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Cristiane Schmidt Neide Araujo Castilho Teno Antonio Carlos Santana de Souza (Organizadores) O QUE VEM TE CONSTITUINDO PROFESSOR? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Copyright © dos autores Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida ou arquivada, desde que levados em conta os direitos dos autores. Cristiane Schmidt; Neide Araujo Castilho Teno; Antonio Carlos Santana de Souza [organizadores]. O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência. São Paulo, Mentes Abertas, 2023, 170 p. ISBN: 978-65-80266-80-7 1. Ensino. 2. Docência. 3. Autobiografia. 4. Formação de Professores. I. Título. CDD 370 Diagramação e capa: Maristela Zeviani. A Editora Mentes Abertas divulga os trabalhos acadêmicos presentes nessa obra e não se responsabiliza de maneira alguma por qualquer tipo de plágio, cópia ou citação indevida por parte de qualquer integrante deste livro e condena veementemente esta prática. Confiamos na idoneidade moral e intelectual de nossos autores. Portanto, qualquer responsabilidade legal neste quesito é de única e integral responsabilidade do autor. Conselho editorial Profa. Dra. Cristiane Navarrete Tolomei (UFMA, Brasil) Prof. Dr. Fábio Marques de Souza (UEPB, Brasil) Profa. Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet-UNR, Argentina) Comitê científico Profa. Dra. Eva Paulino Bueno (St. Mary´s University, Estados Unidos) Prof. Dr. Helder Neves de Albuquerque (PPGRN - UFCG, Brasil) Prof. Dr. José Alberto Miranda Poza (UFPE, Brasil) Prof. Dr. José Veranildo Lopes da Costa Junior (UFPB, Brasil) Prof. Dr. Maged Talaat Mohamed Ahmed Elgebaly (Aswan University, Egito) Profa. Dra. Mona Mohamad Hawi (USP, Brasil) www.mentesabertas.com.br https://mentesabertas.minhalojanouol.com.br/ A Mentes Abertas é filiada à ABEC SUMÁRIO PREFÁCIO ........................................................................6 Prof. Dr. Carlos Cernadas (UFPA) APRESENTAÇÃO NARRATIVAS DE PROFESSORES E OS FIOS QUE TECEM A DOCÊNCIA: Memórias de quem ensina .....................................8 Cristiane Schmidt Neide Araujo Castilho Teno Antonio Carlos Santana de Souza PARTE 1 NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS Relatos de professoras-pesquisadoras participantes das Rodas de Conversas: “O que te fez Professora?” ...................... 15 Capítulo 1 O QUE TE FAZ PROFESSOR? ........................................... 16 Walkyria Alydia Grahl Passos Magno e Silva (UFPA) Capítulo 2 COMO ME TORNEI PROFESSORA? .................................. 26 Dörthe Uphoff (USP) Capítulo 3 CONTEXTUALIZANDO CAMINHOS E CONSTRUINDO IDENTIDADE: Autobiografia .................................................. 43 Neide Araujo Castilho Teno (UEMS) Capítulo 4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O GÊNERO MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ............................................................... 55 Ana Sophia Monteiro Barbosa (UFPA) Capítulo 5 FLUÍNDO COMO UM RIO: Uma análise de como as trajetórias influenciam na construção da identidade dos professores do Grupo de Pesquisa e Estudos - SUPROF da UFPA ............................................................................................ 67 Leandro Carneiro Oliveira (UFPA) Ingled Dayanna Goncalves Xavier (UFPA) Cristiane Schmidt (UFPA) Antonio Carlos Santana de Souza (UEMS) PARTE 2 NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS: Relatos de participantes do Projeto de Pesquisa e Estudos de Narrativas de SujeitosProfessores em Formação- SUPROF ....................................... 85 Capítulo 6 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ....................................... 86 Yagma Suely Vieira Figueira (UFPA) Capítulo 7 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ....................................... 96 Andressa Costa dos Santos (UFPA) Capítulo 8 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ..................................... 107 Nilda Eunice Castro Pereira Costa (UFPA) Capítulo 9 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ..................................... 115 Daniele Angélica Borges Foletto (UNEMAT) Capítulo 10 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ..................................... 123 Fabiana da Silva Lira (UNEMAT) Capítulo 11 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ..................................... 132 Yara Fernanda de Oliveira Adami (UNEMAT) Capítulo 12 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ..................................... 141 Tânia Maria Sanábria Carvalho Tolotti (UNEMAT) Capítulo 13 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ..................................... 152 Flaviane Leite da Silva Cassia (UNEMAT) Capítulo 14 ENTREVISTA: Como é a Formação Docente na Alemanha? A experiência na universidade de Leipzig ........................ 158 INTERVIEW: Wie ist die Lehrerausbildung in Deutschland? Die Erfahrungen an der Universität Leipzig .................................. 158 Katja Lieber (Universität Leipzig -Deutschland) SOBRE OS AUTORES .................................................... 164 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência PREFÁCIO O homem, por sua natureza gregária, é um inato contador de histórias. Ao contá-las, vai tecendo ideias, crenças e valores nas próprias narrativas criadas, contribuindo a conformar seu universo particular, pois esses relatos não contêm só evidências de um determinado saber, senão sua própria realização. Assim, quem conta histórias organiza seu mundo e o dá a conhecer. Desse modo, a realidade transforma-se por meio das histórias contadas, adquirindo novos sentidos e interpretações. A capacidade humana de rememorar os tempos pretéritos por meio das narrativas mostra o desejo de reter e guardar o tempo que já se foi com o intuito de tentar evitar seu total desaparecimento. Relatar o passado e o vivido significa tratar de buscar lembranças de lugares, pessoas e situações, porque todo este conjunto memórias conforma o marco das nossas evocações, frequentemente caracterizado por um leque de sentimentos difícil de definir e controlar. Recordando, o sujeito reflexiona sobre suas vivências e as reorganiza a partir da distância entre o passado e o momento atual, dado que as lembranças representam a captura do pretérito no presente, permitindo entender o presente por meio do que já passou. Portanto, narrar supõe clarificar um interminável diálogo entre o presente, o passado e as expectativas para o futuro, e neste processo sem fim, o diálogo entre o sujeito e o narrado adquire múltiplas facetas. Esta dinâmica produz um conjunto de relações que podem ser analisadas sob diferentes perspectivas. Deste modo, o sujeito elabora sua visão e sua representação dos fatos que marcaram sua própria história. Por isso, quando o passado é analisado, caminha-se ao encontro de um outro tempo com características próprias, com singularidades e multiplicidades. A memória é vida. Em consequência, encontra-se à mercê de constantes evoluções e mudanças, submetida à luta entre a 6 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência lembrança e o esquecimento, exposta a múltiplas transformações, capaz de longos adormecimentos e de profundas revitalizações, sempre envolvida na inconsciência de sua imperfeição e na intensidade do rememorado. Essa intensidade constitui, precisamente, o elemento mais marcante das memórias contidas na obra “O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência”. Este livro de narrativas evidencia o potencial de formação que possui este gênero textual, contendo o relato dos acontecimentos de maior relevância do percurso acadêmico de seus autores, criando um solo fértil para a reflexão sobre temáticas transcendem para o âmbito do ensino. A obra, assim, convida a ressignificar as concepções que todos nós, professores, temos sobre o processo de ensino-aprendizagem. Avanço que nas seguintes páginas serão encontrados testemunhos que descrevem como foram iniciadas as práticas profissionais dos autores, reflexões sobre experiências de superação, descrições de trajetórias de vida, propostas de inovação dos processos de ensino-aprendizagem e exemplos da enorme capacidade destes docentes para enfrentar contextos desafiadores, tudo isso culminado com a ilustração dos resultados do impacto dessas ações no percurso acadêmico dos alunos. Por último, considero necessário apontar que esta obra, na qual histórias reais se entrelaçam, comprova o enorme valor deste processo de compartilhamento de narrativas no fomento do sentimento grupal dos professores e no desenvolvimento do mútuo conhecimento, produzindo, como efeito, que nós leitores nos tornemos melhores docentes e melhores pesquisadores. Augurolhes, sem dúvida, uma muito interessante leitura. Prof. Dr. Carlos Cernadas (UFPA) 7 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência APRESENTAÇÃO NARRATIVAS DE PROFESSORES E OS FIOS QUE TECEM A DOCÊNCIA Memórias de quem ensina A memória é escrita num tempo, um tempo que permite deslocamento sobre as experiências. Tempo e memória que possibilitam conexões com as lembranças e os esquecimentos de si, dos lugares, das pessoas e das dimensões existenciais do sujeito narrador (SOUZA, 2007, p.4) Iniciamos a apresentação desta obra cruzando fios, entrelaçando histórias pois é preciso falar de memórias. As memórias carregam no tempo as itinerâncias da vida e da profissão, um tempo vivido, singular, porém com experiências carregadas de sentidos do vivido. As narrativas memorialísticas são costuradas de fios, que não obrigatoriamente guardam verdades, mas conservam na memória aquilo que viveu “restando esta tensão entre o que aconteceu e o que o sujeito desejaria que tivesse acontecido, ou como ele concebe hoje o acontecido” (FISCHER, 2011, p. 21-22). Presente, passado e futuro são dimensões do tempo, contudo a compreensão esquiva da nossa competência de apreensão. E para entender acerca do tempo fomos ao “tempo linguístico” que tem muita ligação com exercício da palavra (BENVENISTE, 1989), e quando usamos nas narrativas o presente do indicativo para situar acontecimentos na contemporaneidade, estamos inconscientemente traçando linhas divisórias, o que possibilita fazer relações ente o passado e o futuro. Segundo Benveniste, o presente sempre será o início do discurso, uma vez que a língua ordena o tempo. Esta obra caminha pelas autobiografias escritas numa temporalidade linguística que de certa maneira constituem aspecto fundamental para a composição do discurso do falar de si. Os sujeitos, personagens dos memoriais narram suas trajetórias deixando pistas que podem permitir a concepção de determinados 8 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência efeitos de sentido. O deslocamento das experiências para a contemporaneidade não deixa de ser lembranças carregadas de significados que cada narrador confere às suas reminiscências. Por isso, é necessário recordar, pois o que é lembrado traz sentido para vida. Caminhamos nessa apresentação pelo tempo e pela memória, trazendo lugares, pessoas, acontecimentos que possibilitaram conexões entre outros espaços geográficos e outras culturas. Reunimos nessa obra lembranças, esquecimentos, diferentes lugares, diferentes pessoas e dimensões existenciais do sujeito narrador que narra fatos de sua memória numa diversidade de caminhos que auxiliam as narrativas. E nessa dialogia entre o vivido e o narrado, o E-book busca mostrar dizeres que afiancem a socialização do conhecimento e o sujeito se posicione, dando voz em seu texto, interagindo com as práticas de linguagem. Ao indagar: O que te fez professor, encontramos com as Narrativas Autobiográficas, com histórias de professoraspesquisadoras ao redor de um tempo. Foram as Rodas de Conversas que alimentaram e estimularam as narrativas memorísticas. Tudo iniciou como uma rota de rio, sem conhecer as curvas sem pensar na trajetória, mas o rio não parou. Ora estreitando, ora se alargando transformou em um projeto de pesquisa intitulado “Pesquisa Narrativa: Memoriais de Sujeitos Professores em Formação-SUPROF” situado nas áreas de conhecimento da Linguística, Letras e Artes , da Universidade Federal do Pará (UFPA), por meio da Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas (FALEM) em parceria com a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) e a Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), e num desembocar de águas encontrou o berço de nascimento de memórias. Vale lembrar que entre os fios que cruzam as histórias desse projeto encontramos no Diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil (CNPq) o ‘Grupo de Pesquisa e Estudos de Narrativas de SujeitosProfessores em Formação’1- Linha de Pesquisa ‘Pesquisa Narrativa e 1 5 Cf. espelho do grupo, disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/ 9449448776089474. Acesso em:12 fev. 2021. 9 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Formação de Professores de Línguas Estrangeiras’, o suporte para concretizar as ações das rodas de conversas. Estiveram presentes nessas rodas de conversas: alunos dos cursos de Letras Língua Inglesa, Alemã, Espanhola e Francês; alunos egressos de LetrasLíngua Alemã e os pesquisadores que atuam nas áreas de Letras e Linguística das regiões Norte e Centro-Oeste, especificamente das instituições UFPA, UEMS e UNEMAT. Entre correntezas, memorias e trajetórias foram produzidos memoriais, cada uma com sua especificidade própria, com seu modo de dizer o singular “O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência”. Assim esta obra tem o propósito de fomentar reflexões no campo da formação de professor, nas diferentes áreas de conhecimento, bem como constituir um espaço de encontro e socialização de práticas de narrativas Autobiográficos de Professores. O E-book está organizado em duas partes, PARTE 1 - Narrativas Autobiográficas: relatos de professoras-pesquisadoras participantes das Rodas de Conversas: ‘O que te fez Professora? E PARTE 2 Narrativas Autobiográficas: relatos de participantes do Projeto de Pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em Formação- SUPROF contendo quatorze capítulos. O Capítulo 1 “O que te faz professor?” de Walkyria Alydia Grahl Passos Magno e Silva (UFPA), caminha de modo diferente , pois como a própria autora explica “este é um texto diferente do que estou habituada a escrever. Ele não relata um experimento; ele não tem uma metodologia a ser explicada e nem questões de pesquisa a serem respondidas”. No entanto, traz para roda de conversa questões da alma, pedaços de uma professora que carrega uma trajetória muito peculiar. Parte de um macrossistemas para aninharse a outros subsistemas. Assim fala de sua trajetória, de sua identidade, de sua formação, de seu concurso como um rio caudaloso, e seu modo de ser professora e “viver a vida de uma professora, com todas as alegrias e dificuldades que a carreira me trouxe”. 10 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência No Capítulo 2 “Como me tornei professora?” de Dörthe Uphoff (USP), a estudiosa busca suas origens escolar na Alemanha, e fala das línguas que cursou no Gymnasium de sua cidade no interior: inglês (matéria obrigatória), francês (eletiva), latim (eletiva) e espanhol (optativa). Apresenta uma trajetória bastante movimentada com estadias em Paris e Londres, na Universidade de Colônia, Alemanha. Foi no Brasil seu porto seguro para docência particularmente na UFSC. Com narrativas de muito conhecimento e trajetórias diversificadas ela defende a “qualificação de professores como um processo contínuo, que apenas inicia na graduação, mas perdura pela vida profissional inteira”. O Capítulo 3 “Contextualizando caminhos e construindo identidade: autobiografia” de Neide Araujo Castilho Teno (UEMS), encontramos uma narrativa metafórica trazendo para roda de conversa muita poesia, exposição de vínculos inseparáveis na formação da identidade, trazendo em “cada ponta da história de vida uma metáfora para ilustrar e bordar o caminho construído dessa identidade”. Caminha por entre curvas e paragens descrevendo sua formação, suas amizades carregando um sentimento de satisfação e alegria principalmente por ter percebido que o sentimento presente nas primeiras cenas de seu memorial se mantém vivo e pulsante, como se o tempo passado só tivesse fortalecido o presente. O Capítulo 4 “Considerações sobre o gênero memorial autobiográfico” de Ana Sophia Monteiro Barbosa (UFPA), inicia descrevendo a importância do gênero textual acadêmico, de cunho autobiográfico, como um texto em que o próprio escritor (memorialista) assume, as funções de autor, narrador e personagem da sua própria história. Nessa linha de raciocínio apresenta breve contextualização do gênero memorial autobiográfico no âmbito acadêmico, com destaque local, para as produções realizadas no interior do projeto “Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitosprofessores de línguas em formação” (SUPROF), além de compreendê-lo melhor enquanto gênero textual. Conclui seu texto apresentando uma proposta de manual para a elaboração de memoriais. 11 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 5 “Fluindo como um rio: uma análise de como as trajetórias influenciam na construção da identidade dos professores do grupo de pesquisa e estudos - SUPROF da UFPA” dos autores Leandro Carneiro Oliveira (UFPA), Ingled Dayanna Goncalves Xavier (UFPA),Cristiane Schmidt (UFPA) e Antonio Carlos Santana de Souza (UEMS), registra a caminhada de um grupo de estudo e suas parcerias com diferentes instituições de ensino e do envolvimentos de alunos nas ações do projeto, bem como relata a publicação de produções e realização de eventos a partir do projeto. Um texto contendo as primeiras impressões do grupo de pesquisa acerca dos memoriais acadêmicos. O Capítulo 6 “Memorial autobiográfico” de Yagma Suely Vieira Figueira (UFPA), caminha por fios de acontecimentos passados de longos períodos da vida, sua caminhada na formação por meio de lembranças em uma atmosfera de distanciamento do fictício e ao mesmo tempo proporciona uma narrativa com muita clareza dos fatos. É como um exercício de reflexão sobre o passado e projeção sobre suas expectativas para o futuro. Recorda de nomes que fizeram a diferença na sua formação e entre o glamour da arquitetura e o gosto por ser professora de matemática, o segundo passo falou mais alto. O Capítulo 7 “Memorial autobiográfico”, de Andressa Costa dos Santos (UFPA), traz como seu primeiro contato a escola em Belém do Pará, passou pelo Jardim 1, frequentou regiões ribeirinha, áreas de várzea, transporte, alimentação escassa. A memória não falha quando lembra como chegava na escola “ locomoção, só era possível por meio aquático, os professores da Educação Infantil, enfrentavam 1h de viagem de barco”, e a sala de aula um barracão de madeira cedido pela igreja da comunidade. Nem por isso desistiu de ser professora. O Capítulo 8 “Memorial Autobiográfico” de Nilda Eunice Castro Pereira Costa (UFPA), inicia seu memorial fazendo referência a sua participação no grupo Pesquisa e Estudos de Narrativas de SujeitosProfessores em Formação vinculado à FALEM-UFPA, e a importância de estudar temas relacionados ao ensino-aprendizagem e formação de professores. Traz uma trajetória de experiências rica de 12 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência significados e aprendizagens no curso de história, e em 2020 inicia o curso Letras-francês da Universidade Federal do Pará com o intuito de ser professora. Acredita numa educação possível de sobreviver sem ter a necessidade de fazer parte desse sistema corrompido. O Capítulo 9 “Memorial autobiográfico” de Daniele Angélica Borges Foletto (UNEMAT), caminha por muitas trilhas e oportunidades inclusive passar o ano letivo 2000/2001 nos Estados Unidos da América, na cidade de Taylorsville no estado da Carolina do Norte cursar o ensino médio. Foi tutora de cursos que ensinam pessoas com deficiência mental na faculdade comunitária de Cattawba Valley na cidade de Hickory. Um memorial carregado de viagens com experiências de realizar cruzeiro pelas Bahamas, com experiências culturais, em gastronomia nos EUA, incluindo sabores da Grécia, México, Japão, Itália, Tailândia, China, Espanha, Marrocos entre outros. O leitor vai encontrar no memorial narrativas de vida com caraterísticas importantes para construção da identidade. O Capítulo 10 “O memorial autobiográfico” de Yara Fernanda de Oliveira Adami (UNEMAT), inicia sua trajetória na cidade de Nova Andradina em Mato Grosso do Sul, onde nasceu. Cursou Pedagogia na Unopar (uma faculdade EAD), e curso de letras , morando sempre em ‘Campex’, ( nome popular dado pelos estudantes para a moradia estudantil existente no campus de Pontes e Lacerda). Apaixonada pela sociolinguística continua se dedicando e pesquisando , com um memorial recheado de encontros e desencontros. O Capítulo 11 “Memorial autobiográfico” de Tânia Maria Sanábria Carvalho Tolotti (UNEMAT), parte de fios longínquos e chega no Mato Grosso do Sul, na cidade Três Lagoas, fronteira com São Paulo para iniciar sua alfabetização. Narra suas vivências em escola de uma vila Militar da cidade, conheceu a cartilha “Caminho Suave”, e conta histórias de vizinhos, professores que fizeram a diferença em sua vida. Sua narrativa passa por diferentes lugares dada a profissão do pai (militar) , assim passou por Cuiabá, Campo Grande e chega no Rio Grande do Sul. Entre tantas andanças vai para Polônia e Hungria representar o Brasil em dois festivais de folclore. Participa ativamente do PROLLER (Programa de Leitura). Uma narrativa envolvente de uma trajetória eclética enquanto professora. 13 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência O Capítulo 12 “O memorial autobiográfico” de Flaviane Leite da Silva Cassia (UNEMAT) desenvolve seu memorial trazendo passagens diversas até chegar ao Mestrado em Literatura, pela Universidade Estadual de Mato Grosso- UNEMAT- Campus Tangará da Serra, relatando experiências , fragilidades, sucessos para seu crescimento acadêmico e profissional . Uma trajetória inspiradora para seguir em frente sem desistir, por isso torna aluna especial no Programa de Pós-graduação em Linguística nas disciplinas “Línguas indígenas” e “Sociolinguística”, e mesmo em função administrativo, consegue chegar ao objetivo, concluindo com êxito suas pretensões. O Capítulo 14 “Entrevista: como é a Formação Docente na Alemanha?: A experiência na Universidade de Leipzig Interview: wie ist die Lehrerausbildung in Deutschland?: die Erfahrungen an der Universität Leipzig“ de Katja Lieber (Leipizig UniversitätDeutschland). Cristiane Schmidt Neide Araujo Castilho Teno Antonio Carlos Santana de Souza Referências BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral II. Campinas, SP: Pontes, 1989. FISCHER, Beatriz T. Daudt. Introdução: De enguias e outras metáforas. In: FISCHER, Beatriz T. Daudt (Org.). Tempos de escola: memórias. Volume II. São Leopoldo: Oikos, Brasília: Liber Livro, 2011, p. 17-24. SOUZA, Elizeu Clementino de. História de vida e práticas de formação: escrita de si e cotidiano escolar. Brasília: Programa Salto para o futuro, SEED/MEC, 2007. 14 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência PARTE 1 NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS Relatos de professoras-pesquisadoras participantes das Rodas de Conversas “O que te fez Professora?” 15 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 1 O QUE TE FAZ PROFESSOR? Walkyria Alydia Grahl Passos Magno e Silva (UFPA) Introdução Este é um texto diferente do que estou habituada a escrever. Ele não relata um experimento; ele não tem uma metodologia a ser explicada e nem questões de pesquisa a serem respondidas. No entanto, ele começa por uma pergunta. Essa pergunta nos leva ao íntimo da alma, indagando quais os pedaços de mim que me fazem, de fato, uma professora. Desenvolvimento Eu gostava muito de minhas professoras, quase todas mulheres. Eu as admirava e a profissão me atraia. Conclui a Escola Normal1 em 1972, tendo assim a minha primeira investidura oficial na carreira. No ano seguinte, entrei na Faculdade de Letras. Durante meu primeiro curso de graduação, fui professora particular de inglês em todas as horas vagas de que dispunha durante o dia. Os estudos não pararam nunca, pois quem ensina precisa também aprender. Mais adiante, neste texto, minha trajetória será mais explicitada, com suas dificuldades e sucessos. Antes de entrar na história de ensino e sua contraparte da pesquisa, gostaria de discorrer um pouco sobre uma ancoragem que me satisfaz teoricamente para compreender melhor minha profissão, A “normalista” formada podia ensinar nas escolas primárias de primeira à quarta séries. Tinha o direito também de assumir classes no pré-escolar: jardim de infância, abrigando crianças de cinco anos em média, e pré-primário, com as crianças de seis. Antes dessa idade, as crianças costumavam ficar em casa. 1 16 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência as relações que construí, enfim, a minha vida no aprender e no ensinar. Me refiro às Teorias da Complexidade e, mais, especificamente, aos Sistemas Adaptativos Complexos, tema da próxima seção. Sistemas adaptativos complexos O pensamento complexo na Linguística Aplicada foi primeiramente introduzido por Larsen-Freeman (1997) e no Brasil por Paiva (2005). São características dos sistemas adaptativos complexos (SAC): abertura, emergência, dinamismo, não linearidade, (co)adaptação, sensibilidade a feedback, auto-organização e presença de atratores. Agentes e elementos formam esses sistemas. Chamamos agentes todas as pessoas envolvidas em um determinado sistema e elementos são os objetos inanimados, lugares e subprocessos que se interrelacionam com os agentes em interações dinâmicas. Os SACs são abertos por serem dinâmicos e esse dinamismo os coloca sempre frente a novos elementos que causam relações inéditas na sua trajetória. Sua abertura permite a entrada de novos elementos e o aninhamento de outros sistemas, mudando toda a trajetória e criando situações para a emergência de novos comportamentos. Devido a essa constante mudança, os elementos e agentes de um SAC se coadaptam e se auto-organizam para que o sistema continue operando. Os SACs são também sensíveis a feedback, quando reagem ao andamento do sistema. No entanto, essa reação nunca é garantida. Em certos momentos, muita energia é injetada em um sistema, resultando em reações pífias. Em outras ocasiões, uma pequena ação ou interferência pode causar tremendas alterações em cadeia no SAC: o chamado efeito borboleta. Na trajetória de um sistema, ele pode se estabilizar, embora dinamicamente, em estados preferidos chamados atratores, dos quais só sairá com alguma ação que o tire de lá. Caso a entropia seja 17 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência maior do que a energia reposta em um sistema, ele tende a desaparecer2. Todos os sistemas observados e descritos em um dado momento estão aninhados em macrossistemas maiores ao mesmo tempo em que aninham outros subsistemas. Os estudos em complexidade enfocam o desenvolvimento das relações entre subsistemas, elementos e agentes em um dado SAC ao longo do tempo. Neles, tudo está conectado. Em cada um, desenvolve-se uma trajetória única. Subsistemas aninhados do sistema ensino e aprendizagem, tais como o sistema identitário, o sistema de motivação e os processos de autonomização estão todos interligados, mesclando-se razão e emoção. É na Teoria dos Sistemas Complexos que encontro o respaldo para integrar todas as minhas ações que me encaminharam para ser a professora que sou hoje. Minha trajetória como professora Sempre quis ser professora. A professora que eu sou teve uma condição inicial quando eu era muito pequena. Tenho a clara imagem de mim mesma brincando com bonecas e ursinhos enfileirados em banquinhos e cadeirinhas. Eu tinha um pequeno quadro negro no qual eu escrevia com giz as lições para meus alunos inanimados e, no final da aula, passava-lhes lições de casa. Eles respondiam as perguntas que lhes fazia (era eu que respondia, assumindo diferentes vozes); faziam os deveres (era eu que os fazia) e algumas vezes “eles” erravam, dando-me a chance de corrigi-los. Eu lhes contava histórias e lhes ensinava tudo o que aprendia na escola. Assim, todas as funções de uma professora em sala de aula, pelo menos naquele tempo, estavam representadas nas minhas atuações daquela realidade. Acredito que a formação de um professor começa quando ele pisa em uma sala de aula pela primeira vez na sua infância. A imagem 2 As características dos SACs estão mais bem descritas e exemplificadas em Magno e Silva e Borges, 2016. 18 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência que fazemos de nossos primeiros professores é, de certa forma, indelével e serve como base para a construção do professor que seremos. Lembro-me, como se fosse hoje, de minha professora de jardim de infância. Seu nome era Annelore. Ela nos tratava carinhosamente e nos liderava nas tarefas entremeadas de brincadeiras, lições de coordenação motora e de desenho, pintura etc. Minha hora favorita era o momento de ler histórias no cantinho da leitura. Sempre gostei muito de estudar. Aprender conteúdos novos me fascina até os dias de hoje. Segui pelo curso primário e ginasial e, posteriormente, ingressei no Curso Normal, que formava professores para atuação do primeiro ao quinto ano. Enquanto cursava a Escola Normal, eu tinha aulas de inglês, de alemão, de música, além das atividades próprias do curso. Precisei me organizar para dar conta de tudo. Ao ser necessário escolher que curso seguir na universidade, foi fácil identificar que minha área era a de Ciências Humanas e eu cursei Licenciatura em Letras – Alemão e Português na Universidade Federal do Paraná. Prossegui, cursando o Mestrado em Linguística, mais especificamente em Sociolinguística, na Universidade Estadual de Campinas. Depois de me mudar para Belém, acompanhando o amor paraense que encontrei naquela cidade, voltei à universidade, por questões profissionais, para obter também o grau de licenciada em Letras – Inglês, desta feita pela Universidade Federal do Pará. Trabalhei, sempre dando aulas, em vários lugares. Desde criança, eu dava aulas para pessoas reais – primos ou vizinhos – que precisavam de um auxílio na sua compreensão das matérias, sobretudo de línguas. Durante o primeiro curso universitário, em Curitiba, eu dava aulas particulares pois era impedida de assumir um emprego com horas regulares devido a grande disponibilidade de horários exigida pela universidade então. Eu acompanhava estudantes, dava aulas para profissionais que precisavam se especializar em suas áreas ou ler artigos científicos em inglês. Até lecionei para dois pequeninos irmãos que haviam vivido nos Estados Unidos enquanto seu pai lá cursava doutorado e cuja mãe desejava que eles não perdessem o domínio da língua então obtido. Eu ia à casa deles duas vezes por semana para “brincar em inglês”. Em 19 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Belém, meu primeiro emprego foi no Centro Cultural Brasil – Estados Unidos (CCBEU). Depois, fui contratada pelo Centro de Instrução Braz de Aguiar (CIABA), escola de formação de pilotos, mecânicos e radio operadores para a Marinha Mercante Brasileira. Nesta escola, éramos cinco professores de inglês e ensinávamos de acordo com o curso dos alunos: inglês geral e específico para os pilotos, inglês específico para os radio operadores, com o vocabulário e a sintaxe apropriados para a comunicação navio-navio, navio-portos ou navio-práticos. Para os mecânicos dos enormes motores ensinávamos a ler os manuais, em sua maioria em inglês. Isso era o inglês para fins específicos, que alcançou grande sucesso na década de 1980 e 1990 do século passado. Na dificuldade ou inexistência de materiais apropriados, preparávamos as nossas próprias aulas em colaboração com os professores das disciplinas específicas. Que aprendizagem didática foi esta nos três anos que passei no CIABA! Quando sai de lá, fui trabalhar novamente no CCBEU, instituição na qual fui professora de inglês e servi como diretora executiva durante três anos. Prestei concurso e assinei meu contrato com a Universidade Federal do Pará em 1992. Ao chegar, trabalhei muito com língua inglesa e suas literaturas, e, aos poucos, com a experiência já adquirida no CIABA, fui me dedicando aos cursos de línguas para fins específicos para diferentes cursos da universidade. Isso me proporcionou um trânsito em diferentes institutos e conheci praticamente por inteiro o campus de Belém e seus cursos. Já como servidora, tive a oportunidade de me afastar do trabalho para trabalhar na obtenção de meu título de doutorado em Ciências da Linguagem, pela Universidade Jean Jaurés (então le Mirail) em Toulouse, na França. Em minha tese fiz um estudo dos manuais de informática, que, naquela época, eram ainda publicados em inglês e em papel. Usei recursos de programas de análise linguística para identificar a densidade semântica e padrões de sentenças e de textos que qualificavam essa linguagem como uma língua de especialidade. Toda essa análise visava buscar maneiras de melhor ensinar a língua. Um artigo com os achados mais importantes da tese foi publicado (MAGNO E SILVA, 2004). 20 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência A partir de meu retorno à sala de aula na universidade após o doutoramento, passei a lecionar mais diretamente para o Curso de Letras – Inglês e a priorizar a formação de professores dessa língua. Há alguns anos ouvi de um de meus excelentes professores “O melhor professor é aquele que também está aprendendo algo”. Dizia ele que pouco importava o que o professor aprendesse; podia ser um instrumento musical, uma forma de artesanato, uma especialidade culinária, qualquer coisa. O fato de ser um aprendiz é que era a maior lição, pois implicava no erro, no desacerto, na falta de prática com a tarefa, na estranheza da nova prática, na pouca destreza do agir, enfim, na ultrapassagem da zona de conforto de cada um. São essas experiências não tão bem-sucedidas que vão, aos poucos, construindo a competência. A pesquisa em minha vida profissional Dado o comentário que finaliza a subseção anterior, não há a menor possibilidade de um professor parar de aprender. Assim, para aprender mais, é preciso pesquisar. Principiei minhas atividades de pesquisa assim que entrei na UFPA. Essas atividades abarcavam meu interesse de então, que era o inglês para fins específicos. Este interesse resultou, anos depois, na minha tese de doutorado, anteriormente mencionada. Já no início do milênio, as questões ligadas à autonomia do estudante passaram a abrigar minhas inquietações. Em um artigo com conhecimentos teóricos ainda incipientes, indico essa preocupação (MAGNO E SILVA, 2003). A partir do ano seguinte passei a pesquisar a fundo o tema da autonomia na aprendizagem de línguas estrangeiras, uma vez que meu contato com os alunos no Curso de Inglês mostrava a variedade de competências entre eles, embora tivessem tido a mesma formação na universidade. O que aguçou minha curiosidade foi o fato de que, por vezes, alunos que entravam no curso sem qualquer conhecimento da língua, se formavam com um comando melhor na língua do que aqueles que já sabiam o básico da língua ao entrar. Isto, aliado à minha própria 21 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência narrativa de aprendizagem de línguas3, consciente de que me tornei competente em inglês por meio de várias ações – hoje eu diria estratégias de aprendizagem – que partiram de mim mesma para aprender aquela língua. Idealizei uma investigação intitulada “Caminhos da autonomia na aprendizagem de línguas estrangeiras” acoplada à criação do que seria, no futuro, o centro de autoacesso da Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas (FALEM) da UFPA. Este centro, gerador de dados para quase todas as pesquisas posteriormente engendradas, é a Base de Apoio à Aprendizagem Autônoma (BA3), mais bem descrita em Magno e Silva (2017; 2018). Em 2008, ainda intrigada com a baixa competência de alguns dos alunos do curso de Letras – Inglês, pensei que talvez eles não se interessassem para assumir o protagonismo de suas trajetórias de aprendizagem porque se sentiam desmotivados para tal. Passei a estudar com afinco as compreensões atualizadas de motivação na aprendizagem de línguas, sobretudo as obras de Dörnyei e Ushioda (DÖRNYEI; USHIODA, 2011). A compreensão da motivação como uma “maré que enche e vaza”, sendo esse processo normal em qualquer aprendizagem, muito me ajudou a conscientizar meus alunos. Orientei diversos planos de iniciação científica, trabalhos de conclusão de curso (TCC) e dissertações de mestrado sobre o assunto. A partir de 2011, um novo conhecimento veio juntar-se às minhas preocupações como pesquisadora. Neste estágio, preocupávamonos com a linguagem pela qual nos dirigíamos aos alunos com dificuldades. Além das leituras sobre autonomia e motivação, incluímos os escritos sobre crenças (BARCELOS, 2010), por exemplo e sobre afeto e emoções de aprendizes (ARNOLD, 1999; MOSKOVICZ, 1978). Estas leituras levaram o grupo de pesquisas por mim liderado a se interessar pelo aconselhamento em aprendizagem de línguas, em uma interface entre a linguística aplicada e a psicopedagogia. Passamos a praticar essa modalidade de aconselhamento, embasados nos estudos de Mozzon-McPherson 3 Disponível em http://www.veramenezes.com/amfale/nar_pesq_wal.html . Acesso em: 18/03/2022. 22 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência (2007), Kelly (1996) e Mynard e Carson (2012). Nessa fase, ajudávamos nossos alunos no processo de aprender e não apenas em relação ao conteúdo. A conscientização e o diálogo direcionado para esses processos levava os alunos a identificarem, eles próprios, seus pontos fracos e procurarem as maneiras de saná-los. Em 2013 tive a oportunidade de desenvolver um pós-doutorado na Universidade Federal de Minhas Gerais (UFMG) no qual estudei profundamente as Teorias da Complexidade. Mensalmente, nos reuníamos em Belo Horizonte em um grupo multidisciplinar para desvendar as entrelinhas do livro de Larsen-Freeman e Cameron (2008). A partir esse estágio pós-doutoral, passei a ensinar as Teorias da Complexidade no Programa de Pós-Graduação em Letras na UFPA e a inserir pequenas doses da compreensão do sistema de ensino e aprendizagem como um SAC até mesmo nas aulas da graduação. Aprendi na UFMG que bolsistas de iniciação científica poderiam estudar os SACs, bastando para isso que observassem uma ou duas características do sistema, apontando em seus dados a evidência do que encontravam. Conclusão As ações brevemente descritas acima são basicamente os ingredientes que me fizeram professora e formadora de professores. Tudo isto, no entanto, não nos transforma em verdadeiros mestres. A essência, a meu ver, é um misto de curiosidade por aprender e por saber transmitir essa curiosidade para os alunos. A abordagem complexa ajuda-nos a compreender os processos longitudinais retrospectivamente. Aprecio perceber as várias condições iniciais que tive em minha vida, as adaptações e coadaptações realizadas frente a novos elementos e agentes que interagiram comigo. Também são visíveis os momentos de bifurcação e da trajetória por um caminho e não por outro, que teria consequências totalmente diferentes. Mais importante que tudo são as emergências: algo novo que surge a partir de uma certa confluência de fatores. Então, respondendo à pergunta geradora deste texto: o que me fez professora foi viver a vida de uma 23 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência professora, com todas as alegrias e dificuldades que a carreira me trouxe. Referências ARNOLD, J. (Ed.). Affect in Language Learning. Cambridge: Cambridge, 1999. BARCELOS, A.M.F. Emoções, Reflexões e Transformações de Alunos Professores e Formadores de Professores de Línguas. Campinas: Pontes, 2010. DÖRNYEI, Z. Motivação em ação: buscando uma conceituação processual da motivação de alunos. Tradução de André Diniz e Walkyria Magno e Silva. In: BARCELOS, A.M.F. Linguística Aplicada: Reflexões sobre ensino e aprendizagem de língua materna e língua estrangeira. Campinas: Pontes, 2000-2011. p. 199-236. DÖRNYEI, Z.; USHIODA, E. Teaching and Researching Motivation. Harlow, England: Pearson, 2011. KELLY, R. Language counseling for learner autonomy: the skilled helper in self-access language learning. In: PEMBERTON, R.; LI, E.; OR, W.; PIERSON, H.D. Taking Control. Autonomy in Language Learning. Hong Kong: Hong Kong University Press, 1996. P. 93-113. LARSEN-FREEMAN, D. Chaos/Complexity science and second language acquisition. Applied Linguistics. 1997. 18(2): 141-165. LARSEN-FREEMAN, D.; CAMERON, L. Complex Systems and Applied Linguistics. Oxford, Oxford University Press, 2008. MAGNO E SILVA, W. Tipos textuais no dizer e do fazer. Moara, n. 22, p. 6577, 2004. MAGNO E SILVA, W. Autonomia no ensino e aprendizagem de línguas. Moara, n. 20 (jul./dez.), p. 73-81, 2003. MAGNO E SILVA, W.; BORGES, E.F.V. Complexidade em ambientes de ensino e aprendizagem de línguas. Curitiba: CRV, 2016. MAGNO E SILVA, W. The role of self-access centers in foreign language learners autonomization process. In: Nicolaides, C.; MAGNO E SILVA, W. 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(Org.) Reflexão e Prática em ensino/aprendizagem de língua estrangeira. São Paulo: Editora Clara Luz, 2005. p. 23-36 USHIODA, E. The Role of Motivation. Dublin: Authentik, 1996. 25 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 2 COMO ME TORNEI PROFESSORA? Dörthe Uphoff (USP) Sempre gostei de estudar línguas. Durante minha trajetória escolar na Alemanha, optei sucessivamente por todas as línguas que era possível cursar no meu Gymnasium de pequena cidade no interior: inglês (matéria obrigatória), francês (eletiva), latim (eletiva) e espanhol (optativa). Agradavam-me sobretudo as diferenças nas estruturas e na pronúncia dos idiomas; lembro que sentia prazer no desafio de formular frases e pequenos textos, tentando expressar ideias com outras ferramentas linguísticas. A metodologia das línguas modernas, na época, era bastante eclética, composta de procedimentos audiolinguais, além de tímidos elementos do ensino comunicativo, havendo também muita leitura de textos originais, principalmente literários e jornalísticos. Em consequência, minhas habilidades de compreensão e produção escritas eram bastante desenvolvidas – mas a oralidade nem tanto. Isso mudou quando, após a conclusão do ensino médio, passei a morar dez meses em Paris, trabalhando como au pair, e, depois, ainda alguns meses em Londres, exercendo a mesma ocupação. Lembro-me que, passados os primeiros momentos de desconforto e medo, comecei a vivenciar a imersão nas línguas com uma euforia e alegria que me deixavam bastante surpresa. Intuía que estava mudando ao falar outro idioma, descobrindo características em mim que até então desconhecia. Aos poucos, começava a entender que falar uma outra língua significava mais do que mudar o código da conversa, o instrumento de comunicação. Envolvia também aspectos identitários que, no meu caso, incluíam um gostinho de liberdade, um ânimo diferente que me agradava. 26 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência A sala de aula de língua estrangeira representava, para mim, um espaço para apreciar e experimentar novas formas de expressão. Gostava muito desse ambiente seguro e protegido, mas ainda não cogitava a ideia de fazer desse interesse uma profissão no futuro. Ao contrário, achava que não tinha o perfil adequado para ser professora, já que era uma pessoa bastante quieta e introvertida, e, por isso, não me via no papel de conduzir as atividades de uma turma de alunos. Depois das minhas estadias em Paris e Londres, passei a estudar Letras (germanística e romanística) na Universidade de Colônia, Alemanha. Além disso, cursava também algumas disciplinas de sociologia, como formação secundária (Nebenfach). Na medida do possível, procurava selecionar disciplinas teóricas voltadas para a aquisição de língua materna e estrangeira, embora não houvesse, naquele tempo, muita oferta nessa área. Assim, entrei em contato com as principais hipóteses de aquisição de segunda língua discutidas na época – hipótese contrastiva, hipótese da identidade e hipótese da interlíngua – através do artigo seminal de Bausch e Kasper (1979). Essa leitura, assim como a leitura de Klein (1992), impulsionou sobremaneira o meu gosto pela Linguística Aplicada, de modo que comecei a vislumbrar uma atividade profissional nesta área do conhecimento. Até hoje, quando ministro a disciplina “Aquisição/Aprendizagem do Alemão como Língua Estrangeira”, no âmbito da licenciatura na USP, reservo uma aula para trabalhar um trecho da obra de Klein (1992) que propõe uma reflexão sobre a seguinte situação hipotética: Vamos supor que você tenha um acidente aéreo e caia sobre um remoto vale de montanha na Nova Guiné, sobreviva e, depois de algumas dificuldades, alcance uma tribo, vamos chamá-la de Eipo, que não tem nenhum contato com o resto do mundo, exceto com algumas tribos vizinhas. Vamos ainda assumir que os Eipo são uma tribo pacífica e que o recebem de forma amigável. Entretanto, não há a menor perspectiva de deixar o vale num futuro previsível: você deve estar preparado para viver ali por muitos anos. Nesta situação, provavelmente seria aconselhável aprender a língua dos Eipo, o Eipomek, bem 27 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência como algumas outras habilidades e comportamentos que fazem parte da vida social dos Eipo. Quais são, então, os elementos que desencadeiam o processo de aquisição de língua?1 (KLEIN, 1992, p. 43) A partir desse cenário (um tanto dramático), Klein (ibid.) introduz três aspectos necessários para que a aquisição de segunda língua possa ser iniciada: estímulo (Antrieb), competência linguística (Sprachvermögen) e acesso (Zugang). O raciocínio lógico-teórico que caracteriza a abordagem psicolinguística de Klein (1992) retrata também a maneira como eu me aproximava desse tema, durante minha graduação e mestrado na Alemanha: interessavam-me sobretudo os processos cognitivos de aquisição de língua, ao passo que aspectos pedagógicos, voltados para o ensino-aprendizagem do idioma em contexto institucional, pouco me atraiam. Continuava não me enxergando como professora e, por isso, assuntos didático-metodológicos não desempenhavam um papel importante nas minhas buscas acadêmicas. Também a minha dissertação de mestrado manteve um enfoque estritamente teórico, explorando as propriedades semânticas e pragmáticas da partícula modal denn. Em agosto de 1994, após a conclusão dos meus estudos com o título de Magister Artium, me mudei para o Brasil, terra do meu marido. Inicialmente, minha vontade era procurar um programa de pós-graduação, no intuito de continuar meus estudos de aquisição de 1 No original alemão: „Angenommen, Sie stürzen mit dem Flugzeug über einem abgelegenen Gebirgstal in Neu Guinea ab, überleben und erreichen nach einigen Strapazen einen Stamm, nennen wir sie die Eipo, der außer zu einigen Nachbarstämmen keinen Kontakt zum Rest der Welt hat. Nehmen wir weiter an, die Eipo sind ein friedlicher Stamm und nehmen Sie nicht unfreundlich auf. Es besteht jedoch nicht die geringste Aussicht, das Gebirgstal in absehbarer Zeit zu verlassen: Sie müssen sich darauf einrichten, viele Jahre dort zu leben. In dieser Lage wäre es wahrscheinlich angeraten, die Sprache der Eipo, das Eipomek, zu lernen wie auch einige weitere Fertigkeiten und Verhaltensweisen, die zum sozialen Leben der Eipo gehören. Welche Komponenten gehen in den dann einsetzenden Spracherwerbsprozess ein?“ Todas as traduções do alemão e inglês realizadas neste trabalho são de minha autoria. 28 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência segunda língua em nível de doutorado. Não tinha uma ideia clara sobre o que pretendia pesquisar, mas lia bastante sobre o assunto por conta própria. No entanto, logo estávamos de mudança novamente, de São Paulo para Joinville, Santa Catarina, onde meu marido aceitou uma oferta de emprego. Pouco depois, também eu recebi um convite de trabalho – para atuar como professora de alemão no Colégio Bom Jesus, antiga escola alemã da cidade com forte presença do idioma no currículo. Resolvi aceitar, sem muita convicção de que ia me dar bem. Para falar a verdade, já tinha acumulado algumas experiências de ensino anteriormente. Durante a adolescência, dava aulas de reforço em francês e matemática para alunos mais novos - uma atividade comum na época para ganhar um pouco de dinheiro. Ademais, na época da graduação, realizava bicos esporádicos como professora particular de alemão como língua estrangeira. Mas dar aulas em uma escola regular, para turmas inteiras de crianças ou adolescentes, me parecia muito mais difícil, um enorme desafio. E os poucos estágios de observação que tinha realizado durante a graduação não ajudaram a dissipar as minhas dúvidas. Olhando para trás, não lembro bem porque resolvi aceitar o convite. Talvez tenha sido a vontade mais geral de começar a minha vida profissional no Brasil, e conhecer pessoas nesse âmbito. As primeiras aulas que ministrei no Colégio Bom Jesus foram para uma turma da quinta série, e, após pouco tempo, minha coordenadora e eu decidimos em comum acordo de que essa não era uma faixa etária com a qual me dava particularmente bem. A sorte foi que estava faltando também uma professora na sétima série, de modo que fui transferida para as turmas desse nível. A diferença foi enorme e, para mim, uma grande surpresa. Com minha parca experiência como professora, não podia acreditar que dois anos a mais de idade causavam tanta diferença na interação com os alunos. E mais, nunca imaginara que podia me dar bem com essa faixa etária, que sempre era considerada difícil - adolescentes de treze anos… Mas o que aconteceu foi que, com essa nova atribuição de turmas, quase instantaneamente comecei a sentir muita alegria e bem-estar no ofício de professora. Era uma sensação de flow que me preenchia 29 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência quase todas as vezes que entrava em aula. Na época, já conhecia o conceito de flow, de Csikszentmihalyi, mas consultei novamente alguns textos do autor para preparar o presente relato e refletir melhor sobre a virada que estava acontecendo na minha vida profissional naquele tempo. De acordo com Csikszentmihalyi (2014, s/p), “o estado flow é intrinsecamente gratificante e leva o indivíduo a replicar as experiências; isto introduz um mecanismo seletivo no funcionamento psicológico que promove o crescimento”. Assim, uma condição importante para que o flow aconteça é encontrar um equilíbrio entre as capacidades autopercebidas e as oportunidades de ação, por meio de desafios “que estendam, mas não excedam excessivamente as habilidades existentes” (ibid.). Nessa situação, uma pessoa consegue aprofundar suas habilidades sem se sentir ameaçada ou sobrecarregada. Uma outra característica do flow é a concentração intensa ao realizar determinada atividade, o profundo mergulho no momento presente, que também é vivenciado como muito agradável. Em leitura recente, de uma obra da professora e ativista bell hooks (2021), encontrei uma descrição que capta bem esse estado de atenção profunda, que ainda me regozija quando ministro minhas aulas: A sala de aula é um dos ambientes de trabalho mais dinâmicos precisamente porque nos é dado pouco tempo para fazer muita coisa. Para atuar com excelência e estima, professores e professoras precisam estar totalmente presentes no momento, concentrados e focados. (HOOKS, 2021, p. 52) Reavaliando hoje essa fase inicial da minha carreira enquanto professora, percebo que o flow foi muito importante para que eu ficasse na profissão, sem mesmo cogitar outros tipos de emprego. Os desafios didáticos que enfrentava no Colégio Bom Jesus eram consideráveis, mas conseguíamos construir em conjunto, coordenação e eu, as condições necessárias para que pudesse superá-los. Para citar um exemplo, recebi a tarefa de preparar a primeira turma do colégio para a prova do Deutsches Sprachdiplom 30 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência (DSD), e, no intuito de alcançar esse objetivo de prestígio para a comunidade escolar, me foi concedida bastante liberdade na escolha dos procedimentos metodológicos. O livro didático utilizado na época, o Wer?Wie?Was?, rapidamente se mostrou ineficaz para o preparo dos alunos e, assim, eu podia usar ou elaborar os materiais que mais me pareciam adequados para determinada turma. Hoje penso que essa experiência, no início da minha carreira de professora de alemão, foi muito importante para instigar meu senso crítico a respeito dos livros didáticos internacionais, que não costumam levar em consideração as necessidades e interesses do alunado local. Paralelamente, participava de cursos de aperfeiçoamento fornecidos pelo Departamento Central de Escolas no Exterior (Zentralstelle für das Auslandsschulwesen, sigla ZfA) e fiz uma especialização no IFPLA (Instituto de Formação de Professores de Alemão) sobre questões didático-metodológicas do ensino da língua. Um ponto alto nessa época foi, sem dúvida, minha primeira participação, ainda como ouvinte, no Congresso Internacional de Professores de Alemão (Internationale Tagung der Deutschlehrerinnen und Deutschlehrer, sigla IDT), em 1997 na cidade de Amsterdã, Holanda. Assisti com muito entusiasmo às palestras e atividades do evento e lembro nitidamente ter experienciado uma sensação prazerosa de “chegar em casa”, ou seja, de ter encontrado o meu nicho profissional. Para além dos cursos e eventos externos, estudava também por conta própria. Uma das minhas leituras mais marcantes na época foi a Deutsche Grammatik. Ein Handbuch für den Ausländerunterricht (HELBIG; BUSCHA, 2001), famosa gramática de referência especificamente voltada para professores de alemão como língua estrangeira (ALE). A obra apresenta e explicita as estruturas morfossintáticas através do olhar de fora, próprio dos aprendizes que, ao contrário de mim enquanto falante de L1, não dispõem de um conhecimento intuitivo da língua. Essa mudança de perspectiva foi fundamental para que eu pudesse alcançar uma compreensão mais clara dos desafios que os alunos de ALE enfrentam, já que, durante minha graduação na Alemanha, as aulas de linguística se concentravam sobretudo na competência do falante nativo, no 31 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência sentido chomskyano. Como explicam Helbig e Buscha (2001, p. 17, aspas no original), Para o falante nativo, uma gramática serve principalmente para tomar consciência ou sistematizar algo que ele formula e usa corretamente de qualquer forma - devido a sua "intuição linguística" (ou seja, sua segurança em lidar com regras linguísticas adquirida na infância). Ao estrangeiro [sic!] falta essa intuição linguística, a "competência" no idioma em questão. Portanto, uma gramática para o ensino de línguas estrangeiras requer regras mais explícitas que especifiquem com a maior precisão possível como sentenças alemãs são formadas e usadas corretamente.2 Desse modo, até hoje costumo afirmar que me formei germanista na Alemanha, enquanto me tornei uma DaFlerin (professora/especialista de ALE) apenas no Brasil. A sensação de flow nas minhas aulas no Colégio Bom Jesus permaneceu por muito tempo, porém, após alguns anos, senti falta de um ambiente mais acadêmico. Cogitava fazer uma pós-graduação na UFSC e quando fiquei sabendo de uma vaga de professora efetiva na instituição, não pensei duas vezes e me candidatei. Passei no concurso e em junho de 1998 assumi o cargo. Quando cheguei à UFSC, pensei que tivesse encontrado o meu lugar de atuação profissional e que desenvolveria a minha carreira por lá. Continuava a sentir muito prazer em lecionar a língua alemã, e gostava de estar inserida no curso de Letras, reunindo, de certa forma, ambas as partes do meu percurso formativo até então – germanística e ALE. Comecei a ministrar também a disciplina No original alemão: “Dem Muttersprachler dient eine Grammatik vornehmlich dazu, etwas bewusst zu machen oder zu systematisieren, was er ohnehin – aufgrund seines ”Sprachgefühls“ (d.h. seiner in der Kindheit erworbenen Sicherheit in der Handhabung der sprachlichen Regeln) – richtig bildet und verwendet. Dem Ausländer fehlt dieses Sprachgefühl, die “Kompetenz“ in der betreffenden Sprache. Deshalb verlangt eine Grammatik für den Fremdsprachenunterricht explizitere Regeln, die möglichst genau angeben, wie richtige deutsche Sätze gebildet und verwendet werden.” 2 32 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência “Estudos Culturais” que me forçava a adquirir conhecimentos mais amplos sobre a história (cultural) da Alemanha, além de desenvolver uma narrativa sobre o assunto que podia apresentar em sala de aula. Minhas aprendizagens seguiam, desse modo, em ritmo acelerado, mas percebia também um certo desgaste: a sensação de flow simplesmente não se instalava mais com tanta facilidade como antes. De início, não compreendia bem o que estava acontecendo, porém, com o tempo, crescia em mim a consciência de que estava cansada de ser vista como uma referência “natural” da cultura alemã, pelo fato de que nasci e vivi naquele país até terminar a faculdade. Avaliando esse conflito na retrospectiva, entendo que eu mesma me colocava nessa posição de desconforto, aceitando a responsabilidade que sentia ao “explicar” a cultura alemã aos meus alunos. Creio que, com o passar do tempo, após cinco anos morando no Brasil, começava a enxergar o meu país de origem com outros olhos, mais distante; simplesmente não estava mais tão imersa nos discursos que circulavam na Alemanha, o que provocava certo estranhamento e desalento em mim. Esse processo de desidentificação me acompanhou por vários anos, na virada do novo milênio, e foi impulsionado pelo nascimento da minha filha, em novembro de 1999. De repente, a minha vida profissional, que parecia estável, passou por diversas turbulências. Não consegui me adaptar à carga dupla de professora universitária e mãe de um bebê recém-nascido e, por falta de alternativas viáveis, acabei pedindo exoneração do meu cargo na UFSC. Em seguida, prestei vestibular – na mesma instituição que acabara de deixar – para o curso de licenciatura em matemática, num ímpeto repentino de mudar os rumos da minha carreira profissional: queria continuar a ser professora, mas não mais de alemão, e a matemática sempre me agradara. Passei no vestibular e iniciei o curso, mas logo o abandonei novamente, pois estávamos de mudança para Manaus, no Amazonas, onde meu marido recebera uma oferta de emprego. Tudo isso aconteceu em menos de dois anos e, olhando para trás, ainda me impressiona a radicalidade (e também a coragem) com a qual tomamos essas decisões. 33 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Em Manaus, após esse período de inquietações, resolvi me afastar da vida profissional por um tempo para cuidar da minha filha e me dedicar a estimular o seu processo de aprender a língua alemã. Nos meus anos em Joinville e Florianópolis, tinha conhecido muitas histórias de vida em que se lamentava a perda do alemão no seio familiar. Percebia que não poucas pessoas mantinham uma relação conflituosa com o idioma: desejo, falta, cobrança e arrependimento eram algumas das sensações que meus interlocutores catarinenses manifestavam em conversas informais. Não queria que minha filha desenvolvesse uma relação desse tipo com a língua alemã, mas sabia também que manter o alemão vivo no contexto familiar não era tarefa fácil em Manaus: Por muito tempo, eu não tinha contato com outros falantes do idioma, uma situação que ao mesmo tempo me contentava e preocupava. O desafio de uma educação bilíngue como projeto familiar é um tema que encheria facilmente outro relato de memória, por isso, prefiro não me estender sobre esse assunto aqui. Entretanto, vale ressaltar que essa experiência influenciou muito os rumos posteriores das minhas buscas teóricas e práticas no ensino de alemão. Passei a considerar a qualidade da vivência com a língua (Spracherleben, cf. BUSCH, 2012) como uma dimensão essencial no meu fazer pedagógico, para além dos aspectos curriculares e didáticometodológicos que marcam determinada situação de ensino. Após três anos morando em Manaus, resolvemos nos mudar para Valinhos, um município de médio porte próximo a Campinas, no interior de São Paulo. Eu almejava fazer doutorado na Unicamp e, além disso, queríamos proporcionar uma alfabetização bilíngue à nossa filha, escolhendo para isso o Colégio Visconde de Porto Seguro, que mantém uma unidade na cidade. A matemática se revelara um flerte passageiro, e já em Manaus eu tinha retomado minhas leituras na área da Linguística Aplicada. Queria pesquisar mais a fundo a possibilidade de ensinar uma língua estrangeira sem a presença de um livro didático, como eu mesma tinha praticado no colégio em Joinville. Nas minhas experiências posteriores, o livro didático sempre me parecia uma instância incômoda, que muitas vezes atrapalhava mais do que ajudava no 34 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem. Naturalmente eu sabia que o livro didático facilitava a preparação das aulas, ao pré-selecionar os conteúdos e procedimentos metodológicos. No meu anteprojeto de doutorado, eu queria entender melhor como se dava o planejamento de curso sem o apoio desse dispositivo, quais seriam os desafios e também os benefícios dessa situação. A proposta foi bem avaliada e passei em segundo lugar no processo seletivo do Departamento de Linguística Aplicada da Unicamp em 2004. No entanto, logo que iniciei os estudos de doutoramento, comecei a enfrentar uma série de embates teóricos. Meu projeto de pesquisa continha diversas referências que refletiam o estado da arte de ALE como era estudado e praticado na Alemanha, centro dessa disciplina acadêmica ainda jovem. Assim, respaldava-me, por exemplo, na teoria construtivista da aprendizagem, muito discutida na época na literatura de DaF (Deutsch als Fremdsprache). Para minha surpresa, essa perspectiva era bastante criticada pelos meus professores, que desaprovavam sobretudo a concepção de sujeito subjacente ao construtivismo, considerada inapropriada por trabalhar com uma noção de um sujeito (supostamente) livre e autossuficiente. Por motivos parecidos, também a concepção humanista do sujeito da psicologia rogeriana foi rejeitada ou, pelo menos, considerada deficitária. Defendia-se, ao contrário, uma concepção discursiva do sujeito, reforçando sua condição histórica e ideológica. As discussões acaloradas me deixavam perplexa; não queria aceitar que, ao assumir um sujeito histórico, eu tinha que abdicar de elementos do construtivismo ou da psicologia humanista que considerava relevantes. Para complicar ainda mais a situação, minha proposta de pensar o ensino de ALE sem a presença do livro didático também não era bem recebida, quando apresentei o projeto em uma mesa redonda no 6º Congresso Brasileiro de Professores de Alemão, em 2006 na USP. A reação do público foi um misto de espanto e indignação, e percebi que para muitos professores era simplesmente impossível imaginar a prática de ensino sem o auxílio de um livro didático. Sentia que estava tocando em um alicerce oculto da área de 35 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência DaF, mexendo com relações de poder implícitas, para as quais eu não tinha me atentado ainda. A experiência originou uma revisão profunda do meu projeto e decidi tornar o poder que parecia emanar do livro didático, o foco das minhas investigações. Contudo, ainda precisava resolver os impasses teóricos nos quais esbarrava em relação à concepção de sujeito que pretendia adotar. Cada vez mais, as diferenças entre a área de DaF, na Alemanha, e a Linguística Aplicada, no Brasil, ficavam claras para mim: operava-se com teorias conflitantes, nos pressupostos mais profundos (e frequentemente não explicitados) das concepções de sujeito, língua e educação linguística que embasavam as pesquisas e discursos científicos. Desse modo, eu precisava achar algum meio-termo, um lócus enunciativo que fosse reconhecido por interlocutores nos dois lados, pois queria que a minha tese fosse lida em ambos os contextos. Não posso reconstruir, no presente relato, todos os meus movimentos de busca, que eram intensos, mas vale dizer que acabei por encontrar um lugar de fala (relativamente) confortável na obra de Foucault, em sua fase genealógica. Suas concepções de poder, saber e discurso me proporcionaram o respaldo necessário para que eu pudesse desenvolver o meu argumento. Lembro ainda do alívio que senti quando me deparei com o seguinte trecho do filósofo, em seu artigo “O sujeito e o poder” (FOUCAULT, 1995, p. 244, aspas no original): Quando definimos o exercício do poder como um modo de ação sobre as ações dos outros, quando as caracterizamos pelo “governo” dos homens, uns pelos outros – no sentido mais extenso da palavra, incluímos um elemento importante: a liberdade. O poder só se exerce sobre “sujeitos livres”, enquanto “livres” - entendendo-se por isso sujeitos individuais ou coletivos que têm diante de si um campo de possibilidade onde diversas condutas, diversas reações e diversos modos de comportamento podem acontecer. Foi a partir desse arcabouço teórico-analítico que passei a entender o meu campo de atuação profissional com outros olhos. Uma vez descobertas as relações de poder, não podia mais 36 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência considerar a área de ALE como um espaço que “apenas” visava fomentar a aprendizagem dos alunos, como sugere o princípio da Lernerorientierung (orientação ao aprendiz), uma das diretrizes centrais da didática de DaF nas décadas de 1990 e 2000. Havia outras forças em jogo também, e enquadrar a educação linguística como um quebra-cabeça meramente didático-metodológico me parecia, de repente, muito ingênuo da minha parte.3 Havia outras leituras, na época do meu doutoramento, que provocaram reflexões significativas e que marcam a minha prática docente até hoje: a obra “Liberdade de aprender” de Carl Rogers (1973), por exemplo, em que a aprendizagem é apresentada como um processo ambivalente. Se, por um lado, o ser humano aparece dotado de uma propensão natural para aprender, por outro, ele tende a vivenciar esse processo como intrinsecamente ameaçador, motivo pelo qual cabe à figura do professor reduzir ao mínimo possível as ameaças externas (avaliações severas, situações percebidas como humilhação e/ou vergonha pelo aluno etc.), às quais os aprendizes estão sujeitos no sistema educacional (cf. UPHOFF, 2008). Além disso, vale citar a leitura de “O monolinguismo do outro”, de Jacques Derrida (2001), que me abriu os olhos sobre a difícil relação entre língua e identidade que envolve todas as línguas que falamos, incluindo a L1: “A língua dita materna nunca é puramente natural, nem própria nem habitável [...]. [Há] uma alienação essencial na língua – que é sempre do outro [...]” (DERRIDA, 2001, p. 90).4 3 No meu artigo “Quem são os especialistas no ensino de línguas?” (UPHOFF, 2020), apresento uma reflexão mais recente sobre as relações de força que se entrecruzam no ensino de línguas. 4 Em Uphoff (2007), examino um caso de bilinguismo com base nessa ótica deconstrutivista. O trabalho constituiu uma das quatro qualificações necessárias para adquirir o título de doutora em Linguística Aplicada na Unicamp, na época. Mais tarde, já trabalhando na USP, tive um reencontro importante com Derrida, através da obra de Busch (2012), que inicia seu texto retomando o filósofo. A autora trata do conceito de Spracherleben (vivência linguística) analisando três eixos envolvidos em qualquer experiência linguística: a) percepção própria vs. percepção alheia; b) pertencimento vs. não-pertencimento; c) poder vs. impotência (cf. BUSCH, 2012, p. 15-21). 37 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Logo antes de defender minha tese de doutorado, em agosto de 2009, fui admitida pelo Centro de Ensino de Línguas (CEL) da Unicamp como professora temporária de alemão. A contratação marcou meu retorno à docência em contexto universitário, constituindo também meu primeiro emprego em regime integral desde que deixara a UFSC nove anos antes. Acho importante frisar esse aspecto, já que muito amadurecimento pessoal – como mãe, estudiosa, pesquisadora e também estrangeira morando no Brasil – tinha ocorrido nesse meio-tempo. Estava insegura em retomar a profissão, pois não sabia como o longo período fora da sala de aula afetaria a minha performance como professora em contexto institucional. Para minha felicidade, a sensação de flow voltou a se instalar quase instantaneamente. Gostava de interagir com os alunos e apreciava a liberdade pedagógica que me foi proporcionada pelos colegas. Havia a presença de um livro didático, mas o material adotado, a Blaue Blume (EICHHEIM et al., 2006), se posicionava decididamente fora do mainstream pós-comunicativo da época, focando em textos autênticos desde as unidades iniciais. Assim, eu dispunha de muito espaço para exercer a criatividade e elaborar as aulas de acordo com a minha percepção das prioridades pedagógicas, uma conduta que Prabhu (2019 [1990]) denomina sense of plausibility, ou seja, a “compreensão subjetiva dos professores a respeito de sua prática de ensino”5 (PRABHU, 2019, p. 138). Conforme explica o autor: É quando o senso de plausibilidade de um professor está engajado na operação de ensino que se pode dizer que o professor está envolvido, e o ensino acaba não sendo mecânico. Além disso, quando o senso de plausibilidade está envolvido, a atividade de ensino é produtiva: há então uma base para o professor estar satisfeito ou insatisfeito com a atividade, e cada instância de tal satisfação ou insatisfação é em si mesma um insumo adicional para o senso de plausibilidade, confirmando ou desconfirmando ou revisando- 5 No original inglês: “teacher's subjective understanding of the teaching they do” 38 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência o em alguma pequena medida, e geralmente contribuindo para seu crescimento ou mudança.6 (ibid., p. 139) Em sua obra Language teacher education for a global society, também Kumaravadivelu (2012) cita o conceito de sense of plausibility de Prabhu, ao observar que professores desenvolvem, ao longo do tempo, “uma consciência inexplicada e às vezes inexplicável do que constitui um bom ensino”7 (ibid., p. 33). Acredito que uma instituição de ensino deva propiciar um ambiente em que esse conhecimento pessoal, muitas vezes velado, possa ser instigado para que se torne cada vez mais palpável e explícito ao/à professor/a. Em agosto de 2011, passei em primeiro lugar no concurso da Universidade de São Paulo (USP), para provimento de uma vaga de professor/a de língua no curso de Letras/Alemão. Fui contratada no início de 2012 e atuo na instituição desde então. A vaga chamou meu interesse porque havia a possibilidade de participar do programa de pós-graduação em Língua e Literatura Alemã e começar a orientar trabalhos de pesquisa na área de ALE. Esse novo campo de atuação me atraía bastante, pois queria continuar investigando as especificidades do ensino-aprendizagem de alemão no Brasil. As horas/aula no CEL/Unicamp não me deixavam tempo suficiente para as atividades de pesquisa, mas desejava ser as duas coisas: professora e pesquisadora. Além disso, abriu-se, na USP, outra área de docência: as disciplinas didático-metodológicas da licenciatura em língua alemã, que ministro regularmente hoje em dia. Assim, comecei a exercer também a função de formadora de professores, No original inglês: “It is when a teacher's sense of plausibility is engaged in the teaching operation that the teacher can be said to be involved, and the teaching not to be mechanical. Further, when the sense of plausibility is engaged, the activity of teaching is productive: there is then a basis for the teacher to be satisfied or dissatisfied about the activity, and each instance of such satisfaction or dissatisfaction is itself a further influence on the sense of plausibility, confirming or disconfirming or revising it in some small measure, and generally contributing to its growth or change.” 7 No original inglês: “an unexplained and sometimes unexplainable awareness of what constitutes good teaching” 6 39 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência acompanhando os licenciandos na fase inicial de seu processo formativo. Entendo a qualificação de professores como um processo contínuo, que apenas inicia na graduação, mas perdura pela vida profissional inteira. Percebo claramente que, após mais de 25 anos trabalhando como professora em diversos contextos, ainda aprendo muito, a cada dia que atuo na educação linguística. Por isso, me pergunto com frequência o que devo ensinar a meus alunos que se preparam para iniciar a carreira de professor/a de alemão. O que seria tão importante no ofício do professor que não poderia ser deixado para fases posteriores, sempre diversificadas e um tanto incertas? A resposta a essa pergunta não é fácil, já que grande parte do currículo da licenciatura é dedicada ao ensino do próprio idioma, sobrando pouco tempo para trabalhar questões mais específicas do saber-fazer pedagógico. Considerando meu próprio percurso formativo, em que descobri a profissão quase por acaso, penso que deve haver, relativamente cedo, um espaço para experimentação do papel de professor/a, de modo seguro e bem dosado, mas com o acompanhamento próximo de um/a docente veterano/a, para acolher as dúvidas e emoções que possam surgir nas primeiras experiências de ensino. Não raro, afloram sustos e medos, que por falta de apoio não são devidamente trabalhados, quando poderíamos vivenciar o flow, até mesmo como professor/a inexperiente, como mostra a minha trajetória. Para finalizar, gostaria de reforçar a importância de alimentar o diálogo entre os colegas, seja enquanto professor/a ou pesquisador/a, a fim de criar uma “comunidade de prática”, compartilhando experiências, anseios e conquistas da vida profissional. Como formula Kumaravadivelu (2012, p. 91), Uma comunidade de prática refere-se a um grupo de pessoas que estão unidas por uma preocupação ou paixão comumente compartilhada por algo, e interagem regularmente umas com 40 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência as outras a fim de aprofundar seus conhecimentos, aprimorar suas habilidades e enriquecer sua experiência.8 Acredito que a longevidade na profissão depende muito da relação dialógica que é possível construir com os pares (e também alunos e orientandos), no intuito de se manter aberto, curioso e entusiasmado com as aprendizagens infindáveis que o trabalho educacional proporciona. Referências BAUSCH, Karl-Richard; KASPER, Gabriela. Der Zweitsprachenerwerb: Möglichkeiten und Grenzen der „großen“ Hypothesen. Linguistische Berichte, n. 64, p. 3-35, 1979. BUSCH, Brigitta. Das sprachliche Repertoire oder Niemand ist einsprachig. Klagenfurt: Drava, 2012. CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Teoria do flow, pesquisa e aplicações. Tradução de Marina Gomes. ComCiência, n. 161, s/p, 2014. Disponível em: http://comciencia.scielo.br/pdf/cci/n161/10.pdf (14/06/2022). DERRIDA, Jacques. O monolinguismo do outro ou a prótese de origem. Tradução de Fernanda Bernardo. Porto: Campo das Letras, 2001. EICHHEIM, Hubert et al. Blaue Blume. Deutsch als Fremdsprache. Livro do Curso. Campinas: Editora da Unicamp, 2006. FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert L.; RABINOW, Paul. Michel Foucault. Uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995 [1983], p. 231-249. HELBIG, Gerhard; BUSCHA, Joachim. Deutsche Grammatik. Ein Handbuch für den Ausländerunterricht. Berlin et al.: Langenscheidt, 2001 [1970]. HOOKS, Bell. Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança. Tradução de Kenia Cardoso. São Paulo: Editora Elefante, 2021. Klein, Wolfgang. Zweitspracherwerb. Eine Einführung. Frankfurt am Main: Hain, 1992. No original inglês: “A community of practice refers to a group of people who are bound together by a commonly-shared concern or passion for something, and regularly interact with each other in order to deepen their knowledge, sharpen their skills, and enrich their experience.” 8 41 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Kumaravadivelu, B. Language teacher education for a global society. A modular model for knowing, analyzing, recognizing, doing and seeing. New York/London, Routledge, 2012. PRABHU, N.S. There is no best method – why? In: PRABHU, N.S. Perceptions of language pedagogy. Hyderabad: Orient Blackswan, 2019, p. 125-144. [Primeira publicação do artigo em 1990.] ROGERS, Carl Ransom. Liberdade para aprender. Belo Horizonte: Interlivros, 1973. UPHOFF, Dörthe. As línguas do outro: reflexões sobre um caso de bilingüismo. Fragmentos, n. 33, p. 229-243, 2007. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/fragmentos/article/view/8666/800 7 (19/06/2022). UPHOFF, Dörthe. A ameaça da língua estrangeira. In: Anais do 6ª Congresso Brasileiro de Professores de Alemão 2006. São Paulo: ABRAPA, 2008, p. 1-9 (CD-Rom). UPHOFF, Dörthe. O poder do livro didático e a posição do professor no ensino de alemão como língua estrangeira. Tese de doutorado. Campinas: IEL/Unicamp, 2009. UPHOFF, Dörthe. Quem são os especialistas no ensino de línguas? In: ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno; ARANTES, Poliana, PESSÔA, Morgana (orgs.). Pesquisar com gêneros discursivos: interrogando práticas de formação docente. Rio de Janeiro: Editora Cartolina, 2020, p. 145-155. Disponível em https://www.editoracartolina.com/emdiscurso-3 (19/06/2022). 42 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 3 CONTEXTUALIZANDO CAMINHOS E CONSTRUINDO IDENTIDADE Autobiografia Neide Araujo Castilho Teno (UEMS) Pensar o que me fez Professora passa por longos caminhos, condições pessoais, financeiras, familiares entre tantas outras que cortam os caminhos de formadores. Vou caminhar essa exposição relacionando minhas duas formações: a formação em Letras e a formação em Pedagogia, ambas formações em educação, vínculos inseparáveis na formação de minha identidade. Por isso, trago a cada ponta da história de vida uma metáfora para ilustrar e bordar o caminho construído dessa identidade. Nossa roda de conversa busco na metáfora o modo de caminhar, com “O guardador de rebanhos‖, de Alberto Caeiro, um dos heterônimos do poeta Fernando Pessoa: O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas. Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento. É aquilo que nunca antes eu tinha visto... Sinto-me nascido a cada momento. Para a eterna novidade do Mundo (CAEIRO, 1986). Busquei no olhar do poeta CAEIRRO (1986) a metáfora “CAMINHO” por ser um dispositivo que possibilita o olhar para todos os lados, e ainda desperta para um caminhar de renascer a todo momento. Nossa identidade e construída assim, por trilhas, atalhos, passagem, um olhar para trás, um olhar para frente, e cada momento ganha um sentido diferente na vida e na formação. Eu sonhei ser 43 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência médica, mas o medo afastou essa ideia, e tudo conspirava para ser professora a todo momento. Pensando no momento histórico quando nasci em 1951.O Brasil vivenciava o início do voto popular, e Getúlio Vargas retomava a presidência da República, pelo PTB. Minha história começa, nesse clima, em uma cidade do interior de São Paulo, Andradina (SP), fazenda São João, região denominada Campestre, divisa com o córrego Moinho, onde meus avós, ali chegaram na qualidade de pequenos proprietários, cultivando e lidando com o manejo do gado para tirar subsistência para o casal, cinco filhos e dois filhos de criação. Ainda me recordo do quadro rural que sempre viveram meus pais e da luta diária de meus avós, dividindo o que ganhavam em proporções de subsistência entre os filhos. Em 1957 fui matriculada no primeiro ano, quando o país vivenciava a gestão de Juscelino Kubitschek e a construção da nova capital federal, Brasília. Os meus interlocutores eram os meus pais, tios, avós, professores, ouvia falar em creches, mas nunca frequentei, e fui alfabetizada com a famosa cartilha Caminho Suave. No primário, vivenciei a pedagogia dos castigos, tipo ficar em pé de frente às paredes dos corredores por não ter realizado alguma atividade em sala ou tarefa, ficar com os braços abertos e livros nas mãos por algum tempo, ajoelhar em grãos de milho, encher páginas de caligrafia com as mesmas frases, copiar várias vezes a mesma palavra, mas nem por isso tenho marcas de revolta. Sou consciente que fui fruto de uma tendência pedagógica tradicional na qual entre professor-aluno não possuía diálogo, conforme relata Libâneo (1993 p. 24), que a autoridade do professor era forte na escola tradicional e qualquer comunicação entre aluno e professor não existia no decorrer das aulas, assim o “[...] professor transmite o conteúdo na forma de verdade a ser absorvida; em consequência, a disciplina imposta é o meio mais eficaz para assegurar a atenção e o silêncio”. Eu no meio do caminho E mais uma vez busco uma metáfora de um poeta dos ervais com 44 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência quem convivi e aprendi muita da vida. Bebi da fonte de sua cacimba e trilhei meus caminhos: Eu sou o homem desajeitado e de gestos xucros que veio de longe. Eu sou o homem fronteiriço que na infância atribulada recebeu nas faces sanguíneas os açoites desse vento, vadio e aragano [...] Eu vim dos ervais, meus irmãos, do fogo dos “barbaquás”, do canto triste e gemente dos urus, dos bailados divertidos[...]Eu vim, em verdade, dos charcos e da poeira revolvente dos tempos, puros de espírito o caminho certo da vida. [...] Fui gemido de carreta manchega [...] envaidecido tropel de tropilha crioula e índio aragano, trilhador de todos os caminhos. (SEREJO, 1973). Os caminhos trilhados pela história de vida de Hélio Serejo repetem-se na história de vida de muitos professores. Na verdade, repete-se um pouco, também, no texto da minha vida. Semelhante a esse poeta, procuro coisas que me constituem como pessoa e que, subjetivamente, me dão prazer e me inspiram a narrar sobre meu percurso profissional. Como Helio Setejo, eu já caminhei muito, vim de longe, do interior do Estado de São Paulo, das lutas do campo, da época áurea da construção da barragem Urubupungá. Eu vim da Terra de Moura Andrade, da terra do boi. Vivi nas proximidades do Rio Feio, rodeadas de fazendas promissoras. Venho de longe, mas aproximo, cada vez mais, do ser professora quando cruzei campos araganos, trilhei estradas, pulei pontes e nessa trajetória, eu me distanciei do lugar onde nasci, deixei a fazenda de meus pais e avós, e fui para cidade acompanhada de meus pais para estudar. Conheci pessoas, fiz laços afetivos, deixei marcas e personagens que foram se constituindo durante esse trajeto. Essa trilha percorrida que, inicialmente foi em decorrência dos meus pais, foi também fruto das minhas necessidades pessoais, que, em busca de desafios, acabaram se transformando em novas conquistas. Caminhei por Escolas estaduais, fiz ginásio, simpatizei com professores de música, de artes manuais, de esportes. Foi com um professor de Língua Portuguesa “seu Manoel” que aprendi a gostar de ler, de resumir, contar causos, pintar cadernos, recitar, apagar o 45 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência quadro. Com um olhar nítido como um girassol (CAEIRO, 1986) volto ao passado e me vejo no ginásio, no clássico (escola Normal) e no colegial. Foi nesses espaços que houve o encantamento pelos livros, falo de Graciliano Ramos , de Jose de Alencar, e de toda coleção da ática Bom livro que existia nas escolas: Iracema, Til, Pequeno Príncipe, Sertanejo, Dom Casmurro, Moreninha, Meus Vinte Anos, Cortiço, Lucíola, entre tantos outros. Não tenho lembranças de algum professor realizando alguma leitura para nos alunos, ou incentivar os alunos a ler algo. Agora, me lembro bem de responder longos questionários sobre a leitura, cobrança de quantidade de leitura, quem era personagem principal, qual era o enredo, como a história terminou, uma cobrança mais técnica do que de formação. Podemos citar alguns hábitos escolares desse período: fila para entrar e sair das salas de aula, hastear a bandeira Brasileira, cantar o Hino Nacional, cantar o hino do Estado, vistar as tarefas, encapar os livros e cadernos, ler para o diretor da escola, vistar o uniforme e a higiene. Foi no ensino médio e no meio normal o meu encontro com os livros de contos, poesias e romances de grandes autores nacionais. Quando eu li Castro Alves e Guimaraes Rosa , Jorge Amado foi o impacto de gerações pois os alunos não podiam ler essa literatura. Tieta do Agreste era um livro proibido pela sua linguagem insinuante, carregada de ambivalências, como bem explica o escritor para a personagem Tieta, “Pastora de Cabras”, retratando a simbologia e a ideia de “cabra macho”, tão presente na época. Fui concluir essa leitura bem mais tarde quando iniciei a escrita de trovas, de poemas etc. Foi nesse espaço que li sobre as reformas educacionais, ouvia falar em Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido. Por mais que eu destaque meu envolvimento com as várias leituras e autores ao longo de minha trajetória, nesta roda de conversa, não será possível dada sua amplitude. Toda essa trajetória foi o diferencial para eu ser professora, por vontade própria e pela valorização que eu enxergava na profissão, ser professor era algo de alto escalão. Muito cedo já fui dar aulas de admissão em uma escola pública, eu tinha 17 anos. 46 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Considero o divisor de Águas, quando entrei na faculdade Barão de Mauá em Ribeirão Preto (hoje Centro Universitário Barão de Mauá), nesse espaço fui uma fiandeira de tudo e semelhante a Helio Serejo, “Eu não vinha dos ervais, do fogo dos barbaquás”, mas vinha apostando tudo que tinha, ser professora de qualquer jeito. A medida em que avançava no curso tecia uma intimidade com os professores, com os colegas, talvez pelo fato de me identificar com a profissão, e muito logo fui dar aulas noturnas de Língua portuguesa para alunos com defasagem de aprendizagem. As histórias, as tradições e as vivências do grupo de professores com as quais convivi, em diferentes lugares, certamente influenciaram minha formação. Nessa Universidade eu vivenciei a rotina dos cursos de medicina e biológicas e quando entrei pela primeira vez em um laboratório de aulas práticas foi um choque de sentimentos. O contato com peças anatômicas que simulam o corpo humano e a manipulação dos cadáveres e partes de corpos humanos me fizeram enxergar que não nasci para a educação da saúde. Toda essa vivência constituiu mais uma das minhas caminhadas para ser professora. Foi nesse espaço de Universidade em Ribeirão Preto que fiz amizade com grandes pessoas, hoje personagens da Tv , Jornal Rural , todavia não podia esquecer de uma jovem menina Tania Colóquio, aquela amigas que chegam para ficar. Muitas vezes fui acolhida em sua casa (Guara /São Paulo) para passar fim de semana, lavar roupas, passear enfim. Não tem como narrar fatos da vida sem lembrar de pessoas significativas na nossa trajetória. Essa é uma delas. Chego mais perto de Mato Grosso quando na escrita dessa roda de conversa empresto de Raquel Naveira e Hélio Serejo as metáforas de trilhar e tecer caminhos para falar dos lugares que venho ocupando nessa minha trajetória. O caminho se alarga mais um pouco, aumentando os fios, tecem a trajetória ora curtos, ora longos, construindo ponto a ponto cada pedaço de minha vida. Nessa tessitura eu encontro com poetas renomados, com os quais convivi e tenho muito apreço: Manoel de Barros, Emanuel Marinho, Raquel Naveira, Rutênio Marcelo, professora Glorinha de Sá Rosa, Professor José Pereira Lins, além daqueles que me ensinaram o caminho da formação de professor: 47 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Fávero e Koch (1988), Bakhtin ( 1997, 2006 ) , Josso (2004), entre tantos outros. Chego no ano 1974 , muitas transformações no caminho, deixo Ribeirão Preto , me casei em São Paulo vim fixar residência em Mato Grosso, assumindo um concurso público em uma cidade pequena, (CAARAPO/MS) onde passei meus primeiros dezoito anos de vida, curtir nascimento dos três filhos, e iniciar na vida profissional como professora concursada do ensino fundamental e médio pelo Estado de Mato Grosso do Sul, Estado que havia de ser constituído com a divisão do Estado. Em 1977 guardo mais um marco na minha história de vida, Presidente-General Ernesto Geisel assinava o documento decretando a separação de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A estudiosa Bittar (2009, p.25-26) pesquisadora da UFMS acredita que essa divisão “só foi possível porque o regionalismo, finalmente, encontrou respaldo na política nacional.” Foi nesse contexto de separação de Estado que assumi concurso público e passei a ser funcionária pública estadual-ser professora efetiva. Em 1976/1997 o caminho abre novos horizontes, cursei de Pedagogia, e a especialização em linguística que veio como uma necessidade e complemento da minha formação pedagógica e muito contribuiu para minha lotação como professora efetiva na disciplina de Estágio Supervisionado no Curso de Letras e Pedagogia na UEMS. Posso falar que nasci para ser professora e gosto de ensinar. Desde o início de minha vida profissional, escolhi o ensino superior como minha meta. Formada em Licenciatura Plena em Letras, pela UFMS, ministrei aulas em escolas de ensino fundamental e médio na ocasião oportuna em que surgia uma aposentadoria de uma colega de língua portuguesa em Dourados. O que sou e o que me faz caminhar Faço uma parada no caminhar para refletir sobre esse longo período, dezoito anos na cidade de Caarapó /MS, que representou um marco profissional em minha trajetória, pois aprendi a conduzir uma sala de aula, valorizar os alunos, integrar-me no contexto escolar, 48 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência desenvolver ações a partir de projetos; fiz do espaço escolar o prolongamento da minha casa. O lugar onde morava proporcionava essa atitude em qualquer professor, pois nada tinha (cinema, biblioteca, clube), restando o contato com os colegas educadores e a escola. A relação com os alunos, a minha maneira de conduzir as aulas eram detalhes que pesavam mais que a própria teoria que trazia para ser discutida na sala, eu atendia os alunos em minha casa. Minha casa era o prolongamento da minha sala de aula. Sempre fui muito próxima dos alunos, ajudando-os afetivamente, construindo um sentimento maternal ou fraternal, aquilo que falta nos braços de muitas famílias, conforme explica Bakhtin (2003, p. 148), uma relação pai/mãe-filho(a) entre professor e aluno, uma vez que, [...] “numa concepção social, o centro axiológico é ocupado por valores sociais” e as de experiências particulares, de atitudes solidárias e de lutas que vão organizando e delimitando o espaço escolar. Hoje entendo porque, nas reuniões de pais, alguns alunos aproximavam-se com as mães para me conhecerem ou me apresentavam as famílias quando me encontravam na missa aos domingos. Parecia que eles tinham uma necessidade de levar o afeto familiar para outros espaços; levavam para dentro de nossas aulas experiências de suas casas, de suas amizades, conflitos familiares. Nesse espaço de tempo descobri a magia do ser professor, como algo surreal, não tinha cansaço, tristeza, noite mal dormida, que ao pisar nos corredores das salas de aula, tudo era recompensado, a sala de aula vira um palco iluminado, uma sensação de êxtase mesmo. Na frente de uma sala de aula não são as palavras dos livros que são ditas, ou ensinadas, são modo de descobrir o mundo, nossos exemplos de vida para os alunos valem mais que qualquer palavra ensinada. O professor transmite exemplo de vida, a forma de ser enquanto pessoa, transmite bons cuidados, tudo isso vai contribuindo para a formação. E a construção de identidade. O espaço que ocupei em minha trajetória de formação foi uma vida de entrega, uma troca de energia com alunos, pais e colegas professores, pois ser professor não é uma coisa passiva, independentemente do método ou da ferramenta que utiliza, na 49 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência frente de uma sala aula eu fui mãe, professora, amiga, psicóloga. E na escola fui conselheira, organizadora de festas, de campanhas, de reuniões de colegiado, criadora de bibliotecas, projetos de leitura, fui ajudante de merendeira. Hoje consigo entender também que com essas atitudes solidárias, eu fui me construindo profissionalmente e descobrindo o meu modo de ser na profissão de professora, ao mesmo tempo, meus alunos estavam construindo suas identidades profissionais e para isso selecionavam e vivenciavam situações hipotéticas sobre desempenho profissional, vendo na figura do professor seu modo de ser e estar. Descobri que ser mãe, psicóloga e professora são coisas muito imbrincadas. Com minha mudança para Dourados, fui trabalhar na Agência de Ensino, antiga Delegacia de Ensino, ocasião em que participei de todas as assessorias de implantação dos colegiados nas escolas, pela Secretaria de Educação do Estado, e de todas as ações de avaliação sobre as dificuldades de linguagem e escrita que os alunos apresentavam causando muita repetência e evasão escolar. Nesse espaço, aprendi a olhar de fora para dentro da escola. Sempre é bom o professor passar por outras paragens, como a Agencias de Ensino, Secretarias de Educação, Coordenações, Direção. Houve um declínio da sala de aula para muitas salas de aula, pois tínhamos que estar envolvidas com capacitações docentes de professores das diferentes escolas. Esse caminhar em outros espaços, diferente da sala de aula, me tornou mais fiandeira ainda, porque nessa dimensão eu passei do ensino para dimensão sóciocultural incluindo as relações psicológicas, familiares. Tudo isso me fez ser cada dia mais professora. Vivenciei abertura de escolas, fechamento de escolas, vivenciei políticas do poder (fica na escola quem o diretor quisesse), apadrinhamentos entre outras. Tudo isso nunca foi motivo de deixar de ser professor, mas foram causas para eu definir onde era meu lugar realmente no meu ser professora. Foi nesse espaço de trabalho que alarguei minhas relações pessoais com Professora Leocádia Aglaé Petri Leme, Edenor Machado, Ivo Nascimento, José Laerte Cecílio Tetila, Luiz Antônio 50 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Álvares Gonçalves entre tantos outros. Até porque eu acredito que ser professor e levar conhecimento para um sujeito ser melhor na sociedade olhando para as especificidades. Os alunos não são iguais, cada um carece de um tempo de aprendizagem, os alunos trazem para escola seus indícios de sexualidade e disso o professor precisa entender também. Alguns nem precisa do professor para seguir na aprendizagem, outros carecem de reinvenção de novas práticas para dar conta do ensinar e aprender. Nós professores temos que inventar sempre, envolver emocionalmente com os alunos, tocando, articulando, movimento o corpo, gesticulando, numa relação de vínculos de aprendizagem, veja estou falando de práticas pedagogias otimizadas no interior das salas de aulas. Outras paragens, outros rumos... É preciso entrar em estado de árvore. “É preciso entrar em estado de palavra. Só quem está em estado de palavra pode enxergar as coisas sem feitio. (Manoel de Barros). Estar em “estado de palavras”, por meio da metalinguagem, não significa ignorar o contexto social em que se constrói a realidade. Assim como Manoel de Barros em um processo autorreflexivo da palavra explora o espaço e a realidade, eu não poderia esquecer a noção da realidade que hoje vivo. Assim, como não posso perder de vista as transformações que vêm ocorrendo na educação e formação de professores. É preciso enxergar as coisas a partir do uso do recurso da autorreflexão, tão bem instaurada no trecho da poesia, de Barros, como um ato reflexivo no qual a palavra é essencial em todas as relações do ser, consigo mesmo e com seus semelhantes. Em estação como esta, eu busco as palavras e o conhecimento sobre formação de professores como recursos para eu avançar em meu intento. Nessa paragem falo agora das universidades por onde passei e me encontro. A partir das experiências como professora na UFMS, as memórias significativas são aquelas resultantes de atividades cujo uso da escrita extrapola o contexto de sala de aula. Nessa instituição lecionei diferentes disciplinas, realizei alguns trabalhos interessantes com os alunos do curso de Pedagogia: oficinas para serem 51 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência desenvolvidas com estudantes de 1ª a 4ª série do ensino fundamental. Entre um ano outro trabalhei em regime de cedência para UFMS, aprendi muito com os colegas de departamento, destaco Professora Dra. Aparecida Negri Esquerdo, profissional diferenciada, pesquisadora nata , com ela aprendi a ser pesquisadora e hoje cultivo com carinho essa amizade, e admiro esses profissionais sérios e comprometidos com uma educação transformadora. Após concurso na UEMS, deixei tudo que desenvolvia em instituições privadas e me dediquei em regime de tempo integral à docência nesta instituição. Tendo em vista o eixo que move a universidade — o ensino, a extensão e a pesquisa, o meu trabalho teve um outro olhar. Destarte, falar dos projetos, das pesquisas, das funções que exerci na Universidade Estadual onde me aproximei da pesquisa por meio do meu projeto de mestrado, e mais tarde emaranhei-me em projetos de extensão e nunca mais parei, enxergo a pesquisa como ferramenta que me possibilita encontrar caminhos às situações enfrentadas, tanto em minha atividade de ensino como de extensão na universidade. Trago a marca de outros rumos trilhados nessa minha história, não fui somente trota-campo, cruza-mundo, e docente, fui também chefe do núcleo de ciências humanas, na UEMS em 2007, fui Membro e Conselheira da Câmara de Ensino, mas trago a certeza de que foram estações passageiras. Como professora das disciplinas de Prática de Leitura e Produção de Textos (PLPT), Fundamentos Metodológicos da Língua Portuguesa das Séries Iniciais do Curso Normal Superior, Estágio Supervisionado, do Curso de Letras da UEMS, desenvolvemos um trabalho sobre Histórias de Leituras por meio de produções de narrativas memorísticas com a finalidade de refletir com esses professores/alunos, as concepções de leitura dentro e fora da escola. Estou descrevendo o Curso Normal Superior da UEMS , que durou dez anos, estive nele na abertura e no encerramento, e nesses longos anos os alunos construíram por meio de narrativas, suas histórias de vida. 52 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência E como professora de todas as turmas fui junto construindo memorias de formação, artigos refletindo sobre essas memórias consideradas significativas na vida dos alunos, o que justifico meu interesse por essa temática doutorado. No ano de 2006, de posse de um banco de dados de memoriais (narrativas formativas) produzidas pelos alunos do CNS eu ingressei no doutorado. E desde então eu dedico parte de minhas pesquisas nessa temática de Histórias de Vida/ Narrativas Formativas e outra parte em temáticas ligadas a Linguagem (linguística aplicada e agora na Multimodalidade). Foi no doutorado que conheci o CIPA – Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica , que já no IX Congresso reunindo diferentes estudiosos nessa área. Esse congresso eu considero o maior congresso dessa área e a oportunidade de dialogar sobre as potencialidades das narrativas autobiográficas enquanto método de pesquisa e prática de formação e suas contribuições para a produção científica nas diversas áreas do conhecimento. Hoje o CIPA vem reunindo pesquisadores de universidades brasileiras e do exterior, pós-graduandos, graduandos, professores da educação básica, membros de associações científicas nacionais e internacionais, interessados na produção científica e em práticas (auto) formativas, nas diversas áreas do conhecimento que investigam o humano, com base em narrativas de sua própria experiência. Por fim, fui caminhando, vencendo as curvas, realizando paragens em Raquel Naveira, bebendo da fonte de Hélio Serejo, e, sem pensar no desenho que ia se formar, encerro minha narrativa, aposentada, pesquisadora sênior na UEMS , apesar de meu olhar não encontrar formas muito definidas para agradar o leitor, principalmente por ter percebido que o sentimento presente nas primeiras cenas se mantém vivo e pulsante, como se o tempo passado só tivesse fortalecido o presente. Referências BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 53 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência 1997. BAKHTIN, Mikhail. Arte e Responsabilidade. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BAKHTIN, Mikhail; VOLOSHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. São Paulo: 2006. BITTAR, Marisa. Mato Grosso do Sul, a construção de um estado: poder político e elites dirigentes sul-mato-grossenses. Vol. 2. Campo Grande, MS: Editora UFMS, 2009 CAEIRO, Antonio .O guardador de rebanhos (heterônimo de Fernando Pessoa). 1986. Disp. em: <http://www.cfh.ufsc.br/~magno/guar dador.htm>.Acesso/ 2021. FÁVERO, Leonor; KOCH, Ingedore Villaça. Linguística Textual: Introdução. São Paulo: Cortez. 1988 JOSSO, Marie- Christine. Experiência de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004. BARROS, Manuel de. Retrato do artista quando coisa. Rio de Janeiro: Record, 1998. LIBÂNEO, Jose Carlos. Democratização da Escola pública: A pedagogia Crítica dos conteúdos. 11ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1993. 54 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O GÊNERO MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO Ana Sophia Monteiro Barbosa (UFPA) Breve Contextualização Este capítulo trata sobre um gênero textual acadêmico autobiográfico intitulado memorial. Derivado do latim, o termo memoriale consiste em algo que ajuda a memória, que faz lembrar. O memorial pode ser identificado em diversas áreas de conhecimento, além de possuir diferentes significados, a depender do contexto de uso, isto é: na Arquitetura (monumento), no Direito (relatório) e Letras (texto descritivo autobiográfico). Por conta de sua considerável amplitude, o gênero memorialístico pode ser denominado como memorial descritivo, profissional, acadêmico, de formação ou simplesmente memorial (Cf. NÓVOA, 1995; SOARES, 2001; SEVERINO, 2002; CARRILHO et al, 2003; OLIVEIRA, 2018). Neste artigo concentraremos os estudos desse gênero na área de Letras, com foco especial na formação de professores de línguas. O interesse por esse assunto surgiu para nós, discentes do curso de Letras e professores de línguas estrangeiras, em especial, Língua Alemã, por meio do ingresso no Grupo de Estudos e Pesquisa designado „Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitos-professores de línguas em formação” (SUPROF), liderado pela Profa. Dra. Cristiane Schmidt, na Universidade Federal do Pará (UFPA). Inicialmente, o memorial era desconhecido por grande parte dos membros do grupo, devido ser, em nosso contexto acadêmico, um gênero textual incomum, adotado em ocasiões específicas, como em seletivas para os cursos de mestrado e doutorado ou ao término desses cursos, além de concursos públicos para professor titular, conforme edital 55 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência para provimento de cargos de Professor da Carreira do Magistério Superior para o quadro permanente da UFPA nº 349, de 04 de dezembro de 2018.1 Modernamente tem sido também solicitado o “memorial descritivo” por empresas públicas ou privadas, como opção ou substituto do curriculum vitae (OLIVEIRA, 2018, p.137). Nesse sentido, Brasileiro (2021, p.172) nos informa que o memorial como atividade discursiva da memória e de reflexão crítica sobre o processo de formação de professores, “tem sido também utilizado como trabalho de conclusão de curso (TCC), configurando-se como uma retomada intencional e articulada dos dados do curriculum vitae.” A exemplo disso, podemos mencionar que a Universidade Estadual de Campinas, em seu Programa Especial para Formação de Professores (PROESF) em exercício na Educação Infantil e nas primeiras séries do Ensino Fundamental dos 19 municípios que integram a Região Metropolitana de Campinas, instituiu o memorial de formação como requisito para a obtenção de diploma de graduação2. A partir das ideias expostas, surge para nós um questionamento: Por qual motivo o memorial se tornou uma ferramenta avaliativa no âmbito acadêmico/profissional? Para esse questionamento, Passegi (2000) afirma que: [...] decretos de 1934 e 1935, que criam na Universidade de São Paulo as exigências de um notório saber para ingresso como catedrático, justificam que a escrita de si ultrapassasse o modelo sintético do curriculum vitae. A partir de 1968, com a reforma universitária e o desenvolvimento da pós-graduação, eles passam a ser utilizados para o cargo de professor titular e de livre docente. É a partir dos anos 1980, durante o processo de redemocratização do país, de mudança na carreira docente e crescimento dos índices de professores doutores, que o memorial passa a fazer também parte de concursos para 1 Edital disponível em: https://letrasfrancesufpa.files.wordpress.com/2019/ 02/edital-349-2018-concurso-professor-efetivo.pdf 2 Normas para a apresentação do memorial de formação. Disponível em: https://www.fe.unicamp.br/drupal/sites/www.fe.unicamp.br/files/pf/subportais/gr aduacao/proesf/proesf_normas_memorial.doc 56 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência ingresso no cargo de adjunto. Nos anos 1990, essas escritas de si dão um salto fundamental em sua concepção como arte profissional de reinvenção identitária, conforme discuti em um dos meus primeiros trabalhos. Sobre esse assunto, Linhares e Nunes (2008) consideram que os memoriais autobiográficos, produzidos ao longo da história do Brasil, constituem fontes biográficas de pesquisa, conforme se pode constatar no livro Memórias, memoriais: pesquisa e formação docente, elaborado por diferentes grupos de pesquisa no Brasil, a exemplo das instituições UNICAMP, PUCRS, UNEB e UFRN. As autoras destacam que entender os memoriais “como fato social ou como prática acadêmica permitiria desvendar os motivos de sua expansão, consequências e desdobramentos para o ensino superior no Brasil e/ou (re)compor o mosaico das representações de práticas educacionais no país.” Vale destacar que o memorial (descritivo, profissional, acadêmico ou de formação), é um gênero textual que vem ganhando cada vez mais notoriedade e espaço para discussão acadêmica e científica, no tocante à qualificação e formação profissional dos sujeitos, como apresentam os teóricos até aqui mencionados. A seguir continuamos a explorar o teor desse gênero. O gênero Memorialístico A partir das ideias iniciais, compreendemos o memorial como um gênero textual acadêmico, de cunho autobiográfico, isto é, um texto em que o próprio escritor (memorialista) assume, de forma simultânea, as funções de autor, narrador e personagem da sua própria história, levando em consideração aspectos que julgar mais importantes de sua vida e que estejam alinhadas com a área de conhecimento requisitada ou destino de apresentação. Ao escrever o texto, o memorialista (autor) relata sua trajetória escolar e profissional de forma histórica e reflexiva, de modo a resgatar memórias de vivências passadas. Por ser uma produção autobiográfica, esse gênero tem como característica fundamental a 57 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência escrita em primeira pessoa do singular, o que o torna, no quesito composição, um gênero acadêmico particular em relação aos demais. Na concepção de Prado e Soligo (2007, p. 6) a autobiografia é uma obra literária ou científica, na qual constam relatos de fatos memoráveis dos quais o autor tenha participado. “É uma marca, um sinal, um registro do que o autor considera essencial para si mesmo e que supõe ser essencial também para os seus ouvintes/leitores”. Ao que se refere à característica fundamental desse gênero, Santos (2005) diz que “o memorial é escrito em primeira pessoa, devendo sintetizar aqueles momentos menos marcantes e desenvolver aqueles mais significativos”. A partir dessa assertiva, tomamos como exemplo algumas passagens de cinco memoriais3 produzidos por membros do Grupo de Estudos e Pesquisa „Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitosprofessores de línguas em formação” (SUPROF), conforme ilustrado abaixo: (i) “Eu estava ansiosa para aprender a língua e seria novamente o que me faria diferente na universidade. Me dedicava e conseguia atingir bons conceitos nas disciplinas, mas o fato do curso ter poucos professores no quadro de ensino fez com que os níveis de língua fossem transferidos para a manhã.” (ii) “Neste lugar aprendi o que era seminário, como fazer resumos, a importância da leitura e a inutilidade de questionários frente a provas que diziam: disserte a respeito ou apresente argumentos.” 3 Até o presente momento o grupo de estudos e pesquisa SUPROF acumula corpora de 18 memoriais acadêmicos. 58 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência (iii) “Me identifiquei com o curso, minhas habilidades em língua inglesa se desenvolviam com primazia e eu me realizava durante as aulas, para mim era pura diversão, não considerava uma obrigação e sim uma distração. A língua Inglesa me foi apresentada de um modo tão prazeroso que procuro fazer o mesmo nas minhas aulas.” (iv) “Minha primeira experiência após minha formação inicial concluída foi como professora de Língua Alemã no Colégio Farroupilha, na cidade de Porto Alegre/RS, durante dois anos (1996-1998). Nesse contexto, deparei-me com os desafios inerentes ao processo de ensino e aprendizagem de Língua Alemã na educação básica, em âmbito do ensino privado.” (v) “Depois que terminei a graduação, me vi correndo contra o tempo. Não consigo me ver parada, tanto que enquanto terminava a pós, trabalhava e durante o mestrado, no momento, sai do serviço (dava aula de inglês no ensino provado) para poder me dedicar na minha pesquisa; (Eu sempre começo algo pensando já no próximo alvo).” Nos trechos acima, podemos observar tanto semelhanças como diferenças no plano composicional adotado pelos memorialistas, nas produções dos textos, como a escolha do léxico, uso do tempo verbal no passado (aprendi, identifiquei, entre outros.), além dos traços afetivos revelados ao longo das leituras. Na obra Estética da criação verbal, Bakhtin (1997, p. 279) afirma que: A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à 59 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. Cumpre salientar de um modo especial a heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos), que incluem indiferentemente: a curta réplica do diálogo cotidiano com a diversidade que este pode apresentar conforme os temas, as situações e a composição de seus protagonistas), o relato familiar, a carta (com suas variadas formas), a ordem militar padronizada, em sua forma lacônica e em sua forma de ordem circunstanciada, o repertório bastante diversificado dos documentos oficiais (em sua maioria padronizados), o universo das declarações públicas (num sentido amplo, as sociais, as políticas). Outra característica marcante nos fragmentos mencionados é o caráter crítico-reflexivo, uma vez que os autores-memorialistas se expressam de maneira consciente sobre os pontos positivos e negativos que os conduziram a determinado estágio da vida profissional. Enquanto para alguns o processo de ensinoaprendizagem fluía de forma tranquila e prazerosa, para outros havia uma certa dificuldade no prosseguimento das coisas. Por outro lado, toda experiência vivenciada, ora positiva, ora negativa, traria contribuições significativas para a prática profissional dos sujeitosprofessores, bem como no âmbito do reconhecimento identitário docente. Dessa forma, Schmidt (2014, p. 85) acrescenta que “cada sujeito vai construindo sua identidade e apoiando-se nos aspectos considerados fundamentais e definidores das suas escolhas, ao passo que tem uma forma singular de ver o mundo e de enfrentar situações inesperadas”. Memorial, como se faz? – Proposta de manual Fundamentados nas leituras críticas, discussões teóricas e compartilhamento de saberes no Grupo de Estudos e Pesquisa SUPROF, é de nosso interesse, criar um manual conciso para memorialistas iniciantes (estudantes de graduação, pós-graduação, pesquisadores e afins.) Ademais, acreditamos que este manual 60 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência poderá contribuir para futuros estudos no âmbito da escrita acadêmica e científica. É de nosso conhecimento que existe uma hierarquia na normalização de trabalhos acadêmicos, sendo a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) a principal responsável pela criação e comercialização de normas nacionais. Em segundo plano, temos as diretrizes das Instituições (Universidades, Empresas etc.), que apoiadas a ABNT, instituem os critérios de formatação e conteúdo dos trabalhos. Em vista disso, temos um número expressivo de normas direcionadas para a elaboração de trabalhos. A norma NBR 14724/2011 – Princípios gerais para a elaboração de trabalhos acadêmicos – detalha a estrutura de trabalhos na academia, como o trabalho de conclusão de curso (TCC), monografia, dissertação e a tese. No caso do memorial, também adotamos essa norma. A seguir apresentamos a estrutura do memorial, conforme a norma supracitada. Fonte: ABNT NBR 14724 (2011) 61 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Levando em conta a estrutura acima, abordaremos a parte textual, que se divide em introdução, desenvolvimento e considerações finais. a) Introdução: nessa parte, o autor-memorialista apresenta-se e faz algumas considerações sobre sua formação pessoal e profissional, através de uma breve explanação sobre as principais atividades por ele realizadas. Neste ponto, o autor situa seu leitor sobre as motivações para escrever o memorial. Exemplos: (i) (ii) “Desde 1993, quando concorri pela primeira vez a uma bolsa de iniciação científica da Fapergs, escrevo e reescrevo o Curriculum Vitae. Todavia, memorial descritivo, é o primeiro que elaboro. Procurei seguir as orientações de Moraes (1992) e Boaventura (1995) para a elaboração do meu memorial, o qual será apresentado à coordenação do Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação para o processo seletivo ao Curso de Doutorado em Informática na Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.” (BRASILEIRO, 2021 apud PASQUALOTTI, 2006) “Este Memorial de formação, sob o título “Memórias de uma Educadora Vitoriosa”, requisito parcial à obtenção do título de licenciada em Pedagogia – habilitação para educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental tem como objetivo apresentar acontecimentos marcantes ocorridos em minha trajetória estudantil, profissional e acadêmica.” (SILVA, 2013) a) Desenvolvimento: Nessa seção, o autor rememora suas origens educacionais, partindo de sua formação básica até a superior ou mais atual. Também vale mencionar nessa parte do texto, aspectos relativos as experiências 62 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência vivenciadas, investimentos pessoais e financeiros, referenciais teórico-metodológicos, acompanhados de uma reflexão crítica da prática laboral. Segundo Brasileiro (2021, p.177), “[nesse exercício] é necessário fazer uma ligação coerente entre todos os passos da carreira, podendo o autor inserir algumas fotos e imagens que ilustrem as situações relatadas, com as respectivas legendas”. No que diz respeito a estrutura, as partes do todo podem ser organizadas em subtítulos que sinalizem as ideias a serem desenvolvidas, como podemos constatar nos seguintes exemplos: (i) 1. CONTRARIANDO A VELHA DITADURA 2. A ESCOLA PRIMÁRIA 2.1 Mudando de Perspectiva 2.2 Decisões Importantes 3. VOLTA AO COMEÇO 3.1. Escolhas 7. RESILIÊNCIA (ii) 2. OS ANOS INICIAIS 2.1 O Ensino Fundamental 2.2 O ensino médio 3. O curso de Tecnóloga em Comunicação institucional 4. O curso de Letras com habilitação em alemão b) Conclusão: Ao finalizar o memorial, o autor deve apresentar uma avaliação sobre os caminhos percorridos em sua formação profissional, além de indicar os rumos que sua carreira deve tomar. A exemplo da conclusão, selecionamos um trecho de um memorial apresentado à Faculdade de Odontologia, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como requisito avaliativo para promoção à classe de Professor Titular do Departamento de Odontologia Social e Preventiva. 63 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência “A elaboração deste Memorial me deu oportunidade de voltar a olhar para trás no tempo e perceber claramente quantas pessoas foram importantes nessa minha caminhada. Agradeço imensamente aos alunos, professores, técnicoadministrativos, pacientes, profissionais e à minha família, todos que me ajudaram nessa trajetória. Quanto às minhas projeções futuras, pretendo continuar desenvolvendo pesquisas, orientando meus alunos de pósgraduação e lecionando na graduação, que é onde meu trabalho mais me desafia nesse momento. Os tempos são outros, os alunos são outros e o ensinar precisa também ser outro”. (VARGAS, 2019, p.70) Escrever um memorial não é tarefa simples, pois em muitos momentos podemos sentir-nos inseguros quanto ao conteúdo de nossos textos. Por esse motivo, julgamos necessário fazer algumas colocações, a saber: a) O início do memorial pode ser resumido em uma palavra: identidade. Portanto, você deve se apresentar e falar sobre suas origens e formação básica; b) O foco principal do memorial é a formação acadêmica dos sujeitos. Dessa forma, você deve narrar os fatos em ordem cronológica; c) É importante relatar de forma coerente as experiências mais significativas da atuação docente; d) Refletir sobre a trajetória percorrida nunca é demais. Quais foram os principais desafios enfrentados na profissão? Como foi o relacionamento com os alunos e colegas de profissão? Houve mudanças no processo de ensino-aprendizagem?; e) Não há um número de páginas definido para o memorial, dessa forma, você pode explorar diversas vias do discurso; f) Utilize o recurso da citação. Pesquise trabalhos científicos (artigos, ensaios, teses etc.) que estejam de acordo com suas ideias. Os portais eletrônicos de períodos científicos podem ajudar; g) Outros: informações que você considerar relevantes. 64 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Ao longo das páginas buscamos, em primeiro plano, contextualizar o leitor acerca dos estudos envolvendo memorial autobiográfico, de modo a compreender suas origens e utilidade como instrumento avaliativo na formação de professores. Em segundo plano, consideramos pertinente caracterizá-lo, enquanto gênero do discurso, conforme aponta Bakhtin (1997). A esse respeito, podemos dizer que o memorial é um gênero acadêmico dotado de recursos textuais, os quais perpassam pelas experiências do constituir-se docente. Com o objetivo de compreender melhor a composição do gênero memorialístico, utilizamos excertos de memoriais elaborados pelos participantes Grupo de Estudos e Pesquisa SUPROF, em atividade desde 2019. Por fim, tentamos propor um manual conciso para elaboração do memorial acadêmico, com ênfase na parte textual (introdução, desenvolvimento e conclusão), além de fornecer algumas dicas relativas ao seu conteúdo. Vale ressaltar que não é nossa intenção prescrever uma norma geral para a produção desse gênero, dado os gêneros “estão sujeitos a mudanças, decorrentes não só das transformações sociais, como oriundas de novos procedimentos de organização e acabamento da arquitetura verbal” (KOCH, 2003, p. 54). Dessa forma, a promover uma profunda reflexão sobre o processo de formação dos sujeitos-professores em formação. Referências BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Maria Emsantina Galvão G. Pereira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BRASILEIRO, Ada Magaly Matias. Como produzir textos acadêmicos e científicos. São Paulo: Contexto, 2021. CARRILHO, Maria de Fátima Pinheiro et al. Diretrizes para a elaboração do memorial de formação. Natal: IFESP, 1997. (Mimeo). KOCH, Ingedore G.Villaça. Desvendando os segredos do texto. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003. LINHARES, Célia; NUNES, Clarice. O memorial: lugar de reinvenção da trajetória de educadores. In: Memorial, memoriais: pesquisa e formação docente. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008. 65 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência NÓVOA, ANTONIO. Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto editora ltda, 1995. OLIVEIRA, Jorge Leite de. Texto acadêmico: técnicas de redação e de pesquisa científica. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018. PASSEGGI, Maria da Conceição. Memoriais de formação: processos de autoria e de (re) construção identitária. In: Conferência de Pesquisa Sociocultural, 3, 2000, Campinas. Anais. Campinas 2001. Disponível em: http://www.fae.unicamp.br/br2000/trabs/1970.doc. Acesso em: 15 de julho de 2022. PRADO, G. V. T.; SOLIGO, R. Memorial de formação – quando as memórias narram a história de formação. In: Porque escrever é fazer história – Revelações, Subversões, Superações. 2. ed. Campinas, SP: Editora Alínea, 2007. SCHMIDT, Cristiane. Memórias e Trajetórias: Implicações na Construção da Identidade do Profissional de Línguas”. Revista Línguas & Letras – Unioeste, v. 15, n. 28, p. 85-95, 2014. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 22. ed. rev. E ampl. De acordo com a ABNT. São Paulo: Cortez, 2002. SILVA, Gilvanete Lopes da. Memórias de uma educadora vitoriosa. Orientador Prof. Ms. Valkley Xavier Teixeira de Hollanda. 2013, 37 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia). Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy, Natal/RN, 2013. SOARES, Magda. Metamemória-memória: travessia de uma educadora. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. VARGAS, Andreia Maria Duarte. Memorial acadêmico: a trajetória de uma professora universitária. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2019. Disponível em: https://www.bu.ufmg.br/imagem/ 000020/000020e3.pdf. Acesso em 20 de julho de 2022. 66 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 5 FLUÍNDO COMO UM RIO Uma análise de como as trajetórias influenciam na construção da identidade dos professores do Grupo de Pesquisa e Estudos - SUPROF da UFPA Leandro Carneiro Oliveira (UFPA) Ingled Dayanna Goncalves Xavier (UFPA) Cristiane Schmidt (UFPA) Antonio Carlos Santana de Souza (UEMS) A Rota do Rio O projeto de pesquisa intitulado “Pesquisa Narrativa: Memoriais de Sujeitos Professores em Formação-SUPROF” situado nas áreas de conhecimento da Linguística, Letras e Artes foi desenvolvido, entre os anos de 2019 e 2022, na instituição Universidade Federal do Pará (UFPA) através da Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas (FALEM) em parceria com a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) e a Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Vale destacar que esse projeto está cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil (CNPq) como ‘Grupo de Pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em Formação’1- Linha de Pesquisa ‘Pesquisa Narrativa e Formação de Professores de Línguas Estrangeiras’, sendo composto de 18 participantes, dentre esses graduandos, graduados e demais pesquisadores da área de formação de professores de língua estrangeira. 1 5 Cf. espelho do grupo, disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/ 9449448776089474. Acesso em:12 fev. 2021. 67 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Os graduandos são alunos dos cursos de Letras Língua Inglesa, Alemã, Espanhola e Francês; já os formados são alunos egressos de Letras-Língua Alemã e os pesquisadores atuam nas áreas de Letras e Linguística. Os integrantes são provenientes das regiões Norte e Centro-Oeste, especificamente das instituições UFPA, UEMS e UNEMAT. Durante sua duração, o projeto realizou diversos encontros, eventos e produções como as listadas abaixo: (i) Organização de Evento: O ciclo de Rodas de Conversas “O que te fez Professora? ”, realizado na plataforma online Google Meet com o objetivo de receber um convidado “Professor- Pesquisador da área do ensino de Línguas” e discutir temas sobre a trajetória deles em um memorial na modalidade oral que ocorreram entre agosto de 2020 até janeiro de 20212. (ii) Publicação: A primeira produção foi o capítulo do livro “Mudar Faz Bem! Um relato sobre como a mudança do ambiente ‘repaginou’ a dinâmica do Projeto “Pesquisa Narrativa: Memoriais de SujeitosProfessores em Formação” -UFPA3 que foi publicado no livro ‘Linguagem e Ensino: Da Linguística à Análise Dialógica do Texto/Discurso’, organizado por Neide Araújo Castilho Teno e Ivo Di Camargo Junior na Editora Mentes Abertas. Neste artigo o texto produzido retrata como foi a adaptação à modalidade a distância durante a pandemia da Coronavírus no ano de 2020-2021 com foco na organização das Rodas de Conversa “O que te fez Professora?” (iii) Participação em Evento e Publicação: Mediante a participação do grupo de pesquisa no II SIEPELL-FALEM/UFPA4, resultou a segunda produção intitulada ‘O Jogo das Sombras: uma 2 As Rodas de Conversas receberam cinco convidadas representando as cinco regiões do Brasil, quais foram: Dra. Tania Aparecida Martins da UNIOESTE (Região Sul); Dra. Dörthe Uphoff da USP (Região Sudeste); Dra. Rogéria Costa Pereira da UFC (Região Nordeste); Dra. Neide Araujo Castilho Teno da UEMS (Região CentroOeste); e, Dra. Walkyria A. G. Passos Magno e Silva da UFPA (Região Norte). 3 Tendo como autores OLIVEIRA, L. C.; SCHMIDT, C. ; SOUZA, A. C. S. 4 II Seminário Integrado de Ensino, Pesquisa e Extensão em Língua e Literatura. Realizado pela Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas (FALEM), na Universidade Federal do Pará (UFPA), nos dias 27 e 28 de maio de 2021. 68 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência análise dos aspectos convergentes nos memoriais autobiográficos produzidos pelo SUPROF- UFPA’5 publicado no livro digital do II SIEPELL. Neste artigo são apresentadas as primeiras impressões do grupo de pesquisa acerca dos memoriais acadêmicos, bem como estudos realizados por alguns participantes do grupo. (iv) Organização de Evento: A palestra intitulada “Vida Acadêmica: como construir uma carreira acadêmica”? conduzida pelo Prof. Dr. Antonio Carlos Santana de Souza (UEMS/UNEMAT) e a palestra “Docência e Pesquisa: uma escolha que faz a diferença” proferida pela Profa. Dra. Carla Maria Schmidt da área de Secretariado Trilíngue (UNIOESTE) nos meses de abril e maio de 2021 aos integrantes do Grupo de Pesquisa e Estudos - SUPROF. (vi) Organização de Evento: A palestra intitulada “A importância do Currículo Lattes na vida acadêmica” foi proferida pela doutoranda Samantha Fröhlich -UFPR em outubro de 2021 que atendeu a comunidade acadêmica, além dos cursos de Letras. A palestrante apresentou a importância do cadastro e uso do Curriculum Lattes na Plataforma, considerando a pesquisa acadêmica. (v) A organização do Evento “Roda de Conversa: O que te fez professora? Encontro com a Profa. Dra. Katja Lieber” (Universidade de Leipzig/Alemanha) realizado em maio de 2022, sendo esse evento realizado em línguas alemã e inglesa com participantes de todo o Brasil. As produções listadas retratam algumas das ações realizadas nos quase três anos e mostram a importância da construção da trajetória dos sujeitos-professores e como a linha de pesquisa se apresenta em constante mudança. Acreditamos que ainda há um longo caminho a ser explorado, com vistas a refletir acerca dos conhecimentos compartilhados pela área de estudo e pesquisa na formação de professores de línguas estrangeira e materna em âmbito regional, nacional e, até, em contexto internacional. 5 SEMINÁRIO INTEGRADO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO DE LÍNGUA E LITERATURA, 2., 2021, Belém. Saberes e práticas docentes no ensino, na pesquisa e na extensão de línguas e literaturas. Organizadores: Cristiane de Mesquita Alves et al. Belém: UFPA, 2022. 69 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência As Correntezas: Fundamentação Teórica Sabemos que as discussões da aquisição e constituição da identidade por si só necessitam de um artigo completo para sua definição. Dessa forma, para uma melhor conclusão sobre os aspectos identitários no contexto da formação de identidade de professores, seguem alguns conceitos e teorias de formação da identidade: Para Bauman (2003) a sociedade sai de uma sociedade sólida que permanece até metade do século XX, e apresenta o processo de liquefação na qual a sociedade se encontra. A sociedade vive um novo momento social em que questões sobre privacidade passaram a invadir o discurso político e o capital deixa de ser parte do trabalho. Isso nos leva a construção de uma identidade leve, instável e volátil. Esta volatidade se faz presente na busca de um estado onde as fronteiras identitárias seguem um fluxo de ideias constantes e reformulações para cada momento de interação. Para Hall (2015), a identidade se forma no decorrer da vida por um processo de constante reformulação. No entendimento do autor, a identidade é caracterizada como algo em constante movimento para um ser diferente do que era a algum tempo atrás, pois a mudanças ao redor do indivíduo influenciam diretamente sua percepção da identidade que tem. Ao mesmo tempo, Appiah (2016) destaca três concepções da identidade que são a nominativa, normativa e subjetiva: nominativa, pois é marcada por processos históricos como tendemos a nominar através de rótulos indivíduos pertencentes a grupos sociais distintos; normativas porque se espera determinadas ações de um ser com um rótulo em questão comporte-se como esperado segundo as normas sociais implícitas a aquele grupo; subjetiva, este conceito é em parte do normativo, pois como esperamos determinados comportamentos dependem do comportamento que advém de quem é seu portador, criando uma relação de formação identitária mediante qual rótulo somos taxados e vivenciamos como nosso (exemplo: negro, professor, hetero...). 70 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Esta tentativa de catalogação da identidade nos remete à notoriedade da definição de como a identidade se transformou em um “assunto do momento” e suas complicações para o bem-estar social. Segundo Bauman (2005) e dialogando com os pensamentos de Appiah (2016) acerca da questão da variação identitária ser uma ferramenta moderna de interação com a sociedade e comparando-a com a fragmentação do ser pós-moderno de Hall (2015). Em uma entrevista realizada por Benedetto Vecchi com o teórico Bauman ele destaca o seguinte fragmento: É realmente um dilema e um desafio para a sociologia se você se lembrar de que, há apenas algumas décadas, a “identidade” não estar nem perto do centro do nosso debate, permanecendo unicamente um objeto de meditação filosófica. Atualmente, no entanto, a “identidade” é o “papo do momento”, um assunto de extrema importância e em evidência. Esse súbito fascínio pela identidade, e não ela mesma, é que atrairia a atenção dos clássicos da sociologia, caso tivessem vivido o suficiente para confrontá-lo. (BAUMAN, 2005, p. 23) O estudo da identidade ganhou visibilidade nos últimos anos com teorias sobre a formação da identidade e como construir a individualidade em um mundo cada vez mais globalizado. As fronteiras se encurtaram com o avanço das informações e isso criou um ser social cada vez mais volátil por entre a Modernidade Líquida que Bauman (2003) retratou. No fragmento acima o autor apresenta a popularização das discussões sobre a identidade quando o assunto deixa o campo filosófico e adentra ao campo da sociologia como objeto de estudo. Appiah (2016) complementa ao afirmar que pesquisou na internet as palavras “identity social” e encontrou pouco mais de 120 milhões de resultados, ainda na mesma busca acrescentou a palavra “Problem” os resultados reduziram-se para 30 milhões. Após essa busca o autor conclui que: 71 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência [...]atualmente se fala bastante a respeito de identidade, uma vez que a raça gênero, orientação sexual, nacionalidade e religião, entre tantos outros marcadores são identidade; e parece que, por esses dados do Google, um quarto se refere à identidade como problema. (APPIAH, 2016, p.18) Talvez um catalizador desta busca, pelo estudo da identidade, não esteja na mudança do campo de estudo, mas sim na concretização do problema. Problema este que surge quando a sociedade evolui e novos discursos surgem sobre o mesmo referencial. Estes novos discursos só podem ser encontrados na fronteira entre o público e o privado, pois como Appiah (2016) adverte que esperamos que determinados grupos se portem de uma “forma” e quando grupo x apresenta um comportamento diferenciado daquele esperado cria problematização sobre a identidade alheia, pois munido de preconceitos de normas sociais julgamos o grupo x. Essas identidades de grupos nos põem em um determinado caminho sobre a forma de pensar que o grupo “aluno” deve ter comportamentos de “aluno” e o “professor” comportamentos de “professor”. Porém em um mundo líquido podemos ter um sujeito que tenha ao mesmo momento de identificação como “aluno e professor” e definir como se porta em cada momento nesta posição. A identidade individual, de certa forma, irá se tornar um artigo de luxo na sociedade atual, na qual o movimento transforma as individualidades em um uma série de rótulos que devemos seguir, por aspectos normativos sociais, rótulos esses que geram uma sobrecarga para o portador deles (BAUMAN, 2005). Minha colega de trabalho e amiga Agnes Heller, com quem compartilho, em grande medida, os apuros da vida, uma vez se queixou, que sendo mulher, húngara, judia, norte-americana e filósofa, estava sobrecarregada de identidades demais para uma pessoa. (BAUMAN, 2005, p.19) Nas palavras de Bauman, essa sobrecarga de identidades cria uma forma de se tornar impossível ser um ser unificado, pois 72 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência constantemente estamos procurando agir como x, y ou z – mediante o rótulo que estamos representando naquele momento. Assim a definição de fragmentação da identidade apresentada por Hall (2015) demonstra como essas complexas redes de identidades interagem: O sujeito assume identidades diferentes em momentos distintos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurradas em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda história sobre nós mesmos ou uma confortadora “narrativa do eu”. (HALL, 2015, p.13) Recentemente foi lançado o filme Fragmentado (2016) do diretor M. Night Shyamalan, qual tem o seguinte enredo: Kevin possui 23 personalidades distintas e consegue alterná-las quimicamente em seu organismo apenas com a força do pensamento. Durante a trama o personagem Kevin constantemente fala sobre a “luz6” que as suas personalidades ficam discutindo repetidamente sobre quem deveria ter o controle. A fragmentação do ser pós-moderno se cria do momento em que temos diferentes formas de recepção para diferentes momentos da nossa vida. Em paralelo a trama do filme não se é tão diferente a discussão entre qual “identidade interna” está em constante busca da “luz”. Appiah (2016) reflete que as identidades são tão variadas e extensas porque, no mundo moderno, as pessoas precisam de um enorme rol de ferramentas para construir sua vida. O constante papel da identidade em mudança e readaptação nos torna seres múltiplos. O “eu de hoje” é diferente do “eu de amanhã”, pois a própria sociedade está em constante reformulação dos papeis dos indivíduos – reformulação do papel social de um indivíduo em sua trajetória. Assim essa iquidez social faz com que a pluralidade de identidades se torne um fardo para a construção do eu (BAUMAN, 6 Controle sobre o corpo de Kevin. 73 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência 2005), a impossível unificação do ser em uma identidade coerente (HALL, 2015) e a necessidade de sua variação do ser como ferramenta social (APPIAH, 2016) cria um fato marcante na trajetória do sujeitoprofessor, pois pode em cada momento de sua jornada ter sido afetado por uma dessas variantes. Mediante esses pontos levantados, a pergunta que surge é “Qual seria a rotulação presente na formação da identidade do professor na sociedade moderna?”. A identidade atual transpõe em diversos momentos as fronteiras de que se é esperado como comportamento do ser social dentro daquele contexto e criamos uma relação de pertencimento para que se trabalhe profundamente o conjunto de rótulos e identidades apresentadas na sua formação. Se pegamos um termo abrangente como o rótulo “professor” se espera uma determinada fórmula de como é o professor e se espera que haja uma atitude determinada deste portador do rótulo (boa comunicação, paciência, entre outros). Há pouco tempo tínhamos cristalizada em nossas mentes o professor como o senhor mais velho cômico que reclamava dos alunos e do salário- figura clássica de chico Anízio -, seres ditatoriais munidos do giz e uma palmatória ou uma clássica senhorinha cuidadora de seus alunos que não seria capaz de levanta-se e lutar por seus direitos- as tias de Paulo (FREIRE, 1993). Como um rótulo em constante mudança hoje, após o período pandêmico, se apresenta como ser voltado as tecnologias cientes de mais diversas ferramentas de ensino à distância e de como captar a atenção de seus alunos. E perante o momento político do país, que o professor seja um sujeito politizado, ciente das lutas da categoria e dos direitos de seus alunos. Para a sociedade em geral a definição do que é o professor está transitante em diversas esferas. Alguns grupos de poder ainda os querem como um ser guardião do conhecimento sem uma afinidade própria e que estar ali para seguir ordens de diversos materiais de como se portar em classe – movimentos como a escola sem partido ou de retirada de sua autonomia transferindo-a para apostilados. Outra parte luta para que o professor tenha uma autonomia sobre como ensinar diversos conteúdos na sala de aula e não perca sua identidade de educador. 74 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Não se pode refletir sobre trajetória sem pensar na definição social que a figura do professor representa no andamento de cada sujeito em formação. Os sujeitos analisados nos memoriais tiveram contato com professores diferentes em vários pontos. Alguns apresentaram narrativas de constante vontade do caminho e outros apresentaram contatos com outros professores ou argumentos que os transformam em um caminho inviável para seu desenvolvimento. O discurso e a transformação do professor é uma constante, pois trata de diversos aspectos que reformulam em função da imagem do professor. Terminamos esta parte com a retomada da reflexão sobre a formação da identidade de Schmidt (2014, p. 86): “Cada sujeito vai construindo sua identidade e apoiando-se nos aspectos considerados fundamentais e definidores das suas escolhas, ao passo que tem uma forma singular de ver o mundo e de enfrentar situações inesperadas”. Esta forma singular de ver o mundo pode ser interpretada como a negociação de suas identidades internas com o mundo externo e as situações inesperadas são os redemoinhos que não podemos prever na trajetória do rio que seguimos. O Mergulho nas Águas: Aspectos Metodológicos Na metodologia escolhida para o tratamento dos dados e posterior análise foi contemplada a abordagem qualitativa, pois no conceito de uma perspectiva social esta reflexão advém do uso de técnicas hábeis visando discursos advindos de contextos de múltiplas significações e escalas de valoração (COFFEY, 1996; MAYS, 2000). Para tanto, valemo-nos do método dos mapas conceituais, que são estruturas gráficas, com conceito interrelacionados, que apoiam a organização cognitiva. Para Faria (1995 apud SOARES PEREIRA, 2018) esses mapas indicam as relações existentes entre conceitos, conectando-os por meio de palavras de ligação e oferecendo incentivos a aprendizagem. A partir dessa perspectiva, vale ressaltar que o corpus deste estudo é composto pelos doze memoriais autobiográficos produzidos pelos integrantes do projeto de pesquisa no período de 75 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência 2019 a 2021. Considerando isso, não analisamos os dados de forma literal contando cada palavra para a elaboração dos mapas conceituais, mas sim em uma forma de validade semântica dentro do texto. Em um primeiro momento unimos as palavras – elementos recorrentes nos memoriais autobiográficos – em grupos lexicais por temas, conforme quadro abaixo: Quadro 1: Grupos de Palavras Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Palavras ligadas a familiares Palavras ligadas a professores -Pai -Mãe -Irmão -Tios -Parentes em geral -Professores -Educadores - Professor - Professora Palavras ligadas a trajetória - Caminho -Trajetória - Escolha - Oportunidade - Dificuldade Grupo 4 Grupo 5 Palavras ligadas a memória e lembrança Palavras ligadas a leitura e materiais -Memória -Lembrança -Relembro -Lembro - Livros - Leitura -Material didático (Fonte: Autores, 2022) A partir desses grupos de palavras, confeccionamos o quadro abaixo: Tabela 1- Quadro de organização das unidades lexicais Grupo/ Memorial Grupo 1unidades lexicais relativas aos familiares Grupo 2 – unidades lexicais relativas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Total de unidades lexicais 2 4 16 12 1 18 6 1 2 2 2 6 72 5 4 28 25 16 9 24 19 21 18 26 7 202 76 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência aos professores Grupo 3 – unidades lexicais relativas à trajetória Grupo 4 – unidades lexicais relativas à memória Grupo 5 – unidades lexicais relativas à leitura e materiais 6 2 4 4 4 2 3 9 3 11 4 2 54 4 6 2 2 2 3 12 1 2 3 0 2 39 5 9 5 0 2 1 16 0 6 11 9 0 64 (Fonte: Autores, 2022) Após esse agrupamento o grupo mais notório é o Grupo 2 – unidades lexicais relativas aos professores- já que pelo fato de constar várias repetições nesse campo semântico - unidades lexicais a professores a palavra professores está ligada as memórias que se faziam presente. Em uma análise mais detalhada do impacto das escolhas dos produtores o Grupo 1- unidades lexicais relativas aos familiares apresenta um impacto para a formação do professor. Após a definição desses grupos de palavras se fez o uso da ferramenta do site Cavan para a montagem de nuvens de palavras apresentadas na próxima seção. As Profundezas: Discussão de Dados e Resultados Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Heráclito, o pai da dialética, apresenta a nós que somos seres em constante mudanças como a água de um rio que está seguindo seu ciclo para algum lugar, o ser está seguindo sua trajetória. 77 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Mergulhar em um rio e estar ciente das correntezas que estão no meio da trajetória do rio e que demanda força para nadar ao outro lado é necessária e quando sair delas você será um ser diferente. Diante disso, esta seção tem como objetivo apresentar um mapa de ideias construído com a leitura detalhada dos memoriais produzidos pelo SUPROF. O primeiro ponto de análise foram os resultados obtidos e apresentados no artigo intitulado ‘O Jogo das Sombras: uma análise dos aspectos convergentes nos memoriais autobiográficos produzidos pelo SUPROF-UFPA (SCHMIDT; OLIVEIRA; SOUZA, 2020), o qual analisa as convergências presentes nos memoriais produzidos, mesclando-as em categorias que são: (i) Categoria Professor: Enfatizamos que o professor é uma figura de destaque em um memorial quando o autor tem memórias afetivas com a figura do educador. (ii) Categoria Família: A família é o primeiro núcleo social no qual a criança faz parte e tem importância na constituição da identidade individual e social do sujeito-professor. (iii) Categoria Escola: A escola destaca-se como o ambiente onde se tem um dos primeiros contatos com o professor e diversos profissionais do ambiente escolar (coordenadores, monitores, faxineiros, merendeiros, vigias...) e é um ambiente que marca as mudanças de fase etária (infância e adolescência). (iv) Categoria Universidade: Como a categoria da escola, também a universidade tem uma função relevante no tocante aos caminhos a serem seguidos na vida das pessoas. (v) Categoria Leitura: A leitura está associada ao fazer docente, pois ler é o exercício do estudo, reflexão e construção de significados. Analisando as categorias apresentadas e mediante uma releitura foram selecionados os grupos de ideias recorrentes, no caso mais presentes nos textos, os quais contribuíram para a criação do mapa de ideias abaixo: 78 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Figura 1- Ideias centrais dos memoriais (Fonte: Autores, 2022) Como seres em constante transformação e mudados em diversos caminhos, podemos concluir que a cada novo estudo com memoriais a lista de palavras provavelmente mudará, pois o ser que somos hoje é uma das nossas múltiplas facetas sociais que estão em constante mudança (HALL, 2015). Com estas mudanças destacamos a palavra escolhas, pois esse lexema está diretamente relacionado a trajetória, sendo que ela desempenha um papel importante na formação profissional, também no caso da formação de um professor. Professor é a palavra presente em formação e família em um local de destaque, porque o caminho se reformula com esses dois fatores. As demais palavras constam em menor número de ocorrência, pois definem contatos feitos com o primeiro professor, como em: primeiro contato/professor, carreira/escolhas, leitura/família... Focando na pergunta norteadora do estudo, ao procurar discutir acerca das implicações sobre as vivências/trajetórias, as representações e os discursos na construção da identidade do profissional de língua estrangeira, dividimos a discussão em duas partes: as narrativas de origem; e as narrativas de escolhas. No tocante às narrativas de origem, vale ressaltar que elas se apresentam textualmente nas frases iniciais dos memoriais, pois muitos remetem à infância, a figura do primeiro (a) professor (a), contato com a família, a origem social e geográfica que o sujeitoprofessor formou sua primeira noção de identidade. 79 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência A infância é onde as memórias de longo prazo começam a ser formadas. Estudos de Bauer e Pathman (2008) apresentam que a memória é uma capacidade crítica que desempenha um papel vital no funcionamento social, emocional e cognitivo. A memória forma a base de nosso sentimento de identidade, orienta nossos pensamentos e nossas decisões, influencia nossas reações emocionais e nos permite aprender. Podemos notar que os papeis das memórias formadas na primeira infância refletem em várias decisões no decorrer da vida do adulto, assim como a completa supressão e algumas dessas lembranças, por um fator traumatizante. A partir de uma leitura e levantamento nas frases iniciais dos memoriais, especificamente, nos dois primeiros parágrafos de cada memorial, tem-se o mapa de palavras-chave abaixo: Figura 2: Mapa de palavras - Início dos memoriais (Fonte: Autores, 2022) Destacamos neste mapa (Figura 2) as palavras memória, experiências e lembranças, pois elas refletem a breve reflexão apresentada no início dos memoriais, de que alguns autores apresentam a origem daquela narrativa que é desenvolvida. Este fato é importante, porque alguns autores não parecem estar confiantes sobre as memórias que serão apresentadas no memorial, pois em alguns memoriais nota-se o tom de confusão sobre os pensamentos que foram levados a refletir. Por isso em um plano secundário estão presentes sentenças que remetem a conceitos como ‘Minha falha/memória, Minha busca/lembranças, Minhas primeiras/experiências’. 80 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Esta busca representa a narrativa de origem de seu autor que no decorrer do texto argumentara com as questões de suas narrativas de escolhas que mudaram sua forma de pensar sobre professores e suas metodologias. Já as narrativas de escolhas remetem aos momentos em que o sujeito apresenta escolhas em sua vida que o levaram à docência (escolha do curso cursado, emprego, desejo por algo...), algumas podendo serem voluntárias (viagem para outro país) ou involuntárias (mudança inesperada de vida), as mesmas escolhas podem ser lidas como o fim de uma carreira anterior para o sujeito encontrar uma nova fase de sua identidade. Quando se tematiza as memórias sobre seu próprio eu vem à nota as rememorações sobre as reflexões condizentes a própria trajetória do indivíduo, nesse sentido algumas similaridades são encontradas, as quais foram organizadas em categorias analíticas e sistematizadas na tabela a seguir. Tabela 2: Relação das Categorias (Fonte: Autores, 2022) A família é o primeiro núcleo social que encontramos em nossa vida. Para tanto, as duas primeiras perguntas analíticas foram: Havia algum familiar professor na sua infância? E seus familiares lhe motivaram a continuar os estudos? 81 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Os resultados obtidos foram que 25% dos memoriais relatam que sim, havia algum familiar professor na sua infância. Mas vale destacar que mesmo por familiar professor alguns relatam que não tiveram inspiração nos exemplos na família. Formulando a longo prazo novas concepções de o que é ser professor e 45% dos participantes relatam que o núcleo familiar foi importante para a motivação no caminho dos estudos. Vale destacar que para boa parte dos participantes os pais não chegaram a concluir o ensino médio - o que representa para eles e a sociedade uma nova forma de asserção para uma nova classe em diversos pontos. Como um ponto de indagação a terceira pergunta de análise foi no sentido de inferir se o autor relatava que brincava de ser professor quando criança. Dos memoriais analisados 18% contém relatos que remetem a brincadeira de ser professor motivada como brincadeira ou forma de interação social com outras crianças. Também vale ressaltar que alguns se tornaram professores do bairro e com o tempo a brincadeira se tornou algo lucrativo e formulou que aquilo lhe proporcionava uma nova perspectiva de vida. As duas últimas perguntas de análise remetem ao período entre a infância e adolescência: Você pensou em alguma outra área de atuação antes de se tornar professor de língua estrangeira? E em sua trajetória houve algum professor que o motivou a profissão de forma direta ou indireta? Os resultados obtidos inferem que 36% das narrativas, ou seja, quase a metade dos autores dos memoriais autobiográficos apresentavam o desejo por uma área diferente da formação em Letras e/ou Línguas, como Geografia, história, Matemática, Física, Arquitetura. Alguns chegaram a cursar a área desejada ou começaram na área de línguas como segunda graduação e 36% dos autores se identificaram como professores e estão se projetando como professores, na medida em que eles encontraram em seu caminho. 82 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Chegada ao Oceano: Algumas (In)Conclusões O oceano olhado de cima parece uma superfície plana, mas quando aproximada ele se mostra a confusão de ondas e enquanto mais próximo mais ele te assusta. Assim é o ser humano. Imagine quantas correntes de água desaguam neste oceano e quantas ondas craquelam pela superfície chegando os areais das praias. A trajetória do ser humano começa em uma nascente e deságua em um oceano que ideias do próprio ser. Cada rio tem um trajeto que muda a cada nova transposição, mas sempre chega a seu ponto final. O professor passa do papel de aluno com um ser que já cavou toda a sua trajetória e traz consigo um papel de mais poder influenciar no caminho de cada rio que formará em seus alunos, pois ele carrega o papel de apresentar a educação como um caminho a ser diferenciado. A trajetória é semelhante de muitos, mas isso não os transformam em uma única unidade, mas os pluraliza ao transformarem-nos em unidades diferentes com o mesmo fim. Não se tem uma fórmula mágica para unir como se faz um bom professor. E o peso deste rótulo social é constantemente reformulado e transpassa por diversas concepções na sua trajetória. Se a identidade é uma luz a trajetória é como um rio que segue um fluxo, pois a vida não para como um rio e o próprio tempo. Acreditamos que as questões desencadeadoras do presente estudo foram contempladas, o que não nos impede de impulsionar discussões futuras sobre e em que medida uma trajetória tem um impacto na formação da identidade de uma/a professor/a de línguas estrangeira e materna. Referências APPIAH, K.A. Identidade como Problema. In: SALLUM Jr, BRASILIO; et al (Org.). Identidades. São Paulo: EDUSP. 2012. BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: J. Zahar. 2005. BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. BAUER PJ. PATHMAN T. Memória e desenvolvimentos inicial do cérebro. 83 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclo pedia-crianca.com/cerebro/segundo-especialistas/memoria-e-desenvo lvimento-inicial-do-cerebro. Publicado: Dezembro 2008 (Inglês). Consultado 09 janeiro 2022. FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’água, 1993. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 12 ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015. OLIVEIRA, Leandro C.; SCHMIDT, Cristiane; SOUZA, Antonio C. S. Mudar Faz Bem! Um relato sobre como a mudança do ambiente repaginou a dinâmica do Projeto Pesquisa Narrativa: Memoriais de SujeitosProfessores em Formação?- UFPA. In: TENO, Neide A. Castilho; CAMARGO JUNIOR, Ivo Di (Org.). Linguagem e Ensino: da linguística à análise dialógica do texto/discurso. 1ed.São Paulo: Mentes Abertas, 2021, v. 1, p. 85-94. OLIVEIRA, L C; SCHMIDT, C. O Jogo das Sombras: uma análise dos aspectos convergentes nos memoriais autobiográficos produzidos pelo SUPROF- UFPA. In: ALVES, Cristiane de Mesquita, et al (org.) Saberes e práticas docentes no ensino, na pesquisa e na extensão de línguas e literaturas. Belém: UFPA, 2022. p.59-75 SCHMIDT, Cristiane. Memórias e Trajetórias: Implicações na Construção da Identidade do Profissional de Línguas”. Revista Línguas & Letras – Unioeste, v. 15, n. 28, p. 85-95, 2014. SOARES PEREIRA, Adriana [et al.]. Metodologia da pesquisa científica [recurso eletrônico]– 1. ed. Santa Maria, RS: UFSM, NTE, 2018. 1 ebook. 84 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência PARTE 2 NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS Relatos de participantes do Projeto de Pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em Formação- SUPROF 85 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 6 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO Yagma Suely Vieira Figueira (UFPA) Quando se busca pela memória acontecimentos passados de longos períodos da vida, o risco que se corre é acrescentar uma comparação às suas percepções experienciais de hoje. Sua perspectiva dos fatos muda e as sensações ganham peso maior ou menor de acordo com a sua realidade. Escrever um memorial é trabalhar suas lembranças em uma atmosfera de distanciamento do fictício e ao mesmo tempo proporcionar a sua narrativa uma clareza dos fatos. É como um exercício de reflexão sobre o passado e projeção sobre suas expectativas para o futuro. Contrariando a Velha Ditadura Sou de uma família de quatro irmãs. Mulheres fortes e cheias de opiniões. Minha mãe veio do interior do Marajó de uma cidadezinha chamada Breves. Sua família era muito humilde e veio para a cidade grande em busca de mais recursos para os estudos dos filhos. Meu pai era da cidade grande e sempre foi um homem inspirador que contagiava as pessoas pelo seu carisma e pelo amor aos estudos. Ele sempre foi a minha inspiração intelectual, porque mesmo diante de um acidente terrível que devastou nossa família, ele conseguiu se reinventar e aprendeu uma nova profissão por correspondência. Ele tinha quatro formações acadêmicas, antes do acidente, mas não poderia mais exercê-las. O mundo para os paraplégicos era cheio de preconceitos e pouca mobilidade motora. Ele gostava de ler sobre tudo, hábito aliás que adquiri com ele. Aos doze anos li meu primeiro best seller , “O Poderoso Chefão” do Mário Puzzo, livro aliás que depois da quinta leitura, conseguia lembrar de cor de parágrafos inteiros. Quando éramos crianças meu pai era sempre orgulhoso das quatro filhas e nos apontava aos amigos dizendo qual profissão 86 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência teríamos no futuro. Eu seria a Economista, uma das suas profissões, já que eu gostava muito de matemática. Mas aos nove anos eu já retrucava dizendo que seria arquiteta. E assim fomos nos desenvolvendo com a visão da formação acadêmica na cabeça contrariando a premissa de que moça de “boa família” é educada para casar e ter filhos. Um fato aliás, bastante criticado pela maioria dos irmãos do meu pai, que o questionavam sobre uma frase dita por ele e que ficou cristalizada na minha cabeça: “filhas, o marido de vocês é a profissão que vocês escolherem e isso só se consegue na faculdade”. Meu pai era um homem a frente do seu tempo e dos pensamentos retrógrados da sua geração. Então, suas quatro filhas se graduaram e embora ele não tenha tido tempo para presenciar esses feitos, ele deve estar satisfeito lá de onde ele estiver. A Escola Primária Nos anos iniciais da minha vida escolar eu não tinha muita percepção do que estava fazendo na escola. As professoras estavam sempre gritando com alguma criança ou estavam ao quadro batendo com a palmatória para que todos se calassem. Aquilo me deixava um pouco irritada, porque ficava ansiosa para conhecer a parte legal da escola que a mamãe sempre dizia quando estava me deixando lá. Eu sempre tive facilidade em aprender sobre as disciplinas, antes chamadas de matérias, mas nunca questionava a professora sobre algo. Eu ouvia, fazia e aprendia exatamente como as professoras orientavam, digo professoras, porque naquela época era pouco comum ter professores do gênero masculino ministrando aulas para as séries iniciais. Embora, houvesse o curso normalista para professores no Colégio IEEP (Instituto Estadual de Educação no Pará) e lá havia muitos alunos homens se formando como professores do primário, e eu não tenho recordações desses professores atuando nas séries de primeira à quarta série. Estudei em pelo menos duas escolas diferentes no bairro onde morava. Na primeira, que foi a “Escola Estadual Duque de Caxias” de primeira à oitava série, eu estudei apenas a primeira série e tenho uma péssima recordação de lá. Em um evento festivo, o “Dia da 87 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Árvore”, sofri uma agressão física de uma menina mais velha e fiquei calada sem reação até que minha irmã apareceu para me defender. Desde aquele dia eu passei a ter medo na escola. Não era fácil sair da sala na hora do recreio. E quando eu comecei a me sentir mais segura uma garota evangélica de outra turma veio evangelizar na sala de aula na ausência da professora e me apontava o dedo dizendo que eu teria o sinal da besta na testa e que eu e minha família iriamos morrer, porque servíamos ao capeta, já que adorávamos imagens. Na época eu já fazia o catecismo para a primeira comunhão e fiquei aterrorizada quando descobri que no meu livrinho de evangelho tinha o livro de Apocalipse. E não adiantava a minha mãe ou a professora me explicarem que no livro “Apocalipse” da Bíblia não está escrito que todo mundo vai morrer se não for evangélico. Até hoje o livro do apocalipse me aterroriza e foi o único que nunca consegui ler na Bíblia. Apesar desses episódios traumáticos, eu ia para a escola e me concentrava na aula. Saía para o recreio somente depois de fazer os exercícios e ficava sempre com o mesmo grupo de colegas. A professora me parecia sempre inquieta e eu tinha pena dela, afinal eram trinta e cinco crianças para ela dar conta. Apesar disso, eu consegui aprender a ler e já estava dando conta das minhas primeiras anotações no caderno costurado à mão feito pela minha tia em papel ao maço com capa de papel de presente. Na série seguinte eu fui para outra escola do bairro, a “Escola Estadual Virgínia Alves da Cunha” uma escola exclusiva de primeira à quarta série. Lá eu fui feliz. Meu quintal era muro de fundos com a área de recreação da escola. E sempre depois de voltar para casa eu colocava uma escada no muro para ver as crianças jogando bola e na fila da merenda. Eu contava quantos alunos já tinham sido servidos e quantos já tinham repetido. Desde aquela época a matemática já me fascinava. Eu andava pelas ruas contando os postes, os carros, os desenhos nas grades das casas, tudo era motivo para virar número. Talvez por isso eu tenha feito meus primeiros vestibulares para matemática e arquitetura. A escola era cheia de disciplina. Tinha a hora de fazer a fila para entrar, tinha o dia de cantar os hinos no pátio enquanto as bandeiras eram hasteadas, e para cantar o hino tinha que ser com a mão no 88 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência peito. A farda tinha que estar sempre impecável, mas apesar da rigidez com organização e disciplina eu amava ir para a aula. Minha professora Rosana era sorridente e sempre chegava com uma tarefa divertida para animar a turma. Foram três anos divertidos e lá eu fiz as pazes com o ambiente escolar. Acho que foi nessa época que comecei a brincar de dar aula para minhas priminhas. Eu era uma professora muito severa. Colocava de castigo e contava histórias de terror para amedrontar as pobrezinhas se as tarefas não eram entregues. Talvez reproduzindo meu terror da primeira série lá no Duque de Caxias. Mudando de Perspectiva Quando passei para a quinta série precisei mudar de escola. Fui para o “República de Portugal” uma escola municipal, ainda no meu bairro com uma estrutura bem grande e pelo menos quatorze salas de aulas. Agora eu iria iniciar minha vida adulta, pelo menos era o que eu pensava, já que teria que dar conta daquele momento em diante de dez “matérias”, e eu não poderia me sair mal em nenhuma, porque eu era a professora de reforço das crianças da vizinhança. Além da matemática eu também me encantei pelas ciências e não via a hora de ter aula de física de novo. Foi muito interessante já iniciar meu aprendizado com as ciências naturais tendo uma professora como tutora da disciplina. A professora Madalena dava aula de matemática, física e química em dias alternados. Eu também tinha uma disciplina com um nome enorme que todos chamavam pela sigla OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e outra que era facultativa e desmembrada em pelo menos mais quatro, Educação para o Lar (que englobava organização doméstica, artesanato e boas maneiras), Técnicas Agrícolas (aprendíamos sobre os meios de produção agrícolas e como fazer uma horta doméstica), Técnicas Comerciais (tratava da redação de textos como recibo, requerimento, relatório, etc.). Coisas do mundo adulto. Agora eu já tinha muitos professores e me sentia importante, porque me destacava nas disciplinas que os meus colegas menos gostavam, sempre era convidada a ir ao quadro resolver algum 89 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência problema de matemática e quase sempre podia apagar a lousa. Nesse período aprendi sobre responsabilidade, generosidade, miséria e lealdade. Eu morava na periferia e as chuvas alagavam os canais ao lado da escola. Alguns colegas tinham vergonha de dizer que moravam perto do canal e que precisavam de ajuda para atravessar as ruas alagadas, e nós sempre dávamos um jeito de pedir carona para os motoristas que passavam por ali. Era duro saber que aquela farda molhada seria usada no próximo turno de aula pelo irmão de algum colega nosso. Famílias grandes de periferias tinham dessas coisas. Decisões Importantes Foi nessa época que eu bati o martelo e decidi ser professora de matemática. Mas o glamour da arquitetura e a importância que a palavra arquiteta tomava nas falas do meu pai iam me seduzindo. Eu só tinha doze anos, mas olhava para as casas, para os telhados, para as molduras nas entradas e já transformava tudo em metros, alturas, distâncias...então comecei a sondar as escolas de níveis médios pelo meu bairro e descobri o “Colégio Integrado Francisco da S Nunes”. Entrei no curso de Auxiliar técnico em Edificações aos quatorze anos. E já no primeiro ano fui desafiada por uma professora de geografia que tinha um lema: “ninguém tira dez na minha matéria e ninguém tira zero se tiver decorado o que é geografia”. Bem, eu não queria tirar um só por ter decorado uma frase, então corri atrás do dez. E moralmente eu o tirei, mas ela não anotou no meu conceito e eu tirei 9,95. Tudo bem, eu sabia que aquilo era um dez. Foi nessa época também que eu entendi o que era discriminação racial e bullying, embora eu não conhecesse por esses nomes. Eu mesma pratiquei bullying com uma colega, e até hoje isso me marca como um evento triste. Não tive a oportunidade de encontrá-la para me retratar, porque ela precisou voltar para o interior, mas com toda a certeza me fez repensar sobre as coisas que eu escutava e reproduzia, porque uma galera também estava dizendo. O meu curso era empolgante e eu continuava amante da matemática e da arquitetura. As áreas de conhecimentos para as 90 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência faculdades eram divididas em ciências, Ciências Biológicas(CB), Ciências Humanas(CH) e Ciências Exatas (CE; os chamados nerds). E eu era empolgada com esse termo, porque ele nos tornava diferentes dos demais. Até que começaram os assédios vindos desse mundo tão masculino e cheio de fanfarrões. Como eu me destacava no curso fui indicada para fazer um estágio em uma grande empresa de arquitetura aqui de Belém, e infelizmente já na entrevista fui assediada pelo gerente de equipamentos técnicos. Assim, não voltei na empresa para levar os documentos e trabalhar. Quando cheguei ao terceiro ano, as matérias eram ainda mais específicas da área de CE e a geografia, biologia, história, etc. ficaram para trás. Porém, tínhamos aulas de inglês, e eu estava encantada com o método de ensino do professor, que notadamente amava o que fazia. Ele dava aula de um jeito muito diferente. Trazia revistas escritas em inglês com temas e artigos futurísticos. Era um misto de geografia, física, sociologia e educação artística e literatura nas aulas dele. Não escrevíamos quase nada da lousa, tudo vinha das nossas cabeças e das discussões sobre os temas e sobre as palavras que precisávamos aprender usando os verbos “to bee” e “to heavy”. Como nosso curso era de auxiliar técnico em edificações não havia a preocupação com os conteúdos para o vestibular, e eu não fazia cursinho para isso. Mas resolvi me inscrever para fazer a prova para o curso de arquitetura na Federal. Me saí razoável e quase passei para a segunda fase. As provas tinham peso de acordo com as áreas e eu não tinha aula de geografia, biologia ou literatura, já que meu curso era de CE. No ano seguinte fiquei focada e me inscrevi em três faculdades. Passei em duas, arquitetura na UNAMA (Universidade da Amazônia) e matemática na UEPA (Universidade Estadual do Pará). Nessa época aos dezenove anos eu já estava casada e grávida e foi difícil levar duas faculdades adiante. Optei por continuar o curso de arquitetura e um ano depois precisei abandonar para dar conta das minhas responsabilidades de mãe, afinal era comum escutar “quem pariu Mateus que embale”. 91 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Volta ao Começo E quase dez anos depois voltei a estudar. Tive apoio da minha família materna e fiz cursinho. Eu já tinha três filhos e um emprego. Desta vez optei pela área das ciências humanas. O PSS (Programa Seriado Seletivo) já existia e era destinado aos alunos do nível médio, uma outra forma de ingressar nas universidades públicas e que diminuíam os números de vagas para os candidatos de outras demandas. Os vestibulares eram coordenados para não coincidirem nas datas dos exames e outras faculdades particulares começaram a surgir em Belém. Tomei coragem e me inscrevi para pedagogia mesmo com uma concorrência altíssima de 62 por vaga. Entre filhos e fraldas eu acabei não passando. No ano seguinte fiz cursinho e fui convidada a participar de um concurso de redação tradicional em Belém: “Concurso de redação do Círio” entre cento e cinquenta instituições de ensino públicas e particulares e alcancei o quarto lugar. Fiquei a frente de escolas de elites tradicionais de Belém. Foi um incentivo para o meu primeiro lugar no vestibular no curso de Formação de Professores na UEPA e para o meu 35º lugar em Letras dupla habilitação na Federal. Eu estava orgulhosa de mim e decidida a não deixar as coisas saírem mais dos eixos. Eu trabalhava e cuidava de três filhos. As coisas não eram fáceis. O curso noturno da federal começava às 17:30 e eu saia do trabalho as 17h. Eu levava 1:15h para chegar na Federal, e quase sempre levava falta nos primeiros horários de aula, o que me renderam por duas vezes conceitos divergentes dos meus desempenhos nos conteúdos das disciplinas. Presença física é primordial para obter nota excelente. Eu só dormia 3 horas por dia e essa era a minha realidade de mãe de três filhos, esposa, acadêmica, assalariada e dona de casa. E apesar disso, eu me sentia empolgada com tudo que estava vivendo na universidade. Escolhas Na dupla habilitação é preciso escolher uma língua estrangeira 92 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência como parte do seu curriculum de professor, então escolhi a língua alemã. Na verdade, ela já estava escolhida desde criança. Uma vez vi uma reportagem sobre a segunda guerra e ouvi um soldado falando alemão. Achei que ele estava xingando a pessoa que falava com ele. Fiquei curiosa e guardei aquele som para usar nas brincadeiras com meus primos. Eu estava ansiosa para aprender a língua e seria novamente o que me faria diferente na universidade. Me dedicava e conseguia atingir bons conceitos nas disciplinas, mas o fato do curso ter poucos professores no quadro de ensino fez com que os níveis de língua fossem transferidos para a manhã. Eu trabalhava e não poderia largar o emprego para me dedicar apenas à universidade. Acabei abandonando a segunda habilitação. Nesse ínterim eu vive um turbilhão de emoções. Encaramos três greves e precisamos cumprir três semestres em um. Eu quebrei a perna, me separei e perdi o emprego. E finalmente em 2005 me formei professora em Língua Portuguesa. Em seguida fiz uma especialização em ‘Ensino aprendizagem do português’ semipresencial, que durou um ano e meio; casei-me de novo e fiquei latente em casa por três anos. Eu não me sentia estimulada para atuar em minha área de formação. Toda essa montanha russa durante a graduação culminou em processos de depressões e baixa estima. Situações como divórcio e readaptação familiar parecem acarretar um peso muito maior para quem fica com as responsabilidades de gerir o conforto emocional e a condução intelectual desse processo quando há filhos envolvidos. A mãe toma um lugar de destaque e o papel de professora fica submerso. Resiliência Passado algum tempo e inquieta com a minha condição de professora não atuante, resolvi prestar vestibulinho para Letras com habilitação em Alemão, agora desmembrado da dupla habilitação. Eu queria terminar o que havia começado na graduação passada. Me inscrevi sem falar para ninguém e só comuniquei quando já estava 93 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência com os documentos para a matrícula. As aulas iniciaram em 2011 e eu estava novamente empolgada em construir algo. Tomei ciência da grade curricular do curso e não encontrei nenhuma dificuldade com as disciplinas, mas confesso que o número reduzido de alunos e o fato da maioria ser de jovens recém-saídos do ensino médio me deixou um pouco desconfortável. Jovens de primeira graduação e uma parte já falando em mobilidade acadêmica, isso me assustou um pouco. Fomos nos alocando nas chamadas panelinhas por idades e a turma já estava ficando mais coesa quando veio a primeira greve. Logo em seguida ao retorno das aulas eu fui voluntária em um projeto de extensão que era voltado para o ensino de Alemão para crianças em situações de risco. Foi uma experiência gratificante. Em seguida veio a segunda greve e um semestre meio confuso. Nesse período meus dois filhos mais velhos já moravam na Alemanha e eu já havia comprado a passagem para visitá-los nas férias de julho. Nesse momento eu conheci o ressentimento. Como precisei me ausentar em julho e a greve nos obrigou a estender o período de aulas até o meio do mês, eu acabei ficando reprovada por faltas que eu ainda nem tinha. Eu passei em todas as outras disciplinas antecipadamente e apenas numa eu era obrigada a assistir todas as aulas mesmo sem ter nenhuma falta até o momento da viagem. Fiquei me sentindo tão injustiçada que abandonei o curso, porque não queria olhar para a pessoa que me reprovou por faltas que eu ainda nem tinha. Em 2010 o MEC lançou uma portaria de convocação para o retorno de todos os alunos que tinham concluído mais de 25% do curso superior público e queriam voltar a estudar, e eu correspondia a esse critério. Resolvi voltar por força da insistência de duas amigas queridas, colegas de curso. Foi bom voltar e terminar o que tinha começado. Eu sempre acho péssimo deixar as coisas pelo meio do caminho ou mal resolvidas. Foi nesse momento que passei a prestar mais atenção na graduação e me concentrar nas disciplinas pedagógicas. Porém, eu tinha um impasse, eu agora tinha um negócio para administrar, eu era empreendedora, mas também queria aproveitar a universidade enquanto eu podia. Me revesti de 94 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência entusiasmo e me engajei em projetos, ajudei a organizar oficinas, fui voluntária no laboratório de línguas estrangeiras (LAEL) e resolvi fazer meu trabalho de conclusão de curso voltado para as dúvidas que eu tinha sobre a minha própria formação e de como eu me sentia sobre ela. O tema do meu Trabalho de Conclusão de Curso foi “A Influência da Formação Acadêmica na Tomada de consciência da Identidade de Professor”. Minha orientadora foi a Dra. Cristiane Schmidt que hoje é coordenadora do projeto de pesquisa intitulado “Pesquisa Narrativa: memoriais de Sujeitos Professores em Formação”, projeto do qual participo e que tem me ajudado nessa jornada de formação acadêmica contínua. 95 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 7 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO Andressa Costa dos Santos (UFPA) Retrospectiva Inicial No ano de 1998, em um contexto familiar inapropriado para receber um novo membro na família, devido aos constantes conflitos de um casal, veio ao mundo em condições adversas, por complicações na gestação, a caçula de três irmãos nascida na cidade de Belém do Pará. Com o risco eminente para a vida da mãe e falta de condições financeiras para custear o tratamento e criação do feto, o qual com baixa probabilidade nasceria com vida, fez com que a mãe decidisse interromper a gravidez, salvo pela sua vizinha, amiga e madrinha do segundo filho desta, que se dispôs a lhe dar suporte e se necessário fosse a assumiria a criação desta criança como sua. O período foi difícil, no entanto a minha mãe adotiva juntamente com seu esposo, meu pai adotivo, levaram diversas vezes a minha mãe biológica para o hospital nas altas madrugadas. Vocês devem estar se perguntando, cadê o pai da criança? Bem, este é um caso à parte. O pai biológico trabalhava como garçom/barmen à noite, com isso tornou-se alcoólatra, na data de pagamento sumia de casa aparecendo dias depois. Dois anos após o meu nascimento os dois se separaram de maneira traumática. Minha mãe saiu de casa nos levando com ela, porém ela não foi bem recebida pela minha avó, que a humilhava incansavelmente, destarte teve de deixar o seu segundo filho na casa dos avós paternos, o primogênito ficou com ela e eu voltei para a casa dos meus pais adotivos. Por insistência da minha mãe biológica ao menos um dos meus irmãos não ficou comigo, mas a minha vida não mudou muito, pois mesmo antes da separação eu já morava com os 96 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência meus pais adotivos, as casas localizadas na periferia, eram coladas uma à outra, os meus pertences e eu habitávamos com os meus pais adotivos desde as minhas primeiras memórias, já que a minha mãe biológica passava o dia no trabalho. Dois anos mais tarde, meus pais adotivos resolveram voltar para a terra natal do meu pai, na ilha do Urubuéua, no município de Abaetetuba-PA, que fica à 51.38 km, em linha reta, à duas horas de Belém. Minha mãe biológica já havia se reestabelecido, mas optou por não ficar com a minha guarda alegando que não seria justo com os meus pais e nem comigo, pois estava habituada ao convívio. Primeiro Contato com a Escola Meu primeiro contato com a escola foi ainda em Belém do Pará, meus pais biológicos me matricularam em duas escolas privadas do bairro onde morávamos, no Guamá. Eu não lembro muito bem como isso funcionava, acredito que no revezamento, todavia com o tempo fiquei só em uma escola, isso percorreu por um ano, pois no ano seguinte meus país adotivos e eu nos mudamos para Abaetetuba-PA. Em um novo ambiente, tive de refazer o Jardim 1, correspondente ao primeiro nível da Educação Infantil, por se tratar de escola pública, eu só poderia ingressar na Educação Infantil aos 4 anos, então refiz e não tive problemas, pois eu gostava de fazer as tarefas e já soletrava, assim me adaptei facilmente as outras crianças e a professora que era ótima. Em uma região ribeirinha, na área de várzea, a realidade era outra, transporte, alimentação, costumes, o que incluía fortemente as escolhas lexicais dos moradores. A locomoção, só era possível por meio aquático, os professores da Educação Infantil, enfrentavam 1h de viagem de barco, para ministrar as aulas nos dias úteis, o ambiente de aula localizava-se em um barracão de madeira cedido pela igreja da comunidade. A Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Nossa Senhora de Fátima, localizada as margens do Rio Urubuéua Fátima, foi onde passei a minha vida estudantil, na educação básica, mesmo que esta não ofertasse a Educação Infantil a níveis iniciais até 97 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência 2002, além do ensino médio até ao presente, no entanto a escola cedia o espaço, intermediava as relações por possuir o vínculo com outras instituições. No meu segundo ano consecutivo estudando na escola, tive a primeira oportunidade de auxiliar os meus colegas em sala de aula sob a supervisão da professora, ela dizia que eu seria professora, eu negava incansavelmente dizendo que seria veterinária, entretanto ela estava certa quanto a isso. Essa mesma professora possuía um vasto conhecimento em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e queria me ensinar, mas a casa dela ficava a uma distância considerável da minha e localizava-se às margens da baía, para uma garota de 5 anos sair de casa de casco (embarcação de pequeno porte movida a remo), a periculosidade era imensa, mesmo eu sabendo nadar muito bem. Em razão das adversidades mantive o desejo de aprender Libras com a promessa de que um dia o faria. A partir da primeira série do Ensino Fundamental I, passei a de fato usufruir do espaço da escola durante as aulas. Nunca tive problemas com a distância, pois eu residia ao lado da escola, ao contrário da maioria que tinha de enfrentar um longo trajeto, as vezes temporal e ventania na baía para chegar na escola. A partir do 6º ano, no Ensino Fundamental II, as aulas saiam do formato regular e entravam no modelo do Sistema Modular de Ensino (SOME), que funciona por meio de módulos. No espaço de dois meses, estudávamos de uma a quatro disciplinas no máximo, dependia da carga horária de cada uma, as disciplinas com a maior carga horária eram de 16h por semana, e as com menor 8h. O problema é que estudávamos em um período em que só era possível termos seis aulas por turno, sobravam duas, as quais nem todos os professores tinham a disposição para dar, exceto alguns que deixavam acumular para completar as horas em uma manhã ou tarde que estivéssemos livres. Com isso tínhamos aula geralmente três vezes na semana, dependia muito do módulo, quase nunca estudávamos até na sexta-feira. Apesar de tudo eu admirava alguns bons professores que se dedicavam e se empenhavam na luta por melhorias em defesa da educação, dentre os quais, muitos se deslocavam da região 98 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência metropolitana de Belém, outros da cidade de Abaetetuba para levar conhecimento as ilhas de Abaetetuba e adjacências. Lembro como se fosse hoje, eu estava no 6º ano do Ensino Fundamental II, no dia em que um professor de Geografia fez a pergunta “O que vocês irão fazer ao concluir o Ensino Médio?”. Essa pergunta provocou um sentimento distinto, pois nunca havia pensado em me afastar da minha família e isso me causou pânico, todavia a partir desse dia passei refletir sobre essa questão. No primeiro semestre do ano seguinte, no 7º ano do Ensino Fundamental, contrai Meningite e de agravante um Acidente Vascular Cerebral (AVC), parei de estudar, pois passei por um período de tratamento e retornei no ano seguinte, no entanto, tive dificuldades em me adaptar em outra turma e principalmente voltar ao meu ritmo de estudo, que nunca mais foi o mesmo. Eu gastava horas para entender um assunto, se comparado a anteriormente, compreendia o mesmo em minutos, isso era no mínimo frustrante e desesperador. Sem afinidade com a minha turma passei dias difíceis, mas não compartilhava o que estava passando com ninguém, nem mesmo os meus pais. Com o tempo me adequei a minha nova condição de aprendente, continuei me saindo bem em todas as disciplinas com muito esforço e por gostar de estudar, as que eu tinha um carinho especial era Matemática e Língua Portuguesa, apesar de não ter o hábito de ler pela falta de incentivo e contato com a leitura. No 9º ano, após ler Dom Casmurro, por indicação do meu irmão, me apaixonei pela leitura, passei a ler romances, contos e etc. Com isso decidi que queria fazer Letras-Língua Portuguesa, já a Matemática ficou em segunda opção, pois eu tinha prazer em fazer cálculos, principalmente na área da Geometria. Nos anos seguintes mantive meu posicionamento e minhas médias excelentes em ambas as disciplinas. Com base nas minhas leituras comecei a interagir com os professores da área de Ciências Humanas e expor os meus pensamentos a respeito, eu me destacava por conta disso, tendo em vista que nas ilhas as pessoas não têm o hábito de ler ou se interessar por esse tipo de conteúdo. 99 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Decisões que mudaram a minha Vida No 1º ano do Ensino Médio, aos meus 17 anos, comecei a fazer um curso de informática na cidade de Abaetetuba, eu tinha que sair no máximo 4h da manhã de casa, para chegar na cidade cedo. Os custos de um curso na cidade tornavam-se altos, somando o valor do curso ao transporte e alimentação, mesmo assim eu dei início. Como eu chegava bem cedo na cidade, procurei algo para fazer antes do horário da minha aula, para aproveitar o tempo, então comecei a pegar umas dicas de redação por um preço em conta, com um professor que dava aulas de reforço. Eu já estava no 2º ano do Ensino Médio, conversando com esse professor, ele me disse que eu deveria fazer um curso de inglês, pois seria bom para ingressar no mercado de trabalho, segui o conselho dele e decidi procurar um curso de inglês na cidade, por sorte havia aberto um recente na esquina da casa desse professor. Contei para os meus pais que eu gostaria de fazer um curso de Inglês, pois eu já pensava em fazer algo para agregar ao meu currículo considerando um futuro profissional, eles me apoiaram, minha mãe foi na escola, avaliar os valores, mas eles não teriam condições de arcar com todas as despesas de dois cursos e as passagens. Assim, minha mãe adotiva entrou em contato com o meu pai biológico explicando a situação e pedindo ajuda, a essa altura ele estava em outra fase da vida, curado do vício e trabalhando, havia se casado novamente, teve uma filha e constituiu uma nova família ao lado da sua esposa. Meu pai biológico se propôs em ajudar, com a colaboração dos três eu conseguiria terminar o curso de informática e fazer o de inglês. Depois de concluir informática, permaneci no inglês, mas em casa estudar inglês sem internet era desestimulante, como morávamos em zona rural, não tínhamos acesso e muito menos pessoas que soubessem para que eu pudesse trocar experiências a respeito. Nos primeiros dias do curso de inglês tudo era novo e foi um pouco difícil se adequar, mas no decorrer do primeiro ano foi fluindo muito bem, o professor era alegre e extrovertido, com atividades 100 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência interativas e dinâmicas envolventes. O material didático usado pela escola era muito bom, estávamos realmente aprendendo a língua e não revendo a gramática do “Verb Be” como na escola. Durante as férias eu geralmente passava uns dias com a minha mãe biológica, em uma dessas vezes, eu já estava no 3º ano do Ensino Médio quando o meu irmão me perguntou o que eu iria fazer da vida, se já havia decidido qual curso iria prestar vestibular, eu respondi Letras-Língua Portuguesa, ele me fez outra pergunta sugestiva, já que eu estava fazendo curso de inglês, o porquê de não optar por Letras-Língua Inglesa. A partir daí refleti e decidi seguir esse caminho, prestei o vestibular e fui aprovada aos 19 anos, um mês após ter concluído o Ensino Médio. Primeiras Impressões e Decepções Tudo aconteceu muito rápido, na mesma semana que saiu o resultado, tínhamos de anexar os documentos no site, na semana seguinte apresentar os documentos na instituição. Tive problemas com a documentação, pois eu não sou registrada no nome dos meus pais adotivos, e não dava para reunir os documentos dos meus pais biológicos a tempo, então anexei os dos meus pais adotivos, mesmo sendo divergentes dos meus, a verdade é que não sei como a instituição aceitou. Com feriados nesse curto espaço, dificultou ter acesso a declaração de conclusão do Ensino Médio, então eu só tive um dia útil, na sexta-feira, para pegar na sede da escola em Abaetetuba. Uma colega e eu que havíamos sido aprovadas, atravessamos a baía no meio de um temporal a tarde, quase naufragamos no meio da tempestade, correndo contra o tempo para chegar na escola antes de fecharem os portões, em razão de na segunda-feira ser feriado e na terça termos de estar às 09:00h em Belém para fazer a habilitação, apesar de toda a luta, valeu a pena, pois conseguimos. Ao chegar na Universidade Federal do Pará (UFPA), recebemos a notícia que uma amiga havia falecido na mesma manhã, a alegria se transformou em tristeza, o abalo foi imenso, tornando o primeiro 101 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência contato traumatizante, carregado de morbidez e lembranças negativas. Na semana seguinte retornei a Belém para o início das aulas o choque de realidade foi durante as aulas de inglês no primeiro semestre, a turma tinha 27 alunos e a maioria já falava um pouco, alguns já davam aula, outros moraram fora do país e já eram fluentes. Nas primeiras aulas tentei participar e me voluntariava com toda a empolgação de caloura, mas sempre era cortada pela professora, que por sinal era muito boa no que fazia, com métodos inovadores, especialmente no quesito Tecnologia, mas sua grande falha, foi não priorizar os que estavam no início dos estudos da língua, considerando que a disciplina era Língua Inglesa I. Insisti em tentar me envolver, porém ela sempre chamava as pessoas que já tinham um inglês bom para participar, isso aconteceu várias vezes, passei a me sentir muito mal por conta dessas situações e deixei de tentar participar das atividades. Diferente da minha turma do ensino médio, não havia união, não me senti acolhida e fui aprendendo pouco e travando no inglês a cada dia, por falta de prática e medo de falar. Pior que isso, ao logo do curso percebi que algumas pessoas queriam se aproveitar das situações, passei alguns constrangimentos por conta da minha ingenuidade, mas por outro lado serviu para o meu amadurecimento. Nos quatro semestres seguintes, as disciplinas de Língua Inglesa II, III, IV e V, foram ministradas por apenas uma professora que possuía conhecimentos profundos da língua, em contrapartida, ela fazia valer-se unicamente de métodos tradicionais, usando o material didático exigido pelo curso como recurso central e sem flexibilização ou abertura para opiniões. No 3° semestre participei da monitoria dos Cursos Livres de Línguas Estrangeiras da UFPA, todavia confesso que não me agradei, pois o meu papel em sala de aula não divergia do papel de um aluno do curso, eu me sentava como ordenado pela professora e assistia a aula como os demais. No 4º semestre tive a consciência da funcionalidade do meu curso e me senti ainda pior, pois me questionava constantemente o porquê de estar em um curso de 102 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência licenciatura em inglês, sendo que nem a língua inglesa eu sabia direito. Como iria ensinar algo que eu não sabia? Amadurecimento e Transformação Conforme o passar do curso eu ganhei confiança e deixei de me importar com a opinião dos que a minha volta se encontrava, apenas considerava o posicionamento de quem eu pedia, e media o meu esforço durante cada etapa, dessa forma eu mesma passei a me auto exigir e me criticar de forma mais rígida. Entrei na monitoria de um laboratório de línguas, com o objetivo de somar as minhas primeiras horas de extensão do curso, para a minha surpresa foi uma fase de descobrimento pessoal. Ao longo da graduação participei de muitas oficinas e minicursos na Base de Apoio à Aprendizagem Autônoma (BA3), eventos organizados pela instituição, treinamentos e até minicursos de Francês promovidos pelo Idiomas Sem Fronteiras (ISF). Não podendo deixar de mencionar o Pacataca, um projeto de teatro que recebe a todos os aprendentes de inglês que tem interesse em praticar a língua e aprender através da troca de experiências culturais, foi durante o projeto que tive meu primeiro contato com pessoas de outros países e me arrisquei a falar sem me preocupar com represálias. Um tempo depois participei de uma seleção e ingressei em um projeto de ensino e extensão intitulado “FÁ LÁ English Project FLEP”, onde tive a minha primeira experiência como docente em sala de aula, fiquei no projeto por 6 meses, esse foi o tempo de duração, já que no ano seguinte, em 2020, antes de darmos início a nova fase, a Fundação suspendeu as aulas por conta da Pandemia da Covid-19. O FLEP era um projeto de ensino de Inglês para estudantes de música da Fundação Amazônica de Música - FAM, era realizado aos sábados. A experiência foi diferente, a sensação de estar do outro lado é outra, mas ao mesmo tempo a profissão dobra a carga de responsabilidade, obrigando estar seguro do que está fazendo e se impor nas situações, principalmente quando se trabalha em grupo, pois as divergências eram constantes. Não foi uma oportunidade tão produtiva, visto que não tivemos orientação sobre a construção de 103 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência planos de aula, organização de conteúdo, materiais e coisas relacionadas, a troca se dava entre os alunos estagiários. Ouvia falar na diferença de tratamento entre os alunos do período da manhã e os da noite, mas senti na pele esse contraste durante o projeto, era como se os alunos da manhã procurassem defeito no que fazíamos, essa visão não era exclusivamente minha, os outros estagiários do curso noturno assim como eu compartilhavam do mesmo pensamento com base nas observações. Em 2019, consegui um estágio como Bolsista PROAD, no Arquivo Central da UFPA, onde eu exerci meus deveres na unidade, cumprindo carga horária de 20 horas semanais, desempenhando atividades no Serviço de Expedição de Correspondências. Um novo mundo se abriu, conheci novas pessoas e estabeleci novas relações, aprendi assuntos relacionados a parte administrativa, além de observar alguns atritos entre o corpo docente e o corpo administrativo da instituição, me surpreendendo com alguns posicionamentos controversos aos discursos explicitamente igualitários. Fiquei dois anos, o tempo máximo permitido, apesar de não atuar na minha área de formação, foram anos preciosos que contribuíram vigorosamente para o meu desenvolvimento intelectual e crescimento profissional. Com o advento da Pandemia da Covid-19, as aulas foram adaptadas para o ambiente virtual, aos poucos fui me adequando conforme a necessidade. Dentro desse contexto o meu próximo trabalho como professora foi na disciplina de Metodologia do Ensino de inglês I e II, onde tivemos de abrir um curso de inglês online, no qual o docente das disciplinas tornou-se coordenador do curso. As tarefas foram disponibilizadas no Google Classroom, os alunos tinham uma semana para fazer até o próximo encontro síncrono, pelo Google Meet, quando as dúvidas que houvesse poderiam ser sanadas. No final, tudo ocorreu muito bem, finalizamos o curso com excelência, mesmo sendo a turma piloto de Metodologia no formato remoto. Com a experiência de ministrar na modalidade online veio a satisfação da profissão, e as respostas para os meus questionamentos internos nos momentos de fragilidade e 104 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência insegurança. Com todos esses conhecimentos adquiridos, me candidatei em um projeto piloto intitulado MIGRANTE (MIGRE), é um projeto de ensino e apoio linguístico aos estudantes indígenas não falantes de português e aos ingressantes pelo PSE e estrangeiros. Foi uma experiência inovadora, pois nunca havia atuado no ensino de português como língua estrangeira, tive de me adaptar a forma de trabalho e construção de recursos, mas dessa vez ao contrário do projeto anterior, tivemos formação antes de darmos início aos trabalhos. Já no projeto em andamento, tínhamos reuniões semanais, a professora coordenadora assistia as nossas aulas que ficavam gravadas e dava um feedback individual, contribuindo de forma real e efetiva para a nossa formação. Através desse projeto tive a oportunidade de trabalhar na aplicação do exame de proficiência, CELPE-BRAS, onde passamos por uma formação online até a realização do exame. Lisonjeada atuei como avaliadora-observadora e entrevistadora ao lado da docente que foi coordenadora do projeto MIGRE, a qual possui grande experiência no Ensino de Português como Língua Estrangeira (PLE) e atualmente foi efetivada na UFPA. No segundo semestre da faculdade, paralelamente a graduação comecei a fazer o Curso Livre de Inglês, na Universidade Federal do Pará (UFPA), finalmente em 2021 após terminar o curso de inglês, pude dar início ao Curso Livre de Libras, pois desde a infância almejava, mas não tinha condições de custear. No primeiro semestre de 2021, fiz o nível básico na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), na modalidade remota, paralelamente fiz um curso básico, presencial de Libras no Contexto Cristão. Terminado o primeiro nível, abriu seleção para o Curso de Libras Intermediário Online pela UFPA de Bragança, me candidatei e passei na primeira etapa, logo após, fiz uma entrevista e garanti a minha vaga, novamente segui o curso, acompanhado do Intermediário Libras no Contexto Cristão. Através da Libras pude abrir meus olhos para o público com necessidades especiais e isso me despertou o interesse pela educação inclusiva aponto de desenvolver meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) visando essa comunidade, especialmente a comunidade surda. 105 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Nese sentido, resiliência é a palavra que me define, desde o ventre da minha mãe lutei pela minha sobrevivência, na vida não seria diferente, pois foi com lutas que cheguei até aqui e é por meio das pedradas que reerguerei o meu muro. O aprendizado é um processo continuo, acredito que com prática e dedicação todos podemos alcançar nossos ideais e construir nossas identidades no percurso. 106 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 8 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO Nilda Eunice Castro Pereira Costa (UFPA) Os Primeiros Passos Este memorial começou a ser desenvolvido durante minha participação no grupo Pesquisa e Estudos de Narrativas de SujeitosProfessores em Formação vinculado à FALEM-UFPA, sob a coordenação da Prof.ª Dra. Cristiane Schmidt.. Minha participação no referido grupo se deu por perceber a necessidade de me inteirar um pouco mais sobre temas como ensinoaprendizagem e formação de professores. Foi uma experiência curta, porém rica de significados e aprendizagens que adquiri com as leituras e ao ouvir os memoriais dos outros participantes. A historiadora Marina Maluf considera que No processo de rememoração autobiográfica opera-se uma transformação interna do indivíduo: o “eu” do passado não é o mesmo “eu” que se apresenta no momento da escrita. O esforço de reordenação das imagens passadas é condicionado pelo presente de quem se lembra. Isto significa a construção de uma outra unidade para o conjunto diverso das imagens passadas; em outras palavras, é a elaboração de um novo ponto de vista ou perspectiva em relação ao passado que reconstrói a vivência primeira e todavia não coincide com ela. Dessa forma o sujeito que se mostra ao leitor é antes o sujeito do presente e não o que é contado por ele próprio (MALUF, 1995, p. 31). Desse modo, na tentativa de encontrar minhas memórias num passado do qual me faltam diversas peças, busco estabelecer uma 107 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência situação de reconstrução que antes de tudo é uma tentativa de me entender no presente como estudante e principalmente como futura professora. Assim, pretendo rememorar minha vida em família e escolar em suas diversas fases pontuando quais lembranças positivas e negativas me trouxeram à docência (BRASILEIRO, 2021). Uma pequena Leitora Sou a filha mais velha de uma família formada por pai, mãe e duas irmãs mais novas. Na maior parte do tempo, meus avós moravam no andar de baixo e nossa família no andar acima, então, era comum estar em contato com tios e primos o tempo todo. Nasci e cresci num bairro da periferia de Belém não tão afastado do centro, mas sem todos os privilégios deste, como saneamento básico, coleta regular de lixo e asfaltamento nas ruas. Apesar de ser um bairro relativamente tranquilo, com vizinhos próximos e com rua calma, não tínhamos acesso a ela e dificilmente brincávamos com as crianças da vizinhança, com exceção de uma vizinha a qual minha avó gostava que lhe fizesse companhia. Antes que eu nascesse, meu pai já havia comprado uma enciclopédia infantil que seria útil na minha fase escolar. Ele sempre cultivou em nós três o gosto pela leitura. Nós sempre o víamos lendo, ele sempre lia histórias para dormirmos e comprava livros novos e divertidos. Os livros estavam aqui e ali pela casa, nós até tínhamos uma pequena estante no quarto para que eles ficassem sempre à mão e eram para nós como brinquedos. Mais tarde, passamos a ler os que pertenciam à biblioteca de meu pai, sobretudo os romances. Hoje, sei que o gosto pela leitura foi um dos maiores legados que ele deixou para nós três. Meu pai chegou a Belém com a idade de 18 anos, que foi quando ele se sentou em um banco de escola pela primeira vez; minha mãe chegou aos 12 anos e também nunca tinha ido à escola. Ambos já sabiam ler e escrever e também sabiam que a educação seria a única chance que teriam de alcançar uma vida com melhor qualidade. Então, os dois sempre deixaram muito claro que a educação não só era importante como necessária, inclusive, ambos, a duras penas 108 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência concluíram o curso superior, por isso, eu sempre acreditei que cursar uma universidade era o desejo de qualquer pessoa e só quem realmente era obrigado a trabalhar não o seguia, nunca passou pela minha cabeça não entrar numa faculdade, era algo até mesmo natural. As primeiras Letras Comecei a estudar aos três anos, já que meus pais trabalhavam. Como valorizavam o ensino, sempre estudamos em escola particular. Posso arriscar a dizer que o dinheiro que entrava em casa era destinado à nossa sobrevivência e educação. Geralmente não passeávamos ou viajávamos, não gastávamos com supérfluos, não comíamos fora, mas nunca faltava um livro ou material escolar e as mensalidades escolares nunca atrasavam. Assim, comecei a estudar numa escola de ensino infantil com poucos alunos na sala, que geralmente permaneciam na mesma no ano seguinte. Os pais e a direção tinham uma comunicação fácil, assim como as professoras que estavam sempre por perto da entrada prontas para falar com os pais. Não lembro como se deu de fato minha alfabetização, apesar de lembrar das vogais formando desenhos e da professora escrevendo as sílabas no quadro. Sei que não tive muitas dificuldades no início, mas lembro de não entender o porquê da letra “c” ter som /k/ e /s/ ao mesmo tempo e de achar muito estranho os dígrafos, mas como um bom estudante da época, apenas decorei o que era necessário, sem as explicações supérfluas. De todas as professoras que tive nessa escola, lembro de duas, a que deu início a minha alfabetização e a da 3ª série.1 Da primeira, só me recordo por conta das fotos da minha colação de grau, já da segunda me lembro muito bem porque gostava muito dela. Ela era rígida e cobrava os alunos, mas ao mesmo tempo era tranquila e no fim do ano me deu um livro de português para 4ª série com dedicatória que eu guardei entre meus itens prediletos por anos, revisitando-o de tempos em tempos para reler seus textos. 1 Optei por utilizar a nomenclatura da minha época de estudante. 109 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Lembro de ter tido anos muitos felizes nessa escola e, apesar de ser tímida, não tinha medo de me expressar, além disso, todos os alunos eram amigos, mesmo que de vez em quando saísse alguma faísca. Porém as coisas mudaram na 4ª série, quando passei a estudar em outra escola. Saí de uma turma de no máximo 12 alunos, para uma de 60. Infelizmente, era uma escola que se importava muito com resultados: tinha painel com as fotos dos melhores alunos, havia triagem para selecionar os melhores alunos para uma turma e os piores para outra (e os alunos sabiam disso); existia uma cobrança recorrente por parte da professora responsável para que ultrapassássemos em nota a outra turma. Lembro de uma prova de português na qual a resposta a uma questão era substantivo. Não lembrava dessa nomenclatura, então escrevi o que me veio à mente, mas quando entreguei a prova para professora, ela leu e falou em voz alta: “não é essa a resposta, isso que tu escreveste a gente usa quando está na alfabetização, pega e faz de novo”. Eu fiquei muito envergonhada e passei muito tempo na cadeira tentando lembrar, mas não consegui, entreguei do modo que estava e ela me olhou com uma cara de desapontamento. Não me sentia bem nessa escola, nunca falava ou perguntava nada, tinha muito medo de errar e que rissem de mim, porque a maioria dos alunos já era acostumada a esse sistema de cobrança e também cobravam uns dos outros um bom desempenho, mesmo que de maneira indireta. Por fim, vale ressaltar que todos os alunos consideravam nossa professora responsável ‘má’, enquanto a outra turma tinha a sorte de ter pego a professora ‘boa’. Seja como for, foi nesse momento que passei a ter medo dos professores, medo de errar, medo de falar e me expressar. Mesmo assim, mantinha boas notas e passava com tranquilidade na maioria das disciplinas, mesmo que não fosse a melhor aluna da turma. No ano seguinte, felizmente, passei a frequentar uma escola mais próxima ao trabalho de meus pais, a qual seguia um pouco o padrão da anterior, mas com menos ênfase em resultado. Nesta escola estudei da 5ª série ao 3º ano do segundo grau e me sentia melhor do que na anterior. Adorava voltar às aulas depois das férias, 110 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência adorava realmente ir à escola, rever os amigos e aprender muitas coisas diferentes, apesar disso, continuava tímida, medrosa e calada durante as aulas. Mas convenhamos, as aulas eram num estilo tradicional, com os alunos participando principalmente ao responder alguma raríssima pergunta do professor. Obviamente alguns queriam ouvir o que tínhamos a dizer, porém a grande maioria nos preferia calados. O quadro negro era preenchido de informação que passávamos horas copiando, o professor falava muito e dificilmente usava algum novo recurso, no máximo um paradidático nas aulas de redação ou português. As avaliações consistiam em alguns trabalhos escritos, pouquíssimas apresentações orais e as tradicionais provas escritas. Nas aulas de educação artística era possível entrar um pouco mais numa aprendizagem sem tantas amarras, mas no geral estávamos presos ao livro didático e às explicações do professor, que eu aliás considerava como detentor de todo o saber. Uma situação que me marcou, foi a introdução na turma de um aluno surdo. Nessa época, a escola estava participando de um programa que oferecia bolsas a alunos desfavorecidos e esse adolescente, de 14 ou 15 anos, começou a estudar com a gente. Porém, não houve nenhum preparo ou adaptação para atender as necessidades dele. Os professores ensinavam como sempre e ele entendia o que conseguisse, o que acredito que influenciava num comportamento extremamente agitado que ele apresentava, ele mudava de carteira todo tempo e tentava chamar atenção dos outros alunos. O único professor que lembro de conversar com ele e utilizar algumas de suas experiências em sala era o de OSPB, já os outros dificilmente se dirigiam a ele. Durante este ano em que compartilhamos o mesmo ambiente, ele se meteu em algumas brigas em sala de aula, pois era agressivo com outros garotos e parecia feliz ao entrar em conflitos e ser chamado na diretoria, mas nunca era punido, não importava a gravidade de suas ações. Acredito que todas as confusões que causava tinham a ver com o mundo solitário que habitava naquela escola, era a busca por uma atenção que ele raramente recebia devido ao despreparo dos professores, da direção e dos outros alunos. 111 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Até o momento, parece que tive mais experiências negativas do que boas com professores, porém estes foram momentos que me marcaram e fazem parte da minha construção como professora, sendo importante considerá-los. Apesar disso, não era de modo negativo que via a profissão. Na minha concepção de criança/adolescente, nenhum profissional sabia mais que um professor, pois esse teria estudado muito para alcançar essa posição, acreditava que o professor sempre tinha razão e mesmo quando não concordava com alguma alegação, repensava para tentar me enquadrar nas concepções do professor. Eu sempre respeitei muito professores e outros funcionários da escola e nunca quis decepcioná-los. Seja como for, tive a oportunidade de ser aluna de alguns mestres excelentes: um professor de história que sempre dava a palavra para os alunos; um professor bem humorado de artes que adorava criar situações pedagógicas divertidas na sala de aula; uma professora de história muito séria e ética que sabia explicar muito bem; uma professora de inglês que ensinou além do verbo to be, nos fazendo até mesmo ler um livro em inglês; uma professora de redação atenta às nossa dificuldades e preocupada em saná-las, etc. Experiência no Ensino Superior Quando escolhi o curso de bacharelado e licenciatura em História, muitas pessoas acharam que era por influência de um professor de história do qual fui aluna por alguns anos. No entanto, escolhi meu curso com a intenção de ser arqueóloga, mas ao mesmo tempo sempre flertei com a possibilidade de ser professora, já que é o que acontece com muitos profissionais da área. Porém, depois de alguns meses, já estava muito interessada em seguir a carreira docente. Mesmo que o curso na época fosse voltado mais para o bacharelado, realmente adorei as disciplinas pedagógicas e me preparei para seguir a carreira docente, até ter minha primeira experiência em sala de aula durante, o que seria hoje ,o estágio durante, o que seria hoje ,supervisionado. 112 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Minha dupla deveria acompanhar as aulas de uma turma de 6ª série de uma escola de ensino fundamental próxima a uma área de periferia da cidade. A professora de história da turma, assim que nos viu, nunca mais apareceu na sala, a não ser em um dia, quando foi assinar o ponto do mês. As aulas ocorriam no turno da tarde e durante o verão as salas eram incrivelmente quentes e abafadas, o que prejudicava muito a concentração dos alunos. Estes tinham a faixa etária média de 15 anos e os meninos, principalmente, eram agressivos e desafiadores. A maioria deles não ligava pra nada, com umas duas ou três exceções, inclusive, alguns liam como se estivessem ainda em processo de alfabetização. Era como se nada funcionasse ali, do porteiro à diretora. A escola tinha biblioteca, projetores, sala de computação, mas nada disso era utilizado pelos professores e alunos. Aqueles assinavam o ponto no fim do mês, marcando presença todos os dias, o que nós vimos que não era verdade. Nunca vi a diretora andando pela escola, por outro lado, sempre vi professores atrasados, faltosos, cansados e sobrevivendo como possível correndo de escola para escola numa rotina estafante. Ao mesmo tempo, conversava com colegas de turma que achavam tudo isso normal, digo, a falta de compromisso dos docentes e direção, a vida corrida e sufocante dos professores, os alunos agressivos (que só precisavam de um professor firme, de acordo com eles), além de alguns até mesmo dizerem que aproveitariam todas as oportunidades para não dar aula. Essas situações minaram minha vontade de me tornar professora. Perguntava-me se era esse o tipo de vida que gostaria de viver, afinal eu era nova e não estava preparada para esta realidade, que era a única que tinha tido até então, mas que na época me parecia ser a única possível. Além disso, o curso de história tinha uma deficiência muito grande na área de ensino-aprendizagem, o que era ridículo já que a maioria dos alunos seguiria por este caminho e não pela pesquisa. Por isso, ao terminá-lo, não me sentia preparada para ser professora. Não aceitava a realidade que me foi apresentada, não aceitava o comportamento dos profissionais com os quais mantive contato. Não 113 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência tinha ânimo, na verdade tinha até medo de me tornar professora de fato. Desse modo, tornei-me dona de casa por um tempo e depois passei a trabalhar em projetos pessoais desenvolvendo meu próprio negócio. Uma Segunda Chance Em 2019, a economia não ajudava, estava muito cansada e saturada com meu trabalho, o que me levou fechar a empresa e tentar o ENEN em uma área que sempre me interessou. Assim, desde 2020 sou aluna do curso de Letras-francês da Universidade Federal do Pará e sim, tenho a intenção de dar aulas, pois, mais madura, consigo compreender e entender alguns aspectos da educação que não compreendia antes. Decidi dar a mim mesma uma segunda chance porque o desejo de dar aula nunca morreu de fato, mesmo quando trabalhava em outras atividades me pegava pensando em como seria uma carreira docente. Porém, retomar de onde parei era muito difícil porque a forma de ensinar mudou muito nos 20 anos que separam minha formação dos dias atuais, além de não ter estudado capítulos importantíssimos da história brasileira, como a africana e a indígena. Assim, a melhor opção pareceu ser abraçar outro curso, no qual pudesse desenvolver esse projeto e, já que amo literatura e francês, ficou obvio escolher o curso no qual estou inserida no momento. Acredito que é possível sobreviver no mundo da educação sem ter a necessidade de fazer parte desse sistema corrompido, principalmente porque as boas e más experiências que tive na minha vida educacional me mostraram as melhores escolhas, as que devo evitar e que devo continuar seguindo o exemplo de alguns professores maravilhosos que deixaram sua marca na minha formação como cidadã e futura professora. Referências BRASILEIRO, Ada Magaly Matias. Como produzir textos acadêmicos e científicos. São Paulo: Contexto, 2021. MALUF, Marina. Ruídos da Memória. São Paulo: Siciliano, 1995. 114 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 9 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO Daniele Angélica Borges Foletto (UNEMAT) A critério de identificação e para que o leitor se situe nos espaços de tempo e compreenda a respeito de qual época me refiro, tenho 39 anos, nasci dia 3 de abril de 1984. Desde a minha tenra infância, recordo-me brincando de ser professora, mas não havia pensado racionalmente a respeito da profissão, ela simplesmente aconteceu de um modo tão natural que acredito que nasci para ensinar, o ambiente escolar me fascina, considero um local sagrado onde nascem as mais lindas e fantásticas oportunidades que propiciam as mudanças mais significativas em nossas vidas. Tive o meu primeiro contato com a Língua Inglesa aos 11 anos de idade na antiga 5ª série, em 1995, e não me agradou muito pois a professora não era muito sociável e simpática e o material didático era pouco atraente, aos 12 anos de idade meus pais me matricularam em uma escola de idiomas no município de Barra do Bugres-MT, pois minhas notas na disciplina de língua inglesa não estavam satisfatórias. Me identifiquei com o curso, minhas habilidades em língua inglesa se desenvolviam com primazia e eu me realizava durante as aulas, para mim era pura diversão, não considerava uma obrigação e sim uma distração. A língua Inglesa me foi apresentada de um modo tão prazeroso que procuro fazer o mesmo nas minhas aulas. Aos 13 anos um desequilíbrio econômico assolou minha família e o primeiro gasto a ser cortado foi o curso de Inglês, me desesperei diante da situação e sabendo da necessidade de contratação de uma secretária para o período noturno na escola de Idiomas, ofereci meus serviços em troca das aulas de Inglês. Assim foi por um curto período de tempo, até que uma das professoras não pode estar presente no horário da aula das crianças e tomei uma atitude para sanar a 115 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência situação, entrei com as crianças para a sala e iniciei a rotina com as crianças, logo a professora delas chegou e ficou observando pela janela de vidro da porta. Tudo fluiu muito naturalmente e deu tudo certo, a partir deste dia minha função mudou, passei de secretária a professora. A partir disso, as responsabilidades aumentaram, assim como as oportunidades, e uma das oportunidades mais significativas que tive foi passar o ano letivo 2000/2001 nos Estados Unidos da América, na cidade de Taylorsville no estado da Carolina do Norte para cursar o último ano do ensino médio. Estando lá pude participar como tutora de cursos que ensinam pessoas com deficiência mental a manusearem jogos de computador e ensiná-los a desempenhar tarefas domésticas, essas atividades foram desenvolvidas na faculdade comunitária de Cattawba Valley na cidade de Hickory. Foi nos Estados Unidos que meu crescimento pessoal, intelectual, emocional e cultural se desenvolveu com uma velocidade notável, a meu ver, pois lá precisei tomar decisões importantes que forçaram a minha maturidade. Também passei por experiências de viagens incríveis, como por exemplo fazer um cruzeiro pelas Bahamas. Longe dos meus pais, tive de fazer escolhas de acordo com os princípios que faziam parte do meu ser. Em relação à cultura do povo estadunidense da região na qual residi por um ano, não era comum tomar banho todos os dias no inverno, algo que para mim na época era inaceitável, mas eu tomei banho todos os dias, algo que acabou prejudicando minha saúde me causando feridas na pele em várias partes do corpo, pois o banho de imersão em agua quente deveria acontecer apenas uma vez na semana, e durante os outros dias deveria apenas passar um pano úmido com sabonete líquido nas partes íntimas e axilas. Foram inúmeras experiências culturais, incluindo a gastronomia dos EUA, como existem muitos imigrantes no país, tive a oportunidade de provar sabores quem vêm de diversas partes do mundo como: Grécia, México, Japão, Itália, Tailândia, China, Espanha, Marrocos entre outros que não me recordo mais. E provar comidas de outros países é uma experiência incrível e cheia de sensações agradáveis e não tão agradáveis assim, mas mesmo sendo 116 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência uma adolescente de 16 anos consegui abrir minha mente para novas possibilidades no contexto cultural. Ao entender a língua como uma prática social de construção de sentidos, no momento em que se ensina língua também se ensina formas de entender e construir o mundo, implicando desenvolver atitudes respeitosas em relação aos sentidos de outras pessoas e culturas (SCHMIDT, 2017, p. 34). Ao retornar para o Brasil, prestei vestibular para administração, no entanto não me identifiquei com o curso, e logo prestei vestibular para letras. Concluí o curso, passei em primeiro lugar em um concurso municipal em 2007 para professora de Língua Inglesa onde atuei por 7 anos até que fui chamada para o concurso do Estado do Mato Grosso em 2014 que havia sido classificada em 2010. Em 2008 prestei vestibular para arquitetura e dei início ao curso como passatempo de luxo, digo porque na época eu tinha as tardes livres e sempre me interessei por esta área, mas cursei apenas os 4 primeiros semestres, porém pretendo retomar os estudos futuramente. Em 2009 a convite e patrocínio da família com quem morei pude retornar aos Estados Unidos para visitá-los e ministrar um curso de língua inglesa para estrangeiros, na faculdade comunitária de Cattawba Valley em Hickory no estado da Carolina do Norte. Logo em 2013 participei de um programa do governo federal em parceria com a CAPES e a instituição FULLBRIGHT, com a duração de 6 semanas nos Estados Unidos que envolveu aproximadamente 540 professores de língua Inglesa de escolas públicas brasileiras que consistia em uma imersão linguística e cultural com a carga horaria de 6 horas diárias e passeios culturais aos finais de semana patrocinados pelo governo federal. Posso dizer que educação tem o poder de transformar vidas, assim como a minha vem sendo transformada desde o meu primeiro dia na escola, recordo-me que os primeiros contatos com livros infantis foram satisfatórios e a leitura começou a fluir à medida que a professora estimulava e cobrava nas aulas de Língua Portuguesa. 117 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Para mim era uma imensa satisfação poder ir à escola e aprender cada vez mais sobre o mundo que nos cerca, recordo-me de um dia ter cometido um ato indisciplinar e ser enviada para a biblioteca como “castigo”, mas o que era para ser castigo se tornou um prazer, e pude explorar muitos livros no período que estive na biblioteca, então visitá-la antes ou depois da aula se tornou um hábito. Consequentemente, as produções escritas também ganharam destaque, pois é sabido que a leitura reflete diretamente na escrita, e as produções escritas, as conhecidas “redações” eram frequentes, a partir da 4ª série havia ao menos 2 produções por semana, que eram corrigidas individualmente pela professora ou trocávamos as produções e cada aluno corrigia a produção escrita do colega tenho memórias mais precisas a partir dos meus 10 anos. É a partir deste momento que tenho as lembranças mais nítidas das aulas e dos professores, a escola para mim sempre foi um solo sagrado, de respeito e de muito aprendizado e troca de saberes. Na época eu não tinha maturidade para enxergar desta forma, mas meu comportamento sempre foi muito bom dentro do esperado para a minha idade. E meu relacionamento com os professores e demais funcionários sempre foi de respeito e admiração, e hoje fazendo este memorial consigo perceber o quanto a escola e os professores que tive foram e, são ainda importantes neste momento. Pois eles me ensinaram como agir e como não agir diante de determinadas situações, e tento como profissional ser uma professora que gostaria de ter, e muitas vezes me pergunto se eu me agradaria como aluna das atitudes que tenho e faço reflexões acerca da minha prática. Com certeza a escola favorece para o crescimento intelectual de cada um, servindo como espaço de construção de conhecimentos, muito além do ato de alfabetização, e reportando o indivíduo ao contato direto com a construção do saber e seus pontos de questionamento e variáveis. A função do professor também é destaque no aprimoramento desse ensino, sendo este um ativador e fomentador (ROSA, SANTANA, SCHMIDT, 2018, p. 5). 118 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Posso ainda afirmar que absolutamente todos os professores que passaram pela minha vida me ensinaram além da disciplina que ministraram, a ter ou não ter determinadas atitudes adotadas por eles durante suas práticas pedagógicas. Com esses professores também aprendi a valorizar o conhecimento prévio do aluno, seus saberes adquiridos fora do contexto escolar e de algum modo valorizar e ressignificar esse assunto dentro dos conteúdos curriculares. O conceito de Abordagem intercultural surge a partir dos pilares da relação entre língua e cultura na interação e vem ganhando força no contexto contemporâneo, marcado pela globalização, pela rápida troca de informações, pelo intercâmbio cultural e pela mobilidade social (SCHMIDT, 2017, p. 97). Algo muito importante que gostaria de destacar sobre a arte de ser professor, é o carinho, o respeito e a empatia que devemos ter com nossos alunos, pois ao longo dos anos como docente vivenciei inúmeras experiências com alunos rebeldes e que não apresentavam um desenvolvimento satisfatório. E ao me aproximar gentilmente destes alunos, descobri que alguns possuem um histórico de abuso familiar, de exploração sexual, abuso de substâncias ilícitas entre outros problemas, e que a escola é vista como um refúgio para essas crianças. Sucede na sala de aula que esferas distintas se encontram, realidades que incertamente idealizaríamos, se manifestam no comportamento dos estudantes que carregam consigo um volume cultural adquirido fora da escola. [...] no cotidiano de nossas salas de aula, precisamos estar atentos para outros mundos – como os construídos longe dos grandes centros urbanos, se quisermos nos contrapor à exclusão de muitos e à cidadania de poucos, buscando contribuir para a construção de uma sociedade efetivamente mais democrática (KNIJNIK, 1996, p. 143). 119 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Quando escrevi este memorial pela primeira vez, eu estava desenvolvendo minha dissertação e pesquisa do mestrado em Sociolinguística Educacional, um desafio com o propósito de elevação intelectual e profissional. Posso dizer que ser professora de língua inglesa é abrir uma porta de oportunidades que uma parcela significativa dos alunos desconhecia. Trata-se de uma profissão nobre, mas nossos governantes não a valorizam pois reconhecem o poder que um professor bem remunerado pode ter, - o de abrir os olhos para o conhecimento. E uma população com conhecimento deixa de ser massa de manobra, pois segundo Nelson Mandela ‘a educação é a arma mais poderosa que você tem para mudar o mundo’. Em fevereiro de 2021 pude concluir minha dissertação e obter o título de Mestra, algo que até hoje me surpreende, pois desenvolvi a pesquisa em meio a Pandemia de Covid 19 que assolou o globo terrestre e que até a atualidade ainda amedronta muitos. Foram incontáveis desafios, desde o confinamento, isolamento social, passar pela doença, perder amigos até me adaptar com instrumentos digitais que auxiliaram o desenvolvimento da pesquisa como redes sociais, aplicativos de mensagens e até mesmo o telefone fixo, que era algo que tinha caído em desuso mas voltou a ser muito utilizado durante a pandemia. Revisitando o momento pandêmico que vivemos, quando os alunos não podiam frequentar as aulas presenciais, eu tive uma leve sensação de que os profissionais da educação seriam mais valorizados após os responsáveis pelos alunos notarem o quão complexo é arte de ensinar. Contudo não aconteceu o que pensei, na verdade, tivemos incontáveis reclamações e falsos testemunhos de que os professores não trabalharam durante a pandemia, grande engano. Foi neste período que muitos tiveram de se reinventar como profissional, aprender a utilizar a tecnologia que nunca haviam tido contato, tiveram de comprar ferramentas tecnológicas para ministrarem suas aulas online e ressignificar suas práticas pedagógicas. Neste momento estou revisitando este memorial e atualizando as informações, agora como Doutoranda em 2022 dando sequência 120 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência a minha pesquisa voltada para a temática das ‘Expressões Idiomáticas em Língua Inglesa’, um momento muito importante da minha vida, no qual estou a refletir sobre todas as possíveis práticas pedagógicas que pretendo adotar futuramente, em como valorizo os professores alfabetizadores e de outras áreas. E fico tentando encontrar uma resposta para a desvalorização deste profissional tão necessário dentro das diversas sociedades. São diversos os desafios de um professor de idioma, no meu caso como professora de Língua Inglesa, existem momentos em que a última coisa que consigo fazer dentro da sala de aula é de fato ensinar Inglês pois, há emergências que precisam ser sanadas como um aluno que desmaia de fome ao adentrar na sala, ou uma aluna que chega desesperada contando que foi violada por alguém da família. Claro que não são todos os dias que experenciamos esses acontecimentos, mas quando ocorrem, de certa forma, nos tiram o foco e o equilíbrio. Após o Mestrado e agora no Doutoramento, consigo enxergar a relevância e o poder que a linguagem e determinadas características culturais desempenham dentro de uma sociedade, sendo que é na escola que nós professores podemos ensinar nossos estudantes a utilizarem a sua comunicação para crescer profissional, cultural e socialmente. A escola, mais uma vez, é um espaço sagrado, porém cheio de conflitos, mas também repleto de lindas oportunidades que os professores podem fomentar enaltecendo o repertório linguístico cultural dos seus estudantes e os guiando a utilizar as variedades linguísticas de acordo com cada ocasião. É dentro deste contexto, em uma escola com uma clientela de estudantes provenientes de lares conflituosos, socialmente vulneráveis, que me esforço para ensinar além da disciplina que ministro, ensinar valores morais me aproximando linguisticamente e também emocionalmente dos meus alunos, me colocando no lugar deles, compreendendo a realidade de cada um e tentando na medida do possível para que de fato, o aprendizado ocorra. “Os professores de língua e a escola estão diante de um grande desafio no que se diz respeito à aproximação do mundo do aluno, ou seja, quando se deparam com os saberes que os alunos trazem de casa” (CYRANKA; OLIVEIRA, 2014, p. 3). 121 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência De acordo com o Filósofo alemão Kant (1999) o ser humano é aquilo que a educação faz dele, e mais que ensinar e aprender a docência me proporcionou experiências desafiadoras e inigualáveis pois a educação me propicia ascensão pessoal e profissional e me oportuniza a compartilhar com a sociedade. Referências CYRANKA, Lúcia Furtado de Mendonça; OLIVEIRA, Luís Carlos de. A reeducação sociolinguística na sala de aula. Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery. Curso de Pedagogia - N. 16, JAN/JUL 2014. Disponível em: http://re.granbery.edu.br. KANT, Immanuel. Sobre a pedagogia. Tradução de Franciso Cock F. 2ª ed., Piracicaba: Editora Unimep, 1999. KNIJNIK, Gelza et AL. A Educação em Tempos de Globalização. Porto Alegre: 1996. ROSA, L. A.; SCHMIDT, C.; SOUZA, A. C. S. Desafiando a norma culta. Web Revista SOCIODIALETO, v. 8, n. 24, 2018. p. 53-64. SCHMIDT, C. O livro didático de língua alemã no contexto de formação de professores no Brasil. Curitiba: Appris, 2017. 122 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 10 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO Fabiana da Silva Lira (UNEMAT) Memória pode ser entendida popularmente como a capacidade que o ser humano tem de conservar e relembrar experiências e informações relacionadas ao passado, sendo estas, parte de processos de interação de cada indivíduo com seu meio. (LARA, 2016. p.1). Refletir sobre o passado é trazer à tona lembranças que moldaram a nossa existência. Rememorar é mais do que simplesmente recordar algo, é resgatar vivências e sentimentos que marcaram nossa trajetória. Ao pensar sobre isso, me lembro de algumas dificuldades enfrentadas durante meu crescimento. Nos primórdios da minha existência, no dia 11 de outubro de 1995, eu, Fabiana, nasci em uma família de baixa renda, mãe analfabeta e pai com estudos até a antiga 4ª série. Apesar das dificuldades financeiras, valorizavam a educação como um caminho para um futuro melhor. Porém, mesmo com a valorização do estudo em casa, sempre tive problemas de aprendizagem. Recordar datas, fatos e acontecimentos nunca foi uma tarefa fácil para mim. No entanto, percebo que esses lapsos de memória não me impediram de aprender, crescer, de buscar conhecimento e me tornar quem sou hoje. Lara 2016 reitera que, Estudar os elementos que constroem e constituem a memória se faz deveras importante, pois a mesma está intrinsecamente ligada ao processo de construção da identidade, seja ela individual ou coletiva. A partir de tais aspectos podem-se reconhecer os acontecimentos passados e ainda conservar as 123 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência informações que nos são relevantes à preservação, rememoração. (LARA, 2016, p.3). Rememorar minha história e pensar sobre particularidades da minha vida me faz compreender que a memória é uma construção complexa e multifacetada, que pode falhar em alguns aspectos, mas ainda assim ser capaz de nos proporcionar aprendizados valiosos. E, acima de tudo, me faz sentir grata pela minha família, que sempre valorizou a educação e me incentivou a buscar o conhecimento, mesmo com minhas limitações. Minha vida pode ser dividida em antes e depois de um momento específico, quando completei sete anos, meus pais moravam em uma fazenda distante da escola, lutavam para suprir as necessidades básicas da família, porém era hora de ingressar na escola, mas, não havia transporte escolar disponível na região. Desesperados, meus pais tomaram uma decisão difícil: eu iria morar com uma educadora para poder frequentar a escola. Momento difícil para todos nós, mas essa decisão mudou minha vida para sempre. Finalmente tive acesso à educação formal e pude aprender a ler e escrever, algo que parecia inalcançável antes. Descobri um mundo de possibilidades que se abriram para mim. Indubitavelmente, a escola proporciona benefícios significativos para o desenvolvimento intelectual de cada indivíduo, constituindo-se em um ambiente propício à construção de conhecimentos que ultrapassam o simples ato de alfabetização. Além disso, a escola também oportuniza o contato direto do aluno com a construção do saber, incluindo seus pontos de questionamento e variáveis, Rosa, Santana, Schmidt, 2018. Hoje, olhando para trás, vejo o quanto essa experiência foi valiosa e o impacto que teve em minha vida. A decisão dos meus pais foi um sacrifício enorme, mas fizeram o que era necessário para me dar a oportunidade de uma educação melhor. Morar com uma educadora permitiu que eu tivesse acesso à escola e pudesse iniciar meus estudos. Iniciei meu primeiro ano, também conhecido como pré, sem muitas lembranças a recordar, mas relato as dificuldades que 124 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência enfrentei na alfabetização. Contudo, com a ajuda dos colegas e da professora atenciosa, consegui desenvolver minhas habilidades e alfabetizar. Nessa época não me recordo de ter feito muitas leituras, mas estava em pleno processo de alfabetização. Segundo, Paulo Freire, “o papel do professor e da professora é ajudar o aluno e a aluna a descobrirem que dentro das dificuldades há um momento de prazer, de alegria” (2003, p.52). Ao compreender que as dificuldades fazem parte do processo de aprendizagem e que podem ser superadas com o apoio adequado, continuei e persisti em meus estudos. Os anos foram passando, continuei minha jornada de aprendizado. Recordo-me vagamente dos detalhes dessa fase da minha vida. Lembro-me pouco da maneira como os professores conduziam suas aulas, mas sei que todos foram importantes para meu desenvolvimento. Depois de alguns anos, minha família precisou se mudar, fomos morar na cidade. Estudei o restante do Ensino Fundamental em escola municipal, onde as condições financeiras eram precárias e a maioria dos alunos vinha das classes mais baixas da cidade. Levava minha vida de estudos com o maior esforço possível, pois sabia que estava aproveitando a oportunidade de estudar. Sempre tive em mente que deveria aproveitar as oportunidades da vida. E assim, mesmo com as dificuldades e as limitações, continuei a crescer e a desenvolver como pessoa e estudante. Minhas memórias do ensino fundamental são bastante afetuosas, apesar de não ter muitas lembranças de leituras. Naquela época, havia um dia da semana reservado para cantar o hino nacional e durante o ano tinha várias festividades, como festivais de poesia e apresentações. Lembro-me particularmente dos concursos de poesia, eram realizados anualmente na escola. Todos os alunos eram incentivados a escrever poesias, que eram selecionadas e corrigidas pelos professores antes de serem lidas em público durante os festivais. Essas atividades eram uma oportunidade para que os alunos pudessem expressar sua criatividade e aprimorar suas habilidades de escrita. 125 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Durante meu ensino fundamental e médio, tive muitos professores com diferentes especialidades, cada um buscando inovar suas metodologias de ensino para nos envolver nas aulas, de acordo com que a sociedade ia mudando. Segundo Paulo Freire “não é a educação que forma a sociedade de uma determinada maneira, senão que esta, tendo-se formado a si mesma de uma certa forma, estabelece a educação que está de acordo com os valores que guiam essa sociedade” (1975, p. 30). Tem-se a importância de considerar a sociedade como influência direta na forma como a educação é conduzida e organizada, pensando nas inovações e melhorias. Lembro-me que os livros didáticos eram bastante utilizados, especialmente nas disciplinas de história, geografia e língua portuguesa. Os professores utilizavam a lousa para escrever o conteúdo, já que não havia muitas alternativas disponíveis na época. Entre todos os professores que fizeram parte da minha jornada escolar/básica, uma em particular marcou minha vida. Professora de matemática, conhecida por ser bastante exigente e firme em suas aulas, sempre buscando formas diferentes de desafiar seus alunos. Lembro-me com carinho do caderninho de casa que eu usava para praticar matemática, já que eu amava essa disciplina e seu jeito de ensiná-la. Em uma ocasião no 8º ano, essa professora de matemática fez um questionamento em sala sobre o que queríamos ser quando crescêssemos. Na época, eu respondi que queria ser defensora dos direitos humanos, mesmo sem saber como seguir esse caminho. Ainda não havia passado pela minha cabeça a ideia de ser educadora, mas essa professora certamente teve um grande impacto em minha vida e influenciou a minha escolha de carreira. À medida que o tempo passava, um pensamento persistia em minha mente: o desejo de estudar o curso de Direito. Eu havia concluído o ensino médio em 2013, mas sem recursos financeiros para pagar a faculdade, minha única opção foi tentar ingressar em uma universidade pública no período noturno. Para isso, prestei o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e obtive uma nota média, porém, ao tentar a disciplina que mais me identificava, matemática, não obtive êxito. Apesar dessa decepção, não desisti do meu sonho 126 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência de cursar o ensino superior e decidi prestar vestibular na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) para o curso de Direito. Infelizmente, não fui bem-sucedida e, novamente, faltaram-me recursos financeiros para me matricular em um curso particular. Sempre tive em mente que concurso público seria o caminho mais seguro para alcançar a estabilidade financeira e profissional que almejava. Determinada a não desistir, continuei buscando alternativas para seguir estudando. Decorrente a esse pensamento decidi prestar vestibular novamente na UNEMAT, dessa vez para o curso de Letras/Inglês. Entendia que, com esse curso, teria uma formação mais completa e poderia ter mais chances de passar em um concurso público. O curso me permitiria trabalhar durante o dia e estudar à noite. Durante esse tempo, enfrentei muitas dificuldades, mas mesmo assim, mantive-me firme e nunca reprovei em nenhuma disciplina. Apesar do meu esforço no curso, ainda enfrentava dificuldades em língua Portuguesa. Contudo, não deixei que esses obstáculos me desanimassem e continuei empenhada em meu objetivo de concluir o curso universitário. Durante o curso de Letras, tive outros contatos com diversas formas de leitura. No início, enfrentei alguns empecilhos, devido à minha formação escolar não muito satisfatória. Mas não desisti e continuei estudando. Aos poucos, percebi a importância de ser um educador, um facilitador, que auxilia o aluno a percorrer os caminhos que já foram trilhados por outros antes. Aqui nessa fase da vida começo a entender que poderia estar defendendo os direitos humanos através do conhecimento fornecido para meus futuros alunos, pois segundo Silva: “A falta de conhecimentos sobre a nossa condição de sujeitos sociais leva, então, a distorções nas relações sociais humanas” (SILVA, 2020, p.4). Desde a graduação em Letras/Inglês, percebi que meu interesse estava direcionado para a área da Sociolinguística. O estudo das variações linguísticas, suas causas e implicações sociais sempre me fascinaram. Dessa forma decidi que queria seguir na área acadêmica e busquei um programa de mestrado em Linguística com ênfase em Sociolinguística, na mesma universidade. Ingressei no programa em 127 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência 2020 e, desde então, tenho me dedicado intensamente aos estudos, buscando sempre me aprimorar como pesquisadora e professora. Durante o mestrado em Sociolinguística, tive a oportunidade de aprofundar meus conhecimentos em áreas como variação linguística, políticas linguísticas e de realizar uma pesquisa sobre a variação linguística em sala de aula, com entrevistas direcionadas aos professores e textos dos alunos em uma escola do interior. Foram dois anos de muita dedicação, estudo e pesquisa, que me permitiram ter uma visão mais ampla sobre a relação entre linguagem e sociedade. Nesse período, tive a oportunidade de participar de eventos científicos, onde pude apresentar meus trabalhos e discutir com outros pesquisadores da área. Essas experiências foram fundamentais para o meu amadurecimento acadêmico. As leituras de obras fundamentais, como as de Willian Labov e Bortoni-Ricardo, foram cruciais para o desenvolvimento da minha pesquisa e da minha formação como pesquisadora. Atualmente, estou cursando o doutorado em Linguística, ainda na UNEMAT, prosseguindo o estudo anterior em variações linguísticas. Tenho muito a aprender e aperfeiçoar em minha trajetória acadêmica e profissional, mas sinto que a leitura tem sido uma grande aliada nessa jornada. O estudo e a pesquisa da linguagem é fundamental para a compreensão do mundo em que vivemos, para a evolução da sociedade e para a formação de profissionais cada vez mais qualificados e conscientes de sua responsabilidade social. Por isso, assim que concluir os estudos, pretendo levar para a sala de aula reflexões sobre as diversidades linguísticas e culturais e sobre a importância da valorização das variedades linguísticas presentes em nossa sociedade. Diante dos fatos não me cabe a tarefa de definir o que é um bom professor pois é uma tarefa complexa, pois depende do ponto de vista de quem está observando. Seria um olhar do aluno ou do próprio professor? Na minha opinião, um bom professor é aquele que se dedica a auxiliar e traçar os caminhos que devem ser percorridos pelos alunos. Um bom professor é um educador que busca sempre o melhor para os seus alunos e os auxilia a alcançar os seus objetivos. Silva 2020, entende que “O trabalho do professor é o mais 128 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência importante diante de todos os outros tipos de trabalho, pois possui um grande papel, o ofício e a profissão de promover o conhecimento sobre o mundo e as sociabilidades” (SILVA, 2020, p.8). Em virtude de estar professora, entendo que não basta apenas transmitir o conhecimento, é necessário criar um ambiente de aprendizagem que permita aos alunos se envolverem de forma mais ativa e eficaz. Dessa forma, busco sempre criar estratégias e atividades que despertem a curiosidade e o interesse dos alunos, pois isso estimula o aprendizado e o desenvolvimento de habilidades importantes para a vida. Segundo Schram e Carvalho, O professor, segundo Paulo Freire, não precisa saber apenas o conteúdo, mas também como ensinar aquele conteúdo. O que requer atenção e disciplina para não dar ênfase apenas aos problemas sociais e políticos deixando de lado o conteúdo, ou o inverso, enfatizando um conteúdo desvinculado das questões políticas e sociais do meio. (SCHRAM; CARVALHO, s/d, p.8). Quando em sala de aula, um dos desafios que enfrento é conseguir lidar com a diversidade de alunos. Cada um tem sua própria história de vida, suas crenças, valores e experiências. Por isso, é necessário buscar uma metodologia que atenda às diferentes necessidades, proporcionando um ambiente de inclusão e respeito às diferenças. Além disso, como educadora, acredito que é preciso estimular o senso crítico dos estudantes, fazendo com que eles não apenas “absorvam” o conhecimento, mas também desenvolvam a capacidade de questionar e refletir sobre o que estão aprendendo. Essa habilidade é fundamental para que os alunos se tornem cidadãos conscientes e atuantes na sociedade. Sempre busco me atualizar e me capacitar, tanto em relação aos conteúdos que ensino quanto às metodologias e técnicas pedagógicas. Entendo que o processo de aprendizagem é contínuo e que sempre há algo novo a ser aprendido. Dessa forma, estar sempre aberta a novas ideias e 129 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência propostas, para que possa melhorar cada vez mais minha prática educativa. Desde cedo, percebi a importância das relações interpessoais e da coletividade na sociedade. Penso que todos precisamos uns dos outros para evoluir e progredir, e é nessa mesma perspectiva que atuo como professora. Na sala de aula, procuro sempre estabelecer um ambiente acolhedor e de troca de ideias, onde os alunos se sintam confortáveis para expressar suas opiniões e dúvidas. Para Schram e Carvalho, “A relação professor – aluno para Paulo Freire, deve partir do reconhecimento das condições sociais, culturais, econômicas dos alunos, suas famílias e o seu entorno (SCHRAM; CARVALHO, s/d, p. 7), o que contribui para um ensino mais inclusivo e humanizado. Compreendo que a socialização é fundamental para o desenvolvimento dos alunos, e que isso pode refletir positivamente em suas vidas futuras. Lembro-me de que, durante faculdade, comecei a perceber que muitos dos alunos que estudavam comigo apresentavam dificuldades em se comunicar e se relacionar com os outros. E, por isso, busquei formas de trabalhar essas habilidades em sala de aula, por meio de dinâmicas e grupo e atividades que incentivavam a interação entre os alunos. Além disso, selecionar conteúdos relevantes e atrativos, que despertem o interesse deles. Afinal, se eles não se sentirem motivados a aprender, todo o esforço e trabalho m sala de aula pode ser em vão. Portanto, essas regalias levadas para sala de aula, são produtos de todo esse meu processo de vida, principalmente aos tempos dedicados à leitura e à reflexão sobre questões pedagógicas e sociais. Presumo que quanto mais eu me aprofundo no conhecimento, mais eu posso contribuir para o desenvolvimento dos meus alunos e deixar uma marca positiva em suas vidas. Referências FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina: Reflexões sobre minha vida e minha práxis. 2ª ed. São Paulo: UNESP, 2003. LARA, C.B.Q. A importância da memória para a construção da identidade: 130 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência O caso da igreja Nossa Senhora Imaculada Conceição de Dourados/MS. Anais do XIII Encontro Regional de História (história e democracia: possibilidades do saber histórico. Coxim-MS – 08 a 11 de novembro de 2016. ROSA, L. A.; SCHMIDT, C.; SOUZA, A. C. S. Desafiando a norma culta. Web Revista SOCIODIALETO, v. 8, n. 24, 2018. p. 53-64. SCHRAM, Sandra Cristina; CARVALHO, Marco Antônio Batista. O pensar educação em Paulo Freire: Para uma Pedagogia de mudanças.s/d. SILVA, Enio Waldir da. Direitos humanos ao conhecimento pertinente. XXV Jornada de Pesquisa em Educação de qualidade, Unijuí, 20-23 out. 2020. 131 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 11 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO Yara Fernanda de Oliveira Adami (UNEMAT) Tudo começou em 1993, quando nasci na cidade de Nova Andradina em Mato Grosso do Sul. De uma família humilde, pais trabalhadores assalariados e um irmão mais velho. Meus pais não tiveram a oportunidade de completar os seus estudos, minha mãe estudou até a 4º ano do fundamental e meu pai entrou no ensino médio que não fora concluído. Tudo era muito difícil, aliás, mais difícil do que atualmente. Nem sei se os meus avós sabem ler, mas creio que não. (Essa é uma pergunta que me fiz somente agora). Minha família sempre procurou o melhor para nós, ganhávamos muitas coisas quando éramos pequenos (meu irmão e eu), de patroas que a minha mãe tinha e isso era um alívio pois nem sempre os meus pais podiam comprar. Principalmente brinquedos e roupas usadas. Era motivo de festa quando ela chegava com as sacolas em casa. Minha mãe toda vida foi secretária do lar. É até hoje. Um fato que trago na memória é que nossa vizinha Cristina era professora. Por um tempo ela me deu aula e eu morria de medo dela contar algo para minha mãe e ela brigar comigo depois, coisas de criança! Na época eu tinha uns 7 anos ou mais, era muito divertido poder ir caminhando para a escola com a professora, meus amigos ficavam boquiabertos, achando que ela era a minha tia. Logo a professora Cristina se aposentou e os nossos encontros eram só em roda de conversa entre vizinhas, minha mãe adorava bater um papo e o filho da Cristina tinha a mesma idade que o meu irmão, então ela sempre dava coisas para ele. Tudo isso aconteceu quando morávamos na minha cidade natal, Nova Andradina. Uma vez, ao decidir buscar algo melhor, meu pai resolveu se mudar para uma cidade no interior de São Paulo, ela se chamava São José dos Campos. Foi em meados de 1999 e 2000. Acho que foi antes 132 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência da história da Cristina, pois eu ia para o jardim de infância lá, era muito divertido. Só não era legal a parte de eu ter que usar óculos, pois me sentia desajustada, meus amiguinhos me enchiam de apelidos, não era legal. Não durou muito tempo a nossa estadia nessa cidade, já que meu pai vivia sendo assaltado por trabalhar em um posto de gasolina e infelizmente, fui vítima de um homem, que era vizinho nosso (não irei verbalizar, mas é isso mesmo que vocês estão pensando). Pela nossa integridade física e mental, meus pais decidiram que era melhor voltar para o MS e recomeçar dali. Para o meu irmão e eu foi muito melhor, pois já tínhamos amizades e liberdade no MS. E em SP vivíamos preso em casa, sem amigos e com medo do nosso pai não chegar em casa. A gente tinha uma pequena noção do perigo, sempre que via o nosso pai aflito. Enquanto a minha mãe deixava o meu irmão na escola, eu ia com ela na casa as patroas, que ela fazia faxina para ajudar o meu pai na renda. Desde muito nova sempre fui questionadora. Minha mãe mesmo diz aos risos, que a fase do “por que” levou anos para passar. Na escola, em meados de 2000, amava brincar com os meus colegas e era apaixonada pela minha primeira professora que me alfabetizou, o nome dela era Leila. Aprendi a cantar o hino nacional, dancei a minha primeira quadrilha na festa junina. Ahhhhh, eu amava! De lá para cá, na 1ª série, estranhei um pouco o ambiente escolar, afinal, ter um tempo cronometrado para realizar as atividades propostas não me deixava nenhum pouco confortável. Minha mãe ao perceber a minha relutância em ir para a escola, procurou a ajuda de uma psicóloga que foi benéfica naquele momento, e desde então, deslanchei nos estudos. Nunca fui amiga da matemática, continuamos inimigas até hoje. A língua portuguesa sempre me foi mais prática. Morei no interior do Mato Grosso na época do ensino médio, e sei muito bem, o que a falta de um bom profissional faz na vida de uma pessoa: o ensino fica limitado quando não se é aprofundado. Pelo fato da cidade não oferecer uma boa infraestrutura, quem pegava as aulas das matérias 133 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência específicas eram os pedagogos, não tínhamos um professor de biologia, física, história e matemática, por exemplo. No momento de eu escolher para qual curso prestar o vestibular, isso pesou. A vida toda eu sonhava em ser agrônoma, mas a grade curricular em si já me deixava aflita: matemática e química - socorro! Por mais que eu sempre tenha sido uma menina estudiosa... Hoje eu não consigo verbalizar do porque eu parei no tempo após o ensino médio. Sempre trabalhei desde os 16 anos como babá de uma criança com síndrome de Down, a Maria Luiza (hoje ela tem 20 anos e lembra de mim assim como eu me lembro dela), e continuei trabalhando ainda por mais um tempo, até findar o meu 3º ano do ensino médio. Talvez eu ficasse na esperança de algum curso tocar o meu coração ou eu cair de paraquedas em alguma faculdade (isso é o que falo quando entro nesse assunto, mas na verdade, eu queria ser médica e me especializar em dermatologia. Só que eu era pobre demais para pagar uma faculdade e burra demais para passar em um vestibular tão concorrido como medicina. Com 16 anos eu já tinha essa noção de proporção de concorrência), não sei explicar. Ali, não tinha nenhuma faculdade de agronomia, acho que me mantive na minha zona de conforto e deixei o tempo passar. A agronomia foi um sonho utópico, pois eu morei em uma fazenda gigantesca (sim, gigantesca – os filhos do dono dessa fazenda hoje, fazem medicina em faculdades particulares e viajam para fora do Brasil a cada 30 dias), então eu via aquele mar de soja e ficava impressionada. Acreditei nessa teoria de ser agrônoma por uns bocados de anos. Com 18 anos, ser professora não havia passado pela minha cabeça ainda, era uma profissão que eu admirava, no entanto, não me via nela. Engravidei, tive a minha filha, e pensei: “Preciso de uma graduação, pois hoje tenho por quem lutar”. Na verdade, hoje refletindo um pouco, depois que fui mãe aos 19 anos, o que eu mais ouvia em casa era que eu tinha que arrumar um emprego. Mas como eu arrumaria um emprego sem profissão? Isso não entrava na minha cabeça, porque eu queria ter uma profissão – aquela que a gente estuda, faz faculdade, pega o diploma e para os meus pais a palavra ‘profissão’, soava diferente daquilo que eu imaginava. 134 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência O tempo passou... Fui curtindo o crescimento da minha filha, trabalhando e morando com o meu pai até que em 2014, comecei a cursar pedagogia na Un ULBRA opar (uma faculdade EAD), juntamente, com um cursinho de inglês que eu fazia duas vezes na semana. Fiz o ENEM em 2015 e me inscrevi para o curso de letras em Pontes e Lacerda, pela UNEMAT. Mas, sem intenção de passar. Não estava fazendo nada naquele momento (sentada a frente do computador), vi a minha nota, analisei as possibilidades e me inscrevi. Resultou que eu passei e fui fazer o curso. Definitivamente eu caí de paraquedas no curso, pois na minha cabeça o curso de letras era somente gramática e de repente eu estava estudando sobre signos que não eram da astrologia (sim, eu assustei!), foi ali que eu soube da existência da linguística e da literatura. Nunca escondi de ninguém que eu sou uma apaixonada fervorosa pela literatura, foi ela quem me fez continuar no curso e que me restabeleceu como ser humano. Pois até então, eu era uma pessoa com sonhos comuns. Durante a minha vida acadêmica na graduação, residi no ‘Campex’, nome popular dado pelos estudantes para a moradia estudantil existente no campus de Pontes e Lacerda. Existe toda uma seleção para conseguir a vaga da moradia, como eu vinha de uma família pobre de recursos financeiros, consegui a vaga. Foi uma época de tranquilidade econômica para os meus pais, que mesmo separados me ajudavam como podiam para me manter estudando. O aluguel, água, energia e internet eram todos custeados pela universidade, o que me ajudou muito e me incentivou a continuar estudando – pois eu sabia o preço que seria para morar fora, sem contar o preço psicológico que eu pagava por deixar a minha filha pra trás. Nessa altura do campeonato, eu, com uma filha de 4 anos e sem uma graduação, graças a Deus tive essa oportunidade de sair para estudar e ter com quem deixar a minha filha (no caso a minha mãe), e conseguir minimizar os gastos para me manter estudando. Foram escolhas necessárias que me fortaleceram ainda mais para poder 135 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência conseguir concluir o curso. Na moradia estudantil o gasto com alimentação também era dividido com as moradoras da residência, eram 4 estudantes por casa, ou seja, eu dividia o valor da comida com mais 3 estudantes. O que me ajudava mais ainda na questão financeira. Ter passado pelo Campex foi uma experiência de crescimento como ser humano diferente de todos os eventos que eu havia passado na vida. Morar com 3 pessoas desconhecidas não é uma tarefa fácil. São 4 cabeças pensantes, recheadas de vivências culturais e familiares diferentes, de fato, nem sempre as coisas saem como planejamos. No entanto, me manter morando no Campex era mais importante para mim do que quebrar cabeça com pessoas ignorantes. Vivi na moradia estudantil por 2 anos e meio e sou grata por tudo que a Universidade do estado do Mato Grosso fez por mim. Sai por vontade própria, devido ter conhecido o meu namorado – hoje esposo, também universitário da faculdade, do curso de zootecnia, e ele ter me convidado para morar na cidade com ele. Ele também era de outra cidade e residia na cidade de Pontes e Lacerda para estudar. Aceitei e fui. Estamos junto até hoje, já são 5 anos e meio de casamento e temos uma filha de 8 meses cheia de saúde. A faculdade não me deu somente um ensino de qualidade, ela me presenteou também com um ser humano dono de um coração admirável que juntos construímos uma família linda. Na primeira disciplina de língua portuguesa, no 1º semestre, foi um choque. Descobri que não entendia nada de gramática e percebi que a caminhada não seria tão fácil como eu deduzi. Em linguística ao me deparar com Saussure, ave Maria! Que teoria complicada, eu olhava para os estudantes de direito do campus e ficava pensando: “por que não tentei fazer direito?”, eu ia dormir todos os dias pensando nisso. Mas no dia seguinte, acordava, esperava a biblioteca do campus abrir, ia lá, escolhia na seção de linguística vários livros sobre ele e me debruçava. Nem sempre eu saia de lá satisfeita com o que eu havia aprendido, pois nem sempre eu entendia o que Saussure ensinava. Era difícil me deslocar para esse campo de teoria sobre aquilo que eu acreditava ser tão simples. 136 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Já na disciplina de Textos fundamentais de literatura, eu flutuava. Amava me deslocar para o mundo da fantasia, eu lia e a sinestesia tomava conta de mim. Foi nessa disciplina que li a Trilogia Tebana e sinto orgulho de dizer que foram os primeiros livros literários que li na vida! No meio do curso, já no 4º ou 5º semestre, cursei a disciplina de literatura contemporânea. Ela foi o divisor de águas na minha vida. Me lembro do dia em que lemos o conto “Os anões” (2010), da autora Verônica Stigger, quando cheguei no meu quarto, após a aula, eu chorei. Fiquei muito impactada o tema abordado sobre a impaciência e agressividade humana. Aquilo me horrorizou profundamente e me fez refletir como que em poucas linhas os escritores conseguem retratar a sociedade atual tão fiel a realidade. Com seus inúmeros defeitos e qualidades. Tratar do humano para o humano. Na mesma época, lemos também contos do autor Luiz Vilela, ele foi o autor do conto que escolhi para trabalhar na monografia, juntamente com a autora Clarice Lispector. Contos que falavam da morte em vida e do luto pós morte. Sai da faculdade acreditando que pela literatura eu teria muitas portas abertas, mas para isso eu teria que me deslocar novamente de cidade para seguir em um mestrado. Optei por não viver na estrada novamente. Eu já havia saído de campos de Júlio para Pontes e Lacerda, vivendo de passagens de ônibus e maternidade, depois ao chegar em Cáceres eu teria que viver assim novamente? Não aceitei a ideia. Sempre tive vontade de fazer um mestrado, e na cidade de Cáceres existe vários programas de pósgraduação por ser a cidade que comporta a sede da Unemat. Viver no Campus era muito bacana. Eu conhecia os professores de quase todos os cursos, ajudava-os em épocas de eleições do colegiado, participava de todos os eventos do campus, assistia as defesas de monografias de todos os cursos, enfim, eu sempre arrumava coisas para fazer além de estudar. Era cansativo a parte de ir para minha cidade, Campos de Júlio, todo fim de semana pois eu não conseguia passar muito tempo com a minha filha. Isso me doía, saber que eu não podia ficar o tempo que eu desejava com ela. Por isso, quando retornava para a faculdade, fazia valer a pena a minha 137 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência ausência em casa. Me sentir produtiva era uma forma de me consolar, de concretizar a dor que eu sentia de não poder vê-la crescer com momentos de ação acadêmica. Eu possuía tempo para me dedicar aos estudos e literalmente me dedicava. Na disciplina de sociolinguística, eu achava bacana o pensar nas variações existentes no Brasil e aquilo me chamava a atenção, só que nunca na minha vida eu pensei, imaginei que no dia de hoje, estaria fazendo um doutorado nessa área. A vida me trouxe até este momento. Quando findei a graduação, meu esposo voltou para Cáceres, lugar que sua família residia – enquanto a minha família morava em Campos de Júlio (500 km de uma cidade para a outra), e me trouxe com ele. Viemos, Julia e eu. Trabalhei por 1 ano e meio em uma escola particular na disciplina de língua inglesa. Foi uma experiência terrível pois todas as minhas expectativas com o ensino privado foram quebradas. Ali eu percebi que quem paga mais, pode mais. Mas, não posso generalizar que todas as escolas são assim, deixo claro que a minha experiência naquele momento foi essa. Enfim, cheguei à conclusão de que eu precisava continuar estudando para que a minha vida não ficasse estagnada com aulas em lugares que eu não me sentisse confortável. Ingressei no mestrado na turma de 2021, na área dos estudos linguísticos. Foi um marco na minha vida pois o tormento contra a pós-graduação começa quando você fala que vai concorrer na seleção e muitos colegas de profissão ficam te falando: se você não tiver um professor conhecido no programa, nem tenta; desiste, você nem é daqui da cidade, vai receber um não de cara” ; até mesmo um “vixi, vai continuar estudando para professora?”. Não liguei para o senso comum, entrei para concorrer a vaga na área da sociolinguística, passei e fui. Foi um percurso tranquilo no qual tive como orientadora a professora Dra. Cristiane Schmidt, que me acolheu e direcionou a minha produtividade numa trajetória calma e intensa. Exatamente nessa dualidade. No fim do primeiro ano do mestrado, engravidei. Tive alguns percalços antes dessa gravidez que resultou no nascimento da minha caçula, não entrarei 138 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência em detalhes, mas gostaria de ressaltar que nessa altura da caminhada, eu tinha dois sonhos: concluir a minha dissertação e ser mãe novamente. Realizei os dois sonhos. Qualifiquei a minha dissertação no dia 05/07/2022 e no dia 05/08/2022 a Maria Clara nasceu. Não peguei licença maternidade, a minha gravidez me motivou ainda mais a continuar com os projetos em andamento. Eu fui bolsista da Capes o que me ajudou muito com todo esse percurso de pesquisa. Realizar a pesquisa sociolinguista em sala de aula, coletando dados, transcrevendo, discutindo teorias, planejando os próximos passos, os encontros online com a orientadora, tudo isso me deixou mais interessada e disposta a ir além dos meus limites. Muito se discute sobre os problemas enfrentados pelos professores, que não são poucos, mas eu, Yara, prefiro pensar na diferença que o meu conhecimento pode fazer na vida de alguém. De alguém que assim como eu, esperava o melhor, sem saber por qual caminho ir atrás do ‘melhor’. Eu não segui a linha do tempo que a sociedade impõe aos jovens, de sair da escola, ir direto para a faculdade e trabalhar na profissão... Hoje eu percebo que o tempo foi generoso comigo. Não sei quando retornarei para a sala de aula, mas até lá, continuarei estudando, me qualificando para que quando chegue o momento, eu não desaponte os meus alunos. Quando alguém me pergunta: ‘Yara, de onde você é?’ Eu particularmente não sei o que responder. Por morar em tantos lugares, acabo que não me sinto pertencente a um único lugar, tanto que respondo: ‘você quer saber onde eu nasci?’, e começo a descrever a minha trajetória. Sou da terra do teréré mas amo o chimarrão; (detalhe que nunca fui no Rio Grande do Sul); Atualmente tenho 29 anos e já me sinto velha; A minha irmã caçula – por parte de pai, é mais nova que a minha filha; (Marcela tem 8 anos e a minha primogênita 9); Meus pais se separaram quando eu tinha 18 anos e ambos seguiram as suas vidas; (Meu pai foi o que sempre me ajudou financeiramente, enquanto a minha mãe me ajudava com a Júlia); 139 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Depois que terminei a graduação, me vi correndo contra o tempo. Não consigo me ver parada, tanto que enquanto terminava a pós, trabalhava e durante o mestrado, no momento, sai do serviço (dava aula de inglês no ensino privado) para poder me dedicar na minha pesquisa; (Eu sempre começo algo pensando já no próximo alvo); E uma filosofia que levo comigo desde que me situei no mundo é a seguinte: Eu, Yara, não faço com os outros o que eu não gostaria que fizessem comigo. Assim como eu não me vejo no mesmo lugar para o futuro. Quero evoluir sempre como ser humano, mãe, esposa, mulher e acadêmica. No começo deste memorial, eu estava no começo do mestrado. Hoje, com a dissertação defendida, encontrome no doutorado e sigo com a mesma orientadora, muita coisa se passou. Graças a Deus que foram somente coisas boas. Um conselho que deixo para você que estiver lendo o meu memorial: as oportunidades acabam somente quando morremos, por isso, não pare. Continue sempre seguindo em frente! É isso. Espero que tenham curtido conhecer uma parte da minha história, e daqui para a frente novos capítulos serão escritos. Uma tese está em desenvolvimento, uma bebê em fase de crescimento e a minha pré-adolescente segue na incessante busca de respostas para todos os seus anseios. Aqui tem uma mãe, mulher, filha, esposa e estudante, que segue sempre buscando o melhor mesmo que para isso, escolhas difíceis precisem ser tomadas. Avante! 140 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 12 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO Tânia Maria Sanábria Carvalho Tolotti (UNEMAT) Nasci em uma pequena cidade chamada São Luz Gonzaga – RS, sendo esta da região das missões, a noroeste do estado do Rio Grande do Sul. As regiões jesuíticas se desenvolveram por largo território que atingiu a Argentina, Paraguai e Brasil, criando uma florescente civilização de construtores, escultores, entalhadores, pintores, músicos e outros artesãos, os quais deixaram marcas que se perduram nas ruinas da denominada República Guarani. Atualmente São Luiz Gonzaga é conhecida como capital estadual da música missioneira e capital gaúcha do arroz carreteiro. Minha mãe, Dona Leontina Sanábria Neder, tem descendência espanhola, meu tataravô é espanhol e meu bisavô era uruguaio e veio para o Brasil com 14 anos. Meu pai, Santilho Carvalho Neder, tem descendência Síria, filho de comerciante, meu avô Elias Atála Neder, veio para o Brasil ainda jovem. Quando eu nasci, meu pai estava no exército. Na formação conjugal era o 2º casamento de minha mãe, que por decorrência da vida era viúva e com 05 filhos. No dia do meu nascimento, era uma tarde de 1964, em plena revolução, onde o Brasil vivia um dos piores conflitos entre grupos políticos de direita e extrema esquerda. Morávamos a 200 metros do exército e, segundo minha mãe, havia canhões por todo lado. Foi um período governado pelos militares, a chamada ditadura que perdurou 21 anos da história do país. Passaram-se alguns anos e meu pai, em decorrência da vida militar, foi transferido para o então estado Mato Grosso, que no período ainda não havia sido dividido territorialmente em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, numa cidadezinha chamada Três Lagoas, fronteira com São Paulo. Lá tive meu encontro pela primeira vez com a escrita. Estudei numa escola de freiras, fiz o jardim da Infância. Tinha 04 anos e meu irmão 03. A única coisa que me lembro 141 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência dessa época, foi que um dia meu pai ficou de serviço e não foi nos buscar na escola, meu irmão chorava muito e a professora que nos levou para casa. Não muito tempo depois mudamos de escola, pois mudamos para a vila Militar da cidade e lá na localidade havia uma pequena escola para os moradores. Comecei a conhecer as primeiras letras e a querida cartilha “Caminho Suave”, adorava ir à escola e morar na Vila Militar era muito divertido, adorava meus vizinhos e os demais moradores. Tínhamos uma vizinha, que se chamava Maria, porém todos a chamavam dona Maria. Ela era uma grande contadora de histórias, dos mais diversos tipos. Costumávamos, eu e as criançadas da Vila, nos reunir ao redor da cadeira de balanço de Dona Maria para ouvir suas contações de histórias. Ela era uma verdadeira artista. Fazia caras e bocas, parecia até que entravamos nas histórias. Para encerrar a sessão, ela costumava contar histórias de assombração, nossa a gente tremia de tanto medo e quando ela terminava nos dizia: “ - agora, cada macaco no seu galho e corre senão a mula sem cabeça vai pegar vocês”. Meu Deus, corríamos com o coração saindo pela boca de tanto medo, nossa era tão bom!!! Dona Maria foi para mim uma grande influenciadora para gostar tanto do folclore brasileiro. Passaram –se uns 02 anos e meu pai foi transferido novamente, desta vez para Campo Grande MS. Fui matriculada novamente em uma escola de Freiras, chamada Escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Escola muito rígida, ensino puxado. Fiz até o 1º semestre do 4º ano primário. Nessa escola havia interclasses de conhecimentos gerais de história, geografia, ciências, português, matemática. Tudo organizado com palco e microfone. Adorava essas gincanas! Depois, minha família mudouse para uma chácara. Em um outro bairro e fui estudar numa escola pública. Fiz a 4ª e 5ª série. Com todas estas idas e vindas do meu pai, mudávamos muito de um lugar para outro, de uma cidade para outra, e com este vai e vem não tenho na memória o nome de meus professores. Posteriormente meu pai foi novamente transferido, dessa vez para CUIABÁ, era o ano de 1979, tinha 14 anos e já estava atrasada na escola, porém nunca reprovei!!!! Minha família, meus irmãos e eu não 142 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência gostávamos muito dessas mudanças, pois sempre acabávamos deixando para trás, amigos, vizinhos e pessoas bem quistas! Logo mudamos para uma vila do outro lado da cidade perto do exército onde meu pai trabalhava (9º Batalhão de Engenharia e Construções). Nesse novo bairro, fui estudar numa escola pública, próximo a minha casa fiz a 5ª e 6ª série. Lembro que tinhas várias matérias que hoje não existem mais no ensino regular, tais como práticas do lar, horta, pintura, artesanato. Tinha os desfiles de 07 de setembro, as festas da escola (primavera, festa junina) fiz muitas amizades e lá conheci uma amiga, Mara que até hoje preservamos a amizade. Mas o tempo na escola só durou 01 anos e meu pai conseguiu uma casa na Vila Militar da Cidade, em um outro extremo. Lá moramos até eu concluir o 8º ano do ensino fundamental, numa escola pública próxima de casa. Em 1984 meu pai resolveu que queria voltar novamente para o Rio Grande do Sul. Chegando lá, fui matriculada numa Escola Pública de Ensino Médio. Nossa, não me acostumei, nem com a escola, nem com os alunos. Me sentia fora da casinha. Então, pela primeira vez, desisti de estudar! Meus colegas eram mais jovens que eu, os estudos eram mais fortes, tinha até laboratório na escola, fiquei deslocada, longe dos meus colegas, enfim, cheguei em casa e falei para meu pai que queria trabalhar!!! E realmente, só trabalhei, por 05 anos. Fiquei noiva e dançava num Grupo de Danças Folclóricas, adorava estar num grupo folclórico. Passados 05 anos que estávamos no Sul, meu pai nos comunicou que estava prestes a se aposentar e que para a carreira dele seria melhor fazer um curso para oficial e se aposentar numa região de fronteira no Mato Grosso. Quando chegamos em Cuiabá de volta, meu noivo veio junto. Logo fizemos amizades e nos convidaram para ir ao Centro Mato-grossense de Tradições Gaúcha - CMTG Bento Gonçalves. Pelo nosso estilo, chamamos muito a atenção e logo fomos convidados para dar aulas de dança e formar grupos folclóricos no CMTG. Os Grupos foram criados, fizeram sucesso, nos casamos no Centro de tradições e nossa “fama” se espalhou pelo estado. Recebemos várias propostas para trabalhar em CMTG´S e acabamos por vir para Cáceres. Aqui, meu então marido, dava aulas de danças 143 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência no CMTG e trabalhava como locutor da rádio Difusora, com um “ Programa Gaúcho”, eu trabalhava em um consultório médico. No CMTG, conheci um amigo, que era semianalfabeto, porém de grandes posses. Foi convidado para ser “Patrão”, nome designado ao presidente da entidade. No dia da sua posse, ele recebeu de um amigo o seu discurso escrito, no entanto, o nervosismo e a pouca leitura dificultou o mesmo em fazer o discurso. Este meu amigo, depois da festa nos relatou que nunca mais iria passar vergonha por conta da pouca leitura. Passado a festa, ele procurou uma escola de jovens e adultos e acabou levando um monte de amigos juntos. Foram eu, meu esposo, a esposa dele, a cunhada, entre outros. Então meu retorno a sala de aula se deu em 1992, eu iria completar 28 anos. Fiz o Ensino médio em menos de 02 anos, tive excelentes professores e até hoje consigo me lembrar o nome de alguns deles. Meus professores do passado, não lembro o nome de nenhum, alguns foram bem significativos, mas passei tão pouco tempo com eles, e a troca constante de escola não me deixou ter apego por nenhum. Quando terminei o Ensino Médio, procurei a UNEMAT para fazer inscrição no vestibular. Minha 1ª opção seria Direito, minha família toda optou pelo direito, mas como eu trabalhava há época, escolhi Letras, porque era o único reconhecido pelo MEC, era noturno e porque achava que iria aprender português e a gramática. No curso de Letras, confesso que os 04 primeiros semestres quase me fizeram desistir. Achava as aulas de diacronia, filosofia, didática, inglês instrumental, cansativas. O inglês instrumental era no laboratório e sempre acontecia alguma coisa para não termos a aula no local. Durante o período de graduação, concomitantemente eu participava do Grupo de danças Chalana, que me completava como pessoa, artista e dançarina. Nos semestres seguintes já comecei a me identificar com as aulas, amei a professora Olga Castrillon com as literaturas InfantoJuvenil; depois a professora Elizabeth Baptista com as Literaturas brasileiras; o professor Bento Mathias com suas aulas diferenciadas em forma de teatro. Lembro-me uma vez que fiz a uma peça, 144 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência baseado nos Saltimbancos, para explicar a próclise, mesóclise e ênclise. Letra da música: “Os saltimbancos, história de uma gata”. Entrei vestida de gata, com rabo, orelha e tudo, foi um sucesso!!! - “ Me alimentaram, Me acariciaram, Me aliciaram, Me acostumaram”... Em 1996 viajei para a Inglaterra com o Grupo Chalana, minha primeira viagem internacional. Eu sempre levei a arte e a cultura para dentro da UNEMAT. Tudo que era evento, estávamos lá, eu e o Chalana. Quando fomos convidados para ir para Inglaterra o Professor Valdir Silva, professor de Inglês Instrumental no curso de letras, também era o vocalista do Chalana e nosso tradutor de inglês durante a turnê. Ficamos 15 dias na Inglaterra, no mês de julho. Em outubro do mesmo ano fomos para Colômbia. Como eu era uma boa aluna, sempre estava dentro da média. Em 1997, estava no 6º semestre fui para o México, no 7º semestre de 1998 fui para Itália com o Grupo, fiquei 54 dias, estava escrevendo minha monografia, Olga Castrillon era minha orientadora. Defini o tema e comecei a escrevê-lo antes de sair para a viagem. Durante a turnê, escrevia nas horas de folga. Quando retornei entreguei para professora, o trabalho quase concluído. Ela leu, fez algumas correções e eu após corrigi-las mandei datilografar. O tema era “ O Siriri Mato-grossense”. Falei para a professora que gostaria de apresentar o siriri (dança) no final da minha apresentação oral. No 8º semestre, já nos últimos dias de aula, a professora Betinha (Elizabeth Baptista), convidou as alunas da turma (éramos 14, de 44 que iniciaram o curso), para fazer o concurso da Prefeitura de Cáceres, pois havia acabado de sair o Edital para professor. Ficamos temerosas, pois estávamos saindo da graduação, mas fui aprovada e assumi o concurso em 1999. Como professora, fui trabalhar na E.M Raquel Ramão da Silva, com alunos do 6º aos 9º anos. Logo fiz projetos voltados a leitura. Trabalhava com seminários de livros de literatura universal e brasileira para adolescentes. Consegui vários livros para escola através de projetos e doações, facilitando aos alunos o acesso aos livros que muitos deles acabavam por levarem emprestados para casa e depois discutíamos os livros através de seminários. Depois as 145 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência melhores estórias eles escreviam um roteiro e dramatizavam para a escola inteira, numa apresentação dentro do Projeto Dramatização e poesia. Como era um projeto para escola inteira, as professoras das séries iniciais, trabalhavam a poesia. Era um projeto que os alunos amavam! No encerramento dos projetos, sempre levava o Grupo Chalana para incentivar os alunos a conhecer a cultura e aprender a gostar e respeitar. Em 2003, mês de julho fui para Polônia e Hungria representar o Brasil nesses dois festivais de folclore. Quando retornei, os alunos ficaram bastante motivados com meu trabalho com a dança e com os projetos de leitura e teatro. Em dezembro do mesmo ano, teve eleição para diretor da escola, e fui convidada pelos colegas a me candidatar. Aceitei e fui eleita pela comunidade. Tive que sair das salas de aula, mas não parei com os Projetos, e sempre participava das formações continuadas oferecidas pela Prefeitura e outros órgãos. Naquela época, quanto mais cursos, mais pontos na escola. Foi num desses cursos que conheci o Programa PROLER – Programa Nacional de Incentivo à Leitura. Minha gestão como diretora, 2003/2004, pode-se dizer que foi tranquila, nada de excepcional em relação as escolas públicas municipais. O diferencial que criei 02 grupos de danças folclóricas na escola: um infantil e juvenil. As crianças começaram a ser chamadas por toda a cidade, inclusive cidades vizinhas para se apresentarem. Em 2005 fui convidada para trabalhar na equipe pedagógica, na Secretaria Municipal de Educação. Chegando na Secretaria, no cargo de Superintendente de algumas escolas, nas orientações pedagógicas e administrativas. Nessa época reatamos o Programa PROLER, e no ano seguinte, fui indicada como Coordenadora do COMITÊ PROLER de Mato Grosso, com sede em Cáceres. No mesmo ano fui ao Rio de Janeiro, fazer curso e me atualizar em relação ao funcionamento do Programa. Durante minha gestão, como coordenadora do Comitê PROLER Cáceres/MT fiz e realizei vários projetos na área da leitura, sendo autora dos seguintes Projetos: - I Gincana Literária – Dramatização e Poesia/2006; - II Gincana Literária 146 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência – Dramatização e Poesia/ 2007; - III Gincana Literária – Dramatização, Poesia e Dança Folclórica – 2008. Também em 2007, sob minha coordenação, realizamos o 1º encontro do PROLER e o V do estado, cujo tema foi V Encontro Estadual do PROLER: “Quem conta um conto, aumenta o ponto”. As escolas que aderiram ao Programa, inscreveram os alunos e os mesmos recontaram seus contos dramatizando-os para todas as escolas participantes e as demais que foram convidadas a assistir. Houve toda uma mobilização da secretaria para levar os alunos ao Centro Cultural da cidade. Para os professores, houve palestras com vários convidados, cujos temas eram voltados para a leitura e oficinas de danças e teatro. Em dezembro de 2007 participei, como representante estadual do Comitê PROLER/MT no Rio de Janeiro de 04 a 07 de dezembro de 2007 no II Simpósio Latino-Americano de Bibliotecas Públicas, no XIV Encontro Nacional do PROLER, sobre o tema: “BIBLIOTECAS Públicas e Leitura, O livro – do mundo ao Cibermundo, onde ao final do encontro, ficou definido o tema a ser trabalhado pelos comitês estaduais: “ Leitura e as Novas Tecnologias: Como incluir a população brasileira? Retornei para Mato Grosso com mil ideias, e logo coloquei-as no papel. Apresentei para a SME 02 projetos, um do desfile de 07 de setembro “ Desfile de 07 de setembro: Brasil, do “descobrimento” aos dias atuais, onde as escolas desfilaram contando a história do Brasil, desde sua colonização até os dias atuais, e o projeto do encontro do PROLER. O evento aconteceu de 09 a 12 de setembro, de 2008: VI Encontro Estadual do PROLER: “A leitura e a escrita frente às novas tecnologias”. No final daquele ano, de 02 a 04 de dezembro, participei do XII Encontro Nacional do PROLER, na casa da Leitura na Fundação Biblioteca Nacional, onde os 08 estados que realizaram o encontro estadual apresentaram suas experiências exitosas. Estavam presentes no evento, além dos palestrantes, Jane Paiva – PROLER NACIONAL, Ira Maciel, Marisa Lajolo, Eni Orlandi, e para um Papo de Roda pé, FERREIRA GULLAR. Ao final desse encontro Nacional, ganhei vários livros de Machado de Assis, fiquei extremamente feliz. 147 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência No encerramento foi divulgado o tema para o próximo ano “ Literatura na escola”. Retornei para Cáceres e voltamos ao trabalho, preparar o tema a ser discutido nas escolas e o projeto do encontro estadual. Em 2009, eu tinha uma viagem marcada para julho de 2009, juntamente com o Grupo Chalana, iríamos para Bulgária representar o Brasil num Festival de Folclore, portanto, precisei programar o Encontro do PROLER para abril, um encontro mais modesto, porém não menos importante. O projeto foi por mim elaborado e aprovado pela SME. O evento aconteceu de 22 a 28 de abril de 2009, cujo tema foi: “ Literatura na escola: Produção e Gestos de Produção”. Enquanto isso, na Bulgária, em julho de 2009 o Grupo se apresentava todas as noites, e o público votava numa urna na saída do Festival, os Melhores da Noite, e ao final do Festival iriam divulgar os melhores do Festival. O Grupo Chalana ficou em 1º lugar, em 2º a Argentina e em 3º o México. No final de 2009, fiquei doente e de atestado médico por um período de 03 meses. Nesse meio tempo em que fiquei fora, assumiu um novo Secretário, o Professor Dimas da UNEMAT, que achou por bem levar o Programa PROLER para dentro da UNEMAT. Quando retornei para Secretaria, não tinha mais o Programa o novo secretário havia formado sua equipe de trabalho e eu deveria retornar para a escola. Porém, um dia antes de retornar para a escola, fui chamada à Secretaria e recebi o convite de assumir a Coordenação da Assistência Social CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). O CREAS é um órgão público onde são oferecidos serviços com o objetivo de acolher, orientar, e acompanhar famílias e indivíduos em situação de violação de direitos, fortalecendo e reconstruindo os vínculos familiares e comunitários. Como eu já havia sido Conselheira Tutelar, conhecia um pouco do ECA – Estatuto dos Direitos da Criança e Adolescente. Fique na Assistência Social por 02 anos e, posteriormente, retornei à direção de uma escola. Como diretora, desenvolvi vários projetos de leitura, dança, xadrez (também ensinei xadrez em várias escolas) e em 2017 nos 148 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência convidaram para participar de um Projeto de teatro do FETRAN que era de prevenção a acidentes de trânsito. Seria uma disputa primeiramente por região, depois estadual e finalmente nacional. Convidei os meus alunos do Grupo de Dança da escola (Chalaninha), chamamos um Professor de renome na área de teatro, que veio de Cuiabá, recebeu para isso, e nos passou todas as técnicas que ele sabia. Treinou nossos alunos e fizemos finalmente a inscrição da escola e dos alunos. Inscrevemos 02 grupos. Um mirim e um juvenil. Depois que o professor foi embora, começamos a trabalhar com a nossa própria técnica, corporal, facial, que tínhamos da dança. Adaptamos 02 textos “ Os saltimbancos” para as crianças, e um texto de Dante Alighieri – A divina Comedia, para o juvenil. Na regional, competimos em Várzea Grande com 08 escolas, entre elas a Colégio FATO Educacional (particular), onde o professor de teatro era o coordenador do grupo deles. Em 2018, retornei novamente para SME- Secretaria Municipal de Educação, nova gestão na escola, nova gestão na SME. Retornei com 02 convites, um para trabalhar com o pedagógico e o outro para trabalhar com administrativo. Aceitei o administrativo, pois para mim seria um novo desafio. Em 2018 também fui para a Coreia do Sul com o Grupo Chalana, participamos de um concurso de dança e ficamos em 3º lugar, competindo com Coreia, Japão, Espanha, África, México, etc. Em 2019, parecia que seria um ano calmo, estávamos ainda usufruindo do sucesso da Coréia e fazendo planos para o futuro, tanto na Educação, quanto na cultura, enfim, o ano transcorreu sem maiores expectativas. Durante o ano de 2020, até o mês de maio, tudo ficou parado. Só medo e insegurança! A partir de agosto, teve início as aulas escolares. O trabalho remoto, reformulação de calendário e matriz curricular. Trabalho dobrado para a administração escolar. Em meio a tanta insegurança, O Grupo Chalana, foi convidado a participar de uma live para ajudar a arrecadar alimentos para a UNEMAT ajudar alguns funcionários e professores que ficaram sem contrato. Depois disso, tudo voltou ao chamado “novo normal”, 149 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência novas descobertas, novas maneiras de trabalhar, distanciamento, máscaras, medos, perdas de entes queridos, todo mundo com medo de todo mundo, um verdadeiro filme de terror da vida real. Em outubro saíram vários editais para mestrado, surgiu a oportunidade pela qual sempre sonhei. Sempre tive muita vontade de fazer mestrado, porém a insegurança me impediu de tentar. Inicialmente pensei em me dedicar em Literatura, porém só tinha na cidade de Tangará da Serra - MT, município vizinho, de forma presencial, e o trabalho me impossibilitava. Finalmente me vi realizando meu sonho quando saiu o edital de mestrado para Linguística. Eu poderia tentar encaixar o meu amor pela dança folclórica com uma proposta de mestrado voltado para a dança. Fiquei muito ansiosa para ler o edital, porque vislumbrava aproveitar esta oportunidade. Li o Edital várias vezes e troquei ideias com meu filho e amigos. Queria fazer o mestrado, mas com um tema que eu tivesse afinidade e somasse para o bem comum social. E veio a minha mente “ O preconceito Linguístico nas toadas do cururu” pois sempre ouvia as pessoas criticarem de forma negativa as apresentações desses grupos de cururueiros. Ao sair o Edital, preparei os 04 temas a serem abordados, dando maior apresso ao preconceito linguístico. Depois de alguns dias saiu o resultado e eu nem acreditei, meu nome estava lá, passei!!!! Custei a acreditar que eu tinha conseguido e fiquei muito, muito feliz! Finalmente as aulas começaram, de forma remota, estranhei inicialmente, mas aos poucos fui me acostumando. Tive professores maravilhosos e colegas bem companheiros. Tive dificuldades sim, tanto com as matérias, quanto com o trabalho, pois não consegui dispensa para estudo e estou tendo que conciliar. Mas graças a Deus e a ajuda das colegas, a compreensão dos professores e da minha orientadora professora Cristiane, consegui terminar todos os créditos com conceito “A” em todas as matérias, isso para mim foi incrível! Em 2022, o ano começou e sei que será um ano bastante apertado, trabalho, dissertação por escrever, mas acredito que tudo dará muito certo. Muitos sonhos, objetivos, com focos ainda a serem alcançados, e um deles é dar continuidade aos estudos. E que venha 150 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência o doutorado! “Posso ainda não ter chegado onde eu queria, mas estou mais perto do que ontem”. – Alexsandra Zulpo. 151 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 13 MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO Flaviane Leite da Silva Cassia (UNEMAT) “Me movo como educador, porque, primeiro, me movo como gente”. ( Paulo Freire) A oportunidade de apresentar minha trajetória acadêmica em um memorial permitiu-me uma reflexão sobre todas as atividades realizadas nas áreas profissional, acadêmica e pessoal. Nascida em 02 de outubro de 1977, atualmente tenho 44 anos, meu primeiro contato com a escola foi muito prematuro para a época, aos 04 anos de idade, filha de uma típica dona de casa e um servidor público, único provedor da família, com 5 irmãos maiores que eu , sempre fomos incentivados e apoiados a estudar, pois somente através da educação poderíamos ter uma condição de vida melhor, não poderia esquecer dessa fase tão marcante em minha vida , pois todos já estavam frequentando o ensino fundamental, eu na companhia integral de uma das minhas irmãs Filinda Leite, queria estudar também , para não ficar longe da sua companhia, desse modo, sabiamente minha mãe realizou minha primeira matrícula escolar, tendo início em uma escola Municipal "Buscando Saber"- PROSOL, no município Cáceres-MT, assim sendo, comecei a socialização escolar, logo , através do lúdico , me reconhecer como pessoa, pertencente não apenas a família, mas integrante de uma sociedade que está em constante movimento. Nessa época vivendo minha doce infância, a memória ainda se mistura ao sentimento de gratidão, as metodologias utilizadas pela primeira professora, a inesquecível Jo, todos a chamavam assim, na inocência de criança a chamava carinhosamente de tia Jo, a socialização era feita através de danças, que estruturavam a coordenação motora, fazíamos vários trabalhos manuais , com papel 152 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência crepom e cola, era uma alegria , qual vejo até hoje o ambiente escolar, como alegre e divertido, se fechar os olhos sinto o sabor e o cheiro bom ,do leite que nos era oferecido nos intervalos, onde todos nos reuníamos no refeitório, em fila indiana, minha turminha era a primeira a se servir, era um momento onde me sentia , mais que especial. Entre 06 a 07 anos de idade, fui para a tão sonhada primeira série, onde fui para Escola Estadual " Onze de Março", no mesmo município, em que meus outros 05 irmãos frequentavam, me sentia muito feliz, percebi que seria uma nova fase, cheguei fazendo pequenas leituras, já conseguia escrever meu nome, a sensação era extraordinária. Tive uma relação muito boa, com a professora Maria Albina, ela era rígida, a disciplina e organização era o essencial, nos intervalos eu não me ausentava muito longe, a escola tinha um espaço amplo, sempre ficava próxima, para não ser retificada caso houvesse atrasos, pois isso era comum com alguns colegas, nos primeiros contatos com a as disciplinas, minhas habilidades com a linguagem foram reconhecidas, pois os números me deixavam. Me despedia do ensino fundamental na mesma escola. No ensino médio, comecei a 1ª série na Escola Estadual Milton Marques Curvo, no mesmo município, devido a questões pessoais e particulares, conclui o ensino médio, na Escola Vale do Guaporé, no município de Pontes e Lacerda. Essa nova fase , no ano de 1.999 após a conclusão do Ensino Médio, realizei o primeiro concurso público , incentivada pelos familiares que acreditavam em meu potencial, fui aprovada para concurso da SEDUC- Secretaria Educação e Cultura do Estado de Mato Grosso, qual desempenho até os dias atuais a função de Técnica Administrativa Educacional-TAE, no ano 2000, nos foi ofertado o curso profissionalizante, “Arara Azul” , durante 2 anos, nos capacitando para melhor desenvolver a função, oportunizando- nos ser profissionalizados na área de gestão escolar. Pretendia continuar os estudos, a qual no mesmo ano de 2000/01 prestei o vestibular para ingresso na tão sonhada Graduação em Letras, pela Universidade Estadual de Mato Grosso-UNEMAT, Campus- Pontes e Lacerda, a minha aprovação foi um grande 153 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência presente, pois concorri com muitos candidatos, para minha sorte, o único curso a ser ofertado a nível de graduação no município. Estava realizando um sonho, pois sempre disse que seria professora de Português, ingressar-me em uma Universidade pública, fazer o curso que sempre idealizei realmente era um privilégio, mas a nossa vida nos desafia a todo instante, se apaixonar pelo professor é muito comum na adolescência, estaria no final dela, é normal se sentir atraída por uma pessoa inteligente e que inspira confiança, vive a experiência , a consequência traumática foi inevitável, quando ocorreu a primeira separação, entre eu e meu companheiro, éramos jovens e despreparados, emocionalmente e intelectualmente, me apaixonei por um professor no início da minha graduação, o relacionamento não foi bem sucedido, logo , meu ex companheiro, me procurou novamente e reatamos nosso casamento, tudo muito rápido e impensado , na ânsia de fazer dar certo, veio a terceira gravidez, solicitei a transferência para o Munícipio de Cáceres-MT, ficamos um ano ainda , insistindo em algo que já tinha acabado, porém nos tornamos pais , maduros e responsáveis. Com a conclusão do curso de Letras no ano de 2005 no campus de Cáceres mesmo com o final do casamento, a nossa prioridade era a educação e formação dos nossos filhos, desenvolvemos o papel de pais, cada um em sua vida particular, com novas famílias constituídas. No seguinte ano em 2006, meu sonho em continuar os estudos, eram latentes, porém com filhos pequenos e tão carentes do seio materno, (literalmente), era inviável. Nesse período, realizei uma especialização em Gestão Escolar, ofertado pelo curso de pedagogia, na mesma Universidade - UNEMAT- Campus Cáceres-MT, a realidade em fazer o mestrado, se tornou cada vez mais longínqua, porém muito presente em meu coração. Para marcar essa fase em minha vida o destino me reservou surpreendentes acontecimentos, me levou a percorrer novos caminhos , no mesmo ano conheci o meu esposo, um homem do campo, simples ,sem conhecimento literário , tão pouco intelectual, de poucas palavras e grandes atitudes, propôs dividir a vida ao meu lado, me pedindo em casamento, deixando a tão comunicativa , professora, servidora pública, mãe, estudante por 154 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência natureza, a que ama linguagem , absurdamente sem palavras, apenas um sim, desconfiado e curioso, para desvendar, o que aconteceria nesse novo mundo tão diferente do qual pertenceria. A mudança para o campo, ocorreu no ano de 2007, das cidades Cáceres-MT, para São José dos Quatro Marcos-MT, transformações aconteceram em minha vida profissional e pessoal, foi a raiz de tudo que vivo atualmente, como profissional da educação em uma escola campesina, moradora de Comunidade Rural, meus filhos viveram na simplicidade do campo, foram alunos de escolas Municipal e Estadual campesinas, após a conclusão do Ensino Fundamental, retornaram para cidade onde concluíram com êxito a Graduação, exercendo com responsabilidade e amor , as profissões tal qual foram preparados. O intuito em fazer o mestrado, ficou evidente e necessário, precisava está em movimento, soar voz a uma população que sofreu e sofre tantas dificuldades, em especial ao relacionado aos direitos a obterem educação de qualidade, sempre acreditei que se educava com exemplos, foi através da educação que me reconheci e reconheço-me como uma pessoa que faz parte de uma sociedade somente através dela que podemos mudar nossa forma de pensar e consequentemente agir. Meus interesses sempre foram definidos envoltos a linguagem, língua e comunicação no ano de 2012 fiz seletivo para o Mestrado em Literatura, pela Universidade Estadual de Mato Grosso- UNEMATCampus Tangará da Serra, não consegui meu ingresso, acreditava que precisava fazer novas leituras, ter novas experiências, me candidatei no ano de 2015 para o Mestrado – Ensino de Linguagem e seus códigos – parceria entre o Instituto Federal de Mato GrossoIFMT e a Universidade de Cuiabá –UNIC, mais uma vez obtendo muita experiência , porém precisa melhorar , não estava pronta, logo veio a resposta , não obtive notas o suficiente para a aprovação, obvio que no começo ficamos decepcionados conosco, uma sensação de fragilidade e incapacidade, mas descobrimos o que realmente nos move, e que não nos deixa desistir. Foram tentativas difíceis, porém muito relevantes ao meu crescimento acadêmico, percebi o quanto tinha e tenho a aprender. 155 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência A obstinação em ingressar ao Programa de Pós Graduação, mais uma tentativa aconteceu , decidida em cursar o tão sonhado e famoso, diga-se de passagem , um tanto famigerado Mestrado, preparei-me e assim , no ano de 2017 lá estava eu, ansiosa, e ao mesmo tempo esperançosa realizando , um novo seletivo, desta vez pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Linguística, nova negativa, nada me desanimou, na busca pelo conhecimento e me sentir parte de uma comunidade que trabalha, produz e enriquece tanto uma classe que na maioria das vezes são tão desmotivados e desvalorizados por uma sociedade carente de conhecimento. Ao deparar-me com tantas dificuldades, me pergunto; por que não desistir? Até dias atuais me questiono; no ano de 2018 me inscrevi como aluna especial em duas disciplinas do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Linguística nas disciplinas “Línguas indígenas” e “Sociolinguística” sendo aceita, na disciplina Sociolinguística, ministrada pela professora Cristiane, quando começou a decisão da linha de pesquisa, que iria colaborar com meu crescimento intelectual - a Sociolinguística – ao conhecer uma nova forma de comunicação, que evolui paralelamente ao indivíduo. Compreendendo que a língua é pensada como sendo heterogênea, e, por isso, está em constantes mudanças, transformando-se, variandose, adequando-se, como tal minha vida percorreu, entre variações e mudanças, lá estava eu, no ambiente que agrega, o contexto acadêmico, enfim uma perspectiva positiva e motivadora. Como a função que desenvolvo é no setor administrativo, fiz minha carga horária profissional dobrada, para que pudesse me ausentar as semanas que estaria ausente, porém com muito esforço e dedicação, consegui chegar ao objetivo, concluindo com êxito, a atividades propostas na disciplina, no ano seguinte, por motivos pessoais e altamente aceitáveis, não me inscrevi ao seletivo como aluna regular. A elaboração deste Memorial me deu oportunidade de voltar a olhar para trás no tempo e perceber claramente quantas pessoas foram importantes nessa minha caminhada, em novembro de 2020, fiz novamente o seletivo para o ingresso, ao curso de Pós-Graduação em Linguística, pela UNEMAT, me sentia confiante, pois as leituras 156 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência de autores como Bagno e Calvet, entre outros, contribuíram muito para realização do seletivo, a vivência no meio acadêmico , proporcionou-me uma vivência singular , sou grata aos professores que demostraram com total paciência o interesse em colaborar com meus estudos, gratidão especial ao meu esposo, companheiro que embarcou nesse sonho, sem ao menos entender o real sentido, à professora Cristiane Schmidt, que ao olhar para minha história, percebeu que poderíamos desenvolver um trabalho sério e perspicaz, valorizando assim a cultura camponesa e proporcionando ao indivíduo rural, a possibilidade de contribuir, afirmando valores e princípios tão específicos e próprios do trabalhar, do estudar e do viver no campo. Atualmente desenvolvo a função como TAE (Técnica Administrativa Educacional- Biblioteca Integradora) na Escola Estadual Santa Rosa, município São José dos Quatro Marcos-MT, mestranda em Linguística, linha da pesquisa Estudo de Processos de Variação e Mudança proponho investigar o preconceito que ocorre na variação do falar camponês, com alunos do campo, e como acontece, especificamente na escola Santa Rosa, um ambiente escolar que recebe alunos de 2 grandes assentamentos Florestan Fernandes e Chico Mendes, entre outras comunidades menores, o quadro docente é formado por professores residentes no perímetro urbano do município. Procuro observar, descrever e avaliar como se dá essa relação da linguagem entre professor/ família e alunos na formação contínua da aprendizagem. Quanto às minhas projeções futuras, pretendo continuar desenvolvendo estudos relacionados a linguagem/comunicação que corroboram com amadurecimento intelectual e acadêmico, contribuindo para formação dos profissionais da educação que atuam em escolas do campo, de forma tão comprometida e valorosa. E você? Se permite a realizar sonhos? De que maneira? 157 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Capítulo 14 ENTREVISTA Como é a Formação Docente na Alemanha? A experiência na universidade de Leipzig INTERVIEW Wie ist die Lehrerausbildung in Deutschland? Die Erfahrungen an der Universität Leipzig Katja Lieber (Universität Leipzig -Deutschland) Doktorin Katja Lieber ist seit 09/2013 an der Professur Allgemeine Pädagogik und Erziehungswissenschaft an der Universität Leipizig -Deutschland.1 Ausbildung: - 2018: Doktorat ‚Kinderleben in der Welt des Leistungssports‘ im Bereich Pädagogik -2002: Studium der Erziehungswissenschaften im Magisterstudiengang mit den Nebenfächern Sportwissenschaft und Psychologie -1997: Studium im Lehramt für Grundschulen mit der Fächerkombination Mathematik/Sport an der Technischen Universität Chemnitz INTERVIEW: 1. Was hat Sie motiviert, Deutschlehrerin zu werden? 1 Weitere Informationen zum Personenprofil an der Webseite Erziehungswissenschaftliche Fakultät - Universität Leipizig. Erreichbar: https://www.erzwiss.uni-leipzig.de/personenprofil/mitarbeiter/katja-lieber. 158 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Diese Frage würde ich gern in einer allgemeineren Form beantworten. Beeinflusst durch meine Eltern, die beide selbst Lehrer bzw. Lehrerin waren, hatte ich zeitig in meinem Leben den Wunsch, Lehrerin zu werden. Nicht nur der Arbeitsplatz Schule, sondern auch der Umgang mit Menschen wirkten motivierend. Meine Fähigkeiten probierte ich als erstes an meinem Puppen, indem ich Puppenschule spielte. Im weiteren Verlauf testete ich meine Fähigkeiten, indem ich Mitschüler:innen schulische Inhalte erklärte, die sie nicht verstanden hatten. So kam es letztendlich dazu, dass ich mich dazu entschied, diesen beruflichen Weg einzuschlagen. 2. Wie funktionieren das Fremdsprachen-Lehren im deutschen Bildungssystem? Fremdsprachen zu lehren im deutschen Bildungssystem erfolgt hauptsächlich im Rahmen von Unterricht. Ein Teil auch im Rahmen von Ganztagsangeboten bzw. von Arbeitsgemeinschaften, die oft nachmittags an den Schulen angeboten werden. Desweiteren können Fremdsprachen außerhalb von Schule an sogenannten freien Bildungsträgern2 oder an sogenannten Volkshochschulen erlernt werden. An den Schulen lernen die Schüler:innen im Rahmen von Unterricht eine erste Fremdsprache, was meist Englisch oder auch Französisch ist. Am Gymnasium ist eine zweite Fremdsprache Pflicht. Oft werden dafür dann zusätzlich Latein und Spanisch angeboten. Andere Sprachen sind auch möglich, je nachdem, ob entsprechendes Lehrpersonal vorhanden ist. Um an einer Schule zu unterrichten, ist eine Lehramtsstudium im Bereich der jeweiligen Sprache Voraussetzung. An den freien Trägern bzw. Volkshochschulen ist nicht zwingend ein Lehramtsstudium notwendig, um Sprachen zu unterrichten. Hier wird auch oft auf die Kompetenz und Expertise von 2 Als sogenannte freie Bildungsträger werden außerunterrichtliche Institutionen genannt, bei denen der Staat nicht der Träger ist, sondern bspw. Vereine. 159 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Mutttersprachler:innen zurückgegriffen, die dann an den jeweiligen Institutionen unterrichten. Zudem ist es an diesen Institutionen für die Lernenden möglich, Sprachzertifikate zu erhalten, die auch international anerkannt sind (z.B. Toefl-Test). Im regulären Schulunterricht gibt es das nicht, da werden keine externen Zertifikate vergeben, sondern Schulnoten. 3. Haben Sie schon mit inklusiver Bildung gearbeitet? Direkt mit inklusiver Bildung habe ich sehr wenig gearbeitet, da im Hochschulbereich die Inklusionsquote nicht sehr hoch ist. Ausgehend von einem weiten Inklusionsbegriff, der alle lernrelevanten Differenzlinien mit einbezieht, hatte ich mit Studierenden mit leichten körperlichen Einschränkungen und mit Studierenden mit Migrationshintergrund zu tun. Unterschiede im sozioökonomischen Bereich sind kaum spürbar. Das Studieren in Deutschland, zumindest an den staatlichen Universitäten, ist kostenfrei; lediglich ein Semesterbeitrag muss abgeleistet werden. Zudem können Studierende, deren Eltern ein geringeren Einkommen haben, eine Ausbildungsförderung beantragen, was sich BAföG nennt und für Bundesausbildungsförderungsgesetz (abgekürzt) steht. Dies beinhaltet eine staatliche Förderung die nach Abschluss der Ausbildung bzw. des Studiums meist nur zur Hälfte zurückgezahlt werden muss. 4. Wie kann man als Lehrerin mit diesen Herausforderungen in diesem Bereich umgehen? In erster Linie ist es wichtig Differenzlinien zu akzeptieren und dabei zu akzeptieren, dass jeder anders ist. Dann kann eine Lehrkraft auch zielgerichtet im Unterricht darauf eingehen und die Studierenden da abholen, wo sie stehen. Das bedeutet für mich vor allem binnendifferenziertes Lernen zw. Lehren, was auf die Bedürfnisse der Schüler:innen abgestimmt ist, dass bspw. das Lerntempo darauf abgestimmt ist. 160 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Für Prüfungen gilt dies in ähnlicher Weise. Hier (wir arbeiten bereits damit) lässt sich gut mit Nachteilsausgleichen arbeiten. Das können z.B. längere Bearbeitungszeiten für Klausuren sein oder auch die Benutzung eines Wörterbuches für Schüler:innen / Studierende mit Migrationshintergrund. Gerade für den Bereich Migrationshintergrund halte ich dies für besonders wichtig, da sich für dieses Schüler:innen und Studierende ein besondere Situation ergibt, da Bildungsabschlüsse aus den Herkunftsländern zum größten Teil in Deutschland nicht anerkannt werden. Diesbezüglich sehe ich es als Aufgabe, diese Studierende in das Bildungssystem zu integrieren um ihnen bestmögliche Bildung zukommen zu lassen, um ihnen gute berufliche Startmöglichkeiten zu verschaffen. 5. Wie funktioniert die Lehrerausbildung in Deutschland? Die Lehrer:innenausbildung findet in Deutschland grundsätzlich an Universitäten statt. Da wir in Deutschland eine föderale Struktur haben und Bildung somit Ländersache ist, gestaltet sich auch die Lehrer:innenbildung in den Bundesländern unterschiedlich. Das fängt schon mit der Bezeichnung und damit der Struktur des Studienganges an. In vielen Bundesländern beruht die Lehramtsausbildung auf einem Bachelor- und Masterstudiengang, im Bundesland Sachsen, indem ich arbeite, ist dieser Studiengang einer, der mit einem Staatsexamen abschließt. Zukünftige Studierende, die nach dem Abitur Lehramt studieren möchten, müssen sich an einer Universität bewerben. Dabei gibt es grundsätzlich vier Bereiche der Lehramtsausbildung: Lehramt für Grundschulen (Klasse 1 bis 4), Lehramt für Oberschulen (Sekundarstufe 1 für die Klassen 5 bis 10), Lehramt für Gymnasien (Sekundarstufe 1 und 2 für Klasse 5 bis 12 (auch 13)) und Lehramt für Sonderschulen. Bereits in der Grundschule wird teilweise eine Fremdsprache als Unterricht angeboten (meist Englisch) und kann als Unterrichtsfach in einer Kombination mit einem anderen Fach studiert werden. Ansonsten müssen sich die Studierenden aus dem Fächerkanon zwei 161 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Fächer auswählen, die sie studieren möchten. Diese Fächerkombination können für den Bereich Fremdsprachen zwei Sprachen sein oder eine Sprache und ein anderes Fach. Diese Fächer werden dann je nach Schulform, in der die Studierenden später arbeiten möchten, vier bis fünf Jahre studiert. Eine Staatsexamensprüfung beendet das Studium mit einem Abschluss, dem ersten Staatsexamen. Um eine Lehrbefähigung zu erhalten, benötigt es noch das zweite Staatsexamen. Das dauert zwischen 16 und 21 Monaten; in Sachsen 18 Monate. Während dieser Zeit unterrichten die Studierenden bereits vier Tage in der Woche an Schulen und erhalten einen Tag in der Woche noch theoretischen Unterricht an einer Lehrerausbildungsstätte des Landesamtes für Schule und Bildung (LASuB). 6. Lernt man Fremdsprachen in den Schulen oder sollte man einen Sprachkurs besuchen? Um diese Frage zu beantworten muss gefragt werden, welche Sprache erlernt werden soll. Die Schule bietet im Rahmen von Unterricht durch entsprechend ausgebildete Lehrkräfte beste Voraussetzungen dafür. Allerdings beschränkt sich der schulische Sprachunterricht auf einzelne Sprachen. Häufig sind das (neben Deutsch) die Sprachen Englisch, Französisch, Spanisch, Latein. Weitere Sprachen, wie bspw. Russisch Italienisch oder vietnamesisch, werden mitunter fakultativ angeboten. Für alle weiteren Sprachen müsste eine spezielle (private) Sprachschule besucht oder anderweitige Angebote wahrgenommen werden. Es gibt allerdings eine Besonderheit in den Grenzgebieten. Dort findet teilweise Bilingualer Unterricht in der Sprache des angrenzenden Landes statt. Dies findet man bspw. im Grenzgebiet zu Polen, zu Frankreich oder zu Dänemark. 7. Was kann man als Lehrer/in tun, um ein Vorbild für die nächsten Generationen zu sein? 162 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Tatsächlich Vorbild zu sein. Die Menschen (Schüler:innen) die einen umgeben so nehmen wie sie sind und keine Idealvorstellungen in sie hineininterpretieren. In erster Linie bedeutet das für mich, allen Menschen mit Respekt gegenüber zu begegnen und diese Wert- und Normvorstellung auch weiterzugeben und vor allem auch nach diesen Vorstellungen selbst zu leben und zu lehren. Jede Lehrkraft sollte sich deshalb auch der Verantwortung für die nächste Generation bewusst sein. Ich bin der Meinung, dass jede Lehrkraft ein Stück von sich selbst weitergibt an die Studierenden (Schüler:innen) die man selbst betreut. Dieser Verantwortung sollte man sich stets neu bewusst werden und sein Handeln darauf abstimmen. 8. Welches sind die größten Herausforderungen, die Sie an Ihrer Universität sehen? Für die gesamte Universität ist dies schwer zu sagen. Es studieren derzeit ungefähr 31.000 Studierende in den verschiedensten Fakultäten und Fachbereichen an der Universität Leipzig. Ich bin im Lehramtsstudium tätig. Ich sehe es als meine Herausforderung an, junge Menschen zu bilden und ihnen auch Verantwortungsbewusstsein für ihren späteren Beruf mitzugeben, da sie mit Kindern und Jugendlichen arbeiten. Die jüngere Generation sehe ich als unser höchstes gesellschaftliches Gut an, die somit besonderer Beachtung bedarf. 163 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência SOBRE OS AUTORES Carlos Cernadas Carrera Possui Doutorado em Letras, área de concentração de Estudos Linguísticos, pela Universidade Federal do Pará, Doutorado em Lingüística y sus Aplicaciones pela Universidad de Vigo – Espanha. Possui Mestrado em Lingüística y sus Aplicaciones - Enseanza del Espaol como Lengua Extranjera, pela Universidade de Vigo revalidado pela Universidade Federal do Pará . Licenciado em Letras Português-Espanhol e Graduação em Relaciones Laborales. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Pará, docente tanto do Programa de Pós-Graduação em Letras como da Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas. Colabora como conselheiro editorial e consultor ad-hoc de periódicos como: Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Moara, Abeache, Fórum Linguístico, Intercâmbio, Letras Escreve, Linguagem em Foco, Revista Estudos Linguísticos e Literários e Intertexto. Tem produção científica em periódicos especializados, capítulos de livros e livros publicados, organização de livros e revistas e trabalhos completos em anais de eventos. Cristiane Schmidt (UFMS) Docente Permanente do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Estadual do Mato Grosso/UNEMAT - Unidade Cáceres e orientadora a Nível de Mestrado e Doutorado com pesquisas na área da Sociolinguística Educacional. Pós-Doutorado em Linguística pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul/UEMS (2018). Doutora em Letras, área de concentração em Linguagem e Sociedade pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná/UNIOESTE (2016). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS (2008). Licenciada em Letras Português e Alemão pela Universidade do Vale do Sinos/UNISINOS (1996). Atualmente é Docente Adjunto do Curso de Letras da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/UFMS. Líder do Grupo 164 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência de Pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em Formação-SUPROF do CNPq (FALEM/UFPA). Desenvolve pesquisa sobre Variação Linguística; Livro Didático no Ensino de Língua Materna e Estrangeira; Metodologias do Ensino e Aprendizagem de Línguas. Formação de Professores de Línguas. Bilinguismo. Neide Araujo Castilho Teno (UEMS) Doutora em Educação. Mestre em Linguística. Docente Sênior do Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras) e do Programa de Mestrado Acadêmico em Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Unidades Universitárias de Dourados e Campo Grande-MS. Coordena os seguintes Projetos de Pesquisa “ (Multi) Letramentos e os Gêneros Textuais e ou Discursivos: Contribuições para o Ensino e Aprendizagem de Línguas em Tempos Digitais” e “Narrativas Profissionais: Diálogos Sobre o Agente de Letramento e o Ensino". Colabora no projeto "Apoio à qualificação docente: o Profletras em Mato Grosso do Sul" com recursos da Fundect. ORCID https://orcid.org/0000-0001-5062-9155 E-mail: cteno@uol.com.br Antonio Carlos Santana de Souza (UEMS) Pós Doutor em Linguística PNPD-CAPES (2018/2019) e Pós Doutor em Linguística pela UNEMAT (2016). Doutor em Letras pela UFGRS (2015). Mestrado em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo (2000). Possui graduação - Bacharelado e Licenciatura em Letras (Português/Hebraico e Respectivas Literaturas) pela FFLCH da Universidade de São Paulo (1998). Docente Efetivo e docente Permanente do Programa de Pós-graduação (Mestrado) em Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Docente Permanente do Programa de Pós-graduação (Mestrado/ Doutorado) em Linguística da UNEMAT/Cáceres. Atualmente é pesquisador do GELA do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP Líder do Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguístico e Dialetológicos do CNPq (NUPESD-UEMS) e do Laboratório Sociolinguístico de Línguas NãoIndo-europeias e Multilinguismo do CNPq (LALIMU). É o Editor-chefe 165 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência da Web-Revista SOCIODIALETO desde 2010. Experiência na área de Linguística, com ênfase em Sociolinguística e Dialetologia, atuando principalmente nos seguintes temas: português falado; contatos linguísticos; fonética e fonologia; morfossintaxe; linguística geral e diversidade sócio-cultural. Walkyria Alydia Grahl Passos Magno e Silva (UFPA) Possui graduação em licenciatura em Letras Português e Alemão pela Universidade Federal do Paraná (1976), graduação em licenciatura em Letras Inglês pela Universidade Federal do Pará (1987), mestrado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1980), doutorado em Ciências da Linguagem pela Université Toulouse Jean Jaurès (antiga Toulouse II - le Mirail) (2002) e pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (2014). Atualmente é professora Titular da Universidade Federal do Pará. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Linguística Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: autonomia, estratégias de aprendizagem, estilos de aprendizagem, motivação, aconselhamento em aprendizagem de línguas e ensino e aprendizagem de línguas adicionais no paradigma da complexidade. Atua nos conselhos editoriais dos periódicos Moara, Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Trabalhos em Linguística Aplicada, entre outros. Foi Diretora da Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas (2008-210) e Diretora Geral do Instituto de Letras e Comunicação (2019-2022) da Universidade Federal do Pará. Dörthe Uphoff (USP) Professora de língua alemã e metodologia de ensino no Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo (USP) e doutora em Linguística Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP (2009). Realizou estágio de pósdoutoramento na Universidade de Augsburg, Alemanha (2018). Orienta trabalhos de pesquisa sobre o ensino-aprendizagem de alemão como língua estrangeira/adicional em nível de graduação e pós-graduação. Suas áreas de interesse incluem questões de poder no ensino de línguas, princípios didático-metodológicos, material 166 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência didático, formação de professores, políticas linguísticas e a história do ensino de alemão no Brasil. Participa do grupo de pesquisa Zeitgeist: Língua Alemã em Contextos Universitários, cadastrado no CNPq. Atua como editora-chefe da revista de Estudos Germanísticos Pandaemonium Germanicum desde março de 2018. Em 2020, realizou pesquisa de pós-doutoramento na Universidade de Viena, Áustria, através de uma bolsa CAPES/Print. Ana Sophia Monteiro Barbosa (UFPA) Licenciada em Letras com Habilitação em Língua Alemã pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e tem Especialização em Psicolinguística pela Faculdade Metropolitana do Estado de São Paulo (FAMEESP). Atualmente é professora substitua do Curso de Letras-Alemão da UFPA e atua como professora no projeto de extensão no Curso Livre de Alemão (CLA/UFPA) desde 2016 e integra o grupo ‘Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitos-professores em formação’ (FALEM/UFPA). Leandro Carneiro Oliveira (UFPA) É graduando do curso de Letras-Alemão pela Universidade Federal do Pará. Participou como bolsista de iniciação científica (2000-2022) do Grupo de Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitos-professores em formação’, coordenado pela Prof.ª Dra. Cristiane Schmidt (FALEM/UFPA) e atuou como bolsista na secretaria do Projeto de Extensão ‘Curso Livre de Alemão’ (FALEM/UFPA). Atualmente vem pesquisando o impacto da jornada de trabalho na formação da identidade de professores de língua estrangeira. Ingled Dayanna Goncalves Xavier (UFPA) É graduanda do curso de Letras-Alemão pela Universidade Federal do Pará. Participou como bolsista de iniciação científica (2001-2022) do Grupo de Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitos-professores em formação’, coordenado pela Prof.ª Dra. Cristiane Schmidt. Atuou como tutora individual, no Projeto de Extensão ‘Português Língua Estrangeira para Turmas PEC-G’ (PLE-PEC-G), em 2020. Atualmente 167 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência é participante dos projetos Mobilidade Literária, Coruní, Programa Extensão Português Língua Estrangeira Peple/UFPA, Projeto Chão de Encantaria da UFPA. Também participa como voluntária do Programa Idioma sem Fronteiras (Rede ANDIFES). Yagma Suely Vieira Figueira (UFPA) Possui graduação em Letras-Alemão pela Universidade Federal do Pará (2009), Graduação em Licenciatura em Letras e Artes (2005) e especialização em Ensino-Aprendizagem da Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pará (2008). Participou do Grupo de Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitos-professores em formação’, e do Laboratório de Ensino de Línguas –LAEL da UFPA. Andressa Costa dos Santos (UFPA) Graduada no curso de Letras Língua Inglesa, pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Cursando especialização em Educação Especial Inclusiva, pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI). Participou como professora voluntária coordenadora do Projeto de Extensão ‘Fá Lá English Project’, em 2019. Atuou como tutora individual, no Projeto de Extensão ‘Português Língua Estrangeira para Turmas PEC-G’ (PLE-PEC-G), em 2020. Participou como integrante do grupo de pesquisa ‘Narrativa: memoriais de sujeitos-professores em formação (2021-2022). Atuou como professora no ensino de Português Língua Estrangeira/Adicional, nos projetos ‘MIGRANTE’ (MIGRE), em 2021 e Português Língua Estrangeira da Rede Andifes IsF, em 2022. Atualmente, participa do Programa de Extensão Português Língua Estrangeira (PEPLE), como professora voluntária em formação e pesquisadora. Nilda Eunice Castro Pereira Costa (UFPA) Possui graduação em História (BACH./LIC) pela Universidade Federal do Pará (2001) e Graduação em andamento em Letras – Francês pela Universidade Federal do Pará, UFPA, Brasil.. Tem experiência na área de História, com ênfase em História, Cultura e Etnicidade. Cursando Letras-Francês na Universidade Federal do Pará desde 2020, com 168 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência interesse em Linguística, Literatura, Ensino-aprendizagem Atualmente é bolsista do Projeto de Pesquisa Políticas linguísticas em prol da língua francesa e da divulgação das culturas francófonas: o potencial de Belém. Daniele Angélica Borges Foletto (UNEMAT) Doutoranda em Linguística no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado de Mato Grosso- UNEMAT. Mestra em Linguística pela mesma instituição (2021) Campus de Cáceres- MT. Possui graduação em Letras-Inglês pela Universidade do Estado de Mato Grosso (2007), Pedagogia pela FAEST (2018) e Especialização em Fundamentos da Educação: didática e docência do ensino superior por UNIVAG (2011). Atualmente é professora de Língua Inglesada da Rede Estadual de Educação de Mato Grosso. Participante do grupo de pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em Formação. Fabiana da Silva Lira (UNEMAT) Aluna regular do Curso de Doutorado (Acadêmico) do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT, vinculado a linha de pesquisa: Variação/Mudança e Descrição, Análise e Documentação de Línguas Indígenas. Mestra em Linguística pela mesma instituição (2022). Especialista em Metodologia do ensino das línguas portuguesa e inglesa pela Faculdade Única de Ipatinga, FUNIP, Ipatinga- Brasil. Graduada em Letras/Inglês pela UNEMAT, Campus-Cáceres. Participante do grupo de pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em Formação pela Universidade Federal do Pará – UFPA. É parecerista de periódicos na área de Letras, da revista Primeira Escrita - UFMS. Dedica-se aos estudos de variação e mudanças linguísticas e é bolsista CAPES. Yara Fernanda de Oliveira Adami (UNEMAT) Doutoranda em Linguística no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado de Mato Grosso- UNEMAT. Mestra em 169 O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência Linguística com ênfase nos Estudos Sociolinguísticos (2023), respectivamente, na cidade de Cáceres (Mato Grosso) e possui graduação em Letras - Português e Inglês pela Universidade do Estado de Mato Grosso (2019). Participante do grupo de pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em Formação. Bolsista CAPES. Tânia Maria Sanábria Carvalho Tolotti (UNEMAT) Mestra em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT (2023) e possui Graduação em Letras, Português e respectivas Literaturas Universidade do Estado de Mato Grosso (1988). Especialização em Língua Portuguesa e respectivas Literaturas (2004). Atualmente é professora efetiva na Prefeitura Municipal de Cáceres, no MT e atua na Secretaria Municipal de Educação. Participante do grupo de pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em Formação. Flaviane Leite da Silva Cassia (UNEMAT) Mestra em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT (2023), Licenciatura em Letras pela UNEMAT (2005); tem Especialização em Gestão Escolar (2007) pela mesma universidade. Atualmente é Técnica em Administração Escolar, efetiva na Escola Estadual Santa Rosa-MT e desenvolve projetos de leitura na biblioteca integradora. Participante do grupo de pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em Formação. Profa. Katja Lieber (Leipizig Universität-Deutschland) Doktorin Katja Lieber ist seit 09/2013 Professur Allgemeine Pädagogik und Erziehungswissenschaft an der Universität Leipizig Deutschland. 170