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A n a i s B i b l i o t e c a Nac i o n a l vo l . 1 4 0
da
B i b l i ot e c a
Nacional
Vol. 140 • 2020
Rio de Janeiro
2022
Coordenação de Editoração Confira outras publicações da
Av. Rio Branco, 219, 5o andar Fundação Biblioteca Nacional
Rio de Janeiro – RJ | 20040-008
editoracao@bn.gov.br | www.bn.gov.br
Apresentação�������������������������������������������������������������������������������������������� 5
O Latim nas Obras Raras: contexto e
fundamentos teórico-metodológicos de um
curso de latim instrumental para bibliotecários��������������������������������������� 9
Fábio Frohwein de Salles Moniz
Glossário de topônimos latinos do Brasil em
Historia navigationis in Brasiliam: breves comentários��������������������������� 39
Lucia Pestana da Silva
Fábio Frohwein de Salles Moniz
As Heroinae, de Júlio César Escalígero:
seleção e tradução����������������������������������������������������������������������������������� 49
Thamara Martins Santos de Morais
Fábio Frohwein de Salles Moniz
Tradução de Speculum stultorum, de Nigel de Longchamps�������������������� 65
Josué Gabriel de Freitas Kahanza Zito
Fábio Frohwein de Salles Moniz
Os Rudimenta grammatices, de Nicolò Perotti���������������������������������������� 73
Marcelle Mayne Ribeiro da Silva
Fábio Frohwein de Salles Moniz
Edição comentada da correspondência
entre Paolo Manuzio e Marc Antoine Muret������������������������������������������ 83
Esther da Silva Martins
Fábio Frohwein de Salles Moniz
Segurança patrimonial em bibliotecas universitárias:
relato de experiência no Sistema de Bibliotecas da
Universidade Federal de Minas Gerais���������������������������������������������������� 91
Wellington Marçal de Carvalho
Anália das Graças Gandini Pontelo
Diná Marques Pereira Araújo
Resistência no papel: a imprensa de oposição
à ditadura civil-militar no Brasil no acervo
da Fundação Biblioteca Nacional���������������������������������������������������������� 103
Bruno Brasil
Preciosidades do Acervo����������������������������������������������������������������������� 251
A produção verbovisual de Raul Pompeia
no acervo da Biblioteca Nacional��������������������������������������������������������253
Gilberto Araújo de Vasconcelos Júnior
Apresentação
Abstract
The aim of this essay is to present the context and theoretical-methodological foundations
of the course O Latim nas Obras Raras (Latin in the Rare Books collection) aimed at
complementing the technical training of librarians of rare collections. To this end, we
organized our text in two parts: 1) About the context, in which we narrate the external
factors that influenced the conception and elaboration of the course; and 2) About the
theoretical-methodological foundations, in which we present the internal factors, that is,
the methodology used in the conception and implementation of the course, based on the
concepts of teaching language for specific purposes according to Hutchinson & Waters
(1987), Strevens (1988); and Pragmatics, supported by Austin (1962), Van Dijk (1981),
Searle (2002), Armengaud (2006), Levinson (2007), Charaudeau & Maingueneau
(2016).
Keywords: Latin language. Rare book. Teaching language for specific purposes.
Pragmatics. Fundação Biblioteca Nacional.
Do contexto
O elemento mais importante para se compreender o contexto de concep-
ção e desenvolvimento de “O Latim nas Obras Raras, curso de latim instru-
mental voltado a bibliotecários de acervos especiais”, é o atual entendimento
de extensão universitária. A última Constituição brasileira, promulgada em
1988, estabeleceu que as universidades devem respeitar a relação indissociá-
vel entre ensino, pesquisa e extensão. Embora seja desnecessário discutirmos
aqui o conceito de ensino e pesquisa, a ideia de extensão merece algumas
palavras nossas.
O primeiro documento em que apareceu o conceito de extensão universi-
tária foi o decreto-lei 19.851, de 11 de abril de 1931, que, em seu artigo 42,
estabeleceu que “a extensão universitária será realizada por meio de cursos e
conferências de caráter educacional ou utilitário, uns e outras organizados
pelos diversos institutos da Universidade” (BRASIL, 1931).
Em outras palavras, a extensão universitária começou como atividades em
que a comunidade acadêmica – somente professores, no início – apresentava
à sociedade o conhecimento científico produzido por seus institutos.
Com a lei básica da reforma universitária de 28 de novembro de 1968
(BRASIL, 1968), a extensão universitária passou a abarcar “programas de
melhoria das condições de vida da comunidade e no processo geral de de-
senvolvimento”. Dessa forma, a extensão deixou de ser somente a comu-
nicação do conhecimento científico produzido pela universidade para ser
também a aplicação do conhecimento aos problemas da sociedade. Mas foi
na resolução do Conselho Nacional de Educação, de 18 de dezembro de
2018, que se registrou oficialmente um fator de extrema importância para
o atual entendimento sobre a extensão universitária: o diálogo entre uni-
versidade e sociedade. Essa resolução estabeleceu que a extensão é um “pro-
cesso interdisciplinar educativo, cultural, científico e político que promove
a interação transformadora entre as instituições de ensino universitário e
outros setores da sociedade” (BRASIL, 2018). Dito em outras palavras, a
extensão deve gerar, ao mesmo tempo, mudanças na sociedade e também
na universidade.
Atualmente, o entendimento da ideia de extensão abarca as seguintes di-
retrizes: 1) processo educativo, cultural e científico; 2) relação transformado-
ra entre universidade e sociedade; 3) articulação entre ensino e pesquisa; 4)
espaço de elaboração da práxis de conhecimento acadêmico; 5) intercâmbio
sistematizado de conhecimentos acadêmicos e populares; 6) produção de co-
nhecimento desde o contato com a realidade brasileira; 7) democratização
do conhecimento acadêmico; 8) participação da comunidade na atividade
da universidade; 9) visão integrada da sociedade. A Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), em resolução interna de 2013, estabeleceu que seus
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alunos devem realizar 10% da carga horária total dos cursos em atividades de
extensão, que podem ser programas, projetos, cursos ou eventos.
Com respeito às atividades de extensão para alunos de Bacharelado ou
Licenciatura em Português-Latim e de Português-Grego, o Departamento de
Letras Clássicas da UFRJ vem proporcionando a possibilidade de atuação em
vários projetos, cursos e eventos. Dedicar-nos-emos, aqui, à atividade que
mais nos interessa devido ao objeto de nossos comentários: o Núcleo de Do-
cumentação em Línguas Clássicas. Esse projeto foi pensado a partir de duas
observações fundamentais: em primeiro lugar, notamos que, nas bibliotecas e
arquivos brasileiros, há muitos itens biblioteconômicos e arquivísticos escritos
em latim ou grego antigo. Esses documentos abarcam um grande período de
tempo do conhecimento científico ocidental e também da história do Brasil
– como, por exemplo, cartas, leis, decretos etc., que registram, em latim, a
memória do povo brasileiro. Em segundo lugar, verificamos que há, no Brasil,
o crescimento expressivo de pesquisas, publicações, cursos, museus e laborató-
rios sobre Antiguidade, Idade Média, Renascimento e outros temas relaciona-
dos, o que fez com que os cursos de Graduação e Pós-Graduação melhorassem
a estrutura de assessoria, pesquisa e formação de pessoas especializadas. Essas
mudanças deram como resultado a formação de cerca de trinta grupos de
pesquisa sobre Antiguidade, Idade Média e Renascimento somente no estado
do Rio de Janeiro. Muitos desses grupos têm revistas científicas e promovem
congressos, conferências, cursos etc., em que se apresentam professores e alu-
nos, inclusive de outros países, o que mostra o potencial do Brasil para os
estudos sobre Antiguidade, Idade Média e Renascimento. Com isso, houve
também um aumento expressivo da busca por fontes primárias e secundárias
de pesquisa em nossas bibliotecas e arquivos que estão em línguas clássicas.
Nesse mesmo contexto, o Plano Nacional de Recuperação de Obras Raras
(Planor), sediado na Fundação Biblioteca Nacional, vem desenvolvendo um
catálogo online com descrições de obras raras depositadas em várias institui-
ções brasileiras. O intitulado Catálogo do Patrimônio Bibliográfico Nacional
(CPBN) reúne, atualmente, cerca de 235 instituições participantes e contém
mais de 32.667 registros de obras raras, das quais uma parcela significativa se
encontra em latim. Mas a maior dificuldade de se obter e reunir informações
sobre os livros em latim é o fato de que os bibliotecários, em geral, não têm
conhecimento de língua latina.
No Brasil, o latim deixou de ser obrigatório no ensino básico com a Lei
de Diretrizes e Bases (LDB), que reformou a educação em 1961, o que deu
ensejo a que escolas públicas e particulares retirassem a disciplina de seus cur-
rículos. Depois de 1961, houve outra LDB em 1996, a mais recente, que não
alterou a situação do latim no currículo do ensino básico. Isto é, todos os
brasileiros que tenham cursado até o Ensino Médio desconhecem a gramática
latina. Atualmente, o latim é ensinado somente em algumas faculdades de
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1. “A book that gives instruction in a branch of learning”. Todas as traduções neste texto são de
nossa autoria.
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2. Em nosso entender, uma das primeiras distinções a serem feitas sobre a palavra “pragmática”
diz respeito ao seu “valor muito instável, pois permite designar ao mesmo tempo uma subdisci-
plina da linguística, uma certa corrente de estudo do discurso ou, de modo mais amplo, uma certa
concepção de linguagem” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2016, p. 393). Portanto, grafa-
remos a palavra com inicial maiúscula sempre que a empregarmos como substantivo designativo
da referida disciplina.
Anais da Biblioteca Nacional • 140 17
Como vemos, os estudos sobre os atos ilocutórios fizeram com que a Prag-
mática possibilitasse pesquisas interdisciplinares, unindo esforços da linguís-
tica aos de outras disciplinas para o estudo dos usos da linguagem. Outra
contribuição da Pragmática muito útil à concepção e elaboração de nossos
livros didáticos e curso de latim instrumental foi o conceito de contexto –
isto é, tudo o que cerca a enunciação, tanto de natureza linguística (ambiente
verbal) quanto não-linguística (contexto situacional, social, cultural). Comu-
mente, contexto é conceituado de maneira mais específica como a “situação
concreta em que os atos de fala são emitidos, ou proferidos, o lugar, o tempo,
a identidade dos falantes etc., tudo o que é preciso saber para entender e ava-
liar o que é dito” (ARMENGAUD, 2006, p. 13). Tradicionalmente, a rela-
ção entre texto e contexto era pensada com base numa concepção unilateral,
segundo a qual o primeiro elemento do binômio sempre exerce a função de
determinar o segundo. Porém, teóricos mais recentes, como Duranti e Goo-
dwin, na esteira de Van Dijk, buscaram observar o dialogismo entre texto e
contexto, de modo que esse último deixou de ser compreendido como um
delimitador da linguagem, já que também “é ele próprio delimitado por ela.
[…] O contexto não restringe simplesmente a linguagem, mas é também
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4. Teun Van Dijk (1981) entende o texto como complexa unidade pragmática, em que se
articulam vários atos de fala funcionalmente interrelacionados, denominando-o, por isso, de
macroato de fala.
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diretamente: Opĕra & arte mirifĭca viri solertis Johannis Hammau de Landoĭa
(E obras de admirável arte do engenhoso [homem] Johannes Hammau de
Landoia); Ingeniosus vir Johannes Grunĭger (O talentoso [homem] Johann
Grüniger). Por vezes, esses adjetivos encontram-se no superlativo para exaltar
as qualidades do autor da obra, bem ao estilo retórico dos renascentistas –
eruditissĭmus (estudiosíssimo [ou muito estudioso]), litteratissĭmus (cultíssimo
[ou muito culto]), ingeniosissĭmus (talentosíssimo [ou muito talentoso]),
clarissĭmus (famosíssimo [ou muito famoso]), illustrissĭmus (conhecidíssimo
[ou muito conhecido]), dignissĭmus (distintíssimo [ou muito distinto]),
disertissĭmus (eloquentíssimo [ou muito eloquente]): Epigrammăta clarissĭmi
disertissimique viri Thomae Mori (Epigramas do famosíssimo e eloquentíssimo
[ou muito famoso e eloquente] Thomas More).
São muito comuns também adjetivos pátrios antigos e modernos junto
a nomes de autor – Petri Nonĭi Salaciensis opĕra (obras de Pedro Nunes
salaciense [natural de Alcácer do Sal (Portugal), antiga Salácia]), De idololatrĭa
magĭca dissertatĭo, Johannis Filesaci, theolŏgi Parisiensis (Dissertação sobre a
idolatria mágica, de Jean Filesac, teólogo parisiense [natural de Paris]). Outros
exemplos são: Basiliensis (da Basileia), Chilensis (do Chile), Conimbricensis
(de Coimbra), Eborensis (de Évora), Vercellensis (de Vercelli), Peruvianus (do
Peru), Vlyssiponensis (de Lisboa).
Em títulos de obra, são muito recorrentes substantivos em nominativo
singular ou plural que designam o gênero da obra ou seções do livro – articŭlus
(artigo), tractatus (tratado), opus (obra), liber (livro), epistŏla (carta), nota (nota),
commentarĭus (comentário), interpretatĭo/traductĭo (tradução), index (índice),
vocabularĭum (vocabulário), tabŭla (prancha), tabella (tabela), argumentum
(argumento), observatĭo (observação), introductĭo (introdução), praefatĭo
(prefácio), annotatĭo (anotação), catalŏgus (lista), prohemĭum (proêmio), sermo
(discurso), compendĭum (compêndio), dissertatĭo (dissertação), descriptĭo
(descrição), icon/imago (imagem) entre outros.
A esses, podem se vincular:
dos Parísios [nome latino da cidade de Paris, que alude aos parísios, povo
que habitou as margens do rio Sena até a dominação romana]); Mantŭa
Carpetanorum (Mântua dos Carpetanos [nome latino da cidade italiana de
Mantova, situada na antiga região da Carpetania e habitada inicialmente pelos
carpetanos]); Augusta Vindelicorum (Augusta dos Vindélicos [cidade fundada
pelo imperador Augusto na região da Vindelícia, habitada antigamente pelos
vindélicos e onde se situa atualmente a cidade alemã de Augsburg]).
A informação de impressor/livreiro aparecia ao final da obra, nos explicits
dos incunábulos (século XV), mas já nos pós-incunábulos (século XVI)
migrou para a página de rosto, podendo vir repetida ou complementada no
colofão. Em geral, a indicação do impressor é feita por meio de expressões
ex/in + substantivo – a exemplo de officina (oficina), typographĭa (tipografia)
e aedis (casa ou loja) – em ablativo + antropônimo em genitivo:ex officina
Isaaci Elzeviri typogrăphi (da oficina do tipógrafo Isaac Elzevir), in aedĭbus
Antonĭi à Marĭis (na loja de António de Mariz). Registra-se também o uso do
substantivo typus, i (tipo) em ablativo plural sem preposição: typis Gabrielis de
Sancha (com os tipos de Gabriel de Sancha).
Merecem menção expressões com os substantivos bibliopola (livreiro),
typogrăphus (tipógrafo) e impressor (impressor) no acusativo. Esses substantivos
também se constroem com antropônimos e são preposicionados por apud, que
rege o acusativo e significa “em” ou “em casa de”, em acepção mais clássica. No
universo da tipografia, a preposição adquire o sentido de “à venda em casa de,
na loja de”: apud bibliopolam Antonĭum Barneoud (à venda na loja do livreiro
Antoine Barneoud), apud Logdovicum Rotorigĭum typogrăphum (à venda na
loja do tipógrafo Luís Rodrigues); apud impressores Camerales (à venda na loja
dos impressores Camerales).
Verifica-se também o uso do verbo vendĕre (vender) na voz passiva junto a
expressões com apud, com sentido semelhante à voz reflexiva do português,
como já observamos: Itinerarĭum Exstatĭcum Kircherianum, Physĭca Curiosa,
& Technĭca Curiosa, venduntur Francofurti & Norimbergae, apud Johannem
Andrĕam Endterum, & Wolfgangi Juniores Haerĕdes (Vendem-se o Itinerário
Estático, a Física Curiosa e a Técnica curiosa de Kircher em Frankfurt
e Noruega, na loja de Johann Andrea Endter, e dos jovens herdeiros de
Wolfgang). Outros verbos usados para indicar o nome do impressor são
premĕre e seu composto imprimĕre, que costumam aparecer na terceira pessoa
do singular do pretérito perfeito do indicativo – impressit, pressit (imprimiu) –
em colofões e explicits: pressit apud Argentoracos hoc opus ingeniosus vir Johannes
Grunĭge (o talentoso Johann Grüninger imprimiu esta obra em Strasburg);
impressit hoc opus Angĕlus Britannĭcus die IIII Julĭi MCCCCLXXXVII (Angelo
Britannico imprimiu esta obra no dia 4 de julho de 1487); impressit hoc
opus Laurentĭus Hayus (Laurentius Hayus imprimiu esta obra). Registram-
se, ainda, variantes de uso de imprimĕre em que se emprega a voz passiva
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Vercelli), per Petrum Pernam (impresso por Pierre Perna), per Johannem Lufft
(impresso por Johann Lufft).
O local de venda da obra às vezes é informado com o verbo prostare (estar
à venda ou em exposição), em geral na terceira pessoa do plural do presente
do indicativo, porque remete aos exemplares do livro: Prostant Norimberae
apud dictos Endteros ([os exemplares] estão à venda na Noruega, na loja dos
conhecidos Endters); prostantque apud Aegidĭum Elsevirum (e [os exemplares]
estão à venda na loja de Aegidio Elsevier; reliqui omnes prostant Francofurti,
apud Johannem Arnoldum Cholinum, & apud Haeredes Johannis Godefridi
Schönvvetteri (todos os [exemplares] restantes estão à venda em Frankfurt, na
loja de Johann Arnold Cholinus e na loja dos herdeiros de Johann Gottfried
Schonwetter); prostant in via Jacobĕa apud Claudĭum Chevallon sub Sole Aurĕo
et apud Johannem Parvum sub Lilĭo Aurĕo ([os exemplares] estão à venda na
rua Saint Jacques, na loja de Claude Chevallon sob o Sol de Ouro e na loja
de Jean Petit sob o Lírio de Ouro). Registra-se ainda, na indicação do local de
venda da obra, expressões com est venalis (é o vendedor): apud quem est venalis
(à venda na loja de quem é o vendedor).
A indicação de impressor pode ser feita também por meio de
adjetivosderivados de nomes de tipógrafos famosos, como Christophe Plantin
(Plantinianus), Aldo Manuzio (Aldinus), Sébastien Nivelle (Nivellianus),
Henric Fetter (Fetrinus), Chrétien Wechel (Wechelianus), Johann Froben
(Frobenianus), Johann David Zunner (Zunnerianus): ex officina Plantiniana
(da oficina de Plantin), in officina Aldina (na oficina de Aldo), ex officina
Nivelliana (da oficina de Nivelle), ex accuratissĭma officina Frobeniana (da
apuradíssima oficina de Froben). Esses adjetivos verificam-se comumente
quando a imprenta indica que o livro saiu da oficina de um impressor, mas
quem o imprimiu foi outra pessoa, na maioria das vezes seu descendente: ex
officina Frobeniana per Hyeronĭmum Frobenĭum et Nicolaum Episcopĭum (da
oficina de Froben, impresso por Hyeronimus Froben e Nicolaus Episcopio
[filhos de Johann Froben]); ex officina Frobeniana, per Ambrosĭum et Aurelĭum
Frobenĭos, fratres (da oficina de Froben, impresso pelos irmãos Ambrosius e
Aurelius Froben [netos de Johann Froben]). Há casos de livros que não se
encontram à venda na livraria de quem o imprimiu: in officina Wecheliana,
apud Danielem et Davidem Aubrĭos et Clementem Schleichĭum (impresso
na oficina de Whechel, à venda na livraria de Daniel e David Aubri e de
Clemens Schleich); ex officina Plantiniana, apud Franciscum Raphelengĭum (da
oficina de Plantin, à venda na livraria de Frans van Ravelingen); ex officina
Plantiniana, apud Christophŏrum Raphalengĭum (da oficina de Plantin, à
venda na livraria de Christopher van Ravelingen); ex officina Zunneriana,
apud Johannem Adamum Jungĭum (da oficina de Zunner, à venda na livraria
de Johann Adam Jung); ex officina Nivelliana, apud Sebastianum Cramoisy (da
oficina de Nivelle, à venda na livraria de Sébastien Cramoisy).
Anais da Biblioteca Nacional • 140 31
Fonte: o autor.
dia meses
kalendae 1o quaisquer
nonae 5o Januarĭus, Februarĭus, Aprilis, Junĭus, Augustus,
September, November, December
7o Martius, Maius, Julĭus, October
idus 13o Januarĭus, Februarĭus, Aprilis, Junĭus, Augustus,
September, November, December
15o Martius, Maius, Julĭus, October
Fonte: o autor.
Augusti (no dia 14 de Agosto), die 21 mensis Januarĭi (no dia 21 do mês de Ja-
neiro), die XIIII Maĭi (no dia 14 de Maio), die XXIX Julĭi (no dia 29 de Julho).
No que diz respeito à licença de impressão, sabemos que sua concessão, as-
sim como a elaboração de listas de livros proibidos e a fiscalização de livrarias,
bibliotecas e tipografias, era incumbência do Conselho Geral da Inquisição.
A partir de 1575, visitas anuais às tipografias passaram a ser feitas por ordem
do cardeal português D. Henrique I, para coibir a impressão de livros não au-
torizada pelo Conselho Geral da Inquisição. Integravam esse órgão os padres
superiores da Companhia de Jesus (Superiores Societatis Jesu), referidos pelo
adjetivo superĭor, comparativo de superioridade de supĕrus (alto, elevado), que
significa o mais alto ou elevado e, portanto, o superior. A licença de impressão
vem indicada no início ou ao final do livro, por meio de expressões cum ou
ex/e + substantivo – gratĭa, ae (obséquio); permissus, us (permissão), auctorĭtas,
atis (autorização); facultas, atis (permissão); approbatĭo, onis (aprovação) – em
ablativo + inquisitor, oris (inquisidor) em genitivo: cum facultate inquisito-
ris (com a permissão do inquisidor), ex auctoritate inquisitorum (conforme
a autorização dos inquisidores), cum facultate & approbatione inquisitorum
(com a permissão e aprovação dos inquisidores). Comumente, o substantivo
permissus não vem preposicionado: inquisitoris permissu (com a permissão do
inquisidor). Na indicação da licença de impressão das obras raras, é muito
comum o adjetivo superĭor vir em genitivo plural (superiorum): superiorum
permissu (com a permissão dos superiores), ex auctoritate superiorum (confor-
me a autorização dos superiores), cum facultate superiorum (com a permissão
dos superiores). A licença de impressão pode ser expressa ainda por meio dos
verbos imprimĕre (imprimir) ou reimprimĕre (reimprimir), na terceira pessoa
do singular do presente do subjetivo voz passiva (imprimatur, imprima-se;
reimprimatur, reimprima-se). Essas formas verbais são empregadas no sub-
juntivo para que seja registrada a vontade/concessão das autoridades de que se
imprima ou reimprima uma determinada obra.
Por fim, o privilégio de impressão consistia na cessão do direito de
exclusividade para impressores publicarem e comercializarem uma obra
perpetuamente ou por determinado tempo. Essa prática, iniciada na Itália em
1469, retirava a obra de domínio público, proibia sua importação e protegia
os impressores dos concorrentes, impedindo que seus trabalhos fossem
reproduzidos. Em Portugal, o primeiro privilégio de impressão data de 1502
e foi destinado à impressão do Livro de Marco Pólo. A indicação de privilégio
vem no início ou no final do livro, por meio de expressões cum + privilegĭum,
i (privilégio) em ablativo [+ substantivo em genitivo]: por exemplo, cum
privilegĭo (com privilégio), cum privilegĭis (com privilégios), cum privilegĭo
regis (com o privilégio do rei). Há ainda indicações de privilégio detalhando o
tempo de duração por meio da expressão ad annos + numeral (até […] anos):
cum privilegĭo ad annos XV (com privilégio até 15 anos).
Anais da Biblioteca Nacional • 140 35
Referências
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AUSTIN, John Langshaw. How to do things with words. Cambridge: Harvard
University Press, 1962.BRASIL. Governo Federal. Decreto no 19.851, de 11 de abril
de 1931. Dispõe que o ensino superior no Brasil obedecerá, de preferencia, ao systema
universitario, podendo ainda ser ministrado em institutos isolados, e que a organização
technica e administrativa das universidades é instituida no presente Decreto, regendo-
se os institutos isolados pelos respectivos regulamentos, observados os dispositivos
do seguinte Estatuto das Universidades Brasileiras. Disponível em: https://www2.
camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19851-11-abril-1931-505837-
publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 29 jan. 2022.
BRASIL. Governo Federal. Lei no 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas
de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola
média, e dá outras providências. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/
fed/lei/1960-1969/lei-5540-28-novembro-1968-359201-publicacaooriginal-1-pl.
html#:~:text=Fixa%20normas%20de%20organiza%C3%A7%C3%A3o%20
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e,m%C3%A9dia%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20
provid%C3%AAncias.&text=1%C2%BA%20O%20ensino%20superior%20
tem,de%20profissionais%20de%20n%C3%ADvel%20universit%C3%A1rio. Acesso
em: 22 jan 2022.
BRASIL. Ministério da Educação/Conselho Nacional de Educação/Câmara de
Educação Superior. Resolução no 7, de 18 de dezembro de 2018. Estabelece as
Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na
Meta 12.7 da Lei no 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação - PNE
2014-2024 e daí outras providências. Disponível em: <https://www.in.gov.br/materia/-/
asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/5587780>. Acesso em: 29 jan 2022.
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Heineman Educational Press, 1984.
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VAN DIJK, Teun A. Studies in the pragmatic of discourse. The Hague: Mouton, 1981.
Glossário de topônimos latinos do
Brasil em Historia navigationis in
Brasiliam: breves comentários
Abstract
We aim to present the process of elaborating a glossary of Latin toponyms in Brazil, based
on data collected in “Historia navigationis in Brasiliam” (LÉRY, 1586). The construction
of a specific glossary (BORBA, 2003) aims to make easier the work of those who deal
with rare works, researchers and historians who deal with the works or subjects covered
in the lexicon presented with the glossary. We will present the preliminary studies that
are necessary and relevant in the process of elaboration of the proposed glossary with the
data researched in the mentioned work.
Keywords: Latin language. Latin toponyms in Brazil. Jean de Léry. Historia navigationis
in Brasiliam. Fundação Biblioteca Nacional.
Trataremos neste texto de alguns aspectos que envolvem a pesquisa intitu-
lada “Glossário de topônimos latinos do Brasil em Historia navigationis in Bra-
siliam”. A pesquisa vincula-se ao grupo de pesquisa Crítica Textual (CNPq/
FBN) e desdobrou-se a partir das atividades desenvolvidas no projeto de ex-
tensão Núcleo de Documentação em Línguas Clássicas coordenado pelo Prof.
Dr. Fábio Frohwein de Salles Moniz em parceria com a Fundação Biblioteca
Nacional (FBN). Nosso trabalho objetiva auxiliar profissionais, pesquisadores
e demais interessados nos assuntos relacionados à obra, tais como território
brasileiro, Renascimento, representação da cultura ameríndia, língua latina,
entre outros. A proposta apresentada é a de elaboração de um glossário de
topônimos e neologismos latinizados referentes ao território brasileiro presen-
tes na obra do viajante francês Jean de Léry (1536-1613).
A obra referida teve sua primeira publicação em francês com o título de
Histoire d’un Voyage faict en la terre Du Brésil e, posteriormente, no ano de
1586, foi traduzida para o latim com o título de Historia navigationis in Brasi-
liam (HNB), conforme desejo de Jean Léry. O autor veio para o Brasil acom-
panhando um grupo de missionários protestantes que tinha como destino a
Baía de Guanabara; mais precisamente a colônia francesa fundada por Nico-
las Durand de Villegagnon (1510-1571) e mantida com recursos financeiros
enviados por Gaspar de Coligny (1519-1572), almirante francês e líder cal-
vinista. A viagem, que aconteceu no ano de 1556, serviu de repertório para a
narrativa de sua primeira vinda à América (MARIZ; PROVENCAL, 2015).
HNB foi escrita sob as influências de uma relevante fase histórica que se
iniciou no séc. XIV e se prolongou até o séc. XVI na Itália: o Renascimento.
De acordo com Jacob Burckhardt (2009), no homem da Renascença desper-
taram o individualismo, o interesse pela essência do espírito humano e pelas
pesquisas científicas, o que proporcionou, por exemplo, as grandes navegações
que levaram os europeus a descobrirem novos lugares e saberes.
O Renascimento italiano suscitou um interesse pela Antiguidade clássica,
em uma busca por respostas para as questões emergentes da época. Com isso,
o homem da Renascença italiana redescobriu o mundo clássico e o latim pas-
sou a ser a língua franca da elite europeia. As personagens mais conhecidas
dessa época eram os humanistas, os príncipes e os cortesãos. O convívio entre
esses indivíduos se dava, sobretudo, no âmbito da corte renascentista, que,
por sua vez, não se tratava de um lugar propriamente dito, mas, no entender
de Peter Burke, de “um grupo de pessoas”, isto é, da “‘família’ de um sobera-
no ou de qualquer outra pessoa importante” (1991, p. 103). Na maioria das
vezes, a circulação e produção de textos latinos, fora do contexto religioso,
resultaram desse convívio.
A partir de então, o latim clássico passou a ser o modelo usado pelos huma-
nistas que enfatizaram o estilo de escrita e uso de vocábulos de Cícero, célebre
autor clássico. Esses humanistas integravam o grupo dos ciceronianos, que
42 Anais da Biblioteca Nacional • 140
O conflito entre culturas que só podiam afirmar sua incompreensão mútua não
podia ser resolvido apenas por estratégias verbais monolíngues; até mesmo o ne-
olatim – há muito usado para integrar unidades semânticas vernaculares em um
contexto global – nem sempre conseguia lidar com a divisão semântica iniciada
pelo contato com os mundos estrangeiros no Oriente e no Ocidente. (NEO-
-LATIN, 2014, tradução nossa).1
1. “The clash of cultures which could only affirm their mutual incomprehension was not to be resolved
by monolingual verbal strategies alone; even Neo-Latin – long used to integrate vernacular semantic
units into a global context – could not always cope with the semantic divide opened up by the contact
with the foreign worlds in the East and West”.
Anais da Biblioteca Nacional • 140 43
2. Trabalhamos com os dicionários de Barbosa (1951) e Carvalho (1987) para a melhor compre-
ensão dos termos em tupi.
44 Anais da Biblioteca Nacional • 140
Podemos perceber, nos exemplos acima, que uma mesma palavra pode
variar sua forma. Como dissemos, essa característica da língua latina aconte-
ce a depender da função sintática da palavra e número que ela apresenta na
frase ou expressão. No nosso glossário, o termo preferencial dos substantivos
é representado por sua forma de nominativo singular3 “Ouetacas”, seguida
de sua classe gramatical “s” (substantivo) e, por fim, a acepção da palavra. As
entradas remissivas indicam ao leitor o termo preferencial do verbete, “cf.”;
sendo assim, se referem às demais formas latinas. As remissivas também foram
utilizadas quando uma palavra apresenta uma variação ortográfica, como no
exemplo a seguir.
Exemplo 2: As palavras a seguir não variam a forma a depender de sua
função sintática. No entanto, na obra, podemos perceber que elas apresentam
flutuações ortográficas. Representamos essas variantes como entradas remissi-
vas de um termo preferencial.
3. O nominativo é a forma latina da palavra que atribui uma função mais geral ao seu emprego.
Esta forma é empregada, por excelência, na função de sujeito. Nos dicionários de língua latina,
a forma como um substantivo é apresentado na entrada do verbete corresponde ao nominativo.
Anais da Biblioteca Nacional • 140 45
Ressaltamos que nossas escolhas para o glossário latino são pensadas não
apenas para um público-alvo que saiba a língua latina, uma vez que, para
entender um glossário ou dicionário latino, deve-se ter determinado conheci-
mento gramatical sobre a língua para seu devido uso. Como o nosso público-
-alvo é bastante heterogêneo, elaboramos os verbetes do glossário, visando,
sobretudo, a facilitar a leitura de quem não tem conhecimento de língua lati-
na ou o hábito de pesquisar em dicionários latinos.
Com este trabalho, buscamos contribuir para o tratamento e divulgação
de obras raras em latim que narram nossa história e que pertencem ao nosso
patrimônio biblioteconômico. Nossa pesquisa de Iniciação Científica é uma
pequena colaboração para a difusão da importância do acervo de obras raras
da FBN, que guarda livros fundamentais para conhecermos nossa própria
história – como HNB, obra que nos possibilita analisar a visão dos europeus
diante dos ameríndios, de sua cultura e ambiente.4
Referências
BARBOSA, A. Lemos. Pequeno vocabulário tupi-português. Rio de Janeiro: Sao Jose,
1951.
BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália: um ensaio. Trad. Sergio
Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
BURKE, Peter et al. O homem renascentista. Direção de Eugenio Garin. 1. ed. Lisboa:
Presença Editorial, 1991.
CARVALHO, Moacyr Ribeiro de. Dicionário tupi (antigo) português. Salvador: BCB,
1987.
LERY, Jean de. Historia navigationis in Brasiliam: qva describitvr avtoris nauigatio,
quaeque in mari vidit memoriae prodenda: Villagagnonis in America gesta: Brasiliensium
victus & mores, a nostris admodum alieni, cum eorum linguae dialogo: animalia etiam,
arbores, atque herbae, reliquaque singularia & nobis penitus incognita. Geneve: Suiça,
1586.
LERY, Jean de . Histoire d’um Voyage fait em la terre du Brésil. La Rochelle: Antoine
Chuppin, 1578.
MARIZ, Vasco; PROVENCAL, Lucien. Os franceses na Guanabara: Villegagnon e a
França Antártica. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
NEO-LATIN: Character and Development. In: Brill’s Encyclopaedia of the Neo-Latin
World. Brill: Leiden, 2014. p. 21-36.
Abstract
The aim of this article is to present our research “As Heroinae, de Júlio César Escalígero:
seleção e tradução” (“The Heroinae of Juliuis Scaliger: selection and translation”).
The idea of translating this work arose from the fact that it remains unstranslated to
Portuguese. We also sought to contribute to the dissemination of the Fundação Biblioteca
Nacional rare books collection, collaborating with researchers who deal with rare works
in Latin and Renaissance literature. The main source of information of our research is
Julii Caesaris Scaligeri, viri clarissimi, poemata omnia in duas partes divisa (1621), which
can be found in the FBN Rare Books Division. We will also present our translations for
seven poems from the Heroinae.
Keywords: Latin language. Renaissance. Giulio Cesare Scaligero. Heroinae. Fundação
Biblioteca Nacional.
Introdução
O objetivo deste trabalho é apresentar nossa pesquisa de Iniciação Cien-
tífica “As Heroinae, de Júlio César Escalígero, seleção e tradução”. A ideia de
traduzir a referida obra surgiu do nosso interesse em conhecê-la no original e
do fato de que ela se encontra ainda inédita em português. Além disso, buscá-
vamos desenvolver uma pesquisa que pudesse contribuir para a divulgação de
uma obra rara do acervo da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), colaboran-
do com determinados setores da sociedade, a saber, pesquisadores e profissio-
nais que lidam com obras raras em latim e com a literatura do Renascimento.
A principal fonte de informação de nossa pesquisa é Julii Caesaris Scaligeri,
viri clarissimi, poemata omnia in duas partes divisa (1621), que se encontra de-
positada na Divisão de Obras Raras da FBN. Em nossa pesquisa, procedemos
ao estudo sobre o autor, a obra em questão e seu contexto histórico-cultural.
Simultaneamente, procedemos à tradução de sete poemas selecionados das
Heroinae, que apresentaremos ao final deste trabalho. Esta pesquisa vincula-se
ao grupo de pesquisa Crítica Textual (CNPq/FBN) e desdobrou-se do projeto
de extensão Núcleo de Documentação em Línguas Clássicas, realizado em
parceria entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a FBN.
(1531); Sobre os limites do cômico (1539); Treze livros sobre os casos da língua
latina (1540); Dois livros contra os dois livros de Aristóteles sobre as plantas
(1556); e Exercitações públicas acerca da sutileza contra Cardano (1557). Após
sua morte, foram impressos: Seis livros poéticos (1561); Comentários e adver-
tências contra o De causis plantarum de Teofrasto (1566); Sete livros sobre a
sabedoria e a felicidade (1573); Primeiros tomos de miscelâneas acerca das causas
e efeitos das coisas (1570); O livro da história dos animais de Aristóteles, com tra-
dução para o latim e comentários (1584); e, enfim, Epístolas e discursos (1600).
A julgar pelos títulos, podemos notar que Escalígero dedicou-se não somente
a gêneros literários diversificados ‒ poesia, oratória, epístola ‒, bem como a
áreas do conhecimento variadas, como crítica literária, gramática, música,
botânica, zoologia e filosofia, o que vai ao encontro do espírito do intelectual
renascentista, interessado em todos os assuntos que dizem respeito ao ser
humano. Embora Escalígero seja considerado um dos maiores expoentes da
primeira geração de humanistas renascentistas, nenhuma de suas obras foi
ainda traduzida no Brasil, o que confere originalidade e relevância acadêmica
à nossa proposta de pesquisa.
Os poemas cuja tradução apresentaremos ao final deste trabalho integram
a obra Heroinae, uma coletânea de poemas publicada nos Seis livros poéticos
de Escalígero. Em Heroinae, o autor reuniu 107 poemas em dístico elegíaco
com extensão variável entre 4 e 28 versos. Todos esses poemas são intitula-
dos com nomes de personagens mormente femininas que podemos classificar
basicamente em três tipos: personagens históricas antigas, personagens his-
tóricas modernas e personagens mitológicas/lendárias. A título de exemplo,
mencionamos, dentre as inúmeras personagens históricas antigas: Cornélia
Tibério Graco, Cleópatra, Cornélia Túria, Hortênsia, Julia Pompei e Safo. As
personagens históricas modernas ocorrem em menor número e são da época
de Escalígero: Constância Rangonia, Ângela Nogarola, Verônica Gambara,
Laura Schiopa, Cecília Bergamina e Berenica Lodronia. No grupo das per-
sonagens mitológicas ou lendárias, encontramos muitas figuras do imaginá-
rio greco-latino: Níobe, Penélope, Circe, Alcmena, Briseida, Dejanira, Hero,
Lavínia, Manto, Dido, Hécuba, Andrômeda, Polixena, Pentesileia, Hipólita,
Cassandra, Alcíone, Ariadne, Medusa, Alceste, Creusa e Lucrécia.
As Heroinae ilustram, de maneira exemplar, como os autores renascentis-
tas praticavam conscientemente os procedimentos de imitação e emulação
literárias, uma vez que essa coletânea poética mantém estreita ligação com
o modelo ovidiano, embora não sem apresentar inovações. A proposta de
um livro de poemas em dísticos elegíacos inspirados em personagens femini-
nas mitológico-lendárias ou históricas foi também realizada pelo poeta latino
elegíaco Públio Ovídio Naso por meio das Heroides, compilação de 18 epís-
tolas em versos escritas por heroínas a seus amantes, com perspectivas “qua-
se sempre trágicas” (CITRONI, 2006, p. 589) de seus futuros. Além dessas
54 Anais da Biblioteca Nacional • 140
ARIADNA
Dura abitum ex patria miserum cui fata dissent,
In patriam reditum fila dedere mea.
Perfide complexu ex patrio miseram abstrahis ergo:
Vt peream trucibus perdita praeda feris?
Haec ego commerui laeso patre, fratre perempto.
Qui meruisse facit, quid meruisse putes?
Haec merui, at per te. quin seruatrice relicta
Qui scelus his addit, quid meruisse putes?
ARIADNE1
Duros fados obrigaram da pátria o triste exílio
a quem meus fios concederam o retorno à pátria.
Portanto, arrancas, ó pérfido, uma desgraçada ao paterno abraço.
Como eu, exasperada presa, fugirei de bravias feras?
Tudo isto, eu mereci, porque ultrajei meu pai e matei meu irmão.2
Que pena mereceria quem fez por merecer?
Tudo isto, mereci, mas por tua causa. E quem desprezou sua libertadora,
um crime a mais, que pena mereceria?
1. De acordo com Pierre Grimal (2005), Ariadne era filha do rei Minos e de Pasífae. Apaixonou-
-se por Teseu e, por isso, ajudou-o a encontrar o caminho pelo labirinto para matar seu irmão, o
Minotauro, dando-lhe um novelo de fio. Após isso, fugiu com Teseu para escapar da ira de Minos,
mas foi abandonada por seu companheiro na ilha de Naxos. Em seguida, foi encontrada por Baco,
que logo se apaixonou e se casou com ela. Juntos, tiveram quatro filhos: Toas, Estáfilo, Enópion
e Peparetos. Fontes primárias para o estudo de Ariadne: Apollodorus, Epitome, I, 9; Plutarchus,
Theseus, 20; Pausanias, I, 20, 3; X, 29, 4; Catullus, carmen LXIV, 116 e s.; Ovidius, Heroides, X;
Metamorphoses, VIII, 174 e s.; Hyginus, Fabulae, 43; cf. Odyssea, XI, 321 e s.; Propertius, elegia
I, 3, 1 e s., Eratosthenes, Catasterismi, 5. Cf. A Von Salis, Theseus und Ariadne, Festschr. der Arch.
Ges. zu Berlin, 1930; A. M. Marini, Il mito di Arianna..., A. e R., 1932, p. 60-97; 121-142, Ch.
F. Herberger, The Thread of Ariadne, The labyrinth of Calendar of Minos, New York, 1972; R. E.
Eisner, Ariadne in religion and myths, prehistory to 400 BC, bin. Stanford Univ., 1971.
2. Provavelmente, Escalígero emprega aqui o substantivo frater em referência ao Minotauro, filho
bastardo de Pasífae com o touro de Creta. Conforme nota acima, Ariadne ajudou Teseu a matar
o Minotauro e, neste poema, portanto, a personagem feminina sente-se responsável também pela
morte de seu “meio” irmão.
58 Anais da Biblioteca Nacional • 140
BRISEIDA3
Impia fatali turgens insania luctu
Militiam stolida miscet utranque nece.
Pro Graeca moriens mordet Troianus arenam.
Et pro Troiano crimine Graecus obit.
Fas fuerat repeti praedas ex hoste: sed inter
Ciues unanimes bella ciere, quid est?
BRISEIDA
Inchando-se de luto fatal,4 a ímpia insânia
milícias imigas mescla em estúpido morticínio.
Por uma grega,5 um troiano,6 morrendo, morde a areia.
E, por um crime troiano, morreu um grego.7
Permitido fora retormar despojos do inimigo.
Mas, entre cidadãos concordes, o que incitará guerras?
DEIANIRA
Omnis uita tibi8 mortis famulatur honore:
Viuentem contra uiuere nil potuit.
Mortua res perimit, tot pestibus ante peremptis.
Dum non extaret, quod superesset, erat.
Vnum aueo fecisse meum: simul omnia perdo.
Qualis amor docuit, posse necare uirum?
3. De acordo com Pierre Grimal (ibidem), Hipodâmia ou Briseida –̶ designação a partir do nome
de Briseu, seu pai –̶ era casada com Minês, assassinado por Aquiles na Guerra de Troia. Após a
morte de seu marido, Briseida foi tomada por Aquiles com espólio de guerra, tornando-se a es-
crava favorita do guerreiro grego, além de ter sido também amada por ele. Fontes primárias para
estudo de Briseida: Ilíada, I, 318 e II, 688 e ss.; scol., XIX, 291; Quintus Smyrnaeus, III, 522 e s.;
scol. ad Ilíada, I, 392; Eusthatius, ad Homerum, 77, 30; Tzetzez, ad Lycophronem, 345; Anteh., 350
e s,; Pausanias, V, 24, 11; X, 25, 3; Ovidius, Heroides, 3.
4. Provavelmente, Escalígero alude aqui ao luto que Briseida sentiu pela morte de seu marido
Minês, assassinado por Aquiles durante a guerra de Troia.
5. Helena, esposa de Menelau.
6. Heitor, que morreu em combate singular contra Aquiles, tentando proteger Helena.
7. Pátroclo, um dos gregos que lutou na guerra de Troia e foi assassinado por Heitor após se passar
por Aquiles, quando o mesmo se recusou a lutar.
8. Hércules, herói casado com Dejanira.
Anais da Biblioteca Nacional • 140 59
DEJANIRA9
Tua vida inteira escraviza-se por honrosa morte;
a um ser vivo, impossível viver contrariamente.
O peso morto10 aniquila-te, mesmo aniquilados antes tantos flagelos.
Desde que não subsistisse, teria restado o que existia.
Desejo tê-lo tornado unicamente meu: ao mesmo tempo, tudo perco.
Qual amor ensinou que é possível matar um homem?
HERO
Parce Venus uiduam mitis facere alma puellam:
Inque tuo saltem sint tua regna mari.
Posthabita an ne dolens, magno cum crimine poenas
Sumpsisti pelago uindice saeua tuo?
HERO11
Ó alma Vênus, não prives a garota de quem lhe é caro:
E que, ao menos em teu mar, existam teus reinos.
9. Segundo Pierre Grimal (ibidem), Dejanira era filha de Eneu, rei de Cálidon, e de Alteia (alguns
afirmam que ela pode ser filha de Dionísio/Baco). Dejanira era conhecida pela sua destreza nas
artes da guerra. Casou-se com Hércules quando ele, ao descer aos infernos para cumprir um de
seus trabalhos, encontrou Melagro, irmão morto de Dejanira, que ao ver o herói, pediu-lhe que
desposasse sua irmã para mantê-la a salvo. Assim, ao retornar dos infernos, Hércules cumpriu sua
promessa e casou-se com Dejanira (mas não antes de derrotar um outro pretendente da jovem).
Hércules e Dejanira tiveram um filho chamado Hilo. Após algum tempo, o herói apaixonou-se
por Iole. Dejanira, querendo o amor de seu marido de volta, colocou em sua túnica uma droga
que supostamente era um filtro do amor (droga esta que lhe havia sido dada pelo centauro Nesso,
assassinado por Hércules: antes de morrer; Nesso deu a Dejanira a droga produzida com o sangue
envenenado de sua própria ferida, dizendo-lhe que era um filtro do amor). Logo que colocou a
túnica, Hércules começou a pegar fogo, e Dejanira, percebendo o que acabara de fazer, suicidou-
-se. Fontes primárias para o estudo de Dejanira: Apollodorus, I, 8, 1; 3; II, 7, 5 e s.; Hyginus,
Fabulae, 31; 33; 34; 36; 129; 162; 174; 240; 243; scol. ad Apollonium Rhodium, Argonautica, I,
1212; Bacchylides, V, 165 e s.; Ovidius, Metamorphoses, VIII, 532; IX, 5 e s.; Heroides, IX; Anto-
ninus Liberalis, Transformationes, 2; scol. ad Iliada, IX, 584; XXI, 194 (citando um fragmento de
Píndaro), Pausanias, I, 32 5; VI, 19, 9; Servius, ad Virgilium, Aeneis, VIII, 30; Diodorus Siculus,
IV, 34, 1 e s.; Seneca, Hercules Oetaeus.
10. Possível referência ao centauro Nesso, que produziu uma droga com seu sangue antes de mor-
rer assassinado por Hércules. Nesso deu essa droga a Dejanira, dizendo-lhe que era uma poção do
amor. Cf. nota acima.
11. Segundo Pierre Grimal (ibidem), Hero era uma jovem apaixonada por Leandro, que todas as
noites atravessava nadando o estreito que separava Sesto (atual comuna italiana da região do Tren-
tino-Alto Ádige, província de Bolzano), e Abido (atual comuna francesa na região administrativa
da Nova Aquitânia) para ver sua amada. Fontes primárias para o estudo de Hero: Ovídio, Heroides,
XVIII; XIX; Museu, Hero, ed. Ronge, Munique, 1939; Anth., V, 231; 263; IX, 215; 387; Virgílio,
Georgicas, III, 258.
60 Anais da Biblioteca Nacional • 140
LAODAMIA
Hector, ego saeuum non deprecor esse marito
Quippe decet fortem sorte perire sua.
Fata trahunt. cadat ille suis obnoxius ausis.
At nostrae mortis gloria parua tibi est,
Ille potest periisse tuis interritus armis.
Ast ego, quid? dextra tam procul una tua.
LAODÂMIA12
Heitor,13 eu não te demovo das crueldades contra meu marido:
De fato, convém a um bravo morrer por seu próprio destino.
Os fados arrastam. Que ele, fraco, morra devido a sua ousadia.
Mas, para ti, é pouca a glória de nossa morte,
ele ter morrido intrépido às tuas armas.
Então, que posso eu tão longe de tua destra?
PENELOPE
Atrides repetit uario dum funere moecham:
Ah sese moechum fecit habere domi.
Vincere bis Laertiade14 est: qui uiceris hostem,
Hostem victorem nullum habuisse tori.
12. Segundo Pierre Grimal (ibidem), Laodâmia era um nome comum entre várias heroínas, entre
as quais a filha de Belerofonte, que teve um filho com Zeus chamado Sarpédon e morreu jovem,
vítima de uma flecha lançada por Ártemis. A outra era filha de Acasto e mulher de Protesilau
(primeiro grego a morrer em Troia); ela, ao saber da morte de seu marido, pediu aos deuses que
lhe concedessem mais três horas com ele. Passadas essas horas, Laodâmia suicida-se nos braços de
Protesilau. Fontes Primárias para o estudo da Laodâmia: Apollodorus, Bibliotheca, III, 7, 3; Pau-
sanias, I, 39, 2; IX, 5, 13; 8, 6; 9, 5; 10, 3; cf. Herodotus, V, 61.
13. A referência a Heitor aqui se deve provavelmente ao fato de que foi ele que matou o marido de
Laodâmia, Protesilau, o que nos leva a crer que Escalígero trabalha aqui com a segunda Laodâmia
mencionada na nota acima.
14. Notar a monotongação do ditongo -ae (Laertiadae > Laertiade), terminação de genitivo singu-
lar de 1ª. declinação, fenômeno encontradiço em textos medievais e renascentistas.
Anais da Biblioteca Nacional • 140 61
PENÉLOPE15
Enquanto o Atrida16 reclama a adúltera,17 matando abundantemente,
ah! fez o adúltero18 se esconder em casa.
Vencer duas vezes é próprio de um Laercíada19: oh tu que vencerás o inimigo,
que não tens um rival vencedor de teu leito.
SAPPHO
Ales Amor nuper Paphio tener editus antro:
Qua Geniale cauis murmurat aequor aquis:
Visurus iuga Castalidum secreta Sororum,
Marmora praepetibus transuolat alta uiis.
Inde per Aonias deuexis tractibus oras,
Qua leuis aura grauem Lesbis oberrat humum,
Aera Pierium secum pernicibus alis
Pertulit, hinc pennae dat tibi iura suae.
Blandus Amor, mitis tellus, lenissimus aurae
Tractus, dant Sappho dulcia scripta tibi.
15. Segundo Pierre Grimal (ibidem), Penélope era filha de Icário e da náiade Peribeia. Casou-se
com Ulisses, rei de Ítaca, e tornou-se conhecida graças a sua fidelidade conjugal (mesmo que esta
seja refutada) durante os 20 anos em que seu marido esteve longe, lutando na Guerra de Troia.
Quando Ulisses foi convocado para a contenda, Penélope tinha acabado de dar à luz a Telêmaco,
motivo pelo qual o herói grego se fez de louco para não partir; mas ele acabou sendo forçado a ir e
deixou sua casa e sua esposa nas mãos de Mentor, um velho amigo. Depois da partida de Ulisses,
Penélope começou a ser cobiçada por muitos pretendentes (cerca de 129) que continuavam em seu
palácio mesmo após serem rejeitados, gastando sua fortuna. Por mais que Penélope os rejeitasse,
eles continuavam a vir. Por isso, ela elaborou um plano: declarou que escolheria um dos preten-
dentes como marido assim que terminasse de tecer a mortalha de Laertes (pai de Ulisses) - mas,
para que esse dia não chegasse, todas as noites ela desmanchava o trabalho que havia feito durante
o dia. Fontes primárias para o estudo de Penélope: Odisseia, passim; Apollodorus, Bibliotheca, III,
10, 6; 8; Epitome, III, 7; VII, 26 e s., Pausanias, III, 1, 4; 12, 1 e s.; 20, 10 e s.; VIII, 12, 5 e s.;
Servius, in Vergilii carmina commentarii, II, 44; Tzetzez, ad Lycophronem, 772; 792; scol. ad Pinda-
rum, Olympia, IX, 85; Eusthatius, ad Odysseam, I, 344, p. 1472, 7 e s.; scol. ad Euripidem, Orestes,
457; Pherecydes, in scol. a Odisseia, XV, 16; Ovidius, Heroides, I; Plutarchus, Quaestiones Graecae,
48; Aristoteles, Poetica, 25; M. M. Mactoux, Penélope, légende et mythe, Paris, 1975.
16. Menelau, filho de Atreu.
17. Helena, esposa de Menelau, que fugiu com Páris para Troia.
18. Páris, filho de Príamo e irmão de Heitor.
19. Ulisses, filho de Laertes.
62 Anais da Biblioteca Nacional • 140
SAFO20
O alado Amor anunciou-se terno há pouco no antro de Vênus,
como o murmúrio do abundante mar em suas águas profundas;
o Amor, que há de se submeter aos jugos secretos das irmãs Castálides21,
atravessa picos marmóreos elevados por vias aladas.
Daí, através das regiões da Aônia, inclinando-se para baixo,
percorre, como leve brisa, o nobre solo de Lesbos.
Trouxe consigo, nas ágeis asas, uma nuvem da Piéria;
em seguida, concede-te os direitos de sua pena.
Um brando Amor, uma terra tranquila, o sopro muito suave da brisa
concedem-te, Safo, doces escritos.
Referências
BARBOSA, Heloísa Gonçalves. Procedimentos técnicos da tradução: proposta de
recategorização. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Letras, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989.
BASSNETT, Susan. Translation studies. 3. ed. London and New York: Routledge,
2002.
BERMAN, Antoine. A Tradução e a Letra ou o Albergue do Longínquo. Tradução: Marie-
Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan, Andreia Guerini. Rio de Janeiro: 7 Letras,
2007.
BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália: um ensaio. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009.
BURKE, Peter. O cortesão. In: GARIN, Eugenio (dir.). O homem renascentista. Direção
de Eugenio Garin. Lisboa: Presença Editorial, 1991. p. 99-120.
BURKE, Peter. O Renascimento. Tradução: Rita Canas Mendes. 2. edição. Lisboa: Texto
& Grafia, 2014.
CITRONI, Mario et al. Literatura da Roma Antiga. Tradução: Margarida Miranda e
Isaías Hipólito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006.
DUGGAN, Christopher. História concisa da Itália. Tradução: Natalia Petroff. Belo
Horizonte: Edipro, 2016.
20. A poetisa Safo nasceu em Éreso, na costa ocidental de Lesbos, mas viveu em Mitilene; e, du-
rante alguns anos, esteve exilada na Sicília. Era casada com Cercilas, rico comerciante de Andrós e
teve uma filha, abordada em sua poesia com grande afeto. O amor e a homoafetividade são temas
recorrentes na poesia de Safo, e o alto teor de erotismo provocou a censura de suas obras na Idade
Média. Safo é considerada a maior poetisa do gênero lírico na Antiguidade.
21. As irmãs Castálides são as Musas. É provável que Escalígero empregue metapoeticamente essa
referência às Musas, aludindo às convenções temáticas e formais dos gêneros poéticos, isto é, às
regras do gênero literário a que Amor deverá se submeter.
Anais da Biblioteca Nacional • 140 63
Abstract
The aim of this article is to present the research proposal called “Tradução de Speculum
Stultorum, de Nigel de Longchamps”. We decided translating such literary work by
examining the original because we don’t have such text in Portuguese translated directly
from latin and that it remains untranslated to Portuguese. In addition, we wanted to
present a research that could contribute to the development and the dissemination of
a rare work of the FBN (Fundação Biblioteca Nacional) collection, collaborating with
certain sectors of society, namely researchers and professionals who deal with rare works
in Latin and with the literature of the Medievo. Hitherto, in our research, we dedicated
the initial five months to the survey and reading of books and articles about the author,
the literary work in question and its historical-cultural context. Simultaneously, we
translated the first 30 verses, the excerpt of which was selected for this presentation as an
initial sampling of our work.
Keywords: Latin language. Middle Ages. Nigel de Longchamps. Speculum stultorum.
Fundação Biblioteca Nacional.
Introdução
O objetivo deste trabalho é apresentar a proposta da pesquisa Tradução
de Speculum stultorum, de Nigel de Longchamps. A ideia de traduzirmos a
referida obra surgiu de nosso interesse em conhecê-la no original e do fato de
que ela se encontra ainda inédita em português. Além disso, buscávamos de-
senvolver uma pesquisa que pudesse contribuir para a divulgação de uma obra
rara do acervo da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), colaborando com
determinados setores da sociedade ‒ a saber, pesquisadores e profissionais que
lidam com obras raras em latim e com a literatura do Medievo. Até agora, em
nossa pesquisa, dedicamos os cinco meses iniciais ao levantamento e leitura
de livros e artigos sobre o autor, a obra em questão e seu contexto histórico-
-cultural. Simultaneamente, procedemos a uma tradução dos primeiros 30
versos, excerto que foi selecionado para esta apresentação como amostragem
inicial de nosso trabalho. Esta pesquisa vincula-se ao grupo de pesquisa Crí-
tica Textual (CNPq/FBN) e desdobrou-se do projeto de extensão Núcleo de
Documentação em Línguas Clássicas, realizado em parceria entre a Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a FBN.
para o mundo animal, os autores que se apropriam desse recurso estão sinali-
zando o quão reprováveis eles são.
Para Batany (1969, p. 241-252), um dos possíveis papéis que o zoomorfis-
mo desempenha em Speculum stultorum é o de representar a espécie humana
com seu lado animal aflorado, enfatizando a irracionalidade humana em de-
trimento de sua racionalidade (ibidem). Na obra de Nigel, esse ser zoomórfico
é indubitavelmente uma metáfora pejorativa de tudo aquilo que o homem
deve evitar ao máximo. Os conflitos que atormentam Brunellus dizem res-
peito a seres animalizados, pois não é possível (ou, pelo menos, não deveria
ser) relacioná-los ao homem. Nessa ótica, o mundo animal é entendido como
o ambiente característico de embates e o mundo humano, como o espaço da
racionalidade. Em outras palavras, as personagens de animais de Speculum
stultorum simbolizam a fragmentação do homem, que ora se mostra racio-
nal, ora irracional. Dessa forma, a irracionalidade do homem é explorada por
Nigel de modo que o leitor conclua que ela não é algo louvável. A atribuição
de comportamentos humanos a animais serve ao propósito de desumanizar o
homem, elevando essa desumanização e bizarrice fantasiosa ao mais alto grau,
a fim de repudiar fortemente esses aspectos condenados.
Batany (idem, p. 256-257) entende ainda o zoomorfismo de Nigel como
meio de empregar a derrisão para criticar não só o homem em abstrato, mas
zombar de determinadas personalidades da época que, com sua selvageria bes-
tial, ameaçavam a sociedade com o risco da guerra (ibidem). Sendo assim,
as personagens de Speculum stultorum trazem em si traços comportamentais
comumente atribuídas a seres humanos, por mais que elas sejam animais.
É como se o autor quisesse que os leitores entendessem o enredo como um
autorretrato da sociedade na qual eles estavam inseridos e que questionassem
a si mesmos quanto aos papeis que encenam cotidianamente. Para Batany
(ibidem), Niguel objetiva, em última instância, levar os leitores a uma refle-
xão sobre suas próprias atitudes (ibidem). Dessa forma, Speculum stultorum
apresenta uma trama em se relativiza a interrelação entre natureza e cultura na
sociedade da época.
Para concluirmos, apresentaremos a seguir um excerto extraído do início
de Speculum stultorum acompanhado por uma proposta inicial de tradução,
a fim de detalharmos o argumento da obra. Trata-se da passagem em que o
protagonista Brunellus inicia sua jornada para alongar a cauda e tem suas pre-
tensões frustradas pela personagem Galienus.
Referências
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Philadelphia: University of Pennsylvania Press (Middle Ages), 1993.
Os Rudimenta grammatices,
de Nicolò Perotti
Abstract
This article aims to explore the Latin nominal system in the Rudimenta Grammatices, by
Nicolò Perotti (Rome, 1475), in order to reflect on Latin teaching in Italian Renaissance
and to restore linguistic ideas included in this compendium. For this purpose, we
compare Perotti’s nomenclature with that employed by Servius, Priscianus and Donatus,
Late Antiquity authors whose works were used to teach Latin during Middle Ages. Then,
we will propose a short discussion about points of rupture and continuity between the
Latin taught in the Middle Ages and in the Renaissance.
Keywords: Latin language. Renaissance. Nicolò Perotti. Rudimenta Grammatices. Fun-
dação Biblioteca Nacional.
Este artigo surgiu a partir da pesquisa de Iniciação Científica “(Des)con-
tinuidades na tradição gramatical do sistema nominal latino: os Rudimenta
grammatices de Nicolò Perotti”, desenvolvida desde 2017 sob a orientação do
prof. dr. Fábio Frohwein de Salles Moniz e vinculada ao grupo de pesquisa
Crítica Textual (CNPq/FBN). A pesquisa tem por objetivo comparar alguns
dos chamados Rudimenta grammaticae/grammatices produzidos e utilizados
durante os séculos XV e XVI, que compreendem parte do Renascimento, a
fim de mapear e estudar noções linguísticas e gramaticais vigentes naquela
época. Tal pesquisa originou-se, por sua vez, do contato com o projeto de
extensão “Os clássicos no Acervo de Obras Raras da Fundação Biblioteca Na-
cional (FBN)” e desenvolveu-se ao longo da realização do projeto de extensão
Núcleo de Documentação em Línguas Clássicas, também coordenado por Fá-
bio Frohwein de Salles Moniz. Em ambos os projetos, prestamos serviços para
a Divisão de Obras Raras (Diora) da FBN no sentido de ajudar na catalogação
correta das obras em latim do referido acervo.
Este trabalho é interessante tanto para a instituição de guarda dessas obras
quanto para os estudantes que integram o projeto. Enquanto os bibliotecá-
rios conseguem mais eficácia e rigor na catalogação das obras ‒ visto que, ao
compreender as informações ali contidas, conseguem obter informações cru-
ciais, como data de publicação da obra, nome do autor, impressor, licença de
impressão etc. ‒ os estudantes de Latim conseguem perceber, concretamente,
que o idioma dos antigos romanos foi utilizado por muitos séculos e, como
toda língua viva, passou por mudanças através do tempo. Além disso, após o
surgimento dos romances e, por conseguinte, das línguas neolatinas, o latim
foi usado como língua de cultura, de transmissão e divulgação do conheci-
mento científico. Nesse sentido, os referidos projetos de extensão possibilitam
que o estudante tenha uma visão holística dos usos do latim, já que na gradua-
ção em Letras, por exemplo, aborda-se, por questões de tempo, principalmen-
te, o latim clássico do primeiro século antes da era cristã.
A partir do contato com as obras da Diora, podemos conhecer vários as-
suntos abordados em latim, tais como Matemática, Filosofia, Literatura, His-
tória, Gramática etc. Uma obra em particular chamou atenção: os Rudimenta
grammatices, de Nicolò Perotti (Sassoferato, 1429 ‒ Sassoferato, 1480). Pri-
meiramente, porque era uma obra sobre a gramática do latim, assunto que
sempre nos interessou; depois, por causa da época em que a gramática foi
escrita, o Renascimento italiano, período em que o latim já não era mais uma
língua vernacular. Então, a curiosidade de saber como o latim era ensinado
como língua não-materna nos levou a conhecer melhor a referida obra. Fo-
lheando o compêndio, a primeira peculiaridade que notamos foi a nomen-
clatura utilizada para apresentar a língua, iniciando pelo sistema nominal;
aquela nomenclatura era bastante diferente da que aprendemos na faculdade,
em manuais de gramática latina contemporâneos. Por exemplo, aprendemos
76 Anais da Biblioteca Nacional • 140
Que vós cedais espaço, agora, deixando a prolixidade rebuscada de Prisciano, Sér-
vio e Donato, para experimentar, de igual modo, uma obra muito clara e nova de
Nicolò Perotti, Arcebispo de Siponto. Nela, pois, há toda suavidade e leveza. Com
efeito, como parece bem a Quintiliano e também aos mais velhos, a gramática é
interessante aqui. Toda útil. Toda clara. A concisão se deveu tanto quanto, verda-
deiramente, a suprimir coisas supérfluas; não omitir as coisas necessárias, de fato
convenientes.2 (PEROTTI, 1475, p. [1]).
O autor apresenta sua obra como uma alternativa mais clara e didática
do que os compêndios existentes e dedica-a ao seu sobrinho Pyrrho e aos
“adolescentes de bem que têm preocupação com o maior aprofundamento de
gramática com o propósito de excelência”.3 A partir dessas informações, po-
demos situar a obra como um manual para jovens já alfabetizados, que talvez
estivessem saindo do quadrivium4 e iniciando seus estudos mais aprofundados
no trivium.5 Ainda no prefácio, há uma menção negativa a Prisciano, Sérvio e
Donato, grandes gramáticos da Antiguidade Tardia e do Medievo.
É interessante notar que a crítica a esses gramáticos foi feita no período
denominado Renascimento, em que comumente se aprende que há uma rup-
tura com os ideais da Idade Média e um retorno à Antiguidade clássica (BUR-
CKHARDT, 2009). Dessa forma, foi necessário estudar um pouco sobre esse
período para entender a motivação de tal crítica. O primeiro ponto que deve
ser considerado é a questão da ruptura com a Idade Média e o retorno à Anti-
guidade. Se olharmos mais atentamente, veremos que muitos dos costumes da
Antiguidade continuaram a existir na Idade Média, principalmente no que diz
respeito ao ensino e à gramática de latim. Segundo Peter Burke (2014), “como
outros filhos que se rebelam contra a geração dos pais, estes homens deviam
mais do que julgavam à ‘Idade Média’ que tão frequentemente denunciavam”
2. Vt jam Prisciani Servii et Donati molesta prolixitate relicta ad praeclarissimum opus et nouellum
Nicolai Peroti Archiepiscopi Sypontini degustandum pariter concedatis. In eo enim omnis suauitas
atque jocunditas. Siquidem ut placet Quintiliano etiam senibus jocunda est grammatice hic omnis
utilitas. Omnis claritas. Breuitas vero tanta quanta debuit superflua tollere et resecare. Necessaria uero
commoda non omittere. Hic breui poteritis ad summum grammatices euadere.
3. [V]osque omnes ingenui adolescentes quibus grammatices exquisitissime cura est tanquam de specula.
(Idem, ibidem).
4. O quadrivium era o primeiro passo da educação formal tanto na Antiguidade, quanto na Ida-
de Média e no Renascimento; corresponderia ao Ensino Fundamental contemporâneo (BLACK,
2003).
5. O trivium, por sua vez, corresponderia, grosso modo, ao Ensino Médio contemporâneo; era o
último passo da educação formal antes da universidade (que, convém lembrar, só surgiu no século
XII) (Id., Ibid.).
78 Anais da Biblioteca Nacional • 140
Referências
BLACK, Robert. Humanism and education in Medieval and Renaissance Italy.
Cambridge: Cambridge, 2003.
BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento da Itália. Tradução de Sérgio
Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
BURKE, Peter. O que é a corte? In: GARIN, Eugenio (Org.). O homem renascentista.
Lisboa: Editorial Presença, 1991.
BURKE, Peter. O Renascimento. 2. ed. Lisboa: Texto & Grafia, 2014.
Anais da Biblioteca Nacional • 140 81
Abstract
This presentation aims to show the proposal of the recently started Scientific Initiation
research “Edição comentada da correspondência entre Paolo Manuzio e Marc Antoine
Muret”. The research was based on the reconstitution of the epistolary dialogue between
Paolo Manuzio (1512-1574) and Marc Antoine Muret (1526-1585), which has great
importance for researchers who deal with rare books in Latin and with the history of
the book and the typography. Our sources of information for the recomposition of this
epistolary dialogue are: 1) Paulli Manutii epistolarum livri XII [...], (Pavia, 1589) and
2) Marci Antonii Mureti [...] orationes, epistolae, hymnique sacri [...], (Verona, 1592).
Copies of these works are deposited in the Fundação Biblioteca Nacional collection.
Keywords: Latin language. Letters. Paolo Manuzio. Marc Antoine Muret. Fundação
Biblioteca Nacional.
Este trabalho objetiva apresentar a proposta da recém-iniciada pesquisa
“Edição comentada da correspondência entre Paolo Manuzio e Marc An-
toine Muret”. A pesquisa partiu do pressuposto de que a reconstituição do
diálogo epistolar entre o impressor italiano Paolo Manuzio (1512-1574) e o
humanista francês Marc Antoine Muret (1526-1585), duas personalidades
representativas do humanismo renascentista, é de suma importância para um
determinado setor da sociedade, a saber, pesquisadores e profissionais que
lidam com obras raras em latim e com a história do livro ou da tipografia.
Em sua fase inicial, a pesquisa procedeu ao levantamento de obras raras que
contenham as correspondências ativa e passiva de Manuzio e Muret. Na se-
quência, buscaram-se as principais referências bibliográficas sobre os autores
e seu período histórico-cultural, o Renascimento italiano. As fontes de infor-
mação que utilizaremos para recompor o diálogo epistolar entre os missivistas
são: 1) Paulli Manutii epistolarum libri XII [...], impressos em Pavia (Itália)
em 1589; e 2) Marci Antonii Mureti [...] orationes, epistolae, hymnique sacri
[...], impressas em Verona (Itália) em 1592. Exemplares das referidas obras
encontram-se depositados no acervo da Divisão de Obras Raras da Fundação
Biblioteca Nacional (FBN). Esta pesquisa vincula-se ao grupo de pesquisa
Crítica Textual (CNPq/FBN) e desdobrou-se do projeto de extensão Núcleo
de Documentação em Línguas Clássicas, realizado em parceria entre a Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro e a FBN.
Paolo Manuzio e Marc Antoine Muret acompanharam de perto um dos
momentos culturais mais importantes para a história da Europa, o Renas-
cimento. Segundo Jacob Burckhardt, esse momento histórico-cultural deve
ser entendido à luz de dois conceitos-chave: individualismo e modernidade
(BURCKHARDT, 2009, p. 145-176). Para o historiador, foi na Renascença
italiana que o homem começou a se entender como indivíduo, o que possibi-
litou o advento de um movimento singular nas artes e nas letras, que marcou
uma profunda ruptura com a Idade de Média e se caracterizou, essencialmen-
te, pela busca de modelos tomados da Antiguidade clássica. Historiadores
mais recentes, como Peter Burke, recusam a ideia de que o homem do Renas-
cimento rompeu, abruptamente, com padrões comportamentais e culturais
do Medievo, preferindo trabalhar com as noções de continuidade e hibridis-
mo culturais aplicados ao entendimento da sociedade renascentista (BURKE,
2014, p. 7-16).
Um fator do Renascimento que muito interessa para esta pesquisa é a in-
venção da imprensa de tipos móveis que, inicialmente, esteve muito associada
à impressão de obras clássicas, desdobramento do interesse humanístico pela
Antiguidade greco-latina. Os humanistas renascentistas, por meio de suas au-
las e conferências em várias universidades da Europa, difundiram o conheci-
mento acerca dos autores antigos e contribuíram para a formação e expansão
de um público leitor de clássicos e, consequentemente, de uma demanda por
86 Anais da Biblioteca Nacional • 140
Referências
BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália: um ensaio. Tradução de
Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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Dissertação (Graduação em Letras Modernas) – Annali della Facoltà di Lettere e
Filosofia dell’Università degli Studi di Milano, Milão, 2008.
Segurança patrimonial em bibliotecas
universitárias: relato de experiência
no Sistema de Bibliotecas da
Universidade Federal de Minas Gerais
Abstract
This paper presents the experiences of theft and suspicious activities regarding the ancient,
rare, and special collections in the Library System of Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Initially, it mentions the regulatory moments, specific to Brazilian
law, about cultural heritage linked to commerce and asset security, broadcasted by the
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Afterward, it details the
situation experienced in the UFMG libraries in the situation of book theft, as well as
the following legal steps until the asset is returned to the University. It highlights the
institutional investment to secure the infrastructure, human resources, and research for
the preservation and access of UFMG’s special collections, with special attention given
to Risk Management as an available tool to support the safety of institutional archives.
The text closes with reflections on institutional and professional awareness in favor of the
safety of special collections and the importance of transdisciplinarity to overcome the
challenges presented by the safety of heritage bibliographic collections.
Keywords: University library – Universidade Federal de Minas Gerais. Rare books.
Theft. Safety.
Introdução
A história das bibliotecas universitárias no Brasil é também a história do
ensino superior no país. A constituição de universidades e suas bibliotecas
em todo o território nacional, respeitados os contextos históricos, políticos,
econômicos e culturais, é semelhante em todo solo brasileiro. Ao refletirmos
sobre as histórias das formações de coleções especiais nessas bibliotecas uni-
versitárias, também podemos identificar uma série de semelhanças. Dentre
elas, a reunião de acervos antigos para guarda especial, as formações de co-
leções bibliográficas da memória institucional, as coleções especiais oriundas
de doações de professores, intelectuais, bibliófilos e políticos que se relacio-
nam com a instituição que recebe a doação. No cenário de possibilidades de
conceituação das coleções especiais em bibliotecas universitárias brasileiras,
um dos desafios sempre presente é a segurança dos documentos patrimoniais
resguardados pela instituição.
Ao lermos o livro A arte de furtar (1652) (COSTA, 2001), é possível
identificar brevemente uma gama de tipologias de furtos e as modalidades
e situações que ensejam o crime, todos eles entrelaçando dinâmicas da vida
cotidiana, nas teias sociais, comerciais, políticas e culturais da sociedade. Sem
querer entrar nas questões históricas associadas a essa publicação da literatura
portuguesa, convocamos a obra para exemplificar as diversas manifestações
do furto, cientes de que essa prática permeia a sociedade há séculos. A arte de
furtar, desse modo, para nós, configura-se em um texto que poderia ser lido e
relido por profissionais da informação, sobretudo bibliotecários, em tempos
de ameaças visíveis e, até mesmo, invisíveis de furtos e do comércio ilícito de
nossa herança bibliográfica.
Como ponto de partida, citamos instantes específicos da legislação brasi-
leira sobre o patrimônio cultural relacionada ao comércio e segurança de bens.
Em seguida, apresentamos, rapidamente, a constituição de parte das coleções
especiais do Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal de Minas Gerais
(SB-UFMG), apontamos questões relacionadas a furtos de livros nos acervos,
em períodos e situações distintas. Intercalamos esses “momentos críticos” com
as soluções encontradas para lidar com aquelas situações, fazendo considera-
ções analíticas sobre as práticas de segurança adotadas desde a década de 1990
no SB-UFMG. Por fim, apontamos perspectivas e desafios vivenciados para
a proteção do patrimônio bibliográfico resguardado pela instituição. Assim,
nossos olhares buscam soluções para a segurança de acervos e nos impulsio-
nam para apresentarmos e refletir sobre casos relacionados às coleções espe-
ciais das unidades acadêmicas da UFMG e às coleções especiais alocadas no
prédio da Biblioteca Central da Universidade.
94 Anais da Biblioteca Nacional • 140
um cadastro nacional via web que tem por objetivo disponibilizar em um só lugar
o cadastro de comerciantes e agentes de leilão que negociam objetos de antigui-
dade, obras de arte de qualquer natureza, manuscritos e livros antigos ou raros.
É um instrumento que auxilia o IPHAN a desenvolver a política de prevenção à
lavagem de dinheiro por meio de obras de arte (conforme Lei no 9.613/1998 e
Portaria IPHAN no 396/2016) e também a conhecer os objetos de valor histórico
e artístico que são comercializados no país, o que colabora para identificar os que
são passíveis de reconhecimento como patrimônio histórico e artístico nacional
(conforme Decreto-lei no 25/1937 e Instrução Normativa no 01/2007). (CADAS-
TRO, 2018).
1. Texto reelaborado a partir de palestra proferida por Diná Marques Pereira Araújo no “Encontro
sobre Segurança de Acervos Raros e Especiais”, que teve lugar na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo em 24 de outubro de 2017.
96 Anais da Biblioteca Nacional • 140
pela reunião de quatro escolas de nível superior. A mais antiga delas é a Faculdade
de Direito, fundada em 1892, em Ouro Preto, e transferida para a nova capital
Belo Horizonte em 1898. As outras três são a Escola de Odontologia, criada em
1907, a Faculdade de Medicina, em 1911, e a Escola de Engenharia, também de
1911. No mesmo ano, o curso de Farmácia é incorporado à Escola de Odontolo-
gia. (CASTRO, 2007).
Incidentes críticos
Na década seguinte, a de 1990, um “pesquisador” silenciosamente inicia
seu contato semanal com profissionais das bibliotecas, requisitando material
nas coleções especiais das unidades acadêmicas. Ele se identifica como “bi-
bliófilo” e pesquisador de livros raros. Gentil e seguidor das normas de uso e
acesso indicadas pelas bibliotecas, ele conquista a confiança das equipes. Com
o passar dos meses, ele passou a fiar-se na confiança que conquistou e a equipe
“confiava que podia confiar”. Rotinas sutilmente reveladas, hábitos de acesso
pouco cerimoniosos, locais de guarda lentamente mapeados: por dias, sema-
nas e meses, esse foi o foco do dito pesquisador-bibliófilo.
Na primeira década dos anos 2000, livros da UFMG começam a ser co-
mercializados entre livreiros de Belo Horizonte que, talvez preocupados com
as sanções oriundas do controle de venda de livros antigos, denunciaram que
havia um fluxo sui generis de livros com marcas de proveniência do acervo bi-
bliográfico da UFMG e de outras bibliotecas da cidade. As autoridades com-
petentes iniciam as buscas, e o “colecionador” fiel e confiante publiciza o fruto
do seu “labor”: em sua casa havia uma quantidade significativa de livros de
bibliotecas com acervos patrimoniais de Minas Gerais.
Vejamos trechos de uma reportagem na qual se veicula entrevista feita com
o então diretor da Biblioteca Universitária / Sistema de Bibliotecas da UFMG:
A ação que requereu a condenação do rapaz pela prática dos crimes de furto e fal-
sidade ideológica foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF). Em primei-
ra instância, o caso foi analisado pela 4a Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais,
que condenou o réu a pena de um ano e oito meses de reclusão e 10 dias-multa
pelo crime de furto, absolvendo-o dos demais.
O Ministério Público e o réu recorreram ao TRF da 1a Região. O MPF requereu a
revisão da sentença para que o réu também fosse condenado pela prática do delito
de deterioração de bem integrante do patrimônio cultural com a aplicação da
circunstância agravante prevista no artigo 61, II, b, do Código Penal (ter o agente
cometido o crime para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunida-
de ou vantagem de outro crime).
O condenado, por sua vez, argumentou em sua defesa a atipicidade da conduta
em relação ao delito de furto, sob o argumento de que, para se configurar o refe-
rido tipo penal, além do dolo – vontade de agente de subtrair coisa alheia móvel
–, exige o elemento subjetivo do tipo específico, qual seja, a posse do bem, para
si ou para outrem, de forma definitiva, pelo que requer a desclassificação para o
delito de furto de uso.
Ele alegou também que todos os bens materiais, como os livros, possuem valores
quantitativos, ‘sendo infundada a atribuição de valor inestimável, fazendo-se ne-
cessária a aplicação do princípio da insignificância’.
Com relação ao pedido feito pelo MPF, a Turma sustentou que decorreram mais
de oito anos entre o recebimento da denúncia e o tempo presente, razão pela qual
houve prescrição da pretensão punitiva. Sobre os argumentos apresentados pelo
réu, a Turma esclareceu que, no caso em questão, ‘descabe falar em furto de uso
em virtude da grande quantidade de livros apreendidos em poder do acusado e da
comprovação de diversos danos nos volumes com o intuito de impedir ou dificul-
tar a identificação da origem das obras’.
A Turma também descartou a aplicação do princípio da insignificância, conforme
requereu o acusado. ‘O princípio da insignificância não incide quando é furtada
uma grande quantidade de livros antigos, raros e de inestimável valor histórico-
-cultural’, diz a decisão. (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO,
2015).
não era comum para o acesso aos livros raros do setor. Ao serem abordados
por servidores do setor, apenas um deles apresentou a ficha de atendimento.
Ele não quis conversar, não respondeu a perguntas sobre o livro. Eles apenas
se entreolharam, calados.
Novamente, precisamos identificar fragilidades. Após esse novo incidente,
modificamos rotinas da Divisão com anuência da Diretoria do SB-UFMG:
delimitamos responsabilidades patrimoniais no organograma de servidores do
setor; avisamos sobre os riscos para as coleções especiais nos campi UFMG;
instalamos e ampliamos o parque tecnológico de segurança (câmaras, alarmes,
sensores de presença); ampliamos as restrições de acesso físico e obrigatorie-
dade do acesso digital.
Quais foram, enfim, as fragilidades identificadas? Quais rumos precisam
ser tomados? Depender completamente das tecnologias não nos parecia ser o
caminho mais adequado. Novas perspectivas foram, feliz e necessariamente,
desenhadas:
O plano de ação que foi implantado a partir dessas experiências teve tam-
bém como referência o Guidelines regarding security and theft in special collec-
tions (revisão de 2017) da American Library Association (Association of College
and Research Libraries – Rare Books and Manuscripts Section); Galbraith &
Smith (2012), Berger (2014), além de manuais e orientações publicadas por
instituições brasileiras como Fundação Biblioteca Nacional – Biblioteca Na-
cional: plano de gerenciamento de riscos: salvaguarda & emergência (SPINELLI;
PEDERSOLI JR., c2010) – e Museu de Astronomia e Ciências Afins – Polí-
tica de Preservação de Acervos Institucionais (MUSEU DE ASTRONOMIA E
CIÊNCIAS AFINS, 1995).
Anais da Biblioteca Nacional • 140 101
Referências
AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION. Guidelines regarding security and theft in
special collections. Association of College and Research Libraries. Rare Books and
Manuscripts Section, 2017. Disponível em: rbms.info/committees. Acesso em: 30 jun.
2018.
102 Anais da Biblioteca Nacional • 140
Bruno Brasil
Jornalista com especialização em Comunicação e Imagem pela PUC-Rio, é técnico em
documentação e curador de acervo na FBN, onde pesquisa a história da imprensa brasileira
Resumo
Fruto de pesquisa realizada entre 2006 e 2010, este artigo procura descrever e contextua-
lizar um tipo de imprensa periódica que circulou no Brasil durante o período autoritário
que assolou o país entre 1964 e 1985: a imprensa de oposição ao regime militar, a miúdo
dita “nanica” tanto por sua precariedade quanto por seus contornos de insolência infan-
til. Para tanto, apresenta os processos de concepção, evolução, subdivisão e derrocada
do gênero, citando casos específicos de publicações de maior ou menor vulto no cenário
da resistência intelectual e ideológica ao status quo de seu tempo. Adicionalmente, este
trabalho apresenta uma lista suscintamente descritiva de 446 títulos de jornais e revistas
da imprensa de resistência à ditadura militar presentes no acervo da Coordenadoria de
Publicações Seriadas da Fundação Biblioteca Nacional – de um total de cerca de 1.132
periódicos do mesmo tipo que, calcula-se, tenha existido durante os chamados “anos de
chumbo”.
Palavras-chave: Ditadura militar brasileira. Imprensa de resistência. Censura e repressão
estatal. Liberdade de imprensa.
Abstract
Product of research carried out between 2006 and 2010, this article seeks to describe and
contextualize a kind of periodical press that circulated in Brazil during the authoritarian
period that devastated the country between 1964 and 1985: the free press in opposition
to the military regime, often called “nanica” (“brat” press) both for its precariousness
and for its contours of childish insolence. For this purpose, it presents the processes
of conception, evolution, subdivision and overthrow of the genre, citing specific cases
of publications of greater or lesser importance in the intellectual and ideological scene
of resistance to the status quo of its time. Additionally, this work presents a succinctly
descriptive list of 446 titles of newspapers and magazines of the resistance to the military
dictatorship present in the collection of the Serial Publications Coordination of the
Brazilian Fundação Biblioteca Nacional – from a total of about 1.132 periodicals of the
same kind that, as we estimate, existed during the so-called Brazilian “lead-years”.
Keywords: Brazilian military dictatorship. Free press. Censorship and state repression.
Freedom of press.
Era uma manhã ensolarada de novembro de 1975. Num sobrado no bairro
paulistano do Bixiga, Mylton Severiano, Palmério Dória e Hamilton Almeida
Filho estavam prestes a fechar mais uma edição do jornal Ex-. Até o momento
em que dois agentes da Polícia Federal entraram na casa, o trio não imaginava
que o material com o qual trabalhavam, na verdade, nunca circularia. Os po-
liciais anunciaram que, daquele momento em diante, se o jornal continuasse
a circular, seria sob censura prévia, algo impensável para os editores de Ex-.
Também disseram que seria apreendida a edição especial Extra – o melhor do
Ex- e que os responsáveis pelo periódico, Mylton e Hamilton, deveriam com-
parecer à sede da Polícia Federal, na rua Xavier de Toledo, no centro de São
Paulo, para prestarem esclarecimentos.
Era tácito que a visita dos policiais se devia ao que tinha sido publicado no
número 16 de Ex-: a notícia, em primeira mão, e uma reportagem profunda
sobre o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nos porões da ditadura civil-
-militar no Brasil (1964-1985). Um “furo”, já que o assunto passou em bran-
co pelo restante da imprensa brasileira. Quando publicado, o número esgotou
sua tiragem inicial, de 30 mil exemplares, e também a segunda, de 20 mil. Em
contrapartida, os raros anunciantes do jornal, por medo, passaram a cancelar
seus anúncios, ao passo que leitores começaram a suspender suas assinaturas.
O ano de 1976 já havia se iniciado quando, numa tarde nublada, Mylton
Severiano e Hamilton Almeida Filho compareceram à Polícia Federal. Entre
alguns impropérios, ouviram certo coronel Barreto dizer: “Olhem, ou vocês
param com isso, ou eu não respondo mais pela integridade física de vocês”.
O exemplo havia sido dado justamente com Herzog. E, assim, Ex- deixou de
ser publicado.
Trinta anos mais tarde a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
(Abraji) incluiria a reportagem de Ex- sobre o assassinato no livro 10 reporta-
gens que abalaram a ditadura, onde o jornal era o único da “imprensa nanica1”
e figurava ao lado de periódicos da chamada “grande imprensa”.
Ser um veículo assim, independente e inconformado, tinha um preço: Ex-
tinha distribuição pouco eficiente, muitas vezes dependente da venda de mão
em mão. Os almoços de sua equipe normalmente eram sanduíches de mor-
tadela no restaurante mais próximo e o telefone de sua redação era o orelhão
da esquina. Cada um dos jornalistas tinha uma quantidade limitada de fichas
para telefonar – a não ser que o administrador do jornal acertasse no jóquei,
ocasião em que liberava mais algum dinheiro (NITRINI; SEVERIANO;
CHIODI, 2010).
1. O apelido decorria do formato pequeno adotado pela maioria das publicações similares, à preca-
riedade de seus modelos de produção e à “insolência infantil” de suas pautas e propostas editoriais,
habitualmente dispostas a tocar nas feridas do regime.
106 Anais da Biblioteca Nacional • 140
(Nobres, sem data), O Beco (São João del-Rei, 1976), Boletim Cultural (Rio de
Janeiro, 1972), Conclave (João Pessoa, 1979) e Carta Geral (Manaus, 1980)
–, até propostas estéticas de vanguarda, verdadeiras ousadias editoriais válidas
tanto para o plano visual quanto para o escrito – como em Bondinho (São
Paulo, 1971), Tribo (Brasília, 1972), Corpo Extranho (São Paulo, 1976), Poesia
Livre (Ouro Preto, 1977), Boca do Inferno (Salvador, 1976)2 e o próprio Ex-.
Anne-Marie Smith traz uma importante reflexão nesse sentido:
3. Segundo Kucinski (2000), algumas das contribuições de Duarte Lago Brasil Pacheco podem ser
vistas nos textos assinados pelo seu pseudônimo, Eduardo Neto.
Anais da Biblioteca Nacional • 140 111
da Ação Popular (AP), que era responsável por conduzir secretamente a linha
política e ideológica daquela folha (idem, p. 21).
Além das contradições, cabe ressaltar que, seguindo a lógica das distintas
fases tratadas por Kucinski e os apontamentos de Anne-Marie Smith, a im-
prensa de resistência durante o regime foi ampla e diversa, e estabeleceu rela-
ções complexas com instituições, movimentos e políticas pré e pós-ditadura
civil-militar. Suas muitas facetas, imbricadas conforme os desejos de experi-
mentação e contestação de seus responsáveis, tornaram sua caracterização um
exercício difícil. Se nos ativermos às delimitações expostas acima, estaremos
tratando desde impressos clandestinos editados por grupos engajados na guer-
rilha a periódicos sindicais, acadêmicos, institucionais, estudantis, de grupos
de esquerda, literários, de arte postal etc., que mesclam as características bási-
cas daquilo que chamamos de imprensa nanica.
O próprio termo, cunhado em inspiração ao uso recorrente do formato
tablóide, perde um pouco da força frente à diversidade de formas em que
essa imprensa se apresentou: jornais de tamanhos diversos, revistas, fanzines,
folhetos, boletins e mesmo folhas de papel ofício grampeadas. Cada formato
correspondia a diferentes métodos de produção e organizações editoriais. Fo-
ram de resistência desde a publicação literária artesanal de poesia Pirauá (São
Paulo, 1982), com a poesia marginal de autores fora do mercado editorial,
ao tablóide popular sensacionalista Repórter (Rio de Janeiro, 1977), com seus
violentos casos de polícia e mulheres nuas.
É importante lembrar ainda da apropriação que este tipo de imprensa so-
freu por movimentos sociais que já existiam antes de 1964, mas que renova-
vam suas forças com a distensão política de 1974 e formavam as imprensas de
resistência negra, homossexual, feminina, indígena, ambientalista, campesina,
estudantil, entre outras. Na maior parte dos casos, essas publicações conta-
vam não com jornalistas buscando voz fora da imprensa de massa ou com
militantes organizados, mas com indivíduos diretamente envolvidos com os
movimentos a que se propunha representar. Daí seu destaque, já que, segundo
Maria Paula Nascimento Araújo, essa imprensa:
(...) representava uma novidade em relação aos outros tipos de publicação existen-
tes, inclusive a imprensa alternativa de esquerda. Ela vinculava-se a movimentos
de novo tipo, recém-surgidos no cenário brasileiro, sob influência de ideias in-
ternacionais. Esforçando-se por se fazer presentes na vida política do país, esses
movimentos criavam seus próprios jornais, que funcionavam não apenas como
porta-vozes de seus interesses e posições, mas que na maioria das vezes representa-
vam o principal espaço de organização de seus militantes e de formulação de sua
política e de sua visão de mundo. (ARAÚJO, 2000, p. 29).
112 Anais da Biblioteca Nacional • 140
Alguns dos títulos mais expressivos lançados por brasileiros expatriados fo-
ram Front Brasileiro de Informações (Argel, 1969), Correio Operário Norte Ame-
ricano (Washington, 1969), Debate (Paris, 1970), Cartas Chilenas (Santiago
do Chile, 1971), Guerrilha Operária (sem local, 1971), Combate – Órgão do
Partido Operário Comunista (sem local, 1971), Campanha (Santiago do Chile,
1972), Conjuntura Brasileira (Paris, 1974), Brasil Socialista (Lausanne, 1975),
Reflexo da Cultura Brasileira no Exílio (Estocolmo, 1978), Correio Sindical de
Unidade (sem local, década de 1970, possivelmente 1978 ou 1979), Fragmen-
to (Estocolmo, 1979).
Entre o período da redemocratização e os momentos finais da imprensa
“nanica”, surgiu ainda um gênero totalmente diverso – tanto no sentido espa-
cial quanto no ideológico – dos periódicos dos exilados ou dos que buscavam
uma articulação partidária formal pela esquerda. Essa outra categoria dos “na-
nicos” também se inscrevia na resistência, mas se armava de forma diferente
Anais da Biblioteca Nacional • 140 115
grupo, pode ser citado o Wop-Bop Fanzine (São Paulo, 1977), Barata (Santos,
1979), Gilete Press (Goiânia, 1985), Psiu Quadrinhos (Brasópolis, 1982), entre
outros, que, muitas vezes, exerciam críticas e incredulidade quanto à revitali-
zação do regime democrático, ainda visto como inexistente frente aos percal-
ços da Nova República. Essa falta de crença alimentada pela cultura punk e
misturada à marginália era responsável pela “estética do esculacho”, presente
ainda nos fanzines atuais:
O esculacho está ligado ao princípio da economia, que pode gerar também for-
mas esteticamente mais acabadas, quando o zineiro parece “escolher” o papel a
ser transformado em envelope. (...) Geometria, simplicidade, estilo infantil, non-
sense, grotesco são algumas das referências possíveis na criação de logotipos por
zineiros. (ALBERNAZ; PELTIER, 2002, p. 4-5).
Mas qual era o modelo ético-político da imprensa alternativa? Tinha como com-
ponente básico o repúdio ao lucro e, em alguns jornais, até mesmo o desprezo
por questões de administração, organização e comercialização. Paradoxalmente,
a insistência numa distribuição nacional antieconômica, a incapacidade de for-
mar bases grandes de leitores-assinantes, certo triunfalismo em relação aos efei-
tos da censura, tudo isso contribuiu para fazer da imprensa alternativa não uma
Anais da Biblioteca Nacional • 140 117
formação permanente, mas uma coisa provisória, frágil e vulnerável não só aos
ataques de fora como às suas próprias contradições. (KUCINSKI, 2003, p. 25).
4. A Coleção “Brazil’s Popular Groups” é abordada ineditamente por Rafaella Bettamio, na tese:
“Brazil’s Popular Groups: história e significados de uma coleção da Library of Congress”.
118 Anais da Biblioteca Nacional • 140
Brasil naquela época. Mas isso ocorre também pelo fato de muitos terem sur-
gido depois do fim da ditadura militar – Quadrix e Mimeógrafo Generation são
exceções. Os zines que entraram neste estudo, além de importantes, são de
uma época em que o formato ainda estava evoluindo a partir de publicações
artesanais de poesia. Portanto, alguns mal eram reconhecidos como fanzines,
mas como integrantes da “imprensa nanica” de uma forma geral. Para saber-
mos até que ponto se confundem, é necessário avaliá-los individualmente.
Com certeza valeria a pena tê-los inserido aqui, mas as dimensões dessa pes-
quisa ficariam, assim, grandes demais.
Aqui aparecem ainda alguns jornais e revistas de vínculos acadêmicos (pro-
duzidos por departamentos de universidades ou jornais-laboratórios). Isso
certamente compõe um gênero à parte, distinto da imprensa alternativa, mas,
nos casos das publicações acadêmicas mostradas aqui, os dois gêneros se mes-
clam. Logo, temos publicações que tanto trazem ensaios, resenhas e artigos
acadêmicos como textos/reportagens de rigor crítico e politizado, literatura
marginal etc. O mesmo ocorre com jornais universitários e jornais-laborató-
rios, produzidos por estudantes. Apenas os que tratam de política, reivindi-
cações do movimento estudantil ou arte e cultura foram levados em conta,
excluindo-se os boletins informativos sobre a vida acadêmica das faculdades.
Os jornais de resistência aqui levantados não apresentam, necessariamente,
uma postura explicitamente contrária à ditadura militar, muito embora os
periódicos com esta característica façam imediatamente parte da categoria de
imprensa alternativa. Alguns, por exemplo, priorizam assuntos como arte e
cultura, sem posicionamentos políticos aparentes, muito menos denúncias
e reivindicações – mas que arte era essa? Muitos, a exemplo de mimeógrafos
literários que proliferaram, sobretudo, na década de 1980, serviam para di-
vulgação de escritores ou poetas engajados em rupturas estéticas, inscritos na
proposta “marginal”: a arte “maldita”, afinal, atinge sua condição como tal
sobretudo em confronto com a moral burguesa.
Quanto à longevidade, os seis periódicos seguintes ainda circulavam em
2012: Nós Irmãos, criado em dezembro de 1971; Pastoral da Terra, de 1975
e ainda circulando, e Porantim, de maio de 1978; O Cometa Itabirano (este
sim produzido sem a administração de um órgão superior), de novembro de
1979; Mensageiro, de 1979 (outro periódico indigenista sob a responsabilida-
de do Conselho Indigenista Missionário); e O Perú Molhado, de Armação de
Búzios (RJ), lançado em fevereiro de 1981. Até então, o nanico considerado
mais longevo tem sido O Pasquim, certamente um dos mais famosos da im-
prensa independente dos anos 60 e 70 (durou 21 anos). A rigor, os jornais
Nós Irmãos, Pastoral da Terra e Porantim são os impressos de resistência mais
longevos dentre os surgidos na ditadura, aparentemente sem terem sofrido
interrupções. Entretanto, considerar isso implica repensar o significado da
imprensa “independente”, posto que os mesmos são editados por instituições
Anais da Biblioteca Nacional • 140 123
a publicação. Consultado, Maklouf afirma que tal revolta nunca existiu. Tudo
isso revela que ainda há muito o que se discutir e entender não só sobre a im-
prensa alternativa durante os anos de chumbo, mas também sobre a própria
cultura de resistência e seus principais agentes. O período autoritário ainda
deve render futuros estudos.
João Batista da Silveira, José Roberto Cosini e Sebastião Furlan, sob a respon-
sabilidade do jornalista Fernando Antonio de Alverga Grossi.
® BIN: 58672-2
que “[...] a estrutura universitária, não adequada aos propósitos de livre re-
flexão e manifestação, aliada à falta de articulação entre iniciativas isoladas,
obstruíam a possibilidade de se superar a distância existente entre um espaço
a ser preenchido e sua efetiva ocupação”. Era editado modestamente.
® BIN: 32214-8
Editada por Otília Beatriz Fiori Arantes, Celso Fernando Favaretto e Matinas
Suzuki Júnior, tocava em assuntos diversos da cultura brasileira. Publicou no-
mes de peso: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Glauber Rocha, Hélio
Oiticica, Ferreira Gullar, Oscar Niemeyer, Paulo Emílio Salles Gomes, Anto-
nio Candido, Haroldo de Campos, Rogério Sganzerla, Lúcio Costa, Augusto
Boal, entre outros. Circulava sob o selo da Kairós Livraria e Editora Ltda.
® BIN: 32510-4
Jorge, Denise Teixeira Viana, Brasigóis Felício, Leila Míccolis, Réca Poletti,
entre outros, além de notas sobre literatura marginal, pequenas resenhas, dicas
de livros e ilustrações. Era datilografado e reproduzido por fotocópia.
® BIN: 44578-9
Paris. Em 1976, Joana Lopes transferiu a redação do jornal para São Paulo
(SP), onde criou ainda a Sociedade Brasil Mulher.
® BIN: 49123-3
Trabalhadores Rurais Sem Terra), entre outras (ver lista completa de enti-
dades na página 4 da edição no 35, de agosto/setembro de 1989). Parte do
conteúdo transcrito da publicação vinha de periódicos de resistência – como
Porantim, Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, AGEN, Paneiro, Boletim
da CPT, Aconteceu – e jornais da grande imprensa.
® BIN: 45543-1
Renato Archer, ligado à Editora Paz e Terra (um dos selos da Editora Civili-
zação Brasileira).
® BIN: 140597
jornal foi editado e redigido por Aurélio Silby, Carlos Albérico Figueiredo,
George Abner e Tadeu Martins.
® BIN: 53532-0
e cultural, abordava questões locais da Vila Itatiaia, entre outros assuntos ge-
rais: violência, drogas, saúde, saneamento precário, reforma agrária, direitos
humanos, ambientalismo, educação, variedades e descontentamento popular
com diversas questões sociais e políticas. Tinha Maria Beatriz Ribeiro Costa
como professora responsável, entre outros tutores.
® BIN: 48542-0
Jornal da UEE – União Estadual dos Estudantes, São Paulo (SP), 1978
Tabloide criado pela União Estadual dos Estudantes, em São Paulo (SP)
no ano de 1978(?). Crítico e reivindicativo, anunciado como “Órgão de di-
vulgação e debate da União Estadual dos Estudantes”, o jornal trazia discus-
sões e reflexões sobre o meio estudantil, bem como notícias de atividades da
instituição que o editava. Abordou temas como educação e ensino no Brasil,
concorrência no vestibular, ações da União Nacional dos Estudantes (UNE),
fraudes e corrupção nas universidades, moradia estudantil, passe escolar, au-
mento vertiginoso de mensalidades, restaurantes para estudantes, Anistia In-
ternacional para exilados políticos, estipulações do Ministério da Educação,
Anais da Biblioteca Nacional • 140 187
(a julgar por sua 10ª edição, datada de dezembro deste ano) e era editado por
Wesley Pioest.
® BIN: 446840
Era editado pelo próprio Tufic e contava com uma comissão editorial com-
posta por Arthur Engrácio, Max Carphentier, Leonito Cativo Pereira e Aluí-
sio Nobre de Freitas, com colaborações de Márcio Souza.
® BIN: 488011
ser impresso em offset no início dos anos 80, o periódico, em 2011, era uma
revista de linha editorial politizada e reivindicatória: é um dos periódicos de
resistência mais longevos do país, sempre saindo como uma publicação do
Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Circulou inicialmente sob a res-
ponsabilidade do padre Nello Rufaud e da irmã Rebeca Spire. Em suas pá-
ginas, encontra-se discussões e manifestos sobre educação, saúde, questões
agrárias, política, espiritualidade, meio ambiente, cultura e tradição indígena,
trabalho, entre outras coisas.
® BIN: 51102-1
Editado por Leila Abreu e Marta Arruda, Mulher Pernambucana era impresso
na Companhia Editora de Pernambuco.
® BIN: 48508-0
Rubens Hosken Ferreira e José Jésus Gomes de Araújo, que contavam com
Maria Norma Negreiros como secretária, com Max de Figueiredo Portes
como responsável pela arte, com Fernando Correia de Araújo Jr. como rela-
ções públicas e com uma comissão para seleção de poemas a serem publicados,
composta por Pascoal Motta, Márcio Almeida e Geraldo Reis. Poesia era uma
publicação da Fundação Brasileira de Bolsas de Estudos (FBBE), que dava
certa estabilidade à sua realização.
® BIN: 126365
própria revista. A Rolling Stone brasileira foi dirigida e editada por Luís Car-
los Maciel, considerado um dos introdutores da contracultura ao jornalismo
independente brasileiro, muito pelo seu trabalho no semanário humorístico
O Pasquim.
® BIN: 149349
outras coisas. Audálio Dantas foi seu primeiro diretor – era também membro
da diretoria do sindicato àquela época. Unidade nasceu como uma retomada
do jornal Unidade Jornalística, que havia sido fundado pelo Sindicato dos
Jornalistas no Estado de São Paulo em meados da década de 1960 e acabou
extinto às vésperas do Ato Institucional Número 5 (AI-5).
® BIN: 326879
às ameaças que sofriam a Amazônia, seus recursos naturais e seu povo. Tratava
primordialmente de questões indígenas, de posseiros, de seringueiros e demais
figuras do povo amazônico, frente ao poderio de empresas agropecuárias e
seus respectivos agentes.
® BIN: 47872
Referências
ALBERNAZ, Bia; PELTIER, Maurício. Almanaque de fanzines: o que são por que são
como são. Rio de Janeiro: Arte de Ler, 2002(?).
ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A utopia fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e
no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2000.
Arquivos da Polícia Política Mineira – acervo do período de 1927 a 1982. Arquivo
Público Mineiro. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/
search.php. Acesso em: 23 mar. 2022.
Arquivo Público do Distrito Federal: Companhia de Desenvolvimento do Planalto
Central. Imprensa alternativa e cultural, 1970-1984: catálogo de títulos. Brasília: Arquivo
Público do Distrito Federal: Codeplan, 1995.
Associação Brasileira de Reforma Agrária. Memória da luta pela reforma agrária no
Brasil: catálogo do acervo da Abra no período 1967 – 1997. Brasília: MDA, Londrina:
UEL, 2007.
250 Anais da Biblioteca Nacional • 140
Abstract
This project aims to study Raul Pompeia’s works which promote the coexistence of verbal
and visual signs, in order to allow an articulated and systematic analysis of both languages,
here components of a pioneering semiotic complex in the Brazilian 19th century arts. We
selected four research focuses: (1) cartoons in the periodical press; (2) the illustrations
for the novel O Ateneu; (3) illustrated prose poems; and (4) book covers designed by the
writer. Based on almost inaccessible material, this project has as a fundamental source
of research the Fundação Biblioteca Nacional, where, in the case of Raul Pompeia,
former director of the institution, there are still several unique items, such as original
manuscripts, letters and drawings.
Keywords: Brazilian literature. Visual arts. Newspapers. Drawings. 19th Century. Raul
Pompeia.
Introdução
O ano de 1888 foi decisivo na carreira de Raul Pompeia, não apenas pela
publicação de O Ateneu, mas também pela abolição da escravatura, causa que,
irmanada ao republicanismo, representava suas lutas máximas. Desfeitas as
ilusões sobre a recém-proclamada República de 1889, a vida de Raul parece
refletir a disforia e a tensão vividas na capital federal, assolada pelo autori-
tarismo de Floriano Peixoto e pelas inúmeras manifestações civis e militares
contra o presidente marechal. Embora difundisse na imprensa críticas ao regi-
me, Pompeia assumiu postura francamente florianista, colhendo inimizades,
inclusive entre antigos parceiros de letras e ideologia, como Olavo Bilac e
Luís Murat. É sob rumores de protegido do ditador que assume, em 1894, a
direção da Biblioteca Nacional, onde permanece até 1895, após a deposição
de Floriano por Prudente de Morais, que também exonerou o escritor da
função de professor de Mitologia na vizinha Escola de Belas Artes. Nesse bi-
ênio conturbado, envolveu-se em muitas querelas na imprensa e desgastou-se
psiquicamente, cometendo suicídio em dezembro de 1895.
Sua breve passagem na Biblioteca Nacional carece de estudo mais acurado.
Seus principais biógrafos – Eloy Pontes, Brito Broca e Camil Capaz – abor-
dam-na celeremente, pois privilegiam as acaloradas discussões na imprensa
nesse período. A lacuna difunde a falsa ideia de uma direção anódina mas,
pelos documentos depositados na Biblioteca Nacional (carentes de investi-
gação pormenorizada), temos acesso à contribuição efetiva de Pompeia, seja
no trabalho exaustivo de Estatística (era também diretor geral de Estatística
na instituição) ou na atualização constante do acervo, aferível nos bilhetes,
cartas, ofícios, circulares e relatórios1, solicitando livros e periódicos recentes,
nacionais ou estrangeiros2, fora o carvão para iluminação elétrica, mapas e
objetos variados3. Pela contingência biográfica, esse “arquivo pessoal” do ex-
-diretor é exclusivo da Fundação Biblioteca Nacional (doravante FBN) e seu
exame incrementa os estudos pompeianos, enaltecendo simultaneamente o
quilate da instituição.
O objetivo deste projeto não é propriamente recuperar os detalhes biográ-
ficos da permanência de Raul como diretor, visto que sua presença no acervo
na FBN é muito mais rica e variada, ultrapassando, com larga folga, a virada
de 1894 para 1895: sua primeira publicação registrada data de 1874, aos 11
anos de idade.
Mas, dize-nos cá, bom Júbilo: sabes tu o que significa esta apoteose ao Marquês
de Pombal? Significa o aplauso inconsciente de um povo santamente ignorante
a um estrangeiro que só tendo feito mal ao seu país não podia fazer bem ao dos
outros. (LINO, 1882, p. 3).
entre os fatores que no século passado [XIX] exerceram influência sobre a fixação
de tipos, cenas, quadros, no romance (...), nenhum teve efeito mais prolongado e
incisivo do que a estampa litográfica em suas variadas feições, naturalmente com
o predomínio da caricatura”. (apud LIMA, 1963, p. 1668-9).
a técnica usada por Pompeia não permitiria a reprodução direta para clichés, na sua
época, e, parece-me, em certos papéis. Daí se pode concluir que, possivelmente na
França, a Aillaud deve ter pago [sic] um ilustrador profissional e consciencioso a
fim de que transpusesse os originais para bico de penas, de modo a facilitar-lhes a
reprodução. (BARATA, 2016, p. 247).
Por outro lado, deve-se considerar que, sob a máscara da tradição, deseja-se,
a rigor, ostentar a luz elétrica, viabilizada pelas vultosas mensalidades, devol-
vidas em espetáculo para aqueles que podem custeá-las. Essa exibição onero-
sa justifica a interrupção do texto pela transcrição do letreiro, franqueando
ao leitor saborear o impacto visual vivenciado pelas pessoas que cruzavam a
fachada do Ateneu. Como os transeuntes paralisados diante da inscrição, o
fluxo da leitura também é suspenso pela legenda arqueada da fachada.
A preocupação em presentificar para o receptor do romance as sensações
experimentadas por Sérgio nos anos de internato é extensiva aos desenhos de
Raul Pompeia para a segunda edição do livro. De fato, as gravuras não exis-
tem apenas para ilustrar passagens da obra, o que conferiria a elas a ingênua
tarefa de deleitar. Na verdade, a composição das imagens funciona como uma
espécie de guia do olhar, desvelando novos meandros da matéria textual. Ob-
servemos o primeiro desenho.
Avistando a paisagem do colégio, pai e filho dispõem-se de costas para o
espectador. A tomada traseira realça contrastes e semelhanças entre Sérgio e
o pai. Além da incontornável variação de estatura, das calças curtas em um e
compridas no outro, deve-se atentar para a diferença na postura das pernas:
o pai dispõe-se em equilíbrio elegante, com um pé à frente do outro, em
pose convicta e serena. A criança tem o pé dianteiro apontado para a escola,
mas o pé traseiro virado para a rua, como quem ameaça retroceder ou fu-
gir, talvez pelo temor diante do novo colégio. Suas calças apresentam torneio
mais maleável do que as do pai, de corte retilíneo, havendo nessa distinção
indumentária o contraponto entre a hesitação infantil e a autoridade paterna.
Nem tudo, porém, é opositivo: os dois botões na roupa de cima coligam os
personagens, vaticinando a futura transformação do menino no homem, não
houvesse no colete de Sérgio um terceiro botão, destoante da simetria cerzida
na vestimenta do pai. Além disso, a clara cabeleira comprida do menino in-
vade a sobriedade escura da jaqueta; ironicamente as madeixas tocam a mão
paterna: fluidez versus firmeza, excesso versus contenção.
O adulto assume-se tutor da criança, haja vista sua mão conduzir, quase
empurrar, o infante para o colégio, duplamente apontado pelo dedo em riste e
pela bengala. Esses traços masculinos são coroados na alta cartola, contrastiva
com a boina escorregadia do menino. A esse empurro para dentro do Ateneu,
Sérgio responde, quiçá involuntariamente, com um aceno para fora, com pés
e pernas abertas. Sua cabeça inclina-se em dúvida acuada, enquanto a paterna
preserva-se ereta, deixando entrever a ponta do bigode, de austeridade nova-
mente avessa às melenas encaracoladas do filho.
Ambos estão na rua, antes da calçada que dá acesso ao Ateneu. Segun-
do frase antológica do pai, dentro da escola o filho encontraria o mundo:
“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem
para a luta” (POMPEIA, 1981, p. 29). Portanto, nessa cena inicial, os dois
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Aristarco mais posa do que trabalha; por isso, a cortina levemente aberta
à esquerda inaugura a teatralidade cenográfica. A cadeira curvilínea acompa-
nha seu corpo, mostrando confortável integração com o ambiente; a roupa
ajusta-se perfeitamente ao modelo e os livros são objetos decorativos. Há uma
brochura aberta nas mãos do diretor, mas a leitura é interrompida em favor da
pose para o retratista/observador. Os vasos sobre o chão, a escrivaninha e os li-
vros irmanam-se ao globo terrestre como pontos verticais que se harmonizam
à horizontalidade dos móveis e das pernas de Aristarco.
Como bem observou José Paulo Paes, essa imagem estática será invertida
na última ilustração do livro, após o incêndio. Podemos aqui falar em “últi-
ma”, uma vez que ela remete a um evento ocorrido no desfecho do romance.
No desenho final, alguns móveis e livros destroçados, bem como o globo ter-
restre, destróem a assepsia afetada do gabinete de Aristarco:
Para a exposição dos desenhos foram retiradas as carteiras da sala de estudo, forradas
de cetim escuro as paredes e os grandes armários. Sobre este fundo, alfinetaram-se
as folhas de Carson, manchadas a lápis pelo sombreado das figuras, das paisagens,
pregaram-se, nas molduras de friso de ouro, os trabalhos reputados dignos desta
nobilitação. Eu fizera o meu sucessozinho no desenho, e a garatuja evoluíra no meu
traço, de modo a merecer encômios. A princípio, o bosquejo simples, linear, expe-
riência da mão; depois, os esbatimentos de tons que consegui logo como um matiz
de nuvem: depois, as vistas de campo, folhagem rendilhada em bicos, pardieiros
em demolição pitoresca da escola francesa, como ruínas de pau podre, armadas
para os artistas. Depois de muito moinho velho, muita vivenda de palha, muito
casarão deslombado, mostrando as misérias como um mendigo, muita pirâmide de
torre aldeã esboçada nos últimos planos, muita figurinha vaga de camponesa, lenço
em triângulo pelas costas, rotundas ancas, saias grossas em pregas, sapatões em cur-
va, passei ao desenho das grandes cópias, pedaços de rosto humano, cabeças com-
pletas, cabeças de corcel; cheguei à ousadia de copiar com toda a magnificência das
sedas, toda a graça forte do movimento, uma cabra de Tibete! Depois da distinção
do curso primário, foi esta cabra o meu maior orgulho. Retocada pelo professor,
que tinha o bom gosto de fazer no desenho tudo quanto não faziam os discípulos, a
cabra tibetana, meio metro de altura, era aproximadamente obra-prima. Ufanava-
-me do trabalho. Não quis a sorte que me alegrasse por muito. Negaram-me à bela
cabra a moldura dos bons trabalhos; ainda em cima — considerem o desespero!
exatamente no dia da exposição, de manhã, fui encontrá-la borrada por uma cruz
de tinta, larga, de alto a baixo, que a mão benigna de um desconhecido traçara.
Sem pensar mais nada, arranquei à parede o desgraçado papel e desfiz em pedaços
o esforço de tantos dias de perseverança e carinho.
Quando os visitantes invadiram a sala, notaram na linha dos trabalhos suspen-
sas duas enigmáticas pontas de papel rasgado. Estranhavam, ignorando que ali
estava, interessante, em último capítulo, a história de uma cabra, de uma cruz,
drama de desespero e espólio miserando de uma obra-prima que fora. (POM-
PEIA, 1981, p. 185-186).
268 Anais da Biblioteca Nacional • 140
nos poemas em prosa: afinal, a assinatura não deixa de ser uma letra dese-
nhada. Em artigo publicado em 1888, Pompeia endossa a importância do
escambo verbovisual:
A imagem pode ser a tautologia reincidente e demorada e pode mesmo desta sorte
representar o gênio, como em Hugo tão frequentemente: o seu papel no estilo é
avigorar o enunciado, esclarecer como a vinheta esclarece o texto. A imagem é um
exemplo, um argumento, a analogia, a comparação, o puro pensamento antes de
ser ideia, é a eloquência primitiva, comovedora e forte, rebelde perpetuamente ao
contrato social dos pedantismos de escola. (POMPEIA, 1991, p. 57).
tipologia das letras, espelhando, nesse caso, a orgia do significante que carac-
teriza essa obra de Raul Pompeia.
Habitualmente se adornam as margens inferiores do desenho (sobretu-
do no canto esquerdo), de modo a destacar a ideia de margem ou moldura,
criando uma cenografia tensa, como se texto e desenho se integrassem e se
combatessem. Daí talvez o termo “vinheta” com que não raro se designa essas
ilustrações, já que o termo, ao hierarquizar as duas linguagens conferindo al-
guma centralidade ao signo verbal, parece reforçar o embate entre elas. Assim,
em “O ramo da esperança”, vemos as raízes do coqueiro separando imagem de
texto; em “As flores da aleluia” e “As violetas de Alina”, as rosas; em “À morte
de Rosita”, as peças do quarto da moça. Neste último, porém, nota-se maior
contaminação do espaço textual com uma espécie de sobra da imagem, esba-
tendo o limite entre essas searas, mais segregadas, por exemplo, em “O ramo
da esperança”. Esse derramamento imagético reaparece em “Para o Sul!...” e
“A vítima do incolor”.
Em “Para o Sul!...”, há penetração mais ostensiva do campo textual pelo
braço do rapaz morto, cujo dedo toca no alto da letra “d” de “fardas”, como
se apontasse a causa de sua morte. Destacam-se, ademais, o predomínio da
cor escura e o recuo da ornamentação vegetal em prol de letras gotejantes,
indicativas do sangue entornado na guerra. Esse traço chamejante alastra-se
até “A bandeira branca”, composição sintética em que a claridade da bandeira
domina o centro da ilustração, preenchida também por um corpo masculino,
ponto negro sem qualquer especificação fisionômica.
Cassiana Lacerda Carollo detecta dois grupos visuais nas canções de A
Galeria: um primeiro, de tendência art nouveau, floral e curvilíneo, e o ou-
tro, com desenhos de “concepção decadista e satânica, que lembra aquele
satanismo espectral que Baudelaire admirava em Rops” (CAROLLO, s.d.).
Nesta linhagem, estariam “A bandeira branca”, “Noutes pretas” e “Alma
espectro”. Nos dois primeiros, é inegável a digital decadentista; em “Noutes
pretas”; por exemplo, a moldura é invadida por uma folhagem arestada,
aracnídea, e no fundo, borrões enegrecidos. Contudo, “Alma espectro” não
nos parece pertencer ao mesmo nicho: apesar de o texto abolicionista parti-
lhar com os satanistas a censura ao progresso e à sociedade industrial, o de-
senho preserva muito do art nouveau¸ com a flora coreográfica e ascendente,
contraposta, é verdade, às torres enfumaçadas e ao trem no fundo. Estes dois
elementos, todavia, se erguem em retas bem definidas, precisas, em quase
nada lembrando o dinamismo atormentado de “A bandeira branca” ou de
“Noutes pretas”.
Duas alterações são mais flagrantes em “Alma espectro”. Preliminarmen-
te, certa quebra de perspectiva, já que o trem e a indústria invadem a vege-
tação em primeiro plano, incursão, aliás, isomórfica à crítica desenvolvida
neste poema em prosa. Além disso, apesar de ainda haver espaço branco entre
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maio de 1882. Através dela, Raul Pom-
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homenageado por ocasião do centenário
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06/05/1882. Acervo da FBN: <http://memo-
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Extraída do caderno com os desenhos originais do romance O Ateneu,
retrata o personagem em sua infância com o pai em frente ao colégio
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O Ateneu, p. 2. Acervo da FBN: <http://objdigital.bn.br/acervo_digi-
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também consta do caderno dos desenhos ori-
ginais de O Ateneu. Fonte: Caderno com os
desenhos originais de O Ateneu, p. 3. Acervo
da FBN: <http://objdigital.bn.br/acervo_di-
gital/div_iconografia/icon530901.pdf>.
Desenho do diretor do colégio, retratado pelo autor como ga-
nancioso e vaidoso. Fonte: Caderno com os desenhos originais
de O Ateneu, p. 4. Acervo da FBN: <http://objdigital.bn.br/
acervo_digital/div_iconografia/icon530901.pdf>.
Desenho do diretor do colégio em seu gabinete de trabalho.
Mais uma vez, retratado de modo irônico pelo autor, que revela
seu lado ambicioso e falsamente apegado às convenções. Fonte:
Caderno com os desenhos originais de O Ateneu, p. 5. Acervo
da FBN: <http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconogra-
fia/icon530901.pdf>.
Desenho do caderno dos originais de O Ate-
neu retratando o cotidiano dos alunos do co-
légio, profundamente marcado por fofocas,
intrigas e (como a imagem mostra) dedos
em riste. Fonte: Caderno com os desenhos
originais de O Ateneu, p. 6. Acervo da FBN:
<http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_
iconografia/icon530901.pdf>.
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Professor discursa para o diretor e os alunos, em gesto afetado
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reção do colégio. Fonte: Caderno com os desenhos originais
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acervo_digital/div_iconografia/icon530901.pdf>.
Desenho de Ema, esposa do diretor Aristarco. Fonte: Cader-
no com os desenhos originais de O Ateneu, p. 34. Acervo da
FBN: <http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/
icon530901.pdf>.
Desenho mostrando os exames realizados pelos alunos durante
sua passagem pelo colégio. Extraído do caderno de desenhos
originais de O Ateneu. Fonte: Caderno com os desenhos ori-
ginais de O Ateneu, p. 35. Acervo da FBN: <http://objdigital.
bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon530901.pdf>.
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Nacional
Vol. 140 • 2020