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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Marcelo Souza Oliveira

A Imperial vila de Santana do Catu


Histórias de uma comunidade escravista no Recôncavo baiano

2013

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Sumário
ABREVIATURAS ........................................................................... 5
Agradecimentos ............................................................................... 6
Prefácio ............................................................................................ 9
Capítulo I ....................................................................................... 14
ERA UMA VILA NO RECÔNCAVO ......................................... 14
1.1 O Recôncavo Baiano do ponto de vista histórico .................17
1.2 Povoamento de Catu pelos engenhos .......................................20
1.3 Uma Vila promissora ...................................................................25
CAPÍTULO II ............................................................................... 28
O COTIDIANO NO ARRAIAL DO CATU ............................... 28
2.1. O povoado do Catu........................................................................31
2.2. Violência e precariedade na segurança pública ...................36
2.3. Cotidiano Social e Manifestações Católicas no Arraial .....39
CAPÍTULO III .............................................................................. 43
UMA COMUNIDADE ESCRAVISTA ....................................... 43
3.1. Sobre engenhos, casas-grandes e senzalas ...........................45
3.2. Senhores e escravos nos Longos serões do campo ...........54
CAPÍTULO IV................................................................................ 59
HISTÓRIAS DE ESCRAVIDÃO E DE LIBERDADE ................. 59
4.1 A escravidão em Catu a partir de meados do Século XIX .........61
4.2 Abolicionismo e anti-abolicionismo catuense...............................67
4.3 Suicídio forjado: o caso de um escravo assassinado ....................74
CAPÍTULO V ................................................................................ 77
SOBRE ALFORRIAS GRATUITAS E LIBERDADES
CONDICIONAIS ....................................................................... 77
5.1 Sobre cartas de alforria ..................................................................79
5.2 Como comprar a liberdade ..........................................................82
5.3 O preço das alforrias gratuitas ....................................................87
5.4. Liberdade sob condição ..............................................................93

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

CAPÍTULO VI................................................................................ 96
UM FUNDO PARA A LIBERDADE ............................................ 96
6.1 A junta classificadora e suas funções ..............................................98
6.2 As brechas no Fundo de Emancipação ...................................... 105
CAPITULO VII ............................................................................ 109
MEMÓRIAS DO CATIVEIRO EM BELA FLOR ...................... 109
7.1 Lembrar para não esquecer “a brutalidade da escravidão” ...... 110
7.2 Memória, paternalismo e escravidão ........................................... 116
7.3 Lembranças da abolição................................................................. 119
NOTAS ...................................................................................... 123
REFERÊNCIAS.......................................................................... 140
SOBRE O AUTOR ..................................................................... 146

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ABREVIATURAS

APMC – Arquivo Público Municipal de Catu


APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia
BN – Biblioteca Nacional
BPEB – Biblioteca Pública do Estado da Bahia
FCM – Fundação Clemente Mariani
IGHB – Instituto Histórico e Geográfico da Bahia

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Agradecimentos

Existe um Ser que sustenta todos os seres vivos e que o faz mesmo
que estes não creiam que Ele exista. A ele ofereço as primícias da
minha gratidão. Agradeço a Deus não só pela publicação desse
trabalho, mas também por me sustentar. Abaixo Dele está a minha
família. Gente muito boa, honesta, numerosa e simples. Não sei o que
seria de mim sem eles. Dona Maria, minha avó, sabe ser forte, sem
deixar de ser meiga. Matriarca lutadora é a coluna mestra da nossa
família. Nunca nos nega seu sorriso nos momentos de bonança, nem
seus abraços e orações nos momentos de adversidade. Dona Maria da
Glória, minha mãe. Dispensa comentários. Deu-me a vida, cuidou
dela – e ainda tem cuidado... Talvez seja a grande responsável por este
livro, uma vez que suas orações, torcida e conselhos são para mim
fundamentais. Meus irmãos Fábio, France e Nando. Os três, cada um
a seu modo, sempre me dão alento para continuar a minha jornada.
Minha cunhada, Vânia e meus sobrinhos João e Duda (que chamo de
meus príncipes!), me dão força apenas com seus sorrisos e me ajudam
mesmo quando me atrapalham, pois batem na porta do meu quarto,
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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

talvez para lembrar que a vida não está só os estudos... Na minha


família ser primo, prima e ser tio e tia tem a mesma significação de ser
irmão, irmã, mãe e pai. Então lá vão meus agradecimentos para Tias
Cal, Davinha (in memória) e Marize; Tios Nilson, Jorge e Marcos.
Meus primos – graças a Deus são muitos –, Renato, Rafa, Roni, Jane,
Renan, Sinho, Lila, Nathália, George, Gezana, Daniel, Isaque – Deus
me ajude para que não tenha esquecido alguém! Todavia, registro
meus agradecimentos a todos os outros membros da família. Meus
orientandos tiveram papel fundamental na escrita desses livros. Meus
orientandos de Iniciação Científica Junior escreveram relatórios, leram
as versões preliminares e debateram os capítulos do livro comigo
como se já fossem gente grande. Na verdade eles já nasceram grandes.
Matheus, Neiliane, Ariane, Ariel e Caíque da linha de escravidão do
Grupo de Estudos que coordenei em 2012. São certamente meninos
e meninas de muito futuro! Premiados nacional e internacionalmente
com os projetos que desenvolveram sobre a História da Escravidão
em nossa cidade, sob minha orientação. Muito obrigado por permitir
que eu fizesse parte da trajetória vitoriosa de vocês! Sou imensamente
grato a todos os meus colegas do IF Baiano campus Catu, em especial
aos professores Jacson, Alex, e Acimar e as professoras Yone, Kelly e
Alexandra. Não são apenas colegas, são amigos. Agradeço aos meus
colegas nas sendas da História, pois suas leituras e discussões faz com
que eu os considere coautores desse livro. Rafael leu tudo. E às vezes
escreveu também. Suas contribuições vão além do que eu possa aqui
mencionar. Everton, meu primo, leitor ávido e entusiasmado, uma
conversa com ele me enche de confiança e força para continuar
minhas pesquisas. Jacson, amigo e colega de doutorado da UFBA, que
gentilmente aceitou prefaciar essa tenra obra. Agradeço aos
professores de história do nosso município, muitos dos quais são não
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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

só meus amigos, como também entusiastas de pesquisas sobre a


história do nosso povo, desde os tempos em que ainda estávamos na
graduação. Aos Professores Paulo Santos Silva e Gabriela dos Reis
Sampaio, respectivamente meus orientadores de mestrado e
doutorado minha admiração e respeito de quem se quem se
considerará sempre um discípulo de vocês. Agradeço a Prefeitura
Municipal de Catu, nas pessoas do Prefeito Geranilson Requião e da
sua Secretária de Educação, Ana Teixeira pelo financiamento dessa
obra. Por fim, meus agradecimentos a mui venturosa comunidade
catuense. Espero que os leitores tenham leituras criativas e críticas de
um passado que parece longínquo, mas que ainda subsiste de alguma
forma em nossa
comunidade.
O AUTOR

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Prefácio

Às vezes as histórias se cruzam. De certo, o leitor não está entendendo


porque comecei esse prefácio com uma frase tão vaga. Serei rápido e
explicarei em quatro parágrafos, pois o que interessa são as
informações que estão nas páginas seguintes. Certa feita dialogava
com um ex-professor, um historiador admirável e um docente
invejável, sobre o meu interesse em pesquisar a escravidão e a
dependência em Morro do Chapéu, sertão baiano, no século XIX.
Expunha para meu querido mestre a minha satisfação em encontrar
um arquivo praticamente intocável que talvez me permitisse
desenvolver um trabalho de doutorado. Ouvi do sábio douto um
comentário que pode parecer simples para muitos, mas para mim foi
mais um das muitas lições que ele me passou. Ele disse que ainda havia
muito a se pesquisar sobre o século XIX, principalmente nos sertões,
e que mesmo o Recôncavo baiano, com suas diversas produções
acadêmicas desenvolvidas principalmente por Kátia Mattoso e por
historiadores que vieram depois dela, mas nos seus rastros, só foi
parcialmente tateado. O tempo passou. Entrei no doutorado com a
pesquisa acima e na minha turma conheci um historiador promissor
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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

chamado Marcelo Souza Oliveira. Esse, em 7 de junho de 2013,


convidou-me para prefaciar “um livrinho” – assim o descreveu – que
tinha feito quanto passou um temporada em Campinas, São Paulo,
ainda no início do seu doutorado. O “livrinho” tratava sobre a
escravidão em Catu e se destinava ao público não acadêmico. Mesmo
com essa característica, “um livrinho”, em um primeiro momento,
hesitei. Tive um misto de medo e satisfação. Medo porque não me
achava a altura para realizar a tarefa. Confesso que ainda me acho
pouco capaz em fazê-la. Mas, como diz o ditado popular, “agora é
tarde, e Inês é morte”! A satisfação veio do prazer pelo convite. Senti-
me muito lisonjeado. Contentamento também em ser um dos
primeiros a ler o “livrinho” E aqui está a explicação para a primeira
frase desse prefácio. O cruzamento das histórias está no adorável
diálogo com meu mestre e do convite corajoso de Marcelo. Ao
escrever o “livrinho” sobre a escravidão em Catu, Marcelo, sem saber
da conversa que tive anos atrás, tateou um pouco mais o Recôncavo
baiano. Como o próprio autor disse, seu “livrinho” é destinado a
estudantes, professores do ensino médio e fundamental e curiosos
ávidos por histórias dos tempos em que a cana de açúcar adoçava a
economia baiana e o suor dos escravos molhavam os canaviais dos
solos de massapé. Isso não significa que não possa ser apropriado por
pesquisadores e aprendizes da História. Pelo contrário, Marcelo segue
os rigores dos conceitos e métodos acadêmicos que aprendeu como
aluno dos cursos multicampi da Universidade do Estado da Bahia, nas
suas leituras atentas e criteriosas de obras históricas e nas suas
atuações profissionais como professor e historiador. No “livrinho” há
citações, referências, diálogos com autores que antes deles tatearam os
arquivos baianos e, o mais importante, tudo isso permeado com um
bom trabalho com as fontes literárias e cartoriais. Tenho outra
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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

confissão a fazer. Não titubeei em decepcionar o autor. Seu o trabalho


não é uma obra monumental, ela não é um “livrinho” – sei que foi
uma forma carinhosa do autor se referir a sua produção, por isso está
perdoado pela modéstia. O livro é um pontapé inicial para que
pesquisadores locais e a população de Catu e cidades vizinhas,
especialmente para aquela parcela descendente de escravos, possa
conhecer um pouco sobre a escravidão na região e, quiçá, desenvolver
futuras pesquisas. O palco é a Imperial Vila de Santana de Catu,
Recôncavo baiano, na segunda metade do século XIX, com suas terras
próprias para a produção de açúcar. Os atores principais são os
trabalhadores escravos e os senhores de engenhos. Apesar de o foco
ser o século XIX, de forma apropriada ele inicia o trabalho
contextualizado a ocupação do espaço. Nada mais clássico do que
isso. Porém, o diferencial é que ele consegue fazer a tarefa sem a
rigidez das descrições e análises factuais, em poucas linhas e com uma
leveza impar. A obra é dividida em sete capítulos devidamente
sistematizados de forma a possibilitar ao leitor compreender como se
processou a economia açucareira e o trabalho escravo na vila de Catu.
Nos dois primeiros capítulos, Marcelo nos proporciona uma viagem
gostosa que nos transporta para aquele pequeno pedaço do
Recôncavo baiano. Nele encontramos descrições sobre a ocupação
territorial, as divisões administrativas antes e depois de Catu se tornar
vila, informações sobre o comércio local através das feiras semanais,
o dinamismo provocado pela construção da estrada de ferro, as
movimentações desencadeadas pelas festas e cerimônias religiosas.
Além disso, para os amantes das fotografias, encontramos algumas
fotos que nos transporta para dentro do cenário e nos faz imaginar,
comparativamente, o hoje a partir do ontem e vice-versa. É evidente
que a opção do autor em sintetizar a contextualização, realizada
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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

obrigatoriamente em razão da natureza da obra, faz com que alguns


detalhes que para mim são importantes não sejam ditos, tais como a
possível presença de indígenas no território que pertenceria no século
XIX à vila de Catu, os conflitos entre índios e colonizadores ou
mesmo entre esses e a administração metropolitana em torno da
ocupação, posse de terra e atividades econômicas desenvolvidas no
local. Mas, se as meia-culpas são algumas vezes pertinentes, aqui elas
cabem perfeitamente. Nos capítulos posteriores o historiador se
apropria de conceitos e noções próprios dos estudos sobre a
escravidão no Brasil, como o de paternalismo, liberdade, autonomia,
resistência, negociação, conflito e brecha camponesa para mostrar
como eram as relações entre senhores e escravos, as estratégias dos
cativos para conseguir a alforria, os movimentos dos senhores para
tentar evitar a derrocada do seu poder com o fim da escravidão, entre
outros pontos. Na obra encontramos histórias maravilhosas com a de
Joana e seus parentes retratada na abertura do Capítulo V. Ao lê-la,
conhecemos a luta de uma família escrava para conseguir a alforria.
Ao término da leitura, ficamos felizes com o resultado. Joana e os seus
entes conseguiram a tão sonhada liberdade. Mas o autor nos prega um
peça. A escrava e sua família não existiram. São apenas personagens
que saíram da imaginação prodigiosa do historiador com base em tudo
que leu sobre a escravidão nos livros e fontes que descobrir nos
arquivos pesquisados. Adepto aos diálogos entre Literatura e História
e imerso no debate sobre as semelhanças e diferenças entre as duas
áreas, Marcelo, indiretamente, quer provocar discussões. Não entrarei
nela, pois não cabe nesse prefácio. Deixo isso para outro momento.
Se a Joana de Marcelo não foi real, outras Joanas, Josés, Joãos, Marias,
Liberatos e tantos outros nomes foram reais no escravismo brasileiro
e americano. Na obra encontramos com eles, cujos nomes e histórias
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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

estão ocultos nas estatísticas gráficas e análises dos temas. As histórias


retratam o cotidiano dos escravos dentro dos engenhos, suas lutas
para conseguir juntar algum dinheiro para comprar a alforria. Essas,
quando não compradas, eram conseguidas através de estratagemas
usados pelos escravos. Mas detalhes, não pensem que os senhores
eram bobos e se deixavam ludibriar facilmente pelas suas propriedades
humanas. Obediência não se finge por muito tempo. Marcelo deixa
claro que a relação entre senhores e escravos era pautada no
paternalismo. Para o público acadêmico é o uso do conceito na ótica
thompsiniana. Para o não acadêmico, tudo isso que dizer que senhores
e escravos estavam imersos em uma relação de poder, onde havia
dominantes e dominados, mas onde também tinha obrigações e
direitos tanto do escravo para com o senhor, quando senhor para com
o escravo. Entenderão melhor na leitura da obra. Teria mais a dizer
sobre o LIVRO, mas pararei por aqui. Não escrevo tão bem quanto o
autor. Assim, vamos deixar dos entretantos e vamos partir para os
finalmentes. Com vocês, a vida dos escravos da Imperial Vila de
Santana de Catu.
Prof. Dr.Jackson Ferreira
Universidade do Estado da Bahia
Jacobina, 01 de agosto de 2013.

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Capítulo I
ERA UMA VILA NO RECÔNCAVO

No dia 31 de agosto de 1897, Euclides da Cunha, autor da


célebre obra Os sertões, foi designado como correspondente do Jornal
O Estado de São Paulo no sertão baiano. No trajeto de Salvador para o
interior do estado, passou de trem pelo município de Catu e registrou
algumas rápidas impressões sobre a vila:

A vizinhança do distrito de Pojuca é revelada por


canaviais extensos que se estendem pelos plainos dos
tabuleiros - miríades de folhas refletindo ao sol com um
brilho de aço antigo, ondulantes, vacilando em todos os
sentidos ao sopro da viração, um ciciar imenso e
indefinido.
Interessantíssima, a vila de Catu, com casinhas brancas
derramando-se por uma colina ligeiramente acidentada
encimada pela igreja matriz que tem à esquerda o
clássico barracão de feira, inseparável de todas as
cidades e povoações baianas.1

Vindo da capital, Salvador, ele passou primeiramente pelo


então distrito de Pojuca e pôde vislumbrar ainda uma paisagem que
foi o retrato da Imperial Vila de Santana do Catu: “canaviais
extensos”. A extensão dos engenhos que cultivavam esse produto ia

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

desse distrito até as proximidades da povoação onde se situava a


Matriz de Santana, seguindo até os limites com os atuais municípios
de São Sebastião do Passé e Terra Nova.
A povoação da vila servia apenas de entreposto comercial de
uma comunidade rural que centrava sua economia na produção de
cana, de fumo (nos arredores do distrito de Sítio Novo e em outras
localidades), de farinha e de outros gêneros agrícolas de subsistência.
Em virtude disso, talvez, Euclides da Cunha tenha destacado o
barracão da feira como uma das principais construções da povoação.

Ilustração 1 – Povoação do Catu em dia de Feira. S/D.


Autor: desconhecido.

Essa ilustração foi tirada da vila do Catu, provavelmente no


início do século XX, mas nos traz uma ideia bem aproximada da
descrição dada por Euclides da Cunha. No canto direito encontra-se
o barracão da feira. Ao centro situava-se o local onde a população
negociava a produção excedente das suas atividades agrícolas, o que

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

até a década de 1990 ainda acontecia. Através da via férrea também


chegavam produtos oriundos de outras partes da Bahia, inclusive da
capital.
Contudo, no período em que ele narrou a paisagem verdejante
dos canaviais catuenses, a cidade já enfrentava uma forte decadência
que advinha dos mesmos motivos que também assolou as demais
cidades do Recôncavo: fim do escravismo, perda na concorrência
externa da venda de açúcar, falta de modernização da produção e etc.
Mas a cidade havia passado por momentos de franco
desenvolvimento econômico, político e cultural ao longo do II
Império brasileiro e por aqui que iremos iniciar nossa história.
Nas primeiras décadas do século XIX, a imperial vila de
Santana do Catu era uma das tradicionais vilas do Recôncavo.
Emancipada ainda na época de ouro da sociedade açucareira baiana,
era uma das promessas de desenvolvimento da província. O fato de
ser uma região pouco explorada no segundo quartel daquele século,
fez com que na pequena freguesia começassem a brotar um engenho
atrás do outro. E foi a partir desse contexto que nasceu o objetivo
central do primeiro capítulo desse livro: argumentar do ponto de vista
histórico que a cidade de Catu, fez parte desse complexo econômico
e social que marcou a economia baiana no século XIX, conhecido
como Recôncavo baiano.
Assim, embora existissem algumas versões contadas por
famosos historiadores2, que confirmem a posição estratégica de Catu
no Recôncavo Norte Petrolífero no contexto de uma reconfiguração
socioeconômica que se observou nessa microrregião, durante todo o
século XX,3 esse capítulo ocupar-se-á apenas do período de sua
primeira formação, ainda no século XIX. Pretende-se mostrar
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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

também como um conjunto de fatores permitiu a então pequena


freguesia de Santana do Catu vivesse em meados do século XIX,
momentos de franco desenvolvimento econômico em virtude da
expansão da atividade açucareira, secularmente tradicional, em outras
localidades do Recôncavo.

1.1 O Recôncavo Baiano do ponto de vista histórico


O Recôncavo que, historicamente, e de acordo com alguns
documentos do período colonial baiano e nacional, começou sendo
apenas, ou primeiramente, o fundo do golfo, dos subúrbios de
Salvador à Vila de São Francisco da Barra de Sergipe do Conde
transformou esses limites, preencheu com suas características
econômicos e sociais todo o contorno da baía e hoje constitui o
contorno da cidade de Salvador, que, antes mesmo de ser capital do
Brasil e da Bahia, foi capital do Recôncavo.4 Essa região limita-se a
leste com o Atlântico, ao Sul com os municípios de São Miguel das
Matas, Santo Estevão e Castro Alves e, enfim, ao norte com Feira de
Santana, Coração de Maria, Pedrão, Alagoinhas e Entre Rios.5
No Século XIX, essa região estava repartida em oito
municípios: Candeias, São Francisco do Conde, Cachoeira, Santo
Amaro, Maragogipe, Jaguaripe, Nazaré das Farinhas e Aratuípe, 6
sendo que a então freguesia de Santana do Catu era distrito de São
Francisco do Conde.

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Mapa 1 - Recôncavo Baiano: cidades e paróquias, Século


XIX. Fonte: SCHWARTZ, 1998, p. 84

Ao longo da formação histórica da Bahia, essa região foi


integrada processualmente por um complexo sistema de produção que
envolvia agricultura alimentar, fumo, algodão, couros, carvão vegetal

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

e café, mas que era mesmo, de fato, liderada pela economia da cana-
de-açúcar para exportação. Isso caracterizou a região durante séculos.
Assim, Catu, diferente de sua cidade limítrofe, Alagoinhas, que detinha
economia e situação estratégica voltada para o sertão e para o Sergipe
Del Rey, pôde ser identificada como cidade do Recôncavo.
Um contexto histórico na economia açucareira mundial
favoreceu a produção do Recôncavo baiano, mas os agricultores,
contudo preferiram manter as velhas condições de produção,
incluindo o trabalho escravo como principal fonte de mão-de-obra. O
aumento da produção, segundo ele, gerou também o crescimento da
população por aqui escravizada. 7
A revitalização da economia açucareira antes de 1840, deu-se
essencialmente pela intensificação e a expansão da indústria já
existente, com pouca alteração na combinação de fatores produtivos
ou na organização social da produção. Por meio do aumento do
número de engenhos e da considerável ampliação do nível de
importação de africanos escravizados, a Bahia reagiu às oportunidades
surgidas no mercado Atlântico de açúcar na virada do século XVIII.
Esse complexo urbano-rural conferiu a Salvador sua existência
econômica e estimulou a colonização e o desenvolvimento do sertão.
Seus senhores de engenho dominaram a vida social e política da
capitania. Com efeito, “falar da Bahia era falar do Recôncavo, e este
foi sempre sinônimo de engenho, açúcar e escravos” 8, como diria o
historiador norte-americano Stuart Schwartz.
Foi justamente nesse contexto que a expansão da produção
açucareira para exportação e todo o aparato de atividades econômicas
que lhe circundava propiciou o desenvolvimento do Recôncavo Norte
Baiano, incluindo a freguesia de Santana do Catu, que nesse período
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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

era distrito da Vila de São Francisco do Conde. Terras férteis, chuvas


abundantes e, posteriormente na década de 1860, a construção da
linha férrea formou o conjunto que impulsionou o crescimento dessa
região do Recôncavo e que faria florescer ao longo do século XIX,
uma das regiões agrícolas mais rica e promissora da Bahia.9

1.2 Povoamento de Catu pelos engenhos


Durante os séculos XVI e XVII, o território catuense, assim
como parte considerável do território brasileiro, não foi ocupado pela
metrópole portuguesa, ficando suas terras ainda praticamente
inexploradas. Isso se explicaria pela distância de Catu da Baía de
Todos os Santos e pelas dificuldades em relação aos meios de
transportes que existiam naquele período.
Em 1681, uma lei que restringia a construção de novos
engenhos a uma distancia mínima de 1.500 braças das propriedades já
existentes no recôncavo ocasionou a abertura de novas zonas
açucareiras, em paróquias como Inhambupe, Rio Fundo e Santana do
Catu. 10 Entretanto, ao que tudo indica essa lei não foi cumprida por
certo tempo, talvez em virtude das dificuldades de locomoção e da
distancia entre o território catuense e as vilas e engenhos que existiam
na Bahia daquele período.
Contudo, o crescimento da economia canavieira, a sucessiva
redistribuição dos engenhos mais próximos de Salvador e a busca por
terras férteis podem ter impulsionado os proprietários das zonas mais
próximas a Salvador a expandir as plantações para o Norte em direção
aos rios Catu e Pojuca.

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

A Freguesia de Catu foi criada, em 1796, desmembrada do


território de Inhambupe. A propriedade mais antiga a ser registrada
nessa região foi o Engenho Pojuca (também conhecido como
engenho Caboclo), já mencionado em 1757 pela nova divisão que
criou a paróquia catuense. O Engenho Pojuca fazia divisa com o rio
de mesmo nome e esta serviu de fronteira entre Mata de São João e
São Sebastião do Passé. A localização dessa propriedade tem sua
importância não só porque ajudaria a entender os critérios de
demarcação dos municípios que se formariam depois disso, mas
também porque norteou o processo de ocupação histórica da região.11
Entre o Engenho Pojuca e a povoação do Catu, situada
defronte ao redor da Igreja Matriz, estabeleceram diversos outros
engenhos. Mais ao norte, nas regiões de Pau Lavrado e Sítio Novo
surgiram sítios produtores de fumo, ao redor de todas essas
propriedades, cresceram numerosos sítios que produziam farinha de
mandioca e outros gêneros alimentícios comercializados em feiras da
região e em Salvador. No século XIX, em seu auge, a região chegou a
conter na Freguesia 47 engenhos e 33 fazendas, dados que por si só
dão uma idéia do porte da comunidade agrária que se desenvolveu
naquele período.
Para o historiador Carlos Ott, os povoadores da cidade Catu
vieram de São Francisco do Conde, o que explicaria o fato de que até
a sua emancipação, o então distrito catuense integrava o território
desse município. A vinculação política a São Francisco, como veremos
noutro capítulo, logo cedo se tornou incômoda para os habitantes da
região, pois além da distancia entre o distrito e a sua sede, a
necessidade de pagar impostos sobre os produtos e mercadorias
causava despesas e diminuíam o lucro dos lavradores e comerciantes

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

locais. 12 O mapa 2 demonstra a localização e a vinculação política do


Distrito de Catu até o segundo quartel do século XIX. Pode-se
observar a vasta extensão de terras pertencente a essa freguesia e
também a sua distancia em relação às outras freguesias de São
Francisco do Conde.
A ocupação de Catu, portanto, se deu da mesma maneira que
em vários lugares do Brasil: através da introdução do sistema de
plantation. Sistema produtor da monocultura agrícola de cana-deaçúcar
para exportação, baseada na mão-de-obra escrava.
Com efeito, B. J. Barickman afirma que num momento de
expansão da economia do açúcar, os senhores de engenhos tentaram
controlar as terras férteis do Recôncavo Norte. Os solos do tipo
massapês dessa região eram as “melhores terras” para a cana-deaçúcar.
Nem o fumo, nem a mandioca cresciam bem nesses solos argilosos e
pesados – que durante os meses chuvosos se transformavam num
lamaçal quase intransitável e no verão formavam uma crosta dura
como pedra.13

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Mapa 2 – Municípios e freguesias do Recôncavo em meados do Século


XIX. In: BARICKMAN, Um contraponto Baiano, p. 40.14

Interessante notar que a freguesia do Catu detinha em seu


extenso território tanto as terras do massapé (distritos de Pojuca e São
Miguel), quanto os solos arenosos propícios para o cultivo do fumo e
da mandioca (distritos de Pau Lavrado, Sítio Novo e região de
Panelas). Tanto que o próprio Barickman nos confirma essa
informação, o que, aliás, faz parte do argumento principal do seu livro
Um contraponto baiano (2003):
[...] As fazendas e sítios que pertenciam aos demais
moradores desses distritos [aqueles que não eram
engenhos de cana] produziam farinha, algodão e
fumo; em algumas propriedades criavase gado. O
fumo e a mandioca também eram cultivados em
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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Santana do Catu, São Pedro do Rio do Fundo e


Nossa Senhora da Oliveira dos Campinhos.
Embora pertencessem as vilas canavieiras de São
Francisco do Conde e Santo Amaro, essas
freguesias localizavam-se todas a distancias
consideráveis da margem norte da baía.15

Nesses termos, pode-se afirmar que Santana do Catu


demonstrou certa especialização na produção, o que, de alguma
maneira, contribuíu para o abastecimento interno e também para a
produção externa, até mesmo para capital da Bahia. Isso sem falar em
outros produtos de menor valor de mercado que, conforme indicam
as evidências, eram produzidos pelos escravos e agregados em roças
plantadas nas propriedades dos seus senhores. Para além disso, havia
as pequenas propriedades onde cultivavam os homens e mulheres
pobres e livres que não tinham outro meio para sobreviver a não ser
cultivar gêneros de subsistência e vender o que lhes sobravam.
Entretanto, não se pode deixar de lembrar que dentro desse
complexo produtivo, eram as famílias cujo poder econômico
predominava que detinham o poder político local e, muitas vezes, em
nível provincial, principalmente, senhores e senhoras de engenho.
Essas famílias integravam as elites baianas e tinham por costume os
casamentos endogâmicos como forma de tentar manter as
propriedades dentro da família.
O fluxo de riquezas concentradas nas mãos dessas famílias
pode ter sido também investido nos engenhos que surgiram das terras
catuenses. Os Araújo Góes, por exemplo, formavam um vigoroso e

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A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

numeroso clã que detinha uma parte considerável das propriedades no


Catu. 16

1.3 Uma Vila promissora


Um contexto especial fez com que o período compreendido
entre 1780 e 1860, fosse de grande prosperidade para o Recôncavo.
No exterior o preço do açúcar se manteve elevado devido às lutas
napoleônicas, a desorganização da produção das colônias espanholas
e inglesas das Antilhas e a ampliação do mercado europeu, um dos
primeiros efeitos da Revolução Industrial. Foi nesse período que se
deu o processo de povoamento e auge econômico e social da Imperial
Vila de Santana do Catu, conjuntura que também levaria à sua
emancipação política (1868).
Nesse período, conforme indica Barickman, ocorreu na
expansão em quatro frentes principais, entre elas no norte da baía nos
distritos canavieiros tradicionais. Graças à construção de 80 engenhos,
esses distritos continuaram a ser o centro da indústria açucareira
baiana. Esse historiar reafirma que a maior parte da expansão do norte
do Recôncavo ocorreu em freguesias interioranas como Rio Fundo,
Bom Jardim, Santo Amaro, São Sebastião do Passe e Catu, em São
Francisco do Conde.17
Não foi por acaso que a construção da estrada de ferro
Bahia/São Francisco, na década de 1860, teve como um de seus
trajetos essa região. Em 1861, o então presidente da província da
Bahia, Antonio Costa Pinto (1802-1880) em fala oficial proferiu o
seguinte comentário:

25
A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Entretanto não é de admirar este resultado, visto


como logo que chegarem os trilhos a Mata de São
João, Pojuca, Santana do Catu e Alagoinhas, deve o
rendimento crescer muito, em razão da quantidade
de engenhos que há por lá, os quais pagam subidos
fretes pelos produtos que mandam a este
mercado.18

O resultado a que se refere Costa Pinta seriam os prejuízos


que a Empresa Bahia and San Francisco Railway Company tinha obtido com
a primeira etapa de ferro da construção da linha férrea.19

Segundo ele, a etapa de construção que corresponderia ao


trecho das freguesias citadas poderia trazer resultados promissores
“em razão da quantidade de engenho que havia por lá”. Robério
Santos Souza confirma que nesse trajeto localizavam-se importantes
áreas produtoras de café e açúcar, assim como zonas criadoras de gado
bovino, que influenciavam os balanços financeiros da empresa inglesa.
20

O século XIX foi um momento de fartura para a elite


açucareira catuense; o crescimento do número de engenhos dessa
atividade agrícola atesta que realmente houve um desenvolvimento
econômico jamais visto. Em contraposição ao crescimento da lavoura
da cana, a maior parte da Mata Atlântica original foi derrubada para
dar lugar aos canaviais, de modo que o que vemos hoje do que restou,
são matas remanescentes seguidas de um rastro acentuado de
degradação. Quer dizer, também por aqui, antes mesmo do século
XIX, a forte presença da lavoura açucareira contribuiu seriamente para
um dos aspectos negativos da colonização portuguesa no Brasil.

26
A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Nos próximos capítulos abordaremos os modos de vida de


uma comunidade que viveu no Segundo Império brasileiro, uma
realidade diária marcada pelo auge e decadência econômica do
escravismo. As fontes históricas encontradas nos mostram as
experiências de senhores, agregados, escravos, enfim, de indivíduos
que viveram de formas e lugares sociais rigidamente hierarquizados e
diferenciados nas suas vidas na Imperial Vila de Santana do Catu.

27
A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

CAPÍTULO II
O COTIDIANO NO ARRAIAL DO CATU

Nos anos finais do Século XIX, determinado memorialista


escreveu as impressões que teve durante sua passagem numa vila do
interior baiano:

A vila está situada a margem direita do rio do seu nome,


afluente do Pojuca, noventa e dois quilômentos da
Estrada de Ferro da Bahia ao S. Francisco, trinta
distante da Mata e cidade de Alagoinhas, de baixa e
irregular edificação de casas terras caiadas e
envidraçadas e alguns sobrados, que formam cinco ruas
subindo para um alto e duas praças, a da Matriz no alto,
onde se acham a igreja paroquial de Sant'Anna e a Casa
do Conselho em estado pouco lisonjeiro, e a do
comercio em que está construído um barracão onde têm
lugar as feiras semanais, e uma casa enfim de construção
destinada para talhos de carnes verdes.

28
A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Alem da igreja matriz, única da vila, há mais no


município capela nos arraiais da Pojuca, Sitio Novo e S.
Miguel. Ha cemitério em posição higiênica, com capela
e duas escolas, das quais ha mais sete no resto do
município, a saber: três na Pojuca, duas no Sitio Novo,
uma em S. Miguel e lima na fazenda do Pão Lavrado.
O comercio é pequeno e se desenvolve nos dias de feira,
tendo suas relações com a capital, Santo Amaro da
Purificação. Alem da feira que há na vila, há feiras
também nos citados arraiais da Pojuca e S. Miguel. Os
terrenos são de massapé e por isso ocupado por muitos
engenhos.
Os habitantes, pois, ocupam-se na lavoura de canas e
alguns criam. Alem de alguns engenhos que ainda
trabalham, e dos qual um tem alambiques, há no arraial
da Pojuca. Distante três quilômetros dele uma usina
central. Este arraial é ponto de entroncamento entre as
linhas telegráficas.21

Esse foi o relato mais resumido publicado sobre a Vila do


Catu no século XIX que encontrei. O resumo foi publicado no livro
Memórias sobre o Estado da Bahia, por Francisco Vicente Viana, diretor
do Arquivo Público da Bahia, cinco anos após o fim da escravidão
legal no Brasil, quando o país já não mais era um Império e sim uma
jovem República. Mesmo assim, infere-se que as suas lembranças
desenham um panorama da vila durante o século XIX.
Embora o relato tenha sido escrito nesse momento, ele pode
nos oferece um panorama da Vila do Catu no decorrer do século XIX,
justamente por se tratar de “memórias”. Nele o autor ressalta as
características do povoado central da vila, que cresceu ao redor da
Matriz de Santana. Numa rápida síntese da comunidade catuense,
articulou o mundo rural a uma pequena concentração urbana, que
29
A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

centralizava atividades econômicas, religiosas e marcava-se também


como espaço central de sociabilidade para os habitantes dos outros
distritos e os da zona rural.
A foto a abaixo, tirada algumas décadas depois, estampa a
antiga praça do comércio onde aconteciam as feiras livres, se
localizavam as lojas, casas e, ao alto, a matriz de Santana mencionada
anteriormente pelo memorialista. Tratava-se de um arraial que
polarizava outros pequenos distritos dos quais se destacam Pojuca,
São Miguel e Sítio Novo.

Ilustração 1 – Rua do Comércio do povoado do Catu em 1860.


Fonte: MULOCK, Benjamin. Collection Vignoles of Institution of Civil
Engineers, London, ICE Acc 1335.

30
A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Nesse capítulo procurarei expor alguns aspectos da


comunidade cujos traços iniciais nos foram passados por Francisco
Viana. Seguindo as pistas deixadas pela nossa testemunha histórica,
discutiremos a dinâmica social vivida no âmbito do pequeno agregado
urbano catuense em sua relação com os demais distritos e com a zona
rural, que naquele momento se constituía como pilar central da
Santana do Catu Imperial.

2.1. O povoado do Catu

Numa comunidade rural onde a maior parte da população


vivia em sítios, fazendas e engenhos, os povoados servem como um
espaço de sociabilidade onde as pessoas não só comercializavam seus
excedentes, mas também se socializam e atualizavam-se em relação às
notícias oriundas de outros lugares da Bahia, do Brasil e mesmo da
própria comunidade. Nesse contexto alguns momentos serviram
como ponto de encontro dos habitantes da região: as feiras e as
celebrações religiosas foram dois desses momentos.
A segunda-feira era o dia de feira livre no Catu. Muitos
homens e mulheres livres e escravos saiam de suas habitações
localizadas na zona rural para vender o excedente de sua produção no
comércio local. O barracão da feira constitua-se uma espécie de ponto
de encontros desses indivíduos. Ali, além de vender a sua produção,
poderia, de acordo com os recursos, também comprar outros
produtos locais e itens vindos de outros lugares da região. Farinha de
mandioca, fumo, frutos, carnes verde eram alguns dos produtos
comercializados pelos catuenses. Nas feiras livres os cativos poderiam

Era uma vila do Recôncavo 31


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

vender os produtos cultivados em suas roças a fim de conseguir


pecúlio para comprar a sua liberdade ou a de alguma familiar.

Ilustração 2 - Feira livre no Catu. S/D. Fonte: Desconhecida.

A feira era também um lugar cheio de sons, imagens e


representações. Os gritos dos vendedores ofertando seus produtos,
das famílias que buscavam as últimas novidades vindas da cidade da
Bahia [Salvador] e da Corte [Rio de Janeiro]. Assuntar o que estava
acontecendo, as últimas notícias era, certamente, umas das formas
mais fáceis de informar, uma vez que a quase totalidade da população
não sabia ler, nem escrever.
Os indivíduos mais abastados, em geral, ordenavam que seus
correspondentes – normalmente os mesmos que comercializavam o
açúcar no porto – trouxessem artigos da capital, de outras províncias

Era uma vila do Recôncavo 32


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

e até da Europa. Essa elite aplicava suas riquezas àquilo que lhes
conferissem maior status. Boa parte deles tinha residências e
propriedades em Salvador. Isso pode ajudar a entender porque não
haviam muitos sobrados e solares no arraial, salvo daqueles que por lá
trabalhavam, como é o caso do Barão de São Miguel, que ocupou
vários cargos públicos em Catu.

Ilustração 3 – Uma das ruas na povoação na Vila do Catu, 1861.


Foto: Benjamin Mulock. Collection Vignoles of Institution of Civil
Engineers, London, ICE Acc 1335.

Mesmo assim, não se pode desconsiderar que grande parte da


população pobre que residiam nas povoações de São Miguel, Catu e
Pojuca tinham seu sustento garantido pelas atividades econômicas

Era uma vila do Recôncavo 33


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

propiciadas pelas feiras que lá ocorriam. Com efeito, a importância


desse pequeno espaço comercial ia além disso, pois ao redor da feira
surgiram pequenos empreendimentos como armazéns, empórios e
farmácias.

Ilustração 4 - Antiga Praça do Comércio [Atual Praça Lourenço Oliviere].


Cartão Postal de Catu na Primeira República. Autor: Desconhecido.

Apenas na década de 1860, com a produção açucareira em


ascensão com a construção, pelo menos há uns vinte anos, a região foi
contemplada com a construção da estrada de ferro Bahia ao São
Francisco e com e a emancipação política do município essa situação
tendeu a se transformar. Nesse momento o arraial começou a se
desenvolver mesmo que parcamente, sendo alvo de comerciantes
vindos de fora. Por enquanto, basta tentarmos perceber os benefícios

Era uma vila do Recôncavo 34


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

e os malefícios que vieram com essas mudanças no cotidiano do


município. Em 1886, por exemplo, demonstrado a penetração dos
saberes médicos na vila a Inspetoria Geral de Higiene autorizou a
instalação de uma farmácia no arraial do Catu, de propriedade do
senhor José Jorge Perrucho, conforme divulgação na Gazeta da Bahia.22
A intervenção do estado mesmo que tímida começou a ser
vista mais facilmente nesse período. A construção de um novo
cemitério, na década de 1860, e a reforma da Igreja Matriz na década
de 1870, por exemplo, foram medidas tomadas pelo Estado no sentido
de melhorar as condições de vida do povoado.23 Entretanto, é bom
lembrar, que a localidade catuense ainda consistia num amontoado de
pequenas casas, alguns sobrados, que rodeavam a Igreja Matriz. As
ruas não tinham pavimentação e nem havia sinais de serviços públicos
mais efetivos e benéficos para a comunidade do pequeno núcleo
urbano. O mesmo acontecia com os outros distritos.
A instituição da Casa do Conselho, da Câmara de Vereadores
e da delegacia, demonstra o aumento do poder de coerção do Estado
na localidade. Contudo, com o crescimento da região aumentou
também os níveis de criminalidade. Embora a localidade gozasse de
certa tranqüilidade, não raramente, era surpreendida por uma ou outra
história que envolvia algum tipo de transgressão.

Era uma vila do Recôncavo 35


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

2.2. Violência e precariedade na segurança pública


Ainda nos primórdios do século XIX a população catuense se
queixava da “liberdade” que os bandidos tinham para praticar toda a
sorte de atrocidade nas redondezas. Em 1828, os moradores enviaram
uma representação solicitando providências contra os malfeitores que
aterrorizam a população com a prática de frequentes assaltos naquela
localidade.24 Esse grito popular indica a ausência do poder público de
polícia desde o início da história da cidade. No decorrer daquele
século, as tendências de aumento da criminalidade parecem ter se
confirmado.
Robério Souza Santos25 menciona que em 1861, na época da
construção da estrada de ferro, certo subdelegado catuense em carta
escrita ao chefe de polícia, na qual o exortava acerca da possibilidade
do crescimento da criminalidade da região. Nessa correspondência, o
subdelegado José Nicolau da Silva relatou a necessidade de um
destacamento de praças no arraial de Pojuca, medida que pretendia
“prevenir os crimes, prender-se criminosos e desertores, e manter-se
a ordem entre as centenas de pessoas de diversas nações, que aqui estão
aboletadas, e empregadas nos serviços da via férrea”. 26
Segundo Robério Santos27, o não atendimento de seu pleito
fez com que o subdelegado de polícia decidisse fazer gestões junto à
“primeira autoridade da província”. Apelava para o bom senso do
presidente da Província, alertando-o que, se aquela subdelegacia já
enfrentava problemas para manter a ordem no extenso distrito sob sua
jurisdição se veria impossibilitado de exercer sua função devido à
“fatura da via férrea”.28

Era uma vila do Recôncavo 36


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Para reforçar sua argumentação, lembrava ainda que “alguns


desajuizados já [iam] aparecendo nos diversos pontos do trabalho” de
modo que, caso não existissem os esforços da vigilância da própria
companhia férrea e das autoridades locais conflitos maiores talvez
fossem uma realidade na pequena povoação de Santana do Catu. Sua
narrativa descrevia o terror provocado pela multidão da estrada de
ferro e destacava, ainda, os acontecimentos tumultuosos dos distritos
de Muritiba e Camaçari, povoações que também hospedavam as obras
da ferrovia.29
Nos anos seguintes a petição do subdelegado aumentou os
casos de crimes contra segurança pública. Em julho daquele ano, o
governo da província autorizou a criação de uma delegacia que deveria
promover a segurança pública dos habitantes da região.30 Mesmo
assim foram registradas várias ocorrências e pedidos da comunidade
em relação a problemas relacionados à segurança da população.
Periódicos registram que alguns criminosos de outras regiões, às vezes
escondiam-se na vila. Registros de assassinatos, defloramentos, e
outras questões de polícia também podem ser verificados, conforme
nos indicam os jornais da época:

No arraial de Pojuca, 2º distrito da Vila do Catu, Ângelo


Dias foi vitima de um tiro, no dia 24 corrente, e ficou
mortalmente ferido. Não houve corpo de delito, nem
qualquer diligência para a punição desse delito. Pede-se,
portanto ao Senhor Chefe de Polícia providências a esse
respeito. (Gazeta da Bahia, 28 de março de 1884).

Era uma vila do Recôncavo 37


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Escândalo Inaudito
Pergunta-se ao Sr cônego diretor de estudos, se deve
continuar a ser professor no arraial da Pojuca o Sr.
Aristides Raymundo Nonato, autor de dois
defloramentos naquele arraial, em virtude dos quais está
sendo processado pelo juiz municipal do termo do Catu.
[Assinado] Moralidade Pública (O monitor, 15 de novembro
de 1881).
À Polícia
Entre os nomes citados como chefes da quadrilha de
cavalos, escapou o nome do celebre Pedro Alves,
conhecido por Pedro cavalo – já uma vez comentado, é
morador do lugar denominado – Onça – freguesia de
Santana do Catu; providências Sr Dr. Chefe de polícia, a
população está sobressaltada, acabe com essa raça de
malfeitores, que o seu nome será bendito. [Assinado] O
clamor público. (Gazeta da Bahia, 27 de abril de 1883)

No decorrer do século XIX a violência e a criminalidade por


vezes assolaram a população local. É possível afirmar que os maiores
prejudicados com essa situação era a população, visto que a grande
maioria dos barões e dos senhores de engenho tinham sua “guarda
pessoal” - os jagunços - que não raro eram os próprios autores dos
crimes.
A criminalidade em níveis locais envolvia muitas relações de
poder, dependia muito se o criminoso ou a vítima era protegido desse
ou daquele senhor de engenho. Por outro lado, algumas variantes
também devem ser consideradas: a grande extensão do território do
Catu, a falta de um contingente efetivo de policiais e a o fato de os
delegados e subdelegados terem suas próprias ocupações nas lavouras
que lhes pertencia, certamente contribuía para que a população vivesse
praticamente a própria sorte. Dois séculos depois, a situação parece

Era uma vila do Recôncavo 38


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

não ter mudado muito. Mesmo assim, a comunidade continuava


levando a sua “vida monótona” na medida do possível. Uma vida
notadamente voltada para o cotidiano de uma comunidade
predominantemente rural.

2.3. Cotidiano Social e Manifestações Católicas no Arraial


A importância do catolicismo na cultura catuense do século
XIX, não se verifica apenas na assistência prestada pelo Estado. Fazia
parte da vida das pessoas, de vários níveis sociais, a relação com o
divino, com o religioso. As atividades religiosas também propiciavam
alguns dos momentos de sociabilidades dos catuenses. Nas datas
religiosas e nas missões, a população normalmente se reunia às vezes
durante dias. Era o caso, por exemplo, das missões.
No capítulo VIII do seu segundo livro de memórias Anna
Ribeiro nos conta sobre uma dessas celebrações que ocorreu por volta
de 1850. Ela narrou com entusiasmo o primeiro encontro de fiéis
católicos que presenciou afirmando que “nunca vira tanta
aglomeração do povo” no Catu. Para acomodar os populares ela
afirmou que foram montadas nas proximidades da matriz de Santana
um número grande de “casinhas improvisadas ou ranchos de palha”,
pois o arraial não dispunha de hospedagem para agregar a todos.
Alguns inclusive chegavam a se abrigar debaixo das árvores.
Durante a missa ouviam-se “milhares de vozes formidáveis
traduzindo a paixão que sentia a turba”. O púlpito foi armado perto

Era uma vila do Recôncavo 39


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

da igreja de onde saia frei Caetano de Troina, religioso capuchinho


responsável pela missão. Segundo Anna Ribeiro,
O que mais me impressionou neste passeio foi a visão
dos penitentes. Assim chamavam aqueles que, depois do
sermão, publicamente se disciplinavam, creio que para
provar a sua contrição. Vi oito ou dez homens
ajoelhados, nus da cintura para cima; usavam sobre as
calças um saiote branco que descia até os joelhos.
Empunhando uma disciplina de ferro o sangue salpicava
o saiote. Tinham os olhos vendados com um lenço que
lhes tomava quase o rosto todo, de modo a torná-los
irreconhecíveis. Tal espetáculo horrorizoume.
Entretanto, ouvia as pessoas dizer: “ora são muito
poucos os penitentes; na outra missão havia muito
mais”. Entendiam que aquilo era prova de
decrescimento do espírito religioso. 31

Em meio a Salve Rainhas, a missão prosseguiu durante dias e os


fiéis continuamente repetiam suas rezas, terços, benditos e, pela
madrugada, o Ofício a Nossa Senhora. A missão que Anna Ribeiro disse
ser Lazarista tinha na autoflagelação um de seus momentos de êxtase.
Missões religiosas dessa natureza eram constantes no interior do
Nordeste no século XIX. Basicamente foram as missões itinerantes as
responsáveis pela tarefa da doutrinação, numa ótica de acentuado rigor
penitencial e escatologia apavorante. Esses aspectos, provavelmente,
concorreram na formação singular do viver cristão, igualmente
autônomo e supletivo, dependente e conservador, seletivo e
reinterpretativo.32
O catequismo missionário na Bahia – o mesmo que Anna
Ribeiro conta que esteve em Catu – era promovido sobretudo pelos

Era uma vila do Recôncavo 40


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

lazaristas franceses e capuchinhos italianos e estimulava o fervor


popular, acentuando aspectos em torno da gravidade dos pecados
mortais e a ameaça do castigo divino. Se por um lado os padres
romanizados eram instruídos a combater as superstições dos fiéis, por
outro reafirmavam, pelos motivos já citados acima, entre outros, a
“salvação pela conversão, a existência do inferno e o Juízo Final”. 33 O
próprio missionário chegou a aplicar “disciplina” em si mesmo
pedindo pelos pecados dos fiéis o que fez, segundo conta Ribeiro,
muitas mulheres esbofetearem a si mesmas em sinal de contrição.
Havia, portanto, certa harmonia entre os temas propostos
pelos sacerdotes e as crenças populares, ambas extremamente
penitenciais, moralizadoras e providenciais. A idéia era que a Igreja
pudesse ter certo controle sobre as manifestações e costumes
populares.34 Em meio a gritos, prantos e soluções “parecia-se assistir
a uma calamidade pública”, conclui a memorialista.
No cotidiano dos engenhos também ocorriam celebrações
religiosas. Quase todas as famílias de posse tinham sua própria capela
que, em geral, situava-se próximo às casas-grandes. As missas
particulares também eram frequentadas por agregados e famílias
convidadas. No clã dos Góes cada um tinha um “santo de celebração”.
Essas festas eram comemoradas com muita música, danças e comida.
Relatando uma dessas festas, no engenho Remédios, Anna Ribeiro
ponderou:
Tinha eu tão pouca idade, que não sei bem se as
recordações que conservo foram todas desse primeiro

Era uma vila do Recôncavo 41


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

jantar que me lembro de ter assistido, talvez algumas


sejam de outros que participei, porque eram a repetição
daquele com pequena diferença. A civilização parecia
estacionária naquele abençoado cantinho onde se vivia
uma vida quase patriarcal.35

O “cantinho quase patriarcal” dá a idéia da perfeição que


aquele mundo representava para a elite senhorial, resvalando entre o
viver calmo dos longos serões e as celebrações temporãs. As festas
contavam com a participação de cantores que entoavam músicas
acompanhadas por violão e era também uma oportunidade para que
os jovens arranjassem casamento, visto que era um dos poucos
momentos que as moças apareciam em público.
Eram momentos reservados para o encontro da elite, sendo
apenas permitida a presença de agregados que mereciam certa estima
dos proprietários.36 Por vezes, ao final da festa, os escravos pediam
aos senhores para festejarem também, e, caso fosse permitido,
dançavam sambas e lundus no terreiro do engenho. Essas
“concessões” oferecidas pelo senhor compunham estratégias bem
delimitadas, e visavam ao estabelecimento de relações “harmoniosas”
entre senhores e escravos. Mas esse é um assunto para os outros
capítulos.

Era uma vila do Recôncavo 42


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

CAPÍTULO III

UMA COMUNIDADE ESCRAVISTA

A residência senhorial estava cheia de pessoas, algo que era


comum para “a vida monótona” e peculiar às casas-grandes de
engenho catuenses. Normalmente a vivenda abrigava apenas o casal,
Mathias de Araújo Góis e Ana de Anunciação de Araújo Góes e sua
filha, os senhores daquela propriedade. Em dado instante, começam a
entrar negros de idades variadas e de ambos os gêneros. No espaço
puderam-se verificar também alguns parentes, entre eles Pedro
Ribeiro e Manoel Paulino, um de quatorze e o outro de doze anos,

Era uma vila do Recôncavo 43


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

esse último conhecido pela violência com que tratava seus escravizos.
O moço era tão duro com seus cativos que muitos deles iam até a dona
Anna Anunciação pedir “que lhe livrasse daquele duro cativeiro” ou
que, ao menos, por eles “intercedessem” nesses momentos de
violência e dor.
Nos momentos de compra e venda de escravos os negros entravam
de um em um e ficavam de frente para os avaliadores. Cada herdeiro
apresentava o seu avaliador e, para arbitrar a disputa estava também
presente o juiz de paz que decidiria o valor dos escravos cujos parentes
não entrassem em concordância. Como o previsto, nem sempre
combinavam mesmo no preço o que fazia com que todos avaliassem
os “defeitos” dos negros em questão. Se era uma rapariga bonita
cochichavam entre si apreciações “bem contrárias a moral”, que dava
motivo a hilaridade de todos. Sobre esse momento a nossa informante
afirma: “lembro-me das risadas ruidosas, e das próprias escravas
moças comentarem os qualificativos ridículos ou deprimentes dados
às suas companheiras feias ou velhas”.37
A história narrada acima está registrada no capítulo III do livro
de memórias de Anna Ribeiro, intitulado Longos serões do campo, onde a
autora relata as lembranças de sua infância e juventude vividas nos
engenhos Coqueiro Novo e Api, situados na vila de Santana do Catu,
então Recôncavo Baiano. Trata-se da partilha dos escravos do seu avô
Pedro Ribeiro e de sua tia Maria da Anunciação, ambos falecidos nos
fins de 1840. Tratam-se de lembranças da exsenhora de engenho sobre
os “horrores” da escravidão quando os negros eram tratados como
“mercadoria”.

Era uma vila do Recôncavo 44


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

No momento em que ela escreveu essas informações em seu


caderninho de lembranças, por volta de 1920, a escravidão já não
existia legalmente. Havia mais de trinta anos da assinatura da Lei
Áurea, mas as suas rememorações são de tempos em que “avaliar”
economicamente uma pessoa tida como escrava – uma mercadoria de
fato - não era algo tão absurdo, visto que era uma prática social
amparada pela lei e pelo costume.
Foi esse mundo onde a escravidão era algo “normal”, mas
também alvo de constantes e cotidianos conflitos e negociações que
busquei tratar nesse capítulo. A nossa micro-esfera de análise continua
sendo a então freguesia e posterior vila de Santana do Catu -
localidade cuja escravidão foi vivida de maneira intensa e com uma
realidade que lhe foi própria em todo o Recôncavo: resistência
senhorial em relação ao fim do escravismo até “as vésperas” da
abolição.

3.1. Sobre engenhos, casas-grandes e senzalas


Em meados do século XIX, a paisagem da freguesia catuense
era em grande parte de uma extensa lavoura de cana. Os verdes
densos das folhas cobriam como um tapete os altos e baixos da região,
em substituição temporária à Mata Atlântica típica das terras ao redor
da Cidade da Bahia. Entre os canaviais, enxergavam-se algumas
edificações: tratava-se de unidades de produção também denominadas
engenhos.

Era uma vila do Recôncavo 45


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

O termo “engenho” nesse período designava inicialmente as


instalações necessárias à produção açucareira: casa da moenda, casa da
fornalha, tendal das forjas e casa de purgar. Com o tempo, estendeu-
se ao conjunto da propriedade senhorial, abrangendo as plantações, a
casa-grande, a capela e a senzala. O engenho que utilizava a tração
animal era chamado “trapiche” e o movido a roda de água, “engenho
real”.38 Essas propriedades consistiam em grandes complexos
arquitetônicos com edificações que cumpriam funções diferenciadas e
correlatas. O número de edificações e os partidos (ou padrões)
arquitetônicos variavam de acordo com a capacidade de produção e a
importância de cada um. Alguns complexos assumiam o caráter de
povoações semiautônomas, enquanto outros se restringiam ao
indispensável para a produção do açúcar. 39

Era uma vila do Recôncavo 46


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Ilustração 1 - Engenho Água Boa em Terra Nova. Município vizinho a


Catu. 40

As casas-grandes abrigavam as famílias senhoriais, filhos, tias,


irmãos e sobrinhos que poderiam ser vistos quase todas as noites ao
redor do senhor de engenho, que representava o topo daquela
pirâmide tão rigidamente hierarquizada.
Foi assim, por exemplo, na casa grande da família Garcês, sede
do engenho Mucambo, próximo ao distrito de São Miguel. Tratava-se
de uma vivenda construída para o conforto de todos os seus
moradores. A varanda anterior tinha utilização social, enquanto a
posterior era de utilização íntima. Cozinha e banheiro constituíam um
pavilhão à parte, localizado ao lado de residência, como a Casa do
Pedreira, em Itaparica. A casa se elevava do terreno sobre um porão
alto, que pode ter sido utilizado, por exemplo, como senzala para os
escravos que trabalhavam dentro da casa. Construções deste tipo, do
início do século XIX, são encontradas com maior freqüência no
Estado do Rio, em Niterói e na Penha e foram estudadas por Joaquim
Cardoso.41

Era uma vila do Recôncavo 47


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Ilustração 2 e 3 - Casa grande do Engenho Mucambo, construída em 1837


pela família Garcês. Fonte: IPAC.

Fora da casa-grande e dentro do extenso latifúndio que


constituía o engenho, viviam lavradores, agregados e escravos. Os
primeiros eram assim diferenciados por senhoras de engenho, com as
da alçada de Anna Ribeiro da época:
[...] o lavrador era o que, possuindo escravos e carros,
tinha meios de plantar e dava lucro ao senhor de
engenho, que lhes outorgava certas garantias; o agregado
era gente pobre que trabalhava com seu braço, para si e
para a família, e não pagava renda. O proprietário tinha
direito de exigir algum serviço, o que raras vezes sucedia,
pois todo o trabalho era feito pelo escravo. Alguns
desses agregados, que se distinguiam por seu caráter ou
serviços prestados, eram convidados [para as festas dos
proprietários] e tratados com atenção. 42

Em outras palavras, na ótica senhorial da época, a diferença


entre lavrador e agregado consistia basicamente nas relações

Era uma vila do Recôncavo 48


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

comerciais desempenhadas entre senhores e lavradores, que não


acontecia, na teoria, entre senhores e agregados. No caso dos
agregados estabelecia-se uma relação de dependência paternalista em
que estes estariam contidos no universo das vontades senhoriais.
Entretanto, vale lembrar que essa era a visão senhorial que poderia
não ser a mesma forma de interpretar a relação na perspectiva dos
agregados, pois estes poderiam, por vezes, aproveitar-se de tal
discurso para conseguir concessões senhoriais. 43
Os escravos, por seu turno, eram os trabalhadores que
estavam na base daquela sociedade. Com efeito, “todo o trabalho era
feito pelo o escravo” dizia Anna Ribeiro. Normalmente labutavam nas
atividades pesadas de limpeza, plantio e colheita nos canaviais. Os que
gozavam “de mais confiança” de seus senhores poderiam chegar a
posições mais “privilegiadas”.
A unidade produtiva do açúcar contava com um conjunto de
atividades que iam desde o cultivo, manejo e colheita da cana, ao
manufaturamento da produção nas casas de purgar, sua preparação
para o transporte e escoamento para os portos de Salvador que era
realizado na maioria das vezes por atravessadores.44 A produção era
conduzida a princípio de carroças e, após a inauguração da estrada de
ferro, de trem. Para completar o ciclo os senhores de engenho
recebiam os lucros e aplicavam onde achavam necessário e também
para ostentar suas riquezas conforme nos indica Anna Ribeiro em
outro de seus escritos:

Era uma vila do Recôncavo 49


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Quando a safra era boa não tinha pena de gastar dinheiro


e gastava até dar festas em que reunia os parentes;
quando a safra era menor restringia as despesas sem que
por isso faltasse em casa a abundância, pois os
lavradores daquela época tinham todos os gêneros
agrícolas em suas propriedades comprando somente o
que não se cultivava no país.45

Esse trecho nos revela algumas questões bem interessantes sobre o


processo produtivo da cana não só no Catu, como em todo o
Recôncavo: 1 - as safras boas eram motivos de gastos em festejos e
não necessariamente no reinvestimento na produção. As dificuldades
em pensar a modernização da produção e a substituição da mão-
deobra escrava foram dois dos motivos do fim da civilização do açúcar
em Catu e no Recôncavo; 2 – Dentro do universo da produção do
açúcar cabia ainda o cultivo de gêneros de subsistência o que, de fato,
agregaria um maior valor ao lucro da produção. Tanto escravos,
quanto senhores alimentavam-se basicamente de alimentos
produzidos dentro da propriedade senhorial. Assim, caberia ao
escravo enquanto “fonte dessa riqueza” trabalhar para o sustento
dessa pirâmide social, cuja finalidade principal era conferir ostentação
à classe dominante.
O trabalho escravo no Recôncavo era tão importante na concepção
dos senhores da época que, ao contrário de Pernambuco, por
exemplo, os proprietários de engenho resistiram ao processo
emancipacionista e mantiveram seus planteis até as vésperas da
abolição.46 Dentre outras razões, por falta de alternativa ao trabalho
cativo, já que os libertos resistiam demasiadamente ao trabalho duro
da lavoura.47

Era uma vila do Recôncavo 50


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Interessante notar que mesmo sob os grilhões do escravismo,


muitos escravos conseguiram reunir pecúlio, na maioria das vezes
trabalhando em roças nos horários dedicados ao descanso. 48 Sendo
assim, mesmo que em níveis diferentes, o escravo também produzia
sua própria economia que de uma ou de outra maneira também
integrava o universo econômico e produtivo do engenho. Consistia,
no mínimo, na possibilidade de ampliação da dieta consumida pelos
mesmos e, até, em alternativas para conseguir recursos para aquisição
de sua liberdade, por meio da venda do excedente da produção.49
Em Os Longos serões do campo o discurso de Ana Ribeiro revela
a existência desse anseio dos cativos pelo menos por duas vezes. Na
primeira, a autora faz referência a um episodio no qual ela e a mãe
foram buscar frutos no sítio Mucunga, dentro das posses do Engenho
Api, próximo ao distrito de São Miguel. Nesse local também se
situavam algumas senzalas simples, feitas de palha e taipa que pareciam
ser uma das muitas moradas escravas situadas no engenho Api. No
Mucunga os escravos cultivavam leguminosas, plantavam frutas e
criavam alguns animais de pequeno porte. A “concessão” de sítios ou
roças para que os escravos pudessem cultivar em seus dias de folga era
costume em outros engenhos do
Recôncavo.50
Essa produção pode ter sido comercializada nas feiras do Catu,
de Pojuca ou mesmo de São Miguel por serem mais próximas do Api.
Assim se poderia conseguir meios para a compra de alforrias, algo que
não era incomum nos engenhos do Recôncavo. A concessão senhorial

Era uma vila do Recôncavo 51


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

para que escravos constituíssem roças era uma das prerrogativas da


teoria da administração51 dos escravos pregadas pelo baiano Miguel
Calmon Du Pin em seu livro Ensaio do fabrico do açúcar. Segundo
Calmon o fato de escravos terem uma roça para produzir

[...] é um poderoso meio de distraí-lo das ideias


inseparáveis da sua triste condição, e inspirando-lhe o
desejo pelo trabalho e até convidá-lo a viver em família.
A prática de movê-lo á que plante roça, mormente de
viveres, de permiti-lhes que tenha alguma criação, ou
exercite alguma indústria; é sem dúvida conducente para
a sua possível felicidade, em quanto pode modificar as
propensões desregradas, que a escravidão gera, e alimenta,
e melhorar seus costumes. 52

Entretanto, iniciativas como as “concessões” dada pelos senhores


para que escravos plantassem em roças como a do Mucunga é
interpretada pelos historiadores contemporâneos como parte das
negociações e formas de resistências à condição escrava frente aos
senhores e ao próprio escravismo. Mas de fato podemos suspeitar que
Mathias de Araújo Góes e outros senhores da região de Catu estavam
atentos à forma de bem administrar seus escravos enunciados não só
por Miguel Calmon, na Bahia, mas também pelo
Barão de Pati de Alferes no Rio de Janeiro.53
Mesmo sendo classe dominante, os proprietários de escravos
tinham que estabelecer certos benefícios para os cativos,
normalmente, e incorporados às práticas sociais através do costume.
Os senhores tinham temor que as revoltas, fugas e rebeldias escravas

Era uma vila do Recôncavo 52


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

pudessem se generalizar; a formação de quilombos e outras


manifestações foram constantes nos arredores do Catu.
Como forma de tentar estabilizar as relações escravistas, os
senhores eram obrigados a “conceder” determinados direitos aos seus
cativos. Parte da produção que os escravos conseguiam nas roças era
comercializada, em geral, com seus próprios senhores.54 Mas é possível
que eles conseguissem o escoamento dessa produção também para as
feiras locais, embora, no caso do Catu sejam necessários estudos mais
densos que comprovem isso.
A lei em muitos casos vinha apenas confirmar algo que já
existia. O direito conferido aos escravos para adquirem pecúlio para
compra de suas liberdades, por exemplo, já era uma prática costumeira
da sociedade brasileira mesmo antes da sua legalização decretada na
Lei de 28 de Setembro de 1871, conhecida posteriormente como Lei
do Ventre Livre.55
Sendo a base de uma sociedade que sobrevivia sobre a sua
mão-de-obra, os escravos de Catu e alhures não eram tão passivos
como relataram alguns representantes da classe senhorial. Entretanto,
por vezes, viver no cativeiro, de acordo com negociações e
“concessões” dos senhores tornava-se uma vida possível, mesmo que
injusta e difícil. Na micro-política que se verificada entre senhores e
escravos, a vantagem estava nas mãos dos senhores, mas nem por isso
os dominados deixavam de negociar e constituir direitos.

Era uma vila do Recôncavo 53


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

3.2. Senhores e escravos nos Longos serões do campo


A história da partilha dos escravos que contei no início desse
capítulo está escrita nos registros dos caderninhos de lembranças de
Anna Ribeiro de Araújo Góes Bittencourt, quando na década de
1920, resolveu deixar para a posteridade alguns registros da tradicional
e “bem conceituada” família Araújo Góes do Catu. Não me cabendo
aqui discutir a ilibação familiar da autora, basta dizer que essas
lembranças, publicadas em 1992, sob o título de Os longos serões do campo
será a nossa fonte principal de discussão nas linhas que se seguem que
tratará das relações “harmoniosas” entre senhores e escravos no dia-
a-dia do engenho Api e noutras propriedades por ela citada, a fim de
tentar discutir como na ótica senhorial – Anna Ribeiro quando adulta
foi senhora do Engenho Api ao lado de seu marido o Dr. Sócrates
Bittencourt (1943-1908), que foi, vale lembrar, o primeiro prefeito de
Catu – essas relações foram vistas.
Importante notar que as histórias relembradas por Anna
Ribeiro poderiam ter ocorrido em várias outras vivendas de Catu e de
Recôncavo da mesma maneira que a forma e o entendimento com que
ela tece seus comentários, como veremos, caracterizam a visão
senhorial do escravismo no Brasil, em particular no Recôncavo
baiano.
Anna Ribeiro ao relatar as suas primeiras lembranças da forma
com que eram tratados os “infelizes” cativos na propriedade de seu
pai, Mathias de Araújo Góes acaba fazendo uma reflexão de como
eram representados os escravos naquela época. A narrativa da partilha
de escravos ocorrida no engenho Coqueiro Novo serviu de pretexto
para que Anna Ribeiro comentasse a forma com que os senhores

Era uma vila do Recôncavo 54


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

deveriam ou não tratar seus cativos, de acordo com as discussões


presentes na época.

Ilustração 4 - Casa-Grande do Engenho Api, Freguesia do Catu. 56

Segundo ela, em sua casa os negros eram tratados com


“humanidade” ao contrário do que se verificava em outros engenhos
catuenses. Como veremos no próximo capítulo, havia muitos
senhores que tratavam seus escravos de modo degradante e isso
provocou numerosos conflitos nas propriedades do Catu. Por agora,
nos interessa discutir o caso específico da criação dos escravos na casa
de Mathias e Ana Anunciação de Araújo Góes.

Era uma vila do Recôncavo 55


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Através do episodio da partilha dos escravos, Anna Ribeiro


demonstrou como sua família tratava os cativos oferecendo um
“melhor cativeiro”. Segundo sua mãe, dever-se-ia educar a escravaria
tratando-os sempre bem e “ensinando-lhes” que não deixassem de
rezar e cumprir suas obrigações, pois “não haveria senhor mau para
escravo bom!”.57 Ensinar religião era uma coisa que dona Anna
Anunciação procurava proporcionar aos escravos da sua casa.
Segundo Anna Ribeiro, ela contava várias historias bíblicas para as
escravas enquanto essas faziam os serviços domésticos e de costura.
Anna Ribeiro dizia que sempre ouvia sua mãe dizer em relação
aos escravos “tratem-nos como homens, e eles procederão como
homens tratem-nos como cães, e eles vos trataram como cães”, frase
então muito conhecida do celebre romance norteamericano A cabana
do Pai Tomás.58 Afirma também, seguindo os preceitos do manual
educativo do Dr. Lino Coutinho A educação para cora,59 que não havia
nada mais feio do que uma senhora que deveria ser símbolo de piedade
e clemência, se armar de um instrumento despedaçador da carne
humana, a corrigir impiedosamente um escravo indefeso. Algumas
senhoras da região agiam como carrasco e sua mãe queria lhe ensinar
como uma mulher virtuosa deveria agir com sua escravaria.60
Entretanto, não se pode esquecer que, segundo Anna Ribeiro,
sua mãe, Anna da Anunciação, era uma mulher muito diplomática e
versava pelo “bom” andamento da “ordem” dentro das posses de seu
marido. Assim, a senhora cumpria sua função “evangelizadora”, mas
também tentava utilizar a religião como instrumento ideológico de
controle da escravaria.

Era uma vila do Recôncavo 56


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

A visão que se tinha do escravo era de que ele deveria aprender


os costumes e a cultura senhorial por parecer mais “humanizada” e
permanecer sobre o controle dos seus senhores. Assim, dona Anna da
Anunciação ensinava histórias bíblicas todas as vezes que reunia suas
escravas para costurar ou fazer qualquer outro serviço doméstico.
Assim como dona Anna, senhores brasileiros tinham também
concepção de que “a religião era uma freio”, como diria o Barão
carioca de Pati do Alferes, pois promoveria “ideias e sentimentos”.61
Certa feita, Anna Ribeiro ouviu o seguinte comentário de uma
jovem senhora de família sobre uma escrava mulata: “– Geralda, você
só por engano da natureza saiu mulata e escrava; não conheço senhora
branca de sentimentos mais elevados que os seus”.62 Outra escrava por
nome Maciana era “conhecida por ser exemplo de honra, virtude e
bondade em subido grau”. 63 Não fosse o “defeito de cor” das
escravas, elas até poderiam talvez passar por brancas, devido à maneira
“exemplar como se comportavam”.
De fato, não se pode negar que tais mecanismos de controle
tivessem êxitos não fosse assim, não faria sentido os senhores os
utilizarem. Entretanto, podemos pensar também noutro mecanismo
de controle, as cartas de alforria gratuita, cuja idéia central era libertar
os escravos que fosse exemplo perante os outros.
Dessa maneira, não é exagero pensar que, enquanto alguns
escravos e escravas agissem mesmo “como exemplos” convencidos
de que estavam fazendo o melhor para si e para seus senhores, outros
poderiam dissimular e utilizar da mesma diplomacia que dona Anna

Era uma vila do Recôncavo 57


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Anunciação para conseguir sua liberdade. Anna Ribeiro menciona que


uma escrava “há muito alforriada”, sempre pedia para que ela contasse
as histórias que sua mãe contava, quando esta já havia falecido. Pode-
se inferir que essa negra também tenha ganhado sua liberdade “por
ser exemplo de virtude”.
Porém, a relação de afetividade entre a família de Anna
Ribeiro não impediu, por exemplo, que ela hipotecasse, no ano de
1879,64 cerca de dez escravos em vista de alguns problemas
econômicos. Não evitou também que a maior parte da escravaria do
Api abandonasse a lavoura e fosse embora um dia depois da abolição
da escravatura.65
O que queromos afirmar aqui é que sendo a escravidão uma
instituição baseada na exploração e comercialização do homem pelo
homem, as relações cotidianas giravam em torno, na maioria das
vezes, da tentativa de executar instrumentos de dominação pelos
senhores com seus cativos. Os explorados, por outro lado, buscavam
quase sempre formas de minar o domínio senhorial conseguindo
concessões que permitissem melhores condições de vida e, quando
possível, a liberdade. Um “bom cativeiro”, “bons senhores” e “bons
escravos” são alcunhas que envolvem valores ideológicos que devem
ser lidos nesse contexto.
Em Catu, como no Brasil, a escravidão foi uma instituição que
instituía uma violenta e complexa relação entre dominados e
dominantes que no cotidiano era vivida através de uma micropolítica
movida pelos interesses de ambas as partes. Esses interesses poderiam
estar entrelaçados a sentimentos e circunstâncias várias, mas em sua
essência estavam sempre em foco negociações e conflitos que

Era uma vila do Recôncavo 58


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

colocavam em xeque as relações de exploração propiciada pela


escravidão. Esse é o tema central dos próximos capítulos.

CAPÍTULO IV
HISTÓRIAS DE ESCRAVIDÃO E DE
LIBERDADE

Era uma vila do Recôncavo 59


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

No início da década de 1880, a abolição da escravatura no


Brasil já era esperada por boa parte dos brasileiros. Desde a Lei de 28
de setembro de 1871, que ficou conhecida a posteriori como Lei do
Ventre Livre, o fim da escravidão tornou-se apenas uma questão de
forma e oportunidade.66 Entretanto, as tendências emancipacionistas
que previam uma libertação lenta e gradual que, com o tempo, passou
também a ser defendida pelas elites escravocratas tornaram-se alvo de
críticas e ações sucessivas de alguns setores da sociedade, fenômeno
esse que ficou conhecido como abolicionismo. No mesmo momento,
atos de rebeldia escrava e estratégias cada vez mais intensas de
negociação confluíam para a uma corrosão mais acelerada do sistema
escravista.
No Recôncavo baiano esse processo aconteceu de forma bastante
peculiar, uma vez que não eram poucos os senhores que resistiam a
ideia de perderem seus escravos sem nenhum tipo de contrapartida.
Em sua maioria estes também não se mobilizaram na substituição da
mão-de-obra em suas lavouras. Assim, resistência senhorial,
propaganda abolicionista e rebeldia e artimanhas escravas eram
elementos de um contexto que se mostrava bastante delicado.67
Em Catu, a situação não foi diferente. Senhores e escravos
procuravam “suas melhoras”. Enquanto os primeiros tentavam tirar
um tanto maior de proveito dos seus cativos, o segundo intensificava
a sua busca pelo que entendiam como liberdade. As relações entre
senhor e escravo permeavam os solos da convivência paternalista e
dos violentos conflitos e é no rastro desses sujeitos que discutimos o
presente capítulo cujo objetivo, como o leitor já pôde perceber, é

Era uma vila do Recôncavo 60


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

analisar as tumultuadas relações entre senhores e escravos catuenses


nas últimas décadas da escravidão em Catu-Ba.

4.1 A escravidão em Catu a partir de meados do Século XIX

Como vimos nos capítulos anteriores, o território catuense


teve um desenvolvimento mais intenso nas últimas décadas do
Império, período que coincide com o lento processo de decadência do
escravismo brasileiro. As terras do Norte do Recôncavo passaram a
ser as preferidas das elites senhoriais em virtude da sua fertilidade, do
regime de chuvas e da facilidade do escoamento da produção,
sobretudo depois da construção da linha férrea.
As famílias de senhores que ocuparam a região, contudo, já
eram tradicionais na lida com a cana, com os escravos e com as terras,
pois eram quase todas oriundas do termo de São Francisco do Conde,
município dos mais tradicionais das Américas quando o assunto era
exportação de açúcar e escravismo.
Sendo assim, já podemos evidenciar que, entre 1860 e 1880,
houve uma forte resistência dos proprietários em libertar seus
escravos, mesmo ante a euforia que pouco a pouco tomava o país.
Tratava-se de uma questão difícil, pois os senhores do Recôncavo
tiveram dificuldades em entender o mundo fora das relações
senhor/escravo. Muitos diziam que a lida nas lavouras era coisa de
negros e que, nem imigrantes e nem mesmo negros libertos

Era uma vila do Recôncavo 61


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

aceitariam trabalhar diariamente em tão difícil labuta.68


Se tentarmos ler o mundo a partir da ótica senhorial, então
perceberemos que, para os proprietários de escravos do Recôncavo,
ver o mundo além das relações senhor/escravo era algo praticamente
impossível. Essa forma de ver o mundo contribuía para aumentar
ainda mais as tensões com os escravos, uma vez que estes obviamente
não enxergavam as coisas dessa maneira. Para o senhor de engenho
do Recôncavo a lavoura de cana era e só podia ser coisa de escravo.
A vida do escravo nos engenhos de açúcar era bastante difícil.
No século XIX, a maioria dos engenhos baianos possuía entre
sessenta e oitenta escravos, mas havia propriedades operando com
mais de duzentos cativos. A maioria dos escravos dos engenhos de
açúcar do Nordeste passava a maior parte do tempo nos canaviais. Era
um trabalho árduo e contínuo, que começava logo ao amanhecer e
terminava no fim da tarde. Normalmente, os cativos levantavam-se
por volta das cinco horas da manhã e ao toque do sino do feitor se
reuniam no terreiro para receberem as ordens do dia. Às nove horas
os cativos paravam para uma pequena refeição e três ou quatro horas
depois almoçavam ali mesmo no campo.
Depois disso, continuavam trabalhando até o anoitecer.69

Era uma vila do Recôncavo 62


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Ilustração 1 – Escravos no canavial. In: História do Negro no Brasil, p. 71

O trabalho na lavoura era extremamente penoso para as


mulheres, especialmente se estivessem em período de gestação ou
amamentando. As altas taxas de aborto e mortalidade infantil nos
engenhos estavam relacionadas à sobrecarga de trabalho,
principalmente nas épocas de colheita, quando se intensificavam as
atividades. Mas os trabalhos na lavoura e no engenho não

Era uma vila do Recôncavo 63


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

representavam a totalidade do que era exigido dos cativos. Os escravos


eram também obrigados a construir e reparar cercas, cavar fossos,
consertar estradas e pontes, prover a casa-grande de lenha, reparar os
barcos e os carros de boi, pastorear o gado, cuidar do pomar e das
criações dos senhores. Além disso, tinham que providenciar parte do
seu próprio alimento caçando, pescando ou cuidando da própria
roça.70
Segundo a ideologia dos senhores o árduo trabalho dos
canaviais só era possível mediante a mão-de-obra escrava o que, na
prática, equivalia dizer que o mundo do açúcar secularmente fundado
no Recôncavo baiano findaria, se a escravidão se extinguisse. Desta
forma, já podemos perceber que as visões senhoriais certamente eram
bem diferentes de como os indivíduos escravizados viam aquele
mundo onde eles eram explorados, com anuência da Lei e do Estado.
Certamente a visão escrava não era a mesma dos seus senhores.
Contudo, a realidade era que em Catu nos anos finais da escravidão
muitas propriedades detinham consideráveis planteis de escravos.
De acordo com constantes na Planta Cartográfica da Freguesia de
Santana do Catu, produzido pelo engenheiro Nemésio de Menezes e
datado de 1888, coincidentemente o ano da abolição da escravatura,
cerca de 55 a 60% dos engenhos catuenses foram descritos como
“engenhos de fabricar açúcar”, estando em estado de produtividade.
Dos 40% restantes e que estavam de fogo morto, cerca de 10 a 15%
estava em processo de partilha ou eram “de muitos possuidores”, o
que certamente dificultava a produção. Por fim, de 25 a 30% se
encontrava de fogo morto (ou seja, sem produzir). A planta não trás,
porém, as informações sobre as propriedades que forneciam cana para
os engenhos, mas que não possuíam engenho.71 Com efeito, a Câmara

Era uma vila do Recôncavo 64


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Municipal de Santana o Catu em correspondência enviada para a


capital da província em 1887 que “a indústria fabril consiste em
diversos engenhos de açúcar, sendo a principal fábrica o Engenho
Central de Pojuca, além de produzir [em menor escala] aguardente,
fumo, farinha de mandioca, tijolos, telhas, etc.”.72
Nota-se ainda que a maioria dos engenhos que ainda
produziam açúcar em 1888 pertencia as famílias mais poderosas e se
encontravam nas atuais regiões do distrito de São Miguel e do atual
município de Pojuca. É bastante factível a idéia de que a maior
concentração dos escravos que viveram nesse período estivesse
mesmo nos engenhos de grandes famílias como os Araújo Góes, os
Garcês, os Freire de Carvalho e os Líger, por exemplo. Em muitos
desses engenhos a ordem era mesmo reprimir todo e qualquer ato que
viesse das senzalas ou dos clubes abolicionistas.
Conforme os vereadores da Câmara Municipal em carta
enviada ao governo provincial baiano em 1887, a cidade contava com
cerca de 1.300 escravos em pleno ano da abolição, sendo que
população livre era de aproximadamente 20.000 almas. 73 A mesma
população escrava, só que com mais detalhes é informado pelo jornal
O Alagoinhense nesse mesmo ano:

NOVA MATRICULA
Foram rematrículados no município de Alagoinhas,
1.945 escravizados e arrolados 18 sexagenários.

Era uma vila do Recôncavo 65


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

No município da Catu 1.300 escravizados, e 32


sexagenários.
No município do Inhambupe 1322 escravizados, e
arrolados 10 sexagenários.
No município de Santo Amaro 5.822 escravizados
e arrolados 17 sexagenários.
No da capital, 3.172 escravizados e arrolados 87
sexagenários.74

Em 1816, por exemplo, Catu [ainda na condição de


Freguesia] detinha cerca de 1.420 escravos, ou seja, sua população era
maior em 1816,75 do que era em 1887. Isso se justifica pelo fato de que
no início do século XIX, como já foi dito, Catu vivia a franca expansão
da atividade açucareira. Mesmo em tempos de declínio os senhores-
de-engenho catuenses conseguiram manter ainda um considerável
plantel se pensarmos que nos fins da década de 1880.
Essa situação pode ser explicada em parte pela resistência
histórica dos senhores do Recôncavo a aceitar que o fim da escravidão
estivesse próximo e pelo fato de que nas regiões produtoras de açúcar
a resistência a nefanda instituição se deu até às vésperas. Enquanto em
outras regiões do país como Ceará e Maranhão a escravidão
legalmente não mais existia e nas grandes cidades a pressão da opinião
pública se fazia mais presente. No tradicional Recôncavo Baiano,
existiu resistência senhorial ante ao fim do escravismo. Existiu
também resistência escrava para que este permanecesse. É nesse
contexto de resistências, conflitos e negociações que também se
inscreve a história da escravidão em Catu.

Era uma vila do Recôncavo 66


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

4.2 Abolicionismo e anti-abolicionismo catuense

O jornal Gazeta da Bahia de 18 de março de 1883, trazia o


“protesto” de um senhor catuense em um de seus classificados:

Ilustração 2 – Protesto: Senhor catuense procura


escravo (Gazeta da Tarde, 18/03/1883).76

Era uma vila do Recôncavo 67


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

No texto, o Capitão Líger77 “protestava” expressava o seu


descontentamento com a provável fuga do negro de sua propriedade
por nome Martinho. Curiosamente o nome do negro contra quem ele
“protesta” é o mesmo do personagem principal da Reforma
protestante, o frade Martinho Lutero. Mesmo parecendo uma bela
história de literatura, cumpre-me dizer ao leitor que, tanto o capitão,
quanto seu escravo viveu mesmo em Catu do século XIX e que está
história nos revela alguns detalhes comuns que ocorreram naquela
comunidade escravista nas últimas décadas da escravidão.
Alguns pequenos detalhes nos evidenciam as tensões vividas
por essas pessoas naquele momento: o capitão Líger pressupõe que
alguém podia ter “acoitado” sua propriedade, o que indica a
possibilidade de que os negros fugidos da região de Catu estivessem
recebendo “ajuda” caso decidissem fugir. Esse auxílio ao que parece
foi obra de gente que ele não quis se referir diretamente e também de
gente que ele menciona: Martinho também teria sido ajudado pelos
escravos de outro senhor, o que demonstra que as redes de
solidariedade entre negros cativos, fugido e/ou libertos pode ter sido
uma prática também nos termos catuenses.
A “legião da liberdade” que lutava pela emancipação dos
negros no Recôncavo certamente contou a cada dia com mais adeptos,
mas podemos destacar os abolicionistas e os próprios negros como
agentes mais ativos desse processo. Jailton Brito no livro A abolição na
Bahia afirma que existiu uma corrente abolicionista na região de
Alagoinhas e Catu. Escravos que propusessem a fugir de seus senhores
contavam com o apoio de alguns partidários abolicionistas entre os
quais constava certo morador do Catu por nome Pedro Lage. 78

Era uma vila do Recôncavo 68


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

As informações sobre a presença de militantes abolicionistas


na região nos dá subsídios para compreender o tom ameaçador em
que o capitão Síger escreve o seu “protesto”. O proprietário do negro
Martinho intentava “proceder criminosamente” contra quem tivesse
“acoitado” seu escravo. Dito de outra forma, ele ao ameaçar usar os
rigores da lei, evocaria os sacrossantos direitos de posse sobre a vida
de Martinho. Àquele que agisse em favor dos seus direitos promete
Síger “recompensar generosamente”.
Outro detalhe que nos chama a atenção é a rota que o capitão
Síger supõe que Martinho tomou em sua fuga: teria ele seguido para
Salvador, a capital da província. A fuga para regiões onde o controle
dos escravos fugidos fosse mais difícil parece mesmo ter sido uma
prática comum entre os cativos do Recôncavo. Ao fugir para capital o
que se desejava era “sumir” em meio a grande massa de negros cativos
e libertos que vivia em Salvador, pois essa era no momento uma das
maiores cidades do Império.
Uma última questão interessante também é pensar a descrição
física que o articulista fez de Martinho. Embora já idoso e marcado
pela difícil vida sob a escravidão, não se pode notar, por exemplo, que
o negro não tinha dentes e que tinha uma cicatriz no rosto. A menos
que ele tenha sofrido um acidente em algum momento da sua vida, é
plausível pensar que essa marca possa ter sido uma marca da violência
que sofrera de seu senhor ou de outro proprietário que tivesse
exercido poder sobre sua vida. A violência dos senhores para com os
escravos não era uma novidade no Recôncavo baiano, como vimos no
capítulo anterior, as estratégias senhoriais de controle poderiam oscilar

Era uma vila do Recôncavo 69


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

entre a violência física ou simbólica. Ambas tinham, porém, o mesmo


fim. Assegurar a exploração do trabalho e posse do escravo.
Parece que as fugas como a do escravo Martinho e as
movimentações no parlamento brasileiro em direção a aprovação de
mais uma lei de cunho emancipacionista mobilizaram os senhores
catuenses forçou a mobilização dos proprietários catuenses em prol
da formação de uma organização contrária a libertação dos cativos.
Pouco mais de um ano depois de “protestar” contra a fuga de seu
escravo e contra a possível ajuda de abolicionista em assegurar que o
negro conseguisse seu intento, o Capitão Antonio Joaquim Líger e
outros vereadores da cidade convocam os donos de escravos da
região, através de um Ofício Circular, a uma reunião que intitularam
de “movimento anti-abolicionista”.
O objetivo da reunião era reunir “lavradores”, negociantes e
industriais do município “a fim de resolver sobre a atitude que se deva
assumir em relação a propaganda abolicionista e ao projeto do
governo”.79 O tal projeto era aquele que ficou conhecido como
Saraiva-Cotegipe que propunha a libertação dos escravos
sexagenários. Interessante notar que a grande preocupação com a
“propaganda abolicionista” denota que a ação dos partidários dessa
causa deveria estar causando estragos e preocupações aos
escravocratas locais.
Ironicamente a Câmara de Catu disse não querer “adiantar
juízo” sobre o projeto que estava na Câmara do Império, mas não se
poupou em adiantar que “quanto eram atentatórias contra o direito de
liberdade”80 as ideias constantes na proposta que foi enviada em anexo
para que os poderosos de Catu pudessem fazer frente contra a sua
aprovação.

Era uma vila do Recôncavo 70


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Para quem duvidasse do poder desses senhores de contribuir


para intervenção da aprovação do projeto, basta lembrar que estes
eram aliados do Barão de Cotegipe, importante político do Império e
um dos personagens centrais no processo de aprovação da Lei dos
Sexagenários. Homem de expressivo poder junto a Coroa brasileiro, o
Barão era conhecido entre os abolicionistas baianos com a sugestiva
alcunha de “escravocrata-mor” e “chefe da política da escravidão no
Brasil.81 As relações entre Cotegipe e as elites catuenses podem ter sido
maiores do que se pensa uma vez ele era pertencente ao Clã dos Araújo
Pinho, e estes detinham propriedades em São Sebastião do Passé,
freguesia que fazia fronteira com Santana do Catu.
São as elites desse tipo que Anselmo da Fonseca chamou de
“Sacarinocracia”, por ser uma espécie de “nobreza” que “ganhou seus
foros espremendo entre os cilindros de seus engenhos a carne dos
escravos para tirar-lhes até á ultima gota de sangue”. 82 Pois bem, era
a ele que a Câmara de Catu não cansava de aplaudir os brilhantes e
impolutos feitos na Câmara dos Deputados e, certamente depois, no
Gabinete Imperial que aprovou a Lei dos Sexagenários. Isso que
denota o apoio e a articulação que havia entre os as elites escravagistas
baianas e sua importância no Império.83
Os conflitos entre abolicionistas e escravocratas em Catu
parece ter chegado a beira do limite. Em 20 de setembro 1887, pouco
menos de um ano antes da abolição da escravatura, o delegado de
polícia local Antonio dos Santos da Silva Mendonça, denunciava a

Era uma vila do Recôncavo 71


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

atuação de militantes que, segundo a autoridade pública, “acoitava em


fuga e incitava os escravos contra seus senhores”. 84
A atuação radical e ilegal trouxe conseqüências para alguns
abolicionistas que atuaram na Bahia e estes tiveram de enfrentar a ira
dos proprietários de escravos, associados as autoridades e ao poder
judiciário locais. O crime de acoitamento estava previsto na Lei de
1885. No processo aberto contra Alfredo Lage o delegado o acusou
de incitamento, fuga e acoitamento de escravos. Em resposta o
abolicionista denunciou as autoridades locais de perseguição, em
correspondência publicada no Diário da Bahia, contra o juiz municipal
e o major Paulino de Araújo Góes. As autoridades de Santana do Catu
negaram as acusações e afirmaram que Alfredo Lage era uma figura
desprezada na localidade, tendo por isso se mudado para Alagoinhas.
85

O Major Paulino de Araújo Góes (futuro Barão de São Miguel)


e o Capitão Joaquim Líger eram representantes de uma elite que ainda
contava com nomes de peso como Antônio Calmon de Araújo Góes
(Barão de Camaçari) e José Freire de Carvalho (Barão de Pojuca),
todos conhecidos pela forma violenta e pela resistência em aceitar que
o fim da escravidão era algo eminente. Esses indivíduos dominavam
todos os setores do poder catuense, aliados a famílias senhoriais
poderosas em níveis local, provincial e até imperial. O uso do poder
público em prol dos interesses escravagistas era constante entre
aqueles que dependiam da mão-deobra escrava, já que quase todos
eram senhores de engenho.

Era uma vila do Recôncavo 72


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Ilustração 3 - Barão de São Miguel.

Entretanto, a resistência de senhores com estes certamente


foram responsáveis por o Brasil ter vivido um processo
“emancipacionista lento e gradual” que durou décadas e que garantiu
a permanência das posições de classe no pós-abolição.

Era uma vila do Recôncavo 73


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

4.3 Suicídio forjado: o caso de um


escravo assassinado

No que tange a estratégia mas visível, a da violência física, não


são poucos os causos presentes na memória popular de violências de
senhores contra escravos em Catu e região. Existem também alguns
registros em jornais da época que, numa análise um pouco mais atenta,
pode revelar algumas nuances interessantes para essa análise. O Correio
da Bahia de 17 de agosto de 1877, notícia uma história que vale a pena
narra aqui. Conta-nos o articulista que às 08 horas do dia 11 do mesmo
mês o subdelegado da Comarca de Alagoinhas afirmou ter encontrado
o cadáver de um “indivíduo de cor preta” em um dos barracões
daquela vila. Segundo o subdelegado a promotoria pública solicitou
imediatamente “os exames indispensáveis” para que se procedesse a
investigação do caso.86
O motivo do exame da solicitação era bem simples: o
subdelegado havia colhido informações de que o indivíduo morto
havia se suicidado ao ingerir veneno. Casos de suicídios de escravos
não eram incomuns na Bahia do Século XIX. Jackcon Ferreira afirma
que o atentar contra a própria vida podia ser um ato desesperado de
resistências individual, que pode ser compreendido tanto como
expressão de conflito quanto de uma negociação entre senhores e
escravos. Poderia ser ainda o resultado do que era conhecido na época
como banzo, ou seja, a saudade incontrolável que os africanos tinham
da sua terra. Muitos chegavam a morrer, por não se adaptar as novas
condições de vida, ainda mais como escravos de outrem. Nos dois
primeiros casos, ameaçar se suicidar era quase sempre uma forma que

Era uma vila do Recôncavo 74


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

os negros tinham de evitar uma vida aviltante de violências físicas e


simbólicas dos senhores contra as suas vidas. 87
Ao estudar desse assunto na Bahia, Jackson Ferreira contanos
do caso do escravo Timóteo, morador da cidade Salvador e que o
negro ao se suicidar afirmava que “acreditava que era melhor a morte
a uma vida desgraçada e sem oportunidade de ascensão social, que no
seu caso significaria a liberdade ou uma maior autonomia dentro do
cativeiro”. Para o autor “a rebeldia, da qual o suicídio era expressão
mais individual e radical, muitas vezes só acontecia quando todos os
meios de acertos já estavam esgotados”.88
No entanto, atentar contra a própria vida não parecia ser
exatamente o caso do negro encontrado morto no barracão da
comarca de Alagoinhas. Algumas marcas no defunto deixavam
implícitas que a causa da morte provavelmente teria sido outra. As
evidencias eram tantas que o corpo foi enviado para Salvador para que
fosse exumado na Faculdade de Medicina. O exame cadavérico
realizado nas vísceras do morto atestou que não havia vestígios de
envenenamento e que no corpo foram encontradas diversas cicatrizes,
“sevicias”, escoriações e equimoses o que poderia evidenciar o que
fato parecia claro: o homem foi assassinado.
O caso chama a atenção, porém por se tratar da morte de um
escravo por nome Germano, de propriedade de um certo Francisco
Gomes dos Reis ambos residentes na Vila do Catu. Bem, embora não
haja maiores informações sobre o caso, não se pode deixar de notar
que alguém tentou ludibriar a polícia ao afirmar que o negro Germano

Era uma vila do Recôncavo 75


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

havia se suicidado, quando na verdade ele tinha sido violentamente


assassinado.
No texto não há qualquer referência a versão do senhor de
Germano sobre a morte dele. O que deixa no ar é a possibilidade de
que a promotoria pública estaria pressionando um caso de assassinato
cometido pelo senhor, o que seria bastante possível, uma vez que entre
os magistrados brasileiros das últimas décadas do Império era
crescente as ações em que se agia em favor de escravos e contra os
senhores. Tratava-se muitas vezes de uma atitude política não
propriamente em favor dos negros cativos, e sim contra a escravidão.
Era esta para a maioria dos bacharéis formados nas Faculdades de
Direito uma instituição que manchava o Brasil e que deveria ser extinta
o quanto antes em favor do progresso do país.
Casos de violências de senhores contra seus escravos como
forma de coibir a escravaria são tão comuns na tradição oral da zona
rural de Catu, quanto os casos de “bons senhores” que “bem”
tratavam seus escravos. Como vimos no capítulo anterior e veremos
também no próximo, não se tratava de ser bom ou mal senhor e sim
de elaborar estratégias eficazes de manter os escravos presos à lavoura.
Em ambos os casos se utilizavam estratégias senhoriais de controle.
Em ambos os casos existia resistência dos escravos. Modalidades e
maneiras diferentes de estratégia dos muitos senhores e escravos de
Catu e do Recôncavo faziam parte do jogo complexo que girava em
torno da escravidão e da liberdade.

Era uma vila do Recôncavo 76


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

CAPÍTULO V

SOBRE ALFORRIAS GRATUITAS E


LIBERDADES CONDICIONAIS

Era uma vila do Recôncavo 77


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

No ano de 1881, Joana crioula era uma entre mais de cem


escravas do Capitão Manoel das Neves, um dos proprietários de
engenho do termo do Catu, Recôncavo baiano. Era casada com um
pardo liberto por nome José e tinha três filhos: Casimiro, de 20 anos
de idade, também escravo do Capitão Manoel; Maria e Josefa, de 15 e
10 anos, nascidas em liberdade, por decorrência da Lei do Ventre Livre
de 1871. Joana trabalhava nos canaviais de seu senhor e detinha o seu
pouco tempo livre para cuidar de sua família residente numa roça
cedida ao seu marido pelo Capitão Manuel. Nessa roça eles criavam
galinhas, porcos algumas cabeças de gado e plantavam gêneros
agrícolas de subsistência. Parte da produção deveria ser dada em
pagamento ao Capitão Manuel e parte era vendida na feira do Catu,
para adquirir dinheiro, pois a família corria para conseguir a realização
de um sonho: comprar as cartas de liberdade de Joana e Casimiro.
Por algum tempo eles haviam conseguido “pecúlio” das mais
variadas fontes: Joana havia herdade 500 mil réis deixados para ela
pela sua senhora, já falecida, em testamento onde se pedia que a
mulher do capitão lhe deixou essa herança “pelos bons serviços [que
Joana] que me tem prestado”. O pardo José, por seu turno, trabalhava
como vaqueiro em uma fazendo vizinha, onde conseguia o pagamento
de alguns milhares de réis por ano. Em pouco tempo esperavam
conseguir as cartas de liberdade que tornariam a família livre para fazer
de suas vidas o que desejassem.

Era uma vila do Recôncavo 78


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

A história que acabamos de contar é totalmente fictícia, mas


certamente foi vivida por muitos escravos que viveram em Santana do
Catu nas últimas décadas da escravidão no Brasil. A leitura de
documentos como testamentos, atas, processos crime, livros de notas
e livros de registros de notas nos permite dizer que muitos indivíduos
escravizados buscavam as cartas de alforria como modalidade de
aquisição das suas liberdades. Tratava-se de uma luta diária que era
travada silenciosamente no cotidiano daquelas pessoas. A liberdade
era um sonho almejado pelo qual se criavam estratégias variadas
direcionadas para a “concessão” dos senhores das cartas de alforria.
Esse é o tema principal desse capítulo.

5.1 Sobre cartas de alforria

A liberdade pela alforria foi um dispositivo que a Lei Imperial


e os costumes brasileiros previam para os escravos durante os séculos
de existência da escravidão no Brasil. Poderia ser concedida
solenemente ou não, direta ou indiretamente, expressamente,
tacitamente ou de maneira presumida, por ato entre vivos ou como
última vontade, em ato particular ou na presença de um notário, com
ou sem documento escrito. Em geral, esta era concedida em

Era uma vila do Recôncavo 79


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

documento escrito, assinado pelo senhor ou por um terceiro, à seu


pedido, se ele fosse analfabeto. Para evitar contestação, tornou-se
hábito que o documento fosse registrado em cartório na presença de
testemunhas.89

Podemos então perceber que a carta de alforria era, antes de


tudo, um dispositivo legal do qual os escravos dispunham para
conseguir a liberdade. Porém, quando se fala em cartas de alforria,
habitualmente a lembrança que vem à mente das pessoas é a de um
documento por meio do qual um proprietário simplesmente concede
a plena liberdade a seu escravo sem nenhuma objeção e com o único
objetivo de agradecer pelos "bons serviços prestados". A história, no
entanto, nos mostra que não foi bem assim. A imagem que se difundiu
ao longo do tempo sobre os escravos alforriados foi a de que eles nada
faziam para conseguir sua carta de liberdade e simplesmente
permaneciam passivos e obedientes até que o senhor por conta
própria considerasse a possibilidade de fazer essa concessão. Na
convivência cotidiana, na micropolítica da vida diária, podemos
observar escravo e senhor frequentemente negociar entre si,
enfrentar-se, fazer acordos, enfim, criar espaços em que um e outro
têm chance de exercer influência e pequenos poderes.90
Foi na convivência diária, em meio aos conflitos do dia a dia,
que os escravos e senhores negociavam entre si seus espaços de
influências, seus micropoderes. Os escravos não só disputavam

Era uma vila do Recôncavo 80


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

pequenas concessões e privilégios com discussões, protestos e grandes


revoltas violentas, mas também poderiam, como afirma Bellini,
"seduzir, tornar-se cúmplice dos senhores, aproveitando
oportunidades e locomovendo-se taticamente no sentido de tornar a
sua vida o melhor possível."91
Trata-se, na realidade de jogos singulares de poder e sedução,
favorecidos por situações que muitas vezes envolvem diretamente os
corpos do senhor e do escravo, como a preparação da comida dos
proprietários pelas escravas, o cuidado e a amamentação das crianças
brancas pelas amas, a convivência estreita na mesma casa e até mesmo
no quarto, as relações sexuais e filhos que estes protagonistas, que
ocupavam lugares institucionais tão diferentes, tiveram um com o
outro.92
A narrativa que se segue - essa sim verdadeira - é significativa
para compreendermos as condições de liberdades empregadas através
das cartas de alforrias. No ano de 1883, no município de Catu, a
crioula Balbina adquiriu sua liberdade, com muito trabalho, angariou
a quantia de duzentos mil réis e comprou sua liberdade. Sua carta,
assinada pelo senhor do Engenho Cassarogongo, concebia à liberdade
nos seguintes termos:

Era uma vila do Recôncavo 81


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Como legitimo herdeiro da casa da minha finada


sogra Dona Maria Vitorina de Jesus, além de mais
bens que possuo, de minha livre e espontânea
vontade, por ter recebido dela a quantia de
duzentos mil réis, e sem constrangimento de
pessoa alguma concedo a carta de liberdade a
escrava Balbina crioula a qual poderá gozar como
se ventre livre tivesse nascido e por ser verdade,
passo a presente carta por mim assinada.
Engenho Cassarogongo, vinte e um dezembro de
mil oitocentos e oitenta
e três. 93

Essa carta de alforria está entre as cinquenta e duas catalogadas


no Tabelionato de Notas do Fórum do Município de Catu e é bastante
ilustrativa das características de alguns dos cativos alforriados pelos
senhores catuenses. Ou seja, uma mulher de meia idade e compradora
da sua própria liberdade. Essa maneira de conceber a liberdade foi na
realidade um jogo de arranjos e interesses mediado pela e entre
vontade do senhor e dos escravos. Mecanismos esses que se
desenvolveram diante de uma população escravizada obrigada a
trabalhar nas lavouras catuenses durante todo o século XIX.

5.2 Como comprar a liberdade

A análise do acervo de cartas de alforrias de escravos catuenses que


tivemos acesso nos permitiu construir alguns gráficos que nos

Era uma vila do Recôncavo 82


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

ajudaram a perceber o perfil médio dos libertos por essa modalidade


de alforria:

No universo das cinquenta e duas alforrias encontradas nos

Era uma vila do Recôncavo 83


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Livros de Notas do Fórum do Município de Catu, entre 1878 e 1888,


percebemos uma quantidade maior de escravos do sexo masculino
sendo libertos por intermédio de alforrias gratuitas, enquanto no caso
das mulheres preponderam exemplos de alforrias onerosas, ou seja,
aquelas onde se pagava uma quantia em dinheiro pela libertação. É
possível que essa diferença tenha residido no fato de as escravas terem
uma maior facilidade em acumular pecúlio ao vender produtos
alimentícios nas feiras, por exemplo.94
Uma interessante pista de como os negros cativos poderiam
adquirir recursos para comprar sua liberdade está nos Livros de
Testamentos datados do final do Século XIX. Nele podemos ler, por
exemplo, a senhora Inês Maria de Oliveira Líger que em 22 de
fevereiro de 1879, deixou em seu testamento as quantias de cinquenta
mil réis para Firmino, Paulino e Leonel, todos os escravos de sua
propriedade. Dona Inês deixa esse quinhão para os seus escravos logo
após ter estipulado os preços que eles deveriam pagar se desejassem
ficar livres logo após a sua morte. Muito “bondosa”, deixa ainda vinte
mil réis para Sabino, Roberto, Benevides e Daniel também legalmente
propriedades sua. Receber dinheiro em troca dos “bons serviços
prestados” para ter sido um acordo costumeiro realizado entre
senhores e escravos em Catu. Na verdade parecia interessante para as
duas partes: o senhor poderia ter os “bons serviços” dos seus escravos
e ainda morrer com a impressão de que teria feito uma boa obra. Os

Era uma vila do Recôncavo 84


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

cativos poderiam contar com a “beneficência” do seu senhor quando


este ainda estava vivo e com a liberdade condicional e, possivelmente,
uma pequena contribuição pecuniária para adquirir a sua liberdade.
Existiam os senhores que, após a sua morte, ainda distribuíam
dinheiro entre os seus escravos, talvez como forma de conseguir
pontos a mais no dia do juízo final. Foi o caso, por exemplo, do
Capitão Antonio Cardoso Barbosa que em 1887, mandou distribuir
post mortem dinheiro para os pobres e para os escravos:

9ª No dia do meu falecimento minha mulher


dividirá cinqüenta mil réis pelos pobres e esses
serão obrigados no ato do recebimento da esmola
a rezarem uma Salve Rainha pela minha alma.
10ª Deixo uma quantia de trezentos mil réis, os
quais minha testamenteira distribuirá entre todos
os nossos escravos.95

Todavia, seria ilusório pensar que os escravos dependiam


única e exclusivamente dos senhores para conseguirem os valores que
necessitavam para comprar a tão sonhada liberdade. No testamento
de Dona Maria Firmina da Anunciação Leal, a senhora residente no
termo do Catu, ela manda que o testamenteiro pague duas vacas a sua
escrava, a africana Joana, que seu filho Eugenio Leal Cardoso, lhe
devia, vindo a falecer antes de ter honrado a referida dívida. Dona

Era uma vila do Recôncavo 85


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Maria Firmina declarou ainda que devia cento e dez mil réis para o
preto Antonio da Costa, africano residente no distrito de Pojuca. 96 A
dívida de Eugênio com a escrava da sua mãe sugere que a negra lhe
havia prestado algum tipo de serviço ou que ela havia, na pior das
hipóteses, lhe vendido duas cabeças de gado. No caso, do africano
Antônio, podemos pensar que mesmo sendo liberto este poderia usar
de seus serviços para conseguir recursos para a compra da liberdade
de parentes, por exemplo. Para Dona Maria Firmina, talvez fosse
melhor pagar pelos serviços de um liberto do que comprar um escravo
que pudesse lhe prestar um determinado serviço especializado para o
conserto de uma máquina de refino de açúcar, por exemplo.
Os senhores catuenses incentivavam seus escravos a construir
pecúlios para aquisição da sua liberdade – podemos perceber
claramente isso no capítulo onde discutimos o Fundo de Emancipação
dos Escravos de Catu. Isso ajudava a reforçar o direito de propriedade
que os senhores tinham legalmente sobre os escravos, uma vez que
ao pagar por sua liberdade os cativos reconheciam sua condição
de cativos (Não entendi). Assim, transações financeiras entre
senhores, libertos e escravos parecem ter sido comuns nos engenhos,
fazendas e sítios de Santana do Catu como, aliás, podemos desprender
das fontes exemplificadas no testamento de Dona Maria Firmina. Era
possível ver também o cultivo de gêneros de subsistência em roças
arrendadas nas propriedades dos próprios senhores, produtos esses
que poderiam ser vendidos na roça local, como foi o caso do

Era uma vila do Recôncavo 86


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Mucunga, roça situada dentro do Engenho Api, de propriedade dos


Araujo Góes, cujo assunto já tratamos em capítulos anteriores.

5.3 O preço das alforrias gratuitas

Na segunda metade do século XIX era de muito bom tom


libertar um escravo em homenagem a uma personalidade de destaque
ou em celebração de um aniversário, de uma festa religiosa, de um
diploma obtido, de um sucesso inesperado, espécie de exvoto, ato de
piedade, de reconhecimento e enobrecimento.97 Algumas cartas de
liberdade foram concedidas como “dádivas” da liberdade dada pelo
senhor ao seu escravo, por vezes eram utilizadas como forma de
projeção social no campo religioso ou mesmo político. Muitos
senhores e senhoras procuravam transparecer certa “atitude cristã” ou
mesmo “de apoio ao abolicionismo” ao libertar, publicamente, alguns
de seus cativos. Observe o que está escrito na carta de liberdade da
parda Ana, concedida pelo capitão Augusto Joaquim:

Querendo dar uma prova em concessão do


prazer que me causou a vitória do
Excelentíssimo Doutor Inocêncio Marques de
Araújo Góes Júnior nas urnas eleitorais desse
oitavo distrito, que com maior justiça elegeu a

Era uma vila do Recôncavo 87


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Assembléia Geral Legislativa, concedo a plena


liberdade a minha escrava Ana, parda, com
dezesseis anos de idade, [...] filha de minha
escrava Marcelina, também parda para que goze
como se de ventre livre nascesse desde o dia em
que completar a maior idade [...] Vila de Santana
do Catu, quinze de novembro de 1884.98

A carta deixa passar algumas significações interessantes que


valem apena serem destacadas aqui. Em primeiro lugar percebe-se que
o senhor da parda Ana, estava se utilizando do ritual de “concessão”
da liberdade para enfatizar a sua “alegria” pela vitória do Dr. Inocêncio
Marques de Araújo Góes Júnior. Uma leitura mais atenta possibilita a
inferência de que o capitão Augusto estava, na verdade, reafirmando
a sua parcela de contribuição para a vitória do deputado Góes Júnior
no oitavo distrito. Tratava-se da utilização do momento “sacrossanto”
da alforria de uma “pobre escrava”, para reforçar os laços políticos
entre o deputado e o seu cabo eleitoral.
Segundo: cabe interrogar quem foi o Dr. Inocêncio Marques
de Araújo Góes Júnior (1839-1897). Se ele foi citado com tantas
pompas e circunstancias, é porque detinha algum destaque no cenário
político e social de Catu e/ou da Bahia. Na verdade, o homem era um
dos cidadãos mais respeitados do Império. Pelo menos é isso que fica
evidente nos dados biográficos do autor. Tratava-se de uma figura
ilustre nos meios sociais, políticos e literários, renomado jurista. Filho
do destacado político Barão de Araújo Góes (1811-1897), chegou a

Era uma vila do Recôncavo 88


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

ser ainda Formado em Direito em 1861 pela Faculdade de Recife e


São Paulo (redutos do abolicionismo, na segunda metade do século
XIX, principalmente.). Soube marcar sua vida pública com grandes
exemplos de integridade e coragem, na defesa, sobretudo dos
interesses da Bahia. Foi

Deputado junto a Câmara Geral, do Império de 1872 a 1877. De


1885 à 1889 Presidente da Província de Pernambuco.99
Mas o que chama mesmo a atenção nesse caso não é o poder
político do Dr. Araújo Góes Jr. e sim a sua posição quanto a questão
da escravidão no Brasil. Consta na documentação sobre o
abolicionismo baiano que ele era um de seus maiores entusiastas. O
também abolicionista Anselmo da Fonseca, na obra A Escravidão, o
Clero e o abolicionismo menciona-o como colaborador de um grande
jornal abolicionista de Salvador, ao lado de abolicionistas destacados
como Eduardo Carigé, Augusto Guimarães (cunhado de Castro Alves)
e outros.100 Além disso, a documentação do Clube
Abolicionista Sete de Setembro menciona o Deputado Araújo Góes
Júnior como um de seus principais colaboradores. Consta ainda que o
Dr. Araújo Góes entrou para a História do Brasil como o único
deputado que fez uma emenda na Lei Áurea.101

Era uma vila do Recôncavo 89


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Tendo em vista que se tratava de um abolicionista influente


politicamente fica claro que o capitão Augusto usou a alforria da parda
Ana para fins políticos. Ele intentava agradar seu aliado político,
prevendo, quem sabe, futuras compensações políticas para esse ato.
Tanto é que o próprio capitão nos deixa saber que libertou uma jovem
escrava, mas que ainda manteria sua mãe cativa, o que nos deixa certos
de que ele não abriria mão da escravidão como modalidade de trabalho
dentro de suas posses. Ao que parece, tratava-se apenas de um
“agrado” de cabo político a alguém que poderia render-lhe um retorno
para além do valor da que valia a jovem escrava.
A parda Ana nascera apenas dois anos antes da Lei do Ventre
Livre e por isso não tivera a sorte de nascer livre, como tantas outras
crianças negras que nasceram anos depois. A parda Ana certamente
não deveria ser, segundo o seu senhor, o atriz principal desse “teatro”
da libertação. Ele reivindicava para si esse posto, pois queria se
promover social e politicamente através daquele ato. É de esperar
inclusive que ele tenha realizado o ato de libertação numa festa
pública. Da mesma forma fizeram os senhores da eminente família
Araújo Góes ao libertar escravos de sua propriedade numa outra
ocasião festiva:

O capitão Manoel José dos Reis de Araújo Góes


e Dona e Dona Germana Joaquina dos Reis de
Araújo Góes concedem carta de liberdade a seu
Francisco Gama e a Josefina sua mulher sem

Era uma vila do Recôncavo 90


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

condição alguma pelo regozijo e prazer que


tiveram pela formatura de seu filho Eugenio
Alexandro dos Reis de Araújo Góes, e por ser de
nossa livre vontade lhe confessam a presente em
presença do Capitão Antônio C. do Rego e
capitão Augusto B. Conceição. Quatro de
fevereiro de mil oitocentos e oitenta e sete. 102

A expressão de beneficência, de religiosidade como se os


senhores pensassem estar realizando uma boa ação diante de Deus e
da Igreja também podem ser lidas em algumas das cartas, como fez a
senhora de escravos Maria Filipa de Barros:

Eu, Maria Felipa de Barros como uma prova de


respeito e veneração que presto ao dia de hoje,
em que a Igreja comemora a Sagrada Paixão e
Morte de nosso senhor Jesus Cristo e atendendo
aos bons serviços, que me tem prestado minha
escrava Joana, crioula, com quarenta e cinco anos
de idade, mais de menos, matriculada sob os
números 3843 da matrícula [...], a liberto pela
diminuta quantia de cinquenta mil réis, que a essa
data recebi, e para que goze de agora em diante
da sua liberdade, lhe mandei passar a este título
irrevogável.103

A liberdade “gratuita” pelos “bons serviços prestados” são


expressões costumeiramente encontradas nas cartas de liberdade e nos

Era uma vila do Recôncavo 91


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

testamentos analisados. Na verdade, essa prática escondia um acordo


tácito entre senhores e escravos, no qual eles deveriam trabalhar
arduamente para seus senhores e não praticar atos de rebeldia. Na
prática as liberdades gratuitas eram pagas pelos escravos em duros
anos de trabalho forçado. No caso de Dona Maria Felipa, percebe-se
que mesmo concedendo a liberdade em um dia santo, ela não abriu
mão de cobrar um preço simbólico pela liberdade da escrava Joana.
Tratava-se de uma clara demonstração de que sua liberdade mesmo
sendo “concedida” tinha um preço. Os senhores quando não queriam
demonstrar “caridade”, faziam questão de deixar claro e procurar
assegurar a sua prerrogativa contida em Lei, sobre seus escravos.
Como no caso do senhor Bernadino, que libertou sua escrava
Jerônima em agosto de 1886:

Eu, Bernadino da Silva Pessoa concedo plena


liberdade minha escrava Jenonima, parda com
vinte anos de idade, pouco mais ou menos,
solteira, do serviço domestico e natural de
Pojuca. [Ilegível]. O que faço de minha livre e
espontânea vontade e sem indenização alguma,
em remuneração pelos serviços prestados,
podendo a dita escrava gozar da liberdade como
de ventre livre tivesse nascido. [...] Catu, vinte e
um de agosto de 1886. 104

Parece um pouco contraditória a afirmativa de Bernadino quando


afirmou que libertava Jeronima “sem indenização alguma em

Era uma vila do Recôncavo 92


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

remuneração pelos serviços prestados”. Estaria ele a reconhecer o


cumprimento da cativa em trabalhar para ele durante o regime do
cativeiro como uma espécie de pagamento pela sua liberdade e que
por isso ele abria mão dela “sem remuneração”? A lógica senhorial às
vezes é um pouco difícil de compreender, mas o que ele estava
dizendo era exatamente isso. A ideologia senhorial buscava reforçar o
seu poder sobre os escravos mesmo num tempo em que se fazia cada
vez mais difícil manter o controle sobre os cativos. Só lembrar que em
1886, quase não existiam escravos no Brasil e que nesse momento os
senhores do Recôncavo eram dos poucos que ainda teimavam em
resistir contra o inevitável fim da escravidão.

5.4. Liberdade sob condição

Declaro que a minha cria de nome Victoriana,


pardinha com doze anos de idade, filha da
escrava Candida, também parda, hoje vendida,
depois do meu falecimento acompanhará o meu
marido, primeiro testamenteiro, Manoel João
Atanázio de Oliveira, durante sua vida por morte
do qual, se por ventura este me sobreviver, se lhe
passará sua carta de alforria de liberdade, para que
dela goze, como se de ventre livre nascesse,
servindo-lhe esta verba também de título.

Era uma vila do Recôncavo 93


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

A declaração acima consta no Testamento de Dona Mavinha


de Uzeda e Luna moradora do Richão, Zona Rural de Catu, aberto em
08 de março de 1887. Assim como ela, encontramos uma infinidade
de testamentos e de cartas de liberdade em que os senhores catuenses
se comprometiam ante a lei a libertar seus cativos mediante a aceitação
de um acordo em que eles se manteriam na linha durante certo período
de tempo. Esse tempo poderia ter durado cativeiro de Victoriana.
Considerando que o testamento de Dona Mavinha foi aberto em 1887
e que a sua “cria” deveria ainda servir ao seu marido enquanto vivesse,
se a abolição da escravatura não tivesse vindo, no ano seguinte, 13 de
maio de 1888, Victoriana ainda teria que viver como escrava durante
muitos anos prestando “bons serviços” como desejavam seus
senhores.
Outro exemplo muito interessante de alforria diz respeito às
chamadas alforrias condicionais, que são aquelas nas quais o senhor
estabelece uma série de exigências e parâmetros referentes às
condições de libertação do escravo, transcrevemos à seguir uma
alforria deste tipo:
Carta de liberdade condicional do crioulo
Ângelo Pedro dos Santos
Com a condição de acompanhar a mim enquanto
viva for pela presente alforrio o meu escravo
Ângelo Pedro dos Santos, pelos bons serviços
que me tem prestado. E como eu Teodora Maria
de [...] Santos não sei ler nem escrever pedi ao
senhor [...] Norberto Sá Barreto que esta por mim

Era uma vila do Recôncavo 94


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

escrevesse rogo assinasse com as testemunhas


abaixo assinadas. Vila de São Francisco, vinte de
Março de mil oitocentos e setenta e sete.

Nesta carta, a senhora proprietária do escravo Ângelo Pedro


dos Santos, declarou que a liberdade dele só se consumaria após a sua
morte. Cartas com estas cláusulas foram muito comuns ao longo da
história da escravidão. As cartas do crioulo Ângelo nos revela as
estratégia de controle da senhora, sobretudo por demonstrar sua tática
para obter a fidelidade “incondicional” do seu escravo.
Estratégias, negociações, interesses, são alguns dos termos que
podem muito bem ser relacionadas as cartas de alforria, pois estas
desvelam uma tênue divisão existente entre escravidão e liberdade. Em
Catu, as estratégias legais para aquisição de alforria podem ter sido
mais intensas pois, por um lado, houve a resistência e a tentativa
senhorial de reafirmação dos seus direitos de propriedades sobre os
seus cativos, mas, por outro, eles tinham que ceder a uma população
escrava fortemente marcada por laços de parentesco e pela obtenção
de práticas que significavam a possibilidade de se conseguir meios e
recursos para a aquisição da alforria dentro da Lei e dos costumes.

Era uma vila do Recôncavo 95


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

CAPÍTULO VI
UM FUNDO PARA A LIBERDADE

No primeiro dia do mês de março do ano do nosso Senhor


Jesus Cristo de mil oitocentos e oitenta e um, na Casa da Câmara
Municipal de Santana do Catu reuniu-se o Major Paulino de Araújo
Góes, o Coletor Geral, nomeado para tal finalidade, Alexandre Luna
de Araújo Góes, o Promotor capitão Joaquim de Barros Seixas
Loureiro e o primeiro escrivão de paz da vila, Manoel M. de Carvalho,

Era uma vila do Recôncavo 96


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

que compunham a junta de classificação “para alforria de pessoas


escravas”, em conformidade com o Decreto nº 5.135 de 13 de
Novembro do ano de 1872, recebendo cinco requerimentos: Suphia
Maria da Conceição vinha a junta em prol do seu marido de nome
Laurino, escravo de Manoel de Castro Lima; de José Florêncio em
favor da sua mulher de nome Teresa, escrava do capitão José Lopes
da Conceição; de Isabel em favor do seu marido de nome Julião,
escravo do cidadão Tolentino José de Santana de Dionísio do Rego
em favor de sua mulher africana Ana, escrava de D. Joana
Hermenegilda de Souza Rego; de Joana Correia em favor de seu
marido de nome Manoel, escravo do Tenente Francisco Batista de
Correia Lima com a quantia de cento e quarenta mil réis como cota
para conseguir sua liberdade. Sendo adiantada a hora, atentou a junta
em suspender os trabalhos adiando a seção para o dia seguinte. 105
No parágrafo anterior transcrevo em linhas gerais o resumo
constante na Primeira Ata do Livro do Fundo de Emancipação de
Escravos de Catu. A Junta era composta por três senhores de escravos,
entre eles, o quase legendário Paulino de Araújo Góes, futuro Barão
de São Miguel, uma dos políticos e senhores mais poderosos da região,
muito conhecido pela truculência, com que tratava seus escravos, pela
perseguição para com os cativos “fujões” e por ser um árduo defensor

Era uma vila do Recôncavo 97


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

dos “legais” direitos senhoriais. No Brasil, a condução da libertação


dos escravos mediante esse mecanismo criado por lei, ficou a cargo
dos senhores. Em Catu não foi diferente, pois um grande defensor da
ordem e dos direitos senhoriais foi quem presidiu a Junta
Classificadora do Fundo de Emancipação nos seis anos de sua
existência.

6.1 A junta classificadora e suas funções

A Lei do Ventre Livre, datada de 28 de setembro de 1871,


previa, além da libertação de todas as crianças nascidas de ventre
escravo a partir daquela data, um conjunto de dispositivos que
permitia a compra da liberdade mediante pagamento. A partir dessa
Lei, foi também estabelecido um Fundo de Emancipação cujas
receitas, provenientes de “impostos, doações, loterias e multas
impostas pela infração da própria lei”106, seriam utilizadas para
pagamento de alforrias de cativos selecionados por juntas
classificadoras de escravos.107
Pelos termos da lei, o fundo deveria ser precedido de uma
matrícula de todos os escravos do país, que serviria para se
estabelecerem as proporções, e de uma classificação de todos os
escravos matriculados, conforme critérios definidos em lei. No
procedimento de matrícula, o proprietário declarava a idade, o “estado

Era uma vila do Recôncavo 98


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

civil”, a aptidão para o trabalho e demais características do escravo e


estabelecia um valor para sua libertação. Este valor serviria tanto para
uma eventual compra de sua alforria (pelo próprio escravo ou
qualquer outro indivíduo) quanto para sua libertação pelo fundo de
emancipação de escravos.108 A escrava catuense Januária, de
propriedade de Manoel José de Santana e o escravo José crioulo, que
tinha por seu dono Dona Clara Faustina de Jesus Pereira, foram
excluídos da lista classificadora destinada a quarta cota do Fundo de
Emancipação de Catu, por não ter seus nomes em nenhuma lista de
matrícula, estavam, portanto, escravizados ilegalmente. Além do mais
não poderiam ser classificados, por não terem seus preços
formalmente afixados.
Após o fim da matrícula, as juntas classificadoras deveriam se
reunir em todos os municípios do país e classificar os escravos com
base nas informações prestadas pelos senhores e por esclarecimentos
que julgassem necessários. Os critérios de classificação, conforme a
regulamentação instituída pelo Decreto 5.135 de 13 de novembro de
1872 privilegiavam a libertação das famílias ou de escravos casados,
em detrimento dos “indivíduos” – cativos que não tinham cônjuges
nem filhos escravos ou ingênuos. A definição desses critérios
certamente não era casual, pois levavam em consideração os interesses
dos vários envolvidos em cada processo.109

Era uma vila do Recôncavo 99


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Voltemos aos trabalhos da Junta Classificadora do Catu. Nos


dias subsequentes compareceriam ante a Junta toda a sorte de pessoas:
senhores, escravos, terceiros, mas, sobretudo, cidadãos livres que
requeriam a liberdade para o seu cônjuge. Atitude de causa pensada, a
estratégia simplesmente procurava fazer uso da lei que instituía o
Fundo de Emancipação e demais normativas, sobretudo ao, que
instituía como objetivo principal, o de manter unidas as famílias ou o
de tornar possível essa união. Embora as regras de classificação só
tivessem sido alteradas em aviso circular publicado pelo Estado em 19
de janeiro de 1883, já era costume conceder liberdade de preferência
a escravos casados com pessoas livres. Em outras palavras, muitos
cativos e libertos fizeram uso tanto da lei, quanto do costume que se
instituiu em torno do Fundo de Emancipação desde o momento da
sua promulgação.
Entretanto, antes de ser publicada a lista que alforriava os
escravos “contemplados” pela libertação de seus cativeiros, o Coletor
Geral Alexandre Luna de Araújo Góes, levantou uma dúvida que, pelo
que se infere, se resume pela seguinte indagação: como que a grande
maioria dos escravos que compareceram ante a Junta Classificadora
cumpriam as determinações principais que informava a Lei, a saber
que eram casados, tinham filhos livres ou ingênuos e apresentavam
pecúlio que assegurava o pagamento parcial de sua liberdade, como
proceder a lista de classificação se a cota destinada para a libertação

Era uma vila do Recôncavo 100


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

não era o bastante para todos quais critérios de ordenamento se


deveria adotar? 110
Era preciso esperar as orientações requeridas ao presidente da
Província da Bahia. O parecer do presidente baiano não só foi acatado,
como serviu de referência para todas as outras listas arroladas pela
Junta catuense nos anos seguintes. A resposta da autoridade baiana
estava em conformidade com os interesses senhoriais e foi seguida à
risca pela Junta: como critério de desempate dever-se-ia observar a
idade dos cativos, se os mesmos estavam devidamente matriculados
assim como mandava a Lei, se os requerimentos peticionários
cumpriam o perfil exigido para a libertação e, por fim, como não
podiam deixar de ser, as “informações” que os senhores davam dos
seus escravos requerentes. 111

Na prática, isso significou uma alteração relevante na primeira


lista de classificação da Junta. Para saber qual a postura da Junta, basta
observar os primeiros classificados na Lista: Vicente, cabra, 43 anos;
Isabel, mulher deste, 49 anos; Affra, 19 anos; e Candido, 25 anos,
filhos do mesmo casal, além de uma ingênua de nome Josefa, da
mesma família, eram todos escravos do Barão de Camaçari. Embora
não tivessem apresentado qualquer quantia em favor da sua liberdade,
essa família era a única a comparecer ante a Junta que tinha entre seus

Era uma vila do Recôncavo 101


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

membros um filho ingênuo, ou seja, nascido livre em função dos


efeitos da Lei do Ventre Livre.
Segundo o inciso segundo do artigo vinte e sete do Decreto
5135/1872, teriam preferência para caso de libertação pelo Fundo de
Emancipação “os conjuges filhos nascidos livres em virtude da lei e
menores de oito anos”. Além disso, a mesma lei afirmava ter
prioridade as famílias e, logo após, os indivíduos.112 Muito
provavelmente, por conhecimento da Lei e dos seus efeitos, a família
do escravo Vicente foi toda ela libertada sem desembolsar nenhum
dinheiro e foi classificada à frente de muitos outros que ajuntaram
quantias, por vezes, vultosas para alçarem em favor da sua liberdade.
Pelo visto, nesse caso, valeu quem dominava mais os desígnios da lei.
Embora não se saiba como essa família tivesse tomado conhecimento
dela, o fato é que sua estratégia foi tão meticulosa que valeu da Junta
Classificadora uma consulta a autoridade máxima do executivo baiano
a fim de certificarem-se de que esse era mesmo o procedimento
correto.

A orientação presidencial nutria a lei e as normativas anteriores


também para confirmar um tipo de escravo ideal para ser libertado
pelo Fundo. A análise de todos os casos constantes no Livro de
Emancipação de Escravos libertados em Catu entre 1880 e 1885, pode
nos dar este perfil: homem ou mulher, em média entre quarenta e
sessenta anos, casado, de preferência com filhos livres ou ingênuos,

Era uma vila do Recôncavo 102


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

com parte do pecúlio em prol da sua liberdade adquirido. Uma análise


numérica dos libertos pelo Fundo em seis anos de funcionamento
pode confirmar o perfil ideal do escravo que deveria liberto, conforme
orientações do Estado e desejo dos senhores.

Tabela 1: Número de Libertos pelo Fundo de Emancipação por faixa


etária (1880-1885)

Faixa Etária 0 a 20 20 a 30 30 a 40 40 a 60 Total


Nº de escravos 03 05 14 22 44
Porcentagem 7% 11% 32% 50% 100%

A grande maioria dos escravos libertados pela Junta catuense


era casada, apresentava pecúlio e tinha mais de 30 anos (82% do total).
Havia um princípio de libertar escravos que já tivessem dado seus
melhores anos de trabalho a serviço de seus senhores. Dentro dessa
lógica, buscava-se alongar ao máximo a sobrevida da escravidão, agora
com um status modificado pela interferência estatal, bem como forçar
os libertos ao trabalho. Os meios de cooptação de que o Estado
passava a dispor para essa tarefa, a partir da lei, havia mudado: de um
lado, a lei forçava um relaxamento dos aparelhos repressivos de
controle e, de outro, promovia uma incorporação pelo poder público
das promessas de recompensa, como a possibilidade de libertação. Ao

Era uma vila do Recôncavo 103


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

fazer uso da lei, os destinos dos escravos ainda não lhes pertenceriam
por completo: uma vez que os dispositivos legais que possibilitavam a
alforria dependiam em grande medida da atuação senhorial, as
ambições de liberdade dos escravos poderiam ser ainda uma vez
prejudicadas pela desídia e pela má-fé dos seus senhores.113
Embora a petição de liberdade pudesse ser apresentada a Junta
de Classificação pelo próprio cativo, na maioria esmagadora dos casos
era o cônjuge livre dele quem servia de requerente. Em segundo lugar
vinham as petições apresentadas pelos próprios senhores, a exemplos
dos escravos do Barão de Camaçari e do Doutor Sócrates Bittencourt,
o primeiro político conhecido e renomado na província, o segundo
primeiro prefeito da cidade de Catu. Ao conduzir o processo do seu
cônjuge escravo, o parceiro livre provava por corpo presente que a
petição do seu consorte merecia consideração perante a Junta
Classificadora. Tratava-se, portanto, de mais uma estratégia escrava
em busca da liberdade.
Não seria exagero pensar que ao criar o perfil ideal do escravo
a ser libertado, a intenção dos senhores e do Estado era de convencer
a escravaria baiana de que o trabalho duro e fiel seria “coroado” com
o dom da liberdade numa fase posterior das suas vidas. Ao dar os seus
melhores dias no labor em prol do bem de seus senhores, o
reconhecimento viria se, e apenas se, houvesse uma contrapartida que
era a dedicação dos cativos aos senhores. Dito de outra forma,

Era uma vila do Recôncavo 104


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

senhores e governo – que na Bahia e em Catu era também formado


por eles – deram uma interpretação própria a ponto da Lei de 28 de
setembro de 1871 que criou o Fundo de Emancipação para escravos.

6.2 As brechas no Fundo de Emancipação...

Entretanto, há de se pensar que esse jogo poderia ser jogado


também pelos oprimidos, pois ao conhecer o teor da Lei, alguns
cativos usaram das suas regras e cláusulas para tentar conseguir a tão
sonhada liberdade. Para ilustrar essa premissa vejamos o caso do
escravo Manoel José, de propriedade de Dona Maria do Nascimento,
que no ano de 1885, compareceu ante a Junta Classificadora alegando
ser casado. Essa informação, após investigação da Junta verificou-se
não proceder.
Outro caso é o de Leôncio, escravo do Doutor Sócrates
Bittencourt, 35 anos, solteiro, que compareceu a junta no ano de 1883,
e mesmo não apresentando pecúlio em favor de sua liberdade,
requerida pelo seu senhor, não foi contemplada. No ano seguinte o
mesmo Leôncio compareceu a Casa da Câmara, mas dessa vez casado
de papel passado com uma mulher livre. Não podemos afirmar
categoricamente que foi uma estratégia estritamente planejada por ele,

Era uma vila do Recôncavo 105


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

mas naquele ano ele conseguiu sua liberdade, basta ler a Ata que
registra a Lista de libertados pela quarta cota datada do ano de 1884.
Os escravos usavam da melhor maneira melhor as brechas e
possibilidades abertas pela lei. Esse foi o caso da Lei 2.040 que
estabelecia, entre outras providencias, a instituição do Fundo de
Emancipação. Atitudes como acumular pecúlio, casar-se durante os
trabalhos da Junta Classificadora ou mesmo residir em cidades com
maiores possibilidades de classificação eram algumas das estratégias
para melhorar sua situação entre as categorias prioritárias,114 como foi
o caso do escravo Leôncio. Poderiam ainda forjar casamentos, ou
simplesmente mentir, como foi o caso da tentativa malograda de
Manoel José. Existiam casos também de cativos que alegavam ter em
seu poder ou do senhor pecúlios que não possuíam, como foi o caso
do crioulo Luís Gonzaga, de propriedade de Dona Joana
Hermenegilda de Souza Gonzaga, ambos também residentes em
Catu.
Entretanto, embora saibamos que a classificação dos escravos
ocorria, na teoria, a revelia da vontade dos seus senhores e que muitos
deles se utilizavam inteligentemente das brechas e possibilidades dadas
pela lei, não se pode deixar de lembrar que os senhores também
utilizavam das aberturas e possibilidades legais para usarem a lei a seu
favor. Acreditamos que o decorrer desse capítulo transcorre
justamente nesse sentido. Só lembrar que, no caso do Catu, a Junta

Era uma vila do Recôncavo 106


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Classificadora foi presidida em todos os seus anos de existência pelo


Major Paulino de Araújo Góes, ardoroso defensor dos direitos
senhoriais na sociedade catuense.
Cabe lembrar também que os critérios exigidos não só pela lei,
mas também pelas orientações da presidência da Bahia não deixavam
dúvidas que o Fundo de Emancipação abria possibilidade de “direito”
apenas aos escravos que cumpriam uma infinidade de prerrogativas,
dentre elas a consecução do pagamento parcial do valor pela sua
própria liberdade, sendo que a cota reservada pelo governo indenizaria
o proprietário pelo restante do valor da liberdade do indivíduo. Na
prática, isso significava a manutenção, mesmo que modificada, do
“sacrossanto” direito que o senhor tinha sobre o seu escravo. Isso era
tudo que senhores como o Barão de São Miguel defendiam.
Temos que mencionar também que em cerca de seis anos de
trabalhos da Junta Classificadora do município de Catu que, sabe-se lá
porque, começaram a funcionar de fato, apenas no ano de 1880,
somente quarenta e quatro escravos tiveram o “direito” de verem-se
livres do jugo senhorial através do Fundo de Emancipação. Se
atentarmos para o fato de que o município tinha cerca de 1300
escravos um ano antes a abolição, veremos que as estratégias
senhoriais de barrar e de conseguir reverter a lei a seu favor foram,
pelo menos no caso catuense, bem sucedidas. O conflito entre

Era uma vila do Recôncavo 107


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

dominados e dominadores é um conflito desigual, pois os segundos


tinham muito mais instrumentos para manutenção do seu poder, do
que os primeiros para dele se verem livres.

De qualquer forma fato é que senhores e escravos negociavam


cotidianamente e no caso das possibilidades abertas pelo Fundo de
Emancipação, a situação não foi diferente. Também nesse caso valia a
astúcia, a perspicácia e o “jeitinho” de quem soubesse mais transitar
entre pantanosos territórios da escravidão e da liberdade.

Era uma vila do Recôncavo 108


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

CAPITULO VII

MEMÓRIAS DO CATIVEIRO EM BELA FLOR

Seu João115 nasceu em 1936. Diz que seu avô contava histórias da
escravidão a partir de suas experiências noutra propriedade: “o que eu
conheci dos Pimentel foi um negro chamado Juvino, ele veio da
África, chegou da África”. Lá, os traficantes “levaram cachaça e fumo,
e fazia festa, ai eles entravam pra dentro do navio, aquele festão
melhor do mundo”, enquanto ficavam todos bêbados “naquela festa,
os estrangeiro zarpava com o navio, chegava cá não tinha pra onde ir.
E veio vindo, veio vindo, roubaram foi um bocado de negro. Tinha
um bocado de negro aí, só escapou
Juvino.”116

Era uma vila do Recôncavo 109


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Esse relato expressa a forma como parte dos descendentes de


escravos explica a escravidão africana que ocorreu no Brasil. Na
maioria das vezes se referindo aos seus antepassados como “cativos”
e não como escravos. Nosso depoente nos conta que eles foram
“roubados” da África em ocasiões como a que ele rememora. Esse
relato é um trecho do depoimento de seu João, morador do município
de Catu na localidade de Bela Flor – conhecida também como São
Miguel. Seu João viveu - pelo menos - a infância, entre as décadas de
1930 e 1940, “tocando lavoura” com a família, em uma das mais antiga
áreas escravistas do Recôncavo Baiano, no Engenho do Api.
Em seu depoimento seu João rememora histórias de seus pai
e mãe, avô e avó, bem como traçam com facilidade suas ramificações
familiares até o cativeiro. Tomadas em conjunto, as entrevistas
produzem determinadas versões muitas vezes comuns, outras vezes
conflituosas sobre escravidão e liberdade, que demonstram uma
relação com as trajetórias e as tradições familiares.
Nesse capítulo temos por objetivo narrar e analisar as memórias
genealógicas de afrodescendentes sobre os últimos anos da escravidão
no Recôncavo enfatizando as relações entre senhor e escravo e
buscando perceber a influência que a estrutura social escravocrata os
impunha, pontuando ainda os traços identitários que foram passadas
de geração em geração.
7.1 Lembrar para não esquecer “a brutalidade da escravidão”

Era uma vila do Recôncavo 110


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Eles tratavam com muita judiação os cativos. Vejo


o pessoal contar que na fazenda Caitá [e] na
fazenda Pimentel tinha um nego chamado Jovino.
Esse foi cativo, veio da África. Eu era menino mas
alcancei ainda o rosto dele tinha um lapo [...] que
quando nascia eles passavam a navalha que era pra
marcar os negros. […] [Os brancos] ia pra África e
trazia da África fumo e cachaça chegava os branco
fazia aquela festa com o fumo e com a cachaça
com o nego. Quando os nego tava bebo ele pegava
os nego e [...] quando chegava aqui não tinha pra
donde fugir e aqui eles virava cativo. Esse mesmo
veio da África assim numa
festa quando ficava bebo eles pegavam.117

Em grande parte das narrativas a referência à África aparece


como um traço marcante de ancestralidade. Essa história relembra as
experiências da escravidão e de escravos no Recôncavo Baiano, mais
especificamente em Catu. Experiências marcadas, sobretudo pela
violência e brutalidade do sistema escravista.
Essa face do depoimento dos entrevistados revela uma espécie
de repúdio em relação ao escravismo e a ausência de uma noção de
pertencimento e de identidade com o seu passado afrodescendente.
De certa forma, essas pessoas veem a escravidão como um período
“sombrio” e sentem receio ou vergonha de se declararem fruto
daquela forma de dominação, ou seja, não se assumem descendentes
de escravos e, pelo contrário, enfatizam que não o foram tentando se

Era uma vila do Recôncavo 111


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

distanciar ao máximo do estigma de filhos ou netos de ex-escravos,


muito embora essa memória paradoxalmente os remeta a tal laço sua
identidade.

Seu João exemplifica essa conduta quando questionado se seus


pais ou avós contavam histórias de escravos, rebateu: o meu avô
“tinha escravos. Ele não era escravo não, ele tinha escravos. Mas a
família, o povo de meu pai não era da África não, era índio”. Ele se
contradiz, contudo, ao afirmar que seu avô dormia numa mesma cama
com muitos homens e, numa certa ocasião,
Meu avô contava que [mandaram] ele
'ataiá' um cavalo [...]. Ele disse que não
podia “ataiá” o cavalo; o cavalo correu, ele
pelejou pra pegar, mas num pegou.
Quando foi de noite que eles dormiam
tudo, numa cama só né? Ele veio, pegou
na perna de meu avô, meu avô chamava
Sérgio, pegou na perna de Sérgio (...);
quando ele pegou e assim que soltou,
pensando que era Clarindo, aí meu avô
escapuliu, e dormiu no mato [...] mas o véi
só fazia bater, trabalhar e bater.118

É difícil imaginar um senhor de escravos que vivenciasse a situação


acima descrita, pois esse que, a princípio, pertencia à classe dominante
a época, muito dificilmente dormiria com vários homens em uma
cama e fosse mandado fazer tarefas com animais e ainda fugisse de
eventuais castigos físicos.

Era uma vila do Recôncavo 112


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Nesse sentido, não se deve desprezar o que o entrevistado diz


somente porque ela não é factível, mas devemos pensar os reais
motivos que o levou o se situar nessa contradição, pois a memória por
compartilhar também do elemento identidade remonta ao
“esquecimento”119 que o discurso quer ressaltar: o esquecimento do
cativeiro, das lembranças que não são convenientes por retratarem um
momento de opressão. Essas rememorações não são próprias do
entrevistado, mas foram passadas de geração em geração e
ressignificadas ao longo do tempo.
Outro depoente nos conta uma narrativa parecida a do Seu
João, tentando se distanciar da genealogia que o ligou ao período de
cativeiro, dizendo que “ouvia os mais velhos falar”, mas sem citar
nenhum parentesco, mesmo perguntada sobre isso, talvez esquecendo
conscientemente a herança ligada a escravidão.
Quando se fala em escravidão, os depoentes relacionam essa
fase histórica como um sistema conturbado no qual o uso radical da
violência era abundante, a tortura física demasiada e desnecessária,
sem nenhuma humanidade para com o negro, sem pena, somente pelo
prazer de maltratar e humilhar o negro escravo e demarcar seu lugar
de prestígio. Essas visões são constantes nos discursos dos depoentes,
e crescem em histórias e contos que envolveram os cativos. Diversos

Era uma vila do Recôncavo 113


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

trechos indicam a escravidão como uma instituição essencialmente


violenta, e torturante. Dona Joana fala que ouvia dizer dos mais velhos
que “os brancos eram muitos perversos batiam e judiavam dos
pobres” e narra um momento em que um senhor maltratava um
homem, obrigando-o a beber cinco litros de pimenta. Tenta mostrar
que tamanha era a crueldade do senhor que mesmo homens livres não
lhe despertavam simpatia:

[...] chamou o homem pra e comer na


casa dele, a nega botou a mesa cheia, farta
de comida disse que de tudo tinha na mesa
menos a pimenta, aí disse que ele falou tá
faltando o que aqui? O homem respondeu:
um molho; aí ele disse: nega pise cinco
litros de pimenta e me traga e obrigou o
homem comer.120

Seu João é um dos que mais falam sobre a violência. Cita como
exemplo, mais uma vez, a história de Juvino. De acordo com Seu João,
Juvino tinha sido orientado a buscar um baú para o engenho onde
trabalhava em virtude de um casamento que lá ocorreria, porém viu
que sozinho não aguentaria o peso e teve que levar o objeto numa
carroça que passava pelo custo de dez mil-réis.
Ainda segundo o entrevistado, teria irritado sua senhora, que
mesmo pagando o dinheiro ao carroceiro, teria punido o negro
severamente; “a alimentação que deu foi uma surra. Pegou ele, lá

Era uma vila do Recôncavo 114


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

embaixo no engenho, tocou-lhe a taca. Bateu, bateu, bateu...”, afirma.


Com isso pretende ressaltar o caráter arbitrário e intransigente do
cativeiro, que torturava por questões insignificantes, como a ínfima
quantia que o escravo colocou o senhor para pagar, que “era menos
que um vintém, um vintém valia por 10 réis, era uma besteirinha”.
A violência do cativeiro envolve a maior parte do depoimento
de Seu João. Ele narra que seu conhecido, negro Juvino, foi o único
que consegui fugir daquela vida: “Tinha um bocado de negro aí, só
escapou Juvino”. Esse relato pode revelar uma forma de resistência à
exploração senhorial, nesse caso reprimida por severos castigos e
punições, o que possivelmente levou o cativo a fugir da localidade, o
fato de não se resignar diante da violência sofrida.
Brutalidade, violência e castigos abundam nos depoimentos
desses entrevistados. Seu João, um dos nossos protagonistas
narrativos, nos conta mais uma história relevante para compormos
essa parte do mosaico da História catuense. Segundo ele, ouviu falar
que o Barão de São Miguel “era muito malvado”,
só vivia de esfolar os outros, bater nos pobre e nos
cativo. Eu ouvia falar que ele era muito ruim. Um
nego que trabalhou comigo me disse que eles
pegou o cigano prendeu [...] bateu […] Assim eu
ouvia o pessoal falar. Também, morreu fazendo
pena pipocou o corpo todo em ferida. [Limpando
as feridas] tinha duas empregadas, quando uma

Era uma vila do Recôncavo 115


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

não guentava mais, tinha que ficar [outra] com a


toalha enxugando as feridas até o dia que
morreu.121

Os depoimentos e as memórias figuram numa zona que envolve tanto


um discurso brando sobre a escravidão, principalmente no Engenho
Api, quanto a violência presente no regime escravista na região. O que
é significativo nessas histórias passadas de geração à geração e que têm
como marca um traço contraditoriamente familiar com a História da
Escravidão na região é o fato de os depoentes compartilharem
histórias com personagens de características bastante similares. Ponto
comum a uma comunidade que congrega sujeitos históricos
compartilhando histórias e memórias coletivizadas ao longo do
tempo.
7.2 Memória, paternalismo e escravidão
Dona Faustina tem 76 anos e afirma ser neta de escravos
pertencentes ao Engenho Api. Sobre as relações com os outrora
senhores de seus antepassados, ela ouvia seus avós dizer que: “lá não
tinha negocio de bater nos escravo, nem judiar os escravo. Lá tinha as
escravas que trabalhavam dentro do sobrado e tinha os negros de
trabalhar na lida, mas os escravo é como se fosse livre”.122
Ela relata também que lá no Api todo “mundo tinha sua
casinha de taipa coberta de palha [...] na Mucunga. Lá a gente plantava
fruta quiabo, jiló, abóbora, batata, mandioca”. Naquelas redondezas,

Era uma vila do Recôncavo 116


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

“não tinha patrão que nem os branco do Api até hoje [sic] quando
fugia um negro das outra fazendas corria pro Api quando tocava numa
estaca do Api doutor Pedro dizia ai ninguém bole ele entrava pra
dentro da fazenda e ai ia trabalhar.”123
Dona Francisca, viveu muito tempo no Api e assume sem
nenhum receio ser filha de um ingênuo - filhos de escravos que
nasceram após a lei do ventre livre de 1871, sob algumas condições.
Ela se sente, de algum modo, pertencente à comunidade escrava que
se formou no Engenho Api. Afirma com entusiasmo a maneira como
eram tratados os escravos, destacando a forma benevolente que a
escravidão daquela comunidade se diferenciava de outros locais:

Meu pai quando nasceu já nasceu livre,


agora eu mesmo tenho sangue de escravo,
porque meu avô era pai de meu pai e meu
pai contava pra gente que quando
aconteceu a liberdade ele estava com idade
de oito anos, ele sempre contava pra gente
e a gente ficou nisso, lembrando ele dizia
como era naquele tempo, os escravos eram
muito maltratado, sofria muito com os
grandão, mas também tinha os homens
bons também.124

Esses “homens bons”, segundo ela, tratavam os escravos sem


recorrer a tortura: “lá no Api o pessoal apoiava, não maltratava, não

Era uma vila do Recôncavo 117


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

escorraçava, trabalhava”. De igual modo, Seu João deixou suas


lembranças genealógicas do Engenho Catuense:

Aí do Api eu não alcancei não. Mas eu vejo


falar muito. Aí era o Api, era Pedro
Ribeiro. Foi rei. Rei do Api [...] Não os
senhores não eram ruim não. O homem
era rei, não era ruim não.125

O que ele ouviu falar, muito diz respeito a fama que os


proprietários do Engenho do Api conseguiram por agir com os
escravos por meio de uma estratégia paternalista de dominação. Seu
João indica uma espécie de veneração ao Dr. Pedro Ribeiro, a quem
chama de Rei. Esse homem foi filho de Anna Ribeiro de Araújo Góes
Bittencourt. Em seu livro de memórias Longos Serões do campo126 ela
descreveu a maneira que sua família lidava com os cativos e expõs
parâmetros básicos para se entender a complexa estratégia de controle
dos escravos denominada de paternalismo, que utilizava toda uma
ideologia para manter os negros em sua condição de mãode-obra para
o trabalho do engenho.127
A forma de tratar os escravos narrada por Anna Bittencourt já
era realizada por sua mãe, Dona Anna da Anunciação, a qual
costumava contar histórias bíblicas às escravas, enquanto faziam
serviços domésticos e não admitia castigos físicos em sua propriedade.
Na perspectiva senhorial esse tipo de relação tinha um discurso

Era uma vila do Recôncavo 118


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

“civilizador” para com os negros e apresentava inúmeras contradições,


pois ao mesmo tempo em que pregava uma visão “humana” da
escravidão, mostrava sua opulência de família rica, explorando o
trabalho escravo como qualquer outro engenho o fazia.
Essa estratégia, contudo, não foi totalmente eficaz, visto que
após a abolição, muitos ex-escravos abandonaram a fazenda do Api,
destruindo as esperanças da senhora em que eles lhe fossem “gratos”,
daí sobraram apenas lembranças dos “bons tempos de abastança” e as
memórias dos afrodescendentes que conviveram com a “bondade” e
“benevolência” senhorial e perpassaram as gerações.
Diante disso a grande defesa de Dona Francisca perante o
engenho Api justifica-se mediante o caráter paternalista que lá se
desenvolveu e também era nítido entre os descendentes de Anna
Ribeiro, como Pedro Ribeiro, seu filho, e Clemente Mariani, seu neto,
este último bastante conhecido pelos depoentes.

7.3 Lembranças da abolição

Essa relação entre Dona Francisca e o engenho Api explica


também a visão pouco divinizada que ela tem da abolição da
escravatura, diferentemente das imagens que os outros entrevistados
têm desse evento histórico. Enquanto os outros tratam a libertação

Era uma vila do Recôncavo 119


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

como um presente de Deus para acabar com o sofrimento dos negros,


advindo de uma promessa da Princesa Isabel, Dona Francisca vê
somente como um fato, sem se ater nem dar muito importância a ele.
Por outro lado, Seu João, nos conta que:

A libertação vejo dizer que a princesa Isabel pariu


um filho e o menino tinha uma banda branca e
outra preta ela. Ai pediu a Deus; se Deus ajudasse
o filho dela amanhecer todo branco que ela
aforrava [alforriava] os escravos. Aí amanheceu
todo branco; ela aí aforrou os escravos foi os poder
de Deus.128

O depoente vê a abolição como uma salvação da tortura e dos


maus-tratos direcionados aos cativos, e vê na imagem da Princesa
Isabel uma alegoria daquela que salvou o mundo pelo parto. Uma
visão racializada da abolição que expressa mais a hierarquia racial
imposta – e, talvez internalizada também por alguns afrodesdecentes
– do que da abolição da escravatura propriamente dita. Percebe-se
também que nessa versão a abolição foi obra divina emanada da
Princesa Redentora e não obra dos numerosos negros e abolicionistas
ou mesmo do Estado brasileiro.
A escravidão no Brasil, durante o processo que levou a sua
extinção oficial em 1888, era identificada como algo que manchava a
sociedade por praticamente todos os atores sociais: abolicionistas,
intelectuais, políticos, religiosos, senhores e até mesmo pelos próprios

Era uma vila do Recôncavo 120


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

indivíduos escravizados. Desta maneira a escravidão foi associada


também a condição de cor das pessoas. Ser negro ou mestiço poderia
ser visto como um fato de identificação com a escravidão e essa
correlação criava certas hierarquias raciais as vezes contestada as vezes
aceita pelos afrodescendentes.
Nesse sentido, a imagem de uma criança filha da Princesa
Isabel que teria nascido metade branca e metade preta e que por
“milagre” se torna totalmente branca pode ser tomada como uma
metáfora. Quanto a Princesa Redentora, basta lembrar que, de acordo
com alguns historiadores como Hebe Mattos e Ana Rios, as narrativas
sobre a Abolição elaboram “muito mais do que as tradições
familiares”, agregando as diversas construções sobre o processo com
que os narradores, em geral pessoas idosas, tomaram contato ao longo
de suas vidas. Segundo esses historiadores, “a concepção mais
presente é a da liberdade obtida enquanto dádiva concedida pela
Princesa Isabel.” Essa visão não elimina, entretanto, uma memória
fragmentada, mesmo que bastante evidente, dos diversos conflitos que
envolveram o 13 de Maio.129
Dentre os muitos caminhos que essa memória pode seguir, um
bastante importante é o da dádiva da liberdade concedida pela
Princesa Isabel, presente no depoimento de Seu João. Segundo Hebe

Era uma vila do Recôncavo 121


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Mattos, a libertação significou, naquele contexto, a “transformação


definitiva daqueles privilégios efetivamente em direitos.” Para os
homens, sobretudo, o direito de controlar o próprio corpo e de
comandar o trabalho familiar.130
Dessa forma, as histórias narradas pelos entrevistados nos
permite elucidar de forma bastante concreta como eram estabelecidas
as relações escravocratas na cidade de Catu durante o século XIX
assim como, pode-se perceber que, os discursos sobre o fim da
escravidão seguem numa vertente bastante distinta das apresentadas
nos livros didáticos, fazendo com que possamos construir uma visão
diferente desse período histórico do município catuense.
Nessa perspectiva, a memória pode ser significativa para
entender questões como as formas de relacionamento entre senhor e
escravo, as formas de resistência, as manifestações religiosas e
culturais. Analisar as memórias de pessoas que cresceram ouvindo
histórias sobre esse período é uma das maneiras de se construir uma
visão diferente da era escravocrata na cidade, onde a opinião do
opressor dominava. Por isso se busca perceber se o discurso dos
entrevistados recai em histórias esquecidas, silenciadas ou enviesadas
segundo as ideologias vigentes e em que medida a influência dessas
mesmas relações perpassaram as épocas e marcaram a memória desses
idosos no município de Catu.131

Era uma vila do Recôncavo 122


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

NOTAS

1
CUNHA, Euclides. Diário de São Paulo, 12 de setembro de
1897. Transcrição disponível em:
http://www.euclidesdacunha.org.br/ [submenu “Os artigos”], acesso
em 24/05/2012, as 23:57 h.

Era uma vila do Recôncavo 123


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

2 Cito como exemplos: BARICKMAN, Um contraponto baiano, açúcar, fumo e


escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003; SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na
sociedade colonial, 1550- 1835. Trad. Laura T. Motta. São Paulo: Companhia das
Letras, 1988. 3
Uma boa leitura pode ser realizada em detalhados estudos entre os
quais se podem mencionar: AZEVEDO, Thales. Problemas sociais da
exploração do petróleo na Bahia. Bahia, Imprensa Oficial da Bahia, 1959-
1960; SANTOS, Milton. A rede urbana do Recôncavo. Salvador, Imprensa
Oficial da Bahia, 1959; e BRANDÃO, Maria de Azevedo (Org.).
Recôncavo da Bahia: economia e sociedade em transição. Salvador: Fundação
Casa de Jorge Amado: Academia de Letras da Bahia, Universidade
Federal da Bahia, 1998. (Textos de Milton Santos, Kátia Mattoso,
entre outros). 4
COSTA PINTO, L. A. Recôncavo: laboratório de uma
experiência humana. In: BRANDÃO, Maria de Azevedo (Org.)
Recôncavo da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador,
Fundação Casa de Jorge amado, 1998. p. 104. 5
MATTOSO, Kátia Queiróz. Bahia: uma província no
Império. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1992. p. 73. 6
MATTOSO, Kátia Queiróz. Bahia... p. 73. 7
MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do
corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos
escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras,
2004. p.
264-265. 8
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na
sociedade colonial, 1550-1835. Trad. Laura T. Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988. p. 94.

Era uma vila do Recôncavo 124


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

9
SOUZA, Robério Santos, Experiências de trabalhadores nos
caminhos de ferro da Bahia: trabalho, solidariedade e conflitos
(18921909). Campinas, SP, 2007. p. 19. 10
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na
sociedade colonial, 1550-1835: tradução Laura Teixeira Motta. – São
Paulo: Companhia das Letras, 1998. Paginas 229, 238, 259. 11
OTT, Carlos. pp. 38-39. 12
OTT, Carlos. pp. 38-39. 13
BARICKMAN, Um contraponto baiano, açúcar, fumo e escravidão
no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003. p. 43. 14
Obs. Os limites estão aproximados. Os nomes em versal indicam
municípios. Os nomes em itálico indicam freguesias. As linhas cheias
indicam limites dos municípios. As linhas pontilhadas são os limites
entre as freguesias dentro dos municípios. Os nomes sublinhados em
versalete são sedes de municípios. Os nomes de povoados e arraiais
(que não são todos mostrados) também estão em versalete, mas não
sublinhados. 15
BARICKMAN, Um contraponto baiano, p. 82. 16
MATTOSO. Kátia M. de Queirós. A opulência na província da
Bahia. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. História Privada do Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997. Vol. 02. Ver também
SCHWARTZ, Segredos Internos, p. 229. 17
BARICKMAN, Um contraponto baiano, p. 82. 18
Fala proferida na abertura da Assembléia Legislativa da Bahia pelo
presidente da Província Antonio da Costa Pinto, 1º de março de 1861.
p. 43. Disponível em http://www.crl.edu/content.asp, acesso em 26
de maio de 2012, às 20:49 h. 19

Era uma vila do Recôncavo 125


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

SOUZA, Robério Santos, Experiências de trabalhadores nos caminhos de


ferro da Bahia, p. 19. 20
SOUZA, Robério Santos, Experiências de trabalhadores nos caminhos de
ferro da Bahia, p. 19.
21 VIANA, Francisco Vicente. Memórias do Estado da Bahia.
Tipografia e Encadernação do Diário da Bahia, Salvador, 1893. p. 503.
22 BN. Gazeta da Bahia, 02 de outubro de 1886.
23 Falla que recitou na abertura da Assembléia Legislativa da
Bahia o presidente da província, conselheiro Antonio Coelho de Sá e
Albuquerque, no dia 1.o de março de 1863. Bahia, Typ. Poggetti--De
Tourinho, Dias & C.a, 1863. p. 67. Disponível
http://www.crl.edu/brazil/provincial/bahia, acesso em
28/05/2012.
24 Representação dos moradores da freguesia de Santana do Catu
solicitando providências contra os malfeitores que aterrorizam a
população com a prática de frequentes assaltos naquela localidade.
Santana do Catu, 18 de abril de 1828. [Documentação disponível na
Biblioteca Nacional].
25 SOUZA, Robério Santos. “Se eles são livres ou escravos”: Escravidão
e trabalho livre nos canteiros da estrada de ferro De São Francisco. Bahia, 1858-
1863. (Tese de Doutorado Em História). Unicamp, Campinas-SP, 2013. p.
41.
26 Ofício de José Nicolao da Silva, subdelegado de Santana de
Catu, para Presidente da Província, 22 de fevereiro de 1861.
Correspondência dos Subdelegados de Polícia. Maço 3005. APEB. Grifos do
autor.

Era uma vila do Recôncavo 126


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

27 SOUZA, Robério Santos. “Se eles são livres ou escravos”: Escravidão


e trabalho livre nos canteiros da estrada de ferro De São Francisco. Bahia, 1858-
1863. (Tese de Doutorado Em História). Unicamp, Campinas-SP, 2013. p. 182-
183.
28 Correspondência de José Nicolao da Silva, subdelegado de
Santana de Catu, para o Presidente da Província. 22 de fevereiro de
1861. Correspondência dos Subdelegados de Polícia. Maço 3005. APEB.
Grifos do autor.
29 Correspondência de José Nicolao da Silva, subdelegado de
Santana de Catu, para o Presidente da Província. 22 de fevereiro de
1861. Correspondência dos Subdelegados de Polícia. Maço 3005. APEB.
Grifos do autor.
30 BN. Correio da Bahia, 14 de julho de 1877.
31 BITTENCOURT. Anna Ribeiro de Araújo Góes. Longos
Serões do Campo: infância e juventude. Organização e notas Maria
Clara Mariani, - Rio Janeiro: Nova Fronteira, 1992. 2 vols. p. 77-78.
32 COSTA E SILVA, Candido da. Roteiro da vida e da morte: um
estudo do catolicismo no sertão da Bahia. São Paulo: Ática, 1982. p.
15.
33 MATTOSO, Kátia M; de Queirós. Bahia, século XIX: Uma
província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. p.
408409.
34 MONTEIRO, Filipe Pinto. Vida em Santidade: modos de ser
santo em uma comunidade messiânico-milenarista do sertão baiano
(Pau de Colher, 1934-1938). In: Revista Horizonte, Belo Horizonte, v.
8, n. 18, p.170-195, jul./set. 2010. p. 177.
35 BITTENCOURT. Longos Serões do Campo. p. 46.

Era uma vila do Recôncavo 127


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

36 BITTENCOURT. Longos Serões do Campo. p. 54.


37 BITTENCOURT, Longos serões do campo, Vol. II, p. 31.
38 AZEVEDO, Engenhos do Recôncavo Baiano. p. 9.
39 AZEVEDO, Engenhos do Recôncavo Baiano. p. 10.
40 Fonte: AZEVEDO, Engenhos do Recôncavo Baiano. p. 76.
41 IPAC-BA: Inventário de proteção do acervo cultural da Bahia. Vol. II
- Monumentos e sítios do Recôncavo. 2ª ed. Salvador, 1982.
42 BITTENCOURT, Longos serões do campo, Vol. II, p. 59 e 60.
43 A este respeito, vale consulta a discussão em estudo sobre as
relações paternalistas entre senhores e dependentes no recôncavo
baiano, na obra da própria Anna Ribeiro.
44 Ver BARICKMAN, Um contraponto baiano: açúcar, fumo e
escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.
45 BITTENCOURT. Anna Ribeiro de Araújo Góes [Coletânea].
Conteúdo: contos: [A primeira injustiça; Os sonhos de Josephina;
Biografia de Anna Ribeiro de Góes Bittencourt; Notas biográficas de
Mathias Araújo Góes; sonetos: Amor eterno oferecido ao Dr.
Antonio Pacífico Pereira]. 50 fls. (material manuscrito, transcrito por
Clemente Mariani Bittencourt). Salvador, S/D.
46 Ver MATTOSO, Kátia Queiroz. Bahia: a cidade do Salvador e
seu mercado no século XIX: São Paulo: Hucitec, 1978 e BARICKMAN,
B. J. Até a véspera: o trabalho escravo e a produção de açúcar nos
engenhos do Recôncavo Baiano (1850-1881). Afro-Ásia, nº 21-22.
1998-1999. pp. 177-238.

Era uma vila do Recôncavo 128


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

47 BARICKMAN, B. J. Até a véspera: o trabalho escravo e a


produção de açúcar nos engenhos do Recôncavo Baiano (18501881).
Afro-Ásia, nª 21-22. 1998-1999. pp. 177-238.
48 Um dos estudos recentes mais profícuos sobre isso pode ser
lido em FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias
de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Campinas, SP: Editora
da UNICAMP, 2006.
49 No Rio de Janeiro existia esse costume, mas certamente na
Bahia, conforme registros que elenco na nota 16, não fora diferente.
Um rápido estudo interessante sobre esse tema pode ser lido em
REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociações e Conflito; a resistência
negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
Capítulo II.
50 Em documento da época pode-se inferir que a prática era
vista pelos senhores como uma tentativa de humanizar o negro em
seu cativeiro. (O Lavrador. Reflexões sobre a emancipação em relação a
Lavoura Pátria e sobre a mesma lavoura. Tipografia Constitucional Ao
Aljube, 1871. p. III e IV).
51 Ver MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo,
missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos
nas Américas:, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
Capítulo IV.
52 ALMEIDA, Miguel Calmon Du Pin. Ensaio sobre o fabrico do
açúcar. (1ª edição., 1834 fac-similar) Org. Waldir Freitas Oliveira.
Salvador FIEB, 2002. pp. 60. Os grifos são do autor.
53 REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociações e Conflito,
Capítulo II.

Era uma vila do Recôncavo 129


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

54 Esse costume também registrado pelos senhores da Corte.


Para o caso do Rio de Janeiro ver BARÃO DE PATI DO
ALFERES, Memória sobre a fundação de uma fazenda na Província do Rio de
Janeiro, sua administração e épocas em que se devem fazer plantações, suas
colheitas, etc. etc. Rio de Janeiro, Tipografia Universal Laemmert, 1847.
E da Bahia ver O Lavrador. Reflexões sobre a emancipação em relação a
Lavoura Pátria e sobre a mesma lavoura. Tipografia Constitucional Ao
Aljube, 1871. p. III e IV
55 CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis historiador, Cia das
Letras, São Paulo, 2006. Capítulo IV.
56 Fonte: AZEVEDO, Esterzilda Berenstein de. Engenhos do
Recôncavo Baiano. Brasília, Iphan/Programa Monumenta, 2009. p. 102.
57 BITTENCOURT, Longos serões do campo, Vol. II, p. 31.
58 A Cabana do Pai Tomás (1852) foi um dos romances mais
lidos e comentados durante mais de um século, não só no seu
país de origem (EUA), como em vários países do continente
americano, inclusive no Brasil. A narrativa retrata e denuncia
a escravidão, sob o viés da elite, mostrando Pai Tomás, um
velho e bondoso escravo que é obrigado a deixar a cabana e a
família, cedido a um mercador de escravos como pagamento
de dívidas do seu senhor, o Sr. Shelby, e revendido duas vezes.
Mrs. Stowe narra as desventuras, os maustratos bem como a
fé em Deus do Pai Tomás, ante a um mundo escravista. O
diferencial do enredo se centra na execração do abolicionismo
pelos protagonistas da história, e estabelece um contraponto
com a subserviência do Pai Tomás ante a bondade de dois
dos seus amos: Sr. Shelby e Saint Claire. (OLIVEIRA, Uma
senhora de engenho no mundo das letras, p. 62).

Era uma vila do Recôncavo 130


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

59 O livro referido foi publicado em 1849, por José Lino


Coutinho, Barão de Alagoinhas para orientar a preceptora de
sua filha sobre como cuidar dela. O livro acabou se tornando
um tratado de conduta para moças das elites baianas do século
XIX. A esse respeito ver REIS, Adriana Dantas. Cora: Lições
de comportamento feminino na Bahia do século XIX. Salvador;
Centro de Estudos Baianos da UFBA 2000.
60 BITTENCOURT, Longos serões do campo, Vol. II, p. 32, 65, 67.
61 REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociações e Conflito. p.
28.
62 BITTENCOURT, Longos serões do campo, Vol. II, p. 33.
63 BITTENCOURT, Longos serões do campo, Vol. II, p. 33.
64 Arquivo Público do Estado da Bahia, Seção Judiciária, Livro
586, p. 20.
65 CABRAL, Anna Maria Mariani, Prefácio in:
BITTENCOURT. Anna Ribeiro de Araújo Góes. Contos.
Datil.
Salvador, S/D, p. 36.
66 CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade. São Paulo: Companhia
das Letras, 1990.
67 ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de O jogo da dissimulação : abolição
e cidadania negra no Brasil. São Paulo : Companhia das Letras, 2009;
BARICKMAN, Bert J. Até a véspera: o trabalho escravo e a produção
de açúcar nos engenhos do Recôncavo baiano (1850-1881), Afro-Ásia,
199899; MATA, Iacy. Os treze de maio: polícia e libertos na Bahia pós-
abolição (1888-1889). (Dissertação de mestrado em História).
Salvador, UFBa, 2002.

Era uma vila do Recôncavo 131


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

68 ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; e FRAGA FILHO, Walter. Uma


história do negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-
Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. p. 70.
69 ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; e FRAGA FILHO,
Walter. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de
Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural
Palmares, 2006. p. 70.
70 ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; e FRAGA FILHO,
Walter. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de
Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural
Palmares, 2006. p. 74.
71 BN. PLANTA Topográfica da freguezia e município de Santa
Anna do Catýu da Comarca de Alagoinhas (Província da
Bahia).
72 BN. CAMARA DE SANTANA DE CATU, Ofício ao presidente
da província da Bahia enviado descrição de seu município. 4 de
novembro de 1887.
73 BN. CAMARA DE SANTANA DE CATU, Ofício ao presidente
da província da Bahia enviado descrição de seu município. 4 de
novembro de 1887.
74 APEB. O Alagoinhense, “Nova Matrícula”, 17 de fevereiro
de 1887.
75 SCHARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos
na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998. P. 357.
76 BN. Gazeta da Bahia, Salvador, de 18 de março de 1883

Era uma vila do Recôncavo 132


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

77 Provavelmente o jornal errou a grafia do nome do Capitão


Joaquim Líger. Ele parecia ser um homem conhecido na
comunidade e não existem registros de um capitão com o
sobrenome “Síger” nos arquivos que analisei. Além disso, a
família LÍGER era uma das mais tradicionais da região e
também não existem registros de uma família “Síger” em
Catu.
78 BRITO, Jailton Lima. A abolição na Bahia: uma história
política (1870-188) Dissertação de Mestrado em História.
PPGH/UFBA Salvador, 1996.
79 BN. CÂMARA DE SANTANA DO CATU. Gazeta da Tarde,
04 de setembro de 1884.
80 BN. CÂMARA DE SANTANA DO CATU. Gazeta da Tarde,
04 de setembro de 1884.
81 FONSECA, Anselmo da. A escravidão, o Clero e o abolicionismo.
Imprensa Econômica, Bahia, 1887. p. 568.
82 FONSECA, Anselmo da. A escravidão, o Clero e o abolicionismo.
Imprensa Econômica, Bahia, 1887.
83 BN. Felicitação ao Barão de Cotegipe. In: Correio da Bahia, 01
de agosto de 1877. Assina O documento, entre os Edis, José
Freire de Carvalho, futuro Barão de Pojuca e o nosso já
conhecido Antônio Joaquim Líger. Assinam também
representantes da família Correia Lima e da família Sá Barreto.
84 BRITO, Jailton Lima. A abolição na Bahia: uma história
política (1870-188) Dissertação de Mestrado em História.

Era uma vila do Recôncavo 133


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

PPGH/UFBA Salvador, 1996. , p. 103. (APEB, Chefes de


Polícia, maço 2891).
85 BRITO, Jailton Lima. A abolição na Bahia: uma história
política (1870-188) Dissertação de Mestrado em História.
PPGH/UFBA Salvador, 1996. , p. 105. (APEB, Chefes de
Polícia, maço 2891).
86 BIBLIOTECA NACIONAL. O Correio da Bahia de 17 de
agosto de 1877
87 FERREIRA, Jackson. Desta para melhor: o suicídio escravo
como uma tentativa de voltar para a casa. In: FIGUEIREDO,
Luciano. (Org) A era da escravidão. Rio de Janeiro, 2009.
(Coleção Revista de História no Bolso). p. 14.
88 FERREIRA, Jackson. Desta para melhor: o suicídio escravo
como uma tentativa de voltar para a casa. In: FIGUEIREDO,
Luciano. (Org) A era da escravidão. Rio de Janeiro, 2009.
(Coleção Revista de História no Bolso). p. 17-18.
89 MATTOSO, Kátia Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo:
Brasiliense. 2003. p. 233. Estudos interessantes sobre alforria na Bahia
e no Brasil podem ser lidos ainda em ALMEIDA, Kátia Lorena
Novais. Alforrias em Rio de Contas, século XIX.
(Dissertação de Mestrado em História – PPGH/UFBA), Salvador,
2006; CUNHA, Manuela Carneiro da. “Sobre os silêncios da lei: lei
costumeira e positiva nas alforrias de escravos no Brasil do século
XIX”. In: Antropologia do Brasil: mito, história, etnicidade. 2ª ed. São
Paulo: Brasiliense, 1987, pp.123-144; DAMÁSIO, Adauto. Alforrias
e ações de liberdade em Campinas na primeira metade do século XIX.
Dissertação de Mestrado em História, UNICAMP, 1995;
EISENBERG, Peter. “Ficando Livre: as alforrias em Campinas no

Era uma vila do Recôncavo 134


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

século XIX”. Estudos Econômicos, São Paulo, vol. 12, nº2 (1987):
175-216; MATTOSO, Kátia M. de Q. “A Propósito de Cartas de
Alforrias Bahia 1779-1850”. Anais de Historia, nº 4 (1972): 23-52.
90 BELLINI, Lígia. Por amor e interesse: a relação
senhorescravo em cartas de alforria. In: REIS, João José
(Org.) Escravidão e invenção da liberdade: estudos sobre o negro
no Brasil. São Paulo: Brasiliense; Brasília: CNPq, 1988. p. 75.
91 BELLINI, Lígia. Por amor e interesse: a relação
senhorescravo em cartas de alforria. In: REIS, João José
(Org.) Escravidão e invenção da liberdade: estudos sobre o negro
no Brasil. São Paulo: Brasiliense; Brasília: CNPq, 1988. p. 75.
92 BELLINI, Lígia. Por amor e interesse: a relação
senhorescravo em cartas de alforria. In: REIS, João José
(Org.) Escravidão e invenção da liberdade: estudos sobre o negro
no Brasil. São Paulo: Brasiliense; Brasília: CNPq, 1988. p. 75.
93 APMC, Livro de Notas nº 05, (1883-1885) p. 78.
94 NASCIMENTO, Flaviane Ribeiro. No agreste das mulheres
a alforria no quotidiano da escravidão feminina (Feira de
Santana, 1850-1888). In: Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo
Público do Estado de São Paulo, nº 42, PP. 01-10. jun. 2010. p.
95 APMC, Registro de Testamento solene em que faleceu o
capitão Antonio Cardoso Barbosa, sendo aberto o mesmo
testamento em vinte e quatro de dezembro de mil oitocentos
e oitenta e sete e do qual aceitou a testamentária Dona
Teodora Maria da Silva Cardoso, com o prazo de quatro anos
para a prestação de contas.
96

Era uma vila do Recôncavo 135


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

APMC. Registro de Testamento com que faleceu Dona Maria


Firmina da Anunciação Leal, em 16 de setembro de 1878. p. 02.
Disponível no Livro de Testamento do Termo de Santana do Catu.
Nº01. 97
MATTOSO, Kátia Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo:
Brasiliense. 2003. p. 85.
98 APMC. Livro de Notas nª 05. (1883-1885) 99
BITTENCOURT, 1992, p. 255 100
FONSECA, Luís Anselmo da. A Escravidão, o clero e o abolicionismo.
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APMC. Livro de Notas nº 6. (1885-1887). Catu, 04 de fevereiro
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APMC. Livro de Notas nº 5. (1883-1885). Catu, 24 de abril de
1885 104
APMC. Livro de Notas nº 6. (1885-1887). Catu, 21 de agosto de
1886. 105
APMC. Ata da Junta Classificadora do Fundo de
Emancipação de Escravos. Disponível noo Livro para classificação do
Fundo de Emancipação de Escravos do Município de Santana do Catu (1880 e
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ABREU, Martha. Lei do Ventre Livre. In: VAINFAS, Ronaldo
(Dir.). Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p.
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em: http://www.revistahistoria.ufba.br/, acesso em 23/11/2012. 109
SANTOS, Lucimar Felisberto dos. Os bastidores da lei:
estratégias escravas e o Fundo de Emancipação. In: Revista de
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em: http://www.revistahistoria.ufba.br/, acesso em 23/11/2012. 110
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Emancipação de Escravos. Disponível no Livro para classificação do
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APMC. Ata da Junta Classificadora do Fundo de
Emancipação de Escravos. Disponível noo Livro para classificação do
Fundo de Emancipação de Escravos do Município de Santana do Catu (1880 e
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Decreto 5135, de 13 de Novembro de 1872. p. 1052. Disponível
em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/18241899/decreto-
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acesso em 28/11/2012. 113
DAUWE, Fabiano. Os múltiplos sentidos da liberdade: a
viabilidade e as expectativas da libertação pelo fundo de emancipação
de escravos. In: II Encontro “Escravidão E Liberdade No Brasil
Meridional”. p. 4. e DAUWE, Fabiano. A libertação gradual e a saída viável.

Era uma vila do Recôncavo 137


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

os múltiplos sentidos da liberdade pelo fundo de emancipação de


escravos. Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF, 2004. 114
GEBARA, Ademir. O mercado de livre trabalho no Brasil (18711888),
São Paulo, Brasiliense, 1986. PP. 57-60. 115
Dentre os recursos metodológicos adotados dos quais figuram
entrevista direcionada com perguntas e respostas, assinatura de
termos de autorização das gravações. Entretanto, para efeito de
preservação da identidade dos entrevistados utilizamos apenas
pseudônimos. 116
Entrevistado I, Bela Flor, 19 de junho de 2012. 117
Idem.
118
Idem. 119
POLLAK, Michel. Mémoria, Esquecimento e Silêncio.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro. v. 2, n. 3, 1989. 120
Entrevistado II, Bela Flor, 19 de junho de 2012. 121
Entrevistado I, Bela Flor, 19 de junho de 2012. 122
Entrevistado III, Bela Flor, 19 de junho de 2012. 123
Idem. 124
Entrevistado IV, Bela Flor, 19 de junho de 2012. 125
Entrevistado I, Bela Flor, 19 de junho de 2012. 126
BITTENCOURT, Anna. Longos Serões dos Campos. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1992. 127

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Entrevistado I, Bela Flor, 19 de junho de 2012. 129
RIOS, Ana Lugão; MATTOS, Hebe. Memória do Cativeiro:
familía, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005. p. 109. 130
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Era uma vila do Recôncavo 145


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Sobre o autor
Doutor em História Social pela Universidade Federal da Bahia, Mestre
em Estudo de Linguagens e graduado em História pela Universidade
do Estado da Bahia. É pesquisador do grupo de pesquisa História,
Literatura e Memória (UNEB), do grupo de pesquisa Escravidão e
invenção da liberdade (UFBA) e do Grupo de Pesquisa em Educação
Científica e Popularização das Ciências (IF BAIANO). É autor do
livro "Uma Senhora de engenho no mundo as letras: o declínio
senhorial em Anna Ribeiro (2009)", pela Eduneb. É Professor
Efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Baiano, Campus Catu, onde leciona história para o Ensino Médio e

Era uma vila do Recôncavo 146


A IMPERIAL VILA DE SANTANA DO CATU

Técnico e desenvolve pesquisa e extensão na área de Educação


Científica e Popularização Ciências, coordenando o Projeto Escola
Itinerante. Interessa-se por temas relacionados a História, Memória e
Literatura na Bahia da Primeira Republica e discussões sobre raça e
nação no Brasil.

Era uma vila do Recôncavo 147

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