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Organização

Josie Agatha Parrilha da Silva, Carlos Alberto de Souza e Nelson Silva Júnior

ARTE,
CONHECIMENTO
E PRODUÇÃO
As oficinas do Programa INTERARC
Organizadores
Carlos Alberto de Souza, Josie Agatha Parrilha da Silva, Nelson Silva Júnior

Editora: Texto e Contexto Editora - Editora-chefe: Rosenéia Hauer Projeto Gráfico, diagramação e capa Ingrid Petroski

Coordenação geral das oficinas INTERARC: Josie Agatha Parrilha da Silva, Dra (UEPG)

Coordenação e Edição de conteúdo (texto/imagem): Amanda Martins de Paula, Carlos Alberto de Souza e Willian Brasil dos Santos Lima

Coordenação do Drive – arquivo de textos: Willian Brasil dos Santos Lima; Amanda Martins de Paula

Coordenação de divulgação das oficinas: Victoria Sellares, Janaína Cassol, Adriana Miara, Cássio de Toledo Farias (bolsistas Pibic e da Fun-
dação Araucária), Andreia Spanholi (bolsista CNPq).

Revisão de texto: Paulo Rogério de Almeida, Carlos Alberto de Souza, Josie Agatha Parrilha da Silva.

Equipe de apoio Oficinas Interarc: Aline Ferreira Biglia Wasilewski (Lic. Artes Visuais), Daniele Francine Machado (Mestrado PPGECEM), La-
rissa Joly Souza (bolsista BIC), Leticia Kossatz Correia (bolsista PIBIC), Jéssica Rodrigues de Oliveira (Mestrado PPGECEM), Rafael Maurício Oester-
reich dos Santos (Lic. Artes Visuais), Rute Yumi Onnoda (Mestrado PPGECEM) Victoria Sellares (Pibic).

A786 Arte, conhecimento e produção: as oficinas do Programa


INTERARC [livro eletrônico]/ organizado por Josie Agatha
Parrilha da Silva; Carlos Alberto de Souza; Nelson Silva
Junior. Ponta Grossa: Texto e Contexto, 2022.
81 p., il.; E-book PDF

ISBN: 978-65-88461-71-6

1. Artes visuais - ciência. 2. Artes - ensino. 3. Arte –


ciência – extensão. 4. Conhecimento artístico-científico.
I. Silva, Josie Agatha Parrilha da (Org.). II. Souza, Carlos
Alberto de (Org.). III. Silva Junior, Nelson (Org.). IV. T. www.textoecontextoeditora.com.br
contato@textoecontextoeditora.com.br
(42) 988834226 - whatsapp
CDD: 707

Ficha Catalográfica Elaborada por Maria Luzia Fernandes Bertholino dos Santos – CRB9/986
CONSELHO EDITORIAL
Presidente:
Drª. Larissa de Cássia Antunes Ribeiro (Unicentro)
Membros:
Dr. Fábio Augusto Steyer (UEPG)
Drª. Silvana Oliveira (UEPG)
Doutorando Anderson Pedro Laurindo (UTFPR)
Drª. Marly Catarina Soares (UEPG)
Drª. Naira de Almeida Nascimento (UTFPR)
Drª Letícia Fraga (UEPG)
Drª. Anna Stegh Camati (UNIANDRADE)
Dr. Evanir Pavloski (UEPG)
Drª. Eunice de Morais (UEPG)
Drª. Joice Beatriz da Costa (UFFS)
Drª. Luana Teixeira Porto (URI)
Dr. César Augusto Queirós (UFAM)
Dr. Valdir Prigol (UFFS)
Drª. Clarisse Ismério (URCAMP)
Dr. Nei Alberto Salles Filho (UEPG)
Drª Ana Flávia Braun Vieira (UEPG)
Dr. Marcos Pereira dos Santos (UTFPR)
Sumário

PREFÁCIO.............................................................................................................................. 5
APRESENTAÇÃO..................................................................................................................... 6
NATUREZA E LIVRO DE ARTISTA...............................................................................................11
ELABORAÇÃO DE APRESENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM POWER POINT........................................... 17
O QUE NÃO É CIÊNCIA, AFINAL?............................................................................................. 24
LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA DA SITUACIONALIDADE E CORPORALIDADE DA/O CIENTISTA.. 31
PINTURA FLUIDA.................................................................................................................... 38
FOTOGRAFIA, ARTE E MEMÓRIA.............................................................................................. 53
ANAMORFOSE....................................................................................................................... 60
OFICINA “OS FILMES E A CIÊNCIA: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE”......................................... 74

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sumário

PREFÁCIO
Nas paredes do Palácio de Assurba- za, pobreza e organização social por va da Arte e o notório saber científico.
nípal (650 AC), dentre as inúmeras ima- exemplo. Recentemente pesquisadores A exposição dos capítulos, que são
gens, uma delas mostra uma leoa ferida avaliaram através de quadros como era baseados nas oficinas realizadas no pe-
em sua coluna, com as patas traseiras diferente o cultivo de trigo no passar ríodo do projeto, em uma linguagem
imóveis. Essa é uma das descrições das dos séculos. atual, com textos diretos e repletos de
caçadas aos leões comuns a esse impé- Este livro é baseado em projetos liga- imagens, são uma das várias caracterís-
rio, mas que tem como destaque o co- dos a Artes Visuais com enfoque inter- ticas deste livro.
nhecimento científico da injuria na me- disciplinar em relação à Ciência, através Considerando a importância que a
dula e a paralisação dos membros do de um ciclo de encontros virtuais com interação entre Arte e Ciência e a indife-
animal. especialistas em diversas formas de ex- rença da academia brasileira atual para
A ciência e a arte estão intimamente pressão, principalmente visual, como o assunto, esta obra literária é de gran-
conectadas, interligadas, desde os pri- Cinema e Fotografia, e sua interação de relevância para o diálogo entre dois
mórdios da humanidade. Assim como com a Ciência gerando uma reflexão mundos que parecem opostos, mas que
no exemplo de Assurbanípal, as pintu- ampla e plural sobre diferentes temáti- estão profundamente interligados.
ras rupestres mostram a localização do cas.
coração de mamutes e a importância A organização desse trabalho é cons-
desse órgão vital. tituída por uma equipe acadêmica mul- Giovani Marino Favero
Através da arte podemos avaliar os tifacetada em diferentes saberes como
O autor é professor, pesquisador e Pró-reitor de
costumes de época, como vestimentas, pedagogia, jornalismo, engenharia, Pesquisa e Pós-graduação da Universidade Esta-
alimentação, estrutura familiar, rique- sempre com uma visão crítica produti- dual de Ponta Grossa

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sumário

APRESENTAÇÃO

ARTE, CONHECIMENTO E PRODUÇÃO:


As oficinas do Programa INTERARC
A obra é resultado parcial do Projeto bem como do Programa de Pós-Gradu- -práticas interdisciplinares (TPI) per-
de Extensão “Oficinas Teórico-Práticas ação em Ensino de Ciências e Educa- mitindo reflexões sobre a concepção do
do Grupo INTERARC - Interação entre ção Matemática – PPGECEM da UEPG. conhecimento amplo e plural, com uma
Arte e Ciência em Atividades de Exten- Contemplando, assim, quatro setores: educação de qualidade a todos. A inten-
são, da Universidade Estadual de Ponta Linguística, Letras e Artes; Ciências So- ção inicial era envolver num primeiro
Grossa (UEPG), que está em sua segun- ciais Aplicadas; Ciências Biológicas e momento alunos Graduação e Pós-Gra-
da edição e tem como principal objetivo da Saúde; Ciências Exatas e Naturais. duação e, num segundo momento, ex-
“organizar espaços de integração entre Conta ainda, com a participação de três pandir a oferta das oficinas TPI para a
as áreas de Artes Visuais e de Ciência a docentes externos (UEM, UTFPR-Ponta comunidade. Mas, com a proposta de
partir de atividades de extensão que in- Grossa e UTFPR-Campo Mourão). aulas remotas, também foram abertas,
tegrem ensino e pesquisa, contribuindo O Projeto “Oficinas teórico-práticas nesse primeiro momento, vagas à co-
com reflexões sobre a concepção do co- do grupo INTERARC” teve início no munidade. A organização e execução
nhecimento amplo e plural”. começo da pandemia provocada pela destas oficinas ocorreu entre dezembro
O Programa, de caráter cultural-e- COVID-19. Inicialmente, previa a reali- de 2020 a junho de 2021.
ducativo, que relaciona teoria e prática, zação de atividades híbridas (remoto e Para a organização das atividades,
visa a contribuir com a construção do presencial). Entendia-se que o distan- realizou-se no mesmo formato da pro-
conhecimento artístico-científico, es- ciamento social seria provisório e que posta a “oficina das oficinas”; que fun-
pecialmente dentro de uma perspectiva não se estenderia por mais de um ano. cionou como modelo para as várias
interativa, integradora e fortemente in- No decorrer dos meses, readequamos a propostas: I - encontro síncrono inicial
terdisciplinar. O Programa é de iniciati- proposta para o formato exclusivamen- para apresentar a proposta de oficina. II
va do Departamento de Artes da UEPG te remoto. – produção e disponibilização (via You-
e conta com parcerias de docentes de O principal objetivo do projeto foi o tube) de vídeos sobre a temática e III -
outros seis departamentos (Jornalis- de propiciar conhecimentos que inte- encontro síncrono para a finalização da
mo; Estudos da Linguagem; Biologia grassem as áreas de Artes Visuais e de oficina.
Geral, Química, Matemática e Física), Ciências a partir de oficinas teórico- No primeiro encontro síncrono, ex-

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sumário
plicamos como deveriam ser realizadas os modelos a serem preenchidos pelos material seria colocado no canal de You-
as oficinas, os formulários a serem pre- responsáveis pelas oficinas. Todo esse tube como não listado ou público (fica
enchidos, a forma da gravação entre ou- material foi disponibilizado no canal de disponível para todos no Youtube), bem
tras orientações. Disponibilizaram-se Youtube da GAUEPG. (Figura 1 e Figura como definiram a carga horária de suas
dois vídeos e textos com orientações e 2). Os oficineiros puderam escolher se o oficinas a partir do material produzido.

Figura 1 – Print do canal GAUEPG com miniaturas da Oficina das Figura 2 – Print do canal GAUEPG com miniaturas da Oficina das
oficinas - atividades síncronas disponibilizada como não listada no oficinas- atividades assíncronas disponibilizada como não listada
canal de Youtube da GAUEPG no canal de Youtube da GAUEPG

Fonte: Autores, 2021 Fonte: Autores, 2021

Figura 3 – Cartaz de divulgação das Oficinas Teórico-


-Práticas do INTERARC – cartaz geral
Depois de encaminhadas as propos-
tas, foram elaborados os cartazes pela
nossa bolsista PIBIC Adriana Miara. (Fi-
gura 3 e Figura 4) A divulgação foi reali-
zada via Facebook/Whatsapp, e as ins-
crições via Google.

Fonte: Autores, 2021


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sumário

Figura 4 – Cartaz de divulgação das Oficinas Ao todo, foram propostas dez ofi- Figura 5 – Cartazes das dez Oficinas Teóri-
Teórico-Práticas do INTERARC – com título, cinas, com estes títulos e oficineiros co-Práticas do INTERARC
oficineiro e carga horária (professores responsáveis): Pintura
fluida: colorindo com Química e Arte
- Profa. Dra. Josie Agatha Parrilha da
Silva (UEPG); Anamorfose: uma pers-
pectiva divertida - Prof. Marcos Ce-
sar Danhoni Neves (UEM); O que não
é ciência, afinal? - Prof. Dr. Marcos
Gervânio de Azevedo Melo (UFOPA);
Desenho de Observação para pesqui-
sa científica - Prof. Dr. Renato Torres
(EMBAP); Percepção Visual - Prof. Dr.
Silvio Luiz Rutz da Silva (UEPG); Como
elaborar uma apresentação Científi-
ca? - Prof. Me. Anderson Pedro Laurin-
do; Fotografia, Arte e Memória - Prof.
Dr. Carlos Alberto de Souza (UEPG);
Linguagem cinematográfica da situ-
acionalidade e corporalidade da/o
cientista - Profa. Dra. Bettina Heerdt
(UEPG); Como usar o Cinema em sala
de aula: os filmes e a Ciência - Prof. Dr.
Nelson Silva Júnior (UEPG); Natureza
e Livros de Artista - Profa. Dra. Maria
Cristina Mendes (UEPG) e Profa. Dra.
Patricia Camera (UEPG).
Importante destacar que, além dos
professores responsáveis, as oficinas
Fonte: Autores, 2021 contaram com a participação de ou-
tros docentes e discentes, envolvidos
na organização das atividades (Figuras
5: Cartazes das oficinas).
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sumário

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sumário

por não enviar o texto; assim, foram


enviados nove relatos.
O e-book foi organizado a partir de
nove relatos das oficinas interdiscipli-
nares, que foram organizados no for-
mato de capítulos. Essa foi mais uma
das formas que o Departamento de
Artes encontrou para compartilhar
conhecimentos para o público, pesso-
as interessadas em arte e ciência. Im-
portante destacar a parceria com seis
departamentos da UEPG: Jornalismo;
Estudos da Linguagem; Biologia Ge-
ral, Química, Matemática e Física. Para
finalizar, é importante destacar que a
Fonte: Autores, 2021 produção do livro do Programa INTE-
RARC envolveu duas linhas de pesqui-
As Oficinas Teórico-Práticas do Gru- sobre a concepção do conhecimento sa: Imagens na relação Arte e Ciência e
po INTERARC serão reeditadas duran- amplo e plural. Processos jornalísticos, representações
te o IX Workshop Paranaense de Arte- Convém salientar que este e-book é e práticas socioculturais, bem como
-Ciência, que acontecerá em outubro, parte de um conjunto de atividades do contou com a participação do Grupo
em Ponta Grossa. As ações extensio- Programa INTERARC que reúne aqui de Extensão Foca Foto e do Grupo de
nistas do INTERARC procuram aten- alguns textos narrando, por meio de Pesquisa INTERART: Interação entre
der ao objetivo principal do Programa, linguagem científica, as experiências arte, ciência e educação: diálogos e in-
qual seja, contribuir para a sistemati- desenvolvidas no final de 2020 e pri- terfaces nas Artes Visuais (CNPq).
zação dos conhecimentos que envol- meiro semestre de 2021. Todos os ofi-
vem entre ensino, pesquisa e extensão, cineiros foram convidados a participar
Tais conhecimento serão partilhados e de um texto relatando a oficina realiza-
compartilhados continuamente entre da e desses apenas um professor res- Josie Agatha Parrilha da Silva, Dra.
a comunidade interna e a comunidade ponsável (Oficina - Desenho de Obser- Carlos Alberto de Souza, Dr.
externa, contribuindo com as reflexões vação para pesquisa científica) optou Nelson Silva Júnior, Dr.
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sumário

NATUREZA E LIVRO DE ARTISTA:


Poética e docência interdisciplinar em Ciência e Artes Visuais
Maria Cristina Mendes 1
Patrícia Camera Varella 2
1
Doutora em Comunicação e Linguagens. Docente do Departamento de Artes da UEPG e do Progra-
ma de Pós-graduação Mestrado em cinema e Artes do Vídeo FAP – UNESPAR/PR. Contato:
mariacristinamendes1@gmail.com.
2
Doutora em História. Docente do Departamento de Artes da UEPG e do Programa de Pós-graduação
em História (PPGH/UEPG). Contato: camera.patricia@gmail.com

bre poéticas de artistas que trabalham resse nas diversas áreas, já que a pro-
com a natureza e o livro de artista, com dução de conhecimento por ele gerada
Livro de Artista de Patricia Camera, 2018.1 o objetivo de produzir um trabalho ar- pode servir de base à prática docente.
tístico que envolva Ciência e Arte. Os A metodologia adotada foi a realização
RESUMO objetivos específicos foram possibili- de aulas expositivas, com tempo des-
A oficina “Natureza e Livro de Ar- tar reflexões sobre a interdisciplinari- tinado ao trabalho individual e avalia-
tista” foi realizada pelo Google-Meet, dade e ampliar o conhecimento acer- ção com discussão qualitativa sobre a
entre nove a trinta de março de 2020 ca das possibilidades da utilização de produção de cada aluno. Os principais
e contou com a participação de estu- metodologias artísticas na docência. A referenciais adotados foram Paulo Sil-
dantes do ensino superior. Foram rea- oficina se justifica porque o trabalho veira e Fayga Ostrower.
lizadas apresentações e pesquisas so- interdisciplinar tem despertado inte-
PALAVRAS-CHAVE:
Livro de Artista. Ciência e Arte. Interdisciplinaridade. Poéticas Artísticas.
1
Fonte: autoras. 11
sumário

1. INTRODUÇÃO
Realizar uma oficina no modelo re- oficina; cinco compareceram à primei- positivas via Google-Meet e a criação
moto em função da pandemia da CO- ra aula e apenas três apresentaram os de um grupo de WhatsApp, no qual,
VID-19 foi um desafio enfrentado com trabalhos finalizados durante o curso e mesmo depois dele,
o intuito de potencializar a formação O valor da oficina residiu, entre ou- foram ampliadas as discussões sobre
docente e fomentar a produção artís- tras questões, na possibilidade de po- Ciência e Artes. Foi destinada uma par-
tica dos estudantes. Organizada pelas tencializar o ensino e a aprendizagem cela de tempo, além das atividades rea-
professoras doutoras Maria Cristina interdisciplinar. Foi realizada em um lizadas no Google-Meet para a criação
Mendes e Patrícia Camera Varella, a momento onde a população sofria os individual de livros de artista, sobre os
oficina contou com o apoio da moni- fortes impactos da pandemia, doen- quais se teceram amplas discussões no
tora Aline Wasilewski, discente do cur- ça que acarretou o confinamento das que concerne aos aspectos qualitati-
so de Licenciatura em Artes Visuais da pessoas em suas casas, promovendo o vos e poéticos dos trabalhos, visando
Universidade Estadual de Ponta Gros- isolamento social. possibilitar, a cada aluno, subsídios te-
sa, onde atuam as duas professoras. Os procedimentos metodológicos óricos para a prática docente.
Dezessete pessoas se inscreveram na adotados na oficina foram aulas ex-

2. REFERÊNCIAL TEÓRICO
O livro “A página violada: da ternu- grafia sobre o assunto, podem-se en- de acordo com Paulo Silveira, refere-se
ra à injúria na construção do livro de contrar distintas denominações, as “ao produto específico gerado a partir
artista”, de Paulo Silveira (2016), foi o quais implicam significativas varia- de experiências conceituais dos anos
principal referencial teórico adotado, ções no que concerne ao envolvimen- 60” (SILVEIRA, 2016, p. 25).
apoiado por “Criatividade e processos to do artista com a construção do livro O livro de Paulo Silveira (2016) é um
de Criação”, de Fayga Ostrower (1978). enquanto objeto de arte. Dentre eles, marco nos estudos sobre livro de artis-
Uma das principais questões abor- pode-se citar livro de artista, livro-ob- ta no Brasil e tem a vantagem de estar
dadas para a realização do livro de jeto, livro ilustrado, livro de arte, livro- disponível na Internet, o que facilitou
artista foram as definições do que é o -poema, poema-livro, livro-arte, arte- o acesso dos alunos. Além de colocar
livro de artista, um conceito aberto e -livro, livro-obra etc. Para a realização em pauta as teorias elaboradas sobre
passível de inúmeras interpretações e da oficina foi adotado o conceito es- o tema, Silveira aborda historicamente
tipos de produções. Dentre a biblio- trito do termo “livro de artista”, o qual, o livro de artista, destacando as publi-

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sumário

cações norte-americanas da curadora cional de museus e galerias. imagéticos, destacamos as de Paulo


Riva Castelman1 e de Johanna Druker, No que concerne ao livro de artista Brusky, Artur Barrio e Guita Soifer. Ao
cuja “pesquisa teórica parece ser her- no Brasil, Silveira (2016) lamenta o bai- analisar os livros de artistas disponí-
deira direta das insatisfações geradas xo número de publicações, destacan- veis no site da paranaense Guita Soifer,
pelo livro de Castleman” (SILVEIRA, do as seguintes obras: Eloíza Dalazoana (2017) esclarece que
2016, p. 36) e que enfatiza o caráter Tendências do Livro de Artista no Bra- este tipo de trabalho tem um caráter
contemporâneo deste tipo de produ- sil, São Paulo, 1985, com curadoria intermidiático o qual, ao correlacionar
de Annateresa Fabris e Cacilda Tei-
ção. No que concerne à produção eu- xeira da Costa; Livro-Objeto: a Fron-
arte e comunicação, estabelece novas
ropeia, Silveira se debruça sobre a Esté- teira dos Vazios, Rio de Janeiro, 1994, abordagens para as artes visuais.
tica do livro de artista: 1960-1980, uma com curadoria de Marcio Doctors; Ex Além de explicitar o papel de Julio
Libris/Home Page, São Paulo, 1996,
tese transformada em livro e publicada com curadoria de Giselle Beiguelman Plaza na criação e difusão do livro de
em 1997 pela francesa Anne Moeglin- e Sérgio Pizoli e assessoria de Eduar- artista, Silveira elucida características
do Braga; e mesmo a nossa Arte Li-
-Delcroix. A parte histórica é finalizada vro Gaúcho: 1950-1983, Porto Alegre,
das pesquisas de Catarina Knychala,
com a atuação de Clive Phillpot, que, 1983, com projeto e curadoria de Vera Annateresa Fabris e Cacilda Teixeira da
trabalhando no Reino Unido, estabele- Chaves. Outros textos críticos podem Costa. Muito embora o escopo do livro
ser encontrados no catálogo da mos-
ceu critérios de semelhança e distan- tra itinerante na Itália Brasil: Sinais de de Silveira enfoque a produção a par-
ciamento entre os mais diversos tipos Arte – Livros e Vídeos 1950-93 (SILVEI- tir dos anos 60, ele não deixa de men-
RA, 2016, p. 57).
de produção, as quais envolvem a rela- cionar trabalhos de artistas como Leo-
ção entre livros e artistas nas décadas Silveira (2016) também enfatiza a nardo da Vinci e Marcel Duchamp em
de 1980 e 1990, destacando a produção atuação de Julio Plaza na produção de suas correlações com o livro de artista.
do artista Sol LeWitt. livros de artista, cujo teor tem bases na Aspectos como a seqüencialidade
Os livros de artista fazem parte de semiótica. Foi destacado, na oficina, o na leitura ou percepção e a serialida-
um momento histórico de intensa di- acervo do Museu de Arte Contempo- de são evidenciados neste tipo de pro-
vulgação internacional quando, jun- rânea da USP, que abriga uma grande dução e o aporte teórico da oficina foi
tamente com a arte postal, protagoni- parte da produção de Plaza e de Au- pautado na identificação de relevantes
zam o aumento da circulação artística gusto de Campos, autores de Poemó- questões temporais, que imbricam a
nos anos 1980. Assim percebe-se uma biles, realizado em 1974, um marco na fruição estética da obra de arte e do li-
das formas de democratização da arte, produção de livros de artista no Brasil. vro.
cujo intuito é ampliar a visibilidade da Dentre os artistas citados na oficina e O segundo referencial teórico ado-
produção para além do âmbito institu- que fundamentaram os referenciais tado na oficina foi o livro Criatividade
1
O livro de Riva Castelman foi elaborado para a exposição A century of artists books (MoMa, Nova York,1993).
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sumário

e Processos de Criação (2008), de Fayga posterior criação. Para ela, por fatores materiais, ambientais, so-
Ostrower, já que se teve por meta que a O que percebemos, então, é apreendido em ciais, culturais e de ordem afetiva, que
realização de um livro de artista fosse ordenações, e como o percebemos são ou- transitam entre o consciente e o in-
tras tantas ordenações. Tudo participa de um
estruturada em processos criativos e mesmo processo ordenador. O perceber é um consciente dos indivíduos, cujo equi-
poéticos, com vistas à auto-expressão, estruturar que imediatamente se converte líbrio é adquirido mediante inúmeros
na qual os elementos ou aspectos da em estrutura. É um perene formar de formas esforços e constantes adequações. De
significativas. (OSTROWER, 1978, p. 58).
natureza, com base na Ciência, foram modo espontâneo, tais estímulos são
o tema da produção. No que concerne Segundo a artista pesquisadora, nes- respondidos e o aspecto criativo vai
à realização de uma obra de arte, Os- te processo ordenador através do qual depender, justamente, dos modos de
trower destaca a importância da per- compreendemos o mundo, as situa- se responder aos impulsos específicos.
cepção das coisas do mundo para a ções concretas da vida são delimitadas

3. DESCRIÇÃO DO PROCESSO E RESULTADOS.


A oficina foi ofertada para docentes com a projeção de slides de trabalhos postas elaboradas pelas alunas. Consi-
e discentes dos cursos de graduação de artistas explicitando as caracterís- derou-se que seria necessária, antes da
em Artes Visuais, Música e História; ticas do objeto a ser produzido. Tam- apresentação final dos trabalhos, uma
Mestrados Acadêmicos em Ciências bém foi projetado um vídeo produzido pré-avaliação das professoras, com
Agrárias e de Tecnologia, Biológicas e pelas professoras e monitora com a ex- vistas a direcionar a produção para um
da Saúde, Exatas e Naturais, Humanas, plicação dos procedimentos para a re- aprofundamento conceitual e técnico.
Letras e Artes, Sociais Aplicadas; Mes- alização dos trabalhos: produção indi- No dia trinta de março aconteceu o ter-
trados Profissionais em Ensino de Fí- vidual de livro de artista com o recorte ceiro e último encontro remoto, para a
sica, Ensino de História, Matemática; no tema natureza. avaliação dos trabalhos apresentados
Doutorado em Ciências Agrárias e de Muito embora a oficina tenha sido Jéssica Fiorini Romero, da Universi-
Tecnologia, Biológicas e da Saúde, Exa- planejada para dois encontros presen- dade Estadual de Maringá, optou por
tas e Naturais, Humanas, Letras e Artes ciais de sessenta minutos, em diálogo realizar um livro de artista (Figura 1)
e Sociais Aplicadas. com as estudantes, foi realizado um com pequenas flores colhidas ao lon-
No dia nove de março, foi realizada encontro a mais, no dia vinte e três de go do caminho que costuma percorrer
a apresentação da proposta da oficina março, para a apresentação das pro- nas proximidades de sua casa. Segun-
14
sumário

do seu depoimento em aula, o interes- Fotografias em preto e branco nas 3) de Thalia Mendes Rocha. Os tecidos
se foi despertado pelo fato de que os quais o corpo da artista se mistura aos com motivos florais estabelecem a re-
elementos escolhidos, as pequenas flo- troncos de árvores e outros tipos de lação com o tema da natureza, propos-
res, costumam passar despercebidos plantas foram o mote do livro de artis- to na oficina e, de certa forma, são os
pelos transeuntes, pois são pequenas ta (Figura 2) realizado por Flavia Fio- responsáveis pela delicadeza do traba-
e brotam em cantos de muros ou fres- rini Romero. Ao optar por unir as pá- lho.
tas de calçadas. Dar visibilidade àqui- ginas lateralmente, o resultado é uma Figura 3 - Livro de artista
lo a que poucos prestam atenção, foi o espécie de sanfona que pode ser exibi-
mote de sua produção. Coladas sobre da em diversos formatos. Em um lado
um papel pardo de pesada gramatura, do livro estão as fotografias e no outro
o livro também é pequeno, acolhendo estão palavras e bordados em fios co-
as plantas numa espécie de inventário loridos, os quais interferem nas ima-
dos elementos da natureza pelos quais gens fotográficas.
passamos, sem, contudo, os ver.
Figura 2 - Livro de artista
Figura 1 – Livro de artista

Fonte: acervo da estudante Thalia Mendes


Rocha, livro de artista, 2020

Os três livros de artista apresenta-


dos na última aula, como observado
Fonte: acervo da artista Flavia Fiorini Rome- nas figuras acima, cumpriram a meta
ro, livro de artista, 2020
da oficina, potencializando a discus-
são sobre questões interdisciplinares,
A necessária adoção do uso de más- as quais podem ser adotadas em sala
caras em função da Covid 19 foi o mo- de aula.
Fonte: acervo da estudante Jéssica Fiorini
Romero, livro de artista, 2020 tivo que impulsionou a criação (Figura

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sumário

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A oficina “Natureza e Livro de Artis- Brasil, pode ser percebida também na ca de metodologias na docência foram
ta”, que tinha por meta atender a do- oficina, pois alguns alunos justifica- amplamente discutidos.
centes e discentes de diversos cursos e ram a ausência no curso em função Ampliar as discussões sobre o livro
instituições, acabou promovendo a in- das dificuldades encontradas, tanto de artista e possibilitar o aprofunda-
terlocução apenas com estudantes da para assistir às aulas quanto para dis- mento dos processos poéticos em Ar-
Universidade Estadual de Maringá, o por do tempo necessário para cumprir tes Visuais através da realização de um
que, de certa forma, permitiu o estrei- as atividades propostas. trabalho artístico, implica o necessário
tamento das relações entre os cursos O objetivo de produzir um trabalho envolvimento pessoal, cujo intuito é
de Artes Visuais da UEPG, instituição artístico que envolvesse ciência e arte reconhecer questões expressivas em
onde trabalham as professoras, e da foi cumprido, pois os três trabalhos consonância com as adequações téc-
UEM, onde estudavam duas das alunas apresentam uma forte relação com nicas. Ao se nutrir das questões que
inscritas, as quais estavam, em 2020 no aspectos poéticos da biologia e das permeiam a vida cotidiana, a produ-
quarto e último ano da graduação. ciências da natureza. As reflexões so- ção de Arte encontra na Ciência, um
A evasão escolar, identificada a par- bre questões interdisciplinares foram aporte seguro para suas investigações.
tir do início da situação pandêmica no aprofundadas e o conhecimento acer-

REFERÊNCIAS
DALAZOANA, Eloiza. Arte Contemporânea e Tecnologia: uma análise do site da artista Guita Soifer. XXVI Encontro anual
de Iniciação Científica e III Encontro de Iniciação Científica Júnior da UEPG. 2017. Disponível em:
<https://siseve.apps.uepg.br/storage/eaic2017/15_Eloiza_Dalazoana-150705051017411.pdf>. Acesso em: 08 jul. 2021.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1978.

SILVEIRA, Paulo Antonio de Menezes Pereira da. A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista
[recurso eletrônico]. 2. ed. Porto Alegre : Ed. da UFRGS, 2016. 319 p. Disponível em:
<http://www.bibliotecadigital.ufrgs.br/da.php?nrb=001061210&loc=2018&l=93bbbd01cc2fd3d2>. Acesso em: 07 jul. 2021.

16
sumário

ELABORAÇÃO DE APRESENTAÇÕES CIENTÍFICAS


EM POWER POINT
Anderson Pedro Laurindo 1
Andreia Spanholi 2
Rafael Maurício Oesterreich dos Santos 3

1
Doutorando, Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Programa de
Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia, Ponta Grossa, Paraná, Brasil.
2
Acadêmica de Artes Visuais, Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Pon-
ta Grossa, Paraná, Brasil.
3
Acadêmico de Artes Visuais, Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Pon-
ta Grossa, Paraná, Brasil.

RESUMO
Este capítulo apresenta a Oficina boração de slides para a apresentação mesmo seja bem avaliado pelo espec-
Intitulada “Como elaborar uma apre- científica, seja em trabalhos de con- tador. Alguns referenciais utilizados
sentação científica”. A oficina faz parte clusão de curso, dissertações ou teses, nos encontros foram Polito (1999), Al-
do projeto de extensão do grupo IN- e eventos científicos. O objetivo da ves (2005), Hatje (2009). Os encontros
TERARC da Universidade Estadual de oficina é apresentar e elaborar com o foram realizados de maneira síncrona,
Ponta Grossa (UEPG). A justificativa oficineiro a construção de slides para a utilizando o Google Meet e assíncro-
desta oficina, parte da dificuldade re- apresentação de trabalhos científicos, nas, utilizando o Google sala de aula.
latada por alunos e pesquisadores do bem como dissertações ou teses, uti- Nosso público alvo foi a comunidade
grupo de pesquisas, com relação à ela- lizando normas e técnicas para que o interna da UEPG.

PALAVRAS-CHAVE:
Apresentação científica. Construção de slides. PowerPoint.
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sumário

1. INTRODUÇÃO
A Oficina pretende apresentar e seu trabalho, por isso a importância ram Polito (1999), Alves (2005), Hatje
elaborar com o oficineiro a constru- desta oficina. (2009). Nosso resultado foi muito posi-
ção de slides para a apresentação de Ela foi aplicada aos oficineiros tivo, pois após os encontros síncronos
trabalhos científicos, bem como dis- com encontros síncronos e ativida- e assíncronos, os oficineiros elabora-
sertações ou teses, utilizando normas des assíncronas, provocando neles ram uma proposta de apresentação
e técnicas para que ela seja bem ava- o questionamento de como são suas contendo tudo aquilo que foi apresen-
liada pelo espectador. Notamos a difi- apresentações e também a análise de tado durante a oficina, chegando jun-
culdade de alguns apresentadores com outras apresentações para que eles se tos a uma qualidade excepcional em
as questões visuais e de formatação de coloquem no lugar do espectador ao seus trabalhos.
seus slides ao apresentarem, causando elaborar as suas.
assim neles uma certa insegurança em Alguns referenciais utilizados fo-

2. REFERÊNCIAL TEÓRICO
Acreditamos, enquanto pesquisa- encontros, reuniões, os quais congre- uma apresentação científica de quali-
dores, que a ciência, com uma ativi- gam comunidades de cientistas, pes- dade.
dade social, precisa ser divulgada, de- quisadores, estudantes de vários níveis Sobre a Introdução, é importante
batida, refletida. Uma das funções dos e outros interessados no debate e na oferecer um mapa para quem partici-
cientistas é exatamente a de possibili- divulgação científica. pa; avisá-los sobre o caminho que será
tar um amplo debate em torno de suas As técnicas da narrativa servem percorrido, por exemplo, fornecendo
pesquisas, descobertas, teorias e pro- para dar à apresentação começo, meio informações rápidas sobre os itens que
posições em geral. Daí a necessidade e fim, todos claramente reconhecíveis serão discutidos. O apresentador de-
de se organizarem ocasiões especiais (ALVES, 2005). O conteúdo é a chave verá apresentar etapa por etapa, uma
destinadas ao intercâmbio entre pro- de uma boa apresentação e, geralmen- sequência lógica de raciocínio, enfati-
fissionais e à divulgação do conheci- te, poderá ser dividido em quatro tópi- zando qual é a ideia principal. É pre-
mento que produzem. Essas ocasiões cos: introdução, materiais e métodos, ciso que o apresentador esteja foca-
podem ser acadêmicas ou, mais res- resultados e discussão, e conclusões. do nos objetivos que pretende atingir
tritamente, científicas. Constituem-se Cada um desses passos deve ser valo- com a sua apresentação, por exemplo,
nos congressos, simpósios, seminários, rizado e aplicado para que se obtenha difundir informação (e.g. resultado de
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sumário

pesquisa), motivar (e. g., alunos a tra- C”. O detalhamento da metodologia cações dos dados sejam apresentadas.
balhar em determinada área de pes- vai depender do tópico a ser abordado Por fim, em suas Conclusões, ca-
quisa) ou mesmo promover-se (POLI- e dos objetivos do trabalho. Por exem- berá ao palestrante indicar a mensa-
TO, 1999). Para preparar a introdução, plo, se um método padrão foi utiliza- gem que o ouvinte deverá levar para
deve-se imaginar que ela tenha a estru- do, não será preciso fornecer detalhes. casa; caso contrário, cada pessoa da
tura de um cone invertido. A fala deve- Mas caso tenha sido implementada al- plateia fará essa escolha sozinha e o
rá ser iniciada com os aspectos gerais, guma modificação importante no mé- foco da sua palestra não terá sido bem
e à medida que se desenvolve a escala todo original, será preciso informar as disseminado. Além disso, palestrantes
deverá ser reduzida até que se finaliza principais diferenças entre o método também poderão apresentar, depois
com os aspectos mais específicos do utilizado e o método padrão e/ou os da conclusão, informações sobre a
trabalho. As informações apresentadas anteriormente usados (HATJE, 2009). pesquisa futura. A grande maioria das
na introdução precisarão estar relacio- Nos Resultados e Discussões, pessoas absorve pouca informação na
nadas com a discussão e conclusão da os dados deverão ser apresentados, primeira exposição a um determinado
fala. discutidos e interpretados. Apenas os assunto, sendo assim, o caminho para
Em seus Materiais e Métodos, de- principais padrões obtidos com os da- a melhor fixação da mensagem de in-
verão ser apresentados a abordagem, o dos deverão ser mostrados, detalhes teresse será realizar exposições múlti-
desenho experimental e metodologias menos importantes não deverão ser plas e, assim, facilitar a sedimentação
de campo e laboratório utilizadas no apresentados, a não ser no momento de ideias. Uma maneira de fazer isso
estudo. A metodologia deverá ser apre- das perguntas, caso o público solicite. será sumarizar resultados na introdu-
sentada na voz ativa, por exemplo: “Eu Será preciso ser claro e breve nas ex- ção e repetir os mesmos pontos du-
avaliei os métodos A e B, ambos não plicações, sendo que é extremamente rante a apresentação dos resultados e
funcionaram, então testei o método importante que as conexões e as impli- conclusão.

3. DESCRIÇÃO DO PROCESSO E RESULTADOS.


A oficina aconteceu de forma re- mar os encontros de síncronos (aque- sem assistir em outro momento (esse
mota, utilizando como ferramenta les que aconteciam ao vivo mediante modo foi utilizado o Google sala de
o Google Meet, isso porque estamos a plataforma do Google Meet) e assín- aula para colocar os conteúdos).
passando por uma pandemia mundial, cronos, que foram atividades e textos No primeiro encontro, que acon-
chamada de Covid 19, não podendo ter de apoio enviados aos oficineiros, bem teceu de maneira síncrona, foi apre-
reuniões presenciais. Decidiu-se cha- como aulas gravadas para que pudes- sentado todo conceito teórico de uma
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sumário

boa apresentação de um trabalho para que pudéssemos “trocar ideias” e Demonstrando aos oficineiros a
científico, bem como o posicionamen- um colaborar com o outro. importância dos elementos que com-
to que cada oficineiro deve ter quan- Existiu um terceiro momento põem uma boa apresentação, destaca-
do vai apresentar um trabalho ou en- que foi o envio de um vídeo apresen- mos a importância da simplicidade na
tão defender uma dissertação, tese ou tado pela oficineira Andreia. Seu ob- elaboração, conforme afirma Dos San-
trabalho de conclusão de curso. A fala jetivo foi auxiliar o oficineiro a cons- tos Carmo (2005):
iniciou-se com os referenciais teóri- truir sua apresentação visual e fazer a A simplicidade facilitará a compreen-
cos apresentados no ponto dois deste apresentação digna da compreensão são da audiência, de modo que a infor-
mação projetada possa ser absorvida
capítulo, levando os oficineiros a uma de sua pesquisa pelos ouvintes. Elen- com rapidez e sem esforços (POLITO,
discussão sobre os passos que cada um camos algumas informações contidas 2003). Apresentações com excesso de
cores e brilhos podem passar a im-
tomava em suas apresentações e como nos referenciais para alcançar esse ob- pressão de que o palestrante está mais
estavam sentindo-se em alguns mo- jetivo de maneira simples e objetiva. preocupado com a aparência do que
mentos “desavisados” de técnicas im- Esse material foi disponibilizado de com o conteúdo. (DOS SANTOS CAR-
MO, 2005, p. 3).
portantes. No final desse encontro, os maneira assíncrona para que pudes-
oficineiros avaliaram alguns slides que sem realizar suas atividades. Tratar de fatores relacionados à
foram apresentados a eles, e puderam A fim de oportunizar algumas dis- quantidade de informações é um dos
então avaliar cada um deles, dentro cussões sobre a construção de uma pontos bastante espinhosos na cons-
daquilo que haviam absorvido do pri- apresentação visual de um trabalho trução de um slide para apresentações.
meiro encontro e, principalmente, re- científico, foi construído e apresenta- Por isso esse tópico é citado em ambos
ver suas ideias sobre a formatação de do um vídeo, de maneira assíncrona, os textos que nos respaldam.
uma apresentação científica. sobre os conceitos básicos apresenta- Hatje (2009) afirma:
Após esse encontro de maneira dos em dois artigos, como referencial A quantidade de texto dos slides deverá
síncrona, foram enviados vídeos e ma- metodológico. ser mínima (SCHOEBERL e TOON, 2008;
HILL, 1997; HAUSER, 2008; SCHEW-
teriais de apoio para que os oficinei- O objetivo do vídeo foi auxiliar o ofi- CHUK, 2008). Isso significa um máximo
ros pudessem seguir suas pesquisas e cineiro a construir sua apresentação de 10 linhas por slide, incluindo o título
aprofundamentos com relação a tudo visual e fazer a apresentação digna da do mesmo. Se for preciso escrever mais,
mais slides deverão ser utilizados. Utili-
que foi debatido no encontro síncro- compreensão de sua pesquisa pelos ze frases curtas, e limite-se a apenas dois
no. Os materiais foram disponibiliza- ouvintes. Elencamos algumas infor- ou três pontos importantes por slide. Um
corretor ortográfico deverá ser utilizado
dos pelo Google sala de aula, e cada mações contidas nesses textos para no preparo de todas as apresentações.
um pôde acessar desde sua casa. Tam- alcançar esse objetivo de maneira sim- (HATJE, 2009, p. 32).
bém foi criado um grupo de Whatsapp ples e objetiva.
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Não só esse elemento de uma apre- uso adequado das cores tem uma gran- Isso significa um máximo de 10 li-
sentação visual foi destacado em nos- de importância o foi do itens bastante nhas por slide, incluindo o título dele.
sa vídeo aula, mas também podemos discutidos na nossa vídeo aula. Se for preciso escrever mais, mais sli-
elencar questões como o tipo e o ta- Como afirma Hauser (2008): des deverão ser utilizados. Utilize fra-
manho da fonte mais indicado para ter As cores deverão ser usadas para ressal- ses curtas, e limite-se a apenas dois ou
um bom resultado. tar as informações mais importantes. Por três pontos importantes por slide. Um
exemplo, dados de um gráfico em preto
Dos Santos Carmo (2005) afirma: e linhas vermelhas para circular uma de- corretor ortográfico deverá ser utiliza-
[...] uma projeção não deve conter uma terminada área de interesse no gráfico, do no preparo de todas as apresenta-
quantidade excessiva de informações. ou mesmo para mostrar uma tendência
Isso obviamente o obrigaria a “espremê- (HAUSER, 2008, p. 30). ções.
-las” num espaço reduzido, usando letras Após essa apresentação foi re-
em tamanho pequeno, o que dificultaria Além disso, prejudica a visualização passado aos oficineiros a tarefa de ela-
a decodificação e a compreensão das in-
formações. Opte por letras grandes, por das informações que deveriam ser des- borarem suas próprias apresentações
exemplo: Times New Roman tamanho 48 tacadas. A quantidade de texto dos sli- científicas, criando assim, dentro de
para títulos e 32 para textos. Quanto ao
uso das cores, o máximo contraste pos-
des deverá ser mínima (SCHOEBERL suas áreas do conhecimento, materiais
sível é o preto sobre fundo branco. Mas e TOON, 2008; HILL, 1997; HAUSER, que pudessem ser utilizados por eles.
se você preferir valorizar esteticamente 2008; SCHEWCHUK, 2008). A distri- Esse material foi depois enviado no fi-
sua apresentação usando cores, opte por
usar cores claras para o segundo plano e buição correta dos elementos, a obser- nal da oficina para avaliação para a ob-
escuras para o primeiro. Só faça o inver- vação de uma margem adequada, que tenção do certificado de participação.
so se você tiver certeza de que a ilumina-
ção do ambiente pode ser reduzida a um
traga uma boa visibilidade, o uso de Por fim, houve um último encon-
nível próximo da ausência total de luz. cores contrastantes entre o fundo e as tro com os oficineiros, no qual foi mos-
(DOS SANTOS CARMO, 2005, p. 131). fontes, também são elementos a serem trado passo a passo como construírem
observados com muito cuidado. um slide e formar assim sua apresenta-
Podemos também elencar como da- Como vemos em Dos Santos Carmo ção científica. Foram passados dados e
dos de suma importância, as dicas da- (2005): informações; também mostrado téc-
das pelos autores para que o apresen- Distribuição dos elementos. Na parte su- nicas para as suas apresentações, não
tador tenha sucesso nas explanações perior, dispõe-se o cabeçalho com as se- apenas de slides mas também de seu
guintes informações: título do trabalho,
de seu trabalho, como: fazer cópias nomes dos autores acompanhados das posicionamento e fala durante a sua
dos arquivos, levar um esquema com respectivas afiliações institucionais e, apresentação. Ao final desse encontro,
muito importante, a indicação das agên-
os itens relacionado à sua apresenta- cias financiadoras, quando for o caso. foi passada para eles a data de entrega
ção, para facilitar o momento da sua (DOS SANTOS CARMO, 2005, p. 14). de suas apresentações finais para ava-
fala frente a sua apresentação visual. o liação e obtenção do certificado.
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Os objetivos foram alcançados, apresentação, para que ela seja bem apresentação científica, até porque,
as apresentações feitas por cada um vista, e principalmente entendida por eles mesmo acreditam que mesmo
dos oficineiros que participaram fica- aqueles que estão assistindo. Ao ter professores e palestrantes que traba-
ram muito bem feitas, e principalmen- uma conversa final com eles no último lham diretamente com isso possuem
te eles conseguiram abstrair para si encontro, a fala foi geral de que a im- dificuldades.
aquilo de fundamental para uma boa portância de aprender a elaborar uma

Figura 1 – print de PowerPoint elaborado por participantes Figura 2 – print de PowerPoint elaborado por participantes 5

Fonte: autores, 2021 Fonte: autores, 2021

É interessante relatar neste capítulo, de que, depois de cada encontro, seja muitos casos viam “erros”, aquilo os in-
que os alunos ficaram mais perspica- síncrono ou assíncrono, eles observa- comodava. Acreditamos, dessa forma,
zes em seus olhares e análises com re- ram e até mesmo avaliavam as apre- que nosso objetivo enquanto oficina
lação aos slides. Os comentários finais, sentações de seus professores, e em foi cumprido.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mundo tecnológico cada dia se faz quando vamos a eventos e percebemos a tica de apresentação. Muitos “ficaram no
mais presente no dia a dia dos pesquisa- desorganização nas informações, ou ain- caminho”, o que é normal quando se tra-
dores. Agora com a pandemia da Covid da mais, percebemos a fala desajustada ta de uma oficina, porém, vimos o cres-
19, migrados da sala de aula real para sa- com aquilo que está sendo apresentado cimento em cada etapa daqueles que se
las de aula virtuais, as quais temos que no slide que o apresentador está usando. propuseram a fazer parte do projeto.
usar de outros métodos para prender a Acreditamos que nossa oficina Para cada um de nós, pesquisado-
atenção de nossos espectadores, e essa contribuiu muito para todos que parti- res, uma apresentação de qualidade é um
tem sido uma dificuldade enfrentada por ciparam da mesma, de forma que pude- desafio real e constante em cada apre-
todos nós. Acreditamos que, por isso, a ram depois apresentar suas produções de sentação que fazemos, mas sabemos que
necessidade de termos slides de qualida- maneira a constatarmos a simetria que é com conhecimentos prévios sobre como
de e que conversem com aquilo que esta- proposta para elaboração de um trabalho elaborar, e mais ainda, aplicando esses
mos apresentando, de maneira a manter científico de qualidade. Isso se fez palpá- conhecimentos, podemos apresentar
a atenção dos espectadores que quere- vel principalmente nas produções finais trabalhos com qualidade, colocando-nos
mos dar nossa mensagem. de cada um dos oficineiros. no lugar do espectador e interagindo com
A dificuldade apresentada por pes- Fácil não foi trabalhar o tema, mas ele. Temos claro que essa oficina foi um
quisadores, desde sua graduação até a com um pouco de diálogo, e principal- passo para aqueles que buscam excelên-
pós-graduação, quando se trata de apre- mente, apresentando aos inscritos pon- cia em seu trabalho enquanto apresenta-
sentação de trabalhos científicos, é uma tos centrais que muitos de nós pecamos dor de evento científico, acontecendo em
realidade constatada não apenas em nos- em uma apresentação científica, fez com eventos, trabalhos de conclusão de curso,
so grupo de pesquisas, mas também vista que eles parassem para analisar sua prá- tese ou dissertação.

5. AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

REFERÊNCIAS
ALVES, C. A arte de falar bem, 1. ed., São Paulo: Vozes, 2005.

HATJE, Vanessa. Como Preparar uma Boa Apresentação Científica?. Revista ETC, 2009.

POLITO, R. Assim é que se fala, 28. Ed., São Paulo: Saraiva , 1999 23
sumário

O QUE NÃO É CIÊNCIA, AFINAL?

Marcos Gervânio de Azevedo Melo 1

1
Doutor em Ensino de Ciências e Tecnologia. Professor permanente no Programa de
Pós-Graduação em Ensino de Física (Polo UFOPA – Universidade Federal do Oeste do
Pará) do Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física, Santarém, Pará, Brasil.

RESUMO
A oficina “O que não é ciência, afi- ca e Física da Universidade Federal do possíveis articulações entre o men-
nal?” teve como objetivo: oportunizar Oeste do Pará e de alunos de Licencia- cionado episódio e os conhecimentos
momentos de reflexões e discussões tura em Biologia da Universidade Es- científico e/ou não-científicos apre-
sobre afirmações científicas (falsificá- tadual de Ponta Grossa-PR, totalizan- sentados na oficina. Os participantes
veis) e não científicas (infalsificáveis) do 11 alunos. Ocorreu a construção de puderam constatar que a formulação
e possibilitar distinções entre ciência mapas conceituais após assistirem ao de afirmações infalsificáveis não está
e não-ciência. Os trabalhos ocorreram sétimo episódio da série Cosmos de restrita à pseudociência, mas aparece
no final do ano de 2020 e início de 2021 Neil deGrasse Tyson, intitulado clean também nos domínios da ciência pica-
com a participação de alunos de Licen- room (sala limpa), ocasião em que os reta.
ciatura Interdisciplinar em Matemáti- participantes precisaram identificar

PALAVRAS-CHAVE:
Ciência. Pseudociência. Ciência picareta. Série Cosmos.
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1. INTRODUÇÃO
A oficina “O que não é ciência, afi- ência, prioriza-se suas descobertas e necessidade de se abordar a ciência na
nal?” teve como objetivo: oportunizar produtos em detrimento de seu méto- sua dimensão epistemológica, oportu-
momentos de reflexões e discussões do crítico, dificultando, assim, a pos- nizando-se espaços para se discutir o
sobre afirmações científicas (falsificá- sibilidade de distinção entre ciência e desenvolvimento da ciência, mas pos-
veis) e não científicas (infalsificáveis) pseudociência (SAGAN, 1996). sibilitando compreender também os
e possibilitar distinções entre ciência e Em tempos de pós-verdade, o enten- mecanismos de uma pseudociência,
não-ciência. dimento da ciência é mitigado e, inclu- bem como da protociência e da ciência
A justificativa se deve ao fato de que sive, demonizado, induzindo as pesso- picareta. A supracitada oficina oportu-
a comunidade científica resiste em fa- as a serem influenciadas, não por fatos nizou momentos de reflexão e discus-
lar publicamente sobre pseudociência objetivos, mas por crenças e emoções sões sobre tais questões.
e, além disso, quando se discute a ci- (CUNHA; CHANG, 2021). Isso mostra a

2. REFERÊNCIAL TEÓRICO
Ao se falar em protociência ou pa- para que o conhecimento possa ser rá-las como verdades absolutas, mas
raciência, voltam-se olhares para um considerado científico. como provisórias. Percebe-se, assim,
“conhecimento que ainda não logrou Por outro lado, recorrendo-se à vi- que a essência da concepção falsifica-
o status de conhecimento científico são falsificacionista da ciência, elabo- cionista da ciência está na possibilida-
pela comunidade de cientistas que o rada por Karl Popper (1902-1994), po- de de crescimento do conhecimento
valida” (PILATI, 2018, p. 101). O autor de-se dizer que a ciência começa com científico ocorrer por meio da utiliza-
ressalta, como exemplo de protociên- problemas e que estes oportunizam o ção de teorias melhores.
cia, a questão da pílula do câncer que aparecimento de hipóteses como pos- Diante do exposto, o que diferencia
fora distribuída no fim da década de síveis soluções, mas tais hipóteses pre- a ciência, nessa visão popperiana, de
1990 sem ser aprovada por agências cisam ser testadas com observações e um “conhecimento” pseudocientífico?
regulamentadoras, ou seja, ainda não experimentos e caso sejam falsifica- Em resposta, pode-se dizer que seria a
possuindo status de medicamento. Por das, devem ser rejeitadas (CHALMERS, possibilidade de afirmações serem fal-
isso, protociência necessita que fenô- 1993). O autor ressalta que as teorias sificadas, pois enquanto a ciência tra-
menos e processos sejam conhecidos (hipóteses) precisam ser as melhores balha com hipóteses falsificáveis que
a fundo, além das evidências parciais, disponíveis, logo não se pode enca- podem ser refutadas, a pseudociência

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sumário

diferentemente utiliza hipóteses que suas afirmações, nunca ou raramente propósito. Destaca que normalmen-
são construídas para serem invulnerá- produzindo afirmações passíveis de te, o objetivo desses profissionais está
veis diante de observações que possi- falseamento” (PILATI, 2018, p. 105), relacionado a “vender um produto ou
bilitem refutá-la. constituindo-se numa disciplina que um serviço, utilizando-se de um argu-
Nesse viés, a pseudociência pode procura se passar por ciência sem real- mento persuasivo poderoso e que cau-
ser entendida como sistemas de com- mente ser (BUNGE, 1989), mas é ado- sa admiração: de que o conhecimento
preensão do mundo que, geralmente, tada, impressionantemente, na mesma é científico” (PILATI, 2018, p. 102).
utilizam um caráter racional nos ar- proporção em que a autêntica ciência Goldacre (2015) cita como exemplo
gumentos, “mas são inexoravelmente é mal compreendida (SAGAN, 1996). de ciência picareta o episódio da vaci-
impossíveis de serem submetidos a al- O autor destaca a astrologia, a quiro- na tríplice, cujos estudos do inglês An-
gum tipo de teste que demonstre que mancia, a numerologia, entre outras, drew Wakefield (1957-) revelaram, de
eles são falsos” (PILATI, 2018, p. 106). como exemplos de pseudociência. forma precipitada e descuidada, uma
Por isso, percebe-se o quanto uma de- Além da pseudociência, Pilati (2018) relação entre a mencionada vacina e o
terminada pseudociência, como a as- menciona a ciência picareta como uma desenvolvimento do autismo. Assim,
trologia, pode recorrer a estratégias atividade que, quase sempre, é desen- chama-se atenção para o erro inten-
racionais, aproveitando-se de conhe- volvida buscando conseguir imuniza- cional na ciência em casos como este,
cimentos físicos, tais como gravidade ção ao falseamento. Ressalta ainda que pois 12 anos após a divulgação dessa
e ondas eletromagnéticas, para tentar, ciência picareta constitui um conheci- relação, revelaram-se indícios de que
por intermédio do “comprovado cien- mento que se apresenta como cientí- os dados da pesquisa teriam sido fabri-
tificamente”, conseguir validar suas fico, mas que, na realidade, representa cados, uma vez que Wakefield se mos-
crenças (LEE, 2003). algum tipo de engodo deliberadamen- trava favorável às vacinas individuais
Assim, a “pseudociência trata de te desenvolvido por algum profissio- (BARBOZA, MARTORANO, 2017).
sistemas de crença que buscam se nal que se autoapresenta possuindo
validar por meio de confirmação de credenciais científicas para atingir um

3. DESCRIÇÃO DO PROCESSO E RESULTADOS.


Os trabalhos ocorreram no final do terdisciplinar em Matemática e Física tura em Biologia da UEPG – Universi-
ano de 2020 e início de 2021 com a par- da UFOPA – Universidade Federal do dade Estadual de Ponta Grossa – PR,
ticipação de alunos de Licenciatura In- Oeste do Pará e de alunos de Licencia- totalizando 11 alunos.

26
sumário

As ações foram planejadas para se desvelar uma realidade problemáti- seguida, ocorreu um momento de
ocorrerem em 10 horas de atividades, ca em nossa educação científica, bem construção de mapas conceituais re-
mediante a Metodologia do Arco de como para se pensar em hipóteses que ferentes ao supracitado episódio da
Maguerez (HENGEMÜHLE, 2008) que a solucione série Cosmos, ocasião em que os parti-
pode, assim, ser sistematizada: 2) Posteriormente, a oficina teve cipantes precisaram identificar possí-
1) Inicialmente, de forma síncro- um momento de fundamentação teó- veis articulações entre o mencionado
na, oportunizou-se discussões sobre rica em sua parte assíncrona: os parti- episódio e os conhecimentos científi-
a realidade da Educação em Ciências, cipantes assistiram uma live, anterior- co e/ou não-científicos apresentados
voltando olhares para a problemática mente grava, que discutia exemplos de na oficina.
da ausência da dimensão epistemoló- protociência, pseudociência e ciência 3) Finalmente, o Arco de Mague-
gica no ensino de ciências. Resultados picareta, mas possibilitando compa- rez se completa com um momento de
de pesquisas foram socializados, reve- rações com a visão falsificacionista da resgate à problemática da realidade
lando que estudantes de licenciatura ciência de Karl Popper (1902-1994). do ensino de ciências. Assim, os par-
em ciências, mesmo em fase final de Após isso, os participantes assistiram ticipantes foram desafiados a socia-
curso de graduação, não conseguiam ao sétimo episódio da série Cosmos lizarem seus construtos de maneira
distinguir corretamente um conhe- de Neil deGrasse Tyson, intitulado cle- síncrona. Os mapas conceituais foram
cimento científico de outros tipos de an room (sala limpa), que apresenta apresentados e possibilitaram discus-
conhecimentos (MELO, 2019, 2020). a história do cientista estadunidense sões sobre a importância de se con-
Mostrou-se, também, que o fraco de- Clair Patterson (1922-1995). Tal episó- seguir diferenciar um conhecimento
sempenho dos estudantes brasileiros dio mostra o embate entre Patterson científico dos demais conhecimentos,
em exames, como o PISA2, tem articu- e o médico Robert Kehoe (1893-1992), como o pseudocientífico, por exemplo.
lação com a falta de abordagens epis- contratado pela General Motors (GM) Alguns dos mapas construídos pe-
temológicas no ensino de ciências da para acalmar o público e melhorar a los participantes podem ser observa-
rede básica. Assim, esse primeiro en- imagem do chumbo que, mesmo sen- dos nas Figuras 1 e 2.
contro oportunizou momentos para do tóxico, era usado na gasolina. Em

2
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. Priorizou a avaliação na área de ciências no ano de 2015. Disponível em:
<http://portal.inep.gov.br/internacional-novo-pisa-resultados>. Acesso em 26/12/2020.
27
sumário

Observando-se a Figura 1, é pos-


Figura 1 – Embate entre Robert Kehoe e Clair Patterson (elaborado por
sível perceber que o participante P-1
participantes P-1 da oficina)
entende como uma atividade cientí-
fica aquela desenvolvida pelo geoquí-
mico Clair Patterson no documentário
Cosmos. Percebe-se que o participan-
te compreende o trabalho de Patterson
como constituindo afirmações falsifi-
cáveis que podem ser refutadas. Isso
revela indícios de entendimento da
concepção falsificacionista da ciência
(CHALMERS, 1993).
Por outro lado, o participante atri-
bui um caráter de ciência picareta ao
trabalho do médico Robert Kehoe. Esta
linha de raciocínio foi a utilizada por
todos os participantes da oficina, pois
mesmo apresentando dificuldades
para construírem mapas conceituais
– alguns construíram mapas mentais
– os atores observaram a participação
de um cientista cuja credencial fora
utilizada pela indústria do petróleo
para validar o uso de um produto, qual
Fonte: autor, 2021 seja: o chumbo na gasolina. Esse tipo
de compreensão pode ser observado
contemplando-se a Figura 2.

28
sumário

Figura 2 – Embate entre Robert Kehoe e Clair Patterson (elaborado por 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
participantes P-2 da oficina)
Ao lembrarmos o objetivo dessa ofi-
cina, qual seja: oportunizar momentos
de reflexões e discussões sobre afir-
mações científicas (falsificáveis) e não
científicas (infalsificáveis) e possibili-
tar distinções entre ciência e não-ciên-
cia. Pode-se dizer que os licenciandos,
tanto da UFOPA quanto da UEPG, ex-
perimentaram uma interessante opor-
tunidade para diferenciar o conheci-
mento científico de outras formas de
conhecimentos que, inclusive, buscam
se passar por científicos.
Os participantes puderam constatar
que a formulação de afirmações infal-
sificáveis não está restrita à pseudoci-
ência, mas aparece também nos do-
mínios da ciência picareta. O trabalho
desenvolvido pelo médico Robert Ke-
hoe na série Cosmos de Neil deGrasse
Tyson foi interpretado como um exem-
Fonte: autor, 2021 plo de ciência picareta em que o nega-
A Figura 2 revela uma imagem que te P-2 relata o uso mal-intencionado cionismo é proferido por um membro
parece ter impregnado os participantes da ciência pelo médico Robert Kehoe. da própria comunidade científica. Cla-
da oficina, pois apesar da ciência pica- Percebe-se, segundo esse participante, ro, a dúvida levantada por Kehoe so-
reta estar relacionada também a erros que Kehoe é contratado para criar falsa bre a toxidade do chumbo, permitia a
não intencionais na ciência (GOLDA- controvérsia aos trabalhos de pesquisa indústria do petróleo continuar ven-
CRE, 2015; PILATI, 2018), o participan- de Clair Patterson. dendo a gasolina com chumbo e não
receber pressões para implementar

29
sumário

medidas governamentais regulatórias tunizou a percepção de que a ciência, científico e o quanto estes podem ser
sobre esse produto. apesar de controversa por natureza, também propositais, planejados por
Por isso, entendemos que a inserção não é neutra, pois pode receber inter- cientistas mal-intencionados, para
dos licenciandos nessas discussões, ferência direta das indústrias da cura, atender interesses políticos e econô-
possibilitou não somente compreen- do tabaco, do petróleo, entre outras. micos. Discussões como essas são im-
der o critério popperiano para diferen- Além disso, foi possível refletir sobre portantíssimas para a promoção da al-
ciar ciência de não-ciência, mas opor- erros na produção do conhecimento fabetização científica dos atores.

REFERÊNCIAS

BARBOZA, R.; MARTORANO, S. A. de A. O caso da vacina tríplice e o autismo: o que os erros nos ensinam sobre os aspectos da natureza da ci-
ência. In: MOURA, B. A.; FORATO, T. C. M. (Org.). Histórias das ciências, epistemologia, gênero e arte: ensaios para a formação de professores
[online]. São Bernardo do Campo, SP: Ed. UFABC, p. 53-69, 2017.
BUNGE, M. Seudociencia e Ideología. Madrid, Alianza Editorial, 1989.
CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal? 1. ed. São Paulo: Brasiliense. 1993.
CUNHA, M. B.; CHANG, V. R. J. Fake Science: uma análise de vídeos divulgados sobre a pandemia. Amazônia: Revista de Educação em Ciências
e Matemáticas, v. 17, n. 38, p. 139-152, 2021.
GOLDACRE, B. Ciência Picareta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
HENGEMÜHLER, A. Significar a educação: da teoria à sala de aula. In: HENGEMÜHLER, A. (org.). Significar a educação: da teoria à sala de aula.
Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 17-47, 2008.
LEE, P. Ciências versus pseudociências. Curitiba: Expoente, 2003.
MELO, M. G. de A. A música controversa como instrumento de alfabetização científico-tecnológica: um arquétipo de objeto de aprendizagem
no ensino de ciências. Experiências em Ensino de Ciências, v. 15, n. 3, p. 124-145. 2020.
MELO, M. G. de A. Jogo Tríptico na formação inicial do professor de ciências: uma proposta de ensino de Física sob o enfoque CTS que busca
promover ACT. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Tecnologia) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Ponta Grossa, 2019.
PILATI, R. Ciência e pseudociência: Porque acreditamos naquilo que queremos acreditar. São Paulo: Contexto, 2018.
SAGAN, C. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
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sumário

LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA DA SITUACIONALIDADE E


CORPORALIDADE DA/O CIENTISTA
Bettina Heerdt 1
Letícia Kossatz Correia 2

1
Doutora em Ensino de Ciências e Educação Matemática, professora Adjunta do Departamento de
Biologia Geral – Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, e-mail: bbheerdt@uepg.br
2
Graduanda em licenciatura em artes Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, e-mail: leti-
ciakossatzcorreia@gmail.com

RESUMO
A oficina teve como objetivo rom- produção artística; e, por fim, as obras
per com discursos de verdade em re- foram apresentadas para o grupo.
lação às questões de gênero e suas Como resultado dessa oficina, as pro-
interseccionalidades na ciência, por duções desenvolvidas permitem olha-
meio de uma obra cinematográfica. O res para opressões e desigualdades no
referencial teórico utilizado foi o das meio científico, que promovem o teto
epistemologias feministas da ciência. de vidro na carreira científica de mu-
A oficina ocorreu em três momentos; lheres, além de questionar conheci-
no primeiro, ocorreram as discussões mentos produzidos numa localização
teóricas; no segundo, a obra cinema- privilegiada que não considera a cor-
tográfica “Estrelas além do tempo” foi porificação das/os cientistas.
assistida e, após, foi solicitada uma

PALAVRAS-CHAVE:
Gênero e Ciência. Ensino de Biologia. Ensino de Artes. Cinema.
31
sumário

1. ASSIM COMEÇAMOS
A oficina nomeada: Linguagem ci- órica em relação a gênero e suas inter- a mulher cientista (DA CRUZ; GOMES,
nematográfica da situacionalidade seccionalidades, ciência e cinema. Foi 2018).
e corporalidade da/o cientista teve realizada uma atividade de reflexão em Atividades Remotas: nesse mo-
como objetivo geral romper com dis- relação à compreensão da Natureza mento, as/os participantes assistiram
cursos de verdade em relação às ques- do conhecimento científico (ABD-EL- ao filme “Estrelas Além do Tempo”, e
tões de gênero e suas intersecciona- -KHALIC; BELL, LEDERMAN, 1998) após desenvolveram uma produção
lidades na ciência, por meio de uma e uma atividade utilizando imagens artística (desenho, pintura, texto, per-
obra cinematográfica “Estrelas além das/os personagens do filme “Estrelas formance) partindo do questionamen-
do tempo”3. Além de específicos como Além do Tempo” para identificar suas to da situacionalidade e corporalidade
discutir gênero e ciência como uma posições sociais no filme (quem era da/do cientista.
construção histórica e discursiva; ex- Supervisor/a; Secretária/o; Cientista; Atividade Síncrona 2: nesse encon-
plorar os discursos de gênero e ciência Matemática/o da Nasa; Engenheira/o; tro, foram apresentadas as produções
em filmes de ficção científica; discutir Faxineira/o) para compreender os dis- desenvolvidas; as/os participantes
as questões de desigualdade social- cursos estruturados entre as/os parti- trouxeram as reflexões que foram ge-
mente construídas no meio científico cipantes. Após, foi debatido o conceito radas a partir do filme e das discussões
que promovem o teto de vidro na car- de interseccionalidade (AKOTIRENE, teóricas.
reira científica para muitas mulheres e 2020); logo em seguida, a reflexão ocor- A seguir, apresentaremos o referen-
pensar nas questões de gênero e suas reu a partir do sujeito localizado (LON- cial teórico feminista que nos permitiu
interseccionalidades que promovem GINO, 2008; HARAWAY, 1995). Por fim, pensar nas relações de gênero na Ci-
discriminação e opressão na ciência. foram discutidas as representações fe- ência, após apresentaremos as discus-
A oficina foi desenvolvida em três mininas no cinema e nos filmes de fic- sões e produções das/os participantes.
momentos pedagógicos: ção científica feitas a partir de uma vi-
Atividade Síncrona 1: discussão te- são masculina sobre as feminilidades e

3
Sinopse do filme: no auge da corrida espacial travada entre Estados Unidos e Rússia durante a Guerra Fria, uma equipe de cientistas da NASA, formada
exclusivamente por mulheres afro-americanas, provou ser o elemento crucial que faltava na equação para a vitória dos Estados Unidos, liderando uma das
maiores operações tecnológicas registradas na história americana e se tornando verdadeiras heroínas da nação. Lançamento no Brasil: 02/02/2017. Diretor:
Theodore Melfi.

32
sumário

2. TEORIZAÇÕES QUE NOS PERMITEM PENSAR

Nosso referencial teórico está pau- dade é masculino e branco (LONGINO, al, entre outros são considerados de
tado nas epistemologias feministas da 2008). Portanto, conhecimentos não forma interligada, mas não hierárqui-
ciência a partir de autoras como Don- localizáveis são irresponsáveis, pois ca. Refletir o lugar da mulher negra,
na Haraway (1995) e Hellen Longino não se pode chamar a prestar contas “ao não serem brancas e nem homens,
(2008), além das teorias feministas ne- (HARAWAY, 1995). ​ exerceriam a função de Outro do Ou-
gras Carla Akotirene (2020), Djamila Numa perspectiva feminista, todos tro”, pois ocupam um lugar muito difí-
Ribeiro (2019), bell hooks 4 (2019). os sujeitos do conhecimento são cor- cil na sociedade supremacista branca
Donna Haraway (1995) nos permite porificados, o conhecimento é parcial (KILOMBA, 2017 apud RIBEIRO, 2019,
reflexões dos saberes localizados; as- e responsável, rompe-se com as dico- p. 38). hooks (2015) evidencia o silen-
sim, todo conhecimento é corporifi- tomias sujeito e objeto e se estabelece ciamento das interseccionalidades,
cado o que significa localização, tanto vínculo (HARAWAY, 1995). ​ pelo próprio feminismo, uma tentativa
epistêmica como física. Questiona-se ​a Para pensar na localização dos sujei- de não permitir que a voz e conheci-
universalidade de homens e mulheres tos do conhecimento, Carla Akotirene mentos das mulheres negras fossem
genéricas (HARDING, 1996), u​m olhar (2020) nos traz o conceito de intersec- ouvidos. A partir dessas teorizações,
não marcado do sujeito descorporifi- cionalidade, que surge no feminismo foi escolhido o filme “Estrelas Além do
cado herdado de Descartes, um sujei- negro; é uma ferramenta que nos per- Tempo”, que nos permite uma plura-
to livre de influências e determinações mite perceber o sistema de opressão lidade de discussões, percepções e si-
externas, um sujeito purificado que como interligado. Assim, opressões de lenciamentos.
nega um corpo, e que no bem da ver- raça, classe, religião, orientação sexu-

3. REFLEXÕES DO PROCESSO A PARTIR DAS PRODUÇÕES


Nesse momento, apresentamos apresentaram suas reflexões a partir do produções, assim seus nomes serão di-
as produções desenvolvidas pelas/ filme e das discussões teóricas. Todas/ vulgados.
os nove participantes (Figura 01) que os permitiram o uso das descrições e

4
bell hooks reivindica a grafia de seu nome em letra minúscula, um lugar não hegemônico.

33
sumário

Figura 1 – Produções das/dos participantes da oficina ças, do ensino fundamental, cientistas


que eles lembram, é o nome mais cita-
do, inclusive por professores/as, então
ele representa isso, tanto que ele está
sempre nesse centro, da imagem. Mas
também nós estamos em um processo,
tanto epistêmico quanto cultural, de
quebra essas ideias, esses paradigmas,
então eu trouxe o cabelo de uma mu-
lher, no entorno desse Einstein, junto
com outros elementos que são objetos
de conhecimento da biologia, alguns
animais e plantas, o vírus, e fui colo-
cando uns elementos que remetem às
mulheres, nessa própria imagem do
Einstein, dizendo que a gente quer mu-
dar, quebrar esse padrão do homem
no centro. Quando eu fui fazendo essa
colagem, fui sobrepondo várias vezes a
mesma imagem, e deixando mais cla-
Fonte: autoras, 2021 ra, com essa ideia de quebra de padrão
a ideia dessa ciência universal. Esse foi
Na obra 01, primeira linha da es- verdade, que são mulheres reais que meu processo criativo, quanto a ideia,
querda para direita, da artista Alana falam isso, pra mostrar que isso é algo a partir do olhar do filme. O filme tam-
Muniz, estudante de Artes Visuais, fala: real”. bém traz essa quebra de uma relação
“eu escolhi fazer a minha obra com co- Na obra 02, primeira linha da es- que foi estabelecida na ciência por
lagens de recortes de revista. Eu colo- querda para direita, da artista Bettina muito tempo, desse homem centrado,
quei principalmente citações e frases Heerdt, professora de Biologia, fala: então vem essas mulheres quebrando
sobre essa luta, e muitas das frases e “Einstein representa, no meu ponto de essas ideias e dizendo, apesar do so-
citações falam sobre a luta da mulher vista, tanto ele quanto Darwin, a ideia frimento e dos percalços, nosso lugar
preta, que é basicamente o tema prin- de uma ciência masculina, euro cen- também é aqui, estamos preparadas e
cipal do filme. Então eu escolhi colocar trada, heterossexual, branca. Quando somos capazes”.
isso, pra mostrar que são mulheres de você pergunta na escola, para crian-
34
sumário

Na obra 03, primeira linha da es- ciatura em Artes Visuais, fala: “O filme gênero e hétero, e como ele ocupa esse
querda para direita, da artista Fernan- é muito abrangente, ele tem muitas lugar de destaque, logo abaixo uma
da Mendes Ferreira, mestranda em En- especificidades, que a gente consegue mulher branca, temos um homem ne-
sino de Ciências, fala: “O meu desenho explorar muito bem para produzir uma gro também, mas vemos que está em
representa a mulher negra, a estrela obra, temos a questão das mulheres uma perspectiva diferente, e lá no fun-
representa o sucesso, os símbolos den- negras na ciência, a questão das mu- do, você quase não nota, uma mulher
tro da estrela são as ideias, os conhe- lheres negras dentro da sociedade, as preta, e a minha obra é sobre isso, so-
cimentos que levam a esse sucesso, e mulheres mães... produzirmos de onde bre esses lugares que a gente ocupa so-
a mão masculina, está podando esses estamos, então eu, sendo uma mulher cialmente.”
conhecimentos e ideias que poderiam mãe, estudante e futura pesquisadora, Na obra 07, segunda linha da es-
levar essa mulher ao sucesso. Foi uma quis trazer um pouco disso para minha querda para direita, do artista Mateus
coisa que ficou muito presente para obra, é o lugar onde eu mais me iden- Kromp, estudante de Licenciatura em
mim, no filme, a mulher mostra uma tifico dentro do filme, que é a mulher Ciências Biológicas (não participou do
ideia para o chefe e de começo ele não estar trabalhando e ainda cuidando da encontro, mas encaminhou a obra).
aceita, ela precisa insistir, insistir, de- casa e dos filhos. Eu fiz essa foto per- Na obra 08, no canto esquerdo
pois o chefe ouve.” formance, para representar as coisas abaixo, da artista Mariane Beatriz, es-
Na obra 04, primeira linha da es- que acabam tirando nosso foco, o fato tudante de Licenciatura em Ciências
querda para direita, da artista Larissa da mulher acumular funções, não dei- Biológicas, fala: “Quando eu assisti ao
Martins, egressa do curso de Turismo, xamos de fazer umas para começar a filme, mesmo elas fazendo bastante
fala: “O que eu quis representar é como fazer outras, eu quis mostrar um pouco trabalho elas nunca eram reconhe-
a educação pode te fazer caminhar, te disso e trazer a questão de que a mu- cidas, o que eu quis representar aqui
levar para lugares que você poderia lher quando está produzindo, pesqui- foi que uma mulher na ciência estuda
não ter acesso. Pela situação da época sando, dentro do mercado do trabalho, muito, o tempo de estudo é enorme, o
em que o filme se passa, pela raça e se- essa mulher mãe não deixa de existir, esforço, e muitas vezes a mulher não
xualidade. Uma das atrizes no final do ela continua existindo dentro de tudo é reconhecida, eu quis representar ela
filme consegue entrar na universidade isso, e nós tentamos fazer com que elas sendo reconhecida como a especialis-
de engenharia, onde só eram aceitos existam juntas.” ta no assunto, que é o que falta para as
homens, e ela é a primeira a ser acei- Na obra 06, segunda linha da es- mulheres.”
ta. Eu quis tentar passar isso na minha querda para direita, do artista Luiz Na obra 09, segunda linha, da es-
obra.” Arthur Feola, estudante de Licencia- querda para direita, do artista Rafa-
Na obra 05, segunda linha da es- tura em Ciências Biológicas, fala: “Eu el Semkiw, estudante de Licenciatura
querda para direita, da artista Leticia pensei nos lugares sociais que a gente em Artes Visuais, fala: “Se é difícil para
Kossatz Correia, estudante de Licen- ocupa, pensando o homem branco, cis mulher, quem dirá pra mulher trans.
35
sumário

Como está hoje a sociedade nesse pa- sexualidade, esse simbolismo do que te também, não só na ciência, mas em
pel de aceitação? O papel da mulher, significa ser mulher, e ali eu coloco a todos os ramos da sociedade, essa difi-
o papel da mulher negra, o papel da questão do falo, pra dizer, isso aqui culdade da ascensão da mulher trans.
mulher do campo, quem dirá a mu- também é mulher. E a mulher na ciên- Quando eu assisti ao filme, só reforçou
lher trans. Quando eu assisti ao filme, cia? Qual o papel da mulher na ciên- aquilo que eu imaginava desde a nossa
a cena que mais me toca, que mais me cia? Então eu venho questionar através primeira oficina. Acredito que, por ser
machuca, são as distinções de uso, o dessa obra justamente isso, quando uma história verídica, percebemos que
uso das pessoas de cor, a sala das me- que ela vai ser um símbolo conquista- tinham personagens que tomaram as
ninas de cor, o café da pessoa de cor... do, dentro da sociedade e ciência? Em dores, o juiz que aceitou a personagem
Acho que hoje a gente ainda enfrenta paralelo eu gostaria de lembrar ques- a frequentar a universidade, o chefe
na sociedade uma questão tão simples tões, por exemplo, temos o filme ‘A que aceitou ela (sic) entrar nas reuni-
que é o banheiro. Uma mulher trans, mulher dinamarquesa’ que fala sobre a ões, que deu voz para ela, a primeira
que esteja hoje na universidade, o que questão da transexualidade, ao mesmo negra que foi a supervisora da sala da
é uma coisa extremamente rara, mas.. tempo que é um filme muito bonito, se IBM, então você percebe que existem
E o banheiro? A gente pensa em tantas é um filme sobre uma trans, porque essas quebras de padrão, que sempre
questões mais profundas, mas às vezes não uma atriz transexual? Em contra- vão ter na história, e a gente está tor-
o básico a gente não está atendendo as partida, temos o seriado ‘pose’, quan- cendo pra esse momento. Para que
pessoas. Então, eu levantei essa ques- tas boas atrizes a gente vê atuando de haja essa quebra de padrão junto da
tão, fiz esse dorso de uma escultura de uma maneira belíssima, e são transe- mulher trans.”
Vênus, que exala essa feminilidade e xuais. Então a gente percebe que exis-

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao repensarmos no objetivo da ofi- das mulheres, pluralidade de mulheres Somos cientes, primeira e segunda au-
cina que foi o de romper com discur- que vivenciam diferentes opressões. tora do nosso lugar de fala e privilégio,
sos de verdade em relação às questões Ao pensar, discutir, refletir com ou- enquanto mulheres brancas e univer-
de gênero e suas interseccionalidades tras/os, aqui nos referimos tanto às sitárias. Sentimo-nos responsáveis por
na ciência, por meio de uma obra ci- teorizações utilizadas, como às/aos desestabilizar estruturas hegemônicas;
nematográfica “Estrelas além do tem- participantes da oficina, nos permitiu assim, nessa oficina, não buscamos es-
po”, percebemos nas obras e discursos desestabilizar certezas sobre gênero, tabelecer novas e melhores verdades,
reflexões sobre mulheres na ciência, ciência e as interseccionalidades, as mas refletir sobre diferentes sistemas
silenciamentos das mulheres, espaços dores e opressões de tantas mulheres. de opressão.
36
sumário

REFERÊNCIAS
ABD-EL-KHALICK, Found, BELL, Randy L., LEDERMAN, Norm.G. The nature of science and instructional practice: Making
the unnatural natural. Science Education, 82,417-436, 1998.

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen Produção Editorial LTDA, 2020. 152 p. (Coleção Feminismos
Plurais).

DA CRUZ, Livia Delgado Leandro; GOMES, Emerson Ferreira. Estrelas Além do Tempo: debatendo gênero, raça e ciência em
espaços educativos. Revista de Estudos Universitários - REU, v. 44, n. 2, 2018.

HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Ca-
dernos Pagu, n. 5, p. 07-41, 1995.

HARDING, Sandra. Ciencia y Feminismo. Madrid, Ediciones Morata, 1996.

hooks, bell. Teoria feminista: da margem ao centro. São Paulo: Perspectiva, 2019. 254p.

LONGINO, Helen. Epistemologia feminista. In: Compêndio de Epistemologia. GRECO, John; SOSA, Ernesto. (orgs), São
Paulo: Edições Loyola, 2008. p.505-545.

RIBEIRO, Djamila. Lugar de Fala. São Paulo: Pólen Produção Editorial Ltda, 2019. 112 p. (Coleção Feminismos Plurais, v. 4).

37
sumário

PINTURA FLUIDA: Colorindo com química e arte


Josie Agatha Parrilha da Silva 1
Renato Marcondes 2
Rosilene dos Santos Oliveira 3
Cassio de Toledo Farias 4
1
Doutora em Educação para a Ciência e a Matemática. Docente do Departamento de Artes e do Programa de
Pós-graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Do-
cente permanente do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência e a Matemática da Universidade
Estadual de Maringá. Contato: japsilva@uepg.br

2
Doutorando em Ensino de Ciências e Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR/
Ponta Grossa. Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG (2020). Licen-
ciado em Química pela Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR/União da Vitória (2017). Contato: renato-
marcondes.renato@gmail.com

3
Doutoranda em Educação para a Ciência e a Matemática pela Universidade Estadual de Maringá - UEM/Ma-
ringá. Mestre em Educação para a Ciência e a Matemática pela Universidade Estadual de Maringá - UEM/Ma-
ringá (2020). Licenciada em Química pelo Instituto Federal do Paraná - IFPR/Paranavaí (2017). Contato: rosis-
cientist@gmail.com

4
Graduado em Licenciatura em Artes Visuais (2021). Contato: cassiodetoledofarias@gmail.com
Fotografia com intervenção de uma produ-
ção de anamorfose, técnica de anamorfose
(autoria de Josie Silva, 2020). promover a aproximação entre as áre- que propiciaram conhecimentos teóri-
as de arte e química a partir de uma co-práticos das áreas de Artes Visuais
RESUMO oficina interdisciplinar para professo- e Química. Como principais resulta-
Esta oficina teórico-prática intitu- res em formação inicial e continuada, dos, obtivemos as produções artísticas
lada “Pintura Fluida: Colorindo com por meio da técnica de pintura fluida. dos participantes, que possibilitaram
química e arte” foi desenvolvida em Adotamos como metodologia a a/r/ promover discussões interdisciplina-
encontros síncronos e assíncronos, tografia, entendida como pesquisa na res sobre a Arte e a Química durante
contando com quatro ministrantes das qual o resultado das investigações são um encontro síncrono, bem como a
áreas de arte e química, em uma carga baseadas em arte. E, em nosso caso, formulação de propostas de planos de
horária de 8 horas, onde objetivamos em produções visuais de pintura fluida aula nesta perspectiva.
38
sumário

PALAVRAS-CHAVE:
Pintura Fluida. Química e Arte. Interdisciplinaridade. Artes Visuais.

1. INTRODUÇÃO
Atualmente encontramos um dis- nar, que aproxime a Química e a Arte. (1923-2012). Adotamos como metodo-
tanciamento de áreas como a Quími- Neste capítulo, relataremos a reali- logia a a/r/tografia, entendida como
ca e a Arte, porém, que possuem uma zação da referida oficina, que contou pesquisa na qual o resultado das in-
proximidade histórica antiga e indis- com a participação de quatro minis- vestigações é baseado em Arte (IRWIN,
sociável (BELTRAN, 2002; MOURA, trantes, sendo dois da área de Artes 2013). E, em nosso caso, em produções
2018). Resgatar tal proximidade pode Visuais e dois da área de Química. Foi visuais de pintura fluida que propicia-
ser um caminho frutífero para os pro- desenvolvida em dois encontros sín- ram conhecimentos teórico-práticos
cessos educacionais (SILVA; NEVES, cronos (11 de dezembro de 2020 e 28 de das áreas de Artes Visuais e Química.
2015), portanto, questionamos: Como abril de 2021), destinados à apresenta- Como principais resultados, obtive-
aproximar (novamente) as áreas de ção e fechamento da oficina, além de mos a produção artística realizada pe-
Arte e Química? encontros assíncronos, destinados às los participantes da oficina, sendo que
Para responder a este questiona- leituras, aos vídeos e às atividades teó- essas produções foram originadas de
mento, realizamos a proposta de rea- rico-práticas, contando com uma car- reflexões sobre as relações entre Arte e
lização de uma oficina com a temáti- ga horária de 8 horas. Química, desenvolvendo, assim, a pos-
ca pintura fluida. Dessa forma, nosso Os principais autores que funda- sibilidade de aproximação de alguns
principal objetivo foi: desenvolver a mentaram a proposta foram: para dos conhecimentos teórico-práticos
aproximação entre as áreas de Arte e compreensão da relação entre Arte e que podem ser explorados no diálogo
Química a partir de uma oficina inter- Ciência, Beltran (2002); para a Interdis- entre estas áreas; também foram pro-
disciplinar para professores em forma- ciplinaridade, Japiassu (1976), Fazen- duzidas propostas de planos de aula
ção ou atuação, que utilizasse a técnica da (1996), e Silva e Nardi (2017); já para baseadas nas discussões desenvolvi-
de Pintura Fluida. Pois, como apontam os conteúdos relacionados à química das durante a oficina.
as pesquisas de Noronha e Rotta (2020) buscou-se Russel (1994) e Brown et al.
e Dalazoana (2020), existe uma neces- (2016); e na Arte pintores como Da-
sidade de formação inicial e continu- vid Alfaro Siqueiros (1896-1974), Jack-
ada em uma perspectiva interdiscipli- son Pollock (1912-1956) e Paul Jenkins
39
sumário

2. REFERENCIAL TEÓRICO Porém, à medida em que as especia- Por meio do exposto, a relação que
lizações, com foco em uma única área se observa entre a Arte e a Ciência
Apresentamos, neste tópico, os prin-
do saber, foram ganhando espaço no constitui um espaço interseccional en-
cipais referenciais teóricos que emba-
decorrer dos séculos, formou-se uma tre estas áreas, e que pode ser compre-
sam a construção da oficina discutida
estrutura disciplinar observada atual- endida dentro de um contexto inter-
neste trabalho, permeando discussões
mente na educação básica e também disciplinar como uma possibilidade de
como a interdisciplinaridade e os con-
nos currículos de formação docente, se obter o objetivo-fim da educação.
teúdos químicos e artísticos.
transpostas em disciplinas como a Arte Nesse sentido, para amalgamar tal re-
(Dança, Música, Teatro e Artes Visuais) lação, nos pautamos em autores como
2.1 A Arte e a Química: Uma com-
e as Ciências (Física, Química e Biolo- Silva e Nardi (2017), os quais compre-
preensão interdisciplinar
gia) (SILVA; NEVES, 2015). endem a interdisciplinaridade, de um
A relação que se estabelece entre as
A respeito disso, Fusinato (2009) sa- ponto de vista etimológico, como sen-
áreas de Arte e Química são antigas, e
lienta que essa estrutura disciplinar, do uma relação que é “[...] integradora
por vezes indissociáveis, tal como po-
ao ser organizada em um formato tão e reporta-se às possíveis relações exis-
de-se observar neste relato:
fragmentado e descontextualizado, tentes entre os diferentes conteúdos
O hall se achava realmente às escuras,
e tresandando a um cheiro de ácido contribui para a crise educacional vi- das disciplinas” (SILVA; NARDI, 2017,
que me fez pensar que a casa fosse venciada no Brasil. Ao encontro dessa p. 101). Bem como, em Japiassu (1976),
de algum indivíduo dado à alquimia.
Acesa a vela, vi que não era um labo-
ideia, Silva e Neves (2015, p. 430) men- o qual destaca que “[...] o espaço inter-
ratório que me achava. Uma mesa ao cionam que tal fragmentação entre as disciplinar, quer dizer, seu verdadeiro
centro do cômodo e cadeiras ao redor, áreas do saber culmina em um distan- horizonte epistemológico, não pode
achava-se tudo ocupado e coberto de
desenhos e esboços, e nas paredes que ciamento da finalidade da educação, ser outro senão o campo unitário do
se via mal, muitas telas pintadas com isto é, conhecimento” (JAPIASSU, 1976, p.
cores escuras, e cujos quadros não [...] propiciar a compreensão do mun-
pude bem distinguir. (VAN LOON, p. do em sua totalidade. E, muitas vezes,
74)..
40, citado por BELTRAN, 2002, p. 39). um ensino organizado em disciplinas Tendo isso em vista, em nossa pro-
pode prejudicar esse entendimento, posta de oficina, que relaciona a Arte e
Podemos destacar que a confusão uma vez que o conhecimento fica sub-
dividido em compartimentos isolados, a Química, por meio da pintura fluida,
expressa traduz as origens irmãs dessas incomunicáveis. É preciso retirar o buscamos em suas relações históricas
duas áreas, onde laboratórios e ateliês conhecimento deste isolamento para
e na aproximação de diferentes conte-
se construíram enquanto ambientes de ampliá-lo e acreditamos que a relação
entre arte e a ciência pode contribuir údos, construir um espaço unitário de
transformação da matéria, produção de maneira fundamental para esse conhecimento, envolvendo diferentes
de materiais e criações das mais varia- fim. (SILVA; NEVES, 2015, p. 430).
atores, de diferentes áreas do saber.
das possibilidades (BELTRAN, 2002).
40
sumário

Desta forma, buscamos fomentar uma brevemente sobre alguns conceitos medidas dos materiais e aos procedi-
compreensão mais ampla destas duas que podem ser abordados nesta pers- mentos empregados. Assim como em
áreas, bem como, de suas aproxima- pectiva, fazendo uso da intersecção um laboratório de química, se quiser-
ções. que se forma entre a Arte e a Ciência, e, mos obter o produto desejado no final,
De acordo com Fazenda (1996), a mais especificamente, neste caso, en- precisamos considerar esses aspectos.
interdisciplinaridade também pode tre a Arte e a Química. Além disso, é importante que durante
ser compreendida como uma intera- todo o processo de realização da téc-
ção entre duas ou mais disciplinas, 2.2 Pintura Fluida e a articulação nica, observemos o que está aconte-
cuja “[...] interação pode ir da simples entre Química e Arte: algumas possi- cendo, de modo a nos questionarmos
comunicação de ideias à integração bilidades e criarmos hipóteses a respeito daqui-
mútua dos conceitos diretores da epis- Dentre as diversas possibilidades lo que vemos e/ou do que ocorreu de
temologia, da terminologia, da meto- que se constroem para o trabalho re- forma diferente do planejado. Lem-
dologia [...]” (FAZENDA, 1996, p. 27), lacional entre a Química e a Arte, elen- bremos que Arte e Ciência requerem
ou seja, perpassa por diferentes cami- camos neste momento, alguns tópicos criatividade, “[...] ainda que o conhe-
nhos e/ou níveis para uma construção da área da química que foram discuti- cimento científico passe por etapas de
interdisciplinar entre duas áreas do co- dos durante a oficina e que se mostra- validação diferentes das artes” (MOU-
nhecimento. Esta autora ainda destaca ram promissores. Cabe destacar que RA, 2018, p. 122).
a importância de se definir interdisci- há uma infinidade de outros conte- Dito isso, voltemos nossos olhares a
plinaridade como “ousadia” e “busca”, údos que podem ser abordados, e de esse primeiro momento que é a prepa-
para alcançarmos práticas efetivas, diferentes formas. Esse fato pode ser ração das tintas a serem utilizadas nes-
que vão além dos discursos. Portan- observado no decorrer da execução da sa técnica. Essas tintas precisam ser
to, uma triangulação destas compre- oficina, pois os participantes5 (ofici- preparadas de modo que apresentem a
ensões, por mais complexas que se neiros) apontaram diferentes temáti- característica de escorrer ou fluir facil-
constituam, fornecem subsídios para cas a serem exploradas. Portanto, este mente sobre um suporte e, para tanto,
a construção de um espaço interdisci- é apenas um ponto de partida, para adicionamos a estas uma medida de
plinar efetivo, e que aproxime verda- suscitar maiores discussões. cola branca escolar diluída em água.
deiramente as possíveis relações entre Uma das primeiras etapas para a re- Um aspecto importante a considerar-
a Arte e a Química. alização da técnica de Pintura Fluida mos é que tanto a cola quanto as tintas
Com base no supracitado, busca- consiste na preparação das tintas a se- guache utilizadas nesta técnica, pro-
mos nos dois itens a seguir, discorrer rem utilizadas, o que requer atenção às posta na referida oficina, são solúveis
5
Os participantes da oficina serão denominados neste relato como “oficineiros”.
41
sumário

em água. Isso possibilita alterarmos a misturas, Brown et al. (2016) mencio- diferença de eletronegatividade entre
característica de viscosidade das tin- nam que dois átomos aumenta, a polaridade de
tas. A maior parte da matéria que encon- ligação também aumenta” (BROWN et
tramos consiste em misturas de dife-
Posteriormente, acrescentamos al- rentes substâncias. Em uma mistura, al., 2016, p. 373). A respeito da eletro-
gumas gotas de óleo de silicone a essas cada substância mantém sua iden- negatividade é importante mencionar
tidade química e propriedades. Em
tintas, a fim de que fossem formadas oposição à substância pura, que, por
que esta “[...] é definida como a capa-
‘células’6 que atribuíram o efeito final definição, tem uma composição fixa, a cidade de um átomo em uma molécula
característico dessa técnica. No entan- composição de uma mistura pode va- de atrair elétrons para si” (BROWN et
riar (BROWN, et al. , 2016, p. 10).
to, diferentemente da cola branca es- al., 2016, p. 326).
colar e das tintas guache, que são so- A partir dessa definição, pode-se Em continuidade, na técnica de
lúveis em água, o óleo é hidrofóbico, explorar posteriormente as composi- Pintura Fluida, utilizamos em deter-
ou seja, não miscível em água. De tal ções e propriedades das misturas ho- minado momento o maçarico, com o
modo, essas características mencio- mogêneas e heterogêneas. Podemos intuito de acelerar o processo de eva-
nadas envolvendo a cola, a água e o estender à indagação de o porquê, por poração da água presente na mistura,
óleo, nessa técnica, são imprescindí- exemplo, algumas substâncias se mis- de modo a provocar alterações físicas
veis para o efeito que desejamos obter turam e outras não, questão que pode na pintura. Porém, neste contexto, o
como produto final. Assim, o fato de a ser discutida mediante a técnica da que vem a ser a evaporação? Segundo
cola ser solúvel em água e na tinta, e de pintura fluida atrelada aos conheci- Russel (1994), pode-se compreender a
o óleo ser imiscível em água, auxilia na mentos químicos. evaporação como um processo onde
formação de uma barreira que possibi- Para responder a tal indagação é pre- [...] as moléculas na superfície são
litará que as tintas quando forem colo- ciso compreender aspectos referentes forçadas a sair e deixar o líquido se o
movimento adquirido por estas for
cadas sob o suporte não se misturem à polaridade e à geometria molecular suficiente para contrapor-se à atra-
totalmente entre si, formando uma das substâncias envolvidas. De acordo ção exercida pelas moléculas vizinhas.
única cor. com Brown et al. (2016, p. 373), a po- Num dado instante, uma certa fração
de moléculas na superfície adquire
Por meio dessas características po- laridade de ligação de uma molécula a mínima energia cinética necessá-
demos explorar conhecimentos refe- “[...] é uma medida de quão uniforme- ria para vencer as forças intermo-
leculares, escapando do líquido. A
rentes às misturas (homogêneas e he- mente os elétrons de uma ligação são evaporação consiste na perda destas
terogêneas), à polaridade, à geometria compartilhados entre dois átomos li- moléculas se movimentando mais ra-
molecular, entre outros. A respeito das gados”. Assim, à medida em que “[...]a pidamente (RUSSEL, 1994, p. 481).

6
Formas circulares que aparecem após realizar a técnica de pintura fluida, se originam em função das interações que ocorrem entre os materiais utilizados,
como a água e o óleo de silicone.
42
sumário

No processo descrito, observamos a dade. Siqueiros desenvolveu uma nova


formação de ‘células’ no momento de proposta: a pintura ia além das pare-
aquecimento, tal observação pode ser des, chegando ao teto (Figura 1-C).
explorada e aprofundada pelo execu- (HERNER, 2009)
tor da oficina, bem como os motivos O muralismo tradicionalmente tra-
que levam a tal comportamento. balha com o bidimensional, em pintu-
ras de fachadas externas de edificações
2.3 Artistas que trabalham com a e muros.
pintura fluida Figura 1 – (A) David Alfaros Siqueiros. Birth of
Entre os artistas citados na oficina, Fascism, 1936. Tinta com nitrocelulose/piroxili-
que faziam uso de técnicas semelhan- na sobre masonite. 75 x 60 cm. (B)
tes à da pintura fluida citamos três: Da- (B) David Alfaros Siqueiros. Colective Suicide,
vid Alfaro Siqueiros (1896-1974); Jack- 1936. Tinta laca sobre madeira. Dimensões: 124,5
son Pollock (1912-1956) e Paul Jenkins x 182,9 cm.
(1923-2012). (C) David Alfaros Siqueiros. For The Complete
Safety of All Mexicans on Work. 1952 – 1954. Tin-
David Alfaro Siqueiros foi um mura- ta com nitrocelulose/piroxilina sobre parede.
lista mexicano que concebeu na déca-
da de 1930 um estilo de pintura, o qual
se referia como Pintura Acidental, na
qual criou formas e texturas inespera-
das (Figura 1A). Siqueiros introduziu
aparatos não convencionais na pin-
tura como, materiais não tradicionais
na Arte (tintas industriais, sprays, bro-
chas etc.), bem como substratos utili-
zados para pintar paredes de edifícios.
Utilizava a técnica do escorrimento na
pintura sempre em prol da narrativa
(Figura 1B). (HERNER, 2009)
A técnica de Siqueiros apresentava
um tratamento escultural das figuras (A) (C)
e fundos, mobilidade, dinamismo e
iluminação, que favorecia a dramatici- Fonte: Siqueiros, 1936a; 1936b; 1952 – 1954
43
sumário

A partir de Siqueiros, chegamos às Pollock nesta nova fase (BERGAMA- das últimas grandes revoluções e das
obras de Jackson Pollock. O artista foi CHI, 2020). mais significativas, influenciando dire-
um pintor Norte-Americano e uma Pollock realizou um ensaio fotográ- tamente ou indiretamente tudo o que
importante figura no movimento ex- fico para uma revista estadunidense, seria criado a seguir. Os pintores Abs-
pressionista abstrato. No início de sua onde apresentava seu processo de pin- tracionistas já haviam rompido com as
carreira trazia influências de Picasso tura. E foi nesse período que os críticos técnicas tradicionais de pintura, onde,
(1881-1973) e Miró (1882-1983), mas de Arte começaram a observar sua téc- ao fazer pinturas enormes davam des-
aos poucos seu estilo de pintura foi se nica e a denominaram Action-Pain- taque a campos de cores sólidas. Nes-
tornando único. O artista ficou conhe- ting. Com a aprovação dos críticos, o te tipo de pintura não existe mais a
cido como pintura de gotejamento, a artista tornou-se uma celebridade nos perspectiva imersiva e sim, a obra que
técnica do Dripping. É visível a influ- circuitos artísticos. Em termos de téc- rebate a perspectiva do observador.
ência da arte de Siqueiros nas obras de nica de pintura, Pollock trouxe uma (BERGAMACHI, 2020)

Figura 2 – Jackson Pollock. Number 8. 1949. Técnica mista

Fonte: Pollock, 1949

44
sumário

O último artista a ser estudado para nada frequência (PONZENATO; GAUER, de forma orgânica (Figura 3 - B), mes-
a oficina foi Paul Jenkins (1923-2012), 2013). mo que de forma manipulada a pintura
pintor Norte-Americano. Como Pollock, O artista experimentou a pintura possuía uma fluidez muito mais sutil, o
originalmente fazia parte do movimen- com escorrimento no final da década de que a diferenciava da tinta arremessada
to Expressionista Abstrato. A pintura de 1950. Sua pintura incorporava elemen- na técnica da Action-Painting. (MCIN-
Jenkins, no entanto, possuía um gesto tos do Expressionismo Abstrato, e fazia TYRE, 2008)
mais lento, onde era explorado o poder um contraponto com a visceralidade da Jenkins desenvolveu um estilo pró-
emocional e espiritual das cores, mo- pintura gestual (Figura 3-A). O processo prio, direcionado para sua questão poé-
tivo pelo qual se aproximava mais do de criação de Jenkins era similar ao de tica e para o estudo dos campos de cor e
Abstracionismo Lírico. Importante des- Pollock: colocava a tela ou lona sobre o do Abstracionismo Lírico. O artista utili-
tacar que não era apenas uma projeção chão do ateliê e trabalhava o processo de zava, primordialmente, as cores primá-
do inconsciente, mas uma questão con- escorrimento da tinta já aplicada sobre rias. As cores (primarias) e o suportes
templativa das cores, numa tentativa de a superfície. Dessa forma, posicionava utilizados por Jenkins, influenciaram a
envolver o espectador em uma determi- a tela de maneira que a tinta escorria técnica proposta na oficina (Figura 3-C).
Figura 3 – (A) Paul Jenkins. Rainbow Bleed. Pintura Fluida. Sem dimensão especificada. (B) Paul Jenkins. Untitled. Sem data. Pintura Fluida. (C) Paul
Jenkins. Pawnee. 1958, Óleo sobre tela oval. Sem dimensão especificada

(A) (B) (C)

Fonte: Jenkins, s/d-a; s/d-b; 1958 45


sumário

Após discorrermos a respeito de al- com a Arte, na seção seguinte apresen- da: colorindo com Química e Arte” e os
guns conhecimentos químicos que taremos a descrição dos processos rea- resultados obtidos neste processo de
podem ser trabalhados em articulação lizados durante a oficina “Pintura Flui- criação artística.
3. DESCRIÇÃO DOS PROCESSOS E RESULTADOS
O presente estudo se desenvolveu no Quadro 1 – Relação de vídeos e temas abordados durante a oficina (elaborado pelos autores)
contexto de uma oficina temática inti-
Vídeos referentes à oficina
tulada ‘Pintura Fluida: colorindo com
Química e Arte’, a qual propõe a aproxi- Apresentação da oficina - Pintura Fluida: colorindo com Química e Arte
(https://www.youtube.com/watch?v=Wv7Q4OgAJBA&t=1271s)
mação entre essas duas áreas de conhe-
cimento. O público-alvo do projeto foi Princípios da pintura fluida: Materiais necessários para a realização dessa téc-
direcionado, inicialmente, a acadêmi- nica de pintura, em especial, as tintas e suportes, e o processo de preparação
cos e professores de graduação e pós- (https://www.youtube.com/watch?v=6KsoiY5phr4&t=836s)
-graduação, sendo, posteriormente, Realização da técnica de pintura fluida : Demonstração passo a passo
aberto à comunidade externa por meio (https://www.youtube.com/watch?v=Tc7eWOH2PWM&t=1780s)
da galeria virtual do Curso de Artes Vi-
Pintura Fluida: Artistas que utilizaram essa técnica como, por exemplo, David
suais da UEPG (GAUEPG)7, via plata-
forma Youtube. Alfaros Siqueiros, Jackson Pollock e Paul Jenkins
(https://www.youtube.com/watch?v=zxBOurV2XE4&t=517s)
A referida oficina foi realizada re-
Pintura Fluida: Para além da cor (https://www.youtube.com/watch?v=9w9uHwvlefU&t=9s)
motamente em dois momentos, quais
sejam: 1) Síncrono, que consistiu nos Pintura Fluida: A Relação Química e Arte - discussões a respeito do contexto
encontros online de apresentação e fe- histórico do Ateliê e do Laboratório, buscando demonstrar sua importância e
chamento da oficina, com socialização possibilidade para um trabalho interdisciplinar (BELTRAN, 20002).
e discussão dos trabalhos realizados (https://www.youtube.com/watch?v=eJY4mTmugCE&t=38s)
pelos oficineiros, nas datas de 11 de de- Pintura Fluida: Análise das pinturas: discussão de algumas características ob-
zembro de 2020 e 28 de abril de 2021;
servadas na pintura fluida do ponto de vista da Química e das interações entre
2) Assíncrono, referente às leituras, aos
vídeos e às atividades teórico-práticas a
os componentes dessa técnica de pintura (RUSSEL, 1994).
(https://www.youtube.com/watch?v=iRWUpBPRQOM&t=3s)
respeito do tema. No Quadro 1 constam
Para além da cor: A pintura fluida e alguns conceitos
os links dos vídeos, os temas abordados (https://www.youtube.com/watch?v=Sx0uq885j0Y)
em cada um deles e o material proposto
para leitura. Para além da cor: A pintura fluida e alguns conceitos
7 (https://www.youtube.com/watch?v=EnO9T9sPvSQ&t=24s)
GAUEPG Galeria. Disponível em:
https://www.youtube.com/channel/UCSiKUwWr77uXCIkMthb6vIA/videos.
Acesso em: 20 jun. 2021. Fonte: autores, 2021 46
sumário

Os materiais utilizados na realiza- 3.1 Mãos à Arte: Preparando as tintas zada ser solúvel em água, tratando-se
ção da oficina consistiram em: tin- No processo de preparação da tin- de uma mistura homogênea. É im-
tas de cores primárias (azul, amarela ta a ser utilizada na técnica da pintu- portante mencionar que há três tipos
e vermelha) e branca, de modo que a ra fluida ressaltou-se aos oficineiros a de colas, a saber: “[...] colas baseadas
proposta sugere a substituição da tinta importância de utilizar as quantidades em água (como a cola branca [...]); as
PVA (Acetato de Polivinila) por tintas corretas dos materiais indicados du- colas baseadas em solventes (como a
guache, em decorrência do seu bai- rante o preparo, pois, para a técnica da cola usada pelos sapateiros); e as colas
xo custo e menor impacto ambiental. pintura fluida a tinta empregada pre- que reagem quimicamente em contato
Também foi utilizada cola branca es- cisa apresentar a fluidez adequada, de com o ar (como as colas do tipo super-
colar, água mineral, óleo de silicone modo que esta possa fluir livremente bonder)” (SILVA, 2011, s. p.).
para carro ou cabelo, copo descartá- sobre o suporte. Isso, tendo em vista Neste sentido, ao pensarmos na
vel (50mL), maçarico portátil, luvas de que nessa técnica não se utiliza pincel composição das colas, sinalizamos que
látex descartáveis, jornal velho, guar- para a aplicação da tinta. independente de sua natureza, todas
danapo descartável e como suporte, Nesse sentido, notadamente a tin- são constituídas por polímeros - que
foi sugerido a utilização de discos de ta guache apresenta uma consistência consistem em uma macromolécula
acrílico forrado de tecido com cola em que não possibilita sua fluição sobre formada por várias unidades menores
substituição à tela convencional de um suporte. Por conta disso, faz-se chamadas monômeros (BROWN et al.,
pintura. necessário prepará-la até atingir essa 2016) - os quais “[...] se ligam uns aos
A seguir, discorreremos brevemente característica. Para tanto, inicialmente outros e às partes que se deseja unir,
a respeito do que observamos e discu- preparamos o meio em que a tinta foi colando-as” (SILVA, 2011, s. p.). As-
timos em cada uma das etapas de de- diluída, ou seja, uma mistura de água e sim, quando utilizamos cola à base de
senvolvimento da pintura fluida, desde cola branca escolar, a qual foi homoge- água, a presença de água faz com que
o preparo dos materiais até ao produto neizada e, em seguida, adicionada às os polímeros interajam pouco entre si,
final. Neste processo, a observação de tintas em quantidades pré-determina- e à medida em que essa água vai eva-
o que ocorre a cada etapa é importan- das. Cada tinta foi preparada em copos porando, os polímeros começam a se
te, envolve conhecimentos que podem descartáveis individuais. unir, resultando na colagem de super-
ser explorados, de modo que neste tra- Ao misturarmos água e cola, verifi- fícies que verificamos após o processo
balho nos voltamos, em específico, aos camos a formação de uma única fase, de secagem, formando um filme adesi-
conhecimentos de Química e Arte. o que deve-se ao fato de a cola utili- vo (SILVA, 2011).

47
sumário

Ao adicionarmos mais água à cola medida de cada uma dessas tintas, de verem recoberto totalmente o suporte,
escolar, a qual já contém água em sua forma alternada, em um copo descar- utilizamos o maçarico a fim de acele-
composição, proporcionamos que esta tável. Por exemplo, colocamos inicial- rar o processo de evaporação da água
torne-se ainda mais líquida, diminuin- mente, nesse copo, uma medida de presente, e intensificar a formação das
do a interação entre os polímeros que tinta branca, depois a tinta amarela, ‘células’. Feito isso, a pintura deve ficar
a constituem. Aliado a isso, ao ser adi- seguida da vermelha e da azul. Feito em um local arejado para sua secagem
cionada essa mistura de água e cola isso, colocamos o suporte sobre o copo total.
escolar à tinta guache, provoca-se a e, em seguida, o viramos de modo que 3.2 Contemplando a arte criada
alteração na consistência da tinta, de o copo se volte para baixo, de modo a A seguir são apresentadas as pin-
modo a torná-la fluida, com facilidade possibilitar que as tintas fluam sobre o turas realizadas pelos oficineiros, uti-
de escorrer sobre uma superfície. Além suporte. Para um melhor espalhamen- lizando a técnica da pintura fluida,
disso, nesta mistura verificamos a for- to, pode-se movimentar o suporte di- proposta na oficina . E, em seguida, re-
mação de uma fase homogênea. Outro recionando a fluição das tintas 8. alizamos alguns apontamentos sobre
aspecto importante a se mencionar é Posteriormente, quando as tintas ti- as mesmas.
que tanto a cola quanto a tinta são so-
Imagem 4 – Pintura Fluida realizada pelos Oficineiros (5 fotografias)
lúveis em água.
Posteriormente, adicionamos à essa
mistura algumas gotas de óleo de sili-
cone, o qual tem como finalidade pro-
piciar a formação de ‘células’ na pin-
tura, pois, o fato de o óleo de silicone
ser hidrofóbico, isto é, não ser miscível Fonte: autores,2021
em água, contribui para a formação de
uma barreira entre as tintas, de modo a
evitar que estas se misturem por com-
pleto quando forem despejadas sobre
o suporte, formando uma única cor.
Após procedermos o preparo das
tintas que consiste na diluição da cola
em água e sua adição em cada uma das
tintas utilizadas e, por fim, a adição do
óleo de silicone a elas, colocamos uma
8
Esse procedimento pode ser consultado com maior detalhamento nos vídeos que constam no Quadro 1.
48
sumário

Na Imagem 4 (A-1 e A-2), temos duas neiros tenham utilizado tintas de cores seriam seus habitantes, como seriam
suas cores e formações (podemos aqui
fotografias que se referem a uma mes- primárias (amarelo, azul e vermelho), até sugerir a interdisciplinaridade com
ma pintura, no entanto, em A-1 encon- além da branca, e seguiram as mes- geografia).
tra-se a pintura ainda fresca enquanto mas etapas de produção. Outro ponto Outro oficineiro nos apresentou uma
em A-2, a mesma está totalmente seca. de destaque é que a referida técnica é proposta que consiste em “[...] possibi-
Por meio disso, podemos observar que de fácil desenvolvimento, utiliza-se de litar a aprendizagem das caraterísticas
até a pintura atingir o processo total de materiais acessíveis, e propicia a explo- de um fluído, através da interdiscipli-
secagem, passa ainda por alterações ração de uma série de conhecimentos naridade dos saberes, tendo como base
importantes, como por exemplo, a ex- que transcendem o foco visual na cor, inicial a prática de pintura fluida”.
pressividade e reorganização das cores. e dá asas à criatividade. Por meio das propostas enunciadas,
Ainda na Imagem 4 (B-1 e B-2), cons- Para além das pinturas apresenta- observamos que os oficineiros perce-
tam duas fotografias de pinturas uti- das, que por si só já expressam a rique- bem a possibilidade de se aproximar
lizando a técnica da pintura fluida em za de detalhes e vieses possíveis de se determinados conteúdos, não discu-
suportes diferentes. Por meio delas, ve- trabalhar, os oficineiros também pro- tidos anteriormente, por meio da téc-
rificamos nitidamente as nuances de duziram, ao final da oficina, um pla- nica de pintura fluida, para além dos
cores, bem como as ‘células’ formadas, nejamento sugerindo como poderiam aspectos abordados na oficina, como:
as quais são bem características des- abordar em suas aulas o uso da técnica evaporação, viscosidade, misturas (ho-
sa técnica, e resultam da utilização do de pintura fluida em um contexto inter- mogêneas e heterogêneas), polaridade,
óleo de silicone, conforme já mencio- disciplinar para o ensino de Arte e da técnicas de muralismo, expressionismo
nado anteriormente. Ciência. A seguir, serão mencionadas abstrato, entre tantas outras.
Na fotografia C, também presente na algumas destas propostas. Pode-se assim inferir que o obje-
Imagem 4 podemos verificar a liberda- No planejamento de um dos ofici- tivo da oficina em despertar nos par-
de que as tintas, agora já secas, toma- neiros, foi-nos apresentada, como pos- ticipantes reflexões que possam vir a
ram ao se movimentar sobre o suporte sibilidade, a seguinte proposta: se constituir enquanto ações efetiva-
sem a utilização de pincéis por exem- [...] num primeiro momento, abordan- mente interdisciplinares, como expres-
plo, o que nos convida à possibilidade do os conteúdos de ciências sobre o
sa Fazenda (1996), foi atingido, pois,
sistema solar [...]; num segundo mo-
de nos deixarmos ser surpreendidos mento, em Artes é desenvolvida a prá- além dos apontamentos iniciais sobre
pelo inusitado em uma entrega criativa tica da pintura fluida por cada aluno, as temáticas abordadas, os oficineiros
e aberta à espera do que se mostrará ao em suporte circular, contextualizan-
conseguiram ir além, propondo outras
do a criação simbólica de um plane-
final de todo o processo da pintura. ta particular de cada um. [...] Por fim, possibilidades, conexões, ou seja, apro-
Das imagens apresentadas, podemos com professor específico de literatura ximações entre estas duas áreas do co-
verificar que cada uma possui caracte- (Português), seria pedida a redação de
nhecimento, e outras, como literatura,
uma história, embasada nas caracte-
rísticas únicas, embora todos os ofici- rísticas químicas desse planeta, quem geografia, e ensino de física.
49
sumário

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo constitui-se de tros. Além das propostas apresentadas conhecimentos. Tal proposta vai ao en-
um relato de experiência que teve por alguns dos oficineiros, em que se contro do que Japiassu postula no seu
como objetivo promover a aproxima- menciona a possibilidade de abordar livro Interdisciplinaridade e patologia
ção entre as áreas de Arte e Química a assuntos referentes à literatura, histó- do saber, sobre um empreendimento
partir de uma oficina interdisciplinar ria, geografia, técnicas de pintura, en- interdisciplinar, de acordo com nosso
para professores em formação inicial sino de física. O que demonstra que es- entendimento, esta foi a característica
e continuada, por meio da técnica de tes trouxeram sugestões para além dos principal da oficina proposta. Finaliza-
pintura fluida. pontos discutidos na oficina, amplian- mos o capítulo com as palavras de Ja-
Como resultados, verificamos que do as possibilidades. piassu (1976):
a técnica de pintura proposta possi- Outro ponto importante a se men- Em síntese, poderíamos dizer que a
bilitou reflexões importantes em rela- cionar é que ao aproximarmos Arte e metodologia interdisciplinar postula
uma reformulação generalizada das
ção às possibilidades que podem ser Química abre-se espaço para a explo- estruturas de ensino das disciplinas
exploradas na articulação Arte e Quí- ração da criatividade, da criação de hi- científicas, na medida que coloca em
questão não somente a pedagogia de
mica, na relação antiga entre ateliê e póteses e do estabelecimento de rela- cada disciplina, mas também o pa-
laboratório. Além disso, desde o pro- ções entre as diferentes áreas do saber. pel do ensino pré-universitário, bem
cesso de preparação das tintas a se- Por fim, destacamos a metodologia como o emprego que se faz dos conhe-
cimentos psicopedagógicos adquiri-
rem empregadas na técnica da pintura adotada, a ar/r.tografia, que possibilita dos. Ademais, põe em jogo o fraciona-
fluida até a obtenção do produto final, investigações a partir da produção ar- mento das disciplinas ainda vigente
nas universidades, para postular uma
podem ser contemplados conceitos tística, no nosso caso a pintura fluida. pedagogia que privilegie as intercone-
como: medidas, misturas (homogêne- A a/r/tografia possibilita que o pro- xões disciplinares (JAPIASSU, 1976, p.
as e heterogêneas), evaporação, pola- fessor, seja também um artista e um 33-34)

ridade, geometria molecular, entre ou- pesquisador, construindo assim novos

REFERÊNCIAS
BELTRAN, M. H. R. O laboratório e o ateliê. In: ALFONSO-GOLDFARB, M.; BELTRAN, M. H. R. (org.). O laboratório, a oficina e o ateliê: a arte de
fazer o artificial. São Paulo: Educ/Fapesp, 2002, p. 39-60.

BROWN, T. L.; JUNIOR LEMAY, H. E.; BURSTEN, B. E.; MURPHY, C. J.; WOODWARD, P. M.; STOLTZFUS, M. W. Química: a ciência central. 13. ed.
São Paulo: Prentice Hall, 2016.

50
sumário

DALAZOANA, E. Interdisciplinaridade na formação de professores: uma experiência com o tema cor. 2020. Dissertação (Mestrado em Ensino
de Ciências e Educação Matemática) – Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2020. Disponível em:
<http://tede2.uepg.br/jspui/handle/prefix/3296>. Acesso em: 01 jun. 2021.

FAZENDA, I. Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: efetividade ou ideologia. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1996.

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51
sumário

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<https://www.wikiart.org/pt/david-alfaro-siqueiros/birth-of-fascism-1936>. Acesso em: 18 jun. 2021.

SIQUEIROS, D. A. Colective Suicide, 1936b. Tinta laca sobre madeira. Dimensões: 124,5 x 182,9 cm. Disponível em:
https://www.wikiart.org/fr/david-alfaro-siqueiros/prometheus-bound. Acesso em: 10 nov. 2021.

SIQUEIROS, D.A. For The Complete Safety of All Mexicans on Work. 1952-1954. Tinta com nitrocelulose/piroxilina sobre parede. Disponível em:
<https://www.wikiart.org/pt/david-alfaro-siqueiros/for-the-complete-safety-of-all-mexicans-on-work-1954>. Acesso em 18 jun. 2021.

52
sumário

FOTOGRAFIA, ARTE E MEMÓRIA


Carlos Alberto de Souza 1
Eder Carlos Wehrholdt 2
Rhamonn Cottar 3
Victoria Sellares 4

1
Doutor em Ciências Humanas pela UFSC, mestre pela UFRGS, professor
associado do Depto de Jornalismo UEPG, pesquisador na área da imagem.
2
Graduando e mestrando em Jornalismo UEPG.
3
Graduando e mestrando em Jornalismo UEPG.
4
Graduanda em Jornalismo UEPG.

Produzida por Victoria Sellares a partir de composição de imagens de arquivos da internet.

RESUMO de atividades e cursos para atender a estimular os inscritos a aproveitar as


demanda de acadêmicos e da popu- potencialidades do celular para regis-
Neste capítulo, procura-se tradu- lação. O conteúdo envolveu noções trar o patrimônio histórico e cultural
zir o que foi abordado na Oficina Fo- sobre composição, enquadramento, de cidades brasileiras. O desenvolvi-
tografia, Arte e Memória realizada em técnicas para produções de fotografia, mento das atividades envolveu saídas
dezembro de 2020, como parte do Pro- olhar fotográfico, planos e ângulos. Por a campo, seleção de imagens de arqui-
grama de Extensão Interarc, que dis- estarmos vivendo um período de pan- vos e apresentação dos trabalhos, com
ponibilizou à comunidade uma série demia no país e no Paraná, resolveu-se análise em grupo.
PALAVRAS-CHAVE:
Fotografia. Celular. Técnicas fotográficas. Interarc. 53
sumário

1. INTRODUÇÃO Figura 1 – Captura de tela – primeiro dia da oficina

A proposta da oficina, que integrou


uma série de atividades do Programa
de Extensão Interarc, sob a coorde-
nação da professora Dra. Josie Agatha
Parrilha da Silva, teve por finalidade
incentivar os alunos a usar o celular
para registro do patrimônio cultural,
histórico e arquitetônico de cidades
brasileiras, especialmente aquelas lo-
calizadas em território paranaense.
Mas, também objetivou destacar a
importância da imagem na socieda-
de contemporânea e a valorizar a fo-
tografia como elemento informativo,
questões que têm recebido destaque
de inúmeros teóricos da área, a exem-
plo de Sousa (2002), Dubois (2012) e
Buitoni (2011). A oficina aconteceu em
dois momentos. No primeiro, os ofici- Discutiram-se, também, técnicas de gens; Sontag (2003), em sua obra A dor
neiros, Carlos Alberto de Souza, Eder abordagem, enquadramento, perspec- do outro, expressa o impacto que uma
Carlos Wehrholdt e Rhamonn Cottar, tivas fotográficas, composição. Deu-se fotografia pode causar no meio social,
apresentaram conceitos e técnicas de ênfase, ainda, à questão do olhar foto- especialmente em tempos de guerra.
produção fotográfica, dando destaque gráfico, aos sentidos, valor de memó- Mas que tem efeitos também quando
ao valor de memória de uma imagem. ria e impactos que podem causar uma se aborda a pobreza, violência, injusti-
Foi apresentada, no primeiro momen- determinada imagem, tema abordado ça, falta de moradia, condições de tra-
to, uma apresentação em PowerPoint, por Barthes (2021), quando relaciona balho. Não se pode esquecer de auto-
disponibilizando conteúdos e técnicas os sentidos conotativos e denotati- res como Kossoy (2001) que, em suas
da área: planos, ângulos, regra dos ter- vos de uma imagem e a importância escritas, enfatiza o caráter de arquivo
ços, proporção áurea. da leitura e interpretação dessas ima- e de memória de uma imagem e Sousa

54
sumário

(2002) e Santaella; Nöth (1997) que fo- patrimônio e como elemento informa- social, cultural e histórica de suas cida-
cam no fator informativo das fotogra- tivo que conecta as pessoas à realidade des.
fias jornalísticas e em seu papel social,
Figura 2 – Fachada do Hotel São Marcos, Ponta Grossa. Imagem apresentada e debatida no
favorecidos pela mídia. segundo dia da Oficina Fotografia, Arte e Memória
Após o primeiro encontro, realizado
virtualmente, em função da pandemia
do Coronavírus, com a participação de
professores, alunos e de uma represen-
tante da comunidade, decidiu-se par-
tir para a segunda etapa, que seria de
apresentação da produção fotográfica
ou de material imagético produzidos
previamente pelos alunos e que estão
preservados em seus arquivos.
Por ter sido desenvolvido em uma
sexta-feira, às 19 horas, o número de
inscritos não foi o desejado. Mas, ape-
sar disso, resolveu-se dar continuida-
de aos trabalhos e os resultados foram
interessantes, uma vez que gerou, no
segundo encontro, via online, muitos
debates e discussões sobre a impor-
tância da fotografia para o registro do Foto: Eder Carlos Wehrholdt, 2021

2. QUESTÕES TEÓRICAS PERTINENTES


A fotografia assumiu, na contem- de e do cotidiano social, político, eco- e transmissão de imagens. No bojo dos
poraneidade, uma força muito grande, nômico e cultural e em muitas outras avanços técnico-científicos, aperfeiço-
ela potencializa acontecimentos, dá áreas. E isso foi possível com o desen- am-se as máquinas fotográficas e de
credibilidade aos fatos noticiosos, tem volvimento tecnológico e com o aper- filmagens. Elas se tornam mais ágeis,
importância para o registro da realida- feiçoamento das técnicas de captação menores e pegam “carona” nos novos
55
sumário

dispositivos telefônicos móveis. Foi nos ou por algum estabelecimento co- arquivo e de memória de uma fotogra-
uma verdadeira revolução, o telefone mercial ou industrial. A transformação fia. Outro autor que chama a atenção
operando com internet, embarcando da cidade, de seus aspectos culturais, para isso é Boni (2016). Ele introduz
novas tecnologias digitais, possibili- históricos e arquitetônicos são perce- o conceito de Gatilho, para dizer que
tando acesso a câmeras fotográficas, bidos somente quando nos distancia- quando vemos uma imagem, ela dis-
tão eficientes quanto as profissionais, mos no tempo. De lá, vemos que tudo para em nós sentimentos, reminis-
com alta resolução na produção de foi sendo modificado, transformado. cências. Daí a força que tem uma foto-
imagens. O valor histórico de uma imagem ou grafia, fato que foi bem explorado por
A popularização da máquina foto- uma série de imagens tem sido estuda- Jorge Pedro de Sousa (2002; 2004), em
gráfica e a eficiência dela para o regis- do por vários teóricos. Um importante suas obras sobre fotojornalismo, com
tro de fatos cotidianos, especialmente autor desta área é Kossoy (2001), que, ênfase ao seu desenvolvimento histó-
com o advento do Smartphone, nos es- em suas escritas, enfatiza o caráter de rico. Nessa contextualização histórica,
timulou a propor essa oficina que, cer- Figura 3 – Print de tela do PowerPoint apresentado no curso
tamente, terá continuidade em outras
oportunidades, por favorecer a cultu-
ra da produção de imagens na cidade,
registros que vão se revelando com
muito mais importância com o passar
do tempo. Uma imagem captada hoje
pode ter valor histórico e de memória
inestimáveis daqui a 20 ou 30 anos,
imagina um século depois. A cidade
está sempre se transformando e essas
transformações não são facilmente
perceptíveis no momento em que fo-
tografamos. Essa percepção passa a ter
uma dimensão muito diferente daqui
a alguns anos. O casario histórico que
você enquadrou hoje poderá no futuro
ter sido substituído por prédios moder-

56
sumário

ele vai pautando os vários desenvolvi- uma cena fotografada. Para ele, além plano que utiliza, pelas técnicas e es-
mentos da fotografia e a importância do conteúdo expresso pela imagem, colha da composição, o que se encon-
que ela assumiu com o desenvolvi- é importante ficar atento ao caráter tra no segundo e terceiro planos, pela
mento e aperfeiçoamento da impren- subliminar do conteúdo possível da valorização do primeiro plano. Tudo
sa. A imprensa, de maneira geral, con- imagem captada. Ao fazer uma foto, o isso ajuda no processo de entender e
tribuiu muito para o aperfeiçoamento fotógrafo tem uma intenção. Ele se pre- ler uma imagem. Os elementos por si
dos equipamentos e dispositivos de para, planeja e toma posição. Posição só “falam”.
captação de imagens na sociedade que se revela pelo corte da cena (de um
moderna e pós-moderna. conjunto maior), pela angulação, pelo
Outro aspecto importante é que a
Figura 4 – Exemplo de composição (simetria, ângulo, planos e profundidade de campo)
fotografia capta um momento úni-
co que não pode ser reproduzido. Po-
de-se fotografar o mesmo lugar, mas
não será a mesma imagem. Ela tem o
poder de paralisar o tempo. E através
dela e de outras fotos do mesmo pon-
to, podemos analisar as mudanças que
ocorreram e entender como a história
se processou naquele espaço.
A imagem é por si só controversa,
polêmica. Gera interpretações, mui-
tas delas guiadas pelo fotógrafo que
a produziu. Nela, você tem a “descri-
ção” clara do que aconteceu, mas ela
também possibilita a interpretação de
mensagens subliminares, perspectivas
diferentes daquilo que explicitamente
mostra. Barthes (s/d) se debruçou nes-
sa discussão, procurando distinguir
Foto: Carlos Alberto de Souza.
o caráter denotativo e conotativo de

57
sumário

Ao imortalizar uma imagem num tar um soco no estômago dos leitores possibilidade de retratar aspectos do
click fotográfico, o autor se torna tam- de jornais e revistas ou mesmo dos es- seu local de vida – e, de certa forma,
bém um artista, dando a sua visão pectadores dos noticiários televisivos. reclusão – deu aos participantes da
do evento/local. Outros fotógrafos Todos os dias, temos acesso a imagens oficina uma forma de extravasar suas
presentes terão outro entendimen- que abordam a pobreza, violência, in- angústias diante do futuro incerto que
to, outra visão, todas únicas. Assim, a justiça, falta de moradia e condições tinham diante de si.
imagem tem o poder de demonstrar de trabalho. Muitos autores ressaltam, A tecnologia embarcada nos mo-
aspectos psicológicos ou mesmo sen- a exemplo de Sousa (2002), a impor- dernos smartphones, conectados à
timentos de seu autor. A fotografia en- tância da fotografia jornalística como rede mundial de computadores, per-
tão extrapola sua capacidade de mos- elemento indispensável para informar mite que essas imagens captadas se-
trar uma imagem e passa a demonstrar e formar a população. Eles defendem o jam imediatamente compartilhadas
o próprio autor do que foi retratado. jornalismo e os meios de comunicação com familiares e amigos. Isso gera al-
Além de Barthes (s/d), convém cha- de massa. guma discussão sobre o tema retrata-
mar à discussão Sontag (2003). Ela es- A oficina aconteceu no auge da pan- do e incentiva outros a que também
creveu um livro intitulado Diante da demia do novo coronavírus. Muitas dediquem algum tempo à arte foto-
dor dos outros, onde faz uma discus- incertezas pairavam sobre todos. Em gráfica. Se, reclusos pela pandemia,
são sobre o poder da imagem, da fo- quase todos os lugares, registravam-se conseguiram treinar seus olhos a ver
tografia, para revelar acontecimentos. períodos de distanciamento social e no cotidiano uma beleza ou um deta-
E, a guerra, para a autora (2003), é um de intensos cuidados preventivos ante lhe antes não observado, ao poderem
bom exemplo da potência que assume a doença que se alastrava. Já naqueles voltar às ruas conseguirão observar o
uma imagem. Ela explica isso em sua dias, uma certa angústia tomava conta mundo com outros olhos, mais aten-
obra, trazendo uma série de fotos da daqueles que precisavam ficar confi- tos às belezas ou feiuras que seu esta-
guerra e as classifica como um verda- nados em seus lares. E a fotografia veio do de espírito detectar. E seus cliques
deiro soco no estômago. A retratação apresentar-se como uma forma de la- críticos mostrarão um mundo que an-
da dureza da vida, especialmente, em zer, em que as mazelas da pandemia tes se mostrava escondido em meio à
países pobres também pode represen- podiam ser drenadas. Desse modo, a correria diária de todos nós.

REFERÊNCIAS
BARTHES, Roland. A mensagem fotográfica. 2021. Disponível em: <http://www.leden.uerj.br/wp-content/uplo-
ads/2019/05/49666238-A-Mensagem-Fotografica-Roland-Barthes.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2021.
58
sumário

BONI, Paulo César; OLIVEIRA, Michel de. A fotografia na mídia impressa. Londrina: Midiograf, 2016.

BUITONI, Dulcilia Schroeder. Fotografia e jornalismo: a informação pela imagem. São Paulo: Saraiva, 2011.

KOSSOY, Boris. Fotografia e história. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. São Paulo: Papirus, 2012.

SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 1997.

SONTAG, Susan. Diante da dor do outro. São Paulo: Cia da Letra, 2003.

SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo: uma introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotografia na imprensa. Flo-
rianópolis: Letras contemporâneas, 2004.

__________. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Florianópolis: Letras contemporâneas, 2002.

59
sumário

ANAMORFOSE: Uma perspectiva divertida


Marcos Cesar Danhoni Neves 1
Jéssica Rodrigues de Oliveira 2
Larissa Joly 3

1
Doutor em Educação pela UNICAMP com estágios de Pós-Doutorado pela Università La Sapienza d
i Roma, LA SAPIENZA, Itália e UNESP-Bauru. Professor Titular do Departamento de Física da Univer-
sidade Estadual de Maringá - UEM/PR.
2
Discente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática, da Uni-
versidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG/PR.
3
Graduanda da Licenciatura em Artes Visuais, da Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG/PR.
Fotografia com intervenção de uma produção
de anamorfose, técnica de anamorfose (auto-
ria de Josie Silva, 2020)

RESUMO
Anamorfose é uma técnica de re- oficina “Anamorfose: Uma perspectiva dológicos adotados. Em seguida, foi
presentação que consiste em uma divertida”, que teve por objetivo am- realizado um breve panorama da Pers-
imagem distorcida ou deformada que pliar os conhecimentos interdiscipli- pectiva no Renascimento e na atuali-
pode ser visualizada em sua forma ori- nares sobre perspectiva e anamorfose dade, descrevendo todo o processo de
ginal e proporcional quando observa- e criar produções visuais anamórficas. realização da Oficina e os resultados
da de um determinado ângulo. É uma Para tanto, inicialmente foi apresen- obtidos. Finalmente, são apresentadas
relação entre Matemática, Perspectiva tada a oficina, seus objetivos, sua im- algumas reflexões sobre a temática e a
e Arte. Neste capítulo, descrevemos a portância e os procedimentos meto- realização da Oficina.
60
sumário

PALAVRAS-CHAVE:
Anamorfose. Interdisciplinaridade. Oficina.

1. INTRODUÇÃO
Este capítulo destina-se à descrição anamorfose em seu aspecto histórico, suais anamórficas – via aplicativo de
da Oficina Anamorfose: Uma perspec- artístico e matemático, evidenciando a conversa WhatsApp e via Google Clas-
tiva divertida, desenvolvida no Proje- dimensão interdisciplinar do projeto. sroom. A fundamentação teórica utili-
to Oficinas Teórico-Práticas do Gru- Para execução da Oficina, realiza- zada para o desenvolvimento da ofici-
po INTERARC (Interação entre Arte e da no formato remoto, foram adota- na, foi embasada nas reflexões de Silva
Ciência em Atividades de Extensão). dos procedimentos metodológicos e Neves (2015) e Atalay (2007). Os re-
A Oficina teve por objetivo geral ‘am- como: encontros síncronos realizados sultados obtidos, foram produções vi-
pliar os conhecimentos interdiscipli- via Google Meet; indicação de artigo suais anamórficas, desenvolvidas pe-
nares sobre perspectiva e anamorfose’. sobre o tema; sugestão de vídeos pro- los participantes da oficina, que serão
Para alcançar o objetivo proposto, foi duzidos pela equipe responsável pela apresentadas e descritas no desenvol-
realizada a apresentação da técnica de Oficina e propostas de produções vi- vimento deste capítulo.

2. BREVE HISTÓRICO SOBRE A ANAMORFOSE


A representação anamórfica é “fruto lutamente incomum, por vezes um olho do olhada de acordo com um ângulo es-
de uma perspectiva, chamada no Re- mágico. O resultado é uma anamorfose” pecífico, recupera o que o artista queria
nascimento de perspectiva divertida, é, (ATALAY, 2009, p. 173). retratar, que é o rosto de uma criança.
pois, uma imagem deformada que apa- A primeira obra anamórfica de que Outra obra que retrata bem a técnica
rece de uma forma não convencional se tem conhecimento data de 1485. Tra- da representação em anamorfose é a de
(distorcida)” (SILVA e NEVES, 2015, p. ta-se de uma obra de Leonardo da Vinci Hans Holbein (Figura 1B), de 1533, inti-
211). Para essa imagem é necessário um – precursor da técnica da anamorfose – tulada “The Ambassadors” – em tradu-
determinado ângulo ou um ponto de que retrata o rosto de um bebê (ATALAY, ção ‘Os Embaixadores’ – na qual, tem-se
vista ‘fixo’, para que a representação se 2007). A representação de Leonardo da diversos objetos representados, entre
torne nítida e compreensível ao obser- Vinci (Figura 1A) quando observada eles, um crânio anamórfico, que quando
vador. Segundo Atalay (2009). quando num primeiro momento – pelo ângulo observado pelo ponto de vista correto
uma perspectiva leva “o artista a obser- ‘incorreto’ – mostra uma forma estranha aparece regular e em proporção (SILVA
var seu tema de um ponto de vista abso- e de difícil compreensão. Porém, quan- e NEVES, 2015).
61
sumário

Figura 1 – Exemplos de anamorfose do Renascimento, do livro “O Códex Cigoli-Galileo: Ciência , Arte servação ‘correta’ do objeto após sua
e Religião num Enigma Copernicano” representação anamórfica.
1A 1B Existem diferentes formas de repre-
sentação anamórfica, e entre as mais
conhecidas está a ‘oblíqua’ quando
a observação correta do objeto se dá
por meio da visualização enviesada da
imagem (SILVA e NEVES, 2015). A ana-
morfose oblíqua está relacionada
“com a técnica de representação trom-
pe l’oeil (que significa ‘enganar o olho’).
[...] Para a trompel’oeil, o espectador,
parado em um lugar particular (geral-
mente chamado convencional), é leva-
do a ver uma imagem inventada como
se fosse realidade (ilusão de tridimen-
sionalidade, por exemplo).” (SILVA e
NEVES, 2015, p. 212).

Esta técnica que provoca efeitos


de ilusão de óptica, relacionados com
as conquistas da geometria e da ótica
Fonte: Silva e Neves. 2015, p.212-216 (ATALAY, 2007), permitiram, por exem-
Na busca de aperfeiçoar a técnica sentada” (ATALAY, 2007, p. 146). Esta plo, a realização de majestosas repre-
de representação em perspectiva, vá- ‘descoberta’ (ou invenção) foi de gran- sentações como a dos afrescos do teto
rios tratados foram publicados, entre de relevância para o desenvolvimento da Igreja de Santo Ignazio, em Roma,
eles o do artista alemão Albrecht Dürer da técnica de representação em pers- criado por Andrea del Pozzo (1642-
(1471-1528), quando propõe desenhar pectiva, e especialmente para o desen- 1709), que transmite a impressão de
o objeto observado através de uma ja- volvimento da anamorfose. Por meio uma imagem perfeita do céu cristão
nela de vidro quadriculada (ATALAY, da quadrícula de Dürer, era possível (SILVA e NEVES, 2015). Por meio da
2007). Com a malha quadriculada pro- mudar a posição da janela quadricu- técnica Trompel’oeil é possível criar
jetada pela vidraça, o artista procura lada para observar o objeto, alterando a ilusão de se estar observando uma
“correlacionar com a vidraça o ângulo a percepção do objeto observado, mu- imagem real devido ao seu efeito tridi-
e o plano visual definido pela moldura dando assim sua representação, defi- mensional.
os raios de luz vindos da figura apre- nindo um ângulo específico para a ob-
62
sumário

Atualmente, a anamorfose é utiliza- que eventualmente passam desper- ve-se a seguir a metodologia utilizada
da na publicidade, em sinalizações de cebidas numa primeira observação. para a realização da Oficina denomi-
trânsito, artes urbanas contemporâ- Dessa forma, partindo da breve funda- nada ‘Anamorfose: Uma perspectiva
neas, entre outras aplicações práticas, mentação teórica apresentada, descre- divertida’.

3. DESCRIÇÃO DA OFICINA E RESULTADOS


Para realização da Oficina, foi realiza- na – via aplicativo WhatsApp e Google tório do desenho em perspectiva linear,
do inicialmente um momento síncrono Claasroom – constituído de indicação com um ponto de fuga. No segundo ví-
com os participantes. Nesse primeiro de leituras e vídeos, produzidos pelos deo (2B), produzido pelo professor Mar-
momento, foi realizada a apresentação responsáveis pela Oficina e por pessoas co Antonio João Fernandes Junior, sobre
sobre o que é a anamorfose, um bre- convidadas. Os vídeos indicados apre- fundamentos básicos para a criação de
ve contexto histórico da técnica, quais sentavam propostas de atividades onde uma imagem anamórfica oblíqua, teve o
os elementos necessários para repre- os alunos deveriam construir represen- intuito de propor uma primeira produ-
sentar em anamorfose e a exibição de tações anamórficas. ção anamórfica. O terceiro vídeo (Figura
imagens anamórficas contemporâneas. Os três primeiros vídeos (Figura 2) 2C), também produzido pelo professor
Neste primeiro encontro também foi foram produzidos por professores con- Marco Antonio, teve por intuito apre-
apresentada a proposta da Oficina, a vidados. O primeiro vídeo (Figura 2A), sentar os fundamentos básicos para a
carga horária e os materiais necessários produzido pela professora de desenho criação de uma imagem anamórfica ci-
para participação. O segundo momen- em espaços não formais, Rute Yumi On- líndrica.
to foi realizado de maneira assíncro- noda, foi proposto um exercício introdu-
Figura 2 – Frames dos vídeos produzidos pelos professores convidados, disponibilizada no canal de YouTube GAUEPG
2ª 2B 2C

Fonte: Canal YouTube GAUEPG, 2021 63


sumário
Os outros vídeos (Figura 3) indicados de perspectiva é a reta de fuga - também O último momento da Oficina ocor-
foram produzidos pelas autoras – moni- conhecida como linha do horizonte). reu no formato síncrono, onde foi re-
toras da Oficina. O quarto vídeo propos- Em um outro vídeo, foram expostas as alizada uma discussão/conversa sobre
to teve por intuito apresentar uma breve obras de alguns artistas contemporâ- seu desenvolvimento. Nesse momen-
contextualização sobre as relações entre neos que utilizam a anamorfose, como: to, foram apresentadas as produções
a perspectiva e a Matemática, por meio Kurt Wenner; Julian Beever; Eduardo (figura 4) dos participantes, para que
da explicação do enunciado do Teorema Kobra e Regina Silveira. Foram indica- relatassem como foi a experiência,
de Desargues (que estabelece que dois dos também outros dois vídeos com a quais as dificuldades encontradas para
triângulos estão em perspectiva axial se, proposta de produção de um desenho
a realização das atividades propostas
e somente se, estiverem em perspectiva anamórfico simples e de um desenho de
e sobre a participação na Oficina em
central e que quanto esse teorema é es- um cubo anamórfico.
si. Este momento foi muito importan-
tudado no espaço tridimensional, o eixo
te, pois possibilitou um diálogo entre
Figura 3 – Frames dos vídeos produzidos pelos professores convidados
os realizadores da Oficina e os partici-
pantes, propiciando assim uma maior
interação, uma vez que isso não foi
possível em outros momentos, por se
tratar de uma oficina no formato re-
moto em razão da pandemia do SARS-
-COV-2 de 2020/2021.

Fonte: Canal YouTube GAUEPG, 2021


64
sumário

Figura 4 – Produções realizadas pelos ministrantes e participantes da oficina

Fonte: autores, 2021

As imagens (Figura 4) apresentadas na e também pelos oficineiros. Outras cada atividade proposta.
são de apenas algumas produções re- imagens também foram produzidas,
alizadas pelos participantes da Ofici- porém selecionou-se apenas uma de 65
sumário

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que a anamorfose é uma ampliar os conhecimentos interdisci- teração com os demais participantes
técnica de modificação de imagens, plinares sobre perspectiva e anamor- durante os encontros síncronos.
existente há muito tempo. Entretanto, fose. Possibilitou, ainda, discussões Evidencia-se que a realização de
continua presente nas diversas com- sobre os aspectos históricos, artísticos oficinas permite uma relação entre di-
posições visuais da atualidade, propor- e geométricos da técnica da anamor- ferentes áreas do conhecimento, esti-
cionando beleza, curiosidade, criativi- fose, em suas diversas concepções, e mulando assim o aprendizado sobre
dade e novas aplicações, dessa técnica que se faz presente no cotidiano das vários assuntos/temáticas. Esta cor-
considerada ainda como um enigma pessoas. Apesar de ser realizada no for- relação entre múltiplas áreas permite
para muitos. mato remoto, percebeu-se que a Ofici- que se rompa o formato disciplinariza-
Considera-se que a realização da na possibilitou o desenvolvimento do do do conhecimento, possibilitando a
oficina Anamorfose: Uma perspecti- processo criativo dos participantes e a ação de uma interdisciplinaridade viva
va divertida, apresenta-se como uma apreciação das diversas utilizações da e genuína entre os diversos saberes e
proposta de grande potencial para anamorfose na realidade, além da in- seus atores.

REFERÊNCIAS
OFICINA ANAMORFOSE. GAUEPG Galeria. Youtube. 2021. Disponível em:
https://www.youtube.com/channel/UCSiKUwWr77uXCIkMthb6vIA/videos. Acesso em: 09 de nov. de 2021

ATALAY, Bulent. A Matemática e a Mona Lisa: a confluência da arte com a ciência. São Paulo: Mercuryo, 2007.

SILVA, J. A. P. e NEVES, M. C. D. O Codex Cigoli-Galileu: Ciência, Arte e Religião num enigma copernicano. Maringá: Eduem,
2015.

66
sumário

PERCEPÇÃO VISUAL
Daniele Francine Machado 1
Silvio Luiz Rutz da Silva 2

1
Licenciada em Ciências Biológicas, Mestranda Programa de Pós-Gradu-
ação em Ensino de Ciências e Educação Matemática. Universidade Esta-
dual de Ponta Grossa. dani_fran18@yahoo.com.br
dade Estadual de Maringá - UEM/PR.
2
Doutor em Ciências dos Materiais. Programa de Pós-Graduação em En-
sino de Ciências e Educação Matemática. Programa de Pós-Graduação em
Ensino de Física – Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física.
Departamento de Física. Universidade Estadual de Ponta Grossa. rutz@
uepg.br

RESUMO
O ser humano é um ser sensitivo, Portanto o signo faz conhecer signifi- pela percepção visual, processo que
corporal, social com potencialidade cativamente, isto é, refere-se ao signi- nos ajuda a detectar objetos e a fazer
de organizar pensamento, linguagem ficado do assunto ou coisa. Aprender discriminações detalhadas dos mes-
e ações segundo valores hierarquiza- é saber como se relacionar através de mos. Neste trabalho, relatamos uma
dos que movem e dão sentido às suas signos. Para aprender, são necessá- oficina sobre percepção visual, na qual
ações. Todo o conhecimento sistema- rios três elementos: coisas, significa- participaram professores e estudantes
tizado tem por objeto as coisas ou os dos e palavras. Podemos dizer que o de graduação de Artes Visuais e as Ci-
signos, que é o meio que faz conheci- conhecimento começa psicologica- ências da Natureza que fazem uso da
da, a coisa, de uma maneira particular. mente pela visão do aspecto da coisa, imagem como fonte de informação.

PALAVRAS-CHAVE:
Percepção. Atenção visual. Leitura de imagens.
67
sumário

1. INTRODUÇÃO
A oficina sobre percepção visual permitido identificar os sistemas cere- entender os processos envolvidos no
teve por objetivo discutir os elemen- brais envolvidos na percepção visual. reconhecimento de objetos e faces. Na
tos desse processo que nos ajuda a de- Pretendeu-se, fazer uma análise dos oficina percepção visual, os tópicos
tectar objetos e a fazer discriminações aspectos básicos da percepção visual abordados foram: processos básicos
detalhadas dos mesmos. Na oficina, (p. ex., a percepção da cor, a percep- na percepção visual: a visão e o cére-
apresentamos os avanços obtidos pe- ção de profundidade etc.). Tais conhe- bro; percepção e ação; visão da cor; e
los neurocientistas cognitivos que têm cimentos nos permitem, por exemplo, percepção da profundidade.

2. REFERENCIAL TEÓRICO
A percepção é como as informações ção implica “a captura da informação, do que é percebido. Obviamente, os
recebidas pelos sentidos são interpre- através dos nossos sentidos, e seu pos- processos cognitivos facilitam e acele-
tadas e compreendidas, envolve a de- terior processamento para dar sentido ram essa interação que leva à interpre-
codificação e a descoberta de algum a tudo” (MARINA, 1998, p. 132). É um tação.
significado para a informação que está mecanismo ativo, seletivo, construtivo Ramos, Zago e Lopes (2007) afir-
sendo recebida, de modo que possa e interpretativo. mam que “a percepção se dá pelas ex-
ser operada ou armazenada. “O ato Os processos cognitivos percepção, periências colaterais vivenciadas. A luz
de perceber é o resultado da reunião atenção e memória, envolvem meca- é a energia que nos permite ver; ótica é
e coordenação dos dados fornecidos nismos mentais que nos permitem a parte da física que trata da luz e dos
pelos sentidos externos (sensações)” capturar dados e representá-los men- fenômenos da visão” (RAMOS; ZAGO;
(BALSEBRE, apud FRANCO, 2007, p. talmente através do pensamento, re- LOPES, 2007, p. 2). Para os autores
83). Segundo Marina (1998, p. 110), lacionando-os com informações pré- (2007), a capacidade perceber pelo
percepção implica “pegar informação vias armazenadas na memória, para conhecimento, é algo mais que ‘ver’,
e dar sentido”. O que é compreendido finalmente interpretá-los e externali- é agregar conhecimentos ao que está
é o produto da percepção desses si- zá-los com uma linguagem adequada. sendo contemplado.
nais. A percepção vai além de detalhes Os processos cognitivos são essenciais Arnheim (1998) considera que as re-
sensíveis, pois não envolve apenas o para o processo construtivo e interpre- flexões do pensamento visual:
ato de decodificar signos, mas de esta- tativo de compreensão pois implicam [...] contribuem para entendermos o
belecer significados, ou seja, a percep- construir uma interpretação coerente processo mental no reconhecimento

68
sumário

das formas e que, estas por sua vez, são cientistas cognitivos têm permitido bendo, atendendo, pensando e usan-
armazenadas em nossa memória con-
forme nossas experiências no “fluxo identificar os sistemas cerebrais envol- do memória e linguagem. Juntos, es-
contínuo” do tempo (ARNHEIM, 1998, vidos na percepção. Os aspectos bási- tes processos permitem a elaboração
p. 27)
cos da percepção nos permitem, por de uma concepção por meio da qual
Para Ramos, Zago e Lopes (2007, p. exemplo, entender os processos envol- o mundo é compreendido. Estes pro-
4) “a percepção e a representação visu- vidos no reconhecimento de objetos e cessos estão subjacentes a um funcio-
al aplicam-se ao comportamento hu- faces. A percepção pode ser subdivi- namento cognitivo mais sofisticado,
mano em geral”. (ARNHEIM, 2006, p. dida em: percepção visual; percepção como leitura, compreensão social ou
153) comenta que: “as formas iniciais auditiva; percepção tátil; percepção ol- crenças. Ocorre que estes processos
de representação visual possuem to- fativa; e percepção gustativa. não ocorrem como meras rotinas de
das as características fundamentais da As atividades mentais, que nos aju- processamento de informações, con-
criação adulta sob formas elementa- dam a analisar informações acumula- tribuindo para fazer de nós quem so-
res”. Portanto, em todas as fases a per- das em nosso cérebro, constituem os mos. Os processos cognitivos básicos
cepção visual educa. chamados processos cognitivos bási- são aqueles que podem ser produzidos
Para Ramos, Zago e Lopes (2007), a cos, sendo eles: percepção; atenção; sem a intervenção consciente do su-
percepção possui as seguintes caracte- memória; pensamento; e linguagem jeito e têm uma raiz biológica, contu-
rísticas: (GLOVER, 2019). A integração das in- do, isto não implica que o sujeito não
[...] é o conhecimento sensorial das formações provenientes dos proces- possa, posteriormente, alcançar algum
formas ou de totalidades organizadas sos cognitivos básicos corresponde ao grau de controle e intencionalidade
e dotadas de sentido e não a soma de
sensações elementares. Sensação e per- chamado processo cognitivo superior, em sua realização (ÁVALOS, 2008). Por
cepção são o mesmo. É o conhecimen- ou aprendizado. A percepção é um outro lado, para o estudo da cognição
to de um sujeito corporal, uma vivência
corporal. O mundo exterior não é uma processo mental por meio do qual or- é importante incluir os sentidos inter-
coleção ou soma de coisas isoladas. ganizamos todas as informações pro- nos além dos externos, uma vez que
É organizado em formas e estruturas venientes do ambiente ou de dentro de as informações são elaboradas, foram
complexas, dotadas de sentido (RA-
MOS; ZAGO; LOPES, 2007, p. 4) nós mesmos, para finalmente dar um obtidas através de diferentes modali-
Para os autores a percepção é uma significado às mesmas (FUENMAYOR; dades, através dais quais as informa-
relação do sujeito com o mundo exte- VILLASMIL, 2008; GLOVER, 2019). ções perceptuais podem ser percebi-
rior e não uma reação fisiológica e nem Os processos cognitivos, “são es- das (FUENMAYOR; VILLASMIL, 2008).
uma ideia formulada pelo sujeito (RA- truturas ou mecanismos mentais”
MOS; ZAGO; LOPES, 2007, p. 7). (BANYARD, 1995, p. 14) uma vez que
Os avanços obtidos pelos neuro- o homem, o tempo todo, está perce-
69
sumário

3. DESCRIÇÃO DO PROCESSO E RESULTADOS


As atividades mentais, que nos aju- não ocorrem como meras rotinas de para a autora o processo de evolução
dam a analisar informações acumula- processamento de informações, con- das imagens se caracteriza segundo
das em nosso cérebro, constituem os tribuindo para fazer de nós quem so- três paradigmas (COSTA, 2007, p. 56):
chamados processos cognitivos bási- mos. Os processos cognitivos básicos o pré-fotográfico; o fotográfico; e o
cos, sendo eles: percepção; atenção; são aqueles que podem ser produzidos pós-fotográfico. Ainda segundo Costa
memória; pensamento; e linguagem sem a intervenção consciente do su- (2007, p. 56) a leitura se processa a par-
(GLOVER, 2019). A integração das in- jeito e têm uma raiz biológica, contu- tir de uma descrição do objeto, com-
formações provenientes dos proces- do, isto não implica que o sujeito não preendendo a imagem como repre-
sos cognitivos básicos corresponde ao possa, posteriormente, alcançar algum sentação visual. Para a autora (2007),
chamado processo cognitivo superior, grau de controle e intencionalidade a leitura da imagem é fundamental na
ou aprendizado. A percepção é um em sua realização (ÁVALOS, 2008). Por compreensão do objeto uma vez que
processo mental por meio do qual or- outro lado, para o estudo da cognição “a leitura da imagem como atividade
ganizamos todas as informações pro- é importante incluir os sentidos inter- de pesquisa e experimentação prática
venientes do ambiente ou de dentro de nos além dos externos, uma vez que deve pautar-se no caráter transdisci-
nós mesmos, para finalmente dar um as informações são elaboradas, foram plinar da arte” (COSTA, 2007, p. 56).
significado às mesmas (FUENMAYOR; obtidas através de diferentes modali- A imagem sempre exerceu um papel
VILLASMIL, 2008; GLOVER, 2019). dades, através das quais as informa- narrativo, descritivo e persuasivo na
Os processos cognitivos, “são es- ções perceptuais podem ser percebi- sociedade. A imagem é o que sobra do
truturas ou mecanismos mentais” das (FUENMAYOR; VILLASMIL, 2008). objeto percebido, é o que permanece
(BANYARD, 1995, p. 14) uma vez que Para Costa (2007), as imagens não na nossa consciência. Assim, a imagem
o homem, o tempo todo, está perce- possuem uma ciência, o que as torna é o que sobra da percepção, ou seja, é
bendo, atendendo, pensando e usan- próprias para o estudo interdisciplinar, uma síntese de sensações e movimen-
do memória e linguagem. Juntos, es- tendo, em outras ciências, suportes que tos (RAMOS; ZAGO e LOPES, 2007).
tes processos permitem a elaboração possam elucidar seu significado. Para a Na leitura de imagens e na alfabe-
de uma concepção por meio da qual autora as imagens podem ocorrer sob tização visual, tratamos a respeito da
o mundo é compreendido. Estes pro- dois domínios: o das representações linguagem verbal associando-a à lin-
cessos estão subjacentes a um funcio- visuais, que são objetos da cultura, ou guagem visual, como forma de dar
namento cognitivo mais sofisticado, seja signos que representam o univer- importância às formas de linguagem,
como leitura, compreensão social ou so visual; e o imaterial que são as que tem-se a atribuição de Santaella (2012)
crenças. Ocorre que estes processos se formam em nossas mentes. Ainda, sobre a definição de imagem, sob o as-
70
sumário

pecto que Platão, pelo qual ele a iden- da, a exemplo disso temos a imagem tura que nela compõem, identificando
tifica como sendo sombras, reflexos, fotográfica, pinturas, esculturas, entre que para sermos alfabetizados visual-
corpos polidos, opacos e brilhantes. A outras. Contribuindo nesse processo mente é necessário que se tenha cons-
autora aprofunda em sua análise, defi- de formação de conhecimento tem-se truído um sistema básico na aprendi-
nindo esse tipo de imagem como sen- o autor Lima (2020) identificando três zagem, que nos leve a criar, identificar
do “imagem natural”, que não são pro- tipos de leitura de imagem, tais como e compreender as mensagens presen-
duzidas pelo ser humano, e sim como a leitura interpretativa, leitura formal e tes nas imagens, que possa ser aces-
características daquilo que se vê. leitura contextualizada. sível a todas as pessoas, e não apenas
Conforme também apresenta San- Em relação ao uso da imagem na para quem foi treinado a ter essa apti-
taella (2012, p 11), há a preocupação contribuição da alfabetização visual dão, tais como profissionais ligados a
em trazer o contexto de que há uma no ensino, Santaella (2012, p. 13) traz o arte, por exemplo.
multiplicidade de tipos de leitores, tais significado de alfabetização visual re- Dondis (2003) questiona sobre o
como o leitor da imagem no desenho, lacionado ao aprender a ler imagens, quanto de nós vemos em relação a lin-
pintura, gravura, fotografia, jornal, re- aprimorar a observação de seus ele- guagem visual, aborda sobre uma me-
vistas, signos, símbolos, gráficos e ma- mentos significativos, detectar o que a todologia capaz de aperfeiçoar ao má-
pas, da imagem em movimento (televi- imagem quer dizer além do que é visto, ximo a capacidade de criadores, bem
são, cinema), e para que possamos ler o que há além dessa imagem, focando como receptores de mensagens visu-
essas imagens, deveríamos ter a capa- apenas nela, adquirindo desta forma ais com a capacidade de transformá-
cidade de analisarmos parte por parte um conhecimento que nos leve a de- -los em indivíduos capazes de serem
do que nela compõem como decifrar senvolver a nossa sensibilidade para alfabetizados visualmente. Abrange
os códigos que nelas fazem parte e as- ler a imagem e compreender, em que a respeito do significado que o senti-
sim traduzi-los, ler imagens através de contexto ela está inserida, o que ela do visual exerce em nossa vida, sem
outras imagens, mas também a criação significa, o que transmite, e quais são nos darmos conta desse processo de
do conceito dessas imagens, o apren- suas especificidades com relação a re- observação que a cada momento se
derem, a fim de nos comunicarmos, as- alidade que almeja demonstrar. aperfeiçoa, se converte e se amplia,
sim como ocorre na linguagem verbal. Corroborando com o tema alfabeti- tornando-se um instrumento também
Para entender e compreender a ima- zação visual, Dondis (2003) identifica de comunicação, esse ver de forma na-
gem em sua totalidade é preciso iden- como uma forma de leitura de imagem tural sem identificar os elementos ali
tificar os elementos visuais presentes uma análise mais profunda em relação presentes.
nela, bem como identificar o contexto a compreensão sobre o uso da expres-
e a época em que esta imagem foi cria- são visual, levando em conta a estru-
71
sumário

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para estudantes de Artes Visuais, e conhecer seus usos e funções. Assim, nente questionamento sobre o objeto
assim como dos cursos de Ciências da estudantes de Artes Visuais e das Ci- ou fatos, além da própria unificação do
Natureza (Física, Química, Biologia e ências da Natureza que fazem uso da conhecimento acerca do objeto”. As-
Geociências), a percepção visual per- imagem como fonte de informação sim, a produção de imagens bem ela-
mite identificar ou reconhecer objetos precisam ter uma boa fundamentação boradas pode dar suportes científicos
no mundo à nossa volta. O reconheci- sobre aspectos relevantes desse pro- para explorar a percepção visual, a lei-
mento de objetos normalmente ocorre cesso de percepção visual que permite tura de imagens, e o pensamento visu-
tão sem esforço que é difícil acreditar o reconhecimento de objetos por meio al. Portanto, estudantes de Artes Visu-
que essa seja, na verdade, uma opera- de características que percebemos ais assim como dos cursos de Ciências
ção complexa. Essa complexidade re- pela visão. da Natureza (Física, Química, Biologia
sulta do fato de que objetos, por exem- Como proposto por Costa (2001, p. e Geociências) devem apropriar-se das
plo, cadeiras, árvores variam muito em 16), a abordagem transdisciplinar da imagens e empregá-las em sua apren-
suas características visuais tais como imagem “possibilita interfaces com dizagem. Isso nos leva a considerar o
cor, tamanho, forma. Podemos descre- outras disciplinas, a superação de fron- quão relevantes são a alfabetização vi-
ver como se pareceria um objeto se o teiras, a migração do conceito de um sual e imagética.
víssemos a partir de ângulos diferentes campo do saber para outro, perma-

REFERÊNCIAS
ARNHEIM; R. El pensamiento visual. Barcelona: Paidós, 1998.

ARNHEIM; R. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Thompson, 2006.

ÁVALOS, M. V. Comprensión lectora: Dificultades estratégicas en resolución de preguntas inferenciales. Buenos Aires: Edi-
ciones Colihue, 2008.

BANYARD, P. Introducción a los procesos cognitivos. Editorial Ariel. Barcelona, 1995.

COSTA, L. M. C. A. As dimensões da imagem na relação entre arte e tecnologia. 112 f. Dissertação (Mestrado em Arte)-U-
niversidade de Brasília, Brasília, 2007. 72
sumário

DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martin Fontes, 2003.

FRANCO, A. Gramática comunicativa. Editorial Venezolana. Universidad del Zulia, 2007.

FUENMAYOR, G.; VILLASMIL, Y. La percepción, la atención y la memoria como procesos cognitivos utilizados para la com-
prensión textual. Revista de Artes y Humanidades ÚNICA, Año 9, N°. 22, Mayo-Agosto 2008, p. 187-202.

GLOVER, M. Quais são os processos cognitivos básicos? br.psicologia-online.com/; 18 dezembro 2019. Disponível em:
<https://br.psicologia-online.com/quais-sao-os-processos-cognitivos-basicos-280.html>. Acesso em: 20 nov. 2020

LIMA, R. C. Leitura de Imagens. Vamos Ler Um Pouco Mais? Rio de Janeiro. Ed. Caminhos Editora. 2020.

MARINA, J.A. La selva del lenguaje. Editorial Anagrama. Barcelona, 1998.

RAMOS, E. de M.; ZAGO, R. S. B.; LOPES, V. F. de M. Forma e percepção visual. Anais ... Graphica 2007. VII International Con-
ference on Graphics Engineering for Arts and Design. XVIII Simpósio Nacional de Geometria Descritiva e Desenho Técnico.
UFPR, Curitiba, 11 a 14 de novembro de 2007.

SANTAELLA, L. Leitura de Imagens. São Paulo. Ed. Melhoramentos, 2012.

73
sumário

OFICINA “OS FILMES E A CIÊNCIA: ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE”


Thaís Mendes Rocha 1
Nelson Silva Junior 2

1
Especialista em Metodologia do Ensino de
Biologia, Centro Universitário Internacional
(UNINTER). Mestranda no Programa de Pós-
-Graduação em Educação para a Ciência e a
Matemática (PCM), Universidade Estadual de
Maringá (UEM), Maringá, Paraná, Brasil.
2
Doutor em Ensino de Ciência e Tecnologia,
Universidade Tecnológica Federal do Paraná
(UTFPR). Professor do Departamento de Artes
e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de
A imagem é uma foto de divulgação do filme Contágio (2011) e foi retirada do site do IMDb: Ciências e Matemática (PPGECEM), Universi-
https://www.imdb.com/title/tt1598778/mediaviewer/rm2646391809/ e mostra a atriz Jennifer Ehle como a Dra. Ally He-
xtall, uma cientista pesquisadora do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) que criou uma vacina para dade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta
o vírus Grossa, Paraná, Brasil.

RESUMO
Este trabalho visa apresentar os re- uma análise fílmica, voltada a filmes que na ciência, tecnologia e sociedade
sultados da elaboração da oficina teó- que tenham como tema principal a (CTS). Os resultados indicam que, ao
rico-prática interdisciplinar intitulada ciência em suas diferentes extensões. utilizarmos uma estratégia que exer-
“Os filmes e a ciência: entre a ficção Apresentamos brevemente a história cita a leitura de imagens fílmicas com
e a realidade” que aconteceu de for- do cinema, o contexto dos primeiros enfoque CTS, estimulamos a capacida-
ma remota pelo Google Meet em três filmes de ficção científica e suas apro- de de discutir criticamente as questões
encontros no primeiro semestre de ximações e distanciamentos com a re- da sociedade atual no filme Contágio
2021. A oficina teve como objetivo for- alidade, a análise fílmica baseada na (2011).
necer subsídios para professores(as) e teoria de Panofsky e uma proposta de
alunos(as) de licenciatura realizarem leitura de imagens fílmicas com enfo-
PALAVRAS-CHAVE:
Formação Docente. Ciências. Cinema. Leitura de Imagens fílmicas. 74
sumário

1. INTRODUÇÃO
O planejamento e execução da ex- Entre as oficinas que integram este cinema, o contexto dos primeiros fil-
periência aqui relatada foi desenvolvi- projeto, apresentamos a que reali- mes de ficção científica, com ênfase na
do no âmbito do projeto Oficinas Te- zamos de forma remota no início de construção da narrativa fílmica ficcio-
órico-Práticas de Interação entre Arte 2021, intitulada “Os filmes e a ciência: nal e suas aproximações e distancia-
e Ciência em Atividade de Extensão entre a ficção e a realidade”. A oficina mentos com a realidade, na perspec-
(INTERARC), realizado por professo- teve como objetivo fornecer subsídios tiva dos filmes enquanto produções
res(as) e discentes do Departamen- para professores(as) e alunos(as) de artísticas, a análise fílmica e a teoria de
to de Artes da Universidade Estadual licenciatura realizarem uma análise Erwin Panofsky (1892-1968) e, por fim,
de Ponta Grossa (UEPG), em parceria fílmica, voltada a filmes que tenham uma proposta de leitura de imagens
com a Universidade Estadual de Ma- como tema principal a ciência em suas fílmicas (LIF) com enfoque na ciência,
ringá (UEM) e a Universidade Federal diferentes extensões. Apresentamos tecnologia e sociedade (CTS).
do Oeste do Pará (UFOPA). uma rápida passagem pela história do

2. REFERENCIAL TEÓRICO
O uso do cinema e dos filmes em sala so de ensino com o uso de filmes. O possíveis formas de uso para o mesmo.
de aula não representa uma novidade autor apresenta um método de análise Machado e Silveira (2020) realiza-
ou uma inovação no ensino, porém, fílmica baseado em Erwin Panofsky e ram uma revisão na literatura entre
configura-se numa proposta dinâmi- no seu método iconológico. os anos 2006 e 2017, para descobrir de
ca que exige um planejamento e um A análise de Silva Junior (2018) se que forma o cinema tem sido utiliza-
preparo consistentes. Várias pesquisas dá em três momentos: a análise pré-i- do no ensino; as autoras evidenciaram
importantes nas áreas de Educação e conográfica, na qual são apresentados duas lacunas: nenhum dos trabalhos
Ensino, têm se configurado em fontes os dados técnicos do filme; a análise analisados utilizou o cinema para in-
fundamentais para aqueles que dese- iconográfica que apresenta toda a es- cluir as discussões do enfoque CTS no
jam usar, de forma plena, um filme em trutura do filme a partir de imagens ambiente escolar e a ausência de for-
sala de aula. Neste sentido, Silva Junior (frames) de cenas pré-selecionadas e mação de professores(as) para traba-
(2018) apresenta um importante refe- a análise Iconológica, ou seja, aquela lhar com o cinema e com o enfoque
rencial teórico e instrumental para a na qual a pessoa que está analisando CTS. Diante dessas duas lacunas, os
análise fílmica, procedimento meto- o filme, dá sentidos e significados para estudos de mestrado da primeira au-
dológico fundamental, para o proces- a obra cinematográfica e estabelece tora convergem para um instrumento
75
sumário

que possibilita a LIF com enfoque CTS mentos demandam atenção do obser- discussões sobre a natureza do co-
interdisciplinar. vador para serem descritos, como per- nhecimento científico e seu papel na
A LIF com enfoque CTS possui três sonagens, figurino, cenário, filmagem, sociedade, em diferentes contextos
etapas: 1) Seleção; 2) Descrição e 3) luz, cores, trilha sonora, que compõem mundiais, como na Europa, nos Esta-
Interpretação das interações CTS. Na a narrativa. Por fim, na terceira etapa, dos Unidos e na América Latina e no
primeira etapa, são coletadas informa- ocorre a identificação da temática so- Brasil, em 1990, sobre influência da
ções sobre a produção do filme com cial presente no filme, a fim de estabe- perspectiva crítico-social, incorporan-
o objetivo de identificar e selecionar lecer interações entre CTS, estimular do as ideias de Paulo Freire.
filmes que apresentam potencial in- a formação de opiniões, tomada de Sob esses aspectos, o enfoque CTS
terdisciplinar para discussões com en- decisões e resolução de problemas e/ presente nos filmes se torna uma pro-
foque CTS. Dessa forma, os filmes que ou de questões cotidianas que envol- posta para o desenvolvimento da al-
introduzem um problema social in- vam CTS, como forma do(a) aluno(a) fabetização científica e tecnológica
cluem contribuições da ciência e tec- expressar/desenvolver sua cidadania. dos(as) alunos(as); segundo Santos e
nologia para a sociedade; apresentam Essa proposta se considera uma alter- Mortimer (2000), auxilia o(a) aluno(a)
questões políticas, sociais, ambientais nativa àquela tradicional de natureza a “construir conhecimentos, habilida-
e culturais (locais e globais) relaciona- conteudista e apresenta uma atividade des e valores necessários para tomar
das à ciência; consideram a ética e os sobre as possibilidades de utilização decisões responsáveis sobre questões
valores da ciência e tecnologia (CT); de filmes e da vertente CTS como nor- de ciência e tecnologia na sociedade
estimulam a formação do pensamento teadora de tal organização. e atuar na resolução de tais questões”
crítico, incentivando debates em tor- Segundo Santos (2007), o enfoque (SANTOS e MORTIMER, 2000, p. 114).
no das relações entre a CTS; abordam CTS trata das inter-relações entre ex- Isso exige do(a) professor(a) uma pos-
questões polêmicas sociais, históri- plicação científica, planejamento tec- tura que incorpore às aulas os temas
cas, ambientais e culturais que podem nológico e solução de problemas e to- do enfoque CTS em atividades que
contribuir para a formação de atitudes mada de decisão sobre temas práticos promovam engajamento social dos(as)
e valores morais e éticos dos alunos, de importância social. Durante a dé- alunos(as). Assim, essa experiência
recebem prioridade na seleção. Na se- cada de 1970, as discussões com en- pode contribuir no contexto de forma-
gunda etapa, é realizada uma pesqui- foque CTS se consolidaram como um ção de professores das diferentes áreas
sa sobre a construção do filme, como movimento de reflexão crítica sobre do conhecimento científico e das suas
derivações, impacto de lançamento, as relações entre ciência, tecnologia atividades profissionais nos diferentes
biografia do diretor e dos intérpretes. e sociedade, devido ao agravamento níveis educacionais.
Durante a leitura do filme, alguns ele- dos problemas ambientais diante das
76
sumário

3. DESCRIÇÃO DO PROCESSO E RESULTADOS


A oficina teórico-prática interdisci- de ficção científica. Posteriormente, apresentarmos uma proposta de LIF
plinar aconteceu de forma remota em criamos um grupo no WhatsApp para com enfoque CTS. Na segunda sema-
três encontros. As inscrições foram fei- enviar avisos além dos e-mails e sanar na, recomendamos aos participantes,
tas pela plataforma do Google Forms. dúvidas. Além disso, disponibilizamos através das atividades assíncronas por
A oficina teve 22 inscritos(as), destes 3 os filmes, vídeos, livros, artigos e fichas e-mail, assistir à live com o professor
são professores(as) e 19 são alunos(as) de análise fílmica na pasta do Google Marcos Gervânio de Azevedo Melo,
de graduação nos cursos de licenciatu- Drive intitulada Biblioteca para os ins- Um olhar sobre a relação CTS (2020),
ra em Artes Visuais, História, Ciências critos acessarem livremente. para oportunizar uma abordagem que
Biológicas e Química. A intenção foi Na primeira semana, recomenda- vislumbre um entrelaçar de referen-
envolver num primeiro momento dis- mos aos participantes, através das ati- ciais articulados ao movimento CTS
centes e docentes de graduação e pós- vidades assíncronas por e-mail, assis- com pressupostos de teóricos huma-
-graduação das instituições e, num se- tir à série A História do Cinema (2017) nistas de educação, com ênfase em
gundo momento, expandir a oferta das com nove episódios no canal do You- Paulo Freire. Assistir ao filme Contá-
oficinas para a comunidade externa via Tube “Canto dos Clássicos” e a live com gio (2011), realizar a análise fílmica e
publicação dos encontros na platafor- o professor Nelson Silva Júnior, Ciên- o preenchimento da LIF com enfoque
ma do YouTube no canal da GAUEPG. cia e Cinema: um encontro didático CTS, de forma individual ou em gru-
A oficina contou com em encontros re- pedagógico no campo da Arte (2020), pos. No terceiro encontro, realizado ao
alizados de forma síncrona e com ati- sobre a linguagem cinematográfica e vivo pelo Google Meet, discutimos so-
vidades de forma assíncrona para se- as três etapas da análise fílmica, pré-i- bre o tema Análise do filme Contágio
rem realizadas entre os encontros. conográfica; iconográfica, iconológica, com enfoque CTS, os participantes re-
No primeiro encontro, realizado criada em sua tese baseada na teoria alizaram a apresentação e entrega das
ao vivo pelo Google Meet, discutimos de Panofsky (SILVA JUNIOR, 2018). análises do filme Contágio (2011) com
sobre o tema “As origens do cinema e No segundo encontro, realizado ao a utilização da ficha de LIF com enfo-
da ficção científica”. Antes da palestra, vivo pelo Google Meet, discutimos so- que CTS e no final comentaram sobre a
ocorreu a apresentação dos oficinei- bre o tema Filme Contágio e o enfoque utilização da LIF para a realização das
ros, professores e discentes. A apre- CTS. Iniciamos a palestra com uma análises.
sentação teve início com a introdução breve introdução do filme Contágio Como resultados, foram coletadas
à história do cinema e foi finalizada (2011), posteriormente, debatemos somente três LIFs com enfoque CTS
com o contexto dos primeiros filmes sobre o enfoque CTS, para em seguida, sobre o filme. Cada LIF foi nomeada

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com um número, LIF 1, LIF 2 e LIF 3. o aumento da popularidade dele após Mears (Kate Winslet) rastreia a origem
Somente 6 dos 22 participantes en- a instalação da pandemia do coronaví- do surto e acaba chegando até a Beth.
tregaram as LIFs preenchidas, sendo rus e o início de uma pandemia causa- No filme, a médica negocia com o po-
duas fichas individuais e uma em gru- da por um vírus que tinha como hos- der público local, que reluta em com-
po. Das 3 fichas, somente duas (LIF 1 e pedeiros morcegos silvestres chineses. prometer recursos para uma respos-
LIF 3) retornaram com todos os cam- Mas essa informação só aparece para ta de saúde pública; enquanto isso, a
pos preenchidos. Ambas, conseguiram o espectador nos minutos finais do Dra. Mears contrai a doença e morre.
realizar a análise do filme com enfo- filme. Em um flashback, aparece um No CCD, usando um vírus atenuado,
que CTS de acordo com os referenciais trator da empresa em que a paciente a Dra. Hextall (Jennifer Ehle) identifi-
discutidos e as instruções propostas zero, Beth Emhoff (Gwyneth Paltrow) ca uma possível vacina. Para reduzir
durante a oficina. Na LIF 2, os espa- trabalhava, derrubando duas palmei- o tempo que levaria para obter o con-
ços que retornaram em branco foram ras em uma floresta tropical na China, sentimento informado dos pacientes
da segunda e da terceira etapa. Dessa perturbando alguns morcegos que lá infectados, a cientista se inocula com
forma, podemos interpretar que esse se abrigavam. Um desses morcegos re- a vacina experimental e não contrai a
participante, mesmo após ter realiza- solve se alimentar numa bananeira e, doença. A vacina é declarada um su-
do a oficina, ainda não conseguiu fazer posteriormente, encontra abrigo em cesso e o governo as distribui com base
uma análise completa, pois não reali- uma fazenda de porcos e deixa cair um na data de nascimento, mas, a essa al-
zou a 2ª. etapa da LIF sobre derivações, pedaço da banana que acaba sendo tura, o número de mortos já se espa-
intérpretes, descrição (visual, sonora, comida por um porco. O porco é aba- lhou em todo o mundo.
do figurino, do cenário, da narrativa tido e preparado por um chefe de um Na sociedade, onde o pânico e a
e das cenas) e nem a 3ª. etapa sobre a restaurante, que aperta a mão de Beth violência se instalam devido à divul-
temática, ficção, ciência, tecnologia, após apenas limpar grosseiramente as gação de notícias falsas, isso também
sociedade e julgamento de valores da mãos no avental, transmitindo o vírus recebe destaque no enredo. Em Hong
melhor solução, ou seja, apresentou para ela e revelando o início da pande- Kong, a epidemiologista da OMS, Dra.
dificuldades identificar os elementos mia. Orantes, investiga o trajeto da pacien-
da linguagem cinematográfica e dos A trama evidencia a luta dos funcio- te zero em um cassino junto aos pri-
componentes do enfoque CTS presen- nários da saúde com o governo para meiros casos; o funcionário do gover-
tes no filme Contágio (2011). conseguir verbas e a corrida dos cien- no Sun Feng (Chin Han) a sequestra
As análises, através da utilização da tistas pela produção de uma vacina. para obter doses de uma futura vacina
LIF com enfoque CTS, possibilitaram Em Minneapolis, a médica do Centro para sua aldeia, mas a OMS acaba res-
discutir alguns aspectos do filme como de Controle de Doenças (CCD), Dra. gatando a médica e fornece placebos
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aos sequestradores. O teórico da cons- tar as vendas de forsítia, é preso por cias falsas, que se proliferam tanto ou
piração Alan Krumwiede (Jude Law) conspiração e fraude. Esse é um dos mais do que o próprio vírus, possuem
publica um vídeo sobre o vírus em seu temas no filme que possibilitam inú- um amplo espaço no filme. O discur-
blog, em que ele afirma ter se curado meras discussões devido à abordagem so conspiracionista (semelhante aos
do vírus usando um remédio homeo- sobre o fluxo de informação e seus im- movimentos atuais antivacina e o ter-
pático derivado de plantas do gênero pactos na sociedade. raplanismo) faz com que o Estado e
Forsythia. As pessoas que procuram a Nesse sentido, destacam-se as re- suas instituições públicas, a mídia tra-
forsítia atacam farmácias e lutam pelo lações entre a ciência e a arte lingua- dicional e até a própria ciência passem
medicamento (semelhante à cloroqui- gem cinematográfica através da ima- a ser sistematicamente desacreditados
na em 2020). Mais tarde, Krumwiede, ginação dos diretores em produzirem e desqualificados.
tendo fingido sua doença para aumen- um filme realista. Os perigos das notí-

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao utilizarmos uma estratégia que A análise da participação e das pro- do mais tempo para discussões.
exercita a leitura de imagens fílmi- duções dos(as) alunos(as) sugere que A fim de discutir mais profunda-
cas com enfoque CTS, estimulamos a oficina contribuiu para que os(as) mente com os(as) participantes os
nos(as) participantes a capacidade de participantes conseguissem articular pontos levantados durante a análise e
discutir criticamente as questões da so- fatores históricos, sociais, políticos e ter mais tempo para ouvir suas percep-
ciedade atual no filme Contágio (2011) econômicos ao desenvolvimento cien- ções e opiniões, trabalhos futuros po-
e estabelecer relações entre a ficção e a tífico-tecnológico presentes na narra- dem ir além da estrutura aqui propos-
realidade. Isso favorece o exercício da tiva fílmica. Os dados que obtivemos ta, realizando também um encontro
cidadania e a formação integral do(a) em nosso trabalho nos mostram que a posterior à análise do filme para discu-
aluno(a), além de estimular o interesse oficina proposta foi eficiente em pro- tir esse processo. A partir daí, podería-
e o envolvimento do grupo. Se no pri- porcionar a troca de informações en- mos refletir em conjunto e reavaliar a
meiro dia eles(as) se mostravam tími- tre diferentes áreas. Durante a análise proposta colocada em prática.
dos(as) e com receio de falar, durante do filme, cada participante apresen-
as apresentações das análises fílmicas, tou contribuições com ênfase em seu
vimos alunos(as) empoderados(as), campo de formação, apresentando di-
posicionando-se e descrevendo os ferentes pontos de vista. Mesmo que,
personagens. durante a oficina, não foi proporciona-

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REFERÊNCIAS
A HISTÓRIA do cinema. Editor: Lucas Pilatti Miranda. Série baseada no livro Tudo Sobre Cinema do autor Philip Kemp.
2017. 9 vídeos (78 min 55 s). Publicado pelo canal Canto dos Clássicos. Disponível em:
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CIÊNCIA e cinema: um encontro didático pedagógico no campo da arte. Palestrante: Nelson Silva Junior. Mediação: Marcos
Cesar Danhoni Neves. 2020. 1 vídeo (76 min 26 s). Publicado pelo canal GAUEPG Galeria. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=wQ9vOsubbSk&t=294s&ab_channel =GAUEPGGaleria>. Acesso em: 03 jun. 2021.

CONTÁGIO. Direção: Steven Soderbergh. Roteiro: Scott Z. Burns. Estados Unidos: Warner Bros. 2011. 1 filme, (106 min),
son., color.

MACHADO, C. J.; SILVEIRA, R. M. C. F. Interfaces entre cinema, ciência e ensino: uma revisão sistemática de literatura. Pro-
-Posições, Campinas, v. 31, 31 p., 2020. Disponível em:
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SANTOS, W. L. Contextualização no Ensino de Ciências por meio de temas CTS em uma perspectiva crítica. Ciência & En-
sino, [s. l.], v. 1, n. especial, nov., 12 p., 2007.

SANTOS, W. L. P.; MORTIMER, E. F. Uma análise de pressupostos teóricos da abordagem CTS (Ciência-Tecnologia-Socieda-
de) no contexto da educação brasileira. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p.110-132,
jul./dez. 2000.

SANTOS, W. L. P.; SCHNETZLER, R. P. Educação em química: compromisso com a cidadania. 4. ed. Ijuí: Unijuí, 2010.

SILVA JUNIOR, N. Ciência e Cinema: um encontro didático pedagógico em Anjos e Demônios e O Nome da Rosa. 2018. Tese
(Doutorado em Ensino de Ciência e Tecnologia) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Ponta Grossa, 2018.

UM olhar sobre a relação CTS. Palestrante: Marcos Gervânio de Azevedo Melo. Mediação: Marcos Cesar Danhoni Neves.
2020. 1 vídeo (59 min 4 s). Publicado pelo canal GAUEPG Galeria. Disponível em:
<https://www.youtube. com/watch?v=RMDN_rsM0z8&ab_channel=GAUEPGGaleria>. Acesso em: 03 jun. 2021.

VIAGEM à Lua. Direção: Georges Méliès. Produção: Georges Méliès. França: Star Film, 1902. 1 filme, (14 min), mudo, p & b. 80
ARTE,
CONHECIMENTO
E PRODUÇÃO
As oficinas do Programa INTERARC

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