1943 – QUANDO UMA DAS MAIORES AERONAVES DO MUNDO ESTEVE EM NATAL

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros  

Até a Segunda Guerra Mundial muitos hidroaviões chamavam atenção por seu grande tamanho e alguns ficaram conhecidos como “barcos voadores”. Uma dessas máquinas, que passou por Natal na sua primeira missão, está operacional e recorda um memorável período da aviação.

Quando os homens começaram a cruzar os oceanos em máquinas voadoras, não foi estranho que os projetistas de aeronaves decidissem construir verdadeiros “navios que pudessem voar”. Enfim, com 75% da superfície do mundo formada por água, era muito lógico que esse tipo de aeronave dominasse a aviação por décadas. Só que atualmente quase nada resta dessa época áurea.

Este é o protótipo Martin XPB2M-1 Mars em voo. Ele voou pela primeira vez como um protótipo de bombardeiro de patrulha e mais tarde foi convertido em uma aeronave de transporte – Fonte – Museu Nacional de Aviação Naval da Marinha dos Estados Unidos.

Mas teimosamente na Colúmbia Britânica, na costa do Canadá voltada para o Oceano Pacífico, em um dos maiores lagos da região, um dinossauro desse período está vivo, em condições de voo, sendo o maior hidroavião operacional existente e está à venda.

“Old Lady”

Designado originalmente XPB2M-1, foram encomendados pela US Navy (Marinha dos Estados Unidos) em 1938 e o primeiro protótipo levou três anos para ser concluído. Mas o início da história dessas aeronaves não foi nada tranquilo.

Martin XPB2M-1 Mars – Fonte – US Navy.

Em 5 de dezembro de 1941, uma sexta-feira, dois dias antes do ataque japonês a Pearl Harbor, durante os testes do primeiro Martin XPB2M-1 Mars, o hélice do motor número três recusou-se a dar ré. Logo todo o conjunto pegou fogo, uma das lâminas se soltou e rasgou a fuselagem, quase ferindo o engenheiro de voo. Foi feito um esforço extraordinário para salvar o protótipo do fogo, mas as naceles da asa e o motor sofreram danos consideráveis. 

Depois, quando os testes de voo foram concluídos, foi tomada a decisão de converter o Martin Mars de aeronave de patrulha marítima em transporte, sendo necessários mais dezoito meses para conversão final e testes na empresa Glenn L. Martin Company, a fabricante do aparelho.

Fonte – Coleção fotográfica de Hans Groenhoff, Smithsonian Institution National Air and Space Museum NASM-HGC-1059

A mudança aconteceu pela necessidade de abastecer as tropas americanas no Oceano Pacífico, que gradativamente seguiram ocupando inúmeras ilhas em meio a batalhas sangrentas, colocando os japoneses na defensiva.

Concluídas as alterações o Martin XPB2M-1 Mars decolou em 23 de junho de 1942. Nesse voo tinha uma tripulação de vinte homens, chefiados pelo piloto William K. Ebel, piloto-chefe de testes da Glenn L. Martin Company, sendo seu co-piloto Ellis E. Shannon. Estavam a bordo como observadores o general James H. Doolittle, o comandante do ataque aéreo a Tóquio realizado apenas dois meses antes, e o empresário Glenn Luther Martin, o dono da empresa construtora da aeronave.

Martin Mars na rampa Glenn L. Martin Co., perto de Baltimore, Maryland, em 13 de maio de 1942 – Fonte -United States Navy, National Naval Aviation Museum, NMNA 1985.0481.003.

O hidroavião aqueceu por trinta minutos e depois decolou sem alterações. Foi acompanhado por um hidroavião da US Navy que filmava e fotografava o voo. O enorme barco voador pairou tranquilamente sobre a baía de Chesapeake, depois seguiu para leste, desaparecendo por trás das montanhas cobertas de florestas. Trinta minutos depois o Martin Mars estava de volta, amerissando facilmente na água. Esse primeiro protótipo era conhecido carinhosamente como “Old Lady” (Velha Senhora)

Teste do Martin Mars – Fonte – Charles M. Daniels Collection, San Diego Air & Space Museum Archives, Catálogo nº: 15_001976.

O grande hidroavião de quatro motores era normalmente operado por onze tripulantes, tinha 36 metros de comprimento, uma envergadura de 60,96 metros (maior que a de um moderno jato jumbo 747), com uma altura de 11,37 metros e um casco com a largura máxima de 4,11 metros. A área total das asas era de 342,2 metros quadrados, com peso vazio de 34.279 kg e um peso bruto de 63.503 kg. O XPB2M-1 era impulsionado por quatro motores Wright R-3350-4 refrigerados a ar, alimentados por 39.406 litros de gasolina de aviação de 100 octanas e levando 2.514 litros de óleo lubrificante. Os hélices eram quatro Curtiss Electric de três pás, com 5,29 metros de comprimento, as maiores do mundo naquele tempo. O hidroavião tinha uma velocidade máxima de 356 quilômetros por hora, teto de serviço de 4.450 metros e alcance máximo de 7.958 quilômetros.

O Martin Mars pouco antes do voo para Natal.

A US Navy finalmente recebeu seu gigantesco transporte no dia 27 de novembro de 1943, na base NAS (Naval Air Station) Patuxent River, estado de Maryland, sendo designado para o esquadrão VR-8, ligado ao NATS – Naval Air Transport Service (Serviço de Transporte Aéreo Naval). 

Bateu Recordes Quando Chegou em Natal

Três dias depois de ser entregue ao VR-8 chegaram ordens designando o grande hidroavião para uma importante missão de transporte. Algo que demonstraria suas impressionantes capacidades, o colocaria nas primeiras páginas dos jornais norte-americanos e incluiria Natal nessas manchetes.

O Martin Mars teria de percorrer uma distância de 7.041 quilômetros, um voo considerado recorde naquele tempo, ligando a NAS Patuxent River, ou Pax River como era conhecida, até Natal, capital do Rio Grande do Norte, no Nordeste do Brasil.

A “Old Lady” transportava uma carga de 5.897 kg cartas e correspondências, cuja uma parte se destinava ao Brasil, mas o volume maior atravessaria o Oceano Atlântico em outras aeronaves e seriam entregues às tropas americanas na África do Norte, sul da Europa, Oriente Médio e Extremo Oriente.

O piloto William Evitt Coney.

O grande hidroavião decolou na manhã de 30 de novembro de 1943, sendo pilotado pelo Tenente Comandante (LTCDR) William Evitt Coney, também conhecido como W. E. Coney, que durante dez anos havia sido piloto comercial da empresa Eastern Air Lines e possuía no currículo milhares de horas de voo. Além de Coney havia mais quinze tripulantes, sendo oito oficiais e sete subalternos, quatro desses últimos mecânicos.

O trajeto percorrido pelo grande hidroavião foi direto, sem reabastecimento e não houve alterações durante o voo, tendo o percurso sido realizado em longas 28 horas e 25 minutos.

O voo dessa aeronave para Natal foi muito explorado pela imprensa americana.

As autoridades americanas ficaram exultantes depois que o Martin XPB2M-1 Mars amerissou no Rio Potengi. Segundo o jornal Everning Star, de Washington D.C., edição de sábado, 11 de dezembro de 1943 (pág. A-2), foi o próprio Secretário da Marinha William Franklin Knox quem divulgou para a imprensa os feitos da grande aeronave. Ele afirmou que o voo para Natal tinha batido o recorde de trajeto mais longo sobre as águas (7.041 quilômetros), o de maior carga levada por uma aeronave (5.897 kg) e o voo de carga mais longo até então realizado.

Notícia do voo para Natal em jornal americano.

Ao ler os jornais natalenses da época eu descobri que nada foi publicado sobre a chegada do Martin Mars a capital potiguar. Mas é quase impossível acreditar que uma máquina como aquela passasse despercebida para os natalenses. Mesmo bastante acostumados com as amerissagens e decolagens no Rio Potengi de vários hidroaviões Consolidated PBY-5 Catalina, ou Martin PBM Mariner, o Martin Mars era bem maior, mais largo e com motores bem mais potentes, que possivelmente faziam muito mais barulho. Certamente, enquanto a aeronave esteve na capital potiguar, a imprensa local foi censurada.  

Dias depois o Martin Mars decolou do rio Potengi com mais de nove toneladas de esteatita, tantalita, mica e berílio, todas vindas do interior do Rio Grande do Norte e Paraíba. Com esse volume de minérios, o Martin Mars bateu novamente o recorde de carga transportada.

Foto dos tripulantes do Martin Mars que estiveram em Natal no final do ano de 1943 e a relação desse pessoal.

Em sua viagem de volta para os Estados Unidos esse hidroavião fez escalas em Belém do Pará, Port of Spain, Ilha de Trinidad, atual Trinidad & Tobago, e Bermudas, na época uma colônia britânica e hoje uma nação independente.

Fim de Uma era e a Venda de um Clássico

A US Navy então colocou o Martin Mars para realizar muitos voos entre a Califórnia e o Havaí, na rota aérea sobre a água mais longa do mundo na época, transportando suprimentos para áreas avançadas. Por causa de sua enorme capacidade de carga, a “Old Lady” tornou-se uma adição indispensável para o teatro de guerra no Pacífico.

Parte dos dezesseis tripulantes do Martin Mars que estiveram em Natal.

Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, apenas seis Martin Mars haviam sido construídos e o pedido restante de quatorze foi cancelado. O pior de tudo foi que a era do barco voador comercial estava no começo do fim.

As companhias aéreas agora estavam adquirindo grandes aviões terrestres com potentes motores. A empresa aérea Pan American Airways, que utilizou grandes hidroaviões Boeing 314 Clipper, havia desistido desse tipo de aeronave em suas rotas.

No dia 29 de dezembro de 1943, quase um mês após a chegada do Martin Mars a Natal, o jornal A Ordem reproduziu uma reportagem produzida pelo jornalista americano Larry Carr sobre a passagem dessa aeronave pela cidade.

O futuro do transporte aéreo estava em pistas de pouso fixas e grandes aeroportos, aproveitando os muitos aeródromos que foram construídos durante a guerra, que agora tornavam as viagens mais convenientes e as cidades sem áreas com água adequadas para amerissagem de hidroaviões podiam agora se ligar através das viagens aéreas.

No caso dos Martin Mars aconteceu uma situação diferenciada, que trouxe esses grandes hidroaviões até nossos dias.

Segundo eu apurei, essa foto é de 8 de dezembro de 1943, no retorno do Martin Mars aos Estados Unidos após o voo até Natal.

Considerados obsoletos pela Marinha em 1956, o destino dos Martin Mars parecia ser virar sucata. Mas graças a uma série de incêndios devastadores, um grupo de empresas madeireiras canadenses formaram uma organização que mudaria para sempre as chances de combater essas tragédias que devastam o meio ambiente.

Em 1959 quatro Martin Mars retirados do serviço ativo da US Navy foram comprados pelos madeireiros e cada um foi modificado para receber um tanque de água de 22.276 litros de água, com as portas de liberação no fundo ou nas laterais do casco e a modificação foi um sucesso. Felizmente essas aeronaves vieram com 35 motores adicionais e quase 90 toneladas de peças de reposição, o que sustentou suas operações por anos a fio.

Foto publicada em um jornal americano, que mostra a esquerda o piloto William Evitt Coney, junto com um dos tripulantes do Martin Mars, degustando o café da manhã em um hotel em Natal, provavelmente o Grande Hotel da Ribeira.

A partir de 1962 só dois Martin Mars continuavam em serviço no Canadá e foram usados ​​regularmente para combater incêndios por décadas. Os Mars deram certo nessa função e com o passar dos anos se tornaram uma relíquia viva da época de ouro dos hidroaviões.

Finalmente apenas a aeronave que originalmente foi batizada como Hawaii Mars continua sendo o único Martin Mars em condições de navegabilidade no mundo, ele foi significativamente atualizado ao longo dos anos para melhorar suas capacidades e seus padrões de segurança. Curiosamente, em 2015, foi usado para ensinar pilotos chineses a pilotar grandes barcos voadores em antecipação ao primeiro voo da aeronave anfíbia chinesa AVIC AG600 Kunlong em 2017.

O último Martin Mars.

Em 2023 o Hawaii Mars, com incríveis 23.000 horas de voo, se encontrava à venda por um preço inicial de cinco milhões de dólares. Embora não seja barato, vale lembrar que este é o exemplar do maior hidroavião produzido durante a Segunda Guerra Mundial e o último do seu tipo.

HÁ 73 ANOS, O SUBMARINO ALEMÃO U-199 ERA AFUNDADO POR AERONAVE DA FAB

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– Deixo aqui os meus sinceros agradecimentos ao meu amigo CMG (FN-RM1) Edison Nonato da Silva, nobre oficial Fuzileiro Naval da Marinha do Brasil, pelo envio deste material.

Em 31 de julho de 1943, o submarino alemão U-199 foi surpreendido na superfície, ao largo do Rio de Janeiro, atacado e afundado na posição 23º54’S – 42º54’W, por cargas de profundidade, por um avião americano PBM Mariner (Esquadrão VP-74 – Marinha dos EUA) e duas aeronaves brasileiras (Catalina “Arará” e Hudson), resultando em 49 mortos e 12 sobreviventes.

O Catalina (modelo PBY-5) que atacou e afundou o submarino alemão U-199 foi batizado como ‘Arará’, em 28 de agosto de 1943, numa cerimônia realizada no aeroporto Santos Dumont, e ganhou mais tarde na fuselagem uma silhueta de submarino para marcar o feito.

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O nome Arará foi dado em homenagem a um dos navios afundados pelo submarino alemão U-507. O avião também recebeu na cauda a inscrição: “Doado à FAB pelo povo carioca”.

Refletindo bem o espírito da época, a cerimônia de batismo do Arará teve canções patrióticas e discursos inflamados. Entre os presentes estava o comandante do navio mercante Arará, José Coelho Gomes, e a tripulação do Catalina. O hidroavião foi batizado com água do mar por uma menina – Miriam Santos – órfã de seu pai, o Segundo-Comissário Durval Batista dos Santos, morto na ocasião em que o Arará (o mercante teve 20 mortos) foi afundado, no momento em que prestava socorro às vítimas do Itagiba, no dia 17 de agosto de 1942.

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Detalhe do PBY Catalina “Arará”, já com a marcação de afundamento do U-199 na fuselagem.

Outra cerimônia seria repetida um mês depois no Rio Grande do Sul, com o batismo de outro Catalina, com o nome de Itagiba, navio mercante afundado em 17 de agosto de 1942, com 38 mortos, entre tripulantes e passageiros. Entre os sobreviventes, estavam os soldados dos Sétimo Grupo de Artilharia de Dorso, alguns dos quais foram lutar na Campanha da Itália em 1944.

A guarnição do Catalina na ocasião do afundamento do submarino U-199 era a seguinte: Comandante José Maria Mendes Coutinho Marques, Piloto Luiz Gomes Ribeiro, Co-piloto José Carlos de Miranda Corrêa. Tripulantes: o Aspirante Aviador Alberto Martins Torres e os Sargentos Sebastião Domingues, Gelson Albernaz Muniz, Manuel Catarino dos Santos, Raimundo Henrique Freitas e Enísio Silva.

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Um submarino alemão modelo IX D2 (longo alcance), idêntico ao U-199 afundado na costa do Rio de Janeiro em 31 de julho de 1943.

O submarino U-199

Ao longo da Segunda Guerra a Alemanha nazista produziu mais de 1.500 submarinos, essas embarcações ficaram conhecidas como U-Boats, termo originado da palavra alemã Unterseeboot (barco debaixo-d’água). Com essa arma a Alemanha praticamente estrangulou o comércio marítimo da Inglaterra.

Quando o conflito torna-se mundial, o esforço de guerra alemão necessitou enviar seus submarinos a pontos mais distantes. É neste cenário que surgem submarinos melhores e maiores.

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“Raio X” do submarino alemão modelo IX-D – Fonte – http://www.naufragiosdobrasil.com.br.

Em 1942 a Alemanha lançou o U-boat tipo IX D com o objetivo de bloquear ainda mais o fluxo de matérias primas necessárias ao esforço de guerra de seus inimigos. Os submarinos do tipo IX D 2 (de longo alcance) da 12º flotilha – Bordeaux, começaram a operar em novembro de 1942. Eram capazes de executar patrulhas de ataque em regiões afastadas da América do Sul,  atingindo assim importantes portos como Santos e Rio de Janeiro.

Em suas patrulhas, eram abastecidos em alto mar por unidades submarinas de apoio, chamadas “vacas leiteiras”, estendendo assim, ainda mais, seu raio e tempo de ação.
Mas com a entrada dos Estados Unidos na Guerra e devido ao forte desenvolvimento da aviação de patrulha, que se instalou no Brasil em bases como Aratu, Salvador e Rio de Janeiro, tudo mudaria.

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Foto da um submarino modelo IX D, mostrando parte do armamento.

O U-199 foi construído nos estaleiros AG Wesser em Bremen e comissionado em 28 de novembro de 1942. Ele era um submarino modelo IX D2 (longo alcance), com dimensões de 87,58 metros de comprimento por 7,5 metros de boca, deslocava submerso cerca de 1.800 toneladas.

Possuía velocidade de cruzeiro de 20,8 nós na superfície, propulsado por dois motores diesel e 6,9 nós quando submerso, com dois motores elétricos. Podia transportar 24 torpedos de 533 mm, para 4 tubos de proa e dois de popa ou 44 minas. Sua tripulação podia variar de 55 a 63 homens.

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O Kapitänleutnant Hans Werner Kraus, comandante do U-199.

Foi lançado em julho de 1942 e começou a operar em novembro do mesmo ano. Considerado na época como um submarino de última geração, seu comandante Hans Werner Kraus pretendia fazer no sudeste brasileiro uma devastação semelhante a que o Capitão Schacht do U-507 fizera 11 meses antes na costa sergipana.

O U-199 em missão

O U-199 partiu do porto de Berger em Kiel, Alemanha, para sua primeira missão na América do Sul no dia 13 de maio de 1943. Sua tripulação consistia de 61 homens e estava sob o comando de Kraus, tendo como guarnição sete oficiais, dois guardas-marinha, seis suboficiais e 41 marinheiros.

Cruzou o equador no início de junho, mas a forte disciplina de Kraus não permitiu que seus homens celebrassem a travessia do equador, por considerar que a festa distraia os tripulantes na travessia do Atlântico de Freetown a Natal.

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Avião modelo Lockheed Hudson, no caso da foto pertencente a U.S. Army Air Force. Uma aeronave similar a esta avistou o U-199 no Oceano Atlântico.

Durante a travessia o U-199 foi avistado por um avião Hudson A-28 americano, porém ele estava desarmado e não houve combate.

A 200 milhas do litoral do Brasil, Kraus recebeu ordens de interceptar e destruir navios inimigos, somente então houve a comemoração pela travessia do Equador. Após a celebração, o U-199 mudou o curso para contornar a costa do Brasil.

No dia 18 de junho de 1943, o U-199 chegou à sua área operacional entre o sul do Rio de Janeiro e São Paulo e foi adotada a tática de permanecer submerso durante o dia, em profundidade de periscópio (20 metros), elevando o periscópio a intervalos regulares para reconhecimento.

Durante o patrulhamento desta área, o comandante Kraus ficou frustrado com o baixo número de alvos. Poucos cargueiros, espanhóis e argentinos, países neutros no conflito, cruzavam o litoral.

Após alguns dias de patrulha o comandante Kraus recebeu autorização do alto comando alemão para trocar a área de patrulha.

Na noite do dia 26 de junho, o U-199 avistou o navio mercante americano Charles Willian Peale, que navegava escoteiro (sozinho) a 50 milhas do Rio de Janeiro. O U-199 lançou um torpedo de proa, mas este errou o alvo. Não se sabe porque o comandante Kraus desistiu do ataque.

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Um hidroavião Martin PBM Mariner, similar ao da foto, avistou o U-199 durante uma patrulha na noite de 3 de julho de 1943. Esse tipo de aeronave era muito comum na base de hidroaviões existente no Rio Potengi, em Natal, durante a Segunda Guerra Mundial.

No dia 3 de julho, o U-Boat estava na superfície, quando por volta das 21 horas foi localizado por um avião BPM Mariner da Marinha Americana, pilotado pelo tenente Carey. O avião começou a circular, procurando com seus faróis o submarino na superfície.

O comandante Kraus imediatamente ordenou toda velocidade à frente e mandou guarnecer as armas do convés. O Mariner mergulhou para o ataque, porém, para surpresa dos alemães, chocou-se violentamente com a superfície explodindo.

Após sua captura e interrogatório, os tripulantes do U-199 declararam não terem atirado no avião e que embora tenha sido feita uma busca na superfície, não foram encontrados sobreviventes.

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Torre de um submarino IX-D, similar ao U-199.

Ainda com a presença de poucos alvos, o comandante Kraus decidiu, sem ordens da Alemanha devido ao silêncio de rádio, alterar novamente a área de caça, agora para o sul do Rio de Janeiro, ampliando a linha de patrulha para 300 milhas.

No dia 4 de julho, o U-199 navegava na superfície, em sua nova área. Durante a noite, localizou a esteira do navio brasileiro Bury. O comandante Kraus posicionou o U-199 e disparou três torpedos dos tubos dianteiros. Dois torpedos erraram e o Bury, imediatamente respondeu com uma salva de tiros de canhão de seu deck. Os navios cargueiros na segunda metade da guerra também eram guarnecidos com dois canhões – proa e popa. O Bury sofreu avarias e embora o U-199 tenha comunicado ao comando alemão seu afundamento, o vapor chegou ao porto do Rio de Janeiro.

Após a ação frustrada, o comandante Kraus decidiu mudar novamente a área de patrulha, pois deduziu que o Bury informaria a posição do ataque e aviões de patrulha seriam enviados à sua caça.

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O cargueiro inglês S.S. Henzada foi afundado pelo U-199 na costa brasileira – Fonte – wrecksite.eu

No dia 25 de julho, por volta das 9:00 horas, o comandante Kraus localizou pelo periscópio o cargueiro inglês Henzada. Esse cargueiro de 4.100 toneladas navegava escoteiro (sozinho) de Santos para o norte e a apenas 10 nós, um alvo perfeito.

O U-199 disparou 3 torpedos da proa, porém todos falharam. O comandante reposicionou seu submarino à frente do Henzada e aguardou o momento de um novo ataque. Às 12 horas o comandante ordenou o disparo de dois torpedos de proa, um deles atingiu o vapor no meio, partindo o navio em dois e provocando seu afundamento em menos de dez minutos.

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Outra foto do S.S. Henzada.

Finalmente na madrugada do dia 31 de julho, o U-199 aproximou-se da zona fortemente patrulhada da entrada da Baía de Guanabara no Rio de Janeiro. Seu objetivo era atingir a linha de 100 fathons (192 metros), submergir e espreitar a passagem dos navios na saída do comboio JT 3 (Rio de Janeiro- Trinidad) prevista para aquele dia. A ação da espionagem alemã nos principais portos do Brasil já era conhecida na época e embora alguns de seus agentes tenham sido presos, muitas informações de trânsito de embarcações foram passadas aos submarinos do eixo.

O ataque ao U-199

Por Alberto Martins Torres veterano do 1º Grupo de Caça da FAB (10.12.1919-30.12.2001)
Do livro: Overnight Tapachula

“…Após a decolagem, no sábado, fui efetivamente para o beliche onde me estendi. Passada menos de meia hora, o Miranda pediu que eu fosse pilotar porque desejava completar com o major Coutinho Marques a plotagem de nossa rota após Cabo Frio. Fui para o posto de pilotagem. Nem bem se passaram uns 10 minutos após eu haver assumido os comandos, chegou um cifrado da base:

Atividade submarina inimiga, coordenadas tal e tal…Miranda plotou o ponto na carta e traçou o rumo(…). Coloquei o Arará no piloto automático e no rumo indicado, em regimen de cruzeiro forçado, com 2.350 rotações e 35 polegadas de compressão. Eram aproximadamente 08:35 da manhã.

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Martin Mariner da US Navy sobrevoando o U-199 no dia de sua destruição. A ação para o afundamento deste submarino foi uma operação conjunta envolvendo aeronaves americanas e da FAB – Fonte – http://www.uboatarchive.net/U-199.htm

Havia alguma névoa e o sol de inverno ficava a três quartos da cauda, por bombordo, portanto em posição favorável a nós na hora do ataque. Foram testadas todas as metralhadores e, das quatro cargas de profundidade que levávamos, armamos três, no intervalômetro, para uma distância de 20 metros entre cada bomba, após ser acionada a primeira.

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U-199 sendo atingido por disparos – Fonte – http://www.uboatarchive.net/U-199.htm

O intervalômetro é graduado em função da velocidade no mergulho, para ser verdadeiro o escapamento escolhido. As cargas de profundidade já eram reguladas para detonarem a 21 pés de profundidade, ou seja, aproximadamente 7 metros da superfície. Essa regulagem era considerada ideal porque mantinha as bombas para detonarem dentro da faixa em que a experiência já demonstrara ser eficiente o ataque a submarino por aeronave, isto é, desde o momento em que está navegando na superfície até no máximo 40 segundos após o início do mergulho. Com o submarino na superfície, as bombas detonariam logo abaixo de seu casco perfeitamente dentro de seu raio letal.

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Perto do fim o U-199 realiza círculos – Fonte – http://www.uboatarchive.net/U-199.htm

Minutos antes das nove horas avistamos o nosso objetivo, bem a nossa proa. Navegava a toda velocidade em rumo que cruzava o nosso. Assim o víamos em seu perfil completo, levantando grande vaga de espuma com sua proa afilada. Seguia num rumo aproximado de leste para oeste, enquanto nós vínhamos de norte para sul, em ângulo reto. Estávamos a uns 600 metros de altitude.

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O U-199 sendo impiedosamente atacado – Fonte – http://www.uboatarchive.net/U-199.htm

Iniciamos o mergulho raso, eu nos comandos e Miranda no comando das bombas. Foram reiteradas as instruções para que, quando fosse dada a ordem, todas as metralhadoras deveriam atirar, mesmo as sem ângulo, segundo a doutrina, para efeito moral. Já a uns 300 metros de altitude e a menos de um quilômetro do submarino podíamos ver nitidamente as suas peças de artilharia e o traçado poligônico de sua camuflagem que variava do cinza claro ao azul cobalto. Para acompanhar sua marcha havíamos guinado um pouco para boreste, ficando situados, por coincidência, exatamente entre o submarino e o sol às nossas costas. Até então nenhuma reação das peças do submarino.

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Quarenta e nove tripulantes do U-199 morreram e doze alemães conseguiram escapar do submarino condenado, incluindo o comandante. Eles foram fotografados em barcos salva-vidas, na sequência resgatados pelo navio de guerra americano USS Barnegat e levados para o Brasil e, em seguida, para o cativeiro no Estados Unidos.

Quando acentuamos um pouco o mergulho para o início efetivo do ataque, o U-199 guinou fortemente para boreste completando uma curva de 90 graus e se alinhou exatamente com o eixo da nossa trajetória, com a proa voltada para nós. Percebi uma única chama alaranjada da peça do convés de vante, e, por isso, efetuei alguma ação evasiva até atingir uns cem metros de altitude, quando o avião foi estabilizado para permitir o perfeito lançamento das bombas. Com todas as metralhadoras atirando nos últimos duzentos metros, frente a frente com o objetivo, soltamos a fieira de cargas de profundidade pouco à proa do submarino.

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Elas detonaram no momento exato em que o U-199 passava sobre as três, uma na proa, uma a meia-nau e outra na popa. A proa do submersível foi lançada fora d’água e, ali mesmo ele parou, dentro dos três círculos de espuma branca deixadas pelas explosões. A descrição completa sobre a forma por que as cargas de profundidade atingiram o submarinos me foi fornecida em conversa que tive com o piloto do PBM Mariner, tenente Smith, que a tudo assistiu, de camarote, e que inclusive me presenteou com uma fotografia do U-199 que, lastimavelmente não consigo encontrar.

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Nós abaixáramos para pouco menos de 50 metros e, colados n’água para menor risco da eventual reação da antiaérea, iniciamos a curva de retorno para a última carga que foi lançada perto da popa do submarino que já então afundava lentamente, parado.

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Nesta passagem já começavam a saltar de bordo alguns tripulantes. Ao completarmos esta segunda passagem é que vimos um PBM americano mergulhado em direção ao objetivo. Depois saberíamos de onde viera. Transmitimos com emoção o tradicional SSSS – SIGHTED SUB SANK SAME – em inglês, usado pelos Aliados para dizer: submarino avistado e afundado – e ficamos aguardando ordens, sobre o local. Em poucos segundos o submarino afundou, permanecendo alguns dos seus tripulantes nadando no mar agitado. Atiramos um barco inflável e o PBM lançou dois. Assistimos aos sobreviventes embarcarem nos três botes de borracha, presos entre si, em comboio. Eram doze. Saberíamos depois que eram o comandante, mais três oficiais e oito marinheiros”.

FONTE – http://www.naval.com.br/blog/2016/07/31/ha-73-anos-o-submarino-u-199-era-afundado-ao-largo-do-rio-de-janeiro/