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O que fazer em Glasgow em um dia

Viagens14/03/2023

Se você perguntar a algum britânico, há chances de que digam que Glasgow, na Escócia, é uma cidade “rough around the edges”.

A expressão, que em português seria traduzida de forma livre como “de arestas afiadas”, significa que a cidade seria complexa, meio difícil e até mesmo perigosa.

Conversando com uma colega de trabalho no começo de 2022, porém, ela me disse que esse passado mais violento e perigoso da cidade, em partes causado por comércio de drogas ilícitas e outras atividades ilegais, não é mais uma realidade.

Nas últimas décadas, uma série de intervenções por parte do poder público promoveram uma melhora significativa nas ruas de lá.

A cidade é mais “moderna” para quem passeia pelas suas ruas, com uma proporção menor de prédios antigos do que Edimburgo, por exemplo.

Este ar mais moderno, porém, vem com outra característica típica de cidades mais atuais: Glasgow é bastante famosa por sua arte urbana, com grafites dos mais variados estilos.

No texto de hoje, te apresento o roteiro de um passeio bate e volta que fiz à cidade, partindo de Edimburgo.

Lista essencial

Grafites

Em uma fachada de tijolos, uma pintura exibe um senhor em frente a um táxi preto. O veículo está flutuando com a ajuda de balões coloridos.
"The World's Most Economical Taxi", do artista Rogue-One.

Espalhados por toda a cidade, um dos destaque de lá, como já disse, são os grafites.

Há diversos estilos e proporções, mas sempre interessantes.

Abaixo, citarei alguns dos que pude conferir, mas já alerto que este tipo de arte muda com o tempo, então é bem provável que estes desapareçam e outros surjam.

  • Logo abaixo da Kingston Bridge (ponte), pude conferir dois murais. De um lado, “The Swimmer” (com nadadores, obra de Smug) e um outro no lado oposto da rua, com uma criança “plantando” turbinas eólicas (“Generation Green”, de Smug para a empresa Scottish Power).
  • “The World’s Most Economical Taxi”, do artista Rogue-One: um táxi flutuando com ajuda de balões.
  • “Honey… I Shrunk The Kids”, de Smug: na mesma rua do mural do táxi, este mural apresenta uma moça utilizando uma lupa.
  • “Wind Power” (Rogue-One e Art Pistol): bem em frente ao prédio The Lighthouse, temos um mural de uma moça soprando um dente-de-leão (a planta, no caso).
  • “The Glasgow Panda”: o simpático grafite de um panda, infelizmente, estava depredado com pichação.
  • Murais da Tennent Caledonian Breweries: nos muros desta icônica cervejaria de Glasgow, temos uma série de intervenções interessantes com referências à marca, uma das preferidas do país. Foram feitos por Smug.
  • “St. Mungo at High Street” (por Smug): talvez um dos murais mais famosos da cidade, esta interpretação “moderna” de São Mungo, o patrono e fundador de Glasgow, é parada obrigatória.
  • “St Enoch and child” (Smug): este mural apresenta outra representação moderna de São Mungo, desta vez como um bebê no colo de Santa Enoch, sua mãe.
  • “Fellow Glasgow Residents” (Smug): bem na parede que ladeia um pequeno estacionamento a céu aberto, temos o desenho de pernas que caminham por um campo repleto de cogumelos, com uma sequência de “buracos” na parede, que apresentam animais típicos da região.
  • “Space Man” (Recoat e Ali Wylie): um mural relativamente pequeno de um astronauta, mas lindo.
  • “Study of a Woman in Black”, por James Klinge (“Klingatron”): outro desenho relativamente pequeno, esta mulher em preto e branco também é muito interessante.
  • “The Musician”, de Rogue-One e Art Pistol: um músico com seu violão, ambos em escala gigante.

Por se tratar de uma arte muito efêmera, vale a pena seguir um projeto legal, o ”Mural Trail”. Neste site, eles apresentam um percurso interessante para conhecer os principais murais da cidade.

Glasgow Necropolis

Próximo da catedral, após atravessar um viaduto, uma colina repleta de monumentos abriga um cemitério vitoriano, fundado em 1832.

Com diversos túmulos ornados com monumentos de diferentes grandezas, a maioria das pessoas ali sepultadas não tiveram a mesma pompa, com muitas sem mesmo uma lápide. Diz-se que ali descansam cerca de 50 mil pessoas.

Em 1832, ano de sua inauguração, esta extensa área começou a ser utilizada para o sepultamento de judeus, já que estes não podiam ser sepultados no cemitério da catedral da cidade. Judeus continuariam a ser sepultados ali até 1855, quando um cemitério dedicado foi aberto como parte de um outro local de sepultamento da cidade.

Como muitos dos cemitérios do início do período Vitoriano, este também foi desenvolvido como uma espécie de parque, com menor densidade e formato menos geométrico do que os locais mais modernos para o mesmo fim.

Glasgow Cathedral

Em uma área gramada e ladeada de árvores, um caminho de pedra leva a uma grande catedral gótica de paredes escurecidas e telhado azul esverdeado. O ângulo de visão é  diagonal a partir de sua quina direita.
Exterior da Catedral de Glasgow.

Construída entre 1136 e 1484 (com reconstruções inclusas neste período), esta catedral impressiona pela imponência e beleza.

Suas paredes externas escurecidas pelo tempo, seu telhado azulado e o grande número de “colunas” e pontas na parte superior realçam o peso do seu estilo gótico de arquitetura.

Ela possui 87 metros de comprimento, 20 de largura e 32 de altura, chegando a 68 se contarmos o pináculo no topo.

Ela é dedicada a São Mungo, sendo de denominação da Igreja da Escócia. Antes disso, até 1560, seguia a Igreja de Roma. Neste ano, porém, a Escócia rompeu com a Santa Sé.

No formato da Igreja da Escócia, sua linha segue os preceitos defendidos pela Reforma Protestante.

Diz-se que a catedral foi construída sobre o local onde São Mungo foi sepultado. Na parte inferior, em uma “capela” subterrânea, é possível visitar o ponto que abriga seus restos mortais.

Vê-se um o corredor de uma igreja gótica, com enormes arcos laterais de cor escura. Ao fundo, quatro janelas estreitas e muito altas, além de um telhado todo ornado em tons de madeira.
Interior da Catedral de Glasgow.

No final deste roteiro, explico um pouco da história de São Mungo, padroeiro e fundador da cidade.

Provand’s Lordship

Uma das quatro construções medievais ainda de pé na cidade, este local foi construído em 1471.

A casa foi erguida como parte do St. Nicholas’s Hospital pelo Bispo de Glasgow.

Sendo adquirida em 1978 pelo município, foi restaurada e aberta ao público em 1983.

Sendo considerada “a casa mais antiga da cidade”, oferece uma boa oportunidade para conhecer como eram as residências medievais por ali.

Tennent Caledonian Breweries (Wellpark Brewery)

Esta cervejaria foi fundada em 1740, sendo um dos estabelecimentos escoceses mais antigos ainda em operação.

Eles são os responsáveis, entre outros produtos, pela Tennent’s Lager, uma cerveja pale lager que é a líder do segmento no mercado escocês.

Para os amantes da bebida, reservar um tour pela cervejaria pode ser uma experiência interessante.

George Square

Principal praça da cidade, abriga uma série de monumentos, incluindo exemplares em homenagem a Robert Burns (poeta escocês) e James Watt (inventor famoso pelos aprimoramentos no motor a vapor).

Fica por aqui também o prédio da administração local.

Glasgow City Chambers

Prédio que abriga o Glasgow City Council (administração da cidade), ele foi construído a partir de 1882, tendo sido aberto em 1888.

Há tours gratuitos pelo prédio, que acontecem duas vezes por dia, de segunda a sexta-feira. Para maiores detalhes, vale acessar o site municipal. As entradas podem ser coletadas 30 minutos antes no local, não sendo possível agendamento prévio.

Curiosidade

A administração de Glasgow de forma pública é relativamente recente. Por volta de 1170, a chamada empresa “Glasgow Corporation” recebeu das autoridades a permissão para coordenar a área, exercendo-a até 1975, quando a localidade passou a ser tratada como um “distrito” com administração específica do tipo, sob a região de Strathclyde. O formato de hoje começou apenas em 1996.

Buchanan Galleries / Scottish Design Exchange

Neste shopping center, é possível comer alguma coisa e conhecer algumas marcas mais regionais.

Um dos destaques é a Scottish Design Exchange, uma espécie de “loja de souvenirs”, mas fora daquele jeito genérico de itens importados que tem a mesma cara em quase todas as cidades turísticas.

Aqui, você encontra peças de artesãos locais, livros em gaélico escocês, uma série de itens com piadinhas que só fazem sentido por aqui e muitos outros itens que carregam um pouco da identidade escocesa.

Buchanan Street

Esta é uma das principais ruas comerciais de Glasgow e um pouco mais “luxuosa” se comparada com as outras do tipo.

Wellington Statue (Equestrian Statue of The Duke of Wellington)

Em frente a um prédio com grandes e imponentes colunas cinza, vemos uma escultura equestre preta. Cones laranja de trânsito estão em cima da cabeça do cavalo e do cavaleiro.
A famosa Estátua Equestre do Duque de Wellington em Glasgow.

Um dos símbolos mais famosos de Glasgow nasceu por acaso: a estátua equestre do Duque de Wellington, Arthur Wellesley, que foi duas vezes primeiro-ministro do Reino Unido e também foi um dos comandantes das tropas que lutaram nas Guerras Napoleônicas.

A escultura foi feita em 1844 e é um monumento de categoria A na escala de patrimônios históricos do Reino Unido.

No começo dos anos 80, alguns cidadãos embriagados teriam colocado um cone laranja (destes de trânsito) na cabeça do duque, o que prontamente foi removido pelas autoridades.

O problema é que a tarefa não era tão simples, já que a administração precisava empregar uma espécie de grua para levantar alguém a fim de retirar o objeto “estranho” de lá. De forma pouco surpreendente, o monumento nunca ficava sem o adorno por muito tempo.

Em 2013, a administração da cidade propôs uma restauração que custaria 65 mil libras e envolveria o aumento da altura da base da estátua, mas a população reagiu de forma tão forte contra que eles acabaram desistindo da ideia.

Entre vários momentos icônicos, pode-se citar que o duque recebeu um cone dourado nas Olimpíadas de 2012 e, mais recentemente, um cone com as cores da bandeira ucraniana em um protesto contra a invasão do país.

Hoje, a escultura está presente em souvenirs de diversos tipos, além de materiais publicitários e até em peças para estimular o setor turístico.

The Lighthouse

Esta estrutura, infelizmente, estava fechada no momento da minha visita. Fechou em março de 2020 por conta da pandemia e reabriu apenas parcialmente em situações específicas.

Originalmente servindo como sede do jornal Glasgow Herald, este prédio de 1895 foi projetado por Charles Rennie Mackintosh.

Ele funciona hoje (ou funcionava, caso não retorne) como um centro sobre design e arquitetura, abrigando exposições permanentes e também algumas temporárias.

Ele foi aberto em 1999 por ocasião da nomeação de Glasgow como “UK City of Architecture and Design” (algo como “cidade britânica para arte e design”) para o mesmo ano.

Merchant Square

Oficialmente uma “casa de eventos”, este prédio super charmoso também abriga uma série de restaurantes e bares.

É uma ótima pedida para quem quiser fazer uma parada para tomar uma pint de cerveja e comer alguma coisa.

Cranachan

Dentro do Princes Square Shopping Centre (sim, “centeR” é usado nos Estados Unidos), um elegante centro comercial no centro da cidade, temos o restaurante Cranachan.

O estabelecimento oferece bons pratos, mas cito-o aqui por uma razão bem específica: aqui é um ótimo local para saborear a sobremesa que leva seu nome.

O “quitute” chamado cranachan, típico da Escócia, é uma sobremesa composta de camadas de creme batido, whisky, mingau de aveia, mel e framboesas.

O cranachan era tradicionalmente apreciado após a colheita de framboesas no mês de agosto, complementando com aveias locais e o autêntico whisky escocês.

Se quiser saborear este item do cardápio, porém, é melhor passar por aqui no período da noite. Ele não está disponível durante o almoço.

Extras

Algumas atrações, por falta de tempo e priorização, não fizeram parte do meu passeio à época.

Elas podem ser da sua preferência, porém, então deixo alista a seguir:

  • Riverside Museum: primeiro prédio construído originalmente como museu neste século na cidade, ele conta com diversas telas interativas e outros recursos, além de um acervo que vai de carros antigos a skates.
  • The Tall Ship Glenlee: embarcação vitoriana restaurada, permite visitação.
  • Kelvingrove Art Gallery and Museum: museu e galeria de arte aberto originalmente em 1901, foi restaurado e reabriu em 2006. Conta com itens de história natural, armaduras e pinturas de renomados artistas europeus, entre outros tipos de atrações.
  • Kelvingrove Park: aberto em 1852, conta com 34 hectares de área.
  • Gallery of Modern Art (GoMA): esta galeria de arte moderna da cidade é a mais visitada da Escócia. De quebra, ainda fica do ladinho da estátua do Duque de Wellington.

Como chegar à Glasgow

Há várias opções para se chegar à cidade, mas duas se destacam:

  • A partir de Edimburgo, há trens diretos entre a estação Edinburgh (Waverley) e a estação central de Glasgow.
  • Para quem vem de Londres ou outras cidades europeias, há dois aeroportos mais próximos: o Aeroporto de Glasgow (GLA) e o Aeroporto de Edimburgo (EDI), que fica a 1 hora de ônibus de Glasgow.

Mapa do tesouro

História de São Mungo

São Mungo (ou Santo Kertigen) é o padroeiro e fundador da cidade de Glasgow.

Diz-se que ele nasceu em Fife (área próxima de Edimburgo) no ano de 528, com nome Kentigern (“grande chefe).

Sua mãe, princesa Thenog (a Sta. Enoch, que citei quando falei dos grafites), engravidou de seu primo Owain, então rei de uma área que hoje fica entre o norte da Inglaterra e o sul da Escócia.

Loth, pai de Thenog e rei de Gododdin (área onde hoje temos Edimburgo) desaprovava o ocorrido, tendo tentado por duas vezes eliminar a filha.

Na primeira, mandou amarrá-la a uma carroça e jogá-la do alto de Trapain Law (um morro a Leste de Edimburgo) mas ela sobreviveu.

Decidido, então, que a filha seria uma bruxa, colocou esta em um barco sem remos no rio Forth, mas ela foi resgatada por Santo Serf perto da cidade de Culross.

Serf rebatizou Kertigen como Mungo (algo como “meu querido”).

Aos 25, já um missionário, Mungo visitou o corpo de um homem chamado Fergus. Ele colocou este senhor em uma carroça e ordenou aos animais que o levassem até uma localização ordenada por Deus (o local da atual cidade de Glasgow).

Na área da atual Catedral de Glasgow, ele construiu uma igreja.

Posteriormente, em 565, ele foi exilado pelo rei Morken de Strathclyde (que era pagão), passando pela região da Cumbria, País de Gales e, finalmente, Roma.

Rhydderch Hael, que derrotou o rei pagão, convidou Mungo a retornar, tornando-o bispo de Strathclyde.

A igreja construída por Mungo (na atual localização da catedral) estimulou a formação de uma comunidade, onde hoje temos a cidade de Glasgow.

Foi nas proximidades da igreja que ele foi sepultado, após falecer em 614.

O que tornou Mungo santo foram 4 milagres iniciais documentados em um livro encomendado pelo bispo Jocelyn, cerca de 500 anos mais tarde.

Os milagres eram:

  • Ele teria ressuscitado um pássaro de St. Serf, que havia sido morto por estudantes (que por sua vez teriam culpado Mungo pelo fato). Colocando a ave entre suas mãos e orando, ele trouxe o animal de volta à vida.
  • Em certa ocasião, estudantes apagaram um fogo sagrado que deveria ter sido vigiado por Mungo. Com alguns galhos congelados e oração, Mungo acendeu o fogo novamente.
  • O santo teria trazido à cidade um sino presenteado a ele pelo papa da época enquanto esteve em Roma. Este seria sempre tocado por ocasião de algum falecido. O original desapareceu, mas existe hoje uma cópia na cidade.
  • O rei de Strathclyde deu um anel à sua esposa, que repassou o presente a um cavaleiro e o objeto sumiu. O rei pediu para ver o anel, caso contrário mataria a esposa. São Mungo ordenou que um peixe fosse pescado do rio. Ao abrir o peixe, o anel foi encontrado lá dentro.

O pássaro, a árvore (dos galhos), o sino e o peixe estão hoje no brasão de armas da cidade.

Este texto foi adaptado de várias fontes, incluindo os textos de Glasgow World e Undiscovered Scotland.

Conclusão

Para muitos, Glasgow já foi uma cidade complicada e violenta, mas esta não foi a realidade que encontrei.

Ornamentada com belos grafites e uma arquitetura de dar inveja, é uma parada importante para qualquer um que queira conhecer um pouco mais da Escócia.

Até a próxima! :)


Imagem de destaque:
Vista de "St. Mungo at High Street", do artista Smug.
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