Desenhista, criador de personagens, editor e publicitário, com passagem por diversas editoras. Já produziu desde quadrinhos infantis e super-heróis a quadrinhos eróticos. Junto com Wanderlei Felipe (desenhista que hoje assina como Vanderfel), criou o personagem infantil Pequeno Ninja, que, em 1990, chegou a ser sucesso de vendas nas bancas de jornal do país. Sua carreira inclui o feito de ter sido um dos poucos editores brasileiros a investir na publicação de revistas em quadrinhos de super-heróis com histórias escritas e desenhados no Brasil. Entre os super-heróis que criou estão Fantasticman e Fantasma Negro, que chegaram a ter revistas próprias no início da década de 1980. Estamos falando do veterano Antonio Fernandes Filho, mais conhecido pela alcunha de Tony Fernandes.
Atualmente, Tony trabalha com publicidade, mas planeja voltar a produzir quadrinhos. Tanto que já tem alguns projetos prontos. Nesta entrevista exclusiva para o Fanboy, Tony falou do início da carreira, das dificuldades de se produzir quadrinhos de apelo comercial no Brasil e das mudanças no mercado.
Você continua trabalhando na área de criação e desenho?
Há mais de trinta e cinco anos. Nunca parei. Atuamos (eu e minha equipe on-line) em agências de publicidade e em algumas editoras, fazendo capas de livros, projetos de revistas diversas etc. Para as agências, fazemos storyboards (para comerciais de tv), sites, audiovisuais, locuções e criações de trilhas. Paralelamente, incrementamos as velhas séries. Criamos novas histórias, novos projetos , como minisséries e revistas mensais, inéditas e em cores: Fantasticman – Perdidos no Infinito é uma minissérie em cinco edições que conta a saga dos vulcanos. Capitão Savana virou Buana Savana e a Turma da Selva (revista mensal focada em ecologia). Todos são projetos de quarenta e oito páginas de miolo mais capas. Atualmente, estou negociando com alguns poucos editores que se mostraram interessados. A maioria das casas editoriais está com problemas. Piratas das Antilhas, série baseada em Piratas do Caribe da Disney, é um forte candidato para ser lançado em 2008, assim como Clube das HQs e Fantasticman. Novas séries também foram criadas, como Apache, O alienista (de Machado de Assis, em forma de quadrinhos), Cleófas, Esquadrão Atrúria etc. Produzimos muito nos últimos três anos. Ou vendemos ou lançamos em bancas ou livrarias pela Pégasus Publicações, minha nova empresa editorial.
Lembro que você produzia anúncios de remédios para almanaques de farmácias em forma de quadrinhos. Ainda faz isso?
Infelizmente, não. Esse tipo de coisa não aparece sempre. Naquela época, fazíamos os anúncios, todo o Almanaque Sadol (concorrente do Biotônico Fontoura), além de criar para o Laboratório Catarinense, de Joinville, Santa Catarina, campanhas publicitárias. Lembra da “Abelhinha Melagrião”? Apareceu na Xuxa, no Gugu. Aquela campanha foi criada por nós, em 1990. O Wanderley Felipe criou a imagem do boneco e eu os textos da campanha. Adoro vender e criar textos.
Como você começou a fazer quadrinhos?
A extinta M&C editores, do Minami Keizi [desenhista brasileiro de ascendência japonesa, um dos pioneiros no estilo manga no Brasil], meu amigo até hoje, em 1972 ou 73, lançou um anúncio convocando novos autores. A gente mandava cinco páginas. Elas seriam avaliadas por gente como Ignácio Justo [desenhista que se especializou em quadrinhos de terror e de guerra], Edmundo Rodrigues [trabalhou como desenhista e chefe de arte em algumas das principais editoras do país (Bloch, RGE…)], Nico Rosso [desenhista já falecido, que ficou famoso por desenhar histórias com o personagem Zé do Caixão], e outros. Eles publicavam e um profissional refazia duas páginas e nos orientava. Depois, eu e o W. Felipe fizemos dez páginas de uma história de terror para a M&C, em 1973. Eu queria vendê-la. Mas, os caras acharam uma merda e nos mandaram estagiar na casa do Justo, que morava na Liberdade. Lá conhecemos muita gente boa. Meses depois, publicamos algumas histórias individuais, curtas, pela M&C. Os lápis eram dos novatos, a arte final era do Mestre. Devo muito a esse cara. No mesmo ano vendi um projeto para a Editora Saber: Sargento Bronca (meu primeiro personagem). A edição foi feita com o Wanderlei Felipe que desenhava um personagem dele, Espeto. De lá pra cá, nunca mais parei. Tive vários estúdios, editoras etc.
Quantas revistas do Fantasticman e do Fantasma Negro foram publicadas? Pretende voltar a publicar esses personagens?
Deixe me ver… Ele saiu pela primeira vez em 1976 na revista Jogos & Diversões, que eu e o Felipe fazíamos para a Editora Noblet. Naquela época ele se chamava “Homem-Formiga?”. Devido ao homônimo americano mudei o nome. Creio que foram quatro revistas e seis almanaques. As primeiras revistas desses dois personagens saíram pela Editora Evictor, em 1982 (formatão, em couché, trinta e duas páginas). Depois, ambas saíram pela ETF Comunicação (minha primeira editora), em formatinho com sessenta e oito páginas.
Em 1989, Fantasticman saiu pela Editora Ninja (mini-série em três edições). Naquele ano também criei o Ninja Guerreiro, que também saiu pela Ninja. Em 1991, republiquei a mesma minissérie do Fantasticman, completa, no Almanaque Super Ação (formatinho com cento e trinta e duas páginas). O Ninja também saiu no Almanaque Aventura número 1. Ambos venderam bem! Repetimos a dose publicando mais dois almanaques 100% made in Brazil. Muitos colaboravam: Sebastião Seabra, Elias e outras feras. Eu tinha na gaveta uma história em quadrinhos antiga do Fantasticman feita pelo Bilau, desde 1973. Decidi lançá-la em 2003, na forma de minissérie (formatinho, trinta e duas páginas). O mesmo aconteceu com o Fantasma Negro, com desenhos de Salatiel de Holanda (no mesmo formatinho).
Também lançamos a revista Udigrudi, sátiras para adultos (uma versão tupiniquim mais sacana do MAD). Que foi um sucesso! Soltamos umas seis ou oito edições, com muitos artistas: Gilvan, Ramirez, Orlando Alves, Salata, Montadon, Cavalo (guitarrista da banda Velhas Virgens), Brito e outros. Estávamos empolgados! Nosso negócio era revistas-pôsteres de filmes (Robocop etc.) e rock (Guns N? Roses, Madonna etc). Elas vendiam bem! Subsidiavam as revistas em quadrinhos. Tínhamos problemas internos, e para piorar veio o impeachment do presidente Collor e as vendas despencaram. Fomos pro saco, literalmente! Vendas: 5%. Isto não pagava nem o custo operacional! Fechar foi problemático. Depois do fechamento,tive que administrar e pagar dívidas por um ano.
Quanto a voltar com esses personagens, bem… Fantasticman, sim! Fantasma Negro, nunca vendeu bem. O professor Gedeone Malagola ,o autor do Raio Negro [super-herói lançado em 1965,uma versão brasileira do Lanterna Verde da DC?] dizia que este era o meu melhor personagem.A série tinha como pano de fundo São Paulo, mas os leitores não gostaram da série. Como já disse, estamos, atualmente, negociando Fantasticman “Perdidos no Infinito” a série, e outras. Com a tecnologia atual, tudo ficou mais fácil! Antigamente, não existia Photoshop, Painter etc. Tudo era feito na raça! Os originais eram enormes! Sou um dos “Flintstones” da história em quadrinhos nacional.
Já pensou em licenciar os personagens para brinquedos, camisetas ou coisa do tipo?
Estamos tentando fazer licenciamento para histórias em quadrinhos, das novas séries. Em 2007 visitei quase todas as editoras. Poucos estavam interessados em novos lançamentos. Motivo: vendas terríveis. Não foi um bom ano para o setor editorial. A própria Dinap (distribuidora da Abril) teve problemas internos. Surpreendentemente, depois que um grupo sul-africano comprou 33% das ações da Dinap terminamos 2007 com a Abril (Dinap) comprando a Fernando Chinaglia. Em 2008, haverá monopólio da distribuição no país. Isso é absurdo, principalmente, num país desse tamanho. Voltando ao licenciamento…na seqüência, pretendemos atacar no merchandising. Com o gibi nas bancas o tudo fica mais fácil. Empresas só apostam em personagens que vendem bem, que estão na mídia, que fazem sucesso ou que têm grandes tiragens.
Se os japoneses lançaram tantas séries de TV com super-heróis (Ultraman, Ultraseven, Spectreman…) por que não lançar um seriado do Fantasticman?
A idéia é boa! Há muito penso nisso. Já mandamos um projeto pra Brasília (Ministério da Cultura), pois precisamos de patrocínio, de recursos, mas a coisa é lerda. Também fui atrás de empresas (possíveis patrocinadoras). Mas, a Lei Rouanet não funciona. Os empresários a temem pois pode gerar uma auditoria por suspeita de superávit. É mole? A Petrobrás é do governo e ela é nosso próximo alvo. Se o filme não rolar, talvez a animação seja uma saída, pois o custo caiu muito após a era da informática, e a Cartoon Network pode ser a salvação. Mas, você sabe… neste país tudo é complicado, difícil! Vou morrer tentando! Juro! O Valdecir Camargo, dos comerciais dos aparelhos de TV Sharp, há ?séculos? vem produzindo um desenho animado de alto nível e até hoje não é reconhecido neste país. Se fosse nos Estados Unidos ele estaria rico e na TV. O Maurício de Sousa ralou muito e, por fim, entrou com a Turma da Mônica na Cartoon Network. Não foi fácil!
João Costa tentou por duas vezes relançar o Pequeno Ninja, uma delas numa versão estilo “mangá”. Você recebeu royalties por isso?
Não. Eu e o Felipe vendemos os direitos do personagem em 1991 para o editor Fernando Mendes, ex-dono da Editora Ninja. Resumindo: A idéia do “Ninjinha” foi do Fernando. Ele encomendou para a gente o projeto. Pagou pelas artes, mas não pagou pra ter os direitos totais sobre nossa criação. O cara estava duro. O Estúdio Felipe & Fernandes praticamente ajudou a Editora Ninja a levantar vôo. Fazíamos naquela época uma porrada de produtos pra ele. O cara sempre foi correto com a gente. Então, fizemos um acordo de cavalheiros (de boca) pra explorar a coisa irmanamente (inclusive o merchandising).
Pedi para o amigo André Lima (fotógrafo e produtor da revista masculina Man, da Editora Escala) produzir o filme, a preço camarada. Fiz a veiculação na Rede Manchete, sem botar grana. Fizemos um “contrato de risco”. Na época eu fazia veiculação de comerciais para o Laboratório Catarinense. Assim, negociar com a TV, foi fácil. Tínhamos cinco inserções diárias no seriado Ninja Jiraya (um campeão de audiência na época). A editora lançou (na base do crédito) 250 mil exemplares. Vendeu cerca de 40 a 50%. Um fenômeno de venda, na época. O editor ficou pirado, “cresceu os olhos”, quis nos passar para trás. Registrou tudo no nome dele. Fiquei p… da vida. Entrei com advogado e íamos (na Polícia Federal) dar busca e apreensão na edição 2 (em todas as bancas do país).O editor pediu arrego e decidiu comprar o personagem. Pedimos uma grana legal. Ele topou. Vendemos para ele (tudo documentado).
Em 2007, o ex-dono da Editora Ninja, que faliu, através do João Costa vendeu os direitos para a Editora On-Line. O “Ninjinha” está na banca outra vez. É bacana saber que um personagem que ajudei a criar foi ressuscitado! Mas, as vendas já não são como antes. O mundo mudou. No final não houve ressentimentos. Tudo virou uma transação comercial de transferência de direitos autorais. Valeu!
Quanto à versão mangá… não gostei! Não é o nosso estilo. Mangá tem que ser original, na minha opinião. Outra coisa: Li o número da Editora On-Line e achei os roteiros fracos. Hoje, a mentalidade da garotada é outra. Todo mundo está antenado na WEB, em games e celulares. A grana ficou curta. Antigamente não existiam essas coisas. Hoje, criar um filho custa caro. Criei quatro filhas no passado. Não havia tanta coisa pra se gastar. Até os grandes cinemas do centro da cidade foram pro saco. A ?galera? quer ver DVD, em casa, em segurança. Depois, da Internet as vendas desabaram. Sabe quanto a Panini vende do Homem-Aranha? Oito mil exemplares! (N.E.: Números não confirmados pela Panini Comics) Isto é ridículo! Por isso os gibis ficaram caros. Tiragem pequena: preço lá em cima. No passado um gibi custava o mesmo que um jornal. Hoje os preços estão absurdos e por isso não vendem. Dos diversos gibis que faz, o Maurício chegou a vender cinco milhões de exemplares, mas suas vendas também despencaram. Todo o mercado sacudiu nos últimos quatro anos. Revistas como Veja e Playboy também sentiram o drama. No que tange aos quadrinhos parece que hoje temos poucos leitores no país dispostos a pagar quinze pratas ou mais por um gibi.
E aquele concurso de quadrinhos de super-heróis promovido pela Phenix? Teve vencedor?
A idéia não era fazer um concurso só para quadrinhos de heróis. Buscávamos encontrar novos talentos, de qualquer estilo. Apareceu muita gente fazendo heróis. Muita gente de talento, e já tínhamos até escolhido os vencedores (não era super-herói), porém, como já disse: fechamos as portas, com a crise de mercado. Foi uma pena. Acabamos frustrando todo mundo. Foi lamentável!
O que você achou do livro A Saga dos Heróis Brasileiros escrito por Roberto Guedes [editor de quadrinhos que já trabalhou na Ópera Gráfica e na Mythos/Panini]?
Não sabia que o meu amigo Guedes tinha lançado esse livro. Ando meio “desantenado” nos acontecimentos do mundo das histórias em quadrinhos. Conheci o Guedes no tempo da Phenix. Ele esteve várias vezes em minha editora, nos apresentou um herói criado por ele. Li, achei legal e acabamos comprando e publicando num dos nossos almanaques. Os desenhos, se não me engano, foram do Cláudio Rodrigues, um grande animador que fazia desenho animado, como free-lance, para a Disney americana. Muita gente nova e boa apareceu naquela época, como: Alex Cipriano, Fernando Aoki, Dario Chaves, Chicuta, Edde Wagner, Guedes, Rodrigo Reis, Mauro, meus alunos do curso de quadrinhos em Jundiaí (Ricardo e a turma), e outras feras. Não recordo todos os nomes, era muita gente. E, infelizmente, não guardei exemplares daquela época. Mas tenho fotolitos.
O que você acha do trabalho dos artistas brasileiros que desenham super-heróis para as editoras dos Estados Unidos?
A coisa começou quando o Hélcio de Carvalho [um dos donos da Mythos], saiu da Abril. O cara foi pros States e começou a agenciar a galera, que por falta de mercado no país, abraçou a idéia e faturou alguns dólares. Alguns se destacaram, outros, não. Não tenho nada contra essa turma, pois publicar seus próprios personagens aqui ou ?na América?, não é fácil. Acho que dei sorte, ou fui um bom vendedor. O pessoal tinha contas para pagar, precisava sobreviver. Acabaram realizando um antigo sonho: publicar nos Estados Unidos. Mas, a onda acabou. Na ?América?, enquanto sua revista vender você está por cima. Caiu a venda? Dançou! Aliás, isso ocorre em todo o mundo. Isto é comércio. Nenhum editor vai investir num artista que não vende. A duração de um artista lá fora é muito curta. Há muita concorrência. Todo mundo quer fazer Marvel e DC. Na real, os desenhistas americanos não querem fazer comics, acham que são mal-remunerados, preferem animações para a TV. Os gringos querem mão-de-obra barata e acabam pegando o que há de melhor pelo mundo (a preço de banana). Quem agenciou os brasileiros teve muita dor de cabeça, mas faturou alto. Mas,os desenhistas: duvido. Ninguém ficou rico. Outra coisa: pra fazer uma revista americana de 28 páginas o Hélcio tinha que juntar um monte de desenhistas. Um absurdo, mas é verdade: os brasileiros são lentos pra produzir. Americano quer produção e qualidade.
Só pra você entender melhor: Anos atrás, produzi, através do estúdio Ely Barbosa [desenhista falecido em 2007, seu estúdio criou revistas em quadrinhos infantis para a RGE e Abril, mas ficou mais famoso pelos desenhos animados para comerciais de TV, dentre os quais, a ?festa das baratas? da DDDRIM], as séries Trapaleão e Formiga Atômica (da Hanna-Barbera) para a RGE, Rio Gráfica e Editora (atual Editora Globo). Veja, os desenhos animados estavam na TV, Faziam sucesso. Mas, nenhum americano tinha desenhado quadrinhos dessas séries. Então, a RGE fechou negócio com o Ely, que teve que reunir um bando de desenhistas pra poder dar conta do recado. Diariamente, eu e um monte de rabiscadores íamos à Viacom, na rua 24 de maio, no centro de São Paulo, para assistirmos esses desenhos. Ficávamos com pranchetas de mão tentando reproduzir Scooby-Doo & cia, no papel. Acho que nós, os brasileiros, fomos os primeiros a desenhar essas séries, em quadrinhos, no mundo. Eram muitos personagens. Trabalhávamos em equipe. Como fazem os americanos, lá. Em 73 trabalhei na Abril, divisão Disney. Tinha 15 malucos pra fazer o Pato Donald de 32 páginas Produção em série. Voltando ao Ely e os Hanna-Barbera… um fazia a história, o outro o lápis, o outro tinta, balões, letras etc. A DC e a Marvel trabalham nesse mesmo esquema, até hoje. No Brasil, a maioria dos desenhistas/autores faz tudo sozinho: escrevem, desenham,e ?outros bichos?. Acha que alguém consegue manter qualidade trabalhando assim? Fica difícil concorrer com os gringos. Nos Estados Unidos existe toda uma indústria voltada para abastecer o mundo de quadrinhos. Já há alguns anos a crise também chegou aos gibis americanos. A Marvel e a DC estavam quebradas. O que as salvou foi a venda de direitos para o cinema e TV.
Só para concluir: Por isso, nos últimos anos, re-avaliei meus velhos personagens, ciente de que tudo poderia ser melhorado. Reestruturei seus universos, escrevi novos roteiros e começamos a produzir, aos poucos. Mas, para fazer isso tive que ficar vivendo de publicidade etc. Hoje, conseguimos manter um alto nível, e acumulamos material. Tenho mais de três mil páginas de histórias em quadrinhos inéditas, prontas. A grande briga, agora, é vendê-las. Esta é a minha parte. Estou oferecendo o material para as editoras. Mas, não está fácil. Vivemos uma era de crise editorial, mundial. Poucos ainda curtem quadrinhos. Meus cinco netos são exemplos vivos, nenhum deles se liga em histórias em quadrinhos ou em desenho-animado. Eu é que me amarro no Pica-Pau etc. Outra coisa: o mangá emplacou por que era novidade e por causa da TV. Está faltando material novo no mercado. Disney e Maurício estão aí há séculos. Desculpe-me… alonguei-me demais… Espero, pelo menos, ter elucidado qualquer dúvida.
Você acredita que um dia encontraremos histórias em quadrinhos de super-heróis brasileiros nas bancas, concorrendo de igual para igual com as histórias em quadrinhos made in USA e made in Japan?
Espero que sim. Estamos lutando pra isso. O problema é que… os editores tupiniquins não acreditam muito nos autores nacionais, que têm fama de ?canistas?. Ou seja, não entregam o trabalho nos prazos . Assim os grandes editores preferem investir nas histórias em quadrinhos importadas, que custam mais barato:os americanos chegavam até a mandar o fotolito (em cores) pronto, quando ele custava uma grana preta no Brasil! O editor nacional mandava traduzir e fazer os balõezinhos. Fazer histórias em quadrinhos no país custa caro e não há garantia de venda. Nossos heróis não estão em mídia alguma. A Internet veio pra mudar as cosias, acredito, ela é uma forma nova de divulgação. Os comics são garantia de continuidade e muitas vezes já fizeram sucesso, ou estão no cinema e na TV. Os editores acreditam neles. Porém, muitas vezes esses personagens com mídia e tudo acabam não vendendo. Nem tudo o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. Por outro lado, os tupiniquins querem produzir pouco e ganhar muito! Não cumprem prazo e têm uma produção de merda! É uma classe desunida! O país precisa de um sindicato sério, da classe!
No tempo da Phenix criei os Almanaques pra gerar emprego para a classe. Pagávamos um bom preço por página. Entretanto, nenhum desenhista produzia aos montes, com qualidade. Tivemos que reunir uma equipe de cerca de 25 pessoas pra conseguir colocar as edições nas bancas. Gostar de histórias em quadrinhos é uma coisa. Desenhar por hobby é legal. Agora, produzir profissionalmente, com prazo pra cumprir (mantendo o mínimo de qualidade) pouca gente encara. Manter duas edições mensais da Udigrudi, por mês, foi um drama. A maioria aparecia com dez pagininhas (salvo raras exceções como Salatiel, Orlando Dias, Gilvan e Ramirez, que não pisavam na bola, nos prazos). Cada revista tinha cento e trinta e duas páginas. Dá pra imaginar o sufoco que era pra gente conseguir fechar cada edição? Os brasileiros produzem muito pouco. Depois reclamam que não existe espaço para seus trabalhos. Dá pra entender? Acham que história em quadrinhos é obra de arte! Quadrinhos são, simplesmente, um trabalho comercial como qualquer outro! Deveriam seguir o exemplo dos americanos, eles produzem “aos quilos”. Comics na América é feito que nem pastel. Em síntese, para se ter produtos nacionais nas bancas é preciso ter produção. Cadê os autores nacionais? Cadê a produção? Ninguém tem material estocado? Ninguém investe em si mesmo? Só produzem aos trancos e barrancos.
Há alguns anos os mangás japoneses não tinham o mesmo sucesso que tiveram nas últimas décadas. Os caras batalharam muito, produziram para a TV, rabiscaram um ?zilhão? de histórias em quadrinhos e conquistaram seu espaço no mundo. Um exemplo de trabalho e perseverança para editores e desenhistas tupiniquins. Quando é que os brasileiros vão cair na real? Se você não acha editor a fim de investir no seu produto, por que não pegar um contador e abrir uma empresa editorial? Todos podem lançar seus próprios personagens. Mas, veja, poucos desenhistas tem coragem de virar editor. Meus amigos Franco de Rosa [jornalista e editor que atualmente trabalha na a Ópera Gráfica], Gilberto Firmino [editor da extinta revista Porrada Especial, publicação que trazia material estrangeiro pirateado e histórias nacionais], Paulo Hamasaki [desenhista veterano, um dos primeiros chefes de arte do Estúdio Maurício de Sousa] e João Tanno [da extinta Editora Tannos, primeira a publicar, no Brasil, a série Miracleman escrita por Alan Moore] são intrépidos desenhistas que se aventuraram a publicar. Pergunto: quem mais fez isto? Quem mais? Cadê a gente empreendedora desse país? Ninguém acredita em seu próprio produto? E o pior, criticam quem tenta fazer algo pela classe. Precisamos de gente com estudo, que saiba escrever ou desenhar, que tenham garra, que tenham produção e sejam profissionais, de verdade.
O que chamava atenção nas antigas aventuras do Fantasticman e de outros heróis criados ou editados por você era uma certa pitada de erotismo. As mulheres tinham coxas grossas e bundas avantajadas, mais ao gosto do público masculino brasileiro. Acha que esse seria um diferencial que os editores deveriam aproveitar para tornar as histórias em quadrinhos brasileiras viável comercialmente?
Sem dúvida! Desenhei e escrevi milhares de páginas de histórias em quadrinhos eróticas (assinando ?Zanzibar?). Percebi que as histórias em quadrinhos eróticas sempre venderam. Quem é que não babava ao ver as gatas desenhadas pelo amigo Seabra (que assinava com o pseudônimo “Sebastião Zéfiro”) e Gilvan Lira (que assinava com o pseudônimo “Gilímeros”)? Mulheres sensuais atraem leitores, em qualquer parte do planeta, assim como o elenco feminino da Globo acabou conquistando a audiência dos marmanjos. Há alguns anos atrás, homem não queria assistir novelas “nem a pau”. A Globo insistiu e até hoje apresenta as gatas do seu cast com fortes apelos eróticos. Conclusão: acabou conquistando os barbados. Não é óbvio? Quem não baba com as atrizes globais como Juliana Paz e outras? Mas, tem gente que ainda não caiu a ficha! Leitores (ou audiência) se conquistam com periodicidade, insistência, qualidade e apelos sensuais. Até a publicidade usa este artifício. As cervejas estão associadas a mulheres gostosas, por quê? Por isso, tenho, também, investido em criar novas séries com heroínas femininas, gostosíssimas, como Apache ? um western diferente. A índia vingadora esbanja sensualidade em trajes sumários. Cleófas segue a mesma linha de pensamento e a nova Doutora Ápia (de Fantasticman) ficou ainda mais sexy na nova versão. As histórias em quadrinhos tupiniquins precisam ter algo que as diferencie do material importado, para conquistar seu público.
Na sua opinião, você se destacou mais com histórias em quadrinhos de qual gênero: super-heróis, infantil, cômico, erótico ou humor?
É difícil dizer… fizemos tantos estilos diferentes. Outro dia, alguém me perguntou ?Você ainda faz o Inspetor Pereira? Veja, o Inspetor foi publicado em mais de 50 jornais do país, ficou popular; por outro lado o Capitão Savana (que virou Buana Savana) foi publicado durante cinco anos na Editora Noblet, na revista Akim [série de quadrinhos italianos sobre um herói da selva no estilo Tarzan, mas com histórias ambientadas na Índia. Foi publicada no Brasil durante anos.] Fantasticman agradou a ?galera?. Também fiz ?de porrada? revistas infantis (para colorir) e quadrinhos eróticos. A Bloch Editores publicava Os Tortugas (uma série cômica) na revista Angélica [baseada na famosa apresentadora de programas infantis]; ainda pela Bloch, eu e o Hamasaki fizemos Os Trapalhões e Trapa-Suat. Confesso que não sei em que me destaquei. Os leitores da época devem saber a resposta. Mas, alguns personagens foram marcantes, acredito.
Muito obrigado pela entrevista! O que você gostaria de dizer aos que acompanharam seus quadrinhos ou àqueles que estão descobrindo seu trabalho lendo esta entrevista?
Só me resta agradecer à vocês pela oportunidade de falar para a galera das antigas e aos jovens amantes das histórias em quadrinhos, pois raras vezes podemos expressar nossas idéias. Aos jovens que desejam fazer quadrinhos neste país, fica aqui o meu incentivo: Pessoal, precisamos de sangue novo. Precisamos de produção, de material de qualidade, de planejamento e de bons vendedores que apresentem os novos projetos aos editores e convença-os a investir.
Um profissional consciente de quadrinhos só pode vender seu material depois que tiver, no mínimo, três edições prontas na gaveta ou em CD, DVD ou computador. Isso dá garantia de continuidade aos editores, credibilidade para a classe e impede que o material da próxima edição seja feito às pressas, ?nas coxas?. Precisamos manter o nível, um padrão internacional. Tudo o que fiz no passado, hoje não me agrada. Sou ciente de que fiz tudo ?na pauleira?. Mas, daqui pra frente garanto que os Estúdios Pégasus agora tem um material de alto nível, com bons desenhos e bons roteiros. Convém lembrar:o roteiro corresponde a 90% de uma história em quadrinhos. Os desenhos são apenas um atrativo. Do que vale um grande elenco cinematográfico, com um roteiro de merda? O ideal é juntarmos um bom roteiro comum bom desenho. Esse país precisa de bons argumentistas e redatores, para o cinema, a TV, o rádio e as histórias em quadrinhos. Sabe qual era o drama pra se produzir quadrinhos Disney no Brasil? Tínhamos poucos bons roteiristas. Cadê os roteiristas desse país? Temos ótimos desenhistas, mas poucos sabem escrever.
Aos que leram esta entrevista, por que gostam de quadrinhos, fica o recado: Prestigiem as histórias em quadrinhos do seu país. A gente chega lá. Talvez, não a minha geração, mas, sim, as futuras. Elas vão acabar colhendo os frutos dessa nossa luta maluca por espaço, aparentemente, insana. Mas, para mim, está valendo a pena.