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ARTÍFICE ou ARTISTA ARTESÃO: OS OFÍCIOS E TREINAMENTO TRADICIONAL NA PINTURA TIBETANA. Vinicius de Assis Instituto de Artes UNESP – SP deassis.vinicius@gmail.com RESUMO O seguinte artigo é o relatório do estudo de campo que faz parte do cronograma da dissertação de mestrado, Thangka A Pintura Sagrada Tibetana: Tradição, História e Método. Nele são apresentados o treinamento e os ofícios aprendidos e experimentados num período de sessenta dias (oito semanas) de vivência com o pintor tradicional e artista contemporâneo Karma Sichoe em seu estúdio em Dharamsala Índia, entre março e abril de 2015. PALAVRAS CHAVE: Ofício.Pintura.Processo.Tibete.Tradicional. ABSTRACT The following paper is a report of field research that is part of the master's schedule thesis of Thangka The Sacred Tibetan Painting: Tradition, History and Method. It presents the training and crafts learned and experienced over a period of sixty days (eight weeks) of experience with traditional painter and contemporary artist Karma Sichoe in his studio in Dharamsala, India between March and April 2015. KEY WORDS: Craft. Painting. Process.Tibet.Traditional 1 Prefácio Em 2013 fiz uma viagem com a artista Tiffani Gyatso até a Índia e Nepal para estudar arte budista tibetana, nessa viagem fui apresentado e houve um workshop com pintor tradicional e contemporâneo Karma Sichoe. Após esse período da viagem com Tiffani, eu e meus amigos (Coletivo RAGA . O Coletivo RAGA é formado pelos artistas visuais Felipe Ikehara, Rafael de Assis e Vinicius de Assis. Seus integrantes partilham o estudo de referências em arte tradicional de diversos povos com a mistura de suas peculiaridades, paridades estéticas e conceitos.) conversamos com Karma e decidimos ficar mais trinta dias numa vivência com ele. Procedimentos artesanais e artísticos foram explicados e experimentados No artigo “ 30 dias em Dharamsala: Residência com um pintor tibetano” 2014 Após essa residência, retornei ao Brasil com a confiança e certeza de que era sobre a pintura tradicional tibetana, thangka que desejava me dedicar. E que se houvesse a disposição de retornar à academia seria com esse interesse em mente, estudar essa arte tradicional a qual tive o privilégio de ter acesso, ver pinturas, visitar ateliês, conhecer os procedimentos, pintores, além de ser uma tradição viva, ainda existente. Tive esse vislumbre. Isso me deu confiança para saber que era esse assunto que desejava me engajar (além do incentivo da rara existência de estudos em português sobre o assunto). Assim, em 2014 ingresso no mestrado já com a intenção da pesquisa em pintura tibetana. No momento de compor o cronograma e programa de estudos, incluo uma viagem para a Índia como pesquisa de campo, para mais uma vivência com Karma, desta vez de sessenta dias em 2015. Agora a viagem era pensada como parte da dissertação de mestrado (capítulo sobre métodos e procedimentos.) Compreendendo nesse caso que Sichoe era a minha fonte primária no assunto. 2 Introdução Um dos aspectos da arte tradicional é a relação professor e aluno. Como se dá o aprendizado dos ofícios, do artesanal, de como produzir as ferramentas, preparar a tinta, fazer a tela, todo o procedimento para que a pintura aconteça, se materialize. Esse criar condições para que a matéria seja plasmada e o fazer na relação professor aluno é a maneira tradicional de aprender um ofício. Até mesmo fatos corriqueiros como comprar pigmentos, limpar pincéis, moer minérios, preparar colas e costurar são lições importantes que se aprende observando o professor. Sabendo disso, era imprescindível que houvesse um estudo de campo. Isso possibilitaria uma experiência direta com uma fonte, havendo essa possibilidade com Sichoe. Busquei as condições in loco para que fosse possível o acesso ao conhecimento oral, o dia a dia, a conversa, o observar e a repetição. Aprender vendo Sichoe fazer e repetindo para que ele pudesse corrigir, era uma experiência que envolvia uma grande confidência e dedicação mútua, entre o professor e aluno. “O professor de um lado deve ser paciente e generoso ao ensinar e transmitir o que sabe e o aluno do outro, deve ser perseverante e humilde em sua prática” dizia Sichoe. Dessa maneira, esse sutil aprendizado dos ofícios se revelou totalmente pertinente como fonte primária para o capítulo sobre o métodos e procedimentos da thangka. Sobre o artista: Karma Sichoe (fig.01), 41 anos, é um pintor tradicional e artista contemporâneo. Órfão e refugiado, Karma foi criado e educado no TCV (Tibetan Children’s Village School) em Dharamsala. Ele recebeu seu treinamento formal em pintura thangka no Centro Tibetano de Artes e Ofícios em Dharamsala (hoje Instituto Norbulingka) sob a orientação do renomado mestre pintor Ridzin Paljor, que foi um dos principais pintores da corte Potala no Tibete e no exílio continuou trabalhando diretamente para Sua Santidade o Dalai Lama. Depois de se formar em 1993, Karma tem trabalhado principalmente como um artista independente em encomendas particulares, mosteiros, escolas e dedica grande parte de seu tempo e energia para diversas atividades políticas dentro da comunidade tibetana no exílio, bem como para o estudo da diversidade de estilos da pintura Thangka e formas de arte. Fig 01 Retrato do professor e pintor Karma Sichoe abril 2015 Fonte: Arquivo pessoal 3 Estudo de Campo - Proposta de vivência O contato com Karma Sichoe para o estudo de campo começou em 2014. Através de e-mails expliquei sobre o que pretendia com a viagem e a ideia de vivência, alugar um espaço para morar temporariamente e ter aulas. Ao chegar em Dharamsala na data combinada, acabei alugando o estúdio do Karma e morei lá. Ao longo dos dias sugeri como a vivência poderia ocorrer ao longo das semanas, ele deu opiniões e aceitou algumas propostas. Por fim ficou decidido que durante as semanas seguintes agiríamos em duas frentes: a do treinamento (desenho, iconometria É um exigente sistema de medição (Tibetano: tsomo) destinado a garantir que toda a composição seja desenhada em proporção adequada. Tais cálculos, medidas e formas tem uma razão de ser. Cada deidade possui medidas geométricas exatas, estudadas e descritas em antigos textos. Essas medidas são baseadas por exemplo, na astrologia, no corpo humano, na natureza e em outros cálculos secretos. e uso do pincel) e os ofícios (fazer carvão, nanquim, manufaturar um pincel e produção da tela/ thangka) ou seja, todo o artesanal e procedimento até o início da pintura. Para legitimar a experiência como fonte do estudo, todos os processos foram fotografados, filmados, anotados e materiais manufaturados. Fig 02. Estúdio de Karma Sichoe, Gamru Village, Dharamsala, Himachal Pradesh India 2015 Fonte: Arquivo pessoal 4 Treinamento O artista poderia ser um mestre realizado, treinado nos textos e nas linhagens orais de sua tradição, sua visão aperfeiçoada por meio da realização meditativa, sua mão refinada pela prática de uma longa aprendizagem [...] frequentemente, o artista era uma pessoa leiga, treinada em regras e estilos de representação, que havia trabalhado por muitos anos sob a supervisão direta de um artista mestre. (TULKU, 2002, p. 23) Sendo uma arte tradicional, a pintura budista tibetana é um ofício que exige um intenso treinamento. Este costuma levar anos, onde o desenho será refinado por exaustivas repetições, cânones e proporções sagradas assimiladas, a habilidade da pintura esmerada e os ofícios transmitidos, como a preparação das tintas e a tela em rolo. No Tibete Antes da invasão chinesa em 1959 (POWERS 2007 p. 200)o treinamento começava desde a infância, isso de acordo com Karma era o que favorecia as condições para a existência dos mestres. Estes eram assim considerados não somente como artistas de grande técnica, mas como pintores que além da habilidade pictórica, possuíam o conhecimento dos textos sagrados (sutras e tantras) visualização meditativa e domínio na simbologia tradicional e sagrada. Atualmente o treinamento formal leva de três a seis anos É a média de acordo com as escolas visitadas entre março e abril de 2015: Tsering Art School no Shechen Monastery (Kathmandu – Nepal) Norbukingka Institute (Dharamsala - Índia) e o ITTA, Institute of Tibetan Thangka Art ( Dharamsala – Índia). Nos primeiros anos o aluno pratica somente o desenho. O primeiro ano de treinamento começa com a repetição laboriosa de elementos da natureza, como folhas, flores, rochas, nuvens, água e o fogo, além de animais, objetos ritualísticos e mobiliários. É no treino desses elementos básicos que já reside o traço, a fluidez, composição e harmonia que serão exigidas posteriormente nas composições e desenhos mais complexos. A sutileza das formas, a interdependência das curvas “As curvas devem ser interdependentes, onde linhas e camadas de níveis se repetem, sendo posteriormente sombreadas e realçadas suas características tridimensionais. (ASSIS. 2004. P. 9) e percepção do espaço negativo nas figuras já é trabalhada desde o início. Somente nos anos posteriores são introduzidas as iconometrias, (medidas e proporções sagradas das deidades) produção da tela em rolo e técnicas de pintura. Existe a exigência da maestria sobre cada etapa do processo, essa é uma das garantias de que a obra de arte, objeto ou utensílio Utensílio aqui deve ser compreendido como possuindo duas finalidades: o seu uso prático como objeto humano e seu uso intelectual como potencialidade simbólica, como lembrete da doutrina sagrada. Uma ligação entre a vida cotidiana (uso prático) e a única coisa necessária (o simbólico, sagrado e transcendente). estará feito de maneira adequada para o seu uso, seu propósito. A transmissão não treina somente a habilidade manual do artista, mas também sua mente, já que sua conduta será imprescindível para a manufatura da arte sagrada. 4.1 Treino conciso Com as poucas semanas, Karma recomendou o foco no treino da cabeça, mãos e corpo do buda, pontos vitais na composição. Sugeri a repetição de dez vezes para cada e Karma concordou e pediu que fosse feito o delineamento em nanquim em todos os desenhos, junto com o treino dos exercícios para pincel. Isso durou três semanas. 4.2 Cabeça do Buda Inicialmente estabeleci a meta inicial de desenhar a cabeça do buda dez vezes, o que Karma concordou. Houve o treino de compor várias vezes a grade canônica, desenhar e me acostumar com as formas a serem apreendidas, como o formato do rosto, orelhas, linhas, curvas que por vezes são demarcadas pelas linhas das medidas, outras vezes não (fig. 03). Outro ponto a observar são os espaços negativos criados que cooperam e permitem (se compreendidos adequadamente) para o equilíbrio e harmonia simétrica da perfeita serenidade meditativa da iluminação. Fig 03. Iconometria cabeça do Buda. Nanquim 2015 Fonte: Arquivo pessoal 4.3 Exercícios para pincel O delineamento ou contorno do pincel é uma das maneiras de acabamento da thangka. Seguido do desenho e pintura, o contorno é uma parte importante que exige muitos anos de prática. Lapidar o delineamento preciso e afiado, o domínio sobre pressão do pincel e a alternância entre a linha fina e grossa em pontos certeiros pode corroborar consideravelmente para a sensação de leveza, graciosidade e equilíbrio na pintura. Para evocar e simbolizar a beatitude e graça dos estados sublimes da mente, o artista deve estar concentrado e inspirado. Com Karma aprendi que o completo domínio do pincel não está na execução rápida e fluida da linha (como pensava), mas sim em exibir o controle lentamente. Assim, os exercícios eram o treino de três formas básicas: o quadrado, o círculo e o triângulo. Repetidas vezes de maneira concêntrica e contínua, num só movimento e lentamente. Esses primordiais e simples exercícios ajudam no controle da pressão do pincel, a quantidade de tinta, na maestria do pincel em diversas direções Da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, de cima para baixo, de baixo para cima e as diagonais., na percepção do espaço negativo e no trabalho da paciência e domínio sobre a ansiedade e raiva. “(...) sobre motivação e a intenção do artista que se dedica ao tradicional e ao sagrado. Para esse artista, devem ser claras as intenções ao pretender seguir os rigorosos e complexos cânones da tradição tibetana. Pois o incentivo inspirador reside no respeito, confiança e admiração com o conhecimento que será retratado, no caso o Dharma, a doutrina do Buda. (ASSIS. 2014. P. 03) Os exercícios eram executados com atenção especial a respiração, o traço deve fluir junto com o fôlego, não se deve prender a respiração, esta sempre deve ser contínua, calma e lenta. 4.4 Mãos e corpo do Buda A posição das mãos é um aspecto muito importante e seu significado distinto na simbologia tibetana deriva da ciência dos mudras Gestos das mãos, (Sânscrito. Mudrā) literalmente “selo”. Herança hindu presente no budismo. No Vajrayana é utilizado junto com mantras em rituais e nas pinturas como iconografia de ensinamentos, práticas de meditação, deidades e estados da mente.. A posição exata das mãos faz referência direta a ensinamentos do Buda, práticas de meditação e a sutis significados que só podem ser assimilados através de uma iniciação por um mestre qualificado e prática meditativa. O corpo do buda possui sua importância fundamental como símbolo e arquétipo. É protótipo e alicerce do estado iluminado, o que se repetirá em deidades, bodhisattvas e mestres. Assim, seu treino e compreensão é imprescindível (fig.04). O treino básico começa com a assimilação das medidas (cânone) e desenho do corpo nu do buda para noção do volume e proporção adequada para a pintura ( fig.05) Posteriormente adiciona-se a indumentária e objetos sobre o corpo. Fig 04. Iconometria mãos e exercícios de traço. Nanquim 2015 Fonte: Arquivo pessoal Fig. 05 Iconometria, corpo do Buda, de pé e sentado. Nanquim 2015 Fonte: Arquivo pessoal 5 Ofícios Artista que não seja bom artesão, não que não possa ser artista: simplesmente, ele não é artista bom. E desde que vá se tornando verdadeiramente artista, é porque concomitantemente está se tornando artesão. (ANDRADE. 1938. p. 33) A relação com as ferramentas e matéria prima num contexto tradicional é inevitável ao artesão. Muitas vezes antes mesmo de começar a pintura, o artista deve ter o conhecimento de separar os materiais que usará no preparo da composição e garantir que cada etapa saia da maneira adequada, não prejudicando assim o resultado final. No âmbito tradicional, não há diferenciação entre “artes” e “ofícios” sendo ambos uma unidade inseparável na cultura e sociedade “(...) não somente objetos que se diriam ser para um “propósito religioso", mas também objetos que suprem as necessidades mais humildes da vida cotidiana, são capazes de se tornar ligações entre a vida e "a única coisa necessária" (...) todos os utilitários ordinários convergem e assim vão ao encontro de sua meta final. Por isso, cada obra de arte aparece, para a mente tibetana, como cumprindo esta dupla utilidade, ao mesmo tempo prático e intelectual”. (PALLIS 1967 p. 02). Assim, a tradição tibetana de pintura inclui nos afazeres do pintor, a extração de pigmentos, feitura de tintas, fabricação de pincéis e preparação da tela. Muitos pintores com ajudantes delegam com o tempo essas funções mais trabalhosas à assistentes, uma maneira de transmitir o conhecimento. Karma prefere ele mesmo fazer cada etapa, dizia que assim conseguia garantir a qualidade necessária em todos os estágios. Após explicar e mostrar o proceder, Sichoe pedia que fizesse o mesmo, fosse cortando galhos para o carvão, ajudando a alimentar a fogueira, costurando a tela ou repetindo desenhos. 5.1 Carvão Frequentemente utilizado para esboçar pinturas em paredes e fazer estudos. A madeira recomendada e escolhida por Karma foi o salgueiro indiano (indian willow) que cresce aos bosques nas montanhas e vales do Kangra Valley. Sichoe escolheu galhos jovens, frescos e maciços. Estes foram descascados, cortados no tamanho desejado, organizados em feixes, amarrados, embrulhados em papel alumínio e enterrados nas cinzas de uma fogueira por três horas. (fig.06) Além do uso para desenhar e esboçar, utilizamos alguns para produção de pigmento. Pela trituração e decantação obtém-se a cor preta utilizada para fazer nanquim. Fig. 06 Karma Sichoe inspecionando os carvões recém feitos. Fonte: Arquivo pessoal 5.2 Nanquim O carvão foi triturado e decantado, num processo de moagem a seco, com acréscimo de água e levado ao fogo três vezes, sempre repetindo o processo todo. Assim obtém-se um pó muito fino, que se torna uma pasta com o acréscimo de água. Cola animal é derretida em banho maria e misturada ao pigmento (fig. 07) A tinta está pronta e pode ser utilizada, se secar é só acrescentar água. Um tablete foi feito utilizando uma fôrma de papel alumínio, forrada com papel manteiga para formar uma peça de nanquim. Fig.07 Adição de cola animal no carvão triturado e decantado. Fonte: Arquivo pessoal 5.3 Pincel Dos ofícios este é cada vez mais raro. Com a industrialização existe a hegemonia dos pincéis chineses. Karma só havia executado essa técnica algumas vezes e relembrou o processo mais uma vez comigo. Coletamos pêlo de bode, mas podem ser de outro tipo, como animais selvagens (gato, mamíferos peludos). As partes recomendadas para coleta são os vãos dos dedos (patas) barriga e orelhas. Os pêlos devem ser retos e não podem estar quebrados. Após a coleta dá-se forma aos cabelos para o pincel, esse processo pode ser feito de duas maneiras: seleciona-se os pêlos e utilizando uma fôrma, (feita de massa de pão ou cerâmica) dá-se o formato e o pincel é amarrado. Ou seleciona e modela-se o formato do pincel com os dedos molhados na palma da mão. Para o cabo um bambu é cortado, e modelado ao formato desejado para empunhadura. Após o pincel amarrado e colado, este é encaixado no bambu com cola animal. Fig 08. Pêlos de bode cortados, selecionados e amarrados. Fonte: Arquivo pessoal 5.4 Thangka Seleciona-se um bom pedaço de tecido, de acordo com Karma: “nem muito fino nem muito grosso” de preferência algodão ou linho cru. Depois de cortar e atentar ao sentido da trama, costura-se a tela nas bordas com varetas, estas serão responsáveis pelo esticamento do tecido e abertura da trama. A tela com as varetas é costurada no chassi de madeira, esticada e ajustada para receber a goma que dará a porosidade e flexibilidade ideais para a pintura com pigmento mineral. A base é preparada (goma) com pigmento mineral, cal natural, água e cola animal. Após a mistura nas proporções adequadas, aplica-se a goma em ambos lados da tela alternadamente pelo menos seis vezes. Um lado é aplicado de cada vez e é utilizado um copo de vidro ou pedra lisa para polimento. Cada vez que é terminada a aplicação da goma, o lado é polido e o tecido esticado, de maneira alternada. Ao final das camadas a tela deve ser capaz de conseguir bloquear os raios solares, sem furos, com a aplicação da goma da maneira mais uniforme possível sobre o tecido (fig.09). Fig. 09. Aplicação de goma e preparação da tela. Fonte: Arquivo pessoal Após a tela ficar pronta, fiz alguns estudos para uma composição do Buda Shakyamuni. Sua iconografia, oferendas e paisagem foram planejadas e decididas. De maneira intencional detalhes foram escolhidos e visualizados. O projeto foi redesenhado desta vez na tela engomada e delineado com o nanquim (fig. 10). Fig 10. Chassi e tela pronta com projeto de pintura feito com nanquim artesanal Fonte: Arquivo pessoal 6 Considerações O estudo de campo foi de suma relevância. Foi através da ida as regiões onde se encontra e faz o meu objeto de estudo (thangka), que a imersão no assunto pode ocorrer e assim vislumbrar sua complexidade. Simplificar a linha de pensamento da pesquisa foi decorrência disso, pontualmente ajudou na síntese e criação da estrutura do estudo, cronograma e em parte na seleção da bibliografia. Compreender a importância de estar atento aos detalhes durante a viagem e ser observador. Executar o registro (seja foto, anotação ou desenho) considerando tudo isso como matéria prima fértil para a escrita e discurso. Basicamente a pesquisa de campo foi permeada com três tipos de ações: a prática com o treinamento e ofícios, a leitura das referências com tradução, fichamento, escrita e, anotações de todas as impressões consideradas pertinentes. Sinto que agora com essa experiência será mais acessível e eficiente a minha aproximação com a teoria presente na bibliografia selecionada. Além do peso colaborativo do estudo de campo como fonte primária para a dissertação (sobre uma tradição oral e discipular ainda em atividade) houve também o lampejo de como o processo e relação de ofício com a matéria no contexto tradicional é notório e se faz presente nos dias atuais, como questionamento, reconhecimento e talvez até resgate de processos primordiais e simples, mas que revelam uma sabedoria perene. “ (...) quem quer que haja aceito essa idéia de ordem, da forma da arte, não julgará absurdo que o passado deva ser modificado pelo presente tanto quanto o presente esteja orientado pelo passado. E o artista que disso está ciente terá consciência de grandes dificuldades e responsabilidades.” (ELIOT. 1989. p. 40) REFERÊNCIAS ANDRADE ,Mário - O artista e o artesão In. O Baile das Quatro Artes. São Paulo /Brasília. Ed. Martins, 1975 ASSIS, Vinicius. 30 dias em Dharamsala: Residência com um Pintor Tibetano. In: Encontro Internacional de Pesquisadores em Arte Oriental - Oriente-se: Ampliando Fronteiras, 2014, São Paulo. Anais do Encontro Internacional de Pesquisadores em Arte Oriental São Paulo UNIFESP, 2014. P. 620 até 637. BURCKHARDT, Titus. A Arte Sagrada no Oriente e no Ocidente. São Paulo/SP: Attar Editorial, 2004. ELIOT, T.S. Tradição e Talento Individual In. Ensaios. São Paulo/SP: Art Editora, 1989 PALLIS, Marco. Introduction to Tibetan Art. In Journal of Studies in Comparative Religion Inglaterra: World Wisdom.1967. Disponível em: <http:// http://www.studiesincomparativereligion.com/public/articles/Introduction_to_Tibetan_Art-by_Marco_Pallis.aspx >. Acesso em: 08 ago 2015. POWERS, John. Introduction to Tibetan Buddhism. Ithaca, New York: Snow Lion Publications. 2007 TULKU, Tarthang. A Arte Iluminada. Uma Perspectiva sobre a Arte Sagrada do Tibete. São Paulo/SP: Editora Dharma, 2002. Vinicius de Assis Bacharel em Artes Visuais e mestrando pelo Instituto de Artes (UNESP/SP) com o Prof. Omar Khouri como orientador na linha de pesquisa Análises Teóricas, Históricas e Culturais da Arte. Com foco na Thangka (pintura tibetana). Pesquisa em pintura e artes tradicionais.Tem interesse por procedimentos artesanais artísticos, tendo passagem prática pela restauração de pinturas, feitura de vitrais, pintura de murais e procedimentos artesanais de pintura.