VAMPIRE KISSES: ENTREVISTA COM ELISA KWON

Elisa Kwon é um dos nomes mais interessantes dentro do cenário de artistas brasileiros que, infelizmente, acabam migrando para o exterior pelo simples fato da virtual inexistência de um mercado verdadeiro no Brasil. Como nosso sistema de distribuição encarece a tal ponto o preço de capa das publicações de banca com a exigência de percentuais pouco razoáveis (e não adianta fugir porque é monopólio, principalmente depois que a Dinap comprou a Chinaglia), o custo de produção nacional de uma hq seria repassado ao preço de capa e o material ficaria caro demais para ser competitivo. A solução seria a de se ter tiragens grandes – mas não temos leitores o suficiente para isso porque não se investe em coisas que possam chamar a atenção desses leitores (exceção a Mônica Jovem, à qual tenho várias críticas, sim, mas que realmente se mostrou um produto popular e prova que sim, com marketing e investimento, é possível desbravar um mundo novo de leitores para justificar essas tiragens); logo, nossas editoras preferem apostar em produtos de nicho, com número limitado de leitores potenciais, e um custo de produção baixo – e o círculo vicioso se repete.

Com isso, nossos desenhistas acabam indo ou fazer outras coisas, ou indo trabalhar para o exterior. Kwon, que nasceu na Coréia do Sul mas foi criada aqui no Brasil, é uma delas – e quando apareceu a capa da última edição de Vampire Kisses, liberada pela Tokyopop, estava lá: Arte por Elisa Kwon, substituindo a antiga desenhista titular, Rem (que ainda assina a capa), em um movimento incomum dentro do meio dos mangás. Kwon – que também lançou um artbook em tiragem limitada para venda online – concordou em dar uma entrevista para este blog, e deixo a palavra a ela.

Bom, primeiro o de praxe: Se apresente para nossos leitores, fale como você começou a gostar de mangá… 🙂
Olá. 🙂 meu nome é Elisa Kwon, e desde pequena eu sempre tive um grande interesse em desenho, apesar de nunca ter pensado realmente em seguir essa carreira. Quando criança, eu já cursava escolas de desenho e pintura – e provavelmente eu peguei essa paixão por osmose, olhando a minha mãe fazer pinturas em aquarela e desenho. Mas foi apenas nos últimos anos que tenho investido a maior parte do meu tempo com quadrinhos. Em 2008 eu passei a trabalhar com animação num estúdio em Santos, e nessa época eu já estava trabalhando como assistente de arte-final em Vampire Kisses 2. Essa foi uma época bem turbulenta porque estava com dois projetos grandes e quase não tive tempo para respirar. Trabalhar com animação foi uma grande oportunidade para enriquecer minha experiência na área, ficar próxima de ótimos artistas e aprender muito com eles.

Certo. Dito isto, vamos falar como foi sua carreira antes de trabalhar com a Tokyopop – seu começo aqui no Brasil, até que você chegasse ao exterior.
Assim como muitos artistas amadores, eu comecei com trabalhos pequenos. O inicio de tudo foi quando a Denise Akemi me convidou para partcipar na Tsunami (o fanzine), e logo em seguida na versão que foi para as bancas. Até hoje eu devo muito à ela por toda a ajuda. Por ela já ter experiência com publicações, na época ela sabia que para um artista conseguir alguma oportunidade, ele tinha que ter algum material publicado, e a Tsunami tinha se tornado uma oportunidade para artistas amadores chegarem a isso.

E depois?
Depois disso eu passei a me dedicar mais nos desenhos e pensar na possibilidade de seguir essa carreira. E depois disso participei de outros fanzines, dentre eles o Break The Hand, um fanzine com ótima repercussão que foi iniciado pelo Davison Carvalho (D-Chan), outro grande artista, não apenas pelo talento mas por todo o entusiasmo e persistência com o projeto. Com o tempo, eu passei a ir atras de freelances com os poucos quadrinhos e oportunidades que haviam no praticamente inexistente mercado de quadrinhos nacionais. E ainda assim passei a fazer outros fanzines por conta propria, mais para não perder o interesse em quadrinhos.

E vieram os Combo Rangers…
Sim, também consegui fazer algumas participações com arte-final em Combo Rangers quando ela passou a ser publicada pela Panini. mas depois infelizmente ela não foi pra frente. Eu ainda consegui alguns freelances pequenos aqui e ali, mas nada muito significativo. E nessa mesma época eu cheguei na famosa fase de todo artista de questionar se isso era realmente o que eu queria fazer da vida. (risos) Estava na faculdade cursando Artes Visuais, mas o curso em si também não estava me agradando porque na época estavamos numa classe experimental e a grade de aulas estava mudando constantemente. E então fiz algo que de certa forma me arrependo, que foi largar tudo. Parei a faculdade e fui procurar um direcionamento melhor. Nisso eu acabei fazendo um curso de animação, por que eu estava com planos de fazer uma faculdade mais direcionada no exterior no futuro. E desde então, acredito que o que aconteceu foi uma sucessão de golpes de sorte e de coincidências que me assustam até hoje (risos).

E qual foi a primeira delas?:)
A primeira foi que o mercado de mangá no exterior estava crescendo e os Estados Unidos estavam como loucos atrás de artistas de mangá. E por indicação de um grande artista e amigo, eu consegui entrar na GlassHouse, uma agenciadora de artistas para o mercado exterior. O engraçado é que essa oportunidade me apareceu na exata época em que eu estava me conformando com a idéia de que quadrinhos não tinham futuro e já era hora de tentar outra coisa.

E foi aí que você chegou a Tokyopop?
Sim, mas meu primeiro projeto na Tokyopop não foi logo de cara um grande hit ou algo do tipo.

O que foi?
Era um projeto experimental para ainda ser aprovado pela Tokyopop. A editora tinha um programa chamado Shining Stars, que tinha o intuito de dar uma chance a artistas e roteiristas amadores para que fossem publicados. Os trabalhos mais votados pelo publico seriam escolhidos para ser novos títulos da Tokyopop. O pagamento era praticamente simbólico, mas por ser da Tokyopop, achei que seria um bom tempo investido. Dito e feito, logo depois do término do primeiro capitulo piloto (“Nemesis: Who Me?”, com roteiro de Grace Randolph), eu obtive muitas propostas de outros editores e depois disso consegui me firmar mais nesse mercado. O que falta muito nos Estados Unidos é justamente trabalhos de maior qualidade e agora os americanos estão percebendo que há muito potencial a ser encontrado fora do país, e isso é algo muito lucrativo para eles…. Depois disso eu consegui outros testes de mangá, e entre eles foi o de Vampire Kisses e de Warcraft Legends.

É uma antologia de histórias curtas no universo de Warcraft, não?
É, a Blizzard entrou com um projeto de publicação de várias histórias curtas e fechadas, e eu participei com uma historia de 45 paginas intitulada Miles to Go. Eu já trabalhava como assistente em Vampire Kisses quando fiz essas paginas de Warcraft, inclusive.

Okay. Como diz o esquartejador, vamos por partes. Primeiro, como você chegou a Vampire Kisses?:)
Depois de ter terminado o capítulo piloto de Nemesis: Who me?, me ofereceram um teste para arte-finalizar e pôr retículas nas paginas de Vampire Kisses 2. E a partir daí eu passei a trabalhar com a artista Rem no projeto. E depois de ter terminado minha parte do trabalho, consegui o trabalho em Warcraft Legends.

Sim, mas a capa do Terceiro volume entrega: Arte de Elisa Kwon…
Durante esse trabalho, me avisaram que a artista Rem não poderia terminar a série, e como eu já havia trabalhado com ela no volume anterior, me ofereceram o teste para fazer o terceiro volume.

Chegou a ter contato com ela durante a produção?
Sim, ela é um amor de artista. Foi muito atenciosa e estava supervisionando minha arte-final, me dando algumas dicas sobre as retículas que me foram muito úteis. Uma das grandes vantagens de ter trabalhado na GlassHouse foi ter contato direto com esses profissionais.

Ela chegou a te dar algum conselho quando você assumiu o lugar dela?
Infelizmente depois disso eu não tive mais contato. O projeto passou a ser um assunto apenas entre eu, o editor responsável pelo projeto e a escritora. Mas ainda mantenho contato com ela como uma amiga artista 🙂

E falando nisso, teve algum contato com a autora em si?
Não diretamente. Mas ela sempre esteve presente no desenvolvimento do projeto, dando feedback e nos incentivando, e isso nos era repassado pelo editor responsável.

É complicado assumir o lugar de uma artista, que inclusive já deixou a identidade visual da série pronta? Quer dizer, por um lado você não precisa realmente criar muita coisa – todo o universo já foi visualmente definido, mas por outro lado, mangás não são como os quadrinhos americanos – há uma questão de identidade de obra envolvida, mesmo em trabalhos mais comerciais – é meio impensável que você veja um volume de Naruto desenhado por alguém que não seja o Kishimoto, por exemplo…
Ah, com certeza! Foi justamente uma das minhas grandes preocupações quando me ofereceram o teste para o terceiro volume. Na verdade eu havia recusado de inicio, mas por insistência dos editores eu acabei topando. Mais por consideração aos colegas que estavam contando comigo. Ainda mais quando a artista anterior tem uma qualidade de trabalho tão impressionante, e da qual eu sou muito fã… a responsabilidade fica bem maior. Eu não tenho intenção nenhuma de dizer que minha arte chega à altura do que a Rem fazia, mas no fim das contas… alguém tem que fazer o trabalho.

Isso interferiu no seu estilo? Seu traço normal lembra muito o da Hiromu Arakawa de Full Metal Alchemist – o que é uma referência bem diferente do trabalho da Rem…
Eu sempre fui muito inspirada pelos trabalhos da Hiromu Arakawa, mas como artista eu sempre tive a vantagem de ser bem versátil com estilos. Mas nunca fui muito apegada a esse estilo profissionalmente e no meu caso, como character designer, é sempre interessante ter uma ampla versatilidade para atingir o público-alvo. Mas com certeza o fato de trabalhar com algo mais delicado foi um grande aprendizado, pois nunca tive uma experiência muito próxima das aventuras shoujo. Mais do que o estilo de desenho em si, eu sempre fui muito mais fã da diagramação e da narrativa visual da Hiromu. E isso foi o que mais bateu de frente com o estilo da Rem.

E como se resolveu no papel essa diferença?
Para não sair muito dos padrões eu passei a deixar a diagramação levemente mais simples, seguindo o que a Rem já fazia. O que não foi muito dificil porque, por sorte, o roteiro dava uma boa liberdade de criação.

Então, como você avalia essa sua primeira experiência no gênero?
Muito gratificante. Na verdade era um estilo que eu relutava muito em fazer, e que passou a me ajudar muito no trabalho. Eu tive que me policiar muito para deixar o traço mais delicado – e ainda me policio, já que eu ainda estou no processo de produção do terceiro volume (risos).

É bom dizer que com isso você se tornou a primeira da nova geração de artistas de mangás brasileiros a trabalhar para o exterior a ter seu trabalho publicado, por antecipação, aqui no Brasil…
Apesar de não ter sido a primeira artista de mangá a publicar no exterior, foi uma surpresa saber que Vampise Kisses vai ser trazido para o Brasil, mas principalmente pela maravilhosa qualidade do trabalho da Rem. E por sorte (novamente) acabei subindo no bonde (risos). Mas fico feliz em saber que um trabalho feito por mim vai conseguir esse tipo de destaque, e também muito triste de saber que essa é a unica forma de um artista conseguir ter seu trabalho publicado em seu proprio país.

O que nos leva a pergunta: Há a chance de vermos algum trabalho seu feito por aqui no futuro?
Bem, eu sinto informar que depois que eu terminar Vampire Kisses 3, eu decidi me focar inteiramente ao mercado de Games com a Ubisoft, com quem eu venho trabalhando nos ultimos meses. Mas estarei continuando com meus projetos pessoais, entre eles Mercenário$, que é um projeto criado pela Fran Briggs e que eu tenho investido muito do meu tempo e que eu quero muito que dê certo.

Então não veremos mais quadrinhos seus tão cedo?
O site de Mercenário$ com os novos quadrinhos já está no ar, mas num ritmo mais lento até a data em que eu terminar Vampire Kisses. E eu quero crer que depois disso, ainda haverá muitos quadrinhos da minha parte, e conforme o projeto obtiver um bom retorno do publico, possamos trabalhar em uma produção independente.

Bom, é uma pena. Em todo caso, nosso tempo está acabando – dê uma mensagem de despedida aos nossos leitores. Sinta-se livre, a palavra é sua. 🙂
Muito obrigada pela oportunidade de falar mais a respeito de quadrinhos, e espero que mesmo com todas as dificuldades os novos artistas ainda continuem tentando ser reconhecidos e valorizados. E sempre se superar e aprender. Muito obrigada pela atenção 🙂
>> MAXIMUM COSMO – por Lancaster

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