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Revolta da Vacina (1902): Uma rebelião contra o racismo e o trata-
mento desumano dos governos
Dayse Oliveira Gomes*
A Revolta da Vacina foi um movimento de combate à vacinação obrigatória contra a varíola que ocorreu
no Rio de Janeiro em 1902. Foi protagonizado por trabalhadores negros e negras principalmente.
A varíola havia se espalhado em razão do descaso dos governos que ofereciam péssimas condições de vida,
racismo, falta de campanha de esclarecimento, de educação e vários outros fatores. Até a própria burguesia e a
classe média não sabiam o que era uma vacina. Por isso, é um
movimento complexo.
Sem a devida contextualização histórica, os trabalhado-
res, o movimento operário, os negros e negras aparecem de
forma errada como se fossem os vilões, como gente atrasada
contrária ao progresso do país.
Abolição e racismo
A abolição da escravatura, em 1888, não trouxe bem-
estar para os negros, que foram substituídos pelos imigrantes como mão-de-obra nas fábricas com o intuito de
branquear o Brasil. Negros e negras serviam como trabalhadores escravos e não como trabalhadores assalariados
aos olhos dos governantes.
Não havia plena liberdade para a população negra, que não tinha acesso à terra, ao emprego, à educação e
às mínimas condições dignas de vida. Nessa conjuntura, nos primeiros anos da República, aconteceram revoltas
como a de Canudos, na Bahia, a do Contestado, em Santa Catarina, entre outras. A Revolta da Vacina faz parte
dessa onda de revoltas, ocorrida na maior cidade do país de então.
O Brasil da época republicana era explorado pelo imperialismo e pela classe dominante formada pelas
oligarquias dos grandes fazendeiros do café, uma burguesia descendente de senhores de escravos. Essa burguesia
estava ligada a uma industrialização dependente de capital estrangeiro.
Racismo científico
Nesse mesmo período, havia um processo de colonização da África, da Ásia e da América Latina, cujo
objetivo era a apropriação das matérias-primas dessas regiões, ao mesmo tempo em que serviam de mercado para
o excedente de produção da indústria europeia. Muitas ideologias foram usadas para justificar essas ações de ex-
ploração e colonização, como o racismo científico, teorias eugenistas de pureza da raça etc.
O racismo científico é uma teoria criada por Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882). Segundo ela, a
mistura de raças (miscigenação) era inevitável e levaria a raça humana a graus sempre maiores de degenerescência
física e intelectual. É atribuída a Gobineau a frase: “Não creio que viemos dos macacos mas creio que vamos nessa direção”.
Para ele, as regiões formadas majoritariamente por negros, índios e mestiços jamais alcançariam o progresso. Essas
ideologias foram importadas para o Brasil e adaptadas por intelectuais da burguesia e dos fazendeiros.
Assim, todo o atraso do Brasil passou a ser responsabilidade dos indígenas e do povo negro. A República
dos fazendeiros, que usava o dinheiro público para compensar quedas nos preços do café no mercado internacio-
nal, garantia o bem-estar e os negócios da burguesia contra os interesses da maioria da população.
A realidade das cidades brasileiras
Naquela época, não havia direitos trabalhistas, como a jornada de oito horas ou férias. Toda luta social e
sindical era vista como caso de polícia. Isso motivava a atuação do movimento operário diante de uma desigualdade
social não resolvida.
* Dayse Oliveira Gomes é professora de história da rede pública estadual do Rio de Janeiro, mestre em Educação pela Universidade
Federal Fluminense (UFF), especialista em relações raciais e educação.
Muitos trabalhadores eram europeus. A maioria da população dos grandes centros urbanos estava desem-
pregada. No setor de serviços, o trabalho informal predominava, o que contribuía muito para um crescimento
urbano desordenado e com problemas de transportes, iluminação, saneamento, mau abastecimento de água e
difícil alimentação. A população pobre morava em cortiços imundos.
Esse cenário de crise social era propício para o surgimento de doenças como a febre amarela, a peste
bubônica e a varíola, que matavam milhares de pessoas. Isso dificultava a visita de autoridades europeias ao Brasil,
o que atrapalhava os negócios dos capitalistas e dava ao país uma imagem muito ruim no exterior.
A reforma urbana
Diante desse caos, surgiu a proposta de reestruturação dos grandes centros como São Paulo e, principal-
mente, Rio de Janeiro, que era a capital do Brasil. Para a classe dominante, era necessário sanear o Rio de Janeiro,
elitizando a cidade.
Essa tarefa foi encarada pelos presidentes Campos Sales (1898- 1902) e Rodrigues Alves (1902- 1906) em
parceria com Francisco Franco Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro nomeado por Alves. O prefeito realizou
uma operação de limpeza, conhecida como reforma urbana, que resultou na demolição de barracos e cortiços,
expulsando do centro do Rio de Janeiro a população negra e pobre.
Para isso, a legislação foi modificada, e Passos teve plenos poderes para que as autoridades judiciárias,
federais ou locais, não pudessem revogar medidas e atos administrativos do município. Desse modo, teve o cami-
nho livre para realizar demolições, despejos e interdições sem ser incomodado pela Justiça.
A finalidade era tornar os grandes centros numa “Europa possível”. No caso do Rio, o objetivo era trans-
formá-lo numa capital “nos moldes franceses”.
A demolição das pensões e dos cortiços provocou uma imensa crise de habitação que elevou os aluguéis e
pressionou as classes populares para os subúrbios e para cima dos morros que circundam a cidade.
A revolta explode nas ruas do Rio
Para que isso desse certo, era necessário culpar a população pobre e negra pelas doenças. O médico Os-
waldo Cruz foi o escolhido para coordenar a vacinação. Não houve preocupação alguma em garantir informação
sobre as vacinas.
Os trabalhadores tinham várias razões para não confiar nas agulhas do governo nas peles de suas crianças.
Isso favorecia boatos como a de que a vacina seria na virilha, região íntima. Vacinar pessoas não é semelhante à
vacina de gado.
Sem convencimento, praticamente ninguém compareceu aos postos de vacinação. Esse quadro contribuiu
para que o Congresso aprovasse, em 1904, a Lei da Vacina Obrigatória, que autorizou os funcionários da saúde a
vacinar todos os brasileiros a partir dos seis meses de idade. Quem não acatasse a ordem teria de pagar multas e
seria demitido do trabalho. O projeto também exigia comprovantes de vacinação para a realização de matrículas
nas escolas, viagens, hospedagens e casamentos.
Os trabalhadores viram a vacinação como mais um ataque do governo, assim como as demolições de suas
moradias e as propagandas racistas. Assim, entre 10 e 16 de novembro de 1904, a população foi para as ruas
armada com paus, pedras e pedaços de ferro contra a vacinação obrigatória. Setores contrários ao presidente Ro-
drigues Alves, além do movimento operário, uniram-se à rebelião. Até cadetes das forças armadas fizeram parte
dos protestos.
O governo desarticulou o movimento, prendeu vários manifestantes e suspendeu a vacinação obrigatória
contra a varíola. Tempos depois, em 1908, houve uma forte epidemia de varíola. O povo, convencido pela reali-
dade, correu para os postos de vacinação.
O que foi a revolta
Não se pode compreender a Revolta da Vacina sem entender o contexto de exploração e opressão do povo
negro e pobre do Rio de Janeiro. A população estava revoltada com os despejos provocados pela reforma urbana.
Também estava cada vez mais oprimida pelas políticas racistas que levaram à marginalização dessa população.
Desse modo, a campanha de vacinação foi encarada como mais uma ação desumana e autoritária do go-
verno Rodrigues Alves. A insistência em resolver questões sociais com a polícia e com extrema violência contra a
população mostra o desespero e o medo que a burguesia brasileira tem dos trabalhadores. Temia que o povo pobre
e negro pudesse desalojá-la do poder por meio de uma rebelião. Por isso, foi feita uma campanha de vacinação
que tratava o povo pobre como animais e não como seres humanos que deveriam ser convencidos sobre a mesma.
Graças a isso, milhares de pessoas, inclusive da própria burguesia, pagaram com a vida quando veio a epidemia de
varíola em 1908.
A Revolta da Vacina mostra, mais uma vez, que a burguesia nacional é totalmente cruel com os trabalha-
dores. São completamente submissos aos interesses econômicos do imperialismo e às suas teorias racistas que
desqualificam a maioria da população brasileira.
Um dos líderes populares da revolta foi Horácio José da Silva, mais conhecido como Prata Preta. Capoei-
rista e estivador, Prata Preta liderou os revoltosos na barricada do bairro da Saúde contra o exército. Foi preso e
deportado para o Acre.
PARA LER:
O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
Lilia Moritz Schwarcz
A abolição e a manutenção das injustiças: a luta dos negros na Primeira República brasileira
Thiago Dantas da Silva e Maíra Rodrigues dos Santos
A revolta da vacina
FIOCRUZ
PARA ASSISTIR
Sonhos tropicais (2001)
Direção: André Sturm
O QUE FOI A REVOLTA DA VACINA?
Oswaldo Cruz queria livrar o Rio de Janeiro da varíola. Mas na primeira campanha de
vacinação, há mais de 100 anos, a cidade virou um campo de batalha.
Por Cássio Leite Vieira - Atualizado em 15 jul 2020, 14h39 - Publicado em 31 out 1994, 22h00
Bonde virado pela população na Praça da República durante a revolta. Wikipedia/Wikimedia Commons
Entre os dias 10 e 18 de novembro de 1904, a cidade do Rio de Janeiro viveu o que a imprensa chamou
de “a mais terrível das revoltas populares da República”. O cenário era desolador: bondes tombados, trilhos ar-
rancados, calçamentos destruídos — tudo feito por uma massa de 3 000 revoltosos. A causa foi a lei que tornava
obrigatória a vacina contra a varíola. E o personagem principal, o jovem médico sanitarista Oswaldo Cruz.
A oposição política, ao sentir a insatisfação popular, tratou de canalizá-la para um plano arquitetado tempos
antes: a derrubada do presidente da República Rodrigues Alves. Mas os próprios insufladores da revolta perderam
a liderança dos rebeldes e o movimento tomou rumos próprios. Em meio a todo o conflito, com saldo de 30
mortos, 110 feridos, cerca de 1 000 detidos e centenas de deportados, aconteceu um golpe de Estado, cujo objetivo
era restaurar as bases militares dos primeiros anos da República.
A revolta foi sufocada e a cidade, remodelada, como queria Rodrigues Alves. Poucos anos depois, o Rio
de Janeiro perderia o título de “túmulo dos estrangeiros”. Hoje, a varíola está extinta no mundo todo. E a Orga-
nização Mundial da Saúde, da ONU, discute a destruição dos últimos exemplares do vírus da doença, ainda man-
tidos em laboratórios dos Estados Unidos e da Rússia.
Rodrigues Alves assumiu a presidência da República em 1902, no Rio de Janeiro, sob um clima de descon-
fiança e com um programa de governo que consistia basicamente de dois pontos: modernizar o porto e remodelar
a cidade. Isso exigia atacar o maior mal da capital: doenças como peste bubônica, febre amarela e varíola.
A futura “Cidade Maravilhosa” era, então, pestilenta. A situação era tão crítica que, durante o verão, os
diplomatas estrangeiros se refugiavam em Petrópolis, para se livrar do contágio. Em 1895, ao atracar no Rio, o
contratorpedeiro italiano Lombardia perdeu 234 de seus 337 tripulantes por febre amarela.
Segundo a oligarquia paulista do café, de quem Rodrigues Alves era representante, além de vergonha na-
cional, as condições sanitárias do Rio impediam a chegada de investimentos, maquinaria e mão-de-obra estrangeira.
O projeto sanitário deveria ser executado a qualquer preço. Rodrigues Alves nomeia, então, dois assisten-
tes, com poderes quase ditatoriais: o engenheiro Pereira Passos, como prefeito, e o médico sanitarista Oswaldo
Cruz, como chefe da Diretoria de Saúde Pública. Cruz assume o cargo em março de 1903: “Dêem-me liberdade
de ação e eu exterminarei a febre amarela dentro de três anos”. O sanitarista cumpriu o prometido.
Em nove meses, a reforma urbana derruba cerca de 600 edifícios e casas, para abrir a avenida Central (hoje,
Rio Branco). A ação, conhecida como “bota-abaixo”, obriga parte da população mais pobre a se mudar para os
morros e a periferia.
A campanha de Oswaldo Cruz contra a peste bubônica correu bem. Mas o método de combate à febre
amarela, que invadiu os lares, interditou, despejou e internou à força, não foi bem-sucedida. Batizadas pela im-
prensa de “Código de Torturas”, as medidas desagradaram também alguns positivistas, que reclamavam da quebra
dos direitos individuais. Eles sequer acreditavam que as doenças fossem provocadas por micróbios.
Jacobinos e florianistas, que já articulavam um golpe contra o presidente Rodrigues Alves, perceberam que
poderiam canalizar a insatisfação popular em favor de sua causa: a derrubada do governo, acusado de privilegiar
os fazendeiros e cafeicultores paulistas.
Dia 31 de outubro, o governo consegue aprovar a lei da vacinação. Preparado pelo próprio Oswaldo Cruz
— que tinha pouquíssima sensibilidade política —, o projeto de regulamentação sai cheio de medidas autoritárias.
O texto vaza para um jornal. No dia seguinte à sua publicação, começam as agitações no centro da cidade.
Financiados pelos monarquistas — que apostavam na desordem como um meio de voltar à cena política
—, jacobinos e florianistas usam os jornais para passar à população suas ideias conspiradoras, por artigos e charges.
Armam um golpe de Estado, a ser desencadeado durante o desfile militar de 15 de novembro. Era uma tentativa
de retornar aos militares o papel que desempenharam no início da República. Mas, com a cidade em clima de
terror, a parada militar foi cancelada. Lauro Sodré e outros golpistas conseguem, então, tirar da Escola Militar
cerca de 300 cadetes que marcham, armados, para o palácio do Catete.
Barricada durante a revolta da vacina, no Rio de Janeiro Wikipedia/Wikimedia Commons
O confronto com as tropas governamentais resulta em baixas dos dois lados, sem vencedores. O governo
reforça a guarda do palácio. No dia seguinte, os cadetes se rendem, depois que a Marinha bombardeara a Escola
Militar, na madrugada anterior. No dia 16, o governo revoga a obrigatoriedade da vacina, mas continuam os con-
flitos isolados, nos bairros da Gamboa e da Saúde. Dia 20, a rebelião está esmagada e a tentativa de golpe, frustrada.
Começa na cidade a operação “limpeza”, com cerca de 1000 detidos e 460 deportados.
Mesmo com a revogação da obrigatoriedade da vacina, permanece válida a exigência do atestado de vaci-
nação para trabalho, viagem, casamento, alistamento militar, matrícula em escolas públicas, hospedagem em hotéis.
Em 1904, cerca de 3500 pessoas morreram de varíola. Dois anos depois, esse número caía para nove. Em
1908, uma nova epidemia eleva os óbitos para cerca de 6550 casos, mas, em 1910, é registrada uma única vítima.
A cidade estava enfim reformada e livre do nome de “túmulo dos estrangeiros”.
Cerca de quinze tipos de moléstia faziam vítimas no Rio do início do século. As principais, que já atingiam
proporções epidêmicas, eram a peste bubônica, a febre amarela e a varíola. Mas havia também sarampo, tubercu-
lose, escarlatina, difteria, coqueluche, tifo, lepra, entre outras.
Para combater a peste bubônica, Oswaldo Cruz formou um esquadrão especial, de 50 homens vacinados,
que percorriam a cidade espalhando raticida e mandando recolher o lixo. Criou o cargo de “comprador de ratos”,
funcionário que recolhia os ratos mortos, pagando 300 réis por animal. Já se sabia que eram as pulgas desses
animais as transmissoras da doença.
Em 1881, o médico cubano Carlos Finlay havia identificado o mosquito Stegomyia fasciata como o transmis-
sor da febre amarela. Cruz, então, criou as chamadas “brigadas mata-mosquitos”, que invadiam as casas para de-
sinfecção com gases de piretro e enxofre. No primeiro semestre de 1904, foram feitas cerca de 110.000 visitas
domiciliares e interditados 626 edifícios e casas. A população contaminada era internada em hospitais.
Mesmo sob insatisfação popular, a campanha deu bons resultados. As mortes, que em 1902 chegavam a
cerca de 1.000, baixaram para 48. Cinco anos depois, em 1909, não era registrada, na cidade do Rio de Janeiro,
mais nenhuma vítima da febre amarela.
Apesar de todos os incidentes, foi com a mesma firmeza que Oswaldo Cruz bancou a campanha contra a
varíola. Na noite de 14 para 15 de novembro, enviou a mulher e os filhos para a casa do amigo Sales Guerra e
seguiu, ele mesmo, para a casa do cientista Carlos Chagas, que mais tarde descobriria a causa do mal de Chagas.
Em 1907, de volta de uma exposição na Alemanha, onde fora premiado por sua obra de combate às do-
enças, Cruz sente os primeiros sintomas da sífilis. Envelheceu rapidamente: aos 30 anos, tinha já cabelos brancos.
A sífilis causou-lhe insuficiência renal. Mais tarde, surgiram problemas psíquicos. Os delírios se intensificaram e
conta-se que muitas vezes foi visto à noite, vagando solitariamente pelas dependências do Instituto Manguinhos,
que ele próprio ajudara a projetar, em 1903, e que receberia o nome de Instituto Oswaldo Cruz, em 1908.
Em 1916, foi nomeado prefeito de Petrópolis. A cidade, envolvida em disputas políticas, não recebe bem
a nomeação. Oswaldo Cruz morreu, em 11 de fevereiro de 1917, com uma passeata de protesto em frente à sua
casa.
Como novembro de 1904 pôs fogo no Rio de Janeiro
Dia 9
O jornal carioca “A Notícia” publica o projeto de regulamentação da lei de vacinação obrigatória. Os termos são
considerados autoritários e começa a indignação popular. No dia 10, o povo se aglomera no largo de São Francisco.
“Morra a polícia. Abaixo a vacina”, gritam os oradores. A multidão desce a rua do Ouvidor e, na praça Tiradentes,
encontra policiais. Ao final, quinze presos.
Dia 11
A Liga Contra a Vacina Obrigatória marca um comício no largo de São Francisco. Seus líderes não comparecem.
Mas, exaltada, a multidão recebe a polícia com pedras, paus e pedaços de ferro da construção da avenida Central
(hoje, Rio Branco). À noite, cerca de 3 000 pessoas marcham contra o Palácio do Catete, sede do governo, já
cercado por tropas.
Na volta, pela Lapa, há novos confrontos. Tiros. Morre o primeiro popular.
Dia 12
Nos três dias seguintes, a cidade se transforma num campo de batalha, com barricadas em diversos pontos. Bondes
e postes são depredados. Trilhos e calçamentos, arrancados. Delegacias, repartições públicas e casas de armas,
invadidas.
A polícia é expulsa de bairros pobres, como a Saúde. Tropas do Exército de São Paulo e Minas Gerais são requi-
sitadas. A Marinha entra no conflito.
Golpe de Estado contra o presidente Rodrigues Alves. Líderes políticos conseguem sublevar a Escola Militar, na
praia Vermelha, de onde saem 300 cadetes armados, rumo ao Catete. Golpistas e tropas legalistas se enfrentam. O
governo reforça a segurança do palácio. O presidente se recusa a se refugiar num navio da Marinha. O encouraçado
Deodoro bombardeia a Escola Militar. Os rebelados se rendem. Fracassa o golpe.
Dia 16
O governo suspende a obrigatoriedade da vacina, retraindo a revolta. A resistência fica isolada a poucos locais,
entre eles, a Saúde, “último reduto dos anarquistas”. No dia 18, acontece o último conflito, na pedreira do Catete.
Saldo: 110 feridos, 30 mortos e 945 pessoas presas, das quais 461 são deportadas — inclusive sete estrangeiros,
segundo o chefe de polícia. A cidade volta à normalidade.
***
Breve história da extinção da varíola no mundo
1904
A primeira vacina tinha sido desenvolvida em 1797, pelo médico inglês Edward Jenner (1749-1823). Com o tempo,
o método foi aperfeiçoado. No final do século XIX, já se produzia a vacina desidratada, a partir do vírus da varíola
bovina. Foi este o método trazido da França por Oswaldo Cruz. A aplicação era feita no braço, por meio de
arranhões com lancetas.
1967
A Organização Mundial da Saúde (OMS) iniciou a campanha de erradicação da varíola. A vacina era produzida,
então, a partir de tecidos de bezerro contendo o vírus ativo, e a aplicação, feita por pistola. Em 1973, a varíola é
considerada extinta na América do Sul. Em 1976, o último ataque à doença, na Somália e na Etiópia, mobilizou 3
milhões de vacinadores. O último caso foi o de uma jornalista inglesa, que se contaminou em laboratório e morreu
da doença, em 1978.
1980
Em 8 de maio, a OMS dá a varíola como completamente erradicada da Terra. Alguns países foram autorizados a
conservar o vírus em laboratório, entre eles Estados Unidos, África do Sul, a extinta União Soviética, Grã-Breta-
nha, Holanda e China. Os três últimos desistiram. A África do Sul destruiu suas amostras em 1984. Em meados
deste ano, foi realizada uma reunião para definir o que fazer com as amostras americanas e russas.
1994
Em 9 de setembro, o Comitê de Especialistas da OMS aprovou a recomendação de destruir os últimos vírus e
encaminhou-a à Assembleia Mundial de Saúde, que acontece em maio de 1995. O Brasil foi representado no
Comitê pelo pesquisador Hermann Schatzmayr, da Fundação Oswaldo Cruz. Tudo indica que os últimos exem-
plares terão seu fim em 30 de junho de 1995. Mas seu código genético será preservado.
***
Hulton Archive / Equipe/Getty Images
O sanitarista
Oswaldo Gonçalves Cruz nasceu em São Luis do Paraitinga, São Paulo, em 5 de agosto de 1872. Precoce, ingressou
na faculdade de medicina aos 15 anos. Em 1892, com 20 anos, obteve o doutorado pela Faculdade Nacional de
Medicina, do Rio de Janeiro. Exerceu a clínica médica por pouco tempo e, com o apoio do sogro, seguiu para
Paris, em 1896, para um estágio no Instituto Pasteur. Faleceu em Petrópolis, em 11 de fevereiro de 1917.
Leia mais em: https://super.abril.com.br/historia/oswaldo-cruz-e-a-variola-a-revolta-da-vacina/
PARA REFLETIR:
1. Quais os motivos que levaram a Revolta da Vacina?
2. A Revolta da Vacina teve como pano de fundo a tentativa de se vacinar a população. Qual era o momento his-
tórico que levou a Revolta da Vacina?
3. Quais as ideias estavam por traz do movimento de vacinação obrigatória?
4. Como podemos caracterizar a Revolta da Vacina?
5. Existe paralelo entre o momento em que ocorreu a Revolta da Vacina e a crise provocada pelo Covid-19?
Descreva com suas palavras esse paralelo.

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  • 1. Revolta da Vacina (1902): Uma rebelião contra o racismo e o trata- mento desumano dos governos Dayse Oliveira Gomes* A Revolta da Vacina foi um movimento de combate à vacinação obrigatória contra a varíola que ocorreu no Rio de Janeiro em 1902. Foi protagonizado por trabalhadores negros e negras principalmente. A varíola havia se espalhado em razão do descaso dos governos que ofereciam péssimas condições de vida, racismo, falta de campanha de esclarecimento, de educação e vários outros fatores. Até a própria burguesia e a classe média não sabiam o que era uma vacina. Por isso, é um movimento complexo. Sem a devida contextualização histórica, os trabalhado- res, o movimento operário, os negros e negras aparecem de forma errada como se fossem os vilões, como gente atrasada contrária ao progresso do país. Abolição e racismo A abolição da escravatura, em 1888, não trouxe bem- estar para os negros, que foram substituídos pelos imigrantes como mão-de-obra nas fábricas com o intuito de branquear o Brasil. Negros e negras serviam como trabalhadores escravos e não como trabalhadores assalariados aos olhos dos governantes. Não havia plena liberdade para a população negra, que não tinha acesso à terra, ao emprego, à educação e às mínimas condições dignas de vida. Nessa conjuntura, nos primeiros anos da República, aconteceram revoltas como a de Canudos, na Bahia, a do Contestado, em Santa Catarina, entre outras. A Revolta da Vacina faz parte dessa onda de revoltas, ocorrida na maior cidade do país de então. O Brasil da época republicana era explorado pelo imperialismo e pela classe dominante formada pelas oligarquias dos grandes fazendeiros do café, uma burguesia descendente de senhores de escravos. Essa burguesia estava ligada a uma industrialização dependente de capital estrangeiro. Racismo científico Nesse mesmo período, havia um processo de colonização da África, da Ásia e da América Latina, cujo objetivo era a apropriação das matérias-primas dessas regiões, ao mesmo tempo em que serviam de mercado para o excedente de produção da indústria europeia. Muitas ideologias foram usadas para justificar essas ações de ex- ploração e colonização, como o racismo científico, teorias eugenistas de pureza da raça etc. O racismo científico é uma teoria criada por Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882). Segundo ela, a mistura de raças (miscigenação) era inevitável e levaria a raça humana a graus sempre maiores de degenerescência física e intelectual. É atribuída a Gobineau a frase: “Não creio que viemos dos macacos mas creio que vamos nessa direção”. Para ele, as regiões formadas majoritariamente por negros, índios e mestiços jamais alcançariam o progresso. Essas ideologias foram importadas para o Brasil e adaptadas por intelectuais da burguesia e dos fazendeiros. Assim, todo o atraso do Brasil passou a ser responsabilidade dos indígenas e do povo negro. A República dos fazendeiros, que usava o dinheiro público para compensar quedas nos preços do café no mercado internacio- nal, garantia o bem-estar e os negócios da burguesia contra os interesses da maioria da população. A realidade das cidades brasileiras Naquela época, não havia direitos trabalhistas, como a jornada de oito horas ou férias. Toda luta social e sindical era vista como caso de polícia. Isso motivava a atuação do movimento operário diante de uma desigualdade social não resolvida. * Dayse Oliveira Gomes é professora de história da rede pública estadual do Rio de Janeiro, mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), especialista em relações raciais e educação.
  • 2. Muitos trabalhadores eram europeus. A maioria da população dos grandes centros urbanos estava desem- pregada. No setor de serviços, o trabalho informal predominava, o que contribuía muito para um crescimento urbano desordenado e com problemas de transportes, iluminação, saneamento, mau abastecimento de água e difícil alimentação. A população pobre morava em cortiços imundos. Esse cenário de crise social era propício para o surgimento de doenças como a febre amarela, a peste bubônica e a varíola, que matavam milhares de pessoas. Isso dificultava a visita de autoridades europeias ao Brasil, o que atrapalhava os negócios dos capitalistas e dava ao país uma imagem muito ruim no exterior. A reforma urbana Diante desse caos, surgiu a proposta de reestruturação dos grandes centros como São Paulo e, principal- mente, Rio de Janeiro, que era a capital do Brasil. Para a classe dominante, era necessário sanear o Rio de Janeiro, elitizando a cidade. Essa tarefa foi encarada pelos presidentes Campos Sales (1898- 1902) e Rodrigues Alves (1902- 1906) em parceria com Francisco Franco Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro nomeado por Alves. O prefeito realizou uma operação de limpeza, conhecida como reforma urbana, que resultou na demolição de barracos e cortiços, expulsando do centro do Rio de Janeiro a população negra e pobre. Para isso, a legislação foi modificada, e Passos teve plenos poderes para que as autoridades judiciárias, federais ou locais, não pudessem revogar medidas e atos administrativos do município. Desse modo, teve o cami- nho livre para realizar demolições, despejos e interdições sem ser incomodado pela Justiça. A finalidade era tornar os grandes centros numa “Europa possível”. No caso do Rio, o objetivo era trans- formá-lo numa capital “nos moldes franceses”. A demolição das pensões e dos cortiços provocou uma imensa crise de habitação que elevou os aluguéis e pressionou as classes populares para os subúrbios e para cima dos morros que circundam a cidade. A revolta explode nas ruas do Rio Para que isso desse certo, era necessário culpar a população pobre e negra pelas doenças. O médico Os- waldo Cruz foi o escolhido para coordenar a vacinação. Não houve preocupação alguma em garantir informação sobre as vacinas. Os trabalhadores tinham várias razões para não confiar nas agulhas do governo nas peles de suas crianças. Isso favorecia boatos como a de que a vacina seria na virilha, região íntima. Vacinar pessoas não é semelhante à vacina de gado. Sem convencimento, praticamente ninguém compareceu aos postos de vacinação. Esse quadro contribuiu para que o Congresso aprovasse, em 1904, a Lei da Vacina Obrigatória, que autorizou os funcionários da saúde a vacinar todos os brasileiros a partir dos seis meses de idade. Quem não acatasse a ordem teria de pagar multas e seria demitido do trabalho. O projeto também exigia comprovantes de vacinação para a realização de matrículas nas escolas, viagens, hospedagens e casamentos. Os trabalhadores viram a vacinação como mais um ataque do governo, assim como as demolições de suas moradias e as propagandas racistas. Assim, entre 10 e 16 de novembro de 1904, a população foi para as ruas armada com paus, pedras e pedaços de ferro contra a vacinação obrigatória. Setores contrários ao presidente Ro- drigues Alves, além do movimento operário, uniram-se à rebelião. Até cadetes das forças armadas fizeram parte dos protestos. O governo desarticulou o movimento, prendeu vários manifestantes e suspendeu a vacinação obrigatória contra a varíola. Tempos depois, em 1908, houve uma forte epidemia de varíola. O povo, convencido pela reali- dade, correu para os postos de vacinação. O que foi a revolta Não se pode compreender a Revolta da Vacina sem entender o contexto de exploração e opressão do povo negro e pobre do Rio de Janeiro. A população estava revoltada com os despejos provocados pela reforma urbana. Também estava cada vez mais oprimida pelas políticas racistas que levaram à marginalização dessa população. Desse modo, a campanha de vacinação foi encarada como mais uma ação desumana e autoritária do go- verno Rodrigues Alves. A insistência em resolver questões sociais com a polícia e com extrema violência contra a
  • 3. população mostra o desespero e o medo que a burguesia brasileira tem dos trabalhadores. Temia que o povo pobre e negro pudesse desalojá-la do poder por meio de uma rebelião. Por isso, foi feita uma campanha de vacinação que tratava o povo pobre como animais e não como seres humanos que deveriam ser convencidos sobre a mesma. Graças a isso, milhares de pessoas, inclusive da própria burguesia, pagaram com a vida quando veio a epidemia de varíola em 1908. A Revolta da Vacina mostra, mais uma vez, que a burguesia nacional é totalmente cruel com os trabalha- dores. São completamente submissos aos interesses econômicos do imperialismo e às suas teorias racistas que desqualificam a maioria da população brasileira. Um dos líderes populares da revolta foi Horácio José da Silva, mais conhecido como Prata Preta. Capoei- rista e estivador, Prata Preta liderou os revoltosos na barricada do bairro da Saúde contra o exército. Foi preso e deportado para o Acre. PARA LER: O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil Lilia Moritz Schwarcz A abolição e a manutenção das injustiças: a luta dos negros na Primeira República brasileira Thiago Dantas da Silva e Maíra Rodrigues dos Santos A revolta da vacina FIOCRUZ PARA ASSISTIR Sonhos tropicais (2001) Direção: André Sturm
  • 4. O QUE FOI A REVOLTA DA VACINA? Oswaldo Cruz queria livrar o Rio de Janeiro da varíola. Mas na primeira campanha de vacinação, há mais de 100 anos, a cidade virou um campo de batalha. Por Cássio Leite Vieira - Atualizado em 15 jul 2020, 14h39 - Publicado em 31 out 1994, 22h00 Bonde virado pela população na Praça da República durante a revolta. Wikipedia/Wikimedia Commons Entre os dias 10 e 18 de novembro de 1904, a cidade do Rio de Janeiro viveu o que a imprensa chamou de “a mais terrível das revoltas populares da República”. O cenário era desolador: bondes tombados, trilhos ar- rancados, calçamentos destruídos — tudo feito por uma massa de 3 000 revoltosos. A causa foi a lei que tornava obrigatória a vacina contra a varíola. E o personagem principal, o jovem médico sanitarista Oswaldo Cruz. A oposição política, ao sentir a insatisfação popular, tratou de canalizá-la para um plano arquitetado tempos antes: a derrubada do presidente da República Rodrigues Alves. Mas os próprios insufladores da revolta perderam a liderança dos rebeldes e o movimento tomou rumos próprios. Em meio a todo o conflito, com saldo de 30 mortos, 110 feridos, cerca de 1 000 detidos e centenas de deportados, aconteceu um golpe de Estado, cujo objetivo era restaurar as bases militares dos primeiros anos da República. A revolta foi sufocada e a cidade, remodelada, como queria Rodrigues Alves. Poucos anos depois, o Rio de Janeiro perderia o título de “túmulo dos estrangeiros”. Hoje, a varíola está extinta no mundo todo. E a Orga- nização Mundial da Saúde, da ONU, discute a destruição dos últimos exemplares do vírus da doença, ainda man- tidos em laboratórios dos Estados Unidos e da Rússia. Rodrigues Alves assumiu a presidência da República em 1902, no Rio de Janeiro, sob um clima de descon- fiança e com um programa de governo que consistia basicamente de dois pontos: modernizar o porto e remodelar a cidade. Isso exigia atacar o maior mal da capital: doenças como peste bubônica, febre amarela e varíola. A futura “Cidade Maravilhosa” era, então, pestilenta. A situação era tão crítica que, durante o verão, os diplomatas estrangeiros se refugiavam em Petrópolis, para se livrar do contágio. Em 1895, ao atracar no Rio, o contratorpedeiro italiano Lombardia perdeu 234 de seus 337 tripulantes por febre amarela. Segundo a oligarquia paulista do café, de quem Rodrigues Alves era representante, além de vergonha na- cional, as condições sanitárias do Rio impediam a chegada de investimentos, maquinaria e mão-de-obra estrangeira. O projeto sanitário deveria ser executado a qualquer preço. Rodrigues Alves nomeia, então, dois assisten- tes, com poderes quase ditatoriais: o engenheiro Pereira Passos, como prefeito, e o médico sanitarista Oswaldo Cruz, como chefe da Diretoria de Saúde Pública. Cruz assume o cargo em março de 1903: “Dêem-me liberdade de ação e eu exterminarei a febre amarela dentro de três anos”. O sanitarista cumpriu o prometido.
  • 5. Em nove meses, a reforma urbana derruba cerca de 600 edifícios e casas, para abrir a avenida Central (hoje, Rio Branco). A ação, conhecida como “bota-abaixo”, obriga parte da população mais pobre a se mudar para os morros e a periferia. A campanha de Oswaldo Cruz contra a peste bubônica correu bem. Mas o método de combate à febre amarela, que invadiu os lares, interditou, despejou e internou à força, não foi bem-sucedida. Batizadas pela im- prensa de “Código de Torturas”, as medidas desagradaram também alguns positivistas, que reclamavam da quebra dos direitos individuais. Eles sequer acreditavam que as doenças fossem provocadas por micróbios. Jacobinos e florianistas, que já articulavam um golpe contra o presidente Rodrigues Alves, perceberam que poderiam canalizar a insatisfação popular em favor de sua causa: a derrubada do governo, acusado de privilegiar os fazendeiros e cafeicultores paulistas. Dia 31 de outubro, o governo consegue aprovar a lei da vacinação. Preparado pelo próprio Oswaldo Cruz — que tinha pouquíssima sensibilidade política —, o projeto de regulamentação sai cheio de medidas autoritárias. O texto vaza para um jornal. No dia seguinte à sua publicação, começam as agitações no centro da cidade. Financiados pelos monarquistas — que apostavam na desordem como um meio de voltar à cena política —, jacobinos e florianistas usam os jornais para passar à população suas ideias conspiradoras, por artigos e charges. Armam um golpe de Estado, a ser desencadeado durante o desfile militar de 15 de novembro. Era uma tentativa de retornar aos militares o papel que desempenharam no início da República. Mas, com a cidade em clima de terror, a parada militar foi cancelada. Lauro Sodré e outros golpistas conseguem, então, tirar da Escola Militar cerca de 300 cadetes que marcham, armados, para o palácio do Catete. Barricada durante a revolta da vacina, no Rio de Janeiro Wikipedia/Wikimedia Commons O confronto com as tropas governamentais resulta em baixas dos dois lados, sem vencedores. O governo reforça a guarda do palácio. No dia seguinte, os cadetes se rendem, depois que a Marinha bombardeara a Escola Militar, na madrugada anterior. No dia 16, o governo revoga a obrigatoriedade da vacina, mas continuam os con- flitos isolados, nos bairros da Gamboa e da Saúde. Dia 20, a rebelião está esmagada e a tentativa de golpe, frustrada. Começa na cidade a operação “limpeza”, com cerca de 1000 detidos e 460 deportados. Mesmo com a revogação da obrigatoriedade da vacina, permanece válida a exigência do atestado de vaci- nação para trabalho, viagem, casamento, alistamento militar, matrícula em escolas públicas, hospedagem em hotéis. Em 1904, cerca de 3500 pessoas morreram de varíola. Dois anos depois, esse número caía para nove. Em 1908, uma nova epidemia eleva os óbitos para cerca de 6550 casos, mas, em 1910, é registrada uma única vítima. A cidade estava enfim reformada e livre do nome de “túmulo dos estrangeiros”. Cerca de quinze tipos de moléstia faziam vítimas no Rio do início do século. As principais, que já atingiam proporções epidêmicas, eram a peste bubônica, a febre amarela e a varíola. Mas havia também sarampo, tubercu- lose, escarlatina, difteria, coqueluche, tifo, lepra, entre outras. Para combater a peste bubônica, Oswaldo Cruz formou um esquadrão especial, de 50 homens vacinados, que percorriam a cidade espalhando raticida e mandando recolher o lixo. Criou o cargo de “comprador de ratos”,
  • 6. funcionário que recolhia os ratos mortos, pagando 300 réis por animal. Já se sabia que eram as pulgas desses animais as transmissoras da doença. Em 1881, o médico cubano Carlos Finlay havia identificado o mosquito Stegomyia fasciata como o transmis- sor da febre amarela. Cruz, então, criou as chamadas “brigadas mata-mosquitos”, que invadiam as casas para de- sinfecção com gases de piretro e enxofre. No primeiro semestre de 1904, foram feitas cerca de 110.000 visitas domiciliares e interditados 626 edifícios e casas. A população contaminada era internada em hospitais. Mesmo sob insatisfação popular, a campanha deu bons resultados. As mortes, que em 1902 chegavam a cerca de 1.000, baixaram para 48. Cinco anos depois, em 1909, não era registrada, na cidade do Rio de Janeiro, mais nenhuma vítima da febre amarela. Apesar de todos os incidentes, foi com a mesma firmeza que Oswaldo Cruz bancou a campanha contra a varíola. Na noite de 14 para 15 de novembro, enviou a mulher e os filhos para a casa do amigo Sales Guerra e seguiu, ele mesmo, para a casa do cientista Carlos Chagas, que mais tarde descobriria a causa do mal de Chagas. Em 1907, de volta de uma exposição na Alemanha, onde fora premiado por sua obra de combate às do- enças, Cruz sente os primeiros sintomas da sífilis. Envelheceu rapidamente: aos 30 anos, tinha já cabelos brancos. A sífilis causou-lhe insuficiência renal. Mais tarde, surgiram problemas psíquicos. Os delírios se intensificaram e conta-se que muitas vezes foi visto à noite, vagando solitariamente pelas dependências do Instituto Manguinhos, que ele próprio ajudara a projetar, em 1903, e que receberia o nome de Instituto Oswaldo Cruz, em 1908. Em 1916, foi nomeado prefeito de Petrópolis. A cidade, envolvida em disputas políticas, não recebe bem a nomeação. Oswaldo Cruz morreu, em 11 de fevereiro de 1917, com uma passeata de protesto em frente à sua casa. Como novembro de 1904 pôs fogo no Rio de Janeiro Dia 9 O jornal carioca “A Notícia” publica o projeto de regulamentação da lei de vacinação obrigatória. Os termos são considerados autoritários e começa a indignação popular. No dia 10, o povo se aglomera no largo de São Francisco. “Morra a polícia. Abaixo a vacina”, gritam os oradores. A multidão desce a rua do Ouvidor e, na praça Tiradentes, encontra policiais. Ao final, quinze presos. Dia 11 A Liga Contra a Vacina Obrigatória marca um comício no largo de São Francisco. Seus líderes não comparecem. Mas, exaltada, a multidão recebe a polícia com pedras, paus e pedaços de ferro da construção da avenida Central (hoje, Rio Branco). À noite, cerca de 3 000 pessoas marcham contra o Palácio do Catete, sede do governo, já cercado por tropas. Na volta, pela Lapa, há novos confrontos. Tiros. Morre o primeiro popular. Dia 12 Nos três dias seguintes, a cidade se transforma num campo de batalha, com barricadas em diversos pontos. Bondes e postes são depredados. Trilhos e calçamentos, arrancados. Delegacias, repartições públicas e casas de armas, invadidas. A polícia é expulsa de bairros pobres, como a Saúde. Tropas do Exército de São Paulo e Minas Gerais são requi- sitadas. A Marinha entra no conflito. Golpe de Estado contra o presidente Rodrigues Alves. Líderes políticos conseguem sublevar a Escola Militar, na praia Vermelha, de onde saem 300 cadetes armados, rumo ao Catete. Golpistas e tropas legalistas se enfrentam. O governo reforça a segurança do palácio. O presidente se recusa a se refugiar num navio da Marinha. O encouraçado Deodoro bombardeia a Escola Militar. Os rebelados se rendem. Fracassa o golpe. Dia 16 O governo suspende a obrigatoriedade da vacina, retraindo a revolta. A resistência fica isolada a poucos locais, entre eles, a Saúde, “último reduto dos anarquistas”. No dia 18, acontece o último conflito, na pedreira do Catete. Saldo: 110 feridos, 30 mortos e 945 pessoas presas, das quais 461 são deportadas — inclusive sete estrangeiros, segundo o chefe de polícia. A cidade volta à normalidade. ***
  • 7. Breve história da extinção da varíola no mundo 1904 A primeira vacina tinha sido desenvolvida em 1797, pelo médico inglês Edward Jenner (1749-1823). Com o tempo, o método foi aperfeiçoado. No final do século XIX, já se produzia a vacina desidratada, a partir do vírus da varíola bovina. Foi este o método trazido da França por Oswaldo Cruz. A aplicação era feita no braço, por meio de arranhões com lancetas. 1967 A Organização Mundial da Saúde (OMS) iniciou a campanha de erradicação da varíola. A vacina era produzida, então, a partir de tecidos de bezerro contendo o vírus ativo, e a aplicação, feita por pistola. Em 1973, a varíola é considerada extinta na América do Sul. Em 1976, o último ataque à doença, na Somália e na Etiópia, mobilizou 3 milhões de vacinadores. O último caso foi o de uma jornalista inglesa, que se contaminou em laboratório e morreu da doença, em 1978. 1980 Em 8 de maio, a OMS dá a varíola como completamente erradicada da Terra. Alguns países foram autorizados a conservar o vírus em laboratório, entre eles Estados Unidos, África do Sul, a extinta União Soviética, Grã-Breta- nha, Holanda e China. Os três últimos desistiram. A África do Sul destruiu suas amostras em 1984. Em meados deste ano, foi realizada uma reunião para definir o que fazer com as amostras americanas e russas. 1994 Em 9 de setembro, o Comitê de Especialistas da OMS aprovou a recomendação de destruir os últimos vírus e encaminhou-a à Assembleia Mundial de Saúde, que acontece em maio de 1995. O Brasil foi representado no Comitê pelo pesquisador Hermann Schatzmayr, da Fundação Oswaldo Cruz. Tudo indica que os últimos exem- plares terão seu fim em 30 de junho de 1995. Mas seu código genético será preservado. *** Hulton Archive / Equipe/Getty Images O sanitarista Oswaldo Gonçalves Cruz nasceu em São Luis do Paraitinga, São Paulo, em 5 de agosto de 1872. Precoce, ingressou na faculdade de medicina aos 15 anos. Em 1892, com 20 anos, obteve o doutorado pela Faculdade Nacional de Medicina, do Rio de Janeiro. Exerceu a clínica médica por pouco tempo e, com o apoio do sogro, seguiu para Paris, em 1896, para um estágio no Instituto Pasteur. Faleceu em Petrópolis, em 11 de fevereiro de 1917. Leia mais em: https://super.abril.com.br/historia/oswaldo-cruz-e-a-variola-a-revolta-da-vacina/
  • 8. PARA REFLETIR: 1. Quais os motivos que levaram a Revolta da Vacina? 2. A Revolta da Vacina teve como pano de fundo a tentativa de se vacinar a população. Qual era o momento his- tórico que levou a Revolta da Vacina? 3. Quais as ideias estavam por traz do movimento de vacinação obrigatória? 4. Como podemos caracterizar a Revolta da Vacina? 5. Existe paralelo entre o momento em que ocorreu a Revolta da Vacina e a crise provocada pelo Covid-19? Descreva com suas palavras esse paralelo.