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Folha de rosto

Gledson Ribeiro de Oliveira

QUADRINHOS
Profissão e trabalho criativo

Marca de Fantasia
Parahyba, 2023 - 2a. edição

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Expediente

QUADRINHOS:
Profissão e trabalho criativo
Gledson Ribeiro de Oliveira
Série Quiosque, 67. 2023, 96p.
2a. edição

MARCA DE FANTASIA
Rua João Bosco dos Santos, 50, apto. 903A
Parahyba (João Pessoa), PB. Brasil. 58046-033
marcadefantasia@gmail.com
https://www.marcadefantasia.com

A editora Marca de Fantasia é uma atividade da Associação Marca de Fantasia,


CNPJ 09193756/0001-79 e um projeto de extensão do NAMID
- Núcleo de Artes e Mídias Digitais, do Departamento de Mídias Digitais da UFPB

Editor/designer: Henrique Magalhães


Imagem da capa: “Pensador”, de Geraldo Jesuíno (1983)

Conselho editorial
Adriano de León - UFPB Marcelo Bolshaw - UFRN
Alberto Pessoa - UFPB Marcos Nicolau - UFPB
Edgar Franco - UFG Marina Magalhães - UFAM
Edgard Guimarães - ITA/SP Nílton Milanez - UESB
Gazy Andraus - FAV-UFG Paulo Ramos - UNIFESP
Heraldo Aparecido Silva - UFPI Roberto Elísio dos Santos - USCS/SP
José Domingos - UEPB Waldomiro Vergueiro - USP

Imagens usadas exclusivamente para estudo de acordo com o artigo 46


da lei 9610, sendo garantida a propriedade das mesmas a seus criadores
ou detentores de direitos autorais.

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Agradecimentos

P or terem compartilhado seu tempo e saber, sou profundamente


grato a Mike Deodato, Lilian Mitsunaga, Mino, Geraldo Borges,
Débora Santos, Marcelo D’Salete, Dijjo Lima (in memoriam), Sir-
lanney, Romahs Mascarenhas, Brendda Maria, Guabiras, Renata
Nolasco, Netho Diaz, Walter Geovani, Zé Wellington, Rob Lean,
Talles Rodrigues, Pow Rodrix, Júlio Belo, João Belo, Márcio Morei-
ra, Weaver e Cassius Medauar.
Pela paciência de lerem estas páginas em meio a tantas obriga-
ções da vida docente, só tenho a agradecer pelas sugestões ao texto
a Kadma Marques Rodrigues (Ciências Sociais-UECE) e André Vas-
concelos Ferreira (Economia-UFC). Gratidão especial ao professor
Waldomiro Vergueiro que acolheu esta pesquisa no Programa de
Pós-Doutorado da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP).

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Prefácio

Prefácio

A s histórias em quadrinhos passaram, em 2023, por um momento


impactante no Brasil: Maurício de Sousa concorreu a uma vaga na
Academia Brasileira de Letras. Jornalista, escritor e o mais conhe-
cido e conceituado profissional brasileiro de quadrinhos, Maurício
teve sua pretensão questionada por outro candidato, que afirmava
que ele não produzia literatura e que quadrinhos é apenas entreteni-
mento. Essa celeuma – um exemplo das incertezas da área –, possi-
bilita levantar uma questão mais ampla: afinal, quem (ou o quê) é o
autor de quadrinhos?
Neste livro, fruto de uma pesquisa metodologicamente bem ali-
cerçada em testemunhos dos próprios autores e em entrevistas e de-
poimentos nas mídias impressa e virtual, o professor Gledson Ribei-
ro de Oliveira busca responder a essa pergunta. Em um texto limpo,
agradável e sem as firulas acadêmicas que afastam leitores, ele nos
mostra o mundo dos profissionais dos quadrinhos no Brasil.
Se ele responde à pergunta e o leitor deixa o livro com sua curiosi-
dade satisfeita? Isso não é importante. Ele abre uma porta que neces-
sitava ser aberta e deixa espaço para futuros aprofundamentos. Este
é o papel do pesquisador. Esta, a função do visionário. E que Gledson
cumpre muito bem. Como diria o Superman: “Para o alto e avante!”

Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro


Observatório de Histórias em Quadrinhos da
Escola de Comunicações e Artes da USP

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Sumário

Sumário

Prefácio 5
Viver de Quadrinhos 7

Definições de si 10
Habitus e profissão 24
Trabalho e valor 30
O/A quadrinista para os outros 40
Círculos de reconhecimento 45
Divisão do trabalho quadrinístico 54
Trabalhadores/as da sombra 60
Edição como trabalho criativo 63
Quem é o/a autor/a? 67
Sentindo-se quadrinista 76
Informalidade e Intermitência — palavras finais 79

Referências bibliográficas 84
Entrevistados/as 91
Entrevista semiestruturada 93
Autor 94

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1. Viver de quadrinhos

Viver de quadrinhos

O s escritos a seguir resultam de pesquisa sobre os/as trabalhado-


res/as1 da arte gráfica sequencial. Sim, fazer tiras, revistas, ál-
buns, fanzines, ‘webcomics’, charges, cartuns é uma profissão. Em
circunstâncias favoráveis, exercê-la pode garantir a dupla satisfação
de obter recursos econômicos suficientes para uma vida confortável
e ter motivação emocional por se fazer o que se gosta2. O ofício é
composto por desenhistas, roteiristas, coloristas, arte-finalistas, le-
tristas especializados/as em contar histórias por sequência de ima-
gens solidárias. Não se sabe quantos/as a exercem no Brasil. Inexis-
te entidade nacional organizada, e os dados estatísticos oficiais do
mercado de trabalho indiferenciam quem é quem na genérica ru-
brica Outros Serviços – Artes. Por outro lado, a variedade de obras
a venda em eventos, mídias sociais e plataformas ‘e-commerce’ diz
algo a respeito da história em quadrinhos ser mais que uma lingua-
gem artística popularizada. Fazer quadrinhos é uma escolha concre-
ta de profissão, ainda que o senso comum a considere um meio não
convencional de ganhar a vida.
Quadrinhos enquanto profissão é objeto carente de bibliografia,
e a melhor forma de adentrar ao tema foi realizando entrevistas.

1. Marcaremos ao longo de todo o texto a dimensão de gênero da profissão de quadrinista.


2. Profissão, vocação, ofício, atividade, ocupação são usados aqui como sinônimos, seguin-
do a proposta de Claude Dubar (2005) de superar certa visão que considera profissão ape-
nas as com monopólio legal sobre determinada especialidade (regulamentação) e organi-
zadas em associações/conselhos que certificam seus membros.

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A matéria-prima da entrevista é a memória estruturada na forma
de relato oral durante interação face a face ou por meio eletrôni-
co. Iniciamos com os/as quadrinistas na vizinhança do pesquisador,
justificando-se a escolha pelo simples fato do Ceará ser um conhe-
cido celeiro de artistas e roteiristas atuando em nível internacio-
nal e nacional. Ao final de cada encontro, solicitamos a indicação
de um/a colega de ofício. A metodologia ‘snowball’ (bola de neve)
serviu com vantagens, pois a amostra cresceu pela rede de contatos
dos/das colaboradores/as. Assim extrapolamos limites geográficos
e colhemos relatos de vinte e três quadrinistas de diferentes lugares
do país. Evidente que nem todos/as responderam ao nosso convite e
outros, educadamente, enviaram justificativas, como fizeram Laerte
Coutinho e Marcatti. Mesmo concentrado nos mercados nacional e
estadunidense, o conjunto dos/as entrevistados/as se revelou repre-
sentativo da população de ofício, tanto em relação à experiência de
mercado quanto às condições de trabalho. O perfil social indicou que
a maioria é diplomado/a ou está cursando ensino superior. Metade
tem pai/mãe com ensino médio ou o básico completo e uma peque-
na fração possui curso técnico e diploma em universidade pública. A
origem familiar corresponde aos diferentes estratos da classe-que-
-vive-do-trabalho: da camponesa à classe popular e média urbanas.
A amostra também variou segundo o gênero e a cor, sendo quase
um quarto formado por mulheres e mais da metade por pardos e
pretos. O/A leitor/a notará que combinamos os relatos o máximo
possível com outras evidências. Valemo-nos de artigos jornalísticos
e entrevistas publicados em álbuns e sites especializados, bem como
de livros biográficos. Conhecer a trajetória de figuras de proa como
Charles Schulz, Hergé, Will Eisner, Osamu Tezuka, Maurício de
Sousa, Stan Lee e Robert Crumb descortinou aspectos relevantes da
prática profissional. O resultado é um texto que articula nossas en-

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trevistas com outros materiais de pesquisa, compondo um substan-
tivo, não exaustivo, mosaico do mundo do trabalho com quadrinhos.
Quem vive de fazer quadrinhos atua em um mercado com regras e
modos específicos de organização do trabalho. Um dos objetivos da
pesquisa é analisar o processo de produção no ‘mainstream’3 e inde-
pendente, focando as condições e as relações de trabalho, a divisão
do trabalho quadrinístico, a hierarquia de reconhecimento por trás
dos/as autores/as e das obras, a posse da propriedade intelectual
e a questão da autoria. Propomos igualmente conhecer os modos
de construção de si pela profissão, noutras palavras, a identificação
profissional. Sabemos que toda ação de definir a si já pressupõe o
outro. A construção identitária, seja ela profissional, pessoal, gru-
pal, comporta três momentos dialéticos de representação: a identi-
dade para si (O que eu acho que sou), a identidade para o outro (O
que os outros dizem que sou), e a identidade relacional resultante
da subjetivação da diferença eu-outro (Sentindo-se quadrinista4.
Examinar tal circularidade identitária possibilita saber como os/as
entrevistados/as representam a si por trabalharem com quadrinhos,
como são percebidos/as pelos outros e em que situações se sentiram
quadrinistas. Em resumo, estudamos o mundo do trabalho, a lógica
de reconhecimento e as representações da vida de quadrinista. Três
dimensões econômico-simbólicas que se articulam na totalidade
concreta do objeto em exame.

3. A palavra ‘mainstream’, em português, corrente dominante, principal, é usada no texto


para designar as gigantes do segmento editorial de quadrinhos: Marvel Comics, DC Co-
mics, Disney Publishing Worldwide, Shueisha, Sergio Bonelli Editore, Maurício de Sousa
Produções, dentre outras. Caracteriza-se pela produção em escala industrial. Também é
usada pejorativamente como sinônimo de quadrinho comercial, padronizado.
4. A identidade para si deve ser contada duas vezes porque já é mediatizada ou o ‘outro do
outro’, conforme Slavoj Žižek (1991).

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2. Definições de si

Definições de si

Se eu disser que eu sou quadrinista


vão ficar perguntando o que é
e eu respondo desenhista, aí pronto.
Mike Deodato

A lgumas trajetórias biográficas são representativas dos diferentes


perfis de trabalhador/a. Descrevê-las permite identificar os pa-
drões e as singularidades do ofício. Com esse objetivo, aplicamos
a pergunta da socióloga da arte Nathalie Heinich (2000) aos escri-
tores franceses — Quando lhe perguntam o que faz na vida, o que
você responde? — aos/às nossos/as entrevistados/as. A estratégia
se mostrou vantajosa por não antecipar ou direcionar a resposta que
faria um questionamento do tipo O que é ser quadrinista? — pala-
vra empregada ao longo deste texto, mas nem sempre adotada pelos
falantes. Isto posto, como os/as entrevistados/as perceberam a si
mesmos pela profissão que exercem?
Iniciaremos com dois representantes da novíssima geração do qua-
drinho nacional. Zé Wellington5 é roteirista de Luzia-Homem, Can-
gaço Overdrive, Quem matou João Ninguém? e da série Steampunk
Ladies (Editora Draco). Começou a criar histórias ainda adolescente,

5. GRANJEIRO Filho, José Wellington Alves. (Zé Wellington). Entrevista (via Google
Meet) concedida ao autor. Sobral/Fortaleza, 25 set. 2020.

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no verso da folha com desenhos inspirados nos X-Men. Publicando em
antologias de contos de ficção científica e fantasia, começou a estudar
roteiro no curso de audiovisual do Centro Dragão do Mar e linguagem
dos quadrinhos com JJ Marreiro. Escrevendo no tempo livre, fazer ro-
teiros ainda não era prioridade e sim um hobby sequer mencionado
em conversas a respeito da vida profissional. “Se eu não soubesse que
você gosta de HQs, eu acho que nem diria que eu faziaˮ. Virou profis-
são ao constatar que a venda de revistas e as palestras representavam
um percentual significativo do orçamento doméstico. “Hoje se me per-
guntam o que eu façoˮ, diz o vencedor do troféu HQMix6 2015, “sou
professor universitário na área de administração, sou consultor na área
de marketing e, também, sou roteirista de HQs”. Por sua vez, Brendda
Maria7 escreveu e desenhou Manual de Sobrevivência à vida adulta e
Cais do Porto, esse último com edições da autora e pela Conrad. Cur-
sava o Percurso de Quadrinhos do Porto Iracema das Artes8 quando
entrou em cena o [DES]enquadradas, evento de pesquisa, socialização
de experiências e organização de redes de mulheres quadrinistas. Moti-
vada, engajou-se no Netuno Press, coletivo empenhado na produção e
na disseminação de obras autorais. Por trabalhar oito horas diárias, faz
o terceiro expediente à noite e nos finais de semana para dar conta dos
projetos pessoais e do ‘freelancer’ de cores. “Quando a gente trabalha
com quadrinhos, não tem horários. Vai virando noite, vai mexendo na
sua rotina”. O trabalho de designer lhe impôs um período de desinvesti-
mento criativo com consequente intervalo entre publicações. Desde en-

6. Chamado de “O Oscar dos Quadrinhos do Brasil”, o Troféu HQMix foi criado em 1988
pelos cartunistas Jal e Gual e é organizado pela Associação dos Cartunistas do Brasil e pelo
Instituto do Memorial de Artes Gráficas do Brasil.
7. LIMA, Brendda Costa. (Brendda Maria). Entrevista (via Google Meet) concedida ao
autor. Fortaleza, 28 fev. 2021.
8. Escola de Artes do Governo do Estado do Ceará, o Porto Iracema das Artes é gerido
em parceria com o Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura. O objetivo institucional é
oferecer cursos de formação e criação: Programa de Formação Básica, Cursos Técnicos e
Laboratórios de Criação.

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tão a ganhadora do Troféu HQMix 2020 na categoria desenhista novo
talento não deixa o emprego interferir no que chamou de “trabalho que
eu quero pra minha vida. [...] Eu sou quadrinista, eu trabalho com cores
e estou designer gráfica enquanto não posso viver só de quadrinhosˮ.
“Fiz o círculo completo. Comecei independente e voltei a ser in-
dependente de novoˮ, registrou Mike Deodato Jr.9 sobre a saída vo-
luntária da Marvel Comics10. Depois de quase três décadas de tra-
balho para as ‘majors’ estadunidenses, o curto período na modesta
AWA Studios já lhe rendeu o primeiro Prêmio Eisner 2022 por Nem
Todo Robô (Comix Zone), com roteiro de Mark Russell. Deodato
aprendeu a desenhar cedo, lendo os clássicos indicados pelo pai.
“Ele ia me mostrando quem era bom. ‘Olha o Hall Foster do Prín-
cipe Valente. Olha o desenho que o Eisner faz aqui, a câmera como
muda’. Coisas que eu não prestaria atenção, que eu nem queria ler,
mas ele estava lá para me guiar, mostrar quem era bomˮ. A facilida-
de em replicá-los levou-o a decidir pela carreira de “desenhista de
quadrinhosˮ aos treze anos, debutando aos quinze com a publicação
em jornal de O Ninja. “Eu tinha confiança de que ia dar certo, mas
podia ter dado erradoˮ. De fato, largar os dois jornais e a agência de
publicidade para ser quadrinista em tempo integral demorou mais
que uma década. É desse período o convite de Ziraldo para o Fes-
tival Internacional de la Bande Dessinée de Angoulême em 1986.
Do evento que impactou sua visão profissional, lembra da oferta de
uma bolsa de estudos de artes: “O que podia ter mudado toda a mi-
nha trajetória. Eu ficando por lá teria uma carreira totalmente di-

9. Em 2023 Deodato retornou à DC Comics à frente de The Flash. À época da Marvel Comi-
cs, desenhou os principais personagens e sagas: Homem-Aranha, Elektra, Mulher-Hulk,
Hulk, Pantera Negra, Justiceiro, Thor, Thanos, Vingadores, X-Men. BORGES Filho, Deo-
dato Taumaturgo. (Mike Deodato Jr.). Entrevista (via Google Meet) concedida ao autor.
João Pessoa/Fortaleza. 25 jul. 2021.
10. No ranking da Diamond Comic, distribuidora de revistas nos EUA, a Marvel Comics é
a número um do mercado com participação de 40,98% em dólares e 46,76% em unidades
vendidas. AWA Studios detém 0,50% do mercado de varejo (13º) e 0,80% de participação
em unidades vendidas (8º) (Publisher..., 2020).

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ferente com álbuns europeus ou estaria no metrô pedindo esmolaˮ.
Mesmo tendo publicações de destaque, tal como A devoradora de
Corações na revista francesa Seleções BD, Verso e Reverso na pres-
tigiada revista Aventura e Ficção (Editora Abril), as edições em fran-
cês de 3000 Anos Depois, feita com o pai, e Ramthar, desenhar era
só “divertimento, coisa de hobbyˮ nas horas vagas dos três empre-
gos. Deixou-os ao obter o primeiro projeto internacional pela Art &
Comics, agência de representação junto às editoras internacionais.
A entrada definitiva no mercado estadunidense foi o contrato com
a DC Comics11 que, segundo ele, “Salvou a Mulher-Maravilha e eu
também!ˮ. Na nova fase da carreira, a meta é fazer coleção de pro-
priedades intelectual. “Não vou deixar nada para minha família? Eu
tenho que criar o máximo possível de obras para virar alguma coisa
que dê bastante dinheiro até a hora que não puder mais fazer”. Para
isso a jornada diária continua sendo “todasˮ, de sete da manhã às
onze da noite, com produção de vinte páginas e uma capa por mês.
O “desenhista de histórias em quadrinhos” Walter Geovani12 e
o “arte-finalista” Rob Lean13 são veteranos da turma de Limoeiro
do Norte, cidade a duzentos quilômetros da capital. Sinônimo de
quadrinho profissional, a abundância de artistas e roteiristas no
mercado internacional se deve ao Estúdio Ed Benes. Descoberto por
Neal Adams14, Benes formou e profissionalizou uma geração de ar-

11. A DC Comics é a segunda maior editora com participação no mercado de 27,34% (Pub-
lisher..., 2020).
12. MAURÍCIO, Walter Geovani Saraiva. (Walter Geovani). Entrevista (via Google Meet)
concedida ao autor. Limoeiro do Norte/ Fortaleza. 25 mar. 2021.
13. SILVA, Robério Leandro da. (Rob Lean). Entrevista (via Google Meet) concedida ao
autor. Limoeiro do Norte/Fortaleza, 14 ago. 2021.
14. Neal Adams é duplamente relevante, estético e profissionalmente. Seus desenhos dinâ-
micos, fotorrealistas e rostos de feições expressivas estabeleceram um padrão de qualidade
artística inédita no gênero super-heróis. Como ativista, Adams tentou organizar a classe
na Comic Book Creators Guild e entrou em confronto com a DC Comics por compensação
financeira aos criadores do personagem Superman, Jerry Siegel e Joe Shuster. Adams re-
velou muitos quadrinistas no estúdio Continuity, criado com o colega Dick Giordano (Cf.
Howe, 2013; Morrison, 2012).

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tistas no semiárido. “O estúdio teve duas fases”, explica Geovani,
desenhista de Red Sonja (Dynamite15) e uma edição da série Sala
Imaculada (Vertigo-DC16) com a roteirista Gail Simone. “Na primei-
ra era um grupo de artistas que se unia para desenhar. A segunda
fase é quando Ed Benes vira a empresa que é hoje, que consegue
trabalhos, vende artes”.
Rob Lean participou dos dois momentos. Aprendeu a desenhar
entre um intervalo e outro dos pequenos serviços que prestava de
xerox, fax e despacho dos originais de Benes à Art & Comics. “Come-
cei a fazer desenho e mostrava para o Ed. Uma vez fui apresentar,
vixe, eu achava incrível, e ele falou assim: ‘Vai ser um processo mui-
to lento para você. Não seria melhor tentar arte-final? Possivelmen-
te você vai evoluir e conseguir mercado’. O Ed me deu uma página
do Thor. Fiz uma e disse que estava bom e começou a passar alguns
trabalhos”. Geovani também assistiu Benes. “Eu fechava o requadro,
fazia um leiaute, às vezes um cenário e outro da Supergirl, Thun-
dercats etc. Coisinhas miúdas”. Aos vinte anos, recebeu a primeira
proposta de trabalho solo na série pós-apocalíptica War Angel (Ava-
tar Press) e como capista de Lady Death. Ser profissional de qua-
drinhos, define, é aprender desde cedo a “importância de cumprir
o prazo, de ter um cronograma, de ser viável. Muitos podem pecar
nisso, seja no Brasil, seja em qualquer lugar do mundo. É não en-
tender o lado profissional da coisa”. As incertezas estimularam Rob
Lean a incursionar na venda de artes em leilões ‘on-line’ e aprimorar
a técnica de desenho. Diversificar a fonte de rendimento é resposta
a uma mudança em curso que atinge em cheio a sua especialidade.
“Eu estava vendo que, com os caras fazendo digital, não ia ter luz

15. A Dynamite Entertainment é a sétima editora em vendas com 2,17% do mercado de


leitores (Publisher..., 2020).
16. Extinto em 2020, o selo Vertigo publicava HQs mais violentas, sombrias e sensuais que
a linha ordinária da DC Comics.

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no fim do túnel”. Como viver de arte-final se há uma tendência do
artista desenhar e arte-finalizar as próprias páginas na mesa digi-
talizadora? “Ou eu aprendo a desenhar ou não vai ter desenhista
querendo finalista”.
A entonação da fala dá vivacidade ao dito. “Eu sou colorista!ˮ foi
expresso categoricamente por Dijjo Lima17. Quando trabalhava como
instrutor de boxe tailandês, pintor de camisas, cinegrafista e designer,
estabeleceu a meta de fazer carreira na indústria. Cursando a Oficina
de Quadrinhos da Universidade Federal do Ceará18, doravante Ofici-
na, percebeu que, “para chegar ao nível de um artista profissional que
trabalha para DC, Marvel, para as grandes, ainda tinha que aprender
muitoˮ. Dijjo sabia que o bom desenhista se faz cedo. A idade e a fal-
ta de tempo eram empecilhos para alcançar alto nível. A opção pe-
las cores foi então pragmática e se mostrou em curto prazo acertada.
Cursou em São Paulo a Quanta Academia de Artes, de Marc Campos,
e, com dicas de leitura de Marcelo Maiolo, desenvolveu a paleta de
cores. Trabalhando como ‘flatter’ (auxiliar de cores), conquistou a pri-
meira remuneração e a independência do trabalho de designer. “Che-
gou o momento de eu estar ganhando o que eu ganhava trabalhando
e decidi ficar só com coresˮ. Um ano e dois meses depois, a pedido
de Salvatore Aiala, estreou na revista Vampirella (Dynamite). O de-
sempenho lhe abriu a porta para a Chiaroscuro Studios. Desde então
trabalhou em tempo integral colorindo Liga da Justiça Dark, X-Men,
Doctor Who, Assassin’s Creed e KISS Zombies. Prestando hoje servi-
ço para a Marvel Comics (Wolverine, Carnage, Gavião Arqueiro), a
jornada começa cedo da manhã, na mesa digitalizadora Huion, até a
meia-noite quase todos os dias.

17. LIMA, Diego do Nascimento. (Dijjo Lima). Entrevista concedida ao autor. Maraca-
naú, 25 jan. 2020.
18. Projeto de extensão universitária criado em 1985 por Geraldo Jesuíno, professor do
curso de Comunicação Social da UFC.

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Com ascensão igualmente rápida no mercado internacional, Netho
Diaz19 desenvolveu o traço interpretando cenas da revista Homem-
-Aranha e depois nos cursos de Geraldo Borges e Daniel Brandão.
Antes de assumir o lápis de G. I. Joe e Transformers (IDW20), laborou
um ano e meio como ‘ghost’ (desenhista fantasma) de Paulo Siquei-
ra nas séries Caça aos Titãs e A-Force, e foi co-desenhista creditado
em Liga da Justiça: Darkseid. Atualmente agenciado pela Rascunho
Studio, considera-se “desenhista de revista em quadrinho ou ilustra-
dor. Ilustração envolve todo o procedimento e não necessariamente
para quadrinhos, pode ser para jogos [de tabuleiro], para outro tipo
de revistaˮ. Desde a publicação de Justiça Sideral (Avec Editora), tra-
balhar para editoras estadunidenses tem diminuído a participação
em projetos nacionais. Analisando francamente, diz que “no Brasil o
valor é muito baixo. Você trabalha para o mercado americano e multi-
plica seu valor por dólar e o dólar a cinco, seis reais, ganha cinco, seis
vezes mais. Não compensa financeiramenteˮ. Trabalhar para fora lhe
proporcionou a “tão sonhada estabilidade. Não passa mais de duas
semanas sem alguém me oferecer algum projeto. Então é uma ansie-
dade que tanto eu como a minha esposa não temos maisˮ.
“Geralmente respondo professor e artistaˮ, declara Marcelo D’Sa-
lete21. “Sou professor numa escola de aplicação da USP e com os
quadrinhos no restante do tempoˮ. Graduado em artes plásticas e
mestre em estética e história da arte, começou a desenhar em casa.
“Era uma rotina entre eu e o meu irmão. Depois o curso técnico de
design gráfico, aprofundou isso e o curso de artes plásticas. Aprendi
roteiro de forma um pouco autodidata estudando livros de roteiro

19. DIAS Neto, Abelardo Ribeiro. (Netho Diaz). Entrevista (via Zoom) concedida ao au-
tor. Fortaleza, 12 fev. 2021.
20. A IDW Publishing e a Marvel Comics são subsidiárias da The Walt Disney Company. A
IDW tem a quarta maior participação no mercado de leitores dos EUA (Publisher..., 2020).
21. SOUZA, Marcelo D’Salete. (Marcelo D’Salete). Entrevista (via E-mail) concedida ao
autor. São Paulo/Fortaleza, 20 maio 2021.

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para cinema e televisãoˮ. Inspirado em Hugo Pratt, José Muñoz, Al-
berto Breccia, Flavio Colin e Katsuhiro Otomo, o preto e branco é
marca gráfica de suas obras. A identificação com a luta e a resistên-
cia da população negra o fizeram mergulhar na crônica gráfica dos
conflitos sociais e raciais em Noite luz (Via Lettera Editora) e Encru-
zilhada (Veneta) — vencedor do HQMix de edição especial nacional
(2012) — e no gênero de ficção histórica que o consagrou nacional e
internacionalmente. Os mais de dez anos de pesquisa bibliográfica
e documental de Cumbe (Veneta) lhe renderam o Eisner Awards22
2018 de melhor edição americana de material estrangeiro, e por An-
gola Janga recebeu os prêmios HQMix 2018, Jabuti23 e Rudolph
Dirks Award24 2019, esse na categoria América do Sul – Roteiro. Ao
analisar o bom momento da carreira, falou como fica a divisão dos
seus ganhos: “Em alguns anos, a venda de quadrinhos foi maior que
o meu salário de professor. Em outros momentos, geralmente é uma
parte razoável dos meus rendimentos. Mas isso varia. Depende de
eventos, de vendas mais vultosas para escolas, para governo. Poden-
do ser de vinte a cinquenta porcento anualmente”.
‘Freelancer’ na Maurício de Sousa Produções (MSP), Romahs
Mascarenhas25 folheava HQs antes mesmo de aprender a ler. Crian-
ça, intuía que elas seriam parte da sua profissão. “Não arquitetava
um plano para chegar lá, mas eu achava que eu ia viver dissoˮ. For-
mado técnico em eletrônica, iniciou nas artes visuais num liceu onde
aprendeu o básico de pintura e criou o primeiro fanzine com colegas.

22. Will Eisner Comic Industry Awards foi criado em 1988. A mais importante premiação
do quadrinho estadunidense é realizada na Comic-Con International em San Diego, Cali-
fórnia.
23. O primeiro Prêmio Jabuti foi realizado em 1959 pela Câmara Brasileira do Livro. Em
2017 criou-se categoria específica para a História em quadrinhos.
24. O Prêmio Rudolph Dirks é entregue anualmente no German Comic Con Dortmund, na
Alemanha.
25. MASCARENHAS, Rogério Lima. (Romahs Mascarenhas). Entrevista (via Google
Meet) concedida ao autor. Manaus/Fortaleza, 29 jul. 2021.

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Conheceu o Clube dos Quadrinheiros de Manaus na Universidade
Federal do Amazonas cursando Educação Artística e fez as primei-
ras publicações no zine Franca Zona. Romahs viveu de desenho pu-
blicitário, charges e tiras em vários jornais até compor a equipe de
cinquenta roteirista-leiautistas da Turma da Mônica. Às vezes es-
creve noventa páginas mensais com leiaute, tendo média de setenta
páginas aprovadas. Quando Maurício de Sousa avaliava os roteiros,
lembrou que “anotava um VR, VB ou VO no canto do material im-
presso que chegava na mesa dele, para dizer se era regular, bom ou
ótimo. Quando se empolgava, colocava Excelente, que queria dizer:
essa história é boa pra cacete e pague a mais pra ele. Cara, ele liga-
va para te elogiar, falar sobre aquele roteiro. Ele era muito apaixo-
nadoˮ. Retomando a vocação do desenho, Romahs lançou A última
flecha (Monomito Editorial), roteirizada por Emerson Medina, que
denuncia o extermínio dos povos indígenas da Amazônia.
Sentada ao computador, em tela os esboços da adaptação do ro-
mance Luzia-Homem de Domingos Olímpio, a cientista social Dé-
bora Santos fez peculiar consideração sobre o ofício26. “A gente tem
uma doença, a gente tem um problema. Quadrinho dá trabalho e
não dá dinheiro, mas a gente continua fazendoˮ. Débora despertou
para Nona Arte com a série Sandman27 que lhe apresentou um uni-
verso além da Turma da Mônica e dos super-heróis. Em paralelo
à faculdade, cursou desenho e pintura na extensão oferecida pela

26. Três anos depois dessa entrevista, Débora foi indicada com o roteirista Jimmy Stam ao
Eisner Ward 2023 na categoria melhor história curta por The Beekeeper’s Due, na coletâ-
nea Scottt Presents: tales from the Cloakroom (Cloakroom Comics). Luzia-Homem (2021)
tem o roteiro assinado por Zé Wellington. SANTOS, Débora Cristina Lima dos. (Débora
Santos). Entrevista concedida ao autor. Fortaleza, 16 jan. 2020.
27. Primeira HQ na lista dos best-sellers literários do The New York Times, a série Sand-
man foi criada por Neil Gaiman, Sam Kieth e Mike Dringenberg, e diversos artistas gráficos,
dentre os quais destacaria Milo Manara, Jill Thompson, Bill Sienkiewicz e Dave McKean. A
mitologia gráfica, publicada a partir de 1988, saiu em treze edições mensais. Os principais
personagens são arquétipos designados os Sete Perpétuos: Destino, Morte, Sonho, Destrui-
ção, Desejo, Desespero e Delírio.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 18


Universidade de Fortaleza e no Estúdio Daniel Brandão. Na época
em que publicou Pombos!, Lua Cheia e Sapacoco, definia-se ilustra-
dora e quadrinista, mas ser “desenhista de quadrinhosˮ se tornou a
principal atividade remunerada. A maior parte da jornada de oito, às
vezes doze horas de trabalho diárias, é dedicada a projetos acolhidos
por editais públicos e encomendas de HQs institucionais e educacio-
nais. O tempo exíguo engaveta os projetos pessoais. “Já tenho ideia
para vários outros quadrinhos, vários outros livros e infelizmente
sou só uma porque, se eu fosse mais de uma, estaria fazendo outras
coisas além do Luzia-Homem, que a gente tem que terminar logo.
As obrigações da vida falam mais alto”.
Também exemplo de dedicação em tempo integral, no sentido for-
te do termo, é Guabiras28, ganhador do troféu Angelo Agostini29 2016
pela intensa produção de fanzines. O processo criativo começa a qual-
quer hora do dia. “Às vezes estou assistindo um filme e ‘Isso aí dá um
cartumʼ. No meio da noite, eu acordo e ‘Caramba, que ideia massa!ʼˮ.
O humor ácido característico aprendeu lendo a revista Mad que co-
nhecera de modo insólito. “Quando começou a aparecer as casas ricas
[no bairro], eles jogavam entulhos de jornal. Foi quando eu fui ver
as tiras da Folha de São Paulo e comecei a colecionar para aprender
a fazer, a copiar. Um dia, nesse mesmo entulho, tinha uma Mad, a
do Robocop. ‘Essa revista é muito massa! É isso aí que eu quero fa-
zer!’”. Aos oito anos de idade, decidiu ser desenhista e, aos vinte anos,
foi acolhido pelo chargista Clayton, com a proposta de substituir as
tiras americanizadas e paulistas publicadas por um jornal por histó-
rias ambientadas em Fortaleza e com expressões e costumes locais —
‘paneladaʼ é tema recorrente. Guabiras retomou sem saber a tradição

28. SANTOS, Carlos Henrique. (Guabiras). Entrevista concedida ao autor. Fortaleza, 10


out. 2019.
29. Desde 1985 o prêmio é entregue pela Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do
Estado de São Paulo.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 19


das tiras do astrônomo Rubens de Azevedo30 e recuperou o gênero,
hoje raro na imprensa escrita, da reportagem em quadrinhos. “Tipo
ir pro show dos Racionais Mcʼs e fazer uma página de quadrinhos. Ir
ao show do Planet Hemp e fazer uma página de quadrinhos. Copa do
Mundo eu ilustrei todos os jogos do Brasil. Não existia esse tipo de
coisaˮ. Autor solo da novela gráfica Esgoto, e da coletânea Como eu
sobrevivi à Covid 19 e seus amigos (Editora Graco), Guabiras prefe-
re a autodesignação cartunista. No léxico êmico, cartunista significa
bem mais que o gênero de anedota gráfica da vida cotidiana. É um
“faz tudoˮ, disse, que trabalha com jornalismo em quadrinhos, tiras,
charges, cartuns, fanzines, álbuns e caricaturas.
Geraldo Borges31 é outro veterano da indústria. Quando estudava
engenharia civil, compôs com JJ Marreiro e Daniel Brandão a equipe
criativa do Capitão Rapadura, personagem do cartunista Mino. Os
três se conheceram em curso ministrado por Al Rio, artista da primei-
ra geração de brasileiros a trabalhar para as ‘majors’. “Considerava
trabalhar com quadrinhos um sonho inalcançável. Quando eu desco-
bri que havia um cearense que morava em Fortaleza, que trabalhava
com isso. [Pensei] Se esse cara consegue quem sabe eu consiga tam-
bémˮ. A carreira de engenheiro deslanchou, e a paixão pelo quadrinho
ficou em segundo plano. A determinação reascendeu quando, gerente
de empresa em Manaus, assistiu à palestra do pernambucano Sergio
Cariello, então professor na renomada Joe Kubert School, e entrevis-
tou-o para o site Universo HQ. “No mês, na semana em que eu vou

30. Rubens de Azevedo estreou em 1938 no jornal O Estado com a tira cômica seriada Sa-
cha. Ao contrário de seus congêneres detetivescos (Dick Tracy, X-9), o personagem era de-
sajeitado e intrépido. Salvava-se dos imbróglios em que se metia e, eventualmente, levava
o/a leitor/a a caminhar por pontos da cidade de Fortaleza. Também enveredou pela ficção
científica. Uma viagem a Saturno, de 1940, foi publicada em cinquenta e um capítulos ao
longo de quase um ano. O tema de fundo anteciparia um clássico: a corrida espacial. Anos
depois voltou à ficção com os Prisioneiros de Hyperion, publicado em 1961 no Almanaque
de Aventuras, do qual participou Jayme Cortez (Cf. Oliveira, 2019).
31. BORGES, Geraldo Henrique Silva. (Geraldo Borges). Entrevista (via Google Meet)
concedida ao autor. Santiago do Chile/Fortaleza, 15 jun. 2021.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 20


para lá tem um evento com Cariello. Isso é um sinal! Eu não acredito
em coincidênciaˮ. De retorno à terra de Iracema, tomou a decisão de
largar a engenharia e trabalhar com ilustração e animação, ganhando
três vezes menos em um núcleo de educação à distância da Universi-
dade de Fortaleza. Então agenciado pela Impacto Quadrinhos32 (IHQ
Studios Instituto de Arte) e depois de muitas amostras, conseguiu os
primeiros contratos internacionais. Mesmo desenhando personagens
de primeiro escalão, como a Mulher-Maravilha, careciam as ofertas
de projetos em meio à crise financeira de 2008. Foi redescoberto na
Feira Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte (FIC) por um
editor da DC Comics que o convidou a assumir Legião de Super-He-
róis. “Foi quando eu não parei maisˮ. Em dez anos, só não desenhou o
velocista Flash. Na Marvel e IDW, desenhou Vingadores, Wolverine,
Venom, Apocalipse, Darth Vader e, na Dark Horse33, a revista Angel.
Baseado hoje em Santiago do Chile, Geraldo divide seu tempo entre
a indústria, a produção autoral — El Último Detective34, com roteiro
de Claudio Alvarez, e outras atividades no mercado. “Sou quadrinista.
Eu faço várias etapas do quadrinho, o lápis, a arte-final, porque eu
trabalho com tinta e também escrevo as históriasˮ, e continua, “Mas
além disso, se você me permite dar mais de uma resposta para a mes-
ma pergunta, eu também sou professor porque eu tenho uma escola
de quadrinhos [Quadriños] e também tenho uma agência [ArtistGO!]
com um sócio chilenoˮ.
Por fim, escapando ao padrão dos/as entrevistados/as, há defi-
nições de si que manifestaram indeterminação e negativa. Weaver
Lima35, integrante da segunda turma da Oficina, estreou com a adap-

32. Sediada em São Paulo, a IHQ é uma instituição de ensino de artes visuais e gestão em
quadrinhos na América Latina.
33. Dark Horse Comics tem 2,97% do varejo e participação de 1,94% em unidades vendi-
das. No ranking de 2019, ficou em quinto lugar (Publisher..., 2020).
34. Publicada numa edição da Heavy Metal estadunidense e depois pela editora Conrad.
35. LIMA, Weaver Ferreira. (Weaver). Entrevista (via Google Meet) concedida ao autor.
Fortaleza, 17 dez. 2020.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 21


tação do conto Corujas (Edições UFC), de Moreira Campos, para o
álbum organizado pelo professor e entusiasta Geraldo Jesuíno. Em
meados dos anos noventa, consolidou o coletivo Seres Urbanos ao
mesmo tempo em que incursionou no ‘mainstream’ estadunidense.
Com linha precisa usando o pincel, Al Rio o convidou para arte-fina-
lizar o lápis de Star Wars e Motoqueiro Fantasma. “Você tinha que
cumprir vinte e duas [páginas]. Acabava, aí ‘pá’ mais vinte e duas,
uma colada na outra. No primeiro mês, você está com o gás todo, no
terceiro mês, a gente olhava um para outro esgotado. Nossa, era can-
sativíssimo! A pior experiência profissional da minha vida!”. Wea-
ver reinventou-se na pintura em que sobressaem seus personagens
XXX - O Carregador de Lâmina, Súltia, Mirela (Garota Mórbida) e
Madame X. Empresário e proletário de si mesmo, vive da venda de
pinturas, da curadoria, de oficinas, da produção cultural, do design
e audiovisual. “Eu sou artista e tenho uma empresa [Monstra] onde
exerço a função de produtor culturalˮ. Mesmo que conseguisse ren-
da apenas com HQs, diz gostar da pluralidade de tarefas. “Pra mim é
prazeroso estar nos quadrinhos, nas artes visuais, no design. Tenho
paixão pelos três. Para não dizer que eu estou fazendo outras coisas
porque viver de quadrinhos é difícil”.
Em perspectiva semelhante, Júlio Belo respondeu “Eu não sou
quadrinistaˮ, o que ia de encontro a minha percepção dele como de-
senhista veterano36. Dentre outras obras — 31 dias em Fortaleza,
Afinal, o que você faz quando está sozinho?, Cada um ao seu modo,
conhecia-o pelo quadrinho educacional Onde a luz fez a curva, em
parceria com o irmão João Belo37, com capa e colorização de Ge-
raldo Jesuíno e Walber Feijó, que narra a expedição astronômica à
cidade de Sobral que documentou a deflexão da luz pelo Sol teoriza-

36. BELO, Júlio César Filgueira. (Júlio Belo). Entrevista concedida ao autor. Fortaleza,
14 mai. 2019.
37. BELO Júnior, João. (João Belo). Entrevista concedida ao autor. Fortaleza, 7 nov. 2019.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 22


da por Einstein. Bancário e colecionador, diz que a sazonalidade da
produção lhe dá sempre a sensação de recomeço. “Se em 2020 em
diante eu começasse a produzir e lançasse com certa recorrência,
até podia chegar no evento, botar minha banquinha lá, botar meus
produtos e dizer que sou quadrinista independente. Mas enquanto
eu não tenho essa nova cara, novos produtos para oferecer, eu não
me sinto bem em dizer que eu sou quadrinistaˮ. João Belo assim se
definia na época em que desejava trabalhar no mercado europeu.
Anos depois viu a revista Espresso Futebol, feita com Falex Vidal e o
irmão, finalista do festival de Angoulême. Vivendo o que chamou de
“hiatoˮ desde a saída do sistema bancário e a aquisição de franquia
de galeria, recorda que nunca pensou os quadrinhos como fonte de
renda, mas de prazer. “Se desse dinheiro ótimo, mas a gente sabia
que a realidade era muito diferente. A gente via os caras que estavam
há mais tempo na estrada e não dava dinheiro. Eu amo fazer quadri-
nhos. Não é uma prioridade mais. Hoje é a pinturaˮ.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 23


3. Habitus e profissão

Habitus e profissão

Eu era criança e nem sabia ler


e minha mãe comprava gibi.
Romahs

E ssas e outras falas evidenciam a intersecção entre o desenvolvimento


de si-mesmo e a identificação profissional aos quadrinhos. O gosto
precoce pelas HQs se confunde com a própria trajetória de individuação
dos/as entrevistados/as. Ainda infantes, foram apresentados/as a elas
e, mesmo não alfabetizados/as, mergulharam no mundo de fantasias:
“Antes da alfabetização, eu já estava conseguindo compreender as pala-
vras” (Weaver); “Ler o visual antes mesmo de ler o escrito” (Júlio Belo);
“Eu era criança e nem sabia ler e minha mãe comprava gibi” (Romahs).
A leitura intuitiva das imagens é anterior à aquisição do código alfabé-
tico. Lev Vigotsky (2014) ensina que o desenho é a primeira forma de
representação sígnica da criança e o ponto de partida ao aprendizado
da representação fonética pelo grafema. Os/As mais inclinados/as às
artes visuais não substituem o desenho pela escrita, e sim desenvolvem
as duas competências paralelamente. Neste ponto a força simbólica da
‘mass media’ é irresistível. Florence de Mèredieu (2017) escreve que
desde cedo o subconsciente da criança é modelado pelas imagens das
indústrias culturais, influenciando os temas e o grafismo infantil. Mas
a passagem do desenho livre da figura humana e das coisas para o uso
de elementos da linguagem gráfica sequencial (sequência de imagens,

Capa s Expediente s Sumário s Autor 24


balões de fala e onomatopeias, p.ex.) ainda é complexa e seu emprego
sistemático exige a adjunção de um mentor. Embora não aprofunde, o
domínio dos fundamentos e as primeiras tentativas de fazer uma HQ
de fio a pavio acontecem na pré-adolescência, seja com ajuda de um
ente próximo, familiar, às vezes, ou pela mimese visual das revistas e
tiras, que, copiadas, acabam riscadas, pintadas, destacadas e recorta-
das. “Eu pegava as capas, estragava todos os quadrinhos”, relembra
Pow Rodrix38, desenhista com passagens pelos títulos Wolverine, Liga
da Justiça, Lady Death e atualmente em Star Wars. “Tirava as capas
e colocava em cima do papel, rabiscava forte para marcar o papel que
tinha por baixo e saía cobrindo. Depois ia tentando colorir e reproduzir
sem gabarito”. Na adolescência as HQs se tornam o principal ou um
dos principais objetos de leitura. Nessa fase aflora o desejo de ser qua-
drinista, o que implica aprofundar o autodidatismo num estúdio de de-
senho, curso técnico ou universitário. A aprendizagem nunca termina,
renovando-se pela troca de experiências nos grupos de afinidade, tal
como os coletivos, e durante toda a vida de trabalho, no caso dos/as que
seguem a profissão.
Na dicção sociológica de Pierre Bourdieu (1996), tal processo de
socialização forma o que vamos batizar de habitus quadrinístico. A
disposição para saber fazer HQs é uma capacidade incorporada de co-
nhecimentos — o domínio do código visual-verbal da linguagem e as
habilidades artístico-literárias necessárias ao processo criativo. Igual-
mente desenvolve-se um gosto estético-cultural particular por este/a
ou aquele/a autor/a, gênero, estilo artístico, bem como a crença (‘il-
lusio’) de que vale a pena investir e acumular o que nela está em jogo,
a saber, o reconhecimento e a autoridade, temas os quais voltaremos
mais à frente. Às vezes o habitus do/a quadrinista está em sincronia
com o habitus familiar. Quase por osmose, melhor, por inculcação,

38. RODRIGUES, Paulo Roberto. (Pow Rodrix). Entrevista (via Google Meet) concedida
ao autor. Fortaleza, 3 abr. 2021.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 25


ele/ela reproduz na vida adulta a ocupação dos pais. Sabe-se que a
transmissão do capital familiar não é automática. Acumular a baga-
gem cultural-artística da família exige esforço próprio e dedicação de
tempo ao/à herdeiro/a. Em condições favoráveis, ʻfilho/a de quadri-
nista, quadrinista se tornaʼ, como bem denotam alguns sobrenomes
(Deodato, Breccia, Kubert...). Ainda que a reprodução aconteça, o
mais comum é que a disposição aos quadrinhos seja um efeito da tra-
jetória social, o que, não raras vezes, causa estranhamento por se des-
viar da expectativa profissional da família. Noutros casos, a trajetória
ascendente nos quadrinhos pode transpor a condição de origem. O
deslocamento da origem familiar camponesa ou de trabalhador sim-
ples para a de artista altamente qualificado é um exemplo da trans-
cendência do destino de classe. É o caso de Ed Benes que migrou da
condição de trabalhador semiqualificado da construção civil para a
de desenhista internacional. Se as condições sociais modestas em que
muitos/as nascem podem bloquear o deslocamento vertical de um ní-
vel social para outro acima, o acesso a oportunidades escassas, como
ser representado por um artista consagrado (New Adams), favorece a
ascensão pelos quadrinhos.
O sociólogo do trabalho Claude Dubar (2020) destaca que a no-
ção de ‘identidade’ pode ser pensada em ligação com o habitus. A
‘identidade’ está conectada ao habitus, fornecendo-lhe uma imagem
externa ou papel a ser desempenhado, no nosso caso, ser quadrinis-
ta. Mas não é por compartilharem a mesma afinidade de habitus que
a identificação profissional é homogênea. Tudo depende da trajetó-
ria e posição a qual se chegou ao mercado. Para ilustrar o que esta-
mos dizendo, basta lembrar que nas falas os predicados do presen-
te do indicativo “Eu souˮ indicam percepções de si diferentes entre
o/a trabalhador/a em tempo integral e o/a trabalhador/a em tempo
parcial. Como visto, quem se dedica integralmente exerce atividades
correlacionadas, o que exige ampliar nossa concepção de trabalho
quadrinístico para além do desenho, roteiro, arte-final, cores etc. O

Capa s Expediente s Sumário s Autor 26


atual estágio da profissão se caracteriza pela multifuncionalidade: o
ensino e o agenciamento de novos talentos; as encomendas (‘com-
missions’) e a ilustração de livros, pôsteres, jogos etc.; a coordena-
ção de leilões ‘on-line’ de páginas originais em papel e ‘non-fungible
token’ (NFT)39; o licenciamento de HQs e de personagens e histórias
para outras indústrias; a criação de ‘storyboard’, adaptação e pro-
dução de romances e de roteiro para cinema, séries e animações; e
a função de editor/a. Pois bem, essas atividades favorecem a cons-
trução de uma ‘identidade’ profissional centrada: “Sou desenhista
de quadrinhosˮ, “Sou colorista”, “Sou quadrinista, agente, professor
[de História em Quadrinhos]ˮ. Noutra situação, os/as trabalhado-
res/as em tempo parcial têm de exercer múltiplas profissões. Nesse
caso, profissionalizar-se é dar aos quadrinhos espaço mais ou menos
isonômico com outras atividades remuneradas. Atravessar a fron-
teira do diletantismo para a vocação profissional significa enveredar
na dupla identificação profissional — professor do ensino médio e
quadrinista, designer e quadrinista — e às vezes tripla — professor
universitário e consultor e roteirista. A duplicidade ou a triplicidade
profissional conduz às constantes entradas — “Sou quadrinistaˮ —
e saídas da profissão — “e professor numa escolaˮ — de modo que
a identificação profissional dos/as quadrinistas em tempo parcial
aparece dividida nas falas, clivada conforme as ocupações exercidas.
Ocorre um hibridismo ou amálgama entre a ‘identidade’ de quadri-
nista e de professor, de quadrinista e jornalista, assim por diante40.

39. Assinatura ou certificado digital que atesta a originalidade, no sentido de ser único, e a
posse exclusiva de um criptoativo colecionável, no caso, a HQ ou arte digital. As HQs são
tecnicamente reproduzíveis, mas manifestam unicidade por meio dos originais em papel/
NFT, sem perder o valor artístico e econômico.
40. Vale a pena comentar sobre a unicidade ou não do habitus. Numa passagem em ‘As
regras da Arte’ (1996, p. 74), Bourdieu fala de habitus duplo do pintor e escritor, que muito
se assemelha à condição dos/as quadrinistas em discussão. Ao analisar o mercado literário
da França Oitocentista, Bourdieu comenta a existência de duas boemias, a dourada dos
dândis românticos e a boemia proletarizada que necessita de segunda profissão para viver.
Nessa passagem cita a duplicidade de habitus da boemia proletarizada. Bourdieu também
faz referência ao habitus clivado na autobiografia ʽEsboço de auto-análiseʼ.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 27


Márcio Moreira41, roteirista de Pombos!, Anamnese e ‘Jimmy Zero
from Outter Space’ da coletânea Boy’s Love (Draco), remata: “Eu
não tenho uma profissão só. Sou assistente de gerência do Laborató-
rio de Mídias Educacionais da UFC e quadrinista. Nunca é uma coi-
sa só”. O sentido dessa vida dupla ou tripla foi com exatidão definido
por Renata Nolasco42. Diz a autora de Só Ana, Eu não sou bonita e
Ei, por que não existem grandes quadrinhos feitos por mulheres?:
“Eu vendo minhas artes, prints, chaveiros, pins. Com esse dinheiro,
eu consigo ganhar tempo para fazer quadrinhosˮ. Propositura que
havíamos detectado em pesquisa anterior43. Exercem-se outras ocu-
pações para ter condições materiais de criar, mesmo que isso signifi-
que sobre-trabalho, quando se abre mão do lazer e descanso à noite
e nos finais de semana. Ter mais de uma ocupação é a condição da
maioria e o horizonte de desejo é poder deixar a dupla, tripla batalha
laboral e investir todo o tempo e energia criativa apenas à vocação.
A indeterminação e a negação profissional por parte de alguns en-
trevistados/as merecem uma nota breve. A recusa de qualquer com-
promisso profissional pode ser entendida como um gesto altruísta.
Desenhar e escrever como e quando prover, pela satisfação de se
expressar, libera o trabalho criativo das demandas ou coerções dos
prazos e do dinheiro. Enquanto trabalho criativo e não profissão, in-
veste-se nos quadrinhos pelos quadrinhos. Expressão é empregada
aqui em sentido diferente àquele dado pelos pintores modernistas
de arte pela arte. Significa que a vida do/a artista não está mais or-
ganizada em função dos quadrinhos. Ele/Ela cria para fins de grati-
ficação sem retribuição econômica. Escrever e desenhar são um fim
em si. Também afirma a autonomia diante de toda a hierarquia da

41. SANTOS Filho, Márcio Moreira dos. (Márcio Moreira). Entrevista concedida ao au-
tor. Fortaleza, 29 jan. 2020.
42. NOLASCO, Renata Izabel de Freitas. (Renata Nolasco). Entrevista (via Google Meet)
concedida ao autor. Fortaleza, 01 abr. 2021.
43. Refiro-me ao capítulo 3 do meu livro ‘Quadrinhos no Ceará’ (2019).

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legitimação, pois se renuncia a tomar parte no jogo do mercado. Tal
atitude encerra uma intervenção pontual, quase desinteressada por
se perceber à margem, seja por desilusão ou descrença na possibi-
lidade de ascensão socioeconômica. Fazer quadrinhos pelos quadri-
nhos é a etapa anterior à definitiva desidentificação profissional. A
convicção de que investir na profissão não compensa.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 29


4. Trabalho e valor

Trabalho e valor

Os quadrinhos sempre pagaram


todas as minhas contas.
Walter Geovani

Q uem faz quadrinhos vivencia a profissão sob dois modos de pro-


dução desenvolvidos em separado, cada qual com as respectivas
relações de trabalho e de propriedade intelectual. O modo de pro-
dução independente é o espaço da autonomia criativa e posse sobre
a obra. O/A quadrinista independente trabalha para si, recorre ao
autofinanciamento, financiamento por editais públicos ou ‘crowd-
funding’, e pode ceder a obra para exploração comercial por edito-
ra em troca de percentual nas vendas, sem prejuízo aos direitos de
propriedade. É-lhe facultado/a criar sem objetivo comercial. Nesse
caso a HQ é portadora de valor de uso, i.e., vale pela expressão ar-
tística e comunicação de ideias. Em contrário, no modo de produção
industrial, artistas e roteiristas são assalariados/as que trabalham
para um/a proprietário/a como funcionários/as ou prestadores/
as de serviço por tempo determinado. A HQ é uma mercadoria que
encerra valor de uso e valor de troca ou valor de mercado, donde
uma obviedade: editoras não são diletantes de investirem apenas
por amor à Nona Arte e aos/às leitores/as, o fazem porque ainda é
lucrativo (valor de troca) e satisfaz subjetivamente os consumidores
(valor de uso). Nessa ordem. Toda a produção industrial capitalis-

Capa s Expediente s Sumário s Autor 30


ta se orienta, principalmente, pela conservação e maximização do
lucro. Mesmo que possua evidentes qualidades estéticas, uma série
mensal, ou um álbum, cuja tiragem não venda o esperado é, certa-
mente, descontinuada e não será reimpressa.
Mas a metamorfose do quadrinho-mercadoria em lucro é o últi-
mo estágio do ciclo de produção e re-produção do capital. É necessá-
rio começar primeiro pela fonte de tudo: a expropriação do trabalho
de artistas e roteiristas. Sabemos com Karl Marx (2017) que o lucro
é a forma mistificada do mais-valor, i.e., a diferença entre o valor
que o/a trabalhador/a incorpora à mercadoria e o salário recebido.
Ora, o/a quadrinista cria valor excedente ao pago pelo capitalista,
mas ganha apenas pela força de trabalho criativo que é medido pela
quantidade de produtos entregues, as páginas, em determinado es-
paço de tempo. A energia criativa e as habilidades técnicas são re-
muneradas por valor menor ao agregado ao quadrinho-mercadoria.
Com outras palavras, a diferença entre a força de trabalho e o que o
trabalho criativo realiza é trabalho não pago. Remunerando somen-
te pela capacidade de trabalho, torna-se possível extrair o mais-valor
embolsado pelo contratante/empregador na forma transfigurada de
lucro industrial (lucro bruto)44. Desta forma, o preço final da HQ é
a representação monetária dos custos totais de produção mais o ex-
cedente de trabalho não pago. Entende-se por custos totais o salário
da força de trabalho dos/as artistas, do/a roteirista, do/a tradutor/a
e revisor/a; o pagamento de ‘royalties’, direitos autorais, impostos;
a compra de matérias-primas, de serviços gráficos; o gasto com mar-
keting, armazenagem; e o pagamento da margem de lucro aos distri-
buidores e varejistas — lojas virtuais, gibiterias, livrarias, bancas de

44. “O lucro do capitalista provém do fato de que ele possui para vender algo pelo qual não
pagou. O mais-trabalho, ou lucro, consiste precisamente no excedente do valor-mercadoria
sobre seu preço de custo”, escreve Marx (2017, p. 68) no capítulo A Taxa de lucro, livro III,
d’O Capital.

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jornais. As eventuais perdas na tiragem por exemplares danificados
e não vendidos, bem como o envio a jornalistas, blogueiros e ‘you-
tuberes’ para fins de publicidade, também entram nos custos totais.
Vendida a HQ, o capitalista recebe de volta o dinheiro investido
com o lucro embutido. A título de exemplo, a Marvel Comics conse-
gue margens de 35% sobre o preço de capa45. O lucro industrial ou
bruto é dividido na forma de lucro comercial com as distribuidoras,
os varejistas e outras editoras mundo afora interessados na compra
dos direitos de publicação (licenciamento)46. Multinacionais ‘e-com-
merce’ funcionam ao mesmo tempo como distribuidoras/varejistas
e ficam com 50% do preço de capa, enquanto os demais comercian-
tes conseguem margens de 30% a 40%. Gigantes editoriais que ne-
gociam no mercado financeiro têm de remunerar juros e dividendos
a banqueiros e acionistas. O restante, que é o lucro líquido da em-
presa, não é totalmente embolsado pelo proprietário. Parte se torna
capital investido em novo ciclo de re-produção de HQs.
O lucro da empresa será tanto maior quanto for o domínio do mer-
cado. Caso detenha o monopólio de leitores, podem-se exigir preços
equivalentes, tal como acontece nos direitos de propriedade intelec-
tual ― marcas, patentes, obras artísticas, literárias ou científicas etc.
A renda ou o ganho de monopólio tende a descolar os preços do valor
real da mercadoria. O sobre-preço é prática corrente no comércio de
HQs esgotadas e raras. O preço de uma revista esgotada ou rara não
é medido pelo trabalho incorporado e sim pelo número e ano da edi-
ção, o estado de conservação, o/a autor/a, dentre outros elementos de
avaliação. É um mercado futuro que opera com valores irracionais. A
especulação no curto prazo esteve na origem do ‘boom’ de vendas dos

45. GARDNER, David. How Marvel Make Money. 16 nov. 2016. Disponível em: https://
www.fool.com/investing/high-growth/2005/01/25/how-marvel-makes-money.aspx.
Acesso em: 9 jan. 2023.
46. As editoras nacionais ganham em média 10%, 20% do preço de capa. Os custos dos
arquivos digitais de impressão ficam entre 100 e 1.000 dólares, ou 2, 3 dólares por página.

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anos noventa e conseguinte hipersaturação e queda nas vendas pós-
-lançamento de edições especiais (McAllister, 2006).
No que se refere às relações trabalhistas, o/a quadrinista é fun-
cionário/a de editora/jornal47 ou presta serviço por tempo determi-
nado, chamado, nos EUA, de trabalho por encomenda (‘work made
for hire’48). Aqui e lá, o ‘freelancer’ é o tipo dominante de contratua-
lidade que se caracteriza pela informalidade e intermitência. Sem
ceder vínculo empregatício, ele/ela não goza dos direitos do traba-
lho e está sujeito/a a períodos de ocupação e desocupação funcional,
formando o que Marx (2009) definiu como superpopulação relativa
flutuante49. Em geral o contrato estabelece o prazo de execução do
projeto, o preço da força de trabalho criativo — pagamento por pá-
gina ou outra convenção, e a alienação da propriedade intelectual
sobre a história e os personagens criados. O contrato de exclusi-
vidade nos EUA acresce o período de dois a quatro anos de servi-
ços, o número de edições anuais a serem feitas e as condições para
atuar profissionalmente noutra editora. Dependendo da editora e da
capacidade de negociação, consegue-se assinar o contrato do tipo

47. O trabalho com registro em carteira é regido pelo que restou da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), desfigurada pelo Projeto de Lei da Câmara 30/2015. Traçando uma média
dos preços sugeridos por sindicatos e associações de jornalistas, a página editorial de história
em quadrinho P&B e Colorido custa entre R$300 e R$900. Por alguma razão não discrimina-
da, o preço da tira é flagrantemente menor que o da charge e caricatura na maioria absoluta
das tabelas de preços analisadas. Na Maurício de Sousa Produções, a partir de informe no site
Glassdoor, o/a desenhista recebe mensalmente entre R$6.000 e R$7.000. O/A horista entre
R$65 e R$70, designer sênior entre R$7.000 e R$ 8.000. O/A ilustrador mensal recebe de
R$9.000 a R$10.000, e o/a designer mensal entre R$4.000 e R$ 5.000. O/A roteirista-leiau-
tista pode ganhar R$6.000 por mês. Não é informado o ano de referência dos rendimentos.
Disponível em: https://www.glassdoor.com.br/Sal%C3%A1rio/Mauricio-de-Sousa-Pro-
du%C3%A7%C3%B5es-Sal%C3%A1rios-E2487314.htm. Acesso em: 01 jan. 2020.
48. COPYRIGHT Law of the United States and Related Laws Contained in Tıtle 17 of the
United States Code. October 2022. Disponível em: https://www.copyright.gov/title17/tit-
le17.pdf. Acesso em: 07 jan. 2023.
49. A superpopulação relativa ou exército industrial de reserva é um fenômeno próprio da
produção capitalista que transforma a população trabalhadora em desempregados/as ou
parcialmente empregados/as. Ela se apresenta na forma flutuante, latente, estagnada. O
pauperismo é a condição mais degradante. Cf. Marx (2009, p.732-754).

Capa s Expediente s Sumário s Autor 33


propriedade do autor, também conhecido como Modelo Image, que
valoriza a autonomia criativa e, presume-se, ocupa-se mais com a
impressão e a distribuição que com os lucros. Há também o contrato
de copropriedade em que os custos, os riscos e os lucros são dividi-
dos com a editora. No Brasil, geralmente, o contrato de publicação é
pelo período de três a sete anos e paga-se ‘royalties’ ao/à autor/a de
8% a 10% sobre o valor bruto das vendas.
Afora a participação nas vendas, pode-se prever remuneração
ao/à quadrinista em caso de licenciamentos. Há muito a indústria
dos quadrinhos é parte de uma economia multi-industrial. Ela está
em interface com outros segmentos industriais interessados em pro-
duzir filmes, animações, esculturas, miniaturas, brinquedos, ‘souve-
nires’, jogos, músicas, livros, roupas, alimentos, artigos de higiene
e espetáculos músico-teatrais. O grande sucesso nacional é a marca
Turma da Mônica da empresa Mauricio de Sousa Produções (MSP),
licenciada para quase quatro mil artigos e cento e cinquenta vare-
jistas e fabricantes. Importante frisar que o direito de propriedade
intelectual (DPI) é cedido para uso e não vendido ao licenciador.
Em economia, o proprietário da marca, personagem, história, rece-
be renda de monopólio, que significa a extração ou transferência do
lucro de uma empresa para outra apenas porque essa tem a exclusi-
vidade sobre o produto desejado50. Não é necessário à editora recriar
ou reproduzir o personagem e a HQ, apenas cedê-los para utilização.
A MSP arrecada mais cedendo os DPIs para exploração comercial
que da venda mensal de 2,5 milhões de revistas51. O mesmo vale para
a Marvel Entertainment cuja receita é mais de 80% de licenças.

50. O DPI e a renda de monopólio na indústria cultural são discutidos em Marcos Dantas
et al. (2022).
51. ALMEIDA, Ceci Almeida. Mauricio de Sousa Produções: sucesso em quadrinhos sus-
tentado pela propriedade intelectual. Revista da OMPI (World Intellectual Property Or-
ganization). Setembro de 2021. Disponível em: https://www.wipo.int/wipo_magazine/
pt/2021/03/article_0004.htm. Acesso em: 13 fev. 2023.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 34


Um dos maiores geradores de renda de monopólio é a venda dos
direitos de filmagem/animação. Para os/as criadores, é um assunto
controverso desde ‘Superman – O filme’, de 197852. A produção de
filmes, séries e animações revela a convergência de mídias e sinergia
corporativa, da qual é índice a aquisição da Marvel Entertainment
e da DC Comics pela The Disney Company e Warner Bros. Disco-
very, respectivamente. As fusões e as aquisições, entretanto, são
um problema quando não geram os lucros esperados. Alisa Perren
e Gregório Steirer (2021), em ‘The American Comic Book Industry
and Hollywood’ (2021), destacaram que às vezes é melhor para os
negócios ignorar a sinergia e ceder os direitos de filmagem para a
concorrente. Foi o que aconteceu com a minissérie The Sandman.
Antes de vender a WarnerMedia para o Discovery em 2022, a então
empresa-mãe, AT&T, dona da DC, considerou mais vantajoso ser
produzida pela plataforma de ‘streaming’ Netflix que dentro do con-
glomerado, a contragosto da Warner Bros.
Turbulências à parte, o problema é que as corporações faturam alto
e os/as criadores/as recebem pouco ou nada, no mais das vezes um
singelo agradecimento nos créditos finais do filme. Ainda que a le-
gislação estadunidense determine desde 1º de janeiro de 1978 que o
trabalho feito por encomenda não possa ser objeto de reclamação de
direitos, o mal-estar permanece, principalmente na Marvel. Um Mike
Deodato descontente comentou: “Vai sair Ironheart e eu não recebi
nada. Não é justo. O cara que criou o Soldado Invernal [Ed Brubaker]
não ganhou nenhum centavo. Em Agentes da Shield aparece meu
nome, na Mulher-Maravilha aparece meu nome. Só isso. Dinheiro...”.
Trilhando outro caminho, editoras com modestas fatias do mercado

52. Jerry Siegel e Joe Shuster não receberam da Warner Bros. um centavo dos 3 milhões
de dólares pagos em 1975 pelos direitos de filmagem. Desde 1963 moviam processo judicial
pelos direitos sobre o personagem e, com a ajuda de quadrinistas como Neal Adams,
conseguiram assinar acordo judicial de 20 mil dólares anuais pagos até o final de suas vidas
e o direito de serem citados como criadores.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 35


preveem em contrato remuneração caso a história seja licenciada. “A
diferença [trabalhar na AWA] é que, se virar filme, se virar série, eu
ganho dinheiro e não só a editora”. O resultado disso, apontam Per-
ren e Steirer, é a diminuição do número de propriedades intelectuais
criadas na DC e Marvel, a maioria absoluta do século passado. Não há
por que criar para as ‘majors’ se é possível garantir a propriedade ou
copropriedade intelectual nas pequenas e médias editoras.
O/A trabalhador/a dos quadrinhos tem na página o sistema bá-
sico de remuneração. Em média, o preço pago pelas editoras esta-
dunidenses pode variar de 50 a 1.400 dólares, a página de roteiro
100 dólares e a capa de 200 a 2.000 dólares. No mercado nacional,
paga-se 150, 250 reais pela página desenhada, mas o padrão muda
no caso do/a letrista. Com mais de quarenta anos no mercado, Lilian
Mitsunaga53 explica o porquê da particularidade do letreiramento:
“É bem complicado negociar valor fixo para todas as páginas. Há pá-
ginas com muitas letras e outras com poucas”. Os preços variam até
dez vezes por projeto, cada qual com volume e orçamento diferentes.
Por trazerem mais texto, é possível padronizar os valores das revis-
tas de super-heróis, “mas às vezes eu pego um mangá de quinhentas
páginas. Se eu for cobrar o mesmo que eu recebo para fazer vinte,
fica inviável”. Já as encomendas, segundo Geraldo Borges, “custam
200 dólares dependendo do cliente, se o desenho é pequeno, em A3,
página dupla”. Não obstante, o preço final é relativo à posição do/a
quadrinista no mercado. Assim uma arte digital pode custar 1.800
e em papel 3.000 dólares. Esse mercado é tão vantajoso que artis-
tas muito requisitados/as para ‘commissions’, capas e artes internas
passam longos períodos sem fazer HQ completa.
Comparativamente, o salário por página é uma forma contem-
porânea do antigo salário por peça/produto/tarefa. Mais uma vez,

53. FARIAS, Lilian Toshimi Mitsunaga. (Lilian Mitsunaga). Entrevista (via Google
Meet) concedida ao autor. São Paulo/Fortaleza, 7 mar. 2022.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 36


Marx (2009) pode ajudar. O preço do trabalho pode ser quantificado
pela duração ou pelo produto. O trabalho por tempo é medido pela
quantidade de horas necessária para produzir algo. Aquele por peça
é definido pela quantidade de produtos materializados em dado es-
paço de tempo. Esse é apenas uma variante daquele, diria Marx.
Pois bem, tal qual o salário por peça, aquele por página aumenta a
intensidade e a duração da jornada em vista a ganhos maiores, in-
dividualiza o preço do trabalho — que leva a desigualdades salariais
enormes, e principalmente nega a cidadania salarial (quarenta horas
semanais, salário fixo, descanso semanal, aposentadoria etc.). Dessa
maneira, essa forma de trabalho é o antecessor do atual trabalho
flexível. Hoje a acumulação capitalista busca aumentar os ganhos
de produtividade com incremento tecnológico (mais-valor relativo)
e corte nos custos do trabalho, leia-se, de direitos. Assim, não à toa,
o trabalho por peça/produto/tarefa é o mais desejável ao capitalis-
ta, pois substitui-se o/a assalariado/a formal pelo/a assalariado/a
flexível ou terceirizado/a, informal, intermitente (Antunes, 2020).
O salário por peça está na origem do trabalho doméstico de on-
tem e de hoje. Já faz algum tempo que fazer quadrinhos profissio-
nalmente é sinônimo de ‘home office’54. Ainda que se possa constatar
um aspecto positivo na atual configuração em que está — o não des-
locamento para o serviço, a ilusão da autonomia laboral, tão bolça-
do pela ideologia do empreendedorismo, não esconde a condição de
trabalhador/a informal-intermitente. O/A quadrinista arca com os
custos das ferramentas de trabalho nem sempre contabilizados no
preço da página: papel, lápis, caneta, tinta, pinceis, mesa de desenho,
digitalizadora, eletricidade, Internet etc. Caso a mesa digitalizadora
quebre, quem paga o conserto? Se o prazo de entrega aperta, paga

54. Sobre o trabalho ‘home office’, vale destacar a fala de Dijjo Lima: “Com Internet, eu
trabalho até debaixo de uma árvore! Quando eu quero viajar, pego o Ipad e vou embora”.
Os impactos da revolução tecnológica informacional na economia global são discutidos por
Manuel Castells (2003), Pierre Lévy (1999), David Harvey (1992).

Capa s Expediente s Sumário s Autor 37


do próprio bolso a sublocação da mão de obra do ‘ghost’ e ‘flatter’.
Outro aspecto do ‘home office’ é que a separação do tempo de viver
do tempo de trabalhar se esfuma. Dorme-se e acorda-se no local de
trabalho. Sem equilíbrio, a vida profissional passa a requerer mais e
mais do tempo lúdico e de descanso. Como visto dois tópicos atrás,
o profissional em tempo integral não raras vezes dobra a jornada e
passa facilmente das doze horas diárias, incluindo os finais de se-
mana, com intervalos mínimos de descanso (Oitenta e quatro horas
semanais!). Rob Lean, que também trabalhou como ‘ghost’, disse
já ter ficado “dois, três dias ligado”, dormindo uma, duas horas. As
queixas de isolamento, autossegregação, adoecimento físico e psí-
quico são frequentes e precisariam ser objeto de estudo para se ter
conhecimento da real dimensão e impacto na vida do/a quadrinista.
O grupo criativo dos quadrinhos é heterogêneo tanto nas condi-
ções materiais quanto nos rendimentos. Os maiores riscos incidem
sobre o/a produtor/a independente que exerce múltiplas profissões
e ainda lida com as debilidades do mercado nacional em gerar opor-
tunidades de emprego e renda. Já quem atua fora do país tem no
câmbio uma especificidade economicamente vantajosa. Vendendo
a força de trabalho a partir da periferia global, consegue alta taxa
de retorno na conversão em moeda local. Em curto espaço de tem-
po, podem-se ganhar oito salários-mínimos, equivalentes à faixa de
renda mensal da classe média-alta brasileira. A vantagem cambial,
contudo, gera acomodação no presente e despreocupação com o fu-
turo, sobretudo entre os/as mais jovens. A experiência mostra não
ser possível manter ‘ad infinitum’ o ritmo industrial, o que exige
planejamento econômico de longo prazo para, um dia, ser possível
aposentar-se e trabalhar por prazer. Sublinhe-se que, no mercado
internacional, ganhar mais ou menos depende da valorização do/a
quadrinista. Cada um por si, o peso do nome é determinante na ne-
gociação de preços, de benefícios e dos direitos de propriedade in-

Capa s Expediente s Sumário s Autor 38


telectual. Tal disparidade de condições é corroborada pelo sistema
superestrelas que, amplamente praticado em todo o mercado artís-
tico-cultural, aprofunda o fosso entre quadrinistas prestigiados/as e
a massa geral com modestos rendimentos.
Acresce dizer que, assumindo altos postos de gestão e valorização
do capital, o/a quadrinista entra em deslocamento de classe. Ocupar
um elevado cargo executivo significa controlar a produção e receber
parte do excedente de valor na forma de remunerações salientes que
servem de aluguel de lealdade à empresa. Ao senso comum parece
ser apenas um/a trabalhador/a bem pago/a, mas é um/a gestor/a
dos interesses da editora que se apropria de parte do lucro. Stan Lee,
p. ex., durante conversa sobre a eleição para a Academy of Comic
Book Arts, tentou convencer um incrédulo Neal Adams de que ainda
era ‘freelancer’ apesar de receber semanalmente grandes cheques
como editor (Riesman, 2021). Adams, que proporia a criação de sin-
dicato para lutar por melhores salários e direitos de propriedade,
rejeitou a argumentação do chefão certamente por entender que sua
posição de comando mais os ganhos milionários o excluíam da con-
dição de trabalhador assalariado ‘freelancer’. Como se sabe, depois
de deixar a Marvel, Stan consolidou-se como um capitalista dos qua-
drinhos, recebendo 800 mil dólares por ano mais 125 mil pela tira
de jornal do Homem-Aranha, pensão para família, opções de ações
e 10% dos lucros do cinema e da televisão. No passado foi mão de
obra contratada que vendia a força de trabalho em troca de remune-
ração por página, depois comandou a produção e gestão do capital
da empresa. Lógica que vale para tantos outros/as atualmente em
posições de controle e apropriação do excedente de trabalho na in-
dústria. A posição contraditória nas relações de classe os/as colocam
em trânsito da classe trabalhadora para a classe proprietária55.

55. Valho-me das reflexões de Erik Olin Wright (2015) e Ricardo Antunes (2020) acerca de
quem é a classe trabalhadora.

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5. O/A quadrinista para os outros

O/A quadrinista para os outros

As pessoas ainda não sabem que


fazer quadrinhos é uma profissão.
Brendda Maria

R espeito é expressar com palavras e gestos a necessidade percebida


no outro de tal modo que seja sentida e convença (Sennett, 2004).
Numa situação conversacional, corresponde a escutar e levar a sério
o dito. A propósito de diálogo sobre trabalho, a pergunta “Tu pinta
parede?ˮ seria um chiste desrespeitoso ou estranhamento em rela-
ção ao ofício de colorista? “Isso é um problemaˮ, lamenta Dijjo Lima,
então finalista do prêmio internacional Ringo Awards56 2018. “De-
vido ao preconceito que se tem com o artista, das próprias pessoas
desinformadas, família e tudo, sempre falavam, ‘Rapaz, artista não
dá dinheiro! Vá se formar! Vá ser um médico! Vá ser um advogado!ʼ,
sempre aquelas coisasˮ. Pessoas de maior faixa etária têm inclinação
a dizê-las. A geração de pais e avós abandonou cedo a leitura de HQs
e facilmente a rotulam como coisa de criança ou hobby extravagan-
te. “As pessoas conhecem muito pouco sobre o universo dos qua-
drinhosˮ, diz Marcelo DʼSalete, “então é muito fácil encararem isso
como um hobby e não como um trabalhoˮ. Geraldo Borges lembra
espirituoso a grande recusa da família ao decidir largar a profissão

56. Premiação da indústria com votação aberta a profissionais e fãs, entregue anualmente
na Baltimore Comic-Con.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 40


de engenheiro civil. “Você ser desenhista de quadrinhos era quase
ou senão muito próximo ou se não é vagabundo. Pessoa que não faz
nada, que passa o dia desenhando. Na época eu não tinha muitos
argumentos para falar o contrário. Não conhecia o mercado, não co-
nhecia como poderia viver disso de fatoˮ. Mesmo a palavra que iden-
tifica a profissão, quadrinista ou quadrinhista, é mal compreendida
e causa estranhamento. Sirlanney, autora do site Magra de Ruim,
define-se como artista visual “porque quadrinista é uma palavra
muita esquisita, que existe para quem é do meio”57. Para evitar mais
explicações, Mike Deodato responde que é desenhista: “Se eu disser
que eu sou quadrinista, vão ficar perguntando o que é”. No dizer de
Walter Geovani, há também a reação “não estou interessadoˮ, que
põe fim a qualquer interação sobre a vida profissional.
Estranhar e conceber como trabalho desviante é consistente com a
história global de pré-conceitos aos quadrinhos. Em entrevista a So-
nia Luyten (2011), o mangaká Tezuka Osamu falou do desgosto dos
pais por não exercer a medicina numa época em que ser quadrinista
era malvisto. Mesmo Charlie Schulz, de Peanuts, sentiu-se desdenha-
do por Donna Johnson, a Garotinha Ruiva da vida real, interromper
o romance, achando que ele nada conseguiria como cartunista. Em
outra situação, um de seus biógrafos escreveu que a futura esposa ex-
clamou “Ah, que bom” ao saber que desenhava tiras, perguntando em
seguida qual outro trabalho possuía. O jovem Schulz já ganhava bem,
mas lhe pesava o rótulo de ofício de malucos e excêntricos (Michaelis,
2015)58. Nos EUA os profissionais de revistas se ressentiam de serem
vistos pelos pares da imprensa como inferiores nas palavras de Will
Eisner (Schumacher, 2013). O jovem Stanley Martin Lieber sonhava

57. NOGUEIRA, Sirlanney Freire (Sirlanney). Entrevista (via Google Meet) concedida ao
autor. Rio de Janeiro/Fortaleza, 13 ago. 2021.
58. A imprensa marrom batizou a ex-noiva de Charlie Schulz de garota que perdeu trinta
milhões de dólares anuais. O capítulo Chamada da Califórnia traz alguns elementos da vida
de cartunista e como eram vistos pelo público nos anos 1950-60.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 41


em ser romancista e preservou-se da pecha de roteirista, então o nível
mais baixo do ofício de escritor, ocultando o nome sob a alcunha Stan
Lee59. Já o capista de Tex, Claudio Villa, lembrou-se do desânimo e
das dificuldades de enveredar numa “profissão que não existia. É a
velha frase: ‘Sim, ok, você desenha quadrinhos, mas... qual é a sua
profissão verdadeira?’” (Contro, 2020).
Na biografia de Maurício de Sousa (2017), o empresário fala da
luta pela valorização profissional e de como eram desprezados pelo
mercado. O surgimento de editoras e tabloides alternativos ampliou
a oferta de trabalho, ainda que timidamente e concentrado ao eixo
carioca-paulista. Entre outras, a Continental/Taíka, Edrel, RGE,
GEP, Bloch, Vecchi, Maurício de Sousa, Globo e Abril — essa com a
divisão de quadrinhos Disney e Hanna-Barbera pela qual passaram
mais de cento e vinte artistas e roteiristas60 — inundaram as bancas
com material estrangeiro e HQs feitas por brasileiros. Os impressos
alternativos Pif-Paf, Pasquim, Grilo, Balão, Pau de Arara etc. circu-
laram com a novíssima geração a fazer humor, crítica social, políti-
ca e de costumes. A produção independente multiplicou a oferta de
revistas e fanzines, e hoje as plataformas digitais impulsionam sua
difusão acelerada pela Internet. Nesse ínterim, nos anos noventa, o
produto nacional já falava outros idiomas e alguns poucos/as artis-
tas alçaram aos títulos da Marvel e DC. Tudo isso para dizer que a

59. Por outras razões, a prática persiste entre as mangakás, a despeito de serem quase
oitenta porcento da mão de obra japonesa. Domina a ideia de que um nome masculino
atraia mais leitores. A segmentação editorial patriarcal — mangás para homens, mangás
para mulheres — também é identificável no mercado literário e um exemplo recente é a
ocultação do nome Joanne na assinatura J. K. Rowling, autora de ‘Harry Potter’. Sobre o
mercado japonês, ler: CERCA de 90% dos cartunistas criam digitalmente. Mais da meta-
de usa 3D – Pesquisa de artistas de mangá. Disponível em: https://mannavi.net/14929/.
Acesso em: 19 set. 2022.
60. Além da divisão estadunidense e italiana, a divisão Disney/Abril produziu e exportou
várias histórias feitas com mão de obra cem porcento nacional. Sobre os artistas e roteiris-
tas brasileiros à frente das publicações Disney, veja a pesquisa de Manoel de Souza e Mau-
rício Muniz, ‘O Império dos Gibis’. Uma discussão aprofundada é ‘Para ler os quadrinhos
Disney’, de Roberto Elísio dos Santos, principalmente o capítulo 3, Disney Made In Brasil.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 42


consolidação do mercado editorial e a internacionalização da mão
de obra brasileira não foram ritmadas com a mudança na percepção
pública da profissão. Permanece estranho aos de fora que se possa
ganhar a vida desenhando e escrevendo HQ. A imagem em geral,
conclui Netho Diaz, ainda “é de uma criança deitada no chão colo-
rindo com lápis de corˮ.
Diríamos que o estranhamento e a percepção de ofício desviante
são evidências do choque entre a identidade para si de quadrinista e
a identidade bloqueada ou negada pelo outro. Intencional ou não, a
quebra da expectativa de reconhecimento é insatisfação amplamen-
te notificada pelos/as entrevistados/as. A desinformação relaciona-
-se a um fraco prestígio social. Desconhece-se o ‘métier’, o funcio-
namento do mercado de trabalho, as obras e seus autores — com as
raras exceções dos mais populares. Vão novamente as palavras de
Netho Diaz: “No geral as pessoas têm um pouco dessa ignorância
de não saber o que é que se faz. Mas vê que se sustenta só com isso
e consegue viver bem. A partir daí nasce um pouco mais de curio-
sidade, como é que acontece, como funciona, o quanto que ganhaˮ.
Pesa ainda a concepção de senso comum de que arte é lazer e não
atividade de sustento. Pesquisar as representações coletivas sobre
os ofícios artísticos poderia mostrar em que patamar hierárquico se
encontra cada uma delas. Até que se tenha informação, fica a im-
pressão de que se dizer artista plástico, escritor, cineasta ou designer
é mais aceitável que quadrinista.
A aceitação também esbarra na visão tradicional de profissão como
a certificada por diploma, regulamentada por lei, organizada em as-
sociação/conselho que credencia a pertença ao grupo laboral. O ofício
de quadrinista sequer é designado pelos órgãos oficiais de trabalho e
emprego, desaparecendo sob a genérica rubrica de artista e designer
gráfico. Como vimos, excetuando-se o/a jornalista-quadrinista e o/a
empregado/a celetista, está-se à mercê da intermitência ocupacional

Capa s Expediente s Sumário s Autor 43


e da flexibilização de direitos. Ser predominantemente um trabalho
‘freelancer’ ajuda a reforçar a percepção desviante ao padrão imagi-
nado como adequado de ganhar a vida. Mesmo assim, Pow Rodrix
analisa que as recentes transformações dos tipos profissionais pos-
sam amenizar a rejeição. “Sou artista de quadrinhos e ilustrador. É
minha profissão integral desde 2006. Nunca me acanhei de dizer isso.
Mesmo com as pessoas que perguntavam e olhavam com aquela cara.
‘Mas isso dá dinheiro? Isso ajuda com alguma coisa?ʼ. [...] Nossa cul-
tura no país inteiro ainda é muito voltada para as profissões tradi-
cionais. Agora é que tá abrindo para essas profissões alternativasˮ. A
incorporação da mudança no perfil das ocupações, nem sempre para
melhor, diga-se, é lenta. As novas profissões no capitalismo da era
digital-informacional, pensamos aqui a de trabalhador/a de jogos ele-
trônicos61, de alguma forma, podem ajudar a desconstruir os pré-con-
ceitos com a não tão nova de quadrinista.
A favor dos quadrinhos enquanto profissão, podemos afirmar que
ela reúne três aspectos fundamentais a todas as outras. Primeiro, o
domínio de uma expertise por instrução própria, pelo aprendizado
formal (superior/técnico) ou em estúdio, que é pré-requisito para
o pertencimento e o acesso ao mercado laboral. Ou seja, o/a traba-
lhador/a criativo/a das representações gráfico-visuais sabe produzir
sentido, significar62, manuseando uma linguagem que articula, ou
não, palavras e imagens solidárias em sequência. Segundo, a pro-
fissão é autodeclarada como tal pelos/as artistas e roteiristas que a
identificam como meio de obter renda. Por fim, existe um mercado
estruturado que cumpre a dupla função de organizar a oferta e a
demanda de força de trabalho criativo e a lógica de reconhecimento
que define o quem é quem na arte.

61. Sobre esse assunto, ler ʽMarx no fliperamaʼ, de Jamie Woodcock, publicado pela editora
Autonomia Literária.
62. Na perspectiva hermenêutica, sentido é a apreensão de uma unidade entre intenção
do/a autor/a e o resultado da obra (Cauquelin, 2005).

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6. Círculos de reconhecimento

Círculos de reconhecimento

Não posso me gabar de dizer


que tudo que eu consegui
foi com o suor do meu rosto.
Com o suor do rosto dos outros também.
Mino

E mbora não goze do mesmo prestígio, a arte gráfica sequencial é


uma das artes visuais e delas herdou aspectos de sua linguagem63
e, o que nos interessa neste tópico, a mesma estrutura de reconhe-
cimento. Tal como a pintura, a escultura, a fotografia e o cinema,
ela também funciona à base de um sistema de relações recíprocas
de pessoas e instituições que selecionam e consagram artistas/rotei-
ristas e obras. Além do talento, é necessário se inserir com êxito na
rede que cria os/as criadores/as, na boa asserção de Pierre Bourdieu
(2003). Essa homologia estrutural permite, com adequações, des-
locar ao espaço dos quadrinhos a teoria dos círculos de reconheci-
mento de Alan Bowness (1990). Em ‘Condições de sucesso. Como o
artista moderno chega à fama’64, Bowness desenvolveu a imagem de

63. Daniele Barbieri (1991) destaca quatro tipos de relação com outras linguagens artísticas: a
inclusão, pois a história em quadrinhos é uma das espécies narrativas; a geração, ela é filha de
outras linguagens; a convergência, porque tem antepassados (pintura, fotografia etc.) e áreas
expressivas em comum (cinema); e a adequação, pela qual técnicas de outra linguagem são
apropriadas e reelaboradas no contexto da HQ, p. ex., a montagem cinematográfica.
64. ‘The conditions of success. How the modern artist rises to fame’.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 45


quatro círculos concêntricos a fim de explicar a seleção inexorável
pelo mercado. O primeiro círculo é o da comunidade dos/as artistas-
-pares. Marchands e colecionistas privados que negociam e investem
em objetos de arte formam o segundo. O círculo dos/as especialistas
pertence aos/às pesquisadores/as, críticos/as, curadores/as e con-
servadores/as que atuam na academia, nos museus e nas galerias.
Por último, no quarto, há o grande público de consumidores mais
ou menos familiarizados nas artes65. A ‘auctoritas’ (autoridade) de
dizer quem é um/a grande artista e qual obra é destacável dentre
tantas outras aumenta próximo ao centro e diminui ao distanciar-
-se. O tempo de reconhecimento, i.e., o ato de conferir distinção,
é tanto maior quanto for a distância ao centro. Escreve Bowness,
corretamente, que pintores e escultores mortos ignorados são uma
forte evidência em favor dessa teoria. Pois bem, deslocando-a aos
quadrinhos, teríamos então no primeiro círculo os/as desenhistas,
roteiristas, arte-finalistas, coloristas e letristas. O segundo é dos/as
editores/as, agentes de representação, docente-pesquisadores, pro-
fessores/as de quadrinhos, críticos e curadores de museus e even-
tos. O terceiro círculo pertence aos comerciantes de lojas, de sites de
vendas e leilões de páginas originais, e aos colecionadores de gibis
e demais objetos derivados. Públicos leitores de diferentes estratos
sociais formam o quarto círculo.
Observando mais de perto o primeiro círculo, os/as quadrinistas
buscam prestígio, autoridade, e competem pelas melhores chances
de trabalho e publicação. Justamente por serem escassas e desi-
gualmente distribuídas, eles/as coexistem em posições hierárqui-
cas diferentes. O/A quadrinista ‘primus inter pares’ (primeiro entre

65. Nathalie Heinich (2017) observou que a passagem da arte moderna para a arte contem-
porânea inverteu as posições do segundo e terceiro círculos. Especialistas de instituições
públicas intervém mais fortemente na legitimação e na aquisição de obras que comercian-
tes e colecionadores privados. Quanto à mudança no papel do Estado nas artes contempo-
rânea, ler também Chin-Tao Wu (2006).

Capa s Expediente s Sumário s Autor 46


iguais), popularmente chamado de lenda ou mestre, acumula grande
volume de capital de reconhecimento e está no nível de consagração
mais elevado do grupo. Mesmo na indústria, malgrado a busca por
lucratividade limite, mas não impede a capacidade de inovar, dis-
tingue-se dos/as demais pela criatividade e originalidade da obra.
É um/a criador/a de estilos e formas de narrar que modifica a or-
todoxia ou, como herético/a, transgride as regras e testa os limites
da própria linguagem quadrinhográfica e do mercado. Instalando
a anomia, é visto/a como semióforo a ser seguido, um modelo de
quadrinista que escapa aos próprios modelos existentes. O/A qua-
drinista consagrado/a compara-se ao/à grande artista plástico/a
autêntico/a, excêntrico/a, engajado/a, original, ou, numa palavra,
singular. Sabemos que a vanguarda moderna das artes ensinou, e a
pós-moderna levou às últimas consequências, não mais se tratar de
imitar os clássicos, de dominar os cânones acadêmicos, senão inovar
transgredindo limites, mesmo que para isso se aproprie, pirateie,
desloque objeto existente de seu contexto original66. Tal princípio de
transgressão é exatamente o motor a oxigenar a arte em quadrinhos.
Isso se revela nos roteiros atípicos, no uso de outras expressões vi-
suais (fotomontagem, pintura a óleo, aquarelas, fotocolagem, cola-
gens), nas ousadas composições de página (quadriculação, leiaute).
A injunção literária (conto, cordel, diário), a autorrepresentação

66. Nathalie Heinich diz que o regime de singularidade inaugurado pela arte moderna con-
tinua como sistema implícito da arte contemporânea, qual seja, a radicalização da trans-
gressão. Já Nicolas Bourriaud (2009) a caracteriza como arte pós-produção, tomando por
exemplos a mixagem da cultura DJ e os antiestetas, a começar por Marcel Duchamp e Andy
Warhol, que reproduzem/deslocam/reusam objetos pré-fabricados e obras artísticas em
suas próprias criações, dando-lhes novos significados. Heinich lembra que os ‘ready-ma-
des’ de Duchamp expulsaram a mão do artista do processo de execução, reatualizando no
século XX a prática comum na arte clássica de conceber a obra e deixar aos discípulos sua
execução. A Fonte de Duchamp é um mictório pré-fabricado deslocado da condição ordi-
nária e de modo transgressor elevado ao status de obra arte. Brillo Box de Andy Warhol foi
idealizada e executada pelo pintor e designer James Harvey, um trabalhador da sombra
esquecido. A apropriação e produção em série de imagens pela Fábrica de Andy Warhol
transformou a arte em puro comércio de objetos reproduzíveis.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 47


do/a autor/a, a paródia, o deslocamento e a ressignificação de per-
sonagens, o personagem autoconsciente, a manipulação heterodo-
xa dos signos verbal e de contorno das vinhetas e balões são outras
inovações igualmente exaltadas que revigoraram globalmente os
quadrinhos, muito embora, às vezes, caia-se num conceitualismo ou
experimentalismo radical com excessos de jogos de metalinguagem
(Barbieri, 1991) e pouca mostração de história (McCloud, 2005).
Investidos/as dessa autoridade são os/as primeiros/as consulta-
dos/as pelos/as aspirantes à profissão. A relação se caracteriza pela
assimetria de poder. Qual poder? O de sancionar novos talentos e
admoestar os não prontos. Isso foi exemplarmente narrado por Da-
niel Brandão na HQ do seu encontro com Neal Adams no estúdio
Continuity em Nova York. Na consultoria Adams questionou-o: “Eu
não minto para artistas. Você está preparado para o que vou dizer?ˮ,
aconselhando-o em seguida a aprofundar os estudos antes de buscar
o mercado internacional67. Situação similar foi registrada por Sean
Howe quando Adams sugeriu ao então novato Frank Miller que vol-
tasse para Vermont. A relação de Ziraldo, Jaguar e Millôr Fernan-
des com o então jovem cartunista Mino, explorada alhures68, ajudou
a projetá-lo nacionalmente e oferece outra perspectiva da relação
mestre/aspirante, qual seja, a cooperação ao invés da competição
profissional. A aprovação por nomes de peso não é o único percurso
possível de reconhecimento, mas, efetivamente, tê-la é tanto mais
relevante e determinante quanto o grau de profissionalização a que
se deseja alcançar.
Ao transitarem do primeiro para o segundo círculo, o/a quadri-
nista acumula a função de proprietário/a de estúdio e professor/a de

67. Daniel Brandão (2016) quadrinizou o encontro com Neal Adams no seu ‘Artbook 2016’,
páginas 11-14. Com Geraldo Borges e JJ Marreiro, criou a revista MANICOMICS, que teve
36 edições e ganhou três prêmios HQ Mix. O encontro de Frank Miller com Adams e outras
situações são relatadas por Sean Howe (2013).
68. Para saber mais da amizade e colaboração profissional de Mino e Ziraldo, remeto-me
novamente ao meu livro, capítulo 3.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 48


desenho, investindo na transferência de competência aos/às discípu-
los/as e no agenciamento de carreiras. Alguns são convidados/as a
comandar a linha de produção de uma editora. Também caracteriza
o multifacetado segundo círculo o que Luc Boltansky, num dos pri-
meiros artigos de sociologia dos quadrinhos, chamou de transferência
de legitimidade do corpo especializado de professores, pesquisadores,
críticos de mídias e curadores para a Nona Arte. A intelectualidade
europeia e o interesse pelo movimento ‘underground’ foram decisivos
na legitimação como objeto de pesquisa e arte (Vergueiro, 2017). A
universidade foi e é a principal responsável por modificar a percepção
e o status dos quadrinhos69. A publicação de teses, artigos, e a cria-
ção de componentes curriculares e grupos de pesquisa contribuíram
para o reconhecimento da linguagem como arte, documento histó-
rico, material de pesquisa e área de investigação interdisciplinar. O
empréstimo do vocabulário teórico-metodológico endossou os qua-
drinhos como legítimo objeto de estudo em diferentes áreas do saber:
da semiologia à teoria das artes, história, ciências sociais, filosofia e
psicanálise. A legitimação acadêmica alcançou tal grau de aderência
que a linguagem quadrinística é forma de exposição dos resultados de
pesquisas originais em graduações, pós-graduações e material didáti-
co complementar em escolas mundo afora. Quadrinistas são coloca-
dos/as em pé de igualdade com pintores e escritores consagrados/as,
ainda que isso possa causar surpresa.

69. Não obstante, teóricos das Ciências Sociais deram sua parcela de animosidade à arte em
quadrinhos. Diz Theodor Adorno (2020, p. 166) que a ação em retalhos das tirinhas cômi-
cas, “Parte do pressuposto de que os consumidores são fracos de memória: não confia que
alguém seja capaz de lembrar de algo ou que possa se concentrar em qualquer coisa que vá
além do que lhe é oferecido neste exato instante”. Wright Mills publicou uma resenha po-
sitiva do livro Sedução dos Inocentes e enviou carta a Fredric Wertham desejando-lhe “boa
sorteˮ no combate aos quadrinhos (Sabin, 1993). Pierre Bourdieu (2004, p. 69) anotou:
“Quando eu digo que a história em quadrinho é um gênero inferior, pode-se compreender
que é isso que penso. Portanto é preciso que eu diga ao mesmo tempo que é assim, mas que
não sou só eu que penso assim. Meus textos estão repletos de indicações destinadas a fazer
com que o leitor não possa deformar, não possa simplificar”.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 49


Jornalistas, blogueiros, ‘youtuberes’ e escritores independentes
atuam na esfera da produção e circulação de notícia, informação e
propaganda. Diferentemente dos acadêmicos, comunicam-se rapi-
damente com um grande público anônimo e onívoro por tudo relacio-
nado à arte gráfica sequencial, dispostos a corroborar comentários e
avaliações sobre autores/as e revistas. As flagrantes fabricações pu-
blicitárias são parte do ‘métier’ e mostram quão frágil é a fronteira a
separar a crítica da adulação às editoras. O aumento da comunidade
de comentaristas nas plataformas produtoras de audiência (Youtu-
ber, Twitter, Instagram, TikTok) não está acompanhado pelos sabe-
res interdisciplinares indispensáveis à passagem da familiaridade à
crítica de quadrinhos. A rigor não deveríamos falar de crítica, mas
sim de propaganda. Mesmo quando se propõem a fazer crítica, apre-
sentam-se, tal qual o público em geral, como um/a examinador/a
distraído/a. O trabalho de crítica, seguindo a pista de Walter Ben-
jamin, é de acabamento, complementação e sistematização da obra,
e não o julgamento opinioso e propaganda70. Simbolicamente ele/
ela seria um/a autor/a ampliado/a, semicriador/a que reflete e in-
fluencia o significado da própria obra e a interpretação feita pelo/a
leitor/a. São considerações importantes aos/às que pretendem fazer
da crítica profissão. Ela exige compreender as condições sociais de
produção da HQ (crítica externa), pô-la em perspectiva com outras
publicações, e analisar como os elementos narrativos — desenhos,
roteiro, quadriculação, composição do leiaute e entrelaçamento das
vinhetas ou quadros, arte-final, cores e letreiramento — funcionam
para contar a história (crítica interna)71. Em suma, o crítico não de-
veria fazer concessões, resistindo aos jogos do mercado/editoras.

70. A função do crítico e a recepção distraída do público são pensadas em Benjamin (2011;
2017).
71. Sobre a análise crítica interna e externa, ler mais à frente o rodapé 87.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 50


Ainda no terceiro círculo, museus como o de Bruxelas, Angoulê-
me, Califórnia (Comic-Con Museum), os centros de documentação
(Piracicaba) e tantas outras instituições espalhadas em universida-
des e gibitecas pelo mundo são espaços de conservação, exibição e
consagração que fortalecem as propriedades e as qualidades artís-
ticas dos quadrinhos. O/A curador/a é a figura que seleciona, or-
ganiza e mantém as coleções de páginas, os roteiros e os artefatos
derivados considerados dignos de serem conservados, e que define
quais quadrinistas e obras serão exaltados na forma de história em
exposições permanentes e temporárias. No mercado de eventos, o/a
curador/a cumpre função diferente. Planejando e organizando as
convenções, os festivais e os salões — Lucca Comics & Games, Fes-
tival Internacional de Quadrinhos, Luanda Cartoon, Amadora BD,
Angoulême, Comic-Con International: San Diego, CCXP, Comic Art
Festivals, Hangzhou, Japan Media Arts Festival Awards etc., é o/a
responsável por reunir a um só tempo, em fugaz templo de exalta-
ção, festa e negócios, os quatro círculos de admiradores.
Por último, o público, ou melhor, os públicos leitores de diferen-
tes classes, gêneros, etnias e cor, compõem uma tribo moderna cujo
totem, a HQ, é um fetiche que enfeitiça, apaixona. O/A leitor/a é
o/a destinatário/a final e o/a responsável pelo sucesso comercial da
tiragem. Cair rapidamente no gosto determina a continuidade ou
não da HQ. Para isso é necessário acelerar o tempo de reconheci-
mento por meio da rede. A estratégia de promoção inclui, dentre
outras, apresentar nomes de peso na capa, comentários na contra-
capa assinados por grandes artistas e críticos/as e o ‘merchandising’
via ‘youtuberes’ e blogueiros. O efeito do discurso pode ser tão eficaz
que de saída uma revista já pode estar alçada à condição de clássico
ou edição histórica indispensável ao/à colecionador/a. A Internet
é um fator decisivo no reconhecimento e estreitamento da relação
leitor-quadrinista. Se antes as emblemáticas cartas e telefonemas

Capa s Expediente s Sumário s Autor 51


foram os únicos meios de contato, a comunicação eletrônica pos-
sibilita a rápida recepção e ‘feedback’ da obra. As curtidas são um
modo quase automático de aprovar ou reprovar performances. O/A
leitor/a conectado/a acompanha, elogia e faz críticas, nem sempre
amigáveis, quando o roteiro e os desenhos frustram a expectativa.
Numa era digital que faculta voz a todos e cada um se crê polímata,
saber diferenciar a apreciação pertinente da irrelevante requer sen-
sibilidade do/a quadrinista. “É claro que eu não vou prestar atenção
em todo mundo. Senão eu ia tá desenhando com sombra num dia,
sem sombra no outro, com referência fotográfica num dia, no ou-
tro sem”. Quando o ‘feedback’ é pertinente, continua Mike Deodato,
acende o alerta: “Eu sigo o que eu gosto, eu desenho para mim. Ago-
ra se um monte de gente diz a mesma coisa, ‘Ah, tá muito duro! Ah,
tá muito preto!’, é um sinal para eu prestar mais atenção”. Ou seja,
a linha que separa o/a leitor/a e o/a quadrinista, o/a consumidor/a
do/a trabalhador/a criativo/a nunca foi tão borrada. Portanto, o/a
leitor/a ideal-típico é engajado/a. Faz zines e ‘fanfictions’ que home-
nageiam, apropriam-se de personagens e reescrevem a história ori-
ginal. Em situações extremas, insulta e ameaça quando o persona-
gem favorito é sacrificado/cancelado. O/A fã apaixonado/a também
encena identidades com ‘cosplays’, comprometendo-se de tal modo
com um personagem que o reivindica simbolicamente, investindo
tempo e dinheiro na representação desse outro.
Os quatro círculos formam uma rede de mediações com objetivo
de promover autores/as e obras. Tão importante quanto a criativida-
de e a originalidade é a disposição de pessoas e instituições de nota-
bilizar e valorizá-los simbólica e economicamente. Deste modo, seja
‘mainstream’ ou independente, quanto mais intenso for o trabalho
de exaltação do nome, tanto maior será o mais-valor simbólico ou o
lucro simbólico extraído e, consequentemente, o valor de mercado
obtido pelo quadrinho-mercadoria. Isso quer dizer que o peso do/a

Capa s Expediente s Sumário s Autor 52


quadrinista pode alavancar as vendas. Um nome consagrado fun-
ciona como espécie de marca de qualidade às vezes mais importante
para o/a leitor/a e colecionador/a que o conteúdo da HQ. Necessá-
rio dizer que a rede acaba por legitimar as desigualdades baseadas
na capacidade de ter ou não condições de mobilizá-la. Quem tem
os meios para isso sai na frente. Em tempos de sistema superestre-
las, a tendência é aumentar a distância entre consagrados/as e os/as
demais quadrinistas, muitos deles/as artistas não creditados/as ou
trabalhadores/as da sombra.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 53


7. Divisão do trabalho

Divisão do trabalho quadrinístico

Já trabalhei com oito pessoas


de países diferentes.
Dijjo Lima

A rtistas e roteiristas transformam imaginação em HQs. Tal alqui-


mia é possível por quais processos de trabalho? Pelo trabalho
criativo solo e coletivo. Ver-se-á noutra seção que a aparente obvie-
dade da obra quadrinística resultar das capacidades e habilidades
de uma ou várias pessoas tem implicações subjetivas no que toca à
autoria que são surpreendentemente ignoradas. Até lá, observemos
o trabalho solo evocando por ilustração os nomes de Charles Schulz
e Robert Crumb. Embora criticados pela mercantilização dos perso-
nagens e misoginia, são tipos ideais de artista empresário e marginal
que influenciaram gerações72. O papa da vanguarda ‘underground’
contribuiu para assentar as bases do modo de produção indepen-
dente. Investido do espírito ‘faça você mesmo’, Crumb ajudou a

72. Com a palavra, Quino: “Recuerdo que yo compré Peanuts (que en esa época venía directo
de Estados Unidos) y me di cuenta de que Schulz había producido un cambio muy grande
dentro de la historieta, porque hasta ese momento, todos los personajes tenían una sola ca-
racterística. En Argentina estaba Avivato, que en todas las tiras hacía una avivada, Falluteliy
otros así y en las historietas norteamericanas pasaba lo mismo. Pero este tipo Schulz trajo
personajes antipáticos, simpáticos, buenos, malos, envidiosos y eso fue una revolución. Yo
tomé bastante de él, pero como no soy norteamericano, hice una adaptación muy argentina
de la cosa”. Disponível em: https://www.quino.com.ar/entrevistas. Acesso em: 13 set. 2022.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 54


revolucionar os quadrinhos ao realizar todas as etapas de sua Zap
Comix Nº 2: do roteiro, desenho e impressão litográfica offset, ao
grampeamento das páginas, à distribuição e venda em ‘head shops’
e esquinas73. Já o cartunista-empresário Schulz orgulhava-se de ter
desenhado, escrito e finalizado todas as 17.897 tiras de Peanuts sem
assistentes, ainda que Jim Sasseville fosse o arte-finalista de It’s Only
a Game (1959) e ‘ghost’ em 29 delas, volume que representa ínfima
parte do conjunto da obra. Mesmo vivendo em esferas de produção
diferentes, ambos têm em comum o controle das tarefas necessárias
à concepção, realização e publicação da HQ.
Noutro extremo, trabalhar coletivamente implica dividir tarefas,
tema relevante à sociologia das profissões artísticas e que demanda
um breve comentário crítico ao seu principal teórico. Howard Bec-
ker (2010 [1982]) foi dos primeiros a destacar o regime de coopera-
ção no mundo das artes. Ele chama de divisão do trabalho amplo o
conjunto das atividades que concorrem para a realização da obra e
promoção do/a artista. Tomando um pintor como exemplo genéri-
co, escreve que as pessoas e empresas que fabricaram os pinceis, as
tintas e as telas, o/a emoldurador/a da obra, a transportadora, o/a
curador/a da exposição, o/a especialista que escreve a crítica são
tão importantes quanto o/a próprio/a artista. Em tópico anterior,
chamamos de rede de mediadores a divisão do trabalho amplo de
Becker. O problema dessa proposição é a indiferenciação entre tare-
fas secundárias e trabalho criativo. Entendemos que as artes são um
tipo peculiar de trabalho criador que dá forma e estilo a algo novo. A
obra, seja uma HQ, pintura, fotografia, é a objetivação da subjetivi-
dade do/a artista e existe concreta e simbolicamente para além de-

73. Um exemplo de trabalho criativo solo é o paulistano Marcatti. O criador de Frauzio


agarrou pela raiz o legado ‘underground’ e executa sozinho as tarefas, de fio a pavio, inclu-
sive a impressão. Troquei algumas palavras remotamente com ele, até agendamos o dia da
entrevista, mas não foi possível realizá-la.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 55


le/a (Vázquez, 1978)74. Sumariamente, o trabalho criativo nas artes
coloca em movimento processos cognitivos complexos iniciados na
fase preparatória ou de incubação, na qual se acumulam materiais,
habilidades e experiências pessoais; seguida pela fase intuitiva, em
que o/a criador/a tateia, combina e experimenta materiais e ideias
em busca de algo esteticamente significativo; até o instante ou ‘in-
sight’ pelo qual o pensamento visualiza o que se buscava, pondo-se
a materializar a obra (Vigouroux apud Couchot, 2018; Ostrower,
2001). Refletindo estritamente a arte em quadrinhos, ao longo das
fases criativas acima expostas, a rede ou divisão do trabalho amplo
é ociosa. O gibi impresso desleixadamente compromete a definição
dos desenhos e das cores, mas em nada afeta o trabalho criativo an-
tes realizado no papel/mesa digitalizadora. A reprodução gráfica,
a distribuição, a venda e a valorização simbólica e econômica por
‘youtuberes’, jornalistas etc. são importantes ações para o sucesso
da HQ, porém não pertencem ao ato criativo simplesmente por se-
rem tarefas de qualidades distintas às realizadas pelos/as quadrinis-
tas. Há de se buscar equilíbrio entre o talento artístico e a rede.
Dividir tarefas criativas é um mecanismo largamente usado tanto
na produção independente quanto na indústria. Evoluiu da forma
mais elementar de interdependência criativa — desenhista-roteiris-
ta — para a mais complexa, incorporando o/a arte-finalista, colo-
rista, letrista. É essa reciprocidade das forças de trabalho criativo
que torna possível produzir a HQ. O trabalho de um/a é condição
para o trabalho de todos/as. Ontologicamente, a HQ feita por várias
mãos é trabalho social, i.e., é totalidade maior que a soma dos tra-
balhos criativos isolados. A produção independente pode prescindir
da divisão de tarefas. A indústria, na maioria das vezes, a exige para

74. Arte e trabalho estão conectados por sua natureza criadora comum. Ambos manifestam
o poder inventivo do ser humano, sendo qualquer separação tão artificial quanto a manual
e intelectual.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 56


ganhos de produtividade. Múltiplas linhas de produção diminuem o
tempo de criação, ampliam a oferta e aumentam os lucros. Da con-
tratação da mão de obra à produção, distribuição e consumo, o/a
editor/a controla tudo via rede telemática. Mantém ‘on-line’ o fluxo
comunicativo com os artistas e os roteiristas, coordenando, armaze-
nando, transmitindo e recebendo ‘feedbacks’ direto deles/as ou por
meio das agências/estúdios que também as usufruem para recrutá-
-los/as e acompanhar o desempenho em tempo real. Mais que em
qualquer outro período, a mão de obra é internacionalizada e cada
unidade produtiva conecta profissionais de diferentes países em re-
gime de ‘home office’.
O tempo da produção constitui-se dos diferentes tempos do traba-
lho criativo, variando conforme a especialidade, mas sempre no limite
do prazo fixado em contrato. Em geral, com o roteiro em mãos, o/a
desenhista no ‘mainstream’ estadunidense e japonês faz, respectiva-
mente, vinte páginas mais uma capa por mês e vinte páginas sema-
nais. No mercado europeu, tomando por base a Sergio Bonelli Edito-
re, o ritmo pode chegar a vinte cinco páginas mensais75. Em condições
normais, o/a colorista dedica catorze dias e o/a letrista de três dias
até um mês quando é necessário apagar o texto do arquivo e recons-
truir as fontes originais. Em Do Inferno (Veneta), de Alan Moore e
Eddie Campbell, elas mudam quase imperceptivelmente pelos capí-
tulos, exigindo de Lilian Mitsunaga a reconstrução de seis tipos de
fonte. Para a premiada Asterios Polyp (Companhia das Letras), ela
fez quinze a partir da caligrafia de David Mazzucchelli. “Um dos mais

75. Fabio Civitelli comentou em entrevista a Giuseppe Pollicelli (2010, p. 20) que o ritmo
de trabalho na Sergio Bonelli Editore era espantoso. “Para Mister No eu havia chegado a
fazer até trinta páginas por mês, e claramente eu não podia dedicar a mesma página todos
os cuidados que gostaria: também com Tex eu havia começado com vinte e cinco páginas
mensais e me foi possível dedicar mais atenção a ele só no momento em que os prazos de
entrega começaram a se alongar.” Aurelio Galleppini desenhou cento e dez páginas men-
sais antes de engajar novos artistas por problemas de saúde (Bonelli, 2018).

Capa s Expediente s Sumário s Autor 57


trabalhosos que eu fiz até hoje. Cada personagem tinha uma fonte di-
ferente, falava de um jeito diferente. [...] Quem vê o produto final não
visualiza o trabalho que deu para chegar à versão impressa.”
A cooperação criativa proporcionou algumas das mais belas his-
tórias em quadrinhos. Não obstante, é corriqueiro valorizar-se mais
um ofício que outro. “Antigamente só colocavam o nome do dese-
nhista e do escritor. Há pouco tempo é que começaram a registrar o
nome do colorista. O colorista não existia!”. Dijjo Lima está correto.
Em passado recente, as revistas circulavam sem creditar o/a arte-
-finalista ou o/a colorista ou o/a letrista, quando não, registravam-
-se somente os nomes do/a desenhista e roteirista. Frequentemente
anotava-se o estúdio prestador de serviço e não o/a artista. Sobre a
hierarquização dos ofícios, há um caso que consideramos exemplar.
Trata-se de um crédito n’A Sensacional Mulher-Hulk de 1993, em
edição na qual John Byrne convida colegas. Numa das participações,
lê-se o seguinte: “Howard Mackie: Arte/Roteiro. Quem se importa
com o resto?!”76. Poderíamos pensar que o gracejo está em cadência
com o espírito irreverente da época, mas não é o caso77. Verboso ou
sincero, Mackie expôs a escala oculta de desvalorização da arte-final,
cor e letras. Hoje o expediente editorial traz a maioria dos/as cola-
boradores/as, inclusive tradutores/as, e as reimpressões finalmente
dão a devida importância àqueles/as invisibilizados/as no passado.
A capa da recente reedição da fase icônica do Demolidor traz o nome
do arte-finalista Klaus Janson em destaque. Sem ele Frank Miller
não alcançaria o visual expressionista-narrativo que o consagrou.

76. A edição O Novo Incrível Hulk, nº 140, página 67, da Editora Abril, é de 1995. Foi
reimpressa pela Panini em Mulher-Hulk por John Byrne: omnibus (2022). A tradução do
crédito da página 712 ficou: “Quem liga pro resto?!
77. No gênero super-heróis, A Sensacional Mulher-Hulk (John Byrne) e Liga da Justiça
Internacional (J. M. DeMatteis, Keith Giffen e Kevin Maguire) são exemplos do uso do
humor — o herói em situações esdrúxulas — e de transgressão da linguagem — autorre-
presentação do quadrinista, personagem autoconsciente, personagem dirigindo-se ao/à
autor/a e ao/à leitor/a.

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Na introdução do volume 1, Miller reconheceu o débito dizendo que
Janson melhorou seu traço em muitas cenas ao ponto de desenvol-
ver harmonia criativa quase telepática. Certamente que a mentali-
dade simplória acerca do ofício de finalista continua bloqueando sua
valorização. Desfazer a imagem da pessoa que cobre o traço do/a
desenhista é o primeiro ato de Rob Lean na reeducação dos/as ini-
ciantes. “Arte-final requer o mesmo conhecimento que o desenhista
tem de luz e sombra, textura, perspectiva. Ele pode melhorar o traço
do artista ou fazer uma cagada grande”.

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8. Trabalhadores/as da sombra

Trabalhadores/as da sombra

Era bom porque pagava bem,


mas você fica muito apagado.
Netho Diaz
(Sobre a experiência de ‘ghost’)

D issemos que a maioria do pessoal de criação é creditada porque


parte permanece oculta do público e mesmo dos/as editores/as.
Biografias e autobiografias têm lançado luz sobre os/as assistentes
por trás das HQs clássicas. Hal Foster desenhava e escrevia sozinho
Príncipe Valente, mas com a demanda crescente, seu filho, Arthur
James Foster, Wayne Boring e Hugh Donnel faziam o fundo das ce-
nas, as cores; depois da artrite, Foster cuidava do roteiro e leiaute,
encarregando John C. Murphy do ‘ghost’ de desenho (Kane, 2016).
Com o sucesso de Tintim no País dos Sovietes, Hergé conseguiu que
o jornal lhe pagasse dois assistentes, o pintor Eugène Van Nyver-
seel e o cartunista Paul Jamin (Lye, 2020). Em seu estúdio, Will
Eisner contava com o sofisticado letreiramento de Abe Kanegson,
os cenários urbanos de Jerry Grandenetti, a revisão dos fundos por
Robert Pizzo, a elaboração e o auxílio no roteiro de Jules Feiffer e
Cat Yronwode (Schumacher, 2013). Até finalizar os mangás, Osamu
Tezuka varava noites enlatado (trancado) com editores no estúdio
Tokiwa-so. Para dar conta de oito séries simultâneas, inventou um

Capa s Expediente s Sumário s Autor 60


método de divisão do trabalho que consistia em escrever e desenhar
uma história enquanto ditava os balões de fala, o leiaute e o fundo
das cenas de outra aos assistentes Reiji Matsumoto, Yutaka, Satoshi
Inoue e Kenichiro Takai. Para acelerar a produção, Tezuka elaborou
legendas que indicavam os efeitos básicos (linhas, diagonais, pon-
tilhados) a serem usados e uma tabela do uso de cores. No início
da carreira, os editores apagavam os esboços a lápis e desenhavam
as linhas das vinhetas. Em situação anedótica, durante plantão mé-
dico, as enfermeiras o socorreram para cumprir o prazo de entre-
ga (Ban, 2004). Desde os anos setenta, a assinatura de Maurício de
Sousa figurou exclusiva e só recentemente os nomes dos/as artistas
e roteiristas começaram a ser registrados no expediente e na primei-
ra página. Se continuássemos, a lista de trabalhadores/as da sombra
seria extensíssima.
O termo de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (2015) é excelente
para nomear as diferentes modalidades de assistente78. Tomando-o
de empréstimo, ele define quem participa do processo criativo e não
é creditado/a. Os tipos mais comuns são o/a assistente de plano de
fundo, o/a ‘ghost’ de desenho/cores e o/a ‘flatter’ de cores. A fun-
ção do ‘ghost’ é mimetizar o estilo de desenho e a paleta de cores
do/a artista principal. Apesar de não ter visibilidade, a remunera-
ção por página cheia, a possibilidade de crescimento profissional e
o aprendizado com um veterano são pontos positivos destacados.
Netho Diaz lembra o quão esteticamente importante foi a experiên-
cia de fantasma com Paulo Siqueira em Titãs e Air-force: “Até hoje
o desenho dele influencia muito o meu. Melhorei o meu trabalho de
anatomia. Eu evoluí muito”. No caso do/a colorista, além de pagar
um/a ‘ghost’, contrata-se um/a ‘flatter’ que é responsável pelas in-

78. Os autores usam o termo para designar o pessoal em atividades secundárias de produ-
ção e que passam despercebido pelo público. Portanto, assemelha-se à divisão ampla do
trabalho de Howard Becker. Emprego-os no texto em sentido diferente.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 61


formações cromáticas básicas ou cores chapadas. O nível a que che-
gou as ferramentas digitais transformou a paleta cromática numa
infinidade e o trabalho ainda mais complexo. É comum justificar sua
contratação dizendo que a separação de cores consome muito tem-
po. Repassá-la ao/à ‘flatter’ permite que o/a colorista principal se
dedique à textura, aos tons e subtons, à iluminação, ao volume e aos
efeitos visuais.
Sabe-se de antemão que trabalhar como assistente de fundo,
‘ghost’ e ‘flatter’ é não ser creditado/a. Mas em que momento é-se
omisso no reconhecimento? Parece-nos imperativo refletir etica-
mente e rever a prática intencional ou não intencional de invisibi-
lização. Do contrário, HQs em verdade coletivas continuarão a ser
publicadas como se fossem trabalho de único/a autor/a. Um bom
exemplo de boa prática, mesmo não tendo caído no gosto deste pes-
quisador, é Boa Noite Punpun (JBC), que registra todos/as os/as
colaboradores/as do mangaká Inio Asano.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 62


9. Edição como trabalho criativo

Edição como trabalho criativo

Essa frase é totalmente verdadeira.


Cassius Medauar

O /A editor/a ou diretor/a ou gerente de conteúdo, arte, criação é a


figura menos óbvia do processo criativo. A depender do tamanho
da empresa, pode haver uma dezena deles/as a controlar várias re-
vistas, cada um/a com os/as respectivos/as editores/as assistentes.
Parágrafos atrás dissemos que ele/ela comanda a produção, a dis-
tribuição, a venda, e interage ‘on-line’ com prestadores de serviços e
fornecedores associados contratualmente com o objetivo de execu-
tar o projeto79. Além disso, o/a editor/a cumpre a função de crítico
interno da editora em comparação com o trabalho do crítico exter-
no especializado. Idealmente editar implica discutir o argumento e
o roteiro com o/a autor/a, direcionar a trama para o público-alvo,
examinar os desenhos, a finalização, a colorização e o letreiramen-
to80. A não ser o letreiramento, todas são etapas do processo criativo

79. A reestruturação produtiva converteu a grande empresa em empresa flexível, espacial-


mente deslocalizada, integrada em rede ou virtual, que atende as demandas dos nichos de
mercado no ‘just-in-time’, com estoques mínimos e controle sobre a fabricação, distribui-
ção e consumo via redes telemáticas internas e externas (Harvey, 1992).
80. Cf. GUSMAN, Sidney. A diferença entre editor e editor. 19 ago. 2009. Disponível em:
https://universohq.com/beco-das-hqs/a-diferenca-entre-editor-e-editor/. Acesso em: 1
jan. 2021. É tarefa do/a editor/a estimular a competição interna e controlar a entrada de
mão de obra na indústria. Atividades eclipsadas na análise da função editor.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 63


impossíveis de serem acompanhadas quando o material é estrangei-
ro. “Sim, você não mexe no roteiro, desenhos etc. Mas se a tradução
está boa depende muito do editor. Se as letras ficaram boas, como
vai ficar aquela edição, como ela vai ser feita. Tudo isso importa cada
vez mais no mercado brasileiro”, argumenta o jornalista e editor da
Conrad, Cassius Medauar81. A função editor também demanda sen-
so estético da qualidade do roteiro e das artes que se quer licenciar.
O sucesso da tiragem de uma HQ internacional começa com a lei-
tura atenta dos catálogos e das amostras em PDF disponibilizados
pelas editoras. De outro modo ocorre com o projeto independente
nacional que permite interagir criativamente com o/a quadrinista.
“Em geral não sou um editor que mexo demais. Só coisas realmente
necessárias. Algo que não esteja funcionando. ‘Olha, isso aqui não
fez sentido. Essa grade de página não ficou boa’”. Às vezes, suge-
re adequação ao formato mais econômico de impressão. “Quando a
gente vai republicar HQs que já saíram independentes, você percebe
que os autores não têm ideia de que as gráficas têm alguns formatos
pré-definidos que você gasta menos papel. Se você faz num formato
maluco, você tem um gasto maior e fica muito mais caro.”
O/A editor/a tem no/a representante de carreira um/a importan-
te interlocutor/a. Veteranos/as optam por dedicar mais tempo à for-
mação e ao agenciamento. É responsabilidade do/a agente recrutar
talentos, captar projetos e acompanhar o processo de criação com
o/a editor/a. A agência funciona como intermediário de mão de obra
das editoras, remunerada com um percentual sobre o valor do con-
trato assinado pelo/a artista. À frente da ArtistGO!, Geraldo Borges
avalia em média dez artistas por mês. “Nosso trabalho é divulgar o

81. SOUZA, Cassius Vinicio Medauar de. (Cassius Medauar). Entrevista (via Google
Meet) concedida ao autor. São Paulo/Fortaleza, 18 ago. 2022. Ao lançar em 2000 Dragon
Ball e Cavaleiros do Zodíaco, a Conrad Editora se tornou pioneira na publicação de man-
gás no sentido oriental de leitura, com miolo em P&B e as onomatopeias originais.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 64


portfólio com cada um dos editores do mercado [norte] americano,
do mercado brasileiro, internacional. Se a gente não tem um bom
material para apresentar nada acontece.” No processo de seleção,
dois/duas ou mais candidatos/as podem casar com a história. Netho
Diaz fez menção a um teste na Rascunho Studio para escolha do/a
desenhista. “‘Olha, o cliente quer ver um desenho assim’. Aí os artis-
tas fizeram do jeito que o cliente pediu e ele gostou mais do meu”. O
certame é acirrado e a concorrência é global. “Muitas vezes a gente tá
competindo com o mundo todo para conseguir um trabalho”, expli-
ca Dijjo. Disputar vaga deixa de ser praxe conquistando a confiança
do/a editor/a. “Ele[a] não quer arriscar trabalhar com alguém que
não conhece, mesmo que o artista não seja tão bom quanto alguém
novo. Eles[as] gostam do que é certo. Não tem tempo. Se atrasar
alguma coisa, o prejuízo é grande”. Noutra relação de trabalho, um
quadrinista exclusivo como Deodato interage diretamente com o/a
editor/a, sem mediações, e tem oportunidade de escolher persona-
gens da primeira prateleira e arcos especiais. Ou então é requisitado
pessoalmente pelo roteirista: “O Brian [Michael] Bendis tem muita
força lá [Marvel] e sempre que podia me pedia para desenhar”. Dar
preferência por este/a ou aquele/a artista continua em relação ao/à
finalista e ao/à colorista mais afeito/a ao estilo do/a desenhista.
A interferência editorial é das principais queixas de trabalhar
nas ‘majors’. Seria ocioso citar os casos de censura editorial, cortes,
redesenho de vinhetas e traições de tradução. Preferível destacar a
colaboração criativa em vista à melhor performance escrita e artís-
tica. Conta Dijjo que, finalizada três, quatro páginas de cores, arqui-
va-as no drive da empresa e aguarda o ‘feedback’ que pode ser “‘É
isso mesmo o que eu quero!’” ou “‘Eu preciso que você altere isso
aqui porque a pele dela não tá legal. Era para ser mais escura, tá
muito branca. Vamos dar uma tonificação melhor no fundo’”. Feitas
as correções, reenvia em minutos para todos/as do projeto verem o

Capa s Expediente s Sumário s Autor 65


resultado. “Eles aprovando coloco na pastinha do NFTP de novo”.
A experiência profissional é aspecto relevante na intensidade da edi-
ção. A longevidade no mercado, a qualidade do serviço prestado e o
cumprimento dos prazos garantem relativa autonomia criativa. Por
isso, fala Deodato, sofre pouca ou nenhuma interferência. “É como
Axel Alonso diz. Ele gosta de ajudar os escritores que vêm de ou-
tras áreas como a Christa Faust, que fazia livros. Mas os experientes
como Straczynski, ele sai da frente, não vai ficar dando pitaco no
roteiro. O máximo que ele faz é perguntas”82. Alcançou um nível de
confiança que lhe permite enviar páginas prontas sem apresentar
leiaute. “Muito raramente tem alguma coisa que não funciona. Na
morte de Thanos, eu escolhi um ângulo que não ficou muito bom,
aí o editor, ‘Oh, não dá para entender muito aqui!’. Tem razão! Vou
lá, mudo, pronto, acabou. Para melhorar meu desenho, tranquilo.”
Uma linha de espuma separa instigar a melhor performance da
ingerência criativa. Refazer as artes por preciosismo editorial custa
tempo, energia e gera desconforto. Haverá sempre um detalhe no
traço, nas cores, nas letras e no roteiro a ser refinado, mas que é
insignificante no resultado final. Solicitar mudanças intempestivas
denota inexperiência editorial. A caracterização gráfica do persona-
gem, p. ex., é pré-definida — cores, aspecto físico, vestimenta etc., e
não deveria mudar terminada a arte. Para tais modificações, existe a
etapa de exploração e definição gráfica do personagem, do ‘rafe’ de
cores. Resulta disso se evitar clientes, editores/as, que inadvertida-
mente requerem do/a quadrinista sobre-trabalho criativo.

82. Joseph Michael Straczynski e Christa Faust iniciaram noutras mídias: ele é roteirista
de TV/Cinema (He-Man, She-Ra, Babylon 5, Guerra Mundial Z), ela, escritora de ficção
policial (Money Shot). Deodato trabalhou com Straczynski em O Espetacular Homem-A-
ranha, A Resistência (volume 1), e com Christa em Bad Mother e Redenção. Alex Alonso é
fundador e diretor de criação da AWA e foi editor-chefe da Marvel Comics.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 66


10. Quem é o/a autor/a?

Quem é o/a autor/a?

Se você passar o mesmo roteiro


para dois desenhistas diferentes,
você vai ter dois resultados bem diferentes,
e consequentemente uma obra diferente.
Geraldo Borges

D ireitos do autor é dispositivo jurídico cada vez mais imprescindí-


vel em uma economia multi-industrial como a dos quadrinhos.
Garantem remuneração por ‘royalties’ e licenciamentos que, no lon-
go prazo, podem ser a diferença entre envelhecer dignamente ou na
escassez. Vale a pena neste tópico fazer uma incursão histórica sobre
o tema. Nem sempre teve importância identificar o nome por trás da
obra de arte. O anonimato constituía praxe na baixa Idade Média e
o que chamamos de artista era pouco mais que um artesão especia-
lizado numa das sete artes mecânicas. A pintura valia o preço dos
materiais usados, o número de figuras representadas e o tempo de
execução. Para a igreja, a arte não revelava o poder criativo humano
e sim o poder divino. As imagens eram o livro dos iletrados com a
única função de ilustrar as verdades da fé. É com o Renascimento
italiano a invenção da figura do/a artista como criador autônomo,
diferenciando-o do simples artesão habilidoso. A palavra criar co-
meça a perder o sentido religioso e passou a designar a pessoa que

Capa s Expediente s Sumário s Autor 67


faz uma obra original, nunca antes vista. Alguns seriam elevados a
gênio, ser de inteligência e talento incomuns, não obstante ainda
considerassem tais capacidades um dom divino. Somente no perío-
do romântico, o/a artista se torna a encarnação da potência huma-
na. Daí o fetiche do nome do mestre, para evocar aqui Walter Ben-
jamin, a identificação ou a redução da obra ao artista. Patronos/as e
clientes desejavam serem retratados por ele como sinal de prestígio
social mais que de riqueza.
Na cultura impressa, o anonimato deixou de ser prática por defe-
rência aos/às escritores/as e para fins de censura criminal, de con-
trole do plágio e da pirataria83. A noção de propriedade literária-inte-
lectual teve a primeira lei redigida na Inglaterra, a qual permitia ao/à
próprio/a autor/a registrar a obra e aos livreiros-editores, explorá-la
comercialmente por catorze anos. É curioso que o antepassado jurídi-
co do moderno direito autoral tenha envolvido diretamente um velho
conhecido dos pesquisadores: William Hogarth. Para Thierry Smol-
deren (2014), o romance em gravuras Harlot’s Progress (A Carreira
de uma Prostituta, 1731) está na origem dos modernos quadrinhos84.
As fisionomias, as expressões, as linhas, a mistura de estilos gráficos e
a composição de cenas com incidentes caóticos narrados em sequên-
cia deram a ele o título de ‘Comic-History painter’. A série era um su-
cesso popular e as seis cenas legendadas, pintadas individualmente,
gravadas em bronze e impressas foram largamente pirateadas. Inco-
modado, Hogarth fez campanha por nova legislação (1735) que desse
aos artistas gráficos os mesmos direitos dos escritores garantidos pela

83. Antes da prensa de caracteres móveis, já se relacionava o escritor à obra. Dante e Pe-
trarca, p.ex., eram fascinados com a fama de escritores e humanistas.
84. Em ‘M. Töpffer invente la bande dessinés’, Thierry Groensteen afirma o genebrino Ro-
dolphe Töpffer como precursor dos quadrinhos modernos porque trouxe a ficção da litera-
tura para o contexto gráfico-visual e inovar a impressão de tiras em álbum, entendimento
ao qual aderimos.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 68


Lei de 170985. O autor ganhava definitivo status jurídico, passando a
designar o escritor e artista plástico.
A figura do/a autor/a/artista nasceu para morrer pelo protesto
da neovanguarda das artes contemporâneas. Decretar sua morte era
o passo à frente de despersonalização das artes e da literatura. Na
rede de interpretações e reinterpretações da obra, escreve o semió-
logo Roland Barthes (2004), o autor desaparece, é afastado como
referente absoluto. A circulação da obra literária criaria um texto
criado e recriado pelo/a leitor/a. A perda de profundidade com a
Arte Pop libertou as artes plásticas de significar e o artista do peso
da autoria, emancipando ambos um do outro. As obras escritas e vi-
suais tornavam-se palimpsestos infinitos, textos abertos a múltiplas
interpretações e acréscimos. Ante a recepção díspar da obra, resta-
ria mergulhar no mar da polissemia e do ‘nonsense’, abandonando
qualquer busca pelo sentido último do/a autor/a.
O significado desse protesto foi bem apreendido pelo filósofo e
crítico de arte Boris Groys (2015). O culto ao nome, à assinatura, é
a parte mais visível do esquema de poder no mercado artístico, uma
convenção que cria estrelas e fortunas. A revolta é contra um sis-
tema antidemocrático, hierarquizado e de distribuição desigual de
reconhecimento. Antiestetas e artiartistas, contudo, acabaram ab-
sorvidos/as pelo sistema que tanto criticaram. Como vimos, a regra
ser criativo (inovador) e original (autêntico) é ser transgressor foi
assimilada pelo mercado. O gesto radical contra o elitismo, consta-
ta Nathalie Heinich (2017), foi capturado pelo jogo triplo das artes
contemporâneas: o/a artista transgride, o mercado assimila o desvio
como nova norma e ele/ela volta a transgredir num círculo vicioso.
Em suma, o jogo com os limites da arte e não arte virou a regra ofi-

85. Valho-me nestes dois parágrafos de vários autores: Burke (1999), Briggs e Burke
(2004), Castelnuovo (2006), Williams (2007), Bourriaud (2009), Chartier (2012).

Capa s Expediente s Sumário s Autor 69


cial86. No final a figura do/a autor/a foi problematizada sem ser abo-
lida. Em verdade sua morte retórica registrou o fim de uma teoria de
raízes renascentistas, insuficiente para explicar a lógica subjacente
às artes contemporâneas. A identificação autor-obra e a proprieda-
de autoral são relicários dessa tradição que persiste no negócio de
obras, nas exposições, nos livros de história, teoria, sociologia...
E a história em quadrinhos? Não houve protesto e sim afirmação
da autoria a começar pelas publicações da vanguarda ‘underground’
e independente dos anos sessenta e setenta autodenominadas auto-
rais para diferenciá-las do ‘mainstream’. Não tardou para a indústria
acolher a novidade e substituir o culto aos personagens pelo culto
aos/às autores/as. A palavra autor também é empregada sem mais
por teóricos, tal como Daniele Barbieri, Thierry Groensteen, Antô-
nio Cagnin. O mais próximo do questionamento da autoria como
fonte única de significado é uma reflexão de Groensteen sobre esca-
lonamento de sentido. Groensteen não questiona que a HQ possua
autor/a, mas, semelhante a Barthes, diz que a sequência de quadros
entrelaçados forma um enunciado sintético que é interpretado e re-
interpretado sem limite definitivo. Discordamos dessa perspectiva
teórica, seja ela aplicada à HQ ou a outras artes.
Seguindo Umberto Eco (2005), o direito dos/as intérpretes foi
exagerado. Há limites para a metástase semântica que contamina a
hermenêutica das obras. É insensato considerar que a obra artística-
-cultural seja aberta para a superinterpretação. A interpretação não
ocorre à revelia da intenção da obra. A materialidade do texto ou da
imagem medeia o desejo do/a autor/a e a expectativa do/a leitor/a.
A HQ é uma materialidade gráfica tanto física quanto simbólica que

86. Fazer o novo, o original, assinala Boris Groys, só é possível não repetindo os clássi-
cos e a fórmula pós-moderna de borrar os limites entre a obra de arte e os objetos/coisas
comuns. Para isso, alfineta Affonso de Sant’Anna (2017), o/a artista deve voltar a criar,
falando menos e fazendo mais.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 70


resiste às tentativas de significação extravagante. Primeiro ela encerra
as condições histórico-sociais e técnicas em que foi feita. Cada tira,
charge, revista e álbum já feito é habitado pelo seu tempo, e o que
chamamos de análise crítica externa é o método de interrogação mais
adequado para compreender tais determinantes. Segundo, o que ela
mostra/conta, o que dá a ver e ler simbolicamente impõe critérios e
limites à produção de significados cuja análise crítica interna objetiva
interpretar87. Se o/a leitor/a é um/a relativista dialético/a, proporá
interpretações válidas, confrontadas com a obra; do contrário, será
apenas desvairado/a. Em paráfrase ao historiador e teórico das ima-
gens W. J. T. Mitchell, poderíamos, então, responder o que querem as
HQs(?). A pergunta é antropologicamente capciosa, pois é uma pro-
sopopeia. Diríamos que elas nada desejam porque inanimadas, mas,
se acaso quisessem, desejariam respeito à materialidade gráfica que
encerram. Quereriam silenciar toda tagarelice dita e escrita sobre elas
e serem consideradas mais que um padrão de signos.
O/A quadrinista como autor/a goza de alguma ‘auctoritas’ sobre
sua obra? Ainda com Eco, entendemos que ele/ela tem condições
de explicar as eventuais discrepâncias entre o que queria mostrar e
o que de fato é mostrado. Pode mesmo confessar que esta ou aque-
la interpretação válida lhe passou despercebida e propor correções,
mesmo sabendo que não convencerá a todos/as. O/A autor/a conti-
nua fundamental quando o assunto é processo criativo. Criar não é
um ato linear, ensina o psicólogo da arte, Rudolph Arnheim (1976),

87. A análise crítica interna é a percepção visual cuidadosa que identifica e interpreta os
elementos gráficos visual-verbais da HQ. É entender como a narrativa visual-verbal fun-
ciona para construir o significado. Interpretar os elementos gráficos, os signos icônicos e
escritos exige analisar o enredo, a trama, o espaço-tempo em que acontece a ação, os perso-
nagens, o estilo artístico, as cores, as linhas de contorno, o letreiramento (letras), a forma
como a página ou tira foi construída (quadriculação, leiaute), e o entrelaçamento entre as
vinhetas (quadros). A HQ também informa a visão de mundo do/a autor/a, a forma como
ele/ela vê a realidade social, política, econômica e como interpreta a história. Para análise
crítica externa, é necessário conhecer a trajetória social dos/as artistas e as condições so-
ciais de produção e do processo criativo.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 71


em relação aos documentos de processo do Guernica de Picasso. Ao
olharmos atentamente a galeria de esboços de páginas em revistas/
álbuns percebemos a evolução do desenho narrativo. Ora, a página
é um pentimento que mostra as camadas superpostas de soluções
criativas: do esboço — do latim ‘sbozzare’ —, que significa fazer sur-
gir provisoriamente, à finalização. A página é vir a ser, é devir criati-
vo. Ela documenta os avanços e os recuos da decupagem, da quadri-
culação, da composição do leiaute. E por mais que pareça acabada,
novos ‘insights’ do que se quer mostrar/contar afloram. O produto
final, o conjunto das páginas, é trabalho criativo metamorfoseado no
tempo do qual o/a artista detém a memória.
Todos/as querem reconhecimento pelo trabalho feito. Mas a dis-
tribuição do mérito artístico é desigual. Ser ignorado/a é tão comum
que se poderia escrever uma história dos/as quadrinistas esqueci-
dos/as. Quando feita a várias mãos e a obra é um sucesso, quem
centraliza as atenções? Não estamos falando do/a trabalhador/a da
sombra e sim da redução da obra a único nome, quase sempre, ao
do/a roteirista. Refletindo sobre o lugar do desenhista, Walter Geo-
vani desvela uma silenciosa tendência à secundarização da especia-
lidade: “Quem é que é entrevistado? Ele [jornalista, leitor] olha uma
obra dessa [mostrando uma HQ] e não vê o todo. Acha que é só a
história”. Citamos o restante da fala.

As pessoas não veem o artista como narrador. Eles veem como


ilustrador. Nem sei o que é ilustrador. Sei nem o que isso signi-
fica para eles. Eu acho isso muito errado. As pessoas vão negar,
mas é assim que agem. Como é que você vai entrevistar uma
banda, por exemplo, o Barão Vermelho. ‘Ah, o Cazuza isso, o
Cazuza aquilo’. E os outros caras? E o Frejat, que conseguia fa-
zer um milagre de criar melodias naquela letra do Cazuza que
era totalmente complexa? Foram ligar pro Frejat depois que
o Cazuza saiu. É tipo isso, sabe. Como é que você se interessa
por uma banda e se importa apenas com um membro? Como

Capa s Expediente s Sumário s Autor 72


é que você se interessa pelo Guns N’ Roses e só quer saber do
Axl Rose e do Slash. E o cara que compôs a maioria das músi-
cas da banda que é o Stradlin? Tão nem aí! O cara que compôs
a maior parte das músicas da banda é ignorado! Não é ‘Teu
quadrinho é legal’. É uma equipe que fez o quadrinho. Não é o
quadrinho do cara, entendeu? É um time.

O/A desenhista é um/a narrador/a. Ponto. Para melhor enten-


der a função, é oportuno diferenciar o desenho narrativo da ilustra-
ção. O/A ilustrador/a põe o desenho a serviço do texto que conduz
a narrativa. No romance ilustrado, a arte é auxiliar, podendo o/a
leitor/a, se quiser, prescindi-la. Tomemos por exemplo Sandman,
especificamente o volume Os Caçadores de Sonhos. Inserindo a pro-
sa literária, Neil Gaiman apenas reforçou a autonomia do texto. As
belíssimas ilustrações de Amano não exigem maior atenção e o/a
leitor/a pode ignorá-las sem perder o sentido da história. No volume
seguinte, o mesmo conto é adaptado aos quadrinhos por P. Craig
Russell. Acontece, então, a magia do trabalho quadrinístico. De um
volume a outro, a função do artista muda. Passa de ilustrador a nar-
rador visual. Os painéis dão lugar à justaposição de desenhos narra-
tivos interdependentes separados pelo espaço intericônico e o texto
cumpre agora uma função verbal e não mais literária. A operação
cria um híbrido visual-verbal totalmente novo, a HQ. Deste modo,
se o texto literário independe da ilustração, o roteiro de quadrinhos
exige a roupagem gráfico-visual para significar completa e coerente-
mente (Cirne, 2000)88.
Se o trabalho que transforma o texto numa sequência solidária
de imagens é deliberadamente ou inadvertidamente desvalorizado,
é porque a noção de autoria está aferrada à escrita. O/A autor/a é
quem escreve. A não ser que o/a desenhista e o/a roteirista sejam a

88. Igualmente, a caricatura não é um gênero narrativo. Cf. Ramos (2014).

Capa s Expediente s Sumário s Autor 73


mesma pessoa, a ficha de catalogação bibliográfica continua a trazer
na notação de autor o nome e sobrenome do/a roteirista. Comumen-
te o/a desenhista aparece no recuo abaixo e os/as demais artistas
são simplesmente ignorados/as. É um detalhe que diz alguma coisa
sobre o lugar reservado aos/às artistas. Para Geraldo Borges, criou-
-se “uma relação desigual entre o roteirista e os artistas em geral.
Aí se você coloca o colorista e o letrista, a escala fica ainda pior”. A
imprensa dá a sua parcela de contribuição ao tratar o/a roteirista
como autor/a e o/a desenhista como desenhista. “O desenhista tam-
bém é o autor! Se você passar o mesmo roteiro para dois desenhis-
tas diferentes, você vai ter dois resultados bem diferentes, e conse-
quentemente uma obra diferente”. É um argumento irrefutável. Tal
como o/a diretor/a de cinema, o/a desenhista imprime sua marca
ao roteiro, influenciando como a história é mostrada/contada. Não
custa, mais uma vez, dizer que a HQ é predominantemente um ob-
jeto cultural visual. A produção e a apreensão do sentido acontecem
principalmente por meio do desenho narrativo. Isso significa que,
além de mostrar a performance do/a artista, o trabalho de figura-
ção icônica faz ver o enunciado. As imagens em sequência formam
um enunciado passível de descrição e interpretação, pois, de outro
modo, seria ininteligível.
Não obstante, a bem da valorização isonômica dos trabalhos cria-
tivos, as obras pelas quais nos apaixonamos são aquelas que conse-
guem equilibrar graficamente a arte do desenho e a arte da escrita
no espaço da página.
Uma última nota. O corpo do/a autor/a é o destinatário final de
toda violência simbólica e física. Quadrinistas são perseguidos/as,
encarcerados/as, torturados/as e mortos/as desde o advento da
prensa de caracteres móveis e dos pasquins ilustrados. A título de
exemplo, as execuções do roteirista Héctor Oesterheld e de suas
filhas Estela, Diana, Beatriz e Marina, e dos cartunistas Wolinski,

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Charb, Jean Cabu e Tignous do jornal Charlie Hebdo, respectiva-
mente, pela publicação de La vida del Che [Guevara] e por char-
ges de sátira ao Islam e seu profeta são caso-limites da identificação
autor-obra com sentenciamento à morte pelas necrófilas ditadura
militar argentina e Al Qaeda. O extremismo político-religioso ope-
ra sob a égide do ódio e destrói direitos e liberdades civis formais,
instituindo um nós contra eles em que não há adversários e sim ini-
migos a serem silenciados/eliminados. Por outro lado, é necessário
dizer que uma tira, uma charge, um cartum, uma revista podem fe-
rir enquanto fazem-ver. Ou seja, ela tem força ilocutória, valor de
ato no momento em que se mostra ao leitor. As charges no Charlie
Hebdo aprofundaram as feridas da comunidade religiosa islâmica.
Muitos as receberam como mais um lamentável ato de xenofobia,
outros como blasfêmia a ser paga com sangue. Isso exige uma nova
iconoclastia e se abster de criar imagens que possam comocionar?
Não. Instituir um tribunal de censura moral e política que classifi-
que imagens em boas e más já foi tentado no mundo dos quadrinhos
e fracassou. Concordamos com a filósofa das imagens Marie-José
Mondzain (2009) de que é necessário construir uma cultura ou edu-
cação do olhar capaz de gerir a passionalidade que criam, as paixões
construtivas e destrutivas que movimentam. Mas é fundamental que
a educação do olhar esteja alicerçada na tolerância libertadora, para
lembrar aqui Herbert Marcuse (1965), significando ser intolerante a
qualquer forma de racismo e discurso de ódio que use a linguagem
dos quadrinhos como meio de propaganda.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 75


11. Sentindo-se quadrinista

Sentindo-se quadrinista

Lembro de olhar para o público do palco


e sentir a responsabilidade aumentando.
Zé Wellington

O sentimento de ser profissional dos quadrinhos é o momento fi-


nal da circularidade identitária. Não é fácil sob tantas camadas
de experiências invocar lembranças que dessem conta da pergunta
‘Quando você se sentiu quadrinista?’. Em que situações a ‘identida-
de’ é subjetivada? As premiações são distinções oferecidas em ceri-
mônias organizadas por associações de pares (HQMix, Yellow Kid,
Cittá di Lucca, Grand Prix, The Reuben Awards, Japan Cartoonists),
pela indústria (Eisner Award, Harvey, Tezuka Osamu Cultural Prize)
ou pelo Estado (Japan Media Arts). Através delas, exerce-se periodi-
camente a autoridade de consagrar autores e obras. A indústria e as
associações, que são espécie de sociedade de admiradores mútuos,
não estão imunes ao ‘lobby’, à retórica publicitária e à estatística de
vendas. Isso não significa que os prêmios oferecidos por elas não
sejam igualmente desejados, bastando lembrar o peso simbólico que
era receber o Eisner pelo próprio. O objetivo da premiação é o júri
avaliar em categorias os/as autores/as e as obras. Em si é uma dis-
puta amigável por recompensa simbólica e material legítima — que
é o sentido particular do latim ‘praemium’ — pelo trabalho realizado

Capa s Expediente s Sumário s Autor 76


meses a fio, às vezes, por anos. Ganhá-lo marca uma divisão inter-
na entre premiados/as e não premiados/as. Logo, ao passo em que
reúne e celebra quadrinistas e obras, as cerimônias de premiação
acabam simbolicamente por separá-los em prestígio.
Obviamente que tal leitura crítica não é compartilhada pelos/
as ganhadores/as. Ser premiado é experiência jubilosa com efeitos
emocionais e práticos relevantes. O dia em que Zé Wellington rece-
beu com o artista Di Amorim o troféu HQMix por Steampunk La-
dies: Vingança a Vapor fê-lo entender que se espera do laureado
cada vez mais dedicação e excelência profissional. As premiações
também rendem novas oportunidades profissionais e, diz Marce-
lo D’Salete, “levam seu trabalho para um público muito maior de
pessoas”. Elas também têm efeito extensivo à própria família que se
realiza pela conquista. Com a palavra, Brendda Maria: “Quando eu
fui indicada ao HQMix e ganhei, e saiu matéria sobre isso, o meu avô
andava com o jornal para todos os cantos pra mostrar às pessoas. Eu
tenho uma família que tem muito orgulho do que eu produzo”.
Conquistar o primeiro contrato é igualmente marcante. Pow Ro-
drix lembrou que o convite para desenhar dois importantes perso-
nagens da Marvel Comics “foi o momento em que caiu a ficha, que
não era diversão ou ganha pão. Sou artista de quadrinhos. Foi o mo-
mento mais significativo da carreiraˮ. Projeto após projeto, Netho
Diaz se sentiu quadrinista no momento que conquistou seu lugar no
mercado estadunidense. No caso de Romahs, a profissionalização
na Maurício de Sousa e o lançamento de A Última Flecha aflora-
ram o senso de responsabilidade. “Eu fiquei como uma espécie de
líder. Passei a ser recorrente na TV e jornais locais. No Amazonas eu
diria que eu tenho um certo destaque na cena cultural. [...] Eu me
sinto parte do processo de ʻdes-preconceito.ʼˮ Dentre as respostas,
a mais diversa foi a de Mike Deodato. Mesmo com anos na indús-
tria, impactou-lhe folhear a edição especial em preto e branco de

Capa s Expediente s Sumário s Autor 77


Original Sin (Pecado Original), lançada pela Marvel no festival de
Angoulême: “Caramba, isso é que é quadrinho!ˮ, e ele explicou o
afeto porque lembrava “os quadrinhos publicados no Brasil em pre-
to e branco que eu cresci lendoˮ. Já para Rob Lean, o momento foi
numa convenção na Filadélfia onde dois senhores disseram: “O Rob
Lean!” e voltaram em direção à mesa de autógrafos. “Eles falaram
com tanto ânimo que fiquei feliz demais, o quanto era importante o
que eu fazia. Os fãs causam isso”.

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12. Informalidade e intermitência

Informalidade e intermitência
Palavras finais

A reestruturação da economia capitalista e as políticas de flexibili-


zação aceleram a corrosão do sistema de proteção ao trabalho. O
atual regime de acumulação impõe a desestabilização dos empregos
estáveis e ampliação das atividades terceirizadas, informais e intermi-
tentes pelas quais se vive de ocupação provisória em ocupação provi-
sória, tudo isso acompanhado do ataque aos direitos do trabalho e à
seguridade social e do crescente aumento do número de inempregá-
veis, sobrantes ou descartáveis sem qualquer esperança de adentrar
formalmente ao mercado laboral (Castel, 1998). Em seu estudo sobre
as profissões artísticas, Pierre-Michel Menger (2005) sugeriu que, há
dois séculos, o mundo das artes fornece um excepcional laboratório de
flexibilização de direitos aos agentes neoliberais. Proposição correta,
mesmo carecendo saber qual a direta influência nas políticas de des-
regulação do mundo do trabalho nos últimos quarenta anos. O fato é
que o/a quadrinista compartilha o mesmo estado de coisas. Afora as
cada vez mais raras ocupações com carteira assinada n’alguma edito-
ra e jornal, em geral o/a quadrinista é um/a proletário/a de serviços
que disponibiliza a força de trabalho criativo na elaboração e execu-
ção de projetos sem vínculo empregatício e sob contratos temporários
que preveem, no mais das vezes, nada além da remuneração. É um/a
típico/a trabalhador/a sem: sem estabilidade, sem remuneração fixa,
sem jornada fixa, sem 13º terceiro (no Brasil), sem descanso sema-

Capa s Expediente s Sumário s Autor 79


nal remunerado, sem férias remuneradas, sem licença-maternidade,
sem FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), sem direito a
auxílio-doença, sem direito a seguro-desemprego, sem direito à apo-
sentadoria. A fala de Mike Deodato sobre sua condição de trabalho
bem serve ao mercado laboral de lá e de cá. “Quadrinhos é isso! Você
não tem direitos nenhum. Adoeceu, você se lasca. Lá não tem SUS
[Sistema Único de Saúde], tem surra! Ambulância é 3.500 dólares.
Se o plano não paga, você se lasca. Não tem sindicato, não tem nada.
Parou de trabalhar, se lasca”.
‘Freelancer’ é o conceito ‘descolado’ desse/a trabalhador/a sem
registro em carteira (informal) que vive de projeto em projeto (in-
termitente), que compõe a superpopulação relativa de quadrinistas,
i.e., de desenhistas, roteiristas, arte-finalistas, coloristas e letristas
que, ora estão ocupados/as, ora desocupados/as. Também caracte-
riza a profissão, por poucos conseguirem se dedicar integralmente a
ela. A maioria tem de exercer atividades paralelas que lhe garantam
o sustento para ter tempo de criar. Frequentemente o/a quadrinista
em tempo parcial usufrui do intervalo de almoço, do deslocamento
ao serviço, do turno da noite e dos finais de semana para executar
um projeto. A sazonalidade da oferta força-o/a a constantes entra-
das e saídas do mercado por períodos curtos e longos. No ‘mains-
tream’ internacional, ainda que os ganhos em moeda estrangeira
possam chegar a mais de 1.400 dólares por página desenhada, fa-
vorecendo uma condição econômica confortável, é alta a concorrên-
cia e a rotatividade da mão de obra. Pode-se passar tempo sem que
se receba proposta, o que quase sempre leva ao desgaste da relação
quadrinista-representante e à mudança de agência. A demanda por
projeto pode zerar e o/a quadrinista cair no esquecimento, seja por
razões estéticas, inobservância de regras contratuais ou da políti-
ca corporativa. No cenário mais soturno, cai-se em pauperização, a
condição mais degradante da reserva de força de trabalho. Situação

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vivida pelo roteirista William Messner-Loebs com quem Deodato
trabalhou na revista Mulher-Maravilha. “Nós fizemos várias cam-
panhas para ele. Perdeu casa, estava morando na rua. Você vê de vez
em quando uma campanha para ajudar quadrinista que tá doente e
não consegue pagar as contas”. Lamentavelmente ter momentos de
sucesso é diferente de ter uma carreira de sucesso.
Como qualquer profissão, a de quadrinista tem riscos. Com fre-
quência investe-se energia criativa, tempo e dinheiro sem retorno.
Pesa sobre ter de viver por tempo indeterminado mais para os qua-
drinhos que dos quadrinhos. Se a meta é alcançar as melhores chan-
ces de trabalho, mais tempo e dinheiro será gasto para chegar ao
topo. O custo de oportunidade é particularmente alto. O custo de
oportunidade é aquilo que se está disposto a deixar de ganhar para
obter um item ou alcançar determinado objetivo (Mankiw, 2008).
Nosso caso exemplar, Geraldo Borges, abriu mão da tradicional car-
reira de engenheiro civil e apostou todas as fichas no sonho. Não é
tão raro, pensando aqui nos médicos Osamu Tezuka e Jim Lee. Nem
todos/as podem ou conseguem prescindir da profissão e viver de
quadrinhos. As condições do trabalho no independente podem ser
particularmente desestimulantes. A frustração com o que se ganha
na forma de prazer estético, de reconhecimento, e o que se perde,
o descanso, lazer, coloca a paixão à prova. Os vários momentos de
ocupação e não-ocupação como ‘freela’ levam ao desencanto e ao
total abandono da arte gráfica sequencial como expressão artística.
A incerteza com o futuro preocupa os/as quadrinistas veteranos/as.
Não se ganha suficiente para poupar e poucos/as gozam de proprie-
dade intelectual que garanta uma boa aposentadoria. Rob Lean lem-
brou que, mesmo que seu pai visse os dois filhos ganhando bastante
dinheiro, alertava a pagarem previdência social. “Vocês vão ficar ve-
lhos e não vão ter como se manter’. Ele sempre falou isso e a gen-
te não deu muita atenção. Eu pensei muito nessa questão. Eu pago

Capa s Expediente s Sumário s Autor 81


MEI [Microempreendedor Individual] para ver se mais na frente eu
consigo ter uma aposentadoria. O sossego só vem se você fizer pla-
nejamento, senão vai apanhar mais ainda”.
O mercado laboral quadrinístico ainda é hegemonicamente mas-
culino, mesmo que as inumeráveis publicações de autoras em circu-
lação indiquem uma mudança consistente no perfil de gênero. Ser
mulher quadrinista não causa mais surpresa. O termo em si já é um
equívoco, pois de antemão está condicionada pela normatividade
masculina. A questão agora é demolir as condições histórico-sociais
que bloqueiam e invisibilizam, mesmo as mais sutis, a emergência
das quadrinistas no mercado. O primeiro passo foi identificá-las,
como fez Trina Robbins em duas pesquisas pioneiras — ‘Women and
the Comics’, ‘A Century of Women Cartoonists’ —, e no Brasil, com
a publicação de ‘Mulheres e Quadrinhos’, de Dani Marino e Laluña
Machado (2019). O passo adiante é transformar as práticas. Não se
trata mais de discutir o lugar da mulher e sim a obra. Débora San-
tos comenta que o convite para eventos é comumente para debater
como é ser quadrinista e mulher. “A gente não quer falar disso, a
gente quer falar do nosso trabalho! As questões de gênero elas aca-
bam surgindo porque elas são inerentes aos problemas que a gente
vive. Isso não deveria ser o foco. O foco deveria ser o trabalho das
autoras, discutir o processo, o mercado, os gêneros [terror, cômi-
co etc.]ˮ. Nas palavras de Brendda Maria, “São poucos os eventos,
mesmo hoje, que já despertaram para isso. A gente ainda tem que
reclamar muito. Lembro que em 2018 o único que tinha paridade de
convidados e convidadas em mesas foi o FIQˮ. O deslocamento do
foco para a isonomia de gênero questiona o tradicional lugar de fala
reservado a elas nas mesas-temáticas e reorienta o debate para o ób-
vio: mulheres fazem HQs de super-heróis, de terror, eróticas, auto-
biográficas, ficção científica etc. e conhecem o mercado, o processo
criativo, tendo muito a dizer sobre esses assuntos. Falar de isonomia

Capa s Expediente s Sumário s Autor 82


de gênero é suprimir as assimetrias em todos os espaços, e isso não
impõe algum tipo de reserva de lugar. Para Renata Nolasco, é fora de
questão “ficar implorando mercadoˮ. A garantia de um lugar ao sol
é o contínuo trabalho de visibilização da obra, principalmente nas
mídias sociais. “A gente já percebeu que tem espaço com as pessoas
que querem ler a gente na Internet. Tanto que as editoras querem
publicar quem tem muitos seguidores. Você não precisa ficar mol-
dando a sua voz a formatos que agradam editoras ou a grandes ni-
chos. As editoras vêm a você. A Internet democratizou issoˮ.
Por fim, há um senso de gratidão quando perguntamos ‘O que
os quadrinhos fizeram por você?ʼ: “Mudaram a minha vidaˮ (Dijjo
Lima), “Uniram o útil ao agradávelˮ (Pow Rodrix), “Me deram
uma vida novaˮ (Renata Nolasco), “Salvaram a minha vidaˮ
(Brendda Maria), “Eles me ensinaram a ser uma pessoa melhorˮ (Zé
Wellington), “Sensibilizaram-me para ser um artista. A ver o mundo
como artistaˮ (Weaver), “Aprendi a não ter preconceitoˮ (Walter
Geovani), “Eu só sou feliz quando eu estou desenhando” (Mike
Deodato). Talles Rodrigues mencionou o “senso de propósito” que
o faz levantar todos os dias para desenhar. Mas advertiu que já era
“hora dos quadrinhos ‘veremʼ o que eu fiz por elesˮ. Realmente se
enveredar nessa profissão é mais contribuir que ter retribuição e,
mesmo assim, disciplinada e apaixonadamente, seguir em frente
no compromisso de investir na obra e no nome. Cada inserção no
mercado precisa ser um passo na ascensão a outro estágio acima.
A imagem irretocável da decisão apaixonada pela profissão foi
oferecida por Maurício de Sousa (2017, p. 63) ao rememorar o
tempo em que era repórter-policial e desenhava madrugada adentro
as tiras do Bidu e Franjinha: “Pulei no abismo. Pedi demissão do
meu cargo de repórter, abrindo mão de um salário que não era régio,
mas pagava as contas. [...] Pela primeira vez na vida eu trilhava o
caminho que sempre quisera. Agora eu era desenhistaˮ.

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Entrevistados/as

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(via Google Meet) concedida ao autor. João Pessoa/Fortaleza. 25 jul. 2021.
BORGES, Geraldo Henrique Silva. (Geraldo Borges). Entrevista (via
Google Meet) concedida ao autor. Santiago do Chile/Fortaleza, 15 jun.
2021.
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cedida ao autor. Fortaleza, 12 fev. 2021.
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concedida ao autor. Fortaleza, 28 fev. 2021.
LIMA, Diego do Nascimento. (Dijjo Lima). Entrevista concedida ao au-
tor. Maracanaú, 25 jan. 2020.
LIMA, Weaver Ferreira. (Weaver). Entrevista (via Google Meet) concedi-
da ao autor. Fortaleza, 17 dez. 2020.
MASCARENHAS, Rogério Lima. (Romahs). Entrevista (via Google Meet)
concedida ao autor. Manaus/Fortaleza, 29 jul. 2021.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 91


MAURÍCIO, Walter Geovani Saraiva. (Walter Geovani). Entrevista (via
Google Meet) concedida ao autor. Limoeiro do Norte/ Fortaleza. 25 mar. 2021.
NOGUEIRA, Sirlanney Freire (Sirlanney). Entrevista (via Google Meet)
concedida ao autor. Rio de Janeiro/Fortaleza, 13 ago. 2021.
NOLASCO, Renata Izabel de Freitas. (Renata Nolasco). Entrevista (via
Google Meet) concedida ao autor. Fortaleza, 01 abr. 2021.
RODRIGUES, Paulo Roberto. (Pow Rodrix). Entrevista (via Google
Meet) concedida ao autor. Fortaleza, 3 abr. 2021.
RODRIGUES, Talles da Silva. (Talles Rodrigues). Entrevista concedida
ao autor. Fortaleza, 22 jan. 2020.
SANTOS, Carlos Henrique. (Guabiras). Entrevista concedida ao autor.
Fortaleza, 10 out. 2019.
SANTOS, Débora Cristina Lima dos (Débora Santos). Entrevista conce-
dida ao autor. Fortaleza, 16 jan. 2020.
SANTOS Filho, Márcio Moreira dos. (Márcio Moreira). Entrevista con-
cedida ao autor. Fortaleza, 29 jan. 2020.
SILVA, Robério Leandro da. (Rob Lean). Entrevista (via Google Meet)
concedida ao autor. Limoeiro do Norte/Fortaleza, 14 ago. 2021.
SOUZA, Cassius Vinicio Medauar de. (Cassius Medauar). Entrevista
(via Google Meet) concedida ao autor. São Paulo/Fortaleza, 18 ago. 2022.
SOUZA, Marcelo D’Salete. (Marcelo D’Salete). Entrevista (via E-mail)
concedida ao autor. São Paulo/Fortaleza, 20 maio 2021.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 92


Entrevista semiestruturada

Entrevista semiestruturada

1. Nome completo e data de nascimento.


2. Qual a sua formação? Instituição pública ou privada?
3. Pai e mãe são escolarizados? Possuem curso de ensino superior ou téc-
nico?
4. Como desenvolveu o gosto pelos quadrinhos?
5. Aprendeu a desenhar e roteirizar sozinho ou estudou com alguém?
6. Quais foram as primeiras obras?
7. Quando lhe perguntam o que faz na vida o que você responde?
8. Você se dedica aos quadrinhos em tempo integral ou parcial?
9. No caso de tempo parcial, que outra profissão exerce?
10. Como você acha que a sua profissão é vista pelos outros?
11. Em que momento você se sentiu reconhecido como quadrinista?
12. Sobre a receptividade da obra, como ela é percebida pelos pares e lei-
tores/as?
13. Como é a relação com os/as editores/as?
14. Qual a jornada de trabalho?
15. Trabalha com carteira assinada?
16. Recebe direitos autorais e ‘royalties’?
17. Defina o seu estilo de desenho.
18. Quais as ferramentas de trabalho?
19. Que lugar a Internet ocupa no trabalho criativo?
20. O que os quadrinhos fizeram por você?

Capa s Expediente s Sumário s Autor 93


Autor

Gledson Ribeiro de Oliveira é cearense de Fortaleza, nascido em


1974. Leitor e colecionador de HQs, é professor da Licenciatura em
Sociologia e do Bacharelado em Humanidades da Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).
Fez doutorado em Sociologia (UFC), graduação (UECE) e mestrado
(UFPE) em História. Também fez pós-doutorado na Escola
de Comunicações e Artes (ECA-USP). Pela Marca de Fantasia,
publicou Quadrinhos no Ceará: imprensa, alternativos, censura.

Capa s Expediente s Sumário s Autor 94


Capa s Expediente s Sumário s Autor 95
C omo a profissão de quadrinista é
percebida por artistas e roteiristas
e assimilada pelo senso comum?
Qual sistema de reconhecimento
define quem é quem no mundo dos quadrinhos? O
que é divisão do trabalho quadrinístico? Quando
a HQ é feita a várias mãos, como fica a autoria? A
profissão é um signo contemporâneo do trabalho
informal-intermitente? Esta pesquisa enfrenta
questões complexas sobre viver de histórias em
quadrinhos em um texto acessível para todos/as, de
pesquisadores/as a amantes da Nona Arte.

https://www.marcadefantasia.com

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