Cangaceiro

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               Altamente conhecidos no Brasil devido às suas ações criminosas, os cangaceiros semearam destruição no sertão nordestino, mas ainda assim são reconhecidos por algumas parcelas da população local como verdadeiros “anti-heróis”. Vivendo na fronteira entre o ganho criminoso e as lendas que se criaram ao redor de suas personalidades, os cangaceiros não tardaram em se tornar um dos símbolos culturais do nordeste brasileiro.

               Por mais que o apogeu do cangaço fosse ocorrer na primeira metade do século XX, sua origem precede a isso em cem anos. Um dos primeiros grandes cangaceiros do sertão foi Lucas da Feira, que atuou no Estado da Bahia a partir de 1828, aterrorizando a cidade de Feira de Santana e seus arredores por 20 anos antes de ser morto. O bando de Lucas, um escravo fugido, ultimamente vem sido considerado como o precursor dos outros bandos de cangaceiros.

               Apesar disso, o primeiro grande grupo de cangaceiros só veio a surgir por volta de 1870, sob o comando de Jesuíno Brilhante, já que o grupo de Lucas da Feira era consideravelmente menor do que um bando cangaceiro tradicional.. O termo “cangaceiro” é de origem pejorativa, remetendo às roupas de couro que os sertanejos nordestinos usavam e a sua aparente incapacidade de se adaptar ao estilo de vida das cidades litorâneas.

Uma imagem representando Lucas da Feira, tido como o primeiro cangaceiro

               Um cangaceiro era o típico habitante do sertão nordestino, geralmente envolvido com atividades pecuaristas e, portanto, suas vestimentas e equipamentos remetiam ao seu estilo de vida. As roupas dos cangaceiros eram feitas principalmente de couro, apesar do intenso calor do sertão. Esse material era escolhido devido a sua resistência, já que protegia o cangaceiro de ferimentos que pudessem ser causados pela vegetação local, que eles usavam para se esconder.

               Ainda assim, as roupas dos cangaceiros refletiam a personalidade dos próprios já que, para sua própria sobrevivência em um ambiente semiárido, os cangaceiros sabiam costurar e faziam suas próprias roupas. Dessa forma, a roupa de cada membro de um bando cangaceiro era diferente, repleta de enfeites metálicos, como moedas, ou fitas coloridas, principalmente em seus chapéus.

               As armas usadas pelos cangaceiros eram geralmente roubadas de arsenais da polícia, ou de grandes fazendas, ocasionalmente sendo uma arma adquirida pelo próprio cangaceiro. Os cangaceiros geralmente utilizavam rifles como o Winchester Modelo 1873 e 1892 ou o Mauser Gewehr 98, esse último sendo capturado das forças policiais que perseguiam os cangaceiros. Como armas curtas, eles usavam os revólveres Colt e Smith & Wesson, mas a mais popular era a pistola Luger P08, a qual eles chamavam de “pára belo”, também usada pelos policiais.

               Apesar disso, a arma que mais remete aos cangaceiros na memória popular é a famigerada peixeira, um facão cujo propósito inicial era limpar peixes, mas foi amplamente usada pelos cangaceiros para torturar e matar seus inimigos. As táticas de combate dos cangaceiros se assemelhavam muito com táticas de guerrilha, usando o terreno desértico do sertão para se camuflarem e atacar de surpresa qualquer alvo que estivesse aparentemente vulnerável, e pudesse oferecer um butim suntuoso.

               Devido a suas ações criminosas e a intensa busca da força pública pelos bandos, os cangaceiros dependiam de associados que pudessem oferecer esconderijo a eles, que eram os chamados coiteiros. Os coiteiros ofereciam comida e abrigo para os cangaceiros por vários motivos, indo desde o respeito até o medo de represálias, mesmo com essas pessoas sendo geralmente amigos ou familiares de um dos membros do bando.

Os cangaceiros Corisco e Vinte e Cinco

               Os cangaceiros podem não ter se envolvido em batalhas propriamente ditas, mas suas atividades criminosas certamente se assemelhavam a um verdadeiro cenário bélico que se espalhou no sertão nordestino. Por mais que a forma mais conhecida do cangaço envolva ataques esporádicos envolvendo a bandidagem, existiam mais duas outras formas de cangaço. Uma delas era com base na contratação de sertanejos como mercenários, para defender as grandes propriedades rurais de ataques de rivais ou índios, e a outra era para afirmar a hegemonia política de um dos oligarcas regionais através da violência e da coerção, também promovendo vendetas familiares até mesmo pelo menor dos motivos.

               Esse último era um hábito comum entre o bando de Lampião, que se tornou um cangaceiro justamente devido a sua família ter sido vítima de uma vingança. O bando de Lampião era independente dos coronéis do sertão, e por isso era uma constante ameaça não só a eles, mas a qualquer um que se associasse a esses poderosos oligarcas. Lampião e outros cangaceiros anteriores e posteriores atacaram principalmente esses latifúndios, além de caravanas comerciais que transitavam pelo interior nordestino. Lampião e seu bando, que chegou a ter 80 integrantes em seu ápice, também praticavam outros tipos de crimes, como sequestro para exigência de resgates e até mesmo invasões coordenadas contra cidades inteiras.

               Entre as cidades invadidas por Lampião estão Cabrobó, Ouricuri e Parnamirim, no Estado de Pernambuco, assaltadas em 1926. Outra cidade que se tornou alvo do bando de Lampião foi Mossoró, no Rio Grande do Norte, palco de uma das mais ferrenhas resistências contra o bando em 13 de Junho de 1927. Como a cidade era uma das maiores do Estado e estava bem defendida, Lampião não conseguiu entrar nela e acabou se retirando, no que culminou em uma de suas maiores derrotas, perdendo o cangaceiro Jararaca, que foi capturado e enterrado vivo pela população. Ainda assim, Lampião continuou atacando fazendas e outras cidades até o eventual fim de seu bando.

               Os principais adversários dos bandos de cangaceiros eram os jagunços, defensores dos interesses dos coronéis, e os volantes, que eram forças especiais da polícia treinadas nas mesmas técnicas que os cangaceiros para caçá-los e matá-los. Devido ao hábito do bando de Lampião de dar uma pequena quantia do seu butim para os pobres, ele acabou tido como herói das classes mais baixas da população local, o que ignora os diversos roubos, estupros e assassinatos cometidos por ele e outros integrantes ao longo dos seus 18 anos de atividade, algo que não era incomum entre os cangaceiros e o mesmo motivo pelo qual Lucas da Feira, tido como o primeiro cangaceiro, possui uma reputação controversa entre acadêmicos.

Bando de Lampião preparado para o combate

               A partir da década de 1930, o governo de Getúlio Vargas se focou na repressão dos cangaceiros no nordeste, oferecendo anistia a quem se rendesse e espalhando recompensas para quem matasse cangaceiros importantes. O bando de Lampião foi emboscado por volantes em 28 de Julho de 1938, e a maioria foi morta no confronto. A morte de Lampião, o cangaceiro mais renomado do Brasil, acabou simbolizando o início do declínio dessa atividade no nordeste. Aos poucos, vários cangaceiros foram se rendendo ou entregando seus antigos aliados, na esperança de um novo começo nas cidades grandes, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo.

               O último bando de cangaceiros a cair foi justamente o de um dos antigos integrantes do bando de Lampião, Corisco, foi surpreendido e acabou morto pelos volantes em 25 de Maio de 1940. A industrialização do Brasil, acompanhada pelo crescimento de cidades e da intensa repressão do governo, acabaram se tornando fatores para o fim do cangaço no sertão. Ainda assim, os cangaceiros se tornaram ícones culturais brasileiros, presentes principalmente em filmes e na literatura no restante do século XX até os dias atuais.

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Cabeças de Lampião, Maria Bonita e alguns membros de seu bando expostas em uma cidade

               Heróis para alguns, vilões para outros, os cangaceiros, especialmente o bando de Lampião, acabaram se transformando em um símbolo histórico do nordeste brasileiro. Com suas temidas práticas de banditismo, os bandos de cangaceiros assolaram o sertão por décadas antes da situação social de sua região mudar drasticamente, o que acompanhado da repressão acabou os extinguindo rapidamente. Ainda assim, os cangaceiros permanecem mais vivos do que nunca no imaginário popular, e são combustível para inúmeras lendas sobre o interior brasileiro.

Fontes:

PERICÁS, L. B. Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015. 320 p.
PAIVA, M. P. Ecologia do cangaço. Rio de Janeiro: Interciência, 2004. 74 p.
DE MELLO, F. P. Guerreiros do Sol: violência e banditismo no nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa, 2011. 520 p.
DA COSTA, A. S. FILHO. Mais que temidos: sinônimos de maldade, forjados pela desigualdade social e fundiária. Leituras da História, São Paulo, v. 9 n. 91. p. 30-37.

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