EUA e União Europeia: salvem os leões africanos!

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Um dentista americano apareceu nos jornais do mundo todo por ter matado brutalmente Cecil, um leão dócil do Zimbábue.

Mas seu ato repugnante criou uma oportunidade para salvarmos todos os leões do mundo.

Americanos e europeus ricos como este dentista viajam para a África e pagam fortunas para caçar leões e outros animais exóticos por esporte, e depois levam para casa as cabeças dos animais como troféus.

Se todos nós agirmos agora, poderemos forçar os EUA e a Europa a proibir a importação destes troféus que ameaçam a sobrevivência de animais majestosos. Alguns parlamentares europeus já consideram o assunto, mas para vencer, precisamos de uma onda de apoio global sem precedentes.

Assine e compartilhe no Facebook, Twitter, e-mail – em todos os lugares – antes que o mundo se esqueça de Cecil

https://secure.avaaz.org/po/save_africas_lions_loc/?cznezib

Auto-retrato de 1999

Mais um desenho meu que apareceu primeiro no Fotolog. Este é um auto-retrato que fiz em 1999 (hoje meus cabelos estão mais grisalhos e ralos). Pra variar, o Rubens foi o colorista. Originalmente, este era pra ser o desenho de abertura de um outro site que acabou não saindo. No desenho, ao meu redor, vemos algumas das criaturas que povoam minha mente, dentre as quais o Pulga (Flea) que já apareceu numa postagem anterior, uma paródia do Conan, o Bárbaro e minhas homenagens aos  quadrinhos de terror e ficção científica da EC Comics, filmes de monstros da Universal e antigos filmes de invasores do espaço.

Rabiscos dos tempos do colegial

Renato Fogaça foi meu colega de sala no curso Técnico em Publicidade que fiz durante o colegial (equivalente ao atual Ensino Médio) numa escola estadual em São Caetano do Sul. Tempos depois, descobri que ele se tornou um profissional de mão cheia, com experiência na área de design gráfico e de ilustração para campanhas publicitárias. Neste ano, tive uma agradável surpresa! Eu não via o Renato desde 1992, quando concluímos o colegial,mas descobri que ele tinha guardado uma série de desenhos que eu havia rabiscado em folhas de caderno nos anos de 1991 e 1992, inclusive uma caricatura que fiz dele.

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Estou publicando estes desenhos hoje não pelo valor artístico deles,mas, pelo valor afetivo deles,pois, foi uma surpresa para mim que um profissional do nível do Renato tivesse se dado ao trabalho de guardar estes desenhos por tanto tempo. A propósito, quem quiser conhecer o portfólio do Renato Fogaça, basta clicar no link:

https://renatofog.carbonmade.com/projects/3213683#1

Entrevista com o desenhista Sebastião Seabra

Entrevista que fiz com o desenhista Sebastião Seabra. Publicada originalmente em oito de fevereiro de 2010 no Impulso HQ

O Impulso HQ continua sua série de entrevistas com nomes do quadrinho nacional. Desta vez, o desenhista Sebastião Seabra comenta a respeito dos editores brasileiros de quadrinhos que aplicam calotes nos desenhistas.

Seabra fala disso e muito mais, especialmente do amadorismo e das picaretagens cometidas por muitos pretensos editores de quadrinhos brasileiros.

Para quem não conhece, Sebastião Seabra é um desenhista veterano, que já trabalhou para grandes jornais, agências de publicidade e para muitas editoras, tanto de livros didáticos quanto de quadrinhos. Desenhou centenas de páginas de histórias em quadrinhos eróticas e de outros gêneros. Também desenhou graphic novels para uma editora da Bélgica.

Atualmente, Seabra está envolvido numa série de projetos que estão sendo desenvolvidos em seu estúdio em Araraquara, cidade do interior paulista.

Isso e muito mais você vai saber melhor nesta entrevista exclusiva ao Impulso HQ.

Impulso HQ: Atualmente você é freelancer ou está empregado em alguma editora, agência de publicidade ou jornal?
Sebastião Seabra:
Sempre trabalhei como freelancer… Já há trinta e cinco anos. Comecei aos dezesseis anos de idade na Folha de São Paulo (passando em seguida para o jornal Notícias Populares) desenhando tiras diárias de aventura, romance e cômicas.

Até poucos meses atrás eu lecionava, fazia charge política e caricatura para jornais, ilustração publicitária, etc, mas parei com tudo isso e voltei a me dedicar apenas aos quadrinhos.

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IHQ: Uma das qualidades que mais chama a atenção no seu trabalho é o seu conhecimento de anatomia, especialmente o desenho de belas mulheres. Como você desenvolveu sua técnica de desenho? Você cursou alguma escola de desenho ou é autodidata mesmo?
S.S.:
Sou autodidata. Quando fui morar em São Paulo, em 1969, aos onze anos, eu sabia de antemão que seria um desenhista de quadrinhos. Sabia também, apesar de não manter contato com ninguém da área ou outro leitor de quadrinhos , que teria de saber anatomia humana para me tornar um ilustrador.

Naqueles idos de 1970, em minhas andanças pelo centro da cidade, uma das livrarias que mais me chamava a atenção era uma filial da Editora Tecnoprint, na esquina da rua Conselheiro Crispiniano com a Avenida São João.

Entrei lá e me deparei com a edição em livro de bolso de Desenho e Anatomia, de Victor Perard. Um dos melhores livros do gênero! Daquele diai em diante me debrucei em suas páginas, copiando de tudo um pouco, assimilando…

Outra coisa fundamental para minha formação foram as aulas com modelo vivo todas as quintas à noite na Pinacoteca do Estado. Uma antiga namorada me levou lá. Os desenhos de lindas mulheres, o nu, talvez venham dai.Uma semana uma garota posava, na semana seguinte posava um rapaz…  Poses de cinco, dez, quinze minutos.

Quando entendi o mecanismo da coisa eu passei a pular a semana do rapaz. Minha namorada não gostou muito. Perdi a namorada, mas aprendi sobremaneira as nuances do corpo feminino. Ou pelo menos continuo me esforçando pra aprender.

IHQ: Antes de trabalhar com desenho você chegou a ter algum outro tipo de emprego?
S.S.:
Aos dezoito, dezenove anos trabalhei oito meses, empregado, batendo cartão, numa firma de cartões de natal e namorados. Lá aprendi a mexer com fontes, corpo de letras, diagramação, etc. Também ajudava nos desenhos de um ou outro cartão de natal.

IHQ: Na época em que ainda havia pequenas editoras brasileiras investindo em quadrinhos nacionais (terror, eróticos…), era possível o desenhista viver de quadrinhos ou pelo menos se sustentar com dignidade?
S.S.:
Jamais foi possível viver com dignidade no Brasil desenhando apenas quadrinhos. Ainda hoje é assim. A situação não mudou um milímetro. O que um editor médio brasileiro paga por uma página razoável de quadrinhos gira em torno de 10 ou 15 dólares. Sempre foi assim.

O editor de quadrinhos no Brasil não tem cérebro pra essa função! Agora, imagine você, se um jovem desenhista perde o dia todo para fazer uma página razoável de quadrinhos (texto, letras, desenho e arte-final) pra ganhar míseros 10 dólares por página!

Mesmo trabalhando para quem pagava melhor por uma boa página (mais ou menos o dobro dessa quantia) era inviável.

Quem paga mais, tipo 50 dólares exige um padrão de fora que muitos desenhistas não tem como competir. Assim, dá no mesmo. A produção cai ou ele é obrigado a dividir o trabalho com outras pessoas. Ou seja, nunca se pagou o suficiente.

A grande produção de quadrinhos sempre foi feita por desenhistas em início de carreira, adolescentes, ou seja, uma mão de obra ávida e barata, que não precisa de mais que alguns trocados no bolso para ir vivendo.

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Quiçá muitas vezes se alegra apenas com a publicação do seu trabalho.

O principal problema com a produção de histórias em quadrinhos no Brasil, além do baixo pagamento, é a falta de continuidade e a insegurança dos pagamentos. Os tradicionais calotes. Na maioria das vezes você trabalha esse mês sem saber se terá trabalho no mês seguinte, e recebe sabe-se Deus quando.

É uma coisa bem irracional.Sem continuidade não se cria profissional algum. Tampouco mercado.

Olha só como a coisa é tacanha. Um fato comum no mercado paulista é o editor lançar um título, o primeiro número e “ver” se ele vende… Caso esse título não venda, ele cancela e cria outro… Assim por diante.

O editor não investe em nada, não cria nada, nem artista, nem títulos, nem conceitos!

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IHQ: Você ficou conhecido por desenhar quadrinhos eróticos e pornôs. Já sentiu vergonha por ter produzido esse tipo de material? Teve problemas com a família por causa disso?
S.S.:
Vergonha nunca senti, apenas sempre achei o material muito medíocre graficamente. O problema com a família é permanente, mas não se toca nesse assunto. É tabu. É como um vírus do computador que mantemos em quarentena. Sexo é tabu na sociedade brasileira e talvez ainda seja por muitos anos.

IHQ: Por que você assinava alguns quadrinhos com o seu nome e outros com o pseudônimo de Sebastião Zéfiro?
S.S.:
Nem sempre sei explicar isso corretamente… Talvez um total desprezo pelo que eu fazia e, sabia, não o fazia corretamente. Talvez pelo fato de paralelo a isso, na época, estar ilustrando livros didáticos e religiosos.

Na minha mente infantil e pretensiosa, alguém poderia ligar meu nome aos quadrinhos eróticos e me causar algum embaraço…Pura tolice! Claro! Se ainda hoje ninguém sabe da existência de revistas miseráveis, com miseráveis tiragens, naquela época muita menos.

Há pouco tempo vi uma matéria num programa de quadrinhos na tevê, onde as pessoas se perguntavam se o Mozart Couto teria feito quadrinhos eróticos. E é gente da área! Imagine só!

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IHQ: Na sua opinião, o seu trabalho na área de quadrinhos eróticos tem mais em comum com os catecismos de Carlos Zéfiro ou com as obras de desenhistas italianos como Milo Manara e  Serpieri, o criador de Druuna?
S.S.:
Rá! Rá! Rá! Rá! Rá! Meu trabalho na época era sujo e medíocre, como de boa parte dos autores de histórias em quadrinhos eróticas, tosco até não poder mais! Fruto de uma formação tosca e de pagamentos pra lá de toscos também.

Enfim, uma “tosqueira” só, que é o meio editorial de quadrinhos no Brasil! Na Europa, há todo um clima editorial, artístico e financeiro que permite que floresçam artistas do nível de um Serpieri e de um Milo Manara.

IHQ: Você já desenhou quadrinhos de terror?
S.S.:
Sim, uma vez ou outra me encomendaram uma história em quadrinhos de terror, mas, habituado a fazer apenas histórias eróticas meu desenhos ficaram bem… Toscos!

Saiu material meu de terror na Press [editora paulista fundada pelo jornalista e desenhista Franco de Rosa, que na década de 1980 lançou muitas revistas em quadrinhos de terror, eróticas e de humor, dentre as quais, o primeiro gibi de Níquel Náusea, o divertido rato criado por Fernando Gonsales], na D’Arte [editora paulista fundada por Rodolfo Zalla, desenhista argentino radicado no Brasil, que durante anos publicou as revistas Calafrio e Mestres do Terror], numa editora obscura do interior paulista (nem me recordo onde) e uma história em quadrinhos inédita que vendi pra Escala.

Atualmente, a partir dos últimos meses de 2008, voltei a fazer apenas histórias em quadrinhos, e estou ilustrando um belo texto de terror do editor independente Alex Mir, além de duas séries de super-heróis, uma tira cômica, e mais uma ou outra coisa… Com o tempo tudo aparecerá no mercado.

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IHQ: Como surgiu a oportunidade de desenhar aquela história com um grupo de super-heróis brasileiros que saiu num daqueles almanaques da Phênix, aquela editora do Tony Fernandes e do Vanderlei Felipe? Há chance daqueles personagens voltarem?
S.S.:
Tony Fernandez e Vanderley Felipe, meus amigos idealistas e loucos, me honraram com um convite para fazer e publicar história em quadrinhos na então recém criada editora Phênix. De início, o Tony me pediu um “Batman”.

Em seguida, solicitei ao Marcos Ramelo, um amigo meu aqui de Araraquara e promissor desenhista, que também fizesse algo para colaborar na revista do Tony.

Ele tinha idéias e fôlego pra desenhar. Participei na arte-final e em uma ou outra coisa mais…

Sempre há chances de voltar. Basta ter alguém pra bancar a produção, é claro! Sem encomenda e pagamento não há trabalho.Eu mesmo não finalizo nenhuma das minhas novas histórias do Vingador Mascarado.

Simplesmente, porque não tenho encomenda, compromisso. Não é racional parar o que estou fazendo (trabalho encomendado e pago, com datas de entrega) para perder tempo com histórias em quadrinhos pelas quais nem sei quando poderei receber um pagamento e nem quando serão publicadas.

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IHQ: Como foi a experiência de produzir quadrinhos para o mercado europeu?
S.S.:
Foi boa! Na época, o dólar estava em alta e a ilusão de que se ganhava bem era grande. Não confiei na possibilidade de produzir pra eles, tampouco na minha capacidade, e demorei um pouco pra começar a fazer isso.

Aliás, foi um bocado disso tudo que fez com que eu não participasse mais ativamente das atividades da Art & Comics [estúdio de propriedade de Hélcio de Carvalho, proprietário da Mythos Editora, que agencia o trabalho de desenhistas brasileiros para editoras dos Estados Unidos].

Apesar da insistência e da extrema gentileza do Hélcio em me convencer a fazer testes para o mercado americano, não me sentia capaz.

Além disso, eu já estava produzindo para a agencia belga COMU, e, ao mesmo tempo, achava inacessível desenhar pra Marvel.

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IHQ: Quais diferenças e semelhanças você percebe entre desenhar quadrinhos para editoras brasileiras e produzir ilustrações para editoras de livros didáticos e agências de publicidade?
S.S.:
Bom, quando a situação exige a gente trabalha pra qualquer um, mas, para as editoras, quando há períodos de trabalho contínuo é bem agradável e criativo. As diferenças: para as editoras de quadrinhos trabalha-se com certa liberdade e criatividade, apesar do pouco pagamento.

Nos livros didáticos, o trabalho é um tanto técnico e maçante, e nas agências de publicidade perde-se tempo demais. As semelhanças é que, hoje em dia, todos eles pagam muito mal.

IHQ: Você prefere quando seus desenhos a lápis são finalizados a nanquim por você mesmo ou por outros artistas?
S.S.:
Não sou do tipo chato e pretensioso que se preocupa tanto com seu lápis… Mas, infelizmente, nunca tive sorte com arte-finalistas e, de uns anos pra cá, que minha arte-final se firmou e melhorou um pouco, nunca vi razão para dividir o trabalho com alguém que iria finalizar pior do que eu e num prazo muito maior.

O dia em que aparecer um arte-finalista que trabalhe mais rápido e melhor do que eu sobre meus lápis, eu recapitulo.

IHQ: É verdade que você teve problemas com uma editora que não queria pagar royalties pela republicação daquelas revistas de ensinar a desenhar que você produziu? Como terminou essa história?
S.S.:
Não deu em nada. Essa gente simplesmente nos ignora. Não nos atendem tampouco respondem e-mails. Pelo que me contaram, o sujeito recebeu mais “queixas” de outros autores, além das minhas, mas ao invés de atender às reivindicações lógicas de seus respectivos colaboradores, optou por cortar toda a produção daquelas revistas.

Uma típica reação de “Corone”. “Vocês não querem as migalhas, pois irão ficar sem nada!” Quer saber do pior? Em 2008 cometi a bobagem de fazer outra revista Como Desenhar pra outro deles. E o fiz, acredite, porque me deram ótimas referencias do sujeito!

Não adianta! É um mercado muito grosseiro! Editam revistas como se fossem secos e molhados, pra encalhar e depois vender em porta de bar e farmácia, por 1,99…

Em 1930, os americanos já editavam gibis pra vender! E vendiam-se milhões de cópias. Eram revistas pensadas, planejadas. É o caso do cinema nacional que a gente viveu até há pouco tempo. Por que diabos o diretor do filme estaria preocupado com a qualidade do que ele fazia, se o que interessava, a verba da Embrafilme, já estava no bolso dele?

Se o filme desse lucro ou não, pouco importava. Nos Estados Unidos quem financia os filmes quer lucro. Quem faz gibis também.

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IHQ: Como tem sido a experiência de vender apostilas de desenho pelo correio? Você apenas envia as apostilas ou chega a acompanhar o progresso dos alunos como faz o Joe Kubert com aqueles cursos de correspondência dele?
S.S.:
Muito gratificante!Pena que mal tenho tempo de cuidar disso. Faço tudo sozinho, desde a produção/criação, até a impressão, dobrar colocar em envelopes e ir levar ao correio. Chega a ser cômico, mas é legal! Pretexto pra parar de desenhar e dar um passeio até a agência de correio.

O relacionamento com os leitores é excelente! Sempre. Todos são extremamente educados e sempre que podem me escrevem para uma pergunta ou outra. Enfim, é uma relação de amizade e cavalheirismo.

IHQ: Você acredita que com esta volta do crescimento da economia [a entrevista foi feita antes da recente crise econômica mundial que teve início nos Estados Unidos] e com o sucesso alcançado por alguns desenhistas brasileiros nos Estados Unidos, é possível que desenhistas brasileiros encontrem oportunidade de trabalhar e viver de quadrinhos produzindo para o mercado nacional?
S.S.:
Impossível!Enquanto o “pseudo-editor de quadrinhos tupiniquim” tratar o trabalho do desenhista de quadrinhos como se fosse um “bico” a mais, não haverá uma produção de quadrinhos nacional em grande escala.

Pensa assim: um desenhista brasileiro está acostumado a ganhar, digamos, 100 dólares por página para fazer uma bela página à lápis para a DC ou para a Marvel. Esse profissional produz, no mínimo, vinte e duas páginas por mês, coisa de mais ou menos uma página muito bem feita por dia… Total: 2.200 dólares ou algo em torno de 4.400 reais… Que editora pagaria essa quantia por apenas uma fase, no caso, o lápis, de uma página em quadrinhos aqui no Brasil?

E você viu que dei um exemplo bem baixo.Não pagariam nem pela página completa (roteiro, desenho, arte-final, letras…).

O editor brasileiro nunca pagou e jamais pagará o mínimo necessário para um profissional fazer uma página digna por dia. Ele sempre pagou e sempre pagará como se esse trabalho fosse um bico a mais… Apenas uma renda extra para o profissional. O paradoxo é que essa bela página a lápis toma todo o dia do desenhista, ou mais.

A solução seria um contrato com porcentagem sobre as vendas, royalties, mas, se esse mesmo editor já paga a contragosto as migalhas, por que diabos toparia ceder o osso? Bom, na verdade, esse lance de alguns editores oferecerem royalties como parte do pagamento já vem ocorrendo aqui e acolá… Mas é um fenômeno recente.

IHQ: Muitíssimo obrigado pela entrevista. O que você gostaria de dizer aos admiradores do seu trabalho que estão lendo esta entrevista? Mais uma vez, muito obrigado pelo seu tempo e atenção.
S.S.:
Mais uma vez, eu que agradeço, Túlio. Quanto aos leitores do meu trabalho, o que posso dizer é que seguirei fazendo o que eu quero e, na medida do possível, o melhor que eu conseguir fazer, brigando contra os moinhos de ventos de sempre e – pior – sem um “Sancho Pança” pra fazer a minha arte-final, limpar meus esboços, apontar meus lápis…

Entrevista com Tako X

Fanboy entrevista: Tako X!

Entrevista publicada originalmente em 25 de março de 2007 no Fanboy

O Fanboy apresenta mais uma entrevista exclusiva, mas desta vez com um artista brasileiro que reside e trabalha no Japão. Certamente quem acompanhava a edição brasileira da revista humorística MAD publicada pela Record nas décadas de 1980 e de 1990 (atualmente a revista é publicada pela Mythos) já viu os trabalhos do paranaense e nikkei Edson Takeuti, mais conhecido pelo nome de Tako X. Entre seus trabalhos mais importantes para a MAD, podemos destacar os desenhos para uma paródia do seriado de TV do Jaspion, o herói japonês que encantou crianças de todo o Brasil em fins da década de 1980 e uma série de capas para a revista, onde diversas celebridades foram caricaturadas pelo artista de ascendência nipônica. Além dos trabalhos para a MAD, Tako também desenhou aventuras do Gralha, super-herói brasileiro que ganhou dois curtas-metragens dirigidos por ele mesmo. Atualmente, Tako mora no Japão, mas diferentemente da maioria dos dekasseguis (os brasileiros descendentes de japoneses que hoje fazem o caminho inverso de seus antepassados, tentando a sorte na terra do Sol nascente), ele não precisou trocar de profissão para apertar parafusos em alguma fábrica japonesa. Pelo contrário, no Japão, ele encontrou condições para continuar sua carreira de ilustrador. Além de ilustrações para diversos clientes, ele produz charges para um jornal dirigido à comunidade brasileira que vive e trabalha no Japão.

Edson Takeuti: Tako X

Quando você começou a desenhar?
Desde que me conheço por gente! Enquanto meus amiguinhos queriam ser piloto de F1 e astronauta, eu queria ser desenhista, e sabia que isso seria tão difícil quanto ser piloto ou astronauta. E realmente não foi fácil, não havia ninguém pra me dizer como me tornar profissional disso, nem havia cursos nessa área naquela época. Então tive que me tornar autodidata e aprender dos livros que eu emprestava da Biblioteca Pública.

Como e quando você estreou profissionalmente?
Aos 18 anos eu comecei a fazer desenhos pra jornalzinhos e revistas de Curitiba.

Você nasceu no Paraná? Como é o mercado para desenhistas no Paraná?
Sim, o mercado lá era meio pequeno, me parecia (acho que ainda é) … uma meia dúzia conseguia fazer todos os trabalhos importantes da cidade [de Curitiba]. Na verdade, em muitos casos, acho que era mais compensador pras agencia de publicidade contratarem gente de fora, com mais nome e um cachê mais alto, pois a gente nunca soube cobrar direito, pedia muito pouco. Para sobreviver no mercado local era preciso cobrar baixo, em média, pois de um modo geral os clientes locais não sabem ver a diferença entre um trabalho de um veterano e um artista que está começando, não sabem valorizar a qualidade e experiência.

Você recebia algo para publicar seus quadrinhos na Folha de Londrina? Pergunto isso, porque, infelizmente, é muito comum no Brasil os editores de jornais publicarem quadrinhos como se estivessem fazendo um favor aos desenhistas. Na verdade, é justamente o contrário, os desenhistas é que estão fazendo um favor aos editores, oferecendo seu trabalho de graça e atraindo mais leitores para os jornais.
Com certeza. Eu comecei publicando de graça, só para divulgar, no jornal Estado do Paraná e também na Gazeta do Povo, durante uns 3 anos. Neste último jornal eu comecei fazendo o Marco (na época era Marcozinho) de graça durante dois anos, junto com o Eduardo Moreira, outro cartunista com quem dividia a autoria, até que chegou uma hora que eu falei que se não recebesse eu pararia de fazer as tiras, isso era 1988 mais ou menos. Propus um valor e por sorte eles toparam, não dava pra largar algo assim de repente. Eles pagaram o valor até cancelarem a tira em 2000, pois acho que o valor passou a ser muito alto pois havia os reajustes e em comparação com os enlatados que vinham de fora, cujos valores foram diminuindo com o passar dos anos. Compensava contratar alguém pra desenhar as charges, tiras, desenhos do jornal ou adquirir as tiras enlatadas por uma ninharia. Ainda participei da equipe que desenhava o Gralha no Caderno Fun do mesmo jornal, que também teve o mesmo destino do cancelamento. Foi uma pena, mas eu fui, durante muitos anos, um cartunista de luxo do jornal e recebia ótimas críticas pelo meu trabalho, por isso acho que demoraram tanto pra cancelar.

Aventuras do Marcozinho

Nos seus quadrinhos das Aventuras do Marcozinho, tanto a diagramação quanto o traço lembram bastante as páginas dominicais do Calvin, personagem do Bill Watterson. O traço do Watterson foi uma influência ou é mera coincidência?
No começo eu tinha influência do Angeli, então o Marcozinho era um adolescente de 18 anos que era infantil, e a estrutura das tiras lembrava mais o Chiclete com Banana. Então apareceu o Calvin e Haroldo e aquilo foi a coisa mais legal que já havia visto em termos de tiras, não tive como não ser influenciado, era muito bom. O Marco então, virou um menino comum, de uns 10 anos de idade e ganhou um amiguinho, uma tartaruguinha sem casco chamada de Galapinha, uma espécie de consciência do Marcozinho. Normalmente quando algo me influencia, eu deixo que me influencie, até que eu absorva a coisa toda e acabe desenvolvendo para um estilo próprio. Eu nunca copio idéias nem desenhos, mas imito a estrutura da narrativa, que eu acho fabulosa em Calvin. Acho que o processo foi interrompido pelo cancelamento da tira… eu nunca mais voltei a desenhar o Marco e o Galapinha.

Quando e como surgiu a oportunidade de desenhar para a MAD brasileira?
Eu mandava desenhos pra seção Pretensão da revista, um espaço que o Ota criou para os iniciantes e leitores da revista, desde os 11 anos de idade, na época que conheci da revista e fiquei apaixonado por ela. Mandava um desenho todo mês e alguns foram publicados. Até um dia que eu tinha uns 18 anos e o Ota me mandou um teste pra desenhar na revista como colaborador. Fiz com o maior capricho e mandei pra ele, mas depois ele achou que ainda não estava bom o suficiente e me deixou na geladeira por mais dois anos. Quando eu completei 20 anos resolvi ir na redação da MAD no Rio de Janeiro e conhecer pessoalmente o Ota, sem avisar a ele que estava indo lá. Achei que seria bom ele me conhecer pessoalmente, quem sabe assim eu não ganhasse a confiança dele? Fui ao Rio, conheci o Ota, fiquei no apê dele por umas 3 semanas e até ajudei na campanha dele pra vereador (!!!). Pena que ele não foi eleito. Bom, por este motivo ou simplesmente porque ele me conheceu pessoalmente, passou a me mandar textos de matéria e sátiras pra desenhar.

MAD: Como matar um Teletubbie

Durante quanto tempo você colaborou na MAD?
Uns 2 anos antes de vir pro Japão da primeira vez e depois mais uns 7 anos depois que retornei pro Brasil em 1995. No total uns 9 anos.

Nas suas caricaturas, a gente percebe uma forte influência do Mort Drucker, famoso por caricaturar atores e atrizes nas paródias de filmes e seriados de TV publicadas na MAD norte-americana. Você aprendeu a fazer caricaturas copiando o trabalho do Drucker ou também aprendeu cursando alguma escola de desenho ou coisa parecida?
Sim, como eu falei antes, a MAD foi a minha primeira e maior influência até hoje. Na verdade o cara que me influenciou de verdade foi o Mort Drucker, quando vi o desenho dele pela primeira vez na sátira do Planeta dos Macacos (eu tinha onze anos) ? fiquei impressionado quando percebi que ele havia conseguido passar a personalidade do ator por trás da máscara, e ainda era uma caricatura. Naquele momento eu escolhi o Drucker como meu modelo de desenhista que queria ser um dia e comecei a estudar seu desenho, copiando as vezes páginas inteiras até que ficassem iguais ao desenho dele. Era apenas um processo de estudo, mas quanto mais eu desenhava no estilo dele, mais me apaixonava pelo traço, ao mesmo tempo simples e complexo dele. Ainda hoje acho que ele é o melhor desenhista do mundo. Num momento do processo eu pensei: ?Puxa! Esse cara é tão bom que talvez eu nunca chegue a superá-lo, vou ser no máximo o SEGUNDO melhor desenhista, mas vou continuar tentando!?. Então quando eu parei de desenhar pra MAD, o processo acabou ficando no meio também. Eu parei por problemas de caixa do Ota, que estava me devendo meses de colaboração pra revista, então ele mesmo resolveu parar de me passar trabalho, pra me poupar do calote dele.Eu não cobrava dele nada, eu fazia os desenhos por prazer. Bom, mas como eu dizia, depois que eu passei a publicar na MAD, nunca mais copiei diretamente um desenho do Drucker, tentava fazer do meu jeito, mas aí eu já estava impregnado do traço dele, acabava ficando meio parecido. Hoje eu dia eu me desencano disso, fico tentando coisas diferentes, pois o traço do Drucker funcionava bem pra MAD, mas em outras revistas e projetos não combina muito bem, mas eu não ligo, meu desenho nunca vai ser completamente igual ao dele, pois ele é inigualável.

Tako X: Ilustrador

Você se considera mais desenhista de quadrinhos, caricaturista ou ilustrador?
Ilustrador. Mesmo quando faço quadrinhos ou caricaturas, é um ilustrador fazendo essas coisas. Mas acho que sou mais um ilustrador de idéias, num sentido mais amplo, pois tanto a caricatura, quando os quadrinhos ou o design gráfico que faço são simplesmente ilustrações de idéias. Até mesmo quando eu faço um filme, estou ilustrando uma idéia e fazendo ela surgir no plano concreto. Isso é ilustrar pra mim. Mas como sou formado em Belas Artes, quero desenvolver o lado de desenho artístico também. Eu me identifico muito com a arte, a técnica e o desenho japonês, quero trabalhar temas orientais com uma visão de quem nasceu no Brasil e descende de japoneses e já estou planejando expor meus trabalhos aqui no Japão. Tenho muitos desenhos inéditos e ainda estou preparando novos.

Como foi que surgiu a oportunidade de trabalhar no Japão?
Aqui existe a facilidade de trabalhar num país de primeiro mundo, sem se preocupar com a economia, política, se algum cliente vai dar calote, e se concentrar só no trabalho e na carreira. Da primeira vez que vim pra cá foi em 89, eu vim fugindo do Collor… agora que retornei pra cá em 2004, devo estar fugindo do Lula? (risos)

Você já produziu algo para alguma editora japonesa de “mangás”?
Não, mas já fiz uma série em quadrinhos pra uma revista de musica chamada FM Station, com um personagem chamado Tony Bowie que eu criei, num traço mais cartunizado, tudo em japonês, com ajuda de um amigo tradutor.

Quantos em média um desenhista pode ganhar trabalhando no Japão?
Em média uns 2 mil dólares por mês. Mas pode variar de acordo com o mês, ou a própria capacidade de cada um. E o custo de vida aqui é muito alto, dá pra guardar pouco, mas vive-se bem e com conforto.

A computação gráfica mudou muita coisa no seu trabalho ou você acha que o mais importante ainda é o artista conhecer bem as técnicas tradicionais de desenho?
Eu acho que o computador hoje é indispensável, mesmo com conhecimento das técnicas tradicionais de desenho. É a garantia de que você vai poder competir no mercado que exige cada vez mais rapidez na entrega do trabalho.

Gralha + Oil-Man: Encontro Explosivo

Como surgiu o projeto do “Gralha”? O que esse projeto significou para você?
O personagem foi criado coletivamente, por 8 cartunistas residentes em Curitiba, em outubro de 1997, numa edição especial (comemorando os 15 anos da Gibiteca de Curitiba ) da extinta revista Metal Pesado. Depois ele passou a ser publicado semanalmente na Gazeta do Povo durante 2 anos seguidos. Em 2001 foi lançada uma coletânea das histórias publicadas que ganhou o Prêmio de Melhor álbum de Aventura e Ficção do HQMIX de 2001. Para mim, o projeto do Gralha culminou na produção dos dois vídeos com o super-herói. Assim que terminei um curso de cinema com a Tizuka Yamasaki, eu apresentei ao grupo de alunos a proposta de realizar um curta live-action com o Gralha, com a condição que eu dirigisse. Bolei o roteiro e chamei meu amigo Eduardo Moreira pra encarnar o super-herói. Todos gostaram e partimos pra produção. A maioria eram jovens universitários com muita vontade e sem emprego, o que garantiu a dedicação total do grupo no mês de preparação do filme. Corremos atrás de patrocinadores e parceria com empresas de edição de vídeo que se mostraram dispostas a colaborar e serem parceiras do projeto. Rodamos em duas semanas e editamos em dois meses o curta O Ovo ou a Galinha com o Gralha. O filme é todo original, inclusive a trilha sonora e incidental, algumas foram feitas exclusivamente para o filme e outras foram cedidas por bandas locais pra uso no curta. O resultado ficou melhor do que eu esperava, houve um empenho realmente muito grande para que o resultado saísse muito profissional. Havia o câmeraman que já havia trabalhado com o Walter Avancini, e o editor já havia trabalhado na Globo paranense, e havia pessoas muito competentes em cada área, ou seja, não tinha como sair ruim.

A recompensa desse esforço acabou sendo a premiação de Melhor Filme pelo juri popular do Festival de Cinema e Vídeo de Curitiba de 2003. Depois fizemos somente mais um curta com ainda menos recursos pessoais e de verba, dessa vez com uma câmera digital (o outro foi em beta) chamado “O Gralha e o Oil-man  um Encontro Explosivo” contando o inusitado encontro entre as duas lendas vivas de Curitiba. No início desse curta fizemos uma experiência de desenho animado com o personagem e no final um trailer falso de um suposto filme chamado ?O Mito? e lá no fim do trailer nós colocamos uma brincadeira onde o locutor anunciava: ?Breve num cinema perto de você!? e em seguida aparecem só umas legendas pequeninas escrito na tela: ?… se algum patrocinador se interessar!? Essa brincadeira, com o passar do tempo, provou ter um grande fundo de verdade: realmente estamos até hoje esperando esse patrocinador que nunca apareceu. Mas eu nunca tive uma ilusão muito grande sobre fazer cinema no Brasil, eu vi muitos exemplos da dificuldade de produzir filmes, inclusive da própria Tizuka que levou vinte anos pra fazer a seqüência de Gaijin, seu filme mais importante. Por isso, se o tal patrocinador não aparecer, seja no Brasil ou no Japão, o terceiro curta ou um longa do Gralha estão muito longe de acontecer. Como artista, eu estou satisfeito com os dois filmes já produzidos, acho que eles contém tudo que eu gostaria de ter falado sobre o tema de super-heróis, não acho que tenha faltado algo. Claro que se houvesse oportunidade eu faria outros filmes, por dinheiro e também pra me divertir, por que não? Mas artisticamente, se não vierem mais filmes por falta de grana, estes dois passaram a mensagem que eu quis passar, a de que um filme de super-herói no Brasil é ao mesmo tempo possível, mas improvável também. Tão improvável quanto o fato dele ter ganho um prêmio num festival de cinema sério, coisa que acho difícil algum outro conseguir em qualquer lugar do mundo.

Você pretende voltar a morar e trabalhar no Brasil?
Sim, algum dia. Eu acabei de assinar um contrato pra ser o chargista do maior jornal da comunidade brasileira residente aqui, o International Press, então devo ficar alguns anos por aqui.

Qual conselho você daria aos aspirantes a desenhista profissional que estão no Brasil?
Que estudem bastante e se possível façam um curso superior numa área próxima do desenho. E nunca desistam!

Por último, qual mensagem você gostaria de mandar aos leitores brasileiros que acompanharam seus trabalhos na MAD e em outras publicações?
Que se quiserem acompanhar meus trabalhos e projetos é só acessar minha página na internet, o www.takox.com.br.

Entrevista que fiz com o Tony Fernandes

Entrevista originalmente publicada em sete de maio de 2008 no Fanboy

Tony Fernandes

Desenhista, criador de personagens, editor e publicitário, com passagem por diversas editoras. Já produziu desde quadrinhos infantis e super-heróis a quadrinhos eróticos. Junto com Wanderlei Felipe (desenhista que hoje assina como Vanderfel), criou o personagem infantil Pequeno Ninja, que, em 1990, chegou a ser sucesso de vendas nas bancas de jornal do país. Sua carreira inclui o feito de ter sido um dos poucos editores brasileiros a investir na publicação de revistas em quadrinhos de super-heróis com histórias escritas e desenhados no Brasil. Entre os super-heróis que criou estão Fantasticman e Fantasma Negro, que chegaram a ter revistas próprias no início da década de 1980. Estamos falando do veterano Antonio Fernandes Filho, mais conhecido pela alcunha de Tony Fernandes.

Atualmente, Tony trabalha com publicidade, mas planeja voltar a produzir quadrinhos. Tanto que já tem alguns projetos prontos. Nesta entrevista exclusiva para o Fanboy, Tony falou do início da carreira, das dificuldades de se produzir quadrinhos de apelo comercial no Brasil e das mudanças no mercado.

Você continua trabalhando na área de criação e desenho?
Há mais de trinta e cinco anos. Nunca parei. Atuamos (eu e minha equipe on-line) em agências de publicidade e em algumas editoras, fazendo capas de livros, projetos de revistas diversas etc. Para as agências, fazemos storyboards (para comerciais de tv), sites, audiovisuais, locuções e criações de trilhas. Paralelamente, incrementamos as velhas séries. Criamos novas histórias, novos projetos , como minisséries e revistas mensais, inéditas e em cores: Fantasticman – Perdidos no Infinito é uma minissérie em cinco edições que conta a saga dos vulcanos. Capitão Savana virou Buana Savana e a Turma da Selva (revista mensal focada em ecologia). Todos são projetos de quarenta e oito páginas de miolo mais capas. Atualmente, estou negociando com alguns poucos editores que se mostraram interessados. A maioria das casas editoriais está com problemas. Piratas das Antilhas, série baseada em Piratas do Caribe da Disney, é um forte candidato para ser lançado em 2008, assim como Clube das HQs e Fantasticman. Novas séries também foram criadas, como Apache, O alienista (de Machado de Assis, em forma de quadrinhos), Cleófas, Esquadrão Atrúria etc. Produzimos muito nos últimos três anos. Ou vendemos ou lançamos em bancas ou livrarias pela Pégasus Publicações, minha nova empresa editorial.

Piratas das Antilhas

Lembro que você produzia anúncios de remédios para almanaques de farmácias em forma de quadrinhos. Ainda faz isso?
Infelizmente, não. Esse tipo de coisa não aparece sempre. Naquela época, fazíamos os anúncios, todo o Almanaque Sadol (concorrente do Biotônico Fontoura), além de criar para o Laboratório Catarinense, de Joinville, Santa Catarina, campanhas publicitárias. Lembra da “Abelhinha Melagrião”? Apareceu na Xuxa, no Gugu. Aquela campanha foi criada por nós, em 1990. O Wanderley Felipe criou a imagem do boneco e eu os textos da campanha. Adoro vender e criar textos.

Como você começou a fazer quadrinhos?
A extinta M&C editores, do Minami Keizi [desenhista brasileiro de ascendência japonesa, um dos pioneiros no estilo manga no Brasil], meu amigo até hoje, em 1972 ou 73, lançou um anúncio convocando novos autores. A gente mandava cinco páginas. Elas seriam avaliadas por gente como Ignácio Justo [desenhista que se especializou em quadrinhos de terror e de guerra], Edmundo Rodrigues [trabalhou como desenhista e chefe de arte em algumas das principais editoras do país (Bloch, RGE…)], Nico Rosso [desenhista já falecido, que ficou famoso por desenhar histórias com o personagem Zé do Caixão], e outros. Eles publicavam e um profissional refazia duas páginas e nos orientava. Depois, eu e o W. Felipe fizemos dez páginas de uma história de terror para a M&C, em 1973. Eu queria vendê-la. Mas, os caras acharam uma merda e nos mandaram estagiar na casa do Justo, que morava na Liberdade. Lá conhecemos muita gente boa. Meses depois, publicamos algumas histórias individuais, curtas, pela M&C. Os lápis eram dos novatos, a arte final era do Mestre. Devo muito a esse cara. No mesmo ano vendi um projeto para a Editora Saber: Sargento Bronca (meu primeiro personagem). A edição foi feita com o Wanderlei Felipe que desenhava um personagem dele, Espeto. De lá pra cá, nunca mais parei. Tive vários estúdios, editoras etc.

Fantasma Negro

Quantas revistas do Fantasticman e do Fantasma Negro foram publicadas? Pretende voltar a publicar esses personagens?
Deixe me ver… Ele saiu pela primeira vez em 1976 na revista Jogos & Diversões, que eu e o Felipe fazíamos para a Editora Noblet. Naquela época ele se chamava “Homem-Formiga?”. Devido ao homônimo americano mudei o nome. Creio que foram quatro revistas e seis almanaques. As primeiras revistas desses dois personagens saíram pela Editora Evictor, em 1982 (formatão, em couché, trinta e duas páginas). Depois, ambas saíram pela ETF Comunicação (minha primeira editora), em formatinho com sessenta e oito páginas.

Em 1989, Fantasticman saiu pela Editora Ninja (mini-série em três edições). Naquele ano também criei o Ninja Guerreiro, que também saiu pela Ninja. Em 1991, republiquei a mesma minissérie do Fantasticman, completa, no Almanaque Super Ação (formatinho com cento e trinta e duas páginas). O Ninja também saiu no Almanaque Aventura número 1. Ambos venderam bem! Repetimos a dose publicando mais dois almanaques 100% made in Brazil. Muitos colaboravam: Sebastião Seabra, Elias e outras feras. Eu tinha na gaveta uma história em quadrinhos antiga do Fantasticman feita pelo Bilau, desde 1973. Decidi lançá-la em 2003, na forma de minissérie (formatinho, trinta e duas páginas). O mesmo aconteceu com o Fantasma Negro, com desenhos de Salatiel de Holanda (no mesmo formatinho).

Também lançamos a revista Udigrudi, sátiras para adultos (uma versão tupiniquim mais sacana do MAD). Que foi um sucesso! Soltamos umas seis ou oito edições, com muitos artistas: Gilvan, Ramirez, Orlando Alves, Salata, Montadon, Cavalo (guitarrista da banda Velhas Virgens), Brito e outros. Estávamos empolgados! Nosso negócio era revistas-pôsteres de filmes (Robocop etc.) e rock (Guns N? Roses, Madonna etc). Elas vendiam bem! Subsidiavam as revistas em quadrinhos. Tínhamos problemas internos, e para piorar veio o impeachment do presidente Collor e as vendas despencaram. Fomos pro saco, literalmente! Vendas: 5%. Isto não pagava nem o custo operacional! Fechar foi problemático. Depois do fechamento,tive que administrar e pagar dívidas por um ano.

Quanto a voltar com esses personagens, bem… Fantasticman, sim! Fantasma Negro, nunca vendeu bem. O professor Gedeone Malagola ,o autor do Raio Negro [super-herói lançado em 1965,uma versão brasileira do Lanterna Verde da DC?] dizia que este era o meu melhor personagem.A série tinha como pano de fundo São Paulo, mas os leitores não gostaram da série. Como já disse, estamos, atualmente, negociando Fantasticman “Perdidos no Infinito” a série, e outras. Com a tecnologia atual, tudo ficou mais fácil! Antigamente, não existia Photoshop, Painter etc. Tudo era feito na raça! Os originais eram enormes! Sou um dos “Flintstones” da história em quadrinhos nacional.

Fantastic Man - Perdidos no Infinito Fantastic Man - Perdidos no Infinito Fantastic Man - Perdidos no Infinito Fantastic Man - Perdidos no Infinito

Já pensou em licenciar os personagens para brinquedos, camisetas ou coisa do tipo?
Estamos tentando fazer licenciamento para histórias em quadrinhos, das novas séries. Em 2007 visitei quase todas as editoras. Poucos estavam interessados em novos lançamentos. Motivo: vendas terríveis. Não foi um bom ano para o setor editorial. A própria Dinap (distribuidora da Abril) teve problemas internos. Surpreendentemente, depois que um grupo sul-africano comprou 33% das ações da Dinap terminamos 2007 com a Abril (Dinap) comprando a Fernando Chinaglia. Em 2008, haverá monopólio da distribuição no país. Isso é absurdo, principalmente, num país desse tamanho. Voltando ao licenciamento…na seqüência, pretendemos atacar no merchandising. Com o gibi nas bancas o tudo fica mais fácil. Empresas só apostam em personagens que vendem bem, que estão na mídia, que fazem sucesso ou que têm grandes tiragens.

Se os japoneses lançaram tantas séries de TV com super-heróis (Ultraman, Ultraseven, Spectreman…) por que não lançar um seriado do Fantasticman?
A idéia é boa! Há muito penso nisso. Já mandamos um projeto pra Brasília (Ministério da Cultura), pois precisamos de patrocínio, de recursos, mas a coisa é lerda. Também fui atrás de empresas (possíveis patrocinadoras). Mas, a Lei Rouanet não funciona. Os empresários a temem pois pode gerar uma auditoria por suspeita de superávit. É mole? A Petrobrás é do governo e ela é nosso próximo alvo. Se o filme não rolar, talvez a animação seja uma saída, pois o custo caiu muito após a era da informática, e a Cartoon Network pode ser a salvação. Mas, você sabe… neste país tudo é complicado, difícil! Vou morrer tentando! Juro! O Valdecir Camargo, dos comerciais dos aparelhos de TV Sharp, há ?séculos? vem produzindo um desenho animado de alto nível e até hoje não é reconhecido neste país. Se fosse nos Estados Unidos ele estaria rico e na TV. O Maurício de Sousa ralou muito e, por fim, entrou com a Turma da Mônica na Cartoon Network. Não foi fácil!

O Pequeno Ninja

João Costa tentou por duas vezes relançar o Pequeno Ninja, uma delas numa versão estilo “mangá”. Você recebeu royalties por isso?
Não. Eu e o Felipe vendemos os direitos do personagem em 1991 para o editor Fernando Mendes, ex-dono da Editora Ninja. Resumindo: A idéia do “Ninjinha” foi do Fernando. Ele encomendou para a gente o projeto. Pagou pelas artes, mas não pagou pra ter os direitos totais sobre nossa criação. O cara estava duro. O Estúdio Felipe & Fernandes praticamente ajudou a Editora Ninja a levantar vôo. Fazíamos naquela época uma porrada de produtos pra ele. O cara sempre foi correto com a gente. Então, fizemos um acordo de cavalheiros (de boca) pra explorar a coisa irmanamente (inclusive o merchandising).

Pedi para o amigo André Lima (fotógrafo e produtor da revista masculina Man, da Editora Escala) produzir o filme, a preço camarada. Fiz a veiculação na Rede Manchete, sem botar grana. Fizemos um “contrato de risco”. Na época eu fazia veiculação de comerciais para o Laboratório Catarinense. Assim, negociar com a TV, foi fácil. Tínhamos cinco inserções diárias no seriado Ninja Jiraya (um campeão de audiência na época). A editora lançou (na base do crédito) 250 mil exemplares. Vendeu cerca de 40 a 50%. Um fenômeno de venda, na época. O editor ficou pirado, “cresceu os olhos”, quis nos passar para trás. Registrou tudo no nome dele. Fiquei p… da vida. Entrei com advogado e íamos (na Polícia Federal) dar busca e apreensão na edição 2 (em todas as bancas do país).O editor pediu arrego e decidiu comprar o personagem. Pedimos uma grana legal. Ele topou. Vendemos para ele (tudo documentado).

Em 2007, o ex-dono da Editora Ninja, que faliu, através do João Costa vendeu os direitos para a Editora On-Line. O “Ninjinha” está na banca outra vez. É bacana saber que um personagem que ajudei a criar foi ressuscitado! Mas, as vendas já não são como antes. O mundo mudou. No final não houve ressentimentos. Tudo virou uma transação comercial de transferência de direitos autorais. Valeu!

Quanto à versão mangá… não gostei! Não é o nosso estilo. Mangá tem que ser original, na minha opinião. Outra coisa: Li o número da Editora On-Line e achei os roteiros fracos. Hoje, a mentalidade da garotada é outra. Todo mundo está antenado na WEB, em games e celulares. A grana ficou curta. Antigamente não existiam essas coisas. Hoje, criar um filho custa caro. Criei quatro filhas no passado. Não havia tanta coisa pra se gastar. Até os grandes cinemas do centro da cidade foram pro saco. A ?galera? quer ver DVD, em casa, em segurança. Depois, da Internet as vendas desabaram. Sabe quanto a Panini vende do Homem-Aranha? Oito mil exemplares! (N.E.: Números não confirmados pela Panini Comics) Isto é ridículo! Por isso os gibis ficaram caros. Tiragem pequena: preço lá em cima. No passado um gibi custava o mesmo que um jornal. Hoje os preços estão absurdos e por isso não vendem. Dos diversos gibis que faz, o Maurício chegou a vender cinco milhões de exemplares, mas suas vendas também despencaram. Todo o mercado sacudiu nos últimos quatro anos. Revistas como Veja e Playboy também sentiram o drama. No que tange aos quadrinhos parece que hoje temos poucos leitores no país dispostos a pagar quinze pratas ou mais por um gibi.

Almanaque Phenix

E aquele concurso de quadrinhos de super-heróis promovido pela Phenix? Teve vencedor?
A idéia não era fazer um concurso só para quadrinhos de heróis. Buscávamos encontrar novos talentos, de qualquer estilo. Apareceu muita gente fazendo heróis. Muita gente de talento, e já tínhamos até escolhido os vencedores (não era super-herói), porém, como já disse: fechamos as portas, com a crise de mercado. Foi uma pena. Acabamos frustrando todo mundo. Foi lamentável!

O que você achou do livro A Saga dos Heróis Brasileiros escrito por Roberto Guedes [editor de quadrinhos que já trabalhou na Ópera Gráfica e na Mythos/Panini]?
Não sabia que o meu amigo Guedes tinha lançado esse livro. Ando meio “desantenado” nos acontecimentos do mundo das histórias em quadrinhos. Conheci o Guedes no tempo da Phenix. Ele esteve várias vezes em minha editora, nos apresentou um herói criado por ele. Li, achei legal e acabamos comprando e publicando num dos nossos almanaques. Os desenhos, se não me engano, foram do Cláudio Rodrigues, um grande animador que fazia desenho animado, como free-lance, para a Disney americana. Muita gente nova e boa apareceu naquela época, como: Alex Cipriano, Fernando Aoki, Dario Chaves, Chicuta, Edde Wagner, Guedes, Rodrigo Reis, Mauro, meus alunos do curso de quadrinhos em Jundiaí (Ricardo e a turma), e outras feras. Não recordo todos os nomes, era muita gente. E, infelizmente, não guardei exemplares daquela época. Mas tenho fotolitos.

O que você acha do trabalho dos artistas brasileiros que desenham super-heróis para as editoras dos Estados Unidos?
A coisa começou quando o Hélcio de Carvalho [um dos donos da Mythos], saiu da Abril. O cara foi pros States e começou a agenciar a galera, que por falta de mercado no país, abraçou a idéia e faturou alguns dólares. Alguns se destacaram, outros, não. Não tenho nada contra essa turma, pois publicar seus próprios personagens aqui ou ?na América?, não é fácil. Acho que dei sorte, ou fui um bom vendedor. O pessoal tinha contas para pagar, precisava sobreviver. Acabaram realizando um antigo sonho: publicar nos Estados Unidos. Mas, a onda acabou. Na ?América?, enquanto sua revista vender você está por cima. Caiu a venda? Dançou! Aliás, isso ocorre em todo o mundo. Isto é comércio. Nenhum editor vai investir num artista que não vende. A duração de um artista lá fora é muito curta. Há muita concorrência. Todo mundo quer fazer Marvel e DC. Na real, os desenhistas americanos não querem fazer comics, acham que são mal-remunerados, preferem animações para a TV. Os gringos querem mão-de-obra barata e acabam pegando o que há de melhor pelo mundo (a preço de banana). Quem agenciou os brasileiros teve muita dor de cabeça, mas faturou alto. Mas,os desenhistas: duvido. Ninguém ficou rico. Outra coisa: pra fazer uma revista americana de 28 páginas o Hélcio tinha que juntar um monte de desenhistas. Um absurdo, mas é verdade: os brasileiros são lentos pra produzir. Americano quer produção e qualidade.

Formiga Atômica

Só pra você entender melhor: Anos atrás, produzi, através do estúdio Ely Barbosa [desenhista falecido em 2007, seu estúdio criou revistas em quadrinhos infantis para a RGE e Abril, mas ficou mais famoso pelos desenhos animados para comerciais de TV, dentre os quais, a ?festa das baratas? da DDDRIM], as séries Trapaleão e Formiga Atômica (da Hanna-Barbera) para a RGE, Rio Gráfica e Editora (atual Editora Globo). Veja, os desenhos animados estavam na TV, Faziam sucesso. Mas, nenhum americano tinha desenhado quadrinhos dessas séries. Então, a RGE fechou negócio com o Ely, que teve que reunir um bando de desenhistas pra poder dar conta do recado. Diariamente, eu e um monte de rabiscadores íamos à Viacom, na rua 24 de maio, no centro de São Paulo, para assistirmos esses desenhos. Ficávamos com pranchetas de mão tentando reproduzir Scooby-Doo & cia, no papel. Acho que nós, os brasileiros, fomos os primeiros a desenhar essas séries, em quadrinhos, no mundo. Eram muitos personagens. Trabalhávamos em equipe. Como fazem os americanos, lá. Em 73 trabalhei na Abril, divisão Disney. Tinha 15 malucos pra fazer o Pato Donald de 32 páginas Produção em série. Voltando ao Ely e os Hanna-Barbera… um fazia a história, o outro o lápis, o outro tinta, balões, letras etc. A DC e a Marvel trabalham nesse mesmo esquema, até hoje. No Brasil, a maioria dos desenhistas/autores faz tudo sozinho: escrevem, desenham,e ?outros bichos?. Acha que alguém consegue manter qualidade trabalhando assim? Fica difícil concorrer com os gringos. Nos Estados Unidos existe toda uma indústria voltada para abastecer o mundo de quadrinhos. Já há alguns anos a crise também chegou aos gibis americanos. A Marvel e a DC estavam quebradas. O que as salvou foi a venda de direitos para o cinema e TV.

Só para concluir: Por isso, nos últimos anos, re-avaliei meus velhos personagens, ciente de que tudo poderia ser melhorado. Reestruturei seus universos, escrevi novos roteiros e começamos a produzir, aos poucos. Mas, para fazer isso tive que ficar vivendo de publicidade etc. Hoje, conseguimos manter um alto nível, e acumulamos material. Tenho mais de três mil páginas de histórias em quadrinhos inéditas, prontas. A grande briga, agora, é vendê-las. Esta é a minha parte. Estou oferecendo o material para as editoras. Mas, não está fácil. Vivemos uma era de crise editorial, mundial. Poucos ainda curtem quadrinhos. Meus cinco netos são exemplos vivos, nenhum deles se liga em histórias em quadrinhos ou em desenho-animado. Eu é que me amarro no Pica-Pau etc. Outra coisa: o mangá emplacou por que era novidade e por causa da TV. Está faltando material novo no mercado. Disney e Maurício estão aí há séculos. Desculpe-me… alonguei-me demais… Espero, pelo menos, ter elucidado qualquer dúvida.

Você acredita que um dia encontraremos histórias em quadrinhos de super-heróis brasileiros nas bancas, concorrendo de igual para igual com as histórias em quadrinhos made in USA e made in Japan?
Espero que sim. Estamos lutando pra isso. O problema é que… os editores tupiniquins não acreditam muito nos autores nacionais, que têm fama de ?canistas?. Ou seja, não entregam o trabalho nos prazos . Assim os grandes editores preferem investir nas histórias em quadrinhos importadas, que custam mais barato:os americanos chegavam até a mandar o fotolito (em cores) pronto, quando ele custava uma grana preta no Brasil! O editor nacional mandava traduzir e fazer os balõezinhos. Fazer histórias em quadrinhos no país custa caro e não há garantia de venda. Nossos heróis não estão em mídia alguma. A Internet veio pra mudar as cosias, acredito, ela é uma forma nova de divulgação. Os comics são garantia de continuidade e muitas vezes já fizeram sucesso, ou estão no cinema e na TV. Os editores acreditam neles. Porém, muitas vezes esses personagens com mídia e tudo acabam não vendendo. Nem tudo o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. Por outro lado, os tupiniquins querem produzir pouco e ganhar muito! Não cumprem prazo e têm uma produção de merda! É uma classe desunida! O país precisa de um sindicato sério, da classe!

Fantastic Man

No tempo da Phenix criei os Almanaques pra gerar emprego para a classe. Pagávamos um bom preço por página. Entretanto, nenhum desenhista produzia aos montes, com qualidade. Tivemos que reunir uma equipe de cerca de 25 pessoas pra conseguir colocar as edições nas bancas. Gostar de histórias em quadrinhos é uma coisa. Desenhar por hobby é legal. Agora, produzir profissionalmente, com prazo pra cumprir (mantendo o mínimo de qualidade) pouca gente encara. Manter duas edições mensais da Udigrudi, por mês, foi um drama. A maioria aparecia com dez pagininhas (salvo raras exceções como Salatiel, Orlando Dias, Gilvan e Ramirez, que não pisavam na bola, nos prazos). Cada revista tinha cento e trinta e duas páginas. Dá pra imaginar o sufoco que era pra gente conseguir fechar cada edição? Os brasileiros produzem muito pouco. Depois reclamam que não existe espaço para seus trabalhos. Dá pra entender? Acham que história em quadrinhos é obra de arte! Quadrinhos são, simplesmente, um trabalho comercial como qualquer outro! Deveriam seguir o exemplo dos americanos, eles produzem “aos quilos”.  Comics na América é feito que nem pastel. Em síntese, para se ter produtos nacionais nas bancas é preciso ter produção. Cadê os autores nacionais? Cadê a produção? Ninguém tem material estocado? Ninguém investe em si mesmo? Só produzem aos trancos e barrancos.

Há alguns anos os mangás japoneses não tinham o mesmo sucesso que tiveram nas últimas décadas. Os caras batalharam muito, produziram para a TV, rabiscaram um ?zilhão? de histórias em quadrinhos e conquistaram seu espaço no mundo. Um exemplo de trabalho e perseverança para editores e desenhistas tupiniquins. Quando é que os brasileiros vão cair na real? Se você não acha editor a fim de investir no seu produto, por que não pegar um contador e abrir uma empresa editorial? Todos podem lançar seus próprios personagens. Mas, veja, poucos desenhistas tem coragem de virar editor. Meus amigos Franco de Rosa [jornalista e editor que atualmente trabalha na a Ópera Gráfica], Gilberto Firmino [editor da extinta revista Porrada Especial, publicação que trazia material estrangeiro pirateado e histórias nacionais], Paulo Hamasaki [desenhista veterano, um dos primeiros chefes de arte do Estúdio Maurício de Sousa] e João Tanno [da extinta Editora Tannos, primeira a publicar, no Brasil, a série Miracleman escrita por Alan Moore] são intrépidos desenhistas que se aventuraram a publicar. Pergunto: quem mais fez isto? Quem mais? Cadê a gente empreendedora desse país? Ninguém acredita em seu próprio produto? E o pior, criticam quem tenta fazer algo pela classe. Precisamos de gente com estudo, que saiba escrever ou desenhar, que tenham garra, que tenham produção e sejam profissionais, de verdade.

Doutora Ápia

O que chamava atenção nas antigas aventuras do Fantasticman e de outros heróis criados ou editados por você era uma certa pitada de erotismo. As mulheres tinham coxas grossas e bundas avantajadas, mais ao gosto do público masculino brasileiro. Acha que esse seria um diferencial que os editores deveriam aproveitar para tornar as histórias em quadrinhos brasileiras viável comercialmente?
Sem dúvida! Desenhei e escrevi milhares de páginas de histórias em quadrinhos eróticas (assinando ?Zanzibar?). Percebi que as histórias em quadrinhos eróticas sempre venderam. Quem é que não babava ao ver as gatas desenhadas pelo amigo Seabra (que assinava com o pseudônimo “Sebastião Zéfiro”) e Gilvan Lira (que assinava com o pseudônimo “Gilímeros”)? Mulheres sensuais atraem leitores, em qualquer parte do planeta, assim como o elenco feminino da Globo acabou conquistando a audiência dos marmanjos. Há alguns anos atrás, homem não queria assistir novelas “nem a pau”. A Globo insistiu e até hoje apresenta as gatas do seu cast com fortes apelos eróticos. Conclusão: acabou conquistando os barbados. Não é óbvio? Quem não baba com as atrizes globais como Juliana Paz e outras? Mas, tem gente que ainda não caiu a ficha! Leitores (ou audiência) se conquistam com periodicidade, insistência, qualidade e apelos sensuais. Até a publicidade usa este artifício. As cervejas estão associadas a mulheres gostosas, por quê? Por isso, tenho, também, investido em criar novas séries com heroínas femininas, gostosíssimas, como Apache ? um western diferente. A índia vingadora esbanja sensualidade em trajes sumários. Cleófas segue a mesma linha de pensamento e a nova Doutora Ápia (de Fantasticman) ficou ainda mais sexy na nova versão. As histórias em quadrinhos tupiniquins precisam ter algo que as diferencie do material importado, para conquistar seu público.

Buana Savana

Na sua opinião, você se destacou mais com histórias em quadrinhos de qual gênero: super-heróis, infantil, cômico, erótico ou humor?
É difícil dizer… fizemos tantos estilos diferentes. Outro dia, alguém me perguntou ?Você ainda faz o Inspetor Pereira? Veja, o Inspetor foi publicado em mais de 50 jornais do país, ficou popular; por outro lado o Capitão Savana (que virou Buana Savana) foi publicado durante cinco anos na Editora Noblet, na revista Akim [série de quadrinhos italianos sobre um herói da selva no estilo Tarzan, mas com histórias ambientadas na Índia. Foi publicada no Brasil durante anos.] Fantasticman agradou a ?galera?. Também fiz ?de porrada? revistas infantis (para colorir) e quadrinhos eróticos. A Bloch Editores publicava Os Tortugas (uma série cômica) na revista Angélica [baseada na famosa apresentadora de programas infantis]; ainda pela Bloch, eu e o Hamasaki fizemos Os Trapalhões e Trapa-Suat. Confesso que não sei em que me destaquei. Os leitores da época devem saber a resposta. Mas, alguns personagens foram marcantes, acredito.

Muito obrigado pela entrevista! O que você gostaria de dizer aos que acompanharam seus quadrinhos ou àqueles que estão descobrindo seu trabalho lendo esta entrevista?
Só me resta agradecer à vocês pela oportunidade de falar para a galera das antigas e aos jovens amantes das histórias em quadrinhos, pois raras vezes podemos expressar nossas idéias. Aos jovens que desejam fazer quadrinhos neste país, fica aqui o meu incentivo: Pessoal, precisamos de sangue novo. Precisamos de produção, de material de qualidade, de planejamento e de bons vendedores que apresentem os novos projetos aos editores e convença-os a investir.

Apache

Um profissional consciente de quadrinhos só pode vender seu material depois que tiver, no mínimo, três edições prontas na gaveta ou em CD, DVD ou computador. Isso dá garantia de continuidade aos editores, credibilidade para a classe e impede que o material da próxima edição seja feito às pressas, ?nas coxas?. Precisamos manter o nível, um padrão internacional. Tudo o que fiz no passado, hoje não me agrada. Sou ciente de que fiz tudo ?na pauleira?. Mas, daqui pra frente garanto que os Estúdios Pégasus agora tem um material de alto nível, com bons desenhos e bons roteiros. Convém lembrar:o roteiro corresponde a 90% de uma história em quadrinhos. Os desenhos são apenas um atrativo. Do que vale um grande elenco cinematográfico, com um roteiro de merda? O ideal é juntarmos um bom roteiro comum bom desenho. Esse país precisa de bons argumentistas e redatores, para o cinema, a TV, o rádio e as histórias em quadrinhos. Sabe qual era o drama pra se produzir quadrinhos Disney no Brasil? Tínhamos poucos bons roteiristas. Cadê os roteiristas desse país? Temos ótimos desenhistas, mas poucos sabem escrever.

Aos que leram esta entrevista, por que gostam de quadrinhos, fica o recado: Prestigiem as histórias em quadrinhos do seu país. A gente chega lá. Talvez, não a minha geração, mas, sim, as futuras. Elas vão acabar colhendo os frutos dessa nossa luta maluca por espaço, aparentemente, insana. Mas, para mim, está valendo a pena.

Entrevista que fiz com o Herb Trimpe

Esta entrevista foi publicada originalmente no meu antigo blog, o Quadrinhos ao Quadrado, em dezembro de 2005, e também no número 26 da Wizard Brasil em fevereiro de 2006. Herb Trimpe faleceu em 13 de abril de 2015.

Imagine o que é trabalhar como desenhista para uma das maiores editoras de quadrinhos do mundo. Imagine, agora, o que é ficar desempregado, após 29 anos de serviços prestados para essa editora; no caso, a poderosa Marvel. Pois foi justamente por isso que o artista Herb Trimpe passou, então com 56 anos de idade e dois filhos ainda na faculdade.

Trimpe trabalhou na Marvel de 1967 a 1996, e ficou famoso por ter desenhado várias histórias do Hulk, a maioria delas publicada na década de 1970 — inclusive uma de importância histórica: a primeira aparição de Wolverine, antes do popular mutante se tornar membro dos X-Men. Trimpe também desenhou o Hulk para uma capa da Rolling Stone, a prestigiada revista de rock (nenhuma relação com a banda Rolling Stones). Isso aconteceu em setembro de 1971, e primeira vez em que um herói da Marvel aparecia na capa da revista. Trimpe começou a trabalhar na Marvel em 1967, após servir um ano na força aérea norte-americana, no Vietnã, e freqüentar três anos a School of Visual Arts, famosa escola de arte de Manhattan.

Além do Hulk, desenhou histórias dos Defensores; antigo grupo de heróis da Marvel, doqual o “gigante esmeralda” também chegou a ser membro. Na década de 1980, Trimpe também desenhou uma minissérie do Homem-Máquina, com arte-final de Barry Windsor-Smith (no Brasil, os capítulos dessa minissérie foram publicados pela Abril na extinta revista Heróis da TV), e as séries Transformers e Comandos em Ação (ambas publicadas no Brasil pela Editora Globo).

Muitos leitores talvez torçam o nariz para os desenhos de Trimpe, por julgarem o seu estilo ultrapassado, mas não pode ser desprezado o fato de que ele foi um dos artistas que mais contribuiram para que a “Casa das idéias” se tornasse a potência que é hoje no mercado mundial de quadrinhos. Afinal, embora não tenha sido o primeiro artista a desenhar o Hulk, feito que coube ao “rei” Jack Kirby, foi Trimpe quem ajudou a definir o personagem. Vale lembrar que, na década de 1970, depois do Homem-Aranha, o personagem mais popular da editora era justamente o “verdão” (naquela época, os X-Men ainda estavam longe do sucesso de hoje).

Depois de sua trajetória pelos quadrinhos, Trimpe dedicou-se a outras atividades, dentre elas, a de professor de Artes para estudantes de sétima série, e de voluntário para encontrar e socorrer sobreviventes do atentado contra as Torres Gemêas, ocorrido no fatídico 11 de setembro de 2001. Nesta breve entrevista por e-mail, Trimpe falou um pouco da sua passagem pela Marvel.

Qual é a sua ocupação atual?
Eu não tenho um trabalho regular no momento. Eu faço principalmente trabalhos por encomenda, e escrevo alguma coisa. Escrevo mais por diversão. Eu adoro escrever, e sou autor de um livro que foi publicado por uma editora pequena, a Big Apple Vision. O livro é baseado num diário de quando eu estava trabalhando como voluntário no Nível Zero [a área destruída no atentado do 11 de setembro], em Manhattan. O título do livro é The Power of Angels[O poder dos anjos].

Você desenhou a primeira aparição de Wolverine. Você também foi responsável pelo design do personagem?

Você pode dizer que eu o trouxe [Wolverine] para a vida no último quadrinho da revista The Incredible Hulk, número 180, e de novo no número seguinte, mas eu não criei o visual do personagem. Foi John Romita sênior quem desenvolveu o seu visual, junto com o roteirista [Len Wein].

Você desenhou muitas histórias do Hulk. Você se lembra de personagens, incluindo inimigos do Hulk, que você ajudou a criar?
Não me lembro, mesmo. Houve muitos personagens secundários criados para várias das edições do Hulk em que trabalhei, mas não consigo me lembrar de todos. Dois personagens que logo me vêm à mente são Jarella, que fiz com [o roteirista e durante muitos anos editor na Marvel] Roy Thomas, e um personagem chamado Night Crawler. O Bi-Beast foi outro, mas todos eles foram criados em parceria com algum roteirista; que geralmente vinha com a idéia. Uma idéia que foi totalmente minha, uma das poucas, foram os Caça-Hulk, e a base de operações deles.

O que você acha do velho seriado de TV do Hulk, estrelado por Bill Bixby e Lou Ferrigno? E do filme dirigido por Ang Lee e estrelado por Eric Bana?

Eu gostava da velha série de TV, mas não posso dizer que assisti muitos episódios. Eu encontrei Lou Ferrigno certa vez, numa convenção de quadrinhos, e o sujeito era enorme. Mãos do tamanho de bandejas. Quanto ao filme, acho que ele funciona para o público em geral, mas do ponto de vista de um fã, acho que não foi assim memorável. Não é o Hulk que eu conheci nos quadrinhos.

Como você começou a trabalhar na Marvel?

Eu tive um amigo que era o chefe no departamento de produção, John Verpoorten. Eu o conhecia desde que freqüentávamos a escola de arte. Quando saí da Força Aérea, em 1966, ele abriu o caminho para que eu conseguisse um trabalho no departamento de produção da Marvel.

Na sua opinião, quais eram as principais diferenças da Marvel, a da época em que você começou e a do último ano em que você trabalhou lá?

No começo, era como fazer parte de uma família. No fim, nós, criadores, éramos apenas mais uma engrenagem na roda da corporação. Tudo muito impessoal, muito seco. Não muito divertido.

A Marvel lhe pagou alguma aposentadoria ou seguro-desemprego?

Nenhuma aposentadoria, mas pude receber o seguro-desemprego; o que foi muito útil, quando voltei a estudar. Na época em que eu estava conseguindo o meu diploma de mestrado, e o meu certificado de licenciatura [Trimpe tem um diploma de bacharelado em Artes e um mestrado na área de Educação pela Faculdade Empire State da Universidade do Estado de Nova York].

Você trabalhou muitos anos na Marvel. Você chegou a trabalhar para outras editoras?
Não, mas eu fiz um pequeno trabalho para a Dark Horse, no ano passado. Acho que foi uma capa. Não me lembro.

Você é um especialista em desenhar equipamentos militares. Aviões, especialmente. Isso tem alguma relação com a sua experiência no Vietnã, ou é um interesse anterior?
Nada a ver com o Vietnã. Foi o resultado de um interesse anterior, que tem a ver com meu entusiasmo por História, e o meu amor por aviação. Eu tenho uma licença de piloto, e, durante alguns anos, fui proprietário de um avião.

Quais são os seus quadrinhos favoritos?
Uma pergunta difícil , porque eu não comprava muitos quadrinhos, nem li muitos deles. Quando era criança, eu gostava dos quadrinhos Disney, e, depois. na época do ensino médio, eu era louco pelos quadrinhos da EC [editora famosa na década de 1950 por seus quadrinhos de terror, a mesma de onde surgiu a revista MAD]. Eu pegava emprestado de um amigo que os comprava regularmente.

Quais são seus artistas de quadrinhos favoritos?
Dois Jacks. Jack Kirby e Jack Davis [artista que trabalhou em todas as revistas da EC, inclusive na MAD].

Quais são seus roteiristas favoritos?

Como trabalhei com vários roteiristas, e convivi com eles profissionalmente, é impossível apontar um escritor favorito, especificamente. Todos faziam o trabalho deles e, enquanto as revistas estavam vendendo, todos eles eram os meus favorito

Na sua opinião qual é o arte-finalista que melhor finalizou seus desenhos?

Novamente: ao trabalhar com profissionais, eu achava que cada arte-finalista tinha alguma coisa de especial para contribuir com a revista. Eu nunca pensei em favoritos quando estava trabalhando. Cumprir prazos eram o objetivo principal. Tudo que me importava era isso: se conseguiríamos entregar a revista no prazo. Dito isso, sendo um antigo fã da EC, eu fiquei entusiasmado quando John Severin finalizou meus desenhos. Eu tive o prazer de encontrá-lo, e de conversar com ele pelo telefone umas duas vezes. Ele era um grande sujeito. Agora, é este fã falando agora.

A religião influenciou seu trabalho de alguma forma [Trimpe também é capelão da igreja episcopal no St. John´s Memorial em Ellenville]?
Apenas quando eu rezava a Deus para receber o pagamento e conseguir outro serviço.

Você desenhou uma pin-up do Escapista, inspirada no estilo das capas dos gibis de super-heróis da “Idade de Ouro” [do fim da década de 1930 a parte da década de 1940]. Como alguém que já trabalhou para uma editora de quadrinhos, o que você achou do livro de Michael Chabon [As aventuras de Kavalier e Klay]?

É divertido trabalhar com estilos diferentes. Eu fiz a capa e Michael gostou muito. O trabalho dele? Espetacular! É tudo o que posso dizer.

Você escreveu um livro e alguns contos. Você já pensou numa carreira literária? Você pensa em escrever e ilustrar um livro?

Eu pensei nisso por um ou dois segundos, mas eu gosto de escrever mais por diversão. Eu passei seis meses tentando conseguir um agente para um livro para jovens que escrevi, e como era uma verdadeira droga, fracassei. Fiquei cansado de tentar vender eu mesmo, de convencer alguns estranhos de que eles deveriam comprar meu trabalho para que eu ganhasse algum dinheiro. Em vez disso, decidi ser pobre — o que eu não sou, mas é o que decidi nesse caso.

Você pretende voltar a desenhar quadrinhos ou criar seus próprios personagens?
Não. Isso não está nos planos. Eu tenho outros interesses agora, com os quais estou me ocupando. E espero que sejam o bastante para eu seguir em frente.

O site oficial de Herb Trimpe é:

http://herbtrimpe.com/

Túlio Vilela entrevista o desenhista Joe Staton

Entrevista publicada originalmente em 24 de outubro de 2006 no site Fanboy
Agradecimentos especiais a Steve Englehart, que tornou possível a entrevista.

Jason Staton

Mais uma vez, o Fanboy consegue uma entrevista exclusiva com um artista estrangeiro. Agora, com um veterano que, felizmente, parece estar longe da aposentadoria. Está tão ativo quanto anos atrás, no início de sua carreira.

Estamos falando de Joe Staton, artista famoso por seus trabalhos para várias editoras norte-americanas, especialmente a DC, para a qual desenhou, durante muito tempo, histórias do Lanterna Verde. Experiente e prolífico, Staton é também versátil, a exemplo de sua adaptação para quadrinhos de Scooby-Doo (atualmente publicado no Brasil pela Panini).

Nesta entrevista, o artista gentilmente respondeu por e-mail a uma variedade de perguntas. Uma verdadeira aula de quadrinhos, pode-se dizer; tanto de sua História, da qual Staton é integrante e testemunha, quanto de como se fazer quadrinhos, na qual os artistas aspirantes certamente encontrarão conselhos valiosos.

Qual é o seu trabalho mais recente?
Eu continuo fazendo Scooby-Doo para os gibis da linha Cartoon Network, da DC. Tenho ilustrado vários livros de atividades e para colorir do Batman, e dos Novos Titãs para a Scholastic e outras editoras. Nick Cuti e eu estamos atualmente finalizando uma edição especial de E-Man, que será lançada pela Digital Webbing, em setembro, e reapresentará a origem do herói e o elenco de personagens da série [E-Man é um herói alienígena com poderes semelhantes aos do Homem Borracha, e que já foi publicado por diversas editoras nos Estados Unidos. Suas aventuras são caracterizadas pelo humor e tom de paródia].

Scooby-Doo no traço de Staton

Scooby-Doo no traço de Staton Além disso, Chris Mills e eu estamos trabalhando numa minissérie da Femme Noir, estrelada pela personagem de nossos quadrinhos na Internet. Femme Noir está sendo arte-finalizada pelo excelente artista argentino Horacio Ottolini, que criou um visual bem atraente e soturno. Essa série está com previsão para ser lançada no verão norte-americano de 2007.

Muito antes de se tornar artista profissional, você teve algumas cartas publicadas em revistas da DC. Você se lembra do que escreveu nessas cartas? Acha que a sua publicação o motivou a tentar uma carreira nos quadrinhos?
Tive cartas publicadas nas revistas Green Lantern [Lanterna Verde], JLA, e Forbidden Worlds; que, se não me engano, era um gibi da ACG [sigla de American Comics Group, uma editora norte-americana que publicou quadrinhos de 1941 a 1967]. Minha primeira carta saiu em Green Lantern, quando eu tinha vinte anos de idade, e estava tentando parecer muito perspicaz e analítico. Isso foi importante para mim, porque me fez perceber que eram pessoas de verdade quem faziam quadrinhos. Se elas faziam, eu também podia.

Julie Schwartz foi o primeiro dos “fazedores de quadrinhos” que eu conheci de verdade [“Julie” era o apelido de Julius Shwartz, editor da DC, responsável pela reformulação dos quadrinhos de super-heróis na editora, nos anos 1950, dando início à “Era de Prata”, faleceu em fevereiro de 2004]. Anos depois, eu disse a Julie que ele tinha um monte de perguntas para responder.

O trabalho de Chester Gould foi forte influência

Quais são os artistas que você considera como os que mais influenciaram no seu estilo?
Eu sempre fui influenciado por Chester Gould [criador da tira de jornal Dick Tracy, que conta as aventuras de um detetive de Chicago] e Al Capp [criador da tira humorística Lil Abner, conhecida no Brasil como Ferdinando, ou Família Buscapé]. As coletâneas de velhas histórias da revista MAD, que saíram nos anos 1960, também me influenciaram bastante.

Jack Davis e Will Elder, especialmente. Gil Kane e Steve Ditko também exerceram grande influência sobre mim, desde os tempos Hopalong Cassidy [um gibi de faroeste] e The Mysterious Traveller [um gibi de terror e mistério que publicou várias histórias de Ditko]. Depois, eu trabalhei para Gil, fazendo layouts; uma influência direta e maior. Jim Aparo [artista que desenhou várias histórias do Batman] foi outra influência importante.

Você colaborou em fanzines? Você acredita que fanzines ou publicações amadoras ainda são uma boa maneira de artistas aspirantes mostrarem seu trabalho para editores profissionais?
Eu fiz pouca coisa para fanzines de quadrinhos, e um monte de trabalhos para fanzines de ficção científica. Eu colaborei um pouco no fanzine de quadrinhos Fantasy Illustrated (depois rebatizado Graphic Story Magazine), editado por Bill Spicer. Bill foi importante para mim, porque ele foi a minha primeira fonte de informação sobre como quadrinhos de verdade eram realmente produzidos. Mais uma vez foi o conhecimento de que pessoas reais faziam quadrinhos, e como os quadrinhos de verdade eram produzidos.

Eu devo muito a Bill por isso. Eu era muito ativo na área de fanzines de ficção científica e publiquei meu próprio fanzine, Invader, para a SFPA, uma apa [sigla de amateur press association (associação de imprensa amadora); ou seja, um grupo de editores de fanzines] do Sul dos Estados Unidos. Fiz muitas capas e ilustrações internas para os fanzines Odd, editado por Ray Fisher, Loki, editado por Dave Hulan, e Yandro [vencedor de três prêmios Hugo, o “Oscar” da ficção de científica, na categoria de melhor fanzine], editado por [Robert] Coulson [falecido autor de livros de ficção científica]. É possível que, atualmente, eu seja a única pessoa nos quadrinhos cujo estilo foi em grande parte desenvolvido para atender às necessidades de desenhar em estêncil; para mimeógrafo.

Staton autografando um exemplar de Space:1999

Você freqüentou alguma escola de arte ou faculdade?
Sim. Eu freqüentei a Murray State College, no Kentucky, e tenho um diploma em Belas Artes. O curioso é que a maioria das aulas era de História da Arte, mas meu certificado é, na verdade, uma espécie de diploma de pedagogia; apesar de eu nunca ter tido aulas dessa matéria. Depois, matriculei-me na Hunter College, em Nova York, onde consegui meu primeiro trabalho nos quadrinhos, e deixei de lado os estudos de História da Arte.

Como e quando você estreou profissionalmente nos quadrinhos?
Eu fiz alguma coisinha para a Warren [editora que publicava as revistas de terror Creepy e Eerie, cujo material foi publicado no Brasil pela revista Kripta], mas eu considero que meu primeiro trabalho de verdade foi uma história para o gibi The Many Ghosts of Doctor Graves, para a Charlton [editora onde foram publicadas as primeiras histórias do Questão e do Capitão Átomo; antes dos direitos dessas personagens serem vendidos para a DC] em 1970. Consegui o trabalho na época da minha lua de mel. Ainda estou trabalhando. E ainda estou casado.

Você trabalhou na, hoje extinta, Charlton Comics. É verdade que essa editora pagava muito menos que as outras editoras norte-americanas da época? Quais as outras diferenças da Charlton em relação às outras?
Sim. A Charlton me pagava 24 dólares por uma página desenhada, finalizada e letreirada, enquanto outras editoras estavam pagando 30 dólares apenas pelo desenho a lápis. A Charlton imprimia seus quadrinhos em sua própria gráfica. Usava um papel muito barato, e um sistema muito, muito básico, mesmo, de separação das cores. A verdade é que a Charlton publicava quadrinhos apenas para manter sua gráfica funcionando, entre os intervalos da impressão de revistas de música para adolescentes. Era mais barato manter as prensas imprimindo alguma coisa do que desligá-las.

Femme Noir

O que você se lembra da época em que trabalhou para a Warren? Você prefere desenhar para revistas em tamanho grande, e em preto e branco, ou para gibis coloridos?
O que eu mais me lembro, principalmente, é que Jim Warren [dono da editora] era um tipo muito estranho para se trabalhar. Seu editor era Billy Graham, e Billy não queria ter mais de uma pessoa no escritório por vez. Então, se eu aparecesse mais cedo, tinha que ficar sentado no estacionamento, ou coisa parecida, até que chegasse a hora de entrar. Naquela época, eu realmente não sabia como fazer, sozinho, quadrinhos em preto-e-branco. Só aprendi isso quando estava fazendo a arte-final de Elfquest para Wendy Pini. Foi um verdadeiro aprendizado ver como ela usava sombras e texturas.

Com a chegada da colorização por computador, penso que a maioria dos quadrinhos de hoje exageram nas cores e detalhes. Por isso, para admirar a arte, é muito mais prazeroso ver um bom trabalho em preto e branco. Horacio, que está fazendo a arte-final da minissérie Femme Noir, domina totalmente o uso do preto e branco. Ele finalizou uma história do Batman para a linha Elseworlds [no Brasil Túnel do tempo], que eu desenhei para Archie Goodwin. Ficou espetacular. Tanto que mesmo a colorização que recebeu era quase uma distração.

A maioria dos leitores associa seu trabalho aos gibis da DC. Você nunca trabalhou para a Marvel?
Para a Marvel, eu fiz a arte-final do gibi dos Vingadores, então desenhado por Sal Buscema, e para o gibi do Hulk, à época desenhado por Herb Trimpe; depois por Sal, em meados dos anos 1970. Eu fui para a DC porque eu não estava conseguindo nenhum trabalho como desenhista na Marvel, e não queria ser apenas arte-finalista. Eu já havia feito trabalhos completos para a Charlton, lápis e nanquim, e queria conseguir o mesmo em outro lugar.

A Morte de Batman

Você desenhou para a DC uma história clássica: a morte do Batman da Terra-2 [detalhe: história publicada antes da minissérie Crise nas Infinitas Terras. O Batman da Terra-2 teria iniciado sua carreira em 1939, se casado com a Mulher-Gato, com quem teve uma filha, a Caçadora, que seguiu a carreira de combate ao crime após Bruce Wayne aposentar o uniforme do Homem-Morcego]. Quem decidiu matar o Batman naquela história: o roteirista ou o editor? Você gostou de desenhar essa história?
Eu não tenho certeza, mas acho que foi o editor Joe Orlando quem teve a idéia. Lembro-me que Mike Barr [roteirista de Camelot 3000] era o co-editor na época, e ele ficou furioso com aquilo, gritando para Joe algo como “Você está doido… Não pode deixar que um vilãozinho qualquer mate o Batman!” Houve alguns bons momentos na história, em especial, o em que a Caçadora encontra o pai dela, o Batman, sendo morto em serviço.

Você ajudou na criação da Caçadora?
Sim. Estive envolvido nas duas versões da Caçadora. A Caçadora da Terra-2 surgiu quando o arte-finalista Bob Layton sugeriu um contraponto feminino para a Poderosa [que era prima do Superman da Terra-2] na Sociedade da Justiça. Paul Levitz criou a história da origem dela, com a ajuda extra do colorista Tony Tollin, que introduziu o elemento-chave; o fato de a Caçadora ser filha do Batman e da Mulher-Gato.

Com isso em mente, eu criei o visual dela, com uma boa dose de envolvimento do editor Joe Orlando. A Caçadora atual, que aparece na série Birds of Prey, foi criada por Joe Cavalieri e eu, com freqüente supervisão do editor Andy Helfer.

Você desenhou muitas histórias do Lanterna Verde, escritas por Steve Englehart. Existem muitas diferenças entre trabalhar com outros roteiristas e trabalhar com Steve?
Com Steve eu nunca sabia em que direção ele estava levando a história. Com outros roteiristas, mesmo aqueles excelentes, dentre os quais, Marv Wolfman, Len Wein ou Mike Barr, desde que compreendesse a base do argumento, eu geralmente podia prever para que direção eles estavam indo. Com Steve, eu nunca pude prever. Talvez isso somente signifique que nem mesmo Steve sabia para onde suas histórias estavam indo. Mas, para mim, que jamais fiquei entediado em qualquer trabalho com Steve.

Lanterna Verde

O que você prefere quando está desenhando um gibi: roteiros muito precisos ou aqueles que dão maior liberdade ao artista?
Eu já desenhei um gibi de vinte e duas páginas, a partir de um roteiro com cento e dez páginas de descrições muito rígidas do que deveria aparecer em cada quadrinho, e já desenhei um gibi inteiro a partir um parágrafo escrito num guardanapo na hora do almoço. Então, eu consigo trabalhar em ambos os casos. O melhor roteiro que já vi foi feito por Archie Goodwin, quando eu fazia layouts para Gil Kane. Nós fizemos uma edição de aniversário do Homem-Aranha, em que apareciam todos os arquiinimigos do herói. Cada parágrafo era uma página, cada frase, um quadrinho. Não havia uma palavra desnecessária sequer, mas tudo que eu precisava estava ali. Maravilhoso!

Entretanto, existe um tipo de roteiro que eu odeio. Eu chamo de “quem-fica-onde”. É quando o roteirista, que visualizou tudo minuciosamente, chega a ponto de insistir, de dizer a você, quais personagens estão de pé, à direita da porta, e como seus dedões do pé estão apontados, e para onde. Em alguns casos, um roteiro como esse não é apenas impossível de ser desenhado. É também impossível de ser lido.

Hoje em dia, muitos leitores e, mesmo, alguns artistas, parecem pensar que quanto mais detalhado for um desenho, melhor ele será. O que você pensa dessa “filosofia”? Existe alguma “ditadura” no mercado de quadrinhos que exija que a arte de todo gibi seja “foto-realista” ou coisa parecida?
Algumas vezes, mais detalhado significa apenas que foi trabalhado com mais traços, e isso é o extremo oposto do foto-realismo. Jim Lee [que coloca muitos detalhes nos seus desenhos] e Alex Ross [que faz um trabalho foto-realista autêntico] são muito populares, e muito diferentes entre si. Às vezes, nem os fãs, nem os editores, sabem do que eles realmente gostam, indiferentemente do dizem.

Caçadora

Sua narrativa visual é muito boa. Quais dicas de narrativa visual você daria aos artistas aspirantes?
O espaço que as figuras ocupam deve parecer tridimensional. Tenha em mente onde você precisa estar num espaço tridimensional para ver o movimento chave que conta a história. Desenhe a partir desse ponto de vista: o plano em que aparece a cena. Observe os trabalhos de Joe Kubert. Observe os trabalhos de Gil Kane.

Você trabalhou como diretor de arte na editora, hoje extinta, First Comics [que publicava títulos como American Flagg e Badger, já lançados no Brasil pela Cedibra e pela Abril]. Por favor, comente algo a respeito dessa experiência.
First Comics? Bem, eu sobrevivi a isso. E espero nunca mais passar de novo pela mesma coisa. Numa visão otimista, foi extremamente instrutivo. Houve época em que eu era provavelmente a única pessoa trabalhando nos quadrinhos que podia afirmar que tinha experiência em todas as etapas de produção de um gibi; desde gerar o conceito inicial de uma história a descarregar a caminhonete, e entregar os gibis na loja.

Nos últimos anos, você desenhou muitos gibis baseados em desenhos-animados (Superman Adventures, Batman Adventures e Scooby-Doo). Você tem alguma experiência na área de animação?
Eu me envolvi com animação apenas recentemente. Eu passei storyboards a limpo para a série das Tartarugas Ninjas, na temporada passada. Meu trabalho com quadrinhos no estilo animated apareceu porque eu posso pegar um estilo já existente, sem que questões do meu próprio estilo se tornem um problema.

E-Man

O que você mais gosta de fazer: páginas a lápis para a arte interna ou a pintura de capas?
Eu não me sinto realmente à vontade com capas. Eu penso em termos de uma imagem após outra, para contar uma história. Fazer uma única imagem para servir de sumário para uma história não é algo fácil para mim. Não tenho paciência para pintar. Não gosto de passar muito tempo me concentrando numa única imagem.

Como surgiu o E-Man? Ainda é publicado?
Nick Cuti veio com a idéia do E-Man quando ele trabalhava na redação da Charlton, e temos trabalhado nele desde então, com idas e vindas, no decorrer dos anos. Como já mencionei antes, haverá uma nova edição especial do E-Man, que será lançada pela Digital Webbing em setembro deste ano. Se der certo, esperamos fazer outras.

Alguns artistas são os favoritos entre os fãs [exemplo: Jim Lee] e outros são favoritos entre os artistas [exemplo: Alex Toth]. Na sua opinião, o que explica essa diferença? Para você, quem são os grandes mestres na arte dos quadrinhos?
Quando você entra em contato com as obras de Carl Barks [criador do Tio Patinhas] e Will Eisner [criador do Spirit], é difícil imaginar quem são os atuais mestres do meio. Eles apenas tinham histórias para contar; que casaram totalmente com suas habilidades artísticas. Isso não acontece com freqüência, mas com a ascensão atual das graphic novels, nós podemos ver mais disso.

Senhor Staton, muito, muito obrigado por essa entrevista. O que você gostaria de dizer aos seus fãs brasileiros?
Obrigado pelo interesse. Eu passei umas férias no Rio em 1969, e espero voltar lá um dia desses. Depois, talvez, que eu voltar de uma visita a Horacio Ottolini, em Buenos Aires. É na mesma vizinhança, certo?

Túlio Vilela entrevista o roteirista Steve Englehart

Entrevista publicada originalmente em 29 de agosto de 2006 no site Fanboy

Steve Englehart

Os leitores mais velhos provavelmente já viram o nome dele, Steve Englehart, nos créditos de várias histórias. Quem acompanhava os títulos de super-heróis Marvel/DC em formatinho da Editora Abril, nos anos 1980, certamente já leu pelo menos uma história escrita por ele. Estamos falando de um dos mais experientes e prolíficos roteiristas de quadrinhos de super-heróis. Ele já escreveu histórias do Batman, Lanterna Verde, Doutor Estranho, Capitão América, Vingadores e praticamente de quase cada herói da Marvel e da DC.

Nascido em 22 de abril de 1947, na cidade norte-americana de Indiana, no estado de mesmo nome, é casado, pai de dois filhos e, além do inglês, domina os idiomas francês, espanhol e alemão. Estreou nos quadrinhos em 1971, trabalhando como assistente do desenhista Neal Adams na revista Vampirella, publicada pela extinta editora Warren.

Além de quadrinhos, ele também escreveu romances, roteiros para cinema e televisão, e videogames (projetando jogos para a Atari e outras companhias). Entre seus trabalhos em outras áreas podemos destacar episódios dos desenhos-animados de Street Fighter e Comandos em Ação. Uma de suas criações, o super-herói Night Man, que era publicado pela editora norte-americana Malibu, ganhou um seriado de TV, exibido no Brasil pelo SBT com o nome de O Homem Elétrico).

Nesta entrevista por e-mail, Englehart falou do início de sua carreira nos quadrinhos, de política, do seu trabalho nos quadrinhos e em outras áreas, dos personagens que criou, e muitas outras coisas. Também ficamos sabendo que, diferente do que demonstram outros roteiristas norte-americanos, Englehart sabe que o idioma falado no Brasil é o português e não o espanhol.

Ryu e Ken em Street Fighter

Você tem diploma universitário?
Sim. Eu sou bacharel em Psicologia.

O que você considera mais importante para um roteirista: escolaridade, talento ou experiência no mundo real?
Talento e experiência são essenciais. A educação é um complemento.

Como você se tornou assistente de Neal Adams em Vampirella e decidiu se tornar um roteirista profissional?
Eu queria ser desenhista, e admirava a arte de Neal. Então decidi procurá-lo e perguntei se eu podia me tornar seu assistente. Ele foi bastante gentil em me aceitar. Infelizmente, eu não era um artista bom o suficiente para agradar a mim mesmo, e, por isso, quando apareceu uma chance para ser escritor eu a agarrei. E descobri que gostava de escrever.

Muitas vezes, você incluiu temas políticos em seus quadrinhos. Por exemplo, a sua fase na revista do Capitão América que refletiu o escândalo Watergate [escândalo ocorrido em meados dos anos 1970, em que foi descoberta a invasão e espionagem de membros do Partido Republicano, do então presidente norte-americano Richard Nixon, num comitê do Partido Democrata. O escândalo iniciou um processo de impeachment contra Nixon, que acabou renunciando, e inspirou o filme Todos os homens do presidente, estrelado por Robert Redford] que estava sendo noticiado na época. Você é simpatizante do Partido Democrata? Você tem ou teve divergências políticas com editores por causa de suas histórias?

Steve Rogers abandona sua identidade como Capitão América

Eu sou um “democrata” (no sentido de que sou simpatizante do partido), mas digo isso porque sou também um democrata (no sentido de que me interesso pelo povo). Eu acredito nos ideais sobre os quais a América foi fundada, embora eu saiba muito bem que eles não têm sido respeitados pelo atual governo. O Capitão América também acredita nesses ideais. Então, para mim, pareceu óbvio que ele teria a mesma reação que eu tive em relação ao Watergate. O que quero dizer é que concordei com ele [o Capitão América], mas eu escrevi o que escrevi, porque o personagem se sentia daquele jeito, não porque quis fazer meu próprio discurso político. A grande coisa na Marvel naquela época era que eles não interferiam no trabalho dos roteiristas. Entretanto, no ano passado, quando a Marvel me pediu para escrever algumas novas histórias do Capitão América, eu disse que eles teriam que incluir política nas histórias, e eles retiraram a oferta. É um microcosmo de o quanto a América mudou com o passar do tempo.

Você escreveu várias histórias em que o Capitão América lutou ao lado do Falcão, um dos poucos super-heróis negros. Foi uma decisão sua ou dos editores incluir o tema do racismo em suas histórias do Capitão América? Qual foi a reação dos leitores negros nos Estados Unidos?
Preconceito racial é uma constante na vida, algo que meus leitores de toda as cores conhecem bem. Eu não estava fazendo um discurso lá, estava simplesmente refletindo a vida norte-americana nos anos 1970. Basicamente, eu vi o Capitão América, em primeiro lugar, como sendo um gibi para entretenimento, em segundo,como um comentário sobre a América. Ignorar a questão racial naquela época seria tão falso quanto ignorar o Watergate.

Dr. Strange #14: Sise-Neg surge

Você recebeu críticas negativas ou teve problemas com pessoas religiosas por causa daquela história do Doutor Estranho, em que um feiticeiro chamado Sise-Neg [“Gênesis” de trás para frente] viaja pelo tempo colecionando energias mágicas até chegar ao início de tudo e descobrir que é Deus? Essa história reflete alguma crença religiosa ou filosófica sua?
Não, foi apenas uma história. Eu não sei como são as coisas no Brasil de 2006 (embora eu adoraria viajar para aí e descobrir!), mas nos Estados Unidos, os anos 1970 foram uma época em que as pessoas estavam mais abertas para idéias novas do que os Estados Unidos de 2006. Freqüentemente me perguntam nos dias de hoje se isso ou aquilo me causou problemas no passado, e a resposta é quase sempre “não”. As pessoas ficavam entusiasmadas com as idéias, não com medo delas.

Você trabalhou muitas vezes com Joe Staton, um grande mas subestimado artista. Por favor, comente sobre sua parceria profissional com ele. Na sua opinião, qual foi o melhor gibi que vocês fizeram juntos?
Adorei trabalhar com Joe. Eu listaria toda a fase do Lanterna Verde que fizemos juntos, mas se eu tivesse de escolher uma edição, seria Green Lantern #198, no fim da Crise nas Infinitas Terras, quando Hal consegue seu anel de volta.

Kilowog ajudou na criação dos Sovietes Supremos

Você leu a fase do Lanterna Verde escrita por Ron Marz? Qual é a sua opinião, enquanto leitor e também roteirista profissional, daquelas histórias em que Hal Jordan se tornou um vilão, morreu e foi substituído por Kyle Rayner?
Numa visão de leitor, não posso dizer que gostei de ver Hal se tornar um vilão; era algo completamente fora do personagem. Mas a DC fez um bocado de coisas com o personagem por um tempo.

Eu me lembro de uma história do Lanterna Verde em que Mikhail Gorbachev apareceu e foi mostrado não muito diferente daqueles vilões comunistas que apareciam nos gibis dos tempos da Guerra Fria (especialmente os do Homem-de-Ferro). Você acha que Gorbachev não foi sincero em sua política para acabar com a Guerra Fria e aproximar as duas superpotências, os Estados Unidos e a hoje extinta União Soviética?
Pelo que me lembre, naquela história, Gorbachev agiu mais como o líder de um país em competição com outro, não como um supervilão. Pessoalmente, tenho certeza de que ele foi sincero, porque ele provou isso pelas ações dele, mas antes da detente [a fase em que norte-americanos e russos começaram a deixar a rivalidade de lado], a competição era real, e novamente, apenas trabalhei com o que estava acontecendo na vida real.

Extrano: primeiro personagem gay da DC

Você recebeu alguma crítica por causa daquele personagem gay que você incluiu na minissérie Milênio?
Sim. Recebi críticas por causa disso. Foi nos anos 1980, quando as mentes começaram a ficar menos receptivas a novas idéias. Mas o preconceito em relação aos homossexuais é tão difuso quanto o preconceito racial (embora possa ser que isso esteja mudando agora). Em qualquer evento, era claro para mim que se os Guardiões escolheram um grupo de pessoas, a probabilidade era que pelo menos uma delas seria homossexual. Então segui adiante com a idéia. Eu achei a reação interessante, porque: a) recebi, talvez pela primeira vez em minha carreira, objeções editoriais e, b) partes da própria comunidade gay objetaram, afirmando que Gregório não era o “tipo certo” de gay por ser afeminado demais.

Minha resposta foi que ele não tinha a obrigação de ser, nem poderia, uma soma de todos os gays que existem, mas certamente existe uma parcela dos gays que são afeminados. Se eu tivesse colocado um segundo personagem gay na história, ele seria naturalmente diferente. Isso virou assunto de um debate com o nome de “Gays nos quadrinhos” na Convenção de Quadrinhos de San Diego, para o qual fui convidado.

Quando eu e a platéia discutimos sobre isso, um rapaz levantou-se e disse que seu parceiro, que havia morrido recentemente de AIDS, era exatamente do mesmo jeito que Gregório. E isso colocou um fim à discussão! Depois no gibi Strangers, que era publicado pela Malibu, criei outro personagem gay que era completamente diferente, pela mesma razão do grupo escolhido pelos Guardiões em Milênio: o destino escolheu por acaso um grupo de pessoas para se tornarem os Strangers, e as chances eram que pelo menos uma delas seria gay.

Alguns críticos afirmam que o primeiro filme do Batman dirigido por Tim Burton foi influenciado pela fase em que você escreveu os gibis do herói. Você concorda com essa afirmação? Você gostou do filme?
Não apenas os críticos: o produtor, Mike Uslan, também disse isso, e eu digo isso. Todos os roteiros que foram feitos antes das filmagens (num período de treze anos) usaram os nomes Silver St Cloud para a namorada do herói e Chefão Thorne para o político. O Coringa era o Coringa que eu escrevi, e o Batman era bem parecido com o meu Batman (diferente de como ele foi retratado por cada outro bat-roteirista, ele não era louco).

Fui trazido ao projeto depois de dez anos. Escrevi dois argumentos. Esses argumentos e os quadrinhos originais serviram de base para o roteiro final. No final, eles mudaram os nomes de Silver e Thorne, mas não suas personalidades. E o diretor de arte desviou para algo mais parecido com o Cavaleiro das Trevas, que havia sido lançado pouco antes das filmagens. Mas, de modo geral, o filme usa claramente meus personagens e minhas caracterizações. Portanto, sim, eu gostei do filme.

Ultraverso

Você criou o Ultraverso. Qual é a origem dessa série, como você criou esses heróis? Você detém os direitos sobre eles?
Infelizmente, nenhum de nós “Pais Fundadores” [aqui Englehart faz uma analogia entre os criadores dos quadrinhos e os puritanos vindos da Inglaterra, que fundaram as colônias; que deram origem aos atuais Estados Unidos] possui os direitos sobre nossas criações. O acordo com a Malibu era que eles iriam deter os direitos sobre as criações, mas iriam nos pagar uma porcentagem dos lucros. O que nós não previmos foi a compra da Malibu pela Marvel; nem a decisão da Marvel de que não iria nos pagar. No final das contas, acabaram não publicando esses personagens. Eu já tentei uma dúzia de vezes nos últimos dez anos conseguir que o Ultraverso fosse ressuscitado pela Marvel. Penso que isso jamais acontecerá.

Nós criamos os personagens nos reunindo em um resort por quatro dias, e passado cada hora daqueles dias pensando, trocando idéias, tentando colocá-las para fora, conseguindo e oferecendo apoio. Foi um paraíso de criatividade. Nós definimos os personagens que vieram à mente, e criamos o Ultraverso para colocar todos eles dentro. A Malibu de 1993 era muito parecida com a Marvel de 1973: um lugar completamente livre para criar.

O que é mais interessante para você: escrever histórias com personagens criados por outras pessoas ou com personagens criados por você mesmo?
Eu realmente não me importo de onde os personagens vieram. Meu interesse está nos próprios personagens.

O que você mais gosta de escrever: quadrinhos, romances, filmes para o cinema, desenhos animados, séries de televisão ou videogames?
De diferentes maneiras, todos são divertidos de escrever. Gosto de quadrinhos porque foi onde comecei, mas na primeira vez em que vi atores encenando minha história diante das câmeras eu parecia um garotinho. Nos momentos em que tive problemas para conseguir um artista de quadrinhos para desenhar o que eu estava imaginando, eu comecei a apreciar o texto em prosa literária por me dar a chance de fazer tudo exatamente da maneira que eu quero. Embora eu prefira trabalhar com um artista, nos quadrinhos ou nos games, por causa da sinergia.

Sr. Englehart, muito obrigado pela sua entrevista. O que você gostaria de dizer aos seus fãs brasileiros?
Eu falo bem o espanhol, mas infelizmente falo pouco português. Então nada conseguiria dizer sem sua ajuda. Mas gosto de considerar-me um cidadão do mundo. E é muito bom saber que tenho fãs no Brasil. Sempre tentei ver as coisas dentro de um contexto maior, mas tudo que pude controlar eram as minhas histórias, que saíam em inglês. Se você gosta do material que você vê em português, eu devo minha gratidão aos vários tradutores e editores. Eu espero conseguir viajar para a América do Sul algum dia, e agradecer cada um pessoalmente, por achar algo de interessante nas minhas histórias.

EU, ROBÔ?!

Este é um robô que rabisquei de brincadeira no meio de uma aula quando estava na faculdade e que estava perdido no meio de uma avalanche de esboços. Foi o Rubens, meu colega de faculdade que já havia colorizado uns desenhos meus, é quem achou este desenho e teve a ideia de escaneá-lo e de colocar um fundo negro para destacá-lo (tinha uma porrada de outros esboços e rabiscos espalhados na folha onde estava o robô). Dá pra perceber pelo design do robô que gosto daqueles filmes de ficção científica da década de 1950. Por mais paradoxal que isso possa ser, acho que não existe nada que pareça mais alienígena ou futurista do que máquinas com visual retrô.

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