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Alexandre Carneiro Cerqueira Lima
(Organizador)
História e imagem
múltiplas leituras
Niterói, 2013
Copyright © 2013 by Alexandre Carneiro Cerqueira Lima (Organizador)
Direitos desta edição reservados à Editora da Universidade Federal Fluminense
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É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora.
Normalização: Maria Lúcia Gonçalves
Revisão: Alexandre Carneiro Cerqueira Lima
Capa e projeto gráfico: Alternativa Editora e Produção Cultural
Desenhos: Patricia Vivian von Benkö Horvat
Supervisão gráfica: Káthia M. P. Macedo
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-228-0981-3
BISAC HIS000000 HISTORY
Comissão Editorial
Presidente: Mauro Romero Leal Passos
Ana Maria Martensen Roland Kaleff
Eurídice Figueiredo
Gizlene Neder
Heraldo Silva da Costa Mattos
Humberto Fernandes Machado
Luiz Sérgio de Oliveira
Marco Antonio Sloboda Cortez
Maria Lais Pereira da Silva
Renato de Souza Bravo
Editora filiada à
Rita Leal Paixão
Simoni Lahud Guedes
Tania de Vasconcellos
SUMÁRIO
A, 7
O
presente livro é fruto de um profícuo debate ocorrido entre os dias 4 e
6 de outubro de 2011 no Auditório do Instituto de Ciências Humanas
e Filosofia da Universidade Federal Fluminense. O evento, que deu
origem ao título deste livro, História e imagem: múltiplas leituras, contou com
a presença dos professores Pauline Schmitt Pantel e François Lissarrague,
pesquisadores do Anhima dedicados há três décadas aos estudos de imagens
da cerâmica grega.1
O Colóquio contou com duas conferências, publicadas neste volume, e três
oficinas ministradas pelos referidos professores. As oficinas tiveram as seguintes
temáticas: “imagens e gênero”; “imagens e rituais”; e “em torno de Dionisos”. Além
dessas atividades, o evento proporcionou o III Encontro do Grupo de Pesquisa
Imagens, Representações e Cerâmica Antiga, composto pelos pesquisadores do
Nereida/ UFF, cujos trabalhos ajudam a compor esta obra.
O primeiro capítulo do livro, de Pauline Schmitt Pantel, intitulado “Ima-
gens e história grega”, discute a utilização das imagens da cerâmica helênica,
estudadas no decorrer do século XX, como “fonte histórica”. De acordo com
a autora, os historiadores utilizavam, inicialmente, a documentação imagética
de maneira ilustrativa. Manuais escolares e obras da de “vida cotidiana” na
Grécia não tinham a preocupação de trabalhar as imagens nos vasos por meio
de uma metodologia e referenciais teóricos. A alteração dessa postura se deu
nas últimas décadas do século XX, com autores interessados em dialogar com
outras disciplinas, especialmente com a Antropologia. Tais estudos buscaram
montar um corpus imagético e trabalhar as representações pictóricas a partir
de métodos que extraíssem informações, de modo a garantir uma melhor
compreensão acerca da cultura de uma determinada pólis.
1
O Núcleo de Estudos de Representações e de Imagens da Antiguidade (NEREIDA) obteve apoio financeiro
da FAPERJ para a realização do III Encontro do Grupo de Pesquisa “Imagens, Representações e Cerâmica
Antiga”.
8 Alexandre Carneiro Cerqueira Lima (Organizador)
A
o se deparar com a imagem, o historiador do mundo grego antigo
tende a encontrar dificuldades, haja vista que sua formação tornou-o,
grosso modo, muito mais familiarizado com os textos do que com os
documentos iconográficos.Em função disso, pode se sentir despreparado fren-
te a essa massa de testemunhos que constitui a imagética da cerâmica grega.
Por isso, percebemos um descompasso muito nítido entre o que dizem alguns
arqueólogos e historiadores da arte, conhecidos como semiólogos da imagem,
e a forma como estes historiadores fazem uso, na maior parte do tempo, das
imagens, como se não houvesse nada de errado.
A mesma exigência crítica que conduz o historiador quando ele aborda
um texto – isto é, levar em conta todos seus componentes, seu gênero literário
e sua estrutura linguística, por exemplo –, deveria incitá-lo, da mesma forma, a
abordar as imagens, levando a questionar a si mesmo o que elas estão lhe ensi-
nando, tentando compreender como funcionava esse sistema de comunicação
no seio da cultura que a produziu.
1
Professora Emérita da Université Paris I – Panthéon Sorbonne. Este capítulo inicialmente foi escrito por
Pauline Schmitt Pantel e François Thelamon, em 1983, com o título “Image et Histoire: Illustration ou
Document”. In: Lissarrague, F. et Thelamon (Orgs.). Image et Céramique Grecque. Rouen: Publications
de l´Université de Rouen, 1983. Para a palestra do evento do Nereida de 2011 e para a presente obra, a
professora dra. Pauline Schmitt Pantel atualizou o texto e as referências bibliográficas. Texto traduzido e
adaptado pela Profª. ms. Denise Milon del Peloso.
10 Pauline Schmitt Pantel
2
Manuais do sexto ano do ensino fundamental : Nathan, 1981 ; Belin, 1977 ; Larousse, 1977 ; o dossiê
pedagógico La vie publique à Athènes au Vè siècle, C. N. D. P., Paris, 1977. Podemos considerar a obra de M.
Meuleau (1965), como um manual destinado ao ensino superior.
3
Ver o aviso de F. Lissarrague e A. Schnapp (1981, p. 275-297).
4
Menções extraídas de Ch. Picard (1930).
Imagens e história grega 11
5
Por exemplo, no Capítulo III: “Mariage et famille”, de um total de 95 notas nenhuma remete à iconografia;
no Capítulo VI: “Toilette et vêtements”, de um total de 61 notas, 13 remetem a imagens.
12 Pauline Schmitt Pantel
6
Ver, por exemplo, Hommes, dieux et héros de la Grèce, Rouen, 1982, n. 98 et 99, p. 238-243, a evolução
da figuração de Héracles no jardim das Hespéridas; H. Metzger (1951, p. 369-421).
7
Publicado nas edições Rieder, Paris, 1930, na coleção “Bibliothèque générale illustrée”. Ele continha um
texto contínuo de 101 páginas e um caderno com 60 pranchas.
Imagens e história grega 13
8
La vie publique à Athènes, p. 42.
14 Pauline Schmitt Pantel
9
XENOFONTE, Ciropédica, VIII, II, 5; “Tal homem calça os homens, o outro, as mulheres; é até possível que
eles ganhem a vida contentando-se , um em costurar o couro, outro em cortá-lo, um outro em unicamente
cortar a parte de cima do sapato, um outro em unicamente juntar essas peças [...]”.
10
Wroclaw, 1975, doc. 38 et p. 35 ; 113 ; 116 ; 123 ; v. Jahn (1867).
11
Ver infra p. 16.
12
Loc. cit., p. 73; 83, 137.
Imagens e história grega 15
okladias e a grande bacia diante da mesa. Tais elementos, contudo, não eram
considerados pelos autores anteriormente mencionados.
Enfim, muitos belos dossiês fotográficos são apresentados nas obras de
síntese sobre a civilização grega;13 a abundância e a qualidade estética dessa
ilustração é muito sedutora, porém o autor, no seu texto, nunca nos remete a
ela diretamente. Embora faça referência a fontes literárias precisas, imagens
e discursos do historiador quase nunca se encontram. O autor delegou aos
outros “o cuidado de estabelecer a ilustração tanto com eficácia quanto bom
gosto” (CHAMOUX, 1981, p. 17), procedimento, aliás, frequente. A preocupação
com a estética prevalece, ao que parece, na escolha da ilustração; já no que
diz respeito à escolha das figurações de Héracles, R. Flacelière e P. Devambez
(1966, p. 70) nos dizia que ele não tinha procurado “nada além de uma diversão
para o olho do leitor”.
13
De F. Chamoux, voir supra n. 5.
14
Ver as coletâneas de artigos publicados em alemão: M. Kunze (1979) et H.Brunner, R. Kannicht, K. Schwager
(1979). A vontade metodológica anunciada pelo título de um colóquio: Méthodologie Iconographique,
Actes du colloque de Strasbourg, 17-18 avril 1979, éd. par G. SIEBERT, Strasbourg. 1981 não é seguida na
obra, conforme observa o próprio editor em seu prefácio: “Se fragmentos de doutrinas se destacam de
um seminário para o outro, como já ocorreu às vezes com as discussões orais, caberá ao leitor captá-los
e formulá-los”.
16 Pauline Schmitt Pantel
15
Este é o grande problema do documento-monumento. Para uma reflexão geral, conduzida a partir
unicamente dos textos, ver: J. Le Goff (1978) e para a cidade grega ver o artigo de N. Loraux, (1980). Esse
mesmo tipo de análise poderia ser feita para as imagens.
Imagens e história grega 17
16
BARRETE; VICKERS, 1978, p. 17-24. O número dos guerreiros do friso do Partenon é posto em relação com
o número de mortos em Maraton por J. Boardman (1977).
17
Para Williams (1980), , a popularidade repentina de Ajax pouco antes de 500 a.c. refletiria o interesse
ateniense contemporâneo por Salamina. Mas seu artigo é bastante matizado, como também é sua
contribuição nessa coletânea : « Herakles, Peisistratos and the Alcmeonides » (v. infra pp. 131-141). É
muito menos matizada por outro lado, a interpretação feita por J. Defradas (1954, p. 123-156), do tema
iconográfico da disputa do tripé entre Héracles e Apolo. O autor procura e encontra o acontecimento que,
segundo ele, estaria na origem desse tema: a agressão dos povos da anfictionia de Antela (herói: Héracles)
contra o povo de Delfos (Focídios de Krisa ou de Delfos) antes do final do V século. O conjunto de imagens
poderia também ser o reflexo de uma vida religiosa: é assim que J. M. Moret (1982) interpreta, pela crise
que afetava as relações entre Atenas e Delfos.
18 Pauline Schmitt Pantel
18
Entre outros: F. Lissarrague e A. Schnapp (1981, supra n. 6), C. Berard (1983). Seria necessário igualmente
levar em conta, mas esse não é o objeto de um tal artigo, o problema da estrutura do desenho e em
particular da perspectiva como faz Schweitzer (1953). E o da escolha do tempo e do momento captado
pelo pintor, como indica F. Brommer (1969).
19
A autonomia das representações mitológicas em relação aos textos é afirmada por A. M. Snodgrass(1979).
A relação entre texto e imagem é o objeto da comunicação de O. Touchefeu (1983), Moret (1984).
Imagens e história grega 19
20
Ver em último lugar K. Schauenburg (1969).
21
Ver por exemplo em Hommes, dieux et héros de la Grèce, n. 81, 82, p. 194-197 e A. Schnapp (1997).
22
Ver por exemplo em Hommes, dieux et héros de la Grèce, n. 80, p. 191-193.
Imagens e história grega 21
23
Este problema entre hetaira e belo efebo levanta questões. Os trabalhos recentes (ver supra n. 38)
sobre a homossexualidade masculina marcaram nitidamente a diferença entre o amor homossexual
entre cidadãos, altamente valorizado, e a prostituição masculina que, por sua vez teria sido reprovada e
Imagens e história grega 23
reprimida. Todos os belos jovens dos vasos seriam então erômenos e não prostituídos. Ora, no domínio
da erótica heterossexual, as parceiras femininas são segunda interpretação unânime, hetairas e, portanto,
exclusivamente prostitutas. A leitura geralmente feita: expressão do amor no primeiro caso, simples prazer
venal no segundo, talvez não seja suficiente. Ver P. Schmitt Pantel (2009).
24
VERNANT, 1979, supra n. 54 et Extraits de l’Annuaire du Collège de France, 1976 à 1981, ainsi que : « Les
problèmes de l’image dans la Grèce ancienne » transcrição de uma conferência pronunciada em uma mesa
redonda sobre: « De la figuration des dieux aux catégories de l’Image, de l’Imaginaire et de l’Imagination»,
Recherches et Documents du Centre Thomas More, n. 35, 1982 (Vernant,1990).
24 Pauline Schmitt Pantel
Referências
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COLLOQUE MÉTHODOLOGIE ICONOGRAPHIQUE, 7-18 avril 1979, Strasbourg.
Actes... Strasbourg, 1981. Ed. par G. Siebert.
Imagens e história grega 25
François Lissarrague2
V
imos em anos recentes darem um lugar cada vez mais importante à
imagem na pesquisa histórica. Não somente em te rmos de presença
enquanto fonte complementar, mas, como lembrou Pauline Schmitt
Pantel, igualmente como área de pesquisa por si só com suas especificidades.
Pudemos assim falar de um “retorno das imagens” – é o título de um im-
portante artigo de Gotfried Bohme em 1994 – ou de um “retorno iconográfico”
(“iconic turn”, segundo a expressão de Thomas Mitchell em 1994) assimilável
ao “retorno linguístico”, que marcou a história no final dos anos 1960 (Rorty,
1967). Além dos efeitos da moda – há atualmente uma grande quantidade de
“retorno”, a tal ponto que ficamos confusos – e da busca por um rotulamento
que permite se situar na corrente historiográfica, podemos perceber mudanças
teóricas e metodológicas profundas no estudo das culturas visuais.
Só me debruçarei sobre algumas etapas simplificando uma história com-
plexa cujas especificidades nacionais vão além deste resumo forçosamente
esquemático.
Na tradição francesa, a forte corrente semiótica dos anos 1960 levou à obra
de Louis Marin, cujos Estudos semióticos, publicados em 1972, transformaram
profundamente nossas abordagens, ao abrir para uma lógica do significado e o
estudo da imagem como elemento de comunicação.
Essa tradição, que podemos encontrar nos Estados Unidos nos trabalhos
de Meyer Shapiro e que é transmitido por Norman Bryson, privilegia a procura
pelo significado em vez da orientação estética que dominava o campo da his-
tória da arte até então.
1
Texto traduzido pela Profa Ms Denise Milon del Peloso.
2
Professor Doutor Pesquisador da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS).
30 François Lissarrague
chamá-la de ophys ou aspis. Mas aspis é também uma palavra em grego que
significa escudo. Aí mais uma vez o vocabulário grego brinca com o sentido e
cria efeitos de surpresa entre palavra e imagem.
pernas das flechas. Esse segundo guerreiro é maior; a crista do seu capacete
ultrapassa o limite superior da imagem. Sugeriram que essa dupla de guerrei-
ros – um arqueiro e um grande hóplita – poderiam ser Ajax filho de Télamon e
Teucros. Nós temos para isso um bom texto, a Ilíada, no qual o poeta enfatiza o
grande tamanho de Ajax e associa constantemente os dois heróis, e os chama
frequentemente para um duelo. Poderíamos acrescentar que o rabo do escor-
pião no escudo é um toxão, assim como a flecha daquele que está carregando
o escudo; os dois emblemas enfatizam, assim, a natureza agressiva desses dois
guerreiros. Mas podemos estar certos de que o pintor tinha a Ilíada em mente e
que ele queria representar esses dois heróis? Ou será que a imagem representa
dois heróis quaisquer? Como não temos nenhuma outra imagem desse tipo, é
difícil escolher entre essas opções, e deixarei a interpretação em aberto. Anthony
Snodgrass, em seu recente livro, Homer and the Artists (1998),3 insistiu justa-
mente na possibilidade de se ter outras versões épicas e a necessidade de não
confundir nosso conhecimento moderno de Homero com a tradição épica antiga.
3
SNODGRASS, 2004.
38 François Lissarrague
ainda revestido de sua máscara, pula para fora do quadro da imagem. Contudo,
achatando a imagem, descolando-a do vaso suporte, perdemos o volume da
representação que brinca com a passagem de um lado para o outro e utiliza as
alças e a arquitetura do vaso como um eco da arquitetura representada na ima-
gem. A pintura de vasos nunca é achatada como imagens nos livros; o volume do
vaso produz efeitos dinâmicos, como procurei mostrar em outro lugar e como
bem o demonstrou Didier Martens em seu importante livro Le Vase grec ; une
esthétique de la transgression (1992).
sua vez, é seguida por Afrodite, que está perto da alça da taça. Em torno dela
quatro erotes que estão voando carregam flores e elementos vegetais para coroar
a deusa, criando assim uma espécie de quadro que enfatiza sua beleza e seu
charme. Esses erotes que vêm ornamentar a deusa estão próximos da corrente
de palmetas que envolve a alça (e contrasta com a ausência de palmeta sob a
outra alça) ; o vaso está assim ornamentado como a deusa.
Encontramos um círculo de erotes semelhante em vários espelhos arcaicos
e clássicos com suporte vertical. Em um exemplar em Nova York, vemos uma
mulher que segura uma pomba – e pensamos que tratava-se de Afrodite. Na
base do disco que espelha dois erotes, que estão voando, estendem o braço em
direção à mulher. Em volta do disco, dois cachorros perseguem duas lebres: essa
imagem de caça é uma metáfora da perseguição erótica. No topo do disco está
sentada uma esfinge, frontal, entre duas flores. Podemos facilmente imaginar
que, quando uma mulher se olhava em um espelho como esse, o reflexo de sua
imagem era, por sua vez, enquadrado por erotes.
O mesmo dispositivo é encontrado em cenas de casamento, por exemplo
sobre uma loutrophore em Boston. O jovem rapaz que conduz a noiva segurando-
-a pelo punho se volta para ela; ela é bela e dois erotes enquadram sua cabeça,
segurando uma coroa e um colar. O mesmo efeito de enquadramento pode ser
obtido com brincos. Um bom número de brincos em ouro tem a forma de erotes
e, quando eles estão pendurados nas orelhas, dão a impressão que Eros está
voando em volta do rosto daquela que carrega tais joias. Às vezes, esse Eros
segura uma phiale, como que para acolher o espectador. Dessa forma, executa o
mesmo gesto que aquele que é representado quando Eros interrompe o impulso
vingador de Menelau quando este reencontra Helena derramando uma libação,
transformando, assim, uma cena de vingança e de assassinato em reconciliação,
sob os olhos de Afrodite. Em alguns casos, o pequeno Eros segura um espelho,
nos levando assim ao ponto de partida: o espelho é um objeto erótico e Eros,
um ator em espelho na imagem. O efeito de interação entre imagem e ornamento
está frequentemente presente na imagética dos vasos, e é também o caso dos
espelhos e das joias.
Para concluir, os problemas discutidos em esse rápido balanço não são
todos de mesma natureza, e eu não pretendo propor um sistema definitivo, uma
teoria pronta para iniciantes sobre como ler e olhar as imagens. Isso não signi-
fica que possamos nos valer de uma teoria da imagem, mas eu privilegiei uma
prática empírica que é preciso associar a uma reflexão crítica, a uma atenção
reflexiva sobre nossas maneiras de trabalhar e de analisar a imagem. A metáfora
40 François Lissarrague
linguística que domina a maioria de nossas práticas analíticas deve ser identi-
ficada como tal, e não deve nos impedir de olhar atentamente os objetos que
estudamos. Ler a imagem, se quisermos olhá-la, principalmente, para melhor
compreender não somente a imagética em seu conjunto, mas também a cultura
grega de forma mais ampla.
Referências
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1961.
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Cerf, 1998.
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ponse. University of Chicago Press, 1991.
GELL, A. Art and Agency: an Anthropological Theory. Oxford University Press, 1998.
GIULIANI, L. Bild und Mythos: Geschichte des Bilderzählung in der griechischen
Kunst. C.H. Beck, 2003.
HIMMELMANN, N. Reading Greek Art. Princeton University Press, 1998.
SOURVINNOU-INWOOD, C. ‘Reading’ Greek Culture: texts and, myth, ritual and
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l’Époque Géometrique au Debout de l’Époque Classique. Belgique: Academie
Royal de Belgique. 1992.
MARCONI, C. (Ed.). Greek Vases: Images, Contexts, and Controversies.Columbian
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SNODGRASS, A. Homero e os artistas. São Paulo: Odysseus, 2004.
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versity Press, 1999.
______. ‘Reading’ Greek Death. Oxford University Press, 1995.
STEINER, A. Reading Greek Vases. Cambridge university Press, 2007.
Ontofanias de Io:
variações na figuração do mito
quem não admite a pintura comete uma injustiça contra a verdade, contra a
sabedoria que é conferida aos poetas – pois a pintura, assim como a poesia,
representa-nos os traços e ações dos heróis –, e não louva a conformidade à
medida, por meio da qual, inclusive, a arte apreende a razão.
Filóstrato, Eikones, 1.
O
mito de Io é uma combinação de tradições distintas. Suas peripécias e
as de seus descendentes são narradas com algumas variantes: desde
versões mítico-religiosas, nas quais a princesa de Argos, sacerdotisa de
Hera, fora transformada em vaca devido a uma união – voluntária ou não – com
Zeus, até versões nas quais os elementos míticos estão ausentes, mantendo-se,
contudo, os relatos das viagens de Io e sua presença no Egito, bem como a ligação
de seus descendentes com as Danaides e Héracles. Seu filho Épafo – identificado
com o egípcio Ápis, o touro sagrado (e.g. Her. II, 27, 38, 153) – teria se casado
com Memphis, filha do Nilo, fundado a cidade de Mênfis e gerado Líbia, cujos
descendentes seriam Egito, Danaos e outras personagens que nomeariam – ou
teriam governado – regiões e povos conhecidos à época clássica. Ressaltamos
os elementos convergentes, o que pode ser útil para nossos propósitos: um mito
de fundo argivo, da princesa cujo nome significa “lua”, que se torna amante de
Zeus, é metamorfoseada em vaca e erra pelo mundo, encerrando suas andanças
1
Artista Plástica e doutoranda em Psicanálise. Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Representações e de
Imagens da Antiguidade – NEREIDA/ UFF.
2
Professora Associada de História Antiga da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.
Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Referências sobre a Antiguidade e o Medievo –NERO– e Pesquisadora
do Núcleo de Estudos de Representações e de Imagens da Antiguidade – NEREIDA.
42 Patricia Vivian von Benkö Horvat e Claudia Beltrão da Rosa
3
De acordo com John Davidson (2005), que discutiu as dúvidas sobre a autenticidade do Prometeu
Acorrentado, apresentando extensa análise sobre os elementos cênicos e a marcação dos atores no Teatro
de Dionisos, concluindo que a atribuição da peça a Ésquilo é coerente.
Ontofanias de Io: variações na figuração do mito 43
4
Ph. Katz (1999, p. 131) apresenta interessantes exemplos de como a medicina ateniense apresentava
supostos distúrbios da mulher sem filhos.
5
Cf. outras versões literárias em língua grega e latina: Hesíodo, fr. 47; Pausânias, 2 , 16,1 e 3, 18, 15; Ovídio,
Met. 1, 583 ss; Apolônio de Rhodes, Arg. 2, 168; Plínio, Nat. Hist 16, 239; Diodoro Sículo, 1, 25; 3, 74; 5, 60;
Marcial, Epig. 11, 47, 4; Herodiano, 1, 1; 2, 41.
44 Patricia Vivian von Benkö Horvat e Claudia Beltrão da Rosa
ZEUS – Ela agora já não é uma rapariga, mas sim uma vitela.
ZEUS – Foi Hera, que tomada pela inveja, a metamorfoseou. E fez ainda
algo mais de extraordinário e de terrível contra essa desgraçada. Colocou
junto dela um pastor chamado Argos, com muitos olhos, que apascenta a
vitela e que nunca dorme.
ZEUS – Vai até Nemeia – pois é aí que Argos pastoreia – mata-o, leva Io
para o Egito, pelo mar, e transforma-a em Ísis. E que ela se torne numa
divindade dessa região, que faça subir o Nilo, que envie os ventos e proteja
os marinheiros.
é caracterizado como um pastor, com o manto de pele nos ombros, uma espa-
da e um clava; Hermes veste uma clâmide; a figura feminina veste o chiton, o
himation, e tem brincos e braceletes. A imagem, de nítida estrutura narrativa,
traz Io em sua forma de vaca; Io é uma vaca, como nas demais representações
visuais de Io na cerâmica ática do século V a.C.
Séculos mais tarde, em Pompéia, no interior do Templo de Ísis (insula
VII – Regio VIII, próximo ao teatro), no ekklesiasterion, duas pinturas parietais
nos interessam:6
6
Os afrescos estão atualmente no acervo do Museu Arqueológico Nacional de Nápoles.
48 Patricia Vivian von Benkö Horvat e Claudia Beltrão da Rosa
vaca seria o símbolo de fertilidade que as mulheres deveriam imitar. Nos vasos
cerâmicos dos séculos V a.C., utilizados também no âmbito doméstico, por
mulheres, Io aparece, então, como uma reiteração da fertilidade, sob forma de
vaca e pano de fundo das ações que ocorrem a seu redor, em função dela, nas
quais, contudo, não toma parte ativa, nem tem poder decisório. Tudo gira em
torno da promessa futura de fundação de gerações, da qual Io é o repositório
estático, instância de passagem no percurso do desejo masculino em direção
à realização do poder masculino, com a criação de proles para a consecução
de anseios políticos. Assim, didaticamente, as mulheres eram instruídas pelas
imagens diárias modelares para si mesmas, adequando-se à personagem que
lhes cabia pelo ordenamento social que se instaurava.
Quanto aos afrescos pompeianos do século I a.C., Io aparece sob a forma
humana, pois já fora personagem de Ésquilo e outros, debatendo-se contra o seu
destino traçado de ser a geradora de uma nova humanidade em detrimento dos
seus talentos para o sacerdócio, que lhe conferiam, por aproximação, a similari-
dade à Hera. Io é um animal falante, e, como tal, agente. Restam como elemento
sígnico os chifres, que, embora remetendo à vaca, mas diferentes dela, trazem
equivocidade ao significado unívoco do animal e, como tal, um remetimento à
mãe ancestral, a Grande Mãe, força geradora, e já não mais um ser meramente
sacrificial. A Io ambígua é um ser em transformação, em processo de superação
do estado de natureza para o âmbito da cultura. Ela se estabelece como um ser
sobrenatural, com intelecto e com a potência desafiadora dos chifres, anunciando
uma possibilidade de subversão do instituído pelas suas descendentes Danaides
(cf. Esq. Supp). Segundo Cirlot (1969) e Chevalier e Gheerbrant (1973) os chifres
têm o valor simbólico da abertura de caminhos, de início de fase, de elevação,
prestígio e glória. A fertilidade emblemática dos cornos não é a mesma que a da
imagem da terra nutriz, mas é a de uma potência geradora que define o destino
da progenitura. Desse modo, a representação de Io com chifres traz em si a fer-
tilidade tanto no seu sentido de geração como de prosperidade e de potência.
Concluindo, as “lições” transmitidas pelas várias imagens diziam às mu-
lheres que elas podiam ter “uma vida melhor”, caso aceitassem seu destino de
mães e esposas, em vez de fugirem incessantemente de seu “destino” e, por isso,
perderem suas características “humanas”, isto é, “políades”, tornando-se estran-
geiras: “errante e só até o fim do mundo”. (Prom. vv. 655 –665). Enquanto vaca,
ser da natureza e fora da linguagem, Io é figura secundária na história; enquanto
ser humano com chifres, ela se passa ao primeiro plano das representações
pictóricas. A personagem sofre quando se recusa a cumprir seu “dever” de ter
52 Patricia Vivian von Benkö Horvat e Claudia Beltrão da Rosa
filhos, mas, quando o aceita, torna-se a matriarca da grande “raça argiva”. Io tornou-
-se a mãe de uma longa geração de reis e fundadores de cidades. E, remetendo
à potência geradora, conquista a humanidade mesmo antes de ser “mãe”, para
depois, na imaginação de um Luciano, ascender à divindade e transformar-se em
Ísis. Io é, então, protagonista de um mito de fundação, que ensina às mulheres a
importância de se ter filhos, mas de tê-los consciente e ativamente, não apenas
como incubadoras da alteridade como única opção de vida e como ilusão de par-
ticipação na ordem políade.
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pss/631831>. Acesso em: 05 ago. 2012.
“É preciso ao pescador um espírito pleno de
sutilezas e prudências”: as técnicas da pesca nas
imagens da cerâmica ática do período clássico
A
pólis dos atenienses se constituiu numa sociedade em que a comu-
nicação era predominantemente oral até o final do IV século a.C.,
embora a escrita tenha sido conhecida a partir do VIII século a.C.. A
sociedade se organizou por meio das relações “face a face, do ver e do ouvir”,
produzindo, reproduzindo e criando, durante a sua história, imagens textuais e
icônicas, com as quais nomeavam, representavam e simbolizavam a sociedade
e os que nela viviam (COULET, 1996).
Podemos dizer, pelo estado atual do conhecimento, que os atenienses,
por outro lado, contavam histórias de vários tipos, nas quais as imagens ver-
bais e pictóricas se constituíam em verdades, aparências, ilusões e opiniões.
Com elas, teceram a rede complexa da cultura helênica, retomada e revisitada
até os nossos dias (VERNANT, 1996). Desse modo, essa sociedade nos deixou
documentos de naturezas diferentes, tais como: textos de diversos gêneros,
esculturas, esquemas variados de composição arquitetônica, imagens em su-
porte cerâmico e uma variedade de objetos de uso cotidiano que permitem ao
historiador levantar questões em relação aos valores, as práticas, as tensões e
aos conflitos sociais próprios da estrutura políade.
Entendemos imagem como uma manifestação do aparecer na ordem fe-
nomenal. A imagem restitui ao olhar a eclosão do visível. As imagens não subs-
tituem as coisas, mas mostra como elas se abrem e como nós entramos nelas.
A imagem torna sensível a presença do ausente (ausência metafísica da coisa).
1
Professora Adjunta de História Antiga da Universidade Estadual do Maranhão. Pesquisadora do NEREIDA/
UFF. Citação do título: OPPIEN. Halieutica. Londres: Loeb, 1928, III, v. 41-43.
56 Ana Livia Bomfim Vieira
2
LAVAUD, 1999, p. 15. A imagem se dá como a ausência da coisa. A imagem imita a ausência da coisa. Ela
anuncia, produz a coisa, p. 16.
“É preciso ao pescador um espírito pleno de sutilezas e prudências”:
as técnicas da pesca nas imagens da cerâmica ática do período clássico 57
Beócia e Eubéia); e a região que engloba Cós e a Iônia (DUMONT, 1981, p. 4).
A construção dessas “zonas privilegiadas de pesca” coincide com a passagem
dos cardumes de peixes migratórios, o que significava peixes maiores e mais
facilmente conserváveis e, logo, vendáveis. Entre essas zonas de pesca, Atenas
estava à frente no comércio de peixes do golfo sarônico, seja nos mercados,
seja nas peixarias. Assim, iremos nos deter à atividade pesqueira realizada na
região do Pireu. Tais dados geográficos, e mais tarde técnicos, nos ajudarão a
reconstruir e compreender essa prática3 e a extensão do lugar ocupado por ela
no cotidiano dos atenienses.
Segundo Gallant (1985), o papel da pesca foi superdimensionado pela
maioria dos autores. Para ele, a pesca possuía um papel secundário, ou melhor,
subordinado e suplementar, sobretudo por conta das técnicas empregadas.
Em contraponto a esta visão, que compartilha com Cartledge (1979), está a de
que a pesca tinha um papel preponderante na economia ateniense (DUMONT,
1981; TOUTIN, 1930, p. 36-37; SEMPLE, 1932, p. 244-245; MICHELL, 1957, p.
286-289; HOPPER, 1979, p. 62; BOARDMAN, 1980, p.244). O peixe seria, depois
dos cereais, o alimento mais importante da dieta e o alimento das massas.
Gostaríamos de nos posicionar dentro desta discussão, apesar de não ser este
o objeto de nosso trabalho, pois o estatuto do pescador ateniense do período
clássico não estava, necessariamente, atrelado ao papel desempenhado pela
pesca dentro dessa sociedade. Admitindo que não podemos falar de uma
“indústria de pesca” ou de uma supremacia dos animais marinhos na alimen-
tação, a pesca possuía, sim, um lugar estabelecido como fornecedora de um
alimento presente em todas as mesas. E, em períodos de guerras prolongadas,
por exemplo, foi uma importante garantia de sustento e sobrevivência para
a população, visto que Atenas importava uma grande parte de seus cereais
(CHEVITARESE, 1996, p.66), e de outros produtos,4 e, por isso, estes ficavam
impossibilitados de chegarem aos portos. Portanto, relativizando a dita su-
pervalorização da pesca como atividade econômica, gostaríamos, entretanto,
de sustentar que é impossível entender a pesca como uma atividade simples-
mente subordinada. Consideramos que o peixe tinha o seu lugar nas mesas
3
Visto que os dados relativos, exclusivamente à Atenas no século V, como mencionamos na introdução, é
bastante escasso. E essa escassez, na nossa opinião, não é gratuita. Mas essa é uma questão que trataremos
mais atentivamente no segundo capítulo.
4
Além de cereais e do peixe seco e salgado vindo do Mar Negro, Atenas importava também: carne de boi
defumada, queijo, tecidos, perfumes, madeira, metais, uva seca, figos, tapetes, marfim, tâmara, sêmola,
incenso, amêndoas, orégano, alho, entre outros (PANAGOS, 1997, p. 83).
58 Ana Livia Bomfim Vieira
5
Sobre isso, inclusive, as descobertas no terreno da arqueozoologia nos mostram uma presença do peixe
em um âmbito muito mais amplo do que o da alimentação (BODSON, 1975). Além do mais, a ideia de uma
supremacia dos cereais, em ambos os lados da discussão, denota, abertamente ou não, uma associação
ao conceito de uma “economia antiga” eminentemente agrária.
6
Que emprega, principalmente, uma classificação hierarquizada, empregnada de juízos de valor, dessas
técnicas. (PLATÃO, 1955, 220 b -221 b).
7
OPPIAN, 1928, III, 72-91.
8
OPPIAN 1928, III, 74-91. ELIAN, 1990, XII.
9
OPPIEN, 1928, I, 54; III, 154; PLUTARCO, 1987, v376. Para a utilização de outros materiais, ver: Elian
(1990, XII, 43).
10
Homero conta da utilização de uma peça em forma de chifre, localizada na linha entre a cortiça e o anzol,
que servia para impedir que o peixe tentasse romper a linha para escapar. HOMERO. Odisséia. XII, 251- 254.
11
HOMERO, 1961, XXIV, 80; OPPIEN, 1928, IV, 221-222.
12
OPPIEN, 1928, III, 180; ELIAN, 1990, XIV, 22.
13
OPPIEN, 1928, III, 177-193; IV, 308, 365-366; V, 147; ARISTÓTELES, 1966, IV, 8.
“É preciso ao pescador um espírito pleno de sutilezas e prudências”:
as técnicas da pesca nas imagens da cerâmica ática do período clássico 59
14
OPPIEN, 1928, III, 77, 139.
15
O atum era a presa principal da pesca com arpão também, como falaremos mais adiante.
16
OPPIEN, 1928,III, 261, 313.
17
Em alguns casos, era comum amarrar esta linha trançada na borda, vindo retirá-la após algum tempo. O
problema é que esse procedimento, embora mais simples e menos doloroso, só poderia ser aplicado para
a pesca em rios (ARISTÓTELES, 1966, IV. 10, 3).
18
Existem questões bastante interessantes no que refere à nomenclatura referente ao que chamamos “pesca”.
Contudo, trataremos dessas questões no próximo capítulo, pois está intimamente ligada ao lugar de
ambivalência no qual o pescador estaria inserido.
19
ARISTÓTELES, 1966, VIII, 20, 13.
60 Ana Livia Bomfim Vieira
20
PLATÃO, 1984, 823 e- 824 a.
“É preciso ao pescador um espírito pleno de sutilezas e prudências”:
as técnicas da pesca nas imagens da cerâmica ática do período clássico 61
21
Boston, Museum of fine arts (01.8024) (VILLANUEVA-PUIG, 1992, p. 75).
22
As duas formas mais comumente citadas.
23
OPPIEN, 1928 III, 553, 631; IV, 252, 646; ARISTÓTELES, 1966, IV, 10; X, 1; PLATÃO, 1955, 220 e.
62 Ana Livia Bomfim Vieira
24
Duas espécies de Atum eram prioritariamente numerosas: o qunnoj de carne vermelha, o Atum como
nós conhecemos e o amia, ou o nosso Bonito (DUMONT1981, p.7).
25
ARISTÓTELES, 1966, VIII, 101.
26
ARISTÓFANES, 1960, p. 321-354; OPPIEN, 1928, IV, 637.
27
ELIAN, 1990, XV, 5; OPPIEN, 1928, III, 638.
28
Também era utilizado uma espécie de bastão em madeira para bater no – pesca à mandraga. ÉSQUILO.
Os persas. Londres: Loeb, vol I, 1996, 416. Sobre essa especialidade, Gallant nos diz que não foi utilizada
na Antiguidade o que ele chama de “verdadeira mandraga”, que é conhecida no mundo de hoje e ainda
muito praticada na Espanha e na Itália. Pensamos ser, no entanto, uma conclusão um tanto quanto
anacrônica, visto que encontramos nos autores antigos referência a esse tipo de procedimento, mesmo
que não possamos compará-lo com os métodos, conhecimentos e utensílios que encontramos na pesca
moderna (GALLANT, 1985, p.21). Contrariamente a essa ideia, ver: Thompson ( 1957, p.87), Dumont (1981,
p.198), Vatin (1981, p. 448).
29
No Entanto, Isdo Não Quer Dizer Que O Golfinho Não Fosse Pescado. Ele Era Também Uma Presa.
30
OPPIEN, 1928, V, 416-588; ELIAN, 1990, I, 18. ARISTÓTELES, 1966, 631a ,13.
31
PLATÃO, 1984, VII, 823.
“É preciso ao pescador um espírito pleno de sutilezas e prudências”:
as técnicas da pesca nas imagens da cerâmica ática do período clássico 63
intuito de deixar a presa incapaz de reagir.32 Esta pesca, segundo Aristóteles, era
realizada em rios e lagos. Era utilizada a mirra, mas a droga mais utilizada era
a molena, pelos seus poderes narcóticos.33 E todas essas substâncias eram co-
mumente misturadas ao vinho antes de serem derramadas junto a um cardume.
Os atenienses praticavam também a pesca com lanterna, ou, melhor
dizendo, a pesca com tocha, pois, obviamente, não se trata do instrumento
moderno.34 Era, na verdade, uma tocha de resina colocada na proa do barco.
Trata-se, assim, de uma pesca noturna, de modo que a luz servia tanto para
a identificação e localização dos cardumes, como para atrair os peixes, que
ficavam como que hipnotizados pela luz e, portanto, à mercê dos golpes de
arpão. Essa pesca era especialmente dedicada aos peixes pequenos, como as
sardinhas, por exemplo.
Por fim, a pesca de mergulho, ou a chamada, por nós, de pesca subma-
rina, era também praticada entre os gregos. Aristóteles menciona mesmo uma
espécie de aparelho respiratório utilizado na prática desta técnica.35 No entanto,
em termos de produtividade, esta prática não rendia os mesmos frutos que as
principais técnicas – de linha, de rede e com arpão/tridente –, mesmo em com-
paração com a pesca noturna, com tocha, que parece ter sido muito apreciada.
Todas essas técnicas de pesca – umas mais, outras menos frutíferas –
conheciam o sucesso pela quantidade de peixe e de outros animais marinhos
capturados. E estes seriam, pelo menos no que diz respeito à pesca no mar,
comercializados. Contudo, essas técnicas podem ser compreendidas também
como fatores de diferenciação de status dentro do grupo dos pescadores.
Portanto, a partir da análise das técnicas de pesca, representadas nas
imagens da cerâmica ática de figuras vermelhas, podemos observar as relações
intragrupos, além de perceber como esses grupos eram vistos e representados
por aqueles que não participavam da mesma atividade.
Referências
ARISTÓFANES. Os cavaleiros. Paris: Les Belles Lettres, 1960.
ARISTÓTELES. História dos animais. Paris: Les Belles Lettres, 1966.
ATENEU. O banquete dos sofistas. Paris: Les Belles Lettres, Vol I, 1956.
32
ARISTÓTELES, 1966, VIII, 132; OPPIEN, 1928, IV, 647; TEOFRASTO, [s.d.], IX, 10.
33
Mas também a elébora (ARISTÓTELES, 1966, VIII, 603 a, 2).
34
ARISTÓTELES, 1966, IV, 115; PLATÃO, 1955, 220 d; ATENEU, 1956, XV, 699; OPPIEN, 1928, I, 181; IV, 644.
35
ARISTÓTELES, 1966, II, 659 a 9.
64 Ana Livia Bomfim Vieira
SCHNAPP, Alain. De la Cité des Images a la Cité dans L’Image. Metis: Revue
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Paris: Hachette, 1992.
Imagens e representações forjadas por poetas
e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo
Introdução
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima1
1
Professor Adjunto IV do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH)
da Universidade Federal Fluminense. Pesquisador do NEREIDA/ UFF.
2
O NEREIDA possui dois Grupos de Pesquisas, a saber: 1) Imagens, Representações e Cerâmica Antiga liderado
por Alexandre Carneiro Cerqueira Lima (PPGH/ UFF); 2) Antiguidade e Contemporaneidade em Perspectiva:
Espaços, Identidades e Hibridismos, liderado por Adriene Baron Tacla (PPGH/UFF).
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
68 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
3
DURKHEIM, 2007; MOSCOVICI, 2001, p. 47; CARDOSO, 2000.
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 69
4
No sub item, intitulado ‘Navegação no Período Arcaico Grego’, desse capítulo trabalhei justamente com
a ideia de contatos e trocas culturais entre gregos e etruscos.
5
Michel de Certeau (1996, p. 47) baseia-se na noção de métis (ardil/astúcia) estudada por M. Detienne e J.
P. Vernant (2008) para compreender as transgressões cotidianas cometidas pelos consumidores, ou seja,
“pequenos sucessos, artes de dar golpes, astúcias de ‘caçadores’ [...] Essas performances operacionais
dependem de saberes muito antigoss. Os gregos as designavam pela métis”.
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
70 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
6
Lugares/ ocasiões de intervenção de Eros: salas de banquete, ginásio/ palestra e em cerimônias de
casamento (CALAME, 1996).
7
Platão e Xenofonte indicam a existência de duas Aphrodites: a Urânia (Celestial) e a Pandêmia ou
Popular (PLATÃO. O Banquete, 180 d-e; XENOFONTE. O Banquete, VIII, 9-10). Outros termos relacionados
à sexualidade: porneía (prostituição); pórne (prostituta ‘vulgar’); pothos (anseio, desejo, busca); hímeros
(desejo gerado fora de si) (DAVIDSON, 2007, p. 4).
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 71
8
XENOFONTE. Memoráveis, 3, 11, 6-10.
9
Em sua obra Os Costumes dos Tirrenos, Aristóteles utiliza a noção de truphé relacionada aos etruscos.
ATENEU. Deipnosophistes, I, 42, (23 d).
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
72 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
10
Claude Bérard (1983), em seu célebre artigo, propôs um método que trabalhasse com cenas pintadas na
cerâmica grega. O autor enfoca as unidades formais de cada cena, que podem ser elementos anatômicos,
utensílios ou o mobiliário representado. A combinação das unidades formais constitui um sintagma; este,
por sua vez, é suscetível de se articular com outras unidades ou com outros sintagamas para constituir
uma imagem com conteúdo narrativo.
11
LIMA, 2000. Capítulo 2: As Imagens Carnavalescas de Sympósion e de Kômos na Cerâmica Ática de Figuras
Vermelhas.
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 73
12
Na ‘Tumba da Fustigação’ os komástai, dançarinos, servidores e grupos eróticos apontam para uma esfera
dominada pelo dionisismo.
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 75
13
Em uma taça ática de figuras vermelhas, c. 510 a. C., no Museu do Louvre, há a representação polêmica
de uma hetaíra (alguns autores apontam que pode ser um jovem rapaz) praticando coito anal e felação
(THEML, 1998, p. 310) (CVA França 28 – Museu do Louvre 19 G 13 Inventário: Cp 9689).
14
Pesquisador do NEREIDA/UFF. Professor Mestre pelo PPGH/UFF defendeu a dissertação intitulada:
Representações do Corpo das Backaí no Teatro e na Imagética (Atenas V Século a.C.), 2011.
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 77
novo tempo e espaço com suas próprias regras. Ele revela o Outro no Mesmo
(VERNANT, 2006, p. 80). Dioniso retira os homens de seus lugares, interferindo
na ordem das coisas e confundindo as categorias estabelecidas. Masculino e
feminino, jovem e velho, longínquo e próximo, grego e bárbaro, selvagem e civi-
lizado. Os parâmetros da sociedade ateniense do século V a.C. se mesclam e se
tornam indiscerníveis (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 2005, p. 349), estabelecendo
assim outro espaço de atuação que não o racional/políade. Maria Daraki (1994,
p. 13) se refere ao dionisismo como uma heterodoxia instalada no coração da
ortodoxia que ela contradiz. O culto a um deus que tem como característica
marcante o rompimento das normas e barreiras arrisca subverter a ordem social
da pólis, e por isso é perigoso. O que a autora declara acerca do dionisismo em
geral podemos aplicar ao ritual das backaí. As bacantes trazem a desmedida, o
desregramento e a selvageria para o centro da sociedade ateniense. O êxtase, a
manipulação do vinho, o movimento, a fecundidade, são elementos que podem
subverter a ordem políade porque estabelecem uma existência que escapa a esta,
uma temporalidade e espacialidade distintas, e por isso não se deve permitir
que esse ritual fuja ao controle do regime democrático ateniense.
A ideia de quebra das regras, de transgressão, é central em nosso trabalho.
Mas a transgressão a que nos referimos não é real, uma vez que é permitida e cir-
cunscrita em um espaço/tempo determinado pelo regime democrático ateniense.
Trata-se de uma transgressão autorizada, uma violação sancionada pelo regime
vigente com o intuito de reforçar as mesmas regras que desrespeita (ECO; IVA-
NOV; RECTOR, 1989, p. 16). O que observamos é o desrespeito a uma regra para
reforçá-la, lembrar a todos os membros da sociedade a importância e a validade
das normas sociais. Dessa forma, as cenas de vasos dos corpos e do comporta-
mento das backaí nos permitem verificar uma opção de controle social da manía.
As bacantes são representadas no espaço da margem (bosque, montanhas), da
fronteira, em oposição aos espaços da ásty/ agorá – espaços masculinos, regidos
pela medida/ equilíbrio, do debate e da política. Destacamos ainda que apesar das
representações das backaí transferirem a atuação das mesmas para a margem, o
ritual das bacantes na Atenas do século V a.C. circulava tanto no espaço público
quanto no privado, disseminando comportamentos, gestos, maneiras de expor
os corpos, adequados aos efeitos da manía, da loucura dionisíaca.
Nosso estudo parte da análise da imagética, delimitada no corpus, em
dois diferentes níveis: o das cenas comuns, cenas tipo, que se repetem com
algumas variações, método utilizado por Sarah Peirce (1998); e o das unidades
que formam um sintagma, como definidas por Claude Bérard (1983). De acor-
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
78 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
15
Utilizamos a definição de imagética de Claude Bérard (1983, p. 5, tradução nossa): “A imagética é
constituída por todas as imagens sobre centenas de milhares de vasos produzidos em Atenas no curso
do VIº, Vº e IVº séculos.”
16
Em sua análise do sacrifício, Jean-Louis Durand afirma que a simetria era utilizada pelos pintores nas
representações na cerâmica ática para expressar a ordem necessária ao espaço sacrificial. Não refutamos
a ideia de que a simetria aparenta expressar um espaço/tempo ordenado, mas questionamos a análise
da intenção dos artesãos antigos (DURAND, 1986, p. 95).
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 81
17
O autor pesquisa as imagens do thiaso intra muros (PALEOTHODOROS, 2008, p. 232).
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
82 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
18
Referimo-nos, em mais de uma ocasião, à manipulação de bebida; preferimos esta expressão para evitar
a discussão sobre a relação entre as backaí e a bebida.
19
Esta é uma das hipóteses levantadas por Paleothodoros (2008, p. 240). Este autor também defende que
os ritos representados na imagética ocorrem no oîkos.
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
84 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
foi ali erigido. Não poderíamos afirmar de que espaço se trata na cena. Estabe-
lecer uma relação automática entre a presença da coluna e o espaço urbano
seria precipitado e empobrecedor.
Uma vez que a presença da coluna não nos permite afirmar a priori que
trabalhamos com a representação de um espaço urbano, é para o restante
dos signos e caracteres presentes nas imagens de que dispomos que devemos
nos voltar, de modo a estabelecer qual espaço é contemplado nas imagens do
rito das backaí. Na tragédia As Bacantes, de Eurípides, as mulheres de Tebas
são possuídas pela loucura como punição à cidade por terem se recusado a
reconhecer Dioniso como um deus, filho de Zeus e de Sêmele. Tomadas pela
manía de Dioniso, as mulheres fogem da cidade, indo habitar na montanha.
Lá, no sopé do Citéron, as backaí cultuam ao deus em um ambiente selvagem,
livre de homens. Neste espaço marginal, as regras da cidade de Tebas não se
aplicam; as leis humanas não cabem neste espaço. O alimento flui do chão, as
mulheres correm descalças e dormem ao relento, sobre o abrigo de nada mais
do que pedras e árvores. Bacantes caçam com as mãos, ao mesmo tempo que
amamentam filhotes de feras em seus próprios seios. Mais do que tudo, estas
mulheres correm, saltam e adoram Dioniso. Uma caracterização inicial das
backaí que podemos extrair da tragédia nos leva a buscar nas imagens um
ambiente selvagem e desregrado, alheio às regras da pólis, a justa medida e
a sophrosýne. Entretanto, os vasos observados até o presente momento não
revelam essas características. Vasos que demonstrem sinais de uma maior
transgressão dos ideais políades são uma exceção em nosso corpus.
de Dioniso e seu culto. O que temos nestas e nas outras cenas que utilizamos
como documentação neste trabalho é uma mistura de referenciais tomados
da tradição mítica e dos rituais e festividades realizados na cidade de Atenas.
Apesar de tomarmos a imagética ática como um amálgama de mito e
rito da sociedade clássica ateniense, acreditamos ser possível apreender desta
documentação as informações necessárias à nossa pesquisa. Determinar qual a
festividade representada nas cenas é uma tarefa difícil, talvez impossível, e tam-
bém desnecessária. Uma representação cuja construção passe por assimilações
e pelo uso de signos tão diversos e de origens tão distintas quanto à tradição
mítica em suas várias vertentes e a enorme gama de rituais presentes na pólis do
século V a.C., quer seja imagética ou textual, não pode ser facilmente atribuída
a uma festividade ou mito em particular. O número de fatores empregados na
formulação de uma determinada mensagem – se considerarmos a representação
na cerâmica como uma forma de linguagem (PIERCE, 1998, p. 61; SCHMITT PAN-
TEL; THELAMON, 1983, p. 9, 10) – não nos permite reduzir cada elemento, cena
ou conjunto de cenas a uma única fonte original. Acreditamos, em concordância
com Jean-Louis Durand e Françoise Frontisi-Ducroux, que, no lugar de um ritual
preciso ou uma cerimônia em particular, o que encontramos nos vasos áticos do
século V a.C. é “uma representação onde se combinam diversos dados, tirados
do vivido ritual, em uma escolha eclética, mas não arbitrária”(DURAND, 1986; e
FRONTISI-DUCROUX, 1975, p. 83, tradução nossa). Com essa afirmação, os autores
permanecem em uma linha de pensamento iniciada por H. Jeanmaire (1985, p.
12, 13), que acreditava não ser possível determinar a “origem” cultual ou festiva
das cenas da cerâmica ática referente ao dionisismo, pois essas representações
não foram inspiradas em um culto ou imagem de culto específicos, mas em um
tipo de ídolo e em uma certa forma de culto recorrente no dionisismo.
Na abordagem da documentação imagética, partimos então do princípio
de que não devemos nos concentrar em uma possível “descoberta” da festi-
vidade ou cerimonial específico representado nas imagens. O caminho a ser
adotado é a busca por signos que expressem não uma concretude ritualística
ou herança mitológica, mas a busca por um sentido empregado na representa-
ção das bacantes. Trata-se, então, de tentar compreender a maneira como os
gregos antigos – especificamente atenienses do século V a.C. – viam as backaí,
o modo como interpretavam e construíam as imagens que tinham dessas perso-
nagens. É imprescindível observarmos o que tomavam por certo no comporta-
mento e nas atitudes delas, o papel que tinham na sociedade e o que lhes era
condenável e, consequentemente, o que ameaçava a pólis. Nesse sentido,
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
88 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
20
A autora se refere a um “ritual oficial canônico”. Porém, optamos por não utilizar este último termo devido
às suas implicações, haja vista que faz referência a uma religião centralizada e organizada, cujos fiéis se
orientam por um dogma ou cânone, mas não a religião grega antiga (ISLER-KERÉNYI, 2008, p. 78).
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
90 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
As cenas dos vasos parecem não demonstrar a localização dos ritos dentro
do espaço políade. Todas as imagens que analisamos demarcam claramente um
momento ritual, um espaço/tempo deslocado do cotidiano, o que torna este
um espaço/tempo festivo. Durante a festa, foge-se à ordem cotidiana para se
estabelecer outra ordem dentro da cidade. É definido um espaço sagrado que
é ritualizado pelo tempo da cerimônia. Este espaço é delimitado pelo percurso
das procissões e rituais que abrem o tempo festivo e substituem o espaço da
cidade por outro, ligando o centro urbano e o espaço rural – ásty e chôra. O
espetáculo suspende o tempo cívico e modifica o espaço da cidade (ZAIDMAN,
2001, p. 22, 23).
Conclusão
Vaso 1
Tipo de Vaso: Stamnos.
Estilo: Figuras vermelhas.
Proveniência: falerii Veteres (Civita Castellana). Necrop. De Celle, tumba 67.
Publicação: Rome, Villa Giulia inv. 983 (FRONTISI-DUCROUX, 1991), figuras 7-8 (L3).
Pintor: Pintor da Villa Giulia.
Datação: 460-450 a.C.
VASO 2
Tipo de vaso: Stamnos.
Estilo: Figuras vermelhas.
Proveniência: Gela
Publicação: Oxford 523 (FRONTISI-DUCROUX, 1991), figuras 30-31 (L 20).
Pintor: Pintor de Villa Giulia.
Datação: 460-450 a.C.
VASO 3
Tipo de vaso: Taça.
Estilo: Figuras vermelhas.
Publicação: Corpus Vasorum Antiquorum. França 28. Museu do Louvre 19 (G94
ter),1977. Prancha 70-71.
Pintor: o estilo lembra o de Epictetos.
Datação: Ca. 510 a.C.
VASO 4
Tipo de vaso: Oinochoe.
Estilo: Figuras vermelhas.
Proveniência: (comprada em Nápoles)
Publicação: Athènes, Vlasto (FRONTISI-DUCROUX, 1991), figura 87 (L61).
Pintor: Pintor de Éretrie.
Datação: Ca. 430 a.C.
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 93
21
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal Fluminense e
Pesquisadora do Nereida/UFF. Professora Mestre pelo PPGH/UFF; defendeu a dissertação intitulada: As
estratégias de ação das mulheres transgressoras em Atenas no V século a. C., 2011.
22
É importante ressaltar que se possuímos um corpus relativo à Clitemnestra de tamanho considerável, o
mesmo não se pode dizer quanto às demais personagens por nós examinadas em nossa dissertação de
mestrado. As imagens analisadas ao longo de nosso trabalho de pesquisa não mostram a personagem
Cassandra – a nosso ver – em atitudes transgressoras, ou seja, não encontramos imagens que comprovem
a permanência de seu caráter transgressor na tradição iconográfica das cerâmicas de figuras vermelhas
da Atenas Clássica. Diferentemente da Cassandra de Ésquilo, a sacerdotisa de Apolo não é retratada em
nenhum ato descomedido. Por sua vez, temos, certamente, uma única imagem atribuída à Electra que
nos permite considerá-la como uma mulher transgressora ao comportamento idealizado para o feminino.
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
94 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
falar em “referente” de uma imagem, devemos optar por nos ater ao conteúdo
dela, ou seja, à percepção de que ela é uma unidade cultural, pois é fruto de uma
cultura específica e representativa do imaginário social. A imagem é, portanto,
o produto de uma elaboração, ou seja, ela não é uma reprodução objetiva da
realidade, mas uma representação oriunda de escolhas, de técnicas, e de uma
estética calcada no sistema cultural. O pintor, ao imprimir sua técnica em um
vaso cerâmico, escolhia o que iria representar, e esta escolha e a ênfase que dá
a alguns elementos e suprime outros estão cheias de significados. Suas esco-
lhas não são, contudo, frutos unicamente de gostos e concepções individuais,
mas, sobretudo, frutos de uma determinada orientação cultural.23 Desse modo,
em nossa análise de cenas de vasos áticos, procuramos atentar para o fato de
que são produtos da sociedade ateniense do período clássico, cuja “ideologia”
dominante “[...] que orienta as escolhas dos pintores e a sua maneira de ver,
[...] é acima de tudo masculina” (LISSARRAGUE, 1990, p. 205, 206)
Nas imagens por nós analisadas no CVA e no LIMC, aparecem diversas
cenas retratando mulheres e, mais especificamente, esposas bem-nascidas,
na maioria das vezes dentro do espaço privado. Podemos supor que o fato
dessas imagens representarem constantemente esposas bem-nascidas no lócus
doméstico, exercendo atividades relativas a ele, demonstra que esse modelo
ideal do comportamento feminino estava difundido nessa sociedade e que os
pintores valorizavam a postura feminil condizente com o mesmo. No entanto,
algumas dessas imagens nos permitem também visualizar elementos presentes
em cena que mostram essas mulheres cometendo desvios ao comportamento
feminino ideal. Desse modo, buscaremos identificar nas imagens presentes
nos vasos aqui analisados cenas nas quais as personagens Clitemnestra e
Electra apareçam cometendo desvios24 ao ideal de comportamento feminino
ateniense, nos atentando para as unidades formais mínimas (BÉRARD, 1983, p.
5-10) – elementos estáveis e constantes presentes nas imagens – que as mos-
trem como mulheres bem-nascidas e “transgressoras”. Destarte, ao analisar
imagens que embora possam não se referir diretamente à representação da
trilogia esquiliana, mas que nos mostram as personagens por nós estudadas
em atitudes que condigam com as que lhes foram atribuídas pela Oréstia, bus-
23
“As imagens são, portanto, construídas sobre escolhas na continuidade dos gestos, os quais informam a
vida social. Essas escolhas retêm os momentos e as situações, em que, o mais claramente possível para o
contemporâneo, os valores de sua própria sociedade eram dados a conhecer e a expressar-se.” (BÉRARD;
DURAND, 1984, p. 33).
24
Ações transgressoras, ou seja, práticas que burlem o modelo mélissa.
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 95
25
“Há uma série de imagens muito populares do fim do século VI e da primeira metade do século V que
representam a vingança de Orestes”, onde o centro da ação é geralmente constituído pela morte de Egisto.
(VIRET-BERNAL, 2006, p.297)
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
96 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
com Prag, ao proceder dessa forma, ele não só transformou o machado duplo na
arma de Clitemnestra, como também a relegou ao papel de coadjuvante dentro
do quadro da morte de Agamêmnon.
26
É interessante observar aqui que tanto Clitemnestra, no lado esquerdo da cena, quanto a personagem
na extrema direita e ao lado de Agamêmnon apresentam o braço levantado. Este gesto compartilhado
pelas duas mulheres nos remete ao ideal artístico da simetria.
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
98 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
mulher transgressora. Coautora da morte de seu marido, ela não teme assumir
a responsabilidade ao lado de Egisto. Destemidamente, ela vai ao seu encontro
para, arriscamos dizer, incentivá-lo e, se necessário, agir em seu auxílio. O pé-
lekus que maneja é definido por Viret-Bernal como uma ferramenta agrícola ou
arma de guerreiro, e, também, como instrumento de abate ritual no momento
do sacrifício. Embora concordemos com Prag de que o pélekus é uma arma
de crise e de pânico – ao contrário da espada, ferramenta de guerreiro e da
premeditação – não podemos deixar de observar que o pélekus está também
associado à violência excessiva. E, além disso, enquanto instrumento de abate
da vítima sacrificial, não deveria ser utilizado por pessoas do sexo feminino. O
papel de sacrificador, no sentido do abatedor do animal destinado ao sacrifício,
era uma função reservada somente aos homens. Assim, em função dos elemen-
tos que nos permitem tomar a cena como metáfora de sacrifício, ao empunhar
o pélekus, Clitemnestra se apropria de um instrumento de uso exclusivo dos
homens, assumundo, consequentemente, para si o papel de assassina da víti-
ma sacrifical, ainda que não seja ela quem de fato mata Agamêmnon. A rainha
argiva “[...] se roga um poder reservado ao chefe do oîkos nos tempos antigos,
entregue em seguida nas mãos do sacerdote, mas nunca às mulheres” (VIRET-
-BERNAL,2006, p.296). Não obstante, deixemos de lado por alguns instantes a
análise de Clitemnestra para nos determos sobre a malha mortífera que envolve
Agamêmnon nessa cena.
O manto que envolve a vítima de Egisto e Clitemnestra pode ser compa-
rado à rede da caça – que prende e domestica a força dos animais selvagens
(“malha/rede de caçar fera”, Coéforas. v.998) – que, entretanto, é aqui utilizada
para capturar um ser humano. Ela remete, também, à astúcia em seu aspecto
desleal, como a produtora de mentiras e de traição. Arma das mulheres e dos
covardes. A representação de tal “rede”, devido à sua polissemia, revela todas
as implicações da cena: “[...] desvio das atividades de um universo feminino
perturbado, utilização de técnicas de caça pouco gloriosas [...]” (VIRET-BERNAL,
2006, p. 295). O uso da “di/ktuon” (“rede”; Coéforas. v.1000) pelo pintor Dokima-
sia revela o aspecto traiçoeiro da morte infringida à Agamêmnon; o assassino
se aproveita da debilidade da vítima – imobilizada pelo terrível véu –, a quem
não é dada oportunidade de defesa. Sob a delicadeza e transparência de seu
aspecto se esconde um terrível ardil. Pode-se, assim, fazer uma comparação
com as características da Clitemnestra esquiliana. A rainha que engana o coro
e a seu esposo se fazendo passar pela esposa virtuosa se esconde por trás da
fingida sinceridade de suas palavras e de seu proceder. Por trás da sua doçura
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 99
guerreiro hóplita: elmo, couraça e caneleira. Enquanto sua mão esquerda segura
a cabeça de Egisto, sua mão direita se prepara para desferir-lhe novo golpe de
espada. Clitemnestra, à esquerda da cena e atrás de Orestes, toca-o com a mão
esquerda, enquanto empunha um pélekus com a mão direita. Ela veste um chiton
transparente bordado de pontos e um himation. Seu cabelo encontra-se preso
por meio de um stéphané adornado com folhas. Seus pés estão descalços. E
utiliza brincos. Ela aparece assim caracterizada como uma mulher bem-nascida;
suas vestes, a forma como se encontra preso seu cabelo, seus ornatos são to-
dos elementos característicos da representação de uma mulher bem-nascida.
Contudo, a transparência de sua roupa e o porte do pélekus, como já observado
anteriormente, representam-na igualmente como uma mulher transgressora,
aspecto que abordaremos mais adiante ao contrapô-la aos dois personagens
masculinos presentes em cena.
30
A morte de Agamêmnon representava não apenas a morte do chefe de um oîkos, mas igualmente a morte
do chefe de uma cidade-Estado.
31
Na Oréstia, ele é apenas o coadjuvante que auxilia Clitemnestra no seu ardil contra Agamêmnon. Sua
posição menor é expressa no silêncio de sua voz na primeira peça da trilogia e nos poucos versos onde
ela é expressa nas Coéforas.
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
102 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
32
No Agamêmnon, Clitemnestra considera o crime por ela cometido como um ato de justiça. Uma proeza
executada por sua mão destra, o “justo artífice” de sua vingança (Ag. v.1406).
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
104 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
não para acalmar o morto, mas para pedir-lhe punição a seus crimes. Electra
estaria agindo contrariamente ao ordenado por sua mãe, desobediência que
revela o ódio por quem a gerou. Tal atitude assemelha-se à desenvolvida por
ela nas Coéforas, de Ésquilo, onde a princesa argiva derrama junto às servas
libações, clamando pela morte de Clitemnestra e Egisto, enquanto Orestes e
seu companheiro Pílades observam-nas de longe. Dessa forma, a Electra repre-
sentada neste skyphos pode ser considerada como uma mulher transgressora
do mesmo modo que sua correspondente trágica. Assim, embora lhe fosse de
direito desejar a morte dos assassinos de seu pai, ela não deixa de cometer um
ato desmedido, hýbris, ao desejar a morte de sua mãe.
Figura 8
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 105
FIGURA 8
Publicação: Lexicon Iconographicum Mythologiae Classicae (LIMC), v.III (2),
Artemis Verlag Zürich und München, 1986, I.34, p.54.
Temática: Encontro de Electra e Orestes no túmulo de Agamêmnon.
Descrição: O túmulo é composto por base e estela coroada por um remate em
forma de palmeira; na estela está escrito . Electra está vestin-
do peplos e véu sobre sua cabeça e há laços de um filete sobre a estela. Uma
segunda mulher à direita, vestindo um peplos, detém uma bandeja contendo
filetes. No reverso Orestes e Pilades, ambos vestindo e segurando duas lanças,
assistem à cena no túmulo.
Vaso: Skyphos ático.
Estilo: Figuras Vermelhas.
Data: Ca. 440 a.C.
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 107
33
Professora Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal
Fluminense; defendeu a dissertação intitulada: Fertilidade e Prosperidade na Ásty de Corinto: o Santuário
de Deméter e Koré nos Períodos Arcaico e Clássico, 2013. Pesquisadora do NEREIDA/UFF.
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
108 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
semente que, ao ser posta sob a terra, morrendo aparentemente, renasce pela
germinação de novos frutos. Com o retorno da filha, Deméter se volta às suas
obrigações como divindade associada à fertilidade: além de fazer a terra pro-
duzir, transmitiu aos homens o modo como deveriam ser executados os ritos
dos Mistérios, bem como lhes ensinou a agricultura.
Embora fosse responsável pela vida de todos os vegetais, estava mais inti-
mamente ligada ao trigo e a cevada, às lavouras, ou seja, à própria alimentação
do homem. Seus dons são vitais para a humanidade. Hesíodo expõe os homens
como aqueles que “comem pão” em oposição aos deuses, que se alimentam de
néctar e ambrosia (HESÍODE, 2008, versos 510-515). Um dos epítetos da deusa,
thesmóphoros, 34 deve-se ao fato de ter ensinado o cultivo dos campos aos ho-
mens e assim os tirado de um estado selvagem, tornando-os agricultores. Outros
epítetos reforçam o caráter agrário de Deméter, tais como chloe – verdejante;
sito – grão; himalis – abundância; achaia – ceifadora; polusoros – rica em pilhas
de grãos; e karpophoros – a que traz frutos (COLE, 2000, p. 136).
É possível afirmar que as celebrações em honra a Deméter ocorriam em
todo o mundo grego e tinha origens bastante antigas. Devido à sua ligação com
a agricultura e a fertilidade, seu caráter maternal e essencialmente feminino,
Deméter era uma das divindades mais populares entre as mulheres. Seu culto
era amplamente difundido, sendo possível encontrar santuários e templos em
sua honra em praticamente todas as póleis, da Magna Grécia e Sicília à Jônia.
Os cereais eram a base da economia e da alimentação das sociedades que mar-
geavam o Egeu e o Mediterrâneo e seu armazenamento não se dava de forma
prática. Para os helenos, o cultivo e a estocagem desses gêneros era crucial.
A perda dos mesmos poderia acarretar carestia e fome (COLE, 2000). O Hino
Homérico a Deméter permite ver que se tratava de uma divindade que poderia
trazer alimentos em abundância, mas também tinha o poder de levar a privação
aos homens, sendo necessário honrá-la adequadamente. Entre as festas pro-
movidas à deusa na Ática, é possível citar a Stenia durante o mês Pyanépsion
– aproximadamente outubro, no calendário gregoriano, a Skira (junho/julho), a
Haloa (dezembro/janeiro) (SIMON, 1983, p.17-37; PARKE, 1986, p. 29), os cultos
de Mistério, entre os quais o de Elêusis era o mais famoso, e a principal, as
Thesmophórias, celebradas pelas esposas dos cidadãos não somente em Atenas,
mas em várias partes da Hélade (BURKERT, 1993, p. 317, 464).
34
Susan Guettel Cole interpreta o termo da seguinte forma: “the one who carries what has been set down”, ou
seja, “aquela que carrega/porta o que foi fixado” (tradução nossa) (COLE, 2000, p.136, 137).
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
110 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
35
Os autores que falam sobre as póleis onde havia a celebração das Tesmofórias são Pausânias, Plutarco,
Diógenes Laércio, Ateneu de Naucratis, Estrabão, Heródoto, entre outros.
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 111
Os cultos de Mistério abriam espaço para a escolha pessoal, pois sua ade-
são, ao contrário da religião políade, não era compulsória. O mystés (iniciado)
recebia um “segredo divino”, que promovia a sua aproximação ao outro mundo
e revelava a continuidade entre a vida e a morte (VERNANT, 2006). Após as ce-
lebrações, os iniciados retornavam às suas casas e suas vidas comuns, ainda
comungando dos cultos de sua pólis. Seria após a morte que eles gozariam de
uma existência diferenciada daqueles que não passaram pelos ritos dos misté-
rios. Eram atraentes, pois ofereciam uma intimidade com a esfera divina que
não era possível de ser atingida pela religião políade.
É durante o século V a.C. que o culto em Elêusis difunde-se largamente,
ganhando caráter pan-helênico. É possível relacionar o crescimento do número
de visitantes a Elêusis à Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.). O conflito colocou
em questão muitos valores caros aos helenos, e a proximidade com o caos e a
morte pode ter fomentado a procura pelos cultos de mistério, como o de De-
méter. Era ainda um excelente meio de propaganda da política ateniense, pois
a hostilidade que parte da Hélade nutria por Atenas na época não prejudicou o
culto eleusino. A rede de recrutamento existente permitia que todos os anos os
ritos de iniciação fossem executados por pessoas dos mais diversos recantos
da Grécia (DELCOURT, 1992, p. 136-138).
Todavia, os custos para a iniciação em Elêusis eram elevados. No século
IV a.C., por exemplo, os valores chegavam a 15 dracmas, quantia que permitia
uma família modesta viver por quase um mês (DELCOURT, 1992, p. 136). Os
iniciados nos Mistérios de Elêusis podiam até mesmo ser escravos, contanto
que falassem grego e não houvessem cometido crime de sangue, mas não era
qualquer pessoa que poderia economizar ou gastar tanto dinheiro, mesmo
que o fim fosse uma existência bem-aventurada após a morte. Kevin Clinton
(2005, p. 110-120) defende que os Mistérios eleusinos são uma transformação
da cerimônia das Thesmophória. Aspectos diferentes do mito são enfatizados,
e o drama ritual é o centro das cerimônias. Assim, em Elêusis os rituais seriam
uma variação dos ritos a Deméter, e diversas celebrações do tipo ocorreram
em toda a Hélade: Pausânias relata que havia órgias em Celeia (na Sicônia),
Hermione (Argólida), na Messênia36, entre outros lugares.
Destarte, é possível perceber que noções semelhantes sobre os deuses,
seus mitos e os rituais que lhes eram devidos eram compartilhadas por pessoas
de diversas partes da Grécia Antiga, mesmo que celebradas conforme os costu-
36
PAUSANIAS, 1918, 2.12.5; 2.14.1-4; 2.34.10; 4.1.5-9.
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 115
mes de cada localidade. Existiam diversas maneiras pelas quais esses saberes
podiam circular, como a poesia oral, as festas pan-helênicas e o teatro, entre
outras, de forma a contribuir com a construção e reforço de um sentimento de
identidade comum entre os gregos.
37
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal Fluminense e
Pesquisadora do Nereida.
38
A métis é composta de diversos significados que se complementam, como a astúcia da inteligência, a
prudência ardilosa e o pensamento rápido que prevê os desdobramentos das ações. Permanecendo
nas “fendas” de atuação do cotidiano, a métis é um jogo de práticas intelectuais e sociais que se liga à
praticidade das coisas, atuando no improviso refletido (DETIENNE; VERNANT, 2008, p. 10 -11).
39
O método de “grades de leitura” desenvolvido por Françoise Frontisi-Ducroux pressupõe a isolação de
termos referentes ao objeto de estudo. Para cada ocorrência o contexto nos fornecerá, segundo a autora,
duas tipologias de dados. O primeiro consiste no significado do termo, o seu emprego e os sentidos
utilizados; o segundo refere-se a valores que são associados ao termo e que comungam do mesmo âmbito
de representações (FRONTISI-DUCROUX, 1975).
40
HOMERO, 2007, Telemaquia; Regresso; Ítaca.
41
Na obra homérica Odisséia, podemos destacar 23 referências feitas ao ardil, astúcia, artimanhas, sabedoria
e outros símiles usados para caracterizar Odisseu como aquele que faz uso da métis.
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
116 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
42
“Como poderia eu esquecer o divino Odisseu,/superior aos mortais em saber” (I, vv. 65-66).
43
“Em sagacidade nunca ninguém igualou teu/pai. Não havia ardil em que não levasse os louros/da vitória”
(III, vv. 120 -122); “Falou assim para me sondar./Percebi a intenção dele. Não me enganou. Botei/astúcia na
minha resposta” (IX, vv. 280-282); “Só pensava / em vingança. Atena me concederia essa glória? Tive/ uma
idéia”.(IX, vv. 316-318); “Muitos/ planos e enganos eu revolvia na mente, pois o que/ estava em jogo era a
vida”.(IX, vv. 421-423); “Obtuso [o ciclope], não percebeu a artimanha” (IX, v. 442); “Meu coração gargalhava
em/ festa. Meu nome falso o ludibriou”.(IX, vv. 413-414).
44
“Filho/ de Laertes, descendente de Zeus, Odisseu dos planos/ mirabolantes, estou espantado. Tua
imaginação não tem/ limites?” (XI vv.472-475).
45
“Odisseu respondeu com muita sabedoria” (XVIII, v. 365); “Odisseu/ julgou oportuno o momento para
executar o ardil” (XXI vv. 273-274).
46
Od., XII, vv. 158-165.
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 117
47
Este método, proposto por Claude Bérard, parte do pressuposto de transformar a “narrativa
imagética” em uma “narrativa textual”. Para tanto, é preciso realizar um levantamento dos
elementos das cenas relacionados aos temas elencados para a pesquisa. Estes elementos
são compreendidos por Bérard como as “unidades formais mínimas”. Podemos entender
tais unidades formais mínimas como sendo elementos comuns usados para construir
certa representação, que hão de permanecer praticamente estáveis e constantes no
transcorrer dos séculos, e que podem ser utensílios ou mobiliário. (LIMA, 2011, p. 15). Ao
articularmos as unidades formais mínimas, é formado o “sintagma”, que por sua vez pode se
articular com outras unidades formais mínimas ou com outros sintagmas. Ao relacionarmos
todos estes elementos que compõem a metodologia de Bérard (1983), é constituída a
“narrativa”, ou seja, a transformação em um conteúdo narrativo que nos permite interpretar a cena.
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
118 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
Figura 9
Figura 9.1
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 119
A cena foi disposta pelo pintor no vaso de modo a ocupar uma única face
do vaso – o outro lado não contém nenhuma imagem. Do lado esquerdo, têm-se
perfiladas sobre a terra três sereias com instrumentos musicais e, acima delas,
a nomeação de “serens”. Ao lado direito, na embarcação, Odisseu amarrado ao
mastro da nau e seus companheiros remando.
Por meio da metodologia adotada, destacamos a existência de sete “uni-
dades formais mínimas” – as que se remetem a ambientação da cena são: 1) o
conjunto de velas e cordas da embarcação; 2) o aríete situado à frente da nau;
3) parte de terra (rochedo?); 4) seis remos; e as que se referem aos personagens
da cena: 5) quatro remadores; 6) as sereias; e 7) Odisseu.
Alguns dos signos, ou “unidades formais mínimas”, são facilmente com-
preensíveis, tais como a necessidade de um conjunto de cordas e velas para a
navegabilidade da nau (CARTAULT, 2010), assim como os remadores que per-
manecem em fila única impulsionando o barco com seus remos em números
não compatíveis – talvez o pintor do vaso quisesse transmitir ao espectador a
ideia de movimento desses remos. O aríete da embarcação, para além de suas
funções de enfrentamento no mar e de danificar os inimigos, foi representado
como tendo o formato de uma cabeça de javali. Este animal estava relacionado
com a aristocracia, isto é, um símbolo aristocrático. Desse modo, é preciso
lembrar que Odisseu é um basileus (“rei”), ou seja, é um aristós e seu status está,
sobretudo, relacionado à terra e à agricultura. A caça era uma atividade de um
aristós, e o javali um dos principais animais caçados.48
Entretanto, três elementos destacam-se na tessitura da cena: a parte
terrosa, as sereias e Odisseu. No que se refere à terra, ela está no lado mais à
esquerda de toda a cena, mostrando ao espectador que há a existência de dois
meios, o terrestre e o marinho, constituindo a ideia de oposição entre as duas
esferas. Sobre a parte terrosa estão situadas as três sereias da cena. Em posição
perfilada, as três sereias têm sobre elas a nomeação “serens”, e cada uma está
tocando um instrumento musical, fazendo parte do meio de “seduzir” os nautai
(navegantes). Sua representatividade pauta-se nos perigos da navegação. Des-
tarte, são compreendidas como “figuras da morte marinha”, ou seja, as sereias
representam os muitos perigos que podem ser enfrentados pelos navegadores
durante uma viagem (DAYREU, 2000, p. 1208). Do lado oposto, à direita, está
48
O significado do javali em Aristóteles nos mostra que a caça do javali marca bem a andreia (virilidade/
coragem) do jovem aristós. É possível, ainda, associar a representação do javali junto às sereias com
instrumentos e o barco a uma cena de banquete, no qual a embarcação se assemelha a uma kliné; o javali
remete à aristocracia e as sereias aos músicos.
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
120 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
Figura 10
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 121
49
Na página virtual do projeto Beazley de catálogo de vasos antigos, havia a descrição do vaso, mas não a
disponibilização da imagem. Esta, por sua vez, foi encontrada, parcialmente, em outro sítio virtual (http://
mithologiai.blogspot.com.br/)
50
Isso difere do outro vaso analisado e de outros exemplares que possuímos conhecimento, no qual também
estão presentes os companheiros de Odisseu, remando na embarcação.
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Marcio Mendes de Lima,
122 Talita Nunes Silva, Mariana Figueiredo Virgolino e Camila Alves Jourdan
51
Notamos que em outras cenas é possível ver a representação do ambiente marítimo sem que o pintor
recorresse ao uso do signo “terra/rocha”. Outros signos são, então, adotados para que a referência ao mar
se torne evidente.
Imagens e representações forjadas por poetas e artesãos gregos: a circulação de ideias
e de signos no Mediterrâneo Antigo 123
métis, pois, como já mostramos, ela atua nas “fendas” das ações. No entanto,
sabemos que a façanha de Odisseu só foi possível graças ao engano que tramou
– indicado por Circe –, ou seja, pelo uso da astúcia.
Concebemos, portanto, que na imagética a métis centra-se exclusivamente
em Odisseu, desconsiderando a participação de Circe para o desenvolvimento e
a superação das sereias.52 Aqui, os pintores fizeram suas escolhas, selecionaram
aquilo que desejavam, enfatizando a figura polýmetis de Odisseu. Na documen-
tação textual, há uma dualidade da métis: a astúcia do planejar a ação, de Circe,
e a artimanha do agir, de Odisseu; somente pela junção dessas “duas métis” é
que ocorre a superação das sereias, permitindo que a nau de Odisseu passasse
incólume por elas.
A “circulação” de representações forjadas tanto por poetas quanto por
artesãos continua sendo um campo rico de investigações entre historiadores
e pesquisadores de sociedades antigas. O Mediterrâneo Ocidental, desde o
período arcaico, foi palco de uma intensa troca cultural. Gregos e etruscos
puderam “comercializar” produtos, ideias e representações diversas. Nós pes-
quisadores do Nereida buscamos, neste texto, contribuir para o debate acerca
das transferências e assimilações culturais.
Referências
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BÉLIS, Annie. Musique et Transe dans le Cortège Dionysiaque. Cahiers Du Gita,
n. 4, p. 9-29, Déc. 1988.
BÉRARD, C. Iconographie-Iconologie-Iconologique. Études de Lettres, Fasc. 4, p.
5-37, 1983.
BLUNDELL, Sue. Women in Ancient Greece. London: British Museum Press, 1995.
BRIQUEL, D. La Civilisation Étrusque. Paris: Fayard, 1999.
BURKERT, Walter. Structure and History in Greek Mythology and Ritual. Berkeley:
University of Califórnia Press, 1979.
______. Religião grega na época clássica e arcaica. Lisboa: Calouste Gulbekian, 1993.
CALAME, Claude. Récit en Grèce ancienne: Enonciation et representations des
poetes. Paris: Meridiens Klincksieck,1986.
52
No canto XII, é Circe quem fala a Odisseu sobre as dificuldades que ele e seus companheiros enfrentarão.
Nessa passagem, podemos compreender que inicialmente o ardil é de Circe, pois esta diz como o herói
deverá agir quando encontrar com as sereias. Somente quando ocorre tal encontro é que Odisseu usa
sua métis, ao colocar o que foi planejado em ação.
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