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Por Eduardo Simões, Para o Valor, de São Paulo — Valor


Autor — Foto: Reprodução

As ambiguidades e os equívocos que caracterizam o antes, o durante e o depois da Semana de Arte Moderna são o tema do livro "1922 - A Semana Que Não Terminou", do jornalista Marcos Augusto Gonçalves, que acaba de ser lançado. Para ele, a ideia recorrente de que a Semana fora uma espécie de pedra fundamental do modernismo brasileiro é um desses erros: "A Semana se inscreve num momento de afirmação intelectual de São Paulo, mas um dos equívocos históricos é achar que tudo o que veio antes era, indistintamente, pré-modernismo. Como se 22 fosse um mito criador".

Passados 90 anos, "1922" vem se juntar a uma série de livros importantes que se debruçaram sobre o tema, como "Movimentos Modernistas no Brasil", de Raul Bopp, que acaba de ganhar reedição pela José Olympio depois de 40 anos fora de catálogo, e "Semana de 22", de Marcia Camargos, lançado há dez anos. Isso sem falar em uma biografia em produção de Mário de Andrade (leia texto na pág. 25) e inúmeras teses e artigos ao longo dessas nove décadas. Mas cabe voltar ao assunto?

"Ao longo dos anos, os instrumentos de pesquisa se aprimoram, vão surgindo documentos novos e, com eles, algumas teses são corroboradas, outras, derrubadas", afirma Marcia. Seu livro desfrutou do acesso aos até então inéditos arquivos do político e mecenas Freitas Valle (1870-1958), cuja chácara Villa Kyrial, no bairro paulistano da Vila Mariana, foi reduto de artistas da Semana. "Com o passar dos anos, não contamos mais com a memória oral. Como disse [o antropólogo francês] Claude Lévi-Strauss, 'a história é reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais'".

O livro de Gonçalves não tem caráter teórico ou acadêmico: trata-se de uma reportagem histórica que busca reler as diversas versões difundidas ao longo dos anos em várias publicações. "Não tenho a pretensão de ter escrito a história definitiva", afirma.

Às vésperas do centenário da Independência, havia vários fatores determinantes para a realização da Semana em São Paulo. Em plena política do café com leite, que alternava a Presidência entre mineiros e paulistas, a capital do rico Estado agrário se preparava para a industrialização e estava diante de um incipiente "boom" urbanístico. Mas faltava algo: a cidade queria fazer subir a Serra do Mar a hegemonia intelectual e cultural, que cabia ao Rio, então capital do país. E aí surge uma das ambiguidades de 22: o mesmo "Brasil" rico, que exportava seus filhos para a Europa para se ilustrar, não queria, em sua maioria, importar da França ou Alemanha os novos valores artísticos estéticos que por lá já florejavam.

Tarsila do Amaral, Mário de Andrade com Anita Malfatti ao piano, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia (no tapete) retratados em "Grupo dos Cinco" (1922), de Anita — Foto: Valor

E mais: foi parte desse Brasil endinheirado - a elite cafeeira de São Paulo - que patrocinou a Semana de Arte Moderna, na verdade três dias. O evento ocorreu no Teatro Municipal paulistano, alugado, em 13, 15 e 17 de fevereiro, num "crowdfunding" (sistema de financiamento coletivo) de poucos e ricos capitaneado pelo mecenas Paulo Prado (seu celebrado "Retrato do Brasil - Ensaio sobre a Tristeza Brasileira", de 1928, está sendo relançado pela Companhia das Letras).

O jovem elenco de artistas participantes, "playboys intelectuais" (como diria o poeta e jornalista Guilherme de Almeida, décadas depois) na casa dos 20 e 30 anos, viria a ser estelar: os escritores Mário de Andrade (de "Pauliceia Desvairada" e "Macunaíma") e Oswald de Andrade (autor do "Manifesto Antropófago" e da peça "O Rei da Vela"), os pintores Anita Malfatti e Di Cavalcanti, o maestro Heitor Villa-Lobos, entre outros. Nas palavras de Oswald, eram jovens que não sabiam ao certo o que queriam, mas sabiam o que não queriam: permanecer atrelados, só para dar dois exemplos, à literatura parnasiana e à pintura figurativa, estilos que, depois de seus contatos com os diversos "ismos" da vanguarda artística europeia, consideravam passadistas.

Nas palavras do escritor Menotti del Picchia (1892-1988), também protagonista da Semana, que depois se bandeou com valores estéticos e tudo mais para o integralismo de Plínio Salgado, seu primeiro encontro com Oswald, em 1920, foi o marco da "'conjuração renovadora', que culminaria no 'brado' de 22", como cita Gonçalves. Porém, a Semana pode ser vista mais como ponto de inflexão do que pedra fundamental do modernismo brasileiro. Antes mesmo da notória crítica de Monteiro Lobato (1882-1948), em 1917, à primeira exposição individual de Anita Malfatti (1889-1964), texto que ficou conhecido como "Paranoia e Mistificação", já havia um embate, ainda que em um círculo reduzido, entre passadistas e "futuristas", como parte da imprensa chamava aqueles jovens.

"Antes de 22 já havia coisa semelhante criada pelo próprio pai do Paulo Prado, o conselheiro [e mecenas] Antônio Prado. Era um projeto de hegemonia cultural que estava em processo, e naquele momento urgia acabar com a defasagem cultural em relação à Europa", diz Gonçalves. "E a Semana em si, entre adesão e resistência, acabou sendo um evento em que, claramente, a retórica dos participantes estava à frente das obras mostradas. Houve ali uma conciliação entre valores conservadores, com a presença da pianista Guiomar Novaes e seu repertório com Chopin, e novos valores, sobretudo nas letras. Foi algo conciliatório, bem à brasileira. Só depois, sim, tivemos 'Macunaíma', o 'Manifesto da Poesia Pau-Brasil' e o 'Manifesto Antropofágico'."

Marcia faz coro a Gonçalves e diz que a Semana não teve importância e repercussão na época em que ocorreu, fora do próprio círculo de mecenas e artistas que a orbitou: "Somente a perspectiva histórica permitiu entender de que maneira ela impactou toda a produção posterior. Décadas depois foi construída a nova capital, Brasília, e o projeto modernista de [Oscar] Niemeyer não tinha uma ligação direta com que o foi exibido de arquitetura na Semana, mas era um legado".

Os frutos da Semana de 22 também rendem perspectivas contraditórias. O tropicalismo teve inspiração assumida do "Manifesto Antropófago", de Oswald, evidenciada na música de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Mutantes, entre outros; assim como o teatro de José Celso Martinez Corrêa e o Cinema Novo de Glauber Rocha. Já no fim dos anos 1970, a geração de artistas em torno do teatro Lira Paulistana, nome tirado de obra de Mário de Andrade, também foi considerada tributária de 22 - o que é rechaçado, por exemplo, por um de seus ícones, o músico Arrigo Barnabé.

"Foi muito diferente. Aquele pessoal era a elite da época, e nós, pés-rapados, estudantes 'durangos', vivendo em uma ditadura", diz Barnabé, para quem a apresentação de Villa-Lobos fora a mais "modernista". "O programa apresentado por ele é ousado ainda hoje. Pensando em 1922, não dá para imaginar coisa melhor do que isso, ainda mais que, a partir daí, Villa-Lobos vai gradativamente se afirmando como um dos grandes compositores do século XX, com reconhecimento mundial. As outras apresentações na Semana de 22, a meu ver, foram eclipsadas por Villa-Lobos."

Marcia afirma que, até mesmo por ter sido um movimento quase espontâneo, um "evento" realizado em cerca de três meses, cinema, teatro, dança e fotografia ficaram de fora.

O secretário municipal de Cultura de São Paulo, Carlos Augusto Calil, aponta outros motivos para essas lacunas: "O cinema brasileiro da época era precário e de imitação do cinema americano. O teatro também engatinhava, era feito de imitação do teatro português ou de revistas musicais. Dança, então, nem pensar".

Para Gonçalves, a grande "falta" na avaliação histórica da Semana foi, por muito tempo, certa diminuição da participação carioca: "O bairrismo presidiu boa parte das discussões posteriores, tendo de um lado certo rancor carioca e do outro o fato de que São Paulo realmente se firmava como centro de criação cultural. Mas a Semana foi não somente nacional, com a presença do Rio, de Pernambuco etc., como internacional, com convidado polonês, alemão, suíço".

Calil também ressalta a participação carioca, de nomes como Graça Aranha, Di Cavalcanti e Manuel Bandeira. "Depois Drummond se juntou ao grupo. Com o tempo, foram se afastando das disputas paulistas entre os dois Andrades e a arregimentação política à esquerda e à direita", diz Calil.

Turbulências posteriores no cenário político iriam contribuir para essa percepção de racha. "Em 1929, o movimento radicalizou com a Antropofagia e, em 1930, com a revolução de 3 de outubro, o Rio recuperava sua proeminência nacional em todos os níveis, inclusive cultural. A Revolução de 1932 opôs paulistas e cariocas politicamente e o afastamento já era acentuado. O que veio depois foi o ciclo de literatura social regional sem maior interesse pela vanguarda artística, isto é, pelo legado da Semana. Já eram outros tempos", afirma Calil.

Para Marcia, até seria possível um exercício de "futurismo", não aquele com que os "passadistas" do início do século XX tentaram rotular os modernistas. Mas o de bola de cristal mesmo. Se hoje, 90 anos após a Semana de 22, São Paulo tivesse de abrigar um festival do gênero, que valores estéticos entrariam na roda? "Seria uma Semana contaminada pela crise do capitalismo, um grito de socorro, não apenas com a discussão sobre uma nova estética, mas também acerca das novas mídias como suporte para a arte, da sobrevivência nas cidades, da sustentabilidade", diz Marcia. Já Gonçalves evita o jogo de adivinhação: "Seria como criar, de novo, a minissaia".

Marcos Augusto Gonçalves. Companhia das Letras, 376 págs., R$ 49,00

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