Em meados de 1989, conheci Marcos Tetelli numa escola de desenho em São Bernardo do Campo. Na época, eu tinha quinze anos, o Tetelli um pouco mais que isso. Quem dava aulas lá era um sujeito que já havia publicado uns trabalhos pela extinta Press Editorial (que publicava gibis de terror e pornôs) e feito a arte-final de alguns quadrinhos infantis para a Abril. O Tetelli já chamava a atenção pelos seus desenhos. Ele era muito fã da arte do John Byrne, que era um desenhista extremamente popular na época,principalmente pela fase em que desenhou os X-Men (com arte-final do Terry Austin). Apesar disso, seus primeiros desenhos lembravam muito os do Pat Broderick (que desenhou histórias do Nuclear para a DC e do Capitão Mar-Vell para a Marvel). Com o tempo, o Tetelli começou a buscar referências em outros artistas de técnica mais apurada: Neal Adams, José Luiz García-López, Esteban Maroto, John Buscema… O resultado não poderia ser outro: seus desenhos ficaram ainda melhores. Mais ou menos como Jerry Siegel e Joe Shuster, os ingênuos criadores do Super-Homem, formamos uma parceria, tentando produzir quadrinhos juntos. Eu roteirizava e desenhava, o Tetelli finalizava. Ou melhor, ele redesenhava o meu trabalho: ele era capaz de transformar um simples esboço num desenho melhor e totalmente diferente. Acrescentava detalhes, corrigia falhas de anatomia etc.
O sonho dele era desenhar super-heróis para o mercado norte-americano. Em meados da década de 1990,por meio do estúdio Art & Comics, que agenciava desenhistas brasileiros para trabalharem para as editoras norte-americanas (na verdade, o agenciamento mesmo era feito por uma empresa norte-americana chamada Glass House Studios), ele chegou a desenhar páginas de uma edição de Iron Man (Homem de Ferro) e os dois últimos números de Ravage, o herói criado por Stan Lee para o Universo 2099.
A edição de Iron Man desenhada pelo Tetelli foi a de número 321, publicada em outubro de 1995. O Tetelli dividiu a arte dessa edição com o desenhista Heitor Oliveira e o arte-finalista Mark McKenna. O roteirista da história foi Terry Kavanagh.
As edições do Ravage desenhadas pelo Tetelli foram as de número 32 e 33, publicadas respectivamente em julho e agosto de 1995.As duas edições do Ravage foram escritas pelos roteiristas Pat Mills e Tony Skineer. Os arte-finalistas que fizeram o acabamento a nanquim sobre o lápis do Tetelli foram Greg Adams e Scott Kobish.
É verdade que o trabalho do Tetelli na edição de Iron Man está muito aquém do talento e da técnica dele. Mas, isso não aconteceu por desleixo ou despreparo do Tetelli. Em primeiro lugar porque,na época, para atender às exigências do editores gringos, o Tetelli teve que copiar os excessos típicos do estilo que Jim Lee e outros artistas estavam apresentando nos gibis da Image Comics: heróis com dentes rangendo; garotas peitudas com pernas absurdamente longas e muita poluição visual.
Se o Tetelli tivesse tido liberdade para trabalhar usando como referências os artistas que ele realmente admirava e não os artistas que estavam na moda nos anos 1990. o resultado teria sido melhor. Em segundo lugar, o Tetelli desenhou todas essas páginas varando madrugadas e tendo que levantar cedo para ir trabalhar na agência bancária onde ele é empregado há anos. Se já é difícil para muitos desenhistas profissionais, alguns com contrato de exclusividade para essa ou aquela editora,desenhar as páginas dentro do prazo e atender às exigências dos editores, imagina fazer tudo isso nas horas vagas, tendo que conciliar com um emprego diurno!
Tetelli também ajudou o Manny Clark (nome artístico adotado pelo brasileiro Manoel Flor) a cumprir prazos para editoras como a Continuity, trabalhando como ghost (desenhista-fantasma, pois apesar de fazer os desenhos, não assina o trabalho, tal qual um fantasma que “faz,mas não aparece”). O dono da Continuity é nada mais, nada menos que Neal Adams (artista famoso por ter desenhado aquelas histórias do Lanterna Verde e Arqueiro Verde no início da década de 1970). Na mesma época, o Tetelli também produziu algumas ilustrações para livros de RPG (Role Playing Game).
No entanto, infelizmente, o Tetelli nunca conseguiu um trabalho regular com desenho, e jamais pôde ou quis largar o seu emprego de bancário para se dedicar exclusivamente aos quadrinhos e à ilustração. Para ele, largar o emprego no banco para tentar ganhar a vida como desenhista seria trocar o certo pelo incerto. E, em um país como este, ainda mais em tempos de crise econômica, a decisão mais sensata é permanecer no emprego que garante o pão de cada dia.
Em todo caso, os trabalhos que o Tetelli publicou pela Marvel foram uma grande vitória dele. Em 1990, quando o nosso ex-professor do curso livre de quadrinhos que frequentávamos em São Bernardo, nos persuadiu a desenhar quadrinhos pornôs, o Tetelli chegou a desenhar alguns quadrinhos desse gênero. No entanto, ele não se sentiu bem com aquilo e chegou a um ponto em que o pai dele o convenceu a largar aquilo, que Deus não havia dado aquele talento para ele desperdiçar desenhando historinha de sacanagem. Nosso ex-professor não aceitou bem isso e disse ao Tetelli uma coisa do tipo: “Você está desperdiçando uma grande oportunidade profissional! Pare de sonhar com a Marvel ou a First Comics! Você nunca irá trabalhar para uma editora dos Estados Unidos!”
Depois que largou o ‘bico” de desenhar quadrinhos pornôs,o Tetelli chegou a desenhar quadrinhos de ficção científica para uma pequena editora que funcionava em São Paulo. Salvo engano, foram os desenhos para uma história escrita pelo roteirista e editor Dario Chaves. Outro trabalho que ele fez foi a arte-final para um “mangá” made in Brazil escrito pelo Sérgio Peixoto. Segundo o Peixoto, o Tetelli receberia o pagamento quando a história fosse publicada. Ao que parece, essa história em quadrinhos permanece inédita.
Tempos depois disso tudo, o Tetelli fez um curso de colorização digital, durante o qual ele produziu esse exercício em que aparece o super-herói favorito dele: o Hulk.
Alguns dos originais das páginas desenhadas pelo Tettelli foram vendidas em sites especializados em vender e leiloar artes originais,mas ele não recebeu um centavo sequer por isso. Ele mesmo nem sabia que os originais das paginas que desenhou estavam sendo vendidos na Internet. Detalhe: em dólares ou euros. Um exemplo é esta página que ele desenhou para a Continuity, a editora do Neal Adams.
Quem sabe um dia a gente possa ter a sorte de encontrar a arte do Tetelli regularmente nas bancas e livrarias?