Capas

Por Mateus Phyno (@phynocomph_)

Com 30 anos de uma carreira bem-sucedida e cheia de papéis marcantes, Denise Fraga nutre uma paixão do tipo arrebatadora pelo ofício. Comediante das mais inteligentes, ela leva o humor como missão de vida e, em suas obras, busca encaixar reflexões mais profundas sobre o mundo entre uma graça e outra. Aliás, ouvir e prestigiar uma artista como ela é ter certeza de sair dali com, pelo menos, uma ou duas lições de vida. “O que me deixa feliz é quando consigo divertir alguém, ao mesmo tempo que faço essa pessoa voltar para casa com uma trouxinha de reflexão, uma lembrancinha da peça, uma pulga atrás da orelha, que é assunto para pizza”, diz ela a Quem.

Em um papo de duas horas, por chamada de vídeo, Denise reflete várias vezes sobre o amor à arte e a plena certeza que tem da importância dela em dar brilho à vida cotidiana, afirmando sem titubear: “A arte serve para livrar a gente da mediocridade dos dias”. Ela ainda reflete: “Quando você está sofrendo, não vai deixar de sofrer, mas se você tem aquela música do Chico [Buarque], você continua chorando, mas se você puder cantar a música do Chico enquanto você sofre, de alguma maneira, você embeleza o teu sofrimento.”

Aos 57 anos, ativa e curiosa como sempre foi, Denise é também voz contra o etarismo e os estereótipos associados ao envelhecimento, principalmente da mulher. “Eu sou o que sou e eu não me sinto velha. É louco isso, né? Ninguém contou para a gente que assim seria. Quando eu pensava em mim com 57, pensava em mim numa cadeirinha, talvez escrevendo ou lendo… E estou com 57 dançando!”, conta ela, aos risos. “Estou envelhecendo porque não morri. Estou aqui! Tenho essa felicidade de poder envelhecer e ter histórias para contar e promover encontros. Agora faço uma roda de samba! Quero cantar samba, falei que quero envelhecer cantando, sou tão feliz quando eu canto e danço!”, completa.

Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro

Esse alto-astral e essa energia para encarar a vida, ela leva às dezenas de personagens a quem já emprestou o corpo. Apesar de gostar do drama - e brilhar também em papéis mais dramáticos -, Denise ficou conhecida mesmo foi pelo humor que, para ela, mais que um gênero, é uma filosofia de vida. “O humor te ajuda a olhar as coisas da vida com uma lente externa, sem se envolver completamente. Ele é altamente brechtiano e te ajuda a racionalizar junto da emoção e, portanto, a tomar decisões. Ele ajuda você a se reconhecer, rir e falar ‘pior que eu sou assim!”, diz ela, que acumula papéis icônicos como a empregada Olímpia, da peça Trair e Coçar, É Só Começar.

Com texto de Marcos Caruso, a produção foi responsável por alçar Denise ao estrelato, no fim dos anos 1980. “Eu gostava muito de fazer a peça, mas fiquei pensando: ‘Já estou aqui há seis anos, tudo que as pessoas querem é que eu continue aqui, mas, se eu ficar, e os Tchekhovs e Shakespeares? E todos os personagens da dramaturgia do mundo que eu posso fazer?”, diz ela, que está em turnê com o monólogo Eu de Você, que ficou em cartaz no Rio de Janeiro até 28 de agosto, antes de seguir estrada para Curitiba, pelo interior de São Paulo para, posteriormente, desembarcar na capital paulista.

Na peça, que fala da vida humana com histórias reais do público costuradas a poemas e músicas, Denise diz conseguir receber o comentário de que mais gosta: “não sabia se ria ou se chorava”, e promete uma espécie de ritual em que o resultado é uma vontade urgente de viver a vida.

Viver a vida, aliás, está em sintonia com o momento em que as pessoas estão vivendo depois de dois anos de privações devido à pandemia. A atriz, inclusive, foi militante ativa em prol do isolamento e da vacinação contra a Covid-19 e defende que pessoas públicas deveriam se posicionar diante do absurdo: “Acho que não tem mais como a gente não se posicionar. Estamos vivendo um tempo onde eu acho que nunca a omissão funcionou tanto como uma ação. E a ação da omissão hoje é, talvez, o contrário do que você gostaria de agir. Não fazer nada é fazer alguma coisa”.

Saindo de uma novela e em cartaz também nos cinemas, com o filme 45 do Segundo Tempo, Denise chegou aos 30 anos de carreira, mas planeja os próximos 30, 60 e o que mais vier. Alegre, inteligente e disposta a realizar os próprios sonhos -- incluindo melhorar a fluência no inglês -- ao contrário do que ela mesma pensou um dia, aos 57 anos, sua vida está só começando.

Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro

Sua peça, Eu de Você, foi construída a partir de diversas histórias de outras pessoas, misturadas com histórias pessoais suas. Como foi esse processo para você?
Denise Fraga: Na verdade, isso acabou acontecendo, não era a premissa da peça, mas acho que ela tem, realmente, um convite a essa coisa tão falada ultimamente que é empatia, de você não só escutar a história de alguém, mas se deixar passar por ela. A ideia era um mergulho na vida do outro, sem ser só eu representando um personagem, fazendo uma composição. Aliás, uma coisa que o Luiz [Villaça, diretor] me pedia muito, era cuidado para não fazer o personagem ficar anterior a mim. Trabalhamos em cerca de 25 histórias, das mais de 300 cartas que recebemos. Eu ali, morrendo de vergonha e medo, mas muito disposta a fazer dessas cartas alguma coisa que… Tinha muito medo de ser leviana, não queria ser leviana de jeito nenhum com as histórias que tinham me sido confiadas. As pessoas escreveram para mim coisas que eu acho que elas não postam. Elas escreveram para mim e falavam assim: ‘Denise, você que vai me dar voz, você que vai falar por mim.’ Então, comecei a me sentir muito responsabilizada, ao mesmo tempo em que as cartas nos deram uma amostra melancólica dos dias que estávamos vivendo. Era final de 2018 quando recebemos as cartas.

Numa entrevista recente a Quem, você falou que a plateia sempre se identifica muito com o texto. Por que acha que isso acontece e como é ver o público se identificando, também, com sua vida?
Eu não queria fazer um espetáculo triste. Acho que um dos grandes desafios foi como tratar com beleza e com leveza a tragédia cotidiana e eu acho que a gente conseguiu, e que esse é o grande valor da peça. Acho que ela tem uma coisa que diverte e emociona, essas duas coisas ficam muito grudadas o tempo inteiro. Eu de Você me faz ouvir a coisa que mais gosto de ouvir do público: ‘Nossa, eu não sabia se ria ou se chorava’. Isso faz um sentido danado para mim, na minha trajetória, porque eu me dediquei muito no teatro, a levar autores que são clássicos e textos muito importantes da dramaturgia para um público popular.

O meu interesse é de mostrar esse teatro. Falo que adoro ser uma boa decepção, porque se fosse pelo público, estaria fazendo Trair e Coçar até hoje. Eu adorava fazer aquela festa, mas o público queria que eu continuasse ali. Saí com o teatro lotado, mas acho que muitas vezes você tem que tomar as rédeas da sua trajetória e foi o que fiz. Falei que queria alçar outros voos e pegar um público que me conhecia pelo Trair e Coçar e pelo Retrato Falado e apresentar o que é Brecht, o que é Shakespeare e me fazer do humor para comunicar uma coisa que eu acredito muito. Eu confio no humor, a maioria dos meus trabalhos tem um fio condutor do humor, porque eu acredito que, realmente, para reflexão, ele é um grande aliado, porque ele faz você se olhar de fora e se reconhecer.

A peça começou a ser apresentada antes da pandemia e precisou ser interrompida. Como foi isso?
Estreamos a peça em 2019, fizemos quatro meses no Teatro Vivo e depois começamos a viajar. Fizemos Campinas (SP) e Belo Horizonte (MG) e na segunda cidade da turnê, veio a pandemia. Eu achava que ia morrer, porque essa peça parece que eu estou montada num Pegasus, ela é muito importante para mim, porque ela cumpre uma função. Uma coisa que eu acredito muito é que esse teatro é como um verdadeiro ritual de reflexão. São histórias muito reconhecíveis de outras pessoas. Então, quando veio a pandemia, eu chorava no chuveiro porque tinha parado a peça.

Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro

Depois de tudo que passamos enquanto sociedade, sente que a recepção mudou?
Quando voltamos, tivemos várias estreias adiadas e falei: ‘A gente vai ter que ensaiar tudo’. Na sala de ensaio, a gente viu que a peça estava potencializada. Mudamos pouca coisa, algumas horas que eu desço na plateia e agora eu ponho a máscara e tal… Mas a gente mudou muito pouco, porque acho que na pandemia todos nós, de alguma maneira, pensamos na existência. Não teve quem não pensasse na sua própria vida e eu acho que Eu de Você fala sobre a existência. A vida não é bolinho para ninguém, e mostramos essa vida dura, mas com holofote sobre a beleza da existência. O que a peça tem de valor é que ela dá vontade de entrar no jogo da vida. Apesar de não ser fácil, ela faz a gente ver que esse jogo é, no mínimo, instigante e isso me deixa muito feliz. É como se o público tivesse nos confiado essas histórias e se a gente as devolvesse ao próprio público embrulhadas no papel de presente da arte, sobre a ótica da beleza. É como se a gente falasse: ‘Olha o que você viveu e olha o que você viveu ao lado desse Drummond. A peça também cumpre um papel que eu sempre fui partidária, de que a pessoa que vive acompanhada da arte vive melhor.

Como assim?
Sempre falei isso. Quando você está sofrendo, você não vai deixar de sofrer, mas se você tem aquele conto da Clarice [Lispector] que você leu, se você tem aquela música do Chico [Buarque], você continua chorando, mas se você puder cantar a música do Chico enquanto você sofre, de alguma maneira, você embeleza o teu sofrimento. A arte serve para livrar a gente da mediocridade dos dias. A vida é muito medíocre sem arte, a arte dá uma embelezada.

E no sentido mais prático, tem sido mais fácil ou mais difícil colocar o espetáculo na rua agora?
Tem a questão das máscaras, né? É difícil você olhar para uma plateia de máscara. Mas, ao mesmo tempo, dá uma felicidade danada aquela plateia toda mascarada, porque te dá uma sensação de que a gente está no meio da guerra e a gente está conseguindo fazer. Vejo as pessoas entrando no teatro de máscara e falo: ‘Nossa, como o encontro supera as dificuldades, a vontade do encontro’. E acredito nisso. Acho que, talvez, a dificuldade é que exista um pouco de efeito “toca”. Ao mesmo tempo em que existe uma saudade muito grande, temos lotado todas as praças, temos viajado muito pelo interior, pelo Sesc… Fizemos Curitiba com o [Teatro] Guairão lotado! Um teatro de 2.200 lugares, dois dias! Eu fiquei chocada com aquilo. É um público com saudade do teatro, sabe?

Como tem sido esse retorno?
Tem esse duplo, que é uma mistura de saudade do público e desse efeito “toca”, que muito de nós estamos sofrendo e tendo que ultrapassá-lo. Nossos sofás chamam a gente para ficar ali, aquela forma da nossa bunda que ficou nele, na pandemia, porque todo mundo foi para as telas, não tinha muita alternativa. Mas acho também que a saudade tem um ganho, porque eu tenho visto o quanto que as pessoas têm ido [ao teatro], em todos os lugares que a gente tem ido, têm sido espetáculos lotados. A peça é, de alguma maneira, um bálsamo para esses tempos recém-saídos dessa reclusão e com vontade de continuar reclusos diante do absurdo dos dias.

Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro

Viver de cultura no Brasil pode ser um verdadeiro desafio, especialmente no teatro. Sendo uma artista do seu porte, com tantos anos de carreira, você tem sentido mais ou menos dificuldade?
Viver de arte no Brasil, no geral, é difícil. O que está acontecendo, no momento, é que a gente está no quarto ano de um governo que é inimigo dos artistas, ele tem, declaradamente, uma inimizade com os artistas e isso é muito difícil. É um governo que dificulta todas as burocracias necessárias para o incentivo às artes, há uma morosidade e não se criam novos incentivos para as artes. É um governo que fez uma difamação muito grande junto aos seus aliados e apoiadores. Eu sempre digo: ‘Cuidado, porque você gosta de arte, pesquise. Pesquise, porque você gosta de ver novela, porque você gosta de cinema…’.

Qual o papel das políticas públicas no sentido de fortalecer ou enfraquecer a classe artística?
A arte não é um comércio. Você não vai lá e vende primeiro, não fecha a conta na cadernetinha, na ponta do lápis, você passa a régua não fecha porque ela é muito cara para o ingresso que a gente pode cobrar, não existe um borderô. A arte precisa ser incentivada, porque ela não é como abrir um restaurante e ver qual vai ser -- e às vezes até um restaurante precisa ser incentivado pelos sócios e eles calculam os riscos. Com arte não é assim, porque a gente não vai ficar com uma peça para sempre numa esquina, como um restaurante. A gente tem um tempo limitado, você não tem você não tem como prever. Arte precisa de incentivo. Em qualquer país do mundo têm leis de incentivo, porque a arte é a imitação da própria vida. Imagina você o que é criar um castelo para existir reis e rainhas numa peça, por exemplo; isso custa um dinheiro que obviamente a bilheteria não dá conta, né? A gente teria que cobrar ingressos a R$ 500 e ninguém paga ingresso. R$ 500. Você paga uma quantia até num show internacional, mas você não paga um ingresso de teatro muito caro. Você compra um tênis, toma cerveja… O ingresso do teatro é muito desvalorizado no Brasil. Você vai para fora e até compra o ingresso, mas as pessoas não têm essa cultura de entender o preço e o quanto que uma peça te põe nesse lugar que é esse lugar do enlevo, que te leva para o campo dos sonhos, nesse lugar do sublime. E que ali nesse lugar, você tem a chance de ser modificado e falar ‘nossa essa peça mudou a minha vida, esse filme mudou a minha vida, depois que eu li aquele livro, nunca mais fui o mesmo’. Tanta gente fala essas experiências a partir da arte, né?

O que precisa mudar?
Você ter um governo que realmente é declaradamente inimigo da arte e dos artistas, das produções culturais, é realmente dificultoso e é uma pena. Essa ideia desses tiozinhos no churrasco que ficam falando: ‘Ai, esses artistas’... Está tudo lá! Aliás, é bom que se diga sempre que as contas das leis de incentivo estão abertas lá no Ministério da Cultura, que agora é Secretaria. Para quem quiser ver, tem uma auditoria muito forte. Eu vivo assim, viajando com peças de teatro, desde 2006. Fazendo temporadas em São Paulo, no Rio e viajando pelo Brasil com elencos grandes. Às vezes, equipes de 22 pessoas e elenco de 12, 15 pessoas, dando emprego a um número enorme de pessoas a cada praça em que a gente chega. Os números da economia cultural são imensos, é uma economia que dá certo, a indústria cultural no Brasil não é à toa, nós temos uma potência -- e porque nós temos artistas muito talentosos. As pessoas não falam, mas a indústria automobilística também é incentivada, várias indústrias são incentivadas.

"Se eu pudesse eu não tinha, mas eu quero teatro cheio, né?"

Muito tem se falado sobre influenciadores e ex-BBBs sem preparo ou formação técnica entrando no mundo da atuação já com papéis grandes, produções com orçamentos enormes, etc. Qual sua visão disso?
Na verdade, estou tentando me achar assim na rede social, porque acho que ela virou um pré-requisito para as pessoas que trabalham com comunicação. Se eu pudesse, não tinha, mas quero teatro cheio, né? Acho que ela é uma ferramenta incrível, mas é que dá um trabalho danado… É um trabalho extra na vida de todos nós, os administração da rede, né? (risos) Isso está ficando cada vez mais terceirizado, o que dá cada vez mais a impressão de fake. É uma pena, acho que a gente está tomando um olé muito grande, porque meio que a gente está se acostumando que a rede social seja alguma coisa fake, superficial, ligeira, e é uma ferramenta que eu acho que pode ser usada de formas muito interessantes.

Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro

Falando em redes sociais, qual sua relação com esse mundo?
Eu tento achar alguma forma em que consiga ter alguma profundidade. Durante a pandemia, fiz Horas em Casa, que foi uma coisa que fiz por necessidade de falar, de dizer alguma coisa naquele momento e está aí no YouTube. Foi muito legal e foi uma coisa que me salvou, por sua vez, porque sempre falo feliz de nós que temos um ofício que podemos transformar a angústia em beleza’. Nós [artistas] somos alquimistas, de certa maneira, nisso; quando a gente está muito angustiado, a gente fica com uma vontade muito grande de fazer alguma coisa que dê conta daquela angústia e ela possa virar um combustível. Foi o que aconteceu com Horas em Casa. A gente filmava em casa, fazia reunião de roteiro pelo zoom… Não ganhamos dinheiro com isso, mas, às vezes, a arte urge. Na maioria das vezes, a arte é urgente.

Na sua vida foi sempre assim?
Acho que o artista se manifesta, às vezes, não só pelo dinheiro, por um trabalho que te chamem, te contratem. Ele se manifesta muito por uma vontade de dizer. Quando eu fiz isso, fui fazer o teatro que eu queria, me fazendo valer daqueles autores para dizer o que eu queria, escolher as peças que queria, dizer aquilo porque era importante dizer aquilo, naquela hora, quase como uma fofoca que as pessoas precisassem saber. ‘Olha o que esse cara escreveu há quase 100 anos atrás, como ele dá voz a sua angústia de hoje!’. Isso virou uma premissa que faz com que eu tenha muito mais prazer de acordar, porque eu sou assim, louca pelo teatro. Inclusive, eu acho que o teatro hoje é tão mais precioso, porque ele é o único lugar que vai te possibilitar um mergulho. As pessoas estão muito nadando na superfície, nadam aí o dia inteiro, a gente lê e escreve o dia inteiro, mas a gente nada na superfície e o teatro é esse lugar de mergulho.

No Brasil, temos grandes nomes que levam pessoas ao teatro, temos os musicais, as comédias que lotam mais facilmente, porque acho que a gente tem uma tradição de comédia e uma busca do público pelo gênero. Eu falo, às vezes, que a gente até vive uma ditadura da comédia (risos). Às vezes, a pessoa quer tanto se divertir que acaba pagando para ver uma comédia ruim e ela se divertiria muito mais arriscando um drama bom. Às vezes, você ri e não leva nada para casa. O que me deixa feliz é quando consigo divertir alguém ao mesmo tempo que faço essa pessoa voltar para casa com uma trouxinha de reflexão, com uma lembrancinha da peça, uma pulga atrás da orelha, que é assunto para pizza.

"A gente até vive uma ditadura da comédia"

Quando estava no início de carreira, passou por quais dificuldades/perrengues?
Como tanta gente, eu era muito dura de grana, minha família era uma família simples de classe média do Lins Vasconcelos, no Rio, e eu querer ser atriz não era uma coisa fácil, porque eu demorei muito para acontecer. Lembro que cheguei a desistir, fui fazer um teste para ser aeromoça, vendi produto de beleza, enfim (risos). Mas, depois que você faz teatro, você fica meio picado pela coisa, e aí eu lutei muito. E é uma felicidade muito grande a hora que acontece, né? Mas as agruras vieram nesse período aí, antes de acontecer, quando eu falei para minha mãe e para minha família que queria tentar fazer teatro. E eu não tinha dinheiro para o sanduíche, era dura a vida. Tinha que sair correndo de maquiagem e tudo, quando acabava a peça com o Grupo Tapa, que foi meu primeiro trabalho, em Ipanema, para chegar no Lins, eu não podia perder o ônibus de jeito nenhum, porque eu não tinha dinheiro para o táxi. Graças a Deus, depois que eu comecei a dar certo, tem altos e baixos, claro, mas, sempre consegui pagar minhas contas como atriz e isso aí é quase uma receita de felicidade. Você achar a coisa que mais gosta na vida - e eu achei, sou agradecida por isso todos os dias - e, depois que você acha, conseguir fazer disso seu ganha-pão… É uma coisa que eu até aconselho!

Mas você desistiu de desistir…
Trabalhava há um tempo em um grupo de teatro, trabalhei dois anos no Grupo Tapa, desisti e fui fazer o teste para ser aeromoça, mas aí quando me chamaram para trabalhar, eu já estava ensaiando uma peça prestes a estrear, com um grupo que a gente formou com ex-alunos da Escola de Teatro Martins Pena, que foi onde eu estudei. Com esse grupo, tive uma pequena autonomia que não dava para sair da casa dos nossos pais, não dava para pagar aluguel, mas a gente pagava nossas aulas, a mobilidade, a condução, um curso aqui e ali. E isso já foi uma sensação de que eu ia continuar, porque a gente tinha ali uma continuidade. Enquanto isso, eu continuei distribuindo fotos e currículo por aí, até que me chamaram para fazer um teste na Globo e eu fiz a minha primeira novela, que foi Bambolê, em 1987. Quando você faz televisão, principalmente naquela época, era uma força muito grande, sua família começa a te chamar de atriz, o moço da Quitanda de trata melhor… (risos).

Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro

E quando “aconteceu”?
Tive um acontecimento na minha vida que foi Trair e Coçar é Só Começar, uma peça que eu comecei com 24 anos e fiz até os 30. Em São Paulo, por exemplo, eu fui reconhecida por teatro antes de ser reconhecida na televisão. As pessoas me reconheciam na rua por causa de Trair e Coçar, que teve aqui um fenômeno incrível, que virou um teatro popular. Depois da temporada de dois anos que a gente tinha feito, a gente foi para o Teatro Zaccaro, que era teatro grande e aí a peça tinha 1.200 pessoas na plateia de quinta a domingo, era uma coisa maluca. Muita gente me conhecia na rua e teve muita matéria de jornal, também, pelo teatro. Aí fui fazer TV Pirata, porque o Guel Arraes viu uma fita minha da peça. Acho que o TV Pirara com Trair e Coçar foi quando eu tive, assim, um reconhecimento. Quando eu vi que ia dar certo, que talvez eu pagasse meu aluguel para sempre, foi aí.

Trair e Coçar é realmente uma produção lendária! Quais são suas lembranças dessa época?
Era um fenômeno! Primeiro, fizemos uma temporada de dois anos no Teatro Maria Della Costa e quando já estava pensado para acabar, resolvemos fazer uma temporada no teatro Zaccaro com ingresso que, na época, era preço de cinema e foi um boom. Aconteceu um negócio que eu nunca vi igual e acho que, talvez, nunca veja na minha carreira, que eram ônibus e ônibus de excursões do interior de São Paulo, que vinham para a peça. Filas quilométricas, eram 1.200 lugares no teatro e era lotado todos os dias, era inacreditável. Foi um acontecimento e foi a partir dali que eu fui fazendo várias coisas. Durante o Trair e Coçar eu fiz Esperando Godot, também no teatro, às terças e quartas, fiz novela, fiz o TV Pirata, Barriga de Aluguel, fui para o SBT, fiz Éramos Seis, Sangue do Meu Sangue...

Falando de televisão, antes de Um Lugar ao Sol você passou um bom tempo sem fazer um papel fixo na TV, sempre participações especiais. Foi uma escolha?
Não foi exatamente uma escolha. Assim, fiquei nove anos fazendo o Retrato Falado, e como a gente gravava em São Paulo, tinha uma equipe e já tinha um modus operandi dessa equipe. Era um ciclo, a gente fazia um tanto de episódios por ano, mais ou menos de março até novembro, aí tinha férias e a gente voltava a gravar em março. Aquilo funcionava assim, e era uma equipe que existia, porque gravávamos independente, contratados pela Globo, mas terceirizados. Não dava para parar essa coisa que estava girando. Recebi muitos convites durante essa época, que eu não podia aceitar porque teria que parar, aí escolhia ficar nele, que era uma coisa que eu adorava.

Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro

Até que chegou Um Lugar ao Sol, 25 anos depois…
O convite da Lícia Manzo veio certinho e foi muito bom, fiquei muito feliz e adorei fazer a novela. É muito bom você pegar um personagem que você pode ir construindo ali, são muitas cenas, é muito tempo e você vai estudando, vai agregando coisas, trazendo referências… Fiquei muito feliz de fazer a Júlia, era um personagem muito bom, um texto muito bom. Fazer novela com aquela qualidade de texto, de reflexão, fiquei muito feliz. E eu não descarto, não. Não foi uma escolha não fazer novela, foi uma escolha fazer teatro e, muitas vezes, quando eu estava no teatro, vinha um convite que eu não podia aceitar. Eu adoro fazer televisão, fico com saudade da câmera. Faço bastante cinema, que é uma coisa que fica mais restrita a um mês, dois, de filmagem, e tem as diárias que dá para você conciliar com outras coisas. Eu vivi uma época em que todo mundo que fazia televisão também estava no teatro concomitantemente e não sei se é a própria aceleração da produção, não sei o que foi que aconteceu, que hoje parece impossível essa logística da pessoa gravar e ir para o teatro. Isso limita. Mas eu quero muito fazer televisão, gostei de fazer de novo, fiquei muito feliz.

Você realmente me parece muito apaixonada pela profissão. O que gosta tanto sobre atuar?
Talvez porque o meu grande barato com a profissão seja viver emprestado. Acho que tem atores que o barato da profissão é a mentira e, para outros, o baralho é a verdade. Tem gente que tem muito prazer na técnica, que o poder de iludir, que também é muito prazeroso. Mas eu sou o tipo de pessoa que no ensaio eu já dá muita energia, porque eu quero viver aquilo logo. Eu acho que pego muita carona na minha profissão com essa história de viver emprestado essa vida que a gente tem em alguns personagens. Acho que quando eu ficar bem velhinha, vou ter umas lembranças misturadas das personagens (risos).

Por um período você fez uma grande sequência de personagens cômicos. Na época, você teve algum receio de ficar meio limitada à comédia?
Acho que o que me fez sair do Trair e Coçar foi um pouco isso. Eu gostava muito de fazer a peça, mas fiquei pensando: ‘Já estou aqui há seis anos, tudo que as pessoas querem é que eu continue aqui, mas, se eu ficar, e os Tchekhovs e os Shakespeares? E todos os personagens da dramaturgia do mundo que eu posso fazer? Acho que não limita, mas, vou te dizer de novo: confio no humor. Acredito que o humor é, para mim, quase uma filosofia de vida. O humor te ajuda a olhar as coisas da vida com uma lente externa, sem se envolver completamente, ele é altamente brechtiano e te ajuda a racionalizar junto com a emoção e, portanto, tomar decisões. Ele ajuda você a se reconhecer e rir e falar ‘pior que eu sou assim! Olha lá como eu sou, como eles estão mostrando que eu sou, é verdade, eu faço isso, né?’. O humor tem esse reconhecimento humano, mas eu não faço só comédia. A coisa que eu mais gosto é quando a coisa vem junto uma com a outra e fico pensando nisso desde o Retrato Falado, tinha edição que a gente fazia que não tinha graça nenhuma, mas a maneira que a gente levava era bem humorada.

"Eu confio no humor. Acredito que o humor é para mim quase uma filosofia de vida"

Além da peça Eu de Você, você também está estreando um filme, o 45 do Segundo Tempo. Me fala mais dele?
Filmamos em 2018 e finalmente estamos lançando agora, depois de alguns adiamentos por conta da pandemia. É lindo demais o trabalho nesse filme e a gente tá muito feliz com isso, ele tem esse traço de humor e drama correndo juntos. Ele te coloca num turbilhão de emoções, de sentimentos, entre comédia e drama, e faz a pessoa ver como é a própria vida. Você ri para caramba e você chora, tudo junto e misturado. Eu falo uma coisa: apesar de a gente adorar o nosso sofá, vocês já voltaram à sala escura? Quando voltei ao cinema pela primeira vez depois da pandemia, pensei assim: ‘Ah, tá bom, entendi’. É diferente demais, esse mergulho. E aí eu volto a repetir aqui uma coisa que eu sempre falo: quando você quer ver um filme nacional que você viu anunciar, vá logo na primeira semana, porque o espaço nas salas do cinema nacional é uma gincana. O que faz você ganhar a segunda semana é a performance da primeira semana, o que faz você ganhar a terceira, é performance das primeiras semanas. Sempre que você tiver dúvida se vai ver aquele filme nacional ou aquele blockbuster, veja o nacional, para que possa ter um boca a boca, que é o que realmente leva alguém ao cinema ou teatro.

Você sente que a maturidade também trouxe uma maturidade artística? Sente que seu trabalho também amadureceu?
Acho que sim. Acho que tem a ver com minhas escolhas, né? Agora precisa fazer sentido. No início da carreira, você vai topando tudo, você faz o que vier, quer fazer tudo e depois você vai ficando mais seletiva. Eu talvez tenha ficado seletiva com essa questão de fazer alguma coisa que diverte alguém, ao mesmo tempo que faz essa pessoa pensar. Isso talvez tenha virado o meu fel da balança.

Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro

Recentemente, a Isabel Allende falou numa entrevista para O Globo que o feminismo abandonou as mulheres acima dos 50. Ela diz que depois da menopausa as mulheres ficam escanteadas, mas que se mantém viva enquanto escritora. Concorda com isso?
Ah, eu acho que a gente vive num país desrespeitoso com os mais velhos. Envelhecer no nosso país é quase um pecado, né? Tenho lutado contra isso, tenho falado bastante sobre isso, acho muito bom essa história de que começou todo mundo a falar um pouco sobre a questão do etarismo, as pessoas nem falavam essa expressão. Sinto que são perdas e ganhos. Tem uma coisa que é real, envelhecer é um saco. Não vem com essa de que é legal, porque não é, não! (risos) Porque teu joelho dói e você não sabe porque que seu joelho tá doendo… Coisas assim, de falências. Acho que você tem que correr muito atrás, eu me preocupo muito com isso, quero muito envelhecer bem. Comecei a ficar mais ligada na regularidade de exercícios, em me alimentar bem e tal. Acho que é verdade essa coisa da invisibilidade, faz parte de uma cultura de desrespeito. E, também, ela é muito condizente com esse padrão absurdo e forçoso de que todo mundo precisa ser jovem eternamente, o que não existe. É uma falácia que faz as pessoas fazerem coisas terríveis e se modificarem muito, perderem a mão, às vezes, com procedimentos, suplementos e coisas que vão tomando, querendo essa juventude eterna que não existe. O espelho vira um grande inimigo, uma foto vira uma grande inimiga, um desprazer. Você tem que ter muito cuidado e também cuidar da cabeça nessa hora.

E como você tem se colocado como artista, neste sentido?
Não sei. Fico pensando, não sinto muito essa pressão, porque fico pensando no próximo projeto, na peça que quero fazer, no que quero dizer, no que quero escrever… Acho que quando você também tem projetos diversificados, que você atira aqui e ali, tem seus próprios projetos, quer dizer coisas, quer estudar, esse movimento te leva para bons lugares. Eu queria ter um dia de 48 horas, porque eu queria fazer uma faculdade a essa altura da vida! Mas eu falo: ‘Denise, não vai se meter nessa encrenca, porque você não vai dar conta’ (risos). Acho até que esse movimento é também um exercício, acho que você tem que cuidar da curiosidade.

"Eu tenho 57 anos, daqui a pouco vou ter 60, e me sinto a mesma pessoa que eu era com 25. (...) Vou estar inteirona com 70 anos, é meu plano"

Como assim?
A curiosidade pela vida. O tempo em que a gente tem vivido não está bolinho para ninguém, mas tem tanta coisa legal para fazer nessa vida. Fico pensando: moro nessa cidade, São Paulo é uma cidade incrível! Vou para o Rio e falo assim: gente, que cidade é essa? Claro, o fiel da balança é o dinheiro, né? É terrível, porque muitas vezes a gente não cuida do envelhecimento das pessoas e as pessoas com mais de 50 anos, dificilmente conseguem um emprego e a gente não pensa nisso. Acho que uma das coisas que a gente devia falar é a respeito da inclusão etária. Estamos tendo grandes ganhos graças aos movimentos antirracistas, na questão de gênero… Isso acho que realmente mudou, a gente ainda tem muito para caminhar, mas estamos evoluindo. Ao mesmo tempo, acho que uma coisa que precisa se falar é: o que vamos fazer com os 30 anos que ganhamos de longevidade? As pessoas não falam muito sobre isso, as pessoas não falam sobre menopausa, sobre estarem velhas. Eu tenho 57 anos, daqui a pouco vou ter 60, e me sinto a mesma pessoa que eu era com 25. É louco, porque você acha que você vai ser diferente e você não é diferente. Você é a mesma pessoa, você continua aqui, tem mil coisas que você quer fazer e você tá completamente bem, disposta. Sei lá, quando eu tiver 65, 70 anos, será que vão achar ‘não, a Denise já está com 70’? Eu vou estar inteirona com 70 anos, é meu plano. Digo, assim, de energia, de capacidade de realização… A gente tem esse preconceito e essa falta de visibilidade. Você tem que cuidar dos seus projetos, da sua curiosidade pelo mundo, da sua vontade permanecer no jogo da vida com afinco e com criatividade. Mas isso é remar contra a corrente e ela é muito cruel.

Você acha que o etarismo está maior ou menor, hoje?
Acho que esse padrão de se manter jovem, esbelta, magra está pior. É uma pena. Acho louco como a gente está ficando artificial como nunca. A gente está cada vez mais fake. Eu sou meio hippie, uma hippie atrasada, meio anos 1970 (risos). Nunca tentei alcançar esses padrões, nunca fiquei com essa crise de ser o que não sou e de cumprir com esses padrões de beleza. Eu tento não fazer nenhum procedimento invasivo, sou a rainha do creme e tal, quero me alimentar bem… Mas é fogo, né? Não é fácil, não. E é irreal. Parece que a gente contribui para ficar tristes. E não é para ficar triste! A gente está vivo!

"Nunca tentei alcançar esses padrões, nunca fiquei com essa crise de ser o que não sou"

Como você tem lidado com isso?
Outro dia, li uma coisa que falei: ‘Caramba, todo dia deviam falar isso para a gente’: 'Que bom que eu tô envelhecendo, significa que eu não morri'. Estou envelhecendo, porque eu não morri, eu estou aqui! Tenho essa felicidade de poder envelhecer e de ter histórias para contar e promover encontros. Agora faço uma roda de samba! Eu quero cantar samba, falei que quero envelhecer cantando, sou tão feliz quando eu canto e danço! Promover estratégias de alegria para você, se colocar no mundo, não ficar querendo ficar jovem, se sentir jovem. Eu já me sinto jovem. Eu sou o que eu sou e eu não me sinto velha. É louco isso, né? Ninguém contou para a gente que assim seria. Quando eu pensava em mim com 57, pensava em mim numa cadeirinha, talvez escrevendo ou lendo… (risos) E eu estou com 57 dançando! Está tudo certo, estou caminhando por aí, gosto de aventura.

Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro

E na profissão? Com o envelhecimento os papéis também vão ficando melhores ou vão ficando, talvez, mais escassos?
Tenho a felicidade de ter uma profissão que a gente pode exercer até a velhice. Tá aí Dona Fernanda [Montenegro] maravilhosa, para nos dizer ‘que bom que somos artistas’! Podemos morrer fazendo isso e, se Deus quiser, vou morrer fazendo isso. Fico muito feliz de ter uma profissão que não vou precisar me aposentar, que vou trabalhar nela até morrer. Eu recebi um roteiro para fazer um filme, um roteiro muito bom, e que gostei muito. Queria fazer o filme, mas aí o diretor achou que eu era jovem demais, quando ele conversou comigo, por causa que, sei lá, tenho um astral assim. Ele achou que eu era jovem demais para o papel e eu fiquei tão feliz quando eu vi no roteiro que eu ia ter um neto de 7 anos, que o neto falava ‘avó’. É uma pena, né? Talvez esse diretor não tenha confiado na possibilidade do meu imaginário. Às vezes, os atores são muito parecidos com o que representam, ele deve ter achado que eu ia ser aquela jovenzinha que estava ali conversando com ele -- e muitos avós são assim, como eu, de mochila e tênis.

Em entrevista recente para Quem, você falou sobre achar graça no fato de estar se tornando um ícone de beleza agora. Como tem sido isso?
Não sou ícone de beleza! Não falei essa palavra (risos). Mas acho curioso alguns acontecimentos. Me chamaram para fazer um editorial de moda meio 50+ e eu achei divertidíssimo, foi uma tarde maravilhosa, fizemos fotos incríveis. E aí começou esse negócio de “estar envelhecendo bem”, teve campanha de marca de beleza e começaram a me chamar para bate-papos, para falar sobre beleza na maturidade. Não sei se é verdade mesmo, que estou envelhecendo bem, eu tento. O que acho que posso dar voz é nessa tentativa, que não é fácil, de envelhecer mais naturalmente. Eu tenho muito medo de procedimentos mais invasivos. Às vezes, eu queria suspender um pouquinho, assim, mas fico pensando que vou parecer uma coisa que eu não sou e isso me dá muito medo. Me olhar no espelho e ver que eu tenho a minha idade me dá um alívio, me dá um conforto. Eu quero ser uma senhora bonita, bem, com a pele brilhante e bem hidratada, e estar com energia para namorar, para passear, para dançar, para cantar e para fazer minha profissão da melhor forma que eu puder. Eu faço exercício físico porque eu quero continuar sentando no chão e levantando com facilidade. Quero esse tipo de coisa. Acho que um ator precisa cuidar do corpo para que ele possa estar sempre disposto a emprestar o corpo para aquele personagem. Muitas vezes você estará mais velho e vai falar ‘não dá mais para correr uma maratona’; ok, não dá mais uma maratona, mas, não é para você precisar correr uma maratona até 80 anos, mas o tanto de tempo que você conseguir correr, vai poder fazer personagens que correm.

"Me olhar no espelho e ver que eu tenho a minha idade me dá um alívio, me dá um conforto"

Com 30 anos de carreira, como você tem conduzido seus caminhos profissionais, pensando nos próximos 30 anos?
Tenho muitos projetos, tenho vontade de fazer muitas coisas. Estou pensando na próxima peça, essa aqui a gente mal recomeçou e já estou pensando na próxima! E é assim, acho que sempre terei projetos meus, mas sempre estou esperando os convites. Fiz um filme em Portugal ano passado, um filme português que não tinha nenhum brasileiro -- era um diretor que pesquisou uma atriz brasileira e chegou em mim -- e eu fiquei super feliz! É muito boa essa abertura e esses caminhos que tiram a gente do nosso eixo. Tô muito disposta a sair do meu. E sempre tenho projetos na gaveta, né? Vou colocando eles em ação e aceitando os convites possíveis e que também me falem ao coração.Tem um livro da minha cabeça para ser escrito, que precisa que eu me sente na frente do computador, quero viajar, também, queria passar um tempinho fora para acertar meu inglês, que eu falo, mas não falo como gostaria….

Sendo uma pessoa pública, o que você fala e faz tem um peso maior que outras pessoas comuns. Como você se posiciona como cidadã?
Olha eu acho que é verdade, quando você diz isso sobre a pessoa pública, e agora com essa coisa da rede social, isso virou uma coisa muito forte. Essa coisa da opinião, da influência, eu não sou uma influencer, mas sei que minha opinião pode ser importante aqui e ali. Eu acho que não tem mais como a gente não se posicionar. Não tem mais como você ficar na caluda. Estamos vivendo um tempo onde eu acho que nunca a omissão funcionou tanto como uma ação, e a ação da omissão, hoje é, talvez, o contrário do que você gostaria de agir. Não fazer nada é fazer alguma coisa. Nós vivemos agora um momento não só político no nosso País; a gente está num ano eleitoral em que temos a nossa democracia realmente ameaçada por um homem que fala toda hora de ameaçar o processo eleitoral e de duvidar das eleições, de duvidar do supremo tribunal. Ele coloca em jogo, toda hora, questões que a gente nem colocava mais em jogo, ele, realmente, é um homem que ameaça nossa democracia. A gente sabia disso quando ele foi eleito, né? E ele está aí. Por isso que eu acho que a gente precisa se colocar realmente a favor da democracia, da nossa democracia tão arduamente conquistada. Eu fui para a rua nas Diretas Já, eu sei o que é não votar e passar a votar, não podemos de maneira nenhuma colocar isso em risco. Outra outra coisa que eu sinto é que a gente vive um momento crucial da história da humanidade, que é esse momento que foi completamente transformado pelo uso da tecnologia, pela vida digital, ainda mais pela rede social, e que a gente precisa entender do estamos fazendo parte.

"Não tem mais como a gente não se posicionar. Não tem mais como você ficar na caluda"

Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro

O que acha que precisamos mudar?
Acho que você hoje precisa ser antirracista, não só dizer que não é racista. Lutar como branco pelo antirracismo é entender que você é racista estruturalmente, entender esse privilégio da branquitude e agir de forma atirracista. A gente precisa fazer esse processo evolutivo valer. Temos que ser vigilantes todo o tempo, porque há um racismo estrutural vergonhoso no Brasil . Acho que a gente precisa ser feminista, trazer o feminismo de novo para esse lugar de movimento cuja raiz foi a não opressão. O feminismo, mais do que tudo, não é uma guerra entre homens e mulheres, ele é um movimento anti opressor. É uma coisa muito bonita, nesse sentido, a gente voltar o feminismo para esse lugar onde ele não tolera opressão, e não a gente como mulher às vezes se colocar na figura do patriarca e repetir modelos do patriarcado. Temos que ter muito cuidado com as matrizes com que nós somos criados, estamos tendo a oportunidade rara de conhecê-las. Eu acho que a gente tem que ter isso na nossa bandeira e na bandeira de todas as empresas, exigir isso delas e votar não só de quatro em quatro anos, mas também com nosso cartão de crédito e ver para quem estamos destinando o nosso dinheiro. Gaste o seu dinheiro com empresas comprometidas com o meio ambiente, com a questão LGBTQIA+, com o antirracismo, com o feminismo, com as questões de inclusão e de gênero… Isso tem que ser a base da nossa contemporaneidade, da nossa existência.

No auge da pandemia, você foi voz bem ativa pró-vacina e pró-isolamento…
Acho que a gente viveu não só a pandemia como o mundo todo, mas a gente viveu a pandemia brasileira, o absurdo da pandemia brasileira. As pessoas perdendo a lógica, pessoas falando ‘eu tenho direito de ir e vir, eu não vou me isolar porque eu tenho direito’. É muito louco a gente vivendo uma pandemia mundial, o mundo em lockdown, e nosso digníssimo Presidente da República falando que isso era um atentado à liberdade. Eu acho que nós tivemos muitas mortes que poderiam ter sido evitadas e isso é uma lástima. Fico pensando nas pessoas que perderam pessoas, que passaram por tudo que eu passei, que você passou, que todo mundo passou, carregando luto nas costas. Toda minha solidariedade às pessoas que passaram por todas as dificuldades que nós tivemos, as tristezas que nós tivemos no dia a dia de isolamento, na falta de convívio, na saudade, no hiperconvívio familiar… Tudo isso, ainda vivendo um luto. Então, me respeita! A gente foi desrespeitado um grau máximo pelo chefe da Nação e por muitas outras pessoas que andaram com microfones na mão falando atrocidades, nu momento tão delicado e de perdas de vida. Graças a Deus nós estamos melhor, estamos aí circulando, a gente se cuida, ainda com máscaras e tal, os casos diminuíram, as mortes diminuíram, mas não podemos sossegar.

Como vê isso, dois anos depois?
A impressão que eu tenho é que a vida estava represada e abriram uma comporta e saíram para a vida com uma velocidade, sem falar do que nós precisaríamos digerir. Olha o que nos aconteceu, ninguém vai conversar sobre isso? Sou completamente partidária de que a gente crie um museu da pandemia. Precisamos entender o que a gente viveu para não repetirmos, precisamos digerir essa perda coletiva, fazer coletivamente o ritual de morte que muitos de nós não podemos fazer. A gente precisa fazer coletivamente esse mausoléu com tudo que aconteceu, inclusive as coisas boas, porque a gente teve muitas atitudes de grupos que se organizaram e conseguiram agir na pandemia. A comunidade Paraisópolis, aqui em São Paulo, foi um exemplo disso; eles se organizaram com chefes de ruas que cuidavam das pessoas, as pessoas se organizando em distribuição de alimentos, de cestas básicas, e em redes de ajuda. Nossa, tudo isso merecia um museu!

Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro

Sente que tem o reconhecimento que merece?
Eu sinto! Até mais! Fico muito feliz. Às vezes, eu mesma levo um susto porque, talvez, fazendo as coisas, não prestei atenção na história, aí quando vou contá-la vejo tudo que fiz. Os anos foram passando e a gente continua; na hora você está prestando atenção naquela coisa, uma coisa atrás da outra, e quando vou ver o número de peças que fiz, os anos de Retrato Falado, as novelas que fiz… Outro dia fui contar o número de filmes que fiz e falei ‘gente, eu fiz tudo isso de filme?’. (risos) Eu fico feliz, fico muito feliz, quando alguém me lembra quem eu sou. Às vezes a gente esquece, né?

Como você se nutre artisticamente, em tempos tão difíceis?
Ah, acho que a literatura é sempre uma grande aliada. A companhia dos poetas. Quando a coisa está difícil, mergulha num livro, vai ao cinema, vai ao teatro. A arte faz tanto por nós e por mim, que sou artista. Eu também consigo ser uma boa espectadora e acho que no contato com a arte, ela não sana, mas ela alivia a ferida. Nós estamos muito feridos. Nós estamos vivendo um tempo muito difícil. O que a gente viu acontecer com o nosso país, né? Um ódio solto, as pessoas agindo de um jeito… Eu vi aquele homem ser colocado dentro daquele carro, improvisando uma câmera de gás, os policiais sendo filmados, eles viam que estavam sendo filmados e continuaram. Não consigo entender onde a gente está. Não consigo entender um homem que estupra uma mulher que vai ter um filho, abusando da sua condição de anestesista. A barbárie sempre esteve aí, talvez ela esteja avalizada porque a gente ter um homem no governo que se deu direito de dizer o que ele diz, “você não merece ser estuprada” e todas as barbaridades que o Bolsonaro falou. Elogios ao Ustra, grande torturador da ditadura militar…. Essa figura que não tem compaixão, não se importa com que os outros vão pensar dele, ter uma atitude dessa num governo pode acabar avalizando mesmo os toscos e esse discurso de ódio. A gente tem que ter muito cuidado.

Acho que tem duas coisas: uma foi acelerada pela vida digital, que pôs uma tela na nossa frente, que a gente não vê a reação do outro para quem a gente manda um vídeo, ou fala alguma coisa, manda um e-mail, então a gente está ficando descuidado da nossa reverberação. A outra coisa que eu acho é que talvez seja essa liberação dessa vida digital e também, coincidentemente, um presidente desse jeito e pessoas do governo que também falam o que bem entendem, como se a liberdade de expressão fosse isso. Como se a liberdade fosse ofensiva, sem nenhum esforço pela civilidade, como se a gentileza e a compaixão não fossem mais dignas de louvor. E eu não me reconheço nisso, não! O que está acontecendo com o povo brasileiro, quem é o povo brasileiro hoje? Eu não sei mais te dizer, mas eu ainda me lembro da vocação desse povo para alegria, para gentileza, para festa, para boas palavras e para amizades. Não somos um povo que tinha vocação para má educação e ódio. Poderia ter gente ali que estava quietinha, mas não me faça acreditar que esse percentual dessas pessoas é o povo brasileiro inteiro. Nós temos uma vocação solidária, ela pode estar assustada e a gente vai ter que fazer carinho na cabeça dela para fazer ela voltar à vida com vigor.

Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
Denise Fraga — Foto: Waldir Evora/ Direção Geral: Ale Monteiro
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