• Danilo Saraiva*
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Pretty Guardian Sailor Moon Eternal estreia no Brasil dia 3 de junho (Foto: Divulgação)

Pretty Guardian Sailor Moon Eternal estreou no Brasil dia 3 de junho, na Netflix (Foto: Divulgação)

É impossível falar de Sailor Moon no Brasil sem mencionar o duro caminho percorrido pelo reconhecimento das animações japonesas no país. Presentes na nossa TV desde pelo menos os anos 60, quando estreou A Princesa e o Cavaleiro, os animes (termo como são conhecidas essas obras) tiveram uma história de altos e baixos por aqui, quase sempre tendo suas exibições abruptamente encerradas pelas gigantes da TV aberta, como a Globo, SBT e Record, e muitas vezes ficando sem final. Diferentemente da maior parte das animações americanas, eles quase sempre são sequenciais, ou seja, contam uma história com começo, meio e fim, que percorrem vários episódios e são divididos em temporadas. Um conceito de série atual muito antes das séries se tornarem fenômenos dos streamings. E veja só: apesar de serem “desenhos animados”, no Japão, eles são consumidos como qualquer outro produto de entretenimento e passam até no horário nobre, sendo assistidos por crianças e adultos. Hoje isso está bem claro, mas até os anos 1990, quando de fato houve uma quebra de paradigma do gênero aqui no Brasil, tudo era muito nebuloso.

Quem virou o jogo foi Cavaleiros do Zodíaco, na TV Manchete, em 1994. O anime sobre guerreiros de armadura inspirados na mitologia grega tornou-se um fenômeno e, naquela época, gerou milhões em receita, tirando a emissora de televisão carioca do buraco financeiro. Já em 1994 a Manchete se afundava em dívidas e precisava ser salva por algum acerto milagroso em sua programação. Ninguém esperava que Cavaleiros do Zodíaco seria o tal salvador da pátria. E se eu te contar os bastidores, a história fica ainda mais surpreendente: em linhas muito resumidas, a distribuidora do anime no Brasil, que também tinha os direitos de licenciamento de produtos derivados, ofereceu pra Manchete, a preço de banana, os episódios. Em troca da exibição teste e acreditando que ela daria audiência, a empresa ficava com alguns espaços comerciais na emissora para divulgar os bonequinhos dos Cavaleiros. Meses depois, com o sucesso estrondoso (Cavaleiros chegava a bater até a Globo durante as manhãs), a Manchete foi lá negociar mais episódios, desta vez caríssimos, porque dinheiro vicia e dinheiro salva. Para espremer a última gota do limão, vieram os filmes dos Cavaleiros e reprises e mais reprises, que fizeram o canal acender o sinal de alerta: como eu expliquei, anime tem começo, meio e fim. E a Manchete aprendeu da pior (ou melhor) forma que “desenhos japoneses” não são como os desenhos animados infantis exibidos nas manhãs das concorrentes. Portanto, eles não sobreviveriam de reprises. O dinheiro estava acabando.

Cavaleiros do Zodíaco, fenômeno da Manchete que virou o jogo dos animes no Brasil  (Foto: Reprodução)

Cavaleiros do Zodíaco, fenômeno da Manchete que virou o jogo dos animes no Brasil (Foto: Reprodução)

Ok, mas onde Sailor Moon se encaixa aí? Com um sucesso deste porte, obviamente os executivos da Manchete mandaram seus produtores correrem atrás dos “novos Cavaleiros”, fazendo com que a emissora trouxesse obras que eles julgavam “similares”, como Shurato e Samurai Warriors, não necessariamente nesta ordem. Apesar da boa audiência, nenhum deles tornou-se o fenômeno que eles gostariam. Mas no final de 1995, existia um anime em especial que estava fazendo a Toei (a mesma produtora de Cavaleiros) nadar em dinheiro no Japão. O problema é que ele era diferente de tudo o que a gente conhecia (e era pouco) sobre o gênero. As protagonistas eram mulheres, as inimigas eram mulheres - ou “meio afeminados”, não-binários, quando a gente nem sonhava em falar sobre isso - e os bonequinhos de merchandising se pareciam com Barbies de cabelos coloridos descabelados. Um anime para meninas. No ocidente, no entanto, Sailor Moon também vinha fazendo um estrondoso sucesso na Espanha, México e Itália, com o mesmo público que assistia aos Cavaleiros, ou seja, uma boa parcela de meninos adolescentes, a galinha dos ovos de ouro da época. Por que não tentar?

Foi assim que em abril de 1996 estreou na TV Manchete Sailor Moon (ou Bishoujo Senshi Sailor Moon, a Graciosa Guerreira Sailor Moon, em tradução literal), que em linhas gerais conta a história de Serena Tsukino, uma garota medrosa que descobre ser uma guerreira descendente de um reino na lua. Em sua missão contra inimigos - que também vieram deste passado fabuloso -, ela conta com algumas aliadas: Sailor Mars, Sailor Mercury, Sailor Jupiter e Sailor Venus. Como quase todas as obras de animação japonesas da época, a série foi dublada no extinto estúdio paulistano Gota Mágica e a protagonista recebeu a marcante voz de Marli Bortoletto, que no Brasil também dubla a Mônica, da Turma da Mônica. Guarde isso pro final deste texto, se você tiver paciência de lê-lo inteiro.

Sailor Moon: mulheres carregando o mundo nas costas (Foto: Reprodução )

Sailor Moon: mulheres carregando o mundo nas costas (Foto: Reprodução )

Por ter sido dublada em cima do espanhol do México, a série não necessariamente recebeu a adaptação mais fiel do japonês. Mas isso nem importava, já que ninguém tinha acesso a conteúdo original em 1996. Junto com os episódios chegaram ao Brasil as bonecas da Bandai, licenciadas pela Samtoy, e outros badulaques digníssimos em vários tons de rosa, como os acessórios das heroínas, a tiara lunar, as miniaturas estilo SD, fantasias, mochilas e canetas, revistinhas seriadas da editora Abril... O departamento comercial de licenciamento foi tão convincente que até o Castelo da Sailor Moon, que com a inflação hoje custaria algo próximo a R$ 750, foi lançado por aqui. Mas lembra aquela história de menino e menina? Pois bem: embora a audiência da série fosse satisfatória, os produtos encalharam. Uma das explicações é que a maior parte do público era formado por garotos envergonhados, que não gostavam de assumir que adoravam assistir um monte de mulher salvando o dia (qualquer semelhança com a vida real não é mera coincidência). Com o licenciamento barrado pelo encalhe, a Manchete até tentou comprar mais episódios do anime, mas eles eram CAROS. Como não havia lucro com bonecas e brinquedos, precisaria haver com a exibição, numa negociação similar a Cavaleiros do Zodíaco. Junta-se a isso o fato de que a Manchete não estava bem das pernas e Sailor Moon foi cancelada com menos de um ano da estreia, deixando uma legião de fãs órfãos. Dos 200 episódios da série, só 46 foram exibidos por aqui, correspondentes à primeira temporada. E em 1999, após “um milhão” de reexibições de Cavaleiros do Zodíaco, a Manchete faliu, fechando as portas.

Castelo da Sailor Moon da Bandai: lançado no Brasil pra encalhar  (Foto: Reprodução )

Castelo da Sailor Moon da Bandai: lançado no Brasil pra encalhar (Foto: Reprodução )

Eu sou uma Sailor Moon
A segunda chance para Sailor Moon no Brasil veio em novembro de 2000, no Cartoon Network. O país passava por um segundo boom das animações japonesas com Pokémon e Dragon Ball Z fazendo muito sucesso tanto na TV aberta quanto na TV fechada. A série foi anunciada numa dobradinha “girl power” do canal. Às 16h era exibido Sailor Moon, seguido de Card Captor Sakura (um anime que curiosamente foi bastante inspirado no primeiro e também era protagonizado por uma heroína mágica), às 16h30. Mas o nariz de palhaço dos fãs não sairia tão cedo da cara.

Por conta de entraves nos contratos da Manchete com a Samtoy/Alien International, primeira distribuidora de SM (já pode chamar assim?) no Brasil, o Cartoon passou a exibir a série a partir da segunda temporada, batizada de Sailor Moon R. E pra "ajudar", o novo estúdio de dublagem, a BKS, não só mudou todo o elenco que conhecíamos, como também adaptou de forma esdrúxula os golpes e poderes. Detalhes, mas fã é chato, né? E estão com toda a razão (risos). “Pelo poder do prisma lunar”, fala em que a protagonista Sailor Moon evocava sua transformação, virou “Pelos poderes do prisma lunar” (ou seria Greyskull?). “Eu sou Sailor Moon e punirei você em nome da Lua” virou “Sou UMA Sailor Moon e vou castigar você em nome da Lua”, como se Sailor Moon fosse uma espécie de animal e não uma guerreira icônica, e como se os inimigos fossem filhos dela prontos para ficarem de castigo no quarto por terem feito algo errado. Estou sendo chato? O novo elenco de dublagem causou muito estranhamento a quem assistiu a versão Gota Mágica e a BKS foi alvo de bastante "rage" numa era pré-redes sociais. Sailor Moon agora era interpretada por Daniela Piquet, o que dividiu a base dos fãs que queriam porque queriam a Marli Bortoletto de volta. Apesar das reclamações, Daniela tinha uma voz bastante similar à Serena (Usagi) do original. Só estava um pouco fora do tom…

Capa do CD inspirado na trilha de Sailor Moon R  (Foto: Reprodução)

Capa do CD inspirado na trilha de Sailor Moon R (Foto: Reprodução)

Como cereja do bolo, a dublagem tinha uma série de inconsistências nos nomes dos golpes, das Sailors e até delas próprias. Lembra da espécie animal? Todas elas se nomeavam erroneamente de “Sailor Moons” (socorro), quando o certo seria ser só “Sailors” (tenho quase certeza que a dublagem simultânea de Pokémon deve ter confundido a cabeça dos responsáveis do estúdio BKS). Os golpes, ah os golpes, mudavam de nome todo episódio. Tinha dia que era “Tiara lunar da princesa da Lua”; em outro virava “Pelos poderes do centro lunar”; já teve vezes em que “Pelos poderes do cetro da princesa da lua, transformação” foi ecoado. Etc, etc, etc. Coisas que o público que acompanhou pela TV Manchete e já estava no fim da adolescência relevava pois Sailor Moon tinha voltado! E a notícia boa: o Cartoon Network declarou pra algumas dessas revistinhas de nerds que a série estava fazendo sucesso na programação. E que mais episódios viriam!

A alegria dos “moonies”, como essa base de fãs é conhecida, ficaria ainda maior quando a Record anunciou que a série estrearia, com essa mesma dublagem (hunf), na programação do Eliana & Alegria em setembro de 2001. Foi no programa da Eliana, aliás, que os animes ganharam mais um lugar ao sol no Brasil, com a primeira exibição de Pokémon. Desta vez, Sailor Moon tinha tudo pra dar certo, correto? Errado…

Sailor Moon vencemos o inimigo um a um
Sabe o que eu falei lá atrás, que Sailor Moon de fato movimentava e movimenta muito dinheiro no Japão, México, Espanha e Itália (provavelmente países que não têm problemas com compra de bonecas)? A Record sabia disso e guiada pelos bons números de audiência do Cartoon, resolveu apostar grande na série, colocando ninguém menos que Eliana pra cantar a canção tema “Sailor Moon (Guerreiras da Lua)” e gravar um clipe que era exibido antes de cada episódio. Nesta obra de arte da TV brasileira, a apresentadora parecia com duas chuquinhas similares às de Serena e cantava: "Nossa líder é Serena, ela é linda e é pequena (...) Sailor Moon vencemos o inimigo um a um”. Ela era acompanhada de outras dançarinas também com chuquinhas (com exceção da protagonista, as heroínas da série usam outros penteados, vale ressaltar) e outros meninos sem chuquinhas.

Eliana fala sobre a recuperação da Covid-19 (Foto: Reprodução)

Eliana já foi "uma Sailor Moon"... (Foto: Reprodução)

O clipe se passava no espaço e, em alguns cortes, nossa heroína e apresentadora Eliana pilotava uma nave com um joystick (?!), atirando contra asteroides. Absolutamente nada a ver com a série, mas estamos falando do pós fim dos anos 1990 e tudo era passável. A pataquada era no fim uma alegria para os fãs da Manchete que não tinham TV fechada e que agora finalmente poderiam ver as temporadas seguintes do anime. Mas Sailor Moon saiu do ar um mês depois (risos), sem nem ter completado a primeira exibição no programa. Continuou sendo exibido no bloco Desenho Mania aos finais de semana, e só em algumas cidades, mas também não teve completados os 43 episódios da segunda temporada - e muito menos das demais.

Nos confins da internet, existem duas versões para a interrupção abrupta da estratégia de marketing e cancelamento de Sailor Moon na Record. O primeiro é que o anime não estava indo bem na audiência, mas os índices do Ibope da época mostravam que a emissora quase sempre ficava em segundo lugar, um indicativo de sucesso. A segunda hipótese, mais plausível, é que a exibição da Record coincide com o "Blackout Sailor Moon”, que começou em meados de 2001 e só viria a terminar em 2009. Nesta época, Naoko Takeuchi, a autora do mangá que inspirou a animação e obviamente é detentora dos direitos da personagem, proibiu qualquer licenciamento em qualquer país que não fosse o Japão. Isso incluiria redublagens, vendas de brinquedos, etc. O Cartoon Network deu um pouco mais de sorte, porque já tinha adquirido todas as fases do anime, conseguindo exibir a série na íntegra (com exceção da primeira temporada) até 2002. Mas, na TV aberta, Sailor Moon não teria como ser renovada, então não adiantava fazer sucessso. Assim, saiu do ar, sem nunca ter tido a chance de colegas como Cavaleiros do Zodíaco, Pokémon, Dragon Ball Z, Digimon, Card Captor Sakura (que foi pra TV Globo na mesma época e teve bastante êxito), Naruto, Yu-Gi OH, etc, etc…

Sailon Moon Super S: quarta temporada da série clássica, que ganhou remake com os filmes atuais da Netflix  (Foto: Reprodução)

Sailon Moon Super S: quarta temporada da série clássica, que ganhou remake com os filmes atuais da Netflix (Foto: Reprodução)

Calma, tem mais…
Em 2010, a Ulbra TV, afiliada da Cultura no Rio Grande do Sul, animou os fãs gaúchos do anime ao estrear a primeira temporada de Sailor Moon em sua programação. Alegria que não durou muito: tratava-se de uma exibição ilegal. Já em 2014, a Rede Brasil reestreou a série a dublagem clássica na sua programação. Também era uma exibição ilegal. Já falei do nariz de palhaço?

O traço amado e odiado de Sailor Moon Crystal (Foto: Reprodução)

O traço amado e odiado de Sailor Moon Crystal (Foto: Reprodução)

2014, o retorno de Sailor Moon
Com a internet bombando e ninguém mais se importando se Sailor Moon estava sendo exibido ou não, já que os interessados acharam meios “extraoficiais” de fazer isso, o Brasil começou a ganhar um pouco mais de amor dos licenciadores da série. A editora JBC lançou oficialmente o mangá de Naoko Takeuchi, que veio completinho com os 12 volumes e mais 2 volumes adicionais de histórias paralelas totalmente traduzidos. O mangá é o ponto de partida para todas as histórias contadas no anime clássico de Sailor Moon.

Em julho de 2014 a Toei também anunciou um remake de Sailor Moon, nomeado de Sailor Moon Crystal, que chegou oficialmente ao Brasil SIMULTANEAMENTE (veja, que luxo) pela plataforma de streaming Crunchyroll, legendado. Os novos episódios são amor e ódio, já que eles foram feitos com baixíssimo orçamento e com um traço bastante diferente da versão original - mais similar ao mangá. Mas, Sailor Moon é Sailor Moon e pelo menos essa passagem ganhou um tratamento mais digno por aqui.

Imagem de Pretty Guardian Sailor Moon Eternal Parte 2, que estreia na Netflix em 3 de junho (Foto: Divulgação)

Imagem de Pretty Guardian Sailor Moon Eternal Parte 2, que estreou na Netflix em 3 de junho (Foto: Divulgação)

2021: Sailor Moon na Netflix
Chegamos em 2021 e qual foi a nossa surpresa ao saber que Netflix traria dois filmes originais da série, inspirados no arco “dream” do mangá? Nenhuma, já havia rumores por toda a internet. Mas, há muitos, muitos motivos para celebrar. Os filmes, nomeados de Pretty Guardian Sailor Moon Eternal, partes 1 e 2, são, na verdade, sequência direta de Sailor Moon Crystal, aquele remake que não deu muito certo (pelo menos pra nós, do ocidente). Para acabar de vez com as críticas dos fãs chatos, Kazuko Tadano, a animadora da série clássica, foi chamada para trabalhar nos character design dos personagens e a sensação de nostalgia é absoluta: não só os traços mais delicados voltaram, como também os belíssimos cenários em aquarela, uma marca registrada da primeira animação, especialmente na primeira temporada.

A adaptação da história é praticamente um quadro a quadro do mangá, o que deixou muitos fãs felizes, já que a série original é conhecida por ter tomado um rumo próprio na televisão.

Mas, no Brasil, há também um motivo em especial, que serve como um pedido de desculpas aos fãs daqui. Eu sei que a Netflix não tem nada a ver com o pesadelo que é Sailor Moon no país, mas deixa a gente ser lírico: pode-se dizer que pela primeira vez Sailor Moon recebeu o tratamento vip que merece em termos de adaptação.

A nova dublagem é assinada pela Vox Mundi e, assim como na versão original, comandada por uma mulher: Flora Paulita dirige a versão brasileira, que foi acompanhada de perto pela Toei, no Japão. Flora, uma figura conhecida e competente da dublagem, já assinou outras produções para a Netflix, como Bridgerton e Elite, e também era fã do anime quando ele passava no Cartoon Network. Por conta disso, deu todo um tratamento especial aos longas, acompanhando de perto as adaptações.

Nesta nova versão, a Toei optou por manter os nomes originais. Serena vira Usagi, Darien vira Mamoru, etc, etc. Outras exigências da produtora me deixaram incomodado, como por exemplo, o uso de palavras em inglês para designar princesa ou príncipe, que viraram princess ou prince. Bizarro. Mas, de modo geral, o trabalho foi feito de uma forma profissional e com um capricho difícil de ver nas duas versões da dublagem anterior - apesar de ótima, a dublagem da Gota Mágica sofria demais com a mixagem de som, mesmo para os padrões dos anos 90...

Sailor Mercury no filme da Netflix (Foto: Divulgação)

Sailor Mercury no filme da Netflix (Foto: Divulgação)

O elenco de dublagem é quase todo formado pela turma que veio da BKS (versão Cartoon Network), com exceção de Daniela Piquet, que recusou o convite para voltar a ser Sailor Moon. Marli Bortoletto, a voz da versão Manchete e preferida pelos fãs, acabou não passando pelos testes da Toei, que tinha aprovado apenas os nomes do segundo elenco de dublagem - ou seja, o trabalho na primeira temporada foi desconsiderado por eles. Flora, sabendo da preferência dos brasileiros, até tentou emplacar o nome dela com os executivos internacionais (conforme ela disse nesta live), mas não teve êxito. No lugar disso, deu a ela um papel emblemático: o de Rainha Serenity (me recuso a falar Queen), a mãe de Sailor Moon no passado, em cena que soa como uma passagem de bastão para a nova dubladora da heroína, Agatha Paulita, que fez um trabalho excepcional.

Por fim, na Netflix, Sailor Moon ganha a chance de ser vista por uma nova geração que não tem ideia do perrengue que era ser nerd nos anos 1990, abrindo espaço para a série brilhar, corrigir essa história de terror que foi sua passagem no Brasil, e até, quem sabe, ganhar os 200 episódios da série clássica (posso sonhar com redublagem?) ou os 30 e poucos da série Crystal, que antecedem o filme, no catálogo da plataforma.

Sailor Jupiter em Pretty Guardian Sailor Moon Eternal (Foto: Divulgação)

Sailor Jupiter em Pretty Guardian Sailor Moon Eternal (Foto: Divulgação)

Me dê motivos…
Ok, se você ainda não se comoveu com a história de Sailor Moon no Brasil e nem está com dó do autor, que está quase te implorando com esse textão, temos mais alguns motivos pra fazer você parar seu final de semana e assistir aos filmes.

Apesar de ter sido publicada nos anos 1990 e ter envelhecido um pouco mal no que se refere às pautas cotidianas, incluindo aí alguns momentos bastante delicados, como os padrões de beleza e o conceito de ser uma “lady”, Sailor Moon ainda é uma série sobre feminismo.

As protagonistas não só são heroínas que comandam e protegem todo um sistema solar e salvam o dia, como todas têm características bastante marcantes, reforçando o conceito de pluralidade. Não há sailor negras, é verdade, mas há duas Sailors lésbicas que são assumidamente um casal e que junto com uma terceira mulher ainda criam uma filha. Entre as personagens, figuram aquelas que querem ser independentes, donas de seus próprios negócios, como também aquelas que sonham em ser ídolos e se casarem. Muitos dos personagens são não-binários e a série não tem problema algum em falar sobre sexualidade e amadurecimento.

Por fim, Sailor Moon é um dos animes mais populares do mundo, um dos mais lucrativos do Japão, e que nunca teve de verdade um lugar ao sol por aqui. Aos fãs de animação, vale dar uma chance pra esse clássico que conquistou tanta gente mundo afora. E aos companheiros de perrengue dos anos 90, fica a nossa celebração: a brazilian horror story de Sailor Moon finalmente parece estar chegando ao fim.

*Danilo Saraiva é editor-chefe da Quem, mas é também um nerd assumido, fã de animação japonesa, vídeo-game e música pop.

Poster da versão brasileira de Sailor Moon Eternal, que estreia na Netflix em 3 de junho (Foto: Divulgação)

Poster da versão brasileira de Sailor Moon Eternal, que estreia na Netflix em 3 de junho (Foto: Divulgação)