• Malu Echeverria
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Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia da covid-19, em março de 2019, as gestantes foram incluídas no grupo de risco, ao lado de idosos e pessoas com doenças crônicas. O que, com razão, gerou dúvidas e receios entre as grávidas. Se eu pegar coronavírus na gestação, vou passar para o bebê? Vou ficar sozinha no parto por causa do isolamento social? Como será o puerpério sem visitas e sem ajuda? De lá para cá, com base no resultado de pesquisas científicas, evidências médicas e na experiência de diversas famílias, essas questões foram respondidas. A boa notícia é que, desde que tomem os devidos cuidados, estejam com a saúde em dia e recebam atendimento médico adequado, as gestantes podem ficar tranquilas.

Prova disso é que não houve nenhuma recomendação expressa da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) para que os casais adiassem os planos de engravidar, diferentemente do que aconteceu em 2016, durante a crise do zika vírus. “Sabemos que a imunidade das gestantes diminui por influência hormonal, entre outras causas, especialmente no fim da gravidez. Assim, a tendência é que os sintomas de infecções respiratórias, como a gripe, sejam mais graves nelas. No entanto, observamos que a maioria das gestantes com covid-19 se recupera bem”, afirma a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas (SP).

Uma pesquisa apresentada ao final de junho pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), órgão de saúde dos Estados Unidos, reforça isso. De acordo com o estudo, que avaliou dados de aproximadamente 326 mil mulheres em idade fértil (das quais cerca de 8 mil estavam grávidas) com covid-19, as gestantes têm mais chances de ser internadas (31,5% foram internadas, ante 5,8% do grupo das não gestantes) assim como de necessitar atendimento intensivo (1,5% a mais) e respiração mecânica (1,7% a mais). O que também foi observado em um estudo posterior, publicado no periódico britânico BMJ, em setembro. No entanto, a pesquisa do CDC mostra que o risco de morte é similar entre as gestantes, se comparado ao de mulheres não gestantes.

O perigo são as doenças associadas, segundo Rosana. Como é sabido, elas aumentam a taxa de mortalidade por covid-19 em todos os grupos, incluindo o das grávidas. Segundo a pesquisa do BMJ, hipertensão crônica, diabetes preexistente e IMC elevado são comuns entre os casos graves de covid-19 em gestantes, além da idade materna. Daí a importância de seguir os exames e as consultas do pré-natal à risca, agora mais ainda. O infectologista Jorge Senise, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia e médico do Núcleo de Patologias Infecciosas na Gestação da Unifesp, faz outro alerta. “A fase da gestação também importa. No último trimestre, os agravos das infecções respiratórias, como a provocada por coronavírus, são mais graves. Não só por conta da restrição pulmonar característica do período (por causa da pressão do abdômen), mas porque, a partir da segunda metade da gravidez, existe uma maior quantidade da proteína ECA2 na placenta, que, grosso modo, facilita a entrada do vírus”, diz.

A advogada Eliana Turtura, 36, grávida de 4 meses de gêmeos, estava na nona semana da gestação quando foi diagnosticada com covid-19.  “A princípio, tive dor de garganta e dores no corpo, como uma gripe. Depois, dor de cabeça, perda de apetite e muito cansaço. Só melhorei depois de quase um mês”, conta. Para piorar a situação, o marido e o filho de 1 ano e 11 meses também pegaram o vírus quase simultaneamente. Eliana fez repouso na maior parte do tempo, mas teve de se revezar com o marido nos cuidados com o filho. “Tinha dias em que mal conseguia ir do quarto à cozinha sem ficar ofegante. Por causa da gravidez, só pude tomar paracetamol. Além disso, me mantive bem hidratada e usei um oxímetro (aparelho que monitora a oxigenação sanguínea) diariamente. Mas não precisei ser internada”, conta.

Prognósticos positivos
A infectologista Rosana afirma que o tratamento de gestantes, de fato, não vai além disso. “Nos casos graves, se houver necessidade de intubação, a paciente não pode ser colocada de bruços (técnica que facilita a ventilação) por motivos óbvios. Por isso, uma equipe multidisciplinar deve avaliar se é necessário adiantar o parto sem prejudicar o feto”, diz.

E o bebê, tem risco de ser contaminado? Algumas evidências provam que sim. Em julho, por exemplo, cientistas norte-americanos encontraram vestígios do vírus na placenta de uma recém-nascida que foi internada com covid-19 dias após o parto – o estudo do caso foi publicado na revista científica The Pediatric Infectious Disease Journal. Felizmente, tudo indica que a chamada transmissão vertical, ou seja, da mãe para o bebê, na gestação é rara. “Além disso, os casos em recém-nascidos têm se mostrado benignos. A principal repercussão é a prematuridade, se houver a necessidade de adiantar o parto, e não a covid-19 em si”, diz Rosana.


Saber que os prognósticos são otimistas para a mãe e para o bebê traz um certo alívio, mas não quer dizer que dá para relaxar com os cuidados. Até mesmo porque o Brasil chegou a concentrar 77% das mortes de gestantes e puérperas do mundo por covid-19, de acordo com uma pesquisa feita por um grupo de especialistas de 12 universidades e instituições públicas (entre elas, Unesp, Fiocruz, USP e Unicamp) publicada em julho no International Journal Gynecology & Obstetrics. O que estaria ligado, principalmente, ao atendimento inadequado, conforme explicou a enfermeira Maíra Takemoto, uma das autoras da pesquisa, em entrevista à CRESCER.

Atenção aos cuidados
Como você viu, exames e consultas do pré-natal devem ser mantidos normalmente em tempos de pandemia. Os especialistas recomendam apenas que, se possível, as gestantes sejam atendidas em horários de menos movimento, como no fim do dia. No mais, clínicas, laboratórios e hospitais devem seguir os protocolos recomendados pelos órgãos de saúde: funcionários paramentados com equipamentos de segurança (máscaras, protetor facial, roupas descartáveis...), distanciamento nas salas de espera, álcool em gel à disposição, higienização da sala após a saída de cada paciente, entre outros.

Ao longo da pandemia, o direito a um acompanhante durante o parto foi mantido. No entanto, algumas instituições chegaram a proibir a presença de doulas e fotógrafos. Mas ainda que atualmente eles estejam liberados, os especialistas lembram que, quanto menos gente houver na sala, menor o risco de contágio para todos.

Não existe recomendação oficial para que a gestante faça o teste de covid-19 ao longo dos nove meses, a não ser que apresente sintomas ou tenha tido contato com alguém infectado. Porém, algumas maternidades têm realizado o exame no momento da internação para o parto. De acordo com o obstetra Mário Burlacchini de Carvalho, especialista em medicina fetal, do Fleury Medicina e Saúde (SP), não há contraindicação para o parto normal. “Se a gestante tiver contraído o coronavírus e o parto acontecer no período de quarentena, a situação tem de ser avaliada caso a caso, dependendo da gravidade da doença”, diz. Já a amamentação pode e deve ser incentivada sempre (leia o quadro Pode amamentar?).


Outras adaptações
Se pouca coisa mudou em relação ao pré-natal, parto e aleitamento, não se pode dizer o mesmo de outros marcos da gestação. A produtora cultural Paula Borges, 38, já estava grávida quando a pandemia começou, por isso, em meados de março, ela e o marido entraram em quarentena. “Me preparei tanto para esse momento, mas nada saiu como planejei”, diz. As compras, incluindo o enxoval, eram feitas pela internet. Para manter a forma (e a saúde mental), ela praticava yoga e pilates online. Também teve o acompanhamento de uma fisioterapeuta para fazer exercícios pélvicos. “Presencial, só os exames e as consultas do pré-natal”, conta.

Mas é claro que tiveram momentos especiais. Ela havia planejado o chá de bebê em fevereiro e, quando começou a pandemia, estava tudo pronto. “Até o salão de festas do condomínio estava reservado. Fiquei frustrada!”, diz. A madrinha do bebê e o marido entraram em ação e armaram uma festa virtual surpresa. “Começou a chegar balão, bolo, docinhos e presentes em casa. Depois, conversei com todos pelo Zoom. A festa foi diferente, mas cheia de carinho”, diz Paula, enquanto amamenta a pequena Maria Luiza, que nasceu em junho.

O momento exige mesmo que as famílias adaptem a vida e seus rituais, segundo a psicóloga Helena Aguiar, da Maternidade Perinatal (RJ). “É preciso viver um luto do que não aconteceu e, assim, construir novos sonhos. Porque se a grávida se apegar demais ao que poderia ter sido, não conseguirá se vincular ao presente”, diz a especialista.


Planejamento
Enquanto a vacina não chega, a pergunta que não quer calar é: quando será 100% seguro engravidar? “Há uma corrida dos laboratórios para que ela esteja pronta em breve, mas provavelmente a vacinação em larga escala deve levar mais um ano. Ainda assim, não vejo motivo para que as pessoas tenham medo de planejar suas famílias”, diz Burlacchini. Para ele, a escolha tem de levar em conta fatores como a saúde da mulher antes de engravidar (nutrição e doenças crônicas controladas), a segurança no trabalho (dela e dos demais habitantes da casa) e o acesso ao atendimento médico. “Na verdade, sempre foi importante pensar nesses detalhes”, completa.

No entanto, não podemos esquecer que o orçamento familiar também vai pesar mais do que nunca na decisão de muitas famílias. De acordo com previsões do Fundo Monetário Internacional, a atividade econômica do Brasil deve encolher 5% este ano em virtude da crise por conta da pandemia – a maior desaceleração econômica mundial desde a Grande Depressão nos anos 1930. Uma pesquisa feita pelo Instituto Guttmacher, organização cujo foco é a saúde reprodutiva, mostrou que um terço das norte-americanas decidiu adiar a gestação ou ter menos filhos por causa do coronavírus.

No Brasil, não temos estatísticas que mostrem comportamentos semelhantes. O economista Mosár Ness, professor da área de Ciências Sociais da Universidade de Caxias do Sul (UCS), entretanto, acredita que podemos esperar uma retração por aqui também em 2021. “Alguns fatores podem desestimular as famílias no atual cenário. Além da renda ter caído de modo geral, as mulheres são mais afetadas pelo desemprego. E com as escolas e as creches fechadas, o home office é um desafio para quem tem filhos”, conclui.

Por um lado, as colocações do especialista fazem sentido, por outro, a quarentena está sendo produtiva para muitos casais. No consultório da ginecologista e obstetra Carolina Ambrogini, do Projeto Afrodite, da Unifesp (SP), houve um boom de gestações. “Com mais tempo em casa e menos opções de lazer, os casais tiveram mais relações sexuais. Até porque o sexo também alivia o estresse”, afirma a especialista, que também é colunista da CRESCER. A advogada Gabriela Morette, 38, por exemplo, que é mãe de uma menina de 4 anos, está na 22ª semana de gestação. “Sempre quis dois filhos e até passou pela minha cabeça adiar. Mas tive receio por conta da minha idade”, diz.


Nova Realidade
Sem previsão para o fim da pandemia – alguns pesquisadores, aliás, acreditam que o novo coronavírus se torne sazonal, como outros vírus respiratórios – , o jeito é aprender a conviver com o que temos. Se você está grávida ou pretende ficar em breve, a dica da psicóloga Helena, da Perinatal, é focar nos aspectos positivos. “Antigamente, a gestação era encarada como uma doença. Hoje é o oposto, a grávida é incentivada a dar conta de tudo: tem de ficar bonita e saudável, fazer o enxoval no exterior, trabalhar até o último dia... Fomos de um extremo a outro. Nesse contexto, a pandemia serviu para a gestante olhar mais para dentro de si mesma e encarar as próprias emoções. Algo que não fazia antes porque estava ocupada demais”, diz. Muitas grávidas, como Gabriela, estão curtindo a oportunidade de tirar um cochilo no meio do dia, se necessário, para repor as energias. Paula, agora no puerpério, comemora o apoio do marido 24 horas por dia, sete dias por semana, para dividir as novas responsabilidades.

Para a administradora Rebeca Ribeiro*, 43, que interrompeu temporariamente seu tratamento de reprodução assistida por causa do coronavírus, ter um filho no meio de uma pandemia é um ato quase revolucionário. “Enquanto o mundo só fala de morte, cada bebê que nasce é a prova de que a vida resiste e continua”, reflete. É esse o espírito!

* Nome trocado a pedido da entrevistada

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Posso amamentar?
Deve! De acordo com uma revisão das evidências científicas disponíveis feita pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), publicada em setembro, a transmissão ativa da doença por meio do aleitamento materno não foi detectada. As mães com suspeita ou confirmação de covid-19 devem seguir amamentando seus bebês, desde que adotem medidas de prevenção e controle de infecção: lavar as mãos ou higienizá-las com álcool gel com frequência, principalmente antes de tocar o bebê; e usar máscara durante o contato. “Neste ponto, parece que a covid-19 em bebês e crianças representa uma ameaça bem menor à sobrevida e à saúde do que outras infecções, contra as quais o aleitamento materno protege”, ressalta o documento. Aliás, um estudo da Universidade de Tecnologia Química de Pequim (China), feito com células em laboratório, sugere que o leite materno também evita que o novo coronavírus infecte e se replique nas células.

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A volta dos tratamentos
Em abril, a maior parte dos tratamentos de reprodução assistida do país foi suspensa por recomendação da Anvisa e das sociedades médicas. “A exceção ficou por conta dos casos de extrema urgência, como os de pacientes oncológicos ou de mulheres próximas da menopausa”, explica o médico especialista em reprodução humana Maurício Chehin, da Huntington Medicina Reprodutiva (SP). O problema é que, para a maioria dos pacientes que busca a reprodução assistida, o tempo é primordial. Por essa razão, a partir de maio, as clínicas começaram a retomar parte dos tratamentos, com os devidos cuidados — incluindo testes de covid-19 nos pacientes antes dos procedimentos.


A administradora Rebeca Ribeiro*, 43, foi uma das que deixaram o sonho da gravidez em espera. “A pandemia tornou a fertilização in vitro um evento ainda mais complexo do que ele já é. Pois além do medo de contaminação, tive receio também pelo dinheiro investido”, afirma. Mas agora, depois de seis meses, ela está de volta à rotina de consultas, exames e procedimentos, com esperança.