A cidade-jardim de Ebenezer Howard

Da mesma forma que a cidade modernista “heróica”, a cidade-jardim também foi um modelo desenvolvido em resposta às questões de adensamento intenso e deficiências na salubridade habitacional urbana oitocentista.

Porém, a cidade-jardim surgiu como uma opção bastante diferente do modernismo racionalista em princípio: enquanto este último busca por uma solução nova para a construção de um futuro que se apartasse das tradições, a cidade-jardim olhará para elementos positivos do passado em busca de possibilidade de aproveitamento numa cidade que combinasse os melhores aspectos da cidade tecnológica com o que havia de bom na vida bucólica do passado.

Cidades-jardim de Ebenezer Howard
Cidades-jardim de Ebenezer Howard

Isso se traduz morfologicamente em subúrbios de baixa densidade, formados basicamente por residências unifamiliares. Apesar desse modelo de subúrbio já ser conhecido antes do modelo cidade-jardim, esse último trouxe algumas rupturas importantes em relação ao desenho urbano de baixa densidade anterior.

Idealizada por Ebenezer Howard num contexto britânico de cidades industriais insalubres e muito adensadas, a cidade-jardim foi publicada em 1898 como solução completa propositiva para novas cidades o que incluía um esboço de “modelo de negócios” para sua viabilidade social, econômico-financeira e de gestão territorial em um novo formato de áreas residenciais inseridas em ambientes urbanos predominantemente verdes.

Cidades-jardim de Ebenezer Howard
Cidades-jardim de Ebenezer Howard

Os ideais de Howard se concretizam em novas cidades reais construídas na Inglaterra: Letchworth (1904), Hampstead (1909), e Welwyn (1919), projetadas por Barry Parker e Raymond Unwin, e construídas para fora de um cinturão verde (green belt) estabelecido ao redor de Londres, como alternativas ao crescimento urbano e demandas habitacionais latentes da capital britânica. Essas experiências (registradas no livro de Unwin, Town Planning in practice) virão a ser muito bem-sucedidas e influenciar o urbanismo de muitos países dali em diante, inclusive o Brasil. Na Europa, o modelo teve grande influência no período entre-guerras, principalmente após a publicação do livro de Unwin, o que impulsionou enormemente a teorização do desenho urbano e a divulgação do modelo cidade-jardim.

Cidades-jardim de Ebenezer Howard: Letchworth
Cidades-jardim de Ebenezer Howard: Letchworth

A proposta de Howard buscava uma alternativa à cidade industrial que integrasse a residência unifamiliar urbana com os benefícios saudáveis do ambiente rural e bucólico. Ou seja, o desenho básico consiste na implantação de conjuntos residenciais de baixa densidade em amplos territórios arborizados, com alta permeabilidade visual pelos amplos recuos entre edificações, viabilizado por reformas socioeconômicas de suporte ao modelo físico-espacial.

Unwin também insere algumas modificações morfológicas no desenho tradicional de forma a abrir espaço para as ideias modernas que viriam a seguir, tais como:

  • Base na unidade de vizinhança e nas pequenas comunidades;
  • Pesquisa e desenvolvimento de novas tipologias urbanas como a rua sem saída cujo terminal é envolvido por residências, abrindo o quarteirão ao acesso linear e reinterpretando espaços livres internos como espaços de convivência;
  • Exploração das funções de convívio da rua, em especial deslocando-os para esses terminais viários, deixando as demais vias de maior tráfego apenas com a função circulação;
  • Experimentação dos terminais viários de finais de ruas residenciais como espaços intermediários e de transição entre os territórios público e privado, inaugurando o conceito de espaço semi-público ou semi-privado para as relações sociais de vizinhança, assunto este que viria a ser explorado muitas décadas depois pelo holandês Herman Hertzberger;
  • O antigo e desvalorizado conceito de “beco” é reinventado enquanto espaço nobre e tranquilo de acesso às casas;
  • As habitações são afastadas dos alinhamentos das ruas, fugindo de movimento, ruído e qualquer distúrbio;
  • Rompimento inequívoco com o quarteirão fechado e compacto associado à criação das ruas sem saída com terminais tipo cul-de-sac.

O modelo cidade-jardim como desenvolvido por Ebenezer Howard atingirá seu auge com Radburn (Stein e Henri Wright), onde se atingirá a total separação entre veículos e pedestres, além de reduzir ao mínimo os espaços livres privados em benefício de maiores espaços livres públicos ou parques coletivos onde se implantam também habitações agrupadas duas a duas (geminadas).

A construção de Radburn será interrompida pela crise econômica dos anos 1930 (Grande Depressão), sendo concluído apenas um pequeno trecho com 400 unidades habitacionais. Ainda assim, serviu bem ao teste do modelo, que Stein resume nos seguintes pontos:

  • Substituição das quadras por blocos residenciais não seccionados por vias;
  • Hierarquização viária;
  • Separação entre circulação de pedestres e veículos, cuja rede de trajetos de caminhada se cruzam em desnível com as vias motorizadas;
  •  Orientação das áreas mais nobres das casas para jardins;
  • Criação de faixas verdes constituindo um parque linear que se espraia por toda a cidade.

Radburn também preserva a diretriz de reduzir ao mínimo os espaços livres privados, priorizando as vastas áreas livres públicas e esportivas.

[1] LAMAS, José Maria Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.

Leia também outros textos desta série sobre Desenho Urbano:

A cidade hipodâmica
A cidade romana antiga
A cidade medieval europeia
A cidade renascentista
A cidade oitocentista europeia
A cidade utópica
A cidade de Hausmann
A cidade de Cerdá
A cidade do entreguerras
A cidade de Camillo Sitte
A cidade de Raymond Unwin
A cidade do formalismo francês
A cidade industrial de Tony Garnier

Leia também:

Competicidade: como as cidades competem entre si e por que isso pode ser bom