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1. Introdução
Seja bem-vindo(a)! Você iniciará o estudo de   Estudo dos Elementos
Representativos: Desenho, Processos Escultóricos   e Linguagem Pictórica,
uma das disciplinas que compõem os cursos de graduação na modalidade
EaD.

A presente disciplina está dividida em cinco ciclos de aprendizagem, cada um


deles correspondendo a um grupo de conteúdos e objetivos especí�cos.

No primeiro ciclo de aprendizagem, veremos os materiais e suportes que po-


dem ser utilizados na elaboração de desenhos, pois ao longo dos tempos as
metodologias, técnicas, instrumentos e suportes foram evoluindo e por isso
mesmo nos oferecem uma gama de possibilidades de exploração e criação.
São eles que nos permitem expressar e materializar nossas ideias, nossos
pensamentos.

No segundo ciclo estudaremos como se dá o processo de percepção e da repre-


sentação dos elementos visuais. Isso porque, como bem sabemos, as experiên-
cias são diferentes, e são diferentes exatamente porque os próprios fenômenos
podem produzir efeitos bastante diferentes.

No terceiro ciclo estudaremos a tinta e os elementos da linguagem pictórica. A


informações apresentadas serão de muita utilidade, pois o auxiliarão na hora
de escolher os produtos que mais condizem com suas técnicas

No quarto ciclo estudaremos as obras de alguns importantes artistas brasilei-


ros modernos e contemporâneos no trabalho tridimensional nos séculos 20 e
21.
No quinto ciclo, conheceremos os processos de moldagem. Além disso, fare-
mos um estudo dos processos de moldagem a frio e da fundição de materiais
solidi�cáveis em moldes: gesso, moldes de borracha, resina e �bra.

2. Orientações para o Estudo da Disciplina


Esteja atento às orientações contidas neste material, bem como àquelas vin-
das dos seus tutores.

É importante que você compreenda o contexto da disciplina a partir de uma


análise re�exiva da sua ementa, objetivos geral, especí�co e sua relação com o
curso, para que então dê sequência aos estudos.

Como estratégia didática, a disciplina está dividida em 5 Ciclos de


Aprendizagem distribuídos ao longo deste semestre, cada qual corresponden-
do a um grupo de conteúdos, recursos didáticos e atividades avaliativas. É de
suma importância que todas as leituras, vídeos, áudios e atividades sejam rea-
lizadas respeitando o período sugerido no Cronograma da Disciplina.

A partir de agora, você iniciará os estudos do primeiro Ciclo de Aprendizagem.

Bons estudos!

3. Informações da Disciplina
Ementa
A área de   Estudo dos Elementos Representativos: Desenho, Processos
Escultóricos e Linguagem Pictórica aborda a construção do pensamento e
consciência da expressão por meio do desenho, dos processos escultóricos e
da linguagem pictórica. Inicialmente aborda o desenho da �gura humana co-
mo vínculo construtor de imagens e ideias através da visualidade de formas e
conteúdos. Trata o desenho como instrumento de representação e de compre-
ensão, esboço e estudo das formas lineares e pictóricas das imagens como
signo e parte de um sistema de signi�cação. Para a compreensão da impor-
tância do desenho será apresentado um breve panorama do desenho na arte
ocidental. Estes elementos são importantes para a formação do docente em
arte, pois deverá compreender os elementos que constituem a linguagem do
desenho. Para os processos escultóricos, serão apresentados os aspectos teóri-
cos e estéticos da expressão tridimensional na abordagem da escultura das
mais primitivas expressões ao longo da história, pesquisando a estética, con-
cepção e compreensão do espaço tridimensional no século XX, bem como a
aplicação do suporte e desenvolvimento de métodos e técnicas escultóricas na
construção e experimentação com materiais e princípios contemporâneos. Já
a linguagem pictórica apresenta os conceitos básicos da linguagem pictórica e
os elementos da composição visual, enfatizando a expressão bidimensional.
Contextualiza a pintura na história da arte, desde o impressionismo até a arte
contemporânea, sendo instrumento teórico-prático do arte/educador, desen-
volvendo tanto o fazer e a fruição quanto a análise estética. Além disso, guia o
futuro professor no percurso de conhecer, analisar, re�etir e compreender cri-
térios culturalmente construídos e embasados em conhecimentos teóricos.

Objetivo Geral
A disciplina tem por objetivo geral proporcionar ao futuro pro�ssional docente
uma abordagem sobre o estudo dos elementos representativos: desenho, pro-
cessos escultóricos e linguagem pictórica. O aluno egresso terá os conheci-
mentos necessários para aliar suas práticas pedagógicas e o fazer artísticos.
Além disso, a disciplina se pauta pelos princípios da pesquisa como estratégia
educativa e da formação para o entendimento das demandas educacionais da
atualidade, de modo a formar pro�ssionais comprometidos em seus processos
de auto(trans)formação, da produção acadêmica para a mudança da realidade
e da constituição das identidades e capacidades propositiva, investigativa e
criativa.

Objetivos Especí�cos
• Investigar a representação da �gura humana como vínculo construtor de
imagens e das ideias através da visualidade de formas e conteúdos.
• Analisar o desenho como instrumento de representação e de compreen-
são.
• Analisar o esboço e o estudo; as formas lineares e pictóricas; e as ima-
gens como signo e parte de um sistema de signi�cação.
• Compreender o panorama do desenho na arte ocidental.
• Compreender os aspectos teóricos e estéticos acerca da expressão tridi-
mensional na abordagem da escultura das mais primitivas expressões ao
longo da história.
• Pesquisar a estética, concepção e compreensão do espaço tridimensional
no século 20.
• Investigar a aplicação do suporte e o desenvolvimento de métodos e téc-
nicas escultóricas na construção e na experimentação com materiais e
princípios contemporâneos.
• Re�etir acerca dos conceitos básicos da pintura e dos elementos da com-
posição visual, enfatizando a expressão bidimensional.
• Investigar os eixos de abordagem da pintura no momento da história da
arte, desenvolvendo tanto o fazer e a fruição quanto a análise estética, co-
nhecendo, analisando, re�etindo e compreendendo critérios cultural-
mente construídos e embasados em conhecimentos teóricos.
• Abordar a história da pintura a partir do impressionismo, apresentando
interpretações e fazendo comentários acerca das composições visuais
usadas pelos artistas em suas representações pictóricas.
• Abordar a história da gravura.
• Elaborar projetos individuais de gravura abrangendo conhecimentos teó-
ricos e práticos.
• Investigar as possibilidades de utilizar matriz e diferentes suportes no
processo criativo.
• Elaborar um dossiê teórico-prático para o desenvolvimento de projetos.
• Analisar de forma crítica projetos individuais.
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Prática Pedagógica

Olá! Seja bem-vindo(a) ao ambiente de orientação da Prática Pedagógica de


Estudo dos Elementos Representativos: Desenho, Processos Escultóricos e
Linguagem Pictórica. Aqui, você encontrará as informações necessárias para
a construção e o desenvolvimento da proposta de prática.

É importante ressaltar que a Prática Pedagógica é parte fundamental de seu


curso, pois visa à formação docente conforme de�nição da BNC - Educação
Básica, constituindo-se como estratégia para aprimorar as aprendizagens es-
senciais para a atuação docente, relacionadas aos aspectos intelectual, físico,
cultural, social e emocional, a partir da vivência do cotidiano escolar e da inte-
ração teoria e prática.

 Para ler a íntegra dessa recente legislação, conhecida como BNC-Formação, clique aqui
(https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-2-de-20-de-dezembro-de-2019-234967779).

Em conformidade com esse princípio e a legislação vigente, foram estabeleci-


dos alguns requisitos ao desenvolvimento da Prática Pedagógica, os quais se-
rão importantes para garantir o efetivo cumprimento desse componente curri-
cular:

1.  Inicialmente, deverá ser efetivado o ajuste formal entre o Claretiano -


Centro Universitário (instituição formadora) e a escola parceira ou conve-
niada, com preferência para as instituições de ensino públicas.
2. A realização da Prática Pedagógica deverá ser acompanhada pelo profes-
sor/tutor do Claretiano e por um professor experiente da escola onde o es-
tudante a desenvolve, com vistas à integração entre o curso e o campo de
atuação.
3. A Prática Pedagógica estará presente em todo o percurso formativo do es-
tudante, com a participação da equipe docente do curso, devendo ser de-
senvolvida em uma progressão que, partindo da familiarização inicial
com a atividade docente, conduza, de modo harmônico e coerente, no
qual a prática deverá ser engajada e incluir a mobilização, a integração e
a aplicação do que foi aprendido nas disciplinas, bem como deve estar
voltada à resolução dos problemas e das di�culdades vivenciadas.
4. Os relatórios elaborados pelo estudante durante o desenvolvimento da
Prática Pedagógica deverão ser enviados no Portfólio da disciplina, com-
pilando as evidências das aprendizagens requeridas para a atuação do-
cente.

1. Como desenvolver a Prática Pedagógica?


O desenvolvimento da Prática Pedagógica pressupõe atividades presenciais e
virtuais incluindo visitas e observação de ambientes escolares, protocolo de
documentos, além do envio de relatórios na ferramenta Portfólio da Sala de
Aula Virtual.

A Prática Pedagógica será desenvolvida ao longo de todo o semestre letivo, di-


vidida em etapas, com dois momentos de entrega de relatórios, indicados no
cronograma da disciplina e descritos no material didático. As etapas compre-
endem a seguinte sequência:

1. Identi�cação.
2. Caracterização.
3. Observação.
4. Planejamento.
5. Aplicação.
6. Relatório Final.

Para ter acesso a descrição das etapas do desenvolvimento da Prática Pedagógica desta disciplina, con-
sulte os Ciclos 2 e 4 nas ferramentas Plano de Ensino e Portfólio.

Todo o acompanhamento da realização da Prática Pedagógica �cará a cargo


do professor/tutor a distância, que fará a orientação de todas as etapas e a va-
lidação dos documentos, sempre supervisionado pelo professor responsável
da disciplina.

A Prática Pedagógica é parte integrante do Sistema de Avaliação da Aprendizagem da dis-


ciplina. Para cada uma das etapas de realização, haverá uma pontuação especí�ca, totali-
zando 13 pontos, caso você obtenha o desempenho máximo.
A carga horária da Prática Pedagógica será de 100h, distribuídas nas etapas que a com-
põem.

2. Etapas de desenvolvimento da Prática


Pedagógica
Portfólio 1

Horas Totais
Atividade Atribuídas Nota
20h

Planejamento e orga-
Etapa 1 nização da Prática 5h
Pedagógica. 3.0 pontos
Contextualização da
Etapa 2 15h
Prática Pedagógica.

Portfólio 2

Horas Totais
Atividade Atribuídas Nota
80h

Observação de ambi-
Etapa 3 entes e situações de 15h 10 pontos (3.0 pontos
aprendizagem - aula. dedicados à
Elaboração do plano Fundamentação
Etapa 4 de aula ou da sequên- 20h Teórica)
cia didática.
Desenvolvimento da
Etapa 5 25h
prática (regência)

Elaboração e entrega
Etapa 6 do relatório crítico- 20h
re�exivo.

3. Ofícios e Documentos
Nas diferentes etapas da Prática Pedagógica, será necessária a geração, preen-
chimento e assinatura de diferentes documentos obrigatórios disponíveis na
SAV (ferramenta Material). Veja quais são eles:

• Pedido de Autorização para Prática Pedagógica de Estudante (download)


(https://md.claretiano.edu.br/estelerepdesproesclinpic-gp0042-fev-2022-
grad-ead/wp-content/uploads/sites/27/2020/12/PedAutPraPedEst-
1-2.doc): documento o�cial, de caráter pessoal e intransferível, por meio
do qual o aluno faz a solicitação e a emissão do documento,
submetendo-o à assinatura da instituição conveniada.
• Termo de Compromisso para Práticas Pedagógicas (download)
(https://md.claretiano.edu.br/estelerepdesproesclinpic-gp0042-fev-2022-
grad-ead/wp-content/uploads/sites/27/2020/12/TerComPraPed-2.docx):
documento o�cial, de caráter pessoal e intransferível, por meio do qual o
aluno faz a solicitação e a emissão do documento, submetendo-o à assi-
natura da instituição conveniada, de modo a convencionar entre as par-
tes o que caberá a cada uma delas durante a realização da Prática
Pedagógica.
• Declaração de Comprovação de Prática Pedagógica (download)
(https://md.claretiano.edu.br/estelerepdesproesclinpic-gp0042-fev-2022-
grad-ead/wp-content/uploads/sites/27/2020/12/DecComPraPed-1.docx):
documento o�cial, de caráter pessoal e intransferível, por meio do qual o
aluno faz a solicitação e emissão do documento, submetendo-o à assina-
tura do professor/supervisor responsável da escola onde ele desenvolve
sua Prática Pedagógica.

Importante:
Caso você realize a Prática Pedagógica de mais de uma disciplina em uma mesma escola, o Pedido de
Autorização para Prática Pedagógica de Estudante e o Termo de Compromisso para Práticas Pedagógicas
poderão ser únicos. Lembre-se, apenas, de sempre enviá-los nos respectivos Portfólios de cada disciplina.

4. Sistema Avaliativo
As disciplinas com carga horária de Prática Pedagógica terão uma estrutura
avaliativa diferente das demais, com atividades que serão desenvolvidas pre-
sencialmente em ambientes escolares, em etapas que deverão ser cumpridas
de acordo com o cronograma da disciplina.

Além das atividades direcionadas à Prática Pedagógica, a disciplina terá co-


mo instrumentos avaliativos: Fórum de Abertura, Questões Online e Avaliação
Semestral Interdisciplinar (ASI).

No quadro a seguir, veja como está estruturado todo o sistema avaliativo das
disciplinas nessa modalidade:

Valor/pon-
Instrumento Composição Aplicação Ciclo
tos
2 questões re- 2,0
Questões
ferentes a cada (0,40 por ci-
Online SAV Todos
ciclo de apren- clo)
dizagem

     
Fórum de
Interatividade SAV 1º 2,0
Abertura
 
   
   
1ª e 2ª etapas
Portfólio 1 SAV 2º 3,0
da atividade
 

  Prova interdis-
ciplinar objeti-
  va, formada
por 6 questões
NOTA de múltipla es-
1 colha, que con- Aplicada
Avaliação
templam os de modo
Semestral
conteúdos e as online, Todos 3,0
Interdisciplinar
competências com aces-
(ASI)
de todas as so na SAV.
disciplinas do
semestre letivo
em um único
instrumento de
avaliação

Relatório Final
das Práticas
 
Portfólio 2 Pedagógicas    
NOTA
Relatório �nal desenvolvidas SAV 4º 10,00
2
e documenta-
ção comproba-
tória
5. Aprovação/Validação da Prática
A aprovação da Prática Pedagógica estará atrelada ao atendimento dos objeti-
vos propostos. A não realização da atividade proposta gerará dependência da
disciplina.
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Ciclo 1 – Pensando o Desenho: Elementos Visuais e


Expressivos

Carolina Cabral e Souza

Fabíola  Gonçalves  Giraldi

Objetivos
• Conhecer as formas de desenho.
• Conhecer e explorar diferentes suportes, materiais, instrumentos e pro-
cessos.
• Conhecer e identi�car a articulação entre percepção e representação do
mundo visível.
• Conhecer os elementos do desenho.
• Compreender as noções básicas de espaço e de composição.

Conteúdos
• O pensamento do desenho da �gura humana como vínculo construtor
de imagens e ideias através da visualidade de formas e conteúdos.
• O desenho como instrumento de representação e de compreensão.
• O esboço e o estudo; formas lineares e formas pictóricas.

Problematização
Como compreender e desenvolver modos próprios de expressão e comunica-
ção visuais, utilizando os diversos recursos e elementos do desenho?

Orientações para estudo


As de�nições dos elementos do desenho são fundamentais para o seu enten-
dimento. Por meio deles é possível decodi�car um desenho e, principalmen-
te, ampliar as possibilidades de exploração de suas formas. Atente para as
formas presentes ao seu redor e descubra seus elementos a partir dos conhe-
cimentos adquiridos neste ciclo.

Para conhecer um pouco mais sobre a expressão que se pode dar a linhas e
outros traçados, assista aos seguintes vídeos:

• Linhas e espirais (http://www.youtube.com/watch?v=gsKc0oiEvS0),


curta metragem de Diego Akel, 2009.
• Linhameyer (http://www.youtube.com/watch?v=vNeNLFs9eIs&NR=1),
uma homenagem musical de Carlinhos Brown, George Israel e da em-
presa H.Stern para o arquiteto Oscar Niemeyer.
• Assista ao �lme Perspectiva (http://www.youtube.com/watch?v=t-
zikzxSL7g) e atente ao desenho de uma casa com um único ponto de fu-
ga. Repare que as linhas convergem para este ponto escolhido na linha
do horizonte, como se as linhas não fossem paralelas, exatamente como
funciona a nossa visão. Depois a casa é desenhada sob dois e três pontos
de fuga, respectivamente.
• Veja como criar um efeito de profundidade assistindo ao vídeo
Montanhas (http://www.youtube.com/watch?v=labl3gRqqmA).
• Veja a videoaula de Daniel Brandão, Aula de Desenho #3 - Luz e Sombra
(http://www.youtube.com/watch?v=jLUiS3PnaH8&feature=related)com
dicas de desenho com relação a luz e sombra.

1. Introdução
Neste primeiro ciclo de aprendizagem, veremos os materiais e suportes que
podem ser utilizados na elaboração de desenhos, pois ao longo dos tempos, as
metodologias, técnicas, instrumentos e suportes foram evoluindo e por isso
mesmo nos oferecem uma gama de possibilidades de exploração e criação.
São eles que nos permitem expressar e materializar nossas ideias, nossos
pensamentos.

Bons estudos!
2. Formas de Pensar o Desenho: Materiais e
Suporte
São inúmeros os materiais e suportes que podem ser utilizados na elaboração
de desenhos. Ao longo dos tempos, as metodologias, técnicas, instrumentos e
suportes foram evoluindo e nos oferecem uma gama de possibilidades de ex-
ploração e criação. São eles que nos permitem expressar e materializar nossas
ideias, nossos pensamentos. A respeito disso, leia o texto a seguir:

No séc. XX a noção de instrumento, material e suporte artístico alargou-se enorme-


mente com a alteração e a integração de novos conceitos na arte. Assim, o próprio
corpo humano é considerado "material" e "suporte", como na "body Art". Objectos já
existentes, que foram tirados do seu contexto habitual e integrados no domínio ar-
tístico, como os "ready made" dos grupos Dada e Surrealista, são também exemplos
de novas e revolucionárias acepções dos termos suporte e material. Nas "instala-
ções", "happenings" e "performances", atuações e intervenções artísticas, os mate-
riais e suportes não têm regra e são condicionados pelo caráter original da ideia
expressiva (SOARES, 2011).

Atualmente, os limites de apropriação de materiais e suportes são ainda me-


nores. Mas, para iniciarmos o estudo do desenho, não podemos deixar de co-
nhecer e descobrir os materiais e suportes básicos e essenciais para sua exe-
cução, como um lápis gra�te (ou outros materiais) e uma folha branca de pa-
pel, como descreve o trecho a seguir:

Vários são os materiais empregados na elaboração de desenhos. Eles podem ser


feitos com pena ou ponta de prata, para a obtenção de traços �nos; com lápis, giz ou
carvão, quando a linha se torna mais espessa; também com pastel ou pincel, quan-
do o objetivo é um traço mais grosso. Desde a invenção do papel, no século XIV, ele
se torna o suporte dominante para a realização de desenhos (ITAÚ CULTURAL,
2009).

Vamos, agora, estudar alguns materiais que podem ser utilizados para fazer
desenhos, analisando seu uso e suas especi�cidades através de algumas des-
crições e observações de imagens.
Ponta de metal
Considerada a precursora do desenho a lápis, essa ferramenta é feita de um
metal homogêneo e tem sido utilizada desde a Antiguidade para gravar sobre
suportes moles, como argila, cera, pergaminho (geralmente pele de carneiro,
cordeiro, cabra ou ovelha) ou velino (pele mais delicada, geralmente de bezer-
ro ou cordeiro).

O suporte escolhido deve ser revestido com uma solução aquosa de pó de osso,
goma arábica e, por vezes, algum corante. Nesse revestimento, pode-se inscre-
ver com a ponta de metal, porém essa inscrição não permite raspagem ou re-
toque.

O desenho feito com esse instrumento tem como característica um traçado de


efeito pálido, e a cor varia de acordo com o metal da ponta. Veja outros deta-
lhes na descrição de Rudel (1980, p. 42):

As pontas de metal eram de diversos tipos: ouro, prata, cobre, chumbo, estanho,
bronze e bismuto – sendo a prata e o chumbo os mais utilizados. A prata deixa um
traço cinza, às vezes levemente ocre, que em geral escurece, enquanto o chumbo dá
uma cor mais claramente acinzentada. O traço do ouro é mais ou menos castanho-
escuro com o ouro puro, em contraste bem vivo com o traço amarelado do cobre.

Desenhos feitos com essa técnica costumam ser de pequenas dimensões devi-
do à boa habilidade manual e paciência necessárias para sua execução.
Figura 1 Velino inglês de 1638.

Com a invenção do papel, essa técnica passou a ser menos utilizada devido à
necessidade de um desenho mais rápido e de efeitos maiores; porém, ainda é
utilizada em gravuras em metal. A gravura em metal também é chamada
ponta-seca (veja um exemplo de obra em que essa técnica foi utilizada, na
Figura 2), que consiste na utilização de uma ponta rígida diretamente sobre o
metal. Segundo Pedroso (2011):

A técnica da gravura em metal começou a ser utilizada na Europa no século XV. As


matrizes podem ser placas de cobre, zinco ou latão. Estas são gravadas com incisão
direta ou pelo uso de banhos de ácido. Água-forte, água-tinta, ponta seca são as téc-
nicas mais usuais. A matriz é entintada e utiliza-se uma prensa para transferir a
imagem para o papel.
Figura 2 Árvore em tiras, de Horst Janssen, 1971. Água-forte, água-tinta e ponta-seca, em cobre.

Pena
A pena é um dos instrumentos grá�cos mais antigos. A princípio, eram utili-
zadas penas de aves; atualmente, conserva-se o nome, mas são utilizadas
pontas metálicas.

Com o uso da pena e o desenvolvimento paralelo do papel, a emancipação do


desenho tornou-se possível, com vantagens apresentadas por um traço con-
trastante de preto sobre o branco – ou em meia-tinta. Segundo Rudel (1980, p.
43), esse traço contrastante "[...] facilitava o jogo de gradações de sombra por
meio de tipos diferentes de entrecruzamentos de hachuras; isso também asse-
gurava uma primeira equivalência da penumbra".

Observe, na Figura 3, um desenho feito com pena.


Figura 3 Desenho a bico de pena do Teatro São José (SP), de Carlos São Thiago Lopes, feito a partir de fotogra�as tira-

das em 1860 e 1887.

Lápis gra�te
O uso de lápis gra�te é um dos meios de desenho mais populares. É composto
por uma barra ou mina, revestida de madeira mole e sem veios. As minas es-
tão disponíveis em diferentes graus de dureza e são classi�cadas da seguinte
forma:

Dura

8H, 7H, 6H, 5H, 4H, 3H, 2H, H

Média

HB, F, B, 2B, 3B, 4B, 5B, 6B, 7B

Macia

8B, 9B

As letras que acompanham os números são siglas dos termos em inglês: "H"
de "hard", indicando que a mina é dura; "B" de "brand" ou "black", indicando
que a mina é macia ou preta; "HB" representa a junção de "hard" e "brand", e
indica mina de dureza média.

Para o desenho artístico, são aconselháveis os lápis com gra�tes macias (B),
que permitem traços mais escuros; e, para o desenho técnico, os com gra�tes
mais duras (H), que permitem os traços mais �nos.

Observe, na Figura 4, uma ilustração feita com gra�te.


Figura 4 Dr. Koller, de Egon Schiele, 1918. Gra�te sobre papel.

Paus de gra�te
Os paus de gra�te são feitos de gra�te sólida, pura, com grossura su�ciente pa-
ra não necessitar da madeira protetora do lápis, de forma que tanto o lado co-
mo a ponta possam ser usados. Essas barras de gra�te são muito usadas pela
maioria dos desenhistas porque possibilitam uma grande versatilidade de tra-
ços.

Os traços de gra�te, quer provenham dessa barra quer de lápis, podem ser es-
fumados com a ponta do dedo quando são pouco duros. O esfumado será mui-
to útil quando for necessário realizar diferentes exercícios de desenho.

Carvão e lápis de carvão


O carvão é a ferramenta de desenho mais maleável, antiga e simples que exis-
te. Possibilita um traço pouco estável, e sua base desfaz-se facilmente. Ideal
para desenhar tons.

Depois que o desenho estiver pronto, é importante aplicar uma camada de


spray �xador para conservá-lo. O lápis de carvão – também disponível em di-
ferentes graus de dureza – permite um manuseamento menos sujo e proporci-
ona uma linha mais de�nida.

Veja, na Figura 5, um desenho de Henri Matisse feito em carvão.

Figura 5 Autorretrato, de Henri Matisse, 1937. Desenho a carvão.

Os materiais/meios que serão apresentados a seguir são para trabalhar com


cores no desenho. O desenho com meios de diferentes cores permite aumentar
as possibilidades do traço e da textura. Acompanhe.

Lápis de cor
Material delicado e preciso. No mercado, existe uma grande oferta desse lápis,
sendo os de maior qualidade ideais para um resultado melhor.

Veja, na Figura 6, uma obra na qual é utilizado o lápis de cor.


Figura 6 Andy, Paris, David Hockney, 1974.

Giz e pastéis
Esses materiais são encontrados em forma seca ou oleosa e em diversas co-
res, o que permite um traço de desenho rico em possibilidades. O giz branco
pode dar um tom mais luminoso para o desenho. Veja, como exemplo, a obra
de Degas (Figura 7).

Figura 7 Cena de ballet, de Degas, 1907. Pastéis de óleo.


Canetas de feltro/hidrográ�cas
São canetas que usam uma tinta à base de água; existem de vários tipos de co-
res, bicos, espessuras. No seu interior, há uma haste de feltro, embebida em
tinta. São muito cômodas para fazer esboços.

Nanquim
Considera-se o nanquim como o primeiro pigmento conhecido pelo ser huma-
no. Trata-se de uma tinta preta, composta, normalmente, de negro-de-fumo,
pigmento também conhecido como negro-de-carbono ou negro-vegetal, obti-
do da fuligem de resíduos de petróleo queimado, que pode ser usada para es-
crever e desenhar.

Atualmente, apresenta-se na forma líquida ou em bastão, pode ser aplicado


com caneta ou pincel e é fabricado em diversas cores, a partir de outras fór-
mulas e ingredientes diferentes.

A partir da utilização desse pigmento, seu nome passou a designar, também, a


técnica que o emprega.

Veja um exemplo de seu uso na Figura 8.


Figura 8 Sem título, nanquim s/papel, de Isaura Pena, 1997.

Aquarela
A técnica da aquarela é conhecida entre os egípcios antes mesmo da era cris-
tã, porém só se tornou mais conhecida a partir do século 15, mais especi�ca-
mente com as obras de Albrecht Dürer.

Para realizá-la, emprega-se pincéis macios para aplicar sobre o papel um pig-
mento em pó misturado com goma arábica, diluído em água. Assim, por meio
dessa técnica, "[...] obtêm-se belas transparências de luz e cor, motivo pelo
qual é muito apreciada pelos paisagistas" (CASSIMIRO, 2011).

Veja, na Figura 9, uma aquarela de Mary Cassatt, do século 19:


Figura 9 Autorretrato, de Mary Cassatt, 1880. Aquarela.

Tinta guache
A tinta guache é constituída por pigmentos em pó coloridos misturados a um
pigmento plástico e um pigmento branco opaco. Com essa mistura, diferencia-
se da aquarela pela sua qualidade opaca. As cores claras podem ser aplicadas
sobre outras mais escuras, depois que estas já estão secas.

O guache, nome da técnica de pintura que utiliza essa tinta, é usado, muitas
vezes, em desenhos e ilustrações ou em trabalho conjunto com materiais vari-
ados de desenho.

O guache possibilita tanto traços �nos quanto mais espessos, despojados ou


mais aguados: os traços dependerão da escolha do pincel e da quantidade de
água a ser utilizada e, especialmente, da intenção do artista.

Observe, nas Figuras de 10 a 13, algumas obras em que foi utilizada essa técni-
ca:
Fonte: elaborada pela autora Fabíola Gonçalves Giraldi.

Figura 10 Sem título, de Fabíola Giraldi, 2005, guache sobre papel.


Figura 11 Pierrot, de Picasso, 1920. Guache.

Figura 12 Desenho japonês (uso de tinta).


Figura 13 Desenho japonês (uso de pincel e tinta).

Papel
O papel é o principal suporte do desenho. Como mencionado anteriormente, o
pergaminho e o metal são outros tipos de suportes, mas, por serem utilizados
com �nalidades especí�cas, são menos utilizados.

Existe uma ampla gama de papéis disponíveis, e cada um é adequado a um ti-


po de material. Quanto mais grosso for o grão do papel, por exemplo, mais evi-
dente será o traço feito pelos diferentes meios de desenho.

Além do grão, os papéis caracterizam-se pela sua gramatura ou peso e pelo


seu tamanho:

1. Peso: determina a sua espessura. É representado em gramas por metro


quadrado (g/m²) e varia de 135 g/m² do papel de peso médio a 640 g/m²
do papel pesado.
2. Tamanho: segue um sistema de medição, cujo mais comum é o dos tama-
nhos A, em que cada um corresponde à metade do anterior:

• A1 – 840mm X 594mm;
• A2 – 594mm X 420mm;
• A3 – 420mm X 297mm;
• A4 – 297mm X 210mm.

Os tamanhos A3 e A4 são os mais indicados para desenhar.

3. A Relação entre Material e Suporte


Cada instrumento se adequa melhor a cada suporte. Porém, lápis sobre papel e
tinta sobre tela não são mais regras rígidas de desenho e pintura respectiva-
mente. Algumas vezes, como nos desenhos japoneses vistos anteriormente
(Figuras 12 e 13), as duas técnicas se confundem. É possível pintar a óleo ou
tintas plásticas sobre papel e desenhar com lápis sobre tela e placas de madei-
ra, por exemplo.

A expressão desejada depende dessa relação: é preciso saber escolher os itens


que melhor combinam entre si. Por exemplo, com aquarela ou nanquim, é
mais adequado utilizar papel mais grosso, pois a folha �na de papel absorverá
muito rapidamente a água, e o papel �cará mole demais – não há espaço (es-
pessura) para tanta água.
Para desenhos com lápis, carvão e outros materiais secos, podem-se utilizar
papéis com menor peso.

Papéis porosos combinam com giz pastel. Papéis lisos possibilitam um desli-
ze macio tanto do lápis quanto do pincel. Ao utilizar cores, dependendo da in-
tenção, o ideal é escolher um papel de cor mais clara que o traçado do desenho
– sim, há várias cores de papel também!

A gra�te pode ser usada, praticamente, em todos os tipos de papel (liso, textu-
rado, rugoso), exceto em plasti�cados, aos quais adere mal. Por isso, é muito
importante a escolha do tipo de papel de acordo com o objetivo do desenho,
pois a gra�te se comporta de forma diferente com cada um. Papéis como o
canson são ótimos suportes para trabalhos em valores de cinzento e com de-
gradê.

Segundo Rudel (1980, p. 64):

O gesto do desenhista contenta-se originalmente com qualquer suporte. Em pri-


meiro lugar, ele se apropria de uma imagem e a faz ser. Mas não para uma simples
notação, se deseja animar essa imagem ou organizá-la numa forma, deve-se estar
atenta à matéria de seu traçado, sombra ou simples mancha e, por conseguinte, à
textura do suporte.

 Saiba mais sobre desenho!

Agora, para entender melhor as questões acerca do desenho, assista no


vídeo a seguir uma aula do historiador da arte Jorge Coli sobre a nature-
za do desenho:
Há variadas formas e estilo de desenhar. Por isso, não podemos desconsiderar
os valores e os costumes de cada época, pois em cada época nasce uma arte.
Cada artista re�ete, em forma de arte, a sua vida, as circunstâncias de socie-
dade em que vive, a maneira como absorve tudo isso.

4. Elementos Visuais e sua Composição –


Desenho
Sobre os elementos visuais, sua composição e a expressão por meio desses
elementos devemos levar em consideração o fato de que as de�nições dos ele-
mentos do desenho são fundamentais para o seu entendimento. Por meio de-
les, é possível decodi�car um desenho e, principalmente, ampliar as possibili-
dades de exploração de suas formas.

Em uma ocasião, perguntamos a um caipira na cidade de Jambeiro (estado de São


Paulo): com quem ele aprendera a fazer "�gurinhas" de barro para presépios; quem
lhe dera os modelos; quem lhe ensinara. Respondeu, diante de uma pequena escul-
tura – "o desenho é meu mesmo" (MOTTA apud DERDYK, 2007, p. 19).

Sabemos que o desenho pode se apresentar de várias formas. Com base nesse
princípio, vamos, agora, re�etir sobre nossa capacidade de desenhar e procu-
rar expressá-la.

Há quem diga que desenhar é um dom que apenas algumas pessoas recebem
ao nascer, mas isso é relativo. Desenhar é uma questão de percepção e prática.
Talvez, muita prática para uns, menos para outros. Porém, todos nós desenha-
mos, mesmo que a última vez tenha sido há bastante tempo, na época das ga-
ratujas infantis.

O que importa é que "precisamos" desenhar. O desenho é uma das linguagens


da arte, e nós, como futuros educadores, temos o dever de experimentar nos-
sas ferramentas para saber como ensinar a usá-las.

Veja o que diz Sapienza (apud IAVELBERG, 2006, p. 94):


"Não sei desenhar" é uma das frases que o professor de arte mais ouve. Para saber
desenhar, instrumento básico para a elaboração do pensamento visual, é preciso
adotar uma atitude similar. Exercitar diversas formas de desenhar sem se preocu-
par com um resultado �nal a ser exposto como "obra de arte", por exemplo: criar
um argumento visual para uma conversa; anotar memória e percepções; esboçar
pensamentos e projetos. Esta experiência é fundamental para o desenvolvimento
da própria habilidade de desenhar, mesmo quando o propósito é obter resultados
que possam ser "expostos". Esta atitude pode ser encontrada nos processos de cria-
ção dos mais diversos artistas.

De acordo com essas ideias de Sapienza, podemos desenhar tudo o que quiser-
mos, independentemente de como o fazemos. E sendo desenho, como já foi di-
to, uma linguagem visual, precisamos, para desenhar, conhecer os elementos
que constituem a matéria básica daquilo que vemos.

Para isso, é preciso decompor os elementos para compreender melhor como


se dá essa composição da forma para, então, perceber o todo.

Iniciaremos, agora, um estudo de teoria e prática dos elementos do desenho


enquanto linguagem da arte. Começaremos, então, pela forma.

Forma
Segundo Edgar Degas: "O desenho não é a forma, é a maneira de ver a forma".

Todos nós somos capazes de expressar nossas ideias por meio de registros
grá�cos. Porém, os resultados dependerão, basicamente, de como cada um re-
alizará seus registros, dependerão da maneira como cada um vê o mundo.

Quando falamos em percepção visual, podemos nos referir à maneira como


cada um expressa a forma de sua composição. Mas o que seria forma?

Veja, a seguir, uma de�nição de Wassily Kandinsky (apud MATOS, 2011):


A forma, no sentido mais restrito da palavra, é a delimitação de uma superfície por
outra. É esta a de�nição de seu caráter exterior. Mas qualquer coisa exterior contém
também, necessariamente, um elemento interior (que, consoante os casos, aparece
com maior ou menor intensidade). Cada forma tem portanto um conteúdo interior.
A forma é a manifestação exterior deste conteúdo.

Segundo a Enciclopédia Simpozio (2011), forma é "[...] a qualidade que os cor-


pos têm de distribuir suas partes pelo espaço". É aquilo que percebemos, a dis-
posição em que os elementos, ponto, linha e plano se encontram.

A forma é criada sobre um suporte e tem contorno e superfície. Geralmente,


mantém uma constância, pois um círculo, mesmo feito com diferentes ele-
mentos, é sempre um círculo. Isso quando não é uma forma orgânica, algo
mais livre em sua con�guração.

Observe as Figuras de 14 a 17.

Figura 14 Arte computacional de gravura rupestre representando um pequeno círculo e circunferências concêntricas

(Boa Esperança do Iguaçu – PR).


Figura 15 Circunferências, Mauro 6º C, 2008/2009. Canetas de feltro.

Figura 16 Obra de Victor Vasarely.


Figura 17 Drawing – Collage, de Joan Miró, 1936. Lápis sobre papel.

Depois de observar as Figuras de 14 a 17, re�ita sobre as seguintes palavras de


Rudolf Arnheim (2005, p. 130):

Cada meio prescreve a maneira pela qual as características de um modelo são me-
lhor conseguidas. Por exemplo, um objeto redondo pode ser representado por uma
linha circular com um lápis. Com um pincel, que pode fazer grandes manchas, é
possível produzir um simulacro do mesmo objeto por meio de uma mancha de tin-
ta em forma de disco. No meio argila ou pedra, a esfera é o melhor equivalente da
rotundidade. Um bailarino representa-a fazendo um percurso circular, girando ao
redor de seu próprio eixo, ou organizando um grupo de bailarinos num círculo.
Num meio que não permite con�gurações curvas, a rotundidade pode ser expressa
por linhas retas.

Para que uma forma se constitua, então, algo tem de "dar o primeiro passo".
Desse modo, o ponto será nosso ponto de partida.

De acordo com Matos (2011):

A unidade básica do corpo humano é a célula. A unidade básica do desenho é o


ponto. O desenvolvimento do ponto gera uma linha. Em um feto em formação, a
primeira forma clara que as células em desenvolvimento assumem é a de uma li-
nha: a coluna vertebral – eixo de sustentação do corpo. Todos os membros são ra-
mi�cações da coluna, o bebê desenvolve-se em relação e dependência a essa pri-
meira linha. O corpo desenhado contém também essa arquitetura natural, a partir
da coluna ecoam todas as formas, contornos e volumes.

Ponto
O ponto pode ser considerado não só a menor unidade dos elementos grá�cos,
mas também o início deles. De�ni-lo precisamente não é tão simples. É neces-
sário re�etir sobre ele, entender que não tem uma forma especí�ca, ou seja,
que não precisa ser, necessariamente, redondo, embora possa ser medido.

Veja como Kandinsky (1997, p. 17-20) procura de�nir o ponto:

O ponto geométrico é invisível e, portanto, deve ser de�nido como imaterial, ou, en-
tão, como material, se for considerado igual a zero.
Além disso, o zero esconde diferentes propriedades "humanas". De acordo com a
nossa concepção, esse zero (o ponto geométrico) evoca uma concisão absoluta, isto
é, a maior reserva, que, no entanto, fala.
O ponto geométrico, de acordo com a nossa concepção, é a derradeira e única união
do silêncio e da palavra. Por essa razão, ele encontrou sua forma material em pri-
meiro lugar na escrita, pertencendo à linguagem e signi�cando, assim, silêncio.
[...]
O aumento do espaço livre e das dimensões do ponto diminui a ressonância da es-
crita e o som do ponto ganha em clareza e força.
[...]
O ponto começa a viver como um ser autônomo e de sua submissão evolui para
uma necessidade interior.
Hoje eu vou ao cinema.
Hoje eu vou. Ao cinema.
Hoje eu. Vou ao cinema.
Hoje eu vou ao cinema.

Vários pontos juntos podem formar uma linha, uma mancha. O pontilhismo é
a técnica na qual os tons são formados por meio do agrupamento de vários
pontos. A intensidade de cada tom varia quanto ao tamanho e proximidade de
uns aos outros, como, por exemplo, quando estão bem próximos, criando tons
mais escuros e a sensação de profundidade.
Observe, nas Figuras de 18 a 21, algumas obras nas quais foi empregada a téc-
nica do pontilhismo.
Figura 18 Pontilhismo.

Figura 19 Pontilhismo.
Figura 20 Pontilhismo.

Figura 21 La Seine a Courbevoie, de Georges Seurat, 1885.

Exercício proposto 1

Que tal se você experimentasse fazer um desenho empregando a técnica do


pontilhismo agora? Pense em algumas �guras, formas geométricas básicas,
como quadrados ou triângulos, por exemplo. Desenhe-as utilizando apenas
pontos, usando canetas de feltro (canetas hidrográ�cas ou hidrocor).

Explore o desenho repetindo as formas, alterando suas dimensões, intercalan-


do formas geométricas com formas orgânicas. Lembre-se de que a criação é
sua e que a intenção, aqui, é usar apenas pontos. Uma dica: quanto mais próxi-
mos uns dos outros os pontos estiverem, maior será o efeito de profundidade.
Procure analisar esse efeito na Figura 22.

Fonte: elaborada pela autora Fabíola Gonçalves Giraldi.

Figura 22 Pontos azuis e violetas, de Fabíola G. Giraldi, 2010. Caneta hidrocor sobre papel.

Linha
Segundo Derdyk (1989, p. 144): "O ponto sai do repouso, passeia pelo papel vis-
lumbrando, dele mesmo, uma memória do trajeto: eis a linha".

A linha direciona nosso olhar, mesmo quando o desenho é feito apenas com
pontos – podemos visualizá-la ao unirmos esses pontos com o olhar.

Ela dimensiona, limita, contorna, imita, desaparece, surge. Na verdade, ela


nem existe na natureza, como já dizia Leonardo da Vinci, e Edith Derdyk (1989,
p. 145) nos relembra:
A linha é circunstancial, só existe do encontro entre as coisas, inventando planos e
territórios, tal como a linha do horizonte, fruto da visão que olha o encontro do céu
com a terra. Onde morre a linha e nasce o plano? Onde começa o rio e termina o
mar? A linha imita os limites.

Podemos considerar a linha como o espelho do gesto no espaço do papel. É


por meio dela que revelamos nosso traço, nosso gesto, nossa expressão. Veja o
que diz Derdyk (1989, p. 144):

A linha é o depósito grá�co da pulsão, do ritmo, do movimento, da ação motora e


energética, revelando no papel pontos, traços, manchas, resultantes da interação
mão/gesto/instrumento. Desta interação, nascem as qualidades expressivas da li-
nha: a intensidade, a duração, a direção, a espessura, a dimensão, o ritmo, a tensão,
a tipologia.

Assim, podemos perceber que há vários tipos de linhas e, com elas, consegui-
mos entender a composição visual, o movimento, o equilíbrio.

Vejamos alguns exemplos de linhas e seus efeitos nas Figuras 23 e 24.

As linhas horizontais e as verticais dão-nos a sensação de estabilidade por


termos o efeito da gravidade como forte referência.
Figura 23 Linhas horizontais paralelas.

Figura 24 Linhas verticais.

Temos, também, as linhas paralelas, que são aquelas que nunca se encontram,
nunca se cruzam, a não ser em um desenho de perspectiva, na qual se utiliza
uma técnica de ilusão de óptica (uma criação humana para obtermos dese-
nhos mais próximos da realidade), em que linhas paralelas convergem para
um mesmo ponto.

Observe, nas Figuras 25 e 26, imagens com linhas paralelas.


Figura 25 Linhas paralelas verticais e horizontais.

Já as linhas perpendiculares se cruzam, formando um ângulo reto de 90°.


Observe a Figura 26.

Figura 26 Linhas perpendiculares cruzadas.

As linhas inclinadas causam um outro efeito, movendo-se na direção de sua


inclinação (Figura 27).
Figura 27 Linhas inclinadas.

Como podemos observar, a posição das linhas curvas e das linhas que formam
ângulos pode apresentar um efeito de movimento em direção de seu maior
impulso ou de seu ápice. Esse efeito pode se acentuar, modulando, assim, a es-
pessura da linha. As Figuras 28 e 29 mostram os efeitos das linhas curvas e
das linhas formando ângulos.

Figura 28 Linhas curvas. Victor Vasarely (1908-1997), Étude of movement 1939.


Figura 29 Linhas que formam ângulos.

Em outra perspectiva, podemos observar que a linha sugere movimento quan-


do chama a atenção para um de seus extremos. Seu efeito pode ser explorado
para chamar a atenção a um determinado ponto, como as soluções de equilí-
brio, demonstradas na Figura 30.

Figura 30 Linhas que sugerem movimentos. Victor Vasarely (1908-1997) pavo, 1978 huile sur toile signée en bas au

centre porte le n° p-1008.

O efeito dinâmico das linhas, quando estão relacionadas entre si, pode ser per-
cebido em vários diagramas clássicos, como a Ilusão de Helmholtz, demons-
trada pela Figura 31, a Ilusão de Zöllner, pela Figura 32, e a Ilusão de Müller-
Lyer, Figura 33.
Figura 31 Ilusão de Helmholtz.

Figura 32 Ilusão de Zöllner.


Figura 33 Ilusão de Müller-Lyer.

Agora, observe as Figuras 34, 35 e 36.

Fonte: Pedrosa (2010, p. 103).

Figura 34 A e B são paralelas.


Fonte: Pedrosa (2010, p. 107).

Figura 35 AB=CD.

As linhas verticais das Figuras 33 e 34 são, na realidade, paralelas. Porém, em


virtude da força de atração que as linhas transversais exercem sobre elas, não
parecem estar nessa posição.

Podemos perceber que o mesmo acontece com a Figura 35, na qual as retas
são de igual comprimento. Porém, em virtude do efeito de extensão e contra-
ção sugerido pelas transversais, aparentam ser de tamanhos diferentes.

Como pudemos observar, as linhas também sugerem movimento, e, dessa ma-


neira, conseguimos efeitos variados ao repeti-las, alternar sua espessura, sua
direção, sua cor ou tom.

Observe e analise, agora, os efeitos apresentados nas Figuras de 36 a 41.

Fonte: Pedrosa (2010, p. 107).

Figura 36 Linhas que sugerem movimentos.

Fonte: Pedrosa (2010, p. 107).

Figura 37 Linhas que sugerem movimentos.


Fonte: Pedrosa (2010, p. 107).

Figura 38 Linhas que sugerem movimentos.

Fonte: Pedrosa (2010, p. 107).

Figura 39 Linhas que sugerem movimentos.

Fonte: Pedrosa (2010, p. 107).

Figura 40 Linhas que sugerem movimentos.

Fonte: Pedrosa (2010, p. 107).

Figura 41 Linhas que sugerem movimentos.

Esses efeitos, que são de natureza dinâmica, são explorados deliberada ou ins-
tintivamente pelos artistas. Observe a Figura 42.
Fonte: Derdyk (1989, p. 58).

Figura 42 Pablo Picasso desenhando, com uma lanterna, um centauro.

Leia, a seguir, algumas re�exões de Derdyk (1989, p. 148) sobre os usos da li-
nha:

Durante muito tempo a linha �cou presa, contornava as �guras. Ainda existe essa
linha mas conforme os artistas foram libertando-a, ela não precisa mais
aprisionar-se em imagens que fazem referências ao mundo visível ou materializar-
se apenas através de �guras de seres, animais, objetos. "A linha simplesmente é".

Com base nos pressupostos básicos sobre as linhas e seus efeitos apresenta-
dos, procure, a partir deste momento, explorar mais a expressão de seus traços
em seus desenhos.
Observe, agora, alguns desenhos feitos com linhas por alunos de uma escola
pública no interior de São Paulo (Figuras 43 e 44).

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 43 Desenho feito com linhas, de Ricardo Rodrigues de Oliveira, 2º Ano do Ensino Médio.

Fonte: acervo pessoal dos autores.


Figura 44 Desenho feito com linhas, de Mauruza Pereira Rosa, 1º Ano do Ensino Médio.

Procure observar o gesto de desenhar no espaço em seu cotidiano, ao seu re-


dor, na rua, em �lmes, em propagandas, no gestual de duas pessoas conver-
sando, do guarda de trânsito, dos controladores de voo, da linguagem de sinais
etc. Procure identi�car os desenhos nesses gestos.

Exercício proposto 2

Um exercício interessante é o "desenho de meros contornos", proposto por


Betty Edwards (2002, p. 113), um "[...] tratamento de choque para o cérebro,
forçando-o a fazer coisas de forma diferente". Esse tipo de exercício pode ser
feito com objetos que têm muitas texturas como, por exemplo, um pedaço de
casca de árvore, as rugas da palma da mão, quando a fechamos um pouco, ou
um emaranhado de �os.

Escolha um desses itens e desenhe as linhas que você consegue perceber sem
olhar para o papel, apenas para o objeto escolhido. Não se preocupe com o re-
sultado, pensando se o desenho vai �car "bom" ou não. Registre todas as li-
nhas que puder perceber.

Esse exercício faz com que nos desprendamos dos nomes daquilo que estamos
desenhando. Isso quer dizer que registramos as linhas gra�camente por suas
características, e não o que "são" na realidade.

De acordo com Edwards (2002, p. 115):

Em desenho, o termo aresta tem um signi�cado especial, diferente da sua de�nição


comum de contorno ou quina. A aresta é o local onde duas coisas se juntam. No de-
senho das rugas da mão, por exemplo, se foi este que escolheu fazer, a aresta que
você desenhou foi o lugar (a ruga) onde duas partes da carne da sua mão se uniram
para formar uma única fronteira para ambas. Esta fronteira compartilhada, no de-
senho, é descrita por uma linha, chamada linha de contorno.

Procure observar esses conceitos nos desenhos: uma mesma linha é o contor-
no de um objeto, mas, ao mesmo tempo, também pode ser o contorno do outro.
Como já vimos anteriormente, a linha é uma convenção utilizada para nome-
ar, justamente, o que "separa" uma coisa da outra. É importante ter isso em
mente para que possamos desenhar as linhas percebidas, e não apenas as li-
nhas "nomeadas".

5. Plano
Em nosso estudo, vamos considerar plano como a superfície material que dá
suporte à obra, ao desenho.

Observe, no texto de Flávia Paradella (2011), algumas conceituações e classi�-


cações de plano:

Conceitualmente, a trajetória de uma linha em movimento (em outra que não seja
sua direção intrínseca) se torna um plano.
Como elemento visual, possui comprimento e largura, tem posição e direção, é li-
mitado por linhas e de�ne os limites extremos de um volume.
Em uma superfície bidimensional, todas as formas planas que não são comumente
reconhecidas como pontos ou linhas, são formas enquanto plano.
As formas planas possuem uma variedade de formatos que podem ser classi�ca-
dos como:
1 – Planos Geométricos – Constituídos matematicamente.
2 – Planos Orgânicos – Limitados por curvas livres, sugerindo �uidez e crescimen-
to.
3 – Planos Retilíneos – Limitados por linhas retas que não se relacionam umas
com as outras matematicamente.
4 – Planos Irregulares – Limitados por linhas retas e curvas que também não se re-
lacionam umas às outras matematicamente.
5 – Planos Caligrá�cos – Criados sem auxílio de instrumentos, composto por li-
nhas orgânicas.
6 – Planos Acidentais – Determinado pelo efeito de processos especiais ou obtidos
ocasionalmente.

Para Derdyk (1989), o papel seria o suporte essencial para o desenho, então,
nesse caso, seria a própria representação do plano. Essa autora, porém, obser-
va outras formas de desenho e de suporte:
Qualquer superfície riscada sugere que alguém passou por ali, casualmente ou in-
tencionalmente. São rastros que humanizam a superfície: as marcas dos pés na
areia da praia, os riscos deixados pelos dedos no vidro embaçado, a marca de ba-
tom na pele da bochecha, um rabisco qualquer no canto do papel. Os registros grá�-
cos são gestos depositados numa superfície (1989, p. 146).

O conceito de plano mudou muito ao longo da história, e não há, portanto, mo-
tivo para delimitá-lo. Como se pôde observar na citação anterior, os planos po-
dem ser os mais variados e dependem, apenas, do "olhar" do artista, de sua
criatividade e percepção.

O plano e a composição
Vimos, na Figura 42, que Picasso desenha com uma lanterna. Qual é o plano?
Ele limita-se em um retângulo ou em um quadrado? Que composição pode-
mos criar nesse espaço?

A composição é o resultado de como arranjamos os elementos grá�cos em um


espaço determinado ou disponível (que pode ser um plano). Ou seja, o plano é
um espaço determinado, bidimensional e, por isso, é considerado um dos ele-
mentos básicos do desenho. Quando representamos um objeto tridimensional
em um plano bidimensional, em uma folha de papel, por exemplo, podemos
identi�car três planos: o primeiro plano, o plano médio e o plano de fundo.

É através da perspectiva (que estudaremos mais adiante) que conseguimos


obter esse resultado. Ela pode ser expressa por meio de linhas, texturas, cores,
luz e sombra, en�m, efeitos que possibilitam representar o real em uma super-
fície bidimensional.

Vimos, até agora, conceitos a respeito de ponto, linha e plano, elementos visu-
ais básicos da forma.

A partir de agora, convidamos você a compor uma imagem bidimensional,


buscando compreender como utilizar as formas e o espaço em um formato de-
terminado, quais as maneiras possíveis de fazê-lo, pensando em suas con�gu-
rações, re�etindo e estudando outros elementos expressivos, como luz/som-
bra e cores, movimento e equilíbrio, por exemplo.

Falaremos sobre alguns desses conceitos para que você possa sentir, elaborar
e executar seus próprios desenhos com mais percepção e, digamos, com um
olhar mais apurado.

6. Espaço
Forma-espaço / �gura-fundo
Se existe forma, deve haver, então, o espaço que ela ocupa. Formas compõem
espaços. Formas são positivas e espaços, negativos. Mas o que isso signi�ca?

Quando criamos uma composição, organizamos as formas em um espaço, em


um fundo. Em geral, são consideradas formas as �guras que estão em primei-
ro plano, ocupam as menores áreas e são contornadas. E o fundo, em contra-
partida, é o que está em segundo ou terceiro plano e que contorna as outras
formas.

Por isso, estudamos composição: para perceber como arranjar um espaço para
atingir uma determinada intenção. Existem várias maneiras de organizar for-
mas e espaços. Para isso, é preciso entender um pouco o que é esse espaço,
pois já tratamos de formas anteriormente.

Para visualizar e perceber essa relação entre forma e fundo, propomos um


exercício prático.

Exercício proposto 3

Pegue uma folha de papel sul�te, riscadores (lápis, caneta, crayon), um papel
mais duro (usamos uma embalagem longa vida) e tesoura ou estilete.

No papel mais duro, faça algumas formas, geométricas ou orgânicas – de pre-


ferência, sem desenhá-las: recorte diretamente o papel com a tesoura ou esti-
lete. Faça formas com partes vazadas também. Veja o exemplo da Figura 45.
Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 45 Formas recortadas de embalagem longa vida.

Agora, utilize essas formas como padrões, isto é, como moldes para criar uma
composição. Coloque esses moldes sobre a folha sul�te e crie uma composição
com eles. Mas lembre-se: estamos estudando o espaço (negativo) e as formas
(positivo).

Você, agora, tem moldes para fazer formas; o desa�o é pensar no espaço como
negativo. E é a linha que divide forma de espaço. Desenhe linhas e, então, con-
torne seus moldes.

Veja o exemplo na Figura 46.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 46.
Na Figura 46, temos formas positivas. Mas e o espaço negativo? Façamos isso
agora: com um riscador, preencha toda a área vazia. Observe, na Figura 47, que
o espaço faz parte da composição.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 47.

Podemos notar, analisando a Figura 47, que o espaço existe e é tão importante
quanto a forma. A maneira como trabalhamos forma-espaço, ou seja, como
preenchemos um formato, é essencial para criar uma composição, seja qual
for a intenção.

Entender esse procedimento possibilita que nossas ideias, nos desenhos, se-
jam transmitidas de uma forma melhor. É importante, também, para poder se
expressar e desenvolver sua composição, ter sua intenção de forma clara em
mente.

Observe, no texto a seguir, os apontamentos de Flávia Paradella (2011) sobre


esse tema:
Uma FIGURA se destaca do fundo pela atenção que desperta no observador.
A FIGURA é o elemento que possui signi�cado, enquanto o FUNDO é o pouco signi-
�cativo. A atenção sobre a FIGURA ocorre pelas características próprias do objeto
ou por características presentes no observador.
O contraste é o responsável pela distinção entre a FIGURA e o FUNDO. Contraste
que pode ser formal, pela qualidade da superfície ou pelo signi�cado da FIGURA.
A FIGURA possui algo formalmente diferente em relação ao contexto sobre o qual
está colocada. Pode ser um formato diferente, uma cor, uma textura etc. Com rela-
ção ao observador, as motivações pessoais podem ajudar a destacar uma FIGURA
em relação ao seu contexto.
Nem sempre as relações entre a FIGURA e o FUNDO são de�nidas. Pode-se perce-
ber um espaço ora como FIGURA, ora como FUNDO.

É muito importante saber o que se pretende representar, como e para quem,


pois toda obra precisa ter um sentido e transmitir uma intenção.

Tendo em mente isso e as observações no texto de Paradella (2011), analise as


Figuras 48 e 49, de Maurits Escher. Re�ita sobre elas: o que esse artista quer
nos transmitir?
Figura 48 Plane Filling II, de M. C. Escher, 1957. Litogra�a.

Figura 49 Symmetry, de M. C. Escher, 1959.

Segundo Betty Edwards (2002, p. 140):

Se os espaços negativos recebem tanta importância, quanto as formas positivas,


todas as partes do desenho parecem interessantes e tudo funciona junto para criar
uma imagem uni�cada.

Observe, nas Figuras 48 e 49, como Escher trabalhou esse conceito de forma
magistral, em uma composição muito rica, em que todos os detalhes têm sua
importância e seu signi�cado. Essa é uma forma de nos convidar a pensar so-
bre o que é forma e o que é espaço; o que é �gura e o que é fundo...

Há várias formas de perceber o espaço e utilizar a perspectiva é uma delas.


Vamos tratar desse tema agora.
7. Perspectiva
Como dito anteriormente, a perspectiva é uma técnica de ilusão de óptica uti-
lizada para se obter representações mais próximas da realidade. Ela pode ser
expressa por meio de linhas, texturas, cores, luz e sombra. Analise os detalhes
da Figura 50.

Figura 50 Oggetto totale, foto de klausbergheimer, 2008.

Na História da Arte, o termo perspectiva é empregado para designar as diver-


sas formas de representar profundidade espacial. Durante o Renascimento,
porém, a pesquisa cientí�ca da visão dá lugar a uma ciência de representação,
alterando, de modo radical, o desenho, a pintura e a arquitetura. Os estudos de
Geometria e de Ótica orientam a projetar objetos em profundidade pela conver-
gência de linhas aparentemente paralelas em um único ponto de fuga (ITAÚ
CULTURAL, 2011).
Terceira dimensão
Desde a sua infância, o homem tem demonstrado curiosidade em relação à visão que tem
das linhas de caminho de ferro. Embora sejam paralelas, parecem juntar-se no local a que
denominamos de horizonte. Na realidade, as formas observam-se desde o nosso ponto de
vista e segundo as regras que criamos. Também, qualquer forma, quanto mais afastada se
encontra de nós, menos é o seu tamanho, dentro de uma coerência provocada pela distân-
cia. De qualquer modo, é a única maneira de reconhecer as formas reais que visualizamos.
Tanto a criança como o adulto que não tenham uma educação visual básica são incapazes
de transmitir este tipo de informação visual através da sua escrita num espaço bidimensio-
nal. Ao contrário da escultura, que possui volume (tridimensional), o Quadro ou o desenho
artístico ou técnico, tem de transmitir através da mensagem visual, a ilusão da terceira di-
mensão. A terceira dimensão ou profundidade é transmitida pelo artista ao público, através
de regras geométricas da linguagem das projecções cónicas. O artista, conhecedor destes
"truques" de geometria descritiva, torna-se basicamente um "ilusionista", ao simular uma
terceira dimensão (profundidade), num espaço que tem apenas duas dimensões, como o pa-
pel ou a tela (CANOTILHO, 2011).

Observe, agora, uma xilogravura de Dürer, a qual representa uma de suas téc-
nicas (Figura 51).

Figura 51 Artista e mulher reclinada, de Albrecht Dürer, 1525. Xilogravura que mostra o artista utilizando a técnica da

grade, também chamada "Artifício de Dürer".

Na Figura 51, o artista representado desenha em um papel quadriculado, ten-


do, à sua frente, um painel quadriculado vazado, por onde observa a modelo.
Dessa forma, ele "transfere" para o desenho, quadro a quadro, cada parte da re-
alidade que vê.

Exercício proposto 4
Experimente aplicar esta técnica, conhecida como técnica da grade ou
"Artifício de Dürer". Use um papel espesso e faça quadrados vazados nele, isto
é, construa uma grade, do tamanho que quiser.
Depois, escolha algo como modelo para desenhar – um objeto, uma paisagem
ou uma pessoa. Fixe sua grade como representado na Figura 51. Com traços
bem leves, faça, em um papel, o mesmo número de quadros. Conforme você
for desenhando, esse quadriculado deve ir sendo apagado. Além disso, sua
grade e o papel quadriculado devem ser proporcionais.

Exemplos de perspectiva
É muito importante compreender e dominar as leis da perspectiva. Sabemos,
por exemplo, que todas as faces de um cubo são iguais. Entretanto, de acordo
com o ponto de vista em relação ao objeto e a linha do horizonte, é possível ver
uma, duas ou, no máximo três faces, e em posições diferentes. Assim, na hora
de desenhá-lo, precisamos estabelecer essas diferenças, construindo o cubo
de maneira tridimensional, independentemente da perspectiva.

Observe, na Figura 52, a representação de três cubos: o primeiro (A), à esquerda


do ponto de fuga; o segundo (B), visto à frente do ponto de fuga; e o terceiro (C),
localizado à direita do ponto de fuga.

Veja, na Figura 53, que o cubo está localizado abaixo e à esquerda do ponto de
fuga.

Figura 52 Perspectiva de três cubos.


Figura 53 Perspectiva abaixo e à esquerda do PF.

Na Figura 54, o cubo também está localizado à altura da linha do horizonte,


porém, está sujeito a dois pontos de fuga.

Figura 54 Perspectiva à altura da Linha do Horizonte e dois Pontos de Fuga.

Na Figura 55, note que o cubo está localizado abaixo da linha do horizonte e
sujeito a dois pontos de fuga.

Figura 55 Perspectiva abaixo da Linha do Horizonte e dois Pontos de Fuga.

Na Figura 56, veja que, quando temos uma avenida com prédios ou uma �leira
de árvores, aplicamos a "perspectiva en�leirada".
Figura 56 Perspectiva En�leirada.

Observe, na Figura 57, uma famosa litogra�a de Escher, em que o artista explo-
ra o uso da perspectiva.

Figura 57 Ascending and descending, de M.C. Escher, 1960.


Perspectiva tonal
A perspectiva tonal ou aérea, também denominada de claro-escuro,
possibilita-nos criar a sensação de profundidade; porém, diferentemente da
perspectiva linear, nela, utilizamos a variação de tons, e não as linhas de con-
torno.

Quando observamos os objetos atentamente, conseguimos perceber que aque-


les que estão mais próximos de nós são mais nítidos. Há mais luz nesses obje-
tos, suas cores são mais claras e o contraste entre a luz e a sombra é maior.

Geralmente, nos desenhos, observamos três planos: o primeiro é aquele rico


em detalhes, o que está mais próximo do nosso olhar e, por isso, mais de�nido;
o plano médio �ca mais "esfumaçado", as delineações começam a se dissolver,
já não há tantos detalhes; e o último plano quase não tem detalhes, somente
algumas "manchas", que dão ligeira impressão do que está ali representado.

Observe as Figuras 58 e 59.

Figura 58 Perspectiva tonal. Print Gallery, 1956 M.C. Escher - All works chronologically.
Figura 59 Three Worlds, M. C. Escher, 1955. Litogra�a.

Vale ressaltar que a Perspectiva Linear pode ser de�nida como a representa-
ção de uma imagem que esteja relacionada entre si e que, por sua vez, será
percebida pelo observador a uma certa distância. Na arte, podemos encontrar
essa representação em linhas paralelas que parecem convergir, dando, assim,
uma ilusão de distância e profundidade.

Já a Perspectiva Atmosférica, é um método por meio do qual se pode obter


uma profundidade baseando-se, sempre, nas alterações das tonalidades por
in�uência do ar. Desse modo, a luz, ao ser re�etida pelos objetos que viajam
pelo espaço, faz com que as relações tonais se tornem mais frias e pouco satu-
radas pela ação atmosférica.

A seguir, sugerimos alguns exercícios para �xar, um pouco mais, os conceitos


a respeito de perspectiva linear e atmosférica.
Exercício proposto 5

Escolha uma rua longa e sente-se onde possa ter dela uma visão de forma a
obter a sensação de que os dois lados da rua, direito e esquerdo, se encontram,
ou seja, as duas calçadas se encontram (veja novamente a Figura 50, Oggetto
totale).

Dica: arrume uma prancheta e um banquinho e leve-os com você quando for
desenhar. O ideal é que essa prancheta tenha 50cm × 35cm, e, assim, poderá
apoiar folhas de papel nos tamanhos A4 (210mm × 297mm), A3 (297mm ×
420mm) e A5, que é a metade do tamanho da A4.

Depois de escolher o local, observe-o atentamente. Imagine que vai fotografá-


lo. Repare nas linhas sem nomeá-las. Pense, apenas, que precisa registrar gra-
�camente a percepção daquilo que vê.

Escolha um objeto dentro da paisagem que está observando e utilize-o como


referência para fazer seu desenho.

Se você escolheu uma árvore como referência, registre as arestas e como estas
se relacionam com o que percebe da árvore: linhas perpendiculares, linhas pa-
ralelas, tamanhos dos espaços, distância e relação com os outros objetos.

"Fotografe" gra�camente essa sua visão. Perceba como os objetos mais distan-
tes parecem ser menores que os que estão mais próximos de você. Registre-os
dessa forma no papel.

Mentalize o ponto de fuga no horizonte, ou onde você escolher, e expresse li-


nhas em direção a ele. Você pode utilizar apenas linhas nesse exercício.

Exercício proposto 6

Depois de assistir ao vídeo Montanhas (ver tópico Orientações para o estudo),


experimente fazer um desenho utilizando as dicas apresentadas por ele.
Explore o uso das variações de luz e cor para criar a perspectiva tonal ou at-
mosférica. Use lápis de cor, canetas hidrocor, explore linhas e pontos. Lembre-
se de que, quanto mais perto os pontos e linhas uns dos outros, mais distantes
ou profundos parecem estar do observador.

Se a perspectiva é uma ilusão de ótica, algo criado e desenvolvido para repre-


sentar um objeto tridimensional em um espaço bidimensional, o mais impor-
tante é o efeito que causa no observador. O que está mais próximo do observa-
dor é mais nítido e parece maior do que o que está mais distante. Por isso
mesmo, menos detalhes são vistos e parecem mais ofuscados.

Observe a Figura 60.

Figura 60 Waterfall, de M. C. Escher, 1961. Litogra�a.

8. Elementos Visuais Expressivos


Volume: luz-sombra, texturas, tons e cores
Até agora, conhecemos alguns elementos do desenho que nos permitem vári-
as possibilidades de representação, como pontos, linhas e planos, além de ob-
servar como utilizar as formas no espaço utilizando perspectiva, por exemplo.
Mas e o volume de um objeto? Como, ao desenhar uma garrafa, por exemplo,
podemos representar seu volume? Isso é possível usando somente as linhas?

Sim, isso é possível dependendo de como usá-las em nossa composição, ex-


plorando aquilo que elas nos permitem, como sua espessura, movimento e di-
reção.

Entretanto, há outra maneira de representar volumes. Para Leonardo da Vinci,


por exemplo, a linha pura "não existe na natureza"; é uma abstração criada pe-
lo ser humano para realizar suas representações. Dessa forma, desde o
Renascimento, em vez de se prender às linhas, os estudos sobre luz-sombra,
tipos de traços, tons, texturas e cores tornaram-se mais intensos, pois são ele-
mentos visuais que expressam ou podem expressar volumes nos desenhos.

Sem precisar delinear a forma, ou seja, desenhar uma linha de contorno, pode-
mos criar efeitos de volume. Observe as Figuras 61 e 62.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 61 Desenho com luz e sombra 1.


Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 62 Desenho com luz e sombra 2.

Observe que a linha, nas Figuras 61 e 62, não contorna as formas, mas cria um
emaranhado de traços, formando texturas e hachuras, projetando as sombras
e as luzes do desenho e, dessa forma, representando seu volume.

Exercício proposto 7

Experimente, agora, fazer hachuras! Primeiro, faça um desenho livre,


despreocupando-se com as formas. Depois, preencha o espaço com linhas, for-
mando texturas e hachuras, como no exemplo na Figura 63. Solte sua criativi-
dade!

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 63 Exemplo de desenho livre com hachuras.

Observe, na Figura 63, como linhas mais próximas umas das outras têm efeito
diferente das que estão mais distantes umas das outras. Observe, também, o
efeito produzido entre as linhas que se cruzam e as que não se cruzam: obte-
mos o efeito de claro e escuro usando esses tipos de traços. Procure explorar
esses efeitos em sua composição.

Exercício proposto 8

Lembra-se das formas confeccionadas em embalagem longa vida (Figura 45)?


Vamos usá-las novamente aqui. Você pode, também, criar outras, se preferir.

Faça uma composição utilizando esses moldes: cruze as formas, intercale-as,


coloque uma sobre a outra. Faça apenas o contorno por enquanto, conforme a
Figura 64.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 64.

Agora, preencha os espaços com linhas e hachuras. Veja a Figura 65 como


exemplo.
Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 65.

Com esse exercício simples, podemos perceber como, por meio da diversi�ca-
ção de traços, criar diferentes efeitos visuais em nossos desenhos. Procure ex-
plorar e experimentar, ao máximo, linhas espessas, linhas curvas, linhas den-
sas, linhas esparsas, linhas entrelaçadas e o que mais puder imaginar.

Você também pode experimentar fazer um desenho sem usar linha de contor-
no, como na Figura 66.
Figura 66 Natureza-morta, 1989. Pastel sobre Canson.

Textura
Textura é a sensação tátil que também pode ser transmitida visualmente;
refere-se ao aspecto de uma superfície, se é lisa, áspera, macia, ondulada etc.
Vimos, anteriormente, que algumas texturas podem ser representadas por
meio de meio de linhas, por exemplo.

As texturas, além de fazerem parte do mundo real, dão às formas percepções


diferentes. Se usarmos apenas um tipo de traço, nossa percepção é limitada
quanto ao material do objeto percebido. Em uma única folha de árvore, por
exemplo, há diversas texturas; portanto, é preciso estudar como representá-las
visualmente.

Além das linhas, as texturas podem ser representadas com todo tipo de traço
e, também, com pontos. Observe, nas Figuras 67, 68 e 69, alguns exemplos de
texturas:

Fonte: acervo pessoal dos autores.


Figura 67 Exemplo de textura 1.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 68 Exemplos de textura 2.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 69 Exemplo de textura 3 (Foto de parede).

Agora, observe, nas Figuras 70 e 71, dois desenhos, realizados por alunos de
uma escola no interior do Estado de São Paulo, que exploram linhas e pontos,
criando texturas diversas.
Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 70 Desenho de Fernanda Ferreira dos Santos, aluna do Ensino Fundamental.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 71 Mato a fome ou ela me mata, de Lucas Leonardo de Andrade, aluno do Ensino Médio.

O uso de hachuras
As hachuras não são utilizadas apenas em desenhos artísticos. Elas podem ser utilizadas
em Arquitetura para representar os mais variados tipos de materiais que podem ser empre-
gados em uma construção.

Exercício proposto 9
Depois de assistir a videoaula de Daniel Brandão (ver tópico Orientações para
o estudo), experimente você também criar efeitos de luz e sombra em um de-
senho. Desenhe um círculo com lápis de gra�te macio, como, por exemplo,
com lápis 6B, conforme a Figura 72.

Imagine um ponto de luz incidindo sobre ele, como ilustra a Figura 73.

Para facilitar a percepção de onde a luz se projeta, trace linhas que indiquem o
feixe de luz incidente, como na Figura 74.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 72.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 73.
Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 74.

Agora, imagine o "chão" onde esse círculo – que se "transformará" em uma es-
fera – está apoiado.

Desenhe, use linhas hachuradas, texturizadas, como preferir, para desenhar a


sombra e a parte sombreada da esfera. Você pode usar a borracha para apagar
um pouco da linha onde a "luz" incide na esfera – no nosso exemplo, na parte
superior esquerda (Figura 75).

Continue texturizando a esfera de modo que o volume seja representado. Para


isso, os traços devem respeitar a lógica de luz e sombra: quanto mais perto do
apoio ("chão"), mais densos devem ser os traços, mais escuro deve parecer o
objeto; e quanto mais perto da luz, mais suaves devem ser os traços, mais claro
deve parecer o objeto. Veja a Figura 76.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 75.
Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 76.

Com a prática, você se habituará a enxergar os pontos de luz. Ao observar um


objeto a ser desenhado, todas as luzes e sombras devem ser percebidas.

Agora, volte ao seu desenho e apague o foco de luz e os outros traços de apoio,
conforme mostra a Figura 77.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 77.

Com esse exercício, você obteve um exemplo simples para uma melhor com-
preensão de como criar volume por meio de luz e sombras e saber representá-
los.

Para representar volumes, podemos explorar efeitos grá�cos por meio de tex-
turas e luz/sombra, como vimos anteriormente, variando os tons e valores que
percebemos daquilo que estamos observando para desenhar.

Tons e valores
O termo tom refere-se à qualidade da cor, isto é, ao "nome" da cor e suas nuan-
ces.

Valor é o maior grau de claridade ou obscuridade de uma cor. Com essa propri-
edade, é possível criar sensações espaciais: por meio de grandes diferenças de
valor de uma cor (contraste), é possível de�nir porções diferentes no espaço;
enquanto que, para dar a impressão de contorno de um objeto no espaço, pode
ser utilizada uma mudança gradual no valor de uma cor.

Exercício proposto 10

Experimente fazer uma escala de valores. Se quiser usar 12 faixas, por exem-
plo, faça uma faixa de 12 quadradinhos de 2cm. Utilize um lápis gra�te 6B e
comece a preencher os quadradinhos, do mais claro para o mais escuro.
Conforme for mudando de faixa, pressione, com mais intensidade, o lápis no
papel.

Não é necessário fazer trações em uma única direção: você pode fazer qual-
quer tipo de traço e até hachuras. A �nalidade, aqui, é observar e experimentar
valores, o que você já praticou no exercício anterior.

Nem toda sombra, por exemplo, tem o mesmo valor. Por isso, utilizamos vári-
os tipos de gra�tes (e outros riscadores), traços com diferentes intensidades,
gestos mais fortes e mais fracos, texturas diversas, padrões maiores e meno-
res.

Observe as Figuras 78 e 79.


Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 78 Exemplo de uso de tons 1.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 79 Exemplo de uso de tons 2.

Cor
Como temos visto, o desenho pode ser representado de diversas maneiras. Ele
pode ter ou não cor, isto é, mais que uma característica, a cor é uma possibili-
dade.

As cores podem ser classi�cadas em cores primárias e secundárias. Veja o cír-


culo cromático da Figura 80, desenvolvido pelo pintor alemão Johannes Itten
no começo do século 20.
Figura 80 Círculo cromático, desenvolvido pelo pintor alemão Johannes Itten.

Observe, na Figura 80, como Itten distribuiu as cores: no triângulo central, es-
tão as três cores primárias: amarelo, vermelho magenta e azul ciano.

Nos triângulos que contornam esse primeiro triângulo, estão as três cores se-
cundárias: verde (amarelo + azul); laranja (amarelo + vermelho magenta) e vi-
oleta (azul + vermelho magenta).

Observe como as pontas dos triângulos apontam para as respectivas cores,


que estão no anel que os circula. E da mistura dessas cores, obtêm-se todas as
restantes.

Existem vários estudos sobre cores, e estas podem ser classi�cadas como cor-
pigmento opaca, cor-pigmento transparente e cor-luz. Nos três casos, as cores
primárias são as cores puras, aquelas que, misturadas entre si, resultam em
todas as outras cores.

Como, aqui, trabalharemos com tintas e outros materiais semelhantes, �care-


mos concentrados nas cores-pigmento opacas, de forma que a mistura das co-
res primárias, duas a duas, resulta nas cores secundárias: laranja, verde e vio-
leta.

• Vermelho + amarelo = laranja.


• Amarelo + azul = verde.
• Azul + vermelho = violeta.

Outro fato importante é que o preto não é considerado uma cor e, sim, como a
"ausência de luz". Pedrosa (2003, p. 118) a�rma que "[...] em condições normais
o preto não existe na natureza"; já quanto ao branco (2003, p. 117), diz que "[...] é
a mistura de todas as cores do espectro solar [...] é a superfície capaz de re�etir
o maior número possível dos raios luminosos contidos na luz branca".

Veja a Figura 81.

Fonte: Pedrosa (2010, p. 23).

Figura 81 Cores-pigmento opacas.

Várias são as maneiras de olhar para as cores, de percebê-las, e isso foi, e con-
tinua sendo, teorizado por muitos estudiosos. Vamos tratar, aqui, de alguns as-
pectos interessantes, como as cores complementares, por exemplo.

As cores complementares encontram-se em lados opostos do círculo cromáti-


co. Observe, novamente, a Figura 80: a cor oposta ao amarelo é o violeta, por-
tanto, esta é sua cor complementar; a do vermelho é o verde; e a do azul é o la-
ranja.

A cor complementar de uma cor primária é a cor resultante da mistura das


outras duas primárias: amarelo é complementar do violeta (resultado da mis-
tura das cores primárias vermelho e azul).

As cores dispostas, adequadamente, no espaço também são usadas para "equi-


librar" uma composição, como distribuir, equilibradamente, as quantidades de
cores mais luminosas e as menos luminosas.

No trecho a seguir, Arnheim (2006, p. 329) comenta a proposta de


Schopenhauer a respeito de como as cores são apreendidas pelo olhar.
Schopenhauer propôs que a sensação do branco acontece quando a retina responde
com uma ação plena, enquanto o preto resulta da ausência de ação. E apontando
para as cores complementares produzidas por pós-imagens, propôs que pares de
cores complementares acontecem por meio de bipartições qualitativas da função
retiniana. Assim, vermelho e verde, sendo de igual intensidade, dividiam a ativida-
de retiniana em metades iguais, enquanto amarelo e violeta eram produzidas por
uma proporção de três para um e alaranjado e azul numa proporção de dois para
um.

Para entender melhor essa proposta, observe o esboço da Figura 82.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 82.

Observe, na Figura 82, que, para cada parte de amarelo, são usadas três de vio-
leta; para uma parte de laranja, são usadas duas de azul; e, para uma parte de
vermelho, é usada uma de verde.

Expressões em cores relacionadas a contrastes e equilíbrios são mais apro-


fundadas nos estudos relacionados à pintura. Como sabemos, conceitos de
pintura e desenho estão sempre em discussão, desse modo, é interessante tra-
zer esses aspectos sobre a cor neste momento.

Para fazermos o desenho de um objeto com cor, destacando luz e sombra, é ne-
cessário que a cor empregada para representar a sombra seja mais escura que
a do objeto, mantendo-se, porém, o mesmo tom. Por exemplo, se pintarmos um
objeto em amarelo, sua sombra deverá ser pintada em um amarelo mais escu-
ro, tendendo para o ocre ou o laranja, dependendo da intensidade dessa som-
bra.

Observe a �gura humana representada na Figura 83. Repare nas cores utiliza-
das para representar seus contornos, luzes e sombras.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 83 Desenho feito com lápis de cor, 2010.

9. Outras percepções visuais: Equilíbrio,


Direção e Movimento
Equilíbrio visual
O que seria equilíbrio visual exatamente?

Podemos dizer que uma imagem está em equilíbrio quando os seus elementos
estão compostos de tal forma que nada é enfatizado, ou seja, nenhum elemen-
to "chama mais atenção" que o outro. Nosso olhar percorre a imagem sem se
prender a um certo detalhe – percorre-a por igual. Isso não signi�ca dizer que
um ou outro elemento possa atrair mais um olhar que o outro; ao olhar para
uma imagem, cada observador carrega sua bagagem cultural, o que faz com
que cada um a observe de uma forma.

Vamos fazer um experimento para observar o equilíbrio visual, conforme pro-


posta de Rudolf Arnheim (2006, p. 3). Vamos sobrepor a um pedaço de papel
retangular claro um papel escuro, recortado em forma de disco, de forma que
não �que no centro, conforme mostra a Figura 84.

Fonte: Arnheim (2008, p. 3).

Figura 84.

Se medirmos a localização do disco em relação às bordas do papel branco com


uma régua, por exemplo, chegaremos à conclusão de que o círculo não está no
centro do quadrado, a mesma conclusão que obtemos ao, simplesmente, olhar-
mos para a imagem (Figura 84).
Quando olhamos para um objeto, nosso olhar percorre todo o espaço, carrega-
do de informações que já trazemos conosco. Nosso olhar relaciona forma e es-
paço e o percebe; então, temos a sensação de equilíbrio ou desequilíbrio, de-
pendendo de como a composição se con�gura.

Uma imagem está em desequilíbrio quando alguns elementos estão realçados


de tal forma que estes parecem pesar apenas em um lado da imagem. Isso não
quer dizer assimetria, pois uma imagem assimétrica também pode ser equili-
brada.

No exemplo do disco escuro sobre o papel branco (Figura 84), não os vemos
separados, isolados um do outro; por isso, nosso olhar se incomoda ao ver que
o disco não está no centro do quadrado. Isto é, nosso olhar percebe uma maior
estabilidade no círculo quando seu centro coincide com o do quadrado.

Sobre equilíbrio, Arnheim (2006, p. 12-13) observa o seguinte:

Deve-se lembrar que, tanto visual como �sicamente, o equilíbrio é o estado de dis-
tribuição no qual toda a ação chegou a uma pausa [...]. Numa composição equilibra-
da, todos os fatores como con�guração, direção e localização determinam-se mutu-
amente de tal modo que nenhuma alteração parece possível, e o todo assume o ca-
ráter de "necessidade" de todas as partes. Uma composição desequilibrada parece
acidental, transitória. [...] seus elementos apresentam uma tendência para mudar
de lugar ou forma a �m de conseguir um estado que melhor se relacione com a es-
trutura total.

Com essas observações, entendemos que o equilíbrio se dá tanto com as for-


mas dispostas na composição quanto com as cores e tons aplicados a ela.

Observe, nas Figuras 85 e 86, como os elementos são compostos e como ocu-
pam o espaço disponível:
Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 85 Composição equilibrada 1 (foto de grão de bico).

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 86 Composição equilibrada 2 (foto de couve �or).

Agora, observe como os elementos estão dispostos nas Figuras 87 e 88.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 87 Composição desequilibrada 1 (foto de presépio).


Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 88 Composição desequilibrada 2 (foto de presépio).

Note que o equilíbrio provoca a sensação de calma em nosso olhar.

Exercício proposto 11

Experimente criar composições equilibradas e desequilibradas usando pontos


e linhas. Faça desenhos explorando esses elementos, pensando em maneiras
de preencher o espaço com essa intenção.

Você pode usar colagens também. Recorte formas diversas e explore sua dis-
posição no suporte.

Movimento e direção
Outros elementos também se destacam quando criamos uma composição co-
mo, por exemplo, o movimento e a direção. Esses são fatores importantes e
que contribuem muito quando expressamos ideias por meio de uma composi-
ção visual.

Veja o que diz Paradella (2011) sobre esse tema:

[...] por associação, temos a sensação de que as �guras que representam objetos ani-
mados do mundo real revelam disposição para o MOVIMENTO.
Em uma Comunicação Visual, dadas suas características formais, as �guras podem
dar força à percepção em determinada direção dentro da composição.
As linhas curvas ou diagonais podem induzir maior sensação de movimento que
as horizontais, assim como as cores quentes parecem avançar em direção ao ob-
servador enquanto as frias parecem recuar.

Observe a Figura 89 e perceba como nosso olhar é guiado em direção à parte


superior da �or. A linha em diagonal exerce este papel: faz nosso olhar acom-
panhar o caule até chegar à �or. Se o caule estivesse na vertical, provavelmen-
te não ofereceria o mesmo efeito.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 89 A �or, 2010. Lápis de cor e caneta hidrocor.

A Figura 90 reúne os fatores de equilíbrio, movimento e direção. Cores e linhas


são empregadas para conduzir nosso olhar pelo espaço. Diferente do exemplo
anterior (Figura 89), mas semelhante quanto à intenção do artista, ou seja, é
preciso saber que não basta usar os elementos aqui estudados, o artista tem
uma intenção e, por isso, precisa ter consciência de que produz um resultado
para tal �m.
Figura 90 Das Ende Griechenlands (O �m da Grécia), de Friedensreich Hundertwasser, 1963.

10. Desenho de Observação


O desenho de observação é aquele que fazemos diante da observação de um
objeto, uma paisagem, um modelo-vivo, um prédio, en�m, observamos coisas
do real. Por meio da aplicação dos elementos e da composição, podemos
transmitir nossa observação para o papel, ou para qualquer outro suporte que
escolhermos.

Vale destacar que o desenho de observação também é uma "invenção", pois, ao


desenhar, trazemos conosco nossos aprendizados e nossas experiências, o que
acabamos por expressar naquilo que criamos.

Certa vez, a artista Marina Abramovic, ao falar sobre Arte, disse que "a função
de um artista é mudar a forma como as pessoas pensam as coisas". Apesar de
essa artista não trabalhar diretamente com desenhos, seu pensamento é mui-
to válido para nosso estudo neste momento. Expressando nossas criações, po-
demos mostrar nosso modo de ver o mundo e podemos, também, mudar a for-
ma como ele é visto.

Croqui
Croqui é uma palavra de origem francesa, que pode ser traduzida como "esbo-
ço" ou "rascunho". Costuma se caracterizar como um desenho rápido, cujo ob-
jetivo é expressar, gra�camente, uma ideia, transmitindo o que há de essencial
nela. Devido a essa característica, por meio do croqui, também é possível ex-
pressar um traço próprio, particular, único.

Devido ao seu caráter de instantaneidade e informalidade, o croqui, em geral,


não segue regras formais ou técnicas muito elaboradas. Por isso mesmo, para
sua execução são utilizados materiais que não exigem muito re�namento, co-
mo lápis, barras de gra�te, crayons, e, entre projetistas e arquitetos, também
são utilizados bico de pena ou nanquim. Pelo mesmo motivo, praticamente
qualquer material pode ser utilizado como suporte. Veja um exemplo na
Figura 91.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 91 Exemplo de um croqui rápido desenhado com nanquim.

Assim como nos tópicos anteriores, você também vai desenvolver os concei-
tos apresentados, seguindo nossas dicas e sugestões. Portanto, pegue algumas
folhas de qualquer tipo de papel e um lápis, também de qualquer tipo, e apro-
veite este momento para desenvolver suas habilidades e liberar sua criativida-
de e ousadia.

Exercício proposto 12

Faça algumas linhas com traços variados: �nos e delicados; grossos e rudes;
riscos cruzados, curvos; pontos; círculos; e outras formas que lhe vierem à
mente.

Veja, como exemplo, a Figura 92.


Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 92.

Exercício proposto 13

Agora, você fará um croqui: escolha um objeto que esteja perto de você – uma
caneta, um vaso, um copo... Observe e desenhe esse objeto. Observe suas li-
nhas e formas e registre-as no papel, mas de forma instantânea: apenas olhe e
registre.

Veja, como exemplo, as Figuras 93 e 94, a foto de um copo e seu croqui:


Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 93 Imagem fotográ�ca de um copo.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 94 Exemplo de desenho de observação de copo (croqui).

Um desenho de observação, como o demonstrado na Figura 94, deve ser feito


sempre à mão livre, o traço deve ser artesanal. A qualidade do seu traço vai
melhorar com a prática, portanto, praticar é essencial.

Depois de fazer os traços do objeto, aplique uma leve texturização, pois,


lembre-se, este não é um desenho arquitetônico ou desenho técnico. O dese-
nho artístico pode deixar as marcas das linhas auxiliares, erros, borrões e
manchas desde que não inter�ram no resultado que se quer obter. Porém, evite
traços muitos fortes ou o uso excessivo de borracha.
O desenho de observação exige algumas regras, que devem ser seguidas e ab-
sorvidas, porém, desenvolvidas de forma pessoal. Ao seguir uma técnica espe-
cí�ca, como acontecia na época das Academias de Arte (que norteiam nosso
pensamento até hoje), corremos o risco de fazer desenhos idênticos ao de ou-
tras pessoas. Portanto, é importante que você desenvolva seu traço pessoal e
expresse sua maneira única de olhar para um objeto e de representá-lo.

É possível perceber todas as "regras" ao observarmos um objeto. Ele nos ensi-


na tudo e, acima de tudo, temos de con�ar em nós mesmos.

Arnheim (1994, p. 35) diz: "Vejo um objeto. Vejo o mundo ao meu redor". Com
essas a�rmações, ele nos faz re�etir sobre o ato de ver as coisas, um ver que
ultrapassa a visão do concreto. Ao olhar para um objeto ou qualquer outra coi-
sa, nossos olhos são capazes de ver detalhes sutis. Muitas vezes, porém, esta-
mos acostumados a pensar no todo e não nos damos conta dos detalhes.

Muitas vezes, ao observar uma �or, percebemos o todo de sua forma, e não o
caminho que o olhar percorre pelos detalhes, pelo espaço, pelas linhas, pela
textura, pela relação entre esses elementos, para, en�m, montar, diante de nós,
a imagem da �or na íntegra.

Veja outros apontamentos de Arnheim (1994, p. 36):

Ao olhar para um objeto nós procuramos alcançá-lo. Com um dedo invisível


movemo-nos través do espaço que nos circunda, transportamo-nos para lugares
distantes onde as coisas se encontram, tocamos, agarramos, esquadrinhamos suas
superfícies, traçamos seus contornos, exploramos suas texturas. O ato de perceber
formas é uma ocupação eminentemente ativa.

É com esse pensamento em mente que buscamos fazer nossos desenhos e jus-
tamente por isso que o ato de desenhar, no campo da Arte, pode ser entendido
como "se fazer estar no mundo". É a nossa percepção de mundo que coloca-
mos em cada detalhe do desenho. Por isso, é nosso traço pessoal que devemos
buscar a partir de agora. Um traço unicamente nosso.

Leia, a seguir, o que diz Saramago, em seu romance Jangada de pedra (apud
PRAXEDES, 2011), sobre a questão da percepção do olhar:

[...] cada um de nós vê o mundo com os olhos que tem, e os olhos vêem o que que-
rem, os olhos fazem a diversidade do mundo e fabricam as maravilhas, ainda que
sejam de pedra, e altas proas, ainda que sejam de ilusão.

Para que você possa compreender melhor esse conceito, analise os exemplos
de desenhos de observação nas Figuras de 95 a 100.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 95 Desenho de observação 1.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 96 Desenho de observação 2 (foto tirada durante a produção do desenho).


Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 97 Desenho de observação 3.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 98 Desenho de observação 4.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 99 Desenho de observação 5.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 100 Desenho de observação 6.


De acordo com Betty Edwards (2002, p. 17-18):

[...] desenhar é uma habilidade global ou "integral" que requer apenas um conjunto
limitado de componentes básicos. [...] Como algumas habilidades globais – por
exemplo, ler, dirigir, esquiar e andar –, desenhar compõe-se de outras habilidades
parciais que se integram numa habilidade total. Uma vez aprendidos e integrados
os componentes, você conseguirá desenhar – assim como uma vez aprendida a
habilidade de ler, sabe-se ler por toda a vida; uma vez que se aprende a andar, sabe-
se andar por toda a vida. Não é preciso continuar acrescentando habilidades bási-
cas eternamente. O processo se dá com a prática, o re�no e a técnica, e também
quando se aprende o propósito dessas habilidades.

Além desses apontamentos, Edwards (2002) também ressalta a importância


do olhar. Nesse sentido, não basta dominar técnicas, é preciso saber olhar pa-
ra o objeto. É preciso perceber cada detalhe daquilo que vamos desenhar, e, as-
sim, nosso traço surge, marcado pela maneira como olhamos.

Para essa autora, uma maneira que temos para aprender a desenhar é usar o
lado direito do cérebro (tema que dá título a seu livro). Mas o que signi�ca is-
so? Sabe-se que nosso cérebro é dividido em lado esquerdo e lado direito e que
"[...] o hemisfério esquerdo analisa no tempo, ao passo que o hemisfério direito
sintetiza no espaço" (LEVY apud EDWARDS, 2002, p. 60).

Veja, no trecho a seguir, algumas características do lado direito e do lado es-


querdo do cérebro, apontadas por Celeste Carneiro (2011):
O lobo esquerdo do cérebro interpreta literalmente as frases ditas, já o lobo direito
percebe a intenção oculta de quem fala. O esquerdo entende pelo aspecto lógico, ra-
cional e sequencial, e o direito compreende aos saltos, tem insight e visão holística.
O lado esquerdo do cérebro sabe situar-se dentro do tempo e procura situações se-
guras; já o lado direito abstrai-se do tempo e gosta de se arriscar. Para o hemisfério
direito não existe a expressão "perder tempo". O esquerdo costuma imitar, represen-
tar, �ngir; o direito é criativo e autêntico. É o que é. Por ser racional e crítico, o lado
esquerdo do cérebro não se aventura a criar, inventar, sonhar. Prefere a segurança
do conhecido, do lógico, do aceito pela sociedade em que vive. Já o lado direito sol-
ta a imaginação, viaja pelas asas do sonho, cria, inventa, recria e assume ser livre.
O esquerdo é linear, objetivo, usa o conhecimento de forma dirigida, sequencial,
analítica, convergente; o direito é não linear, subjetivo, utiliza o conhecimento de
maneira livre, múltipla, holística e divergente.
O hemisfério esquerdo conta, dá nome às coisas, separa por categoria e funções; o
hemisfério direito não consegue realizar essa tarefa, pois vê as coisas como um to-
do e cada objeto ou estímulo é visto como se apresenta no instante presente. Por
exemplo, o desenho de duas circunferências. Para o esquerdo pode representar dois
olhos, já para o direito não passam de duas simples circunferências.
O lado esquerdo do cérebro reconhece letras e palavras, enquanto o lado direito re-
conhece faces e padrões geométricos. O nosso alfabeto, por ser silábico, estimula o
lobo esquerdo; os ideogramas dos orientais, utilizando símbolos, desenvolvem o lo-
bo direito. No idioma japonês, por exemplo, que são usados símbolos e sílabas, os
dois hemisférios são estimulados no ato da leitura.
O hemisfério esquerdo percebe sons relacionados com a linguagem verbal e o he-
misfério direito percebe músicas e os sons emitidos pelos animais. Enquanto o la-
do esquerdo tem o domínio da fala, da leitura, da escrita e da aritmética o direito
tem aptidões geométricas e desenvolvimento do sentido de direção. O que não se
consegue exprimir por palavras, usa-se o recurso do gesto comunicativo que é do-
mínio do hemisfério direito. O lado esquerdo é abstrato, pois toma de uma pequena
parte das informações e utiliza-a para representar o todo. Observando numa vasi-
lha várias peças de tonalidades alaranjadas diferentes e com traços que as distin-
guem e modi�cam suas cores, ele a�rma que viu na vasilha peças iguais cor de la-
ranja. O lado direito diria da in�nidade de variações de texturas e tonalidades vis-
tas no vasilhame.
O hemisfério direito é espacial, entende metáforas, percebe con�gurações e estrutu-
ras globais, tem facilidade para visualizar o que já foi visto e �xar na mente ima-
gens reais ou criadas por ele. O exercício do desenho, assim como da música, do
tricô, da meditação e outros que deixam a mente mais livre, desenvolvem as carac-
terísticas próprias do hemisfério direito.

Para experimentar a transição do hemisfério esquerdo para o direito do cére-


bro, Edwards (2002) propõe um exercício, que reproduziremos a seguir.
Exercício proposto 14
A Figura 101 apresenta um famoso desenho de ilusão de ótica que ilustra um
con�ito que pode ocorrer entre os dois hemisférios de nosso cérebro: ele ser
visto como um vaso simétrico ou como o contorno de dois rostos em per�l.

Figura 101 Vaso e per�s.

Agora, reproduza a Figura 102, se você for destro, ou a Figura 103, se for canho-
to.
Figura 102.

Figura 103.

Em seguida, passe novamente o lápis sobre o lado do desenho que já está de-
senhado, como se o estivesse refazendo. Ao mesmo tempo em que estiver con-
tornando cada parte, diga qual é essa parte: testa, nariz, lábio superior, lábio
inferior, queixo, pescoço. Se quiser, repita esse procedimento de forma a se
conscientizar do signi�cado desses termos. Depois, comece a completar o ou-
tro lado. Se preferir, desenhe sua própria versão de per�l.
Esse exercício tem como objetivo criar uma transição de um hemisfério do cé-
rebro para o outro. Isto é, o lado esquerdo do cérebro é o que nos faz calcular,
nomear, medir, pontuar todas as etapas de um processo e do olhar. Olhamos
aquilo que enxergamos, que vemos, portanto, é isso que temos de desenhar.
Dessa maneira, o desenho acaba, sempre, com imperfeições, pois, quando no-
meamos, sentimos a necessidade de registrar os objetos nomeados exatamen-
te como são.

Por exemplo, ao desenharmos uma cadeira qualquer, temos o intuito de


desenhá-la como ela é, mas esquecemos que ela é composta por alinhamentos
paralelos e perpendiculares que se unem e se relacionam. Quando analisamos
as formas da cadeira em si, a di�culdade em desenhá-la torna-se maior (adi-
ante, faremos um exercício sobre isso). Percebemos que os traços que �zemos
são diferentes das formas reais e também são diferentes dos traços de outra
pessoa que tinha o mesmo objetivo, pois, como mencionado anteriormente, as
pessoas percebem o mundo, os objetos de maneiras diferentes.

Mas, ao transitar para o hemisfério direito do cérebro, olhamos o que percebe-


mos, ou seja, examinamos o espaço e a relação entre as coisas percebidas para
podermos ajustar e direcionar nosso traço.

Ao esquecer que o que desenhamos é uma cadeira, como no exemplo citado,


somos guiados pela forma do espaço e passamos a pensar em retas, ângulos,
linhas paralelas e perpendiculares, profundidades.

As análises, aqui, assim como um artista geralmente faz, são comparativas,


espaciais e relacionais. E são estas que devemos buscar quando desenhamos.

Se, ao realizar esse exercício com a �gura do vaso e per�l, teve sensações de
travamento mental, você está no caminho certo: você experimentou a transi-
ção entre os dois hemisférios.

Agora, faça outro exercício, que, além de reduzir esse con�ito, fará você expe-
rimentar sensações de explorar o lado mais espacial e menos sistemático de
seu cérebro.
Exercício proposto 15

Escolha um desenho feito apenas com linhas. Damos, como exemplo, na


Figura 104, um desenho feito por Picasso, mas você pode pesquisar outra ima-
gem com o mesmo tipo de traçado, mas que seja um desenho inédito para vo-
cê.

Figura 104 Sleeping woman, de Pablo Picasso, 1952.

Faça uma impressão desse desenho (Figura 104).

Pegue o desenho e vire-o de cabeça pra baixo. Pegue uma folha em branco e
um lápis.

Agora, você vai desenhá-lo. Tente abstrair a �gura e esquecer o que está dese-
nhando, ou seja, pense nas linhas como, apenas, linhas, qual linha é esta, quão
curva é aquela, que linha se une a outra. Depois de registrar todas as linhas
percebidas no papel, reserve este desenho.

Pegue outra folha de papel e faça o mesmo desenho novamente, mas, desta
vez, de cabeça para cima. Repita o mesmo processo, isto é, procure abstrair a
�gura.
Agora, compare os dois desenhos. O que você pode concluir?

Se observar que o primeiro desenho apresenta um resultado "melhor", isso é


ótimo! Você conseguiu fazer com que seu cérebro usasse o lado da percepção
espacial, das relações espaciais que fazemos das coisas, independentemente
do que representam as linhas.

As cinco capacidades de percepção


Existem diferenças entre "ver" e "olhar", diferenças sutis que envolvem a per-
cepção de cada um. Veja, no texto a seguir, como Márcia Tiburi (2011) destaca
essas diferenças:

Ver está implicado ao sentido físico da visão. Costumamos, todavia, usar a expres-
são olhar para a�rmar uma outra complexidade do ver. Quando chamo alguém pa-
ra olhar algo espero dele uma atenção estética, demorada e contemplativa, enquan-
to ao esperar que alguém veja algo, a expectativa se dirige à visualização, ainda que
curiosa, sem que se espere dele o aspecto contemplativo. Ver é reto, olhar é sinuoso.
Ver é sintético, olhar é analítico. Ver é imediato, olhar é mediado. A imediaticidade
do ver torna-o um evento objetivo. Vê-se um fantasma, mas não se olha um fantas-
ma. Vemos televisão, enquanto olhamos uma paisagem, uma pintura.

Betty Edwards (2002) a�rma que, para realizarmos qualquer tipo de desenho, é
preciso dominar cinco componentes básicos, respectivos a "capacidades de
percepção":

Um: percepção das bordas


Dois: percepção dos espaços
Três: percepção dos relacionamentos
Quatro: percepção de luzes e sombras
Cinco: percepção do todo, ou gestalt.

Assim, de acordo com a autora, para se fazer um bom desenho realista do que
se percebe, usando lápis sobre papel, as cinco habilidades citadas anterior-
mente propiciarão o treinamento necessário das percepções. Vale ressaltar,
porém, que, para Edwards (2002, p. 19), um desenho considerado obra de arte
não se limita, apenas, a esses cinco elementos, pois entende que "[...] um dese-
nho criativo e expressivo [...] necessita habilidades básicas adicionais [...], de-
senhar de memória e desenhar a partir da imaginação [...]" – trataremos futu-
ramente dessas habilidades.

Cada pessoa pode desenvolver uma maneira própria de observar e desenhar.


Porém, é muito importante que conheça técnicas para poder ampliar seu re-
pertório.

Anteriormente, os conceitos aqui apresentados foram estudados, algumas ve-


zes, com outras nomenclaturas, mas com a mesma base teórica. Retome esses
conceitos. A seguir, vamos acrescentar outros conceitos, como enquadramen-
to, pontos de fuga e proporções. Acompanhe.

Enquadramento
Anteriormente, apresentamos um exemplo de croqui (desenhamos um copo) e
sugerimos que você também �zesse um (Exercício proposto 13). Retome seu
desenho e repare: como ele está enquadrado no papel? Você pensou nisso ao
desenhar? O enquadramento é um elemento importante em um desenho de
observação, e já tratamos desse elemento anteriormente, quando falamos de
"equilíbrio".

Ao escolher o que vamos desenhar, devemos pensar em como colocá-lo no pa-


pel. Ao enquadrar um ou mais objetos em um espaço, estamos pensando na
composição e em seu equilíbrio de formas. O tamanho do desenho deve ser
apropriado em relação ao tamanho e formato do papel. Se o objeto ocupa mais
a vertical, escolhemos o formato "retrato" e, se este ocupa mais a horizontal, o
melhor formato é "paisagem".

Observe novamente seu desenho. Repare, agora, se você escolheu o melhor


formato e tamanho de papel. Se achar necessário, faça outro desenho.
Experimente desenhar o objeto em várias partes do suporte e perceba como
funciona o enquadramento. A prática será, sempre, sua maior aliada!

É bom lembrar o aspecto da intencionalidade de quem desenha: há casos em


que o artista, ao expressar sua liberdade de expressão, não utilizará o recurso
do enquadramento.

Perspectiva: linha do horizonte e ponto de fuga


É importante relembrar que, quando observamos um objeto, devemos pensar
na linha do horizonte (pensar porque esta linha pode ser imaginada ou repre-
sentada). Ela deve sempre existir, pois de�ne o ponto de vista do observador, à
altura dos seus olhos.

Na linha do horizonte, devemos localizar os pontos de fuga – podem ser um,


dois, três ou mais pontos, dependendo do ponto de vista que o observador tem
do objeto que está desenhando. Lembre-se de que linhas paralelas no mundo
real devem se direcionar para um mesmo ponto de fuga no desenho.

Representar a linha do horizonte e pontos de fuga leva-nos a trabalhar a pers-


pectiva. Para representá-la, podemos utilizar, além das linhas, a profundidade,
efeito que pode ser obtido explorando texturas, luz e sombra.

Proporção
Outro item importante que vale ser relembrado é a proporção. Saber observar
as proporções daquilo que desenhamos é essencial. Compare, sempre, as me-
didas das partes e as relações que têm entre si. Por exemplo, um cubo tem a
proporção de 1:1:1, ou seja, quando desenhamos um cubo, ele deve ser assim re-
presentado: todas as suas faces devem parecer iguais, mesmo quando em pro-
fundidade.

Ao pensar na composição, compare as distâncias que objetos têm entre si; ob-
serve que objetos mais distantes parecem menores e procure representá-los
dessa forma.

Observe as Figuras de 105 a 108. Analise como foram aplicadas as técnicas de


enquadramento, perspectiva/profundidade e proporções.
Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 105 Cadeira, 1999.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 106 Formas, 2002.


Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 107 Bancos sobre mesa, 2002.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 108 Vasos, 2002.

Retome o croqui que você fez para o Exercício proposto 13.

Você vai refazê-lo, mas, agora, percebendo as linhas de contorno. Desenhe so-
mente as linhas que percebe; as linhas que contornam o objeto, as linhas que o
destacam de outros elementos.
Veja, na Figura 109, como �cou a Figura 94 refeita sob essa perspectiva.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 109.

Você também pode experimentar várias maneiras de desenhar a linha. Uma


delas é olhar o objeto e desenhar somente as linhas que vê (como no exemplo
da Figura 109); mas você também pode se arriscar a desenhar olhando apenas
para o objeto. Escolha o lugar por onde vai começar. Coloque o lápis no papel e,
então, a partir daí, siga apenas seu olhar... sua mão o acompanhará!
Experimente!

Exercício proposto 16

Este tipo de exercício pode ser feito com objetos que têm muitas texturas co-
mo, por exemplo, um pedaço de casca de árvore, a palma da mão um pouco fe-
chada, um emaranhado de �os, um cesto de vime etc.

Insira, em seu desenho, elementos que representem volume e perspectiva, tex-


turas, luz e sombra e o que mais achar necessário. De acordo com o objeto es-
colhido, pode usar vários pontos de fuga. Observe a Figura 110.
Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 110.

Propomos esses exercícios para instigar seu senso de observação. Agora é


com você! Pratique sempre que puder, carregue um caderno de desenho, um
bloco de papel ou folhas soltas, mas procure ter, sempre por perto, um material
para poder registrar suas observações.

Agora, trataremos brevemente dos desenhos de memória e criação e, depois


um pouco sobre os desenhos de natureza-morta, paisagem e �gura humana.

11. Desenho de Memória


O desenho de memória também é considerado como um desenho livre. É de-
senhar tendo como referência aquilo que guardamos em nossa memória, aqui-
lo que �ca registrado a partir do que vemos. Quando passamos tudo isso para
o papel ou outro suporte, estamos desenhando de memória.

É, também, desenhar uma �gura conhecida sem estar olhando para ela; é de-
senhar lembranças, o que é apreendido do cotidiano. É captar o mundo e
expressá-lo de acordo com nossa visão e nossa vivência. En�m, é expressar
nossas referências memoriais.

Isaac Camargo (2011) lembra-nos que:

Pensar por imagens é uma característica humana e o modo como nós criamos es-
tas imagens condiz com o modo como vivemos e com as expectativas que temos
em nossa cultura no tempo e no espaço: ora reproduzimos o que vemos, ora damos
asas à imaginação e voamos.

Para compreendermos minimamente como a representação da imagem men-


tal se realiza por meio do desenho de memória, vamos fazer, agora, um exercí-
cio prático, utilizando, como referência, animais.

Exercício proposto 17

Primeiro, escolha dois animais com os quais você tenha mais a�nidade e ten-
te visualizá-los. Pense nas suas características e desenhe cada um deles ten-
tando colocar o máximo de detalhes possível. Inclua, também, no desenho, co-
res e texturas desses animais.

Depois de �nalizado, mostre os desenhos para alguém e, sem dizer do que se


trata, peça que identi�que os animais. Finalmente, tente encontrar imagens
reais desses animais e faça uma leitura do seu desenho de memória.

Você pode, também, retomar o desenho que fez para o Exercício proposto 13.
Faça outro desenho do objeto que você escolheu para esse exercício, usando li-
nhas, texturas e proporções, mas, agora, usando apenas a memória.

12. Desenho de Criação


Esse é o tipo de desenho mais livre. Podemos desenhar algo com base na ob-
servação do real, porém, ao mesmo tempo, criar elementos que não existem
realmente. O desenho de criação apresenta uma con�guração original e pode
ser uma obra da imaginação, abstração ou o resultado da combinação de ou-
tras formas já existentes, inspiradas nos elementos da realidade.
O desenho abstrato é um exemplo de desenho de criação.

Criar é usar os elementos livremente e explorar os espaços anarquicamente; é


dar vazão aos seus impulsos, ao seu ato de criação.

Para que você possa compreender melhor, observe alguns exemplos nas
Figuras 111 e 112.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 111 Gra�te sobre papel, 2012.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 112 Desenho feito com lápis de cor e caneta colorida sobre papel azul, 2013.

Exercício proposto 18

Pegue papel e lápis e desenhe o que vier à sua mente. Desenhe livremente!
Depois, observe e aprecie o resultado. Você consegue identi�car formas reais
ou abstratas? Consegue perceber alguma referência em seu desenho?

Mais uma vez, você pode explorar o mesmo objeto que observou no Exercício
proposto 13. Se você o refez no Exercício proposto 17 usando apenas a memó-
ria, agora, você pode refazê-lo de uma forma diferente, inovadora: que tipos de
copos podemos criar? Copos que querem dizer algo, conceituais? Designers de
objetos fazem esse tipo de exercício mental – experimente também!

13. Temáticas do Desenho


Pudemos conhecer algumas modalidades de desenho: observação, criação e
memória, e descobrir uma in�nidade de formas possíveis para desenhar e que
podem ser exploradas. Basta olhar ao redor e observar o que podemos expres-
sar por meio do desenho.

Comece pelo próprio corpo, observe suas formas, seus detalhes, suas nuances.
Olhe, também, para o seu quarto, os seus móveis, as suas roupas, os seus obje-
tos; lance esse olhar atento para sua casa. Depois, olhe por uma janela e veja
até onde seus olhos podem alcançar: uma rua, a parede de um outro prédio,
uma árvore, uma nuvem em movimento, a casa do vizinho, uma pessoa cami-
nhando, um cachorro descansando na calçada...

Para explorarmos ainda mais essas possibilidades, iniciaremos, agora, o estu-


do de algumas temáticas do desenho, que deverá ser concretizado por meio de
sua prática. Começaremos pelo desenho de natureza-morta e em seguida, de
paisagem. E estudaremos, também, um pouco do desenho da �gura humana,
um dos temas mais utilizados pelos artistas desde o começo da história da hu-
manidade.

Esses temas terão como referência de modalidade o desenho de observação,


mas também serão motivo para a aplicação das outras duas: a de memória e
de criação.

Observe tudo que seu olhar alcançar e desenhe!

Desenho de natureza-morta
A natureza-morta é uma das temáticas mais comuns entre os desenhistas. A
pintura é a técnica mais utilizada por esse gênero, mas esse tema é também
representado por meio da fotogra�a e do desenho, sendo este último utilizado,
inclusive, como ponto de partida para a pintura.

Leia, a seguir, um breve histórico dessa temática:

Natureza-morta
Objetos inanimados são representados na pintura desde a Idade Média, em geral como fun-
do de pinturas religiosas de cunho realista. Mas é somente em meados do século XVI que a
natureza-morta emerge como gênero artístico independente em obras de pintores como
Pieter Aertsen (1508-1575) e Jacopo Bassano (c.1510-1592), que articulam os temas religiosos
à vida cotidiana e às cenas de gênero. As composições simbólicas e grotescas de Giuseppe
Arcimboldo (c.1527-1593) – com frutas, animais e objetos compondo �guras – alimentam o
desenvolvimento da natureza-morta no período. Na passagem para o século XVII, a �gura-
ção documental exigida pelas ciências naturais joga papel destacado na valorização de
uma arte que almeja representar os objetos e a natureza tais como empiricamente observa-
dos – por exemplo, Jacopo Ligozzi (1547-1627). Assim, o processo de paulatina autonomia
da natureza-morta acompanha tanto a pintura naturalista (associada à ilustração cientí�-
ca) quanto a pintura de gênero, exemplarmente representada pelos artistas holandeses do
século XVII e seus temas domésticos, �gurados com riqueza de detalhes. Os objetos fre-
quentemente escolhidos para compor as naturezas-mortas são: mesas com comidas e bebi-
das, louças, �ores, frutas, instrumentos musicais, livros, ferramentas, cachimbo, tabaco etc.,
todos referidos ao âmbito privado e à esfera doméstica, às vocações e aos hobbies, à decora-
ção e ao convívio no interior da casa.
A desvalorização desse gênero pictórico re�ete-se na sua própria denominação nas línguas
latinas, "natureza-morta", nature morte, e nas línguas saxônicas , still life, stilleben (vida
imóvel, vida em suspensão). Caravaggio (1571-1610) é um dos pioneiros no gênero, exercita-
do entre 1592 e 1599 (detalhe de Baco, 1593, e Cesto de frutas, 1596). A opção pela "pintura
natural das coisas naturais" (destacando a presença do corpo e a realidade pormenorizada
do objeto reveladas pelos contrastes de luz e sombra), a escolha de tipos populares para
compor cenários religiosos e o gosto por cenas de gênero marcam as obras do pintor mila-
nês, um dos primeiros a desa�ar a hierarquia imposta pelos teóricos da época, que viam a
natureza-morta como tema menor. "Custa-me tanto trabalho fazer um bom quadro de �o-
res, quanto um quadro de �guras", a�rma ele. Na Espanha, Juan Sánchez Cotán (1560-1627)
renova o gênero, valendo-se da abertura de janelas para emoldurar os objetos (Natureza-
morta com marmelo, couve, melão e pepino, 1600). No sul do país, o tema é adotado por
Francisco de Zubarán (1598-1664), que desenvolve uma obra religiosa naturalista, produzin-
do paralelamente uma série de naturezas-mortas e cenas de gênero. Em Madri, Juan van
der Hamen y León (1596-1631) confere novos contornos a esse tipo de pintura, dispondo os
objetos em diferentes níveis e reduzindo o número de elementos da cena (Natureza-morta
com frutas e objetos de cristal, 1626) (ITAÚ CULTURAL, 2011).

Até se destacar enquanto gênero independente e receber a devida relevância


no meio da Arte, a natureza-morta foi considerada um gênero de menor im-
portância.

Agora, vamos apreciar algumas obras de artistas que utilizaram como referên-
cia a temática da natureza-morta em seus trabalhos.

Vale salientar que esses trabalhos utilizam como técnica a pintura, que, como
já dito anteriormente, é uma das técnicas mais utilizadas nesse tema. Este é o
momento de observar e perceber como os artistas trabalharam os conceitos
que você estudou até o momento, para, posteriormente, poder aplicá-los no
seu desenho. Observe as Figuras de 113 a 120.

Figura 113 Kitchen still life with a scene of the supper at Emmaus Beyond, de Pieter Aertsen and studio, 1551-1553.
Figura 114 Cesto de fruta, de Caravaggio, 1596.

Figura 115 Natureza morta com marmelo, couve, melão e pepino, de Juan Sánchez Cotán, 1602. Óleo sobre tela.

Figura 116 Still life (Natura-morta), de Giorgio Morandi, 1933. Água-forte sobre papel, 23,8cm × 24,3cm. Art Gallery of

New South Wales, Sydney, Austrália.


Figura 117 Still life (Natura-morta), de Giorgio Morandi, 1948-1949. Óleo sobre tela, 26cm × 35cm. Museo Thyssen-

Bornemisza, Madrid.

Figura 118 Still life (Natura-morta), de Giorgio Morandi, c. 1955. Óleo sobre tela, 35,56cm × 45,72cm. National Gallery of

Art, Washington D.C.


Figura 119 Natureza-morta com maçãs e laranjas, de Paul Cézanne, 1895-1900. Óleo sobre tela, 74cm x 93cm. Musée

d'Orsay, Paris.

Figura 120 Natureza-morta com Bíblia, de Vincent van Gogh, 1885. Óleo sobre tela, 67cm x 78cm. Van Gogh Museum,

Amsterdã – Holanda.

Giuseppe Arcimboldo trabalhou a temática da natureza-morta de uma manei-


ra muito peculiar. Con�ra, nas Figuras de 121 a 124, a série As quatro estações
criada por ele.
Figura 121 Spring, de Giuseppe Arcimboldo, 1573.
Figura 122 Summer, de Giuseppe Arcimboldo, 1573.
Figura 123 Autumn, de Giuseppe Arcimboldo, 1573.
Figura 124 Winter, de Giuseppe Arcimboldo, 1573.

Podemos perceber que os elementos que compõem a temática da natureza-


morta se manifestam de diversas formas em nosso cotidiano. Sendo assim,
nossas possibilidades de percepção e exploração expandem-se, já que esses
elementos são acessíveis e excelentes motivos para a prática do desenho.

E, para estimularmos nossa prática, observe, nas Figuras de 125 a 127, alguns
desenhos de natureza-morta. Procure ver neles os conceitos que estudamos
até agora – composição, enquadramento, profundidade, texturas, luz e sombra
– e prepare-se para colocar em prática a representação dessa temática.

Figura 125 Grande natura morta con la lampada a destra, de Giorgio Morandi. Água-forte sobre papel, 1928.
Figura 126 Still life with grapes, de Laura Schechter.

Figura 127 Still Life, de Tun Myo Hlaing.

Agora que você já analisou várias obras de natureza-morta, vamos colocar es-
sas observações em prática.

Antes de realizar o exercício a seguir, lembre-se de que, para começar um de-


senho, é preciso partir de um bom esquema de linhas, construir uma estrutura
muito simples, capaz de sustentar o conjunto de linhas do desenho.
A composição geral deve ser reduzida a formas simples que se transformem,
depois, em outras mais complexas; a partir de formas básicas, é fácil acabar
de completar esse desenho.

Depois de registradas as linhas, explore todos os outros conceitos que estuda-


mos. Escolha o formato do papel, a parte por onde vai começar seu desenho,
faça a linha do horizonte, de�na pontos de fuga, pense em texturas, fundos e
formas...

Exercício proposto 19

Faça três desenhos: inicialmente, organize uma composição, monte uma


natureza-morta com objetos que tenha em mão, ao seu alcance. Depois, obser-
ve sua composição e desenhe-a. Dessa forma, o primeiro desenho será o de ob-
servação.

Repita a composição sem olhar para ela. Assim, o segundo desenho é o de me-
mória.

E, por �m, ouse: crie uma composição. Você pode usar os dois primeiros dese-
nhos como referência. A�nal, as criações não surgem "do nada"!

Bom trabalho!

Desenho de paisagem natural e urbana


Assim como a natureza-morta, a paisagem é um tema muito explorado pelos
desenhistas. Diferentemente da rigidez das medidas e proporções da �gura
humana, que veremos a seguir, e da natureza-morta, o desenho da paisagem
permite uma grande variedade de opções e uma extensa margem criativa.

Leia, a seguir, um breve histórico do desenho com essa temática e preste bas-
tante atenção às colocações sobre as imagens.

Paisagem
Antes de a paisagem ser considerada um gênero artístico, obras isoladas abordaram este
tema, por exemplo, na Roma Antiga e na pintura chinesa. No ocidente, depois de ser rene-
gada por quase toda a Idade Média, foi no período Gótico que a natureza voltou a ser valori-
zada e as paisagens passaram a ocupar o segundo plano das pinturas retábulos religiosos e
iluminuras que retratavam cenas agrícolas e atividades de lazer da nobreza – tendo uma
importante conotação simbólica.
A partir do Renascimento italiano, principalmente entre os artistas da Escola Veneziana,
cresceu o interesse artístico pela paisagem. Muito em função do próprio pensamento renas-
centista, em seu ideal naturalista e humanista, que valorizou o terreno e o humano frente ao
celestial e ao divino. O artista renascentista portava-se como um cientista que observava,
analisava e documentava a natureza através de sua prática – como podemos observar nas
paisagens de fundo de A Primavera, de Botticelli.
Porém isso não resultou, necessariamente, em uma arte insensível. Na pintura veneziana,
por exemplo, houve uma preocupação maior com a luz e a cor do que com a forma, produ-
zindo uma obra mais lírica e suave, e fazendo com que a paisagem merecesse tanta ênfase
quanto os personagens representados. Houve nesse contexto uma liberação da pincelada e
a natureza foi trabalhada de forma mais espontânea e expressiva, se comparada a obras de
outras regiões da Itália.
Essa soltura teve continuidade na arte de alguns maneiristas que intensi�caram o caráter
expressivo das imagens, constituindo linguagens bastante singulares. A Vista de Toledo
(sob tormenta), que nos proporciona El Greco, é um exemplo. Já as paisagens da mesma
época, mas realizadas por artistas dos Países Baixos, como Brueghel (por exemplo, A
Colheita, de 1565, citada na animação de abertura do jogo de Quelícera), são registros da rea-
lidade camponesa daquele contexto. É singular a integração que o artista conseguiu repre-
sentar entre o camponês e sua paisagem. Tais obras foram determinantes para que, no sé-
culo XVII, a paisagem se tornasse um gênero independente, principalmente naquela região.
Isso ocorreu também pelo fato de aquelas províncias protestantes, ao contrário das regiões
católicas e de governo monárquico, não apresentarem uma pintura Barroca vinculada aos
intuitos religiosos da Contra-Reforma, nem mesmo ao discurso da nobreza que valorizava
as temáticas eruditas (históricas e mitológicas). As paisagens setentrionais barrocas apre-
sentavam um caráter singelo e de extremo naturalismo, como vemos na Vista de Delf, de
Vermeer, diversas das paisagens de tendência classicista, frequentes na França e até em
Veneza durante o Barroco. Segundo Slive, o gênero de paisagem foi tão prolífero na Europa
Setentrional que chegaram a existir especializações, subgêneros: vistas panorâmicas, �o-
restas, estradas rurais, rios e canais, pôr-do-sol, cenas de luar, estações do ano, com ani-
mais e outras mais.
Durante o Romantismo este gênero foi ainda mais valorizado. A paisagem foi potencializa-
da como meio de simbolizar o divino, o transcendente, principalmente na Alemanha da
época. O artista romântico criticava o modo de vida e os valores burgueses cultivados no
mundo moderno, as consequências desastrosas do processo de industrialização na Europa,
da Revolução Industrial na Inglaterra, do crescimento acelerado das cidades e do excessivo
racionalismo do Iluminismo. Contrapunha, assim, civilização e natureza, servindo-se da
paisagem como forma de alcançar os valores transcendentais, esquecidos em meio aos va-
lores materialistas. A forma de registrar a paisagem durante o romantismo remetia a esse
simbolismo, um olhar que enfatizava a grandiosidade e incomensurabilidade da natureza,
que revelava a insigni�cância do homem, sua fragilidade e, principalmente, sua solidão
existencial, somente curada no retorno às raízes, à mãe natureza.
É recorrente no romantismo a paisagem que contrasta com a fragilidade do ser humano di-
ante da grandiosidade do mundo natural, que plasma o sublime, o inominável. Em
Friedrich, a natureza convida à intimidade espiritualizada, à experiência mística silenciosa.
Já o inglês Turner mostra a força incontrolável da natureza em suas catástrofes naturais.
Constable trata a paisagem como cenário para cenas idílicas, como meio de despertar emo-
ções e resgatar a tranquilidade perdida no ambiente urbano.
A temática da paisagem persistiu com os impressionistas, mas vista a partir de descober-
tas da física moderna de que a cor não reside nos objetos a priori, mas é o resultado da re�e-
xão da luz incidindo sobre a superfície. Nesse sentido, o artista impressionista estava muito
próximo do artista renascentista, ambos tomando a natureza como algo a ser observado
analiticamente. No entanto, ao contrário do renascentista, os impressionistas pintaram a
paisagem ao ar livre observando a luz natural e suas modi�cações sobre a percepção das
cores. Eles abriram mão do naturalismo em busca de uma nova con�guração da imagem
artística calcada na impressão de luzes e cores que temos quando passamos os olhos sobre
um determinado lugar. Esse objetivo teve continuidade nas décadas seguintes, como pode-
mos perceber em Van Gogh, Cézanne (o que pode ser bem observado em suas obras feitas a
partir de Montanha Saint Victoire) e, até mesmo, nas paisagens que circundam os persona-
gens das obras de [Odilon] Redon (como Boudha, 1905-1910) (CASTHALIA, 2011).

Agora, observe, nas Figuras de 128 a 133, as imagens das obras citadas anteri-
ormente, atentando para as colocações apresentadas no texto.

Figura 128 A Primavera, de Sandro Botticelli, 1478. Têmpera sobre painel de madeira.
Figura 129 Vista de Toledo, de El Greco, 1597-1607. Óleo sobre tela.

Figura 130 A colheita, de Pieter Brueghel, 1565. Óleo sobre madeira.


Figura 131 Vista de Delft, de Johannes Vermeer, 1660-1661. Óleo sobre tela.

Figura 132 A montanha de Saint Victoire, de Paul Cézanne, 1904-1906.


Figura 133 Bouddha, de Odilon Redon, 1905-1910. Pastel sobre papel.

Ao observar as Figuras de 128 a 133, notamos diferentes formas de expressão


dos artistas na representação da paisagem. As cores, a composição, a profun-
didade, o destaque dado para cada uma. Cada artista representa à sua manei-
ra.

A paisagem pode ser representada sem nenhum elemento como protagonista,


como uma grande extensão de terreno ou algum elemento destacado em pri-
meiro plano, ou com tal proximidade que a sua textura é claramente visível.

A temática da paisagem pode ser dividida em duas: paisagem natural e paisa-


gem urbana. A paisagem natural é aquela que remete à natureza, locais sem a
intervenção humana; e a paisagem urbana é aquela em que se observa a ação
humana, suas construções e intervenções.

Dentro da temática da paisagem, a urbana é, sem dúvida, bem atrativa para os


desenhistas, tanto pela complexidade dos edifícios quanto pela possibilidade
de desenvolvimento da sua visão sobre a cidade.

Já a paisagem natural permite uma �exibilidade maior das formas expressas.

Ambas as temáticas, porém, permitem uma ampla margem criativa. Analise


as Figuras de 134 a 136.
Figura 134 Il poggio di sera, de Giorgio Morandi, 1928.

Figura 135 Paisagem antropofágica, de Tarsila do Amaral, 1924. Desenho a lápis.


Figura 136 Sem título, de Paulo Martinez, 1998. Gra�te sobre papel. Coleção particular.

Agora, vamos praticar novamente!

Exercício proposto 20

Antes, porém, veja os apontamentos de Ynaia Barros (2011):

Por meio da observação e contemplação da paisagem é que aprendemos a noção de


proporção do nosso tamanho em relação ao tamanho do mundo, nossos próprios li-
mites, pequenez e grandeza, a inteligência das coisas por meio dos nossos sentidos.

Escolha uma paisagem para reproduzir. Antes de iniciar seu desenho, pense
sobre o que você acabou de ler. Procure se perguntar: como lhe parecem as
coisas que o rodeiam? Quantos planos há naquilo que você observa? Já pen-
sou que você pode recriar tudo isso, toda essa re�exão, com apenas papel, lá-
pis e borracha? E, também, utilizando a imaginação, com certeza.

Experimente este exercício re�exivo.

Observe a paisagem. Para localizar os planos, divida a paisagem em três ou


quatro áreas distintas: primeiro plano, distância próxima, meia distância e
fundo (podem ser, também, primeiro, segundo e terceiro planos). Cada plano
tem um tom, intensidade e temperatura de cor próprios, que �cam mais sua-
ves conforme a distância que o observador tem dos elementos da paisagem.
Use, também, esse conceito para aumentar a impressão de profundidade.
Exagere as diferenças entre os planos, tornando as cores mais profundas.
Realce os detalhes e aumente os contrastes à medida que se aproximar do pri-
meiro plano. O fundo deve ser bem simples; à medida que for passando do pri-
meiro para o último plano, vá reduzindo os contrastes entre as cores e omitin-
do detalhes.

Você pode também desenhar paisagens nas três modalidades de desenhos


que já estudamos, como fez com a natureza-morta. Basta escolher uma paisa-
gem, rural ou urbana, e explorá-la!

Desenho de �gura humana


Como adquirimos o status de bom desenhista? Quando fazemos desenhos per-
feitos? Essa discussão será aqui retomada para reacendermos a ideia de que
sermos "livres" na hora de expressarmos é fundamental para superar as bar-
reiras que criamos à medida que crescemos.

Agora, vamos conhecer as questões relacionadas ao desenho da �gura huma-


na e sua transformação em expressão: por que representar a �gura humana?
Qual a relação do corpo com essa necessidade de representação? Qual a im-
portância disso para o ser humano? Como o ser humano se representa?

Para responder a essas perguntas, vamos buscar entender o signi�cado do


corpo e a necessidade humana de exteriorização e transformação em ima-
gem. Poderemos observar alguns dos diferentes conceitos e opiniões no de-
correr do tempo a respeito desse tipo de representação.

Segundo Derdyk (s.d., p. 29):

Pensando o corpo como substância material, presença carnal do homem no mun-


do, a �gura poderia ser pensada como sua forma exterior, sua imagem e represen-
tação. O corpo é. A �gura representa. O corpo é o ente físico e palpável, o órgão de
nossa atenção e intenção. A �gura pertence ao universo simbólico e representativo.

Para entendermos a relação do corpo com sua representação, vamos conhecer


os conceitos que de�nem ambos e, a partir daí, construir nosso conhecimento
sobre essa relação:

• Corpo: parte central ou principal de um edifício; substância física, ou es-


trutura, de cada homem ou animal, o tronco; grupo de pessoas que funci-
onam ou trabalham juntas, consideradas como uma unidade; estrutura,
textura, contextura (DICIONÁRIO.CO, 2014).
• Figura: estatura e con�guração geral do corpo; vulto; forma exterior, �gu-
ração; imagem, representação de imagem por meio do desenho
(DICIONÁRIO.CO, 2014).

O corpo humano é a ferramenta que faz o ser humano "ser e estar" no mundo e
estabelecer suas relações. É ele que possibilita a ação, a efetivação de seus de-
sejos e faz a ponte entre o seu mundo interior e o exterior.

Segundo Derdyk (1990, p. 23):

O corpo potencializa a materialização de nossos quereres do mundo, expressando


até involuntariamente a necessidade da concretização de projetos. A presença cor-
poral con�rma o ser, o estar e o fazer do homem no mundo.

Sendo assim, o ser humano que se percebe no mundo e quer se apresentar a


ele vê na representação de sua imagem a possibilidade de eternizá-la, criando
uma ilusória permanência para sua efemeridade. Para tornar isso possível,
utiliza-se da Arte, como comenta Lima (apud DERDYK, s.d., p. 29):

De certa maneira, a arte reapresenta o homem a seus olhos. Em sua matéria-prima


a arte está intimamente ligada à representação. [...] A origem da arte faz parte da
origem do homem, da representação do homem: a arte como a apresentação de
uma visão.

Sendo o desenho uma linguagem da Arte, este sempre esteve presente desde
que o "homem inventou o homem". Através do espaço e tempo percorridos
desde a era pré-histórica, na sua simplicidade, caminha lado a lado com o ser
humano durante sua história na Terra. Veja o que comenta Derdyk (2003, p.
12):

O homem sempre desenhou o homem. Observar as diversas notações grá�cas que


o homem fez de si mesmo ao longo dos tempos, como se fossem as páginas de um
diário, nos projeta para um breve contato com os vários "eus" introjetados pelo pal-
co do mundo.

O desenho de �gura humana é sem dúvida, um dos temas mais explorados pe-
los desenhistas e, também, artistas. Trata-se de um tema desa�ante por envol-
ver noções de proporção e detalhes mais elaborados, exigindo uma observa-
ção mais atenta. O desenho de �gura humana é estudado há muitos séculos,
cujos resultados obtidos são utilizados até hoje como referência.

A expressão de cada desenho é única e se relaciona com o seu tempo, mas


existem semelhanças que fazem o homem se reconhecer. Uma delas é a ana-
tomia, cujo estudo se desenvolveu em cada tempo, época, sociedade. Ou seja,
mesmo cada artista tendo uma expressão própria de representar o corpo hu-
mano, foram observados e estipulados padrões de como reproduzir a �gura
humana, bem como proporções e maneiras mais adequadas para realizar esse
tipo de desenho.

Vamos, agora, tratar de alguns desses padrões brevemente.

Os egípcios elaboraram um esquema de proporções para reproduzir a �gura


humana (veja um exemplo de obra egípcia na Figura 137):

[...] construíram uma rede mecânica, em que acomodaram a �gura (18 quadros do
pé à testa), sem se preocupar com a relação dessa rede com as junções orgânicas
signi�cativas do corpo humano, seguindo um princípio de identidade mecânica
com um módulo abstrato (DERDYK, 2003, p. 145).

Todos que desejavam reproduzir a �gura humana tinham de agir desse modo,
além de aplicar a "Lei da Frontalidade".
Figura 137 Detalhe na tumba de Nakht.

Observe, no texto a seguir, o que descreve Marco Vitrúvio Pollio em Os dez li-
vros da Arquitetura, obra escrita por volta de 30-26 a.C.:

Com qual modelo se edi�cam os templos


Ao corpo humano a natureza con�gurou de tal forma que o rosto, do queixo até o alto da
fronte e as raízes dos cabelos, constitui um décimo dele; similarmente, a palma da mão, do
punho até a extremidade do dedo médio, tem a mesma extensão; a cabeça, do queixo até a
coroa, um oitavo; do alto do peito até a raiz dos cabelos, um sexto; do meio do peito até a co-
roa, um quarto. Quanto à extensão do rosto, constitui um terço a parte que vai da ponta do
queixo até a base das narinas; o nariz, da base até o �m, no meio das sobrancelhas, o mes-
mo tanto; desse ponto até a raiz dos cabelos, a fronte constitui, do mesmo modo, um terço. O
pé, por sua vez, constitui um sexto da altura do corpo; o cúbito, um quarto; o peito, também
um quarto. Os membros restantes têm, igualmente, suas medidas proporcionais; delas tam-
bém se utilizando, os antigos pintores e escultores renomados alcançaram uma glória gran-
diosa e ilimitada. De modo semelhante, então, as partes constitutivas dos edifícios sagrados
devem ter, em cada uma, proporções que correspondam, o mais harmoniosamente possível,
ao conjunto de sua grandeza como um todo. Assim, o centro do corpo é, naturalmente, o
umbigo. De fato, se se colocar uma pessoa [deitada] de costas com as mãos e os pés estendi-
dos e se estabelecer o centro de um círculo em seu umbigo, traçando-se a circunferência,
ela tocará a linha dos dedos de ambas as mãos e dos pés. Assim como se traça a �gura de
um círculo no corpo, encontrar-se-á nele a forma de um quadrado. De fato, se se medir da
planta dos pés ao alto da cabeça e se essa medida for aplicada às mãos estendidas,
encontrar-se-á a mesma largura e a mesma altura, como as superfícies quadradas traçadas
com o esquadro [...] (LICHTENSTEIN, 2004, p. 19-20).
Com essas palavras, caracterizando as proporções ideais comuns, Vitrúvio
acaba por de�nir um cânone de beleza que inspira o desenho dos corpos no
Ocidente desde o Renascimento até o �nal do século 19.

Que tal fazer, agora, uma �gura humana seguindo as indicações de Vitrúvio?
Experimente!

Em O livro da Arte (c. 1400), mais especi�camente no capítulo 70, Cennino


Cennini cita as medidas perfeitas do corpo bem proporcionado:

As medidas que o corpo do homem deve ter


Nota que antes de prosseguir, quero dar-te as medidas exatas do homem. As da mulher, dei-
xa estar, porque não possui nenhuma medida perfeita. Primeiramente, [...] o rosto é dividido
em três partes, a saber: a testa, uma; o nariz, outra; e do nariz ao queixo, a outra. Da ponta do
nariz por todo o comprimento do olho, uma dessas medidas; do �nal do olho ao �nal da ore-
lha, uma dessas medidas; de uma orelha a outra, o comprimento de um rosto; do queixo sob
o papo ao ponto de encontro com a garganta, uma das três medidas; a garganta, uma medi-
da de comprimento; da fúrcula ao �m do ombro, [o equivalente a] um rosto; o mesmo para o
outro ombro; do ombro ao cotovelo, um rosto; do cotovelo à articulação da mão, um rosto e
uma das três medidas; a mão, em todo o seu comprimento, um rosto; da fúrcula da garganta
à do peito, isto é, ao estômago, um rosto; do umbigo à articulação da coxa, um rosto; da coxa
ao joelho, dois rostos; do joelho ao calcanhar da perna, dois rostos; do calcanhar à planta [do
pé], uma das três medidas; o pé, o comprimento de um rosto.
A altura do homem corresponde ao comprimento dos seus braços abertos em cruz.
Esticando os braços, alcança com as mãos o meio da coxa. Em todo o seu comprimento ele
tem oito rostos e duas das três medidas. Ele possui uma costela a menos que a mulher, do
lado esquerdo. E possui ossos em todo o corpo. Sua natureza, ou melhor, sua vara, deve ter a
medida que agrade às mulheres; que seus testículos sejam pequenos, de bela aparência e
frescos. O homem belo deve ser moreno e a mulher, branca etc. [...] (LICHTENSTEIN, 2004,
23-24).

Observe que, quando Cennini menciona que o homem "possui uma costela a
menos que a mulher", do lado esquerdo, in�uenciado pelo poder da igreja cató-
lica na época, estava se referindo a uma velha crença, que tem sua origem no
Gênesis, no qual consta que a mulher foi criada a partir de uma costela de
Adão.

Leon Battista Alberti (1404-1472), em Da pintura, obra de 1435, também indica


meios para se desenhar, esboçar ou desenhar a �gura humana. Mas Alberti
não se preocupa, apenas, com a �gura imóvel, re�etindo sobre suas feições e
movimentos (LICHTENSTEIN, 2004, p. 30):

[...] os movimentos da alma são conhecidos pelos movimentos do corpo. Os melan-


cólicos têm testa franzida, a cabeça lânguida; todos os membros descaem como se
estivessem cansados e descuidados.

Chegamos a Leonardo da Vinci (ITAÚ CULTURAL, 2011):

Responsável por ampla produção artística e cientí�ca, célebre por seus escritos, pe-
los retratos e pela invenção da técnica do sfumato, Da Vinci se vale sistematica-
mente do desenho – sobretudo dos desenhos com giz – para a realização de inves-
tigações e esboços. Estudos de proporção e anatomia são feitos com base na obser-
vação minuciosa de corpos humanos e de animais como em Estudos Anatômicos
de Laringe e Perna, 1510. Do mesmo modo, desenhos preparatórios de gestos e ex-
pressões são sistematicamente executados por ele.

Observe algumas criações de Da Vinci nas Figuras 138, 139 e 140.


Figura 138 Estudos anatômicos de laringe e perna, de Leonardo da Vinci, 1510.
Figura 139 Estudos anatômicos do ombro, de Leonardo da Vinci, 1510-1511.
Figura 140 Estudos anatômicos do esqueleto humano, de Leonardo da Vinci, 1507.

Foi Leonardo da Vinci quem concretizou o desenho do homem ideal segundo


Vitrúvio. Mesmo criando novas medidas de proporções ideais, Da Vinci ainda
fazia referência a Vitrúvio, mas utilizando-se de um padrão que chama de "de-
do" (LICHTENSTEIN, 2004, p. 37):

[...] mede dois centímetros apenas: ele permite estabelecer entre os membros rela-
ções de proporção muito mais �nas que no passado, assim como levar em conside-
ração sejam as deformações impostas pelo movimento ao aspecto do corpo visto de
per�l, erguido e imóvel, seja a variedade dos tipos segundo as categorias de indiví-
duos.

Leonardo da Vinci também re�etia sobre as feições e posicionamentos das �-


guras representadas nas pinturas e colocava as �guras de fundo como perso-
nagens importantes para que o espectador pudesse se enxergar ali.

Vejamos, na Figura 141, o desenho do Homem Vitruviano, feito por Da Vinci.


Figura 141 Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, 1490. Lápis e tinta sobre papel.

Essas medidas matematicamente calculadas das proporções da �gura huma-


na ainda são, hoje, utilizadas. As experiências de Leonardo da Vinci deixaram
fortes marcas em nossos conceitos sobre ideais de beleza.

Outros artistas também escreveram sobre isso depois do Renascimento, como,


por exemplo, Peter Paul Rubens (1576-1640). Em Teoria da �gura humana, con-
siderada em seus princípios, seja em repouso ou em movimento, Rubens re-
presentou a beleza do corpo feminino, o que, até então, não havia sido feito,
pois ora achavam o corpo feminino feio, ora preferiam o desenho do corpo
masculino.

Mesmo ainda preso ao cânone italiano e clássico de beleza, Peter Paul Rubens
passou a valorizar as formas femininas, distinguindo-as das do homem, e, as-
sim, revolucionou o pensamento em relação à mulher, a�rmando que o corpo
da mulher tinha formas tão perfeitas quanto às do homem (LICHTENSTEIN,
2004, p. 64-65):
O círculo, ou a �gura circular, é dominante na forma da mulher; Platão a�rma que
essa é a �gura mais bonita. O círculo e a forma arredondada são seus elementos
primitivos, são a causa e o princípio de toda beleza, assim como no homem o cubo
e o quadrado são elementos da força, da grandeza e da robustez.

Observe as Figuras 142 e 143.


Figura 142 The three graces, de Peter Paul Rubens, c. 1638. Óleo sobre tela.

Figura 143 Dois estudos de dorso feminino, de Peter Paul Rubens.

Um pouco mais adiante na história, depois de Rubens, Henri Matisse


(1869-1954) também teorizou sobre proporções e maneiras de desenhar a �gu-
ra humana em Escritos e conversas sobre a arte (1908) – lembramos que ou-
tros artistas escreveram sobre o assunto, mas, aqui, estamos apenas pontuan-
do algumas dessas teorias.

Matisse absorve o que já existe e recria seus conceitos e criações. Para ele, a �-
gura representada deveria transmitir seus signi�cados, e as linhas de constru-
ções da imagem ser valorizadas.

Leia, a seguir, um trecho em que Matisse descreve como realizava suas obras:

Escritos sobre a Arte


Vou pintar um corpo de mulher; de início, dou-lhe graça, encanto, mas é preciso dar-lhe al-
go mais. Vou condensar a signi�cação desse corpo procurando suas linhas essenciais. O
encanto será menos evidente ao primeiro olhar, mas ele deverá emanar, da nova imagem
que eu obtiver, ao longo do tempo, e terá uma signi�cação mais ampla, mais plenamente
humana. [...]
Não esqueçam que uma linha não pode existir sozinha; ela traz sempre uma companheira
consigo. Não esqueçam que uma linha não traduz nada; é somente em relação com outra
que ela cria um volume. E tracem as duas juntas.
Dêem aos elementos o arredondado de suas formas, como numa escultura. Procurem o vo-
lume e a plenitude, que os contornos devem mostrar. Assim como, ao falarmos de um me-
lão, usamos as duas mãos para exprimi-lo como num gesto, as duas linhas que delimitam
uma forma devem restituí-la. Desenhar é como fazer um gesto expressivo, com a vantagem
da permanência. Um desenho é uma escultura, mas ele tem a vantagem de poder ser visto
de perto o bastante para que se distingam sugestões de forma que a escultura, feita para ser
vista à distância, deve exprimir de maneira muito categórica.
É preciso não esquecer nunca as linhas de construção, os eixos dos ombros e da bacia; bem
como os das pernas, dos braços, do pescoço ou da cabeça. É esta construção que dá á forma
sua expressão essencial. As características particulares sempre podem realçar o efeito, mas
a construção tem que existir desde o princípio (LICHTENSTEIN, 2004, p. 118-114).

Observe algumas obras de Henri Matisse nas Figuras 144 e 145.

Figura 144 Femme nue, de Henri Matisse, 1927.


Figura 145 Ilustração para a obra Ulysses (de James Joyce, 1935), de Henri Matisse.

Como podemos observar, cada artista que se refere às proporções do corpo hu-
mano o faz de acordo com suas convenções, à maneira como cada sociedade
vive e cria seus valores religiosos, morais, éticos. Como já mencionado, a Arte
é re�exo da vida experienciada por cada um.

Ao desenhar, até mesmo a �gura humana, um re�exo de nós mesmos, deposi-


tamos ali quem somos, o que sentimos da vida que levamos, o que percebemos
do mundo. Praticamente, nosso espelho.

Podemos representar a �gura humana dentro de convenções, mas sabemos


que estas servem para o desenho do corpo ideal, perfeito, belo... A�nal, as pro-
porções ideais são criadas sob valores religiosos, morais, éticos que cada soci-
edade ostenta, não é isso?

A prática do desenho e sua nutrição estética


Fazer um desenho de �gura humana não é como desvendar um desa�o mate-
mático, ou, pelo menos, não é mais.

Pense que não existem homens perfeitos nem valores exatos para o corpo hu-
mano. Portanto, o que vai in�uenciar um desenho é a forma como você vê o
modelo e a sua própria maneira de retratá-lo, o que está diretamente relacio-
nado ao seu traço pessoal, ao exercício, à percepção, à observação e, também,
à dedicação.

A prática do desenho da �gura humana segue a linha do que já descrevemos


até aqui: são desenhos de observação, memória e/ou criação.

Os desenhos de observação são feitos com modelos vivos, prática essencial


para educar o olhar. A �gura humana é como "qualquer outro objeto", ou seja,
deve ser olhada e observada relacionando as partes, observando as perspecti-
vas, aplicando texturas, volumes, valorizando �gura e fundo. En�m, todos os
conceitos já estudados são, aqui, também aplicados. Veja um exemplo na
Figura 146.
Figura 146 Foto de aula de desenho com modelo-vivo.

Exercício proposto 21

Experimente realizar com um modelo-vivo o mesmo que realizou com


natureza-morta e paisagem: observe, memorize e crie uma �gura humana.
Peça para alguém posar para você e procure aplicar todos os conceitos que
apresentamos até agora.

Outras formas da representação humana


As representações grá�cas que fazemos de nós mesmos estão repletas de sig-
ni�cações estéticas, �losó�cas, espirituais e documentais.

Segundo Derdyk (2003, p. 31):

São milhares as maneiras de representar a �gura humana, as quais, provavelmen-


te, estiveram associadas às condições e circunstâncias de uma certa época, bem
como interligadas à relação que o homem mantém com o seu próprio corpo: re�e-
xos de uma determinada visão do mundo. Cada época desenha a sua �gura, a sua
imagem, a sua persona cultural.
As representações grá�cas da �gura humana presentes em diversos momen-
tos da civilização são uma maneira de visualizar como cada sociedade se vê e
vive em diversos momentos da história; oriente e ocidente, primitivos e pós-
industriais.

Apreciemos, então, imagens de �guras humanas: desenhos de partes, dese-


nhos do todo, desenhos antigos e contemporâneos... É importante ver o que já
foi feito, ter conhecimento de algumas noções básicas de estruturação do cor-
po. Observe as Figuras de 147 a 162.

Figura 147 Pintura representando �gura humana com cocar e vestes decoradas – Sítio Mirador, Parelhas (RN).

Arquivo particular de Gabriela Martin Avila.


Figura 148 Hermes com o jovem Dionísio, de Praxiteles, 340 a.C.

Figura 149 Dois estudos de dorso feminino, de Gustav Klimt, 1901–1902. Giz preto sobre papel.
Figura 150 Paul Klee, c. 1940.
Figura 151 Irina, de Friedensreich Hundertwasser, c. 1960.

Figura 152 O beijo, de Pablo Picasso, 1969.

Figura 153 Desenhos de �guras humanas feitos por crianças.


Figura 154 Medusa Marinara, de Vik Muniz, 1999.

Figura 155 Zeus et Europe, de Fernando Botero, 2006.


Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 156 Desenho de observação/criação, 2002.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 157 Desenho de observação com modelo-vivo, 2002.


Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 158 Desenho de observação com modelo-vivo, 2002.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 159 Desenho de observação com modelo-vivo, 2002.


Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 160 Desenho de observação/criação com modelo-vivo, 2002.


Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 161 Rosto de homem, 2010. Desenho de criação.

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 162 Rosto de mulher, 2010. Desenho de criação.

Esquemas, estudos e esboços


Observe agora as Figuras de 163 a 185.

Esboços da �gura humana


Figura 163.

Dorso/corpo inteiro

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 164.
Figura 165 Estudo das proporções ideais nas �guras feminina e masculina.

Figura 166.

Cabeça e rosto
Figura 167.

Figura 168.

Olhos
Figura 169.

Figura 170.

Boca
Figura 171.

Figura 172.

Nariz

Figura 173.
Figura 174.

Orelha
Figura 175.

Figura 176.

Braços

Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 177.
Figura 178.

Mãos
Figura 179.

Figura 180.
Figura 181.

Pernas

Figura 182.

Figura 183.

Pés
Figura 184.

Figura 185.

Exercício proposto 21
Experimente desenhar seu próprio corpo: desenhe as partes que consegue ver,
que estão ao alcance de seu olhar, e utilize espelhos para desenhar aquelas
que não pode ver!

Agora, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a seguir.

14. Considerações
Neste ciclo, você teve a oportunidade de estudar os conceitos introdutórios so-
bre a percepção e a expressão bidimensional do desenho e de reconhecer al-
gumas formas que o desenho pode assumir, além dos materiais e dos suportes
do desenho. Estudamos também os elementos básicos da composição visual e
as maneiras de se expressar por meio do desenho, que é saber empregar esses
elementos e aliá-los à expressão pessoal, obtida quando passamos a praticar e
temos em mente que cada traço é particular e único e deve ser cada vez mais
entendido e explorado.
(https://md.claretiano.edu.br

/estelerepdesproesclinpic-gp0042-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 2 – Percepção e Expressão

Wilton Luiz Duque Lyra

Objetivos
• Investigar os elementos da percepção visual.
• Investigar o processo de expressão.
• Identi�car e compreender a importância dos esboços e dos estudos pre-
liminares na elaboração de uma obra de arte.
• Compreender os conceitos de linear e pictórico.

Conteúdos
• Ambiguidade e cansaço visual.
• Acuidade Visual.
• O olhar solicitado.
• Processando informações.
• A construção da Expressão.
• A importância dos esboços e dos estudos para a realização de obras de
arte.
• As características do conceito de pictórico e de linear.

Problematização
De tanto ouvirmos e utilizarmos determinadas palavras, deixamos de lado os
conceitos que estão por trás delas. É evidente que não vamos investigar o
signi�cado de cada palavra que usaremos neste ciclo. Porém, você já se deu
conta do quanto a percepção é afetada pelo interesse? Você já se perguntou
sobre o que nos faz olhar especi�camente para um determinado objeto?
Orientação para o estudo
É importante que você investigue de que maneira se dá o processo da per-
cepção. Inicie o processo investigativo a partir do fenômeno da ambiguidade,
pois trata-se de determinada condição voluntária ou involuntária de in-
certeza que pode nos remeter à chamada ambiguidade gestáltica, ou seja, a
uma insegurança perceptiva diante da �gura. É fundamental que você inves-
tigue, também, a habilidade denominada acuidade visual, haja vista que é de
suma importância a análise desse processo, uma vez que, no geral, não nos
esforçamos para perceber detalhes de estruturas e de objetos observados: nos
sentimos satisfeitos com o mínimo de informações que seja su�ciente para
identi�carmos o objeto à nossa frente, ignorando o restante. Essa prática aca-
ba se transformando em um problema, uma vez que para desenharmos é ne-
cessário perceber detalhes.

1. Introdução
Neste segundo ciclo estudaremos como se dá o processo de percepção e da re-
presentação dos elementos visuais. Isso porque, como bem sabemos, as expe-
riências são diferentes, e são diferentes exatamente porque os próprios fenô-
menos podem produzir efeitos bastante diferentes. Ora, uma pessoa que vive à
beira da praia, e por isso está muito acostumada ao murmúrio das ondas, di�-
cilmente as ouvirá. Ou então, quando vemos muito frequentemente determi-
nados objetos, eles se tornam tão familiares que formamos uma imagem men-
tal deles. Essa imagem, no entanto, com o tempo, tende a �car cada vez mais
fraca.

Antes de estudarmos os elementos expressivos – até porque não poderíamos


inverter a ordem dos fatores, pois primeiro percebemos, depois nos expressa-
mos –, é preciso retomarmos alguns aspectos referentes à percepção.

Embora não saibamos exatamente o quanto a percepção é afetada pelo inte-


resse, observando a Figura 1, à primeira vista não passa de um mosaico com-
posto de quadrados pretos, cinzas e brancos. No entanto, examinando-a a uma
distância apropriada, e com mais cuidado, algo interessante acontece: surge o
rosto de uma criança. Segundo Dember (1979), a variação do brilho dos ele-
mentos representa a informação básica da entrada; o rosto que emerge depois
de algum estudo é o produto de um sistema perceptivo que organiza, interpre-
ta e dá sentido à informação básica.

Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 1.

Ao decidirmos desenhar algo, a representação depende da percepção do ob-


servador, e isso faz muita diferença, pois, como postulou Austin (2004), é dife-
rente ver uma parede branca através de lentes azuis e ver uma parede azul;
como também é diferente ver ratos cor-de-rosa em meio a uma crise de deli-
rium tremens da visão real de ratos cor-de-rosa; ou ainda, ver um bastão refra-
tado na água não é o mesmo que ver um bastão curvo. “Em todos esse casos
podemos dizer as mesmas coisas (‘tem aspecto azul’, ‘parece curvo’ etc.), mas
não existe razão nenhuma para se negar o fato óbvio de que as ‘experiências’
são diferentes" (AUSTIN, 2004, p. 54).

As experiências são diferentes porque os fenômenos podem produzir efeitos


bastante diferentes. Por exemplo, uma pessoa que vive à beira da praia, e por
isso está muito acostumada ao murmúrio das ondas, di�cilmente as ouvirá.
Às vezes, os aspectos das coisas nos são ocultos porque somos incapazes de
perceber certas coisas pelo simples fato de elas estarem diante de nossos
olhos há muito tempo.

Quando vemos muito frequentemente determinados objetos, eles se tornam


tão familiares que formamos uma imagem mental deles. Essa imagem, no en-
tanto, com o tempo, tende a �car cada vez mais fraca.

De acordo com Vernon (1968), muitas das imagens usadas na percepção são
provenientes de quadros imprecisos que estão arquivados em nossas mentes.
A implicação disso é que mesmo estando diante de objetos especí�cos, comu-
mente solicitamos tais imagens durante o processo de percepção. Ora, então,
temos uma memória visual que, diferentemente da percepção, baseia-se muito
mais no armazenamento de informações do que em informações atuais.
Porém, ambas partem do mesmo tipo de síntese: a visão de objetos externos
começa com raios de luz formados por fótons. Os raios vêm de uma fonte de
luz, batem no objeto, são re�etidos por ele e caem sobre os olhos.

Devido ao fato de os processos de percepção e visualização serem similares,


muitos fenômenos associados à percepção também se aplicam à visualização.
Psicólogos descobriram que se o olhar se torna absolutamente �xo enquanto
olhamos para um objeto, a imagem do objeto se extinguirá em segundos.
Muitas pessoas não estão familiarizadas com esse fenômeno porque, no de-
curso normal de ver, inconscientemente movimentam os olhos constante-
mente.

Estudos têm demonstrado que as pessoas movem seus olhos em movimentos


pequenos e irregulares (scanning movements), mesmo quando estão olhando
para um objeto que não esteja em movimento.

Se um indivíduo �xa seu olhar em uma imagem mental, da mesma maneira


ela tende a desaparecer. Ao passo que se uma pessoa escaneia uma imagem
mental como se fosse uma percepção, ela descobrirá que a imagem tende a �-
car cada vez mais nítida e estável (SAMUELS, 1975, p. 59).

Diante dessas observações, de que maneira devemos nos posicionar, já que


tanto a consciência desatenta quanto o excesso de clareza pouco acrescenta
ao objeto percebido?

É o que veremos a seguir. Bons estudos!

2. Construção da Percepção
Em arte, mas também em ciência, o processo criativo passa pelo caráter cog-
nitivo da imaginação. Foi isso que aconteceu com Albert Einstein.

Conforme consta, sua maior habilidade não repousava na realização de cálcu-


los matemáticos, mas na visualização de efeitos, consequências e possibilida-
des.

Einstein vivenciou aquilo que ele mesmo chamou de “pensamento experi-


mental”, ao se imaginar viajando ao lado de um feixe de luz em uma velocida-
de de 186 mil milhas por segundo. O que ele viu mentalmente o levou a formu-
lar a teoria que mudaria nosso entendimento sobre o espaço e o tempo: a teo-
ria da relatividade.

Portanto, como podemos perceber, a imaginação – forma de pensamento que


engendra imagens – tem uma importante função cognitiva que atua ao lado
da criação. Mas ao lado da função cognitiva que está presente na imaginação,
encontramos cognição em outro processo: a percepção. Isso porque, como
postula Arnheim (1985), a percepção visual é pensamento visual.

3. Ambiguidade e Cansaço Visual


A ambiguidade é um recurso muito utilizado, especialmente em obras poéti-
cas. À guisa de introdução à problemática, podemos dizer que ao termo ambi-
guidade aludimos a determinada condição voluntária ou involuntária de in-
certeza, a uma condição de suspensão e de espera, de imprecisão e, às vezes,
de signi�cação múltipla. Observe a Figura 2.

Figura 2.
A ambiguidade também pode nos remeter à chamada ambiguidade gestáltica,
ou seja, durante o processo de percepção ocorre uma insegurança perceptiva
diante da �gura (Figura 2).

Ora, uma paisagem em um dia de alto nível de poluição tornar-se-á um espe-


táculo confuso. Neste exemplo, a ambiguidade seria fruto de uma causa exter-
na. Há situações, no entanto, em que a ambiguidade surge porque o objeto
apresenta certo grau de di�culdade de apreensão.

Observem as imagens da Figura 3 a seguir. O cubo tanto pode surgir visto de


cima como visto de baixo. A princípio, só é possível ver uma de suas faces de
cada vez.

Ao �xarmos nosso olhar na face ABCD do cubo, o fazemos valer como �gura
mais distante de nós. No entanto, se �xo meu olhar na face EFGH, tal face as-
sume a posição de �gura mais próxima de nós. O mesmo acontece com a es-
cada, pois ela tanto pode aparecer como uma escada normal, como pode apa-
recer invertida.
Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 3 Cubo e escada.

Vejamos o que diz Coelho Netto (1989, p. 155) acerca desse fenômeno:

Nos dois casos, a construção da mensagem é feita de tal modo que não se evitou o
fenômeno da fadiga visual (ou "câimbra no olho"): não será exagero dizer que, em
termos de informação, de mensagem nova, nosso olho é mais exigente, muitas ve-
zes, do que nós mesmos, cansando-se rapidamente de uma mensagem velha e pas-
sando a explorá-la na tentativa de encontrar novas formas – achando-as se a men-
sagem as contiver.

Diante das �guras anteriores (Figura 3), devemos dizer que vemos um cubo
com sua face para baixo ou para cima? E com relação às escadas (Figura 4),
vemos uma escada normal ou uma escada invertida?
Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 4 Cubos e escadas.

A Figura 5 chama-se Pato-lebre. O �lósofo Ludwig Wittgenstein toma essa �-


gura emprestada do psicólogo americano Joseph Jastrow, para fazer uma di-
ferenciação entre uma “visão permanente” de um aspecto e a “revelação” de
um aspecto. Como podemos facilmente veri�car, a �gura tanto pode ser vista
como um pato quanto como uma lebre.

Figura 5 Pato-lebre.

Conforme observa Monk (1995) – que escreveu uma biogra�a de Wittgenstein


–, é esse fenômeno do “ver como” que interessa a Wittgenstein.

Segundo o �lósofo, há uma grande diferença entre ver a �gura de uma lebre ou
a �gura de um pato e ver a �gura da lebre-pato, mesmo que diante de tal Pato-
lebre ora vejamos uma lebre ora vejamos um pato.

De acordo com Wittgenstein (1979, p. 190):


A resposta “é a cabeça L-P” é novamente a comunicação da percepção; a resposta
“agora é uma L” não é. Se tivesse dito “é uma lebre”, a ambigüidade teria me escapa-
do, e eu teria relatado a percepção.

O que nos interessa é o fato de que, diante de uma �gura ambígua, devemos
nos concentrar na própria ambiguidade e não nas formas separadamente, ou
seja, aproveitando para retomar os exemplos anteriores, diante de um cubo cu-
ja face tanto pode estar para baixo como para cima; diante de uma escada que
tanto pode ser vista “normal” como invertida, não devemos “ver como”, pois "O
'ver como...' não pertence à percepção" (WITTGENSTEIN, 1979, p. 191). Embora
a ambiguidade cause oscilação perceptiva na interpretação, alguns artistas
exploraram esse recurso como fator de criação e condição para a fruição esté-
tica. Com isso, "o artista busca deliberadamente esta impressão interpretativa,
com o �m de criar um efeito de oscilação e de titubeio formal” (DORFLES, 1963,
p. 38). É o caso de Salvador Dalí.

Nas imagens da Figura 6, Dalí explora magistralmente essa possibilidade es-


tética, uma vez que ora vemos duas �guras femininas vestidas com roupas do
século 12 ora vemos o busto de Voltaire. Deem uma olhada no estudo e na pin-
tura propriamente dita:
Figura 6 Esboço de Mercado de escravos com o busto invisível de Voltaire (1940), de Salvador Dalí; Mercado de escra-

vos com o busto invisível de Voltaire (1940), de Salvador Dalí.

A diferença fundamental entre a ambiguidade apresentada por Dalí e a ambi-


guidade da Pato-Lebre (Figura 5), por exemplo, é o fato de que Dalí (1971) estava
explorando um método de conhecimento irracional baseado na associação
crítica-interpretativa dos fenômenos delirantes. Tal método foi por ele deno-
minado "Atividade Paranoico Crítica". Embora a princípio as �nalidades fos-
sem diferentes, na obra de Dalí vemos tratar-se de um fator de criação e uma
condição para a fruição estética.

4. Acuidade Visual
Sabemos que nem todos conseguem identi�car elementos muito pequenos. A
habilidade de discriminar detalhes é chamada de acuidade visual.

A maior ou menor habilidade de perceber detalhes depende de uma série de


fatores: do tamanho e da forma do objeto, da luminosidade, do contraste entre
o objeto e seu fundo, por exemplo.

Essas variações dependem de causas externas ligadas exclusivamente ao ob-


jeto; porém, nós, no geral, não nos esforçamos muito para perceber detalhes de
estruturas e de objetos observados. Ficamos satisfeitos com o mínimo de in-
formações su�cientes para identi�carmos o objeto à nossa frente, ignorando o
restante. Isso ocorre porque, aparentemente, "o mecanismo visual dos olhos e
do cérebro são incapazes de nos fornecer informação su�ciente para esse �m;
pelo menos não sem esforço" (VERNON, 1968, p. 52). Quando isso ocorre, a per-
cepção, seguramente, será incorreta.

Como os processos sensoriais estão sujeitos a in�uências externas, aquilo que


está em meu campo perceptivo sempre estará preenchido de re�exos e de im-
pressões que não devem estar ligadas ao conteúdo percebido. Logo, não deve-
mos de�nir aquilo que vemos apenas como o efeito imediato de um estímulo
externo, pois, ao agirmos assim, corremos o risco de confundir o que é visto
com divagações.

Devemos levar em consideração, portanto, que o verdadeiro cogito não de�ne


a existência do sujeito pelo pensamento de existir que ele tem, não converte a
certeza do mundo em certeza do pensamento do mundo, e, en�m, não substi-
tui o próprio mundo pela signi�cação do mundo. Ele reconhece, ao contrário,
meu próprio pensamento como um fato inalienável, e elimina qualquer espé-
cie de idealismo, revelando-me como “ser no mundo” (MERLEAU-PONTY,
1994, p. 9).

5. O Olhar Solicitado
Mesmo que possamos perceber muitas coisas em nosso campo visual sem di-
rigir a atenção para elas, o que nos faz olhar especi�camente para determina-
do objeto? O que nos leva a olhar para determinada paisagem?

A princípio, podemos dizer que é o interesse que guia nosso olhar. Porém, dizer
que determinado observador percebe alguma coisa porque há interesse é ter
que admitir a existência de um conhecimento prévio, e que o sujeito anseia
por mais conhecimento.

Conforme Vernon (1968), somos mais capazes de manter a atenção com a vi-
são do que com a audição e com o tato. Isso porque temos uma capacidade
maior de controlar os órgãos da visão. No entanto, é impossível manter a aten-
ção inde�nidamente sobre determinado aspecto de uma cena.

Há �utuações de atenção que estão ligadas a condições físicas do indivíduo, a


seu estado de fadiga, a seu interesse e, sobretudo, à motivação, para manter-se
em estado de atenção.

Se me posiciono diante de uma paisagem para desenhá-la, é preciso que, pri-


meiramente, eu de�na qual método será usado, pois há dois métodos de per-
cepção: um método analítico e um método sintético.

Para Vernon (1968), o indivíduo que adota o método sintético de percepção


tende a ver o campo perceptivo como um todo integrado; ao passo que o obser-
vador que adota o método analítico fragmenta o campo perceptivo em partes
ou detalhes, estudando cada um separadamente.

O problema é que o método analítico é mais propenso a ilusões visuais, uma


vez que o indivíduo pode ignorar o todo. O método analítico é o mais apropria-
do na observação de pequenos detalhes e para qualidades isoladas do todo:
julgamento de certas qualidades, julgamento das cores das superfícies (inde-
pendentes de suas qualidades).

Observe a paisagem da Figura 7. Embora ela permaneça a mesma, indepen-


dentemente de minha presença e de minha visão, ela sempre poderá ser vista
de várias maneiras diferentes, uma vez que ver é sempre ver de algum lugar.
Além disso, cada coisa se dá sobre um fundo, e esse fundo sobre outro fundo,
de tal modo que de fundo em fundo, de horizonte em horizonte, é impossível
remontar a um fundamento último e de�nitivo. Logo, a primeira medida, além
de delimitar um campo de visão, é levar em consideração qual método será
utilizado.

Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 7.

Outro aspecto que devemos levar em consideração é a iluminação, pois, vari-


ando a inclinação da luz, é possível, por exemplo, controlar a forma da curva-
tura que será percebida, criando, assim, um volume perceptivo mais convin-
cente. Isso certamente afeta o modo como percebemos aquilo que será repre-
sentado. Ora, isto é facilmente entendido! É só levarmos em consideração que
a claridade da iluminação signi�ca que uma dada superfície está voltada para
a fonte de luz, enquanto a obscuridade signi�ca que está afastada. A distribui-
ção da claridade ajuda a de�nir a orientação dos objetos no espaço (ARNHEIM,
1980, p. 302). Mas não paramos por aqui. Vejamos o desenho da Figura 8.

Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 8.

Notemos que há dois tipos de sombras: a sombra própria e a sombra projetada.


As sombras próprias são aquelas que se acham diretamente nos objetos, e as
sombras projetadas são aquelas lançadas de um objeto sobre outro.
Fisicamente, ambas são da mesma natureza, porém, perceptivamente, são
completamente diferentes.

Vejamos o que Arnheim nos diz sobre essa diferença:


A sombra própria é uma parte integrante do mesmo objeto, tanto assim que na ex-
periência prática geralmente não é notada, mas serve simplesmente para de�nir
volume. Uma sombra projetada, por outro lado, é uma imposição de um objeto sobre
outro, uma interferência do receptor (ARNHEIN, 1980, p. 304).

O mais interessante sobre a relação que existe entre uma sombra própria e
uma sombra projetada é algo que, como diz Arnheim (1980), os olhos precisam
entender: primeiro a sombra projetada não pertence ao objeto sobre o qual é
vista; segundo, ela pertence a um objeto que na verdade ela não atinge.

Figura 9 Ronda noturna (1942). Rembrandt Harmenszoon van Rijn.

Utilizando os contornos de duas �guras principais da Ronda Noturna de


Rembrandt, na Figura 9, Arnheim (1980) explica a importância de entender es-
sa situação de modo visual, e não intelectualmente. Vejamos o que ele diz:
No uniforme do tenente vemos a sombra de uma mão. Podemos entender que é
projetada pela mão gesticulante do capitão, mas para os olhos a relação não é ób-
via. A sombra da mão não tem nenhuma conexão signi�cativa como objeto sobre o
qual aparece. Pode parecer uma aparição vinda não se sabe da onde, porque adqui-
re signi�cado apenas quando relacionada com a mão do capitão. Essa mão se en-
contra a alguma distância; não está diretamente ligada à sombra, e, devido ao es-
corço, é de forma completamente diferente. Apenas se (1) o observador tiver uma
consciência clara da direção da qual a luz provém, comunicada pela pintura como
um todo, e (2) se a projeção da mão evocar sua forma objetiva tridimensional, po-
dem a mão e sua sobra ser verdadeiramente correlacionadas pelos olhos. É claro
que a �gura 227 é injusta com Rembrandt ao isolar suas �guras e mostrar uma
sombra isolada da exposição impressiva de luz, da qual faz parte. Não obstante, os
efeitos de sombra deste tipo levam a capacidade de compreensão visual a seu limi-
te (ARNHEIM, 1980, p. 305).

Observe as imagens da Figura 10. Veja que se trata da mesma cabeça de már-
more fotografada de ângulos e com iluminações diferentes. Embora ambas
mantenham a mesma expressão, a segunda agrada muito mais ao olhar pelo
desejo por belas formas.
Fonte: Dor�es (1967, p. 39-40).

Figura 10 Cabeça de mármore de Atenas Lemnia (século V a.C); A mesma foto por Villani (Bolonha).

Logo, como se não bastasse o fato de que muitas obras da antiguidade foram
retiradas do conjunto de circunstâncias com as quais estavam intimamente
ligadas, ainda há o problema da fotogra�a, que faz com que o objeto adquira
características muito diferentes das características que originalmente esta-
vam associadas a ele. O resultado disso é que tais obras “[...] perdem uma boa
parte de seu valor intrínseco, conservando apenas uma mera aparência for-
mal que a liga às fontes culturais e históricas de onde foram retiradas”
(DORFLES, 1967, p. 33).

Ainda falando sobre a luz, gostaríamos de registrar as observações de


Merleau-Ponty (1994). A �m de demonstrar que a experiência dos sentidos
não pode servir para a análise da consciência, ele discorre sobre a experiência
de observar folhas de papel branco dispostas sob uma mesa, umas iluminadas
e outras na penumbra.

Limitando-se o campo visual, é possível perceber que o aspecto das folhas


muda: aquilo que era igualmente branco passa a apresentar características
novas, e as folhas sombreadas, por sua vez, não eram e jamais foram idênticas
às folhas iluminadas.

O mesmo ocorre com as Figuras 11 e 12. Observe que as áreas não estão ilumi-
nadas de modo homogêneo. Caso queiramos reproduzi-las, devemos analisar
a percepção, uma vez que a iluminação deverá ser levada em conta.
Fonte: Riográ�ca (1981, p. 34).

Figura 11.
Fonte: Riográ�ca (1981, p. 34).

Figura 12.

Como toda percepção acontece em uma atmosfera de generalidade e se dá a


nós como anônima, não podemos dizer que vemos as cenas da mesma manei-
ra que compreendemos um livro. Nossa percepção, mesmo vista do interior,
“[...] exprime uma situação dada, de modo que se eu quisesse traduzir exata-
mente a experiência perceptiva, deveria dizer que se percebe em mim e não
que eu percebo" (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 290).

Assim, se levarmos em consideração apenas o global, sem uma análise daqui-


lo que fora percebido, deixaremos escapar, especi�camente falando das fotos,
as várias tonalidades presentes na cena. A percepção, portanto, é uma consci-
ência individual, e não a consciência em geral.

Embora possa parecer óbvio que, ao desenharmos, devemos considerar a inci-


dência da luz sobre o que será representado, é extremamente importante in-
sistir nesse ponto. Para que o registro ocorra satisfatoriamente, é preciso �xar
o olhar em partes do campo visual, pois a qualidade sensível:

[...] longe de ser coextensiva à percepção, é o produto particular de uma atitude de


curiosidade ou da observação. Ela aparece quando, em lugar de abandonar todo o
meu olhar no mundo, volto-me para este próprio olhar e pergunto-me o que vejo
exatamente; ela não �gura no comércio natural de minha visão com o mundo, ela é
a resposta a uma certa questão de meu olhar, o resultado de uma visão secundária
ou crítica que procura conhecer-se em sua particularidade, de uma "atenção ao vi-
sual puro" que exerço ou quando temo ter-me enganado, ou quando quero empreen-
der um estudo cientí�co da visão (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 305).
Como vemos, desenhar não é simplesmente o registro do que está à frente,
mas o envolvimento por inteiro de um dos sentidos, a saber: a visão.

Quem se propõe a desenhar deve se projetar por inteiro em seus olhos, a �m de


se envolver na cena que será representada. Quando isso ocorre, o indivíduo
deixa de ter consciência de olhar, torna-se inteiramente visão. O objeto à fren-
te, então, deixa de ser uma "percepção visual" para tornar-se seu mundo na-
quele momento. Desenhar, pois, não é apenas o ato de registrar aquilo que está
diante dos olhos – independentemente da maior ou menor habilidade –, mas
se apropriar de um mundo especí�co em um dado momento.

Interessante notarmos que os olhos não são instrumentos da percepção, mas


instrumentos da excitação corporal. Assim, um olhar desatento di�cilmente
reuniria informações novas acerca dos objetos. Caso queiramos obter informa-
ções novas sobre determinado objeto percebido, devemos nos valer primeira-
mente da consciência desperta.

O curioso é que a consciência que usamos quando nos voltamos para os obje-
tos é a mesma quando os olhamos distraidamente. Com isso, rigorosamente
falando, não é a atenção que acrescenta informações novas ao objeto percebi-
do, uma vez que "[...] o excedente de clareza do ato de atenção não inaugura
nenhuma relação nova" (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 55).

Portanto, um desenho bem-feito não será fruto de um olhar desatento e muito


menos fruto de um olhar que se volta com atenção ao que se pretende repre-
sentar. Na verdade, se meu olhar não explora o que se quer que seja visto, o
sensível continua uma solicitação vaga.

6. Percepção dos Objetos a partir da Redução


Fenomenológica
O que a redução fenomenológica tem a ver com o desenho? A percepção – a
verdadeira percepção –, pelo menos, em um primeiro estágio, não deve se
constituir a partir do que penso do objeto a ser representado.
Para bem representar qualquer objeto, é necessário, primeiramente, compre-
ender a maneira de existir das propriedades que serão representadas.

O mesmo ocorre com os livros, por exemplo. Há um modo de existir nos livros
de Proust que é diferente do modo de existir em Kafka. Esses modos diferentes
de existência requerem leitores especí�cos. Não podemos ler Kafka a partir do
modo de existir de Proust, nem ler Proust a partir do modo de existir de Kafka.
O mesmo acontece com as cores.

Merleau-Ponty, citando Werner, diz que, caso alguém tente experimentar o


azul, dando ao seu corpo a atitude que convém ao vermelho, resultará uma lu-
ta interior. É preciso encontrar "[...] a atitude que vai lhe dar o meio de
determinar-se e de tornar-se azul” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 289).

En�m, qualquer objeto é codeterminado pelo caráter do ato pelo qual surge o
objeto, pois qualquer objeto tem um modo de dar-se que é exclusivamente seu.

A partir do momento em que nos damos conta de que precisamos compreen-


der a maneira de existir daquilo que será representado, ao olharmos para uma
árvore, dependendo da estação do ano, muito provavelmente veremos, entre
outras cores, a cor verde. Assim, nossa sensação de verde será percebida como
manifestação de certas tonalidades de verdes sentidas, pois, dependendo da
incidência da luz, haverá várias tonalidades de verdes. Esse verde sentido se-
rá a manifestação de uma superfície verde, que, por �m, será a manifestação
de algo verde, as folhas. É evidente que esse tipo de apreensão não ocorre de
modo tão imediato, com as consciências se comunicando em um nível pré-
pessoal. Caso isso ocorresse, atingiríamos verdades tão irrefutáveis quanto
uma equação matemática. Essa redução seria o que Husserl chama de
Lebenswelt, que, segundo Kockelmans (1967), signi�ca a redução do mundo
cultural ao mundo de nossa experiência imediata.

Tentar reduzir o mundo cultural ao mundo de nossa experiência imediata não


signi�ca dizer que um matemático, ao observar um cilindro, a �m de desenhá-
lo, deva representar o objeto utilizando construções geométricas, porque sua
experiência mais imediata esteja ligada à matemática. Um cilindro represen-
tado dessa maneira, embora certamente agrade nossa visão, não será fruto da
percepção. Isso porque, como observa Merleau-Ponty (1994, p. 95), “A Gestalt
de um círculo não é sua lei matemática, mas sua �sionomia".

Um cilindro representado (Figura 13) a partir de um cubo em perspectiva é o


resultado, como já dissemos, da aplicação de leis especí�cas da geometria.
Mas, a natureza não é, em si, geométrica.
Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 13 Etapas para a realização de um cilindro a partir de um cubo em perspectiva.

Após essa abordagem mais �losó�ca da percepção, partamos agora para a


percepção voltada ao desenho propriamente dito. Para tanto, vamos nos apoi-
ar basicamente nas observações feitas por Betty Edwards em seu livro
Desenhando com o lado direito do cérebro (Drawing on the right side of the
brain: a course in enhancing creative and artistic con�dence).

7. Processando Informações Visuais


O desenho da Figura 14 foi realizado em duas folhas de papel Canson A2
(trata-se de uma imagem de proporções consideráveis) e uma caneta nan-
quim. O contraste entre luz e sombra foi obtido acrescentando milhares de
pontinhos cuidadosamente distribuídos.
Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 14 Retrato da modelo Naomi Campbell.

Como podemos observar, o resultado da técnica do pontilhismo utilizando


nanquim foi bastante satisfatório. Não obstante, o resultado positivo, na reali-
dade, não é somente o domínio de uma boa técnica, que garantirá um bom re-
sultado �nal. Para Betty Edwards, o mais importante para quem pretende
aprender a desenhar não é, em sua essência, aprender técnicas, mas aprender
a ver, ou seja, aprender a processar informações visuais como fazem os artis-
tas. Esse modo diferente de processamento requer usar o cérebro, também, de
maneira diferente.

Para entendemos melhor como pessoas criativas transformam dados do coti-


diano em novas criações, é necessário que conheçamos os dois lados de nosso
cérebro. Veja a Figura 15.

Figura 15 Telencéfalo.
Não vamos nos ater a informações técnicas, que certamente interessariam
mais a estudantes de medicina do que a nós, arte-educadores.
Resumidamente, é interessante sabermos que os dois lados do cérebro for-
mam o telencéfalo, e que as duas metades são chamadas de hemisfério es-
querdo e hemisfério direito.

O hemisfério esquerdo controla o lado direito do corpo, e o hemisfério direito


controla o lado esquerdo do cérebro.

Devido ao fato de o hemisfério esquerdo ser responsável pelo raciocínio lógico,


os cientistas denominaram-no hemisfério dominante. Em contrapartida, o he-
misfério direito (conforme o entendimento de alguns cientistas) acabou subor-
dinado ao hemisfério esquerdo.

Em função dessa subordinação, prevaleceu a visão de que a metade direita do


cérebro era menos desenvolvida do que a metade esquerda. Em 1960, após vá-
rias pesquisas, a comunidade cientí�ca chegou à conclusão de que ambos os
hemisférios estão envolvidos em funções cognitivas superiores, com cada
metade do cérebro especializada, de forma complementar, em modos diferen-
tes de pensamento.

Na realidade, o lado direito do cérebro é tão complexo quanto o lado esquerdo;


não obstante, é o lado esquerdo que predomina. E qual a relação dessas infor-
mações com o desenho? Ora, a relação está no modo como o lado direito do cé-
rebro processa as informações visuais, ou seja, o modo correto, a �m de dese-
nhar. O problema é que a grande maioria dos indivíduos não sabe disso.

O que fazer, então, já que o lado esquerdo "domina" o lado direito? A resposta
de Edwards é bem simples: desligando o lado esquerdo! E como fazer isso?
Edwards, em seu livro, propõe uma série de exercícios cuja �nalidade é fazer
com que o lado direito do cérebro assuma o comando. Selecionamos alguns
exercícios, a �m de que possamos perceber como "desligar" o lado esquerdo do
cérebro.

Observe as Figuras 16 e 17.


Figura 16 Vaso-faces.

Fonte: Edwards (1979, p. 47).

Figura 17.

Retomemos a Figura 16, do vaso-faces. Como já pudemos perceber, dependen-


do do modo como a olhamos, aparecem duas faces vistas de per�l ou um vaso.
De acordo com as explicações de Edwards (1979), há exercícios que servem
para mudar do modo dominante – hemisfério esquerdo – para o modo subdo-
minante – hemisfério direito.

Um dos exercícios consiste em desenhar uma cabeça de per�l a partir do lado


esquerdo do papel. É interessante que o per�l seja feito a partir de modelos de
per�s armazenados na memória.

Em seguida, deve-se traçar linhas horizontais na parte de cima e na parte de


baixo do vaso. É necessário voltar ao desenho com o lápis e, à medida que ele
se movimenta sobre a �gura, devemos dizer os nomes para nós mesmos: fron-
te, nariz, lábio superior, lábio inferior, queixo, pescoço etc. É interessante no-
mear as partes, pois esta é uma tarefa realizada com a ajuda do lado esquerdo
do cérebro, ou seja, nomear formas de modo simbólico.

Começando pela parte de cima, faremos o mesmo per�l, só que ao contrário.


Ao fazer isso, completaremos o vaso. Devemos procurar sinais provenientes
de nosso cérebro que indiquem uma mudança no modo de processar a infor-
mação.

Conforme Edwards (1979), possivelmente ocorrerá um con�ito mental em al-


gum ponto do desenho. A �m de resolver tal con�ito, causado pela mudança
no modo de processar a informação, o sujeito fará o segundo per�l de maneira
totalmente diferente, pois seria um desenho feito utilizando o hemisfério di-
reito do cérebro.

Outro exercício, por sinal muito interessante, é a realização de desenhos de ca-


beça para baixo. Conforme as observações de Edwards, imagens familiares
não são reconhecíveis quando estão invertidas.

Quando a imagem está invertida, as pistas não se encaixam, e a mensagem


torna-se estranha, pois o cérebro �ca confuso. Mesmo rostos familiares são
reconhecidos com di�culdade quando estão de cabeça para baixo.

Observe atentamente a Figura 18. Conseguiu identi�car quem é? Mesmo tendo


descoberto de quem se trata, a imagem de ponta-cabeça continua parecendo
estranha, não?

Figura 18 Dilma.

Veja agora, na Figura 19, o desenho feito por Giovanni Battista Tiepolo. De
ponta-cabeça, ele passa a ser tão complexo que é quase indecifrável, como
bem observa Edwards, porque a “mente” da esquerda desiste de decodi�car a
imagem.

Figura 19 Morte de Sêneca (1735/40), Giovanni Battista Tiepolo.


Acredito que estamos de acordo sobre a di�culdade na identi�cação de ima-
gens familiares, quando estão invertidas. Mas qual é a relação entre essa des-
coberta e a realização de desenhos? Se identi�car imagens, mesmo que famili-
ares, é uma tarefa extremamente difícil, o que dizer de desenhá-las?

É essa di�culdade que Edwards vai explorar, pois, para a autora, tal exercício
ajudaria o hemisfério direito a assumir o controle da situação. Essa tarefa con-
siste em reproduzir um desenho relativamente complexo que esteja invertido.
Isso forçaria o indivíduo a desenhar aquilo que de fato estivesse vendo, pois
um desenho de ponta-cabeça força uma mudança cognitiva, permitindo pas-
sar das funções cerebrais do hemisfério esquerdo para as funções cerebrais do
lado direito.

Para que esse exercício funcione, é essencial que o desenho não seja desvira-
do, pois, caso isso ocorra, o hemisfério esquerdo imediatamente voltará a as-
sumir o controle. Por que a metade esquerda do cérebro acaba "permitindo"
que a metade direita assuma o controle? Por um motivo bem simples: o lado
esquerdo tem preguiça de processar imagens invertidas.

Como o hemisfério esquerdo se confunde na decodi�cação de imagens inver-


tidas, ele simplesmente se desliga. Quem assume, então, é o hemisfério direito.
Enquanto o ato de desenhar é uma tarefa penosa para o hemisfério esquerdo,
para o hemisfério direito, é muito prazerosa.

Conforme Edwards, a maioria dos indivíduos que tem di�culdade para dese-
nhar lida com um sistema simbólico que foi adquirido ainda na infância e que
acaba in�uenciando nosso modo de ver. Isso ocorre porque, desde a mais ten-
ra infância, aprendemos a ver as coisas associando-as a palavras, ou seja, no-
meamos tudo que vemos.

Logo, o hemisfério esquerdo, que é verbal, não admite informações novas acer-
ca das coisas que vê. Para ele, é su�ciente reconhecer e categorizar. Em outros
termos, o lado esquerdo aprendeu a dar uma rápida olhada e, logo em seguida,
nomear: cadeira, guarda-chuva, pássaro etc.

É compreensível (e até mesmo aceitável) que o hemisfério esquerdo haja des-


sa maneira, ainda mais se o cérebro estiver sobrecarregado de informações.
Na realidade, trata-se de uma defesa, o hemisfério esquerdo não tem paciência
para detalhes. En�m, ele não quer ser incomodado.

Desenhar, no entanto, requer olhar as coisas por um tempo demorado, a �m de


perceber detalhes e registrar a maior quantidade possível de informações.

A partir dessas observações, podemos a�rmar que quem pretende desenhar


deve "ver" aquilo que está à frente de seus olhos. Retomando, os objetos só se
determinam como seres identi�cáveis por meio de uma série de experiências
possíveis e só existem “para um sujeito que opera esta identi�cação"
(MERLEAU-PONTY, 1994). Vejamos agora alguns exercícios que Edwards indi-
ca, para que passemos a perceber a forma de um espaço.

8. As Formas do Espaço
No capítulo intitulado "Percebendo a forma de um espaço: os aspectos positi-
vos do espaço negativo", mais precisamente na parte em que ela descreve de
que maneira o espaço toma forma, Edwards chama nossa atenção para um
aspecto que, embora muitas vezes ignorado por quem pretende dar os primei-
ros passos na arte de desenhar, é extremamente importante: os espaços e as
formas.

A autora destaca que são necessários muitos anos de treinamento até que os
iniciantes se convençam de que a observação dos espaços negativos requer o
mesmo grau de atenção e cuidado que as observações de formas positivas.
Isso porque o hemisfério esquerdo não está equipado para lidar com espaços
vazios. Ele não é capaz de associá-los a categorias armazenadas, de
reconhecê-los, ou mesmo, de produzir novos símbolos para eles.

Na realidade, o lado esquerdo do cérebro simplesmente se recusa a lidar com


tais informações visuais. Ora, o lado positivo dessa recusa é o fato de que essa
tarefa é transferida para o hemisfério direito. Pois bem, vamos, agora, voltar
nossa atenção para dois exercícios, cuja �nalidade é lidar (retomando o título
dado por Edwards) com os aspectos positivos do espaço negativo.
O primeiro exercício que destacamos é o que segue na Figura 20. Observe um
móvel que tenha espaços abertos e que não seja muito simples, como uma ca-
deira, por exemplo.

Mantenha a imagem dessa cadeira em sua mente até ver os espaços como for-
mas. É importante ressaltar que isso levará algum tempo. Talvez o hemisfério
esquerdo, inicialmente, considere espaço; porém, como a informação não se
encaixa ao seu estilo de análise, ele passa a tarefa para o hemisfério direito.
Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 20.

Para o segundo exercício, recorte uma foto ou mesmo a xérox de um desenho


de algum artista. Cole-a em uma folha de papel escuro. Recorte-a novamente e
cole-a em uma folha de papel branco.

Observe as imagens da Figura 21. Como podemos perceber, os espaços negati-


vos formam uma �gura. Eles compartilham os limites com ela própria.
Fonte: Edwards (1979, p. 105).

Figura 21 Nu sentado, de François Boucher (1703-1770).

Após esses dois exercícios, vamos aprender agora a delimitar áreas utilizando
a ajuda de um visor. Mas, antes é preciso aprender a construí-lo:

1. Pegue uma folha de papel cartão do tamanho de uma folha de sul�te A4.
O visor deve �car na mesma posição da folha que será utilizada para de-
senhar.
2. Trace duas diagonais de modo que cruzem o centro da folha.
3. No centro da folha, desenhe um pequeno retângulo ligando as linhas ho-
rizontais e verticais. O retângulo interno, construído dessa maneira, será
proporcional à folha em que o desenho será feito.
4. Recorte o retângulo interno. Esse instrumento será muito útil para a per-
cepção dos espaços negativos, uma vez que delimitará as formas dos es-
paços.

Veja como deverá �car na Figura 22.


Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 22.

1. Segure o visor próximo de um dos olhos e olhe a cadeira pela abertura. É


necessário enquadrar a cadeira, a �m de que ela seja vista por inteira.
2. Direcione seu olhar a um dos espaços negativos ao redor da cadeira e es-
pere a forma ser vista.

Veja, na Figura 23, como proceder.


Fonte: Edward (1979, p. 106).

Figura 23.

Valendo-se dessas técnicas, certamente você estará pronto para a próxima


etapa.

9. Construção da Expressão
Enquanto os impressionistas se preocupavam com questões sociais, fascina-
dos pela luz e pelas cores da natureza, os expressionistas, em face da nature-
za, enchiam-se de dolorosas interrogações espirituais.

De acordo com Cavalcanti (1963, p. 94):

Por esse motivo, pela veemência dos sentimentos do artista, o Expressionismo é


uma pintura deformadora das imagens da realidade. Conhecemos, em linhas ge-
rais, esse problema da deformação, isto é, a excessiva intervenção do sentimento
na imagem, para ajustá-la às necessidades de expressão do artista. A deformação
torna-se, portanto, a característica mais geral da pintura expressionista.

Embora à primeira vista a palavra "expressão" possa nos remeter a uma esco-
la cuja característica principal tenha sido a deformação como necessidade ex-
pressiva, vejamos a expressão como uma condição inerente aos padrões per-
ceptivos. Trata-se de um conceito que pode tornar-se imediatamente restrito
ou amplo demais, porque vai além das qualidades perceptivas propriamente
ditas.
Rudolf Arnhein de�ne expressão "[...] como maneiras de comportamentos or-
gânico ou inorgânico revelados na aparência dinâmica de objetos ou aconteci-
mentos perceptivos" (ARNHEIN, 1998, p. 437). Isso quer dizer que as proprieda-
des estruturais dessas maneiras de comportamentos não devem ser limitadas
àquilo que é captado pelas sensações externas, pois são visivelmente ativas
no comportamento da mente humana e são metaforicamente usadas para ca-
racterizar uma in�nidade de fenômenos não sensoriais: má disposição de âni-
mo, alto custo da vida, subida dos preços, lucidez dos argumentos, solidez da
resistência.

Podemos obter informações sobre o espírito de uma pessoa não somente a


partir de suas feições e gestos, mas também pelo modo como ela fala, como se
veste e conserva seu quarto – para não mencionar as opiniões que ela defende
ou o modo como reage aos acontecimentos. Segundo Arnhein, (1998, p. 438):

Muitas destas informações podem ser interpretadas somente por inferência


intelectiva, como, por exemplo, quando a maneira de um homem gastar seu
dinheiro revela se ele é generoso ou mesquinho.

Uma curiosa peculiaridade no que diz respeito à estrutura expressiva é o fato


de que há determinados fatores formais que reproduzem fatores idênticos do
estado de espírito, ou seja, uma estrutura formal semelhante ao estado de espí-
rito intencionado. Por exemplo:

Pediu-se a membros de um grupo de dança de uma faculdade para improvisarem


temas como tristeza, força ou noite. Os desempenhos dos bailarinos mostraram
muita concordância. Por exemplo, na representação da tristeza os movimentos
eram lentos e limitados a um âmbito estreito. Era de forma bem curvada e mostra-
va pouca tensão. A direção era inde�nida, variável, oscilante, e o corpo parecia
mais render-se passivamente à força da gravidade do que ser impulsionado por
iniciativa própria. Deve-se admitir que o clima psíquico de tristeza tem um padrão
similar. Numa pessoa deprimida os processos mentais são lentos e raramente vão
além dos assuntos intimamente ligados a experiências imediatas e a interesses
momentâneos. Todos os seus pensamentos e esforços manifestam languidez e fal-
ta de energia. Mostra pouca determinação e a atividade é freqüentemente controla-
da por forças externas (ARNHEIN, 1998, p. 442).
Essa citação revela que a ação da gravidade exerce uma força em pessoas tris-
tes. Há pessoas que, ao falarem, gesticulam soltando linhas para baixo.
Pessoas assim são, geralmente, muito depressivas. Já, pelo contrário, há pes-
soas que, ao falarem, soltam linhas para cima, demonstrando uma personali-
dade mística ou arrogante. Podemos concluir que o pensamento descreve pul-
sações semelhantes às reações musculares.

A expressão, portanto, é uma característica inerente aos padrões perceptivos


e, por conta disso, as manifestações na �gura humana acabam sendo um caso
especial de um fenômeno mais geral. Isso quer dizer que quando dizemos que
um salgueiro é "triste", não é porque ele se pareça com uma pessoa triste, mas
porque sua forma, sua direção e a �exibilidade dos ramos transmitem um cair
passivo, proporcionando uma comparação imediata com o estado de espírito;
e o corpo, estruturalmente semelhante, que chamamos de tristeza, impõe-se
de maneira secundária.

Como vemos, a forma de determinado objeto, para algumas pessoas, pode


transmitir determinado estado de espírito. Isso porque o conteúdo está associ-
ado a fatores estruturais do estado de espírito.

Forma e expressão são conceitos que se unem de maneira muito peculiar, uma
vez que as pessoas escolhem formas diferentes de se expressar.

É possível concluirmos que a forma de “expressão”, do ponto de vista diacrôni-


co, tem uma história que se desenrola no tempo, transforma-se durante as di-
ferentes épocas, toma diversas formas nos diferentes povos; e, do ponto de vis-
ta sincrônico, ela segue regras precisas de funcionamento, uma estrutura de-
terminada e transformações estruturais que obedecem a leis estritas.

10. Expressão Direta


Alfredo Bosi, em seu livro Re�exões sobre a Arte (1989), discorre sobre a dife-
renciação entre uma expressão direta e uma expressão simbólica. Conforme
suas explicações, a diferença é muito clara entre um grito de dor pela morte de
uma pessoa amada e uma oração fúnebre recitada em sua memória.
De acordo com Bosi (1989, p. 52):

Ambos, o grito e a oração, compõem-se de signos; ambos remetem a uma gênese


psíquica, o luto experimentado por quem os proferiu. Mas diferem visivelmente
quanto ao grau de mediação que intercorre entre a fonte e a forma. No primeiro ca-
so, a expressão é direta, imediata, podendo-se chamá-la com propriedade projeção
ou efusão emocional. No segundo caso, a expressão é articulada pela escrita de fra-
ses nas quais um determinado ponto de vista compõe as imagens e a sintaxe: a ex-
pressão obtida será simbólica.

11. Expressão Simbólica


Vincent van Gogh, em uma das cartas escritas a seu irmão Theo, comenta o
quadro Os comedores de batata (ver Figura 24), dizendo que escolhera essa te-
mática por querer ressaltar que:

[...] aquelas pessoas, comendo as suas batatas à luz da lâmpada, cavaram a terra
com as próprias mãos que colocaram no prato, e por isso o quadro fala de manual
labor, e como eles ganharam honestamente o seu alimento (CHIPP, 1968, p. 29).
Figura 24 Comedores de batata (1885), de Van Gogh.

O artista preferiu pintar os camponeses em toda sua aspereza, ao invés de lhes


dar um encanto convencional, ou seja, ele quis dar a impressão de um modo
de vida totalmente diferente do civilizado.

Para Van Gogh, um camponês é mais real nas roupas que usa nos campos do
que quando vai à igreja no domingo, usando um casaco de cavalheiro.

Ele acreditava que seria um erro:

[...] dar a um quadro de camponês um certo brilho convencional. Se um quadro so-


bre camponeses cheira a toucinho, fumaça, vapor de batata - tudo bem, isso nada
tem de insalubre. Se um estábulo cheira à bosta - está bem, é a isso que deve chei-
rar; se o campo tem o cheiro de trigo maduro ou de batatas, ou de guano ou esterco -
isso é saudável, especialmente para os citadinos (CHIPP, 1968, p. 31).

Vejamos, agora, os desenhos que Van Gogh fez de trabalhadores nos campos
de batatas nas Figuras 25 e 26.

Figura 25 Campo de batatas (1882), de Van Gogh.


Figura 26 Colhedores de batatas (1883), de Van Gogh.

A partir das �guras anteriores, podemos dizer que há uma ordem maior, que
foi construída pela mente a partir de determinadas relações dentro da ima-
gem.

A expressão depende de três níveis de codi�cação:

1. a partir do relacionamento dentro das imagens;


2. pela manipulação do relacionamento dentro da imagem;
3. pela ação e pela saída de símbolos úteis.

Beittell (1972, p. 19) a�rma:

A Arte visual, como a poesia, deve, certamente, ser envolvida com os três desses ní-
veis, mas se baseia primariamente no segundo nível. Em outras palavras, há uma
tentativa de usar elementos simbólicos (arbitrários, impessoal) para comunicar (ou
expressar) signi�cados intrínsecos que se baseiam na decodi�cação [...] do signi�-
cado interno das próprias imagens construídas mentalmente.

Com as explicações de Beittel (1972), podemos a�rmar que Van Gogh já utiliza-
va, em seus desenhos, elementos simbólicos com o intuito de comunicar aqui-
lo que fora construído mentalmente a partir de signi�cados intrínsecos. Ou se-
ja, quando Van Gogh diz que escolheu a temática dos comedores de batatas,
para ressaltar a di�culdade dos trabalhadores rurais de conseguir o próprio
alimento; na verdade, essa atmosfera já era uma realidade que se impunha a
ele, mesmo antes de pintar o quadro. Ou melhor, seus desenhos já simboliza-
vam aquilo que seria evidenciado em Os comedores de batata (Figura 24).

Então, vejamos. Com pinceladas irregulares, Van Gogh trabalhava diretamen-


te no local, procurando �xar somente aquilo que lhe era essencial. Exagerava
deliberadamente nos tons amarelos (Figura 27).

Figura 27 Terraço do Café na Praça do Fórum (1888). Van Gogh.

Em seu quadro Café noturno (Figura 27), por exemplo, Van Gogh procurou ex-
pressar a ideia de que o café é um lugar onde uma pessoa pode se arruinar, en-
louquecer ou cometer um crime (plano do conteúdo).

Ele esforçou-se, para expressar, com os contrastes de rosa suave, vermelho-


sangue, cor de vinho e verde, contrastando com os verdes amarelados e os
verdes azulados – tudo isso em uma atmosfera de fornalha infernal, de um
amarelo-enxofre – como pode ser o ambiente de uma taverna (plano da ex-
pressão).

Olhando mais atentamente para o desenho (Figura 27), podemos antever todas
as preocupações de Van Gogh. O desenho nos revela, embora evidentemente
sem as cores, tudo aquilo que veríamos mais tarde na tela chamada Café no-
turno.
Logo, assim como em Os comedores de batata (Figura 24), o universo do con-
teúdo não está constituído apenas pelo universo de signi�cados que preen-
chem as formas. Em outras palavras, toda a atmosfera que seria imortalizada
por meio das tintas já estava nos desenhos. Por isso, podemos dizer que as
preocupações de Van Gogh já estão no desenho, mas com outros signi�cantes.

Figura 28 O terraço do café na Praça do Fórum (1888), de Van Gogh.

Pierre Francastel, em seu livro A Realidade Figurativa, fala coisas muito inte-
ressantes sobre os signos que servirão para concluirmos nossas observações.

Para o autor, os signos não substituem elementos da percepção comum ou das


convenções sociais, pois, na verdade, agem como um meio. Em outras pala-
vras, embora muitas vezes não percebamos, os signos �gurativos são uma
tentativa de ordenação coletiva "[...] segundo os �ns particulares a uma socie-
dade determinada e em função das capacidades técnicas e dos conhecimen-
tos intelectuais dessa sociedade” (FRANCASTEL, 1982, p. 91).

Como o próprio autor conclui, a Arte não é o resultado de uma expressão pura-
mente individual. Logo, não alcançamos a arte de Van Gogh simplesmente a
partir dos signos que ela traz e, muito menos, a partir do produto do jogo de
uma expressão individual.

Para interpretarmos os signos plásticos, devemos levar em consideração que


eles não são nem expressivos nem representativos de valores: são �gurativos.

O signo surge ao �nal de um processo que mistura atividade intelectual e ati-


vidade manual. Os elementos dessas duas atividades são oriundos de três ter-
mos: o percebido, o real e o imaginário.

A respeito disso, Francastel (1982, p. 92) a�rma:

Pelo fato de ser o signo plástico o lugar onde se encontram e interferem elementos
oriundos dessas três categorias de elementos ele não é nem apenas expressivo
(imaginário e individual), nem representativo (real e coletivo), mas igualmente �-
gurativo (ligado às leis da atividade óptica do cérebro e às leis das técnicas de ela-
boração do signo enquanto tal).

De modo geral, a expressão é uma manifestação física de um processo psíqui-


co. Mas também há uma forma expressiva que exibe relações entre as partes,
qualidades, ou mesmo, aspectos dentro de um todo, de maneira simbólica.

Como destaca Langer (1957), o instrumento mais surpreendente que a huma-


nidade desenvolveu para dar conta de expressões simbólicas é a linguagem. E,
utilizando-se de determinada linguagem, o que o artista expressa não é um
sentimento particular, mas aquilo que ele conhece sobre o sentimento huma-
no. Para se expressar, é possível a�rmar que há atributos que são inerentes ao
meio que ele utilizará?

Há, por trás do meio que será utilizado, traços expressivos que podemos cha-
mar de expressividade do material. De acordo com Morawski (1977), podemos
falar com bastante propriedade de uma expressão integral que compreende
elementos tão evidentemente físicos como o movimento na dança, os traços
prosódicos e métricos da poesia e a composição grá�ca. Portanto, é correto fa-
larmos de expressividade do meio, uma vez que o material nos proporciona
qualidades valorativas fundamentais. Acompanhem a descrição a seguir:

[...] o sacerdote troiano Laocoonte advertiu seus compatriotas para que não aceitas-
sem o cavalo de madeira em que estavam escondidos os soldados gregos. Os deu-
ses que viram seus planos de destruição de Tróia contrariados enviaram duas gi-
gantescas serpentes-do-mar que apanharam o sacerdote e seus dois infelizes �lhos
em seus anéis e os estrangularam. É uma das histórias de absurda crueldade per-
petrada pelos deuses olímpicos contra pobres mortais, e que são freqüentes nas mi-
tologias grega e latina (GOMBRICH, 1985, p. 74).

Vejamos a escultura de Laocoonte e seus �lhos na Figura 29.

Figura 29 Laocoonte e seus �lhos (c. de 25 a.C.).

Conforme Gombrich (1985), quando esse grupo foi descoberto, em 1506, causou
profundo impacto emocional nos artistas e todos os que amavam a arte.

O artista, ao representar esse grupo, buscava registrar o quê? Queria que sen-
tíssemos o horror da cena exatamente como ela aconteceu? Queria que sentís-
semos a dor que Laocoonte sentiu ao ver o sofrimento de seus �lhos?

Ainda segundo Gombrich (1985, p. 74):

A maneira como os músculos do tronco e dos braços transmitem a idéia de esforço


e sofrimento da luta desesperada, a expressão de dor no rosto do sacerdote, as con-
torções importantes dos dois rapazes e o modo que todo esse movimento e agitação
foi imobilizado num grupo permanente, têm excitado a admiração constante desde
então.

Observem as Figuras 30 e 31.

Figura 30 El Greco – Laocoonte (1610).


Figura 31 Laocoonte.

Observando a escultura, o desenho e a pintura, percebemos que há diferenças


entre elas, não é verdade?

Voltando então à questão da expressividade do material, em qual deles perce-


bemos melhor “o poder de representar uma luta aterradora e algo sensacional
entre o homem e a besta?” (GOMBRICH, 1985, p. 77). Ora, cada material possui
sua especi�cidade e, nesse caso, parece que o trabalho no mármore conseguiu
o resultado melhor.

Embora não tenhamos a mesma sensação com o desenho, isso não quer dizer
que um desenho tenha menos expressividade. Basta que ele seja trabalhado
respeitando suas qualidades expressivas.

12. Esboços e Estudos


Teoria das proporções
De acordo com Hauser (2000), os aspectos considerados próprios da arte medi-
eval – o desejo de simpli�cação e estilização, a renúncia à profundidade espa-
cial e à perspectiva, o tratamento arbitrário das proporções e funções corpo-
rais – são, na verdade, características da fase inicial da Idade Média. O único
elemento que, de fato, perpassa toda a Idade Média é uma concepção trans-
cendental do mundo, ou seja, uma cosmovisão assente em bases metafísicas.
À primeira vista, pode-se ter a impressão de que não houve preocupação com
questões teóricas voltadas ao desenho, em função da forte presença de uma
concepção metafísica do mundo, ou seja, por causa da ideia de que Deus era o
centro de tudo.

No entanto, os artistas da Idade Média adotaram, inicialmente, a teoria das


proporções, uma teoria pautada a partir do princípio de esquematização plani-
métrica – em outras palavras, aceitavam o fato de que as partes do corpo se
realçavam pela sua própria natureza, utilizando, para isso, o sistema de módu-
lo ou de unidade.

Nesse contexto, Panofsky (1979, p. 110) a�rma:

As dimensões do corpo como aparecem num plano – tudo o que estivesse fora do
plano não era levado em conta – eram expressas em comprimentos de cabeças, ou,
mais exatamente, de face [...]. Assim, segundo o Manual do pintor do Monte Atos,
uma unidade era destinada ao rosto, três ao torso, estimada em 1 1/3 unidades.

De acordo com as observações de Panofsky (1979), a teoria das proporções


ocupou-se em determinar as medidas das cabeças em termos de um sistema
de módulos, tomando como medida-padrão o comprimento do nariz.

Assim, o comprimento do nariz é igual à altura da testa e da parte inferior da


cabeça; é igual à altura da parte superior da cabeça; é igual à distância entre a
ponta do nariz e o canto dos olhos; e, �nalmente, ao comprimento total do pes-
coço. Por conseguinte, os artistas desse período não se preocupavam tanto
com rigorosas leis matemáticas.

O desenho ganha autonomia


Na verdade, o desenho na Idade Média não tinha autonomia, ou seja, ele era
visto simplesmente como a primeira etapa de uma pintura. Cennino Cennini,
por exemplo, em seu Livro de Arte, postulou que era impossível aprender a
pintar em pouco tempo e que, inicialmente, o aprendiz deveria estudar o dese-
nho pelo menos por um ano e, só então, procurar um mestre que dominasse
todas as etapas da pintura (CENINNI, 1922).
Apesar de sugerir a escolha dos melhores mestres para guiar os passos dos
aspirantes a pintores, Cennino Cennini (1922) defendia a ideia de que para o
bom aluno desenhar, deveria voltar-se primeiro para a natureza, pois ela é o
melhor guia. Observe a Figura 32.

Fonte: Panofsky (1979, p. 117).

Figura 32 Esquema de três círculos da arte bizantina e bizantinesca.

Mais tarde, com o Renascimento, o desenho passou a ser valorizado como


uma produção independente, como uma verdadeira obra de arte. No entanto,
não podemos nos esquecer de que o Renascimento foi um vasto e profundo
movimento cultural, riquíssimo de motivos e correntes, que aprofundou suas
raízes nos séculos 13 e 14, e �oresceu nos séculos 15 e 16. Certamente, a valori-
zação do desenho como linguagem autônoma não ocorre logo a partir do sé-
culo 13.

Um bom exemplo disso é Piero della Francesca, um artista do Quattrocento, e


suas anotações sobre a perspectiva. "Quattrocento é um procedimento habitu-
al entre os historiadores e divide o Renascimento italiano em três fases, cada
qual correspondente ao período de um século: o Trecento (século 14), o
Quattrocento (século 15) e o Cinquecento (século 16)" (SEVCENKO, 1988, p. 48).

A palavra “perspectiva” deriva do verbo perspicere (ver claramente), “[...] que é


o equivalente do termo grego οπτιχ, óptica. Assim, pois, originariamente, pers-
pectiva se refere ao estudo dos fenômenos da visão, ao funcionamento do olho
na percepção visual” (GUALIS, 1984, p. 205).

Portanto, perspectiva nada tinha a ver com representações espaciais, tendo


por base o rigor da matemática. Ainda mais que, tomando como ponto de par-
tida a observação de Poincaré (1988), a terceira dimensão somente surge pelo
esforço de acomodação e pela convergência dos olhos.

A visão, segundo ele, nos permite avaliar distâncias e, consequentemente, per-


ceber uma terceira dimensão. Logo, o esforço de acomodação e a convergência
dos olhos, que são essenciais à percepção nítida dos objetos, são sensações
musculares bem diferentes das sensações visuais que nos fazem perceber du-
as dimensões.

Ou seja, perceber objetos em três dimensões requer esforço físico, ao passo que
perceber objetos em duas dimensões, não. Ainda para Poincaré (1988, p. 56): “A
terceira dimensão não nos aparecerá como exercendo o mesmo papel que as
outras duas".

A característica básica da perspectiva linear é dar a impressão de que, ao


olhar para uma tela, se está olhando por meio de uma janela, uma vez que a
imagem passa a ser uma projeção matemática da cena tridimensional sobre
uma superfície bidimensional.

Com tal método, os artistas acreditavam ter encontrado uma maneira precisa
de simular aquilo que o olho efetivamente vê. A chave da questão pode ser re-
sumida da seguinte maneira: uma imagem em perspectiva é construída a par-
tir de um ponto de vista único.

Para Piero della Francesca, a perspectiva era uma extensão da Ciência. De


acordo com Field (2005), a prova da perspectiva como "ciência legítima" é a
mesma para provar que se trata de uma extensão intelectual legítima, ou seja,
uma construção com responsabilidade intelectual.

O olho, nessas circunstâncias, não se move de maneira alguma, ele espalha


seus raios de modo que forme um cone visual cujo ângulo vertical é um ângu-
lo reto. A perspectiva, portanto, lida com a geometria de um único ponto de
vista. "Acreditava-se que os dois olhos combinavam suas informações antes
da mente processá-la" (FIELD, 2005, p. 152). Para que você possa compreender
melhor, observe a Figura 33.

Figura 33 De Prospectiva Pingendi, Piero della Francesca, livro 1, proposição 30, p. 17. In: Piero della Francesca, A

Mathematician’s Art.

Um fato interessante é que os textos de Piero eram acompanhados de dese-


nhos ilustrativos de suas proposições. Na Figura 33, por exemplo, o ponto "A"
indica o posicionamento do olho e, como podemos perceber, encontra-se loca-
lizado no centro do quadrado.

Para Field (2005), a característica de Piero é introduzir provas a partir de ins-


truções por meio de desenhos, e o resultado �nal passa a ser verdadeiro à me-
dida que for interpretado como uma representação exata em três dimensões.

Uma obra que expressa a correta maneira de utilização da perspectiva é A �a-


gelação de Cristo, de Piero della Francesca, apresentado na Figura 34. Field
(2005) diz tratar-se não de um exemplo de perspectiva correta, mas de "o"
exemplo de perspectiva correta. Observe que a parte da pintura que foi mate-
maticamente organizada de maneira mais visível é a arquitetura.

Figura 34 A �agelação de Cristo, Piero della Francesca, c. 1412-1492 (Galleria Nazionale delle Marche, Urbino).

Field (2005) observa que o fato de De prospectiva Pigendi explicar, em tese, co-
mo utilizar a perspectiva de maneira correta não garante que o leitor não ti-
vesse de estudar longas séries de instruções que acabariam intimidando o in-
teressado.

Venturi (1954), em um estudo biográ�co e crítico sobre Piero, diz que à sua
época o conhecimento da realidade era o resultado não de uma revelação de
Deus, como na Idade Média, mas de um estudo perspectivo da natureza.
Sobretudo, para Piero, a perspectiva era vista como um problema estritamente
da pintura e não como um problema cientí�co (FOCILLON, 1991).

No entanto, embora muito importante para Piero della Francesca, a represen-


tação perspectiva não era um elemento primordial em sua pintura, pois ela
não deveria absorver a imagem humana.

As cenas se desenrolam sempre diante do espaço criado pela perspectiva, e jamais


dentro desse espaço, ou melhor, a perspectiva se insere na relação entre as perso-
nagens de uma multidão, dando assim o sentimento de profundidade à massa, mas
ela não enforma jamais as �guras (VENTURI, 1954, p. 15).
Portanto, ao mesmo tempo em que Piero demonstrava extrema habilidade na
utilização da perspectiva, ele não �cava à mercê dela.

Field (2005) relata que nos afrescos (técnica de pintura que consiste em reves-
tir de argamassa uma parede e, em seguida, pintar sobre a massa ainda fres-
ca) de Piero há indicações de transferência de desenhos preliminares, e a uni-
formidade encontrada entre elementos repetidos, como cabeças, demonstra
que havia padronização de alguns elementos. Com isso, o ponto de vista era
determinado somente depois que a forma perfeita do objeto fosse completada.

Nesse sentido, se com Piero della Francesca, no Quattrocento, os desenhos fo-


ram utilizados como ilustrações para suas observações artísticas (o que iria
acontecer mais tarde, também, com Leonardo da Vinci); no Cinquecento, ve-
mos o desenho não como um elemento autônomo, mas, sim, como um recurso
de organização dos elementos visuais.

Esboços
Embora possamos falar que o desenho assume importância capital no
Renascimento, o grande Rafael Sanzio, mestre da pintura e da arquitetura da
escola de Florença durante o Renascimento italiano, celebrado pela perfeição
e suavidade de suas obras, valia-se de vários esboços antes de �nalizá-las. É o
que podemos observar em um de seus cadernos de esboços, que contém qua-
tro estudos para a elaboração da obra Virgem do Prado (1505).

Para Gombrich (1985), as �guras de Rafael foram admiravelmente bem dese-


nhadas, com a expressão inesquecível da Virgem, na obra Virgem do Prado,
pousando suavemente os olhos nas duas crianças. Além disso, a partir dos es-
boços é possível percebermos que o grande Rafael buscava a melhor composi-
ção possível.

Gombrich (1985, p. 14) destaca que: “O que Rafael procurou repetidamente con-
seguir foi o equilíbrio correto entre as �guras, uma relação certa que culmi-
nasse no todo mais harmonioso". Para que você possa compreender melhor,
observe nas Figuras 35 e 36 algumas de suas obras.
Figura 35 Virgem do Prado.

Fonte: Gombrich (1985, p. 16).

Figura 36 Esboço para a Virgem do Prado.

Assim, ao admirarmos essa verdadeira obra de arte, disposta na Figura 35, não
imaginamos os desenhos que foram feitos até chegar ao resultado �nal. O sen-
so comum acredita que os gênios da pintura simplesmente pintavam, espera-
vam a inspiração, algo quase divino, e criavam a obra-prima.

Mas, como vemos, as coisas não são bem assim. Tudo depende de um elabora-
do estudo, de uma composição (no caso de Rafael, triangular), da utilização
harmoniosa das cores etc.

Outro exemplo que podemos utilizar é o esboço que Rafael fez para Madonna e
a criança (1503) nas Figuras 37 e 38. Observe como os traços são próximos.

Figura 37 Madonna e a criança, 1503.

Figura 38 Esboço para Madonna e a criança.

Podemos constatar que quando Rafael usa o desenho apenas com a �nalidade
de organização, ele se vale de desenhos feitos, digamos, com menos detalhes.
Assim, é possível a�rmar que o desenho assume importância (não que os es-
boços não sejam importantes) quando a �nalidade primeira do desenho deixa
de ser a organização e passa a ser o estudo.

Os estudos
Para que você possa compreender melhor, observe a seguir alguns estudos fei-
tos por Rafael e compare-os com os esboços da Virgem do Prado e da
Madonna com a Criança, dispostos nas Figuras 39 e 40. Vejamos o que eles
trazem de importância por si mesmos.

Figura 39 Esboço para A deposição de Cristo.

O desenho disposto na Figura 39 preserva o modelo do grupo da esquerda na


obra A deposição de Cristo. Esse, na verdade, é o último estudo para criação
dessa obra, cuja maior parte da composição �nal foi preservada.

Os quadrados que vemos, que eram em escala menor, serviriam para que o de-
senho fosse facilmente transferido para uma área maior. Uma informação in-
teressante, e que vale a pena ser destacada, está relacionada à referência para
o desenvolvimento da obra. Clark (1987) observa que para dar conta do braço
esquerdo de Cristo, Rafael praticamente copiou a mesma postura de Cristo de
Michelangelo.

Comparemos a obra A deposição de Cristo (Figura 41) com a escultura de


Michelangelo na Figura 40.

Figura 40 Pieta (1498-99), Michelangelo.


Figura 41 A deposição de Cristo, 1507, de Rafael.

Observe que no estudo para a obra A deposição de Cristo (Figura 39) já é possí-
vel antever o resultado �nal, ou seja, Rafael não representou a dor de Cristo de
uma maneira violenta; ele preocupou-se em transmitir um tipo de resignação
dolorosa.

Aí está uma das diferenças entre um esboço e um estudo. O estudo já traz as


marcas da intenção do artista, ao passo que o esboço, como já foi dito, serve
para organizar. Na realidade, podemos dizer que o esboço é um estudo tam-
bém, porém com �nalidades diferentes.

Observe mais alguns estudos apresentados nas Figuras 42, 43, 44 e 45.

Figura 42 Cabeças e mãos dos apóstolos, s.d.


Figura 43 Estudo para a cabeça de um poeta, 1511.
Figura 44 Mulher nua ajoelhada, 1518.

Figura 45 Psiquê oferecendo água a Styx, 1517.

Veja nos estudos demonstrados anteriormente que a plasticidade das �guras


passa a ser a grande preocupação de Rafael. Podemos observar com certa faci-
lidade a presença de partes mais claras e partes mais escuras, ou seja, a pre-
sença de luz e sombra. No caso da obra A deposição de Cristo, Rafael utiliza as
hachuras – linhas que cruzadas dão o efeito de sombra à �gura – para criar o
volume.

Outro artista que podemos citar é Salvador Dalí. Apesar de saltarmos dos de-
senhos de um artista do século 16 para os desenhos de um artista do século
20, as características, no geral, permanecem praticamente as mesmas.

Uma pessoa que não conheça nenhuma obra de Salvador Dali – o que é prati-
camente impossível, pois seus quadros foram abundantemente reproduzidos
–, olhando para alguns esboços, não terá a dimensão exata de seu talento para
o desenho. Vejamos dois esboços que ele fez: o primeiro, para a obra
Descoberta da América por Cristóvão Colombo (Figura 46), e o segundo, para
Atleta cósmico (Figura 47).

Figura 46 Estudo para a Descoberta da América por Cristóvão Colombo, 1958.

Figura 47 Estudo para Atleta Cósmico, 1968.

Como podemos observar, os dois desenhos foram feitos muito rapidamente.


Acredita-se que a intenção foi a mesma que a de Rafael: estudar somente a
composição, pois o que vemos são silhuetas. A característica dos esboços de
Dali é a circularidade, ou seja, ele desenhava fazendo várias curvas. Vejamos,
nas Figuras 48 e 49, dois desenhos que Dali fez de Sigmund Freud.

Figura 48 Retrato de Sigmund Freud – morfologia do crânio de Sigmund Freud, 1938.


Figura 49 Retrato de Sigmund Freud, 1938.

Nesses dois retratos, embora ainda sem muitas de�nições, já é possível notar
que os desenhos foram feitos, digamos, com "menos pressa". Ainda podemos
ver a circularidade das linhas com mais detalhes. É interessante observar,
também, que os desenhos, principalmente os primeiros, já apresentam mais
elaboração plástica. Vamos passar, agora, para estudos mais elaborados e
constatar o extraordinário desenhista que foi o mestre do Surrealismo.

Não só os quadros, mas também os desenhos podem ser analisados de acordo


com o instrumental da psicanálise. Em Leda Atômica, por exemplo, Dali trans-
forma o voo em símbolo do desejo de ereção. No entanto, para entender me-
lhor essa relação, teríamos de entrar no campo da psicanálise, o que nos afas-
taria de nosso propósito.

Portanto, voltando ao desenho como estudo, principalmente no segundo, ve-


mos com que leveza Dali foi trabalhando o claro e o escuro no rosto de Gala, e
também na sombra projetada pela madeira que está �utuando. Observe as
Figuras 50 e 51.

Figura 50 Estudo 1 para Leda Atômica, 1947.


Figura 51 Estudo 2 para Leda Atômica, 1947.

Salvador Dali é um artista "clássico", ou seja, a composição de seus quadros


segue regras que foram aplicadas por pintores do Renascimento como Piero
della Francesca e Leonardo da Vinci.

No estudo de Dali, podemos observar que Leda Atômica (Figura 52) está inscri-
ta em uma estrela, que forma um pentágono e que, por sua vez, está inscrito
em um círculo. Contudo, a composição toda foi organizada dentro de um re-
tângulo áureo, ou seja, matematicamente elaborado.

Figura 52 Leda Atômica, 1949.


Vejamos mais um exemplo, uma obra-prima de seu período religioso, o Cristo
de São João da Cruz. O estudo que Dali realizou para essa obra (Figura 53) é
simplesmente fantástico, tão fantástico quanto a obra acabada (Figura 54).

Dali nos apresenta Cristo de um ponto de vista totalmente inusitado: de cima.


O ponto de fuga está no chão, enquanto Cristo levita sobre as nuvens.
Observando atentamente, podemos nos arriscar a dizer que, simbolicamente,
Dali, colocando o ponto de fuga no solo, representa a antítese entre o terreno e
o espiritual.

Figura 53 Desenho para O Cristo de São João da Cruz, Salvador Dali, 1950.
Figura 54 Cristo de São João da Cruz, 1951.

En�m, poderíamos citar vários outros artistas para mostrar a diferença, na


utilização, entre um esboço e um estudo. Acreditamos que o desenho assume
importância (não que os esboços não sejam importantes), quando a �nalidade
primeira do desenho deixa de ser a organização e passa a ser o estudo, que
praticamente já é a obra em si.

Em outras palavras, os personagens que aparecem nos estudos feitos pelos ar-
tistas já trazem grande força expressiva e qualidades plásticas que podem ser
consideradas verdadeiras obras-primas. Os desenhos, diferentemente dos de-
senhos da Idade Média, não são mais a primeira etapa de uma pintura, mas a
própria obra.

Aparentemente, Michelangelo Merisi da Caravaggio não fazia nem esboços


nem estudos para suas obras e, mesmo assim, nos legou obras de valor incal-
culável. Como não há nenhum registro de desenho feito por Caravaggio, tudo
indica que ele pintasse muito rápido e diretamente na tela.

No entanto, Moir (1989) observa que como os esboços eram feitos, provavel-
mente, em pedaços de papel e descartados assim que serviam aos seus propó-
sitos (também porque Caravaggio não teve nenhum assistente para apanhar
tais papéis e guardá-los), não temos registro de nenhum de seus desenhos.

Caso isso tenha acontecido ou não, o que nos surpreende é a possibilidade de


um pintor conseguir realizar obras-primas sem fazer um esboço sequer!
Observe, na Figura 55, uma das telas de Caravaggio e imagine se isso seria
possível.
Figura 55 A incredulidade de São Tomé, 1601-1602.

13. Pictórico e Linear


Como sabemos, os movimentos artísticos surgem, marcam presença e, de cer-
ta maneira, dão lugar a outros movimentos. Isso não signi�ca que um movi-
mento substitua o outro, pelo contrário, cada um tem sua importância.

Por exemplo, alguns livros ainda trazem a informação de que a Idade Média
foi a Idade das Trevas, o que não é verdade, pois, conforme observa Panosfky
(1979), a herança da Antiguidade clássica não foi ignorada em momento al-
gum.

O fato é que alguns �os dessa tradição, em determinados momentos,


tornaram-se extremamente tênues, o que não signi�ca que tenham sido irre-
cuperavelmente perdidos. Durante toda a Idade Média existiram revivescênci-
as intelectuais muito importantes que partilharam das mesmas característi-
cas do movimento mais conhecido do século 15, o Renascimento.

Por exemplo, historicamente, segundo Panofsky (1979), a palavra humanitas já


carrega, desde sua origem, um aspecto duplo. Em um, encontramos o contras-
te entre o homem e aquilo que é menos que ele; no outro, entre o homem e
aquilo que é mais que ele. Assim, no primeiro sentido da palavra, humanitas
signi�ca um valor e, no segundo sentido, uma limitação.
O conceito de humanitas como valor foi formulado dentro do círculo de que se ro-
deava Cipião, o Moço, sendo Cícero seu mais tardio, porém mais explícito defensor.
Signi�cava a qualidade que distingue o homem, não apenas dos animais, mas tam-
bém, e tanto mais, daquele que pertence à espécie Homo sem merecer o nome de
Homo humanus; do bárbaro ou do indivíduo vulgar que não tem pietas e παιδεία ─
ou seja, respeito pelos valores morais e aquela graciosa mistura de erudição e urba-
nidade que só podemos circunscrever com a palavra, já muito desacreditada, “cul-
tura”. Na Idade Média este conceito foi substituído pela idéia de humanidade como
algo oposto à divindade mais do que à animalidade ou barbarismo. As qualidades
mais comumente associadas a ela eram, portanto, as da fragilidade e transitorieda-
de: humanitas fragilis, humanitas caduca (PANOFSKY, 1979, p. 20).

Portanto, o conceito de humanismo, tão importante no Renascimento, teve sua


origem na concepção ambivalente de humanitas. Em outras palavras, e de
acordo com Panofsky (1979), ser humanista era ter a seguinte atitude: acredi-
tar na dignidade humana e, ao mesmo tempo, aceitar suas limitações.

Outro exemplo que podemos citar refere-se a pintores clássicos e pintores ro-
mânticos. Como observou Gombrich (1985, p. 125): "[...] as datas são cabides in-
dispensáveis onde pendurar a tapeçaria da história [...]". Assim, os anos de
1755 e 1756 marcam o início de dois movimentos artísticos muito importantes:
o Classicismo e o Romantismo.

De acordo com Clark (1973), em 1755, Winckelmann publicou um livro que se


tornaria o texto sagrado do Classicismo: Re�exões sobre a imitação da Arte
Grega. E, no ano seguinte, o �lósofo Edmund Burke publicaria Investigações
sobre a Origem do Sublime, que se tornaria a base do movimento romântico.

A caricatura apresentada na Figura 56 mostra dois grandes artistas, Delacroix


e Ingres, duelando. Note que Delacroix está segurando um pincel, que repre-
senta a cor nas pinturas românticas; e Ingres está segurando uma pena, que
representa a linha nas pinturas neoclássicas. Essa caricatura resume bem o
posicionamento dos dois artistas: um defendendo o uso da cor, e o outro de-
fendendo o desenho.
Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 56.

No entanto, é possível identi�carmos, por toda a história da arte, artistas con-


temporâneos, porém de estilos completamente diferentes, que merecem ser
chamados de clássicos ou românticos.

Isso porque em todas as épocas há artistas que apelaram para nossas emo-
ções, mediante o uso das cores, e artistas que satis�zeram nossas necessida-
des de ordem e permanência, criando estruturas e composições que são per-
feitas em si mesmas.

Por exemplo, artistas como Rafael e Caravaggio podem ser considerados ro-
mânticos, ao passo que muitos dos trabalhos de Rembrandt foram feitos a par-
tir de uma estrutura clássica.

Com o desenho acontece exatamente a mesma coisa. Alguns desenhos, inde-


pendentemente do período, podem ser classi�cados em clássicos, em român-
ticos. Mas há outras características nessa divergência técnica que devem ser
ressaltadas. Assim, veremos o desenho a partir de duas categorias criadas, ao
que tudo indica, por Heinrich Wölf�in: o linear e o pictórico. Acompanhe.

14. Linear
A palavra linear, em termos de pintura e, principalmente, em termos de dese-
nho – que é o que mais nos interessa neste momento – nos remete, logo de
início, à linha. Portanto, poderíamos concluir que um desenho linear é aquele
que traz a linha como marca expressiva principal. No entanto, não é tão sim-
ples assim.

Quais são, então, as características que devemos observar para podermos clas-
si�car uma obra como linear? Para responder a essa questão, observe as obras
dispostas nas Figuras 57 e 58.

Figura 57 Madonna e criança entronada por Santos, 1504-1505, Rafael Sanzio.


Figura 58 Madonna e Santos, 1626-1628, Pietro da Cortona.

Veja que a temática das duas obras é exatamente a mesma, ou seja, Nossa
Senhora ladeada por santos. Não obstante estarmos diante de um mesmo con-
teúdo, intuitivamente somos capazes de observar certas diferenças.

A começar pela obra de Rafael (Figura 57), o que mais nos chama a atenção
talvez seja a cor, por tratar-se de uma pintura. Isso não quer dizer que na obra
de Pietro da Cortona (Figura 58) a cor não tenha sua importância.

Na verdade, ela foi usada de uma maneira vívida, que imprime frescor à obra;
já no quadro de Rafael, apesar da cor, o elemento primordial é o desenho. Isso
porque a maioria dos �orentinos não considerava a cor um dos principais
meios para dar unidade à pintura.

De acordo com Gombrich (1985, p. 249), "[...] preferiam fazer isso por meio da
perspectiva e da composição, ainda antes de mergulharem seus pincéis na
tinta".

Vale ressaltar que o ponto principal no comparativo entre as duas obras é que
no quadro de Pietro da Cortona, mesmo se tratando de uma cena tranquila, há
um ar de grande energia e vigor, o qual não encontramos no quadro de Rafael.

No entanto, temos de levar em consideração que estamos falando de obras fei-


tas por pintores de épocas diferentes e, portanto, com conceitos diferentes.
Enquanto Rafael buscava a proporção perfeita, ou seja, por ser uma �gura do
Alto Renascimento, o artista procurou obter a imagem da perfeição em si;
Pietro da Cortona, por ser Barroco, buscou o agitado, o imutável.

Segundo Wölf�in (1989, p. 10), no Barroco desaparece “[...] o ideal da proporção


bela e o interesse não se concentra mais no que é, mas no que acontece. As
massas, pesadas e pouco articuladas, entram em movimento.”

Assim, se tivéssemos de carimbar os dois quadros, usaríamos carimbos dife-


rentes. Para o de Rafael, usaríamos o carimbo de linear, pois ele procurou sua
força expressiva na linha; ao passo que para Pietro da Cortona, que procurou
sua força expressiva na massa, usaríamos o carimbo de pictórico.

O linear pode ser de�nido como a primeira etapa de um processo evolutivo


que termina com a gradativa desvalorização da linha. Isso quer dizer que,
num primeiro momento, é a linha que guia o olhar, é ela que conduz a percep-
ção do objeto, exclusivamente, a partir de seu aspecto tangível em contornos e
superfícies, ou seja, a ênfase recai sobre os limites do objeto.

Numa obra linear, o contorno dos objetos é valorizado e a beleza do objeto sur-
ge basicamente a partir da linha. Em outras palavras, ver de forma linear sig-
ni�ca: "[...] procurar o sentido e a beleza do objeto primeiramente no contorno
– também as formas internas possuem seus contornos" (WÖLFFLIN, 1989, p.
21).

A mera existência de luz e sombra não determina o caráter pictórico de uma


obra. Um exemplo interessante que Wölf�in (1989, p. 22) utiliza para explicar o
valor da linha nas obras de arte é a Última Ceia.

Segundo ele, apesar de Leonardo da Vinci ser considerado o pai do claro-


escuro, sendo que luzes e sombras foram empregadas, pela primeira vez, como
elemento de composição, "[...] o que seria dessas luzes e sombras sem o co-
mando magistralmente seguro das linhas?" (WÖLFFLIN, 1989, p. 22).

Portanto, tudo depende da importância que é dada à linha no sentido de


mantê-la como um delimitador ao qual tudo está subordinado. Vejamos, nas
Figuras 59 e 60, dois estudos de drapejado feitos por Dürer em 1508, nos quais
o termo drapejado refere-se à textura das roupas.

Figura 59 Estudo de drapejado 1, 1508.


Figura 60 Estudo de drapejado 2, 1508.

É evidente a luz e a sombra nas obras, contudo, observe que a linha delimita
as margens com maior evidência, ou seja, o contorno que envolve a forma é
feito de maneira acentuada. Com isso, uma forma distingue-se da outra de
maneira bem nítida.

Outra característica da visão linear é o fato de que ao observador o objeto é


apresentado como ele é. Dessa maneira, o observador sente-se seguro, pois
consegue reconhecer os objetos com grande facilidade. En�m, a “[...] operação
que os olhos realizam assemelha-se à da mão que percorre um corpo; e a mo-
delação, que reproduz a realidade na graduação de luz, também apela para as
sensações de tato" (WÖLFFLIN, 1989, p. 24).

O oposto de uma representação marcadamente linear é, obviamente, uma re-


presentação pictórica. Isso ocorre quando as sensações táteis desaparecem,
dando lugar a justaposições de tons claros e escuros.

Para que você possa compreender essas justaposições, acompanhe o próximo


tópico.

15. Pictórico
Agora, deixaremos a linha de lado e passaremos a nos preocupar com as mas-
sas, pois são elas que, basicamente, caracterizam o estilo pictórico.

Falar em pictórico signi�ca que a atenção deixa de se concentrar nas mar-


gens, e os contornos tornam-se indiferentes ao olho. Ao contrário da linha, a
mancha passa a ser o primeiro elemento da impressão. Vejamos o que
Wölf�in (1989, p. 22) diz a respeito do pictórico:

As possibilidades da arte pictórica começam no momento em que a linha é desva-


lorizada enquanto elemento delimitador. É como se, de repente, todos os pontos fos-
sem animados por um movimento misterioso. Enquanto o contorno fortemente ex-
pressivo mantém inabalável a forma, determinando igualmente a aparência, está
na essência da representação pictórica conferir a ela um caráter indeterminado: a
forma começa a brincar: luzes e sombras transformam-se em elementos indepen-
dentes que se unem de altura a altura, de profundidade a profundidade; o todo ga-
nha a aparência de um movimento que emana incansável e in�nitamente. Não im-
porta se o movimento é trêmulo e impetuoso, ou apenas uma vibração e um treme-
luzir: para o espectador, ele é inexaurível.

A partir do que Wölf�in (1989) coloca, vemos que a aparência das coisas passa
da determinação da forma pela linha para a indeterminação da forma pela luz
e pela sombra. Observando os dois desenhos nas Figuras 61 e 62, podemos
constatar isso.

Rembrandt representa Saskia amamentando uma criança, segundo o modo


como a cena foi vista pelo olho, enquanto em Dürer, ainda sentimos a presen-
ça dos valores táteis. Portanto, em um, Dürer, impera os valores táteis; no ou-
tro, Rembrandt, os valores visuais.

O efeito pictórico são, na realidade, como observa Wölf�in (1989), intrincamen-


tos de formas, visto que os aspectos materiais não mais estão no objeto, mas
no olho; em outras palavras, o objeto já não pode mais ser tocado pelas mãos
nem mesmo no sentido imaginário.
Figura 61 Virgem amamentando a criança, Dürer, 1512.

Figura 62 Saskia com uma criança, Rembrandt, 1636.

Veja o desenho da Figura 63, feito por Peter Paul Rubens. Observe que ele traz
as mesmas características do desenho de Rembrandt, Saskia com uma crian-
ça. Trata-se de uma obra pictórica por trazer elementos que se unem a um to-
do, proporcionando a impressão de um movimento contínuo.

As massas buscam-se umas as outras, evidenciando a dependência das for-


mas. En�m, o valor passa a ser o conjunto, "[...] pois somente nele a misteriosa
interpretação de forma, luz e cor ganha efeito" (WÖLFFLIN, 1989, p. 23).

É interessante que agora o conjunto ganha outra conotação. Sempre ouvimos


falar de conjunto como algo acabado, quer dizer, os elementos visuais – a li-
nha, a forma, a cor, o volume e a textura – são organizados de modo tal que o
artista consegue equilíbrio. Logo, o artista conseguiria um "conjunto interes-
sante”.

Mas, seria algo que nós, na realidade, não precisaríamos ter consciência para
desfrutar das obras. Agora, no entanto, parece-nos que olhar a obra em seu
conjunto é essencial para a fruição, ou seja, para o deleite estético de cada um.
Não mais olhamos detalhes individuais, pois não há mais detalhes para se-
rem vistos, mas sim formas que dialogam.

Figura 63 São Jorge enfrentando o dragão, Peter Paul Rubens.

Ampliando nosso entendimento sobre o linear e o pictórico, Wölf�in (1989) es-


clarece que o conceito de pictórico não pode simplesmente ser tratado como
uma questão de concepção. Ele, ainda, destaca que tudo pode ser concebido
segundo uma forma pictórica ou não pictórica e chama a atenção para o fato
de que na própria natureza há objetos e situações que podem ser classi�cados
como pictóricos, haja vista que o caráter pictórico parece ser inerente a eles.

Segundo o mesmo autor, pode ser chamada de pictórica, por exemplo, a �gura
de um mendigo com suas roupas rasgadas, seu chapéu amassado e seus sapa-
tos furados. Portanto, todos esses elementos trazem consigo as marcas de
uma vida rica e �uida.

Da mesma maneira acontece com uma ruína. Quando a forma arquitetônica é


quebrada porque os muros começam a desmoronar; quando a forma arquitetô-
nica é literalmente quebrada; quando o mato começa a invadir ou quando apa-
recem buracos por toda a parte, estamos diante de uma beleza pictórica.

É por isso que algumas pessoas se sentem esteticamente atraídas por cenári-
os que, na vida real, são desoladores, mas como temática para pintura são
muito atrativos.

Wölf�in (1989, p. 27) continua sua análise, observando que um interior será
pictórico quando a ênfase não:

[...] residir na estrutura da parede e do teto, mas quando a escuridão ocultar-se na


profundidade e os cantos forem preenchidos por um amontoado de objetos, de sorte
que sobre o conjunto, ora mais, ora menos pronunciado paire a impressão de um
movimento a que tudo abarca.

Já no século 15, havia uma sensibilidade em relação à linha, porém foi no sé-
culo 16 que a Itália tornou-se a grande escola da linha pura, ou seja, do
Renascimento. Mesmo com o surgimento do Barroco, os italianos não abando-
naram a linha completamente, pois, para os sentimentos dos italianos, “[...] a
linha sempre foi mais ou menos o elemento no qual toda a forma artística se
manifesta" (WÖLFFLIN, 1989, p. 34).

Observando um quadro de Rubens, A queda dos condenados (Figura 64), ve-


mos os corpos se contorcendo, sendo puxados para baixo. Faz sentido esse ti-
po de pintura ter sido feita por Rubens e não por Rafael, pois acredita-se que a
linearidade de Rafael não "daria conta" de transmitir a movimentação neces-
sária a tal temática.

Figura 64 A queda dos condenados, Rubens, 1620.

Como você pôde notar, no quadro de Rubens, a modelação foi feita a partir de
manchas, com as linhas das formas destruídas por completo. Retomando o
que já foi dito anteriormente, aqui todos os pontos se misturam animados por
um movimento misterioso. Rubens brinca com a luz e a sombra, pois elas já
não funcionam mais como no Renascimento. Aqui, elas têm independência.

En�m, o estilo pictórico somente "[...] se revela claramente quando a luz adqui-
riu uma vida própria, que rouba a forma plástica do domínio da tangibilidade
imediata" (WÖLFFLIN, 1989, p. 62).

A �m de conhecer um pouco mais sobre o pictórico e o linear, assista aos se-


guintes vídeos: Interpretação da Imagem: Wölf�in - Conceitos fundamentais
da História da Arte (parte 1) (https://www.youtube.com/wat-
ch?v=DX_2CMGDE9U), Interpretação da Imagem: Wölf�in - Conceitos funda-
mentais da História da Arte (parte 2) (https://www.youtube.com
/watch?v=U2_lEYDJ-6E&t=403s) e Diferença entre pictórico e linear
(https://www.youtube.com/watch?v=_VAHDaVP1d4).

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-


guir.

16. Considerações
Neste ciclo você teve a oportunidade de investigar os elementos da percepção
visual e como se dá o processo de expressão. Pode, também, identi�car e com-
preender a importância dos esboços e dos estudos na elaboração de uma obra
de arte. A partir dessas investigações você entrou em contato com dois con-
ceitos muito importantes para o processo de expressão: o conceito de pictórico
e o conceito de linear.

En�m, estudando esses conceitos, você pode perceber de que maneira se dá a


representação em um espaço bidimensional. A partir de agora estudaremos a
pintura e seus desdobramentos.
(https://md.claretiano.edu.br

/estelerepdesproesclinpic-gp0042-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 3 – Pintura e seus Elementos Expressivos

Juan José Balzi

Thais Fernanda Martins Hayek

Objetivos
• Conhecer os materiais utilizados em algumas técnicas de pintura.
• Compreender os métodos de utilização das tintas, pigmentos, aglutinan-
tes, vernizes, solventes e diluentes.
• De�nir a função da pintura no marco das artes visuais e de outras ativi-
dades a�ns e a atitude do pintor, tipi�cando sua função nos campos da
representação e da interpretação.
• Aprender a ver e a observar.
• Aprender a desenvolver a sensibilidade, a percepção e a imaginação.

Conteúdos
• De�nições e formas de utilização de tintas, pigmentos, aglutinantes, ver-
nizes, solventes e diluentes, pincéis, paletas e godês.
• Conceitos básicos para a compreensão da pintura no complexo panora-
ma da arte.
• Funcionamento do sentido da visão.
• A maneira de olhar do pintor e do espectador.
• Empecilhos à ação de observar.
• Exemplos de diferentes tipos de percepção.

Problematização
Todos os dias, de alguma maneira, nós lidamos com as tintas, seja ao escre-
ver, pintar ou imprimir. As tintas estão em nosso cotidiano e isso é um fato.
Mas você sabe de que maneira essa peça fundamental do desenvolvimento
das civilizações é fabricada? Sabe quais são os materiais que a compõem?

Orientação para o estudo


Vamos iniciar nossos estudos sobre pintura a partir da tinta. Mas com não
paremos na tinta, é importante analisar que material é utilizado para fazer a
ligação dos pigmentos entre si. Esses estudos são importantes uma vez que
as várias técnicas de pintura diferem quanto ao material aplicado em cada
cor. Você também deve prestar atenção aos sistemas distintos de coloração e
à classi�cação dos pigmentos. Também é muito importante observar de que
modo se dá a ação dos diluentes e dos solventes e assim como a diferença
entre a resina e o verniz. Faça isso, pois essas informações certamente te aju-
darão a compreender melhor os elementos da linguagem pictórica.

1. Introdução
Neste terceiro ciclo estudaremos a tinta e os elementos da linguagem pictóri-
ca. Os materiais que serão apresentados neste ciclo serão de muita utilidade,
pois o auxiliarão na hora de escolher os produtos que mais condizem com su-
as técnicas. Veremos a tinta e os outros materiais que dela fazem parte.
Posteriormente, conheceremos as resinas e os vernizes, materiais que auxili-
am para uma melhor qualidade dos efeitos pictóricos. Também veremos os
solventes e os diluentes, o que são e para que servem. Veremos também que ao
de�nir a pintura e analisar o ato de pintar, ao tratar da atitude do pintor peran-
te a natureza que o circunda e a sociedade da qual faz parte, conferimos ao
conceito da arte o seu signi�cado mais amplo: aquele que se refere à capacida-
de que o ser humano tem de dominar a matéria para realizar uma ideia.
Também é importante que você tenha em mente que a pintura está sempre ao
nosso redor, só temos que aprender a vê-la. Outro dado importante é o que diz
respeito ao suporte de pintura, ou seja, a superfície que se deseja pintar. Por is-
so, o suporte deve ser escolhido de acordo com suas necessidades.
2. Tinta
Todos os dias, de alguma maneira, nós lidamos com as tintas, seja ao escrever,
pintar ou imprimir. As tintas estão em nosso cotidiano e isso é um fato. Mas
você sabe de que maneira essa peça fundamental do desenvolvimento das ci-
vilizações é fabricada? Sabe quais são os materiais que a compõem?

A tinta é um veículo com pigmentos, ou seja, uma composição química forma-


da pela junção de pigmentos e aglutinantes, que, ao ser aplicada sobre uma su-
perfície, se transforma em um revestimento. Pode apresentar-se em diversos
estados, como o líquido ou o viscoso, e, quando passada em um material de
aderência, dá e �xa sua cor. Os elementos básicos que compõem uma tinta
são: aglutinante, pigmento e diluente. No preparo de uma tinta, todos esses
elementos têm a mesma importância.

Quando compramos tintas coloridas, trabalhamos com esse material já mistu-


rado. Já as tintas para aquarela, acrílica, guache e tinta a óleo são todas obti-
das por meio da mistura dos aglutinantes com pigmentos.

Aglutinante
O aglutinante, também conhecido como “veículo” ou “ligante”, é um elemento
que tem a função de ligação dos pigmentos entre si e, ao mesmo tempo, possi-
bilita o poder de adesão a um suporte. Essa adesão ocorre após o diluente eva-
porar, devido a diversos processos determinados pela natureza do aglutinante.

O aglutinante deve resistir bem aos diluentes, aos pigmentos, à luz e a uma va-
riação de umidade e calor, para uma boa permanência da tinta. Ele também é
responsável pelas características próprias de cada tinta, dependendo de sua
origem. Observe, no Quadro 1, uma relação dos tipos de tinta e alguns de seus
respectivos aglutinantes.

Quadro 1 Tipos de tinta e aglutinantes.


Fonte: Leme (s.d., p. 9).

Pigmento
Um pigmento (Figura 1) é uma substância colorida, que, quando dividida, pas-
sa seu efeito de cor a outro material. Quando um pigmento é misturado ou
moído em um veículo líquido para formar uma tinta, ele não se dissolve, mas
permanece disperso no líquido. As substâncias que se dissolvem em líquidos
são chamadas de corantes. Os materiais utilizados como pigmentos artísticos
possuem outros requisitos além da cor – são as propriedades físicas e estrutu-
rais.

Figura 1 Pigmentos em pó.


As várias técnicas de pintura diferem quanto ao material aplicado em cada
cor. Os pigmentos são os mesmos em todos os métodos, mas o que é bom para
uns pode não ser bom para outros.

Os pigmentos de cores opacas e velaturas são dois tipos de sistemas distintos


de coloração. Velatura, na pintura, é o emprego de camadas transparentes de
tinta. Dessa maneira, cada uma das camadas pode ser vista sobreposta à ou-
tra. Já os pigmentos chamados de cor opaca empregam camadas densas de
tinta. Não há uma divisão rígida entre esses dois métodos, os dois sistemas
podem ser utilizados na mesma pintura.

Alguns fatores devem ser analisados para se trabalhar com pigmento de tinta.
Inicialmente, é necessário observar se o pó é macio e foi dividido �namente,
pois, quanto mais �no é o pó, melhor é sua mistura. É importante também ve-
ri�car sua resistência à luz solar, sem que ocorra mudança de cor. O pigmento
também não deve exercer reação química sobre a tinta à qual será adicionado.
Deve ter o grau de opacidade e transparência para o propósito que o artista
quer obter. Por �m, deve ser adquirido em estabelecimentos con�áveis, que
atendam aos critérios de qualidade.

Vale ressaltar que, ao utilizar pigmentos em pó, você deve ter muito cuidado. A
proteção apropriada para o manuseio dessas substâncias é altamente neces-
sária.

A classi�cação dos pigmentos é marcada por sua origem e se dá da seguinte


forma:

• Inorgânica (mineral): dividida em terras naturais, terras naturais calcina-


das e cores inorgânicas sintéticas.
• Orgânica: dividida em vegetal, animal e pigmentos orgânicos sintéticos.

Os pigmentos ainda podem ser classi�cados de acordo com seu uso e sua du-
rabilidade. As cores inorgânicas sintéticas, por exemplo, são geralmente as de
maior durabilidade em quase todos os usos.

A natureza química dos elementos é muito variável. Alguns são compostos


simples, outros contêm correspondentes menores, como impurezas naturais
ou ingredientes adicionados em sua fabricação para mudar propriedades e
cor. Os pigmentos orgânicos são derivados de hidrogênio e carbono e os pig-
mentos inorgânicos contêm átomos de metal em sua composição.

Os pigmentos luminescentes possuem a característica de emitir esse efeito


sob diversas condições. A tinta luminosa (fosforescente) contém um pigmento
que possui a capacidade de armazenar luz quando exposta à mesma por du-
rante algum tempo, e é emitida como uma incandescência esverdeada ou azu-
lada quando posta no escuro.

Atualmente, os pigmentos possibilitam cores de intensidade e potência tinto-


rial inigualáveis e essas cores combinadas abrem um leque de in�nitas cores.
Embora seja possível produzir uma gama de cores razoáveis com a mistura de
preto, branco e as três cores primárias, existem muitos efeitos de cor especí�-
ca que podem ser obtidos somente empregando uma multiplicidade de pig-
mentos.

A cor de um pigmento não tem suas propriedades de�nidas e inerentes.


Muitas condições podem alterar o efeito da cor de um material, e dois exem-
plos do mesmo pigmento não se combinarão mesmo que tenham proporções
exatas.

Quando um pigmento seco é misturado a um líquido, sua cor é modi�cada pa-


ra um tom mais escuro ou mais denso. Esse efeito óptico pode ser explicado
da seguinte forma: uma propriedade é a quantidade de luz que ele absorve.
Todos os sólidos e líquidos diferem uns dos outros em relação a isso; cada um
é medido e classi�cado com um número chamado de “índice refrativo”.
Pigmentos variam em transparência em relação direta com seus índices re-
frativos, mas são transparentes em algum grau.

Existem muitos aspectos de cor e luz, e cada um deles é um campo único, por
exemplo: harmonia de cores, classi�cação ou anotação de cores e a cor consi-
derada em diversos estudos (estético, psicológico ou cientí�co).

Cada pigmento de tinta deve sua cor aos tipos de raios de luz que absorve ou
re�ete. Quando um raio de luz pousa sobre um pigmento, ele absorve certas
ondas e re�ete outras, e isso determina o efeito de sua cor.

O efeito transparente possui uma peculiaridade vibrante e luminosa. Um efei-


to similar acontece quando as cores são mescladas na tela. O sistema aditivo
de mistura de cores está envolvido, especialmente, em trabalhos com efeitos
de luzes coloridas em vez de tintas.

Portanto, ao trabalhar com pintura, devemos ter em mente os principais meios


pelos quais o efeito da cor de um pigmento pode ser alterado:

1. a natureza da tinta a ser utilizada;


2. o grau de brilho;
3. a qualidade e a intensidade de iluminação;
4. a justaposição ou o efeito da área circundante de cor.

Diluente e solvente
Os diluentes, também chamados de médiuns, são elementos usados para re-
duzir a concentração de uma solução, por adição de um líquido condizente
com a tinta. Para as tintas à base de água, o diluente será a água destilada.
Para as tintas a óleo, o diluente será a terebentina ou o óleo.

A ação do diluente tem como principio um maior espaçamento das partículas


aglutinantes, sem, no entanto, alterar o poder �nal da colagem. Esse efeito
limita-se somente à tinta quando úmida, cessando completamente após a se-
cagem �na.

O solvente, ao contrário do diluente, é um elemento que dissolve e altera o


aglutinante, mas também pode ter a mesma função que o diluente. É conside-
rado um redutor de viscosidade na dispersão das cargas e pigmentos.
Entretanto, é importante atentar para a qualidade do solvente, pois ele tam-
bém pode destruir ou diminuir a capacidade adesiva da tinta.

A ação de um solvente se estende sobre a tinta mesmo após a secagem �nal.


Alguns exemplos de solvente são: aguarrás, querosene, álcool, tíner, benzol, hi-
drocarboneto de petróleo, entre outros.
Os solventes devem ser utilizados para limpeza do material de trabalho e nun-
ca como diluentes e, devido a seu alto grau de evaporação e até de toxidade,
devem ser administrados com cuidado.

Resina e verniz
A resina é uma substância adesiva não solúvel em água, utilizada para com-
por o verniz. Ela pode se originar de um derivado do petróleo ou de substânci-
as de plantas, por meio de secreções, o que a divide em dois tipos: sintéticas e
naturais. Pode passar do estado líquido para o sólido mediante um processo
chamado de "polimerização".

Já o verniz é uma camada de acabamento com grande transparência, usada


em diversos materiais. Sua composição básica contém solvente, resina e óleo
secante. Não contém pigmento, pois sua função é justamente ressaltar a cor
da tinta, além de conferir-lhe mais brilho e durabilidade. Ele é aplicado com
um pincel e, ao secar, forma uma película. Na pintura, além de proteger a obra,
produz um efeito de profundidade.

3. Pintura
A pintura é uma das "belas artes", denominação essa que desde o início do sé-
culo 19 englobava a arquitetura, a pintura, a escultura e a música (posterior-
mente a gravura ocuparia o lugar da música). O gradual reconhecimento de
outras formas de expressão artística, como a fotogra�a e o vídeo, fez com que
a meados do século 20 se passasse a usar a denominação "artes visuais" e
mais tarde "artes da imagem", termos mais amplos, capazes de abranger os re-
sultados de uma multiplicação de meios e técnicas que hoje torna difícil a de-
limitação de fronteiras entre elas. Ao longo dessa evolução houve, porém, uma
denominação que manteve seu uso desde os primórdios: "artes plásticas", tal-
vez por quali�car melhor que "belas artes". Ela se refere à arte de plasmar, mo-
delar, de produzir formas sensíveis por meio de cores, linhas, volumes, por
efeito das mãos de um artista.

É interessante observar que tanto a denominação "artes da imagem" como "ar-


tes plásticas" já eram usadas no início de nossa era: no ano 200, aproximada-
mente, o so�sta Filóstrato escreveu Imagens, um livro no qual encontramos o
trecho a seguir:

Muitas são as formas de arte plástica – pois há o plasmar em si e a imitação no


bronze, os que esculpem o mármore, o lídio ou pário, e o mar�m e, por Zeus, a arte
de gravar -, e a pintura constitui-se de cores, mas não faz só isso; desse [recurso]
apenas obtém habilmente mais do que uma outra obtém de muitos. Pois revela a
sombra e discerne o olhar ora do que está irado, ora do que sente dor ou alegria.
Mas o brilho dos olhos, como eles são, o artista plástico não produz, o claro e o ne-
gro, o cabelo castanho, o ruivo e o loiro, as cores das vestes e das armas, e também
aposentos e casas, bosques, montanhas, fontes, e o ar em que estão (FILÓSTRATO,
2004, p. 25).

Em meados do século 20, em vários países, as academias de belas artes come-


çaram a ser substituídas por faculdades de arte, e os ensinamentos, que antes
eram pro�ssionalizantes, passaram a ser universitários; eis quando começa-
mos a ouvir com mais frequência a palavra semiótica. A semiótica é uma ci-
ência que estuda os signos e, sendo assim, ocupa hoje uma parte muito impor-
tante do estudo da arte, particularmente do desenho e da pintura, pesquisando
sobre os signi�cados e as motivações desde as primeiras pinturas rupestres
até as pinturas corporais de nossos índios. É importante advertir que, antes de
proceder à sua execução, a concepção de uma obra de arte é totalmente intui-
tiva. Deve-se ao que vulgarmente chamamos de inspiração.

4. Pintar
Das trinta e duas acepções que na língua portuguesa tem a palavra pintar, três
devem ser levadas em conta pela sua direta relação com nossos estudos:

1. Representar por traços ou cores; �gurar. Exemplo: pintar uma paisagem.


2. Recobrir de tinta, colorir; cobrir de cor. Exemplo: pintar uma parede.
3. Pintar o corpo e o rosto com tintas para �ns guerreiros ou festivos indíge-
nas.

Comecemos por analisar a primeira palavra da primeira acepção: representar.


Representar signi�ca ser a imagem ou reprodução de algo. O artista plástico �-
gurativo representa, �gura uma paisagem, não a faz, porque, obviamente, na
realidade, esta paisagem existe efetivamente. Com a mesma capacidade no
uso dos traços e das cores, o artista �gurativo ou não �gurativo pode represen-
tar um sentimento e até uma ideia, dependendo, claro está, do seu talento. O
pintor, ou artista plástico �gurativo, representará a realidade melhor ou pior
dependendo da qualidade do ensino pro�ssionalizante que tenha recebido.
Mas se considera pintor erudito aquele pintor que, além de representar pro�s-
sionalmente bem um sujeito (tema), é capaz de o interpretar, pois essa inter-
pretação é a que o distinguirá entre os demais pro�ssionais.

Antigamente, a carreira de Belas Artes durava de cinco a sete anos e compre-


endia nos seus programas uma grande quantidade de matérias (todas elas
obrigatórias): desenho de observação, história da arte, modelagem, aquarela,
guache, óleo, decoração, arquitetura, anatomia, composição, pedagogia e no-
ções de psicologia.

Para compreendermos melhor a atuação de um artista �gurativo, acompanhe


o breve texto apresentado a seguir.

Artista �gurativo ou não �gurativo


Chama-se de pintores "não �gurativos" desde os pintores "abstratos" até os "concretos". Os
"abstratos" abstraem os particulares aparentes de uma �gura para �car somente com sua
estrutura geral (Figuras 2 e 3). Por exemplo: converter a vela de um barco num triângulo.
Também chama-se de abstrato ao pintor que trata de representar uma ideia. Por exemplo:
Piet Mondrian dizia que duas linhas retas que se cruzam representam a ideia da ação (não
de uma ação determinada). Pelo contrário, o pintor "concreto" cria, com �guras geométricas,
imagens que não abstraem, nem simbolizam, nem interpretam, nem representam realidade
nenhuma (Figuras 4 e 5).
Figura 2 Regates à Argentevil, 1872. Claude Monet. Paris, Musée d'Orsay.

Figura 3 Silent, 1937. Vassily Kandinsky. Boymans Museum, Rotterdam.

Figura 4 Composição com linhas, 1917. Abstracionismo, Piet Mondrian. Otterlo, Museo Kröler-Müller.
Figura 5 Planos em superfícies moduladas, 1956. Concretismo, Lygia Clark.

Além do mais, se nos contentássemos com a simples representação da reali-


dade, estaríamos colocando junto aos pintores pro�ssionais ou "eruditos" os
pintores naif, populares etc. Mas, em todo caso, devemos levar em considera-
ção que o primeiro valor de uma pintura é que ela é uma imagem representada
artesanalmente num quadro, objeto único, expressão original e irrepetível de
um ser humano.

Vamos, agora, a um breve texto que nos ensinará como denominar, de manei-
ra correta, os pintores pro�ssionais.

Pintores pro�ssionais ou "eruditos"


Como denominar um pintor de quadros pro�ssional para distingui-lo de um pintor de pare-
des, ou de um pintor popular, ou de outros? De artista? Todos eles são artistas. Pro�ssional?
O pintor de paredes também é. Acadêmico? Como �cariam então os autodidatas? Mesmo
que "erudito" não seja o termo ideal, pois indica instrução adquirida, sobretudo pela leitura,
hoje se usa a expressão "pintor erudito" para indicar um pintor já instruído em sua pro�ssão
e com conhecimentos não só acadêmicos.
Na época em que na academia se ensinava a representar a realidade escrupu-
losamente, éramos escarnecidos pelos alunos mais revolucionários dizendo
que fazíamos "fotos à mão". Até hoje se rotula, desdenhosamente, de "imitador
da natureza" a quem pinta uma paisagem ou �gura sem nenhum traço de per-
sonalidade. Platão foi mais a fundo nessa questão quando no século 4º a.C.
transcreveu os diálogos com Sócrates, no livro X de A República:

Sócrates: [...] "Agora observa isso. Com relação a cada coisa, a pintura se faz tendo
em vista o quê? Ela imita tendo em vista o que é, tal como é; ou aquilo que aparece,
tal como aparece; é a imitação [mimesis] de um fantasma [phantasma] ou de uma
verdade?"
Glauco: "De um fantasma".
Sócrates: "Longe então da verdade está a arte da imitação. E se isso tudo produz, é,
ao que parece, porque apreende apenas um pouco de cada coisa, e esse pouco é um
simulacro [eidolon]. Assim como, digamos, o pintor nos pintará um sapateiro, um
carpinteiro e outros artesãos, sem conhecer nenhuma dessas artes. Mesmo assim,
se for bom pintor, tendo pintado um carpinteiro e mostrando-o de longe, poderia
enganar crianças e homens tolos, levando-os a crer que seja um carpinteiro de ver-
dade." [...]
Sócrates: "Não devemos então a�rmar que todos os poetas, a começar por Homero,
imitam simulacros da virtude, e das outras coisas que produzem, e não apreendem
a verdade? Mas, como dizíamos a pouco, não fará o pintor o que parece ser um sa-
pateiro, sem conhecer ele próprio a arte da sapataria, assim como aqueles para os
quais ele pinta e que julgam a partir de cores e formas?" [...]
"Assim também, creio que diremos que o poeta – ele próprio não sabendo mais do
que imitar – reveste de cores, com palavras e frases, cada uma das outras artes de
modo a parecer a outros tais, que julgam a partir dos discursos, falar muito bem,
quando fala da arte do sapateiro, da estratégia, ou de qualquer outra coisa com rit-
mo, metro e harmonia. Tamanho é o encanto que esses, por natureza, possuem.
Pois, despidas das cores da música e proferidas por si só, creio que sabes como pa-
recem essas obras dos poetas. Certamente as observaste."
Glauco: "Sim".
Sócrates: "Não se assemelham às faces dos que são jovens, mas não belos, quando a
�or da juventude as abandona?" (PLATÓN, 1964, p. 293).

Mas a ambiguidade de Sócrates a respeito da representação da realidade �ca


evidente quando lemos, no Livro III, que deveriam ser eliminadas da tragédia e
da comédia as imitações que levam consigo o perigo comum a todos os que
des�guram a verdade simples, o perigo de ensinar a representar um papel, a
sair de si mesmo.
[...] com razão suprimimos nos homens ilustres as lágrimas e os gemidos, e os re-
servamos para as mulheres e os afeminados, pois queremos que os que destinamos
a guardar nosso Estado se envergonhem de semelhantes debilidades (PLATÃO,
1964, p. 100).

Ora, nesse caso o artista não estaria "imitando" a realidade, e sim


"interpretando-a", pois, na realidade, os homens também choram. De qualquer
forma, a representação da natureza não deve se confundir com a imitação,
pois a imitação da natureza é impossível. Num belo dia de 1869, dois pintores
amigos foram pintar às margens do rio Sena, em Paris, ambos com o mesmo
objetivo de representar nas suas telas, desde o mesmo ângulo, os casais num
restaurante situado numa ilhota no meio do rio: La Grenouillère. Hoje, os que
olham os dois quadros pensam que são do mesmo autor. Só um observador
atento descobre que um tem a pincelada de Claude Monet e o outro a de
Auguste Renoir (Figuras 6 e 7).

Figura 6 La Grenouillère, 1869. Claude Monet. Óleo sobre tela, 75 x 100 cm. N.Y. Metropolitan Museum.
Figura 7 La Grenouillère, 1869. Auguste Renoir. Óleo sobre tela, 75 x 100 cm. N.Y. Metropolitan Museum.

Na época em que o grande mestre do surrealismo, Salvador Dali, esteve inte-


ressado no Hiperrealismo (Figura 8), perguntei a ele, em sua residência de
Cadaqués:

Mestre, este Hiperrealismo não impede reconhecer a diferença entre um pintor e


outro?
Erro seu – respondeu-me – vejamos, eu coloco estas laranjas em cima da mesa e
nós dois vamos pintá-las de maneira hiperrealista, você verá que os nossos resul-
tados serão diferentes.
Figura 8 Mulher com carrinho de compras, 1969. Duane Hanson. Aquisgran, Neve Galerie, Coll. Ludwig.

O realismo absoluto é impossível, antes de mais nada, porque a realidade é tri-


dimensional e a imagem de um quadro ou de uma fotogra�a é bidimensional.
Poderia se pensar que a escultura resolve a questão, mas não é assim, pois fal-
taria o movimento e todas as mudanças de luz que ele implica. A obra de arte
será sempre uma "representação" da realidade.

Realismo
Quando se fala de realismo em geral, é bom distinguir a Arte Realista (Figuras 9 e 10), nome
que Gustave Courbet deu em 1846 a um movimento destinado a "combater os erros de ro-
mânticos e classicistas" (PIJOAN, 1970, p. 149) e que se estendeu por todo o ocidente a mea-
dos do século 19. Foi a primeira vez que os pintores saíram para pintar paisagens ao plein
air (ar livre) e também quando os trabalhadores se converteram quase num tema único.

Figura 9 O abrevadero, 1846. O Realismo francês do século 19, Thèodore Rousseau. Museu de Orsay, Paris.
Figura 10 Mulheres peneirando trigo, 1854. O Realismo francês do século 19, Gustave Courbet. Museu de Nantes.

Mas em que reside, a�nal, a diferença entre representar e interpretar? É mais


fácil compreender isso no campo da música ou do teatro; para o pianista exe-
cutor de uma sonata basta respeitar a partitura escrita pelo autor, já o pianista
que, além de executor, é também intérprete, deverá decidir com quanta força
deverá executar esse "fortíssimo" indicado na partitura, e para isso deverá
pesquisar sobre a vida e época do autor. O ator que no teatro representa
Hamlet, tragédia escrita por William Shakespeare em 1600, não pode se limi-
tar a recitar os magní�cos textos de Shakespeare, ele deverá interpretar o per-
sonagem, encarná-lo, imaginar que ele é mesmo o próprio Hamlet, e que, ao
invés de um palco de teatro, ele está num palácio da Dinamarca. Da mesma
maneira, o pintor que queira representar uma determinada pessoa deverá,
além de desenhar corretamente sua anatomia e até suas expressões faciais,
interpretar por meio das cores e dos traços o caráter da pessoa, os íntimos
sentimentos desse ser humano que está sendo retratado. Igualmente, um pin-
tor que esteja pintando uma marina não poderá se limitar a representar com
uma linha reta o horizonte do mar ou com hábeis pinceladas brancas a espu-
ma das ondas. Deverá interpretar a sensação de serenidade, solidão ou qual-
quer que seja a sensação que queira transmitir ao espectador. Assim, podemos
deduzir que a pintura, como as demais artes, é um meio de comunicação.
Existem na Arte Moderna diversos estilos ou técnicas de interpretação pictó-
rica, por exemplo: supõe-se que os pintores que interpretam uma paisagem à
maneira cubista (Figuras 11 e 12) estejam pretendendo transmitir uma sensa-
ção puramente estética e os que o fazem à maneira expressionista estejam
pretendendo transmitir, por meio da paisagem, um íntimo sentimento social
(Figuras 13 e 14).

Figura 11 Case al'Estaque, 1907. Pintor cubista, Georges Braque. Museu de Belas Artes de Berna.

Figura 12 Clamart, 1943. Pintor expressionista, Maurice Vlaminck. Coleção particular, França.
Figura 13 Fumo sobre telhados, 1912-1915. Pintor Cubista, Fernand Léger.

Fonte: Rathke (1967, p. 148).

Figura 14 Primavera em Flandres, 1916. Pintor expressionista, Eric Heckel.


Para compreendermos a maneira cubista de interpretar, é melhor, neste caso
em particular, citar as próprias palavras de Picasso:

Trataram de explicar o Cubismo recorrendo à matemática, à geometria, à psicaná-


lise, etc. Tudo isto é pura literatura! Nós só víamos nele um meio para expressar tu-
do aquilo que nossa mente e nossos olhos percebem, com todas as possibilidades
que nas suas próprias qualidades têm o desenho e a cor (apud PIJOAN, 1969, p. 295).

Quando eu cursava o segundo ano da Academia de Belas Artes, lá pelos anos


1950, o professor de desenho nos chamava, a mim e mais um par de colegas,
de "carboneiros", porque representávamos as sombras dos objetos brancos
com a maior intensidade de negro que o carvão (fusain) nos permitisse. Certa
vez, para demonstrar nosso exagero, encostou seu chapéu preto na sombra
mais escura do gesso que nos servia de modelo, e comparou-os. Nós éramos
demasiado jovens para perceber que estávamos interpretando o modelo em
vez de representá-lo e que sentíamos de maneira expressionista tudo o que
víamos. O professor, porém, devia intuir isso, mas a sua obrigação era ensinar-
nos a ver a realidade como ela é efetivamente.

O pintor Edward Hopper é considerado um representante do Realismo


Americano, porém esse seu realismo se refere somente à técnica com a qual
representa as ruas desertas de Manhattan, um casal num bar na madrugada,
um "lanterninha" adormecido na escuridão de um cinema etc. Hopper tem in-
terpretado tão bem a solidão urbana que alguns chegam a compará-lo com os
pintores metafísicos (dos quais nos ocuparemos ao falar da comunicação sub-
jetiva). Observe algumas das obras de Edward Hopper nas Figuras 15 e 16.

Richard Estes (um dos autênticos hiperealistas americanos) é quem se limita


a representar "fotogra�camente" os edifícios de Manhattan (Figura 17).
Figura 15 Notívagos, 1942. Realismo americano, Edward Hopper. Instituto de Artes de Chicago.

Figura 16 Arco da ponte de Manhattan, 1928. Edward Hopper. Galeria de Arte Addison, Andover.
Figura 17 Façade, 1974. Hiperrealismo, Richard Estes. N.Y. Allan Stone Gallery.

Outro claro exemplo do que é a interpretação está na própria fotogra�a, que


acreditávamos ser �el representante da realidade. Um açougueiro retalhando
uma rês chama a atenção de um fotógrafo que passa diante do açougue, e esse
decide fotografá-lo. Depois, já no seu laboratório, o fotógrafo realiza uma pri-
meira cópia em papel, a qual não resulta de seu agrado. Não, essa não repre-
senta o que ele viu. E faz outra cópia mudando o tempo de exposição. Agora
sim! Isto representa exatamente o que ele viu! Não, essa segunda cópia não re-
presenta o que ele viu, e sim o que ele sentiu ao ver aquela cena. Essa segunda
cópia é a interpretação que o fotógrafo fez do açougue.

Voltemos agora às de�nições da palavra pintar e vejamos a segunda acepção:


recobrir de tinta, colorir, cobrir de cor. Por exemplo: pintar uma parede. Várias
vezes, quando eu me apresentava como pintor, me �zeram a mesma gozação:
"o senhor é pintor de quadros ou de paredes?". Mas eu nunca me ofendia, por-
que sempre admirei o trabalho dos pintores de paredes. Na época em que nas
lojas de tintas não existiam esses extensíssimos catálogos de cores que as
máquinas misturadoras fazem hoje, como se arranjava o pintor de paredes pa-
ra conseguir reproduzir em tintas látex aquela cor que a proprietária do imó-
vel mostrava para ele num pedacinho de tela que tinha tirado quem sabe de
onde?: "Para as minhas paredes eu quero esta cor". E ele, o pintor de paredes,
conseguia reproduzi-la exatamente igual, misturando as cores elementares
que comprava na loja. Mas e a quantidade? Como ele conseguia compor a
quantidade justa para pintar aquelas paredes? Se sobrasse a senhora ia recla-
mar, e se faltasse... bom, aí o prejuízo ia ser enorme, pois deveria pintar tudo de
novo! Outra coisa admirável nesses pro�ssionais era a habilidade que tinham
para que, pintando um teto, a tinta não escorresse pelo cabo do pincel e fosse
até a axila. Sempre achei que essa habilidade tinha alguma coisa a ver com a
de Michelangelo quando pintou a Capela Sistina. E não podemos esquecer que
alguns dos pintores mais importantes da Arte Brasileira foram, antes de mais
nada, pintores de paredes como: Alfredo Volpi, Rebolo Gonzalez, Mário Zanini
e outros, que costumavam, lá pelos anos 1930, a bater ponto na Praça da Sé, nº.
43, no palacete Santa Helena (que hoje não existe mais). Daí o nome de um dos
grupos mais conhecidos da Arte Brasileira: o Grupo Santa Helena.

Finalmente, analisemos a acepção nº. 28 da palavra: pintar o corpo e o rosto


com tintas para �ns guerreiros ou festivos indígenas. Talvez aqui resida o se-
gredo da funcionalidade da comunicação subjetiva por meio da pintura.
Porque a função da pintura corporal de nossos índios e também dos primiti-
vos africanos não é tanto a de decorar seu corpo, como a de aterrorizar seus
inimigos ou atrair seus semelhantes e até os animais. Algo disso não terá per-
manecido nos seres humanos civilizados? Por que uma mulher se maquia, se
pinta? Com base em que um homem escolhe as cores de sua roupa? (É interes-
sante observar que as características cores vermelhas no focinho e no traseiro
de um mandril, espécie de babuíno, só aparecem quando ele já é adulto, quan-
do está em idade de brigar). Mas não somente as cores, mas também as for-
mas com que elas são pintadas sobre o corpo, ou seja, o seu desenho, formam
um código, que os primitivos (atenção para não considerá-los inferiores, e sim
primeiros) usavam como linguagem para se comunicar. Segundo José Pijoan
(1969), o grande historiador do início do século 20, os sistemas de linhas sinu-
osas, angulosas ou em espirais que ornamentam não só os corpos, mas tam-
bém as armas e utensílios das tribos selvagens atuais são transposições das
manchas da pele de um animal, ou signos que pretendem sugerir seus movi-
mentos; algo que se encontra, sem dúvida, "arquivado" na mente do aborígene
e forma parte de seu tesouro folclórico. Em outro trecho de sua História da
Arte, Pijoan escreve:

[...] muitas máscaras dos negros africanos, cujas esculturas são geralmente mono-
cromáticas, podem ser pintadas de vários tons. O artesão negro serve-se para isto
de cores naturais: branco de cal (a cor da morte), vermelho extraído de ervas, negro
de fumaça (PIJOAN, 1969, p. 17).

Na Figura 18, podemos observar um exemplo de pintura corporal.


Figura 18 Pintura corporal dos índios Waiwai.

5. O Sentido da Visão
Saber ver é mais importante que saber pintar; antes de aprender a pintar é ab-
solutamente necessário aprender a ver, e esse é um aprendizado válido tanto
para o pintor, como para o espectador, e, no �m das contas, para todo e qual-
quer ser humano. O olhar de um pintor é um olhar analítico, ele não pode se li-
mitar a ver, tem que observar; não por nada a primeira matéria que um estu-
dante de artes plásticas estuda chama-se Desenho Analítico, em algumas es-
colas, e Desenho de Observação, em outras.

O exercício periódico deste tipo de desenho é o que desenvolverá essa sua ha-
bilidade particular. Mas a capacidade de observar e de analisar deverá ser de-
senvolvida também pelo espectador, se pretender uma comunicação plena. E
não só isso, a sensibilidade, a capacidade de perceber e imaginar, capacidades
que todo mundo tem, mas nem sempre são desenvolvidas, deverão também
ser comuns ao emissor e ao receptor. É tudo isso que pretendemos abordar,
além de dar algumas orientações úteis.

Antes de mais nada, vamos compreender como funciona a visão: dito em pou-
cas palavras, o olho de um ser humano consiste em um cristalino ajustável
pela ação muscular para que focalize uma imagem sobre a retina, de onde o
nervo ótico a levará até o cérebro. Portanto, por melhor que funcionem nossos
olhos, veremos somente aquilo que temos aprendido a ver ou que estamos
acostumados a ver. Os olhos podem nos dar uma imagem perfeita de uma pá-
gina em chinês, mas, por mais que a olhemos, essas estranhas linhas não sig-
ni�carão nada se não conhecemos essa língua. Vemos um homem sentado
numa barca no meio do lago e outro sentado na margem bem na nossa frente,
mas nem por isso deduzimos que o primeiro homem seja menor que o segun-
do, e sim que o primeiro se encontra à maior distância de nós que o segundo.
Vemos trilhos do trem juntando-se no horizonte, mas nem por isso achamos
que eles se juntarão realmente.

A Figura 19 representa o funcionamento da nossa visão. Observe.

Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 19 Sentido da visão.

É, portanto, oportuno citar aqui algumas palavras do grande �lósofo alemão


Arthur Schopenhauer, extraídas do seu tratado Sobre a visão e as cores, de
1815:

Entre todos os sentidos, a visão é capaz de captar as impressões externas mais


apuradas e mais variadas; todavia, só pode haver uma sensação em si que somente
se torna visão através da aplicação do intelecto. Se alguém diante de uma bela e
vasta paisagem fosse por um momento desprovido de todo intelecto, nada lhe res-
taria de toda a paisagem a não ser a sensação de um estímulo muito variado de sua
retina, semelhante a diversas manchas cromáticas numa palheta de pintor, o que
seria, por assim dizer, a matéria bruta da qual seu intelecto criou há pouco tal visão
(2005, p. 32).

Lembramos que o intelecto é a faculdade cognitiva pela qual as impressões


recebidas pelos sentidos se tornam inteligíveis. Na sua Doutrina das Cores,
Goethe, poeta e �lósofo alemão, disse que: "[...] a sensibilidade do olho à luz, a
reação legítima da retina contra ela, produz por um instante um leve jogo de
cores" (1993, p. 114).

Essas duas declarações têm a ver com a famosa discussão entre os dois �lóso-
fos: Schopenhauer dizia que o mundo sensível era nossa representação e que a
luz não existia se não a víssemos, e Goethe lhe respondia: "Não, o Sr. não exis-
tiria se a luz não o visse" (1993, p. 15).

Muito bem, é lógico pensar que uma pessoa que padecesse de uma determina-
da lesão cerebral não poderia perceber nada do que vê, mesmo que conservas-
se o órgão da visão intacto; para ela a realidade não existiria então, mas isso
não quer dizer que a realidade não exista efetivamente, a realidade não existe
da mesma maneira para todas as pessoas, pois, como diz um ditado popular,
"tudo é segundo a cor do cristal com que se olha".

O que interessa agora é deixar bem clara a diferença entre olhar, ver e obser-
var. Posso estar olhando uma imagem num livro sem vê-la, porque nesse ins-
tante estou "vendo" uma outra imagem que veio a minha memória. Posso es-
tar vendo a imagem do livro, mas não "observando-a", pois nesse momento te-
nho pressa em virar a página e observar, quer dizer, examinar minuciosamen-
te; olhar com atenção; estudar. Dito de outra maneira: pode-se olhar sem ver?
Claro que sim! O nervo ótico está transmitindo-me uma imagem, mas meu cé-
rebro, meu intelecto, está vendo outra, talvez do passado, da memória. Pode-se
ver sem observar? Certamente, é o que geralmente se faz hoje: a maioria das
pessoas não se detém a analisar o que estão vendo, geralmente se conformam
com a interpretação do próprio meio que lhe apresenta as imagens. Por exem-
plo: dois jornais me mostram a mesma imagem de um rapaz com os braços
abertos diante de um tanque de guerra. No pé da foto de um leio: "Estudantes
param tanques", e no outro: "Tanques massacram estudantes". Falta a inter-
pretação de meu intelecto porque eu não estive no lugar dos fatos, e mesmo
que estivesse, tenho certeza de que a minha "leitura" seria diferente das de ou-
tras pessoas que lá também estivessem.

Há também o problema da incompatibilidade das possibilidades de nosso sis-


tema de visão com a velocidade de sucessão de imagens dos meios mecâni-
cos: a própria televisão desvirtua o que entendemos por imagem; a montagem
de uma velocíssima sucessão de cortes de imagem, feita para ilustrar um tex-
to, impede ao expectador identi�car uma só imagem, perceber sua forma e
signi�cado e receber seu conteúdo subjetivo, característica da linguagem das
imagens. A imagem televisiva, como a de toda uma grande fatia do cinema
comercial, subordina a linguagem das imagens à linguagem literária. É inte-
ressante observar o que acontece quando desligamos o som da televisão: co-
meçamos então a observar detalhes das imagens que não tínhamos observa-
do antes, porque nosso intelecto (nossa inteligência) se reparte entre os outros
cinco sentidos; desligado um se potenciam os outros. O mesmo acontecia
quando no hall dos cinemas, observando as fotos do �lme, descobríamos os
truques que não percebíamos na projeção com a imagem em movimento.

Temos, também, o problema do poder hipnótico da televisão, que anula nossa


capacidade de observação das imagens: este poder hipnótico se deve aos raios
de luz emitidos que são dirigidos diretamente aos olhos do espectador, en-
quanto no cinema, os raios de luz são projetados sobre uma tela de onde vol-
tam aos nossos olhos convertidos em imagem. Em um regimento de campa-
nha, os guardas acendiam durante a noite fogueiras para se protegerem das
feras que rondavam o acampamento. Lembro-me de ter visto um soldado de
guarda "cabeceando" de sono, diante da tenda, e frente a ele, do outro lado da
fogueira, uma enorme onça pintada sentada, imóvel, com os olhos �xos no fo-
go. Eis assim como vejo os espectadores de televisão.

Não, aqui se trata de observar, de olhar com atenção. Mas como podemos fazer
isso em meio à poluição de imagens na qual estamos imersos hoje? Por mais
rápido que seja nosso cérebro, ele não pode analisar todo esse excesso de in-
formação. Onde está esse pedaço de céu limpo, esse horizonte do mar, essa
noite fechada onde nossa mente possa re�etir sobre o que nossos olhos vi-
ram? Qual é o tempo e o silêncio que hoje temos para "olhar minuciosamente,
olhar com atenção, estudar" todas as imagens que vemos durante o dia? O pró-
prio Newton, grande físico e matemático inglês que desenvolveu estudos fun-
damentais sobre ótica e sobre as leis da gravitação, dizia que suas observações
mais importantes (a formação do espectro solar, a força da gravidade etc.) fo-
ram realizadas fora da cidade, na paz do campo. Os artistas necessitam de
ócio, o espectador, o público, o observador também precisa de um tempo para
o lazer.
Quando vou ver uma exposição, faço primeiro uma vistoria geral, selecionan-
do os quadros que mais me interessam. A esses quadros dedico depois outra
visita para observá-los melhor. Certos quadros são como certos �lmes: preci-
sam ser observados mais de uma vez.

Mas como devem ser observados? O espectador deve observar um quadro da


mesma maneira que o fez o artista que o pintou: colocando-se a uma distância
mínima de três vezes a medida maior do quadro, ou seja, se o quadro mede 70
por 100 cm, devo observá-lo a três metros de distância. Não se trata de ir à ex-
posição com uma trena no bolso, trata-se de que o quadro tem que entrar com-
pletamente dentro do cone visual do espectador de maneira que ele possa ob-
servar todos os seus detalhes sem mexer a cabeça (Figura 20). Os pintores que
pintam sentados deverão se conformar com pintar quadros não maiores de 30
ou 40 cm. E os que pintam quadros de dois metros deverão estar preparados
para caminhar 1 km antes de concluí-lo, pois, a cada série de pinceladas que
derem, deverão se afastar 6 metros para não perder o controle visual da totali-
dade da obra. E isso vale tanto para uma pintura acadêmica como para qual-
quer tipo de trabalho contemporâneo. Vale também para o espectador: ele de-
verá se afastar para contemplar o quadro de longe e chegar mais perto quando
quiser analisar detalhes técnicos menores. Vale destacar que, nos casos dos
grandes afrescos ou murais, o artista realiza primeiro um desenho ou estudo
em pequena escala.
Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 20 Maneira de olhar um quadro.

A necessidade de observar primeiro o todo para depois examinar os particula-


res é algo muito sério pelas implicações que isto tem em outros aspectos da
vida. Alguém disse que "a árvore não deve nos impedir de ver o bosque"; só
olhando a atitude de nossos pais a distância do tempo é que os avaliaremos
pelo conjunto de suas atitudes para conosco e não por aquele tabefe que rece-
bemos quando éramos criança. E se não queremos nos afastar do tema da ar-
te, lembremos que observar o conjunto antes dos detalhes tem a ver com a
mente do artista humanista dos séculos 15 e 16, que era poliédrica, ou seja,
portada a realizar obras artísticas partindo de conhecimentos gerais: Piero
della Francesca era matemático, além de pintor; Michelangelo era pintor, es-
critor e arquiteto, além de escultor; Giorgio Vassari era historiador e arquiteto,
além de pintor etc.

Muito mais tarde, no século 19, a técnica divisionista dos impressionistas nos
obrigaria não somente a nos afastarmos do quadro para contemplá-lo, mas
também a fazer isso entrefechando os olhos.

6. Percepção, Imaginação e Sensibilidade


O tema da percepção tem direta relação com o da visão e o da observação.
Porque, na realidade, a percepção é uma qualidade da visão: trata-se de ver
bem, trata-se de adquirir conhecimentos pelos sentidos e que às vezes pode se
ter uma participação limitada do intelecto (inteligência). Já dissemos que
quando um sentido se omite, os demais se potencializam: os cegos são capa-
zes de perceber pelo tato o valor das moedas, os músicos surdos são capazes
de perceber as vibrações dos instrumentos por meio do tato. Mas, tratando-se
de percepção visual, acho que ninguém a de�niu melhor que o escritor e dra-
maturgo italiano Luigi Pirandello em seu romance Um, nenhum, cem mil, no
qual narra as di�culdades de uma percepção objetiva das imagens pela inter-
ferência da memória que temos delas: o personagem de Pirandello só desco-
briu que seu nariz era ligeiramente torto para a direita quando sua mulher o
fez perceber isso diante do espelho. Isto, longe de ser uma fantasia literária,
corresponde a uma realidade muito simples: quando, a cada manhã, vamos
nos barbear, já sabemos qual é o rosto que vamos ver no espelho antes mesmo
de olhar para ele; já temos uma ideia formada de como é nosso rosto. Mas,
quando caminhando pela rua, olhamos inadvertidamente para as vitrines de
um shopping e descobrimos nossa imagem re�etida nos vidros junto à de ou-
tros passantes, levamos um susto, porque durante uma fração de segundo es-
sa nossa imagem "não bate" com a que vemos todas as manhãs no nosso es-
pelho. Essa imagem nos surpreende, não esperávamos vê-la. Portanto, se nós
queremos perceber certos particulares de nosso rosto ou de qualquer objeto
conhecido, deveremos observá-lo minuciosamente.

Já a percepção do artista vai atrelada à sua capacidade de fantasiar, de imagi-


nar. Exemplo: o fotógrafo e jornalista Bruno Giovannetti percebe que a imagem
de um pôster de Picasso, re�etido no vidro de uma cabine telefônica, se funde
com a das árvores do outro lado da cabine. Ele registra fotogra�camente essa
imagem e quando vemos a foto acreditamos ver árvores no rosto de Picasso
(Figura 21). O gravador holandês e artista grá�co Cornelis Escher, olhando um
bando de negros patos, percebe que o espaço entre eles tem a forma de peixes
de cor branca (Figura 22), ou que colocando dois planos quadrados de igual ta-
manho, um negro e outro branco, em ângulo reto, podem ser vistos seja como
se formassem uma concavidade seja como se formassem uma convexidade,
dependendo da ordem que nosso cérebro der aos nossos olhos (con�ra a
Figura 23 atentando-se ao desenho no detalhe da bandeira). Este curioso efeito
visual é produzido pelo emprego da perspectiva ortogonal, em que as linhas
paralelas não convergem para um ponto de vista como na perspectiva aérea, o
que nos dá a sensação de que estas linhas tendem a se separarem em vez de
se juntarem, pois estamos acostumados a ver as linhas paralelas juntarem-se
no horizonte. Esta ilusão óptica será acentuada quando Victor Vasarely, pio-
neiro da Optical Art, incluir o emprego da cor: um quadrado de cor amarela ou
vermelha nos dará sempre a sensação de estar à frente de um de cor azul ou
verde (Figura 24). São técnicas com as quais o artista pode induzir a visão do
espectador a uma percepção enganosa.
Fonte: MAC (1994, n. p.).

Figura 21 Re�exos numa cabina telefônica. Fotogra�a de Bruno Giovannetti, 1987.

Figura 22 Sky Water. Desenho de Cornelis Escher.


Figura 23 Concave et convexe. Conelis Escher, 1955.

Figura 24 Concavo-Convexo. Victor Vasarely, 1960. Col. Powers, Colorado, U.S.A.


A imaginação não é somente a faculdade que tem o espírito de representar
imagens, é também a faculdade de formar imagens de imagens que não foram
percebidas. Costuma-se dizer que a percepção do artista é ver as coisas onde
os demais não veem nada. Isto não é verdade, todos os seres humanos têm a
capacidade de perceber e imaginar, só que a maioria não tem tido a possibili-
dade de desenvolvê-la, partindo talvez daqueles simples passatempos de per-
ceber rostos no espaço entre dois vasos (Figura 25) ou de "ver" �guras nas for-
mas das nuvens no céu, porque para isso necessitariam do ócio, do tempo pa-
ra observar, ler e imaginar as cenas que ilustram os textos. Na época em que
não existia a televisão, quantos jovens não teriam desenvolvido sua imagina-
ção lendo as novelas sem ilustrações de Julio Verne, Emilio Salgari, Charles
Dickens e todos aqueles narradores que estimulavam nossa fantasia. A televi-
são nos impede de imaginar, ela nos serve a história, as palavras e as ima-
gens. Nada, absolutamente nada �ca livrado à nossa imaginação.

Figura 25 Desenho de Rudolf Arnhaein. Reconstituição do autor, 2010.

Nas primeiras décadas do século 20, os dadaístas trataram de chamar a aten-


ção do público sobre a necessidade de deixar de ver a arte como uma simples
representação da realidade e empregar na observação de uma obra a mesma
fantasia que o artista emprega para criá-la, e para isso criaram uma série de
objetos bizarros. Os pregos na base do ferro de passar, de Man Ray (Figura 26),
nos passam um recado claríssimo: é proibido ver esse objeto como um ferro de
passar. Que outra coisa poderia ser? A forma ogival da base lembraria a porta
de uma catedral? E com os pregos? Não parece uma escova para as crinas de
cavalos? Que sentido tem tudo isso? Nenhum! Só o de estimular a imaginação
do espectador. Os metafísicos acharam um sistema mais prático: mostrar os
objetos fora de seu contexto de uso; por exemplo, uma natureza morta, repre-
sentada sobre a areia da praia em vez de sobre uma mesa, como estamos acos-
tumados a vê-la (Figura 27), ou um manequim de costura no meio de uma pra-
ça em vez de na o�cina de uma modista. Nesses casos, por um instante, perce-
bemos características da forma, cor e textura próprias dos objetos sem
relacioná-los com sua função. Eis as palavras de Giorgio De Chirico, principal
representante da pintura metafísica:

[...] é a própria tranqüilidade da beleza sem sentido da matéria que acho metafísica,
e tanto mais metafísicos são os objetos que pela luminosa precisão de suas cores e
a exatidão de suas proporções se acham nas antípodas de qualquer confusão (apud
GUGLIELMINO, 1975, p.148/149).

É interessante mencionarmos que Giorgio de Chirico e Carlo Carrà se unem


em 1916, em Ferrara, Itália, para elaborar o Manifesto da Pintura Metafísica.

Uma das pinturas de Giorgio De Chirico pode ser observada na Figura 28.
Figura 26 Cadeau (presente). Man Ray, 1921.

Figura 27 Natureza morta na praia. Filippo De Pisis, 1932. Óleo sobre tela. Galeria de Arte Moderna, Milano.

Figura 28 As musas inquietantes. Giorgio De Chirico, 1917. Óleo sobre tela, Galeria de Arte Moderna, Milano.
Mas agora vejamos o que diz Ernesto Sábato:

[...] Dizemos cadeira, janela ou relógio, palavras que designam meros objetos, e, no
entanto, de repente transmitimos algo misterioso e inde�nível, algo que é como
uma chave, como uma mensagem inefável de uma região profunda do nosso ser.
Dizemos cadeira, mas não queremos dizer cadeira, e nos entendem. Ou pelo menos
nos entendem aqueles aos quais a mensagem secretamente se destina. Assim,
aquele par de tamancos, aquela vela, essa cadeira, não querem dizer nem esses ta-
mancos, nem essa vela macilenta, nem aquela cadeira de palha, e sim Van Gogh,
Vincent; sua ansiedade, sua angústia, sua solidão; são antes seu auto-retrato, a des-
crição de suas a�ições mais profundas e dolorosas. Valendo-se de objetos deste
mundo aparentemente árido que está fora de nós, que talvez estivesse antes de nós
e que muito provavelmente nos sobreviverá. Como se esses objetos fossem trêmu-
las e transitórias pontes para transpor o abismo sempre aberto entre nós e o uni-
verso, símbolos daquilo profundo e recôndito que re�etem; indiferentes e apagados
para quem não é capaz de entender a chave, mas cálidos, tensos e cheios de inten-
ção secreta para quem a conhece [...] (2008, p. 19).

Mais claro é o exemplo de uma história que se conta sobre Matisse, pintor
francês, e principal expoente do Fauvisme: certa vez uma senhora �cou es-
pantada diante de uma de suas pinturas: "Meu Deus! Uma mulher com a barri-
ga verde! Mas onde o senhor viu isso?!" E o grande mestre do século 20
respondeu-lhe: "Mas, minha senhora, isso não é uma mulher!, é um quadro!".

Obviamente, a imaginação e a fantasia não são características exclusivas dos


artistas do século 20, apenas esse é um período em que essas qualidades não
estão sujeitas às estritas normas técnicas e à estabilidade conceitual de sécu-
los anteriores. Mas já no início do século 16, o que diferenciava uma interpre-
tação da lenda de Santo Antão feita por Jeronimus Bosch das outras interpre-
tações feitas por seus colegas era justamente a fantasia exuberante de Bosch,
que incluía junto aos símbolos da lenda outros de sua própria criação com os
quais pretendia criticar os mandatários de sua época (Figuras 29 e 30). Outros
exemplos são as alegorias das estações do ano e os retratos de Rodolfo II feitos
por Giuseppe Arcimboldo com objetos e instrumentos que simbolizavam as
atividades do imperador (Figura 31).
Figura 29 As tentações de Santo Antão. Hieronymus Bosch (1450-1516), 1505. Museu Nacional de Belas Artes de

Lisboa.

Figura 30 As tentações de Santo Antão. Quentin Metsys. Museu do Prado, Madrid.


Figura 31 Rodolfo II in veste di Vertunno (Deus dos jardins e dos frutos). Giuseppe Arcimboldo (1527-1523).

Mas voltando ao século 20 e a Giorgio De Chirico, ele também disse que "[...] é
necessário que uma obra careça de sentido e de lógica [...] deste modo
aproximar-se-á ao sonho e à mentalidade infantil" (GUGLIELMINO, 1975, p.
148-149).

Picasso, DuBuffet (Figura 32), Appel (Figura 33), a maioria dos artistas chama-
dos "eruditos", têm sentido, em algum momento de sua evolução, a necessida-
de de partir "à procura da inocência perdida", daquela idade em que todos nós
nos expressávamos por meio do desenho, como �zeram os homens da pré-
história. Aquelas nossas garatujas eram nossa linguagem antes que nos im-
pusessem o aprendizado daquela escrita e falada. Antoine de Saint Exupéry,
piloto e escritor francês, autor da obra O pequeno príncipe, conta que quando
tinha seis anos desenhou uma jiboia que tinha engolido um elefante, mas as
pessoas maiores acharam que o que ele tinha desenhado era um chapéu
(Figura 34).
Figura 32 Vida irrequieta. Jean Dubuffet, 1953. Óleo sobre tela, Tate Gallery, Londres.
Figura 33 A holandesa. Karel Appel, 1969. Óleo sobre tela, Galeria Ariel, Paris. Arte Oggi, Mondadori, 1976.

Figura 34 Desenho de Saint Exupéry para seu livro: O pequeno príncipe. Alianza Emecé, 1953.

Antoine de Saint Exupéry (2009, p. 8), para esclarecer tal confusão, explicou:
"Desenhei então o interior da jiboia para que eles pudessem entender. As pes-
soas maiores sempre necessitam de explicações".

É a partir dos primeiros anos do ensino elementar quando se faz imprescindí-


vel nas escolas a disciplina Educação Artística para que o ser humano não
perca a sua capacidade natural de expressar-se através de imagens. E o pro-
fessor dessa disciplina deverá acompanhar o desenvolvimento desse meio de
expressão ao longo de toda a adolescência do aluno.

Quanto à sensibilidade, diremos que ela é também uma faculdade que todo ser
humano tem em maior ou menor grau. Ela se desenvolve visitando boas expo-
sições, vendo bons �lmes, boas peças de teatro, assistindo a bons concertos
musicais, e tantos outros espetáculos que nos enriquecem intelectualmente. É
surpreendente comprovar, por exemplo, as correspondências entre a pintura e
a música: ambas dependem da composição, uma do espaço e a outra do tem-
po; ambas tratam de escalas e de tons, uma das cores e a outra dos sons; etc.
Longe de serem desassociadas, as atividades artísticas se potencializam mu-
tuamente.

Mas o que nos interessa tratar aqui é da sensibilidade artística e particular-


mente da sensibilidade plástica. Essa sensibilidade, que pode ser herdada ou
não, é uma característica expressiva das pessoas, que se expressam melhor
com imagens do que com palavras, pessoas tímidas ou que têm di�culdades
com atividades mecânicas ou cientí�cas, que se desenvolvem melhor nas ma-
térias humanas e que encontram, na admiração que suas habilidades desper-
tam nos demais, uma a�rmação de sua pessoalidade. Lembremos que a capa-
cidade de uma pessoa representar outra foi considerada como uma espécie de
mágica pelos habitantes das cavernas pré-históricas e da mesma forma vene-
rada ainda hoje por sociedades que se mantêm afastadas da civilização.

Nesta vertente, o escritor Denis Diderot (1713-1784), em um trecho de seu livro


Carta sobre os surdos-mudos, a�rma o seguinte:

Posso assegurar-vos que há mil vezes mais pessoas em condições de entender um


geômetra que um poeta, pois há mil pessoas de bom senso para um homem de gos-
to, e mil pessoas de gosto para uma de gosto apurado (1993, p. 54).

As próprias características de seu trabalho fazem com que o artista mantenha


sua intuição muito mais viva que a de pessoas que se ocupam de tarefas que
requerem uma maior racionalidade. Além de uma especial capacidade per-
ceptiva e imaginativa, a sensibilidade plástica e as artísticas em geral reque-
rem um alto grau de impressionabilidade e de excitabilidade; poderíamos di-
zer que o artista é um hipersensível. Claro está que este grau de impressiona-
bilidade e de excitabilidade varia segundo a escola à qual o artista pertence.
Já nos referimos à maneira intensa de sentir dos expressionistas, vamos
retomá-la observando a Figura 35.
Figura 35 O assassino. Edward Münch, 1920/1921. Galeria Nacional de Oslo.

7. Suportes da Pintura
O suporte de pintura é justamente a superfície que se deseja pintar. Muitos su-
portes foram utilizados desde a Antiguidade, como a pedra, o vidro, a madeira,
o gesso, a lona, entre outros. O suporte deve ser escolhido de acordo com suas
necessidades. A seguir, veja alguns tipos de suportes tradicionais para pintu-
ra.

Papel
O processo de fabricação do papel, tanto no Ocidente quanto no Oriente, apesar
da industrialização, não sofreu grandes mudanças no decorrer do tempo.

O papel é fabricado com uma mistura de águas e �bras que se locomovem por
cima de uma tela em movimento, na qual ocorre o escoamento e então a folha,
sujeita a uma pressão, é seca e �nalizada.

A chamada celulose consiste na transformação de madeira em material �bro-


so – denominado também como “pasta” ou “polpa”. A celulose é retirada das
�bras por dois processos de tratamento: mecânico e químico. O processo me-
cânico consiste em des�brilamento por abrasão, e o processo químico consis-
te no cozimento das �bras vegetais em solução química.

Todo artista necessita de um papel para começar seus trabalhos. O papel tam-
bém é o suporte mais utilizado para as aulas de artes. Quaisquer papéis ser-
vem para fazer anotações, rabiscos e esboços. Porém, cada técnica e material
requer um tipo de papel apropriado para que os trabalhos artísticos tenham
melhor qualidade. Veja algumas dicas no Quadro 2.
Quadro 2.

Fonte: adaptado de Mayer (1996).

A escolha do papel a ser trabalhado é muito importante. Quanto melhor o pin-


tor conhecer os tipos de papéis especí�cos para cada trabalho, melhor desen-
voltura terá em uma pintura.

Tela
A tela é um tecido utilizado como suporte para a pintura. As melhores telas
são as fabricadas de linho. Além delas, existem as de algodão e as de juta.

Atualmente, a tela é um material bastante comum. No entanto, ela somente


começou a ser difundida a partir de 1500, quando passou a substituir o painel
de madeira como suporte padrão de pinturas móveis.

A tela está pronta para uma pintura, após ter sido revestida por uma base. A
base é uma superfície sobre a qual se executa a pintura. O propósito dessa ca-
mada é isolar a tinta do suporte, para impedir a interação entre ambos. De ou-
tro modo, a tela absorve muita tinta, impedindo a obtenção de efeitos mais re-
�nados, além de correr o risco de apodrecer.

Ela deve ter uma textura tal que o artista possa calcular o efeito da tinta apli-
cada à tela. A tela também passa por um processo de estiramento.

O chassi é uma estrutura de madeira sobre a qual a tela é estirada. E o cavalete


é o suporte para a tela.

Madeira
A madeira é um suporte que serve para as técnicas de pintura em aquarela,
acrílico, esmalte sintético e óleo. Esse tipo de suporte deve estar completa-
mente seco, e nunca se deve pintar em madeira verde. Antes de começar a
pintura, é necessário efetuar um rigoroso lixamento. Depois, remover por com-
pleto o pó com pano umedecido com água e utilizar detergente líquido e es-
ponja para �nalizar a limpeza do suporte. Para sua preparação, é necessária
uma demão de seladora para madeira, para evitar que a madeira absorva de-
mais a tinta.

Gesso
O gesso é um suporte muito utilizado para as seguintes técnicas de pintura:
têmpera, afresco, acrílico, aquarela, entre outras. Para utilizar o gesso como
suporte, ele deverá estar totalmente seco, exceto para pinturas de afresco.
Deverão ser removidos os excessos por meio do lixamento e, logo em seguida,
deve ser removida a poeira. Posteriormente, deverá ser aplicada uma demão
de fundo preparador. Vale ressaltar que não é recomendada a pintura sobre
superfícies tratadas com brilho.

O masseamento consiste em colocar massa em outro suporte. Pode ser feito


na superfície como um todo, ou para a correção de pequenos defeitos e irregu-
laridades. A aplicação da massa deverá ser feita em camadas �nas, visando
um perfeito acabamento e secagem.
8. Pincéis e Espátulas
Neste tópico, conheceremos os diversos tipos de pincéis e espátulas que po-
dem ser utilizados na pintura. Acompanhe.

Pincéis
Os pincéis existem em uma grande variedade de formatos, tamanhos e densi-
dades, e podem ser classi�cados em dois tipos: suaves e duros. Os primeiros
são macios e possibilitam um melhor acabamento da pintura. Esses pincéis
são usados para pintura com muitos detalhes. Já os pincéis duros são muito
resistentes e também conhecidos como pincéis de cerda. Eles absorvem e es-
palham muito bem a tinta, e são pincéis utilizados para pinturas de maior
densidade.

Existem cinco formas de pincel, ainda que existam muitas variáveis dessas
formas. Cada uma dessas formas possibilita ao pintor a realização de pincela-
das especí�cas. São elas:

1) Pincéis planos: formados por um extremo de pelos, são bons para aplicar
uma boa quantidade de tinta, pintar grandes extensões e fazer as primeiras
camadas (Figura 36).

Figura 36 Pincel plano.

2) Pincéis chatos ou quadrados: seu formato é parecido com o dos pincéis pla-
nos, mas ele tem os pelos mais curtos. Não seguram grande quantidade de tin-
ta, por isso são mais utilizados para pinceladas curtas (Figura 37).
Figura 37 Pincel chato.

3) Pincéis tipo língua de gato: esses pincéis têm a ponta de forma arredonda-
da, parecida com a língua de um gato. O comprimento dos pelos pode variar
entre curtos, médios e longos. Devido ao seu formato, são ótimos para traba-
lhar imagens �gurativas (Figura 38).

Figura 38 Pincéis língua de gato.

4) Pincéis redondos: são pincéis que têm formato circular. Não absorvem mui-
ta quantidade de tinta e são indicados para fazer linhas, pontos, tracejados e
mistura de cores (Figura 39).

Figura 39 Pincel redondo.

5) Trinchas: são pincéis largos, que variam entre 3 e 6 cm de largura, e são


mais usados para passar verniz (Figura 40).
Figura 40 Trinchas.

6) Pincéis tipo leque: levam esse nome por terem o mesmo formato de um le-
que. São os pincéis mais utilizados por artistas para criar efeitos. Esse tipo de
pincel requer a limpeza logo após seu uso, uma vez que a tinta seca dani�ca
seu formato (Figura 41).

Figura 41 Pincel leque.

Espátulas
A espátula é um objeto feito de metal e tem o formato espalmado. Existem dois
tipos de espátula artística: as de pintura e as de paleta. A espátula para pintura
tem a lâmina forjada em aço temperado para ter mais �exibilidade, e é utiliza-
da para aplicar tinta na tela (efeito da técnica de impasto). A espátula para pa-
leta possui uma lamina também feita em aço, e é utilizada para misturar tin-
tas e limpar a paleta. Na Figura 42, é possível perceber que dentro desses dois
tipos de espátulas existem tamanhos e formas diversas. Observe.

Figura 42 Tipos de espátulas.

9. Paleta e Godê
A paleta é uma placa plana que pode ter diversos formatos, entre eles o retan-
gular e o oval (Figura 43). Ela pode ser feita de diversos materiais, como papel
descartável, acrílico, plástico, alumínio, vidro, entre outros. A paleta é um ins-
trumento importante na pintura tradicional, alguns artistas preferem ter as
mãos livres e deixam-na à mesa, já outros preferem segurar a paleta na mão.

Figura 43 Paleta.

A escolha de uma paleta se refere ao gosto pessoal e à própria natureza das


técnicas do artista. Alguns fatores podem contribuir para essa escolha, tais
como a análise do tipo de tinta que deseja pintar e o espaço das misturas des-
sas tintas que o artista vai precisar.

Além da paleta, outra ferramenta que pode auxiliar na pintura é o godê. Há


dois tipos de godê. Um deles é um pote para armazenar solvente (Figura 44) e
o outro, que também pode ser chamado de paleta godê, serve para colocar pe-
quenas quantidades de tinta (Figura 45).

Figura 44 Godê.
Figura 45 Paleta godê.

10. A Cor
A cor é a sensação produzida sobre o órgão da visão pela radiação externa da
luz. Este fenômeno tem direta incidência sobre o Impressionismo, o movimen-
to pictórico que originou, na segunda metade do século 19, uma nova maneira
de pintar, além de uma nova maneira de ver a pintura.

Agora, trataremos da cor pigmento, ou seja, das tintas que empregamos para
pintar e de suas cores. As cores dividem-se em básicas e complementares. São
três as cores básicas, que não se podem obter por mistura: amarelo de cádmio
claro, vermelho magenta, inicialmente conhecido por púrpura, e azul ciano,
inicialmente conhecido como cerúleo. Misturando aproximadamente 75% de
amarelo e 25% de vermelho, obteremos o laranja cor complementar, misturan-
do 75% do amarelo com 25% de azul, obteremos o verde complementar e com
50% de vermelho e 50% de azul, o complementar violeta. Misturando cada uma
dessas seis cores com branco, obteremos o rosa, o lilás, o celeste etc. E mistu-
rando as mesmas seis cores, desta vez com o preto, obteremos verdes oliva, e
várias "terras" (terra siena, terra siena natural, terra siena queimada, terra
sombra, sépia etc.). Se misturarmos as cores complementares com as básicas,
obteremos o marrom, outro verde oliva e o bege.

Obviamente, todas essas cores e muitas mais se encontram já prontas no mer-


cado, acontece que a pintura da estrela das cores (representação do espectro
solar), Figura 46, é a maneira mais rápida e disciplinada de adquirir a capaci-
dade de criar cores. Porque pintor é aquele que sabe obter cores, qualquer cor
que passe por sua cabeça.
Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 46 A estrela das cores (trabalho de um aluno de pintura).

Mas devemos ter atenção com o uso do branco e do preto; embora não apare-
çam nas cores do espectro em seu estado puro, elas devem ser consideradas
duas cores básicas, com identidade própria e que não devem ser usadas para
representar o claro-escuro nem para aclarar ou escurecer outra cor. Nestes ca-
sos, o resultado será "cores sujas". Costuma-se dizer que um quadro está "enfa-
rinhado" quando suas cores não são claras, mas esbranquiçadas. É algo pare-
cido com aquelas senhoras de idade avançada que exageram no pó de arroz. O
mesmo com o preto: uma coisa são cores escuras, e outra, cores sujas.

As cores podem ser classi�cadas pela sua luminosidade e pela sua tonalidade:
amarelo, laranja e vermelho são as mais luminosas e também podemos
chamá-las de "cálidas"; as cores menos luminosas, verde, azul e violetas, po-
dem ser chamadas de cores frias. Uma cor quente ou luminosa nos dará sem-
pre a sensação de estar à frente de uma cor fria. Chamaremos isso de maior ou
menor "peso visual". Isto é de se levar muito em conta quando, uma vez traça-
do o esquema compositivo de um quadro, começamos a pintar; a cor pode des-
truir seu equilíbrio ou acentuá-lo. Devemos nos guiar por esta lei: quanto mai-
or a luminosidade, menor a área. Por exemplo: se sobre um retângulo preto eu
coloco uma circunferência amarela à esquerda e outra do mesmo diâmetro,
azul à direita, o meu quadro "penderá" para a esquerda, pois o amarelo é a cor
mais luminosa, "pesa" mais, conforme podemos observar na Figura 47. Nesse
caso, quanto deveria reduzir a área da circunferência amarela para obtermos
um equilíbrio cromático? E uma vez obtido este equilíbrio, o que fazemos com
o espaço vazio que �cou desequilibrando o desenho do quadro, conforme de-
monstra a Figura 48? Colocamos outra �gura, muito bem, mas que cor e que
tamanho deveria ter esta terceira �gura para que minha composição �casse
equilibrada tanto no seu desenho como na sua cor? Esse equilíbrio pode ser
observado na Figura 49.

Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 47 Desequilíbrio cromático.


Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 48 Equilíbrio cromático/desequilíbrio compositivo.

Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 49 Equilíbrio compositivo e cromático.

E se o fundo do meu quadro fosse branco em vez de preto? Então, tudo deveria
ser ao contrário. Eu teria que reduzir a área da circunferência azul porque so-
bre um fundo branco a densidade do azul "pesaria" mais que a luminosidade
do amarelo (Figura 50).
Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 50 Desequilíbrio cromático.

Poderíamos dizer que o equilíbrio cromático é uma questão de luminosidade


versus densidade.

Um problema parecido é o da perspectiva por cor: pintamos de cores "cálidas"


as �guras que estão em primeiro plano e de cores "frias" as que estão em últi-
mo plano. Isto, sem dúvida, dará à perspectiva linear uma maior sensação de
profundidade, mas como �ca então o equilíbrio cromático? Na Figura 50b, ve-
mos como um aluno da O�cina Meninos de Arte resolveu a questão.

Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 50b Equilíbrio compositivo e cromático.


A utilização das chamadas "cores puras" (cores do espectro solar) pode tam-
bém substituir, com vantagem, a técnica tradicional do "claro-escuro" (tonali-
dades de uma mesma cor, mais claras para a luz, e mais escuras para a som-
bra) na representação do volume de um objeto. Eis, na Figura 50c, como outro
aluno da mesma o�cina representou as caras iluminadas e em sombras, e a
sombra projetada de um paralelepípedo.

Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 50c Equilíbrio compositivo e cromático.

Quanto à tonalidade (matiz, nuance), cada uma das seis cores do espectro tem
a sua. Por exemplo: o amarelo não só é mais luminoso que o azul, também é
mais claro. Por sua vez, cada cor tem sua escala de tons, por exemplo: entre o
branco e o preto existe uma escala de cinzas que vai do branco 100/100 ao pre-
to 100/100 (Figura 51), e o mesmo acontece com o resto das cores. Poderíamos
dizer que, entre o amarelo e o vermelho, o laranja é o 50% do vermelho.
Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 51 Escalas de tons.

Na nossa estrela das cores, representação do espectro solar, conseguimos, até


então, fazer 24 cores misturando só cinco, mas já dá para ver que poderíamos
conseguir muitas mais. A�nal, as cores são in�nitas.

11. A Cor-luz
Tentando servir ao conceito do Realismo de Courbet e Rosseau, os impressio-
nistas abriram, com suas "cores puras", ao �nal do século 19, uma in�nidade
de possibilidades para a pintura do século 20. Antes deles, e desde �nais da
Idade Média, a representação da realidade era con�ada basicamente ao dese-
nho. As cores tinham somente um valor documental ou simbólico e o volume
era representado por uma tonalidade mais clara ou mais escura dessas cores e
para o qual se empregavam as que hoje chamamos cores terra (Figura 52): ter-
ra sombra natural, terra sombra queimada etc. Aliás, os pigmentos com os
quais fabricavam essas cores eram obtidos da terra do próprio lugar. Uma das
terras mais usadas era a de Siena: terra siena natural, terra siena queimada. E
por que não? Essa cor é a dos edifícios da Itália da Renascença e iria caracteri-
zar a pintura italiana até o século 20.
Figura 52 Família num interior, 1643. Antoine Le Nain, Louvre.

Antes de prosseguirmos, vale destacar que Gustave Courbet fundou a escola


de Arte Realista em 1846. No mesmo ano, Théodore Rosseau criou a Escola de
Barbizón, primeiros pintores a pintar ao ar livre.

Mas atenção, precisamos advertir que isso não era por que não se conhecesse
a incidência da luz nas cores dos objetos, se não porque ela não favorecia a es-
tabilidade que se pretendia dar às cenas representadas. São reveladores estes
dois fragmentos de um escrito do pintor francês Charles Le Brun, de 1672:

Pode-se acrescentar a isto que o desenho imita todas as coisas reais, enquanto a
cor representa apenas o que é acidental.
Pois todos concordam que a cor é só um acidente produzido pela luz, porque ela
muda conforme a iluminação, de maneira que, à noite, o verde parece azul e o ama-
relo parece branco, se forem iluminados por uma tocha. Portanto, a cor muda se-
gundo a luz que incide sobre ela.
É preciso considerar também que a cor aplicada nos quadros não produz tonalida-
des nem coloridos além dos da própria matéria da tinta: pois é impossível obter o
verde a partir do vermelho ou o azul do amarelo. É por isso que se diz que a cor de-
pende totalmente da matéria e, conseqüentemente, que ela é menos nobre que o de-
senho, o qual provém do espírito.
Se, como dissemos, é verdade que o mérito de uma coisa é tanto maior quanto me-
nos dependente de uma causa externa, segue-se que o mérito do desenho é in�nita-
mente superior ao da cor, que a ele deve seu brilho. É por isso que ela não deve ser
valorizada a ponto de se acreditar que faz sozinha as pinturas e os quadros, e que
sem ela não haveria pintor nem pintura, pois acabamos de ver que é o desenho que
a comanda e que lhe confere todo seu brilho e glória (LICHTENSTEIN, 2004, p. 86).
Mas voltemos às fontes do Impressionismo. Segundo Newton (1672), na cor-
luz as cores primárias, ou seja, aquelas que quando são misturadas produzem
todas as outras, são laranja, verde e azul-violeta. Porém, os pigmentos que usa-
mos para pintar as cores básicas são: amarelo, azul-cerúleo e vermelho-
magenta; justamente as que são complementares na cor-luz!

Goethe criticava, quase um século depois, os postulados de Newton sobre suas


"cores físicas" (lógico, Newton era um físico e não um poeta!) e organiza as di-
ferentes manifestações cromáticas priorizando o olho como órgão fonte de in-
formações para o entendimento da cor. Eis as sínteses de alguns capítulos de
sua Doutrina das cores:

1. Capítulo I – Cores �siológicas. Referente ao observador e ao órgão da vi-


são e que constituem toda a base da teoria cromática da Farbenlehre.
Trata inclusive das sombras coloridas e outros fenômenos. Estão descri-
tas do parágrafo 001 ao 135.
2. Capítulo II – Cores físicas. Trata das cores que requerem alguns meios
materiais que podem ser incolores, opacos, diáfanos ou até transparentes
como um prisma. Aqui Goethe descreve seus experimentos com o prisma
e as cores percebidas como que "produzidas na retina". Estão descritas do
parágrafo 136 ao 485.
3. Capítulo III – Cores químicas. Descrição referente às cores que podem ser
aplicadas aos objetos arti�ciais ou naturais, como as tintas dos pintores.
Estão descritas do parágrafo 136 ao 485.
4. Capítulo IV – Noções gerais. Goethe analisa suas próprias considerações
anteriores sobre os fenômenos naturais para agora tratar das diferentes
propriedades das cores, ora complementares, ora antagônicas, como pola-
ridade, intensi�cação, totalidade e harmonia. Estão descritas do parágra-
fo 688 ao 715.
5. Capítulo V – Relações com outras disciplinas. Discurso sobre os vínculos
dos estudos das cores com outras disciplinas, criticando a limitação do
conhecimento das cores segundo a física newtoniana. Estão entre os pa-
rágrafos 716 e 757.
6. Capítulo VI – Efeito sensível-moral da cor. Goethe descreve estados de
ânimo e sensações provocadas pelas cores, através de uma abordagem
simbólica relacionada a cada cor do seu círculo cromático. Pondera, tam-
bém, sobre harmonia e combinações de cores. Estão descritas do parágra-
fo 758 ao 920 (GOETHE, 1993).

Para os impressionistas, a única maneira de se dar a impressão da realidade


era chegar a representar a atmosfera que está entre as �guras e que impede
que uma que está a vinte metros de distância seja vista com a mesma de�ni-
ção que outra que está ao nosso lado. Para isso, era necessário decompor no
quadro, com pequenas pinceladas justapostas de cores "puras", a cor da �gura
que estavam representando, para que o espectador, com os olhos apenas en-
treabertos, voltasse depois a compô-la. Nesse decompor e compor se produz a
impressão da atmosfera. Ou seja: para poder dar a impressão da atmosfera,
não só a que está entre as �guras, mas também a que caracteriza as diferentes
horas do dia e dos lugares geográ�cos, é necessário dividir a cor das coisas da
mesma maneira que um prisma cristalino decompõe (ou divide) a luz solar
em várias cores (Figura 53). Essa é a origem da técnica chamada divisionis-
mo.
Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 53 Representação grá�ca do espectro solar.

Os pintores impressionistas procuraram e encontraram entre suas bisnagas


as cores com as quais a luz "repinta" os objetos. Digo "repinta" porque um carro
azul, iluminado pela luz vermelha do entardecer, será violeta. Se colocarmos
um vaso amarelo ao lado de outro azul, ambos parecerão um pouco verdes,
pois um re�ete o outro. No meu passaporte está escrito que minha cor de pele
é branca. Mas que cor terá minha pele quando estou olhando o pôr-do-sol sen-
tado sob uma árvore verde? Com que cores terei que pintar meu autorretrato
quando estou sentado sob o alpendre, olhando os trigais às três da tarde? E se
estou com um chapéu de palha amarelo?

Mas alguns pintores do grupo dos impressionistas, como Georges Seurat, por
exemplo, mostraram-se incomodados com a velocidade com que, com a nova
técnica, tinha-se que pintar para poder captar um instante de luz, "la petite
sensatión" como eles diziam. Isso não só lhes impedia de pintar telas grandes,
mas também de criar composições originais.

Desejosos de racionalizar a técnica do divisionismo, Seurat e seus seguidores


propuseram uma pintura baseada nas teorias do químico Chevreul, sobre a lei
dos contrastes simultâneos e sobre as estruturas compositivas de Charles
Blanc. Michel Eugène Chevreul foi um químico têxtil, que, em 1839, editou Da
lei dos contrastes simultâneos das cores, um tratado em que desenvolve seu
estudo sobre a percepção das cores simultâneas. Isto é, de cores complemen-
tares e básicas vistas ao mesmo tempo quando justapostas. Segundo ele, suas
conclusões foram resultado de sua própria observação. Assim, ele concluiu
que as cores frias exaltam as cores quentes, ou vice-versa. As cores verde e
vermelha, por exemplo, exaltam-se simultaneamente. O resultado do emprego
desta teoria na pintura foi uma arte mecânica à base de pequenas pinceladas
de igual tamanho, em que todas as cenas tinham a mesma atmosfera. Essa
técnica chamou-se pontilhismo. No divisionismo, as pinceladas justapostas
acabavam misturando-se pela velocidade com que se tinha que pintar. No
pontilhismo, as cores tinham uma divisão exata, porque eram premeditadas,
não dependiam mais exclusivamente da percepção do pintor (Figuras 54 e 55).
Figura 54 "Canal grande" (detalhe), 1908. Claude Monet. Museum of Fine Arts, Boston.

Figura 55 La parade (detalhe), 1887. Georges Seurat.

Mas se por um lado o pontilhismo foi um fracasso desde o ponto de vista de


identi�car as diferentes atmosferas dos lugares, por outro, foi a base de vários
movimentos do século 20, como Optical Art (Figura 56) e, inclusive, de uma
parte do Concretismo (Figura 57).
Figura 56 Dupla metamorfose, 1968. Yaacov Agam, C. N. A. C., París.

Figura 57 Crossing, 1961. Almir Mavignier. Coleção do artista.

12. A Cor-pigmento
As tintas a óleo são as que garantem o maior tempo de duração da obra, desde
que elas sejam empregadas com a técnica correta e observadas as normas de
conservação dos quadros. A Gioconda tem durado seis séculos até agora não
só porque Leonardo da Vinci possuía uma técnica apurada, mas também por-
que é conservada no Museu do Louvre.
As tintas a óleo para as belas artes são o resultado da junção do pigmento com
o óleo de linhaça e podem ser aplicadas sobre tela de linho, seu suporte ideal,
ou sobre madeira, como se fazia antes de ser inventada a tela no ano de 1400.
Logicamente, tanto a tela como a madeira devem ser preparadas com uma so-
lução de giz com "cola de peixe" para a tela e "cola de porco" para a madeira.
Hoje, porém, existem preparados já prontos à base de resinas sintéticas.
Atribui-se aos irmãos Van Eyck, pintores holandeses do século 16, o emprego
da pintura a óleo, porém naquela época se usava a técnica das velaturas, su-
cessivas demãos muito transparentes de azeite misturado com pigmentos. Só
a partir dos séculos 16 e 17, a pintura a óleo se fará espessa, "matérica".

Hoje, a técnica acadêmica aconselha pintar com a tinta diluída com óleo de li-
nhaça, seu veículo natural, e com terebintina (aguarrás vegetal tri-destilada)
as grandes áreas e as tonalidades gerais da imagem a representar, para depois,
numa segunda demão, pouco ou nada diluída, completar, corrigir, detalhar a
imagem. Desta maneira, a primeira demão penetrará mais facilmente na tela,
a segunda se amalgamará com a primeira e, assim, tinta e suporte formarão
um corpo único. Se pelo contrário aplicássemos sobre a tela seca uma só de-
mão de pinceladas grossas, sem diluir, anteciparíamos o aparecimento de gre-
tas (efeito "craquelé"). Muito menos poderíamos nos conformar com uma só
demão de tinta completamente diluída porque então estaríamos imitando a
técnica da aquarela e renunciando ao brilho do óleo, sua principal característi-
ca.

A camada de tinta a óleo deve ter uma espessura média, deve cobrir o suporte,
ocultar entre suas demãos as dúvidas e os arrependimentos do pintor, ocultar
a história e os segredos de uma elaboração demorada. Além disso, a espessa
oleosidade da tinta, a maciez do pincel e o leve ceder da tela à sua suave pres-
são conferem a esta técnica uma particular sensualidade.

Sei que muitos se perguntarão por que então se encontram expostas nos mu-
seus tantas telas que não correspondem às características que acabo de des-
crever. Isto acontece porque, primeiro: muitas telas inacabadas são de autores
que �guram na História da Arte não pela sua técnica artesanal, mas por terem
criado conceitos novos; segundo: a partir do início do século 20, desenvolveu-
se o gosto pelo "non �nito" (não acabado); terceiro: alguns pintores, como os
impressionistas por exemplo, criam novas técnicas que contradizem as aca-
dêmicas; quarto: às vezes são justamente os bons artesãos os que não �cam na
História da Arte.

A aquarela é todo o contrário: enquanto o óleo é uma técnica lenta, re�exiva, a


aquarela é uma técnica rápida, que requer uma boa dose de habilidade compa-
rada ao virtuosismo que requer o violino na música. Enquanto o óleo demora
de um a cinco dias para secar, a aquarela demora de cinco a dez minutos. Mas
pode demorar de cinco a dez anos se alguém comete o erro de aplicá-la como
sai da bisnaga, sem diluí-la em água, porque a aquarela é uma massa com pig-
mento que deve ser dissolvida em água para reduzi-la à tinta. Como seu nome
de origem italiana bem indica, acqua (água) rello, seu veículo é a água. Aliás,
pelo poder de tingimento e a luminosidade de suas cores, poderíamos chamar
a aquarela de rainha das cores à água.

Mas a principal característica da técnica da aquarela é a transparência.


Portanto, ela não permite arrependimentos, uma demão não cobre a outra, só a
escurece. Não se pode clarear: os brancos são os do papel, seu suporte, e, por
isso, devem ser reservados.

A transparência de suas tintas e a luminosidade de suas cores fazem da aqua-


rela a técnica ideal para a representação do espectro solar, o círculo cromático
e as diferenças entre a cor-luz e a cor-pigmento. As cores podem misturar-se
num godê, mas a técnica correta seria a de misturar por superposição já que
são tintas transparentes. O fato de que essas superposições escureçam pro-
gressivamente a cor ilustra muito bem o princípio de que a soma de todas as
cores-pigmento resulta em preto (Figura 57b).

Soma de todas as cores-pigmento


A soma de todas as cores-luz resulta em branco. Por exemplo: se num cenário iluminamos
uma pessoa com um spot amarelo, ela �cará ligeiramente amarelada, se em cima acende-
mos um outro vermelho, a pessoa �cará de cor laranja mas muito claro, e se em cima sobre-
pomos um outro, o verde, �cará de um marrom mais claro que o laranja, e assim sucessiva-
mente até a pessoa �car tão branca como um fantasma.
Figura 57b Grá�co demonstrativo da superposição das cores luz e das cores pigmento.

Como dizíamos, o suporte das tintas de aquarela é o papel, de preferência o pa-


pel Whatmann ou Fabriano, nome da cidade da Itália, onde, em meados do sé-
culo 13, fabricou-se o papel pela primeira vez na Europa. Aconselha-se umede-
cer o papel antes de iniciar a pintura, para que o pincel, de pelo de marta, corra
mais facilmente perseguindo a água. Tem artistas que, para evitar as ondula-
ções do papel, esticam-no sobre um chassis como se fosse uma tela (Figura
58). Essa é a técnica acadêmica da aquarela. Certa vez, faz muito tempo, uns
colegas meus me disseram assombrados: "Na galeria tal está expondo um pin-
tor incrível, faz umas aquarelas que parecem óleos!" Ainda hoje me pergunto
se suas exclamações eram de admiração ou de brincadeira. O emprego apro-
priado de cada técnica é um dos valores intrínsecos da obra de arte.
Figura 58 Aquarela de 2008. Guilhermo Von Plocki. Coleção do artista.

Há artistas, porém, que sem trair as características da técnica e sem com ela
imitar outra, a usaram de maneira diferente. O alemão Julios Bissier, por
exemplo, criava imagens muito líricas isolando objetos e �guras do fundo do
papel, que permanecia branco, conforme observamos na Figura 59.

Figura 59 Aquarela de 1961. Julius Bissier. Coleção particular.

Das técnicas à água, o guache é uma das mais usadas por estudantes em esbo-
ços e projetos por sua grande ductilidade: seca rápido e permite correções. O
guache feito à base de substâncias corantes destemperadas em água de mis-
tura com goma é muito similar à têmpera ovo que, além de água e goma, in-
clui clara de ovo na sua fórmula. A têmpera ovo era uma técnica muito usada
também na pintura Pré-renascentista e como retoque na pintura do
Renascimento (em ambos os casos �xadas com vernizes). Em alguns países,
como Espanha e Itália, por exemplo, a tinta guache é chamada de têmpera.

A principal característica do guache é a sua opacidade. O guache pode ser usa-


do muito aguado, como se fosse uma aquarela, porém a técnica correta é usá-
lo bem espesso. Na realidade, a técnica do guache é igual a do óleo (inclusive
tem pintores que, ao invés de usar papel Canson como suporte, pintam sobre
tela). É como se fosse um óleo fosco (Figura 60). Quer dizer que, ao contrário da
aquarela, o guache é uma tinta que cobre, podemos efetuar modi�cações so-
brepondo camadas mais espessas de cores mais claras ou mais escuras. As
cores, porém, não são indeléveis como as da aquarela, elas tendem a clarear
quando secam. Os guaches requerem mais cuidados na sua conservação que
as aquarelas, pois, por mais velhas que sejam, a água sempre pode voltar a
dissolvê-las.
Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 60 Flores, 1950. Guache sobre tela. Vanni Balzi. Coleção particular.

O pastel é um material parecido ao giz comum com que se escreve sobre a lou-
sa, mas muito mais cretáceo e argiloso. Poderia ser comparado ao guache, pois
permite, aliás, pede, o uso do branco, e portanto podemos considerá-la uma
técnica que cobre (não transparente). Sua particularidade é que terminada a
obra deve ser �xada pulverizando-a com um �xador à base de resina. Isto per-
mite que, uma vez �xada a obra, possamos fazer modi�cações que depois de-
vem voltar a ser �xadas. Assim, pode-se obter uma matéria consistente sobre
o suporte que é o papel Ingres, o mesmo utilizado para desenhos com carvão.

A técnica ao pastel pode ser feita a traços, como se estivéssemos escrevendo


com um giz (Figura 61), ou alisando, amalgamando, esfregando com os dedos
ou melhor, com um pano para evitar a oleosidade da pele. Essa era a técnica
usada por alguns retratistas do estilo Rococó (�nais do século 18) e que se
adaptava tão bem às perucas empoadas daquela época (Figura 62). Hoje, o
pastel é usado por artistas de rua que, em algumas cidades da Europa, copiam
nas calçadas, com singular perfeição, obras de mestres da História da Arte.
Figura 61 Bailarinas azuis (detalhe), 1898. Pastel de Edgar Degas. Museu Pushkin, Moscou.

Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 62 Pastel de Quentin de la Tour, 1775. Museu da Picardia, Amiens.

Algumas técnicas anteriores ao óleo têm voltado a serem usadas, como, por
exemplo, a encáustica, técnica a base de cera queimada sobre madeira, muito
usada nos maravilhosos ícones das Igrejas Ortodoxas grega e russa, e que hoje
entusiasmam a artistas contemporâneos pelas amplas possibilidades de usos
diferentes que esta técnica oferece.

Em contrapartida, pode-se considerar extinta a técnica do afresco, com a qual


foram realizados todos aqueles grandes murais que protagonizaram a História
da arte desde o início de nossa era. Hoje utilizam-se, nos murais que ainda são
pintados, as tintas látex, produto à base de uma emulsão acrílica composta de
ácidos, resinas e pigmentos, e que também tem a água como veículo.

Pelo seu baixo preço, as tintas acrílicas estão substituindo também as tintas a
óleo, mas suas cores não têm o mesmo brilho do óleo.

Uma técnica que começou na Idade Média, mas que alcançou sua máxima ex-
pressão no século 20 é a da colagem. Claro está que quando falamos de técni-
cas de pintura nas artes plásticas não nos referimos exclusivamente ao uso de
tintas, porque, depois de tudo, o objetivo do pintor será sempre o de produzir
uma imagem. E também porque o termo "colagem" não se refere somente a
pedaços de papel ou de outros materiais superpostos ou colados lado a lado,
mas também a composições de diferentes texturas de tinta e, inclusive, de di-
ferentes técnicas pictóricas. Na Idade Média, resumia-se à colagem de lâmi-
nas de metal, em geral ouro, sobre alguns detalhes de um quadro ao óleo ou à
têmpera ovo, como, por exemplo, a coroa de um rei ou a auréola de uma vir-
gem (Figura 63).
Figura 63 Colagem na Arte Gótica: Epifania de Juan Reixach. Museu de Barcelona.

A colagem entrou na Arte Moderna por intermédio do dadaísta Kurt


Shwitters, artista alemão (Figura 64), e alcançou o máximo da sutileza e re�-
namento na arte de Hannah Höeh, artista do Dadaísmo (Figuras 65 e 66), mas
recortar e juntar �guras de papel de várias cores pode ser um método prático
no ensino da composição e do equilíbrio das cores.
Figura 64 Forças desarticuladas, 1920. Kurt Schwitters. Coleção Huggler, Berna.

Figura 65 Colagem de 1936. Hannah Hösch.


Figura 66 Jazz, colagem de 1952. Henri Matisse. Coleção Duthuil-Matisse, Paris.

Pelo fato de a colagem ser, à sua maneira, uma espécie de marchetaria, ela
tem relação direta com o mosaico (Figuras 67 e 68), outra arte milenar que é
usada também nos dias de hoje. Ela é composta de pequenas peças quadradas
de cerâmica vidrada. Originada nas civilizações mesopotâmicas, a técnica do
mosaico chegou a identi�car todo um período da história da arte: a Arte
Bizantina.

Figura 67 Mosaico do Mausoléu de Gala Placidia, Ravenna, século 5º.


Figura 68 Mosaico da estação Consolação de São Paulo. Tomie Ohtake.

Atualmente, a popularização do computador tem originado propostas das


quais estamos muito próximos para poder julgar sua validez artística e suas
possibilidades de permanência além de um conceito de consumo. A arte por
computador data de inícios dos anos 1960, mas em preto e branco. Já o uso da
cor é mais recente. No entanto, como elas também geram imagens, não pode-
mos furtar-nos a dar algumas indicações básicas sobre a cor eletrônica, embo-
ra esta não tenha relação direta com a cor-pigmento nem com a cor-luz. A cor
eletrônica envolve meios digitais entre computadores, scanners, câmeras foto-
grá�cas etc. E também inúmeros programas para tratamento de imagem digi-
talizada, como, por exemplo, o Photoshop. Eis alguns termos relacionados com
a cor eletrônica:

1. Bit (Binary digit): os circuitos eletrônicos são baseados em transistores,


componentes que permitem apenas dois estados; ligado ou desligado, isto
é, 1 ou 0. Assim, 1 e 0 são a base do sistema binário para representar qual-
quer informação ou operação aritmética. A combinação de 8 bits forma
um byte e permite a formação de um caractere simples de texto. Com 24
bits se forma um ponto de uma imagem colorida.
2. Color Depth (profundidade de cor): corresponde ao número de bytes usa-
dos para representar cores. Um byte (8 bits) por ponto pode representar
265 cores; três bytes por ponto pode representar até 16 milhões de cores,
derivadas das três primárias da cor-luz RGB.
3. Dithering: recurso usado para criar a ilusão de novas cores pela mistura
de diferentes pontos disponíveis de cor. Trata-se de algo semelhante ao
que fazia Seurat e outros pós-impressionistas.
4. DPI (dots per inch = pontos por polegada): refere-se à resolução de uma
imagem. Quando baixa, pouca qualidade, e quando alta, melhor a nitidez
da imagem. Por exemplo: uma foto de 2 x 2 polegadas (5,2 x 5,2 cm) pos-
sui 600 x 600 pontos. O DPI está relacionado com o tamanho e a qualida-
de de um arquivo. Imagens para uso em impressoras precisam de 300
DPI, enquanto na internet se usam imagens com 72 DPI, próprias para a
reprodução nos monitores dos computadores, sem sobrecarregar demais
no tempo para a visualização da imagem.
5. Pixel (picture element): o menor ponto de luz com cor própria que pode
ser controlado na tela de um computador. Imagens digitais são formadas
por um grande número de pixels, cujo termo é usado para de�nir a resolu-
ção de um monitor ou de uma placa de vídeo, como por exemplo: 600 x
800 pixels.

Antes de concluir, é importante narrar aqui, pelo seu valor didático, dois diálo-
gos realizados com Carlo Carrá, em 1964. Carlos Carrá, pintor italiano, foi um
dos �rmantes do Manifesto da Pintura Futurista e, posteriormente, junto com
DeChirico, da Pintura Metafísica. Naquela época, eu tinha deixado os pincéis
para continuar pintando, sempre a óleo, mas com espátula: depositava as co-
res diretamente das bisnagas sobre a tela, espalhando-as e misturando-as ao
mesmo tempo com a espátula, o que resultava, segundo eu achava, numa sin-
gular riqueza cromática. Ao ver essas telas, Carrá me perguntou: "Você acha
que domina a cor? Pois você está errado, a cor domina você!" (ele queria dizer
que essa aparente "riqueza cromática" era resultado do acaso, era feita pela es-
pátula e não por mim, era um efeito e não uma técnica). "Você utiliza todas as
cores que tem na caixa! Como se arranjaria para pintar se amanhã tivesse so-
mente duas ou três cores?" (Ele se referia aos exercícios de "paleta reduzida"
da Academia, destinados a entender cada cor e aprender a dominá-las. Mas eu
interpretei sua crítica também como uma advertência: uma coisa é a riqueza
de cor e outra é uma salada de cores).

Em outra ocasião, ao virar ao contrário outra tela minha para comprovar à


contraluz se estava bem coberta de tinta, deparou-se com um poema que eu ti-
nha escrito no verso da tela. Ele �cou irritadíssimo: "Você não deve escrever
detrás das telas!"
"- E por que não, mestre? Depois de pendurado ninguém vai mesmo ver a es-
crita atrás do quadro."

"- Você não deve misturar as linguagens! Tudo o que tiver a dizer diga-o com
aquela que você aprendeu! Diga-o com as cores, com as formas, com os tra-
ços!".

13. Linguagem da Cor: Subjetiva


Embora por linguagem entendamos o uso da palavra articulada ou escrita, po-
demos considerar esta palavra também como vocabulário especí�co de uma
arte, por exemplo a "linguagem das cores" ou "das imagens" etc., só que nesse
caso a linguagem será subjetiva, ou seja, não pertencente ao consciente, como
a das palavras. Mas a palavra linguagem inclui também entre seus signi�ca-
dos todo sistema de signos que sirva de comunicação, e aí essa comunicação
não será subjetiva porque os signos ou sinais servem de advertência, possibi-
litam reconhecer alguma coisa. Por exemplo, os sinais de trânsito não têm na-
da ou muito pouco de subjetivo, são preestabelecidos racionalmente: vermelho
para os sinais de perigo ou proibição, azul para os sinais indicativos etc. Esses
sinais aprendem-se em qualquer boa autoescola, tem a ver com o código de
trânsito. Quando falamos de códigos nos referimos a um conjunto metódico e
sistemático de disposições e isso também não tem nada de subjetivo. O Código
Hamurabi, por exemplo, foi o primeiro código legal escrito.

Achamos muito importante de�nir essas questões antes de começar a falar


das várias tentativas de criar um código de cores como pretendia Van Gogh a
�nais do século 19. Ele tinha estabelecido uma escala muito precisa de valores
"patéticos": o amarelo era a cor do otimismo, do amor, enquanto o vermelho e o
verde expressavam as "terríveis paixões humanas", em suas próprias palavras
(VAN GOGH, 1888). Esta vontade de fazer inteligíveis os diferentes estados de
ânimo resultará utópica, como se deduz desta carta a seu irmão Théo sobre a
realização de sua famosa tela Quarto em Arles:
Esta vez trata-se do meu dormitório. Aqui, tudo depende da cor e de sugerir a idéia
de repouso ou sono dando, por simpli�cação, maior vastidão ao conjunto. A con-
templação do quadro deve proporcionar descanso à mente, isto é, à imaginação. As
paredes são de tom violeta claro e as cadeiras de um amarelo de manteiga fresca,
os lençóis e as almofadas de um verde-limão-claro, a colcha vermelho-escarlate, a
janela verde, a mesa em que estão as coisas com que me lavo, alaranjada, a bacia
azul, as portas lilás. Isto é tudo [...] Nada mais, neste quarto com a janela entreaber-
ta. A solidez dos móveis deve expressar repouso profundo. Com respeito à moldura,
como na tela não há brancos, conviria que ela fosse branca (PIJOAN, 1970, p. 225).

Ora, para qualquer pessoa que tenha visto Quarto em Arles (Figura 69), de 1888,
a perspectiva exagerada e as fortes cores do quadro só poderão lhe transmitir
a mesma angústia da maior parte da obra de Van Gogh!

Figura 69 Quarto em Arles, 1888. Vincent Van Gogh. Art. Institut, Chicago.

Em 1890, o pintor norueguês Edward Münch conheceu a pintura de Van Gogh


e decidiu continuar sua pesquisa cromática. Mas na sua procura de tornar es-
te tipo de comunicação subjetiva mais precisa, acabou caindo num certo sim-
bolismo bastante comum: no seu quadro Ciúmes (Figura 70), de 1907, pinta o
marido traído, verde de raiva, a adúltera vermelha de vergonha e o amante
amarelo de medo. Ciente de que esse não era o caminho certo, Münch realizou
várias versões desse quadro, sempre obcecado por fazer da pintura um meio
de comunicação que não permitisse erros de interpretação.

Figura 70 Ciúmes, 1907. Edward Münch. Museu Münch, Oslo.

Mas agora apareceu a palavra simbolismo, e é obvio que independentemente


do Simbolismo, movimento cultural liderado pelo poeta Mallarmé nos �nais
do século 19, existem vários códigos de símbolos. Vejamos primeiro as pala-
vras tão elucidativas de Paul Gauguin:

[...] os críticos dizem que meu simbolismo é escuro quando comparado com o de
Puvis de Chavannes. É claro, ele explica sua idéia, não a pinta! Se ele intitular um
quadro de "Pureza", para explicá-lo pintará uma jovem virgem vestida de branco,
com um lírio na mão. Ora, se eu tivesse que pintar a pureza, faria uma paisagem
onde houvesse águas límpidas, nenhum traço de homem civilizado, talvez um per-
sonagem [...] mas, sobretudo, emoção! A compreensão virá depois (PIJOAN, 1970, p.
215).

Mesmo que tenha uma origem subjetiva, a simbologia é um meio de comuni-


cação preciso nas sociedades em que se emprega. Enquanto para nós o branco
simboliza a virgindade, para algumas sociedades africanas é a cor da morte,
que para nós é simbolizada pelo preto. Além do mais, cada sociedade pode ter
mais de um código de símbolos, eles são determinados pela sua história, pela
sua religião e até pelo seu inconsciente coletivo, por exemplo: enquanto para
nós as cores "cálidas", do amarelo ao vermelho, são as cores da alegria, para
sociedades do norte da Europa podem ser as cores da histeria, da loucura.

As cores utilizadas pelos pintores dos temas de nossa religião obedecem tam-
bém a uma simbologia: a cor azul no manto da virgem simboliza a cor do céu;
o vermelho, o sangue no martírio de Jesus Cristo etc.
Na história, a simbologia da cor está presente, sobretudo, nas bandeiras dos
países ou regiões: as quatro listas vermelhas da bandeira catalã representam a
marca deixada pela mão do rei Carles el Calb suja do sangue do conde Guifré
el Pelós. Já as quatro cores da Bandeira Nacional representam simbolicamen-
te as famílias reais de que descende D. Pedro I, idealizador da Bandeira do
Império. Com o passar do tempo, esta informação foi sendo substituída por
uma adaptação feita pelo povo brasileiro. Dentro deste contexto, o verde pas-
sou a representar as matas; o amarelo, as riquezas do Brasil; o azul, o seu céu e
o branco, a paz que deve reinar no país.

14. A Comunicação Subjetiva


Na realidade, quando se fala de comunicação por meio da obra de arte,
entende-se geralmente informação, informação histórica ou geográ�ca. Mas a
função da arte como meio de comunicação de sentimentos ou ideias tem sido
tratada somente quando foi objetivo especí�co de algum artista ou movimento
determinado, sem considerar, talvez por achá-lo óbvio, o fenômeno da comu-
nicação subjetiva, entendendo por subjetivo o que é relativo a um sujeito em
oposição ao mundo externo, relativo ao nosso modo de pensar e sentir e não
ao objeto em si mesmo. Mas acontece que é justamente este fenômeno o que
dá à arte uma transcendência social que vai além de sua �nalidade de docu-
mentação histórica, geográ�ca ou estética.

Para Benedetto Croce, �lósofo italiano do início do século 20, a comunicação


por meio da arte é um contra sentido, pois, segundo ele, a arte é uma atividade
intuitiva, enquanto a comunicação é uma atividade intelectiva. Vejamos algu-
mas frases de sua Estética:

A intuição é cega, o intelecto lhe empresta os olhos. "As máximas �losó�cas postas
na boca de um personagem de tragédia ou de comédia, não tem a função de con-
ceito, mas de característica do personagem; da mesma maneira que o vermelho de
uma �gura pintada não tem a ver com o conceito da cor vermelhados dos físicos"
[...] "Do conhecimento intelectivo existe uma ciência antiqüíssima admitida sem
discussão por todos, a lógica; mas uma ciência do conhecimento intuitivo é apenas
admitida, timidamente, por poucos" (CROCE, 1958, p. 3-6).
Croce não considera, na sua análise, a experiência freudiana do inconsciente.
Em contrapartida, se entendemos como comunicação o ato de emitir e receber
mensagens quer por meio da linguagem falada ou escrita, quer por meio de
outros sinais, signos ou símbolos, ou mesmo de aparelhamento especializado
sonoro ou visual, chegaremos à conclusão de que, no caso sublinhado, a co-
municação será subjetiva, com toda a imprecisão do intuitivo e do relativo que
isso implica.

À medida que vamos nos adentrando neste assunto, vai surgindo uma questão
muito importante sobre a maneira de trabalhar de um pintor. Em 1916,
Fernando Pessoa escrevia:

A obra de arte, fundamentalmente, consiste numa interpretação objetivada de uma


impressão subjetiva. Difere, assim da ciência que é uma interpretação subjetivada
de uma impressão objetiva, e da �loso�a, que é, ou procura ser, uma interpretação
objetivada de uma impressão objetiva (1986, p. 219).

Um século antes, o �lósofo alemão G. W. F. Hegel dizia na sua Estética:

A pintura comporta os dois extremos que são, por um lado, a profundidade do tema,
a seriedade religiosa e moral da concepção e a representação da beleza ideal de for-
mas; e, por outro lado, quando se trata de assuntos insigni�cantes em si, a associa-
ção dos pormenores realistas com o talento subjetivo. Efetivamente, podemos for-
mular a respeito da pintura, dois juízos igualmente opostos. Com efeito, ora ouvi-
mos exclamar: que magní�co tema!, que admirável profundidade de concepção!,
que nobreza na expressão! Ora, pelo contrário, ouvimos dizer: está soberbo, incom-
paravelmente pintado! Esta divergência de opinião atinge o próprio conceito de
pintura. Podemos mesmo dizer que não é possível qualquer compromisso entre es-
tes dois juízos, visto cada um deles substituir em toda sua independência. A pintu-
ra, tendo efetivamente como meio de representação tanto a �gura como tal e as for-
mas delimitadas pelo espaço, como as cores, ocupa, por esta razão, um lugar inter-
mediário entre o ideal, a plástica e as particularidades do real. Há, pois, duas varie-
dades de pintura: uma, a ideal, que exprime o universal, e a outra, que exprime o in-
dividual na particularidade que lhe é característica (1962, p. 44).

Em 1897, o grande escritor russo A. N. Tolstoi escrevia no seu O que é arte?:


Desde que os espectadores ou ouvintes sejam contagiados pelo mesmo sentimento
que o autor experimentou, trata-se de arte. Invocar em si mesmo um sentimento
certa vez experimentado e, havendo-o invocado, transmiti-lo por meio de movi-
mentos, linhas, cores, sons, imagens expressas em palavras, de forma que outros
vivenciem o mesmo sentimento – nisso consiste a atividade da arte. Portanto, arte
é a atividade humana que consiste em um homem conscientemente transmitir a
outros, por certos sinais exteriores, os sentimentos que ele vivenciou, e esses outros
serem contagiados por esses sentimentos, experimentando-os também (2002, p.
76).

De tudo isso, deduzimos, dito com as palavras simples de um pintor, que o ar-
tista, na execução de sua obra, deve estar sempre "pulando" de sua intuição ao
seu intelecto, deve extrair de seu subconsciente, quase num estado de incons-
ciência, o sentimento que quer transmitir para, imediatamente, antes que esse
se "esfrie", pegar os pincéis e convertê-lo, muito conscientemente, com toda a
técnica que ele domina, em traços, formas e cores que impactem o espectador
da maneira por ele desejada. Ou seja, ele deve ser quase ao mesmo tempo irra-
cional e racional, como o "Dr. Jekyll e Mr. Hyde" em O estranho caso do doutor
Jekyll e do Sr. Hyde, novela escrita por Robert Louis Stevenson, em 1886, sobre
um caso de dupla personalidade.

Elementos e mecanismos da Comunicação Subjetiva


Toda comunicação se compõe de um emissor, uma mensagem e um receptor.
No caso que nos ocupa, a comunicação subjetiva, a mensagem é transmitida
do subconsciente do artista (emissor) ao subconsciente do espectador (recep-
tor) através de um determinado meio (Figura 71).
Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 71 Grá�co da comunicação subjetiva.

No caso de uma comunicação objetiva ou consciente, como, por exemplo, a es-


crita ou falada, o código é a linguagem em que se escreve ou se fala e, portan-
to, a mensagem só poderá ser recebida por aqueles que a conheçam. Mas no
caso da comunicação subjetiva, que se produz por meio da "linguagem" das
cores ou sons, por exemplo, as mensagens pode ser recebida por qualquer ser
humano, pois estas formam parte do inconsciente coletivo (representações
comuns ao gênero humano).

O processo de elaboração de uma mensagem subjetiva se compõe de duas par-


tes: a primeira corresponde à intuição do artista, quando "aparece" na sua
mente a imagem ou a melodia e o sentimento que origina ambas. A segunda é
quando ele elabora o quadro ou a partitura: nesse momento, sem perder aquela
emoção intuitiva inicial, ele deverá escolher, com a mais fria racionalidade, as
cores ou os sons que as normas, a "gramática" de sua "linguagem" exigem.

Por sua vez, da mensagem que, através do meio imagem, é percebida pela vi-
são do espectador, uma parte é analisada pelo seu consciente, outra, sem ne-
nhuma possibilidade de ser bloqueada pelo consciente, atinge diretamente o
subconsciente.

Mas a comunicação subjetiva não se restringe somente às atividades artísti-


cas. Na realidade, ela corresponde a cada um de nossos sentidos (Figura 72).
No caso do tato, por exemplo, é difícil confundir a carícia de uma mãe com a
de uma amante, e é curioso observar as sensações que experimentamos quan-
do nosso tato não é auxiliado pela nossa visão. No campo do paladar, deixan-
do de lado todas as sensações que os diferentes sabores possam despertar,
existiam no passado inclusive códigos, como a linguagem do chimarrão, na
região do rio da Prata, entre o gaúcho e sua prometida, a "china", para que o pai
dela, sempre presente nas visitas, não escutasse; água muito quente: "amor ar-
dente"; água fria: "não adianta continuar"; os pauzinhos da erva boiando na
água: "a relação está se esticando demais, você precisa se decidir". No caso do
olfato, existe todo um código de aromas criado pela perfumaria francesa há
séculos.

Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 72 Mecanismo da comunicação subjetiva.

Mas é evidente que o meio mais comum às artes se estabelece através do ou-
vido e da visão. A música é o mais poderoso meio de comunicação subjetiva,
pois carece de um "corpo físico", como as artes plásticas, que possa ser anali-
sada pelo consciente, pelo intelecto. Ela é somente som, não objeto. No caso da
visão, agora faremos referência ao código dos gestos: no "truco", jogo de cartas
entre duas duplas, os parceiros se comunicam por meio de quase imperceptí-
veis movimentos dos olhos, da boca, e até das narinas, movimentos estes
acertados, obviamente, a priori.

Existe também a "linguagem dos leques", nascida há 250 anos na Inglaterra, e


usada pelas damas para comunicação a distância com os varões nos salões de
baile e outros recintos. Abanar o leque devagar signi�cava "sou casada"; man-
ter o leque cerrado pousado sobre a mão direita, "procuro noivo"; leque de pon-
ta cabeça, "você me aborrece"; abrir e fechar o leque várias vezes, "você é cru-
el"; tocar os lábios com o leque semiaberto, "beije-me"; descerrar o leque todo,
"espere por mim" – e mais dezenas de signi�cados cifrados, obviamente en-
tendidos também pelos homens aos quais se dirigiam.

Nos exercícios aplicados a alunos de pintura, referentes à tradução de sons,


aromas, sabores e até sentimentos, para cores, foi observado que existe uma
estreita relação entre as traduções feitas por diversos indivíduos. Por exemplo:
o sabor do mesmo vinho branco seco é representado com cores diferentes,
mas sempre dentro da escala do amarelo ao azul, ou seja: das cores frias. A re-
presentação dos sentimentos de indiferença ou tranquilidade, com diversos
tons de azul; a representação da agitação ou empolgação com cores que estão
sempre dentro da escala das cores cálidas etc. E, obviamente, a tradução dos
sons graves de um instrumento musical com cores escuras e dos sons agudos
com cores luminosas.

Como podemos observar, todos esses exemplos de interpretação e comunica-


ção subjetiva se baseiam, como já dissemos anteriormente, na existência de
um inconsciente coletivo, e por isso dissemos, que as interpretações individu-
ais dos espectadores não são tão individuais assim. Todavia, há toda uma ou-
tra parte da comunicação subjetiva que se baseia exclusivamente no subcons-
ciente individual e que escapa completamente, como também já assinalamos,
seja ao controle do emissor (pintor), seja à consciência do receptor (especta-
dor). Vejamos, a seguir, alguns exemplos.

No �nal dos anos de 1970, encontrei, numa exposição de fotos sobre a miséria
na Galícia, a fotogra�a de um velho, aparentemente dormindo ou agonizante
ou morto inclusive, no seu leito, num cubículo estreito, alto e úmido. A ima-
gem me comoveu tanto que decidi fazer um quadro. Posteriormente, traduzi a
imagem a cores e pinceladas que tirassem o valor documental do primeiro e
universalizassem o tema da solidão e do abandono (Figuras 73, 74 e 75). A pró-
pria fotogra�a me tinha ditado o esquema compositivo que acentua o drama-
tismo de um �m de vida: uma seta apontando para baixo. O quadro foi intitula-
do Fim. Quem sabe se o próprio fotógrafo não se teria inspirado, por sua vez,
no quadro A morte de Marat, de Luis David (Figura 76).

Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 73 Fim (primeira versão), 1984. Juan José Balzi.

Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 74 Fim, 1985. Juan José Balzi.


Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 75 Esquema compositivo do quadro Fim. Juan José Balzi.

Figura 76 Marat assassinado, 1793. Luis David. Museu de Bruxelas.

Alguns anos depois, uma soprano amiga, que assistia a meus cursos de
História da Arte, �cava ao �nal de cada aula contemplando emocionada este
meu quadro. Eu não entendia como uma pessoa podia gostar tanto de uma
imagem tão triste, e assim eu disse a ela. E ela me respondeu: "é que ela me
lembra a morte do cisne, no último ato do ballet O Lago dos Cisnes de
Tchaikovsky". No momento, essa resposta me deixou arrasado, com um pro-
fundo sentimento de fracasso, mas, com o tempo, compreendi que se a mim a
bailarina representando o cisne agonizando me resulta ridícula, para minha
amiga, ao contrário, era motivo de pranto, da mesma maneira que, ainda hoje,
os milhares de espectadores, que a cada ano assistem a La Boheme no teatro
San Carlo de Nápoles, continuam chorando ao ouvir L'addio di Mimí. A mim
me emocionava a morte de um ser humano, a eles a de um personagem. Pois
bem, no meu quadro eu tinha transmitido o sentimento da morte em geral. É
assim que funciona.

Na entrada do templo de Horus em Edfú, Egito, existe uma estátua do deus-


falcão da vida e da morte (Figura 77) de aproximadamente dez metros de altu-
ra. Imagine um camponês egípcio do ano 500 a.C. que, chegando às portas do
templo, se deparasse com a estilização quase "abstrata" das patas e cauda,
mas que à medida que levantasse a vista fosse descobrindo as formas das
asas e o peito, até chegar à cabeça, lá acima, e dar-se com as feições ameaça-
doras do predador esculpidas com um realismo total, assustador. Um simples
bloco de pedra que se transforma no deus-falcão. Seria difícil que o camponês
não sentisse um arrepio. A própria escultura, ao passar do "abstrato" ao "con-
creto", converte-se na divindade.
Figura 77 Estatua de Horus no templo de Edfú, Egito, século 4º a.C.

Provavelmente, essa não foi a intenção dos escultores egípcios do século 4º


a.C., toda a escultura egípcia antiga era condicionada pela relação das ferra-
mentas dos artistas com as pedras que usavam (quase sempre granito). Mas o
resultado é que a �gura desse Horus continua despertando veneração até os
dias de hoje.

Esse sentimento de veneração, que o artista consegue transmitir por meio de


sua obra, pode-se experimentar também nos personagens representados por
Piero della Francesca, sobretudo em sua Madonna dell'uovo (Sacra
Conversação) (Figura 78). Mas nesta tela de 2,48 x 1,70, encontram-se reunidos
os dois tipos de subjetividade já mencionados: aquele produto da intuição do
artista e que vai dirigida diretamente ao subconsciente de cada espectador e
aquela dos códigos e símbolos que respondem ao inconsciente coletivo. No
primeiro caso, o tamanho e a perspectiva do cenário, que atrai o observador
para dentro do quadro, a �gura hierática e majestosa da virgem, que mesmo
estando sentada parece estar de pé e o suave claro-escuro que apenas insinua
o volume, a solidez escultórica de seu rosto sereno, despertam no espectador
um sentimento de admiração e respeito. A isto temos que acrescentar os sím-
bolos que coroam a composição: o ovo e a concha onde um grãozinho de areia
se transforma numa pérola, a matriz feminina, a dea madre, a concha onde
nasceu a deusa da beleza. E ajoelhado a seus pés, o próprio duque de Urbino,
Federico de Montefeltro.

Mas, com certeza, o desconhecimento dos signi�cados dos símbolos e da his-


tória dos personagens que rodeiam a virgem não impede que nossa admira-
ção pela pintura se transforme em veneração pela maternidade. Esse é o po-
der da comunicação subjetiva.

A maioria dos turistas que diariamente passam diante do Los fusilamientos


del 13 de mayo (Figuras 79 e 79b), de Goya, no Museu do Prado, não sabe que os
personagens que estão atirando são soldados de José Bonaparte, irmão de
Napoleão, e que os que estão sendo fuzilados são cidadãos de Madri que, em
1808, se sublevaram contra a ocupação francesa. Mas nem por isso deixam de
sair do museu com um profundo sentimento antibélico. Isto se deve a uma
distribuição quase simbólica das luzes e das sombras e, sobretudo, à estrutura
do quadro, que já não corresponde aos esquemas compositivos pre�xados do
passado, e sim à intuição de um homem hipersensível, profundamente repu-
blicano, mas anti-imperialista, que soube expressar seu horror pela barbárie,
venha esta de onde venha.

Figura 78 La Madonna dell' uovo (Sacra Conversação). Piero della Francesca. Pinacoteca de Brera, Milão.

 
Figura 79 Los fusilamientos del 3 de Mayo, 1814. Francisco de Goya y

Lucientes. Museu do Prado, Madri.

Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 79b Esquema compositivo.

E por acaso precisamos saber alemão, entender as palavras de Schiller, para


nos emocionarmos com a mensagem de fraternidade que a nona sinfonia de
Beethoven nos comunica? O poeta alemão Friedrich Von Schiller escreveu, em
1785, uma Ode à Alegria que Beethoven utilizou para o coral de sua última sin-
fonia (1824).

Entretanto, retornando à pintura, o melhor exemplo de comunicação subjetiva


seja talvez O Grito, do pintor norueguês Edward Münch (Figura 80). Ninguém
pode responder com certeza a nenhuma dessas perguntas sobre ele: qual o se-
xo ou idade do personagem? Ele está passando por uma rua ou por uma pon-
te? No fundo, há uma cidade ou uma fábrica? Mas, mesmo não havendo res-
postas, todos os espectadores do quadro sentem a sensação que Münch queria
transmitir, ou seja, "angústia".
Figura 80 O Grito, 1893. Edward Münch. Galeria Nacional de Oslo.

15. A Expressão entre a Razão e a Intuição


Toda imagem comunica algum sentimento ou ideia, mas, quando se fala em
pintura de comunicação, costuma-se pensar em comunicação de sentimentos
e ideias que têm a ver com problemas existenciais ou sociais. Isto é um enga-
no se por sentimentos e ideias entendemos somente a expressão de questões
como justiça, solidariedade, liberdade etc., não se por sentimentos e ideias en-
tendemos também a expressão de sentimentos de beleza e ideias estéticas.

Por outro lado, a palavra expressão refere-se simplesmente a expressar uma


ideia e, portanto, se podemos expressar a ideia da angústia de um ser humano
na sociedade do �nal do século 19, como o fez Münch no seu O Grito (Figura
80), também podemos expressar a ideia de uma estética unitária para o século
20, como fez Mondrian com seu abstracionismo. Piet Mondrian (1872-1944) foi
fundador e teórico da pintura "abstrata", que in�uenciou a arquitetura e o de-
sign do século 20.

Vejamos o que disse Matisse sobre a expressão:

O que eu busco, acima de tudo, é a expressão. Algumas vezes creditaram-me uma


certa ciência, declarando que minha ambição era limitada e não ia além da satisfa-
ção de ordem puramente visual que um quadro pode proporcionar. Mas o pensa-
mento de um pintor não deve ser considerado extrínseco a seus recursos, pois ele
só vale enquanto é auxiliado por eles, que devem ser tão mais completos (e, por
"completos", não quero dizer "complicados") quanto mais profundo o pensamento.
Não consigo distinguir o sentimento que tenho da vida da maneira pela qual o re-
presento.
Para mim, a expressão não se encontra na paixão que brilha em um rosto ou se
a�rma através de um movimento brusco. Ela está por toda a disposição de meu
quadro: o lugar que ocupam os corpos, os vazios ao redor deles, as proporções, tudo
isso desempenha um papel. A composição é a arte de arranjar de maneira decorati-
va os diversos elementos que o pintor dispõe para exprimir seus sentimentos em
um quadro, no qual cada parte é visível e desempenha o papel que lhe cabe, princi-
pal ou secundário. Tudo aquilo que não tem utilidade num quadro é, por isso mes-
mo, prejudicial. Uma obra implica uma harmonia de conjunto: qualquer detalhe su-
pér�uo tomará o lugar de um detalhe essencial no espírito do espectador
(MATISSE; LICHTENSTEIN, 2008, p. 133).

Mas agora vejamos esta frase extraída de uma carta de Van Gogh a seu irmão
Théo: "[...] Quanto mais re�ito, mais eu sinto que não há nada mais realmente
artístico que amar as pessoas" (1945, p. 17).

Temos que admitir que existem dois tipos de artista: os que são atraídos pela
beleza de um pôr do sol ou pelas cores de um vaso de �ores; e os que são atraí-
dos pela tristeza de um mendigo ou pela ternura de uma criança humilde.

Os primeiros estudam racionalmente a beleza como objeto, qualquer que se-


jam as possibilidades dentro da diversidade de emoções que ela suscita: os re-
nascentistas representam a São Sebastião, atravessado por �echas, mas na
elegante pose de um Apolo helênico, sem considerar o drama do martírio. Os
impressionistas pintavam as paisagens às margens do rio Sena, obcecados
pelo estudo das mudanças da cor pela luz sem se preocupar pela guerra
franco-prussiana que ocorria ao redor. Os abstracionistas e concretistas traba-
lhavam, como se fossem engenheiros, nas relações das �guras com o espaço e
das formas entre si, sem pensar se o público teria sensibilidade su�ciente para
apreciar suas obras.

Os segundos, ao contrário, expressam as emoções e paixões do sujeito, sua


"paisagem interior", com reações que exercem um forte domínio sobre a razão,
a qual é substituída pela intuição e sua capacidade de pressentir. Essa atitude
é também uma constante na História da arte: o realismo da Arte Helenística
(323 a 30 a.C.) mostra-nos a decadência dos ideais estéticos helênicos (480 a.C.
a 323 a.C.), (Figura 81), as contorcidas �guras do Juízo Final de Michelangelo
(Figura 82) ilustram a crua crítica social de Dante Alighieri, toda a obra de
Goya (Figura 83) é uma introdução à dramática crônica do Romantismo, e o
mesmo acontece com vários artistas do século 20 (Figura 84).

Figura 81 O Laoconte e seus �lhos (detalhe), ano 50 a.C. Museu Vaticano, Roma.
Figura 82 Juízo Universal (detalhe), século 15. Michelangelo Buonarroti. Capela Sistina, Roma.

Figura 83 La romeria de San Isidro (detalhe), 1822. Francisco de Goya y Lucientes. Museu do Prado, Madri.

Figura 84 Monserrat, 1936. Julio González. Llotja de Valencia.

E para concluir esta dicotomia, um último exemplo: qualquer pessoa que te-
nha aprendido a técnica divisionista pode pintar, pior ou melhor, um quadro
impressionista, não qualquer pessoa pode pintar um quadro expressionista,
pois o expressionismo é uma maneira de ser. Impressionista se faz, expressio-
nista se nasce. Uma pessoa que pretenda fazer um quadro expressionista sem
o ser estará fazendo uma "arte pan�etária", ou, no melhor dos casos, uma "arte
engajada", que atende a motivos passageiros, sem a atemporalidade própria da
comunicação subjetiva.

O Expressionismo é uma escola surgida na Alemanha em 1905


(Expressionismus) como reação à arte aceita o�cialmente naqueles anos: o
Simbolismo, a Art Noveau, a Secessão Vienesa. Mas hoje o termo "expressio-
nista" se aplica a todo um segmento da arte, justamente o que acabamos de
analisar.

16. O Gesto
Os traços, as pinceladas na pintura, são o resultado dos movimentos da mão e
do braço que transmitem ao pincel o caráter, os sentimentos, os estados de
ânimo do pintor. São como um eletrocardiograma que mostra as emoções do
pintor. Os gestos nervosos ou suaves, enérgicos ou envolventes, rítmicos, lon-
gos, ondulantes, assemelham-se aos de um diretor de orquestra que, ao invés
de ter uma batuta na mão, tivesse um pincel e que, ao invés de ter uma orques-
tra na frente, tivesse uma tela.

Nos elementos da comunicação subjetiva por meio da arte da pintura, o gesto


é o que comunica com maior imediatez os sentimentos do pintor. Em primeiro
lugar porque é realizado de maneira espontânea, sem a re�exão a que são sub-
metidas a composição e a cor. E em segundo lugar porque, ao contrário das co-
res, que incidem mais profundamente no subconsciente, os gestos-pinceladas
coincidem com um código gestual que é de domínio, consciente ou inconsci-
ente, comum a todos (exemplo: polegar para cima = sucesso, polegar para bai-
xo = derrota). A tradução desses gestos a traços é o primeiro passo para uma
comunicação gestual. Uma seta pintada apoiando com força o pincel sobre o
muro e logo afrouxando a pressão para fazê-lo correr rápida e longamente de
direita à esquerda, comunicará mais fortemente a ideia de deslocação à direi-
ta, fará mais imperativa a indicação do que uma seta impressa e recortada
com perfeição (Figura 85), como a maioria das que vemos nas ruas e locais. Os
traços que um desenhista de histórias em quadrinhos usa para dar movimen-
to a suas �guras: traços horizontais atrás de uma �gura correndo, ou em espi-
ral para dar ideia de tontura, são um bom exemplo da importância do gesto
nas artes plásticas (Figura 85b).
Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 85 Signos de H.Q. Willard Mullin.

Fonte: Lipszyc (1958, p. 108).


Figura 85b Quadrinhos de Willian Mullin.

Mas ainda temos uma in�nidade de gestos que originam traços de expressão
puramente subjetiva: um simples "X" que pode representar a�rmação num
questionário, pode se transformar num rotundo "NÃO!" se o pintarmos usando
o pincel como se fosse um chicote cruzando a tela com duas fortes chicotadas
(Figura 86). Igual efeito de negação podemos obter riscando a superfície da te-
la com um "movimento de metrônomo" igual ao gesto de negação que fazemos
com o índice da mão (Figura 87). Claro que estamos pensando em riscos feitos
com tinta preta, no caso de gestos ondulantes ou envolventes que transmitam
uma sensação de alegria, utilizaríamos o branco ou as cores luminosas. É as-
sim que o traço e a cor se potencializam mutuamente.
Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 86 Xis gestual. "X".

Fonte: acervo pessoal do autor Juan José Balzi.

Figura 87 Movimento "metrônomo". "Fashion".

E a "pintura plana", das cores "chapadas" e uniformes? Aquela da Idade Média


e também dos movimentos originados pelo Abstracionismo do século 20?
Nelas a pincelada se limita a preencher de cor um espaço determinado sem
deixar rastros de sua passagem, porque o pintor acha que a forma e a cor são
su�cientes para expressar tudo o que ele quer.

O gesto e a pincelada são, também, como a cor e a composição, identi�cadores


de artistas e de épocas da História da Arte, desde as pinceladas de Rafael, tão
pequenas e suaves que apenas se percebem, com a qual representou a tersura
do cútis de sua Donna Velata (Figura 88), até as de Van Gogh, ondulantes e en-
volventes, e ao mesmo tempo entrecortadas por um macro-pontilhismo "gau-
guejante", com as quais expressava, qualquer que fosse o tema de seus qua-
dros, a angústia pela sua incompatibilidade com a sociedade na qual vivia
(Figura 89). A partir do século 16, a pincelada começa a ser cada vez menos
dissimulada e mais evidente seu papel indicador de ritmos, como em alguns
pintores do período Barroco, chegando a ser inclusive "matéricas" (com volu-
me) em alguns do estilo Rococó.

Figura 88 La Donna Velata, 1508. Raffaele Sanzio. Palazzo Pitti, Florença.

Figura 89 "Ciprestes", 1889. Vincent Van Gogh. Metropolitan Museum, Nova York.
Durante o Impressionismo, o gesto e a cor assumem o protagonismo do qua-
dro em igualdade de condições, por obra do divisionismo e suas pinceladas
justapostas. Mas só se poderá falar de gestualismo quando, nos prolegómenos
da Primeira Guerra Mundial, o futurista Boccioni interpretava, com enérgicos
traços de cores vivas, o entusiasmo dos que partiam e, com lânguidas pincela-
das, a tristeza dos que �cavam. Essa seja talvez uma das mais claras tentati-
vas de transmitir estados anímicos por meio da pincelada, do gesto (Figuras
90 e 91). Em 1956, Karel Appel, do grupo CO.BR.A., expressava toda sua raiva
pela barbárie da guerra, com os violentos riscos vermelhos de sua Cabeza trá-
gica (Figura 92).

Figura 90 Quelli che vanno, 1911. Umberto Boccioni.


Figura 91 Quelli che restano, 1911. Umberto Boccioni.

Figura 92 Cabeça trágica, 1956. Karel Appel. M.A.C. U.S.P.

Devo advertir, para �nalizar, que este gestualismo do Expressionismo Abstrato


pouco ou nada tem a ver com o gestualismo da Action Painting (Pintura Ação)
de Jackson Pollock (Figura 93). Este artista americano tratava de separar o
movimento de seu braço dos mandos de seu intelecto. O resultado plástico, vi-
sual, seria resultado, exclusivamente, dos movimentos inconscientes de seu
braço.
Figura 93 Número 11, 1951. Jackson Pollok.

A �m de conhecer um pouco mais sobre as relações que existem entre as co-


res, veja como fazer um círculo cromático (https://www.youtube.com
/watch?v=-sDuRoUIzZA), assista à teoria das cores para pintar um retrato
(https://www.youtube.com/watch?v=6AEKFebi-v8), e con�ra também as mis-
turas das cores para criar o tom da pele negra (https://www.youtube.com/wat-
ch?v=pXccbIyEhag).

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-


guir.

17. Considerações
Neste ciclo você teve a oportunidade de re�etir acerca de importantes manei-
ras de utilização de tintas, pigmentos, aglutinantes, vernizes, solventes e dilu-
entes, pincéis, paletas e godês. Viu também como é a maneira de olhar do pin-
tor e do espectador assim como os empecilhos à ação de observar. E por �m,
viu exemplos de diferentes tipos de percepção. A partir de agora estudaremos
a escultura e a produção tridimensional de alguns artistas brasileiros.
(https://md.claretiano.edu.br

/estelerepdesproesclinpic-gp0042-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 4 – A Produção Tridimensional de Alguns


Artistas Brasileiros

Renato Tocantins Sampaio

Objetivo
• Conhecer a produção e o contexto de alguns importantes artistas brasi-
leiros do século 20.

Conteúdo
• As obras de: Victor Brecheret; Franz Weissmann; Amilcar de Castro e
Edith Derdyk.

Problematização
Muitas vezes, é difícil compreender a proposta estética de alguns artistas
contemporâneos, pois, como os trabalhos são muito recentes, ainda não fo-
ram devidamente "digeridos" pelo tempo, pelos críticos e pelos historiadores
para que possamos ter, com eles, uma relação de apreciação mais tranquila.
Diante desse fato, de que maneira podemos compreender as propostas desses
artistas? Uma boa saída seria ler as críticas e os folders de exposições que
apresentam um pouco do percurso artístico e criativo desses artistas?

1. Introdução
Neste ciclo estudaremos as obras de alguns importantes artistas brasileiros
modernos e contemporâneos no trabalho tridimensional nos séculos 20 e 21.
2. Victor Brecheret
Nenhum texto sobre escultura brasileira moderna pode deixar de abordar o
trabalho de Victor Brecheret. Desde suas primeiras esculturas, ele apresenta
uma característica marcante em relação à tensão, ao alongamento, à expressi-
vidade e à torção de �guras humanas, tendo grande in�uência e participação
no Movimento Modernista Brasileiro, inspirando, com seus trabalhos, textos
de Oswald de Andrade (Os condenados), Mário de Andrade (Paulicéia desvai-
rada) e Menotti Del Picchia (O homem e a morte) (INSTITUTO ITAÚ
CULTURAL, 2011).

Muitos dos trabalhos de Brecheret estão expostos em espaços públicos de São


Paulo: no Cemitério da Consolação está a obra Sepultamento (Figura 1); no
Largo do Arouche, a obra Depois do banho (Figura 2); na Praça da Luz, a obra
Carregadora de perfume (Figura 3); e no Parque do Ibirapuera, a obra
Monumento às Bandeiras (Figura 4).

Figura 1 Sepultamento. Victor Brecheret, 1923.


Figura 2 Depois do banho. Victor Brecheret, década de 1940.

Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 3 Carregadora de perfume. Victor Brecheret, 1923-1924. Praça da Luz, São Paulo.
Figura 4 Monumento às Bandeiras. Victor Brecheret (projeto de 1920, inaugurado em 1953).

3. Franz Weissmann
Após passar pelo desenho e pela escultura �gurativa, Franz Weissmann ini-
cia, a partir da década de 1950, uma importante geometrização e abstração,
submetendo �guras geométricas a recortes e dobraduras, utilizando chapas de
ferro, �os de aço, alumínio em verga ou folha, e se estabelece como um dos
mais importantes escultores de sua geração, com uma grande quantidade de
obras públicas (INSTITUTO ITAÚ CULTURAL, 2011).

Weissmann (s.d.) a�rma que:

Quando me pedem para fazer uma escultura pública para ser colocada num deter-
minado lugar, estudo o local para que minha obra funcione em relação ao meio am-
biente [...] Meu trabalho é comunicar com o público, com o povo, e a melhor manei-
ra de me comunicar e também de educar o povo é colocar a arte nas ruas (apud
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL, 2011).

Observe, nas Figuras 5, 6, 7 e 8, algumas de suas obras:


Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 5 Cantoneiras. Franz Weissmann, 1975. Jardim de Esculturas (Parque do Ibirapuera), São Paulo.

Figura 6 Três pontos. Franz Weissmann, 1958.


Figura 7 Grande �or tropical. Franz Weissmann.

Figura 8 Coluna Neoconcreta n. 1. Franz Weissmann, 1958.

4. Amilcar de Castro
Castro foi aluno de Franz Weissmann e iniciou sua carreira com desenhos �-
gurativos, trabalhando, também, como diagramador de revistas e jornais. Com
dobras e cortes, o artista explora os planos no espaço e a luz que atravessa os
espaços vazios. É interessante notar que boa parte de suas obras são cortadas
e dobradas, mas não apresentam soldas e sua con�guração se mantém por
causa da natureza e da espessura do material, especialmente das placas de
ferro (INSTITUTO ITAÚ CULTURAL, 2011).

Duas de suas obras, as quais estão expostas no Parque do Ibirapuera, podem


ser observadas nas Figuras 9 e 10.
Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 9 Carranca. Amilcar de Castro, 1978. Jardim de Esculturas (Parque do Ibirapuera), São Paulo.
Fonte: acervo pessoal dos autores.

Figura 10 Sem título. Amilcar de Castro, 1970. Jardim de Esculturas (Parque do Ibirapuera), São Paulo.

Em pequenas peças de madeira ou de ferro, Castro também mantém sua ex-


ploração de cortes e luz, evitando, assim, a solda, com as partes montadas ape-
nas por sobreposição. Essa técnica pode ser percebida nas Figuras 11, 12, 13 e
14.

Figura 11 Sem título. Amilcar de Castro, 1990.


Figura 12 Sem título. Amilcar de Castro, década de 1990.

Figura 13 Sem título. Amilcar de Castro, 1990.

Figura 14 Sem título. Amilcar de Castro, 1950.

5. Edith Derdyk
Em trabalhos que estão no limite entre o desenho e a instalação, Edith Derdyk
oferece, ao seu observador, um emaranhado de linhas que fogem do plano e
ocupam o espaço numa verdadeira tapeçaria tridimensional que sugere um
repensar sobre as linhas e uma recon�guração visual do espaço. Seus traba-
lhos são minuciosos e delicados, e sua manufatura demanda uma imensa
concentração para a confecção. Por exemplo, foram necessários cinco dias de
trabalho, sem contar o tempo para o projeto, a seleção, a aquisição e a prepara-
ção de materiais, além de 16 mil metros de �o de algodão preto e oito mil
grampos para construir a obra Campo dobrado (Figura 15), de 2003. Observe:

Figura 15 Campo dobrado. Edith Derdyk, 2003.

Agora, observe, também, nas Figuras 16, 17 e 18, outras de suas obras:

Figura 16 Ângulos (instalação) e retas (gravuras). Edith Derdyk, 2004.


Figura 17 Rasuras I. Edith Derdyk, 1997.

Figura 18 Rasuras III. Edith Derdyk, 1998.

As Figuras 17 e 18 mostram dois trabalhos da série Rasuras, que, como o pró-


prio nome descreve, apresentam linhas sobrepostas que rasuram um espaço e,
assim, con�guram formas que sugerem velocidades, forças, movimentos etc.
Já na obra Corte (Figura 19), que você vê a seguir, temos a impressão que essas
forças são tão intensas e avassaladoras que perfuram o mundo físico.

Figura 19 Corte. Edith Derdyk, 2002.

Como você pôde veri�car, os trabalhos de Derdyk propõem um tipo de experi-


ência visual diferente das esculturas tradicionais apresentadas em pedestais,
em locais centrais das salas de exposição ou em jardins. Suas obras ocupam
cantos ou grandes espaços das salas em que são exibidas e, aliado ao grande
tamanho e ao convite ao movimento de experimentá-las de várias posições,
podem ser denominadas como ambientes.

Para saber um pouco mais sobre a arte de Victor Brecheret, assista ao Documentário: Victor
Brecheret (https://www.youtube.com/watch?v=3Hwezw2rJx0). Entenda como Franz
Weissmann pensava formas e cores de suas obras (https://www.youtube.com/wat-
ch?v=D1ZuIaFYuKY), e veja também sobre Amílcar de Castro a Poética do Ferro
(https://www.youtube.com/watch?v=WO1OzWYFLps).

Por �m, para complementar seus estudos sobre a poética de Edith Derdyk, assista ao documentário Museu
Vivo: Edith Derdyk (https://www.youtube.com/watch?v=SYP3gacfIM8).
Sugerimos, agora, que você dê uma pausa na sua leitura e re�ita sobre sua
aprendizagem realizando a questão a seguir.

6. Considerações
Neste ciclo você teve a oportunidade de estudar a escultura e a produção tridi-
mensional de alguns importantes artistas brasileiros. No Ciclo 5 investigare-
mos as técnicas que estão relacionadas aos processos escultóricos.
(https://md.claretiano.edu.br

/estelerepdesproesclinpic-gp0042-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 5 – Escultura

Jurema Luzia de Freitas Sampaio

Objetivos
• Conhecer os principais e tradicionais processos escultóricos e técnicas
de moldagem.
• Identi�car corretamente os materiais de moldagem.
• Saber diferenciar moldagem e tipos de moldes usados em escultura.
• Reconhecer, ao observar esculturas, a técnica de moldagem empregada.
• Entender como manipular corretamente os materiais de moldagem es-
tudados.

Conteúdos
• Fundamentos da moldagem.
• Tipos de moldes e seus usos.
• Materiais moldáveis.

Problematização
Você já experimentou alguma técnica para compreender alguns dos proces-
sos escultóricos? Caso ainda tenha tido oportunidade, esse é um passo im-
portante para sua aprendizagem. Experimente fazer suas próprias combina-
ções de técnicas e processos até atingir seus resultados. A experimentação é
essencial para desenvolver o conhecimento.

Orientação para o estudo


Durante suas experimentações, faça anotações sobre suas dúvidas e, especi-
almente, sobre seu aprendizado. Para consolidar a aprendizagem, é impor-
tante não fazer apenas a técnica, mas, também re�etir sobre o processo,
compreendendo os passos seguidos.

1. Introdução
Neste ciclo, conheceremos os processos de moldagem. Além disso, faremos
um estudo dos processos de moldagem a frio e da fundição de materiais so-
lidi�cáveis em moldes: gesso, moldes de borracha, resina e �bra.

2. Fundamentos da Moldagem
A moldagem é um dos processos escultóricos mais usados em arte. Trata-se
de um processo mecânico para obter peças utilizando matéria-prima não sóli-
da – em estado líquido, em pó ou em forma de massa, como a argila antes de
ser colocada no molde.

Quando a matéria-prima é um pó, a solidi�cação pode ser feita por meio da


adição de líquidos aglomerantes, por aquecimento ou resfriamento. Em outros
casos, o endurecimento pode acontecer a partir do simples contato com o ar. O
processo de moldagem é utilizado na elaboração de peças cerâmicas e plásti-
cas (como jarras, garrafas etc.) e de peças fundidas. Em linhas gerais, é a colo-
cação da matéria-prima em um molde, dividido em duas ou mais partes, de-
pendendo da complexidade da forma �nal da peça (VALLEJO, 2006).

Moldar alguma coisa é uma ação relativamente simples de entender: consiste


em usar um molde para obter um objeto igual. Esse é um procedimento que
permite confeccionar uma peça sobre um modelo que origina reproduções,
em negativo ou positivo, de superfícies ou cavidades de elementos. A precisão
desse modelo, o molde, é fundamental para se conseguir uma peça com quali-
dade.

Existem várias técnicas de moldagem, tais como: enformação, fundição, inje-


ção e outras. Todas podem ser usadas com �nalidades artísticas, até mesmo
as industriais.

Você sabe que existe diferença entre moldagem a frio e fundição de materiais
solidi�cáveis em moldes? Fundição, por exemplo, é um tipo de moldagem usa-
da para liquidi�car substâncias para que possam ser moldadas.

Você saberia dizer quais são os materiais solidi�cáveis em moldes e como tra-
balhamos com eles?

Antes de responder a essa pergunta, sugerimos que você conheça um pouco


sobre moldes.

Um molde é uma cópia em negativo de determinada área ou objeto que servirá


de matriz para sua reprodução. Segundo o site Fresador (2012),

Um molde é uma ferramenta que permite a enformação de componentes mecâni-


cos. O tipo, dimensão e complexidade podem variar. Na sua forma mais simples é
constituído por duas meias matrizes, cavidade e bucha, que constituem o negativo
da peça que se pretende obter. O maior ou menor grau de complexidade do projeto
depende, basicamente, de aspectos econômicos e tecnológicos, tais como o número
de peças a produzir, especi�cações de�nidas para as mesmas e a máquina onde as
peças vão ser processadas.
Podemos classi�car os moldes em função da tecnologia utilizada ou da matéria-
prima a ser processada. Quanto ao processo tecnológico podem ser de injeção,
compressão, transferência, sopro, termoformação e rotacional. Quanto à matéria-
prima podem ser para termoplásticos, termoendurecíveis, borrachas, ligas leves,
vidro etc.

Essa é uma de�nição de moldagem industrial, mas, fazendo as devidas adap-


tações para a prática artesanal e artística (que também pode ser industrial, em
alguns casos), a leitura é a mesma: uma forma, um processo de enformação
usando um material solidi�cável e, como resultado, cópias idênticas, quantas
vezes forem necessárias, pela proposta e/ou durabilidade do molde.

Agora que conhecemos resumidamente o que é um molde, vamos aprofundar


nossos conhecimentos estudando os tipos de moldagem.
3. Tipos de Moldagem
Existem basicamente dois tipos de moldagem: molde interno e molde externo.

Segundo o site Geopark Naturtejo (2012), moldes externos são moldes de su-
perfícies ou de cavidades exteriores de estruturas. “Da positivação de um mol-
de externo resulta uma reprodução da superfície externa (contramolde exter-
no)”. Ou seja, ao reproduzirmos uma forma tendo por base um molde externo,
conseguiremos uma cópia da superfície externa do molde. As máscaras são
ótimos exemplos desse tipo de moldagem. Usando rostos humanos como mol-
des, são obtidas pela positivação desses rostos, com o uso de gesso, por exem-
plo (Figura 1).

Figura 1 Máscaras em gesso reproduzindo rosto humano.

Os moldes externos são mais conhecidos nas ciências geológicas, como a


Paleontologia, onde são estudados como encontrados, ou seja, em estado natu-
ral (Figura 2).

Figura 2 Molde externo de concha de gastrópode Turritella. Miocénico, Albufeira/ PT.

Já os moldes internos são moldes que utilizam os espaços vazios dentro dos
objetos. Um exemplo de uso artístico dessa técnica é o trabalho da artista
Rachel Whiteread, que faz a apropriação de um objeto (neste caso, uma bolsa
de água quente), e o que seria o seu espaço interior, vazio, é preenchido com
materiais diferentes, tais como resinas, borrachas, metal fundido, concreto etc.
(Figura 3).

Figura 3 Pink Torso e Clear Torso. Gesso odontológico rosa e resina de poliéster. Rachel Whiteread, 1991.

Conforme ressalta o Geopark Naturtejo (2012): “Por meio da positivação de um


molde interno resulta uma réplica do interior do elemento moldado (contra-
molde interno) [...]”. Naturtejo (2012) diz ainda que:
A positivação de um molde pode resultar de processos naturais (contramolde natu-
ral) ou de técnicas laboratoriais de preparação e de estudo dos fósseis, usando, por
exemplo, gesso ou silicone (contramoldes arti�ciais).

O gelo pode ser citado como um exemplo simples e direto de moldagem. Sim!
O gelo que você usa para gelar bebidas, que você faz no congelador de sua ca-
sa! A forminha de gelo é o molde e a água é o elemento solidi�cável. Quando
colocamos a água para gelar, dependendo do formato da forminha, temos di-
versos formatos de gelo, não? Essa é a lógica dos processos de moldagem!

Néle Azevedo é um exemplo de artista plástica que trabalha com moldes em


gelo. Veja na caixa uma apresentação de seu trabalho (Figura 4).

Néle Azevedo

Figura 4 Monumento mínimo.

Néle Azevedo faz homenzinhos pequenos, de gelo, em grande quantidade, e


faz com eles intervenções em espaços públicos, em diversas cidades do mun-
do (já levou seu trabalho a países como França, Itália, Portugal, Cuba,
Alemanha e Japão). Ela os coloca sentadinhos, quase sempre em escadas, e os
deixa derreter (Figura 4). As intervenções de Néle Azevedo, intituladas
Monumento mínimo, subvertem os cânones do monumento convencional e
são um protesto contra as mudanças climáticas e o aquecimento global. Néle
Azevedo nasceu em Santos Dumont-MG e vive há mais de vinte anos em São
Paulo.

Depois de conhecer os dois tipos de moldagem, veremos, a seguir, os princi-


pais materiais utilizados para essa prática.

Gesso
O gesso é um material produzido a partir da gipsita (também denominada “pe-
dra de gesso”), composto basicamente de sulfato de cálcio di-hidratado. Desde
a Antiguidade (povos que ocupavam zonas com climas secos como, por exem-
plo, o Egito e a Fenícia), o gesso é utilizado como ligante. Depois de retirada da
terra, a pedra de gesso é britada, ou seja, fragmentada mecanicamente, sendo
reduzida a pequenos pedaços. Em seguida, é feita a calcinação desses frag-
mentos em forno rotativo, em temperatura de aproximadamente 160°C.

Uma vez calcinado, o material é moído e forma o característico pó branco que


é comercializado.

No Brasil, o gesso é amplamente extraído no município de Grajaú, no


Maranhão, um dos maiores produtores de gesso e derivados do mundo. O polo
gesseiro do Araripe pernambucano tem uma reserva estimada de 22 bilhões
de toneladas de gipsita, uma das mais expressivas do mundo e a maior já me-
dida no Brasil.

O gesso é um material muito utilizado pelos escultores devido à sua �exibilidade,


maleabilidade e fácil manuseio. Conhecido há mais de 9000 anos é uma substân-
cia, normalmente vendida na forma de um pó branco, produzida a partir do mine-
ral gipsita (também denominada gesso), composto basicamente de sulfato de cálcio
hidratado. Quando a gipsita é esmagada e calcinada, ela perde água, formando o
gesso (FAZ FÁCIL, 2012).

Existem muitas variedades de gesso, cada uma adequada para um tipo de tra-
balho: ceramista, fundidor, decorador, dentista etc. O gesso seca muito rápido,
endurecendo e tomando sua forma de�nitiva após 8 a 12 minutos.

Ele é usado também para fundir molduras; na medicina, para o tratamento de


imobilização de fraturas; na odontologia, para criação de moldes de próteses
dentárias; e na modelagem e �xação de placas para forro, gerando peças que
apresentam bom isolamento térmico e acústico.

A arquitetura também utiliza bastante o material para criar ambientações e


visualidades que vão desde o clássico, passando pelo barroco, e chegando até
os projetos mais modernos, em cuja implementação é usado o gesso.

Na Figura 5, podemos observar o detalhe em gesso do teto de uma residência.


As Figuras 6 e 7 apresentam alguns trabalhos da arquiteta Mariela Romano.

Figura 5 Detalhe em gesso de teto de residência.

Figura 6 Trabalho da arquiteta Mariela Romano, na ambientação de quarto infantil.


Figura 7 Detalhe do trabalho da arquiteta Mariela Romano, na ambientação de quarto infantil.

Nas artes, o gesso é utilizado há muito tempo. Obras dos séculos 18 e 19 podem
ser encontradas com relativa facilidade em antiquários europeus (Figura 8).
Porém, é na arte moderna e na contemporânea que ele está mais presente
(Figuras 9 e 10).

Figura 8 Escultura portuguesa em gesso moldado e relevado. Trabalho do século 18-19. 100cm. Acervo de

Antiguidades Serralves, Porto/PT.


Figura 9 Gesso sobre estrutura de alumínio.Trabalho do artista português Manuel Pereira da Silva, 1959.

Figura 10 Elemento fundido em gesso que é usado como módulo para uma construção no espaço. Katharina Fritsch.

Vamos aprender, agora, as diversas formas de se trabalhar com gesso.

Como trabalhar com gesso


Para trabalhar com o gesso, devemos armazená-lo longe de qualquer tipo de
umidade. Para uma proteção maior, é importante forrar o lugar onde iremos
guardá-lo para evitar a umidade do solo. O gesso, conforme o site Faz Fácil
(2012), “deve ser conservado na sua embalagem fechada até a hora de ser utili-
zado e não se deve misturar gesso de épocas e marcas diferentes”.
Veja a seguir as principais orientações sobre o uso do gesso.

Orientações para uso do gesso


Modo de preparo:

No estágio 1, a mistura inicial do sulfato de cálcio hemidratado e água .

No estágio 2, a reação com a água começa, e o precipitado de sulfato de cálcio


de-hidratado forma os núcleos de cristalização.

No estágio 3, podemos observar o início do crescimento de cristais a partir dos


núcleos.

No estágio 4, os cristais de sulfato de cálcio de-hidratado já estão bem cresci-


dos. Para o crescimento dos cristais de sulfato de cálcio de-hidratado, a mistu-
ra consome água. O crescimento dos cristais e absorção d’água torna a mistu-
ra viscosa.

No estágio 5, os cristais já se tocam e podemos dizer que aqui é o momento de


pega inicial. Na prática é aqui que a mistura perde o brilho super�cial devido à
absorção d’água na formação do de-hidratado.

No estágio 6, todos os cristais estão entrelaçados, formando um corpo sólido


(Adaptado de GESSOS RUTENIUM, 2012).

Como vimos, a moldagem é um processo técnico que permite reproduzir de-


terminado objeto várias vezes, com maior rapidez de execução.

Assim, para trabalhar com gesso, você vai precisar de um molde e também
dos seguintes materiais:

1. água;
2. bacia de plástico;
3. batedor;
4. gesso em pó;
5. espátula;
6. lixeira.

Vamos seguir as orientações do site Faz Fácil (2012).

Modo de preparo

Os materiais básicos para se trabalhar com gesso são água, uma bacia plásti-
ca, uma espátula e uma lixeira, além, evidentemente, do gesso.

A água utilizada para fazer gesso deve estar limpa. Além disso,

[...] a bacia deve ser de plástico para facilitar a limpeza (o gesso que sobra endurece
no fundo da bacia) e o batedor poderá ser uma colher, um garfo, uma espátula ou
qualquer tipo de misturador de metal (FAZ FÁCIL, 2012).

O gesso deve ser o stucco (do tipo “comum”, usado na construção civil), de boa
qualidade e recentemente fabricado. As lojas de materiais de construção são o
melhor lugar para comprá-lo devido à alta rotatividade de estoque, o que ga-
rante que o produto estará sempre em bom estado, sem estar empedrado ou
com embalagem úmida (FAZ FÁCIL, 2012).

Segundo o site Faz Fácil (2012), “a espátula é muito útil para raspar os restos de
gesso endurecido e as ferramentas. A lixeira é o recipiente para onde irão to-
das as sobras do material”.

Observe agora os passos do trabalho de preparação do gesso, adaptados do site


Faz Fácil (2012).

Trabalho de preparação do gesso


Conforme demonstra a Figura 11, devemos, inicialmente, colocar um pouco de
água limpa e na temperatura ambiente em um recipiente. A água deve vir
sempre antes do gesso.
Figura 11 Preparando o material.

A seguir, devemos derramar na água (com a mão) o pó de gesso, como se esti-


véssemos peneirando, até formar uma “ilha” (Figura 12). Deixe repousar por
um ou dois minutos para que o pó absorva bem toda a água. Feito isso, deve-
mos misturá-lo vigorosamente com uma espátula (Figura 13).

Figura 12 Iniciando o processo.

Figura 13 Misturando a massa de gesso.

Agora você terá apenas alguns minutos para usá-lo. Se por acaso o gesso en-
durecer antes desse tempo (ou quase endurecer), descarte-o.

É por essa razão que devemos sempre trabalhar com pequenas porções, pois é
natural que o gesso aqueça durante o processo de endurecimento.

(Adaptado de FAZ FÁCIL, 2012).

Agora vamos experimentar? Ao trabalho!

Trabalho com gesso – prática


De acordo com o site Educação Visual e Tecnológica (2012), para iniciarmos
nosso trabalho com gesso, devemos fazer uma placa de argila e, sobre ela, pas-
sar o desenho (Figura 14).

Figura 14 Placa de argila com desenho.

Depois de haver vincado o desenho na argila, desbaste a superfície ao redor,


até obter a altura desejada para o motivo (Figura 15).

Figura 15 Escavando a placa de argila ao redor do desenho.

Feito isso, complete o molde, construindo paredes laterais em barro. Depois de


preparado o gesso, proceda à moldagem (Figura 16).

Figura 16 Construindo as paredes laterais, de sustentação do gesso.

Como já mencionamos, o gesso, depois de algum tempo, endurece. Desse mo-


do, retire as paredes e teremos o molde (negativo) para a reprodução da peça.
Esse molde deve ser bem limpo e pincelado com detergente líquido (Figura
17).

Figura 17 O molde pronto.

Depois de preparado o molde, comprima um pedaço de barro em sua cavidade


e, em seguida, retire os excessos (Figura 18).

Figura 18 Trabalhando com o molde.

Para concluir, pressione levemente na superfície do objeto com duas bolas de


barro, de forma a facilitar sua extração. Dessa forma, é possível fazer muitos
objetos iguais (Figura 19).

Figura 19 Acabamento da peça.

(adaptado de EDUCAÇÃO VISUAL E TECNOLÓGICA, 2012).

Moldes de borracha
Os moldes de borracha de silicone são bastante usados para reprodução seria-
da de objetos. Segundo o site Faz Fácil (2012):
Estas borrachas de silicone são um excelente material de reprodução, oferecendo
todas as propriedades que os modelistas necessitam no fabrico de moldes de alta
precisão e com um investimento mínimo.
A facilidade de transformação à temperatura ambiente, a grande �exibilidade, elas-
ticidade e resistência ao rasgamento, a �delidade de cópia e as extraordinárias pro-
priedades antiaderentes, permitem um desmolde fácil e contribuem para uma mai-
or duração dos moldes e consequente rentabilização do investimento e aumento de
produtividade.
As borrachas de silicone apresentam, após a cura, boa elasticidade, �exibilidade e
resistência química, permitindo desta forma, várias desmoldagens a partir de uma
matriz.
As diferenças de características entre as borrachas de silicone são: �exibilidade,
alongamento e resistência ao rasgo.
A vida útil da borracha de silicone é uma variável que depende de diversos fatores,
sendo um deles o tipo de borracha utilizada. Existem no mercado diversos tipos de
borracha, algumas mais indicadas que outras.

Ainda nesse mesmo site, podemos encontrar dicas de trabalho e manutenção


dos moldes de borracha de silicone:

1. Sempre que utilizar os moldes, unte-os com algum tipo de desmoldante,


ou vaselina líquida de boa qualidade. Apenas um pouquinho, não enchar-
que o molde. Isso ajudará na hora de sacar a massa do molde sem forçá-
lo.
2. Nunca utilize ferramentas pontiagudas para sacar a massa dos moldes.
Isso pode dani�car permanentemente o molde. Quando necessário, utili-
ze uma esteca de plástico sem ponta para auxiliar.
3. Depois de utilizar os moldes, lave-os com água e sabão neutro, deixe es-
correr a água e secar ao natural (não utilize panos). Guarde-os em locais
secos, abrigados do sol e do calor excessivo.
4. Para sacar a massa dos moldes tome muito cuidado para não exceder a
capacidade de elasticidade dos mesmos. Torcer excessivamente irá dimi-
nuir sua vida útil (FAZ FÁCIL, 2012).

Trabalhar com moldes de borracha de silicone é relativamente simples e re-


quer pouco investimento em material. A borracha de silicone geralmente se
apresenta na forma semilíquida, sendo que o tipo mais fácil de trabalhar é o
que se transforma em borracha na temperatura ambiente (vulcanização). Esse
tipo de borracha de silicone é chamado de RTV (Room Temperature
Vulcanizing, ou “vulcanização à temperatura ambiente”).

A apresentação dos produtos consiste basicamente em duas partes: a base e o


catalisador. A base apresenta consistência semilíquida, porém espessa, e o ca-
talisador (responsável pelo endurecimento) é �uido e transparente.

Ao misturarmos os dois, o líquido endurece e, com o tempo, se transforma em


borracha de silicone (Figura 20). O processo é simples e o tempo de endureci-
mento está diretamente ligado à temperatura ambiente, ou seja, o endureci-
mento é mais rápido ou mais devagar de acordo com as variáveis de tempera-
tura do ambiente onde estiver sendo manipulado.

Figura 20 Molde de silicone de duas partes.

Por serem produtos químicos e in�amáveis, que podem causar alergias, quei-
maduras e outros danos à pele, é recomendável usar luvas de proteção ao ma-
nipular os elementos e trabalhar em locais ventilados, secos, frescos e longe
do fogo.

As borrachas de silicone são encontradas em diversas cores: branco, azul, ver-


melho, bege etc. Conforme a cor, elas apresentam consistências diferentes
(graus de maciez/dureza). No Brasil, não existe um padrão quanto às cores.
Dessa forma, muitas vezes a consistência da cor azul feita por uma empresa
não corresponde à consistência da cor azul feita por outra. Portanto, é sempre
importante obter as especi�cações com o fabricante. Por sinal, é preciso ter
bastante responsabilidade ao manipular esses ingredientes e seguir sempre
as orientações dos fabricantes!

Devido à toxicidade, as borrachas não devem ser usadas por crianças peque-
nas. Também é necessário evitar o uso por pessoas alérgicas que apresentem
histórico de sensibilidade e reações de contato (alergias de pele) ou respirató-
rias e, especialmente, gestantes.

Para as primeiras experiências com esse tipo de molde (borracha de silicone),


é importante estar acompanhado de um técnico ou especialista. Um curso es-
pecializado, visando ao aprofundamento na temática, também é sempre váli-
do. Contudo, desde que sejam tomados os devidos cuidados, as primeiras ex-
periências podem ser feitas em casa.

Um artista contemporâneo que trabalha bastante com borracha de silicone é


Ron Mueck, australiano radicado na Inglaterra. Seus trabalhos hiper-realistas
e em dimensões monumentais fazem uso da borracha de silicone para ganhar
“vida”.

Os trabalhos de Mueck são incrivelmente realistas e, se não fosse o tamanho


das esculturas (imensas!), seria fácil confundi-las com pessoas reais. A Figura
21 apresenta um de seus trabalhos.
Figura 21 Mulher na cama. Ron Mueck. Brooklin Museum/USA.

Resina e �bra
Fibra de vidro, ou, em inglês, �berglass, é o nome de um material obtido a par-
tir da aglomeração de �lamentos �exíveis de vidro com resina, em geral de
poliéster, complementado pela aplicação posterior de uma substância catali-
sadora de polimerização. As substâncias da categoria dos polímeros são com-
postos orgânicos – além de serem reações de difícil execução em laboratório.

Característica dos polímeros


Os polímeros podem ser divididos em termoplásticos, termoendurecíveis (ter-
mo�xos) e elastômeros (borrachas). Termoplástico é um tipo de plástico muito
encontrado no mercado. Pode ser fundido diversas vezes, e alguns podem até
se dissolver em vários solventes. Logo, sua reciclagem é possível, característi-
ca bastante desejável atualmente. O plástico é um material que pertence à fa-
mília dos polímeros. Provavelmente, é o mais popular. É um material cada vez
mais dominante em nossa era e o encontramos frequentemente em nosso dia
a dia. É muito importante que, em sua prática como artista ou como professor
de arte, haja, sempre, consciência em relação ao uso de materiais em seus tra-
balhos! (PORTAL SÃO FRANCISCO, 2012).

O uso da �bra de vidro nas artes é bastante comum, especialmente por artistas
contemporâneos, devido à sua versatilidade. Com certeza você já ouviu falar
na CowParade (em tradução livre, “Parada das Vacas”). No Brasil, já houve edi-
ções no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, São Paulo e Porto Alegre. A
maior exposição de arte urbana do mundo, a CowParade é uma proposta de in-
tervenção na qual
[...] esculturas de vacas em �bra de vidro são decoradas por artistas locais e distri-
buídas pelas cidades em locais públicos como estações de metrô, avenidas e par-
ques. Após a exposição, as vacas são leiloadas e o dinheiro é entregue para institui-
ções bene�centes (COWPARADE, 2012).

Veja exemplos de trabalhos expostos na CowParade nas Figuras 22, 23 e 24.


Ainda segundo a descrição do site CowParade Brasil (2012):

[...] esse projeto já percorreu mais de 28 cidades ao redor do mundo, incluindo


Chicago, Nova York, Londres, Las Vegas, Bruxelas e Praga. [...] Criado em Zurique -
Suíça, em 1998, o evento é um sucesso desde a sua concepção. Uma forma muito di-
vertida de expressar a arte de rua e que abre inúmeras possibilidades para marcas
de diversos segmentos, além de promover a democratização da cultura.
Desde 1999, o projeto já passou por mais de 55 cidades em todo o mundo, incluindo
Chicago (1999), Nova York (2000), Londres (2002), Tóquio (2003) e Bruxelas (2003).
Além dessas destacamos também Dublin (2003), Praga (2004), Estocolmo (2004),
Cidade do México (2005), São Paulo (2005), Curitiba (2006), Belo Horizonte (2006),
Boston (2006), Paris (2006), Rio de Janeiro (2007), Milão (2007), Istambul (2007),
Madrid (2008) e Taipei (2009).
Algumas vacas de cada CowParade são escolhidas para fazer parte da coleção de
miniaturas. Cada miniatura é uma réplica exata da vaca exposta no evento. A cole-
ção já tem aproximadamente 230 miniaturas que podem ser adquiridas em diver-
sas galerias de arte e lojas de presentes.

Observe algumas das vacas concebidas por alguns dos artistas participantes
do projeto:

Figura 22 Cow Sambista. Anselmo Brito. CowParade acervo. Exposta na Av. Cruzeiro do Sul, 1800. Terminal

Rodoviário Tietê. SP.


Figura 23 Princesa da Primavera. Alzira Fragoso. Patrocinada pelo Ipiranga. Exposta na R. Cayowaá, 45. Perdizes, SP.

Figura 24 Cowddy. Cusco e novos talentos. Patrocinada pelo Toddy e exposta na Avenida Paulista, 2100. Cerqueira

César, SP.

4. Modelagem
Você sabe o que caracteriza a modelagem?

A modelagem é, possivelmente, um dos mais antigos processos (ou técnicas)


escultóricos. Não há registros de utilização de outras técnicas escultóricas an-
tes da modelagem. Conhecida e utilizada desde a pré-história, como se vê na
Vênus de Willendorf (Figura 25), a técnica da modelagem mais elementar
consiste em dar forma a certos materiais – utilizando para isso as mãos ou
ferramentas apropriadas. Esses materiais geralmente têm consistência de
massa, como a argila e o barro, por exemplo.
Figura 25 Vênus de Willendorf. Museu de História Natural de Viena. Viena/Áustria.

Existe grande variedade de materiais que podem ser trabalhados por modela-
gem, massas de diversos tipos e diversas composições. Alguns tipos, como as
argilas, precisam ser “cozidos” ou “assados" em fornos de altas temperaturas
para ganhar resistência e durabilidade. Outros, como o próprio gesso, secam e
adquirem rigidez apenas em contato com o ar.

Algumas dessas massas são naturais, como as argilas. Outras são resultado de
misturas de elementos químicos que, aglutinados, apresentam características
especí�cas de maleabilidade, aplicabilidade e modelagem, que variam confor-
me sua composição. Porém, mesmo as naturais precisam ser “tratadas”, ou se-
ja, preparadas, para que seja possível trabalhar com elas.

O preparo das massas de modelagem exige conhecimentos de acordo com ca-


da tipo de massa, mas, em geral, são procedimentos simples e baratos.

Ferramentas e suas utilidades


As ferramentas para modelagem podem ter diversas origens. Usam-se muitos
materiais de dentistas, mas há também kits de ferramentas especí�cas para
essa �nalidade (Figura 26). Essas ferramentas se chamam estecas, e podem
ser encontradas em diversos formatos. A escolha das estecas depende do tipo
de massa que será utilizada, do efeito que se pretende conseguir, do material
do qual é feita a esteca e de outras variáveis.

Figura 26 Conjuntos de estecas e kit de modelagem completo.

As estecas podem ser feitas de madeira, com entalhes nas extremidades ou


ponteiras de metal. Cada ponteira tem uma �nalidade diferente. As de arame
arredondado servem, em geral, para desbastar e esvaziar peças, e as de arame
com pontas servem para alisar superfícies e fundos de peças. As estecas com
pontas de metal servem, em geral, para criar relevos e texturas nas peças. As
estecas que apresentam lâminas nas extremidades servem para cortar. Há,
ainda, estecas de metal, plástico (Figura 27) etc.

Figura 27 Estecas de alumínio (esquerda) e kit de estecas de plástico (direita).

Além das estecas, é necessário ter um rolo de massa (Figura 28) para abrir
mantas de massa para diversos trabalhos. Os rolos são cilindros feitos, em ge-
ral, de madeira dura e polida, com "pegas" nas extremidades, como os usados
no preparo culinário de massas. Também podem ser de plástico duro, e mes-
mo uma garrafa de vidro cilíndrica pode servir de rolo de massa. É convenien-
te ter vários rolos, de diferentes tamanhos, pois eles são muito úteis para pre-
parar placas e tiras de argila.

Figura 28 Rolos de massa.

Para conseguir mantas das massas, é necessário possuir guias (Figura 29). As
guias são ripas de madeira de diferentes espessuras, utilizadas aos pares e em
conjunto com o rolo da massa. As guias são muito úteis para fazer placas ou
tiras de argila de espessura determinada e �xa. A espessura das ripas de�ne e
determina a espessura das mantas.

Figura 29 Modelagem de manta/placa de cerâmica com guias.

Para trabalhos pro�ssionais e/ou em grandes quantidades, como nas indústri-


as, usa-se o laminador, uma máquina que produz placas de argila. O lamina-
dor é composto por dois rolos, um �xo e um regulável, por entre os quais passa
a argila. Para grandes quantidades, como no fabrico de azulejos e cerâmicas
de revestimento, ele tem a mesma função que as ripas de madeira e o rolo da
massa.

Outra ferramenta bastante útil é o garrote (Figura 30). Ele é constituído por um
arame com cabos de madeira e serve para cortar grandes pedaços de barro.

Figura 30 Garrote.

No trabalho com modelagem, a lista de materiais é quase in�nita!


Além das ferramentas citadas, podem ser usadas colheres (para polir superfí-
cies), garfos (para criar texturas), facas, carimbos de texturização, moldes de
recorte (aqueles utilizados para fazer biscoitos), formas e uma in�nidade de
recursos.

Procedimentos para a modelagem manual e no torno


Tanto para a modelagem manual quanto para a modelagem em torno é preci-
so preparar a massa. Se estivermos trabalhando com massas especí�cas, co-
mo aquelas preparadas com elementos químicos, cada uma tem uma prepara-
ção e um procedimento adequado. Se estivermos usando argilas, há também
procedimentos especí�cos de tratamento da massa antes de iniciar a modela-
gem, como, por exemplo, bater e amassar.

Esses procedimentos garantem a integridade da peça após a queima, pois eli-


minam as possíveis bolhas de ar que literalmente explodem dentro do forno
(por gerarem pressão com o calor e não terem como sair da peça).

Assim, antes de iniciar a modelagem de qualquer trabalho em argila, é neces-


sário que a massa seja bem amassada, seja com as mãos ou mecanicamente,
com a maromba (Figura 31).

A maromba é um equipamento de “bater” a massa, para compactá-la, retiran-


do as bolhas de ar. Seu uso também se dá na reciclagem de argilas secas (ou
sobras) e não queimadas. Basta colocar pedaços secos de argila dentro de um
recipiente fundo, cobrir com água e esperar alguns dias até amolecer. Depois, é
só retirá-los da água, deixar escorrer o excesso de umidade e passar pela ma-
romba, ou amassar com as mãos (se forem pequenas quantidades).

Industrialmente, usam-se marombas elétricas, pela grande quantidade de for-


ça necessária para amassar o barro, pois, como já foi mencionado, amassar
bem o barro é essencial para o sucesso de qualquer trabalho.
Figura 31 Maromba de argila.

Modelagem manual
Como o próprio nome já diz, é a modelagem feita com as mãos. Existem várias
técnicas de modelagem manual: cobrinhas (ou rolinhos), placas, esferas, enta-
lhes etc. A mais usada em escultura é a modelagem direta, que veremos a se-
guir.

Modelagem direta

Para trabalhar com modelagem direta, é necessário termos uma quantidade


su�ciente de massa para o tamanho da peça que pretendemos fazer. Depois de
trabalhada (amassada), �xamos essa massa sobre uma superfície de trabalho
forrada com plástico grosso ou lona e começamos o trabalho manipulando a
massa diretamente com as mãos ou com ferramentas (como as estecas).

No caso de formas muito altas e estreitas, é aconselhável, para manter o eixo


da peça, �xar um vergalhão de ferro na superfície de trabalho (que pode ser
uma tábua grossa). Para isso, podem ser usadas sobras de ferros de constru-
ção. Levamos o ferro a um ferramenteiro para a�ar a ponta e depois o �xamos
com um martelo na tábua de suporte, como se fosse um grande prego. O tama-
nho do ferro deve ser proporcional ao tamanho da peça que se pretende desen-
volver.

Alguns exemplos de modelagem direta podem ser observados na Figura 32.


Figura 32 Trabalhos do artista plástico Philippe Faraut, especializado em “esculturas/retrato”.

A cerâmica popular brasileira, imortalizada pela obra de Mestre Vitalino, de


Caruaru-PE, é outro exemplo de modelagem direta. As �guras de barro, colori-
das, que representam o dia a dia do povo brasileiro, ricas em folclore e cultura
popular, são feitas dessa mesma forma, por modelagem direta. As mãos habi-
lidosas do mestre pernambucano e de seus discípulos compõem cenas do co-
tidiano com uma riqueza de detalhes bastante peculiar.

A Figura 33 mostra uma escultura em argila. Observe.

Fonte: acervo pessoal da autora.

Figura 33 Santo Antônio/Francisco. Jurema Sampaio. Escultura em argila, com acabamento em esmalte.

Modelagem com “cobrinhas” (ou “rolinhos”)

Outra técnica de modelagem manual é a modelagem com “cobrinhas” (Figura


35), ou “rolinhos” (Figura 34). Essa técnica consiste em preparar “rolinhos” de
massa com as mãos, que serão colados com barbotina, em sequência especí�-
ca, até alcançar a forma desejada.

A barbotina é preparada com argila misturada com água, em estado cremoso.


É a cola da argila. Uma suspensão espessa composta de um ou mais materiais
cerâmicos e água. Geralmente, é usada como adesivo para colar diferentes
partes de uma peça em estado cru ou mole, assim como para garantir a ade-
rência da decoração aplicada a uma peça (FRIGOLA, 2002).

Ao colar os rolinhos uns nos outros, usa-se uma esteca como ferramenta para
“ligar” as partes.

Figura 34 Ilustração de modelagem com rolinhos.

Figura 35 Modelagem com rolinhos – ou cobrinhas.

Esse tipo de modelagem pode ser feita com todas as massas que tenham plas-
ticidade semelhante à da argila, como a massa de biscuit, a massa de sal, a
massa de modelar (como a Massa Fimo) e semelhantes.
Modelagem com placas

As placas, ou mantas, como também são chamadas, são obtidas com o uso de
rolos de massa. Abre-se a massa com o rolo entre guias, quando se deseja
manter a mesma espessura em toda a manta, e cortam-se as tiras necessárias
para o trabalho que será feito (Figura 36). As tiras são coladas entre si como as
cobrinhas, ou rolinhos, usando barbotina e estecas.

A modelagem com placas é uma técnica muito usada para fazer caixas e for-
mas geométricas. Basta colar placas recortadas com o auxílio de moldes feitos
em papel (Figura 37). O acabamento das peças pode ser mais ou menos re-
quintado, de acordo com o objetivo do artista.

Figura 36 Ilustração de modelagem com tiras e placas.

Figura 37 Utilitário cerâmico da artista Malu Serra. Tiras de cerâmicas unidas dão forma à peça.

Algumas peças, como pratos, mandalas, travessas e peças escultóricas quase


planas, também são feitas com mantas, onde podem ser feitos cortes, escava-
ções e vazamentos, além da impressão de texturas com auxílio de materiais
diversos, pressionados sobre a argila ainda úmida (Figuras 38 e 39).

Figura 38 Peça do artista Tácito Fernandes, feita com manta de argila, laterais de tiras, coladas com barbotina.

Acabamento em esmaltação com uso de óxidos.

Figura 39 Peças do Ateliê Cerâmica.

A mesma técnica pode ser usada com outros tipos de massas de modelagem,
especialmente com as que têm maleabilidade e �exibilidade semelhantes às
características da argila, como as massas de biscuit, a Massa Fimo e similares
(Figura 40).
Figura 40 Bule em massa �mo.

Modelagem com esferas

Para trabalhar com essa técnica, é necessário, em primeiro lugar, fazer esferas
com a massa. Em seguida, segurando �rmemente a peça, introduzimos os
dois dedos polegares juntos num ponto qualquer da esfera, abrindo uma cavi-
dade e criando, assim, uma área côncava na peça.

Modelagem com esferas é a técnica mais usada para fazer tigelas, bowls e po-
tes em geral. A maioria dos artistas mantém o efeito rústico dessa modela-
gem, preservando suas características, mas também podem ser feitos acaba-
mentos variados e polimentos com colher, por exemplo, e mesmo vitri�cação
em segunda queima.

Essa técnica é muito usada como base para a confecção de cabeças de bone-
cos, papel machê e massa de paper clay, a qual abordaremos com mais deta-
lhes. Por ser simples de executar e proporcionar um contato direto das mãos
com o material trabalhado, é considerada a técnica mais adequada para o tra-
balho com crianças, uma vez que proporciona desenvolvimento de habilida-
des motoras.

Acompanhe, na Figura 41, uma ilustração de modelagem com esferas.


Figura 41 Ilustração de modelagem com esferas.

Modelagem no torno

Evidentemente, a modelagem no torno é feita num torno. O torno é um equipa-


mento que gira o material que está sendo modelado para que possa ser traba-
lhado. Existem vários tipos de tornos, manuais e mecânicos, movidos por
energia elétrica ou por manivelas.

Embora o cinema tenha popularizado o torno com a suave cena romântica do


�lme Ghost, manipular um torno exige �rmeza e prática. O equilíbrio das pe-
ças depende exclusivamente da distribuição simétrica de seu peso ao longo do
processo de modelagem. Segundo Richardson (2000, p. 56):

Por volta de 2.000 a.C., tanto na Mesopotâmia como no Egito, começaram a ser uti-
lizados os tornos para confecção de peças de cerâmica. Os primeiros tornos eram,
provavelmente, compostos de um disco no qual um pequeno pedaço de argila pu-
desse rotacionar para ser moldado. O torno poderia ser rotacionado pelos pés do
moldador ou pelas mãos de um assistente, para que o moldador pudesse ter as duas
mãos livres.

O torno é mais utilizado para a modelagem de peças utilitárias, mas diversos


artistas usam o torno em seus trabalhos. O torno consiste em um eixo girató-
rio �xado na parte central de uma superfície onde se �xa e gira a matéria-
prima a ser trabalhada para dar a ela a forma desejada – em geral, cilíndrica.

Existem tornos manuais e mecânicos (estes, acionados por eletricidade) para


fazer a peça girar (Figura 42).
Figura 42 Trabalhando uma peça no torno.

Um pouco da história do torno pode ser encontrada no site Cerâmica no Rio,


onde o professor Tito Tortori (2012) relata que:

O uso do torno na produção de cerâmica já foi identi�cado por arqueólogos em pe-


ças de cerâmica de mais de 3000 anos de existência. Peças torneadas fazem parte
da história da cerâmica tanto quanto da história da humanidade. O torno foi prova-
velmente uma das primeiras tecnologias desenvolvidas para a produção em gran-
de escala. Com ele uma pessoa poderia, sem maiores di�culdades, produzir recipi-
entes para toda uma comunidade. [...] O torno surgiu como uma forma de produção
em massa e por isso a possibilidade de repetição é mais do que uma qualidade,
uma necessidade. E isso de forma nenhuma impede que o oleiro possa produzir pe-
ças únicas com design elaborado. Seria a mesma coisa que por a culpa no pincel,
por pinceladas inadequadas. Assim o torno, dependendo do ponto de vista propos-
to, pode ser avaliado como uma prática tão primitiva quanto contemporânea.

Também recorremos ao professor Tito para esclarecer o tipo de produção obti-


da com o uso do torno:
Primeiramente, as peças feitas no torno possuem uma constituição do tipo “mono-
bloco”, sendo normalmente produzidas a partir de uma única porção de argila que
vai sendo torneada e modelada até atingir a forma desejada. Em muitas técnicas de
construção isso não ocorre. Essa estrutura monolítica dá às pecas torneadas uma
resistência enorme, uma capacidade de “trabalhar” homogeneamente na secagem
e de resistir melhor às perdas por rachaduras e rupturas na queima. Outra caracte-
rística, ainda mais típica do torno, é que as partículas da argila sofrem uma orien-
tação no sentido da rotação do torno, produzindo algo parecido como a trama for-
mada pela superposição das escamas de um peixe. Este fenômeno se processa no
momento em que a peça está passando pelo primeiro estágio do torneado, que é a
centralização da argila no torno. Este efeito microscópico de orientação das cama-
das empilhadas confere à peça uma resistência ainda maior, frente a todas as ques-
tões relativas à secagem, empenamento, deformação, ruptura, encolhimento e quei-
ma. [...] Tipicamente, as peças torneadas possuem formato cilíndrico, esférico, cir-
cular, arredondado, en�m, formatos torneados. Essas formas fazem com que as pe-
ças torneadas sejam �sicamente muito mais resistentes, pois, sem pontas e arestas,
elas se preservam muito mais durante os anos de uso. Além disso, qualquer força
aplicada sobre a peça, como uma pancada, transmite-se pelos lados da peça e aca-
ba se anulando no extremo oposto da peça. Pode parecer bobagem, mais as peças
com essas características são muito mais resistentes ao uso freqüente e isso é uma
propriedade muito interessante em objetos utilitários e funcionais do nosso uso co-
tidiano, como pratos, copos, jarras etc. Tanto isso é verdade que ainda hoje compra-
mos pratos e xícaras com formas torneadas que não foram elaboradas no torno,
pois a maior parte da nossa louça doméstica é produzida a partir do uso de argilas
líquidas em moldes de gesso. Todas essas características acima, e outras, surgem
da singular essência do torno cerâmico - o princípio do equilíbrio das forças opos-
tas (TORTORI, 2012).

Portanto, o trabalho com o torno exige destreza e habilidade, habilidades obti-


das com anos de treinamento e domínio da ferramenta.

Tortori (2012) complementa:


Um leigo que observe um oleiro trabalhando no torno não tem idéia da sutil batalha
que se trava entre as forças envolvidas nesse trabalho. A força centrípeta do peso
da argila, a força centrífuga da rotação do torno, a força mecânica ascendente das
mãos do ceramista e a força descendente da gravidade travam uma luta para se
impor. Se alguma delas conseguir a supremacia, a peça será destruída. Só o equilí-
brio entre essas forças componentes resultará na construção de um objeto tornea-
do. E que jamais esse equilíbrio se confunda com estabilidade, posto que o oleiro
durante o torneado saia de uma postura bruta no início, onde tem que usar a força
para centrar a massa disforme de argila, para uma postura delicada ao �nal do tor-
neado, onde ele deve tocar delicadamente a peça, pois ela está amolecida pela umi-
dade. A estabilidade no controle da argila só pode ser atingida pelo reconhecimen-
to de que não existe uma estabilidade duradoura, mas apenas um equilíbrio mo-
mentâneo, precedido de outro desequilíbrio que deve ser novamente harmonizado.
Assim, durante o torneado ocorre uma migração de uma atitude francamente mas-
culina no início, pesado e mecânico, para outra postura essencialmente feminina,
delicada, sutil e leve. É da harmonização desses opostos que nascem as peças no
torno.

5. Composição de materiais: argila, cera, plasti-


lina e paper clay
Argila
A palavra “cerâmica” vem do grego – κεραμικος – keramikos, que signi�ca
“de argila”. As argilas são compostos minerais formados ao longo do tempo
em lugares onde há água, como beira de rios, e são provenientes da decompo-
sição das rochas feldspáticas, ou seja, rochas compostas de feldspato.

São classi�cadas de acordo com sua composição química e mineral. A varia-


ção desses elementos na composição interfere diretamente na �nalidade de
seu uso. Isso acontece porque cada elemento presente na composição de uma
argila altera, muitas vezes de forma signi�cativa, sua durabilidade, sua rigi-
dez, sua elasticidade, sua plasticidade, en�m, sua utilidade e até sua aparên-
cia.

Por exemplo: argilas vermelhas, como as usadas frequentemente em tijolos e


telhas, são “ricas” em minério de ferro. A cor vermelha que as peças adquirem
ao serem “queimadas”, ou seja, após passarem pelo forno, vem dessa caracte-
rística particular de sua composição.

Objetos mais claros, e às vezes até amarelados, geralmente têm mais cálcio na
composição da massa. Portanto, a argila, embora possua uma decomposição
básica semelhante à de suas variáveis, apresenta-se como um dos materiais
mais "�exíveis" em termos de aplicação!

Dentro de cada grupo e de acordo com a variação da temperatura, obtém-se


uma série de produtos diferenciáveis em consistência e aparência.

As argilas se classi�cam em duas categorias: argilas primárias e secundárias


(ou sedimentares). Vejamos, a seguir, as características de cada uma delas.

• Primárias: formadas no mesmo lugar da rocha-mãe, são pouco atacadas


por agentes atmosféricos e apresentam em sua composição partículas
mais grossas e coloração mais clara. São pouco plásticas, mas de grande
pureza, e possuem alto nível de fusão. Um exemplo desse tipo de argila é
o caulim.
• Secundárias ou sedimentares: são transportadas para longe da rocha-
mãe pela água, pelo vento e pelos demais fenômenos naturais, incluindo
o degelo.

A água é o principal fator de alteração das argilas. Ela tritura a argila em partí-
culas de tamanhos diferentes. Isso faz com que as partículas mais pesadas se
depositem no fundo dos rios. As outras vão se depositando, de acordo com seu
peso, pelo caminho/curso da água, e as mais leves somente se depositam onde
a água �ca estagnada.

As secundárias são mais �nas e plásticas que as primárias. No entanto, po-


dem conter impurezas por se misturarem com outras matérias orgânicas.

Os mais variados objetos da vida cotidiana são feitos em argila: tijolos, telhas,
vasos, revestimentos, pratos, travessas e louças diversas, inclusive as louças
sanitárias e os isolantes elétricos, usados nos postes de energia e construções.
O que varia é o tipo de argila usado para cada �nalidade. Por exemplo, as argi-
las de composição mais so�sticada são usadas para fazer peças mais delica-
das, como as porcelanas. Vejamos, a seguir, alguns tipos de argila.

Caulim ou Argila da China

É um tipo de argila primária usada para fazer peças de porcelana. Suas carac-
terísticas principais são:

1. Cor branca, tanto crua como “cozida”.


2. Deve ser trabalhada em moldes.
3. Precisa ser lavada por ter impurezas.
4. Ponto de fusão por volta dos 1.800ºC (para baixar o ponto de fusão são
misturados materiais fundentes).

Na Figura 43, podemos observar a imagem de uma pedra de caulim.

Figura 43 Pedra de caulim.

Argila para louça

Essa argila é usada para a fabricação da pasta-base para louça industrial, in-
clusive para as louças sanitárias. Suas principais características são:

• Cor branca.
• Ponto de fusão entre 900ºC e 1.050ºC.
• Deve-se controlar seu grau percentual de óxido na composição, que não
deve ultrapassar 1%. Se essa porcentagem aumentar, vai parecer mar�m.

A Figura 44 mostra a imagem de jarros feitos de louça branca. Observe.


Figura 44 Jarros de louça branca.

Argila refratária

Essa argila é resistente ao calor, e com ela são feitas peças refratárias como os
tijolos isolantes térmicos. Suas principais características são:

• Ponto de fusão alto, entre os 1.600ºC e os 1.750ºC.


• Argila muito pura, praticamente sem ferro.
• Apresenta cores variadas, desde o creme até o tom cinzento, depois de
“cozida”.

Na Figura 45, observamos a utilização desse tipo de argila na fabricação de ti-


jolos de argila refratária que forram fornos.

Figura 45 Tijolos refratários revestindo internamente o forno.


Argila para Grés (lê-se "grê")

É uma argila plástica e refratária. De modo geral, é composta de argilas refra-


tárias, quartzo, caulins e feldspato. Como principais características, a argila
para grés apresenta:

• Vitri�cação por volta dos 1250ºC-1300ºC.


• Porosidade de até 5%.
• Cor que varia, depois de “cozida”, do cinzento-claro ao cinzento-escuro;
desde o rosa até o mar�m e do amarelado ao castanho.

Observe, na Figura 46, a imagem de bowls feitos em argila grés.

Figura 46 Bowls em argila grés.

Argila vermelha

A argila vermelha é conhecida popularmente como “barro”. Em sua composi-


ção, entram uma ou mais variedades de argila. Ela é muito plástica e fundível,
e contém uma porcentagem muito grande de óxido de ferro. Formada por argi-
las ferruginosas, a argila vermelha dá origem a uma cerâmica rígida e durá-
vel. Como características principais, é possível enumerar:

• Suporta temperaturas até aos 1.100ºC e só funde a partir desse ponto.


• Pode ser usada como verniz de grés.
• Apresenta cor vermelha quando está úmida e castanha depois de cozida.

Observe, na Figura 47, alguns vasos feitos com a argila vermelha.


Figura 47 Vasos para plantas e argila vermelha.

Bentonito ou Bentonite

Argila muito plástica, de origem vulcânica. Apresenta consistência oleosa e


suas principais características são:

• Pode aumentar seu volume de 10 a 15 vezes em contato com a água.


• Ponto de fusão por volta dos 1.200ºC.
• Pode ser misturada nas pastas cerâmicas para aumentar sua plasticida-
de.

Cera
Madame Tussauds é o nome do famoso museu de cera em Berlim, na
Alemanha. Esse museu possui diversas �liais pelo mundo. A mais conhecida
é a de Nova York. O Museu Madame Tussauds (Figura 48) �cou famoso por re-
tratar diversas celebridades, do mundo inteiro, em cera. Foi aberto há cerca de
200 anos, e até hoje são feitas esculturas de novas personalidades. Ao visitar o
museu, podemos ver Hitler, Kennedy, Einstein, os Beatles e muitos outros. A
semelhança é incrível!
Figura 48 Página inicial do site do Museu Madame Tussauds.

Mas a escultura em cera não se resume aos trabalhos expostos no Madame


Tussauds. A escultura em cera é uma das técnicas de modelagem (embora a
cera também seja usada para moldagem e entalhe) usadas de modo artístico.
A cera usada é a chamada cera de abelha, encontrada nas casas de materiais
artísticos. Ela já vem preparada para usar, e é composta de para�na, cera de
carnaúba e cera de abelha.

A modelagem em cera (Figura 49) é bastante usada na joalheria artística co-


mo passo inicial na elaboração das joias. O processo é o seguinte: antes de as
joias tomarem a forma de�nitiva em metais preciosos, como ouro e prata, são
modeladas em cera para testagem e fundição por cera perdida ou microfundi-
ção, uma técnica que permite transformar modelos em cera em modelos de
prata ou ouro. A diferença entre o processo de joalheria artesanal e o de escul-
tura em cera é a matéria-prima utilizada.

Figura 49 Modelagem de joias em cera.


A arte contemporânea, com sua multiplicidade de possibilidades, faz do uso
da cera uma constante em obras como as do artista Dime Cho, que esculpiu 66
peças únicas, retratando os astros da Copa do Mundo FIFA 2010 de Futebol
(Figura 50).

Figura 50 Jogadores de futebol do artista Dine Cho.

Outro trabalho interessante em cera é Untitled (1) (Figura 51), de Robert Gober.
Trata-se de uma escultura em cera, com pigmentos e cabelo humano. Do mes-
mo artista, temos Untitled (2) (Figura 52), em cera, madeira, tinta a óleo e cabe-
los humanos.

Figura 51 Untitled (1). Robert Gober (1990). MoMA. Nova York/Estados Unidos.
Figura 52 Untitled (2). Robert Gober (1990). Cera, madeira, tinta óleo e cabelos humanos.

Plastilina
A plastilina é um material plástico de cores variadas, composto de sais de cál-
cio, vaselina e outros compostos alifáticos, especialmente ácido esteárico.

A plastilina foi inventada em 1880, na Alemanha, pelo farmacêutico Franz


Kolb, na tentativa de atender aos amigos artistas que buscavam uma alterna-
tiva à argila. Eles precisavam que a massa secasse mais rapidamente que a
argila para que pudessem continuar seus projetos e obras, especialmente no
inverno, quando a umidade do ar faz com que a argila demore mais para secar
e enrijecer.

Apesar de ser um plástico termoestável, ou seja, que não se desestabiliza com


a variação da temperatura, a plastilina apresenta diversas características es-
peciais, como a �exibilidade e a baixa resistência a altas temperaturas. Como
plástico, sua reciclagem é simples. Originalmente, a plastilina não tem cores
variadas, mas é possível colorir a massa com corantes em pó ou líquidos.

A plastilina é usada especialmente nos �lmes de animação stop motion, devi-


do à sua plasticidade, versatilidade e durabilidade.

Observe, na Figura 53, uma escultura feita em plastilina.

Figura 53 Escultura em plastilina.

Paper Clay
É uma argila com polpa de papel, que �ca muito leve e delicada quando quei-
mada. Dependendo da formulação, essa massa pode ser produzida como um
tipo de papel machê, surgindo como uma nova possibilidade para escultores.

Depois de queimadas, as peças �cam mais leves, pois a celulose usada na


composição da massa se incinera durante a queima. Outra característica im-
portante é sua resistência a grandes tensões, graças à plasticidade, desde que
obedecidas as especi�cações quanto à porcentagem de papel na massa.

Na Figura 54, podemos observar algumas peças feitas em Paper Clay pela ar-
tista Cynthia Gavião.
Figura 54 Peças da artista Cynthia Gavião.

6. Desbaste: Entalhe
A escolha de um tipo de material para realizar uma escultura implica, por
consequência, a técnica a ser utilizada. O desbaste ou o entalhamento de ma-
teriais em escultura é uma das técnicas mais antigas. Geralmente, é usado em
pedra, madeira e cimento, que são superfícies mais duras, mas também pode
ser usado em materiais mais macios, como gesso e até isopor, desde que com
o auxílio de ferramentas adequadas. As ferramentas de escultura de desbaste
são os cinzéis e as goivas.

Na Antiguidade, a pedra era o material mais comum nas esculturas, com ên-
fase nos mármores, matéria-prima da maioria das esculturas daquele período.
Essas esculturas chegaram até nós praticamente intactas devido à durabilida-
de do mármore (MUNDO EDUCAÇÃO, 2012).

Trabalhadas por desbaste, ou seja, por cortes feitos com ferramentas a�adas,
que retiram partes do material para atingir as formas que o artista projetou,
essas esculturas devem ser cuidadosamente planejadas, pois di�cilmente é
possível “retocar”: não é possível fazer colagens ou remendos nas pedras.

Diz uma "lenda" do mundo das artes que Michelangelo, ao concluir seu famo-
síssimo Davi, foi questionado sobre como fez seu projeto. Michelangelo, então,
teria respondido que não projetou nada, que "ele", Davi, já estava lá, dentro do
mármore, e coube ao artista somente “tirar os excessos” de pedra.

Coisa de gênio, não? Brincadeiras e lendas à parte, a escultura por desbaste é


exatamente isso: retirar o que "não serve" ao seu projeto, mantendo somente
as formas desejadas.

7. Madeira
Das técnicas de desbaste existentes, a que é utilizada em madeira chama-se
entalhe. A grande variedade de tipos de madeira é responsável pela variedade
equivalente de ferramentas para entalhe em madeira, cada uma com uma
função especial, um corte especí�co e, por consequência, um resultado dife-
rente.

Segundo Vieira (2012):

Ao longo dos anos, a arte de esculpir madeira evoluiu muito. As técnicas tornaram-
se mais práticas e e�cientes, em grande parte devido à evolução das ferramentas.
Hoje em dia, os escultores têm à sua disposição uma vasta gama de ferramentas e
conjuntos de grande qualidade e muito mais funcionais. Mesmo os escultores ama-
dores podem aumentar a qualidade dos seus trabalhos recorrendo a estes instru-
mentos mais evoluídos.
As tendências e técnicas na arte da escultura em madeira podem ter mudado mui-
to, mas o princípio fundamental que a norteia ainda permanece o mesmo. A escul-
tura é, também, uma forma dos artistas se expressarem. A arte da escultura em
madeira tem sido reconhecida como uma forma concreta de expressão e as madei-
ras de alta qualidade em conjunto com a evolução das ferramentas �zeram aumen-
tar o detalhe, a qualidade e a arte das �guras esculpidas.

Observe, na Figura 55, a imagem de um artista entalhando a madeira.

Figura 55 Artista entalhando madeira.


Agora veremos quais são as principais ferramentas utilizadas para entalhar a
madeira.

As ferramentas
Para entalhar madeira, é necessário:

• Um maço redondo (uma espécie de martelo, para bater nas goivas e for-
mões). Observe, na Figura 55, como é a posição da mão direita do artista
ao realizar o entalhe.
• Um conjunto de goivas (formões de lâmina curva) de diferentes larguras
(Figuras 56 e 57). Os de 8mm, 13mm e 25mm são os mais indicados para
os principiantes.
• Um formão reto para abrir sulcos, um formão liso e um chanfrado (para
cantos) (Figura 58).

Para a confecção dos trabalhos de entalhe, utilizam-se ferramentas encontra-


das no mercado, mas muitas outras o artista fabrica conforme sua necessida-
de. Dentre as encontradas no mercado, estão os jogos de ferramentas compos-
tos de seis ou doze peças e, também, peças avulsas como formões (Figura 58),
goivas (os formões de lâminas curvas) (Figuras 56 e 57), ferra canto e outras
peças.
Figura 56 Jogo de goivas.

Figura 57 Jogo de goivas.

Figura 58 Jogo de formões.

As ferramentas de entalhe precisam ser bem a�adas para cortar a madeira a


ser trabalhada. Mantenha as goivas (Figuras 56 e 57) e os formões (Figura 58)
bem a�ados enquanto trabalha, pois as ferramentas cegas tendem a escorre-
gar.

Outras ferramentas necessárias são a grosa (Figura 59) e as limas (Figura 60),
ferramentas de várias formas com dentes mais �nos para cortar a madeira ex-
cedente e um simples barrilete ou grampo (Figura 61) para �xar no lugar o blo-
co a ser entalhado. Como alternativa, pode ser usado também um torno de
bancada (Figura 62), o que permite ajustar a posição da peça durante o traba-
lho.

Figura 59 Grosa.

Figura 60 Limas de diversos tipos.


Figura 61 Grampos, também conhecidos como "sargentos".

Figura 62 Torno de bancada.

Também é bastante útil dispor de um conjunto de folhas de lixa de grãos gros-


sos, médios, �nos e muito �nos (Figura 63) para alisar a superfície da peça
acabada, além de um produto para envernizar.
Figura 63 Folhas de lixa de grãos variados.

Para alguns projetos, pode ser necessário o uso de furadeiras, brocas e demais
ferramentas elétricas, que são facilmente encontradas em lojas de materiais
de construção. Para obras de grandes dimensões, é interessante trabalhar com
serras e lixadeiras elétricas, de acordo com a �nalidade.

Em resumo, para tirar o máximo proveito das ferramentas, deve-se saber qual
é sua utilidade e qual a forma correta de usar cada uma delas. Normalmente, o
próprio nome da ferramenta indica sua função.

Agora que conhecemos as principais ferramentas utilizadas para o entalhe,


vejamos os tipos de madeira utilizados nessa arte.

Os tipos de madeira para entalhe


Pode-se entalhar qualquer tipo de madeira. No entanto, as mais usadas são as
madeiras “moles”, ou seja, aquelas cujo manuseio é mais fácil com ferramen-
tas cortantes.

Segundo o site Carpintaria etc. (2012):

[...] o mogno e a madeira da imbuia e de algumas árvores frutíferas são madeiras


boas para principiantes; pode-se também utilizar uma prateleira ou pé de um mó-
vel velho, depois de tirado o verniz ou polimento. As madeiras muito macias são di-
fíceis de cortar com precisão.
Se você precisar juntar folhas de madeira para formar um bloco su�cientemente
espesso para entalhar, utilize uma cola PVA. Prenda com um grampo as lâminas de
madeira enquanto a cola estiver úmida e deixe secar de um dia para o outro.
Portanto, as madeiras mais "moles" são indicadas para entalhe e as madeiras
mais “duras” devem ser usadas somente quando se adquire maior experiência
em entalhes.

Os artistas e seus trabalhos


O principal exemplo de esculturas em madeira que conhecemos é, sem dúvi-
da, a arte sacra brasileira, com seus santos entalhados em madeira e decora-
dos com pintura policromada, que adornavam os altares das igrejas barrocas,
em especial em Minas Gerais, nos séculos passados.

Uma dessas esculturas pode ser observada na Figura 64, uma obra de Xavier
de Brito.

Figura 64 Nossa Senhora, de Xavier de Brito.

Mas o entalhe de madeira é uma técnica bastante conhecida, tendo atualmen-


te sua melhor expressão na África e na Oceania, conforme podemos observar
nas Figuras 65 a 68.
Figura 65 Esculturas em madeira, de Cabo Verde.

Figura 66 Escultura em madeira, de Cabo Verde.

Figura 67 Escultura – Família Guerreiros. Indonésia.


Figura 68 Escultura contemporânea do Zimbábue.

Na Europa, pouco sobrou das obras em madeira da Antiguidade Clássica. Foi


no �m da Idade Média o período do grande �orescimento dessa arte. No interi-
or das igrejas medievais (Figura 69), a habilidade dos entalhadores era apre-
sentada nas belíssimas cadeiras de couro, nos bancos, nas telas, nos púlpitos e
nas estantes para leitura.
Figura 69 Interior de catedral gótica.

Na arte contemporânea, temos o trabalho de Frans Krajcberg como exemplo


de uso de madeira em esculturas. Porém, Krajcberg não trabalha especi�ca-
mente com entalhes. O artista trabalha com a madeira que ele considera
"morta", ou seja, recolhe madeiras calcinadas por incêndios nas matas para
seus trabalhos.

As obras de Krajcberg são feitas com troncos de árvores queimados e outros


“restos mortais” da natureza que ele recolhe na Amazônia e em outras partes
do país. Suas esculturas são "denúncias" da morte da natureza causada pelo
homem. Sua obra re�ete a paisagem brasileira, em particular a Floresta
Amazônica, e sua constante preocupação com a preservação do meio ambien-
te.

Na Figura 70, podemos observar uma das obras de Krajcberg.


Figura 70 Série Africanas, 1980. Obra de Frans Krajcberg.

8. Montagem ou Assemblages
Inicialmente, é preciso destacar que montagem – ou assemblage – e instala-
ção não são a mesma coisa. Montagem é o processo no qual a escultura é feita
com aproveitamento de objetos e descartes. A instalação, por sua vez, é uma
forma de intervenção artística em que um espaço é ocupado por objetos de na-
turezas diversas, segundo uma intenção-base do artista. Algumas instalações
podem usar as técnicas de montagem, ou assemblage, para serem elaboradas,
mas são, em princípio, manifestações artísticas diferentes.

Você sabe o que é assemblage?


As primeiras montagens conhecidas na arte são as assemblages de Picasso.
Também são chamadas de “assemblagens”, em português.

É a técnica de juntar e combinar objetos díspares já existentes, e oferece a ob-


jetos diversos a possibilidade de penetrar num domínio que antes lhes era es-
tranho: a escultura.

Portanto, assemblage é um termo que descreve trabalhos que são algo mais
que a simples colagem. Baseia-se no princípio de que todo e qualquer material
pode ser incorporado a uma obra de arte, criando um novo conjunto, sem que
ela perca seu sentido original. É uma junção de elementos em um conjunto
maior, no qual sempre é possível perceber que cada peça é compatível e consi-
derada na obra.

Ou seja, o princípio que orienta a feitura de assemblages é a “estética da acu-


mulação”. Na escultura cubista, pouco conhecida, seu desenvolvimento se li-
mitou a conseguir efeitos parecidos com a colagem. Artistas como “Naum
Gabo, com suas esculturas geométricas e o pintor Pablo Picasso, que também
se dedicou à escultura” representaram o movimento (PORTAL SÃO
FRANCISCO, 2012).
Com a utilização de restos de materiais e com obras não realizadas “em um
bloco homogêneo de pedra ou mármore, o resultado apresenta espaços vazios,
surgindo então o que se denominou ausência de massas” (PORTAL SÃO
FRANCISCO, 2012).

A partir do século 20, muitas coisas aconteceram com a escultura, muitos ma-
teriais surgiram e muitos processos industriais foram incorporados pela área
em suas práticas.

É possível fazer esculturas com quase todos os materiais orgânicos e inorgânicos.


Os processos da arte escultórica datam da antigüidade e sofreram poucas varia-
ções até o século XX. Estes processos podem ser classi�cados segundo o material
empregado: pedra, metal, argila ou madeira. Os métodos utilizados são o entalhe, a
modelagem e a moldagem. No século XX, o campo da escultura foi ampliado e enri-
quecido, com o surgimento de técnicas novas – como a soldagem e a montagem –
e a utilização de novos materiais, entre eles o tubo de néon (CAIU A FICHA, 2012).

Observe, na Figura 71, um exemplo de assemblage.

Figura 71 Copo de absinto, assemblage de Picasso, 1914.

Em linhas gerais, pode-se dizer que Picasso foi o precursor da escultura por
montagem de materiais que, na metade século 20, vai dar origem às instala-
ções artísticas.
Embora as técnicas tradicionais continuem a ser utilizadas, muitas esculturas do
século XX foram feitas com base na construção e na montagem. Estes métodos re-
metem à colagem, técnica pictórica criada, em 1912, por Pablo Ruiz Picasso e
Georges Braque e que consiste em colar papéis e outros materiais diferentes sobre
uma pintura. Nas suas construções, Picasso usou papel e outros tipos de material
para produzir objetos tridimensionais. A cultura construtivista vai das caixas sur-
realistas de Joseph Cornell até as obras com sucata de automóveis e partes de má-
quinas de John Chamberlain, ambos norte-americanos. O termo montagem, que na
atualidade se confunde à construção, foi usado pelo pintor francês Jean Dubuffet
para referir-se à própria obra, surgida da colagem (CAIU A FICHA, 2012).

Joan Miró também foi um dos artistas que faziam montagem em seus traba-
lhos escultóricos. Seus primeiros exemplares de montagens datam de 1929.
Em suas declaradas e claras preferências por uso de materiais de descarte e li-
xo e pela maneira como os trabalha, com os chamados "jogos do acaso", Miró
prenuncia uma tendência da arte contemporânea: a arte bruta de Dubuffet,
Tàpies e os materistas e a poesia da Arte Povera.

Arte Povera, de acordo com o site Pitoresco (2012):

[...] signi�ca “arte pobre”. Foi um movimento artístico italiano que se desenvolveu
na segunda metade da década de 60. Seus adeptos usavam materiais de pintura
não convencionais, como, por exemplo, a areia, madeira, sacos, jornais, cordas, ter-
ra, e trapos, com o intuito de empobrecer a pintura e eliminar quaisquer barreiras
entre a arte e o dia-a-dia das pessoas.

Nessa corrente, criada em meados dos anos 1960, os artistas se voltam para a
natureza ou derivados, rompendo com os processos industriais e mostrando o
empobrecimento de uma sociedade guiada pelo acúmulo de riquezas materi-
ais.

Para entender isso mais claramente, vamos tomar emprestado este texto, da
Enciclopédia de Artes Visuais do Instituto Itaú Cultural (2012):
O termo assemblagem é incorporado às artes em 1953, cunhado por Jean Dubuffet
(1901-1985) para fazer referência a trabalhos que, segundo ele, “vão além das cola-
gens”. O princípio que orienta a feitura de assemblagens é a “estética da acumula-
ção”: todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado à obra de arte. O traba-
lho artístico visa romper de�nitivamente as fronteiras entre arte e vida cotidiana;
ruptura já ensaiada pelo dadaísmo, sobretudo pelo ready-made de Marcel Duchamp
(1887-1968) e pelas obras Merz (1919), de Kurt Schwitters (1887-1948). A idéia forte
que ancora as assemblagens diz respeito à concepção de que os objetos díspares
reunidos na obra, ainda que produzam um novo conjunto, não perdem o sentido
original. Menos que síntese, trata-se de justaposição de elementos, em que é possí-
vel identi�car cada peça no interior do conjunto mais amplo. A referência de
Dubuffet às colagens não é casual. Nas artes visuais, a prática de articulação de
materiais diversos numa só obra leva a esse procedimento técnico especí�co, que
se incorpora à arte do século XX com o cubismo de Pablo Picasso (1881-1973) e
Georges Braque (1882-1963). Ao abrigar no espaço do quadro elementos retirados da
realidade – pedaços de jornal, papéis de todo tipo, tecidos, madeiras, objetos etc. –,
a colagem liberta o artista de certas limitações da superfície. A pintura passa a ser
concebida como construção sobre um suporte, o que pode di�cultar o estabeleci-
mento de fronteiras rígidas entre pintura e escultura. Em 1961, a exposição The art
of Assemblage, realizada no Museum of Modern Art – MoMA, de Nova York, reúne
não apenas obras de Dubuffet, mas também as combine paintings de Robert
Rauschenberg (1925-2008) e a junk sculpture, e isso leva a pensar que a assembla-
gem como procedimento passe a ser utilizada nas décadas de 1950 e 1960, na
Europa e nos Estados Unidos, por artistas muito diferentes entre si.

Na obra de Dubuffet, a ênfase recai sobre a matéria, desde as Texturologias, produ-


zidas em �ns da década de 1950, que se caracterizam, como o título indica, pelas
texturas experimentadas com cores e materiais diversos. Na sequência, o artista
caminha na direção das assemblages pela incorporação de materiais não artísticos
nas telas: areia, gesso, asas de borboleta, resíduo industrial etc. Na Itália, Alberto
Burri (1915), autor de pinturas e colagens, volta-se na década de 1950 para pesquisas
semelhantes, explorando as potencialidades expressivas da matéria com resulta-
dos distintos. Os trabalhos são fruto do ato de soldar, costurar e colar sacos, madei-
ras, papéis queimados, paus, latas e plásticos (Saco, 1953, Combustões, 1957, e
Ferros, 1958). Suas pesquisas com lixo e sucata pre�guram a arte junk norte-
americana e a arte povera italiana.

Como podemos perceber claramente, as assemblages ou montagens não se-


guem o academicismo, sendo fruto das inquietações e buscas dos artistas, que
tentavam novas formas de propor e executar seus trabalhos. A exploração
desses materiais, muitas vezes inusitados, resulta em obras que têm, em sua
maioria, uma poética muito forte.

O termo “academicismo”, na arte, refere-se à pintura, à escultura ou à constru-


ção criada segundo normas de uma academia. Em geral, as academias são as
instituições que conferem caráter o�cial aos princípios estilísticos de determi-
nado período.

Mantidas como técnicas e processos escultóricos até os dias atuais, muitos ar-
tistas contemporâneos fazem uso de assemblages ou montagens em suas
obras.

A “tradição” de usar materiais encontrados e juntados quase que aleatoria-


mente para propostas criativas, iniciada por Picasso, Juan Gris e George
Braque, persiste, ao longo do século 20, nas obras de artistas como Louise
Nevelson, Nancy Grave e Edward e Nancy Kienhotz, que seus trabalhos conti-
nuam utilizando essa proposta de uso de materiais descartados.

Vamos conhecer os trabalhos desses artistas?

Louise Nevelson era uma escultora russo-americana. Suas peças, abstratas,


eram feitas com caixas de madeira. Ao �m da década de 1950, começou a tra-
balhar com sculptural walls (literalmente “paredes esculturais”). Nas sculptu-
ral walls, a artista realizava grandes instalações de imensas faixas feitas de
caixas de madeira que continham uma variedade incrível de objetos. Todos
esses objetos também eram de madeira. Seu trabalho era chamado de assem-
blage, pois eram “montagens” de objetos encontrados no cotidiano.

Observe uma de suas obras na Figura 72.


Figura 72 Untitled. Louise Nevelson (1950). Madeira pintada.

Nancy Graves foi uma pintora, gravadora e cineasta avant-garde (1939-1995),


mas talvez seja mais conhecida por seu estilo inovador de escultura abstrata
expressionista integrada com inspirações da ciência, da arqueologia e do
mundo natural.

Uma de suas obras pode ser observada na Figura 73.

Figura 73 Glass Series. Nanci Graves, esmalte sobre bronze, 1983.

Edward Kienholz (1927-1994) conheceu Nancy Reddin em 1972, e não demo-


rou muito para que os dois estivessem trabalhando lado a lado para desenvol-
ver as obras de Ed. A compatibilidade levou não só ao casamento: Kienholz
decidiu, em 1981, fazer de Nancy coautora de todas as obras em que ela havia
colaborado desde que se conheceram (Figura 74).

Figura 74 The Bronze Pinball Machine With Woman Af�xed Also (Máquina de Pinball de Bronze com Mulher

A�xada). Edward e Nancy Kienholz, 1980. Berlim/Alemanha.

Artistas contemporâneos como Tim Hawkinson, John Chamberlain e


Michelangelo Pistoletto continuam essa “tradição”, escolhendo materiais des-
cartados e encontrados ao acaso como meio de expressão.

Tim Hawkinson nasceu em São Francisco, na Califórnia, em 1960, e vive em


Los Angeles. Seus temas de trabalho incluem o seu próprio corpo (alguns de
seus trabalhos poderiam ser chamados de autorretratos), música e a passa-
gem do tempo, bem como seu envolvimento artístico com material, técnica e
processo.

Algumas de suas peças são mecanizadas (o mecanismo está geralmente intei-


ramente à vista), ou envolvem som. Sua escultura 2005 Bear faz parte da cole-
ção de arte no campus da Universidade da Califórnia, em San Diego.

Observe uma de suas obras na Figura 75.


Figura 75 Emoter. Tim Hawkinson, 2002.

John Chamberlain reutiliza o lixo em sua arte mais de 20 anos antes de a re-
volução de reciclagem da década de 1970 atingir os Estados Unidos. Suas es-
culturas são feitas de materiais comuns: peças de automóveis desmantelados
podem ser vistas em seu trabalho colorido e chamativo, que, de�nitivamente,
são peças de arte (Figura 76).

Mais conhecido por suas esculturas de peças de automóveis esmagados, John


Chamberlain sempre teve interesse em objetos do cotidiano, mas, de 1959 a
1963, ele se concentrou quase exclusivamente em carros. Em vez de criar algo
novo, ele foi demolindo algo existente. Por alguns anos ele fez pinturas com
tinta automotiva, mas depois voltou a seu método anterior de produzir formas
esmagadas, acrescentando materiais como espuma de borracha, acrílico e pa-
pel.
Figura 76 PotatoPoultry, 2008. Aço cromado e pintado. John Chamberlain.

Vejamos esse pequeno texto adaptado do site Infopédia (2012) sobre


Michelangelo Pistoletto:

Michelangelo Pistoletto
Artista italiano, Michelangelo Olivero Pistoletto nasceu em 1933, em Biella. Após um perío-
do de autoformação na área da pintura, possibilitado pela colaboração com seu pai no res-
tauro de pinturas (entre 1947 e 1958), iniciou a sua própria produção. Uma das primeiras
obras que executou é a pintura Homem em Sofá, datada de 1958, que revela desde logo a sua
obsessão pela imagem do homem. No grupo da Arte Povera experimentou uma grande va-
riedade de materiais. Exemplo paradigmático desta fase é a escultura Venus of the Rags
(Figura 77), feita em 1967, onde o artista usa uma estátua clássica de Vênus voltada para
um monte de roupa, contrastando materiais simples e comuns com a estátua em mármore
(adaptado de Infopédia, 2012).
Figura 77 Venus of the Rags. Michelangelo Pistoletto.

Para construir assemblages, como vimos, não há técnicas �xas ou "modos de


fazer". A organização, a montagem e o agrupamento são totalmente livres e �-
cam à escolha do artista. As peças podem ser agrupadas, �xadas, amontoadas,
sobrepostas, en�m, há uma in�nidade de possibilidades, resultando num ar-
ranjo esteticamente interessante.

No Brasil, é possível identi�car procedimentos próximos ao da assemblage em


alguns trabalhos de Wesley Duke Lee (1931), Nelson Leirner (1932) e Rubens
Gerchman (1942-2008), como O Rei do Mau Gosto (1966), com tecido, vidro,
asas de borboleta e tinta acrílica (Figura 78). Além desses, Rochelle Costi (1961)
com Toalha, Vegetais Mofados e Toalha e Flores Mortas (ambos de 1997); e
Leda Catunda (1961), com Jardim das Vacas (1988) e Camisetas (1989).

Figura 78 O Rei do Mau Gosto. Rubens Gerchman, 1966.

Junk sculpture
As junk sculptures (esculturas de lixo, em tradução livre) são uma forma de
montagem de peças que pretende construir um objeto com lixo e peças de ou-
tros contextos, descartadas, que são reutilizadas e reorganizadas.

Ou seja, além do resultado estético das montagens e assemblages, que em sua


maioria são abstratas, as junk sculptures utilizam refugo industrial, sucatas e
materiais descartados de todo tipo como matéria-prima para sua construção.
Isso não é exatamente novo, visto que já havia sido testado nas assemblages
de Pablo Picasso.

Um exemplo bastante ilustrativo de junk sculpture é o trabalho do artista Leo


Sewell (Figuras 79, 80 e 81). Leo é um escultor norte-americano que faz escul-
turas muito bem acabadas com todo tipo de objetos de plástico, metal e madei-
ra. Esses objetos são escolhidos por sua cor, forma, textura e durabilidade, e as
junk sculptures são montadas com pregos, porcas e parafusos.

Figura 79 Junk sculpture de Leo Sewell.


Figura 80 Junk sculpture de Leo Sewell.

Figura 81 Junk sculpture de Leo Sewell.


Plástico
Segundo a de�nição da Wikipédia (2012),

Em química e tecnologia, os plásticos são materiais orgânicos poliméricos sintéti-


cos, de constituição macrocelular, dotados de grande maleabilidade (a propriedade
de adaptar-se a formas distintas), facilmente transformável mediante o emprego de
calor e pressão. Servem de matéria-prima para a fabricação dos mais variados ob-
jetos: vasos, toalhas, cortinas, bijuterias, carrocerias, roupas, sapatos.

O site Descoberta Inédita (2011) acrescenta:

[...] A designação “plástico” origina-se do grego e exprime a característica dos mate-


riais quanto a moldabilidade (mudança de forma física). Podem ser subdivididos
em termoplásticos e termo�xos.

Sendo os termo�xos são polímeros de cadeia rami�cada, para os quais, o “en-


durecimento” (polimerização ou cura) é consequência de uma reação química
e os termoplásticos, tem como vantagem sua versatilidade e facilidade de uti-
lização, desprendendo-se, geralmente, da necessidade de máquinas e equipa-
mentos muito elaborados.

O plástico pode ser usado em arte de diversas maneiras. Desde técnicas de


fundição e moldagem de polímeros (visto que os plásticos são polímeros), co-
mo já vimos, até a montagem com colagem, como é o caso especí�co de que
tratamos agora, ou com auxílio de parafusos ou outros materiais que juntem
as peças. Seja por agrupamento, por montagem ou assemblage, usar materiais
plásticos em obras e trabalhos artísticos é uma excelente opção.

São de plástico as obras de toyart (Figura 82) da maioria dos artistas e as gar-
rafas pet gigantes e iluminadas de Eduardo Srur (Figura 83), instaladas nas
margens do Rio Tietê, em São Paulo.
Figura 82 Customização em ToyArt Mania.

Figura 83 Garrafas PET. Gigantes e iluminadas de Eduardo Srur, instaladas nas margens do Rio Tietê em São Paulo.
Também são feitas de plástico as propostas do sul-coreano Sang Won, que
junta várias bacias e baldes plásticos como se fossem contas de um grande
colar e, com esses elementos, desenvolve proposições quase orgânicas (Figura
84).

Figura 84 As esculturas de plástico do coreano Sang Won estão expostas na galeria Thomas Cohn.

Espuma de nylon
Bastante utilizada no teatro para �gurinos e cenários, a espuma de nylon pode
e deve ser usada nas artes visuais como matéria-prima para processos escul-
tóricos.

Os trabalhos de montagem admitem qualquer material. Por exemplo: as espu-


mas, com sua versatilidade, são excelentes recursos plásticos.

Observe, na Figura 85, uma escultura em espuma.


Figura 85 Escultura em espuma. Lia MMB, 1987. Obra exibida na Galeria Arte e Fato em Porto Alegre-RS, em 1987.

Tecido
Desde que Hélio Oiticica propôs os Parangolés (Figura 86), o uso de tecidos na
arte, em trabalhos diversos, é uma constante. "Esculturas de vestir" – como os
Parangolés ou outras propostas que tenham no tecido sua base de desenvolvi-
mento – podem alcançar ótimos resultados. Tecidos podem ser cortados, cos-
turados, colados, engomados, podem revestir superfícies diversas etc.

Figura 86 Imagem de um Parangolé. Hélio Oiticica.

Além de Oiticica e da multissensorialidade dos Parangolés, com tecidos tam-


bém é possível desenvolver propostas cinéticas e propostas na linha dos cor-
pos moles, como as obras de Ernesto Neto e Renata Pedrosa (Figuras 87 e 88).

A arte cinética (em inglês, kinetic art) é a arte na qual o movimento constitui o
princípio de estruturação. Agrega proposições não materiais aos processos es-
cultóricos, como a percepção e a integração com o espaço como elemento do
processo. Suas manifestações artísticas incorporam trabalhos que evidenci-
am possibilidades de transformação, seja pela posição do observador, seja pela
manipulação da obra.
As esculturas moles de Neto, feitas de tecidos como meias femininas de nylon
ou helanca �na, são recheadas de areia, bolinhas de isopor, terra e muitos ou-
tros materiais. Assim, ganham corporeidade diferenciada a cada novo projeto.

Figura 87 Body space nave mind, 2004. Ernesto Neto, na mostra The encounters in 21st century, no 21st Century

Museum of Contemporary Art, em Kanazawa, Japão. Foto: Shigeo Anzai/Divulgação.

Figura 88 Escultura em nylon e bolinhas de plástico. Ernesto Neto. 2002.

Metal ferroso ou não e outros materiais


Por suas propriedades de soldagem, colagem e mesmo as magnéticas, o ferro
proporciona excelentes resultados estéticos quando utilizado em propostas
escultóricas.

As montagens com sucata de ferro (carros e motos) e outros metais também


conseguem ótimos resultados estéticos. Os metais podem ser fundidos, solda-
dos ou mesmo somente colados ou encaixados em propostas de assemblage
ou junk sculpture.

Figura 89 Cavalo de aço. Junk sculpture de Leo Sewell.

Fios de linha, arames, papel, aparas industriais, bobinas, sobras de carpete etc.
Qualquer material pode ser utilizado como base de processos escultóricos,
conforme observamos nas Figuras 90 e 91.
Figura 90 Construção Linear no Espaço, Naum Gabo, 1949. Utiliza plástico e �os de nylon, denotando uma nova forma

de apreciação da obra de arte e podendo ser fruída por vários sentidos do espectador.

Figura 91 Escultura em jornal.

Outro exemplo que podemos citar são as torres de ferro �uido. Acompanhe o
texto a seguir.
As incríveis torres de ferro �uido
São instalações que se movem sinteticamente com música. As estruturas �cam em uma
grande bandeja de ferro que contém ferro �uido – quando a música começa, o campo ele-
tromagnético ao redor das torres é aumentado, o que ativa os “picos” de ferro �uido. A técni-
ca é chamada de escultura de ferro �uido, usa um imã no interior do espiral e ajusta-se o
imã para o efeito que se quer produzir. Para picos pequenos, um campo eletromagnético
menor, para maiores, um campo eletromagnético mais forte. O formato das torres é em héli-
ce para que o �uido possa se mover para cima. Para que a sincronização com a música seja
perfeita são adicionados dados à batida, para que o ímã tenha seu campo eletromagnético
alterado automaticamente (HYPESCIENCE, 2012).

A cada dia surgem novidades no uso de matérias e técnicas. Portanto, o artista


deve estar atualizado e sempre em estado de pesquisa, ou seja, deve sempre
estar aberto às novas possibilidades, pesquisando, ele mesmo, novos usos pa-
ra materiais já conhecidos e usados.

9. Processos Escultóricos em Sala de Aula


Como área de conhecimento, a arte é ampla e engloba, para �ns de estudo, cin-
co áreas especí�cas, segundo os PCN: Artes Visuais, Dança, Música, Teatro,
para o Ensino Fundamental, e Artes Audiovisuais, para o Ensino Médio.

Quando, em aula, falamos de processos escultóricos, estamos falando de ensi-


no de arte ou arte/educação na área de artes visuais, pois essa é uma área de
conhecimento que tem fundamentação, objetivos e conteúdos a serem traba-
lhados.

Processos escultóricos são métodos e técnicas para a produção de esculturas.

Assim, surge a questão: como usar, na prática pedagógica, os processos escul-


tóricos? Mila Chiovatto (2012) a�rma:
Nas experiências com formação docente, uma das questões mais recorrentes
refere-se à falta de informações de base, o que faz com que os professores sintam-
se hesitantes para modi�car sua prática letiva através, por exemplo, da estimula-
ção de questionamentos por parte dos alunos, os quais – acreditam – não estão em
condições de responder.
As dúvidas manifestadas pelos professores deixam entrever duas questões entrela-
çadas: o resultado da precária formação recebida, que os torna inseguros, e a per-
cepção de seu papel como depositário e transmissor de informações.
A falta de preparo resultante da trajetória de educação formal tende a criar profes-
sores desmotivados, acomodados a uma prática convencional, autômata, na qual
perdem o prazer de ensinar, tanto quanto os alunos perdem o de aprender.

Portanto, é necessário que o professor de Artes tenha claro o conteúdo que irá
abordar em sua aula e a tipologia desse conteúdo, para que ele sempre se arti-
cule com o contexto.

Sem pretender ser um “manual” ou "ditar regras" para a ação docente, este ci-
clo pretende orientar a elaboração de propostas usando os processos escultóri-
cos aprendidos no decorrer deste estudo, na pesquisa e na prática pedagógica
do professor de arte em formação.

Segundo Dewey (1980), a experiência, seja qual for seu material (ciência, arte,
�loso�a e matemática), precisa ter qualidade estética para se efetivar como
tal.

A proposta deste estudo é desenvolver a pesquisa de materiais alternativos


em processos escultóricos para uso em sala de aula como experiência de qua-
lidade estética, no sentido de tornar o aprendizado em arte signi�cativo e de-
senvolvedor de habilidades críticas.

Papel
Esculturas em papel são ótimos recursos para a sala de aula. O mais tradicio-
nal é o origami, que, embora seja bastante interessante e com ele possam ser
feitos belíssimos trabalhos, já é bastante conhecido e usado. Experimente ou-
sar trabalhar com materiais pouco usuais. Existem outras propostas em que
os processos escultóricos podem ser trabalhados, que podem ser desenvolvi-
das com resultados ótimos.

Uma delas é a papelagem, ou papietagem:

Papelagem
O que você precisa:
• Jornal.
• Papel de seda ou de embrulho de pão.
• Bacia sem reentrâncias e curvas.
• Vaselina cremosa.
• Cola branca ou goma de qualquer tipo.
• Pincel.
• Papel de presente.
• Tinta para artesanato.

Etapas:

1) Passe vaselina dentro da bacia.

2) Corte o jornal em tiras.

3) Cole as tiras na bacia até completar sete camadas.


4) Cole tiras de papel de seda ou de pão por cima para dar o acabamento.

5) Deixe secar completamente. Retire a peça girando e puxando.

Efeitos decorativos: pinte ou cole papel de presente.

Variação: o mesmo processo pode ser feito passando a vaselina e colando o


papel por fora da vasilha (RECICLOTECA, 2012).

Outro processo interessante para ser trabalhado com alunos é a confecção de


esculturas de papel de seda em casinhas de abelha.

Com as casinhas de abelha, podem ser feitas todas as formas geométricas, em


sólidos, o que pode contribuir muito para o aprendizado deste conteúdo.

Elas são feitas em papel de seda, com colagens em lugares estratégicos para
que, ao serem abertas, formem as formas trabalhadas. Essa técnica de mani-
pulação de papel também é conhecida como “favos de seda”, devido à aparên-
cia das peças quando prontas (Figuras 92, 93 e 94).
Fonte: acervo pessoal da autora.

Figura 92 Forma oval.

Fonte: acervo pessoal da autora.

Figura 93 Forma esférica.


Fonte: acervo pessoal da autora.

Figura 94 Árvore de Natal.

A seguir, ensinaremos como fazer a árvore de natal da Figura 94 de acordo


com Sampaio (2012):

Árvore de Natal em papel de seda


Material:
• 2 folhas de papel de seda verde.
• 1 folha de papel color set branco cortado na medida 22 cm x 15 cm.
• 1 folha de papel color set verde.
• 1 folha de papel color set vermelho.
• 1 folha de papel laminado dourado.
• Enfeitinhos dourados.
• Lacinhos pequenos.
• Cortador em forma de pomba.
• Cola branca.
• Tesoura.
• Lápis preto.

Modo de fazer:

Para cada sólido, você vai precisar de um molde com a metade dele. Por exem-
plo, para fazer o círculo, você precisará de um molde de um meio círculo. Para
fazer um cilindro, precisará de um retângulo; para fazer uma forma oval, como
a da imagem, precisará de um molde de meia forma oval. E assim por diante.

Agora é só pegar o molde (Figura 95) e seguir o passo-a-passo:


Fonte: acervo pessoal da autora.

Figura 95 Molde para recortar as folhas de papel de seda.

Passo a passo:

1) Pegue o papel verde e dobre-o ao meio três vezes. Com o molde, risque a ár-
vore no papel cinco vezes e depois corte. Serão formadas 40 árvores.

2) Faça cinco montes com oito árvores cada. Dobre-as ao meio três vezes, for-
mando sete vincos em cada.

3) Passe cola em uma árvore e cole-a sobre outra.


4) Pegue uma árvore e passe cola nos vincos de número par. Pegue outra folha
e cole sobre a anterior. Em seguida, passe cola nos vincos de número impar da
árvore.

5) Abra todas as árvores e espere secar por dez minutos.

6) Pegue o papel color set branco e dobre-o ao meio. Pegue a base de uma das
árvores e cole na parte interna do cartão.

7) Pegue um vaso e cole no cartão, embaixo da árvore. O outro será colado na


parte externa do cartão.

8) Risque uma árvore no papel color set verde, recorte e cole-o na parte exter-
na do cartão.
9) Pegue os enfeites dourados e os lacinhos e decore a árvore.

10) Com o cortador em forma de pomba, recorte uma pomba no papel lamina-
do dourado e cole-a sobre o cartão.

Papelão
O papelão é um material que, além de ser extremamente versátil e de baixo
custo, pode ser conseguido de graça em mercados e lojas.

Com papelão, é possível trabalhar processos escultóricos bastante interessan-


tes com alunos de todas as idades. Com os menores, é interessante trabalhar
casinhas e carros, em que eles possam entrar e abusar da imaginação.

Com os maiores, é possível trabalhar conceitos de design de produto e mesmo


propor o desenvolvimento de móveis e objetos, como os criados por designers
(Figuras 96, 97 e 98). Os alunos podem executar os projetos ou desenvolvê-los
criativamente, experimentando.
Figura 96 Mesa e cadeiras de papelão. Móveis da empresa 100T.

Figura 97 Da designer Daniela Bueno.


Figura 98 Estante de parede das lojas Paper. Art e Foldschool.

Durante o trabalho com papelão, podem ser apresentados os trabalhos de ar-


tistas que usam esse material em suas obras. Veja alguns exemplos nas
Figuras 99 a 104:

Figura 99 Escultura em papelão de Chris Gilmour.


Figura 100 Escultura em papelão de Chris Gilmour.

Figura 101 Escultura em papel de Jen Stark.


Figura 102 Escultura em papel de Jen Stark.

Figura 103 Escultura em papelão da Jetro. Japan External Trade Organization.


Figura 104 Escultura em papel e papelão da artista plástica Ana Serrano.

Papel machê
Também conhecido como papel marchet e papier maché (em francês, papel
esmagado, picado. Lê-se "machê".), é uma técnica milenar conhecida na China
200 anos antes de Cristo.

Os chineses fabricavam com essa técnica capacetes e recipientes para líqui-


dos, depois de impermeabilizados. Com o crescimento do comércio com os po-
vos da Europa, a técnica atingiu o Ocidente, foi largamente difundida e passou
a ser usada na fabricação de objetos de arte.

Na França, e depois na Inglaterra, a técnica foi usada para criar objetos deco-
rativos como candelabros, porta-joias e bijuterias. Até mesmo biombos e bar-
cos leves foram feitos com papel machê. Para se ter ideia da durabilidade do
material, nos Estados Unidos foram construídas casas de papel machê que
duraram décadas. Na Noruega, na cidade de Berghen, foi construída uma igre-
ja que durou 37 anos. É uma massa feita com papel, água, farinha e cola, muito
maleável, ótima para ser trabalhada com crianças.

Algumas das receitas levam formol e devem ser evitadas com crianças muito pequenas, pois, se ingeridas,
podem fazer mal à saúde.

Vejamos uma dessas receitas de acordo com o site Recicloteca (2012).

Receitas: Tipo 1
Esta receita é mais delicada – indicada para máscaras, caixinhas e trabalhos
que tenham mais detalhes.

Material:
• 1/4 de rolo de papel higiênico.
• Farinha de trigo.
• Gesso em partes iguais às de farinha de trigo.
• Cola fria.

Modo de preparo:

Corte o papel em pedaços bem pequenos e deixe-os de molho em bastante


água durante a noite. Ferva-os na mesma água, durante uma hora. Para obter
mais qualidade no trabalho, é importante que o papel �que completamente
desmanchado.

Em seguida, coe o papel num pano, até tirar toda a água. Coe de cada vez
quantidades que você possa espremer facilmente com as mãos e não misture
esses “bolos” entre si.

Depois de espremido todo o papel, acrescente o gesso e a farinha de trigo, pre-


viamente misturados. A proporção para a massa é de uma colher de sopa
cheia da mistura farinha-gesso e uma colher de sopa de cola fria, para cada
“bolo” de papel.
Amasse bem, até obter uma pasta homogênea. Se estiver muito seca, pode es-
farinhar. Neste caso, acrescente água aos pouquinhos, até obter o ponto em
possa trabalhar a massa. Se a água começar a escorrer entre os dedos, é por-
que você colocou quantidade excessiva. Neste caso, acrescente um pouco
mais de gesso.

Não prepare quantidade maior de massa do que aquela que você pretende
usar, pois uma vez seco o gesso, não será possível aproveitar a massa. Se dese-
jar fazer escultura com esse material, não use gesso, ao preparar a mistura.
Faça-a apenas com o papel, farinha e cola fria, na proporção indicada anteri-
ormente.

Passo a passo:

1) Pique bem o papel e deixe de molho na água.

2) Pode-se usar liquidi�cador para melhor desmanchar o papel.

3) Coe o papel liquidi�cado e esprema bem para retirar toda a água.

4) Acrescente os outros ingredientes e misture bem com as mãos até atingir a


consistência de massa.
Observe, nas Figuras 105 e 106, algumas obras em papel machê.

Alternativamente, você poderá usar massas de modelagem diferentes do pa-


pel machê. A massa de sal é uma das opções, assim como o biscuit. Em segui-
da, apresentaremos essas duas receitas.

Figura 105 Esculturas em papel machê.


Figura 106 Escultura em papel do artista Allen Eckman.

Massa de sal
A massa de sal é bem prática para se trabalhar e apresenta baixo custo. Como
não vai ao fogo, pode ser preparada pelas próprias crianças, mas deve ser as-
sada com a supervisão de um adulto. Se for ingerida não faz mal, visto que só
leva água, farinha e sal. Vejamos, a seguir, a receita:

Receita de massa de sal


Material:
• 2 copos de farinha.
• 1 copo de sal.
• 1 copo de água.

Modo de preparo:

Ponha a farinha de trigo e o sal em um recipiente e misture com uma colher


de pau. Acrescente a água aos poucos, até formar uma massa compacta e ho-
mogênea. Se a massa �car muito pegajosa, acrescente um pouco de farinha de
trigo. Se �car seca demais, acrescente um pouco de água. Trabalhe a massa
com as mãos sobre uma superfície plana e bem limpa. Para evitar que grude,
polvilhe previamente a superfície com um pouco de farinha de trigo. Uma vez
terminadas as �guras, coloque-as em uma bandeja e leve ao forno baixo por
aproximadamente 1 h (até dourar). Você não precisa de tintas especiais para
colorir as �guras; pode aproveitar as que tiver em casa. Pode também
envernizá-las diretamente ou depois de pintadas (ABEC, 2012).

Biscuit
A porcelana fria, muito conhecida no Brasil como biscuit (veja exemplo de es-
cultura em biscuit na Figura 107), teve suas origens na massa de sal, oriunda
da Itália, e na massa salt dough, utilizada nos Estados Unidos. É uma massa
essencialmente constituída de cola e amido de milho. A cola confere-lhe ele-
vada resistência e maleabilidade, permitindo ainda que as peças sejam pinta-
das e envernizadas após a moldagem. Uma das grandes vantagens dessa
massa é o fato de ela não ter de ir ao forno, uma vez que as peças acabadas se-
cam ao ar. Quando bem confeccionados, os trabalhos executados com a massa
têm aspecto semelhante ao dos trabalhos em porcelana tradicional. Vamos à
receita:

Receita de biscuit ou massa de porcelana fria


Ingredientes:
• 2 xícaras de chá de cola branca.
• 2 xícaras de chá de amido de milho (maisena).
• 1 colher de sopa de suco de limão (esprema um limão e pegue essa quan-
tidade).
• 2 colheres de sopa de vaselina líquida (comprada em farmácias);
• 1 colher de sopa de creme para as mãos, tinta a óleo para pintar tela (qua-
dros) a �m de colorir a massa nas cores desejadas.

Modo de preparo:

Misture todos os ingredientes, exceto o creme para as mãos, em uma tigela de


vidro e leve ao micro-ondas em potência baixa por 1 minuto. Tire, misture um
pouco a massa e coloque novamente no micro-ondas por 1 minuto. Faça este
procedimento mais 2 vezes (3 vezes no total). Se não tiver micro-ondas leve a
mistura ao fogo por 10 minutos até que a massa desgrude da panela. Coloque
um pouco de creme para as mãos em uma superfície para você trabalhar a
massa. Depois, coloque a massa sobre essa superfície e coloque o restante do
creme para as mãos e comece a amassar a massa, misturando-a com o creme.
Se desejar, coloque um pouco de tinta a óleo para colorir a massa. Se quiser vá-
rias cores diferentes, separe quantidades de massa e coloque cada uma em
uma cor. Se quiser uma massa de pequena espessura, use um rolo (ou cano de
PVC) para amassar. Se quiser cortá-la, use estilete. Lembre-se que a massa de-
ve ser guardada enrolada em plástico (FENACELBRA, 2012).

Figura 107 Escultura em biscuit.

10. O que é um Projeto Pedagógico em Artes


Visuais?
De acordo com as diretrizes curriculares do MEC para os cursos de Artes
Visuais, uma das competências que se espera do aluno licenciado nesses cur-
sos é a de desenvolver projetos pedagógicos em Artes Visuais.
Ou seja, o aluno deve estar apto a desenvolver propostas para projetos pedagó-
gicos de cursos e conteúdos curriculares contemplando as especi�cidades da
área de Artes Visuais (área de sua formação) nos moldes do que são conside-
radas necessidades mínimas nas diretrizes para sua formação. De acordo com
o Sampaio (2009):

Há diversas formas de se desenvolver Projetos Pedagógicos nas diversas áreas de


conhecimento. As Diretrizes Curriculares de Artes Visuais, sistematizadas pela
Comissão de Especialistas de Ensino de Artes Visuais da SESu/MEC são, em linhas
gerais, as orientações para o desenvolvimento de projetos pedagógicos consisten-
tes e coerentes com a própria formação do pro�ssional de artes visuais, procurando
atender uma visão de formação que contemple as especi�cidades da área. Assim, o
planejamento de um curso ou unidade de conteúdo, em Artes Visuais, é um arranjo
de ações/atitudes/proposições para atender a uma proposição mínima de formação
que, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abran-
jam os elementos estruturais e possam ajudar a construir um percurso.

Justi�cativa
Ao realizar um projeto, muitas pessoas se confundem ao fazer a justi�cativa.
Justi�car um projeto, seja ele qual for, é fazer a contextualização dos motivos
em que se baseia a necessidade de se "[...] desenvolver uma proposta de projeto
pedagógico da forma que está sendo apresentada". Justi�car uma proposta
pedagógica é diferente de traçar os objetivos dela. Pois os objetivos são "[...]
‘aonde’ se quer chegar, a justi�cativa deve indicar ‘por que' é importante che-
gar a esse 'lugar'” (SAMPAIO, 2009).

Também é na justi�cativa que devem ser descritas as "condições objetivas de


oferta e a vocação do curso" (MEC, 2009). Ou seja, além de contextualizar a
proposta, “o que pode, também, ser um item separado, chamado de 'introdu-
ção' ou 'contextualização', [...] uma justi�cativa bem escrita já é, em si, a intro-
dução de um trabalho de projeto pedagógico" (SAMPAIO, 2009).

Em alguns casos, é necessário dissociar esses itens, para proporcionar um es-


clarecimento mais detalhado.

Sampaio (2009) a�rma ainda que “[...] justi�cativas consistentes têm bases teó-
ricas que dão suporte à argumentação utilizada para defender uma proposta
de projeto pedagógico". Ou seja, ao realizar um planejamento de proposta pe-
dagógica que pretenda ser realmente consistente e sério, deve-se cuidar aten-
ciosamente para que o que seja proposto tenha fundamentação adequada.

Nada, numa proposta pedagógica séria, acontece 'porque sim'. A presença ou não
de uma visão, ideia, teoria, método etc. deve estar diretamente relacionada e emba-
sada em argumentações consistentes, apoiadas por uma teoria adequada que vali-
de a proposição (SAMPAIO, 2009).

Objetivos
Nas Diretrizes Curriculares de Artes Visuais, o Projeto Pedagógico é chamado
de: "Objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções:
institucional, política, geográ�ca e social” (MEC, 2009).

De acordo com Sampaio (2009):

Em linhas gerais, uma proposta consistente de projeto pedagógico parte que uma
questão clara: o que se pretende que seja alcançado no �m do curso (unidade)?
Como o processo começou, quais serão os resultados �nais?
Já os objetivos especí�cos são mais detalhados, mais delimitados quanto ao que se
pretende ou que se espera que tenha se modi�cado, no aluno, após ter percorrido o
percurso proposto. Ou seja: o que vai provocar, no aluno, um percurso como esse?

Cronograma
O item denominado "Cargas horárias das atividades didáticas e da integraliza-
ção do curso" (MEC, 2009) se refere ao cronograma do curso, ou seja, a distri-
buição das atividades pretendidas ao longo do tempo de duração previsto para
a proposta. Este item, que também poderia ser chamado de "cronograma",
mais que um calendário com datas in�exíveis, é um cronograma detalhado
que contém as seguintes informações:

1. Carga horária das atividades.


2. Descrição de como serão desenvolvidas.
3. Sequenciamento das etapas/conteúdos.
4. Pré-requisitos para etapas seguintes.
5. Necessidade de conhecimentos anteriores (SAMPAIO, 2009).

Se houver a necessidade de conhecimentos prévios de um determinado as-


sunto ou tema, estes devem ser levados em consideração ao serem elaboradas
propostas pedagógicas de qualquer nível. Por exemplo: “[...] se a intenção é ela-
borar uma proposta a ser desenvolvida em Ensino Médio, é necessário haver,
antes, os conhecimentos do Ensino Fundamental” (SAMPAIO, 2009).

Nesses casos, sempre convém incluir o planejamento de "[...] um nivelamento


de conhecimentos mínimos essenciais para o desenvolvimento da proposta
que está sendo elaborada" (SAMPAIO, 2009).

Um bom cronograma apresenta as etapas de execução de um projeto detalha-


damente descritas. Porém, o cronograma deve ser claro o su�ciente para ser a
base dos critérios de avaliação que serão desenvolvidos como auxiliares do
processo pedagógico.

Metodologia
O item denominado “metodologia” nas diretrizes curriculares nacionais é onde
são descritas as formas de trabalho que serão adotadas para desenvolver as
propostas de conteúdos: “[...] a �m de atender os objetivos, re�exos da justi�ca-
tiva, é a maneira de direcionar as ações que vão ocasionar o alcance das pro-
postas iniciais" (SAMPAIO, 2009).

Escolher um método de trabalho tem grande importância em um projeto pe-


dagógico, pois é com o método escolhido que se pretende atingir os objetivos
traçados. Dessa forma, uma metodologia escolhida de forma equivocada pode
comprometer os resultados de um projeto pedagógico, tornando-o ine�ciente.

Assim, diante das diversas possibilidades metodológicas disponíveis, deve ser


feita uma re�exão prévia consistente sobre qual (ou quais) o(s) método(s) mais
adequados ao desenvolvimento da proposta. Sampaio (2009) a�rma:
Algumas metodologias privilegiam determinado aspecto. Em outras, podem ser
evidenciados outro ou outros aspecto(s). Por isso, antes de escolher uma metodolo-
gia, é necessário conhecer bem as possibilidades, objetivos, bases teóricas e, princi-
palmente, características de pontos 'fortes' e/ou 'fracos' das propostas existentes e
conhecidas.

Atualmente, há uma grande tendência de opção por metodologias que con-


templem ou busquem contemplar as proposições da transdisciplinaridade.
Umas com mais ênfase na forma, outras com mais ênfase nos processos. As
diretrizes curriculares de Artes Visuais também seguem essa tendência (MEC,
2009). Assim, segundo Sampaio (2009):

[...] as propostas em consonância com as diretrizes curriculares que, como já dito,


orientam os projetos pedagógicos dos cursos de formação em artes visuais, têm se
mostrado mais coerentes e efetivas para atender às necessidades contemporâneas
de processos educativos mais efetivamente consistentes.

As diretrizes Curriculares, no item "Formas de realização da interdisciplinari-


dade" (MEC, 2009) pedem "[...] que sejam esclarecidas as proposições para que
a interdisciplinaridade possa efetivamente acontecer" (SAMPAIO, 2009).

Teoria e prática: integração

Para se desenvolver um projeto pedagógico e�ciente, é necessário:

[...] de�nir claramente as separações e especi�cidades dos aspectos teóricos e práti-


cos de um curso ou unidade de conhecimento que sejam tratados na proposta, as-
sim como as formas de proporcionar a integração de ambas as áreas, garantindo o
atendimento dos objetivos (SAMPAIO, 2009).

Mas,
[...] não é necessário haver [...] um item especí�co para este �m se a proposta de tra-
balho contemplar uma temática em uma das áreas somente, mas é interessante,
mesmo nestas ocasiões, ter ciência da necessária integração entre teoria e prática,
mesmo que esta seja consequência do aprendizado (SAMPAIO, 2009).

Avaliação
As diretrizes curriculares chamam de "Formas de avaliação do ensino e da
aprendizagem" (MEC, 2009) o processo de avaliação de aprendizagem.

Um processo de aprendizagem tem início, duração e �nalização. Na etapa da


�nalização acontece a avaliação. De acordo com Sampaio (2009), uma avalia-
ção consistente tem "critérios que devem ser bem claros":

[...] que irão proporcionar o entendimento e esclarecimento para saber se os objeti-


vos foram atendidos ao longo da proposta. Apresentadas num projeto pedagógico,
as formas de avaliação variam de acordo com os objetivos (SAMPAIO, 2009).

Avaliações não devem ser momentos de "premiação". Ou seja, notas não são
"prêmios" ou "punições" que o professor distribui entre alunos. Assim,
Sampaio (2009) ainda nos mostra que “[...] cumprir uma etapa de uma propos-
ta só deve merecer atribuição de valores se isso for condição para atingir os
objetivos traçados originalmente".

Na maioria dos projetos, essa fase se caracteriza como uma das principais di�-
culdades dos pro�ssionais de educação, como muitos estudos mostram, inclu-
sive na área de arte/educação. Sampaio (2009, grifos nossos) a�rma:

[...] é importante ter em mente que a clareza de critérios de avaliação é fator pre-
ponderante de sucesso de uma proposta pedagógica, qualquer que seja. Para avali-
ar, é preciso saber o que avaliar!

Bibliogra�a
Em síntese, bibliogra�a ou referências bibliográ�cas são:

[...] uma lista dos documentos utilizados como referência na construção da propos-
ta de projeto pedagógico, pois é pela bibliogra�a selecionada que se constroem as
bases de sustentação teórica com que a proposta dialoga para a efetiva construção
de conhecimento (SAMPAIO, 2009).

A normalização das referências deve seguir as orientações da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que regulamenta como devem ser ci-
tados livros, revistas, sites, discos, �lmes, suplementos, entrevistas etc., inclu-
sive os dispositivos multimídia. Qualquer material utilizado como fonte de
pesquisa e referência em uma proposta deve ser listado na bibliogra�a.

Esquema simpli�cado
Para orientar a elaboração de projetos pedagógicos, Sampaio (2009) sugere os
sete passos descritos a seguir:

1. Onde estou? – introdução.


2. Aonde quero chegar? – objetivos.
3. Por que fazer? – justi�cativa.
4. O que fazer? – cronograma.
5. Como fazer? – metodologia.
6. Deu certo? – avaliação.
7. Quem me ajuda? – bibliogra�a.

Escrever um projeto pedagógico consistente e de qualidade inclui o atendi-


mento a essas questões, procurando respostas para cada uma delas. É como
desenhar o roteiro de uma viagem. Só que essa “viagem” é a aplicação do pro-
jeto.

Agora, você está apto a desenvolver seus próprios projetos de processos escul-
tóricos, compreendendo os espaços do fazer, do contextualizar e do fruir arte,
que são proporcionados pela prática consciente e proposital da abordagem tri-
angular nas aulas de artes.
Se for trabalhar com crianças muito pequenas, elas podem ingerir pedacinhos
da massa. Por isso, é interessante preparar massas que não lhes façam mal,
como a massa de modelar que apresentaremos a seguir. Essa massa pode ser
ingerida, ao contrário das massinhas de modelar prontas, que não podem.

O grande “barato” dessa massa de modelar “caseira” é sua grande elasticidade,


semelhante à da massa comercializada. Ela pode ser usada para os mesmos
tipos de atividades.

Receita de massa de modelar


Ingredientes:
• 2 xícaras de farinha de trigo.
• Meia xícara de sal.
• 1 xícara de água.
• 1 colher de óleo (usar óleo comestível).

Modo de preparo:

A própria criança pode fazê-la. Basta juntar todos os ingredientes e amassá-


los. Se quiser colorir a massa, acrescentar suco em pó ou corante comestível
(SAMPAIO, 2005).

Para ampliar seus estudos, conheça um pouco mais sobre ferramentas de escultura e mo-
delagem (https://www.youtube.com/watch?v=0BXimVDzd-k), e também sobre ferramen-
tas para entalhe: visão geral de goivas e facas (https://www.youtube.com/wat-
ch?v=iKJoae4MqM8).

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo a questão a se-


guir.
11. Considerações
Neste ciclo você pode estudar o que são os processos pelos quais são feitas as
esculturas. Você também pôde avaliar alguns dos métodos, materiais e técni-
cas que são usadas para fazer projetos de escultura. Mas não só isso! Viu tam-
bém que novas técnicas têm sido empregadas na elaboração e na execução de
esculturas, como a dobra e a solda de chapas metálicas, moldagens com resi-
nas, plásticos e materiais tridimensionais.

12. Considerações Finais


Chegamos, assim, ao �nal de nossa disciplina manifestando a nossa esperan-
ça de que ela tenha sido útil para a pro�ssão que você escolheu. Só nos resta
lembrar que, embora tenhamos dado igual importância tanto a parte teórica
quanto a técnica, o fundamental para nos converter em bons pro�ssionais é a
prática, o exercício periódico e constante.

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