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O Natal do Homem Aranha

Por Liris Tribuzzi

 

Capa de "O Natal do Homem Aranha".

Fim de ano, o espírito natalino toma conta de todos nós. Especiais de televisão com neve em pleno verão, música da Simone tocando em todas as lojas e nas bancas não poderia ser diferente: edições especiais.

 

Esta em questão é do ano de 1983, o número 2 da série “Grandes Heróis Marvel” publicada no Brasil pela editora Abril. E lá se vão 28 anos da capa com o Coisa vestido de Papal Noel em um trenó sendo puxado pelo Thor, voando devido ao auxílio de seu martelo, e pelo Hulk, que igualmente voa, mesmo com toda a sua massa de músculos e aerodinâmica zero.

 

Na primeira história, “Pequenos Milagres”, temos Peter Parker chegando para o jantar de natal em casa quando percebe que um dos convidados está triste pela falta da neta. Peter, então, decide ir atrás da garota, e percebe algo estranho quando recebe uma joia com a imagem dela de um ser que vive no lado escuro da lua. Em sua busca, o Homem-Aranha se depara com o Capitão América, que aparece lhe oferendo ajuda, mas é dispensado com um “feliz natal”.

 

Após descobrir que Betty estava envolvida com traficantes de droga, não consegue impedir de que seja alvejada por um tiro. Quase morrendo, é salva pela mesma joia que continha seu rosto.

 

Passando por Luke Cage e o Quarteto Fantástico, a edição termina no melhor clima de confraternização: todo o elenco da Marvel reunido. Os Vingadores, sem o Homem de Ferro, e o Quarteto Fantástico brincando de bolas de neve em um evento beneficente no parque, e aos poucos outros heróis aparecem, com destaque para o Hulk, que se sente sozinho e solitário, até que é convidado pelo Doutor Destino para comemorar o natal com ele.





Quadrinhos acessíveis: Gibiteca Henfil

Por Daniel Argento

 

As pessoas que passam apressadas todos os dias em frente ao Centro Cultural São Paulo, próximo à estação Vergueiro do Metrô, muitas vezes esquecem um de seus maiores tesouros: a Gibiteca Henfil. Inaugurada em 3 de maio de 1991, a gibiteca municipal originalmente se instalou na Biblioteca Infantojuvenil Viriato Corrêa, mas já se encontra no novo endereço desde 1999. Lá, integra um complexo que conta também com a Biblioteca Sérgio Milliet, a Biblioteca Louis Braille, a Discoteca Oneyda Alvarenga e uma série de espaços culturais para variadas manifestações artísticas.

 

A Gibiteca Henfil fica no subsolo do Centro Cultural São Paulo: lugar calmo, ideal para uma boa leitura.

 

Em alguns anos, a sala que abrigava a gibiteca tornou-se pequena para comportar a ampliação de seu acervo e o aumento gradual do público e, com a grande reforma pela qual o CCSP passou em 2007, ela foi deslocada para o mesmo andar das demais bibliotecas, onde possui maior espaço para a exposição de seus quadrinhos e seus frequentadores podem ficar mais à vontade.

 

Consultando suas estantes, é possível encontrar histórias em quadrinhos de todos os gêneros e épocas, com revistas e livros para os mais variados gostos. Seu acervo se formou principalmente graças a doações e a remanejamentos de outras bibliotecas, transformando a Gibiteca Henfil na maior instituição do tipo em número de títulos, oficialmente com 10.446 títulos e 119.124 exemplares.

 

Duas publicações antigas e acessíveis na gibiteca: Batman e Flash Gordon.

Em suas prateleiras, raridades como as primeiras publicações de Tarzan e Flash Gordon no Brasil ficam ao lado de suas edições mais recentes. No corredor seguinte, é possível relembrar a época em que os super-heróis realizavam suas proezas em páginas do chamado formatinho (13 x 21 cm), que foi tão popular por aqui até o final dos anos 1990. Além de muito divertido, andar pela gibiteca é fazer uma viagem pela história das revistas em quadrinhos no país.

 

Ao longo de seus vinte anos de existência, a Gibiteca Henfil se estabeleceu como referência para as demais e hoje é o mais conhecido espaço do gênero na cidade de São Paulo, juntamente com a Gibiteca Sesi, na Vila Leopoldina. Entre seus principais diferenciais está a abertura para eventos, como palestras e exposições relacionadas ao universo das HQs, o que a transformou em ponto de encontro e convivência de leitores, quadrinistas e aficionados. É comum ver pessoas de todas as idades, que foram ao centro cultural para outras atividades, passarem pela gibiteca para uma leitura rápida ou simplesmente olhar as novidades. O resultado é uma grande pluralidade de frequentadores, que têm os mais diversos interesses e relações com as histórias em quadrinhos.

 

A visitação à Gibiteca Henfil é livre, mas é necessário um cadastro para retirar materiais emprestados. Os interessados poderão fazer seus registros a partir de 7 de janeiro de 2012. Maiores informações sobre os procedimentos e as regras podem ser encontrados na página da Gibiteca Henfil no site do CCSP.

 

Os quadrinhos antigos dividem espaço com publicações mais recentes nas estantes da gibiteca.

A Gibiteca Henfil fica no Centro Cultural São Paulo, na Rua Vergueiro, n.º 1000 – Paraíso. O horário de funcionamento é de terça a sexta, das 10h às 20h. Aos sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h, exceto no Carnaval e na Páscoa. É importante lembrar que os visitantes só podem entrar até 30 minutos antes do encerramento do expediente. Para maiores informações, é possível ligar para o telefone (11) 3397-4090 ou escrever para o e-mail gibiteca@prefeitura.sp.gov.br. E não deixe de visitar o site especialmente produzido para a gibiteca.

 

 

Se você gosta de histórias em quadrinhos, não pode deixar de conhecer o lugar. Se não gosta, é o melhor lugar para corrigir isso. Boa visita!





O espírito dos quadrinhos

Por Daniel Argento

 

Um dos maiores artistas dos quadrinhos de todos os tempos, o americano Will Eisner tem exposição em sua homenagem no Brasil. Para o nosso orgulho.

 

Ilustração feita pelo próprio Eisner, na qual desenha o Spirit.

 

Se você nunca ouviu falar de Will Eisner nem leu um de seus quadrinhos, precisa repensar suas conversas e correr a uma biblioteca ou livraria. Trata-se de ninguém menos que um dos maiores ícones das HQs e um dos primeiros a levantar a bandeira da linguagem como manifestação artística. Mas não se sinta culpado, temos um privilégio especial que pode ajudá-lo a conhecer mais sobre essa figura emblemática.

 

Esse ano, o Brasil, país assumidamente apreciado pelo quadrinista e para o qual disse não se mudar apenas pela dificuldade para aprender o português, recebe uma mostra especial do trabalho de Eisner. Com direito a uma estátua de Spirit, seu mais famoso personagem, forjada em bronze especialmente para a exposição, O espírito vivo de Will Eisner tem curadoria de Marisa Furtado de Oliveira e Denis Kitchen e, depois de passar pelo Rio de Janeiro, ficará até 18 de dezembro no Centro Cultural São Paulo.

 

Composta por dezenas de banners com imagens de seus principais personagens e um grande número de páginas originais de suas HQs, a mostra ainda traz vários objetos pessoais de Eisner e algumas raridades, como uma enorme pintura de seu detetive mascarado em tinta acrílica sobre papel de pão, feita para que Ann Eisner, sua esposa, elaborasse uma tapeçaria.

 

Antes de se dirigir a O espírito vivo, no entanto, cabe um aviso. Visitá-la, assim como ler uma de suas HQs, pode despertar algo estranho para o público desavisado, que vai se deparar com uma janela para outra época. Contemplar a arte de Eisner nos faz pensar numa época em que os quadrinhos não eram menos comerciais, mas ganhavam muito em sutileza e sensibilidade.

 

Os traços precisos de canetas bico de pena que delineiam figuras e cenários associados ao exuberante contraste entre luzes e sombras revelam uma arte limpa e orgânica, naquilo que pode ser tanto uma aula quanto uma desintoxicação para nossos olhos, acostumados com imagens cada vez mais carregadas e mecanizadas. Vale a pena dar atenção especial aos originais de City People Notebook, nos quais Eisner usa, além da técnica tradicional a nanquim, a sobreposições de camadas de papel vegetal com recortes para criar uma graduação tonal e agregar um esfumaçado característico à aparência final dos desenhos.

 

Se você gosta de histórias em quadrinhos ou simplesmente é um apreciador de obras de arte elaboradas com requinte e esmero, não perderá nada visitando a exposição por alguns minutinhos: na verdade, só tem a ganhar. E, caso sobre um tempinho, ainda pode esticar o passeio e descer à Gibiteca Henfil do CCSP para conferir alguma das graphic novels de Eisner, como O nome do jogo, Pequenos milagres e New York, entre outras.

 

Aproveite a oportunidade, quando acontecerá outra exposição como essa é um mistério que nem Denny Colt consegue resolver!

 

 

WILLIAM ERWIN EISNER

 

Nascido em 1917, em Nova Iorque, e filho de imigrantes judeus, o jovem Will cresceu lendo tiras de quadrinhos em jornais, hábito que se tornou diário quando começou a trabalhar vendendo jornais em Wall Street. Mais tarde, esse gosto desenvolvido em sua juventude se manifestaria no colégio, quando Eisner aprimorou seus desenhos e sua escrita ao lado de colegas como Robert Kahn (mais conhecido como Bob Kane ou, ainda, o criador do Batman).

 

O primeiro grande passo de Eisner nos quadrinhos aconteceu quando, em 1936, entrou na equipe da revista WOW What a Magazine!, dirigida por Samuel Maxwell “Jerry” Iger, que se tornaria deu sócio no Eisner-Iger Studio um ano mais tarde, com o fim da WOW!. Apesar de importante para o desenvolvimento do artista, a parceria não durou muito e no início dos anos 1940 Eisner já produzia quadrinhos para a Quality Comics Group, por onde publicaria sua mais famosa criação: o detetive mascarado Spirit.

 

O detetive Spirit fez grande sucesso e até hoje é a criação mais famosa de Will Eisner, principalmente depois que ganhou um recente filme.

 

As páginas de abertura de suas histórias eram sempre criativas e inusitadas.

 

Já reconhecido por seu talento, em 1942, Eisner é convocado pelo exército americano, época em que passa a produzir HQs que serão distribuídas entre os soldados para motivar as tropas, o que fez com que outros artistas dessem sequência à saga de Spirit. Ao retornar, Eisner retomou as aventuras do personagem em tiras dominicais até 1952, ano em que suspenderia suas atividades diretas com quadrinhos.

 

O afastamento de Eisner durou até o início da década de 1970, quando recobrou o interesse por produzir e passou a se dedicar à elaboração das chamadas graphic novels (em português, novelas gráficas ou romances gráficos).  A primeira dessas obras foi Um contrato com Deus (A Contract with God, de 1978), seguida por Um sinal do espaço (Life on Another Planet, também de 1978) e tantas outras.

 

Elaboradas com notável sensibilidade, as graphic novels de Eisner representavam situações de realismo fantástico de personagens mundanos, preenchidos por angústias, esperanças e sentimentos dos mais variados e que caracterizam o que há de mais humano. Com esses trabalhos, o artista deu um grande incentivo para que as histórias em quadrinhos extrapolassem o gueto das leituras juvenis e de entretenimento, incorporando poesia e filosofia a histórias que já não tinham mais nada de infantis.

 

Página da primeira graphic novel de Eisner, Um contrato com Deus.

 

Quadro de Avenida Dropsie, graphic novel que foi adaptada para os palcos pela Sutil Companhia de Teatro.

 

“O último homem” integra New York: a vida na grande metrópole, uma das mais famosas HQs de Will Eisner.

 

 

Ao longo dos anos seguintes, além de continuar sua produção de obras ficcionais, o quadrinista escreveu uma trilogia sobre a natureza e as técnicas da linguagem quadrinística, baseado no conteúdo ministrado na Escola de Artes Visuais de Nova Iorque e que dominou durante sua carreira: Quadrinhos e Arte Sequencial (Comics and Sequential Art, publicado no Brasil pela editora Martins Fontes), Narrativas Gráficas (Graphic Storytelling, publicado no Brasil pela editora Devir) e Expressive Anatomy (inédito no Brasil).

 

As capas dos livros teóricos sobre histórias em quadrinhos escritos por Eisner. Os dois primeiros já foram publicados aqui no Brasil.

 

Dentre as diversas homenagens que Eisner recebeu ao longo de sua vida, talvez uma das mais emblemáticas seja o batismo do maior prêmio da indústria de quadrinhos americana com o seu nome, em 1988: o Will Eisner Comic Industry Awards, ou simplesmente ‘Eisners’. Receber o prêmio é uma honra, sendo um sonho para boa parte daqueles que se aventuram a produzir HQs.

 

Após uma vida de grande atividade e criatividade, Will Eisner faleceu em 2005, no estado da Flórida, devido a complicações após uma cirurgia. Com 87 anos, o quadrinista deixou extensa obra e numerosas lições aproveitadas hoje e sempre por jovens e adultos que apreciam as histórias em quadrinhos e sabem que por trás de simples requadros é possível encontrar ótimas histórias, com soluções artísticas criativas e elaboradas por artistas brilhantes.

 

Serviço: O espírito vivo de Will Eisner. Centro Cultural São Paulo – Piso Flávio de Carvalho. Rua Vergueiro, n. 1000, CEP: 01504-000, Paraíso, São Paulo, SP. Terça a sexta, das 10h às 20h; sábado, domingo e feriado, das 10h às 18h. Entrada franca. Classificação: Livre. Até 18/12/11. Acesse o site.

 

 

Para saber mais

 

http://www.willeisner.com (em inglês)

http://pt.wikipedia.org/wiki/Will_Eisner

http://pt.wikipedia.org/wiki/The_spirit

http://en.wikipedia.org/wiki/Graphic_novel (em inglês)

http://www.universohq.com/quadrinhos/entrevista_eisner.cfm





Dos consoles para as páginas: games que viraram mangás

Por André Saretto, Alissa Queiroz, Camila Cysneiros e Luciane Yasawa

 

Todos sabemos que o mundo dos quadrinhos se confunde e influencia as outras ramificações da cultura nerd. Os jogos de videogame, os filmes de super heróis e os action figures, bonecos colecionáveis, são alguns exemplos desse universo criado para os interessados nesse ramo.

 

No Japão, essa cultura é muito forte. Os mangakás – como são conhecidos os desenhistas dos quadrinhos japoneses, os mangás – são famosos por gostarem muito de videogames e utilizá-los como uma espécie de referência na hora de compor suas histórias. Assim, os lançamentos de jogos baseados em animes e mangás é muito frequente, mas algo que também acontece, e às vezes dá muito certo, é a adaptação de games para animações ou histórias em quadrinhos japonesas. Nessa matéria especial do PQ sobre a terra do sol nascente, vamos conhecer alguns desses fenômenos.

 

“Temos que pegar!”

 

Game Boy Pokemon

 

Todos conhecem a turma de Ash e Pikachu e os vilões mais carismáticos, a Equipe Rocket. O que poucos sabem é que Pokémon, que fez parte da infância de muitas pessoas, as quais recitavam os nomes dos 150 pokémons a cada intervalo do anime, começou em 1997 a partir de um jogo para o portátil Game Boy. Com suas fitas vermelha e azul, que com certeza eram trocadas com os amigos, já que havia pokémons exclusivos para cada versão, o game alcançou um sucesso mastodôntico.

 

Com o sucesso estrondoso dos joguinhos, foi criada a série de mangás Pokemon Adventures, lançada em março de 1997, um mês antes do lançamento do anime que levou a franquia ao sucesso mundial, totalizando hoje 13 filmes.

 

Mangá Pokemon

 

Existe um fato bem curioso: a série de anime, mais conhecida por todos, não é fiel ao jogo, no qual os personagens principais mudavam-se a cada episódio. Essa rotatividade é mais respeitada nos mangás, que trocam os personagens a cada fase, em volumes que são publicados até hoje, além de manterem os nomes originais dos personagens: por exemplo, o protagonista Ash chama-se Red na história original dos games. O mangá é escrito por Hidenori Kusaka e tem os traços de Mato e Satoshi Yamamoto.

 

“Parou de funcionar! E o vencedor é…”

 

 

Também Medabots foi originalmente um jogo para Game Boy, lançado em 1997 e que continuou sendo lançado para os demais consoles da Nintendo. Metabee e os demais robôs foram também um sucesso, seguindo a febre dos games portáteis da época.

 

Foi adaptado para anime e mangá, publicado no Brasil pela Editora Abril, em 2002. O mangá possui quatro séries, porém não teve tanto sucesso quanto o anime ou os jogos, e alguns volumes nem chegaram ser publicados.

 

“Temos que encontrar a princesa!”

 

 

Mario, Luigi e a princesa eternamente sequestrada. Faz muito tempo que conhecemos essa história, lá da época do NES (o famoso “nintendinho”). A partir do game foram lançadas algumas séries de quadrinhos e mangás, entre elas a Super Mario-kun, que chegou a ter 41 volumes publicados no Japão e a Super Mario Bros, publicada como parte da Nintendo Comics System, pela Valiant Comics, dos EUA.

 

 

Também foi publicada, durante o ano de 1992, uma antologia de quadrinhos em estilo mangá denominada Super Mario Adventures. Os quadrinhos vinham dentro da revista Nintendo Power, nos EUA, e eram baseados apenas no Super Mario World, mas traziam personagens de toda a série Mario.

 

“Você é muito lento!”

 

Videogame Sonic

 

Quem você escolhia? O Tails – porque voava e chegava mais facilmente em locais altos – ou o Sonic – porque ele era o Sonic? Bom, o fato é que eles chegaram, sim, muito longe: às telas das TVs e às páginas dos quadrinhos.

 

O primeiro mangá, Sonic the Hedgegog (Sonic, o ouriço, em tradução livre), foi lançado em 1992 e contava a história de um garoto ouriço que se transformava em Sonic. Em 1993 foi lançado na Inglaterra Sonic the Comic, que foi publicado até 2003. Ainda está em andamento a publicação norte-americana Sonic the Hedgegog, assim como Sonic X, que servia de suplemento para a série animada de mesmo nome.

 

Mangá Sonic




“Chibata!” e a consciência dos Direitos Humanos

Por Eliezer Rodrigues

 

E enquanto se discute a militarização das favelas cariocas com a instalação de UPPs, no dia 20 de novembro é celebrado o Dia da Consciência Negra, data em que Zumbi dos Palmares morreu, um dia para se refletir a inserção do negro na sociedade brasileira.

 

Mas cerca de 101 anos atrás, no dia 22 de novembro, eclodiu uma rebelião de cunho racial no Rio de Janeiro que ficou conhecida como a Revolta da Chibata. Foi uma das muitas revoltas que marcaram o primeiro período republicano no país. Entretanto, o que choca sobre esta revolta são as razões que a deflagraram e o seu trágico desfecho.

 

Como boa parte da Marinha brasileira era composta por oficiais negros e mulatos, subordinados a um oficialato de origem branca e elitista, os castigos em caso de indisciplina eram bastante semelhantes aos usados durante o período escravista.

 

Com o descontentamento geral, os marinheiros já articulavam uma revolta para dez dias depois da posse da presidência de Hermes da Fonseca; porém, devido a uma punição de 250 chibatas contra um dos marinheiros, os revoltosos precipitaram o motim e em 22 de novembro tomaram o Encouraçado Minas Gerais. Ainda na mesma noite, outros navios foram tomados pelos marinheiros rebeldes sob a liderança de João Cândido Felisberto.

 

E com os canhões apontados para o Rio de Janeiro, os amotinados conseguiram um acordo com o Governo Federal. Contudo, assim que se entregaram, sofreram represálias de todos os tipos, desde expulsão da Marinha até execuções e internações em hospitais psiquiátricos. Quase cem anos depois do fim da perseguição e repressão aos revoltosos, o governo brasileiro concedeu uma anistia simbólica e inscreveram João Cândido no Livro dos Heróis da Pátria.

 

Em 2007, de olho no mercado de adaptações sobre fatos históricos, a editora Conrad pediu para que os cearenses Olindo Gatelha (texto) e Hemetério (desenhos) ficcionalizassem a revolta liderada por João Cândido: Chibata! João Cândido e a revolta que abalou o Brasil (Editora Conrad, 2008).

 

Ainda que tenham feito um trabalho de viés ficcional, não faltou material de pesquisa para dar a base histórica à trama. Em entrevista à revista O Grito, de outubro de 2008, Hemetério afirma que tiveram muito cui­dado para ambi­en­tar a HQ o mais corretamente pos­sí­vel. “Sou arqui­teto, então as par­tes do roteiro envol­vendo cenas de rua e mobi­liá­rio urbano foram par­ti­cu­lar­mente inte­res­san­tes pra mim”, alega o desenhista.

 

 

Mas a pesquisa não se restringiu à criação e ambientação. Momentos como a tomada do navio e uma página que referencia a estética do Barão de Itararé mostram a força artística do roteiro e da arte para retratar um momento bastante crítico da História do Brasil – que durante muitos anos tornou-se tabu para os militares brasileiros. O jogo de luz/sombras e hachuras só potencializa o realismo da trama e, consequentemente, aumenta a carga dramática da obra.

 

Mais do que discutir a questão do negro na sociedade, inevitavelmente, Chibata! discute a forma como poder público tem lidado historicamente com questões delicadas de cunho político e social. Mais do que dar Unidade Pacificadoras, mais do que desocupar reitorias ou evitar que supostos inimigos do Estado bombardeiem a capital federal, o governo teria a função de zelar pelo bem maior de sua nação: o seu povo. O que só é alcançado nas regras de um jogo onde prevaleceria o diálogo democrático.

 

Quer saber mais?

 

Revista O Grito: “Chibata!”

Uol Educação: Revolta da Chibata

Folha de S.Paulo: “Em ano de anistia, Revolta da Chibata ganha HQ”





Quadrinhos acessíveis: Gibiteca de Santos

Por Sebastian Ribeiro

 

Fachada da Gibiteca, na orla de Santos

 

A Gibiteca Municipal Marcel Rorigues Paes, mais conhecida como Gibiteca de Santos, localizada à beira da praia, é um confortável local onde os entusiastas dos quadrinhos poderm se sentir à vontade bem no coração da ensolarada Baixada Santista. Foi inaugurada em 1992 e vem recebendo doações desde então. Hoje a Gibiteca conta com um acervo que, segundo a simpaticíssima funcionária dona Sílvia, ninguém nunca contou, mas estima-se que chegue a 20 mil exemplares. A Gibiteca fica no Posto 5 dos bombeiros, um dos sete postos espalhados pela orla da praia de Santos, onde o Corpo de Bombeiros divide seu espaço com atividades culturais. Os outros postos têm atrações que incluem um cinema e uma escola pública de surf.

 

Interior da Gibiteca de Santos

O espaço é pequeno, porém bem aproveitado. Ao entrar, o visitante se depara com as estantes repletas de quadrinhos para livre leitura, mesas, cadeiras, uma parede, onde acontecem exposições de cartunistas, e um funcionário de plantão. A sorridente dona Sílvia era a funcionária no horário em que fiz minha visita, um sábado à tarde. Segundo ela, a Gibiteca tem um público bastante variado, composto em grande parte pelas pessoas que frequentam os cursos oferecidos no local. São cursos que têm a ver com o mundo dos quadrinhos, como técnicas de desenho e roteiro. Geralmente acontecem nas tardes de sábado, sempre gratuitos, mas com vagas limitadas, então é necessária inscrição prévia no local ou por telefone. No momento da minha visita, uma aula deveria começar, mas o professor simplesmente faltou. Dona Sílvia me garantiu que foi um caso isolado.

 

Uma curiosidade sobre o público frequentador da Gibiteca é que, segundo dona Sílvia, moradores de rua costumam visitar o espaço para ler quadrinhos também. Não havia nenhum lá no momento de minha visita, e dona Sílvia garantiu que eles não causam nenhum problema, apenas sentam e leem como qualquer outro visitante.

 

Estantes do acervo da Gibiteca

Estantes do acervo da Gibiteca

O acervo da Gibiteca atende a praticamente todos os gostos. Há muitos mangás, boa parte antigos, como Dragonball e Lobo Solitário. Há produções brasileiras como Holy Avenger, Turma da Mônica (mais de um décimo do acervo) e Didi e Lili. Muita coisa da Disney, muitas revistas de humor como MAD e a rara Geraldão, e quadrinhos clássicos como Asterix e Tintim. Marvel e DC, arrisco dizer, ocupam quase um quarto das estantes. Há desde sagas clássicas das décadas de 80 e 90, até edições recentes, como Reinado Sombrio, da Marvel.

 

Cem por cento do acervo é proveniente de doações. A única contribuição da prefeitura são as assinaturas de jornais, os quais podem ser consultados livremente nas mesas de leitura. As exposições na parede do espaço que não está tomada por estantes são sempre de cartunistas mostrando seu trabalho. Para expor, o artista deve entrar em contato com a Secretaria da Cultura de Santos. Mesmo procedimento para profissionais da área que queiram dar cursos ou oficinas. Há também exposição dos trabalhos dos alunos dessas oficinas.

 

A Gibiteca de Santos fica na Avenida Bartolomeu de Gusmão, s/n, Boqueirão, Posto de Salvamento nº 5. Telefone: (13) 3288 1300. Funciona de segunda a sábado das 9 às 19 horas e no domingo das 9 às 14.

 

O contato da Secretaria de Cultura de Santos encontra-se neste endereço.





O HQRROR!

Por TIO ALGARDEENN


Monstros, fantasmas, assassinos psicóticos, cientistas loucos… Se você é fascinado por alguma dessas figuras e acha que essa é uma exclusividade sua, pode esquecer. Esses caras foram os maiores astros das histórias em quadrinhos por muito tempo. Ficou curioso? Então vamos exumar essa história…

 

Num surto de desespero, a babá correu desesperadamente pela casa, derrubando porta-retratos, vasos e todo o tipo de decoração que estivesse em seu caminho. Enquanto subia as escadas, flashes da cena horrorizante que presenciara há instantes alternavam-se com o desejo de que Laura e Tom chegassem. No alto, percebeu que não estava mais sendo seguida e disparou em direção à porta no final do corredor, que trancou imediatamente após alcançá-la. Seu coração continuava acelerado, pois ela sentia que não estava segura, então, subitamente, as luzes apagaram e o quadro ficou todo escuro. Escuro mesmo… Ah, sim. Não está errado, você leu quadro, é isso mesmo. Esta não é uma história de terror, é uma história em quadrinhos de terror.

 

Tales from the Crypt #24

Capa de Tales from the Crypt #24, ilustrada por Al Feldstein.

Embora esse não seja um dos gêneros mais populares de quadrinhos atualmente, as HQs de terror e horror (não é a mesma coisa, o primeiro trata daquelas coisas assustadoras, mais mundanas, o último das sobrenaturais e fantásticas!) foram um verdadeiro fenômeno numa época em que os gibis (aquelas revistinhas em quadrinhos antigas que você já deve ter encontrado na casa dos seus pais ou dos seus avós) reinavam entre as formas de entretenimento. Naquele tempo, jovens e crianças tinham uma diversidade enorme de contos de assassinatos, vampiros, lobisomens e muitos outros casos bizarros semanalmente à sua disposição nas bancas. A coisa era tão legal, digo, o número de revistas era tão alto, que alguns quadrinistas se tornaram mestres nesse gênero, como Archie Goodwin (1937–1998), Johnny Craig (1926–2001) e Graham Ingels (1905–1991).

 

Mas pode acreditar: apesar de toda essa popularidade, a vida dessas HQs de terror não foi nenhum conto de fadas em quadrinhos. Enquanto os leitores procuravam cada vez mais por histórias de causar pesadelos, um grupo de pessoas acusava os quadrinhos de criar uma legião de delinquentes juvenis e tirava o sono de autores e editores. Para se ter uma ideia de como a coisa ficou feia, em 1954, o livro Seduction of the Innocent, do psiquiatra e arqui-inimigo dos quadrinhos Fredric Wertham, apresentou uma ampla pesquisa que comprovava (não me perguntem como) que jovens criminosos foram estimulados a cometer seus delitos pelas histórias em quadrinhos. A partir daí, foi uma comoção geral, mais ninguém confiava nas HQs. Nos Estados Unidos, o país mais tradicional em se tratando de produção e comercialização de quadrinhos, o único jeito de acalmar as pessoas foi a elaboração de um código de conduta, o Comics Code, que restringisse certos “abusos”, como cabeças decepadas nas capas das HQs. Época difícil aquela.

 

Crime SuspenStories

Com o Comics Code, obras-primas como essa capa de Johnny Craig ficaram, infelizmente, proibidas.

Hoje em dia, as coisas ficaram muito mais fáceis para quem gosta de uma boa e assustadora história em quadrinhos. A marcação cerrada acabou, as pessoas entenderam que as histórias em quadrinhos não são tão malvadas quanto os monstros que aparecem em suas páginas e tudo parece bem. De fato, não temos tantas revistas como tivemos umas décadas atrás, mas ainda é possível encontrar representantes de peso em bancas e livrarias por todo o país. É o caso do famoso The Walking Dead (Os Mortos Vivos, por aqui), que já ganhou até seriado de televisão e fez o orgulho do pessoal por aqui, no andar de baixo. E aproveitando o assunto, aí vai uma notícia tão fresquinha que nem deu tempo de o cadáver esfriar: acabou de ser publicada pela Gal Editora Zumbis – Mundo dos mortos, com histórias dessas figuras tão carismáticas que estão na moda de uns tempos pra cá, tudo graças ao nosso São George (Romero).

 

Para encerrar nossa conversa por hoje, vou deixar uma dica pessoal de história em quadrinhos que faz minha cabeça pirar e também já teve seu momento de estrela. Não se trata de nada menos do que a série 30 Days of Night, carinhosamente chamada no Brasil exatamente do mesmo jeito, só que em português (30 Dias de Noite, o que você achava?). Imagine só, passar vários dias em meio a uma horda de vampiros faminta sem poder contar com a luz do dia para fazê-los parar de correr atrás de você. Hehe, só de pensar já fico entusiasmado!

 

Zumbis: mundo dos mortos 30 Days of Night: Return to Barrow

À esquerda: capa de Zumbis – Mundo dos mortos, publicado esse mês pela editora Gal. À direita: capa de 30 Days of Night – Return to Barrow, um dos títulos da série sobre vampiros.

 

Bom, era só isso que tínhamos para conversar hoje, amigão. Agora, vamos fazer um acordo, certo? Assim que você terminar de ler este artigo, você vai atrás de uma HQ bem aterrorizante e vai ler em homenagem a essa data tão importante que acontece todo ano, no último dia de outubro: o aniversário do nosso eterno xerifão Dunga! Hehehehehe… Te peguei. O negócio é o seguinte: segunda-feira, dia 31, faça as suas homenagens ao Halloween e não deixe de ler uma boa história em quadrinhos de terror. A propósito, comece já e trate de deixar um comentário com sugestões de HQs, filmes, livros e o que mais vier à sua cabeça que faça gelar a espinha! Mas se você não escrever pra gente, não tem problema, um dia desses eu darei uma passadinha aí pela sua casa para perguntar pessoalmente e não vai adiantar trancar a porta e as janelas, hehehe…





Quadrinhos de não ficção II: Biografias

Por Diego Hungria

 

O investimento na edição de biografias não é uma novidade no mercado editorial. Basta uma rápida visita a qualquer livraria para ver dezenas de lançamentos do gênero; na lista de mais vendidos também se encontram com frequência livros que contam a vida de algum popstar, político ou artista. O interesse das pessoas por obras que investigam a realidade é gigantesco, como se observa pela quantidade de filmes com os dizeres “baseado em fatos reais”.

 

Evidentemente, uma linguagem com potencial narrativo como a dos quadrinhos não ficaria fora dessa tendência, e chega ao mercado um número cada vez maior de biografias em quadrinhos. A vantagem de narrar uma vida através dos quadrinhos é clara: a possibilidade de se combinar belas imagens com uma narrativa bem construída.

 

Johnny Cash – Uma BiografiaPara quem tem interesse em se aventurar nesta área, não faltam opções. Se você gosta de música, vai apreciar o trabalho de Reinhard Kleist, artista alemão, autor de Johnny Cash – Uma Biografia e organizador, ao lado de Titus Ackermann, de Elvis. No primeiro, Kleist narra a trajetória de Johnny Cash, usando como momento decisivo na trama o seu famoso concerto na prisão Folsom, escolha igual à feita para o filme lançado no mesmo ano da HQ, Johnny and June. Mas quem espera encontrar no trabalho de Kleist semelhanças com o filme irá se decepcionar. Enquanto o filme explora a história de amor entre Johnny Cash e June Carter, mostrando as idas e vindas dos dois ao longo dos anos, a HQ explora essencialmente Johnny Cash, sua história conturbada e sua obra. Sem a romantização de Hollywood, mostra desde um Cash genial em seu auge até um artista consumido pelas drogas, decadente artisticamente, que atinge a redenção nos últimos anos de sua vida. A HQ também se destaca pelas passagens que representam versões em quadrinhos de músicas de Cash, como Big River e Cocaine Blues. Já em Elvis, Kleist e Titus Ackermann escreveram um roteiro para a vida do músico, dividiram este em dez pequenas histórias e convidaram diferentes quadrinistas alemães para produzi-las.

 

CastroMas Kleist não investe apenas em biografias de músicos. Recentemente, também foi autor de Castro, biografia em quadrinhos de Fidel Castro. Nesta, um jornalista vai até Cuba no ano de 1958 pesquisar sobre um líder rebelde (Fidel Castro) e, a partir disso, se vê envolvido na revolução. Nos trabalhos de Kleist é possível perceber a importância que ele dá para representar personagens parecidos com as pessoas reais e, no caso de Castro, o autor passou um mês em Cuba para conhecer melhor os cenários que iria representar.

 

Che – Os últimos dias de um heróiOutro personagem cuja vida tem muito destaque no mundo dos quadrinhos é Che Guevara. Para este, já foram produzidas inúmeras HQs, sendo Che – Os Últimos dias de um Herói um clássico. Produzida pelo roteirista argentino Hector Oesterheld e o desenhista uruguaio Alberto Breccia e seu filho Enrique, foi lançada apenas três meses após a morte de Che, chegando a ser proibida em 1973. Oesterheld e sua família acabaram desaparecendo em 1977, após serem sequestrados pelo governo militar, mas em 1979 o jornalista italiano Alberto Ongaro ouviu de um militar argentino a seguinte frase: “Nos livramos dele por ter escrito a mais bela história já contada sobre Che Guevara”. Como se não bastasse o talento de Oesterheld (criador da obra-prima dos quadrinhos argentinos, El Eternauta), a HQ é, portanto, parte de um período histórico de conturbação política que assolou a Argentina e toda a América do Sul, imersa em ditaduras. Sobre Che Guevara, também foi produzida Che – Uma Biografia, de autoria do coreano Kim Yong-Hwe, mostrando a vida de Che, de sua infância na Argentina até sua morte, na Bolívia.

 

Clube da EsquinaOutros quadrinhos podem ser citados, como o recém-lançado Kardec, obra que trata da vida de Allan Kardec, considerado o criador do espiritismo, composto pelos textos de Carlos Ferreira e dos desenhos de Rodrigo Rosa. Outro exemplo nacional é Histórias do Clube da Esquina, de Laudo Ferreira e Omar Viñole, que não narra especificamente a vida de um personagem, mas do grupo de músicos mineiros participantes dos famosos discos de 1972 e 1978 (Clube da Esquina e Clube da Esquina 2), intercalando episódios da vida e obra desses músicos sem seguir uma ordem temporal, mas procurando mostrar, como o próprio título da obra sugere, histórias.

 

Não faltam opções para se ler uma boa biografia em quadrinhos. Tire um tempo, escolha a sua e, provavelmente, não se arrependerá.





As (nem tão) crianças dos quadrinhos

Por Nathália Dimambro

 

Origens

 

O aparecimento das crianças como personagens nas histórias em quadrinhos remonta ao surgimento do gênero nos Estados Unidos, na década de 1890, com as histórias do Yellow Kid (“Garoto Amarelo”), no quadrinho dominical Hogan’s Alley, de Richard Outcault.

 
A história em quadrinhos desse garoto careca (devido ao único método de combater piolhos da época) e de orelhas de abano foi uma das primeiras em cores, e uma das pioneiras a usar o balão. A linguagem era popular, própria dos guetos de Nova York, onde moravam os imigrantes – o Yellow Kid representava esse tipo social.

 
O “Yellow” é referência ao pijama amarelo que o garoto sempre vestia, onde apareciam suas falas. Essa cor em sua roupa só foi possível devido a uma nova tecnologia de tinta amarela com rápida secagem. A presença do amarelo tornou-se, então, um marco nos jornais em que o Yellow Kid era publicado, originando, inclusive, o termo “yellow journalism” – a imprensa marrom!

 

Yellow Kid Yellow Kid

 

Os arteiros

 

O Yellow Kid não foi o que nós chamaríamos hoje de uma HQ “politicamente correta”. O garoto se metia com brigas de galo, jogos de azar, e apareceu em uma história… fumando um grande charuto! Porém, a história em quadrinhos, da mesma época, que estabeleceu a tendência das crianças “pestinhas” foi a The Katzenjammer Kids (algo como “Garotos dor de cabeça”; no Brasil chamada de Os sobrinhos do Capitão), do alemão naturalizado americano Rudolph Dirks.

 
Os personagens eram dois irmãos levados e incorrigíveis (Hans e Fritz), que lutavam contra as autoridades da geração mais velha – algumas vítimas de suas travessuras eram o Capitão e o Inspetor.

 

Katzenjammer Kids

 
Os Katzenjammer Kids influenciaram diversos outros personagens, como Dennis the Menace, de Hank Ketcham, criado na década de 1950, conhecido no Brasil pela adaptação para desenho animado Denis, o Pimentinha.

 

Imaginação na Terra dos Sonhos

 

No começo do século XX, havia um personagem que, apesar de não vender muito em relação aos seus concorrentes, chamava a atenção por seu estilo único e à frente de seu tempo. Era o Little Nemo in Slumberland (em português, “Pequeno Nemo na Terra dos Sonhos”), de Winsor McCay. Também publicada nos jornais, não era exatamente infantil, pois muitas vezes torna-se sombria e violenta. O roteiro era sempre o mesmo: o pequeno Nemo (Nemo é “ninguém” em latim) dormia, vivia aventuras completamente surreais tentando chegar à Terra dos Sonhos e salvar a princesa, mas, quando estava prestes a acontecer algo decisivo, ele acordava.

 

 
Little Nemo foi inovador em vários sentidos: McCay era mestre em perspectiva, começou a variar o tamanho dos quadros de acordo com a história, conseguia controlar o ritmo das histórias e também usava a metalinguagem. Pode-se dizer que ele foi um dos primeiros autores a levar a linguagem dos quadrinhos ao máximo.

 
Além disso, Little Nemo possuía influência de movimentos artísticos de vanguarda, e antecipava o Surrealismo. Sua estética ainda possuía cores vivas, alto nível de detalhes, e muitos elementos do circo (bolinhas, listras, chapéus pontudos, babados), expandindo os limites da imaginação. Sua famosa história Night of the Living Houses (“A Noite das Casas Vivas”, em português) foi a primeira HQ a ser incorporada à coleção do Louvre. Little Nemo influenciou diversos autores posteriores, como Moebius, Alan Moore, Bill Waterson e Neil Gaiman, além do escritor infantil Maurice Sendak.

 

Crianças-adultos

 

Muitos personagens infantis que surgiram em tiras nos jornais da segunda metade do século XX falavam como adultos e tinham preocupações de gente grande. Seus autores de certa forma usavam a ingenuidade das crianças para intensificar a crítica que pretendiam fazer ao seu tempo, aos valores e aos costumes da sociedade.
Na década de 1950, Charles Schulz cria Peanuts (também conhecido como Minduim no Brasil). A tira mostrava o dia a dia de uma turma de crianças, e o personagem principal, Charlie Brown, era um exemplo perfeito de um “perdedor” – depressivo e pessimista, com ele tudo sempre dava errado.

 

 
Na década de 1960, a Mafalda do argentino Quino, em plena Guerra Fria, questionava o mundo à sua volta, expunha as dificuldades de seu país, vivia a tensão de uma possível guerra nuclear e sonhava fazer parte da ONU para estabelecer a paz entre Estados Unidos e União Soviética.

 

 
Na década de 1980, Bill Waterson cria Calvin and Hobbes (Calvin e Haroldo, no Brasil). Calvin é um garoto de seis anos, cujo parceiro Hobbes é um tigre de pelúcia. Contudo, quando mais ninguém está por perto, o tigre ganha vida e interage com o garoto. As fantasias de Calvin podem ser interpretadas de certa forma como uma fuga da sua realidade. Bill Waterson, com uma incrível imaginação, foi capaz de explorar a natureza humana através da imaginação de uma criança.

 
Calvin and Hobbes

 
Influenciado por todos os esses autores, o argentino Liniers publica atualmente a tira Macanudo. Um de seus personagens é a garota Enriqueta, – extremamente imaginativa, ela adora ler e, ao conversar com seu gato Fellini, mostra ao leitor, de forma pura e ingênua, que a felicidade está nas pequenas coisas.

 

Enriqueta de Liniers

 
No Brasil, pode-se dizer que os personagens-crianças foram os que obtiveram mais sucesso com suas histórias, as quais são consideradas as criações genuinamente brasileiras do gênero dos quadrinhos. Os dois maiores expoentes são Ziraldo, com O Menino Maluquinho (que de certa forma segue a tendência dos “pestinhas”), e Maurício de Sousa, com a Turma da Mônica – maior sucesso brasileiro em vendas, que segue a tradição de retratar um grupo de crianças e suas aventuras.

 
O Menino Maluquinho

 

Fontes

 
http://cartoons.osu.edu/yellowkid/
http://clubedamafalda.blogspot.com/
http://depositodocalvin.blogspot.com/
http://www.ilovecomixarchive.com/L/Little-Nemo-in-Slumberland
http://webcomicoverlook.com/





Quadrinhos de não ficção I: Joe Sacco e o jornalismo em HQ

Por Eliezer Rodrigues

 

Uma criança ferida chora perante o corpo ensanguentado de quem supomos que seja o seu pai. Ao fundo, uma imagem desoladora de destruição causada por tanques israelenses em algum dos conflitos contra os palestinos na história recente. Essa imagem poderia ser estampada na capa da National Geographic ou em alguma manchete de um grande jornal americano, brasileiro ou africano. Na verdade, o que surpreende é que a imagem não se trata de uma foto, mas de uma ilustração em nanquim feita pelo quadrinista Joe Sacco na abertura da primeira parte de Notas sobre Gaza (Companhia das Letras, 2010).

 

Joe SaccoNascido em Malta e radicado nos Estados Unidos, Sacco formou-se em Jornalismo mas se sentia um pouco frustado nessa área: além de não arrumar empregos que o deixassem satisfeito, ele via que o distanciamento do jornalista em relação ao que é noticiado e a tentativa de abordar o fato mais objetivamente favoreciam um distanciamento crítico do leitor. Havia o repasse da informação, mas não havia espaço para a reflexão.

 

Por causa disso, juntamente com outros fatores, Sacco tentou conciliar sua paixão por quadrinhos com o jornalismo, na crença de que somos uma espécie que atua mais a partir do âmbito visual. E a discussão e explanação de um conflito levaria o leitor a refletir e se interessar, à medida que os rostos de seus personagens criassem uma empatia e um sentimento de solidariedade.

 

Riki, personagem de Gorazde

Em certos momentos, ele se coloca como personagem – um narrador em primeira pessoa – e intensifica os elementos humanizantes de seu relato, mostrando as amizades e relações que faz com os moradores locais, ou contando situações engraçadas (como um soldado bósnio que ama cantar rock na HQ Gorazde: Área de Segurança). Ao mesmo tempo, há um posicionamento claro contrário a determinadas atitudes políticas, com a finalidade de aproximar o leitor do sofrimento. No seu fazer jornalístico, as entrevistas e recriações gráficas dos conflitos mostram tanto o lado dos opressores quanto o lado dos oprimidos, juntamente com a contextualização histórica. Tudo devidamente apurado em documentos e depoimentos das testemunhas oculares.

 

Capa de Palestina: uma nação ocupada

Mas a preferência por temas politicamente delicados não era nova para ele. Já nos anos 1980, Joe Sacco se interessava pelos tensões no Oriente Médio e, em 1991, já trabalhando como editor da Fantagraphics, ele foi para Israel onde recolheu o material e apurou diversos fatos que iriam compor a obra Palestina: Uma Nação Ocupada (publicada no Brasil pela Editora Conrad em 2001 e relançada em uma edição especial em 2011). Era a primeira vez que chamava sua reportagem de “jornalismo em quadrinhos”.

 

Apesar de existirem experiências anteriores do que se convencionou ser “jornalismo em quadrinhos”, Sacco foi o primeiro a nomear dessa maneira e lançar algumas bases desse gênero, o qual não deve em nada em termos narrativos aos clássicos das HQs e, em termos jornalísticos, mantém a mesma seriedade e sobriedade esperada de uma matéria com os assuntos tão densos e complexos abordados e apurados por Sacco.

 

Após a leitura de um trabalho tão bem realizado, é difícil ficar indiferente às questões dos Bálcãs ou do Oriente Médio. No fim, independente da posição que toma, Sacco levanta mesmo a bandeira do pacifismo e o faz magistralmente ao chocar o leitor com a crueza do olhar de um garoto órfão, recriado na ponta de uma caneta nanquim.

 

 

Quer saber mais?

 

Entrevista para Saraiva

http://www.youtube.com/watch?v=yF0cLAQBRys

 

Reportagem do programa Entrelinhas

http://www.youtube.com/watch?v=tTmCeuBRpTo

 

Entrevista para o Guia do Estudante

http://guiadoestudante.abril.com.br/blogs/divirta-estudando/um-bate-papo-com-joe-sacco-o-criador-do-jornalismo-em-quadrinhos/





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