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INSURGENTES
organização
IVAIR REINALDIM e
LUCIANO VINHOSA
IMAGENS
INSURGENTES
IMAGENS
INSURGENTES
organização IVAIR REINALDIM e LUCIANO VINHOSA
C C O
7 Apresentação
CAPÍTULO 1 CAPÍTULO 2
DAS IMAGENS FORA DE LUGAR IMAGEM E EMULAÇÃO
13 Ao instar maravilhoso da 97 Antropofagia e decolonialidade:
imagem confusa primeiros passos
LUCIANO VINHOSA LUCIO AGRA
223 MINIBIOS
Apresentação
Outubro de 2022,
IVAIR REINALDIM e LUCIANO VINHOSA
1 Além dos autores e autoras reunidos neste livro, participaram ainda do seminário
Ayrson Heráclito e Tadeu Capistrano, como conferencistas, e Lorraine Pinheiro, como
11
mediadora de mesa.
CAPÍTULO 1 DAS IMAGENS FORA DE LUGAR
Ao instar maravilhoso da imagem confusa*
LUCIANO VINHOSA
Docente no Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense – GAT/UFF
* Este ensaio integra a pesquisa Ressurgência das imagens, financiada pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), bolsa de Produtividade
em Pesquisa 2, ao qual o autor agradece.
habitando outros corpos, esse contato se dava e ainda se dá diretamente
através dos sentidos e, muitas vezes, embalado pela embriaguez da cons-
ciência, sem a necessidade de se tomar distância necessária para a sua
interpretação ou produção de sentidos. Podemos verificar essa atuação
em certas práticas religiosas em que a divindade, ao apoderar-se do cor-
po do sujeito, torna-se uma imagem viva de si em meio ao espaço social
ou quando, em busca de cura, o devoto toca a imagem do santo espe-
rando que surta efeito diretamente em seu corpo molestado. Também a
imagem, no mesmo plano de existência das coisas, quando manipulada,
pode ser usada como veículo ao proceder a passagem de mão dupla entre
os diferentes mundos e corpos – como no caso do xamã, que, em situa-
ções especiais, pode visitar outras subjetividades estanciadas em formas
não humanas e retornar, em seguida, à sua comunidade e contar a sua
experiência junto a seus comensais. Todos esses usos e agências das ima-
gens, e certamente muitos outros que não cabe aqui descrever, são atuais
e estão presentes tanto em culturas não ocidentais como nas ocidentais,
tendo em vista a persistência das práticas de fé e cura, mesmo nas socie-
dades ditas civilizadas. A esse poder de imposição direta, e na tentativa
de contornar a confusão entre instância física e espiritual, entre mortos
e vivos, entre as limitações humanas e a incomensurabilidade divina, a
religião cristã, tendo necessidade de justificar a iluminação racional da
divindade na perfeita ideia do deus que deu origem a tudo, reagiu com
sublimação à coisa, porque o ser divino não pode ser confundido com
qualquer instância material, mesmo que seja esta uma imagem do deus
encarnado – o Cristo que viveu entre os homens –, com o risco de se cair
na adoração do objeto. Então, no contexto das emulações entre homem e
deus que se sucedeu na religião católica, a imagem, o tanto quanto pôde
distanciar-se, relevou-se do suporte e veio a ser uma representação, um
símbolo afastado que, se nos apresenta o Cristo, solicita, em contrapar-
tida, uma compreensão intelectual desse ser divino, ainda que contami-
nada pelas emoções. Na relação que travamos, se a imagem nos afeta em
um primeiro momento, em seguida ela nos reconduz a uma distância
meditativa e segura, tão necessária à contemplação das ideias intangí-
14 LUCIANO VINHOSA
lico ou ontológico, mas de saber como elas agem efetivamente sobre nós,
considerando seus diferentes regimes de ação quando entram em cenas
cruzadas – aspecto que não está dissociado do sujeito que somos e dos
contextos de suas apresentações.
As determinações estéticas na arte: do naturalismo ao realismo
Fig 2 Frans Post. Paisagem com tamanduá, 1660 (circa). Óleo sobre madeira.
58 x 80,5 x 1,2 cm. Número de inventário: MASP.00224. Créditos da fotografia: João
Musa. Coleção: MASP (Museu de Arte de São Paulo). Fonte: https://masp.org.br/
acervo/obra/paisagem-com-tamandua. Acesso em 13 fev. 2023.
E, portanto, toda essa admiração pressupõe por detrás da imagem
um indivíduo reconhecido por seus talentos, quer seja em virtude da con-
cepção de um espaço ideal, bem composto e proporcionado matematica-
mente, como no caso dos artistas italianos; quer seja pela habilidade em
representar as minúcias das coisas em sua vivacidade descritiva, como os
artistas do Norte. Admirar uma pintura e deliciar-se no prazer daquilo
que a imagem nos apresenta era então igualmente apreciar a habilidade do
artista, o que exigia do público certa competência para julgar sua execução
e, outras vezes, interpretá-la levando em conta as intenções que a presi-
diam. Nota-se que esta competência advém não somente da possibilidade
de atribuir ao observador um conhecimento fundado em bases sensíveis,
mas institui-se também pela capacidade de o sujeito empregar a linguagem
para descrever certos predicados artísticos pressentidos na obra, tais como
o belo, o delicado, a suavidade e a firmeza, e justificá-los discursivamente.
O julgamento de gosto, quando põe em relação dois sujeitos, artista e es-
pectador por meio da obra, pressupõe o ajustamento das faculdades sensí-
veis com as inteligíveis da linguagem. Nesse caso, presença e interpretação
seguem juntas na apreciação.
Mesmo tendo a representação naturalista percorrido quase seis sécu-
los, desde as suas primeiras tentativas titubeantes nos séculos XIV e XV, o
pleno desenvolvimento no XVIII, e alcançando o seu desfecho em meados
do século XIX com os impressionistas, isso não implicou que ela tenha de-
saparecido com a emergência da pintura abstrata no século XX, mas estabe-
leceu-se por uma nova episteme. Uma primeira etapa de transformação na
relação sujeito/objeto se dá então quando as imagens da arte já não poderão
mais concorrer com a ciência em virtude de invenções de outros métodos e
meios tecnológicos, mais eficazes, como a fotografia e a produção mecaniza-
da. No entanto, a própria arte e o sentido da representação sofrerão um des-
lizamento em seus interesses, do objeto para o sujeito, o que demarca uma
mudança fulcral. O que é posto claramente pelo romantismo são as relações
intersubjetivas mediadas pela obra de arte, mas de um tipo diferente daquele
que reconhecia nela as habilidades técnicas de seu executor, para entender
o artista como detentor de uma interioridade expressiva que se mostra em
21 LUCIANO VINHOSA
obra. Esse ponto é crucial porque estabelece o jogo intersubjetivo das inten-
ções quando nos colocamos diante de uma imagem. Neste caso, nunca a
pintura se singularizou tanto como quando ela passará a refletir o caráter do
artista por meio de um estilo pessoal, muito acentuado. Decerto, esse acento
é colocado primeiro em função de uma certa expressão sentimental do sujei-
to diante de uma paisagem, como quando pensamos em Turner ou Caspar
Friedrich, por exemplo, emblemáticos do romantismo, mas também se ex-
primirá como ideia de arte se tomarmos o partido de Courbet, de Cézan-
ne ou mesmo de um indiferente Manet. Essa mudança de paradigma vai se
aprofundar de tal maneira que a representação, perdurando no impressio-
nismo como nunca antes um estilo havia mostrado com tanto naturalismo
o mundo em seus movimentos, afirma também, com seus empastamentos
e pinceladas marcadas, a franca presença da pintura diante de nós. Daqui
para frente, a representação naturalista do mundo decai vertiginosamente
até o ponto em que será negada pelos artistas das vanguardas modernas.
Descola (2021) nos chama a atenção para os sucessivos ensaios de Mondrian,
que decantam a representação da paisagem até chegar a reduzi-la a planos
e linhas orientados pelos movimentos verticais e horizontais. De fato, ele a
reduz a um conceito essencialmente abstrato de natureza. Essa reviravolta,
estou identificando-a como realista porque afirma, no lugar do referente, a
coisa, a pintura como objeto, cujo desfecho viável será o conceito de uma arte
concreta. No entanto, não sendo mais fundada em sua iconicidade, a obra
de arte não deixará de ser menos um índice de uma ideia que se exprime no
objeto, sendo esse o aspecto que marca até hoje nossa relação com a arte. A
presença não nos livra do fato de que o objeto de arte traga agregado em si
algo de imaterial que o faz diferente dos objetos banais. Como nos ensina
Danto (1989) ao referir-se à Brillo Box de Andy Warhol, sendo idêntico em
aparência ao objeto real, o de arte é metafórico porque é a “propósito de”.
De fato, toda esta secularização por que passou a prática artística foi acom-
panhada por uma separação e transferência de seus objetos para os espaços
protegidos, museus e galerias, lugares do culto profano ao artístico/artista
– condição que garante que um objeto qualquer colocado neste lugar, sendo
deste fato transfigurado, tenha natureza diferente da do objeto banal.
Todo esse percurso – um tanto ligeiro e pouco nuançado – serve
para mostrar que a relação estética com as obras de arte pressupõe o cru-
zamento de intenções entre dois sujeitos interpretantes que atravessam
seus olhares luminosos pela imagem e que, portanto, a transcende. Então,
as obras apresentadas nos espaços de arte nos solicitam certa atitude de
distanciamento, de modo que possamos interpretá-las. Se hoje, depois de
22 LUCIANO VINHOSA
zzo. Realizada em uma época em que a arte ainda não tinha desenvolvido
espaços específicos para seu culto, quem quer que entrasse hoje na nave
central desta igreja e olhasse para cima, não poderia ficar indiferente à
cena desconcertante que nos arranca do chão e nos faz flutuar em uma
grande epifania mística. De fato, e posso dar meu testemunho porque já
estive nesse lugar, ao entrarmos, somos sugados por um empuxo vertical
ao mesmo tempo que somos tomados pela vertigem, tal a visão espetacu-
lar que se abre no clarão celestial ilusório, que nos faz atravessar a abó-
bada e descer de volta ao chão, onde mal conseguimos nos apoiar, como
se um buraco tivesse sido aberto sob nossos pés. Os corpos em profusão
representados tampouco conseguem agarrar-se ao teto, despencam-se pe-
las paredes, sobre nossa cabeça, já completamente aturdida pelos efeitos
dos artifícios… Porque, recobrados os sentidos, sabemos muito bem que
se trata de arte grandiosa a serviço do poder e da ideologia católica, enfa-
tizada pela figura central do Cristo, levada pelos missionários jesuítas aos
quatros cantos do mundo, tal a alegoria apresentada ao público (Figura 3).
Por outro lado, podemos imaginar multiplicado o efeito quando esta visão
terrificante foi mostrada pela primeira vez, e em contexto religioso, para o
fiel, seu contemporâneo, ao vacilante tremeluz dos candelabros e ao torpor
dos incensos, sem falar da música que completava a ambientação, uma ver-
dadeira instalação multimídia avant la lettre. Embora não estejamos aqui
para adjudicar a arte, sabemos que no processo de exterminação e ani-
quilação do outro, em nome de um deus, esta foi, por vezes, muito eficaz-
mente usada pelos jesuítas. Argan (2004), em Imagem e persuasão, chama
atenção para o princípio retórico da forma barroca. No caso da narração
apresentada, se existe um texto a seguir, este estaria mais perto da fala e
do discurso, e de todo gestual da predicação, do que da palavra escrita.
Em sua mirabolante encenação formal, o teatro que acompanha a ação é a
ferramenta persuasiva poderosa no instante de conversão do fiel. Podemos
supor que, no século XVI, os agenciamentos místico e artístico, ainda que
conscientemente manipulados, tenham atuado sobre o fiel em conjunto, e
que a imagem, em toda sua eloquência, apareceria indissociável da própria
iluminação do deus, em ato de fé, espanto e resignação humana.
Trazendo para a atualidade, e em contraste com a ideologia cristã
pregada pelos jesuítas, na exposição Senhor dos caminhos, em que presta
homenagem ao orixá Ogum, apresentada no Museu de Arte Contempo-
rânea de Niterói, em 2018, Ayrson Heráclito trouxe para o salão principal
dois grupos de vídeos, intercalados com fotografias, correspondendo a
dois trabalhos distintos, mas de alguma forma interligados no que tan-
24 LUCIANO VINHOSA
Fig 3 Andrea Pozzo. Glória de Santo Inácio, 1685. Pintura da abóbada. Roma,
Igreja de Santo Inácio. Fonte: https://www.meisterdrucke.pt/impressoes-
artisticas-sofisticadas/Andrea-Pozzo/155776/Entrada-de-Santo-In%C3%A1cio-
no-Para%C3%ADso,-1685-94.html. Acesso em 13 fev. 2023.
teve significativo afluxo de negros expatriados; o segundo mostra um fer-
reiro trabalhando a forja em alusão a Ogum, entidade ligada à terra e ao
ferro, à força e à guerra, e que no sincretismo brasileiro foi assimilado a
São Jorge; no terceiro e no quarto mostram uma feijoada, comida ligada
à mesma entidade, sendo preparada. No segundo trabalho, Ayrson apre-
senta três videoperformances – hidromancia, agromancia e aeromancia
– encenadas ou dirigidas pelo artista e cujos títulos trazem referências aos
capítulos de Histórias do futuro, livro escrito pelo Padre Antônio Vieira
e livremente reinterpretado. Se no primeiro grupo há uma exaltação das
qualidades atribuídas ao orixá, simbolizadas pelos elementos da terra – o
ferro, o fogo, a forja, a força, a guerra e a luta –, o trem em movimento,
além da alusão a seu mineral constitutivo e a via que abre os caminhos, li-
gada então a Ogum, pode estar associado também a uma crítica à interio-
rização, à exploração da força e ao escoamento dos produtos provenientes
do trabalho escravo na Bahia. A feijoada, alimento que em seu preparo
integra proteínas e carboidratos, sendo a comida do Santo, que revigora
e dá força, pode se referir também ao sincretismo das culturas, sendo o
feijão preto ou mulatinho, a farinha e o arroz que a acompanham, uma
declinação singular que a culinária popular brasileira deu ao prato. Já os
temas abordados no segundo grupo de vídeos se reportam à prática mís-
tica da leitura dos elementos constitutivos da vida: água, terra e ar; simbo-
liza o passado revisitado pelo artista com fins a outros futuros melhores.
Estas filmagens foram realizadas no Senegal, na África, país em que Ayr-
son vai em busca de sua ancestralidade, do saber pré-colonial em vias
de cura, pessoal e coletiva. Se em um dos vídeos, Agromancia, em uma
performance filmada, o artista revisita o baobá, árvore da vida com diver-
sos usos medicinais, que na cultura Yorubá é o ser sagrado que fornece o
alimento para o corpo e a alma, ela religa também o mundo material ao
imaterial, a terra ao ar; em um outro, Hidromancia, estão tematizadas as
águas salgadas, o oceano Atlântico, via de escoamento do tráfico de ne-
gros, em que o artista mergulha em um ritual de batismo, purificação e
lavagem. Aeromancia, o terceiro vídeo, filmado em uma praia da Ilha de
Gorée, lugar em que os africanos permaneciam estocados antes de serem
26 LUCIANO VINHOSA
2 http://www.policiacivilrj.net.br/museu.php/carta_de_servicos_ao_cidadao_-_pcerj.
pdf. Acesso em 03 set. 2022.
3 https://guiadaalma.com.br/orixa-oxossi/. Acesso em 03 set. 2022.
se apruma, minha coluna fica mais ereta, sinto meu corpo tomado pelas
forças de Oxóssi. Se a imagem se faz corpo em mim, meu corpo então tor-
na-se uma imagem. Fosse isso diferente, não seria este o princípio mesmo
da idolatria que determina nossa relação com as imagens.
Espero que, chegando até aqui, esteja claro que as formas de adoração
ao deus não estão separadas das formas de belezas nem de sua capacidade
de afecção física quando cultuadas pela arte, sejam estas apaziguadoras e
reconfortantes ou terrificantes e ameaçadoras.
De forma que minha relação com Deus é sempre muito de perto e tornou-
-se parte do meu espaço vital. Eles (os orixás) não estão fora do meu espa-
ço. Não é alguma coisa fora, é todo o espaço. É gente que usa eleke (colar
de contas dos iniciados). Você o usa em torno do seu pescoço, ele toma o
espaço do seu corpo. Eles usam braceletes etc. É a roupa que você veste.
Tudo isso é ritual. Seu corpo é seu templo. Para ser realmente técnico, seu
corpo se torna espaço ritualizado porque é desenhado. Você desenha o que
vai vestir (LIGIÉRO, 1993, pp. 141-142).
35 ZECA LIGIÉRO
segundo (ori ekeji, “a segunda cabeça”), do terceiro, que podem ter influên-
cia poderosa. A responsabilidade da suma sacerdotisa, ou do sumo sacerdo-
te, afirma-se nesse trabalho, que consiste em colocar cada um dos deuses do
enredo no lugar que lhe cabe (AUGRAS, 1983, p. 213).
O encontro com os estudos da performance de Richard Schechner foi
substancial para a presente pesquisa, tanto nos meus cursos de mestrado
e doutorado, desenvolvidos no Departamento de Estudos da Performance
na NYU, bem como nos anos posteriores, que renderam a publicação do
livro Performance e antropologia de Richard Schechner (2012), por mim or-
ganizado, e cuja abordagem faz uso das imagens e tem influenciado a mi-
nha trajetória de pesquisador. Alguns conceitos do livro me são caros neste
estudo, como a questão da inter-relação do “jogo” e do “ritual” como opos-
tos de um mesmo contínuo presente em muitas das cerimônias, bem como
a questão da diferenciação e complementaridade entre “transe” e “êxtase
religioso”, com a qual sempre nos esbarramos ao pesquisar determinadas
celebrações em que ocorrem esses fenômenos, simultaneamente ou alter-
nadamente. Da mesma forma, atestamos que a performance, que ocorre
como algo espontâneo, mas dentro de uma determinada agenda ou pro-
posição de “restauração de comportamentos”, se trata de outra máxima do
nosso guru que ajudou-me a pensar a questão das “motrizes culturais”, não
apenas como repetição de um comportamento ancestral (matrizes), mas,
antes disso, a recuperação ou a reiteração de um comportamento como
presentificação da ancestralidade por meio da inseparável tríade da perfor-
mance africana: cantar/dançar/batucar (LIGIÉRO, 2012).
É possível perceber, a partir das imagens de diversas fotografias re-
gistradas nas viagens para Togo, Benim, Senegal e, posteriormente, Mo-
çambique, como elas retêm a qualidade do movimento em si, captando
não só a dança, como de alguma forma percebendo a percussão. O corpo
traz um determinado ritmo que é captado pela câmera em apenas um frag-
mento de tempo, mas que gera o conhecimento parcial do todo. Então, as
imagens trazem sempre a possibilidade da ação religiosa no corpo vibrátil,
impregnado pela onda sonora, conectado com o movimento coletivo, re-
verberando o sagrado oriundo da percussão e do canto.
Togo (2011 e 2013) para o Festival des Divinités Noires [Festival das Divin-
dades Negras]. Foi a primeira oportunidade para encontrar os Voduns,
divindades entre os povos Ewé, Fon e Mina, geograficamente e familiar-
mente parentes muito próximos dos já conhecidos orixás. O estudo com-
parativo, desenvolvido principalmente por Pierre Verger, mostra-se ainda
bastante atual, pois além dos laços de parentescos culturais entre as tradi-
ções dos voduns (fon/ewe de Benim) e a dos orixás (iorubás e também fon/
ewe), levou em conta também o fato de que ambas as divindades represen-
tam as forças da natureza, bem como compartilham a incorporação de ar-
quétipos humanos comuns. Entretanto, o contato com os voduns presentes
no Festival des Divinités Noires, no Togo, revelou novas nuances sobre este
universo, embora muitos deles mantivessem as mesmas correspondências
arquetípicas analisadas, dentre as quais poderíamos listar algumas, como:
Exu/Légua, Xangô/Hevioso, Nanã Boroquê/Nanã, Oxumaré/Dan. Assim,
foi possível verificar um número maior de entidades desconhecidas e com
atributos distintos daqueles apontados pelos pioneiros destes estudos no
Brasil. Alguns dos voduns (palavra que quer dizer “espíritos” na língua
ewe/fon) aparecem ora como formas antropomórficas, ora como voduns
familiares, como espíritos protetores dos mortos (egungun, em iorubá) ou
ainda são chamados de “fetiche” (tomado do português “feitiço”) do pró-
prio vodun, uma espécie de guardião ou mensageiro do vodun. Ao contrá-
rio do Brasil, lá me foi permitido fotografar vários grupos em várias etapas
do processo celebratório: o preparativo para o ritual, o ritual em si com
transe, e além disso eu pude registrar também processos de encenação
para um grande público. Tive a oportunidade de fazer algumas entrevistas
com sacerdotes, e até aprendi alguns movimentos de danças.
No Santuário de Glidji, em Aneho, um pequeno vilarejo perto de
Lomé, a capital do Togo, eu estava assistindo à abertura do festival quando
uma sacerdotisa viu que eu estava me balançando ao som dos atabaques
de um cortejo que passava e, então, veio me ensinar a maneira correta de
honrar aos voduns. Foram momentos lindos de aprendizado. Eu tinha que
dançar mais próximo do chão, ela me dizia numa língua que não compre-
endia, mas tentava seguir como indicavam os seus gestos. Depois de um
tempo, me deu um belo sorriso de aprovação e se foi, seguindo o cortejo
que já estava longe. Senti como se ela estivesse me abençoando e abrindo
minha sensibilidade para entender os voduns com meu próprio corpo.
Os voduns estão presentes no Brasil no que ficou conhecido como
candomblé Jeje, ou, ainda, no Tambor de Mina do Maranhão e do Pará. Os
orixás se popularizaram nos candomblés da Bahia e de lá se espalharam
43 ZECA LIGIÉRO
lada pela comunidade sentada no entorno, que tira som batendo com dois
pedaços de madeira; após entrarem em transe, são vestidos e maquiados até
que, em determinado momento, são organizados em cortejo para subirem
ao palco armado, onde se apresentam para o público, conforme analisei em
Teatro das Origens: estudos das performances afro-ameríndias (2019).
46 ZECA LIGIÉRO
O carnaval carioca de 2022 foi marcado pela presença das tradições negras.
Tive a chance de assistir ao desfile final das campeãs deste ano no Sam-
bódromo. A experiência de ficar uma noite inteira sentado nas arquiban-
cadas, um tanto quanto distante do cortejo, foi marcada por períodos de
sacrifício (intervalo entre as apresentações) e êxtase (alguns momentos e,
sobretudo, as escolas de samba primeiras colocadas, entrando na avenida
já com o dia amanhecendo). Pois, por mais participativa, a nossa interação
com o desfile era a tradicional relação palco e plateia do teatro ortodoxo.
Muitos dos foliões dançavam e acenavam para o público, mas a relação era
quase que anônima, além de distante. Bem distinta dos festivais africanos
em que o público se desloca à vontade em torno dos cortejos e tem liberda-
de de escolher o melhor ângulo e se deixar estimular pelo que lhe interessa
mais ao escolher o seu espaço apropriado.
Mas, sem dúvida, a grande referência foi a Grande Rio, com enredo
sobre Exu, o senhor de todas as direções do espaço e do tempo. Segundo
a proposta dos carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad, o enredo
“Fala, Majeté! As sete chaves de Exu” veio desmistificar o orixá, visto no
mundo ocidental pelo lado ruim. Exu é caminho, sabedoria, prosperidade.
Exu é livramento1.
Ao longo de nosso trabalho temos estudado Exu de diversas maneiras.
Os mitos de Exu aparecem em seus orikis, os seus cantos e histórias extra-
ordinárias. Exu é o mensageiro, responsável pela comunicação deste mundo
(Aye) com o mundo dos deuses (Orum). Assim, como Mercúrio ou Hermes,
embora não tenha asas nos calcanhares, ele se transporta e se redimensiona
ao seu bel prazer: “Aborrecido, ele senta-se na pele de uma formiga”, “Ele
matou um pássaro ontem, com uma pedra que somente hoje atirou. Se ele
se zanga, pisa nesta pedra e ela se põe a sangrar”, “Sentado, sua cabeça bate
no teto, de pé não atinge nem a altura do fogareiro” (VERGER, 1997:78). Ele é
o senhor de todos os caminhos e de todas as direções. Por isso, as oferendas
que lhe são dirigidas devem ser colocadas nas encruzilhadas.
Encontramos a figura de Exu originalmente na costa oeste da Áfri-
ca, entre as culturas iorubá e fon, localizadas respectivamente na Nigéria
47 ZECA LIGIÉRO
1 O GLOBO, G1. Grande Rio: veja o enredo e cante o samba. Disponível em: https://
g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2022/noticia/2022/04/05/grande-rio-veja-o-
enredo-e-cante-o-samba.ghtml. Acesso em 10 ago. 2022.
os iorubás o chamam de Exu-Elegba, e entre os fons recebe o nome de
Legba. Através da diáspora africana, ele foi trazido pelos iorubás/fons
para quase todos os países do continente americano, dos Estados Unidos
à Argentina. Podemos notar sua presença sobretudo em grandes comu-
nidades afrodescendentes, como no Harlem hispânico de Nova York ou
em Miami, onde a religião dos orixás é chamada de santeria ou lukumi,
e sincretizada com as outras tradições africanas. Na América Central e
Caribe, sobretudo Cuba, Exu é adorado num culto denominado Regla de
Ocha; no Haiti, os fiéis da religião dos voduns o chamam carinhosamente
de Papa Légua. Ele está presente também em vários países da América da
Sul, principalmente nas costas do Peru e da Colômbia e em alguns núcleos
do Uruguai, países que, como o Brasil, receberam grande quantidade de
africanos durante o período colonial.
Dentro da tradição do candomblé, Exu tem poderes especiais e exer-
ce uma espécie de juízo final sobre as questões mundanas. Sua energia tan-
to está na natureza como dentro de cada um dos seres humanos. De forma
alguma ele poderia ser identificado com o espírito de uma pessoa morta,
ainda que fosse um importante espírito ancestral africano. Tem caracterís-
ticas humanas, senso de humor e compaixão, e não depende de ninguém
para viver. Robert Farris Thompson assim o define: Exu é o mestre de ceri-
mônias do “teatro das sanções espirituais” – a encruzilhada2.
Na mitologia, Exu é descrito ora como uma criança com um apetite insaciá-
vel, ora como um mágico capaz de criar problemas, sempre para desmontar
e desmascarar a mesquinhez e o egoísmo humanos. É sobretudo como Le-
gba, entre os fons provenientes do antigo Reino do Daomé, que encontramos
a representação de Exu mais explícita do ponto de vista sexual – como um
48 ZECA LIGIÉRO
2 THOMPSON, Robert Farris. Flash of the Spirit: African and Afro-American Art
and Philosophy. New York: Random House, 1984, p. 20.
3 LIGIÉRO, Zeca e DANDARA. Umbanda: paz, liberdade e cura. Rio de Janeiro:
Pallas, 2017, p. 91.
49 ZECA LIGIÉRO
4 Ponto cantado registrado pelo autor durante uma gira para o povo de rua no Templo
de Magia Cigana, Rio de Janeiro, 1992.
quimbandas, hoje assimiladas pelos rituais umbandistas para o povo de rua:
a Pomba-gira, cujo nome seria derivado de mpomba nizilila, que em quicon-
go significa encruzilhada. Ela é uma figura que concentra a energia feminina
ativa e que representa o outro polo da sexualidade de Exu. Elas são também
diversas, com atribuições distintas, e têm suas próprias histórias e elementos
ritualísticos, como danças, adereços, linguajar e comportamentos.
Zé Pelintra representa uma figura singular e transgressora, históri-
ca e ficcional, que pertence a vários universos a um só tempo. Zé Pelintra
se identifica com o mundo do Exu do panteão iorubá, de modo guerrei-
ro e provocador, assim como se encaixa dentro da categoria de “povo de
rua”, onde tem como companheiros os exus, as pombagiras, toda a sorte
de malandros e gente que vive na noite e nos becos das grandes cidades.
Em outras ocasiões especiais, aparece como um líder espiritual, que vem
curar, junto com outros ancestres piedosos, em sessões de pretos velhos e/
ou caboclos.
Zé Pelintra não chega a ser um exu principal da umbanda, posto
ocupado por “Tranca-Rua, Tiririri, Sete-Encruzilhadas e Marabú, enquan-
to que a encruzilhada fêmea é de Maria Padilha, Maria Mulambo, Cigana”.
Os devotos da umbanda acreditam que os exus guardam as encruzilhadas,
as interseções, as porteiras, os umbrais, as portas dos cemitérios (simbo-
licamente, a encruzilhada entre a vida e a morte). É nesses lugares que se
acredita que Zé Pelintra vive com seu seleto grupo de companheiros do
povo da rua. Eles habitam o chamado “rabo da encruza”, ou seja, a esquina
interna do cruzamento, preferencialmente um lugar onde exista um poste.
Este é o cenário ideal do Seu Zé, onde podemos visualizá-lo espreitando,
sempre encostado no poste e pitando o seu fumo.
Culturalmente falando, nosso personagem descende de antigas po-
pulações bantos (Angola, Congo, Moçambique). Mas alguns elementos de
sua atuação, como o apetite por bebida e fumo, a sexualidade exacerbada
e o seu comportamento matreiro também podem ser observados no cará-
ter ambivalente e telúrico do Exu iorubá-fon. Assim, nosso Zé comunga
dos mesmos elementos dessa dupla tradição na qual se destaca a vertente
banto, presente também nos antigos catimbós nordestinos ou nas antigas
macumbas cariocas ou paulistas. São inúmeras as entidades que se apre-
51 ZECA LIGIÉRO
Fig 19 Cartola, Rei da Mangueira, desfila pela última vez em 1978. Ilustração:
Zeca Ligiéro.
59 ZECA LIGIÉRO
6 Chamamos “Outro Teatro” a todo tipo de encenação que não siga a tradição ocidental
de teatro ortodoxo. Com variadas características, pode nascer dentro do ritual,
denominado então “Teatro das Origens”; pode ser oriundo das grandes tradições teatrais
não eurocêntricas – asiáticas, africanas e/ou ameríndias – e ser encenado como processo
cultural de preservação da memória (mitos, lendas, contos), não mais ritualizado, mas
como processo de puro entretenimento popular: “Teatro da Tradição”. Já a “Performance
60 ZECA LIGIÉRO
noticia/2022/04/05/grande-rio-veja-
o-enredo-e-cante-o-samba.ghtml.
Acesso em 10 ago. 2022.
VERGER, Pierre. Deuses iorubás no
Novo Mundo e na África. Salvador:
Corrupio, 1978 (1981).
Entre Dja Guata Porã e a Aldeia Maraká’nà: trânsito
e agência das imagens
IVAIR REINALDIM
Docente na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro
– EBA/UFRJ
seus enunciados (parte II – Dja Guata Porã e Exposição Antropológica Brasileira). In:
Arte em Tempos Sombrios – XXXXI Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte,
2021, online. Anais do XXXXI Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte, 2022:
CBHA, 2021, pp. 731-751.
3 “Naquele momento de forte impacto emocional, com a remoção iminente e clima de
ameaças, se consolidou uma cisão interna no movimento da Aldeia. Uma parte dos
indígenas estava mais disposta a aceitar as propostas do estado, que se comprometeu a
mesmo núcleo da exposição Dja Guata Porã, o que tinham em comum
era justamente esse local de arregimentação que, por meio da presença
de grande número de registros fotográficos, era apresentado ao público
como uma aldeia urbana (Figura 2).
Tais imagens tiveram impacto importante na mostra, pois permiti-
ram que visitantes do museu, sobretudo os não indígenas, tivessem conta-
to visual com a presença/existência desse grupo no espaço urbano – tanto
pela ocupação em si quanto pela ressignificação do prédio e de seu entorno
imediato enquanto aldeia – e, assim, conhecessem algumas de suas ativi-
dades culturais e ações de mobilização e resistência política. A mediação
por meio desse repertório visual, cobrindo boa parte de uma das paredes
pertencentes ao núcleo, produzia outra possibilidade de contato, para além
das imagens da Aldeia transmitidas pelos conglomerados de mídia, e ob-
jetivava a desconstrução de imaginários cristalizados sobre quem são e
em que condições vivem os grupos indígenas contemporâneos no estado.
Partindo-se do pressuposto de que o público do museu não é efetivamente
diverso – mesmo que em Dja Guata Porã indígenas estivessem presentes
em todas as etapas, inclusive na visitação –, é provável que essas imagens/
documentos estivessem endereçadas a não indígenas, exercendo função
pedagógica, ou seja, mais que pelo aspecto estético, essas imagens eram
acionadas pelos seus efeitos – ou agência – e pelo grau de eficácia no cum-
primento de seus propósitos.
As imagens que registravam o cotidiano da Aldeia Maracanã cons-
tituíam parte da estratégia adotada em Dja Guata Porã. Ao invés de em-
préstimos de peças pertencentes a outros museus, a curadoria optou pelo
constituiu o movimento Aldeia Rexiste, defendia que não se deveria aceitar qualquer
negociação com o estado naquele momento, que já havia demonstrado sua orientação
ao benefício das corporações. Para este grupo, não basta um centro de referência
da cultura indígena gerido pelo estado, mas, muito pelo contrário, um espaço com
gestão indígena que pode até ser apoiado, mas não controlado pelo governo do estado.
Até hoje a relação entre as partes polarizadas no conflito de 2013 não é amigável”
(SARGENTELLI ICÓ, 2019, p. 12).
67 IVAIR REINALDIM
4 “O terreno que abrigou [abriga] a Aldeia Maracanã está fortemente ligado às questões
indígenas no Brasil, desde que foi doado para o Império do Brasil em 1865, pelo
Príncipe Ludwig Auguste de Saxe- Coburgo-Gotha (1845-1907), o ‘Duque de Saxe’. Este
era naturalista, e sua intenção era que ali se abrigasse um órgão de pesquisas sobre
as culturas nativas. Existem dúvidas sobre o que teria acontecido ao estatuto jurídico
do local na passagem do Império para a República, mas é provável que tenha sido
69 IVAIR REINALDIM
Por volta do ano 2000 nós procurávamos um espaço que tratasse de políti-
cas públicas para a questão indígena (…). O Museu do Índio só queria saber
do índio xinguano, do índio ideal, aquele índio que contaram nos livros. E
nós éramos indígenas nesse contexto urbano, estudando, discutindo políti-
ca pública, exigindo direitos. E os indígenas do Museu do Índio, quando iam,
quando não era só de foto, retrato e filme, eram o indígena tutelado que não
cobrava nada disso, não tinha esse tipo de cobrança. Nós não, nós começa-
mos a cobrar isso (…), e aí várias pessoas foram falando: olha, tem o antigo
Museu do Índio que está abandonado lá no Maracanã. Foi aí que despertou
a nossa vinda para cá (URUTAU GUAJAJARA apud PAULA, 2019, p. 212).
7 “Também ocorreu uma série de outras ações com esse material. Algumas semanas
depois, Marcelo Reis organizou a mostra ‘Aldeias no Asfalto’, com parte do material,
no Centro Cultural da UERJ. E uma nova versão da exposição foi realizada em evento
organizado por pessoas da Aldeia no Centro Federal de Educação Tecnológica (RJ)”
(SARGENTELLI ICÓ, 2019, p. 73).
não indígenas, acarreta outra compreensão para tal prática, uma vez que
esse contexto intercultural aciona espaços localizados nas periferias, como
o CESAC, importante na formação da Aldeia, e não a posição central de vi-
sibilidade no circuito de arte da capital carioca, na qual o Museu de Arte
do Rio se insere. No que se refere às imagens provenientes de Dja Guata
Porã, podemos considerar que se antes estavam expostas sobre as paredes
brancas do museu, agora elas reapareciam como elementos acrescidos à
configuração já existente do prédio da Aldeia Maraká’nà, com suas pare-
des desgastadas pelo tempo, mas também repletas de grafismos, inscrições,
versos e palavras de ordem.
Assim, fotografias e textos, devido a seu caráter objetual adquirido
por meio da colagem sobre pranchas, puderam ser inseridos em outro con-
texto – transitaram de um lugar a outro –, passando a dialogar com essas
marcas já existentes no espaço físico da Aldeia e a acionar uma rede de me-
mórias para além daquilo a que se referem – os fatos e situações específicas
que representam – e das conexões propostas na montagem anterior de Dja
Guata Porã. Quando representavam a Aldeia Maraká’nà, propriamente
dita, passaram a enfatizar a memória recente daquele local como um es-
paço vivo, orgânico e relacionado às lutas dos povos indígenas, no passado,
no presente e no futuro. Se em Dja Guata Porã a agência dessas imagens
que representavam a Aldeia, de certa forma, já fazia isso, mas apenas reme-
tendo seus observadores àquele espaço, ausente na exibição, agora, no con-
texto da própria Aldeia Maraká’nà, havia uma amplificação dessa agência,
produzindo outro tipo de efeito sobre sua audiência. Se antes eram meros
documentos, passaram agora a assumir outras funções, devido ao novo
valor de uso adquirido.
Dito de outro modo, muitas dessas imagens que fizeram parte de
Dja Guata Porã – originalmente fotografias digitais produzidas em con-
textos diversos – foram reproduzidas e apareceram juntas, ao mesmo
tempo, no museu. Porém, agora, por estarem materializadas em um su-
porte, tornando-se objetos únicos, puderam ser introduzidas em uma
cadeia de deslocamentos e novos usos. Tanto no Museu quanto na Aldeia,
possuem agência; mas não necessariamente agem do mesmo modo, pois
75 IVAIR REINALDIM
são índices que exercem seu efeito sobre múltiplos públicos aos quais se
destinam e em contextos ambientais que podem direcionar ou potencia-
lizar essa agência. Nesse sentido, como afirma o antropólogo Alfred Gell,
a agência pode ser atribuída a pessoas – agentes primários – e a coisas –
agentes secundários – que
(…) são vistas como iniciadoras de sequências causais de um determinado
tipo, ou seja, de eventos causados por atos da mente, da vontade ou da
intenção, e não de uma mera concatenação de eventos físicos. Um agente
é aquele que “faz com que os eventos aconteçam” em torno de si. Como
resultado desse exercício de agência, certos eventos acontecem (não ne-
cessariamente os eventos específicos que foram “pretendidos” pelo agen-
te). Enquanto as cadeias baseadas em relações físico-materiais de causa e
efeito consistem em “acontecimentos” que podem ser explicados pelas leis
da física que governam o universo como um todo, os agentes dão início a
“ações” que são “causadas” por eles próprios, por suas intenções, e não pe-
las leis da física do cosmos. Um agente é a fonte, a origem dos eventos cau-
sais, independentemente do estado do universo físico (GELL, 2018, p. 45).
a identidade das universidades que herdamos (SILVEIRA, 2018, p. 83). Por outro
lado, as fronteiras dos conceitos como sagrado, espiritualidade, religiosidade e
modernidade historicamente estão sempre sendo desestabilizadas. E se não há
2 Para essa abordagem sobre o visível, o legível e o visual na imagem, indico DIDI-
HUBERMAN (2013).
nitidez conceitual moderno-científica quando apontamos esses conceitos, isto
não deveria ser um impedimento para aproximarmos coisas que se parecem
próximas, mesmo sendo oriundas de grupos diferentes.
Em consonância com a crítica de Narby quanto à fidelidade frag-
mentária racionalista obstinada, penso que quando nos detemos nas pare-
des destas fronteiras conceituais, não somente ocultamos conexões como
anulamos aproximações e por conseguinte acabamos bloqueando as alian-
ças, as horizontalidades e as circularidades. As desvantagens são grandes.
É esse, afinal, o objetivo? Conceituar, separar, verticalizar, dominar? Há
um transe nesse racionalismo separarista obstinado? Estamos mesmo
sempre em transe? Quando penso em aproximar diferentes concepções de
espiritualidade e arte, não o faço para anular as divergências. Ao contrário,
busco afirmar diferenças e semelhanças, e, ao fazer, reconheço que a limi-
tação das nomeações (como sagrado, espiritualidade, arte) jamais estabili-
zarão o que é de natureza fluida e instável.
É tão possível quanto necessário optarmos por menos paisagens fixas
de monoculturas e mais paisagens vivas, com múltiplas espécies, em relação
e regeneração. O risco da mistura e do contágio é grande. Mas: “Ora, em ne-
nhuma situação a monocultura é boa. Nem quando é no interior de si, sozi-
nha, porque ela tira nossa conexão com todos os outros sentidos de estarmos
vivos” (KRENAK, 2020, p. 6). Arrisco-me a dizer que o Selvagem e a arte in-
dígena contemporânea não estariam atuando em ampla rede de cocriações
no circuito cultural se seus participantes tivessem aversão ao contágio ou
se se considerassem insuscetíveis à mistura. Como afirma Ailton Krenak:
diferente da apreciação moral entre civilizado e selvagem, tenho observado
o selvagem como vida. A expressão da vida é selvagem (KRENAK, 2020, p. 1).
Se até aqui estes questionamentos forem compreendidos como falta
de critérios ou tentativa de uniformização e apagamento das diferenças
(que é justamente o foco da minha crítica), talvez esteja falhando grave-
mente com a escolha das palavras, das imagens e do método de explanação.
Já não existem deuses cuja ajuda podemos invocar. As grandes religiões pa-
88 ANDERSON ARÊAS
Poéticas regenerantes
rânea no Brasil, junto a uma plêiade de artistas não indígenas que também se
envolvem com questões ecológicas e espirituais em suas produções.
A palavra alma evoca um poder invisível: ser distinto, parte de um ser vi-
vente ou simples fenômeno vital; material ou imaterial, mortal ou imortal;
princípio de vida, de organização, de ação; salvo fugazes aparições, sempre
invisível, manifestando-se somente através de seus atos. (…) evocadora de
invisível poder e provocadora de um saber, de uma crença ou rejeição, a
alma possui, nessa dupla qualidade, pelo menos o valor de símbolo (…). O
principal desses símbolos é o sopro, com todos os seus derivados (CHEVA-
LIER, 2020, p. 77, grifo do autor).
Se a alma/espírito tem essa qualidade de símbolo, seu aspecto que por defini-
ção é fugidio dificulta racionalizarmos demais sobre ele. O que nos importa
perceber é que a natureza polivalente de um símbolo “tem precisamente essa
90 ANDERSON ARÊAS
Breve história da arte. Tão breve, mas tão breve, que não vejo a arte indígena.
Tão breve que não tem índio nessa história da arte.
Mas eu vejo índios nas referências, vejo índios e suas culturas roubadas.
Breve história da arte. Roubo. Roubo. Roubo.
Isso é o índio?
Aquilo é o índio?
É assim que querem os índios?
Presos no passado, sem direito ao futuro?
Nos roubam a imagem, nos roubam o tempo e nos roubam a arte.
Breve história da arte.
Roubo, roubo, roubo, roubo, roubo.
Arte branca.
Roubo, roubo.
Os índios não pertencem ao passado.
Eles não têm que estar presos a imagens que brancos construíram para os
índios.
Estamos livres, livres.
Apesar do roubo, da violência e da história da arte.
Chega de ter branco pegando arte indígena e transformando em simulacros!5
Finalmente, a última edição, 34ª Bienal de São Paulo, Faz escuro mas eu
canto, marcada pelo contexto pandêmico, propôs uma extensa rede de
exposições e atividades, nas quais, enfim, alguns artistas indígenas con-
temporâneos brasileiros foram diretamente convidados a participar, como
Daiara Tukano, Gustavo Caboco, Jaider Esbell, Sueli Maxakali e Uýra,
todos com participação bem significativa – principalmente Esbell, que
93 ANDERSON ARÊAS
5 HD video, 16:9, cor, som, 15 min, 17 nov 2018. Disponível em: https://youtu.be/
MGFU7aG8kgI. Acesso em 29 jul. 2022.
desenhos, pinturas, fotografias e esculturas de artistas de diversos povos
de norte a sul do país: Baniwa, Huni Kuin, Karipuna, Krenak, Marubo,
Makuxi, Patamona, Pataxó, Tapirapé, Taurepang, Tikmu’un_Maxakali,
Tukano, Xakriabá, Xirixana, Wapichana e Yanomami.
Finalizo esse texto com afetuoso agradecimento e respeito à vida e
à obra iluminada desse grande artista Makuxi, que desestabilizou e reen-
cantou tantos conceitos enrijecidos na indústria cultural. De tantos apren-
dizados, deixo sua colocação esclarecedora no tocante à nomeação da arte
indígena contemporânea, movimento pelo qual dedicou sua vida:
CADERNO12-AILTON.pdf. Acesso
em 20 jul. 2022.
NARBY, Jeremy. A serpente cósmica: o
DNA e as origens do saber. Rio de
Janeiro: Dantes, 2018.
SCARANO, Fabio Rubio. Regenerantes de
Gaia. Rio de Janeiro: Dantes, 2019.
CAPÍTULO 2 IMAGEM E EMULAÇÃO
Antropofagia e decolonialidade:
primeiros passos
LUCIO AGRA
Docente no Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos das
Artes da Universidade Federal Fluminense – PPGCA/UFF e no Centro de Cultura,
Linguagem e Tecnologias Aplicadas da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia – CECULT/UFRB
Ou seja, o Brasil não esteve fora desse processo em que autores foram cons-
truir um discurso contracolonial, pelo menos em vários lugares no mundo,
mas diferimos de outros autores da Índia ou de outros países latinos, pois
não costumamos permanecer nessas instituições ou mesmo fazer carrei-
ra nelas. Muito menos Oswald de Andrade, que, como disse Viveiros de
Castro, foi alguém que não foi aceito sequer na USP, que dirá em alguma
Universidade estrangeira.
Isso é um detalhe apenas, claro, que envolve esse tema. O esforço é
de propor um diálogo e ao mesmo tempo uma diferença – no caso da an-
tropofagia, uma diferença radical.
O enfrentamento da questão da diferença foi produzido no Brasil
em permanente distância, de certo modo, dessas “fontes” europeias. Isso
nos confere, a meu ver, uma singularidade muito interessante. Embora não
tenha nada de necessariamente original, a discussão que proponho come-
ça a partir de uma questão que desenvolvi em um curso de graduação aqui
na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Um dos cursos no qual
dou aula adotou uma nomenclatura para designar aquilo que se conhece
popularmente como artes cênicas: Tecnólogo em Artes do Espetáculo. No
momento em que eu cheguei aqui, em 2016, não compreendi muito o que
isso significava, muito embora depois acabasse por constatar que havia
toda uma produção teórica nesse sentido, presente no ambiente de estudos
relacionados às artes cênicas na UFBA. No debate do Projeto Pedagógico
do Curso (PPC) eu propus “artes ao vivo” como alternativa ao termo “artes
do espetáculo”: A polêmica que se seguiu acabou sendo resolvida com a
criação de dois componentes, um chamado História e Teoria das Artes do
Espetáculo e outro chamado História e Teoria das Artes ao Vivo. Embora
fosse o autor da proposta do segundo, fui professor também do primeiro, o
que me ensejou a oportunidade de fazer uma uma arqueologia do conceito
de espetáculo e começar a descobrir algumas características que o ligavam
a uma tradição ocidental de representação. Ao mesmo tempo, em História
e Teoria das Artes ao Vivo me interessava muito pensar o que que teria
existido antes dessa noção de espetáculo no Brasil.
Observei que a maioria dos autores que constroem a história do teatro
brasileiro o fazem a partir daquilo que se forma em torno da catequese jesu-
íta. Oswald de Andrade, por seu turno, tinha verdadeira ojeriza à catequese,
que é fundamento central da própria colonização. Pelo menos a consulta aos
100 LUCIO AGRA
autores clássicos que falaram sobre as origens teatrais no Brasil (por exemplo,
sobre o Teatro de Anchieta, por Décio de Almeida Prado) encontra muito
frequentemente a ideia de que o teatro efetivamente se constrói aqui a partir
dessa presença jesuítica. Quando não se trata da tese mais comum – e que foi
a vitoriosa, por assim dizer, no modelo vigente ainda hoje na Universidade
de São Paulo, na FFLECH, a ideia de que existe Literatura no Brasil a partir
do momento em que existe uma sociedade que fundamenta essa circulação
literária. Ora, posto isso, me pareceu que seria interessante começar contes-
tando essa visão e apontando para o fato de que existia já uma situação de
performance no Brasil. Nesse sentido também me afastei da ideia de Espetá-
culo e me aproximei da perspectiva de uma arte ao vivo, ainda no contexto
de povos originários, sendo a arte, portanto, algo que está entranhado na
vida das pessoas, uma vivência contínua do estético.
Para uma “arte ao vivo” pareciam relevantes as práticas rituais adota-
das pelos povos originários, pelos indígenas que já viviam aqui e que já pos-
suíam uma civilização que o colonizador não reconhece como tal. Como
consequência de todos os embates resultantes deste processo e desses mes-
mos embates, surge a questão da presença. O começo do curso História e
Teoria das Artes ao Vivo se dá a partir da discussão da noção de presença.
Inevitavelmente eu me vali de um autor que, embora europeu, conseguiu
justamente produzir esse mesmo giro de percepção do corpo e da presença
no seu próprio trabalho. Trata-se de Hans Ulrich Gumbrecht, cujo livro
Produção de Presença (GUMBRECHT, 2010) discute – e aqui faço uma drásti-
ca redução para que seja possível ater-me aos limites deste modesto ensaio
– a possível distinção entre “sociedades da presença” e “sociedades da in-
terpretação e do sentido”. Naturalmente as sociedades da interpretação/do
sentido (no singular mesmo) são aquelas fundadas em torno da metafísica,
frutos do código cartesiano. Tais sociedades referem-se a coisas concretas
e materiais, como a própria imagem, através de outras imagens, de caráter
mental. O processo de colonização foi também o de imposição de uma re-
dução da presença como coisa significativa espiritualmente, por assim dizer.
isso também queria dizer que quaisquer posições filosóficas e teóricas que
criticassem a rejeição cartesiana do corpo humano como res extensa e,
com isso, criticassem a eliminação do espaço poderiam tornar-se fontes
potenciais de desenvolvimento da reflexão sobre a presença (GUMBRECHT,
2010, pp. 14;39).
O segundo autor ao qual recorro é Eduardo Viveiros de Castro, que afir-
mou com todas as letras em uma entrevista e em várias passagens que o
perspectivismo ameríndio – por ele desenvolvido com outros antropólo-
gos, ao longo dos anos – é uma reproposição da Antropofagia de Oswald
de Andrade (VIVEIROS DE CASTRO, 2008, p. 116). Viveiros de Castro chama
atenção para o mesmo problema mencionado pelo filósofo paraense Bene-
dito Nunes, em seu prefácio ao livro A utopia antropofágica (NUNES, 2011):
o grande problema que a catequese jesuítica enfrenta, a partir do momen-
to em que decide instalar-se no Brasil, são justamente algumas práticas
como a poligamia, o nomadismo e principalmente a antropofagia, práti-
cas intragáveis para a percepção do colonizador. São as que lidam com a
presença e com a diferença, aquelas que se comenta dentro de um terreno
estritamente antropológico, as práticas que resultam na diferença funda-
mental dos povos originários em relação a nós e que inclusive nos ajudam a
entender as razões dos extermínios que seguem sendo perpetrados contra
esses povos no Brasil. Essas razões estão ligadas ao próprio processo da
colonização e, nesse sentido, vem em meu socorro algo que se encontra
na obra singular do pensador e pesquisador argentino Gonzalo Aguilar,
particularmente no livro chamado A máquina performática: a literatura
no campo experimental, feito em parceria com Mario Cámara (AGUILAR;
CÁMARA, 2017). Neste são feitas algumas observações sobre uma imagem
que compartilho aqui
Todos nós reconhecemos a pintura de 1861, de Victor Meirelles, uma
imagem da consagração de um modelo pós-independência, modelo da na-
cionalidade brasileira. Seria um erro pensar que esse modelo foi constru-
ído desde 1500. A partir da segunda metade do ano de 1500 é que começa
o empreendimento que vai conduzir, durante o período barroco brasileiro,
à escravidão como forma de manutenção de uma situação colonial que se
pretendia exclusivamente extrativista. Um modelo de construção de uma
sociedade baseada na lógica escravocrata, a lógica do Engenho. Contes-
tado por Oswald de Andrade em diversas ocasiões de seus textos sobre
antropofagia, esse modelo social consolida-se como os brasões do império
principalmente na segunda metade do século 19. Vale ponderar que o con-
servadorismo brasileiro tem muitas ligações com a tradição imperial que
102 LUCIO AGRA
Fig 1 Victor Meirelles. Primeira missa no Brasil, 1861, pintura a óleo, 298 x 356 cm.
Acervo: Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: Wikipédia/internet.
escolha e, claro, ela impulsiona outras escolhas posteriores, como as de
Humberto Mauro no filme – justamente da década de 1930, da consolida-
ção do modelo modernista oficial –, ao repetir esta cena.
Pero Vaz de Caminha narra em detalhes a primeira missa em ter-
ras brasileiras: à maneira de procissão, levam a cruz e a colocam em um
lugar estratégico: “Chantada cruz com as armas e divisa de Vossa Alteza
(…) armaram Altar ao pé dela” (apud AGUILAR; CÁMARA, 2017, posição 5).
O altar impõe uma disposição espacial diversa do espaço indígena: fica ao
pé da cruz. Trata-se de marcar essa diferença do espaço e comunicá-la aos
nativos novamente: “e quando nos viram assim vir alguns se foram meter
debaixo dela a cruz para nos ajudar” (CAMINHA, apud AGUILAR; CÁMARA,
2017). Se a posse religiosa, dizem Aguilar e Cámara, faz uma qualificação
do espaço, a ciência cartográfica realiza medições quantitativas que são
fundamentais para apropriação e ocupação da terra incógnita.
No famoso quadro Primeira missa no Brasil, de 1861,
que representa, de certo modo, um ritual que foi objeto de discussão pro-
funda e até de origem das próprias Universidades no mundo ocidental.
As disputatios medievais – que deram origem às universidades – eram
discussões feitas em conventos por estudiosos das escrituras em torno de
vários temas. Um deles é o “dogma da transubstanciação” performado
105 LUCIO AGRA
2 Penso nesse termo próximo da noção desenvolvida por Erving Goffman em seu
famoso livro (GOFFMAN, Erving. Estigma – notas sobre a manipulação da identidade
deteriorada. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982, tradução de Mathias Lambert).
REFERÊNCIAS
A “macumba” de que tratamos é uma das mais curiosas das visitadas nos
últimos tempos. Estão filiadas à mesma pessoas de certo relevo social,
como a autoridade se convenceu, principalmente pelo encontro, entre os
numerosos objetos apreendidos, de um bronze artístico de J. Gauthier [sic]
representando o lendário Mefistófeles (ANÔNIMO, 1929a, p. 1).
Embora fosse já notada por João do Rio ([1906]) em sua etnografia dos lo-
cais de culto afro-brasileiros nos anos 1900, a participação de “pessoas de
certo relevo social” no culto parece ter perturbado o repórter. A estatueta
aqui em questão seria evidência disso e ela aparece na foto que acompanha
a reportagem [Figura 1a]. A reprodução de que disponho é de má quali-
dade – trata-se de uma digitalização a partir da microfilmagem do jornal
original –, mas ela permite intuir um conjunto heterogêneo de objetos de
culto – o “arsenal da macumba,” como reza a legenda da foto –, do qual se
destaca, ao centro e ao topo, a estatueta de Mefistófeles.
O repórter identificou com precisão o personagem representado, bem
113 ARTHUR VALLE
Quem entra no recinto do pequeno museu, tem logo sua atenção desper-
tada para uma espécie de nicho, existente entre as duas janelas do fundo.
116 ARTHUR VALLE
4. Nos documentos citados até agora, algo notável é a maneira como a iden-
tificação iconográfica da estatueta foi se alterando. Nas primeiras reporta-
gens, ela era identificada como “Mefistófeles”, ou “Lúcifer”; ao ser exibida
pela Polícia Civil, exclusivamente como “Exu”; na lista do “Museu de Ma-
gia Negra,” de 1940, simultaneamente como “Mefistófeles” e “Exu”. Depois
disso, a identificação parece se estabilizar e a peça passa a ser designada
somente como “Exu”, nome por vezes acompanhado de qualidades da di-
vindade, como “Tranca-Rua” ou “7 capas”.
Uma questão relevante que essa variação na denominação da esta-
tueta levanta é a seguinte: será que Alvaro Pessôa e seus fiéis realmente a
identificavam como Exu em seu local de culto? Há evidências que me le-
vam a responder “sim” a essa pergunta. A principal delas se encontra em
uma reportagem de O Globo em 11 de outubro de 1927, que relata outro ato
de repressão policial que se abateu sobre Alvaro Pessôa, ao qual já me refe-
ri, acima. Também desta feita ele teve uma pletora de seus objetos de culto
apreendidos. Entre estes, “foram encontrados sobre as bases das imagens,
muitos bilhetes, em que [os fiéis] pediam vários favores aos santos” (ANÔ-
NIMO, 1927). Ao menos um destes bilhetes mencionava explicitamente Exu.
O repórter de O Globo assim o transcreveu: “Na fé do vosso poder entrego
Diomar para que auxilie Beatriz no que pedir e precisar. Na fé da magia
120 ARTHUR VALLE
Fig 1 Dalton Paula. A rede, óleo sobre tela, 80 x 120 cm, 2016.
exploração escravista, posto que os dois homens, segurando a mesma has-
te de bambu que suspende a rede, andam em direções opostas, travando a
ação? Agem aqui acionando uma espécie de imagem-resposta, rebelde, que
impede, ou perturba, a continuação da relação de escravização. A pintu-
ra, absolutamente questionadora do tempo colonial-escravagista, destaca
o tempo passado, que não se resolveu, e, assim, a exploração presente, mui-
tas vezes mais brutal.
Em uma sociedade de permanência do colonialismo-racista como
a nossa, onde perduram os traumas remanescentes do período colonial-
-escravista e pós-escravista, instaura-se a necessidade de restauração dos
saberes ancestrais, que funcionam como possibilidade de cura das maze-
las herdadas. Para cada ferida, Paula propõe um fármaco que leve à cura,
ainda que no nível de imagens simbólicas. Mais do que identificar dores e
culpados, Dalton propõe “realidades subjetivas emancipadoras” (REBOU-
ÇAS, 2020, p. 193). É assim que ele cria o Unguento, título de uma de suas
obras, uma “garrafada” que o artista prepara com cachaça e erva-da-guiné.
A cura, que está interseccionada com a ancestralidade, vai ser uma
das grandes buscas do artista. Suas pinturas sobre capas de livros e enci-
clopédias, que compõem exatamente a série A cura, de 2016, criam, por
montagem, cenas relembrando imagens de saberes tradicionais, que reme-
tem ao processo de cuidado. Numa narrativa inversa às das enciclopédias
– que ignoram as experiências ancestrais afro-brasileiras –, as pinturas de
Dalton carregam ali o mistério dos benzimentos, das ervas e das rezas do
povo preto. No vídeo Do silencio à cura, o artista se refere a um fio con-
dutor nesse trabalho, que seria o dos corpos silenciados do homem e da
mulher negro/a, corpos enfermos, por sofrimento e pela dor da exclusão,
mas fala, também, a respeito de outro fio condutor: a possibilidade de cura
ao retomar os rituais e as plantas usadas nas práticas religiosas de matriz
africana e indígena, que Dalton chama de “herbário negro”.
Em 2017, por ocasião da mostra Histórias afro-atlânticas, no Museu
de Arte de São Paulo, Dalton Paula pinta, a pedido, os retratos de Zeferina,
129 SHEILA CABO GERALDO
1 Revolta dos Búzios, 220 anos. Orquestrada por negros escravizados, libertos,
trabalhadores pobres e alguns membros das elites brancas liberais, a Revolta dos Búzios
teve seu estopim no dia 12 de agosto de 1798. Salvador amanheceu com 12 boletins
afixados em locais públicos e de grande circulação de pessoas, convocando o povo à
130 SHEILA CABO GERALDO
Fig 2 Dalton Paula. A cura, óleo sobre enciclopédia, oito livros, 2016 (detalhe).
dois exemplos de uma série de retratos pintados pelo artista de personali-
dades da história oral negra, cujas fisionomias nem sempre são conhecidas.
Criador do que poderíamos denominar imagens de resistência, nes-
sas pinturas de Dalton há, deliberadamente, uma busca imaginária de
dignidade das personalidades esquecidas ou quase esquecidas. São, como
afirma o artista, retratos do desejo de protagonismo, tal qual alcançavam
nas lutas antiescravistas e pela liberdade. O artista procura criar imagens
não das condições degradantes dos escravizados, ou libertos submissos,
mas de homens e mulheres fortes e dignos, que assim mereciam ser imagi-
nados, como é o caso de Zumbi dos Palmares, e até mesmo de Machado de
Assis, negro embranquecido pelas fotografias do século XIX. Dalton rompe
com os estereótipos dos rostos e dos corpos negros e, como escreveu a an-
tropóloga e curadora Lilia Moritz Schwarcz (2020-2021), “sequestra as al-
mas desses homens negros, restituindo-lhes, nos retratos, a subjetividade
digna de figuras silenciadas pela história”.
O desejo de desfazer o apagamento histórico está também na imagem
de Daniel de Araújo (LAURIANO; GOMES; SCHWARCZ, 2021, p. 147) criada para a
Enciclopédia negra. O retrato de Daniel − quilombola do século XIX, liderança
da Revolta de Viana, no Maranhão, nos anos 1860, que planejara uma insur-
reição articulando mocambos e senzalas − segue a poética de imagens revolu-
cionárias criadas pelo artista, ou seja: olhar direto, rosto marcado por linhas
brancas, correspondentes, como explica Dalton, aos espaços vazios, que nos
convocam a complementá-los, cabelos dourados como uma coroa, pele de co-
bre, roupas dignas de um cidadão, correspondendo à sua história, que precisa
ser ainda contada em seus detalhes, reconhecendo seu protagonismo.
No trabalho Rota do tabaco, em uma série de alguidares de argila
são pintadas cenas da diáspora africana. Os alguidares seguem uma rota
imaginária, por onde teria passado o tabaco, um dos principais produtos
da atividade mercantil colonial-escravagista. As cerâmicas rudes, que re-
metem a antigos e tradicionais objetos, são os agentes de um circuito que
se inicia em Piracanjuba, em Goiás, passando por Cuba e Cachoeira, no
Recôncavo Baiano. Os alguidares, que são tradicionalmente usados nas
131 SHEILA CABO GERALDO
religiões de matriz africana para servir comida aos santos, nessas paradas
da rota são os receptáculos das imagens que pontuam essa rota, como re-
tratos, paisagens e cenas de vivências dos povos pretos, herdeiros das tra-
dições de conversas, de reza e de vida comum.
Fig 3 Dalton Paula. Daniel (de Viana), óleo e folha de ouro sobre tela. 61 x 45 cm,
2020. Fotografia: Paulo Rezende, 2021.
Essas observações sobre o trabalho de Dalton Paula foram escritas
concomitantemente ao carnaval do Rio de Janeiro, em abril de 2022, poster-
gado em função das consequências da pandemia da covid-19, que impediu a
festa nos anos anteriores. Como forma de catarse, mas também como parte
das mudanças que vêm acontecendo em função da crítica decolonial – já
que os negros constituem a maioria da população do Brasil e sua cultura
vem sendo subjugada por séculos –, as escolas de samba da cidade trouxe-
ram para o desfile no Sambódromo uma quantidade significativa de temas
da cultura africana e afro-brasileira, como afirmação de uma impressio-
nante vontade de discutir sua ancestralidade. Essa foi uma palavra que es-
teve presente em muitos enredos e se ouvia em vários comentários sobre os
desfiles das escolas.2 Como declarou Carlinhos Brown em uma entrevista
às redes de televisão, “esse ano quem fez os enredos foram os orixás”.
Apenas recentemente – mais especificamente, a partir dos anos 1990
– a ancestralidade se configurou no sentido da resistência artística e cultu-
ral. Autores fundamentais no estudo da cultura afro-brasileira do final do
século XIX e primeira metade do século XX, como Nina Rodrigues e Arthur
Ramos, não trataram da ancestralidade nessa concepção, embora Arthur
Ramos, no livro O folclore negro do Brasil: demopsicologia e psicanálise
− publicado pela primeira vez em 1935, focalizando a sobrevivência da cul-
tura africana, seja mítico-religiosa, seja histórica, da dança e da música −
tenha feito um extenso levantamento de dados e, tendo sempre presente a
crítica à teoria da “inferioridade” da arte e da cultura negra brasileira, na
conclusão do livro argumentando que, estando suas crenças perseguidas,
os negros teriam aproveitado as instituições “folclóricas” para canalizar o
seu “inconsciente ancestral”, em suas “primitivas festas cíclicas de religião
e magia, de amor, de guerra, de caça e pesca” (RAMOS, 2007, p. 229).
As imagens do inconsciente ancestral, imagens primitivas de reli-
gião e magia, que Arthur percebia nas festas de carnaval, sobretudo naque-
las que aconteciam na Praça Onze, onde se confundiam danças, música e
cerimônias de candomblé, podem ser encontradas ainda em vários traba-
133 SHEILA CABO GERALDO
2 “Não é uma questão qualquer que nove escolas do grupo especial tenham abordado
a ancestralidade e a espiritualidade africanas, a história do povo negro, a luta
e a resistência, reverenciado nossas referências negras e que, simplesmente, os
carnavalescos que pensaram e conceberam tudo isso sejam todos brancos” (PACHECO).
membros de sua família, ou seja, traz tanto a ancestralidade religiosa e mí-
tica como a do parentesco das imagens de retrato.
Aline Motta, artista que trabalha com diferentes práticas de foto-
grafia, vídeo e instalação, vem também pesquisando a memória pessoal e
coletiva, que é a memória das experiências traumatizantes do colonialismo
brasileiro e que podemos entender como parte de sua ancestralidade, seja
familiar, seja arquetípica, que se apresenta como vivências em cultura.
Assim, para pensar a ancestralidade nas obras de Aline Motta, pre-
cisamos começar dizendo que ela é uma artista de ascendência afro-bra-
sileira-portuguesa, e suas obras levantam o debate sobre o apagamento da
cultura negra na sociedade brasileira, uma sociedade na qual perdura o
racismo advindo de nosso processo histórico, perpassado por mais de 300
anos de escravagismo. Em seus trabalhos estão presentes também a von-
tade de cura dos traumas herdados, cura que estaria no enfrentamento
e retomada da ancestralidade, mas também no desejo de transformação,
operando a mudança que deixaria de priorizar o olho da modernidade
colonial capitalista – eurocentrista –, abrindo espaço para outro olhar, não
colonial (BARRIENDOS, 2019), para uma nova subjetividade, coincidente
com a decolonialidade.
Na série de trabalhos mais recentes, Aline Motta traz, em suas práti-
cas e representações, reflexões sobre a sua ancestralidade como herança cul-
tural africana, mas também sua busca de laços sanguíneos, que se misturam
e ordenam uma poética afro-brasileira diaspórica. Nos trabalhos dos últi-
mos anos, ela desenvolve poeticamente essa busca pessoal-cultural-histórica,
que envolve marcas visíveis e invisíveis de sua herança, identificáveis nos tra-
ços fisionômicos que permanecem e nos apagamentos que se mostram nos
arquivos de imagens e textos. Como afirma em seu website:
Há alguns anos tenho feito uma pesquisa profunda sobre as raízes da mi-
nha família. Nesta busca, muitas histórias vieram à tona. Esta é uma delas.
Minha tataravó Francisca trabalhou como escravizada numa fazenda de
134 SHEILA CABO GERALDO
café em Vassouras, RJ. Eu fui até lá procurar por vestígios dela, mas encon-
trei apenas um possível atestado de óbito de alguém com o mesmo nome e
idade aproximada que morreu na “Fazenda de Ubá”. (MOTTA)
minino – sempre foi uma questão para o nu. É interessante observar como a
própria história da arte constrói seu discurso a partir da desqualificação do
desejo e da sexualidade da mulher, como demonstra Kenneth Clark (1998)
ao criticar a qualidade das versões das Vênus no Renascimento, pois teriam
degenerado o nu clássico ao lhe emprestar caráter carnal. A problemati-
zação da universalidade do gênero nu e a sublimação da sexualidade na
representação da mulher enfatiza como sua presença na arte europeia é ma-
joritariamente centrada em sua objetificação. Repressão feminina, então, é
sinônimo da repressão a seu corpo e à possibilidade do prazer. Lynda Nead
(1992), em The Female Nude: Art, Obscenity and Sexuality, defende que o
nu feminino objetivava a contenção e regulação do corpo da mulher. Essa
regulação está presente na estética e crítica de arte, na educação artística e
nos discursos legais sobre arte e obscenidade.
O cenário artístico da segunda metade do século XX acentua a crise
da visão antropocêntrica e da sublimação do corpo, que aparece em ações,
em performances, vídeos e fotografias – o que revela uma mudança signifi-
cativa nas formas de sua percepção. Os artistas exploram sua temporalida-
de, contingência e instabilidade, abordando-o como conteúdo, tela, pincel
ou imagem. Os happenings, a body art e as performances ocasionam uma
tensão entre corpo literal e imagem; o reconhecimento da corporalidade
do sujeito, a percepção de que nossa experiência e nossa presença se tor-
naram cruciais questionam a noção de um corpo enquadrado. Também
o processo de liberação sexual, impulsionado pelas teorias psicanalíticas,
muda a posição da mulher, sua relação com o corpo, seu estatuto na socie-
dade. Nos Estados Unidos desenvolve-se, no final dos 60 e início dos 70,
uma teoria e uma arte feminista que situam a sexualidade feminina como
o componente definidor das experiências e identidades da mulher vivendo
numa cultura patriarcal. O papel inaugural no questionamento da relação
corpo e repressão da mulher é fato incontestável quando olhamos em re-
trospecto o trabalho de Carolee Schneemann: em Interior Scroll, a artista
nua extrai vagarosamente uma fita de papel da vagina na medida em que
lê seu conteúdo para o público extraído do seu livro Cézanne, She was a
Great Painter. A ação manifesta posicionamento sobre o papel feminino na
arte e, também, sobre os estereótipos do olhar masculino. Interior Scroll
chama atenção para o fato da não visibilidade da genitália feminina ser
interpretada como falta pelo pensamento falocêntrico. Dar uma imagem
contundente da imposição desse discurso significa subverter um condicio-
namento tradicional. Semelhante contundência tiveram os trabalhos de
Valie Export no final da década de 1960; tanto Pânico genital quanto Cine-
140 VIVIANE MATESCO
WEBSITES
https://rosanapaulino.com.br/
http://www.omenelick2ato.com/artes-
da-cena/danca-e-performance/
corpo-festa-e-dor
https://mais.opovo.com.br/jornal/
vidaearte/2018/03/musa-michelle-
mattiuzzi-fala-sobre-a-performance-
como-ato-politico.html
https://castielvitorinobrasileiro.com/sobre
https://www.premiopipa.com/2021/09/
luiz-camillo-osorio-conversa-com-
castiel-vitorino/
https://www.premiopipa.com/
ventura-profana/
https://www.jaca.center/
ventura-profana-br/
https://volumemorto.com.br/
entrevista-ventura-profana/
https://www.identidadesmarginais.com/
ventura-profana
https://panmelacastro.wordpress.com/
152 VIVIANE MATESCO
CAPÍTULO 3 ARTE CONTRA A CULTURA
“Antropofagizar” práticas de mídia:
a obra e legado de Ricardo Rosas
THIAGO SPÍNDOLA MOTTA FERNANDES
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – PPGAV/UFRJ
ticas pelas quais o fraco faz uso do forte. Ele caracterizou o usuário (um
termo que ele preferiu a consumidor) rebelde como tático e o presumido
produtor (no qual ele inclui autores, educadores, curadores e revolucioná-
rios) como estratégico. Estabelecer esta dicotomia permitiu a ele produ-
zir um vocabulário de táticas rico e complexo o bastante para equivaler a
uma estética reconhecível e distinta. Uma estética existencial. Uma esté-
tica da apropriação, do engano, da leitura, da fala, do passeio, da compra,
do desejo. Truques engenhosos, a astúcia do caçador, manobras, situa-
ções polimórficas, descobertas prazerosas, tão poéticas quanto guerreiras
(GARCIA; LOVINK, 2002, pp. 139-140).
Certeau exemplifica tais subversões na relação entre indígenas e coloni-
zadores espanhóis, pensando como os primeiros se utilizavam da ordem
dominante para exercer seu poder:
Há muito tempo que se tem estudado que equívoco rachava, por dentro,
o “sucesso” dos colonizadores espanhóis entre as etnias indígenas: subme-
tidos e mesmo consentindo na dominação, muitas vezes esses indígenas
faziam das ações rituais, representações ou leis que lhes eram impostas
outra coisa que não era aquela que o conquistador julgava obter por elas.
Os indígenas as subvertiam, não rejeitando-as diretamente ou modifican-
do-as, mas pela sua maneira de usá-las para fins em função de referências
estranhas ao sistema do qual não podiam fugir (CERTEAU, 1998, p. 39).
Ocorre que muita gente tem produzido mídia tática por aqui, mesmo sem
saber que o que fazem tenha um nome. Seja intervenção urbana, usos táti-
159 THIAGO SPÍNDOLA MOTTA FERNANDES
cos da arte, da web, de rádios piratas, fanzines e por aí vai, o fato é que es-
tamos assistindo a um verdadeiro boom de mídia indie no Brasil. Algo que
não se poderia deixar passar despercebido. Além disso, urge uma inclusão
digital que contemple, por exemplo, quem não possa bancar um micro. O
conceito de mídia tática, então, pode ser adaptado à realidade brasileira ao
propor alternativas, formas de mobilizações que propagam circuitos inter-
dependentes. Essas buscas por autonomia falam sobretudo de educação,
disseminação tecnológica inclusiva e relações centro-periferia.
Antropofagizamos práticas de mídia para, além de propor a coleti-
vidade e autonomia das relações produtivas, reconhecer igualmente a pe-
riferia – somos todos periféricos em relação ao Império – como realidade
160 THIAGO SPÍNDOLA MOTTA FERNANDES
Fig 1 Mapa do festival Mídia Tática Brasil. Casa das Rosas, São Paulo, 2003.
Fonte: midiatatica.info
marginalizada e, antes de tudo, expressão primeira da lógica colonizada
das culturas latino-americanas (ROSAS; WELLS, 2003, n.p.).
Fig 1 Crianças vietnamitas correndo por uma estrada após ataque com
Napalm, em um vilarejo perto de Saigon. © Nick Ut. Fonte: https://www.hypeness.
com.br/2018/02/a-historia-por-tras-da-foto-que-mudou-a-guerra-do-vietna-ha-
50-anos/. Acesso em 26 ago. 2022.
171 SARA RAMOS DE OLIVEIRA
nos são apresentados. De que forma esse novo regime nos posiciona diante
da dor do outro hoje? O que temos diante de nós é uma nova forma de con-
ceber o mundo – através de imagens –, que não são mais somente meios de
invenção de realidades, e sim, realidades em si.
Susan Sontag, Boris Kossoy, Vilém Flusser, Jacques Derrida e Gilles
Deleuze são apenas alguns dos autores que, principalmente no século XX,
trabalharam com a perspectiva de que a fotografia trouxe uma nova for-
ma de nos relacionarmos com o mundo. Com a invenção e dissipação da
fotografia, a realidade passa a ser, também, uma virtualidade para a qual
o corpo se projeta e interage dentro de sua gramática própria, com suas
próprias regras, éticas e valores. Todos podem fazer parte dela, se quise-
rem, mas nem todos são selecionados: onde se acrescenta um verdadeiro
mistério agravante ao qual o atual regime de imagens que vivemos nos
submeteu – os chamados algoritmos, esses estranhos conhecidos que todos
sabem que existem, mas ninguém conhece a verdadeira natureza.
Antes de adentrarmos nesta obscura complexidade e a relacionar-
mos com a ética da dor e da violência no regime de imagens de hoje, é pre-
ciso compreender um pouco mais seus antecedentes. Judith Butler dialoga
com Sontag a respeito da tortura e da ética da fotografia, no terceiro capí-
tulo do livro Quadros de guerra (2009). Butler antecede o diálogo aprofun-
dado em questão em um trabalho anterior, denominado Precarious Life
(2004), onde é discutido, basicamente, quais são as vidas dignas do luto e
do cuidado nos regimes de sujeição e violência de hoje. O debate é amplia-
do diante da necessidade de se considerar o olhar comprometido, usando
termos da própria autora, pelas
Desse modo, apreender uma vida como digna de luto, ou seja, reconhecer
que um determinado corpo sofre ou não e, portanto, é ou não passível de
cuidado e empatia, passa por um longo processo de emolduramento, forte-
mente atuante na construção dos delimitadores que nos farão, de fato, ver
o sofrimento do outro. Em última instância, o que é indagado por Butler
é de que modo é construída a ética do cuidado e de preservação da vida, e
de que vida estamos falando.
175 SARA RAMOS DE OLIVEIRA
Minha opinião — que certamente não é nova, mas vale ser repetida — é que
a maneira pela qual respondemos à dor dos outros e se o fazemos, e a manei-
ra como formulamos críticas morais e articulamos análises políticas depen-
dem de certo campo de realidade perceptível já ter sido estabelecido. Nesse
campo de realidade perceptível, a noção do humano reconhecível se forma e
se reitera, em oposição àquilo que não pode ser nomeado ou encarado como
humano, uma representação do não humano que determina negativamente
e perturba potencialmente o que é reconhecidamente humano (Idem, p. 94).
176 SARA RAMOS DE OLIVEIRA
novo) território.
Os nossos aparelhos produtores de imagens são, na verdade, pro-
dutores de uma realidade que, por natureza, seleciona, recorta, filtra, e
alimenta um determinado conjunto de regras. Não que isso seja exclusi-
vidade de nossos tempos, pois os enquadramentos comprometidos atuam
na construção da percepção desde o surgimento das primeiras culturas
humanas, onde as imagens se qualificam enquanto virtualidade contínua
da realidade.
Mas, quando se vê o enquadramento do enquadramento, o que é que está
acontecendo? Minha sugestão é que o problema aqui não é apenas inter-
no à vida da mídia, mas envolve igualmente os efeitos estruturantes que
certas normas mais amplas, muitas vezes racializadoras e civilizatórias,
têm sobre o que é chamado, provisoriamente, de “realidade” (BUTLER,
2015, p. 113).
A palavra museu, que uso para designar esta casa, é uma reminiscência
do tempo em que eu trabalhava nos projetos de minha invenção, sem co-
nhecimento de seu alcance. Na época pensava em erigir grandes álbuns ou
museus, familiares e públicos, com essas imagens (CASARES, 2014, p. 65).
Estas são as palavras de Morel, a quem a narrativa fantástica deve seu nome.
Morel é um rico empresário que persegue o sonho de viver para sempre,
se dedicando a experimentos que possam satisfazer suas fantasias em um
futuro próximo. Em um dado momento, ele percebe que só as fotografias
possuem tal poder, e que, se encontrasse uma maneira de fotografar a vida
em todos os seus aspectos – inclusive volumes, cheiros, e objetos de todos
os tipos, até o sol e a lua –, ele encontraria a vida eterna.
Morel então inventa aparelhos que possuem tal capacidade. São capazes
de gravar e reproduzir tudo o que há, inclusive construções: se os aparelhos
gravam a coluna de um determinado edifício e essa coluna sucumbe em ruínas,
os aparelhos de reprodução são capazes de erigir “imagens em 3D” das colunas
no lugar das ruínas, criando a ilusão de que nunca saíram dali. Morel então tes-
ta sua invenção em seus amigos sem que eles tenham conhecimento num pri-
meiro momento, gravando o que viveram naquela ilha durante uma semana.
Estava decidido a não lhes dizer nada. Assim, os pouparia de uma inquie-
184 SARA RAMOS DE OLIVEIRA
tação muito natural. Eu teria todos à minha disposição, até o último mo-
mento, sem rebeliões. Mas, como amigos, vocês têm o direito de saber. (…)
Meu abuso consiste em tê-los fotografado sem autorização. É claro que não
se trata de uma fotografia qualquer; é meu último invento. Nós viveremos
nessa fotografia, para sempre (CASARES, 2014, p. 57).
Mas o que Morel escondeu de seus amigos é que há uma consequência para
aqueles e aquelas coisas fotografados pelos seus aparelhos: sucumbem em
pouco mais de sete dias. Os objetos e vegetais duram menos, as pessoas e
animais um pouco mais. Ou seja, Morel, Faustine e os outros são ilusões
espectrais do que viveram anos atrás, e deixaram de existir no mundo real
para viverem para sempre, num mundo de imagens.
O narrador sem nome, ao descobrir a terrível verdade e vivendo em
função de sua paixão por Faustine, decide então abdicar de sua vida para
integrar o mundo-imagem de Morel. Ele observa e ensaia obsessivamente
todos os movimentos, todas as falas, todos os silêncios de sua amada e dos
seus companheiros, e cria a ilusão perfeita de que ele era um dos amigos
integrantes do grupo. Ao ligar os aparelhos que gravarão seus movimen-
tos, ele abre mão de sua vida “real” para integrar o mundo de imagens, a
única forma pela qual ele poderá viver ao lado de sua amada e única forma
pela qual vale a pena viver. Neste sentido, o que poderá ser mais real do
que sua (ilusória) vida ao lado de Faustine em um mundo de imagens? O
que é real fora daquilo que é concebido e apreendido pelos nossos sentidos
e cognição?
A invenção de Morel é publicado pela primeira vez em 1940, e sua
similaridade contextual com os nossos tempos é assustadora. O mundo-
-imagem criado por Morel pode ser lido como uma perfeita analogia para
o mundo virtual de hoje, mas também como um enigma sobre o que é
concebido como realidade. Será que o mundo virtual de hoje é realmente
menos “real” que a “realidade” em si? Há algo como uma realidade em si?
Fato é, a nossa realidade virtual é tão real quanto nossa necessidade
de comer e dormir. A imagem que construímos de nós mesmos nas redes
sociais através de nossos aparelhos é, de fato, uma edição e seleção resul-
tantes do processo de emolduramento que vêm se decantando em nossas
camadas desde que o mundo é mundo. Contudo, ela é uma fração de nos-
sas vidas que há alguns anos deixou de ser optativa, pois ela é determi-
nante na hora de, por exemplo, conseguir um emprego, desenvolver um
trabalho liberal etc. A imagem que construímos de nós mesmos nas redes
é, também, resultante de processos interpretativos que nós não escolhe-
185 SARA RAMOS DE OLIVEIRA
mos, sobre os quais não temos controle, mas dos quais somos agentes em
primeira e última instância – portanto, podemos e devemos interpretar
criticamente sobre o quê queremos construir nessa nova realidade.
Muitxs artistas contemporânies atualmente usam as redes sociais
como ferramentas de pesquisa (e não somente trabalho): é o caso de Aleta
Valente, Davi Jesus do Nascimento, Efe Godoy, Jurema Mombaça, entre
outrxs. Essas artistas, para além de configurarem o uso das redes sociais
para divulgação e organização do seu trabalho, utilizam a plataforma para
conceber novas formas de ver e fazer dos nossos tempos. Tempos de pre-
ponderância de imagens fugazes, de influencers que vendem estilos de vida
absolutamente excludentes, onde o capitalismo se subjetifica cada vez mais
através de campanhas que, sob o pressuposto de defender uma determina-
da hashtag do momento, acaba por condicionar estratégias de comporta-
mento e consumo. Esses trabalhos elaboram nossa capacidade crítica de
observação dos enquadramentos condicionantes das redes, explorando
suas estruturas ao fazer uso delas para fins subversivos. Ao fazer isso, so-
mos levados a observar a moldura da moldura, como Judith Butler sugere,
reorientando os nossos sentidos em direção de novas acepções da realida-
de e, quem sabe um dia, de novas realidades.
Por fim, podemos concluir que é preciso nos alertarmos para a ne-
cessidade de observação, interpretação e crítica das estruturas condicio-
nantes do nosso mundo-imagem, para não nos esquecermos da dor do
outro. Não que devamos estar cientes somente dela, pois não se trata disso.
É preciso nos lembrar quem é esse outro, que se ocultou nas sombras dos
enquadramentos virtuais, em toda sua complexidade. Mas se perdermos a
capacidade de ver a dor do outro e nos enlutar, perderemos toda e qualquer
humanidade que ainda temos, assim como também não teremos capacida-
de para construir novas realidades mais inclusivas e justas. Não é possível
construir um futuro sem observação e reparação do passado – passado
esse que nós, enquanto humanidade civilizatória, carregamos como um
fardo de destruição e dor –, e, para isso, será preciso nos enlutar coletiva-
mente sobre os corpos que foram vítimas desse rastro.
186 SARA RAMOS DE OLIVEIRA
REFERÊNCIAS
quem foi pego em flagrante, seria algo como: “estava passando aqui por
acaso e resolvi dar uma espiadinha…”. Ela me torna impotente diante do
fato de que não me foi possível fazer nada para impedir que 20 yanomamis
continuem desaparecidos, outros tenham sido assassinados e, ainda, que
estupros tenham sido relatados na aldeia, em maio de 2022. Ou, que uma
criança tenha sido drenada no rio por uma draga de mineração. E nem que
190 RUBENS PILEGGI
O vazio materializado
Nesse momento em que há uma forte tendência da arte ser defendida ape-
nas pelos seus conteúdos – questões raciais, de gênero e temáticas politi-
camente corretas – pergunto-me se a arte, como até então conhecíamos,
pode ter ainda alguma contribuição a oferecer em termos de desenvolvi-
mento da percepção, da sensorialidade, das sensações, dos afetos e (por
que não dizer?) da forma e da linguagem.
Nesse sentido – onde a síntese cede espaço aos discursos e a com-
preensão é um problema de análise cognitiva –, tudo se torna “imagem”.
E toda imagem tem, aparentemente, algo a dizer, transformando-se em
ilustração de uma ideia e não na ideia, ela mesma, como apregoado, por
exemplo, pela arte conceitual. Poderíamos pensar, então, estar vivendo o
paraíso da relação “arte e vida”, tão intensamente buscada por muitos ar-
tistas, particularmente depois de 1950, quando se expandem as questões da
arte pelo uso de materiais, procedimentos e ampliação de temáticas. Mas,
observa-se, também, que há uma baixa de repertório, uma vez que a teoria,
a crítica e a história da arte são vistas, muitas vezes, como anacrônicas.
Independentemente de tudo isso, porém, a arte se move entre sécu-
los e linguagens, entre as sombras e as ideias, porque, assim, ela também
pode fazer parte do vazio, da falta e da ausência como lugares de pertenci-
mento. E, aqui, poderia citar artistas como Rachel Whiteread (1963), com
seus moldes do espaço vazio no entorno dos objetos, além de outros ar-
tistas, como Michael Heizer (1944), artista da land art, nos EUA, com es-
cavações de enormes faixas de terra no deserto, levando em consideração,
justamente, os espaços vazios que a ação criava. Também me lembro do
compositor brasileiro Taiguara (1945-1996), que canta em um dos versos de
sua canção, “Hoje”, de modo melancólico, que “eu desespero e abraço a sua
ausência”, como um mote para a criação para além da tristeza e da perda.
Também o escultor italiano Medardo Rosso (1858-1928) criava usan-
do a força de atração da gravidade, fazendo do bloco entalhado ou mo-
delado algo entre o informe da matéria bruta e a sugestão fina da figura
esculpida na forma. Sua obra – seja no mármore, seja no bronze, mate-
riais duros – traz a marca do derretimento como características formais. A
sombra do rosto da mãe como uma camada de proteção sobre a cabeça da
criança que dorme (Figura 2) é, de fato, uma síntese de afeto pelo sensível
que a matéria, a princípio, inerte, pode criar, em termos de significados.
Como diz Agamben (2009, p. 63), “contemporâneo é, justamen-
192 RUBENS PILEGGI
te, aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergu-
lhando a pena nas trevas do presente”. Essa cegueira do excesso de luz é
produzida por uma avalanche de imagens que não causam mais nenhum
impacto. A luz da denúncia é chapada, superficial, pois obedece a uma
lógica digital aparentemente sem corpo, para que não se saiba quem lucra
com os conteúdos produzidos pelos usuários para o mundo online.
193 RUBENS PILEGGI
Memória ou reprodutibilidade
1 Aqui, não se reporta tanto à questão da unicidade da obra que, segundo o texto, lhe
traria o caráter aurático, mas ao entendimento do autor sobre a pintura e a escultura
como imagens produzidas em bloco, enquanto as do cinema seriam parciais, foto a foto,
comparando o pintor ao mago e o cinegrafista ao cirurgião (BENJAMIN, 1994, p. 197).
196 RUBENS PILEGGI
Em A invenção de Morel, de 1940, Adolfo Bioy Casares nos traz uma ficção
em que o personagem principal chega em uma ilha e se apaixona por uma
imagem em movimento. Essa imagem era reproduzida por uma máquina
que simulava a presença real das coisas e das pessoas em três dimensões,
como se fossem hologramas. O personagem, então, descobre o projetor de
onde as imagens são emitidas, compreende seu funcionamento e grava
imagens suas, atuando como par romântico da mulher/imagem por quem
ele havia se apaixonado, eternizando sua vida post mortem ao lado de sua
amada, na ilha deserta.
Sobreviveremos às imagens ou elas sobreviverão a nós? Talvez essa seja
apenas uma questão retórica. O que muda a história é a paixão pela beleza. A
busca em reconhecer, em si, “a harmonia das formas”, que é como o I Ching
197 RUBENS PILEGGI
sua própria entidade econômica. Para evitar uma confusão entre o sentido
estético e o sentido econômico do termo “incorporado”, irei falar, neste úl-
timo caso, de imagens incorporated, como se diz em inglês, quando forne-
cemos o nome completo de uma empresa. Com efeito, termina-se sempre
dos filósofos mais citados hoje no mundo da arte contemporânea, faz dos
trabalhos de Adorno. Com efeito, a maioria das proposições de Jacques
Rancière sobre a “partilha do sensível” ou sobre o “regime estético da arte”
pode ser vista como um prolongamento das proposições de Adorno. Con-
vocarei em várias oportunidades, ao longo de meu texto, os escritos de
Jacques Rancière, porque eles nos oferecem ferramentas interessantes para
apreender a função crítica e política das obras de artistas provenientes
de grupos culturais invisíveis para a cultura dominante. Eu lhes assegu-
ro, não permanecerei no domínio da teoria pura; antes retomarei vários
exemplos da criação contemporânea nas duas últimas décadas, a fim de
pôr em prática minhas hipóteses. Peço-lhes, antecipadamente, minhas
desculpas, pois meus exemplos são, sobretudo, tomados da cena artística
canadense e norte-americana, e não da brasileira, a qual conheço pouco.
Antes de chegar a esses exemplos, gostaria de me deter rapidamente
sobre duas dimensões da teoria estética de Adorno que me parecem particu-
larmente importantes para compreendermos bem as tensões entre imagens
da arte e imagens incorporated e, portanto, para compreender a função crí-
tica das imagens da arte que põem em cena os corpos de outros. Primeira-
mente, gostaria de examinar o que Adorno chama de duplo caráter da obra
de arte: a obra, segundo ele, é sempre, ao mesmo tempo – e este “ao mesmo
tempo” é importante –, um fato autônomo e social. Sobre a base dessa dupla
natureza da obra de arte, abordarei em seguida outra dimensão da filosofia
estética de Adorno, justamente esta da função crítica da obra.
Comecemos então pela dupla natureza da obra como fato autônomo
e social. Para Adorno, toda obra de arte digna desse nome é ao mesmo
tempo um fato estético e social. Fato social, por quê? Porque a obra é pro-
duzida em uma sociedade particular e o artista herda as condições artís-
ticas dessa sociedade no momento em que ele cria. Do mesmo modo, o
artista irá interagir com sua sociedade, seja para conformar-se à lógica do-
minante, seja para opor-se a ela. Mas – e este é um ponto muito importante
– Adorno insiste sobre o fato de que a obra, mesmo tendo uma dimensão
social, não se reduz ao contexto social ou à sua eficácia política, precisa-
mente porque ela é também um fato autônomo. O que significa autonomia
artística, para Adorno? Primeiramente, é um conceito que remete à impor-
tância do trabalho artístico, à “técnica artística” que permite ao artista, ao
transformar o real, produzir sua obra. Em uma troca de cartas com Walter
Benjamin, outro pensador-chave da Escola de Frankfurt, Adorno o repro-
va por renunciar à autonomia da arte em proveito de sua eficácia política.
O autor lembra que a autonomia da obra de arte, que permite diferenciá-la
203 JEAN-PHILIPPE UZEL
tem para além delas mesmas. As imagens que postamos nas redes sociais
são incorporated de um ponto de vista legal, porque, ao disponibilizá-las
no Facebook, Twitter ou Linkedin, aceitamos partilhar a propriedade inte-
lectual das imagens com a rede social, que pode utilizá-las e modificá-las à
vontade. Mas essas imagens são igualmente incorporated no sentido de que
não têm autonomia, elas estão submetidas a uma finalidade exterior. Sua
primeira função é estabelecer contatos, nesse sentido estão identificadas
com o que o teórico francês da fotografia, André Gunthert, qualifica de
“imagens conversacionais”4
A partir daí, a questão que se coloca é a de saber como as imagens da
arte continuam a existir nesse oceano de imagens incorporated. A resposta
nos é dada, ainda mais uma vez, por Adorno. As imagens da arte exercem
uma função crítica justamente porque preservam seu caráter autônomo. Por-
que, para Adorno, a autonomia vem a ser crítica em um mundo totalmente
alienado: segundo o autor, as obras de arte têm uma função política que
reside precisamente na ausência de toda função política5. Essa autonomia,
segundo o pensador alemão, a arte de vanguarda devia conservar a todo
preço, ao elaborar uma “estética negativa”, como o fizeram Pablo Picasso,
Paul Klee ou Francis Bacon, cujos quadros se recusavam a dar ao espectador
qualquer forma de prazer estético. A arte, desde então e segundo a fórmula
de Stendhal, não poderia ser mais que “uma promessa de felicidade”, quer
dizer, a promessa de uma felicidade no porvir de um mundo conciliado, um
mundo que não reconheceria mais a lei de ferro da dominação.
Admitiremos que essa atitude vanguardista tem algo de heroico; no
entanto, ela me parece hoje insustentável em nosso mundo. Com efeito, o
artista que optasse por uma forma de solipsismo estético, e se trancasse
em uma torre crítica de marfim, seguramente passaria despercebido. Em
face da imagem incorporated, que possui uma importante carga de sedu-
ção, a imagem da arte não pode ser ingênua. Ela deve se interrogar sobre
seu estatuto e sua existência. Ela não pode se contentar em ignorar a ima-
gem incorporated, mas deve entrar em diálogo crítico com ela, mesmo que
seja para pôr em evidência o que as separa. Contrariamente a Adorno, que
afirmava que somente a estética negativa vanguardista oferecia uma via sa-
lutar para a arte, a arte contemporânea pós-duchampiana interroga-se so-
bre suas próprias modalidades de existência, e então, por definição, sobre
suas modalidades de existência em face das imagens incorporated. Sabe-
mos que Adorno rejeitou essa dimensão autorreflexiva da arte contemporâ-
nea. Ele via, por exemplo, nos happenings, uma “busca fanática de pureza,
na qual a obra acabava por vir a ser a sua própria inimiga”6. Esse temor
206 JEAN-PHILIPPE UZEL
parece hoje muito exagerado e se pode dizer que a maioria das obras de
arte contemporânea conserva sua dupla natureza, como fato social e como
dos de Jacques Rancière. Isso posto, não creio que meus exemplos traiam
seu pensamento, porque eles partem de imagens da arte que questionam
as imagens incorporated, introduzindo nelas uma dose de indecidibilidade,
sua significação não é jamais dada de imediato. Nesse sentido, pode-se di-
zer que elas conservam sua dimensão autônoma.
7 RANCIÈRE, Jacques. Malaise dans l’esthétique. Paris: Galilée, 2004, p. 76 (tradução nossa).
A primeira categoria, que qualifico de amplificação, remete aos ar-
tistas que se confrontam diretamente com a proliferação de imagens in-
corporated. Eles encenam, de um modo ou de outro, a lógica do excesso
própria das imagens incorporated. Essa lógica do excesso, do demasiado,
está particularmente encarnada nas instalações do artista franco-suíço
Thomas Hirschhorn, como, por exemplo, em sua instalação do ano 2000,
Jumbo Spoons and Big Cake, que transborda, por todos os lados, objetos
feitos à mão, objetos recuperados, livros, fotocópias etc. e que trata, no fim
das contas, da multiplicação das imagens incorporated na era da globaliza-
ção: imagens publicitárias, imagens da moda, imagens de turismo, todas
essas imagens da cultura de massa que traduzem a superabundância da so-
ciedade do hiperconsumismo. Entre essa profusão de imagens, as imagens
da arte devem tomar seu lugar; como os quadros de Malevitch ou a arqui-
tetura de Mies Van der Rohe, elas devem existir no fluxo comunicacional
sem renunciar à sua natureza artística.
Essa lógica da amplificação pode igualmente estar encarnada não
no excesso, como em Thomas Hirschhorn, mas no muito pouco. Quando
o artista nos mostra que ele não pode mostrar que o monopólio das ima-
gens incorporated é tal e que a arte somente poderia retirar-se do combate
com armas desiguais. É o caso da instalação Lamento das imagens, que
Alfred Jaar, artista chileno radicado nos Estados Unidos, apresentou na
Documenta de 2002, na Alemanha, e que denunciava o monopólio das
imagens incorporated. Na primeira sala, podia-se ver três textos projeta-
dos que descreviam o confisco de dezenas de milhões de imagens da arte e
da história pelos grandes fundos, como o de Bill Gates. Esses fundos reti-
ram essas imagens do domínio público e privatizam seu uso. Na segunda
sala, o artista instalou um monitor com luminosidade ofuscante. Se com
Hirschhorn via-se tudo, ou demasiadamente saturado até a vertigem, com
Jaar não se via mais nada. Nos dois casos estamos em face, me parece, de
uma estratégia de amplificação dos efeitos da imagem incorporated.
A segunda categoria que põe em evidência a função crítica da ima-
gem em face da imagem incorporated é a do desvio. Aqui a imagem da arte
208 JEAN-PHILIPPE UZEL
Reich nazista. O artista mestiço Edward Poitras, por sua parte, expôs sua
carteira de identidade indígena, exagerando os traços de seu rosto (nariz
chato, lábios grossos) para torná-los mais adequados ao estereótipo do “ín-
dio” veiculado pela cultura dominante. Essas obras procuravam impactar,
criar um efeito de choque sobre o espectador para fazê-lo tomar consciên-
cia da opressão colonial do Canadá em relação às populações autóctones e
encorajá-lo a agir para modificar essa injustiça. Tendemos hoje a criticar a
abordagem engajada da política da identidade na arte, mas não podemos
esquecer que os artistas que se inscrevem nesse movimento respondem a
uma urgência política e social, como no caso de Rodney King, nos Estados
Unidos, ou no caso dos eventos d’Oka em 1990, no Canadá.
Isso posto, os artistas da geração post-black art e post-Indian art, que
emergem nos Estados Unidos e no Canadá nos anos 2000, vão romper
com esse tipo de reivindicação. Eles continuarão a propor questões relacio-
nadas com suas identidades étnica e cultural, mas de uma maneira indi-
reta e alusiva, que irá impedir que se tenha uma interpretação imediata de
suas obras, ao passo que mergulhará o espectador em uma dúvida perma-
nente. Nesse sentido, essas obras possuem com certeza uma função crítica,
mas que não se faz em detrimento do duplo caráter da obra de arte como
autônoma e como fato social.
Gostaria agora de evocar com alguns exemplos de obras do post-
-black art e do post-Indian art que se confrontam com o duplo desafio: re-
sistir e se diferenciar das imagens incorporated, ao mesmo tempo em que
dão visibilidade aos corpos racializados. Para apresentar essas obras, vou
retomar as três modalidades de função crítica que enunciei mais acima.
Comecemos pela primeira função crítica que evocamos, esta da am-
plificação, que consiste finalmente em mostrar um problema ao amplificá-
-lo, por uma lógica do excesso ou do muito pouco. Evocarei primeiramente
a série de autorretratos de Zanele Muholi, que tem a particularidade de ser
uma artista autóctone africana que pertence à nação Zulu da África do Sul.
É necessário, com efeito, sempre relembrar, já que temos a tendência de sem-
pre esquecer que ao menos na América do Norte as populações autóctones
não vivem somente sobre o continente americano; existem hoje 370 milhões
dessas pessoas vivendo nos quatro cantos do globo. Com seus autorretra-
tos, Zanele Muholi afirma querer questionar “as imagens culturalmente do-
minantes da mulher negra”, quer dizer, da mulher negra apresentada nas
imagens incorporated, por exemplo, nas publicidades da Benetton, em que
as mulheres negras têm geralmente a pele clara e são sempre muito femi-
ninas. Ao contrário, Zanele Muholi vai reforçar a negritude de sua pele e
213 JEAN-PHILIPPE UZEL
8 LUM, Ken (entrevistado por Cécile Bourne). There Is No Place Like Home, p. 93.
dos espetáculos era constituído por cenas de indígenas (essencialmente os
Sioux Lakotas), misturando-se alegremente ficção e reconstituição da his-
tória. Cody, que tinha também participado nas “Guerras Indígenas” (1878-
1890), conseguiu persuadir atores históricos do primeiro escalão, como o
líder Sioux Sitting Bull (Tatanka Yotanka, seu verdadeiro nome) ou Gabriel
Dumont (um dos principais atores, ao lado de Louis Riel, da revolta mestiça
de 1885) de tomar parte de seus espetáculos para interpretarem a si mesmos.
Mas Cody não via nenhuma inconveniência em os líderes históricos coloca-
rem-se ao lado de personagens ficcionais, como Natty Bumppo, o herói da
série de romances de James Fenimore Cooper, Histoires de bas-de-cuir. Do
mesmo modo, não tinha nenhum escrúpulo que os “peles vermelhas de to-
das as tribos” (Cheyennes, Arapahos, Pieds-Noir, Sioux), como anunciavam
os programas publicitários dos espetáculos, fossem de fato interpretados so-
mente por Sioux9 – simplificação ultrajante que encontraremos mais tarde
nos westerns hollywoodianos, nos quais os indígenas são sempre os Sioux.
Nessa instalação, Most Serene Republics, Edgar Heap of Birds lem-
bra-nos que, por trás das imagens estereotipadas dos indígenas que os es-
petáculos de Cody veicularam, havia verdadeiros indivíduos, os quais em
sua maioria ficaram doentes ou até mesmo morreram na turnê europeia
da trupe. Em 2007, ele instalou dezesseis painéis ao longo da Avenida Ga-
ribaldi de Veneza, começando por “Honrar a morte” e terminando por
“Rammentare” (lembrar-se, em italiano), enumerando os nomes dos au-
tóctones desaparecidos na Europa: “Di Nastona, Di Numshim, Standing
Bear…”. O artista procurava assim honrar a memória dos membros das
Primeiras Nações mortos longe de sua terra natal, mas também, ao evocá-
-los por seus nomes, devolver-lhes certa dignidade humana, dignidade que
os espetáculos de Buffalo Bill lhes haviam retirado.
Na terceira e última categoria de obras críticas, que qualifiquei de
apropriação, gostaria de abordar, por fim, o trabalho de Brian Jungen, que
é membro da Primeira Nação Dunne-za da Colúmbia Britânica. Esse ar-
tista não pratica a apropriação da mesma forma que Richard Prince, uma
vez que efetua, ao contrário deste último, um importante trabalho de
217 JEAN-PHILIPPE UZEL
transformação das formas ou dos objetos dos quais que ele se apropria;
no entanto, penso que ele coloca questões sobre as imagens incorporated
que são bastante próximas das do apropriacionismo. A obra que assegu-
rou a notoriedade de Brian Jungen é, sem sombra de dúvida, sua série de
“máscaras”, Prototypes for New Understanding, elaborada entre 1998 e 2005.
9 MOSES, L. G. Wild West Shows and the Images of the American Indians: 1883-1933, p. 170.
Nesse trabalho, o artista transformou tênis esportivos Air Jordan da marca
Nike – que toma de empréstimo o nome da estrela do basquete americano
Michael Jordan – para recriar máscaras cerimoniais dos povos da costa
noroeste do Canadá, em particular, do povo Kwakwaka’wakw, ao qual o
artista pertence. Esse jogo com as formas e os contornos é também uma
reflexão muito séria sobre a função social e cultural dos artefatos: o tê-
nis esportivo e a máscara cerimonial. Os dois são, com efeito, fetiches. As
máscaras remetem ao totemismo das Primeiras Nações, os tênis Nike ao
“fetichismo da mercadoria” descrito pela primeira vez por Karl Marx em O
capital, o qual evoquei em minha introdução.
Jungen repetiu várias vezes que era a gama cromática dos tênis Air
Jordan (vermelho, preto, branco) que lhe fazia lembrar das máscaras kwa-
kwaka’wakw, como se se tratasse de uma consideração estética anódina.
Com efeito, a referência de Jungen nos Prototypes for New Understanding é
muito mais precisa do que ele nos faz crer. É necessário compreender pri-
meiramente que essa obra é mais que uma série de máscaras, é também a
instalação dessas máscaras no espaço museal que parece, à primeira vista,
simular o modo de apresentação dos museus etnográficos. Mas os tipos de
máscaras reproduzidas e, sobretudo, o modo de exposição – as máscaras
são fixadas em tripés de diferentes tamanhos, dispostos sobre um mos-
truário segundo uma ordem aparentemente arbitrária – remetem a uma
coleção muito precisa. Trata-se de fato de uma referência sutil, mas uma
referência, sem sombra de dúvida, à coleção Potlatch do U’mista Cultural
Center, em Alert Bay, na Colúmbia Britânica. Em 1884, o governo cana-
dense interditou a prática dos potlatchs, essas grandes festas ritualizadas e
agonísticas nas quais eram delapidadas as riquezas do clã – e às quais Mar-
cel Mauss consagrou seu famoso Ensaio sobre o dom10. Apesar da interdi-
ção oficial, os potlatchs continuaram a ser organizados do fim do século
XIX ao início do XX, e foi para encerrar totalmente essa prática que as más-
caras foram confiscadas em 1921 pelo governo canadense e dispersadas, em
seguida, por diferentes museus norte-americanos. Se a prática do potlatch
foi descriminalizada em 1951, foi somente a partir dos anos 1970 que essas
218 JEAN-PHILIPPE UZEL
10 MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições 70, 2020 (nota do tradutor).
mesmo tempo o processo de espoliação e de apropriação cultural ao qual
a cultura autóctone passa, mas igualmente interroga-se sobre a dimensão
suntuosa da troca, o que Georges Bataille, retomando Mauss, chamava de
a “parte maldita” do social. Com certeza, essa dimensão oculta da troca
concerne tanto às sociedades tradicionais quanto às do hiperconsumismo,
quando se entregam à delapidação das riquezas por intermédio dos novos
ícones (Michael Jordan). Prototypes for New Understanding, por uma ló-
gica da apropriação artística e da reapropriação cultural, cria uma névoa
paroxística no regime de valores ligado aos objetos. Essa coexistência hete-
rogênea não se dá sem mergulhar o espectador em uma sorte de perplexi-
dade quanto à significação última da obra, assim como da indecidibilidade
que, segundo minhas observações, realiza sua função crítica.
Voilà! Espero que as obras que acabei de lhes apresentar muito ra-
pidamente, reconheço, lhes permitam apreender com mais clareza as três
categorias críticas: amplificação, desvio e apropriação. Sou o primeiro a
reconhecer que essas três categorias são porosas e que uma mesma obra
pode pertencer a mais de uma entre elas. No entanto, meu objetivo foi an-
tes de tudo mostrar como os corpos de certos grupos culturais, como os
afrodescendentes e os autóctones, podem hoje existir no espaço público da
arte em resistência à lógica da imagem incorporated.
ARTHUR VALLE
Docente do Departamento de Artes da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro (UFRRJ). Doutor em Artes Visuais pelo Programa de Pós-
-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio de Janei-
ro (PPGAV/UFRJ), realizou estágios pós-doutorais na Universidade Federal
Fluminense (UFF) e na Universidade Nova de Lisboa. É membro do Co-
mitê Brasileiro de História da Arte (CBHA) e do International Council on
Monuments and Sites (ICOMOS). É editor do periódico eletrônico 19&20.
Seus temas de pesquisa são: campo artístico do Rio de Janeiro (1890-1930),
intercâmbios artísticos transnacionais, iconografia política, relações en-
tre religiões afrobrasileiras, cultura visual, racismo e repressão policial.
IVAIR REINALDIM
Docente do Departamento de História e Teoria da Arte da Escola de Be-
las Artes e do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em
Artes Visuais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAV/UFRJ).
Doutor em Artes Visuais pelo PPGAV-UFRJ. É líder do Grupo de Pesquisa
Lab | HABA – Laboratório de Historiografia da Arte no Brasil e Américas,
membro do Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA) e da Associação
Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). Desenvolve pesquisa nas áreas de
historiografia e teoria da arte, crítica de arte e estudos curatoriais.
JEAN-PHILIPPE UZEL
223 MINIBIOS
LUCIANO VINHOSA
Artista visual. Professor Titular do Instituto de Artes e Comunicação
Social da Universidade Federal Fluminense (IACS/UFF). Ensina no Ba-
charelado de Artes e no Programa de Pós-Graduação em Estudos Con-
temporâneos das Artes, na mesma universidade. Mestre em Artes Visuais
pela pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (PPGAV/UFRJ), doutor pela Université du Québec
à Montréal (UQÀM), Canadá. Bolsista do CNPq, Produtividade em Pesqui-
sa, com estudos sobre as teorias da imagem, em particular, as da arte.
LUCIO AGRA
Docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e mem-
bro do corpo permanente do Programa de Pós-Graduação em Estudos
da Produção Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Possui mestrado e doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifí-
cia Universidade Católica (PUC-SP). É bacharel e licenciado em Letras pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atua nos seguintes temas:
poesia – poética – arte e tecnologias, performance – artes do corpo, perfor-
mance, poesia – poesia eletrônica e digital e performance – arte, tecnologia
e vanguardas, teorias da comunicação. É artista da performance e curador.
RUBENS PILEGGI
Docente de Teorias e Práticas da Arte Contemporânea na Universidade
Federal de Goiás (UFG) e doutor pela mesma instituição. É artista plásti-
co, atuando em múltiplos meios, como escultura e performance. Assinou
a coluna semanal Alfabeto Visual, no jornal Folha de Londrina, de 1999
a 2007, sobre arte e sociedade contemporânea. Atualmente pesquisa arte
sonora, fazendo uso de dispositivos eletrônicos e enfatizando a dimensão
poética do silêncio e do vazio. É coordenador do curso de Artes Visuais da
Faculdade de Artes Visuais da UFG e coordena o grupo Âmbar – Grupo de
224 MINIBIOS
THIAGO FERNANDES
Historiador da arte e mestre em Artes Visuais pelo Programa de Pós-
-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio de Janei-
ro (PPGAV/UFRJ), onde também realiza seu doutorado. Atua como crítico,
curador e professor. Dedica-se ao estudo de experimentalidades na arte
brasileira das décadas de 1990 e 2000; interseções entre arte, cidade e espa-
ços expositivos; incorporações de espaços domésticos na arte contemporâ-
nea; mídias táticas e usos das imagens técnicas.
VIVIANE MATESCO
Docente de história da arte na Universidade Federal Fluminense (UFF), pos-
sui doutorado em Artes Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAV/UFRJ). Atua como
225 MINIBIOS
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Tendo em tela o enlace entre as artes e as culturas,
os textos aqui reunidos pretendem pôr em relevo
não somente os seus usos em diferentes contextos
sociais, mas o necessário trânsito que se opera na
natureza das imagens quando postas em contato
e disputa nos espaços de representação das artes
metropolitanas. De fato, a imagem, seja em seus su-
portes tradicionais, seja nos tecnológicos, torna-se
objeto de interesse teórico atualizado, tanto por sua
onipresença e assédio, como por fazer o trânsito
necessário entre a arte e a cultura, o sagrado e o
profano, a alienação e a reflexão, a manipulação e a
insurreição das ideias. Interessa-nos, por outro lado,
pensá-las em seus modos de agência quando ativa-
das por diferentes sujeitos.
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