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Ogro domesticado

Fiona não reconhece mais Shrek; a série também não se reconhece mais

No começo, parecia que a ideia deste Shrek para Sempre (Shrek Forever After, Estados Unidos, 2010) seria a de voltar ao clima do início da série. Afinal, o próprio personagem deseja isso: um dia de folga, voltar a ser solteiro e temido por um dia. Mas, o ogro não demora a descobrir que as coisas não voltaram a ser exatamente o que eram – e quem assiste também percebe isso rapidamente.

Cansado da rotina do casamento e de não poder mais exercitar sua grosseria sossegado, Shrek acaba aceitando a oferta do duende Rumpeltiltskin de viver um dia como antigamente. Só que isso altera toda a sua realidade e o efeito colateral é que ninguém o conhece – e há outros ainda mais graves. A trama avança para um tom de comédia dramática que a série abordava apenas pontualmente. Há risadas, mas o que há ainda mais é melancolia pelo filme todo.

A irreverência da série praticamente se foi e o gosto que fica é estranho, mas o filme não é ruim. É bem contado e a melancolia é, de certa forma, herança da narrativa calcada no modelo clássico de A Felicidade Não Se Compra (1946): no filme de Capra, James Stewart recebe a graça de ver como seria o mundo se ele não tivesse nascido.

Mas isso acontece depois de acompanharmos por muito tempo o personagem e sabermos o que o levou aquela situação desesperançada. Em Shrek para Sempre, tudo é meio automático e gratuito. De onde vieram todos aqueles ogros, afinal, e por que eles não aparecem na “outra realidade”? Porque o Gato de Botas ficou tão gordo, se está metido numa revolução? Não há motivo, a não ser criar uma piada que mostrasse alguma mudança para pior no bichano em um mundo sem Shrek.

O terceiro filme foi completamente dispensável e nele os personagens não eram mais usados para demolir os clichês de contos-de-fadas, apenas tiveram seus carismas usados para segurar as pontas de uma aventura tradicional. Este quarto anuncia um final para a franquia e mantém esse defeito, mas se não é em altíssimo estilo (como Toy Story 3), pelo menos não faz feio.

Mas fica claro que, domesticados o ogro e a série, já deu. É hora de encerrar os trabalhos enquanto Shrek e seus amigos ainda estão razoavelmente por cima. Não por acaso, o momento mais saboroso do filme são os créditos finais, com uma retrospectiva dos filmes anteriores ao som de Stevie Wonder cantando “For once in my life”.

Shrek para Sempre (Shrek Forever After). Estados Unidos, 2010. Direção: Mike Mitchell. Vozes na dublagem original: Mike Myers, Eddie Murphy, Cameron Diaz, Antonio Banderas, Julie Andrews, John Cleese, Lake Bell, Mary Kay Place, Larry King. Vozes na dublagem brasileira: Mauro Ramos, Fernanda Crispim.