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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira

Formas de representações onomatopeicas em manuscritos


escolares de histórias em quadrinhos produzidas por alunos do 2º
ano do Ensino Fundamental

Janayna Paula Lima de Souza Santos

Maceió
2010
1

JANAYNA PAULA LIMA DE SOUZA SANTOS

“POFE” “arrarara”: Formas de representações onomatopeicas


em manuscritos escolares de histórias em quadrinhos produzidas
por alunos do 2º ano do Ensino Fundamental

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação Brasileira da
Universidade Federal de Alagoas, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação.

Orientador: Eduardo Calil de Oliveira

Maceió
2010
2

Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Helena Cristina Pimentel do Vale
S237p Santos, Janayna Paula Lima de Souza.
“POFE” “arrarara”: formas de representações onomatopeicas em manuscritos
escolares de histórias em quadrinhos produzidas por alunos do 2º ano do Ensino
Fundamental / Janayna Paula Lima de Souza Santos, 2010.
134 f.: il.

Orientador: Eduardo Calil de Oliveira.


Dissertação (mestrado em Educação Brasileira) – Universidade Federal de Alagoas.
Centro de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira. Maceió, 2010.

Bibliografia: f. [110]-115.
Anexos: f. [116]-134.

1. Educação. 2. Histórias em quadrinhos. 3. Manuscrito escolar de HQ. 4. Produção


textual. 5. Onomatopeia. I. Título.

CDU: 371.38
3
4

Para
Iracema,
Osvaldo e
Pedro.
Pela presença constante.
5

AGRADECIMENTOS

À equipe pedagógica da escola que nos recebeu gentilmente: Jucicleide Acioli,


Fernanda Messias e Roberto Martins e, especialmente, a todos os alunos do 2º Ano do
Ensino Fundamental que participaram do projeto didático “Gibi na Sala”.

Ao professor Eduardo Calil, cuja orientação é fincada em cientificidade e seriedade.

Aos professores Paulo Ramos, Cristina Felipeto e Adna Lopes pela leitura
minuciosa dedicada ao trabalho e a inestimável direção teórica apontada por cada um.

A querida professora Maria Alba Correia por apoiar cada passo dado.

Aos amigos e integrantes do grupo de pesquisa ET&C, em especial, a Kall Anne


Amorim, Joaceri Merlin, Eliene Estácio, Roberta Freitas e Lidiane Lira pelas conversas
teóricas que tivemos.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de


Alagoas.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes – e ao


Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais –
Reuni – pelo apoio financeiro.

A minha família, em particular, as minhas tias Martha e Iracir pelo incentivo.

Ao Luciano pela valiosa contribuição nesta trajetória.

A Lidiane Firmino pela cumplicidade.

As meninas do NEA, Vanesca e Anamália, pela torcida.

Ao Senhor Deus meu Mestre. Por ter proporcionado a vida e o estudo.


6

“O aparecimento desta nova forma de linguagem oferecida pelas histórias


em quadrinhos é realmente digna de ser estudada a fundo, pois, (...) em
cada dez onomatopeias e signos gráficos criados pelas histórias em
quadrinhos, pelo menos cinco desfrutam do uso corrente na
publicidade e duas na linguagem coloquial.”

Naumin Aizen
7

RESUMO

Os recursos verbais e não-verbais que caracterizam as histórias em quadrinhos infantis


(doravante, HQ) são considerados, atualmente, elementos que favorecem a entrada da criança
na escrita e podem contribuir para o processo de alfabetização. Partindo desse pressuposto,
discutimos neste trabalho, o funcionamento linguístico-discursivo de um desses recursos: a
onomatopeia. Assim, tomamos como objeto a sua “criação” por alunos de um 2º ano do
Ensino Fundamental e descrevemos as diferentes abordagens direcionadas a ela por alguns
linguistas, gramáticos e dicionaristas. Tendo como ponto de partida essa discussão,
analisamos como esses alunos representam onomatopeias quando inventam o texto para uma
sequência de imagens de gibis da Turma da Mônica. Os manuscritos escolares de HQ
coletados são os produtos de 12 propostas de produção de texto feitas a partir do projeto
didático “Gibi na sala”, desenvolvido no 2º semestre de 2008 em uma escola pública de
Maceió. Os resultados mostram que no conjunto de 144 manuscritos emergem 291
onomatopeias, classificadas, pelo sentido invocado, em quatro categorias: 1) onomatopeias
expressivas; 2) onomatopeias de ação/movimento; 3) onomatopeias indeterminadas; e, 4)
onomatopeias de vozes de animais. Dentre elas, apontamos cinco características emergindo
com intensidade: a primeira diz respeito à utilização da estrutura linguística da onomatopeia, a
saber, a reduplicação de formas significantes; a segunda refere-se à relação estabelecida entre
a imagem da HQ e a onomatopeia representada, relação esta nem sempre tranquila e direta; a
terceira, relacionada às aproximações entre as produções dos alunos e as onomatopeias
estabilizadas nos gibis da Turma da Mônica; a quarta está relacionada àquelas formas
“estranhas”, que surgem em alguns manuscritos; e a quinta característica aponta para a
influência da oralidade na escrita de algumas onomatopeias que representadas com letras
grandes dão volume e intensidade a ela, tal como pode ser exemplificada na onomatopeia
“POFE” do título deste trabalho. Nessa direção, a pesquisa apontou que as onomatopeias
produzidas em situação escolar mantêm estreitas relações com os aspectos gráfico-visuais
próprios do gênero e interrogam o conceito de arbitrariedade do signo proposto na reflexão
saussuriana. Esperamos com este estudo, sendo as HQ um gênero considerado “adequado
para o trabalho com a linguagem escrita” (BRASIL, 2001, p. 111), contribuir para a
intensificação de pesquisas científicas que coloquem em relevo os processos de criação e
escritura de manuscritos escolares.
Palavras-chave: Histórias em quadrinhos; Manuscrito escolar de HQ; Criação; Onomatopeia.
8

ABSTRACT

Resources verbal and nonverbal featuring the comic for children are considered actually
factors which facilitate the entry of the child in writing and may contribute to the literacy
process. Based on this assumption, discussed in this work, the functioning of linguistic and
discourse of these features: the onomatopoeia. Thus, we take as its object “creation” of
students from a 2nd year of elementary school and describe the different approaches aimed at
her by some linguists, grammarians and lexicographers. Taking as its starting point this
discussion, we analyze how these students represent onomatopoeia when they invent the text
to a sequence of images of Mônica’s Gang comics. The manuscripts collected HQ
schoolchildren are the products of 12 proposals for production of text made from the didactic
project “Comics in the room”, developed in the 2nd half of 2008 in a public school in Maceió.
The results show that the set of 144 manuscripts emerge onomatopoeia 291, classified by the
sense invoked in four categories: 1) expressive onomatopoeia; 2) onomatopoeia
action/motion; 3) indeterminate onomatopoeia; and, 4) onomatopoeia of animal sounds.
Among them, point out five characteristics emerge with intensity: The first concerns the use
of onomatopoeia of linguistic structure, namely, the reduplication of significant ways; the
second refers to the relationship established between the image represented by comic and the
onomatopoeia, this relationship is not always calm; the third related the similarities between
the students productions and onomatopoeia in comics stabilized Mônica’s Gang; and the
fourth is related to those forms “strange” that appear in some manuscripts; and the fifth
feature points to the influence of orality in writing that represented some onomatopoeia
provide large-print volume and intensity to it, as can be exemplified in the onomatopoeia
“POFE” the title of this work. Along these lines, the research showed that onomatopoeia
produced in the school situation maintain close relations with the graphic-visual aspects of
their own gender and interrogate the concept of arbitrariness of the Saussurean sign proposed
in the discussion. We hope with this study, the comic being a genus considered “suitable for
work with written language” (BRAZIL, 2001, p. 111), contribute to the intensification of
scientific research put into relief the processes of creation and writing of manuscripts school.

Key-words: Comics; Manuscript school of HQ; Creation; Onomatopoeia.


9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: KNOKK!: onomatopeia representando um murro............................................ 17


Figura 2: POF e TONC: onomatopeias representando pancadas na cabeça e no
17
pé........................................................................................................................................

Figura 3: PIFA: onomatopeia representando um tapa...................................................... 17

Figura 4: BUUÁÁÁÁ!!: onomatopeia representando um personagem chorando........... 30

Figura 5: CUCO! CUCO!: onomatopeia representando o relógio................................... 30

Figura 6: SPAK SPAK SPAK: onomatopeia representando tiros................................... 30

Figura 7: SALTITA SALTITA SALTITA: onomatopeia representando um


55
personagem saltitando.......................................................................................................

Figura 8: BUÁÁÁÁÁ: onomatopeia representando o choro do personagem.................. 70

Figura 9: POF: onomatopeia representando o som de uma batida................................... 70

Figura 10: PLOOSH SPLASH KREK KREK: onomatopeias no mangá........................ 72

Figura 11: BLAM BLAM BLAM: onomatopeias de tiro reproduzidas na fala do


73
personagem “Onomatopeia”..............................................................................................

Figura 12: PUF!................................................................................................................ 74

Figura 13: PUF................................................................................................................. 75

Figura 14: RONC! ZZZZ RRRR...................................................................................... 75

Figura 15: POCA.............................................................................................................. 76

Figura 16: ESCREVE, ESCREVE................................................................................... 76

Figura 17: IUPIIIIII.......................................................................................................... 77

Figura 18: Manuscrito escolar de Nara e Isabel............................................................... 78

Figura 19: Proposta de atividade de leitura e interpretação............................................. 83

Figura 20: Proposta de atividade de criação textual......................................................... 84

Figura 21: QUÁ! QUÁ! QUÁ!: onomatopeia que representa o som de gargalhadas...... 93
10

Figura 22: “arrarara”........................................................................................................ 93

Figura 23: “ra ra ra ra”..................................................................................................... 94

Figura 24: “ra ra ra” som de riso?.................................................................................... 95

Figura 25: “eR eR eR eR”................................................................................................ 96

Figura 26: “anranan”........................................................................................................ 97

Figura 27: 1º quadrinho, som de música?........................................................................ 97

Figura 28: 2º quadrinho, o choro...................................................................................... 97

Figura 29: 6º quadrinho, o choramingo............................................................................ 97

Figura 30: 7º quadrinho, o choro?.................................................................................... 97

Figura 31: 8º quadrinho, o chorão.................................................................................... 98

Figura 32: UNHÉÉ!!: onomatopeia representando o som de um choro aos berros......... 99

Figura 33: BUÁÁÁ! BUÁÁÁ! BUÁÁÁ!: onomatopeia representando o som


99
reduplicado de um choro...................................................................................................
Figura 34: “larala rarala laaa”.......................................................................................... 100

Figura 35: LÁ- LÁ-LÁ...: Monica cantarolando.............................................................. 101

Figura 36: “POFE”........................................................................................................... 101

Figura 37: “zizi”............................................................................................................... 102

Figura 38: “T tix”............................................................................................................. 103

Figura 39: “Ti, Ti, Ti”...................................................................................................... 104

Figura 40: “TiO TiO TiO TiO TiO”................................................................................. 104

Figura 41: “chiri chiri chiri”............................................................................................. 105

Figura 42: “TIC TIC TIC”................................................................................................ 106

Figura 43: “MASTIGA! MASTIGA!”............................................................................. 109

Figura 44: “umHA!”....................................................................................................... 109


11

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Definição e formação da onomatopeia por linguistas............................. 47


Tabela 2 - Definição e formação de onomatopeias nas gramáticas......................... 59
Tabela 3 - Definição e formação de onomatopeias nos dicionários......................... 65
Tabela 4 - Quadro das onomatopeias advindas da língua inglesa............................ 68
12

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AAPE – Associação dos Amigos e Pais de Pessoas Especiais


AL – Alagoas
ASPEMA – Alteridade e Singularidade em Processos de Escritura e Manuscritos de
alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental
CLG – Curso de Linguística Geral
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
ELAN – Eudico Linguistic Annotator
ET&C – Escritura, Texto & Criação
Gestar – Programa Gestão da Aprendizagem Escolar
HQ – Histórias em quadrinhos
IBEP – Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas
LDP – Livros didáticos de português
MEC – Ministério da educação e Cultura
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
Praler – Programa de Apoio a Leitura e Escrita
Profa – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFF – Universidade Federal Fluminense
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para Criança e Adolescência
13

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS................................................................................... 15

CAPÍTULO 1: HQ NA EDUCAÇÃO......................................................................... 19
1.1 Educação e HQ: um breve panorama histórico................................................... 20
1.2 Mauricio de Sousa e a Turma da Mônica: da origem à consolidação............... 21
1.3 HQ e a escola........................................................................................................... 24
1.4 Breve comentário sobre a entrada de HQ na sala de aula.................................. 26
1.5 HQ em alguns LDP........................................................................................... 26

CAPÍTULO 2: ONOMATOPEIA E A LINGUÍSTICA......................................... 29


2.1 Onomatopeia no CLG de Saussure....................................................................... 31
2.2 Onomatopeia na reflexão de João Mattoso Camara Junior............................... 32
2.3 Onomatopeia na reflexão de John Lyons............................................................. 34
2.4 Onomatopeia na reflexão de Stephen Ullman...................................................... 35
2.5 Onomatopeia na reflexão de Rodrigo de Sá Nogueira........................................ 39
2.6 Onomatopeia na reflexão de Valter Kehdi........................................................... 45
2.7 Onomatopeia na reflexão de José Monteiro......................................................... 46

CAPÍTULO 3: ONOMATOPEIA E AS GRAMÁTICAS...................................... 49


3.1 Gramática Normativa............................................................................................ 50
3.1.1 Onomatopeia na gramática de Celso Cunha & Lindley Cintra.......................... 50
3.1.2 Onomatopeia na gramática de Evanildo Bechara.............................................. 51
3.1.3 Onomatopeia na gramática de Celso Luft........................................................... 53
3.2 Gramáticas de textos.............................................................................................. 53
3.2.1 Onomatopeia na gramática de texto de Samira Campedelli & Jésus Souza...... 54
3.2.2 Onomatopeia na gramática de texto de Ernani & Nicola................................... 56
3.2.3 Onomatopeia na gramática de texto de Leila Sarmento..................................... 57
3.2.4 Onomatopeia na gramática de texto de Emília Amaral...................................... 58

CAPÍTULO 4: ONOMATOPEIA E OS DICIONÁRIOS...................................... 60


4.1 Dicionários da Língua Portuguesa........................................................................ 61
4.1.1 Onomatopeia no dicionário de Aurélio Buarque de Holanda............................ 61
4.1.2 Onomatopeia no dicionário de Antonio Houaiss................................................ 61
4.2 Dicionários técnicos................................................................................................ 63
4.2.1 Onomatopeia no dicionário de João Mattoso Camara Junior........................... 63
4.2.2 Onomatopeia no dicionário de R. L. Trask......................................................... 63

CAPÍTULO 5: ONOMATOPEIA NAS HQ.............................................................. 66


5.1 Breve histórico da onomatopeia nas HQ.............................................................. 67
5.2 Onomatopeia e metáfora visual............................................................................. 69
5.3 Uso da onomatopeia nas HQ.................................................................................. 71
5.4 Onomatopeia nas HQ da Turma da Mônica........................................................ 74
14

CAPÍTULO 6: METODOLOGIA.............................................................................. 80
6.1 Coleta de dados....................................................................................................... 81
6.2 Procedimentos de análise....................................................................................... 86

CAPÍTULO 7: ONOMATOPEIA NOS MANUSCRITOS ESCOLARES DE


HQ.................................................................................................................................. 87
7.1 Onomatopeias na linguagem infantil.................................................................... 88
7.2 Formas de representações onomatopeicas nos manuscritos escolares de HQ 90
7.2.1 Onomatopeias expressivas.................................................................................... 91
7.2.2 Onomatopeias de ações/movimentos.................................................................... 100
7.2.3 Onomatopeias indefinidas.................................................................................... 102
7.2.4 Onomatopeias de vozes de animais...................................................................... 104

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 107

REFERÊNCIAS............................................................................................................ 111

ANEXOS........................................................................................................................ 116
A – Sobre a escola......................................................................................................... 116
B – Exemplares da Gibiteca 01.................................................................................... 120
C – Exemplares da Gibiteca 02................................................................................... 121
D – Manuscritos escolares de HQ............................................................................... 123
15

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

“(...)
Bramam os tigres, as onças,
Pia, pia o pintainho,
Cucurica e canta o galo,
Late e gane o cachorrinho.

A vitelinha dá berros,
O cordeirinho balidos,
O macaquinho dá guinchos,
A criancinha vagidos.

A fala foi dada ao homem,


Rei dos outros animais:
Nos versos lidos acima
Se encontram em pobre rima
As vozes dos principais.”.

Pedro Dinis1.

A escrita infantil já vem sendo investigada há um tempo por pesquisadores da


Aquisição da Linguagem. Segundo Kato (1994) viu-se na década de 1980 uma proliferação de
pesquisas empíricas que procuravam determinar o que a criança já sabia sobre a escrita
quando entrara na escola e que estratégias ela usava para desenvolver suas habilidades no
novo código. A partir de diferentes argumentos e lugares teóricos “a favor de uma visão

1
Vozes de animais, encontrado no livro “Estudo sobre as onomatopeias” de Rodrigo Nogueira.
16

processual da aquisição da escrita, oposta, portanto, à concepção tradicional da escrita como


transcrição da fala” (LEMOS, 1994, p. 14) pesquisadores como Abaurre, Fiad e Mayrink-
Sabinson (1997), Gladys Rocha e Costa Val (2003), Rojo (1987), Calil (2004, 2008a)2 e
outros, investigam como as crianças criam, rasuram e (re)formulam o seu texto.

Na tentativa de contribuir com alguns desses estudos, este trabalho procura discutir o
processo de criação textual em um gênero discursivo3 específico, as histórias em quadrinhos
(doravante, HQ), por alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental4.

Acreditamos que as HQ, através da interação entre dois sistemas semióticos distintos –
verbal e o não-verbal, constituem um gênero com características bastante específicas. Nele, a
particularidade dessa interação promove uma necessária articulação entre inúmeros aspectos,
tais como: as cores predominantes, as formas dos traçados, as composições gráfico-visuais, os
tamanhos e tipos de letras, os tipos de personagens, a presença ou não de enunciados escritos,
usos do discurso reportado, o sequenciamento narrativo e a relação entre as imagens e cenas,
formas e representações de onomatopeias etc. São, precisamente, esses últimos aspectos que
tomaremos como objeto de estudo em nossa investigação, pois as onomatopeias aparecem
como um dos mais importantes e intensos desses recursos. Elas são usadas não somente para
indicar sons ou ruídos de objetos e vozes, mas também para produzir efeitos visuais através de
um conjunto de formas gráficas e cores que cumprem uma função bastante particular, tanto
em relação ao estilo das HQ, quanto no que se refere ao impacto que pode produzir na
ilustração de uma determinada cena (CARVALHO, 2006, p. 44).

Podemos dizer também que em diferentes HQ, elas não são iguais. Observe as
representações a seguir:

2
E demais pesquisadores que compõem o grupo de pesquisa Escritura, Texto & Criação (ET&C) coordenado
pelo professor Dr. Eduardo Calil, tais como: Cristina Felipeto, Adna Lopes, Hozanete Lima, Claudemir
Belintane, Catherine Boré, que comungam da mesma perspectiva teórica de Calil (2004, 2008a).
3
Acentuamos, no entanto, que a calorosa discussão acerca da noção de “gênero” não faz parte do escopo deste
trabalho. Apontamos para o leitor interessado a leitura do texto de Bakhtin (2003) e demais pesquisadores da
área como Marcuschi (2008), Micheletti (2008), Andrade (2008).
4
Este estudo, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), encontra-
se inserido em um projeto de pesquisa mais amplo intitulado “Alteridade e Singularidade em Processos de
Escritura e Manuscritos de alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental” (ASPEMA), elaborado e
coordenado pelo professor e pesquisador Eduardo Calil, no qual um de seus objetivos é investigar o movimento
de autoria, em manuscritos escolares, de alunos do 2º ano ao inventarem uma HQ. Nesse projeto, há mais dois
estudos, além deste, que estão sendo gestados concomitantemente. São eles: 1) Imagem e texto em manuscritos
escolares de HQ, realizado pela mestranda Aline da Silva Ferreira; e 2) O discurso direto em HQ: relações entre
o que é e o que falam personagens da Turma da Mônica, realizado pela mestranda Lidiane Evangelista Lira.
17

Figura 1: “KNOKK!”5: onomatopeia representando Figura 2: “POF”6 e “TONC”: onomatopeias


um murro. representando pancadas na cabeça e no pé.

Figura 3: “PIFA”7: onomatopeia representando um tapa.

Nessas diferentes HQ, vimos “KNOKK!”, “POF”, “TONC” e “PIFA”, representando


ações e sons semelhantes: socos e pancadas8. De fato, a onomatopeia, para cada uma delas,
traz uma forma de representação diferente. Escritos com letras em bastão, exprime a violência
da pancada sofrida pelos personagens “Incendiária”, “Iroquês” e “Cascão”, respectivamente.
Neles, vimos que tanto o traço das letras quanto as cores são distintas.

Sabemos que, certamente, as HQ estão carregadas de onomatopeias. Elas cumprem o


papel de uma espécie de “trilha sonora”, como disse Aizen (1970, p. 289): representações
linguísticas de sons e ruídos que, associadas ao sistema semiótico não verbal, constitui, hoje,
uma forte característica de muitas HQ. É o elemento que favorece a construção de
movimentação, expressividade e sonoridade das imagens que nem sempre se encaixavam
dentro dos diálogos: o bater da porta, o tiro da arma de fogo, o soco do personagem, etc.
Verificamos, no entanto, que há poucos estudos que se preocupam com a questão das
onomatopeias nas HQ. Dentre eles, apontamos para os trabalhos de Aizen (1970), Cirne
(1977), Bibe-Luyten (1985), Ramos (2009), Calil (2008), Calil e Del Re (2009). Estes dois

5
Extrato retirado da HQ Super-Homem: Eternamente. São Paulo: Abril, julho, 1999.
6
Extrato retirado da história “Donald: o último dos patocanos” da Revista Pato Donald, nº 2.099. São Paulo:
Abril, novembro, 1996.
7
Extrato retirado da história “Cebolinha e Cascão em: Mau humor?” da Revista Cebolinha, nº 02. São Paulo:
Panini Comics, fevereiro, 2007.
8
Observamos que “PIFA” indica um “tapinha”, enquanto “KNOKK” um “murro”.
18

últimos estudos, diferentemente dos demais trabalhos sobre o gênero, apresentam análises
sobre onomatopeias criadas por duas crianças de seis anos de idade quando escrevem histórias
inventadas. Foi por essa razão que elegemos a onomatopeia como objeto de estudo,
procurando cernir suas formas de representação em manuscritos escolares de HQ.

Diante das inúmeras manifestações onomatopeicas em HQ, indagamos: como os


linguistas, gramáticos e dicionaristas a definem? Há uma definição unânime? Essas definições
estão em consonância com as onomatopeias encontradas em algumas HQ? Sabemos que nos
trabalhos de alguns linguistas, gramáticos e dicionaristas, a onomatopeia tem seu lugar
garantido. Há quem diga até, que

Dificilmente se encontrará outro aspecto da semântica que tenha despertado tanto


interesse como a onomatopeia. A vasta literatura a este respeito vai desde as
caprichosas fantasias sobre a cor dos sons da fala até as experiências realizadas às
condições laboratoriais. As implicações estilísticas do fenômeno, bem como as
puramente linguísticas receberam igual atenção, e os valores ligados a sons
particulares – especialmente à vogal /i/ – tem sido largamente explorados.
(ULLMAN, 1964, p. 178-179).

Sendo assim, investigamos as abordagens nos diferentes estudos e verificamos que,


apesar dos encontros teóricos, poucas definições levam em consideração o seu funcionamento
em um gênero específico. Mas a onomatopeia não é um recurso exclusivo das HQ, ela está
presente tanto na língua falada quanto na escrita, está na fala cotidiana e na literatura
consagrada, na fala da criança e também na fala do adulto, no tupi antigo e no latim... Enfim,
é um fenômeno linguístico inerente à própria linguagem, manifestando-se nas mais diferentes
culturas e civilizações.

Este trabalho está organizado em sete capítulos. No primeiro capítulo discutimos a


intensa relação que envolve esse gênero e a escola; nos três capítulos seguintes situamos a
querela da onomatopeia na Linguística, na Gramática Normativa e em algumas gramáticas de
textos e nos dicionários; em seguida, delineamos a onomatopeia em algumas HQ, dando uma
atenção especial às encontradas nos gibis da Turma da Mônica de Maurício de Sousa;
apresentamos a metodologia da coleta dos dados e do tratamento aos dados coletados e
analisamos as onomatopeias produzidas por alunos.
19

HQ E EDUCAÇÃO

“Antigamente, os gibis e os livros didáticos só se juntavam quando


a gente colocava o gibi dentro do livro e fingia que estava
estudando. Essa manobra arriscada geralmente trazia sérios
problemas, pois muitos professores desconfiavam
de um aluno se esborrachando de rir com
um livro de matemática nas mãos.
Hoje, quem diria, a coisa mudou.”

Fernando Gonsales

As HQ podem ser consideradas um requisito a mais na melhoria da prática


pedagógica. Mas essa compreensão, em tempos atrás, não foi vista sem restrições e
preconceitos por pais e educadores. Vejamos como se deu essa relação ao longo dos anos e
como as HQ se configuram no cenário pedagógico brasileiro atual.
20

1.1. Educação e HQ: um breve panorama histórico

A inegável popularidade dos quadrinhos talvez tenha sido responsável por uma
espécie de “desconfiança” quanto aos efeitos que elas poderiam provocar em seus leitores
(VERGUEIRO, 2007, p. 8). Muitos pais, educadores e até psicólogos acreditavam que a
leitura das HQ pudesse afastar crianças e jovens de leituras “mais eruditas”, desviando-os,
portanto, de um amadurecimento “sadio e responsável”. Com o tempo, as restrições foram
amenizadas e até extintas. Para compreender esse processo detalhadamente, é necessário rever
os acontecimentos e, principalmente, refletir sobre as contribuições que esse gênero pode
oferecer ao trabalho pedagógico em sala de aula.

Segundo Carvalho (2006, p. 32), em 1944, o Instituto Nacional de Educação e


Pesquisa (Inep) ligado ao Ministério da Educação e Cultura acreditava que as HQ levavam a
“lerdeza mental”. Baseados em estudos e critérios incoerentes, chegaram a essa conclusão,
visto que seu principal argumento era de que os jovens preferiam ler quadrinhos a livros. Tais
critérios tiveram repercussões devastadoras entre pais e professores, levando à proibição da
leitura dos quadrinhos. Embora intelectuais e parte do “governo Vargas” apoiassem a sua
leitura.

Em 1946, o jornalista e político Carlos Lacerda, durante o “I Congresso Brasileiro de


Escritores”, criticou a proliferação do cinema, do rádio e das HQ porque traziam prejuízo às
crianças. Sobre os gibis, em especial, afirmou que eram “veneno importado” para as crianças
e que “havia muitos comunistas” entre os escritores e desenhistas de quadrinhos.

Em 1949, a quadrinização de alguns textos literários tornou-se bastante comum no


Brasil. André Le Blanc quadrinizou toda a obra de José Lins do Rego, José de Alencar, Dinah
Silveira de Queiróz, Herberto Sales e Maria José Dupré para a Edição Maravilhosa de Adolfo
Aizen.

Na década de 1950, preocupado com a leitura infantojuvenil, o Secretário da Educação


e Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo instituiu uma comissão para avaliar quais das
publicações poderiam ingressar em Parques e Bibliotecas da Prefeitura. Em São Paulo, 1951,
foi realizada a “I Exposição Internacional das Histórias em Quadrinhos” no Centro de Cultura
e Progresso de São Paulo, com o objetivo de incentivar a produção nacional, visto que os
quadrinhos nacionais comparados aos estrangeiros apresentavam um comércio desfavorável,
21

principalmente porque os americanos já produziam em escala industrial, barateando seu custo


e os exportando com menores preços que os produzidos nacionalmente. Muitos artistas
brasileiros investiram na produção de charges, que precisaria de menos espaço e investimento.

Em 1956, o parecer da comissão instituída para avaliar as publicações, considerou as


revistas infantis prejudiciais ao hábito de leitura dos jovens, pois levava a uma “preguiça de
leitura” e, consequentemente, à “preguiça de estudar”, considerando ainda o impacto visual e
os assuntos abordados como “o mais terrível de nossos problemas sociais”. Com o produto
desse parecer, foram feitas as seguintes propostas: proibir os quadrinhos nos Parques Infantis
e Bibliotecas do Município, devido seu caráter antipedagógico; e estabelecer exigências para a
seleção das publicações adequadas. As revistas para uso infantojuvenil foram assim
recomendadas, “Seleções de História do Brasil”, “Trópico”, “O TICO TICO”, “Crisol”,
“Nosso Amiguinho”, “Sesinho”, dentre outros.

Em 1959, a “Editora Continental” começa a publicar unicamente HQ de autores


nacionais. Em 1960, a Empresa Gráfica “O Cruzeiro” começa a publicar a revista “O Pererê”
de Ziraldo, onde o autor focaliza o folclore brasileiro no personagem “Saci-Pererê”. Em 1964,
a revista deixa de ser comercializada sob a alegação de prejuízos e não conseguir competir
com as revistas importadas.

A partir de 1963, o Decreto-Lei nº 52.497 assinado pelo presidente João Goulart,


assegurava a nacionalização dos quadrinhos e os incentivos de produção. Por volta de 1969
surge Maurício de Sousa com a primeira tira do “Bidu” publicada na “Folha de S. Paulo”.
Álvaro de Moya em 1970, referindo-se ao trabalho de Mauricio de Sousa, diz: “hoje,
praticamente, a luta pela história em quadrinhos brasileira está sobre os ombros de um jovem
que, desde 1961, distribui nos jornais de todo o país, inclusive editando suplementos
dominicais coloridos completos com personagens só seus” (MOYA, 1970, p. 226). Segundo
Coelho (1988, p. 689) Mauricio de Sousa foi o primeiro escritor/artista brasileiro,
exclusivamente dedicado à faixa infantojuvenil, que logrou sucesso nacional e internacional
no difícil mercado editorial da literatura em quadrinhos.

1.2. Mauricio de Sousa e a Turma da Mônica: da origem à consolidação


22

Mauricio de Sousa nasceu no Brasil, numa pequena cidade do estado de São Paulo,
chamada Santa Isabel em outubro de 1935. Seu pai, Antônio Mauricio de Sousa, foi o poeta e
barbeiro. A mãe, Petronilha Araújo de Sousa, poetisa. Além de Mauricio, o casal teve mais
três filhos: Mariza (já falecida), Maura e Marcio.

Adjetivado como “um expoente da HQ brasileira” por Sonia Bibe-Luyten (1985),


Maurício de Sousa, adquiriu êxito no Brasil e fama mundial. Criou uma série de tiras em
quadrinhos com um cãozinho e seu dono, “Bidu e Franjinha”, e ofereceu o material para os
redatores da Folha de S. Paulo.

Nos anos seguintes, Mauricio criaria outras tiras de jornal: “Cebolinha”, “Piteco”,
“Chico Bento”, “Penadinho” e páginas tipo tabloide para publicação semanal: “Horácio”,
“Raposão”, e “Astronauta” que invadiram dezenas de publicações durante dez anos. Para a
distribuição desse material, Maurício criou um serviço de redistribuição que atingiu mais de
200 jornais ao fim de uma década.

Suas primeiras histórias foram publicadas pela Editora Continental, que lançava
histórias de terror e havia decidido trabalhar unicamente com material brasileiro. Daí chegou
o tempo das revistas de banca. Foi em 1970, quando a “Mônica” foi lançada já com tiragem
de 200 mil exemplares lançados pela Editora Abril. Foi seguida, dois anos depois, pela revista
“Cebolinha” e nos anos seguintes pelas publicações do “Chico Bento”, “Cascão”, “Magali”,
“Pelezinho” e outras9.

Segundo Bibe-Luyten (1985) alguns teóricos o acusam de ter produzido personagens


que não representam o Brasil ou que não tem o valor de contestação sócio-político. Mauricio
iniciou e firmou seus personagens, sobretudo, nas décadas de 1960 e 1970, trocando a
contestação pela retratação do mundo infantil que ele próprio viveu no interior de São Paulo.

Durante esses anos, Maurício desenvolveu um sistema de trabalho em equipe que


possibilitou, também, sua entrada no licenciamento de produtos. Seus trabalhos começaram a
ser conhecidos no exterior e em diversos países surgiram revistas com a Turma da Mônica.
Mas na década de 1980, com a invasão dos desenhos animados japoneses, Mauricio ainda não
tinha desenhos para televisão. E perdeu mercados.

Tentando resolver o problema abriu um estúdio de animação, a Black & White, com
mais de setenta artistas realizando oito longas-metragens. Estava se preparando para a volta

9
Informações colhidas no sítio eletrônico oficial da Turma da Mônica, a saber,
<http://www.monica.com.br/index.htm>. Acesso em: 28/01/2010.
23

aos mercados perdidos, mas não contava com as dificuldades políticas e econômicas do país.
A inflação impedia projetos a longo prazo (como têm que ser as produções de filmes
sofisticados como as animações), a bilheteria sem controle dos cinemas que fazia evaporar
quase 100% da receita, e o pior: a lei de reserva de mercado da informática, que o impedia o
acesso à tecnologia de ponta necessária para a animação moderna. Mauricio, então, deteve o
desenho animado e concentrou-se somente nas HQ e seu merchandising, até que a situação se
normalizasse.

Alguns estudiosos acreditam que foi nesse momento que os personagens se


consolidaram, por terem sido absorvidos pelo mercado de consumo sendo, inclusive,
transformados em filmes e desenhos animados apresentados na televisão, além de se tornado
garoto-propaganda e marcas de produtos, tais como marca de molho de tomate, alimentos
congelados (picolés, sorvetes, hambúrgueres) e alimentos com preparação instantânea, ração
para animais domésticos, sabonete, xampu, creme dental, protetor solar, fraldas descartáveis,
perfumes, brinquedos, copos, pratos e canecas, material escolar, embalagens para presentes,
vestuário infantil etc.

Em 2005, lançou o personagem Ronaldinho Gaúcho, que em menos de um ano,


ganhou publicações em mais de 20 países e centenas de produtos infantis lançados na Europa.

Depois de passar pelas editoras Abril e Globo, Mauricio assinou contrato com a
multinacional italiana Panini Comics, que publica suas revistas desde 2007. O autor já
alcançou o número de um bilhão de revistas publicadas. Mais de 100 empresas nacionais e
internacionais são licenciadas para produzir quase 3.000 itens com os personagens de
Mauricio de Sousa. Suas criações já chegaram a mais de 120 países, em 50 idiomas.

Em 2007, num feito inédito, o UNICEF – Fundo das Nações Unidas para Criança e
Adolescência – nomeou como embaixadora a personagem Mônica, criação de Maurício
inspirada em sua segunda filha. Nesta ocasião, Mauricio de Sousa foi nomeado Escritor para
Crianças do UNICEF. Suas mais recentes criações são Tikara e Keika, personagens
especialmente criados para as comemorações do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil
que já fazem parte das histórias da Turma da Mônica. Seu recente lançamento, Turma da
Mônica Jovem, que mostra os personagens de Mauricio de Sousa adolescentes e vivendo
aventuras incríveis, na qual o personagem Cascão toma banho (mas não sempre), Mônica fez
um regime e emagreceu e Cebolinha, agora chamado de Cebola, recorreu a Fonaudiologia e
só troca a pronúncia dos “R”s pelos “L”s quando está nervoso, em 2008, é considerado o
24

maior sucesso na área de quadrinhos dos últimos 30 anos – só as quatro primeiras edições
venderam, juntas, mais de 1,5 milhão de exemplares10.

Em relação aos quadrinhos voltados para um público adulto destacamos Angeli, com
os Skrotinhos, Rê Bordosa e Bibelô; Laerte, com Piratas do Tietê; Glauco, com Neuras,
Geraldão e Dona Marta, e muitos outros autores que também fazem parte desse elenco de
escritores de quadrinhos: Neil Gaiman, Alain Voss, Miguel Paiva, Sergio Macedo, Paulo
Caruzo, Quino...

1.3. HQ e a escola

Destacamos que a entrada dos quadrinhos no cenário educativo representa um valioso


recurso a ser utilizado na sala de aula. Vergueiro (2007, p. 21) mostra11 alguns fatores que
podem justificar o uso dessa ferramenta “essencial” no contexto escolar, tais como: (i) a forte
relação dos estudantes com as HQ, “em geral, a recebem de forma entusiasmada, sentindo-se,
com sua utilização, propensos a uma participação mais ativa nas atividades de aula”; (ii) o
jogo entre texto e imagem das HQ “cria um novo nível de comunicação, que amplia a
possibilidade de compreensão do conteúdo”; (iii) a informação presente nas HQ de modo que,
“cada história em quadrinhos oferece um variado leque de informações passíveis de serem
discutidas em sala de aula” como por exemplo, as HQ de super-herois podem ser usadas nas
aulas de Física, Química e Biologia; e (iv) no desenvolvimento do hábito da leitura, já que “a
ampliação da familiaridade com a leitura de histórias em quadrinhos, propiciada por sua
aplicação em sala de aula, possibilita que muitos estudantes se abram para os benefícios da
leitura”, inclusive lendo outro tipo de material.

Muitas pesquisas realizadas comprovam o potencial pedagógico das HQ. Uma delas,
citada por Carvalho (2006), e realizada em 2001 pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE) em dez estados brasileiros, comprovou que alunos que

10
Informações colhidas no sítio eletrônico
<http://www.meujornal.com.br/cbm/jornal/materias/integra.aspx?id=986838>. Acesso em: 28/01/2010.
11
Advertimos ao leitor que essas considerações não foram comprovadas num trabalho investigativo, trata-se
apenas de ideias concebidas pelo autor.
25

leem gibis têm melhor desempenho escolar do que aqueles que usam apenas o livro didático.
O relatório do CNTE ressalta ainda que as HQ aumentam significativamente o desempenho
do aluno: entre os que acompanham quadrinhos, o percentual das melhores notas nas provas
aplicadas foi de 17,1%, contra 9,9% entre os que não leem. Os professores que leem revistas
em quadrinhos obtêm melhor rendimento dos alunos, pois conhecem melhor o universo dos
estudantes e se aproximam deles usando exemplos desse universo como paradigma para as
aulas. A pesquisa mostra, dentre outras coisas, que, entre os alunos da 4ª série da rede pública
cujos professores leem HQ, a proficiência em leitura é mais alta do que entre aqueles cujos
professores não tem o hábito de ler gibis. Na rede pública 36% dos alunos leitores de gibis
têm proficiência média-alta e alta, contra 31,5% dos não-leitores, “o que mostra a importância
de haver tempo livre para apreensão de conhecimento e de vivência de outras fontes para a
qualidade da educação” (CARVALHO, 2006, p. 39)

Como vimos, as HQ têm sido um gênero bastante valorizado no ensino de língua


portuguesa, particularmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Aos poucos o gênero
foi adentrando no espaço escolar e, hoje, “a leitura de quadrinhos já é considerada erudição”
(GONSALES, 2006, p. 9). Deste modo, os documentos oficiais de educação já reconhecem o
seu caráter educativo e incluem o aproveitamento das HQ como “gênero adequado para o
trabalho com a linguagem escrita” (BRASIL, 2001, p. 111) e desenvolvem orientações
específicas para isso. Vários programas de formação inicial e continuada de professores,
elaborados pelo Governo Federal, defendem o gênero como adequado ao ensino de leitura e
escrita, a saber, Programa de Desenvolvimento Profissional Continuado; Programa Gestão da
Aprendizagem Escolar – Gestar I e II; Programa de Apoio a Leitura e Escrita – Praler;
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Profa; Programa de Formação
Continuada de Professores dos anos/séries Iniciais do Ensino Fundamental – Pró letramento.

A conjunção do aparato semiótico, sustentado na relação entre texto e imagem,


atrelados ao humor e temas relacionados ao cotidiano da criança brasileira, faz das HQ um
texto recorrente nos livros didáticos e nos materiais de formação de professores, visando
certamente à apropriação pelo alunado de alguns dos diversos elementos gráficos, linguísticos
e textuais. Entendemos que não fica apenas restrito aos livros didáticos de português
(doravante, LDP) a necessidade da valorização e da qualidade do tratamento dado às HQ.
26

1.4. Breve comentário sobre a entrada de HQ na sala de aula

Em Santos (2007, p. 17) vimos que as HQ foram inseridas no contexto didático em


1969 como auxílio ilustrativo aos livros de História do Brasil e História Geral do professor
Julierme de Abreu de Castro, para 5ª e 6ª séries, através dos desenhos de Rodolfo Zalla e
Eugênio Colonnese. Essa iniciativa foi de grande êxito para editoração de livros didáticos
desta linha e teve a editora IBEP (Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas Editora) como
sua grande precursora desse formato inovador. A partir daí, as ilustrações nos livros didáticos
deixaram de ser simples acompanhamentos das disciplinas: passaram a caracterizar-se como
um novo recurso para introduzir uma nova linguagem ao conteúdo educacional, oferecendo
aspectos lúdicos às obras.

Segundo Vergueiro (2007, p. 20), a inclusão efetiva das HQ em materiais didáticos


começou de forma tímida. Inicialmente, elas eram utilizadas para ilustrar aspectos específicos
das matérias que antes eram explicados por um texto escrito. Nesse momento, as HQ
apareciam nos LDP em quantidade bastante restrita, pois ainda se temia que sua inclusão
pudesse ser objeto de resistência ao uso do material por parte das escolas. Mesmo que o
tratamento dispensado a esse gênero não tenha ocorrido de forma mais adequada, de início, a
inovação edificou iniciativas que deram brechas a uma utilização mais eficaz no ambiente
didático.

Atualmente, os autores de LDP utilizam-se dos quadrinhos humorísticos para trabalhar


com essas novas linguagens, para a difusão substancial do seu conteúdo e empregam as artes
gráficas de Maurício de Sousa (Turma da Mônica), Ziraldo (O Menino Maluquinho e A
Turma do Pererê), Quino (Mafalda), entre outras.

1.5. HQ em alguns LDP


27

Reconhecendo a importância dada às HQ no cenário didático, investigamos em


trabalho anterior (SANTOS, 2007), quais e como são abordados os quadrinhos em seis LDP
mais usados nas escolas públicas de Maceió (AL). Recortamos como objeto de estudo os LDP
de 2ª série, analisando as propostas de interpretação de texto com HQ. Encontramos 39 HQ e
levantamos 152 questões de interpretação. Pudemos indicar que as questões propostas pelos
autores priorizavam a exploração das HQ no âmbito temático ou valorizavam a identificação
de elementos formais (balões, metáforas visuais, onomatopeias, etc.), deixando em segundo
plano o sentido da história.

Também foram pouco considerados aspectos relativos ao estilo da HQ, isto é, as


diferenças entre uma HQ assinada por Ziraldo e aquelas assinadas por Maurício de Sousa e
Laerte, o que poderia dar a esse gênero um caráter mais abrangente e interessante. Notamos,
ainda, que as perguntas deram pouca ênfase às características dos personagens, ou seja, não
levaram em conta se o personagem era o “Cascão”, da Turma da Mônica (Maurício de
Sousa); o “Sabiá”, da HQ Vida de passarinho (Caulos); ou “Bocão’, de O Menino
Maluquinho (Ziraldo): a maior parte das questões foi formulada sem considerar as
características físicas e/ou psicológicas de tais personagens, o que, se ponderado, certamente
ajudaria os alunos a construir os sentidos da história.

Consideramos importante ressaltar também a ausência de questões que envolvem a


relação entre o humor — característica marcante dessas HQ — e seus efeitos de sentido.
Apesar de os LDP analisados indicarem uma maior preocupação com o conteúdo e com a
qualidade no trabalho didático referente à interpretação de texto, não valorizam
significativamente os aspectos gráfico-visuais próprios dos quadrinhos, característica
constitutiva do gênero. Em resumo, o trabalho com esse gênero, nos LDP analisados, tem um
caráter excessivamente instrumental e pontual. De um lado, uma preocupação com a
descrição de alguns elementos que o caracterizam. De outro lado, a despreocupação com um
trabalho sistemático com ele, apresentando, a cada nova unidade, um outro gênero.

Em relação a um dos mais importantes recursos linguísticos das HQ, a onomatopeia


surge em quatro dos seis LDP analisados. No entanto, apenas três fazem uma discussão
específica sobre essa figura de linguagem. Neles, encontramos HQ com atividades em seções
distintas: nas seções de leitura e interpretação, produção de texto e gramática. Em apenas dois
desses LDP, os autores trabalham o sentido que a onomatopeia invoca nas HQ e o seu
processo de formação, abarcando a repetição, mas sem fazer relação com o humor e com os
aspectos gráfico-visuais que o constituem. Diante dessas abordagens, indagamos: com qual
28

intenção os autores de LDP exploram as onomatopeias? Seria meramente por ser um recurso
encontrado abundantemente nesse gênero?

Todavia, reconhecemos que sua presença nos livros didáticos é um efeito das políticas
públicas efetivadas pelo Ministério da Educação, em particular, dos critérios e das orientações
apresentadas pelo Guia de Livro Didático (BRASIL, 2006).
29

ONOMATOPEIA E A LINGUÍSTICA

“Muitos linguistas consideram tal processo bastante


limitado, mas, na verdade, a criação de palavras
por meio de onomatopeias é um processo
bastante fácil e bem produtivo.”

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira12

Considerando a assertiva acima, indagamos: produzir onomatopeia, de fato é fácil?


Como a Linguística concebe a onomatopeia? Há diferentes abordagens que circundam o
conceito da onomatopeia ou os linguistas adotam uma definição comum? Quais são os
principais linguistas que a conceituam? O que os linguistas compreendem como criação de
onomatopeias? Essas são algumas inquietações com que nos deparamos quando tentamos
traçar a relação entre a onomatopeia e a Linguística. A intenção neste capítulo é tecer algumas
questões sobre essa relação.

12
Excerto encontrado no livro Shazam! de Álvaro de Moya, publicado em 1970, em que traz uma valiosa
compilação de estudos acerca das HQ e, em especial, sobre onomatopeias.
30

De acordo com Cunha (2000, p. 561), onom(a) é o elemento composto do grego


ónoma-tos que significa “nome”, do baixo latim onomatopoeia, derivado do grego
onomatopoiía, sendo a ação de imitar uma palavra por imitação do som ou simplesmente,
criação de palavras. A palavra é assim formada, buááá (para representar o choro), spak spak
spak (para representar o barulho de balas atingindo alguma coisa), cuco! cuco! (para
representar o ruído do relógio). Vejamos esses exemplos nas HQ abaixo:

Figura 5: “CUCO! CUCO!”14: onomatopeia


Figura 4: “BUUÁÁÁÁ!!” 13: onomatopeia
representando o relógio.
representando um personagem chorando.

Figura 6: “SPAK SPAK SPAK”15: onomatopeia representando tiros.

A seguir veremos o tratamento dado a esse fenômeno linguístico por alguns


renomados linguistas, a saber, Ferdinand de Saussure, João Mattoso Câmara Junior, John
Lyons, Stephen Ullman, Rodrigo de Sá Nogueira, Valter Kehdi, e José Monteiro, nomes
expoentes da Linguística Moderna.

13
Extrato retirado da história “Papa-Capim em: a maraca mágica”, publicada na Revista Almanaque da Magali.
nº 06. São Paulo: Panini Comics, 2007.
14
Extrato retirado da história “Tio Patinhas e a musa dos negócios”, publicada na Revista Tio Patinhas. nº 388.
São Paulo: Abril, 1997.
15
Extrato retirado da Revista X-Men: O filme – Quadrinização Oficial. São Paulo: Abril, 2000.
31

2.1. Onomatopeia no CLG de Saussure16

O caminho calcado pela Linguística tem em Ferdinand de Saussure uma referência


fundante por traçá-la como ciência estabelecendo seu objeto de investigação: a língua.

A relação entre a onomatopeia e a Linguística perpassa por vários autores e conceitos


e parece-nos incoerente investigá-la sem reconhecer a reflexão de Saussure acerca desse
fenômeno linguístico. Para tanto, faz-se necessário tecer algumas importantes considerações
sobre a natureza do signo linguístico.

Como é sabido, a reflexão que sustenta a noção de signo, significado e significante


consta na primeira parte do Curso de Linguística Geral (CLG) intitulado “Princípios Gerais”.
É no primeiro capítulo que se discute a natureza do signo linguístico, apontando para duas
características primordiais, a saber: a arbitrariedade do signo e o caráter linear do significante.

Na reflexão saussuriana (2006), o signo é uma entidade psíquica de duas faces: o


conceito e a imagem acústica. O conceito é nomeado de significado e a imagem acústica de
significante. Estes dois elementos estão intimamente unidos e um reclama o outro
(SAUSSURE, 2006, p. 80). Para o estudioso, esta definição suscita uma importante questão
de terminologia e nomeia signo a combinação do conceito e da imagem acústica, mas, aponta
que no uso corrente esse termo designa geralmente a imagem acústica apenas. Por exemplo:
uma palavra (arbor) é somente porque exprime o conceito “árvore”, de tal maneira que a ideia
da parte sensorial implica a do total.

Tendo definido o signo linguístico, partiremos para uma de suas características


primordiais: sua arbitrariedade, pois “é o que é classicamente discutido a propósito das
onomatopeias” (BOUQUET, 1997, p. 235).

De acordo com os preceitos saussurianos, o signo linguístico não estabelece relação


entre uma coisa e uma palavra, mas entre um conceito (significado) e uma imagem acústica
(significante), como explica o autor:

O laço que une o significante ao significado é arbitrário ou então, visto que


entendemos por signo o total resultante da associação de um significante com um

16
Na conjuntura linguística tanto as aulas quanto os escritos de Saussure suscita inúmeras reflexões. Para o
aprofundamento nos estudos do mestre genebrino sugerimos a leitura do texto Introdução à leitura de
Saussure de Simon Bouquet (1997), que traz valiosas contribuições à Linguística sobre a o pensamento
saussuriano.
32

significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo linguístico é arbitrário.


Assim, a idéia de “mar” não está ligada por relação alguma interior à sequência de
sons m-a-r que lhe serve de significante; poderia ser representada igualmente bem
por outra seqüência, não importa qual (SAUSSURE, 2006, p. 81-82).

O princípio fundamental da arbitrariedade do signo domina toda linguística do século


passado; suas consequências são inúmeras. De acordo com Saussure, “arbitrário” quer dizer
que o significante não possui nenhum vínculo natural com a realidade. Podemos dizer, então,
que o significante é “imotivado” em relação ao significado. É nesse sentido que se discute a
onomatopeia, pois pode-se dizer que ela é motivada, o que Saussure contesta, distinguindo
alguns pontos:
1) as onomatopeias, como uma “imitação aproximativa” de ruídos, são criadas a partir
de sons vocais padronizados na língua; portanto, são motivadas (por exemplo, o francês
ouaoua e o alemão wauwau)17;
2) as onomatopeias tendem a adquirir características dos demais signos, à medida que
se integram ao léxico da língua, sofrendo, por exemplo, alterações fonéticas e morfológicas:
“prova evidente de que perderam algo de seu caráter primeiro para adquirir o do signo
linguístico em geral, que é imotivado” (SAUSSURE, 2006, p. 83).

Na língua inglesa, por exemplo, inúmeros verbos se aproximam do ruído representado


sendo utilizados amplamente nas HQ, como nos verbos, “to knock”18, “to click” que dá
origem às onomatopeias “KNOKK!” e “CLIC”.

A partir das considerações de Saussure sugerimos a reflexão para a seguinte questão:


afinal, a onomatopeia é uma formação linguística arbitrária ou uma formação linguística
motivada?

2.2. Onomatopeia na reflexão de João Mattoso Camara Junior

17
Elas variam de país a país, na medida em que diferentes culturas representam os sons de acordo com o idioma
utilizado para sua comunicação (VERGUEIRO, 2007, p. 62).
18
Exemplo visto nas considerações iniciais deste trabalho.
33

No escopo do seu trabalho, Princípios de Linguística Geral, publicado em 1959, o


autor procurou traçar os princípios da Linguística, elucidando os principais conceitos dela
concernentes, tais como: os fonemas; a sílaba e vocábulo fonético; as unidades da língua e as
funções dos morfemas19; as categorias gramaticais, a de gênero e a de aspecto; as espécies de
vocábulos; a frase (sua estrutura e modalidade); a classificação das línguas; o conceito da
evolução linguística; as causas linguísticas da evolução; os aspectos da evolução fonética; as
leis fonéticas; o empréstimo, seu conceito e seus aspectos sociais e linguísticos.

Dessas, a seção evidentemente que nos interessa, refere-se às funções dos morfemas.
A primeira consideração que retomamos do autor é a sua posição quanto à arbitrariedade do
signo, em que afirma “os morfemas são inteiramente arbitrários em relação às significações
gramaticais que representam” (MATTOSO CAMARA, 1959, p. 131) comprovando sua
filiação aos estudos de Saussure. Nessa seção, apresenta os conceitos de afixos
compreendendo a noção de prefixo, sufixo, reduplicação e alternâncias consonânticas e
vocálicas. Nosso olhar incidirá nessas duas últimas.

A reduplicação, para esse autor, é o tipo de morfema que consiste em antepor à raiz
(ou corpo fonético do semantema) uma parte ou a totalidade desse próprio segmento de
fonemas. A reduplicação é, definida aparentemente, como um morfema segmental como é o
afixo; e sua natureza linguística é muito mais sutil e abstrata, pois não é uma fração fônica
que o constitui, senão o fato dela repetir-se. A reduplicação é um fenômeno intimamente
ligado às exigências da linguagem enfática e assenta no valor intensivo da repetição. Segundo
Mattoso Camara (1959), esse fenômeno está presente, nas diversas línguas, tanto na
linguagem infantil como sendo desenvolvido sob normalização e sistematizada para a
expressão de determinadas categorias.

O autor comenta que na reduplicação há um segmento fônico adicionado ao


semantema, embora não seja a rigor o morfema esse segmento em si, mas a circunstância de
se repetir o segmento, ou parte do segmento, correspondente ao semantema. É a oposição
resultante da diferença que constitui propriamente o morfema. A partir daí, surgiu o nome
“alternância”. O morfema repetido pode ser tanto consonântico quanto vocálico.

19
Morfema é a menor unidade linguística que possui significado, abarcando raízes e afixos, formas livres (por
exemplo: mar) e formas presas (por exemplo: sapat-, -o-, -s) e vocábulos gramaticais (preposições, conjunções).
(HOUAISS, 2001).
34

Mas, apesar dessa abordagem conter esses princípios tão próximos das onomatopeias,
pois são os processos formadores desse recurso linguístico, o autor não tece explicitamente
qualquer comentário acerca desse recurso linguístico.

2.3. Onomatopeia na reflexão de John Lyons

A onomatopeia é um fenômeno linguístico inerente à própria linguagem,


manifestando-se nas mais diferentes culturas e civilizações. Na tentativa de elucidar os
caminhos percorridos desde a antiguidade para explicar a origem da linguagem alguns
estudiosos, como os filósofos gregos, discutiam se o que regia a língua era a “natureza” ou a
“convenção” (LYONS, 1979, p. 4). O cerne dessa discussão incidia sobre a possível conexão
entre o significado de uma palavra e a sua forma.

Em Lyons (1979), vimos que a onomatopeia é simplesmente a palavra grega que


significa “criação de nomes” e que a restrição ao seu uso a palavras que “imitam” os sons que
elas denotam, reflete a concepção dos “naturalistas gregos” – especialmente dos filósofos
estoicos – de que tais palavras formam a série fundamental de “nomes” dos quais evolui a
língua. Deste modo, “a relação fundamental entre uma palavra e o seu significado era a de
“dar nome” e originariamente as palavras eram “imitativas” das coisas que elas nomeavam.
As palavras onomatopaicas formavam o núcleo do vocabulário” (LYONS, 1979, p. 5).

No estudo dedicado à exposição geral sobre os objetivos, métodos e princípios básicos


da teoria linguística20, o linguista, na seção “O ponto de vista semiótico” traça algumas
considerações acerca da onomatopeia.

Antes de discutir sobre a sua natureza, o linguista esboça duas características da


língua, quando comparada a outros códigos ou sistemas de comunicação, a sua flexibilidade e
versatilidade. No âmbito dessas duas características, o autor aponta as quatro propriedades
mais específicas que contribuem para essa flexibilidade e versatilidade da língua, a saber, a

20
Referimo-nos aqui ao livro “Lingua (gem) e Linguística” do autor, em que desenvolve uma introdução geral
ao estudo da linguagem.
35

arbitrariedade, a dualidade, a descontinuidade e a produtividade. É no seio da arbitrariedade


que Lyons traz à luz a onomatopeia.

O linguista diz que, “há em todas as línguas casos esporádicos do que tradicionalmente
se chama de onomatopeia” e exemplifica com a conexão não-arbitrária entre forma e
significado dos vocábulos ingleses: cuckoo (cuco), peewit (pio), crash (estrondo) e acrescenta
que, “a grande maioria de palavras em todas as línguas é não-onomatopaica: a conexão entre
sua forma e significado é arbitrária visto que, dada a forma, é impossível prever o significado,
e dado o significado, é impossível prever a forma” (LYONS, 1987, p. 31).

2.4. Onomatopeia na reflexão de Stephen Ullman21

O autor, ao iniciar a reflexão acerca da onomatopeia, apresenta, sucintamente, a


concorrência de duas questões relacionadas às posições dos gregos quanto à filosofia da
língua: de um lado, os naturalistas, que acreditavam na correspondência intrínseca entre o som
e o sentido; do outro, os convencionalistas, que argumentavam ser o significado uma questão
de tradição e convenção, numa espécie de “contrato social”. Nessa discussão, Rabelais –
especialista em onomatopeias e convencionalista – dizia, é um abuso dizer que temos uma
linguagem natural: as linguagens baseiam-se em instituições arbitrárias e nas convenções dos
povos; as vozes, como dizem os dialéticos, não significam naturalmente, mas por bel-prazer
(RABELAIS apud ULLMAN, 1964, p. 168). Os naturalistas, nos séculos seguintes,
reforçando sua teoria, viram na onomatopeia a forma primitiva da fala humana. Em 1808, essa
discussão foi retomada pelo românico Charles Nodier, com a publicação do Dictionnaire
raisonné des onomatopées françaises.

Direcionando seu olhar para os estudos de Saussure, Ullman (1964, p. 168), diz que
“entre os linguistas modernos, Saussure foi quem mais relevo deu àquilo que chamou “o
arbitrário do signo”, o caráter convencional das nossas palavras, no qual ele viu um dos
princípios básicos da língua.” E continua enunciando, “compreendeu que havia algumas
exceções a este princípio, mas desprezou-as por serem pouco importantes. Linguistas de
21
Doutorado em Letras pela Universidade de Budapeste, Doutorado em Literatura pela Universidade de
Glasgow.
36

temperamento diferente como Schuchardt e Jespersen, tenderam a dar maior importância a


estas exceções”22.

Nesse momento, retomamos a discussão levantada no primeiro ponto desse capítulo


quando discutimos a onomatopeia sob o ponto de vista saussuriano, em que indagamos
“afinal, a onomatopeia é uma formação linguística arbitrária ou uma formação linguística
motivada?” e, sob o ponto de vista de Ullman (1964), agora é ocioso perguntar se a língua é
convencional ou “motivada”: todos os idiomas contêm certas palavras arbitrárias e opacas,
sem qualquer conexão entre o som e o sentido, e outras que, pelo menos em certo grau, são
motivadas e transparentes. Levando a discussão para essas questões, Ullman apresenta três
aspectos principais da motivação: 1) como funciona numa língua particular; 2) como pode
variar no discurso do tempo; e, 3) como varia o seu âmbito de uma língua para outra.

No que tange a primeira questão, o autor diz que se houvesse uma conexão necessária
entre o nome e o sentido, esperar-se-ia que os mesmos sons significassem a mesma coisa, e,
inversamente, a mesma coisa deveria ser sempre designada pelos mesmos sons, como, por
exemplo, a palavra meat que tem vários homônimos com significados totalmente diferentes: o
verbo to meet (encontrar), o adjetivo arcaico meet (apto, conveniente), o substantivo mete
(fronteira) e o verbo to mete (out) (distribuir), entretanto, esta palavra possui quase um
sinônimo no termo flesh (carne de animais vivos). As duas palavras estão muito próximas ao
significado, mas não têm um único som. Na segunda questão, o autor, baseado em Bloomfield
diz, se o elo entre o nome e o sentido fosse necessário, esperaríamos que ambos os elementos
permanecessem inalterados. No entanto, não foi isso o que aconteceu. A forma da palavra no
antigo inglês era mete e significava comida em geral. E, na terceira questão, Ullman afirma
que as diversas línguas têm palavras inteiramente diferentes para o mesmo objeto. Ao inglês
meat corresponde viande em francês. Inversamente – os mesmo sons ou aproximadamente –
representam coisas diferentes noutras línguas: o alemão miet (alugar), o francês mite (bicho
do queijo).

Ullman (1964, p. 171), dando continuidade a essa discussão, afirma que muitas
palavras são inteiramente convencionais e outras motivadas de muitas maneiras, podendo ser
motivadas nos sons, residindo na estrutura morfológica da palavra, e no seu fundo semântico.
Cada uma destas possibilidades origina problemas diferentes, devendo, por isso, ser
consideradas separadamente. O linguista subdivide em três tipos de motivação: a motivação

22
O aprofundamento nessas questões, segundo o autor, podem ser vistas no seu livro “Princípios da Semântica”,
publicado em 1963.
37

fonética (onomatopeia), a motivação morfológica e a motivação semântica. Nossa atenção


estará voltada para a motivação fonética por ser o nosso objeto de estudo.

A onomatopeia, segundo Ullman (1964, p. 174), pode ser usada tanto como artifício
“estilístico”, quanto como recurso “semântico”. Em relação ao seu aspecto estilístico, o efeito
baseia-se não tanto nas palavras individuais, mas em uma judiciosa combinação e modulação
de valores sonoros que podem ser reforçados pela aliteração, pelo ritmo, pela assonância e
pela rima. Já o semântico baseia-se na qualidade onomatopaica das palavras. Nesse campo, o
autor faz uma distinção entre a onomatopeia primária e a onomatopeia secundária. A
onomatopeia primária é a imitação do “som pelo som”, é o verdadeiro “eco do sentido”, em
que o próprio referente é uma experiência acústica, imitada pela estrutura fonética da palavra.
As palavras buzz (zumbir), crack (rachar), growl (rosnar), hum (murmurar), pertencem a essa
categoria. Algumas dessas palavras inglesas deram origem, nas HQ brasileiras, às
onomatopeias: ZZZZ, GRR!! e HUM!.

Na onomatopeia secundária, o som evoca um movimento e não uma experiência


acústica, tais como dither (hesitar), quiver (tremer), ou qualquer qualidade física ou moral,
geralmente desfavorável, gloom (melancolia), grumpy (irritado).

Nesses elementos, segundo Bloomfield (1933), há um sistema de morfemas


formadores de raízes iniciais e finais, de significação vaga, com as quais está associada a
conotação intensa e simbólica de tais termos, por exemplo, os sons |sn| podem exprimir três
tipos de experiências: 1) ruídos respiratórios, sniff (sorver pelo nariz), snuff (fungar), snore
(ressonar); 2) separação ou movimento rápido, snip (rasgar), snap (estalar); e 3) ação de
arrastar, snake (deslizar, serpentear).

Além da distinção entre a onomatopeia primária e secundária, Ullman, comenta o


processo de formação da onomatopeia mediante a alternância vocálica e a reduplicação. A
alternância vocálica é a substituição de uma vogal por outra e pode exprimir ruídos diferentes:
snip-snap (rasgar - estalar), sniff-snuff (sorver - fungar), flip-flap-flop (bater de um lado para
outro). Analogamente a esta propriedade, segundo o autor, está a reduplicação das palavras e
das frases, como et patati et patata (e consecutivamente).

Diante dessa discussão tecida por Ullman e na tentativa de evitar possíveis equívocos,
é necessário definir a emergência de alguns conceitos subjacentes à formação das
onomatopeias, tais como a alternância (vocálica e/ou consonântica), a reduplicação e a
repetição. A alternância, segundo Mattoso Camara (2002, p. 47), é o tipo de morfema que
38

consiste na substituição de um fonema dentro do semantema, donde uma oposição entre duas
ou mais formas de um mesmo semantema. Trazemos como exemplo, além das onomatopeias
supracitadas: zigue-zague; pingue-pongue. Ainda tomando como base os conceitos delineados
por esse importante linguista, “a reduplicação é a repetição da sílaba radical de um vocábulo,
a qual em muitas línguas corresponde a um tipo de morfema dito reduplicativo” (MATTOSO
CAMARA, 2002, p. 206).

A alternância vocálica desempenha um papel importante nas formas puramente


imitativas e interjecionais: tick-tock (tic-tac), click-clack (clic-clac), pit-a-pat (tic-tic), ding-
dong; em francês pif-paf (zás-trás). E acrescenta, ainda, que há as alternâncias de consoantes
iniciais, como em helter-skelter (precipitadamente) e roly-poly (rechonchudo).

De acordo com Ullman (1964, p. 177-178), dificilmente se encontrará outro aspecto da


semântica que tenha despertado tanto interesse como a onomatopeia. Nesse sentido, o
semanticista traça quatro pontos de interesse semântico acerca desse recurso linguístico.

O primeiro aspecto diz respeito à convencionalidade da onomatopeia, pois cada língua


representa o som conforme o seu sistema. O nome cuco é representado em diferentes línguas
por: cuckoo (inglês), coucou (francês), cuclillo (espanhol), cuculo (italiano), cucu (romeno),
cuculus (latim), etc. O segundo aspecto corresponde à condição indispensável da motivação
fonética. Esse aspecto da onomatopeia diz respeito à semelhança ou à harmonia entre o nome
e o sentido, pois os sons não são expressivos por si mesmos: só quando se ajustam ao
significado é que as suas potencialidades onomatopaicas ressaltam. Um exemplo interessante
é a palavra francesa para “papoula” — coquelicot — que, primitivamente era uma imitação
onomatopaica do cantar do galo; designava, a princípio, o próprio galo, e depois, por
metáfora, a flor cujo tom vermelho recordava a crista do galo. Segundo o semanticista,

A explicação é muito simples: quando acontece um som ocorrer juntamente com um


significado com o qual está naturalmente de acordo, tornar-se-á onomatopaico e
acrescentará a sua própria força expressiva ao sentido por uma espécie de efeito de
ressonância. Quando não há qualquer harmonia intrínseca, o som permanecerá
neutral, não haverá ressonância e a palavra será opaca e inexpressiva (ULLMAN,
1964, p. 182).

O terceiro aspecto refere-se ao contexto favorável à incidência da onomatopeia, em


que se incluem tanto o enquadramento verbal quanto o contexto de situação. E o último
aspecto abordado pelo autor corresponde à valorização dependente da sensibilidade de quem
fala, da sua imaginação, da sua bagagem cultural e de outros imponderáveis, ou seja, é
39

impossível classificar a onomatopeia, pois sua formação conta com a subjetividade de quem a
produz.

2.5. Onomatopeia na reflexão de Rodrigo de Sá Nogueira23

Tendo como justificativa a falta de um estudo sistemático das onomatopeias em


português e a necessidade de que “urge fazer um estudo profundo e metódico da matéria”
(NOGUEIRA, 1950a, p. 10), o linguista Rodrigo Nogueira concebe dois trabalhos, a saber,
“Estudos sobre as onomatopeias” e “As onomatopeias e o problema da origem da linguagem”.

O primeiro livro, “Estudos sobre as onomatopeias”, está constituído por três artigos24
que se complementam, intitulados, respectivamente: 1) Subsídios para o estudo das
onomatopeias em português; 2) Contribuição para o estudo das onomatopeias; e, 3) Nova
contribuição para o estudo das onomatopeias.

No decurso deste trabalho, o linguista, num movimento pendular, toma e retoma o


conceito da palavra onomatopeia inúmeras vezes. Inicialmente, utiliza a conceituação de
Nyrop e, por fim, retorna a essa definição problematizando-a.

No primeiro artigo, “Subsídios para o estudo das onomatopeias em português25”, o


linguista recorre à definição dada pelo filólogo Krystoffer Nyrop, que diz: “As onomatopeias
são palavras imitativas, ou seja, são palavras que pretendem imitar os fonemas que compõem
alguns sons, como o canto ou gritos de animais, o som de instrumentos musicais, o ruído das
máquinas, o ruído que acompanha os fenômenos da natureza, etc. A onomatopeia é sempre
uma aproximação, jamais uma reprodução exata26” (GRAMMONT apud NOGUEIRA,

23
Foi professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Dentre seus estudos incluem-se: Curso de
Filologia Portuguesa (1932); O problema da sílaba (1942); Dicionário de verbos portugueses conjugados (1945)
e outros.
24
“Independentes uns dos outros, porque em épocas diferentes foram concebidos e elaborados, mas que se
completam uns aos outros, pois que, de certo modo, o 2º é uma continuação do 1º, e o 3º é outra do 2º [...] a
concepção e a redação dos três não foram seguidas: entre o 2º e o 1º medeiam doze anos, e entre o 3º e o 2º, um
ano” (NOGUEIRA, 1950a, p. 5).
25
Publicado, inicialmente, no Boletim de Filologia, IV, Lisboa, 1936.
26
Do original, lê-se: “Les onomatopées sont des mots imitatifs, c’est-à-dire des mots qui prétendent imiter par
les phonèmes dont ils se composent certains bruits tels que le cri ou le chant des animaux, le son des instruments
40

1950a, p. 127) e, em seguida, propõe a classificação da onomatopeia do ponto de vista


genético e do ponto de vista morfológico. No que diz respeito ao ponto de vista genético, a
onomatopeia está dividida em: (a) puramente fonéticas, em que a formação se baseia apenas
na imitação, o mais aproximadamente possível com uma exatidão fonética dos sons que
representam, por exemplo, “trrrrrim”, “tic-tac”; e (b), fonético-ideológicas, que procuram
imitar os sons que representam, não por fonemas, que mais ou menos perfeitamente se lhes
assemelham, mas por vocábulos ou expressões frásicas de pronúncia mais ou menos
semelhantes, como por exemplo, “pouca terra, pouca terra, muita calha” (imitando o trem de
ferro), “estou fraca, estou fraca” (imitando a galinha d’Angola). “bem-te-vi, te-vi” (imitando o
pássaro a quem dá o nome), “cá vai!” (imitando a voz da cegonha).

No que diz respeito à classificação morfológica as onomatopeias podem ser divididas


em dois grupos: (1) onomatopeias não-vocabulizadas, que imitam o mais aproximadamente
possível os sons que representam, mas não constituem vocábulos da língua, ou porque lhes
falta estrutura vocabular, ou porque, não entraram ainda no vocabulário, como em “pffff” e
“uau uau”; e (2), as onomatopeias vocabulizadas, como: “tic, tac, tic, tac”, “pumba”.

Segundo Nogueira (1950), a onomatopeia “pffff”, traduz com certa aproximação o


som da ventosidade intestinal, quer fonética, quer ortograficamente. Contudo, quer fonética,
quer ortograficamente falta-lhe o que quer que seja para que ela tenha a estrutura dos
vocábulos portugueses: faltam-lhe vogais de apoio para as consoantes. Por faltar essa
estrutura foi lhe dado a forma “bufa”, e o autor indaga: “ao optar por esta forma teria o povo
cometido uma arbitrariedade?” e responde: “Não. Neste trabalho de vocabulização das
onomatopeias não há rigor, mas aproximação [...]. Contudo, em regra não há arbitrariedade:
há interpretações foneticamente erradas, mas fundadas em razões” (NOGUEIRA, 1950, p. 19)

Há, segundo o autor, uma classificação dos caracteres dos sons da natureza, a saber, o
timbre, o tom, a entonação, a quantidade, a sonoridade, a ressonância, a brusquidão, a
intensidade, a continuidade, a repetição, a rapidez da repetição e a suspensão, e são,
justamente, estas classificações que tornam os sons com a capacidade de aproximação dos
sons naturais.

Segundo Nogueira (1950a, p. 19) os modos de interpretação referentes ao timbre, ao


tom e a entonação dos sons da natureza são interpretados pelas várias modalidades que podem
tomar o timbre, o tom e a entonação da fonação humana; a quantidade, pela maior ou menor

de musique, le vacarme des machines, le bruit qui accompagne les phénomènes de la nature, etc. L’onomatopée
est toujours une approximation, jamais une reproduction exacte”.
41

duração da emissão das vogais, e pelo emprego, em certos casos, das consoantes fricativas27; a
sonoridade, pela vibração ou não vibração das cordas vocais, isto é, pelo emprego dos sons
vozeados (sonoros) e dos sibilados (surdos); a ressonância, pela nasalidade; a brusquidão,
pelas consoantes oclusivas28; a intensidade, pela maior ou menor força com que se expulsa o
ar e pelo emprego adequado das consoantes oclusivas; a continuidade, pelo emprego das
vogais longas, das consoantes fricativas e das vibrantes; a repetição, pela repetição dos
fonemas ou das sílabas; a rapidez da repetição, pelas consoantes vibrantes; a suspensão, pela
suspensão (reticências).

Nogueira, ainda nesse primeiro artigo, propõe uma hipótese em relação à ortografia
das onomatopeias empregando o traço de união entre os elementos componentes das
onomatopeias, principalmente se são constituídas pela repetição de um monossílabo. Para ele,
a representação gráfica das onomatopeias deve ser considerada sob dois prismas: o das
onomatopeias vocabulizadas e o das onomatopeias não vocabulizadas. As primeiras devem
ser moldadas a partir das regras gerais da ortografia da língua, e as segundas, na sua
representação gráfica, procuram manter as qualidades fonéticas, ou seja, a sua ortografia tem
de ser expressiva.

No segundo artigo intitulado “Contribuição para o Estudo das Onomatopeias”29,


sustentado na alta importância que tem para a Filologia30 o estudo sistemático e profundo do
fenômeno onomatopaico por ele defendido, o linguista retorna ao conceito dado por Nyrop e
utilizado há 12 anos no primeiro artigo, dizendo:

Este conceito de Nyrop é, que eu saiba, de uma maneira geral, o de quantos se têm
ocupado dos estudos das onomatopeias. Quer dizer: são quase todos unânimes em
considerar que as onomatopeias “são palavras imitativas de sons da natureza”. Eu
próprio segui esse critério no meu supracitado trabalho.
Será esse critério justo e definitivo? Não poderemos classificar de onomatopeias
certas palavras designativas de coisas e de ações produtoras de sons, ou de aspectos,
digamos assim, comparáveis aos sons? (NOGUEIRA, 1950a, p. 127-128).

Nesse sentido, advoga Nogueira (1950a), visto que os fonemas são sons, o que é
natural é que eles se utilizem na estrutura fonética das palavras como tradutores de sons, isto
é, de fenômenos perceptíveis pelo ouvido, e não de particularidades perceptíveis pela vista,

27
Segundo Bechara (2005) as consoantes fricativas são: /f/, /v/,/s/, /z/, /x/ e /j/.
28
Segundo Bechara (2005) as consoantes oclusivas são: /p/, /b/, /t/, /d/, /k/ e /g/.
29
Esse artigo foi publicado, inicialmente, no Boletim da Filologia, IX, Lisboa, 1948.
30
De acordo com Houaiss (2001), a Filologia refere-se ao estudo científico do desenvolvimento de uma língua
ou de famílias de línguas, em especial a pesquisa de sua história morfológica e fonológica baseada em
documentos escritos e na crítica dos textos redigidos nessas línguas.
42

pelo tato, etc. Contudo, não é impossível ao espírito humano, por um processo metafórico,
digamos assim, estabelecer paralelos, conexões, comparações, etc.

Além desses aspectos, o linguista vai traçar os meandros da expressividade das


palavras. Para definir tal conceito Nogueira utiliza dois fundamentos: o eventual e o real. O
fundamento eventual é o sentido que se liga a essa palavra pela convenção, o que na
linguagem gramatical se traduz pelo termo propriedade; o fundamento real é a capacidade que
essa palavra tem de traduzir foneticamente, com maior ou menor aproximação, a coisa ou o
fato por ela designado, o que na linguagem gramatical se traduz pelo termo onomatopeísmo.
O onomatopeísmo é a estrutura fonética dessas palavras, cuja natureza faz lembrar a coisa ou
o fato designado. Para elucidar a noção entre esses termos, o linguista traz a diferenciação de
algumas palavras. Vejamos:

...abstraindo das convenções de significação, tão expressiva é a palavra casa como


palácio e como tugúrio: nenhuma delas tem na sua estrutura fonética qualquer
elemento, que nos faça lembrar o que é uma casa, um palácio, um tugúrio.
Subordinando-nos à convenção de significados, isto é, à propriedade, cada uma
delas é expressiva no seu lugar próprio.
Outro tanto já não acontece com as palavras tremer e vibrar, as quais, pela
expressividade, que lhes dá a convenção de significados, têm a que lhes dá a sua
estrutura fonética: são palavras de sabor onomatopaico, é o seu onomatopeísmo que
as torna expressivas, prove-se ou não que elas são de origem onomatopaica.
(NOGUEIRA, 1950a, p. 137).

Portanto, a onomatopeia possui em si esta expressividade, embora precise do contexto


para ser entendida. Nas HQ, o que corrobora sua interpretação é a imagem, a cena
representada que, muitas vezes, é intensificada por alguns recursos como a metáfora visual31.

No terceiro artigo intitulado “Nova contribuição para o estudo das onomatopeias” o


eixo central das discussões, diferentemente dos capítulos anteriores, volta-se para o problema
da origem da linguagem. Ao investir neste tema, o autor apresenta três justificativas para
estudar a onomatopeia sob esse prisma. Segundo ele:

a) sendo mais que certo que grande número das palavras das várias línguas do Globo
são de origem onomatopeica (...) aos que pretendem fazer investigações
etimológicas é absolutamente indispensável que conheçam com suficiência a
natureza e a extensão do fenômeno onomatopeico;
b) é bem conhecida a teoria da origem onomatopeica da linguagem. (...) Tanto para
defender como para combater tal teoria, é indispensável, antes de mais nada que
conheçamos com suficiência a natureza e a extensão do fenômeno onomatopeico;
c) não sendo mera fantasia o onomatopeísmo e sendo real o fundamento real da
expressividade das palavras, o conhecimento suficiente da natureza e da extensão
do fenômeno onomatopeico é da máxima conveniência para aqueles que pretendem

31
Aprofundaremos essa questão no quinto capítulo.
43

cultivar o estilo, utilizando o poder expressivo da estrutura fonética de certos


vocábulos na interpretação de certas ideias (NOGUEIRA, 1950a, p. 223).

Atendendo a demanda de sua investigação, o linguista discorre sobre a quem pertence


o estudo da origem da linguagem (psicólogos ou filólogos?), ao âmbito provável do léxico do
homem primitivo e a gênese provável das formas vocabulares. Segundo ele, na gênese das
palavras é de excluir, toda a hipótese de arbítrio, já que, as designações das coisas, dos atos,
nascem de certas qualidades, de certos atributos, que essas coisas, esses atos, possuem, e que
mais ferem a atenção de quem os designa, e no momento em que os designa. Por exemplo, em
presença de um cuco, “a qualidade, que desta ave mais chamou a atenção de quem assim a
designou pela primeira vez, foi a sua voz. Por isso procurando imitar essa voz, utilizando a
sua própria voz, chamou-lhe cuco” (NOGUEIRA, 1950a, p. 235).

Como discutido anteriormente, nas reflexões de Saussure (2006) e Ullman (1964) e,


diante dessa postura de Nogueira, indagamos: como essa explicação pode ser confrontada
com o que diz Saussure, considerando a arbitrariedade do signo, encontrada no CLG?

Uma possível resposta a esse questionamento encontra-se no próprio Nogueira, que


segundo ele, ao rejeitar a noção de arbitrário, as designações, pela sua gênese, quer de coisas,
quer de atos, podem ser primárias ou secundárias: são primárias, se resultam da criação de
uma forma própria destinada a designar a coisa ou o ato; e são secundárias, se resultam da
utilização de uma forma já existente, destinada a designar outra coisa ou outro ato, que em
alguma das suas qualidades faz lembrar a coisa ou o ato, que se pretende designar. Deste
modo, “o primeiro processo se baseia numa interpretação fonética, tem o nome de
onomatopeia; o segundo processo, que se baseia numa comparação sêmica, tem o nome de
metáfora ou, melhor, de tropo” (NOGUEIRA, 1950a, p. 238).

No entanto, seguindo as delimitações desses dois processos, seria conveniente


perguntar sobre as inúmeras possibilidades de produção onomatopeica? O que nos interessa,
particularmente, é: como o sujeito se inscreve na posição de produtor de onomatopeia?

Em continuidade com este trabalho publica no mesmo ano o que considera como o
segundo volume do livro acima supracitado e o intitula “As onomatopeias e o problema da
origem da linguagem”. Neste, Nogueira (1950b), em oito capítulos, discute os meandros da
44

linguagem do homem primitivo e averigua, meticulosamente, a possibilidade de uma origem


onomatopeica da linguagem32.

O primeiro capítulo discorre sobre a vida do homem primitivo33, o qual também


recebe esse título, pois “não se poderá tratar do problema da origem da linguagem sem
primeiro tratar da origem do homem, de buscar saber, dentro do possível, claro está, como
surgiu, como era e como vivia o homem primitivo?” (NOGUEIRA, 1950b, p. 7). Nesse
ínterim, o problema da origem da linguagem é considerado sobre o viés de um fenômeno
histórico e antropológico. Ao resgatar historicamente como o homem primitivo vivia, surge
uma dúvida: teria ele vivido em estado de mutismo? Assim diz o linguista: “nunca o homem
pôde viver sem ter uma linguagem, por mais pobre e de estrutura mais rudimentar que tivesse
sido” (NOGUEIRA, 1950b, p. 15).

“A linguagem primitiva” constitui o segundo capítulo. Essa linguagem está dividida


em dois grupos: os monogenistas34 e os poligenistas35. Posteriormente, para ajudar a
compreender a substância das várias teorias sobre a origem da linguagem, o linguista
direciona para uma análise dos conceitos dos elementos formativos da linguagem, como o
gesto, o grito, a interjeição, a onomatopeia e a metáfora.

Em seguida, no terceiro capítulo intitulado “Exposição e crítica de várias teorias sobre


a origem da linguagem”, o linguista vai discorrer longamente sobre dez teorias36 da origem da
linguagem. Dessas, a teoria das onomatopeias, cujo escopo nos interessa, parte do pressuposto
de que “todos os homens, independentemente uns dos outros, teriam criado a linguagem,
procurando interpretar foneticamente as coisas, os fenômenos, etc. do Universo”
(NOGUEIRA, 1950b, p. 33). Ela consiste em considerar que a linguagem articulada resulta da
interpretação fonética, por meio de formas onomatopeicas, de certas qualidades das coisas,
dos atos.

32
Alertamos ao leitor, que não empreenderemos aqui uma descrição exaustiva da referida obra, tentaremos, pois,
sintetizar num quadro geral alguns pontos fundamentais do problema.
33
Cabe ressaltar que a expressão “homem primitivo”, neste trabalho, não se refere aos antropoides que
“injustificadamente se diz que Darwin atribui a nossa ascendência, o gorila, o orangotango, o chimpanzé, de
inteligência e de linguagem rudimentaríssimas, incapaz (?) de sentimentos de moral e de religião (...). O tipo
humano, a que me refiro (...) se referem em geral os que têm tratado do problema da origem da linguagem”
(NOGUEIRA, 1950b, p. 10).
34
Segundo Nogueira (1950b) o termo monogenista refere-se aos partidários que defendem a origem de uma
única língua que originou as várias línguas hoje conhecidas.
35
Segundo Nogueira (1950b) o termo poligenista refere-se aos partidários que defendem a origem de duas ou
mais línguas, independentemente umas das outras, e que deram origem a duas ou mais línguas em diferentes
pontos do planeta.
36
A saber: 1) Teoria de Deus criador; 2) teoria da Natureza criadora. 3) teoria da invenção tardia; 4) teoria das
raízes; 5) teoria das onomatopeias; 6) teoria das interjeições; 7) teoria dos gritos naturais; 8) teoria dos gestos; 9)
teoria da elaboração progressiva da linguagem natural e, 10) teoria negativa.
45

No quarto capítulo, tem-se uma crítica de certos preconceitos na criação da linguagem,


dentro os quais podemos citar: os preconceitos do arbítrio, da convenção, do espontâneo e da
reflexão. Nesse sentido, alguns autores37, “que tratam do problema da origem da linguagem,
tomam por base de suas teorias as ideias contidas nesses termos, enquanto outros se repudiam
com maior ou menor veemência” (NOGUEIRA, 1950b, p. 123). No capítulo seguinte, a
discussão gira em torno de alguns princípios da linguagem utilizados para explicar a gênese
das formas vocabulares primitivas deduzidas através das formas modernas e das que a história
das línguas faculta.

No sexto e no sétimo capítulos intitulados, respectivamente, “As onomatopeias e o


problema da origem da linguagem” e “Fatos que dificultam ou impossibilitam o
reconhecimento da possível origem onomatopeica de várias formas das línguas modernas”,
Nogueira (1950 b) discute e lança alguns questionamentos acerca de duas teorias opostas, a
saber, a teoria de que a origem da linguagem se baseia fundamentalmente nas onomatopeias e
os que repudiam tal teoria, atribuindo às onomatopeias uma insignificante representação na
grande massa lexical.

Para finalizar a discussão, o linguista suscita as implicações das onomatopeias e o


problema das etimologias, a fim de realçar a importância que os estudos das onomatopeias
têm para o etimologista. Para isso, Nogueira averigua a provável gênese de algumas palavras
designativas de partes e de atos da garganta, a par de outras designativas de partes e de atos de
outros órgãos do aparelho fonador e articulador. Nessa pesquisa, utilizando um estudo
comparativo entre essas palavras nas línguas gregas, latinas, portuguesas, francesas e alemãs,
encontra em todas as formas “um g, fonema cujo ponto de articulação é a própria garganta!
Esta coincidência não é para desprezar (...) interessante seria estudar em parágrafos próprios o
processo de formação de cada uma das palavras apontadas, mas aqui vou limitar-me à análise
de cinco: angústia, gemer, gosto, agonia e gana” (NOGUEIRA, 1950b, p. 200).

2.6. Onomatopeia na reflexão de Valter Kehdi

37
Convém esclarecer ao leitor que o linguista não especifica nenhum teórico.
46

Kehdi (1990), não apresenta uma definição específica para a onomatopeia. Para ele, a
reduplicação de morfemas compreende essa noção, que está presente na linguagem infantil e
nos hipocorísticos: papai, mamãe, vovô, Zezé, Fifi; ocorre, também, em alguns compostos:
pingue-pongue, reco-reco, tique-taque. No entanto, esses exemplos não se revestem de valor
morfológico: ilustram, na verdade, o chamado redobro expressivo.

Esclarece que, em latim, havia o chamado redobro expressivo ou intensivo, com


repetição da consoante inicial do radical acompanhado de uma vogal acrescida da vibrante /r/:
murmur, “murmúrio”; turtur, “rola (ave)”38. Esse redobro expressivo tinha por função dar
mais realce ao vocábulo; seu emprego, portanto, era mais estilístico, e direciona o leitor para o
caráter onomatopeico dos exemplos apresentados.

2.7. Onomatopeia na reflexão de José Monteiro39

Em seu livro “Morfologia Portuguesa”, o linguista define a onomatopeia e comenta os


processos formadores desse fenômeno, a saber, a fonossemia (forjado pelo modelo de
acrossemia40) e a duplicação. Como definição diz que a onomatopeia corresponde aos
vocábulos expressivos empregados no sentido de sugerir algum som ou ruído, e exemplifica
com: au-au, miau, gluglu.

Frequentemente, as bases criadas por fonossemia recebem sufixos, como no processo


de derivação. Os verbos referentes a vozes animais são em geral onomatopaicos, tais como:
cacarejar, arrulhar, trilar.

No que tange ao processo de formação vocabular denominado “duplicação”, o


linguista a define como repetição de um mesmo semantema para a produção de um vocábulo.
Quando os elementos são repetidos integralmente, sem alteração de fonemas, tem-se a
duplicação perfeita: reco-reco, cri-cri, tico-tico; e, quando existe alternância vocálica ou perda
de fonemas, tem-se a duplicação imperfeita: zigue-zague, pingue-pongue, tique-taque.

38
Semelhante processo ocorre com “bem-te-vi”, que indica o canto e o nome da ave.
39
Professor da Universidade Federal do Ceará e da Universidade Estadual do Ceará.
40
De acordo com Houaiss (2001) acrossemia é a redução dos vocábulos ou expressões a seus elementos (letras
ou sílabas) iniciais.
47

Nessas abordagens, constatamos que dois aspectos emergem com intensidade: a


definição da onomatopeia e o processo formador da palavra. No entanto, verificamos que
alguns linguistas não compreendem a conjunção desses aspectos em suas respectivas
abordagens. Elaboramos a tabela abaixo, para podermos visualizar, sinteticamente, essa falta.
Observe:

Tabela 1: Definição e formação da onomatopeia por linguistas


Linguistas
Aspectos
observados Saussure Lyons Ullman Nogueira Mattoso Kehdi Monteiro
(2006) (1987) (1964) (1950) (1959) (1990) (1990)

Definição x x x x - - x

Formação - - x x x x x

Na definição, apenas dois linguistas não apresentam conceitos da onomatopeia. No


entanto, abordam os dois principais processos formadores da palavra, a reduplicação e
alternância vocálica e/ou consonântica. Na formação da palavra, também dois expoentes
linguistas não abordam os processos formadores, Saussure e Lyons. Apesar de Saussure
conceber um aspecto fundante da língua, a saber, a arbitrariedade do signo e o aspecto
motivacional das palavras, o mestre genebrino deixa um vácuo no aspecto formador da
palavra. Em paridade, Lyons, ao esquematizar as quatro propriedades da língua, definindo a
onomatopeia na instância da arbitrariedade do signo não descreve o processo que estrutura a
onomatopeia, mas os outros dois linguistas, Ullman e Monteiro, a partir da reflexão de
Saussure, avançam e contemplam tanto a definição – incorporando conceitos da fonética, da
morfologia e da semântica, elaborados por Ullman –, como o processo formador da palavra,
contemplando os conceitos de duplicação perfeita e imperfeita elaborados por Monteiro.
Nogueira defende a origem onomatopaica da linguagem e traça importantes considerações
acerca deste recurso linguístico, classificando-a genética e morfologicamente, contemplando
os caracteres dos sons da natureza e o conceito de “expressividade das palavras”. Pode ser
considerada, como defende Ullman, a abordagem mais detalhada e elucidativa da
onomatopeia no seio da linguística.

Diante dessas valiosas contribuições, acreditamos que a onomatopeia se constitui


como um processo criador de palavras que busca expressar os sons naturais do mundo e as
vozes de animais. É um fenômeno linguístico encontrado tanto no discurso cotidiano informal
48

quanto nas HQ e sua formação conta com a subjetividade de quem a produz, ou seja, a
onomatopeia está a meio caminho entre os recursos da língua, a subjetividade, e as formas de
representações convencionalizadas.

A seguir, daremos continuidade a essa discussão levando em consideração as


definições encontradas nas principais gramáticas normativas e gramáticas de texto.
49

ONOMATOPEIA E AS GRAMÁTICAS

“(...)
Mas o que ela não entendia mesmo era o “pá, pá, pá”.
– Qual o significado exato de “pá, pá, pá”?
– Como é?
– “Pá, pá, pá”.
– “Pá” é pá. “Shovel”. Aquele negócio que a gente pega assim...
– “Pá” eu sei o que é. Mas “pá” três vezes?
– Onde foi que você ouviu isso?
– É a coisa que mais ouço. Quando brasileiro começa
a contar história, sempre entra o “pá, pá, pá”.
(...)
– Funciona como reticências – sugeri eu. – Significa, na
verdade, três pontinhos. “Ponto, ponto, ponto”.
– Mas por que “pá” e não “pó”? Ou “pi” ou “pu”? Ou etcétera?
Ela continuou:
– E por que tem que ser três vezes?
– Por causa do ritmo. “Pá, pá, pá”. Só “pá, pá” não dá.
– E por que “pá”?
– Porque sei lá – disse, didaticamente.”

Luís Fernando Veríssimo41

Nada melhor do que iniciar esse capítulo com um fragmento do texto “Pá, Pá, Pá”, de
Luis Fernando Veríssimo, cujo escopo é a produção de onomatopeia. No texto vemos seu

41
Um dos grandes nomes da literatura brasileira. O texto completo pode ser encontrado no livro “Comédias para
se ler na escola – Edição especial para crianças”. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005, p. 41-43.
50

funcionamento na interação oral, encontrada tanto no discurso cotidiano informal, quanto nas
HQ.

Veremos, neste capítulo, o tratamento dado à onomatopeia nas gramáticas normativas


e nas gramáticas de textos. Selecionamos a descrição da onomatopeia em três eminentes
gramáticos, a saber: Cunha & Cintra (2007), Bechara (2005) e Luft (2002); e, em quatro
gramáticas de textos, a saber: Campedelli & Souza (2002), Ernani & Nicola (2002), Sarmento
(2005) e Amaral (2003).

3.1. Gramática Normativa

3.1.1. Onomatopeia na gramática de Celso Cunha42 & Lindley Cintra43

Deixando de lado as controvérsias entre os linguistas contemporâneos no que tange a


área que efetivamente pertence ao processo formador de palavra – se à Morfologia, no seu
domínio tradicional, se ao léxico ou à semântica, ou, mesmo se à sintaxe – Cunha e Cintra
(2007, p. 97) conceituam a formação de palavras de acordo com a definição dada por Dubois
(1973), em que chama-se formação de palavras o conjunto de processos morfossintáticos que
permitem a criação de unidades novas com base em morfemas lexicais. Utilizam-se, para
formar as palavras, os afixos de derivação ou os procedimentos de composição.

Sustentados nessa definição, os gramáticos apresentam a derivação e a composição


como os dois principais processos formadores de palavras.

Com a atenção voltada para o processo de derivação, os gramáticos, classificam-na


em: derivação prefixal, trazendo à luz os prefixos de origem latina e grega; derivação sufixal,
distinguindo em nominal, verbal e adverbial; derivação parassintética; derivação regressiva; e,

42
Pertencia à Academia das Ciências de Lisboa, à Academia Mineira de Letras, à Academia Brasileira de
Filologia, ao Círculo Linguístico do Rio de Janeiro, à Sociedade de Linguística de Paris.
43
Pertenceu à Academia Espanhola de História, à Academia de Buenas Letras de Barcelona, à Academia
Portuguesa de História e à Academia das Ciências de Lisboa.
51

derivação imprópria. Sob a ótica do processo de composição a define em três tipos: quanto à
forma, abordando a composição por justaposição e composição por aglutinação; quanto ao
sentido, diferenciando os termos determinantes e determinados da palavra; e, quanto à classe
gramatical dos elementos que compõem a palavra. Há, ainda, os compostos eruditos,
abarcando os radicais latinos e gregos; o processo de recomposição, apresentando os
pseudoprefixos, o hibridismo, a onomatopeia, a abreviação vocabular e as siglas.

Direcionando nosso olhar para as onomatopeias, os gramáticos a definem como


palavras imitativas, isto é, palavras que procuram reproduzir aproximadamente certos sons ou
certos ruídos: tique-taque, zás-trás, zunzum. Acrescenta que, em geral, os verbos e os
substantivos denotadores de vozes de animais têm origem onomatopeica: Ciciar – cicio (da
cigarra) e Coaxar – coaxo (da rã, do sapo).

3.1.2. Onomatopeia na gramática de Evanildo Bechara44

O gramático trata da onomatopeia em duas seções distintas: a primeira, quando


aprofunda os conceitos de Fonética e Fonologia, no primeiro capítulo; e, a segunda, quando
embarca nos meandros da gramática descritiva e normativa na seção da formação de palavras,
no segundo capítulo.

No campo da Fonética e Fonologia, o gramático subdivide o conteúdo em quatro


seções: a) produção dos sons e classificações dos fonemas, compreendendo dois pontos
distintos, a saber, a fonética descritiva e a fonética expressiva ou fonoestilística; b) ortoépia;
c) prosódia; e, d) ortografia. É sobre a primeira seção que recai nosso interesse.

A fonética expressiva em que, segundo o gramático, são os fonemas com objetivos


simbólicos são utilizados, muitas vezes, para melhor evocar certas representações. É neste
emprego que surgem os conceitos de aliterações, onomatopeias e vocábulos expressivos.

44
Professor Titular e Emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Federal
Fluminense (UFF), membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia das Ciências de Lisboa e da
Academia Brasileira de Filologia.
52

Bechara (2005, p. 74), conceitua a onomatopeia como o emprego de fonema em


vocábulo para descrever acusticamente um objeto pela ação que exprime. Acrescenta que as
onomatopeias que traduzem as vozes dos animais e os sons das coisas são frequentes: o tique-
taque do relógio, o marulho das ondas, o zunzunar da abelha, o arrulhar dos pombos. E,
aprofundando a noção de onomatopeia, traz à luz o conceito dos vocábulos expressivos,
correspondentes aos fonemas que não imitam um ruído, mas sugere a ideia do ser que se quer
designar com a ajuda do valor psicológico de seus fonemas. A palavra formada é então:
romper, tagarelar, tremeluzir, jururu, ziriguidum, borogodó.

No segundo capítulo, na seção que aborda a formação de palavras, os conceitos são


subdivididos em dois pontos: do ponto de vista constitucional e do ponto de vista do
conteúdo. No ponto de vista constitucional, o processo de criação de palavras é vista,
metaforicamente, como a “revitalização do léxico”, em que o gramático diz:

As múltiplas atividades dos falantes no comércio da vida em sociedade favorecem a


criação de palavras para atender às necessidades culturais, científicas e da
comunicação de um modo geral. As palavras que vêm ao encontro dessas
necessidades renovadoras chamam-se neologismos, que têm, do lado oposto ao
movimento criador, os arcaísmos, representados por palavras e expressões, que por
diversas razões, saem de uso e acabam esquecidas por uma comunidade linguística
(...) (BECHARA, 2005, p. 351).

Os neologismos são responsáveis pela criação das novas palavras mediante os


elementos já existentes no idioma – como as palavras, os prefixos, os sufixos – quer no
significado usual, quer por mudança do significado. Esse processo, defende o gramático, já é
um meio de revitalizar o léxico da língua.

A partir do conceito de neologismo, surgem os conceitos de empréstimos e calcos


linguísticos, que são as palavras e elementos gramaticais tomados ou traduzidos de outra
comunidade linguística dentro da mesma língua histórica ou de outras línguas estrangeiras –
inclusive grego e latim –, que são incorporados ao léxico da língua. Acrescentando a esses,
surgem os conceitos de onomatopeias e palavras expressivas, que são os nomes criados
levando em conta os sons naturais (fonossimbolismo) produzidos por seres e objetos. Mas,
para a gramática, apenas dois processos de formação de palavras são considerados formais, a
saber, a composição e a derivação devido a sua regularidade e sistematicidade com que
operam na criação de novas palavras. No que tange à composição, Bechara subdivide em
justaposição e aglutinação e, no que se refere à derivação, o gramático subdivide em
derivação sufixal e prefixal. Na seção denominada “outros processos de formação de
53

palavras” são definidos os conceitos de formação regressiva, abreviação, reduplicação,


conversão e combinação. Desses, o que vem colaborar com nossa investigação é a
reduplicação. Segundo Bechara (2005, p. 371), a reduplicação, também chamada duplicação
silábica, consiste na repetição de vogal ou consoante, acompanhada quase sempre de
alternância vocálica45, para formar uma palavra imitativa: tique-taque, reco-reco, pingue-
pongue. Este é o processo geralmente usado para formar as onomatopeias.

Acreditamos que esse processo também seja responsável pelo ritmo da palavra, pois é
a partir da quantidade dos segmentos que se repetem que o efeito rítmico é atingido. Como
exemplo, retornamos ao conto de Veríssimo em que “pá, pá, pá” tem seu sentido garantido na
repetição do segmento “pá” três vezes.

3.1.3. Onomatopeia na gramática de Celso Luft46

Seguindo a linha teórica dos demais estudos gramaticais evidenciados nesse trabalho
por Cunha e Cintra (2007) e Bechara (2005), Luft (2002) faz descrições linguísticas do
português subdividindo sua gramática em quatro pontos: sintaxe, morfologia, fonologia e
ortografia. No que tange ao processo de formação de palavras, o gramático define três
processos, a saber: a derivação, a composição e o hibridismo. Situa os dois primeiros como
fundamentais para a ampliação interna do vocabulário e, o último, como constituída,
integralmente, por elementos de línguas diversas. Mas em nenhum desses segmentos, o
gramático fez alusão à onomatopeia.

Passaremos a descrever, nesse momento, como algumas gramáticas em textos


concebem a onomatopeia.

3.2. Gramáticas de textos

45
Já discutida no capítulo anterior na seção referente ao linguista Stephen Ullman.
46
Gramático e filólogo, foi professor titular de língua portuguesa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
54

3.2.1. Onomatopeia na gramática de texto de Samira Campedelli47 & Jésus Souza48

Os autores conceituam a onomatopeia nas três seções que subdividem a gramática: na


fonologia, na morfologia e na sintaxe, com definições e exemplificações específicas. No que
tange à fonologia, é definida na seção “Quadro relacional”, sob o título “Fonética e Estilo”,
junto com os conceitos de aliteração e assonância. Segundo os autores, as onomatopeias
representam certos sons e ruídos produzidos por animais e coisas, ou mesmo certos sons
humanos e têm como função “imitar” a realidade. Para exemplificar esse conceito, utilizam a
onomatopeia “WHOP” de uma tira do “Garfield” de Jim Davis. Em nota, no final da página,
direciona o olhar do aluno para o tipo de letra que é utilizada na onomatopeia, pois está
grafada com letras maiúsculas, e o efeito de sentido que aciona, pois traduz a violência da
pancada sofrida por Garfield.

Na morfologia, na seção “Forma e conteúdo”, os dois processos de formação de


palavras descritas são a derivação e a composição, em que constam a derivação prefixal,
sufixal, parassintética, regressiva e imprópria, e a composição por aglutinação e justaposição.
A onomatopeia é definida no subtópico “outros processos de formação de palavras” junto aos
conceitos de hibridismo e abreviação. Nesta seção, a onomatopeia é definida como um
processo de formação de palavras por imitação de certas vozes ou ruídos, e os autores
exemplificam-na com: fonfom, pingue-ponge, plaft, buá, zunzum. Além da definição e
exemplificação, acrescenta uma tira de Jim Meddick, intitulada “Robô”. Nela, as
onomatopeias representadas são: “BOOP BOOP”, “QYOO QYOOO” e “OOO...”. Em nota,
os autores chamam a atenção do aluno, mostrando que nas tiras os sons não são do português.
Nas atividades pertencentes a esse conteúdo na seção “Forma e Conteúdo”, a onomatopeia é
novamente trabalhada. Dessa vez, numa questão elaborada pela Puccamp de São Paulo,
provavelmente retirada de algum exame de vestibular. Na tira de Angeli, surgem as
onomatopeias “DISCA DISCA DISCA” e “ABÚÚÚÚÚ...” e as questões pedem que o aluno
explique as formações dessas palavras.

No entanto, ao deparar com a incidência da onomatopeia “DISCA DISCA DISCA” de


Angeli, pedimos licença ao leitor para comentá-la, pois trata-se de uma formação distinta das

47
Doutora em Letras pela USP e professora de língua portuguesa na Escola de Comunicação e Artes da USP.
48
Bacharel em Direito e pós-graduando em Comunicação Social.
55

que comumente constituem as HQ. Esta é formada por um verbo que, de acordo com Houaiss
(2001) significa a ação de “selecionar (número telefônico), pressionando o teclado”, e não
uma representação aproximada de um som, como é definida entre os linguistas e gramáticos.
Observe outra incidência desse tipo de onomatopeia.

Figura 7: “SALTITA SALTITA SALTITA”49: onomatopeia representando um personagem saltitando

Vemos nessa representação onomatopeica a forma “SALTITA SALTITA SALTITA”


advinda do verbo “saltitar” que significa para Houaiss (2001) “dar saltos pequenos e
repetidos”. Na emergência dessa inusitada onomatopeia até o personagem participante da
história, o Cebolinha da Turma da Mônica, questiona a referida produção50 ao falar no último
quadrinho: “Saltita Saltita”?! Que laio de onomatopeia é essa?”.

De volta à gramática de Campedelli e Souza, os autores definem a onomatopeia, na


sintaxe, na seção “Texto da gramática” no subtópico “Figuras sonoras” e afirma: algumas
figuras de linguagem, como as onomatopeias, trabalham os sons e o ritmo das palavras;
outras, como as aliterações, com as possibilidades musicais. Nessa seção, definem a
onomatopeia, a aliteração, a assonância e o eco. Segundo os autores, a onomatopeia é um
recurso linguístico que consiste na reprodução de sons produzidos por animais ou coisas, ou
mesmo de certos sons humanos. O processo sonoro é imitado ou simulado. Como exemplo,
utiliza um fragmento de Machado de Assis, no livro Quincas Borba. Observe o trecho
selecionado:

(...) Vestiu o colete e foi abotoá-lo diante de uma janela que dava para os fundos (...)
Felizmente, começou a cantar uma cigarra, com tal propriedade e significação que o
nosso amigo parou no quarto botão do colete.
Sôôôô... fia, fia, fia, fia, fia... Sôôôô...fia, fia, fia, fia, fia...
(ASSIS apud CAMPEDELLI; SOUZA, 2002, p. 450)

49
Onomatopeia retirada da história “Magali em: A bruxa da lua” da Revista Turma da Mônica Extra. São Paulo:
Panini Comics, 2008, p. 06.
50
Discutiremos esse tipo de onomatopeia no capítulo cinco, cujo foco será a descrição das onomatopeias
representadas nas HQ da Turma da Mônica de Mauricio de Sousa.
56

A explicação que se segue diz: o fragmento ganha em significação se lido em voz alta.
Aí, sim, é possível perceber a obsessão de Rubião pela amada Sofia. A exploração dos sons
ocorre pela silabação escandida do nome, pela repetição das vogais da primeira sílaba
(“Sôôôô”) e a repetição cadenciada da segunda (“fia, fia, fia, fia, fia”).

Na sequência das explicações, os autores, consideram que há variadas onomatopeias e


diferentes modos de explorar os sons das palavras e, para demonstrar a veracidade de sua
posição, apresenta mais duas tiras de “As cobras” de Luis Fernando Veríssimo. Nelas, há três
onomatopeias. Na primeira tira o nome do compositor austríaco “Schubert” é utilizado pela
aproximação com o som que usualmente registra um espirro. O que nos leva a inferir essa
incidência é que, após ser pronunciado, a minhoca diz: “Saúde!”. Na segunda tira, surgem as
onomatopeias “RÁ! RO RO RI RI RI” e “SUSPIRO”. E os autores aprofundam a questão da
criação da onomatopeia pelo humorista, em que: o signo grafado com letra maiúscula e em
tipologia maior (sugerindo a altura sonora em que foi pronunciado); o signo grafado no lugar
de uma onomatopeia (“suspiro”); e, a reprodução onomatopaica em si (“RÁ! RO RO RI RI
RI”), sugerindo uma gargalhada.

Diante dessa intensa explanação da onomatopeia nesse trabalho, destacamos que esses
autores são os primeiros que explicam a representação específica da onomatopeia nas HQ,
evidenciando o seu processo de formação, quando consideram relevante o fenômeno da
repetição que a constitui. É importante ressaltar também que, além de exemplificar em tiras,
demarcando o tipo de letras, o sentido do som evocado e a criação nas diferentes línguas, os
autores a exemplificam com a presença na literatura brasileira consagrada, num texto de
Machado de Assis. Com isso, consideramos essa abordagem bastante significativa no que
tange a definição desse recurso linguístico, em que extrapola os outros conceitos dados nas
demais gramáticas.

3.2.2. Onomatopeia na gramática de texto de Ernani & Nicola51

51
Autores de diversas obras da área de língua portuguesa.
57

A gramática está dividida em três unidades: a fonologia, a morfologia e a sintaxe. O


conceito de onomatopeia é postulado na morfologia, no capítulo direcionado à descrição da
estrutura e formação das palavras. Na seção “Principais processos de formação de palavras”,
estão: a composição, por aglutinação e justaposição; a derivação prefixal, sufixal,
parassintética, regressiva e imprópria; onomatopeia; e, abreviação. Para os autores a
onomatopeia é a palavra que procura reproduzir sons ou ruídos e exemplificam com: tique-
taque, zunzum, cacarejar e miar.

3.2.3. Onomatopeia na gramática de texto de Leila Sarmento52

A gramática está dividida em cinco partes: 1) Língua, comunicação e discurso; 2)


fonologia e ortografia; 3) morfologia; 4) sintaxe; e, 5) estilística. O conceito de onomatopeia é
postulado na morfologia, no capítulo direcionado à descrição da estrutura e formação das
palavras. Apresenta dois processos básicos de formação de palavras: a derivação prefixal,
sufixal, parassintética, regressiva e imprópria; e a composição, por aglutinação e justaposição.
Na seção “outros processos de formação de palavras” traz os conceitos de estrangeirismos,
hibridismos, abreviação ou redução vocabular, onomatopeia, siglonimização e palavra-valise.

A autora, antes de conceituar a onomatopeia, acrescenta uma tira de “POPEYE” de


Brad Sagendorf, em que aparece no primeiro quadrinho a onomatopeia “SPLSH”. A partir
dessa incidência, explica: as histórias em quadrinhos costumam reproduzir os sons da
natureza, dos animais, de barulhos como máquinas de datilografia, de lavar roupa etc. Nesse
exemplo, splsh caracteriza o som de Dudu caindo na água. Quando uma nova palavra é criada
a partir de reprodução destes sons, tem-se uma onomatopeia, e cita como exemplo: pingue-
pongue, arrulhar, zabumba, bangue-bangue, cacarejar e cricrilar. A autora define a
onomatopeia como a imitação de sons, ruídos e vozes de animais que são reproduzidos pela
formação de uma palavra nova.

52
Licenciada e pós-graduada em Língua Portuguesa, pela Universidade Federal de Minas Gerais.
58

Essa autora se difere dos demais e se aproxima de Campedelli e Souza, ao passo que
concebe a onomatopeia num ambiente comumente encontrada, mas não comenta sobre os
principais processos formadores da onomatopeia.

3.2.4. Onomatopeia na gramática de texto de Emília Amaral53

O livro é subdivido em três grandes partes: Literatura, Gramática e Redação e leitura.


Na seção da gramática a onomatopeia é definida no capítulo direcionada para a formação de
palavras. A autora apresenta dois processos básicos de formação de palavras: a derivação
prefixal, sufixal, parassintética, regressiva e imprópria; e a composição, por aglutinação e
justaposição. Na seção “processos secundários”, definem o hibridismo, a onomatopeia, a sigla
e a abreviação vocabular. A onomatopeia é definida como o processo de formação de palavras
que consiste na imitação de determinados sons e ruídos, e apresenta dois exemplos de
onomatopeias: num trecho de Guimarães Rosa e, outro em uma tira de Dik Browne. Em
Guimarães Rosa, temos: “O projétil bateu musical na água, e deve ter caído bem no meio da
flotilha de marrecos, que grasnaram: - Quaquaracuac!”54. A autora explica que o escritor
criou a palavra quaquaracuac para reproduzir o som emitido pelos marrecos e, em seguida,
apresenta a tira que traz inúmeras onomatopeias: SMACK! CHOMP! GLOMP! CRUNCH!
BURP! SOLP! CHAW! GRUNT! E GLUG!, representando os ruídos de Hagar comendo.

Desta forma, semelhante ao que se tem na linguística, nessas abordagens, dois


aspectos emergem com intensidade: a definição da onomatopeia e o processo formador da
palavra. No entanto, verificamos que alguns gramáticos não abordam a conjunção desses
aspectos em suas respectivas definições. A partir disto, elaboramos a tabela abaixo, para
podermos visualizar, sinteticamente, como a definição e a formação são constituídas.
Observe:

53
Mestra em Teoria Literária, doutora em Educação pela Unicamp e professora de Ensino Médio e de cursos
pré-vestibulares.
54
Não há na gramática a referência do texto original de Guimarães Rosa.
59

Tabela 2: Definição e formação de onomatopeias nas gramáticas


Gramáticas Normativas Gramáticas de textos
Aspectos
observados Cunha & Bechara Luft Campedelli & Ernani & Sarmento Amaral
Cintra (2007) (2005) (2002) Souza (2002) Nicola (2002) (2005) (2003)
Definição X x - x x x x
Formação - x - - - - -

Nos três gramáticos expoentes, que descrevem profundamente o fenômeno linguístico,


a onomatopeia é definida apenas por Cunha e Cintra e Bechara. Luft sequer menciona a
existência da onomatopeia, o que causa-nos surpresa, por ser um aspecto tão presente na
linguagem, seja ela infantil ou poética. Em relação ao processo formador da palavra, apenas
Bechara, na seção “outros processos de formação de palavras”, elucida a reduplicação e cita a
alternância vocálica.

Nas quatro gramáticas de textos que descrevemos, a definição é elaborada por todos,
inclusive é levada em consideração, em Campedelli e Souza (2002), Sarmento (2005) e
Amaral (2003), a incidência de exemplos advindos das HQ, contemplando algumas formas
peculiares, nesse gênero, como a utilização do tipo e tamanho da letra e a diversidade na sua
representação de acordo com cada língua.

Nessas abordagens, consideramos que Bechara (2005) e, na gramática de textos


Campedelli e Souza (2002), são os únicos que constituem um conceito diferencial por
aprofundar o processo de formação da onomatopeia como a reduplicação e a alternância
vocálica e por apresentar as distintas representações nas HQ. Nossa atenção está voltada para
a incidência das onomatopeias nas HQ porque é nela que se tem presença mais marcada. É
nela que se torna mais forte, ao ponto de extrapolar as definições, devido estar associada a
outras características específicas das HQ, como a cor, o traço, o estilo do autor, enfim, há uma
gama de fatores que fazem com que sua incidência nas HQ seja mais aprimorada.

No próximo capítulo, daremos continuidade a essa discussão levando em consideração


as definições de alguns dicionaristas.
60

ONOMATOPEIA E OS DICIONÁRIOS

“ – Tenho vaqueiros, que são bons violeiros... Tenho cavalos


ladinos, para furarem tapumes. Hô-hô... Devagar eu uso,
depressa eu pago... Todo-o-mundo aqui vale o feijão
que come... Hô-hô... E hoje, com um tempo
destes e a gente atrasada...”

João Guimarães Rosa55

A maioria das onomatopeias não estão nos dicionários, inclusive esta, utilizada por
Guimarães Rosa. Sendo utilizadas principalmente por poetas e criadores de HQ, é um recurso
linguístico dotado de expressividade que provoca grandes efeitos visuais. Dando continuidade
às discussões dos capítulos anteriores, discutiremos as definições das onomatopeias dadas em

55
Fragmento retirado do livro “Sagarana”.
61

alguns dicionários. Trazemos a luz os conceitos elaborados por dois tipos de dicionários: os
comuns, Aurélio Buarque de Holanda e Antonio Houaiss; e os técnicos, João Mattoso Camara
Junior e R. L. Trask.

4.1. Dicionários da Língua Portuguesa

4.1.1. Onomatopeia no dicionário de Aurélio Buarque de Holanda56

O dicionarista define a onomatopeia de modo bastante limitado apresentando o


conceito, meramente, como a palavra cuja pronúncia imita o som natural da coisa significada
e apresenta como exemplo várias palavras, tais como: murmúrio, sussurro, cicio, chiado,
mugir, pum, reco-reco, tique-taque.

4.1.2. Onomatopeia no dicionário de Antonio Houaiss57

O dicionarista define e caracteriza a onomatopeia nos preceitos da linguística e da


gramática. Na linguística, é definida como a formação de uma palavra a partir da reprodução
aproximada, com os recursos de que a língua dispõe, de um som natural a ela associado.
Utiliza os ruídos pum, tiquetaque, atchim, chuá-chuá, zunzum, como exemplo.

Nos preceitos da gramática, o dicionarista faz duas distinções no que diz respeito ao
aspecto motivado da língua. São considerados os signos motivados que tem relação objetiva -

56
Pertencia à Academia Brasileira de Letras, Academia Brasileira de Filologia, à Academia de Ciências de
Lisboa e da Hispanic Society of America.
57
Foi presidente da Academia Brasileira de Letras, ministro de Estado da Cultura, relator da IV Comissão da
Assembléia Geral das Nações Unidas.
62

e não apenas arbitrária - com aquilo que significam (por evocação), e dentro do campo dos
signos considerados motivados. No primeiro aspecto a onomatopeia é subdividida nas
onomatopeias linguísticas e não-linguísticas, nas onomatopeias brutas e gramaticalizadas. No
que diz respeito ao segundo aspecto, as onomatopeias são divididas entre as onomatopeias
propriamente ditas e as chamadas palavras expressivas.

As onomatopeias linguísticas estão integradas ao sistema fonológico, tendo por isso


uma semelhança apenas aproximativa e histórica e culturalmente cambiante com os sons
imitados e seguem certas convenções ou regularidades ortográficas da língua, como em blém-
blém e bibi-fonfom. Já as onomatopeias não-linguísticas imitam ou procuram imitar, mais ou
menos fielmente, os sons do mundo com o aparelho fonador, sem necessariamente
articularem a emissão vocal da maneira usualmente empregada na língua. O exemplo
utilizado é “o motor falhou: fffrttoct”.

As onomatopeias brutas são invariáveis e não se combinam gramaticalmente com


palavras para formar frases, embora possam, eventualmente, figurar como complementos
diretos, como em: “o relógio fazia tiquetaque, tiquetaque, tiquetaque, e o tempo passava; a
mulher resmungou: humpf”. Já as onomatopeias gramaticais, são formadas pelas
onomatopéias brutas, como, por exemplo, os verbos tiquetaquear, cacarejar, coaxar, ciciar. Na
gramática de Cunha e Cintra são citadas duas dessas onomatopeias gramaticais.

No que se refere aos signos considerados motivados, estão as onomatopeias brutas e as


interjeições primárias. De acordo com o dicionarista, ambos os tipos de signos têm relação
objetiva com aquilo que significam. As onomatopeias brutas evocam ou imitam
acusticamente fenômenos externos, passíveis de descrição ou designação por palavras; e as
interjeições evocam ou expressam, articuladamente, fenômenos interiores/subjetivos. Nessas
ocorrências, há outra diferença que precisa ser evidenciada: as onomatopeias que denotam
uma relação de semelhança, sem vínculo necessário, ou seja, a onomatopeia “pam” pode estar
afastada, no tempo e no espaço, do choque ou pancada que imita, mas as interjeições estão em
contiguidade com o fenômeno/estado interno denotado, pois ‘decorrem’ ou ‘se originam’
dele. Integrando esse quadro, há ainda, as onomatopeias propriamente ditas e as palavras
expressivas. Estas não se reportam a um som determinado, mas sugerem, por seu aspecto
fônico/acústico, alguma característica daquilo que é designado/denotado (zás, vapt-vupt,
créu); essa evocação ou sugestão é intuitiva e complexa, pois se reporta à experiência que
emissor e receptor, ou falante e ouvinte, têm da língua e de seus recursos expressivos.
63

E o último aspecto abordado pelo dicionarista corresponde ao aspecto característico da


onomatopeia, a saber, sua formação via reduplicação (pam-pam-pam), sendo ou não
acompanhados de alternância vocálica (brrr; tique-tique).

4.2. Dicionários técnicos

4.2.1. Onomatopeia no dicionário de João Mattoso Camara Junior58

Segundo esse estudioso, a onomatopeia é o vocábulo que procura reproduzir


determinado ruído, constituindo com os fonemas da língua, que pelo efeito acústico dão
melhor impressão desse ruído. Não se trata, portanto, de imitação fiel e direta do ruído, mas
da sua interpretação aproximada com os meios que a língua fornece. São em regra
monossílabos, frequentemente com reduplicação acompanhada, ou não, de alternância
vocálica, por exemplo: pum!, tique-taque, toque-toque.

Além dessa definição e cotejamento do processo formador da onomatopeia, Mattoso


Camara, comenta que das onomatopeias, derivam-se os vocábulos onomatopaicos, em que a
onomatopeia é o semantema combinado com morfemas nominais ou verbais, por exemplo,
zum-zum, deu origem a zumbido, tlin-tlin deu origem ao verbo tilintar. Relacionando essa
definição com aquela elaborada por Houaiss (2001), essas onomatopeias se configuram como
as onomatopeias gramaticais.

4.2.2. Onomatopeia no dicionário de R. L. Trask

58
Os estudos de Mattoso Camara Junior ressurgem neste capítulo e, complementando seu trabalho na linguística,
visto no segundo capítulo deste trabalho, define e caracteriza a onomatopeia.
64

A definição da onomatopeia, neste dicionário, surge atrelada a dois recursos


linguísticos: iconicidade e simbolismo sonoro. A iconicidade, exceção à regra da
arbitrariedade do signo, postulada por Saussure, é definida na relação direta entre a forma da
palavra e seu significado; e o simbolismo sonoro é a tentativa de construir uma palavra cujo
som veicula diretamente algum aspecto de seu significado. Em ambas as concepções, a
onomatopeia constitui o centro das definições. Vejamos como cada uma é definida e
exemplificada.

No que diz respeito à iconicidade, toda palavra onomatopaica denota um som, e tem
uma forma que procura imitar especificamente esse som, permitindo, em alguma medida, que
ele seja identificado. Os exemplos em português do Brasil incluem verbos como tinir, miar,
ronronar, rosnar, zumbir, silvar, farfalhar e substantivos como bangue-bangue, algaravia,
estrondo, grasnido e soluço, para não falar de um certo número de pássaros cujo nome procura
59
imitar o grito correspondente, por exemplo: “o-fogo-apagou”, “bem-te-vi” e outros. Mas
mesmo as palavras onomatopaicas não deixam de ter um bom tanto de arbitrariedade: o ruído
de um disparo é representado em português e em inglês como bang, mas em espanhol é pum,
em alemão peng e em basco dzast. Como já tínhamos apontado nos estudos de Saussure,
Ullman e outros.

Em relação ao simbolismo sonoro, a onomatopeia tem o seu significado vinculado ao


som do mundo real, e a forma da palavra procura imitar o som. Exemplos: uivo, estrondo,
murmúrio, silvo, miado, tinido, tilintar (de cristais), dobre (de sino), baque. Apontamos nesses
exemplos, a incidência da “onomatopeia gramaticalizada”, definida por Houaiss (2001). Há
também outros tipos: por exemplo, o português do Brasil criou muitos nomes de pássaros
imitando suas vozes características: “bem-te-vi”, “o-fogo-apagou”, “quero-quero”.

Diante destas ocorrências, verificamos que a abordagem dos dicionaristas sobre o


fenômeno linguístico da onomatopeia se assemelha ao que a linguística e gramática definem
como reprodução aproximativa dos sons e ruídos que nos rodeiam. No sentido de sintetizar as
definições dos dicionaristas (re)elaboramos a tabela abaixo, já vista na abordagem dos
linguistas e gramáticos. Observe.

59
Nestes exemplos, podemos conceber as definições do dicionarista Houaiss (2001) e classificá-las como
onomatopeias gramaticalizadas.
65

Tabela 3: Definição e formação de onomatopeias nos dicionários


Dicionários da Língua
Dicionários técnicos
Portuguesa
Aspectos
observados
Aurélio Houaiss João Mattoso Trask
(1999) (2001) (2002) (2004)

Definição x x x x

Formação - x x -

A onomatopeia é definida nos quatro dicionaristas. A definição de Houaiss (2001)


contempla inúmeros aspectos da onomatopeia. Dentre eles está a classificação relacionada à
arbitrariedade do signo linguístico e a motivação da palavra, postulado por Saussure. Vimos
que essa classificação está pautada em: onomatopeias linguísticas e não-linguísticas, nas
onomatopeias brutas e gramaticalizadas, nas onomatopeias propriamente ditas e as chamadas
palavras expressivas. A abordagem de Mattoso Camara (2002) contempla tanto o conceito da
onomatopeia, como apresenta o conceito de “vocábulo onomatopaico”, que se aproxima do
conceito das “onomatopeias gramaticais” organizadas por Houaiss. Já em Trask (2004), a
definição é construída via dois conceitos da linguística: a iconicidade e o simbolismo sonoro.

No que diz respeito ao processo formador da palavra, apenas dois desses dicionaristas
abordam a reduplicação e a alternância. Portanto, sustentados nas especificidades de cada
área, os estudiosos do assunto tecem suas definições, exemplificam, mas poucos contemplam
o processo de formação. No próximo capítulo, veremos como as onomatopeias se constituem
em algumas HQ.
66

ONOMATOPEIA NAS HQ

“Mesmo quando o som parece naturalmente adequado à expressão


do significado, a onomatopeia só entrará em jogo se o contexto
lhe for favorável. De um modo mais geral, certas situações
e ambientes são propícios à onomatopeia, enquanto que
outros lhe são praticamente impermeáveis.”

Stephen Ullman

Exatamente, qual o ambiente favorável à incidência da onomatopeia, que se refere


Ullman? Segundo o semanticista60, a onomatopeia florescerá na fala emocional e retórica,
cujo efeito geral ajuda a reforçar. Também estará mais no seu ambiente em formas de

60
A discussão teórica pautada acerca da onomatopeia por esse teórico da linguagem foi efetuada no segundo
capítulo.
67

linguagens espontâneas, não artificiosas e expressivas tais como nas falas das crianças, na
linguagem coloquial e popular, no calão e na gíria. E, acrescentamos nesse conjunto, nas HQ.

As HQ, através da interação entre dois sistemas semióticos distintos – verbal e o não-
verbal, constituem um gênero com características bastante específicas. Ao fundar uma
linguagem que utiliza elementos gráfico-visuais e textuais, promove uma necessária
articulação entre inúmeros aspectos: cores predominantes, formas dos traçados,
enquadramentos, tamanhos e tipos de letras, tipos de personagens, presença ou não de
enunciados escritos, usos do discurso reportado, sequenciamento narrativo e relação entre
imagens e cenas, formas e representações de onomatopeias etc., pois já dizia Eisner (1995), as
regências da arte (por exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regências da literatura
(por exemplo, gramática, enredo, sintaxe) superpõem-se mutuamente. A leitura da revista em
quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual.

Dentre os muitos recursos verbais e não-verbais presentes nesse gênero, as


onomatopeias aparecem como um dos mais importantes e intensos, sendo usadas não somente
para indicar sons ou ruídos de objetos e vozes, mas também produzindo efeitos visuais através
de um conjunto de formas gráficas e cores que cumprem uma função bastante particular tanto
no “estilo” da HQ, quanto no impacto que pode produzir na ilustração de uma determinada
cena (CARVALHO, 2006). É justamente sobre esse recurso que pretendemos descrever as
formas que se apresentam em algumas diferentes HQ.

5.1. Breve histórico da onomatopeia nas HQ

Assim como os efeitos sonoros do cinema, as onomatopeias são imprescindíveis nos


quadrinhos. Porém, não foi nos quadrinhos que a onomatopeia teve sua origem demarcada.
Ela está presente tanto em escritores consagrados, como em “Sagarana” de João Guimarães
Rosa e “Grande sertão: Veredas”, quanto em escritores modernos; na linguagem infantil e no
tupi antigo. Escritores como Carlos Drummond de Andrade em “Tempo de canção” e Clarice
Lispector em “Perto do coração selvagem”, utilizaram as onomatopeias para dar mais
expressividade aos seus textos.
68

Já ao surgir as HQ, segundo Aizen (1970, p. 289), a “trilha sonora” não tinha grande
importância, pois o que mais interessava era o texto – texto abaixo do desenho – que tudo
dizia, tudo explicava, tudo descrevia, misturando descrições com diálogos, ao contrário das
HQ modernas: em que as legendas estabelecem a sequência da ação, interligando cenas e
acontecimentos, completando-se com os balões, onde se localizam os diálogos.

Não se tem notícia da primeira onomatopeia utilizada nos quadrinhos, mas já se sabe
que ela intensificou-se com o advento do cinema falado em 1927. Cirne (1977, p. 31) afirma
que os ruídos mais antigos, encontrados por ele, são “ZZZZ”, “UH”, “UMPH” e “BOOM” na
história de Winsor McCay, em oito de dezembro de 1907 no Little Nemo in Slumberland.
Segundo Bibe-Luyten (1985), algumas onomatopeias surgiram de verbos da língua inglesa e
foram utilizados pelos quadrinhos norte-americanos e hoje são usadas em todo o mundo.

É que esta língua, por ser híbrida (houve mais de dez idiomas na formação do inglês
atual, sobretudo o antigo holandês e o francês normando), favoreceu melhor a
escolha definitiva de palavras para determinar as coisas. Além disso, a fase de
consolidação dos quadrinhos teve como local os Estados Unidos e daí partiu sua
influência pelo mundo. (BIBE-LUYTEN, 1985, p. 14)

Logo, certas onomatopeias têm seu sentido na tradução linguística semelhante ao ruído
expresso, como as citadas abaixo:

Tabela 4: Quadro das onomatopeias advindas da língua inglesa


Onomatopeia Origem verbal Significado

Click to click estalar/desligar

Crack to crack quebrar/rachar

Crash to crash colidir/bater

Glup to gulp engulir/sufocar

Slam to slam fechar ruidosamente

Smack to smack beijar

Sniff to sniff cheirar

Splash to splash chapinhar/esguichar


Fonte: Bibe-Luyten (1985).
69

Carvalho (2006) acrescenta ainda que, apesar de haver onomatopeias mais


tradicionais, os autores criam onomatopeias diferentes de acordo com o que escutam61, entre
as mais comuns: blam: barulho de coisa batendo; crás: coisa quebrando; soc, pum: soco;
chuac: beijo; nhac, nhac: mastigação etc.

As HQ, certamente, estão carregadas desse recurso, pois eles cumprem o papel de uma
espécie de “trilha sonora” (AIZEN, 1970, p. 289): representações linguísticas de sons e ruídos
que, associadas ao sistema semiótico não-verbal, constitui, hoje, uma forte característica de
muitas HQ. É o elemento que favorece a construção de uma movimentação, expressividade e
sonoridade das imagens e que nem sempre se encaixavam dentro dos diálogos: o bater da
porta, o tiro da arma de fogo, o soco do personagem, etc. Ainda, segundo o autor, a
onomatopeia, é uma variante do código sonoro, que confere às HQ o caráter de mensagens
audiovisuais, porque permitem uma comunicação mais densa, mais direta.

Vale destacar, ainda, que nas HQ a onomatopeia não é um recurso linguístico isolado.
Ela mantém uma relação intrínseca com a imagem e com as metáforas visuais, em que os
sentidos são produzidos e intensificados.

5.2. Onomatopeia e metáfora visual

Em Santos; Calil (2010, p. 79-80) vimos que é a articulação entre formas,


movimentos, olhares, sons, gestos, expressões, linhas, traços e cores que faz das HQ um
sistema semiótico particular. A onomatopeia que muitas HQ apresentam sistematicamente
materializa essa interface, mas, ao mesmo tempo, coloca problemas para os limites entre o
que é da ordem do linguístico e o que é da ordem do imagético, do desenho, do visual... do
que não é linguístico.

Como exemplo desse cruzamento, observemos, inicialmente, uma onomatopeia de


choro.

61
No entanto, destacamos que essa é uma questão delicada, pois a representação linguística do som varia de
acordo com a escuta de cada sujeito.
70

Figura 8: BUÁÁÁÁÁ62: onomatopeia representando o choro do personagem.

Na representação do choro da Maria, irmãzinha do Cebolinha, a letra grande, grafada


com traços espessos, em preto, não indica somente o choro, mas também dá volume e
intensidade a ele. Sentido que, em um texto sem imagens, deveria ser produzido por palavras:
“No meio do passeio, a irmãzinha do Cebolinha abriu um berreiro imenso, chorando alto e
sem parar: buááááá!”. A repetição da letra “a” e o ponto de exclamação, ambos indicações
linguísticas, ajudam na produção do sentido da onomatopeia, mas não são suficientes, na HQ,
para o resgate daquilo que mostra a imagem.

Vejamos agora outra onomatopeia, que indica uma batida ou um soco.

Figura 9: POF63: onomatopeia representando o som de uma batida.

Para o leitor desse gênero, as metáforas visuais que envolvem a onomatopeia, como,
por exemplo, as fumacinhas e as estrelinhas; os traços cinéticos que acompanham o balão; as
cores escolhidas para o seu fundo amarelo, que contrasta com o roxo das letras64, assim como
o tamanho das letras, que ocupam quase todo o quadro; e sua sombra são elementos inter-
relacionados. Do mesmo modo que a onomatopeia “buá”, tais recursos ajudam na produção

62
Imagem retirada de uma história sem título, disponível no sítio eletrônico oficial da Turma da Mônica
<http://www.monica.com.br/index.htm>. Acesso em: 12/03/2010. Destacamos ao leitor que estamos usando
onomatopeias que fazem parte das HQ a que os alunos tiveram acesso. Porém, como descreveremos adiante,
efetivamos um tratamento nas imagens dessas HQ, apagando toda referência linguística.
63
Imagem retirada da história “Mônica”, encontrada na Revista Almanaque historinhas de uma página: Turma
da Mônica, n. 2. São Paulo: Panini Comics, 2008, p. 44.
64
Infelizmente, essas características não podem ser observadas neste suporte impresso.
71

de sentido e na própria caracterização da onomatopeia, fazendo com que ela represente não
somente o som, mas também sua intensidade, seu volume e ainda dê um caráter lúdico à
história.

A relação entre a onomatopeia e esses elementos gráfico-visuais é intensa nas HQ, a


ponto de ocorrer que ela, a onomatopeia, tenha dupla função: “representa um som, ao mesmo
tempo em que sugere um movimento” (RAMOS, 2009, p. 81).

5.3. Uso da onomatopeia nas HQ

As possibilidades de utilização da onomatopeia nas HQ são ilimitadas e dependem da


engenhosidade de cada autor. No entanto, McCloud (2005) observa no funcionamento da
onomatopeia um processo de fixação nos símbolos usados nos quadrinhos, pois quando
determinado recurso é repetido várias vezes, tende a ser incorporado à linguagem. Por
exemplo, a onomatopeia “Bam”, indica que houve o som de um tiro65. De tão usado, o termo
tende a ser automaticamente associado pelo leitor à situação sonora que representa.

Onomatopeia em mangás e em HQ de super-herois

Diferentemente das onomatopeias representadas nos quadrinhos ocidentais, segundo


Bibe-Luyten (1985) nos quadrinhos japoneses, por exemplo, as onomatopeias têm uma
função muito mais plástica do que visual ou sonora. “Isto porque a escrita japonesa é formada
por caracteres e as onomatopeias inseridas nos quadrinhos dão um incrível movimento,
equilíbrio e força ao som que estão exprimindo” (BIBE-LUYTEN, 1985, p. 13). Observe nos
quadrinhos abaixo.

65
Contudo, essa onomatopeia pode representar o barulho de uma porta batendo ou o som de alguém dando um
susto em outra pessoa.
72

Figura 10: “PLOOSH” “SPLASH” “KREK KREK” 66: onomatopeias no mangá”

Há nesse mangá, numa produção de Tite Kubo, a emergência de três onomatopeias:


“PLOOSH”, “SPLASH” e “KREK KREK”. O que se tem, nos mangás, segundo Gimenez
Mendo (2008), é que o significado da representação dos sons é semelhante ao adotado no
Ocidente, mas sua utilização é bem mais complexa por se integrar mais firmemente à
narrativa visual. E, acrescenta o autor, “pode-se perceber que as onomatopeias muitas vezes
têm importância maior do que apenas traduzir sons, elas expressam forte significado gráfico e
estético, sendo responsáveis pelo ritmo e dinamismo do quadro ou da página” (GIMENEZ
MENDO, 2008, p. 38).

66
Quadrinhos retirados da história “Limite assustador” do mangá Bleach, v. 16. São Paulo: Panini Comics, 2007,
p. 29.
73

Onomatopeia como personagem de HQ

Além dessa intensa presença e forte característica das onomatopeias nas HQ, tanto nos
gibis Ocidentais quanto nos Orientais, surge um personagem, nas HQ de super-herois
estadunidenses, no mínimo curioso. É o misterioso “Onomatopeia”, um assassino com um
estranho fascínio por efeitos sonoros, que invade os gibis do Batman com um objetivo bem
claro: acabar com a vida do maior protetor de Gotham City! Sua fala peculiar imita os sons
que emanam do seu entorno. Observe uma de suas falas representadas na imagem abaixo:

Figura 11: “BLAM BLAM BLAM” 67: Onomatopeias de tiro reproduzidas na fala do personagem
“Onomatopeia”

Nesse quadrinho, a fala do Onomatopeia68 reproduz o som “BLAM BLAM BLAM


BLAM” proveniente do som dos tiros que os dois personagens disparam um no outro. E,
dessa forma, durante toda a história, as falas do Onomatopeia são constituídas por sons de
tiros, de facadas, de suspiros, enfim, sons já emitidos ou de sons a serem emitidos. O que se
tem nessa HQ é um fenômeno linguístico nomeando e caracterizando um personagem.

67
Quadrinho retirado da Revista Batman Cacofonia. São Paulo: Panini Comics, 2009, p. 12.
68
Resumidamente, nesta história Batman enfrenta o vilão Onomatopeia, natural de Star City, lar do Arqueiro
Verde, que tem como única motivação caçar e assassinar super-herois sem poderes. Para conseguir tal façanha,
elabora um plano para matar Batman envolvendo o Coringa e o Maxi Zeus. Ao fim da história, o Coringa toma
uma facada no coração do Onomatopeia e o Maxi Zeus é preso pelos federais.
74

5.4. Onomatopeia nas HQ da Turma da Mônica

A representação das onomatopeias nas HQ da Turma da Mônica69 pode estar dentro ou


fora dos balões. Nas duas situações, o aspecto visual da letra utilizada pode indicar
expressividades diferentes. Sua cor, tamanho, formato e até prolongamento adquirem valores
expressivos distintos dentro do contexto em que é produzida (RAMOS, 2009) e, acrescenta o
autor, podem ocorrer casos em que a onomatopeia tenha dupla função: representa o som ao
mesmo tempo em que sugere movimento, atuando como linha cinética.

Segundo Bibe-Luyten (1985, p. 15), recentemente, diversos desenhistas brasileiros, na


criação de suas histórias, começaram a buscar e adotar uma grafia onomatopeica mais
pertinente à nossa língua, trazendo, consequentemente, uma assimilação eficaz e um contato
mais direto com o leitor.

É o que constatamos nas criações de Maurício de Sousa70. Aliás, em suas HQ, as


onomatopeias são encontradas em quatro diferentes formas, a saber: 1) com a identificação de
homonímias dentre as onomatopeias; 2) identificação de onomatopeias diferentes com o
mesmo sentido; 3) a presença das “onomatopeias imprevisíveis” e, 4) certos tipos de
interjeição, que favorecem um “efeito onomatopeico”. Discutiremos cada uma delas a seguir.

O primeiro aspecto encontrado corresponde a identificação da homonímia dentre as


onomatopeias. Observe as diferentes significações para a onomatopeia “PUF”.

Figura 12: “PUF!”71 Figura 13: “PUF”72

69
A Turma da Mônica é a “turma” mais conhecida das publicações assinadas por Maurício de Sousa.
Direcionada para o público infantojuvenil, com uma linguagem coloquial, direta e uma intensa representação de
onomatopeias. Essa “turma” tem como personagens principais a Mônica, o Cebolinha, o Cascão e a Magali.
70
Em Santos; Braga; Calil (2008) mostramos que nas HQ da Turma da Mônica esse recurso está em quase todas
as páginas. Sua forte manifestação compõe um dos elementos que constitui esse tipo de gibi, a ponto de
podermos afirmar que sua ausência poderia descaracterizá-lo como gênero discursivo.
71
Extrato retirado da Revista Almanaque do Chico Bento, nº 60. São Paulo: Globo, 2000.
72
Extrato retirado da Revista Almanaque da Magali, nº 51. São Paulo: Globo, 2005.
75

O “PUF”, da história do Chico Bento, representa o cansaço do personagem


“Torresmo”, e o “PUF”, da história da “D. Morte”, representa o aparecimento/
desaparecimento da personagem. Outra onomatopeia que também representa esse “som” é
“PLIM”73.

A mudança de sentido é intensificada pela pontuação que encadeia a entoação do fato


e pela metáfora visual que surge para complementar a intensidade da ação ligada ao
personagem. O formato e as cores das letras, o contorno do balão, ou a sua ausência, contribui
significativamente na construção de sentidos desses recursos.

O segundo aspecto compreende a identificação de onomatopeias diferentes com o


mesmo sentido, como ocorre nas onomatopeias “RONC!”, “ZZZZZ” e “RRRR...”,
representadas abaixo.

Figura 14: “RONC! ZZZZ RRRR”74

O terceiro aspecto e, talvez o mais interessante, é a presença das “onomatopeias


imprevisíveis”, conforme definido em Santos, Braga e Calil (2008), em que verbos funcionam
como onomatopeias75. O quadrinho abaixo mostra a cena em que os personagens estão
próximos a uma explosão de uma bexiga de ar. Em vez de utilizar “POF”, “POU” ou “BUM”,
o autor do quadrinho, escreveu “POCA”, termo que resume aquele momento. A palavra
adquire a função de onomatopeia. Observe.

73
Ver em Calil (2009).
74
Extrato retirado da Revista Almanaque da Magali, nº 37. São Paulo: Globo, 2003.
75
Remetemos, nesse momento, para a representação onomatopeica “SALTITA SALTITA SALTITA” de Angeli
comentada no terceiro capítulo.
76

Figura 15: “POCA” 76

A palavra deixa sua natureza morfológica e adquire propriedades características da


onomatopeia como a repetição da palavra, o formato das letras, a disposição no quadrinho e a
metáfora visual do balão.

Nesses casos, não se tem a representação escrita de um som, como as gramáticas,


dicionaristas e a própria linguística definem. O que se tem é uma palavra que pertence ao
funcionamento linguístico estabilizado, mas que abandona esse estatuto e entra nessa
dimensão onomatopaica a partir da forma de sua representação. Tendo como exemplificação
essas representações, verificamos que a onomatopeia transborda os conceitos linguísticos,
gramaticais e dicionaristas delimitados a ela.

Figura 16: “ESCREVE, ESCREVE” 77

Além da inusitada representação onomatopeica “ESCREVE ESCREVE”, o formato da


metáfora visual também é peculiar, pois ela remete ao formato de uma folha de papel sulfite.

76
Infelizmente, não foi possível recuperar a referência deste quadrinho.
77
Extrato retirado do sítio oficial da Turma da Mônica <www.monica.com.br/paginasemanal327>. Acesso em:
22 de setembro de 2008.
77

O último aspecto que observamos é o “efeito onomatopeico”, favorecido por certos


tipos de interjeição, em que funcionam como onomatopeia devido à intensidade provocada
pela metáfora visual nela utilizada. Observe:

Figura 17: “IUPIIIIII”78

Esses aspectos apresentam as novas abordagens do fenômeno, como as “onomatopeias


imprevisíveis” e o “efeito onomatopeico”, abrindo espaço para o que é próprio do
funcionamento linguístico-discursivo desse recurso nesse gênero, em específico. Nesse
sentido, chamamos a atenção do leitor para o fato de que não é apenas nas criações de autores
consagrados, como no caso das HQ da Turma da Mônica de Mauricio de Sousa, que surgem
representações inusitadas como as discutidas acima. Encontramos no trabalho de Calil e Del
Re (2009) um caso de “onomatopeia visual”.

Nesse trabalho, os investigadores construíram uma análise calcada no entrecruzamento


de dois momentos de coleta e análise de dados: o primeiro, no manuscrito escolar, produzido
pelas alunas Nara e Isabel79; e, o segundo, na análise do diálogo entre as alunas através do
apoio do programa Eudico Linguistic Annotator (ELAN) no processo de escritura em ato
dessas duas meninas. É a partir do manuscrito “Os treis Todinhos e a dona Sabor” que se faz
uma discussão acerca da produção da “onomatopeia visual”.

Segundo Calil (2004, p. 18) resumidamente, esta história narra a aventura de “três
Todinhos” que têm diferentes sabores: chocolate, morango e creme. Esses personagens
falavam e cantavam o tempo todo, deixando a mãe (“Dona Sabor”) muito triste. De repente
surgiu um/a feiticeiro/fada que fez uma mágica e, ao dar “um toquinho a mais”, emudece-os.
Depois o feiticeiro volta e conserta o seu erro. É no “toquinho a mais” que emudece os “treis
Todinhos” que os autores apontam para algo dessa história fazendo-a “absolutamente singular
78
Extrato retirado da Revista Almanaque do Cascão, nº 55. São Paulo: Globo, 2000.
79
No mês dessa produção Nara estava com seis anos e cinco meses e Isabel com sete anos e um mês. Segundo
Calil e Del Re (2009, p. 28) elas estudavam em uma importante escola particular paulistana e estavam inseridas
fortemente na cultura letrada valorizada na época.
78

principalmente se considerarmos o fato de serem alunos de apenas 6 anos de idade” (CALIL;


DEL RE, 2009, p. 30). Para visualizar essa assertiva, observe o fragmento do manuscrito
abaixo80.

Figura 18: Manuscrito escolar de Nara e Isabel

Nesse fragmento, os autores chamam a atenção do leitor para o espaço em branco


entre as falas de um personagem (“Oi. Tudo bem?”81) e a voz do narrador (“Então eles
perceberam.”), pois o “silêncio”, demarcado pelo espaço em branco,

mantém um forte valor linguístico. Valor que significa a ausência, a falta de voz dos
Todinhos ou o modo como eles “falam”, “respondem” à pergunta “Tudo bem?”.
Marca gráfico-visual que representa o “som” da fala dos personagens ao ficarem
sem voz, portanto, guarda o sentido de uma onomatopeia e, ao mesmo tempo, indica
uma metáfora visual, em que o espaço é delimitado pelas palavras que o antecedem
e o sucedem (CALIL; DEL RE, 2009, p. 31).

No segundo momento da análise, apoiada pela imagem e necessariamente


possibilitada pela filmagem desse processo de escritura em ato, os autores chamam a atenção
para o “gesto” feito por Isabel ao encontrar a “solução para a escrita do mutismo dos
personagens”, que “indicando com os dedos, aponta para a linha em que irá fazer o “buraco” e
diz: “– Eu faço... um buraco aqui... uuuuumaaa coisinha aqui...” (CALIL; DEL RE, 2009, p.
34). É nesse sentido que

a imagem das mãos de Isabel, associada ao que diz, confirma a presença do espaço
em branco entre as escritas de “Oi. Tudo bem?” e “Então eles perceberam.”,
significando a “resposta sem responder” dos três Todinhos que fariam “sim, com a
cabeça”. Sua marcação na contiguidade da cadeia sintagmática aproxima-se da
forma que toma um “balão mudo”, à maneira do que aparece nas HQs que lê.
(CALIL; DEL RE, 2009, p. 34-35).

E, ainda segundo Calil e Del Re (2009), essa associação entre a “voz muda” e sua
representação gráfica que remete à imagem de um “balão vazio”, como nas HQ, mas sem sua

80
Agradecemos aos autores a gentileza em conceder o excerto do manuscrito tornando possível, ao nosso leitor,
uma rápida visualização do evento pesquisado.
81
Em uma “transcrição normativa” (CALIL, 2008a, p. 71).
79

linha de contorno, é a responsável pela emergência dessa fusão entre a representação de uma
“onomatopeia” e de um “balão”. Deste modo,

essa quase imperceptível e absolutamente imprevisível espécie de “onomatopeia


visual” – efeito de uma relação de alteridade fortemente inscrita através dos textos
das HQs – produz, na verdade, uma pequena pérola “linguístico-visual” escondida
por entre as letras e palavras desse processo criativo, diferentemente do que
aconteceria com a potencial, previsível e estabilizada escrita de “eles responderam
‘sim’ mexendo com a cabeça” (CALIL; DEL RE, 2009, p. 35).

Com essas ocorrências demarcadas, partiremos para a análise das onomatopeias


criadas por alunos nos manuscritos escolares de HQ, mas antes, teceremos as etapas da coleta
dos dados e os procedimentos de análise.
80

METODOLOGIA

“Apesar de ser um objeto ao qual se dedicam inúmeros


investigadores de diferentes perspectivas teóricas,
questões e mistérios que emanam do texto
escrito em sala de aula não deixam
de inquietar e interrogar.”

Eduardo Calil

Para apoiar didaticamente essa pesquisa elaboramos o projeto didático “Gibi na sala”
82
, ancorado no que propõe Calil (2008) ao vincular as práticas de textualização e os processos
de escritura em ato a um projeto didático que tem como ponto de partida a imersão dos alunos
no gênero discursivo eleito e a interferência nas práticas didáticas desenvolvidas pela escola.
Para tanto, elegemos as HQ da Turma da Mônica, por se constituir através da relação entre
imagem e texto, além de ter no humor seu atrativo central.

82
A produção e aplicação deste projeto, além de constituir os dados empíricos utilizados nesta dissertação,
amplia o banco de dados “Práticas de Textualização na Escola”, coordenado pelo professor Eduardo Calil.
81

O procedimento metodológico da pesquisa está dividido em dois momentos distintos,


a saber, no processo de coleta de dados e no seu efetivo procedimento de análise, os quais
delinearemos na parte que segue.

6.1. Coleta de dados

a) Gibi na sala: o projeto

Para a constituição do projeto didático, elaboramos 60 propostas de atividades de


leitura e interpretação e 36 propostas de criação textual. Nessas propostas tentamos criar
condições que favorecessem a entrada do aluno no funcionamento linguístico e discursivo
deste gênero, pois

Certamente, a imersão no universo da cultura escrita e, consequentemente, nos


gêneros textuais (Marcuschi, 2001) que o constituem, instaurados através de
diversas práticas interacionais mobilizadas pelo outro, é que irá criar as condições de
produção necessárias para a presentificação daqueles enunciados. Dificilmente se
produziria algo com características letradas sem que se tivesse algum tipo de acesso
a esse universo e seus gêneros (CALIL, 2004, p. 335).

Nesse sentido, o projeto didático “Gibi na sala” tem o mesmo propósito que o “Projeto
didático Poema de cada dia” elaborado pelo professor Eduardo Calil, cujo objetivo primordial
é fornecer situações de ensino-aprendizagem adequadas ao gênero, “permitindo que eles se
apresentem em sala de aula de modo intenso, sistemático e significativo” (CALIL, 2006, p. 7).

Para confeccionar as propostas de atividades de leitura e interpretação de textos do


projeto foi indispensável a leitura de, aproximadamente, 200 gibis da Turma da Mônica. Após
análise criteriosa dessas histórias, selecionamos aquelas que contemplassem aspectos
relacionados aos elementos constitutivos da linguagem desses gibis, tais como: a
onomatopeia, a homonímia, ao uso de metáforas visuais e a intertextualidade. Observemos a
sétima proposta.
82
83

Figura 19: Proposta de atividade de leitura e interpretação

Essas propostas focalizam as relações com conhecimentos mobilizados e as estratégias


de leitura predominantes como a “decodificação”, a “seleção”, a “antecipação”, a “inferência”
e a “checagem”, conforme definidas por Solé (1998). Esperamos, com este propósito, poder
colocar em discussão a pertinência e adequação dessas propostas diante do conhecimento dos
alunos que estão em processo de aquisição da linguagem escrita, sem descaracterizar as
especificidades deste gênero.

A estrutura das propostas de criação textual seguiu outra formatação. Elaboramos 36


propostas de atividades sustentadas nas sequências de imagens das histórias da Turma da
Mônica, encontradas tanto nos gibis impressos quanto nas histórias eletrônicas83. Nas
histórias selecionadas apagamos os elementos verbais, como o título, as falas dos
personagens, os balões e as legendas, as onomatopeias, as interjeições, enfim, os recursos
linguísticos e algumas marcas gráficas que pudessem indicar a presença de texto, mas que

83
Disponível nas páginas semanais do sítio oficial da Turma da Mônica <www.monica.com.br.>
84

acompanhavam os personagens da história original. Para que esse tratamento pudesse ser
feito, selecionamos histórias curtas (com, no máximo, três páginas) e “carregadas” de humor.
Essa escolha justifica-se pelo fato de, pelo seu alto grau de complexidade, a articulação entre
“fazer uma sequência de quadrinhos” e criar o “texto (diálogo) que a acompanha” ter-nos
parecido inviável. Para exemplificar, disponibilizamos a sexta proposta.

Figura 20: Proposta de atividade de criação textual

b) Gibi na sala: o dia-a-dia do projeto


85

O projeto foi desenvolvido no período de dois meses, de outubro a dezembro de 2008,


sendo possível efetivar apenas as 12 primeiras atividades de cada modalidade (leitura e
interpretação e criação textual). Selecionamos uma turma de 2ª ano do Ensino Fundamental
numa escola da rede pública municipal de Maceió84.

A realização das atividades do projeto foi dividida em três momentos simultâneos:


leitura dos gibis pertencentes à gibiteca85 que disponibilizamos para uso diário na sala de aula;
a realização das propostas de atividades de leitura e interpretação e das propostas de criação
de texto.

A gestão das gibitecas e a realização das atividades de leitura estiveram sob a


responsabilidade da professora durante todo a período da aplicação do projeto, não sendo
possível precisar como foi realizada a leitura dos gibis (se coletivamente ou individualmente;
se em leitura silenciosa ou leitura em voz alta; se no início da aula ou durante o intervalo,
enfim.) e cada atividade. Sabemos apenas, em relação às atividades de leitura, que os alunos
estavam organizados em díades. No entanto, acompanhamos a realização de todas as
atividades de criação, cujo produto interessa-nos diretamente, já que é na análise dos
manuscritos escolares de HQ que iremos discutir o processo de criação de onomatopeias por
alunos recém-alfabetizados. Essas atividades foram solicitadas uma vez por semana, os alunos
estavam organizados, no maior número de vezes, em díades e deveriam escrever um único
texto. Convém realçar também que a consigna dada pelo condutor da atividade pedia para que
os alunos escrevessem tudo o que achavam que estava faltando para deixar a história mais
“engraçada”.

Nesse momento, é preciso definir, então, o que estamos chamando de manuscrito


escolar de HQ. Para isso, faz-se necessário conceituar, primeiramente, tomando por base a
definição de Calil (2008a), a noção de “manuscrito escolar”, como

todo e qualquer escrito mobilizado por uma demanda escolar, seja ele produzido à
mão, à máquina ou no computador, seja ele escrito em folha avulsa, no livro
didático, no caderno escolar de estudo de língua Portuguesa, de Matemática, de
Ciências, de Geografia, ou ainda uma breve nota, um bilhete, uma história
inventada, um conto de fada reescrito, um poema copiado, as respostas a uma prova
bimestral de Matemática, a uma questão de Ciências... (CALIL, 2008a, p. 24-25).

84
Antes de realizarmos esse estudo, buscamos a autorização da escola e dos pais dos alunos através do “Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido” fornecido pelo Comitê de Ética desta universidade.
85
Para ser utilizada à medida que os alunos manifestassem interesse pela leitura e recebessem incentivos da
professora para leitura coletiva. Durante a realização do projeto disponibilizamos duas gibitecas. Ambas
constituídas por 40 gibis da Turma da Mônica. No entanto, ao recolher as caixas, no término do projeto, a
primeira gibiteca continha apenas 33 gibis e a segunda, 36. A relação de todos esses gibis disponibilizados
consta no anexo desse trabalho.
86

Em outras palavras, segundo o autor

o manuscrito escolar é tudo aquilo que, relacionado diretamente ou não ao ensino da


língua portuguesa escrita, o scriptor produz na sua condição de aluno. Em uma
palavra, o manuscrito escolar é o produto de um processo escritural que tem a
instituição escola como pano de fundo, como referência, como um cenário que
contextualiza e situa o ato de escrever (CALIL, 2008a, p. 24-25).

Podemos dizer, então, que o manuscrito escolar, produto de uma proposta de atividade
sustentada numa sequência de imagens da Turma da Mônica, pode ser denominado
manuscrito escolar de HQ. Deste modo, temos 144 manuscritos escolares de HQ constituindo
nosso material de análise sendo esses o produto das propostas de produção de texto a partir do
projeto didático “Gibi na sala”.

6.2. Procedimentos de análise

Para analisar e descrever as formas onomatopeicas emergentes nos manuscritos


escolares de HQ dividimos as incidências em quatro categorias: 1) onomatopeias expressivas;
2) onomatopeias de ação/movimento; 3) onomatopeias indefinidas; e, 4) onomatopeias de
vozes de animais.

Com essa classificação posta, empreendemos análises quantitativas e qualitativas.


87

ONOMATOPEIA NOS
MANUSCRITOS ESCOLARES DE HQ

Essas formas inusitadas representadas acima, e muitas outras que veremos no decorrer
do capítulo, ajudam a compor as produções infantis. São as onomatopeias criadas por alunos
recém-alfabetizados que aqui discutiremos.
88

Todavia, antes de iniciar tal discussão, urge fazer um resgate de alguns trabalhos, cujo
escopo pauta-se na incidência de onomatopeias na linguagem infantil, pois verificamos que há
poucos estudos que se preocupam com essa questão. Dentre eles, apontamos para os trabalhos
de Højholt (2008), Calil (2008b; 2008c) e Calil e Del Re (2009). Estes dois últimos estudos
apresentam análises sobre onomatopeias criadas por duas crianças de seis anos de idade
quando escrevem histórias inventadas.

7.1. Onomatopeias na linguagem infantil

A pesquisa de Marie Højholt (2008) delineou-se em investigar a produção de


onomatopeias por uma criança dinamarquesa, em processo de aquisição da língua materna,
chamada Holger, em interação com seus pais durante oito meses. Nesse trabalho, a autora
constatou que tal como para muitas crianças, a onomatopeia, constituiu-se numa grande parte
do vocabulário inicial de Holger, mas no período em que as outras crianças utilizavam as
palavras convencionais, em torno de 18-24 meses, Holger, continuava a inventar e utilizar os
sons onomatopaicos e, acrescenta que, o uso excessivo desse fenômeno aponta para um dos
aspectos centrais de aquisição da linguagem: a imitação dos sons que nos rodeiam (Højholt,
2008, p. 36)86. O episódio abaixo ilustra uma conversa típica entre Holger, com 16 meses, e
seu pai. Observe:

Fragmento 1: Holger e seu pai estão lendo um livro juntos e Holger aponta para uma
vaca87:

86
O fragmento original é: “The child in this study made good use of the linguistically very productive and
communicatively very effective strategy of onomatopoeia. As for many other children, onomatopoeia was a
large part of his initial vocabulary, but where most other children give in to the conventional words around them
around 18-24 months, Holger continued to use these and invent a number of rather “wild” onomatopoeic words.
(…) His excessive use of this phenomenon, points to a central aspects of language acquisition: imitation of the
sounds that surround us”.
87
Holger and his father are reading a book together, and Holger points to a cow:
Holger: “De-deeet?” (Ing.: “what’s that?”)
Father: “It’s a cow. Can you say cow, Holger?”
Holger: “De-deet?”
Father: “Cow”
Holger: “De-deeet?”
Father : “Come on Holger, cow-cow-cow, can you say cow”?
Holger: “De-de-de de de de deeeeeeeeeet?”
(looks at his father with excitement and expectation: “now I must get some pay-off!”)
Father: “So what does the cow say?”
89

Holger: De-deeet? (o que é isso?)


Pai: É uma vaca. Você consegue dizer vaca, Holger?
Holger: De-deeet?
Pai: Vaca.
Holger: De-deeet?
Pai: Vamos Holger! Vaca – vaca - vaca. Você consegue dizer vaca?
Holger: De-de-de de de de deeeeeeeeeet?
(olha para o pai com entusiasmo e expectativa: “agora eu devo obter algum
pagamento”).
Pai: Então, o que a vaca diz?
Holger: Muuuuuuuuuuh
Pai: Sim, você faz um bom “muuu” como a vaca. Você pode também dizer vaca?
Holger: Não!! (muito zangado) (HØJHOLT, 2008, p. 16).

A autora afirma ainda que Holger era muito persistente na utilização de holófrases88 e,
muitas vezes, insistia fortemente em esgueirar-se da palavra convencional. Em seu estudo,
Højholt, se depara com a seguinte questão: como explicar o “comportamento onomatopaico
extremo” de Holger? Alguns estudos apontam para uma vantagem na estratégia de utilização
de onomatopeias em certas situações de comunicação: “as experiências mostram que o tempo
de reação para os seres humanos, os julgamentos corretos sobre os significados de palavras
são mais rápidos para o som de palavras-simbólicas do que por palavras arbitrárias comuns”
(HINTON apud Højholt, 2008, p. 33). Deste modo, a ansiedade da família para interpretá-lo,
provavelmente reforçou o sucesso comunicacional de Holger.

Na aquisição da linguagem escrita encontramos os trabalhos de Calil (2008b; 2008c) e


Calil e Del Re (2009). Em Calil (2008b; 2008c) o autor analisa os recursos onomatopeicos e
gráficos característicos das HQ da Turma da Mônica presentes em histórias inventadas por
uma aluna em processo de alfabetização em situação não-escolar89. A intensa presença desse
recurso linguístico é associada, pelo autor, ao que designa “fenômeno de recorrência”, isto é,
a propriedade estruturante dos textos infantis que cumpre a função de estruturação de sua
escrita. No caso analisado, apesar deles nem sempre apresentarem as formas gráficas comuns
aos gibis com os quadrinhos desenhados, surgem como elementos constitutivos de histórias
que seguem a configuração gráfico-textual de narrativas escritas sem imagens, como os

Holger: “Muuuuuuuuuuh”
Father: “Yeah, you make a good “muuu” like the cow, - can you also say cow?
Holger: “No!!” (quite angry)
88
Ou “fala de uma só palavra”. Segundo Lemos (2002) é um termo utilizado na Aquisição da Linguagem para
dar um estatuto de sentença/enunciado completo ao fragmento ou palavra isolada na fala inicial da criança, com
base na intenção comunicativa da criança, inferida de seu suposto contexto de enunciação.
89
Os manuscritos de Nara compõem um dos vários corpus reunidos no acervo “Práticas de textualização na sala
de aula”, organizado pelo professor e pesquisador Eduardo Calil.
90

contos de fada. Em Calil e Del Re (2009), os autores analisam o caso da produção da


“onomatopeia visual” em uma história inventada por duas alunas90.

Nosso recorte, sobre esse fenômeno linguístico em manuscritos escolares de alunos de


um 2º ano de uma escola municipal de Maceió, visa a descrever como esses alunos o
representam e que relação há entre a representação linguística e a imagem que lhe serve de
referência.
As onomatopeias, em sua definição estritamente linguística indicam sons ou ruídos de
objetos e vozes. Porém, segundo Santos; Calil (2010), nas HQ elas também estão relacionadas
aos efeitos gráfico-visuais específicos desse gênero, uma vez que suas ocorrências não podem
ser interpretadas sem que se considerem igualmente os tipos, os tamanhos e as cores das
letras; sua disposição no espaço do quadro; suas relações com a expressão do personagem,
dentre outros aspectos. O sentido que traz a onomatopeia nas HQ não pode ser dissociado do
conjunto de traços e cores, tampouco do universo discursivo que caracteriza as HQ. Ou seja, a
onomatopeia “buááá”, que representa o choro de um personagem no gibi da Turma da
Mônica, dificilmente estará presente em um gibi do Batman, e, mesmo que surja em alguma
história, sua forma de representação gráfico-visual não será certamente a mesma.

7.2. Formas de representações onomatopeicas nos manuscritos escolares de HQ

Para descrever e discutir as onomatopeias que fervilham nos manuscritos escolares de


HQ de alunos recém-alfabetizados, devemos, pois, diante da extrema complexidade da
linguagem, tal como diz Émile Benveniste,

Visar a propor uma ordem ao mesmo tempo nos fenômenos estudados, de maneira a
classificá-los segundo um princípio racional, e nos métodos de análise, para
construir uma descrição coerente, organizada segundo os mesmos conceitos e os
mesmos critérios (BENVENISTE, 2005, p.127).

90
Tal como comentado no quinto capítulo.
91

Desta forma, organizamos uma proposta de classificação interna das onomatopeias


que surgem nas produções infantis, pontuando suas características e as possíveis relações com
a imagem que a sustenta.

No conjunto de 144 manuscritos, há 291 onomatopeias, classificadas, pelo sentido


invocado, em quatro categorias. Observe o gráfico:

Gráfico 1: Formas de representações


onomatopeicas

6,87%
Onomatopeias
expressivas
Onomatopeias de
12,72%
ações/movimentos
43,64%
Onomatopeias
36,77% indefinidas
Onomatopeias de
vozes de animais

Fonte: Dados da pesquisa

As onomatopeias referentes ao que um personagem expressa, diz, sente, emite, através


do riso, do choro, do grito e do soluço detém o maior número de incidências: 43,64%, a essas
nomearemos onomatopeias expressivas. As onomatopeias de ações/movimentos, com índice
de 36,77%, correspondem ao que um personagem pratica: cantarolar, comer, bater (em outro
personagem ou na parede), rasgar, beijar, pintar; brisa de movimento do personagem;
acrescentamos também alguns sons de objetos, como: da máquina fotográfica, o cair da bola
no chão e/ou na cabeça do personagem e a pancada de um bumerangue. As onomatopeias
indefinidas, contando com 12,72% das incidências, são produções cujo valor semântico não
foi recuperado. E, por fim, as vozes de animais que correspondem a 6,87% das produções.

7.2.1. Onomatopeias expressivas


92

As onomatopeias expressivas estão divididas em quatro classificações91. Observe o


gráfico:

Gráfico 2: Incidência de onomatopeias


expressivas
3,15%

Riso

17,32% Choro
55,12% Grito
24,41% Soluço

Fonte: Dados da pesquisa

a) onomatopeias expressivas de riso

Segundo Aizen (1970, p. 300) convencionou-se que, em português, a onomatopeia


correspondente à risada teria quatro formas:

a) Ah! Ah! Ah! (gargalhada comum);


b) Eh! Eh! Eh! e Oh! Oh! Oh! (riso zombeteiro);
c) Ih! Ih! Ih! (riso ridículo)

O autor acrescenta ainda que todas as quatro formas poderiam ser grafadas de jeito
mais simples e bem realistas: Rá! Rá! Rá! ou Ré! Ré! Ré! e assim por diante. Henfil, Ziraldo
e, algumas vezes as produções de Maurício de Sousa, utilizam essa forma de expressão. Há
também a forma “Quá! Quá! Quá!”. Observe no exemplo a seguir:

91
Em estudo posterior, retomaremos as onomatopeias expressivas de grito e soluço e, subsequentemente, a
análise de dados.
93

92
Figura 21: QUÁ! QUÁ! QUÁ! : onomatopeia que
representa o som de gargalhadas

Além dessas produções, surgem as formas “QUIÁ! QUIÁ!” e “HUÁ! HUÁ! HUÁ!”.
Segundo Ramos (2009) as risadas são representadas em geral de maneira análoga à forma
como são emitidas verbalmente. A caracterização varia de autor para autor. Diante disso,
questionamos: como alunos recém-alfabetizados representam onomatopeias de risadas? Como
a imagem favorece o surgimento deste tipo de onomatopeia nos manuscritos?

Nos textos dos alunos verificamos que as onomatopeias de riso totalizam 55,47% do
total referente as onomatopeias expressivas. Desse montante, a forma mais encontrada é “ra ra
ra” com 28 incidências.

Vejamos uma dessas formas no fragmento abaixo:

93
Figura 22: “arrarara”

Nesse manuscrito podemos identificar a presença de alguns elementos que remetem a


estrutura das HQ da Turma da Mônica lidas concomitante ao momento da produção desta

92
Extrato retirado da história “Cebolinha, Cascão e Mônica em: Pegadinha não doi!” da Revista Almanaque do
Cebolinha, nº 06, p. 06. São Paulo: Panini Comics, 2007.
93
Extrato retirado da história de Ana B. e Deyse, intitulada “O Breçemte malaco da mônica”, ambas tinham 8
anos e 1 mês.
94

proposta de atividade de criação textual: uma espécie de balão-fala94 e uma onomatopeia


expressiva de riso. Esses dois elementos emergem em muitos dos manuscritos de HQ dos
alunos. Para exemplificar, trouxemos esse extrato da produção da díade Ana Beatriz e Deyse,
em que surge a forma “arrarara” e nela identificamos duas características constitutivas da
onomatopeia, a saber, a reduplicação e a relação com a imagem95 (no caso, em relação ao
gênero em questão).

Observamos que o maior número dessas ocorrências se manifesta nos manuscritos da


díade Joyce e Lisly, em que são encontradas 13 produções em apenas quatro propostas de
atividades. Nelas, surgem três formas diferentes: “riri”, “i i”, e “ra ra ra ra”. A forma que
detém a maior quantidade de emergência é “ra ra ra ra”. Propomo-nos a discutir duas das
produções dessa díade.

A HQ da nona proposta96 apresenta oito quadrinhos e nela se manifestam duas


onomatopeias.

97
Figura 23: “ra ra ra ra”

94
De acordo com Houaiss (2001) o balão-fala é um espaço geralmente arredondado, limitado por uma linha, que
encerra as falas de um personagem, frequente com uma ponta alongada direcionada para o mesmo.
95
Convém realçar, a partir disto, que essas duas vertentes guiarão nossa análise. Dizendo de outro modo,
pretendemos descrever e analisar a formação da onomatopeia, destacando os recursos da reduplicação e da
alternância (vocálica e/ou consonântica) e a possível relação existente entre onomatopeia e imagem.
96
Esta proposta foi efetivada no dia 28/11/2008. Ela mostra, no primeiro quadro, Cebolinha se aproximando do
coelho de pelúcia da Mônica (chamado Sansão). No segundo, ele dando nós nas orelhas do coelho. No terceiro,
Mônica encontra o Cebolinha e ele toma um susto. No quarto, Mônica sai correndo atrás do Cebolinha. No
quinto, Cebolinha correndo vai em direção a uma casa. No sexto, ele bate na porta. No sétimo, Cascão abre a
porta e Cebolinha gesticula. No oitavo, Cascão entrega uma caixa de primeiros socorros ao Cebolinha.
97
Extrato retirado da história de Joyce e Lisly, intitulada “o ceBolilha pegado ocoelho bamonica”, que tinham 8
anos e 3 meses e 7 anos e 5 meses, respectivamente.
95

Figura 24: “ra ra ra” som de riso?

Não obstante é fácil reconhecer que essas onomatopeias, escritas no segundo e sétimo
quadros da HQ numa espécie de balão-fala e com letras cursivas, são constituídas de acordo
com a reduplicação explicada por Ullman (1964)98 da forma significante99 “ra”. No entanto,
algo chama-nos atenção. Observemos os dois quadros. Em ambos, as expressões do
Cebolinha são completamente diferentes. No segundo quadro da HQ, atentando para o olhar
arteiro e para o sorriso, ele demonstra um certo prazer ao dar nós nas orelhas do Sansão. Já no
sétimo quadrinho, a expressão de medo é fortemente marcada pelo olhar temeroso e pelas
gotas de suor. Assim sendo, poder-se-ia dizer que as formas “ra ra ra ra” e “ra ra ra”
produzidas, respectivamente, são duas onomatopeias diferentes? Ou melhor, de que maneira
as ações e os gestos do personagem influenciam essas produções? Sendo duas manifestações
encontradas no mesmo manuscrito, poderíamos dizer que nessa escrita não houve um retorno
e, consequentemente, uma relação com o já dito/escrito no quadro anterior?

b) onomatopeias expressivas de choro

Conforme os dados trazidos pelo segundo gráfico as onomatopeias expressivas de


choro correspondem a 24,41% das incidências totais. Um percentual significativo quando se
leva em consideração que essa são manifestações encontradas em apenas uma proposta de

98
No segundo capítulo mostramos como alguns linguistas concebem a onomatopeia. Elegemos as definições de
Ullman (1964) para analisar as produções dos alunos, visto que esta contempla a emergência de alguns conceitos
importantes, tais como a reduplicação e a alternância (vocálica e/ou consonântica).
99
Conforme definido em Calil (2008b; 2008c).
96

criação de HQ, a saber, na sexta atividade100. Dentre as variadas incidências, selecionamos


algumas que constam no último quadro da HQ, cuja produção obteve maior número.
Observemos:

101
Figura 25: “eR eR eR eR”

102
Figura 26: “anranan”

Entre “eR eR eR eR” e “anranan”, há de comum e de constante o fato de que essas


formas representam uma mesma expressão: o choro do personagem. Tendo apenas a primeira
forma constituída por reduplicação, elas mantêm de certa forma, uma relação associativa com
a imagem e aponta para dois aspectos importantes: a preponderante interferência da
linguagem oral na produção da onomatopeia e a experiência subjetiva do falante com os
recursos expressivos oferecidos pela língua (CALIL, 2008b, p. 195). Enfim, até aqui, nada
escapa a previsibilidade deste funcionamento.

100
Esta proposta foi efetivada no dia 30/10/2008. Ela mostra, no primeiro quadro, o Cebolinha passeando com
sua irmã, Mariazinha. No segundo, ela chorando. No terceiro, quarto e quinto, o Cebolinha fazendo gestos,
cantando, dançando para ela parar de chorar. No sexto, um homem aproxima-se, faz um carinho e dá um doce
para ela. No sétimo, ela para de chorar e fica alegre com o docinho. No oitavo, o Cebolinha começa a chorar e
vai atrás do homem.
101
Extrato retirado da história de Ana P. e Daniela, intitulada “O SeBonia caRecamo a mamiazia”, que tinham 8
anos e 1 mês e 8 anos e 2 meses, respectivamente.
102
Extrato retirado da história de Bianca e Lucas N., intitulada “mariaSinha e SeBolinha”, que tinham 8 anos e 7
anos e 9 meses, respectivamente.
97

No entanto, assim como discutimos em Santos; Calil (2010, p. 81), a relação entre a
onomatopeia e a imagem que a representa não é algo evidente para os alunos. Elas trazem um
caráter relativamente indeterminado, e nem sempre é possível definir com clareza o seu
sentido e o tipo de relação que há entre ela e a imagem. Para ilustramos essa heterogeneidade,
observemos o que acontece em apenas um manuscrito que, produzido por Douglas e Eduardo,
fez onomatopeias em cinco deles.

Figura 27: 1º quadrinho, som de música?

Figura 28: 2º quadrinho, o choro. Figura 29: 6º quadrinho, o choramingo.

Figura 30: 7º quadrinho, o choro?


98

Figura 31: 8º quadrinho, o chorão.

Em uma “transcrição normativa” (CALIL, 2008a, p. 71) e aproximativa dessas


onomatopeias, temos o seguinte:

1. Cebolinha cantando: “um um um” (figura 27, 1º quadrinho)


2. Mariazinha chorando: “oem oem oem” (figura 28, 2º quadrinho)
3. Mariazinha choramingando: “um” (figura 29, 6º quadrinho)
4. Mariazinha alegre: “um um” (figura 30, 7º quadrinho)
5. Cebolinha chorando: “um um um” (figura 31, 8º quadrinho)

Não é difícil constatar que a dupla, além de delimitar a onomatopeia103 em um balão,


também a representa a partir do recurso da reduplicação, presente em quatro das cinco formas
de representação. Poderíamos dizer que eles conseguem representar onomatopeias em suas
HQ e relacioná-las ao que se passa na história. Por exemplo, no segundo quadrinho (figura
28), o choro da Mariazinha recebe uma representação próxima ao som de um chorar aos
gritos, cuja forma ortográfica não está distante do som convencionalmente representado nos
gibis da Turma da Mônica.

103
Em consonância com a distinção entre onomatopeia primária e secundária desenhada por Ullman (1964) no
quadro teórico que assumimos nesse trabalho, as produções ora analisadas correspondem às onomatopeias
primárias, pois sua representação sugere uma escrita interpretada do som, pelo aluno que a produziu.
99

Figura 32: UNHÉÉ!!104: onomatopeia representando o som de um choro aos berros.

Além dessa aproximação entre a forma “oem”, proposta por Eduardo e Douglas, e a
forma “unhéé”, usada no gibi da Turma para a representação de um bebê berrando, há outro
aspecto curioso a ser destacado. Tanto no segundo quadrinho, quanto no primeiro e no oitavo
quadrinhos, há uma reduplicação das onomatopeias, característica igualmente observável
nesses gibis.

Figura 33: BUÁÁÁ! BUÁÁÁ! BUÁÁÁ!105: onomatopeia representando o


som reduplicado de um choro.

Contudo, se a forma “oem” pode ser aproximada da forma “unhéé”, a forma “um”,
que prepondera em quase todos os quadrinhos, está mais distante do som do choro,
particularmente de sua representação estabilizada: “buááá”. Além disso, e o que talvez seja o
mais surpreendente, a mesma (?) onomatopeia representa imagens completamente diferentes,
quase opostas: o primeiro quadrinho, quando Cebolinha está cantando, e o oitavo quadrinho,
quando está chorando, têm exatamente a mesma representação ortográfica e gráfica106.

104
Extrato retirado da história “Mônica em: com um beijinho passa”. Revista Almanaque da Mônica, n. 02. São
Paulo: Panini Comics, 2007.
105
Extrato retirado da história “Mauricio apresenta Cebolinha”. Revista Almanaque historinhas de uma página.
Turma da Mônica, n. 04. São Paulo: Panini Comics, 2009, p. 35.
106
Poderíamos dizer, em outra situação, caso fosse uma produção encontrada na HQ da Turma da Mônica, ser
um caso de homonímia constituindo a onomatopeia, conforme comentado em Santos, Braga e Calil (2008). No
entanto, o que se tem nessa produção é apenas uma representação que não diferencia um sentido do outro.
100

A que se deve isso? Por que esses alunos— e outros também —, por vezes, indiciam
certa apropriação desse recurso linguístico e sua relação com a imagem que o representa e,
por outras, dissociam uma coisa da outra?

7.2.2. Onomatopeias de ações/movimentos

Assim como as onomatopeias expressivas, as onomatopeias denotativas de ações e


movimentos são encontradas na maior parte dos manuscritos. Elas detêm 36,77% das formas
totais. Algumas dessas são mais ocorrentes, a saber, quando um personagem está cantarolando
ou quando leva uma pancada. Observemos a representação do personagem cantarolando na
oitava proposta.

107
Figura 34: “larala rarala laaa”

A produção da forma “larala rarala laaa”, constituída por reduplicação e representada


dentro de uma espécie de balão-fala, remete ao que comumente é encontrado nos gibis da
Turma da Mônica.

107
Extrato retirado da história de Isley e João L. Ar. intitulada “UCABELO DA MÔNICA”, em que ambos
tinham 7 anos e 5 meses.
101

Figura 35: LÁ- LÁ-LÁ...: Monica cantarolando108

Além dessa representação, surgem as formas “Hu, Hu” e “runru”, formas que se
aproximam “da “lalação” que crianças pequenas costumam fazer pelo simples prazer de
repetir sons e ruídos diversos” (CALIL, 2008c, p. 200), que embora apresente uma distinta
estrutura vocabular, são semanticamente semelhantes.

Outro tipo de incidência frequente nos manuscritos é a onomatopeia que representa


pancada. Vejamos, na quinta proposta, algumas delas:

109
Figura 36: “POFE”

Como se pode verificar, essa é a onomatopeia do título deste trabalho. Escrita com
letras grandes e dentro da metáfora visual, tendo como diferenciação apenas a ortografia da
onomatopeia110, a representação da forma “POFE” não foge muito ao perfil das encontradas
nos gibis da Turma. Nesse tipo de representação, a letra grande e o seu formato peculiar dão
volume e intensidade ao som da pancada. É o que Ramos (2009) advoga sobre a
108
Excerto retirado da história “Mônica, a bonequinha” colhida no sítio eletrônico oficial da Turma da Mônica, a
saber, <http://www.monica.com.br/cgi-bin/load.cgi?file=news/welcome.htm&pagina=../../mural/cinegibi4.htm.>
Acesso em 31/01/2010.
109
Extrato retirado da história de Ana B. e Deyse, intitulada “O Breçemte malaco da mônica”, ambas tinham 8
anos e 1 mês.
110
Segundo Aizen (1970, p. 276) a ortografia das onomatopeias não foi estabelecida, mas a tendência moderna é
encarar as onomatopeias vocabulizadas com a sua categoria de vocábulos, subordinando-as, assim, às leis
ortográficas.
102

representação da oralidade nos quadrinhos, pois “a palavra, ao mesmo tempo em que


representa o som ou o conjunto de sons, pode adquirir outros significantes (RAMOS, 2009, p.
56).

7.2.3. Onomatopeias indefinidas

Em face da intensa produção de onomatopeias manifestas nos manuscritos escolares


de HQ surgem algumas representações que resiste/escapa as tentativas de classificação ou
categorização. No total, conforme o primeiro gráfico, essas onomatopeias correspondem a
12,72% das incidências. Dessas, observemos duas representações inusitadas, a saber, “zizi” e
“T tix”, encontradas na nona e décima propostas, respectivamente.

111
Figura 37: “zizi”

Ao deparar com essa formação, escrita numa espécie de balão-fala apontada para o
personagem e constituída por reduplicação, questionamo-nos se de fato “zizi” é uma
onomatopeia ou se mantém, nomeada como tal, apenas pela característica da reduplicação da
forma significante “zi”. Vejamos agora a outra incidência:

111
Extrato retirado da história de Mylena e Sara, intitulada “cebolinha pega o coelho da monica e a caba a
panhano da monica”, que tinham 7 anos e 5 meses e 7 anos e 9 meses, respectivamente.
103

112
Figura 38: “T tix”
Tem-se aqui a emergência da forma “T tix” demarcada por uma espécie de balão-fala,
mas, diferentemente da anterior, esta não é formada por reduplicação. Então, o que poderia
caracterizá-la como onomatopeia?

No sentido das interrogações que essas formas incitam, Carvalho (2008) aponta para a
chamada “indeterminação do significado”113, que

seria um efeito provocado naquele que escuta/lê uma palavra ou um enunciado. Esse
efeito, por sua vez, consistiria numa impossibilidade de fixar (ou representar) o
significado (ou significados) de uma palavra (ou de um enunciado), qualquer que
fosse a natureza da atividade implicada na significação (CARVALHO, 2008, p.
107).

Assim, nesses casos, as imagens das HQ são pouco suficientes para produzir a
compreensão das formas significantes produzidas pelos alunos. Isto indica que sua formação
conta com a subjetividade de quem a produz, ou seja, ela está vinculada ao sujeito-falante e,
em decorrência, ao imprevisível da língua. Nesse sentido, a interpretação do investigador
“recebe sua mensagem como “estranha”, não pode nela se reconhecer e, ao mesmo tempo, (o
que é fundamental), reconhece a “matéria” da língua, sob a forma de enigma, de onde é
convocado como sujeito a advir” (LEMOS, M. T., 2002, p. 153).

Dessas produções, dispomo-nos das “formas”, mas parece-nos escapar o “sentido”


(BENVENISTE, 1989, p. 230).

112
Extrato retirado da história de João L. An. e Nilton, intitulada “O cebolinha Foi jogar bola”, que tinham 7
anos e 6 meses e 7 anos e 4 meses, respectivamente.
113
No decorrer do texto, a autora, ao assumir a posição de Cláudia Lemos (2000) substitui esse termo pela
definição “opacidade de significado”, que na aquisição de linguagem, “seria um efeito produzido pela fala da
criança (no início de seu percurso linguístico) sobre o investigador, tornando-lhe impossível atribuir, com
segurança, um significado aos significantes dessa fala” (LEMOS M. T apud CARVALHO, 2008, p. 110).
104

7.2.4. Onomatopeias de vozes de animais

São dois tipos de vozes de animais que surgem nos manuscritos: o chiar do rato e o
latido do cão. Elas detêm 6,87% das produções. Surgem as formas “Ti, Ti, Ti”, “chiri chiri
chiri” e “TiO TiO TiO TiO TiO”, representando a voz do rato e “AU AU” a do cachorro,
encontradas, respectivamente, na primeira114 e na quarta propostas de criação de HQ.
Atentamos para as incidências denotativas da voz do ratinho.

Nos manuscritos da díade Lucas N. e Verônica, produzidos em diferentes


momentos115, manifestam-se duas onomatopeias: “Ti, Ti, Ti” e “TiO TiO TiO TiO TiO”.
Vejamos:

116 Figura 40: “TiO TiO TiO TiO TiO”


Figura 39: “Ti, Ti, Ti”

Num quadro comparativo, além da formação ser sustentada por reduplicação e a forma
significante “Ti” permanecer em ambas as estruturas, podemos facilmente visualizar que na

114
Ela mostra, no primeiro quadro, a Mônica levando uma caixa de presente enquanto Cebolinha e Cascão estão
escondidos atrás de uma moita. No segundo, Cebolinha tem uma ideia. No terceiro, Cebolinha cochicha com
Cascão. No quarto, uma mão mostra um ratinho próximo a caixa. No quinto, um deles coloca o ratinho na caixa.
No sexto, a Mônica entrega o presente para a Magali e os meninos permanecem escondidos na moita. No sétimo,
eles observam. No oitavo, um gatinho sai de dentro da caixa.
115
A primeira proposta foi efetivada duas vezes durante a aplicação do projeto didático. A primeira versão no dia
01/10/2008, ao iniciar as atividades do projeto didático “Gibi na sala”, e a segunda, no dia 12/12/2008,
concluindo as atividades do projeto.
116
Extrato retirado da história de Gian, intitulada “O cebolinha Foi jogar bola”, que tinha 7 anos e 6 meses.
105

escrita da segunda versão (figura 40) não aparece a vírgula, mas surge a vogal “O” 117 e o
chiado do ratinho está dentro de uma espécie de balão-fala.

No manuscrito da segunda versão da díade Douglas e José manifesta-se a forma “chiri


chiri chiri”:

Figura 41: “chiri chiri chiri”118

Assim como nas formações anteriores, esta onomatopeia encontra-se constituída pela
reduplicação da forma significante “chiri” e apresenta-se delimitada numa espécie de bala-fala
apontada para o ratinho. Diante dessa representação, poderíamos dizer que a forma “chi” faz
referência ao verbo “chiar”, deliberadamente designada como a voz do “rato” em Houaiss
(2001), tendo em vista que ele pode ser de origem onomatopeica119?

Enfim, essas distintas representações, não obstante está da forma encontrada nos gibis
da Turma da Mônica. Observemos:

117
Essas questões, no entanto, fogem ao escopo desse trabalho. Elas podem ser aprofundadas no quadro teórico
que averigua a complexidade das rasuras e reformulações tanto em manuscritos literários quanto em manuscritos
escolares. Sugerimos ao leitor interessado a leitura de Fabre (1987), Willemart (1991), Calil (2008a), Felipeto
(2003, 2008), dentre outros.
118
Extrato retirado da história de Douglas e José, intitulada “a turma Da mônica e do ceBolinha”, que tinham 8
anos e 5 meses e 8 anos e 2 meses, respectivamente.
119
De acordo com o dicionarista, o verbo chiar tem uma origem controversa, mas provavelmente é de origem
onomatopeica.
106

120
Figura 42: “TIC TIC TIC”

Traçando um pequeno paralelo entre as formas “Ti, Ti, Ti”, “chiri chiri chiri” e “TiO
TiO TiO TiO TiO”, encontradas nos manuscritos, e a forma “TIC TIC TIC”, encontrada no
gibi da Turma, podemos demarcar que há algo em comum: o som agudo emitido pela vogal
/i/.

Finalizando essas discussões e na busca por generalidades no intuito de propor uma


organização coerente com o corpus da pesquisa, desenhamos aqui um quadro sintético das
distintas manifestações onomatopeicas produzidas pelos alunos recém-alfabetizados.
Inicialmente, classificamos as incidências em quatro tipos diferentes: 1) onomatopeias
expressivas; 2) onomatopeias de ação/movimento; 3) onomatopeias indefinidas; e, 4)
onomatopeias de vozes de animais.

Dentre elas, apontamos cinco características emergindo com intensidade: a primeira


diz respeito à utilização da estrutura linguística da onomatopeia, a saber, a reduplicação de
formas significantes; a segunda refere-se a relação estabelecida entre a imagem da HQ e a
onomatopeia representada, relação esta nem sempre tranquila e direta; a terceira, relacionada
as aproximações entre as produções dos alunos e as onomatopeias estabilizadas nos gibis da
Turma da Mônica; a quarta está relacionada àquelas formas “estranhas”, que surgem em
alguns manuscritos; e a quinta característica aponta para a influência da oralidade na escrita
de algumas onomatopeias que representadas com letras grandes dão volume e intensidade a
ela, tal como pode ser exemplificada na onomatopeia “POFE” do título deste trabalho.

120
Extrato retirado de uma história sem título da Revista Almanaque historinhas de uma página. Turma da
Mônica, n. 04. São Paulo: Panini Comics, 2009, p. 72.
107

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Descobrimos então que as onomatopeias


passam longe de ser pacíficas.”

Sérgio Rodrigues121

A onomatopeia está presente tanto na língua falada quanto na escrita, está na fala
cotidiana e na literatura consagrada, na fala da criança e também na fala do adulto, no tupi
antigo e no latim... Enfim, é um fenômeno linguístico inerente à própria linguagem,
manifestando-se nas mais diferentes culturas e civilizações. É entre os inúmeros aspectos
verbais e não verbais que constituem as HQ que debruçamo-nos detidamente sobre a
onomatopeia.

No primeiro capítulo, vimos que as HQ têm sido um gênero bastante valorizado no


ensino de Língua Portuguesa, particularmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Nos

121
Sérgio Rodrigues é jornalista, editor e colunista de uma revista eletrônica, na qual mantém uma seção diária
intitulada “A palavra é”, sobre curiosidades da língua.
108

últimos anos, tal gênero ganhou espaço no contexto escolar e, hoje, “a leitura de quadrinhos já
é considerada erudição” (GONSALES, 2006, p. 9), tem seu reconhecimento em diversos
materiais didáticos.

No segundo capítulo discutimos como alguns renomados linguistas, preocupados com


a língua, conceituam a onomatopeia. Dentre esses estudiosos, podemos destacar três
expoentes linguistas modernos, a saber, Ferdinand de Saussure, Stephen Ullman e Rodrigo de
Sá Nogueira, que postularam importantes questões sobre a onomatopeia. Na tentativa de
elucidar os caminhos percorridos desde a antiguidade para explicar a origem da linguagem
alguns estudiosos, como os filósofos gregos, discutiam se o que regia a língua era a
“natureza” ou a “convenção” (LYONS, 1979, p. 4). O cerne dessa discussão incidia sobre a
possível conexão entre o significado de uma palavra e a sua forma. Vimos que as abordagens
mais elucidativas concentram-se nos estudos de Ullman (1964) e Nogueira (1950a, 1950b).

No terceiro capítulo elaboramos uma breve descrição dos conceitos trazidos em dois
tipos de gramáticas, as normativas e as de textos. Nas distintas abordagens, consideramos que
Bechara (2005) e, na gramática de textos Campedelli e Souza (2002), são os únicos que
constituem um conceito diferencial por aprofundar o processo de formação da onomatopeia
como a reduplicação e a alternância vocálica e por apresentar as distintas representações nas
HQ.

No quarto capítulo descrevemos como alguns dicionaristas concebem esse fenômeno


linguístico, separando-os em dicionários de língua portuguesa e dicionários técnicos. Vimos
que as abordagens de Houaiss (2001) e Mattoso Camara (2002) se aproximam quando
conceituam as “onomatopeias gramaticais” e o “vocábulo onomatopaico”, encontrados,
respectivamente.

Com nossa atenção voltada para a incidência das onomatopeias nas HQ, pois é nela
que se tem presença mais marcada, se torna mais forte, ao ponto de extrapolar as definições,
devido estar associada a outras características específicas das HQ, como a cor, o traço, o estilo
do autor, elaboramos o quinto capítulo. Nele, organizamos um breve histórico da
onomatopeia nas HQ; discutimos a relação intricada entre onomatopeia e metáfora visual;
sobre a utilização desse recurso em um mangá e em HQ de super-herois e a inusitada presença
da onomatopeia como personagem na HQ do Batman; e, descrevemos a abordagem da
onomatopeia nos gibis da Turma da Mônica. Vimos que esse recurso linguístico apresenta-se
em quatro diferentes formas: a primeira, com a identificação de homonímias dentre as
onomatopeias; a segunda, a identificação de onomatopeias diferentes com o mesmo sentido; a
109

terceira, demarcada pela presença das onomatopeias “imprevisíveis” e a quarta, por certos
tipos de interjeição, que favorecem um “efeito onomatopeico”. Dentre essas, destacamos a
manifestação das onomatopeias “imprevisíveis”, cujo funcionamento extrapola as definições
dadas pela linguística, pela gramática e pelos dicionários, em que a palavra estabilizada no
léxico da língua, seja ele verbo ou substantivo, adquire propriedades onomatopeicas.
Observemos:

122
Figura 43: “MASTIGA! MASTIGA!”

A metodologia utilizada tanto na coleta de dados quanto nos procedimentos de análise


foram detalhados no sexto capítulo. Obtivemos como material de pesquisa, resultante do
projeto didático “Gibi na sala”, 144 manuscritos escolares de HQ.

E, por fim, no sétimo capítulo, descrevemos e analisamos como algumas


onomatopeias se manifestam nos manuscritos e observamos que elas são produzidas de
acordo com uma característica própria do fenômeno: a reduplicação. Além de apresentar, na
maior parte dos manuscritos, alguma relação com a imagem da HQ oferecida pela proposta de
criação textual. Ilustremos com o manuscrito abaixo.

123
Figura 44: “umHA!”

122
Extrato retirado da história “Cebolinha em: igualzinho ao Popai” da Revista Almanaque do Cebolinha, n. 08.
São Paulo: Panini Comics, 2008, p. 55.
123
Extrato retirado da história de Bianca e Keloany, intitulada “A Beijoquera destarida”, que tinham 7 anos e 9
meses e 9 anos e 4 meses, respectivamente.
110

Na produção desta díade, na quinta proposta de atividade de criação, emerge a forma


significante “umHA”, representando o som do beijo, delimitado numa espécie de balão-fala,
diferentemente das formas estabilizadas no gênero, a saber, “SMACK” e “CHUAC”.
Consequentemente como diz Ullman (1964), há uma valorização dependente da sensibilidade
de quem fala. O que parece estar em jogo não é tanto as formas onomatopeicas típicas dessa
linguagem, mas o modo como os alunos interpretam a imagem produzindo formas
onomatopeicas tendo como fulcro a subjetividade que o constitui.

Diante desse estudo, consideramos que a onomatopeia é um fenômeno linguístico que


está sobremaneira inscrito em discussões. Seja nas definições de linguistas, gramáticos e
dicionaristas ou em manifestações nas produções infantis, concordando com Sérgio
Rodrigues, elas “passam longe de ser pacíficas”. Dizendo de outro modo, é um tema fecundo
que suscita inúmeros questionamentos.

Nessa direção, a pesquisa apontou que as onomatopeias produzidas em situação


escolar mantêm estreitas relações com os aspectos gráfico-visuais próprios do gênero e
interrogam o conceito de arbitrariedade do signo proposto na reflexão saussuriana. Esperamos
com este estudo contribuir para a intensificação de pesquisas científicas que coloquem em
relevo os processos de criação e escritura de manuscritos escolares.
111

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Textos – Crítica Genética, 5. João Pessoa: UFPB, 1991.
116

ANEXOS

A – Sobre a escola

A escola e o corpo técnico

A escola municipal selecionada para participar do projeto didático “Gibi na sala” está
localizada num condomínio fechado no bairro Tabuleiro dos Martins, em Maceió (Alagoas).
Com 255 alunos (sendo cinco desistentes, nove evadidos e 23 transferidos), ela atende a
educação infantil e o Ensino Fundamental (do 1º ao 5º ano). De acordo com o diretor da
instituição, 80% desses alunos residem em zonas próximas da escola, nos conjuntos Village
Campestre II, Graciliano Ramos e Tabuleiro dos Martins.

A construção é formada por um prédio em boa conservação e pátio central coberto. No


prédio há: sete salas de aula, corredores com murais para exposição de trabalhos de alunos e
quadros de avisos e indicação visual das salas de aula com as respectivas turmas, sala do
apoio pedagógico, sala dos professores com um banheiro, secretaria, salas da direção e vice,
sala da coordenação pedagógica, refeitório, cozinha, quatro banheiros para alunos (divididos
para meninos e meninas) e espaço externo para brincadeiras disponibilizado pelo condomínio.
117

O corpo técnico da escola estava constituído por um diretor, uma vice-diretora, uma
coordenadora pedagógica, oito funcionários e 13 professores. Os gestores da escola foram
formados na Universidade Federal de Alagoas. O diretor possui graduação em História; a
vice-diretora e a coordenadora pedagógica em Pedagogia, tendo esta última Especialização
em Psicopedagogia. Todos são profissionais atuantes desde a inauguração da instituição, em
maio de 2006. No período em que lá estivemos, verificamos que:

 Ela não possuía vínculo com qualquer tipo de organização não governamental
(ONG) ou com a universidade federal, mas contava com a parceria do
condomínio onde está localizada. As aulas de judô e dança (coco de roda),
estavam sendo financiadas pelo condomínio, estando os alunos isentos de
qualquer tipo de pagamento.

 Havia um Conselho Escolar, órgão de discussão na escola que acumulava a


função consultiva, deliberativa e fiscalizadora, formado pela direção, quatro
professores, sete pais e um funcionário, sem alunos compondo esse quadro.

Proposta pedagógica da escola

Não existia na escola um Projeto Político Pedagógico (PPP) que norteasse a atuação
de cada agente educativo. De acordo com a coordenadora pedagógica, este documento estava
sendo elaborado.

As turmas constituídas foram distribuídas da seguinte forma:

Quadro 01: Turmas organizadas em 2008


Número
Período/Ano de Turno Horário
Turmas

Maternal 1 Vespertino 13h30 às 17h

1º Período 1 Matutino 7h30 às 11h30

2º Período 1 Matutino 7h30 às 11h30

1º Ano 1 Vespertino 13h30 às 17h


118

Vespertino
2 (Turma participante
2º Ano 13h30 às 17h
(A; B) da pesquisa:
2º ano A)

2
3º Ano Matutino 7h30 às 11h30
(A; B)

3 7h30 às 11h30/
4º Ano Matutino/Vespertino
(A; B; C) 13h30 às 17h

5º Ano 1 Vespertino 13h30 às 17h

Fonte: Dados da escola

O planejamento das aulas com as professoras era realizado individualmente uma hora
por semana enquanto os alunos estavam no intervalo. É o momento denominado pela
coordenadora de “departamento”, em que são discutidas as atividades realizadas na semana,
sugestões de atividades da semana seguinte, leitura de textos e discussões de vídeos
assistidos. A divisão fornecida pela coordenadora consiste em:

Quadro 02: Divisão do planejamento por turmas

Turno Turno
Dias da semana
Matutino Vespertino

Segunda-feira 1º Período Maternal

Terça-feira 2º Período 1º ano

3º ano A
Quinta-feira 4º ano C
3º ano B

5º ano
4º ano A
Sexta-feira
4º ano B
2º ano A
2º ano B
Fonte: Dados da escola

Nesse planejamento, são contemplados alguns dias da semana para realização de


atividades específicas, tais como: atividades fotocopiadas, mimeografadas de livros e jogos.

Alguns projetos didáticos estavam sendo efetivados na escola de acordo com o


período. Observe o terceiro quadro.
119

Quadro 03: Projetos didáticos por turma

Turma Título do projeto

1º Período Dinossauros

2º Período Alimentação

1º ano Sistema digestório

2º ano A
Leão
2º ano B

3º ano A
Sistema digestório
3º ano B

4º ano A
Alagoas
4º ano B

4º ano C
Tubarão
5º ano
Fonte: Dados da escola

Além desses projetos isolados a escola dispunha do “Projeto: Contos de Fada” sendo
efetivados concomitantemente por todas as turmas.

A formação de professores existente na escola estava baseada no curso “Nome


Próprio” do “Programa Além das Letras”, realizado mensalmente pela coordenadora
pedagógica.

Havia na escola um programa de Reforço Escolar, funcionando na sala de recursos,


em que atendia quase 50% dos alunos no horário contrário ao da série regular. Esses alunos
eram os que apresentavam dificuldades de aprendizagem diagnosticadas pelo professor e
obrigados a estarem na escola nos dias especificados. Para garantir a assiduidade desses
alunos, a escola contava com o apoio do transporte escolar fornecido pela prefeitura de
Maceió, na qual é responsável pelo itinerário dos alunos casa-escola-casa.

Ainda segundo a coordenadora pedagógica, os livros didáticos utilizados pelos alunos


não foram escolhidos pela escola. A Secretaria Municipal de Educação de Maceió
encaminhou os acervos disponíveis, a saber, a coleção Pitanguá para as disciplinas de Língua
Portuguesa, História, Geografia e Ciências e a coleção Caracol de Matemática.

Participantes do projeto: a professora e os alunos


120

A professora, responsável pelo 2º ano “A” e participante do projeto, cursava o segundo


período do curso de graduação em Pedagogia numa faculdade particular de Maceió e
preenchia o quadro de estagiários da Secretaria Municipal de Educação de Maceió e da cidade
de Messias. Em Maceió, contratada pela escola no dia 29 de setembro, dois dias antes da
nossa chegada. E, em Messias, lecionava a disciplina Ciências Naturais no 6º ano do Ensino
Fundamental. Leciona em escola pública há sete anos.

Na turma selecionada para a participação no projeto estavam matriculados 26 alunos.


No entanto, frequentaram a sala de aula 24 deles, cuja idade variava entre sete e oito anos.
Membros de uma sociedade pouco favorecida, de baixa renda, seus pais eram empregados
domésticos, pedreiros, faxineira, gráfico, auxiliar administrativo, pastor/cantor, aposentado,
padeiro, babá, trabalhavam no mercado informal (como carregador e chapeiro), vigilante ou
estavam desempregados. Dois alunos estavam sendo atendidos pelo Programa Federal “Bolsa
Família”.

B – Exemplares da Gibiteca 01

1. Revista Almanaque do Cascão. nº 58. São Paulo: Globo, julho, 2000.


2. Revista Almanaque do Cascão. nº 62. São Paulo: Globo, março, 2001.
3. Revista Almanaque do Cebolinha. nº 90. São Paulo: Globo, dezembro, 2005.
4. Revista Almanaque do Chico Bento. nº 62. São Paulo: Globo, março, 2001.
5. Revista Almanaque da Magali. nº 28. São Paulo: Globo, março, 2001.
6. Revista Almanaque da Magali. nº 48 São Paulo: Globo, junho, 2005
7. Revista do Cascão. nº 240. São Paulo: Globo, março, 1996.
8. Revista do Cascão. nº 276. São Paulo: Globo, agosto, 1997.
9. Revista do Cascão. nº 285. São Paulo: Globo, dezembro, 1997.
10. Revista do Cascão. nº 330. São Paulo: Globo, setembro, 1999.
11. Revista do Cascão. nº 342. São Paulo: Globo, 2000.
12. Revista do Cascão. nº 353. São Paulo: Globo, julho 2000.
13. Revista do Cascão. nº 368. São Paulo: Globo, fevereiro, 2001.
14. Revista do Cebolinha. nº 110. São Paulo: Globo, fevereiro, 1996.
15. Revista do Cebolinha. nº 167. São Paulo: Globo, julho, 2000.
16. Revista do Chico Bento. nº 152. São Paulo: Globo, novembro, 1992.
17. Revista do Chico Bento. nº 194. São Paulo: Globo, junho, 1994.
121

18. Revista do Chico Bento. nº 200. São Paulo: Globo, setembro, 1994.
19. Revista do Chico Bento. nº 336. São Paulo: Globo, dezembro, 1999.
20. Revista do Chico Bento. nº 365. São Paulo: Globo, janeiro 2001.
21. Revista do Chico Bento. nº 369. São Paulo: Globo, março, 2001.
22. Revista do Chico Bento. nº 62. São Paulo: Globo, março, 2001.
23. Revista da Magali. nº 100. São Paulo: Globo, abril, 1993.
24. Revista da Magali. nº 185. São Paulo: Globo, junho, 1996.
25. Revista da Magali. nº 313. São Paulo: Globo, junho, 2001.
26. Revista da Magali. nº 401. São Paulo: Globo, outubro, 2006.
27. Revista da Mônica. nº 87. São Paulo: Globo, março, 1994.
28. Revista da Mônica. nº 99. São Paulo: Globo, março, 1995.
29. Revista da Mônica. nº 103 São Paulo: Globo, julho, 1995.
30. Revista da Mônica. nº 122. São Paulo: Globo, fevereiro, 1997.
31. Revista da Mônica. nº 155. São Paulo: Globo, setembro, 1999.
32. Revista da Mônica. nº 117. São Paulo: Globo, maio, 2001 (22 exemplares iguais).
33. Revista Parque da Mônica. nº 132. São Paulo: Globo, dezembro 2003.

C – Exemplares da Gibiteca 02

1. Revista Almanaque do Cascão. nº 4. São Paulo: Panini Comics, julho, 2007.


2. Revista Almanaque do Cebolinha. nº. 48. São Paulo: Globo, dezembro, 1998.
3. Revista Almanaque da Magali. nº. 11, São Paulo, Globo, dezembro, 1996.
4. Revista Almanaque da Mônica. nº. 62. São Paulo, Globo, setembro, 1997.
5. Revista Almanaque da Mônica. nº. 66. São Paulo, Globo, maio, 1998.
6. Revista Almanaque da Mônica. nº. 86. São Paulo, Globo, setembro, 2001.
7. Revista Cascão. nº. 255. São Paulo: Globo, outubro, 1996.
8. Revista Cascão. nº. 305. São Paulo: Globo, setembro, 1998.
9. Revista Cascão. nº. 375. São Paulo: Globo, maio, 2001.
10. Revista Cascão. nº. 463. São Paulo: Globo, agosto, 2006.
11. Revista Cascão. nº. 464. São Paulo: Globo, setembro, 2006.
12. Revista Cebolinha. nº. 70. São Paulo: Globo, outubro, 1992.
13. Revista Cebolinha. nº. 130. São Paulo: Globo, setembro, 1997.
122

14. Revista Cebolinha. São Paulo: Globo, novembro, 1999124.


15. Revista Cebolinha. nº. 175. São Paulo: Globo, março, 2001.
16. Revista Cebolinha. nº. 216. São Paulo: Globo, junho, 2004.
17. Revista Chico Bento. nº. 73. São Paulo: Globo, novembro, 1989.
18. Revista Chico Bento. nº. 177. São Paulo: Globo, outubro, 1993.
19. Revista Chico Bento. nº. 217. São Paulo: Globo, maio, 1996.
20. Revista Chico Bento. São Paulo: Globo, agosto, 1997125.
21. Revista Chico Bento. nº. 339. São Paulo: Globo, janeiro, 2000.
22. Revista Chico Bento. nº. 342. São Paulo: Globo, março, 2000.
23. Revista Chico Bento. nº. 370. São Paulo: Globo, março, 2001.
24. Revista Chico Bento. nº. 379. São Paulo: Globo, julho, 2001.
25. Revista Chico Bento. nº. 403. São Paulo: Globo, junho, 2002.
26. Revista Chico Bento. nº. 11. São Paulo: Panini Comics, novembro, 2007.
27. Revista Magali. nº. 100. São Paulo: Globo, abril, 1993.
28. Revista Magali. nº. 215. São Paulo: Globo, setembro, 1997.
29. Revista Magali. nº. 275. São Paulo: Globo, dezembro, 1999.
30. Revista Magali. nº. 134. São Paulo, Globo, janeiro, 2001.
31. Revista Magali. nº. 402. São Paulo: Globo, novembro, 2006.
32. Revista Mônica. nº. 224. São Paulo: Globo, fevereiro, 2005.
33. Revista Mônica. nº. 126. São Paulo: Globo, junho, 1997.
34. Revista Mônica. nº. 148. São Paulo, Globo, fevereiro, 1999.
35. Revista Mônica. nº. 172. São Paulo, Globo, dezembro, 2000.
36. Revista Parque da Mônica. nº. 134. São Paulo, Globo, fevereiro, 2004.

124
Revista sem a capa. Não foi possível identificar o número da publicação.
125
Revista sem a capa. Não foi possível identificar o número da publicação.
123

D – Manuscritos escolares de HQ
Proposta de Criação textual nº 01 (1ª versão)

Lucas N. e Verônica, atividade 001 primeira versão.


124

Proposta de Criação textual nº 01 (2ª versão)

Lucas N. e Verônica, atividade 001 segunda versão.


125

Douglas e José, atividade 001 primeira versão.


126

Proposta de Criação textual nº 05

Ana B. e Deyse, atividade 005.


127

Bianca e Keloany, atividade 005.


128

Proposta de Criação textual nº 06

Ana P. e Daniela, atividade 006.


129

Bianca e Lucas N., atividade 006.


130

Douglas e Eduardo, atividade 006


131

Proposta de Criação textual nº 08

Isley e João L. Ar., atividade 008.


132

Proposta de Criação textual nº 09

Joyce e Lisly, atividade 009.


133

Mylena e Sara, atividade 009.


134

Proposta de Criação textual nº 10

João L. An. E Nilton, atividade 010

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