A Era Grafipar

A Era Grafipar

Em 1977, com nosso país vivendo um cruel regime ditatorial, o assunto sexo era um tabu total. As bancas vendiam para o “público masculino” revistas como Status, Homem e Pô com tímidas pin-ups censuradas, com no máximo um seio à mostra. Foi então que surgiu uma revistinha curiosa, com o sugestivo nome de Peteca. No canto da capa, um selo indicava o nome da editora: Grafipar.

A publicação era quinzenal, formato 14 x 21 cm e continha palavras cruzadas e outros passatempos para adultos com muitas frases de duplo sentido. Os adolescentes seguraram firme aquela Peteca, que logo se tornou uma das mais vendidas do mercado. Logo mudou seu conteúdo para o de uma revista masculina com artigos, fotos de garotas (cada vez mais nuas), cartuns e quadrinhos do espanhol Leon, com sua série “Oh! Afrodite”. Personal, a segunda revista da Grafipar, chegou meses depois, acendendo uma pequena fogueira dentro da história dos quadrinhos brasileiros. Isso porque a Personal nº 14, de 1978, apresentou a HQ Bilhete Íntimo, uma adaptação (não assinada) de Rettamozo sobre desenhos de uma HQ sadomasoquista do americano Nick Cardy. Foi a semente de um novo movimento quadrinístico que se iniciou com Um Estranho Sonho, obra escrita e desenhada pelo mesmo Rettamozo (in Personal nº 15), a primeira história erótica brasileira da Grafipar. A Pílula Sexual, também do Retta (como ele assinou) veio a seguir. O Hermafrodita, de Roberto Câmara (in Personal nº 18), foi a primeira HQ de autor freelancer, enviada de Recife. Mas, na Personal nº 19, com A Vizinha Adolescente, de Noriyuki (textos) e Roberto Kussumoto (arte) é que se iniciou a aquisição de histórias avulsas de jovens autores brasileiros em grande escala. Uma verdadeira corrida às pranchetas. Rettamozo e Rogério Dias, dois artistas plásticos residentes em Curitiba, cuidavam da parte artística de Peteca e Personal. E, como a seção de quadrinhos da Personal agradou de forma surpreendente, resolveram contatar quadrinistas de todo o país. E, por total acaso, a dupla de artistas descobriu que Claudio Seto, o criador da personagem Maria Erótica, concebida por ele em 1969 para a Editora Edrel de São Paulo, estava residindo em Curitiba, assim como o escritor Wilson Carlo Magno, também autor da antiga Edrel.

Em 1980, Claudio Seto havia conseguido montar uma autêntica colônia de quadrinistas no bairro de Três Marias em Curitiba. Para lá se mudaram Gustavo Machado, Itamar Gonçalves, Fernando Bonini e Watson Portela, todos vindos do Rio de Janeiro. A eles eu, de São Paulo, me juntei. Em Curitiba, encontramos Eros Maichrowicz, Carlos Magno, Seto, Padrella, Fisher, o ilustrador e capista Jan Bodaski, Valden Takeguma (irmão de Seto), Paulo Lima e Antonio Lima. Foi um belo período, marcado pelas revistas de humor Homo Sapiens e Contos de Safadas, e os tabloides Vaca Amarela e Batata Quente. Também as revistas de personagens mais aventureiras como As Fêmeas, Maria Erótica, Sertão & Pampas em sua segunda fase, com o subtítulo Sexo Selvagem, e os super-heróis de Aventuras Eróticas, incluindo um personagem criado em minha adolescência: Zamor. Era o ano de 1982. Exatamente há 30 anos, vivíamos o auge da Era Grafipar.

Ao todo foram cinco anos, nos quais Claudio Seto pôde escrever e desenhar suas fantasias plásticas repletas de personagens femininos. Kate Apache e Maria Erótica estavam consagradas. Ataíde Braz e Kussumoto realizaram ótimos romances gráficos de natureza brega. Laura, Janice e Mulheres de A a Z são os melhores exemplos. Rodval Matias, além das capas, destacou-se por obras épicas, suas personagens Zora e Dia e o clássico Decamerão. Seabra, seus personagens machões e o bárbaro Dagor geraram polêmicas. Josmar Fevereiro, pilotando o estúdio Octopus, com Vilachã, Ronaldo Antonelli (textos), Seabra e eu, traçou transas dos mais obtusos ângulos. Watson primou por seus super-heróis e ficções. Rex, Supergay, Leiser e Robô Gigante que o digam. Itamar cometeu as mais brutas e violentas cenas de sexo nessa escola.

Mozart, com seu misticismo, desabrochou com muita ação e drama. Maura, Os Sonhos de Saara, Hiania e Jackal são memoráveis. Eu desenhei e escrevi em parceria com quase todos os artistas da casa, e editei Vaca Amarela e Zamor. O magnífico e excepcional escritor Nelson Padrella, com seu psicologismo e atrevimento sutil, Carlos Magno com seu bom humor e Jorge Fisher com sua marginália eram os bambas dos roteiros de humor. Havia os traços agressivos do carioca Valfes. O didatismo contundente de Maurício Veneza. E a narrativa primorosa de Mano. Eros Maichrowicz foi o fruto da terra curitibana, o mais malicioso e fecundo, ligado à temática ecológica. Porém, a melhor lembrança de como eram gostosos os quadrinhos eróticos da Grafipar ficou por conta das duas páginas mensais que Gustavo Machado fazia, pintando com ecoline direto no original, protagonizadas pela loirinha Malícia, na revista de mesmo nome.

Mas em 1983 uma crise econômica assolou nosso Brasil viril. E a espinha dorsal da Grafipar foi quebrada. Desesperado, Seto encerrou a carreira dos quadrinhos da Grafipar com edições pornográficas, com a série Kat Sismo. Até então, as revistas da casa não apresentavam cenas de sexo explícito. Foi um triste fim para um empreendimento que chegou a publicar os super-heróis Robô Gigante e Super Pinóquio, em revista própria e em cores no festivo ano de 1982. Legando ainda uma enorme obra para a história dos quadrinhos brasileiros, formando uma verdadeira geração de autores. Fato nunca mais repetido no país.

Franco de Rosa
Quadrinista da Grafipar e atual editor da Kalaco.

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