• Redação Galileu
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Atribuição das mulheres ao campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, em 1940 (Foto: Museu Memorial do Holocausto dos EUA)

Atribuição das mulheres ao campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, em 1940 (Foto: Museu Memorial do Holocausto dos EUA)

O Holocausto matou 6 milhões de judeus — dos quais 2 milhões eram mulheres. Cerca de 98% das prisioneiras dos campos de concentração pararam de menstruar, condição conhecida como amenorreia. Um estudo publicado no último dia 22 de agosto na revista Social Science & Medicine investigou o porquê.






De acordo com a pesquisa, a ausência de menstruação entre as judias era uniforme demais para ter sido causada simplesmente pelo trauma e pela desnutrição que elas sofriam naquele cenário. Embora tal hipótese tenha sido aceita no final dos anos 1940, evidências históricas e novos testemunhos apontam outro motivo: esteroides sintéticos colocados nas rações que elas recebiam. 

A aplicação das substâncias, segundo os pesquisadores, teria sido uma tentativa dos nazistas de interromper o ciclo menstrual e talvez assim prejudicar a capacidade das prisioneiras de terem filhos.

Peggy J. Kleinplatz, da Universidade de Ottawa, no Canadá, que conduziu a pesquisa junto do historiador Paul Weindling, da Universidade Oxford-Brookes, na Inglaterra, conta que, em outras atrocidades em massa, a amenorreia ou não ocorreu, ou começou lentamente em combinação com a fome e o trauma ao longo de 12 a 18 meses.

Ela então se questionou se o que estava acontecendo nos campos nazistas era diferente, fazendo com que o ciclo menstrual parasse imediatamente. “Comecei a investigar se havia alguma tentativa deliberada de causar a interrupção da menstruação nessas mulheres judias”, relata Kleinplatz, em comunicado.

De 2018 a 2021, a pesquisadora conduziu 93 entrevistas com mulheres sobreviventes do Holocausto em quatro idiomas: iídiche, hebraico, inglês e francês. A idade média das entrevistadas era de 92,5 anos, mas alguns dos relatos sobre a vida reprodutiva delas também vieram de seus descendentes. 

Mulheres em quartel de Auschwitz após a libertação do trabalho escravo  (Foto: Museu Memorial do Holocausto dos EUA)

Mulheres em quartel de Auschwitz após a libertação do trabalho escravo (Foto: Museu Memorial do Holocausto dos EUA)

Os testemunhos revelaram suspeitas de que havia algo nas rações das judias. Uma das sobreviventes que trabalhou na cozinha de Auschwitz por meses quando adolescente descreveu que pacotes de produtos químicos eram trazidos todos os dias sob guarda armada e dissolvidos nas sopas fétidas que alimentavam as prisioneiras.

Conforme o estudo, quase todas as mulheres (98%) foram incapazes de dar à luz ou sequer engravidar do número desejado de filhos. Entre as 197 gestações confirmadas, pelo menos 24,4% terminaram em abortos espontâneos, 6,6% em bebês natimortos e 69% em nascidos com vida.

Segundo Kleinplatz, as taxas de infertilidade, aborto espontâneo e crianças natimortas eram perturbadoramente altas e não estavam de acordo com a população geral, ou mesmo com a de judeus nos anos no baby boom pós-guerra. 

 A hipótese das rações contaminadas é corroborada inclusive por descobertas em um relatório de 1969 que entrevistou cozinheiros em Auschwitz. Além disso, os esteroides estavam abertamente à venda para tratar a infertilidade na Alemanha. 

Os autores do estudo dizem ter obtido indício de grandes quantidades dessas drogas sendo produzidas no país de 1943 a 1945 — e as quantias excediam as necessidades das mulheres alemãs. O farmacologista e químico alemão Adolf Butenandt, aliás, foi premiado com o Prêmio Nobel de Química na década de 1930 por seu trabalho sintetizando os fármacos.






Os julgamentos de Nuremberg, organizados pelos Aliados depois da Segunda Guerra, também mostraram que os nazistas buscavam métodos de esterilização em massa para as judias. Lideranças da polícia nazista Schutzstaffel (SS) instruíam os encarregados do plano a parar de manter os registros escritos sobre as práticas.

Kleinplatz e Weindling coletaram mais de 10 mil testemunhos de sobreviventes do Holocausto em vários projetos de história oral. O novo estudo, porém, conclui que há mais perguntas do que respostas sobre o tema. "Cabe aos pesquisadores médicos, outros cientistas e historiadores continuarem a busca pelas respostas merecidas por cada uma das mulheres entrevistadas neste estudo”, diz o artigo.