Um macaco da espécie Macaca fascicularis sobreviveu um pouco mais de dois anos após receber um rim geneticamente editado de porco. O feito que poderá ajudar em avanços no campo dos transplantes de órgãos foi registrado ontem (11) na revista Nature.
O trabalho foi realizado pela empresa de biotecnologia norte-americana eGenesis e por pesquisadores da Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos. Os cientistas usaram uma ferramenta de edição genética chamada CRISPR para alterar genes da raça de porcos em miniatura Yucatán.
A equipe utilizou esses porcos como doadores porque, na maturidade, seus rins são aproximadamente do mesmo tamanho dos de um ser humano adulto. Porém, neste ensaio com macacos, os órgãos foram transplantados quando eram ainda muito menores.
Alta taxa de sobrevivência
Os primatas normalmente sobreviveram apenas 24 dias quando os rins foram editados para desativar três genes que desencadeiam a rejeição imunológica. Mas quando os cientistas adicionaram sete genes humanos que reduzem a coagulação sanguínea, a inflamação e outras reações imunitárias, os macacos sobreviveram sete vezes mais: cerca de 176 dias.
Além disso, um espécime ultrapassou dois anos de sobrevivência (758 dias) após um tratamento para suprimir o sistema imunológico. Michael Curtis, diretor executivo da eGenesis, contou ao site britânico The Guardian que o “marco extraordinário” trouxe esperança para a abordagem e “pode abrir caminho para melhores resultados para inúmeros indivíduos que necessitam de transplantes de órgãos que salvam vidas”.
Segundo Curtis, a vida a longo prazo de pelo menos alguns dos macacos colocou a eGenesis no caminho certo para satisfazer a exigência do órgão regulador dos EUA, Food and Drug Administration (FDA), de haver pelo menos 12 meses de sobrevivência em animais antes que a equipe possa lançar um ensaio clínico em humanos.
“Estamos a caminho de lá”, disse o pesquisador. “Simplesmente não há rins suficientes para todos. Na nossa opinião, é a única solução viável a curto prazo".
Uma análise funcional in vitro mostrou ainda mais sucesso nos transplantes: as células endoteliais dos rins suínos modificados modularam a inflamação de modo similar às células humanas, sugerindo que as células modificadas adquiriram um alto nível de compatibilidade imunológica humana. Além disso, os cientistas notaram que um único rim suíno transplantado proporcionava filtragem suficiente de metabólitos para compensar a falta de dois rins.
"Isso é um grande avanço para o campo do transplante", disse Tatsuo Kawai, Professor de Cirurgia na Faculdade de Medicina de Harvard, em comunicado. "Antecipamos que os resultados de transplantes em seres humanos serão ainda mais favoráveis, já que esses órgãos editados geneticamente são uma melhor correspondência para os humanos, em comparação com macacos".
Até agora, dois humanos receberam transplantes de coração de porco no mundo, em episódios excepcionais. O primeiro foi David Bennett, que morreu dois meses após a cirurgia em 2022. O segundo, o americano Lawrence Faucette, de 58 anos, que tinha uma doença cardíaca em estágio terminal, recebeu um novo coração em 20 de setembro deste ano e está em recuperação.