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Cibele de Mattos Mendes
Resumo: Constitui objeto desta investigação os monumentos funerários referentes ao séc. XIX
localizados no Cemitério do Campo Santo, em Salvador – Ba; confeccionados pela Família Salles de
Portugal, que simbolizam e mantém a recordação dos mortos, bem como as atitudes e representações
sócio-culturais referentes às interpretações da morte, que contribuíram para a formação de um
imaginário coletivo perpetuado no mármore, através de símbolos, formas, dimensões e temas.
Muitas leis regulamentaram essas práticas, mas a primeira lei colonial que combatia todo
tipo de enterramento dentro dos limites urbanos foi a Carta Régia nº. 18, de 14 de janeiro de
1801, no entanto não foi posta em prática. Em novembro de 1825, um decreto imperial atacava
as práticas tradicionais de enterro como anti-higiênicas e supersticiosas, e, o imperador ordenava
que os sepultamentos fossem transferidos para fora da cidade.
A criação dos cemitérios fazia parte da batalha pelo saneamento das cidades e instauração
de uma vida civilizada, cujo objetivo era a expulsão dos mortos das cidades, por estarem os
mortos associados a águas infectas e à “corrupção do ar”.
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Museóloga e Mestre em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da UFBA. Professora Substituta de História da
Arte e do Mobiliário da EBA/ UFBA. Aluna Especial Doutorado em História da FFCH/ UFBA.
cibelemm@gmail.com
cujo requerimento segue para avaliação, foi aprovado e sancionado em junho de 1835, como lei
provincial nº 17. O texto do projeto que vai ao público omite o monopólio de construção e
transportes de cadáveres pelo prazo de trinta anos.
Para a construção do Cemitério do Campo Santo foi escolhida uma área elevada e arejada
fora dos domínios da Cidade, na antiga estrada do Rio Vermelho, em terras da então Fazenda
São Gonçalo. A construção desse Cemitério teve início com grande confusão, com a liderança do
Visconde de Pirajá e entidades interessadas nos resultados financeiros dos enterros, como: as
confrarias, irmandades, mosteiros, conventos e paróquias.
O Cemitério do Campo Santo, um dos mais belos e antigos do país, no gênero “Campo
Santo”, apresenta a tipologia de um cemitério denominado de convencional, por organizar-se de
maneira comum, seguindo o padrão europeu, com alamedas internas, direcionadas para a igreja
e/ ou cruzeiro (BORGES, 2002, p.144).
Nos anos de 1853 e 1858, foi incentivada a compra de campas e lotes de jazigos, motivo
pelo qual são identificados nesta data um elevado número de túmulos importados, na maioria dos
marmoristas Francisco, Germano e Cesario Salles, de Lisboa. Dos numerosos túmulos
monumentais procedentes dos marmoristas lisboetas, há uma quantidade maior entre os anos de
1855 e 1870.
Para a confecção desses túmulos foram gastas enormes fortunas, com riqueza de
materiais em mármore, com ornatos em folhas de acanto e de liz; retratos de porcelana; alegorias
e epígrafes sob a forma de acróstico; urnas funerárias com garra e bola; caveiras com tíbias;
figuras de anjos orantes e mãos postas; anjos sexuados; urnas funerárias; ânforas; caveiras com
tíbias em santor; cruzes góticas; colunas partidas; globos; corujas; guirlandas; festões, etc. Há
túmulos e capelas neo-góticas pertencentes a famílias que deixaram de existir ou as
abandonaram, cabendo a sua manutenção à administração da Santa Casa de Misericórdia, que, na
atualidade, inseriu a necrópole como parte do circuito turístico de Salvador.
Particularmente neste cemitério não foi realizado um estudo sobre a História e Memória
preservadas no mármore dos túmulos importados de Lisboa; fato este revelado pelo pesquisador
Francisco Queiroz, afirmando não possuir ainda informações dos arquivos da Alfândega
brasileira, acerca desses monumentos funerários.
O Cemitério do Campo Santo perpetua o status quo das famílias baianas, através do
mármore dos seus túmulos, dado o vínculo que mantêm com as representações do luto,
alicerçadas no discurso religioso, moral e econômico da sociedade baiana do século XIX,
tornando-se necessária uma maior reflexão da História e Memória perpetuadas no mármore, bem
como a análise iconográfica e iconológica desses monumentos.
As construções de rara beleza existentes neste Cemitério partiram de uma nova dimensão
social, surgida no âmago da sociedade baiana e católica do século XIX, que convencida a mudar
suas tradições, em detrimento das teorias de higienização e urbanização, transferiram das igrejas
para os túmulos do cemitério extra-muros, os seus anseios de reconhecimento e ostentação.
O cerne desta Pesquisa está situado nos túmulos e mausoléus importados de Lisboa, num
período em que a mudança dos enterramentos das igrejas para fora dos muros da cidade implicou
numa mudança de atitudes, práticas e representações, expressos através da opulência dos
monumentos funerários, eternizando um momento, um desejo, um pedido, estilo e /ou padrão.
Dessa forma, acredita-se possível alcançar uma visão mais ampla e aprofundada dos
aspectos históricos, econômicos, políticos, sociais e culturais implicados nesse tipo de
procedimento artístico, buscando contribuir para preencher algumas lacunas na historiografia da
arte fúnebre baiana, embasada nos postulados da História das Mentalidades e das Artes.
Em termos gerais, esta pesquisa propõe decifrar a realidade do passado baiano, por meio
das representações fúnebres, identificando atitudes e intenções dos homens que as construíram,
imprimindo diferentes entendimentos.
Os cuidados no trabalho com este tipo de fonte são muitos, pois as imagens são fontes
que se dão aos mais diversos tipos de leitura e interpretação, assim, uma mesma imagem pode ter
seu significado mudado de acordo com o tipo de olhar que é lançado sobre ela. Deve-se sempre
ter em mente também que a imagem não se esgota em si mesma. O historiador que utiliza a
imagem como fonte histórica precisa enxergar além da imagem, ler suas lacunas, silêncios,
decifrar seus códigos. As imagens são representações do mundo elaboradas para serem vistas.
Dessa forma pode-se perceber que a imagem serve como elo entre o tempo de seu
produtor e o tempo de seu observador, transmitindo conceitos e modos de ver e entender a vida,
permitindo conhecer como o mundo seria visto por outras culturas de outras temporalidades.
Como visto, a abordagem culturalista entende a cultura como sendo socialmente construída
através da escolha de determinados símbolos e representações para explicar a visão de mundo, os
valores, enfim, a realidade de um determinado povo situado no espaço e no tempo. Assim, no
livro História Cultural de Chartier (1990, p.17), na introdução, há uma excelente definição para
esta história:
Nesta pesquisa são utilizados como fontes os monumentos funerários, sob a metodologia
proposta por Erwin Panofsky, no seu livro “Significado nas Artes Visuais”, em que propõe que a
análise de um objeto visual seja feita seguindo alguns passos, quais sejam: a descrição pré-
iconográfica (e análise pseudoformal); a análise iconográfica, no sentido mais estrito da palavra;
e a interpretação iconológica, em sentido mais profundo.
O primeiro passo na apreensão do significado dos objetos visuais é dado a partir de sua
precisa descrição e distinção dos objetos e elementos que constituem a obra a ser analisada.
Obedecendo a esses passos o pesquisador reconhecerá o que é denominado de momento da
identificação do tema natural ou primário, apreendido,
(...) pela identificação das formas puras, ou seja, certas configurações de linha e
cor, ou determinados pedaços de bronze ou pedra de forma peculiar, como
representativos de objetos naturais tais que seres humanos, animais, plantas,
casas, ferramentas e assim por diante; pela identificação de suas relações
mútuas como acontecimentos, e pela percepção de algumas qualidades
expressionais, como o caráter pesaroso de uma pose ou gesto, ou a atmosfera
doméstica e pacífica de um interior. O mundo das formas puras assim
reconhecidas como portadoras de significados primários ou naturais pode ser
chamado de mundo dos motivos artísticos. Uma enumeração desses motivos
constituiria uma descrição pré-iconográfica de uma obra de arte (PANOFSKY,
1991, p. 50).
Feita essa primeira etapa, onde se identifica a expressão contida no objeto a ser analisado,
busca-se o conteúdo secundário ou convencional, que consiste na relação existente entre o objeto
já identificado e o tema ou conceito específico que ele representa. Para tal é necessário o
conhecimento de fontes literárias que possibilitem a compreensão do processo civilizatório em
que o objeto visual foi produzido. Nessa etapa a utilização de grandes dicionários e enciclopédias
torna-se indispensável para a identificação e familiarização com os temas e conceitos retratados
no objeto visual.
Realizada essa segunda etapa, resta a interpretação iconológica, que consiste na procura
do que Panofsky chama de significado intrínseco ou conteúdo propriamente dito do objeto visual
que consiste na descoberta dos valores simbólicos deste objeto. Para ele, uma,
A análise de um objeto visual deve partir da sua descrição e correlação com o significado
intrínseco e sua função naquela sociedade, transformando-o em registro de uma época. A
realização destas etapas chega-se ao ponto em que o objeto visual, descrito, identificado e
decodificado, passa a explicar, em conjunto com outros documentos ou solitariamente (no caso
de ser ele o único registro restante), o momento histórico, a conjuntura em que foi concebido,
finalidades e objetivos (PANOFSKY, 1991, p. 50).
REFERÊNCIAS
BORGES, Maria Elizia. Arte Funerária no Brasil (1890–1930): oficio de marmoristas italianos em
Ribeirão Preto. Funerary Art in Brazil (1890-1930): Italian Marble Carver Craft. In: Ribeirão Preto.
Belo Horizonte: Editora C/ Arte, 2002.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand,
1990.
COSTA, Paulo Segundo da. Campo Santo: Resumo Histórico. Salvador: Contexto Arte Editorial
LTDA, 2003.
MENDES, Cibele de Mattos. Práticas e Representações Artísticas nos Cemitérios do Convento de
São Francisco e Venerável Ordem Terceira do Carmo: EBA/ UFBA, 2007.
PANOFSKY, Erwin. Significado das artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1991.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica (Coleção
História &.Reflexões), 2003.
REIS, João José. A Morte é uma Festa. Ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX.
São Paulo: Cia das Letras, 1998.
SILVA, Sérgio Roberto Rocha da. SABALLA, Viviane Adriana. Pelotas: A arte imortalizada. Pelotas.
Ed. da UFpel, 1998.
VALLADARES, C. do Prado. Arte e sociedade nos cemitérios brasileiros. Rio de Janeiro: Conselho
Federal de Cultura – Departamento de Imprensa Nacional. 1972.