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Futebol nacional

Morreu Artur Jorge, aos 78 anos

Antigo selecionador nacional e o homem que liderou o FC Porto no primeiro título europeu, em 1987, faleceu vítima de doença prolongada. Foi um avançado goleador e um treinador nem sempre compreendido, campeão em Portugal pelos dragões e em França com o PSG. Fora dos estádios era um leitor ávido - escreveu mesmo um livro de poesia -, colecionador de arte, interessado por música. Gostava de “coisas bonitas” como tantas vezes dizia

Lídia Paralta Gomes

Matthew Ashton - EMPICS

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Artur Jorge, antigo selecionador nacional e o treinador que levou o FC Porto à sua primeira glória europeia, com o título na Taça dos Campeões Europeus de 1987, morreu esta madrugada, aos 78 anos, vítima de doença prolongada.

O anúncio foi feito pela família, através de comunicado: “É com profunda tristeza que a família de Artur Jorge Braga de Melo Teixeira comunica o seu falecimento, esta madrugada, em Lisboa, após doença prolongada. Morreu serenamente, rodeado dos seus familiares mais próximos”.

Avançado irreverente e prolífico, começou a jogar no FC Porto, clube da cidade onde nasceu, em 1946, mas seria na Académica de Coimbra (onde foi jogador-estudante) e no Benfica onde mais brilhou - nos encarnados foi mesmo duas vezes o melhor marcador do campeonato, em 70/71 e 71/72 - antes de acabar a carreira no Belenenses, para onde se mudou após uma grave lesão lhe limitar o jogo. Teve uma passagem rápida na NASL, onde representou o Rochester Lancers.

A caminhada como treinador começa ao lado de José Maria Pedroto, como seu adjunto no Vitória de Guimarães, em 1980, colocando em prática os estudos feitos na Universidade de Leipzig, na então República Democrática da Alemanha, para onde seguiu após o fim da carreira como jogador. Seguem-se passagens por Belenenses e Portimonense, antes de chegar ao FC Porto, em 1984, indicado precisamente por Pedroto. Foi bicampeão nacional em 1984/85 e 1985/86, conquistando no ano seguinte o título europeu, na histórica final de Viena, ao bater o Bayern Munique por 2-1, com reviravolta na 2.ª parte e a ajuda do calcanhar de Madjer. Seria o primeiro treinador português a conquistar a Taça dos Campeões Europeus, no primeiro título continental do FC Porto.

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A glória europeia abriu-lhe as portas do campeonato francês, no Matra Racing, onde treinou Enzo Francescoli, antes do regresso ao FC Porto, onde voltou a ser campeão nacional, em 1989/90. A qualificação para o Euro 92 levou-o pela primeira vez à seleção nacional, sem sucesso, e voltaria a França e a Paris, para três época de triunfos no PSG, onde foi campeão em 1993/94, numa equipa que tinha Ricardo Gomes, Raí, Valdo, David Ginola ou George Weah.

A saída de Paris marcaria quase um antes e um depois na carreira de Artur Jorge, o Rei Artur. O regresso a Portugal e ao Benfica, em 1994, pegando numa equipa que havia sido campeã nacional no ano anterior, não foi feliz. Para cumprir um sonho, Manuel Damásio despediu Toni e contratou o antigo avançado do clube, algo que não caiu bem num plantel de consagrados, alguns dos quais seriam afastados pelo novo timoneiro. Nessa temporada, um tumor cerebral leva-o à sala de operações. O Benfica acaba o campeonato em 3.º e no início da época seguinte Artur Jorge sai da Luz pela porta pequena.

Após uma fugaz passagem pela seleção da Suíça, que liderou num Euro 96 que não deixou saudades, Artur Jorge é o escolhido para substituir António Oliveira à frente da seleção nacional, com o objetivo de voltar a levar Portugal a um Mundial, neste caso, ao França 98. Além da qualificação falhada, esta segunda passagem pela seleção fica marcada pela agressão de que foi alvo por parte de Ricardo Sá Pinto, em março de 1997, depois de Artur Jorge o deixar de fora para um jogo com a Irlanda do Norte.

Lutz Bongarts

Artur Jorge inicia então um périplo mundial, com passagens por inúmeras latitudes. Treina o Tenerife, em Espanha, o Vitesse, nos Países Baixos, e regressa ao Paris Saint-Germain, desta vez sem sucesso, com os parisienses a terminarem a Ligue 1 em 9.º lugar. Segue então para a Arábia Saudita, primeiro para o Al Nassr e depois Al Hilal, onde se sagra campeão. Novo regresso a Portugal leva-o ao banco da Académica, onde tanto havia brilhado como jogador, uma passagem de apenas época e meia, pro bono, antes de seguir para o CSKA de Moscovo e para a seleção dos Camarões. Em 2006 treina no Koweit e em 2007 faz uma pausa depois de deixar o Créteil de França. Em 2015 faz um curto regresso, para treinar o MC Alger, da Argélia.

O estudante, a literatura e as artes

O afastamento do futebol tornou-se também um afastamento do espaço público. A saúde debilitava-o e fora dos relvados Artur Jorge, que tanto utilizava a expressão “coisas bonitas”, dedicou-se a aumentar uma imensa coleção de arte, com centenas de obras reunidas ao longo de 40 anos, parte das quais seriam leiloadas em dezembro de 2018.

Em Coimbra, foi estudante de Filologia Germânica enquanto jogava na Académica, tendo desenvolvido um fervoroso pensamento revolucionário. Lia poesia e filósofos. Admirava Che Guevara. Na cidade dos estudantes, viveu na república Ninho dos Matulões, ligada à luta contra a ditadura.

Foi o primeiro presidente do Sindicato dos Jogadores, em 1972, e chegou a concorrer à Assembleia Constituinte como deputado de Movimento Democrático Português, em 1975, embora em lugar não elegível.

Leitor ávido, nos anos 80 editou um livro de poesia, “Vértice da Água”, estilo literário que produziu profusamente. Na música, preferia o jazz e a música clássica.