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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Salvador
2020
ROSANE MARIA SOUZA E SILVA
Salvador
2020
SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira
Agradeço imensamente a todos os que foram por mim entrevistados e que, a partir de suas
memórias, contribuíram para a tecitura deste trabalho. Aos pioneiros, protagonistas, atores e
testemunhas da história da psicologia na Bahia, meu agradecimento e reverência.
RESUMO
ABSTRACT
The research aims to describe and analyze the institutionalization process of Psychology in
Bahia, in the context of the military dictatorship, between the years 1968 to 1980. It was
considered: the influence that the authoritarian context and the State policies for the areas of
education and science exercised on the formation and consolidation of the undergraduate course
in psychology at the Faculty of Philosophy and Human Sciences of the Federal University of
Bahia; the reception and appropriation of Behavior Analysis and Psychoanalysis by the
academic community, in that political context; and, the struggles and mobilization of students
and teachers in the face of State policies. It is a descriptive-analytical study, which has as
theoretical references the Social Science Studies and the History of Psychology.
Methodological procedures of the History of the Present Time are adopted, using techniques of
Oral History and Document Analysis to survey and analyze data. The results indicated that the
measures adopted by the military regime had an impact on the institutionalization and
development of psychology, as a disciplinary and professional field in Bahia. The educational
policies implemented by the military government within the scope of Education produced
effects on the demand for educational psychology, while the interest in the industrial area grew
from public investments that expanded the industrial and technological pole in Bahia. There
was a prevalence of the clinic, as an internship area, to the detriment of the educational and
industrial area. The strong influence of the psychiatric field on the direction of psychology was
demonstrated, in several areas, including training. The social and political conditions that made
possible the emergence of the psychoanalytic culture in Bahia and its influence on the training
of psychologists were evident, from the arrival of Argentine psychoanalysts, led by Emílio
Rodrigué, and the psychoanalyst Carlos Pinto Corrêa, member of the Brazilian Circle of
Psychoanalysis of Minas Gerais. The role of psychologists who train behavior analysis at the
University of São Paulo in the implementation of the Experimental Psychology laboratory and
in the training of the first generations of teachers and behavior analysts in Bahia was
highlighted. Furthermore, it was observed that there was a systematic vigilance and tutelage on
the academic psychology community, which impacted university life and demanded resistance
from students in the area to deal with political tension and coping skills in the fight against the
military dictatorship. This scenario forged a political and socially expanded position among the
members of the student movement, at that time of intense restriction and shortages of all kinds.
RESUMEN
Figura 1 Matéria do Jornal Gol a Gol, DCE/UFMG, ano II, n. 12, 28.05.1974, p. 3............ 44
Quadro 1 Programa anual de Psicologia para o curso de Filosofia da FFB – 1957................ 81
Quadro 2 Instituições psiquiátricas de médio e grande porte em Salvador – 1970................. 96
Gráfico 1 Matrículas nos cursos de graduação da FFCH/UFBA – 1968 a 1970..................... 101
Matrículas no curso de graduação em Psicologia - FFCH/UFBA – 1971 a
Gráfico 2 1980......................................................................................................................... 102
Matrículas no curso de graduação em Psicologia x Sexo – FFCH/UFBA – 1971 a
Gráfico 3 1980......................................................................................................................... 103
Concluintes de curso de graduação em Psicologia – FFCH/UFBA - 1972 a
Gráfico 4 1980......................................................................................................................... 105
Concluintes do curso de graduação em Psicologia x Sexo – FFCH/UFBA – 1972
Gráfico 5 a 1980....................................................................................................................... 105
Quadro 3 Instituições para estágio em Psicologia Educacional – Década de 1970................ 108
Instituições para estágio em Psicologia Industrial/Organizacional - Década de
Quadro 4 1970......................................................................................................................... 109
Instituições para estágio em Psicologia Clínica – FFCH/UFBA - Década de
Quadro 5 1970......................................................................................................................... 111
Oferta e demanda por área de estágio em Psicologia – FFCH/UFBA - 1976 e
Gráfico 6 1977......................................................................................................................... 112
Primeira correspondência oficial entre Joaquim Batista Neves e Carolina
Figura 2 Bori.......................................................................................................................... 127
Figura 3 Carta emitida pela professora Carolina Bori........................................................... 128
Figura 4 Correspondência oficial entre Joaquim Batista Neves e Carolina Bori ................. 131
Capa do catálogo de produtos para instalação de laboratórios de psicologia
Figura 5 experimental – FUNBEC – 1968............................................................................ 132
Formação acadêmica do corpo docentes de Psicologia Experimental - Década de
Quadro 6 1970.......................................................................................................................... 139
Representação discente no Diretório Acadêmico do curso de Psicologia da
Quadro 7 FFCH/UFBA – 1971................................................................................................ 163
Quadro 8 Representação discente no Diretório Acadêmico do curso de Psicologia – 1972... 164
Figura 6 Matéria do jornal Tribuna da Bahia - Edição de 08 de março de 1972, p. 5........... 168
Representação discente no Diretório Acadêmico do curso de Psicologia da
Quadro 9 FFCH/UFBA – 1973................................................................................................ 169
Representação discente no Diretório Acadêmico do curso de Psicologia da
Quadro 10 FFCH/UFBA – 1974................................................................................................ 173
Representação discente do curso de Psicologia da FFCH/UFBA - DA e DCE –
Quadro 11 1975.......................................................................................................................... 175
Figura 7 Matéria de capa do jornal Diário de Notícias - Edição de 20 de março de 1976.... 178
Figura 8 Matéria do jornal Diário de Notícias – Edição 20 de março 1976......................... 179
Figura 9 Matéria do jornal Tribuna da Bahia - Edição de 18 de junho de 1976, p. 11......... 181
Representação discente do curso de Psicologia da FFCH/UFBA - DA e DCE –
Quadro 12 1977.......................................................................................................................... 182
Figura 10 Matéria do Jornal da Bahia - Edição de 08 de junho de 1977, p.5......................... 186
Figura 11 Matéria do Jornal Tribuna da Bahia - Edição de 07 de junho de 1977, p. 3........... 186
Figura 12 Matéria do Jornal Tribuna da Bahia - Edição de 14 de junho de 1977, p. 3........... 187
Figura 13 Matéria do jornal Tribuna da Bahia - Edição de 27 de janeiro de 1979, p. 9.......... 191
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 20
1 INTRODUÇÃO
1
BRASIL. Lei 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do ensino superior e sua articulação
com a escola média, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,
29 nov. 1968. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5540-28-novembro-1968-
359201-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 29 abr. 2020.
2
BRASIL. Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968. São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de
1967 e as Constituições Estaduais; O Presidente da República poderá decretar a intervenção nos estados e
municípios, sem as limitações previstas na Constituição, suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo
prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, e dá outras providências. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 dez. 1968. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm
3
O uso da expressão "anos de chumbo" para designar o período mais repressivo da ditadura militar no Brasil,
estende-se basicamente do fim de 1968, com a edição do AI-5 em 13 de dezembro de 1968, até o final do governo
Médici, em março de 1974. A expressão foi adotada em vários países (anni di piombo, années de plomb, years of
lead), e deriva do título do filme Die bleierne Zeit (em português, literalmente, "Tempos de chumbo"), de 1981,
da cineasta alemã Margarethe Von Trotta. O título do filme é uma citação do poema de Hölderlin, "Passeio ao
campo" (Der Gang aufs Land, 1800).
21
A pergunta central, que nos orienta nessa pesquisa é: Como ocorreu o processo de
institucionalização da psicologia na Bahia, tendo como pano de fundo o contexto político do
período, compreendido entre os anos de 1968 a 1980? Diante de tal questionamento, partimos
do seguinte pressuposto norteador: O contexto autoritário e as políticas de Estado para as áreas
de educação e ciência, implantadas pelo regime militar, influenciaram o processo de
implantação e consolidação da psicologia na Bahia, configurando os rumos do seu
desenvolvimento, seus modos de atuação e práticas profissionais. Nesse sentido, o ponto
principal desta pesquisa, que pode ser identificada como sua tese é a de que a institucionalização
da psicologia na Bahia foi influenciada pelo contexto autoritário e as políticas de Estado para
as áreas de educação e ciência, promovidas pelos governos dos generais presidentes.
Nosso objetivo geral é descrever e analisar o processo de institucionalização da psicologia
na Bahia, observando os diversos níveis de negociações e conflitos que orientaram a sua
consolidação no contexto da ditadura militar. Os objetivos específicos, voltados para o alcance
do objetivo geral são: i) analisar a emergência e desenvolvimento da psicologia na Bahia, que
4
BRASIL. Decreto-Lei n. 477/1969, de 26 de fevereiro de 1969. Define infrações disciplinares praticadas por
professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 fev. 1969. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-477-26-fevereiro-1969-367006-
publicacaooriginal-1-pe.html
.
22
5
O emprego da expressão arquivos sensíveis surgiu no Brasil para se referir aos arquivos do período da Ditadura
Militar. A expressão emergiu em 2005, ano em que se deu o anúncio do recolhimento dos fundos documentais em
poder da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). É nesse contexto que a expressão arquivos sensíveis aparece
em textos acadêmicos do período. (RODRIGUES, 2014)
23
Arquivo Nacional foram: Relatórios, Ofícios e Informativos sobre o ME, jornais, boletins e
panfletos confeccionados e distribuídos pelos estudantes, Inquéritos policiais contra docentes,
Folhetos sobre propaganda e contrapropaganda do governo militar e sobre “guerra psicológica”.
Por sua vez, o arquivo AESI/UFBA é um acervo documental que se encontra no setor Estudos
Baianos, localizado na seção Lugares de Memória, instalada no último andar da Biblioteca
Central Macedo Costa da UFBA. Buscamos nesses arquivos AESI/UFBA, documentos que
fizessem referência ao curso de psicologia, seus docentes e discentes, e sobre a atuação do
Movimento Estudantil (ME), em especial do Diretório Acadêmico (DA) de Psicologia.
Utilizamos também como fontes, Ofícios, Relatórios e Informações trocadas entre a AESI e a
Reitoria da UFBA e com outros órgãos do sistema de vigilância e repressão do regime militar,
bem como panfletos, boletins e jornais confeccionados pelo ME e pareceres sobre contratação
de docentes.
Com um tema e um objetivo complexo, iniciamos a pesquisa e nos defrontamos com a
peculiaridade em lidar com arquivos sensíveis. Vivenciamos desafios ao longo de nossa visita
aos diversos arquivos históricos e dedicamos momentos de reflexão sobre o tema, registrados
no nosso diário de campo. De fato, como concretizar o então projeto de tese, cujo objetivo
definido foi analisar o processo de institucionalização do curso de graduação de psicologia da
Universidade Federal da Bahia no contexto da ditadura militar, sem fazer reflexões sobre o
percurso trilhado e sobre os desafios que envolveram o caminhar? Em primeiro lugar,
destacamos a recuperação de fontes documentais que foram pouco exploradas até agora, em
fase de pré-organização, com documentos dispersos, o que não deixa de caracterizar as
pesquisas no âmbito do tempo presente. Em segundo lugar, fomos provocados ao lidar com
arquivos e documentos de acesso limitado, diante da meta de analisar a história da psicologia
no contexto da ditadura militar. Rodrigues (2017) denuncia que há uma disputa silenciosa por
esses arquivos, não só pela posse física desses documentos, mas também pelo controle da
narrativa sobre o que ocorreu no período. Em vista desse processo, os acervos dos sistemas de
inteligência e de polícia política ora se tornam visíveis, ora invisíveis. Assim, além dos
obstáculos ao acesso e à consulta aos acervos históricos, devido, por vezes, à precariedade de
condições materiais e de profissionais, atualmente existentes, vivenciamos uma problemática
específica para o pesquisador que trabalha com acervos sobre a ditadura militar brasileira.
Quanto às fontes orais, a utilização de tal recurso permitiu colher o testemunho de dez
psicólogas que integravam o curso de psicologia da UFBA, como discentes ou docentes, no
período entre 1968 a 1980. A modalidade utilizada da história oral temática enfatiza a escuta
dos entrevistados sobre um tema específico, no caso, a história da psicologia na Bahia durante
24
Este trabalho está organizado em seis capítulos, além desta introdução (Capítulo 1), das
considerações finais, das referências da bibliografia consultada e dos apêndices e anexos:
No Capítulo 2, intitulado A universidade e a psicologia no contexto da ditadura militar
buscamos apresentar, primeiramente, uma contextualização histórica sobre a ditadura militar e
as principais medidas adotadas pelo regime, as quais impactaram sobre as universidades. Em
seguida, discorremos sobre os órgãos de segurança e as estratégias utilizadas pelos tecnocratas
do regime para o controle e vigilância de docentes, discentes e servidores e sobre a psicologia
e a atuação dos psicólogos durante o período militar. Embora não tenhamos ambicionado fazer
uma revisão exaustiva sobre o assunto, tentamos traçar um breve panorama das pesquisas sobre
o tema, dando ênfase a autores e pesquisas que contribuíram de modo fecundo para a sua
edificação, para que, ao final pudéssemos orientar o desenvolvimento do nosso estudo.
O capítulo 3 - Construindo os referenciais teórico-metodológicos, teve como objetivo
principal apresentar o referencial que sustentou esta pesquisa e seus conceitos fundamentais.
Na primeira parte, buscamos fazer uma breve descrição da evolução do campo histórico e
historiográfico da psicologia para, em seguida, discorrer sobre o desenvolvimento da história
crítica da psicologia, dimensão que fundamenta este trabalho. Explicitamos os conceitos de
Indigenização e Recepção de teorias psicológicas que nortearam aspectos desta pesquisa. Na
segunda parte, apresentamos a abordagem metodológica da História do Tempo Presente, que
utilizamos no campo de observação da pesquisa, para, a partir daí, detalhar sobre as fontes
utilizadas e o modo de tratamento empregado neste estudo sobre histórias e memórias do tempo
presente.
No Capítulo 4, que denominamos A psicologia aplicada à medicina e à educação na
Bahia: antecedentes da criação do curso de graduação em psicologia da UFBA, buscamos
mostrar o papel de três instituições que se destacaram enquanto espaços acadêmicos formadores
26
A preocupação principal dos vitoriosos, após o golpe, foi o expurgo dos derrotados. Para
isso, os agentes do Estado e seus apoiadores iniciaram a denominada Operação Limpeza,
visando “limpar” os quartéis, o aparelho estatal e as organizações da sociedade civil, afastando
todos aqueles que fossem considerados subversivos ou que se posicionassem contra o regime e
excluindo os adversários do cenário público. No grupo dos adversários se incluía os comunistas,
socialistas, trabalhistas, nacionalistas de esquerda, dentre outros. (MOTTA, 2014)
As universidades, consideradas focos de infiltração comunista, passaram a ser fortemente
visadas. As representações anticomunistas temiam a esquerdização dos jovens universitários e
Suplicy de Lacerda, Ministro da Educação e Cultura do governo de Humberto Castelo Branco
(1964-1967) deixou clara a intenção de ‘sanear o comunismo’ das universidades e coibir as
manifestações contrárias às medidas ditatoriais e reprimir o ME. A Lei 4.464/19646, conhecida
como Lei Suplicy de Lacerda, que dispunha ‘sobre os órgãos de representação dos estudantes’,
colocou na ilegalidade a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as uniões estaduais de
6
BRASIL.Lei 4.464, de 9 de novembro de 1964. Dispõe sobre os Órgãos de Representação dos estudantes e dá
outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 nov. 1964. Disponível
em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4464-9-novembro-1964-376749-publicacaooriginal-
1-pl.html
29
(URGS), Rural do Rio de Janeiro (URRJ), do Espírito Santo (UES) e de Goiás (UG). Na época,
havia cerca de 25 universidades públicas, incluindo as estaduais e, conforme Motta (2014),
Fica claro que houve apoio ao golpe no meio acadêmico. Em algumas instituições, os
professores fizeram moções de apoio ao poder ‘revolucionário’ nos órgãos colegiados
universitários. Entre professores e estudantes apoiadores do regime, havia integrantes da
extrema direita, como ex-integralistas e anticomunistas radicais. Professores de esquerda foram
denunciados por colegas, apontados à polícia ou às reitorias, para serem atingidos pela
Operação Limpeza. (BAIARDI, 2008; MOTTA, 2014)
Passada a primeira fase da Operação Limpeza, os estudantes voltaram ao comando das
entidades e mesmo a UNE voltou a funcionar na clandestinidade. A partir de 1965, começaram
a acontecer protestos e passeatas que se intensificaram a partir do ano seguinte.
Em 1965 ou 1966, era difícil prever que o regime militar iria recrudescer nos
fins de 1968, e havia razões para esperar alguma redução na vigilância
repressiva. Com a aprovação da nova Constituição, em 1967, chancelada pelo
Congresso, e o começo do governo Costa e Silva, que chegou prometendo
diálogo e tolerância, o horizonte parecia realmente menos nebuloso.
(MOTTA, 2014, p. 61)
E o regime militar, de fato, radicalizou ainda mais a partir de 1968. As medidas impostas
pela ditadura militar, sob a presidência de Artur da Costa e Silva (1967-1969), fizeram de 1968
um ano marcante para a história política brasileira, com implantação de reformas estruturais
nas universidades e a instauração do AI-5. O ano começou com manifestações de estudantes
que reivindicavam ensino público e gratuito, reforma para democratização, melhoria da
qualidade do ensino e mais verbas para pesquisa. Passeatas, greves, ocupações de faculdades e
manifestações foram deflagradas em todo o país. Fatos dramáticos marcaram o ano, como a
morte do secundarista Edson Luís de Lima Souto, em 28 de março, durante a invasão policial
ao restaurante Calabouço e seu enterro simbólico na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro,
com protestos em todo o país. A Faculdade de Direito da USP foi ocupada em 22 de junho e
em 26 daquele mês a Passeata dos Cem Mil tomou as ruas do Rio de Janeiro, com estudantes,
intelectuais, artistas, religiosos e populares.
31
remunerados e com total poder sobre suas respectivas áreas de conhecimento e tinham
autonomia para selecionar seus assistentes, professores e pesquisadores, bem como definir os
programas de ensino. Os cargos eram vitalícios, o que abria precedente para práticas nepotistas,
como contratar parentes para atuar como auxiliares de cátedra. Os catedráticos também
controlavam as estruturas decisórias, como congregações e conselhos universitários. A
Reforma pretendeu acabar, também, com a duplicação de meios para fins idênticos, termo
utilizado na época para referir-se à existência de cátedras dedicadas à mesma área em diferentes
faculdades. (MOTTA, 2014)
Com a justificativa de formação da mão de obra para a economia, a reforma universitária
levou à ampliação do número de vagas e de novos cursos. Foi implantado o sistema de matrícula
por disciplina em substituição às matrículas por série; surgindo, também, o vestibular unificado
e a matrícula por créditos. Criou-se, igualmente, o chamado ciclo básico, que separava o
processo de entrada na universidade em duas etapas: a primeira seleção para o curso básico
(primeiro ciclo) e uma segunda para o curso profissional (segundo ciclo). A introdução do ciclo
básico no primeiro ano de formação universitária foi um mecanismo adotado para reduzir os
chamados excedentes, que eram aqueles estudantes aprovados nos testes, mas que a faculdade
não conseguia absorver. (BOMENY, 1994; MARTINS, 2009; ANTUNES, 2012; MOTTA,
2014)
A Reforma veio no bojo dos projetos adotados pelos golpistas para estruturar as políticas
de governo e foi financiada através de acordos com os Estados Unidos. Dentre esses acordos,
o que teve maior notoriedade foi aquele firmado em 1965, entre o Ministério da Educação e
Cultura (MEC) e a agência americana USAID7.O acordo MEC-USAID imprimiu ao ensino
brasileiro um caráter mais técnico e funcionalista do que humanístico e crítico, semelhante ao
modelo americano e alcançou maior relevância em função dos desdobramentos efetivos na vida
universitária. As reformas estruturais beneficiaram as áreas de ciência, tecnologia e educação,
com abertura de novos cursos e ampliação do número de vagas, mas nas áreas de ciências
humanas e sociais, embora tenha havido investimentos, estes não foram prioridades da reforma
universitária que se implantava e nem tão expressivos quanto nas áreas tecnológicas e das
ciências naturais. (CUNHA, 1988; CLEMENTE, 2005, 2006, 2014, 2017; LIRA, 2010;
MOTTA, 2014)
7A agência americana United States Agency for International Development – USAID era voltada ao financiamento
de projetos em países e áreas estratégicas, visando o desenvolvimento internacional, dentro da perspectiva
desenvolvimentista norte-americana. (MOTTA, 2014)
33
O ano de 1968 terminou com a decretação do AI-5, que resultou na perda de mandatos de
parlamentares contrários aos militares, intervenções nos Municípios e Estados e suspensão de
todas as garantias constitucionais, dando poderes ao governo para cometer atos que violavam
direitos humanos fundamentais. No âmbito das universidades, o AI-5 impingiu uma segunda
onda de expurgos, acirramento da radicalidade do regime e a manifestação do seu caráter mais
repressivo e violento. O AI-5 é lembrado como o “golpe dentro do golpe” e um “divisor de
águas dentro do regime militar”. (OLIVEIRA, 1978; BOMENY,1994; COUTO, 2003;
ANTUNES; RIDENTI, 2007; SAVIANI, 2008; CARDOSO, 2013; MOTTA, 2014)
No ano seguinte, foi promulgado o Decreto-Lei 477/1969 Discentes foram expulsos por
meio de ato administrativo de negativa das matrículas e professores tiveram suas aposentadorias
decretadas compulsoriamente. Conforme Motta (2014),
8
A Comissão Milton Santos de Memória e Verdade foi criada em 2013, no âmbito da Universidade Federal da
Bahia e teve como objetivo recolher os documentos e os depoimentos necessários para contar o que se passou no
período da ditadura militar na UFBA, em termos de violações dos direitos humanos e das liberdades individuais.
34
9
“Durante a ditadura militar, além do Serviço Nacional de Informações (SNI) e dos serviços secretos das Forças
Armadas (Centro de Informações do Exército – CIE, Centro de Segurança de Informações da Aeronáutica – CISA,
e Centro de Informações da Marinha – CENIMAR), outros órgãos davam sustentação ao sistema repressivo, como
a Polícia Federal, e no âmbito estadual, as Delegacias de Ordem Política e Social (DOPS). Em julho de 1969, em
São Paulo, a Operação Bandeirantes (Oban) surgiu para concentrar as ações repressivas no comando do Exército.
Essa estrutura foi extinta em 1970, para dar lugar ao Centro de Operações de Defesa Interna (CODI) e ao
Destacamento de Operações de Informações (DOI) instalados nas principais capitais do país. Conhecidos à época
pela sigla DOI-CODI, foram os locais por onde passaram milhares presos e onde ocorreu a maioria dos casos de
execuções e desaparecimentos forçados de opositores ao regime”. Fonte:
http://www.arquivonacional.gov.br/br/difusao/arquivo-na-historia/696-doi-codi.html. Acesso em: 31 ago. 2020.
10
BRASIL. Decreto n. 67.325, de 2 de outubro de 1970. Aprova o regulamento das Divisões de Segurança e
Informações dos Ministérios Civis. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2 out.
1970. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-67325-2-outubro-1970-
408768-publicacaooriginal-1-pe.html
36
11
BRASIL. DSI/MEC. Guerra Psicológica. Divisão de Segurança e Informações do MEC.1971.
12
BRASIL. DSI/MEC. Como eles Agem: Levantamento sobre o movimento estudantil. Divisão de Segurança e
Informações do MEC. 1974.
13
Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Assessoria de Segurança e Informações da Universidade de Brasília –
ASI/UNB. REF: BR_DFANBSB_AA1_0_LGS_0001_d0001de0001.
37
DSI/MEC, essa publicação tinha o objetivo de instruir e orientar os agentes que atuavam nas
universidades.
O emprego da guerra psicológica envolvia a exploração emocional do oponente,
objetivando influenciá-lo. Visava à formação de uma opinião favorável, seja de grupos adversos
ou neutros, para que esses grupos apoiassem os objetivos nacionais, a saber, aqueles defendidos
pela ditadura militar. Os propósitos e o sentido da guerra psicológica estariam relacionados
também à atuação sobre o adversário, no sentido de lhe causar prejuízos em possíveis
operações, utilizando, para isso, técnicas de discórdia e persuasão.
A publicação descreve as fases da guerra psicológica como Estratégicas, Táticas e de
Consolidação, relacionadas à amplitude ou limitação de propósitos e à cooperação dos
habitantes após a ocupação. A guerra psicológica estratégica tem objetivos amplos e efeitos a
longo prazo; já a guerra psicológica tática tem propósitos limitados e efeitos imediatos. Por seu
turno, a guerra psicológica de consolidação tem o objetivo de persuadir os moradores de áreas
ocupadas a aceitarem a ocupação e cooperarem com os agentes. Após a consolidação das
medidas de ocupação, os efeitos psicológicos esperados seriam influenciar o maior número de
pessoas, depreciar lideranças do grupo adversário e, finalmente, criar uma base de controle
sustentado para abalar o sistema do adversário.
Entre os requisitos para que uma ação fosse considerada uma guerra psicológica estava o
uso da propaganda, considerada uma técnica de influenciar a mente humana em prol de um
objetivo. Desse modo, os órgãos de informação do regime faziam uso da guerra psicológica,
através da propaganda, para garantir os objetivos traçados pela ditadura. De acordo com o
folheto, a propaganda se diferencia da educação, pois,
Além disso, a propaganda estratégica e a tática podem ser classificadas quanto ao seu
propósito, podendo ser de conversão, de divisão, de consolidação ou a contrapropaganda. A
propaganda de conversão é planejada para modificar a filiação emocional do indivíduo; a
propaganda de divisão busca criar elementos de discórdia entre grupos e a de consolidação atua
no intuito de angariar simpatia na população de áreas ocupadas. A contrapropaganda pretende
atuar no combate às teses do adversário, negando-as ou neutralizando-as. A guerra psicológica
seria a arma cientifica do terror, cujos elementos são a inibição, o pânico, a obsessão e os
38
A função do Poder Nacional é assegurada pela Lei de Segurança Nacional que “arma o
Estado de meios legais para se opor a todas as manifestações e suas ameaças que visem à
conquista subversiva do Poder” (BRASIL, 1975, p.254). Nesse sentido, a Segurança Interna
deve ter ação mais preventiva que punitiva e as medidas adotadas seriam direcionadas à
neutralização dos antagonismos.
14
MEGRET, M. La Guerre psychologique. Presses Universitaires de France. Paris: 1956, 128 p.
15
BROWN, James Alexander Campbell. Técnicas de persuasão: Da propaganda à lavagem cerebral. 2. ed. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1971.
16
BRASIL. Escola Superior de Guerra. Manual Básico. Rio de Janeiro: ESG, 1975.
39
O segundo manual que destacaremos aqui, produzido pelo DSI/MEC, foi publicado em
1974 e se intitulava Como eles agem17. Tratava sobre ‘esquemas’ considerados ‘subversivos’
nas áreas da Educação, da Cultura e da Religião, expondo os supostos objetivos e planos táticos
de infiltração comunista nas universidades. O movimento estudantil universitário é descrito
como o maior alvo de infiltração de ‘subversivos’ e o folheto pretende demonstrar esse ponto
de vista ao mapear as influências comunistas nos meios universitários e culturais. Já na
introdução da publicação Como eles agem18, fica patente a preocupação dos agentes da ditadura
com os ‘elementos’ que se infiltram na área da Educação e da Cultura, “tentando atingir
principalmente a juventude secundarista e universitária, visando o aliciamento e possível
arregimentação de novos adeptos para sua causa”. Além de pretender analisar o movimento
estudantil universitário, Como eles agem apresenta a situação política dos movimentos
secundaristas, demonstrando a relação entre eles. Discorre sobre os panfletos distribuídos pelos
discentes com temáticas relacionadas às reivindicações estudantis, como aumento de vagas,
taxas de inscrição e reforma universitária. Enfatiza o poder das publicações estudantis, como
ponto vulnerável à infiltração ideológica comunista e relaciona os principais conteúdos
abordados nos panfletos e jornais dos diretórios estudantis.
O objetivo da publicação Como eles agem era denunciar o ‘esquema’ de ação que os
‘subversivos’, líderes e seguidores, utilizavam, tentando mostrar que o regime constituído era
incapaz de preservar a lei e de proteger a sua população. Afirmava que as organizações
esquerdistas buscavam angariar o apoio popular, através da identificação das necessidades e
anseios populares, “utilizando-se da propaganda sub-reptícia através das letras e artes, e muitas
vezes, de meios ilegais, como os atos de terrorismo e sabotagem". Citava ocorrências de
mensagens de teor ‘subversivo’ numa série de iniciativas do setor da educação, entre elas o
Movimento de Educação de Base, criado pela Igreja, o Mobral e o Projeto Minerva, mantidos
pelo próprio Ministério da Educação. O folheto ainda advertia que as cadeiras de Educação
Moral e Cívica e de Estudos de Problemas Brasileiros vinham se tornando um dos pontos mais
visados pelos comunistas, para, através delas, divulgar sua ideologia política.
17
Arquivo Nacional (AN). Fundo: Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça – DSI/MJ. REF:
BR_RJANRIO_TT_0_MCP_AVU_0252.
18
O historiador Carlos Fico se inspirou nesse manual para dar título ao seu livro: Como eles agiam: Os subterrâneos
da ditadura militar. Rio de Janeiro: Record. 2001.
41
No verbete sobre Educação, o folheto discorre também sobre o corpo docente nas
universidades e afirma que, muitos professores preferem o cargo de chefe de departamento ao
de reitor ou diretor, por estarem mais perto dos alunos e poder influenciá-los.
O manual Como eles agem causou polêmica e foi ridicularizado nos meios educacionais
e nos principais jornais e revistas da época. Ganhou a primeira página do jornal Estado de São
Paulo, que publicou o folheto na íntegra19, com o título MEC diz que há subversão até no
Mobral. Também a revista Veja2021 publicou uma nota de página inteira, abordando o assunto
e criticando o trabalho da DSI/MEC.
O jornal Estado de São Paulo publicou, ainda, um editorial de crítica ao folheto e ao
próprio Ministério da Educação22, que denominou MEC e a infiltração subversiva. De modo
sarcástico, afirmou que estranhava que depois de tantos anos de “regime revolucionário” ao
apagar das luzes de um mandato presidencial, ainda esteja sendo aventado o problema da
subversão e que, analisando friamente o conteúdo do folheto, chega-se à conclusão de ser um
discurso repetitivo e sem novidades. Além disso, a publicação ressalta que a advertência de que
comunistas subversivos existem e trabalham equivale à segunda descoberta da pólvora. O jornal
afirma, ainda, que algo falhou e, nessa hipótese, a nação inteira tem o direito de pedir contas
aos responsáveis pelos riscos que a faz correr a infiltração generalizada da ideologia comunista.
O manual Como eles agem circulou nas entidades estudantis de todo o país. No jornal
Gol a Gol, produzido pelo DCE da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)23, o ME
analisou ironicamente a publicação e conclui que se trata de uma tentativa de impedir e reprimir
o trabalho crítico nos meios universitários e culturais nas universidades do país e sua leitura
Com o título Como eles atuam na Bahia, o mesmo jornal Gol a Gol do DCE/UFMG
divulgou uma nota de denúncia, assinada pelo ME/UFBA e encaminhada às entidades
estudantis de todo o país (Figura 1). Nesse documento, o ME baiano relata sobre as condições
19
Jornal Estado de São Paulo, edição de 31.01.1974.
20
Revista Veja, nº 283, edição de 03.02.1974.
21
Cf também Infra: Anexo A, p. 243
22
Jornal Estado de São Paulo, edição de 02.02.1974.
23
Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça – DSI/MJ.
REF: BR_RJANRIO_TT_0_MCP_AVU_0257.
24
Macarthismo é um termo cunhado para descrever a patrulha anticomunista promovida pelo Senador republicano
J. McCarthy (1950 a 1957), caracterizado por uma acentuada repressão política aos comunistas, assim como por
uma campanha de medo à influência deles nas instituições estadunidenses e à espionagem por agentes da União
Soviética.
43
25
Matéria intitulada Como eles atuam na Bahia, assinada pelos DCE, DAs, Centro Universitário de Cultura e Arte
e representação estudantil do Conselho Universitário da UFBA, publicada no jornal Gol a Gol, DCE/UFMG, Ano
II, n. 12, 28.05.1974, p.12. Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Divisão de Segurança e Informações do
Ministério da Justiça – DSI/MJ. REF: BR_RJANRIO_TT_0_MCP_AVU_0252.
44
Figura 1- Matéria do Jornal Gol a Gol, DCE/UFMG, ano II, n. 12, 28.05.1974, p. 3
A divulgação do manual Como eles agem se deu no período final da gestão de Jarbas
Passarinho (1969-1974), Ministro da Educação do governo Médici, e trouxe desgaste ao seu
ministério. A repercussão negativa na imprensa nacional foi registrada pela Divisão de
Segurança e Informação do Ministério da Justiça, que documentou os fatos e informou ao SNI26,
concluindo que o folheto Como eles agem provavelmente era destinado aos órgãos
administrativos e sua divulgação não teve proveito à Segurança Nacional. Jarbas Passarinho foi
substituído por Ney Braga, que assumiu o Ministério da Educação, em março de 1974, já no
governo Geisel.
26
Informação Nº 28/74/P/DSI/MJ de 19.02.1974. Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Divisão de Segurança e
Informações do Ministério da Justiça – DSI/MJ. REF: BR_RJANRIO_TT_0_MCP_AVU_0252.
45
Registramos até aqui a estrutura e as formas de atuação do SNI que, durante a ditadura
militar, atuou nos mais diversos órgãos e setores do serviço público federal, de modo a vigiar e
reprimir qualquer forma de manifestação que fosse considerada contrária aos interesses do
regime. No âmbito da educação, a AESI atuava diretamente ligada às reitorias das
universidades, estabelecendo um amplo sistema de controle a discentes, docentes e servidores
administrativos.
Intentamos demonstrar o poder de atuação do SNI, que através de uma formação
ideológica, apoiada nos ideais de Segurança Nacional, formava seus agentes para atuarem de
modo repressivo junto à comunidade universitária. Citamos os instrumentos tecnocráticos,
como manuais, folhetos e apostilas, que compunham um sistema de informações a serviço da
ditadura, instrumentalizando os agentes nos processos de decisão quanto a formas de restrições
e punições àqueles considerados contrários aos interesses da ditadura. Evidencia-se, sobretudo,
a política de depreciação moral e criminalização dos movimentos estudantis, naquele período.
27
BRASIL. Lei n. 4.119, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e
regulamenta a profissão de psicólogo. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 set.
1962. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4119-27-agosto-1962-353841-
publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 20 abr. 2020.
46
28
Esse modelo de desenvolvimento baseado na industrialização tornou-se visão hegemônica do pensamento
nacional, na primeira metade do século XX. Ignácio Rangel destaca-se como único pensador a discordar sobre os
rumos das políticas de fomento industrial de então, conforme analisa Amílcar Baiardi nesse artigo de 2016.
29
O campo, saberes ou práticas “psi” se refere à Psicologia, Psicanálise, Psiquiatria e Psicoterapia, bem como às
derivações e sub derivações destas abordagens.
47
Não se pode deixar de considerar, nesse contexto da época, a difusão da psicanálise que
impulsionou a ascensão de outra face desse indivíduo moderno, assenhorado em sua
interioridade, no auto cultivo e na autoestima. A ideia do indivíduo racional, autônomo e senhor
de si é suplantada pela ideia de inconsciente, que move o sujeito por forças que desconhece e
30
A contracultura foi um movimento libertário e de contestação que surgiu na década de 60 nos Estados Unidos e
que se ramificou pelo mundo. Pregava o repúdio ao modus operandi predominante no Ocidente, que resultou em
algumas transformações socioculturais significativas. Entre as manifestações contraculturais mais visíveis, estão,
a desvalorização do racionalismo, a construção de novos paradigmas ou visões de mundo, baseadas em correntes
culturais não hegemônicas, em filosofias e religiões orientais e em certas vertentes da psicanálise e do marxismo;
a recusa ao american way of life, expressa em um estilo de vida descompromissado e errante, exemplificado pelo
movimento hippie; o pacifismo, dirigido principalmente contra ações imperialistas das grandes potências; o
hedonismo, caracterizado pela valorização do corpo e das emoções, sendo as suas principais manifestações a
‘revolução sexual’ e o culto às drogas psicotrópicas. As condições que deram origem à contracultura nos EUA
estavam presentes no Brasil do final dos anos 1970. Com a contracultura, a ideia de libertação se interioriza e o
indivíduo passa a ser definido pela sua subjetividade, pelo seu mundo interior, que se opõe ao mundo social. Para
conhecer mais sobre o movimento contracultural no Brasil, cf. CAPELLARI, M. A. O discurso da contracultura
no Brasil: o underground através de Luiz Carlos Maciel (c. 1970). Tese (Doutorado em História Social).
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
50
que determina suas motivações e ações. (VELHO, 1987; DIMENSTEIN, 2000) No entanto, as
sociedades psicanalíticas sofreram críticas quanto à sua opção pelo silenciamento e neutralidade
social diante da situação política do país, cumprindo funções conservadoras, sem criticar a
ditadura militar. (KYRILLOS NETO; PÁDUA, 2015) Um caso emblemático ocorreu na
Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ) envolvendo Amílcar Lobo Moreira da Silva
(1939-1997), oficial médico do primeiro Batalhão de Polícia do Exército e que trabalhava no
DOI-CODI/RJ, no período entre 1970 a 1974. Integrava o corpo médico do aparelho repressivo
da ditadura e participava ativamente em sessões de tortura. Com o codinome de Dr. Carneiro,
sua função era supervisionar o estado físico de cada torturado e informar se a vítima podia
continuar sendo torturada, se estava fingindo e se ainda suportava, não só as sessões para fins
de interrogatório, mas também em aulas de tortura para fins didáticos. Em paralelo, Amilcar
Lobo fazia sua formação na SPRJ, sendo analisado pelo psicanalista didata Leão Cabernite. Em
1973, uma denúncia contra Amílcar Lobo foi publicada na revista Questionamentos nº 2,
coordenada pela psicanalista argentina Marie Langer. A denúncia chegou através do jornal do
PCB Voz Operária, feita por Helena Besserman Vianna, psicanalista associada da SBPRJ e que,
em consequência de sua denúncia sofreu perseguição por parte da instituição psicanalítica.
Mesmo após as várias denúncias feitas por Helena Besserman, nas instâncias locais e
internacionais e formalizadas junto à SPRJ e à International Psychoanalytical Association
(IPA), oficialmente nada foi feito. Em 1980, o caso Amílcar Lobo foi trazido a público através
de uma denúncia feita por um ex-preso político, durante uma mesa redonda. Dois integrantes
da SPRJ, Hélio Pellegrino e Eduardo Mascarenhas, que participaram do evento, ratificaram a
denúncia à SPRJ e, em represália, acabaram sendo excluídos da instituição. O caso foi
amplamente noticiado na imprensa a partir de 1981 e outros depoimentos de ex-presos políticos
foram somados ao primeiro. As atividades de Amílcar Lobo junto ao DOI-CODI expunham a
instituição psicanalítica gerando uma crise política e moral que só teve um desfecho depois da
redemocratização do país, quando o Conselho Regional de Medicina (CRM) cassou o direito
de Amílcar Lobo de exercer a profissão. (ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 1985;
COIMBRA, 1995; 2008; RUSSO, 2008; PAVÓN-CUÉLLAR, 2017; OLIVEIRA, 2017)
Segundo pesquisa desenvolvida por Coimbra (1995, 2008)31 psicólogos também tiveram
participação no aparato repressivo da ditadura militar. A autora analisa registros de pesquisas
31
A psicóloga Maria Cecília Bouças Coimbra integrou o PCB, foi presa e torturada e, na década de 1970, participou
do Grupo Tortura Nunca Mais. Foi uma das responsáveis pela denúncia do caso Amílcar Lobo. Em seu livro
Guardiães da Ordem: uma viagem pelas práticas “psi” no Brasil do “Milagre” (1995) discorreu sobre a prática do
psicólogo nos tempos da ditadura. (SOUZA; JACÓ-VILELA, 2017)
51
realizadas no início dos anos 1970 para investigar o ‘perfil psicológico’ de militantes políticos
presos no Rio de Janeiro. Uma dessas pesquisas contou com a participação de psicólogos que
trabalhavam no Centro de Estudos do Pessoal do Exército (CEPE), encomendadas pelo general
Antônio Carlos da Silva Murici, chefe do Estado-Maior do Exército, com o intuito de levantar
informações sobre os militantes presos, investigando nível de escolaridade e as causas que os
levaram à luta armada. Os resultados dessa pesquisa mostraram que, dos 260 presos, 80%
possuíam nível superior, 15% tinham concluído o segundo grau e 5% não haviam concluído o
segundo grau. E dentre as causas apontadas pela pesquisa, como justificativas para a luta contra
o regime, estavam os desajustes individuais, o descaso dos pais pelos problemas da mocidade,
a politização do meio escolar e proselitismo político de professores. (COIMBRA, 1995; 2008)
Outra pesquisa feita pelo Exército, contou com a participação de 500 presos políticos e
utilizou.
Além de enfatizar a importância da família e do lar na vida dos jovens, a avaliação dos
dados indicava que parte dos consultados (1/3) não estava “ajustada à vida familiar”. Também
foi aplicado uma bateria de testes para avaliar aptidões, interesses, nível mental e personalidade,
em 44 presos. Os resultados dessas pesquisas foram examinados por psicólogos civis,
concluindo-se que:
Em uma outra pesquisa realizada no Arquivo do DOPS/RJ pelo Grupo Tortura Nunca
Mais/RJ, foram encontrados documentos confidenciais de uma equipe de psicólogos que havia
aplicado o teste de personalidade Rorschach a um grupo de ‘terroristas’, o qual apontava traços
dominantes no grupo, tais como:
52
O uso instrumental dos recursos da psicologia e dos psicotestes, por parte do regime
ditatorial, tinha como objetivo desqualificar e patologizar os opositores ao regime militar. Além
disso, utilizava-se a pesquisa para obter informações e conhecer mais profundamente os
militantes políticos, tendo como fim último, a formação de uma opinião pública contrária aos
opositores do regime ditatorial. Agindo de modo condizente com os parâmetros preconizados
sobre guerra psicológica e estratégias de contrainformação, os órgãos de repressão tratavam de
fortalecer na sociedade, principalmente nas famílias de classe média, a ideia ou crença de que
seus filhos eram ‘desajustados’ ou ‘doentes’ emocional e socialmente. (COIMBRA, 2008)
Hur (2005) analisa as políticas adotadas pelos tecnocratas da ditadura e que impactaram
nas organizações sindicais e conselhos de classe. A Lei nº 5.766/197132, que criou o Conselho
Federal de Psicologia (CFP) e os Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), foi instaurada
num dos piores períodos da ditadura, em que se utilizava a tortura e a violência como
instrumento de coação. Em pesquisa realizada no CRP de São Paulo, Hur (2005) verificou o
forte aparato repressivo que atuou sobre a instituição paulista durante o regime militar. O
sindicalismo político foi coibido e os militares reprimiram qualquer tipo de organização de
trabalhadores, intervindo diretamente em sindicatos e organizações de classe.
32
BRASIL. Lei 5.766, de 20 de dezembro de 1971. Cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de
Psicologia e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 dez.
1971. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5766.htm#:~:text=LEI%20No%205.766%2C%20DE%2020%20DE%
20DEZEMBRO%20DE%201971.&text=Cria%20o%20Conselho%20Federal%20e,Psicologia%20e%20d%C3%
A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&text=Art.&text=2%C2%BA%20O%20Conselho%20Federal%20de,e
%20sede%20no%20Distrito%20Federal. Acesso em: 29 abr. 2020.
33
Associação Profissional dos Psicólogos do Estado de São Paulo.
53
Conforme Hur (2005), a psicologia atuou a serviço dos interesses da ditadura e houve
casos de entidades representativas ligadas ao Estado, a exemplo do CFP que prestou
homenagem ao General Emílio Garrastazu Médici, outorgando-lhe o diploma de psicólogo
honorário; e o Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo que se recusou a participar da
mobilização social contra o assassinato de Wladimir Herzog por agentes da ditadura militar,
alegando que Herzog não era psicólogo e que, portanto, não deveria se envolver em lutas
estranhas aos interesses da categoria e às questões técnicas da profissão. (HUR, 2012)
Em pesquisa mais recente, Jacó-Vilela e Braghini (2015) analisam as “formulações que
vinculam claramente tais Conselhos à ditadura militar – como o diploma de psicólogo
concedido a Médici e discursos sobre a prática dos psicólogos vinculada à ditadura ou, mais
especificamente, à tortura” (JACÓ-VILELA; BRAGHINI, 2015, p. 89-90). A partir de uma
pesquisa nas atas do CFP, os autores concluem que, embora a gestão do CFP do período (1977-
1979) tenha prestado homenagens a Geisel e a Médici, não se pode estender essa vinculação ao
regime militar ao conjunto dos psicólogos. Quanto ao envolvimento de psicólogos em processos
de exame e tortura, os autores citam o trabalho de Coimbra (1995) como “um único texto que
vincula os psicólogos, enquanto agentes empíricos – e não na perspectiva de atuação moral -,
ao regime militar” (JACÓ-VILELA; BRAGHINI, 2015, p. 93) e afirmam que não há registro
de envolvimentos de psicólogos em atos de torturas. Nesse artigo, os autores trazem uma
perspectiva de análise crítica quanto à aproximação da psicologia à ditadura militar, entendida
como uma narrativa estrategicamente construída pelo grupo político que esteve à frente do CFP
e de alguns CRPs a ao longo de quase vinte anos a partir de 1998.
[...] O que esta visão enviesada deixou de lado foi o grande número de
psicólogos, professores e estudantes de psicologia que foram perseguidos,
torturados, desaparecidos e assassinados pela ditadura militar. (JACÓ-
VILELA; BRAGHINI, 2015, p. 93)
54
Nesse diapasão, ainda que se suponha que a maioria dos psicólogos tenha sido indiferente
ao impacto que sua atuação profissional pudesse ter em relação ao projeto político da ditadura,
pode-se supor, também, ter havido psicólogos emudecidos pelo sistema, estabelecidos no
serviço público, com dificuldades de conseguir outro trabalho, ou presos, exilados, torturados
e mortos. Piñeda e Jacó-Vilela (2014) lembram que os estudos a respeito ainda não são precisos,
o que não permite conclusões fidedignas, sendo possível, de todo modo, afirmar que a ditadura
exerceu seus efeitos na constituição das subjetividades e na formação cultural dos
universitários. (VELHO, 1986; COIMBRA, 2008; PIÑEDA; JACÓ-VILELA, 2014)
Tal afirmativa nos leva ao próximo ponto, qual seja, o Movimento Estudantil (ME) de
Psicologia e suas práticas políticas no período ditatorial. Ressalta-se que, a militância política
de alguns psicólogos e estudantes segue por uma via distinta da prática hegemônica do período
- e daquela oferecida pela teorização da psicologia -, que não oferecia subsídios para o
enfrentamento contra a ditadura implantada no país. Os poucos estudos realizados sobre o tema
já dão provas da ação política e de militância de psicólogos e estudantes de psicologia, que se
opuseram à ditadura, sendo vigiados, perseguidos, presos, torturados e mortos.
Hur e Aragusuku (2018) tentam preencher essa lacuna no campo historiográfico da
psicologia e discutem as práticas e posicionamentos políticos dos estudantes, a partir da história
do ME de psicologia no Brasil. Sobre as possíveis razões para essa escassez de pesquisas, citam
a desvalorização dos estudos sobre política pela psicologia, assim como das práticas das
entidades políticas da psicologia e do movimento estudantil, devido esse ser, “apenas” um
movimento político de estudantes. (HUR; ARAGUSUKU, 2018)
Em um dos poucos trabalhos sobre o tema, Ribeiro (2007) reconstrói a história do ME na
psicologia, a partir da análise da dinâmica de funcionamento do Encontro Nacional dos
Estudantes de Psicologia (ENEP). O ENEP ou ENEPsi, como era denominado até 1969, foi
impedido de funcionar a partir do Decreto-Lei 477/1969, que proibiu manifestações política ou
de protestos no interior dos estabelecimentos de ensino públicos ou particulares, o que incluía
a organização de movimentos estudantis. Assim, o ENEPsi só retornou a partir de 1976, com o
nome de ENEP. (RIBEIRO, 2007)
Entre as décadas de 1960 e 1970, umas das alternativas encontradas pelo ME, perseguido
pelos órgãos de vigilância e repressão da ditadura, foi a participação em congressos científicos,
onde realizavam, clandestinamente, suas reuniões políticas. O I Encontro Nacional de
Estudantes (I ENE) realizado no início da década de 1970 ofereceu as bases para a organização
do ME, por área. Os discentes de psicologia passaram a promover eventos acadêmicos, como
Semanas de Psicologia e a participar de congressos científicos, onde se reuniam para deliberar
55
e tentar uma articulação pelo ressurgimento da UNE. Os estudantes também se utilizaram das
reuniões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) onde podiam se articular
em total clandestinidade. Um dos resultados desses encontros foi a realização do primeiro e do
segundo ENEP nos anos de 1976 e 1978. (RIBEIRO, 2007; HUR; ARAGUSUKU, 2018)
Em 1977, o ME passou a reorganizar as manifestações de rua e assembleias nas
universidades e a lutar pela reconstrução de suas entidades. O III Encontro Nacional dos
Estudantes, programado para o dia 4 de junho daquele ano, em Belo Horizonte, na UFMG, foi
declarado ilegal. Dentre os principais objetivos desse encontro estava a discussão acerca da
recriação da UNE, mas os delegados estudantis foram detidos antes de sua realização. As tropas
policiais impediram o acesso dos discentes à Belo Horizonte e aqueles que conseguiram chegar
se aglomeraram em frente ao DA de Medicina da UFMG, havendo investida da tropa de choque
e mais de 400 prisões. (LIRA, 2010). Da UFBA saiu uma comitiva formada por 12 estudantes,
apreendidos pela polícia antes de chegar à UFMG, com duas estudantes de Psicologia. Todos
foram detidos e investigados pela polícia. (UFBA CMSMV, 2014)
Cabe ainda destacar a participação de psicólogos e estudantes de Psicologia na luta de
resistência e oposição à ditadura, especificamente na luta armada34. Hur (2012) considera
34
Para conhecer a história da esquerda brasileira que pegou em armas contra os governos ditatoriais instalados no
Brasil e a formação dos vários grupos e partidos, cf. GORENDER, J. Combate nas trevas. São Paulo: Editora
Ática, 1987.
35
A denominada Operação Condor, foi uma aliança clandestina entre os vários regimes militares da América do
Sul—Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai, Uruguai e a CIA dos Estados Unidos, nos anos 1970 e 1980 e
que ampliou a perseguição aos exilados brasileiros na América Latina. Seu objetivo era monitorar, capturar, ou
eliminar perseguidos políticos e exilados, atingindo centenas de refugiados, alguns assassinados. (BRASIL, 2014;
GASPARI, 2014b)
56
Oito de Outubro (MR-8), vivendo, por consequência, na clandestinidade. Marilena foi presa e
veio a falecer na Casa de Petrópolis, também conhecida como Casa da Morte, aos 22 anos.
Em São Paulo, a estudante de psicologia da USP, Aurora Maria Nascimento Furtado fez
parte, nos anos de 1968, da UNE de São Paulo, onde atuava como responsável pelo setor de
imprensa e militava na ALN. Em 1972, Aurora foi presa no Rio de Janeiro, aos vinte e seis anos
de idade. Sofreu torturas até a morte. Seu corpo foi jogado numa rua do Rio de Janeiro e os
órgãos de repressão divulgaram, através da imprensa, que Aurora havia morrido após tentativa
de fuga durante um tiroteio. Sua história inspirou o escritor e cineasta Renato Tapajós na
construção do personagem central do livro Em Câmara Lenta, que escreveu quando se
encontrava preso, entre 1969 e 1974 e publicado em 1977. A publicação do livro levou Tapajós
de volta à prisão. Em 2002, por iniciativa da professora Ecléa Bosi, a USP batizou uma das
salas da Faculdade de Psicologia com o nome de Sala Aurora Maria do Nascimento.
(TAPAJÓS, 1977; GORENDER, 1987; REIMÃO, 2009; ARANTES, 2012; SOUZA, JACÓ-
VILELA, 2017)
Nascida em Praga, na antiga Checoslováquia, Pauline Philipe Reichstul estudou
psicologia em Genebra, tendo concluído o curso em 1970. Fez contatos com estudantes e
exilados brasileiros na Europa e, em 1972, veio para o Brasil, onde abraçou a causa da luta
revolucionária e de resistência à ditadura, militando na Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR). Morava em Pernambuco e estava grávida, quando foi presa em 1973, torturada e
assassinada com quatro tiros, aos vinte e seis anos de idade, numa emboscada armada por um
agente duplo da ditadura, Anselmo dos Santos, o “ex-cabo Anselmo”. O episódio ficou
conhecido como “Massacre da Chácara São Bento”. Pauline foi morta juntamente com outros
quatro militantes, entre eles seu companheiro Eudaldo Gomes da Silva. (ARANTES, 2012;
CARDOSO, 2012b; SOUZA, 2020)
Vítima do terrorismo de estado brasileiro, Iara Iavelberg, em 1968, era psicóloga formada
pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Iara foi militante
da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop) e, em seguida, militou nos
quadros do MR-8. Morreu em 1971, aos vinte e sete anos de idade, cercada em um apartamento
no bairro da Pituba, em Salvador. Os órgãos de repressão publicaram que ela se suicidou e sua
morte só foi divulgada um mês depois, juntamente com o anúncio da execução de seu
companheiro, Carlos Lamarca, no interior da Bahia. Investigações posteriores, no entanto,
foram desmontando a versão apresentada pela polícia, ficando esclarecido, finalmente, que Iara
57
havia sido assassinada. (GORENDER, 1987; ARANTES, 2012; SOUZA, 2013; GASPARI,
2014b; JOSÉ, MIRANDA, 2015; SOUZA, JACÓ-VILELA, 2017)36
Souza e Jacó-Vilela (2017) defendem a concepção de que a participação política de
psicólogos e estudantes na luta armada contra a ditadura, ainda que não tivesse uma relação
identitária com a psicologia de seu tempo, é parte integrante da história da psicologia.
Ao longo desta seção, realizamos uma contextualização histórica sobre a ditadura militar
e as principais medidas adotadas pelo regime que impactaram sobre as universidades. Em
continuação, discorremos sobre os órgãos de segurança e as estratégias dos golpistas para o
controle e vigilância de docentes, discentes e servidores. Finalmente, apresentamos uma revisão
bibliográfica sobre a psicologia e a atuação dos psicólogos durante o período militar.
Pretendemos, até aqui, trazer o contexto político ditatorial vigente no país e as pesquisas que
analisam o processo de desenvolvimento da psicologia, além de apresentar a forma como esse
campo disciplinar e profissional foi influenciado pelas políticas de Estado da época.
Pretendemos demonstrar que, se de um lado, houve o silenciamento e complacência de frações
inteiras da psicologia, por outro, existiram aqueles que resistiram às políticas impostas pela
ditadura.
A partir desse panorama traçado até aqui, perseguimos a questão problematizada nesta
tese, buscando compreender a influência da atmosfera política sobre o desenvolvimento da
psicologia, examinando o período restrito da ditadura militar brasileira na perspectiva do
microcosmo da psicologia na Bahia. Pretendemos, desse modo, estudar a dinâmica da história
da psicologia na Bahia, enquanto disciplina e profissão, e o modo como foi influenciada pelas
políticas de Estado da época (1968-1980). É o que iremos desenvolver a partir das próximas
seções.
36
Para saber mais sobre a trajetória de Iara Iavelberg, cf. PATARRA, J.L. Iara: reportagem biográfica. Rio de
Janeiro, Rosa dos Tempos, 1991. Mais recentemente, em 2014, foi lançado um longa-documentário Em busca de
Iara, dirigido por Flávio Frederico e com roteiro de Mariana Pamplona.
58
Apresentaremos, a partir daqui o referencial teórico que sustenta esta pesquisa e seus
conceitos fundamentais. Na primeira parte, faremos uma breve descrição da evolução do campo
histórico e historiográfico da psicologia para, em seguida, discorrer sobre o desenvolvimento
da história crítica da psicologia, dimensão que fundamenta este trabalho. Na segunda parte,
apresentaremos a abordagem metodológica da História do Tempo Presente, que utilizamos no
campo de observação da pesquisa, para, a partir daí, detalhar sobre as fontes utilizadas e o modo
de tratamento empregado.
Como campo de conhecimento dinâmico, a História da psicologia passou por
transformações ao longo de seu processo de construção, influenciada pelas mudanças teórico-
metodológicas surgidas no campo da História das Ciências. Inicialmente, a chamada história
tradicional da psicologia, radicou-se no positivismo, no idealismo e no personalismo. As
tarefas do historiador da psicologia, de acordo com os pilares dessa tradição, eram, dentre
outras, a compilação de feitos psicológicos, descobrimentos experimentais e biografias de
personalidades psicológicas célebres. Esse modelo tradicional de fazer a História da Psicologia
passou por uma crise após a década de 1960, com a progressiva institucionalização e
profissionalização do campo da História da Ciência, principalmente a partir da obra de Kuhn1,
levando os historiadores a reverem a suposta objetividade e buscar a superação do modelo
clássico de fazer história. (DANZIGER, 1984)
Nesse período, iniciou-se uma forte crítica à história que valorizava os grandes
personagens, enfatizando as funções ideológicas desse tipo de narrativa e, sobretudo,
questionando o apagamento de sujeitos e grupos, até então, historicamente excluídos. (BURKE,
1992). O cenário era de intensos debates acerca, especialmente, das funções político-sociais das
Ciências Humanas e Sociais e as discussões sobre a ciência na perspectiva histórica e seu
contexto social tornaram-se tema central na História e Historiografia das Ciências. A
profissionalização da área levou à complexificação dos recursos explicativos e das
metodologias de investigação, a partir da incorporação de perspectivas contemporâneas em
história, filosofia e sociologia da ciência. (MARTINS, 2001; KRAGH, 2001; EDLER, 2015)
1
O livro “A estrutura das revoluções científicas” de Thomas Kuhn, publicado originalmente em 1962 (KUHN,
1975), é considerado um divisor de águas na historiografia das ciências, por analisar a formação, transmissão,
defesa e queda de paradigmas científicos e indicar a presença de forças sociais como determinantes na escolha de
ideias aceitas pela ciência. A partir daí, já não bastava descrever a fundamentação científica que a teoria possuía
para explicar a razão pela qual essa teoria era aceita, devendo-se considerar os estudos sociais da ciência,
valorizando a construção social do conhecimento. (KRAGH, 2001)
59
A chamada virada social na História das Ciências trouxe em seu bojo a proposta de uma
historiografia crítica e reflexiva, reconhecendo o esgotamento do positivismo naturalista na
historiografia da ciência, assim como a artificialidade dos objetos a-históricos. Ainda que o
termo história crítica se refira a trabalhos considerados heterogêneos, com variados enfoques
e objetos, o comum entre eles é o abandono da historiografia positivista e a aceitação da
contingência histórica, além da ênfase nos fatores de ordem social. Essa contingência – que se
identifica com uma postura crítica – recorre a explicações sociológicas e se opõe a
inevitabilidade própria da historiografia whig2. A marca que caracteriza a nova história da
ciência é o recurso a explicações sociais ou sociológicas sobre o passado, bem como a utilização
de explicações macrossociológicas e microssociológicas para analisar o desenvolvimento e
difusão de teorias, correntes e tradições cientificas. (PESTRE, 1996; FIERRO, 2015)
Influenciada por essa virada social na História da Ciência, a Historiografia da Psicologia
passou por uma mudança significativa. (MASSIMI, 2008). Os críticos da história da psicologia
“tradicional” passaram a reconhecer a natureza socialmente construída do conhecimento
psicológico e a defender, não só uma abordagem mais crítica da psicologia, que entrou em
conflito com a clássica tradição historiográfica em psicologia da primeira metade do século
XX, como também a promover a institucionalização e a profissionalização do campo da
História da Psicologia. Como consequência, uma nova geração de historiadores da psicologia
emergiu, e como tendência, todo esse movimento é usualmente chamado de historiografia
crítica da psicologia, a virada social na historiografia da psicologia ou a nova história da
psicologia. (ARAÚJO, 2017)
Fica claro, desse modo, que os recursos da Historiografia da Ciência são os mesmos dessa
nova história da psicologia. Os Estudos Sociais da Ciência, envolvendo variados enfoques,
tanto teóricos quanto metodológicos, contribuíram para a virada social na Historiografia da
Psicologia. Esses estudos, cujo núcleo é a investigação dos fatores sociais e institucionais,
políticos, culturais e econômicos, no desenvolvimento da ciência, foram considerados úteis para
tematizar, explicitamente, a agenda política da teoria psicológica contemporânea e para renovar
o futuro das investigações históricas. (WOODWARD, 1998; MARTINS, 2001; ROSE, 2011;
FIERRO, 2015)
2
Whig - Termo cunhado em 1931 por Herbet Butterfield para se referir a uma modalidade em história das ciências
originada na historiografia positivista. As principais características da historiografia whig são o presentismo, por
analisar o passado à luz do presente ou por ver o passado conduzido necessariamente para o presente; crença
generalizada na eficácia cognitiva dos agentes individuais; existência de um momento ‘eureca’ na descoberta
científica, desconsiderando a influência do meio sobre aquele que tem a ideia genial súbita; crença na capacidade
de resolver problemas científicos de modo impessoal e objetivo.
60
Uma ideia que é nuclear aos Estudos Sociais da Ciência e que subjaz à historiografia
crítica da psicologia é a ênfase na contingência da história da ciência, concebendo o
conhecimento como algo construído socialmente. Outro ponto central nos Estudos Sociais da
Ciência é a questão do relativismo do conhecimento. O relativismo é uma crítica ao positivismo
historiográfico e sustenta que as representações da realidade não têm uma referência objetiva
intrínseca que seja inteiramente independente de sua origem e usos históricos. Em essência,
uma historiografia sociológica necessariamente é relativista por se ocupar de agentes sociais e
condições culturais particulares e contingentes. (BURKE, 1992; PORTOCARRERO, 1994;
PESTRE, 1996)
A concepção geral do relativismo no campo da História da Psicologia é de que as
pesquisas experimentais não podem ser separadas dos compromissos das comunidades que
avaliam os experimentos, não havendo possibilidade de evitar uma explicação sociológica da
produção apelando a regras impessoais de experimentação. Objetos como “Inteligência”, por
exemplo, não são dados na natureza, mas são produtos de uma construção humana. Isso implica
no reconhecimento do entrelaçamento mútuo entre as circunstâncias temporais e contextuais,
assim como a emergência e construção dos objetos psicológicos como resposta a problemáticas
especificas. A história desses objetos é, em última análise, a história de sua construção e,
somente quando as ideias são analisadas como construções humanas produzidas por agentes
sociais em condições históricas especificas contamos com um marco aplicável à história crítica.
É importante salientar este ponto porque existe uma visão subjetivista do naturalismo que
considera que os objetos psicológicos se encontram nas mentes de figuras históricas especificas
e os conceitos ocorrem em indivíduos, aparecendo sem atividade humana. (DANZIGER, 1990;
2013)
Nesse sentido, a historiografia crítica da psicologia desempenha um importante papel
quando toma a multiplicidade atual de objetos psicológicos como seu ponto de partida e explora
o contexto social de sua emergência. (ROSE, 2011; DANZIGER, 2013; FIERRO, 2015;
ARAÚJO, 2017) O objetivo da história crítica é evitar prejulgamentos e parâmetros a-
históricos para analisar acontecimentos pretéritos e orientar suas investigações, a partir do
historicismo, que se refere à necessidade de minimizar as referências ao presente, evitando a
crítica ou valoração do passado em função de teorias ou valores contemporâneos. (FIERRO,
2015)
Se um dos objetivos da história da psicologia é contribuir com o exercício crítico que os
psicólogos da atualidade devem ter, em relação às suas próprias práticas, considera-se a
61
relevância dessa disciplina para orientar uma pesquisa que coloca questões sobre as relações
entre conhecimento e sociedade, bem como entre psicologia e subjetividade. (ROSE, 2011)
Nessa perspectiva, propomos analisar e compreender a emergência e desenvolvimento da
psicologia na Bahia, enfocando o processo de institucionalização do curso de graduação de
psicologia da Universidade Federal da Bahia, no contexto político da ditadura militar a partir
do referencial teórico da nova história da psicologia, construindo uma “ponte entre a história e
a psicologia e entre o passado e o presente em nossa cultura”. (WOODWARD, 1998, p. 62)
Integra-se a esse enfoque teórico da nova história da psicologia, apresentado até aqui, os
conceitos de Indigenização e Recepção das Teorias Psicológicas, que visam ampliar as
possibilidades de análise dos diferentes modos como ocorreram os processos de recepção e
circulação de teorias em contexto diferente dos quais foram produzidos, levando em conta os
aspectos sociais, culturais e políticos de cada país ou mesmo de diferentes comunidades
científicas. Nessa perspectiva, utilizamos nesta pesquisa os referidos conceitos na análise dos
diferentes modos como ocorreram esses processos no que diz respeito à Análise do
Comportamento e à Psicanálise, no contexto social, cultural e político brasileiro e na cidade de
Salvador, Bahia.
O conceito de indigenização auxiliou na compreensão de que o conhecimento psicológico
produzido localmente produz questões distintas do contexto internacional em que foi produzido
originalmente. Tal conceito se articula a uma mudança em direção a uma psicologia
policêntrica, ou seja, uma psicologia que se desenvolve a partir de vários centros, adequando-
se aos contextos culturais locais e nacionais, rompendo o modelo hegemônico de uma
psicologia controlada por métodos e práticas, sobretudo, americanos. Nesse sentido, o conceito
de indigenização ultrapassa a análise de uma relação centro-periferia em que se considera que
teorias desenvolvidas em um país central seriam passivamente absorvidas pelos indivíduos de
países periféricos, como o Brasil. (DANZIGER, 2006; PICKREN, RUTHERFORD, 2010;
BRANCO; CIRINO, 2017)
Por sua vez, o conceito de recepção de teorias em psicologia remete ao estudo do modo
como teorias psicológicas desenvolvidas em uma cultura podem ser compreendidas em outra
cultura, envolvendo as ações de acolhida e intercâmbio, sem deixar de lado as características
próprias do campo disciplinar em questão, suas problemáticas e interesses intelectuais. Desse
modo, o conceito de recepção implica em compreender conceitos a ele relacionados, como os
de problemática e de interesse intelectual. (DANZIGER, 1984; DAGFAL, 2004)
62
A noção de História do Tempo Presente foi adotada pelo historiador Pierre Nora (1993),
que se norteou na revolução historiográfica inaugurada pela Escola dos Annales3. Pierre Nora
seguiu uma trajetória oposta à história imóvel e ressaltou a importância dos estudos sobre o
tempo presente. Sua obra trouxe inovação historiográfica ao revisar os períodos históricos,
introduzindo a história contemporânea no fazer historiográfico, a partir da perspectiva de que,
mesmo em se tratando de Idade Média, faz-se história contemporânea.
A relação social com o tempo redefiniu a discussão historiográfica e essa virada é
chamada de o ponto crítico pela Escola dos Annales. Posteriormente, a história do tempo
presente foi retomada pelo historiador René Remond, juntamente com outros historiadores,
como François Bédarida, Jean-Pierre Rioux, Henri-Irénée Marrou, André Mandouze e Jacques
Julliar. (DOSSE, 2012)
3
A Escola dos Annales é um movimento historiográfico que se constituiu em torno da revista
francesa Annales d'histoire économique et sociale, fundada em 1929 por Lucien Febvre e Marc Bloch e que se
denomina História Nova, tendo se destacado por uma crítica à história então existente, por incorporar métodos
das Ciências Sociais à História, pelo caráter interdisciplinar de fazer história e pela concepção de fato histórico
tomado como uma construção do historiador a partir dos documentos. Uma segunda geração da Escola dos
Annales, representada por Fernand Braudel surgiu após a Segunda Guerra Mundial e definiu métodos e categorias
para estudar o tempo de longa duração. A partir de 1968 surge uma terceira geração da História Nova que privilegia
uma nova concepção sobre o documento e novas fontes para a construção da narrativa histórica. Representam essa
terceira geração os historiadores Jacques Le Goff, Philippe Ariés. George Duby, Jean Pierre Vernant, Roger
Chartier. (BURKE, 1991)
63
A partir de quando se pode falar em tempo presente? É uma pergunta que se impôs aos
historiadores, remetendo-os à questão da periodização, da delimitação temporal. A Segunda
Guerra Mundial, a Grande Depressão, a queda do muro de Berlin, o Holocausto, as ditaduras
militares e terroristas na América Latina seriam eventos traumáticos possíveis de impulsionar
a reflexão sobre a História do Tempo Presente. Não há acordo entre os historiadores sobre o
momento de iniciar uma cronologia própria da história do tempo presente, seja em plano
mundial ou nacional. (IBARRA; CARRERA, 2010)
Tais definições estão obsoletas, diante da percepção da não linearidade do tempo e da
pressuposição de uma unidade temporal que delimita a relação sujeito e objeto, considerando
que a cronologia não é o caminho mais adequado para agregar uma especificidade à História
do Tempo Presente, que estaria mais vinculada a elementos históricos, como a sobrevivência
de protagonistas e participantes, a memória social viva ou a contemporaneidade entre o
historiador e o passado do qual se ocupa, que inaugurou um novo regime de historicidade, do
tempo presente. (HARTOG, 2013)
De todo modo, a delimitação do campo da História do Tempo Presente está conectada à
análise de processos sociais traumáticos, como ditaduras, terrorismos de Estado, genocídios,
que interpelam a sociedade (IBARRA; CARRERA, 2010) O marco fundamental que delimita
a História do Tempo Presente é um momento traumático da história e resulta ser significativa
pela dificuldade de tratamento e por marcar a consciência de várias gerações posteriores. A
História do Tempo Presente analisa processos inacabados, em desenvolvimento, como é o caso
da história política brasileira, no que se refere ao período ditatorial.
Uma característica fundamental da História do Tempo Presente é a importância do
testemunho. Fico (2012) ressalta as consequências epistemológicas advindas da imbricação
entre sujeito e objeto numa mesma temporalidade, sendo a principal delas, o estatuto do
testemunho, seguida pela questão da neutralidade ou imparcialidade diante de objetos
temporalmente próximos do historiador. A pesquisa histórica remonta a duração de uma vida
humana, com testemunhas vivas, uma história ‘sob vigilância’, com testemunhas capazes de
contestar registros históricos, favorecendo a relação entre História e Memória.
A diferença entre Memória e História, foi posta por Halbwachs (1990) na primeira metade
da década de 1950. Halbwachs preocupou-se em fornecer uma teoria interpretativa sobre a
memória coletiva. Para ele, a história começa no ponto onde termina a memória. Halbwachs
analisou, as noções de memória individual e memória histórica, sendo a primeira, uma memória
interna, pessoal, e a segunda, externa, social ou histórica. Cardoso (2010) assinala a
inadequação do termo “memória histórica”, por associar dois termos que são excludentes e o
64
uso do termo por Halbwachs para se referir a uma memória social, diferenciando-a de uma
memória individual.
A memória é a presença do passado no presente, sempre reconstituída no presente, e por
isso interessa aos historiadores do tempo presente. Para Rousso (1998), a memória é
como um contemporâneo. Sobre os lugares, o autor enfatiza os lugares de memória, que podem
ser aqueles lugares particularmente ligados a uma lembrança pessoal e que permanecem muito
forte na memória da pessoa, independentemente do tempo cronológico, como um lugar de
férias, por exemplo; pode ser uma memória mais pública, como lugares de comemoração;
podem ser lugares de reverência a seus entes, como os monumentos aos mortos; podem ser
locais fora do espaço-tempo de uma pessoa, locais longínquos, que constituem a memória de
um grupo e da própria pessoa pertencente àquele grupo, como por exemplo a memória de uma
cidade ou país em que se viveu no passado.
Os acontecimentos, personagens e lugares estão associados a acontecimentos,
personagens e lugares reais, “empiricamente fundados em fatos” (POLLAK, 1992, p. 202),
como também podem ser decorrentes dos fenômenos de projeção e transferência. Como é o
caso de pessoas que vivenciaram grandes tragédias e/ou construíram memórias a partir da
memória familiar ou grupal. (POLLAK, 1992) As lembranças mantidas por um indivíduo ou
grupo são compostas por elementos, personagens e lugares, marcam a identidade dos
indivíduos, dão conformação à coletividade, ganham destaque e são incorporadas às narrativas
grupais. (FERREIRA, 2018)
Desse modo, a História do Tempo Presente e os estudos sobre Memória contribuíram
como uma perspectiva metodológica para interpelar os agentes históricos integrantes desta
pesquisa (psicólogos, docentes e discentes), na realidade sociocultural de Salvador, Bahia,
tendo como objeto de estudo a psicologia, enquanto disciplina e campo profissional, atravessada
por uma conjuntura política ditatorial iniciada em 1964. No próximo tópico, apresentaremos os
tipos de fontes adotados nesta pesquisa e o detalhamento metodológico dado ao corpus
documental.
O corpus documental desta pesquisa é formado por fontes documentais e orais. Ao fazer
uso de fontes distintas, foi necessário utilizar métodos distintos, que tivessem correspondência
ao tratamento e análise dos diferentes registros históricos.
Para a análise documental foram consideradas a origem do documento, a quem estava
destinado, o contexto de produção do documento, e, ainda, o local em que os documentos foram
inseridos. Por entendermos que todo documento é portador de um discurso ou uma construção
discursiva, após a análise externa, passamos para a segunda fase, de crítica interna ao
66
4
O Mendeley é um software gratuito que auxilia nos trabalhos acadêmicos e tem a finalidade de gerenciar arquivos
eletrônicos (formato PDF), além de ajudar na normatização de citações e referências geradas automaticamente.
Fonte: http://www.eco.unicamp.br/biblioteca/index.php/gerenciador-de-referencias-mendeley.
68
arquivada pelo extinto órgão AESI em funcionamento na UFBA durante o regime militar. Na
busca por essas fontes primárias do arquivo AESI/UFBA, foi realizado contato inicial via e-
mail para agendamento da primeira visita, durante a qual assinamos o Termo de conhecimento
sobre a Lei de Acesso à Informação exigido para acesso aos documentos. Como não foi
autorizado o acesso ao arquivo físico em sua integralidade, fizemos uma busca inicial através
do site5, para, posteriormente, realizar a pesquisa aos documentos.
Buscamos nesse arquivo AESI/UFBA, documentos que fizessem referência ao curso de
psicologia, seus docentes e discentes, e sobre a atuação do Movimento Estudantil (ME), em
especial do Diretório Acadêmico (DA) de Psicologia. Utilizamos como fonte, os Ofícios,
Relatórios e Informações trocadas entre a AESI e a Reitoria da UFBA e com outros órgãos do
sistema de vigilância e repressão do regime militar, bem como panfletos, boletins e jornais
confeccionados pelo ME e pareceres sobre contratação de docentes. Essas fontes documentais
não puderam ser fotografadas. Diante disso, registramos de modo manuscrito os dados
encontrados, para posterior catalogação.
A título de registro metodológico, faz-se importante ressaltar que o acesso ao arquivo
AESI/UFBA foi interrompido antes da conclusão da presente pesquisa, por determinação da
coordenação, que decidiu desautorizar aquilo que foi concedido anteriormente. Mesmo depois
de tentativa de solução feita pessoalmente, não tivemos sucesso. Relatamos a situação através
de e-mail à Reitoria e não obtivemos resposta. Também encaminhamos pedido de acesso à
informação através do e-SIC6, que foi negado. Cabe destacar que o impedimento da
continuidade da pesquisa documental, também ocorreu de modo semelhante no arquivo da
FFCH, que vinha sendo protocolarmente liberado e foi subitamente indisponibilizado7. Essa
situação, sem aviso prévio, nos dois arquivos citados, ocorreu após a qualificação da tese,
quando retornamos aos referidos locais no intuito de rever algumas indicações e sugestões da
banca, naquele momento. Embora as referidas medidas de bloqueio ao acesso de documentos
tenham causado alguns transtornos ao nosso trabalho, assim como alguma morosidade na
estruturação de revisão, felizmente, grande parte das fontes primárias já haviam sido coletadas,
o que não inviabilizou a continuidade da pesquisa.
5
Arquivos da Ditadura – AESI/UFBA. Disponível em <http://www.arquivos.ufba.br/ufba-ditadura>. Acesso em:
23 mar. 2020.
6
O Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC) permite que qualquer pessoa, física ou
jurídica, encaminhe pedidos de acesso à informação, acompanhe o prazo e receba a resposta da solicitação
realizada para órgãos e entidades do Executivo Federal.
7
O fechamento dos arquivos está relacionado, provavelmente, ao posicionamento dos setores em não liberar o
acesso a documentos que contenham nomes e dados pessoais, em respeito à Lei de Acesso à Informação.
69
A História Oral conquistou muitos adeptos no Brasil nos últimos anos, ainda que seu
termo e seu uso não tenham uma uniformidade de sentido. O termo história oral não se
configura como um produto historiográfico diferenciado e alternativo à história realizada com
fontes escritas, embora permita construir um discurso de interpretação histórica, rico e
complexo, ao incorporar novos sujeitos e ampliar as possibilidades de pesquisa. (JOUTARD,
70
1998; SELAU, 2004) A história oral pode assumir três formas: história oral de vida; história
oral temática; tradição oral. Na primeira, focaliza-se a escuta de toda a vida do depoente; na
segunda, prioriza-se a escolha de um tema sob o qual o depoente irá discorrer; e a terceira é
aquela que compreende os conhecimentos da tradição oral de povos iletrados. (MELHY, 2000)
A modalidade utilizada nesta tese é a da história oral temática, que enfatiza a escuta dos
entrevistados sobre um tema específico, qual seja, a história da psicologia na Bahia durante os
primeiros anos de formação e consolidação do curso de graduação da UFBA, tendo como pano
de fundo a ditadura militar. Através da história oral temática, os depoentes puderam relatar
sobre tópicos relativos à história do curso de psicologia e a atmosfera política do período como
eixo condutor da narrativa. A história oral possibilitou o resgate de aspectos da vida dos
entrevistados que viveram o momento histórico em questão.
A utilização do recurso da história oral permitiu colher o testemunho de atores que
integravam o curso de psicologia da UFBA, como discentes ou docentes, no período entre 1968
a 1980. Foi preparado um roteiro temático, seguindo um modelo de entrevista semiestruturada
em que os entrevistados relataram suas memórias. O foco temático foi composto pela tríade: 1)
a história de formação do curso; 2) a recepção da Psicologia Experimental e da Psicanálise; 3)
as lutas e resistência política no contexto da ditadura militar. Durante as entrevistas surgiram
depoimentos sobre a história de vida pessoal e profissional das entrevistadas que enriqueceram
os relatos. As entrevistas tinham como questões abertas: a) a narrativa livre sobre a vivência na
graduação de psicologia; b) memórias sobre o processo de formação do curso, colegas,
professores; c) formação teórica nas diversas abordagens psicológicas ofertadas pelo curso de
psicologia da UFBA, naquele período; d) participação política, lutas e resistências do corpo
discente e docente do curso; e) memórias sobre o contexto político, social e cultural do período
e sobre os sujeitos sociais que atuavam nesse momento.
A seleção dos entrevistados se deu a partir do critério de escolha daqueles que estiveram
vinculados ao curso de psicologia da UFBA, como discente ou docente, entre 1968 e 1980. Para
a seleção dos entrevistados, adotamos a estratégia de articulação de uma rede de participantes,
que Meihy (2000) denomina colônia e que pode ser iniciada pelo primeiro depoente, o ponto
zero, que indica outros, formando uma rede de depoentes. O contato inicial foi feito por
telefone, convidando a participar da pesquisa, bem como informando sobre os objetivos. A
partir dos contatos realizados e da participação aceita, passamos à fase de realização das
entrevistas, realizadas no ambiente que melhor se adequasse ao propósito de execução e que
estivesse dentro de um padrão de respeito e confidencialidade, com diálogo aberto entre
pesquisadora e entrevistadas, evitando-se interrupções, além de serem respeitados os limites e
71
possibilidades das partes. Dez psicólogas participaram do presente estudo8. Sete delas optaram
por nos receber em seu próprio domicílio. Duas escolheram realizar a entrevista em suas salas
nas universidades onde lecionam; uma concedeu a entrevista por Skipe, em razão de não residir
em Salvador e uma optou por fazer a entrevista em minha residência. Cientes do tema da tese
e esclarecidos sobre o compromisso da pesquisadora com o sigilo e demais aspectos éticos, as
entrevistas foram gravadas e ao final, as depoentes assinaram a Cessão de Direitos sobre
Depoimento Oral9 . Cabe um adendo, para registrar três outras entrevistas realizadas, cujos
depoimentos não foram incluídos neste trabalho, pois as depoentes não assinaram o termo
Cessão de Direitos sobre Depoimento Oral. Para conduzir a análise das entrevistas, realizamos
um alinhamento entre as entrevistas, criando pontos de intercessão entre elas. (MEIHY;
HOLANDA, 2007). Os relatos das entrevistas foram tomados como pontos de vista individuais
sobre uma parte da história e, nessa perspectiva, foram analisadas e se complementaram.
Após a realização das entrevistas, todas gravadas, foi feita a transcrição e revisão textual.
Os relatos contêm informações pessoais, vivências e emoções que se constituem de forma
diversa e complementar àquela que apreendemos através das fontes documentais. Por conterem
informações, por vezes, de ordem pessoal, optou-se por não as colocar como anexo na tese.
Destaca-se, ao longo dos capítulos, trechos relevantes para a presente investigação, recortes que
atenderam os objetivos propostos pelo estudo, respeitando a perspectiva da narrativa das
entrevistadas, assumindo o compromisso ético da pesquisadora com os sujeitos e com a
pesquisa, ou seja, fazer uso dos depoimentos de modo respeitoso e fiel à visão das entrevistadas.
No processo de transcrição foi realizada uma pré-análise por meio da leitura da entrevista, de
modo a compor os dados. A partir dos depoimentos transcritos e revisados, teve início o trabalho de
construção histórica. As entrevistadas tiveram participação importante na história do curso de psicologia
da UFBA, seja no processo de institucionalização do curso, seja na luta e resistência política no período
da ditadura. Foram sujeitos ativos dessa história. Trata-se de uma narrativa de pessoas que viveram uma
época e a história de um curso nos seus primeiros anos de formação e consolidação. Cada relato
apresenta um ponto de vista de sua própria trajetória e contribuição, ou seja, são os fatos de sua trajetória
a partir do olhar do presente. No conjunto, as entrevistas se complementam, pois trazem diversos
olhares, modos de subjetivação e pontos de vista. Não é a própria história, mas é também um documento,
que foi construído a partir do olhar daqueles que testemunharam a história.
8
Cf. Apêndice A, p.228
9
Cf. Apêndice B, p.232
72
Na década de 1940, o mundo estava em guerra e o Brasil vivia sob o regime político
autoritário do Estado Novo. A Bahia iniciou a década governada pelo interventor federal
10
O Estado Novo foi a fase ditatorial do governo de Getúlio Vargas. Ao todo, Vargas permaneceu no poder de 1930
a 1945, mas a fase do Estado Novo corresponde especificamente ao período de 1937 a 1945. Teve início em
novembro de 1937, quando foi realizado o Golpe do Estado Novo, e foi encerrado quando os militares obrigaram
Vargas a se retirar do poder.
73
Landulpho Alves (1938-1942), que nomeou seu irmão Isaías Alves de Almeida como Secretário
da Educação e Saúde do Estado. O cenário era, portanto, favorável a Isaías Alves e seus contatos
políticos lhe abriram os caminhos para a criação da FFB, em 13 de junho de 1941. O projeto
havia sido idealizado pelo irmão marista Augusto Robert, diretor do Colégio Nossa Senhora da
Vitória, como uma faculdade para formação de professores para o ensino secundário Normal e
Técnico. Posteriormente o professor Herbert Parente Fontes apresentou esse plano a Isaías
Alves que decidiu dar andamento. Isaías Alves liderava um grupo de intelectuais, além de
professores do Colégio Maristas, comerciantes e políticos que formavam a Liga de Educação
Cívica da Bahia, sociedade civil sediada em Salvador desde 1903. A Liga era presidida por
Alves e foram seus integrantes que cederam os recursos financeiros necessários para realizar o
empreendimento, considerado de grande monta diante do contexto baiano de então. (SIMÕES,
1990; DIAS, 2005; ROCHA, MORAES, CARVALHO, 2010)
Dentro do contexto acadêmico e social da cidade de Salvador, à época, o projeto de
implantação de uma faculdade de filosofia era ambicioso. A cidade contava com poucas
instituições de ensino superior: as Faculdades de Medicina e de Direito; as Escolas: Politécnica,
Agronômica11 e de Ciências Econômicas; além de Farmácia e Odontologia, que eram anexas à
Faculdade de Medicina. Até o censo da época, havia apenas 4.698 graduados. (SIMÕES, 1990,
p.23-24). Nesse contexto de baixa oferta de cursos de nível superior, a FFB privilegiou as áreas
de Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia, com o objetivo de preparar professores para o ensino
secundário. Para isso, criou os cursos de licenciatura e bacharelado em Pedagogia, Filosofia,
Matemática, Física, Química, História Natural, Geografia e História, Ciências Sociais, Letras
Clássicas, Letras Neolatinas, Letras Anglo-Germânicas. (ROCHA, 2016a; NASCIMENTO,
1987)
Para compor o corpo docente, o diretor Isaías Alves convidou profissionais baianos,
leigos e religiosos. Isaías foi criticado por ter escolhido um corpo docente sem formação para
o magistério e sem poder incluir os integrantes do grupo de Anísio Teixeira, que haviam
declinado do convite12. Estavam ausentes, também os “[...] livres pensadores, agnósticos ou
socialistas [que] sequer foram cogitados[...]”. (SIMÕES, 1990, p. 25) Embora Alves tenha
negado quaisquer preferências pessoais, para Simões, que foi professor de filosofia e diretor da
11
Em 1944, o curso superior de agronomia transferiu-se para a cidade de Cruz das Almas, Bahia.
12
As querelas, pontos de aproximação e desencontros entre Isaías Alves e Anísio Teixeira foram abordados por
SILVA, V. M. No embalo das redes: cultura, intelectualidade, política e sociabilidades na Bahia (1941-1950).
2010. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 2010.
74
FFCH (1980-1984), a configuração do recém formado corpo docente trouxe prejuízos à FFB,
sanados com a realização de concursos públicos posteriores. Não podendo precisar se por
problemas de ordem financeira ou se por interesse em compor um grupo com a intelectualidade
local, Isaías Alves, de todo modo, estimulou a convivência da instituição com a presença de
eruditos que ministraram conferências, cursos e palestras, a exemplo dos professores Emílio
Mira y López, Bella Szekely e Helena Antipoff, ainda na década de 1940. (SIMÕES, 1990;
SENNA, 1999; SILVA, 2010; SALLES, 2010)
A primeira sede da FFB foi cedida pelo Governo do Estado através de um comodato com
a Interventoria. Estava localizada na antiga Escola Normal da Bahia, à Avenida Joana Angélica,
n.183 (atualmente nº 1.312), no Bairro de Nazaré, na capital da Bahia. A sede era formada por
um antigo edifício central de três andares e mais sete pavilhões térreos, com área externa.
Porém, a FFB teve que aguardar do ano de 1941 até 1944 para se instalar, pois o prédio estava
emprestado ao Exército. Nesse período ficou alocada provisoriamente na Faculdade de Ciências
Econômicas, situada na Praça da Piedade. (SIMÕES, 1990)
Em 1946, a FFB foi integrada à Universidade da Bahia (UBA)13, juntamente com a
Faculdade de Medicina e suas Escolas Anexas de Odontologia e Farmácia, a Faculdade de
Direito, a Escola Politécnica e a Faculdade de Ciências Econômicas. A UBA teve como
fundador e primeiro reitor, o médico e professor Edgard do Rego Santos, que se manteve no
cargo ao longo de quatro gestões consecutivas (1946-1961). Em 1965, a UBA passou a ser
denominada Universidade Federal da Bahia – UFBA14. (TOUTAIN; SILVA, 2010)
A Cidade da Bahia, como se referem moradores mais antigos, passou por importantes
transformações, a partir desse período. No dizer do antropólogo Antônio Risério (2000),
Salvador, que nunca foi uma cidade “enclausurada ou circunscrita”, que sempre foi “ventilada
e colorida”, tem uma história de intensa agitação e modernização cultural, conjugada a um
processo de expansão econômica e atualização urbano-industrial. Essa conjunção gerou um
dinamismo de vanguarda à Bahia, cosmopolita e inovador, de agregação de culturas
internacional e local, que circulou em meio à juventude universitária baiana, desembocando no
Cinema Novo, na Tropicália e outras produções culturais. Em 1950, havia 417 mil habitantes
em Salvador, crescimento significativo para uma década, pois em 1940 eram 290 mil habitantes.
O aumento populacional se deu em função do aumento expressivo do fluxo migratório, elevação
13
A Universidade da Bahia foi criada em 8 de abril de 1946, através do Decreto-lei nº 9.155 e foi federalizada por
meio da Lei nº 1.254, de 4 de dezembro de 1950.
14
A partir da Lei nº 4.759, de 20 de agosto de 1965, as Universidades e as Escolas Técnicas da União, vinculadas
ao Ministério da Educação e Cultura, sediadas nas capitais dos Estados, passaram a ser qualificadas de federais.
75
da taxa de natalidade e redução nos níveis de mortalidade. Nessa época, o principal meio de
transporte era o bonde que ligava os bairros ao centro da cidade, onde ficava a tradicional e
elegante Rua Chile, com seus cafés e lojas caras e sofisticadas. Subindo a Rua Chile, chegava-
se à Sorveteria Cubana e podia-se apreciar a vista da Baia de Todos os Santos ao lado do
Elevador Lacerda. A Avenida Oceânica estava em construção e o Estádio da Fonte Nova havia
sido entregue no ano anterior. A Universidade da Bahia dinamizou a vida cultural e várias
inovações nas artes aconteceram com o protagonismo de profissionais destacados
internacionalmente trazidos a Salvador para implementar as Escolas de Teatro, de Música e de
Dança. O cinema ganhou espaço na cidade, especialmente a partir do Clube de Cinema da Bahia
(CCB), fundado pelo crítico cinematográfico Walter da Silveira. Em 1962, Glauber Rocha
lançou Barravento, seu primeiro longa-metragem. O cineclube Walter da Silveira, a Casa da
França, o Teatro Vila Velha e o Museu de Arte Moderna da Bahia foram instituições que
investiram na divulgação das artes em Salvador. Foi um período de renovação também no
campo da educação pública. Anísio Teixeira deixou um legado importante para a educação,
criando uma escola modelo, enquanto era secretário de Educação e Cultura (1947-1951) do
governo de Otávio Mangabeira. O Colégio Estadual da Bahia (Central) era, reconhecidamente,
um dos melhores colégios da cidade, disputado pelos melhores alunos e agregava espetáculos
culturais, que reunia a juventude da época. (RISÉRIO, 2000)
No âmbito econômico, o Estado da Bahia − que até então vivia às custas de um modelo
agroexportador, com concentração de riqueza e profunda desigualdade social − a partir da
década de 1960, passou por mudanças, com o projeto de modernização pensado para o Estado,
possibilitando que a Bahia ingressasse, decisivamente, no movimento de expansão industrial
brasileiro, integrando a economia local ao processo de crescimento nacional da década de 1960,
encerrando o longo período de decadência e estagnação da economia baiana, iniciado no século
XIX.
fase de sua vida, do Movimento Integralista Brasileiro15. (DIAS, 2005; ROCHA, 2016a) Aqui,
nos cabe salientar a contribuição de Isaías Alves para a História da Psicologia e da Educação
no Brasil. Rocha (2010, 2011) organizou e analisou a documentação que compõe o acervo
pessoal de Isaías, tendo investigado a trajetória e as experiências realizadas por ele, com a
psicometria e os testes de inteligência, nas escolas primárias. Reconhecido como pioneiro,
contribuiu fortemente para o desenvolvimento da Psicologia enquanto ciência, investigando
sobre o uso de psicotestes e medidas psicológicas, tendo desenvolvido metodologia de pesquisa
em estudos longitudinais do desenvolvimento infantil. (LOURENÇO FILHO, 1971; CAMPOS,
2001; ROCHA; MORAES; CARVALHO, 2010)
Isaías Alves (1888-1968) nasceu no interior da Bahia, na cidade de Santo Antônio de
Jesus, onde viveu até 1903, ano em que se mudou para a capital baiana, a fim de cursar o
secundário no Colégio Carneiro Ribeiro. Em 1905 já começou suas atividades na docência,
atuando como professor primário no Ginásio Ypiranga, o qual passou a dirigir a partir de 1911,
um ano após se diplomar pela Faculdade de Direito. Ocupou vários cargos e ao longo de sua
vida profissional passou por várias instituições. Fez concurso para professor secundário no
Ginásio da Bahia16, defendendo a tese Da fonética inglesa, ali permanecendo até 1931, quando
foi transferido para a cátedra de Psicologia Educacional da Escola Normal da Bahia17. Assumiu
a Diretoria Geral da Instrução Pública da Bahia e foi nomeado para o Conselho Nacional de
Educação (CNE), entre 1931 e 1958. Foi convidado por Anísio Teixeira, diretor geral da
Instrução Pública, a assumir a direção do Serviço de Testes e Medidas Escolares do Distrito
Federal (1932-1935). No governo de Getúlio Vargas, entre 1933 a 1938, assumiu a chefia do
Serviço de Testes e Escalas do Instituto de Educação do Rio de Janeiro e desempenhou funções
técnicas no Departamento Nacional de Educação. (ANTUNES; ROCHA, 2001; SILVA, 2010;
RABELO, 2017)
15
O Integralismo foi um movimento que formou um partido político, surgido no Brasil na década de 1930 e
influenciado pelos ideais e práticas fascistas que se desenvolveram na Europa após o fim da I Guerra Mundial. O
movimento de extrema-direita foi fundado com o nome de Ação Integralista Brasileira (AIB), em 1932, quando o
jornalista Plínio Salgado lançou o Manifesto de Outubro. O lema do Integralismo “Deus, pátria e família” serve
como ponto de partida para se entender as propostas do movimento que ficou conhecido como o fascismo
brasileiro.
16
O antigo Ginásio da Bahia é uma tradicional escola de ensino médio localizada no centro de Salvador. Foi criado
pelo ato n. 33, publicado no Diário Oficial do Estado da Bahia em 7 de setembro de 1837, inaugurando o ensino
secundário na Bahia. Em 1949 foi designado oficialmente Colégio Estadual da Bahia - Central. Disponível em:
http://www.bvconsueloponde.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=145 Acessado em 31 ago
2020.
17
Em 1890, a Reforma Benjamin Constant introduziu noções de psicologia junto à disciplina de Pedagogia no
currículo das Escolas Normais.
78
18
ALVES, Isaias. Teste individual de inteligência. Salvador: Officinas Graphicas da Luva. 1928.
19
ALVES, Isaias. Os Testes e a reorganização escolar. Salvador: A Nova Graphica, 1930.
20
Medeiros e Albuquerque foi Diretor da Instrução Pública e organizou um Laboratório de Psicologia Experimental
em 1906.
21
ALVES, Isaias. Da educação nos Estados Unidos (relatório de uma viagem de estudo). Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1933.
22
Edward L. Thorndike foi um psicólogo estadunidense, considerado um dos precursores da psicologia educacional
e com posição de destaque no Teachers College da Columbia University. Foi professor de Isaías e referência
constante nos outros cursos que ele frequentou durante o mestrado. Geralmente classificado como psicólogo
79
conexionista, seus estudos se voltavam principalmente aos testes de inteligência e processos de aprendizagem,
dedicando especial atenção ao ensino de inglês e de matemática a partir de metodologias com bases psicológicas.
Um de seus trabalhos considerados mais importantes, citado por Isaias no relatório de viagem, são os três volumes
intitulados Educational Psychology, publicados entre 1913 e 1914. (RABELO, 2017)
23
Algumas mudanças na legislação haviam favorecido a incorporação de disciplinas de Psicologia no programa
dos cursos de licenciatura, a partir da década de 1940: o Decreto-Lei nº 9.092, de 26.03.1946, que estabeleceu a
obrigatoriedade do curso de Psicologia Aplicada à Educação para o diploma de licenciado; e a Portaria nº 272, de
13.04.1946, emitida pelo Ministério da Educação e Saúde que regulamentou os diplomas de especialização,
inclusive o de psicólogo. (SOARES, 2010)
24
Foram encontrados alguns trabalhos acadêmicos que grafam o nome do professor como João Ignácio. Adotamos
a grafia João Inácio, sem a letra G, que é a mesma encontrada no seu registro funcional da UFBA, existente nos
arquivos da FFCH.
25
Termo de Posse do professor João Inácio de Mendonça, extraído do Livro de Posse, fl. 1, verso – Corpo Docente.
Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
26
De acordo com a LDBE/61 - Lei nº 4.024 de 20 de Dezembro de 1961, Art. 63: Nas faculdades de filosofia será
criado, para a formação de orientadores de educação do ensino médio, curso especial a que terão acesso os
licenciados em pedagogia, filosofia, psicologia ou ciências sociais, bem como os diplomados em Educação Física
pelas Escolas Superiores de Educação Física e os inspetores federais de ensino, todos com estágio mínimo de três
anos no magistério; Art. 64. Os orientadores de educação do ensino primário serão formados nos institutos de
educação em curso especial a que terão acesso os diplomados em escolas normais de grau colegial e em institutos
de educação, com estágio mínimo de três anos no magistério primário. (Revogado pela Lei nº 5.692, de 1971).
80
boletins, dentre outros documentos, que demonstram atuação efetiva no conselho penitenciário
da Bahia. (COSTA, 1997; CARVALHO, 2001; SILVA, 2010) Em sua atividade profissional,
como médico perito da Penitenciária do Estado da Bahia, Joao Inácio de Mendonça seguia os
postulados da Biotipologia Criminal. Possuindo boas relações com os biotipologistas cariocas,
em 1933 escreveu o livro Biotipologia Criminal27, com o endocrinologista Waldemar
Berardinelli, considerado uma das referências do estudo da biotipologia. Em 1934, publicou o
artigo A escola biotipológica em criminologia.
Ademais, João Mendonça exercia, desde 1935, o cargo de professor das cadeiras de
Psicologia, Lógica e Ética e de Sociologia do curso superior em Administração e Finanças da
Faculdade de Ciências Econômicas da Bahia, que passou a acumular com a cátedra de
Psicologia da FFB que ingressou em 194228. João Mendonça concorreu, em 1946, à vaga de
professor catedrático de Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina da Bahia, em que saiu
vitorioso o professor Nelson Pires.
Novas configurações políticas ocorreram no campo da psicologia e, a partir da década de
1950, grupos nacionais começaram a se organizar em prol da regulamentação da profissão de
psicólogo. João Mendonça acompanhava os debates e participava do movimento nacional e de
eventos organizados em outros Estados, como o I Congresso Brasileiro de Psicologia, que
recebeu também a denominação de II Congresso Latino-americano de Psicologia, realizado em
27
BERARDINELLI, W; MENDONCA, J. I. de. Biotipologia criminal. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1933. 183
p.
28
Ambas as faculdades foram federalizadas de acordo com a Lei 1.254 de 04.12.1950, com a denominação
Universidade da Bahia – UBA.
81
Esse detalhado e extenso programa de curso proposto para ser ministrado aos graduandos
de filosofia, demonstra, por si só, o empenho do professor catedrático João Mendonça em
capacitar os alunos de Filosofia acerca das teorias e técnicas psicológicas. O programa era
distribuído ao longo dos quatro anos da graduação, e, em cada série (ano letivo) o conteúdo foi
detalhado, não só em tópicos gerais, mas, também em subtópicos. O programa do curso previa,
também, atividades práticas durante os quatro anos do curso, com exercícios de observação
psicológica, pesquisa bibliográfica, entrevistas e questionários, excursões e visitas, preparação
de fichários e uso de psicotestes de avaliação de personalidade, inteligência e funções mentais,
com uso dos psicotestes: Teste de Rorschach, Teste de Apercepção Temática (TAT), Teste das
Matrizes Progressivas de Raven e Escalas de Wechsler.
Desse modo, a inserção da psicologia no campo da educação na FFB contribuiu para a
formação dos primeiros profissionais da psicologia. Os licenciados começaram a atuar
profissionalmente em setores como a educação, trabalho e clínica, ocupando um mercado de
trabalho carente de profissionais de psicologia. No período, o uso de psicotestes era dominante
e um instrumento privilegiado que demarcava o campo de atuação no cenário baiano. A criação
do curso de psicologia seria o caminho promissor para a continuidade de profissionalização
desse segmento.
João Mendonça trouxe como justificativa no seu projeto de formação do curso, a extinção
do charlatanismo e do estelionato profissional de pessoas que exerciam a psicologia sem
idoneidade moral. A preocupação com o charlatanismo estava presente nesse momento da
regulamentação da profissão, como demonstra o Parecer nº 403/1962 do Conselho Federal de
Educação29, documento que fixou o Currículo Mínimo de psicologia.
[...] é preciso que desde logo se procure elevar esse curso a um nível de
qualificação intelectual e de prestígio social que permita aos seus diplomados
exercer os misteres do trabalho psicológico de modo eficaz e com plena
responsabilidade. Para isto, é imperativo que se acentue o caráter científico
dos estudos a serem realizados, que só assim há, de ser possível assegurar a
Psicologia, a posição de relevo que lhe cabe no concerto das chamadas
profissões liberais e, pari passu, evitar as improvisações que, do
charlatanismo a levariam, fatalmente ao descrédito. (BRASIL, 1962)
29
BRASIL. Ministério da Educação. Parecer nº 403 do CFE, de 19 de dezembro de 1962. Dispõe sobre o
currículo mínimo dos cursos de Psicologia. Disponível em: http://abepsi.org.br/wp-content/uploads/2011/07/1962-
parecern403de19621.pdf. Acesso em: 24 abr. 2020.
84
30
Projeto protocolado sob o número 4252 e fl. 141 do livro 5 do protocolo da porta em 30.11.1961. Fonte:
Arquivo CAD/UFBA.
85
31
De acordo com o Art. 1º do Capítulo I da Lei 4.119, de 27.08.1962, que dispôs sobre os cursos de formação em
psicologia e regulamentou a profissão de psicólogo, “A formação em Psicologia far-se-á nas Faculdade de
Filosofia em curso de bacharelado, licenciado e Psicólogo”.
32
Edital nº 10, de 24 de agosto de 1966, da FFCH. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
33
Documento registrado sob nº 5360, fl. 56 do Livro nº 10 de Protocolo de Porta, em 13.09.1966. Fonte: Arquivo
CAD/UFBA.
86
Seguindo a teia construída no tópico anterior, sobre as disputas políticas entre a reitoria e
a FFB, resgatamos a contribuição da pesquisadora e psicóloga Rita Rapold (2003) quando esta
aponta que a criação do IDOV e sua implantação, entre 1958 e 1959, vinculada à Reitoria “[...]
provocou novas e acirrou antigas animosidades entre aqueles que de diferentes formas e ângulos
se dedicavam ao estudo e à prática no campo da psicologia na universidade[...]” e “[...]talvez
tenha sido uma tentativa de contemporizar as disputas internas que existiam na universidade
entre alguns setores ligados à prática psicológica.” (RAPOLD, 2003, p. 99-100) Para a autora,
ficou evidente, a configuração que o Reitor Edgar Santos pretendia implantar no IDOV desde
a primeira reunião do grupo técnico. Além do próprio reitor Edgar Santos e seu oficial de
gabinete Albérico Fraga, estavam presentes Emílio Mira y López34 e suas convidadas Giscele
Mattos e Doreen Rosas, o psiquiatra Norival Sampaio, as professoras assistentes de Isaías
Alves, Guiomar Florence e Alice Costa. (ROSAS, 2001) Como se observa, os professores Isaías
Alves e João Mendonça não estavam presentes. (RAPOLD, 2003). Tais ausências não
coadunam com a trajetória de ambos como docentes de psicologia e na diretoria da FFB, no
caso de Isaías. Como vimos na seção anterior, já se articulava, então, uma luta nacional em prol
da regulamentação da profissão e o professor João Mendonça era um dos seus integrantes, desde
1954, o que revela também a articulação que o professor já fazia em prol da instalação do curso
de psicologia na FFB. (RAPOLD, 2003; BAPTISTA, 2010; CARVALHO, 2012)
Assim, o IDOV foi criado para funcionar como parte integrante da estrutura da
Universidade da Bahia (UBA) e vinculado diretamente à Reitoria. O reitor Edgard Santos
convidou o psiquiatra espanhol Emílio Mira y López (1896-1964) para assumir a direção do
novo Instituto. Em período anterior à instalação do IDOV, no ano de 1955, Mira y López já
havia sido convidado pela Reitoria da Universidade da Bahia e pela Clínica Psiquiátrica para
34
Emílio Mira y López (1896-1946), reconhecido psicólogo e psiquiatra espanhol, deu uma importante
contribuição à psicologia brasileira e de outros países. Destacamos aqui sua atuação como chefe do Instituto de
Orientação e Seleção de Pessoal (ISOP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro e como Diretor do
Instituto de Orientação Vocacional em Salvador. Mira y López influenciou vários profissionais e teve um papel
destacado também durante a regulamentação da profissão e dos cursos de psicologia no país. ((ROSAS, 2001;
SEIDL-DE-MOURA, 2012).
87
Mira y López desempenhava o papel de supervisor técnico dos casos atendidos pela
equipe de profissionais. Ao longo de seus dez anos de existência, o IDOV capacitou sua equipe
técnica, através de cursos na sede do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), no
Rio de Janeiro, bem como através da participação em eventos com profissionais convidados a
vir a Bahia, promovidos pela CP. Rapold (2003) destaca os cursos com Mariana Alvim -
Técnicas de Entrevista ou Entrevista Social; Matilde Matos - Teste das Pirâmides Coloridas e
Teste de Apercepção Temática (TAT); Aniela Ginsberg - Psicodiagnóstico de Rorschach; e
Monique Augras - Teste da Árvore.
O IDOV atuou nos campos da educação, clínica e seleção profissional. Eram realizadas
entrevistas e aplicação de bateria de testes, tais como testes coletivos de inteligência, de aptidões
e de personalidade.
Entre essas funções realizadas pelo IDOV, havia atendimentos e elaboração de laudos
psicológicos para o Serviço Médico da Universidade, readaptação, reclassificação e
reorientação funcional, inspeção de sanidade mental e participação em processos de ingresso
de funcionários. Também realizava convênios de prestação de serviços, através da
Universidade, a outros órgãos do Serviço Público Federal, como a Petrobrás e a Sudene, para
testagem de candidatos em concurso público.
35
Correspondência registrada na CAD/UFBA sob o nº 4574, às fls 68, do Livro nº 11 de Protocolo da Porta, em
05.05.1967.
90
36
Correspondência registrada na CAD/UFBA, sob o nº 8012, às fls 282, do Livro nº 12 de Protocolo da Porta, em
11.07.1968.
37
Ata de Reunião de Colegiado de curso de Psicologia da FFCH/UFBA, em 01 de abril de 1969. Fonte: Arquivo
CAD/UFBA.
38
Ata de Reunião de Colegiado de curso de Psicologia da FFCH/UFBA, em 21 de maio de 1969. Fonte: Arquivo
CAD/UFBA.
91
Embora nesta seção, o foco seja as décadas de 1940 a 1960, consideramos importante
fazer uma breve contextualização sobre a história da FMB e sobre o processo de recepção de
teorias e ideias, advindas principalmente da Europa, apropriadas pela intelectualidade baiana e
difundida no Brasil, entre o final do século XIX e início do século XX. Abordaremos, em
seguida, o papel da Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas da FMB, como espaço de
formação e capacitação acadêmica no campo “psi”.
A aplicação da psicologia no campo da medicina tem uma longa trajetória na Bahia, que
remonta ao início do século XIX, com a fundação da instituição, atualmente denominada
Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia. (ROCHA, 2012) A FMB
foi autorizada a funcionar como Escola de Cirurgia da Bahia em 18 de fevereiro de 1808, e as
teses produzidas pelos estudantes em final de curso para obtenção do título de doutor em
medicina ou para aprovação em concursos eram obrigatórias entre 1832 e 1928. A análise
dessas teses tem possibilitado conhecer sobre o modo como teorias e ideias como: materialismo,
evolucionismo, positivismo, bem como vertentes da psicologia que estavam se desenvolvendo
na Europa, foram recebidas e apropriadas por médicos e estudantes de medicina da FMB,
passando a fazer parte do pensamento da intelectualidade baiana e se difundindo pelo país, entre
final do século XIX e primeira metade do XX.
O Brasil do século XIX era um país agrário exportador, produtor de café, que havia
deslocado a produção da riqueza da cana de açúcar do Nordeste, do período anterior, para a
cafeicultura no sudeste do país. As ideias racistas já se avolumavam na sociedade, manifestando
uma tendência em garantir a superioridade do branco europeu e segregar, ou excluir outras
etnias, especialmente indígenas e afrodescendentes. Conforme Antunes (2012 , p. 50),
“As elites letradas referiam-se às imundícies físicas e morais, estas relacionadas às várias
92
39
Enigma baiano foi um termo cunhado pelo governador da Bahia Otávio Mangabeira (1886-1960) e notabilizada
pelo intelectual baiano Manoel Pinto de Aguiar (1910-1991), para se referir ao dilema da involução industrial do
estado na primeira metade do século XX.
40
A psicóloga e pesquisadora Nádia Maria Dourado Rocha tem produzido diversos trabalhos de catalogação das
teses da FMB e demais instituições e acervos sobre a História da Psicologia no século XIX, na Bahia.
93
particular na França, base teórica da intelectualidade baiana do século XIX e primeira metade
do século XX. (PESSOTI, 1988; SOARES, 2010; ROCHA, 2016b)
41
Emil Kraepelin (1856-1926) foi um renomado psiquiatra alemão que desenvolveu um novo método de observação e
diagnóstico dos doentes mentais como alternativa propriamente científica ao alienismo francês do médico Pinel. Suas teorias
psiquiátricas dominaram o campo da psiquiatria no início do século XX e a base dessas teorias continua sendo utilizada até os
dias de hoje.
94
formação e capacitação dos profissionais do campo “psi” na Bahia nas duas décadas anteriores
à formação do curso de psicologia da UFBA.
Nelson Pires concorreu à vaga de professor catedrático, apresentando a tese Psicoses de
Reação e esteve à frente da Clínica Psiquiátrica entre os anos de 1954 a 1964. Foi sob sua
direção que a Clínica Psiquiátrica da FMB criou o primeiro serviço de psiquiatria em hospital
geral do país. (COUTINHO; MORAES, 2007). Como médico psiquiatra, optou por estudar
mais profundamente a psicossomática e sua abordagem era fortemente organicista, excluindo a
compreensão psicogenética de suas análises, opondo-se à teoria psicanalítica. Mostrava
reservas, do ponto de vista teórico, em relação as possibilidades da psicologia e sua posição
política dentro da Universidade era de valorização da medicina em detrimento de qualquer
possibilidade de autonomia da psicologia. Com esse objetivo, beneficiou-se das circunstâncias
favoráveis propiciadas pelas dissidências no âmbito da universidade e assumiu a liderança na
formação acadêmica dos profissionais do campo “psi”. (SILVA, 1995; PICCININI, 2004).
Sob a liderança de Nelson Pires, a Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas se
fortaleceu institucionalmente, enquanto espaço de formação acadêmica, técnica e profissional.
Nelson promoveu aulas de psicopatologia e conferências sobre temas como psicologia do
comportamento humano, ministradas pelo catedrático e seus assistentes e em conjunto com o
Diretório Acadêmico da FMB. Os cursos oferecidos, voltados para área de psicologia, tratavam
sobre testes psicológicos e, embora inicialmente direcionados para os alunos de medicina que
estagiavam na clínica, estava aberto também a outros interessados, no caso, profissionais de
outras formações que atuavam no campo da psicologia. Promoveu, também, cursos de extensão
com profissionais convidados, tais como: Técnicas de Entrevista, ministrado pela então técnica
do ISOP Mariana Alvim; Psicodiagnóstico Miocinético; Psicodiagnóstico de Rorschach e Teste
de Apercepção Temática de Murray, ministrados pela professora Giscele Mattos. Mira y López
ministrou conferências, dirigiu seminários com um programa regular de formação e
treinamento nas habilidades psicoterapêuticas e cooperou com a instalação do Centro de
Orientação Infanto juvenil, vinculado à Clínica Psiquiátrica. (SILVA, 1995; ROCHA, 2018)
Além de sua atuação na Universidade, Nelson Pires fazia parte da diretoria de sociedades
psiquiátricas na cidade de Salvador. Conforme se verifica no Quadro 2, entre as décadas de
1950 a 1970, a assistência psiquiátrica hospitalar em Salvador era prestada por cinco hospitais
de médio e grande porte. Eram eles: o Hospital Juliano Moreira; o Sanatório Bahia, a Hospital
96
Santa Mônica42 e a Casa de Saúde Ana Nery, de propriedade de uma empresa com denominação
jurídica de Serviços Médico-cirúrgicos da Bahia S/A; e o Sanatório São Paulo, de propriedade
dos médicos Nelson Soares Pires e Luiz Galvão Duarte Simões. (CAVALCANTI, 2012;
CONCEIÇÃO; SOUZA, 2012; GUEDES; VALENTE, 2012; JACOBINA, 2012) O professor
Nelson Pires atuava também na direção do Sanatório Bahia.
Casa de Saúde Ana Nery Particular – Serviços Médico-cirúrgicos da Bahia S/A 1966
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base em análise dos documentos dos arquivos FFCH e
CAD/UFBA
Nelson Pires sofreu cassação de seus direitos políticos em 1964, tendo que se exilar43.
Seu substituto foi o professor Rubim de Pinho, que havia sido seu assistente. Nesse mesmo ano,
Rubim de Pinho respondeu a um IPM44, que investigava sua relação com Nelson Pires e outros
esquerdistas. Apesar do IPM, Rubim de Pinho foi aprovado no concurso em que concorreu com
o professor Norival Sampaio, em 1965, e assumiu a cátedra de Psiquiatria da Faculdade de
Medicina.
42
O Hospital Santa Mônica foi fundado em 1962 e em 1995 passou a ser denominado Casa de Saúde Santa Mônica.
(GUEDES; VALENTE, 2012).
43
Após o golpe militar, o professor Nelson Pires sofreu retaliações por parte da Reitoria da Universidade. O Reitor
Albérico Fraga, comunicou ao Conselho Universitário, em 09 de abril de 1964, que o professor Nelson Pires,
descrito como “comunista e agitador contumaz” não poderia permanecer na instituição. Nelson Pires foi
considerado foragido pela reitoria, que denunciou seus “expedientes para burlar a punição que vai sofrer” ao
solicitar oficialmente licença prêmio ao diretor da faculdade. A Faculdade de Medicina foi informada pelo Quartel
General da VI Região Militar, que o professor Nelson Pires “participou do processo subversivo que transcorria no
Brasil ... [e] ... atestavam a ligação do Professor Nelson Pires com ‘comunistas notórios’, além de sua participação
ativa no processo” (p.117). Nelson Pires saiu do Brasil, havendo registros de sua passagem pelo Chile, Portugal e
Espanha, durante seu exílio. Voltou ao Brasil no final da década de 1970, beneficiado pela Lei da Anistia.(UFBA
CMSMV, 2014). Para saber mais, cf. OLIVEIRA, G. C. Repressão a Nelson Soares Pires durante a ditadura
militar: UFBA, Processo e Exílio (1964-1979). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019.
44
Inquérito Policial Militar, de 22 de junho de 1964. Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de
Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e encadernados). REF:
BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_82003405_d0001de0001.
97
Conforme Silva (1995), Rubin de Pinho era um homem de espírito mais aberto com
curiosidade maior para o social e com maior abertura intelectual do que seu antecessor. Porém,
ambos demonstraram, ao longo de suas trajetórias, o espírito corporativista em defesa da
hegemonia do campo psiquiátrico em detrimento da autonomia da psicologia como disciplina.
O catedrático se envolveu no debate nacional acerca do tema que se estabelecia no
período e defendia a criação da disciplina Psicologia Médica e sua presença regular como
inserida no currículo da Faculdade de Medicina. As reservas de Rubim de Pinho com relação a
autonomia da psicologia eram de ordem mercadológica, projetando a vinculação da disciplina
Psicologia Médica ao âmbito acadêmico da FMB e, por que não dizer, sob a responsabilidade
dos docentes da Clínica Psiquiátrica. Para Silva (1995), o professor Rubim de Pinho era
Com sua ascensão à cátedra deixada por Nelson Pires, o professor Rubim de Pinho foi
responsável, na última metade da década de 1960, por dinamizar o espaço acadêmico da
psiquiatria. Exerceu uma liderança importante, a partir de sua atuação na CP, no processo de
aglutinar personalidades interessadas no campo psiquiátrico e psicológico baiano, mantendo,
estrategicamente, o controle hegemônico da Clínica Psiquiátrica
Até então, estava estabelecida uma forte relação de dependência com o campo médico,
basicamente organicista, que mantinha a hegemonia social e força política organizada no
âmbito institucional, evitando a autonomização da psicologia ao privilegiar seus espaços e
agendas e prevenindo concorrências futuras. A partir da década de 1970, novos arranjos e
ampliação do campo psiquiátrico e psicológico levou a extrapolação do institucional e
autonomia social e, paulatinamente, a Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas foi cedendo
lugar a novos espaços de cunho terapêutico e clínicos que foram criados.
Analisamos, até aqui, a configuração do campo psicológico em Salvador e no estado
durante as décadas de 1940 e 1960, enfatizando o papel de três importantes espaços
universitários para a formação dos primeiros psicólogos a atuar na Bahia, no período,
destacando-se: 1. A Faculdade de Filosofia da Bahia e a aplicação da Psicologia nos seus cursos
de licenciatura, além do pioneirismo dos catedráticos Isaías Alves e João Inácio de Mendonça,
esse último idealizador do projeto de criação do curso de graduação em psicologia da UFBA;
2. O IDOV e a psicologia aplicada à educação e ao trabalho, bem como a influência do seu
98
supervisor, o espanhol Emílio Mira y López; 3. A Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas
da FMB, enquanto espaço de formação e capacitação acadêmica no campo “psi” baiano, no
período. Os resultados dessa análise apontam que os primeiros profissionais que atuaram no
campo médico e educacional difundiram a psicologia e, com suas práticas, contribuíram para
formar um ambiente favorável à luta pela implantação do curso de Psicologia na UFBA e para
a consolidação da Psicologia na Bahia.
99
Como vimos até aqui, a psicologia vinha se desenvolvendo na Bahia desde o século XIX
e, em especial, a partir da segunda metade do século XX, associada a outras áreas de
conhecimento, como a educação e a medicina, fato que favoreceu a expansão do campo “psi”
baiano, no início do seu processo de institucionalização. Assim, quando do início do curso de
graduação da UFBA, em 1968, muitos já exerciam alguma atividade profissional em que a
psicologia estava associada. Eram pedagogos e filósofos formados pela FFCH, professores do
ensino fundamental formados pela antiga Escola Normal da Bahia, técnicos do IDOV,
profissionais que haviam recebido formação em alguma psicoterapia ou uso de psicotestes na
CP e outros profissionais da psicologia que atuavam em várias instâncias e instituições, tais
como: clínicas, consultórios particulares, bancos e serviço público, que poderiam ter, com a
abertura do curso, uma oportunidade de se regulamentar na nova profissão, que dava sinais de
ser um mercado rentável e em crescimento1.
Por outro lado, havia uma grande demanda em relação ao curso, também em função de
uma carência regional. Era uma demanda represada por anos de espera, pois, mesmo antes da
psicologia ser legalmente regulamentada como profissão, em 1962 (Lei 4.119), o professor João
Inácio de Mendonça já havia apresentado seu projeto de criação do curso de graduação em
psicologia na FFCH/UFBA. Como vimos na seção anterior, há documentação que comprova
que, em 1961, João Inácio de Mendonça já solicitava providências para que o curso fosse
iniciado em 1962. Ou seja, foi quase uma década de espera por um curso que viria atender ao
Estado e toda a região Nordeste do país. A UFBA foi a primeira universidade pública do
Nordeste a oferecer um curso de psicologia e permaneceu como a única do Estado durante três
décadas.
No entanto, se, por um lado, para a comunidade local e regional, as expectativas para a
abertura do curso eram positivas, por outro, ingressar na universidade naquele momento político
do país, implicava, para quem tivesse atividade política de oposição ao governo, em lidar com
1
Com a regulamentação da profissão em 27.08.1962, pela Lei 4119, os profissionais que exerciam atividades
profissionais de psicologia na Bahia e que atendessem o que determinava a legislação recém-criada, puderam obter
seu diploma de psicólogo. Conforme os destaques da Lei 4119: Art. 19 — [...] permite aos portadores de diplomas
ou certificados de especialista em Psicologia, Psicologia educacional, Psicologia clínica e Psicologia Aplicada ao
trabalho [...] direito ao registro daqueles títulos, como psicólogos e ao exercício profissional; Art. 21— permite
aos que já venham exercendo, na data da publicação da lei, ou tenham exercido por mais de cinco anos, atividades
profissionais de Psicologia Aplicada, o registro de Psicólogo. (BRASIL, 1962). Esses profissionais, denominados
psicologistas ou psicotécnicos e os professores de psicologia e psicologia educacional que também aplicavam
psicotestes, compuseram o primeiro grupo de psicólogos que foram reconhecidos como tal.
100
2
Registro do número de concorrentes para a primeira turma do curso, em 1968. Fonte: Arquivo FFCH/UFBA.
101
120 113
107
101
100 91
79
80
57 55 55 56
60 54
45 46
40
20
0
Ciências Sociais Filosofia História Psicologia
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base em análise de documentos dos arquivos da FFCH/UFBA
Quando o curso de psicologia iniciou sua primeira turma, a FFCH estava instalada na
antiga Escola Normal, no bairro de Nazaré. Em 1969 foi transferida para o prédio da Faculdade
de Medicina, antigo Colégio dos Jesuítas, no Terreiro de Jesus. Nesse novo espaço, o curso de
psicologia pode utilizar parte das oito salas de aulas e dos três anfiteatros, além de um
laboratório adaptado para as aulas de Psicologia Experimental. Havia, ainda, uma biblioteca,
uma sala de departamento e o depósito de material didático.
Em 1974, a FFCH foi transferida para a estrada velha de São Lazaro, no bairro da
Federação. O departamento e o colegiado de psicologia foram instalados no primeiro andar do
edifício central da faculdade, um prédio antigo onde funcionava a parte administrativa da
FFCH, além de todas as salas dos departamentos e colegiados dos cursos, gabinetes de
professores em regime de 40 horas, uma sala de reunião e a biblioteca que ficava no andar
térreo, além da cantina. A sala ocupada pelo departamento e colegiado de psicologia era
equipada com uma mesa de 8 lugares e cadeiras, uma mesa de aço onde ficava a máquina de
escrever, uma escrivaninha de aço e um armário de madeira.
102
236
Número de Alunos
144
92 84
72 73 71 70 70 70
1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980
Ano
Esses dados demonstram a difusão do curso, já desde o seu primeiro ano. Era um
contingente significativo de discentes para um curso ainda nos seus primórdios. Além da
demanda reprimida por vários anos de espera e a inexistência de cursos na região Nordeste,
pode-se interpretar essa procura expressiva pelo curso, a partir do interesse da classe média pela
carreira e pelo que simbolicamente representava, enquanto profissão liberal, com prestígio e
oportunidades de ascensão social, especialmente pela via da atividade clínica. Entendemos que,
para a realidade baiana, o curso representava a possibilidade de uma profissão autônoma e em
ascensão naquele momento, especialmente para as mulheres, que começavam a ingressar
3
O quantitativo de 1971 corresponde ao total integralizado de alunos matriculados no curso até aquele ano. A
partir daí, os dados de matrícula passaram a ser centralizados na recém-criada Secretaria Geral de Cursos – SGC
(atual Coordenação de Atendimento e Registros Estudantis da SUPAC)
103
fortemente no mercado de trabalho. O perfil dos discentes ingressantes, quanto ao sexo, ratifica
essa interpretação, tendo em vista a grande maioria de mulheres matriculadas no curso. Pesquisa
realizada por Carvalho (1979b), demonstra que o perfil dos alunos, em 1970, era
prioritariamente feminino, sendo essas mulheres integrantes da classe média e alta da cidade de
Salvador. Residiam em bairros nobres e eram mantidas financeiramente pelos pais e/ou
familiares. Era evidente o perfil urbano e com “[...] padrões de comportamento e valores
próprios dos indivíduos da cidade”. (CARVALHO, 1979b, p. 216)
O Gráfico 3, a seguir, apresenta as matrículas no curso de graduação em psicologia por
Sexo, entre 1971 e 1980 e confirma a prevalência das mulheres no curso. Do total de 985
discentes matriculados até 1980, 860 vagas (87,31%) foram preenchidas por mulheres e 125
(12,79%) por homens. Em 1971 havia um total de 209 mulheres e 30 homens matriculados no
curso e no ano seguinte ingressaram 81 mulheres e 11 homens. Para o ano de 1973, foram
matriculados 127 mulheres e 17 homens e em 1974 ingressaram 75 mulheres e nove homens.
A prevalência das mulheres em 1975 foi de 64 para apenas oito homens. Em 1976, foram 60
novas matrículas de discentes do sexo feminino e 13 do sexo masculino e em 1977, ingressaram
61 mulheres e dez homens. Em 1978, foram matriculados 63 mulheres e sete homens. Nos anos
de 1979 se matricularam 61 mulheres e 9 homens e, em 1980, 59 mulheres para 11 homens
matriculados.
1000
900 860
Número de matriculados
800
700
600
500
400
300 209
200 127 125
81 75 64 60 61 63 61 59 87,31
100 30 11 17 9 8 13 10 7 9 11 12,69
0
Feminino Masculino
Se a demanda para ingresso no curso era alta, a taxa de evasão não deixa de ser
significativa. Observa-se no Gráfico 4, sobre os concluintes do curso de graduação em
104
psicologia entre 1972 e 1980, o quantitativo de 44 formandos em 1972. Nos anos que se
seguiram, os números de estudantes a se diplomarem foram: 90 formandos em 1973; 61
concluintes em 1974; 27 formandos em 1975; 79 discentes a se formar em 1976; 62 formandos
em 1977; 102 em 1978; 58 concluintes em 1979 e, por último, 64 formandos em 1980. Ou seja,
do total de 985 ingressantes no curso de psicologia, 587 (59,59%) concluíram o curso, o que
demonstra um percentual aproximado de 40% de alunos matriculados e que não se formaram.
500
400
300
200
90 79 102
100 44 61 62 58 64
27
0
1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 Total
ANO
Fonte: SUPAC/UFBA
600
524
Número de Concluintes
500
400
300
200
81 93 89,27
100 55 70 57 63
40 49 53
26 13 7
4 9 6 1 9 9 5 10,73
0
Ano
Feminino Masculino
Fonte: SUPAC/UFBA
4
BRASIL. Decreto nº 75.499, de 18 de março de 1975. Concede reconhecimento ao curso de Psicologia da
Universidade Federal da Bahia, com sede em Salvador, Estado da Bahia. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 mar. 1975. Disponível em:
https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:decreto:1975-03-18;75499. Acesso em: 23 abr. 2020.
5
BRASIL. Decreto nº 81.964, de 13 de julho de 1978. Concede reconhecimento à habilitação Formação de
Psicólogo do curso de Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com sede na cidade de Salvador, Estado da
Bahia.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 jul. 1978. Disponível em:
<https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:decreto:1978-07-13;81964> Acesso em 23 abr. 2020.
6
Portaria nº 160, de 13 de junho de 1977 do Conselho Federal de Educação. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
106
7 Ofício7 nº 73/77, de 26 de agosto de 1977, emitido pelo Departamento do curso de psicologia ao Diretor da
FFCH. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
8
Estava previsto na Lei 4.119 de 27.08.1962, que regulamentou a profissão do psicólogo, no seu Capítulo IV: Das
condições para funcionamento dos cursos, Artigo 16: As Faculdades que mantiverem curso de Psicólogo deverão
organizar Serviços Clínicos e de aplicação à educação e ao trabalho - orientados e dirigidos pelo Conselho dos
Professores do curso - abertos ao público, gratuitos ou remunerados. Parágrafo único. Os estágios e observações
práticas dos alunos poderão ser realizados em outras instituições da localidade, a critério dos Professores do curso.
107
supervisionados, com orientação e direção dos professores e aberto ao público, o que só ocorreu
na década de 1980. Diante da inexistência de tal Serviço próprio, durante a década de 1970, os
estágios e práticas dos discentes eram realizados, integralmente, em instituições públicas e
privadas de Salvador, a critério do docente supervisor, que intermediava essas parcerias e
convênios entre o departamento do curso e as instituições.
Os professores supervisores conduziam seu grupo de estagiários para clínicas,
consultórios, escolas, empresas e hospitais, onde, em alguns casos, também atuavam como
psicólogos ou médicos psiquiatras, a depender de sua formação. A Bahia possuía diversas
instituições, públicas e privadas, que, historicamente vinham contribuindo para o
desenvolvimento da formação da psicologia nas áreas da clínica, da educação ou
industrial/organizacional. (JACÓ-VILELA, 2012) Várias dessas instituições acolheram os
discentes que adentraram esses espaços para efetivação de seus estágios formativos. As áreas
de estágio eram basicamente três: Clínica; Industrial e Educacional, definidas pelo Currículo
Mínimo aprovado para o curso de psicologia, conforme disposto no Parecer nº 403/62 do
Conselho Federal de Educação. A carga horária fixada para treinamento prático em situação
real era de 500 horas.
No que diz respeito à área de psicologia educacional, os discentes tinham um leque de
oferta em instituições públicas, tais como: a) o Serviço Estadual de Assistência ao Menor da
Secretaria do Interior e Justiça, que realizava orientação e aconselhamento de menores
infratores; b) o Centro de Orientação Infanto-juvenil, mantido pela Secretaria de Saúde e
voltada para o diagnóstico e orientação de escolares; c) os Serviços de orientação educacional
de alguns Colégios Estaduais, como o do Colégio Estadual da Bahia (Central), do Colégio
Estadual Duque de Caxias, do Colégio Nossa Senhora do Carmo e do Instituto Central de
Educação Isaías Alves (ICEIA), que faziam Orientação e aconselhamento de adolescentes, d)
as Classes de escolarização específica e o Instituto Pestalozzi, que cuidavam da Escolarização
e acompanhamento de crianças com necessidades especiais, mantidos pela Secretaria de
Educação do Estado da Bahia. (COSTA, 2012; SANTOS, 2012)
No âmbito privado, eram ofertadas vagas de estágio nas seguintes instituições: a) Instituto
Psicopedagógico da Bahia (IPPB)- (1965-1973), que oferecia serviços psiquiátricos,
psicológicos e pedagógicos a crianças e adolescentes com necessidades especiais na área de
aprendizagem. Era de propriedade do médico psiquiatra e docente do curso de psicologia Luiz
Fernando Matos Pinto; b) Instituto Guanabara, fundado em 1970 pela fonoaudióloga Maria
José Calheira Lobo Teixeira da Silva e pelo psicólogo Heraldo Antônio Farias Cidade. Esse
Instituto oferecia serviços de “reabilitação, educação e prestação de assistência social às
108
Associação de Foniatria e
Tratamento de distúrbios de voz e fala Particular
Audiologia da Bahia
Centro de Orientação Infanto- Secretaria de Saúde
Diagnóstico e orientação de escolares
juvenil do Estado da Bahia
Secretaria de
Classes de escolarização Escolarização e acompanhamento de
Educação do Estado
específica crianças com necessidades especiais
da Bahia
Instituto Bahiano de Tratamento de pessoas com deficiência
Particular
Reabilitação (IBR) motora
Instituto de Cegos da Bahia Educação especial a crianças portadoras
Particular
(ICB) de deficiência visual
Tratamento de crianças e adolescentes
Instituto de Organização
com diversos tipos de problemas Particular
Neurológica (ION)
neurológicos
Escolarização e acompanhamento de
Instituto Guanabara Particular
crianças com necessidades especiais
Secretaria de
Escolarização e acompanhamento de
Instituto Pestalozzi da Bahia Educação do Estado
crianças com necessidades especiais
da Bahia
109
Recrutamento e seleção
Banco Econômico da Bahia Particular
de pessoal
Recrutamento e seleção Governo do Estado da
Centro Industrial de Aratu (CIA)
de pessoal Bahia
Companhia de Energia Elétrica da Bahia Recrutamento e seleção
Particular
(COELBA) de pessoal
Departamento de Mão de Obra da Secretaria do Recrutamento e seleção Governo do Estado da
Trabalho e Bem-Estar Social de pessoal Bahia
Recrutamento e seleção
Instituto de Organização Racional do Trabalho Particular
de pessoal
Serviço de Reabilitação Profissional do
Readaptação funcional Governo do Estado da
Instituto Nacional de Previdência Social
de segurados Bahia
(INPS)
Setor de psicologia do Departamento Estadual Habilitação de Governo do Estado da
de Trânsito (DETRAN) motoristas Bahia
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base na análise dos documentos dos arquivos da CAD e
FFCH/UFBA.
Por seu turno, dentro do leque de instituições para se realizar o estágio curricular na área
clínica, os discentes eram conduzidos por seus supervisores a adentrar instituições, como,
hospitais e ambulatórios psiquiátricos, penitenciária, manicômio judiciário e abrigo de idosos.
Observa-se no Quadro 5, que, dentre as instituições públicas de atendimento psiquiátrico, em
regime de internamento e/ou ambulatorial, havia o Ambulatório Mário Leal (1975)9, o
Ambulatório Osvaldo Camargo (1962) e o Hospital Juliano Moreira (1936). Ainda em
instituições públicas, havia a opção de prática psicoterapêutica e técnicas de grupo com
alcoolistas no Centro de Recuperação de Alcoolistas do Governo do Estado; pesquisas e
assistência psicológica em população de criminosos não psicóticos na Penitenciária Lemos de
Brito (1950); ou acompanhamento diagnóstico e terapêutico de população de criminosos
psicóticos no Manicômio Judiciário da Bahia (1928-1991)10.
As instituições particulares conveniadas para estágio eram a Casa de Saúde Ana Nery
(1966), a Casa de Saúde Santa Mônica (1962), o Sanatório São Paulo (1953) e o Sanatório
Bahia (1944). As clínicas particulares conveniadas, que recebiam estagiários para atendimento
psicoterápico eram a Assistência Médica Infantil e a Clínica Psicológica Infantil, das
professoras do curso Maria Conceição Vieira Gonçalves e Urânia Maria Tourinho Perez,
respectivamente. Também havia o Instituto Neurológico da Bahia, voltada para o diagnóstico
e tratamento de distúrbios do comportamento infantil; o Serviço de Reabilitação Motora para
9
O Centro Comunitário de Saúde Mental Mário Leal (CCSMM), criado em 1975, teve seu nome modificado
para Hospital Especializado Mário Leal (HEML), na década de 1990.
10
Atual Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia (HCT-BA). (PITHON; CORREIA, 2012)
111
crianças e adultos; e o Abrigo D. Pedro II (1943) oferecia vagas de estágio para os discentes
interessados no campo assistencial e terapêutico a idosos.
O estágio se reveste de grande significado para nós, uma vez que ele se nos
apresenta como última chance de aprender alguma coisa dentro do curso de
Psicologia, tão carente de atividades práticas. Por isso, vimos sentindo a
necessidade premente de termos boas condições de trabalho durante o estágio:
supervisão, local adequado, disponibilidade em termos de metodologia e área
desejada. Isso não tem sido encontrado desde que o 5º ano existe. Pelo
contrário: à medida que os anos vão passando, os problemas relativos a estágio
se agravam, sem que se apresente solução que ponha termo à situação.11
Diante da oferta de estágio e das condições para sua realização, apresentadas acima, cabe
inquirir: qual era a demanda efetiva dos discentes e suas prioridades por áreas de estágio?
Analisemos os dados referentes à média aritmética simples da oferta e da demanda de estágio,
por área, nos anos de 1976 e 1977. Conforme explicitado no Gráfico 6, percebe-se que a oferta
de estágio nas áreas clínica, educacional e industrial, nesses dois anos, foi de 34,5; 14 e 31,5
vagas, respectivamente. A média da demanda, nessas mesmas áreas, foi de 39,5; 5,5 e 33,5
discentes. A área clínica teve oferta e demanda mais altas que as outras duas, vindo a área
industrial em segundo lugar. Observa-se, ainda, que as áreas clínica e organizacional tiveram
uma demanda maior que a oferta, ou seja, a oferta disponível não foi capaz de suprir a
necessidade de estágio nas áreas requisitadas, naquele momento. No caso da área educacional,
por sua vez, evidencia-se que a oferta superou a demanda e que a área foi a menos procurada
pelos discentes para a realização do estágio curricular, nos anos analisados.
Gráfico 6 - Oferta e demanda por área de estágio em Psicologia – FFCH/UFBA - 1976 e 1977
45
39,5
40
34,5 33,5
35 31,5
Oferta x Demanda
30
25
20
14
15
10 5,5
5
0
Clínica Educacional Industrial
Áreas
oferta demanda
11
Correspondência assinada pelos discentes do curso de psicologia, encaminhada ao Departamento do curso de
Psicologia, datada de 16 de agosto de 1976. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
113
12
BRASIL. Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 ago. 1971. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-publicacaooriginal-1-
pl.html. Acesso em: 29 abr. 2020.
114
[...] a maioria advém da área clínica; ou advém e está na área clínica, ou não
advém, mas está na área clínica. Quase todos os professores do curso têm uma
formação terapêutica (sobretudo os mais antigos) e exercem sua profissão,
principalmente no exercício da clínica. Não são, pois, estranháveis as escolhas
dos alunos, sobretudo se reporta ao prestígio desfrutado pelo modelo
terapêutico, em detrimento do modelo preventivo (CARVALHO, 1979b,
p.221-222)
Outra parte do corpo docente era formada por médicos psiquiatras, o que colaborou para
a recepção de teorias de base psicopatológica e psicanalítica no curso e, consequente formação
clínica dos discentes. A trajetória de João Mendonça é emblemática no sentido do poder
hegemônico que a medicina teve na Bahia e que se espraiou também no curso de psicologia.
Foi ele o criador do projeto de instalação do curso de psicologia, tendo lutado por sua
implantação ao longo da década de 1960. No entanto, só pode acompanhar o curso por apenas
um ano, pois faleceu em 1969. De pronto, outros psiquiatras ingressaram no curso. A relação
institucional entre o Departamento de Psiquiatria da FMB e o Departamento de Psicologia se
iniciou já em 1969, quando os professores Luiz Fernando Pinto e Caio Flamínio Silva de
Carvalho foram colocados à disposição do curso, naquele momento de estruturação do
departamento. Caio Flamínio não era médico, mas fazia parte da Clínica Psiquiátrica do
Hospital das Clínicas, onde atuava como psicoterapeuta13. Ao final da década, o departamento
contava com um contingente expressivo, em torno de 30%, de médicos psiquiatras. Foram eles:
Eduardo Saback Dias de Morais (1969), Luiz Fernando Matos Pinto (1969), Gilda Bacal Fucs
(1971), Maria Eugênia Vieira Nery (1971), Irineu Fileto Brito Gomes (1972), Mário Henrique
13
Ata do Conselho Departamental da FFCH/UFBA, de 17 de setembro de 1969. Fonte: Arquivo FFCH/UFBA.
115
Soares Nascimento (1972), Jairo da Silva Gerbase (1973), Raphael Britto Portella (1973),
Francisco Martins Ferraz (1975). Além desses médicos, outros contribuíram por curto período,
entre 1968 a 1980, em algumas disciplinas, conforme registro de planos de aulas e atas do
departamento, como por exemplo: Gilberto Ribeiro Matos, Antônio Carlos Silva Dantas,
George Alakija, Anibal Silvany Filho, Dival Porto, Orlando Sales, Sabino Silva e, por fim,
Naomar de Almeida Filho, no final da década de 1970. Como rememora a entrevistada Denise
Coutinho, “era um curso que tinha muitos médicos como professores nossos, muitos médicos e
ainda não tinha essa ideia da Psicologia como produção de conhecimento. [...] Então nós
erámos colonizados pela Medicina mesmo”. (Informação verbal)14
No âmbito do programa curricular do curso de psicologia encontramos alguns registros
da oferta de disciplinas ministradas por psiquiatras15. No conjunto das disciplinas de
psicopatologia, havia Psicopatologia Geral I e II, ministradas nesse período por Eduardo Saback
Dias de Morais, Irineu Fileto Brito Gomes, Maria Eugênia Vieira Nery, Jairo da Silva Gerbase
e Francisco Martins Ferraz; Psicopatologia Sexual, conduzida por Gilda Fucs; Psicopatologia
infanto-juvenil, ministrada por Maria Eugênia Vieira Nery, Irineu Fileto Brito Gomes ou Jairo
da Silva Gerbase. Os médicos psiquiatras também ministraram outras disciplinas, como,
Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia do Excepcional, Psicologia Diferencial, Elementos
de Psicossomática, Psicologia da Personalidade, Psicologia Social e Teorias e Técnicas
Psicoterápicas. Os professores Irineu Fileto, Jairo Gerbase, Mario Nascimento e Maria Eugênia
Nery foram indicados também para conduzir o Estágio Supervisionado. Quais conteúdos eram
ministrados nesses estágios na clínica? Conforme documentos do planejamento semestral de
1974, o professor Ireneu Fileto Brito Gomes descreveu as atividades que pretendia realizar com
os discentes do quinto ano do curso. Tendo como local de estágio a Casa de Saúde Ana Nery,
o professor Irineu se propunha a supervisionar os atendimentos individual e em grupo com os
internos, além de organizar a participação dos supervisandos na comunidade terapêutica,
incluindo-os nos Grupos Operativos, nas Micro Assembleias das Alas, nas reuniões clínicas e
técnicas, nos seminários de psicopatologia dinâmica e nas reuniões de supervisão das
atividades. Por sua parte, o professor Jairo Gerbase, realizava estágio clínico com os alunos do
primeiro semestre de 1975 no Ambulatório Osvaldo Camargo. O estágio de 225 horas era
composto de atividades teóricas com dois seminários semanais, um sobre a psicanálise
freudiana e outro sobre psicoterapias breves com leitura de textos de Jay Haley, David Cooper,
14
Depoimento de Denise Maria Barreto Coutinho (2019)
15
Relação de disciplinas ministradas e seus respectivos professores, na década de 1970. Fonte: Arquivo
CAD/UFBA.
116
Ronald Laing, Maud Mannoni, Héctor Fiorini e Norman Kellsemann. Na parte prática do
estágio, os discentes atendiam individualmente dois pacientes sob supervisão do professor,
participavam dos grupos terapêuticos do ambulatório e eram orientados a realizarem
psicoterapia pessoal16.
Os médicos psiquiatras tiveram também uma expressiva atuação na gestão do
Departamento e na Direção da FFCH durante a década de 1970. João Inácio de Mendonça foi
o primeiro chefe de departamento do curso. Após sua morte, em 1969, foi substituído
interinamente pelo vice-diretor da FFCH Joaquim Batista Neves. Em 1970, Eduardo Saback
assumiu o departamento, mantendo-se na chefia por duas gestões (1970-1971 e 1972-1973).
Em seguida, assumiu a professora, psicóloga e doutora pela Universidade de Lyon, na França,
Gizelda Morais (1974-1975). Em 1976 assumiu outro psiquiatra, o professor Mário
Nascimento, atuando, também, por duas gestões (1976-1977 e 1978-1979)17. A gestão dos
médicos psiquiatras foi, igualmente, preponderante na Direção da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas. A partir da segunda metade da década de 1970, o professor Saback assumiu
a vice direção (1974) e, em seguida, a direção por duas gestões consecutivas (1976-1980 e
1981-1984)18. Ato contínuo, foi substituído por outro professor do curso de psicologia e médico
psiquiatra Mário Nascimento (1984-1988).
A atuação profissional dos professores psiquiatras extrapolava o âmbito da universidade.
Além de ministrar aulas no curso de psicologia, também dedicavam horas de trabalho nos seus
consultórios particulares, nas clínicas psiquiátricas e nas instituições asilares e judiciárias da
cidade de Salvador. Atuavam como médicos plantonistas, médicos legistas ou peritos judiciais.
A cidade de Salvador possuía, à época, cinco instituições de médio e grande porte: o Hospital
Juliano Moreira, o Sanatório Bahia, a Casa de Saúde Santa Mônica, a Casa de Saúde Ana Nery
e o Sanatório São Paulo. A rede de atendimento psiquiátrico englobava também o ambulatório
Mário Leal e o ambulatório Osvaldo Camargo, a Clínica particular AMEPE, o Manicômio
Judiciário e a Penitenciária Estadual Lemos de Brito, dentre outras.
Naquele contexto de graves violações dos direitos humanos, essas instituições
psiquiátricas poderiam receber para internamento e tratamento, ex-presos políticos, vítimas de
16
Planejamento de Estágio Supervisionado do curso de Psicologia da FFCH/UFBA. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
17
Fonte: Documentos e Atas dos arquivos CAD e FFCH/UFBA.
18
Professor Eduardo Saback assumiu a Direção da FFCH, conforme Ata de transmissão do cargo do então diretor
José Calazans, em 30.07.1975. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
117
torturas impetradas pelos militares19. Um caso emblemático, que foi apresentado em minúcias
no Relatório da Comissão Nacional da Verdade sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, pelo
escritor e jornalista Emiliano José, é o da jovem baiana Nilda Carvalho Cunha, morta em 14 de
novembro de 1971. Quando morreu, estava com sintomas de cegueira e asfixia, em
consequência de envenenamento durante a prisão. Nilda Carvalho Cunha era estudante
secundarista e foi presa em Salvador, por ocasião da morte de Iara Iavelberg, por agentes do
DOI/CODI e levada para o Quartel do Barbalho, em 20 de agosto de 1971, e depois transferida
para a Base Aérea de Salvador. Ela foi libertada, dois meses mais tarde, muito fragilizada em
decorrência das bárbaras torturas físicas e psicológicas a que havia sido submetida, além de ter
presenciado os maus-tratos sofridos por seu namorado, Jaileno Sampaio.
Dez dias antes da morte da referida jovem, em 04 de novembro de 1971, o psiquiatra
Eduardo Saback recomendou internamento e tratamento - Sonoterapia - e Nilda foi internada
na Clínica AMEPE. No mesmo dia, os enfermeiros tentaram evitar a entrada do seu carrasco,
Major Nilton Albuquerque Cerqueira, mas ele se apresentou também como médico e não
puderam evitar. O estado de Nilda se agravou e, depois de 48 horas na Clínica AMEPE, o Dr.
Saback aconselhou internamento num hospital e, sob efeito de sedativos, foi transferida para o
Sanatório Bahia, onde faleceu. As dúvidas e questionamentos que se seguiram após a morte
dessa jovem deixaram um mistério inexplicável. Nem mesmo o corpo clínico do sanatório fora
encontrado para dar maiores explicações à sua mãe, a senhora Esmeraldina.
19
Sobre os centros de tortura existentes em Salvador, a Comissão Estadual da Verdade - Bahia identificou 11
centros de repressão (locais de prisões políticas). Segundo a CEV, o Forte do Barbalho foi o maior centro de tortura
na Bahia. Cita que as torturas a presos políticos eram iniciadas na Polícia Federal, situada em frente ao Mercado
Modelo, já demolido. Os presos políticos ficavam recolhidos na Galeria F da Penitenciária Lemos Brito. Revela
também que a Base Aérea de Salvador, criada em 1942, em função da Segunda Guerra Mundial, foi grande centro
de tortura e tempos depois foi flagrada queimando documentos da ditadura que a incriminavam. Os outros centros
de tortura citados são: Quartel da PM na Avenida Dendezeiros, 19º Batalhão de Caçadores, Quartel de Amaralina,
Quartel General da PM nos Aflitos, Forte de Santo Antônio Além do Carmo, Quartel dos Fuzileiros Navais e Forte
de São Pedro. Fonte: Mapa da Repressão e Resistência durante a ditadura militar na Bahia. Disponível em:
http://www.comissaodaverdade.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=12 . Acesso em: 20 mar 2019.
118
20Disponível em:
<http://bnmdigital.mpf.mp.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=BIB_04&PagFis=42662&Pesq=francisco%20m
artins%20ferraz> Acesso em: 20 mar 2018.
119
reparativa e terapêutica, ganhava cada vez mais adeptos. A censura e as proibições foram molas
propulsoras para a psicologia clínica. Os consultórios privados tornaram-se os ambientes
protegidos para as narrativas, talvez de dor, talvez de violências impetradas, que não se podia
revelar publicamente. O esvaziamento do espaço público e a radicalidade do autoritarismo de
estado, estimularam a busca pela interioridade individual. (COIMBRA, 1995) Estavam dadas,
assim, as condições impulsionadoras do surgimento da psicoterapia, como um novo campo
profissional, que absorveu grande parte dos psicólogos baianos recém formados, naquele
período.
Ao longo desta seção e da anterior, apresentamos as evidências resultantes das análises
quantitativas e qualitativas das informações e dos dados obtidos, relacionados ao primeiro
objetivo específico proposto para este trabalho, qual seja, analisar a emergência e
desenvolvimento da psicologia na Bahia, que culminou na implantação do curso de graduação
da Universidade Federal da Bahia, tendo como pano de fundo o cenário político da época. Numa
síntese, verificamos que o processo de formação e consolidação do curso de psicologia da
FFCH/UFBA foi concretizado depois de diversos entraves burocráticos e políticos. Sua plena
resolução atendeu uma demanda reprimida não só do Estado, mas de toda a região Nordeste do
país. A conjuntura política, determinada pelos ditames dos tecnocratas do regime militar
impactou na vida acadêmica universitária, o que exigiu dos discentes de psicologia resistência
para lidar com a tensão política naqueles anos iniciais do curso. Nesse contexto, o curso foi
positivamente recebido pela sociedade baiana, e, apesar das diversas mudanças de sede e
dificuldades estruturais, manteve a posição favorável, conforme demonstra o quantitativo de
matrículas. O curso atendia a uma demanda da classe média baiana, que via a psicologia como
uma profissão liberal e uma oportunidade para ascender socialmente. Verificamos o perfil dos
ingressantes no curso, naquele primeiro momento, formado majoritariamente por mulheres.
Também mostramos, aqui, as diversas instituições que atenderam às demandas de estágio
supervisionado nas áreas clínica, educacional e industrial, além da forma como tais espaços
contribuíram para o processo prático formativos dos discentes. Verificamos, ainda, que o
ingresso dos discentes nos espaços institucionais psiquiátricos, favoreceu o campo
psicoterapêutico, ampliando a demanda pela clínica de cunho mais individualizado e
direcionado às camadas médias urbanas que podiam pagar e se beneficiar desse serviço. Na
próxima seção, analisaremos o processo de recepção e circulação da Análise Experimental do
Comportamento e da Psicanálise no curso de psicologia.
120
1
John B. Watson (1878–1958) é apontado como principal precursor do Behaviorismo clássico, escola psicológica
surgida na segunda década do século XX. O marco inicial foi a publicação, em 1913, do artigo A psicologia como
o behaviorista a vê, também conhecido como Manifesto Behaviorista. Nesse artigo, Watson define a psicologia
como um ramo das ciências naturais e propõe que os métodos utilizados na psicologia comparada poderiam ser
utilizados na psicologia em geral para produzir dados objetivos sobre o comportamento, o que, segundo sua crítica,
não era possível com o método introspectivo.
2
Paulo Sawaya (1903-1995) era médico com doutorado em Zoologia e foi professor de Fisiologia Geral e Humana
para o curso de Psicologia da USP.
122
3
Carolina Martuscelli Bori (1924-2004) era professora titular da cadeira de Psicologia Educacional na Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro e professora assistente de Psicologia da USP, onde permaneceu até
1994, ano de sua aposentadoria. Era formada em Pedagogia (1947) pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
da USP, com mestrado pela New School for Social Research de Nova York, tendo trabalhado inicialmente na
tradição de Kurt Lewin. (TODOROV, 2006; MATOS, 1998).
4
Rodolpho Azzi (1927-1993) foi aluno da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, professor na
Universidade Nacional do Paraguai, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto (SP),
na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (SP), na Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da USP e no Instituto de Psicologia da UNB. (Homenagem a Rodolpho Azzi, Revista Psicologia Ciência
e Profissão, vol. 30, n. 1, 2010, p. 228).
5
Mario Guidi era Instrutor do Departamento de Psicologia Social e Experimental da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP.
123
Ensino de Ciências (FUNBEC), que comercializou por todo o país os instrumentos e materiais
didáticos elaborados pelo Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC).
(MATOS, 1998; JACÓ-VILELA, FERREIRA, PORTUGAL, 2005; MIRANDA, 2010;
CIRINO et all, 2012; DOMINGUES, 2019) A caixa de condicionamento operante ou caixa de
Skinner, utilizada para fins didáticos,
Quanto a Keller, depois de sua passagem pela USP, retornou aos EUA e, em 1963, foi
convidado por Carolina Bori a retornar ao Brasil. Desta vez, para integrar o corpo docente do
Departamento de Psicologia da UnB, que estava se formando naquele momento. Integraram
esse grupo, os professores Carolina Bori, como presidente, Fred Keller, Rodolpho Azzi, John
Gilmour Sherman e Isaías Pessotti, dentre outros. Alguns assistentes de ensino e estudantes de
graduação, como Maria Amélia Matos, foram para a Universidade de Colúmbia, a fim de se
aperfeiçoarem e retornar a Brasília para fazer parte do corpo docente. (MATOS, 1998;
CÂNDIDO, 2014).
No movimento destinado à implementação do Departamento de Psicologia da UnB e na
assessoria a Darcy Ribeiro6 nos projetos e organização dos cursos de formação básica, o grupo
de professores de psicologia da UnB propôs o Personalized System of Instruction (PSI) e a
implantação de um laboratório de Análise do Comportamento. O PSI, traduzido como Sistema
Personalizado de Ensino, é uma metodologia de ensino embasada em princípios da Análise do
Comportamento, que surgiu como uma variante da Instrução Programada desenvolvida por
Skinner. Tornou-se conhecida na década de 1950 como um material instrucional para o ensino
planejado, tendo se disseminado por vários países, ganhando variações no Brasil. Dentre essas
variações, destaca-se o Sistema Personalizado de Ensino, idealizado pelos professores Fred
Simmons Keller, John Gilmour Sherman, Rodolpho Azzi e Carolina Bori, que passou a ser
utilizado como uma tecnologia mais ampla, envolvendo decisões sobre o processo de ensino.
O PSI foi completamente desenvolvido para a UnB e, durante a década de 1970, passou a ser
6
Darcy Ribeiro (1922 – 1997), mineiro, antropólogo e político brasileiro. Realizou trabalhos nas áreas de educação,
sociologia e antropologia. Foi o idealizador da Universidade Estadual do Norte Fluminense e, ao lado de Anísio
Teixeira, foi um dos criadores da Universidade de Brasília.
124
adotado em todo o país. (MATOS, 1998; TODOROV, 2006; TODOROV et all, 2009;
DOMINGUES, 2019)
Enquanto os processos de ensino de psicologia se desenvolviam no Brasil, influências
políticas interferiam nos centros acadêmicos provocando crises na evolução da docência. Logo
após o golpe militar e início da Operação Limpeza nas universidades, a UnB foi ocupada por
policiais militares e Exército. Vários professores e estudantes foram presos, inclusive o
professor Rodolpho Azzi. Em 19 de outubro de 1965, duzentos e vinte e três professores
pediram demissão coletiva, dentre eles, os professores de Psicologia: Carolina Martuscelli Bori
– coordenadora do Departamento; Alcides Gadotti, Isaías Pessotti, Luís Otávio Seixas de
Queiroz, Maria Helena Guedes, Maria Tereza de Araújo Menezes, Mário Guidi, Mariza
Antônia Gurgel Azzi, Marize Bezerra Jurberg e os professores visitantes Robert Norman
Berryman, Jean Nazzaro e Russel Nazzaro. (SALMERON, 1999). Em artigo mais recente,
Todorov e Hanna (2010) afirmam que “Dos professores de psicologia então em exercício, só
Robert Berryman permaneceu”. (TODOROV; HANNA, 2010, p. 147)
Após sua saída da UnB, Carolina Bori retornou à USP e passou a comandar o centro de
formação em Análise do Comportamento. Ajudou a criar e estruturar o Departamento de
Psicologia Social e Experimental do Instituto de Psicologia daquela universidade e montou
projetos de planejamento e construção de protótipos para equipamentos de ensino e pesquisa
no campo da Psicologia Experimental, Psicologia Sensorial, Psicofísica, Psicologia da
Aprendizagem e Análise Experimental do Comportamento. (TODOROV; HANNA, 2010)
Carolina Bori foi, na década seguinte, uma grande divulgadora do Sistema Personalizado
de Ensino. Ensinou diversos alunos a programarem o ensino através do que chamou Curso
Programado Individualizado (CPI). Posteriormente, Bori deu um rumo inteiramente novo ao
Sistema Personalizado de Ensino, elaborado por Keller, ao propor e implementar a Análise de
Contingências na Programação de Ensino (ACPE). A versão de Keller voltava-se para a análise
de textos a serem estudados e na avaliação, enquanto que a ACPE focava na análise de
habilidades e conhecimentos, que seriam necessários para o exercício de uma atividade, bem
como, no planejamento das condições de ensino favoráveis à sua aquisição (MATOS, 1998;
DOMINGUES, 2019). Referindo-se à ACPE, Maria Amélia Matos faz a seguinte análise:
ratificou por ofício o convite feito pessoalmente e acrescentou: “O Reitor Roberto Santos e o
Departamento de Psicologia estão vivamente interessados na vinda da Senhora o mais breve
possível”7.
Figura 2 - Primeira correspondência oficial entre Joaquim Batista Neves e Carolina Bori.
7
Ofício nº 1043/68-DIR, emitido pelo Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Joaquim Batista Neves, em
26.09.1968. Fonte: Arquivos CAD/UFBA.
128
8
Carta em papel timbrado da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, assinada por Carolina Bori em
10.10.1968, dirigida em Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Prof. Dr. Joaquim Batista Neves. Fonte:
Documento registrado sob o nº 8907, às fls. 42 do Livro nº 13 de Protocolo de Porta em 21.10.1968. Arquivos
CAD/UFBA.
129
Em novembro, Bori escreveu uma extensa carta a Batista Neves (quatro páginas), na qual
deu ciência do resultado da reunião com o grupo de professores e alunos do curso e apresentou
uma proposição para iniciar a implantação do laboratório de Psicologia Experimental 910. Bori
detalha nessa carta, que o laboratório pensado pelo grupo, “[...] deveria permitir o ensino de
Análise Experimental do Comportamento ao nível de introdução e ser suficientemente flexível
para servir também à pesquisa”. O grupo também definiu a introdução de uma metodologia
científica para a disciplina Psicologia Geral e Experimental, que serviria de apoio para o
treinamento dos estudantes no campo da experimentação, baseada nos princípios de Análise
Experimental do Comportamento. A partir dessa reunião com o grupo de professores e alunos,
registrada por Bori em sua carta para Batista Neves, ficou definida a vinda de um professor da
USP para instalar o laboratório e treinar pessoal, bem como a compra dos equipamentos
diretamente da FUNBEC.
Em sua carta, Bori deu orientações detalhadas, sugerindo a escolha do espaço, assim
como considerou a possibilidade de os exercícios de laboratório serem realizados por sub
grupos de alunos, com base no número de vagas do curso. Sobre o espaço para instalação do
laboratório, sugeriu que a sala deveria conter dez mesas de trabalho e ter uma área de 35 m2,
com piso fácil para limpeza e iluminação controlada por persianas. Além da sala do laboratório,
especificou também o espaço para o biotério, para abrigar os animais necessários aos exercícios
a serem realizados pelos alunos nos dois primeiros semestres do curso, que deveria ter, pelo
menos, quinze metros quadrados, para conter duas galerias de gaiolas. Sugeriu, da mesma
forma, que fossem evitados lugares úmidos e pouco ventilados e sempre com a instalação de
exaustor de ar. Sobre os móveis a serem instalados no laboratório, a professora indicou a
confecção de 13 mesas de 1,20 x 0,70 m, de fórmica ou outro material que pudesse ser limpo
com água ou desinfetante, sendo onze mesas para o laboratório “[...] uma para cada um dos
conjuntos de condicionamento operante e uma para o instrutor do curso[...]”, além de duas
mesas para o biotério, uma para a balança e pesagem dos animais e outra para o fichário e
anotações dos alunos. Bori argumentou sobre a importância do uso de mesas com boa
estabilidade “[...]para não se constituírem em uma variável pouco controlável[...]”, especificou,
também, a rede de instalação elétrica e tomadas suficientes para cada uma das mesas, que
deveriam ter 3 a 4 tomadas disponíveis para cada uma mesa e uma chave geral para controle da
9
Carta em papel timbrado da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, assinada por Carolina Bori em
14.11.1968, dirigida em Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Prof. Dr. Joaquim Batista Neves. Fonte:
Documento registrado sob o nº 9355, às fls. 66 do Livro nº 13 de Protocolo de Porta em 12.12.1968. Arquivos
CAD/UFBA.
10
Cf. Anexo B, p. 244
130
11
Ofício n 177/69-DIR, emitido pelo Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Joaquim Batista Neves, em
25.03.1969. Fonte: Arquivos CAD/UFBA
12
Ata do Departamento de Psicologia, de 21.05.1969. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
13
Ata do Departamento de Psicologia da UFBA, datada de 05.08.1969. Fonte: Arquivo FFCH/UFBA.
131
assessoramento, pediu a indicação de uma pessoa para vir imediatamente a Salvador, seja um
assistente ou um professor para passar uma temporada na Bahia14.
Assim, em 02 de outubro de 1969, chegou à Bahia o professor Mário Guidi (Figura 4),
permanecendo em Salvador por cinco dias, ocasião em que assessorou nas providências
necessárias à implantação do laboratório de Psicologia Experimental15.
14
Ofício nº 65/69-DIR, emitido pelo Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Joaquim Batista Neves, dirigido
à Carolina Bori, em 29.08.1969. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
15
Ofício nº 214/69-DIR, emitido pelo Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Joaquim Batista Neves, dirigido
a Carolina Bori, em 07.10.1969. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
132
Ao final de sua visita, Guidi preparou um parecer, informando que examinou os locais de
possível instalação do Laboratório de Psicologia Experimental na Faculdade de Medicina, onde
funcionava a FFCH, elegendo como o melhor local, a instalação então ocupada pela disciplina
de Fisiologia, por ter área disponível, adequada disposição das salas e um biotério já instalado.
Mário Guidi apresentou uma lista de aparelhos a serem adquiridos da FUNBEC (Figura 5), em
São Paulo, se comprometendo a enviar futuramente mais detalhes para a construção de 20
mesas para instalação dos aparelhos1617.
16
Parecer ao Vice-diretor da FFCH/UFBA, assinado por Mário Guidi – Instrutor do Departamento de Psicologia
Social e Experimental da FFCL/USP, em 07.10.1969. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
17
Cf. Anexo C, p.248
18
Ofício nº 491/69-DIR, emitido pelo Vice-diretor em exercício da FFCH/UFBA, Joaquim Batista Neves, dirigido
ao Reitor Roberto Figueira Santos, em 31.12.1969. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
133
ser, finalmente, instalado em março de 1971, ao custo, à época, de CR$90.000,00 (noventa mil
cruzeiros)19. Assim, após todos os trâmites legais e burocráticos, o primeiro laboratório de
psicologia experimental do curso de psicologia da UFBA foi instalado, em um espaço
construído nos fundos da antiga FMB, no Terreiro de Jesus, prédio que abrigou a FFCH entre
os anos de 1970 a 1974. O laboratório continha uma sala de professores com 13,59 m2, uma
sala de preparação de experimentos com 10,83 m2, um biotério com 12,48 m2 e um laboratório
de 31,25 m2.
O Laboratório de Psicologia Experimental da UFBA era esperado e necessário, do ponto
de vista legal, para a plena implantação do curso de psicologia e para a consecução de sua
formação didática. E, assim como a implantação do curso de psicologia, no que tange a sua
estrutura curricular, programas de ensino, conteúdos, bibliografias e, até mesmo a carga horária
de cada disciplina, o laboratório de psicologia experimental da UFBA foi sendo gestado,
construído e adaptado paulatinamente.
A disciplina Psicologia Geral e Experimental era ministrada de forma parcial,
contemplando apenas parte dos conteúdos. (CARVALHO, MORAES, 1998) Pela inexistência,
naquele momento, do laboratório de psicologia experimental, necessário para que se pudesse
abordar os conteúdos básicos da aprendizagem de acordo com os princípios da Análise
Experimental do Comportamento, a professora Mercedes ministrou a disciplina apenas com
conteúdo teórico da Psicologia Geral. O Plano da disciplina Psicologia Geral, iniciado em 1968,
foi dividido em cinco Unidades e tratava sobre:
19
Atas do Conselho Departamental de 31.08.1970 e 02.03.1971. Fonte: Arquivo FFCH/UFBA.
20
Programa da disciplina Psicologia Geral para 1968. Arquivo FFCH/UFBA
134
primeira turma do curso de Psicologia, que já estava no terceiro ano, ainda aguardava um
professor que pudesse ministrar essas disciplinas.
Carolina Bori indicou as professoras Marilena Ristum21 e Márcia Regina Bonagamba
para ministrarem as disciplinas de Psicologia Geral e Experimental. (CARVALHO e
MORAES, 1998) Elas eram formadas pelo Departamento de Psicologia da Faculdade de
Filosofia de Ribeirão Preto - SP. Marilena Ristum havia sido aluna de Iniciação Científica de
Isaías Pessotti durante a graduação e relatou o episódio que deu início a sua vinda para a Bahia,
a saber:
21
Marilena Ristum formou-se em psicologia pela USP de Ribeirão Preto. Permaneceu na Bahia durante o ano de
1971, retornando a São Paulo onde fez seu mestrado e doutorado na mesma instituição. Na década de 1980,
retornou à UFBA como professora efetiva do Curso de Psicologia, onde permanece até a presente data.
Disponibilizou a esta pesquisadora uma cópia do seu Memorial de concurso para professora Titular, em que
discorre sobre sua trajetória na UFBA, durante o ano de 1971.
22
RISTUM, M. 2006. As citações a seguir, foram retiradas do Memorial apresentado pela professora Marilena
Ristum, ao Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia, como parte das exigências do processo de
Progressão para Professor Titular.
135
Por vezes, o número insuficiente de equipamentos exigia que os exercícios fossem feitos
em duplas. Também havia poucas gaiolas do biotério para a quantidade de alunos e as
professoras colocavam dois ratos em uma única gaiola e “[...] para diferenciar um do outro,
fazíamos, com a tesoura, um picote na orelha de um deles[...]”, relatou a professora Marilena
no seu Memorial. Contavam com o auxílio de monitores, três oficiais, e alguns outros
voluntários. Porém nenhum deles havia cursado a disciplina, pois ela nunca havia sido
ministrada. Para minimizar o problema, as professoras treinavam previamente os monitores e,
desse modo, ajudavam na supervisão dos exercícios.
Mesmo em condições tão precárias, Marcia Bonagamba e Marilena Ristum
desenvolveram projetos de pesquisa, destacando-se o trabalho com abelhas.
O contrato com as professoras, previsto para o ano letivo de 1972, se encerrou e elas
decidiram retornar à São Paulo. Nesse ano, chegaram as professoras Vera Regina Lignolli Otero
e Marlene Aparecida González, que também retornaram após um ano de trabalho no
23
HOLLAND, J.G.; SKINNER, B.F. A Análise do Comportamento. Trad. Rodolpho Azzi col. Carolina Bori.
São Paulo: Herder/EDUSP. 1969.
24
SKINNER, B.F. Ciência e Comportamento Humano. Trad. J. Cláudio Todorov e Rodolpho Azzi. São Paulo:
EDART/EDUSP. 3ª edição. 1976.
136
laboratório. A professora Vera Otero apresentou um trabalho conjunto com Isaías Pessoti,
também com abelhas, na II Reunião da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, 1972,
intitulado Punição durante a extinção em Melipona Quadrifasciata Anthidioides. Vera Otero
registra o trabalho nos Anais, vinculando-se à Universidade Federal da Bahia.
Nesse período, a professora Carolina Bori intercedeu mais uma vez para indicar uma
professora para o Laboratório de Psicologia Experimental. Sugeriu o nome de Anamélia Araújo
de Carvalho que havia sido orientanda de Maria Amélia Matos no mestrado em Psicologia
Experimental na USP. Proveniente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Anamélia
esperava a implantação do curso de psicologia no seu Estado, quando recebeu o convite da
professora Carolina Bori, decidindo, então, assumir a coordenação do Laboratório e o ensino
da disciplina de Psicologia Experimental da UFBA, em 1973. Em seu depoimento para este
trabalho, ela relata fatos sobre sua relação acadêmica com a professora Carolina Bori, bem
como sua vinda para Salvador, a saber:
[...] [Carolina Bori] era uma espécie de orientadora, sempre foi assim, uma
orientadora acadêmica. Sempre estava com ela, discutindo com ela, né?
Então foi através da Carolina que eu vim para Salvador, porque eu terminei
o mestrado, defendi em junho de 72. E num evento que eu fui, acho que em
São Paulo, nos encontramos lá, esses encontros de Psicologia. Também
estava nessa ocasião o professor Saback, eles estavam justamente em contato,
porque a Carolina foi quem realmente deve ter implantado o laboratório
daqui de Salvador, da UFBA, do mesmo jeito que ela implantou “n”
laboratórios no Brasil todo, laboratórios de Psicologia experimental. Era
uma exigência ter laboratório, então ela implantou o laboratório em vários
locais... Quando nesse encontro, nesse evento, ela veio conversar comigo
antes, porque acho que ela fez a proposta e me apresentou a Saback. Aí houve
o entendimento, a gente se conheceu, se encontrou nesse evento, eu achei que
seria interessante a proposta e ficamos certos de fazer o contato entre
universidades. Eles iriam daqui de Salvador encaminhar um documento para
o Reitor. Saback ficou certo de entrar em contato com o Reitor, encaminhar
o pedido, de me trazer à disposição aqui para Salvador, pro reitor de lá, eu
voltei e fiquei esperando o trâmite dessa solicitação do pedido, né? Era para
começar em Janeiro, no início do primeiro semestre de 73, só que essa
documentação demorou um pouco, o trâmite não foi tão rápido e só no meio
do ano que saiu. Então eu vim no segundo semestre de 73, posta à disposição
de Salvador, como professora da Universidade da Paraíba, Federal da
Paraíba. (Informação verbal)25
25
Depoimento de Anamélia Araújo de Carvalho (2019)
137
26
Depoimento de Anamélia Araújo de Carvalho (2019)
138
27
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parecer MEC/CFE n° 1616/78, de 12 de maio de 1978. Dispõe sobre
o reconhecimento da habilitação formação de psicólogo do curso de Psicologia da Universidade Federal da Bahia.
Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/837/1/PSICO-RELAT%2012mai1978.PDF> Acesso
em 2 ago. 2019.
28
Relatório da comissão de avaliação do CFE em 23.05.1977. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
139
Orientando (a)
Título do trabalho Orientador(a) N* Ano Inst.
docente
Anamélia Araújo Esquiva discriminada no peixe dourado Maria Amélia M 1972 USP
de Carvalho (Carassiusauratus): efeitos de intensidade Matos
do choque
29
CARVALHO, Anamélia Araújo de. Planejamento de condições ambientais para produzir mudanças de
comportamento. Tese de Doutorado. Biblioteca de Teses e Dissertações da USP, Instituto de Psicologia, 1979a.
30
CARVALHO, Anamélia Araújo de. Esquiva discriminada no peixe dourado (Carassiusauratus): efeitos de
intensidade do choque. Biblioteca de Teses e Dissertações da USP, Instituto de Psicologia, 1972.
31
CERQUEIRA, Ildenor Mascarenhas. Efeitos da duração da consequência imediata da resposta sobre a aquisição
do comportamento de esquiva e a proposição de algumas medidas de aquisição e pós-aquisição. Dissertação de
Mestrado. Universidade de São Paulo. 1980. Localização: IP - Instituto de Psicologia (T BF319.5.A9 C416e e.2 ).
32
GÓES, Zorilda Santos. Descrição de intercâmbio verbais monitor-alunos em classe do Mobral. Dissertação de
Mestrado. Universidade de São Paulo. 1980. Localização: IP - Instituto de Psicologia (T BF637.C45 G598d e.2 ).
33
DUARTE, Eglê Vieira. Terapia Comportamental da Obesidade: Uma Aplicação de Técnicas de Autocontrole
para a Redução de peso; 1981; Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade de Brasília, 1981.
140
Gonçalves Pontes Sodré, Maria Eunice Lobo Ferreira Lima, Maria Luiza do Patrocínio
Cavalcante, Noeme Carvalho Miranda, Sonia Maria Rocha Sampaio, Sonia Regina Souza
Pereira e Tereza Cristina Carvalho Caribé de Araújo Pinho.
Os docentes envolvidos no desenvolvimento inicial da Análise do Comportamento
tinham interesse na criação de condições de ensino de uma psicologia cientifica
experimentalista. Observamos que a recepção da Análise do Comportamento ocorreu no âmbito
da demanda por um modelo de psicologia científica e sua consolidação fundamentou a crença
na cientificidade da psicologia entre os estudantes do curso. Conforme nos relatou a
entrevistada Maria Angélia Teixeira, registrando as condições precárias do laboratório,
Outro aspecto sobre o modo de recepção da Análise do Comportamento, que emergiu nas
entrevistas, foi a posição política dos estudantes afiliados à corrente behaviorista, que eram
reconhecidos como os principais atores nos debates políticos e na luta de resistência contra a
ditadura militar. Maria Angélia Teixeira confirma esse fato ao revelar que
[...] Era muito curioso como os alunos mais envolvidos com a política [...] até
pela história do behaviorismo, que tinha um certo comprometimento também
político, um histórico de politização, de compromisso político, de uma certa
orientação de esquerda e preocupada com o social [...] compromisso que a
análise do comportamento [...] postulava sobre o homem social, fruto do meio
ambiente, que deveria se adaptar e favorecer o social né? Retornar para o
social o que o social trazia pra ele. (Informação verbal)35
A entrevistada, rememora que, muitos daqueles que faziam parte do movimento de luta e
resistência contra o regime eram behavioristas. Essa percepção também foi descrita em outros
relatos colhidos para esta pesquisa. Em outro contexto, ao refletir sobre sua formação como
pesquisadora em história da psicologia, Antunes (2008) resgata algumas vivências enquanto
34
Depoimento de Maria Angélia Teixeira (2020)
35
Depoimento de Maria Angélia Teixeira (2020)
142
36
A criação do laboratório atendia, em essência, ao Parecer nº 403/62 do CFE, que afirmava que a Psicologia
Geral e Experimental serviria de apoio para o treinamento do estudante no campo da experimentação. (BRASIL,
1962)
143
Ao longo desta seção, pretendemos analisar o modo como a Psicanálise foi recebida e
apropriada pela comunidade acadêmica de psicologia na Bahia - instituição, docentes e
discentes. Procuramos entender como se deu a circulação da psicanálise, entre os anos 1968 a
1980, à luz das múltiplas dimensões envolvidas no fenômeno, ou seja, as condições sociais e
políticas que possibilitaram a emergência da cultura psicanalítica no país.
Os anos 1960-1970 foram décadas de profundas mudanças sociais e culturais no Brasil,
e em quase todo o mundo ocidental. Estudos sociológicos concordam em geral com a hipótese
de que a receptividade acerca da psicanálise por parte da cultura ocidental se deve à rápida
modernização, a secularização, à quebra das formas tradicionais de interação social e a
emergência de novas formas de entender a subjetividade. A psicanálise, de acordo com essa
perspectiva, preencheu um vazio criado com a separação entre a identidade pública e privada
gerada a partir da crescente industrialização e a perda dos sentimentos tradicionais de
comunidade. De acordo com essa visão, a psicanálise teria uma função de contenção social em
face das aceleradas mudanças e crises de valores morais diante da incapacidade de interpretar
os fenômenos sociais. (VELHO, 1986; 1987)
As grandes transformações culturais pós-1968 ajudaram a difundir a psicanálise nos
países ocidentais. A denominada revolução cultural envolveu uma flexibilização dos valores
morais, novos costumes sociais, conquistas femininas, quebra de padrões familiares tradicionais
e modificações nas práticas sexuais, ao mesmo tempo em que gerou uma crise identitária de
grande proporção. Nesse contexto, houve um acelerado crescimento da classe média
relativamente rica e educada, com novas expectativas de consumo. A emergente classe média
intelectualizada, que tinha acesso a meios de comunicação de massa, como TV, rádio, revistas
e jornais, passou a assimilar teorias e conceitos do campo psicanalítico, incorporando-os à
linguagem cotidiana, iniciando, dessa forma, uma corrida à clínica e uma intensa difusão da
psicanálise (RUSSO, 2004; PLOKTIN, 2003)
No contexto nacional, autores têm apontado, como veremos a seguir, a correlação entre
esse movimento de difusão da cultura psicanalítica e o esvaziamento dos espaços públicos com
o fechamento político pós AI-5. O regime político implantado pelos militares favoreceu o
37
Parte desta seção foi apresentada no XIII Encontro Clio-Psyché - Resistências: ciência e política na História da
Psicologia; Instituição promotora/financiadora: Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ - 2018. Também
foi publicada como capítulo de livro: SILVA, R. M. S. Formação dos psicólogos na Bahia durante o período da
ditadura militar: contribuição dos psicanalistas argentinos. In: JACÓ-VILELA, A. M.; MESSIAS, M. C. N. (org.).
Clio-Psyché - Ciência e Política na História da Psicologia. Curitiba: CRV, 2020. p. 205–220.
144
aceitando-os para análise, supervisão, cursos de formação e grupos de estudo, porém, negando-
lhes o título de psicanalista. (FIGUEIREDO, 2012; OLIVEIRA, 2017)
A cidade de Salvador não possuía nenhuma instituição psicanalítica formalizada,. No
período em que o curso de psicologia foi implantado, em 1968, o movimento psicanalítico no
país já contava com Sociedades de Psicanálise e seus respectivos institutos de formação,
reconhecidos pela IPA, estabelecidos em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Essas
instituições consideravam-se detentoras da psicanálise, reinando acima de outras instituições
que despontavam fora dos domínios da IPA. Tinham credibilidade e penetração no meio
universitário e intelectual, dominado por personalidades do meio médico-psiquiátrico.
(FIGUEIREDO, 2012)
Mas a Bahia não estava no raio de alcance dessa ambição expansionista e monolítica da
IPA. Quer por determinismos de ordem geográfica, quer por fatores econômicos, a Bahia ficou
de fora desses domínios. A psicanálise que se desenvolveu em Salvador, na década de 1970,
esteve vinculada a grupos que trabalhavam à margem da influência da IPA. Destaca-se, nesse
período, o grupo do Círculo Brasileiro de Psicanálise, representado pelo psicanalista didata
Carlos Pinto Corrêa, integrante do CBP de Minas Gerais e o grupo de psicanalistas argentinos,
capitaneado por Emílio Rodrigué, que aportou em Salvador fugindo da ditadura em seu país.
Faremos, nos próximos tópicos, uma descrição dos principais fatos e das diferentes
instituições e personagens do campo psicanalítico, de modo a demonstrar como se deu o
processo de recepção da teoria psicanalítica entre os profissionais do campo “psi” baiano, e da
importância da psicologia para o processo de difusão da psicanálise na cidade de Salvador.
que então inicia seu processo de intensa difusão na Bahia, encontra nos psicólogos seus clientes
preferenciais.
38
Os alunos oriundos destes dois cursos, Filosofia e Pedagogia, vieram a ser os primeiros psicólogos da Bahia por
força da lei nº 4.119/62, que regulamentou os critérios para conceder o registro de psicólogo àqueles que já
exerciam funções compatíveis com o título de psicólogo: Alice Costa, Caio Flamínio Silva de Carvalho, Cidália
Dias Mendez, Leopoldo Roberto Martins de Carvalho, Mercedes Carvalho, Moema Araújo, Romélia Santos,
Urânia Tourinho Peres e Zélia Madeira. (ROCHA, MORAES, CARVALHO, 2010)
147
[...] quando o curso avançou aí tinha uma influência muito grande porque na
hora das práticas nós estávamos nas clínicas (Hospital das Clínicas) ou
estávamos no Sanatório São Paulo, ou estávamos no Juliano Moreira [...]
nessa época nós participávamos das mesmas atividades junto com os alunos
de medicina, então basicamente a gente participava do mesmo programa,
tinha as reuniões técnicas e atendia dentro da ala da psiquiatria. [...] a gente
tinha contato com os pacientes e participávamos de eventos, muita coisa de
grupo, começou a ter participação em festas com os pacientes e que nós íamos
[...] a gente ia diretamente com os professores da medicina, praticamente
nossa prática era direta com eles. (Informação verbal)39
39
Depoimento de Telma Fernandes Mascarenhas (2019)
40
Luiz Fernando Pinto era psiquiatra, filósofo, psicanalista e especialista em Psiquiatria da Infância e da
Adolescência. É considerado um pioneiro na Bahia no tratamento de crianças chamadas de “excepcionais”. Era
proprietário do Instituto Psicopedagógico da Bahia (IPPB)- (1965-1973), que oferecia serviços psiquiátricos,
psicológicos e pedagógicos a crianças e adolescentes com necessidades especiais na área de aprendizagem e
coordenou o setor de Saúde Mental infanto-juvenil do Departamento de Pediatria da FMB. (GALVÃO, 2002;
RAPOLD, 1999; COUTINHO; MORAES, 2007).
148
41
Plano de Curso da disciplina Psicologia do Desenvolvimento, ministrada pelo professor Luiz Fernando Pinto
em 1969. Fonte: Arquivos FFCH/UFBA.
42
Caio Flamínio Silva de Carvalho havia sido transferido do Departamento de Psiquiatria para Psicologia em 1969,
na condição de Professor Assistente. Era graduado em Filosofia pela FFB, tendo iniciado suas atividades na
Universidade em 1957, como psicologista42 da CP. Conforme Silva (1995), Caio Flamínio foi, possivelmente, o
primeiro e durante algum tempo, o único psicoterapeuta oficialmente constituído na CP do Hospital das Clínicas,
sendo responsável pelas atividades de psicoterapia em adolescentes e crianças, aplicação de testes, realização de
seminários e supervisão de casos clínicos em psicoterapia, voltado, principalmente para os alunos de psiquiatria,
instrumentalizando-os tecnicamente para o exercício profissional. Foi o primeiro psicólogo inscrito no CRP 03 –
Bahia/Sergipe, Conselheiro na primeira e segunda gestão do CFP (1973-1976 e 1976-1979) e Coordenador do
Colegiado do curso de Psicologia da UFBA nas duas primeiras gestões. (SILVA, 1995; CORREIA, 2012)
43
Livros de Ementas e programas do curso de psicologia. Fonte: Arquivo FFCH/UFBA
44
Planejamento de Estágio Supervisionado do curso de Psicologia da FFCH/UFBA. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
149
exercício clínico, que atraia os jovens psicólogos em busca de especialização. A partir daí, a
psicologia vai encontrar a psicanálise em espaços formativos extramuros, ou seja, em coletivos
criados pelos profissionais do campo “psi” baiano para a transmissão da psicanálise,
independentes da universidade.
Carlos César Castellar Pinto - que fazia parte da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de
Janeiro (SBPRJ), instituição filiada à IPA, além de presidir a Associação de Psiquiatria e
Psicologia da Infância e da Adolescência (APPIA) do Rio de Janeiro45 - para fazer um programa
periódico de cursos e supervisão. A APPIA promovia no Rio de Janeiro, nesse período, uma
formação assistemática para os psicólogos, a partir dos cursos ofertados pelos argentinos
ligados a Associação Psicanalítica Argentina (APA), independente do cerco formativo que a
IPA fazia aos psicólogos. (FIGUEIREDO, 2012) A convite do NEP, Castellar passou a visitar
periodicamente a Bahia, realizando um trabalho de formação com seus integrantes. Dentre os
argentinos que vieram à Bahia, trazidos por Castellar, estavam os psicanalistas Eduardo Kalina
e Héctro Fiorini, este último vinculado ao campo da Psicoterapia Breve, além de Emilio
Rodrigué e da psicóloga e psicodramatista Martha Berlin.
Foi uma paixão recíproca. Decidimos voltar lá durante o verão, para fazer três
terapias de grupo. A tarefa prioritária do NEP era importar analistas para
iniciar uma formação, mas as numerosas tentativas com as sociedades
analíticas do Rio e de São Paulo tinham fracassado. (RODRIGUÉ, 2006,
p.222).
Rodrigué teve uma trajetória importante como psicanalista em Buenos Aires. Teve
formação como psiquiatra e psicanalista kleiniano. Foi analisando de Arnaldo Rascovsky,
psicanalista associado à APA. Quando foi morar em Londres, iniciou nova análise, com a
45
A APPIA foi fundada em 1972 e era voltada ao atendimento de crianças e adolescentes, congregando
profissionais da psicologia, medicina e assistentes sociais. Foi criada nos moldes da Associação Argentina de
Psiquiatria e Psicologia da Infância e Adolescência (ASAPPIA), fundada dois anos antes pelos psicanalistas
Maurício Knobel e Eduardo Kalina. A APPIA tinha como objetivo promover cursos, eventos e seminários, mas
não tinha em seu estatuto a direção de formação, por isso não rivalizava com as instituições oficiais da IPA.
(FIGUEIREDO, 2012)
151
psicanalista kleiniana Paula Heimann. Atendeu crianças sob supervisão de Melanie Klein, fez
observação de grupos com Bion e supervisão com Winicott. Em 1958, foi para os EUA onde
trabalhou na Clínica Austen Riggs, em Esalen, na Califórnia e publicou, em 1965, o livro
Biografia de uma comunidade terapêutica, como resultado dessa experiência. (BAREMBLITT,
2008)
Ao retornar à Argentina, Rodrigué foi presidente da Associação Psicanalítica Argentina
(APA), entre os anos de 1966 e 1967. A APA estava então consolidada, sobretudo a partir das
relações com o dispositivo médico psiquiátrico, autorizada pela IPA, desde 1949, e em
consonância com o modelo freudiano de certificação dos praticantes da disciplina. Mantinha-
se, então, distanciada do campo político, não se pronunciando, institucionalmente, sobre
programas ou medidas de governo. (VEZZETTI, 2009; DUARTE; FERNANDES;
RODRIGUES, 2012)
A Argentina estava, então, imersa numa ditadura e a posição de neutralidade política da
APA passou a ser questionada por alguns dos seus integrantes e pela sociedade. Denunciava-se
os descompromissos sociais da Psicanálise. Criticava-se as bases teóricas e funcionais desse
modelo “ortodoxo” de psicanálise e o silenciamento frente às situações de violência política,
tortura e mortes no país, como uma forma de abstinência política. Questionava-se, a estrutura
hierárquica, o elitismo, o monopólio da psicanálise, assim como o sistema de privilégios no
âmbito interno da APA. (VEZZETTI, 2009; FERNANDES; RODRIGUES; DUARTE, 2012;
FIGUEIREDO, 2012)
Em decorrência desses conflitos políticos e ideológicos, houve uma ruptura na instituição.
No bojo de uma série de protestos iniciados em paralelo a um Congresso Internacional da IPA,
realizado em Roma, em 1969, estava a insatisfação com a formação do psicanalista e seu papel
e imagem social. Em Roma estavam psicanalistas argentinos que também construíram sua lista
de reivindicações, integrando-se ao movimento batizado de Plataforma Internacional. O grupo
Plataforma argentino fazia reivindicações de temas “internalistas”, mas também sociais. Em
paralelo surgiu outro movimento contestador dentro da APA, denominado Grupo Documento.
As relações do grupo Plataforma com a APA foram se desgastando, levando à ruptura. Em
seguida o Grupo Documento também renuncia, desfiliando-se da APA. A cisão apoiava-se no
entendimento dos grupos de que, como cientistas e profissionais não deveriam colocar seus
conhecimentos a serviços de ideologias, sem questionar o sistema dominante que explora as
classes oprimidas. O grupo Plataforma, foi o primeiro grupo de psicanalistas a romper com a
IPA, por razões declaradamente políticas. Tal ruptura redundou em exílios forçados de
membros, discípulos e simpatizantes do grupo Plataforma, fazendo de alguns deles agentes da
152
Diante desse cenário de perseguição política, muitos argentinos imigraram para o Brasil.
(COIMBRA, 1995; RUSSO, 2002; FIGUEIREDO, 2012). Para a Bahia, vieram Emílio
Rodrigué e Martha Berlin, além de Bernardino Horne, Fernando Ulhoa, Luís Córdoba e Raul
Curel, dentre outros. (COUTINHO; MORAES, 2007). Em solo baiano, os psicanalistas
argentinos trouxeram a quebra do modelo médico-clínico, a cisão com a rigidez formativa da
APA, a crítica à neutralidade e aos padrões e critérios nas técnicas de atendimento. O
rompimento de arranjos tradicionais do fazer psicanalítico não seria possível em outro contexto
político, senão aquele que se fazia presente nas sociedades brasileira e argentina da época, sob
regimes ditatoriais.
Na Bahia, Rodrigué destacou-se por seu protagonismo no processo inicial de formação e
transmissão da psicanálise. Após sua primeira visita de trabalho, Rodrigué foi convidado a
continuar realizando formação terapêutica. Juntamente com Martha Berlin passou a residir em
Salvador durante seis meses por ano, passando os outros 6 meses na Europa. Viveram assim
por sete anos, fazendo a formação técnica de psicólogos e psiquiatras baianos. Diante da grande
demanda de participantes para os laboratórios e da impossibilidade de atender individualmente,
priorizaram as atividades grupais. Rodrigué e Lopes (1986) rememoram aquele momento:
Sua forma de trabalhar rompeu com a hegemonia das sociedades ‘oficiais’, questionando
a ortodoxia praticada e propondo novas formas de intervenção. Consubstanciado na crítica às
153
Rodrigué encerrou seu trabalho com o NEP em 1978. A partir de 1980, passou a viver em
Salvador, definitivamente. Na Bahia, escreveu El Antiyo-yo: nova proposta amorosa, A lição
de Ondina, Ondina, Supertramp e Gigante pela própria natureza. Já na década de 1990,
escreveu uma biografia de Freud, em três volumes, traduzido em várias línguas.
Os psicanalistas argentinos que vieram para o Brasil ajudaram a quebrar um padrão que
preconizava que a psicanálise deveria ser exercida exclusivamente por médicos. Psicólogos
passaram a ser aceitos para a formação em psicanálise, inclusive nas associações mais
ortodoxas, produzindo uma demanda crescente por terapia e formação profissional.
(FIGUEIREDO, 2012) Para os psicólogos da Bahia, a formação, reconhecidamente heterodoxa,
dos psicanalistas argentinos, possibilitou o acesso a novas práticas profissionais no campo
psicoterápico na Bahia. A psicanálise trazida por eles, influenciada pela escola inglesa,
fortemente marcada pelas teorias de Melanie Klein, distingue-se, especialmente pelas
inovações que introduziram no campo técnico, tais como as terapias breves ou focais. Também
se destaca pelo estilo de atendimento que se diferencia pela quebra de certas formalidades nas
154
46
O Instituto de Psicologia foi criado em 1965, pelo francês Martin Dubois, conhecido como Irmão Dubois, por
fazer parte da ordem religiosa Instituto dos Irmãos Maristas. O Instituto de Psicologia, que funcionava dentro da
Universidade Católica do Salvador (UCSAL), prestava serviços de testagem psicológica, orientação vocacional,
fonoaudiologia, psiquiatria e psicanálise à população que pudesse pagar por esses serviços. O Instituto foi fechado
em 1977 e é reconhecido como o primeiro Instituto de Psicologia da Bahia. (AZEVEDO; TRANQUILLI, 2012).
155
Carlos Pinto Corrêa iniciou seu trabalho de formação recebendo dois participantes para
análise didática: os médicos psiquiatras Eny Iglesias e Luís Fernando Pinto. (GALVÃO, 2002)
A partir daí, passou a realizar seu trabalho de formação e transmissão da psicanálise na cidade
de Salvador, atendendo analisandos e supervisandos, dentre eles, vários docentes e discentes
do curso de psicologia da FFCH/UFBA. Transferiu-se definitivamente para Salvador, fundando
o Círculo Psicanalítico da Bahia e dando continuidade a uma sólida atividade formativa em
Salvador. Formou inúmeros grupos, em vários segmentos profissionais ligados ao campo “psi”
baiano. Entre os psicólogos, diversos docentes do curso de psicologia, estudantes e recém-
formados foram analisados e supervisionados por ele.
Um traço peculiar do processo inicial de formação dos psicólogos baianos no campo
psicanalítico foi a independência em relação ao cerco formativo da IPA. Considerando-se que
a recepção da psicanálise na Bahia deu-se através de dois núcleos constituídos pelos
psicanalistas argentinos, arregimentados pelo NEP, e pelo psicanalista mineiro Carlos Pinto
Corrêa, vinculado ao CBP, é interessante observar que esses agrupamentos pioneiros de
formação e transmissão da psicanálise tinham como característica o fato de serem, ambos,
signatários, pessoal ou institucionalmente, de uma oposição à IPA. Os principais efeitos da
recepção desses grupos, independentes da IPA foram: o distanciamento das normas rígidas de
acesso à psicanálise; um certo ecletismo de teorias e práticas no processo de formação e
transmissão; independência institucional e profissional em relação às Sociedades Psicanalíticas
ligadas à IPA; e, por fim, o surgimento de instituições de formação sob a liderança de
psicólogos.
A psicanálise expandiu o campo profissional dos psicólogos. Apoiados no projeto
político-institucional dos dois grupos instituintes da psicanálise no cenário baiano, os
47
CORRÊA, C. P. Entrevista para o Circular – Boletim Informativo do CBP, publicada em edição especial, Ano
II, p. 2, out. 1993. Disponível em: http://www.circulopsibahia.org.br/entrevistas.htm. Acesso em 07 mai 2018.
156
psicólogos ampliaram seu campo de atuação no mercado de trabalho. Uma pesquisa realizada
com os psicólogos na década de 1980 mostra que 52,2% dos psicólogos baianos atuavam na
psicologia clínica, área que absorvia o maior contingente de psicólogos desde o seu primeiro
emprego. (CONSELHO FEDERAL DA PSICOLOGIA, 1988) Esse dado é resultado de um
percurso iniciado na década anterior, com a forte influência da psicanálise que se
institucionalizou na Bahia, na época. Conforme aponta Rudá, Almeida Filho e Coutinho (2015),
é a partir da década de 1970, que:
Por outro lado, a crítica dos discentes era sustentada no estigma de uma “clínica de
direita”, reacionária, burguesa e elitista atribuído à psicanálise. (OLIVEIRA, 2017) Os
opositores denunciavam o posicionamento político dos psicanalistas que adotavam o
silenciamento e neutralidade diante da situação política do país, ausentando-se dos movimentos
de luta estudantil e manifestações, sem jamais criticar a ditadura militar. A entrevistada Maria
157
Angélia Teixeira relembra esse período inicial do curso e de como a psicanálise era criticada
como uma teoria que privilegiava a elite:
[...] no início não tinha nada de psicanálise, tinha um fantasma que todo
mundo atacava. [...] durante o curso, eu li Freud, fiquei encantadíssima com
os casos clínicos de Freud que foi o Caio (Flamínio) que deu pra gente ler e
aí quando eu comecei a me encantar com isso eu só ouvia crítica: coisa antiga
de Viena, coisa da burguesia, você vai se interessar por isso, tem coisas tão
novas, americanas [...] a crítica sempre foi severa, de que era uma teoria
burguesa, dirigida a burgueses, quem praticava era burguês e quem tinha
acesso a essa formação e atendimento era a burguesia que não ia à
universidade, não era formada na universidade e ademais, além de não ser
formada na universidade, tinha a fama de ter preços caríssimos que só uma
elite privilegiada poderia desfrutar e ter o privilégio de ter esse atendimento.
(Informação verbal)48
48
Depoimento de Maria Angélia Teixeira (2020)
49
Na Rússia do início do século, Ivan Petrovitch Pavlov (1846-1936) recebeu o Prêmio Nobel (1904) de medicina,
como resultado de seus trabalhos sobre a atividade digestiva e o reflexo condicionado. Tais estudos deram origem
a um modelo de psicologia materialista, “retomado pelos marxistas, e depois pelo regime comunista, para combater
as doutrinas ditas ‘espiritualistas’, entre as quais a psicanálise”. (ROUDINESCO E PLON, 1998, p. 674) Em 1930,
a psicanálise foi erradicada da URSS, apesar de algumas práticas clandestinas, enquanto o modelo pavloviano
dominava toda a psicologia. Seu trabalho influenciou o behaviorista Watson, bem como o behaviorista radical
Skinner (1904–1990), que estava apenas começando seu estudo de psicologia quando encontrou Watson e Pavlov.
(PICKREN; RUTHERFORD, 2010)
158
50
O assunto foi abordado no documento Informação nº 267/NASV/SNI/69. Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo:
Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e encadernados). REF:
BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_82005125_d0001de0001.
162
51
Fonte: Arquivos AESI/UFBA, Caixa 2, Pasta 429.
52
Correspondência assinada pelos representantes estudantis em 25/11/1974. Registrada sob nº 293, às fls 28, do
Livro 01 de Protocolo de Porta, em 25/11/1974. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
163
53
Documento de conclusão da IV Semana de Psicologia da UFBA – 1972. Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
165
54
As normas para ingresso no curso de Formação de Psicólogo foram aprovadas pela Câmara de Ensino de
Graduação, através do Parecer nº 81/72 de 04.07.1972, que tratou sobre as "Normas para instalação de
funcionamento do Curso de Psicólogo criado mediante aprovação do Parecer nº 41/ 72, da Câmara de Ensino de
graduação do Conselho de coordenação da UFBA”.
166
feito quatro anos de curso (bacharelado e licenciatura), se submetessem a uma seleção para
poderem ingressar no curso de formação de psicólogo.
Ocorre que, quando a Câmara de Ensino de Graduação autorizou o início da habilitação
em Formação de Psicólogo, já havia um contingente superior ao número de vagas (70)
aguardando o início do curso. Por discordar da necessidade de realizar um novo processo
seletivo para ingresso no curso de formação de psicólogo, os discentes formalizaram uma ação
judicial e impetraram Mandado de Segurança contra a UFBA, acolhido pelo juiz da Justiça
Federal. Na petição inicial em que constam o nome dos discentes, está registrado os motivos da
ação:
55
Mandado de Segurança nº 7386. 1ª Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária do Estado da Bahia. Em
23.04.1973. Arquivo CAD/UFBA.
56
Depoimento de Ana Maria Santos Rocha (2019)
57
Jornal Tribuna da Bahia, Salvador, de 08 de março de 1972, p. 5.
167
Na citada matéria, há o posicionamento da Reitoria, que disse não dispor “[...] de verba
para criar o último ano e alega que não há mercado de trabalho para psicólogos na Bahia”. Os
discentes se posicionaram também, apresentando uma pesquisa realizada em empresas da
cidade que afirmavam necessitar de psicólogos em seus quadros profissionais. Citam as
instituições consultadas: Secretaria do Trabalho e Bem Estar Social (SETRABES), INPS,
Associação dos Psicólogos da Bahia, Serviço Médico da UFBA e Superintendência do Centro
Industrial de Aratu (CIA). Ao final da reportagem, há uma correspondência do Superintendente
do CIA, Elmo Serejo Farias:
58
Fonte: Arquivos da AESI/UFBA, Caixa 4, p. 922/923.
59
Fonte: Arquivos da AESI/UFBA, Caixa 4, p. 989/990.
60
Relatório do Diretório Acadêmico de 1973. Fonte: Arquivo CAD/UFBA
169
estudantil tentando reorganizar os Das e DCEs foram a “Refazendo”, ligada a Ação Popular
Marxista Leninista do Brasil (APML), a Unidade, representada pelos simpatizantes do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), a “Caminhando”, ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
e a “Viração”, denominação utilizada na Bahia, que representava os estudantes do PCdoB.
(LIRA, 2010) A rearticulação do ME motivou a Assessoria Regional de Segurança e
Informações do Nordeste (ARSI/NE) a encaminhar um Ofício ao Reitor da UFBA, em 28 de
junho de 1973. O documento solicitava providências sobre a reorganização do movimento
estudantil, que se dava através da criação de entidades que estavam sob o comando do PCB, do
PCdoB e da APML. (BRASIL, 2014; UFBA CMSMV, 2014)
A AESI acompanhava a realização das eleições estudantis e, em 21 de agosto de 1973,
enviou ao Reitor as informações sobre as chapas vencedoras com os nomes dos integrantes do
DA de Psicologia, daquele ano61. Foram eleitos representantes para o Colégio Eleitoral,
Congregação, Conselho Departamental, Colegiados, Departamentos e Diretórios Acadêmicos.
Apresentamos abaixo a composição da chapa única de Psicologia nos respectivos cargos, para
exercício no ano de 1973:
61
Informação nº 076/73/ASI/UFBA. Fonte: Arquivos AESI/UFBA, Caixa 11, n. 3874.
170
[...] que as publicações Reflexo e BIS são apócrifas e clandestinas, “não tendo
sido possível identificar os seus responsáveis diretos, nem os locais onde são
impressos”. Quanto aos fatores que estão influenciando a conduta
contestatória dos estudantes, a AESI cita problemas acadêmicos ocasionados
pela reforma universitária, tais como jubilamento, ciclo básico, além de outros
como instalações precárias, falta de professores, dificuldade de locomoção
entre as escolas. Diz também que não há ninguém nos diretórios ligados ao
movimento de esquerda, “salvo a Secretária do DCE, que foi presa por Órgão
de Segurança”. E conclui informando que está providenciando a relação
nominal e dados de qualificação dos líderes estudantis. (UFBA CMSMV,
2014, p.27-28)
A Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA também foi inquirida sobre uma
encenação de peça teatral que os estudantes pretendiam realizar sem a aprovação do Serviço de
Censura de Diversões Públicas. O Superintendente da Polícia Federal encaminhou ofício ao
diretor da FFCH, datado de 20 de novembro de 1973, inquirindo sobre tal apresentação. Esse
ofício continha, por engano, um relatório assinado por um agente de espionagem, o que trouxe
à tona o nome de Sinval Mota Mascarenhas – Agente 17. Nesse relatório, o agente infiltrado,
Sinval Mota Mascarenhas, informou que a peça “Alfaiate”, que retratava a figura de Tiradentes
e a Inconfidência Mineira, fora encenada na Sala 13 da FFCH, “servindo de crítica para o
Governo Revolucionário Brasileiro”. (UFBA CMSMV, 2014, p. 30) No dia seguinte, um novo
Ofício do Superintendente da Polícia Federal, dirigido ao Diretor da FFCH, informava ter
conhecimento de que a peça havia sido encenada na Sala 13 e pedia o nome e o curso de todos
os alunos que estavam à frente de tais eventos. No mesmo dia, o agente Sinval enviou um
relatório complementar, informando que voltou à FFCH para verificar se a peça “Canudos”,
que havia sido anunciada, ocorreria, mas que a peça foi iniciada, porém, interrompida por ordem
171
Nós tínhamos que tomar cuidado com todo tipo de coisa que se possa
imaginar, era dito pra gente que a gente nunca citasse o nome de pessoas por
nenhum motivo. A gente não andava com pessoas que a gente não tinha uma
justificativa acadêmica para estar junto dela, as pessoas que estavam se
envolvendo no movimento estudantil não andavam com pessoas do curso que
não tivessem fazendo alguma disciplina ou que não tivessem alguma
justificativa plausível. Você tinha que estar preparada para qualquer
momento que você fosse preso você justificar de todos os lugares que você
estava e todos os agrupamentos, agrupamentos por curso e por tarefa.
(Informação verbal)64
62
Cf. Anexo D, p. 250
63
Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
64
Depoimento de Ana Helena Caldeira Galvão (2019).
172
65
O assunto foi abordado no documento Informação nº 572/S-102-A4-CIE do Ministério do Exército. Fonte:
Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e
encadernados). REF: BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_80009667_d0001de0001.
173
exercício no ano de 1974, foram eleitas em chapa única. Apresentamos abaixo a composição
da chapa e seus respectivos cargos:
dura ou simplesmente massa, era o pessoal que não tinha formação, era o
pessoal que você precisava convencer a ir para uma assembleia. As pessoas
tinham muito medo, em 1972, de ir a uma Assembleia. (Informação verbal)66
e) “expulsar também qualquer aluno que tome parte em passeata com objetivo
subversivo, de vandalismo, de desordem ou de tumulto”;
66
Depoimento de Ana Helena Caldeira Galvão (2019)
175
67
Informação nº 460/75/ASI/UFBA, de 23 de outubro de 1975. Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço
Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e encadernados). REF:.
BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_82003613_d0001de0001.
176
abertura gradual do regime. Porém, nesse contexto político, o ano de 1975 foi de grandes
mobilizações. A imprensa passou a ter presença mais ativa, divulgando os eventos estudantis e
apresentando a pauta de reinvindicações para o grande público. Nesse ano de 1975, foi
deflagrada uma greve geral na UFBA, contra o jubilamento, incluindo:
68
Documento Registrado sob o nº 291, às fls. 53 do Livro 1 de Protocolo de Porta. Em 02 de outubro de 1975.
Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
177
Preocupados com os colegas presos em Minas Gerais, o DCE convocou uma reunião na
Faculdade de Ciências Econômicas, que foi proibida pela Reitoria. Punitivamente, o
69
Ata do Departamento de Psicologia, realizada em 06.10.1975. Fonte: Arquivo da FFCH/UFBA.
70
Ata do Departamento de Psicologia, realizada em 24.11.1975. Fonte: Arquivo da FFCH/UFBA.
71
Fonte: Arquivos da AESI/UFBA, Caixa 7, Pasta 2367/2369.
72
Ata do Departamento de Psicologia, realizada em 13.10.1975. Fonte: Arquivo da FFCH/UFBA.
178
73
Portarias nºs 500/76 e 501/76, da Reitoria da UFBA, datadas de 18.03.1976.
179
Novas medidas autoritárias foram adotadas para conter o movimento estudantil. A FFCH
foi totalmente revistada e os alunos impedidos de entrar nas salas para fazer qualquer
comunicação. Mesmo assim, os estudantes da FFCH, que reunia os cursos de Psicologia,
História, Ciências Sociais e Filosofia, pregaram cartazes nas paredes onde se lia Colegas presos,
Economia em greve. Em seguida, o diretor da faculdade Eduardo Saback e o vice-diretor Ruy
Simões percorreram a faculdade, orientando aos funcionários que arrancassem os cartazes. No
dia seguinte, o professor Ruy Simões não permitiu a entrada dos alunos na sala de aula, fazendo
uso da expressão: “a maré não está pra peixe”. A citada matéria jornalística publicou, em
primeira página, que o professor de filosofia “Ruy Simões deu um espetáculo patético à parte”.
Dando voz aos estudantes, o jornal informou:
180
74
Jornal Diário de Notícias: “Estudante não cedem a pressão”, Ano 101, Nº 22.154, p. 3, Salvador-Bahia, 20 de
março de 1976.
75
Documento Registrado sob o nº 293, às fls. 28 do Livro 1 de Protocolo de Porta. Em 06 de dezembro de 1974.
Fonte: Arquivo CAD/UFBA.
181
professores dêem mais aulas do que são obrigados, ficará evidenciado mais
ainda o déficit de professores do curso.76
A nova chapa do DA, eleita para a gestão 1977, enfrentou um ano intenso, com greve e
prisões de alunos de Psicologia. No Quadro 12, abaixo, estão os nomes dos representantes
estudantis do DA de psicologia e das representantes do DCE, discentes do curso, conforme
Encaminhamento confidencial do SNI77.
76
Jornal Tribuna da Bahia, Curso de Psicologia: Alunos reclamam mais professores, 18 de junho de 1976, p. 11.
Fonte: Arquivos da AESI/UFBA, Caixa 7, Pasta 2282/2286.
77
Como se trata de fontes de natureza repressiva, os dados podem conter erros e imprecisões.
182
Sandra Regina Soares Freire, vice-presidente do DCE nessa gestão de 1977, foi uma de
nossas entrevistadas. Ela rememorou aquele momento de luta e sua participação como uma das
líderes no movimento pela reabertura do restaurante universitário e seu protagonismo no
movimento cultural entre os estudantes.
Eu fui vice-presidente do DCE e essa chapa foi uma chapa, assim, bem
marcante porque o movimento estudantil tava, assim, numa certa crise. As
lideranças mais históricas estavam tendo algumas dificuldades, né, na época
se falava ideológicas. [...] Então, a chapa era composta de 12 membros, [...]
seis experientes e seis inexperientes, novos, né, recém ingressos na
universidade. E eu estava entre esses recém ingressos. [...] Então, aí nessa
gestão os novos acabaram se empoderando mais e empreendendo algumas
lutas, né, como a luta do restaurante universitário, [...] do bandejão. É, tava
fechado. E aí eu estive mais à frente disso assumindo a vice-presidência do
DCE. Eu era uma pessoa muito tímida, né, mas também, assim, muito
impulsiva e tal e isso acabava me colocando em certas circunstâncias, assim,
de liderança, né? Era um paradoxo, a inibição e o impulso. E aí eu liderei um
movimento interessante, claro junto com outras pessoas, de maratona
cultural. A gente nessa época lançou Diana Pequeno [...] e mobilizou muito a
183
Ouvimos também a presidente do DA, gestão de 1977, Ilka Dias Bichara, que reconheceu
a importância do movimento cultural para a luta política e rememorou algumas estratégias
adotadas pelo movimento estudantil, no período:
78
Depoimento de Sandra Regina Soares Freire (2019)
79
Depoimento de Ilka Dias Bichara (2019)
184
80
Carta precatória é um instrumento utilizado pela Justiça quando existem indivíduos em comarcas diferentes. É um pedido
que um juiz envia a outro de outra comarca.
81
Consta no Encaminhamento n. 257/77/ASI/UFBA o nome dos 12 estudantes da UFBA que tentaram participar do III
Encontro Nacional de Estudantes em BH/MG: Antônio Carlos Sales Icó Souto (Administração); Carlos Alfonso Leite Caricchio
(Economia); Clara Maria de Oliveira Araújo (Ciências Sociais); Edgard Miranda Chaves (?); Elias Nunes Dourado (Farmácia);
Francisco Fontes Lima Neto (Geologia); Lafayete David de Freitas Júnior (Ciências Sociais); Luíz Augusto de Araújo Marques
(Geologia); Maria Amália Campinho Clementino (Psicologia); Maslowa Islanowa Cavalcanti Freitas (Ciências Sociais); Rita
de Cássia Maskell Rapold (Psicologia); Pascoal Torres Muniz (Nutrição). Fonte: Arquivo AESI/UFBA, CAIXA 9, n.
2969/2970 e UFBA CMSMV, 2014.
82
Depoimento de Rita de Cássia Maskell Rapold (2019)
83
Depoimento de Rita de Cássia Maskell Rapold (2019)
185
estudantes ao III ENE84. Dois dias após a partida da delegação para o III ENE, os estudantes da
UFBA permaneceram em vigília, por já terem recebido a notícia das prisões em Belo Horizonte,
ocorrida no dia anterior. Foram avisados por meio de telefonemas dos estudantes que viajavam
em um ônibus não interceptado pelos policiais mineiros. Cerca de 100 estudantes estiveram
reunidos na sede do DA na FFCH, onde foram criadas: uma comissão de finanças com o fim
de angariar fundos para o pagamento de advogados que seriam contratados, caso os estudantes
permanecessem presos, outra para entrar em contato com o clero pedindo-lhe assistência para
os estudantes detidos e uma terceira comissão para reunir os pais dos estudantes implicados,
em busca de uma solução comum. Também foi formada uma quarta comissão a fim de
conclamar os estudantes, inclusive dos cursinhos, para solicitar apoio e afixar cartazes com os
nomes dos alunos detidos nas diversas unidades da UFBA.
No dia 5 de junho de 1977, houve uma reunião dos integrantes do ME com os familiares
dos estudantes presos, no Mosteiro de São Bento, em Salvador-Bahia, para discutir meio de
libertá-los. (UFBA CMSMV, 2014) Já no dia 6 de junho, foi realizada uma assembleia geral
universitária na Escola Politécnica da UFBA, com a presença aproximada de oitocentos
estudantes, para decretar uma greve geral de 48 horas, criticar o impedimento e a repressão do
III ENE e a prisão dos estudantes participantes. Nesse mesmo dia, haviam chegado, no início
da tarde, os primeiros delegados estudantis que haviam ido para Belo Horizonte,
desembarcando do ônibus e sendo recebidos por familiares e integrante da comissão de
recepção.
Os estudantes deram entrevista coletiva à imprensa na faculdade de FFCH, afirmando que
foram vítimas de pressões psicológicas e ameaçados de serem levados para quartéis do Exército.
Foi decretada a suspensão da greve iniciada às 12 horas do dia 6 de junho. A imprensa divulgou
as prisões, a decretação da greve e toda a mobilização estudantil em torno da prisão dos
estudantes em Belo Horizonte (Figuras 10, 11 e 12)85.
84
Fonte: Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e
encadernados). REF: BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_77105882_D0001DE0001.
85
Jornal da Bahia: Estudantes contam como foi a prisão em Belo Horizonte, 08 de junho de 1977, p. 5; Tribuna
da Bahia: Estudantes respondem às prisões com greve geral, 07 de junho de 1977, p. 3; Tribuna da Bahia: Quase
todos os estudantes fizeram greve simbólica, 14.06.1977, p.3.
186
86
Ofício nº 242/77/SI. Fonte: Arquivos AESI/UFBA, Caixa 9, Pasta 2861/2862.
188
87
Ofício emitido pelo Reitor da UFBA, nº 1685/77 datado de 07.10.1977. Fonte: Arquivos AESI/UFBA, Caixa 9,
Pasta 2833/2834.
88
Arquivos AESI/UFBA, Caixa 9, Pasta 2847/2848.
189
89
Para estudo sobre o movimento de luta pela anistia na Bahia, cf. DUCCINI, F. M. B. A luta pela anistia na
Bahia. Editora Viseu, Maringá-PR, 2018.
90
Emenda Constitucional nº 11 de 1978, publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 2 - 14/10/1978.
91
Fico (2012) evidencia a diferença entre a Campanha da Anistia e a Lei da Anistia, de 1979. A campanha, surgiu
em 1975, quando foi criado o Movimento Feminino pela Anistia. A campanha ganhou mais fôlego em 1977,
quando eclodiu manifestações estudantis em várias cidades do país. Em 1978 formou-se o Comitê Brasileiro pela
Anistia, lançado no Rio de Janeiro, com a exigência de uma anistia ampla, geral e irrestrita, que se tornou o slogan
da campanha. Diferentemente da campanha, que trazia uma esperança, a Lei da Anistia, aprovada em 1979,
consagrou a impunidade. “A exclusão da anistia dos “condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto,
sequestro e atentado pessoal” e o chamado “perdão aos torturadores” frustraram a expectativa otimista da
campanha. A lei de 1979, que beneficiou oposicionistas, mas também foi uma autoanistia, tornou-se a principal
cláusula da transição democrática dos anos 1980 e consagrou a impunidade”. (FICO, 2012, p. 51).
190
Chile e depois para a França. Foi detido em Santiago, capital do Chile, quando tentava passar
alimentos para os brasileiros asilados na Embaixada do Panamá. Em 1976, o Ministério das
Relações Exteriores (MRE) fez Pedido de Busca ao SNI para atendimento de pedido de
prorrogação do passaporte de Acácio Francisco Araújo Santos92. Acácio se encontrava na
França quando preencheu o pedido de concessão de passaporte brasileiro no Consulado Geral
do Brasil em Paris. O Ministério da Aeronáutica respondeu ao Pedido de Busca do MRE, em
23.11.1976, informando:
92
Pedido de Busca nº DSI/3354/MRE. 28 de setembro de 1976. Assunto: Concessão/Prorrogação de Passaportes.
Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e
encadernados). REF: BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76099550_d0002de0002)
93
Resposta de Pedido de Busca nº 0944/Ministério da Aeronáutica/CISA. 23 de novembro de 1976. Arquivo
Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e encadernados). REF:
BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76099550_d0002de0002)
94
O Informe nº 012/310/ASV/79. 15 de fevereiro de 1979. Assunto: Regresso – Acácio Francisco de Araújo Santos.
Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e
encadernados). REF: BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_79000164_d0001de0001
95
Informe do SNI Nº 018/310/ASV/79. 09 de março de 1979. Assunto: Regresso de exilados – Salvador/Ba.
Arquivo Nacional (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações – SNI (acervo textual – Avulsos e
encadernados). REF: BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_79000094_d0001de0001)
191
Acácio sumiu no primeiro ano, naquela época ainda era ano, no primeiro ano
do curso. Eu sei que ele sumiu e aí quando houve a Anistia [...] o Comitê
Brasileiro da Anistia fazia toda uma programação para a recepção dos
exilados que estavam chegando. No caso específico de Acácio, [...] ele era
estudante de Psicologia, então coube a mim. Me lembro que eu fui um dia de
madrugada para casa de um amigo aqui em Ondina para ligar para Paris
para falar com ele, porque as comunicações não eram com a facilidade que
tem hoje, né? Então eu fui para casa desse meu amigo [...] e ele morrendo de
medo, mas aí tinha que ligar e eu liguei da casa dele e tal e aí combinei com
Acácio, aí tive contato com a família. Mas, assim, representando o Comitê
96
Jornal Tribuna da Bahia: “Exilados e Banidos: a hora de voltar”, de 24 de janeiro de 1979, p. 9.
192
97
Depoimento de Rita de Cássia Maskell Rapold (2019)
98
Depoimento de Maria Angélia Teixeira (2020)
193
professores nas assembleias estudantis. A partir de uma leitura atenta das atas encontradas
daquele período, identificamos que não houve qualquer anotação ou registro sobre o movimento
estudantil ou paralisação de aulas que ocorriam naquele momento. O segundo, em 1976, diz
respeito ao posicionamento da direção da FFCH, na figura do professor do curso de psicologia
e psiquiatra Eduardo Saback e seu vice-diretor, o professor de filosofia Ruy Simões. A
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas foi totalmente revistada e os alunos impedidos de
entrar nas salas, fazer qualquer reunião ou comunicação através de cartazes.
Acresce um terceiro episódio, também digno de nota, que ocorreu em 1977, quando os
12 estudantes da UFBA foram presos indo para o III Encontro Nacional de Entidades
Estudantis. Dentre eles, havia cinco alunos da FFCH, três de Ciências Sociais e dois de
Psicologia. Ao relatar sobre os momentos difíceis que passou, a prisão, o medo e o sofrimento
de seus pais, Rita Rapold relembra, por um lado, o acolhimento que recebeu dos colegas e de
alguns professores e, por outro, a ausência de qualquer movimento por parte do diretor da
Faculdade para receber os estudantes recém libertados, “[...] ele não fez nenhum movimento [...]
não chamou a gente [...]”99. De fato, o posicionamento do Diretor da FFCH havia sido de
impedir a realização de uma assembleia geral convocada pelo ME, no período que os estudantes
se encontravam em Belo Horizonte. Na pesquisa que empreendemos, constatamos um
documento que a AESI/UFBA encaminhou ao Reitor, com um relatório das atividades
estudantis ocorridas no período, no qual especifica:
99
Depoimento de Rita de Cássia Maskell Rapold (2019).
100
Encaminhamento nº 153/77/ASI/UFBA. Assunto: Movimento Estudantil. Fonte: Arquivo AESI/UFBA, Caixa
6 – Pasta 1423 E 1424
194
[...]Tinha professor de dizer na aula: “Ela está fazendo uma coisa por todos
nós”. E não dar falta. [...] não tinha aqui nenhum professor do curso de
Psicologia que fosse assim direitista, né? Você tinha aquele pessoal que não
participava não queria se envolver e tinham os bem envolvidos [...] que
acobertavam a gente mesmo. Saback que não era um que se envolvia muito.
Saback era vice-diretor da Faculdade de Filosofia e em 1975 quando teve
uma greve grande, foi a primeira greve geral dos estudantes da UFBA, depois
de 1968. E aí o Exército veio invadir a Universidade e ele não deixou entrar
no Campus. [...] Eles ficaram lá fora, agentes à paisana entraram. Eu me
lembro que a gente não podia fazer uma Assembleia, só podia reunião de até
cinco pessoas e nós fizemos Assembleia dos cursos e depois de São Lázaro de
5 em 5. A gente fazia os grupos de cinco, todo mundo sentado naquela descida
ali nos grupinhos, aí esse grupinho discutia, tirava um representante que ia
para o cinco de outros representantes tirar [...] e a gente tirou uma decisão
duma passeata na Politécnica. (Informação verbal)101
Por outro lado, também relataram casos de professores que criavam situações de embates
e provocação em sala de aula, interpretado pelas entrevistadas como tentativas de fazer o aluno
se expor politicamente, de modo temerário. O medo imperava entre alunos e professores.
Referindo-se à participação ou posicionamento político dos docentes, algumas entrevistadas
trouxeram falas, como relatou Ana Helena Caldeira Galvão: “quase nada, quase nada” [...]
“enquanto os professores eram mais na retaguarda, politicamente falando, não tinham muita
participação, a luta estudantil comia no centro” (Informação verbal)102.
A ditadura militar tinha como uma de suas características marcantes o investimento
massivo voltado ao campo informacional e repressivo. Em 1970, o Comandante da VI Região
Militar, General Abdon Senna, enviou ofício ao Reitor da UFBA, datado de 19.03.1970,
solicitando a remessa de uma lista com nomes e cargos de todo pessoal admitido na
Universidade a partir de 1969. Em 1972, a DSI/MEC criou as Normas para Pedidos de
Levantamento de Dados Biográficos – LDB. Visava a produção e controle de informação e de
diagnóstico político dos docentes investigados. (UFBA CMSMV, 2014)
O procedimento consistia na obtenção sigilosa, pelos órgãos integrantes do SISNI, de
dados sobre pessoas cogitadas para o exercício de cargos, funções, comissões ou afastamento
do país. A universidade deveria preencher uma Ficha de Qualificação, documento no qual seria
registrado os dados individuais de identificação e qualificação a respeito da pessoa a ser
investigada. A DSI/MEC, de posse dessa Ficha faria o Levantamento de Dados Biográficos
sobre a pessoa e geraria uma Ficha Sintética de apreciação que era encaminhada à universidade
101
Depoimento de Ilka Dias Bichara (2019).
102
Depoimento de Ana Helena Caldeira Galvão (2019).
195
ditadura militar, dentro da UFBA, de modo a acompanhar a dinâmica de luta dos discentes e
docentes do curso de psicologia. Evidenciamos a demanda por: melhoria das condições de
funcionamento do curso; melhores instalações físicas; implantação do curso de Formação de
Psicólogo; aumento da oferta de vagas e de mais espaços institucionais para práticas de estágio.
Havia, ainda, as reivindicações pela reformulação do currículo e por mais professores para
atender às diversas disciplinas. As preocupações eram, sobretudo, em torno da formação
profissional de um crescente número de psicólogos, que vislumbravam a realidade do escasso
mercado de trabalho soteropolitano. Por outro lado, havia, sobremodo, as pautas coletivas, que
envolviam o ME na luta pela redemocratização e contra a censura, a perseguição, a vigilância
e as prisões, que eram abraçadas pelos discentes do curso.
197
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Umberto Eco concluiu sua fala, em uma conferência que fez na Columbia University, em
1995, contando como soube do fim do regime fascista italiano. Relembrou quando sua mãe lhe
pediu para ir a uma banca comprar um jornal e, ao ler as manchetes, percebeu que havia matérias
citando vários partidos. Até aquele momento, lembra Eco, pensava que só existisse um único
partido na Itália: o Partido Nacional Fascista. E foi assim que se deu conta do fim da ditadura e
o retorno à “liberdade de palavra, de imprensa, de associação política”. Ditadura e liberdade
foram palavras que entraram, ali, no seu vocabulário e o fez renascer como homem livre
ocidental. Com esse relato memorialista, Eco encerrou a conferência intitulada O fascismo
eterno, na qual explanou sobre regimes políticos e suas ideologias que, mesmo depois de
perderem sua legitimidade, permanecem enquanto “[...] modos de pensar e de sentir, enquanto
hábitos culturais”. (ECO, 1998, p. 34)
As histórias e memórias subterrâneas do período da ditadura militar brasileira, que
subsidiaram este trabalho, nos remeteu aos seus significantes associados, tais como,
clandestinidade, não dito, silenciamento, ocultamento e esquecimento como defesa, e sua outra
face, vigilância e perseguição, que se perpetuam e ressurgem como “modos de pensar”, como
“hábitos culturais” mas, também, como projetos políticos. O que nos instigou diante do dilema
entre julgar ou compreender, e que, ao fim e ao cabo, nos provoca, ainda, muitas e tantas
reflexões. (POLLAK, 1989; BLOCH, 2001)
A tese deste trabalho é de que o processo de institucionalização da psicologia na Bahia
foi influenciada pelo contexto autoritário e as políticas de Estado para as áreas de educação e
ciência, promovidas pelo regime militar. A relação entre o desenvolvimento desse campo
disciplinar na Bahia e a ditadura militar somente pode ser apreendida a partir das respostas
buscadas para dar conta da nossa questão de pesquisa, qual seja: como se deu o processo de
institucionalização da psicologia da UFBA, tendo como pano de fundo o contexto político do
período compreendido entre os anos de 1968 a 1980?
Para alcançar nosso objetivo de descrever e analisar o processo de institucionalização da
psicologia na Bahia, no contexto da ditadura militar, entre os anos de 1968 a 1980, partimos de
uma tríade de objetivos específicos que enfocou a emergência e desenvolvimento da psicologia
na Bahia e a implantação do curso de graduação da FFCH/UFBA; a recepção e circulação da
Análise do Comportamento e da Psicanálise por parte da comunidade acadêmica do curso,
naquele contexto político; e as lutas e mobilização políticas dos discentes e docentes frente às
políticas de Estado. Nosso estudo evidenciou a influência que a ditadura militar exerceu sobre
198
como docentes e gestores em vários âmbitos institucionais. Houve uma prevalência da clínica,
como área de estágio, em detrimento da área educacional e industrial. Mostramos que o ingresso
dos discentes nas instituições psiquiátricas, conduzidos pelos professores psiquiatras, estimulou
a preferência pelo campo psicoterapêutico, ao nível da clínica individualizada.
Na seção sobre a análise da recepção da Psicologia Experimental e da Psicanálise na
Bahia e seus aspectos teóricos e políticos, verificamos, que, no período investigado, a clínica
se consolidou como a especialidade psicológica dominante. Identificamos que o processo de
recepção da psicanálise pela comunidade acadêmica de psicologia deu-se a partir de dois
movimentos. O primeiro, no âmbito do curso, se caracterizou pelo pioneirismo de alguns
docentes ao introduzir a teoria freudiana nos seus programas de disciplinas, iniciando os
discentes na clínica psicoterápica e na teoria psicanalítica. O segundo, constituiu-se num
movimento para além do âmbito do curso, no qual psicólogos e psiquiatras congregaram-se
num coletivo, em prol da recepção dos primeiros psicanalistas didatas. Evidencia-se, nesse
momento, que a Psicanálise, que então inicia seu processo de intensa difusão na Bahia, encontra
nos psicólogos seus clientes preferenciais.
O modo como a psicanálise foi recebida e se desenvolveu em Salvador ficou à margem
da influência das instituições de formação reconhecidas pela IPA. Demonstramos que a
recepção da psicanálise na Bahia deu-se através de dois núcleos constituídos pelos psicanalistas
argentinos, arregimentados pelo NEP, e pelo psicanalista mineiro Carlos Pinto Corrêa,
vinculado ao CBP. Esses agrupamentos pioneiros de formação e transmissão da psicanálise
tinham como característica o fato de serem, ambos, signatários, pessoal ou institucionalmente,
de uma oposição à IPA. Anunciamos que os principais efeitos da recepção desses grupos
independentes da IPA foram: o distanciamento das normas rígidas de acesso à psicanálise; um
certo ecletismo de teorias e práticas no processo de formação e transmissão; a quebra da
hegemonia das Sociedades Psicanalíticas ligadas à IPA, formadoras de psicanalistas de origem
médica; e o surgimento de instituições de formação sob a liderança de psicólogos. Constatamos
que, em solo baiano, os psicanalistas argentinos trouxeram a quebra do modelo médico-clínico,
a cisão com a rigidez formativa da APA, a crítica à neutralidade e aos padrões e critérios nas
técnicas de atendimento. O rompimento de arranjos tradicionais do fazer psicanalítico não seria
possível em outro contexto político, senão aquele que se fazia presente nas sociedades,
brasileira e argentina, da época, sob regimes ditatoriais. Para os psicólogos da Bahia, a
formação, reconhecidamente heterodoxa, dos psicanalistas argentinos, possibilitou o acesso a
novas práticas profissionais no campo psicoterápico na Bahia.
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APÊNDICES
238
psicologia da UFBA, que fez entre 1975 a 1981. Sandra atuou ativamente no ME,
tendo sido eleita vice-presidente do DCE na gestão de 1977 e presidente do DA de
psicologia no ano seguinte. Rememorou o movimento de luta e resistência contra
a ditadura e as diversas formas de militância, no âmbito político e cultural. Sandra
Soares possui mestrado e doutorado em Educação e é professora titular da UNEB.
Atualmente, está na direção da Editora da Universidade do Estado da Bahia
(EDUNEB).
ANEXOS
253
ANEXO A - Revista Veja: "Como eles agem", edição nº 283, de 03 de fevereiro de 1974
254