahia, meu agradecimento e reverência.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por ter concedido


a bolsa de doutorado e ao Programa de Pós-Graduação, pela presteza e empenho na viabilização
das condições para o sucesso da pesquisa. Ao meu orientador Amílcar Baiardi e minha
coorientadora, Lucileide Costa Cardoso, pelo acolhimento, apoio, sugestões e indicações.
Estendo os agradecimentos aos professores Ana Maria Jacó-Vilela, Nádia Maria Dourado
Rocha e Olival Freire Júnior, pelas críticas durante a participação na banca de qualificação.
Agradeço à minha coorientadora Fernanda Rebelo-Pinto (in memoriam), que, com sua
delicadeza e sabedoria, nos iluminou com tantos ensinamentos e sugestões durante o período
em que esteve conosco.

Sou grata aos arquivistas da Coordenação de Arquivo e Documentação (CAD), especialmente


Edna, Danilo Carvalho, Guedes e Nanci Santos, sempre competentes e disponíveis para
colaborar. Também agradeço à doce Mary, primeira arquivista que me atendeu na Faculdade
de Filosofia e Ciência Humanas. Em outros arquivos que visitei e pesquisei, estive assessorada
por profissionais da maior importância para a pesquisa: Faculdade de Medicina da Bahia, no
Terreiro de Jesus, Biblioteca Central dos Barris e Instituto Histórico e Geográfico da Bahia.
Sou extremamente grata.

A todos os amigos, familiares, colegas e companheiros que compartilharam comigo tantos


momentos de dúvidas, angústias e desafios, em especial a Anamélia Lins e Silva Franco,
Antônio Maurício Freitas Brito, Artur Souza e Silva, Cleise Mendes, Edleise Mendes, Elisa
Mendes, Elenice Martins Barros Castro, Fernanda Souza e Silva, Geraldo Barreto, Isael Sena,
Jairo Gerbase, Joviniano de Carvalho Neto, Márcia Paraquett, Márcia Myriam Gomes (in
memoriam), Priscila Cabral, Raul Marques, Sonia Maria Costa de Amorim e Syra Tahin Lopes.
Vocês trabalham para quê? Eu sustento que a única finalidade da ciência está em aliviar a
canseira da existência humana. E se os cientistas, intimidados pela prepotência dos poderosos,
acham que basta amontoar o saber, por amor do saber, a ciência pode ser transformada em
aleijão, e as suas novas máquinas serão novas aflições, nada mais. Com o tempo, é possível
que vocês descubram tudo o que haja por descobrir, e ainda assim o seu avanço há de ser
apenas um avanço para longe da humanidade. O precipício entre vocês e a humanidade pode
crescer tanto, que ao grito alegre de vocês, grito de quem descobriu alguma coisa nova,
responda um grito universal de horror.

Vida de Galileu - Bertolt Brecht (1991, p. 165)

Fui tão político às vezes que desdenhei as formas


E contestei as normas
E confessei ridículas as pétalas de rosas
Fui tão político às vezes que fiz da beleza uma coisa perigosa
E tão político às vezes que tornou-se a noite pavorosa
Fui tão político às vezes que se desfizeram as minhas mãos amorosas
E tão político às vezes que pensei entender a guerra
O chumbo e a pólvora
Fui tão político às vezes que despendi mil impossíveis horas
Dissolvendo em amnésia todas as memórias

José Carlos Capinam (1995, p.123)


SILVA, Rosane Maria Souza e. Nos subterrâneos da história: institucionalização da
Psicologia na Bahia, no contexto da ditadura militar (1968-1980). Orientadores: Amílcar
Baiardi e Lucileide Costa Cardoso. 2020. 259 f. il. Tese (Doutorado em Ensino, Filosofia e
História das Ciências) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2020.

RESUMO

A pesquisa visa descrever e analisar o processo de institucionalização da Psicologia na Bahia,


no contexto da ditadura militar, entre os anos de 1968 a 1980. Considerou-se: a influência que
o contexto autoritário e as políticas de Estado para as áreas de educação e ciência exerceram
sobre a formação e consolidação do curso de graduação em psicologia da Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia; a recepção da Análise do
Comportamento e da Psicanálise por parte da comunidade acadêmica, naquele contexto
político; e, as lutas e mobilização dos discentes e docentes frente às políticas de Estado. Trata-
se de um estudo descritivo-analítico, que tem como referenciais teóricos os Estudos Sociais das
das Ciências e a História da Psicologia. Adotam-se procedimentos metodológicos da História
do Tempo Presente, utilizando-se da metodologia da História Oral e de Análise Documental
para levantamento e análise de dados. Os resultados indicaram que as medidas adotadas pelo
regime militar impactaram no processo de institucionalização e desenvolvimento da psicologia,
enquanto campo disciplinar e profissional, na Bahia. As políticas educacionais implantadas
pelos governos militares no âmbito da Educação produziram efeitos na demanda pela psicologia
educacional, enquanto o interesse pela área industrial crescia a partir dos investimentos públicos
que expandiram o polo industrial e tecnológico baiano. Houve uma prevalência da clínica, como
área de estágio, em detrimento da área educacional e industrial. Demonstrou-se a forte
influência do campo psiquiátrico sobre os rumos da psicologia, sob diversos âmbitos, inclusive
formativos. Evidenciaram-se as condições sociais e políticas que possibilitaram a emergência
da cultura psicanalítica na Bahia e sua influência na formação dos psicólogos, a partir da vinda
dos psicanalistas argentinos, capitaneados por Emílio Rodrigué, e do psicanalista Carlos Pinto
Corrêa, integrante do Círculo Brasileiro de Psicanálise de Minas Gerais. Destacou-se, no modo
de recepção da Análise do Comportamento, o papel dos psicólogos formadores de análise do
comportamento da Universidade de São Paulo na implantação do laboratório de Psicologia
Experimental e na formação das primeiras gerações de docentes e analistas do comportamento
da Bahia. Observou-se, ademais, que houve uma vigilância e tutela sistemática sobre a
comunidade acadêmica de psicologia, que impactou na vida universitária e exigiu dos discentes
e docentes da área organização da resistência para lidar com a tensão política e capacidade de
enfrentamento na luta contra a ditadura militar. Tal cenário forjou um posicionamento político
e socialmente ampliado entre os integrantes do movimento estudantil, naquele momento de
intensa restrição e carências de toda ordem.

Palavras-chave: História das Ciências - História da Psicologia - História da Psicanálise -


Ditadura Militar - Movimento Estudantil.
SILVA, Rosane Maria Souza e. In the underground of history: institucionalization of
psychology in Bahia, in the context of the military dictatorship (1968-1980). Advisor:
Amílcar Baiardi and Lucileide Costa Cardoso. 2020. 259 s. ill. Thesis (Doctorate in Teaching,
Philosophy and History of Sciences) – Faculty of Education, Federal University of Bahia,
Salvador, 2020.

ABSTRACT

The research aims to describe and analyze the institutionalization process of Psychology in
Bahia, in the context of the military dictatorship, between the years 1968 to 1980. It was
considered: the influence that the authoritarian context and the State policies for the areas of
education and science exercised on the formation and consolidation of the undergraduate course
in psychology at the Faculty of Philosophy and Human Sciences of the Federal University of
Bahia; the reception and appropriation of Behavior Analysis and Psychoanalysis by the
academic community, in that political context; and, the struggles and mobilization of students
and teachers in the face of State policies. It is a descriptive-analytical study, which has as
theoretical references the Social Science Studies and the History of Psychology.
Methodological procedures of the History of the Present Time are adopted, using techniques of
Oral History and Document Analysis to survey and analyze data. The results indicated that the
measures adopted by the military regime had an impact on the institutionalization and
development of psychology, as a disciplinary and professional field in Bahia. The educational
policies implemented by the military government within the scope of Education produced
effects on the demand for educational psychology, while the interest in the industrial area grew
from public investments that expanded the industrial and technological pole in Bahia. There
was a prevalence of the clinic, as an internship area, to the detriment of the educational and
industrial area. The strong influence of the psychiatric field on the direction of psychology was
demonstrated, in several areas, including training. The social and political conditions that made
possible the emergence of the psychoanalytic culture in Bahia and its influence on the training
of psychologists were evident, from the arrival of Argentine psychoanalysts, led by Emílio
Rodrigué, and the psychoanalyst Carlos Pinto Corrêa, member of the Brazilian Circle of
Psychoanalysis of Minas Gerais. The role of psychologists who train behavior analysis at the
University of São Paulo in the implementation of the Experimental Psychology laboratory and
in the training of the first generations of teachers and behavior analysts in Bahia was
highlighted. Furthermore, it was observed that there was a systematic vigilance and tutelage on
the academic psychology community, which impacted university life and demanded resistance
from students in the area to deal with political tension and coping skills in the fight against the
military dictatorship. This scenario forged a political and socially expanded position among the
members of the student movement, at that time of intense restriction and shortages of all kinds.

Keywords: History of science - History of psychology - History of psychoanalysis –- Military


dictatorship - Student movement.
SILVA, Rosane Maria Souza e. En los subterráneos de la historia: institucionalización de
la Psicología en Bahia, en el contexto de la dictadura militar (1968-1980). Orientador:
Amílcar Baiardi y Lucileide Costa Cardoso. 2020. 259 f. il. Tesis (Doctorado en Enseñanza,
Filosofía e Historia de las Ciencias) – Facultad de Educación, Universidad Federal de Bahia,
Salvador, 2020.

RESUMEN

La investigación visa a describir y analizar el proceso de institucionalización de la Psicología


en Bahia, en el contexto de la dictadura militar, entre los años de 1968 a 1980. Se consideró: la
influencia que el contexto autoritario y las políticas de Estado para las áreas de educación y
ciencia ejercieron sobre la formación y consolidación del curso de Graduación en psicología de
la Facultad de Filosofía y Ciencias Humanas de la Universidad Federal de Bahia; la recepción
y apropiación del Análisis del Comportamiento y de la Psicoanálisis de parte de la comunidad
académica, en aquel contexto político; y, las luchas y movilización de los discentes y docentes
frente a las políticas de Estado. Se trata de un estudio descriptivo-analítico, que tiene como
referenciales teóricos los Estudios Sociales de las Ciencias y la Historia de la Psicología. Se
adoptan procedimientos metodológicos de la Historia del Tiempo Presente, valiéndose de
técnicas de Historia Oral y de Análisis Documental para levantamiento y análisis de datos. Los
resultados indicaron que las medidas adoptadas por el régimen militar impactaron el proceso
de institucionalización y desarrollo de la psicología, como campo disciplinario y profesional,
en Bahia. Las políticas educacionales implantadas por el gobierno militar en el ámbito de la
Educación produjeron efectos en la demanda por la psicología educacional, mientras el interés
por el área industrial crecía a partir de las inversiones públicas que expandieron el polo
industrial y tecnológico bahiano. Hubo una prevalencia de clínica, como área de prácticas, en
detrimento del área educacional e industrial. Se ha demostrado la fuerte influencia del campo
psiquiátrico sobre los rumbos de la psicología, bajo diversos ámbitos, incluso formativos. Se
han evidenciado las condiciones sociales y políticas que posibilitaron la emergencia de la
cultura psicoanalítica en Bahia y su influencia en la formación de los psicólogos, a partir de la
llegada de los psicoanalistas argentinos, capitaneados por Emilio Rodrigué, y del psicoanalista
Carlos Pinto Corrêa, integrante del Círculo Brasileño de Psicoanálisis de Minas Gerais. Se ha
destacado, en el modo de recepción del Análisis del Comportamiento, el papel de los psicólogos
formadores de análisis del comportamiento de la Universidad de São Paulo en la implantación
del laboratorio de Psicología Experimental y en la formación de las primeras generaciones de
docentes y analistas del comportamiento de Bahia. Se observó, además, que hubo una vigilancia
y tutela sistemática sobre la comunidad académica de psicología, que impactó en la vida
universitaria y exigió de los discentes del área resistencia para tratar con la tensión política y
capacidad de enfrentamiento en la lucha contra la dictadura militar. Tal escenario ha forjado un
posicionamiento político y socialmente ampliado entre los integrantes del movimiento
estudiantil, en aquel momento de intensa restricción y carencias de todo orden.

Palabras clave: Historia de la ciencia - Historia de la Psicología - Historia del psicoanálisis –


Dictadura militar. Movimiento estudiantil.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Matéria do Jornal Gol a Gol, DCE/UFMG, ano II, n. 12, 28.05.1974, p. 3............ 44
Quadro 1 Programa anual de Psicologia para o curso de Filosofia da FFB – 1957................ 81
Quadro 2 Instituições psiquiátricas de médio e grande porte em Salvador – 1970................. 96
Gráfico 1 Matrículas nos cursos de graduação da FFCH/UFBA – 1968 a 1970..................... 101
Matrículas no curso de graduação em Psicologia - FFCH/UFBA – 1971 a
Gráfico 2 1980......................................................................................................................... 102
Matrículas no curso de graduação em Psicologia x Sexo – FFCH/UFBA – 1971 a
Gráfico 3 1980......................................................................................................................... 103
Concluintes de curso de graduação em Psicologia – FFCH/UFBA - 1972 a
Gráfico 4 1980......................................................................................................................... 105
Concluintes do curso de graduação em Psicologia x Sexo – FFCH/UFBA – 1972
Gráfico 5 a 1980....................................................................................................................... 105
Quadro 3 Instituições para estágio em Psicologia Educacional – Década de 1970................ 108
Instituições para estágio em Psicologia Industrial/Organizacional - Década de
Quadro 4 1970......................................................................................................................... 109
Instituições para estágio em Psicologia Clínica – FFCH/UFBA - Década de
Quadro 5 1970......................................................................................................................... 111
Oferta e demanda por área de estágio em Psicologia – FFCH/UFBA - 1976 e
Gráfico 6 1977......................................................................................................................... 112
Primeira correspondência oficial entre Joaquim Batista Neves e Carolina
Figura 2 Bori.......................................................................................................................... 127
Figura 3 Carta emitida pela professora Carolina Bori........................................................... 128
Figura 4 Correspondência oficial entre Joaquim Batista Neves e Carolina Bori ................. 131
Capa do catálogo de produtos para instalação de laboratórios de psicologia
Figura 5 experimental – FUNBEC – 1968............................................................................ 132
Formação acadêmica do corpo docentes de Psicologia Experimental - Década de
Quadro 6 1970.......................................................................................................................... 139
Representação discente no Diretório Acadêmico do curso de Psicologia da
Quadro 7 FFCH/UFBA – 1971................................................................................................ 163
Quadro 8 Representação discente no Diretório Acadêmico do curso de Psicologia – 1972... 164
Figura 6 Matéria do jornal Tribuna da Bahia - Edição de 08 de março de 1972, p. 5........... 168
Representação discente no Diretório Acadêmico do curso de Psicologia da
Quadro 9 FFCH/UFBA – 1973................................................................................................ 169
Representação discente no Diretório Acadêmico do curso de Psicologia da
Quadro 10 FFCH/UFBA – 1974................................................................................................ 173
Representação discente do curso de Psicologia da FFCH/UFBA - DA e DCE –
Quadro 11 1975.......................................................................................................................... 175
Figura 7 Matéria de capa do jornal Diário de Notícias - Edição de 20 de março de 1976.... 178
Figura 8 Matéria do jornal Diário de Notícias – Edição 20 de março 1976......................... 179
Figura 9 Matéria do jornal Tribuna da Bahia - Edição de 18 de junho de 1976, p. 11......... 181
Representação discente do curso de Psicologia da FFCH/UFBA - DA e DCE –
Quadro 12 1977.......................................................................................................................... 182
Figura 10 Matéria do Jornal da Bahia - Edição de 08 de junho de 1977, p.5......................... 186
Figura 11 Matéria do Jornal Tribuna da Bahia - Edição de 07 de junho de 1977, p. 3........... 186
Figura 12 Matéria do Jornal Tribuna da Bahia - Edição de 14 de junho de 1977, p. 3........... 187
Figura 13 Matéria do jornal Tribuna da Bahia - Edição de 27 de janeiro de 1979, p. 9.......... 191
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIN Agência Brasileira de Inteligência


ACPE Análise de Contingências na Programação de Ensino
AEC Análise Experimental do Comportamento
AESI Assessoria Especial de Segurança e Inteligência
AI-5 Ato Institucional nº 5
ALN Ação Libertadora Nacional
AMEPE Clínica de Assistência Médica Permanente Ltda
ANPEPP Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia
APA Associação Psicanalítica Argentina
APML Ação Popular Marxista Leninista do Brasil
APPESP Associação Profissional dos Psicólogos do Estado de São Paulo
Associação de Psiquiatria e Psicologia da Infância e da Adolescência
APPIA
do Rio de Janeiro
ARSI Assessorias Regionais de Segurança e Informações
ARSI/NE Assessoria Regional de Segurança e Informações do Nordeste
ASI/UnB Assessoria de Segurança e Informações da Universidade de Brasília
BANEB Banco do Estado da Bahia
BEBA Boletim dos Estudantes da Bahia
CAD Coordenação de Arquivo e Documentação
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBP Círculo Brasileiro de Psicanálise
CCB Clube de Cinema da Bahia
CCC Comando de Caça aos Comunistas
CCSMM Centro Comunitário de Saúde Mental Mário Leal
CENIMAR Centro de Informações da Marinha
CEPE Centro de Estudos do Pessoal do Exército
CFE Conselho Federal de Educação
CFP Conselho Federal de Psicologia
CGI Comissão Geral de Investigações
CIA Centro Industrial de Aratu
CIE Centro de Informações do Exército
CISA Centro de Segurança de Informações da Aeronáutica
CLAPP Clínica de Atendimento Psicoterápico e Psicopedagógicos
CMSMV Comissão Milton Santos de Memória e Verdade
COMAR Comando Aéreo Regional
CONCRETIDE Comissão Coordenadora de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva
COPERTIDE Comissão Permanente de Tempo Integral
CP Clínica Psiquiátrica
CPI Curso Programado Individualizado
CRINEP Centro Regional do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
CRM Conselho Regional de Medicina
CRP Conselho Regional de Psicologia
CTI Ciência, Tecnologia e Informação
DA Diretório Acadêmico
DCE Diretório Central dos Estudantes
DETRAN Departamento Estadual de Trânsito
Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de
DOI-CODI
Defesa Interna
DOPS Departamento de Ordem Política e Social
DSI Divisão de Segurança e Informações
DSI/MJ Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça
EDUNEB Editora da Universidade do Estado da Bahia
EMC Educação Moral e Cívica
ENE Encontro Nacional dos Estudantes
ENEP Encontro Nacional dos Estudantes de Psicologia
EPB Estudo dos Problemas Brasileiros
ESG Escola Superior de Guerra
FFB Faculdade de Filosofia da Bahia
FFCH Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São
FFCL/USP
Paulo
FMB Faculdade de Medicina da Bahia
FUNBEC Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências
HCT-BA Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia
HEML Hospital Especializado Mário Leal
IBR Instituto Bahiano de Reabilitação
ICB Instituto de Cegos da Bahia
ICEIA Instituto Central de Educação Isaías Alves
IDOV Instituto de Orientação Vocacional
IML Instituto Médico Legal
INPS Instituto Nacional de Previdência Social
ION Instituto de Organização Neurológica
IPA International Psychoanalytic Association
IPM Inquérito Policial Militar
IPPB Instituto Psicopedagógico da Bahia
ISOP Instituto de Seleção e Orientação Profissional
ME Movimento Estudantil
MEC Ministério da Educação e Cultura
MR-8 Movimento Revolucionário Oito de Outubro
NEP Núcleo de Estudos em Psicoterapia
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OBAN Operação Bandeirantes
PBDCT Plano Básico de Desenvolvimento científico e Tecnológico
PCB Partido Comunista Brasileiro
PCBR Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNI Plano Nacional de Informações
Polop Organização Revolucionária Marxista Política Operária
PSI Personalized System of Instruction
PUC/SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SETRABES Secretaria do Trabalho e Bem Estar Social
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SISNI Sistema Nacional de Informações
SNI Serviço Nacional de Informações
SPRJ Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro
SUPAC/UFBA Superintendência Acadêmica da Universidade Federal da Bahia
TAT Teste de Apercepção Temática
UBA Universidade de Bahia
UEE União Estadual dos Estudantes
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB Universidade Federal da Paraíba
UnB Universidade de Brasília
UNE União Nacional dos Estudantes
UNEB Universidade Estadual da Bahia
USAID United States Agency for International Development
USP Universidade de São Paulo
VPR Vanguarda Popular Revolucionária
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 20

2 A UNIVERSIDADE E A PSICOLOGIA NO CONTEXTO DA


DITADURA MILITAR...................................................................... 28

2.1 ESTRUTURAÇÃO DOS SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA E


INFORMAÇÃO NAS UNIVERSIDADES........................................... 34
2.2 A PSICOLOGIA DURANTE A DITADURA MILITAR...................... 45
CONSTRUINDO OS REFERENCIAIS TEÓRICO-
3
METODOLÓGICOS......................................................................... 58
3.1 A HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE............................................... 62
3.2 TIPOLOGIA DAS FONTES E METODOLOGIA................................ 65
3.2.1 Fontes documentais, arquivos sensíveis................................................... 66
3.2.2 Fontes orais................................................................................................ 69
A PSICOLOGIA APLICADA À MEDICINA E À EDUCAÇÃO NA
4 BAHIA: ANTECEDENTES DA CRIAÇÃO DO CURSO DE
GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DA UFBA.................................. 72
A PSICOLOGIA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO: A FACULDADE DE
4.1
FILOSOFIA DA BAHIA (1941-1968) ................................................. 72
O INSTITUTO DE ORIENTAÇÃO VOCACIONAL (1958-1968):
4.2 CONTRIBUIÇÃO À FORMAÇÃO DO CAMPO PSICOLÓGICO NA
BAHIA................................................................................................ . 86
AS PRIMEIRAS GERAÇÕES DE PSICÓLOGOS DA BAHIA:
4.3 ENTRE CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS COM O CAMPO
MÉDICO PSIQUIÁTRICO................................................................... 91
4.3.1 A Faculdade de Medicina da Bahia: breve contextualização................. 91
A Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de
4.3.2
Medicina da Bahia e a formação do campo “psi” em Salvador............ 94
O CURSO DE PSICOLOGIA DA FFCH/UFBA: UMA VISÃO
5
PANORÂMICA.................................................................................. 99
A PRÁTICA DE ESTÁGIO E A PREVALÊNCIA DA PSICOLOGIA
5.1
CLÍNICA............................................................................................. 106
RECEPÇÃO DA PSICOLOGIA EXPERIMENTAL E DA
6 PSICANÁLISE NA BAHIA: ASPECTOS TEÓRICOS E
POLÍTICOS....................................................................................... 120
A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO NO BRASIL:
6.1 CONTRIBUIÇÃO DA USP À FORMAÇÃO DOS PRIMEIROS
PSICÓLOGOS DA FFCH/UFBA......................................................... 121
O LABORATÓRIO DIDÁTICO DE PSICOLOGIA EXPERIMENTAL
6.2
DO CURSO DE PSICOLOGIA DA FFCH/UFBA................................ 125
OS PSICÓLOGOS BUSCAM A CLÍNICA E ENCONTRAM A
6.3
PSICANÁLISE.................................................................................... 143
6.3.1 A psicanálise no curso de psicologia............................................................. 145
6.3.1.1 Primeiro período: a psicanálise no âmbito acadêmico................................. 146
Segundo período: a psicologia e a psicanálise num movimento
6.3.1.2
extramuros............................................................................................................ 149
6.3.2 Os psicanalistas argentinos na Bahia....................................................... 150
6.3.3 O Círculo Psicanalítico da Bahia: seus primórdios................................ 154
CONTROLE E VIGILÂNCIA DOS ORGÃOS DE SEGURANÇA E
7 INFORMAÇÃO: A UFBA E O CURSO DE PSICOLOGIA
DURANTE A DITADURA MILITAR................................................ 159
MOVIMENTO ESTUDANTIL E DITADURA MILITAR: OS
7.1 DISCENTES DE PSICOLOGIA DA UFBA E SUAS LUTAS
COLETIVAS........................................................................................ 159
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 197
REFERÊNCIAS................................................................................. 203
APÊNDICE A - Síntese das entrevistas e da trajetória profissional
das entrevistadas............................................................................................... 238
APÊNDICE B - Cessão de direitos sobre Depoimento Oral................... 242
ANEXO A - Revista Veja: "Como eles agem", edição nº 283, de 03 de
fevereiro de 1974............................................................................................... 253
ANEXO B - Carta de Carolina Bori, dirigida ao vice-diretor em
exercício da FFCH/UFBA, Prof. Dr. Joaquim Batista Neves, em
14.11.1968................................................................................................... 254
ANEXO C - Parecer do Prof. Mário Guidi, instrutor do
departamento de psicologia social e experimental da FFCL/USP, em
07.10.1969.................................................................................................... 258
ANEXO D - Boletim informativo Reflexo, dos estudantes de
psicologia da FFCH/UFBA, edição nº 1/junho de 1973........................... 260
20

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa doutoral, de caráter qualitativo e de cunho descritivo e analítico, tem


como tema a história da psicologia e como objeto a institucionalização da psicologia na Bahia.
A investigação circunscreve o período compreendido entre 1968 - ano de início do curso de
psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia
(FFCH/UFBA) - a 1980, quando se encerra a fase mais opressora da ditadura militar, pano de
fundo desta pesquisa. Para realizá-la, buscamos compreender a influência da atmosfera política,
no período restrito da ditadura militar brasileira, sobre o desenvolvimento da psicologia, na
perspectiva do microcosmo desse campo disciplinar na Bahia.
A psicologia foi regulamentada no Brasil em 1962, apenas dois anos antes do golpe
militar que perdurou por 21 anos. A institucionalização da profissão em âmbito nacional
ocorreu pari passu com o avanço da ditadura militar e implantação de medidas que impactaram
sobre a educação e as ciências no país. As universidades, consideradas focos de infiltração
comunista, passaram a ser fortemente vigiadas. Além de expulsar e prender docentes e
estudantes, as forças repressivas também invadiram universidades com uso das forças policial
e militar.
O curso de psicologia da FFCH/UFBA teve início em 1968. As universidades públicas
enfrentavam naquele ano o desafio de se adequar às mudanças no campo das políticas
educacionais. Dentre elas destacamos a Reforma Universitária, implantada através da Lei
5.540/19681. Nesse ano, a ditadura militar radicalizou suas medidas, com a implantação de
reformas estruturais nas universidades e a instauração do Ato Institucional nº 5 (AI-5)2 e
introduzindo o país num período denominado “anos de chumbo”3. No ano seguinte, deu-se a

1
BRASIL. Lei 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do ensino superior e sua articulação
com a escola média, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,
29 nov. 1968. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5540-28-novembro-1968-
359201-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 29 abr. 2020.
2
BRASIL. Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968. São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de
1967 e as Constituições Estaduais; O Presidente da República poderá decretar a intervenção nos estados e
municípios, sem as limitações previstas na Constituição, suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo
prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, e dá outras providências. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 dez. 1968. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm
3
O uso da expressão "anos de chumbo" para designar o período mais repressivo da ditadura militar no Brasil,
estende-se basicamente do fim de 1968, com a edição do AI-5 em 13 de dezembro de 1968, até o final do governo
Médici, em março de 1974. A expressão foi adotada em vários países (anni di piombo, années de plomb, years of
lead), e deriva do título do filme Die bleierne Zeit (em português, literalmente, "Tempos de chumbo"), de 1981,
da cineasta alemã Margarethe Von Trotta. O título do filme é uma citação do poema de Hölderlin, "Passeio ao
campo" (Der Gang aufs Land, 1800).
21

instauração do Decreto-Lei no 477/19694, que dispunha sobre infrações disciplinares praticadas


por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino.
Para o controle e vigilância dos docentes e discentes, os militares adotaram mecanismos
através dos órgãos de segurança e serviço de inteligência. Como um dos braços da estrutura do
Serviço Nacional de Informações (SNI), a Assessoria Especial de Segurança e Inteligência do
Ministério da Educação e Cultura (AESI/MEC), que atuava nas universidades, adotou
instrumentos tecnocráticos, tais como manuais, folhetos e apostilas, nas ações junto à
comunidade universitária, evidenciando uma estratégia política de depreciação moral e
criminalização dos movimentos estudantis. Nas universidades, as AESIs estavam vinculadas
diretamente ao gabinete da Reitoria e repassavam todas as informações coletadas,
sistematicamente, através de relatórios, à Divisão de Segurança e Informações (DSI) do MEC.
Foi nesse contexto político autoritário, que impactou sobre as universidades, que a psicologia
se desenvolveu. A partir da análise sobre a forma como esse campo disciplinar e profissional
foi influenciado pelas políticas de Estado da época, trazemos a perspectiva do microcosmo da
psicologia na Bahia.

A pergunta central, que nos orienta nessa pesquisa é: Como ocorreu o processo de
institucionalização da psicologia na Bahia, tendo como pano de fundo o contexto político do
período, compreendido entre os anos de 1968 a 1980? Diante de tal questionamento, partimos
do seguinte pressuposto norteador: O contexto autoritário e as políticas de Estado para as áreas
de educação e ciência, implantadas pelo regime militar, influenciaram o processo de
implantação e consolidação da psicologia na Bahia, configurando os rumos do seu
desenvolvimento, seus modos de atuação e práticas profissionais. Nesse sentido, o ponto
principal desta pesquisa, que pode ser identificada como sua tese é a de que a institucionalização
da psicologia na Bahia foi influenciada pelo contexto autoritário e as políticas de Estado para
as áreas de educação e ciência, promovidas pelos governos dos generais presidentes.
Nosso objetivo geral é descrever e analisar o processo de institucionalização da psicologia
na Bahia, observando os diversos níveis de negociações e conflitos que orientaram a sua
consolidação no contexto da ditadura militar. Os objetivos específicos, voltados para o alcance
do objetivo geral são: i) analisar a emergência e desenvolvimento da psicologia na Bahia, que

4
BRASIL. Decreto-Lei n. 477/1969, de 26 de fevereiro de 1969. Define infrações disciplinares praticadas por
professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 fev. 1969. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-477-26-fevereiro-1969-367006-
publicacaooriginal-1-pe.html
.
22

culminou na implantação do curso de graduação da Universidade Federal da Bahia, tendo como


pano de fundo o cenário político da época; ii) compreender o modo como a Análise do
Comportamento e a Psicanálise foram recebidas pela comunidade acadêmica de psicologia -
instituição, docentes e discentes, bem como a circulação dessas teorias, naquele contexto
político; e, iii) investigar o processo de lutas, resistências e mobilização política de discentes e
docentes do curso de psicologia da UFBA e os embates com as políticas de Estado vigentes no
período.
Para embasar teoricamente este trabalho, adotamos a perspectiva dos Estudos Sociais das
Ciências e da História Crítica da Psicologia, cujo núcleo é a investigação dos fatores sociais e
institucionais, políticos, culturais e econômicos implicados no desenvolvimento da ciência.
Como ferramenta de pesquisa histórica, utilizamos o conceito de recepção ao investigar sobre
a entrada das teorias Análise do Comportamento e Psicanálise no curso. Optamos pelo aporte
metodológico da História do Tempo Presente, enquanto concepção de operação historiográfica
que tem estreita vinculação com a política como campo de observação para esta pesquisa e
como uma via para o exercício crítico da história da psicologia em relação ao presente. A
História do Tempo Presente e os estudos sobre Memória e História contribuíram como uma
perspectiva metodológica para interpelar os agentes históricos integrantes desta pesquisa
(psicólogos, docentes e discentes), na realidade sociocultural de Salvador, Bahia, tendo como
objeto de estudo a psicologia, enquanto disciplina e campo profissional, atravessada por uma
conjuntura política ditatorial iniciada em 1964.
O corpus da pesquisa é formado por fontes primárias e orais. As fontes primárias foram
acessadas em: 1) Arquivos sobre o curso de psicologia existentes na Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas (FFCH) e na Coordenação de Arquivo e Documentação (CAD), ambos da
UFBA. As fontes documentais existentes, organizadas e disponibilizadas pelos arquivos da
FFCH e do CAD, foram as Atas da Congregação e do Conselho Departamental da FFCH; Atas
do Departamento e do Colegiado do curso de psicologia; cartas, ofícios, programas de curso,
planos de aulas e relatórios, referentes ao período analisado, qual seja, entre 1968 e 1980. 2)
Arquivos sensíveis5 pesquisados na Assessoria Especial de Segurança e Informações (AESI) da
UFBA e no site do Arquivo Nacional – Memórias Reveladas. Os documentos pesquisados no

5
O emprego da expressão arquivos sensíveis surgiu no Brasil para se referir aos arquivos do período da Ditadura
Militar. A expressão emergiu em 2005, ano em que se deu o anúncio do recolhimento dos fundos documentais em
poder da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). É nesse contexto que a expressão arquivos sensíveis aparece
em textos acadêmicos do período. (RODRIGUES, 2014)
23

Arquivo Nacional foram: Relatórios, Ofícios e Informativos sobre o ME, jornais, boletins e
panfletos confeccionados e distribuídos pelos estudantes, Inquéritos policiais contra docentes,
Folhetos sobre propaganda e contrapropaganda do governo militar e sobre “guerra psicológica”.
Por sua vez, o arquivo AESI/UFBA é um acervo documental que se encontra no setor Estudos
Baianos, localizado na seção Lugares de Memória, instalada no último andar da Biblioteca
Central Macedo Costa da UFBA. Buscamos nesses arquivos AESI/UFBA, documentos que
fizessem referência ao curso de psicologia, seus docentes e discentes, e sobre a atuação do
Movimento Estudantil (ME), em especial do Diretório Acadêmico (DA) de Psicologia.
Utilizamos também como fontes, Ofícios, Relatórios e Informações trocadas entre a AESI e a
Reitoria da UFBA e com outros órgãos do sistema de vigilância e repressão do regime militar,
bem como panfletos, boletins e jornais confeccionados pelo ME e pareceres sobre contratação
de docentes.
Com um tema e um objetivo complexo, iniciamos a pesquisa e nos defrontamos com a
peculiaridade em lidar com arquivos sensíveis. Vivenciamos desafios ao longo de nossa visita
aos diversos arquivos históricos e dedicamos momentos de reflexão sobre o tema, registrados
no nosso diário de campo. De fato, como concretizar o então projeto de tese, cujo objetivo
definido foi analisar o processo de institucionalização do curso de graduação de psicologia da
Universidade Federal da Bahia no contexto da ditadura militar, sem fazer reflexões sobre o
percurso trilhado e sobre os desafios que envolveram o caminhar? Em primeiro lugar,
destacamos a recuperação de fontes documentais que foram pouco exploradas até agora, em
fase de pré-organização, com documentos dispersos, o que não deixa de caracterizar as
pesquisas no âmbito do tempo presente. Em segundo lugar, fomos provocados ao lidar com
arquivos e documentos de acesso limitado, diante da meta de analisar a história da psicologia
no contexto da ditadura militar. Rodrigues (2017) denuncia que há uma disputa silenciosa por
esses arquivos, não só pela posse física desses documentos, mas também pelo controle da
narrativa sobre o que ocorreu no período. Em vista desse processo, os acervos dos sistemas de
inteligência e de polícia política ora se tornam visíveis, ora invisíveis. Assim, além dos
obstáculos ao acesso e à consulta aos acervos históricos, devido, por vezes, à precariedade de
condições materiais e de profissionais, atualmente existentes, vivenciamos uma problemática
específica para o pesquisador que trabalha com acervos sobre a ditadura militar brasileira.
Quanto às fontes orais, a utilização de tal recurso permitiu colher o testemunho de dez
psicólogas que integravam o curso de psicologia da UFBA, como discentes ou docentes, no
período entre 1968 a 1980. A modalidade utilizada da história oral temática enfatiza a escuta
dos entrevistados sobre um tema específico, no caso, a história da psicologia na Bahia durante
24

os primeiros anos de formação e consolidação do curso de graduação da UFBA, tendo como


pano de fundo a ditadura militar. Através da história oral temática, as depoentes puderam
resgatar memórias sobre tópicos relativos à história do curso de psicologia e a atmosfera política
do período como eixo condutor da narrativa.
Estudos históricos sistematizados sobre a história e a memória da institucionalização da
psicologia têm sido desenvolvidos em vários estados brasileiros. Porém, no que se refere à
história da psicologia na Bahia, observamos que poderíamos avançar a partir dos raros materiais
encontrados sobre o tema, sobretudo na perspectiva de análise do contexto político em vigor no
período de institucionalização e consolidação do curso. Foi possível perceber uma lacuna no
âmbito dos registros escritos organizados que abordam a temática. Assim, este trabalho vem
preencher uma lacuna na história e historiografia da psicologia na Bahia em sua articulação
com os fenômenos políticos, sociais e culturais do período analisado.
A mais antiga referência encontrada é a dissertação de mestrado de Mercedes Cunha
Chaves de Carvalho, intitulada Dados para uma avaliação de currículo do curso de Psicologia
da UFBA: caracterização do aluno, análise das condições de ensino oferecidas pela instituição
defendida em 1979, na qual, além da avaliação dos primeiros programas curriculares do curso,
apresentou os resultados de pesquisa sobre o perfil dos alunos e das condições estruturais de
ensino na UFBA. (CARVALHO, 1979b) A autora é uma das professoras pioneiras do curso e,
na introdução do trabalho apresentou um relato sobre o processo de implantação do curso.
Em uma outra perspectiva, temos a dissertação de mestrado de Marcus Vinícius de
Oliveira Silva, denominada A emergência da cultura psicológica na Bahia: do pré-psiquiátrico
ao pós-psicanalítico, cursos e percursos de uma trajetória, defendida em 1995. (SILVA, 1995)
O autor, também professor do curso de psicologia, analisa a trajetória do desenvolvimento de
uma cultura psicológica na Bahia e sua vinculação ao campo médico-psiquiátrico.
A dissertação de mestrado da professora Rita de Cássia Maskell Rapold, intitulada Uma
contribuição para a História da Psicologia: o curso de Psicologia da UFBA, cronologia,
memória e alguns documentos (1961-1973), defendida em 1999, apresenta as entrevistas
realizadas pela autora com personagens pioneiros da psicologia na Bahia e dados e informações
sobre o período pré-institucionalização do curso até a conclusão da primeira turma. (RAPOLD,
1999) No seu doutorado, em 2003, a autora defendeu a tese denominada A psicologia da
educação na Bahia: a história do IDOV pela memória de seus personagens. Rita Rapold
privilegiou, mais uma vez, o uso da técnica da história oral, associado às poucas fontes escritas
existentes, para construir uma narrativa sobre a trajetória, os principais eventos e os integrantes
do Instituto de Orientação Vocacional (IDOV). (RAPOLD, 2003)
25

Os professores Mercedes Cunha Chaves de Carvalho, Nádia Maria Dourado Rocha e


Eduardo Saback Dias de Moraes assinaram um capítulo do livro UFBA – do século XIX ao
século XXI (TOUTAIN; SILVA, 2010) intitulado Memória histórica do departamento de
psicologia, atual Instituto de Psicologia: sua constituição e desenvolvimento, no qual é
apresentada uma retrospectiva celebrativa sobre o curso, nos seus, então, 42 anos de existência.
Mais recentemente, em 2017, a professora Ana Lúcia Alcântara de Oliveira Ulian et all
publicaram o artigo denominado Memórias da Análise do Comportamento no Nordeste –
Bahia, Ceará e Maranhão, no qual apresentam memórias dos autores sobre o desenvolvimento
da Análise do Comportamento nesses Estados. (ULIAN et al., 2016)

Este trabalho está organizado em seis capítulos, além desta introdução (Capítulo 1), das
considerações finais, das referências da bibliografia consultada e dos apêndices e anexos:
No Capítulo 2, intitulado A universidade e a psicologia no contexto da ditadura militar
buscamos apresentar, primeiramente, uma contextualização histórica sobre a ditadura militar e
as principais medidas adotadas pelo regime, as quais impactaram sobre as universidades. Em
seguida, discorremos sobre os órgãos de segurança e as estratégias utilizadas pelos tecnocratas
do regime para o controle e vigilância de docentes, discentes e servidores e sobre a psicologia
e a atuação dos psicólogos durante o período militar. Embora não tenhamos ambicionado fazer
uma revisão exaustiva sobre o assunto, tentamos traçar um breve panorama das pesquisas sobre
o tema, dando ênfase a autores e pesquisas que contribuíram de modo fecundo para a sua
edificação, para que, ao final pudéssemos orientar o desenvolvimento do nosso estudo.
O capítulo 3 - Construindo os referenciais teórico-metodológicos, teve como objetivo
principal apresentar o referencial que sustentou esta pesquisa e seus conceitos fundamentais.
Na primeira parte, buscamos fazer uma breve descrição da evolução do campo histórico e
historiográfico da psicologia para, em seguida, discorrer sobre o desenvolvimento da história
crítica da psicologia, dimensão que fundamenta este trabalho. Explicitamos os conceitos de
Indigenização e Recepção de teorias psicológicas que nortearam aspectos desta pesquisa. Na
segunda parte, apresentamos a abordagem metodológica da História do Tempo Presente, que
utilizamos no campo de observação da pesquisa, para, a partir daí, detalhar sobre as fontes
utilizadas e o modo de tratamento empregado neste estudo sobre histórias e memórias do tempo
presente.
No Capítulo 4, que denominamos A psicologia aplicada à medicina e à educação na
Bahia: antecedentes da criação do curso de graduação em psicologia da UFBA, buscamos
mostrar o papel de três instituições que se destacaram enquanto espaços acadêmicos formadores
26

das primeiras gerações de profissionais a atuar no campo psicológico na Bahia e a exercer a


docência no curso de psicologia que seria criado, no final da década de 1960, na UFBA: a
Faculdade de Filosofia da Bahia (FFB); a Clínica Psiquiátrica (CP) da Faculdade de Medicina
da Bahia (FMB); e o Instituto de Orientação Vocacional (IDOV). Enfocamos, inicialmente, a
aplicação da psicologia nos cursos de licenciatura da FFB e o pioneirismo do educador e diretor
da faculdade Isaías Alves, e do médico psiquiatra e criador do curso de psicologia João Inácio
de Mendonça. Na segunda parte, descrevemos o campo da Psicologia Aplicada à Educação e
ao Trabalho, que se expandiu com a instalação do IDOV e a influência do seu supervisor, o
espanhol Emílio Mira y López. Por fim, abordamos o papel da Clínica Psiquiátrica do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Bahia, como espaço de formação e capacitação
acadêmica no campo “psi”.
No Capítulo 5, buscamos apresentar uma visão panorâmica sobre o processo de formação
e consolidação do curso de psicologia da FFCH/UFBA e os diversos entraves burocráticos e
políticos para sua constituição. A partir de dados quantitativos sobre demanda, matrículas,
evasão, sexo e número de concluintes, evidenciamos o perfil dos ingressantes no curso, ao longo
do período analisado. Também se evidenciaram, aqui, as diversas instituições que atenderam
as demandas de estágio supervisionado nas áreas clínica, educacional e industrial, além da
forma como tais espaços contribuíram para o processo prático formativo dos discentes. Neste
capítulo, nossa atenção voltou-se para refletir sobre a posição social que a psicologia assumia
naquele momento, evidenciando que o curso atendia a uma demanda especialmente das
mulheres, integrantes da classe média baiana, que via a psicologia como uma profissão liberal
e uma oportunidade para ascender socialmente. Analisamos a conjuntura política, determinada
pelos ditames do regime militar e seu impacto na vida acadêmica e universitária, o que exigiu
dos discentes de psicologia resistência para lidar com a tensão política naqueles anos iniciais
do curso. Nesse contexto social e político, analisamos o papel dos professores psiquiatras no
âmbito formativo dos discentes de psicologia e ingresso no campo psicoterapêutico, ao nível da
clínica individualizada e voltada para as camadas médias urbanas que podiam pagar e se
beneficiar desse serviço.
Ao longo do Capítulo 6, Recepção da psicologia experimental e da psicanálise na Bahia:
aspectos teóricos e políticos, buscamos analisar o modo como a Análise do Comportamento e
a Psicanálise foram recebidas pelo campo acadêmico de psicologia em Salvador -
compreendido por instituição, docentes e discentes - entre os anos de 1968 a 1980. A partir de
uma contextualização sobre a contribuição da Universidade de São Paulo (USP) à formação
dos primeiros analistas do comportamento no Brasil, apresentamos uma narrativa sobre a
27

influência dos docentes de psicologia da USP na implantação do laboratório de Psicologia


Experimental do curso de psicologia da FFCH/UFBA e na formação e aperfeiçoamento de seu
quadro docente. Em seguida, analisamos o modo como a psicanálise foi recebida e apropriada
pela comunidade acadêmica de psicologia na Bahia. Procuramos entender como se deu a
circulação da psicanálise, entre os anos de 1968 a 1980, à luz das múltiplas dimensões
envolvidas no fenômeno, ou seja, as condições sociais e políticas que possibilitaram a
emergência da cultura psicanalítica no país, refletindo sobre a importância do grupo do Círculo
Brasileiro de Psicanálise (CBP), representado pelo psicanalista didata Carlos Pinto Corrêa,
integrante do CBP de Minas Gerais e o grupo de psicanalistas argentinos, capitaneado por
Emílio Rodrigué.
No Capítulo 7 - Controle e vigilância dos órgãos de segurança e informação: a UFBA e
o curso de psicologia durante a ditadura militar, buscamos mostrar o processo de lutas,
resistências, mobilização e participação política de discentes e docentes do curso de psicologia
da FFCH/UFBA e os embates com as políticas de Estado implantadas durante a ditadura.
Abordamos os mecanismos de controle e vigilância adotados pelos órgãos de segurança da
ditadura militar, dentro da UFBA, de modo a acompanhar a dinâmica de luta dos discentes e
docentes do curso de psicologia. Destacamos as preocupações em torno da formação
profissional de um crescente número de psicólogos, que vislumbravam a realidade do escasso
mercado de trabalho soteropolitano. Ademais, evidenciamos as pautas coletivas, que envolviam
o diretório acadêmico do curso na luta pela redemocratização e contra a censura, a perseguição
e a vigilância perpetrada pelos militares.
Nas partes finais do estudo, além das referências da bibliografia consultada para a
realização do trabalho, apresentamos, em apêndices e anexos, documentos acerca das
entrevistas realizadas e alguns registros que são importantes como fonte histórica.
28

2 A UNIVERSIDADE E A PSICOLOGIA NO CONTEXTO DA DITADURA MILITAR

O objetivo desta seção é apresentar, primeiramente, uma contextualização histórica sobre


a ditadura militar e as principais medidas, adotadas pelo regime, tendo como foco as
universidades. Em seguida, discorreremos sobre os órgãos de segurança e as estratégias dos
golpistas para o controle e a vigilância de docentes, discentes e servidores. Por fim, faremos
uma revisão bibliográfica sobre a psicologia e a atuação dos psicólogos durante o período
militar.
Em 31 de março de 1964 um golpe de Estado depôs o presidente João Goulart e instaurou
o regime militar no Brasil, que permaneceu no poder até março de 1985. Foram 21 anos de
ditadura. Esse período foi considerado como

Um ciclo politicamente marcado pelo autoritarismo militar, redução ou


supressão de direitos constitucionais, repressão policial, censura à imprensa,
controle casuístico do processo político, esvaziamento do Poder Legislativo,
limitação do Judiciário e domínio arbitrário do Poder Executivo. (COUTO,
2003, p. 41)

A preocupação principal dos vitoriosos, após o golpe, foi o expurgo dos derrotados. Para
isso, os agentes do Estado e seus apoiadores iniciaram a denominada Operação Limpeza,
visando “limpar” os quartéis, o aparelho estatal e as organizações da sociedade civil, afastando
todos aqueles que fossem considerados subversivos ou que se posicionassem contra o regime e
excluindo os adversários do cenário público. No grupo dos adversários se incluía os comunistas,
socialistas, trabalhistas, nacionalistas de esquerda, dentre outros. (MOTTA, 2014)
As universidades, consideradas focos de infiltração comunista, passaram a ser fortemente
visadas. As representações anticomunistas temiam a esquerdização dos jovens universitários e
Suplicy de Lacerda, Ministro da Educação e Cultura do governo de Humberto Castelo Branco
(1964-1967) deixou clara a intenção de ‘sanear o comunismo’ das universidades e coibir as
manifestações contrárias às medidas ditatoriais e reprimir o ME. A Lei 4.464/19646, conhecida
como Lei Suplicy de Lacerda, que dispunha ‘sobre os órgãos de representação dos estudantes’,
colocou na ilegalidade a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as uniões estaduais de

6
BRASIL.Lei 4.464, de 9 de novembro de 1964. Dispõe sobre os Órgãos de Representação dos estudantes e dá
outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 nov. 1964. Disponível
em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4464-9-novembro-1964-376749-publicacaooriginal-
1-pl.html
29

estudantes de ensino superior e instituiu o funcionamento dos Diretórios Acadêmicos (DAs) de


cada curso e o Diretório Central dos Estudantes (DCE) para o âmbito de cada universidade.
(LIRA, 2010; MOTTA, 2014)
A Operação Limpeza levou à expulsão de estudantes e docentes, outros foram presos ou
fugiram por medo da repressão ou para entrar na clandestinidade. Além de expulsar e prender
docentes e estudantes, as forças ‘revolucionárias’ também invadiram universidades com uso
das forças policial e militar. As aulas foram suspensas em consequência das operações policial-
militares e foram retomadas em meados de abril com claras demonstrações do papel dos
militares como tutores da vida universitária. A retomada das aulas não significava o fim dos
expurgos.
Dentre as situações de invasão às universidades, em 1964, a mais dramática foi a da
Universidade de Brasília (UnB). Houve ocupação armada por tropas, tanto da Polícia Militar,
quanto do Exército; vários professores e estudantes foram presos, sendo que alguns foram
detidos em instituições militares e submetidos a interrogatórios e humilhações. O então reitor
Anísio Teixeira (1900-1971) e o vice Almir de Castro foram demitidos. Em outubro de 1965,
223 professores da UnB pediram demissão coletivamente. (SALMERON, 1999;
ALBUQUERQUE, 2001; MOTTA, 2014)

Dois tipos de motivação estiveram presentes nos afastamentos de dirigentes


universitários: alguns, por serem considerados persona non grata pelo regime
recém-instalado, caso da Universidade de Brasília (UnB); e outros, por
começarem a colocar obstáculos às ações repressivas. Nesse caso, o
afastamento visou facilitar o processo de expurgo de docentes e estudantes.
(BRASIL, 2014, p. 269)

Os militares passaram a abrir Inquéritos Policiais Militares (IPMs) de modo generalizado,


a partir de 1964, para apurar a vida de discentes e docentes, contribuindo para aumentar o clima
de medo. O IPM era um procedimento integrante da Justiça Militar para investigar esporádicos
crimes militares e políticos, previsto nas instituições militares e na Lei de Segurança Nacional.
Nesse mesmo ano foi criada a Comissão Geral de Investigações (CGI) que serviu para reunir
os Inquéritos de todas as regiões. Os IPMs geraram centenas de demissões de servidores.
(MOTTA, 2014).
A Operação Limpeza visou facilitar o processo de expurgo de docentes e estudantes.
Envolveu, também, o afastamento de reitores que opuseram obstáculos às ações repressivas.
Seis reitores foram afastados, das Universidades de Brasília (UnB), do Rio Grande do Sul
30

(URGS), Rural do Rio de Janeiro (URRJ), do Espírito Santo (UES) e de Goiás (UG). Na época,
havia cerca de 25 universidades públicas, incluindo as estaduais e, conforme Motta (2014),

É preciso destacar os setores acadêmicos que apoiaram a intervenção militar


nas universidades, assim como nos meios culturais, e que forneceram quadros
para o Estado autoritário ao longo dos anos seguintes. Se entre as esquerdas o
golpe foi recebido com frustração e ódio, outros segmentos da comunidade
universitária reagiram com alívio e entusiasmo. (MOTTA, 2014, p. 33)

Fica claro que houve apoio ao golpe no meio acadêmico. Em algumas instituições, os
professores fizeram moções de apoio ao poder ‘revolucionário’ nos órgãos colegiados
universitários. Entre professores e estudantes apoiadores do regime, havia integrantes da
extrema direita, como ex-integralistas e anticomunistas radicais. Professores de esquerda foram
denunciados por colegas, apontados à polícia ou às reitorias, para serem atingidos pela
Operação Limpeza. (BAIARDI, 2008; MOTTA, 2014)
Passada a primeira fase da Operação Limpeza, os estudantes voltaram ao comando das
entidades e mesmo a UNE voltou a funcionar na clandestinidade. A partir de 1965, começaram
a acontecer protestos e passeatas que se intensificaram a partir do ano seguinte.

Em 1965 ou 1966, era difícil prever que o regime militar iria recrudescer nos
fins de 1968, e havia razões para esperar alguma redução na vigilância
repressiva. Com a aprovação da nova Constituição, em 1967, chancelada pelo
Congresso, e o começo do governo Costa e Silva, que chegou prometendo
diálogo e tolerância, o horizonte parecia realmente menos nebuloso.
(MOTTA, 2014, p. 61)

E o regime militar, de fato, radicalizou ainda mais a partir de 1968. As medidas impostas
pela ditadura militar, sob a presidência de Artur da Costa e Silva (1967-1969), fizeram de 1968
um ano marcante para a história política brasileira, com implantação de reformas estruturais
nas universidades e a instauração do AI-5. O ano começou com manifestações de estudantes
que reivindicavam ensino público e gratuito, reforma para democratização, melhoria da
qualidade do ensino e mais verbas para pesquisa. Passeatas, greves, ocupações de faculdades e
manifestações foram deflagradas em todo o país. Fatos dramáticos marcaram o ano, como a
morte do secundarista Edson Luís de Lima Souto, em 28 de março, durante a invasão policial
ao restaurante Calabouço e seu enterro simbólico na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro,
com protestos em todo o país. A Faculdade de Direito da USP foi ocupada em 22 de junho e
em 26 daquele mês a Passeata dos Cem Mil tomou as ruas do Rio de Janeiro, com estudantes,
intelectuais, artistas, religiosos e populares.
31

Cabe contextualizar que, pelos diversos acontecimentos no âmbito nacional e mundial, o


ano de 1968 foi emblemático para a História, politicamente atípico, com inúmeras mobilizações
e revoltas, dentro e fora do Brasil. Estudantes e trabalhadores em todo o mundo levantaram suas
bandeiras em manifestações de protesto contra a ordem social e política. Estudantes, operários,
feministas, negros, ambientalistas e homossexuais levantaram suas bandeiras em protesto
contra a ordem social e política e agitaram o mundo, como as manifestações contra a Guerra do
Vietnã nos Estados Unidos e o Maio Libertário, que envolveu estudantes e trabalhadores em
todo o mundo. O movimento de contracultura, que surgiu nos Estados Unidos naquela década,
representou esse momento de rebeldia e rejeição ao estabelecido, que rompeu com velhos
padrões. Toda essa ebulição no contexto internacional repercutiu no Brasil, influenciando o
rumo dos acontecimentos ocorridos no país nesse emblemático ano. (COUTO, 2003;
ANTUNES; RIDENTI, 2007)
Além do reflexo do que aconteceu no mundo, o Brasil vivia o seu próprio contexto de
luta. O ME tentava dialogar com o governo, que intensificava a repressão. Atentados foram
praticados pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC), organização paramilitar de extrema-
direita “composto por estudantes e policiais de direita, financiados por grandes grupos
capitalistas e com claro apoio da ditadura militar” (ANTUNES; RIDENTI, 2007, p. 82). Para
Antunes e Ridenti (2007), foi selada, nesse ato, a derrota do movimento estudantil brasileiro.
A militância política passou a concentrar suas atividades em organizações de esquerda,
mantendo a luta contra a ditadura na clandestinidade (ANTUNES; RIDENTI, 2007). A
mobilização política dos estudantes da UFBA, articulados até então com os estudantes
secundaristas, não sobreviveu aos expurgos e ao cancelamento de matrículas dos militantes
estudantis e o movimento estudantil foi desarticulado (BRITO, 2008; 2017). Por outro lado,
Brito (2008, p. 13), adverte sobre os “[...] muitos exageros sobre o que foi a geração de 68.
Fala-se muito da geração de 68 imbuída de combatividade e politização, porém é sempre bom
lembrar que uma grande parcela dos estudantes naquela época era indiferente à participação
política[...]”.
As universidades públicas enfrentaram naquele ano de 1968 o desafio de se adequar às
mudanças advindas especialmente com a Reforma Universitária, implantada através da Lei
5.540/1968, que fixou as normas de organização e funcionamento do ensino superior, dentre
outras medidas. A Reforma Universitária tinha como pressuposto a racionalização, a
modernização e a expansão das universidades federais, inspirado nos moldes acadêmicos
americanos e levou, dentre outras mudanças, ao fim do sistema de cátedras, além de sua
substituição pelo modelo departamental. Os professores catedráticos eram prestigiados, bem
32

remunerados e com total poder sobre suas respectivas áreas de conhecimento e tinham
autonomia para selecionar seus assistentes, professores e pesquisadores, bem como definir os
programas de ensino. Os cargos eram vitalícios, o que abria precedente para práticas nepotistas,
como contratar parentes para atuar como auxiliares de cátedra. Os catedráticos também
controlavam as estruturas decisórias, como congregações e conselhos universitários. A
Reforma pretendeu acabar, também, com a duplicação de meios para fins idênticos, termo
utilizado na época para referir-se à existência de cátedras dedicadas à mesma área em diferentes
faculdades. (MOTTA, 2014)
Com a justificativa de formação da mão de obra para a economia, a reforma universitária
levou à ampliação do número de vagas e de novos cursos. Foi implantado o sistema de matrícula
por disciplina em substituição às matrículas por série; surgindo, também, o vestibular unificado
e a matrícula por créditos. Criou-se, igualmente, o chamado ciclo básico, que separava o
processo de entrada na universidade em duas etapas: a primeira seleção para o curso básico
(primeiro ciclo) e uma segunda para o curso profissional (segundo ciclo). A introdução do ciclo
básico no primeiro ano de formação universitária foi um mecanismo adotado para reduzir os
chamados excedentes, que eram aqueles estudantes aprovados nos testes, mas que a faculdade
não conseguia absorver. (BOMENY, 1994; MARTINS, 2009; ANTUNES, 2012; MOTTA,
2014)
A Reforma veio no bojo dos projetos adotados pelos golpistas para estruturar as políticas
de governo e foi financiada através de acordos com os Estados Unidos. Dentre esses acordos,
o que teve maior notoriedade foi aquele firmado em 1965, entre o Ministério da Educação e
Cultura (MEC) e a agência americana USAID7.O acordo MEC-USAID imprimiu ao ensino
brasileiro um caráter mais técnico e funcionalista do que humanístico e crítico, semelhante ao
modelo americano e alcançou maior relevância em função dos desdobramentos efetivos na vida
universitária. As reformas estruturais beneficiaram as áreas de ciência, tecnologia e educação,
com abertura de novos cursos e ampliação do número de vagas, mas nas áreas de ciências
humanas e sociais, embora tenha havido investimentos, estes não foram prioridades da reforma
universitária que se implantava e nem tão expressivos quanto nas áreas tecnológicas e das
ciências naturais. (CUNHA, 1988; CLEMENTE, 2005, 2006, 2014, 2017; LIRA, 2010;
MOTTA, 2014)

7A agência americana United States Agency for International Development – USAID era voltada ao financiamento
de projetos em países e áreas estratégicas, visando o desenvolvimento internacional, dentro da perspectiva
desenvolvimentista norte-americana. (MOTTA, 2014)
33

O ano de 1968 terminou com a decretação do AI-5, que resultou na perda de mandatos de
parlamentares contrários aos militares, intervenções nos Municípios e Estados e suspensão de
todas as garantias constitucionais, dando poderes ao governo para cometer atos que violavam
direitos humanos fundamentais. No âmbito das universidades, o AI-5 impingiu uma segunda
onda de expurgos, acirramento da radicalidade do regime e a manifestação do seu caráter mais
repressivo e violento. O AI-5 é lembrado como o “golpe dentro do golpe” e um “divisor de
águas dentro do regime militar”. (OLIVEIRA, 1978; BOMENY,1994; COUTO, 2003;
ANTUNES; RIDENTI, 2007; SAVIANI, 2008; CARDOSO, 2013; MOTTA, 2014)

[...] o Ato Institucional n. 5 [...] detonou uma sistemática repressão a todo e


qualquer ato, isolado ou coletivo, que fosse interpretado como resistência à
ditadura. A violação dos direitos humanos e da liberdade de expressão
assumiu contornos de escancarada violência, com base num autoritarismo
exacerbado e no uso deturpado, ditatorial e desmedido das instituições do
Estado brasileiro contra seus próprios cidadãos. O movimento estudantil,
contudo, continuou resistindo e, portanto, manteve-se a busca de seu
esmagamento. (UFBA CMSMV, 2014, p. 18-19)8

No ano seguinte, foi promulgado o Decreto-Lei 477/1969 Discentes foram expulsos por
meio de ato administrativo de negativa das matrículas e professores tiveram suas aposentadorias
decretadas compulsoriamente. Conforme Motta (2014),

O Decreto-Lei n.477 foi um dos instrumentos repressivos mais draconianos


produzidos pelo regime militar e, por isso, gerou inúmeros protestos e críticas,
inclusive entre os apoiadores do governo. Ele tornou-se um símbolo da
ditadura, sempre lembrado em manifestações que reivindicavam o retorno à
democracia. O repúdio gerado pelo Decreto 477 devia-se à amplitude e à
generalidade das ‘infrações’ nele impostas, bem como ao caráter sumário do
processo de inquérito. (MOTTA, 2014, p.156)

As universidades foram, profunda e paradoxalmente, atingidas pelas propostas


implantadas no período ditatorial. Os militares, de um lado, impetraram atos de violência a
intelectuais e professores, torturando, prendendo, aposentando compulsoriamente, afastando de
suas funções e aparelhando as universidades, mas, por outro, os governos militares
empreenderam políticas de governo voltadas à modernização do ensino, investindo em pesquisa
e na formação de professores. Em termos reais, foram expressivos os investimentos em Ciência,
Tecnologia e Inovação (CTI) e em pós graduação, previstos no Plano Básico de

8
A Comissão Milton Santos de Memória e Verdade foi criada em 2013, no âmbito da Universidade Federal da
Bahia e teve como objetivo recolher os documentos e os depoimentos necessários para contar o que se passou no
período da ditadura militar na UFBA, em termos de violações dos direitos humanos e das liberdades individuais.
34

Desenvolvimento científico e Tecnológico (PBDCT), que era parte do Plano Nacional de


Desenvolvimento (PND). (SCHWARTZMAN, 2001; BAIARDI, 1996; FREIRE JR., 2007;
MOTTA, 2014)
No próximo tópico, analisaremos as estratégias adotadas pelo regime para o controle e
vigilância de docentes e discentes, através dos órgãos de segurança e serviço de inteligência,
implantados pela ditadura militar. Descreveremos seus mecanismos de investigação e repressão
policial e sua coordenação nas instâncias federal, estadual e municipal, além do papel das AESI
ligadas ao MEC nas ações de propaganda e contrapropaganda do governo.

2.1 ESTRUTURAÇÃO DOS SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA E INFORMAÇÃO NAS


UNIVERSIDADES

Pretendemos, aqui, analisar o processo de atuação do Serviço Nacional de Informação


(SNI), que através de uma formação ideológica, apoiada nos ideais de Segurança Nacional,
formava seus agentes e instrumentalizava-os para atuarem nos serviços de inteligência
coletando, analisando e organizando informações, em condições de sigilo. A agência de
inteligência AESI/MEC atuava como um braço do SNI dentro das universidades e, para isso,
utilizou instrumentos, como manuais, folhetos e apostilas, para agir na comunidade acadêmica.
Essa estratégia de ação tinha como intuito final depreciar e criminalizar os movimentos
estudantis.
Todos os serviços de inteligência existentes no Brasil, implantados pela ditadura militar,
seus mecanismos de investigação e sua coordenação nas instâncias federal, estadual e
municipal, encontravam-se vinculados ao SNI. Fruto de um projeto formulado pelo General
Golbery de Couto e Silva, o SNI foi criado em 13 de junho de 1964 para que o regime pudesse
dispor de informações consideradas estratégicas e se municiar contra os inimigos de esquerda
recém derrotados. Sua criação tão imediata após o golpe indica a importância que era dada à
estruturação de um órgão de informação. (FICO, 2001; GASPARI, 2014b)
Conforme pontua o historiador Carlos Fico (2001; 2004), o SNI deveria atuar como
agência de inteligência, enquanto o trabalho de repressão caberia às polícias estaduais, através
do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), à Polícia Federal, ao Destacamento de
35

Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e aos serviços


de informação ligados às Forças Armadas9.
O SNI era composto por diversos órgãos que, juntos integravam o Sistema Nacional de
Informações (SISNI). Os órgãos que compunham a agência de inteligência SNI e que estavam
vinculados ao MEC, eram as Divisões de Segurança e Informações (DSI) e as Assessorias
Especiais de Segurança e Informações (AESI). O regulamento das DSI dos Ministérios Civis e
das AESIs foi criado através do Decreto 67.325/197010. As atividades das AESIs eram
coordenadas pelas Assessorias Regionais de Segurança e Informações (ARSI). (FICO, 2001;
SILVEIRA, 2019)
Competia às DSIs assessorar os Ministérios de Estado em todos os assuntos pertinentes à
Segurança Nacional e em assuntos relativos à Informação e Contrainformação. As DSIs
funcionavam como estruturas de investigação sobre a influência comunista nos aparelhos de
Estado, entidades e funcionários públicos. Para isso, contavam com grande acervo de
documentação sobre servidores públicos que possibilitaram a investigação e a criação de atos
administrativos, aposentadorias compulsórias, sendo, por isso, instrumento estratégico de
informação ao SNI, subsidiando ações das polícias estaduais e dos serviços secretos das Forças
Armadas. (PEREIRA, 2016)
Enquanto as DSIs funcionavam dentro dos Ministérios, as AESIs atuavam nas empresas
públicas estatais e autarquias, dentre elas, as universidades. À AESI competia o assessoramento
ao chefe da DSI, a realização de estudos específicos na área do Ministério, através de grupos
de trabalho, além de envolver-se no planejamento e execução de ações de contrainformação no
Ministério e de comunicação na DSI. Tanto a DSI quanto a AESI repassavam ao SNI
informações consideradas de caráter subversivo. (MOTTA, 2008)

9
“Durante a ditadura militar, além do Serviço Nacional de Informações (SNI) e dos serviços secretos das Forças
Armadas (Centro de Informações do Exército – CIE, Centro de Segurança de Informações da Aeronáutica – CISA,
e Centro de Informações da Marinha – CENIMAR), outros órgãos davam sustentação ao sistema repressivo, como
a Polícia Federal, e no âmbito estadual, as Delegacias de Ordem Política e Social (DOPS). Em julho de 1969, em
São Paulo, a Operação Bandeirantes (Oban) surgiu para concentrar as ações repressivas no comando do Exército.
Essa estrutura foi extinta em 1970, para dar lugar ao Centro de Operações de Defesa Interna (CODI) e ao
Destacamento de Operações de Informações (DOI) instalados nas principais capitais do país. Conhecidos à época
pela sigla DOI-CODI, foram os locais por onde passaram milhares presos e onde ocorreu a maioria dos casos de
execuções e desaparecimentos forçados de opositores ao regime”. Fonte:
http://www.arquivonacional.gov.br/br/difusao/arquivo-na-historia/696-doi-codi.html. Acesso em: 31 ago. 2020.
10
BRASIL. Decreto n. 67.325, de 2 de outubro de 1970. Aprova o regulamento das Divisões de Segurança e
Informações dos Ministérios Civis. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2 out.
1970. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-67325-2-outubro-1970-
408768-publicacaooriginal-1-pe.html
36

Nas universidades, as AESIs estavam vinculadas diretamente ao gabinete da Reitoria e


repassavam todas as informações coletadas, sistematicamente, através de relatórios, à
DSI/MEC. Esta, por seu turno, gerava um boletim diário ou semanal de informações sobre
subversão nas universidades. Desse modo, o MEC passou a intervir mais fortemente nas
universidades. (MOTTA, 2008)
As AESIs universitárias atuavam desde a etapa de contratação do corpo docente, fazendo
a filtragem ideológica dos candidatos e impedindo o ingresso daqueles considerados
esquerdistas, até a aprovação da indicação de diretores de institutos e chefes de departamentos.
Além dos docentes, as AESIs vigiavam discentes e técnicos, denunciando aos órgãos de
repressão aqueles que fossem considerados suspeitos de agir contra o regime, punindo-os
através de atos de expurgo, demissão e aposentadoria. (PEREIRA, 2016)
Nas universidades, as AESI também exerciam controle de pesquisas, eventos científicos
e cerimônias acadêmicas de colação de grau. Tinham poder de vetar a concessão de bolsas e
controlavam a autorização para saída para pós-graduação e liberação de vistos para viagens
internacionais. A censura a eventos de natureza acadêmica e/ou cultural era, por vezes,
provocada por ordens superiores e os dirigentes obedeciam, mas havia casos que a iniciativa
era da própria administração universitária, demonstrando a adesão aos propósitos do Estado
autoritário. (MOTTA, 2008)
Outra função das AESIs era fazer o trabalho de contrapropaganda ou contra informação
do regime. Como forma de municiar as AESIs com material instrucional e de orientação aos
seus agentes, visando o efetivo exercício da atividade de vigilância junto às universidades, o
DSI/MEC elaborava e divulgava Folhetos, Manuais e Apostilas. Pelo seu teor e impacto junto
ao ME, destacamos as publicações Guerra Psicológica11 e Como eles agem12. Foram
produzidos com base na Política de Segurança Nacional e visavam combater a influência
comunista nos meios universitários e culturais.
A primeira publicação que destacamos, intitulada Guerra Psicológica13, versava sobre
operações táticas de guerra psicológica. A guerra psicológica era entendida, pelos tecnocratas
do regime, como uma violência sistematizada, conduzida e dirigida contra a mente do oponente
e uma arma eficiente para diminuir as perdas de vida e de bens materiais. Enquanto produto do

11
BRASIL. DSI/MEC. Guerra Psicológica. Divisão de Segurança e Informações do MEC.1971.
12
BRASIL. DSI/MEC. Como eles Agem: Levantamento sobre o movimento estudantil. Divisão de Segurança e
Informações do MEC. 1974.
13
Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Assessoria de Segurança e Informações da Universidade de Brasília –
ASI/UNB. REF: BR_DFANBSB_AA1_0_LGS_0001_d0001de0001.
37

DSI/MEC, essa publicação tinha o objetivo de instruir e orientar os agentes que atuavam nas
universidades.
O emprego da guerra psicológica envolvia a exploração emocional do oponente,
objetivando influenciá-lo. Visava à formação de uma opinião favorável, seja de grupos adversos
ou neutros, para que esses grupos apoiassem os objetivos nacionais, a saber, aqueles defendidos
pela ditadura militar. Os propósitos e o sentido da guerra psicológica estariam relacionados
também à atuação sobre o adversário, no sentido de lhe causar prejuízos em possíveis
operações, utilizando, para isso, técnicas de discórdia e persuasão.
A publicação descreve as fases da guerra psicológica como Estratégicas, Táticas e de
Consolidação, relacionadas à amplitude ou limitação de propósitos e à cooperação dos
habitantes após a ocupação. A guerra psicológica estratégica tem objetivos amplos e efeitos a
longo prazo; já a guerra psicológica tática tem propósitos limitados e efeitos imediatos. Por seu
turno, a guerra psicológica de consolidação tem o objetivo de persuadir os moradores de áreas
ocupadas a aceitarem a ocupação e cooperarem com os agentes. Após a consolidação das
medidas de ocupação, os efeitos psicológicos esperados seriam influenciar o maior número de
pessoas, depreciar lideranças do grupo adversário e, finalmente, criar uma base de controle
sustentado para abalar o sistema do adversário.
Entre os requisitos para que uma ação fosse considerada uma guerra psicológica estava o
uso da propaganda, considerada uma técnica de influenciar a mente humana em prol de um
objetivo. Desse modo, os órgãos de informação do regime faziam uso da guerra psicológica,
através da propaganda, para garantir os objetivos traçados pela ditadura. De acordo com o
folheto, a propaganda se diferencia da educação, pois,

[...] a educação visa a independência de julgamento e a propaganda visa ao


fornecimento de julgamentos previamente criados para os que não pensam. O
educador busca um lento processo de desenvolvimento; o propagandista busca
resultados rápidos. O educador ensina como pensar; o propagandista o que
pensar. (BRASIL, 1971, p. 8)

Além disso, a propaganda estratégica e a tática podem ser classificadas quanto ao seu
propósito, podendo ser de conversão, de divisão, de consolidação ou a contrapropaganda. A
propaganda de conversão é planejada para modificar a filiação emocional do indivíduo; a
propaganda de divisão busca criar elementos de discórdia entre grupos e a de consolidação atua
no intuito de angariar simpatia na população de áreas ocupadas. A contrapropaganda pretende
atuar no combate às teses do adversário, negando-as ou neutralizando-as. A guerra psicológica
seria a arma cientifica do terror, cujos elementos são a inibição, o pânico, a obsessão e os
38

sentimentos de culpa e traição. A mensagem é aquilo que se pretende transmitir ao grupo-alvo,


influenciando opiniões e favorecendo discussões.
O DSI/MEC utilizou cinco referências bibliográficas para a construção do manual Guerra
Psicológica, citadas ao final do trabalho: 1) o livro La Guerre psychologique do psicólogo
francês Maurice Megret14; 2) o livro Técnicas de Persuasão15, do psiquiatra escocês James
Alexander Campbell Brown; 3) um material da Escola de Guerra Naval - Info. 30, denominado
Guerra Psicológica; 4) uma Coletânea de um ciclo de conferências realizado pelo Estado Maior
do Exército, denominada Guerra Revolucionária e Anticomunismo; e 5) o Manual de
Segurança e Informações, do próprio DSI/MEC. Ao final do manual sobre Guerra Psicológica,
há um teste com perguntas para consolidação dos conhecimentos do leitor.
Cabe destacar aqui que o emprego do termo guerra psicológica foi tratado como assunto
estratégico pelos intelectuais do regime golpista e fortemente articulado com o projeto de
Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra (ESG). Criada em 1949, como um instituto
de pesquisa que envolvia civis e militares, a ESG teve como objetivo dirigir e planejar a
segurança nacional. A proposição da ESG para a Segurança Nacional, apresentada pelo General
Golbery do Couto e Silva, assumiu papel estratégico no governo a partir de 1964, construindo
uma Doutrina Nacional para a política de Estado.
O Manual Básico da ESG, de 197516, explicita a proposta da Doutrina Nacional,
subdividindo-a em Política Nacional de Desenvolvimento e em Política Nacional de Segurança.
A ideia de Desenvolvimento visa a promoção do Bem Comum, enquanto a Segurança visa a
criar e manter a ordem pública. O Desenvolvimento Nacional é uma

[...] otimização do Poder Nacional, objetivando a consecução do bem comum.


É do interesse e da competência da União, como prevê o Artigo 8º da
Constituição Federal, promover esse desenvolvimento atuando sobre o Poder
Nacional. (BRASIL, 1975, p.344)

A função do Poder Nacional é assegurada pela Lei de Segurança Nacional que “arma o
Estado de meios legais para se opor a todas as manifestações e suas ameaças que visem à
conquista subversiva do Poder” (BRASIL, 1975, p.254). Nesse sentido, a Segurança Interna
deve ter ação mais preventiva que punitiva e as medidas adotadas seriam direcionadas à
neutralização dos antagonismos.

14
MEGRET, M. La Guerre psychologique. Presses Universitaires de France. Paris: 1956, 128 p.
15
BROWN, James Alexander Campbell. Técnicas de persuasão: Da propaganda à lavagem cerebral. 2. ed. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1971.
16
BRASIL. Escola Superior de Guerra. Manual Básico. Rio de Janeiro: ESG, 1975.
39

A Política Nacional de Segurança utiliza, para a consecução de seus objetivos, das


estratégias Política, Econômica, Militar e Psicossocial. A estratégia mais diretamente
relacionada ao campo educacional é a Psicossocial, que tem como finalidade “[...] fortalecer o
moral da Nação e de seus aliados, quebrantando o dos antagonistas considerados.” (p.157). De
acordo com essa estratégia, os fatores psicossociais utilizados para a análise da conjuntura são:

[...] no âmbito nacional - dados demográficos (volume e composição da


população, distribuição espacial, etc.), educação, cultura e adestramento
técnico, estrutura e dinâmica sociais, mentalidade nacional, moral do povo,
ideologias e opinião pública, etc.; - no campo internacional – ideologias em
conflito, caracterização psicológica e social de grupos antagônicos, potencial
demográfico de outras nações, etc. (BRASIL, 1975, p.253)

O Manual Básico da ESG apresenta diversas conceituações para o entendimento do que


seja estratégia psicossocial:

2.1. Operações Psicológicas

São as operações que incluem as ações psicológicas e a guerra psicológica.


Compreendem as ações políticas, militares, econômicas e psicossociais
planejadas e conduzidas para criar num grupo – inimigo, hostil, neutro ou
amigo – emoções, atitudes ou comportamentos favoráveis à consecução dos
Objetivos Nacionais.

2.2. Ação Psicológica

Ação que congrega um conjunto de recursos e técnicas para gerar emoções,


atitudes, predisposições e comportamentos de indivíduos ou coletividades,
favoráveis à obtenção de um resultado desejado.

2.3. Guerra Psicológica

É o emprego planejado da propaganda e da exploração de outras ações, com


o objetivo de influenciar opiniões, emoções, atitudes e comportamento de
grupos adversos ou neutros, de modo a apoiar a consecução dos Objetivos
Nacionais. (BRASIL, 1975, p.316)

As Operações Psicológicas foram utilizadas durante a ditadura militar para o controle e


cerceamento dos meios de comunicação. No campo da Educação, uma das formas utilizadas
para disseminar os ideais da Doutrina de Segurança Nacional, que seria a de influenciar e
persuadir os discentes, foi adotada através da implantação das disciplinas escolares obrigatórias,
tais como: Educação Moral e Cívica (EMC), no Ensino Médio, e Estudo dos Problemas
Brasileiros (EPB), no Ensino Superior.
40

O segundo manual que destacaremos aqui, produzido pelo DSI/MEC, foi publicado em
1974 e se intitulava Como eles agem17. Tratava sobre ‘esquemas’ considerados ‘subversivos’
nas áreas da Educação, da Cultura e da Religião, expondo os supostos objetivos e planos táticos
de infiltração comunista nas universidades. O movimento estudantil universitário é descrito
como o maior alvo de infiltração de ‘subversivos’ e o folheto pretende demonstrar esse ponto
de vista ao mapear as influências comunistas nos meios universitários e culturais. Já na
introdução da publicação Como eles agem18, fica patente a preocupação dos agentes da ditadura
com os ‘elementos’ que se infiltram na área da Educação e da Cultura, “tentando atingir
principalmente a juventude secundarista e universitária, visando o aliciamento e possível
arregimentação de novos adeptos para sua causa”. Além de pretender analisar o movimento
estudantil universitário, Como eles agem apresenta a situação política dos movimentos
secundaristas, demonstrando a relação entre eles. Discorre sobre os panfletos distribuídos pelos
discentes com temáticas relacionadas às reivindicações estudantis, como aumento de vagas,
taxas de inscrição e reforma universitária. Enfatiza o poder das publicações estudantis, como
ponto vulnerável à infiltração ideológica comunista e relaciona os principais conteúdos
abordados nos panfletos e jornais dos diretórios estudantis.
O objetivo da publicação Como eles agem era denunciar o ‘esquema’ de ação que os
‘subversivos’, líderes e seguidores, utilizavam, tentando mostrar que o regime constituído era
incapaz de preservar a lei e de proteger a sua população. Afirmava que as organizações
esquerdistas buscavam angariar o apoio popular, através da identificação das necessidades e
anseios populares, “utilizando-se da propaganda sub-reptícia através das letras e artes, e muitas
vezes, de meios ilegais, como os atos de terrorismo e sabotagem". Citava ocorrências de
mensagens de teor ‘subversivo’ numa série de iniciativas do setor da educação, entre elas o
Movimento de Educação de Base, criado pela Igreja, o Mobral e o Projeto Minerva, mantidos
pelo próprio Ministério da Educação. O folheto ainda advertia que as cadeiras de Educação
Moral e Cívica e de Estudos de Problemas Brasileiros vinham se tornando um dos pontos mais
visados pelos comunistas, para, através delas, divulgar sua ideologia política.

17
Arquivo Nacional (AN). Fundo: Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça – DSI/MJ. REF:
BR_RJANRIO_TT_0_MCP_AVU_0252.
18
O historiador Carlos Fico se inspirou nesse manual para dar título ao seu livro: Como eles agiam: Os subterrâneos
da ditadura militar. Rio de Janeiro: Record. 2001.
41

No verbete sobre Educação, o folheto discorre também sobre o corpo docente nas
universidades e afirma que, muitos professores preferem o cargo de chefe de departamento ao
de reitor ou diretor, por estarem mais perto dos alunos e poder influenciá-los.

Os professores adeptos da ideologia comunista procuram ter acesso aos cursos


de pós-graduação, visando maiores possibilidades de se assenhorarem do
regime de trabalho estabelecido nas Universidades pela COPERTIDE
(Comissão Permanente de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva) e
CONCRETIDE (Comissão Coordenadora de Tempo Integral e Dedicação
Exclusiva). (BRASIL, 1974, p.4)

Para mostrar as técnicas empregadas pelos subversivos nas universidades, o manual


apresenta os temas que figuram entre os mais frequentes nos panfletos distribuídos nos meios
estudantis pelas organizações esquerdistas. Estão listados os temas como o desemprego
existente, que leva inúmeras famílias à fome e à miséria; o alto custo de vida, que impossibilita
melhores dias para o povo brasileiro; as verbas reduzidas para a educação e a saúde, que estão
em contraste com as elevadas em favor das Forças Armadas; e, ensino pago, que é a nova
modalidade para sangrar as famílias brasileiras.
O manual discorre sobre o tema Cultura, destacando verbetes em separado sobre Cinema,
Teatro, Música e Imprensa, entendidos como meios de comunicação poderosos, nas mãos de
‘subversivos’ para a divulgação de suas mensagens. A publicação considera relevante a
vigilância e proibição de eventos culturais, por ser um momento de aprofundamento da
infiltração de subversivos. Elementos subversivos estariam se infiltrando na área da Educação
e Cultura, tentando atingir, principalmente, a juventude secundarista e universitária, visando
aliciamento e possível arregimentação de novos adeptos para sua causa, dentre eles são
destacados nominalmente: Chico Buarque de Holanda, Ruy Guerra, Glauber Rocha e o Grupo
de Teatro Oficina.
Das técnicas utilizadas pelos "subversivos", o folheto Como eles agem enumera desde as
publicações estudantis mais tímidas, até a farta utilização das drogas e tóxicos como meio de
escravizar a juventude, passando pelo favorecimento do amor livre, do divórcio fácil, do
descrédito da família e a eliminação dos parques e edifícios de toda boa escultura, a fim de
substituir por configurações disformes, sem graça e sem significação. Para os elaboradores do
folheto, o uso de drogas é uma forma de criar dependência - que é entendida como uma
estratégia dos comunistas para conduzir os estudantes à condição de dependente – além de
afirmar que a maconha causa dano cerebral. O referido folheto ressalta a influência das drogas
como arma do arsenal comunista “[...] consubstanciando na prática os ensinamentos de Lenin
e Mao Tse Tung para a escravidão da humanidade”. (BRASIL, 1974, p.4)
42

O manual Como eles agem causou polêmica e foi ridicularizado nos meios educacionais
e nos principais jornais e revistas da época. Ganhou a primeira página do jornal Estado de São
Paulo, que publicou o folheto na íntegra19, com o título MEC diz que há subversão até no
Mobral. Também a revista Veja2021 publicou uma nota de página inteira, abordando o assunto
e criticando o trabalho da DSI/MEC.
O jornal Estado de São Paulo publicou, ainda, um editorial de crítica ao folheto e ao
próprio Ministério da Educação22, que denominou MEC e a infiltração subversiva. De modo
sarcástico, afirmou que estranhava que depois de tantos anos de “regime revolucionário” ao
apagar das luzes de um mandato presidencial, ainda esteja sendo aventado o problema da
subversão e que, analisando friamente o conteúdo do folheto, chega-se à conclusão de ser um
discurso repetitivo e sem novidades. Além disso, a publicação ressalta que a advertência de que
comunistas subversivos existem e trabalham equivale à segunda descoberta da pólvora. O jornal
afirma, ainda, que algo falhou e, nessa hipótese, a nação inteira tem o direito de pedir contas
aos responsáveis pelos riscos que a faz correr a infiltração generalizada da ideologia comunista.
O manual Como eles agem circulou nas entidades estudantis de todo o país. No jornal
Gol a Gol, produzido pelo DCE da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)23, o ME
analisou ironicamente a publicação e conclui que se trata de uma tentativa de impedir e reprimir
o trabalho crítico nos meios universitários e culturais nas universidades do país e sua leitura

[...] provocava desde sutis comentários irônicos até as mais gostosas


gargalhadas, dado ao anticomunismo hidrófobo raivoso, muito ao estilo dos
editoriais de O Globo... que, ao se colocar em prática, como orientação para
repressão, nos remeteria sem dúvida, aos tempos de caças às bruxas do
macarthismo24 americano. (Jornal Gol a Gol, DCE/UFMG, Ano II, n. 12,
28.05.1974, p. 3)

Com o título Como eles atuam na Bahia, o mesmo jornal Gol a Gol do DCE/UFMG
divulgou uma nota de denúncia, assinada pelo ME/UFBA e encaminhada às entidades
estudantis de todo o país (Figura 1). Nesse documento, o ME baiano relata sobre as condições

19
Jornal Estado de São Paulo, edição de 31.01.1974.
20
Revista Veja, nº 283, edição de 03.02.1974.
21
Cf também Infra: Anexo A, p. 243
22
Jornal Estado de São Paulo, edição de 02.02.1974.
23
Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça – DSI/MJ.
REF: BR_RJANRIO_TT_0_MCP_AVU_0257.
24
Macarthismo é um termo cunhado para descrever a patrulha anticomunista promovida pelo Senador republicano
J. McCarthy (1950 a 1957), caracterizado por uma acentuada repressão política aos comunistas, assim como por
uma campanha de medo à influência deles nas instituições estadunidenses e à espionagem por agentes da União
Soviética.
43

de ensino, sobre os cortes no serviço de assistência ao estudante e sobre o fechamento de


residência e restaurante da Escola de Enfermagem da UFBA. Expõem as iniciativas tomadas
junto à Reitoria para questionar a situação da UFBA, com escassez de verbas e clima de
restrições, e denunciam:

[...] durante o desenvolvimento do trabalho, seguindo orientação do


documento Como eles agem, elaborado pela Divisão de Segurança e
Informação do MEC, sofremos ultimamente um ataque maciço de medidas
repressivas por parte da AESI (Assessoria Especial de Segurança e
Informação) e dos órgãos de 'segurança', tais como:

− Prisão do vice-presidente do DCE José Gilson Andrade terceiro ano de


medicina no dia 28 de Março;

− Proibição por parte da direção da Escola Politécnica da realização de um


Show com Gilberto Gil, promovido pelo Cuca, DCE e DAs;

− Proibição de realizar assembleia geral, programada para o dia 30 de março


na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas;

− A representação Estudantil no Conselho Universitário foi proibida de falar


quando denunciava na reunião do Conselho de três de abril a situação
repressiva vigente na UFBA;

− Ameaça de 477 e 60 dias de prisão feita aos membros dos diretórios;

− Apreensão do mimeógrafo do DA de medicina;

− Proibição de palestras, murais, distribuição de notas;

− Cortes da residência e restaurante universitário de toda a comissão de


assistência do DCE;

− Comparecimento compulsório à Polícia Federal do ex-secretário Geral do


DA de Arquitetura Agustin Justo Trigo, atualmente trabalhando no DCE.
(Jornal Gol a Gol, DCE/UFMG, Ano II, n. 12, 28.05.1974, p. 12)25

25
Matéria intitulada Como eles atuam na Bahia, assinada pelos DCE, DAs, Centro Universitário de Cultura e Arte
e representação estudantil do Conselho Universitário da UFBA, publicada no jornal Gol a Gol, DCE/UFMG, Ano
II, n. 12, 28.05.1974, p.12. Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Divisão de Segurança e Informações do
Ministério da Justiça – DSI/MJ. REF: BR_RJANRIO_TT_0_MCP_AVU_0252.
44

Figura 1- Matéria do Jornal Gol a Gol, DCE/UFMG, ano II, n. 12, 28.05.1974, p. 3

A divulgação do manual Como eles agem se deu no período final da gestão de Jarbas
Passarinho (1969-1974), Ministro da Educação do governo Médici, e trouxe desgaste ao seu
ministério. A repercussão negativa na imprensa nacional foi registrada pela Divisão de
Segurança e Informação do Ministério da Justiça, que documentou os fatos e informou ao SNI26,
concluindo que o folheto Como eles agem provavelmente era destinado aos órgãos
administrativos e sua divulgação não teve proveito à Segurança Nacional. Jarbas Passarinho foi
substituído por Ney Braga, que assumiu o Ministério da Educação, em março de 1974, já no
governo Geisel.

26
Informação Nº 28/74/P/DSI/MJ de 19.02.1974. Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Divisão de Segurança e
Informações do Ministério da Justiça – DSI/MJ. REF: BR_RJANRIO_TT_0_MCP_AVU_0252.
45

Registramos até aqui a estrutura e as formas de atuação do SNI que, durante a ditadura
militar, atuou nos mais diversos órgãos e setores do serviço público federal, de modo a vigiar e
reprimir qualquer forma de manifestação que fosse considerada contrária aos interesses do
regime. No âmbito da educação, a AESI atuava diretamente ligada às reitorias das
universidades, estabelecendo um amplo sistema de controle a discentes, docentes e servidores
administrativos.
Intentamos demonstrar o poder de atuação do SNI, que através de uma formação
ideológica, apoiada nos ideais de Segurança Nacional, formava seus agentes para atuarem de
modo repressivo junto à comunidade universitária. Citamos os instrumentos tecnocráticos,
como manuais, folhetos e apostilas, que compunham um sistema de informações a serviço da
ditadura, instrumentalizando os agentes nos processos de decisão quanto a formas de restrições
e punições àqueles considerados contrários aos interesses da ditadura. Evidencia-se, sobretudo,
a política de depreciação moral e criminalização dos movimentos estudantis, naquele período.

2.2 A PSICOLOGIA DURANTE A DITADURA MILITAR

Para compreender a inserção da psicologia, como disciplina e como profissão, na


sociedade brasileira, durante período ditatorial, apresentamos uma revisão bibliográfica com
base em autores que pesquisaram sobre o tema. Inicialmente, faremos um breve recuo no tempo
para compreender o processo de autonomização da psicologia e, posteriormente, sua
regulamentação, através da Lei 4.119/196227. Em seguida, abordaremos a difusão de uma
cultura psicológica nas camadas médias urbanas do país, que favoreceram a expansão da
psicologia na década de 1970; a busca de reconhecimento e legitimidade que levou a Psicologia
a atuar em prol da adaptação dos indivíduos à ordem social vigente; a eclosão da demanda
social por um modelo de Psicologia elitista e individualizada, que favoreceu a expansão da
psicoterapia como novo campo profissional dos psicólogos. Traremos, ainda, pesquisas que
discutem sobre a participação de médicos e psicólogos no aparelho repressivo da ditadura
militar, para, em seguida, tratar sobre o impacto das políticas adotadas pelos tecnocratas da
ditadura nas organizações sindicais e conselhos de classe da Psicologia. Finalmente, trataremos

27
BRASIL. Lei n. 4.119, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e
regulamenta a profissão de psicólogo. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 set.
1962. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4119-27-agosto-1962-353841-
publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 20 abr. 2020.
46

sobre a militância política estudantil e a participação de psicólogas na luta armada durante a


ditadura militar.
Os estudos sobre os fenômenos psicológicos, no Brasil, já se constituíam em fins do
século XIX e início do século XX. A psicologia que se desenvolvia, então, estava voltada,
especialmente, às intervenções de caráter higienista, moralizante e normalizante,
principalmente das populações pobres, com temáticas relacionadas ao tratamento das doenças
mentais, formação moral e cuidados com a higiene mental dos indivíduos, dentre outros. Entre
os precursores da psicologia exercida nesse período, estavam médicos, educadores e outros
profissionais, que buscavam contribuir para a formação social do país a partir de teorias
marcadas pelo racismo científico e que faziam parte do movimento higienista. A Psicologia
emerge, desse modo, constituindo modelos de intervenção a serviço do controle social e da
adaptação da população aos princípios da sociedade normativa. (PATTO, 2004; LACERDA
JÚNIOR, 2013)
Ainda na primeira metade do século XX, o país iniciou um processo de industrialização,
que se tornou a base para o desenvolvimento econômico e se acentuou a partir de meados da
década de 50, no governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), cujo projeto nacional era de
construção de um homem novo e urbano, integrado a um país novo e moderno. A
fundamentação dessa meta de construção de homem e país estava nos ideais positivistas e
tecnicistas, cujos alicerces sustentavam discursos e práticas de produção de uma sociedade
ordenada, controlada, espacialmente concentrada, urbanamente aglomeradora e socialmente
excludente. (BAIARDI, 2016)28
Nesse período, pré-regulamentação da profissão, a psicologia já se consolidava em
diferentes contextos institucionais: tornou-se disciplina obrigatória em cursos universitários,
como Direito, Medicina, Pedagogia e Filosofia; foram criados e institucionalizados laboratórios
de Psicologia; surgem os primeiros cursos de especialização em Psicologia: “A principal
instituição a oferecê-los é o Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo”. (JACÓ-VILELA, 2012,
p. 37) e profissionais do campo “psi”29 passaram a competir pelo mercado de trabalho que já se
formava naquele momento. (ANTUNES, 1999; PEREIRA; PEREIRA NETO, 2003;
LACERDA JÚNIOR, 2013)

28
Esse modelo de desenvolvimento baseado na industrialização tornou-se visão hegemônica do pensamento
nacional, na primeira metade do século XX. Ignácio Rangel destaca-se como único pensador a discordar sobre os
rumos das políticas de fomento industrial de então, conforme analisa Amílcar Baiardi nesse artigo de 2016.
29
O campo, saberes ou práticas “psi” se refere à Psicologia, Psicanálise, Psiquiatria e Psicoterapia, bem como às
derivações e sub derivações destas abordagens.
47

Nesse sentido, a regulamentação da profissão de psicólogo foi consequência de um


movimento que, desde a década de 1950, já contava com vários profissionais atuando na área,
formando-se através de cursos de curta duração ou auto didaticamente a partir de sua prática
profissional, acompanhada por grupos de estudo. Este movimento foi capitalizado por
associações que envolviam principalmente professores universitários. A formação da grande
maioria desses primeiros profissionais era principalmente em psicotécnica e experimental, com
alguma formação filosófica. Havia nesse momento, um contexto favorável à psicologia,
ancorado, sobretudo, nas demandas por práticas psicológicas de classificação e ordenamento
psicométricos, psicodiagnóstico e ajustamento psicológico, todas essas práticas direcionadas ao
âmbito das organizações do trabalho, das escolas e clínicas. Tal contexto legitimou socialmente
a psicologia, contribuindo para a sua regulamentação em 1962. (BAPTISTA, 2010; PIÑEDA;
JACÓ-VILELA, 2014; COSTA; OLIVEIRA; FERRAZZA, 2014)
Pesquisadores apontam a expansão de uma cultura psicológica que se apoiou em uma
concepção individualista e intimista de valorização das escolhas individuais e desvinculação
dos interesses e necessidades sociais ou coletivos. (DUMONT, 2000; JACÓ-VILELA, 2001).
Essa cultura seguiu uma lógica liberal capitalista, que apregoa a liberdade de escolha e de
oportunidades iguais para todos e conduz o indivíduo para um lugar de referência de si mesmo
e do mundo. A difusão das práticas ‘psi’ nas camadas médias urbanas da sociedade é o efeito
da consolidação desse ethos individualista e intimista em difusão no espaço social. Há, nessa
perspectiva, uma ampliação do processo de psicologização da vida social e política, ou seja, os
fatos sociais são entendidos como originários no próprio indivíduo que, como sujeito livre e
autônomo, responde por eles, isoladamente. (DIMENSTEIN, 2000; MANCEBO, 2004;
COIMBRA, 2008; BAPTISTA, 2010). Segundo a teoria dumontiana (DUMONT, 2000), está
presente na sociedade e marca a ideologia ocidental moderna, a ideia de um indivíduo
autônomo, senhor de si e independente, ou seja, ausente de vínculos e dos determinismos
universalmente definidos pela cultura. Dimenstein (2000) afirma,

A ideologia do individualismo representa um sistema de ideias [...], uma


tendência, uma corrente, um fluxo localizado de ideias e valores presente nos
segmentos letrados e intelectualizados das classes médias das sociedades
modernas, cujo acento recai sobre a categoria “indivíduo”, não no sentido do
agente empírico, membro e condição fundamental de qualquer sociedade, mas
enquanto valor moral e jurídico (da cidadania, dos direitos e deveres
universais), enquanto configuração abstrata calcada em valores como
liberdade e igualdade. (DIMENSTEIN, 2000, p. 97)
48

A expansão e disseminação de uma cultura psicológica na sociedade brasileira urbana


estimularam a regulamentação e a criação dos primeiros cursos de formação em psicologia.
Essa, no que lhe toca, contribuiu com teorias, modelos de intervenção e técnicas de manutenção
da sociedade psicologizada. Atuando especialmente nas áreas clínica, escolar e
industrial/organizacional, o psicólogo brasileiro esteve a serviço de funções de regulação e
adaptação dos indivíduos a esse modus operandi de superdimensionamento das questões mais
intimistas, desvinculando-as do contexto social ou político. (GIL, 1985; BAPTISTA, 2010)
Evidencia-se, de todo modo, que a regulamentação da profissão de psicólogo, no Brasil,
atendeu várias necessidades sociais dos profissionais envolvidos e possibilitou a ampliação de
uma demanda social por profissionais da psicologia. Por um lado, a regulamentação foi um
movimento social de racionalização no âmbito do trabalho, naquele momento de incremento no
processo de industrialização no país, que atribuiu e demandou funções ao psicólogo nas diversas
áreas de atuação. Por outro, possibilitou o reconhecimento profissional para atuar no campo,
dentro de uma normativa legal para o exercício da profissão de psicólogo, no Brasil.
Autores têm analisado o desenvolvimento da psicologia brasileira e sua inserção, como
disciplina e como profissão, na sociedade brasileira, após a regulamentação em 1962, apenas
dois anos antes do golpe militar. No período ditatorial, a psicologia buscou, além de
legitimidade, fazer-se reconhecida perante as classes dominantes do país, como não ameaçadora
para a ordem social estabelecida. (LACERDA JÚNIOR, 2013; COSTA; OLIVEIRA;
FERRAZZA, 2014) Conforme Lacerda Júnior (2013), a prática predominante adotada pela
psicologia junto à sociedade era dirigida à adaptação dos indivíduos, ao controle e submissão
passiva à ordem vigente. O autor acentua que a psicologia “promoveu concepções de indivíduo,
personalidade ou comportamento que naturalizavam ou justificavam a ordem social
extremamente injusta do país” (LACERDA JÚNIOR, 2013, p. 221). Para Bock (1999), houve
o predomínio de uma concepção liberal e do compromisso da psicologia brasileira com as elites
dominantes. Coimbra (2008) aponta o recrudescimento das abordagens mais intimistas,
individualistas e despolitizantes sobre a subjetividade na psicologia brasileira.
Nesse contexto, a psicologia ampliou seu raio de ação a partir da eclosão de uma grande
demanda por um modelo de psicologia privativa, individual e elitista. As concepções de
subjetividade, amparadas, como assinalamos acima, no ethos individualista e intimista em
difusão no espaço social, associado ao enriquecimento da classe média urbana, geraram as
condições propícias para a conformação da psicoterapia como um novo campo profissional.
Evidencia-se, a partir daí, uma grande demanda dos estudantes de psicologia pela clínica, pelo
sonho do consultório privado e a psicanálise torna-se um dos modelos de referência
49

proeminentes no campo terapêutico. (LANGENBACH; NEGREIROS, 1988; DIMENSTEIN,


2000)

A própria ausência de canais de participação – o silenciar sendo uma palavra


de ordem – tornava atraente e válido este tipo de espaço. Tal validade era
reafirmada pelo próprio Estado, por serem consideradas as práticas em
Psicologia provavelmente pouco ameaçadoras, já que, privilegiando a esfera
íntima e privada, nela ficariam camufladas complexas questões sociais. Ao
buscar individualmente respostas para conflitos, diluía-se a possibilidade de
reflexões mais coletivas, as quais poderiam remeter a questionamentos mais
substantivos na direção de mudanças políticas. (LANGENBACH,
NEGREIROS, 1988, p. 86)

Numa perspectiva de cunho antropológico, Russo (2008) analisa como se deu a


convivência entre o obscurantismo político e a busca de liberação ‘interior’ demandada pela
sociedade brasileira na década de 1970. Para a autora, o Movimento Contracultural30, que já se
desenvolvia no país na década de 1970, redimensionou e deslocou aquilo que era considerado
‘político’ para um outro eixo, politizando questões vistas anteriormente como ‘não políticas’,
tais como sexualidade, gênero e relações entre pais e filhos.

Ou seja, esse outro modo de se entender “o político” voltava o sujeito para


dentro de si mesmo, levando-o a repensar suas escolhas mais íntimas, seu
modo de ser. Deste modo, a interiorização não significava necessariamente
“despolitização”. Ao contrário, do ponto de vista da “nova política”
contracultural, reformar-se interiormente podia ser interpretado como uma
forma de luta política. (RUSSO, 2008, p. 429-430)

Não se pode deixar de considerar, nesse contexto da época, a difusão da psicanálise que
impulsionou a ascensão de outra face desse indivíduo moderno, assenhorado em sua
interioridade, no auto cultivo e na autoestima. A ideia do indivíduo racional, autônomo e senhor
de si é suplantada pela ideia de inconsciente, que move o sujeito por forças que desconhece e

30
A contracultura foi um movimento libertário e de contestação que surgiu na década de 60 nos Estados Unidos e
que se ramificou pelo mundo. Pregava o repúdio ao modus operandi predominante no Ocidente, que resultou em
algumas transformações socioculturais significativas. Entre as manifestações contraculturais mais visíveis, estão,
a desvalorização do racionalismo, a construção de novos paradigmas ou visões de mundo, baseadas em correntes
culturais não hegemônicas, em filosofias e religiões orientais e em certas vertentes da psicanálise e do marxismo;
a recusa ao american way of life, expressa em um estilo de vida descompromissado e errante, exemplificado pelo
movimento hippie; o pacifismo, dirigido principalmente contra ações imperialistas das grandes potências; o
hedonismo, caracterizado pela valorização do corpo e das emoções, sendo as suas principais manifestações a
‘revolução sexual’ e o culto às drogas psicotrópicas. As condições que deram origem à contracultura nos EUA
estavam presentes no Brasil do final dos anos 1970. Com a contracultura, a ideia de libertação se interioriza e o
indivíduo passa a ser definido pela sua subjetividade, pelo seu mundo interior, que se opõe ao mundo social. Para
conhecer mais sobre o movimento contracultural no Brasil, cf. CAPELLARI, M. A. O discurso da contracultura
no Brasil: o underground através de Luiz Carlos Maciel (c. 1970). Tese (Doutorado em História Social).
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
50

que determina suas motivações e ações. (VELHO, 1987; DIMENSTEIN, 2000) No entanto, as
sociedades psicanalíticas sofreram críticas quanto à sua opção pelo silenciamento e neutralidade
social diante da situação política do país, cumprindo funções conservadoras, sem criticar a
ditadura militar. (KYRILLOS NETO; PÁDUA, 2015) Um caso emblemático ocorreu na
Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ) envolvendo Amílcar Lobo Moreira da Silva
(1939-1997), oficial médico do primeiro Batalhão de Polícia do Exército e que trabalhava no
DOI-CODI/RJ, no período entre 1970 a 1974. Integrava o corpo médico do aparelho repressivo
da ditadura e participava ativamente em sessões de tortura. Com o codinome de Dr. Carneiro,
sua função era supervisionar o estado físico de cada torturado e informar se a vítima podia
continuar sendo torturada, se estava fingindo e se ainda suportava, não só as sessões para fins
de interrogatório, mas também em aulas de tortura para fins didáticos. Em paralelo, Amilcar
Lobo fazia sua formação na SPRJ, sendo analisado pelo psicanalista didata Leão Cabernite. Em
1973, uma denúncia contra Amílcar Lobo foi publicada na revista Questionamentos nº 2,
coordenada pela psicanalista argentina Marie Langer. A denúncia chegou através do jornal do
PCB Voz Operária, feita por Helena Besserman Vianna, psicanalista associada da SBPRJ e que,
em consequência de sua denúncia sofreu perseguição por parte da instituição psicanalítica.
Mesmo após as várias denúncias feitas por Helena Besserman, nas instâncias locais e
internacionais e formalizadas junto à SPRJ e à International Psychoanalytical Association
(IPA), oficialmente nada foi feito. Em 1980, o caso Amílcar Lobo foi trazido a público através
de uma denúncia feita por um ex-preso político, durante uma mesa redonda. Dois integrantes
da SPRJ, Hélio Pellegrino e Eduardo Mascarenhas, que participaram do evento, ratificaram a
denúncia à SPRJ e, em represália, acabaram sendo excluídos da instituição. O caso foi
amplamente noticiado na imprensa a partir de 1981 e outros depoimentos de ex-presos políticos
foram somados ao primeiro. As atividades de Amílcar Lobo junto ao DOI-CODI expunham a
instituição psicanalítica gerando uma crise política e moral que só teve um desfecho depois da
redemocratização do país, quando o Conselho Regional de Medicina (CRM) cassou o direito
de Amílcar Lobo de exercer a profissão. (ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 1985;
COIMBRA, 1995; 2008; RUSSO, 2008; PAVÓN-CUÉLLAR, 2017; OLIVEIRA, 2017)
Segundo pesquisa desenvolvida por Coimbra (1995, 2008)31 psicólogos também tiveram
participação no aparato repressivo da ditadura militar. A autora analisa registros de pesquisas

31
A psicóloga Maria Cecília Bouças Coimbra integrou o PCB, foi presa e torturada e, na década de 1970, participou
do Grupo Tortura Nunca Mais. Foi uma das responsáveis pela denúncia do caso Amílcar Lobo. Em seu livro
Guardiães da Ordem: uma viagem pelas práticas “psi” no Brasil do “Milagre” (1995) discorreu sobre a prática do
psicólogo nos tempos da ditadura. (SOUZA; JACÓ-VILELA, 2017)
51

realizadas no início dos anos 1970 para investigar o ‘perfil psicológico’ de militantes políticos
presos no Rio de Janeiro. Uma dessas pesquisas contou com a participação de psicólogos que
trabalhavam no Centro de Estudos do Pessoal do Exército (CEPE), encomendadas pelo general
Antônio Carlos da Silva Murici, chefe do Estado-Maior do Exército, com o intuito de levantar
informações sobre os militantes presos, investigando nível de escolaridade e as causas que os
levaram à luta armada. Os resultados dessa pesquisa mostraram que, dos 260 presos, 80%
possuíam nível superior, 15% tinham concluído o segundo grau e 5% não haviam concluído o
segundo grau. E dentre as causas apontadas pela pesquisa, como justificativas para a luta contra
o regime, estavam os desajustes individuais, o descaso dos pais pelos problemas da mocidade,
a politização do meio escolar e proselitismo político de professores. (COIMBRA, 1995; 2008)
Outra pesquisa feita pelo Exército, contou com a participação de 500 presos políticos e
utilizou.

[...] um extenso questionário, com cerca de cinco folhas datilografadas,


apresenta questões sobre infância, adolescência e relacionamento familiar.
Uma “anamnese” na qual, entre outras coisas, se pergunta: como foi feita a
escolha da profissão; como se envolveu em política; se teve muitos
namorados(as); se teve experiências homossexuais; se alguma vez utilizou
algum tipo de droga; como é a situação familiar; se tem pais separados; qual
a pessoa da família mais importante e por quê; se tem algum parente envolvido
em política; o que pensa fazer após a libertação, etc. (COIMBRA, 2008, p.50)

Além de enfatizar a importância da família e do lar na vida dos jovens, a avaliação dos
dados indicava que parte dos consultados (1/3) não estava “ajustada à vida familiar”. Também
foi aplicado uma bateria de testes para avaliar aptidões, interesses, nível mental e personalidade,
em 44 presos. Os resultados dessas pesquisas foram examinados por psicólogos civis,
concluindo-se que:

[...] 32 (73%) foram considerados como indivíduos com dificuldades de


relacionamento ou escasso interesse humano e social, ou ainda difícil
comunicação humana; em suma, como pessoas difíceis; como imaturos [...]
18 (41%) foram incluídos no grupo de desajustados [...]. (COIMBRA, 2008,
p.51)

Em uma outra pesquisa realizada no Arquivo do DOPS/RJ pelo Grupo Tortura Nunca
Mais/RJ, foram encontrados documentos confidenciais de uma equipe de psicólogos que havia
aplicado o teste de personalidade Rorschach a um grupo de ‘terroristas’, o qual apontava traços
dominantes no grupo, tais como:
52

[...] estabilidade emocional e afetiva precária; dificuldade de adaptação e


ajustamento; atitude oposicionista, voltando sua agressividade ora contra o
meio, ora contra o próprio ego; escasso interesse humano e social (atitude
antissocial); pensamento rígido e índice de estereotipia elevado. (COIMBRA,
2008, p.51)

O uso instrumental dos recursos da psicologia e dos psicotestes, por parte do regime
ditatorial, tinha como objetivo desqualificar e patologizar os opositores ao regime militar. Além
disso, utilizava-se a pesquisa para obter informações e conhecer mais profundamente os
militantes políticos, tendo como fim último, a formação de uma opinião pública contrária aos
opositores do regime ditatorial. Agindo de modo condizente com os parâmetros preconizados
sobre guerra psicológica e estratégias de contrainformação, os órgãos de repressão tratavam de
fortalecer na sociedade, principalmente nas famílias de classe média, a ideia ou crença de que
seus filhos eram ‘desajustados’ ou ‘doentes’ emocional e socialmente. (COIMBRA, 2008)
Hur (2005) analisa as políticas adotadas pelos tecnocratas da ditadura e que impactaram
nas organizações sindicais e conselhos de classe. A Lei nº 5.766/197132, que criou o Conselho
Federal de Psicologia (CFP) e os Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), foi instaurada
num dos piores períodos da ditadura, em que se utilizava a tortura e a violência como
instrumento de coação. Em pesquisa realizada no CRP de São Paulo, Hur (2005) verificou o
forte aparato repressivo que atuou sobre a instituição paulista durante o regime militar. O
sindicalismo político foi coibido e os militares reprimiram qualquer tipo de organização de
trabalhadores, intervindo diretamente em sindicatos e organizações de classe.

A fundação das entidades de classe da Psicologia (APPESP33, Sindicato e


CRP) se deu durante o período mais pesado da ditadura brasileira, no governo
do militar Médici. A repressão aos movimentos era tão grande que as
entidades de classe preferiram não mexer com o aparato repressivo do Estado.
(HUR, 2005, p.122).

A cisão entre questões políticas e questões técnicas da Psicologia foi uma


forma dos participantes da época elaborarem a sua atuação. Não se podia falar
em política devido à intensa repressão do Estado. (HUR, 2005, p. 123)

32
BRASIL. Lei 5.766, de 20 de dezembro de 1971. Cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de
Psicologia e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 dez.
1971. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5766.htm#:~:text=LEI%20No%205.766%2C%20DE%2020%20DE%
20DEZEMBRO%20DE%201971.&text=Cria%20o%20Conselho%20Federal%20e,Psicologia%20e%20d%C3%
A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&text=Art.&text=2%C2%BA%20O%20Conselho%20Federal%20de,e
%20sede%20no%20Distrito%20Federal. Acesso em: 29 abr. 2020.
33
Associação Profissional dos Psicólogos do Estado de São Paulo.
53

Conforme Hur (2005), a psicologia atuou a serviço dos interesses da ditadura e houve
casos de entidades representativas ligadas ao Estado, a exemplo do CFP que prestou
homenagem ao General Emílio Garrastazu Médici, outorgando-lhe o diploma de psicólogo
honorário; e o Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo que se recusou a participar da
mobilização social contra o assassinato de Wladimir Herzog por agentes da ditadura militar,
alegando que Herzog não era psicólogo e que, portanto, não deveria se envolver em lutas
estranhas aos interesses da categoria e às questões técnicas da profissão. (HUR, 2012)
Em pesquisa mais recente, Jacó-Vilela e Braghini (2015) analisam as “formulações que
vinculam claramente tais Conselhos à ditadura militar – como o diploma de psicólogo
concedido a Médici e discursos sobre a prática dos psicólogos vinculada à ditadura ou, mais
especificamente, à tortura” (JACÓ-VILELA; BRAGHINI, 2015, p. 89-90). A partir de uma
pesquisa nas atas do CFP, os autores concluem que, embora a gestão do CFP do período (1977-
1979) tenha prestado homenagens a Geisel e a Médici, não se pode estender essa vinculação ao
regime militar ao conjunto dos psicólogos. Quanto ao envolvimento de psicólogos em processos
de exame e tortura, os autores citam o trabalho de Coimbra (1995) como “um único texto que
vincula os psicólogos, enquanto agentes empíricos – e não na perspectiva de atuação moral -,
ao regime militar” (JACÓ-VILELA; BRAGHINI, 2015, p. 93) e afirmam que não há registro
de envolvimentos de psicólogos em atos de torturas. Nesse artigo, os autores trazem uma
perspectiva de análise crítica quanto à aproximação da psicologia à ditadura militar, entendida
como uma narrativa estrategicamente construída pelo grupo político que esteve à frente do CFP
e de alguns CRPs a ao longo de quase vinte anos a partir de 1998.

Assim, é um raciocínio linear e óbvio considerar a total vinculação da


psicologia à ditadura. À constatação de opressão pelo Estado e da utilização
dos saberes e práticas psicológicas como consequências/justificativas desta
opressão, conclui-se que tais saberes e práticas foram “cúmplices”, “aliados”
daquela opressão, ao nível tanto das teorias quanto das práticas dos
profissionais. [...] Existem outras formas de relação, bem mais sutis, e pouco
exploradas na literatura. Referem-se especificamente ao uso que uma certa
“esquerda” pode fazer desta aproximação entre psicologia e ditadura para
construir um discurso altamente desqualificador de toda psicologia, firmando-
se como única alternativa na construção de uma psicologia “comprometida
com o social”. (JACÓ-VILELA; BRAGHINI, 2015, p. 88)

[...] O que esta visão enviesada deixou de lado foi o grande número de
psicólogos, professores e estudantes de psicologia que foram perseguidos,
torturados, desaparecidos e assassinados pela ditadura militar. (JACÓ-
VILELA; BRAGHINI, 2015, p. 93)
54

Nesse diapasão, ainda que se suponha que a maioria dos psicólogos tenha sido indiferente
ao impacto que sua atuação profissional pudesse ter em relação ao projeto político da ditadura,
pode-se supor, também, ter havido psicólogos emudecidos pelo sistema, estabelecidos no
serviço público, com dificuldades de conseguir outro trabalho, ou presos, exilados, torturados
e mortos. Piñeda e Jacó-Vilela (2014) lembram que os estudos a respeito ainda não são precisos,
o que não permite conclusões fidedignas, sendo possível, de todo modo, afirmar que a ditadura
exerceu seus efeitos na constituição das subjetividades e na formação cultural dos
universitários. (VELHO, 1986; COIMBRA, 2008; PIÑEDA; JACÓ-VILELA, 2014)
Tal afirmativa nos leva ao próximo ponto, qual seja, o Movimento Estudantil (ME) de
Psicologia e suas práticas políticas no período ditatorial. Ressalta-se que, a militância política
de alguns psicólogos e estudantes segue por uma via distinta da prática hegemônica do período
- e daquela oferecida pela teorização da psicologia -, que não oferecia subsídios para o
enfrentamento contra a ditadura implantada no país. Os poucos estudos realizados sobre o tema
já dão provas da ação política e de militância de psicólogos e estudantes de psicologia, que se
opuseram à ditadura, sendo vigiados, perseguidos, presos, torturados e mortos.
Hur e Aragusuku (2018) tentam preencher essa lacuna no campo historiográfico da
psicologia e discutem as práticas e posicionamentos políticos dos estudantes, a partir da história
do ME de psicologia no Brasil. Sobre as possíveis razões para essa escassez de pesquisas, citam
a desvalorização dos estudos sobre política pela psicologia, assim como das práticas das
entidades políticas da psicologia e do movimento estudantil, devido esse ser, “apenas” um
movimento político de estudantes. (HUR; ARAGUSUKU, 2018)
Em um dos poucos trabalhos sobre o tema, Ribeiro (2007) reconstrói a história do ME na
psicologia, a partir da análise da dinâmica de funcionamento do Encontro Nacional dos
Estudantes de Psicologia (ENEP). O ENEP ou ENEPsi, como era denominado até 1969, foi
impedido de funcionar a partir do Decreto-Lei 477/1969, que proibiu manifestações política ou
de protestos no interior dos estabelecimentos de ensino públicos ou particulares, o que incluía
a organização de movimentos estudantis. Assim, o ENEPsi só retornou a partir de 1976, com o
nome de ENEP. (RIBEIRO, 2007)
Entre as décadas de 1960 e 1970, umas das alternativas encontradas pelo ME, perseguido
pelos órgãos de vigilância e repressão da ditadura, foi a participação em congressos científicos,
onde realizavam, clandestinamente, suas reuniões políticas. O I Encontro Nacional de
Estudantes (I ENE) realizado no início da década de 1970 ofereceu as bases para a organização
do ME, por área. Os discentes de psicologia passaram a promover eventos acadêmicos, como
Semanas de Psicologia e a participar de congressos científicos, onde se reuniam para deliberar
55

e tentar uma articulação pelo ressurgimento da UNE. Os estudantes também se utilizaram das
reuniões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) onde podiam se articular
em total clandestinidade. Um dos resultados desses encontros foi a realização do primeiro e do
segundo ENEP nos anos de 1976 e 1978. (RIBEIRO, 2007; HUR; ARAGUSUKU, 2018)
Em 1977, o ME passou a reorganizar as manifestações de rua e assembleias nas
universidades e a lutar pela reconstrução de suas entidades. O III Encontro Nacional dos
Estudantes, programado para o dia 4 de junho daquele ano, em Belo Horizonte, na UFMG, foi
declarado ilegal. Dentre os principais objetivos desse encontro estava a discussão acerca da
recriação da UNE, mas os delegados estudantis foram detidos antes de sua realização. As tropas
policiais impediram o acesso dos discentes à Belo Horizonte e aqueles que conseguiram chegar
se aglomeraram em frente ao DA de Medicina da UFMG, havendo investida da tropa de choque
e mais de 400 prisões. (LIRA, 2010). Da UFBA saiu uma comitiva formada por 12 estudantes,
apreendidos pela polícia antes de chegar à UFMG, com duas estudantes de Psicologia. Todos
foram detidos e investigados pela polícia. (UFBA CMSMV, 2014)
Cabe ainda destacar a participação de psicólogos e estudantes de Psicologia na luta de
resistência e oposição à ditadura, especificamente na luta armada34. Hur (2012) considera

[...] a politização de estudantes de Psicologia da década de 1960 como uma


ruptura com o caminho institucional trilhado até então pela Psicologia como
profissão. (HUR, 2012, p. 45)

Arantes (2012) analisou cinco casos de assassinato de psicólogas e de estudantes de


psicologia que se engajaram na luta de resistência. Todas foram executadas durante a ditadura
militar, na década de 70, e um dos casos contou com a participação da Operação Condor35.
Foram elas: Marilena Villas Boas Pinto; Iara Iavelberg; Aurora Maria Nascimento Furtado;
Pauline Philipe Reichstul; Liliana Inés Goldemberg.
Marilena Villas Boas Pinto era estudante do segundo ano de psicologia na Universidade
Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. Em 1969, integrou-se à luta de resistência, militando
inicialmente na Ação Libertadora Nacional (ALN), em seguida no Movimento Revolucionário

34
Para conhecer a história da esquerda brasileira que pegou em armas contra os governos ditatoriais instalados no
Brasil e a formação dos vários grupos e partidos, cf. GORENDER, J. Combate nas trevas. São Paulo: Editora
Ática, 1987.
35
A denominada Operação Condor, foi uma aliança clandestina entre os vários regimes militares da América do
Sul—Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai, Uruguai e a CIA dos Estados Unidos, nos anos 1970 e 1980 e
que ampliou a perseguição aos exilados brasileiros na América Latina. Seu objetivo era monitorar, capturar, ou
eliminar perseguidos políticos e exilados, atingindo centenas de refugiados, alguns assassinados. (BRASIL, 2014;
GASPARI, 2014b)
56

Oito de Outubro (MR-8), vivendo, por consequência, na clandestinidade. Marilena foi presa e
veio a falecer na Casa de Petrópolis, também conhecida como Casa da Morte, aos 22 anos.
Em São Paulo, a estudante de psicologia da USP, Aurora Maria Nascimento Furtado fez
parte, nos anos de 1968, da UNE de São Paulo, onde atuava como responsável pelo setor de
imprensa e militava na ALN. Em 1972, Aurora foi presa no Rio de Janeiro, aos vinte e seis anos
de idade. Sofreu torturas até a morte. Seu corpo foi jogado numa rua do Rio de Janeiro e os
órgãos de repressão divulgaram, através da imprensa, que Aurora havia morrido após tentativa
de fuga durante um tiroteio. Sua história inspirou o escritor e cineasta Renato Tapajós na
construção do personagem central do livro Em Câmara Lenta, que escreveu quando se
encontrava preso, entre 1969 e 1974 e publicado em 1977. A publicação do livro levou Tapajós
de volta à prisão. Em 2002, por iniciativa da professora Ecléa Bosi, a USP batizou uma das
salas da Faculdade de Psicologia com o nome de Sala Aurora Maria do Nascimento.
(TAPAJÓS, 1977; GORENDER, 1987; REIMÃO, 2009; ARANTES, 2012; SOUZA, JACÓ-
VILELA, 2017)
Nascida em Praga, na antiga Checoslováquia, Pauline Philipe Reichstul estudou
psicologia em Genebra, tendo concluído o curso em 1970. Fez contatos com estudantes e
exilados brasileiros na Europa e, em 1972, veio para o Brasil, onde abraçou a causa da luta
revolucionária e de resistência à ditadura, militando na Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR). Morava em Pernambuco e estava grávida, quando foi presa em 1973, torturada e
assassinada com quatro tiros, aos vinte e seis anos de idade, numa emboscada armada por um
agente duplo da ditadura, Anselmo dos Santos, o “ex-cabo Anselmo”. O episódio ficou
conhecido como “Massacre da Chácara São Bento”. Pauline foi morta juntamente com outros
quatro militantes, entre eles seu companheiro Eudaldo Gomes da Silva. (ARANTES, 2012;
CARDOSO, 2012b; SOUZA, 2020)
Vítima do terrorismo de estado brasileiro, Iara Iavelberg, em 1968, era psicóloga formada
pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Iara foi militante
da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop) e, em seguida, militou nos
quadros do MR-8. Morreu em 1971, aos vinte e sete anos de idade, cercada em um apartamento
no bairro da Pituba, em Salvador. Os órgãos de repressão publicaram que ela se suicidou e sua
morte só foi divulgada um mês depois, juntamente com o anúncio da execução de seu
companheiro, Carlos Lamarca, no interior da Bahia. Investigações posteriores, no entanto,
foram desmontando a versão apresentada pela polícia, ficando esclarecido, finalmente, que Iara
57

havia sido assassinada. (GORENDER, 1987; ARANTES, 2012; SOUZA, 2013; GASPARI,
2014b; JOSÉ, MIRANDA, 2015; SOUZA, JACÓ-VILELA, 2017)36
Souza e Jacó-Vilela (2017) defendem a concepção de que a participação política de
psicólogos e estudantes na luta armada contra a ditadura, ainda que não tivesse uma relação
identitária com a psicologia de seu tempo, é parte integrante da história da psicologia.

É importante notarmos o papel de vanguarda que estes estudantes tiveram,


pois levantaram questões relacionadas a ações contra a ditadura de classe em
seus cursos. Se parte da Psicologia estava presa na armadilha institucional que
prendeu a atuação de profissionais, há, por outro lado, importante fratura
efetivada pela juventude e pelos estudantes. (SOUZA; JACÓ-VILELA, 2017,
p. 47)

Ao longo desta seção, realizamos uma contextualização histórica sobre a ditadura militar
e as principais medidas adotadas pelo regime que impactaram sobre as universidades. Em
continuação, discorremos sobre os órgãos de segurança e as estratégias dos golpistas para o
controle e vigilância de docentes, discentes e servidores. Finalmente, apresentamos uma revisão
bibliográfica sobre a psicologia e a atuação dos psicólogos durante o período militar.
Pretendemos, até aqui, trazer o contexto político ditatorial vigente no país e as pesquisas que
analisam o processo de desenvolvimento da psicologia, além de apresentar a forma como esse
campo disciplinar e profissional foi influenciado pelas políticas de Estado da época.
Pretendemos demonstrar que, se de um lado, houve o silenciamento e complacência de frações
inteiras da psicologia, por outro, existiram aqueles que resistiram às políticas impostas pela
ditadura.
A partir desse panorama traçado até aqui, perseguimos a questão problematizada nesta
tese, buscando compreender a influência da atmosfera política sobre o desenvolvimento da
psicologia, examinando o período restrito da ditadura militar brasileira na perspectiva do
microcosmo da psicologia na Bahia. Pretendemos, desse modo, estudar a dinâmica da história
da psicologia na Bahia, enquanto disciplina e profissão, e o modo como foi influenciada pelas
políticas de Estado da época (1968-1980). É o que iremos desenvolver a partir das próximas
seções.

36
Para saber mais sobre a trajetória de Iara Iavelberg, cf. PATARRA, J.L. Iara: reportagem biográfica. Rio de
Janeiro, Rosa dos Tempos, 1991. Mais recentemente, em 2014, foi lançado um longa-documentário Em busca de
Iara, dirigido por Flávio Frederico e com roteiro de Mariana Pamplona.
58

3 CONSTRUINDO OS REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Apresentaremos, a partir daqui o referencial teórico que sustenta esta pesquisa e seus
conceitos fundamentais. Na primeira parte, faremos uma breve descrição da evolução do campo
histórico e historiográfico da psicologia para, em seguida, discorrer sobre o desenvolvimento
da história crítica da psicologia, dimensão que fundamenta este trabalho. Na segunda parte,
apresentaremos a abordagem metodológica da História do Tempo Presente, que utilizamos no
campo de observação da pesquisa, para, a partir daí, detalhar sobre as fontes utilizadas e o modo
de tratamento empregado.
Como campo de conhecimento dinâmico, a História da psicologia passou por
transformações ao longo de seu processo de construção, influenciada pelas mudanças teórico-
metodológicas surgidas no campo da História das Ciências. Inicialmente, a chamada história
tradicional da psicologia, radicou-se no positivismo, no idealismo e no personalismo. As
tarefas do historiador da psicologia, de acordo com os pilares dessa tradição, eram, dentre
outras, a compilação de feitos psicológicos, descobrimentos experimentais e biografias de
personalidades psicológicas célebres. Esse modelo tradicional de fazer a História da Psicologia
passou por uma crise após a década de 1960, com a progressiva institucionalização e
profissionalização do campo da História da Ciência, principalmente a partir da obra de Kuhn1,
levando os historiadores a reverem a suposta objetividade e buscar a superação do modelo
clássico de fazer história. (DANZIGER, 1984)
Nesse período, iniciou-se uma forte crítica à história que valorizava os grandes
personagens, enfatizando as funções ideológicas desse tipo de narrativa e, sobretudo,
questionando o apagamento de sujeitos e grupos, até então, historicamente excluídos. (BURKE,
1992). O cenário era de intensos debates acerca, especialmente, das funções político-sociais das
Ciências Humanas e Sociais e as discussões sobre a ciência na perspectiva histórica e seu
contexto social tornaram-se tema central na História e Historiografia das Ciências. A
profissionalização da área levou à complexificação dos recursos explicativos e das
metodologias de investigação, a partir da incorporação de perspectivas contemporâneas em
história, filosofia e sociologia da ciência. (MARTINS, 2001; KRAGH, 2001; EDLER, 2015)

1
O livro “A estrutura das revoluções científicas” de Thomas Kuhn, publicado originalmente em 1962 (KUHN,
1975), é considerado um divisor de águas na historiografia das ciências, por analisar a formação, transmissão,
defesa e queda de paradigmas científicos e indicar a presença de forças sociais como determinantes na escolha de
ideias aceitas pela ciência. A partir daí, já não bastava descrever a fundamentação científica que a teoria possuía
para explicar a razão pela qual essa teoria era aceita, devendo-se considerar os estudos sociais da ciência,
valorizando a construção social do conhecimento. (KRAGH, 2001)
59

A chamada virada social na História das Ciências trouxe em seu bojo a proposta de uma
historiografia crítica e reflexiva, reconhecendo o esgotamento do positivismo naturalista na
historiografia da ciência, assim como a artificialidade dos objetos a-históricos. Ainda que o
termo história crítica se refira a trabalhos considerados heterogêneos, com variados enfoques
e objetos, o comum entre eles é o abandono da historiografia positivista e a aceitação da
contingência histórica, além da ênfase nos fatores de ordem social. Essa contingência – que se
identifica com uma postura crítica – recorre a explicações sociológicas e se opõe a
inevitabilidade própria da historiografia whig2. A marca que caracteriza a nova história da
ciência é o recurso a explicações sociais ou sociológicas sobre o passado, bem como a utilização
de explicações macrossociológicas e microssociológicas para analisar o desenvolvimento e
difusão de teorias, correntes e tradições cientificas. (PESTRE, 1996; FIERRO, 2015)
Influenciada por essa virada social na História da Ciência, a Historiografia da Psicologia
passou por uma mudança significativa. (MASSIMI, 2008). Os críticos da história da psicologia
“tradicional” passaram a reconhecer a natureza socialmente construída do conhecimento
psicológico e a defender, não só uma abordagem mais crítica da psicologia, que entrou em
conflito com a clássica tradição historiográfica em psicologia da primeira metade do século
XX, como também a promover a institucionalização e a profissionalização do campo da
História da Psicologia. Como consequência, uma nova geração de historiadores da psicologia
emergiu, e como tendência, todo esse movimento é usualmente chamado de historiografia
crítica da psicologia, a virada social na historiografia da psicologia ou a nova história da
psicologia. (ARAÚJO, 2017)
Fica claro, desse modo, que os recursos da Historiografia da Ciência são os mesmos dessa
nova história da psicologia. Os Estudos Sociais da Ciência, envolvendo variados enfoques,
tanto teóricos quanto metodológicos, contribuíram para a virada social na Historiografia da
Psicologia. Esses estudos, cujo núcleo é a investigação dos fatores sociais e institucionais,
políticos, culturais e econômicos, no desenvolvimento da ciência, foram considerados úteis para
tematizar, explicitamente, a agenda política da teoria psicológica contemporânea e para renovar
o futuro das investigações históricas. (WOODWARD, 1998; MARTINS, 2001; ROSE, 2011;
FIERRO, 2015)

2
Whig - Termo cunhado em 1931 por Herbet Butterfield para se referir a uma modalidade em história das ciências
originada na historiografia positivista. As principais características da historiografia whig são o presentismo, por
analisar o passado à luz do presente ou por ver o passado conduzido necessariamente para o presente; crença
generalizada na eficácia cognitiva dos agentes individuais; existência de um momento ‘eureca’ na descoberta
científica, desconsiderando a influência do meio sobre aquele que tem a ideia genial súbita; crença na capacidade
de resolver problemas científicos de modo impessoal e objetivo.
60

Uma ideia que é nuclear aos Estudos Sociais da Ciência e que subjaz à historiografia
crítica da psicologia é a ênfase na contingência da história da ciência, concebendo o
conhecimento como algo construído socialmente. Outro ponto central nos Estudos Sociais da
Ciência é a questão do relativismo do conhecimento. O relativismo é uma crítica ao positivismo
historiográfico e sustenta que as representações da realidade não têm uma referência objetiva
intrínseca que seja inteiramente independente de sua origem e usos históricos. Em essência,
uma historiografia sociológica necessariamente é relativista por se ocupar de agentes sociais e
condições culturais particulares e contingentes. (BURKE, 1992; PORTOCARRERO, 1994;
PESTRE, 1996)
A concepção geral do relativismo no campo da História da Psicologia é de que as
pesquisas experimentais não podem ser separadas dos compromissos das comunidades que
avaliam os experimentos, não havendo possibilidade de evitar uma explicação sociológica da
produção apelando a regras impessoais de experimentação. Objetos como “Inteligência”, por
exemplo, não são dados na natureza, mas são produtos de uma construção humana. Isso implica
no reconhecimento do entrelaçamento mútuo entre as circunstâncias temporais e contextuais,
assim como a emergência e construção dos objetos psicológicos como resposta a problemáticas
especificas. A história desses objetos é, em última análise, a história de sua construção e,
somente quando as ideias são analisadas como construções humanas produzidas por agentes
sociais em condições históricas especificas contamos com um marco aplicável à história crítica.
É importante salientar este ponto porque existe uma visão subjetivista do naturalismo que
considera que os objetos psicológicos se encontram nas mentes de figuras históricas especificas
e os conceitos ocorrem em indivíduos, aparecendo sem atividade humana. (DANZIGER, 1990;
2013)
Nesse sentido, a historiografia crítica da psicologia desempenha um importante papel
quando toma a multiplicidade atual de objetos psicológicos como seu ponto de partida e explora
o contexto social de sua emergência. (ROSE, 2011; DANZIGER, 2013; FIERRO, 2015;
ARAÚJO, 2017) O objetivo da história crítica é evitar prejulgamentos e parâmetros a-
históricos para analisar acontecimentos pretéritos e orientar suas investigações, a partir do
historicismo, que se refere à necessidade de minimizar as referências ao presente, evitando a
crítica ou valoração do passado em função de teorias ou valores contemporâneos. (FIERRO,
2015)
Se um dos objetivos da história da psicologia é contribuir com o exercício crítico que os
psicólogos da atualidade devem ter, em relação às suas próprias práticas, considera-se a
61

relevância dessa disciplina para orientar uma pesquisa que coloca questões sobre as relações
entre conhecimento e sociedade, bem como entre psicologia e subjetividade. (ROSE, 2011)
Nessa perspectiva, propomos analisar e compreender a emergência e desenvolvimento da
psicologia na Bahia, enfocando o processo de institucionalização do curso de graduação de
psicologia da Universidade Federal da Bahia, no contexto político da ditadura militar a partir
do referencial teórico da nova história da psicologia, construindo uma “ponte entre a história e
a psicologia e entre o passado e o presente em nossa cultura”. (WOODWARD, 1998, p. 62)
Integra-se a esse enfoque teórico da nova história da psicologia, apresentado até aqui, os
conceitos de Indigenização e Recepção das Teorias Psicológicas, que visam ampliar as
possibilidades de análise dos diferentes modos como ocorreram os processos de recepção e
circulação de teorias em contexto diferente dos quais foram produzidos, levando em conta os
aspectos sociais, culturais e políticos de cada país ou mesmo de diferentes comunidades
científicas. Nessa perspectiva, utilizamos nesta pesquisa os referidos conceitos na análise dos
diferentes modos como ocorreram esses processos no que diz respeito à Análise do
Comportamento e à Psicanálise, no contexto social, cultural e político brasileiro e na cidade de
Salvador, Bahia.
O conceito de indigenização auxiliou na compreensão de que o conhecimento psicológico
produzido localmente produz questões distintas do contexto internacional em que foi produzido
originalmente. Tal conceito se articula a uma mudança em direção a uma psicologia
policêntrica, ou seja, uma psicologia que se desenvolve a partir de vários centros, adequando-
se aos contextos culturais locais e nacionais, rompendo o modelo hegemônico de uma
psicologia controlada por métodos e práticas, sobretudo, americanos. Nesse sentido, o conceito
de indigenização ultrapassa a análise de uma relação centro-periferia em que se considera que
teorias desenvolvidas em um país central seriam passivamente absorvidas pelos indivíduos de
países periféricos, como o Brasil. (DANZIGER, 2006; PICKREN, RUTHERFORD, 2010;
BRANCO; CIRINO, 2017)
Por sua vez, o conceito de recepção de teorias em psicologia remete ao estudo do modo
como teorias psicológicas desenvolvidas em uma cultura podem ser compreendidas em outra
cultura, envolvendo as ações de acolhida e intercâmbio, sem deixar de lado as características
próprias do campo disciplinar em questão, suas problemáticas e interesses intelectuais. Desse
modo, o conceito de recepção implica em compreender conceitos a ele relacionados, como os
de problemática e de interesse intelectual. (DANZIGER, 1984; DAGFAL, 2004)
62

3.1 A HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE

Detalharemos, a seguir, a abordagem metodológica da História do Tempo Presente que


utilizamos nesse estudo, apresentando as contribuições de alguns autores, bem como alguns
estudos sobre Memória, para, em seguida, explicitar tipo e tratamento das fontes adotadas nesta
pesquisa. Adotamos o aporte metodológico da História do Tempo Presente como campo de
observação para esta pesquisa e como uma via para o exercício crítico da história da psicologia
em relação ao presente. (BARROS, 2005)
A História do Tempo Presente é uma concepção de operação historiográfica, que tem
estreita vinculação com a política, o que a torna relevante para a análise que pretendemos
realizar. Isto posto, pode-se afirmar que,

[...] a marca central da História do Tempo Presente – sua imbricação com a


política – decorre da circunstância de estarmos, sujeito e objeto, mergulhados
em uma mesma temporalidade, que, por assim dizer, “não terminou”. Isso traz
importantes consequências epistemológicas para o conhecimento que se
deseja construir. (FICO, 2012, p. 45)

A noção de História do Tempo Presente foi adotada pelo historiador Pierre Nora (1993),
que se norteou na revolução historiográfica inaugurada pela Escola dos Annales3. Pierre Nora
seguiu uma trajetória oposta à história imóvel e ressaltou a importância dos estudos sobre o
tempo presente. Sua obra trouxe inovação historiográfica ao revisar os períodos históricos,
introduzindo a história contemporânea no fazer historiográfico, a partir da perspectiva de que,
mesmo em se tratando de Idade Média, faz-se história contemporânea.
A relação social com o tempo redefiniu a discussão historiográfica e essa virada é
chamada de o ponto crítico pela Escola dos Annales. Posteriormente, a história do tempo
presente foi retomada pelo historiador René Remond, juntamente com outros historiadores,
como François Bédarida, Jean-Pierre Rioux, Henri-Irénée Marrou, André Mandouze e Jacques
Julliar. (DOSSE, 2012)

3
A Escola dos Annales é um movimento historiográfico que se constituiu em torno da revista
francesa Annales d'histoire économique et sociale, fundada em 1929 por Lucien Febvre e Marc Bloch e que se
denomina História Nova, tendo se destacado por uma crítica à história então existente, por incorporar métodos
das Ciências Sociais à História, pelo caráter interdisciplinar de fazer história e pela concepção de fato histórico
tomado como uma construção do historiador a partir dos documentos. Uma segunda geração da Escola dos
Annales, representada por Fernand Braudel surgiu após a Segunda Guerra Mundial e definiu métodos e categorias
para estudar o tempo de longa duração. A partir de 1968 surge uma terceira geração da História Nova que privilegia
uma nova concepção sobre o documento e novas fontes para a construção da narrativa histórica. Representam essa
terceira geração os historiadores Jacques Le Goff, Philippe Ariés. George Duby, Jean Pierre Vernant, Roger
Chartier. (BURKE, 1991)
63

A partir de quando se pode falar em tempo presente? É uma pergunta que se impôs aos
historiadores, remetendo-os à questão da periodização, da delimitação temporal. A Segunda
Guerra Mundial, a Grande Depressão, a queda do muro de Berlin, o Holocausto, as ditaduras
militares e terroristas na América Latina seriam eventos traumáticos possíveis de impulsionar
a reflexão sobre a História do Tempo Presente. Não há acordo entre os historiadores sobre o
momento de iniciar uma cronologia própria da história do tempo presente, seja em plano
mundial ou nacional. (IBARRA; CARRERA, 2010)
Tais definições estão obsoletas, diante da percepção da não linearidade do tempo e da
pressuposição de uma unidade temporal que delimita a relação sujeito e objeto, considerando
que a cronologia não é o caminho mais adequado para agregar uma especificidade à História
do Tempo Presente, que estaria mais vinculada a elementos históricos, como a sobrevivência
de protagonistas e participantes, a memória social viva ou a contemporaneidade entre o
historiador e o passado do qual se ocupa, que inaugurou um novo regime de historicidade, do
tempo presente. (HARTOG, 2013)
De todo modo, a delimitação do campo da História do Tempo Presente está conectada à
análise de processos sociais traumáticos, como ditaduras, terrorismos de Estado, genocídios,
que interpelam a sociedade (IBARRA; CARRERA, 2010) O marco fundamental que delimita
a História do Tempo Presente é um momento traumático da história e resulta ser significativa
pela dificuldade de tratamento e por marcar a consciência de várias gerações posteriores. A
História do Tempo Presente analisa processos inacabados, em desenvolvimento, como é o caso
da história política brasileira, no que se refere ao período ditatorial.
Uma característica fundamental da História do Tempo Presente é a importância do
testemunho. Fico (2012) ressalta as consequências epistemológicas advindas da imbricação
entre sujeito e objeto numa mesma temporalidade, sendo a principal delas, o estatuto do
testemunho, seguida pela questão da neutralidade ou imparcialidade diante de objetos
temporalmente próximos do historiador. A pesquisa histórica remonta a duração de uma vida
humana, com testemunhas vivas, uma história ‘sob vigilância’, com testemunhas capazes de
contestar registros históricos, favorecendo a relação entre História e Memória.
A diferença entre Memória e História, foi posta por Halbwachs (1990) na primeira metade
da década de 1950. Halbwachs preocupou-se em fornecer uma teoria interpretativa sobre a
memória coletiva. Para ele, a história começa no ponto onde termina a memória. Halbwachs
analisou, as noções de memória individual e memória histórica, sendo a primeira, uma memória
interna, pessoal, e a segunda, externa, social ou histórica. Cardoso (2010) assinala a
inadequação do termo “memória histórica”, por associar dois termos que são excludentes e o
64

uso do termo por Halbwachs para se referir a uma memória social, diferenciando-a de uma
memória individual.
A memória é a presença do passado no presente, sempre reconstituída no presente, e por
isso interessa aos historiadores do tempo presente. Para Rousso (1998), a memória é

[...] uma reconstrução psíquica e intelectual, que acarreta de fato uma


representação seletiva do passado, um passado que nunca é aquele do
indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar,
social, nacional. Portanto, toda memória é, por definição, ‘coletiva’.
(ROUSSO, 1998, p. 94)

Enquanto a História é registro, problematização, crítica e reflexão, a Memória vivencia


de modo inconsciente e absoluto. Pierre Nora (1993) buscou elementos para localizar a
memória historicamente, elaborando a noção de lugares de memória que expressam o
movimento de resgate dos sinais de pertencimento grupal. O trabalho com a memória tornou-
se indissociável do trabalho do historiador do tempo presente. (LE GOFF, 2003). Essa tendência
fez ressurgir o interesse pela narrativa na escrita da história e a memória deixou de ter uma
ênfase no individual, para ser entendido como uma manifestação coletiva, no dizer da
historiadora Lucileide Costa Cardoso.

[...] Como obra coletiva e dinâmica, a memória remete a todo um universo


ideológico no qual são equacionados dialeticamente os valores passados e
presentes, rompendo a concepção linear do tempo histórico, permitindo uma
avaliação mais rica das diversas formulações sobre o real e revelando, ainda,
as exigências de um presente manifesto que permite dar ao passado um
significado específico. (CARDOSO, 2010, p.155)

Os elementos constitutivos da memória, individual e coletiva, são os acontecimentos, os


personagens e os lugares. Os acontecimentos são aqueles vividos pela pessoa em particular, os
acontecimentos vividos pelo grupo ou coletividade e os acontecimentos, que, para além do
espaço-tempo de uma pessoa ou grupo, se situam no campo da memória, através da socialização
política ou da socialização histórica. Para Pollak (1992), é bem possível que, por meio da
socialização política ou histórica ocorra um fenômeno de projeção ou de identificação com
determinado passado “[...] tão forte que podemos falar numa memória quase herdada.”
(POLLAK, 1992, p. 201)
Além dos acontecimentos, os personagens são entendidos tal e qual os acontecimentos,
havendo aqueles encontrados pessoalmente, aqueles conhecidos indiretamente, que se tornam
quase conhecidas e aqueles que não pertenceram ao espaço-tempo da pessoa e que são tomados
65

como um contemporâneo. Sobre os lugares, o autor enfatiza os lugares de memória, que podem
ser aqueles lugares particularmente ligados a uma lembrança pessoal e que permanecem muito
forte na memória da pessoa, independentemente do tempo cronológico, como um lugar de
férias, por exemplo; pode ser uma memória mais pública, como lugares de comemoração;
podem ser lugares de reverência a seus entes, como os monumentos aos mortos; podem ser
locais fora do espaço-tempo de uma pessoa, locais longínquos, que constituem a memória de
um grupo e da própria pessoa pertencente àquele grupo, como por exemplo a memória de uma
cidade ou país em que se viveu no passado.
Os acontecimentos, personagens e lugares estão associados a acontecimentos,
personagens e lugares reais, “empiricamente fundados em fatos” (POLLAK, 1992, p. 202),
como também podem ser decorrentes dos fenômenos de projeção e transferência. Como é o
caso de pessoas que vivenciaram grandes tragédias e/ou construíram memórias a partir da
memória familiar ou grupal. (POLLAK, 1992) As lembranças mantidas por um indivíduo ou
grupo são compostas por elementos, personagens e lugares, marcam a identidade dos
indivíduos, dão conformação à coletividade, ganham destaque e são incorporadas às narrativas
grupais. (FERREIRA, 2018)
Desse modo, a História do Tempo Presente e os estudos sobre Memória contribuíram
como uma perspectiva metodológica para interpelar os agentes históricos integrantes desta
pesquisa (psicólogos, docentes e discentes), na realidade sociocultural de Salvador, Bahia,
tendo como objeto de estudo a psicologia, enquanto disciplina e campo profissional, atravessada
por uma conjuntura política ditatorial iniciada em 1964. No próximo tópico, apresentaremos os
tipos de fontes adotados nesta pesquisa e o detalhamento metodológico dado ao corpus
documental.

3.2 TIPOLOGIA DAS FONTES E METODOLOGIA

O corpus documental desta pesquisa é formado por fontes documentais e orais. Ao fazer
uso de fontes distintas, foi necessário utilizar métodos distintos, que tivessem correspondência
ao tratamento e análise dos diferentes registros históricos.
Para a análise documental foram consideradas a origem do documento, a quem estava
destinado, o contexto de produção do documento, e, ainda, o local em que os documentos foram
inseridos. Por entendermos que todo documento é portador de um discurso ou uma construção
discursiva, após a análise externa, passamos para a segunda fase, de crítica interna ao
66

documento. Nessa fase, analisamos o discurso do texto, procurando compreender a natureza do


documento, sua origem, destinação e o contexto em que estavam inseridos. (BARROS, 2012)
A característica da pesquisa documental é que a fonte de coleta de dados se concentra nos
documentos, escritos ou não, constituindo as fontes primárias. (MARCONI; LAKATOS, 2002).
Nesse sentido, a pesquisa documental através das fontes primárias pretende extrair dos
documentos as informações relevantes ao objeto estudado, valendo-se de material que não foi
ou ainda não recebeu um tratamento analítico. Na história, a evidência empírica tem que ser
metodologicamente justificada pelo historiador. Tais evidencias podem se revelar através dos
documentos, sendo este, sinônimo de fontes históricas ou fontes primárias. A fonte é uma
testemunha que nos informa sobre a vida humana do passado e pode ser de natureza documental
escrita, objetos, retratos, audiovisual e outros, caracterizando-se por três elementos, quais
sejam, a natureza material, o gênero e o conteúdo. (MASSIMI, 2010). Dentro do critério de
ordenação proposto por Rosa, Blanco e Huertas (1996), a fonte primária corresponde a qualquer
documento que proporciona dados em primeira mão.
Outro conjunto de fontes é composto por obras acadêmicas, literárias, arquivos
publicados e outros, com conteúdo já utilizado ou divulgado e que se denomina fontes
secundárias. Como primeiro passo da pesquisa, o levantamento de dados deve ser feito
considerando, não só a pesquisa documental com uso das fontes primárias, mas também através
da pesquisa bibliográfica ou de fontes secundárias. A pesquisa bibliográfica é um apanhado
geral sobre trabalhos já realizados, que sejam suficientemente relevantes por sua atualidade dos
dados ou pelo tema. (MARCONI; LAKATOS, 2002) Complementa, ainda, o conjunto de
fontes para realização da pesquisa, as fontes terciárias, que inclui dicionários, enciclopédias,
catálogos de bibliotecas, ou qualquer tipo de documento que proporcione dados sobre como e
onde encontrar determinadas informações próprias de uma fonte primária e secundária.

3.2.1 Fontes documentais, arquivos sensíveis

Para nossa pesquisa, fizemos, inicialmente, um levantamento das bases historiográficas


referentes à Ditadura Militar e à Psicologia, a partir dos seguintes descritores: Ditadura Militar
Brasileira; Universidades + Ditadura Militar; Psicologia + Ditadura Militar; História da
Psicologia na Bahia, História da Bahia. A pesquisa bibliográfica compreendeu a busca de
referências bibliográficas no campo da História, da Ciência Política, da Sociologia e da
Psicologia. Essa pluralidade de campos de saber envolvido, embora tenha sido extremamente
benéfico por permitir uma compreensão mais completa sobre o tema, exigiu um esforço de
67

compilação, fichamento e identificação bibliográfica, atenuado pelo uso do software


Mendeley.4
Após a fase de pesquisa bibliográfica, foi iniciado o trabalho com as fontes primárias
utilizadas nesta investigação. Parte dessas fontes são documentos de arquivos sobre o curso de
psicologia e parte são de arquivos sensíveis relacionados aos anos mais duros da ditadura militar
brasileira. Além dos arquivos físicos da UFBA, foram acessadas cópias digitais de documentos
em bancos de dados, disponibilizados pelo Arquivo Nacional.
Consultamos os arquivos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH) e da
Coordenação de Arquivo e Documentação (CAD), ambos da UFBA. As fontes documentais
existentes, organizadas e disponibilizadas pelos arquivos da FFCH e do CAD, foram as Atas
da Congregação e do Conselho Departamental da FFCH; Atas do Departamento e do Colegiado
do curso de psicologia; cartas, ofícios, programas de curso, planos de aulas e relatórios,
referentes ao período analisado, qual seja, entre 1968 e 1980. Todos os documentos acessados
foram lidos em sua totalidade, digitalizados e arquivados. Na fase de fichamento e tratamento
dessas fontes primárias encontradas, criamos tabelas eletrônicas para cada tipo de documento,
criteriosamente resumidos para a análise posterior.
O trabalho de localização de fontes e documentos constitui um dos pilares metodológicos
fundamentais da tarefa do historiador, cuja realização pode envolver diversos empecilhos no
acesso. Documentos históricos podem se perder, arquivos podem ser suprimidos, caixas de
material podem ser codificados de forma diferente e inviabilizado para novas consultas.
Referindo-se aos acervos documentais que contenham material sobre a história da psicologia
brasileira, Campos e Massimi (1998) alertam que “[...] encontram-se em precário estado de
conservação ou sem catalogação adequada”. (CAMPOS, MASSIMI, 1998, p. 305)
Fizeram parte dos arquivos sensíveis, pesquisados para esta tese, o arquivo da Assessoria
Especial de Segurança e Informações (AESI) da UFBA e o Arquivo Nacional. O arquivo
AESI/UFBA é um acervo documental que se encontra no setor Estudos Baianos, localizado na
seção Lugares de Memória, instalada no último andar da Biblioteca Central Macedo Costa da
UFBA. O arquivo possui 12 acervos, sendo que um deles corresponde ao arquivo da ditadura e
possui 11 caixas, com registros provisórios. Existe uma base digital de índice onomástico, mas
o sistema disponibiliza informações de quais nomes são citados nos documentos, sem fornecer
acesso à íntegra do documento. O acervo preserva a documentação produzida, recebida e

4
O Mendeley é um software gratuito que auxilia nos trabalhos acadêmicos e tem a finalidade de gerenciar arquivos
eletrônicos (formato PDF), além de ajudar na normatização de citações e referências geradas automaticamente.
Fonte: http://www.eco.unicamp.br/biblioteca/index.php/gerenciador-de-referencias-mendeley.
68

arquivada pelo extinto órgão AESI em funcionamento na UFBA durante o regime militar. Na
busca por essas fontes primárias do arquivo AESI/UFBA, foi realizado contato inicial via e-
mail para agendamento da primeira visita, durante a qual assinamos o Termo de conhecimento
sobre a Lei de Acesso à Informação exigido para acesso aos documentos. Como não foi
autorizado o acesso ao arquivo físico em sua integralidade, fizemos uma busca inicial através
do site5, para, posteriormente, realizar a pesquisa aos documentos.
Buscamos nesse arquivo AESI/UFBA, documentos que fizessem referência ao curso de
psicologia, seus docentes e discentes, e sobre a atuação do Movimento Estudantil (ME), em
especial do Diretório Acadêmico (DA) de Psicologia. Utilizamos como fonte, os Ofícios,
Relatórios e Informações trocadas entre a AESI e a Reitoria da UFBA e com outros órgãos do
sistema de vigilância e repressão do regime militar, bem como panfletos, boletins e jornais
confeccionados pelo ME e pareceres sobre contratação de docentes. Essas fontes documentais
não puderam ser fotografadas. Diante disso, registramos de modo manuscrito os dados
encontrados, para posterior catalogação.
A título de registro metodológico, faz-se importante ressaltar que o acesso ao arquivo
AESI/UFBA foi interrompido antes da conclusão da presente pesquisa, por determinação da
coordenação, que decidiu desautorizar aquilo que foi concedido anteriormente. Mesmo depois
de tentativa de solução feita pessoalmente, não tivemos sucesso. Relatamos a situação através
de e-mail à Reitoria e não obtivemos resposta. Também encaminhamos pedido de acesso à
informação através do e-SIC6, que foi negado. Cabe destacar que o impedimento da
continuidade da pesquisa documental, também ocorreu de modo semelhante no arquivo da
FFCH, que vinha sendo protocolarmente liberado e foi subitamente indisponibilizado7. Essa
situação, sem aviso prévio, nos dois arquivos citados, ocorreu após a qualificação da tese,
quando retornamos aos referidos locais no intuito de rever algumas indicações e sugestões da
banca, naquele momento. Embora as referidas medidas de bloqueio ao acesso de documentos
tenham causado alguns transtornos ao nosso trabalho, assim como alguma morosidade na
estruturação de revisão, felizmente, grande parte das fontes primárias já haviam sido coletadas,
o que não inviabilizou a continuidade da pesquisa.

5
Arquivos da Ditadura – AESI/UFBA. Disponível em <http://www.arquivos.ufba.br/ufba-ditadura>. Acesso em:
23 mar. 2020.
6
O Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC) permite que qualquer pessoa, física ou
jurídica, encaminhe pedidos de acesso à informação, acompanhe o prazo e receba a resposta da solicitação
realizada para órgãos e entidades do Executivo Federal.
7
O fechamento dos arquivos está relacionado, provavelmente, ao posicionamento dos setores em não liberar o
acesso a documentos que contenham nomes e dados pessoais, em respeito à Lei de Acesso à Informação.
69

Além do arquivo físico da AESI/UFBA, realizamos pesquisa virtual no site do Arquivo


Nacional – Memórias Reveladas, localizado em Brasília. O projeto Memórias Reveladas, do
Arquivo Nacional, foi criado pelo governo federal em 2009, com o propósito de divulgar
informações sobre a história recente do Brasil. No acervo do Arquivo Nacional utilizamos os
descritores UFBA, Psicologia UFBA, Movimento Estudantil (ME) UFBA, Diretório
Acadêmico (DA) UFBA, Diretório Central dos Estudantes (DCE) UFBA. Os documentos
pesquisados foram: Relatórios, Ofícios e Informativos sobre o ME, jornais, boletins e panfletos
confeccionados e distribuídos pelos estudantes, Inquéritos policiais contra docentes, Folhetos
sobre propaganda e contrapropaganda do governo militar e sobre “guerra psicológica”. Esses
documentos compunham o acervo digitalizado do Arquivo Nacional, nos seguintes
Fundos/Coleção: a) Serviço Nacional de Informações (SNI); b) Divisão de Segurança e
Informações do Ministério da Justiça (DSI/MJ); e c) Assessoria de Segurança e Informações da
Universidade de Brasília (ASI/UnB). As fontes encontradas foram lidas, classificadas por
temáticas e arquivadas digitalmente.
No pensamento lapidar do historiador Carlos Fico, está explícito a importância de trazer
as fontes documentais produzidas pelos órgãos de vigilância do regime militar à esta narrativa
sobre a história da psicologia no contexto da ditadura. Segundo o autor,

Os documentos da ditadura não são um testemunho da verdade, mas a


memória do arbítrio. Mas se nós entendermos “verdade” em seu sentido
relativo, como um esforço contínuo de esclarecimento e explicação dos
fenômenos, então podemos afirmar que a “verdade” que os documentos da
ditadura registram é mobilizadora. (FICO, 2012, p. 58).

Considerando a dificuldade de acesso aos documentos, explicitada acima, recorremos à


memória de personagens que fizeram parte diretamente da história que estamos narrando. A
proposta metodológica de expandir a pesquisa documental, unindo-a às fontes orais trouxe um
ponto de inflexão importante, pois, pela via da valorização do testemunho, estabelecemos
conexões com as fontes documentais, que ampliaram o escopo de análise do trabalho.

3.2.2 Fontes orais

A História Oral conquistou muitos adeptos no Brasil nos últimos anos, ainda que seu
termo e seu uso não tenham uma uniformidade de sentido. O termo história oral não se
configura como um produto historiográfico diferenciado e alternativo à história realizada com
fontes escritas, embora permita construir um discurso de interpretação histórica, rico e
complexo, ao incorporar novos sujeitos e ampliar as possibilidades de pesquisa. (JOUTARD,
70

1998; SELAU, 2004) A história oral pode assumir três formas: história oral de vida; história
oral temática; tradição oral. Na primeira, focaliza-se a escuta de toda a vida do depoente; na
segunda, prioriza-se a escolha de um tema sob o qual o depoente irá discorrer; e a terceira é
aquela que compreende os conhecimentos da tradição oral de povos iletrados. (MELHY, 2000)
A modalidade utilizada nesta tese é a da história oral temática, que enfatiza a escuta dos
entrevistados sobre um tema específico, qual seja, a história da psicologia na Bahia durante os
primeiros anos de formação e consolidação do curso de graduação da UFBA, tendo como pano
de fundo a ditadura militar. Através da história oral temática, os depoentes puderam relatar
sobre tópicos relativos à história do curso de psicologia e a atmosfera política do período como
eixo condutor da narrativa. A história oral possibilitou o resgate de aspectos da vida dos
entrevistados que viveram o momento histórico em questão.
A utilização do recurso da história oral permitiu colher o testemunho de atores que
integravam o curso de psicologia da UFBA, como discentes ou docentes, no período entre 1968
a 1980. Foi preparado um roteiro temático, seguindo um modelo de entrevista semiestruturada
em que os entrevistados relataram suas memórias. O foco temático foi composto pela tríade: 1)
a história de formação do curso; 2) a recepção da Psicologia Experimental e da Psicanálise; 3)
as lutas e resistência política no contexto da ditadura militar. Durante as entrevistas surgiram
depoimentos sobre a história de vida pessoal e profissional das entrevistadas que enriqueceram
os relatos. As entrevistas tinham como questões abertas: a) a narrativa livre sobre a vivência na
graduação de psicologia; b) memórias sobre o processo de formação do curso, colegas,
professores; c) formação teórica nas diversas abordagens psicológicas ofertadas pelo curso de
psicologia da UFBA, naquele período; d) participação política, lutas e resistências do corpo
discente e docente do curso; e) memórias sobre o contexto político, social e cultural do período
e sobre os sujeitos sociais que atuavam nesse momento.
A seleção dos entrevistados se deu a partir do critério de escolha daqueles que estiveram
vinculados ao curso de psicologia da UFBA, como discente ou docente, entre 1968 e 1980. Para
a seleção dos entrevistados, adotamos a estratégia de articulação de uma rede de participantes,
que Meihy (2000) denomina colônia e que pode ser iniciada pelo primeiro depoente, o ponto
zero, que indica outros, formando uma rede de depoentes. O contato inicial foi feito por
telefone, convidando a participar da pesquisa, bem como informando sobre os objetivos. A
partir dos contatos realizados e da participação aceita, passamos à fase de realização das
entrevistas, realizadas no ambiente que melhor se adequasse ao propósito de execução e que
estivesse dentro de um padrão de respeito e confidencialidade, com diálogo aberto entre
pesquisadora e entrevistadas, evitando-se interrupções, além de serem respeitados os limites e
71

possibilidades das partes. Dez psicólogas participaram do presente estudo8. Sete delas optaram
por nos receber em seu próprio domicílio. Duas escolheram realizar a entrevista em suas salas
nas universidades onde lecionam; uma concedeu a entrevista por Skipe, em razão de não residir
em Salvador e uma optou por fazer a entrevista em minha residência. Cientes do tema da tese
e esclarecidos sobre o compromisso da pesquisadora com o sigilo e demais aspectos éticos, as
entrevistas foram gravadas e ao final, as depoentes assinaram a Cessão de Direitos sobre
Depoimento Oral9 . Cabe um adendo, para registrar três outras entrevistas realizadas, cujos
depoimentos não foram incluídos neste trabalho, pois as depoentes não assinaram o termo
Cessão de Direitos sobre Depoimento Oral. Para conduzir a análise das entrevistas, realizamos
um alinhamento entre as entrevistas, criando pontos de intercessão entre elas. (MEIHY;
HOLANDA, 2007). Os relatos das entrevistas foram tomados como pontos de vista individuais
sobre uma parte da história e, nessa perspectiva, foram analisadas e se complementaram.
Após a realização das entrevistas, todas gravadas, foi feita a transcrição e revisão textual.
Os relatos contêm informações pessoais, vivências e emoções que se constituem de forma
diversa e complementar àquela que apreendemos através das fontes documentais. Por conterem
informações, por vezes, de ordem pessoal, optou-se por não as colocar como anexo na tese.
Destaca-se, ao longo dos capítulos, trechos relevantes para a presente investigação, recortes que
atenderam os objetivos propostos pelo estudo, respeitando a perspectiva da narrativa das
entrevistadas, assumindo o compromisso ético da pesquisadora com os sujeitos e com a
pesquisa, ou seja, fazer uso dos depoimentos de modo respeitoso e fiel à visão das entrevistadas.
No processo de transcrição foi realizada uma pré-análise por meio da leitura da entrevista, de
modo a compor os dados. A partir dos depoimentos transcritos e revisados, teve início o trabalho de
construção histórica. As entrevistadas tiveram participação importante na história do curso de psicologia
da UFBA, seja no processo de institucionalização do curso, seja na luta e resistência política no período
da ditadura. Foram sujeitos ativos dessa história. Trata-se de uma narrativa de pessoas que viveram uma
época e a história de um curso nos seus primeiros anos de formação e consolidação. Cada relato
apresenta um ponto de vista de sua própria trajetória e contribuição, ou seja, são os fatos de sua trajetória
a partir do olhar do presente. No conjunto, as entrevistas se complementam, pois trazem diversos
olhares, modos de subjetivação e pontos de vista. Não é a própria história, mas é também um documento,
que foi construído a partir do olhar daqueles que testemunharam a história.

8
Cf. Apêndice A, p.228
9
Cf. Apêndice B, p.232
72

4 A PSICOLOGIA APLICADA À MEDICINA E À EDUCAÇÃO NA BAHIA:


ANTECEDENTES DA CRIAÇÃO DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
DA UFBA

Nesta seção, discutiremos sobre as duas décadas anteriores à regulamentação da


psicologia, por sua importância na consolidação da profissão. A psicologia, que anteriormente
estava vinculada à medicina e à educação, gradativamente ganhou autonomia, passando a ser
reconhecida como disciplina científica. O Brasil vivia, então, sob o regime varguista do Estado
Novo10 e, no bojo do processo de modernização e industrialização, a psicologia passou a ser
aplicada no campo da educação superior no Brasil, concentrando-se em duas áreas distintas:
educação e trabalho. O profissional de psicologia era, então, denominado psicotécnico e exercia
suas atividades voltadas para a resolução de problemas de ajustamento social e solução de
problemas. (GIL, 1985)
Na história da psicologia na Bahia, destaca-se nesse período, o papel de três instituições
que serão analisadas nesta seção: a Faculdade de Filosofia da Bahia (FFB); a Clínica
Psiquiátrica (CP) da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB); e o Instituto de Orientação
Vocacional (IDOV), espaços acadêmicos formadores das primeiras gerações de profissionais a
atuar no campo psicológico na Bahia e a exercer a docência no curso de psicologia que seria
criado, no final da década de 1960, na UFBA. Enfocaremos, inicialmente, a aplicação da
Psicologia nos cursos de licenciatura da FFB e o pioneirismo do educador e diretor da
faculdade, Isaías Alves, e do médico psiquiatra e criador do curso de Psicologia João Inácio de
Mendonça. Na segunda parte, descreveremos o campo da Psicologia Aplicada à Educação e ao
Trabalho, que se expandiu com a instalação do IDOV e a influência do seu supervisor, o
espanhol Emílio Mira y López. Por fim, abordaremos o papel da Clínica Psiquiátrica do
Hospital das Clínicas da FMB, como espaço de formação e capacitação acadêmica no campo
“psi”.

4.1 A PSICOLOGIA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO: A FACULDADE DE FILOSOFIA DA


BAHIA (1941-1968)

Na década de 1940, o mundo estava em guerra e o Brasil vivia sob o regime político
autoritário do Estado Novo. A Bahia iniciou a década governada pelo interventor federal

10
O Estado Novo foi a fase ditatorial do governo de Getúlio Vargas. Ao todo, Vargas permaneceu no poder de 1930
a 1945, mas a fase do Estado Novo corresponde especificamente ao período de 1937 a 1945. Teve início em
novembro de 1937, quando foi realizado o Golpe do Estado Novo, e foi encerrado quando os militares obrigaram
Vargas a se retirar do poder.
73

Landulpho Alves (1938-1942), que nomeou seu irmão Isaías Alves de Almeida como Secretário
da Educação e Saúde do Estado. O cenário era, portanto, favorável a Isaías Alves e seus contatos
políticos lhe abriram os caminhos para a criação da FFB, em 13 de junho de 1941. O projeto
havia sido idealizado pelo irmão marista Augusto Robert, diretor do Colégio Nossa Senhora da
Vitória, como uma faculdade para formação de professores para o ensino secundário Normal e
Técnico. Posteriormente o professor Herbert Parente Fontes apresentou esse plano a Isaías
Alves que decidiu dar andamento. Isaías Alves liderava um grupo de intelectuais, além de
professores do Colégio Maristas, comerciantes e políticos que formavam a Liga de Educação
Cívica da Bahia, sociedade civil sediada em Salvador desde 1903. A Liga era presidida por
Alves e foram seus integrantes que cederam os recursos financeiros necessários para realizar o
empreendimento, considerado de grande monta diante do contexto baiano de então. (SIMÕES,
1990; DIAS, 2005; ROCHA, MORAES, CARVALHO, 2010)
Dentro do contexto acadêmico e social da cidade de Salvador, à época, o projeto de
implantação de uma faculdade de filosofia era ambicioso. A cidade contava com poucas
instituições de ensino superior: as Faculdades de Medicina e de Direito; as Escolas: Politécnica,
Agronômica11 e de Ciências Econômicas; além de Farmácia e Odontologia, que eram anexas à
Faculdade de Medicina. Até o censo da época, havia apenas 4.698 graduados. (SIMÕES, 1990,
p.23-24). Nesse contexto de baixa oferta de cursos de nível superior, a FFB privilegiou as áreas
de Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia, com o objetivo de preparar professores para o ensino
secundário. Para isso, criou os cursos de licenciatura e bacharelado em Pedagogia, Filosofia,
Matemática, Física, Química, História Natural, Geografia e História, Ciências Sociais, Letras
Clássicas, Letras Neolatinas, Letras Anglo-Germânicas. (ROCHA, 2016a; NASCIMENTO,
1987)
Para compor o corpo docente, o diretor Isaías Alves convidou profissionais baianos,
leigos e religiosos. Isaías foi criticado por ter escolhido um corpo docente sem formação para
o magistério e sem poder incluir os integrantes do grupo de Anísio Teixeira, que haviam
declinado do convite12. Estavam ausentes, também os “[...] livres pensadores, agnósticos ou
socialistas [que] sequer foram cogitados[...]”. (SIMÕES, 1990, p. 25) Embora Alves tenha
negado quaisquer preferências pessoais, para Simões, que foi professor de filosofia e diretor da

11
Em 1944, o curso superior de agronomia transferiu-se para a cidade de Cruz das Almas, Bahia.
12
As querelas, pontos de aproximação e desencontros entre Isaías Alves e Anísio Teixeira foram abordados por
SILVA, V. M. No embalo das redes: cultura, intelectualidade, política e sociabilidades na Bahia (1941-1950).
2010. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 2010.
74

FFCH (1980-1984), a configuração do recém formado corpo docente trouxe prejuízos à FFB,
sanados com a realização de concursos públicos posteriores. Não podendo precisar se por
problemas de ordem financeira ou se por interesse em compor um grupo com a intelectualidade
local, Isaías Alves, de todo modo, estimulou a convivência da instituição com a presença de
eruditos que ministraram conferências, cursos e palestras, a exemplo dos professores Emílio
Mira y López, Bella Szekely e Helena Antipoff, ainda na década de 1940. (SIMÕES, 1990;
SENNA, 1999; SILVA, 2010; SALLES, 2010)
A primeira sede da FFB foi cedida pelo Governo do Estado através de um comodato com
a Interventoria. Estava localizada na antiga Escola Normal da Bahia, à Avenida Joana Angélica,
n.183 (atualmente nº 1.312), no Bairro de Nazaré, na capital da Bahia. A sede era formada por
um antigo edifício central de três andares e mais sete pavilhões térreos, com área externa.
Porém, a FFB teve que aguardar do ano de 1941 até 1944 para se instalar, pois o prédio estava
emprestado ao Exército. Nesse período ficou alocada provisoriamente na Faculdade de Ciências
Econômicas, situada na Praça da Piedade. (SIMÕES, 1990)
Em 1946, a FFB foi integrada à Universidade da Bahia (UBA)13, juntamente com a
Faculdade de Medicina e suas Escolas Anexas de Odontologia e Farmácia, a Faculdade de
Direito, a Escola Politécnica e a Faculdade de Ciências Econômicas. A UBA teve como
fundador e primeiro reitor, o médico e professor Edgard do Rego Santos, que se manteve no
cargo ao longo de quatro gestões consecutivas (1946-1961). Em 1965, a UBA passou a ser
denominada Universidade Federal da Bahia – UFBA14. (TOUTAIN; SILVA, 2010)
A Cidade da Bahia, como se referem moradores mais antigos, passou por importantes
transformações, a partir desse período. No dizer do antropólogo Antônio Risério (2000),
Salvador, que nunca foi uma cidade “enclausurada ou circunscrita”, que sempre foi “ventilada
e colorida”, tem uma história de intensa agitação e modernização cultural, conjugada a um
processo de expansão econômica e atualização urbano-industrial. Essa conjunção gerou um
dinamismo de vanguarda à Bahia, cosmopolita e inovador, de agregação de culturas
internacional e local, que circulou em meio à juventude universitária baiana, desembocando no
Cinema Novo, na Tropicália e outras produções culturais. Em 1950, havia 417 mil habitantes
em Salvador, crescimento significativo para uma década, pois em 1940 eram 290 mil habitantes.
O aumento populacional se deu em função do aumento expressivo do fluxo migratório, elevação

13
A Universidade da Bahia foi criada em 8 de abril de 1946, através do Decreto-lei nº 9.155 e foi federalizada por
meio da Lei nº 1.254, de 4 de dezembro de 1950.
14
A partir da Lei nº 4.759, de 20 de agosto de 1965, as Universidades e as Escolas Técnicas da União, vinculadas
ao Ministério da Educação e Cultura, sediadas nas capitais dos Estados, passaram a ser qualificadas de federais.
75

da taxa de natalidade e redução nos níveis de mortalidade. Nessa época, o principal meio de
transporte era o bonde que ligava os bairros ao centro da cidade, onde ficava a tradicional e
elegante Rua Chile, com seus cafés e lojas caras e sofisticadas. Subindo a Rua Chile, chegava-
se à Sorveteria Cubana e podia-se apreciar a vista da Baia de Todos os Santos ao lado do
Elevador Lacerda. A Avenida Oceânica estava em construção e o Estádio da Fonte Nova havia
sido entregue no ano anterior. A Universidade da Bahia dinamizou a vida cultural e várias
inovações nas artes aconteceram com o protagonismo de profissionais destacados
internacionalmente trazidos a Salvador para implementar as Escolas de Teatro, de Música e de
Dança. O cinema ganhou espaço na cidade, especialmente a partir do Clube de Cinema da Bahia
(CCB), fundado pelo crítico cinematográfico Walter da Silveira. Em 1962, Glauber Rocha
lançou Barravento, seu primeiro longa-metragem. O cineclube Walter da Silveira, a Casa da
França, o Teatro Vila Velha e o Museu de Arte Moderna da Bahia foram instituições que
investiram na divulgação das artes em Salvador. Foi um período de renovação também no
campo da educação pública. Anísio Teixeira deixou um legado importante para a educação,
criando uma escola modelo, enquanto era secretário de Educação e Cultura (1947-1951) do
governo de Otávio Mangabeira. O Colégio Estadual da Bahia (Central) era, reconhecidamente,
um dos melhores colégios da cidade, disputado pelos melhores alunos e agregava espetáculos
culturais, que reunia a juventude da época. (RISÉRIO, 2000)
No âmbito econômico, o Estado da Bahia − que até então vivia às custas de um modelo
agroexportador, com concentração de riqueza e profunda desigualdade social − a partir da
década de 1960, passou por mudanças, com o projeto de modernização pensado para o Estado,
possibilitando que a Bahia ingressasse, decisivamente, no movimento de expansão industrial
brasileiro, integrando a economia local ao processo de crescimento nacional da década de 1960,
encerrando o longo período de decadência e estagnação da economia baiana, iniciado no século
XIX.

Nesse período, foram realizados alguns investimentos estatais em


infraestrutura (por exemplo, BR-116 (Rio-Bahia), Hidrelétrica de Paulo
Afonso), porém, os marcos decisivos para essas mudanças foram a localização
de reservas petrolíferas no Recôncavo baiano, o início das atividades de
prospecção e extração do óleo, a instalação da Refinaria Nacional de Petróleo
em Mataripe, em 1950, e a fundação da Petrobrás em 1953. Esses
investimentos, por sua vez, induziram uma série de outras atividades, tanto na
área industrial, quanto nas áreas comerciais e culturais. (DIAS, 2005, p. 129)

Com o golpe de 1964, as universidades brasileiras sofreram perseguição, vigilância e


repressão. Do ponto de vista estrutural, porém, um dos grandes baques sofridos pela FFB veio
76

depois da Reforma Universitária, em 1968, com a perda de dez cursos de graduação. A


Faculdade ficou apenas com Filosofia, Ciências Sociais e História, fato que, somado à
precariedade de suas instalações e baixos recursos orçamentários, chegou a ameaçar sua
existência. A abertura do curso de Psicologia, nesse mesmo ano, agregou valor à agora
denominada Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH), dinamizando a instituição a
partir da grande demanda de alunos interessados no novo curso. (ARAPIRACA,1979;
NASCIMENTO, 1987; SIMÕES, 1990; MARTINS, 2009)
Em 1969, a FFCH se mudou para sua segunda sede, na antiga FMB no Terreiro de Jesus.
A transferência provocou muita polêmica, não sendo aceita e considerada inconveniente pelo
pessoal da Medicina. Ademais, as instalações eram precárias e as condições de funcionamento
tinham inconvenientes de ordem sanitária, pois, além do matagal no jardim interno, parte do
telhado estava destruído, além do que foram encontradas ossadas de fetos e o cheiro de carne
humana não era raro, talvez pelo fato do Instituto Médico Legal (IML) funcionar no prédio ao
lado.
A transferência para a terceira sede ocorreu em 1974, agora, de modo definitivo. O local,
situado na Estrada de São Lázaro, bairro da Federação, possuía uma grande e bucólica área
verde com um antigo casarão que havia sido originalmente o noviciado e casa de retiro das
irmãs Ursulinas, posteriormente adquirido pelo MEC, na gestão do ministro Clemente Mariani,
para instalação do Centro Regional do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (CRINEP).
E mais uma vez, a FFCH enfrentou condições precárias, com problemas de segurança,
infraestrutura, iluminação e transporte. (NASCIMENTO, 1987; SIMÕES, 1990; SENNA,
1999)
Foi nesse contexto de formação da Faculdade de Filosofia que a psicologia passou a ser
aplicada no campo da educação superior na Bahia e voltada para a formação de professores. De
fato, a FFB havia sido criada para formar professores do Ensino Médio e Fundamental e seus
cursos de licenciaturas viriam suprir uma carência, pois não existiam faculdades para esse fim
na Bahia. Isaías Alves que já possuía uma trajetória no campo psicológico e educacional
anterior à fundação da FFB, defendia a causa e reconhecia a necessidade de capacitar
professores.
Isaías Alves é lembrado como fundador da FFCH, por sua importância para a
institucionalização de vários campos científicos na Bahia e, ainda, por suas posições políticas,
ideológicas e religiosas, como católico fervoroso, nacionalista extremado e integrante, em uma
77

fase de sua vida, do Movimento Integralista Brasileiro15. (DIAS, 2005; ROCHA, 2016a) Aqui,
nos cabe salientar a contribuição de Isaías Alves para a História da Psicologia e da Educação
no Brasil. Rocha (2010, 2011) organizou e analisou a documentação que compõe o acervo
pessoal de Isaías, tendo investigado a trajetória e as experiências realizadas por ele, com a
psicometria e os testes de inteligência, nas escolas primárias. Reconhecido como pioneiro,
contribuiu fortemente para o desenvolvimento da Psicologia enquanto ciência, investigando
sobre o uso de psicotestes e medidas psicológicas, tendo desenvolvido metodologia de pesquisa
em estudos longitudinais do desenvolvimento infantil. (LOURENÇO FILHO, 1971; CAMPOS,
2001; ROCHA; MORAES; CARVALHO, 2010)
Isaías Alves (1888-1968) nasceu no interior da Bahia, na cidade de Santo Antônio de
Jesus, onde viveu até 1903, ano em que se mudou para a capital baiana, a fim de cursar o
secundário no Colégio Carneiro Ribeiro. Em 1905 já começou suas atividades na docência,
atuando como professor primário no Ginásio Ypiranga, o qual passou a dirigir a partir de 1911,
um ano após se diplomar pela Faculdade de Direito. Ocupou vários cargos e ao longo de sua
vida profissional passou por várias instituições. Fez concurso para professor secundário no
Ginásio da Bahia16, defendendo a tese Da fonética inglesa, ali permanecendo até 1931, quando
foi transferido para a cátedra de Psicologia Educacional da Escola Normal da Bahia17. Assumiu
a Diretoria Geral da Instrução Pública da Bahia e foi nomeado para o Conselho Nacional de
Educação (CNE), entre 1931 e 1958. Foi convidado por Anísio Teixeira, diretor geral da
Instrução Pública, a assumir a direção do Serviço de Testes e Medidas Escolares do Distrito
Federal (1932-1935). No governo de Getúlio Vargas, entre 1933 a 1938, assumiu a chefia do
Serviço de Testes e Escalas do Instituto de Educação do Rio de Janeiro e desempenhou funções
técnicas no Departamento Nacional de Educação. (ANTUNES; ROCHA, 2001; SILVA, 2010;
RABELO, 2017)

15
O Integralismo foi um movimento que formou um partido político, surgido no Brasil na década de 1930 e
influenciado pelos ideais e práticas fascistas que se desenvolveram na Europa após o fim da I Guerra Mundial. O
movimento de extrema-direita foi fundado com o nome de Ação Integralista Brasileira (AIB), em 1932, quando o
jornalista Plínio Salgado lançou o Manifesto de Outubro. O lema do Integralismo “Deus, pátria e família” serve
como ponto de partida para se entender as propostas do movimento que ficou conhecido como o fascismo
brasileiro.
16
O antigo Ginásio da Bahia é uma tradicional escola de ensino médio localizada no centro de Salvador. Foi criado
pelo ato n. 33, publicado no Diário Oficial do Estado da Bahia em 7 de setembro de 1837, inaugurando o ensino
secundário na Bahia. Em 1949 foi designado oficialmente Colégio Estadual da Bahia - Central. Disponível em:
http://www.bvconsueloponde.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=145 Acessado em 31 ago
2020.
17
Em 1890, a Reforma Benjamin Constant introduziu noções de psicologia junto à disciplina de Pedagogia no
currículo das Escolas Normais.
78

Foi, provavelmente, a primeira pessoa a utilizar testes psicológicos na Bahia, integrando-


se ao movimento nacional de disseminação do uso de testes psicológicos no campo educacional.
A partir de seus estudos com aplicação de testes em escolares na Bahia, Isaías publicou livros
e artigos nos quais defendeu a utilização dos testes na organização das classes escolares, a partir
da distinção do Coeficiente de Inteligência dos alunos. Elaborou a adaptação brasileira das
provas de Binet-Simon, para uso com crianças e adolescentes, na faixa etária entre 3 a 18 anos,
que publicou, em 1926, nos Annais Médico-Sociaes da Bahia. No livro Teste Individual de
Inteligência18, o educador apresentou os resultados da aplicação do Teste de Inteligência de
Binet – Simon – Burt em 2.463 alunos de escolas públicas e particulares através do Centro de
Pesquisas Psicopedagógicas do Gymnasio Ypiranga – Bahia. Em 1930, publicou o livro Os
testes e a reorganização escolar19. Isaías credita ao livro Tests, de Medeiros e Albuquerque20,
publicado em 1924, e do qual tomou conhecimento no mesmo ano, o contato com vários títulos
de obras estrangeiras e que buscou adquirir de pronto, passando em seguida ao seu estudo.
(ROCHA; MORAES; CARVALHO, 2010; SOARES, 2010; BARBOSA, 2011; ROCHA,
2011; RABELO, 2017)
Entre junho de 1930 e maio de 1931, Isaías frequentou o Master of Arts e se graduou
como Instructor of Psichology pelo Teachers College, Columbia University - TC/CU, curso
destinado aos que “[...] pretendiam lecionar psicologia nos departamentos de educação de
universidades, faculdades de formação de professores ou escolas normais”. (RABELO, 2017,
p. 7) Ao retornar do mestrado nos Estados Unidos, ele apresentou um relatório da viagem que,
em 1933, foi publicado pela Imprensa Nacional no Rio de Janeiro, com o título Da Educação
nos Estados Unidos21. Durante seu mestrado, Isaías teve como professores Arthur I. Gates
(Curso Profissional para instrutores de psicologia e Diagnóstico e tratamento de anormalidades
em estudos do ensino primário); Goodwin Watson (Curso de Psicologia educacional); Arthur
Gates (Curso de Psicologia educacional adiantada); Rudolph Pintner (Curso de Testes mentais
e educacionais); William McCall (Curso de Mensurações na educação elementar); e Edward L.
Thorndike22 (Curso de Psicologia das matérias do ensino primário). (RABELO, 2017)

18
ALVES, Isaias. Teste individual de inteligência. Salvador: Officinas Graphicas da Luva. 1928.
19
ALVES, Isaias. Os Testes e a reorganização escolar. Salvador: A Nova Graphica, 1930.
20
Medeiros e Albuquerque foi Diretor da Instrução Pública e organizou um Laboratório de Psicologia Experimental
em 1906.
21
ALVES, Isaias. Da educação nos Estados Unidos (relatório de uma viagem de estudo). Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1933.
22
Edward L. Thorndike foi um psicólogo estadunidense, considerado um dos precursores da psicologia educacional
e com posição de destaque no Teachers College da Columbia University. Foi professor de Isaías e referência
constante nos outros cursos que ele frequentou durante o mestrado. Geralmente classificado como psicólogo
79

Na FFB, Isaías Alves, além de diretor, era o professor catedrático de Psicologia


Educacional e ministrava as disciplinas nas licenciaturas e no curso de Pedagogia, com
conteúdo voltado para a aplicação da Psicologia à Educação e ênfase em psicometria, psicologia
do desenvolvimento e psicologia da aprendizagem23. Além da cadeira de Psicologia
Educacional, havia uma segunda cátedra de Psicologia, exclusivamente para o curso de
Filosofia, que era ministrada pelo professor e médico psiquiatra João Inácio de Mendonça24.
João Inácio Mendonça (1903-1969) foi empossado no cargo de professor catedrático de
Psicologia da FFB pelo diretor Isaias Alves, em 194225. Na FFB, foi também membro do
Conselho Técnico Administrativo, como representante da seção de Filosofia, que se
transformou em Conselho Departamental em 1950 e Coordenador do curso de especialização
em Orientação Educacional26. Seu ingresso na FFB foi fruto de uma dinâmica e influente
trajetória no campo médico psiquiátrico na Bahia. Formou-se em 1926 pela Faculdade de
Medicina da Bahia, berço de outros grandes nomes da medicina da Bahia, como Arthur Ramos
(1903-1949) e Afrânio Peixoto (1876-1947). (ANTUNES, 2001; PENNA, 2001) Atuou como
médico perito criminológico num período em que a Medicina Legal detinha um forte aparato
institucional, prerrogativa legal de legitimidade social advindas dos médicos legistas que o
precedeu, em especial Nina Rodrigues. João Inácio dirigiu o manicômio do Estado Hospital
Juliano Moreira (1938 a 1947). Foi Médico-chefe da Penitenciária do Estado da Bahia (1926 a
1940), Diretor do Instituto de Criminologia (1935 a 1938) e membro suplente do Conselho
Penitenciário (1934-1940). Participou de diversas sociedades profissionais. Consta no seu
currículo uma lista de 124 trabalhos, em sua maioria, perícias, laudos, pareceres, relatórios e

conexionista, seus estudos se voltavam principalmente aos testes de inteligência e processos de aprendizagem,
dedicando especial atenção ao ensino de inglês e de matemática a partir de metodologias com bases psicológicas.
Um de seus trabalhos considerados mais importantes, citado por Isaias no relatório de viagem, são os três volumes
intitulados Educational Psychology, publicados entre 1913 e 1914. (RABELO, 2017)
23
Algumas mudanças na legislação haviam favorecido a incorporação de disciplinas de Psicologia no programa
dos cursos de licenciatura, a partir da década de 1940: o Decreto-Lei nº 9.092, de 26.03.1946, que estabeleceu a
obrigatoriedade do curso de Psicologia Aplicada à Educação para o diploma de licenciado; e a Portaria nº 272, de
13.04.1946, emitida pelo Ministério da Educação e Saúde que regulamentou os diplomas de especialização,
inclusive o de psicólogo. (SOARES, 2010)
24
Foram encontrados alguns trabalhos acadêmicos que grafam o nome do professor como João Ignácio. Adotamos
a grafia João Inácio, sem a letra G, que é a mesma encontrada no seu registro funcional da UFBA, existente nos
arquivos da FFCH.
25
Termo de Posse do professor João Inácio de Mendonça, extraído do Livro de Posse, fl. 1, verso – Corpo Docente.
Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
26
De acordo com a LDBE/61 - Lei nº 4.024 de 20 de Dezembro de 1961, Art. 63: Nas faculdades de filosofia será
criado, para a formação de orientadores de educação do ensino médio, curso especial a que terão acesso os
licenciados em pedagogia, filosofia, psicologia ou ciências sociais, bem como os diplomados em Educação Física
pelas Escolas Superiores de Educação Física e os inspetores federais de ensino, todos com estágio mínimo de três
anos no magistério; Art. 64. Os orientadores de educação do ensino primário serão formados nos institutos de
educação em curso especial a que terão acesso os diplomados em escolas normais de grau colegial e em institutos
de educação, com estágio mínimo de três anos no magistério primário. (Revogado pela Lei nº 5.692, de 1971).
80

boletins, dentre outros documentos, que demonstram atuação efetiva no conselho penitenciário
da Bahia. (COSTA, 1997; CARVALHO, 2001; SILVA, 2010) Em sua atividade profissional,
como médico perito da Penitenciária do Estado da Bahia, Joao Inácio de Mendonça seguia os
postulados da Biotipologia Criminal. Possuindo boas relações com os biotipologistas cariocas,
em 1933 escreveu o livro Biotipologia Criminal27, com o endocrinologista Waldemar
Berardinelli, considerado uma das referências do estudo da biotipologia. Em 1934, publicou o
artigo A escola biotipológica em criminologia.

Criada por volta de 1920 pelo biólogo alemão Ernest Kretschmer, a


biotipologia representou até os anos 50 uma espécie de antropologia criminal
neolombrosiana, na medida em que buscava uma conciliação entre o
organicismo de Lombroso e a vertente sociológica de seus opositores, como
Alexandre Lacassagne e Gabriel Tarde. Segundo Kretschmer, portanto, seria
possível classificar os indivíduos com base na sua constituição geral, partindo
de categorias definidas não só em função de caracteres antropométricos
(craniofaciais, por exemplo), antroposcópicos (cor da pele, etc.) e fisiológicos
(como as funções muscular e cerebral), como também de acordo com um
conjunto de particularidades psicopatológicas. Constrói-se, dessa forma,
quatro grandes tipos morfológicos (ou biótipos, somatótipos, etc.), a partir dos
quais far-se-ia o enquadramento de toda a humanidade: os tipos asteno
longuilíneo ou leptossômico, pícnico atlético e displástico (COSTA, 1997,
p.157)

Ademais, João Mendonça exercia, desde 1935, o cargo de professor das cadeiras de
Psicologia, Lógica e Ética e de Sociologia do curso superior em Administração e Finanças da
Faculdade de Ciências Econômicas da Bahia, que passou a acumular com a cátedra de
Psicologia da FFB que ingressou em 194228. João Mendonça concorreu, em 1946, à vaga de
professor catedrático de Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina da Bahia, em que saiu
vitorioso o professor Nelson Pires.
Novas configurações políticas ocorreram no campo da psicologia e, a partir da década de
1950, grupos nacionais começaram a se organizar em prol da regulamentação da profissão de
psicólogo. João Mendonça acompanhava os debates e participava do movimento nacional e de
eventos organizados em outros Estados, como o I Congresso Brasileiro de Psicologia, que
recebeu também a denominação de II Congresso Latino-americano de Psicologia, realizado em

27
BERARDINELLI, W; MENDONCA, J. I. de. Biotipologia criminal. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1933. 183
p.
28
Ambas as faculdades foram federalizadas de acordo com a Lei 1.254 de 04.12.1950, com a denominação
Universidade da Bahia – UBA.
81

1953, no Rio de Janeiro, e integrou a comissão de elaboração do anteprojeto de regulamentação


da profissão. (BAPTISTA, 2010)

[...] a ambição de unificar a psicologia, definindo-a como ciência e profissão,


teve como motor um conjunto de práticas psicológicas que já eram exercidas
nos anos 50 e 60 do século XX, sem que houvesse uma “base científica” que
as legitimasse. Eram, portanto, práticas não científicas, que corriam o risco de
se confundir com o charlatanismo. Assim, a definição da psicologia como
profissão e como ciência visava fornecer um marco legal as práticas
psicológicas, separando a ciência do senso comum. (CORREA DA
FONSECA, MORAES, 2012, p. 72)

João Mendonça vislumbrou, nesse cenário, a possibilidade de encampar um projeto de


formação do curso de psicologia na Bahia que beneficiaria, de imediato, seus alunos e futuros
graduados do curso de Filosofia. O extenso e detalhado programa de curso, que apresentou ao
Conselho Departamental, dá provas de sua preocupação com a preparação dos alunos de
filosofia para atuarem profissionalmente com a psicologia. O conteúdo programático estava
organizado no modelo seriado, adotado, então nas universidades brasileiras, conforme mostra
o Quadro 1 a seguir:

Quadro 1 - Programa anual de Psicologia para o curso de Filosofia da FFB - 1957

Série Conteúdo programático

1ª Psicologia da Personalidade: Breve histórico da psicologia da personalidade. Conceito,


origens e desenvolvimento. Determinismos dos atos humanos. Técnicas de investigação
da personalidade. Classificação dos tipos de personalidade.
Personalidades: viscerotônicas, ciclotímicas, somatotônicas, passionais, cerebrotônicas,
esquizotímicas, emotivas, imaginativas, compulsivas, histriônicas, antissociais,
intrassociais, outros tipos.
Aplicações às personalidades normal, fronteiriça e patológica. Reajuste e higiene da
personalidade. Dinamismo de ajustes da personalidade. Problemas atuais da psicologia
da personalidade.
2ª Psicologia Geral: Conceito atual de Psicologia Geral e seu entrosamento com as
Ciências Sociais. Técnicas de investigação das funções mentais. Classificação dos fatos
psicológicos.
Conceito de afetividade. Tônus afetivo e personalidade. Emoções e personalidade.
Sentimentos e personalidade.
Conceito de afetividade. Tônus afetivo e personalidade. Emoções e personalidade.
Sentimentos e personalidade.
Conceito de Atividade. Reflexo e personalidade. Tendências ou inclinações instintivas e
personalidade. Hábitos e personalidade. Lições e personalidade. Caráter e personalidade.
82

Conceito de inteligência. Sensopercepção e personalidade. Atenção e personalidade.


Memória e personalidade. Imaginação e personalidade. Ideação e personalidade.
Associação e personalidade. Juízo e personalidade. Raciocínio e personalidade.
Pensamento e personalidade.
Expressão e personalidade. Linguagem e Personalidade. O consciente, o Inconsciente e
a personalidade.
3ª Psicologia Social: Conceito e relação com a biologia, psicologia, sociologia e economia.
Níveis da psicologia social e sua classificação. Técnicas de investigações.
Condicionamento da vida psicossocial: históricas, geográficas, biológicas, econômicas,
culturais e situacionais. Biomotivos, psicomotivos e sociomotivos. O fato social e seus
critérios. O processo de interação: psicológicos, psicossociais e sociais. Comunicação e
suas modalidades: a linguagem, o papel da identificação, faculdades da comunicação. As
migrações. As minorias. O estudo das opiniões e os boatos. Os prejuízos sociais. A
publicidade, a propaganda e a censura. As multidões. Psicossociologia das organizações
sociais (profissionais, econômicas, políticas etc.).
Definição, classificação e metodologia dos grupos restritos. Formação, estrutura e
funcionamento dos pequenos grupos. Interação em grupos restritos. Clima social e moral
do grupo: conflitos e tensões no seu interior. Os fatos da direção (liderança), dirigentes e
dirigidos. Interação grupal, conflitos e defesa dos grupos restritos. A família, as condutas
sociais e o casamento, parentes e crianças. O grupo de trabalho. Outros grupos restritos.
Desenvolvimento da sociabilidade, socialização e formação da personalidade. A
identificação e a formação do comportamento econômico e moral. Vida social e
afetividade. Vida social e inteligência. Fracassos da socialização: o delinquente. O
processo da ressocialização.
Status e papel individual nos grupos, consciência de classe. As atitudes: aquisição,
medida, mudança e persistência. independência. Autoridade e submissão. Simpatia e
antipatia. Conjunção e disjunção. As necessidades humanas. As frustrações e agressões
na conduta humana.
4ª Aplicações da psicologia e as escolas psicológicas. Aspectos psicossociais na produção,
na circulação, na repartição, no consumo, no bem-estar. Orientação e seleção
profissional. Desajustes e reajustes profissionais. Contribuição da Psicologia à Indústria,
Comércio, Serviço público e ao trabalho em geral.
Aplicações da Psicologia à criminologia: Delinquência infantil. A delinquência no
adolescente. A delinquência no adulto e no velho. Contribuições da Psicologia à
prevenção e ao reajuste da delinquência.
Aplicações da Psicologia aos casos fronteiriços com a normalidade: Problemas.
Frustrações. Conflitos. Psiconeuroses. O tratamento por meios psicológicos
(psicoterapia).
As escolas psicológicas de maior interesse atual: A psicologia social; A psicologia da
personalidade. A psicologia gestáltica. A neo-psicanálise. A psicologia reflexológica e
neo-condutista.
A pesquisa em psicologia: A formação e a informação do pesquisador. Laboratórios e
Institutos de Psicologia. Cursos e Faculdades de Psicologia. Técnicas especiais de
pesquisa. Normas de pesquisa e sua apresentação. Exercícios de pesquisa. Doutorado,
especialização e aperfeiçoamento.
Fonte: Ata do Conselho Departamental de 09.11.1956
83

Esse detalhado e extenso programa de curso proposto para ser ministrado aos graduandos
de filosofia, demonstra, por si só, o empenho do professor catedrático João Mendonça em
capacitar os alunos de Filosofia acerca das teorias e técnicas psicológicas. O programa era
distribuído ao longo dos quatro anos da graduação, e, em cada série (ano letivo) o conteúdo foi
detalhado, não só em tópicos gerais, mas, também em subtópicos. O programa do curso previa,
também, atividades práticas durante os quatro anos do curso, com exercícios de observação
psicológica, pesquisa bibliográfica, entrevistas e questionários, excursões e visitas, preparação
de fichários e uso de psicotestes de avaliação de personalidade, inteligência e funções mentais,
com uso dos psicotestes: Teste de Rorschach, Teste de Apercepção Temática (TAT), Teste das
Matrizes Progressivas de Raven e Escalas de Wechsler.
Desse modo, a inserção da psicologia no campo da educação na FFB contribuiu para a
formação dos primeiros profissionais da psicologia. Os licenciados começaram a atuar
profissionalmente em setores como a educação, trabalho e clínica, ocupando um mercado de
trabalho carente de profissionais de psicologia. No período, o uso de psicotestes era dominante
e um instrumento privilegiado que demarcava o campo de atuação no cenário baiano. A criação
do curso de psicologia seria o caminho promissor para a continuidade de profissionalização
desse segmento.
João Mendonça trouxe como justificativa no seu projeto de formação do curso, a extinção
do charlatanismo e do estelionato profissional de pessoas que exerciam a psicologia sem
idoneidade moral. A preocupação com o charlatanismo estava presente nesse momento da
regulamentação da profissão, como demonstra o Parecer nº 403/1962 do Conselho Federal de
Educação29, documento que fixou o Currículo Mínimo de psicologia.

[...] é preciso que desde logo se procure elevar esse curso a um nível de
qualificação intelectual e de prestígio social que permita aos seus diplomados
exercer os misteres do trabalho psicológico de modo eficaz e com plena
responsabilidade. Para isto, é imperativo que se acentue o caráter científico
dos estudos a serem realizados, que só assim há, de ser possível assegurar a
Psicologia, a posição de relevo que lhe cabe no concerto das chamadas
profissões liberais e, pari passu, evitar as improvisações que, do
charlatanismo a levariam, fatalmente ao descrédito. (BRASIL, 1962)

29
BRASIL. Ministério da Educação. Parecer nº 403 do CFE, de 19 de dezembro de 1962. Dispõe sobre o
currículo mínimo dos cursos de Psicologia. Disponível em: http://abepsi.org.br/wp-content/uploads/2011/07/1962-
parecern403de19621.pdf. Acesso em: 24 abr. 2020.
84

Conforme descreveu também no projeto do curso, Mendonça pretendia gerar novas


oportunidades de trabalho para os diplomados pela Faculdade de Filosofia e proporcionar
capacitação profissional no âmbito regional, pois o curso da FFB seria o primeiro da região
Nordeste e atenderia uma grande demanda, não só local, mas também de outros Estados.
Ocorre, porém, que a institucionalização do curso de psicologia na FFB, desde as
primeiras tentativas de efetivação de um projeto de formação do curso, sofreu reveses, atrasos
burocráticos e tentativas de obstrução do prosseguimento para sua instalação no início da
década de 1960, conforme almejava seu idealizador. João Mendonça refere-se a “resistências
da reitoria e diretorias”, “luta contra o tradicionalismo de diretores e professores” e até uma
“longa hibernação” do processo, por parte de um conselheiro relator.
Malgrado as várias tentativas feitas por Mendonça, que encampou o projeto, a criação do
curso de graduação em Psicologia, na FFB, levou um longo período para ser aprovado. Em
documento encaminhado à direção da Faculdade de Filosofia, em 30 de novembro de 1961, ele
solicitou providências para que o curso fosse iniciado em 1962. A essa correspondência, João
Mendonça anexou duas laudas com a proposta de organização do curso, apresentando os
fundamentos sociais e profissionais que justificariam a graduação e dando outras informações
sobre processo de seleção e as disciplinas a serem ministradas na 1ª série, dentre outros dados
sobre local, professores e coordenação do curso. Ratificou que todos os anexos necessários,
como projeto e orçamento, já haviam sido apresentados30.
Não podendo afirmar, se por razões políticas ou por interesses corporativistas, Carvalho
(1979b) registra em sua dissertação que, no final da década de 1950, qualquer pretensão de
criação de um curso autônomo de psicologia, que se pretendesse criar na então FFB, não seria
aceita pelo reitor Edgard Santos, que se posicionava de modo politicamente contrário aos
professores catedráticos Isaías Alves e João Mendonça. A divergência entre Isaías Alves e
Edgar Santos foi analisada por alguns pesquisadores como algo do campo da disputa pessoal e
também política e parece ter tido consequências financeiras para a FFB, sempre carente de
recursos que a reitoria direcionava para importantes projetos no campo da cultura e
desenvolvimento regional em áreas diversas às Ciências Humanas. (DIAS, 2005; SILVA, 2010;
RISÉRIO, 2013)

30
Projeto protocolado sob o número 4252 e fl. 141 do livro 5 do protocolo da porta em 30.11.1961. Fonte:
Arquivo CAD/UFBA.
85

Carvalho (1979b) pondera sobre as resistências e disputas de ordem política e


mercadológica, a começar pela própria Faculdade de Filosofia, onde o curso seria instalado31.
Um episódio que demonstra a preterição de João Mendonça dentro da própria FFB ocorreu em
1966, quando o diretor e professor Thales de Azevedo, publicou o Edital nº 1032, constituindo
uma comissão, para tratar, em regime de urgência, sobre a instalação do curso de psicologia. A
comissão era composta pelos professores Antônio Pithon Pinto, do Departamento de Pedagogia
e Didática, Auto José de Castro, do Departamento de Filosofia, e Joaquim Batista Neves, do
Departamento de Ciências Sociais. Além de excluir João Mendonça, o diretor solicitou que a
comissão opinasse sobre as providências a serem adotadas para a realização do curso tais como:
a regência das disciplinas; o material didático e equipamentos necessários aos gabinetes de
natureza experimental; as matérias do concurso de habilitação; a execução das providências e
medidas, assim como a respeito do exercício da coordenação do curso. Elegante e corretamente,
o professor Auto José de Castro declinou da indicação e sugeriu o nome de João Inácio de
Mendonça para substituí-lo33.
Também no âmbito da reitoria e do Conselho Universitário, dominado pelas escolas
tradicionais: Medicina, Direito e Politécnica, havia resistência a João Mendonça. (ROCHA;
MORAES; CARVALHO, 2010) Conforme Carvalho (1979b), o professor João Mendonça
contava com uma disposição pouco favorável a seus propósitos, o que foi capitalizado por
outros catedráticos, principalmente de psiquiatria da Faculdade de Medicina, que desejavam
chamar para aquela faculdade a formação psicológica.
O fato é que o processo de implantação e consolidação do curso de psicologia na
Universidade Federal da Bahia só ocorreu no final da década de 1960, depois de quase uma
década de intensas tratativas burocráticas para sua efetivação. Mas, de todo modo, ao longo
dessas duas décadas, entre a fundação da FFB e a criação do curso de psicologia, foram sendo
gestadas as bases de uma futura disciplina autônoma de psicologia e a formação dos futuros
profissionais que se capacitariam para atuar no campo psicológico na Bahia, na sua fase inicial.
É exatamente em termos de capacitação que o Instituto de Orientação Vocacional (IDOV)
se mostrou como um espaço privilegiado para a psicologia aplicada à educação e ao trabalho

31
De acordo com o Art. 1º do Capítulo I da Lei 4.119, de 27.08.1962, que dispôs sobre os cursos de formação em
psicologia e regulamentou a profissão de psicólogo, “A formação em Psicologia far-se-á nas Faculdade de
Filosofia em curso de bacharelado, licenciado e Psicólogo”.
32
Edital nº 10, de 24 de agosto de 1966, da FFCH. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
33
Documento registrado sob nº 5360, fl. 56 do Livro nº 10 de Protocolo de Porta, em 13.09.1966. Fonte: Arquivo
CAD/UFBA.
86

no contexto da realidade baiana, oportunizando a formação profissional dos pioneiros desse


curso, como veremos a seguir.

4.2 O INSTITUTO DE ORIENTAÇÃO VOCACIONAL (1958-1968): CONTRIBUIÇÃO À


FORMAÇÃO DO CAMPO PSICOLÓGICO NA BAHIA

Seguindo a teia construída no tópico anterior, sobre as disputas políticas entre a reitoria e
a FFB, resgatamos a contribuição da pesquisadora e psicóloga Rita Rapold (2003) quando esta
aponta que a criação do IDOV e sua implantação, entre 1958 e 1959, vinculada à Reitoria “[...]
provocou novas e acirrou antigas animosidades entre aqueles que de diferentes formas e ângulos
se dedicavam ao estudo e à prática no campo da psicologia na universidade[...]” e “[...]talvez
tenha sido uma tentativa de contemporizar as disputas internas que existiam na universidade
entre alguns setores ligados à prática psicológica.” (RAPOLD, 2003, p. 99-100) Para a autora,
ficou evidente, a configuração que o Reitor Edgar Santos pretendia implantar no IDOV desde
a primeira reunião do grupo técnico. Além do próprio reitor Edgar Santos e seu oficial de
gabinete Albérico Fraga, estavam presentes Emílio Mira y López34 e suas convidadas Giscele
Mattos e Doreen Rosas, o psiquiatra Norival Sampaio, as professoras assistentes de Isaías
Alves, Guiomar Florence e Alice Costa. (ROSAS, 2001) Como se observa, os professores Isaías
Alves e João Mendonça não estavam presentes. (RAPOLD, 2003). Tais ausências não
coadunam com a trajetória de ambos como docentes de psicologia e na diretoria da FFB, no
caso de Isaías. Como vimos na seção anterior, já se articulava, então, uma luta nacional em prol
da regulamentação da profissão e o professor João Mendonça era um dos seus integrantes, desde
1954, o que revela também a articulação que o professor já fazia em prol da instalação do curso
de psicologia na FFB. (RAPOLD, 2003; BAPTISTA, 2010; CARVALHO, 2012)
Assim, o IDOV foi criado para funcionar como parte integrante da estrutura da
Universidade da Bahia (UBA) e vinculado diretamente à Reitoria. O reitor Edgard Santos
convidou o psiquiatra espanhol Emílio Mira y López (1896-1964) para assumir a direção do
novo Instituto. Em período anterior à instalação do IDOV, no ano de 1955, Mira y López já
havia sido convidado pela Reitoria da Universidade da Bahia e pela Clínica Psiquiátrica para

34
Emílio Mira y López (1896-1946), reconhecido psicólogo e psiquiatra espanhol, deu uma importante
contribuição à psicologia brasileira e de outros países. Destacamos aqui sua atuação como chefe do Instituto de
Orientação e Seleção de Pessoal (ISOP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro e como Diretor do
Instituto de Orientação Vocacional em Salvador. Mira y López influenciou vários profissionais e teve um papel
destacado também durante a regulamentação da profissão e dos cursos de psicologia no país. ((ROSAS, 2001;
SEIDL-DE-MOURA, 2012).
87

ministrar conferências e cooperar com a instalação do Centro de Orientação Infanto Juvenil


(ROCHA, 2018). Conforme a autora, o Centro de Orientação Infanto Juvenil vinculado à
Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas da UFBA, foi o precursor do IDOV.
A implantação do IDOV está fortemente vinculada ao trabalho político e de formação no
campo psicológico, desenvolvido pela Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas da FMB.
Por influência do professor Nelson Pires junto ao Reitor Edgard Santos, o IDOV esteve sob a
direção do psiquiatra Norival Sampaio, que era integrante da CP, o que evidencia uma estratégia
de condução do campo da psicologia para a seara médico-psiquiátrica, ao tempo em que se
afastava o catedrático de psicologia, professor João Mendonça, do seu campo de influência.
(RAPOLD, 2003)
Como primeiro centro de orientação vocacional ligado à Universidade, o IDOV
objetivava atender a população jovem da cidade de Salvador, de forma a auxiliar na escolha da
profissão e em certa medida no acompanhamento e assistência psicológica. A clientela,
diversificada, incluía jovens de vários níveis socioeconômicos, alunos majoritariamente do
nível secundário que buscavam o IDOV com o objetivo de definição profissional. Havia
também alunos de faculdade insatisfeitos com o seu curso. (RAPOLD, 2003)
O professor Mira y López formou uma equipe de ex-alunos da Faculdade de Filosofia
(licenciados e bacharéis em filosofia e pedagogia) dois médicos, um estatístico, três técnicos
em educação, e outros graduados de nível superior. O IDOV passou a funcionar sob a
coordenação de Alice Costa e com a direção técnica do psiquiatra Norival Sampaio. Evidencia-
se, com a direção técnica do psiquiatra Norival Sampaio, a priorização que era dada à psiquiatria
no trato das questões de orientação vocacional, enquanto a presença de assistentes do Professor
Isaías Alves em seu curso de pedagogia, privilegiava conteúdos voltados ao uso de psicotestes
na avaliação psicológica. (RAPOLD, 2003) Os psicologistas e psicotécnicos que aí atuaram,
sob supervisão técnica de Mira y López, fizeram parte da primeira geração de psicólogos
registrados como tal, após a aprovação da Lei 4.112.

As alunas de pedagogia eram maioria. No grupo inicial, apenas Doreen Rosas


era oriunda da filosofia. Mercedes Carvalho, que ingressará no IDOV seis
meses depois, no início dos trabalhos, também tinha origem no curso de
Filosofia. Essa composição do corpo técnico parece evidenciar a não
participação de João Mendonça e seus alunos na criação e instalação desse
Instituto. Considere-se que o diretor técnico era um psiquiatra, de alguma
forma ligado à clínica psiquiátrica e declaradamente ligado ao então reitor
Edgar Santos. Assim, estavam contemplados dois dos espaços universitários
que desenvolviam estudos de psicologia na época, a clínica psiquiátrica do
Hospital das Clínicas e a cadeira de Psicologia para pedagogia e licenciaturas,
da Faculdade de Filosofia, cujo titular era Isaías Alves. Exceção, portanto,
88

apenas para outra cadeira, sob a responsabilidade de João Mendonça.


(RAPOLD, 2003, p.103)

Mira y López desempenhava o papel de supervisor técnico dos casos atendidos pela
equipe de profissionais. Ao longo de seus dez anos de existência, o IDOV capacitou sua equipe
técnica, através de cursos na sede do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), no
Rio de Janeiro, bem como através da participação em eventos com profissionais convidados a
vir a Bahia, promovidos pela CP. Rapold (2003) destaca os cursos com Mariana Alvim -
Técnicas de Entrevista ou Entrevista Social; Matilde Matos - Teste das Pirâmides Coloridas e
Teste de Apercepção Temática (TAT); Aniela Ginsberg - Psicodiagnóstico de Rorschach; e
Monique Augras - Teste da Árvore.
O IDOV atuou nos campos da educação, clínica e seleção profissional. Eram realizadas
entrevistas e aplicação de bateria de testes, tais como testes coletivos de inteligência, de aptidões
e de personalidade.

[...] durante o tempo de funcionamento, o IDOV desenvolveu


fundamentalmente orientação vocacional a população jovem de Salvador.
Houve, porém, algumas diversificações em sua função original e principal.
Para além da chamada a orientação Vital, frequentemente referida pelos
depoentes, que consistia, em última análise, em um atendimento psicológico,
uma orientação ampla que alguns integrantes da equipe técnica do IDOV
prestavam àqueles que no decorrer do processo de Orientação Vocacional
apresentavam essa necessidade, encontramos também, entre as memórias
idovianas, algumas referências a atividades, atribuições e funções diversas da
original e que podemos também considerar como práticas psicológicas.
(RAPOLD, 2003, p.93)

Entre essas funções realizadas pelo IDOV, havia atendimentos e elaboração de laudos
psicológicos para o Serviço Médico da Universidade, readaptação, reclassificação e
reorientação funcional, inspeção de sanidade mental e participação em processos de ingresso
de funcionários. Também realizava convênios de prestação de serviços, através da
Universidade, a outros órgãos do Serviço Público Federal, como a Petrobrás e a Sudene, para
testagem de candidatos em concurso público.

Dada a escassez de serviços de psicologia em Salvador nesse período, o IDOV


acabou por desenvolver também um efetivo atendimento psicológico àqueles
que apresentassem necessidade, a partir de diagnóstico elaborado com base
nos testes usados para orientação vocacional. Essa função secundária
desenvolvida era definida como orientação vital. Assim, o IDOV foi um
importante centro pioneiro na formação e exercício profissional de alguns dos
primeiros psicólogos na Bahia no período de seu funcionamento. (RAPOLD,
2003, p.9)
89

Conforme Dias (2005), a capacidade empreendedora de Edgard Santos estava associada


ao seu forte vínculo político com o Governo Federal, que facilitava o acesso da Universidade a
recursos federais. Com o fim do seu reitorado, o IDOV foi perdendo importância dentro da
universidade. Por sua vez, o novo reitor Alberico Fraga (1961-1964) teve uma gestão de parcos
recursos para investir em instituições acadêmicas e culturais, tão proeminente na gestão
anterior. Em seguida, após o golpe militar de 1964, o papel dos institutos universitários passou
a ser discutido, o que também não favoreceu o IDOV. Em 1968, durante o reitorado do professor
Roberto Santos (1967-1971), médico e filho do ex-reitor Edgard Santos, o IDOV foi extinto no
processo da Reforma Universitária.
Cabe ainda destacar algumas controvérsias sobre o destino do acervo documental do
IDOV. Como dito, o IDOV encerrou suas atividades em 1968, e, nesse período, funcionava no
prédio da Faculdade de Ciências Econômicas, cujo diretor era João Inácio de Mendonça, Todo
o acervo documental do Instituto desapareceu e, apesar dos esforços de professores e
pesquisadores, nunca foi encontrado. A professora Mercedes Carvalho lamentou essa perda,
pois o acervo poderia ter sido destinado ao curso de Psicologia, iniciado naquele mesmo ano.
O desaparecimento dessa rica documentação também é lamentada pelo seu valor histórico, que
poderia contribuir para a construção da história da psicologia na Bahia. (RAPOLD, 2003;
CARVALHO, 2012)
Em depoimento, o psiquiatra Norival Sampaio registra sobre uma busca que fez no porão
do Hospital das Clínicas alguns anos após sua saída do IDOV e que foi informado por
funcionários do hospital, que "deram fim" nos referidos documentos. (RAPOLD, 2003). Não
fica claro o caminho que essa documentação, supostamente, fez, saindo da Faculdade de
Ciências Econômicas, situada na Praça da Piedade, no centro da cidade, e transferida para o
porão do Hospital das Clínicas, no bairro do Canela, onde teria desaparecido.
Alguns documentos conduzem a outras interrogações sobre o destino que teve o acervo
do IDOV. O primeiro deles descreve que o acervo estava disponível para consulta, sob a guarda
de sua diretoria e que as instâncias da Universidade tinham conhecimento e controle sobre o
seu uso e acesso. Isso fica evidenciado em um requerimento de 05 de maio de 1967, feito pelo
professor Manoel Carlos Cavalcanti de Mendonça, ao Diretor da FFCH, solicitando que
reivindicasse ao diretor do IDOV uma permissão para “utilizar os arquivos daquela unidade
universitária para fins de pesquisa no setor de psicologia educacional”35. Por sua parte, o diretor

35
Correspondência registrada na CAD/UFBA sob o nº 4574, às fls 68, do Livro nº 11 de Protocolo da Porta, em
05.05.1967.
90

de FFCH encaminhou Ofício de nº 519/67 de 10.05.1967, dirigido à professora Cidália Dias


Mendez, então a diretora do IDOV, solicitando autorização para que o professor Manoel Carlos
acessasse o arquivo solicitado. (ROCHA, 2001) O segundo documento indica que,
oficialmente, o acervo do IDOV foi destinado ao curso de psicologia que se iniciava, e estava
sob a responsabilidade do Departamento de Psicologia. Numa das primeiras reuniões do
Departamento, realizada em 10 de julho de 1968, foram tomadas algumas decisões sobre o
curso. Essas decisões foram encaminhadas formalmente ao Diretor da FFCH e, dentre elas,
constavam: 1. Redistribuir para o departamento o acervo do IDOV, sobretudo o seu arquivo; 2.
Providenciar a instalação do Laboratório de Psicologia, aproveitando-se material do IDOV36.
O terceiro documento, datado do ano posterior ao segundo, evidencia, mais uma vez que o
acervo do IDOV estava sob a responsabilidade do Departamento de Psicologia, visto que, em
Ata de Reunião de 01 de abril de 1969 consta que foi apreciado o processo, encaminhado pelo
Chefe do Serviço Médico da Universidade, solicitando o material de teor psicológico que teria
vindo do antigo IDOV para o referido Departamento. Contando ainda com a presença do
Diretor do Departamento de Psicologia, João Mendonça, que veio a falecer pouco tempo depois,
os professores reunidos decidiram, por unanimidade, pela “impossibilidade momentânea de
atender ao pedido, até porque, merecia o assunto um estudo mais cuidadoso”37. O quarto e
último registro documental se deu após o falecimento de João Mendonça, quando o professor e
Diretor da FFCH, Joaquim Batista Neves, assumiu interinamente o Departamento e demonstrou
a vinculação que existia entre o extinto IDOV e o departamento de Psicologia, ao sugerir, em
reunião sobre a instalação do Laboratório de Psicologia Experimental, “recrutar pessoal para
trabalhar no laboratório dentro da própria universidade, naqueles grupos que tenha experiência
anterior e denotam interesse pelo assunto, por exemplo, os técnicos do extinto IDOV”38. Enfim,
a perda, fragmentação e dispersão das fontes documentais não permitem afirmar se o
desaparecimento dos documentos que compunham o arquivo do IDOV foi por obra da incúria
das autoridades administrativas ou atos fortuitos, decorrentes das profundas carências
institucionais, que pode ter levado à destruição acidental desse importante acervo.
À FFB e ao IDOV, vêm se juntar, a partir daqui, à Clínica Psiquiátrica da Faculdade de
Medicina da Bahia, enquanto espaços universitários formadores das primeiras gerações a atuar

36
Correspondência registrada na CAD/UFBA, sob o nº 8012, às fls 282, do Livro nº 12 de Protocolo da Porta, em
11.07.1968.
37
Ata de Reunião de Colegiado de curso de Psicologia da FFCH/UFBA, em 01 de abril de 1969. Fonte: Arquivo
CAD/UFBA.
38
Ata de Reunião de Colegiado de curso de Psicologia da FFCH/UFBA, em 21 de maio de 1969. Fonte: Arquivo
CAD/UFBA.
91

no campo psicológico na Bahia, durante as décadas de 1940 e 1960, e que possibilitaram a


consolidação do curso de psicologia da FFCH/UFBA, em 1968. Como vimos, ao longo desta
seção, o processo de formação do campo psicológico foi marcado por disputas e divergências
e, ao mesmo tempo, por parcerias e convergências de interesses. O resgate do papel da Clínica
Psiquiátrica trará mais elementos para iluminar essa análise.

4.3 AS PRIMEIRAS GERAÇÕES DE PSICÓLOGOS DA BAHIA: ENTRE


CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS COM O CAMPO MÉDICO PSIQUIÁTRICO

Embora nesta seção, o foco seja as décadas de 1940 a 1960, consideramos importante
fazer uma breve contextualização sobre a história da FMB e sobre o processo de recepção de
teorias e ideias, advindas principalmente da Europa, apropriadas pela intelectualidade baiana e
difundida no Brasil, entre o final do século XIX e início do século XX. Abordaremos, em
seguida, o papel da Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas da FMB, como espaço de
formação e capacitação acadêmica no campo “psi”.

4.3.1 A Faculdade de Medicina da Bahia: breve contextualização

A aplicação da psicologia no campo da medicina tem uma longa trajetória na Bahia, que
remonta ao início do século XIX, com a fundação da instituição, atualmente denominada
Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia. (ROCHA, 2012) A FMB
foi autorizada a funcionar como Escola de Cirurgia da Bahia em 18 de fevereiro de 1808, e as
teses produzidas pelos estudantes em final de curso para obtenção do título de doutor em
medicina ou para aprovação em concursos eram obrigatórias entre 1832 e 1928. A análise
dessas teses tem possibilitado conhecer sobre o modo como teorias e ideias como: materialismo,
evolucionismo, positivismo, bem como vertentes da psicologia que estavam se desenvolvendo
na Europa, foram recebidas e apropriadas por médicos e estudantes de medicina da FMB,
passando a fazer parte do pensamento da intelectualidade baiana e se difundindo pelo país, entre
final do século XIX e primeira metade do XX.
O Brasil do século XIX era um país agrário exportador, produtor de café, que havia
deslocado a produção da riqueza da cana de açúcar do Nordeste, do período anterior, para a
cafeicultura no sudeste do país. As ideias racistas já se avolumavam na sociedade, manifestando
uma tendência em garantir a superioridade do branco europeu e segregar, ou excluir outras
etnias, especialmente indígenas e afrodescendentes. Conforme Antunes (2012 , p. 50),
“As elites letradas referiam-se às imundícies físicas e morais, estas relacionadas às várias
92

personagens urbanas, como leprosos, loucos, prostitutas, mendigos, vadios, crianças


abandonadas, alcoólatras”. O pensamento científico, sustentado sobretudo pelo poder médico,
contribuiu para a construção e manutenção do discurso de diferenças raciais e outros dessa
ordem, que se relacionavam fortemente com o fenômeno psicológico. (PEREIRA; PEREIRA
NETO, 2003)
A população baiana daquele período, era em torno de 1.900.000 habitantes, desses, mais
de 90% eram completamente analfabetos. A Bahia vinha de uma condição de última província
a aderir ao movimento antimonárquico, adentrando a Primeira República (1889-1930) sem a
influência que gozara no Império e sob o domínio de uma oligarquia conservadora, instalada
nos bairros privilegiados da Capital, com ramificações latifundiárias pelo interior do Estado.
(COSTA, 1997). A Bahia vivia uma desaceleração do crescimento econômico, que os
historiadores denominam como o “enigma baiano”39, que se refletiu em problemas de ordem
social, além de precárias condições de saneamento na cidade de Salvador, gerando,
consequentemente, sérios problemas de saúde. Nesse cenário, a preocupação médico-sanitária
e a aplicação da psicologia visavam a normatização e higienização dos centros urbanos e do
interior do Estado. (OLIVEIRA, 1987; RISÉRIO, 2000)
Tomando o conceito de recepção para os estudos em História da Psicologia, percebe-se
como teorias produzidas em outros lugares, passam a ser recebidas num contexto diverso
daquele de sua produção original. A recepção é entendida como uma forma de apropriação ativa
que transforma o que recebe. (DAGFAL, 2004; BRANCO; CIRINO, 2017). É o que se verifica
quando Rocha40 (2000) discorre sobre as preocupações com questões psicológicas nas teses da
FMB no século XIX e identifica aquelas ligadas ao campo da psicopatologia, além da forte
influência de autores alienistas e outros vinculados à psicanálise.
Além de estar buscando respostas às questões médico-sanitárias da época, essas teses
demonstram o vanguardismo na sociedade baiana para o tratamento de questões de ordem
psicológica, produzidas ainda antes da criação da cátedra de Clínica Psiquiátrica da FMB, que
se deu em 1881. Eram fortemente inspiradas nos avanços da Fisiologia, Criminologia, Medicina
Legal, Psiquiatria Forense e Psicanálise, dentre outros em florescimento na Europa, em

39
Enigma baiano foi um termo cunhado pelo governador da Bahia Otávio Mangabeira (1886-1960) e notabilizada
pelo intelectual baiano Manoel Pinto de Aguiar (1910-1991), para se referir ao dilema da involução industrial do
estado na primeira metade do século XX.
40
A psicóloga e pesquisadora Nádia Maria Dourado Rocha tem produzido diversos trabalhos de catalogação das
teses da FMB e demais instituições e acervos sobre a História da Psicologia no século XIX, na Bahia.
93

particular na França, base teórica da intelectualidade baiana do século XIX e primeira metade
do século XX. (PESSOTI, 1988; SOARES, 2010; ROCHA, 2016b)

Verificou-se uma grande influência de alienistas franceses, a exemplo de


Benedict Morel, Charles Samson Féré, Jean Etienne Dominique Esquirol,
Hipócrates, Jules Bernard Luys e Jean Martin Charcot. Essas teses doutorais
incluem considerações sobre a etiologia, quadro clínico e terapêutica, lidando
com conceitos contemporâneos. Vários contemplam também aspectos
antropológicos e sociológicos, o que não é surpreendente vez que, até 1877, a
Faculdade de Medicina era a única instituição de ensino superior na Bahia.
(ROCHA; TRANQUILI; LEPIKSON, 2004, p. 103)

A antropologia criminal de Lombroso, a teoria da degenerescência de Morel e a aplicação


do método positivista nas ciências humanas, foram influências marcantes na FMB e orientaram
o trabalho pioneiro de Raimundo Nina Rodrigues sobre as religiões de origem africana no
Brasil, assim como na demonstração das evidências físicas da degeneração e no controle
científico dos grupos minoritários (loucos, criminosos, negros). O enfoque etnológico marca as
investigações de Nina Rodrigues no campo da higiene e da própria medicina-legal, sustentadas
em bases teóricas diversas, como o pensamento de Pierre Janet. Muitos de seus discípulos se
destacaram na história da psiquiatria e na articulação entre saberes “psi” e cultura. Entre eles,
Júlio Afrânio Peixoto, autor de Epilepsia e Crime (1897) e reitor da Universidade do Distrito
Federal na década de 1930, e Arthur Ramos, que escreveu Introdução à Psicologia Social
(1936) e outros livros que mesclam psicanálise e cultura em estudos antropológicos sobre a
cultura negra. Arthur Ramos ocupou em 1935, a cátedra de Psicologia Social na antiga
Universidade do Distrito Federal e, a partir de 1940, a cátedra de Antropologia na Faculdade
de Filosofia da então Universidade do Brasil e chefiou a Seção Técnica de Ortofrenia e Higiene
Mental da Secretaria Geral de Educação e Cultura do Distrito Federal.
Por sua vez, Juliano Moreira (1873-1933) citava Freud em suas cátedras na Faculdade de
Medicina da Bahia e foi o presidente de honra da Sociedade Brasileira de Psicanálise em 1929.
Foi aluno de Emil Kraepelin41 quando esteve na França para tratar-se de uma tuberculose.
Moreira incorporou o método diagnóstico de Kraepelin com ênfase no caráter orgânico da
doença mental. Mesmo não tendo ocupado a cátedra de psiquiatria, Moreira tornou-se figura
emblemática da psiquiatria e foi um dos precursores da psicanálise brasileira. A combinação do

41
Emil Kraepelin (1856-1926) foi um renomado psiquiatra alemão que desenvolveu um novo método de observação e
diagnóstico dos doentes mentais como alternativa propriamente científica ao alienismo francês do médico Pinel. Suas teorias
psiquiátricas dominaram o campo da psiquiatria no início do século XX e a base dessas teorias continua sendo utilizada até os
dias de hoje.
94

organicismo kraepeliniano com uma teoria eminentemente psicológica como a freudiana


evidencia, como afirma Russo (2002, p.15), “[...] o modo sui generis como os saberes
científicos vindos da Europa são recebidos, traduzidos e assimilados em terra brasileira[...]”.
(VENANCIO, 2001; MENEZES, 2002; JACÓ-VILELA; JABUR; RODRIGUES, 2008)
A recepção de teorias produzidas na Europa, pelos docentes e estudantes de Medicina, foi
fundamental para a ampliação da produção dos saberes psicológicos no Brasil, no século XIX
e início do século XX, constituindo as bases para que a psicologia conquistasses o estatuto de
ciência autônoma no Brasil.

4.3.2 A Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Bahia


e a formação do campo “psi” em Salvador

O processo de regulamentação da profissão de psicólogo, no Brasil, envolveu


profissionais de diversas áreas que se organizaram para defender suas ideias e interesses quanto
ao exercício da psicologia no país. No entanto, grupos de profissionais, especialmente do campo
médico se opuseram a regulamentação, formando alianças políticas para estabelecer o limite de
atuação da profissão de psicólogo, especialmente no âmbito da clínica. No movimento em prol
da regulamentação da profissão, iniciados na década de 1950, foram feitas inclusões na redação
de pré-projetos para a legalização da profissão, que pretendia que a formação em Psicologia
Clínica fosse de responsabilidade das faculdades de Medicina, evidenciando a discordância do
campo médico sobre a possibilidade dos psicólogos virem a atuar com psicoterapia, até então,
de uso exclusivo dos médicos. (BAPTISTA, 2010)
Assim, como no cenário nacional, a Bahia também viveu seu périplo em busca da
aprovação do curso, capitaneado por João Inácio de Mendonça e, até alcançar seu objetivo,
enfrentou o forte corporativismo da tradicional classe médica baiana. Na Bahia, não devemos
esquecer, a psicologia e sua relação com a medicina é quase que orgânica e recua no tempo até
o século XIX, com as teses da faculdade de medicina, que tratavam sobre questões psicológicas,
ainda antes da criação da cátedra de Clínica Psiquiátrica em 1881.
Ora, como não reconhecer essa proximidade quando o idealizador do curso de psicologia
é filho da secular e tradicional Faculdade de Medicina da Bahia? Como disse Simões (1990), o
curso de psicologia foi criado por um psiquiatra e cresceria impulsionado por outro, referindo-
se ao professor Eduardo Saback Dias de Moraes. Mas ainda é cedo para essa narrativa. O que
se pretende aqui, é um breve recuo à década de 1950, mais precisamente a partir de 1954,
quando o médico psiquiatra Nelson Soares Pires assumiu a cátedra de Clínica Psiquiátrica da
Faculdade de Medicina e que, ligada ao Hospital das Clínicas impulsionara o processo de
95

formação e capacitação dos profissionais do campo “psi” na Bahia nas duas décadas anteriores
à formação do curso de psicologia da UFBA.
Nelson Pires concorreu à vaga de professor catedrático, apresentando a tese Psicoses de
Reação e esteve à frente da Clínica Psiquiátrica entre os anos de 1954 a 1964. Foi sob sua
direção que a Clínica Psiquiátrica da FMB criou o primeiro serviço de psiquiatria em hospital
geral do país. (COUTINHO; MORAES, 2007). Como médico psiquiatra, optou por estudar
mais profundamente a psicossomática e sua abordagem era fortemente organicista, excluindo a
compreensão psicogenética de suas análises, opondo-se à teoria psicanalítica. Mostrava
reservas, do ponto de vista teórico, em relação as possibilidades da psicologia e sua posição
política dentro da Universidade era de valorização da medicina em detrimento de qualquer
possibilidade de autonomia da psicologia. Com esse objetivo, beneficiou-se das circunstâncias
favoráveis propiciadas pelas dissidências no âmbito da universidade e assumiu a liderança na
formação acadêmica dos profissionais do campo “psi”. (SILVA, 1995; PICCININI, 2004).
Sob a liderança de Nelson Pires, a Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas se
fortaleceu institucionalmente, enquanto espaço de formação acadêmica, técnica e profissional.
Nelson promoveu aulas de psicopatologia e conferências sobre temas como psicologia do
comportamento humano, ministradas pelo catedrático e seus assistentes e em conjunto com o
Diretório Acadêmico da FMB. Os cursos oferecidos, voltados para área de psicologia, tratavam
sobre testes psicológicos e, embora inicialmente direcionados para os alunos de medicina que
estagiavam na clínica, estava aberto também a outros interessados, no caso, profissionais de
outras formações que atuavam no campo da psicologia. Promoveu, também, cursos de extensão
com profissionais convidados, tais como: Técnicas de Entrevista, ministrado pela então técnica
do ISOP Mariana Alvim; Psicodiagnóstico Miocinético; Psicodiagnóstico de Rorschach e Teste
de Apercepção Temática de Murray, ministrados pela professora Giscele Mattos. Mira y López
ministrou conferências, dirigiu seminários com um programa regular de formação e
treinamento nas habilidades psicoterapêuticas e cooperou com a instalação do Centro de
Orientação Infanto juvenil, vinculado à Clínica Psiquiátrica. (SILVA, 1995; ROCHA, 2018)
Além de sua atuação na Universidade, Nelson Pires fazia parte da diretoria de sociedades
psiquiátricas na cidade de Salvador. Conforme se verifica no Quadro 2, entre as décadas de
1950 a 1970, a assistência psiquiátrica hospitalar em Salvador era prestada por cinco hospitais
de médio e grande porte. Eram eles: o Hospital Juliano Moreira; o Sanatório Bahia, a Hospital
96

Santa Mônica42 e a Casa de Saúde Ana Nery, de propriedade de uma empresa com denominação
jurídica de Serviços Médico-cirúrgicos da Bahia S/A; e o Sanatório São Paulo, de propriedade
dos médicos Nelson Soares Pires e Luiz Galvão Duarte Simões. (CAVALCANTI, 2012;
CONCEIÇÃO; SOUZA, 2012; GUEDES; VALENTE, 2012; JACOBINA, 2012) O professor
Nelson Pires atuava também na direção do Sanatório Bahia.

Quadro 2 - Instituições psiquiátricas de médio e grande porte em Salvador - 1970

Instituição Propriedade Fundação

Hospital Juliano Moreira Pública – Governo do Estado da Bahia 1936

Sanatório Bahia Particular – Serviços Médico-cirúrgicos da Bahia S/A 1944


Particular – Nelson Soares Pires e Luiz Galvão
Sanatório São Paulo 1953
Duarte Simões
Hospital Santa Mônica Particular – Serviços Médico-cirúrgicos da Bahia S/A 1962

Casa de Saúde Ana Nery Particular – Serviços Médico-cirúrgicos da Bahia S/A 1966
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base em análise dos documentos dos arquivos FFCH e
CAD/UFBA

Nelson Pires sofreu cassação de seus direitos políticos em 1964, tendo que se exilar43.
Seu substituto foi o professor Rubim de Pinho, que havia sido seu assistente. Nesse mesmo ano,
Rubim de Pinho respondeu a um IPM44, que investigava sua relação com Nelson Pires e outros
esquerdistas. Apesar do IPM, Rubim de Pinho foi aprovado no concurso em que concorreu com
o professor Norival Sampaio, em 1965, e assumiu a cátedra de Psiquiatria da Faculdade de
Medicina.

42
O Hospital Santa Mônica foi fundado em 1962 e em 1995 passou a ser denominado Casa de Saúde Santa Mônica.
(GUEDES; VALENTE, 2012).
43
Após o golpe militar, o professor Nelson Pires sofreu retaliações por parte da Reitoria da Universidade. O Reitor
Albérico Fraga, comunicou ao Conselho Universitário, em 09 de abril de 1964, que o professor Nelson Pires,
descrito como “comunista e agitador contumaz” não poderia permanecer na instituição. Nelson Pires foi
considerado foragido pela reitoria, que denunciou seus “expedientes para burlar a punição que vai sofrer” ao
solicitar oficialmente licença prêmio ao diretor da faculdade. A Faculdade de Medicina foi informada pelo Quartel
General da VI Região Militar, que o professor Nelson Pires “participou do processo subversivo que transcorria no
Brasil ... [e] ... atestavam a ligação do Professor Nelson Pires com ‘comunistas notórios’, além de sua participação
ativa no processo” (p.117). Nelson Pires saiu do Brasil, havendo registros de sua passagem pelo Chile, Portugal e
Espanha, durante seu exílio. Voltou ao Brasil no final da década de 1970, beneficiado pela Lei da Anistia.(UFBA
CMSMV, 2014). Para saber mais, cf. OLIVEIRA, G. C. Repressão a Nelson Soares Pires durante a ditadura
militar: UFBA, Processo e Exílio (1964-1979). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019.
44
Inquérito Policial Militar, de 22 de junho de 1964. Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de
Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e encadernados). REF:
BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_82003405_d0001de0001.
97

Conforme Silva (1995), Rubin de Pinho era um homem de espírito mais aberto com
curiosidade maior para o social e com maior abertura intelectual do que seu antecessor. Porém,
ambos demonstraram, ao longo de suas trajetórias, o espírito corporativista em defesa da
hegemonia do campo psiquiátrico em detrimento da autonomia da psicologia como disciplina.
O catedrático se envolveu no debate nacional acerca do tema que se estabelecia no
período e defendia a criação da disciplina Psicologia Médica e sua presença regular como
inserida no currículo da Faculdade de Medicina. As reservas de Rubim de Pinho com relação a
autonomia da psicologia eram de ordem mercadológica, projetando a vinculação da disciplina
Psicologia Médica ao âmbito acadêmico da FMB e, por que não dizer, sob a responsabilidade
dos docentes da Clínica Psiquiátrica. Para Silva (1995), o professor Rubim de Pinho era

[...] partidário de uma certa divisão do processo de trabalho entre psiquiatras


e psicólogos, ele, um tanto corporativamente, entendia que o campo
psicoterapêutico deveria ficar reservado para os primeiros ou pelo menos
submetido ao seu controle. (SILVA, 1995, p.16)

Com sua ascensão à cátedra deixada por Nelson Pires, o professor Rubim de Pinho foi
responsável, na última metade da década de 1960, por dinamizar o espaço acadêmico da
psiquiatria. Exerceu uma liderança importante, a partir de sua atuação na CP, no processo de
aglutinar personalidades interessadas no campo psiquiátrico e psicológico baiano, mantendo,
estrategicamente, o controle hegemônico da Clínica Psiquiátrica
Até então, estava estabelecida uma forte relação de dependência com o campo médico,
basicamente organicista, que mantinha a hegemonia social e força política organizada no
âmbito institucional, evitando a autonomização da psicologia ao privilegiar seus espaços e
agendas e prevenindo concorrências futuras. A partir da década de 1970, novos arranjos e
ampliação do campo psiquiátrico e psicológico levou a extrapolação do institucional e
autonomia social e, paulatinamente, a Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas foi cedendo
lugar a novos espaços de cunho terapêutico e clínicos que foram criados.
Analisamos, até aqui, a configuração do campo psicológico em Salvador e no estado
durante as décadas de 1940 e 1960, enfatizando o papel de três importantes espaços
universitários para a formação dos primeiros psicólogos a atuar na Bahia, no período,
destacando-se: 1. A Faculdade de Filosofia da Bahia e a aplicação da Psicologia nos seus cursos
de licenciatura, além do pioneirismo dos catedráticos Isaías Alves e João Inácio de Mendonça,
esse último idealizador do projeto de criação do curso de graduação em psicologia da UFBA;
2. O IDOV e a psicologia aplicada à educação e ao trabalho, bem como a influência do seu
98

supervisor, o espanhol Emílio Mira y López; 3. A Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas
da FMB, enquanto espaço de formação e capacitação acadêmica no campo “psi” baiano, no
período. Os resultados dessa análise apontam que os primeiros profissionais que atuaram no
campo médico e educacional difundiram a psicologia e, com suas práticas, contribuíram para
formar um ambiente favorável à luta pela implantação do curso de Psicologia na UFBA e para
a consolidação da Psicologia na Bahia.
99

5 O CURSO DE PSICOLOGIA DA FFCH/UFBA: UMA VISÃO PANORÂMICA

Como vimos até aqui, a psicologia vinha se desenvolvendo na Bahia desde o século XIX
e, em especial, a partir da segunda metade do século XX, associada a outras áreas de
conhecimento, como a educação e a medicina, fato que favoreceu a expansão do campo “psi”
baiano, no início do seu processo de institucionalização. Assim, quando do início do curso de
graduação da UFBA, em 1968, muitos já exerciam alguma atividade profissional em que a
psicologia estava associada. Eram pedagogos e filósofos formados pela FFCH, professores do
ensino fundamental formados pela antiga Escola Normal da Bahia, técnicos do IDOV,
profissionais que haviam recebido formação em alguma psicoterapia ou uso de psicotestes na
CP e outros profissionais da psicologia que atuavam em várias instâncias e instituições, tais
como: clínicas, consultórios particulares, bancos e serviço público, que poderiam ter, com a
abertura do curso, uma oportunidade de se regulamentar na nova profissão, que dava sinais de
ser um mercado rentável e em crescimento1.
Por outro lado, havia uma grande demanda em relação ao curso, também em função de
uma carência regional. Era uma demanda represada por anos de espera, pois, mesmo antes da
psicologia ser legalmente regulamentada como profissão, em 1962 (Lei 4.119), o professor João
Inácio de Mendonça já havia apresentado seu projeto de criação do curso de graduação em
psicologia na FFCH/UFBA. Como vimos na seção anterior, há documentação que comprova
que, em 1961, João Inácio de Mendonça já solicitava providências para que o curso fosse
iniciado em 1962. Ou seja, foi quase uma década de espera por um curso que viria atender ao
Estado e toda a região Nordeste do país. A UFBA foi a primeira universidade pública do
Nordeste a oferecer um curso de psicologia e permaneceu como a única do Estado durante três
décadas.
No entanto, se, por um lado, para a comunidade local e regional, as expectativas para a
abertura do curso eram positivas, por outro, ingressar na universidade naquele momento político
do país, implicava, para quem tivesse atividade política de oposição ao governo, em lidar com

1
Com a regulamentação da profissão em 27.08.1962, pela Lei 4119, os profissionais que exerciam atividades
profissionais de psicologia na Bahia e que atendessem o que determinava a legislação recém-criada, puderam obter
seu diploma de psicólogo. Conforme os destaques da Lei 4119: Art. 19 — [...] permite aos portadores de diplomas
ou certificados de especialista em Psicologia, Psicologia educacional, Psicologia clínica e Psicologia Aplicada ao
trabalho [...] direito ao registro daqueles títulos, como psicólogos e ao exercício profissional; Art. 21— permite
aos que já venham exercendo, na data da publicação da lei, ou tenham exercido por mais de cinco anos, atividades
profissionais de Psicologia Aplicada, o registro de Psicólogo. (BRASIL, 1962). Esses profissionais, denominados
psicologistas ou psicotécnicos e os professores de psicologia e psicologia educacional que também aplicavam
psicotestes, compuseram o primeiro grupo de psicólogos que foram reconhecidos como tal.
100

o temor, com a vigilância dos militares e possíveis perseguições, cassações, prisões,


desaparecimento e mesmo morte. O curso de Psicologia da UFBA iniciou em 1968, ano em que
o presidente Costa e Silva decretou o AI-5 e os militares acirraram o golpe, com cassação de
direitos políticos, limitação das liberdades individuais e públicas, prisões, torturas e mortes. O
clima era tenso nos campi e, na UFBA; a mobilização política dos estudantes não sobreviveu
aos expurgos e cancelamento de matrículas dos militantes estudantis e o movimento estudantil
foi desarticulado. Para as universidades públicas do país, havia ainda o desafio de se adequar à
Reforma Universitária, que levou a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA a
perder dez de seus cursos, pois foi desmembrada, ficando apenas com os cursos de Filosofia,
Ciências Sociais e História. (ARAPIRACA, 1979; NASCIMENTO, 1987; MARTINS, 2009)
Nesse contexto, a abertura do curso de psicologia favoreceu e dinamizou a FFCH. Com
uma oferta inicial de 50 vagas para o primeiro ano, concorreram 197 candidatos (34 homens e
163 mulheres), o que correspondeu a quase quatro candidatos por vaga2. Como se pode observar
no Gráfico 1, que apresenta as matrículas nos cursos de graduação da FFCH/UFBA, entre 1968
e 1970, a demanda de alunos matriculados foi elevada desde os primeiros anos. Embora em
1968 tenha sido ofertada, oficialmente, 50 vagas, os documentos encontrados sobre a situação
didático-escolar do curso demonstraram o registro de 56 matriculados. Em 1969, ingressaram
101 novos discentes e em 1970, outros 79 novos ingressantes, o que totaliza 236 alunos de
psicologia matriculados nos três primeiros anos do curso, correspondendo a uma média de
quase 78 alunos por ano. Comparando, em seguida, com o perfil de matriculados nos demais
cursos da FFCH, no mesmo período, verifica-se que Ciências Sociais totalizou 311
matriculados nos três anos e Filosofia e História integralizaram 156 discentes matriculados nos
três anos, cada um. Ou seja, o curso de psicologia alcançou, logo no primeiro ano, a segunda
posição entre os cursos mais procurados da FFCH, mantendo-se nessa posição nos anos
seguintes A partir de 1971, a Universidade passou a realizar o vestibular unificado, como parte
da Reforma Universitária implantada em 1968. (LIRA, 2010; MOTTA, 2014)

2
Registro do número de concorrentes para a primeira turma do curso, em 1968. Fonte: Arquivo FFCH/UFBA.
101

Gráfico 1 - Matrículas nos cursos de graduação da FFCH/UFBA – 1968 a 1970

120 113
107
101
100 91

79
80

57 55 55 56
60 54
45 46

40

20

0
Ciências Sociais Filosofia História Psicologia

1968 1969 1970

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base em análise de documentos dos arquivos da FFCH/UFBA

Quando o curso de psicologia iniciou sua primeira turma, a FFCH estava instalada na
antiga Escola Normal, no bairro de Nazaré. Em 1969 foi transferida para o prédio da Faculdade
de Medicina, antigo Colégio dos Jesuítas, no Terreiro de Jesus. Nesse novo espaço, o curso de
psicologia pode utilizar parte das oito salas de aulas e dos três anfiteatros, além de um
laboratório adaptado para as aulas de Psicologia Experimental. Havia, ainda, uma biblioteca,
uma sala de departamento e o depósito de material didático.

O curso de psicologia – primeiro a instalar-se no Terreiro – caracterizava-se


por precárias condições de instauração: planejado somente para os primeiros
semestres; com mais auxiliares de ensino do que professores; reclamando
seleções e concursos; com os encargos adicionais de departamento e
colegiado. (SIMÕES, 1990, p. 58)

Em 1974, a FFCH foi transferida para a estrada velha de São Lazaro, no bairro da
Federação. O departamento e o colegiado de psicologia foram instalados no primeiro andar do
edifício central da faculdade, um prédio antigo onde funcionava a parte administrativa da
FFCH, além de todas as salas dos departamentos e colegiados dos cursos, gabinetes de
professores em regime de 40 horas, uma sala de reunião e a biblioteca que ficava no andar
térreo, além da cantina. A sala ocupada pelo departamento e colegiado de psicologia era
equipada com uma mesa de 8 lugares e cadeiras, uma mesa de aço onde ficava a máquina de
escrever, uma escrivaninha de aço e um armário de madeira.
102

Apesar das dificuldades estruturais, a demanda pelo curso permaneceu relativamente


estável e alta ao longo da década de 1970, como se pode observar no Gráfico 2, com as
Matrículas no curso de graduação em Psicologia, entre 1971 e 1980. O número total de
matriculados, entre 19713 a 1980, foi de 985 discentes. O número de discentes matriculados em
1971 (236) corresponde aos dados integralizados de 1968 a 1971. No ano seguinte foram 92
novas matrículas; em 1973 ingressaram 144 no curso; em 1974 foram 84 novos matriculados.
Em 1975 ingressaram 72 novos discentes, em 1976 foram 73 matriculados e em 1977 foram 71
ingressantes no curso. Nos anos de1978, 1979 e 1980, foram 70 matriculados por ano. Ao longo
de treze anos, ou seja, entre 1968 e 1980, totalizou-se 985 discentes no curso de psicologia, o
que correspondeu a, aproximadamente, 76 estudantes matriculados por ano letivo.

Gráfico 2 - Matrículas no curso de graduação em Psicologia - FFCH/UFBA – 1971 a 1980

236
Número de Alunos

144

92 84
72 73 71 70 70 70

1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980
Ano

Fonte: Superintendência Acadêmica da Universidade Federal da Bahia (SUPAC/UFBA)

Esses dados demonstram a difusão do curso, já desde o seu primeiro ano. Era um
contingente significativo de discentes para um curso ainda nos seus primórdios. Além da
demanda reprimida por vários anos de espera e a inexistência de cursos na região Nordeste,
pode-se interpretar essa procura expressiva pelo curso, a partir do interesse da classe média pela
carreira e pelo que simbolicamente representava, enquanto profissão liberal, com prestígio e
oportunidades de ascensão social, especialmente pela via da atividade clínica. Entendemos que,
para a realidade baiana, o curso representava a possibilidade de uma profissão autônoma e em
ascensão naquele momento, especialmente para as mulheres, que começavam a ingressar

3
O quantitativo de 1971 corresponde ao total integralizado de alunos matriculados no curso até aquele ano. A
partir daí, os dados de matrícula passaram a ser centralizados na recém-criada Secretaria Geral de Cursos – SGC
(atual Coordenação de Atendimento e Registros Estudantis da SUPAC)
103

fortemente no mercado de trabalho. O perfil dos discentes ingressantes, quanto ao sexo, ratifica
essa interpretação, tendo em vista a grande maioria de mulheres matriculadas no curso. Pesquisa
realizada por Carvalho (1979b), demonstra que o perfil dos alunos, em 1970, era
prioritariamente feminino, sendo essas mulheres integrantes da classe média e alta da cidade de
Salvador. Residiam em bairros nobres e eram mantidas financeiramente pelos pais e/ou
familiares. Era evidente o perfil urbano e com “[...] padrões de comportamento e valores
próprios dos indivíduos da cidade”. (CARVALHO, 1979b, p. 216)
O Gráfico 3, a seguir, apresenta as matrículas no curso de graduação em psicologia por
Sexo, entre 1971 e 1980 e confirma a prevalência das mulheres no curso. Do total de 985
discentes matriculados até 1980, 860 vagas (87,31%) foram preenchidas por mulheres e 125
(12,79%) por homens. Em 1971 havia um total de 209 mulheres e 30 homens matriculados no
curso e no ano seguinte ingressaram 81 mulheres e 11 homens. Para o ano de 1973, foram
matriculados 127 mulheres e 17 homens e em 1974 ingressaram 75 mulheres e nove homens.
A prevalência das mulheres em 1975 foi de 64 para apenas oito homens. Em 1976, foram 60
novas matrículas de discentes do sexo feminino e 13 do sexo masculino e em 1977, ingressaram
61 mulheres e dez homens. Em 1978, foram matriculados 63 mulheres e sete homens. Nos anos
de 1979 se matricularam 61 mulheres e 9 homens e, em 1980, 59 mulheres para 11 homens
matriculados.

Gráfico 3 - Matrículas no curso de graduação em Psicologia x Sexo – FFCH/UFBA – 1971 a


1980

1000
900 860
Número de matriculados

800
700
600
500
400
300 209
200 127 125
81 75 64 60 61 63 61 59 87,31
100 30 11 17 9 8 13 10 7 9 11 12,69
0

Feminino Masculino

Fonte: Superintendência Acadêmica da Universidade Federal da Bahia (SUPAC/UFBA)

Se a demanda para ingresso no curso era alta, a taxa de evasão não deixa de ser
significativa. Observa-se no Gráfico 4, sobre os concluintes do curso de graduação em
104

psicologia entre 1972 e 1980, o quantitativo de 44 formandos em 1972. Nos anos que se
seguiram, os números de estudantes a se diplomarem foram: 90 formandos em 1973; 61
concluintes em 1974; 27 formandos em 1975; 79 discentes a se formar em 1976; 62 formandos
em 1977; 102 em 1978; 58 concluintes em 1979 e, por último, 64 formandos em 1980. Ou seja,
do total de 985 ingressantes no curso de psicologia, 587 (59,59%) concluíram o curso, o que
demonstra um percentual aproximado de 40% de alunos matriculados e que não se formaram.

Gráfico 4 - Concluintes do curso de graduação em Psicologia – FFCH/UFBA - 1972 a 1980


700
587
600
NÚMERO DE CONCLUINTES

500

400

300

200
90 79 102
100 44 61 62 58 64
27
0
1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 Total
ANO

Fonte: SUPAC/UFBA

No Gráfico 5, que apresenta os Concluintes do curso de graduação em psicologia por


Sexo, entre 1972 e 1980, verifica-se o quantitativo de discentes concluintes do curso, separados
por sexo. Como poderá ser observado, em 1972, formaram-se 40 mulheres e quatro homens;
em 1973 foram 81 mulheres concluintes para nove homens; já em 1974, 55 mulheres e seis
homens concluíram; em 1975, apenas um homem se formou junto a 26 mulheres; as mulheres
continuam sendo maioria em 1976, com 70 formandas e 9 homens; em 1977, foram 49 mulheres
e 13 homens a concluir o curso; diplomaram-se 93 mulheres e nove homens em 1978 e em 1979
foram 53 mulheres e 5 homens. Finalmente, em 1980, foram 57 mulheres e sete homens.
Comparando com os dados do Gráfico 3, que contém o percentual de mulheres e homens
ingressantes (87,31% e 12,69%), percebe-se que o resultado está bem próximo do percentual
de mulheres e homens que concluíram (89,27% e 10,73%), o que sugere que a taxa de evasão
não esteja relacionada ao fator sexo.
105

Gráfico 5 - Concluintes do curso de graduação em Psicologia x Sexo – FFCH/UFBA – 1972 a


1980

600
524
Número de Concluintes

500

400

300

200

81 93 89,27
100 55 70 57 63
40 49 53
26 13 7
4 9 6 1 9 9 5 10,73
0

Ano

Feminino Masculino

Fonte: SUPAC/UFBA

O reconhecimento do curso de graduação em psicologia da UFBA, nas modalidades de


Licenciatura e Bacharelado, se deu, formalmente, sete anos depois de iniciada a primeira turma,
através do Decreto nº 75.499/19754. O reconhecimento na modalidade de formação de
psicólogo foi sancionado pelo então presidente general Ernesto Geisel em 13 de julho de 1978,
através do Decreto nº 81.964/19785. Este reconhecimento se deu após um demorado processo
de adequação estrutural às exigências das instâncias avaliadoras. No início do processo de
avaliação, o Conselho Federal de Educação (CFE) havia emitido Portaria6, designando dois
professores para formarem a comissão de verificação in loco das condições de funcionamento
do curso de psicologia. Em vista dos Relatórios do CFE, os professores do Departamento de

4
BRASIL. Decreto nº 75.499, de 18 de março de 1975. Concede reconhecimento ao curso de Psicologia da
Universidade Federal da Bahia, com sede em Salvador, Estado da Bahia. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 mar. 1975. Disponível em:
https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:decreto:1975-03-18;75499. Acesso em: 23 abr. 2020.
5
BRASIL. Decreto nº 81.964, de 13 de julho de 1978. Concede reconhecimento à habilitação Formação de
Psicólogo do curso de Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com sede na cidade de Salvador, Estado da
Bahia.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 jul. 1978. Disponível em:
<https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:decreto:1978-07-13;81964> Acesso em 23 abr. 2020.
6
Portaria nº 160, de 13 de junho de 1977 do Conselho Federal de Educação. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
106

psicologia encaminharam Ofício7ao Diretor da FFCH e ao Reitor, descrevendo as diversas


dificuldades que o curso enfrentava, com deficiências que dificultavam e/ou impediam que os
objetivos para o reconhecimento do curso fossem atingidos. O documento descreve as carências
de pessoal docente, havendo apenas 17 professores para atender 44 disciplinas. Dentre esses
professores, discriminados por classe, apenas um era Adjunto, sete eram Assistentes e nove
Auxiliares. Para agravar o quadro, cinco desses professores estavam afastados para pós-
graduação e um estava na direção da FFCH. Ressaltava, ainda, o fato de haver apenas um
departamento para responder pelos cursos de bacharelado, licenciatura e formação de
psicólogo. No item sobre as deficiências de instalação, os professores se referiram à necessidade
de instalações mais adequadas do que aquelas de que dispunham, bem como da falta de um
Serviço de Atendimento − sendo este uma exigência do CFE para o do Curso − além da carência
de material para atividades práticas, de um laboratório adequadamente equipado e, por fim, de
acervo bibliográfico profissionalizante. Os professores enfatizaram que o ensino de disciplinas
profissionalizantes, eminentemente práticas, não possibilitava o desenvolvimento de
habilidades, por falta de instalações e material adequados, o que se agravava pelo número
reduzido de professores designados para a orientação dos discentes. Para finalizar, solicitaram,
em caráter emergencial, a ampliação do regime de trabalho de um professor em exercício e
admissão de 21 professores auxiliares. Para curto prazo, solicitaram providências como: a
instalação do serviço de atendimento psicológico; a aquisição de equipamentos para aulas
práticas; a reforma do atual laboratório; e, a atualização e ampliação do acervo bibliográfico
especializado em psicologia. Em médio prazo, reivindicaram a constituição do departamento
de psicologia como instituto, assim como instalação própria.

5.1 A PRÁTICA DE ESTÁGIO E A PREVALÊNCIA DA PSICOLOGIA CLÍNICA

Uma das exigências do CFE para o reconhecimento da habilitação em formação de


psicólogo do curso de psicologia da UFBA foi a instalação do Serviço Clínico de Psicologia8.
A FFCH deveria manter um Serviço de Psicologia para atendimento clínico e de aplicação à
educação e ao trabalho, de modo que os discentes do curso pudessem realizar seus estágios

7 Ofício7 nº 73/77, de 26 de agosto de 1977, emitido pelo Departamento do curso de psicologia ao Diretor da
FFCH. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
8
Estava previsto na Lei 4.119 de 27.08.1962, que regulamentou a profissão do psicólogo, no seu Capítulo IV: Das
condições para funcionamento dos cursos, Artigo 16: As Faculdades que mantiverem curso de Psicólogo deverão
organizar Serviços Clínicos e de aplicação à educação e ao trabalho - orientados e dirigidos pelo Conselho dos
Professores do curso - abertos ao público, gratuitos ou remunerados. Parágrafo único. Os estágios e observações
práticas dos alunos poderão ser realizados em outras instituições da localidade, a critério dos Professores do curso.
107

supervisionados, com orientação e direção dos professores e aberto ao público, o que só ocorreu
na década de 1980. Diante da inexistência de tal Serviço próprio, durante a década de 1970, os
estágios e práticas dos discentes eram realizados, integralmente, em instituições públicas e
privadas de Salvador, a critério do docente supervisor, que intermediava essas parcerias e
convênios entre o departamento do curso e as instituições.
Os professores supervisores conduziam seu grupo de estagiários para clínicas,
consultórios, escolas, empresas e hospitais, onde, em alguns casos, também atuavam como
psicólogos ou médicos psiquiatras, a depender de sua formação. A Bahia possuía diversas
instituições, públicas e privadas, que, historicamente vinham contribuindo para o
desenvolvimento da formação da psicologia nas áreas da clínica, da educação ou
industrial/organizacional. (JACÓ-VILELA, 2012) Várias dessas instituições acolheram os
discentes que adentraram esses espaços para efetivação de seus estágios formativos. As áreas
de estágio eram basicamente três: Clínica; Industrial e Educacional, definidas pelo Currículo
Mínimo aprovado para o curso de psicologia, conforme disposto no Parecer nº 403/62 do
Conselho Federal de Educação. A carga horária fixada para treinamento prático em situação
real era de 500 horas.
No que diz respeito à área de psicologia educacional, os discentes tinham um leque de
oferta em instituições públicas, tais como: a) o Serviço Estadual de Assistência ao Menor da
Secretaria do Interior e Justiça, que realizava orientação e aconselhamento de menores
infratores; b) o Centro de Orientação Infanto-juvenil, mantido pela Secretaria de Saúde e
voltada para o diagnóstico e orientação de escolares; c) os Serviços de orientação educacional
de alguns Colégios Estaduais, como o do Colégio Estadual da Bahia (Central), do Colégio
Estadual Duque de Caxias, do Colégio Nossa Senhora do Carmo e do Instituto Central de
Educação Isaías Alves (ICEIA), que faziam Orientação e aconselhamento de adolescentes, d)
as Classes de escolarização específica e o Instituto Pestalozzi, que cuidavam da Escolarização
e acompanhamento de crianças com necessidades especiais, mantidos pela Secretaria de
Educação do Estado da Bahia. (COSTA, 2012; SANTOS, 2012)
No âmbito privado, eram ofertadas vagas de estágio nas seguintes instituições: a) Instituto
Psicopedagógico da Bahia (IPPB)- (1965-1973), que oferecia serviços psiquiátricos,
psicológicos e pedagógicos a crianças e adolescentes com necessidades especiais na área de
aprendizagem. Era de propriedade do médico psiquiatra e docente do curso de psicologia Luiz
Fernando Matos Pinto; b) Instituto Guanabara, fundado em 1970 pela fonoaudióloga Maria
José Calheira Lobo Teixeira da Silva e pelo psicólogo Heraldo Antônio Farias Cidade. Esse
Instituto oferecia serviços de “reabilitação, educação e prestação de assistência social às
108

crianças e adolescentes portadores de deficiência mental” (BRANDÃO, 2012, p. 333); c)


Instituto de Cegos da Bahia (ICB) - (1933), entidade particular e filantrópica, fundada na
década de 1960, onde os estagiários atuavam no serviço de psicologia, com ênfase em
psicologia escolar. Além do atendimento à criança, davam suporte à família e à equipe de
atendimento à criança; d) Instituto de Organização Neurológica (ION)- (1969), que realizava
tratamento de crianças e adolescentes com diversos tipos de problemas neurológicos; e)
Associação de Foniatria e Audiologia da Bahia, voltada ao tratamento de distúrbios de voz e
fala e que foi declarada utilidade pública pela Lei Nº 3.063 de 29 de novembro de 1972, assinada
pelo então Governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães; f) Instituto Bahiano de
Reabilitação (IBR), unidade de atendimento e tratamento a pessoas com deficiência motora,
vinculado à Fundação José Silveira, fundada em 1937; e g) Colégio Nossa Senhora do Carmo,
o único colégio particular conveniado no período, conforme fontes pesquisadas, que realizava
orientação e aconselhamento de adolescentes no seu Serviço de Orientação Educacional.
(BRANDÃO, 2012; MAJDALANI, 2012; PINTO, 2012)

Quadro 3 - Instituições para estágio em Psicologia Educacional – Década de 1970

Instituição Finalidade Mantenedor (a)

Associação de Foniatria e
Tratamento de distúrbios de voz e fala Particular
Audiologia da Bahia
Centro de Orientação Infanto- Secretaria de Saúde
Diagnóstico e orientação de escolares
juvenil do Estado da Bahia
Secretaria de
Classes de escolarização Escolarização e acompanhamento de
Educação do Estado
específica crianças com necessidades especiais
da Bahia
Instituto Bahiano de Tratamento de pessoas com deficiência
Particular
Reabilitação (IBR) motora
Instituto de Cegos da Bahia Educação especial a crianças portadoras
Particular
(ICB) de deficiência visual
Tratamento de crianças e adolescentes
Instituto de Organização
com diversos tipos de problemas Particular
Neurológica (ION)
neurológicos
Escolarização e acompanhamento de
Instituto Guanabara Particular
crianças com necessidades especiais
Secretaria de
Escolarização e acompanhamento de
Instituto Pestalozzi da Bahia Educação do Estado
crianças com necessidades especiais
da Bahia
109

Instituto Psicopedagógico da Escolarização e acompanhamento de


Particular
Bahia (IPPB) crianças com necessidades especiais
Serviço de Orientação Secretaria de
Orientação e aconselhamento de
Educacional do Colégio Educação do Estado
adolescentes
Estadual da Bahia da Bahia
Serviço de Orientação Secretaria de
Orientação e aconselhamento de
Educacional do Colégio Educação do Estado
adolescentes
Estadual Duque de Caxias da Bahia
Serviço de Orientação
Orientação e aconselhamento de
Educacional do Colégio Nossa Particular
adolescentes
Senhora do Carmo
Serviço de Orientação Secretaria de
Orientação e aconselhamento de
Educacional do Instituto de Educação do Estado
adolescentes
Educação Isaías Alves da Bahia
Serviço Estadual de Orientação e aconselhamento de menores
Secretaria da Justiça
Assistência ao Menor infratores
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base na análise de documentos dos arquivos da CAD e
FFCH/UFBA.

Quanto à área de estágio em Psicologia Industrial/Organizacional, observa-se, no Quadro


4, a seguir, que, dentre as nove instituições conveniadas ao departamento de psicologia da
UFBA, sete ofereciam oportunidade de estágio em Recrutamento e Seleção de Pessoal. Com
exceção apenas para o estágio no Serviço de Reabilitação Profissional do antigo Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS), que direcionava os estagiários para a readaptação
funcional de segurados, o Setor de Psicologia do Departamento Estadual de Trânsito
(DETRAN) onde se fazia testagem para habilitação de motoristas e a Clínica de Assistência
Médica Permanente Ltda (AMEPE), que além de seleção de pessoal, possibilitava também a
prática em adaptação funcional de pessoal. A AMEPE, o Banco Econômico, a COELBA e o
Instituto de Organização Racional do Trabalho eram empresas particulares, enquanto, os
estágios no Banco do Estado da Bahia (BANEB), nas empresas do Centro Industrial de Aratu
(CIA), na Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social, no INPS e no Setor de psicologia do
Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN) eram convênios firmados com o governo do
Estado da Bahia. (BRANDÃO; CAMAROTTI, 2012; CRISTO, 2012)

Quadro 4 - Instituições para estágio em Psicologia Industrial/Organizacional - Década de 1970

Instituição Finalidade Mantenedora


Clínica de Assistência Médica Permanente Seleção e adaptação
Particular
Ltda - AMEPE funcional de pessoal
Recrutamento e seleção Governo do Estado da
Banco do Estado da Bahia (BANEB)
de pessoal Bahia
110

Recrutamento e seleção
Banco Econômico da Bahia Particular
de pessoal
Recrutamento e seleção Governo do Estado da
Centro Industrial de Aratu (CIA)
de pessoal Bahia
Companhia de Energia Elétrica da Bahia Recrutamento e seleção
Particular
(COELBA) de pessoal
Departamento de Mão de Obra da Secretaria do Recrutamento e seleção Governo do Estado da
Trabalho e Bem-Estar Social de pessoal Bahia
Recrutamento e seleção
Instituto de Organização Racional do Trabalho Particular
de pessoal
Serviço de Reabilitação Profissional do
Readaptação funcional Governo do Estado da
Instituto Nacional de Previdência Social
de segurados Bahia
(INPS)
Setor de psicologia do Departamento Estadual Habilitação de Governo do Estado da
de Trânsito (DETRAN) motoristas Bahia
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base na análise dos documentos dos arquivos da CAD e
FFCH/UFBA.

Por seu turno, dentro do leque de instituições para se realizar o estágio curricular na área
clínica, os discentes eram conduzidos por seus supervisores a adentrar instituições, como,
hospitais e ambulatórios psiquiátricos, penitenciária, manicômio judiciário e abrigo de idosos.
Observa-se no Quadro 5, que, dentre as instituições públicas de atendimento psiquiátrico, em
regime de internamento e/ou ambulatorial, havia o Ambulatório Mário Leal (1975)9, o
Ambulatório Osvaldo Camargo (1962) e o Hospital Juliano Moreira (1936). Ainda em
instituições públicas, havia a opção de prática psicoterapêutica e técnicas de grupo com
alcoolistas no Centro de Recuperação de Alcoolistas do Governo do Estado; pesquisas e
assistência psicológica em população de criminosos não psicóticos na Penitenciária Lemos de
Brito (1950); ou acompanhamento diagnóstico e terapêutico de população de criminosos
psicóticos no Manicômio Judiciário da Bahia (1928-1991)10.
As instituições particulares conveniadas para estágio eram a Casa de Saúde Ana Nery
(1966), a Casa de Saúde Santa Mônica (1962), o Sanatório São Paulo (1953) e o Sanatório
Bahia (1944). As clínicas particulares conveniadas, que recebiam estagiários para atendimento
psicoterápico eram a Assistência Médica Infantil e a Clínica Psicológica Infantil, das
professoras do curso Maria Conceição Vieira Gonçalves e Urânia Maria Tourinho Perez,
respectivamente. Também havia o Instituto Neurológico da Bahia, voltada para o diagnóstico
e tratamento de distúrbios do comportamento infantil; o Serviço de Reabilitação Motora para

9
O Centro Comunitário de Saúde Mental Mário Leal (CCSMM), criado em 1975, teve seu nome modificado
para Hospital Especializado Mário Leal (HEML), na década de 1990.
10
Atual Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia (HCT-BA). (PITHON; CORREIA, 2012)
111

crianças e adultos; e o Abrigo D. Pedro II (1943) oferecia vagas de estágio para os discentes
interessados no campo assistencial e terapêutico a idosos.

Quadro 5 - Instituições para estágio em Psicologia Clínica – FFCH/UFBA - Década de 1970

Instituição Finalidade Mantenedor (a)

Cuidados assistenciais e terapêuticos em


Abrigo D. Pedro II Prefeitura Municipal
geriatria
Prevenção e tratamento ambulatorial de
Ambulatório Mário Leal Governo do Estado
afecções mentais
Ambulatório Osvaldo
Tratamento de doenças mentais de adultos Governo do Estado
Camargo
Diagnóstico e tratamento de distúrbios
Assistência Médica Infantil Particular
emocionais das crianças
Casa de Saúde Ana Nery Tratamento de doenças mentais de adultos Particular
Casa de Saúde Santa Mônica Tratamento de doenças mentais de adultos Particular
Centro de Recuperação de Psicoterapia e técnicas de grupo com
Governo do Estado
Alcoolistas alcoolistas
Diagnóstico e tratamento de distúrbios do
Clínica Psicológica Infantil Particular
comportamento infantil
Tratamento de doenças mentais de
Hospital Juliano Moreira Governo do Estado
crianças e adultos
Diagnóstico e tratamento de distúrbios do
Instituto Neurológico da Bahia Particular
comportamento infantil
Acompanhamento diagnóstico e
Manicômio Judiciário terapêutico de população de criminosos Governo do Estado
psicóticos
Pesquisa e assistência psicológica em
Penitenciária Lemos de Brito Governo do Estado
população de criminosos não psicóticos
Sanatório Bahia Tratamento de doenças mentais de adultos Particular
Sanatório São Paulo Tratamento de doenças mentais de adultos Particular
Serviço de Reabilitação Reabilitação de crianças (encefalopatias) e
Particular
Motora adultos
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base na análise de documentos dos arquivos da CAD e
FFCH/UFBA.

As condições estruturais e metodológicas de realização dos estágios apresentavam


inadequações e os formandos de 1976 relataram sua insatisfação, reivindicando melhores
condições, através de correspondência aos professores do departamento:
112

O estágio se reveste de grande significado para nós, uma vez que ele se nos
apresenta como última chance de aprender alguma coisa dentro do curso de
Psicologia, tão carente de atividades práticas. Por isso, vimos sentindo a
necessidade premente de termos boas condições de trabalho durante o estágio:
supervisão, local adequado, disponibilidade em termos de metodologia e área
desejada. Isso não tem sido encontrado desde que o 5º ano existe. Pelo
contrário: à medida que os anos vão passando, os problemas relativos a estágio
se agravam, sem que se apresente solução que ponha termo à situação.11

Diante da oferta de estágio e das condições para sua realização, apresentadas acima, cabe
inquirir: qual era a demanda efetiva dos discentes e suas prioridades por áreas de estágio?
Analisemos os dados referentes à média aritmética simples da oferta e da demanda de estágio,
por área, nos anos de 1976 e 1977. Conforme explicitado no Gráfico 6, percebe-se que a oferta
de estágio nas áreas clínica, educacional e industrial, nesses dois anos, foi de 34,5; 14 e 31,5
vagas, respectivamente. A média da demanda, nessas mesmas áreas, foi de 39,5; 5,5 e 33,5
discentes. A área clínica teve oferta e demanda mais altas que as outras duas, vindo a área
industrial em segundo lugar. Observa-se, ainda, que as áreas clínica e organizacional tiveram
uma demanda maior que a oferta, ou seja, a oferta disponível não foi capaz de suprir a
necessidade de estágio nas áreas requisitadas, naquele momento. No caso da área educacional,
por sua vez, evidencia-se que a oferta superou a demanda e que a área foi a menos procurada
pelos discentes para a realização do estágio curricular, nos anos analisados.

Gráfico 6 - Oferta e demanda por área de estágio em Psicologia – FFCH/UFBA - 1976 e 1977

45
39,5
40
34,5 33,5
35 31,5
Oferta x Demanda

30
25
20
14
15
10 5,5
5
0
Clínica Educacional Industrial
Áreas
oferta demanda

Fonte: Atas do Departamento de Psicologia de 23.08.1976 e 05.07.1977. Arquivo FFCH/UFBA

11
Correspondência assinada pelos discentes do curso de psicologia, encaminhada ao Departamento do curso de
Psicologia, datada de 16 de agosto de 1976. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
113

Após analisar os dados disponíveis sobre a demanda por estágio, evidencia-se o


direcionamento para a área clínica naquele período. Inicialmente indagamos: o que ocorria com
a área da licenciatura em psicologia e da psicologia educacional, na esfera mais ampla das
políticas de Estado? Primeiro, durante a década de 1970, as políticas implantadas pelos
governos militares no âmbito da educação de primeiro e segundo graus, não incentivaram a
procura pela formação de licenciados em psicologia. Com a reforma do ensino de segundo grau
e a aprovação da Lei 5692/7112, as disciplinas de psicologia, dentre outras da área de Ciências
Humanas foram retiradas do currículo do segundo grau. O ensino Normal, tal como existia
antes, desapareceu, extinguindo-se também os Institutos de Educação. O curso Normal passou
a constituir uma das habilitações do ensino de segundo grau: Habilitação para o Magistério.
Segundo, consideramos um fator que pode ter impactado na reduzida demanda em relação à
Psicologia Educacional, no período. No âmbito da UFBA, a Reforma Universitária
desmembrou os cursos que integravam a FFCH e foi criada a Faculdade de Educação, que
passou a ministrar as disciplinas de Psicologia Educacional. O Programa do curso de psicologia
não poderia oferecer disciplinas que repetissem esses conteúdos, por determinação da Reforma
de 1968. O conteúdo específico da Psicologia Educacional foi excluído do programa do curso
de psicologia, em detrimento da formação dos discentes do curso. (CARVALHO, 1979b;
ARAPIRACA, 1979; BARBOSA, 2011; SAVIANI, 2008; LIRA, 2010).
Por sua vez, verificou-se a relevância da demanda por estágio na área industrial, que, se
por um lado, pode estar associada à importância da psicotécnica, no período, por outro, não se
pode desvincular tal demanda dos fatores político e econômico, uma vez que, durante a década
de 1970, Salvador recebeu investimentos públicos que expandiram seu polo industrial e
tecnológico. Como já dito, a Bahia entrara numa “onda modernista”, através do Plano Estadual
de Desenvolvimento e implementação do CIA e o Estado incentivou a vinda de indústrias para
a região, oferecendo benefícios e isenções fiscais. A oferta de empregos se expandiu,
relativamente, com a indústria e favoreceu a abertura de mercado baiano para os profissionais
psicólogos recém-formados e para oferta de estágios na área. O campo era atrativo para os
discentes que buscavam estágios remunerados em empresas e indústrias, conveniadas ou não,
que ofereciam oportunidades para esses discentes.

12
BRASIL. Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 ago. 1971. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-publicacaooriginal-1-
pl.html. Acesso em: 29 abr. 2020.
114

Sobremodo, o contexto político e cultural da época favorecia a prevalência pela clínica.


Embebidos nessa Zeitgeist ou “espírito da época”, os discentes do curso investiram na formação
clínica, na psicoterapia e em seguida na psicanálise. Seguiam um movimento que envolvia
também os docentes, e não só os professores psiquiatras. A primeira geração de professores do
curso era, em parte, composta por graduados em filosofia e pedagogia que atuavam com
avaliação psicológica e uso de psicotestes, no campo escolar e do trabalho. Ao longo da
primeira década do curso muitos deles foram se especializando em psicologia clínica. Esse fato
se refletia nas áreas de estágio oferecidas. A clínica era a que possuía maior contingente de
professores, seguido pela área industrial e por último a área educacional. Em sua dissertação de
mestrado, Carvalho (1979b) analisou os currículos dos professores, suas histórias de vida e
formação e concluiu que

[...] a maioria advém da área clínica; ou advém e está na área clínica, ou não
advém, mas está na área clínica. Quase todos os professores do curso têm uma
formação terapêutica (sobretudo os mais antigos) e exercem sua profissão,
principalmente no exercício da clínica. Não são, pois, estranháveis as escolhas
dos alunos, sobretudo se reporta ao prestígio desfrutado pelo modelo
terapêutico, em detrimento do modelo preventivo (CARVALHO, 1979b,
p.221-222)

Outra parte do corpo docente era formada por médicos psiquiatras, o que colaborou para
a recepção de teorias de base psicopatológica e psicanalítica no curso e, consequente formação
clínica dos discentes. A trajetória de João Mendonça é emblemática no sentido do poder
hegemônico que a medicina teve na Bahia e que se espraiou também no curso de psicologia.
Foi ele o criador do projeto de instalação do curso de psicologia, tendo lutado por sua
implantação ao longo da década de 1960. No entanto, só pode acompanhar o curso por apenas
um ano, pois faleceu em 1969. De pronto, outros psiquiatras ingressaram no curso. A relação
institucional entre o Departamento de Psiquiatria da FMB e o Departamento de Psicologia se
iniciou já em 1969, quando os professores Luiz Fernando Pinto e Caio Flamínio Silva de
Carvalho foram colocados à disposição do curso, naquele momento de estruturação do
departamento. Caio Flamínio não era médico, mas fazia parte da Clínica Psiquiátrica do
Hospital das Clínicas, onde atuava como psicoterapeuta13. Ao final da década, o departamento
contava com um contingente expressivo, em torno de 30%, de médicos psiquiatras. Foram eles:
Eduardo Saback Dias de Morais (1969), Luiz Fernando Matos Pinto (1969), Gilda Bacal Fucs
(1971), Maria Eugênia Vieira Nery (1971), Irineu Fileto Brito Gomes (1972), Mário Henrique

13
Ata do Conselho Departamental da FFCH/UFBA, de 17 de setembro de 1969. Fonte: Arquivo FFCH/UFBA.
115

Soares Nascimento (1972), Jairo da Silva Gerbase (1973), Raphael Britto Portella (1973),
Francisco Martins Ferraz (1975). Além desses médicos, outros contribuíram por curto período,
entre 1968 a 1980, em algumas disciplinas, conforme registro de planos de aulas e atas do
departamento, como por exemplo: Gilberto Ribeiro Matos, Antônio Carlos Silva Dantas,
George Alakija, Anibal Silvany Filho, Dival Porto, Orlando Sales, Sabino Silva e, por fim,
Naomar de Almeida Filho, no final da década de 1970. Como rememora a entrevistada Denise
Coutinho, “era um curso que tinha muitos médicos como professores nossos, muitos médicos e
ainda não tinha essa ideia da Psicologia como produção de conhecimento. [...] Então nós
erámos colonizados pela Medicina mesmo”. (Informação verbal)14
No âmbito do programa curricular do curso de psicologia encontramos alguns registros
da oferta de disciplinas ministradas por psiquiatras15. No conjunto das disciplinas de
psicopatologia, havia Psicopatologia Geral I e II, ministradas nesse período por Eduardo Saback
Dias de Morais, Irineu Fileto Brito Gomes, Maria Eugênia Vieira Nery, Jairo da Silva Gerbase
e Francisco Martins Ferraz; Psicopatologia Sexual, conduzida por Gilda Fucs; Psicopatologia
infanto-juvenil, ministrada por Maria Eugênia Vieira Nery, Irineu Fileto Brito Gomes ou Jairo
da Silva Gerbase. Os médicos psiquiatras também ministraram outras disciplinas, como,
Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia do Excepcional, Psicologia Diferencial, Elementos
de Psicossomática, Psicologia da Personalidade, Psicologia Social e Teorias e Técnicas
Psicoterápicas. Os professores Irineu Fileto, Jairo Gerbase, Mario Nascimento e Maria Eugênia
Nery foram indicados também para conduzir o Estágio Supervisionado. Quais conteúdos eram
ministrados nesses estágios na clínica? Conforme documentos do planejamento semestral de
1974, o professor Ireneu Fileto Brito Gomes descreveu as atividades que pretendia realizar com
os discentes do quinto ano do curso. Tendo como local de estágio a Casa de Saúde Ana Nery,
o professor Irineu se propunha a supervisionar os atendimentos individual e em grupo com os
internos, além de organizar a participação dos supervisandos na comunidade terapêutica,
incluindo-os nos Grupos Operativos, nas Micro Assembleias das Alas, nas reuniões clínicas e
técnicas, nos seminários de psicopatologia dinâmica e nas reuniões de supervisão das
atividades. Por sua parte, o professor Jairo Gerbase, realizava estágio clínico com os alunos do
primeiro semestre de 1975 no Ambulatório Osvaldo Camargo. O estágio de 225 horas era
composto de atividades teóricas com dois seminários semanais, um sobre a psicanálise
freudiana e outro sobre psicoterapias breves com leitura de textos de Jay Haley, David Cooper,

14
Depoimento de Denise Maria Barreto Coutinho (2019)
15
Relação de disciplinas ministradas e seus respectivos professores, na década de 1970. Fonte: Arquivo
CAD/UFBA.
116

Ronald Laing, Maud Mannoni, Héctor Fiorini e Norman Kellsemann. Na parte prática do
estágio, os discentes atendiam individualmente dois pacientes sob supervisão do professor,
participavam dos grupos terapêuticos do ambulatório e eram orientados a realizarem
psicoterapia pessoal16.
Os médicos psiquiatras tiveram também uma expressiva atuação na gestão do
Departamento e na Direção da FFCH durante a década de 1970. João Inácio de Mendonça foi
o primeiro chefe de departamento do curso. Após sua morte, em 1969, foi substituído
interinamente pelo vice-diretor da FFCH Joaquim Batista Neves. Em 1970, Eduardo Saback
assumiu o departamento, mantendo-se na chefia por duas gestões (1970-1971 e 1972-1973).
Em seguida, assumiu a professora, psicóloga e doutora pela Universidade de Lyon, na França,
Gizelda Morais (1974-1975). Em 1976 assumiu outro psiquiatra, o professor Mário
Nascimento, atuando, também, por duas gestões (1976-1977 e 1978-1979)17. A gestão dos
médicos psiquiatras foi, igualmente, preponderante na Direção da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas. A partir da segunda metade da década de 1970, o professor Saback assumiu
a vice direção (1974) e, em seguida, a direção por duas gestões consecutivas (1976-1980 e
1981-1984)18. Ato contínuo, foi substituído por outro professor do curso de psicologia e médico
psiquiatra Mário Nascimento (1984-1988).
A atuação profissional dos professores psiquiatras extrapolava o âmbito da universidade.
Além de ministrar aulas no curso de psicologia, também dedicavam horas de trabalho nos seus
consultórios particulares, nas clínicas psiquiátricas e nas instituições asilares e judiciárias da
cidade de Salvador. Atuavam como médicos plantonistas, médicos legistas ou peritos judiciais.
A cidade de Salvador possuía, à época, cinco instituições de médio e grande porte: o Hospital
Juliano Moreira, o Sanatório Bahia, a Casa de Saúde Santa Mônica, a Casa de Saúde Ana Nery
e o Sanatório São Paulo. A rede de atendimento psiquiátrico englobava também o ambulatório
Mário Leal e o ambulatório Osvaldo Camargo, a Clínica particular AMEPE, o Manicômio
Judiciário e a Penitenciária Estadual Lemos de Brito, dentre outras.
Naquele contexto de graves violações dos direitos humanos, essas instituições
psiquiátricas poderiam receber para internamento e tratamento, ex-presos políticos, vítimas de

16
Planejamento de Estágio Supervisionado do curso de Psicologia da FFCH/UFBA. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
17
Fonte: Documentos e Atas dos arquivos CAD e FFCH/UFBA.
18
Professor Eduardo Saback assumiu a Direção da FFCH, conforme Ata de transmissão do cargo do então diretor
José Calazans, em 30.07.1975. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
117

torturas impetradas pelos militares19. Um caso emblemático, que foi apresentado em minúcias
no Relatório da Comissão Nacional da Verdade sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, pelo
escritor e jornalista Emiliano José, é o da jovem baiana Nilda Carvalho Cunha, morta em 14 de
novembro de 1971. Quando morreu, estava com sintomas de cegueira e asfixia, em
consequência de envenenamento durante a prisão. Nilda Carvalho Cunha era estudante
secundarista e foi presa em Salvador, por ocasião da morte de Iara Iavelberg, por agentes do
DOI/CODI e levada para o Quartel do Barbalho, em 20 de agosto de 1971, e depois transferida
para a Base Aérea de Salvador. Ela foi libertada, dois meses mais tarde, muito fragilizada em
decorrência das bárbaras torturas físicas e psicológicas a que havia sido submetida, além de ter
presenciado os maus-tratos sofridos por seu namorado, Jaileno Sampaio.
Dez dias antes da morte da referida jovem, em 04 de novembro de 1971, o psiquiatra
Eduardo Saback recomendou internamento e tratamento - Sonoterapia - e Nilda foi internada
na Clínica AMEPE. No mesmo dia, os enfermeiros tentaram evitar a entrada do seu carrasco,
Major Nilton Albuquerque Cerqueira, mas ele se apresentou também como médico e não
puderam evitar. O estado de Nilda se agravou e, depois de 48 horas na Clínica AMEPE, o Dr.
Saback aconselhou internamento num hospital e, sob efeito de sedativos, foi transferida para o
Sanatório Bahia, onde faleceu. As dúvidas e questionamentos que se seguiram após a morte
dessa jovem deixaram um mistério inexplicável. Nem mesmo o corpo clínico do sanatório fora
encontrado para dar maiores explicações à sua mãe, a senhora Esmeraldina.

Todos se surpreenderam, até mesmo o Dr. Saback, que anexou um relatório


ao prontuário deixando Dona Esmeraldina fora de si. Saback visitou Nilda nos
dias 8, 11 e 13 de novembro e, aos poucos, foi reduzindo a medicação, por
notar que psiquicamente ela estava se recuperando e o estado físico
encontrava-se "nos limites da normalidade". Quando soube da morte, diante
da ausência de causa física, ele solicitou "necropsia para esclarecimento". Só
40 dias depois, o "Nina Rodrigues" fornece os resultados — "edema cerebral
a esclarecer e excesso de barbitúricos no sangue" — que não desvendam o
mistério. Dona Esmeraldina não suporta. Cai numa crise depressiva e é
internada no Sanatório Ana Nery. Sai de lá procurando todo mundo: onde está
o Dr. José Raimundo Caribé, diretor do Sanatório Bahia? Não estava mais lá.

19
Sobre os centros de tortura existentes em Salvador, a Comissão Estadual da Verdade - Bahia identificou 11
centros de repressão (locais de prisões políticas). Segundo a CEV, o Forte do Barbalho foi o maior centro de tortura
na Bahia. Cita que as torturas a presos políticos eram iniciadas na Polícia Federal, situada em frente ao Mercado
Modelo, já demolido. Os presos políticos ficavam recolhidos na Galeria F da Penitenciária Lemos Brito. Revela
também que a Base Aérea de Salvador, criada em 1942, em função da Segunda Guerra Mundial, foi grande centro
de tortura e tempos depois foi flagrada queimando documentos da ditadura que a incriminavam. Os outros centros
de tortura citados são: Quartel da PM na Avenida Dendezeiros, 19º Batalhão de Caçadores, Quartel de Amaralina,
Quartel General da PM nos Aflitos, Forte de Santo Antônio Além do Carmo, Quartel dos Fuzileiros Navais e Forte
de São Pedro. Fonte: Mapa da Repressão e Resistência durante a ditadura militar na Bahia. Disponível em:
http://www.comissaodaverdade.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=12 . Acesso em: 20 mar 2019.
118

Onde está o Dr. Saback? Tinha viajado para a Europa. E os médicos do


AMEPE? Todo mundo tinha sumido. (JOSÉ; MIRANDA, 2015)

Os médicos do Sanatório Bahia não puderam informar a ‘causa morte’ e o psiquiatra


Irineu Fileto Brito Gomes, professor do curso de psicologia da UFBA e médico plantonista,
solicitou o exame cadavérico ao Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, que declarou “Edema
Cerebral a esclarecer” no Atestado de óbito. O resultado da autópsia não foi entregue à família
e sim à Polícia Federal. A mãe de Nilda, Dona Esmeraldina, desesperada com a morte da filha,
passou a fazer denúncias e protestos em praça pública e, certo dia, apareceu enforcada, em
circunstâncias inexplicadas. (JOSÉ; MIRANDA, 2015; BRASIL, 2014)
Um outro caso que trazemos, de modo mais sucinto, é do preso político Wesley Macedo
de Almeida, integrante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) que atuava na
cidade de Jequié, interior da Bahia. Após sua prisão, onde foi barbaramente torturado, foi
declarado mentalmente incapaz. Encontrava-se preso no Manicômio Judiciário, vindo da
Penitenciária Lemos de Brito, quando foi pedido judicialmente o exame de sanidade mental que
seria assistido pelo médico Francisco Martins Ferraz, professor do curso de psicologia da UFBA
e psiquiatra do Manicômio Judiciário20. (SOUZA, 2013)
Foi nesse contexto de autoritarismo, violência, medo, insegurança e silenciamentos, que
a psicologia, enquanto disciplina e profissão, se projetou e se expandiu no mercado de trabalho,
no campo das psicoterapias. Recrudescia-se as posições de “neutralidade” como estratégia de
conduta clínica e o silenciamento, como forma de sobrevivência, num ambiente de horror.
Privilegiou-se um modelo de atuação profissional de cunho individualizante, pouco afeita às
discussões ou intervenções num campo socialmente mais amplo. No espaço privativo dos
consultórios, os psicoterapeutas direcionavam o tratamento para as questões de caráter
individual, para ajustar os sujeitos à sociedade, excluindo os determinantes sociais no processo
terapêutico. As dores, angústias e sofrimentos eram tomados como questões de ordem
individual e localizada no interior de cada um e assim eram tratadas. Nesse momento, a
psicologia ganhava espaço como a ciência que avaliava, diagnosticava, analisava e definia
padrões de normalidade mental e social, a personalidade, as emoções, a inteligência, através de
testes psicológicos e psicoterapia. (COIMBRA, 1995).
Ao tempo em que a sociedade baiana se urbanizava e se modernizava, assimilando termos
e conceitos da psicologia na linguagem cotidiana, a psicologia clínica, individualizada,

20Disponível em:
<http://bnmdigital.mpf.mp.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=BIB_04&PagFis=42662&Pesq=francisco%20m
artins%20ferraz> Acesso em: 20 mar 2018.
119

reparativa e terapêutica, ganhava cada vez mais adeptos. A censura e as proibições foram molas
propulsoras para a psicologia clínica. Os consultórios privados tornaram-se os ambientes
protegidos para as narrativas, talvez de dor, talvez de violências impetradas, que não se podia
revelar publicamente. O esvaziamento do espaço público e a radicalidade do autoritarismo de
estado, estimularam a busca pela interioridade individual. (COIMBRA, 1995) Estavam dadas,
assim, as condições impulsionadoras do surgimento da psicoterapia, como um novo campo
profissional, que absorveu grande parte dos psicólogos baianos recém formados, naquele
período.
Ao longo desta seção e da anterior, apresentamos as evidências resultantes das análises
quantitativas e qualitativas das informações e dos dados obtidos, relacionados ao primeiro
objetivo específico proposto para este trabalho, qual seja, analisar a emergência e
desenvolvimento da psicologia na Bahia, que culminou na implantação do curso de graduação
da Universidade Federal da Bahia, tendo como pano de fundo o cenário político da época. Numa
síntese, verificamos que o processo de formação e consolidação do curso de psicologia da
FFCH/UFBA foi concretizado depois de diversos entraves burocráticos e políticos. Sua plena
resolução atendeu uma demanda reprimida não só do Estado, mas de toda a região Nordeste do
país. A conjuntura política, determinada pelos ditames dos tecnocratas do regime militar
impactou na vida acadêmica universitária, o que exigiu dos discentes de psicologia resistência
para lidar com a tensão política naqueles anos iniciais do curso. Nesse contexto, o curso foi
positivamente recebido pela sociedade baiana, e, apesar das diversas mudanças de sede e
dificuldades estruturais, manteve a posição favorável, conforme demonstra o quantitativo de
matrículas. O curso atendia a uma demanda da classe média baiana, que via a psicologia como
uma profissão liberal e uma oportunidade para ascender socialmente. Verificamos o perfil dos
ingressantes no curso, naquele primeiro momento, formado majoritariamente por mulheres.
Também mostramos, aqui, as diversas instituições que atenderam às demandas de estágio
supervisionado nas áreas clínica, educacional e industrial, além da forma como tais espaços
contribuíram para o processo prático formativos dos discentes. Verificamos, ainda, que o
ingresso dos discentes nos espaços institucionais psiquiátricos, favoreceu o campo
psicoterapêutico, ampliando a demanda pela clínica de cunho mais individualizado e
direcionado às camadas médias urbanas que podiam pagar e se beneficiar desse serviço. Na
próxima seção, analisaremos o processo de recepção e circulação da Análise Experimental do
Comportamento e da Psicanálise no curso de psicologia.
120

6 RECEPÇÃO DA PSICOLOGIA EXPERIMENTAL E DA PSICANÁLISE NA BAHIA:


ASPECTOS TEÓRICOS E POLÍTICOS

Ao longo desta seção, iremos analisar o modo como a Análise do Comportamento e a


Psicanálise foram recebidas pelo campo acadêmico da psicologia - compreendido por
instituição, docentes e discentes - na cidade de Salvador, no período correspondente aos anos
de 1968 a 1980. Nas subseções sobre a recepção da Análise do Comportamento, apresentaremos
uma contextualização sobre a contribuição da Universidade de São Paulo (USP) à formação
dos primeiros analistas do comportamento no Brasil, para, a partir daí, desenvolvermos uma
narrativa sobre a influência da USP no processo de implantação do laboratório de Psicologia
Experimental do curso de psicologia da FFCH/UFBA e na formação e aperfeiçoamento de seu
quadro de professores. Em seguida, analisaremos o modo como a psicanálise foi recebida e
apropriada pela comunidade acadêmica e pelos profissionais do campo “psi”, na Bahia.
Procuramos, igualmente, compreender como se deu a circulação da psicanálise, entre os anos
de 1968 a 1980, à luz das múltiplas dimensões envolvidas no fenômeno, ou seja, as condições
sociais e políticas que possibilitaram a emergência da cultura psicanalítica no país, refletindo
sobre a importância do grupo do Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP), representado pelo
psicanalista didata Carlos Pinto Corrêa, integrante do CBP de Minas Gerais e o grupo de
psicanalistas argentinos, capitaneado por Emílio Rodrigué, que aportou em Salvador fugindo
da ditadura em seu país. (RODRIGUES, 2001)
Utilizamos o conceito de recepção proposto por Dagfal (2004), que analisa o modo como
teorias desenvolvidas em uma cultura podem ser compreendidas em outra cultura, envolvendo
as ações de acolhida e intercâmbio, sem deixar de lado as características próprias do campo
disciplinar em questão, suas problemáticas e interesses intelectuais. Ademais, o conceito de
indigenização auxiliou na compreensão de que o conhecimento psicológico produzido
localmente produz questões distintas do contexto internacional em que foi produzido
originalmente, ultrapassando a análise de uma relação centro-periferia em que se considerava
que teorias desenvolvidas em um país central seria passivamente absorvida pelos indivíduos de
países periféricos, como o Brasil. (DANZIGER, 1984, 2006; DAGFAL, 2004; PICKREN,
RUTHERFORD, 2010; BRANCO, CIRINO, 2017)
121

6.1 A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO NO BRASIL: CONTRIBUIÇÃO DA USP À


FORMAÇÃO DOS PRIMEIROS PSICÓLOGOS DA FFCH/UFBA

Na primeira metade do século XX, versões anteriores ao Behaviorismo Radical de


Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), já eram recebidas no campo educacional brasileiro.
Desde os anos de 1920 que educadores brasileiros já haviam se apropriado do pensamento de
J.B.Watson1 através de sua obra Manifesto Behaviorista e de conceitos e ideias de importantes
autores do condicionamento clássico, como Thorndike e Pavlov. (CIRINO et al., 2013) O
interesse pela Análise Experimental do Comportamento (AEC) continuou em evidência no
Brasil, nas décadas posteriores, e o trabalho de experimentação, envolvendo animais em
laboratório, ganhou novos adeptos, crescendo o interesse por uma psicologia experimental,
integrada ao campo das ciências naturais.
Especificamente em São Paulo, há registro de que foi a partir de Paulo Sawaya2, então
diretor do Instituto de Psicologia da USP − que concebia a psicologia como uma ciência natural
no campo da Fisiologia − que surgiram as condições para a recepção da Análise do
Comportamento, bem como para a vinda de Fred Simmons Keller em 1961 ao Brasil. Sawaya
tinha como projeto incrementar o modelo de pesquisa experimental na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL/USP) e seu conhecimento sobre os
trabalhos de Pavlov, Thorndike e Watson já se evidenciava no capítulo do livro sobre psicologia
animal, intitulado A Psicologia Moderna, organizado por Otto Klineberg e publicado em 1953.
(MIRANDA; CIRINO, 2010; MIRANDA, 2010; DOMINGUES, 2019)
Assim, a convite de Paulo Sawaia, o professor de psicologia na Universidade de
Columbia, EUA, Fred S. Keller, veio para o Brasil no ano de 1961 como professor visitante da
USP, o que fez desse ano um marco temporal representativo do início da Análise
Comportamental no país. Keller era um pesquisador e professor de Análise do Comportamento
e do Behaviorismo Radical, desenvolvido pelo psicólogo americano B. F. Skinner, e divulgador
dessa filosofia. Keller escreveu, dentre vários outros trabalhos, o livro Princípios de Psicologia,
em coautoria com W. N. Shoenfeld, em 1950. Durante seu doutoramento em Harvard,

1
John B. Watson (1878–1958) é apontado como principal precursor do Behaviorismo clássico, escola psicológica
surgida na segunda década do século XX. O marco inicial foi a publicação, em 1913, do artigo A psicologia como
o behaviorista a vê, também conhecido como Manifesto Behaviorista. Nesse artigo, Watson define a psicologia
como um ramo das ciências naturais e propõe que os métodos utilizados na psicologia comparada poderiam ser
utilizados na psicologia em geral para produzir dados objetivos sobre o comportamento, o que, segundo sua crítica,
não era possível com o método introspectivo.
2
Paulo Sawaya (1903-1995) era médico com doutorado em Zoologia e foi professor de Fisiologia Geral e Humana
para o curso de Psicologia da USP.
122

concluído em 1931, estudou o comportamento animal, iniciando com tartarugas, depois


camundongos e, finalmente, com ratos albinos, utilizando o labirinto experimental como
instrumento de estudo, passando, posteriormente, a utilizar a caixa de condicionamento
operante, junto com Skinner, de quem foi colega e amigo. (MIRANDA, 2010)
No Brasil, Keller trabalhou inicialmente na USP. Ocupou a cátedra de Psicologia
Experimental, entre 1961 e 1962, e foi o precursor do uso do laboratório de condicionamento
operante para o ensino da Análise Experimental do Comportamento no Brasil (MATOS, 1998;
CIRINO et all, 2012) O laboratório de Análise do Comportamento e o uso da caixa de
condicionamento operante teriam como função didática fazer os estudantes realizarem
experimentos e não apenas ler sobre eles, mas, também, de iniciá-los no pensamento e métodos
da ciência de laboratórios. (TODOROV, 2006; MIRANDA, 2010; POLANCO; MIRANDA;
2014)
Na sua chegada à USP, Keller teve como assistentes os professores Carolina Bori 3 e
Rodolpho Azzi4, além da estudante de graduação do curso de psicologia, Maria Amélia Matos.
Keller ministrou dois cursos na USP, sendo eles Psicologia Experimental e Psicologia
Comparada e Animal, ocasião em que ministrava aulas teóricas e exercícios práticos, esses
últimos realizados em um laboratório que construiu juntamente com Rodolpho Azzi. O
conteúdo das aulas visava instruir os discentes sobre as bases conceituais da Análise
Comportamental. Esse foi o primeiro contato que docentes e estudantes brasileiros tiveram com
a Análise do Comportamento e seu ensino trouxe importantes consequências para a evolução
da psicologia, inicialmente em São Paulo, e, em seguida, no restante do país. (PESSOTTI, 1988)
As caixas de condicionamento operante foram adaptadas por Rodolpho Azzi.
Posteriormente, foram substituídas por uma versão desenvolvida por Mario Arturo Alberto
Guidi5, mantendo a finalidade de ensino do aparelho original. Mario Guidi desenhou e construiu
o modelo de caixa de Skinner, associando-se à Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do

3
Carolina Martuscelli Bori (1924-2004) era professora titular da cadeira de Psicologia Educacional na Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro e professora assistente de Psicologia da USP, onde permaneceu até
1994, ano de sua aposentadoria. Era formada em Pedagogia (1947) pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
da USP, com mestrado pela New School for Social Research de Nova York, tendo trabalhado inicialmente na
tradição de Kurt Lewin. (TODOROV, 2006; MATOS, 1998).
4
Rodolpho Azzi (1927-1993) foi aluno da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, professor na
Universidade Nacional do Paraguai, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto (SP),
na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (SP), na Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da USP e no Instituto de Psicologia da UNB. (Homenagem a Rodolpho Azzi, Revista Psicologia Ciência
e Profissão, vol. 30, n. 1, 2010, p. 228).
5
Mario Guidi era Instrutor do Departamento de Psicologia Social e Experimental da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP.
123

Ensino de Ciências (FUNBEC), que comercializou por todo o país os instrumentos e materiais
didáticos elaborados pelo Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC).
(MATOS, 1998; JACÓ-VILELA, FERREIRA, PORTUGAL, 2005; MIRANDA, 2010;
CIRINO et all, 2012; DOMINGUES, 2019) A caixa de condicionamento operante ou caixa de
Skinner, utilizada para fins didáticos,

[...] tinha importante papel no ensino de Psicologia, no geral, e de Análise do


Comportamento, especificamente. Isto porque, permitiria aos estudantes ver o
comportamento do animal ser modificado e, não apenas ler a respeito, bem
como, possibilitaria o desenvolvimento de habilidades de cientista, já que
utilizariam um instrumento de laboratório. (MIRANDA; CIRINO, 2010, p.
85)

Quanto a Keller, depois de sua passagem pela USP, retornou aos EUA e, em 1963, foi
convidado por Carolina Bori a retornar ao Brasil. Desta vez, para integrar o corpo docente do
Departamento de Psicologia da UnB, que estava se formando naquele momento. Integraram
esse grupo, os professores Carolina Bori, como presidente, Fred Keller, Rodolpho Azzi, John
Gilmour Sherman e Isaías Pessotti, dentre outros. Alguns assistentes de ensino e estudantes de
graduação, como Maria Amélia Matos, foram para a Universidade de Colúmbia, a fim de se
aperfeiçoarem e retornar a Brasília para fazer parte do corpo docente. (MATOS, 1998;
CÂNDIDO, 2014).
No movimento destinado à implementação do Departamento de Psicologia da UnB e na
assessoria a Darcy Ribeiro6 nos projetos e organização dos cursos de formação básica, o grupo
de professores de psicologia da UnB propôs o Personalized System of Instruction (PSI) e a
implantação de um laboratório de Análise do Comportamento. O PSI, traduzido como Sistema
Personalizado de Ensino, é uma metodologia de ensino embasada em princípios da Análise do
Comportamento, que surgiu como uma variante da Instrução Programada desenvolvida por
Skinner. Tornou-se conhecida na década de 1950 como um material instrucional para o ensino
planejado, tendo se disseminado por vários países, ganhando variações no Brasil. Dentre essas
variações, destaca-se o Sistema Personalizado de Ensino, idealizado pelos professores Fred
Simmons Keller, John Gilmour Sherman, Rodolpho Azzi e Carolina Bori, que passou a ser
utilizado como uma tecnologia mais ampla, envolvendo decisões sobre o processo de ensino.
O PSI foi completamente desenvolvido para a UnB e, durante a década de 1970, passou a ser

6
Darcy Ribeiro (1922 – 1997), mineiro, antropólogo e político brasileiro. Realizou trabalhos nas áreas de educação,
sociologia e antropologia. Foi o idealizador da Universidade Estadual do Norte Fluminense e, ao lado de Anísio
Teixeira, foi um dos criadores da Universidade de Brasília.
124

adotado em todo o país. (MATOS, 1998; TODOROV, 2006; TODOROV et all, 2009;
DOMINGUES, 2019)
Enquanto os processos de ensino de psicologia se desenvolviam no Brasil, influências
políticas interferiam nos centros acadêmicos provocando crises na evolução da docência. Logo
após o golpe militar e início da Operação Limpeza nas universidades, a UnB foi ocupada por
policiais militares e Exército. Vários professores e estudantes foram presos, inclusive o
professor Rodolpho Azzi. Em 19 de outubro de 1965, duzentos e vinte e três professores
pediram demissão coletiva, dentre eles, os professores de Psicologia: Carolina Martuscelli Bori
– coordenadora do Departamento; Alcides Gadotti, Isaías Pessotti, Luís Otávio Seixas de
Queiroz, Maria Helena Guedes, Maria Tereza de Araújo Menezes, Mário Guidi, Mariza
Antônia Gurgel Azzi, Marize Bezerra Jurberg e os professores visitantes Robert Norman
Berryman, Jean Nazzaro e Russel Nazzaro. (SALMERON, 1999). Em artigo mais recente,
Todorov e Hanna (2010) afirmam que “Dos professores de psicologia então em exercício, só
Robert Berryman permaneceu”. (TODOROV; HANNA, 2010, p. 147)
Após sua saída da UnB, Carolina Bori retornou à USP e passou a comandar o centro de
formação em Análise do Comportamento. Ajudou a criar e estruturar o Departamento de
Psicologia Social e Experimental do Instituto de Psicologia daquela universidade e montou
projetos de planejamento e construção de protótipos para equipamentos de ensino e pesquisa
no campo da Psicologia Experimental, Psicologia Sensorial, Psicofísica, Psicologia da
Aprendizagem e Análise Experimental do Comportamento. (TODOROV; HANNA, 2010)
Carolina Bori foi, na década seguinte, uma grande divulgadora do Sistema Personalizado
de Ensino. Ensinou diversos alunos a programarem o ensino através do que chamou Curso
Programado Individualizado (CPI). Posteriormente, Bori deu um rumo inteiramente novo ao
Sistema Personalizado de Ensino, elaborado por Keller, ao propor e implementar a Análise de
Contingências na Programação de Ensino (ACPE). A versão de Keller voltava-se para a análise
de textos a serem estudados e na avaliação, enquanto que a ACPE focava na análise de
habilidades e conhecimentos, que seriam necessários para o exercício de uma atividade, bem
como, no planejamento das condições de ensino favoráveis à sua aquisição (MATOS, 1998;
DOMINGUES, 2019). Referindo-se à ACPE, Maria Amélia Matos faz a seguinte análise:

[...] marcou inúmeras gerações de analistas do comportamento "bedesianos"


(isto é, que passaram pela pós-graduação em Psicologia Experimental quando
esta era ministrada no famoso Bloco 10, sede do Departamento de Psicologia
Experimental da USP, na Cidade Universitária). Esta opção representava uma
maneira particular de Carolina considerar a programação de ensino. Centrava-
se na identificação e análise das diversas contingências envolvidas nos
125

diferentes objetivos de ensino, e na programação de atividades que


garantissem essas contingências. Nesse sentido, realizava uma cuidadosa
análise comportamental desses objetivos e realmente revolucionou não só o
ensino em Psicologia Experimental, mas também em outras áreas, como a
Física, Química, Engenharia, Arquitetura etc. Eu diria mesmo que esta ênfase
particular que Carolina imprimiu ao Método Keller mudou-o radicalmente, de
um método para organizar um curso e ministrar aulas, em uma poderosa
técnica de planejamento de condições de ensino. (MATOS, 1998, p. 3-4)

A Psicologia Experimental foi, gradativamente, tornando-se ‘quase sinônimo’ de ensino


de Análise Experimental do Comportamento. Expandiu-se pelo país, tendo o ensino e a
pesquisa básica com animais como as mais fortes condições iniciais para isso. (MATOS, 1998)
O florescimento da Análise do Comportamento e o estabelecimento dos laboratórios estão
associados, por um lado, à obrigatoriedade do ensino de psicologia experimental, dada pelo
currículo mínimo e, por outro, à preocupação, por parte da comunidade acadêmica e
profissional em fornecer um caráter científico e, portanto, socialmente legitimado à nova
profissão. Desse modo, pode ser adotada nas universidades brasileiras, principalmente na sua
modalidade didática, conquistando espaço nos departamentos e institutos de Psicologia, como
a USP, a UnB, a PUC/SP, a UFPA e a UFMG. (MATOS, 1998; TODOROV, 2006;
ANTUNES, 2006; MIRANDA, 2010; TODOROV; HANNA, 2010)
Na UFBA, como veremos a seguir, a contribuição de Carolina Bori e de outros docentes
da USP, como Mario Guidi e Maria Amélia Matos é incontestável. Contribuíram desde os
primeiros anos para a formação e estruturação do curso, a implantação do laboratório de
Psicologia Experimental e a formação das primeiras gerações de docentes e analistas do
comportamento.

6.2 O LABORATÓRIO DIDÁTICO DE PSICOLOGIA EXPERIMENTAL DO CURSO DE


PSICOLOGIA DA FFCH/UFBA

A ciência é uma atividade coletiva e organizada em locais e por meio de instituições. No


campo da Historiografia das Ciências, instituições como os laboratórios e seus equipamentos
têm sido objetos de estudo a partir da perspectiva dos aspectos sociais, institucionais, culturais
e econômicos a eles relacionados. (PESTRE, 1996; LATOUR; WOOGAR, 1997) Na História
da Psicologia, os laboratórios foram descritos, inicialmente, de modo celebrativo e
cerimonialista. Tal modelo memorialista de fazer a história dos laboratórios e de seus
instrumentos passou a ser revisto, em face de seu caráter acrítico e descontextualizado.
Contemporaneamente, os laboratórios voltaram a ser objetos de interesse da História da
Psicologia e pesquisadores têm valorizado sua contribuição para a organização e a
126

institucionalização da psicologia como disciplina autônoma. (MIRANDA; CIRINO, 2016) As


discussões sobre os laboratórios e seus instrumentos se amparam na História da Ciência,
alicerçado nos Estudos Sociais da Ciência e, além das pesquisas que apontam os aspectos
disciplinares envolvidos na criação de laboratórios de psicologia, procura-se investigar, ainda,
como tais laboratórios responderam às demandas locais de suas comunidades. (DANZIGER,
1990; PICKREN, RUTHERFORD, 2010)
Os laboratórios de psicologia podem ser estudados sob diversos aspectos. Entre eles: a)
materialidade: sua estrutura física, organização de salas e equipamentos, que permitem
compreender a recepção e a circulação de conhecimentos psicológicos, a nível local; b) função
didática: através dos artefatos utilizados no processo de treinamento; as estratégias didáticas de
difusão de conhecimentos; as práticas para treinar novos membros da comunidade; as propostas
de ensino em vigor, os experimentos e os conteúdos didáticos, como, currículos, ementas e
programas; c) mecanismos de criação de comunidades: através da identificação de seus atores
sociais – pesquisadores, professores, estudantes ou agências de fomento − e interesses nas
disputas da ciência, envolvendo aspectos políticos, econômicos e culturais; d) usos sociais e
simbólicos: a partir das funções que os instrumentos de laboratórios adquirem, diversos da
formulação teórica que os produziram e de como as pessoas os utilizaram e os descartaram; e)
produção de conhecimento: através da observação das relações entre laboratório, instrumentos
e teorias que indicam como contribuíram para a configuração de novos domínios de
conhecimento. (MIRANDA; CIRINO, 2016)
No Brasil, os pesquisadores têm demonstrado que os laboratórios de psicologia tiveram
um papel didático importante para a formação em Psicologia Experimental. Como tal, têm sido
estudados acerca de suas potencialidades e adequação ao ensino na graduação de psicologia.
Há estudos que evidenciam a recepção e a circulação de conhecimentos psicológicos através da
instalação do laboratório como ferramenta didática, destacando a prevalência do uso das caixas
de Skinner nos laboratórios de Psicologia Experimental e a relevância da recepção da Análise
do Comportamento para o campo educacional no Brasil. (MIRANDA, 2010; MIRANDA,
CIRINO, 2010; CIRINO, MIRANDA, CRUZ, 2012; CIRINO, MIRANDA, SOUZA JR, 2012;
MIRANDA, 2014; DOMINGUES, 2019)
Na Bahia, o laboratório didático de Psicologia Experimental do curso de psicologia da
FFCH/UFBA esteve, desde seu projeto de implementação, fortemente vinculado aos psicólogos
formadores de análise do comportamento da USP. Os primeiros contatos com Carolina Bori,
no sentido de convidá-la a assessorar no processo de instalação do laboratório, tiveram início
em setembro de 1968 (Figura 2). O vice-diretor em exercício da FFCH, Joaquim Batista Neves,
127

ratificou por ofício o convite feito pessoalmente e acrescentou: “O Reitor Roberto Santos e o
Departamento de Psicologia estão vivamente interessados na vinda da Senhora o mais breve
possível”7.

Figura 2 - Primeira correspondência oficial entre Joaquim Batista Neves e Carolina Bori.

Fonte: Arquivos CAD/UFBA

7
Ofício nº 1043/68-DIR, emitido pelo Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Joaquim Batista Neves, em
26.09.1968. Fonte: Arquivos CAD/UFBA.
128

Carolina Bori respondeu em outubro (Figura 3), informando o recebimento do Ofício nº


1043/68 e sugerindo um encontro para o final desse mesmo mês com os professores do
Departamento de Psicologia da UFBA8.

Figura 3 - Carta emitida pela professora Carolina Bori

Fonte: Arquivos CAD/UFBA

8
Carta em papel timbrado da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, assinada por Carolina Bori em
10.10.1968, dirigida em Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Prof. Dr. Joaquim Batista Neves. Fonte:
Documento registrado sob o nº 8907, às fls. 42 do Livro nº 13 de Protocolo de Porta em 21.10.1968. Arquivos
CAD/UFBA.
129

Em novembro, Bori escreveu uma extensa carta a Batista Neves (quatro páginas), na qual
deu ciência do resultado da reunião com o grupo de professores e alunos do curso e apresentou
uma proposição para iniciar a implantação do laboratório de Psicologia Experimental 910. Bori
detalha nessa carta, que o laboratório pensado pelo grupo, “[...] deveria permitir o ensino de
Análise Experimental do Comportamento ao nível de introdução e ser suficientemente flexível
para servir também à pesquisa”. O grupo também definiu a introdução de uma metodologia
científica para a disciplina Psicologia Geral e Experimental, que serviria de apoio para o
treinamento dos estudantes no campo da experimentação, baseada nos princípios de Análise
Experimental do Comportamento. A partir dessa reunião com o grupo de professores e alunos,
registrada por Bori em sua carta para Batista Neves, ficou definida a vinda de um professor da
USP para instalar o laboratório e treinar pessoal, bem como a compra dos equipamentos
diretamente da FUNBEC.
Em sua carta, Bori deu orientações detalhadas, sugerindo a escolha do espaço, assim
como considerou a possibilidade de os exercícios de laboratório serem realizados por sub
grupos de alunos, com base no número de vagas do curso. Sobre o espaço para instalação do
laboratório, sugeriu que a sala deveria conter dez mesas de trabalho e ter uma área de 35 m2,
com piso fácil para limpeza e iluminação controlada por persianas. Além da sala do laboratório,
especificou também o espaço para o biotério, para abrigar os animais necessários aos exercícios
a serem realizados pelos alunos nos dois primeiros semestres do curso, que deveria ter, pelo
menos, quinze metros quadrados, para conter duas galerias de gaiolas. Sugeriu, da mesma
forma, que fossem evitados lugares úmidos e pouco ventilados e sempre com a instalação de
exaustor de ar. Sobre os móveis a serem instalados no laboratório, a professora indicou a
confecção de 13 mesas de 1,20 x 0,70 m, de fórmica ou outro material que pudesse ser limpo
com água ou desinfetante, sendo onze mesas para o laboratório “[...] uma para cada um dos
conjuntos de condicionamento operante e uma para o instrutor do curso[...]”, além de duas
mesas para o biotério, uma para a balança e pesagem dos animais e outra para o fichário e
anotações dos alunos. Bori argumentou sobre a importância do uso de mesas com boa
estabilidade “[...]para não se constituírem em uma variável pouco controlável[...]”, especificou,
também, a rede de instalação elétrica e tomadas suficientes para cada uma das mesas, que
deveriam ter 3 a 4 tomadas disponíveis para cada uma mesa e uma chave geral para controle da

9
Carta em papel timbrado da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, assinada por Carolina Bori em
14.11.1968, dirigida em Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Prof. Dr. Joaquim Batista Neves. Fonte:
Documento registrado sob o nº 9355, às fls. 66 do Livro nº 13 de Protocolo de Porta em 12.12.1968. Arquivos
CAD/UFBA.
10
Cf. Anexo B, p. 244
130

rede elétrica do laboratório e estabilidade de voltagem. Carolina Bori ainda detalhou


informações sobre os equipamentos e sua forma de aquisição, acrescentando que a FUNBEC
dispunha de balança para pesagem de ratos e do modelo de galeria de gaiolas, sob encomenda.
Cada conjunto de equipamento seria composto de câmara ambiente, painel de controle manual
e automático, cronômetro elétrico, painel de luz e dispositivo para lâmpada, estimulador de
choque, registrador gráfico e duas galerias de 30 gaiolas cada para abrigar o número de animais
necessários para os alunos do curso. Sobre o material bibliográfico para as aulas, a professora
indicou quatro títulos, a saber: Princípios da psicologia de Keller e Schoenfeld (1966); A
análise do Comportamento de Holland e Skinner (ainda em vias de publicação na época da
carta); Ciência do comportamento humano de Skinner (1966); e Manual de exercícios de
laboratório, de Guidi e Bamermeister (1967).
Os trâmites para a instalação do laboratório de psicologia na UFBA tiveram continuidade
no início de 1969. O professor Manoel Carlos Cavalcanti de Mendonça foi à São Paulo tratar
diretamente com a professora Carolina Bori11. Nesse ínterim, o reitor Roberto Santos autorizou
a aquisição do laboratório e o início da instalação e funcionamento, de acordo com as
orientações fornecidas por Bori12. Mas a diligência à São Paulo teve entraves. Batista Neves
registrou as dificuldades que surgiram por falta de informações detalhadas do pedido do
material para o laboratório e afirmou só ser possível a aquisição quando o pedido contivesse
tudo discriminado detalhadamente13. O pedido que fora feito não satisfez as exigências mínimas
requeridas, inclusive teria que ser chamado um arquiteto para fazer um estudo do local e
apresentar planta baixa para que fosse enviado junto aos demais detalhes do referido pedido. O
professor Manoel Carlos argumentou que houve falta de comunicação e pediu que alguém fosse
designado a ir se inteirar da verdade sobre o assunto em São Paulo para entender o que ocorreu.
O professor Batista Neves afirmou que o importante seria conseguir comprar os aparelhos para
o laboratório e insistiu em que alguém teria que refazer tudo. Ficou resolvido que seria
solicitado a vinda do responsável pelas aulas no laboratório antes mesmo da sua aquisição.
Batista Neves não ficou satisfeito com o andamento das transações e logo encaminhou um
ofício à professora Carolina Bori em que afirmou, “[...] o problema do laboratório não tem sido
bem encaminhado[...]”. Reconhecendo as dificuldades existentes pela falta de assistência e

11
Ofício n 177/69-DIR, emitido pelo Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Joaquim Batista Neves, em
25.03.1969. Fonte: Arquivos CAD/UFBA
12
Ata do Departamento de Psicologia, de 21.05.1969. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
13
Ata do Departamento de Psicologia da UFBA, datada de 05.08.1969. Fonte: Arquivo FFCH/UFBA.
131

assessoramento, pediu a indicação de uma pessoa para vir imediatamente a Salvador, seja um
assistente ou um professor para passar uma temporada na Bahia14.
Assim, em 02 de outubro de 1969, chegou à Bahia o professor Mário Guidi (Figura 4),
permanecendo em Salvador por cinco dias, ocasião em que assessorou nas providências
necessárias à implantação do laboratório de Psicologia Experimental15.

Figura 4 - Correspondência oficial entre Joaquim Batista Neves e Carolina Bori.

Fonte: Arquivos CAD/UFBA

14
Ofício nº 65/69-DIR, emitido pelo Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Joaquim Batista Neves, dirigido
à Carolina Bori, em 29.08.1969. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
15
Ofício nº 214/69-DIR, emitido pelo Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Joaquim Batista Neves, dirigido
a Carolina Bori, em 07.10.1969. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
132

Ao final de sua visita, Guidi preparou um parecer, informando que examinou os locais de
possível instalação do Laboratório de Psicologia Experimental na Faculdade de Medicina, onde
funcionava a FFCH, elegendo como o melhor local, a instalação então ocupada pela disciplina
de Fisiologia, por ter área disponível, adequada disposição das salas e um biotério já instalado.
Mário Guidi apresentou uma lista de aparelhos a serem adquiridos da FUNBEC (Figura 5), em
São Paulo, se comprometendo a enviar futuramente mais detalhes para a construção de 20
mesas para instalação dos aparelhos1617.

Figura 5 - Capa do catálogo de aparelhos para instalação de laboratórios de psicologia experimental –


FUNBEC- 1968

Fonte: Arquivos CAD/UFBA

Batista Neves solicitou da Reitoria da UFBA a dispensa de concorrência e licitação


pública para aquisição do material destinado ao Laboratório de Psicologia Experimental,
argumentando: “[...]que a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências
é a empresa única e exclusiva fabricante e fornecedora”18. Só em agosto de 1970 o material
para instalação do laboratório de Psicologia Experimental foi embarcado em São Paulo para

16
Parecer ao Vice-diretor da FFCH/UFBA, assinado por Mário Guidi – Instrutor do Departamento de Psicologia
Social e Experimental da FFCL/USP, em 07.10.1969. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
17
Cf. Anexo C, p.248
18
Ofício nº 491/69-DIR, emitido pelo Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Joaquim Batista Neves, dirigido
ao Reitor Roberto Figueira Santos, em 31.12.1969. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
133

ser, finalmente, instalado em março de 1971, ao custo, à época, de CR$90.000,00 (noventa mil
cruzeiros)19. Assim, após todos os trâmites legais e burocráticos, o primeiro laboratório de
psicologia experimental do curso de psicologia da UFBA foi instalado, em um espaço
construído nos fundos da antiga FMB, no Terreiro de Jesus, prédio que abrigou a FFCH entre
os anos de 1970 a 1974. O laboratório continha uma sala de professores com 13,59 m2, uma
sala de preparação de experimentos com 10,83 m2, um biotério com 12,48 m2 e um laboratório
de 31,25 m2.
O Laboratório de Psicologia Experimental da UFBA era esperado e necessário, do ponto
de vista legal, para a plena implantação do curso de psicologia e para a consecução de sua
formação didática. E, assim como a implantação do curso de psicologia, no que tange a sua
estrutura curricular, programas de ensino, conteúdos, bibliografias e, até mesmo a carga horária
de cada disciplina, o laboratório de psicologia experimental da UFBA foi sendo gestado,
construído e adaptado paulatinamente.
A disciplina Psicologia Geral e Experimental era ministrada de forma parcial,
contemplando apenas parte dos conteúdos. (CARVALHO, MORAES, 1998) Pela inexistência,
naquele momento, do laboratório de psicologia experimental, necessário para que se pudesse
abordar os conteúdos básicos da aprendizagem de acordo com os princípios da Análise
Experimental do Comportamento, a professora Mercedes ministrou a disciplina apenas com
conteúdo teórico da Psicologia Geral. O Plano da disciplina Psicologia Geral, iniciado em 1968,
foi dividido em cinco Unidades e tratava sobre:

I - Evolução histórica do objeto da psicologia, Métodos, procedimentos e


técnicas de investigação, Análise e observação, Conceito e classificação dos
fatos psíquicos;

II - Afetividade – tônus afetivo e emoções;

III - Atividade – reflexos, instintos, hábitos, volições;

IV - Inteligência, percepção e pensamento;

V - Comunicação, expressão e linguagem. 20

Em 1970, a disciplina do currículo mínimo Psicologia Geral e Experimental foi


desdobrada. Por força de uma alteração na grade curricular do curso de psicologia da UFBA,
Psicologia Geral e Experimental I, II, III e IV, passou a ter 90 horas aulas cada. Nesse ano, a

19
Atas do Conselho Departamental de 31.08.1970 e 02.03.1971. Fonte: Arquivo FFCH/UFBA.
20
Programa da disciplina Psicologia Geral para 1968. Arquivo FFCH/UFBA
134

primeira turma do curso de Psicologia, que já estava no terceiro ano, ainda aguardava um
professor que pudesse ministrar essas disciplinas.
Carolina Bori indicou as professoras Marilena Ristum21 e Márcia Regina Bonagamba
para ministrarem as disciplinas de Psicologia Geral e Experimental. (CARVALHO e
MORAES, 1998) Elas eram formadas pelo Departamento de Psicologia da Faculdade de
Filosofia de Ribeirão Preto - SP. Marilena Ristum havia sido aluna de Iniciação Científica de
Isaías Pessotti durante a graduação e relatou o episódio que deu início a sua vinda para a Bahia,
a saber:

Um pouco antes da formatura, a Dra. Carolina Martuscelli Bori, professora do


Instituto de Psicologia da USP, solicitou ao professor Luiz de Oliveira que
selecionasse duas pessoas que se dispusessem a ser professoras visitantes na
UFBA, para ministrar as disciplinas de Psicologia Experimental I e II. A
primeira turma do curso de Psicologia da UFBA já estava no quarto ano e
ainda não havia cursado essas disciplinas que eram do currículo mínimo,
portanto, obrigatórias. Aceitamos o convite, eu e uma colega, Márcia Regina
Bonagamba. (RISTUM, 2006)22

Marilena e Márcia foram contratadas em regime de tempo integral. Na época, eram as


únicas professoras com dedicação exclusiva entre os docentes do curso. Vieram para assumir a
coordenação do Laboratório de Psicologia Experimental e contaram com o apoio das
professoras Regina Glória Nunes Andrade e Êgle Vieira Duarte, além de uma equipe de
monitores que se formou ao longo do ano letivo.

Contratadas pelo regime de RDIDP (Regime de Dedicação Integral à


Docência e à Pesquisa), o trabalho que nos foi atribuído consistia em ministrar
as disciplinas Psicologia Geral e Experimental I e II às turmas do 3º e do 4º
anos, elaborar um projeto de pesquisa que seria realizado no decorrer do ano
letivo e apresentar o relatório desse trabalho ao final do período contratual. As
disciplinas envolviam aulas teóricas e práticas, essas últimas realizadas no
Laboratório de Psicologia Experimental, fundamentadas na análise do
comportamento. Construímos, cada uma, um projeto de pesquisa para ser
realizado no período de um ano. (RISTUM, 2006)

21
Marilena Ristum formou-se em psicologia pela USP de Ribeirão Preto. Permaneceu na Bahia durante o ano de
1971, retornando a São Paulo onde fez seu mestrado e doutorado na mesma instituição. Na década de 1980,
retornou à UFBA como professora efetiva do Curso de Psicologia, onde permanece até a presente data.
Disponibilizou a esta pesquisadora uma cópia do seu Memorial de concurso para professora Titular, em que
discorre sobre sua trajetória na UFBA, durante o ano de 1971.
22
RISTUM, M. 2006. As citações a seguir, foram retiradas do Memorial apresentado pela professora Marilena
Ristum, ao Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia, como parte das exigências do processo de
Progressão para Professor Titular.
135

Marilena relembra o episódio sobre a ausência de livros ou apostilas na biblioteca, para


fundamentar os conteúdos das aulas. Relata que foi necessário que elas mesmas produzissem
textos a partir dos livros que haviam trazido na mala. Esse material produzido pelas professoras
era mimeografado e distribuído semanalmente aos alunos. As aulas práticas, realizadas no
Laboratório de Psicologia Experimental, eram fundamentadas na Análise do Comportamento.
As aulas, inicialmente programadas para serem ministradas segundo os princípios que regiam
o Ensino Programado Individualizado, não ocorreram como esperado.

Pensamos em ministrar nossas aulas segundo os princípios que regiam o


Ensino Programado Individualizado, propostos por Skinner e concretizados
no livro “A análise do comportamento” (Holland & Skinner, 196923; Skinner,
197624). Entretanto, o grande número de alunos, em torno de 80, levou-nos a
pensar em adaptações da proposta, de forma que a individualização fosse
substituída por uma situação grupal. (RISTUM, 2006)

Por vezes, o número insuficiente de equipamentos exigia que os exercícios fossem feitos
em duplas. Também havia poucas gaiolas do biotério para a quantidade de alunos e as
professoras colocavam dois ratos em uma única gaiola e “[...] para diferenciar um do outro,
fazíamos, com a tesoura, um picote na orelha de um deles[...]”, relatou a professora Marilena
no seu Memorial. Contavam com o auxílio de monitores, três oficiais, e alguns outros
voluntários. Porém nenhum deles havia cursado a disciplina, pois ela nunca havia sido
ministrada. Para minimizar o problema, as professoras treinavam previamente os monitores e,
desse modo, ajudavam na supervisão dos exercícios.
Mesmo em condições tão precárias, Marcia Bonagamba e Marilena Ristum
desenvolveram projetos de pesquisa, destacando-se o trabalho com abelhas.

Os projetos de pesquisa, meu e de Márcia, apresentados como exigência do


RDIDP, propunham a utilização de abelhas como sujeitos. Para sua realização,
eu havia levado um dos equipamentos que usei em Ribeirão Preto e no qual
fizemos algumas adaptações. Era necessário, então, arrumar uma colmeia que
nos fornecesse os sujeitos experimentais. (RISTUM, 2006)

O contrato com as professoras, previsto para o ano letivo de 1972, se encerrou e elas
decidiram retornar à São Paulo. Nesse ano, chegaram as professoras Vera Regina Lignolli Otero
e Marlene Aparecida González, que também retornaram após um ano de trabalho no

23
HOLLAND, J.G.; SKINNER, B.F. A Análise do Comportamento. Trad. Rodolpho Azzi col. Carolina Bori.
São Paulo: Herder/EDUSP. 1969.
24
SKINNER, B.F. Ciência e Comportamento Humano. Trad. J. Cláudio Todorov e Rodolpho Azzi. São Paulo:
EDART/EDUSP. 3ª edição. 1976.
136

laboratório. A professora Vera Otero apresentou um trabalho conjunto com Isaías Pessoti,
também com abelhas, na II Reunião da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, 1972,
intitulado Punição durante a extinção em Melipona Quadrifasciata Anthidioides. Vera Otero
registra o trabalho nos Anais, vinculando-se à Universidade Federal da Bahia.
Nesse período, a professora Carolina Bori intercedeu mais uma vez para indicar uma
professora para o Laboratório de Psicologia Experimental. Sugeriu o nome de Anamélia Araújo
de Carvalho que havia sido orientanda de Maria Amélia Matos no mestrado em Psicologia
Experimental na USP. Proveniente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Anamélia
esperava a implantação do curso de psicologia no seu Estado, quando recebeu o convite da
professora Carolina Bori, decidindo, então, assumir a coordenação do Laboratório e o ensino
da disciplina de Psicologia Experimental da UFBA, em 1973. Em seu depoimento para este
trabalho, ela relata fatos sobre sua relação acadêmica com a professora Carolina Bori, bem
como sua vinda para Salvador, a saber:

[...] [Carolina Bori] era uma espécie de orientadora, sempre foi assim, uma
orientadora acadêmica. Sempre estava com ela, discutindo com ela, né?
Então foi através da Carolina que eu vim para Salvador, porque eu terminei
o mestrado, defendi em junho de 72. E num evento que eu fui, acho que em
São Paulo, nos encontramos lá, esses encontros de Psicologia. Também
estava nessa ocasião o professor Saback, eles estavam justamente em contato,
porque a Carolina foi quem realmente deve ter implantado o laboratório
daqui de Salvador, da UFBA, do mesmo jeito que ela implantou “n”
laboratórios no Brasil todo, laboratórios de Psicologia experimental. Era
uma exigência ter laboratório, então ela implantou o laboratório em vários
locais... Quando nesse encontro, nesse evento, ela veio conversar comigo
antes, porque acho que ela fez a proposta e me apresentou a Saback. Aí houve
o entendimento, a gente se conheceu, se encontrou nesse evento, eu achei que
seria interessante a proposta e ficamos certos de fazer o contato entre
universidades. Eles iriam daqui de Salvador encaminhar um documento para
o Reitor. Saback ficou certo de entrar em contato com o Reitor, encaminhar
o pedido, de me trazer à disposição aqui para Salvador, pro reitor de lá, eu
voltei e fiquei esperando o trâmite dessa solicitação do pedido, né? Era para
começar em Janeiro, no início do primeiro semestre de 73, só que essa
documentação demorou um pouco, o trâmite não foi tão rápido e só no meio
do ano que saiu. Então eu vim no segundo semestre de 73, posta à disposição
de Salvador, como professora da Universidade da Paraíba, Federal da
Paraíba. (Informação verbal)25

Anamélia ingressou como professora no segundo semestre de 1973 e o laboratório


didático de psicologia experimental pode iniciar sua efetiva instalação no Campus de São
Lázaro, em 1974. Naquele momento, o laboratório de psicologia experimental era o único

25
Depoimento de Anamélia Araújo de Carvalho (2019)
137

laboratório do curso. (ROCHA, MORAES, CARVALHO, 2010). A professora Anamélia


resgatou as condições precárias de funcionamento do laboratório de psicologia experimental,
quando funcionava no Terreiro de Jesus e o processo de transferência para São Lázaro. De suas
lembranças, ela nos conta que,

Lá no terreiro, na escola de Medicina, depois que você atravessa tudo, lá no


fundo tem uma área que tinha, ainda eu lembro bem, tinha umas árvores que
às vezes a gente dava aula, eu colocava as cadeiras embaixo da árvore
algumas vezes, para a gente ter a discussão dos textos, as dúvidas, o
esclarecimento das dúvidas e tudo, a gente dava essa aula, e o laboratório
era na parte mais afastada que tinha, tinha um corredorzinho assim, que tinha
esse laboratório. Não era muito grande, eu não me lembro agora exatamente
quantas caixas cabiam no laboratório, mas eu tive que dividir bastante a
turma, era bem dividida, a turma era dividida em dois dias. Eram 85 alunos,
naquela época, a carga horária era bastante alta, eram 120 horas. [...] Nessa
areazinha que tinha, que tinha lá no final, se você tiver oportunidade acho
que ainda existe lá, dê uma olhadinha. Lá no fundo mesmo (risos), que tinha
um corredorzinho que passava assim para entrar numa área descoberta, né?
Estreita, a gente chegava para entrar na porta do laboratório e a tubulação,
assim, as vezes tinha um tubo que a água escorria por ela. E nesse tubo, de
noite às vezes as caranguejeiras ficavam ali. [...] Os equipamentos todos
foram para São Lázaro. As caixas onde os animais ficavam [...] os
equipamentos, eles realmente eram equipamentos padronizados, produzido lá
pela USP, eram quem geralmente instalavam os laboratórios. Era a Carolina
com Mário Guidi, que eram responsáveis por todos os equipamentos. O
equipamento todo vinha de lá. Então as gaiolas também de armazenamento,
às vezes vinham de lá. Muitas vezes a gente colocava algumas gaiolas de
madeira, mas as de aço, onde eles ficavam guardadinhos, todos os animais
quando estavam em privação para fazer os experimentos, as caixas que eles
ficavam separados, todos [...] sempre veio de São Paulo. Eu esqueço agora o
nome... FUNBEC que fornecia, fabricava os equipamentos fornecidos, todos
os equipamentos. (Informação verbal)26

O laboratório de psicologia experimental, em São Lázaro, foi instalado numa construção


térrea da Faculdade. De uso exclusivo do Laboratório, o edifício era formado por quatro salas,
sendo duas maiores − onde grupos de 15 a 20 alunos realizavam seus trabalhos com animais −
um pequeno biotério, dois sanitários e uma sala de aula com capacidade para 30 alunos, de
acordo com o relatório da comissão de avaliação do curso. Conforme descreve o professor
Simões,

[...] O laboratório de psicologia e o biotério minúsculo foram instalados em


São Lázaro num pavilhão pequeno e despojado “ulterior construção-piloto
protótipo de escola para [...] baixa renda, de fácil, rápida e barata execução,
em placas de cimento as paredes, acimentado o piso e em cimento e amianto

26
Depoimento de Anamélia Araújo de Carvalho (2019)
138

o telhado. O forro foi colocado Eucatex, por necessidade de isotermia.


(SIMÕES, 1990, p. 64).

A ‘pobreza’ do Laboratório de Psicologia Experimental foi considerada um dos pontos


deficientes do curso. No momento da aprovação pela comissão de avaliação do CFE27,
conforme detalhado no relatório da comissão de avaliação, o conjunto de equipamentos
existente era composto por

[...] 16 Caixas de Skinner, completas, instaladas e em funcionamento, além de


aproximadamente duas dezenas de outras caixas incompletas ou com circuitos
danificados. Para a manutenção dos aparelhos não há pessoa qualificada,
recorrendo-se a professores de outras unidades quando algum reparo ou
adaptação se faz necessário.28

Após a chegada da professora Anamélia, alguns ex-alunos do curso foram contratados


como docentes. Assumiram junto com ela o ensino da disciplina Psicologia Experimental.
Dentre eles, o professor Ildenor Mascarenhas Cerqueira, egresso da primeira turma, aluno
monitor de Marilena Ristum. Ildenor fez mestrado na USP e, na segunda metade da década de
1970, passou a coordenar o Laboratório em colaboração com outros docentes egressos, também
do curso, como Zorilda Santos Góes, Liana Gonçalves Pontes Sodré e Márcia Myriam Gomes.
No final daquela década, chegou a Salvador a professora Ana Lúcia Alcântara de Oliveira
Ulian, recém-formada pela Universidade de Londrina, que passou a integrar o corpo docente
do curso, assim como o grupo de ensino da disciplina Psicologia Experimental. (ULIAN et al.,
2016)
A influência da USP e dos seus professores formadores em análise do comportamento,
não se fez sentir só no momento inicial de formação do curso de Psicologia da UFBA. Carolina
Bori e seus colegas, como Maria Amélia Matos, prestaram importantes serviços ao curso, desde
os primeiros passos para a criação do curso, a instalação do Laboratório de Psicologia
Experimental, bem como, na intermediação e vinda de professores para trabalhar no
Laboratório formando, inclusive, seu corpo docente a nível de pós-graduação.
O Quadro 6, a seguir, apresenta a formação acadêmica do corpo docente de Psicologia
Experimental, durante a década de 1970. Conforme se verifica, a professora Anamélia realizou
seu mestrado e doutorado no Instituto de Psicologia da USP, sob orientação de Maria Amélia

27
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parecer MEC/CFE n° 1616/78, de 12 de maio de 1978. Dispõe sobre
o reconhecimento da habilitação formação de psicólogo do curso de Psicologia da Universidade Federal da Bahia.
Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/837/1/PSICO-RELAT%2012mai1978.PDF> Acesso
em 2 ago. 2019.
28
Relatório da comissão de avaliação do CFE em 23.05.1977. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
139

Matos. No mestrado, concluído em 1972, desenvolveu pesquisa sobre Esquiva discriminada no


peixe dourado (Carassiusauratus): efeitos de intensidade do choque29. No ano seguinte à defesa
de sua dissertação, Anamélia chegou à UFBA para assumir a coordenação do Laboratório de
Psicologia Experimental. Em seu curso de doutorado, também na USP, pesquisou sobre
Planejamento de condições ambientais para produzir mudanças de comportamento30. Sua
pesquisa de tese, defendida em 1979, baseada na modificação do comportamento, foi realizada
com crianças, em um pavilhão do hospital psiquiátrico Juliano Moreira, na cidade de Salvador.
Incluiu em sua pesquisa a participação de alguns alunos do curso, que vivenciaram uma
experiência de análise experimental do comportamento em situação hospitalar com crianças. O
professor Ildenor e a professora Zorilda fizeram mestrado no Instituto de Psicologia da USP,
orientados por Carolina Bori. Ildenor dissertou sobre Efeitos da duração da consequência
imediata da resposta sobre a aquisição do comportamento de esquiva e a proposição de
algumas medidas de aquisição e pós-aquisição, concluída em 1979.31. E a professora Zorilda,
também sob a orientação de Carolina Bori, pesquisou sobre Descrição de intercâmbio verbais
monitor-alunos em classe do Mobral.32. Cabe ressaltar que, em 1981, a professora Êgle Vieira
Duarte concluiu o Mestrado em Psicologia pela Universidade de Brasília, sob a orientação do
professor Luiz Pasquali33. Em 1982, Maria Amélia Matos foi orientadora de mestrado da então
professora do curso, Liana Gonçalves Pontes Sodré, através do Programa de Pós-Graduação
em Educação da UFBA, tendo essa última dissertado sobre Repertório Básico Motor da
Escrita: uma proposta para seu estudo.

Quadro 6 - Formação acadêmica do corpo docente de Psicologia Experimental - Década de


1970

Orientando (a)
Título do trabalho Orientador(a) N* Ano Inst.
docente
Anamélia Araújo Esquiva discriminada no peixe dourado Maria Amélia M 1972 USP
de Carvalho (Carassiusauratus): efeitos de intensidade Matos
do choque

29
CARVALHO, Anamélia Araújo de. Planejamento de condições ambientais para produzir mudanças de
comportamento. Tese de Doutorado. Biblioteca de Teses e Dissertações da USP, Instituto de Psicologia, 1979a.
30
CARVALHO, Anamélia Araújo de. Esquiva discriminada no peixe dourado (Carassiusauratus): efeitos de
intensidade do choque. Biblioteca de Teses e Dissertações da USP, Instituto de Psicologia, 1972.
31
CERQUEIRA, Ildenor Mascarenhas. Efeitos da duração da consequência imediata da resposta sobre a aquisição
do comportamento de esquiva e a proposição de algumas medidas de aquisição e pós-aquisição. Dissertação de
Mestrado. Universidade de São Paulo. 1980. Localização: IP - Instituto de Psicologia (T BF319.5.A9 C416e e.2 ).
32
GÓES, Zorilda Santos. Descrição de intercâmbio verbais monitor-alunos em classe do Mobral. Dissertação de
Mestrado. Universidade de São Paulo. 1980. Localização: IP - Instituto de Psicologia (T BF637.C45 G598d e.2 ).
33
DUARTE, Eglê Vieira. Terapia Comportamental da Obesidade: Uma Aplicação de Técnicas de Autocontrole
para a Redução de peso; 1981; Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade de Brasília, 1981.
140

Anamélia Araújo Planejamento de condições ambientais Maria Amélia D 1979 USP


de Carvalho para produzir mudanças de Matos
comportamento
Êgle Vieira Terapia Comportamental da Obesidade: Luiz Pasquali M 1981 UnB
Duarte Uma Aplicação de Técnicas de
Autocontrole para a Redução de peso
Ildenor Efeitos da duração da consequência Carolina Bori M 1980 USP
Mascarenhas imediata da resposta sobre a aquisição do
Cerqueira comportamento de esquiva e a proposição
de algumas medidas de aquisição e pós-
aquisição
Liana Gonçalves Repertório Básico Motor da Escrita: uma Maria Amélia M 1980 UFBA
Pontes Sodré proposta para seu estudo. Matos
Zorilda Santos Descrição de intercâmbio verbais Carolina Bori M 1980 USP
Góes monitor-alunos em classe do Mobral.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora (2019) * N (Nível), M (Mestrado), D (Doutorado)

Além das orientações de mestrado e doutorado, a USP esteve presente na formação do


corpo docente do curso de psicologia da UFBA através da Especialização em Psicologia
Experimental. Os professores Carolina Bori, Maria Amélia Matos e Álvaro Pacheco Duran
integraram a equipe, como professores visitantes, na primeira Pós-Graduação em Psicologia
Experimental, oferecida pela UFBA. (CARVALHO; MORAES, 1998) A professora e
coordenadora da especialização, Gizelda Santana Moraes, discorreu sobre essa relação de trocas
acadêmicas entre o Departamento de Psicologia da UFBA e a professora Carolina Bori
relatando que,

Na década de 70, enquanto eu exercia a chefia do Departamento de Psicologia


ou integrava a Coordenação do Mestrado em Educação da Universidade
Federal da Bahia, a ela recorremos diversas vezes para ministrar cursos,
indicar e motivar docentes que suprissem nossas deficiências de professores,
participar de bancas examinadoras. (MORAES, 1998, p. 115)

O curso de especialização em Psicologia Experimental – Aprendizagem e Social foi


realizado em 1976, pelo Departamento de Psicologia, através do Mestrado em Educação da
UFBA, com financiamento da CAPES. A especialização objetivava qualificar o corpo docente
via aprofundamento dos estudos em setores básicos da Ciência do Comportamento; preparar
para a pesquisa voltada aos trabalhos práticos com os alunos e futuras atividades de pesquisa e,
oportunizar uma formação especializada na área psicológica em Salvador. Esse curso foi
proposto para contemplar uma carga horária total de 570 horas, com edital de ingresso de 25
vagas. Houve vinte e dois alunos matriculados e onze concluintes aprovados ao final do curso.
Dentre os onze concluintes, sete eram docentes do curso de Psicologia da UFBA: Liana
141

Gonçalves Pontes Sodré, Maria Eunice Lobo Ferreira Lima, Maria Luiza do Patrocínio
Cavalcante, Noeme Carvalho Miranda, Sonia Maria Rocha Sampaio, Sonia Regina Souza
Pereira e Tereza Cristina Carvalho Caribé de Araújo Pinho.
Os docentes envolvidos no desenvolvimento inicial da Análise do Comportamento
tinham interesse na criação de condições de ensino de uma psicologia cientifica
experimentalista. Observamos que a recepção da Análise do Comportamento ocorreu no âmbito
da demanda por um modelo de psicologia científica e sua consolidação fundamentou a crença
na cientificidade da psicologia entre os estudantes do curso. Conforme nos relatou a
entrevistada Maria Angélia Teixeira, registrando as condições precárias do laboratório,

[...] a tônica de maior autoridade teórica do curso, na ocasião, era a teoria


behaviorista [...] eles [os estudantes] seguiram e adotaram essa orientação
teórica da Análise do Comportamento porque eles julgavam que estavam no
campo da ciência e era um interesse enorme de fazer a psicologia
verdadeiramente, factualmente, uma ciência. O laboratório tinha essa
pretensão, mas de fato não cumpria nenhum rigor da ciência ali. Aquilo era
uma disciplina dada de forma muito precária, porque não havia as condições
físicas. Mas eles tinham aquela aposta alta de que estavam fazendo ciência.
O que fazemos é ciência! Podemos comprovar os comportamentos em
laboratório, mensurar e fazer estatísticas. (Informação verbal)34

Outro aspecto sobre o modo de recepção da Análise do Comportamento, que emergiu nas
entrevistas, foi a posição política dos estudantes afiliados à corrente behaviorista, que eram
reconhecidos como os principais atores nos debates políticos e na luta de resistência contra a
ditadura militar. Maria Angélia Teixeira confirma esse fato ao revelar que

[...] Era muito curioso como os alunos mais envolvidos com a política [...] até
pela história do behaviorismo, que tinha um certo comprometimento também
político, um histórico de politização, de compromisso político, de uma certa
orientação de esquerda e preocupada com o social [...] compromisso que a
análise do comportamento [...] postulava sobre o homem social, fruto do meio
ambiente, que deveria se adaptar e favorecer o social né? Retornar para o
social o que o social trazia pra ele. (Informação verbal)35

A entrevistada, rememora que, muitos daqueles que faziam parte do movimento de luta e
resistência contra o regime eram behavioristas. Essa percepção também foi descrita em outros
relatos colhidos para esta pesquisa. Em outro contexto, ao refletir sobre sua formação como
pesquisadora em história da psicologia, Antunes (2008) resgata algumas vivências enquanto

34
Depoimento de Maria Angélia Teixeira (2020)
35
Depoimento de Maria Angélia Teixeira (2020)
142

estudante de graduação e a forte contribuição dos discentes behavioristas no movimento político


da época. Ademais, a demissão coletiva dos professores da UnB, em 1965, parece corroborar
essa posição crítica, esse “histórico de politização” dos behavioristas em relação à ditadura
militar. (DOMINGUES, 2019) Desse modo, conforme se depreendeu das entrevistas, parte
daqueles que militavam por melhoria do curso e pela redemocratização do país, se filiavam à
Análise do Comportamento como a abordagem teórica capaz de dar respostas às questões
sociais enfrentadas pela população brasileira naquele momento.
Como vimos até aqui, nesses primeiros anos do curso de psicologia da FFCH/UFBA,
havia uma grande expectativa em relação à implantação do laboratório de psicologia por parte
de professores e alunos. A longa espera e os diversos entraves para sua consecução provocaram
desgastes junto à comunidade. Quando finalmente o laboratório foi implantado, apesar de suas
carências estruturais, foi recebido com entusiasmo. Diversos fatores contribuíram para essa
expectativa positiva: em primeiro lugar, a exigência curricular, no sentido de que havia uma
obrigatoriedade do ensino de Psicologia Experimental dada pelo Currículo Mínimo, a qual a
instituição não estava atendendo. A Psicologia Experimental fazia parte das diretrizes
curriculares do curso e era considerada indispensável para a formação profissional do
psicólogo. Em segundo lugar, o imperativo científico que vicejava naquele momento. A
Psicologia Experimental representava um modelo de uma Psicologia científica, que, como tal,
tornou-se central para o movimento de consolidação da psicologia como disciplina
independente. Ao longo da década de 1970, período em que se estruturou o laboratório de
psicologia experimental da UFBA, havia uma preocupação com a cientificidade da nova
profissão, amparada no Parecer 403/62 do CFE, que afirmava a necessidade de elevar a
qualificação intelectual do curso, sendo, para isso, imperativo acentuar o caráter científico dos
estudos. Em terceiro lugar, a função didática, uma vez que o laboratório possibilitaria a
formação discente, enquanto recurso de ensino e demonstração das teorias e conceitos da
Análise do Comportamento, modelo de Psicologia Experimental que já se encontrava em franca
expansão no Brasil, quando foi finalmente recebida e apropriada pela comunidade acadêmica
da FFCH/UFBA36.

36
A criação do laboratório atendia, em essência, ao Parecer nº 403/62 do CFE, que afirmava que a Psicologia
Geral e Experimental serviria de apoio para o treinamento do estudante no campo da experimentação. (BRASIL,
1962)
143

6.3. OS PSICÓLOGOS BUSCAM A CLÍNICA E ENCONTRAM A PSICANÁLISE37.

Ao longo desta seção, pretendemos analisar o modo como a Psicanálise foi recebida e
apropriada pela comunidade acadêmica de psicologia na Bahia - instituição, docentes e
discentes. Procuramos entender como se deu a circulação da psicanálise, entre os anos 1968 a
1980, à luz das múltiplas dimensões envolvidas no fenômeno, ou seja, as condições sociais e
políticas que possibilitaram a emergência da cultura psicanalítica no país.
Os anos 1960-1970 foram décadas de profundas mudanças sociais e culturais no Brasil,
e em quase todo o mundo ocidental. Estudos sociológicos concordam em geral com a hipótese
de que a receptividade acerca da psicanálise por parte da cultura ocidental se deve à rápida
modernização, a secularização, à quebra das formas tradicionais de interação social e a
emergência de novas formas de entender a subjetividade. A psicanálise, de acordo com essa
perspectiva, preencheu um vazio criado com a separação entre a identidade pública e privada
gerada a partir da crescente industrialização e a perda dos sentimentos tradicionais de
comunidade. De acordo com essa visão, a psicanálise teria uma função de contenção social em
face das aceleradas mudanças e crises de valores morais diante da incapacidade de interpretar
os fenômenos sociais. (VELHO, 1986; 1987)
As grandes transformações culturais pós-1968 ajudaram a difundir a psicanálise nos
países ocidentais. A denominada revolução cultural envolveu uma flexibilização dos valores
morais, novos costumes sociais, conquistas femininas, quebra de padrões familiares tradicionais
e modificações nas práticas sexuais, ao mesmo tempo em que gerou uma crise identitária de
grande proporção. Nesse contexto, houve um acelerado crescimento da classe média
relativamente rica e educada, com novas expectativas de consumo. A emergente classe média
intelectualizada, que tinha acesso a meios de comunicação de massa, como TV, rádio, revistas
e jornais, passou a assimilar teorias e conceitos do campo psicanalítico, incorporando-os à
linguagem cotidiana, iniciando, dessa forma, uma corrida à clínica e uma intensa difusão da
psicanálise (RUSSO, 2004; PLOKTIN, 2003)
No contexto nacional, autores têm apontado, como veremos a seguir, a correlação entre
esse movimento de difusão da cultura psicanalítica e o esvaziamento dos espaços públicos com
o fechamento político pós AI-5. O regime político implantado pelos militares favoreceu o

37
Parte desta seção foi apresentada no XIII Encontro Clio-Psyché - Resistências: ciência e política na História da
Psicologia; Instituição promotora/financiadora: Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ - 2018. Também
foi publicada como capítulo de livro: SILVA, R. M. S. Formação dos psicólogos na Bahia durante o período da
ditadura militar: contribuição dos psicanalistas argentinos. In: JACÓ-VILELA, A. M.; MESSIAS, M. C. N. (org.).
Clio-Psyché - Ciência e Política na História da Psicologia. Curitiba: CRV, 2020. p. 205–220.
144

incremento de um modelo de atuação profissional, de cunho individualizante, pouco afeito às


discussões e intervenções num campo socialmente mais amplo. Nesse contexto político,
marcado pelo medo, insegurança e silenciamentos, houve uma expansão do mercado de
trabalho para psicólogos, no campo das psicoterapias e, em especial, com a adoção do modelo
psicanalítico. Em uma atmosfera na qual a esfera pública estava restrita, a psicanálise oferecia
ferramentas para desviar a análise da realidade externa para o interior, a realidade íntima.
Tentando explicar o boom da psicanálise no Brasil, o sociólogo Luciano Martins (1979) aponta
que o desenvolvimento da psicanálise no final dos anos 1960 foi o resultado da alienação da
geração, que chegou à maioridade durante o regime militar de 1964. Para Martins, a psicanálise
foi também um substituto da política, enquanto campo de expressão social, respondendo a uma
demanda de escapismo. Por outro lado, o projeto econômico em vigor destinava recursos
prioritariamente à área industrial, com consequente concentração de riqueza, acentuação das
desigualdades sociais, bem como empobrecimento das populações mais pobres e assalariadas.
A psicanálise e a psicologia direcionaram seus trabalhos para o atendimento de um extrato
social mais elitizado e intelectualizado. (MARTINS, 1979; VELHO, 1986; COIMBRA, 1995,
2008; RUSSO, 2004; FIGUEIREDO, 2012; RUDÁ; ALMEIDA FILHO; COUTINHO, 2015)
Desse modo, a psicanálise se expandiu no Brasil, como terapia, como profissão, como
modo de compreender o ser humano e como visão de mundo. O termo psicanálise ganhou uma
amplitude que permitiu sua utilização não só para se referir rigorosamente a uma teoria e a uma
técnica terapêutica freudiana em particular, mas, como também a todos aqueles discursos e
práticas sociais que derivam sua legitimidade de uma inspiração psicanalítica, real ou suposta,
gerando, assim, uma “cultura psicanalítica”. A cultura psicanalítica refere-se à maneira em que
ideias e conceitos advindos da psicanálise passam a ser incorporados na vida das pessoas, que
passam a consumir, falar e pensar sobre si mesmas a partir da psicanálise. Conforme Ploktin
(2003), é impossível separar a análise da cultura psicanalítica, que engloba as condições sociais,
políticas e culturais da sociedade, da análise da trajetória do movimento psicanalítico, com suas
associações profissionais, teorias, analistas e pacientes.
A psicologia, na esteira dessa expansão, incorporou a psicanálise na sua atividade clínica.
(RUSSO, 2002, 2004) No entanto, no âmbito do corporativismo profissional, os psicólogos não
foram imediatamente bem-vindos às instituições psicanalíticas ‘oficiais’ e os embates entre
psicólogos e médicos em torno do monopólio do título de ‘psicanalista’ foram recorrentes nesse
período. A International Psychoanalytic Association (IPA) centralizava a formação de novos
psicanalistas e investiu-se de poder para autorizar filiais pelo mundo, que se submetiam às suas
normas. Por outro lado, os psicanalistas difundiam a psicanálise entre os psicólogos clínicos,
145

aceitando-os para análise, supervisão, cursos de formação e grupos de estudo, porém, negando-
lhes o título de psicanalista. (FIGUEIREDO, 2012; OLIVEIRA, 2017)
A cidade de Salvador não possuía nenhuma instituição psicanalítica formalizada,. No
período em que o curso de psicologia foi implantado, em 1968, o movimento psicanalítico no
país já contava com Sociedades de Psicanálise e seus respectivos institutos de formação,
reconhecidos pela IPA, estabelecidos em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Essas
instituições consideravam-se detentoras da psicanálise, reinando acima de outras instituições
que despontavam fora dos domínios da IPA. Tinham credibilidade e penetração no meio
universitário e intelectual, dominado por personalidades do meio médico-psiquiátrico.
(FIGUEIREDO, 2012)
Mas a Bahia não estava no raio de alcance dessa ambição expansionista e monolítica da
IPA. Quer por determinismos de ordem geográfica, quer por fatores econômicos, a Bahia ficou
de fora desses domínios. A psicanálise que se desenvolveu em Salvador, na década de 1970,
esteve vinculada a grupos que trabalhavam à margem da influência da IPA. Destaca-se, nesse
período, o grupo do Círculo Brasileiro de Psicanálise, representado pelo psicanalista didata
Carlos Pinto Corrêa, integrante do CBP de Minas Gerais e o grupo de psicanalistas argentinos,
capitaneado por Emílio Rodrigué, que aportou em Salvador fugindo da ditadura em seu país.
Faremos, nos próximos tópicos, uma descrição dos principais fatos e das diferentes
instituições e personagens do campo psicanalítico, de modo a demonstrar como se deu o
processo de recepção da teoria psicanalítica entre os profissionais do campo “psi” baiano, e da
importância da psicologia para o processo de difusão da psicanálise na cidade de Salvador.

6.3.1 A psicanálise no curso de psicologia

A psicanálise foi sendo paulatinamente incorporada no curso de psicologia, ao longo da


década de 1970. Entendemos que o modo como a psicanálise foi recebida pela comunidade
acadêmica de psicologia na Bahia − instituição, docentes e discentes − bem como a circulação
dessa teoria, entre os anos 1968 a 1980, deu-se a partir de dois movimentos: 1. A psicanálise
no contexto acadêmico: caracterizou-se pelo pioneirismo de alguns docentes ao introduzir a
teoria freudiana nos seus programas de cursos, iniciando os discentes na teoria psicanalítica.
Nesse período, a clínica começou a se configurar como a especialidade psicológica dominante.
2. A psicologia e a psicanálise num movimento extramuros: constituiu-se um movimento, no
qual psicólogos e psiquiatras congregaram-se num coletivo em prol da recepção dos primeiros
psicanalistas didatas e formação em psicanálise. Evidencia-se nesse momento que a psicanálise,
146

que então inicia seu processo de intensa difusão na Bahia, encontra nos psicólogos seus clientes
preferenciais.

6.3.1.1 Primeiro período: a psicanálise no âmbito acadêmico

A medicina foi um dos campos nos quais se assentou a construção da psicologia e da


psicanálise na Bahia. Se, desde o final do século XIX, os acadêmicos da FMB já incorporavam
ideias de cunho psicológico e psicanalítico em seus trabalhos, a tradicional instituição médica
baiana continuará sendo a impulsionadora do campo “psi” ao longo do século XX. Na década
de 1960, a Clínica Psiquiátrica passa a ser promotora de cursos, palestras e conferências
ministrados pelos docentes e seus convidados, dirigidos aos estudantes de medicina, porém,
franqueados a profissionais que atuavam no campo psicológico. Havia um ambiente de abertura
teórica e intelectual e um crescente investimento na formação psicoterápica, que aproximara
psicólogos e psiquiatras em busca de capacitação na década de 1970, não obstante, o
progressivo fechamento político e a restrição das liberdades democráticas vividos no cenário
nacional.
Com a implantação do curso de psicologia, alguns professores do Departamento de
Psiquiatria foram transferidos para o Departamento de Psicologia. Iniciava-se um movimento
de forte influência do campo psiquiátrico sobre os rumos da psicologia, sob diversos âmbitos,
inclusive formativos, fato que foi bem recebido por todas as instâncias da universidade.
Alegava-se a escassez de docentes para atender ao curso e uma demanda crescente dos discentes
por formação complementar na área clínica. Atualizando uma interlocução secular, a
psicologia, recém estabelecida, absorveu e incorporou o psiquiátrico, a ele se amalgamando ao
longo da década.
Com exceção dos professores psiquiatras, havia uma parte do corpo docente graduada em
Filosofia e Pedagogia38. Alguns desses professores advinham do extinto IDOV, com
experiência em avaliação psicológica e uso de psicotestes, aplicados ao trabalho e à educação,
e que, por seu turno, também buscavam especialização em Psicologia Clínica. Além de um
corpo docente ainda em formação no campo da clínica, as instalações e equipamentos, como
biblioteca e clínica-escola eram deficitários ou inexistentes. Nesse vácuo formativo, existia um

38
Os alunos oriundos destes dois cursos, Filosofia e Pedagogia, vieram a ser os primeiros psicólogos da Bahia por
força da lei nº 4.119/62, que regulamentou os critérios para conceder o registro de psicólogo àqueles que já
exerciam funções compatíveis com o título de psicólogo: Alice Costa, Caio Flamínio Silva de Carvalho, Cidália
Dias Mendez, Leopoldo Roberto Martins de Carvalho, Mercedes Carvalho, Moema Araújo, Romélia Santos,
Urânia Tourinho Peres e Zélia Madeira. (ROCHA, MORAES, CARVALHO, 2010)
147

número considerável de estudantes que almejavam a formação psicoterapêutica e eram


conduzidos por seus professores médicos às instituições psiquiátricas, onde frequentavam as
atividades didáticas e demais eventos.
Assim, a avaliação psicológica, a experimentação e a psicopatologia constituem o tripé
sobre o qual se assentou o ensino de psicologia em seus primórdios na Bahia. A abordagem
psicopatológica, conduzida pelos docentes psiquiatras do curso, se tornou evidente, tanto nos
conteúdos que trabalhavam nas diversas matérias sob sua regência, como também pela
exigência que se fazia aos discentes em participarem de seminários e demonstrações clínicas
nos serviços psiquiátricos da cidade. Toda a geração de psicólogos formados na década de 1970
participou regularmente de reuniões técnicas, conferências, palestras e cursos, além de fazerem
a prática de estágio clínico curricular em instituições psiquiátricas da cidade, sob a supervisão
dos professores médicos. Como rememora a psicóloga Telma Mascarenhas, aluna da primeira
turma do curso de psicologia,

[...] quando o curso avançou aí tinha uma influência muito grande porque na
hora das práticas nós estávamos nas clínicas (Hospital das Clínicas) ou
estávamos no Sanatório São Paulo, ou estávamos no Juliano Moreira [...]
nessa época nós participávamos das mesmas atividades junto com os alunos
de medicina, então basicamente a gente participava do mesmo programa,
tinha as reuniões técnicas e atendia dentro da ala da psiquiatria. [...] a gente
tinha contato com os pacientes e participávamos de eventos, muita coisa de
grupo, começou a ter participação em festas com os pacientes e que nós íamos
[...] a gente ia diretamente com os professores da medicina, praticamente
nossa prática era direta com eles. (Informação verbal)39

Esta orientação clínico-psicopatológica no curso de psicologia abria claramente uma


porta para a introdução da psicanálise. No âmbito do departamento de Psicologia, o psiquiatra
Luiz Fernando Pinto40 foi o primeiro professor a mencionar Freud no seu programa de curso.
Em 1969, ministrou a disciplina Psicologia do Desenvolvimento e incluiu tópicos da teoria
freudiana no conteúdo do semestre letivo, abordando os seguintes pontos: 1: “Formação e
desenvolvimento da personalidade segundo a concepção psicanalítica. O princípio do prazer e
o princípio da realidade. O Id. Formação e desenvolvimento do Ego e do Superego”, e 2: “A
teoria freudiana e o desenvolvimento da sexualidade infantil. Autoerotismo. Erotismo oral, anal

39
Depoimento de Telma Fernandes Mascarenhas (2019)
40
Luiz Fernando Pinto era psiquiatra, filósofo, psicanalista e especialista em Psiquiatria da Infância e da
Adolescência. É considerado um pioneiro na Bahia no tratamento de crianças chamadas de “excepcionais”. Era
proprietário do Instituto Psicopedagógico da Bahia (IPPB)- (1965-1973), que oferecia serviços psiquiátricos,
psicológicos e pedagógicos a crianças e adolescentes com necessidades especiais na área de aprendizagem e
coordenou o setor de Saúde Mental infanto-juvenil do Departamento de Pediatria da FMB. (GALVÃO, 2002;
RAPOLD, 1999; COUTINHO; MORAES, 2007).
148

e genital na criança. O complexo de castração e inveja do pênis e o terror da castração. O


Complexo de Édipo”41.
A partir daí, a psicanálise incrementou gradualmente sua presença em outras disciplinas,
embora se limitando ao ensino da teoria psicanalítica, e não a sua prática. Em 1970, o professor
Caio Flamínio Silva de Carvalho42 ministrou a disciplina Psicologia da Personalidade,
incluindo um tópico sobre “Teoria psicanalítica: Id, Ego e Superego”. Nesse mesmo ano, a
professora Mercedes Carvalho abordou um ponto sobre “Teoria Psicanalítica de Freud: a)
estrutura da personalidade; b) dinâmica e desenvolvimento da personalidade; e c) Método
terapêutico” na disciplina Teorias da Personalidade II. Em 1975, quando a Psicologia Clínica
já havia ganho a preferência dos alunos no momento de optar pela área de estágio, o professor
Caio Flamínio ministrou a disciplina Teorias e Técnicas Psicoterápicas I, com discussões sobre
“O tratamento psicanalítico, segundo Ana Freud”, “A análise infantil, segundo Arminda
Aberastury” e a “Abordagem psicanalítica, segundo Melanie Klein”43. Também no
planejamento de estágio clínico para o ano de 1975, promovido pelo professor Jairo Gerbase e
realizado no Ambulatório Osvaldo Camargo, estava previsto um seminário semanal sobre
psicanálise. Na parte prática do estágio, os discentes atendiam individualmente dois pacientes
sob supervisão do professor, participavam dos grupos terapêuticos do ambulatório e eram
orientados a realizarem psicoterapia pessoal44.
Resumindo: O lugar central que a psicanálise, paulatinamente, foi assumindo no ensino
de psicologia, é resultante da combinação de uma diversidade de fatores. Primeiro, a existência
da velha tradição clínico-psicopatológica, que facilitou a discussão sobre psicoterapia.
Segundo, muitos estudantes desejavam se apropriar do saber psicanalítico, por representar,
também, uma fonte potencial de clientes e, embora houvesse outras áreas de especialização,
como a psicologia industrial e educacional, a maioria dos discentes se orientou pela psicologia
clínica. Terceiro, a psicanálise oferecia um modelo teórico consistente e inovador para o

41
Plano de Curso da disciplina Psicologia do Desenvolvimento, ministrada pelo professor Luiz Fernando Pinto
em 1969. Fonte: Arquivos FFCH/UFBA.
42
Caio Flamínio Silva de Carvalho havia sido transferido do Departamento de Psiquiatria para Psicologia em 1969,
na condição de Professor Assistente. Era graduado em Filosofia pela FFB, tendo iniciado suas atividades na
Universidade em 1957, como psicologista42 da CP. Conforme Silva (1995), Caio Flamínio foi, possivelmente, o
primeiro e durante algum tempo, o único psicoterapeuta oficialmente constituído na CP do Hospital das Clínicas,
sendo responsável pelas atividades de psicoterapia em adolescentes e crianças, aplicação de testes, realização de
seminários e supervisão de casos clínicos em psicoterapia, voltado, principalmente para os alunos de psiquiatria,
instrumentalizando-os tecnicamente para o exercício profissional. Foi o primeiro psicólogo inscrito no CRP 03 –
Bahia/Sergipe, Conselheiro na primeira e segunda gestão do CFP (1973-1976 e 1976-1979) e Coordenador do
Colegiado do curso de Psicologia da UFBA nas duas primeiras gestões. (SILVA, 1995; CORREIA, 2012)
43
Livros de Ementas e programas do curso de psicologia. Fonte: Arquivo FFCH/UFBA
44
Planejamento de Estágio Supervisionado do curso de Psicologia da FFCH/UFBA. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
149

exercício clínico, que atraia os jovens psicólogos em busca de especialização. A partir daí, a
psicologia vai encontrar a psicanálise em espaços formativos extramuros, ou seja, em coletivos
criados pelos profissionais do campo “psi” baiano para a transmissão da psicanálise,
independentes da universidade.

6.3.1.2 Segundo período: a psicologia e a psicanálise num movimento extramuros

A carência formativa em psicoterapia não era exclusividade dos discentes de psicologia.


Também os psiquiatras pretendiam sanar essa necessidade coletiva por formação no campo
terapêutico. Assim, com o intuito de dirimir as limitações e improvisações que caracterizavam
a prática psicoterápica na Bahia, psicólogos e psiquiatras se articularam para viabilizar a vinda
de profissionais aptos, do ponto de vista teórico e técnico, a capacitar os neófitos na prática
psicoterápica na Bahia.
Foi essa demanda dos profissionais do campo “psi” baiano que mobilizou os integrantes
da Clínica de Atendimento Psicoterápico e Psicopedagógicos (CLAPP). Foi idealizada pelas
psicólogas Syra Tahin López e Urânia Maria Tourinho Peres e pela psiquiatra Maria Helena
Fontes. A CLAPP congregava vários outros profissionais integrantes da Clínica Psiquiátrica no
atendimento de crianças e adolescentes nas áreas de psicomotricidade, fonoaudiologia e
psicopedagogia. Syra, Urânia e Maria Helena eram professoras do curso de psicologia. Syra é
paulista e, já formada em Psicologia pela PUC/SP, passou a residir em Salvador a partir de1968.
Com formação em Psicologia Clínica e Psicodrama em São Paulo, Syra foi convidada pela
psiquiatra Maria Helena Fontes a frequentar as reuniões da Clínica Psiquiátrica e coordenar
sessões de psicodrama com o grupo. Urânia Tourinho, além de atuar como docente do curso,
também trabalhava na Clínica Psiquiátrica.
Os profissionais que atuavam na CLAPP almejavam investir na sua formação técnica
profissional em psicoterapia. Para isso, decidiram criar o Núcleo de Estudos em Psicoterapia
(NEP), com o fito de realizar um programa de estudo e formação, incluindo análise pessoal e
supervisão, além de reduzir o alto investimento que a vinda de profissionais de fora
representava. O NEP era dirigido pelas psicólogas Urânia Tourinho e Syra López e integrado
por outros profissionais, ligados à Clínica Psiquiátrica, mas, de forma independente da
instituição médica, como os psiquiatras Aurélio Souza, Josiceli de Freitas, Jessé Accioly, Luís
Fernando Matos Pinto e Luís Humberto Pinheiro, dentre vários outros. (COUTINHO;
MORAIS, 2007; SILVA, 1995)
Os integrantes do NEP convidaram profissionais de outros Estados para darem formação
à comunidade “psi” em Salvador. Com essa proposta, conseguiram trazer o psicanalista gaúcho
150

Carlos César Castellar Pinto - que fazia parte da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de
Janeiro (SBPRJ), instituição filiada à IPA, além de presidir a Associação de Psiquiatria e
Psicologia da Infância e da Adolescência (APPIA) do Rio de Janeiro45 - para fazer um programa
periódico de cursos e supervisão. A APPIA promovia no Rio de Janeiro, nesse período, uma
formação assistemática para os psicólogos, a partir dos cursos ofertados pelos argentinos
ligados a Associação Psicanalítica Argentina (APA), independente do cerco formativo que a
IPA fazia aos psicólogos. (FIGUEIREDO, 2012) A convite do NEP, Castellar passou a visitar
periodicamente a Bahia, realizando um trabalho de formação com seus integrantes. Dentre os
argentinos que vieram à Bahia, trazidos por Castellar, estavam os psicanalistas Eduardo Kalina
e Héctro Fiorini, este último vinculado ao campo da Psicoterapia Breve, além de Emilio
Rodrigué e da psicóloga e psicodramatista Martha Berlin.

6.3.2 Os psicanalistas argentinos na Bahia

A primeira experiência de trabalho de Rodrigué e Martha Berlin em Salvador marcou o


início da influência argentina na formação dos psicólogos baianos. Tão logo iniciaram seus
trabalhos na Bahia, realizaram uma conferência e dois laboratórios, o que agradou de imediato
o grupo do NEP. A partir daí, a NEP se organizou em torno desses dois argentinos, iniciando
um importante processo de formação e transmissão da psicanálise, que foi fundamental para a
consolidação do movimento psicanalítico em Salvador. Emílio Rodrigué relata, em seu livro de
memórias Separações Necessárias, aquele primeiro momento de encontro com o grupo de
psicólogos e psiquiatras que formavam o NEP.

Foi uma paixão recíproca. Decidimos voltar lá durante o verão, para fazer três
terapias de grupo. A tarefa prioritária do NEP era importar analistas para
iniciar uma formação, mas as numerosas tentativas com as sociedades
analíticas do Rio e de São Paulo tinham fracassado. (RODRIGUÉ, 2006,
p.222).

Rodrigué teve uma trajetória importante como psicanalista em Buenos Aires. Teve
formação como psiquiatra e psicanalista kleiniano. Foi analisando de Arnaldo Rascovsky,
psicanalista associado à APA. Quando foi morar em Londres, iniciou nova análise, com a

45
A APPIA foi fundada em 1972 e era voltada ao atendimento de crianças e adolescentes, congregando
profissionais da psicologia, medicina e assistentes sociais. Foi criada nos moldes da Associação Argentina de
Psiquiatria e Psicologia da Infância e Adolescência (ASAPPIA), fundada dois anos antes pelos psicanalistas
Maurício Knobel e Eduardo Kalina. A APPIA tinha como objetivo promover cursos, eventos e seminários, mas
não tinha em seu estatuto a direção de formação, por isso não rivalizava com as instituições oficiais da IPA.
(FIGUEIREDO, 2012)
151

psicanalista kleiniana Paula Heimann. Atendeu crianças sob supervisão de Melanie Klein, fez
observação de grupos com Bion e supervisão com Winicott. Em 1958, foi para os EUA onde
trabalhou na Clínica Austen Riggs, em Esalen, na Califórnia e publicou, em 1965, o livro
Biografia de uma comunidade terapêutica, como resultado dessa experiência. (BAREMBLITT,
2008)
Ao retornar à Argentina, Rodrigué foi presidente da Associação Psicanalítica Argentina
(APA), entre os anos de 1966 e 1967. A APA estava então consolidada, sobretudo a partir das
relações com o dispositivo médico psiquiátrico, autorizada pela IPA, desde 1949, e em
consonância com o modelo freudiano de certificação dos praticantes da disciplina. Mantinha-
se, então, distanciada do campo político, não se pronunciando, institucionalmente, sobre
programas ou medidas de governo. (VEZZETTI, 2009; DUARTE; FERNANDES;
RODRIGUES, 2012)
A Argentina estava, então, imersa numa ditadura e a posição de neutralidade política da
APA passou a ser questionada por alguns dos seus integrantes e pela sociedade. Denunciava-se
os descompromissos sociais da Psicanálise. Criticava-se as bases teóricas e funcionais desse
modelo “ortodoxo” de psicanálise e o silenciamento frente às situações de violência política,
tortura e mortes no país, como uma forma de abstinência política. Questionava-se, a estrutura
hierárquica, o elitismo, o monopólio da psicanálise, assim como o sistema de privilégios no
âmbito interno da APA. (VEZZETTI, 2009; FERNANDES; RODRIGUES; DUARTE, 2012;
FIGUEIREDO, 2012)
Em decorrência desses conflitos políticos e ideológicos, houve uma ruptura na instituição.
No bojo de uma série de protestos iniciados em paralelo a um Congresso Internacional da IPA,
realizado em Roma, em 1969, estava a insatisfação com a formação do psicanalista e seu papel
e imagem social. Em Roma estavam psicanalistas argentinos que também construíram sua lista
de reivindicações, integrando-se ao movimento batizado de Plataforma Internacional. O grupo
Plataforma argentino fazia reivindicações de temas “internalistas”, mas também sociais. Em
paralelo surgiu outro movimento contestador dentro da APA, denominado Grupo Documento.
As relações do grupo Plataforma com a APA foram se desgastando, levando à ruptura. Em
seguida o Grupo Documento também renuncia, desfiliando-se da APA. A cisão apoiava-se no
entendimento dos grupos de que, como cientistas e profissionais não deveriam colocar seus
conhecimentos a serviços de ideologias, sem questionar o sistema dominante que explora as
classes oprimidas. O grupo Plataforma, foi o primeiro grupo de psicanalistas a romper com a
IPA, por razões declaradamente políticas. Tal ruptura redundou em exílios forçados de
membros, discípulos e simpatizantes do grupo Plataforma, fazendo de alguns deles agentes da
152

história do institucionalismo em nosso país. (RODRIGUÉ, 2006; DUARTE, FERNANDES,


RODRIGUES, 2012; PERES; PÊPE, 2014)
Emilio Rodrigué fazia parte do grupo Plataforma. O grupo se dissolveu algum tempo
depois, enquanto a perseguição política de Estado se acirrava no país, levando muitos
psicanalistas ao exílio. Como rememora Baremblitt (2008), psicanalista argentino que também
se exilou no Brasil:

Plataforma funcionou tempestuosamente durante mais ou menos um ano. As


rixas internas, expressões do terrorismo de Estado que nos oprimia desde fora,
fizeram com que Plataforma se autodissolvesse. Nos anos seguintes, vários de
nós foram presos, torturados, mortos ou “desaparecidos”. Começa assim o
êxodo de muitos para o estrangeiro, entre os quais se contou Emilio.
(BAREMBLITT, 2008, p. 208)

Diante desse cenário de perseguição política, muitos argentinos imigraram para o Brasil.
(COIMBRA, 1995; RUSSO, 2002; FIGUEIREDO, 2012). Para a Bahia, vieram Emílio
Rodrigué e Martha Berlin, além de Bernardino Horne, Fernando Ulhoa, Luís Córdoba e Raul
Curel, dentre outros. (COUTINHO; MORAES, 2007). Em solo baiano, os psicanalistas
argentinos trouxeram a quebra do modelo médico-clínico, a cisão com a rigidez formativa da
APA, a crítica à neutralidade e aos padrões e critérios nas técnicas de atendimento. O
rompimento de arranjos tradicionais do fazer psicanalítico não seria possível em outro contexto
político, senão aquele que se fazia presente nas sociedades brasileira e argentina da época, sob
regimes ditatoriais.
Na Bahia, Rodrigué destacou-se por seu protagonismo no processo inicial de formação e
transmissão da psicanálise. Após sua primeira visita de trabalho, Rodrigué foi convidado a
continuar realizando formação terapêutica. Juntamente com Martha Berlin passou a residir em
Salvador durante seis meses por ano, passando os outros 6 meses na Europa. Viveram assim
por sete anos, fazendo a formação técnica de psicólogos e psiquiatras baianos. Diante da grande
demanda de participantes para os laboratórios e da impossibilidade de atender individualmente,
priorizaram as atividades grupais. Rodrigué e Lopes (1986) rememoram aquele momento:

[...] ante um pelotão de 20 aspirantes, a única alternativa possível de formação


foi grupal. Cada grupo tinha quatro horas de terapia por semana e uma sessão
prolongada bimensal. O contrato era por semestre. (RODRIGUÉ; LOPES,
1986, p. 59)

Sua forma de trabalhar rompeu com a hegemonia das sociedades ‘oficiais’, questionando
a ortodoxia praticada e propondo novas formas de intervenção. Consubstanciado na crítica às
153

instituições APA e IPA e ao confinamento da prática psicanalítica aos consultórios privados,


expostas pelo grupo argentino Documento, Rodrigué e os psicanalistas argentinos que aqui
aportaram, introduziram a democratização efetiva da formação, na qual enfatizava-se a
transmissão das teorias e técnicas psicanalíticas, com forte ideologia grupalista, aliadas a uma
formação política marxista. Conforme recorda o psicanalista Jairo Gerbase, Rodrigué
apresentou à cidade “[...] psicanalistas do tamanho de Erickson, Rappaport, Grinberg, Pichon
Rivière, entre outros”. (GERBASE, 2014, p. 68)
Junto com sua coterapeuta Martha Berlin, Rodrigué ofereceu uma formação não ortodoxa
marcada pela ruptura, do ponto de vista político, teórico e técnico. Introduziram diferentes
técnicas que iam da psicanálise aos exercícios reichianos, psicodramatistas e gestálticos. Em
seu livro de memórias Separações Necessárias, Rodrigué (2006) repensa sua conduta,
considerada heterodoxa e transgressora,

Os psicanalistas tradicionais nos fizeram pagar nossa falta de ortodoxia. Não


podemos chiar, nós não éramos ortodoxos. Cometemos mil imprudências: não
fazíamos sessões individuais e, nos grupos, utilizávamos métodos que iam do
psicodrama à Gestalt; de Reich à Ida Rolf. Comemos e até dormimos na casa
de nossos pacientes. Nosso código de abstinência, diferente dos outros, era
gerado pela necessidade. Foi, e não podia ser de outra maneira, uma
experiência intensa, escabrosa e enriquecedora. Hoje, nossa transgressão não
pareceria tão grave, muita água lamacenta correu sob as pontes. Todavia, não
creio que teria coragem de fazer tudo de novo. (RODRIGUÉ, 2006, p. 222-
223).

Rodrigué encerrou seu trabalho com o NEP em 1978. A partir de 1980, passou a viver em
Salvador, definitivamente. Na Bahia, escreveu El Antiyo-yo: nova proposta amorosa, A lição
de Ondina, Ondina, Supertramp e Gigante pela própria natureza. Já na década de 1990,
escreveu uma biografia de Freud, em três volumes, traduzido em várias línguas.
Os psicanalistas argentinos que vieram para o Brasil ajudaram a quebrar um padrão que
preconizava que a psicanálise deveria ser exercida exclusivamente por médicos. Psicólogos
passaram a ser aceitos para a formação em psicanálise, inclusive nas associações mais
ortodoxas, produzindo uma demanda crescente por terapia e formação profissional.
(FIGUEIREDO, 2012) Para os psicólogos da Bahia, a formação, reconhecidamente heterodoxa,
dos psicanalistas argentinos, possibilitou o acesso a novas práticas profissionais no campo
psicoterápico na Bahia. A psicanálise trazida por eles, influenciada pela escola inglesa,
fortemente marcada pelas teorias de Melanie Klein, distingue-se, especialmente pelas
inovações que introduziram no campo técnico, tais como as terapias breves ou focais. Também
se destaca pelo estilo de atendimento que se diferencia pela quebra de certas formalidades nas
154

sessões terapêuticas, no número de sessões, na discussão da neutralidade e em novas


abordagens com crianças e adolescentes.

6.3.3 O Círculo Psicanalítico da Bahia: seus primórdios

Paralelamente à formação do NEP, chegou à Bahia o psicanalista mineiro Carlos Pinto


Corrêa. Vinha como analista didata autorizado pelo Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP),
instituição fundada pelo psicanalista russo Igor Caruso (1914-1981). O CBP era vinculado à
International Federation of Psychoanalytic Societies (IFPS), instituição alternativa à dogmática
IPA. Igor Caruso tinha uma importante atuação no círculo psicanalítico em Viena e sua
instituição, de inspiração fenomenológica, havia atraído jesuítas e intelectuais católicos
gaúchos que aderiram ao Círculo de Psicologia Profunda desde os anos 1950. O Círculo de
Psicologia Profunda, atual Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP) se estendeu para Belo
Horizonte e Recife, a partir da década de 1970. Em uma de suas vindas ao Brasil em 1968/1969,
Caruso ajudou a consolidar o recém criado Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG) do
qual Carlos Pinto Corrêa fazia parte. (MENDES, 2013)
Carlos Pinto Corrêa foi atraído pelo caráter inexplorado do mercado psicanalítico baiano.
Chegou à Salvador através de convites de psicólogos e médicos baianos que manifestaram o
desejo de fazer formação em psicanálise e mantiveram contato com o CBP de Minas Gerais,
através do professor e psicólogo Caio Flamínio. Carlos Pinto havia recebido também um
convite do jesuíta ítalo-baiano Carlos Tironi, que fazia sua análise e formação em Belo
Horizonte, para ministrar um curso em Salvador. Tironi colocou a Bahia em pauta, mostrando
o clima favorável para o deslocamento de um analista didata. A partir dessas sinalizações
positivas, Carlos Pinto ministrou um primeiro curso sobre Psicanálise no Instituto de
Psicologia46. (GALVÃO, 2002; COUTINHO, MORAIS, 2007; BORJA, 2017)
Indagado sobre como havia sido o começo do CBP, Carlos Pinto Corrêa, rememora em
entrevista concedida em 1993:

Pela ordem, retomemos a história. Com a constituição do Círculo do Rio de


Janeiro, formado por colegas que deixavam a IPA, nós do Círculo de Minas
Gerais, fomos tomados por fantasias expansionistas, sensibilizados pela
demanda de algumas cidades. Naquela ocasião só existiam sociedades
psicanalíticas no Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre. Colegas

46
O Instituto de Psicologia foi criado em 1965, pelo francês Martin Dubois, conhecido como Irmão Dubois, por
fazer parte da ordem religiosa Instituto dos Irmãos Maristas. O Instituto de Psicologia, que funcionava dentro da
Universidade Católica do Salvador (UCSAL), prestava serviços de testagem psicológica, orientação vocacional,
fonoaudiologia, psiquiatria e psicanálise à população que pudesse pagar por esses serviços. O Instituto foi fechado
em 1977 e é reconhecido como o primeiro Instituto de Psicologia da Bahia. (AZEVEDO; TRANQUILLI, 2012).
155

começaram a reconhecer em mim o possível fundador de um novo círculo.


Havia contatos com Curitiba e entendimentos mais avançados com Brasília.
Carlos Tironi, um ítalo-baiano que fazia sua análise e formação em Belo
Horizonte, colocou a Bahia em pauta, mostrando o clima favorável para o
deslocamento do que chamávamos de analista didata. [...] Desde a infância eu
tinha uma relação poética com a Bahia, pelas músicas de Dorival Caymmi e
depois pelos livros de Jorge Amado. Quando escreveu que "escorre o mistério
sobre a cidade como um óleo" deixei-me seduzir. Comecei por um mês de
férias, para sentir o chão e o mar. Depois dei um Curso no Instituto de
Psicologia, que funcionava na Francisco Ferraro, promovido pelo Tironi.
Surgiram os candidatos. No dia 5 de julho de 1972 comecei meu trabalho de
analista, já com os planos de fundação do Círculo. (CORRÊA, 1993)47

Carlos Pinto Corrêa iniciou seu trabalho de formação recebendo dois participantes para
análise didática: os médicos psiquiatras Eny Iglesias e Luís Fernando Pinto. (GALVÃO, 2002)
A partir daí, passou a realizar seu trabalho de formação e transmissão da psicanálise na cidade
de Salvador, atendendo analisandos e supervisandos, dentre eles, vários docentes e discentes
do curso de psicologia da FFCH/UFBA. Transferiu-se definitivamente para Salvador, fundando
o Círculo Psicanalítico da Bahia e dando continuidade a uma sólida atividade formativa em
Salvador. Formou inúmeros grupos, em vários segmentos profissionais ligados ao campo “psi”
baiano. Entre os psicólogos, diversos docentes do curso de psicologia, estudantes e recém-
formados foram analisados e supervisionados por ele.
Um traço peculiar do processo inicial de formação dos psicólogos baianos no campo
psicanalítico foi a independência em relação ao cerco formativo da IPA. Considerando-se que
a recepção da psicanálise na Bahia deu-se através de dois núcleos constituídos pelos
psicanalistas argentinos, arregimentados pelo NEP, e pelo psicanalista mineiro Carlos Pinto
Corrêa, vinculado ao CBP, é interessante observar que esses agrupamentos pioneiros de
formação e transmissão da psicanálise tinham como característica o fato de serem, ambos,
signatários, pessoal ou institucionalmente, de uma oposição à IPA. Os principais efeitos da
recepção desses grupos, independentes da IPA foram: o distanciamento das normas rígidas de
acesso à psicanálise; um certo ecletismo de teorias e práticas no processo de formação e
transmissão; independência institucional e profissional em relação às Sociedades Psicanalíticas
ligadas à IPA; e, por fim, o surgimento de instituições de formação sob a liderança de
psicólogos.
A psicanálise expandiu o campo profissional dos psicólogos. Apoiados no projeto
político-institucional dos dois grupos instituintes da psicanálise no cenário baiano, os

47
CORRÊA, C. P. Entrevista para o Circular – Boletim Informativo do CBP, publicada em edição especial, Ano
II, p. 2, out. 1993. Disponível em: http://www.circulopsibahia.org.br/entrevistas.htm. Acesso em 07 mai 2018.
156

psicólogos ampliaram seu campo de atuação no mercado de trabalho. Uma pesquisa realizada
com os psicólogos na década de 1980 mostra que 52,2% dos psicólogos baianos atuavam na
psicologia clínica, área que absorvia o maior contingente de psicólogos desde o seu primeiro
emprego. (CONSELHO FEDERAL DA PSICOLOGIA, 1988) Esse dado é resultado de um
percurso iniciado na década anterior, com a forte influência da psicanálise que se
institucionalizou na Bahia, na época. Conforme aponta Rudá, Almeida Filho e Coutinho (2015),
é a partir da década de 1970, que:

[...] os saberes psicológicos e os saberes psicanalíticos passam a se confundir,


de modo que a imagem da psicanalista cobrando altos honorários em seu
consultório particular torna-se uma das principais representações da
Psicologia entre as classes média e alta brasileiras. (RUDÁ et al, 2015, p. 68)

Do ponto de vista mercadológico, os principais beneficiários nesse processo de recepção


da psicanálise foram os psicólogos. Como vimos, foi a partir da década de 1970, que novos
arranjos possibilitaram a ampliação do campo psicanalítico na Bahia, pari passu com o aumento
da demanda social por profissionais de psicologia. A psicanálise se tornava, também para a
geração de psicólogos que chegava ao mercado, uma carreira promissora.
Mas, a inserção da psicanálise no campo psicológico não se deu pacificamente. Por um
lado, os críticos questionavam o caráter heterodoxo do trabalho dos argentinos e seus
controversos laboratórios de final de semana, que reverberavam em inúmeros comentários e
cochichos em sala de aula à cada segunda-feira, relembram algumas entrevistadas. Em um tom
mais acadêmico, referindo-se à formação dos professores do curso de psicologia da UFBA, a
título de pós-graduação, a professora Mercedes Carvalho afirma em sua dissertação de mestrado
que, além da procura por instituições oficiais de ensino, os docentes buscam:

[...] em alguns profissionais estrangeiros alijados de seu país, uma supervisão


que longe está de corresponder aos mínimos princípios éticos e científicos,
mas que encontram adeptos incautos e carentes por falta de alternativas de
especialização, uma vez que a Universidade não vem cumprindo seu papel.
(CARVALHO, 1979b, p.189).

Por outro lado, a crítica dos discentes era sustentada no estigma de uma “clínica de
direita”, reacionária, burguesa e elitista atribuído à psicanálise. (OLIVEIRA, 2017) Os
opositores denunciavam o posicionamento político dos psicanalistas que adotavam o
silenciamento e neutralidade diante da situação política do país, ausentando-se dos movimentos
de luta estudantil e manifestações, sem jamais criticar a ditadura militar. A entrevistada Maria
157

Angélia Teixeira relembra esse período inicial do curso e de como a psicanálise era criticada
como uma teoria que privilegiava a elite:

[...] no início não tinha nada de psicanálise, tinha um fantasma que todo
mundo atacava. [...] durante o curso, eu li Freud, fiquei encantadíssima com
os casos clínicos de Freud que foi o Caio (Flamínio) que deu pra gente ler e
aí quando eu comecei a me encantar com isso eu só ouvia crítica: coisa antiga
de Viena, coisa da burguesia, você vai se interessar por isso, tem coisas tão
novas, americanas [...] a crítica sempre foi severa, de que era uma teoria
burguesa, dirigida a burgueses, quem praticava era burguês e quem tinha
acesso a essa formação e atendimento era a burguesia que não ia à
universidade, não era formada na universidade e ademais, além de não ser
formada na universidade, tinha a fama de ter preços caríssimos que só uma
elite privilegiada poderia desfrutar e ter o privilégio de ter esse atendimento.
(Informação verbal)48

A clivagem ideológica que caracterizava o pensamento político em vigor no país se


refletia na oposição entre behavioristas e psicanalistas e pode ser compreendida a partir de uma
perspectiva histórica mais ampla. Roudinesco e Plon (1998, p. 675), registram no Dicionário
de Psicanálise - verbete Rússia (e União Soviética) que, “A partir de 1927, com a supressão da
liberdade de associação e a stalinização do sistema soviético, o movimento psicanalítico russo
se extinguiu progressivamente[...]”49. Oliveira (2017) traz essa referência ao citar um embate
que ocorreu na Faculdade de Psicologia da USP, entre uma aluna behaviorista e um professor
psicanalista.

[...] a esquerda brasileira seguia os preceitos stalinistas estabelecidos a partir


de 1927, que fez com que a psicanálise fosse gradativamente criticada e
condenada na URSS, até ser erradicada e condenada como ciência burguesa,
nos anos 1940. Uma demonstração clara desse embate ocorreu no interior da
clínica da Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP),
notadamente no confronto com posições como as de Iara Iavelberg. Formada
em psicologia, essa célebre militante de extrema-esquerda acusava a doutrina
de elitista e alienante, e os psicanalistas de reacionários, preferindo, como
muitos de sua geração, as correntes da psicologia experimental. Ao que o
fundador da psicanálise paulista e professor da clínica, Durval Marcondes

48
Depoimento de Maria Angélia Teixeira (2020)
49
Na Rússia do início do século, Ivan Petrovitch Pavlov (1846-1936) recebeu o Prêmio Nobel (1904) de medicina,
como resultado de seus trabalhos sobre a atividade digestiva e o reflexo condicionado. Tais estudos deram origem
a um modelo de psicologia materialista, “retomado pelos marxistas, e depois pelo regime comunista, para combater
as doutrinas ditas ‘espiritualistas’, entre as quais a psicanálise”. (ROUDINESCO E PLON, 1998, p. 674) Em 1930,
a psicanálise foi erradicada da URSS, apesar de algumas práticas clandestinas, enquanto o modelo pavloviano
dominava toda a psicologia. Seu trabalho influenciou o behaviorista Watson, bem como o behaviorista radical
Skinner (1904–1990), que estava apenas começando seu estudo de psicologia quando encontrou Watson e Pavlov.
(PICKREN; RUTHERFORD, 2010)
158

replicava: “Eles querem empregar Skinner nos ratos de Mao Tse-Tung”.


(OLIVEIRA, 2017, p. 83)

No contexto baiano, as divergências políticas entre os discentes eram atualizadas à cada


movimento de luta contra o regime militar. A forte presença dos alunos que aderiam à corrente
behaviorista na militância estudantil se contrapunha à posição de “distanciamento”, assumida
pelos discentes afiliados ao movimento psicanalítico. Quanto às instituições psicanalíticas
baianas, não é possível afirmar nenhum tipo de perseguição ou de colaboração ao regime
durante esse período.
Ao longo desta seção, apresentamos as evidências resultantes das análises das
informações e dos dados obtidos, a fim de responder ao segundo objetivo específico, ou seja,
compreender o modo como a Análise do Comportamento e a Psicanálise foram recebidas pela
comunidade acadêmica de psicologia - instituição, docentes e discentes - bem como a circulação
dessas teorias, entre os anos 1968 a 1980. Com esse intuito, analisamos o modo de recepção da
psicanálise e a vinda dos primeiros psicanalistas à Salvador-Bahia, na década de 1970.
Demonstramos sua influência no processo de formação dos psicólogos do primeiro curso de
psicologia da Bahia, implantado no final da década de 1960, na UFBA. Para isso,
contextualizamos o momento político e cultural vivido no Brasil. Refletimos sobre as trocas e
as práticas que interligaram pessoas e instituições brasileiras e argentinas. Evidenciamos a
circulação de ideias e o fluxo de informações que alimentaram uma rede complexa e trocas
entre países, estados, culturas, pessoas, psicanalistas e psicólogos. Falamos de migração, de
intercâmbio, de permeabilidade de fronteiras geográficas, culturais, simbólicas. Observamos a
força poderosa das trocas que se fizeram possíveis a partir dessas migrações, permanências,
residências, viagens, exílios, registros de memórias e produção intelectual. Tratamos de
movimento e de cultura, sob a égide de uma ditadura militar. Uma história que ainda reverbera
na psicanálise e na psicologia.
Na próxima seção, nos deteremos em analisar o controle e a vigilância dos órgãos de
segurança e informação sobre o curso de psicologia e as lutas e embates coletivos dos seus
discentes e docentes.
159

7. CONTROLE E VIGILÂNCIA DOS ORGÃOS DE SEGURANÇA E INFORMAÇÃO:


A UFBA E O CURSO DE PSICOLOGIA DURANTE A DITADURA MILITAR

A presente seção tem o propósito de analisar o processo de lutas, resistências, mobilização


e participação política de discentes e docentes do curso de psicologia da FFCH/UFBA assim
como os embates com as políticas de Estado, implantadas pelos tecnocratas do regime militar.
Abordaremos os mecanismos de controle e vigilância adotados pelos órgãos de segurança,
dentro da UFBA, de modo a acompanhar a dinâmica de luta dos discentes e docentes do curso
psicologia.
Nesse sentido levantamos alguns questionamentos, a saber: Foram os estudantes e
professores do curso de psicologia vigiados e perseguidos durante esses anos? Como os
docentes e discentes de psicologia se posicionaram politicamente durante esse período? Quais
foram as pautas de lutas e reivindicações dos discentes de psicologia? Essas indagações nos
mobilizaram a investigar a participação dos psicólogos no movimento estudantil, face ainda
inexplorada da participação política dos psicólogos baianos. Para isso, realizamos uma análise
do funcionamento dos órgãos de segurança e informação implantados na UFBA. Além dos
dados recolhidos do Relatório Final da Comissão Milton Santos de Memória e Verdade
(CMSMV), empreendemos pesquisa diretamente nos documentos da AESI/UFBA, que foram
parcialmente disponibilizados pelo arquivo Lugares de Memória/UFBA, além dos arquivos da
CAD e da FFCH. Esses dados foram coligidos, catalogados e analisados. Ademais, contamos
com a contribuição dos relatos das entrevistadas. Esse acervo contribuiu na consecução do
presente capítulo sobre a trajetória de militância política dos discentes e docentes do curso de
psicologia da UFBA durante a ditadura militar. Não podemos desconsiderar a bibliografia
consultada, como fonte secundária, que nos permitiu compreender como o sistema de vigilância
agia na estrutura universitária e exercia sua força sobre docentes, discentes e demais servidores
da UFBA.

7.1. MOVIMENTO ESTUDANTIL E DITADURA MILITAR: OS DISCENTES DE


PSICOLOGIA DA UFBA E SUAS LUTAS COLETIVAS

Após o golpe militar de 1964, as universidades passaram a ser fortemente visadas. Os


militares temiam a esquerdização dos jovens universitários e pretendiam coibir as
manifestações contrárias às medidas ditatoriais e reprimir o ME. A chamada Lei Suplicy de
Lacerda, em 1964, havia colocado a UNE na ilegalidade e instituiu o funcionamento dos DAs
e DCEs. Em 1968, a decretação do AI-5, gerou, no âmbito das universidades, uma segunda
160

onda de expurgos, acirramento da radicalidade do regime e a manifestação do seu caráter mais


repressivo e violento a todo ato, isolado ou coletivo, que fosse interpretado como resistência à
ditadura. Em 1969, com a instauração do Decreto-Lei nº 477/1969, discentes foram expulsos
por meio de ato administrativo de negativa das matrículas e docentes tiveram suas
aposentadorias decretadas compulsoriamente.
Ademais, a política educacional da ditadura, que foi delineada através dos acordos MEC-
USAID, visando inserir o modelo das universidades americanas nas instituições brasileiras,
trouxe sérias consequências ao ensino superior brasileiro. Esse modelo de educação criou o
problema dos excedentes, da falta de verbas, da modernização compulsória de ensino e gerou,
em consequência, uma insatisfação estudantil sem precedentes. Os excedentes eram os jovens
que passavam no vestibular, mas não conseguiam se matricular por falta de vagas. Para
solucionar esse problema foi assinado o Decreto-Lei 464/69, que implementava o vestibular
unificado, visando aprovar um número de candidatos equivalente ao número de vagas
disponíveis nas universidades. Evitava-se, desse modo, dar visibilidade aos excedentes,
ocultando a grande demanda de vagas não atendida. Foi implantado, ainda, um sistema de
reordenamento do ensino superior em dois ciclos, um básico e outro profissional. Após o ciclo
básico, o estudante se submetia a uma prova, o chamado “provão”, para ir para o ciclo
profissionalizante. Nas instituições de ensino superior, que mantinham diversas modalidades
de habilitação, os estudos profissionais de graduação eram precedidos de um primeiro ciclo,
comum a todos os cursos ou a grupos de cursos afins. O primeiro ciclo, ou ciclo básico, tinha a
função de recuperar as insuficiências evidenciadas pelo concurso vestibular, na formação de
alunos; na orientação para escolha da carreira; e, na realização de estudos básicos para ciclos
ulteriores. (BRASIL, 1969; ARAPIRACA, 1979; MOTTA, 2014)
O movimento estudantil havia mantido uma pauta de luta e manifestações intensa em
Salvador entre os anos 1967 e 1968. Os acordos MEC-USAID foram um dos grandes motivos
de enfrentamento entre o movimento estudantil e o regime militar naquele período. As passeatas
se intensificaram em 1968, mobilizando protestos contra a política educacional do governo e
em prol de melhoria no ensino. A participação do movimento estudantil secundarista era forte,
alinhado com os estudantes da universidade. Naquele ano houve greves de ocupação nas escolas
de Filosofia, Medicina, Enfermagem, Nutrição, Administração, Economia, Arquitetura, Belas
Artes, Veterinária, Politécnica, Geografia e nos Institutos de Matemática e Física da UFBA.
Com o assassinato do estudante secundarista Edson Luís em março, no Rio de janeiro,
ocorreram novas manifestações de rua em Salvador. As principais bandeiras eram as melhorias
161

na qualidade do ensino, criação de novas bibliotecas, defesa da gratuidade do ensino e oposição


aos acordos MEC-USAID. (SOUZA, 2013)
Os estudantes do curso de psicologia da UFBA já iniciaram sua vida acadêmica se
defrontando com problemas de ordem política nacional impostos pelas reformas e legislações
autoritárias do regime ditatorial brasileiro. Um aluno de psicologia ficou ferido no conflito entre
policiais e estudantes em outubro de 196850. Nesse mês, os estudantes de Salvador fizeram
comícios relâmpagos em vários pontos da cidade e pediam a libertação dos universitários presos
quando participavam do XXX Congresso da UNE, em Ibiúna-SP. Houve enfrentamento com a
polícia e em torno de setenta pessoas foram presas.
No entanto, o ME baiano perdeu força diante do impacto das práticas repressivas do
Estado militar. A radicalidade do regime, que se tornara mais contundente com a edição do AI-
5, associado a expulsão de alunos e o cancelamento de matrículas pós Decreto 477/69,
bloquearam as atividades no interior do movimento estudantil e contribuíram para o seu
esvaziamento, que só ressurgiriam com maior força na primeira metade da década de 1970,
quando parte das lideranças estudantis ingressaram na militância clandestina. (BRITO, 2008;
SOUZA, 2013)
Foi em 1970 que o sistema de espionagem das universidades foi formalizado, através da
criação da Divisão de Segurança e Informação do Ministério da Educação (DSI/MEC) e, em
seguida, das Assessorias Especiais de Segurança e Informação (AESI). Em 25 de janeiro de
1971, o então Reitor da UFBA, professor Roberto Santos (1967-1971), foi informado sobre a
aprovação do Regulamento da DSI/MEC, sendo solicitado a ele que indicasse “[...] um
elemento da sua mais inteira confiança e de absoluta discrição para assumir essa Assessoria
[...]”. (UFBA CMSMV, 2014, p.48) Atendendo à solicitação, o Reitor Roberto Santos indicou
o Dr. Emerson Spínola Marques Ferreira para o exercício da função de Assessor Especial de
Segurança e Informações. O Reitor também foi informado nesse mesmo ofício, sobre a
aprovação, pelo Ministro da Educação e Cultura Jarbas Passarinho (1969-1974), do Plano
Setorial de Informações, que previa a criação de agências de vigilância em Órgãos Federais.
Dentre os objetivos do Plano Setorial de Informações, estava:

1) obter informações sobre antagonismos existentes na área do MEC e sobre


grupos de pressão “que exploram e que possam afetar a execução da Política

50
O assunto foi abordado no documento Informação nº 267/NASV/SNI/69. Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo:
Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e encadernados). REF:
BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_82005125_d0001de0001.
162

Ministerial; 2) desenvolver o serviço de contrainformação no campo do teatro,


rádio, cinema, revistas etc. (UFBA CMSMV, 2014, p. 48)

O ME era constantemente vigiado pelos integrantes da DSI/MEC. Através de Ofício


Circular de 1971 (sem indicar dia e mês), a DSI solicitou do Reitor da UFBA medidas enérgicas
para desarticular o movimento estudantil que se mobilizava em prol da sua recomposição,
através de “[...] organizações revolucionárias clandestinas e da conquista dos diretórios
acadêmicos e representações de turmas [...]”. A pauta de luta era a censura, as prisões, o
Decreto-Lei 477, a política educacional do Governo, dentre outras reivindicações. Segundo a
DSI, os estudantes estavam realizando campanhas de pichações e publicações em murais,
hostilizando o governo, manifestando indisciplina, desacatando as autoridades, sem que se
pudesse identificar nem punir seus autores. (UFBA CMSMV, 2014, p.24) O aumento das
manifestações estudantis foi assunto também de um Ofício confidencial do Comandante da VI
Região Militar, datado de 6 de dezembro de 1971. O General Argus Lima solicitou do Reitor
da UFBA providências e ameaçou responsabilizar os funcionários das administrações das
faculdades da UFBA por omissão diante de práticas de distribuição de panfletos e propaganda
subversivas e utilização de murais nos DAs. (UFBA CMSMV, 2014)
A instauração do Decreto 477/69 e a implantação do ciclo básico gerou diversos prejuízos
aos estudantes. Em ação integrada dos cursos da FFCH/UFBA, os DAs de Psicologia, História,
Ciência Sociais e Filosofia emitiram boletins e outros informativos e uma carta aberta à
comunidade criticando as medidas impostas pelo Decreto 477/69, bem como pedindo o fim do
jubilamento de estudantes51. A implantação do ciclo básico e do ciclo profissional trouxe
problemas para a Universidade. Especificamente para o curso de Psicologia, que se encontrava
em fase inicial de funcionamento, a implantação do ciclo básico trouxe entraves para a plena
consecução do curso. O DA de Psicologia se manifestou através de correspondência
encaminhada ao Colegiado e Departamento do curso relatando os prejuízos causados pelo ciclo
básico para os alunos ingressantes em 197152. O número de vagas para ingresso no curso era
inferior à demanda e isso gerava um número de alunos excedentes. Além disso, os discentes
que ingressavam no ciclo básico deveriam, após o término, fazer uma prova para passar para o
ciclo profissionalizante. Como havia problemas com a oferta de disciplinas, associados à
exigência de pré-requisitos, isso gerava atraso na conclusão do curso, ficando todos sob o risco

51
Fonte: Arquivos AESI/UFBA, Caixa 2, Pasta 429.
52
Correspondência assinada pelos representantes estudantis em 25/11/1974. Registrada sob nº 293, às fls 28, do
Livro 01 de Protocolo de Porta, em 25/11/1974. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
163

de serem jubilados. Os discentes de psicologia conseguiram, através de luta coletiva, a


suspensão do jubilamento para os não classificados e absorção dos excedentes.
As chapas dos DAs da FFCH/UFBA, gestão de 1971, foram eleitas em 01.12.1970,
conforme Ata do Conselho Departamental. Naquele ano, foi eleita a primeira chapa do DA de
psicologia, composta pelos representantes estudantis, conforme Quadro 7, abaixo:

Quadro 7 - Representação discente no Diretório Acadêmico do curso de Psicologia da


FFCH/UFBA - 1971

Cargo Representantes Discentes

Presidente Maria Lúcia de Araújo Andrade


Secretário Geral Sônia A. Brito Meireles de Souza
1ª Secretária Nádia Dourado
Tesoureiro Flora Rodrigues da Silva
Secretário Social e de intercâmbio Juvenal Silva Souza
Secretária de Assuntos científicos e culturais Eunice Rodrigues
Secretário de Imprensa Gildete Lino de Carvalho.
Fonte: Ata do Conselho Departamental da FFCH/UFBA, de 01.12.1970. Arquivo FFCH/UFBA.

O ME se organizava paulatinamente no âmbito do curso de psicologia e as questões


políticas mais amplas entraram na pauta de luta do DA, juntamente com as reivindicações mais
específicas ao curso. Desde a implantação do curso, os discentes já lidavam com situações que
exigiam a participação e mobilização coletiva em prol de avanços, em um período de intensa
vigilância dos militares e atuação clandestina no campo acadêmico. Foi em 1972 que os
estudantes passaram a criticar, de modo crescente, os problemas vivenciados na universidade e
a reorganizar o ME. O provão, agendado para acontecer no final daquele ano foi um disparador
do movimento, pelo grau de descontentamento que gerava entre os estudantes. A organização
estudantil contra o provão foi sendo articulada pela categoria, até que no dia de realização do
referido exame houve 100% de adesão à causa e boicote à prova. Com essa ação de agregação
da “massa” universitária que combatia o provão, o ME ganhou maior visibilidade. (SILVEIRA,
2019)
As eleições gerais para escolha das representações estudantis junto ao colegiado
universitário e diretório setorial do curso de psicologia, para o exercício em 1972, ocorreu em
chapa única com a seguinte composição:
164

Quadro 8 - Representação discente no Diretório Acadêmico do curso de Psicologia da


FFCH/UFBA - 1972

Função Representantes Discentes

Presidente Eli Lederma


Secretário Geral Maria Bernadete Mascarenhas
1ª Secretária Sônia Meireles
Tesoureiro Luciana Wildberger
Secretário Social Clidenor Góes
Secretária de Assuntos Culturais Ana Maria Santos Rocha
Secretária de Imprensa Denise V. Silva
Representante e Suplente no Departamento Eunice Gomes
Vilma Alexandria
Representante e Suplente no Colegiado Sônia Meireles
Júlia Lobão
Representante e Suplente no Colégio Eleitoral Lúcia da Silva Guedes
Ana Maria Santos Rocha
Representante e Suplente na Congregação Reginaldo Silva Oliveira
Maria Bernadete S. Mascarenhas
Fonte: Ata das eleições de representações estudantis, de 23.11.1971 - Arquivo CAD/UFBA.

O DA organizou a IV Semana de Psicologia de 1972, que ocorreu entre 16 a 21 de outubro


daquele ano. No Relatório final do evento, os discentes apresentaram os debates enfatizando:

[...] não é apenas o curso de psicologia que enfrenta problemas e limitações


de toda ordem. Dentro da Universidade situamos uma crise que encontra suas
origens na própria estrutura sócio-política vigente sendo a Reforma
Universitária não propriamente uma causa e sim um instrumento.53

A pauta de discussão envolveu a política educacional e as dificuldades estruturais da


universidade e do curso. Destacou-se a acentuada elitização do ensino e o sistema educacional
brasileiro vigente no período; os planos de alfabetização em vigor; as verbas destinadas à
educação e a Reforma Universitária. No âmbito da luta por melhores condições do curso recém
iniciado, representantes do DA fizeram críticas sobre seu funcionamento e a importância da
formação profissional, não cabendo ao estudante apenas repetir teorias. Enfatizaram a
importância do professor para a formação do estudante, afirmando que o professor precisa saber

53
Documento de conclusão da IV Semana de Psicologia da UFBA – 1972. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
165

ser um orientador no processo de aprendizagem do discente e destacaram a importância da


pesquisa para a formação. Consideraram, ainda, a necessidade de refletir sobre o mercado de
trabalho, uma vez que faziam parte das primeiras turmas de futuros psicólogos a se formar na
UFBA. Como resultado dos debates, os discentes apresentaram quadro de propostas, visando a
luta coletiva pela abolição da seleção de ingresso no 5º ano; reforma de currículo e revisão de
programas de disciplinas junto com os professores; elaboração do Regimento de Estágio;
criação da Clínica psicológica; formação do grupo de Teatro dos Estudantes de Psicologia
(TEPsi).
A luta pela abolição da seleção para ingresso no curso de Formação de Psicólogo no 5º
ano mobilizou os discentes, levando-os ao embate no campo judicial. O curso de psicologia da
UFBA iniciou suas primeiras turmas oferecendo apenas as habilitações em Bacharelado e
Licenciatura. Mas, de acordo com a Lei 4.119 de 27.08.1962 as graduações de psicologia
deveriam oferecer, além do bacharelado e da licenciatura, também a habilitação de psicólogo,
como uma continuidade do currículo. Desse modo, os concluintes do curso de Bacharel ou do
curso de Licenciatura deveriam poder candidatar-se, no 5º ano, ao curso de Formação de
Psicólogo e fazê-lo em um mínimo de dois períodos letivos complementares. Ou seja, para fazer
no 5º ano do curso a Formação de Psicólogo, o discente deveria ser possuidor de diploma de
Licenciado ou Bacharel em Psicologia. A integralização dos créditos e da carga horária do curso
de Formação de Psicólogo se faria somando aos novos créditos à carga horária da licenciatura
ou do Bacharelado em psicologia.
No entanto, a UFBA adotou um controverso critério seletivo para o ingresso dos alunos
no último ano do curso54. A Universidade fixou em setenta o número de vagas para o curso de
formação do psicólogo e determinou que, quando o número de candidatos que tenham
satisfeitos as condições de concluintes das disciplinas do Bacharelado e da Licenciatura for
superior ao de vagas oferecidas, haveria prova de seleção. Essa seleção levaria em conta o
conceito global das disciplinas do tronco comum do currículo mínimo dos cursos de
Bacharelado ou de Licenciatura, já realizado pelo candidato. Além do conceito global, o
discente faria também uma prova objetiva de conhecimentos, elaborada e aplicada por uma
comissão designada pelo colegiado de curso. Ou seja, a UFBA exigia que os alunos que haviam

54
As normas para ingresso no curso de Formação de Psicólogo foram aprovadas pela Câmara de Ensino de
Graduação, através do Parecer nº 81/72 de 04.07.1972, que tratou sobre as "Normas para instalação de
funcionamento do Curso de Psicólogo criado mediante aprovação do Parecer nº 41/ 72, da Câmara de Ensino de
graduação do Conselho de coordenação da UFBA”.
166

feito quatro anos de curso (bacharelado e licenciatura), se submetessem a uma seleção para
poderem ingressar no curso de formação de psicólogo.
Ocorre que, quando a Câmara de Ensino de Graduação autorizou o início da habilitação
em Formação de Psicólogo, já havia um contingente superior ao número de vagas (70)
aguardando o início do curso. Por discordar da necessidade de realizar um novo processo
seletivo para ingresso no curso de formação de psicólogo, os discentes formalizaram uma ação
judicial e impetraram Mandado de Segurança contra a UFBA, acolhido pelo juiz da Justiça
Federal. Na petição inicial em que constam o nome dos discentes, está registrado os motivos da
ação:

II - os impetrantes, matriculados no curso de psicologia, vinham-no cursando


normalmente, até o 4° ano, onde foram aprovados [...] e, candidatando-se a
último ano, o que seria o 5°, para obtenção do diploma de psicólogo, a fim de
poderem exercer a profissão (art. 13 da Lei 4.119 de 27.08.62 que regulamenta
a profissão de psicólogo), são agora OBRIGADOS a se submeter a outro
processo seletivo (e não é o vestibular, nem o do Ciclo Básico), não previsto
no Estatuto nem no Regimento Geral da Universidade.55

A Secretária de Assuntos Culturais do DA na chapa de 1972 e integrante da segunda


turma do curso, Ana Maria Santos Rocha relata, em entrevista para essa pesquisa, o movimento
de luta que mobilizava os discentes do curso, prejudicados com a exigência da UFBA:

quando eu entrei na Universidade era um clima muito pesado de


clandestinidade [...] e eu comecei na luta estudantil, eu fui da secretaria de
cultura, do diretório acadêmico no auge da repressão [...]quando nós então
fomos fazer o curso de psicólogo, que ainda não existia, só existia o
bacharelado e a licenciatura, surgiu então essa ideia de fazer outro vestibular
para cursar o 5º ano, então aí, nós fizemos uma mobilização envolvendo toda
a turma, a nossa turma e a primeira turma, no sentido de entrar com uma
liminar para suspender o vestibular, nós fizemos toda uma mobilização [...]
foi uma vitória e fizemos então o curso de psicólogo sem precisar fazer o
vestibular, então em decorrência disso eu fui a oradora da turma porque eu
que coordenei todo o processo de luta. (Informação verbal)56

A querela sobre a abolição da seleção de ingresso no 5º ano do curso foi denunciada na


imprensa local, conforme exemplifica a Figura 6. O jornal Tribuna da Bahia tratou sobre o
tema com matéria cujo título era Bahia quer psicólogos. Por que a Reitoria diz não?57

55
Mandado de Segurança nº 7386. 1ª Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária do Estado da Bahia. Em
23.04.1973. Arquivo CAD/UFBA.
56
Depoimento de Ana Maria Santos Rocha (2019)
57
Jornal Tribuna da Bahia, Salvador, de 08 de março de 1972, p. 5.
167

Em Salvador quem se forma em psicólogo não é considerado tal e não pode


exercer a profissão. Para isso é necessário cursar as matérias Ética Profissional
e Técnicas Psicoterápicas, ministradas no quinto ano do curso, que não existe
na Bahia. Estudantes de psicologia estão levando à frente um movimento, no
sentido de que seja criado mais um ano no curso. (Jornal Tribuna da Bahia,
Salvador, 08 de março de 1972, p.5).

Na citada matéria, há o posicionamento da Reitoria, que disse não dispor “[...] de verba
para criar o último ano e alega que não há mercado de trabalho para psicólogos na Bahia”. Os
discentes se posicionaram também, apresentando uma pesquisa realizada em empresas da
cidade que afirmavam necessitar de psicólogos em seus quadros profissionais. Citam as
instituições consultadas: Secretaria do Trabalho e Bem Estar Social (SETRABES), INPS,
Associação dos Psicólogos da Bahia, Serviço Médico da UFBA e Superintendência do Centro
Industrial de Aratu (CIA). Ao final da reportagem, há uma correspondência do Superintendente
do CIA, Elmo Serejo Farias:

A Bahia encontra-se, atualmente, numa fase de franco desenvolvimento


econômico, apresentando características de pleno emprego de fatores no setor
dinâmico de sua estrutura. Assim é que a industrialização afigura-se como
fator de integração e absorção dos recursos humanos existentes. A medida em
que este setor se amplia e desenvolve a tecnologia empregada, surgem novas
necessidades de mão-de-obra especializada.

No Centro Industrial de Aratu, já com 145 empresas com opção para


funcionamento e com 39 em plena produção, a profissão do Psicólogo
Industrial é das mais importantes e cujo entrave principal vem sendo a
carência destes profissionais no nosso Estado.

A nossa grande expectativa é a de que possamos, no prazo mais curto possível,


contar com muitos psicólogos industriais aqui formados, que venham a prestar
sua colaboração neste processo de desenvolvimento em nosso Estado. (Jornal
Tribuna da Bahia, Salvador, 08 de março de 1972, p.5).
168

Figura 6 - Matéria do jornal Tribuna da Bahia - Edição de 08 de março de 1972, p. 5.

A celeuma entre os discentes de psicologia e a UFBA, em prol da extinção do processo


seletivo para ingresso no 5º ano, prosseguiu até o ano seguinte, sob a vigilância da AESI/UFBA.
Nos seus arquivos, encontramos jornais, panfletos e boletins do DA e DCE que divulgavam a
situação dos discentes de psicologia. O Boletim dos Estudantes, datado de agosto de 1973 fez
referência à luta do DCE para que se efetivasse o 5º ano do curso de psicologia que até aquele
momento não fora concretizado deixando vários alunos sem a conclusão do curso de Formação
de Psicólogo58. A AESI manteve também em seus arquivos um panfleto de 23.04.1973, emitido
pelos estudantes de psicologia que se negavam a fazer seleção para ingressar no 5º ano 59.
Também encontramos no arquivo CAD/UFBA, um Relatório emitido pelo DA de psicologia
em 1973, relatando detalhadamente a luta da categoria e os recursos administrativos e jurídicos
impetrados pelo coletivo de estudantes60.
O imbróglio foi resolvido pela via curricular, quando a Câmara de Ensino e Graduação
da UFBA aprovou proposta do colegiado do curso. Ficou definido que as disciplinas Técnicas
de Exame e Aconselhamento Psicológico II, III e IV seriam pré-requisitos das disciplinas
Teorias e Técnicas Psicoterápicas I e Estágio Supervisionado I, as quais integravam o currículo
do curso de Formação de Psicólogo. Com isso o aluno estava desobrigado de apresentar
diploma de graduação de Bacharel ou Licenciado em Psicologia, para concluir a habilitação em
Formação de Psicólogo.
Nesse período, o ME empreendia uma luta pela reconstrução de suas entidades. A UNE
havia sido desmontada com o desaparecimento de seu último presidente Honestino Guimarães,
em 1973. As principais tendências das organizações de esquerda que atuavam no movimento

58
Fonte: Arquivos da AESI/UFBA, Caixa 4, p. 922/923.
59
Fonte: Arquivos da AESI/UFBA, Caixa 4, p. 989/990.
60
Relatório do Diretório Acadêmico de 1973. Fonte: Arquivo CAD/UFBA
169

estudantil tentando reorganizar os Das e DCEs foram a “Refazendo”, ligada a Ação Popular
Marxista Leninista do Brasil (APML), a Unidade, representada pelos simpatizantes do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), a “Caminhando”, ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
e a “Viração”, denominação utilizada na Bahia, que representava os estudantes do PCdoB.
(LIRA, 2010) A rearticulação do ME motivou a Assessoria Regional de Segurança e
Informações do Nordeste (ARSI/NE) a encaminhar um Ofício ao Reitor da UFBA, em 28 de
junho de 1973. O documento solicitava providências sobre a reorganização do movimento
estudantil, que se dava através da criação de entidades que estavam sob o comando do PCB, do
PCdoB e da APML. (BRASIL, 2014; UFBA CMSMV, 2014)
A AESI acompanhava a realização das eleições estudantis e, em 21 de agosto de 1973,
enviou ao Reitor as informações sobre as chapas vencedoras com os nomes dos integrantes do
DA de Psicologia, daquele ano61. Foram eleitos representantes para o Colégio Eleitoral,
Congregação, Conselho Departamental, Colegiados, Departamentos e Diretórios Acadêmicos.
Apresentamos abaixo a composição da chapa única de Psicologia nos respectivos cargos, para
exercício no ano de 1973:

Quadro 9 - Representação discente no Diretório Acadêmico do curso de Psicologia da


FFCH/UFBA - 1973

Cargo Representantes Discentes

Presidente Sônia Maria Rocha Sampaio


Secretário Geral Júlia Cristina Vieira Petit Lobão
1ª Secretária Azenilda Lopes Pimentel
Tesoureiro Maria das Graças Tosta de Souza
Secretário Social Ana Célia Dias
Representante e Suplente no Departamento Maria Bernadete dos Santos Mascarenhas
Maria José Lopes de Souza
Representante e Suplente no Colegiado Júlia Cristina Vieira Petit Lobão
Erisvalda L. da Silva
Representante junto ao Colégio Eleitoral Sonia Maria Rocha Sampaio
Representante e Suplente no Conselho Marlene Creuza Vaz Meireles
Departamental
Ana Maria Liguouri
Fonte: Ata da Congregação da FFCH, datada de 05.12.1972 - Arquivo da FFCH

61
Informação nº 076/73/ASI/UFBA. Fonte: Arquivos AESI/UFBA, Caixa 11, n. 3874.
170

No intuito de vigiar e controlar as estratégias de propaganda da militância estudantil, os


tecnocratas do regime acompanhavam e censuravam folhetins, boletins, jornaizinhos e
quaisquer publicações do movimento. Em Ofício encaminhado ao Reitor da UFBA em 27 de
setembro de 1973, o DSI/MEC fazia referência às publicações de caráter ‘tendencioso’ dos
diretórios acadêmicos, citando os panfletos clandestinos DCE e do Boletim dos Estudantes da
Bahia (BEBA), demandando, inclusive, esclarecimentos e providências quanto ao surgimento
das publicações Reflexo e BIS, pois tais publicações difundiam ensinamentos antidemocráticos
e insuflavam a desordem. Solicitou a identificação da linha política-ideológica e dados de
qualificação dos dirigentes dos DAs e DCE da UFBA e de representantes estudantis junto ao
Conselho Universitário. (UFBA CMSMV, 2014) A reitoria, em resposta, encaminha cópia de
ofício da AESI, informando

[...] que as publicações Reflexo e BIS são apócrifas e clandestinas, “não tendo
sido possível identificar os seus responsáveis diretos, nem os locais onde são
impressos”. Quanto aos fatores que estão influenciando a conduta
contestatória dos estudantes, a AESI cita problemas acadêmicos ocasionados
pela reforma universitária, tais como jubilamento, ciclo básico, além de outros
como instalações precárias, falta de professores, dificuldade de locomoção
entre as escolas. Diz também que não há ninguém nos diretórios ligados ao
movimento de esquerda, “salvo a Secretária do DCE, que foi presa por Órgão
de Segurança”. E conclui informando que está providenciando a relação
nominal e dados de qualificação dos líderes estudantis. (UFBA CMSMV,
2014, p.27-28)

A Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA também foi inquirida sobre uma
encenação de peça teatral que os estudantes pretendiam realizar sem a aprovação do Serviço de
Censura de Diversões Públicas. O Superintendente da Polícia Federal encaminhou ofício ao
diretor da FFCH, datado de 20 de novembro de 1973, inquirindo sobre tal apresentação. Esse
ofício continha, por engano, um relatório assinado por um agente de espionagem, o que trouxe
à tona o nome de Sinval Mota Mascarenhas – Agente 17. Nesse relatório, o agente infiltrado,
Sinval Mota Mascarenhas, informou que a peça “Alfaiate”, que retratava a figura de Tiradentes
e a Inconfidência Mineira, fora encenada na Sala 13 da FFCH, “servindo de crítica para o
Governo Revolucionário Brasileiro”. (UFBA CMSMV, 2014, p. 30) No dia seguinte, um novo
Ofício do Superintendente da Polícia Federal, dirigido ao Diretor da FFCH, informava ter
conhecimento de que a peça havia sido encenada na Sala 13 e pedia o nome e o curso de todos
os alunos que estavam à frente de tais eventos. No mesmo dia, o agente Sinval enviou um
relatório complementar, informando que voltou à FFCH para verificar se a peça “Canudos”,
que havia sido anunciada, ocorreria, mas que a peça foi iniciada, porém, interrompida por ordem
171

superior. O mesmo agente Sinval fez um novo relatório em 23 de novembro de 1973,


informando que as peças “Aborto” e “Tiradentes”, anteriormente anunciadas, haviam sido
suspensas. Tal situação levou a Polícia Federal a emitir um Informe, dois meses depois,
encaminhado ao Reitor, através da AESI, sobre Proibição de espetáculos teatrais na Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA. (UFBA CMSMV, 2014) O grupo TEPsi havia
encenado, no primeiro semestre de 1973, um texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht,
conforme relataram no boletim informativo Reflexo, produzido pelo DA de psicologia, em
junho de 197362. Embora não citem expressamente o título da peça, podemos depreender, a
partir do que está posto no boletim estudantil, que se trata da obra brechtiana Aquele que diz
Sim, aquele que diz Não. Para os discentes “[...] esta peça foi escolhida porque tem muito a ver
com o que se passa hoje em nossa realidade [...] agora é importante dizer SIM sabendo o porquê,
ou dizer NÃO com o máximo de coragem [...]”63.
O medo e a sensação de vigilância faziam parte do cotidiano dos estudantes e militantes
do ME. Em alguns relatos, as entrevistadas rememoram a angústia de se sentirem vigiadas
durante as aulas, nas assembleias e nas reuniões dentro do DA. Algumas entrevistadas disseram
sentir a presença de pelos menos dois agentes infiltrados no curso de psicologia. Mais uma vez
recorremos a entrevistada Ana Helena Caldeira Galvão, que relatou sobre a permanente tensão,
preocupação e medo, os quais exigiam cuidados dos discentes no ambiente acadêmico.

Nós tínhamos que tomar cuidado com todo tipo de coisa que se possa
imaginar, era dito pra gente que a gente nunca citasse o nome de pessoas por
nenhum motivo. A gente não andava com pessoas que a gente não tinha uma
justificativa acadêmica para estar junto dela, as pessoas que estavam se
envolvendo no movimento estudantil não andavam com pessoas do curso que
não tivessem fazendo alguma disciplina ou que não tivessem alguma
justificativa plausível. Você tinha que estar preparada para qualquer
momento que você fosse preso você justificar de todos os lugares que você
estava e todos os agrupamentos, agrupamentos por curso e por tarefa.
(Informação verbal)64

Criativamente, os integrantes do ME baiano desenvolveram uma estratégia para


identificação dos agentes infiltrados, o que incomodou os militares. A estratégia era: Primeiro,
telefonar para os órgãos de segurança e divulgar na imprensa, a data, local, horário e pauta de
determinada reunião. Segundo, no início da reunião, exigir a identificação e fotografar
quaisquer pessoas estranhas que adentrasse o ambiente. O SNI, em represália, elaborou uma

62
Cf. Anexo D, p. 250
63
Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
64
Depoimento de Ana Helena Caldeira Galvão (2019).
172

Informação Sigilosa sobre o assunto, com os dados de todos os estudantes envolvidos na


inusitada estratégia de identificação dos agentes de segurança, concluindo que

Os militares e/ou componentes de órgãos de segurança que participam da vida


universitária como estudantes, são alvo de campanhas que têm por objetivo
alijá-los da participação de quaisquer tipos de reuniões ou mesmo visando a
expulsá-los das faculdades a que frequentam.65

A AESI/UFBA tratou de manter a vigilância e ameaçar de restrições àqueles discentes


que não comungassem dos ideais pregados pela ditadura. No Relatório Final da Comissão da
Verdade da UFBA registra-se um ofício confidencial da AESI em que solicita ao Reitor
providências para o fornecimento de fotos dos estudantes a serem matriculados.

Em 16 de janeiro de 1973 a AESI notoriamente extrapolou em sua ânsia de


controlar os estudantes: pediu ao Chefe do Gabinete do Reitor, por meio do
ofício confidencial 004/73/SI, que determinasse à Secretaria Geral de Cursos
o fornecimento àquela Assessoria dos “elementos de identificação de 1 (uma)
fotografia dos estudantes a serem matriculados nesta Universidade, no ano em
curso.” Alegava como justificativa a necessidade de cumprir o Regimento
Interno, no seu artigo 5º., Item VIII, 2a. Seção, onde se lia: “organizar
fichários contendo dados informativos de todos os integrantes da UFBA e
separando, em arquivo especial, os elementos que, por motivos diversos,
sofreram ou venham a sofrer restrições dos Setores de Segurança”. O Chefe
de Gabinete encaminhou cópia do ofício à Secretaria Geral de Cursos “para
as providências”. (Correspondência Sigilosa do Gabinete do Reitor, doc.
RP1006). (UFBA CMSMV, 2014, p.26)

Mesmo diante da vigilância, do medo e das perseguições, os discentes participaram


ativamente da luta pela abertura democrática. A partir de 1974, o ME, as organizações de
esquerda e as entidades civis procuravam ampliar os limites da abertura gradual do regime.
Mas, apesar da luta em prol da redemocratização do país, a gestão do Ministro da Educação
Ney Braga, a partir de 1974, manteve a política de repressão e perseguição ao movimento
estudantil. (LIRA, 2010)
Naquele ano de 1974, as representações discentes no Colégio Eleitoral, na Congregação,
no Conselho Departamental, no Colegiado e Departamento do curso de psicologia, para o

65
O assunto foi abordado no documento Informação nº 572/S-102-A4-CIE do Ministério do Exército. Fonte:
Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e
encadernados). REF: BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_80009667_d0001de0001.
173

exercício no ano de 1974, foram eleitas em chapa única. Apresentamos abaixo a composição
da chapa e seus respectivos cargos:

Quadro 10 - Representação discente do Diretório Acadêmico do curso de Psicologia da


FFCH/UFBA - 1974

Cargo Representantes Discentes

Presidente Maria José Lopes de Souza


Secretário Geral Antônio Virgílio Bittencourt Bastos
1ª Secretária Ana Cecília Barreto Bastos
Tesoureira Ana Helena Caldeira Galvão
Secretária de Assuntos Culturais Vera Lúcia Vilas Boas de Souza
Secretária Social Sonia Maria Gomes
Secretária de Imprensa Maria Amália Campinho Clementino
Representante e Suplente no Departamento Ana Luiza Santana de Oliva
Ana Helena Caldeira Galvão
Representante e Suplente no Colegiado Sônia Maria Costa de Amorim
Antônio Virgílio Bittencourt Bastos
Representante e Suplente no Colégio Eleitoral Maria José Lopes de Souza
Otacílio Mendes Caria
Representante e Suplente na Congregação Ana Lúcia M. Passos
Representante e Suplente no Conselho Neide Maria C. Santos
Departamental
Ana Cecília Barreto Bastos
Fontes: Ata da eleição, realizada em 28.11.1973 e Ata da Congregação da FFCH de 07.12.1973 -
Arquivos CAD e FFCH/UFBA.

A entrevistada Ana Helena Caldeira Galvão integrou a chapa do DA de Psicologia de


1974. Ela atuou principalmente no setor de finanças, onde pode dinamizar e incrementar
estratégias de gestão e captação de recursos para o ME. Em sua entrevista, resgatou momentos
da trajetória de lutas coletivas, no período:

Na época que eu fui do DA psicologia eu era integrante do setor financeiro e


a pauta de nossa luta era o ciclo básico, o 5º ano, porque o 5º ano nosso, você
tinha que se formar e ir para o outro nível. Eu entrei em 72 e tava havendo a
luta pelo ciclo básico. [...] Depois tivemos uma outra luta para unificar o
curso, porque você se formava em bacharel ou licenciado e fazia uma prova
para formação de psicólogo. Participei do movimento estudantil desde que
entrei no curso, não como integrante da chapa, mas assim, colaborando. Na
época, o pessoal chamava massa avançada, que eram as pessoas que não
eram da direção mas que tinha alguma compreensão e massa atrasada, massa
174

dura ou simplesmente massa, era o pessoal que não tinha formação, era o
pessoal que você precisava convencer a ir para uma assembleia. As pessoas
tinham muito medo, em 1972, de ir a uma Assembleia. (Informação verbal)66

Em 1974, a AESI/UFBA encaminhou um Informe ao Reitor tratando sobre a subversão e


terrorismo político nas universidades públicas e escolas de pós-graduação. Nesse Informe n°
999/E2, de 20 de dezembro de 1974, o Comandante da VI Região Militar - Segunda Secção
(serviço secreto) tratava sobre “Normas preventivas, acauteladoras e repressivas no tocante à
subversão em universidades e escolas de pós-graduação”. De acordo com essas Normas, o
processo de subversão e terrorismo político nas universidades se dava pela presença de quatro
elementos: um número aumentado de estudantes passivos, ignorantes, das camadas mais baixas
da sociedade e facilmente manipuláveis por líderes persuasivos; um grupo de pessoas
desordeiras, agitadoras e ativistas juvenis, que se passam por estudantes, usando documentação
falsa; um grupo de professores, orientadores e investigadores marxistas que, em todas as
oportunidades, insuflam ideias subversivas, pregam o terrorismo, a indisciplina e a subversão
da ordem pública; e, finalmente, autoridades universitárias apáticas que eram pressionadas por
professores subversivos. De acordo ainda com o Informe, para combater a subversão e o
terrorismo político nas universidades, era indicado:

a) investigar os antecedentes pessoais e familiares dos alunos, notadamente no


que concerne a registros penais, políticos e psiquiátricos em membros de seus
ascendentes e afim;

b) “investigar sobre alunos provenientes de lares desfeitos ou de pais


alcoólatras, contraventores, desidiosos ou de classe social muito baixa”;

c) estabelecer rigoroso exame intelectual e investigação social para


ingresso nas universidades, mediante testes psicotécnicos, psicológicos e
psiquiátricos; “estabelecer normas mais rigorosas de disciplina, hierarquia e
sociabilidade”;

d) “manter vigilância sobre a aparição de líderes e agitadores estudantis e, se


necessário, expulsá-los das universidades”;

e) “expulsar também qualquer aluno que tome parte em passeata com objetivo
subversivo, de vandalismo, de desordem ou de tumulto”;

f) “examinar atentamente livros e publicações de caráter subversivo, a fim de


impedir seu acesso às bibliotecas das universidades, aos diretórios
acadêmicos, e aos grupos e ao próprio estudante”;

66
Depoimento de Ana Helena Caldeira Galvão (2019)
175

g) coibir todos os tipos de cartazes, murais e inscrições com finalidade política


ou subversiva;

h) “proibir reunião, assembleia ou conferência estudantil de caráter subversivo


ou de crítica às nossas autoridades, às instituições públicas ou ao governo
constituído”. (UFBA CMSMV, 2014, p. 30-31), (grifo nosso).

As “Normas preventivas, acauteladoras e repressivas no tocante à subversão em


universidades e escolas de pós-graduação”, citada acima, indica no item ‘c’ o uso de
instrumentos de avaliação psicológica e uso dos então denominados psicotécnicos, para
investigação de ingressantes nas universidades. (UFBA CMSMV, 2014) Cabe destacar, aqui, a
importância que a psicologia adquiria naquele momento, enquanto profissão regulamentada em
1962, apenas dois anos antes do golpe militar.
Em 1975, a AESI encaminhou Informação sobre os Diretórios Acadêmicos que se
encontravam em funcionamento nas Unidades da UFBA67. A chapa do DA de psicologia era
composta com os seguintes representantes:

Quadro 11 - Representação discente do curso de Psicologia da FFCH/UFBA – DA e DCE - 1975

Cargo Representantes discentes

Presidente Eulina Simões da Rocha


Secretário Geral Ana Cecília Barreto Alves de Souza
1ª Secretária Vera Lúcia Villas Boas de Souza
Tesoureiro Claudete Sales Sampaio
Secretário Social Antônio Carlos Costa
Secretário Assuntos Culturais Isnaia Junquilho Freire
Secretário de Imprensa Aristóteles Pereira da Rocha Filho
Representante e Suplente no Departamento Ana Cecília Barreto Alves de Souza
Jardelina Bacellar
DCE – Tesouraria Ana Helena Caldeira Galvão
Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI

A partir da segunda metade de 1975, iniciou-se um processo de distensão política, que se


prolongou até a década seguinte. O então presidente Ernesto Geisel propunha uma política de

67
Informação nº 460/75/ASI/UFBA, de 23 de outubro de 1975. Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço
Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e encadernados). REF:.
BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_82003613_d0001de0001.
176

abertura gradual do regime. Porém, nesse contexto político, o ano de 1975 foi de grandes
mobilizações. A imprensa passou a ter presença mais ativa, divulgando os eventos estudantis e
apresentando a pauta de reinvindicações para o grande público. Nesse ano de 1975, foi
deflagrada uma greve geral na UFBA, contra o jubilamento, incluindo:

melhorias na educação, contratação de novos professores, resolução dos


problemas de infraestrutura, falta de materiais didáticos, ausência de aulas
práticas, condição de estágios péssima ou inexistente, reivindicavam aumento
dos serviços de assistência em quantidade e qualidade, criticavam a criação de
novas taxas e o aumento das já existentes, protestavam contra as proibições
nas divulgações das publicações e reuniões estudantis, além do desejo da
revogação do artigo 9º do Estatuto da UFBA, que regulamentava a recusa de
matrícula – jubilamento – aos alunos, problema que atingia estudantes de
vários cursos. (SILVEIRA, 2019, p. 96)

A pauta de reinvindicações dos discentes de psicologia foi elaborada em assembleia geral


e apresentada formalmente à Reitoria da UFBA, à Câmara de Graduação, à Direção da FFCH
e os Colegiado e Departamento de Psicologia, em 30 de setembro de 1975. Os discentes
explicitaram os principais pontos do movimento grevista e a decisão de suspender as atividades
didáticas68. Referiram-se às condições precárias de ensino e a incoerência no uso do
jubilamento, diante do baixo nível de ensino, falta de vagas, redução da assistência estudantil e
pagamento de taxas. Decidiram interromper as aulas a partir de um posicionamento político
sobre a situação de ensino na universidade e no curso de psicologia, assim como reivindicaram,
como condição para retorno às aulas, a suspensão de todas as formas de jubilamento, inclusive
recusa de matrícula e retorno dos jubilados. Pediram a garantia de que, a partir de 1976, fosse
formada: 1. Uma assembleia geral com a participação de discentes, docentes, diretoria da
FFCH, chefes de departamento e colegiado de psicologia, para que se possa garantir, oficial e
publicamente, a mudança dos pré-requisitos para ingresso no 5º ano do curso de psicologia; 2.
A constituição de uma comissão paritária composta por discentes e docente do curso de
psicologia para: a reformulação geral do currículo; a melhoria das condições materiais de
funcionamento do curso, como biblioteca, material didático e manutenção do laboratório; e, a
oferta de disciplinas nos três turnos e nos dois semestres letivos; 3. A contratação de novos
professores para atender a supervisão de estágio e todas as disciplinas solicitadas pelos alunos;
4. A construção do laboratório de psicologia experimental e aplicada, ainda em fase de projeto,
após sete anos do início do curso. Esse documento emitido pelos alunos, como o resultado da

68
Documento Registrado sob o nº 291, às fls. 53 do Livro 1 de Protocolo de Porta. Em 02 de outubro de 1975.
Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
177

assembleia geral, foi lido na reunião de departamento do curso de psicologia69. A representante


discente apresentou as reivindicações estudantis para retorno às aulas, tendo o departamento se
comprometido a realizar uma reunião com cinco alunos indicados pela assembleia permanente.
A chefe do departamento, professora Giselda Morais, assinou o próprio documento,
manifestando a decisão favorável ao abono de faltas e à formação da comissão paritária para
solução dos problemas levantados. No entanto, a comissão paritária não foi eleita. A
representante discente cobrou do departamento a eleição dos professores que deveriam integrar
a comissão paritária e a justificativa do departamento foi a “impossibilidade de se efetuar uma
eleição oficial devido à não existência legal de tal comissão”70.
A greve de setembro de 1975 foi registrada no panfleto, arquivado pela AESI/UFBA. O
panfleto trazia dois textos: Esclarecimento sobre as paralisações na UFBA e Jubilamento:
aspectos jurídicos71. Enquanto o órgão de vigilância e repressão da ditadura dentro das
universidades revelava em seus arquivos a luta de resistência dos discentes, o corpo docente de
psicologia mostrava seu posicionamento diante das reivindicações estudantis. Durante reunião
do Departamento de Psicologia, a representante estudantil manifestou sua "estranheza, pelo fato
dos professores de Psicologia não terem participado da assembleia permanente, enquanto os
professores dos outros departamentos assim o fizeram"72.
O movimento estudantil era intensamente vigiado e visado pelos órgãos de segurança do
regime militar. Em março de 1976, os estudantes Valdélio Silva e Frederico Torres foram presos
na cidade mineira de Governador Valadares, quando viajavam para participar de uma reunião
nacional do movimento estudantil no Rio de Janeiro. Valdélio era aluno da FFCH, curso de
Ciências Sociais e Frederico era aluno da Faculdade de Ciências Econômicas, curso de
Economia. De acordo com o Relatório da Comissão da Verdade da UFBA,

Os dois foram mantidos incomunicáveis por oito dias, no DOPS da capital


mineira. Foram interrogados sob tortura e soltos após 13 dias de prisão, com
a obrigação de permanecerem em Belo Horizonte e se apresentarem
mensalmente ao delegado do DOPS. Respaldados no forte movimento
estudantil desencadeado por sua libertação, apresentaram-se apenas uma vez
e retornaram a Salvador. (UFBA CMSMV, 2014, p. 32)

Preocupados com os colegas presos em Minas Gerais, o DCE convocou uma reunião na
Faculdade de Ciências Econômicas, que foi proibida pela Reitoria. Punitivamente, o

69
Ata do Departamento de Psicologia, realizada em 06.10.1975. Fonte: Arquivo da FFCH/UFBA.
70
Ata do Departamento de Psicologia, realizada em 24.11.1975. Fonte: Arquivo da FFCH/UFBA.
71
Fonte: Arquivos da AESI/UFBA, Caixa 7, Pasta 2367/2369.
72
Ata do Departamento de Psicologia, realizada em 13.10.1975. Fonte: Arquivo da FFCH/UFBA.
178

Coordenador do Colegiado de Economia determinou a suspensão do funcionamento do DA por


tempo indeterminado. Todos os alunos do DA foram advertidos, alguns alunos foram suspensos
e um deles, funcionário da faculdade, foi demitido, por determinação do Reitor Augusto
Mascarenhas73. Os estudantes decidiram, em assembleia geral, paralisar as aulas por 48 horas,
em protesto contra o fechamento do DA de Economia e a prisão de dois colegas em Minas
Gerais.
O movimento de luta em defesa dos alunos presos se estendeu a outras faculdades. O
jornal Diário de Notícias de 20 de março de 1976 dá a manchete em primeira página: Estudantes
não cedem a pressão, dedicando grande espaço interno com a matéria Estudantes sustentam
posição de protesto. (Figuras 7 e 8). As medidas punitivas adotadas pela Reitoria foram:
fechamento do DA de Economia, suspensão de estudantes, demissão de funcionário, proibição
de reuniões e de colocação de cartazes em murais em todas as unidades de ensino. Apesar dessas
medidas, o ME manteve suas atividades de distribuição de notas de protesto, reuniões e
comunicação em salas de aulas.

Figura 7 - Matéria de capa do jornal Diário de Notícias – Edição de 20 de março 1976.

73
Portarias nºs 500/76 e 501/76, da Reitoria da UFBA, datadas de 18.03.1976.
179

Figura 8 - Matéria do jornal Diário de Notícias – Edição 20 de março 1976.

Novas medidas autoritárias foram adotadas para conter o movimento estudantil. A FFCH
foi totalmente revistada e os alunos impedidos de entrar nas salas para fazer qualquer
comunicação. Mesmo assim, os estudantes da FFCH, que reunia os cursos de Psicologia,
História, Ciências Sociais e Filosofia, pregaram cartazes nas paredes onde se lia Colegas presos,
Economia em greve. Em seguida, o diretor da faculdade Eduardo Saback e o vice-diretor Ruy
Simões percorreram a faculdade, orientando aos funcionários que arrancassem os cartazes. No
dia seguinte, o professor Ruy Simões não permitiu a entrada dos alunos na sala de aula, fazendo
uso da expressão: “a maré não está pra peixe”. A citada matéria jornalística publicou, em
primeira página, que o professor de filosofia “Ruy Simões deu um espetáculo patético à parte”.
Dando voz aos estudantes, o jornal informou:
180

[...] alguns fatos pitorescos aconteceram na Faculdade de Filosofia e Ciências


Humanas. Quando estávamos na sala de aula de Psicologia da Personalidade,
conversando com os colegas, o professor Ruy Simões, dizendo-se vice-diretor
da escola – até o momento não sabíamos – tal como aconteceu com a invasão
de policiais em Economia, entrou e disse que não ia permitir reunião,
desrespeitando inclusive a presença do professor a quem transferiu a
responsabilidade.74

Nessa mesma matéria do Diário de Notícias, citada anteriormente, há um destaque para


os problemas estruturais enfrentados pelos alunos de Psicologia: atraso na conclusão do curso
por falta de locais de estágio e poucos professores no Departamento, o que impactava em turmas
superlotadas. A falta de professores era um problema que já se arrastava no curso desde seu
início. Em carta encaminhada, em 1974, ao Colegiado e ao Departamento, os discentes
registraram a falta de vagas nas disciplinas, com turmas insuficientes e poucos professores e
fizeram um abaixo-assinado solicitando ao Departamento o oferecimento da disciplina
Psicologia do Desenvolvimento para uma média de 50 discentes, de modo a concluir o curso
em tempo hábil75. Também as turmas de 1971 e 1972, num total de trinta e dois discentes,
solicitaram o oferecimento da disciplina Metodologia e Técnica de Pesquisa em Psicologia para
o segundo semestre de 1975, pois não constava entre as disciplinas oferecidas na pré-matrícula
daquele ano.
Também a AESI acompanhava as demandas dos discentes de Psicologia por melhores
condições de ensino. Encontramos em seus arquivos O jornal Tribuna da Bahia, de 18 de junho
de 1976 (Figura 9), que trazia uma nota intitulada Curso de Psicologia: Alunos reclamam mais
professores:

Na reunião realizada esta semana, o departamento de curso decidiu que


nenhum professor deverá dar aulas superiores às que são obrigadas pelo
contrato com a universidade. Também decidiram que das 13 disciplinas
reivindicadas pelos alunos para o próximo semestre, somente três delas serão
oferecidas: Elementos de psicossomática, Técnicas de Exame III e
Metodologia e Técnicas de Pesquisa.

Quanto às outras disciplinas, o departamento resolveu que deverá encaminhar


o problema à Reitoria para que seja apresentada uma solução. Os estudantes
acreditam que com a decisão do departamento de não permitir que os

74
Jornal Diário de Notícias: “Estudante não cedem a pressão”, Ano 101, Nº 22.154, p. 3, Salvador-Bahia, 20 de
março de 1976.
75
Documento Registrado sob o nº 293, às fls. 28 do Livro 1 de Protocolo de Porta. Em 06 de dezembro de 1974.
Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
181

professores dêem mais aulas do que são obrigados, ficará evidenciado mais
ainda o déficit de professores do curso.76

Figura 9- Matéria do jornal Tribuna da Bahia - Edição de 18 de junho de 1976, p. 11

A nova chapa do DA, eleita para a gestão 1977, enfrentou um ano intenso, com greve e
prisões de alunos de Psicologia. No Quadro 12, abaixo, estão os nomes dos representantes
estudantis do DA de psicologia e das representantes do DCE, discentes do curso, conforme
Encaminhamento confidencial do SNI77.

76
Jornal Tribuna da Bahia, Curso de Psicologia: Alunos reclamam mais professores, 18 de junho de 1976, p. 11.
Fonte: Arquivos da AESI/UFBA, Caixa 7, Pasta 2282/2286.
77
Como se trata de fontes de natureza repressiva, os dados podem conter erros e imprecisões.
182

Quadro 12 - Representação discente do curso de Psicologia da FFCH/UFBA – DA e DCE - 1977

Cargo Representantes discentes

Presidente Ilka Dias Bichara


Secretário Geral Vera Lúcia Villas Boas de Souza
1ª Secretária Rita de Cássia Maskell Rapold
Secretário Social e de Esportes Eliana Noronha de Oliveira
Secretário de Cultura Icléa Maso Pereira
Secretário de Imprensa Carlos Francisco Linhares de Albuquerque
Tesoureiro Maria José Pereira Guirra
Representante e Suplente no Departamento Isnaia Junquilho Freire
Neusa Maria Goes Marques
Representante e Suplente no Colegiado Ana Cristina Almeida Simon
Isa Maria A. Farias
DCE – 1ª Vice-Presidente Sandra Regina Soares
DCE – Secretaria de Cultura Ana Cristina Almeida Simon
Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI

Sandra Regina Soares Freire, vice-presidente do DCE nessa gestão de 1977, foi uma de
nossas entrevistadas. Ela rememorou aquele momento de luta e sua participação como uma das
líderes no movimento pela reabertura do restaurante universitário e seu protagonismo no
movimento cultural entre os estudantes.

Eu fui vice-presidente do DCE e essa chapa foi uma chapa, assim, bem
marcante porque o movimento estudantil tava, assim, numa certa crise. As
lideranças mais históricas estavam tendo algumas dificuldades, né, na época
se falava ideológicas. [...] Então, a chapa era composta de 12 membros, [...]
seis experientes e seis inexperientes, novos, né, recém ingressos na
universidade. E eu estava entre esses recém ingressos. [...] Então, aí nessa
gestão os novos acabaram se empoderando mais e empreendendo algumas
lutas, né, como a luta do restaurante universitário, [...] do bandejão. É, tava
fechado. E aí eu estive mais à frente disso assumindo a vice-presidência do
DCE. Eu era uma pessoa muito tímida, né, mas também, assim, muito
impulsiva e tal e isso acabava me colocando em certas circunstâncias, assim,
de liderança, né? Era um paradoxo, a inibição e o impulso. E aí eu liderei um
movimento interessante, claro junto com outras pessoas, de maratona
cultural. A gente nessa época lançou Diana Pequeno [...] e mobilizou muito a
183

universidade, os alunos, envolvia música, teatro. Então foi uma época de


efervescência. (Informação verbal)78

Ouvimos também a presidente do DA, gestão de 1977, Ilka Dias Bichara, que reconheceu
a importância do movimento cultural para a luta política e rememorou algumas estratégias
adotadas pelo movimento estudantil, no período:

[O DA e o DCE] tinham um trabalho cultural muito intenso também, porque


se via a cultura também como atividade política, era uma forma de aglutinar
pessoas, de fazer um trabalho de consciência [...] a gente fazia uma série de
atividades durante as férias, porque durante as aulas qualquer coisa que
acontecesse, se saía correndo nas faculdades e organizava um ato
rapidamente, mas nas férias, não. Então a gente tinha toda semana um ato
cultural que os estudantes eram chamados, que estavam em Salvador, coisa e
tal, para ir [...] antes da atividade cultural se dava informe, do que é que
estava acontecendo, coisa e tal [...] E se tivesse alguma coisa, alguém foi
preso, alguma coisa assim, você tinha aquele pessoal ali para aglutinar, para
mobilizar. Eu me lembro que eu fiz parte de uma comissão de mobilização. A
gente saía pregando cartaz nos bares, nas residências de interior, que eram
poucas vagas que tinham nas residências oficiais da UFBA. Então as cidades
do interior... Até hoje tem isso, né? Tem as casas de estudantes secundaristas,
estavam se preparando para o vestibular. Então a gente saía nessas
residências todas, a gente pregava, em bares, no ICBA, vários lugares assim
frequentados por jovens, os cartazinhos [...] e os estudantes já sabiam,
entendeu? E iam procurar o cartazinho naqueles lugares, do que é que ia ter
aquela semana. E a gente conseguia um excelente público, às vezes era um
filme, às vezes era um showzinho, às vezes era uma peça de teatro, alguma
coisa tinha que aglutinava as pessoas. (Informação verbal)79

Em 1977, o movimento estudantil passou a reorganizar as manifestações de rua e


assembleias nas universidades e a lutar pela reconstrução de suas entidades. Estava programado
para o início de junho, a realização do III Encontro Nacional de Entidades Estudantis, no dia
04 de junho, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Dentre os principais objetivos, estava a
discussão sobre a recriação da UNE e líderes estudantis de todas as capitais brasileiras iriam
participar. Mas, as delegações foram detidas antes de sua realização; as tropas policiais
impediram o acesso dos estudantes à Belo Horizonte e aqueles que conseguiram chegar se
aglomeraram em frente ao DA de Medicina da UFMG, havendo investida da tropa de choque
e mais de 400 prisões. (LIRA, 2010; SILVEIRA, 2019; UFBA CMSMV, 2014)
Da UFBA havia saído uma comitiva formada por 12 estudantes, apreendidos pela polícia
antes de chegar à UFMG. Encontramos nos arquivos da AESI/UFBA um Encaminhamento de

78
Depoimento de Sandra Regina Soares Freire (2019)
79
Depoimento de Ilka Dias Bichara (2019)
184

nº 257/77/ASI/UFBA com um Relatório de Atividades Estudantis, em anexo, datado de


09.08.1977, tratando sobre os episódios ocorridos com os estudantes. E detalhando que, em
05.07.1977, os estudantes

Estão sendo ouvidas na SR/DPF/BA, por Carta Precatória80 da Delegacia da


PF de Minas Gerais, os doze estudantes da UFBA que tentaram participar do
III Encontro Nacional de Estudantes em Belo Horizonte – MG.81.

Dentre esses 12 estudantes, presos pela PF em Belo Horizonte, em 04 de junho de 1977,


estavam as estudantes de Psicologia, Rita de Cássia Maskell Rapold e Maria Amália Campinho
Clementino. Rita de Cássia Maskell Rapold foi entrevistada para esta pesquisa. Ela relembrou
sua participação na delegação, como representante estudantil escolhida em assembleia e que,
na entrada de Belo Horizonte, o ônibus foi parado pela polícia. Foi levada, junto com outros
colegas da UFBA, para o DOPS e, chegando lá, foi colocada em uma cela com várias outras
estudantes que estavam indo para o Encontro, [...] fui interrogada e eles sabiam da minha vida
toda, fiquei presa quatro dias, fui enquadrada e respondi carta precatória (Informação
verbal)82.
A segunda discente de Psicologia, Maria Amália, teve o seu nome e o seu curso de
graduação equivocadamente registrado no Relatório Final da CMSMV/UFBA. Foi citada com
o nome de Maria Amália Campinho Cajueiro e como estudante do curso de Letras. (UFBA
CMSMV, 2014, p. 109). No entanto, tratava-se da aluna de psicologia Maria Amália Campinho
Clementino. Como relembra a entrevistada Rita de Cássia Maskell Rapold: De psicologia, era
eu e Amália Clementino. Mas nós fomos quatro mulheres da UFBA presas, quatro estudantes.
[...] era eu, Amália, Clara e Maslowa (Informação verbal)83.
O Relatório especial sobre o Movimento Estudantil (1977) encaminhado pelo Centro de
Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA) ao SNI, apresentou cronologicamente os
eventos mais significativos sobre o ME ao longo de todo o ano, inclusive sobre a ida dos

80
Carta precatória é um instrumento utilizado pela Justiça quando existem indivíduos em comarcas diferentes. É um pedido
que um juiz envia a outro de outra comarca.
81
Consta no Encaminhamento n. 257/77/ASI/UFBA o nome dos 12 estudantes da UFBA que tentaram participar do III
Encontro Nacional de Estudantes em BH/MG: Antônio Carlos Sales Icó Souto (Administração); Carlos Alfonso Leite Caricchio
(Economia); Clara Maria de Oliveira Araújo (Ciências Sociais); Edgard Miranda Chaves (?); Elias Nunes Dourado (Farmácia);
Francisco Fontes Lima Neto (Geologia); Lafayete David de Freitas Júnior (Ciências Sociais); Luíz Augusto de Araújo Marques
(Geologia); Maria Amália Campinho Clementino (Psicologia); Maslowa Islanowa Cavalcanti Freitas (Ciências Sociais); Rita
de Cássia Maskell Rapold (Psicologia); Pascoal Torres Muniz (Nutrição). Fonte: Arquivo AESI/UFBA, CAIXA 9, n.
2969/2970 e UFBA CMSMV, 2014.
82
Depoimento de Rita de Cássia Maskell Rapold (2019)
83
Depoimento de Rita de Cássia Maskell Rapold (2019)
185

estudantes ao III ENE84. Dois dias após a partida da delegação para o III ENE, os estudantes da
UFBA permaneceram em vigília, por já terem recebido a notícia das prisões em Belo Horizonte,
ocorrida no dia anterior. Foram avisados por meio de telefonemas dos estudantes que viajavam
em um ônibus não interceptado pelos policiais mineiros. Cerca de 100 estudantes estiveram
reunidos na sede do DA na FFCH, onde foram criadas: uma comissão de finanças com o fim
de angariar fundos para o pagamento de advogados que seriam contratados, caso os estudantes
permanecessem presos, outra para entrar em contato com o clero pedindo-lhe assistência para
os estudantes detidos e uma terceira comissão para reunir os pais dos estudantes implicados,
em busca de uma solução comum. Também foi formada uma quarta comissão a fim de
conclamar os estudantes, inclusive dos cursinhos, para solicitar apoio e afixar cartazes com os
nomes dos alunos detidos nas diversas unidades da UFBA.
No dia 5 de junho de 1977, houve uma reunião dos integrantes do ME com os familiares
dos estudantes presos, no Mosteiro de São Bento, em Salvador-Bahia, para discutir meio de
libertá-los. (UFBA CMSMV, 2014) Já no dia 6 de junho, foi realizada uma assembleia geral
universitária na Escola Politécnica da UFBA, com a presença aproximada de oitocentos
estudantes, para decretar uma greve geral de 48 horas, criticar o impedimento e a repressão do
III ENE e a prisão dos estudantes participantes. Nesse mesmo dia, haviam chegado, no início
da tarde, os primeiros delegados estudantis que haviam ido para Belo Horizonte,
desembarcando do ônibus e sendo recebidos por familiares e integrante da comissão de
recepção.
Os estudantes deram entrevista coletiva à imprensa na faculdade de FFCH, afirmando que
foram vítimas de pressões psicológicas e ameaçados de serem levados para quartéis do Exército.
Foi decretada a suspensão da greve iniciada às 12 horas do dia 6 de junho. A imprensa divulgou
as prisões, a decretação da greve e toda a mobilização estudantil em torno da prisão dos
estudantes em Belo Horizonte (Figuras 10, 11 e 12)85.

84
Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e
encadernados). REF: BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_77105882_D0001DE0001.
85
Jornal da Bahia: Estudantes contam como foi a prisão em Belo Horizonte, 08 de junho de 1977, p. 5; Tribuna
da Bahia: Estudantes respondem às prisões com greve geral, 07 de junho de 1977, p. 3; Tribuna da Bahia: Quase
todos os estudantes fizeram greve simbólica, 14.06.1977, p.3.
186

Figura 10 - Matéria do Jornal da Bahia - Edição de 08 de junho de 1977, p.5

Figura 11 - Matéria do Jornal Tribuna da Bahia - Edição 07 de junho de 1977, p. 3.


187

Figura 12 - Matéria do Jornal Tribuna da Bahia - Edição de 14 de junho de 1977, p. 3.

No âmbito interno no curso de psicologia, as lutas em prol da melhoria das condições


estruturais e de ensino do curso continuavam, a ponto de mobilizar os discentes para uma greve,
naquele ano de 1977. A pauta de reivindicações foi explicitada no Relatório das atividades
estudantis, encaminhado ao Reitor pela AESI/UFBA, em 05 de setembro. Conforme esse
relatório, as reivindicações dos estudantes de psicologia eram,

[...] aulas normais, para mais de 200 universitários, mediante contratação de


professores, estágio, que é necessário para a conclusão do curso, aumento de
carga horária, clínica experimental e laboratório. 86

86
Ofício nº 242/77/SI. Fonte: Arquivos AESI/UFBA, Caixa 9, Pasta 2861/2862.
188

A AESI/UFBA pediu ao Reitor um posicionamento, que respondeu87:

Em atenção ao Ofício nº 242/77/SI de 06 do corrente, informo a V.Sa. o


seguinte:

a) Greve no curso de psicologia

- A Superintendência Acadêmica, em sucessivas reuniões com o corpo


docente da Unidade e, em particular, com os componentes do Departamento,
induziu a cumprir as Resoluções do Conselho de Coordenação sobre o número
de horas/aulas a serem dadas pelos vários docentes, o que não estava sendo
observado. Uma vez obedecidas tais Resoluções, as necessidades do
Departamento foram cobertas plenamente, como haviam sido planejadas;

- Quanto a uma outra reivindicação dos alunos, referente ao reconhecimento


do curso, foi mostrado que a UFBA já havia tomado as providências que eram
de sua competência, cabendo a resolução agora ao Conselho Federal de
Educação”.

As tensões se ampliaram, pois, quatro estudantes de psicologia corriam o risco de serem


jubilados, além de haver possibilidade de reprovação em massa, caso as aulas não fossem
retomadas. A AESI continuou acompanhando a mobilização grevista dos estudantes de
psicologia, que se prolongava há três semanas, e, em 22.09.1977, registrou em Relatório:

Em psicologia, na sua terceira semana de greve, o ambiente é de extrema


tensão, pois existe a possibilidade de 4 (quatro) estudantes serem jubilados e
haver reprovação em massa, caso as atividades acadêmicas não se normalizem
até o final deste mês.88

Nessa segunda metade da década de 1970, o movimento estudantil já se consolidara como


campo de resistência em prol da redemocratização e da Anistia. A luta contra a ditadura havia
aglutinado diversos setores da sociedade, entre partidos e movimentos políticos, inclusive
grupos e partidos clandestinos associados à luta armada, e classe trabalhadora. O ME, que teve
uma trajetória de luta articulado a partidos e movimentos mais amplos da sociedade, aderiu à
articulação estratégica para derrotar a ditadura pela via da organização e mobilização pacífica,
empunhando bandeiras como Anistia, Constituinte, Eleições diretas, dentre outras. (UFBA
CMSMV, 2014).

87
Ofício emitido pelo Reitor da UFBA, nº 1685/77 datado de 07.10.1977. Fonte: Arquivos AESI/UFBA, Caixa 9,
Pasta 2833/2834.
88
Arquivos AESI/UFBA, Caixa 9, Pasta 2847/2848.
189

O Relatório da Comissão da Verdade apresenta alguns documentos, encontrados na


AESI/UFBA, nos quais registra-se a mobilização dos estudantes em torno da luta pela Anistia
durante o mês de junho de 1977: No dia 10 houve a realização de uma Semana da Anistia, na
Faculdade de Arquitetura. Quatro dias depois, ocorreu um debate sobre a Anistia, com a
presença de D. Timóteo Anastásio, Abade do Mosteiro de São Bento, além de representantes
da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Ala Jovem do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB) e do Movimento Feminino pela Anistia. No dia 16, cerca de
quatrocentas pessoas participaram de um Culto Ecumênico, no Colégio das Mercês. Encerrando
a programação, houve um debate sobre Anistia, na Faculdade de Ciências Econômicas da
UFBA. Em outro Informe da AESI/UFBA, registra-se que, em 23 de agosto do mesmo ano,
cerca de mil estudantes realizaram um ato representativo do “Dia Nacional de Luta” no pátio
externo da Escola Politécnica, saindo em passeata até a Catedral Basílica, conseguindo agregar
em torno de quatro mil pessoal que levavam faixas pedido “Anistia Geral”, “Democracia Já”,
entre outras89.
Em 1978, o AI-5 foi revogado pelo art. 3º da Emenda Constitucional nº 11, bem como
todos os Atos Institucionais e complementares que ainda vigoravam90. No ano seguinte, foi
aprovada a Lei da Anistia91, em continuidade ao processo de distensão “lenta, gradual e segura”
do regime, que dava sinais de esgotamento de suas “engrenagens”, possibilitando o retorno ao
país àqueles que haviam sido banidos ou que optaram pelo exílio. (CLEMENTE, 2005; 2006)
O projeto de abertura política e de abrandamento do processo ditatorial foi assumido pelo
General Ernesto Geisel, quarto e penúltimo presidente militar a governar o país sob a ditadura
imposta em 1964.
Registramos o caso de Acácio Francisco de Araújo Santos, aluno do curso de psicologia,
exilado em 1973, e que, beneficiado pela Lei da Anistia, retornou ao país em 1979. Em 1973,
Acácio foi citado em declaração prestada por um depoente no Comando Aéreo Regional
(COMAR) e precisou sair do Brasil. Seguiu com destino a Argentina, em seguida foi para o

89
Para estudo sobre o movimento de luta pela anistia na Bahia, cf. DUCCINI, F. M. B. A luta pela anistia na
Bahia. Editora Viseu, Maringá-PR, 2018.
90
Emenda Constitucional nº 11 de 1978, publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 2 - 14/10/1978.
91
Fico (2012) evidencia a diferença entre a Campanha da Anistia e a Lei da Anistia, de 1979. A campanha, surgiu
em 1975, quando foi criado o Movimento Feminino pela Anistia. A campanha ganhou mais fôlego em 1977,
quando eclodiu manifestações estudantis em várias cidades do país. Em 1978 formou-se o Comitê Brasileiro pela
Anistia, lançado no Rio de Janeiro, com a exigência de uma anistia ampla, geral e irrestrita, que se tornou o slogan
da campanha. Diferentemente da campanha, que trazia uma esperança, a Lei da Anistia, aprovada em 1979,
consagrou a impunidade. “A exclusão da anistia dos “condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto,
sequestro e atentado pessoal” e o chamado “perdão aos torturadores” frustraram a expectativa otimista da
campanha. A lei de 1979, que beneficiou oposicionistas, mas também foi uma autoanistia, tornou-se a principal
cláusula da transição democrática dos anos 1980 e consagrou a impunidade”. (FICO, 2012, p. 51).
190

Chile e depois para a França. Foi detido em Santiago, capital do Chile, quando tentava passar
alimentos para os brasileiros asilados na Embaixada do Panamá. Em 1976, o Ministério das
Relações Exteriores (MRE) fez Pedido de Busca ao SNI para atendimento de pedido de
prorrogação do passaporte de Acácio Francisco Araújo Santos92. Acácio se encontrava na
França quando preencheu o pedido de concessão de passaporte brasileiro no Consulado Geral
do Brasil em Paris. O Ministério da Aeronáutica respondeu ao Pedido de Busca do MRE, em
23.11.1976, informando:

[...] Em Abr 73, cursava o 3º Trimestre da Faculdade de Psicologia da UFBa.

Em 29 Mar 73, foi citado nas declarações de ADAGMAR ALVES DOS


SANTOS, prestadas no COMAR 3 como militante do PC do B na Bahia.

Após a queda do Governo ALLENDE no Chile, onde se encontrava, esteve


detido no Estádio Nacional de Santiago.

Em Santiago, residia numa casa de estudantes, na Calle Aldunate. Foi detido


nas imediações da Embaixada do Panamá em Santiago, quando tentava passar
alimentos para os brasileiros lá asilados.93

Acácio retornou do exílio em 14 de fevereiro de 1979. O SNI acompanhou e registrou


seu retorno e sua chegada em Salvador. Foi recebido por cerca de 30 pessoas, entre familiares,
imprensa, representantes do Comitê Brasileiro pela Anistia – Seção da Bahia e Movimento
Feminino pela Anistia – Núcleo da Bahia94. Chegou ao Brasil, desembarcando inicialmente no
Rio de Janeiro, onde prestou depoimento na Delegacia de Ordem Política e Social da Polícia
Federal do Rio de Janeiro. No mesmo dia seguiu para Salvador, chegando às 23:00 horas, pelo
voo 142 da VASP95.
O jornal Tribuna da Bahia, de 24.01.1979, noticiou a existência de trinta casos de crimes
políticos existentes na Bahia, sendo que apenas seis haviam tramitado pela Justiça Militar, com
quatro casos já decididos, com sentença de prescrição da ação penal, entre eles, Acácio (Figura

92
Pedido de Busca nº DSI/3354/MRE. 28 de setembro de 1976. Assunto: Concessão/Prorrogação de Passaportes.
Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e
encadernados). REF: BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76099550_d0002de0002)
93
Resposta de Pedido de Busca nº 0944/Ministério da Aeronáutica/CISA. 23 de novembro de 1976. Arquivo
Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e encadernados). REF:
BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76099550_d0002de0002)
94
O Informe nº 012/310/ASV/79. 15 de fevereiro de 1979. Assunto: Regresso – Acácio Francisco de Araújo Santos.
Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e
encadernados). REF: BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_79000164_d0001de0001
95
Informe do SNI Nº 018/310/ASV/79. 09 de março de 1979. Assunto: Regresso de exilados – Salvador/Ba.
Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e
encadernados). REF: BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_79000094_d0001de0001)
191

13). Haviam sido acusados de atividades subversivas e tentativa de reorganizar o Partido


Comunista Brasileiro96.

Figura 13 - Matéria do jornal Tribuna da Bahia: - Edição de 24 de janeiro de 1979, p. 9.

O DA de psicologia participou do movimento em prol da anistia e estiveram


representados no retorno de Acácio, em 1979. A psicóloga e professora Rita de Cássia Maskell
Rapold resgatou algumas memórias sobre Acácio, seu desaparecimento e o retorno após a
anistia.

Acácio sumiu no primeiro ano, naquela época ainda era ano, no primeiro ano
do curso. Eu sei que ele sumiu e aí quando houve a Anistia [...] o Comitê
Brasileiro da Anistia fazia toda uma programação para a recepção dos
exilados que estavam chegando. No caso específico de Acácio, [...] ele era
estudante de Psicologia, então coube a mim. Me lembro que eu fui um dia de
madrugada para casa de um amigo aqui em Ondina para ligar para Paris
para falar com ele, porque as comunicações não eram com a facilidade que
tem hoje, né? Então eu fui para casa desse meu amigo [...] e ele morrendo de
medo, mas aí tinha que ligar e eu liguei da casa dele e tal e aí combinei com
Acácio, aí tive contato com a família. Mas, assim, representando o Comitê

96
Jornal Tribuna da Bahia: “Exilados e Banidos: a hora de voltar”, de 24 de janeiro de 1979, p. 9.
192

Brasileiro da Anistia. E aí depois eu convivi com Acácio aqui nas lutas.


(Informação Verbal)97.

Como vimos até aqui, os discentes de psicologia da FFCH/UFBA, vivenciaram uma


história de luta contra as perseguições e censura. Participaram ativamente das mobilizações
coletivas em prol do retorno à democracia e à melhoria das condições de ensino no país. A
entrevistada Maria Angélia Teixeira resgatou memórias sobre a ditadura militar e o movimento
estudantil de psicologia naquele momento inicial do curso.

O curso de psicologia naquele período era verdadeiramente tenso, o clima


universitário e acadêmico né, para todos os cursos, era um período de muita
tensão, muita pressão política, e as pessoas com muito medo e os alunos muito
bem organizados. Curiosamente, durante o período da ditadura os alunos se
organizaram, conseguiram uma brecha e tinham uma organização lá da
faculdade, que era a Faculdade de Filosofia da UFBA e nacional. Então,
havia uma força política muito grande, uma força de um movimento de
resistência, de oposição, com o envolvimento de muitos alunos, que depois
foram pra política mesmo. Era praticamente o início do curso, né?
(informação verbal)98.

Como narraram algumas entrevistadas, o diretório acadêmico de psicologia foi atuante e


com lideranças combativas. Mantinham o enfrentamento político constante e mobilizavam
realmente os estudantes para a continuidade do trabalho de militância política. Por outro lado,
houve o reconhecimento, por parte das entrevistadas, de que qualquer organização que
implicasse na participação em um coletivo maior, os colegas se mostravam muito reticentes. Se
houvesse necessidade de assinar um abaixo-assinado, por exemplo, para reivindicar melhorias
para o curso e que demandava, portanto, engajamento da maior parte dos estudantes de
psicologia, havia um medo em assinar. O que pairava era um clima tenso, entidades estudantis
estavam fechadas, a UNE estava fechada, o DCE estava fechado e as reivindicações que
implicavam num movimento coletivo maior, eram muito difíceis de implementar. Eram
posicionamentos que refletiam a insegurança dos estudantes de psicologia frente às tensões e
confrontos externos em que se vivia naquela difícil conjuntura repressiva dos anos setenta no
Brasil.
Isso posto, cabe registrar, nessa etapa do percurso, a quase total ausência de participação
política do corpo docente do curso. Recapitulamos dois fatos narrados acima. O primeiro,
durante a greve geral de 1975, em que a representante estudantil denuncia a ausência dos

97
Depoimento de Rita de Cássia Maskell Rapold (2019)
98
Depoimento de Maria Angélia Teixeira (2020)
193

professores nas assembleias estudantis. A partir de uma leitura atenta das atas encontradas
daquele período, identificamos que não houve qualquer anotação ou registro sobre o movimento
estudantil ou paralisação de aulas que ocorriam naquele momento. O segundo, em 1976, diz
respeito ao posicionamento da direção da FFCH, na figura do professor do curso de psicologia
e psiquiatra Eduardo Saback e seu vice-diretor, o professor de filosofia Ruy Simões. A
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas foi totalmente revistada e os alunos impedidos de
entrar nas salas, fazer qualquer reunião ou comunicação através de cartazes.
Acresce um terceiro episódio, também digno de nota, que ocorreu em 1977, quando os
12 estudantes da UFBA foram presos indo para o III Encontro Nacional de Entidades
Estudantis. Dentre eles, havia cinco alunos da FFCH, três de Ciências Sociais e dois de
Psicologia. Ao relatar sobre os momentos difíceis que passou, a prisão, o medo e o sofrimento
de seus pais, Rita Rapold relembra, por um lado, o acolhimento que recebeu dos colegas e de
alguns professores e, por outro, a ausência de qualquer movimento por parte do diretor da
Faculdade para receber os estudantes recém libertados, “[...] ele não fez nenhum movimento [...]
não chamou a gente [...]”99. De fato, o posicionamento do Diretor da FFCH havia sido de
impedir a realização de uma assembleia geral convocada pelo ME, no período que os estudantes
se encontravam em Belo Horizonte. Na pesquisa que empreendemos, constatamos um
documento que a AESI/UFBA encaminhou ao Reitor, com um relatório das atividades
estudantis ocorridas no período, no qual especifica:

Esta ASI encaminha, para conhecimento de V. Magnificência, relatório de


atividades estudantis, no período de 06.05 a 08.06.1977.

Em 02.06.1977, o Professor Eduardo Saback Dias de Morais, Diretor da


FFCH/UFBA, em Ofício Circular nº 008/77, de 02.06.1977, comunicou que
não será permitido a realização de uma Assembleia Geral que teria sido
convocada para o dia 03.06.1977. 100

Os registros feitos pelas entrevistadas referem-se ao acolhimento de alguns professores,


que facilitavam data de provas, liberavam faltas ou autorizavam a comunicação de informes em
sala de aula. As entrevistadas percebiam positivamente esse comportamento dos docentes, mas
afirmaram ser o máximo de engajamento político manifestado pelos professores. A entrevistada
Ilka Dias Bichara rememora alguns episódios desse período:

99
Depoimento de Rita de Cássia Maskell Rapold (2019).
100
Encaminhamento nº 153/77/ASI/UFBA. Assunto: Movimento Estudantil. Fonte: Arquivo AESI/UFBA, Caixa
6 – Pasta 1423 E 1424
194

[...]Tinha professor de dizer na aula: “Ela está fazendo uma coisa por todos
nós”. E não dar falta. [...] não tinha aqui nenhum professor do curso de
Psicologia que fosse assim direitista, né? Você tinha aquele pessoal que não
participava não queria se envolver e tinham os bem envolvidos [...] que
acobertavam a gente mesmo. Saback que não era um que se envolvia muito.
Saback era vice-diretor da Faculdade de Filosofia e em 1975 quando teve
uma greve grande, foi a primeira greve geral dos estudantes da UFBA, depois
de 1968. E aí o Exército veio invadir a Universidade e ele não deixou entrar
no Campus. [...] Eles ficaram lá fora, agentes à paisana entraram. Eu me
lembro que a gente não podia fazer uma Assembleia, só podia reunião de até
cinco pessoas e nós fizemos Assembleia dos cursos e depois de São Lázaro de
5 em 5. A gente fazia os grupos de cinco, todo mundo sentado naquela descida
ali nos grupinhos, aí esse grupinho discutia, tirava um representante que ia
para o cinco de outros representantes tirar [...] e a gente tirou uma decisão
duma passeata na Politécnica. (Informação verbal)101

Por outro lado, também relataram casos de professores que criavam situações de embates
e provocação em sala de aula, interpretado pelas entrevistadas como tentativas de fazer o aluno
se expor politicamente, de modo temerário. O medo imperava entre alunos e professores.
Referindo-se à participação ou posicionamento político dos docentes, algumas entrevistadas
trouxeram falas, como relatou Ana Helena Caldeira Galvão: “quase nada, quase nada” [...]
“enquanto os professores eram mais na retaguarda, politicamente falando, não tinham muita
participação, a luta estudantil comia no centro” (Informação verbal)102.
A ditadura militar tinha como uma de suas características marcantes o investimento
massivo voltado ao campo informacional e repressivo. Em 1970, o Comandante da VI Região
Militar, General Abdon Senna, enviou ofício ao Reitor da UFBA, datado de 19.03.1970,
solicitando a remessa de uma lista com nomes e cargos de todo pessoal admitido na
Universidade a partir de 1969. Em 1972, a DSI/MEC criou as Normas para Pedidos de
Levantamento de Dados Biográficos – LDB. Visava a produção e controle de informação e de
diagnóstico político dos docentes investigados. (UFBA CMSMV, 2014)
O procedimento consistia na obtenção sigilosa, pelos órgãos integrantes do SISNI, de
dados sobre pessoas cogitadas para o exercício de cargos, funções, comissões ou afastamento
do país. A universidade deveria preencher uma Ficha de Qualificação, documento no qual seria
registrado os dados individuais de identificação e qualificação a respeito da pessoa a ser
investigada. A DSI/MEC, de posse dessa Ficha faria o Levantamento de Dados Biográficos
sobre a pessoa e geraria uma Ficha Sintética de apreciação que era encaminhada à universidade

101
Depoimento de Ilka Dias Bichara (2019).
102
Depoimento de Ana Helena Caldeira Galvão (2019).
195

requerente. Havia também um Prontuário com os registros cronológicos de todos os dados


existentes sobre a pessoa.
A Ficha Sintética-LDB era subdividida em seis tópicos a serem assinalados sobre: 1.
Posição ideológica do docente; 2. Atitudes com relação à revolução de 31/mar/64; 3.
Atividades subversivas; 4. Probidade administrativa; 5. Eficiência funcional ou profissional;
6. Conduta civil. Havia, ainda, campos para incluir Observações (item 7) e uma Apreciação
Final. No item 1. Posição ideológica havia as opções na coluna à direita com espaço para
marcação: Democrata; Comunista; Esquerdista; Sem posição definida; Não há registros; ou, Os
registros não permitem opinião conclusiva. No item 2. Atitude com relação à revolução
de31/mar/64, as opções na coluna à direita eram: Integrado; Adesista; Contrário;
Contrarrevolucionário; Sem posição definida; Não há registros; ou, Os registros não permitem
opinião conclusiva. As opções para o item 3. Atividades subversivas eram: Atuante;
Simpatizante; Não há registros; ou, Os registros não permitem opinião conclusiva. Para os itens
4, 5 e 6, o agente dispunha das seguintes opções: Há registro positivos; Há registros negativos;
ou, Não há registros. Como último item do formulário, havia um espaço para a apreciação final,
que possibilitava a escolha de uma das opções: Não há restrição; Os registros existentes não
contraindicam o aproveitamento; Não existem elementos de convicção que contraindiquem o
aproveitamento; Não há registros; ou, Não deve ser aproveitado. (CLEMENTE, 2005, 2006;
FICO, 2005; PEREIRA, 2016; UFBA CMSMV, 2014)
O procedimento adotado pelo Reitor era iniciado com o envio de Ofícios aos órgãos SNI,
Superintendência Regional da Polícia Federal-Bahia e DSI/MEC, solicitando informações
sobre os candidatos. Para os docentes de psicologia, a Ficha Sintética-LDB foi utilizada
comumente na contratação dos candidatos. A pesquisa parcial, realizada nos arquivos
AESI/UFBA, mostrou que a investigação sobre a vida funcional e política dos docentes de
psicologia era utilizada protocolarmente na contratação dos professores do curso. Em todos os
processos acessados, os ofícios de respostas fornecidas à Reitoria pelos citados órgãos foram
favoráveis e obtiveram o parecer com o nada consta à contratação do candidato cogitado à
vaga. Não foi encontrado pedido de contratação negado por parte dos órgãos de segurança na
UFBA.
Nesta seção, apresentamos e analisamos as informações e os dados obtidos, com o intuito
de responder ao terceiro objetivo específico proposto para este trabalho, qual seja, de investigar
o processo de lutas, resistências e mobilização política de discentes e docentes do curso de
psicologia da FFCH/UFBA e os embates com as políticas de Estado vigentes no período.
Abordamos os mecanismos de controle e vigilância adotados pelos órgãos de segurança da
196

ditadura militar, dentro da UFBA, de modo a acompanhar a dinâmica de luta dos discentes e
docentes do curso de psicologia. Evidenciamos a demanda por: melhoria das condições de
funcionamento do curso; melhores instalações físicas; implantação do curso de Formação de
Psicólogo; aumento da oferta de vagas e de mais espaços institucionais para práticas de estágio.
Havia, ainda, as reivindicações pela reformulação do currículo e por mais professores para
atender às diversas disciplinas. As preocupações eram, sobretudo, em torno da formação
profissional de um crescente número de psicólogos, que vislumbravam a realidade do escasso
mercado de trabalho soteropolitano. Por outro lado, havia, sobremodo, as pautas coletivas, que
envolviam o ME na luta pela redemocratização e contra a censura, a perseguição, a vigilância
e as prisões, que eram abraçadas pelos discentes do curso.
197

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Umberto Eco concluiu sua fala, em uma conferência que fez na Columbia University, em
1995, contando como soube do fim do regime fascista italiano. Relembrou quando sua mãe lhe
pediu para ir a uma banca comprar um jornal e, ao ler as manchetes, percebeu que havia matérias
citando vários partidos. Até aquele momento, lembra Eco, pensava que só existisse um único
partido na Itália: o Partido Nacional Fascista. E foi assim que se deu conta do fim da ditadura e
o retorno à “liberdade de palavra, de imprensa, de associação política”. Ditadura e liberdade
foram palavras que entraram, ali, no seu vocabulário e o fez renascer como homem livre
ocidental. Com esse relato memorialista, Eco encerrou a conferência intitulada O fascismo
eterno, na qual explanou sobre regimes políticos e suas ideologias que, mesmo depois de
perderem sua legitimidade, permanecem enquanto “[...] modos de pensar e de sentir, enquanto
hábitos culturais”. (ECO, 1998, p. 34)
As histórias e memórias subterrâneas do período da ditadura militar brasileira, que
subsidiaram este trabalho, nos remeteu aos seus significantes associados, tais como,
clandestinidade, não dito, silenciamento, ocultamento e esquecimento como defesa, e sua outra
face, vigilância e perseguição, que se perpetuam e ressurgem como “modos de pensar”, como
“hábitos culturais” mas, também, como projetos políticos. O que nos instigou diante do dilema
entre julgar ou compreender, e que, ao fim e ao cabo, nos provoca, ainda, muitas e tantas
reflexões. (POLLAK, 1989; BLOCH, 2001)
A tese deste trabalho é de que o processo de institucionalização da psicologia na Bahia
foi influenciada pelo contexto autoritário e as políticas de Estado para as áreas de educação e
ciência, promovidas pelo regime militar. A relação entre o desenvolvimento desse campo
disciplinar na Bahia e a ditadura militar somente pode ser apreendida a partir das respostas
buscadas para dar conta da nossa questão de pesquisa, qual seja: como se deu o processo de
institucionalização da psicologia da UFBA, tendo como pano de fundo o contexto político do
período compreendido entre os anos de 1968 a 1980?
Para alcançar nosso objetivo de descrever e analisar o processo de institucionalização da
psicologia na Bahia, no contexto da ditadura militar, entre os anos de 1968 a 1980, partimos de
uma tríade de objetivos específicos que enfocou a emergência e desenvolvimento da psicologia
na Bahia e a implantação do curso de graduação da FFCH/UFBA; a recepção e circulação da
Análise do Comportamento e da Psicanálise por parte da comunidade acadêmica do curso,
naquele contexto político; e as lutas e mobilização políticas dos discentes e docentes frente às
políticas de Estado. Nosso estudo evidenciou a influência que a ditadura militar exerceu sobre
198

o desenvolvimento educacional e científico do período e que impactou na formação teórica e


prática dos discentes e na sua pauta de lutas e mobilizações políticas.
A perspectiva de análise, amparada nos Estudos Sociais das Ciências, fundamentou este
trabalho sobre a história da psicologia na Bahia, com ênfase nas contingências políticas e na
concepção de um campo disciplinar construído socialmente. A história do tempo presente nos
guiou teórico-metodologicamente ao longo do percurso, dando sentido à nossa narrativa sobre
a história da psicologia na Bahia, que entremeou pesquisa bibliográfica, memórias reveladas e
fontes documentais, nem sempre tão reveladas, mas sempre sensíveis.
Tendo retomado os tópicos teóricos e metodológicos que guiaram nosso estudo, vamos
sumarizar as principais conclusões, baseadas nos resultados encontrados, apresentados e
analisados ao longo das seções.
Na seção sobre os antecedentes da criação do curso de graduação em Psicologia da
UFBA, verificamos que a psicologia na Bahia se configurou a partir de três espaços acadêmicos,
formadores das primeiras gerações de profissionais a atuar no campo psicológico na Bahia e a
exercer a docência no curso de psicologia, que seria criado em 1968. A primeira e mais antiga
dessas instituições é a Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Bahia, responsável por grande parte da formação e capacitação dos profissionais do campo
“psi” na Bahia. Em seguida, a Faculdade de Filosofia da Bahia, berço da aplicação da psicologia
nas licenciaturas e casa dos principais pioneiros da área: Isaías Alves e João Inácio de
Mendonça. E, por fim, o Instituto de Orientação Vocacional, instituição de aplicação da
psicologia nos campos da educação, clínica e seleção profissional, sob a liderança de Emílio
Mira y Lopes.
Na seção seguinte, apresentamos dados informacionais sobre o curso de Psicologia da
FFCH/UFBA. Enfatizamos a importância do curso, no contexto local e regional, por ter sido o
primeiro do Estado da Bahia e do Nordeste, oferecido por uma instituição pública, e que
permaneceu como o único curso de psicologia na Bahia ao longo de três décadas, formando
gerações de psicólogos nesse período e mantendo uma demanda importante desde sua primeira
turma, em 1968 e ao longo de todo o período analisado. Encontramos dados bibliográficos,
documentais e memoriais sobre o perfil dos alunos, caracterizado como eminentemente
feminino, formado, em sua maioria, por jovens de classe média e média alta da capital,
moradores de bairros nobres, sem atividade remunerada e dependentes financeiramente da
família de origem.
Demonstramos que o processo de formação e consolidação da psicologia na Bahia esteve
fortemente vinculado ao campo psiquiátrico. Os psiquiatras tiveram uma atuação importante,
199

como docentes e gestores em vários âmbitos institucionais. Houve uma prevalência da clínica,
como área de estágio, em detrimento da área educacional e industrial. Mostramos que o ingresso
dos discentes nas instituições psiquiátricas, conduzidos pelos professores psiquiatras, estimulou
a preferência pelo campo psicoterapêutico, ao nível da clínica individualizada.
Na seção sobre a análise da recepção da Psicologia Experimental e da Psicanálise na
Bahia e seus aspectos teóricos e políticos, verificamos, que, no período investigado, a clínica
se consolidou como a especialidade psicológica dominante. Identificamos que o processo de
recepção da psicanálise pela comunidade acadêmica de psicologia deu-se a partir de dois
movimentos. O primeiro, no âmbito do curso, se caracterizou pelo pioneirismo de alguns
docentes ao introduzir a teoria freudiana nos seus programas de disciplinas, iniciando os
discentes na clínica psicoterápica e na teoria psicanalítica. O segundo, constituiu-se num
movimento para além do âmbito do curso, no qual psicólogos e psiquiatras congregaram-se
num coletivo, em prol da recepção dos primeiros psicanalistas didatas. Evidencia-se, nesse
momento, que a Psicanálise, que então inicia seu processo de intensa difusão na Bahia, encontra
nos psicólogos seus clientes preferenciais.
O modo como a psicanálise foi recebida e se desenvolveu em Salvador ficou à margem
da influência das instituições de formação reconhecidas pela IPA. Demonstramos que a
recepção da psicanálise na Bahia deu-se através de dois núcleos constituídos pelos psicanalistas
argentinos, arregimentados pelo NEP, e pelo psicanalista mineiro Carlos Pinto Corrêa,
vinculado ao CBP. Esses agrupamentos pioneiros de formação e transmissão da psicanálise
tinham como característica o fato de serem, ambos, signatários, pessoal ou institucionalmente,
de uma oposição à IPA. Anunciamos que os principais efeitos da recepção desses grupos
independentes da IPA foram: o distanciamento das normas rígidas de acesso à psicanálise; um
certo ecletismo de teorias e práticas no processo de formação e transmissão; a quebra da
hegemonia das Sociedades Psicanalíticas ligadas à IPA, formadoras de psicanalistas de origem
médica; e o surgimento de instituições de formação sob a liderança de psicólogos. Constatamos
que, em solo baiano, os psicanalistas argentinos trouxeram a quebra do modelo médico-clínico,
a cisão com a rigidez formativa da APA, a crítica à neutralidade e aos padrões e critérios nas
técnicas de atendimento. O rompimento de arranjos tradicionais do fazer psicanalítico não seria
possível em outro contexto político, senão aquele que se fazia presente nas sociedades,
brasileira e argentina, da época, sob regimes ditatoriais. Para os psicólogos da Bahia, a
formação, reconhecidamente heterodoxa, dos psicanalistas argentinos, possibilitou o acesso a
novas práticas profissionais no campo psicoterápico na Bahia.
200

Analisamos o lugar central que a psicanálise, paulatinamente, foi assumindo no ensino de


psicologia e identificamos a combinação de uma diversidade de fatores. Primeiro, a existência
da velha tradição clínico-psicopatológica, que facilitou a discussão sobre psicoterapia.
Segundo, muitos estudantes desejavam aprender psicanálise porque era percebida como uma
fonte potencial de clientes e embora houvesse outras áreas de especialização, como a psicologia
industrial e educacional, a maioria dos discentes se orientou pela psicologia clínica. Terceiro, a
psicanálise oferecia um modelo teórico consistente e inovador para o exercício clínico, que
atraia os jovens psicólogos em busca de especialização. Nesse sentido, afirmamos que a
psicanálise favoreceu o campo psicológico, do ponto de vista mercadológico, ao contribuir para
sua consolidação como uma carreira promissora e atrativa financeiramente.
Ao tempo em que a sociedade baiana se urbanizava e se modernizava, assimilando termos
e conceitos da psicologia e da psicanálise na linguagem cotidiana, a psicologia clínica,
individualizada e reparativa, ganhava cada vez mais adeptos. A censura e as proibições foram
molas propulsoras para as profissões do campo “psi”. Os consultórios privados tornaram-se os
ambientes protegidos para as narrativas, talvez de dor, talvez de violências impetradas, que não
se podia revelar publicamente. O esvaziamento do espaço público e a radicalidade do
autoritarismo de estado, estimularam a busca pela interioridade individual. Surgiram, assim, as
condições propícias e que estimularam o surgimento da psicoterapia, como um novo campo
profissional, que agregou grande parte dos psicólogos baianos recém formados, no período.
Por sua vez, a recepção da Análise do Comportamento no curso de psicologia da
FFCH/UFBA ocorreu no âmbito da demanda por um modelo de psicologia científica.
Verificamos que os docentes tinham interesse na criação de condições de ensino de uma
psicologia cientifica experimentalista e sua consolidação fundamentou a crença na
cientificidade da psicologia entre os estudantes do curso. Demonstramos os diversos fatores
que contribuíram para essa expectativa positiva: em primeiro lugar, a exigência curricular, pois
a Psicologia Experimental fazia parte das diretrizes curriculares do curso e era considerada
indispensável para a formação profissional do psicólogo. Em segundo lugar, a função didática,
uma vez que o laboratório possibilitaria a formação discente, enquanto recurso de ensino e
demonstração das teorias e conceitos da Análise do Comportamento. Em terceiro lugar, o
imperativo científico que vicejava naquele momento. A Psicologia Experimental representava
um modelo de uma psicologia científica, que, como tal, tornou-se central para o movimento de
consolidação da psicologia como disciplina independente.
Observamos que o laboratório didático de Psicologia Experimental do curso de psicologia
da FFCH/UFBA estruturou-se a partir do suporte teórico e técnico dos psicólogos formadores
201

de análise do comportamento da USP, que estiveram presentes no processo de formação e


estruturação do curso, na implantação do laboratório de Psicologia Experimental e na formação
das primeiras gerações de docentes e analistas do comportamento, na Bahia
Abordamos a clivagem ideológica que caracterizava o pensamento político em vigor no
país, que se articulava no campo político-ideológico e se refletia na oposição teórica entre
discentes afiliados ao behaviorismo e aqueles adeptos da psicanálise. Por um lado, a crítica dos
discentes era sustentada no estigma de uma “clínica de direita”, reacionária, burguesa e elitista
atribuído à psicanálise. Os opositores denunciavam o posicionamento político dos psicanalistas
que adotavam o silenciamento e a neutralidade diante da situação política do país, ausentando-
se dos movimentos de luta estudantil e de manifestações, sem jamais criticar a ditadura militar.
Por outro lado, os estudantes afiliados à corrente behaviorista eram reconhecidos como os
principais atores nos debates políticos e na luta de resistência contra a ditadura militar. Muitos
daqueles que faziam parte do movimento contra o regime se filiavam à Análise do
Comportamento como a abordagem teórica capaz de dar respostas às questões sociais
enfrentadas pela população brasileira naquele momento.
Na seção que analisamos o controle e a vigilância que os órgãos de segurança e
informação exerciam sobre a UFBA e sobre o curso de Psicologia durante a ditadura militar,
nos debruçamos detidamente sobre a participação dos discentes de psicologia no movimento
estudantil e suas lutas coletivas. Analisamos o processo de lutas, resistências, mobilização e
participação política de discentes e docentes do curso de psicologia da FFCH/UFBA, assim
como os embates com as políticas de Estado, implantadas pelos tecnocratas do regime militar.
Verificamos que os estudantes do curso de Psicologia da UFBA já iniciaram sua vida acadêmica
se defrontando com problemas de ordem política nacional impostos pelas reformas e legislações
autoritárias do regime ditatorial brasileiro. A conjuntura política impactou na vida acadêmica
universitária e gerou diversos prejuízos aos estudantes de Psicologia, que se encontravam em
fase inicial de funcionamento, com entraves para a plena consecução do curso.
O ME se organizava paulatinamente no âmbito do curso de Psicologia e as questões
políticas mais amplas entraram na pauta do DA, juntamente com as reivindicações mais
específicas do curso. Os discentes de psicologia da FFCH/UFBA, vivenciaram uma história de
luta contra as perseguições e censura e participaram ativamente das mobilizações coletivas em
prol do retorno à democracia e à melhoria das condições de ensino no país. Ao analisar a
mobilização do diretório acadêmico de psicologia, sua atuação e representações estudantis,
verificamos a posição de enfrentamento político constante de seus integrantes em prol da
continuidade do trabalho de militância política.
202

Evidenciamos as demandas por melhoria das condições de funcionamento do curso;


melhores instalações físicas; implantação do curso de Formação de Psicólogo; aumento da
oferta de vagas e de mais espaços institucionais para práticas de estágio. Havia, ainda, as
reivindicações pela reformulação do currículo e por mais professores para atender às
disciplinas. As preocupações eram, sobretudo, em torno da formação profissional de um
crescente número de psicólogos, que vislumbravam a realidade do escasso mercado de trabalho
soteropolitano. Destacava-se, sobremodo, as pautas coletivas, que envolviam o ME na luta pela
redemocratização e contra a censura, a perseguição, a vigilância e as prisões. Lutas que eram
abraçadas pelos discentes do curso. Identificamos as dificuldades de engajamento de parte do
corpo discente nas lutas coletivas e a presença constante de um clima de medo e insegurança.
Eram posicionamentos de parte dos estudantes de psicologia, frente às tensões e confrontos
externos em que se vivia naquela difícil conjuntura repressiva dos anos setenta no Brasil.
Registramos a quase total ausência de participação política do corpo docente do curso, com
algum nível de acolhimento e solidariedade, ao lado de atos de perseguição por parte da gestão.
Ao nos aproximar do final dessa jornada, podemos afirmar que houve uma vigilância e
tutela sistemática sobre a comunidade acadêmica de psicologia desde sua implantação. Por um
lado, verificamos como a ditadura militar foi condicionante para a configuração da psicologia
e consolidação de um modelo de atuação no qual a clínica individualizada, reparativa e
terapêutica se tornou prevalente, por outro, evidenciamos que o enfrentamento na luta contra a
ditadura militar forjou o posicionamento socialmente ampliado por parte dos discentes, naquele
momento de intensa restrição. O que nos leva a concluir, confirmando o pressuposto que
norteou este trabalho, que o contexto autoritário e as políticas de Estado para as áreas de
educação e ciência, implantadas pelo regime militar, influenciaram o processo de
institucionalização da psicologia na Bahia, configurando, dessa forma, os rumos do seu
desenvolvimento, seus modos de atuação e práticas profissionais.
A ampla gama de investigações possíveis sobre a ditadura militar brasileira, as relações
entre ciência e política e o uso da história do tempo presente como recurso teórico-
metodológico, não respondem unicamente a demandas disciplinares, mas, também, sociais e
éticas de produção do trabalho acadêmico. O estudo que ora concluímos não se encerra aqui,
por entendermos que o conhecimento histórico é uma obra aberta e inacabada. Como afirma
Certeau (2002, p. 94), “enquanto a pesquisa é interminável, o texto deve ter um fim...”. Assim,
somos conduzidos, da prática ao texto, ao final da jornada.
203

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237

APÊNDICES
238

APÊNDICE A – Síntese das entrevistas e da trajetória profissional das entrevistadas

Ana Cristina Almeida Simon - Entrevista realizada em 04 de setembro de


2019, na residência da entrevistada, com duração de 53min 10s. Ana Simon relatou
sua trajetória como aluna do curso no período de 1974 a 1979. Como discente, teve
uma participação ativa no ME, atuando no DA e no DCE nas chap as de 1977. Ao
longo da entrevista, Ana Simon rememorou vários episódios de luta e resistência
do ME da UFBA e sobre os diversos movimentos sociais, que aglutinavam
estudantes, professores e intelectuais baianos na década de 1970. Ana Simon é
atualmente professora aposentada da Universidade Estadual da Bahia (UNEB).

Ana Helena Caldeira Galvão - Entrevista realizada em 15 de julho de 2019,


na residência da entrevistada, com duração de 1h 44 min 39s. Ana Helena foi aluna
do curso de 1972 a 1975 e teve uma ativa trajetória no curso de psicologia e no
ME. Seu nome foi lembrado por alguns entrevistados e professores que integraram
o ME, especialmente pela sua importante atuação na Secretaria de Finanças da
gestão do DA de 1974 e do DCE em 1975. Ao longo da entr evista resgatou a
história de lutas, greves e manifestações que participou e de todos os aprendizados
políticos que a vida estudantil lhe trouxe. Ana Helena integra, atualmente, o quadro
de servidores da Prefeitura Municipal de Salvador.

Ana Maria Santos Rocha - Entrevista realizada em 28 de agosto de 2019,


por Skipe, com duração de 49min 49s. Sua trajetória como aluna do curso de
psicologia da UFBA inicia em 1969, tendo feito parte da segunda turma de
ingressantes, concluindo em 1973. Desde logo, atuou com o representante
estudantil, passando a representação junto ao DA e DCE. Rememorou o clima
pesado de perseguição política vivida por ela e outros membros de sua família.
Filiada ao PCdoB, em 1974 saiu do Brasil e foi trabalhar na Albânia, onde
permaneceu até o seu retorno, em 1980. Possui uma trajetória política em defesa
dos direitos das mulheres e, atualmente é assessora de gênero no Sindicato dos
Comerciários do Rio de Janeiro.

Anamélia Araújo de Carvalho - Entrevista realizada em 14 de novembro de


2019, na residência da entrevistada, com duração de 1h 9min 26s. A professora
239

Anamélia ingressou como docente do curso de psicologia da UFBA em 1973.


Havia, então, concluído o mestrado na USP e, por intermédio de s ua professora,
Carolina Bori, foi convidada para assumir as disciplinas de Psicologia
Experimental e coordenar o laboratório de psicologia da UFBA, onde permaneceu
até se aposentar. Posteriormente assumiu a coordenação do curso de psicologia da
Faculdade Ruy Barbosa, primeiro curso de psicologia em instituição privada, na
Bahia.

Denise Maria Barreto Coutinho - Entrevista realizada em 15 de agosto de


2019, na residência da entrevistada, com duração de 1h 32min e 49s. Denise relatou
sua trajetória no curso de psicologia, que ingressou em 1977, citando os
ensinamentos dos professores e especialmente seus primeiros contatos com a
psicanálise. Resgatou as inserções teóricas trazidas pelos psicanalistas que
contribuíram na década de 1970 para a formação dos alunos do curso de psicologia
e suas experiências de estágio clínico. Denise é atualmente professora associada
do Instituto de Psicologia da UFBA, vinculada ao Departamento de Psicologia.
Doutora em Letras e Linguística pela UFBA. Docente Permanente do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia e do Programa de Pós -Graduação em Artes Cênicas,
ambos da UFBA.

Ilka Dias Bichara - Entrevista realizada em 03 de setembro de 2019, no seu


gabinete no Instituto de Psicologia da UFBA onde atua como diretora, com duração
de 1h 22min 20s. Ilka foi aluna do curso de psicologia da UFBA de1973 a 1978.
Ao longo da entrevista Ilka relatou sua trajetória de militância estudantil e o
intenso processo de luta e resistência dos docentes de psicologia, os
enfrentamentos políticos, as pautas reivindicatórias por melhorias e os temores e
estratégias de luta também no campo cultural. Ilka foi presidente do DA de
psicologia na gestão de 1977. Possui mestrado e doutorado em Psicologia
Experimental pela USP. É professora associada do curso de ps icologia da UFBA,
onde atua na graduação e na pós-graduação e é diretora do Instituto de Psicologia,
atuando também como presidente do Conselho de Curadores da UFBA e vice
coordenadora do GT Brinquedo, educação e saúde da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP).
240

Maria Angélia Teixeira - Entrevista realizada em 05 de fevereiro de 2020,


no seu consultório, com duração de 1h 8min e 14s. Maria Angélia ingressou no
curso de psicologia em 1971 e concluiu em 1979. Ao longo da entrev ista
rememorou o ambiente político da época, o clima de tensão no âmbito
universitário, o medo e tensão em todos os cursos e a organização e militância do
movimento estudantil. Trouxe, ao longo da entrevista, suas memórias sobre os
embates políticos e teóricos que se davam entre os alunos defensores das teorias
behavioristas e psicanalistas no ambiente acadêmico. Tendo se interessado pela
Psicanálise desde os primeiros anos da graduação, Maria Angélia seguiu uma
trajetória profissional como psicanalista e professora do curso de psicologia da
UFBA. Possui Mestrado e Doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ e
atualmente está aposentada da universidade.

Rita de Cássia Maskell Rapold - Entrevista realizada em 16 de setembro de


2019, na residência da entrevistada, com duração de 52min 39s. Rita Rapold foi
aluna do curso de psicologia da UFBA no período entre 1975 e 1979 e teve
participação ativa no ME, integrando a chapa do DA na gestão de 1977, como
primeira secretária. Nesse mesmo ano fez parte da comitiva d a UFBA para
participar do III Encontro Nacional dos Estudantes em Belo Horizonte, Minas
Gerais e foi presa junto a vários outros estudantes que tentavam chegar ao evento.
Durante sua entrevista relatou sobre sua prisão; a perseguição e vigilância que
sofriam como militantes do ME, no qual atuou também junto ao DCE no último
ano de sua graduação; a participação política de docentes e discentes do curso de
psicologia e a vinculação desses atores às teorias psicológicas predominantes no
curso naquele período. Rita Rapold é professora adjunta aposentada da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e tem relevante contribuição à história
da psicologia na Bahia, por suas pesquisas, no mestrado e doutorado realizados na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pesquisou sobre as
memórias dos primeiros psicólogos de Salvador e especialme nte aqueles que
atuaram no campo da Psicologia Aplicada através do Instituto de Orientação
Vocacional (IDOV).

Sandra Regina Soares Freire - Entrevista realizada em 07 de agosto de 2019,


no seu gabinete na UNEB, onde atua como docente de psicologia, com duração de
41min 4s. Ao longo da entrevista Sandra trouxe suas memórias sobre o curso de
241

psicologia da UFBA, que fez entre 1975 a 1981. Sandra atuou ativamente no ME,
tendo sido eleita vice-presidente do DCE na gestão de 1977 e presidente do DA de
psicologia no ano seguinte. Rememorou o movimento de luta e resistência contra
a ditadura e as diversas formas de militância, no âmbito político e cultural. Sandra
Soares possui mestrado e doutorado em Educação e é professora titular da UNEB.
Atualmente, está na direção da Editora da Universidade do Estado da Bahia
(EDUNEB).

Telma Fernandes Mascarenhas - Entrevista realizada na residência da


pesquisadora, em 11 de novembro de 2019, com duração de 1h 21min 5s. Telma
Mascarenhas fez parte da primeira turma do curso de p sicologia da UFBA (1968-
1973) e foi representante estudantil junto ao Departamento, em 1968. Telma
enfatizou, na entrevista, sua vivência como aluna da primeira turma de psicologia
da UFBA e seu processo de amadurecimento ao longo da graduação. Lembrou com o
o curso foi sendo construído a cada ano, com a chegada de professores, as
mudanças de sede, a instalação do laboratório de psicologia experimental, as
dificuldades estruturais que tiveram que enfrentar, bem como as conquistas que
foram sendo alcançadas ao longo do processo de formação e consolidação do curso.
Telma é professora universitária, tendo atuado em diversas faculdades particulares,
com mestrado em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social.
242

APÊNDICE B – Cessão de direitos sobre Depoimento Oral


243
244
245
246
247
248
249
250
251
252

ANEXOS
253

ANEXO A - Revista Veja: "Como eles agem", edição nº 283, de 03 de fevereiro de 1974
254

ANEXO B - Carta de Carolina Bori, dirigida ao vice-diretor em exercício da


FFCH/UFBA, Prof. Dr. Joaquim Batista Neves, em 14.11.1968
255
256
257
258

ANEXO C - Parecer do Prof. Mário Guidi, instrutor do departamento de psicologia


social e experimental da FFCL/USP, em 07.10.1969
259
260

ANEXO D - Boletim informativo Reflexo, dos estudantes de psicologia da FFCH/UFBA,


edição nº 1/junho de 1973.
261

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