Atas do III Congresso Internacional —
Criadores Sobre outras Obras - CSO’12
978-989-8300-32-4
DO ATLÂNTICO:
ISBN:
ARTES EM TORNO
FACULDADE DE BELAS-ARTES DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
CENTRO DE INVESTIGAÇÃO E DE ESTUDOS EM BELAS-ARTES
Em Lisboa, de 29 de março a 3 de abril de 2012, o Congresso CSO reuniu
artistas e criadores que apresentaram e debateram as obras de outros autores.
O III Congresso CSO’2012 utilizou como línguas de trabalho as de expressão
ibérica, estabelecendo um espaço crítico e criativo que abrange um vasto arco
de países em diversos continentes. Nesta edição assistiu-se a uma expansão
do número de congressistas e de participantes. Passou-se, em 2012, para
106 textos aprovados por blind review, entre 130 submissões. O leque de
regiões e actividades artísticas também se alargou, construindo uma nova
identidade, novos discursos, e uma diferente relação entre artistas e criadores.
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional
Criadores Sobre Outras Obras
CSO’2012
[página em branco]
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional
“Criadores Sobre Outras Obras - CSO’2012”
Lisboa, 29, 30, 31 de março e 1, 2 e 3 de abril de 2012
Organização das atas: João Paulo Queiroz (Ed.)
Comissão Científica
Heitor Alvelos, Faculdade de Belas Artes, Universidade do Porto, Portugal;
Álvaro Barbosa, Universidade Católica Portuguesa, Escola das Artes, Porto, Portugal;
Marilice Corona, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil;
Mònica Febrer Martín, Facultat de Belles Arts, Universitat Barcelona, España;
Almudena Fernández Fariña, Facultad de Bellas Artes Pontevedra, Universidad de Vigo, España;
Luís Jorge Gonçalves, Faculdade de Belas-Artes, Universidade de Lisboa, Portugal;
Fernanda Maio, Centro Estudos Interdisciplinares Século XX, CEIS 20, Univ. de Coimbra, Portugal;
Neide Marcondes, Universidade Estadual Paulista, SP, Brasil;
João Paulo Queiroz, Faculdade de Belas-Artes, Universidade de Lisboa, Portugal;
Artur Ramos, Faculdade de Belas-Artes, Universidade de Lisboa, Portugal;
Nuno Sacramento, Scottish Sculpture Workshop, Aberdeen, UK;
Maristela Salvatori, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil;
J. Paulo Serra, Doutor, Universidade Beira Interior, Departamento Comunicação e Artes, Portugal.
Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa
Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes
Moderações dos painéis
Américo Marcelino, Ana Vasconcelos, António Pedro, Élcio Rossini, Heitor Alvelos,
Ilídio Salteiro, João Castro Silva, João Duarte, Joaquim Paulo Serra,
Jorge dos Reis, Maria João Gamito, Victor Almeida, Virgínia Fróis,
Nuno Sacramento, Artur Ramos, Fernanda Maio, Raúl Cunca,
João Paulo Queiroz, Maristela Salavatori, Marilice Corona, Neide Marcondes
Relações públicas: Isabel Nunes
Assessoria: Nuno Mendes
Captação vídeo e fotografia: Diogo Leôncio, Henrique Vieira
Logística: Lurdes Santos
Colaboração: Luz Almeida, Conceição reis, Arminda Valente, Romana Paula,
Eugénia Garcês, Manuela Almeida, Deolinda Pires, Amadeu Farinha
Propriedade e serviços administrativos:
Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa /
Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes
Largo da Academia Nacional de Belas-Artes
1249-058 Lisboa, Portugal
Telefone +351 213 252 100
Fax +351 213 470 689
congressocso@gmail.com
http://www.cso.fba.ul.pt/
ISBN: 978-989-8300-32-4
Crédito da capa Capa de Tomás Gouveia, sobre obra de:
Sebastián Romo, Tropicalia, 2001. Impressões de minilab, cada foto 10x15, diâmetro
da obra 90 cm. Cortesia do artista [www.atelier-romo.com].
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional
Criadores Sobre Outras Obras
Prefácio e Organização das atas:
João Paulo Queiroz (Ed.)
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Índice
Prefácio
Entre nós
João Paulo Queiroz
Comunicações apresentadas no CSO’2012
15
Antonio León Ortega, un escultor de frontera
Joana Vasconcelos: contaminações entre escultura e
moda
De Película – As narrativas fotográficas de Vera
Chaves Barcellos
Corpo-joia: reflexões a partir da série Longing for
the Body
Kenji Ota: um olhar sobre a materialidade em
processos fotográficos históricos
Entre los luchadores de por vida
‘Deu mil hores’ a l’espai de l’artista Salvador
Juanpere
Rui Chafes - Vazio, Sonho e Morte
Seu Sami (2007): aspectos do processo de criação
da obra de Hilal Sami Hilal
Pela Fresta (1998): o papel do espaço e da
memória no processo de criação da obra de
Shirley Paes Leme a partir de seus cadernos de
anotações
O mundo bate do outro lado
A natureza abstrata na arte de Neide Ono
Pinturas Quentes; Imagens Geladas: Sobre a Pintura
de Simeón Saiz Ruiz
Presencia, tiempo y contexto en la performance de
María Marticorena
Performar em estado reflexivo: remake da ação
“Movement to Promote the Cleanup of the
Metropolitan Area (Be Clean)” do Grupo High Red
Center (1964)
Lições de abismo por Roberto Mallet: criação de
imagens através de ações simbólicas
Borracha, transparência e peso no espaço real: por
um novo modo de habitar os desenhos de Lúcia
Fonseca
[página em branco]
11
5
Alberto Germán Franco
Romero & M. Ángeles
Maqueda Pérez
17
Alexandra Cabral
26
Alfredo Nicolaiewsky
35
Ana Paula de Campos
39
Andréa Brächer
48
Andrés Jesús Naranjo Macías
54
Àngels Viladomiu Canela
63
António Fernando Monteiro
Pereira da Silva
69
Aparecido Jose Cirilo
75
Aparecido Jose Cirilo
83
Beatriz Furtado
Carla Maria Buffo de Cápua
91
97
Carlos Correia
104
Carlos Tejo Veloso
111
Carolina Érika Santos
117
Carolina Martins Delduque
123
Cláudia Maria França da Silva
129
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Enigmas: os “retratos–sequência” da artista
Brasileira Nívea Bracher
Gilberto Gil, pela internet e a metáfora da ciência
e tecnologia
Rubén Aguilar : a Pintura Mural como mutação da
prefiguração conceptual do objecto arquitectónico
La llum i la muntanya. Una aproximació a la pintura
de Jordi Fulla
Elke Hering: percurso de uma escultura em
transformação
Mito e Imagem de artista: Elke Hering
Entre cyborgs e avatares: produções artísticas no
seio da tecnologia ou o advento de novos
invólucros humanos
Um Erro para a Liberdade ou a Danca das
Tentativas - Sobre o processo criativo de Silvia
Moura
Raid das Moças e a Cultura da depressão:
performance e humor subversivo ou quando
Foucalt visita as chanchadas da Atlântida
Do Singular ao Plural: Identidade, Memória e
Poética no Fazer Artístico dos Mestres da
Fotopintura Cearense (Telma Saraiva e Julio
Santos)
Arte e liturgia, interfaces e leitura de conjunto:
continuidades e contiguidades.
A arte sacra de Cláudio Pastro e sua
contemporaneidade
Um meta espetáculo: o corpo em apesar de todo
A natureza artística ou a arte do natural na
escultura de Paulo Neves
Cadencia de presagios cristalinos. Los módulos
ideales de Antònia Vilà
A relação corpo/objeto e o discurso poético das
proposições de Lygia Clark
“O Cachecol do Artista” - A “Esfera Artística” a
partir do caso de Luiz Pacheco
"'Where Are My Glasses?' 'Where The Fuck Are My
Glasses?' - A 'Grande Narrativa' a partir do caso
de António Olaio"
El escultor Javier Marín; Una lectura personal sobre
las fuentes de inspiracón a través de su obra
Antonio Zambrana Lara, el realismo sevillano de los
años 70, técnica y procedimiento
Elias dos Bonecos: o mundo como resto
Chema Madoz: Conversando con universos poéticovisuales
Rocha de Sousa: cartografias da Alma
El arte y las moscas. Sobre la contemporaneidad de
la experiencia del arte
6
Cláudia Matos Pereira
136
Claudia Sisan & Cristiane de
Magalhães Porto
142
Cristina Maria Grilo Lopes
148
Cristina Pastó
153
Daiana Schvartz
160
Daiana Schvartz
166
David Etxeberria
173
David Limaverde Cabral
Pinheiro
181
Marilda de Santana Silva
187
Doriedson Bezerra Roque &
Paulo Emilio Macedo Pinto
194
Ocaña. Hacia el frágil sueño de la libertad
“Qualquer semelhança com a realidade é mera
coincidência”: Grupo Poro
Joanna Latka: ficcionando a realidade para a ver
melhor
"Novas formas de habitar o Bairro de Gonçalo M.
Tavares: sobre os projetos Galerista por um dia e
Senhores Projectos no Bairro de Gonçalo M.
Tavares"
O Simulacro em Ana Vieira – Uma leitura
deleuzeana
Onde habitam pedras e linhas cruzadas – sobre a
beleza subtil da obra gravada de David de
Almeida
Cuestiones sobre la alteridad en el trabajo de
Xavier Ristol
Isabel María Sola Márquez
Joana Aparecida da Silveira
do Amarante
308
Joana Ganilho Marques
321
Joana Ganilho Marques
326
Joana Tomé
331
Joanna Latka
337
Joaquim Cantalozella Planas
343
Interiores y exteriores: las ventanas de Ana
Malagrida
Joaquim Cantalozella Planas
& Marta Negre Busó
350
Jordi Morell i Rovira
357
José María Hurtado Rodriguez
364
José Orozco
371
Josep Montoya i Hortelano
379
Juliana Alvarenga
386
209
Zona zero: Un itinerari a través d’obres de Francesc
Torres i de The Atlas Group
La investigación en la obra de Noé Serrano: un
camino hacia el hiperrealismo escultórico
Déjame que te cuente
Acumulación y despojamiento en el lenguaje
pictórico de Joan Hernández Pijuan
Arte e conhecimento: alquimia e o novo paradigma
da ciência
216
Gerardo Delgado: el juego racional del arte
Elisa Ochôa
222
Eugènia Agustí Camí
229
Conjunto Imagem: Imagens de um espaço em
desaparecimento
Fernando A. Stratico
234
Francisco Cardoso Lima &
João Mota
240
Francisco Cardoso Lima &
João Mota
255
Guillermo Martínez Salazar
266
Gustavo Domínguez Moreno
273
Gustavo Henrique Torrezan
279
Hernando Gómez Gómez
287
Hugo Ferrão
296
Ignacio Barcia Rodríguez
303
Márcio Antônio de Almeida &
Dorotéa Machado Kerr
Egidio Shizuo Toda & Marcos
Rizolli
Eliane Muniz Gordeeff
201
ISBN: 978-989-8300-32-4
Lola García & Paco LaraBarranco
Luciane Garcez
& Rita de Cássia Eger
Intérpretes-cantores e seus processos de criação da
Interpretação: Fernando Portari e Canção de Amor
de Villa-Lobos
O Desenho como iluminação do sentimento e a
sombra como eliminação da persona, num
processo de individuação (do Desenho) de Jaime
Silva
Sayô Pereira: honestidade e simplicidade do gesto
poético
Sense & sensibility
Paso Doble: a argila como protagonista em
territórios de fronteira entre artes visuais e artes
cênicas
Practicas multidisciplinares en las Vanguardias:
Sonia Delaunay
Sinedie, de la edición al fetiche
Vieira Portuense Cadernos de Viagem: álbuns 817 e
821 do MNAA
7
315
396
404
Lucila Tragtenberg
410
Luís Filipe Salgado Pereira
Rodrigues
417
Luiza Romani Ferreira Banov
426
Margarida P. Prieto
432
Maria Betânia Silveira
440
María Castellanos Vicente
447
María Castellanos Vicente
452
Maria Dilar Pereira
457
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Cepeca: uma banca permanente
Filipa César: Record(ar) fronteiras do passado no
presente
ALICE... Uma leitura para o reconhecimento da
Teatralidade num conjunto de obras de António
Bronze
Suzanne Anker – Memória Autobiográfica no Estúdio
e no Laboratório Científico
Uma voz que dança: a performance de Daniela
Mercury no show/álbum Canibália
Pina Bausch, de referência mundial ao trabalho
social - Kontakthof através das gerações
Los cuadernos de dibujo del pintor Agustín Alegre
La casa: ficcionar la quotidianitat
Uma visão do Feminino nefasta e maldita nos
desenhos Le Spleen de moi-même de Mário Botas
Fiestas y arremetidas. La selva urbana en la obra
de Christian Bendayan
Heroes Peruanos: arte no objetual de Edward
Venero
Sebastián Romo: ”pós-produção” como estratégia
de construção poética
As narrativas verbivisuais de Valêncio Xavier
Pensamiento y acción en el proceso creativo. Lucio
Muñoz
O Desenho Impossível ou os limites da comunicação
em Jorge Pinheiro
Mabe Bethônico e O Colecionador: o exercício de
olhar e pensar através de imagens
O Velho Kusnet
Marina Abramović, dimensões da culpa: do corpo
da vida sacra
Fauno de Brecheret e Estação Sumaré de Alex
Flemming: arte pública e experiência estética na
metrópole de São Paulo
Conjunto Imagem: Imagens de um espaço em
desaparecimento
El escultor Pablo Rubio: Las formas de su universo
A dimensão conectiva / educadora na obra de Bety
Moysés
Nova Espacialidade Híbrida na Obra de Peter
Greenaway. As Circunscrições Pictórico-Cinéticas
das Instalações
A Terra: linguagens e sentidos em Dulce Schunck
Hilal Sami Hilal: o lirismo do gesto
8
Maria Everalda Almeida
Sampaio
Maria Leonor de Almeida
Pereira
465
A Menina nas Obras de Jandira Lorenz
474
Miguel Rio Branco: tempo, arte e documento
Maria Manuela Bronze da
Rocha
483
Maria Manuela Lopes
491
Marilda de Santana Silva
497
Marina Milito de Medeiros
& Sayonara Sousa Pereira
Marta Marco Mallent
Marta Negre Busó
Michele Cristina Coutinho
Rocha
Mihaela Radulescu de Barrio
de Mendoza
Mihaela Radulescu de Barrio
de Mendoza & Rosa
Gonzales Mendiburu
Paula Cristina Somenzari
Almozara
Paulo César Ribeiro Gomes
504
511
518
525
532
540
Sandra Makowiecky &
Vanessa Bortucan
Sandra Maria Lúcia Pereira
Gonçalves
A metodoloxía de traballo de Antoni Muntadas, A
traducción cultural e o Work in Progres
Os Caminhos de Bernhard Fuchs : as imagens
fotográficas em Straβen und Wege
A mulher e a arte urbana na Amazônia Brasileira: O
grafite feminino de Drika Chagas
A simbiose visual de Roberta Carvalho: a árvore
humana na arte contemporânea da Amazônia
Brasileira
Expor intimidade/Falar intimidade: Elina Brotherus e
Carla Filipe
A condição da mulher em Angola na cerâmica de
Helga Gamboa
Chelas o "sítio:" o lugar como referência na
identidade e na obra de Sam The Kid
Habitar o lugar/espaço do ateliê como
procedimento para a construção da obra – o
desenho do espaço na xilogravura de Fabrício
Lopez
653
Silvia García González
661
Silvia Helena dos Santos
Cardoso
666
Sissa Aneleh Batista de Assis
673
Sissa Aneleh Batista de Assis
679
Sónia Patrícia Inácio Neves
685
Teresa Matos Pereira
693
Teresa Palma Rodrigues
702
Ynaiá de Paula Souza Barros
709
547
Rafael Carralero Carabias
561
Comunicações hors concours
A gestualidade em Iberê Camargo: obra gráfica de
58 a 69
Raquel Pelayo
569
Seductora y perversa: la representación floral en la
pintura contemporánea.
Raquel Sampaio Alberti
577
Rejane Kasting Arruda.
584
Ricardo Mari Neto
588
Rita de Cássia Demarchi
595
Rita de Cássia Schipmann Eger &
Luciane Ruschel Nascimento
Garcez
Rocío Reina Castro
Ronaldo Alexandre de
Oliveira
645
555
602
608
615
Rosa Cohen
623
Rosana Gonçalves da Silva
Rose Mary Louzada Gomes
629
635
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Atividades e painéis que decorreram no CSO’2012
1. Painéis
2. Atividades paralelas
Comissão científica do CSO’2012, notas
biográficas
Moderadores dos painéis do CSO’2012
1. Moderadores convidados, notas biográficas
2. Moderadores membros da Comissão Científica
do CSO’2012
Chamada de trabalhos para o CSO’2013
Fim do documento
9
716
Maristela Salvatori
Mònica Febrer
718
722
733
733
740
741
745
745
746
747
750
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Entre nós
João Paulo Queiroz
(Coordenador do Congresso CSO)
Quando André Malraux (2011) enunciou a sua visão do mundo como
um Museu Imaginário, um Museu sem paredes (no livro também publicado
sob o título “As vozes do Silêncio”) antecipava o museu sem hierarquia,
sem centralidade, sem narrativas induzidas por historicismos ou
eurocentrismos. Antecipava um espaço de referencialidade em que não
importam as obras, mas o seu conhecimento: antecipava uma rede, uma
relação entre espectadores e imagens, onde a reprodução fotográfica
desempenharia um papel libertador. Cada artista, cada homem, poderá
compor o seu Museu, o seu imaginário.
Fig. 1. O cartaz do III Congresso CSO’2012.
Estamos entre nós, entre artistas. Entre artistas partilhamos as
escolhas que apoiam as obras, os discursos, posições, testemunhos,
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11
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
relevos de significância cultural. Tecemos cultura com fios de cultura,
com os contributos das obras de outros artistas. Este terreno é um
campo imaginário de plena liberdade: basta ter vontade de saber, vontade
de conhecer. Aceder e construir “um lugar mental” (Malraux, 1974) e
tanto mais sólido quanto resistente aos nacionalismos e às centralidades
passadas.
Figuras. 2 a 5. Aspetos do CSO’2012: público na sala B; a zona de exposição de
publicações; apresentação de uma comunicação.
É que, contra todas as aparências, a arte não é o “mundo da arte”
(Thornton, 2010). Há aqui uma responsabilidade de erigir um imaginário
pleno, transversal, informado, liberto, descentralizado, renovado. A
responsabilidade de sairmos dos terrenos óbvios e batidos, para
olharmos o descentrado, recusarmos convenções e hierarquias,
convocarmos a consistência, a qualidade, a exigência. De recusar o valor
facial, e procurar recuperar o “valor de uso,” o valor que o criador pode
atribuir às obras dos seus companheiros. De começar a aventura de
novo.
A esta chamada, de escolher obras de outros criadores e apresentar,
em espaço internacional de congresso, as leituras do seu museu
imaginário, responderam 140 criadores de todo o mundo do arco das
linhas ibéricas. No coração de Lisboa, no Chiado, no antigo Convento de
São Francisco (começado a erigir em 1217), onde está, desde 1836, a
Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, reuniu-se pela
terceira vez o Congresso CSO “Criadores Sobre outras Obras.”
Entre 29 de março e 3 de Abril estiveram presentes 116 criadores e
investigadores em arte que apresentaram ao Congresso 106
comunicações, partilhando o olhar particular que um artista lança sobre a
obra de um seu companheiro de profissão.
12
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Estiveram presentes artistas afiliados em muito diversas instituições
artísticas: 11 instituições de Portugal, 25 do Brasil, 7 de Espanha e uma
do Peru. Foram dias plenos de apresentações ao congresso, enriquecidos
com inúmeros eventos paralelos, como apresentações de livros, projetos,
atividades, festivais, exposições de alunos, visitas, além de reuniões de
delegados para fomentar intercâmbios.
A terceira edição do Congresso, o CSO 2012 (Figura 1) suscitou
bastante interesse, mobilizando um total de 350 participantes, entre
congressistas e público. Este projeto, em plena fase de consolidação,
evoluiu no sentido da exploração de artistas de qualidade fora dos eixos
habituais de divulgação do mundo da arte e valorizando-se o universo
latino através das línguas de trabalho, o português e o castelhano
(Figuras 2 a 8). Os artigos compilados neste volume de atas foram
efectivamente apresentados na Faculdade de Belas-Artes da Universidade
de Lisboa, em 29, 30, 31 de março e 1, 2 e 3 de abril de 2012. Apresentase também uma novidade: as gravações em vídeo das mesmas estão
disponíveis
no
site
do
congresso,
ou
em
http://av.fba.ul.pt/index.php/cso-2012 .
Figuras. 6 a 8. Aspetos de diferentes painéis do CSO’2012.
Saímos de nós, dos nossos ateliers, dos nossos espaços de criação, e
visitámos os espaços de outros artistas. Apresentámos as nossas
reflexões sobre essas visitas, promovendo novos relacionamentos, novos
sentidos.
Referências
Malraux, André (2011) O Museu Imaginário. Lisboa: ed. 70. ISBN
9789724416472
Malraux, André (1974) La Tête d'Obsidienne. Paris: Gallimard.
13
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Thornton, Sarah (2010) Sete dias no mundo da arte. Lisboa: Arcádia / Babel. ISBN
978-989-28-0040-0 ●
Comunicações apresentadas no CSO’2012
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Antonio León Ortega, un escultor de frontera
Alberto Germán Franco Romero*
&
M. Ángeles Maqueda Pérez**
Resumen. La obra de Antonio León Ortega se muestra como alternativa a los cánones
preestablecidos en la escultura religiosa de España y Portugal desde el SXVII, y sin
renunuciar a estos, aporta una visión personal, bañada de nuevas propuestas plásticas
aprendidas en el ambiente del Madrid del primer cuarto de SXX..
Palavras chave: alternativa, escultura, religiosa, España, Portugal
Title: Antonio León Ortega, a border line sculptor
Abstract: The work of Antonio León Ortega is shown as an alternative to the canons
preset in religious sculpture of Spain and Portugal from the SXVII, and not renouncing
to theese, brings a personal, bathed vision of new proposed plastic learned in the
atmosphere in Madrid in the first quarter of SXX..
Keywords: alternative, sculpture, religious, Spain, Portugal
Introducción
Teniendo en cuenta la importancia que la escultura religiosa posee en
ambas márgenes que baña el Guadiana, y el paralelismo del concepto
heredado de la influencia italiana, tanto en españa como en Portugal, y
que Antonio León Ortega, perpetúa en su obra estas bases argumentales,
consideramos que este III Congreso es el marco ideal para dar a conocer
la obra de un Artista de raigambre ibérica.
Esta investigación ha sido fruto de casi veinte años de búsqueda de un
número ingente de piezas que se encuentran repartidas por varios paises,
sobre todo por España y más en las províncias limítrofes con Portugal
como son Huelva, Badajoz, Cáceres y Salamanca.
Para comprender mejor la importancia de su escultura e idiosincracia
de la misma, vamos a realizar un recorrido breve por las etapas de su
trayectoria, y así comprender mejor las influencias recibidas y las
aportaciones que lega a nuestro patrimonio, como algo singular y
enriquecedor.
* Alberto Germán Franco Romero: Espanha, escultor e profesor de escultura na Facultad de Bellas Artes de
Sevilla. Licenciado en Bellas Artes, Universidad de Sevilla.
** M. Ángeles Maqueda Pérez: Espanha, artista visual. Doctora en Bellas Artes. Professora do Departamento
de Escultura e Historia de las Artes Plásticas da Facultad de Bellas Artes, Universidad de Sevilla.
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Artes em torno do Atlântico:
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1. Etapas de la obra de Antonio León
Habiendo hecho un estudio pormenorizado de su obra escultórica, y
acompañando a nuestro personaje en el transcurrir de su vida, podemos
establecer diversas etapas, paralelas a sus circunstancias vitales y
necesidades expresivas.
Así pues, podríamos dividir su trayectoria en.
1.1.Etapa intuitiva (1920/1927)
Siendo un niño debe de dejar los estudios primarios para ayudar a la
economía familiar, como pastor de cabras.
En él se despierta una inquietud por plasmar en pequeñas piezas de
madera, talladas a punta de navaja, y la temática eran aquellos animales
con quienes pasaba largas horas (Figura 1).
Figura 1. Pequeñas figuras talladas en el campo (imagen del autor).
1.2.Etapa de formación académica (1928/1932)
Antonio es becado y ayudado por la dueña de la finca donde trabajaba
de pastor, y marcha a Madrid para cursar estudios de Artes y Oficios y en
la Escuela Superior de Bellas Artes de San Fernando.
18
ISBN: 978-989-8300-32-4
Compaginó esta formación con colaboraciones en talleres de
escultores de renombre de la época, como José Capuz y Adsuara,
conociendo a otros como Mariano Benlliure e incluso tener entre sus
compañeros a artistas como el escultor Juan de Ávalos.
Este es un momento crucial en su obra, que le hace forjar esquemas
distintos con un concepto amplio de la escultura y no ceñido
exclusivamente a los cánones que imperaban en Andalucía, herederos de
las escuelas sevillana y granadina del SVII, con grandes reminiscencias de
un barroco que también imperaba en los arquetipos del presepio
portugués de la época, de un barroquismo ampuloso y detallista.
Destacó en disciplinas como la anatomía y modelado y se nutrió del
ascetismo castellano y el esquematismo y síntesis que sus maestros
levantinos le mostraron.
Figura 2. Antonio León modelando en la Escuela de Bellas Artes de Madrid
(imágenes del autor).
Este es un periodo en el que se forja un Antonio León ecléctico con
un firme propósito de buscar un propio camino formal (Figura 2).
19
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
1.3. Etapa de búsqueda (1933/1938)
Una vez finalizados los estudios académicos en Madrid, y forjados los
pilares de una sólida formación como escultor, el ayamontino vuelve a su
pueblo, donde se encuentra con tiempos difíciles y en los que lucha por
darse a conocer como escultor, afianzando los conocimientos adquiridos
en su anterior etapa.
Comparte taller con el también escultor José Vázquez Sánchez, e
incluso llegan a realizar obras conjuntas como el Jesús Nazareno de
Moguer, hasta que a finales de la década este último se abre camino en
Sevilla y él marcha a Huelva para iniciar una interesante y larga andadura
profesional.
1.4. Etapa clásica barroca 1939/1949)
Esta etapa comienza compartiendo estudio con el pintor Gómez del
Castillo, quien policromaba las obras, que León tallaba, hasta que se
produce una ruptura, a raíz de la realización del Cristo de la Buena
Muerte de Huelva, pues quedaron en firmarlo conjuntamente, pero del
Castillo, lo hizo en solitario a espaldas de nuestro protagonista.
Es cuando se independiza y comienza su andadura en solitario,
precisamente con el Cristo de la Vera Cruz para Ayamonte, en el que se
reivindica a sí mismo, pues su factura es prácticamente idéntica del de la
Buena Muerte (Figura 3).
Es como si él quisiera demostrar la autoría de aquel que no pudo
firmar, y le sirve de punto de partida para darse a conocer de forma
autónoma, como escultor de imágenes, en un momento en el que surge
una gran demanda de estas, a causa de todo el patrimonio desaparecido
en la Guerra Civil.
Se ve muy encorsetado pues tiene que ceñirse a la línea imaginera de
aquellas obras perdidas, en su inmensa mayoría barrocas y de la escuela o
corte sevillanos.
En estos momentos, nuestro artista siente la necesidad de demostrar
sus conocimientos de modelado, talla y anatomía, por lo que incurre en
cierto modo en una acentuación exagerada de esta última, siendo en
algunos casos algo dura y poco natural.
Pero es avanzada la segunda mitad de los años cuarenta cuando las
formas se van suavizando y el barroquismo se muestra con más mesura,
los rizos de los cabellos se van aliviando y sus esculturas comienzan a
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abandonar poco a poco los esquemas de aquellas imágenes que se
perdieron.
Paulatinamente Antonio León va a ir desafectando las expresiones y su
propia serena y calmada personalidad comienza en obras como el Jesús
Nazareno de la Puebla de Guzmán (Huelva). Sin embargo anteriormente
tuvo algunas iniciativas aisladas, que a modo de ensayo, atisban sus
predilecciones estéticas, como es el caso del Ángel Confortador de la
Oración en el Huerto de Huelva, que evoca de una manera flagrante el
más puro helenismo Griego, encarnado en la Victoria de Samotracia
(Figura.4).
Figura 3. Izda. Cristo de la Buena Muerte de Huelva, y Dcha. Cristo de la Vera Cruz
de Ayamonte, ambos 1941 (imágenes del autor).
Así pues, consigue conferirle levedad a la materia y aplicarle efectos
como el de eteriedad, característica principal de la obra referida que se
ubica en el Museo del Louvre de París.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
mayestáticos y la frontalidad e hieratismo de sus vírgenes nos hacen
pensar en una obra más simbólica que expresionista.
Figura 4. Victoria de Samotracia y Ángel Oración en el Huerto de Huelva (imágenes
del autor).
1.5. etapa de afirmación personal (1949/1962)
Ahora huye de teatralidades y sus imágenes comienzan a ser más
reflexivas y espirituales, buscando más la parte divina que la humana. Es
un periodo de búsqueda introspectiva en su propia forma de ver y sentir
la religión.
Dentro de esta etapa cabe destacar el grupo del Sagrado
Descendimiento de Huelva, en el que se toma la libertad de realizarlo de
talla completa ala usanza de los maestros castellanos del SXVII, e incluso
podríamos decir que existe un cierto paralelismo con la línea de la
escultura religiosa en Portugal, en la que también predomina este
concepto de talla completa, herencia de todas las influencias italianas en
la Península ibérica.
Otro grupo en esa misma línea es la Virgen de las Angustias de la
Hermandad del Santo Entierro de Huelva.
1.6. Etapa de introspección analítica (1962/1973)
En esta, el ayamontino llega a una parquedad de recursos expresivos,
que nos recuerdan a la escultura románica, pues sus cristos son
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Figura 5. Grupo del sagrado descendimiento de Huelva (imagenes del autor).
Él se refugia en su mundo interior y elimina estucos dejando las
maderas desnudas, o en todo caso con unas veladuras de color sobre la
misma, evidenciando la huella de la gubia e impregnando su producción
de un arcaísmo casi hermético, absolutamente antagónico al barroquismo
que se estilaba en la Andalucía de la época.
1.7. Etapa de recapitulación (1973/1985)
Nuestro escultor parece mirar hacia atrás y querer a rememorar obras
ya realizadas anteriormente, bien por añoranza o debido a las
limitaciones físicas e la edad, pues podía resultarle más cómodo recurrir a
lo ya hecho.
Lo cierto es que sigue esquemas propios de otras épocas, y el más
patente es el del Cristo de la Fé de Huelva en el que plasma aquel
crucificado que hiciera en el 49 como es el de los estudiantes, pero ahora
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
envuelto en un tratamiento más simple y un rostro en la línea de la etapa
anterior de rasgos románicos.
Y se puede decir que su última obra de envergadura son las seis piezas
de barro cocido, que figuran en la fachada de la Catedral de la Merced de
Huelva, donde se reafirma en ese espíritu ascético medieval
Así pues, estamos hablando de escultores con otras inquietudes, que
luchan por vencer a lo rancio y establecido y que en este caso, la obra
religiosa es un pretexto para buscar nuevos argumentos con los que dar a
conocer las propias experiencias de aquel niño pastor que fue siempre
buscando la esencia de lo sencillo, natural y humilde, sin aspavientos ni
teatralidades que puedan parecer verdades fingidas. ●
Figura 6. Cristo colección privada y Cristo Parroquia d la Antilla -Lepe- Huelva
(Imágenes del autor)
Conclusión.
La importancia de Antonio Léon Ortega, creemos que no sólo puede
trascender a nivel de la Província de Huelva, sino que también puede ser
un espejo de la Portugal artística que en un segundo plano está dando
escultores con idénticas inquietudes, escultores que se vieron
impregnados por los postulados que la Francia de finales del SXIX
marcó a artistas bolseiros portugueses en París y artistas españoles que
recibieron la misma influencia através del Madrid donde estudió León
Ortega.
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Joana Vasconcelos:
contaminações entre escultura e moda
Alexandra Cabral*
Resumo: As esculturas de Joana Vasconcelos condensam a relação
mente/objecto/corpo em formas significantes onde a moda tem um papel
preponderante. A pertinência da moda com obra de arte é desvendada em obras
acreditadas internacionalmente, através das quais a escultora analisa o mundo, usando
ícones da cultura nacional que são também globais.
Palavras-chave: Joana Vasconcelos, Escultura e Moda, Contaminações, Identidade
Nacional, Gestão da Arte.
apresentava Bunis (1994), um desfile de chapéus de esferovite coloridos e
orgânicos, tais extensões do pensamento. Já aqui, Vasconvelos levava o
espectador a experimentar a autonomia induzida pelas formas
apresentadas, questionando-se sobre a inquietação que provocavam;
colocava os léxicos estéticos do criador e do fruidor em dicotomia.
Title: Joana Vasconcelos: Contaminations between Sculpture and Fashion
Abstract: The sculptures of Joana Vasconcelos condensate the mind/object/body
relationship in signifying shapes where fashion plays a distinguished role. The relevance
of fashion as work of art is revealed in internationally recognized works, by which the
sculptor analyses the world, using icons of her national culture that are also global.
Key-words: Joana Vasconcelos, Sculpture and Fashion, Contaminations, National
Identity, Art Management.
Introdução
O tema coloca as obras de Vasconcelos sob o prisma da moda, que
tem contribuído para a mediatização e consagração da artista. A validade
da crítica social feita à luz da moda coloca-a como uma nova categoria da
arte contemporânea. Do percurso da artista nascida em 1971,
destacamos o Prémio EDP Novos Artistas, a participação na Bienal de
Veneza em 2005 e a retrospectiva no CCB em 2010. A metodologia
adoptada foi mista, não intervencionista e qualitativa: pesquisa
bibliográfica, análise de obras e fotografias.
1. Os poemas e os objectos que os constituem
A contaminação da moda na obra de Vasconcelos tem sido
consistente, fértil e abrangente, sempre ligada ao seu papel na sociedade
global. Está presente desde o início, porque é ‘uma expressão humana muito
importante, tal como é a arte no sentido das artes plásticas’ (Cabral, 2010: 242),
como a artista refere. Nas Manobras de Maio de 1994, a artista
Portugal, designer de moda freelancer e formadora na Modatex. Mestrado em Design de Moda, Faculdade
de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa (FAUTL). Licenciatura em Arquitectura de Design de
Moda (FAUTL, 2004).
*
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Figura 1. Dorothy, Joana Vasconcelos (2001).
A temática enquadrada contempla elementos da identidade nacional,
incluindo os da moda, tais como um vestido de noiva, um colar do
período barroco ou um coração de filigrana, porque a artista considera
que ‘fazem parte da nossa cultura. São ícones (…) da identidade humana.’
(Granja, 2009: 1). Por a moda pertencer ao quotidiano, é-nos também
imediata a sugestão de cenários da cultura e vivência que a
contextualizam. Com Dorothy (2007), uma composição de panelas e
tampas em forma de sandália, semelhante a uma incrustação de
lantejoulas (Figura 1), somos remetidos para o campo de significação da
obra. Vasconcelos refere que ‘a mulher que fica em casa agarrada aos tachos e a
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tomar conta dos filhos, não é a mesma que vai para as festas de saltos altos.’
(Soromenho, 2008: 41). No entanto, vemos em Dorothy o retrato da
mulher actual, que vai a festas e é simultaneamente dona-de-casa e uma
profissional bem-sucedida. Concluímos que aqui o objecto de inspiração
perdeu o seu uso, mas não sua simbologia de sensualidade adquirida em
sociedade. Como nos diz Barthes (1999: 293), ‘o objecto cultural possui, pela
sua natureza social, uma espécie de vocação semântica: nele, o signo, está sempre
pronto a separar-se da função e a operar sozinho’ – um signo cuja conotação é
exacerbada aqui pela escala.
Para Vasconcelos, os objectos não se transformam em obras de arte, o
que se altera é a leitura e o uso que deles fazemos (Nobre, 2009: 33-34).
Para tal, opta por um teor figurativo nas formas, que atrai e confunde:
emprega objectos de uso quotidiano para torná-las menos
«indecifráveis», mas a sua contextualização origina novas leituras. Diz:
‘Quando pego nos objectos não os transformo, utilizo e massifico. O pequeno toque é o
que faz as pessoas darem-lhe outros significados.’ (Nobre, 2007: 3). Encerrar as
obras da artista numa definição seria então um acto redutor, por isso a
revista Art Actuel (2005: 1) definiu-as como poemas-objectos.
Figura 2. Série Coração Independente, Joana Vasconcelos (2004-2006).
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Figura 3. Rantanplan, Joana Vasconcelos (2009).
Figura4. Varina, Joana Vasconcelos (2008).
2. Questionar barreiras da cultura
O acto de se eleger um elemento de uso quotidiano para lhe alterar o
significado com um novo título, materiais e escala é semelhante ao do
processo criativo em design de moda, na correspondência entre tema,
matérias-primas e silhuetas. A transposição de barreiras entre «alta» e
«baixa» culturas, que se pretende em moda como obra de arte, verifica-se
quando Vasconcelos dá uma leitura erudita a objectos triviais. A artista
adapta materiais e conhecimentos às realidades das suas peças e
questiona a sua potencialidade: ‘por que razão este material, pouco nobre, não
pode ganhar nobreza?’ (Rodrigues, 2009: 50). Tal ocorre na série Coração
Independente (2004-2006), três corações gigantes inspirados nos de Viana
do Castelo (Figura 2); o rigor e minúcia advêm de um saber que produz
peças de joalharia, mas a concepção como «esculturas-jóias», feitas de
plástico, decorre da sua visão crítica.
No atelier da artista, assistimos ao acto de vestir figuras de loiça com
croché comprado nas feiras. Identificamos uma reciclagem aliada ao
pensamento criativo: processo com origem na simetria de vestir um
corpo humano e de adequar motivos geométricos e cores a loiças
particulares. Os motivos florais destinam-se aos sapos e os geométricos e
angulosos aos lobos (Figura 3). Quando um touro veste uma peça de
croché vermelha ou um cavalo uma peça branca, existe uma ligação
evidente: esse «vestir» é comparável ao acto de vestir pessoas, onde estilo
e personalidade se fundem no visual criado. Contudo, o uso do têxtil
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Artes em torno do Atlântico:
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reveste-se de vários significados e por isso Varina (2008) é uma colcha
feita de raiz (Figura 4), onde as 1500 executantes de Stª Maria da Feira
registaram os seus conhecimentos. Pela dimensão desmesurada, a obra
artesanal comporta uma ligação irónica com a lógica repetitiva da
produção em massa. Passamos, assim, para a vertente consumista da
moda, facilitada pelo design e pela produção em série, que a artista
igualmente explora.
3. Moda e consumismo: design e arte
Vasconcelos relaciona-se com a moda ao criticar a sociedade de
consumo, por ser paradigmática dos seus excessos. Fala-nos sobre a
vaidade que nos impele e sobre o delírio incontrolável do consumo
desenfreado, usando secadores de cabelo em Spin (2001) ou centenas de
collants em Wash and Go (1998) (Figura 5). Em Airflow (2001), cria um
expositor de gravatas agitadas pelo vento, feito com acessórios do
próprio cliente (Figura 6).
Figura 7. Burka, Joana Vasconcelos (2002).
Figura 5. Wash and Go, Joana Vasconcelos (1998).
Figura 6. Airflow, Joana Vasconcelos (2001).
Conjuga duas ligações, a da arte com a vida e a da arte com o design e
confronta-nos com uma redundância que a própria comenta: ‘A pessoa
(…) comprou desesperadamente uma atitude consumista.’ (Cabral, 2010: 241). O
cliente adquire uma obra de arte funcional, tal como acontece na moda
ou em Plastic Party (1997), que Vasconcelos descreve como tendo ‘duas
vidas, uma prática e uma abstracta (mais conceptual, digamos assim).’ (Cabral,
2010: 241).
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4. A moda como instrumento de crítica social
O poder aprisionador da moda e do vestuário é escrutinado. Em
Burka (2002), a artista apela aos direitos humanos, pondo a nu as
opressões que sofrem as mulheres, usando várias sobreposições de fatos
oriundos de países diferentes, tal saia-da-Nazaré (Figura 7); mostra-nos
que muitos códigos do vestir feminino são influenciados ou impostos
pela cultura e pelo sexo masculino: ‘é uma alegoria a uma condição feminina
que existe ainda no mundo e, apesar disso, é um objecto de moda, completamente
carismático, uma vestimenta que é também uma prisão, é tanta coisa!’ (Cabral,
2010: 239). Desse modo, Super Napron (2005) encerra uma ironia às
imposições masculinas: um homem é subjugado ao poder feminino,
pacífica e subtilmente, quando completamente revestido a croché. O
resultado é inquietante, no limbo da parecença entre dois super-homens:
um delicado como o material têxtil, outro vigoroso, pelo ar fetiche da
pele que se vislumbra.
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A associação da moda ao estatuto social é evidenciada no cenário
amargo de Menú do Dia (2001), onde luxuosos casacos de peles são
pendurados em portas de frigorífico desprovidas de alimentos. A
sensação entre calor e frio torna arrepiante o contraste sugerido entre
ostentação e pobreza extrema, coexistentes na sociedade. O uso de
vestuário alude à presença humana: serão pessoas famintas ou pessoas
ricas e viciadas no consumo, atitude frívola insinuada pelas portas vazias?
A obra consegue, com um número mínimo de elementos, expor factores
sociais, aludir à moda e recriar sensações físicas. A relevância de um
retrato social feito à luz da linguagem da moda, também acontece em
Noiva (2001) que põe em confronto o individual e o colectivo (Figura 8).
A escultura, feita de tampões e em forma de lustre, é comparável a um
vestido de noiva. Vasconcelos associa Noiva à ‘condição da mulher [que] já
não é o que era. Porque há tampões, porque há a pílula.’ (Ribeiro, 2005: 60), e a
um mundo global de gestos de consumo semelhantes e excessivos.
Analisando também Valquíria Victória (2008), feita em veludo, lantejoulas
e dezenas de outros acessórios (Figura 9), encontramos mais uma
conotação do vestuário adquirida em contexto social: “Ao contrário das
minhas outras ‘valquírias’ (…) concebi para Paris uma toda de preto. É mais
chique.” (Soromenho, 2008: 37).
Figura 8. Noiva, Joana Vasconcelos (2001).
Figura 9. Valquíria Victória, Joana Vasconcelos (2008).
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5. Moda e corpo usados como meio
Não podemos falar de moda sem referir o uso do corpo como meio,
tão comum entre as valquírias de Vasconcelos. Em Joujoux (2007), criada
como cenário de bailado, vemos o estreitar da ligação entre conceito,
objecto, mente e corpo. Enorme, imponente e observada no conjunto do
movimento dos corpos, a peça, que já em si se refere a eles, funde-se na
sua performance artística. Umbiga (2004), embora mais pequena, é
inclusivamente descrita por Rubio (2004: 17) como ‘eco do corpo que se
converte numa aparição de diversos apêndices’. Assim, os objectos criados por
Vasconcelos ganham vida própria por «vestirem» uma ideia. Nesta
alegoria, somos valquírias, personificamos loiças revestidas a croché,
cobiçamos o vestido de noiva para sermos um objecto luxuoso. Neste
momento transitivo e transpositivo da relação entre a escultura/corpo
vestido, dá-se a «transformação» da escultura em moda.
6. Vasconcelos une moda e arte
A artista diz-nos que moda e arte são um importante contributo para a
sociedade, essencial para criticar as atitudes humanas. Nas obras que
idealiza, Vasconcelos tenta reflectir aquilo que preconiza como futuro da
moda e da arte: ‘um futuro de maior capacidade de análise da realidade e (…)
daquilo que, de facto, nós precisamos para mudar.’ (Cabral, 2010: 242)
A sua actuação não se restringe ao plano das ideias, reflecte a
conjugação entre ‘a ideia de marca (…) e a ideia de autoria (…) praticada no
circuito da arte contemporânea.’ (Melo, 2001: 33) e no da moda, gerando bens
de consumo com valor cultural – que têm sido reconhecidos pelo
público e legitimados pelas instituições. Assim, Vasconcelos criou a sua
própria «indústria criativa», integrando mecanismos de produção e
divulgação, nacional e internacional, que resultam da sua faceta
multidisciplinar e da sua capacidade de gestão da arte.
Conclusão
A diversidade de linguagens plásticas que Joana Vasconcelos combina
através da escultura é equiparável à do universo da moda como arte. Ao
descontextualizar os seus significados para criar novos signos e
mensagens, comprova a existência de processos e argumentos na prática
artística em moda – afirma-se a moda como obra de arte.
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De Película – As narrativas fotográficas de Vera Chaves
Referências
‘Banco! Joana Vasconcelos’ (2005) Art actuel, le magazine dês arts contemporains, nº
36 (Jan/Fev), 1p., acedido a 15/03/2009, ‹www.joanavasconcelos.com›.
Barthes, R (1999) Sistema da Moda. Lisboa: Edições 70.
Cabral, A. (2010) Moda e Obra de Arte Contemporânea: Processos, Percursos e
Contaminações na Obra de Joana Vasconcelos. Dissertação de mestrado.
Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa.
Granja, V. (2009) ‘Coração Independente’, VISUAIS & BARULHOS, 43
(Abr), [Consult. 2009-08-07]. Disponível em ‹http://
www.ruadebaixo.com/coracao-independente.html›.
Melo, A (2001) Arte. Coimbra: Quimera Editores,
Nobre, S (2007) ‘Lugar de Passagem’, TABU, suplemento do semanário Sol,
Newshold S.A, Lisboa, (24 Fev) 3p., [Consult. 2009-03-15]. Disponível
em ‹www.joanavasconcelos.com›.
Nobre, S (2009) ‘Ninguém me Leva a Sério’, Lisboa: TABU, Newshold S.A.,
121 (3 Jan) pp.32-38, 7p.
Soromenho, A (2008) ‘A Marca de Joana Vasconcelos e a Artista “Made In
Portugal”’, Lisboa: ÚNICA, suplemento do Jornal Expresso, Sociedade
Jornalística e Editorial S.A., 1838 (19 de Janeiro) pp.32-36 e pp.37-43.
Ribeiro, A M (2005) ‘Joana Vasconcelos: Um Novo Objectivismo.’ Lisboa:
ELLE, Hachette Filipacchi.
Publicações, 202 (Jul) pp. 58-61, 4p. [Consult. 2009-03-15]. Disponível em
‹www.joanavasconcelos.com›.
Rodrigues, C S (2009) ‘Joana Vasconcelos, Quinze Anos a Trabalhar’,
NOTÍCIAS MAGAZINE, suplemento do Diário de Notícias,
Controlinveste Media SGPS, S.A., Lisboa 50 (Mar) p.50, 1p.
Rubio, A P (2004) Joana Vasconcelos. Porto: Mimesis. ●
Barcellos
Alfredo Nicolaiewsky*
Resumo: Este artigo apresenta os trabalhos A Mulher Pantera e Pequeno Discurso
Amoroso da série De Película, produzida entre 2000 e 2002 pela artista Vera Chaves
Barcellos (Porto Alegre, Brasil, 1938). Esta série apresenta alguns aspectos
característicos e recorrentes em sua produção: o uso da fotografia, a apropriação e o
aspecto seqüencial das imagens, sugerindo narrativas.
Palavras-chave: Vera Chaves Barcellos, narrativa fotográfica, apropriação.
Title: De película: the photo narratives of Vera Chaves Barcellos
Abstract: This paper presents the works A Mulher Pantera and Pequeno Discurso
Amoroso from the series De Película, made between 2000 and 2002 by the artist Vera
Chaves Barcellos (Porto Alegre, Brazil, 1938). This series presents some characteristic
and recurrent features in her work: the use of photography, the appropriation and the
sequential features of the images, suggesting narratives.
Keywords: Vera Chaves Barcellos, photographic narratives, appropriation.
Vera Chaves Barcellos (Porto Alegre, Brasil, 1938) vive atualmente
entre Barcelona (Espanha) e Porto Alegre (Brasil), onde mantêm ateliês.
Iniciou seus estudos em 1959, no atual Instituto de Artes da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Após um período de
estudos na Europa, dedicou-se a gravura, principalmente a xilogravura e
serigrafia. A partir de meados dos anos 1970 passou a trabalhar com
suportes e técnicas diversas, com ênfase na fotografia, nas instalações e
no vídeo.
A série fotográfica intitulada De Película, produzida entre os anos de
2000 e 2002, esta formada por um pequeno número de obras, conjuntos
de fotografias obtidas a partir de filmes exibidos na TV. Nesta série
destacam-se alguns aspectos característicos e recorrentes na produção
de Vera: o uso da fotografia, a apropriação e o aspecto seqüencial das
imagens, sugerindo narrativas. São três aspectos bastante diferentes
entre si, pois o primeiro refere-se à técnica utilizada, o segundo a um
procedimento e o terceiro a maneira de organizar e apresentar as
imagens.
Brasil, Artista Visual e Professor. Doutor em Artes Visuais – Poéticas Visuais, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Artes Visuais – Poéticas Visuais (UFRGS, 1995). Bacharel em
Arquitetura e Urbanismo (UFRGS, 1976).
*
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Trabalhar com imagens fotográficas, capturadas a partir de filmes,
vídeos ou da televisão é um procedimento bastante disseminado no
campo das artes visuais, um recurso para produzir a matéria-prima e as
obras de diversos artistas, dos quais podemos citar Eric Rondepierre
(França, 1950), Victor Burgin (Grã-Bretanha, 1941), John Waters (EUA,
1945) e Rosangela Rennó (Brasil, 1962). Cada um deles procede de
diferentes maneiras e também com diferentes intenções.
As imagens fotográficas, obtidas a partir de filmes na televisão, tem
características únicas, pois são imagens híbridas. Sendo inúmeros os
procedimentos utilizados pelos artistas, para se apropriarem de imagens
cinematográficas, para melhor compreendê-los é necessário refazer aqui
o processo de como as imagens foram produzidas: 1. Houve a
concepção do filme por um roteirista ou autor; 2. Houve a escolha dos
atores, cenógrafos, figurinistas; 3. Houve a direção dos atores, a escolha
da iluminação, o ângulo em que seriam filmados; 4. Houve a montagem
da película; 5. Houve a passagem da película para outro suporte, vídeo
ou digital, acarretando alterações na imagem, não apenas na qualidade
técnica, mas eventualmente no formato das mesmas; 6. Após todo esse
processo o artista tem, finalmente, acesso a imagem que ele pode captar
pela fotografia, seja na televisão, vídeo ou DVD, imagens que,
naturalmente, vem com todas as alterações e perdas decorrentes dos
múltiplos processos pelas quais elas passaram.
Da série intitulada De Película destacamos as obras A Mulher Pantera e
Pequeno Discurso Amoroso. Comecemos explicando de que maneira Vera
obtém estas imagens (comunicação pessoal, 2002-19-02): quando está
assistindo a um filme na televisão, a artista, às vezes, percebe que ele
pode ter imagens “boas”, imagens adequadas para um possível trabalho.
Ela prepara a máquina fotográfica e fica à espera. Em determinados
momentos começa a fotografar as imagens, em movimento, pois elas
não “param” para serem fotografadas. Normalmente faz várias fotos em
seqüência, não se preocupando em enquadrar somente as imagens na
tela, mas captando também áreas em negro ao redor do aparelho de
televisão, deixando este com sua imagem luminosa em destaque. Após
serem analisadas, se aprovadas, essas imagens são organizadas em
conjuntos exatamente como foram captadas, sem qualquer recorte ou
“limpeza” posterior. Este procedimento de captação, sem edição,
promove nas imagens algumas características específicas: elas apresentam
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o granulado das imagens de TV; por vezes são levemente desfocadas;
também ocorrem distorções, por terem sido obtidas lateralmente ao
tentar escapar dos reflexos.
O que para mim dá um caráter único a estes trabalhos é exatamente a
postura da artista ao trabalhar com o momento, sem a possibilidade de
retornar à imagem original para obter uma foto melhor e também sem
poder parar a imagem em algum momento específico. Essas fotos não
são obtidas quando a artista esta assistindo a um filme em vídeo ou
DVD, pois nestes casos ela poderia recomeçar o filme, ou retroceder
alguns quadros para obter a imagem mais interessante. Nesta maneira de
trabalhar, os filmes, assim como a vida, não param para permitir ao
artista escolher os momentos mais significativos.
A estruturação do trabalho, em conjuntos de imagens, nestas obras
merece uma atenção especial, pois as seqüências fotográficas têm
narrativas mais ou menos evidentes, apontando para pequenos
fragmentos de histórias. Isso se dá devido a dois procedimentos
diferentes na escolha e organização das fotos: às vezes são imagens
obtidas a partir de uma única cena como, por exemplo, A Mulher Pantera
(Figura 1) ou então são imagens captadas em momentos diferentes do
filme, gerando grandes vazios narrativos, que ficam para serem
completados pelo espectador como, por exemplo, Pequeno Discurso
Amoroso (Figura 2). É importante salientar que as imagens que formam as
obras, além de oriundas de um único filme, têm como tema personagens
femininas em situações de tensão.
Figura 1. Vera Chaves Barcellos. A Mulher Pantera, 2000/2002, 50cm. x 70cm. (cada
foto), fotografia, coleção Fundação Vera Chaves Barcellos, Porto Alegre.
Em A Mulher Pantera temos uma seqüência de seis imagens, obtidas a
partir de uma única cena, onde vemos a cabeça de uma mulher dentro
d’água, em uma piscina ou um lago, em uma cena noturna. Nas duas
primeiras imagens do trabalho a mulher parece relaxada, tranqüila. Nas
duas imagens seguintes observamos que ela esta olhando para algo, ou
alguém, que está fora do quadro. É difícil perceber seu sentimento neste
momento. Nas duas últimas fotos notamos uma transformação da
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mulher: seu rosto começa a se modificar e, finalmente, ela parece gritar.
O título – A Mulher Pantera – funciona como uma forma de elucidar, em
parte, a ação. Vera não nos mostra a possível transformação da nadadora
em mulher pantera nem, tão pouco, nos dá a razão do título. Ela deixa as
imagens como um grande enigma pleno de questões: Quem é esta
mulher? Porque se transforma em pantera? O que a levou a esta
situação? Ela está sendo ameaçada? Ela atacará? Como é uma mulher
pantera? Ao mesmo tempo em que podemos imaginar respostas para
estas perguntas, somos levados em uma viagem no tempo, já que o
próprio título, e as imagens, indicam que este é provavelmente um filme
antigo, possivelmente um filme classe “B”, como os que se assistia nas
matinês nos finais de semana dos anos 1960.
Imagino que Vera Chaves Barcellos, não fez este trabalho preocupada
com o destino da mulher pantera, mas, mais provavelmente, tenta
resgatar as emoções da juventude, dela e nossa, seu público, nos
apresentando em algumas poucas imagens, um trabalho que ativa, por
sua força evocadora, a nossa memória.
Figura 2. Vera Chaves Barcellos. Pequeno Discurso Amoroso, 2000/2002, 70cm. x
100cm. (cada foto), fotografia, coleção Fundação Vera Chaves Barcellos, Porto Alegre.
O segundo trabalho, intitulado Pequeno Discurso Amoroso, também
formado por seis fotografias, diferentemente do exemplo anterior, teve
suas imagens obtidas em cenas esparsas de um filme. Chama a atenção o
fato de podermos visualizar, com bastante destaque, os limites da tela da
televisão, criando grandes áreas negras, no entorno da imagem do filme.
Aqui as imagens não são tão claras quanto no trabalho anterior. As duas
primeiras fotografias mostram um jovem refletido em um espelho –
possivelmente em um banheiro público –, a primeira de frente e a
segunda de costas. A terceira foto da seqüência nos mostra uma mulher,
ao ar livre, junto a uma estrutura de barras na qual ela se apóia. A quarta
imagem nos apresenta um jovem, aparentemente diferente daquele das
duas primeiras fotos e parte do rosto da mulher da imagem anterior, no
limite da parte direita da foto. As duas últimas fotografias do conjunto
apresentam imagens confusas, na qual percebemos uma possível
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ISBN: 978-989-8300-32-4
sobreposição de prédios, uma série de estruturas horizontais que
formam linhas e, finalmente, com alguma transparência, uma figura
feminina em movimento. Na última imagem a mulher, em movimento,
está de costas para o espectador.
Diversas interrogações surgem deste conjunto: nenhum personagem
parece estar falando ou tentando se comunicar; os lugares onde ocorrem
as ações diferem bastante, com exceção das duas últimas imagens; é
possível ao espectador/observador estabelecer certa relação visual entre
a segunda, a quinta e a sexta imagem, pois nestas temos algumas
recorrências, tais como a figura feminina sozinha e parada, ou
caminhando e, finalmente, são imagens com ênfase nas linhas
horizontais.
Certamente podemos falar em narrativa de um tipo bastante diferente
do exemplo anterior. Neste Pequeno Discurso Amoroso vê-se uma narrativa
com lacunas, com grandes vazios, que precisam ser preenchidos pelo
espectador. A margem de participação do público neste caso se amplia,
ao contrário do A Mulher Pantera, no qual cada expectador pode
preencher os vazios a partir de suas experiências pessoais ou memórias
cinematográficas. Neste segundo exemplo, o título tem uma função
diferente daquela do primeiro trabalho, pois aparentemente este título
faz referência aos Fragmentos de um Discurso Amoroso, obra de Roland
Barthes na qual o amor nos é apresentado em forma de verbetes de um
dicionário, em fragmentos, como as imagens desta obra. Neste trabalho
de Vera, o título é antes um elemento instigador, mais do que uma
descrição do conteúdo da obra, pois, aparentemente, não há nada nestas
imagens que sugira um pequeno discurso amoroso...
Vera Chaves Barcellos em sua obra no geral, e na série De Película em
particular, propõe-nos muitas questões, das quais saliento aqui, duas:
por um lado, uma reflexão sobre os significados das imagens no mundo
contemporâneo, pois ao se apropriar de imagens normalmente fugazes,
ao preservá-las ela lhes da um novo status. Um status evocador de
reminiscências. Por outro lado nos propõe narrativas que são
verdadeiros enigmas visuais. Nos dois aspectos ela solicita, aos seus
espectadores, uma participação ativa. ●
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Corpo-joia:
reflexões a partir da série Longing for the Body
Ana Paula de Campos*
Resumo: Este artigo propõe uma reflexão sobre a série “Longing for the Body”, da
artista brasileira Mirla Fernandes (São Paulo, 1969), cuja poética abre espaço para
discutir as relações entre o corpo e joia. A importância do corpo na arte-joalheria é
apresentada através das obras escolhidas, problematizando as relações entre o corpo
que faz e o corpo que veste. Esses conteúdos permitem pensar a noção de ‘Corpo sem
Orgãos’(CsO) de Deleuze e Guattari.
Palavras chave: Mirla Fernandes, corpo, arte-joalheria, ‘corpo sem órgãos’(CsO)
Title: Jewel-body-: thinking on the series ‘Longing for the Body’
Abstract: This article proposes a reflection from the series ‘Longing for the Body,’by
Brazilian artist Mirla Fernandes (São Paulo, 1969), whose poetic discusses the relations
between body and jewel. The importance of the body in art jewelry is presented
through the works chosen, questioning the relationship between the body that makes
and the body who wear. These contents allow us to think the notion of 'Body without
Organs' (BwO) by Deleuze and Guattari.
Keywords: Mirla Fernandes, body, art-jewelry. "Body without Organs" (BwO)
Introdução
Quando se pensa em joia, a primeira imagem que vem a mente está
ligada à joalheria tradicional, de caráter ornamental, com gemas e metais
preciosos. Entretanto, paralelamente a essa produção comercial, uma
outra abordagem de caráter conceitual vem se desenvolvendo ao longo
dos últimos 40 anos: a arte-joalheria. Trata-se de uma produção que
abarca manifestações artísticas que se valem do corpo como suporte para
as obras e cuja ênfase está na elaboração de um discurso poético sobre o
universo da joalheria e/ou do objeto-joia em todos os seus
desdobramentos simbólicos e conceituais. Assim a joia não é entendida
por sua materialidade preciosa ou função decorativa, mas por sua
essência enquanto objeto simbólico dado à visibilidade, como um veículo
de expressão do sujeito e de seu tempo. Para além do objeto em si, a joia
define-se mais como uma plataforma de manifestação dos desejos
individuais e coletivos que, ao ser produzida no campo da arte, almeja
Brasil, artista joalheira. Doutorado em Artes / UNICAMP. Mestrado em Educação, Arte e História da
Cultura / Universidade Mackenzie. Graduação: bacharelado em Desenho Industrial / Universidade
Mackenzie.
*
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destacar-se como um meio de problematização do sujeito
contemporâneo e de seu contexto.
É sobre esse território que se desenvolve o trabalho de Mirla
Fernandes, que se graduou em Bioquímica (1991) e Artes Plásticas
(1998) no Brasil, antes de estudar arte-joalheria na Alemanha (Pforzheim,
entre 1999 e 2000). Em 2006 teve sua primeira exposição individual na
Galerie Biro (Munique) com a série Longing for the Body, cujo título traz
explícita referencia à obra de Ligia Clark na medida em que os trabalhos
necessitam claramente de um corpo para completarem seu sentido no
mundo.
A proposta desse artigo, que nasce como um desdobramento das
pesquisas realizadas durante o desenvolvimento da tese de doutorado
Arte-Joalheria: uma cartografia pessoal (Unicamp, 2011), é abordar o papel do
corpo na arte-joalheria através das obras da artista e, posteriormente,
criar conexões entre esse campo e a concepção de ‘Corpo sem Orgãos’
proposta por Deleuze e Guattari.
1. Corpo-Joia
Num primeiro momento é preciso pensar no papel do corpo quando
se trata da arte-joalheria, pois este se configura como um elemento
definidor desta prática distinguindo-a da escultura ou de outras formas
de arte. Isso porque, ainda que não se restrinja à necessidade de
construção e/ou uso de um objeto-joia, essa produção é sempre pensada
em função de uma ideia de corpo inerente à própria concepção da joia, e
que abarca o corpo daquele que faz, daquele que veste e daquele que vê.
Portanto, a relação com o corpo na joalheria se manifesta como algo a
priori e não como uma escolha do artista. O corpo do outro aqui é prérequisito, é elemento intrínseco ao pensamento poético da disciplina, o
que não deve ser confundido com usabilidade e conforto.
A abordagem mais comum da relação corpo-joia consiste em entender
o corpo como suporte, uma vitrine ambulante à qual se soma a
possibilidade de ir ao encontro do outro. Entretanto, nas primeiras
manifestações da arte-joalheria na década de 70, o corpo deixava de ser
meio de exposição para se transformar em meio de atuação. Nesse
período, a ideia que mais influenciou essa produção na Europa Ocidental
era a de que o objeto tinha que funcionar com o corpo (Dormer e Turner,
1985). O interesse e a potencia dessa prática também recaía sobre o
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
caráter portável e portátil da joia, um objeto nômade que conferia a obra
uma mobilidade singular, somada à possibilidade de estar no mundo junto
do sujeito e sendo vista por seus pares.
Outra característica inerente ao campo da joalheria é que, em sua
escala, a joia evoca inevitavelmente a ideia de intimidade. É claro que a
joia é um objeto que remete ao público, dado seu inconteste papel
simbólico de construir visibilidade social. Entretanto o que ela quer
colocar à vista é sempre da ordem do íntimo, daquilo de mais profundo,
interior, que pertence ao sujeito em sua forma mais pessoal, próxima ao
que se passa dentro de nós. Nessa perspectiva compreende-se que ela
tem potência de materializar e de dar a ver algo que é valor para o
sujeito.
Ao materializar esse aspecto do íntimo, a joia ganha um forte aliado: o
tato, que pressupõe participação, interação. Ele é o sentido do ser por
excelência. “O mais profundo é a pele” (Valery apud Machado, 2009: 35). Sua
presença sobre o corpo pode adquirir tamanha potência a ponto de o
objeto tornar-se uma extensão do sujeito. Sobre o corpo, na pele, a joia
se torna emblemático signo da existência.
Por fim, outro aspecto que deve ser considerado na importância do
corpo na arte-joalheria remete a toda prática artística e consiste em
entendê-lo como veículo para o processo criativo. Nesse sentido, o
corpo do artista é ponto de partida e destino da joia revelando sua
capacidade de falar com, sobre e para o corpo.
2. Corpo que faz / Corpo que veste
A importância do corpo ganha contornos específicos na obra de Mirla
Fernandes como, por exemplo, em Eu sou a medida (2000) na qual a
artista começa a usar o próprio corpo como molde ao invés dos
instrumentos usados pelos ourives. Em Longing for the Body (2005) sua
intenção foi explorar, a partir da escolha do látex como material, uma
gestualidade semelhante à da pintura. Em termos técnicos tratava-se de
um líquido que aceitava bem pigmentos, uma espécie de tinta que se
solidificava e podia estar sobre o corpo. Dessa escolha veio o interesse
nas relações entre a ampla gama de cores que o material permitia trazer
às peças (o que não acontece na ourivesaria tradicional) e as relações
inesperadas nas futuras composições com as roupas das pessoas. Para ela
isso serviu para extender a compreensão da interação corpo-joia e tomar
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consciencia do descontrole que haveria sobre a obra. Esses aspectos
foram as diretrizes na criação da série e se apresentam tanto em sua
forma de produção quanto no resultado final (Fernandes, 2011).
No fazer, o incontrolável e o acaso foram desejados e incoporados à
medida que o material escapava e saia pela borda dos moldes (Fig. 1),
uma prática que se construiu de modo oposto à criação vinculada aos
processos e técnicas de metalurgia, nos quais as ações têm de ser mais
controladas.
Figura 1. Foto de processo da série Longing for the body (2005) de Mirla Fernandes.
Fonte: autora; c.35 cm.
Nessas peças há o gesto expresso nos acidentes que ocorreram ao longo do processo de
derramar o látex sobre a superfície plana (vidro) e o gesso (molde aberto feito a partir
de modelagem em argila e sulcagem direta sobre o gesso). As minhas peças saem
diretamente da ação da minha mão sobre o material.Escolhi trabalhar com um
mínimo de ferramentas, enfatizando a ação do corpo sobre os materiais. Assim eu
deixo traços dessa ação aparecerem nas peças,cada uma revela um momento de ação
muito específico. (Mirla Fernandes, comunicação pessoal).
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Ao longo dessa experimentação os resultados estavam distantes dos
tamanhos padrões, das dimensões típicas e das soluções tradicionais da
joalheria. Aquelas peças não constituíam uma definição fechada de anel,
pulseira ou colar (figs 2 e 3). Embora fossem aros, eram aros para que
parte do corpo?
As peças dessa série são convites para um descobrimento, abrindo
possibilidades de ocupar lugares no corpo que não estão prédeterminados e comportando ainda um uso coletivo de algumas peças
(figs. 6 e7). Seu título é uma homenagem a Ligia Clark.
Figuras 2. Mirla Fernandes, LFB 12, látex, c. 45 x 25 x 1,5 cm, série Longing for the body
(2005). Fonte: autora.
Figuras 3. Mirla Fernandes, LBF 8, látex, 41 x 4 x 3 cm. Série Longing for the body,
(2005). Fonte: autora.
Enquanto a própria artista questionava esses resultados ela percebeu
que o outro é quem deveria responder. Cada peça era uma pergunta
dirigida àquele que a vestiria. Ao corpo que veste se apresentavam
múltiplas possibilidades e instaurava-se o acaso (fig.4 e 5).
Figuras 4 e 5. Interação objeto corpo, LFB 8, série Longing for the body (2005) de
Mirla Fernandes. Látex, 41 x 4 x 3 cm. Fonte: autor.
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Figuras 6. Interação objeto corpo, LFB 12, látex, 45 x 25 x 1,5 cm, da série Longing
for the body (2005), de Mirla Fernandes. Fonte: autor.
Figuras 7. Diversas peças da série Longing for the body (2005), de Mirla Fernandes,
látex, dimensões variadas. Fonte: autor; fotos: André Penteado.
3. Corpo sem Orgãos (CsO)
Ainda que a primeira imagem que venha a mente seja a de um corpo
oco, uma casca, desprovido de funcionalidade, o Corpo sem Orgão
descrito por Deleuze e Guattari (1996) não consiste na ideia de
eliminação dos orgãos. “O CsO não se opõe aos orgãos, mas a essa
organização dos orgãos que se chama organismo” (Deleuze e Guattari,
1996:21). Para os autores o organismo não é o corpo e sim um sistema
composto por formas, funções, ligações e organizações dominantes e
hierarquizadas que se impoem sobre o corpo.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Na matriz da proposição de um CsO está o desejo de que a
determinação funcional implicita na organização fisiológica do corpo
pode e deve ser desmanchada, de modo que qualquer ‘maquina’ possa se
espandir para além de um programção pre-determinada.
Criar para si um CsO consiste na vital possibilidade de desorganizar,
escapar da ordem e abrir o corpo a outras conexões, agenciamentos e
limiares incritos numa espécie de protocolo de experiencias. “Porque não
caminhar com a cabeça, cantar com o sinus, ver com a pele, respirar com
o ventre, Coisa simples (...)” (Deleuze e Guattari, 1996:11).
Nesse sentido um CsO se define mais como uma prática do que como
um conceito, um conjunto de práticas necessárias para possibilitar uma
libertação das estruturas inerentes à ideia de organismo. Esse conceito
deve ser entendido para além da concepção de um corpo físico,
abrangendo uma noção de corpo menos literal (ex: corpo docente, um
governo, a fábrica, a cidade, etc..). Assim sendo, é dos limites da
organização, das amarras de qualquer sistema que um corpo deve escapar
para permitir “ter sempre um pequeno pedaço de uma nova terra” para
habitar (Deleuze e Guatari, 1996: 24).
A concepção dos autores serve aqui para pensar no papel da joia e do
corpo transformados pela disciplina da arte-joalheria, o que pode ser
exemplificado no trabalho de Mirla Fernandes. Sua série Longing for the
body se configura como uma experimentação que desorganiza a
materialidade e o modo de fazer a joia, afastando-se de técnicas, práticas
e tipologias pré-determinadas. Ao incorporar a gestualidade, o acaso, o
descontrole, ela constrói para si um CsO, um campo de imanencia do
desejo que resulta em objetos-joia capazes de transformar o sujeito que
usa e o que vê em espectadores-ativos, refletindo inclusive a essencia
coletiva inerente à propria condição da joia. Nesse sentido as peças
potencializam ainda a construção de outros CsO pois transformam
usuários e espectadores em espaços de produção coletiva de novas
possibilidades de interação corpo-joia, desorganizando as estruturas
tradicionais de ocupação do corpo e uso da joia.
extrapolam a tipologia da joalheria tradicional suas peças se oferecem
como possibilidades, convites para a exploração de lugares no corpo e de
relações com outros corpos na forma de uso coletivo.
Seu trabalho permite compreender os propósitos da disciplina da artejoalheria em sua proposta de questionar os valores e significados das
joias, banalizados por seu entendimento vinculado apenas a ideia de
decoração e status. Em sua essencia tanto a arte-joalheria como a serie
Longing for the body explicitam desejos de desorganização das convençoes
sociais, servindo de exemplo prático de construção de um CsO.
Referências
Deleuze, Gilles; Guattari, Félix (1996) Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 3 São Paulo: Editora 34. ISBN: 978-85-7326-017-3
Dormer, Peter; Turner, Ralph (1985) The New Jewelry: Trends + Traditions.
Londres: Thames and Hudson. ISBN: 978-0-500-27434-7
Fernandes, Mirla (site) [Consult. 2011-12-07] Disponível em <URL:
http://www.mirlafernandes.com>.
Fernandes, Mirla (2011) Corpo Presente. São Paulo: Nova Joia. ISBN: n.c.
Machado, Roberto (2009) Deleuze, a arte e a filosofia. Rio de Janeiro: Zahar. ISBN:
978-85-378-0165-9 ●
Conclusão
Em Longing for the body Mirla Fernandes evidencia um interesse nas
relações entre sujeito e objeto, relações que se constroem para além do
controle ou intencionalidade da artista. Por meio de formas que
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Kenji Ota: um olhar sobre a materialidade em processos
fotográficos históricos
Andréa Brächer*
Resumo: Este artigo discorre sobre o trabalho do artista brasileiro Kenji Ota, que em
seu mestrado, procurou, através dos processos fotográficos históricos, explorar e
aprofundar questões processuais relacionadas à materialidade da imagem fotográfica. A
partir dos escritos sobre a instauração das obras observamos a processualidade
fotográfica não convencional, a exploração das reações químicas e resultados originais,
dando caráter único ao seu trabalho.
Palavras chave: processos fotográficos históricos, fotografia expandida, materialidade
fotográfica, instabilidade fotográfica.
Title: Kenji Ota: a look into the materiality of historical photographic processes.
Abstract: This article discusses the work of Brazilian artist Kenji Ota, who in his
master degree, sought, through historical photographic processes explore and deepen
procedural issues related to the materiality of the photographic image. From writings
about his photographic works observe the unconventional, the exploitation of chemical
reactions, giving unique character to his work.
Keywords: historical photographic processes, expanded photography, photographic
materials, photographic instability.
Introdução
O objetivo deste texto é apresentarmos o trabalho do artista brasileiro
Kenji Ota (São Paulo, Brasil, 1952), que desde os anos 70 exerce
atividades artísticas ligadas à fotografia. Suas pesquisas técnicas e
estéticas versam sobre procedimentos não convencionais, recuperando
processos fotográficos históricos como a calotipia, o cianótipo, marrom
vandycke, papel albuminado e papel salgado.
Abordar-se-á uma determinada parte de sua produção nestes
processos, quais sejam, os desenvolvidos durante sua dissertação de
mestrado na Escola de Comunicação e Artes da USP (Universidade de
São Paulo), denominada “Derivações: a errância da imagem fotográfica”
(2001). Seus trabalhos desenvolvidos durante o mestrado procuravam,
através dos processos fotográficos históricos, propor “um percurso de
Brasil, Artista visual. Professora Universitária e Pesquisadora da área de Fotografia na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (FABICO), no
Departamento de Comunicação Social, Área de Fotografia. Doutorado em Poéticas Visuais, Instituto de
Artes, Universidade Federal de rio Grande do Sul (IA - UFRGS). Mestrado em História, Teoria e Crítica
Artes Visuais (IA - UFRGS, 2000). Graduação em Publicidade e Propaganda (FABICO / UFRGS).
*
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exploração estética e ao mesmo tempo técnica que aponta para o
aprofundamento de formas processuais que enfatizam a materialidade da
imagem fotográfica” (Ota, 2001: 16). Pretendemos com o artigo
problematizar a questão da materialidade fotográfica nos processos
históricos fotográficos neste artista e também abrir espaço para a
reflexão à outros artistas que produzem de igual modo com estas
técnicas. Para tanto usaremos documentos escritos, a dissertação de
Kenji Ota e uma entrevista realizada por Rubens Fernandes Júnior em
sua tese de doutorado com o mesmo. Nos dois textos há depoimentos
sobre a instauração das obras e sobre seu processo de trabalho.
Como aponta Elizabeth Edwards em relação à fotografia e sua
evocação à memória, a fotografia também pode ser vista não só como
contendo uma imagem, foco de contemplação, mas também através de
sua formas de apresentação e materiais; estas formas de existir dialogam
com a imagem criando significado, ambas são fruto de intenção. “Que
escolhas que afetam o sentido visual foram feitas pensando de acordo
com o processo, papéis de impressão ou acabamentos?” se pergunta a
autora (1999: 222-3). Neste sentido, nos apropriamos do pensamento de
Edwards para também refletir sobre a materialidade no trabalho do
artista.
1. Experimentaçãoes Laboratóriais
Na contramão da indústria fotográfica, neste momento de
descontinuidade da produção de filmes clássicos fotográficos, como o
Kodacrhome, em detrimento de um mercado “digital”, Kenji Ota, em
sua trajetória, optou pela produção artesanal de suas fotografias – através
do uso do papel artesanal e do emulsionamento manual dos materiais
fotossensíveis. Segundo o artista, tanto um, quanto outro proporcionam
“sobredeterminação de irregularidades...constituindo-se um dispositivo –
em si – produtor de alteridades gráficas: campo instável de enformação
fotográfica” (2001: 17).
Seus procedimentos artísticos alinham-se a que Rubens Fernandes
Júnior chama de “Fotografia Expandida ou fotografia experimental,
construída, contaminada, manipulada, criativa, híbrida, precária,...” (2006:
16). Tais intervenções oferecem à imagem final um caráter perturbador,
preocupando-se com os contextos de produção e intervenções da
fotografia, antes, durante e/ou após a realização de uma imagem. No
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Artes em torno do Atlântico:
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caso de Kenji Ota, sua intervenção se dá na etapa após a captura da
imagem, combinando diferentes processos/procedimentos, alterando os
processos químicos e utilizando-se de processos primitivos ou históricos
ou também conhecidos como alternativos.
Como outros artistas que trabalham com emulsionamentos
fotográficos manuais, tal escolha material contrapõe-se aos papéis
fotográficos industrializados ou convencionais, que são produzidos de
modo homogêneo e regular. Nos papéis fotográficos tradicionais uma
das camadas do papel é isolada de seu suporte. Já em seu trabalho, as
contaminações químicas, indesejáveis do processo dito tradicional, são
exploradas de forma a que apareçam as ´qualidades de um suporte ativo´,
“repercutindo todas as irregularidades de sua formatação manual
(distribuição variável da polpa) para o processamento da imagem” (Ota,
2001: 17).
Katy Barron e Anna Douglas (2006: 8) usam a expressão “alquimia”
para traduzir o desejo de alguns artistas em explorar a “percepção”.
Noções de tempo, luz, reações químicas, o trabalho da matéria e as
transformações das substâncias (ao longo do processamento e do
tempo), são colocados em oposição aos tempos controlados e etapas
padronizadas do fazer preto-e-branco tradicional e sua durabilidade. É
também o caso das obras produzidas durante o mestrado do artista,
(Figura 1).
O tempo e a luz são os agentes desse trabalho alquímico (idem: 9), já
que são responsáveis por uma metamorfose material no suporte
fotográfico. O artista não só capta fotograficamente o mundo externo,
mas interfere e colabora na transmutação de objetos comuns em
imagem.
A fotografia nesses processos, pode ser entendida de acordo com a
definição de Roland Barthes: como um organismo vivo. “Nasce dos
próprios grãos de prata que germinaram, desabrocha por um instante,
depois envelhece. Atacada pela luz, pela umidade, ela empalidece,
extenua-se, desaparece” (1984: 139). Os trabalhos são “revelatórios”,
uma vez que deixam traços da qualidade viva das metamorfoses
químicas.
Já para Barthes, ao pensar na permanência, aponta para o caráter
perecível da fotografia e cujo destino ou é a gaveta ou pior, o cesto de
lixo: sua natureza é mortal. Para o artista, este apelo mortal transparece
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em suas experimentações laboratoriais; e quando perguntado sobre a
durabilidade do mesmo, pensa que o mais interessante é a possível
mutação da imagem no tempo e não sua ‘durabilidade’ (Fernandes
Júnior, 2002: 221).
Figura 1. Kenji Ota, Série Folha Seca, processo Vandycke sobre processo Cianótipo
em papel artesanal de algodão, 1996, altura da imagem: 48cm.
Foto: cedida por Kenji Ota.
As imagens realizadas incorporam as ocorrências aleatórias ou
provocadas pela quebra dos procedimentos que pretendem esta dita
longevidade: causando manchas, variações tonais, apagamentos da
imagem e metalizações. No ponto de vista do artista a instabilidade do
processo acentua a sua materialidade.
Como aponta Arlindo Machado, quanto mais o artista se distancia das
normas, das regras rígidas da prática laboratorial, mais introduz
imprecisão e descontinuidade (2001: 137-8).
Defendo que a materialidade fotográfica presente em obras como as
decorrentes dos processos históricos não pode ser reduzida à experiência
somente com a imagem (Edwards & Hart, 2004: 3). Fotografias são
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Artes em torno do Atlântico:
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depósitos de químicos em papel: ao mesmo tempo imagem e objeto
físico; “existem no tempo e no espaço, na experiência social e cultural.
Elas têm 'volume, opacidade, tactilidade e uma presença física no
mundo'” (Edwards & Hart, 2004: 1). E assim são as imagens de Kenji
Ota.
Conclusão
A partir da análise dos escritos do artista Kenji Ota e do processo de
instauração de seus trabalhos, onde são utilizados processos fotográficos
históricos, podemos levantar algumas questões ligadas a materialidade no
seu processo.
Seu trabalho aparece em oposição ao processo fotográfico
convencional, seja ele analógico ou digital. O uso de diferentes processos
alternativos, valendo-se das contaminações químicas, em suas
experimentações, questionam a permanência e longevidade da imagem,
bem como a pureza dos procedimentos mais tradicionais.
A mutação das imagens: a instabilidade, as contaminações, as reações
químicas, a metamorfose material no suporte fotográfico nos leva ao
entendimento que a fotografia é um organismo vivo nestes tipos de
processos e processamentos, e que o fotógrafo é o alquimista
responsável pelas mutações dos materiais fotossensíveis.
As ocorrências aleatórias como: manchas, variações tonais,
apagamentos da imagem e metalizações são características do processo
de trabalho explorado por Kenji Ota, que o torna único.
A processualidade, a serenpicidade, a irrepetibilidade, a instabilidade e
uma certa incontrabilidade são palavras-chaves para entender o trabalho
de Kenji Ota em “Derivações”.
Edwards, Elizabeth, & Hart, Janice (2004). Photographs Objects Histories: on the
materiality of images. Nova Iorque: Routledge. ISBN: 0-415-25442-6
Fernandes Júnior, Rubens (2002) A Fotografia Expandida. São Paulo: Tese em
Comunicação e Semiótica – PUCSP.
Fernandes Júnior, Rubens (2006) Processos de Criação na Fotografia:
apontamentos para o entendimento dos vetores e das variáveis da
produção fotográfica. In: FACOM, São Paulo, FAAP, n. 16, p. 10-19.
Machado, Arlindo (2001) A Fotografia como expressão do Conceito. In: O
Quarto Iconoclasmo e outros ensaios hereges. Rio de Janeiro: Marca D´água
Livraria e Editora. ISBN:85-87184-17-2
Ota, Kenji (2001) Derivações: a errância da imagem fotográfica. São Paulo:
Dissertação Escola de Comunicação e Artes – USP. ●
Referências
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the essence of photography. Londres: Purdy Hicks. ISBN: 1-873184-78-6
Edwards, Elizabeth (1999) Photographs as objects of Memory. In: Aynsley,
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Berg. ISBN: 1-85973-252-6
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Entre los luchadores de por vida
Andrés Jesús Naranjo Macías*
Resumen: Por medio de técnicas como la Xilografía, la Serigrafía, la Litografía o la
Fundición Artística, Luis A. Cordero nos acerca a la soledad de ciertos rincones o
espacios desérticos –de un latente e intenso aroma onírico- donde el cuerpo se
convierte en fetiche, símbolo u objeto inerte, y piel protagonista con la que envuelve
pensamientos de cruda cotidianeidad, un discurso preocupado de construcciones
inquietantes y, en cierta medida, sugestivamente biográficos.
Palabras Clave: Arte, Escultura, Grabado, Dibujo.
Title: Between the everlasting fighters
Abstract: Through techniques such as Xylography, Silk Screen Printing, Lithography
and Artistic Smelting, Luis A. Cordero approaches us to the solitude of certain corners
or deserted spaces- of an intense and latent oniric scent- where body turns into fetish,
symbol or inert object, and skin as main character with whom he wrapps toughts of
harsh daily routine, a discourse worried with disturbing constructions and quite
suggestively biographical.
Keywords: Art, Sculpture, Engraving, Drawing.
1. Introducción.
En la presente comunicación, así como en su presentación oral en el
congreso, se expondrán y analizarán los recursos plásticas y simbólicos
más atrayentes de la obra de Luis A. Cordero Gregorio. En este téxto se
hará referencia a los temas más comúnes del autor y su relación con las
técnicas elegidas para la materialización de las obras.
Licenciado en Bellas Artes por la Universidad de Sevilla, este artista
sevillano de 32 años termina sus estudios académicos en 2008 por la
especialida de Diseño. Desde un principio muestra grandes aptitudes y
un profundo interés por el grabado y la creación gráfica. Durante la
carrera cdisfruta de una Beca Séneca para realizar parte de sus estudios
de segundo ciclo en la Univerdidad de BB.AA de Pontevedra, donde
profundiza y fometa su faceta de grabador colaborando con uno de los
profesores de dicha facultad.
Espanha, escultor. Profesor Interino no Departamento de Dibujo, Facultad Bellas Artes Universidad de
Sevilla, onde cursa o doutoramento.
*
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Figura 1. Fotografía de Luis A. Cordero. Autorretrato.
Sevilla (2010). Foto cedida por el autor.
Lejos de abandonar su actividad artística, tras sumergirse en el intenso
y desesperado mundo de las oposiciones -con la esperanza de conseguir
un hueco en nuestro sistema educativo- y intentar mantener unos
ingresos minimos para subsistir, desde hace años desarrolla su propia
obra gráfica en gran variedad de técnicas: Linóleo, Xilografía, Litografía,
cerámica, bronce...
Varias esposiciones colectivas e individuales completan el curriculum
de Luis A. Cordero, quien, como todo luchador que se precie, sigue
considerando el arte una necesidad básica en su existencia.
2. El Dibujo y el Cuerpo.
Sin ser un gran observador y tan solo echando un vistazo general a la
producción gráfica y escultórica de Luis Cordero, puede apreciarse la
importancia de la figura humana, a la que recurre constantemente. Sujeta
a tensiones, deformaciones, posturas propias de contorsionistas,… y
generando un discurso asumido por el lenguaje corporal de los
personajes en los que la piel se muestra desnuda y despoja de cualquier
vestidura en la mayor parte de las obras.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Puede admitirse el desnudo como un símbolo heredado, sin embargo
nada existe de esos desnudos burocratizados que encontró en la facultad
sino que han brotado nuevos planteamientos en torno a la morfología
humana (Figura 2).
La presencia del propio autor como parte integrante de ese bestiario que
él refiere en muchas ocasiones, es innegable (Figura 3). Podemos
encontrar su rostro en un buen número de piezas, fundamentalmente en
su obra gráfica, sin embargo, no llego a concebir esos autorretratos como
un discurso básico y biográfico de su persona, pues van más allá de la
presencia física del autor, profundizando en anhelos, decepciones e
impotencias. Él mismo observa sus sueños desde fuera y dentro de la
obra.
Figura 2. De Izq. a der.: Boceto para el grabado Modulo Doble de la serie Entubados. Luis
A. Cordero. Grafito y Bolígrafo; Enigma. Luis A. Cordero; Boceto para el grabado
Modulo Doble de la serie Entubados.Luis A. Cordero. Grafito y Bolígrafo. Imágenes
cedidas por el Autor.
Su formación universitaria quizás haya sido responsable en su justa
medida del vínculo adquirido con el cuerpo desnudo. Ciertas exigencias
academicistas y sobre todo un buen número de horas delante de una
tarima con modelos del natural es sin duda una suerte que deja huella.
Pero sin embargo no considero que se trate del principal motivo por el
que el autor decide que el cuerpo humano se encuentre tan presente en
su obra.
Si leemos detenidamente algunas de sus referencias al tema, queda
claro que existe una relación mayor que el mero vinculo académico.
En cierto modo, puede decirse que mi sistema o código, mi lenguaje, es el desnudo, un
zumbar, un abejear continuo en el desnudo percibido, recreado, fermentado como objeto
y medio, que también habla del aislamiento del individuo, aislamiento rotundo cuyo
producto será la percepción particular del propio “Yo”, y a un tiempo la tendencia
inevitable a una relación deformada con lo “otro”, con el objeto, que se sublima. (Luis
A. Cordero. 2010).
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Figura 3. Autorretratos de Luis A. Cordero. De izq. a der.: Sin titulo. Montaje
Fotográfico 2007; Boceto para Calcografía Sexualidad. Grafito y Bolígrafo; Explorar.
Acuarela. Imágenes cedidas por el Autor.
Con ojos grandes y casi fuera de sus orbitas se comunica con nosotros
mirando directamente al espectador o buscando respuestas en un cuerpo
ajeno o en el horizonte de un paraje desierto.
Tomar un café, acompañarnos de una copa de vino o discutir de
asuntos tan visceralmente cotidianos como lo son el trabajo o la política,
son situaciones quizás insuficientes para conocer a Luis A. Cordero, ya
que puedes estar obviando mucho de su persona. El autor al que dedico
hoy estas líneas es incapaz de ofrecer a quien lo conoce un fraude de sí
mismo, aunque viendo sus dibujos podemos tener la sensación de que
hay algo más que lo que nos ofrece de él en una tertulia de café.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Su obra es, tal vez, una fisura que le permite evacuar una parte de sí
poco latente en su estado cotidiano. Sin duda el es consciente de que,
cada vez que se deja arrastrar por el impulso creativo y pone sus manos
en el buril o el barro, segrega algo de sí que de otro modo no
hubiésemos sabido que existía.
Figura 4. Bloque nº2. Litografía 2007. De Luis A. Cordero.
Imagen cedida por el Autor.
De un modo general podría decirse que en la obra de Luis se aprecia
un cierto aroma a sabanas sudadas en la obra de Luis A. Cordero –
siempre en el buen sentido de la palabra-. Se encuentra impregnada por
ese sudor nocturno producido por incómodas preguntas que se hace uno
mismo, más allá de nuestra pulsión sexual más básica.
El cuerpo femenino se presenta sensual y explícito, sin censura,
atrapado en composiciones compactas que enfatizan la presión física y
psíquica que soportan los personajes (Figura 4). Femme fatal o “Dama”,
sean como sean no dejan atrás sus tacones y el poder que se reconocen
ejercer sobre y por los demás.
En escultura las posibilidades anatómicas de los cuerpos son puestas al
límite. En su obra gráfica la fisonomía es trabajada y distorsionada de un
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modo más claro que en las piezas escultóricas donde la figura es el foco y
casi la totalidad del discurso artístico.
Un ejemplo claro de la relación entre las figuras y el formato que –
definiéndolo en pocas palabras- las contiene, es la serie “Entubados”. En
esta serie de grabados los cuerpos desnudos de sus personajes se
encuentran coartados y oprimidos en contenedores de diferente
naturaleza, los cuales también determinan la composición de la obra
dentro del formato.
3. Hombre, Artista y Artesano.
Si pensamos en la música, más concretamente si tomamos al músico
como ejemplo advertimos que su instrumento es un medio para
expresarse y en cierta medida materializar su obra, pero no es menos
cierto que su elección trae consigo consecuencias. Toda la pieza musical
queda impregnada de las cualidades de ese instrumento y el propio
artista, a través de la práctica continua con él, se ve claramente nutrido
de la experiencia. En ocasiones es sencillo distinguir a un pianista de un
violinista sólo por su modo de sentarse o la fisonomía de sus manos, que
muestran una relación intensa entre él y su instrumento de trabajo.
En los tiempos que corren el artista plástico puede disponer de una
gran variedad de materiales y técnicas, siendo su labor más parecida a la
del director de una gran orquesta que a la de un músico solista. No debe
sorprendernos que se den casos en los que no exista relación física entre
éste y su obra. Muchas de las disciplinas artísticas ha dejado de ser
exclusivamente un producto manufacturado íntegramente por la persona
que las ha proyectado, y son muchas las ocasiones en las que éste delega
la materialización de su proyecto a empresas especializadas –o se hace
con productos ya resueltos por la industria-. Tal vez sea apropiado decir
que recurrir a esas empresas supone en la mayor parte de los casos un
alto coste, lo que las convierte en un recurso puntual para obras de cierta
envergadura y que dispongan de un sólido respaldo económico.
A pesar de todo, algunos personajes aún tienen cierta necesidad por
mantener y cultivar cierta reciprocidad con la técnica, y su obra plástica
muestra vestigios claros de esa relación. Luis A. Cordero es uno de estos
personajes que se sienten cómodos interviniendo de principio a fin en
cada pieza; es el hombre, el artista y el artesano de sus propias
creaciones.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Afirmar que el hecho de ser él mismo quien se responsabilice de los
aspectos más técnicos de su obra se debe a una mala adaptación a los
tiempos que está viviendo el arte contemporáneo es una conclusión
bastante pobre. El artista contemporáneo no es un reflejo universal de su
tiempo, tan sólo lo es de parte de su tiempo, y su producción no puede
fundamentarse en la exclusiva utilización de un cierto número de
herramientas o productos de última generación. Y para quienes ven de
cerca su implicación en cada fase de creación plástica es todo un disfrute.
todo aquel espectador que desee acercarse a ellas. Y esta vez su discurso
tiene voz propia.
Quienes hemos compartido alguno de sus años de formación años –y
algunos más-, podemos dar fe de la madurez e independencia adyacente
en los trabajos de Luis A. Cordero desde los comienzos de su
aprendizaje, así como el profundo respeto y la pasión a la que se enfrenta
a los conocimientos del oficio artístico. Indudablemente no es ajeno al
mundo en el que vive, pues conoce bien el alcance de la tecnología en las
pretensiones artísticas del arte actual, pero sin embargo no esconde su
relación estable con el artesano que en el habita.
Invitaros a conocer la obra de Luis A. Cordero Gregorio, es ofreceros
la oportunidad de meditar sobre lo complicadamente cotidiano de las
cosas, de la sexualidad, de las frustraciones; aproximaros a piezas de
indiscutible valía técnica; y dejaros pasear por escenarios e historias
narradas con un exquisito planteamiento plástico (Imágenes 5 y 3)…
Con el fin, tan solo, de confirmar que aún existen personas incapaces de
exiliar la práctica artística completamente de sus vidas, lo que hace
pensar en cuanta razón tenía Bertolt Brecht al puntualizar -en una de sus
más conocidas frases- lo imprescindibles que resultan esos luchadores de
por vida.
Referencias
Imagenes. 5 y 6: De izq. a Der. Entubado 1. Luis A. Cordero Gregorio. Punta seca
sobre plancha de metacrilato, Plancha fraccionada. Entintado a la Poupé. Sobre papel;
La boca del estómago. Luis A. Cordero Gregorio. Cera. Fotografías cedidas por el
Autor.
4. Últimos Proyectos y Últimas Palabras
Su último proyecto “Génesis Unknown. 1/10. Cerámica Sonora.”,
iniciado en abril de 2011 y en colaboración con el artista sonoro y amigo
José Tomé, es un claro ejemplo de que los recursos técnicos y el carácter
interdisciplinar puede integrarse sin problema alguno en la cartografía del
subconsciente de este artista sevillano tan complejo como fascinante. Un
buen número de piezas cerámicas se enfrentarán pronto, cara a cara, a
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Borges, Jorge Luis. Guerrero, Margarita (1998), El libro de los seres imaginarios.
Madrid: Alianza Editorial. ISBN: 9788420633893.
Neruda, Pablo (2007). Bestiario. Madrid: Visor Libros. ISBN: 9788475221243
VV.AA.(2009). Vitamin 3d. New Perspectives in sculpture and installation. London:
Phaidon Press Limited. ISBN: 9780714849744
http://artworkproject.com/profile/LuisCorderoGregorio.
http://www.flickr.com/photos/28294431@N02/sets/
http://efectofundador.wordpress.com/2011/09/29/ceramica-sonora-genesisunknown-110/
http://elcentrodetodaslascosas.blogspot.com/search/label/ARTE%20SONO
RO
http://elcentrodetodaslascosas.blogspot.com/2011/12/luis-corderocreando.html ●
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
‘Deu mil hores’ a l’espai de
l’artista Salvador Juanpere
Àngels Viladomiu Canela*
Resum: L’article examina l’espai de reflexió processal i instrumental de l’escultor
Salvador Juanpere (Reus, 1953) a partir del seu Blog de treball, alhora que estableix
connexions amb les tesis desenvolupades pel sociòleg Richard Sennett a l’assaig
L’artesà.
Paraules clau: escultura, espai de treball de l’artista, processos artístics,
metallenguatges
propi d’un expert en qualsevol categoria o camp. En relació al projecte,
el títol fa al·lusió simbòlicament al temps dedicat entre tots els agents a la
realització de l’obra; en el present article Deu mil hores fa referència a
l’espai experiencial de l’artista. És a dir, més enllà de l’espai de treball -ja
sigui el taller o l’estudi- existeix un espai processal, procedimental i
intel·lectual de l’artista que nodreix l’ofici de l’experiència (Sennett, 2009:
354).
Title: ‘Ten thousand hours’ in the space of the artist Salvador Juanpere.
Abstract: The article inquires the space of processual and instrumental reflection of the
sculptor Salvador Juanpere (Reus, 1953) based on his Workblog, while states
connections with the thesis developed by sociologist Richard Sennett in his essay The
artisan.
Keywords: sculpture, artist's working space, artistic processes, metalanguages
Introducció
La trajectòria artística de Salvador Juanpere (Reus, 1953) està
estretament vinculada a la disciplina de l’escultura. El seu treball parteix
d’enriquidors encreuaments entre pensament, poesia, ciència,
antropologia, filosofia; i és en aquestes cruïlles on la paraula escrita pren
importància i esdevé determinant per a la formalització de les seves
obres.
Darrerament, la seva obra s’impregna d’un procés continu de reflexió
sobre el fet artístic i els seus metallenguatges. Les reflexions al voltant de
la pròpia feina extretes del Blog de treball (2009) de l’escultor, en diàleg
amb l’assaig L’artesà (2009) de Richard Sennett, són el punt de partida
d’aquest article.
‘Deu mil hores’
Deu mil hores és el títol de la instal·lació resultant del projecte
“Creadors en residència als instituts” (2010, iniciativa de l’Institut de
Cultura, Ajuntament de Barcelona) -portada a terme per l’artista-, i alhora
fa referència a una mesura d’ús comú, establerta per la psicologia, que
designa les hores de pràctica necessàries per assolir el nivell de domini
Figura 1. Salvador Juanpere Dietari de treball de l’artista, dins Lavorare stanca (2008).
GaleriaNoMesArt, Girona. (Imatge cedida per l’artista).
Aquest èmfasi del valor de l’experiència entesa com a ofici es pot
extrapolar perfectament al terme alemany Berufung, que Juanpere va
emprar com a títol a l’exposició individual de la Galeria Alejandro Sales
(Barcelona, 2011) i que designa la idea de vocació per a un ofici. L’obra
titulada Berufung (fig.2), que presidia l’exposició, consisteix en la
reproducció de la pedra del David de Bernini -explica l’artista- i fa
referència a les cinc pedres amb les arestes polides que David va escollir
per abatre Goliat; tanmateix representa l’arrel de l’ideal de vocació que
ens remet a la perseverança d’un ofici. Segons Max Weber, la vocació entesa
com a narració-relat de suport té dues ressonàncies, que en aquest cas són
atribuïbles a Juanpere per «la gradual acumulació de coneixements i
habilitats, i la cada cop més forta convicció de fer a la vida precisament
allò que s’està fent» (Sennett, 2009: 324).
Espanha, artista visual. Professora, Departament d’Escultura, Facultat Belles Arts, Universitat de Barcelona.
Doctora em Belles Arts.
*
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Figura 2. Salvador Juanpere Berufung (2011). Marbre, inscripció làser. Galeria Alejandro
Sales, Barcelona. (Imatge cedida per l’artista.).
Figura 3. Salvador Juanpere Sculptor constellation (2010). Sèrie de vuit unitats, impressió
gliceé i feltre. Galeria Alejandro Sales, Barcelona. (Imatge cedida per l’artista).
L’artesà de Sennett, és el que es dedica a fer bé la seva feina pel simple
fet de fer-la bé, i en aquest sentit representa la condició específicament
humana del compromís. No obstant això, l’adquisició d’un compromís
mitjançant la pràctica no s’esdevé necessàriament de manera
instrumental. El compromís amb la professió, en el cas de Juanpere,
s’esdevé mitjançant la pràctica escultòrica «sóc un artista del fer»
(Juanpere, 2009: 264) però també amb el llenguatge i per descomptat
amb l’escriptura.
Una part important de les obres desenvolupades en els darrers anys
aborden temàticament l’espai de treball de l’artista, el propi taller de
l’escultor. Els utillatges, les eines i els instruments que omplen el taller –
a més de ser els elements bàsics que serveixen per donar forma a les
seves obres també esdevenen espais de pensament per captar, elaborar
i produir informació en termes poètics. Sens dubte hi ha una
reivindicació romàntica i un pòsit nostàlgic en una certa
dissolució/pèrdua de sentit i materialitat en allò que l’escultor anomena
poètica d’instruments pensants. Però justament aquesta aproximació vivencial
als processos de l’escultura mitjançant el metallenguatge esdevé un ric
paradigma intel·lectual alhora que aconsegueix endinsar-nos en un joc de
metàfores i ironies estètiques.
A Sculpture constellation (2010) (fig.3) les eines de l’escultor suren segons
les coordenades d’una constel·lació estel·lar en el taulell de l’univers i la
seva fisicitat es difumina com en un film de ciència-ficció. Dibuixar les
eines i l’espai de treball de l’escultor ens remet de nou a aquell repetitiu i
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circular procedir de l’artesà: dibuixar i fer, refer i tornar a refer.
Tanmateix podem considerar que som davant del que Sennett anomena
eina-mirall, «uns instruments que ens conviden a pensar en nosaltres
mateixos [....] com si es tractés de laboratoris on és possible investigar
sentiments i idees» (Sennett, 2009: 109).
En la darrera exposició Tributum, celebrada el passat mes de novembre
en la Reial Acadèmia d’Espanya a Roma -com indica el títol-, Juanpere
rendeix homenatge a la cultura romana del passat i del present. L’origen
d’aquesta obra la trobem en una sèrie de postals enviades des de Roma a
diferents destinataris l’octubre de 2010 (fig.5), les quals contenien una
llista de disset noms representatius acompanyats per la definició en el
revers del concepte tributum. La instal·lació Tributum (fig.4) ubicada
directament sobre el paviment de la galeria de l’Acadèmia està composta
gairebé de la mateixa llista de noms -tan sols s’ha incorporat el nom de
l’artista Opalka que va morir l’agost passat a Roma realitzats amb arena
procedent de la pedra del Mèdol de la muralla romana de Tarragona. La
prova que som davant d’una llista que representa més que uns referents
ens l’aporta el mateix artista: «incloure en els processos variables
allunyades de tu mateix i provinents d’altres sensibilitats, altres
percepcions i altres realitats, la fan créixer cap a direccions impensables i
suggestives» (Juanpere, 2009; sobre Deu mil hores).
Figura 4. Salvador Juanpere Tributum (2011). Instal·lació. Arena de la pedra de
Mèdol. Reial Acadèmia de Roma.
Figura 5. Salvador Juanpere Tributum (2010). Postal enviada des de Roma. (Imatges
cedides per l’artista).
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L’artista incorpora dins del seu vast horitzó referencial el paisatge
romà de la seva terra natal que es dissol i, com un acte d’anhel, el captura
mitjançant la paraula; però de nou la paradoxa de l’escultor deixa que el
pas del temps l’esborri.
Tot i que l’obra escultòrica de l’artista escocès Ian Hamilton Finlay no
apareix citada en cap ocasió per Juanpere, hi ha clares connexions en la
seva manera de fer. El punt de partida de les intervencions escultòriques
de Finlay es troba en la poesia, el llenguatge i l’escriptura. En les dècades
dels seixanta i setanta, Finlay es va convertir en un dels poetes
avantguardistes escocesos més significatius, i va fundar una editorial i
diverses revistes. A final dels setanta, desil·lusionat per allò que li oferia
la lírica, va trobar en el seu poema Arcady les claus per a noves vies
expressives aplicables al seu art. Davant d’aquest desvetllament, es
podien considerar les lletres de l’alfabet com un paisatge clàssic imprès, i
el poeta va començar a inserir poemes en el paisatge. A partir de 1966 es
va establir a Stonypath, la finca rural que va esdevenir l’escenari, el
suport i l’objecte del seu art, i en aquest període va gaudir d’un fructífer
aparellament entre la seva activitat com a poeta i com a jardiner.
Per tant, el record dels epígrafs apareix com una constant en la obra
d’aquests dos artistes, i les intervencions-inscripcions esdevenen un
desplaçament de temps remots cap a la contemporaneïtat i, tot suggerint
les jerarquies de la paraula, denoten el materialisme vigent. També en
ambdós casos, les seves obres s’acompanyen de títols metafòrics que ens
en desvetllen el significat, de vegades indesxifrables, i ens donen la clau
per llegir-les. A més comparteixen altres aspectes com ara una evident
fascinació per les cultures del passat revisades mitjançant una mirada
contemporània, un manifest posicionament polític i un compromís
cultural amb la seva identitat nacional, i una estreta vinculació amb allò
que és rural o pastoral.
amb anotacions del dia a dia tant personal com professional, i hi
comparteixen lloc esbossos processals, anotacions poètiques, i reflexions
sobre el fet artístic. Però allò que veritablement fascina l’artista és el
caràcter d’immediatesa d’aquest format d’escriptura, on cada post l’obliga
a assolir la simultaneïtat entre el fer i el difondre. Potser l’encert ha estat
abordar la vida com un exercici de creativitat i incloure-la com a part
integrant del seu art.
Per concloure, he escollit una citació que l’artista fa d’un dels seus
poetes propers: «De nou Margarit, penso: la vida m’ha tractat
relativament bé. Ser poeta no ha estat estrictament necessari» (Juanpere,
2009: 245). I jo afegeixo: però sí imprescindible en la producció artística
de Salvador Juanpere.
Referències
Juanpere, Salvador (2008) Lavorare Stanca. Només Art SL, Girona.
Juanpere, Salvador (2009) Blog de Treball. Reus, Edicions del Centre de Lectura.
[Consult. 2011-15-11]. Disponible en http://sjuanpere.blogspot.com/
Sennett, Richard (2009) El Artesano. Barcelona, Anagrama. ●
Conclusions
Si Finlay arriba a l’escultura a través de la poesia escrita, en el cas de
Juanpere és a la inversa, l’escultura esdevé un marc ampli de reflexió i
creació poètica que cada cop el porta més a la paraula escrita. El Blog de
treball, estrenat l’any 2006, li ha permès desenvolupar l’exercici de
l’escriptura i, el més important, incorporar-lo com un format paral·lel al
seu procés de creació formal. El Blog es desplega a la manera de dietari
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Rui Chafes - vazio, sonho e morte
António Fernando Monteiro Pereira da Silva
*
Resumo: Entre luz e sombra, espaço e tempo, matéria e vazio, a arte de Rui Chafes
encara a beleza como um ‘estado de luto’ que realça a efemeridade e que não existe sem
as marcas da morte. Presentifica o ausente através de formas que limitam vazios
desenvolvendo uma visão onde o transcendente e o lugar do homem no mundo, acaba
por pôr em evidência esse último acto que é a morte.
Palavras chave: Vazio; matéria, corpo, vida-morte
Title: Rui Chafes – Emptiness, Dream and Death
Abstract: Between light and shadow, space and time, material and empty, the art of Rui
Chafes sees beauty as a 'state of mourning’ that emphasizes the ephemerally and that
does not exist without the marks of death. Shows the absence in ways that limits the
empty where the transcendent vision and man's place in the world, turns out to
highlight the latter act is death.
Keywords: Emptiness; matter, body, life-death
Na sua génese toda a arte provém da morte. Para e contra a morte se
ergue e a escultura sempre manteve com a morte com uma particular
relação. A afirmação de Genet, a propósito de Giacometti, de que
“nunca, a obra de arte se destina às novas gerações. Ela é oferenda ao
inúmero povo dos mortos” (Genet, 1988) poderia ter sido inteiramente
dedicada à obra de Rui Chafes, obsessivo autor de objectos escultóricos
em que o trabalho do ferro, seu material de eleição, arrancado às
entranhas da terra e transformado pelo trabalho alquímico do escultorferreiro, combina simultaneamente o poder, destruidor e criador, do
tempo e do fogo.
A referenciada matriz romântica do seu trabalho congrega tempo,
palavra, memória, sonho e morte, vazio e absoluto e as suas esculturasconstruções originam instalações que ocupam, invadem e superam o
próprio espaço expositivo. Ao adoptar a série com carácter de
metodologia de trabalho, explora a unidade e a continuidade formal onde
cada peça individualizada é um órgão numa unidade ampliada no espaço,
metamorfoseando-se numa nova unidade-corpo. Nas múltiplas
Portugal, artista visual. Escola Superior de Educação do Porto; colaborador do i2ADS, Faculdade de Belas
Artes, Universidade do Porto, assim como ao Centro de Investigação e Inovação em Educação - InEd, da
Escola Superior de Educação, do IPPorto. Licenciatura Artes Plásticas - Pintura (ESBAP); Mestrado História
da Arte (FLUP).
*
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interpelações que faz ao espaço - físico, emocional, cultural, humano –
reúne no ‘pequeno intervalo’ que é a obra de arte no mundo,
simultaneamente, o encontro e a separação.
A imaterialidade da palavra assume uma dimensão programática que,
associada ao desenho, leitura, reflexão e escrita, instaura uma forma de
agir que transcende os limites da própria escultura.
Num diálogo de opostos, materializa o imaterial e prova a existência
do vazio pela afirmação da matéria. Afirma, pela negação, lembrando a
razão de ser do vazio interno do vaso, do vazio habitável da casa.
Entre luz e sombra, espaço e tempo, matéria e vazio, a arte de Rui
Chafes encara a beleza como um ‘estado de luto’ que realça a
efemeridade e a incapacidade de superar a perda e que não existe sem as
marcas da morte. (Guerreiro, 1997) Arte que ousa imaginar e dar
materialidade ao medo, fazendo dessa ‘vocação do medo’ uma força que
o ultrapassa.
A sua obra presentifica, constantemente, ausências. O corpo ausente, a
impossibilidade da sua representação definitiva. Formas que limitam
vazios, escultura que evoca, mais que representa, invisíveis corpos.
A especificidade da escultura torna-a a menos vocacionada das artes
para representar o imaterial. Contudo Rui Chafes usa-a, como armadilha,
para aprisionar ausências.
Não assumindo a característica de monumento, que Chafes diz a sua
obra não ter, em detrimento de uma ideia de escultura nómada, que
afirma ter, projecta no tempo uma memória, instaurando uma relação da
beleza com a perda, a ferida e a morte.
A sua escultura funda-se numa linearidade, na fronteira que a põe
numa relação dialéctica entre o espaço bidimensional e o tridimensional.
As linhas são matéria concreta que suportam volumes vazios lembrando
a “profunda estátua de nada, como a poesia e a glória” (Apollinaire,
1983: 116), que recusa o mármore e o bronze, preconizada por
Apollinaire em O Poeta Assassinado. Define o vazio, o invisível, o
intocável, como matéria da escultura, instaurando, assim, o paradoxo de
tornar o conteúdo espacial imaterial. A sua escultura envolve e devolve o
vazio e converte-se numa ‘encenação da ausência’ (MELO, 1996) que
possibilita convocar o corpo não o representando, através da construção
de uma morada impossível de habitar.
69
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Ao pretender “atingir um ponto de imaterialidade” (Guerreiro, 1997)
convoca a poesia mais do que a escultura. Por isso vale-se de um material
que considera ser mais uma força do que uma matéria: o ferro e a ligação
que o trabalho do ferro tem com uma prática alquímica, representando,
“de modo especial, a mitologia metalúrgica dos metais nascidos das
entranhas femininas da terra, e do ferreiro, ou escultor em ferro, como
parteiro e modelador dos minérios de ferro”. (Gaßner, 1998) Trabalhado
pelo fogo, força purificadora, transformadora e modeladora, anula a
densidade do ferro metamorfoseando-o plasticamente, possibilitando dar
forma a uma ideia que escape ao domínio material do objecto.
Nascida da palavra, a sua escultura, pousada no silêncio, busca
transcender a sua materialidade esvaziando-se, de modo a apresentar a
beleza como “absoluta e indispensável [ao] objecto abandonado, [n]uma
pequena forma de imortalidade”. (Guerreiro, 1997)
Também a pintura é convocada por Chafes, neste jogo intertextual
para, através de uma cor que não é cor – o negro – eliminar a escultura
enquanto objecto.
Um pequeno exercício de análise, que se quer ao sabor do fluxo
interno, instaurado pelas próprias obras, permitir-nos-á uma leitura que
verifica essa relação, mesmo que metafórica, entre a escultura e a morte.
Rui Chafes usa recorrentemente “linhas de força, eixos de tensão, fios
de violência, [que se tornam] a verdadeira matéria do desenho das suas
esculturas” (Melo, 1993) seguindo ritmos e simetrias onde, à volta de
eixos crescem corpos, ou o que deles resta. São evocações desse lugar do
corpo, esvaziado pela violência, pela tortura, pela guerra, através de
armas, máscaras e armadilhas.
A série de coroas, de 1987, constitui-se o “primeiro grupo de peças
formal e tematicamente coerente realizado por Chafes” (Caldas, 2000:
123). Formalmente lembram coroas de flores de rituais funerários que
simbolicamente significam paragem, unidade, fim e princípio. O círculo,
desde a antiguidade, foi usado para fixar corpo e alma, daí os mortos
serem enterrados com braceletes e colares.
Castro Caldas refere a:
incapacidade fundamental [destas obras] para se apropriarem do chão ou parede
contra os quais se projectam enquanto fundo, [restando-lhes enquadrar] o vazio em
torno do qual se fecham (…) transformando-o em espaço ao qual a forma regressa
70
ISBN: 978-989-8300-32-4
transfigurada, coincidência de presença e ausência num mesmo lugar de plenitude.
(Caldas, 2000: 123)
Também as coroas de espinhos (A Noite, 1992-94), marcadas pela
melancolia, são provas de uma perda irremediável.
Alimento dos mortos, as flores incendeiam-se e das suas cinzas
nascem Dez Almas Brancas (Como uma Nuvem Pesada, Porto, Galeria
Atlântica, 1989). É o fogo purificador que faz a matéria transcender-se.
Se para Novalis tudo é semente, também o corpo, no seu regresso à Terra,
cumprirá a espera de tornar a florescer, cumprindo mitos ancestrais
(Bolor-Polén, 1998). As sementes disseminadas constituem prova de que
toda a cinza é pólen. (Novalis, 1992: 91)
A memória do corpo abandonado, deixa casacos e vestidos, casulos
em malha de ferro e berços-urnas (A Vocação do Medo, Galeria Atlântica e
Diferença, 1990) que afirmam a efemeridade e metamorfose do corpo
que se veste e que pode constituir-se como um túmulo, numa
circularidade onde nascimento e morte partilham a mesma origem. O
corpo é um lugar que habitamos e que nos prende na sua matéria,
carregando, por isso, a própria morte. Assim “os objectos tornam-se discursos
de ausência”. (Chafes, 1990) Abrigaram corpos e são o que resta dessa
existência em fuga.
Em Sonho e Morte (CCB, 1993) três caixas negras de avultadas
dimensões (4x2,60x2m), pousadas num espaço claustral, austero e
ortogonal, convocam um sentimento trágico. Entre o abandono e a
suspensão no espaço parecem transcender o tempo. A sua dimensão
convoca memórias de negros vagões, que inevitavelmente nos asseguram
que “o sono da razão produz monstros”. Dá a ver exterioridades:
esquifes, cofres fechados ao mundo, que encerram algo desconhecido e
inacessível. A luz, que é sugada pelas aberturas, revela uma passagem que
intuímos não ter regresso. João Miguel Fernandes Jorge, no texto de
catálogo refere que estas formas:
na sua exterioridade [são] a imagem do que se unifica (…) sinal da passagem e da
desaparição do indivíduo (…) Espelho do corpo, do mundo e do humano (...) As
imagens, elas mesmas, irão repousar no lado sombrio, confundir-se-ão com o infinito,
farão parte desse único edifício que é a morte. (Jorge, 1993: 9)
71
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Na convocação de contrários, recorrente na sua obra, Chafes
contrapõe a estes ‘caixões’ pequenas caixas onde incinera textos,
transformando-as em urnas de memórias privadas. Ao preservar o
destruído deixa-nos, aporeticamente, no limite da possibilidade poética.
É ainda o poder destrutivo do fogo que possibilita a criação.
Caixas suspensas ostentam feridas abertas e são o lugar ‘Onde a Luz
Morre’ (Não quando os outros olham, 1997, Galeria Alda Cortês).
Simultaneamente caixões e ventre materno, são lugares onde “a morte
absoluta contém a possibilidade da vida absoluta” (Novalis, 1992: 73).
Na instalação que realiza para o Chiltern Sculpture Trust, em Oxford,
também suspende nas árvores cinco caixas negras, recortadas contra o
vazio do céu. Activa assim o paradoxo ao ligar caixões às árvores,
símbolo da vida, criando um lugar onde a escultura se abandona num
espaço de orfandade (Caldas, 2000: 125).
Em Durante o Fim (2000) com o ferro, da terra extraído, produz
“mínimas intervenções, discretas como cortes e cicatrizes, de ferro negro. (…)
Entradas muito estreitas para penetrar na escuridão da Terra, na escuridão do
corpo.” (Chafes, 2000: 13)
É o lado feminino da terra numa ‘Tristeza quase sensual’ que revela
‘Cicatrizes’, abrindo-se ao retorno do desnascer.
A sua obra reúne antagonismos conferindo-lhe uma tensão essencial
onde a escuridão brilha como a luz e o silêncio comunica. Nasce da
palavra e encerra-se em silêncio, sabendo que:
Referências:
Apollinaire, Guillaume (1983) O Poeta Assassinado. Lisboa: Editorial Estampa
Caldas, Manuel Castro (2000) Regnum Peccati, in, Rui Chafes, Durante O Fim.
Lisboa: Assírio & Alvim / Sintra Museu de Arte Moderna-Colecção
Berardo. ISBN: 972 – 37 – 0610 - 5
Chafes, Rui (1990) A Vocação do Medo. Porto: Galeria Atlântica; Lisboa: Galeria
Diferença
Chafes, Rui (2000) Rui Chafes, Durante o Fim Lisboa: Assírio & Alvim / Sintra
Museu de Arte Moderna-Colecção Berardo. ISBN: 972 – 37 – 0610 - 5
Gaßner, Hubertus (1998) The Unknown Masterpiece, in Harmonia. Porto: Canvas
& Companhia.
Genet, Jean (1988) O Estúdio de Alberto Giacometti. Lisboa: Assírio & Alvim.
Guerreiro, António (1997) Rui Chafes, Acredito na Arte como o Único Deus. Jornal
Expresso (Cartaz) 22 de Março
Jabès, Edmond (2006) Le Livre des Questions. Paris: Gallimard
Jorge, João Miguel Fernandes (1993) in Rui Chafes, Sonho e Morte. Lisboa: Centro
Cultural de Belém
Krauss, Rosalind E. (1996) La Originalidad de la Vanguardia Y otros Mitos
Modernos. Madrid: Alianza Forma
Melo, Alexandre (1993) O Silêncio não Existe in Expresso Revista, 27 de Fevereiro
Melo, Alexandre (1996) Rui Chafes e Rui Sanches: Corpo a Corpo. Porto: Galeria
Canvas & Companhia.
Novalis (1992) Fragmentos. Selecção, tradução e desenhos de Rui Chafes. Lisboa: Assírio
& Alvim. ●
Na origem da beleza está unicamente a ferida, singular, diferente para cada qual,
escondida ou visível, que todos os homens guardam dentro de si, preservada, e onde se
refugiam ao pretenderem trocar o mundo por uma solidão temporária. (Genet, 1988:
18)
Encerra uma visão onde o transcendente e o lugar do homem no
mundo acaba por pôr em evidência esse último acto que é a morte.
A sua escultura ao falar do indizível da morte, sob essa presença
perturbadora, faz do acto artístico acto filosófico, apresenta a
incomunicação e a incompreensão que, sendo formas de linguagem são
capazes de nos comunicar o mistério que já conhecemos – da morte
nada sabemos, sobretudo porque a arte é para pensar a vida e “morrer, é
abraçar enfim a condição de estrangeiro” (Jabès, 2006).
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Seu Sami (2007): aspectos do processo de
criação da obra de Hilal Sami Hilal
Aparecido Jose Cirilo*
Resumo: Cadernos e suas anotações de artistas são loci da investigação do projeto
poético da obra e permitem evidenciar a microfísica das relações da obra e do espaço.
Este texto centra-se no tempo da gênese de um site-specific, buscando as marcas do
processo percorrido pela mente criadora, desde a percepção da imagem geradora até a
sua efetivação no espaço do Museu.
Palavras-chave: Arte contemporânea, site-specific art, história e teoria da arte
Title: ‘Seu sami’ (2007): Some views on the creative process of Hilal Sami Hilal
Abstract: Seu Sami (2007) is studied from the idea of inseparability between space and
form inherent to site specific art. Studying the drafts made by Hilal to masterpiece "Seu
Sami" (2007) and its verbal and visual notes we will find evidences of this microphysics
between space and form in this kind of artwork.
Keywords: Creative process, site-specific art, Brazilian art
Introdução
Evidencia-se aqui como se configura a indissociabilidade forma e espaço
no projeto poético de um site-specific, por meio da investigação criticointerpretativa de arquivos e documentos de processo de criação da obra
Seu Sami (2007) que, apesar de ser um site specific, foi montada em outras
cidades. Parte-se do princípio de que arquivos da gênese da obra (Salles,
1998) revelam as relações internas e as pequenas ordens, microhierarquias e fraturas que se estabelecem nos cadernos do artista para
materializar o projeto da obra, a materialidade e a topografia do espaço.
Esta reflexão parte da obra de Hilal Sami Hilal. Hilal nasceu e trabalha
em Vitória (ES). Estudou no Japão práticas milenares do papel artesanal.
O artista transforma desenhos em rendilhados, bordados, arabescos e
rocailles em elementos textuais: letras que se materializam em pasta de
papel de algodão. Suas obras reafirmam o domínio sobre a matéria e a
tecnologia, são um jogo matérico e cromático, universo de rugosidade
gerando espaços vazios e que revelam uma formação cultural híbrida.
Brasil, artista visual e professor na Universidade Federal do Espírito Santo. Doutorado em Comunicação e
Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestrado em Educação pela
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduação em Artes pela Universidade Federal de
Uberlândia. É editor da Revista Farol (issn 1517-7858).
*
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Assim, a partir da gênese de Seu Sami - e de aspectos de suas
montagens - busca-se evidenciar como tendências e intencionalidades do
projeto poético são afetadas na medida em que deixa de ser um site-specific
e torna-se uma instalação comum (site). Analisam-se construções formais
e o efeito de sentido da obra, principalmente seu diálogo com o espaço e
sua tendência para o vazio e para a ausência, os quais são afetados após
seu deslocamento do espaço gerador.
1. Seu Sami: o vazio e a incerteza na ausência
Seu Sami (1100m²) ocupou o galpão principal do Museu Vale, em
Vitória, ES, em 2007. Revela uma tendência do projeto poético de Hilal
Sami Hilal: a impregnação de memórias expressas em quase-grafias
orientais em diálogo com o espaço.
Figura 1. Vista da instalação Seu Sami, de Hilal Sami Hilal. Imagem refletida nos
espelhos, 2007.
A obra resgata a história artística e pessoal de Hilal que observou que
em sua trajetória existiam índices da ausência do pai, tema da exposição.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Seu Sami (Figura 1) é autobiográfica e reopera a morte, que lhe imprimiu
o vazio (conceito primeiro no projeto poético dessa obra). O sitespecific “Seu Sami” se divide em duas áreas chamadas, pelo artista, de
“salas”: Sala do Amor e Sala da Dor, separadas por uma zona de escuridão,
aparente vazio existencial. Partes opostas das paredes foram revestidas
por malhas de metal e papel artesanal, penduradas, gestos caligráficos
materializados em pasta de papel; essas estruturas descem e tangenciam o
chão, quase flutuam. As duas paredes do fundo foram revestidas de
espelhos, planos reflexivos opostos. Como suaves brisas, as malhas de
papel tocam a face dos espelhos nas respectivas paredes ao fundo;
duplicam-se em um espaço material e outro virtual. Confronto e
encontro dos extremos: espelhos reproduzem e replicam, criam uma
ilusória profundidade, infinita e dual. Alternância de amores e dores.
Auto-reflexo de aparente materialidade; presença de imagem, ausência de
matéria. Percepção e ilusão fundidas. O sentido da visão
comprometendo a percepção, criando ilusões e fantasias, evocando a
memória. Espaços construídos e repetidos.
A instalação revela memórias e paralelos entre presença e ausência,
luz e sombra, vazios e materialidade, caracterizando-se nos rendilhados
de papel elaborado pelo movimento do corpo, grafias da exclusão, da
ausência (outro conceito fundamental para a obra). Peso e leveza.
Aparência e fato. Verticalidade e horizontalidade. Ser e parecer. Presença
e ausência. Dualidades taoístas propostas. Conceitos constituintes.
Fronteiriços.
2. Considerações sobre o espaço como estratégia de
emolduração e construção do efeito de sentido da obra Seu Sami
Hilal registrou suas escolhas em uma série de cadernos e folhas
avulsas, experimentos e maquetes; podemos afirmar que Hilal dialogou
com o espaço do Museu. Ao pesquisar os arquivos disponibilizados,
notamos que a preocupação com o local onde a obra existirá. Podemos
observar que ele testa possibilidades do espaço; encorpora a arquitetura.
O ambiente do museu passa a fazer parte da obra. Em muitos estudos,
notamos a preocupação com a interação ao ambiente; isso fica evidente
quando nos deparamos com imagens nas quais Hilal representa o teto do
museu com todas as suas tramas, como também o piso do galpão em
perspectiva. Ele testa o espaço em sua dualidade existencial.
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2.1 dualidade edificante: opostos complementares
Presença e ausência constroem a forma no trabalho e estruturam um
efeito de sentido na mente do público: o vazio e silêncio materializam a
insustentável leveza da matéria da obra. Opostos complementares.
Taoísmo revelado da formação monástica do artista. Luz e escuridão.
Presença e ausência. Cheio e vazio. Vida e morte. Ativo e contemplativo.
Amor e dor. A dualidade se materializa na forma e no espaço. Efeito de
sentido garantido pelo projeto luminotécnico. A iluminação associada às
formas e ao espaço, reforça a intencionalidade do projeto poético do
artista: velar a imagem percebida. Como um pintor romântico, Hilal
parece colocar uma veladura que reforça o efeito de sentido da reflexão e
do silêncio monásticos. As duas áreas de luz intercaladas por uma área
sombria. Ausência de luz. Clareza e obscuridade.
Além de testar os elementos constituintes do espaço dual, Hilal
incorpora elementos que reforçam a idéia, dentre eles o espelho (Figura
2).
Figura 2. Desenhos e esboços preliminares de Hilal Sami Hilal para Seu Sami (2007).
Nesses documentos verificamos como ele concebe campos de luz e
escuridão, intercaladas pela ausência. As imagens (estruturas em papel) e
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
a penumbra (vazio do espaço), tomadas pelos espelhos, vão criando
molduras, limites imateriais, sensações e bordas. O vazio bachelariano se
instaura. Pura percepção. Ação fenomenológica dos sujeitos. Percebe-se,
ainda presente nos documentos de processo referências humanas que
permitem dimensionar a obra já em rascunho, escalas numéricas, cálculos
e características do local. Pode-se afirmar que o espaço arquitetônico do
Museu Vale é agente ativo no processo de criação.
Quando Hilal chega mais próximo do seu projeto final, ele constroi
fisicamente uma miniatura do espaço e instala o projeto da obra nessa
maquete para visualizar o que é efetivamente a obra no espaço. A
maquete materializa algumas idéias desenvolvidas nos desenhos e
esboços: as linhas estruturais do prédio, o piso quadriculado e a malha de
madeiras do teto, são chamadas para mediar a definição das formas no
espaço. O pé direito do galpão é a referência para a dimensão das
lâminas das paredes laterais (520cm x 950cm cada). As lâminas
tangenciam o chão, tocam os espelhos, demarcam a área de luz na obra.
Evidencia-se a singularidade da obra em construção, o que remete à idéia
de que o site-specif art é singular e autêntico.
Figura 3. Hilal Sami Hilal. Detalhe da Mostra Seu Sami – Sesc, São Paulo (2008).
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2.2 de site specific a site: a relocação e a desconstrução do
sentido da obra
Configurada a relação do artista com o espaço, pode-se afirmar que
Seu Sami é um site-specific assimilativo (Kown, 2004) e, como tal,
interdepende do local e resignifica-o de modo harmonioso e coeso. Fica
evidenciada uma indissociabilidade entre os elementos materiais,
estruturais e simbólicos que a constituem. Seu Sami é uma experiência
sensória no aqui e no agora. Intencionalidade revelada: compartilhar a
imensidão da vazio e a plenitude da ausência.
Mas a relocação de Seu Sami altera seu efeito de sentido: retirada do
Museu Vale a obra é destruída, embora sua forma física permanecesse.
Mas a obra é mais que a matéria física de sua construção. E o
deslocamento de um site specific do seu local específico “destroi” a obra.
Relocar Seu Sami para outros locais a esvazia de seu significado
constituinte; o processo de re-instalação da obra opera uma espécie de
mumificação para a eternalização. A passagem do provisório e do
instável para o perene e fixo.
Mas, é no conjunto da relação simbólica e sensível que se encontram
alguns dos elementos que sofrem um esvaziamento nas outras
montagens. São novas heterotopias que afetam o efeito de sentido da
obra. Esvaziamento fenomenológico de sentidos e conceitos. Com a
remoção, a experiência sensorial da obra sofre alterações semânticas que
a desconstroem: a dualidade monástica que gerou o efeito de sentido,
cede lugar ao requinte e ao luxo dos pisos brilhantes e tecnológicos
(Figura 3); os espaços novos deixam de ser matéria da obra e se torna
uma estratégia de emolduramento.
Não há mais tensão entre o vertical e o horizontal. Observa-se na
imagem que as grandes lâminas laterais não mais tangenciam o solo na
rigidez monástica do ângulo reto, não mais demarcam os planos; elas
deitam-se no piso(Figura 4). Não há mais tensão entre o vertical e o
horizontal, a dualidade edificante se desfaz. Cede lugar ao aconchego das
folhas que se repousam sobre o piso, como que cansadas da tensão que
as concebeu. Infinito o plano que se constrói. Suavidade da transição.
Outra obra.
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Artes em torno do Atlântico:
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Estabelece-se agora como obras isoladas (Figuras 3 e 4). Não há mais a
obra original. Muito da relação estética do objeto permaneceu, mas essa
nova obra se afasta da interação fenomenológica prevista no projeto
poético inicial, mas não a recoloca numa relação social ou mesmo
discursiva que definem os trabalhos para um local específico. Como tal,
essas montagens de Seu Sami convidam o público para vivenciar a
genialidade de um artista, mas afasta-se do compartilhamento de
memórias que se faziam matéria em seu site original.
Referências
Salles, Cecília Almeida. Gesto Inacabado. São Paulo: Annablume, 1998. ●
Figura 4. Hilal Sami Hilal, Seu Sami (2009). Detalhe das lâminas laterais.
Conclusão
A relação da obra com a estrutura arquitetônica do prédio original é
um dos elementos topológicos que não encontraram equidade semântica
nos outros locais de montagem da obra, contribuindo para alterações no
efeito de sentido da obra nessas novas localidades. A dualidade
tensionada que era estruturante se desconstroi. A instalação se desfaz.
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PELA FRESTA (1998): o papel do espaço e da memória no
processo de criação da obra de
Shirley Paes Leme a partir de seus cadernos de anotações
Aparecido José Cirilo*
Resumo: Objetiva analisar o processo de criação da obra Pela Fresta, de Shirley Paes
Leme (1998). Centra-se no tempo da feitura da obra, buscando marcas do processo
percorrido pela mente criadora da artista desde a percepção da imagem geradora até a
sua efetivação no espaço expositivo. A análise dos documentos desvela como se
constrói a tensão da memória da artista em interação com a do espaço e a da matéria da
obra.
Palavras chave: Arte Contemporanea, Shirley Paes Leme, Processo de criação
Title: Pela Fresta (1998): space and memory from Shirley Paes Leme’s creative process
Abstract: Aims to analyze Shirley Paes Leme’s creative process of a site-specific
installation Pela Fresta (1998). It targets the time of the creative acts looking for marks
of the relationship between the artist’s living experiences and the memories of gallery
space to show how this artist interacts with that site specific.
Keywords: Creative process, site-specific, Brazilian art
Introdução
O texto apresenta uma análise de aspectos do processo criativo da
artista Shirley Paes Leme. Busca-se compreender procedimentos de
aproximação da memória e do espaço como matérias no projeto poético
da artista. Shirley nasceu em 1955, em Cachoeira Dourada, GO. Vive e
trabalha em São Paulo. É graduada em Belas Artes/UFMG; tem
doutorado em Fine Arts (1986) nos Estados Unidos.
A análise dos documentos de criação de Paes Leme revela uma
tendência do seu processo de criação: a memória, sua, dos materiais e do
público, é fio condutor que age e direciona a gênese das suas obras,
mediação entre lembrança; matéria edificante do seu percurso.
Desse modo, este texto, trata de aspectos da relação com a
materialidade do espaço e a tendência para a construção de um discurso
memorialista que determina uma produção e reflexão centradas na
mediação de sua memória com a memória do espaço. Para tanto, busca-
Brasil, artista visual e professor na Universidade Federal do Espírito Santo. Doutorado em Comunicação e
Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestrado em Educação pela
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduação em Artes pela Universidade Federal de
Uberlândia. É editor da Revista Farol (issn 1517-7858).
*
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se a verificação e análise de ações e procedimentos que envolveram
aspectos da instalação Pela Fresta, de 1998.
1. Do tempo, do espaço e da forma
Uma porta se abre para o interior da galeria. Impedido o corpo de
entrar caminhando sobre seus pés. Outros sentidos são chamados pela
percepção. Entra-se pelos olhos. O olhar percorre a imensidão.
Sensação. Calma mansidão de madeira jazente. Perene. Tranqüila em seu
sono. Como magma quente que desliza sobre a montanha, esconde toda
a rapidez da transformação que se processa. Perigo. O tempo age. No
vaguear dos sentidos, outros corpos se fazem presentes ao longo do
percurso. Um ponto luminoso no meio desse mar (Figura 1).
Figura 1. Shirley Paes Leme. Pela Fresta (1998).
Uberlândia, MG, Brasil. Fonte: acervo do artista.
Uma pequena luz ascendente. Verticalidade luminosa que descansa
quase imóvel. Por entre o lenho, parece o foco de um grande incêndio
que não se realiza por um pacto entre os corpos que lhe rodeiam. Perigo
em potência. Mais ao fundo, outro elemento de tensão. Levitante mesa,
parece voar sobre a matéria que a forma (Figura 2). Ao lenho que a
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
compõe, agora sobrevoa. Congelada; queda em suspensão. Segredo que
se deita em sua gaveta parece cair nesse mar de matéria.
2. Um olhar para a gênese da obra
O tempo da obra segue seu percurso aos sentidos do público. Porém,
a análise do processo de criação se preocupa com o período que
antecede a instalação, no tempo da feitura, busca marcas do processo
percorrido pela mente criadora. Nesse tempo da gênese,
experimentações se dão de modo simultâneo - sem hierarquia - e quase
sempre registradas pela artista. São analisados documentos que
envolveram a gênese de Pela Fresta (1998). Por se tratar de um site specific,
optou-se demarcar a análise pelas relações espaciais e formais que a
envolvem.
como desafio. A artista é limitada por regras: elementos arquitetônicos
(portas, colunas e janelas) que se interpõem entre ela e o espaço como
obra. O desafio passa a ser o diálogo com os elementos constituintes do
espaço em busca da mediação entre o seu imaginário poético e o
proposto pelo espaço da galeria.
A questão inicial: o uso das colunas do prédio como suporte ou como
elemento gerador? O primeiro movimento decorre de uma aproximação
com a estrutura arquitetônica: um esboço trás a planta baixa do espaço e
demarca cada coluna, sua relação no espaço. Elas se configuram no e
como espaço de ação sobre o qual se deverá agir: suporte ou forma?
Assim, a particularidade arquitetônica torna-se um desafio e incorpora-se
como matéria no procedimento de experimentação espacial da instalação
(Figuras 2 e 3).
As anotações são índices da experimentação espacial, formal e material
nos primeiros estudos de ocupação da galeria. Sua análise permite
perceber como a artista reflete sobre presença e ausência; oposições
semânticas; Paes Leme procura entender a pulsação desse corpo. Ela
busca incorporá-la ao seu projeto. Sem simulacros no espaço.
Figura 4. Página do caderno de Shirley Paes Leme para a instalação Pela Fresta, 1998
Figura 2 e 3. À esquerda, estudo dobre o espaço geral. À direita, estudo sobre o uso
das colunas da galeria como matéria apra a instalação (1990-1998).
Assim configurado, o espaço da galeria é matéria deste trabalho de
Paes Leme. Para tal, é preciso entender a arquitetura como limitação e
84
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A artista parece ver na oposição a própria semiose que define o
projeto: “cheio/vazio; janela/coluna; oposição”. A contraposição parece ser a
imagem geradora para essa reflexão sobre a instalação em curso. Nos
dois desenhos, percebe-se o movimento criador que agrega forma e
85
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memória arquitetônicas do espaço à forma do objeto. Somente em outro
desenho (Figura 4), é que se pode afirmar que há uma decisão em
direção ao que a artista define como mar de gravetos. Paes Leme é enfática:
faz uso indicativo-descritivo do texto “planta/mar de gravetos”. Define
outro elemento formal-espacial da obra: o piso. O proposto é reforçado
pelo texto; restringe-se a subjetividade interpretativa.
Outra anotação de seu caderno revela a intenção mínima intervenção
em nivel físico na estrutura do espeço: as paredes (serão brancas); é tomada
a decisão da cor: ficarão (Figura 5); decisão fundamental para o efeito de
luminosidade da obra.
1985 e 1986 (Figura 6). A imagem é um detalhe, uma idéia registrada em
sua forma embrionária. Provavelmente essa imagem foi retomada, ou
por acesso ao caderno ou por lembrança, mas do mar de gravetos
presente em vários esboços Paes Leme decido pela efetivação deste
croqui da década de 1980, sem referencias de transição entre as idéias
anteriores e ele.
Figura 5. Detalhe da página de anotações da artista (cerca de 1997-98)
À idéia da alvura das paredes brancas, Paes Leme anexa o marrondourado dos galhos de eucalipto, matéria predominante em sua
produção, desde 1986. Um grande mar sobre o qual se deitam elementos
que dele emergiram: a mesa, a fibra do algodão, as lembranças da artista,
rodeada de matéria natural com a qual dialoga em seu processo de
criação. Em um esboço no pé de uma página do caderno de anotações
da artista, no qual a maioria dos desenhos está situada entre 1985 e 1986,
a imagem preliminar da instalação é esboçada, aparentemente uma idéia
fugaz não desenvolvida naquela época, mas registrada em sua forma
embrionária. Em nenhum dos projetos localizados, há qualquer
referência visual à presença física da chama na obra. Parece que essa
decisão se deu num campo da memória de Paes Leme que não foi
registrado em seus cadernos de anotações.
Outro aspecto pouco relacionado nas suas anotações é a sua forma
final. Em vários esboços a artista pensa sobre como ocupar a galeria, mas
não há um estudo final com o projeto executado. Há apenas um esboço,
no pé de uma página, no qual a maioria dos desenhos está situada entre
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Figura 6. Shirley Paes Leme, detalhe de página com projeto não desenvolvido pela
artista. Anotação em caderno, cerca de 1985-1986
2.1 A escolha do título
O procedimento de escolha do título, uma das possíveis portas de
entrada do percebedor para o trabalho, é fundamental para a relação de
sentido que irá ser estabelecida pelo trabalho como um todo. Em suas
anotações (figura 9), Paes Leme expõe esse raciocínio gerador.
Esse documento reflexivo sobre o título é formado por um conjunto
de palavras, em sua maioria enfileiradas em duas colunas na vertical.
Parece que a artista escreve possibilidades: lenta, respiração, sonho interior,
são, sombras do passado... uma a uma, palavras-nomes se sucedem; carregam
em si conceitos que ela busca interagir com a obra. O uso de grafismos
como setas e circunscrições parece fazer um recorte no mar de
possibilidades que se lhe colocam os vocábulos. Indica caminhos,
87
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
escolhas, limites. Os procedimentos da mente criadora parecem estar
sendo desvelados, descortinados diante dos olhos da própria artista.
Conclusão
Pela Fresta traz, em silêncio, segredos da memória, derramados como
matéria que ocupa a sala; uma sombra do passado, que, como fronteiras,
revela, entre fresta, o sonho interior. Geografias íntimas demarcadas pela
imagem da chama. Numa lenta respiração, a chama retoma outros
momentos, quando sonhos e fantasias se configuram. Fronteira entre o
ser e o artista existentes em Paes Leme. No diálogo de Paes Leme com a
matéria, estabeleceu-se o pacto entre os elementos. Efetiva-se a relação
dialógica que caracteriza o trabalho dessa artista. A tensão gera angústia;
a pulsão, para superá-la, gera o movimento que se prolonga para além da
fresta.
A análise desses documentos não se coloca como uma possibilidade
de minimizar a angústia que se instaura no público em contato com a
obra que não se dá por inteira, apenas pela abertura da porta de acesso à
galeria. Este estudo apenas desvela partes de como ela se constrói ao
longo do seu processo de gestação. Compartilha-se, com o leitor, a
angústia de Paes Leme, que se lança nessa quixotesca aventura para
desvelar os segredos de sua memória. E isso a coloca em um novo
percurso em direção à criação e às incompletudes e às incertezas que
envolvem o processo de criação. ●
Figura 7. Shirley Paes Leme, reflexões para escolha de títulos da instalação (1997-98).
Primeiramente, faz ligações por meio de setas; algumas parecem
indicar atenção e possível desdobramento; outras convergem para
similares semânticos: como fresta (à esquerda) e entre fresta (à direita), uma
possível ligação entre os dois conceitos. Estas últimas converge para
cima; indicam um percurso em direção ao topo da página: a síntese. No
centro superior da página, a decisão, o título final. Demarcado; indicado:
ESTES. Mais uma vez a artista faz uso da função indicativa do texto
verbal; não restam mais dúvidas do título da instalação: PELA FRESTA.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
O Mundo Bate do Outro Lado
Beatriz Furtado
*
Resumo: Neste artigo, parte de uma pesquisa mais extensa, nos propomos a analisar a
obra do artista brasileiro Ticiano Monteiro, “O Mundo que Bate do Outro Lado da
Minha Porta”, em sua relação com outras obras, fundamentais para o pensamento
contemporâneo da arte. Partimos da problematização das noções de mundo e
intimidade como um jogo de forças, que nem é absolutamente da ordem do dentro,
nem tampouco absolutamente da ordem do fora, tensionando a idéia de sujeito na obra.
Palavras chave: Mundo; Intimidade, Jogo de forças; Sujeito; Arte Contemporânea
Title: The world knocks on the other side
Abstract: In this article, part of a more extensive search, we propose to analyze the
work of a brazilian artist Ticiano Monteiro, “O mundo que bate do outro lado da
minha porta”, in relation to others works, fundamental to the thinking of contemporary
art. We start questioning the notions for intimacy like a power game, wich is absolutely
not in the order of inside, neither in the order of outised, tensing the idea of subject in
the work.
Keywords: world, intimacy, power game, subject, contemporary art
1. Uma ideia de mundo.
Em “O Mundo que Bate do Outro Lado da Minha Porta”(2006), uma
video-instalação, 8’, Ticiano Monteiro (1982) leva seu quarto para um rio
de águas baixas e calmas, um resto de natureza em meio a cidade
desordenada e caótica de Fortaleza, no Nordeste do Brasil. Cama,
colchão, lençóis, travesseiros, mesa de cabeceira, alguns livros, um rádio
de pilha, um cabide, uma velha televisão e outros objetos pessoais
formam um lugar de habitar e constituem um mundo em meio as coisas,
desprovido de repartições. Ticiano Monteiro inscreve esses objetos de
individuações, que compõem a vida familiar, em um artifício de
experimentação das fronteiras, dos desenhos entre o particular, o
pessoal, o construído, e o espaço aberto, público, transparente ao olhar
do outro.
O mundo é uma temática recorrente em obras de arte, uma noção que
inclui o lugar onde os seres humanos habitam, se confundindo às vezes
com o planeta Terra, seu aspecto físico, geográfico, natural, mas,
sobretudo, o mundo é uma constatação da forma de existência, uma
Brasil, artista visual, (instalações vídeo). Professora no Instituto de Arte e Cultura, Universidade Federal do
Ceará. Atualmente faz pós-doutorado em Cinema e Arte Contemporânea, na Universidade Paris III Sorbonne Nouvelle
*
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espécie de realidade que transcende o espaço e se articula com as
maneiras pelas quais a vida é apropriada. O cineasta Jia Zhang-Ke fez de
‘The World’ um mundo flutuante, que toma Pequim como um universo
à deriva. Para conhecer o mundo, Jia Zhang-Ke não precisa sair de
Pequim. Todos os principais monumentos de todas as cidades mais
cobiçadas pelo turismo mundano e comercial, toda a obra urbana e
monumental da humanidade, se encontram num grande parque de
diversões, para onde o tempo se entrelaça e se sobrepõe numa única
camada.
Zhang-Ke descreve o mundo em que os raros momentos de afeto, de
proximidade, se dão através de mensagens por celulares. ‘O Mundo que
Bate’... de Ticiano Monteiro, ao contrário, é uma ode à natureza, ao
despreendimento, uma retirada do mundo racional. Não há
monumentos, nem regras sociais. Seu mundo é um quarto (uma parte)
que se desgruda do espaço construído, que nega as particularidades de
uma vida de assinalada pela ordem doméstica. O único personagem de
‘O Mundo que Bate...’, o próprio artista, que transporta o quarto para as
águas, se retira do mundo da razão. Leva seu quarto para formar
paisagem com as garças, que vivem em bandos nos rios e lagoas para se
alimentar dos peixes de suas águas. Se situa na contra-mão dos exercícios
diários, pautados que são pelas finalidades, os resultados e a suas
racionalidades, para apenas experimentar seus desfazimentos.
“O Mundo que Bate...” é um enorme horizonte sob céu aberto,
coberto pelos traçados de luz e desorganizado pela inquietude do vento.
O quarto é parte do mundo onde não há mais o lá fora. Tudo está no
mesmo espaço e como uma fita Moebius, os limites do interior e
exterior, do direito e do esquerdo, se perdem, se desalinham. Não há o
outro lado. O desfazer dos traçados que o abrigo do quarto determina é
um gesto do artista diante do mundo submetido à ordem. O que sobram
são os objetos, mas sobretudo, a dimensão do esvaziamento das
configurações dos espaços lógicos, fundados sobre os usos e as
finalidades. O quarto agora é mundo, sem portas e sem determinação de
fronteiras nem apartações, é o ordinário da vida de que fala Maurice
Blanchot (1986).
No centro da ação performativa de ‘O Mundo que Bate...’ está uma
questão mais que tudo estética para qual Hélio Oiticica (1937/1980) já
havia proposto, na década de 60, uma formulação. Em “O Museu É o
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Mundo”(1966), Oiticica afirma o lugar da arte para fora das quatro
paredes que a apartavam do mundo. O sentido de apropriação, tão caro
a arte contemporânea, se estende às coisas do mundo, escrevia Oiticica,
em sua contundência crítica em relação às instituições e o circuito do
mercado da arte. A obra de Ticiano Monteiro bebe da mesma fonte de
Oiticica. Seu quarto não encontra lugar no museu, nem em galerias de
arte e é, sobretudo, parte de uma ação do artista que põe em crise o
conceito de exposição e reafirma as posições de artistas como Oiticica,
para os quais as obras se efetivam no mundo, na experiência cotidiana.
Os “Parangolés”, série de obras iniciadas em 1964, expressam o
investimento de Oiticica na vida e mundo como lugar da arte. Um gesto
que estava presente em Kasimir Malevitch (1878-1935), com a sua
pintura sem ordem gravitacional, que em Oiticica se converte em um
mundo concreto, com estrutura espaço-temporal. Os “Parangolés”,
espécies de capa, bandeira ou estandarte, feitos de algodão ou náilon
com poemas em tintas, foram criados para serem vestidos e assim dá a
ver tons, cores, formas, texturas, grafismos e textos. Com os
‘Parangolés’, Oiticica veste o ritmo do corpo e o ator/espectador passa a
perceber seu corpo afetado pela dança.
Essa mesma perspectiva de mundo está presente no trabalho de
Ticiano Monteiro. Mas, se há essa presença direta no mundo concreto,
das ruas, dos morros, das cidades, tanto em um artista quanto no outro,
suas obras trazem dimensões estéticas distintas. Não se trata de uma
variação sobre o mesmo problema, mas de produções informadas por
questões distintas, outra maneira de estender a arte ao mundo. O mundo
de Ticiano Monteiro é para ser levado de um canto a outro e está
contido nos elementos de seu quarto. ‘Estava passando por um
momento de reclusão, sentindo uma espécie de apagamento. O quarto
era esse lugar de conforto, de intimidade, um ninho, ele me continha, eu
estava imanente a ele’ (2011).
É fácil escutar nessa fala de Ticiano Monteiro uma certa ideia da obra
como representação de situações interiores. No entanto, quando o
quarto sai das quatro paredes que envolvem o espaço da reclusão e
dirigi-se ao mundo aberto, visível, em “O Mundo que Bate...”, não é um
mundo interior que vemos se deslocar. Então, afinal, o que faz Ticiano
Monteiro quando leva o seu quarto para um lugar do outro lado da sua
porta? Nossa aposta teórica é de que nesse transporte do quarto, “O
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Mundo que Bate...” (Figura 1) nos faz ver a impossibilidade de se pensar
a arte de dentro, a arte do sujeito, mesmo que esse dentro seja um
quarto. A arte de se faz da tensão no entre desses universos sem pontas.
Figura 1. Fotografia do vídeo de Ivo Lopes Araújo e Luciana Veiga, Frame de “O
Mundo que Bate do Outro Lado da Minha Porta”, 2006.
2. Uma arte sem sujeito.
O sujeito é um itinerário interior fora de mim (Clark, 1999:164). Essa
afirmação de Lygia Clark (1920/1988) diz do paradoxo da arte que é, a
um só tempo, dentro e fora e a sua negação, e explica o quão essas
noções de interior e exterior são insuficientes para dizer do que está em
jogo na experiência artística. Lygia Clark fez uma obra tomada, não
poucas vezes, como da pele para dentro enquanto a obra de Hélio
Oiticica se daria da pele para fora. Esse tipo de busca por um sujeito, que
estaria definido nas obras, é negado de forma contundente por Lygia
Clark, quando afirma que “Caminhando” só existe como um ato, é
apenas uma potencialidade, é uma realidade imanente. Portanto, não há
nada antes nem depois. A experiência de Lygia Clark com
“Caminhando” é da ordem desse sujeito que é um itinerário do fora.
“Caminhando só passou a ter sentido para mim quando atravessando o
campo de trem, senti cada fragmento da paisagem como uma totalidade
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
no tempo, uma totalidade se fazendo”. O fora é o itinerário de Lygia
Clark, atravessado pelo paradoxo de ‘mim’.
De uma outra perspectiva, em “Quarto em Arles’ (1888), de Van
Gogh, esse (sem) sujeito tensionado com o fora também negam
representar o frágil d’alma atordoada do artista apenas porque seus
elementos não se alinham em composições equilibradas, ressaltam fendas
no chão, descrevem desníveis e tortuosas paredes, que são convidados
para narrar sua doença. É o próprio Van Gogh, em carta ao seu irmão
Théo, que conta sobre essa obra como quem apenas fala de cores, que se
encontra na sua pintura. Ao contrário das versões que sucumbem à
leitura da obra como expressão da doença do artista, o que vemos é uma
imponência de cores que saltam do seu quarto como um tratado estético.
...As paredes são de um violeta pálido. O chão é de quadros vermelhos. A madeira da
cama e das cadeiras é de um amarelo de manteiga fresca; o lençol e os travesseiros,
limão verde muito claro. A colcha é vermelha escarlate. O lavatório, alaranjado; a
cuba, azul. As portas são lilases. E isso é tudo – nada mais neste quarto com as
persianas fechadas. O quadrado dos móveis deve insistir na expressão de repouso
inquebrantável. Os retratos na parede, um espelho, uma garrafa e algumas roupas. A
moldura – como não há branco no quadro – será branca (Van Gogh, 2002:33).
Gilles Deleuze, em sua estética fundada sobre a ruptura com o modelo
da representação, faz a crítica radical tanto da noção de intimidade,
crítica esta que passa por compreender a impossibilidade de um fora do
mundo, quanto seus aos valores universais. É no meio, na tensão do
entre, que, em pensando após Deleuze, se pode falar de uma estética não
da intimidade, mas da vida, quer dizer, uma arte que expressa a vida, um
arte vitalista. E a vida, diz Deleuze (1993), não é redutível a qualquer
gênero. Deleuze afirma uma arte figural (não figurativa, não
representativa), cujas bases teóricas estão assentadas numa arte de
captação de forças semi organizadas (caosmicas). Na arte que, nesses
termos, torna sensíveis forças não sensíveis por elas mesmas.
Jacques Rancière (1998), ao se perguntar se é possível falar de uma
estética em Deleuze, explica que o lugar central dado em suas obras à
‘aisthésis’ faz com que a teoria da arte figural não procure dar um sentido
as obras criadas e coloca no centro de seu pensamento sobre a arte o que
designa o presente de uma vida impessoal. A arte, portanto, não procura
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narrar uma história nem imitar um antes do mundo ou renovar uma
força existente. Em uma estética deleuziana o que temos na arte é a
presença de um movimento indeterminado da vida.
Entre conclusões
Embora o quarto seja um desenho do espaço privado moderno, da
sua concepção de íntimo e de acolhimento e ao mesmo tempo de
isolamento em relação ao lado de fora, “O Mundo que Bate...” faz a
crítica ao indivíduo, ao particular, ao próprio. Ao integrar outros espaços,
ao levar seu quarto para mundo, o que faz Ticiano Monteiro é produzir
uma arte que resiste às identidades, a instauração de um sujeito. O quarto
vai ao mundo não para dizer de um mundo da intimidade do artista, mas
para se fazer atravessado pela paisagem do mundo, marginalizando suas
regras de funcionamento. O “Mundo que Bate...” é de uma arte sem
sujeito determinado, que tornar-se uma singularidade qualquer, que se
deixa contagiar por Oiticica, Clark, Van Gogh, e cuja potência se dá num
jogo entre as forças que dizem do particular e do mundo, que nem é
absolutamente dentro nem tampouco absolutamente fora, mas
atravessada. Como o artista mesmo afirma, “O Mundo que Bate...” me
fez sair dos limites do sujeito para me diluir em composição com o
mundo, redistribuir as vizinhanças’.
Referências
Blanchot, Maurice (1986) La communauté inavouable. Paris: Minuit.
Clark, Lygia et al. (1999) Lygia Clark. Barcelona/Rio de Janeiro: Fundació
Tapies e Paço Imperial. (Catálogo da Exposição Lygia Clark).Clark, Lygia
(2012).
Clark, Lygia (s.d) Associação Cultural O Mundo de Lygia Clark. Diários de
Lygia. [Consult. 2012-01-10]. Disponível em
<http://www.lygiaclark.org.br/arquivo_detPT.asp?idarquivo=17 >
Deleuze, Gilles (1993) «La littérature et la vie», Critique et clinique, Paris,
Minuit.
Rancière, J.(1998) «Existe-t-il une esthétique deleuzienne?», In É. Alliez (dir.),
Gilles Deleuze. Une vie philosophique, Le Plessis-Robinson, Institut
Synthélabo, 1998, p. 525-536
Van Gogh, Vincent. (2002), Cartas a Théo, L&PM, Porto Alegre. ●
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
A Natureza abstrata na obra de Neide Ono
Carla Maria Buffo de Cápua
*
Resumo. O trabalho tem por objetivo apresentar a obra escultórica e cerâmica de
Neide Ono. Tendo como tema a Natureza, a artista desenvolve um trabalho de
abstração da forma, transcendendo sua simples descrição ou reminiscência. Utilizando a
argila e o metal, Neide constrói sua expressão plástica com grande rigor formal,
evidenciando através de suas qualidades táteis e visuais a sensação de vida latente em
cada uma de suas obras.
Palavras chave: abstração, escultura, cerâmica, natureza.
Abstract. The paper aims to present the sculptural and ceramics work of Neide Ono.
Taking Nature as her theme, the artist develops a shape abstraction work, transcending
its mere description or reminiscence. Using clay and metal, Neide develops her artistic
expression with great formal accuracy, demonstrating through their tactile and visual
qualities a sensation of potential life in each one of her works.
Keywords: abstraction, sculpture, ceramics, nature.
Introdução
O objetivo deste trabalho é apresentar a obra escultórica e cerâmica de
Neide Ono, principalmente sua produção plástica dos anos 90,
desenvolvida dentro de um universo muito preciso: a Natureza. Artista
plástica brasileira descendente de japoneses, Neide revela em sua obra
uma mistura de Oriente e Ocidente, mesclando formas limpas, orgânicas,
às quais agrega texturas e poucas cores.
Nascida em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em 1949 e formada
pela Fundação Armando Álvares Penteado na cidade de São Paulo em
1971-74, Neide especializou-se em cerâmica com Massumi Tsuchimoto
(1971-1975). Desde 1979 dedica-se à produção de cerâmicas em alta
temperatura e esculturas em seu atelier em Campo Grande, tendo
participado de coletivas em várias capitais do país.
Na década de 80 recebeu seis premiações em salões de artes e, na
década de 90, realizou o Monumento aos Desbravadores – Carro de Boi (5m x
10 m) para o Horto Florestal e a escultura Quatro Pássaros Pendentes (2m x
2m), para o SEBRAE- Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
Brasil, artista plástica. Doctorat d’Ethnologie, Anthropologie (DEA), Université Paul Valéry, Montpellier
III, França, 2001, e DEA Anthropologie des Dynamiques Sociales et Culturelles na mesma univerisdade,
1992. Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas, Fundação Armando Álvares
Penteado, São Paulo, 1977. Professora no Departamento de Comunicação e Arte do Centro de Ciências
Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
*
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de Mato Grosso do Sul, ambas em Campo Grande. Exerceu a função de
diretora do Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande entre
1997 e 1998.
Desenvolvimento
A obra de Neide Ono carrega em si traços da cultura japonesa que
determinam sua estética. Assim, acreditamos que para sua melhor
abordagem, é necessário um breve relato sobre a participação japonesa
na formação da cultura campo-grandense, da qual ela é integrante.
A partir de 1908, uma grande quantidade de japoneses imigrou para o
Brasil, e muitos trabalharam na construção da Estrada de Ferro Noroeste
do Brasil, iniciada em 1909, que liga a cidade de Bauru no estado de São
Paulo a Corumbá, no estado de Mato Grosso do Sul. As obras tiveram
duas frentes de trabalho, uma começada em Bauru e a outra em
Corumbá, que se encontraram na chamada Estação de Ligação em
Campo Grande, em 1914. Após o término dos trabalhos, muitos
japoneses resolveram fixar residência na cidade, e apesar de terem
trabalhado como operários eles tinham tradição de cultivar a terra, e por
isso, optaram por permanecer em Campo Grande, formando o que viria
a ser o “cinturão verde” da cidade.
Esse grupo de japoneses que chegou com a ferrovia provém, em sua
maioria, da ilha de Okinawa, pequena ilha ao sul do Japão, cujos
habitantes, possuem, além do tom de pele mais escuro, traços culturais
exclusivos que se mantiveram ao longo do século e fazem parte da
cultura sul-mato-grossense, tais como a festa do Bon Odori, (festa dos
ancestrais) ou o sobá, prato muito apreciado pela população local. Filha,
pois, de japoneses, seu pai imigrante da ilha de Okinawa e sua mãe
nascida no estado de MS durante a construção da ferrovia, Neide traz
consigo a herança oriental que convive com a cultura sul-matogrossense.
Traços dessa herança podem ser detectados desde suas primeiras
obras, como pode ser observado na Figura 1. Sobre uma superfície
vertical e ovalada, Neide abre uma linha horizontal na altura dos olhos e,
com algumas linhas em relevo que a circundam ou atravessam, a
composição resultante lembra-nos um rosto enigmático. Com uma
expressão ambígua, a figura sugerida remete-nos a determinadas
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
máscaras de teatro Nô, transmitindo uma sensação de inquietude, imersa
num estado de dormência, prestes a acordar.
ela mesma diz, zen. Seguindo essa orientação, Neide mergulha nas formas
existentes na natureza, simplificando, limpando, modificando,
abstraindo, adicionando e retirando matéria até que surgem formas
singulares, instigantes, que nos transmitem a sensação de estarem
pulsando, respirando.
Na sua primeira exposição individual em 1985 no Centro Cultural em
Campo Grande, Neide expôs cerca de 30 esculturas de cerâmica e de
alumínio ou metal dourado. A temática era o peixe, elaborado de maneira
simplificada, abstraído da figura, formas gordas, com texturas irregulares,
onde o polido e o fosco na superfície metálica ou a cor e a linha na
superfície cerâmica convivem em harmonia.
Figura 1. Neide Ono. Forma II. 1981. Cerâmica de alta temperatura. 40 x 24 x 17 cm.
Fonte: própria.
A argila é trabalhada pela artista nas mesmas técnicas desenvolvidas há
milênios: rolinhos ou serpentinas, que pouco a pouco vão sendo
estruturados em superfícies e volumes peculiares. Às vezes a argila tornase o material definitivo, sendo queimada no forno em alta temperatura,
outras vezes, é utilizada para investigar a forma que será fundida em
metal.
Sua produção revela em parte a estética elaborada através do conceito
de wabi, desenvolvido na época medieval no Japão, segundo a qual se
valoriza o incompleto, o imperfeito, o simples, o irregular, em
detrimento do perfeito, requintado e imaculado. Essa estética alcançou
sua expressão mais elevada na simplicidade da cerimônia do chá, criada
no século XVI, bem como na cerâmica sóbria, discreta e não sofisticada
que a acompanha.
Segundo a artista, seu trabalho flui através de muita concentração,
ouvindo música suave que propicia um ambiente tranqüilo, calmo, como
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Figuras 2 e 3. À esquerda: Neide Ono. Peixe. 1982. Cerâmica de alta temperatura,
esmalte. 18 x 26 x 8 cm. Fonte: própria. À direita: Neide Ono. Peixe. 1983. Metal
dourado. 10 x 12 x 4,5 cm. Fonte: própria.
Como podemos observar nas Figuras 2 e 3, o peixe é utilizado apenas
como referência, como um elemento de composição, pois as formas
resultantes transcendem a simples descrição ou reminiscência, fazendo
alusão aos motivos apenas nas qualidades abstratas das mesmas.
Trabalhando sempre com formas orgânicas, Neide volta-se, a partir
dos anos 90 para a idealização de um jardim, e, mais uma vez a herança
japonesa se manifesta. Dentro da filosofia zen, a meditação, a estética
dos jardins e as pinturas na terra estão diretamente relacionadas, e dessa
maneira, a artista cria obras que nos remetem às vezes aos jardins de
pedra e outras àqueles onde a água é o elemento tranqüilizador.
Nomeia suas peças de Cogumelos, Bambus, Sementes ou mesmo
Germinação. São peças infladas, amassadas, que parecem estar respirando;
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Artes em torno do Atlântico:
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alguns furos, às vezes muito pequenos deixam o ar circular, ou mesmo a
água escorrer. Em geral, a cor é utilizada somente nos furos, esmalte
brilhante contrastando com o fosco da cerâmica clara de alta
temperatura, conforme observamos na Figura 4.
Figuras 5 e 6. À esquerda: Neide Ono. Fonte. 2005. Cerâmica de alta temperatura,
esmalte. 120 cm de altura. Fonte: própria. À direita: Neide Ono. Germinação. 2004.
Cerâmica de alta temperatura, esmalte e ferro.
70 x 33 x 52 cm. Fonte: própria.
Figura 4. Neide Ono. Cogumelos. 1994.
Cerâmica de alta temperatura, esmalte. 64 x 26 x 15 cm. Fonte: própria.
A repetição das formas na composição das peças é outro recurso
bastante utilizado pela artista.
Pela sobreposição dos módulos que compõem a obra Fonte (Figura 5),
Neide resgata, através da irregularidade, uma movimentação orgânica que
transcende a idéia funcional do objeto. Aludindo antes a animais como
lagartas e centopéias, a obra provoca no observador a sensação de vida.
No topo de cada módulo superior podemos ver pequenos tubos verticais
vazados, que ligam o espaço interno com o externo, permitindo que a
água jorre. O esmalte escuro aplicado sobre esses elementos escorre,
dando a sensação de que fungos brotam de um elemento úmido, como
micro organismos em movimento.
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Este último exemplo (Figura 6) lembra um jardim estruturado através
de hastes de ferro com formas arredondadas e ligeiramente amassadas
nas suas pontas, como botões de flores prestes a eclodir ou sementes
germinando. As diferentes alturas das hastes e mesmo o seu
posicionamento nos remetem ao vento, à chuva e ao orvalho, através do
brilho azulado que nos proporciona o esmalte aplicado no topo de cada
peça cerâmica.
Com a repetição das formas, a partir de um módulo básico – a haste
de ferro encimada pelo elemento cerâmico – a artista cria um conjunto
que, dependendo do ponto de vista do observador, relaciona-se com o
espaço circundante de forma mais compacta ou arejada.
Como pudemos observar, portanto, utilizando a argila e o metal,
Neide constrói sua expressão plástica com grande rigor formal,
evidenciando claramente através de suas qualidades táteis e visuais a
sensação de vida latente em cada uma de suas obras.
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Conclusão
Sementes, pulmões, brotos, transbordamentos. As cerâmicas de Neide
Ono materializam na contundência da argila um estágio larval da vida,
um estágio pulsante das pré-coisas. Se por um lado a economia e limpeza
da forma trazem um apaziguamento ao observador, por outro, remetemno também à materialidade por vezes violenta e dolorosa de existir.
É nessa zona de limite que a estética wabi vem à tona, mas ela vem
redimensionada: o imperfeito, o incompleto, o orgânico, por fim, não
são abordados aqui apenas como forma, mas ganham sua força
principalmente enquanto tema, características da natureza que se
destacam em sua expressão sintetizada. De acordo com Collcutt, Jansen
e Kumakura (1998), a palavra wabi vem de wabishi, que significa perda,
solidão. Ora, se a obra de Neide não se fixa na melancolia destas duas
palavras, traz à tona a autonomia de existências solitárias. Sem a
pretensão de reproduzir a Natureza, mas criando a partir dela, a artista
produz obras com um mínimo de elementos e grande expressividade,
onde dominam o equilíbrio e a harmonia, permitindo desta maneira que
participemos do pulso vital que tudo movimenta.
Referências
Collcutt, Martin, Jansen, Marius e Kumakura, Isao (1998). Japão, O Império do Sol
Nascente. Volume II. Madrid: Edições Del Prado. ISBN: 84-7838-767-6.
●
Pinturas quentes; Imagens geladas. Sobre a Pintura de
Simeón Saiz Ruiz
Carlos Correia*
Resumo: O presente texto irá abordar a obra do pintor espanhol Simeón Saiz Ruiz.
Partindo de imagens difundidas pelos meios de comunicação social, o artista produziu
pinturas, desenhos e gravuras. A nossa atenção irá recair apenas sobre algumas dessas
pinturas. A obra do artista espanhol servirá como pretexto para falar sobre a pertinência
da pintura de história nos nossos dias.
Palavras chave: Pintura, pintura de história, mass media, realidade, verdade
Title: Hot paintings, cool images: on the paintings of Siméon Saiz Ruiz
Abstract: This paper will discuss the work of Spanish painter Simeon Saiz Ruiz.
Starting from images broadcast by the mass media, the artist produced paintings,
drawings and prints. Our attention will fall only on some of these paintings. The work
of Spanish artist will serve as a pretext to talk about the relevance of history painting
today.
Keywords: painting, history painting, media, reality, truth
Introdução
Simeón Saiz Ruiz (1956), é doutorado em Filosofia e professor de
pintura na Universidade de Castilla-La Mancha. Ainda que a sua obra
seja praticamente desconhecida em Portugal, o artista goza de um
assinalável prestígio em Espanha, integrando as colecções do Museu
Rainha Sofia ou da Caja Madrid, entre muitas outras.
Não pretendendo abarcar a totalidade do seu trabalho, iremos focarnos na série J’est un je (figura 1), um título que invoca uma frase de
Rimbaud (Je suis un autre). Deste extenso e denso corpo de trabalho,
decidimos eleger três aspectos que, a nosso ver, são constitutivos do
mesmo: o confronto da pintura com as imagens massificadas; a
possibilidade da pintura poder continuar a falar de modo consistente e
relevante sobre a realidade; os pontos de contacto e dissemelhança entre
Pintura de História e Arte Política.
Portugal, artista visual. Doutorando na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Mestre em
Artes Visuais / Intermédia pela Universidade de Évora. Projecto Individual em Pintura no Ar.Co. Licenciado
em Artes Plásticas pela Escola Superior de Artes e Design, Instituto Politécnico de Leiria (ESAD.CR).
*
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Artes em torno do Atlântico:
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presença física da pintura pode servir de veículo para a representação da
virtualidade de um píxel? A resposta que o pintor encontrou para esta
questão foi de natureza puramente pictórica: cruzando cores
complementares. Detentor de um sólido conhecimento teórico e prático
acerca das teorias da cor, Saiz Ruiz usou as cores complementares de
forma a produzir uma mistura óptica:
(...) un verde mezclado en el cerebro es más verde que la misma cantidad de verde
mezclada en la paleta.(...) (Ruiz, 2008: 168).
A este respeito o artista diz-nos ainda que não é sua intenção criar uma
cor nova, por exemplo esse verde, mas sim potenciar a sua intensidade,
colocando-o entre várias manchas vermelhas. Este trabalho com a cor
foi também experimentado em obras sobre papel (figura 2).
Figura 1. Matanza de civiles en Sarajevo por proyectiles caídos junto al mercado principal el lunes 28
de agosto de 1995. Víctima en la barandilla (A partir de imagen aparecida en Tve-1), 1998.
Óleo s/ linho . 171 x 277,5 cm . Universitat de València . Colección Martínez
Guerricabeitia
Sensação pixilizada
Pinto el píxel de la television como Cezanne pintaba cilindros, conos e esferas, en
definitive, porque los veo conformando las estructuras de lo que tengo delante de los
ojos. Esas estruturas generaban imágenes, en el caso de Cezanne del monte Sainte
Victoire, en micaso de víctimas de la guerra de los Balcanes, Y eso no se puede olvidar
(Ruiz, 2008:173 - 174).
Simeón Saiz Ruiz não tem qualquer pudor em discutir abertamente a
sua forma de trabalhar. Fá-lo nas aulas, em escritos ou em conferências.
O seu processo de pintura tem vindo a tornar-se mais complexo,
sobretudo desde que iniciou a série J’est un je. Parte desta complexidade
fica a dever-se à tentativa de imitar o píxel televisivo tão fielmente
quanto possível. É crucial para o artista que o observador não tenha
dúvidas acerca da proveniência da imagem que lhe serviu como ponto de
partida. Desta forma, o píxel surge como um símbolo da intrincada
relação entre um médium orgânico (a pintura) e um médium acético (a
imagem televisiva). Mas como representar um píxel? De que forma a
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Figura 2. Victimas de ataque a un autobús en Kosovo, en el que murieron 17 personas el 3 de Mayo
de 1999. Víctima en la barandilla. Pastel s/ papel . 91,8 x 147,5 cm . Cortesía Galeria
Fucares.
Ainda acerca da sua técnica, Ruiz diz-nos que, contrariando as
normas clássicas de representação pictórica (segundo as quais as
diferentes zonas que compõem uma pintura devem receber diferentes
tratamentos de cor, desenho e/ou acabamento), as suas pinturas são
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
iguais em toda a parte; tal como acontece com a imagem televisiva, cuja
superfície povoada por píxeis é idêntica em toda a sua extensão.
Pintura / Realidade / Verdade
Será ainda possível a pintura continuar a falar de modo consistente e
relevante sobre a realidade? O artista parte de imagens difundidas pelos
meios de comunicação social. Logo, volta a dar ao mundo uma imagem
que antes recebera. Trata-se aqui de avaliar o que é acrescentado e o que
é retirado à imagem original durante esta operação de resgate-devolução.
O pintor não pega num pedaço do mundo para intervir sobre ele; retira
sim um pedaço de um olhar que outro antes dele lançou sobre o mundo.
A intenção do olhar do primeiro é dar conta de um determinado
acontecimento; já a do artista é tecer um comentário não apenas ao
acontecimento em causa, mas também ao olhar que o primeiro autor
lançou sobre esse acontecimento; e isto não é tudo, pois o pintor
pretende tecer esse comentário através de um meio que comporta uma
série de outras implicações: a pintura pode ser muita coisa, mas não é
com certeza um modo de comunicação neutro. O que quer que seja
(falamos de pintura figurativa, obviamente; da representação de um
modelo) que passe pelo filtro da pintura a fim de por esta ser
representado, deixa de poder ser lido apenas enquanto “uma”
representação. Passa a ser uma representação mediada pela pintura.
Antes de ser uma representação de algo (seja uma maçã, seja uma
imagem de guerra), é uma pintura que representa algo. Neste processo de
transferência ou tradução de imagens perde-se, com certeza, alguma da
objectividade necessária à representação da verdade.
Mas aqui é preciso ter atenção e perceber as armadilhas que esta
afirmação pode conter. A saber: quando Ruiz realiza uma pintura usando
como modelo uma imagem televisiva, ele estará eventualmente a ser
menos objectivo (menos claro para com a realidade e, no limite, para
com a verdade) que o jornalista que realizou essa imagem; mas está
simultaneamente a ganhar em objectividade para com a representação da
imagem televisiva em si. Quer isto dizer que antes de reflectir sobre a
guerra dos Balcãs, a pintura de Ruiz reflecte sobre a imagem televisiva
desse acontecimento.
Assim, talvez seja precipitado dizer que o pintor trabalha sobre a
guerra dos Balcãs, pois essa será apenas uma das camadas de sentido que
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habita as suas obras. Não quer isto dizer que estas pinturas não
promovam, também, uma reflexão sobre a guerra ou mesmo sobre a
história e o modo como esta nos é contada. Um vestígio dessa reflexão
reside no facto de nesta série não existirem imagens de vencedores
(figura 3).
Figura 3. Matanza de civiles en Sarajevo por proyectiles caídos junto al mercado principal el lunes
28 de agosto de 1995. En la calle. 2ª versión (A partir de imagen Antena 3), 1999.
Óleo s/ linho . 206 x 333 cm . C.A.C. Bodegas Vega Sicilia, S.A.-Patio Herreriano,
Valladolid
Esta opção constitui um acto de reflexão sobre a realidade e sobre a
história; é uma escolha que implica uma tomada de posição política que
não deve ser relegada para um plano menor. Não pretendendo retirar-lhe
importância, queremos apenas dizer que esta será uma tomada de
posição de uma natureza diferente, pois encontra-se mediada por uma
teia de relações estéticas que surgem, a nosso ver, em primeiro plano.
Pintura de História e Arte Política
Por pintura de história entendemos o género que existe sob essa
denominação desde o século XVII e que desde então ocupou o topo
hierárquico dos diversos géneros que foram constituindo a história da
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
pintura ocidental. Já em 1435 Leon Battista Alberti havia afirmado no
seu tratado De Pictura que a história seria a parte mais importante de toda
a pintura.
A relação entre arte e eventos históricos de maior relevância tem
desempenhado um papel fundamental nas sociedades ocidentais.
Contudo, a Revolução Francesa veio alterar de forma substancial o
modo como a arte e os artistas se relacionavam com a história e a sua
representação. Foi por esta altura que começou a surgir uma arte com
intenções políticas e sociais mais vincadas, quase uma arte de
intervenção. As profundas alterações sociais que então se começavam a
fazer sentir, encontraram na arte um eco inesperado. A arte ao serviço de
causas sociais começava, então, a revelar-se como um instrumento
poderoso, o que levou a que alguns artistas aliassem o seu trabalho aos
revolucionários e intelectuais que lideraram esses processos
revolucionários.
Evidentemente, antes desta época já o mundo havia assistido à
produção de obras de cariz mais ou menos violento, obras que
espelhavam o lado mais negro da história de modo directo. A série de
gravuras da autoria de Jacques Callot, no século XVII, pode servir como
exemplo. Já no século XX, os artistas ligados à revolução bolchevique,
bem como os muralistas mexicanos, representam outros exemplos de
arte e artistas social e politicamente empenhados (Febbraro; Schwetje,
2010: 7_8). Obras desta envergadura aproximam-se mais da ideia que
hoje temos do que pode ser uma Arte Política. Associados a esta surgem
nomes como os de Martha Rosler, Jeff Wall, Francis Alys, Alfredo Jaar,
Thomas Hirscchorn ou Ai WeiWei, entre tantos outros.
Contudo, e ainda que a pintura não ocupe já a posição central que
outrora lhe coube, podemos afirmar com segurança que a pintura de
história continua a desempenhar um papel relevante no contexto da arte
contemporânea. Sofrendo alterações de vária ordem, já sem a
necessidade de responder a esta vetusta designação e comportando por
vezes um entendimento alargado da ideia de pintura, continua a marcar
lugar na produção artística dos nossos dias. A título de exemplo ficam os
nomes sonantes de alguns dos seus actuais praticantes: Gerhard Richter,
Luc Tuymans, Marlene Dumas, Dexter Dalwood ou Simeón Saiz Ruiz.
Conclusão
Num artigo desta natureza, não podemos fazer mais do que apenas
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aflorar as questões que nos propusemos trabalhar. Contudo, a
actualidade e pertinência da Pintura de História constituem o tema
central de uma investigação que presentemente desenvolvemos. Mais do
que apresentar respostas, pretendemos com este breve artigo colocar
questões e propor possíveis linhas de investigação.
A obra de Simeón Saiz Ruiz revelou-se, assim, portadora de muitas
das interrogações que permeiam a pintura actual e, particularmente, a
pintura que ainda tenta produzir discurso sobre a realidade.
Referências
Alberti, Leon Battista, On Painting, ed. Penguin Classics, London, English
Translation, 2004
Febbraro, Flavio; Schwetje, Burkhard; How to Read World History in Art, ed.
Thames & Hudson, London, 2010.
Ruiz, Simeón Saiz (Compilador) (2008) Realidad contra Identidad – Ensaios Sobre
J’est un Je, Ediciones Universidad de Salamanca.
Ruiz, Simeón Saiz; Persiva, Vicent Sanz I (2008) J’est_ un_ Je, Fundación
General de la Universitat de València. ●
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Presencia, tiempo y contexto en la performance
de María Marticorena
Carlos Tejo Veloso*
Resumen: Esta ponencia analizará aquellos ingredientes que consideramos esenciales
en la obra de María Marticorena y que pudieran ser representativos de un modo de
hacer particular si los comparamos con su contexto cultural inmediato. Junto a este
análisis haremos una breve lectura de “Asuntos Laterales”, uno de los proyectos que,
bajo nuestro punto de vista, mejor condensa los intereses fundamentales de esta joven
artista gallega.
Palavras llave: arte de acción, mujer, cuerpo.
Abstract: A scope into the essentials on María Marticorena’s work in context
Introducción
María Marticorena nació en A Coruña (España) en el año 1977. Es
licenciada en Bellas Artes por la facultad de Bellas Artes de Pontevedra
(España). Como formación adicional en el campo del arte de acción ha
asistido a talleres como: “0 xogo, o discurso e o corpo” dirigido por
Adriano y Fernando Guimarâes o “Performance Body: una historia
subjetiva del body art” dirigido por Marina Abramovic. Entre sus becas
destacamos Ruta Quetzal-Argentaria y Bolsa de escultura “Novos
Valores” 04, Pontevedra. Ha presentado su trabajo en prestigiosos
festivales y encuentros como: IMAN, Porto; Y Harlech Art Biennale.
Wales, Reino Unido; Acción Mad, Madrid; Chámalle X, Pontevedra,
FEM, Gerona; EBent, Barcelona o Horas Perdidas, Monterrey, México.
1. María Marticorena: la acción sostenida
(…) la performance, al mantenerse alejada de cualquier sentido objetual, se nos
presenta como experiencia, es decir, como tensión que nos tensa y, por tanto, como arte
que transita no por el camino del contar, sino por los derroteros de un acontecer que,
como sucede en muchas obras concretas, resulta complejo de clausurar. (Pérez,
David, 2011:55).
Tal y como nos recuerda David Pérez, el arte de acción es un objeto
de estudio resbaladizo, tan plagado de hibridaciones que en algunas
Espanha, artista visual. Profesor na Facultad de Bellas Artes de la Universidad de Vigo. Doctor en Bellas
Artes pela Universidad Politécnica de Valencia
*
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ocasiones dificulta el desarrollo de una hermenéutica concisa y acertada.
Estamos, pues, ante un terreno extremadamente mutante, un espacio que
nos ubica en la más profunda de las incertidumbres ya que tratar de
definir lo intangible es tarea harto arriesgada. Sin embargo, para nuestra
satisfacción, la obra de María Marticorena establece unas pautas de
comportamiento muy definidas, estrategias que nos hacen reflexionar
sobre la semántica del dolor, la fisicidad del cuerpo o las derivas del
tiempo. Con el uso de estos materiales, esta joven artista gallega apuesta
por un hacer alejado de grandes y sofisticadas producciones inclinándose
por una tipología de la acción que se nutre de una estética minimalista
impregnada de un gran caudal expresivo. En un ejercicio simbiótico estas
herramientas confluyen para crear un loop que nos sitúa en el centro de
un ritual terapéutico. Como en un trance singular, María relaciona lo
físico con el esfuerzo y el dolor con el castigo que -siguiendo la mística
de muchas religiones- derivará inevitablemente en la regeneración y la
sanación. Así, fisicidad y dolor aparecen insistentemente en el devenir
creativo de la artista y construyen otra de las sólidas bases que soportan
su poética. Junto a estos ingredientes observamos que María establece
una fértil relación con objetos que ella misma crea y con el sonido
monótono, mántrico que producen esos objetos. Por último, un
sofisticado y calculado erotismo inunda algunas de sus propuestas
estableciendo puentes entre la performance y prácticas más cercanas a lo
que podríamos llamar “la escena contemporánea”. Este diálogo entre la
performance, la representación, el sonido y la tridimensionalidad del
objeto contribuye a difuminar las barreras entre las disciplinas al tiempo
que propone una fecunda convivencia entre ellas.
Precisamente, será esta inteligente imbricación de “modos de hacer” uno
de los mayores hallazgos de María Marticorena. Este proceder, que nos
recuerda proyectos como Drive chairs de los artistas Kent Tankred y Leif
Elggren, nos descubre un universo creativo particular si lo comparamos
con su contexto cultural más cercano. En Galicia -quizás determinados
recursos expresivos como el rito o el dolor- podrían también estar
presentes en determinadas propuestas llevadas a cabo por artistas como
Ana Gil o Ana Gesto. Sin embargo vemos como Marticorena utiliza
estas mismas herramientas con otra intensidad tratándolas con una
mayor insistencia, presencia y sentido. No queremos con ello infravalorar
la obra de Gesto y Gil que -sobre todo en el caso de Ana Gesto- pasa
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
por un muy buen momento. Solamente advertir que María analiza quizás con mayor profundidad- las posibilidades de estos recursos y que
por esta razón ganan en efectividad y contenido.
El trabajo de esta incansable creadora describe una línea que desde el
año 2005 nos ha dejado muy buenos ejemplos de constancia , seriedad y
sensibilidad. En este sentido, recordemos proyectos como: “Asuntos
Laterales”, “Hasta que mi cuerpo aguante”, “Lachid da!, Cheers!, ¡Salud!”
o “Silbando mis tormentos”. Como es lógico, a lo largo de este periodo
también encontramos propuestas menos acertadas que se quedan casi en
lo anecdótico del gesto sin llegar a profundizar en aquello en lo que,
pretendidamente, se quería incidir. Nos referimos a trabajos como
“Polifonía: dejarme las uñas” o “A golpe de Yoyo las reglas las pongo
Yo”; acciones en las que parece como si la mayor preocupación de la
artista estuviese desviada hacia la representación de un “otro” y hacia el
objeto, abandonando, en cierto modo, lo que podría ser la verdadera
sustancia de la acción. Pese a estas inflexiones, descubrimos en la
trayectoria de María Marticorena trabajos claves que marcan un
interesante episodio en todo su periplo creativo. Por su relevancia,
vamos a detenernos en “Asuntos laterales” realizado en el año 2005.
1.1 Asuntos Laterales
El sometimiento del cuerpo a todo tipo de experiencias límite, relacionadas con el dolor
y la abyección, se ha convertido, durante el último tercio del siglo XX, en una de las
estrategias “performativas” más comunes entre los autores que trabajan con el cuerposoporte. (Cruz Sánchez, Pedro; Hernández Navarro, Miguel A., 2004: 15).
Figura 1. ”Silbando mis tormentos”, performance de María Marticorena realizada en
AcciónMAD, Madrid, 2009.
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Someter al cuerpo a toda suerte de “torturas” y utilizarlo como un
efectivo vehículo que -a través del dolor- canaliza y expresa nuestros
sentimientos se ha convertido en uno de los recursos más manejados de
lo que se algunos críticos han denominado posmodernidad. Desde los
accionistas de Viena hasta Abramovic, tenemos abundantes ejemplos de
esta manera de entender la presencia de lo corpóreo en la performance.
Aunque esta “escuela” no nos resulta especialmente atractiva por lo que
muchas de las veces conlleva de vacía espectacularidad, reconocemos
que el producto final de Marticorena sobrevive, en la mayoría de las
ocasiones, al naufragio de lo inconsistente. En este sentido, su propio
cuerpo establece sólidos puentes entre lo físico y lo mental utilizando el
dolor como un terreno permeable que interactúa con su pensamiento.
Esta simbiosis entre cuerpo y mente dejará traslucir los temores más
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Artes em torno do Atlântico:
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íntimos de María sin que por ello estas preocupaciones caigan en lo
espurio y puedan dejar de ser una verdad universal.
Figura 2. ”Asuntos Laterales”, performance de María Marticorena realizada en Gwyl
Gelft Harlech Art Biennale (2005).
La performance titulada “Asuntos Laterales” sintetiza perfectamente
las ideas que hemos expresado hasta el momento. Se trata de una acción
contundente, una acción que invita a lecturas que nos llevarán desde
cuestiones ligadas a problemáticas de género (no demasiado frecuentes
en el discurso de María) hasta la representación del horror en un ámbito
aparentemente inofensivo. A través de una meditada austeridad de
medios, Marticorena propone un particular deambular sirviéndose de dos
sillas como vehículo que -al arrastrarse por el suelo- provoca un ruido
molesto; un ritmo que nos perturba e inquieta. Al igual que su trabajo
titulado “Hasta que mi cuerpo aguante” la artista avanza con mucha
dificultad quizás en un intento de establecer una metáfora que nos haga
reflexionar sobre lo intricado que puede llegar a ser cualquier camino. Su
cabeza y piernas se apoyan en sendas sillas dejando al resto del cuerpo
colgado del vacío, soportando toda la fuerza de una gravedad agotadora.
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Además, el erotismo que comentábamos con anterioridad, hace
presencia en este trabajo de una manera muy evidente. Desde la
vestimenta elegida hasta la postura que adopta el cuerpo, se transparenta
un mortal juego de la seducción donde se recontextualiza el género de
femme fatale cultivado por lejanos autores como Munch, Klimt o Wilde.
Esta pulsión erótica que domina “Asuntos Laterales” sitúa al espectador
en un terreno ambivalente al hacer convivir al deseo y al dolor en el
mismo plano de contenido.
Conclusión
El trabajo creativo de María Marticorena se descubre como una de las
líneas más sólidas en el campo de la performance realizada por mujeres
dentro del contexto artístico de Galicia. Analizando siempre su
producción dentro del marco cultural gallego vemos como María
consigue plantear una expresión singular a través de una efectiva
combinación de herramientas expresivas que exploran el universo íntimo
de la artista. Observamos, además, un importante giro en su producción
en la performance titulada “Silbando mis tormentos”. En este proyecto
abandona el dolor y la resistencia física para, a través del sentido del
humor, abrir otras posibilidades a un trabajo con un horizonte muy
prometedor.
Referencias
Cruz Sánchez, Pedro A., Hernández-Navarro, Miguel Á. (2004) “Cartografías
del cuerpo. (Propuestas para una sistematización)”, en VV.AA.
Cartografías del cuerpo. La dimensión corporal en el arte contemporáneo. Murcia:
CENDEAC
Pérez, David (2011) “El tiempo que no(s) sucede” en el catalogo Esther Ferrer.
En cuatro movimientos. Álava: Fundación ATRIUM. ●
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Performar em estado reflexivo: remake da performance
“Movement to Promote the Cleanup of the
Metropolitan Area (Be Clean)” do Grupo High Red Center (1960)
Carolina Érika Santos*
Resumo: Performar em estado reflexivo é um método de construção de pensamento
que se consolida no fazer performativo. Para efeitos desta escrita, problematizações
urbanas são simuladas por meio da performance, criando subsídios diferenciados na
reflexão do tema. Os registros fotográficos da performance executada pelo grupo
japonês High Red Center provocou na autora reflexões sobre o modo higienista de
planejamento urbano, motivando o remake da ação sobre questões atuais.
Palavras chave: performance, espaço público, políticas de gestão.
Title: Perform in a reflective state: remake of "Movement to Promote Cleanup of
the Metropolitan Area (Be Clean)" High Red Center Group (1960)
Abstract: To perform in a reflective state is a method of thought construction that
consolidates on performing. For the purposes of this text, urban problems are
simulated by means
of performance, creating differentiated subsidies to the
reflection on the theme. The old photographic evidences of the performance executed
by the Japanese group High Red Center led the author to reflect on the hygienist
urban planning, motivating the remake of the action in current times.
Keywords: performance, public space management policies
Introdução
Performar em estado reflexivo é um método de construção de pensamento
que se consolida no fazer performativo. Trata-se de um caminho de
experimentação reflexiva em que proponho performances nos espaços
públicos a fim de problematizar as políticas públicas de gestão urbana.
Esse interesse em tornar visível problemáticas urbanas por meio de
performances me acompanha desde a graduação em Arquitetura e
Urbanismo, em que já experimentava jam sessions organizadas por
dançarinos e músicos em praças públicas da minha cidade natal. Por
essas sessões compreendia de outra forma os espaços da cidade de Belo
Horizonte (MG) e, paralelamente, os espaços do meu corpo. Depois
segui com um mapeamento de performances pelos os espaços públicos
metropolitamos - pesquisa me deu o título de mestre em urbanismo - e
hoje pratico performances na cidade de Salvador (BA) e analiso seus
efeitos na minha pesquisa de doutorado pelo programa de artes cências.
Brasil, arquiteta urbanista. Mestrado em Urbanismo. Doutoranda em Artes Cênicas no Programa de Pósgraduação em Artes Cênicas, Universidade Federal da Bahia (Bolsa pela FAPESB – BA).
*
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Figura 1. Movement to Promote the Cleanup of the Metropolitan Area · Grupo High Red Center,
1964. Fonte: 29ª Bienal da cidade de São Paulo (2010).
Para este artigo reservei a performance Já está limpo!, de criação
própria, porém inspirada na ação “Movement to Promote the Cleanup of the
Metropolitan Area (Be Clean)” do Grupo High Red Center (1960). Tal grupo
era formado por três jovens artistas japoneses imersos numa condição de
ruptura dos padrões sociais de sua cidade natal. Era um contexto de
grandes indeterminações com relação a realidade urbana, visto que
estavam às vésperas dos Jogos Olímpicos de 1964 em Tóquio e
vivenciando um acelerado crescimento econômico observado em todo o
país. Os integrantes do High Red Center eram comparsas do movimento
Fluxos e compartilhavam o mesmo princípio de intervir em lugares
públicos de forma sútil e tranqüila, porém crítica ao verificar os limites
de realização de trabalhos artísticos sob a vigência de instituições
artísticas e crítica ao questionar a constituição política do tecido social e
cotidiano da cidade de Tóquio em vias de modernização. Em “Movement
to Promote the Cleanup of the Metropolitan Area (Be Clean)” os jovens artistas
limpavam uma área metropolitana munidos de artefatos de assepsia
hospitalar - era um estado diferenciado que instauravam na realidade
pública daquele lugar, tensionado o contexto por ser incomum.
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
A performance Já está limpo! seguiu a mesma abordagem da
performance “Movement to Promote the Cleanup of the Metropolitan Area (Be
Clean),” porém, quem a praticou foi uma arquiteta urbanista, vestida
como uma inspetora da limpeza e com a sua função grifada no guardapó. A ação consistiu em lavar 12 bancos da Praça da Sé e identifica-los
com a etiqueta Já está limpo!. A Praça da Sé foi escolhida por ser um dos
muitos lugares não desejáveis de Salvador: ser pobre, cheirar mal, reunir
bêbedos, prostitutas, usuários de drogas, e, ao mesmo tempo, ser ponto
de encontro, de passagem ao turista, da paquera alegre, da venda de
artesanato e formalizar um desenho arquitetônico de gosto sofisticado
através de bancos e pisos em granito, monumentos iluminados, parques
arqueológicos, arborização ritmada e fonte luminosa com trilha sonora.
De forma ironica, submeti a minha presença na Praça da Sé na função
de lavar bancos. Queria lavar daquele lugar a prostituição, os gatos e
ratos, o consumo e tráfico de drogas e os espaços de consumo fabricado.
Para, ao final, transformá-lo no lugar do asseio e da sobriedade típicos
do bom senso burguês (ou será da boa arquitetura?). Essa era a minha
crítica - salientar o triste fim de muitos projetos de arquitetura e da ação
preconceituosa de muitos técnicos de boa vontade.
Lavar os bancos e borrifar alfazema foi a minha ação ao ser afetada
pelos registros da intervenção simbólica do Grupo High Red Center. Ao
ver os registros fotográficos da perormance “Movement to Promote the
Cleanup of the Metropolitan Area (Be Clean)” rememorou em mim às
estratégias totalitárias de configuração dos espaços físicos com base no
princípio social higienizador de Haussmann - ‘a tábula rasa’ - ideário
democrático que ainda contamina o imaginário da boa arquitetura, me
levando a simular a performance Já está limpo!.
1. Descrição do acontecimento
Depois de ter experimentado a performance sentei para escrever.
Comecei com o diário, desenvolvendo um romance com grande vocação
à novela mexicana. Nesse primeiro construto havia muito conhecimento
intuitivo e pouca autoridade científica, mas havia elementos de
autenticidade subjetiva que balizavam um possível rumo de escrita. Foi
nesse momento que escolhi as contribuições de Suely Rolnik (2007) e
adotei os estudos sobre ‘políticas da criação’ como engate de invenção
para minha produção científica.
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Quadro 1. Narrativa alegórica da performance Já está limpo!
Já está limpo!: tô esfregando pra democratizar
1
Parece que é tudo e nada ao mesmo tempo,
A REGRA:
mas o que é ser tudo e nada ao mesmo tempo?
o sujeito percebe as representações do
mundo, cabe a ele aceitar.
a arquiteta - o sinal de alerta foi ativado! O
cinismo desse lugar me sufoca.
campo de formas – a partir do século XVII
reinava sobre os territórios de subjetivação o
5
sujeito moderno - “indivíduo” que acreditava
A ASFIXIA:
poder controlar a natureza, as coisas e a si mesmo
a dissonância entre o campo de forma e o
por meio da vontade e da razão.
campo de força. Como habitar o paradoxo entre
as coisas que vejo e as coisas que sinto?
O exercício da razão - como forma cultural instaura o gosto por arranjos mentais que a tudo
a arquiteta - por que sinto mal ao ver o piso
explica, reduz e analisa.
em granito da Praça da Sé junto com aquela fonte
luminosa que canta?
o noticiário - o sonho por cidades funcionais,
Por que acho graça em ver a fonte quebrada,
baseado por diretivas absolutas e eficientes,
molhando todo mundo e deixando o piso
mobilizou arquitetos e urbanistas de todo o
escorregadio?
mundo interessados em modelar e organizar a
Por que torço para prostitutas manterem seu
matéria caótica preexistente nas cidades. Esta
ponto ali?
dinâmica de concepção arquitetônica e
Por que não consigo reconhecer o trabalho das
urbanística instaurou construções racionais e
baianas fantasiadas de baianas?
padronizadas que almejavam a eternidade e a
Por que as pessoas falam que o Pelourinho
perfeição. Os cálculos eram feitos a partir de uma
está decadente?
idéia de “homem tipo”, esboçando ambientes por
Por que tudo é festa, alegria? Mas também
meio de necessidades universais humanas prégorjeta, ajuda, esmola, roubo, estupro...
estabelecidas: “habitar”, “circular”, “recrear” e
“trabalhar”. Premissas que fundamentaram o
6
Estilo Internacional - modo de existência
O ACONTECIMENTO:
catequizado pelos CIAMs (Congresso Internacional
por uma questão de sobrevivência, a
de Arquitetura Moderna) que perdurou até a
subjetividade é mobilizada e potências de criação
segunda metade do século XX.
e ação são agenciadas.
a arquiteta - a escola, onde me formei
arquiteta, se nutria dessa fonte.
campo de forças – o valor de identidade e a
produção objetiva eram dispositivos que
fundavam a lógica moderna de socialização,
então, foi preciso anestesiar a atividade vibrátil do
sensível.
MOLA – Mostra Osso Latino-Americana de
Performances Urbanas: 26, 27 e 29 de setembro
de 2010.
Apresentação da performance “Já está
Limpo!”, às 14 horas do dia 29, na Praça da Sé,
Pelourinho – BA.
1 performer para lavar os bancos
1 guarda-pó identificado
1 par de sapatos emborrachados
1 vidro de água sanitária
1 punhado de sabão em pó
1 bucha
1 rodo de pia
1 flanela
1 frasco de alfazema
1 bloco de etiquetas
1 criança
A idéia de subjetividade não participava do
repertório da regra geral...
2
A ASFIXIA:
o sujeito percebe mas não apreende as
representações do mundo, cabe a ele aceitar?
o noticiário - no contexto urbano imediato pós
Segunda Guerra Mundial, as idéias disseminadas
pelos CIAMs tiveram larga aceitação. A condição
arrasadora deixada pela guerra e a necessidade de
construção de conjuntos habitacionais de forma
maciça colocaram em prática, em algumas cidades
européias, o método eficaz de organização de
‘funções humanas vitais’ no espaço físico,
consolidando a moderna ‘tábula rasa’ tão visada
nos planos urbanísticos da época.
Despeje a água sanitária, polvilhe o sabão em
pó, esfregue.
Puxe o excesso com o rodo, segue com a
flanela, borrife a alfazema e identifique o banco
limpo.
Convença a criança a borrifar a alfazema só no
final do processo e a não gastar tudo num banco
só.
119
Artes em torno do Atlântico:
a arquiteta - arquitetos mais jovens - nascidos
no período entre guerras e criados sob a tensão
de racionamento de recursos, perda de memória
e perda de relações afetivas com o espaço e com
as pessoas - passaram a questionar as propostas
da velha guarda.
3
O ACONTECIMENTO:
o perigo da asfixia mobiliza a subjetividade e
provoca invenção e ação.
o noticiário - em 1966, um grupo formado por
performers japoneses, High Red Center, vestidos
como inspetores da limpeza e munidos de
acessórios para assepsia, realizaram a ação “Street
Cleaning Event”. Eles higienizaram um trecho de
via pública e depois fixaram uma placa com o
aviso: “this place already cleaned”.
4
A REGRA:
a regra estabelecida pelas grandes narrativas,
pela crença ao progresso, mecanização e
homogenização das formas de vida, fez vingar o
capitalismo industrial. Mas agora, a mais-valia,
deixa de ser da força mecânica para ser da força
do conhecimento, da invenção. No lugar da
produção de objetos o que se produz no novo
regime são “novos mundos” - “mundos-imagem”
flexíveis à mobilidade do neoliberalismo.
campo de formas – planejo um campo de
plasticidades sem relevo e adaptável ao consumo
fácil e dócil.
a arquiteta - o Pelourinho, centro histórico de
Salvador - BA, é um bom exemplo de um tipo de
espaço cuja política parece girar no vazio,
mediada por imagens espetaculares e agentes
passivos (ou cínicos perante ao que se
estabelece).
campo de forças [atuando na arquiteta] - isso
aqui tá esquisito... parece ser bonito mas não é...
parece ser alegre mas não é... parece ser
democrático mas não é... parece ser público mas
não é... parece ser sujo mas não é... parece ser
dócil mas não é...
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Responda as interferências.
7
A REGRA:
eu tô te explicando pra te confundir/ eu tô te
confundindo pra te esclarecer/ tô iluminado pra
poder cegar/ tô ficando cego pra poder guiar
[tom zé].
Aqui a tarefa é opor-se ao movimento!
campo de formas - uma moça, com o seu
filhinho, pede licença aos usuários da praça para
lavar os bancos. Ela esfrega, chama a atenção do
filho e responde as perguntas que as pessoas
faziam.
12 bancos foram lavados, inclusive aquele
onde João modelou seus seios de barro.
as pessoas - por que está lavando os bancos?
ele é seu filho? a prefeitura já faz isso, por que a
senhora também?
Não chegue perto dele! Tire seu filho daí!
Vocês serão infectados!
a arquiteta - é preciso zelar os espaços
públicos, garantir o uso das crianças, dos idosos...
Aqui aparece todo tipo de gente! Nem dá para
ficar a vontade na praça! Tô esfregando pra
democratizar!
campo de formas - peço licença a um morador
de rua. Ele era sujo e tinha cara de dó.
Acompanhou de perto a limpeza do banco e
observava tudo com um sorriso nos olhos. Depois
de limpo, sentou no mesmo lugar e agradeceu de
um jeito silencioso e doce.
primeiro grau (o evento) e os simulacros (produtos de simulação
sensitiva) em uma escrita que extrapola o valor descritivo ou documental
para ser reflexiva (Quadro 1).
Para tanto, escolhi um tipo de pensamento abstrato que agrega
multiplicidades que “ultrapassam a distinção entre a consciência e o
inconsciente, entre a natureza e a história, o corpo e a alma”. (Deleuze &
Guattari, 1995: 8). Um pensamento que tenta mostrar a realidade sem
supor algo unitário ou absoluto. Algo que pretende provocar estados de
reflexão ao considerar o singular e suas relações; as zonas de conflito e
suas tensões e aquilo acontece fora do espaço-tempo convencional. O
objetivo aqui não é atingir uma nova realidade, mas consolidar a
existente por revelações múltiplas.
Conclusão
Executar a performance Já está limpo! foi uma forma de submeter a
minha presença em um jogo de simulação de objetos e eventos presentes
na Praça da Sé, a fim de descobrir outras sensibilidades, vestígios de algo
não dito ou não representado que consubstacia o atual estado das coisas
(Benjamin, 1999). Por essa performance tive a oportunidade de estimular
presenças sensitivas em um lugar amortecido pelo preconceito e pela
moralidade de uma sociedade em construção, por isso sigo com
investimento de performar em estado reflexivo em realidades metropolitanas
na intenção de apreender outras significações sobre a mesma coisa.
as pessoas – ih... sujou de novo!
a arquiteta – em silêncio e por gestos simples
trocou-se afeto. De repente a praça ficou linda e
senti compaixão. Vivenciar essa situação junto às
escolhas da prefeitura de Salvador e os rearranjos
que a dinâmica daquele lugar produz, me fez
apreender coisas que não sei dizer o que são. Só
lembro de um sentimento de igualdade que
silenciou meu ego.
campo de forças - saí de lá respeitando a
condição daquele lugar. Nada se alterou de
concreto na praça. Nada, exceto eu.
Referências
29ª Bienal da cidade de São Paulo (2010) Movement to Promote the Cleanup of the
Metropolitan
Area (Be Clean). Fotografia. Disponível em <URL:
http://www.29bienal.org.br/>
Deleuze, Gilles; Guatari, Félix (1997). Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia.
Rio de Janeiro: Ed. 34.
Rolnik, Suely (2007) Cartografia sentimental: transformações contemporâneas
do desejo. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS. ●
Por esse caminho de organização considerei fatos da performance,
elementos intuitivos e o tropo teórico citado acima para simular formas
de texto e de imagem. Almejava a verossimilhança entre evento, romance
e escrita científica a fim de tornar igualmente reais as referências de
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ISBN: 978-989-8300-32-4
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Lições de abismo por Roberto Mallet: criação de imagens poéticas
Carolina Martins Delduque*
Resumo: O presente artigo tem como tema o espetáculo “Lições de Abismo”, baseado
no romance de mesmo título de Gustavo Corção (1896-1978), com atuação de Roberto
Mallet e direção de Mário Santana. O estudo será centrado no trabalho criador do ator,
por meio da exposição e análise de imagens poéticas da peça, com o intuito de
destrinchar seus elementos de composição e simbologia.
Palavras chave: imagens poéticas , ação, trabalho do ator.
Title: Lessons from the abyss by Roberto Mallet: creation of poetic images
Abstract: This article´s theme is the play "Lessons from the Abyss", based on the novel
of the same title written by Gustavo Corção (1896-1978), directed by Mario Santana,
with Roberto Mallet as actor. The study is going to focus on the actor´s creative work
through exposure and analysis of poetic images of the play in order to tease out the
elements of composition and symbolism of these images.
Keywords: poetic images, action, the actor's work.
Lições de Abismo – do texto para cena
O presente artigo tem como tema o espetáculo Lições de Abismo,
baseado no romance de mesmo título de Gustavo Corção (1896-1978),
com atuação de Roberto Mallet e direção de Mário Santana.
No romance de Corção, o professor José Maria, ao descobrir que está
gravemente enfermo, recolhe-se em sua casa para refletir. Ali, avalia o
sentido de sua vida, mergulhado nos abismos de suas memórias. Esse
mergulho é feito em um diário escrito pelo professor que, à medida que
o tempo passa, vai se tornando cada vez mais fragmentado e lúcido. Na
adaptação para o palco, o personagem José Maria passou a ser um
homem de teatro.
Ao contrário do intelectual que encontra em casa a cela monástica para a derradeira
meditação, o artista volta-se para o palco. Porque é ali onde o artista de teatro
interroga a vida. A sua e a de todos. (htpp://www.grupotempo.com.br)
A obra literária de Corção é uma rede complexa, repleta de digressões
poéticas e citações de artistas da cultura universal. A adaptação trazida
Brasil, atriz. Afiliação actual, Universidade Estadual de Campinas. UNICAMP, São Paulo. Bacharel em Artes
Cênicas e Mestranda em Artes da Cena (UNICAMP).
*
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para o palco prima por simplificar a erudição da poesia, tornando-a mais
acessível ao público, sem no entanto perder em força poética. Com a
mesma profundidade que o pensador católico brasileiro consegue
alcançar na relação com o leitor, a atuação de Mallet traz à cena uma
seqüência de ações rica em imagens poéticas, que carregam em si forte
simbolismo.
A poética do espetáculo, assim como a poética de todo trabalho
artístico de Mallet, caracteriza-se por privilegiar o trabalho do ator. Tudo é
construído em torno das ações do ator, e do que é estritamente
necessário para que o ator as realize. O cenário é composto apenas por
um pequeno banco e uma espécie de mesa. Os objetos também são
poucos: uma caixa de madeira com algodão, demaquilante, toalha, copo e
um cigarro de palha.
Considerações sobre a imagem poética
Toda obra de arte, diz Mallet a partir da teoria cunhada por Aristóteles
na obra Metafísica, é uma composição entre forma e matéria. Pois se a
matéria do ator é fundamentalmente seu próprio corpo, então as ações
que ele realiza e o que ele diz conformam esse corpo. De forma que
iremos nomear de imagem poética como a resultante dessa complexa
composição entre forma e matéria, entendendo imagem não como uma
figura estanque, mas como a resultante de uma ação física.
Faz-se necessário pontuar que a palavra dita é também um elemento
de composição dessa ação física que vai resultar na imagem poética e no
símbolo. Segundo Langer, um símbolo é também um artifício “graças ao
qual podemos fazer uma abstração” (Langer, 1980: XV). Logo, tanto na
obra literária como na teatral, a palavra também pode ser caracterizada
como um símbolo, como uma imagem poética.
As imagens poéticas, como os símbolos são polivalentes, ou seja, elas
nos fazem ver além do significado literal de uma palavra ou de uma ação.
São artifícios que podem convocar os nossos sentidos, a nossa
imaginação e o nosso pensamento. Por vezes enigmáticas, ambíguas, elas
também podem ser metáforas luminosas, guiando-nos através da
obscuridade da razão. Revelam-se como a preciosa chave capaz de abrir
a compreensão, uma vez que a linguagem discursiva, circunscrita apenas
nos limites da racionalidade, é incapaz de apreender totalmente a
realidade.
123
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
A dúvida entre ficção e realidade como princípio estruturador
Antes de entrar propriamente no espaço teatral, o público é recebido
pelo ator. Para que a peça comece, o ator sinaliza para o iluminador, que
estabelece um black-out e entra um foco. A personagem da peça, que
também é um ator, é construída por meio de ações pura e simplesmente,
e não por meio da caracterização de uma figura, de uma máscara. Existe
a máscara, mas ela é feita de ações. De modo que a construção do
personagem fica bem próxima da figura do ator. Essas são as primeiras
ações que o ator realiza no sentido de criar na mente do público uma
confusão entre a figura do personagem ficcional e a do ator: se trata de
um depoimento verídico do ator ou é uma história de ficção?
É importante que o espectador permaneça com a dúvida, pois isso o
leva a refletir sobre sua própria condição de existência finita. Se o
público está convicto de que isso está acontecendo com um personagem
e não com Mallet, ele jamais olhará para sua morte, olhará para morte do
José Maria. No outro sentido, se o público tiver a certeza de que Mallet
está doente, então ele vai querer ajudá-lo, ou talvez chorar. O espectador
não pode ter nenhuma das duas certezas.
O momento mais evidente dessa dúvida ocorre quando José Maria diz
“Eu também não consigo, como Ivan Ilitch: aceitação da ideia da morte.
Eu venho dizendo esse texto há dias, ensaiando...” Com o personagem,
ator e público ocorre o mesmo, o confronto com a morte gera uma
espécie de inverossimilhança, você diz: “não é possível, ontem ele estava
aqui”.
Além desse comentário, há a magreza e idade madura já características
de Mallet, e as ações que mostram, ao longo da peça, que o personagem
(ou o ator?) está ficando cada vez mais frágil.
Ao longo do espetáculo, é criada uma sequência de ações para que
essa dúvida permaneça latente. Trata-se de um procedimento
dramatúrgico que determina uma atmosfera geral, ou seja, é um tapete
para o espetáculo como um todo, para a geração de todas as suas
imagens poéticas, criando na mente do público esse constante
movimento entre a verossimilhança da ficção e uma verossimilhança tão
verossímil que você começa a achar que é o próprio ator que está nessa
situação.
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2.1 O retirar da máscara: início de um diálogo com o público
Essa primeira imagem é realizada no início da peça, quando o
personagem, ao concluir um pequeno monólogo que fizera ainda quando
estudante de teatro, vai tirando sua maquiagem. Após terminar, sentado,
de frente à caixa de madeira, pega uma toalha e vai passando-a
lentamente sobre o rosto, que vai mostrando-se a ele em um pequeno
espelho. É uma primeira revelação que se faz ao público,
metaforicamente realizada pelo ato de ir tirando a maquiagem e
revelando-se a si mesmo.
No início do monólogo, ele já pegara a mesma toalha e a manipulara
como se fosse uma máscara, ou seja, nesse momento, estava nos
preparando para o “tirar da máscara”.
Esta fala é um trecho de O canto do cisne, de Tchékhov (1860-1904), no
qual o personagem não vê sentido em sua existência como ator. A
representação de Mallet, nesse trecho é propositalmente teatral e afetada,
o que causa uma primeira antipatia no público, uma sensação de
estranhamento. Além disso, tem quarta parede. Essa sensação de
distanciamento, no entanto, se desfaz no momento em que ele revela-se
sem máscara diante de si (no espelho) e diante do público.
Fazendo uso de semelhante recurso poético, no cinema, em Ligações
Perigosas (filme inglês dirigido por Stephen Frears, 1988), na cena final, a
Marquesa de Merteuil (Glenn Close) após ser desmascarada ante a
sociedade, tira a maquiagem em frente ao espelho. Mesmo no momento
em que ela perde toda sua adoração e credibilidade, é impossível não
sentir pena, pois pela primeira ela se mostra humana. Em Lições, a
revelação do que está por trás da máscara, aproxima público e ator,
estabelece uma intimidade, chegando também numa relação mais
pessoal. Agora não é mais um personagem tentando representar nada, é
um homem querendo se comunicar com outros homens.
Essa imagem também simboliza a ideia do vazio de sua vida. O ator que
percebeu que o teatro que ele vem fazendo é um teatro exterior, formal,
agora diante da morte, ele retira esse teatro, retira essa máscara, vira-se
para o público e começa a dialogar com ele.
2.2 O apagar das chamas
Essa imagem acontece após a metade da peça, quando temos uma
certa idéia sobre sua vida até aqui. Trata-se aqui de uma sequência de
pequenas ações e dizer do texto que em seu conjunto, podemos dizer
125
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
que constroem uma única ação e portanto, uma imagem poética.
Ela tem início quando o ator relembra que na infância ficara curioso
sobre o conteúdo de uma caixinha de música. Quando conseguiu violála, vê que lá dentro havia um pente de lâminas e uma mola enroscada.
Está acendendo um cigarro e diz: “Muito mais tarde eu descobri que o
eu era um eu, uma coisa escondida”. Senta-se em seu banquinho e
continua dando o texto sobre sua busca de si mesmo, agora no período
da adolescência. Passou a observar os outros, para ver se encontrava no
reflexo do outro, a si próprio. Depois descobriu a técnica de colocar-se
cuidadosamente no lugar do outro, sem destruí-lo. A partir de um gesto
característico do outro, coisa que poderia fazer ainda hoje, mesmo
doente. Então reflete, dizendo: “O que isso quer dizer? Serei eu tão
pouco que dependo de uma camisa?” E depois:“Os artistas são muito
mais reais do que se pensa”.
Continua: “E hoje, de volta ao velho problema da infância: e eu
mesmo, para mim mesmo, sou uma gaveta fechada, um abismo”, no que
diz isso um fósforo cai, ele se abaixa para pegá-lo. A partir dessa ação de
abaixar-se, num momento de reflexão sobre o sentido de sua vida,
retomamos uma imagem já referida no início: a imagem de descer às
profundezas, num ato de tomar lições de abismo.
Então, ajoelhado, apoiando-se no banco, risca um fósforo para
acender um cigarro e depois fica observando a chama consumir o
fósforo. Depois de um tempo ele assopra, apagando-o. Isso cria a
imagem da vida que está se extinguindo.
Ao mesmo tempo, está dizendo “Eu mesmo, e para mim mesmo, sou
um pequeno realejo.” (Corção in Mallet, 2001:7)
Dessa junção, temos dois elementos importantes: a luz que se apaga e
a menção de que ele mesmo é como um instrumento de sopro. Aqui é
evidente como o dizer das palavras também produz uma imagem
poética. As ações do ator, nesse caso, constroem para o espectador os
indícios necessários para torná-la mais pungente.
Na simbologia cristã, é recorrente o uso da expressão “sopro de vida”
para designar a vida. Em Gênises, no capítulo sobre a criação humana,
há um versículo que diz: “Então Javé Deus modelou o homem com a
argila do solo, soprou-lhe nas narinas um sopro de vida, e o homem
tornou-se um ser vivente.” (Bíblia Sagrada, 2009:16)
Nessa construção, o ator traz à cena imagens que são metáforas de
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uma mesma idéia. Elas também estão extremamente presentes no
imaginário universal, por isso são capazes de causar no espectador uma
potente reflexão.
Das lições...
Na adaptação para o palco, o romance é resumido (caso contrário,
teríamos 3 horas de peça). Cerca de oitenta por cento das palavras
escritas pelo autor estão presentes na peça. A força da poesia é mantida
no palco por conta das imagens simbólicas. A escolha das ações físicas,
nesse trabalho, prima por seu caráter simbólico e por isso, universal. As
palavras ditas e as ações realizadas fazem-nos ver além, fazem-nos refletir
sobre nossa própria condição e finitude.
Cabe ressaltar que nessas linhas, há apenas um começo. A riqueza
poética destas obras apresenta ainda muito material para análise e
reflexão.
Referências
Aristóteles (2005) Metafísica. S./l: Ed. Edipro. ISBN: 8572835474
Corção, Gustavo (2004) Lições de abismo. Rio de Janeiro: Agil Editora Ltda.
ISBN: 85-22-00627-x
Editora Ave Maria – 5ª ed. (2009). Bíblia Sagrada. S/l: Ed. Ave Marria. ISBN:
8527612690
Langer, Susanne Katherina (1980) Sentimento e forma. São Paulo: Ed. Perspectiva.
ISBN: 8527304457
Mallet, Roberto (2001) Lições de abismo, uma adaptação do romance de Gustavo
Corção. http://www.grupotempo.com.br ●
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Borracha, transparência e peso no espaço real:
por um novo modo de habitar os desenhos de Lúcia Fonseca
Cláudia Maria França da Silva*
Resumo: Análise de desenhos de Lúcia Fonseca, artista brasileira. São borrachas
vulcanizadas pretas que dialogam mais efetivamente com o espaço real. Meu raciocínio
vai à busca de valores reveladores da potência escultórica de tais desenhos. Aproximo
esses trabalhos com experimentações de Richard Serra e Robert Morris, realizadas com
materiais flexíveis, em que havia uma preocupação com o tectonismo da matéria (Serra)
e um interesse pela multiplicidade de situações formais (Morris).
Palavras-chave: peso, presentidade, desenho contemporâneo.
Title: Rubber, transparency and weight in the real space: towards a new way of
inhabiting Lúcia Fonseca’s drawings
Abstract: Text about Lucia Fonseca drawings, Brazilian artist. Black vulcanized rubbers
establish effective dialogue with real space. My text explores sculptural potency of her
drawings with this material. I also bring them near Richard Serra and Robert Morris
experiments with flexible materials. These experiments reveal their concerns with
tectonism of matter (Serra) and multiplicity of formal situations (Morris).
Keywords: weight, presentness, contemporary drawing.
Considerações Iniciais
Apresento alguns dos trabalhos mais recentes da artista plástica
brasileira Lúcia Fonseca, recortes e composições com borrachas
vulcanizadas pretas. Lúcia é natural de Campinas (SP), doutora em
Comunicação e Semiótica pela PUC/SP e professora do Instituto de
Artes da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Este texto
decorre de minha experiência como curadora de sua exposição individual
“Habitar o espaço”, realizada no Museu de Arte Contemporânea de
Campinas José Pancetti – MACC - realizada entre 16 de novembro e 11
de dezembro de 2011.
Em seus trabalhos anteriores, desenhos sobre papel, havia em alguns
deles quase que um procedimento similar às gravuras em maneira negra,
já que o eixo operacional era o escurecimento do suporte para então criar
zonas de luz, gerando o “branco” como acontecimento. Ao escrever
sobre os mesmos, eu apontava sobre a presença de uma escuridão,
Brasil, artista visual e professora na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Estado de Minas Gerais).
Doutorado: Artes / Poéticas Visuais, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestrado: Artes
Visuais / Poéticas Visuais, Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduação: Artes Plásticas,
Desenho e Escultura, Universidade Federal de minas Gerais (UFMG).
*
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espécie de “noite profunda” que era a base mesma do suporte, sobre a
qual a artista ia dilapidando, em camadas sucessivas, “momentos de luz
silente”, os quais “ilumina[va]m o suficiente para apenas vislumbrarmos formas
reconhecíveis dentro daqueles blocos de noite”.
Ainda tendo como mirada aqueles desenhos, concluía refletindo que a
poética de Lúcia Fonseca seria o enfrentamento do branco e do silêncio
inicial do suporte, ao mesmo tempo em que o desenho era também uma
construção sucessiva de “blocos de noite” para que ela pudesse, nesse
trabalho de escurecer seu mundo de papel, redescobrir o branco, para
fazer da totalidade da noite espessa, outros blocos: nuvens de chumbo.
Ora, nuvens de chumbo são imagens mentais que podem metaforizar a
angústia, mas podem também se relacionar ao peso. Tensão existente
entre a força gravitacional e a condição de suspensão no ar, do ser
nuvem. A série que ora se apresenta é um enfrentamento do peso físico.
Para tal, é importante pensarmos nas operações da artista sobre o
suporte. Meu raciocínio na construção desse texto passa pelo suporte
como corpo e matéria e me faz pensar se essa nova série de “desenhos”
de Lúcia Fonseca não nos revelaria a potência escultórica de suas
preocupações poéticas.
1. Suporte e Transparência
É muito comum aos desenhistas pensarem que o desenho começa no
momento em que os instrumentos gráficos tocam o espaço do papel.
Parece haver nisso a ideia de que a ação de traçar é o elemento que funda
uma visualidade, ou mesmo de que o corpo do artista se apresenta como
figura ou por meio de sua gestualidade. Há um corpo anterior que recebe
o traço, o corpo do suporte. Corpo que em muitos momentos foi
percebido em sua transparência, como aquilo que permite a visualidade
de outra coisa. Corpo anterior como vidro transparente pelo qual se
olha, e não para o qual se olha.
É necessário que ampliemos nosso conceito de “transparência”. Para
Colin Rowe (1985: 54-5), a transparência é um termo abrangente,
podendo assumir diversas significações. Assim, temos a transparência
como (1) “busca constante [do intelecto] de tudo aquilo que deveria ser facilmente
detectado”, como (2) condição física de determinadas matérias que
permitem passar a luz para outro meio. A transparência também é
entendida como (3) qualidade de caráter, opção pela sinceridade e
129
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
ausência de dissimulação. Para o entendimento desse texto, trabalhamos
com o conceito nos sentidos de clareza de raciocínio e postura ética,
dentro das postulações de Rowe.
Munida de tais referências para o conceito de transparência, refiro-me
então à escolha e presença do suporte no mundo, como corpo primeiro
com o qual o corpo do artista trabalha. A corporeidade do suporte fica
ainda mais clara quando a artista investiga placas pretas de borracha
vulcanizada. Elas lhe fornecem extensão, espessura, cor, maleabilidade,
cheiro e peso (Figuras 1 e 2).
Não há como não se olhar para elas.
Figura 1. Lúcia Fonseca, Composição de borracha vulcanizada no chão, MACC
Campinas (2011). Fonte: própria.
Figura 2. Lúcia Fonseca. Detalhe de espalhamento de borracha vulcanizada no chão,
MACC Campinas (2011). Fonte: própria.
A artista tem de lidar com várias características do material “antes” de
começar seus “desenhos”: carregar as placas – experimentar o peso físico
do material, ao mesmo tempo do peso visual prevenir-se das manchas
de graxa, organizar espaços de guarda e de manipulação das placas,
conviver com o cheiro da borracha. Conviver não mais com “blocos de
noite” construídos por seus gestos gráficos, mas com “noites” préexistentes, enroladas e envolvidas em seu mistério intrínseco de
ocultarem sua formatividade - pois nessa latência são apenas manchas
pretas e informes.
Ao lado da desenhista que se empenhava ao máximo em conservar a
planura e alvura de seus suportes intocados talvez Lúcia se pegue
pensando que agora cabe vez à desenhista que compreende que o ser do
plano de borracha seja um ser recolhido, envolvido, acostumado a uma
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invisibilidade que agora grita com sua “presença” no cotidiano da artista.
Ou talvez perceba que a “nova” série é uma deliberação em se trabalhar
com a Física no interior do Desenho.
Essa condição do suporte – placas enroladas – passa a ser percebida
também como potência para “situações formais”. Ou seja: a artista
executa no plano da borracha vários cortes que produzem manchas e
linhas negras, unidades que em conjunto produzem texturas e outras
composições. Mas há também fragmentos longos de placa enrolada em
diversos tamanhos. Consubstanciam volumes de alturas diversas, mas
sempre sujeitos ao peso do próprio material. A artista também constrói
estruturas rígidas (Figuras 3 e 4), suportes metálicos para suspender
linhas e manchas, numa busca de tectonismo para o próprio desenho no
espaço real.
Figura 3. Lúcia Fonseca, Composições com borrachas vulcanizadas, MACC Campinas (2011).
Fonte: própria.
Figura 4. Lúcia Fonseca, Composições com borrachas vulcanizadas, MACC Campinas (2011).
Fonte: própria.
Quando me refiro a “situações formais”, isso se dá pela submissão do
material à força gravitacional. Mesmo que Lúcia faça um percurso com
uma linha de borracha no espaço real, levantando-a em alguns
momentos, dependurando-a em algum suporte, ou mesmo construindo
sobreposições de rolos, os resultados formais não são absolutamente
estáveis, porque o peso das borrachas introduz graus de entropia nas
composições, o que as torna vinculadas não mais a um conceito de
forma como da ordem do estável e do constante.
Essas novas situações remetem a algumas experiências de Robert
Morris e Richard Serra, a partir de 1967. Robert Morris formula o
131
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
conceito de “anti-forma” durante experimentações com materiais moles
como o feltro e com disposições espaciais aleatórias e desordenadas.
Morris está atento às oposições entre o caráter bem-construído e o nãoconstruído, em uma obra de arte. O conjunto do que o homem
construiu para fazer oposição à ação gravitacional – o emprego do
mármore e do bronze, por exemplo, pertence ao domínio do bemconstruído, da “forma”. A “anti-forma” seria o pólo oposto, em que o
desejo de formar sucumbe à inexorabilidade da gravidade.
Richard Serra, por sua vez, insiste no tectonismo, mesmo com grossas
borrachas galvanizadas, dependurando-as em paredes, ou içando-as
parcialmente. Nessas ações, o artista percebe a força gravitacional como
elemento desestabilizador da noção de uma forma estável. Serra refere-se
a uma “transparência” no trabalho, não mais somente como a
apresentação das operações que o constituem, mas preocupando-se em
tornar “transparente” a força gravitacional como partícipe daquela
visualidade.
Tenho constantemente tentado tornar a tectônica transparente, não como um
imperativo ético ou lógico, mas como um assunto no senso comum da construção.
Princípios de construção que satisfazem sua função sob dadas limitações estão abertos
à inspeção de qualquer um (Serra, 2004: 50-1).
Assim, na lida com o peso físico e outras características do material
escolhido, na escolha entre deixar que a força da gravidade estabeleça a
imobilidade final das coisas e experimentar momentos de resistência a
essa força, os trabalhos resultantes passam a estabelecer intensas
conversas com o espaço real. Existe então um alto valor para a
experimentação, no sentido de resgate de uma “presentidade” da forma.
Robert Morris escreve sobre a presentidade no campo da experiência
subjetiva, afirmando que o “espaço real não é experimentado a não ser no tempo
real.” (Morris, 1978/2006: 404). Morris afirma isso no seio de uma
discussão sobre as diferenças de subjetividade na experiência real
(“experiências do tipo eu”, consideradas como o sujeito lidando com o
espaço e o tempo reais) e na experiência memorialista, quando
destacamos o objeto lembrado de seu contexto espacial, generalizando-o
e estatizando-o (a “modalidade mim”, em que o sujeito lida com o dado
retrospectivo e que é representável). Um desenho projetivo é da ordem
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dessa experiência memorialista, por conta do valor mental dessa
representação. Mas ao chamar a atenção para experiências de
presentidade, Morris quer co-estender o objeto ao espaço real e ao
tempo imediato. Por meio desse pensamento, percebemos em que
medida o desenho como projeto ou outra maneira de antecipação
revelam sua impotência diante do “peso” da realidade palpável. Os
projetos têm validade para orientações genéricas. Mas a dinâmica interna
da forma, essa é um mistério que só se revela na manipulação e jogo das
formas, no equilíbrio precário com o qual se impõem.
Isso me ficou muito claro quando Lúcia Fonseca abandonou estudos
em papel e partiu para uma maquete do Museu (MACC). As borrachas
pequenas, proporcionalmente reduzidas, permitiram configurações que
não foram garantidas na escala real. A partir dessas constatações, um
acordo tácito estabelecido entre as borrachas e a artista foi o de que o
espaço do museu teria de se transformar em espaço de trabalho - em
espaço de atelier - já que convencionalmente, é no espaço do atelier que
se experimentam possibilidades, que há o espaço para o erro e para as
tentativas. Lúcia Fonseca “habitou” o museu/atelier durante o tempo de
sua exposição, compondo novas situações formais com as borrachas.
Isso garantiu um dinamismo ainda maior ao que já se percebia no espaço
real, pois as condições físicas ditavam o estabelecimento das diferenças.
Considerações Finais
Trabalhar com as borrachas abriu a prerrogativa para outra
transparência: o enfrentamento da matéria com a realidade do espaço e
tempo reais. Uma transparência do tipo “espaço em obra” (Tassinari,
2001), gerando diálogo da obra com o mundo, aliou-se à transparência
da gravidade para fornecerem o jogo da performatividade da matéria em
situações composicionais.
Compreende-se que o ato de habitar trabalhos artísticos no espaço
expositivo, no caso de Lúcia Fonseca, merece vários “modos”. O modo
com que a borracha vulcanizada se comportou como corpo flexível
determinou o modo de atuação do corpo da artista, imprimindo ao
espaço do museu um modo poïético, dado na constante reconfiguração
das placas. Todos esses modos, por sua vez, desembocaram no corpo do
espectador, que percorreu e experimentou o diálogo das matérias, das
133
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
situações formais, da transparência das soluções
consubstanciando um modo de habitar que foi só seu.
Enigmas: os ‘retratos–sequência’
da artista brasileira Nívea Bracher
artísticas,
Cláudia Matos Pereira*
Referências
Morris, Robert (2006) “O tempo presente do espaço” In: Ferreira, G.; Cotrim,
C. Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar.
Rowe, Colin. “Transparência literal e fenomenal”. Gávea, Rio de Janeiro,
PUCRJ, n.º2, setembro 1985.
Serra, Richard (2005) “Questions, contradictions, solutions: early work”. In:
SERRA et alli. The matter of time. Bilbao: Guggenheim Museum,
Tassinari, Alberto (2001) O espaço moderno. São Paulo: Cosac & Naify. ●
Resumo: O objetivo deste artigo é elaborar uma análise semiológica dos ‘retratossequência’ de Nívea Bracher, mediante autores como Barthes, Joly, e Kandinsky. O
aprofundamento no campo de percepção visual se faz sob a perspectiva gestaltista de
Rudolf Arnheim. Há um enigma: manchas revelam olhares sem os olhos. As obras
transpassam o rótulo de representação pictórica e espelham uma cognição intuitiva, por
meio da capacidade de tornar visível aquilo que transcende ao retratado.
Palavras chave: retratos, Nívea Bracher, análise semiológica, artista brasileira.
Enigmas: the ‘sequence-portraits’ of the Brazilian artist Nívea Bracher
Abstract: The purpose of this paper is to elaborate a semiotic analysis of the ‘sequenceportraits’ of Nívea Bracher, by authors such as Barthes, Joly, and Kandinsky. Further
development in the field of visual perception is made from the perspective of Rudolf
Arnheim’s gestalt. There is an enigma: blotches show glances without the eyes. The
works surpasse the label of pictorial representation and reflect an intuitive cognition
through the ability of to make visible what transcends to the portrayed.
Keywords: portraits, Nívea Bracher, semiologic analysis, brazilian artist.
Introdução
Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.
José Saramago
Aristóteles (2006:119) já dizia: “para a alma capaz de pensar, as
imagens subsistem como sensações percebidas [...] Por isso, a alma
jamais pensa sem imagem.” Esta artista brasileira, nascida na capital do
Estado de Minas Gerais a 06 de agosto de 1939, na cidade de Belo
Horizonte, condensa hoje a maturidade de longos anos de pintura. Faz
parte de uma família de artistas plásticos, alguns ligados à música e, desde
a infância, respirou a atmosfera imagética. Para Barthes (2005:102), “tudo
é já imagem e toda imagem remete imediatamente para além – ou aquém
– de seu referente, para aquilo que se deve chamar imaginário”. Esta
investigação realizará a análise de três obras da artista, em acrílica sobre
tela, que fazem parte de um conjunto de cerca de trinta retratos, todos
Brasil, artista visual, professora de Artes nos 1º, 2º, 3º graus e Pós Graduação Lato Sensu. Mestre em Ciência
da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Minas Gerais. Graduada em Artes pela UFJF,
Licenciatura Plena e Bacharelado. Doutoranda em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
*
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do mesmo modelo: Roberto Gil. Segundo Barthes (1980:41), para o
semiólogo, os “objetos de predileção são os textos do imaginário, as
narrativas, as imagens, os retratos [...] verossimilhança com uma
incerteza de verdade”. Medeiros (1999:51) assinala que a rede de códigos
que tecem os signos da mensagem visual são veículos para que se
investigue a imagem por meio de uma metodologia, cuja herança
remonta o “importante ensaio fundador da semiologia francesa nos anos
60 – Rethorique de l’Image, de Roland Barthes”. Medeiros ressalta que
Martine Joly (1996) realizou criteriosa codificação visual, mediante três
“eixos: o plástico, o icônico e o lingüístico”. Pretende-se analisar tais
eixos como mensagens visuais. Serão observadas as teorias de Kandinsky
e as perspectivas de percepção estética de Rudolf Arnheim, que verifica a
‘intuição em atividade’ (Arnheim, 1989:17).
1. A artista e o modelo retratado
Nívea, em 1940, passa a residir em Juiz de Fora com a família.
Freqüenta a Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e nos anos 1958
a 1964 recebe prêmios de pintura em salões regionais. Em 1965, inaugura
em Juiz de Fora, a Galeria de Arte Celina, espaço cultural pioneiro na
região. Em 1969, recebe do Governo da França uma bolsa de estudos e
em 1971 realiza viagem de estudos para Nova York e Canadá. Militante
na defesa do patrimônio histórico de Juiz de Fora, realizou algumas
exposições e os retratos são a sua marca. Roberto Gil (1901-1990) nasce
no Rio de Janeiro e chega a Juiz de Fora em 1950. Artista, escritor de
crônicas e poemas dramáticos, logo inicia a amizade com Nívea. Havia
uma simbiose – a pintura os unia em amizade fraterna, de respeito
mútuo pelas individualidades artísticas. Conforme Pinheiro (2007:6),
respeito “tem origem em respicio, palavra latina que significa ‘olhar para
trás’, ou seja, o respeito é decorrente de uma história”. O olhar para a
arte partilhava-se na pintura de ambos.
2. Retratos-sequência
Nívea afirma que a pessoa apresenta ‘diversas facetas’. Um retrato
apenas poderá não captar a ‘verdade completa’. O conjunto revela o ser
por inteiro. “Pela riqueza interior de Gil, um retrato só não o alcançaria”.
Segundo Burke (2004:237), “uma série de imagens oferece testemunho
mais confiável do que imagens individuais”. Cada retrato reflete o
136
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contexto do modelo. Nívea traduz nas imagens as verdades mais íntimas
das pessoas.
2.1 Mensagens plásticas (composição, formas e cores)
Nas três obras há linhas pretas na composição denominadas por
Kandinsky (1997: 79) de ‘linhas de curva livre’ com ‘espessamentos
espontâneos’, criando formas orgânicas. Na parte superior esquerda das
três telas observa-se: na fig.1, um perfil que olha de frente para Gil; na
fig. 2, uma aparente folha de papel rasgada com uma fenda negra
descendente e na fig. 3, duas linhas formam a abertura por onde penetra
o branco na pintura, como um rasgo de luz que separa e dilui as cores
para a lateral esquerda. Na fig. 1, quatro linhas descendentes principais
cortam o quadro, na direção inclinada e mantém um ritmo visual da
direita para a esquerda - uma respiração. A primeira linha da esquerda,
mais escura, delimita uma área sombria em tonalidades azuis e
acinzentadas, sugere um perfil. Este se defronta com o retratado, em
contraste com a área rósea que configura a região entre faces, que se
apresenta mais clara, vibrante, no rosto e na parte superior à cabeça de
Gil.
O olhar do espectador percorre os ‘planos objetivos’ da esquerda para
a direita, na fig. 1 (lateralmente) e na fig. 2. (em movimento ascendente,
inclinado, na direção à fronte do modelo). Na fig. 3, o movimento do
olhar ocorre da esquerda para a direita (movimento descendente e
inclinado).
A tonalidade rosa ao fundo da tela (o primer) pode indicar repouso na
obra e, segundo Arnheim (1986:342), ‘matizes não misturados’
proporcionam “lugares de repouso à composição” e servem de
‘referência estável’ para misturas. Nívea relata que o ato de pintar esta
tela se assemelhou à esgrima – a gestualidade impressa nas pinceladas
revelam golpes livres de uma espada com traços certeiros. Na fig. 3, a
linha descendente da esquerda para a direita assemelha-se a um fio de
água que nasce nos Andes, desce e se avoluma no rio Amazonas. Sobre
linha e superfície: “onde cessa o rio, onde começa o mar”? (Kandinsky,
1997:79). Para o autor citado (1996), o vermelho é uma cor ilimitada,
quente, cuja “efervescência transparece uma espécie de maturidade
masculina”. Nas fig. 1 e 2, os vermelhos estão presentes no rosto. Na
fig.1, as pinceladas desta cor são marcas sofridas pelo tempo e, na fig. 2,
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
escorrem como sangue. Na fig.3, o vermelho tímido é inexistente,
encoberto nas tonalidades: laranja e rosa.
Figura 1. À esquerda: Roberto Gil. Acrílica sobre tela, 92 X 73 cm, 1988. Figura 2.
Ao centro: Retrato de Roberto Gil. Acrílica sobre tela, 61 X 46 cm, 1987. Figura 3. À
direita: Roberto Gil. Acrílica sobre tela, 50 X 40 cm, 1988. As três obras são de Nívea
Bracher. Fonte: imagens cedidas pela artista.
Somente na fig. 1 os azuis e verdes aparecem. Para Kandinsky (1996),
os verdes mostram ‘indiferença e imobilidade’. Já o azul profundo,
“desperta sede do sobrenatural”. Na fig. 2 há ênfase não só dos
vermelhos, preto e cinza sobre o branco prevalecem. Aqui o branco é “o
silêncio absoluto que se alastra como uma fria muralha” (Kandinsky,
1996: 95). O preto nos traços e fendas são ‘um nada morto’, sem
esperança de futuro. O cinza que domina a tela é ‘imobilidade sem
esperança’.
2.2 Mensagens icônicas (motivos figurativos de significações
polissêmicas)
Figura 1: no perfil sombrio da esquerda observa-se a presença de um
rosto obscuro frontal, como nevoa superposta por pinceladas azuis e
verdes azuladas. É a face de Beethoven, músico predileto de Gil. Há um
repouso solene do modelo, cujo olhar vago se dirige para fora da tela.
Carrega tristeza pela perda prematura da esposa e filho. Está em
profundo silêncio: sua face gélida pelo branco enfrenta a própria sombra
que o observa, ao som do músico subliminar. A dualidade existe entre
vida e abismo: estão em suas crônicas e poemas, no encontro com suas
contradições. Seu perfil é similar ao de uma águia, estático, faraônico.
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Figura 2: lágrimas interiorizadas escorrem da face como sangue - uma
beleza kafkiana, do ser que carrega uma cruz sem culpa. Não existe olho
– existe um tenebrismo. O quadro foi pintado no período em que ele se
submetera à cirurgia de um tumor cerebral. À esquerda, rasga-se uma
página dolorosa do livro de sua vida. Laranjas, vermelhos e rosas revelam
o aspecto envolvente da angústia febril.
Figura 3: a brancura deste retrato revela a liberação da fase sofrida.
Nívea capta o olhar lacônico de Gil sem a representação física dos olhos.
A presença do amarelo “que propaga e se consome de todos os lados”,
mescla-se ao laranja, une-se ao rosa, cria uma atmosfera aureolada ao
redor da figura. A perenidade do rosto, similar a uma estátua de
mármore, “soa como uma pausa”, subitamente compreendida.
Kandinsky (1996) complementa: o branco é ‘adereço da pureza mácula’.
2.3 Mensagens lingüísticas (relação entre palavras e imagens)
Os títulos dos retratos são óbvios, nomeiam o modelo. Há algo
revelador na figura 2: quando Gil retornou da cirurgia e se deparou com
este retrato, disse uma frase emocionada. Nívea a transcreveu com
carvão no verso da tela. A frase surge como âncora de sentidos à
seqüência: “os retratos que os outros fazem se lancetados, verteriam
água; os de Nívea vertem sangue”.
3. Manchas revelam o olhar
Segundo Nívea, “o olhar é como a alma, um lampejo do ser. O olho é
um órgão físico e imobiliza o desenho; já o olhar cria o movimento, a
dinâmica na pintura”. O olhar transcende a obra – este é o enigma.
Conclusão
A pintura contemporânea lida com contradições entre desenho, cor,
figura, abstração, virtualidade e tecnologia. “Jogar com as desilusões é
um fenômeno contemporâneo” (Giannotti, 2009:93). Nívea afirma que
a arte é “essencial, atemporal, transcendente – infinita”. A verdade da
pintura torna visível a face do enigma. Algumas de suas obras parecem
inacabadas, mas ela enfatiza: “o quadro se pinta, se constrói”. O olhar do
espectador também é enigma.. Merleau-Ponty (2006:447) comenta: “é
essencial à coisa e ao mundo apresentarem-se como ‘abertos’, reenviarnos para além de suas manifestações determinadas, prometer-nos sempre
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Artes em torno do Atlântico:
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‘outra coisa para ver’” (Merleau-Ponty, 2006:447). A obra de Nívea
Bracher apresenta-se como obra aberta, transcende ao modelo.
Referências
Aristóteles (2006) De anima, Livro III, 424b22 – 435b19. São Paulo: Editora 34.
Arnheim, Rudolf (1986) Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São
Paulo: Pioneira.
______. (1989) Intuição e intelecto na arte. São Paulo: Martins Fontes.
Barthes, Roland (1980) Aula. São Paulo: Cultrix.
______. (2005) Inéditos: Imagem e moda. 3 v. São Paulo: Martins Fontes.
Burke, Peter (2004) Testemunha ocular: História e imagem. Bauru: EDUSC.
Giannnotti, Marco (2009) Breve história da pintura contemporânea. São Paulo:
Claridade.
Joly, Martine (1996) Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus.
Kandinsky, Wassily (1997) Ponto e linha sobre plano. São Paulo: Martins Fontes.
______. (1996) Do espiritual na arte e na pintura em particular. São Paulo: Martins
Fontes.
Medeiros, Rogério (1999) O mundo em metamorfose: análise semiológica do
quadro Paisagem Brasileira de Lasar Segall. In: Arte e Ensaios. Rio de
Janeiro: PPGAV/EBA/UFRJ. (6): 51-57.
Merlau-Ponty, Maurice (2006) Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins
Fontes.
Pinheiro, Eula Carvalho (2007) Um olhar escreve Lisboa. Trabalho de
doutoramento apresentado à PUC, Rio de Janeiro, em 05 de fevereiro de
2007.
Gilberto Gil, pela internet
e a metáfora da ciência e tecnologia
Claudia Sisan (Claudia Silva de Santana)*
&
Cristiane de Magalhães Porto**
Resumo: A metonímia que se caracteriza pela busca de fundir arte e ciência. Acreditase que Gilberto Gil ao compor a música Pela Internet além de evocar um aedo,
cantando a ciência e a tecnologia, também agiu como um cidadão. Este cidadão, de
olhos perscrutadores, por meio de metáforas e outras imagens, fez convergir arte e
ciência no mesmo fio criativo. O novo e o velho e os elementos que fazem parte da
Sociedade da Informação, da cultura pós-massiva.
Palavras-chave: Canção; Arte; Ciência; Tecnologia; Internet.
Title: Gilberto Gil, the internet and the metaphor of science and technology
Abstract: Metonymy is characterized by the pursuit of fusing art and science. It is
believed that Gilberto Gil to compose the music via The Internet in addition
to evoking a minstrel, singing
science
and technology,
also acted
as a citizen. This citizen, searching eyes, through metaphors and other images, has
brought together art and science in the same threadcreative. The new and the old and
the elements that are part of the Information Society, the post-mass culture.
Keywords: Song, Art, Science, Technology, Internet.
Introdução
A proposta do texto é marcada pela escolha de trabalhar as imagens de
ciência que são apresentadas na música de Gilberto Gil – pela Internet.
O compositor traz no tecido da música elementos contemporâneos que
compõem o espaço da sociedade da informação. Estes elementos são
resignificados por meio de uma bricolage de imagens, convidando o
leitor-ouvinte não apenas observar, mas sentir por meio de efígies como
a tecnologia é cantada, demonstrando a evolução da ciência em especial
da internet.
* Brasil, cantora, performer e professora da Universidade do Estado da Bahia-UNEB. Mestre em Educação
em pesquisa - Université du Quebéc a Chicoutimi - Canadá, pesquisadora do grupo Cultura Científica CNPQ. Estudou Composição e Regência , Cantora e Performer da Banda vocal Perfomática Raid das Moças.
** Brasil, poetisa e letrista. Professora do Mestrado em Educação da Universidade Tiradentes e professora
colaboradora do Mestrado Profissional em Bioenergia da Rede de Ensino FTC. Pesquisadora do grupo
registrado no CNPq sobre Cultura Científica. Doutora Multidisciplinar em Cultura e Sociedade – UFBA.
Mestre em Letras – UFBA. Poetisa e letrista de canções brasileiras – UFBA
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Dessa forma, no decorrer do texto buscar-se-á abordar como a
ciência, atividade humana, insere-se na Sociedade da Informação e, ainda
como a música em foco, traz múltiplas imagens da ciência e tecnologia
na sociedade supramencionada. Informa-se que trata-se de uma
produção pautada na observação das imagens da música, tendo por base
as leituras e experiências das autoras como artistas e professoras em
especial, tratando-se da divulgação científica e sua interlocução com a
arte, visando fomentar a formação da cultura científica no Brasil.
1. Ciência como atividade humana e criativa na Sociedade da
Informação
Afirmar que a ciência não é uma atividade criativa já não é mais algo
corriqueiro nos meios acadêmicos e artísticos. Verifica-se que nos
últimos 40 anos muito tem mudado em relação ao que se defendia sobre
ciência, portanto, no século 21 a concepção de ciência se mostra mais
ampla e não descarta a interseção entre esta e a arte.
Dessa forma, quando Gil na década de 1990 traz em sua música “pela
Internet” o contexto social daquele momento, mais uma vez, ele,
enquanto um aedo antenado com seu entorno, redimensiona e mostra a
evolução não apenas tecnológica, mas também social que passa a fazer
parte do momento de passagem do século XX para o século XXI.
Gilberto Gil por meio do seu olhar perscrutador mostra uma ligação
de intrincada de nós se enovela em múltiplas dimensões, resgatando a
espacialidade e a movimentação de informações que sempre tiveram em
latência, mas que se externavam com dificuldade, em virtude dos
sistemas de comunicação serem mais lentos. Em meio ao seu canto Gil
mostra como o Ciberespaço possibilita transbordamentos e
reformatações do espaço de significações, numa produção que acelera os
tempos das notícias e pluraliza sua topologia. Com tudo isso, abre-se
caminho para o indivíduo perceba como a circulação das informações
sobre ciência e tecnologia, está em uma escala extremamente
potencializada quando comparada com os recursos comunicacionais prédigitais.
Isso posto, é fato que toda essa tecnologia instaura, também, uma
expansão científica que se redimensiona continuamente por meio de
descobertas e pela ciência aplicada: a reconfiguração da maneira de
comunicar e a convergência dos meios formam uma nova paisagem
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contemporânea. Essa paisagem, marcada profundamente pelo advento
da Internet, configura-se em uma mudança significativa: a formação de
redes sociais, blogs e microblogs que tratam de ciência. Isto é, no
Ciberespaço as notícias sobre ciências ocupam um espaço crescente, em
especial no que tange às iniciativas individuais de jornalistas e
divulgadores de ciência.
As redes sociais on-line tornam-se cada vez mais ‘tácteis’, no sentido em que é
doravante possível sentir continuamente o pulso de um conjunto de relações. [...] Em
suma, a computação social aumenta as possibilidades da inteligência coletiva e, por
sua vez, a potência do “povo”. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 12; 14).
Configura-se um novo cenário comunicacional contemporâneo,
formado por processos personalizados, nos quais qualquer um pode
produzir, armazenar, processar e circular informações, sob formatos e
modulações diversas. Não poderia ser diferente quando arte e ciência
miram-se para mostrar não apenas as novas tecnologias, mas também
para anunciar como pólo de emissão foi alterado, dando voz não apenas
aos cientistas, mas também aos artistas e divulgadores de ciência.
2. Gilberto Gil e a música “Pela internet”: leituras múltiplas
Da canção popular brasileira , Gilberto Gil seria o Hermes da Ciência,
ou ainda o trovador do periódo Medieval, ou ainda um griot músico,
trazendo para mais perto ainda do nosso contexto, brasileiro e
baiano,seria o Exu , como um mensageiro . Mensageiro porque , Gil tem
em suas composições temáticas recorrentes que remetem a cultura
científica. Talvez um sentimento de artista preocupado com o avanço da
ciência, das tecnologias e com os designios da humanidade.
Com uma discografia de quase 66 registros ,e um repertório de quase
mil músicas,pode-se dizer que seu legado traduze-se em poesia, inovação
e excelentes aprouchs musicais ( grooves e levadas com um bom
encadeamento de acordes ), geralmente sustentadas por uma base
rítmica afro-brasileira.
Gilberto Gil sempre manteve a inovação como tônica no seu
trabalho. Desde o período da tropicália, onde logo começou a compor
músicas que refletiam um novo foco de preocupação política e ativismo
social, ao lado do parceiro Caetano Veloso. A canção retratada neste
143
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
artigo Pela Internet foi cantada por Gil na primeira transmissão ao vivo
de música brasileira pela Internet, realizada na sede da IBM no centro do
Rio (RJ) na tarde de sábado, 14 de dezembro de 1996.
Sobre a carreira do compositor o site oficial de Gil esclarece:
O espírito vanguardista de Gil Retomo a canção envelopado-a nesse
contexto, ciência, arte, comunicação. Tocando um apanhado das
composições que trazem no seu bojo o aporte luxuoso da cultura
científica. Uma canção que atinge milhões de ouvidos .
A obra musical de Gilberto Gil abrange uma ampla dimensão e variedade de ritmos
e questões em suas composições, pertinentes a realidade e a modernidade; da
desigualdade social às questões raciais, da cultura Africana à Oriental, da ciência à
religião, entre muitos outros temas. A abrangência e profundidade nos diferentes
temas de sua obra musical, são qualidades específicas deste artista, fazendo de
Gilberto Gil, um dos melhores e mais importantes compositores musicais
brasileiros.(SITE OFICIAL GILBERTO GIL 2011)
Conclusão
Podemos declarar que as imagens que se movimentam na canção Pela
Internet navegam por conceitos como: ciência- tecnologia- inclusão
digital- compartilhamento de músicas- Rede- Via e porque não dizer
Tradição (até uma tradição é inventada) quando cita o trecho do
primeiro samba brasileiro “Pelo telefone”/Pela Internet” , Gilberto Gil
encontra Donga para uma inspiração de uma temática que insiste em
tratar da via da Comunicação.
O Álbum Quanta em 1997 pela Warner music (Figura 1) traz um leque
maior de canções com temáticas que remetem ao universo científico.
Canções como : Quanta, Ciência e arte , Estrela, Pela internet, A ciência em si,
Átimo de pó.
Além do artista prestigiado no Brasil inteiro, Gil sempre teve inclinações
políticas, tanto que foi de 1989 a 1992 foi vereador na Câmara Municipal
de Salvador e de 1º de janeiro de 2003 a 30 de julho de 2008 foi Ministro
da Cultura do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Este traço político tão forte em sua vida talvez seja um fator que
atravessa/ou à sua obra de forma definitiva. Nos seus textos sempre
presentes a religião, a ciência, a tecnologia , a arte. Não podemos deixar
de afirmar que o movimento tropicalista foi um movimento políticoartístico.
Recentemente em 2009 no lançamento do disco “Banda larga cordel”,
Gilberto Gil declarou ;’Passei os últimos quatro anos sem compor por
causa dos compromissos públicos, e agora estou fazendo a minha
reentrada no mundo artístico. Este disco é pra dizer ‘estou de volta,
reconciliado’”.
As faixas foram disponibilizadas em streaming na internet.
Perguntado sobre a sua relação com a tecnologia, Gil reafirma o seu
interesse e atração pela ciência, quando em trecho da entrevista conclui :
Uma vez tropicalista, tropicalista até morrer”, comentou. “É a idéia de unir o local e
o global. Eu já falava sobre o tema em outros trabalhos mais antigos. Músicas como
‘Cérebro eletrônico’ e ‘Futurível’ (1969) são exemplos. Na própria construção do
disco, na época, o maestro Rogério Duprat utilizou recursos que estão sendo usados
agora, ele fez coisas incríveis em termos de experimentos sonoros.
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Figura 1. Gilberto Gil, Álbum Quanta, 1997, Warner music.
Foi considerado um disco hermético, não só pela crítica, mas pela
gravadora, foi classificado como um álbum complexo porque falava de
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
física quântica, disco de orçamento alto.Portanto, discutir esses
conceitos é além de tudo é discorrer sobre o sentido da
existência humana. São basilares para a formação humana e por sua
consequênte odisséia humana no planeta terra.
O próprio Serres diz que “a própria ciência, não tem a ver tanto com o
conteúdo, mas com o modo de circulação. Quando se faz circular a informação
tratada de uma forma cuidadosa, com poucos “ruídos”, está tem um
papel decisivo na sociedade.
Dai questões importantes estão declaradas, o conhecimento científico,
a arte e a beleza das canções e a ciência difundidas e debatidas. O
mensageiro provoca no mínimo a curiosidade dos ouvintes. Palavras
novas são introjectadas no dia a dia das pessoas comuns: Web Site,
Meteorum, Cometa,Quanta e outras.
Referências
Gilberto Gil. Biografia. Disponível em <:
http://www.gilbertogil.com.br/sec_bio.php?page=3&ordem=DESC
Harvey, David. Condição Pós-Moderna. Ed. Loyola: São Paulo, 1989
Hobsbawm, Eric; Ranger, Terence, (Org). A invenção das tradições. São Paulo. Paz
e Terra, 2002.
Lemos, André; Lévy, Pierre (2010). O futuro da Internet: em direção a uma
ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010.
Serres, Michel .A lenda dos anjos.Editora Aleph, 308 p. ●
Rubén Aguilar: a Pintura Mural como mutação da
prefiguração conceptual do objecto arquitectónico
Cristina Maria Grilo Lopes*
Abstract: This paper aims to analyze some particular aspects of the work of the
Chilean painter Ruben Aguilar in relation to his work on mural painting. From The
beginning referring the mural painting as a form of pictorial art deeply tied to the
architecture. In this technique, the use of color and drawing as well as the thematic
treatment can radically alter the perception of spatial proportions of the building.
Keywords: Ruben Aguilar, Mural Painting, Art.
Resumo: Este resumo pretende analisar alguns aspectos particulares na obra do pintor
chileno Rubén Aguilar no que se refere ao seu trabalho na área da pintura mural. Desde
logo à que referir a pintura mural enquanto forma de arte pictórica profundamente
vinculada à arquitectura. Nesta técnica, o emprego da cor e do desenho bem como o
tratamento temático podem alterar radicalmente a percepção das proporções espaciais
da construção.
Palavras-chave: Rubén Aguilar, Pintura Mural, Arte.
Introdução
Esta comunicação está ancorada numa análise que visa perspectivar de
forma sintética a obra do pintor Rubén Aguilar no campo da Pintura
Mural. Estabeleço pontes entre aspectos da sua obra e de outros artistas,
analisando algumas particularidades que transparecem de um processo de
maturidade que se dinamiza e se materializa nas suas escolhas estéticas.
Rubén Aguilar nasceu em Santiago do Chile em 1950, estudou
engenharia e foi professor de matemática durante alguns anos, na
sequência de uma viajem á Patagónia em 1988 alterou a sua perspectiva
do mundo, o que o levou a enveredar pela pintura. De volta a Santiago e
interagindo com amigos do mundo da pintura e da moda iniciou uma
forma de pintar inovadora misturando diversos materiais o que o
impulsionou a viajar para Espanha em 1992. Desde essa data tem vindo
a trabalhar com suportes e formatos diversos. Dos trabalhos
desenvolvidos contam-se alguns notáveis no domínio da Pintura Mural
na área de Tarragona onde tem o seu estúdio.
Portugal, pintora, escritora e arqueóloga. Licenciatura em Arqueologia pela Faculdade de Letras de Lisboa e
mestranda na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
*
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
1. Rubén Aguilar: a Pintura Mural como mutação da
prefiguração conceptual do objecto arquitectónico
A Pintura Mural de Rubén Aguilar está exposta, tanto no Património
Público edificado como em espaços comerciais ou privados. Podemos
encontrar na sua obra nuances de diversos pintores dos quais ele herda
notórias influências, Tanto ao nível da diversidade da gama cromática
como nos motivos que vão desde os figurativos aos mais abstractos.
Na sua estadia na Catalunha misturou-se com a admiração pela escola
flamenga uma maneira própria e extremamente rica de interpretar o
mundo. Procura mostrar a realidade de uma forma simplificada,
simbólica, onde equilibra o rigor de certos elementos quer
arquitectónicos, quer pictóricos. Nalgumas composições são integrados
representações da tradição da pintura abstracta com o figurativismo, em
que o decorativo descendendo subversivamente (ou não) dessa tradição é
subtilmente enquadrado. Numa sedução em que a capacidade de mimese
do pintor altera a nossa percepção do espaço.
2. A Obra
No Mural de Sant Pere del Serrallo executado em conjunto com Lluís
Abelló, estão incorporadas falsas ventanas (janelas falsas), figuras humanas,
plantas e detalhes diversos onde o observador cria um espaço próprio
que transcende o imediato e alarga a percepção. A possibilidade da
perspectiva na observação da Pintura Mural permite como que a
recuperação de um sujeito oculto, no acto que parece agenciar no “eu” o
acesso ao “outro” e que permite a mutação da prefiguração conceptual
do objecto arquitectónico.
Olhar para os diversos elementos desta obra, que constituem aquilo
que podemos designar como “textos”, numa abordagem semiótica,
frequentemente capazes de comunicar sentimentos ou sensações que
uma língua verbal não consegue adequadamente (Eco,1996) permite a
abertura de leituras múltiplas que transcendem o aspecto conceptual da
arquitectura.
Influências cubistas, surrealistas ou abstraccionistas são facilmente
percebidas nalgumas das suas obras, como podemos constatar no seu
trabalho, desta feita em vitral, na loja Guadalupe loves curling, em
Tarragona.
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Figura 1 e 2. Mural a la plaça de Sant Pere del Serrallo (Esq)., detalhe (D.ª) , Tarragona
(Aguilar, 2009).
Aguilar mostra também a realidade de uma forma simplista, por vezes
quase infantil, simbólica, como em La Fàbrica, Tarragona, sem a
complexidade e o mistério de um surrealismo tipo Salvador Dali ou René
Magritte ou o decorativismo que por vezes está patente desde Mondrian
a Pollock.
Figura 3. G. l. curling, Tarragona, (Aguilar, 2009).
Figura 4. La Fàbrica, Reus (Aguilar, 2009).
No Mural do Circo Romano de Tarragona, também levado a cabo
com a colaboração do pintor Lluís Abelló, foi incorporada uma temática
de linhas mais clássicas e sóbrias, no desenho e na quantidade e
qualidade de elementos na composição, que refletem um efeito sincrético
e simultaneamente elegante. O desenho original é da Real Sociedad de
Arqueología de Tarragona e para determinar a cor final utilizada nesta obra,
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Aguilar observou detalhadamente uma pedra cozida in situ. Neste
trabalho é essa a cor base, num jogo de luz e sombra.
Jornal Arquitectos-Editorial [Consult. 2011-12-29] Disponível em <URL:
http://arquitectos.pt/documentos/1225810720G3kOI4dg4Vd22WV6.p
df ●
Figura 5. Mural do circo romano de Tarragona (Aguilar, 2009).
Conclusão
A pintura Mural de Rubén Aguilar prefigura uma gama alargada de
influências de diferentes escolas artísticas, reflectidas nas suas obras. No
seu trabalho, Aguilar incorpora traços dos seus antecessores, imprimelhe um cunho pessoal e transforma o espaço e a Arquitectura. O objecto
arquitectónico é transmutado, reorientado, e o observador é levado a
uma relação mais estreita com o meio envolvente. A sua obra apresenta
uma sustentável coesão do diálogo do eu com o outro, enquanto
apropriação dos símbolos, nas leituras estéticas da sua pintura. Através
da operação em que o belo e o sublime, estão presentes e convivem
harmoniosamente, integrados nas paisagens urbanas e nos espaços do
quotidiano.
Referências:
Aguilar, Rubén (2009) Pintor Muralista [Consult. 2011-12-29] Fotografias.
Disponível em <URL: http://www.rubenaguilar.net/es/trabajos.php>
Eco, Umberto (1996). A procura da Língua Perfeita, Editorial Presença, Lisboa.
Eco, Umberto (2007). Historia do feio, Difel, Turim.
Eco, Umberto (2009). Historia do belo, Difel, Turim.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
La llum i la muntanya.
Una aproximació a la pintura de Jordi Fulla
Cristina Pastó*
Resum: Aquest article pretén presentar l'obra de Jordi Fulla, nascut a Igualada
(Barcelona) el 1967 i amb una trajectòria com artista de més de 20 anys d'experiència,
tot reflexionant i valorant alguns aspectes fonamentals del seu treball.
Paraules clau: pintura, mirada, temps
Title: The light and the mountain: an approach to Jordi Fulla’s painting
Abstract: This article analyses the work by Jordi Fulla, born in Igualada (Barcelona) in
1967 and a career as an artist over 20 years experience, reflecting and evaluating some
fundamental aspects of their work.
Keywords: painting, gaze, time
finestra del món que planteja la tradició de la pintura esdevé una paròdia
de la realitat a causa de la bidimensionalitat del mitjà.
La nostra mirada en general és una mirada plana, ràpida, feta
d'acumulació d'imatges que moltes vegades no han estat veritablement
escrutades, investigades perquè no hi ha temps, perquè hi ha una
saturació: “mirem molt però veiem poc” diu Jordi Fulla (Fulla, 2011).Ell
ens proposa una visió a través d'un ull aparentment tècnic o científic.
Allò que veiem no ho veiem directament sinó a través d'un filtre, d'una
interpretació. I aquest filtre hi és allà representat: en moltes de les seves
pintures al primer pla hi ha el forat d’un pany, o una lent, o una
bombolla o una xarxa... a través dels quals mirem. I aquest forat per on
mirem pot ser també un punt a l'espai.
Introducció
Potser no és cap casualitat que l’any 1967, l’any que va néixer Jordi
Fulla, la càpsula Apolo 1V arribés a la Lluna. Aquest esdeveniment
permetria veure’ns des de fora per primera vegada i tenir una imatge de la
Terra. Aquesta imatge és la imatge que -tal com expressa el propi artistaha dibuixat molt temps sense saber-ho.
La representació de la superfície de la terra, l’aire, l’aigua... des de
sempre han estat els elements essencials de la seva pintura, com si es
tractés d’un abecedari amb el qual va confegint un llenguatge secret.
Sempre pintats amb gran realisme i precisió fotogràfica, aconseguida en
bona part per un ús especialment meticulós de l’aerògraf. “Escampar la
pintura amb aire em permet un joc poètic entre allò que el meu ull i la
meva mà dicten i l’aire configura” (Fulla, 2005: 40).
La mirada i el temps
Les pintures de Jordi Fulla transmeten una profunda consideració per
la mirada, lenta i contemplativa, que gaudeix del més petit detall i un gust
per l’ofici de pintor. Tenim la necessitat d'acostar-nos a les seves peces i
mirar-les de ben a la vora per endevinar com estan fetes i alhora ens cal
veure-les de lluny i “pensar-les”. Ell mateix ens diu que treballa amb la
mirada que proposa la pintura i el resultat és inevitablement un artifici: la
Espanha, artista visual. Professora na secção de gravura da Facultat de Belles Arts da Universitat de
Barcelona (UB). Membro do grupo 13L, Libres d’Artista. Doctora en Belles Arts, UB.
*
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Figura 1. Jordi Fulla, CAT 671, grafit sobre paper, 42x60 cm, 2010 (imatge cedida per
l'autor).
Fulla suggereix una revisió dels nostres criteris de percepció a partir
d'un replantejament de la disciplina pictòrica escollint l'empremta
processual que evoca l'ús de les tecnologies digitals. En la seva pintura
aconsegueix que tinguem la sensació d’estar observant una imatge
153
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
tecnològica, altament processada i manipulada però la necessitat
d’acompassar el treball del pintor a les tecnologies l’ha fet retornar al
temps real, al temps de l’estudi del pintor i nosaltres ho descobrim quan
ens hi acostem de molt a la vora i veiem els traços del grafit, el gest del
pinzell...
són més importants del seu treball, diu: “Jo sóc un artista molt lligat al
concepte de taller. És a dir, necessito treballar-hi de forma constant i
metòdica i cada dia m’hi passo moltes hores” (Fulla, 2005: 36). D'aquí
que també li interessi especialment el cinema perquè és proper al temps
que usa la pintura i a més és un mitjà que aconsegueix retenir
l'espectador, l'obliga a quedar-se allà davant, mirant.
Figura 3. Jordi Fulla, Caprichos de la naturaleza I, 92x100 cm, acrílic/fusta, 2003 (imatge
cedida per l'autor).
Figura 4. Jordi Fulla Caprichos de la naturaleza II, 92x100 cm, acrílic/fusta, 2003 (imatge
cedida per l'autor).
Allò transitori
Figura 2. Jordi Fulla, Le bâtisseur qui chatouille IV, 42x60 cm, acrílic i paper sobre fusta,
2010 (imatge cedida per l'autor).
En una de les darreres exposicions, Sauter d’un nuage à un autre (galeria
Trama, desembre-gener 2011), notem com hi ha la intenció molt clara
per part del pintor que l'espectador vegi la pinzellada gruixuda i lliure de
pintura o el traç fi del dibuix, en contrast amb altres elements explicats
amb la precisió fotogràfica que habitualment fa servir. És important que
el fet de dibuixar o pintar siguin allà ben visibles, com si els veiessim
ampliats perquè sigui ben evident que estem mirant una pintura i no
una fotografia, per tal que el fet de mirar esdevingui un acte conscient
(Figuras 1 y 2).
Ens proposa que contemplem la seva pintura, d'una manera atenta i en
sintonia amb com ha estat elaborada. Ell mateix, comentant les coses que
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ISBN: 978-989-8300-32-4
És com si el món es tornés transitori, impossible d’aferrar-se a res, com la fragilitat
implícita de la gota d’aigua que es trencarà si provem d’agafar-la (Fulla, 2005: 31).
L’interès pels elements naturals i la seva representació -que ja veiem en
les seves primeres pintures de seguida ens fa pensar en la manera com
diverses tradicions han intentat explicar la naturalesa a través de quatre
elements o estats de la matèria: la terra, l’aigua, l’aire i el foc, aquest últim
representat, en el seu cas, a través de la llum. I es podria dir que a més hi
ha un cinquè element, el temps (Figuras 3 y 4).
En la seva obra els conceptes s’expliquen sempre per oposició: la
superfície polidíssima d’una pedra en contrast amb la rugositat de la
muntanya, la solidesa d’una roca darrere la fragilitat d’una bombolla, etc...
El quadre és un espai de trobada, un lloc de conflicte latent, sota
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
l'aparent quietud. Un pla ens descobreix el següent i així
consecutivament com si entressim en un jardí japonès on a través de
successives portes vas accedint a cada nou espai.
Figura 5. Jordi Fulla, Endangered species, 122x114 cm, acrílic/tela, 2011 (imatge cedida
per l'autor).
La pintura “L’ombre des mes doigts III” (Figura 6), exposada a la
galeria Trama (gener 2012), és per ell una de les peces més significatives
perquè sintetitza la fragilitat del temps i les coses. La bombolla que
apareix al centre del quadre -pintada amb un gran realisme- per un atzar
impossible conté una muntanya-illa, i aquesta muntanya és justament
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d'aigua, és un iceberg. Inevitablement penso amb unes paraules de
Zygmunt Bauman quan parlant de la incertesa i fragilitat de la vida
contemporània diu: “cada cop queden menys illes d'estabilitat, i cada cop
són més fràgils” (Bauman, 2011).
Figura 6. Jordi Fulla, L'ombre de mes doigts III, 122x114 cm, acrílic/tela, 2011 (imatge
cedida per l'autor).
L’iceberg és una illa d’inestabilitat? Faig immediatament una connexió
mental amb la sèrie de pintures també de l'artista amb el títol “Islands”
dels anys 2002-2004 on pinta diverses illes, vistes des de dalt en una visió
aèria. En cada tela hi descobrim una illa diferent: una illa de terra ferma
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
voltada de mar; una illa d'aigua blau profund com un pou; una illa blanca
de glaç o d'aire transparent que és alhora un forat de llum, etc...
Com a contrapunt a la pintura “L’ombre de mes doigts III” jo
destacaria una altra peça “Endangered species” (Figura 5) on hi ha
pintada una gran teranyina i una petita bombolla que s'hi acosta. Podem
imaginar que en el temps següent immediat: la bombolla a l’entrar en
contacte amb la teranyina es desfarà i desapareixerà. Pensem amb les
hores que l’aranya amb la seva saviesa innata ha anat construint amb
mètode obstinat -com l'obstinació del pintor- aquella teranyina perfecta
en la forma, immensament bella i tremendament eficaç.
Conclusió
En l'obra de Jordi Fulla destacaríem bàsicament la necessitat
d'investigar les relacions ambivalents entre els objectes i la seva
representació i d'altra banda la posició del subjecte com a observador,
espectador i actor: el quadre com a lloc d'encontre.
A Jordi Fulla quan li pregunten pel sentit de la seva pintura diu “estar
fent una cosa que no serveix per res em sembla tremendament útil, per
això m’agrada” (Fulla, 2011), irònic i contundent com un aforisme d’E.
Cioran quan sentencia: “el fet que la vida no tingui cap sentit és una raó
per viure, la única en realitat” (Cioran, 2000). Aquesta possibilitat
d’escapatòria i profunda implicació que li proporciona la pintura és el
motor que va teixint la seva obra, el seu pensament i el seu temps vital.
Referències
Bauman, Zygmunt (2011) La meritocràcia està greument ferida, entrevista Carles
Capdevila, diari ARA, 25/12/2011.
Cioran, Emil Michel (2000) Ese maldito yo. Barcelona: Tusquets editores.
Fulla, Jordi (2005) Jordi Fulla, JF/9705, llibre-catàleg editat per la galeria Trama
de Barcelona. ISBN: 84-609.4802-1.
Fulla, Jordi (2007), La maison de bois sur île, catàleg editat per la galeria Trama de
Barcelona per l'exposició de l'artista (febrer-març 2007). DP: B-82832007.
Fulla, Jordi (2011) Sixteen-Thousand days on the roof, catàleg editat per la Fundació
Vila Casas, arran de l'exposició de l'artista a l'Espai VolART de
Barcelona (setembre-desembre 2011), comissariada per Glòria Bosch
Mir. ●
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Elke Hering: percurso de uma escultura em
transformação
Daiana Schvartz*
Resumo: Este artigo aborda a produção da artista brasileira Elke Hering entre as
décadas de 1960 e 1970. Neste período, a artista possui uma ampla produção de
trabalhos tridimensionais ao experimentar novos materiais e conceitos que inovaram as
possibilidades artísticas na segunda metade do século XX.
Palavras-chave: Elke Hering, escultura, processo de criação.
Title: Elke Hering: pathway of a sculpture in transformation.
Resumo: This paper discusses the production of the Brazilian artist Elke Hering
between the 60’s and the 70’s. From period there is a large production of threedimensional work with expriments with new materials and concepts that were
innovative in its time.
Keywords: Elke Hering, sculpture, creation process.
A espacialidade do ferro
No final da década de 1950 e ao longo da de 1960, a artista brasileira
Elke Hering (1940-1994) buscou formação artística na Academia de
Belas Artes de Munique e com o escultor baiano Mario Cravo. Esta
trajetória convergiu seus caminhos a trilhar pela escultura. Seus trabalhos
em ferro permitem pensar sobre um novo processo de montagem da
escultura que estabelece uma relação com as obras do artista espanhol
Julio Gonzáles.
Após ter sua primeira experiência artística na Alemanha em 1957, uma
década depois, Elke retorna ao país para estudar escultura. Neste
momento a artista estava experimentando as possibilidades que o
processo de soldagem lhe proporcionava. Seus professores, Mario Cravo
no Brasil e Robert Jacobsen na Alemanha, ambos foram influenciados
pelo trabalho do escultor espanhol Julio González que teve uma extensa
produção de esculturas em ferro. Sobre o processo escultural de
González, em seu texto Un arte nuevo: el dibujo em el espacio, Krauss
descreve sobre a parceria que Picasso e González tiveram no final da
década de 1920. Esta experiência permitiu Gonzáles pensar sobre o
universo escultural, Krauss define que “la pericia de González en el trabajo
directo con el metal posibilito que la sensibilidad picassiana para el collage irrumpiera
Brasil, artista visual. Licenciatura em Artes Plásticas pela Fundação Universidade Regional de Blumenau
(FURB).
*
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Artes em torno do Atlântico:
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en el universo tridimensional de la escultura” (Krauss, 1996: 134), o que mais
tarde González define como “un arte nuevo: el dibujo en el espacio”. Para
Gonzáles não se trata apenas de uma assemblage, mas sim, de uma nova
forma de desenho, ou seja, “(...)el resultado de esta revelación no fue un
assemblage escultórico o un collage, sino la invención ulterior de una nueva forma de
dibujo: la inscripción escultórica del espacio” (Krauss, 1996: 134).
Figura 1. Arlequim, de Julio Gonzáles.Ferro soldado. 1929–1930.
Fonte:Nation Galleries.
Figura 2. Julio Gonzáles, Scorpius. 1965. Fonte: Arquivo Rafaela Bell.
Os códigos estabelecidos nas esculturas de González não fazem
referência a um objeto que remete a um jogo figurativo. Como aborda
Krauss, González “no estaba sustituyendo un cuerpo por otro para producir un
collage escultórica” (Krauss, 1996: 141). As esculturas Arlequim (Figura 1) e
Scorpius (Figura 2) mostram que mais do que um processo de assemblage,
desviam a atenção para o uso da espacialidade. Os elementos curvilíneos
se alongam para além da estrutura central em contraponto com as peças
planas. Ambas as esculturas se utilizam de pedaços de ferro que não nos
remetem a qualquer figuração que, por sua vez, na montagem escultórica
continuam sendo imagens abstratas. Ao deixar para trás a ilusão
modernista de originalidade como um “começo do zero”, Krauss afirma
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que “la práctica del arte de vanguardia tiende a revelar que la ‘originalidad’ es una
asunción activa de la repetición y la recurrencia” (Krauss, 1996: 171). Diferentes
tentativas de procedimentos esculturais foram sendo desenvolvidas na
modernidade e reelaboradas a posteriori. Esta rede de influência do
trabalho de González permitiu pensar sobre um novo processo de
montagem da escultura, que incidiram nas esculturas de Elke.
Um novo percurso
Com a necessidade de incorporar cor no seu trabalho e a decisão de
não trabalhar mais com ferro por conta de um acidente, a fez pensar em
novos materiais, pois queria “uma escultura pensando mais em termos
de forma, que o ferro não me dava”(A Notícia, 17 de maio 1983). Esta
necessidade de mudança já vinha desde o seu contato com o artista
baiano Mario Cravo. Elke justifica que “o Brasil, visto de fora, me
parecia muito colorido” (A Notícia, 17 de maio 1983) sendo assim,
encontrou no plavinil, um novo meio para fazer seus trabalhos sobre a
temática brasileira. Elke na sua entrevista explica que esta temática estava
muito mais ligada a sua infância, “um brasileiro localizado em Blumenau,
que é uma coisa bem diferente do que se entende por tropicalismo,
apesar de já ter uma veiculação com este tropicalismo.” Neste
depoimento Elke deixa vago o termo tropicalismo em sua obra. Ao
mesmo tempo em que afirma não ter relação com o tropicalismo, sua
obra indica relação com a estética do movimento. Sobre esta
problemática de seguir uma estética de um período, no caso o
tropicalismo, Rosalind Krauss afirma que
el estilo de un período es una modalidad específica de coherencia que no se puede
quebrar fraudulentamente. La autenticidad implícita en el concepto de estilo es
producto del modo en que se concibe la generación de dicho estilo, esto es, colectiva e
inconscientemente. Un individuo no pude, por definición, crear conscientemente un
estilo” (Krauss, 1996: 170).
O trabalho Lesma Amarela (Figura 3) de 1973, demonstra esta
influência quando faz uma ruptura ao escolher um material maleável de
origem norte-americana, que até então não pertencia ao campo
escultural, ao menos em Santa Catarina. Além da escolha do material, o
‘tropicalismo’ está na escolha de uma temática nacional, pois a Lesma é
definida por Elke da seguinte forma: “fiz estas lesmas que muito tinham
161
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com o momento histórico. Tudo no brasileiro me parecia lento” (A
Notícia, 1983).
trabalhos Tinteiro (Figura 4) e “Giant Soft Fan” (Figura 5) deixam escapar
as semelhanças pelo agigantamento e por escolher objetos que
contrapõem o flácido (o material escolhido) com o rígido (representação
de objetos). Ao comparar os trabalhos, podemos utilizar a mesma análise
escrita por Krauss sobre o trabalho de Oldemburg, para o trabalho de
Elke.
Os dois principais recursos empregados por Oldenburg para transformar o objeto
comum são as estratégias de gigantismo e/ou da maciez. Eles constituem obstruções do
espaço do observador por terem-se tornado variações colossais de sua escala natural e
por promoverem um sentido de interação em que o observador é um participante, sendo
a massa dos objetos construída em termos que sugerem o corpo dele próprio - flexível e
macio, como a carne (Krauss, 1998: 273).
Figura 3. Lesma Amarela, de Elke Hering. Madeira e Plavinil. 1973.
Fonte: Acervo MASC.
Suas experiências internacionais permitiram ampliar ainda mais seus
horizontes artísticos. Em 1969 Elke vai para os Estados Unidos com o
poeta Lindolf Bell com quem tinha recém se casado. Este contato com a
arte americana propiciou uma relação direta com distintas linguagens,
pois foi a partir da segunda metade do século XX, que os Estados
Unidos se tornaram referência nas artes visuais. Em sua entrevista para o
jornal em 1983, Elke fala desta experiência: “depois de ter absorvido a
cultura européia antiga, senti necessidade de ser artista atual, atuante,
jovem com novas propostas e como nessa época os artistas americanos
estavam surgindo com uma força e coragem inexistentes no continente
europeu, me identifiquei muito com alguns deles” (A Notícia, 1983).
Apesar dela não mencionar os nomes, poderíamos listar alguns artistas
que tem relação com sua obra.
Ao analisar os objetos de Elke em plavinil, podemos identificar
semelhanças com o trabalho do artista da Pop Art, Claes Oldenburg. Os
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ISBN: 978-989-8300-32-4
Figura 4. Caneta, de Elke Hering. Madeira e Plavinil. 1972. Fonte: Acervo MAM SP.
Figura 5. Giant Soft Fan, de OLDENBURG,Claes. Vinyl filled with foam rubber,
wood, metal, and plastic tubing. 1966-67. Fonte:The Sidney and Harriet Janis
Collection.
Nos registros sobre sua vida artística, é recorrente encontrar textos
que destacam sua atitude inovadora. No texto de Adalice Araujo de 1976
revela que, “Elke Hering foi uma das primeiras artistas do Sul do país a
tentar experiências abstratas, seria também uma das primeiras a
apresentar esculturas-objetos recobertos de plavinil de ampla absorção
163
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
pop, como os carretéis gigantes que nos falam das indústrias de
Blumenau” (Araujo, 1976). Nesta mesma abordagem, o curador Charles
Narloch, em seu texto de 2004 define que “seus trabalhos das décadas de
60 e 70 refletem as novas possibilidades da época. A madeira, o
concreto, o barro e o vinil ganham o destaque do metal. A simples
representação da realidade cede espaço ao conceito. As instigantes
esculturas e objetos em vinil colorido se desprendem de qualquer
preocupação com o belo, numa atitude de vanguarda incomum”
(Narloch, 2004). Os dois autores acima dão ênfase as esculturas-objetos
que começaram a ser empregadas por Elke no início da década de 1970.
Elke se apropriou de objetos ligados a sua infância para agigantá-los,
objetos ordinários, pertencentes à vida cotidiana. Os trabalhos em
plavinil, escapavam da convenção escultural pela sua temática
despretensiosa e pelo uso de um material contrário a rigidez da escultura.
Elke Hering foi uma das primeiras artistas catarinenses a se apropriar das
novas linguagens criadas na segunda metade do século XX. Seu caráter
inovador dava-se através da total disparidade com a estética modernista
que Santa Catarina continuava a reproduzir naquele momento. As
características modernistas de trabalhos estanques que discutiam a
própria arte, não estavam mais no debate da cena artística mundial neste
momento. As novas linguagens artísticas permitiam reflexões de códigos
mais universais.
Referências
Araujo, Adalice. Elke Hering Bell e o Fenômeno Catarinense. Curitiba. 04.03.1976.
Krauss, Rosalind (1996) La originalidad de La vanguardia y otros mitos modernos. Ed.
Alianza Forma.
Krauss, Rosalind (1998) Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
Narloch, Charles. (2004) “Há dez anos morria uma das mais importantes
artistas catarinenses”. A Notícia. 19 de fevereiro. ●
Mito e Imagem de Artista: Elke Hering
Daiana Schvartz*
Resumo: Através dos textos críticos de arte, este artigo abordará os recorrentes
discursos místicos e míticos que se apresentam na leitura dos trabalhos da artista
brasileira Elke Hering. As declarações feitas pela artista sobre seus trabalhos,
reverberam nos textos produzidos sobre sua vida e obra. Desta forma, estas escritas
transferem para suas obras um caráter místico.
Palavras-chaves: mística, mito e crítica de arte.
Abstract: Through the writings of art critics, this paper will discuss the utilization of a
discourse mystical and mythical about Elke Hering artworks. The declarations made by
the artist about her art, reverberate in the texts produced about her life and work. This
way, these writings transfer to her artworks a mystical character.
Keywords: mysticism, myth and art criticism.
Do mito
A valorização do artista enquanto indivíduo preocupado com
questões que se situam no interior de si mesmo possui vínculos com o
movimento Romântico da Europa do século XIX. O indivíduo
romântico se alicerça na exaltação do gênio, no individualismo, nos
excessos sentimentais, na crença da intuição e nos gestos espontâneos,
todas estas atitudes o fazem se aproximar do “forte teor místico, recusa
os padrões objetivos da religião, pregando a experiência fervorosa.
Importa-lhe, sobretudo a vivência religiosa que se processa na intimidade
subjetiva do indivíduo e que o conduz, pelo exercício intenso e sincero
da emoção e do sentimento devotos.” (Rosenfeld; Guinsburg, 1978:
266). Na medida em que a natureza se aproxima da vida do homem
romântico, consequentemente o racional se afasta, diminuindo assim, a
distância entre o ser e os veios mágicos, míticos e religiosos.
Ao tomar estas reflexões sobre o romantismo, podemos pensar como
a sociedade contemporânea continua a herdar o caráter romântico
quando se trata do artista. Neste artigo problematizaremos esta relação
entre o mito do artista e o misticismo presente na vida e obra da artista
brasileira Elke Hering (1940-1994). Ao buscar informações sobre a
artista, percebemos que o elo romântico continua presente nos dias
atuais.
Brasil, artista visual. Licenciatura em Artes Plásticas pela Fundação Universidade Regional de Blumenau
(FURB).
*
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
A crítica de arte Adalíce Araújo em seu artigo Elke Hering Bell e o
Fenômeno Catarinense escrito em 1976, narra a primeira experiência de Elke
no mundo artístico, quando partiu para a Alemanha em 1958 para
estudar na Academia de Belas Artes de Munique. Adalíce utiliza da
‘intimidade subjetiva do indivíduo’ (Rosenfeld; Guinsburg, 1978: 266)
para descrever a experiência da artista. Expressões como: transição
violenta, crise psicológica, valores existenciais, solidão, frio, escuridão e
estado de inquietação fazem parte do vocabulário de Adalice para
transmitir um estado de permanente marginalidade, inadaptação e fuga.
Trazer à tona a vida pessoal da artista é tão importante quanto falar de
sua obra “a história pessoal, as paixões e traços de personalidade do
artista passam a responder pela natureza e caráter da criação de arte. A
obra tende a ser confundida com o autor” (Guinsburg, 1978: 268).
Textos que tratam sobre a vida do artista frequentemente destacam
singularidades. Para Caillois (1970) sua vida cotidiana deve ser vista de
maneira completamente diferente, que não pode ser comparado com os
demais. Os argumentos buscados para justificar a autenticidade artística,
são também definidos através da busca interior da artista. A seguir,
podemos observar que a ideia de genialidade está presente nos dois
textos escritos sobre os trabalhos de Elke. O artista plástico Janga
argumenta que “só o artista autêntico, disposto a enfrentar o trabalho
interior sério e compenetrado de autoconhecimento, é capaz de
exprimir-se com força e autenticidade de que são portadoras suas obras”
(Janga, 1994). Também o crítico de arte Harry Laus comenta sobre o
processo escultórico dizendo que “tentam a abordagem do
desconhecido, da dimensão que escapa a nosso entendimento, cuja busca
da grandeza ao ser humano porque se expande para além de nosso
conteúdo físico” (Laus, 1985). Ao contrário dos outros seres humanos, é
na potencialização de sua autenticidade, que se justifica sua genialidade.
O gênio é um ser que foge a regra, ela não precisa seguir as leis que
regem a convivência humana. Para Gerd Bornheim (1978: 82), “(...) a
expressão máxima da natureza é o gênio, insubmisso a qualquer tentativa
de definição.” A impossibilidade de definir o gênio se dá pela
incapacidade de explicá-lo racionalmente, buscando no inconsciente sua
explicação.
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Figura 1.
Símbolo Astrológico: Terra.
Figura 2. Assinatura Artística de Elke Hering.
Fonte: Arquivo Rafaela Bell.
Da dimensão que escapa a nosso entendimento.
Em meio a cartas, documentos pessoais, matérias jornalísticas, fotos,
entrevistas, catálogos e convites, encontramos dentre as caixas
arquivadas sobre a artista no Arquivo Histórico de Blumenau, uma
diversidade de materiais de conteúdo místico como mapa astral e
apostilas sobre astrologia, astrodinamismo, astrosofia e teosofia.
É possível perceber a influência dos seus estudos astrológicos na vida
de Elke Hering, quando no final da década de 1970 incorpora o símbolo
astrológico terra, na sua assinatura artística. Abaixo a imagem do símbolo
astrológico (Figura 1), a assinatura artística (Figura 2) e a fachada do seu
ateliê na cidade de Blumenau (Figura 3).
167
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
figuras, que são portadoras de símbolos e representam um novo
conhecimento humano” (Uma Retrospectiva De Elke Hering, 1985).
O Guardião, foi colocado com sua frente voltada para o poente e traz
no seu nome a referência de um ser superior em distintas tradições
místicas. As declarações da artista sobre esta escultura são de conotação
transcendente ao afirmar que “o guardião vigia o desconhecido, todos os
mistérios que estão à nossa volta” (Rates, 1988). A obra representa uma
figura humana sentada com um grande quadrado vazado no centro, que
para ela, simboliza “o umbral, a passagem de um nível para o outro”
(Rates, 1988). Esta ‘passagem’ está ligada a ideia de um plano
transcendente, sobre-humano e “é através da experiência do sagrado, do
encontro com uma realidade transumana, que nasce a ideia de que
alguma coisa existe realmente, de que existem valores absolutos, capazes de
guiar o homem e de conferir uma significação à existência humana”
(Mircea, 2007: 124).
Figura 3. Fachada do ateliê da artista com símbolo astrológico.
Fonte: Arquivo Rafaela Bell.
Pelos documentos e declarações, fica evidente a crescente presença da
mística na vida de Elke e na sua produção artística. Sobre o seu trabalho,
a artista declara que eles “(...) tem toda uma ligação existencial, e a obra
mística é isso, sobrevive pelo seu mistério, deve sempre ter uma
expressão” (Escultura de Elke Hering No Masc, 1986). Para ela a obra de
arte é “(...) a síntese de todo o momento emotivo, e racional, filosófico e
místico” (Altschul, 1985). Neste mesmo período, em 1977, Elke Hering
produz um painel de madeira (Figura 4) que introduz simbologias ligadas
a temas da natureza como a árvore, água, sol, juntamente com símbolos
místicos como os triângulos entrelaçados colocados em cada uma das
extremidades do painel.
Em 1988, Elke produz a escultura em concreto intitulada de O
Guardião (Figura 5) instalada ao ar livre no campus da Universidade
Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. A escultura em concreto foi
produzida para haver uma interação maior entre a obra e o público na
medida em que se pode sentar, tocar e experimentar, por isso, da
necessidade de se fixarem ao ar livre. Sobre esta produção, Elke declarou
que sua escultura está “(...) voltada para o diálogo interior das formas das
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Figura 4. Painel de Madeira de Elke Hering. Blumenau, Brasil (1978).Acervo Banco do
Brasil. Fonte: Arquivo Rafaela Bell.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
A imagem do artista é tecida por vários fragmentos construídos ao
logo de sua trajetória. As obras e as declarações de Elke sobre seus
trabalhos, reverberam nos textos produzidos sobre sua vida e obra. Junto
delas, outorgamos para a obra de arte uma ‘dimensão que escapa ao
entendimento’ (Laus, 1985), constituindo de significados que estão fora
da própria obra. Este escapar, permite que ambos, artistas e críticos,
recorram à dimensão mística ao traduzir em palavras o comportamento e
o trabalho artístico. O mito e a mística se auto alimentam neste percurso
entre o discurso, a obra e o artista.
Referências
Figura 5.O guardião, de Elke Hering (1988).
Fonte: Arquivo José Ferreira da Silva.
A leitura mística feita sobre os trabalhos de Elke também estão
presentes nos textos dos críticos de arte. Ao citar vários nomes de
artistas catarinenses que trabalham com o ‘fantástico’ fazendo alusão a
símbolos míticos-eróticos, Adalíce Araujo, caracteriza o trabalho de Elke
por “mergulhar nas raízes da terra, na monumentalização dos seres, nas
figurações astrológicas de conteúdo mágico e na ligação onírica de
elementos” (Araujo, 1976). Outros textos críticos sobre as primeiras
décadas de seu trabalho, também evidenciam seu ‘conteúdo mágico’.
Sobre isto, Janga diz que a artista “foi libertando-se de uma abordagem
mais racionalizante e incorporando elementos mais dionisíacos
interpenetrados das indagações da esfera do não racional” (Janga, 1994).
Da mesma forma que a modernidade produziu uma exaltação ao
racionalismo, no campo das artes, há uma série de movimentos artísticos
(no século XIX o Romantismo e o Simbolismo, e no século XX o
Dadaísmo e o Surrealismo) que criaram uma reação a isso e trouxeram
uma avaliação positiva do sonho e do onírico, que cujo resultado para
Durand (2004: 35), foi à descoberta do inconsciente.
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ISBN: 978-989-8300-32-4
Altschul, Carlos. (1985). Entrevista com Elke Hering concedida em março de
s/ nº. Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.
Caillois, Roger. (1970).O homem e o sagrado. Lisboa: Edições 70.
Castro, Cosette (1986).As esculturas de Elke, grandiosas e sensuais. Jornal Diário
Catarinense, Florianópolis, 21 jul.
Durand,Gilbert (2004) O imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem.
3ª Ed. Rio de Janeiro: DIFEL
Escultura de Elke Hering no MASC.17 set.1986.
Guinsburg, J. (org) (1978) O Romantismo. São Paulo: Perspectiva,
Janga. 1994. Tributo para Elke Hering. Jornal Diário Catarinense, Florianópolis,
13 mar.
Laus, Harry (1985) Viagem em torno de Elke. mai.
Mircea, Eliade (2007) Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva,
Rates, Zeni (1988) O guardião do desconhecido vigia o mistério do campus. Jornal O
Estado. 21 dez.
Uma retrospectiva de Elke Hering no Paraná. (1985) Jornal O Estado. 12 abr. ●
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Entre Cyborgs e Avatares: produções artísticas no seio da
tecnologia ou o advento de novos invólucros humanos
David Etxeberria (David Rodrigues dos Santos)*
Resumo: A presente análise parte de recentes produções audiovisuais como o filme
“Avatar” de James Cameron e algumas das obras do artista australiano Stelarc. Nesta
abordagem, o ponto de partida pode ser situado entre as linhas de contacto existentes
nas produções artísticas contemporâneas elaboradas no seio da tecnologia e a
representação cinematográfica do aparecimento de um ser pós-humano.
Palavras chave: Avatar, Prótese, Cyborg, Tecnologia, Pós-humano
Title: Between cyborgs and avatars: Artistic productions within the technology, or the
advent of new human casings
Abstract: This analysis begins as part of the recent audiovisual productions as it is the
movie “Avatar” of James Cameron and some of the works of the Australian artist
Stelarc. In our approach, the starting point can be located between the existing lines of
contact in contemporary artistic productions developed within the technology and the
cinematographic representations of the emergence of a post-human.
Keywords: Avatar, Prosthesis, Cyborg, Technology, Posthuman
Introdução
O ponto de partida deste artigo advém das inquietações relacionadas
com o incremento de fantasias pós-humanas na produção artística das
últimas décadas. Para tal, recorremos a aspectos vinculados no filme
Avatar de James Cameron (2009) e a algumas das componentes formais
da produção artística de Stelarc. A discussão sobre esta matéria tem sido
recorrente e tem gerado, via ciências humanas, uma maior atenção às
discussões latentes entre os limites do real e virtual, isto é, entre a
dicotomia do homem (animal) e das máquinas (cyborg) sobre a qual, por
exemplo, Baudrillard escreveu. Por outro lado, dado que a estética
deixou de estar circunscrita à noção de Belo, pressupõe-se o abandono
da ideia de bem e de verdadeiro no seio da arte, pelo que este interesse
pela vertente mais disfórica da vida pós-humana, não se assemelha como
uma novidade. Pensamos ter sido no séc. XVIII que a palavra prótese
ganhou o seu presente significado, isto é, o de um membro artificial do
Espanha, artista plástico e professor na Escola Superior de Artes e Design, Instituto Politécnico de Leiria
(ESAD.CR). Licenciado em Artes Plásticas (ESAD.CR), Mestre em Cultura Contemporânea e Novas
Tecnologias pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL).
Doutorando em História, Filosofia e Património da Ciência e da Tecnologia (Faculdade de Ciiências e
Tecnologia, UNL).
*
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corpo humano. O termo deriva do Grego prothesis (adição), de prostithenai
(adir em) que, por sua vez, é uma composição de pros (diante de ou na frente
de) e thithenai (colocar). Por conseguinte, a utilização do termo prótese é no
sentido de uma adição e será com base neste significado que tentaremos
seguidamente antever o papel que ocupa na obra paradigmática de
Stelarc.
1. Stelarc: Uma estratégia de esgotamento do corpo
Stelarc (Chipre, 1946) ficou inicialmente conhecido mediante uma
série de performances executadas nos anos 70 intituladas Suspensions. Tais
performances pressupunham o colocar do corpo num estado perene,
demonstrando o quão fácil ele se torna exausto e explorado em espaços
totalmente irreconciliáveis. Através destas operações, demonstraria não
só as (in)capacidades do corpo mas, a sua vulnerabilidade e ansiedade em
devir obsoleto (figura 1). Tratar-se-á de uma experiência onde o corpo
não é ultrapassado no sentido comum do termo (como uma máquina
desatualizada), mas antes no sentido estrito, isto é, que se tornou
metafisicamente vazio após ultrapassar os conceitos platónicos e
cartesianos.
Figura 1. Stelarc, Seaside Suspension: Event for Wind and Waves (1981).
173
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Após esta série de performances, Stelarc começou a trabalhar com
questões diretamente relacionadas com a tecnologia revelando o seu
carácter explícito, isto é, da prótese como um ponto de ligação entre a
técnica e o corpo biológico, entre os circuitos electrónicos e a carne. As
suas abordagens passariam a estar relacionadas com conceitos que, de
forma inquestionável, marcaram a nossa contemporaneidade.
A presença fantasma, ou aquilo que ele denomina como SPLIT
BODY, e a prótese, não como símbolo de falta, mas como um sinal de
excesso constituirá uma parte do seu pensamento. Porém, não se trata de
representar um corpo amputado, mas de edificar um discurso sobre a
proliferação da tecnologia e do modo como se torna biologicamente
compatível. A tecnologia passará a ser uma condição de excesso em vez
de um sintoma de falta. Tais conceitos remetem-nos a experiências
vinculadas em obras como ‘Ping Body’ (1996), onde o performer atua
através de impulsos da audiência oriundos da internet que coagem o
movimento do seu corpo. O corpo torna-se alvo dos desejos de agentes
externos ao mundo real, tornando-se parcialmente uma marioneta ao
serviço de outrem. Nesta fase, Stelarc estabelece uma diferença
fundamental entre aquilo que tradicionalmente entendemos como Cyborg
e Zombie, sendo que o primeiro é um ser híbrido entre corpo e máquina
que opera com um elevado grau de autonomia, enquanto o segundo é
meramente manipulado. Assim, o autor oferece-nos a possibilidade de
refletir sobre o facto de já estarmos inscritos neste mundo e de, até certo
ponto, estarmos totalmente rodeados de cyborgs e zombies:
Houve sempre um perigo associado ao corpo e ao seu comportamento involuntário,
quando condicionados automaticamente. O Zombie é um corpo que age
involuntariamente, que não tem uma mente própria. O Cyborg é um sistema homemmáquina. Houve sempre um medo associado ao involuntário e ao automático. Do
Zombie e do Cyborg. Mas tememos aquilo que sempre fomos e aquilo no que já nos
tornamos (Stelarc, 1-2).
No decorrer da sua obra, a referência ao avatar tornou-se inevitável e
substituiu o cyborg por uma problemática onde o ser humano habita um
espaço de realidades mistas, ou seja, da possibilidade de entendermos o
corpo como um sistema operativo extensível para além do espaço que
habita. O autor resume tais possibilidades através de dois campos:
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FRACTAL FLESH (corpos separados mas que mantêm uma ligação
electrónica) e PHANTOM FLESH (membros fantasmas que tornam
possíveis a manipulação de corpos remotos).
Figura 2 – Stelarc, Third Hand (1976-1981).
A prótese, tal como a linguagem, estende e magnifica as possibilidades
do ser humano. Assim, nas suas obras, executadas com o auxílio de
aparatos artificiais (braços mecânicos, plataformas com seis pernas,
orelhas com transmissores), representam a tentativa de estabelecer uma
nova linguagem e as próteses que Stelarc acopla ao seu corpo são, como
em Third Hand (figura 2), uma tentativa de representar a forma como se
define esta nova humanidade. Por conseguinte, a sua obra permitir-nos-á
175
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
abordar a questão da evolução humana como uma das preocupações
centrais da contemporaneidade onde a prótese é a ferramenta encontrada
para reconfigurar o corpo.
2. Avatar: Ficção ou Expansão do universo?
Desde a sua estreia que Avatar (2009) tem sido um elemento gerador
de algumas discussões. Mas o que fez deste filme um alvo tão apetecível?
Certamente não serão as críticas, dado que a grande maioria aponta para
uma mera comparação a histórias, algo subversivas, que tendem a
demonstrar a missão civilizadora das Américas. Um outro tipo de crítica
envolve-se com questões tecnológicas ligadas a um cinema que, tal como
Baudrillard afirma, não é mais do que “uma máquina desmedida de
efeitos especiais” (Baudrillard, 1991, 77). Podem, desta forma, ser feitas
muitas comparações entre as assunções formais deste filme e outros
realizados no passado. Mas, para além de tudo o que possa ser dito sob o
ponto de vista cinematográfico, podemos afirmar que um dos seus
melhores ingredientes é aquele que interessa à nossa análise, ou seja,
aquele que anuncia a possibilidade de projetar o corpo através de uma
máquina facilitadora de conexões. Esta ideia pertence à ficção, mas
representa uma mudança que já foi retratada em outros filmes, o Matrix
(Andy e Lana Wachowski, 1999) ou mesmo O Exterminador Implacável
(James Cameron, 1984), e apresenta uma reflexão em consonância com o
que está a ser discutido na ciência, na filosofia e, como vimos com
Stelarc, na prática artística contemporânea. Assim, aquilo que nos leva a
recorrer a este filme é a sensibilidade em vaticinar um futuro dissimulado
num sem fim de efeitos especiais onde as novas gerações se identificam
com a possibilidade da tecnologia permitir encarnar outras personagens
num mundo virtual (figura 3).
Este advento, enumerado nas artes visuais, onde se anunciam
possibilidades de habitarmos corpos tal como em Avatar, de sermos egomáquinas, transporta a noção que o cérebro é entendido como uma
espécie de software, um sistema operativo que domina um corpo que nem
sempre reage às suas solicitações. Os aparelhos tecnológicos, agora
difundidos, tais como os videojogos, para além do mero monitor que
tenta incorporar o corpo e o espaço do jogador, têm a finalidade de
envolver o sujeito colocando-o numa experiência de imersão, de união e
simbiose, ou seja, numa espécie de “trincheira” (Kittler, 1999, 95).
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Figura 3 – James Cameron, Avatar, fotograma (2009).
A máquina já não é tão importante como no momento em que James
Cameron criou o Exterminador Implacável. Ela passou a ser meramente
indicativa e desempenha o papel de ferramenta facilitadora de ligações
entre ondas cerebrais de dois corpos (o soldado e o alienígena). A
máquina representa o papel de uma prótese invisível que aponta para um
futuro pós-humano, pós-biológico, uma simbiose entre orgânico e
máquina que permite a personificação. Este filme demonstra uma nova
problemática das ligações que alteram a relação entre significado e
significante, de formas disseminais baseadas na presença e na ausência,
ou seja, de modos distintos de estabelecer ligações entre seres e já não
somente entre humanos.
É precisamente na personagem do soldado paraplégico que
verificamos a pressão inscrita na desmaterialização, ou seja, numa
mudança epistemológica que, naturalmente, afecta a condição humana.
Tal facto é marcado no corpo do soldado que, gradualmente, inicia a sua
transformação, não apenas pelo tempo que permanece ligado mas,
especialmente, porque a imersão começa a inferir desmazelo no seu
corpo que, mesmo sendo portador de deficiência, é robusto. Ao longo
da narrativa denotar-se-á o seu deterioramento, a magreza, o desleixo
com a higiene. Fica assim representada uma estratégia de abandono do
corpo humano, perene, obsoleto e débil que, por outro lado, se apresenta
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repleto de qualidades adquiridas através de uma prótese natural nunca
dantes afigurada da qual, no final, se apoderará (figura 4).
Considerações finais
Verificamos, quer pelas leituras que nos acompanham como pelos
fenómenos do quotidiano, que a proliferação da tecnologia começa a
concertar-se numa síntese entre o artificial e o orgânico (a própria
história da cultura poderia ser relatada através daquilo que os homens
têm feito ao seu corpo). Neste sentido, quer no filme Avatar como nas
obras de Stelarc, não se trata apenas de explorar os limites do corpo, mas
da possibilidade de estabelecer ligações com outros corpos, com outras
entidades (seja a natureza no caso dos Na’vi ou dos fluxos dos
internautas em Stelarc). Existe, portanto, uma tendência evolutiva neste
âmbito que pode ser encarada em três partes: 1º A substituição de todos
os órgãos por apenas um; 2º A existência de um movimento crescente na
exposição, isto é, da colocação do corpo em “display” e 3º A
desmaterialização total do corpo.
apresentam-nos uma visão concreta onde o pós-humano implica não
apenas a ideia de estabelecer ligações perigosas com as máquinas, mas a
possibilidade de estabelecer ligações com uma série mais ampla e
multifacetada onde, a curto prazo, se torna impossível distinguir entre
organismos biológicos e circuitos integrados. Acompanhando esta
mudança de paradigma está associado, naturalmente, uma alteração da
compreensão da experiência, do espaço e do tempo onde o sujeito se
encontra, “amanhã, servirá cada vez mais para agir à distância, para além da área
de influência do corpo humano e da sua ergonomia comportamental” (Virilio, 2000,
75).
Este impulso “protésico” está, por necessidade, empenhado em retratar
a forma como o material metafórico e as figurações das próteses incidem
nas considerações sobre os limites conceptuais e históricos do humano e
pós-humano, orgânico e máquina, evolução e pós-evolução. Neste compromisso,
vinculado nas obras que analisamos, é-nos revelada o quão delicada é a
situação dialéctica na qual o ser humano se encontra. As obras de arte
neste âmbito inscrevem-se em áreas cinzentas do pensamento
contemporâneo no qual tentam erigir um debate e onde parte da arte
contemporânea, tal como a ciência mais surpreendente, é aquela que nos
tem colocado perante a possibilidade de corpos pouco concebíveis, que
nos desafia com a instabilidade e nos força a compreender o que
significa ser humano.
Referências
Kittler, Friedrich A. (1999), Gramophone, Film, Typewriter, Trad. Geoffrey WinthropYoung e Michael Wutz, Stanford University Press.
Stelarc, Zombies & Cyborgs: The Cadaver, the Comatose & the Chimera [Consult. 2011-12-22]
http://www.stelarc.va.com.au/texts.html
Virilio, Paul (2000) A Velocidade de Libertação, Trad. Edmundo Coelho, Relógio D’Água,
Lisboa. ●
Figura 4. James Cameron, Avatar, Still Film (2009).
O resultado desta tendência é um efeito estimulante que nos leva a
sentir o corpo disperso em circuitos cibernéticos onde os limites da
interação já não são definidos pela pele, mas pelos feedback-loops que
conectam o corpo e o simulam num circuito biotecnológico. No fundo, a
maior parte dos autores que se têm debruçado sobre esta matéria,
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Um Erro para Liberdade ou A Dança das Tentativas:
Sobre o Processo Criativo da Coreógrafa Sílvia Moura
David Limaverde Cabral Pinheiro / David Limaverde*
Resumo: Este trabalho se refere a uma breve apresentação sobre a coreógrafa Sílvia
Moura e sua poética em relação a minha experiencia como espectador. O texto enfoca
as performatividades do seu trabalho aliado a categorias de atitude fenomenológicas,
tendo como base auto-narrativa, percepção e sensações como metodologia.
Palavras-chave: Sílvia Moura, dança contemporânea, fenomenologia, experiência,
embodiment.
Abstract: A brief presentation on the choreographer Sílvia Moura and her poetics,
from the spectator´s experience. Self-normativity, perception and senses are items for a
basic methodological approach connected with a phenomenological attitude.
Keywords: Sílvia Moura, contemporary dance, phenomenology, experience,
embodiment.
Esse trabalho se refere a uma breve apresentação sobre a coreógrafa
Sílvia Moura e sua poética em relação a minha experiencia como
espectador. O texto enfoca as performatividades do seu trabalho aliado a
minha própria vontade de dançar, de mover-se e de compartilhar
poéticas íntimas. Minha relação de observação sobre o trabalho de Sílvia
Moura e seu grupo nasceu em festivais regionais de teatro e dança do
Estado do Ceará, Brasil, e tem se construindo ao longo do meu processo
de aprendizado nas artes cénicas. Escolhi Sílvia Moura e sua dança, de
entre vários outros artistas inspiradores, porque suas acções fizeram
parte de minha trajectória como estudante e do inicio de minhas
actividades artísticas – causaram-me incómodo, frustrações, irritações; e
hoje, quando olho para trás, identifico a minha experiência ao ser
espectador de suas obras, como parte intrínseca da minha identidade e
responsabilidade artística – meu corpo ainda reage às memórias. A
identidade e a responsabilidade são as do grito, do desapego, do “reapego”, de mostrar feridas, assumir vulnerabilidades, incendiar afeiçoes.
Este artigo, longe de ser objectivo, reflecte minhas subjectividades e,
para isso, escrevo em primeira pessoa e espero compartilhar ao leitor
sobre o trabalho dessa artista-performer, como também sobre minhas
Brasil, arte-educador, performer. Mestrado em Estudos da Performance pelas Universidades de Amesterdão
e Helsínquia. Bacharelado em Artes Cénicas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Ceara. Estudante de Doutorado, Universidade de Barcelona.
*
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afectividades e corporeidades refractadas através da minha própria lente
pela qual discurso.
Sílvia Moura (figura 1) é uma coreografa Brasileira que reside em
Fortaleza, Brasil. Seu trabalho é de cunho performativo e transita entre
dança contemporânea, performance, artes visuais e activismo social. A
partir do ano de 2002, Sílvia Moura começa a prover aulas de dança
contemporânea a jovens de periferias de Fortaleza, e assim o grupo CEM
(Centro de Experimento do Movimento) já se constitui de mais de uma
geração de dançarinos formados e apresentando-se no cenário cultural
do Nordeste Brasileiro como uma voz activa. Desde então o grupo tem
actuado intensamente mantendo oficinas permanentes de formação e
processos colaborativos de criação de espectáculos, performances e
instalações – com a proposta de estimular a criação em dança
contemporânea e a formação de plateia para a dança no Ceará. Dentre as
mais de quarentas performances que ela e o grupo criaram, destacam-se:
a chuva também molha (2003), quanto custa uma rosa (2004), cala-te corpo...
(2004), de volta para casa (2004), corpos e carceres (2005), mentiras sinceras
(2006), engarrafada (2007) e ind gente (2008).
Esse trabalho não visa elucidar as intervenções de transformação
social das acções do grupo e da própria coreográfica, mas exemplificar e
compartilhar sobre seu processo de criação e possíveis conexões com
minhas percepções. Através da presente apresentação do texto, fotos e
vídeos, permito-me tentar realizar um dialogo com o leitor e os
participantes do encontro sobre o cerne da atitude de Sílvia Moura ao
criar uma performance: é possível errar, é possível não ter um corpo
normativo, é possível achar brechas e linhas de fuga no sistema e facilitar
possibilidades e inclusões de outros corpos no cenário da dança
contemporânea Brasileira. Nesse contexto, ofereço um olhar e uma
atitude fenomenológica de apreciação e critica de um de seus trabalhos:
Mentiras Sinceras, estreado em 2006.
O Enforque da experiência como exercício fundamental para se fazer
sentido do mundo, faz com que minhas percepções e sensações me
ajudem a compreender e tentar analisar o espectáculo Mentiras Sinceras e
seu processo de criação. Por isso, parto de uma perspectiva
fenomenológica e experiencial para fazer com que os dados já transcritos
no meu próprio corpo, possam se reflectir em alguma interpretação
dessa pequena realidade recortada.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
A forma que Sílvia Moura está redesenhando a estética e cenário da
dança em Fortaleza é uma resposta às inquietações dos que não estão no
palco (e provavelmente dos que nunca tiveram a oportunidade de entrar
em teatro) e experimentações de possibilidades coreográficas que
libertam o corpo de técnicas e estereótipos. Sua poética se situa no
direito de errar, da feiura e da expressão dos desejos, não aceitando
nenhuma imposição social normativa. Estive três vezes entre o público
em apresentações do espectáculo Mentiras Sinceras, e em todas elas tive
o impulso de levantar-me da cadeira e entrar em cena. Além de
identificar-me com as vozes internas que Sílvia e os bailarinos
performam, o espectáculo, assim como muitos outros, abre espaço para
a intervenção do público. Lembro-me que em A Chuva Também Molha
(2003), cheguei a me preparar para me molhar e auto-protestar junto
com o grupo – um pouco antes da minha preparação ser finalizada, a
própria performance foi finalizada, deixando um gosto seco na minha
boca de inquietude e frustração de não ser o meu corpo o que exclama.
Sobre o ato de “incomodar-se” ao ver Mentiras Sinceras, vou buscar o
conceito de Embodiment para reflectir sobre a minha experiência:
Embodiment em minha língua materna - Português - tem muitos
significados: pode ser entendido por incorporação, corporificação ou
encarnação; porem embodiment constitui-se uma categoria de
materialidade da subjectividade do corpo, alimentada pela percepção e
experiencia. Tom Ziemke (2001) conceitua embodiment como
acoplamento estrutural entre agente e ambiente: como o corpo
fenomenológico de Merleau-Ponty (2006), o agente e o ambiente estão
em constante troca. Assim, a relação do ato performativo e da plateia
torna-se um movimento de impulsos que transitam em uma avenida de
dois sentidos. Para finalmente abordar a natureza do embodiment no meu
contexto específico, examino neste trabalho uma série de paradoxos que
as experiências do meu corpo. Paradoxos em um sentido cultural que eu,
como brasileiro, senti-me desnudo quando Sílvia e seu grupo se
desnudaram, senti-me vulnerável quando eles falavam e dançavam
intimidades e sempre incomodado – quando a liberdade de errar, tentar e
romper os limites do que se constitui o “politicamente correcto”.
Em um determinado momento do espectáculo, o grupo dança uma
coreografia demarcada e definida: o jogo, então, se dá quando quem erra
a coreografia sai de cena. Em uma das vezes que a própria coreógrafa
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Sílvia Moura errou, ela disse: “Eu errei, mas eu gosto tanto dessa parte
que eu não vou sair!” Em mim, percebo vontades contraditórias: quero
meu corpo completo, tão completo que quero errar quando eu quiser, e
quando não quiser, que o erro seja o mais aprazível possível; por outro
lado estava em uma cadeira, entre filas e números de assentos, sugerindome ordem e silêncio. O movimento do espectáculo de Sílvia já não é
mais entre ela e eu, mas dentro de meus próprios atributos e convenções
sociais. Sílvia move, propõe um erro, propõe um feiura, propõe o
desgosto... Eu me aceito, não me satisfaço e saio do local de
apresentação com a urgência dos bailarinos – não são as mesmas, mas
talvez todas estão correlacionadas na complexidade das trocas, de todas
elas.
Compartilhar sobre o processo de criação de Sílvia Moura já seria uma
experiencia performativa em si. E corro o risco de falhar aqui, ao de
alguma maneira ser uma voz que a apresenta e representa, mesclando
minhas subjectividades com o trabalho de acções tão concertas que são
os da Sílvia e do grupo CEM. Há tantos mais corpos inconformados! O
dela, o meu só são pequenos exemplos. Sua dança reflecte desequilíbrio,
a possibilidade de errar, sujar-se... São subjectividades que reverberam
como corrente contraria a produção, eficiência e consumação do sistema.
Escrevo esse relato porque seu trabalho mexe comigo, sempre mexeu, e
o que mais me instiga é que vai além de se eu gosto ou não dos seus
espectáculo. Esse relato não é o caso de entreter-se com o movimento,
mas de uma ânsia de ser participante, que os processos de embodiment e
fenomenológicos se manifestam como realidades particulares.
Nos espectáculos, movimentos e vida de Sílvia Moura, há odor, toque,
sons, figuras e gostos (Figura 1). Um erro para liberdade ou a dança das
tentativas, expressa a desconstrução da cena, o rompimento da quarta
parede, o querer participar, ser instigado, e através de descrições de
processos intrinsecamente experienciais, afectar e fazer reverberar sua
poética – para uns uma rosa ofertada, para outros um tapa na cara.
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Referências
Merleau-Ponty, Maurice (2006). Phenomenology of perception. London, New York:
Routledge.
Ziemke, Tom (2001). Are Robots Embodied?. In Proc. of the First Intl. Workshop on
Epigenetic Robotic. Lund University Cognitive Studies, vol. 85, Lund.
http://movimentosdesabafos.blogspot.com/
http://cemovimentos.blogspot.com/ ●
Figura 1. Colagem Sílvia Moura. Grupo CEM. Fonte:
http://movimentosdesabafos.blogspot.com/
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Raid das Moças e a Cultura da depressão: performance e
humor subversivo ou quando Foucault visita as
chanchadas da Atlântida
Marilda Santanna*
Resumo: O Raid das Moças é um grupo performático vocal feminino que há 20 anos
vem se apresentando em várias cidades no Brasil. Nosso resumo busca mostrar, com
base no último espetáculo de seu repertório, “Cultura da depressão”, como um trabalho
aparentemente ingênuo e inofensivo pode estar carregado de propostas críticas e
conceituais que legitimam e autorizam o humor e a performance como modus faciendi
da arte contemporânea.
Palavras chave: Raid das moças; cultura da depressão; estética camp; paródia
intertextual
Title: Raid das Moças: performance and subversive humor or when Foucault visits the
popular movies of Atlantis
Abstract: The Girls’ Raid is a female vocal performance group that 20 years ago has
served in various cities in Brazil. Our summary seeks to show, based on the last show
of their repertoire, "Culture of depression" as a job seemingly innocent and harmless
can be loaded with critical and conceptual proposals that legitimize and authorize the
mood and performance as modus faciendi of contemporary art.
Keywords: Raid das Moças; Culture of depression;camp aesthetic; intertextual parody
Introdução
Durante a ditadura militar no Brasil, a resistência artística não se deu
exclusivamente através do engajamento de esquerda. Houve uma
tendência cultural, detectada por Renato Ortiz (Ortiz, 1988) no ensaio
“O popular e o nacional / Do popular nacional ao internacional popular”, que o
autor nomeia de “Cultura de Depressão”. Diz o autor que:
Cultura de Depressão com variações no irracionalismo, no misticismo, no escapismo, e
sob o signo da ameaça, eis os traços essenciais que acompanham alguns setores da
produção cultural brasileira a partir de 1969. (...) Declara-se espúria ou careta a
esfera do político e, através de um argumento equivocado do perigo da recuperação via
indústria cultural ou pelo establishment, faz-se a profissão de fé do silêncio teórico, isto
é, a recusa apologética do discurso conceptualizado sobre a produção artística,
Marilda Santanna: Brasil, cantora e performer. Professora no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências
Prof. Milton Santos da Universidade Federal da Bahia (IHAC - UFBA) e no programa Multisciplinar em
Cultura e Sociedade da UFBA. Doutorado em Ciências Sociais e Mestrado em Artes Cênicas pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduada em História, UFBA.
*
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sobretudo a musical. Isto tudo mesclado a um culto modernoso do nonsense, a um
repúdio à pontilhação racional do discurso. Portanto, ênfase no sujeito “alienado”, que
busca na droga, no misticismo ou na psicanálise, a forma de expressar sua
individualidade; desarticulação do discurso, reificação da linguagem, o que equivaleria
a uma desvalorização do conhecimento racional; recusa em se encarar o elemento
político (Ortiz,1988: 158).
O presente trabalho apresentará um fenômeno cênico que, advindo da
contracultura dos anos setenta viria a ser, na década de noventa e depois,
alvo de fervorosas discussões e responsável por uma renovação da
platéia brasileira. Híbrido por natureza e essência, o Raid das Moças em
sua proposta estética apresenta em cena o pastiche, o nonsense
costurado por canções consideradas brega e/ou cafona da música
popular brasileira destinada às consideradas camadas populares. Com
uma sonoridade que apresenta síntese da música eletrônica com baladas
de cunho romântico cujos conteúdos refletem desilusões amorosas e a
chamada “dor de cotovelo” alicerçada por interpretações exageradas e
melodramáticas, coreografias retiradas de filmes das sessões da tarde e de
dançarinas de programas de auditório, respaldada por um figurino que
passeia pelo kitsch, pelos cabarés e boites gays; o grupo se debruça neste
espetáculo a mapear a partir de uma linha de tempo histórico com inicio
na década de sessenta até a atualidade a re/apresentar cada bloco como
pequenos esquetes que não privilegia apenas o lado musical, mas traz
ainda um forte apelo de teatralidade e humor que resulta num espetáculo
cênico lúdico e interativo.
1. Paródia e Besteirol
Teatro Besteirol designa montagens de humor não muito exigentes
que buscam antes de tudo cumplicidade com a platéia por debochar de
temas cotidianos, contando com atores que não hesitam em assumir a
paródia até o mais infame cabotinismo. Se a isso se incorporar temas
escatológicos e uma estética voluntariamente de mal gosto e mal-acabada,
estamos no caminho certo para esse começo de conversa.
Linda Hutcheon, em Uma teoria da paródia (Hutcheon, 1986) assim
define a paródia: ‘A paródia é pois, repetição, mas repetição que inclui
diferença; é imitação com distância crítica, cuja ironia pode beneficiar e
prejudicar ao mesmo tempo’ (Hutcheon, 1986: 54). Versões irônicas de
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
transcontextualização e inversão são os seus principais operadores
formais, e o âmbito de ethos pragmático vai do ridículo desdenhoso a
homenagem reverencial.
Flávio Marinho comenta que o espectador para usufruir do humor do
espetáculo necessita de uma certa formação cultural:
O humor do espetáculo, no entanto requer uma certa informação cultural do
espectador e, especialmente, algum conhecimento (ou vivência) teatral para melhor
curtí-lo. De outra forma, corre o risco de perder grande parte dos achados cômicos.
Seja como for, trata-se de espetáculo altamente recomendável que, devido ao seu caráter
meio marginal, talvez estivesse melhor abrigado – e com maiores chances de sucesso em
sessões de meia-noite do Cândido Mendes do que no horário vespertino do Teatro dos
Quatro (Marinho, 1983: Jornal ‘O Globo’).
Essa idéia esboçada por ele – a de que o espectador da peça precisa de
uma certa formação teatral para melhor usufruí-la – vem ao encontro do
que Affonso Romano de Sant’Anna diz a respeito da assimilação da
paródia, paráfrase e estilização:
Os conceitos de paródia, paráfrase e estilização são relativos ao leitor. Isto é: depende
do receptor (...) Isto equivale a dizer, em outros termos: estilização, paráfrase e
paródia (e a apropriação, que veremos proximamente) são recursos percebidos por um
leitor mais informado. É preciso um repertório ou memória cultural e literária para
decodificar os textos superpostos (Sant’Anna, 2006: 26).
Figura 1. Vídeo de Luiza Marilac (s.d).
Figura 2. Vídeo de Raul Franco no espetáculo solo "Saída de emergência,” teatro
Vanucci, no Rio de Janeiro (2008).
Outro momento importante é o que a atriz Kátia Leal assume o papel
da Psicopedagoga especialista em linguagem de libras e traduz a música
Fico assim sem você, de Claudinho e Buchecha. Guardando algumas
mudanças, inserções e releituras, o que fazemos é um processo
intertextual e tropicalista como a versão que o ator Raul Franco fez para
a mesma música em seu espetáculo solo "Saída de emergência”, que
ficou em cartaz no teatro Vanucci, no Rio de Janeiro (Figura 2).
Citamos, à guisa de exemplo, o texto que a atriz Kátia Leal fala entre a
primeira parte do primeiro bloco e a segunda:
Nesse verão nós decidimos reviver e recontar uma história de sucesso, decidimos ficar
em Salvador, na Varanda do SESI tomando nossos bons drink (sic) nesse verão
maravilhoso da Bahia e dividindo com vocês esses momentos nossos. E teve boatos que
nós ainda estávamos na pior, se isso é tá na pior, poonrra! O que é dizer estar bem,
né? (Thürler, 2011: original em cópia)
Esse texto, responsável em si, por boa parte do riso do espetáculo só
faz sentido para quem conhece o famoso vídeo da travesti brasileira
radicada na Itália, Luiza Marilac (Figura 1).
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Figura 3: Vídeo de Mc Grizante (s.d).
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Ainda mais radical é a cena da diversidade, em que a cantora e atriz
Marilda Santanna interpreta, invocando a musa Nara Leão, uma típica
Bossa Nova. Até aí, nada de muito especial se não fosse esse número
uma apropriação da versão escatológica de Mc Grizante para o clássico
pop "I Will Survive" de Gloria Gaynor (Figura 3).
2. A Estética Camp e o esteticismo escandaloso
Foi comum durante os dias de espetáculo e frente à divulgação maciça
na imprensa brasileira a dúvida sobre a identidade sexual das performers
Claudia Sisan, Kátia Leal e Marilda Santanna (Figura 4). A provocação
intencional teve origem através do conceito de camp, que para nós, pode
ser entendido a partir das palavras Halperin (Halperin, 2007), como uma
forma de resistência cultural que repousa sobre a consciência
compartilhada de estar situado dentro de um poderoso sistema de
significações sociais e sexuais.
O camp, segundo o autor, resiste ao poder desse sistema de dentro dele
por meio da paródia, do exagero, da amplificação, da teatralização e da
explicitação de códigos tácitos de conduta – códigos cuja autoridade
provém de seu privilégio de nunca ser enunciado explicitamente e, por
conseguinte, de sua imunidade à crítica.
Contrastando com outras posturas, a estética camp equivale, de alguma
forma, à estética gay, o aspecto camp mais marcante no espetáculo Cultura
da Depressão, aliás, é importante lembrar que, muitas vezes, as
representações estereotipadas com personagens afeminados e com uma
estética camp, que, de acordo com Sontag (1987), pode ser caracterizada
pela “predileção pelo inatural, pelo artifício e pelo exagero” (p.318) ou
como “um certo tipo de esteticismo (...) uma maneira de ver o mundo como
fenômeno estético” (p.327).
Conclusão
O camp é arte que se propõe a si mesmo como séria, mas que exige,
para sua recepção, uma atitude de valorização de seu artifício e exagero,
sua incorporação nostálgica e intelectual do mau gosto. “Cultura da
depressão” deve ser vista a partir das referências culturais a gêneros
considerados inferiores na Arte que nos permite visualizar o tema da
memória, a cultura de massa e uma postura kitsch frente aos objetos
sobrecarregados mediante um discurso sentimental, só assim foi possível
que o Raid das moças inserisse uma marca pessoal na experimentação
autoral com modelos populares.
Referências
Figura 4: Foto exclusiva de Duda Woyda para a divulgação do espetáculo Cultura da
Depressão, 2011.
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ISBN: 978-989-8300-32-4
Franco, Raul (2008) ‘Fico Assim Sem Você’ interpretado por Raul Franco. Gravação
de mímica [Consult. 2011-12-15] Acessível
http://www.youtube.com/watch?v=YqFygccDgRg
Halperin, David (2007). San Foucault. Para uma hagiografia gay. Buenos Aires,
Ediciones literales.
Hutcheon, Linda (1985). Uma teoria da paródia. Rio de Janeiro: Edições 70.
Marilac, Luiza (s.d.) Se isso é tá na pior... porrãn! q q quer dizer tá bem né? Vídeo
[Consult. 2011-12-15] Acessível em
http://www.youtube.com/verify_age?next_url=/watch%3Fv%3D9Gb3
TWe6IcE.
Marinho, Flávio (1983). Quem tem medo de um jogo teatral muito divertido? Jornal O
191
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Globo. Rio de Janeiro.
Mc Grizante, (s.d.) Vai Wilson Vai. Canção [Consult. 2011-12-15] Acessível em
http://www.cifras.com.br/cifra/mc-grizante/vai-wilson-vai.
Ortiz, Renato (1988); O popular e o nacional – “Do popular nacional ao internacional
popular”, In: A moderna tradição brasileira, São Paulo, Brasiliense.
Sant’anna, Affonso Romano de (2006) Paródia, Paráfrase & Cia. São Paulo:
Editora
Ática, 7ª Edição.
Sontag, Susan (1987). Notas sobre o camp. In: “Contra a interpretação.” Porto Alegre:
L&PM.
Thürler, Djalma (2011). Cultura da Depressão. Salvador: original, 2011. ●
Do Singular ao Plural: Identidade, Memória e Poética no
Fazer Artístico dos Mestres da Fotopintura Cearense
(Telma Saraiva e Julio Santos)
Doriedson Bezerra Roque*
&
Paulo Emilio Macedo Pinto**
Resumo: O presente artigo tem como objetivo conhecer e difundir a poética, e a
identidade do fazer artístico memorialístico dos mestres da fotopintura cearense, Telma
Saraiva e Julio Santos. A proposta se apropriou dos recursos da observação in loco, de
entrevistas, e de registros imagéticos da produção artística dos artistas em questão. O
interesse pelo tema parte da observação na contemporaneidade de uma arte em
extinção, dado os avanços da tecnologia digital.
Palavras-chave: fotopintura, retrato-pintado, arte, Telma Saraiva, Júlio Santos.
Title: From Singular to Plural: Identity, Memory and Poetic Art in the Making of the
Masters of Fotopintura Cearense.
Abstract: This article aims to evaluate and disseminate the poetic and artistic identity of
the memoir of the masters of fotopintura Ceará, Telma Saraiva and Julio Santos. The
proposal has appropriated the resources of on-site observation, interviews, and pictorial
record of the artistic production of the artists concerned. Interest in the subject in the
contemporary part of the observation of a dying art, owing to advances in digital
technology.
Keywords: fotopintura, portrait-painted, art, Telma Saraiva, Júlio Santos.
Do Singular ao Plural
Debruçar-se sobre os artistas Telma Saraiva e Júlio Santos não é
meramente uma escolha proposital, surge do conhecimento de suas
póeticas em defender seus trabalhos através dos tempos, rompendo com
os agouros de um tempo tecnológico que vez por outra insiste em
engoli-los. A primeira artista utiliza-se da fotopintura para fazer uma
releitura singular de mitos hollywoodianos, construindo e desconstruindo
sua auto-imagem em cima de grandes divas do cinema americano,
Brasil, artista visual, arte-educador, performer. Afiliação: coletivo Tuia de Artificios; Museu do Homem do
nordeste (MUHNE), Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Licenciatura em Pedagogia (FADE),
bacharelado em Fotografia / Comunicação Social (AESO). Especialista em Arte-Educação (UNICAP).
** Brasil, artista visual, ator performático, arte-educador, arteterapeuta, professor universitário, psicólogo.
Afiliação: Coletivo Tuia de Artificios; Universidade de Pernambuco (UPE); Secretaria de Educação do Estado
de Pernambuco. Mestre em Psiclogia, UNICAP. Licenciado em Psicologia, UNIFOR e especializações em
Artes Cênicas (UFPB), Arteterapia – Espaço Horizonte / FAINTVISA, Terapia Familiar (UNIFOR),
Coordenação Pedagógica e Supervisão Escolar (UFPE). Licenciado em Artes Plasticas – UFPE
*
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sugerindo uma nova personagem; o segundo artista ajuda a preservar a
memória individual e coletiva de vários sujeitos que o procuram, através
da restauração de velhas fotografias de família, trazendo um colorido
especial ao que se apresentava desbotado pelo tempo. Com o passar
deste mesmo tempo, ambos se fortaleceram em seu fazer artístico, e hoje
são referências nacionais neste ofício, e mesmo estando separados
geograficamente em seu estado, ela “sertão” e ele “litoral”, continuam
trazendo arte, poesia e memória para a cultura e a história do Ceará Brasil.
Figura 1. Júlio Santos em oficina.
Figura 2. Telma Saraiva em atelier (arquivo pessoal).
1. Sobre Telma Saraiva
O retrato é um dominio privilegiado da fotografia, desde a sua invenção. Menos
influenciado do que os outros dominios pelas modas e correntes artisticas, permitiu aos
fotógrafos expressarem-se totalmente, e alguns deles dedicamse-lhe por inteiro (Amar,
2011:121).
Quem vê Telma Saraiva, nem imagina que por trás de sua figura miúda
esconde um gigante das artes. A professora do interior do Crato,
formada em magistério, tornou-se fotógrafa, laboratorista e artista pela
influência do pai e do irmão, percorrendo caminho incomuns às moças
de seu tempo. Hoje Telma tem mais de oitenta anos, bem vividos, e
gaba-se de ter nascido no Crato-Ceará, e conhecido o mundo por conta
de seu trabalho. Alguns já escreveram que Telma nunca saiu de sua
cidade natal. Enganam-se, Telma viajou muito com seu pai e seu irmão
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pelo Brasil, e com seu trabalho inspirado pelos filmes que via, deu a volta
ao mundo, construindo imagens de si mesma nos espaços da sétima arte.
Encontramos em seu acervo, releituras de papéis femininos de filmes
hollywoodianos, como “Cleópatra”. A modelo, ela própria e a fotografa
também. Telma, na primeira metade do século 20, no interior do
Nordeste, longe das escolas de Belas Artes e das influências das artes
conceituais contemporâneas antecipa através do retrato pintado o estilo
hoje conhecido como fotoperformance, isolada dos holofotes das
discussões sobre o que é arte.
Considera-se fotógrafa de estúdio, onde gosta de trabalhar e produzir
arte. Não é uma fotógrafa apenas com a função de apertar o dedo no
disparador da máquina. Fazer a foto por inteiro, isso é o que lhe dá
prazer. Por preparar a própria química para suas revelações, fazendo
misturas para conseguir a melhor expressão de seu trabalho teve sua
saúde prejudicada. Sobre esta vivência é ela mesma quem nos diz:
Eu nunca usei o fotômetro, eu usei o “olhometro”. Eu via essa luz aqui e já sabia
qual era a exposição que eu ia dar na máquina. Quando eu terminava de bater a
foto, já fazia a revelação do filme. Eu nunca mandei para laboratório. Eu tenho em
casa livros de fórmulas. Esses livros me ensinaram todas as técnicas para fazer um
revelador. Quando eu saía do estúdio, ia para o quarto escuro para revelar a foto. Eu
trabalhei no quarto escuro fazendo fotos de todos os tamanhos.
Telma descobriu a tinta da seguinte maneira, como era viciada em
cinema colecionava diversas revistas sobre o gênero, e num dia
folheando uma revista que se chamava “Cena Muda” que falava sobre
artistas e vendo-as representadas em fotografias coloridas em
propagandas, ficou a se perguntar como é que aquilo era possivel, se não
havia ainda a fotografia colorida. Como eram feitas aquelas fotografias?
Que tinta era aquela?
Numa das páginas da referida revista Telma encontrou o nome da
tinta e mandou trazer dos Estados Unidos. Através da experimentação
dos pigmentos foi encontrando as cores para suas composições. Mas
antes da tinta importada Telma já fazia retratos pintados, pois seu pai
que tinha uma loja de aviamentos, vendia um tipo de tinta chamada
pastel. A aplicação do pastel revelava um tipo de fotografia muito bonita,
suave e leve.
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Com a descoberta da tinta importada Telma passou a bater fotos das
amigas, pintar as fotografias, presenteá-las. Através dessa generosidade o
trabalho de Telma alcançou grande divulgação, pois naquela época não
existia fotografia colorida, tudo era em preto e branco. Telma também
agraciava suas professoras com fotografias pintadas, que ficavam
maravilhadas com o trabalho e lhe davam pontos extras nas avaliações da
escola. Quando acabou o curso de formação para professora, o
magistério, Telma já não queria assumir esta profissão, então decidiu
seguir sua vocação de artista e enveredou pelos caminhos da fotografia.
A memória imagética cultural do Ceará, principalmente do interior, devese a ela.
Louca por cinema, a fotógrafa se descobriu artista performática, e
inspirada
em
produções
holliwoodianas
metamorfoseou-se,
representando-se como as divas americanas.
Eu estudava e meu pai adorava cinema. Ele me dizia assim: “Filha, vamos para o
cinema”? Eu conheci o mundo através do cinema e das revistas. Ele dizia assim: “Eu
vou lhe levar para o cinema para você adquirir a prática de leitura”. Os filmes eram
legendados. Então, eu ia para o cinema com a intenção de aprender a ler, e lá às vezes
eu dormia, e meu pai me levava para casa nos braços. Eu era muito pequena, isso
começou aos oito anos de idade. Como a idade da criança e adolescência é a idade de
muito sonho, muita beleza, essa história do cinema mexia comigo. Isso despertava
minha imaginação, e quando chegava em casa eu queria reproduzir em mim aquelas
atrizes, então eu me embelezava com a beleza das atrizes do cinema. Ai foi quando
eu me meti a fazer fotografia sem ser profissional. Eu gravava as poses das atrizes ia
para o espelho, pegava a roupa, um pedaço de tecido... Não era um vestido, era uma
montagem com pedaços de tecido e alfinetes. Eu me olhava pelo o espelho, e chamava
meu irmão mais velho para clicar. Depois comecei a fazer isso sozinha, aumentei o fio
da máquina para ter o controle da cena quando apertava o disparador.
2. Sobre Julio Santos
Olhar fotografias atualiza lembranças, provoca suspiros, contextualiza eventos,
reacende iras, remorsos e solidariedades. Quantas vezes tivemos nas mãos imagens que
guardamos e que nos trazem histórias do passado ou nos antecipam futuros (Dantas,
2003: 68).
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Segundo o artista Júlio Santos, a fotopintura começou a entrar no
Brasil através dos Galegos, denominação dada aos estrangeiros oriundos
da Europa. Os galegos fugiram para o Brasil na primeira guerra mundial
trazendo as novidades do outro mundo e embrenharam-se pelo interior
do país como mascates. Eram vendedores ambulantes, que dominavam
os princípios da fotografia. Vendiam de tudo, para as pessoas e suas
casas. E para registrar a familia e a posse de seus novos bens, a fotografia
assumia seu papel.
Muitos fotógrafos eram abominados pela Igreja por dizerem que a
máquina seqüestrava as almas dos retratados. Como a fotografia
demorava a ser entregue por conta de sua revelação e coloração através
da pintura, as pessoas ficavam temerosas aguardando o momento de
pagar pelo retrato pintado e recebê-lo, resgatando com alivio suas almas.
Era comum existirem modelos para a pintura fotográfica. Geralmente
as roupas das mulheres tinham o padrão de estampas florais, e a dos
homens eram os paletós em tons escuros, ou azul marinho. Ainda
segundo o artista, esse modelo seguiu até os dias de hoje. Em Juazeiro
do Norte-Ceará, várias pessoas trabalharam com a fotopintura. A
fotopintura constituía pequenos núcleos e assim ficava o aprendizado
restrito entre uma pessoa e outra.
Na sua casa há uma pequena formação de um espaço-museu da
fotopintura antiga, com objetos utilizados na década de 1950. Seu
objetivo enquanto artista é ensinar a técnica da fotopintura e difundi-la
para que haja continuidade desta arte.
Segundo o artista, a fotopintura aos poucos foi perdendo força no
Brasil, em determinado momento os estúdios de fotopintura entraram
em decadência. Hoje, as pessoas que encomendam as restaurações de
suas fotografias para o artista, deixam registrado também um elenco das
principais características que desejam, como: cor da pele, do cabelo e das
roupas, para terem um traço mais ou menos semelhante à realidade.
Cresceu aprendendo todas as etapas do estúdio, tornando-se um dos
únicos fotógrafos a dominar a arte da fotopintura do inicio ao fim, no
estado. O trabalho era feito de forma manual tendo como suporte a
imagem analógica, hoje a manipulação se dá pelo programa de edição de
imagem conhecido como “photoshop cs2”. Abraçou a tecnologia por
opção de querer acompanhar as mudanças de concepção criativa, sem
197
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
interferir na qualidade de seu trabalho. Atuando com esta tecnologia é
um ícone ímpar desta arte no país.
Para o artista o ser humano nasceu com o protótipo de cultuar a
imagem, de cultuar o desconhecido. Avançando no tempo o ser humano
deixa, marcado através do culto, sua imagem na caverna; depois vem a
máscara e o seu desejo de cultivá-la. Depois da fotografia o culto à
imagem tornou-se mais presente, mais concreto. O positivo é sua
memória ampliada. O artista diz-se recuperador do culto às imagens, da
auto-estima através da imagem resgatada pelo desgaste do tempo e da
memória.
Comecei aos 10 anos revelando retrato, depois fui lavador, coloridor, roupeiro,
passador, retocador. Eu continuo no mercado porque domino a técnica. Fui para o
“Foto Paris” e reergui aquele estúdio. Meu pai não tinha nenhuma relação com a
fotopintura. Ele tinha o esstúdio e relação com os fotopintores, inclusive, com Sr.
Edilson (marido de Telma Saraiva).
Hoje aproximadamente com 70 anos de idade viaja pelo Brasil,
divulgando sua arte através de oficinas, palestras e exposições. O
dinheiro que recebe nestas viagens serve para manter seu estúdio simples
e sua família, na cidade de Fortaleza-Ceará. Diz que isso é uma forma de
deixar plantada sua semente, mas quem dá força ao seu trabalho é o
vendedor. Nos locais mais distantes, é para lá que vão parar seus retratos.
Segundo o artista os vendedores da fotopintura o sustentam.
Curiosidade: não gosta de ser fotografado, diz que não tem jeito, que não
encontra bolsos para colocar as mãos.
Júlio em meio ao seu fazer poético de resgatar imagens apagadas pelo
tempo, crê na força da fotografia, e preocupa-se com a memória e o
destino dela, questionando sempre:
Será uma conclusão?
Durante muito tempo a fotografia, sobretudo a imagem em seu
sentido geral, tornou-se necessidade para uma sociedade que aos poucos
se via transbordando em múltiplas formas de reprodução e
representação. Esse papel de representação sempre coube à arte. Uma
das perguntas apontadas pela pesquisa visual está na análise histórica de
como a sociedade representa a si mesma, através de aparatos técnicos
como o da fotografia.
O que não for narrado, e depois escrito não existe academicamente. O
esforço de descrever e narrar as experiências que elegemos como
importantes, e depois parar e pensar sobre qual interpretação daremos a
elas é o que vai nortear e dar sentido a este estudo. Escolhemos então
olhar e refletir sobre o retrato, ou melhor, a fotopintura e sua
manipulação sábia nas mãos, mentes e corações dos Mestres Telma
Saraiva e Júlio Santos, que no sertão e na capital, do Ceará, constroem
poesia em seus artifícios.
Referências
Amar, Pierre-Jean. (2011). História da fotografia. Edições 70.
Dantas, Eugênia M. (2003). Tese de doutorado: Fotografia e complexidade: a
educação pelo olhar. Eugênia Maria Dantas – Natal.
Entrevistas com os artistas Telma Saraiva e Júlio Santos (2011). ●
Onde estão os Lambe-lambes? Onde está a fotografia 3x4? Onde estão os fotógrafos
de eventos? Onde estão os laboratoristas? Em um mundo tecnológico com pessoas
fotografando e enchendo os seus HDS, a fotografia perde suas raízes. Estão tirando a
essência da fotografia, matando o seu espírito para depois matar o corpo.
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ISBN: 978-989-8300-32-4
199
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Arte e liturgia, interface e leitura de conjunto:
continuidades e contiguidades
Márcio Antônio de Almeida*
&
Dorotéa Machado Kerr**
Resumo: Este artigo dedica-se à arte litúrgica e a sua repercussão no culto. Serão
analisados os cinco Painéis Litúrgicos de Claudio Pastro e Apostolado Litúrgico:
Advento, Natal, Quaresma, Páscoa e Tempo Comum. Estas obras, associadas à liturgia
e à arte musical, contribuem para a significação dos elementos sensíveis do ano litúrgico
cristão.
Palavras-chave: Artes visuais, liturgia, Apostolado Litúrgico, Claudio Pastro.
Title: Liturgy and Art: proximity, continuity and contiguity
Abstract: The purpose of this paper is analyse five panels of Claudio Pastro and
Apostolado Litúrgico: Advento (Advent), Natal (Christmas), Quaresma (Lent), Páscoa
(Easter) and Tempo Comum (Ordinary Time) and its impact in worship. Visual arts,
music and liturgy work together to signify basic elements of each liturgical seasons.
Keywords: Visual Arts, liturgy, Apostolado Liturgico, Claudio Pastro.
Introdução
A liturgia cristã se realiza numa confluência de linguagens artísticas. As
artes, expressão da beleza, conformam-se ao espaço cultual para desvelar
o mistério aí contido. “Celebrar liturgia é celebrar o ‘artístico’” (Bianchi,
2011: 12). As artes visuais são tratadas como componentes do espaço
litúrgico em diálogo com a ação litúrgica (liturgia) e a arte musical. Não
obstante a diferença de materialidade há convergência no conteúdo que
exprimem. Neste artigo, os painéis litúrgicos de Claudio Pastro e
Apostolado Litúrgico (1991) serão os ‘guias’ para uma discussão acerca
da arte litúrgica.
Brasil, música, organista e professora. Doutora em Música / Órgão pela Universidade de Indiana, Estados
Unidos, com bolsa CAPES; Mestre em Música / Órgão pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ;
Graduada em Música / Órgão pela Faculdade de Música Santa Marcelina; Graduada em Pedagogia, com
habilitação em Administração Escolar, pela Universidade de São Paulo; Graduada em História pela
Universidade de São Paulo. Professora livre docente pelo Instituto das Artes da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho,” UNESP.
** Brasil, músico. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (UNESP). Professor de Arte da Secretaria de Estado da
Educação de São Paulo. Professor de Música da Faculdade de Campo Limpo Paulista, São Paulo. Professor
de Música Ritual do Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás, Goiânia. Professor de Música da Faculdade
Mozarteum de São Paulo. Mestre em Música (Instituto de Artes da Unesp, São Paulo). Especialização em
Liturgia (Pontifícia Faculdade de Teologia, São Paulo). Licenciatura em Música (Universidade de São Paulo).
*
1. A arte litúrgica: significado imanente, valor transcendente
A liturgia admite a controversa concepção de arte funcional. A arte
litúrgica é um elemento pedagógico e mistagógico que, “[...] auxilia o fiel
a entrar na atmosfera festiva do rito e a compreender os significados
fundamentais dos diversos componentes da sua celebração” (Gatti, 1992:
88-89). No rito, o olhar sobre a obra de arte conjuga imanência e
transcendência, divindade e humanidade, beleza e expressividade. Cabe
ao pesquisador de arte litúrgica, o estudo do significado, da
materialidade, da forma-conteúdo para além da funcionalidade. Ao
liturgista cabe interpretar as obras de arte no contexto celebrativo.
Antunes discute os paradigmas sobre o lugar da arte na liturgia cristã.
Esta discussão se sustenta no pressuposto da “arte, como fenómeno
humano, e a acção celebrativa cristã, como fenómeno teândrico”
(Antunes, 2004: 237-238). A arte litúrgica facilita o acesso “aos níveis
mais profundos do mistério” e garante o “equilíbrio entre a
funcionalidade e a forma [...] de tal maneira que a forma esteja a serviço
da finalidade da liturgia” (Martín, 1997: 240-241).
As obras de arte participam da espacialidade do templo e se integram à
música e aos gestos e palavras da liturgia. Na liturgia, as obras de arte
informam, manifestam sentimentos e, sobretudo, realizam ações (Saliers,
2005). É a dimensão estética da liturgia que se expressa por meio dos
vários elementos da celebração que realizam a passagem do visível para o
invisível, “do sinal ao significado” (Borobio, 2010: 7). É preciso
descobrir símbolos espaciais e poéticos por meio da iniciação à
linguagem simbólica que dá o sentido estético com a qual o rito se
exprime. Por isso, os lugares de culto são percebidos como “espaços [...]
onde se pode estar ‘poeticamente’ [...] para o encontro com o sagrado”
(Terrin, 2004: 223).
2. Painéis litúrgicos: aberturas para o imaterial
Claudio Pastro (1948), artista plástico brasileiro, em parceira com o
Apostolado Litúrgico, pintou cinco painéis sobre o ano litúrgico cristão.
Cada painel exprime o percurso estacional: Advento, Natal, Quaresma,
Páscoa e Tempo Comum, e ressalta por meio da descrição simbólicovisual os elementos sensíveis de cada tempo. Ao revelarem a densidade
do tempo litúrgico, os painéis dialogam com outras formas simbólicas,
particularmente, a música litúrgica.
201
Artes em torno do Atlântico:
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Figura 1. Advento Serigrafia em tecido (1,40m x 0,90m). Claudio Pastro e Apostolado
Litúrgico, 1991. Acervo Apostolado Litúrgico.
Figura 2. Natal. Serigrafia em tecido (1,40m x 0,90m). Claudio Pastro e Apostolado
Litúrgico, 1991. Acervo Apostolado Litúrgico.
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No painel do tempo do Advento (Figura 1), início do ano litúrgico
cristão, relata-se a espera do Messias com base nos escritos proféticos do
Antigo Testamento. O painel está dividido em quatro partes, conforme
as quatro semanas do Advento. Uma faixa transversal evidencia o
continuum das profecias que servem de base para a interpretação e
compreensão do mistério celebrado no tempo. As referências bíblicas,
com alto ‘teor’ escatológico, foram extraídas da profecia de Isaías: Is 2,15 (a visão, o monte, o arado, a foice, a lamparina, a chuva); Is 11,1-10 (o
tronco, a flor, o lobo e o cordeiro, o bezerro e o leão, a criança e a
serpente); Is 35,1-6a.10 (o lírio, o Messias, o cego, o surdo, o coxo, o
mudo, o broto); Is 7,10-14 (o sinal no céu, a promessa do Emanuel, o
anjo, a arca da Aliança). As imagens das profecias são retomadas pelos
evangelhos: Mt 24,37-44; Mc 13, 33-37; Lc 21, 25-36 (vigilância: “erguer
a cabeça”); Mt 3,1-12; Mc 1,1-8; Lc 3,1-6; (João Batista, o ‘Jordão’, o
machado, o deserto); Mt 11,2-11; Lc 3,10-18; Jo 1,6-8.19-28 (a sandália, o
cego, o paralítico, o leproso, o surdo); Mt 1,18-24; Lc 1,26-45 (o anúncio
do anjo, a descendência, o sonho de José, Maria e Izabel).
O Natal cristão faz memória da vinda do Messias à história humana.
O painel (Figura 2) dispõe os elementos sensíveis do tempo do Natal. As
imagens são retiradas dos evangelhos: Mt 1,1-25; Is 9,1-6 (luz e trevas);
Lc 2,1-21; Is 62,11-12; Jo 1,1-18 (o presépio, os pastores, o anjo); Mt
2,13-23 (a fuga para o Egito); Lc 2,22-40 (a apresentação no templo); Lc
2,41-52 (Jesus com os mestres da Lei); Is 60,1-6; Mt 2,1-12 (a festa da
Epifania); Mt 3,13-17; Mc 1,7-11; Lc 3,15-22 (o Batismo no jordão); Jo
2,1-11 (as bodas de Caná).
A Quaresma é o tempo de preparação para a Páscoa cristã. As citações
são alocadas em porções simétricas do painel. Na parte superior do
painel (Figura 3) estão os relatos do Antigo Testamento: Gn 9,8-15
(Noé); Gn 22,1-18 (Abraão, Isaac e o cordeiro); Ex 3,1-15 (Moisés); Ex
20,1-17 (a Lei). Na parte inferior, aparecem as figurações retiradas dos
evangelhos: Mt 4,1-11; Mc 1,12-15; Lc 4,1-13 (a Tentação); Mt 17,1-9;
Mc 9,2-10; Lc 9,28b-36 (a Transfiguração); Jo 4,5-42 (a Samaritana); Jo
9,1-41 (o cego de nascença); Jo 11,1-45 (a ressurreição de Lázaro). No
centro, a entrada em Jerusalém (Mt 21,1-11; Mc 11,1-10; Lc 19,28-40),
celebrada no Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, início da
Semana Santa. A cor roxa, própria do tempo, acentua a necessidade de
aprender novos caminhos que se contraponham às situações de injustiça.
203
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Figura 3. Quaresma. Serigrafia em tecido (1,30m x 1,30m). Claudio Pastro e Apostolado
Litúrgico, 1991. Acervo Apostolado Litúrgico.
No painel da Páscoa (Figura 4), relatam-se os acontecimentos pascais a
partir de citações bíblicas do Antigo e Novo Testamento. Em sentido
horário: Gn 1,1-2,2 (a criação); Ex 14,15-15,1 (a ‘passagem’ do mar
Vermelho); Jo 13,1-15 (a Ceia); Jo 18,1-19,42 (a crucifixão). O evento
central é a ressurreição (Mt 28,1-10; Mc 16,1-7; Lc 24,1-12). Ao redor: Jo
20,11-18 (o ‘jardineiro’); Jo 20,19-31 (Tomé); Lc 24,13-35 (os discípulos
de Emaús); Jo 21,1-19 (a pesca); Jo 10,1-18.27-30 (o Pastor); At 12,1-11
(Pedro na prisão); Mt 28,16-20; Mc 16,15-20; Lc 24,46-53; At 1,1-11 (a
Ascensão); At 2,1-11; Jo 14,15-26; Jo 15,26-16,15; Jo 20,19-23 (o
Pentecostes); Jo 15,1-8 (a videira e os ramos).
O Tempo Comum, cujo eixo é o domingo, compõe-se de 34 semanas.
O painel (Figura 5) direciona o olhar para os acontecimentos da vida
pública de Jesus e seus desdobramentos. No centro, Jesus, personificado
na imagem do cordeiro, sobre o mundo (Jo 1,29-42). No entorno,
algumas citações evangélicas: Mt 9,36-10,8; Mc 3,13-19 (o chamado dos
apóstolos); Mt 14,13-21; Mc 6,34-44; 8,1-9; Lc 9,10-17 (a multiplicação
dos pães); Lc 4,14-21 (a leitura de Isaías na sinagoga); Mt 12,9-14 (a cura
no sábado); Mt 13,1-23; Mc 4,3-20; Lc 8,4-15 (a parábola do semeador);
Mt 13,44-52 (a parábola do tesouro escondido).
204
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Figura 4. Páscoa. Serigrafia em tecido (1,30m x 1,30m). Claudio Pastro e Apostolado
Litúrgico, 1991. Acervo Apostolado Litúrgico.
Figura 5. Tempo Comum. Serigrafia em tecido (1,30m x 1,30m). Claudio Pastro e
Apostolado Litúrgico, 1991. Acervo Apostolado Litúrgico.
Na porção mais externa do painel, as imagens referem-se às festas e
memórias dos santos e santas do calendário romano e latino-americano.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
O ordenamento das citações é pedagógico e soteriológico, não
cronológico.
Considerações finais
Olhados em conjunto, os painéis potencializam uma abertura para a
compreensão do mistério celebrado no tempo. A continuidade e a
contiguidade de elementos sensíveis denota uma interpenetração da arte
com a liturgia e das artes entre si, de modo a “expressar e traduzir em
seus elementos e formas a experiência que o homem vive nos confins do
mistério e na presença do absoluto e transcendente” (Martín, 1997: 239).
O transcendente habita o imanente.
Colocados em paralelo, os painéis e as músicas litúrgicas de cada
tempo são descritivos por excelência. São uma tentativa de representar
uma ‘verdade’ que não é visível aos olhos, mas que, por meio de seus
códigos e símbolos desvelam um significado ideológico para além do
imaginário cristão.
A obra de Claudio Pastro e Apostolado Litúrgico pode ser discutida
em perspectiva triangular: artes visuais, música e liturgia. As artes visuais
e a música se valem da sonoridade, da gestualidade, da figuratividade e da
expressidade. A liturgia é interpretada como o elo entre a matéria
plástica, a matéria sonora e o imaterial ou místico. A discussão, no
entanto, pode ser aprimorada com a variação de vértices para se
empreender diferentes leituras.
Martín, Juan L (1997) No espírito e na verdade: introdução antropológica à liturgia
II. Petrópolis: Vozes. ISBN: 978-253-26-1685-2
Saliers, Don. E. (2005) Sounding the symbols of faith: exploring the nonverbal
languages of christian worship. In: Kroeker, Charlotte (ed.). Music in
christian worship. Minnesota: Liturgical Press, p. 17-26. ISBN: 978-081-463021-1
Terrin, Aldo Natale (2004) O rito: antropologia e fenomenologia da ritualidade.
São Paulo: Paulus. ISBN: 978-853-49-2175-6 ●
Referências
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música litúrgica. Revista da Faculdade de Letras, Ciências e Técnicas do
Património, Porto, v. 3, série 1, p. 237-254. ISSN: 1645-4936
Antunes, José P. (2003) Debates e clivagens em torno da noção de música sacra
no catolicismo contemporâneo. Revista Portuguesa de Ciência das Religiões,
Lisboa, ano 2, n. 3-4, p. 83-92. ISSN: 1645-5584
Bianchi, Enzo (2011) Presbíteros: palavra e liturgia. 2.ed. São Paulo: Paulus.
ISBN: 978-853-49-3230-1
Borobio, Dionisio (2010) A dimensão estética da liturgia: artes sagradas e espaço
para celebração. São Paulo: Paulus. ISBN: 978-853-49-3201-1
Gatti, V. Arte. In: Sartore, D.; Triacca, A. M. (1992) Dicionário de liturgia. São
Paulo: Paulinas, p. 87-94. ISBN: 978-853-49-1840-4
206
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Artes em torno do Atlântico:
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A arte sacra de Cláudio Pastro e sua
contemporaneidade
Egidio Shizuo Toda*
&
Marcos Rizolli**
Resumo: Este artigo baseia-se no estudo do artista brasileiro Cláudio Pastro em seu
trabalho estético/religioso da área interna da Basílica de Nossa Senhora de Aparecida
(localizada em São Paulo – Brasil), suas características de estilo, técnica, comunicação e
as influências: históricas, artísticas e culturais. Como é a construção da obra pelo artista,
os critérios para a aprovação e execução dos projetos, materiais e a comunicação
litúrgica.
Palavras chave: arte sacra, basílica, contemporaneidade.
Title: The sacred art of Claudio Pastro and his contemporary
Abstract: This article is based on the study of the brasilian’s artist Claudio Pastro in his
aesthetic / religious work inside the Basilica of Nossa Senhora de Aparecida’s area,
(located in Sao Paulo - Brazil), his characteristics of style, technique, communication
and his influences: historicals, artistics and culturals. How the construction is of the
work by the artist, the criteria for approval and implementation of projects, materials
and the liturgical communication.
Keywords: sacred art, basilica, contemporary
1. A história do criador
Um dos maiores nomes da arte sacra contemporânea no Brasil e
reconhecido mundialmente, é responsável pelo projeto artístico de 300
igrejas, capelas, catedrais e basílica no país e no exterior. Também é
ilustrador de livros e docente em mais de 30 anos dedicados a esta arte.
Cláudio Pastro é um artista plástico brasileiro, nascido em 1948 em
São Paulo - SP. Dedica-se desde 1975 à arte sacra, cursou teoria e
técnicas de arte na Abbaye Notre Dame de Tournay (França), no Museu
de Arte Sacra da Catalunha (Espanha), na Academia de Belas artes
Brasil, design gráfico e fotografia publicitária. Experiência como editor de arte e fotógrafo, Editora Abril.
Formação em fotografia pelo SENAC, São Paulo. Bacharelado em Comunicação pela Fundação Armando
Álvares Penteado (FAAP) e Comunicação Digital pela Universidade Paulista (UNIP). Especialização em
Comunicação e Mídia pela UNIP. Mestrando em Educação, Arte e História da Cultura: Arte Sacra, pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Pesquisador em Semiótica: Leitura da Imagem pelo Instituto
Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), Barcelos, Portugal.
** Brasil, artista visual (fotografia). Professor de arte na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em
Artes Plásticas, Mestre e Doutor em Comunicação e Semiótica: Artes.
*
208
ISBN: 978-989-8300-32-4
Lorenzo de Viterbo (Itália), na Abadia Beneditina de Tepeyac (México) e
no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo (Brasil).
Tem realizado pinturas, vitrais, azulejos, altares, cruzes, esculturas e
presbitérios em igrejas, mosteiros e catedrais no Brasil, Bélgica, Itália,
Alemanha e Portugal.
Ilustrou os seguintes livros: Os diálogos de São Gregório Magno
(Alemanha), Vida de Santo Antônio (Itália), A Virgem de Guadalupe
(Alemanha, Espanha e Brasil), entre outros. E como docente, ministra
cursos de Estética, Arte Sacra e Litúrgia em seminários, escolas
teológicas, mosteiros, museus e faculdades.
Atualmente é o responsável pela criação e desenvolvimento estético e
artístico da área interna da Basílica de Aparecida.
1.1 O artista e sua semiótica
Pastro define sua visão de aprendizado: ‘gosto não se discute – se
educa’ (1993).
Em sua Obra, de singular beleza e estética, entendemos que se dá a
construção de uma semiótica própria, que vai ao encontro de signos da
remota história.
Desde a similaridade com a arte desenvolvida do Egito antigo, suas
fontes de influência transitam pela arte paleocristã, bizantino e pelo
barroco brasileiro, derivando para uma arte sacra contemporânea e atual
que conquistou o Brasil, o mundo e vem ganhando novos apreciadores e
pesquisadores desta nova linguagem.
Com uma técnica desenvolvida na Itália, França, Espanha, México e
Brasil o artista mostra como inovou e criou parâmetros para um novo
estilo estético, moldado através do uso de materiais, formas, traçados e
cores. A linguagem, que se aproxima da ilustração, é percebida em toda a
sua obra.
2. A construção do templo
A Basílica de Nossa Senhora Aparecida, também conhecida como
Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, fica
localizada na cidade de Aparecida, no interior do Estado de São Paulo,
Brasil.
Com características de arquitetura neo-românica, é o maior templo
católico mariano do mundo. Foi inaugurada em 4 de julho de 1980,
209
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
quando João Paulo II visitou o Brasil pela primeira vez. Também
conhecida por "Basílica Nova", está construída sobre o Morro das Pitas.
Após a terraplanagem iniciada em 1952, começou a ser construída em
11 de novembro de 1955, pela Nave Norte. Em seguida, se iniciou a
construção da "Torre Brasília”, cujas ferragens foram doadas pelo então
presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek. Terminada a torre, as obras
seguiram para a cúpula central e, já em meados de 1972, para a Capela
das Velas e para a Nave Sul, passando depois para as Naves Oeste e
Leste, e finalmente as alas intermediárias (Brustoloni, 1998).
2.1 A comunicação litúrgica
Uma arte decorativa, que conversa com todas as classes
sócio/culturais, com fruição simples e atual. Com excelente qualidade
visual e gráfica, as imagens artísticas vão se permeando por toda a
extenção das paredes, pisos e janelas da basílica, atraindo multidões para
os ensinamentos cristãos.
Toda obra de Pastro na basílica converge para o altar, onde se realiza o
centro da celebração litúrgica, o sacrifício de Jesus como redentor da
humanidade. Segundo o artista, todo o processo de comunicação da arte
se inicia a partir deste ponto. Cada uma das naves sintetiza eventos
marcantes da vida de Jesus: Nave Norte – as manifestações divinas que
precederam o seu nascimento e os anos de sua infãncia; Nave Sul –
momentos marcantes de sua vida de pregação; Nave Leste – as etapas de
sua paixão e morte; e Nave Oeste – a sua ressureição.
Seus afrescos, pinturas, vitrais e gravuras recuperam a simplicidade e a
objetividade das imagens e ícones produzidos nos primeiros tempos do
cristianismo em uma linguagem muito atual. As figuras de traços limpos
e cores chapadas não pretendem inspirar sentimentalismo ou
devocionismo. Além disso, Pastro prefere a figura do Cristo
misericordioso ao sofredor.
A necessidade de trazer a arte para a contemporaneidade –
compreendendo as mais emergentes demandas de comunicação e
educação por imagens – fez com que o artista desenvolvesse uma
linguagem universal de expressão única, singular e – notadamente –
atual. A arte contemporânea de Cláudio Pastro é configurada com
imagens que lembram as formas de uma ilustração, expandindo seus
limites, caminha entre o desenho e a pintura, com traços contínuos,
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cores harmoniosas e uma técnica aprimorada de reconhecimento
internacional.
Se, na origem modernista, artistas com o propósito de contrariar as convenções
estéticas, ousaram inserir recortes de papéis, fragmentos de materiais manufaturados e
objetos industrializados em suas composições pictóricas; se, no intercurso entre o
modernismo e a contemporaneidade, outros artistas, com a ambição de expandir os
limites da obra de arte, romperam os limites entre as modalidades artísticas; se,
identificada a técnica da montagem como recurso recorrente, pode-se constatar o seu
caráter universalizante. (Rizolli, 2005: 139).
A releitura da arte, de outras épocas e estilos, também está presente
na obra do artista. De acordo com o crítico de arte italiano Enrico
Crispolti, ‘a historiografia da Arte de nosso tempo não rompe laços com
a história da Arte do passado’ (1997). A arte contemporânea sabe,
exatamente, inovar na tradição – fazendo contínuo uso dos processos de
apropriação e citação. Cláudio Pastro, assim, enquanto cita as passagens
santas, se apropria das imagens da história da arte.
3. A criação da obra de arte
Toda a arte na Basílica de Aparecida se intercomunica.
Na concepção arquitetônica interna o artista vai preenchendo as
lacunas, erguendo painéis, projetando vitrais e construindo um discurso
religioso dentro da basílica para ser visto e entendido por frequentadores
de toda parte. Dos materiais utilizados, se destacam: o granito que sugere
a ondulação das águas por toda a basílica, é brasileiro. Nos painéis, o
ouro é alemão, e o azulejo das cúpulas é porcelana do Japão.
Um dos principais painéis, localizado na Nave Norte, é composto em
grande parte por azulejos e detalhes dourados, onde chama a atenção
para o padrão de flores de maracujá, que evocam a calma e a paz. Em
outro painel, o motivo é de flores de tamareira, palmeira típica das terras
áridas do Egito e Israel.
Sobre a análise da obra encontramos os elementos brasileiros, em
traços sempre simples e aparecendo misturados às representações
bíblicas.
A partir da somatória destas escolas, vemos a elaboração de uma arte
contemporânea contextualizada por um estilo peculiar, com linhas retas,
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
espessura contínua, desenhos simples e marcantes, cores trabalhadas e
comunicação direta.
Por meio dessa composição, Pastro diz acreditar poder conciliar
características centrais do cristianismo e que podem parecer à primeira
vista até antagônicas: o caráter de mistério e nobreza (que é melhor
revelado em obras mais "simbólicas") e a atitude de humildade e de
crítica ao poder.
3.1 A linguagem e o estilo artístico
A arte cristã primitiva ou paleocristã, como a expressão do culto e da
fé com a iconografia do orador que invoca a Deus, o pão, a pomba ou o
ramo de oliveira, reaparece contextualizada por um estilo moderno com
traços e de fácil comunicação.
riqueza maior da terra. Já as figuras humanas bidimensionais, de forma
de desenhar não convencional, linear e não realista, mas esquemática,
aproxima-se significativamente do estilo de arte mais primitiva criada a
partir da Lei da frontalidade, o uso das cores sóbrias e pintura chapada
que vem do período artístico egípcio (Figura 1).
Figura 2. Altar principal localizado na região central da basílica para a celebração
litúrgica, de Cláudio Pastro. Expostos na Basílica de Aparecida, SP, Brasil.
...as imagens (na pintura egípcia) não deviam retratar os indivíduos como eles se
apresentavam na vida terrena, mas retratar a sua “essência”, que segundo os egípcios
sobrevivia depois da morte... As formas eram simplificadas, estilizadas desenhadas em
contorno linear preenchido com cores... O corpo era visto de perfil, mas algumas partes
– como os ombros, o busto, o olho – eram vistas de frente. (Prette, 2009: 134).
Figura 1. Painel de mosaico em azulejos da natividade de Jesus que está localizado na
Nave Norte, de Cláudio Pastro.
O estilo Bizantino está marcado nas retratações dos santos através de
simbolismos e sua postura majestosa, a aureóla para a representação da
santidade e a utilização do dourado com a relação do ouro que é a
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Como uma pedra fundamental, a mesa do altar foi concebida em um
único bloco de granito que fica no cruzamento das quatro naves, na área
central da basílica. Sua representação é como uma pedra caída nas águas
do Rio Paraíba, onde a imagem de Nossa senhora de Aparecida foi
encontrada, reberbera-se suas ondas atingindo a partir deste altar, todos
os fiéis e fruidores. Segundo Padre Ulisses, um dos conselheiros da Obra
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
da Basílica e formado em liturgia na Faculdade Gregoriana de Roma,
outro objetivo é levar a atenção das pessoas, onde quer que estejam para
o centro da celebração que é o altar. É a única do mundo, onde a atenção
é para o centro e não dispersada pelos cantos (Figura 2).
Referências
Brustoloni, Júlio (1998) História de Nossa Senhora Aparecida sua imagem e seu
santuário. Aparecida: Editora Santuário.
Crispolti, Enrico (1997) Come studiare L’Arte Contemporanea. Roma: Donzelli
Editore.
Pastro, Cláudio (1993) O espaço sagrado hoje. 1ª edição. São Paulo: Editora Loyola.
Pastro, Cláudio (Figura 1) Painel de mosaico em azulejos da natividade de Jesus, na
Nave Norte da Basílica de Aparecida. Aparecida, São Paulo, Brasil. [Consult.
2011-12-10] Fotografia. Disponível em <URL:
http://curiosaarte.blogspot.com: adventsmed.jpg>
Pastro, Cláudio (Figura 2) Altar principal na região central, para a celebração litúrgica
da Basílica de Aparecida. Aparecida, São Paulo, Brasil. [Consult. 2011-12-09]
Fotografia. Disponível em <URL:
http://rccaltinhope.blogspot.com/p/fotos-religiosas.html:
Altar_da_Basilica.jpg>
Prette, Carla (2009) Para entender a arte: história, linguagem, época, estilo. São Paulo:
Globo.
Rizolli, Marcos (2005) Artista, Cultura, Linguagem. São Paulo: Akademika. ●
Um Metaespetáculo: o corpo em A Pesar de Todo
Eliane Muniz Gordeeff*
Resumo. O objetivo deste artigo é apresentar como uma obra de animação nos fornece
imagens de profundo apelo emocional, através de sua materialidade. A obra em questão é
o curta-metragem A Pesar de Todo (2003), do animador de stop motion uruguaio Walter
Tournier, que em certos momentos propicia a semelhança de um espetáculo teatral,
efeito produzido por uma falta de diegetização – onde o boneco “vive” no mesmo
plano da realidade de seu animador. É um protesto contra a guerra.
Palavras chave: cinema, animação, stop motion, corporalidade, teatro.
Title: A meta spectacle: the body in the short film ‘A Pesar de Todo’ (Walter Tournier)
Abstract. The objective of this paper is to present how a work of animation provides
us with images of deep emotional appeal through its materiality. The work in question
is the short film In Spite of Everything (2003), by stop-motion animator uruguayan
Walter Tournier, who at certain moments gives the appearance of a theatrical
performance, effect produced by the use of elements out of diegesis - where the puppet
"lives" in the same plane of reality its animator. It is a protest against war.
Keywords: film, animation, stop motion, corporeality, theater.
Introdução
Walter Tournier é um consagrado animador de Stop motion com
bonecos. Nascido no Uruguai em 1944, estudou Arquitetura mas
apaixonou-se pelo Cinema. No período de 1969 a 1974 integrou a
Cinemateca del Tercer Mundo (C3M), fundando, doze anos depois, com Mario
Jacob, a produtora Imagenes, sendo responsável pelo departamento de
animação. Em 1994, forma seu próprio estúdio, o Tournier Animaciones
(Imagenes, 1986). Entre suas produções, destacam-se o Natal Caribenho
(2001), premiado no Festival del Audiovisual para la Niñez e la Adolescencia e
Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano, ambos em Havana/
Cuba; e a série televisiva Direitos das Crianças (2000-2005), produzida para o
Instituto Interamericano da Criança (OEA). Atualmente finaliza o seu
primeiro longa-metragem em animação, Selkirk, El Verdadero Robson Crusoe,
que conta a história inspiração para o romance Robson Crusoé (Tournier
Animaciones, 1994).
Brasil, designer, animadora e diretora de arte. Animadora web na Fundação CECIERJ, e sócia-diretora da
Quadro Vermelho Produções. Mestre em Artes Visuais - UFRJ. Bacharelado em Desenho Industrial,
habilitação Programação Visual - UFRJ. Professora da Universidade Veiga de Almeida, do curso de Design
Gráfico, Ilustração e Animação Digital, e instrutora do SENAI, no Curso Técnico de Multimídia
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O curta-metragem A pesar de Todo, foco deste artigo, foi produzido em
2003, e premiado entre outros, no Festival Internacional de Cinema de Valdívia
(Chile), no Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano de Havana
(Cuba) e na Jornada Internacional de Cinema da Bahia (Brasil). O tema é o
destaque desta obra. Politicamente consciente, as imagens do ataque norteamericano à Bagdá (a Guerra do Golfo), em 2003, chocaram Tournier. E
assim como outras animações (do Leste Europeu), A Pesar de Todo é um
protesto. E apesar de ser uma obra cinematográfica, em certos momentos,
guarda semelhança com um espetáculo teatral e apresenta uma falta de
diegetização (Aumont, 2008: 120), que surpreende o público.
com as mãos, desprendendo o pé, mas perde um pouco o equilíbrio
assustando-se com o som de uma explosão – surge um clarão ao fundo,
que destaca os contornos do entulho.
O boneco então olha a si mesmo. Mexe os braços, apalpa, tomando
consciência de sua existência. Ele cruza os braços e apoia a cabeça com a
mão, pensando em algo (Figura 1). Olha para o chão e se alegra: é uma
latinha de óleo que ele pega e bebe. Testa seus movimentos como um
esportista,... rebola... sem ruídos. A música é alegre, mas ele logo perde o
ânimo ao olhar ao redor, acompanhado de um solitário e contínuo som de
goteira. Suspira e senta-se, pensando no que fazer. Então, vira-se e vê
alguns objetos. Pega um par de tênis, uma mala e uma caixa de primeiros
socorros. Ainda vê alguns papéis. São desenhos. Um deles é de uma
boneca, que ele abraça com carinho. E tem uma ideia: abre a mala onde
guarda as coisas que achou.
Figura 1. Walter Tournier, fotograma de A Pesar de Todo (2003). O personagen
pensativo e a desordem do ambiente. Fonte: Tournier Animaciones.
1. A narrativa teatral de A Pesar de Todo
A animação inicia-se em um ambiente aparentemente fechado, com
uma pequena luz focal, que permite visualizar pedaços de madeira e
alvenaria sobrepostos ao redor de um emaranhado metálico ao centro,
com uma cabeça de boneco e duas pequenas mãos. Aos poucos essa
estrutura se move. As mãos, a cabeça, as pernas, até levantar-se – mas
sempre com um ranger metálico.
O boneco repara que um dos pés está preso à mesa – artifício que o
mantém num determinado ponto, no processo de animação. Puxa a perna
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Figura 2. Walter Tournier, fotograma de A Pesar de Todo (2003). O campo de guerra.
Fonte: Tournier Animaciones.
Ao terminar, inicia-se um vento que desloca algo, ao fundo, deixando a
luz de entrar. Esta chama a atenção do personagem. Mostra-se o ambiente
externo (Figura 2) – um campo de guerra, ao sons de explosões e de
metralhadoras. Em zoom out, a câmera passa a focar o boneco desolado, ao
som de um solo de piano. Mas ao olhar para frente, este assusta-se
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levando as mãos ao rosto, pendendo o corpo para trás em desespero
(Figura 3). Há uma mão masculina, humana, inerte, com o braço coberto
pelos escombros.
Sua consternação é evidente – pela sua expressão facial e linguagem
corporal. Cabisbaixo, senta-se sobre a mala e coloca a sua mão sobre a do
animador, suspirando. Pega uma estrutura metálica (um boneco
inacabado) que está sobre a mesa, largando-a em seguida e voltando à sua
tristeza. Ao som do piano, Tournier encerra sua obra-protesto.
2. O metaespetáculo da corporalidade
O admirável desta obra é a delicadeza com que aborda um assunto tão
violento, sem perder a dramaticidade – através da representação visual, da
aplicação de códigos cinematográficos, e sem diálogos. Para tanto, o
animador utiliza, pincipalmente, a imagem do corpus material dos objetos.
Assim, os destroços, os objetos, as engrenagens são identificadas por suas
significações primeiras – objetos diversos – mas também pela disposição,
pelas sequencias das cenas, dos movimentos, dos sons, cria-se a narrativa.
Como explica Vernet (Aumont, 2008: 93), as relações percebidas têm
influência no imaginário, ‘de uma evolução ficcional organizada por uma
instância narrativa’.
A cena do clímax não é apenas a morte do animador, mas é a história
que não será contada, os sonhos e as esperanças – dele e do boneco –
destruídos. E como afirma Pavis (2011: 195), “não se pode ler um texto
dramático sem imaginar uma situação concreta, da qual depende das
condições psicológicas do momento, (...).” Era inevitável um pensamento
sobre a população de Bagdá ...
Apesar de não ser um espetáculo teatral, A Pesar de Todo guarda
similaridades com este: pelos objetos em miniatura (como no Teatro de
Bonecos) e pelo enfoque dado pela câmera (tudo se passa em um único
ambiente, como no teatro). A iluminação destaca os objetos – é efeito
especial (como as explosões) e conta a história (é a luz que esclarece o
ocorrido). Para Pavis (2011: 58), seria o vetor ‘secionante’ da encenação,
pois provoca ‘uma ruptura no ritmo narrativo’. E como no teatro, “as
emoções são sempre manifestadas graças a uma retórica do corpo e dos
gestos nos quais a expressão emocional é sistematizada, ou mesmo
codificada” (Pavis, 2011, p.50) – como no estado pensativo do boneco. As
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emoções não precisam ser reais ao ator, nem ao boneco, mas “devem ser
antes de tudo visíveis, legíveis” (Pavis, 2011, p.50).
Figura 3. Walter Tournier, fotograma de A Pesar de Todo (2003). O personagem em
desespero. Fonte: Tournier Animaciones.
A corporalidade é fundamental nesta animação. Os corpos do boneco e
do animador demonstram a beleza da vida e a tristeza da morte – no
contraste entre a anima do boneco, e a imobilidade da mão humana. Há
uma ironia, uma inversão de qualidades entre animador e animado.
Tournier investe o boneco com as características da alma descritas por
Aristóteles (2006) e que destróem qualquer dúvida quanto à vida existente
nele: o movimento, o pensar, o entender e o perceber.
Conclusão
Na animação, o corpo do boneco não é apenas um objeto, mas o corpo
de algo vivo. Ele não representa um personagem. Ele é o personagem. E o
seu sofrimento cria uma ‘identificação simpática’ com o espectador, pois
"se apresenta sob o seu aspecto humano e acessível, o que provoca uma
identificação por compaixão e sentimentalidade” (Pavis, 2011: 219).
A Pesar de Todo carrega um certo grau metalinguístico já que Tournier
criou uma animação que se apropria de seus elementos de produção,
inclusive os não diegéticos (a mão do animador, os tijolos das paredes),
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
apresentando uma diegese, acima da que estava sendo contada pelo
animador antes de morrer – é como uma suprarrealidade. E esse atrito
imagético, entre o boneco vivo e a mão humana, estática, cria um certo
desconforto para uma obra cinematográfica (alheia aos aparatos técnicos
de sua produção), produzido pela falta de diegetização. Este momento não
é somente o clímax do filme mas, utilizando uma expressão de Barthes
(1984), é o punctun da narrativa visual. Quem a assiste é levado para fora
da história, é levado a pensar no sofrimento de uma guerra, nas vidas que
se perdem.
Os tchecos Jirí Trnka, nos anos 60, e Jan Svankmeyer, nos anos 80,
foram mestres em utilizar a animação como protesto contra a repressão
política. A Mão (1965) e Escuridão, Luz, Escuridão (1989) são obras-primas
em simbolismo e força visual. Tournier segue a mesma linha: a da
autoridade criativa, transformando simples objetos em fábulas
filosóficas.
Referências
A Mão (1989). Direção: Jirí Trnka. Tchecoslováquia: Kratky Film Praha. [Consult.
2011-15-11]. Disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=_qzvCZojnWQ>.
A Pesar de Todo (2003) [Registo vídeo]. Direção: Walter Tournier. Uruguai: Tournier
Animaciones. 1 Disco (DVD, gentileza do Festival Internacional de Stop
motion do Brasil); 1 fita (VHS, gentileza do Festival Anima Mundi).
Aristóteles (2006) De anima. Cap. I. São Paulo: Editora 34. ISBN: 85-7326-351-2.
Barthes, Roland (1984) A câmera clara. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. ISBN: 85209-0480-7.
Escuridão, Luz, Escuridão (1989). Direção: Jan Svankmeyer. Tchecoslováquia: Kratky Film
Studio J.Trnky. [Consult. 2011-15-11]. Disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=6IEUAyFV4Vc>.
Imagenes (1986) Walter Tournier - Site uruguaio da produtora e difusora de audiovisual.
[Consult. 2011-20-12]. Disponível em <http://imagenes.org/CVs/WT.htm>.
Pavis, Patrice (2011) A análise dos espetáculos. São Paulo: Editora Perspectiva. ISBN: 97885-273-0396-5.
Vernet, Marc (2008) Cinema e narração. In: Aumont, Jacques. A estética do filme. São
Paulo: Papirus Editora. ISBN: 85-308-0349-3.
Tournier Animaciones (1994). Site da produtora de animações. [Consult. 2011-20-12].
Disponível em <http://www.tournieranimation.com/>. ●
A natureza artística ou a arte do natural
na escultura de Paulo Neves
Elisa Ochôa*
Resumo: Este texto tem como objetivo principal refletir sobre um novo conceito de
arte “Artelogia” que esteja estreitamente relacionado com a sensibilidade e o
conhecimento de todos os intervenientes criativos, jogando com o poder que a própria
Natureza tem nas nossas ações sociopolíticas. Deste modo, partimos de algumas
esculturas de Paulo Neves, pois estas instauram uma renovação do olhar e do
pensamento sobre a Natureza e das maneiras como apreendemos os nossos lugares.
Palavras chave: Natureza, Arte, percepção, reflexão, criação
Title: Artistic nature or the art of the natural in Paulo Neves’ sculpture
Abstract: This paper’s main objective is to reflect on a new concept of art, “Artology”,
that is closely related with all Creative intervenients’ sensitivity and knowledge, playing
with the power that Nature itself has got on our sociopolitical actions. This way, we
take therefore some of Paulo Neves sculptures as they establish new perceptions and
ideas about Nature and the ways in which we grasp our environment.
Keywords: Nature, art, perception, thought, creation
Introdução
Proponho-vos, a partir deste texto, uma nova ideia de Arte, olhando
para algumas obras do escultor português Paulo Neves. Nascido em
Cucujães, Oliveira de Azeméis em 1959, este artista estabelece, com
frequência, nos seus trabalhos, a ponte entre a Natureza e a criatividade
humana. É nesta ligação que vou dissertar, tomando como pressuposto
primeiro, essa intermediação – os processos necessários para contribuir
para uma nova abordagem da arte contemporânea que implique a
participação ativa e a possível relação dialogante entre o Homem e a
Natureza.
Considero pertinente analisar algumas das obras em madeira do
escultor português, como “Meandros”; “Escadas para o céu”; “Ocos” e
“Bio-grafias”, na medida em que as mesmas deixam o campo aberto, e
por vezes ambíguo, para uma interpretação dessa nova ideia que se
pretende desenvolver – um conceito que vai de encontro com o próprio
ato de criar (Deus/Natureza/Homem) e o papel da arte enquanto
fundadora de novos “encontros” sociais, estéticos e políticos.
Portugal, artista visual e investigadora na área da museologia e curadoria. Aguarda defesa pública da
dissertação de Mestrado, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.
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Não olhamos para a obra toda, porque esta é vastíssima, encontrandose representada pelos quatro cantos do mundo; servimo-nos apenas de
alguns dos seus trabalhos para ir ao encontro da essência do artista e das
contradições salutares que ressaltam da necessidade humana em criar.
Desenvolvimento – A obra e a “Arte do Natural”
Existem vários fatores que nos levam a conceber esta ideia de uma
arte natural que pode salvaguardar os espaços naturais em diversos
aspetos. Não só estes são lugares de encontro social, mas também o
cenário a partir do qual o espectador participa no processo criativo de
uma obra de arte.
Quando se observam as obras de Paulo Neves e ao experienciar a
transformação da criatividade e da criação, entra-se no universo da
matéria-prima, como se fosse o próprio espectador a escolhê-la, ou
pressente-se a execução de uma ideia (fonte conceptual do artista)
aproximando-nos dos seus estímulos. Anuncia-se uma metamorfose da
matéria que faz transparecer, muitas vezes, a sua “alma”, como se fosse
possível captar este fenómeno nas suas peças acabadas. Contudo, o
escultor autoriza-nos, mesmo que subconscientemente, a intervir nos
objetos como se de intermediários nos tratássemos.
Este jogo intersubjetivo entre a matéria, o artista e o público,
oferecido pelas formas, técnicas e cores intensas, é o começo teórico
desta comunicação que nos conduzirá no caminho da ‘arte do natural’ e
na sua dimensão sociopolítica, pois Paulo Neves permite-nos leituras
múltiplas sobre as relações que adquirimos com o espaço natural e com
o campo do invisível ou, até mesmo, do espiritual.
Alguns dos artigos escritos sobre a obra deste escultor sugerem uma
certa vontade que o artista tem em introduzir questões ligadas à
religiosidade ou à busca desta, nas suas criações, produzindo objetos que
lhe trazem uma maior proximidade com o próprio ato de Criar. Partindo
da matéria-prima que a Natureza lhe oferece, podemos fazer algumas
considerações sobre o questionar da própria condição humana e da sua
auto-descoberta, enquanto processo estético e ético e, poder-se-ia
acrescentar, teológico, pois no trabalho do artista “destapam-se” vários
dualismos, como por exemplo, luz/sombra; Natural/humano;
colorido/negro; visível/invisível, material/espiritual, entre outros.
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O que ele vê de religioso nas suas obras são “anjos, asas de anjos e
santas” (Neves, 2012) Segundo a tradição cristã, estes representam aquilo
que está entre o humano e o sagrado. A vontade e a “conformidade a
fins” (Kant, 1992: 83) do artista em partilhar as suas inquietudes e
questões, nomeadamente aquelas que lhe causam exaltação ou emoção,
com os outros, podem ser vistas como uma forma de liberdade última,
em que todos os intervenientes no círculo artístico partilham.
O facto de o artista se encontrar numa fase de grande produção e
criatividade, deu-nos o privilégio de o conhecer subjetivamente e de
testemunhar por perto muitas das suas obras e analisá-las. Esta
circunstância foi essencial para poder desenvolver a ideia de que uma
nova arte e suas funções se avizinham. Os objetos de arte não produzem
apenas experiências de fruição e conhecimento, pelo contrário, instauram
novos modos de vida que influenciam todo o nosso ecossistema. Em
última instância, é-se proposto uma “artelogia” (Ochôa, Elisa, 2012), em
todo o seu fulgor.
Figuras 1 e 2: “Meandros”, 2011. “Ocos”, 2008
O artista depara-se com o que a Natureza lhe oferece, no ar livre dos
dias, abraçando o seu dom, admirando as suas formas brutas,
adivinhando-lhe a sua origem e essência primeira. Ele tem um desejo
desmedido de a transformar, como um deus impetuoso, mas no fim,
quando a obra se apresenta, parece que nada foi violado, forjado dela, a
não ser a sua própria matéria.
Ao observar o “fazer” de Paulo Neves, deparo-me com uma viagem
telúrica dos sentidos: os seus objetos emanam o cheiro da matéria-prima,
manifestam o que há de artístico e original na natureza, oferecendo o
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toque conceptual e emotivo do seu criador - as suas texturas e luzes
redescobrem-se no mundo dos homens e as suas formas erógenas
reconhecem-se como pura energia criadora. Paulo neves afirma que não
tem desejos provocadores ao moldar a matéria com formas que nos
fazem lembrar os órgãos potenciadores máximos da criação. O que é
seguro afirmar é que o artista inconscientemente esculpe essa potência
criadora, (o ovo, o receptáculo, o phalos) levando mais longe a ideia de
arte do natural como uma verdadeira cerimónia ritualista. Deus cria, a
natureza cria, o artista cria, a obra cria e, já agora, o espectador cria.
existência mais criativo, em que natureza, arte e espectador contribuem
para uma vivência participativa e ética nos espaços naturais e suas
paisagens, o cuidar do nosso espaço parte especialmente do nosso
envolvimento com ele:
(…) en travaillant à l’equilibre de l’écosystéme et à l’amélioration de notre cadre de
vie en cherchant à renouer les liens entre les hommes et leur environnement, l’artiste
travaille sur la conservation de notre patrimoine natural, condition sine qua none de
notre pérennité. Retrouver le sentiment de nature peut s’avérer être une dimensión
importante de notre équilibre et de la compréhension de ce qui nous lie au reste du
monde vivant. (Lausson, 2010: 25)
A experiência estética que se tem ao observar obras como “escadas
para o céu”, “Meandros”, “Ocos” e “Bio-grafias”, ultrapassa a simples
percepção desinteressada e subjetiva. Esta experiência faz-nos pensar e
acreditar que a natureza é ela própria parte dessa transformação - esse
sentido inacabado e orgânico que o escultor imprime na obra, dando
espaço à arte natural, para que ela ganhe uma nova vida.
Figura 3: “Escadas para o céu”, 2003
É neste contexto que fazemos uma leitura da Criação de Paulo Neves
dialogando, ao mesmo tempo, com o conceito de Paisagem (presente em
algumas das suas obras) e com o estatuto da arte nos nossos dias, em que
este último reclama uma capacidade refletiva sobre os objetos e a
natureza, na contemporaneidade.
É na transversalidade da criação natural com a criação artística que se
pretende desenvolver uma ideia mais abrangente de Arte e sua
capacidade de desconstruir as comuns representações que fazemos sobre
o real. Em última instância, procura-se desenvolver um modo de
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Figura 4: “Bio-grafias” Azul, 2009
O desafio que a sua obra me lança, reconheço-o, é arriscado, na
medida em que nela parto para a discussão do valor da obra de arte nos
nossos dias, no entanto é um lançamento visionário, ao permitir-me
compreender o lugar ecológico como um lugar que se quer
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transformado, mas não lacerado; um espaço simbólico à espera de ser
decifrado, mas não corrompido.
A escultura de Paulo Neves permite muitas leituras, porque nos
renova o olhar com as suas técnicas com que domina a matéria, fiel à
organicidade do objecto em bruto, e às virtualidades físicas do mesmo.
Fazendo uma analogia com a arte pré-histórica, o artista é como um
xamã que comunica a todo o instante com a natureza.
(…) San Shamans were manifesting, or re-creating – perhaps reliving – their
experiences of the supernatural realm while in an alert state. (…) Art and cosmos
united in a mutual statement about the complex nature of reality. (Lewis-Williams,
2009: 149).
Ele quer transcender-se a si próprio através dos meios de expressão
que estão ao seu alcance - os ritos, as danças, as pinturas parietais, entre
outros. Esta necessidade contemporânea de refletirmos sobre o mundo e
os seus acontecimentos, vem resgatar à arte esse papel cognitivo, visto
nela se combinarem a mestria da sensibilidade, da imaginação e do
entendimento. É neste jogo ‘arteológico’ entre a humanidade e a
Natureza que Paulo Neves se inscreve, atribuindo aos seus objetos um
carácter paisagístico, admitindo ele mesmo que a Natureza tem um papel
essencial no seu trabalho. Eu diria que sem a Natureza a sua obra não
existiria.
natureza, mais esclarecida, mais entendida, mais respeitada, e por
consequência, mais cuidada. Todos nós, que temos a liberdade de julgar,
poderemos, por fim, descobrir e marcar, tal como o artista, o nosso
modo de existência mais criativo e pleno de sentido.
La nature est certes une source d’inspiration, mais elle est da vantage pensée comme
un espace autorisant une expression sans limite (…) que ce soit une motte d’erbe ou
une ferme artificielle, à chaque fois l’oevre, par sa seule presence au sein de l’espace
d’exposition, nous oblige à penser autrement notre rapport à la nature. (DenisMorel, 2010: 9)
Referências
Denis-Morel, Barbara, (2010) “Une idée de Nature? L’écosystéme exposé”, in
Écosystémes – Biodiversité et art contemporain, Publications de L’Université de
provence
Kant, Emmanuel, (1992) Crítica da Faculdade de Julgar, Tradução e notas de
António Marques e Valério Rohden, Imprensa Nacional – Casa da
Moeda, Lisboa
Lausson, Adeline, (2010) “Lárt et ecosystems: l’introduction du vivant dans les
oevres d’art environnementales aux États-Unis”, in Écosystémes –
Biodiversité et art contemporain, Publications de L’Université de provence
Lewis-Williams, David (2009) The Mind in the Cave, Thames & Hudson,
London ●
Síntese final
Podemos dizer que as obras de Paulo Neves são uma expressão da
existência da arte como veículo, se nos é permitido o termo, para
pensarmos profundamente sobre as inúmeras relações que se
estabelecem entre o homem e a natureza, entre as formas orgânicas e o
uso da técnica para as vestir de múltiplos significados estéticos e éticos.
Ao nomear a sua arte como a ‘Arte do Natural’, lanço a proposta de
uma renovação valorativa do objecto artístico, da natureza e do próprio
artista enquanto ser de generosidade: o artista redefine as formas, atribuilhe novas cores, regista-lhe novos sentidos, desconstrói a sua imagem
comum, mas oferece ao mundo das representações uma forma ética da
natureza, enquanto espaço coabitante. O tronco corta-se; molda-se, é
orientado para uma ideia original do escultor, mas essa ideia retorna à
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ISBN: 978-989-8300-32-4
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Cadencia de presagios cristalinos. Los módulos ideales
de Antònia Vilà
Eugènia Agustí Camí*
Resumen: Antònia Vilà nos presenta la abstracción desde una particular visión: la
formada por la concatenación de sus series de planchas y estampas, y por los pliegues
de sus libros, siendo el tiempo el factor que dirige las pausas del ritmo serial de su obra.
Palabras clave: Antònia Vilà, abstracción, serie, geometría, grabado.
Title: The ideal module of Antonio Vilà
Abstract: Antonio Vilà presents us abstraction from a peculiar scope: a view of the
gathering of his prints and his books, while time is the factor that runs the pause of the
serial rythm of his work.
Keywords: Antònia Vilà, abstraction, series, geometry, printmaking.
Cadencia de presagios
Antònia Vilà relata en el contexto de su exposición Sidera (2011),
cómo durante la nevada que tuvo lugar en la isla de Sakhalin (Rusia) en
2006, sus habitantes percibieron primero la nieve en tonalidad amarilla y
en segunda instancia en color rojo. Esta noticia marcó una inflexión que
refiere “conmovió por sorpresa su relación abstracta con la nieve”. Fue
entonces cuando sus modelos de estrellas de nieve se tiñeron de rojo
como una invocación a la arena de Mongolia que desplazada llegaba a
tintar la nieve en Berlín. El largo viaje del color transportado a través de
copos enormes se inscribe en un rito que se desliza en material físico a
través del aguafuerte y sus profundas incisiones en el hierro.
La impronta del grabado es para la artista un lenguaje donde la
relación escritura e imagen registra la emoción, la acción y el
pensamiento. Disconforme a la regularidad de la geometría, la cadencia
de su imaginario se decanta por alternativas que se tornan bellamente
obsesivas por su procedencia inestable, la del metal. Este es el medio
elegido para desarrollar su obra.
Sucede que al abandonar el metal para devenir papel, la geometría deja
de ser evidente para quienes tradicionalmente la formulan en términos
matemáticos, a cambio, se transfigura para los contemplativos. Acontece
a quién manipula los tipos movibles para dar forma a una frase sin haber
Espanha, artista visual e professora no Departament de Pintura, Facultat de Belles Arts, Universitat de
Barcelona. Doctora en Belles Arts.
*
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leído el contenido del texto: la conciencia de corporeidad del módulo
repetible precede a captar el sentido de la imagen.
Pienso en Antònia Vilà tapizando el infinito para hacerlo accesible y
cedernos así su intuición sobre la geometría, en forma de pequeños
espacios cuál entregas remitidas, ya sean páginas de libro, estampas o
láminas de metal grabado. De este modo se nos aparecen las alusiones a
la nieve y la ilusión de su cristalización. Alusiones a la geometría e ilusión
por cristalizar la abstracción. Murales sobre el cielo y bóvedas celestes
constituidos desde la peculiar faceta del módulo, que amplia y extiende
las perspectivas de la imagen. La misma que define y mantiene su
unicidad, porque sus grabados son como el color y los colores, unidad y
despliegue, y toman sentido con la casuística de esta configuración: el
presente siempre deviene de un precedente donde ambos participan
acordes.
Figura 1. Antònia Vilà (2011). Sidera (detalles de la instalación). Eina Espai Barra de Ferro,
Barcelona. Instalación formada por 32 aguafuertes sobre hierro (100 x 72cm c/u)
estampados a tres y cuatro tintas. Fuente: Imágenes cedidas por la artista.
“Cristalografiar” no existe como verbo pero toma sentido en su
manera de hacer, clara y precisa. El tiempo, decisivo en la captura de la
nieve, determina también los intervalos en que esta se hace visible.
Desde este medio frágil e intangible, Antònia Vilà nos introduce en la
abstracción desde una sedimentación particular: la formada por la
encadenación de sus series de planchas y estampas, y concatenadamente
por los pliegues de sus libros, siendo el tiempo el enlace en la
distribución proporcionada y, el acento que dirige las pausas del ritmo
serial de su obra (figuras 1 y 2).
Extraer nieve del hierro es ganar terreno, es la contundencia que
contradice también la fragilidad del tiempo.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Copos de nieve ideales
La actividad plástica entorno a la nieve centra su obra en la última
década. Sobre la impresión de pureza que nos produce la nieve a los
mediterráneos, quienes manifestamos atracción porque nos despierta con
su fresco hálito exótico, compartimos estímulos. Exótico por su
asociación a país lejano, exótico a la vez por su condición abstracta, por
la rareza que nos produce como elemento que se origina en el agua, se
desprende de las nubes en invisibles cristales y se compacta durante su
caída en suspensión hasta llegar al suelo en forma de copos blancos.
La condensación del agua en hielo que cristaliza en simétricos
motivos, ilimitadamente variados, aúna una síntesis fí́sica, matemática y
química. Las formas de los cristales de nieve se deben a sus procesos de
crecimiento. El polígono de seis ángulos y seis lados participa de su
idealidad y toma nuevas formas en Sidera al circunscribirse al nuevo
Figura 2. Antònia Vilà (2006). Nevada (detalle de la instalación).
Siluetas troqueladas en papel de 300 g/m2 suspendidas. Kron Gallery (Sta. Cruz de
Tenerife, Canarias). Fuente: Imágenes cedidas por la artista.
universo estelar deudor de Archivo de Nieve (2006, figura 3), Nevada (2006,
figura 2), o País de nieve (2003). Existen copos de tres y doce puntas, pero
no en cambio, de cinco u ocho. Siempre evolucionan formando figuras
hexagonales, su heteromorfismo es infinito, cada cristal es único pero la
simetría de todos ellos es la misma. Frágiles y efímeros perduran al ser
grabados en metal, y contrariamente a ser una reproducción del mundo
exterior se codifican como una modelización del mundo interior, y
gracias al color Vilà hace que dominen el espacio.
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Figura 3. Antònia Vilà (2006). Archivo de Nieve (detalles). Planchas de hierro grabadas al
aguafuerte y entintadas en color. Fuente: imágenes cedidas por la artista.
Eslabones como páginas de libro. La construcción secreta
Si en Sidera despliega sus grabados en las paredes evolucionando en
muro de papel, el trancurso a ese nuevo espacio pasa por la distancia
entre los contextos de su creación. Se originan en el ideario, cristalizan al
amparo de la geometría y se hacen realidad en instalaciones, grabados y
libros. Hacer grabado y Hacer nevar confluyen en el tercer estadio, el libro,
que contiene simbólicamente todos los anteriores (figura 4).
Verter contenido en las páginas de un libro es encadenar eslabones,
letras, palabras, sentido, acciones. En mayúsculas y minúsculas, en
versalitas o en negrita, abriendo paso desde los signos de puntuación y el
orden de los elementos para vencer precisamente con el uso, a la
ortografía. Ese pulso con el formato libro interesa a Antònia Vilà por ser
en sí mismo un instrumento transmisor de información, porque la
información que nos comunica es externa al propio objeto y, en última
instancia, porque este formato manifiesta un contenido diferente al
propio libro. La opción de expresarse en el interior de este volumen y no
hacerlo específicamente con la palabra, da origen a un medio abierto y
extenso, como el devenir formativo de los propios cristales de nieve.
A través de pasos modulares los elementos discursivos de la artista
basados en entidades discretas y bellamente simples, van siendo la justa
medida que se repite en una construcción arquitectónica. Construir de
manera secreta como sucede en la generación de los níveos cristales que
crecen en similitud y exactitud desde la prístina geometría, es construir la
abstracción explicándola de manera natural, “la nieve va poniendo de
relieve una realidad abstracta que atañe a espacio y tiempo, dos valores
esenciales en la construcción de la obra y su proceso” (Antònia Vilà,
comunicación personal).
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
A relação corpo/objeto e o discurso poético das
proposições de Lygia Clark
Fernando A. Stratico*
Figura 4. Antònia Vilà (2006) El Libro. Los Libros. Impresión digital. Fuente: imágenes
cedidas por la artista.
¿Cómo un libro puede compilar un contenido esférico? El gesto que
describe el acto de pasar páginas sucesivamente a medida que avanzamos
en nuestra lectura define un arco imaginario. Una geometría se inscribe
discretamente en el reservado espacio del bloque de papel unido por el
lomo: trescientas, doscientas, cien , cincuenta hojas actúan como
eslabones que transportan en cada gesto líneas de texto, dibujos,
fotografías. Ese movimiento consecutivo de derecha a izquierda es la
clave para el enlace de las sucesivas acciones que contiene el libro como
volumen. Es la ínfima alteración que nos transmiten sus construcciones
cuando alzamos la vista para fijarnos atentamente en la palabra
reservada: sea “bóveda”, sea “cúpula”, sea “cristal”, sea “nieve”, sea
“celeste”, sea “firmamento”.
Ese ideal de la superfície semiesférica que se sostiene sobre un prisma
de muchas caras, la imagen facetada que se va creando a mano alzada a
base de porciones de segmentos rectilíneos. Finalmente acontecen en la
ilusión de una forma esférica, tal que una membrana permeable a través
de la cuál se filtran las múltiples referencias, sus querencias: ese mismo
sitio al que acudir siempre. Es la geometría y es el grabado, es el libro y
es el metal, es la bóveda celeste y es la abstracción, es el color y es el
lugar. ●
Resumo: Este artigo apresenta uma análise da relação corpo/objeto presente nas
proposições de Lygia Clark. Como material de suporte, tomamos os próprios textos de
Clark, e também o conceito de hiperrealidade apresentado por Baudrillard, de modo a
demonstrar que o objeto da proposição – por suas qualidades intrínsecas - é
desencadeador de estados físicos e psíquicos, sendo o centro irradiador que desperta o
ato – a ação corporal - e o encontro com outro.
Palavras-Chave: Lygia Clark, Proposições, Hiperrealidade.
Title: The relation body/object and the poetic speech on Lygia Clark work
Abstract: This paper presents an analysis on the relationship between the body and the
object of Lygia Clark´s propositions. As support material we take Clark´s own texts,
and also the concept of hyperreality developed by Baudrillard, in order to demonstrate
that the object, by its intrinsic qualities, is the generating centre of physical and
psychical states which awaken the act - the bodily action – and the encounter with the
other.
Keywords: Lygia Clark, Propositions, Hyperreality
Introdução
Lygia Clark, artista brasileira, nascida na cidade de Belo Horizonte, em
1920, iniciou-se nas artes, no ano de 1947, sob a orientação de Burle
Marx. No ano de 1950 viaja para Paris, onde estudou com Léger,
Dobrinsky e Arpad Zenes. Em 1954, engajou-se com o Grupo Frente, cuja
perspectiva situava-se na pesquisa radicalmente abstrata e construtivista.
Suas incursões pela pintura e escultura a levaram ao reconhecimento de
seu trabalho, como um dos mais significativos nomes do Concretismo.
Fases posteriores caracterizaram uma artista em constante transformação
de si mesma. A fase das proposições substitui a investigação concreta, e
posteriormente é abandonada em função de seu trabalho com os objetos
relacionais, experiência esta calcada na terapia.
No início dos anos sessenta, Lygia Clark, passou a concentrar seu
interesse e atenção sobre o que ela chamou de proposições. Ao invés de
obras elaboradas para o consumo, como eram suas esculturas “Bichos”,
feitas para serem contempladas ou manipuladas pelo espectador, Clark
Brasil, actor, diretor. Graduação em educação artística, habilitação em artes plásticas. Professor no
departamento de Música e Teatro, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina.
*
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
passou a propor obras que existiam unicamente por meio das ações dos
espectadores. Tais proposições consistiam em ações realizadas com objetos,
geralmente industrializados. Este estudo apresenta uma análise crítica
voltada para a relação corporal estabelecida entre os participantes das
proposições e os objetos escolhidos por Clark. Nosso intuito é
evidenciar, além do resgate da nostalgia do corpo, como propunha Clark,
também o resgate do sentido do objeto para o corpo e para o eu.
Evidenciamos também o quanto Clark foi pioneira ao desenvolver uma
poética que se fundava na relação com o Outro. O objeto, na obra
propositiva de Clark é um elo que une a artista a outros sujeitos.
1. O Ato da Proposição
Na tentativa de explicar as ações que acontecem no momento da
proposição, Clark elaborou com esmero um pensamento que se voltava
para o ato. Para ela, o ser humano é uma ‘totalidade espaço-temporal”. O
ato imanente tem a capacidade que fazer com que ultrapassemos o limite
temporal. De acordo com Clark, as ações imediatas de uma proposição
fazem com que o passado, o presente e o futuro se misturem. Clark fala
sobre a percepção de um tempo absoluto que incorporaria o que estaria
sendo derivado do ato em si. No ato da proposição, afirma a artista, não
existe distância entre o passado e o presente. Estas dimensões de nossa
psiquê estariam fundidas, e assim percebidas no momento do ato
instantâneo da proposição (Clark, 1980: 24). Clark salienta também que o
ato não é renovável, a repetição de uma proposição ou ato seria a
configuração de uma outra significação. Nenhum traço da percepção
passada poderia estar presente em uma repetição. Conforme Clark:
Só o instante do ato é vida. Por natureza, o ato contém em si mesmo seu próprio
excesso, seu próprio vir-a-ser. O instante do ato é a única realidade viva em nós
mesmos. Tomar consciência já é ser no passado. A percepção bruta do ato é o futuro
de se fazer. O passado e o futuro estão implicados no presente-agora do ato (Clark,
1980: 27).
A intenção que antecede ao ato é a de despertar a nostalgia do corpo, a
qual diz respeito, em nossa visão, à triste memória, e estado de
melancolia de um corpo fragmentado que busca sentir-se um todo, busca
redescobrir-se (Clark, 1975: 2).
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Caminhando (1964) é uma das primeiras proposições de Clark. Nesta obra,
estão em jogo, o ato e a nostalgia do corpo. Sua instrução verbal propõe que
uma fita de Möbius (em papel) – a expressão matemática do infinito seja cortada longitudinalmente com uma tesoura, até que se acabe o
percurso da tesoura e do corte. Conforme Clark, Caminhando é uma
proposição destinada àqueles cujo trabalho perdeu toda a expressividade
– o diálogo do artesão com sua obra. Clark argumenta que as relações
com o trabalho foram destituídas da expressividade, de modo que o
trabalho tornou-se estranho ao ser humano. Clark supunha ser
necessário, portanto, que se buscasse redescobrir o próprio gesto que
contem uma nova significação. Porém, para que isto acontecesse seria
necessário que houvesse algo mais além da manipulação de objetos e
participação do espectador. Conforme Clark, há uma necessidade em que
“a obra se complete em si mesma e seja um simples trampolim para a liberdade do
espectador-autor” (Clark, 1980: 27).
De acordo com Clark, a importância de Caminhando está no ato de
cortar, e não exatamente na fita. Quando a experiência se acaba a fita é
jogada fora, restando apenas o ato do corte e a imanência deste ato. Para
Clark o novo conceito de imanência foi “a coisa mais importante que o
Caminhando lhe trouxe” (Clark, 1968). Nas palavras de Clark:
A primeira vez que cortei o Caminhando, vivi um ritual muito significativo. E eu
desejo que esta mesma ação seja vivida com a máxima intensidade pelos participantes
futuros. É preciso que ela seja puramente gratuita e que ninguém procure saber –
quando estiver cortando – o que vai ser cortado a seguir ou o que já foi talhado antes
(Clark, 1980: 27).
Embora Clark tanto enfatize a importância do ato em detrimento do
objeto em si, gostaríamos de destacar o papel propulsor e catalisador dos
objetos e materiais de suas proposições. A imanência do ato, ou seja a
experiência pura de um ato compromissado unicamente com a ação
presente, só é possível pelas qualidades emanadas do objetos. Cada
material escolhido por Clark traz consigo uma potência expressiva e
também sensitiva. Textura, temperatura, flexibilidade, durabilidade, cor,
cheiro são algumas das qualidades dos materiais, as quais fazem emanar,
no ato, energias e estados específicos. Não é um mero acaso, que Clark
passava longos períodos apenas em busca de materiais. A folha plástica,
235
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
fina e flexível, esteve presente em várias de suas instalações e
proposições:
Estou numa fase de doido. Trabalhando como uma maluca, comprando plástico que é
baratíssimo, catando pedras nas ruas, ajuntando aqueles sacos vazios e felicíssima!
Acho que é a primeira vez que estou num tal estado depois da descoberta do Bicho
(Figueiredo, 1998: 142)
Embora o ato em si, esvanecendo no tempo e no espaço, fosse o
objetivo maior contido em suas propostas, era do objeto que emanavam
estados corporais específicos, e sem tais objetos não seria possível
despertar e fazer explodir a energia corporal e psíquica entre os
participantes. Não podemos esquecer também que o material e objeto
utilizado nas proposições eram também signos carregados de sentidos e
conexões ideológicas. Assim como a fita de Möbius está plena de
sentidos e pensamentos, outros materiais como o plástico e a borracha
estão repletos de conteúdos aos quais somos remetidos mesmo
inconscientemente. Invertendo a relação com os materiais que são
fundamentais para a sociedade de consumo, Clark apresenta uma relação
do não-trabalho, do não consumo, da não-utilidade. Neste sentido, Clark
toca no que Jean Baudrillard veio a chamar de hiperrealidade – uma
realidade social na qual perdemos a relação direta com os objetos, uma
vez que estes deixaram de ser feitos para a utilização, sendo construídos
e consumidos apenas como significação.
De acordo com Baudrillard a concepção tradicional de signo como um
elo entre o significante e significado, que refere-se a um conceito, não é
mais possível, porque as representações da realidade foram tomadas por
uma interminável sequência de representações da realidade (Baudrillard,
1992: 179). O signo não situa o sujeito em relação a uma representação
da realidade; o signo refere-se a outro signo, a outra significação, e assim
sucessivamente.
Esta avalanche de signos, de acordo com Baudrillard, está presente no
âmbito da vida diária, bem como na ciência, na arte, na tecnologia, na
religião, na linguagem, etc. É provável que isto seja o resultado da
sociedade de consumo em que vivemos, na qual o objeto de consumo é
o resultado da reprodução constante de significações. O objeto deixou
de possuir um elo com a realidade de seu próprio uso e utilidade, porque
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agora ele está além da realidade, habitando, assim, a esfera das
significações (Baudrillard, 1992: 10-28)).
Atentos à crítica à sociedade de consumo, Lygia Clark, assim como
Hélio Oiticica “sabotavam” o ciclo consumista e hiperreal presente até
mesmo nas galerias de arte. As referências a Herbert Marcuse são muitas,
e estão ligadas a um sentido de “marginalidade”, principalmente na obra
de Oiticica. Porém, diante da hiperrealidade – uma sociedade em que os
objetos é que significam e dão valor à pessoa humana – Clark contrapõe
e encara esta realidade com propostas de ações que devolvem um
sentido perdido do corpo e de seu posicionamento no tempo e no
espaço. No centro destas ações está o objeto, que se torna propulsor de
energias físicas e psíquicas e também aglutinador e ponto de encontro
entre as pessoas. Em Baba Antropofágica (1973), por exemplo, toda a
energia psíquica e física dos participantes é gerada por fios de carretéis
que são retirados da boca dos participantes, que embebidos em saliva são
deixados cair sobre o rosto e corpo de um outro que está deitado. A
substância da vida vai, assim, sendo derramada, ou dada para aquele que,
passivamente, a recebe. Como em todas as proposições, Clark faz a
instrução lingüística para a ação que deve ser desempenhada
(performada) pelos participantes. Mas ela própria não enfatiza o valor do
objeto que centraliza a ação. Clark concentra-se em abordar uma espécie
de “perda da substância” (Milliet, 1992: 139). Porém, sem os fios que
primeiramente são colocados na boca, e posteriormente retirados como
uma seda de aranha, sem a concretude do material e seus significados
embutidos, não seriam possíveis nenhuma das ações e dimensões
alcançadas. Portanto, há nestes fios (assim como na fita de Möbius,
tesoura, etc) um potencial que age em dois sentidos fundamentais: o
corpo do participante e a relação com o outro. O objeto possui a
capacidade de ser símbolo, metáfora - como evoca Clark em suas
proposições e também a capacidade de ser resgate de dimensões perdidas
ou esquecidas do corpo, que se revela no encontro com o outro, que do
mesmo modo se relaciona com o objeto.
Embora as proposições incluam a participação do outro, Clark ainda
preserva os processos solitários de elaboração e criação, nos moldes em
que são articulados pela maioria dos artistas. Ainda são seus estes
processos, e deles ela não chega a abrir mão. Clark reconhece, no
entanto, que seus processos dizem respeito a um compartilhar da obra,
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
‘O Cachecol do Artista’
A ‘Esfera Artística’ a partir do caso de Luiz Pacheco
sendo que o objeto, os materiais por ela escolhidos, agem como pontes
entre a sua corporalidade e a daqueles que a artista almeja tocar.
Considerações Finais
Nossa reflexão, voltada para as proposições, tomou como exemploschaves as obras Caminhando e Baba Antropofágica e indica que a experiência
de Clark com objetos e materiais delineia uma poética do corpo que está
intimamente ligada à poética do objeto cotidiano. Clark rompe com a
relação costumeira mantida em relação ao universo material, e estabelece
uma nova relação com o mundo dos objetos. Tal relação restitui um
sentido de unidade com o mundo físico, e também com o outro. O
objeto na obra de Clark situa-se, portanto, como centro da experiência,
por ser ele a potência geradora do encontro. Esta perspectiva pioneira de
Clark repercute fortemente nos inúmeros trabalhos da atualidade, que,
do mesmo modo, fundamentam-se em poéticas que dependem do objeto
cotidiano e também do encontro com o outro para existir.
Referências
Baudrillard, Jean. Selected Writings. London: Polity Press. ISBN: 080474273-1.
Clark, Lygia (1980) Lygia Clark. Textos de Lygia Clark, Ferreira Gullar e Mário
Pedrosa. Rio: FUNARTE. Sem ISBN.
Clark, Lygia (1975) “Da supressão do objeto (Anotações)”. Catálogo da
Fundação Antoni Tàpie, trad. e aquivo da A. C. O Mundo de Lygia
Clark. Navilouca. Rio de Janeiro.
Clark, Lygia (1968) ‘Lygia Clark e a Proposição da Imanência’. Jornal do Brasil.
Rio: 06/01/68
Figueiredo, Luciano (ed) (1998). Lygia Clark – Hélio Oiticica – Cartas – 1964-74.
Rio: Editora UFRJ. ISBN 85-71081913
Milliet, Maria Alice (1992). Lygia Clark: Obra-Trajeto. São Paulo: EDUSP. ISBN
85-314-0064-3 ●
Francisco Cardoso Lima*
&
João Mota**
Resumo: Este trabalho centra-se numa abordagem sobre aquilo que aqui se designa
como a ‘Esfera Artística,’ a partir da exploração de 27 conversas com artistas plásticos
portugueses, tendo como motor a leitura do folheto ‘O Cachecol do Artista’ de Luiz
Pacheco. Propõem, enquanto ferramenta reflexiva, o manifesto ‘A Esfera Artística.’
Palavras chave: Luiz Pacheco, esfera artística, entrevista, a voz do artista, manifesto.
Title: ‘O Cachecol do Artista’ (The Artist’s Scarf) – The ‘Art World’ from Luiz
Pacheco’s case
Abstract: This paper focuses on what here is called ‘Art World.’ From the analysis of
conversations/interviews with 27 portuguese artists and informed by the reading of the
Luiz Pacheco’s pamphlet ‘O Cachecol do Artista’ (The Artist’s Scarf), this paper
propose a manifesto called ‘The Art World’ acting as a reflexive tool.
Keywords: Luiz Pacheco, art world, interview, the artist’s voice, manifesto.
Introdução
A partir da análise do caso de Luiz Pacheco, particularmente a partir
do folheto ‘O Cachecol do Artista’ (Pacheco, 1964), esta comunicação
centra-se na exploração de 27 entrevistas efectuadas a artistas plásticos
portugueses, inseridas nos trabalhos realizados para o doutoramento em
Estudo Artísticos ‘O Artista pelo Artista’ (UA, FCT).
Num primeiro momento pretende-se apresentar uma leitura alargada
sobre as relações do artista com a ‘Esfera Artística,’ assunto caro e um
dos tópicos de conversa transversal aos vários encontros tidos com os
diversos criadores. Num segundo momento pretende-se avançar com
uma conclusão apresentada sob a forma de manifesto, manifesto
enquanto ferramenta reflexiva.
Artista Visual e professor no Departamento de Comunicação e Arte - Universidade de Aveiro. Licenciatura
Artes-Plásticas Pintura – Faculdade de Belas-Artes do Porto, Mestrado Estudos Artísticos – Universidade de
Aveiro. Doutorando Estudo de Artísticos – Universidade de Aveiro – Fundação para a Ciência e a
Tecnologia.
** Portugal, artista visual e professor no Departamento de Comunicação e Arte - Universidade de Aveiro.
Director do doutoramento em design, vice-director do mestrado em Criação Artística Contemporânea.
Membro fundador da Unidade de Investigação ID+.
*
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
1. O caso Luiz Pacheco
Luiz Pacheco (Lisboa, 1925 – Montijo, 2008) foi escritor e editor.
Filho de uma família burguesa, libertino, alcoólico, bissexual, doente,
preso por razões amorosas, censurado por razões literárias, foi rotulado
de pitoresco, marginal, pícaro. Enfim, um homem inteiramente livre e
teso. Na interrogação de João Pedro George: “Pode um biógrafo (...)
ficar a gostar mais do autor do que da sua obra?” (George, 2011: 16), ou
nas palavras de Rui Zink “mil novecentos e vinte e cinco – dois mil e
oito, é obra” (Zink, 2008), percebe-se que a criação de Luiz Pacheco
confunde-se consigo próprio.
Num registo epistolar e fragmentado escreveu inúmeros postais,
cartas, folhas avulso e panfletos, entre os quais ‘O Cachecol do Artista.’
Pacheco considera ‘O Cachecol do Artista’ um eufemismo simbólico. E
também aqui interessa esse simbolismo pungente: o cachecol como
possível estratégia para o artista se relacionar com o ‘General Inverno’
(Pacheco, 1964:2), ‘General Inverno’ enquanto o outro. Aqui, ‘General
Inverno’ enquanto a esfera artística.
A própria relação entre o texto ‘O Cachecol do Artista’ e a esfera
artística surgiu na resposta de André Gonçalves à pergunta “Parece-te
que o artista sabe como se posicionar dentro da esfera artística, hoje?”
O artista percebe aquilo que se passa à sua volta. O artista não é um parvo... Como
dizia o Luiz Pacheco, o artista precisa do seu cachecol, precisa d’ ‘O Cachecol do
Artista’ (1964) (A. Gonçalves, 2010).
A percepção da esfera artística enquanto inverno rigoroso, e a
necessidade de uma releitura do papel/lugar do artista no mundo da arte,
evidente no caso de Luiz Pacheco, funciona como motor para a
abordagem efectuada neste artigo às 27 entrevistas realizadas a artistas
plásticos portugueses constituídos em amostra.
2. A amostra e a ‘Esfera Artística’
Com a colaboração do crítico de arte Miguel von Hafe Pérez,
seleccionou-se uma amostra para estudo com o propósito apresentar um
quadro de referência que se pretendeu representativo das artes plásticas
contemporâneas em Portugal. Foram incluídos na amostra os artistas:
Alberto Carneiro, André Cepeda, André Gonçalves, Ângela Ferreira,
240
ISBN: 978-989-8300-32-4
António Olaio, Carla Cruz, Carla Filipe, Cristina Mateus, Daniel
Blaufuks, Eduardo Batarda, Fernando José Pereira, Francisco Queirós,
Gerardo Brumester, Joana Vanconcelos, João Pedro Vale, João Tabarra,
José de Guimarães, Mafalda Santos, Manuel Santos Maia, Marta de
Menezes, Miguel Leal, Miguel Palma, Paulo Mendes, Pedro Calapez,
Pedro Proença, Rui Chafes e Zulmiro Carvalho.
Do conjunto dos encontros com os diversos artistas resultou um
documento volumoso que reúne em mais de 300 páginas o discurso dos
criadores, por vezes negligenciado, aqui apresentado ‘tout court,’ de
artista para artista, na primeira pessoa. Este registo directo possibilita,
julgamos, uma percepção tão abrangente quanto possível sobre o
panorama das artes plásticas em Portugal, hoje.
Pretendeu-se evitar o enfoque teórico-filosófico que emergiu nas
últimas 5 décadas, à imagem daquele que, por exemplo, Arthur Danto
aborda em "The Artworld" (Journal of Philosophy, 1964). Antes, este
estudo procura centrar as atenções no artista, trazendo para a discussão a
sua voz, procurando a sua perspectiva idiossincrática sobre as várias
dinâmicas criadas pelas diversas relações entre os diferentes operadores
artísticos: museus, feiras de arte, fundações, colecções, galerias, espaços
expositivos alternativos, publicações, escolas de arte, etc... ou
historiadores, críticos de arte, jornalistas, comissários, galeristas,
coleccionadores, público, etc... E dentro da esfera artística estão também,
e naturalmente, o atelier e o artista.
Para esta comunicação, focamos atenções apenas no conjunto de
tópicos que referenciam a relação do artista com a esfera artística.
Procurou-se perceber se existe um espaço próprio para o artista no meio
artístico. Se existe uma tensão entre o artista e a esfera artística. Se existe
a necessidade dos artistas, eles próprios, fazerem uma re-leitura do seu
lugar e do seu papel no meio artístico. E qual a relação ideal entre o
artista e a esfera artística... Procurou-se perceber como o artista se
posiciona perante o meio artístico e como se relaciona perante as
complexas relações existentes entre os vários operadores do mundo da
arte.
Procurou-se uma reflexão sobre a relação artista/esfera artística, pela
voz do próprio.
241
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
3. A ‘Esfera Artística’ na voz dos próprios artistas
A título demonstrativo, apresentam-se 3 perguntas exemplo utilizadas
para lançar o tema à conversa:
(...) Como te parece que o artista se relaciona na esfera artística? O lugar e/ou o
papel que o artista ocupa dentro da esfera artística parece-te ser afim do próprio
artista? Ou consideras que deveria ser feita uma re-leitura e, eventualmente, um reposicionamento, do artista no meio das artes? Parece-te importante repensar a forma
como as tensões entre os vários lugares e as várias pessoas estão distribuídas na
própria esfera artística? (pergunta efectuada a M. Leal)
Como é que tu entendes uma relação perfeita entre o artista e os lugares e as pessoas
da esfera artística? (pergunta efectuada a J. Vasconcelos);
Parece-te que a dinâmica da esfera artística violenta o artista? (pergunta efectuada
a P. Calapez).
Encontra-se em anexo o conjunto das varias respostas apresentadas
pelos diferentes artistas. Esse corpo, essa pluralidade de discursos, a voz
dos artistas, enforma o conteúdo sobre o qual se pretende reflectir e a
partir do qual se construiu uma aproximação à grande narrativa
estruturada em forma de manifesto.
4. Das entrevistas ao manifesto
Primeiro, num movimento indutivo, identificaram-se e sistematizaramse um conjunto de ‘lugares estruturais comuns’ (Hiernaux, 2005), um
conjunto de grandes campos de interesse transversais às várias
entrevistas. Por exemplo: a relação entre pares, o discurso do artista, a
grande narrativa, o atelier, a esfera artística... Os lugares estruturais
comuns funcionaram enquanto códigos para sistematizar, ordenar,
classificar, categorizar a informação (Saldaña, 2009).
Posteriormente, através da ‘condensação descritiva’ (Hiernaux, 2005),
e num esforço de síntese interpretativa, dirigiu-se o sentido veiculado
pelas palavras dos artistas (por vezes com níveis de abstracção elevados)
aos respectivos lugares estruturais comuns do discurso, reconduzindo o
conjunto de formas complexas de sentido a unidades de sentido comuns
242
ISBN: 978-989-8300-32-4
simples. Por exemplo: agentes/operadores da esfera artística, mercado da
arte, lugar e papel do artista na esfera artística...
Por fim, consequência do processo interpretativo, acrescentou-se por
cima dos resultados obtidos uma leitura de dimensão pessoal, no
domínio do subjectivo, que, embora sediada nas palavras dos artistas,
não se sentiu necessariamente vinculada a elas, acrescentando um
entendimento autoral próprio, como um discurso sobre os discursos,
materializado, num momento de convicção, na forma de manifesto
artístico.
O manifesto (e o discurso nele contido, por vezes passível de ser
considerado, ele próprio, objecto artístico), contêm em si uma
elasticidade cara às idiossincrasias contidas nos discurso dos criadores,
no discurso artístico. Justamente por isso, pela sua natureza afim das
estratégias criativas, pela sua clara abertura, pela própria possibilidade
plástica e enquanto ferramenta discutida e reconhecida pela História da
Arte, o manifesto é aqui utilizado, num esforço de síntese, enquanto
instrumento reflexivo e espaço operativo para construir.
Manifesto ‘A Esfera Artística’
1. A obra de arte, o artista e o atelier são o centro da Esfera Artística.
2. Não há Esfera Artística sem o objecto artístico. Não há objecto
artístico sem o artista. Não há artista sem o atelier do artista.
3. O artista é privilegiado. Ponto.
4. O mercado da arte é um jogo com regras feias. É um jogo feio e
mau.
5. O artista sabe jogar mal.
6. O artista não quer ser feio.
7. O artista é feio e mau.
8. Tudo é feio e mau.
9. Não há maus artistas. Há artistas feios.
10. A Esfera Artística serve o museu, a galeria, o galerista, o
comissário, o crítico de arte, o público, o artista.
11. O artista gosta e não gosta da Esfera Artística.
12. O Artista está bem e não está bem. O Artista nunca está bem.
13. A Esfera Artística não pensa no artista.
14. Quem pensa no artista é o artista, é o outro o artista.
15. O outro pensa no objecto.
243
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
16. O outro não cumpre o seu papel.
17. O historiador de arte não é um crítico de arte.
18. O crítico de arte não é um galerista de arte.
19. O galerista de arte não é um artista.
20. O artista é o artista.
21. O artista é o professor, o investigador, o teórico, o historiador, o
comissário, o galerista, o produtor, o técnico, o secretário, o moço de
recados e o mau artista.
22. Não há maus artistas. Há artistas.
23. O artista quer cumprir o seu papel.
24. O artista cumpre o seu papel.
25. O outro não cumpre o seu papel.
26. O artista cumpre o papel do outro.
27. A alternativa à Esfera Artística é outra Esfera Artística.
28. Outra Esfera Artística, já!
29. O artista, já!
30. Fora o mercado da arte!
31. Abaixo os museus e as galerias de arte!
32. Não ao galerista, ao comissário e ao crítico de arte!
33. Viva o artista! Viva! Viva! Viva!
Referências
Carvalho, Eduardo J. (2002) Metodologia do Trabalho Científico. Lisboa: Escolar
Editora. ISBN: 9789725922446.
George, João Pedro (2011) Puta que os Pariu! Lisboa: Tinta da China. ISBN:
9789896711016.
Hiernaux, J-P. et al. (2005) Práticas e métodos de investigação em ciências sociais Lisboa:
Gradiva. ISBN: 9789726625544.
Laurel, Brenda (2003) Design Research - Methods and perspectives Massachutts:
Massachusetts Institute of Technology. ISBN: 9780262122634.
Pacheco, Luiz (1964) O Cachecol do Artista Santarém: Contraponto.
Saldaña, J. (2009) The Coding Manual for Qualitative Researchers. Los Angeles: Sage
Publications. ISBN: 9781847875495.
Zink, Rui (2008) Anda, Pacheco! [Consult. 2011-12-05] Disponível em <URL:
http://ruizink.com/2008/01/07/anda-pacheco/>
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Anexo - A ‘Esfera Artística’ na voz dos próprios artistas
Elenca-se aqui o conjunto das varias respostas apresentadas pelos diferentes artistas
que enforma o conteúdo sobre o qual se pretende reflectir e a partir do qual se
construiu uma aproximação à grande narrativa estruturada em forma de manifesto:
Muitos artistas não se sentem confortáveis [na esfera artística]. Eu sinto-me confortável,
talvez por ter uma postura mais relaxada, ou então as coisas vão correndo bem.(A.
Cepeda, 2010)
Como artista [dentro da esfera artística], sinto-me bastante confortável no lugar onde estou.
(…) Sinto-me privilegiada. (M. de Menezes, 2010)
(...) Considero-me ‘sui generis’. Não estou desesperadamente à procura de sucesso. Se
estivesse desesperadamente à procura de sucesso sentir-me-ia desconfortável.” (A. Ferreira,
2011)
Se há artista que que não tem razão de queixa sou eu mesmo. Sempre me trataram muito
bem. Também, provavelmente, porque eu nunca deixei que me tratassem mal (…). Há
questões pelas quais temos que lutar sem ceder um único milímetro, por vezes lutar com a
faca nos dentes. São as questões que envolvem a essência do próprio trabalho.
Conheço muitas pessoas que prometiam muito, eram “grandes talentos” e perderam-se
exactamente nesse processo. (A. Carneiro, 2011)
Existe algum egocentrismo por parte dos artistas... Por vezes penso que sou, de alguma
forma, um privilegiado por ter quem se interesse pelas minhas exposições e por existirem
pessoas interessadas em comprar o meu trabalho artístico. (D. Blaufuks, 2011)
A posição do artista não é a mais definida nem a mais fácil (…) [e] isso não é bom. (M.
Palma, 2010)
[O lugar que o artista ocupa] não é confortável. É ingénuo dizer que o artista está no seu
lugar (…) (A. Gonçalves, 2010)
A minha ligação à esfera artística sempre me permitiu desligar-me dela com facilidade. (C.
Mateus, 2011)
(…) cabe ao artista encontrar o seu lugar e o seu papel. (P. Calapez, 2011)
Apesar de estar perfeitamente imerso no meio das artes plásticas e ainda que a grande
maioria dos meus amigos esteja directa ou indirectamente ligado a essa esfera, não quer dizer
que me sinta confortável (M. Leal, 2011)
Aceito as opiniões de quem está próximo como mais um estímulo quer pela visibilidade e
exposição que proporcionam ao nosso trabalho, quer por me fazer pensar noutros cenários.
Incorporo essas opiniões no meu processo de trabalho (A. Olaio, 2010)
Os críticos (e a crítica de arte) são interessantes enquanto catalisadores de discussão e
enquanto produtores de conhecimento. E eu próprio aprendo com isso (J. P. Vale, 2011)
Espero que os artistas nunca se sintam confortáveis (M. Santos, 2010)
É o próprio artista que tem que criar o seu espaço, o seu lugar (C. Filipe, 2010)
(...) Se por um lado estou dentro [da esfera artística], por outro as coisas não são bem assim.
(...) Neste momento não trabalho directamente com nenhuma galeria [e] não é porque não
queira. É talvez porque as galerias também parecem não querer. Mas as coisas são como
são e aqui e ali vai havendo alternativas [ao mercado da arte]. Dá é mais trabalho... (M.
Leal, 2011)
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Grande parte do meu percurso artístico foi feito dentro de espaços alternativos.” (C. Filipe,
2010)
É muito difícil, hoje em dia, um artista ser artista e também ser produtor e secretário,
etc…” (A. Cepeda, 2010)
O artista tem que fazer uma série de trabalhos da competência de muita gente.” (M.
Palma, 2010)
Hoje, existe uma necessidade de legitimação muito forte que convoca o artista a cumprir
também o papel de empresário (P. Proença, 2011)
O galerista deve poupar o artista para ele possa canalizar a sua energia para o seu trabalho.
Deve libertá-lo de tarefas que não estão relacionadas com a criação do seu trabalho. O
galerista deve deixar o artista fazer e interferir não com questões relacionadas com o processo
de criação mas com questões relacionadas com a eficácia da visibilidade do trabalho. O
galerista deve interferir cumprindo o seu papel (...) [e] uma das principais funções das
galerias é vender arte. E servem os artistas vendendo as coisas que eles fazem (A. Olaio,
2010)
Dar aulas foi também optar por não estar demasiado dependente daquilo que se
transacciona. De alguma forma liberta-me desse constrangimento, do constrangimento das
transacções, quer dos objectos, quer dos relacionamentos que se processam neste meio, que são
complicadíssimos e nem sempre totalmente às claras. Em alguns momentos fiz parte desses
compromissos e apercebi que estive envolvida eu própria… como mercadoria… (...)
Não depender financeiramente do mercado da arte pode ser encarado como uma salvaguarda
para o próprio artista e para a sua obra, permitindo-lhe escapar a alguns perigos. Eu prefiro
assim, prefiro não estar quotidianamente a ponderar compromissos. (C. Mateus, 2011)
Se por um lado reservo para mim a liberdade de fazer apenas aquilo que me interessa fazer,
por outro lado sei também que devo apresentar objectos comercializáveis. E ao fazer isto não
sinto que esteja a abdicar daquilo que considero fundamental. (J. P. Vale, 2011)
Não há relação ideal [entre o artista e a esfera artística], nunca houve e nunca haverá. (…)
Fatalmente [é sempre conflituosa]. E tem que ser conflituosa. Se houver essa harmonia entre
o artista e a esfera artística algo está mal.” (J. de Guimarães, 2011)
O ideal era nós não termos que nos ocupar com todo esse trabalho que devia ser feito pelos
comissários, pelos galeristas, pelos jornalistas, pelas instituições. Deveriam fazer o “tour”
pelos ateliers dos artistas. (…) Eles é que nos deviam procurar e não nós a eles. A
dinâmica está invertida. Eles pensam que nós precisamos deles, mas eles sem nós não são
nada. (…) Sem o trabalho do artista o galerista ganha zero. Dependem do trabalho do
artista e deviam, também por isso, tratar melhor o artista (A. Cepeda, 2010)
(...) Cada vez mais os ‘players’ marcam os artistas (E. Batarda, 2011)
Todos os ‘players’ da esfera artística ganham muito com o artista. E o artista é o último a
ganhar (F. Queirós, 2010)
É o artista quem suporta esta esfera (A. Gonçalves, 2010)
A esfera artística é muito complexa. Nos nossos dias (…) ser artista não está unicamente
relacionado com o trabalho produzido. (...) Existe uma quantidade de factores externos ao
artista que têm um peso determinante na esfera artística. O peso da economia ou da cultura
246
ISBN: 978-989-8300-32-4
de um pais... E Portugal não tem pensadores nem exporta pensamento relacionado com a
arte contemporânea (C. Filipe, 2010)
Hoje, mais do que fornecer uma explicação teórica, os artistas que fazem questão de mostrar
que se movem sobre essas mesmas supostas bases culturais e críticas estão, na melhor das
hipóteses, a apresentar sinais aos outros agentes. Sinais de que estão a par. Sinais de que
estão entre pares. “Cito isto porque sei que tu sabes, e porque tu sabes o que eu citei vais
situar-me como alguém que também sabe”. (...) Trata-se da vontade de pertencer, de ser
reconhecido e de ter cúmplices (E. Batarda, 2011)
Eu respeito muito o mercado da arte e não confundo o mercado da arte com a obra de arte e
as suas qualidades. As qualidades da obra de arte têm algum interesse para o mercado da
arte mas não são o único valor. Existem outros mecanismos com os quais as galerias e os
galeristas têm que lidar e lidar bem (A. Olaio, 2010)
Nas visitas ao meu atelier, particularmente por parte dos coleccionadores, é muito raro
encontrar aqueles que olham para o outro lado, para o reverso do desenho, aqueles que
entram efectivamente no universo da obra de arte. Por diversas razões, há quem veja o
objecto de uma forma muito planificada (M. Palma, 2010)
Hoje em dia e cada vez mais esses agentes assumem um maior protagonismo. O artista é
colocado num lugar secundário. Muitas vezes o artista é utilizado como uma peça num jogo
bem maior, jogo esse que apenas alimenta o discurso e o poder dos outros (M. Santos,
2010)
A relação do artista com o meio é, na grande maioria das vezes, uma relação conflituosa,
uma relação crítica perante aquilo que o rodeia (P. Mendes, 2010)
Tenho dificuldade em perceber a importância que é atribuída às galerias de arte. (...) E
parece-me que são os artistas quem alimentam essa importância atribuída às galerias de arte
(J. P. Vale, 2011)
(...) quem decide não é o artista. Quem decide, efectivamente, é a galeria, o museu, o curador.
São eles quem permitem ou não a construção de uma carreira artística. (…) Parece-me
difícil alterar as regras de um sistema comercial como aquele no qual vivemos (D.
Blaufuks, 2011)
O artista está mal posicionado. Mas não sei se neste momento é possível [fazer uma releitura do lugar e do papel do artista na esfera artística]. Sinto esse desconforto, um
desconforto com o qual me tenho habituado a viver. Sinto que o artista é cada vez mais uma
peça inserida numa gigantesca máquina de marketing de uma indústria de arte que
ultrapassa em muito o puro prazer pelo conhecimento.
Se por um lado estas questões não devem ser dramatizadas, por outro lado também não
devem ser esquecidas (J. Tabarra, 2010)
(…) Esses ajustamentos [entre artista e esfera artística] vão sendo feitos ao longo da
história (A. Carneiro, 2011)
Muitas vezes dá-se demasiada importância ao comissário e ao galerista (A. Cepeda,
2010)
Parece-me que no mercado da arte a validação dos objectos artísticos é feitas pelos agentes
errados. Não me parece que caiba ao galerista ou ao ‘curator’ dizer o que é ou não é bom.
A obra de arte é boa porque existe (J. P. Vale, 2011)
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Os artistas têm que começar a ser mais exigentes com os comissários (M. Santos, 2010)
Eu sou muito crítico em relação a esta teia. É uma rede perversa. No centro dessa perversão
está o objecto artístico comercializavel, está o negócio das obras de arte. Em Portugal é logo
aí que começa a discriminação, com os galeristas a defender os seus artistas, dizendo mal dos
artistas representados por outros galeristas, com pessoas que deviam ser isentas e estar fora
do mercado num conluio descarado de interesses (J. de Guimarães, 2011)
Os artistas são o núcleo de um território que é também do interesse de vários outros agentes,
agentes que produzem um discurso depois do artista produzir a obra. São exteriores à obra
(…)
Os problemas que [o meu trabalho] me levanta (…) são problemas que interessam a quem
produz os objectos artísticos. (…)
Interessa-me muito introduzir uma epistemologia própria de quem está dentro do território a
fazer, diferente daquela que os críticos de arte praticam.
Em Portugal falta construir esse território de reflexão (F. J. Pereira, 2011)
Já tive muito boas experiências em exposições comissariadas (…) Contudo parece-me que
em alguns casos não há essa articulação ou um real diálogo com o artista. (…) O que
também é da minha responsabilidade. (…) É frequente, principalmente em exposições
colectivas, o trabalho vir apenas ilustrar o discurso e conceitos apresentados pelo comissário.
(…) [Na crítica de arte] parece-me que essa desadequação acontece menos, porque,
geralmente, há um contacto directo, uma conversa, um trabalho mais aprofundado de
reflexão e contextualização da obra. [Ainda assim] há mais jornalismo cultural do que
crítica de arte (M. Santos, 2010)
[O artista posicionou-se sempre da mesma forma, ao longo dos tempos, perante essa esfera
artística]. Tenho a certeza que hoje não se passa nada de extraordinário. (…)
Eu sou uma expressão do meu tempo, mas segundo um padrão que existe há séculos (J.
Vasconcelos, 2011)
Há o perigo dos outros esperarem que o artista fale como o crítico escreveu. Há o perigo
maior dos próprios artistas acharem que devem falar como o crítico escreveu. Há o perigo
ainda maior dos artistas acharem que devem fazer a arte que os críticos esperam que ele
faça. Tudo isto são gradações do inferno.
É grave quando o artista se encontra numa posição em que a sua falta de segurança ou a
sua falta de iniciativa própria o leva a fazer aquilo que os críticos esperam que ele faça (R.
Chafes, 2011)
Não aceito realizar um filme em que seja o produtor a decidir o corte final. O ‘final cut’ é
meu (P. Mendes, 2010)
Nego-me a comprometer o meu trabalho para ganhar dinheiro. (...) O mercado não me
interessa, nem nunca me interessou. Não faço depender o meu trabalho das questões
comerciais. E não aceito encomendas no sentido estrito: faço o que quero no tempo que quero
(A. Carneiro, 2011)
[sobre a história da arte, a crítica de arte e o jornalismo:] As estratégias individuais desses
jornalistas culturais que se apelidam de críticos de arte são demasiado previsíveis e óbvias.
Com tantas revistas e livros estimulantes a serem editados no mundo a nossa atenção não se
deve dispersar por menoridades.
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Depois existem os historiadores de arte que são outra classe. Temos alguns bons
historiadores, aliás alguns escrevem crítica de arte e o resultado é habitualmente mais
interessante… (P. Mendes, 2010)
Sempre me coloquei numa lógica de coexistência distanciada e independente relativamente a
todos os sistemas do mundo da arte. (…) É uma opção lúcida que me permitiu encontrar o
meu lugar. E não se trata de encaixar na esfera artística. Dito de forma rápida, eu só faço
aquilo que me apetece. Pessoalmente, se assim não fosse, só me restava uma atitude:
abandonar a arte (F. J. Pereira, 2011)
Embora sem qualquer garantia, existem esquemas que perduram já há algum tempo para
se ser um artista reconhecido. Ser amigo de ‘X’, agradar a ‘Y’, abdicar da família, muitas
vezes abdicar daquilo em que acredita. Entrar no jogo das festas particulares, dos copos à
noite, dos conhecimentos...
E pagar às pessoas que, à partida, têm os direitos no mercado da legitimação artística para
dizerem que tu és um bom artista. 5 mil euros… (J. Tabarra, 2010)
Como diria o Detlev Scheider, há muita miséria na arte portuguesa. (E. Batarda, 2011)
[sobre a relação ideal entre artistas e operadores artísticos:] Um lugar onde existem muitos
museus, onde existe uma massa crítica interessante, muitos artistas, muita gente a pensar.
Tudo isso facilita muito as coisas. Invejas não... (M. Palma, 2010)
Se o artista fosse honesto, se calhar podia [reivindicar diferentes posturas por parte dos
operadores] mas… (…) isto é muito feio! (A. Cepeda, 2010)
No meio artístico há torpedos e cargas de profundidade que me afectam muito, lançados quer
pelos artistas quer pelos outros operadores da esfera artística (E. Batarda, 2011)
Parece-me que as pessoas ficam pouco à vontade quando estão perante um artista plástico
que (para além de fazer as suas obras) tem ideias não só sobre os próprios trabalhos, mas
sobre o universo onde está incluído (F. J. Pereira, 2011)
[Numa relação ideal entre artista e esfera artística] não fazia sentido a existência de todo o
tipo de estruturas relacionadas com o mercado da arte. E o próprio discurso entre artistas
constituía-se como o pensamento crítico (P. Calapez, 2011)
Na perspectiva de criador, considero que o artista devia estar concentrado no seu trabalho.
Os outros agentes deveriam bater-lhe à porta. (…) Isso era o ideal (D. Blaufuks, 2011)
(…) numa perspectiva ideal coloco o artista no centro do mundo. Neste caso, eu no centro do
mundo. E se não fosse artista continuar-te-ia a responder da mesma maneira (G.
Burmester, 2011)
A relação ideal [entre artistas plásticos e os ‘players’] é uma relação de independência (…)
no sentido de cada operador estar consciente da sua posição e do seu quadro de referências (P.
Mendes, 2010)
O artista no seu atelier visitado pelos operadores artísticos era o ideal, mas não é possível
(A. Cepeda, 2010)
Agora, é o artista quem vai bater à porta para, por favor, apresentar o seu trabalho. Devia
ser exactamente o contrário (F. Queirós, 2010)
Não há situações ideais [na relação artista/esfera artística]. As relações estabelecem-se pelo
reconhecimento da autoridade (hoje esta palavra é perigosa mas eu assumo-a) (A. Carneiro,
2011)
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Para existir um ‘mundo perfeito’ os principais operadores da esfera artística, por exemplo, os
operadores envolvidos no mercado da arte (que neste momento é algo determinante para a
esfera artística) tinham que desaparecer (F. J. Pereira, 2011)
As galerias também não promovem os encontros entre os artistas… (C. Cruz, 2010)
De facto, o artista praticamente perdeu a possibilidade de se fazer ouvir. Perdeu a voz.
Existe um controlo sobre o artista por aqueles que controlam os espaços expositivos. E
parece-me que todo esse meio se tornou num circo avassalador (J. Tabarra, 2010)
Enquanto artista concentro-me em fazer a minha parte. Construo um discurso, apresento os
meus trabalhos, edito livros... e faço-o o melhor que sei. Desta forma, gostem ou não,
critiquem ou não, vendam ou não, não me podem criticar pelo que não fiz (A. Ferreira,
2011)
Em Portugal parece existir uma ideia naif de que o artista deve expor internacionalmente
para se tornar uma estrela (C. Filipe, 2010)
Eu até podia ter um toque de originalidade, invenção, diferença ou mesmo até da chamada
qualidade, mas nada disso pode ser conhecido ou reconhecido pelo público, quando o difusor é
a dinâmica do mercado de arte português. (...)
Um pequeno país, um pequeno centro, por definição, vai mostrar pequenas coisas,
irrelevantes (E. Batarda, 2011)
Na arte, o que está em causa não é a necessidade de uma legitimação semelhante à
necessidade das ciências. Na arte não há a necessidade de enunciar leis que pretendem
substituir outras leis, à imagem da ciência.
Na arte, trata-se da confluência ocasional de interesses, não requer consensos criticamente
definidos, mas passa-se algo que se apresenta como mais significativo e que acaba por se
tornar mais preponderante no seu meio durante algum tempo.
É este o mecanismo utilizado, mesmo depois das várias histórias terem demostrado que ele
não é o melhor, o que faz com que posteriormente seja necessário reler os seus resultados.
(…) Esses juízos de valor nem sempre são acertados nem sequer consensuais. E a história
oblitera-se sistematicamente (P. Proença, 2011)
Há na esfera artística uma função que, embora já existisse antes, tem hoje uma outra
preponderância, tem outra importância: o curador.
Essa preponderância é algo de bastante novo e que, de certa forma, transforma o modo e a
forma de como a arte é apresentada.
Antes, apreciava-se o trabalho do artista que podia ou não ser exposto. Agora, o artista é
muito condicionado pela acção desse curador. E ele faz também o papel do crítico de arte.
(...) Os artistas são usados em favor da sua exposição. O curador tornou-se numa nova
‘rock star’ (A. Gonçalves, 2010)
O mercado da arte é como um jogo muito simples e por isso percebe-se bem como é que
funciona. (...) Quem quer estar no mercado, tem que jogar o jogo com as suas regras. E a
questão económica é determinante na criação das regras, que por vezes não são muito
correctas para todos nós. Por vezes essas regras criam erros no sistema.” (A. Cepeda,
2010)
Por vezes acontece que aquilo que se lê nas entrelinhas [da crítica de arte] está mais
relacionado com a sua própria agenda do que com o trabalho sobre o qual estão a versar (M.
Santos, 2010)
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Se alguém apostar economicamente num artista e o colocar ‘lá em cima’, a partir desse
momento os trabalhos desse artista começam a vender. O artista é um sucesso embora possa
vir de lugar nenhum. O mercado e as próprias pessoas precisam desses ídolos, estrelas,
famosos. Isso é o lado económico e é isso que me parece estar mal. Os comissários vivem
disso, as galerias vivem disso, os museus vivem disso (A. Cepeda, 2010)
Hoje em dia as coisas passam cada vez mais por uma lado institucional. E a construção dos
métodos de legitimação tem vindo a ser feita no sentido de arredar o artista dessa
responsabilidade. E o próprio artista também não parece querer ter essa responsabilidade
(P. Proença, 2011)
A partir do momento em que um artista entra no mercado sabe que...são todos amigos (A.
Cepeda, 2010)
O artista faz o que tem que fazer para poder fazer o que quer fazer. Para viver da criação
artística, e quando um artista se encontra dentro do mercado da arte, são necessárias
determinadas concessões perante esse grande circuito: as instituições, as galerias, os críticos de
arte, etc... Inevitavelmente, o artista é influenciado e levado a ponderar a sua atitude perante
o sistema de legitimação e valoração da obra de arte e o jogo do mercado (P. Calapez,
2011)
[sobre o mercado da arte] É completamente absurdo. (...) O artista não deve entrar no jogo
do comércio [caso contrário] poderá passar a fazer não aquilo que ele quer mas aquilo que
lhe parece adequado fazer (A. Gonçalves, 2010)
Um dos meus problemas – ou uma das minhas espertezas – é a adaptação dos tempos aos
espaços e dos espaços aos tempos. Por outras palavras, como tenho pouca saída, e como o
meu trabalho vende pouco, é possível que os meus “célebres” intervalos, interrupções, pausas,
paragens, hiatos, preguiças ou depressões, sejam, na realidade, um factor de correcção para
não ficar com um excesso de produção, produção incapaz de ser escoada no mercado, mercado
que me baixava o preço, preço baixo que só provava a minha falta de qualidade (E.
Batarda, 2011)
O artista no seu atelier já acabou. O artista, hoje em dia, tem vários papéis. Tem que ir às
inaugurações, tem que ir falar com este e com aquele, tem que apresentar o seu trabalho, tem
que... (…) Percebo o mundo da arte e percebo esse lado social. (…) São as regras. (…) O
artista tem mesmo que cumprir esses papéis. Não pode estar no seu atelier à espera que lhe
venham bater à porta (A. Cepeda, 2010)
Parece-me que é o galerista quem define o que é que o comprador compra. Julgo que é muito
raro ser o contrário (A. Gonçalves, 2010)
Não há crítica [de arte], não há reflexão sobre a obra nem sobre aquilo que disse em
entrevista ou que escrevi em texto. Opta-se pelo mais fácil: colocando-se de fora, não se
relaciona, não se analisa, não se conclui... não se opina. Não há aquilo que devia haver:
reflexão. (...) Não há a inscrição de uma ideia, não acrescentam. Quero que me digam mais
do que apenas aquilo que eu vou ver. Quero que me digam de onde vem, de que trata, o que
problematiza, o que diz ou não diz...
(...) Se as pessoas não lêem uma reflexão, não são habituadas, também elas, a pensar
sobre... Se há uma crítica e uma reflexão, há posteriormente uma contra-opinião feita pelo
leitor, pelo espectador. Isso é um bom desafio para o público (A. Gonçalves, 2010)
251
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Parece-me mais importante legitimar a obra (…) não necessariamente no artista (C. Cruz,
2010)
[sobre a relação do artista com os diferentes agentes da esfera artística] Acho que o artista
não se deve preocupar muito com o seu lugar. Eu não me preocupo com isso. O artista devese preocupar com o seu trabalho. (…) Vejo a minha carreira artística como um percurso que
se faz lentamente e alicerçado no meu trabalho. E cada vez acredito mais no meu trabalho
(A. Cepeda, 2010)
A esfera artística devia rodar em torno do trabalho do artista. E devia ser produzido um
conhecimento isento e desinteressado, sem outros interesses para além dos artísticos sobre a
sua obra. (…) A obra é o que interessa. O artista não interessa para nada. Não há o
mínimo de interesse na sua vida. Dar importância ao artista é promover uma operação de
marketing. Como fez Warhol à volta da sua vida e da sua imagem. Quando me aproximo
de uma obra, relaciono-me apenas com ela. Não me interessa conhecer a pessoa que a
realizou. (…) O que interessa é o resultado do meu trabalho. Eu sou desinteressante (F.
Queirós, 2010)
Perguntou-me se eu faço uma quantidade de coisas para pertencer a... Perguntou-me se eu
queria pertencer a... Respondo-lhe:
Preferia pertencer. Evidentemente, preferia pertencer. Mas é impossível. Para pertencer era
preciso que a sociedade em geral, ou pelo menos a comunidade artística, pensasse como eu
penso e utilizasse a linguagem como eu a utilizo. Contudo, se me permite mais uma
repetição, pontualmente, encontro pessoas que me percebem de forma razoável (ou pelo menos
parecem perceber).
Como qualquer artista, gostava de pertencer, gostava de ser reconhecido. Ainda que não fosse
de uma forma transversal a toda a sociedade, gostava que, pelo menos no meio artístico, um
aluno do 2.º ou 3.º ano de artes reconhecesse o meu trabalho (E. Batarda, 2011)
Não me sinto confortável nem como artista nem como cidadã. Sou crítica e questiono a
forma como a estrutura está definida (C. Cruz, 2010)
Penso que ainda há um longo caminho a percorrer no sentido de serem criadas condições de
criação, produção, exposição, comercialização.(…)
Os artistas (…) deveriam poder exercer a actividade [sem] constrangimentos de ordem
primária. E nem sempre isso é possível. Há, portanto, um conjunto de questões na nossa
sociedade que não estão bem resolvidas (Z. de Carvalho, 2011)
A esfera artística parece-me ser a mesma desde sempre. Não há estrutura mais clássica,
mais conservadora do que a estrutura das artes (J. Vasconcelos, 2011)
A ideia de cultura mudou muito nos últimos dez, vinte anos. Hoje, há muitos operadores no
mundo das artes. Agora temos uma indústria turístico-cultural. A própria arte tornou-se
uma indústria (A. Ferreira, 2011)
O papel do artista não sofreu grandes alterações. Foi a mecânica dos outros operadores que
mais se alterou (A. Gonçalves, 2010)
O artista tem que criar um lugar próprio, de independência perante os outros operadores. O
artista não deve estar alheado daquilo que está à sua volta. Deve ter consciência das
especificidades do meio onde se situa e deve afirmar claramente a sua posição nesse contexto
sem se deixar contaminar (P. Mendes, 2010)
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Hoje em dia a legitimação faz-se de muitas maneiras. E embora exista toda uma teoria em
sentido contrário, eu acredito que essas ferramentas devem estar nas mãos dos produtores de
arte. De uma forma mais imediata, é a eles que isso diz mais directamente respeito (P.
Proença, 2011)
O artista tem que se saber defender. O artista tem que saber manter a sua autonomia,
sobretudo a sua autonomia artística. Isso é fundamental.
O mercado, as galerias, etc... não devem funcionar como chicote para o artista. E por vezes é
necessário o artista dizer: Alto. Quem manda aqui sou eu. (…) (J. de Guimarães,
2011)
Os artistas deviam ser mais reivindicativos e mais responsáveis não se cingindo apenas ao
lugar que lhes é definido pelos outros (M. Santos, 2010)
Eu tenho um tipo de galerista muito bom e que não há em Portugal. Eu não tenho muito
jeito para vender o meu trabalho. O Nuno Centeno consegue verbalizar aquilo que eu não
consigo dizer sobre a minha obra. (…) Ser avaliada custa-me muito. Sou muito segura
naquilo que faço mas quando tenho que convencer... o Nuno Centeno tem essa capacidade, o
que me completa (C. Filipe, 2010)
Parece-me que o artista hoje em dia é mais uma peça de um puzzle em que ninguém é o
centro (…) porque tudo é desmontado, desmultiplicado. Tudo é interdisciplinar. No mundo
contemporâneo vive-se num estado líquido. (…) Hoje, acaba por ocupar esse centro aquilo
que for mais mediático ou mais publicitado. Pode ser o museu, pode ser um curador, pode ser
um artista... (…) No “mainstream”, cada operador dentro da sua escala, todos sentem
precisamente o mesmo drama (G. Burmester, 2011)
[Os agentes do meio artístico] tratam os artistas como peças de um xadrez maior e falam
dos artistas como quem fala dessas peças. E gerem os artistas dessa forma (J.
Vasconcelos, 2011)
Os artistas podem até apresentar os sinais exteriores de modernidade, podem até pertencer,
mas não basta pertencer se não existir um mercado capaz (E. Batarda, 2011)
Em determinado momento achou-se que existiam patamares graduais a atingir pelos
artistas. Os museus (simultaneamente criticados e cobiçados) eram o último patamar a
atingir e depois de expor, por exemplo, no Museu de Serralves, estavam esgotadas as
possibilidades de progredir. Mais tarde percebeu-se que outros espaços, por exemplo espaços
geridos por artistas, sem dinheiro nenhum, funcionam paralelamente às grandes instituições.
Agora, aquilo que os artistas pretendem são espaços onde possam mostrar as suas obras
para assim continuarem o seu percurso artístico. Muitas vezes são os próprios artistas que
criam a possibilidade de apresentar o seu trabalho. E não estar dependente de subsídios ou
apoios é também uma mais valia. (…) É quase como jogar um jogo em que um projecto tem
que pagar o outro. Pôr e tirar, pôr e tirar, com a conta sempre a zero (C. Filipe, 2010).
Excertos do material coligido, decorrente do registo áudio das conversas tidas com os
27 artistas plásticos (com posterior edição e respectiva revisão final por parte dos
próprios), no âmbito do Doutoramento em Estudos de Arte 'O Artista pelo Artista na
voz do próprio' (Universidade de Aveiro - com o apoio da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia). Publicado com o consentimento expresso dos artistas. ●
253
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
‘Where Are My Glasses?’ ‘Where The Fuck Are My
Glasses?’ A ‘Grande Narrativa’ a partir do caso de
António Olaio
Francisco Cardoso Lima*
&
João Mota**
Resumo: Este trabalho centra-se numa abordagem sobre aquilo que aqui se designa
como a ‘Grande Narrativa,’ a partir da exploração de 27 conversas com artistas
plásticos portugueses e alavancado pela leitura conjunta de dois trabalhos do artista
português António Olaio. Propõem, enquanto ferramenta reflexiva, o manifesto ‘A
Grande Narrativa.’
Palavras chave: António Olaio, grande narrativa, entrevista, a voz do artista, manifesto
Title: ‘Where Are My Glasses?’ ‘Where The Fuck Are My Glasses?’ – The ‘Grand
Narrative’ from António Olaio’s case
Abstract: This paper focuses on what here is called the ‘Grand Narrative.’ From the
analysis of conversations/interviews with 27 portuguese artists and leveraged by a joint
reading of two works of the portuguese artist Antonio Olaio, this paper propose a
manifesto called ‘The Grand Narrative’ acting as a reflexive tool.
Keywords: António Olaio, grand narrative, interview, the artist’s voice, manifesto
Introdução
A partir da análise do caso particular de António Olaio, esta
comunicação centra-se na exploração de 27 entrevistas efectuadas a
artistas plásticos portugueses, inseridas nos trabalhos realizados para o
doutoramento em Estudos Artísticos ‘O Artista pelo Artista’ (UA, FCT).
Num primeiro momento pretende-se apresentar uma leitura alargada
sobre a “Grande Narrativa,” assunto caro e um dos tópicos de conversa
transversal aos vários encontros tidos com os diversos criadores. Num
segundo momento pretende-se avançar com uma conclusão apresentada
sob a forma de manifesto, manifesto enquanto ferramenta reflexiva.
Francisco Cardoso Lima: Artista Visual e professor no Departamento de Comunicação e Arte Universidade de Aveiro. Licenciatura Artes-Plásticas Pintura – Faculdade de Belas-Artes do Porto, Mestrado
Estudos Artísticos – Universidade de Aveiro. Doutorando Estudo de Artísticos – Universidade de Aveiro –
Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
** João Mota: Portugal, artista visual e professor no Departamento de Comunicação e Arte - Universidade de
Aveiro. Director do doutoramento em design, vice-director do mestrado em Criação Artística
Contemporânea. Membro fundador da Unidade de Investigação ID+.
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1. O caso António Olaio
António Olaio (Sá da Bandeira, Angola, 1963) é licenciado em ArtesPlásticas - Pintura (ESBAP, 1988) e doutorado com a tese ‘O campo da
arte, segundo Marcel Duchamp’ (FCTUC, 2000).
Iniciado nos anos 80, o seu percurso artístico, multidisciplinar, revela
uma forte coerência discursiva e funciona aqui como ponto de partida
através da leitura conjunta das obras ‘Where are my glasses?’ (A. Olaio,
1985) e ‘Where The Fuck Are My Glasses?’ (A. Olaio, 2010).
A vibração causada por esses dois trabalhos, por um lado fortemente
ligados por uma mesma procura, e por outro lado claramente separados
por um arco temporal de mais de duas décadas, apresenta de forma
evidente a importância atribuída por A. Olaio à grande narrativa. A
existência de elementos que se mantêm transversais ao seu universo
criativo e a forma consciente como recorre à sua utilização demonstram
a importância atribuída pelo artista à própria construção desse grande
quadro. Na voz de António Olaio:
Com o passar do tempo sinto muitas variáveis, mas sinto também algumas constantes.
Encontro sincronias entre passado e presente, como indivíduo e como artista, [e
enquanto artista,] quando estou a fazer algo, conscientemente visualizo trabalhos que
realizei anteriormente (A. Olaio, 2010).
Sejam eles o vídeo, a música, a performance, a pintura, o desenho,
etc... existe nos objectos artísticos de A. Olaio um conjunto de traços
que concorrem e perspectivam um todo maior. Ainda, na sua voz:
Expus na Galeria Roma e Pavia, em meados de 80, uma pintura que se chamava
‘Where Are My Glasses?’. Agora, na exposição patente no museu do Neorealismo,
está exposta uma pintura que se chama ‘Where The Fuck Are My Glasses?’. É
como se eu tivesse dito: ‘Where are my glasses?’ e, depois de uma pausa, desse um
murro na mesa e voltasse a dizer: ‘Where the fuck are my glasses?’. Uma pausa de
20 anos (A. Olaio, 2010).
A percepção da existência de uma grande narrativa enquanto
construção consciente de uma obra maior, evidente no caso de António
Olaio, funciona como motor para a abordagem efectuada neste artigo às
255
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
27 entrevistas realizadas a artistas plásticos portugueses constituídos em
amostra.
2. A amostra e a ‘Grande Narrativa’
Com a colaboração do crítico de arte Miguel von Hafe Pérez,
seleccionou-se uma amostra para estudo com o propósito apresentar um
quadro de referência que se pretendeu representativo das artes plásticas
contemporâneas em Portugal. Foram incluídos na amostra os artistas:
Alberto Carneiro, André Cepeda, André Gonçalves, Ângela Ferreira,
António Olaio, Carla Cruz, Carla Filipe, Cristina Mateus, Daniel
Blaufuks, Eduardo Batarda, Fernando José Pereira, Francisco Queirós,
Gerardo Brumester, Joana Vanconcelos, João Pedro Vale, João Tabarra,
José de Guimarães, Mafalda Santos, Manuel Santos Maia, Marta de
Menezes, Miguel Leal, Miguel Palma, Paulo Mendes, Pedro Calapez,
Pedro Proença, Rui Chafes e Zulmiro Carvalho.
Do conjunto dos encontros com os diversos artistas resultou um
documento volumoso que reúne em mais de 300 páginas o discurso dos
criadores, por vezes negligenciado, aqui apresentado ‘tout court,’ de
artista para artista, na primeira pessoa. Este registo directo possibilita,
julgamos, uma percepção tão abrangente quanto possível sobre o
panorama das artes plásticas em Portugal, hoje.
Pretendeu-se evitar o enfoque teórico-filosófico que emergiu nas
últimas 5 décadas, à imagem daquele que, por exemplo, Jean-François
Lyotard aborda em “La condition postmoderne: rapport sur le savoir”
(1979). Antes, este estudo procura centrar as atenções no artista,
trazendo para a discussão a sua voz, na primeira pessoa, procurando a
sua perspectiva idiossincrática sobre a possibilidade de existência de um
‘grande quadro’ enquanto algo que ultrapassa a fisicalidade do objecto
artístico, algo que não está necessariamente no objecto artístico, algo que
não o objecto artístico. Antes, a grande narrativa como uma grande
construção, mais próximo do processo de criação, mais próximo do
percurso artístico, como um todo maior que as partes.
Para esta comunicação, focamos atenções apenas no conjunto de
tópicos que referenciam a relação do artista com a grande narrativa.
Procurou-se perceber se existe por parte do artista plástico um olhar
retrospectivo sobre o seu percurso artístico. Qual a sua importância e
como esse grande corpo afirma ou concorre, consciente ou
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inconscientemente, para um todo distinto, particular e maior que as
partes. Por fim, arriscando uma aproximação especulativa, abriu-se
campo para um salto do artista plástico particular para o conjunto de
todos os artistas plásticos. Para lá da ‘Grande Narrativa,’ colocou-se a
hipótese de existir uma ‘Metanarrativa’ colectiva com autoridade sobre as
grandes narrativas íntimas, ou para a qual as várias grandes narrativas
concorrem, ou a qual é afirmada/constituída pelas grandes narrativas
individuais.
Procurou-se uma reflexão sobre a relação artista/grande narrativa, pela
voz do próprio.
3. A ‘Grande Narrativa’ na voz dos próprios artistas
A título demonstrativo, apresentam-se 3 perguntas exemplo utilizadas
para lançar o tema à conversa:
Quando olhas para trás, parece-te que estás a criar uma grande construção, um todo
maior do que o somatório das partes? (pergunta efectuada a R. Chafes);
Quando olha para a totalidade da sua obra, considera que o conjunto dos seus
trabalhos constroem um ‘grande quadro’? Encontra um sentido transversal? Até,
eventualmente, surpreendente para o próprio criador. (pergunta efectuada a E.
Batarda);
Existe uma corrida de fundo no percurso criativo? Que importância tem esse ‘grande
quadro’ na tua própria prática. (...) Trabalhas conscientemente sobre esse ‘grande
quadro’? (...) (pergunta efectuada a A. Gonçalves).
Encontra-se em anexo o conjunto das várias respostas apresentadas
pelos diferentes artistas. Esse corpo, essa pluralidade de discursos, a voz
dos artistas, enforma o conteúdo sobre o qual se pretende reflectir e a
partir do qual se construiu uma aproximação à grande narrativa
estruturada em forma de manifesto.
4. Das entrevistas ao manifesto
Parte de um todo maior, o manifesto aqui proposto resulta da análise
qualitativa do documento com o registo de todas as conversas com os 27
artistas plásticos portugueses.
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Primeiro, num movimento indutivo, identificaram-se e sistematizaramse um conjunto de ‘lugares estruturais comuns’ (Hiernaux, 2005), um
conjunto de grandes campos de interesse transversais às várias
entrevistas. Por exemplo: a relação entre pares, o discurso do artista, a
grande narrativa, o atelier, a esfera artística... Os lugares estruturais
comuns funcionaram enquanto códigos para sistematizar, ordenar,
classificar, categorizar a informação (Saldaña, 2009).
Posteriormente, através da ‘condensação descritiva’ (Hiernaux, 2005),
e num esforço de síntese interpretativa, dirigiu-se o sentido veiculado
pelas palavras dos artistas (por vezes com níveis de abstracção elevados)
aos respectivos lugares estruturais comuns do discurso, reconduzindo o
conjunto de formas complexas de sentido a unidades de sentido comuns
simples. Por exemplo: olhar retrospectivo, olhar prospectivo, consciência
do ‘grande quadro,’ para lá da grande narrativa...
Por fim, consequência do processo interpretativo, acrescentou-se por
cima dos resultados obtidos uma leitura de dimensão pessoal, no
domínio do subjectivo, que, embora sediada nas palavras dos artistas,
não se sentiu necessariamente vinculada a elas, acrescentando um
entendimento autoral próprio, como um discurso sobre os discursos,
materializado, num momento de convicção, na forma de manifesto
artístico.
O manifesto (e o discurso nele contido, por vezes passível de ser
considerado, ele próprio, objecto artístico), contêm em si uma
elasticidade cara às idiossincrasias contidas nos discurso dos criadores,
no discurso artístico. Justamente por isso, pela sua natureza afim das
estratégias criativas, pela sua clara abertura, pela própria possibilidade
plástica e enquanto ferramenta discutida e reconhecida pela História da
Arte, o manifesto é aqui utilizado, num esforço de síntese, enquanto
instrumento reflexivo e espaço operativo para construir.
Manifesto ‘A Grande Narrativa’
1. O objecto artístico é um objecto que é artístico.
2. Enquanto objecto é coisa. É contentor, é vazio. É frio, seco, árido.
3. Não existe narrativa no objecto.
4. Enquanto artístico possui um muito complexo mecanismo interno,
possui artisticidade. Possui artista.
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5. Existe artista no objecto artístico. Existe narrativa no artista. Existe
narrativa no objecto artístico.
6. O objecto artístico é a narrativa. O artista é a Grande Narrativa.
7. A Grande Narrativa é o artista.
8. A Grande Narrativa é o processo, o percurso, a ânima, o desejo, a
ferida, o nó, o motor.
9. O motor é o artista.
10. O artista é a Grande Narrativa.
11. A Grande Narrativa interessa ao artista.
12. Quem pensa a Grande Narrativa é o artista.
13. Quem pensa o artista é o artista, é o outro o artista.
14. O artista pensa o artista. O outro não pensa o artista.
15. Outro pensa o objecto.
16. O artista não é consciente da Grande Narrativa.
17. O artista é consciente da Grande Narrativa.
18. A Grande Narrativa é o grande interesse aglutinador, é um
entendimento alargado. É retrospectiva, é a exposição retrospectiva, é
prospectiva.
19. A Grande Narrativa é mais do que o conjunto das obras de arte, é
outra coisa que não o conjunto dos objectos artísticos.
20. A Grande Narrativa é o artista.
21. A Grande Narrativa é o artista, todo.
22. A Metanarrativa é todos os artistas, é tudo.
23. Existe uma Grande Metanarrativa que é maior e mais complexa
que a Metanarrativa, muito maior e mais complexa que a Grande
Narrativa e muito muito maior e mais complexa que a Narrativa.
24. A Grande Metanarrativa é coisa da espiritualidade.
25. A espiritualidade é a Grande Metanarrativa.
26. Sempre existiu uma Grande Metanarrativa!
27. Sempre existiram Metanarrativas, Grandes Narrativas e Narrativas.
28. Sempre existiram artistas. Existe o artista.
Referências
Hiernaux, J-P. et al. (2005) Práticas e métodos de investigação em ciências sociais Lisboa:
Gradiva. ISBN: 9789726625544.
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Olaio, António (2005) Ser um Indivíduo Chez Marcel Duchamp Porto: Dafne
Editora. ISBN: 9789729901973.
Saldaña, J. (2009) The Coding Manual for Qualitative Researchers. Los Angeles: Sage
Publications. ISBN: 9781847875495. ●
Anexo - A ‘Grande Narrativa’ na voz dos próprios artistas
Elenca-se aqui o conjunto das varias respostas apresentadas pelos diferentes artistas
que enforma o conteúdo sobre o qual se pretende reflectir e a partir do qual se
construiu uma aproximação à grande narrativa estruturada em forma de manifesto:
Eu não penso muito nisso (...) mas consigo perceber que o que me liga às coisas é sempre o
mesmo.. (A. Cepeda, 2010);
As obras tendem a ser cumulativas e nesse sentido, aquilo que fiz antes concorre para um
melhor entendimento daquilo que faço hoje. Algo que tem a ver com perspectiva.. (ou
retrospectiva) histórica de uma obra (A. Ferreira, 2011);
Não [persigo esse ‘grande quadro’]... Mas (...) (C. Mateus, 2011);
O ‘grande quadro’ como súmula do meu percurso... Não sei (…) Mais do que uma grande
construção, consigo ver uma continuidade (J. de Guimarães, 2011);
No início não tens essa percepção mas ao fim de alguns anos.. (G. Burmester, 2011);
O meu trabalho, naquilo que diz respeito à ideia de escultura, mantém-se. Procuro as
mesmas formas, utilizo o mesmo alfabeto, as mesmas obsessões (Z. de Carvalho, 2011);
Olhando para o meu percurso artístico, reconheço momentos (geralmente passado um certo
tempo) que foram particularmente interessantes para o meu desenvolvimento criativo (P.
Calapez, 2011);
(...) quando olho retrospectivamente encontro um tema aglutinador. E isso é estimulante (J.
P. Vale, 2011);
Tenho consciência desse percurso maior do que a obra em si (…) E a selecção das obras que
realizo têm em atenção o que está para trás e o que perspectivo para o futuro.. (…) Procuro
que as minhas peças façam sentido nesse percurso... nesse grande percurso, nesse 'grande
quadro' (A. Gonçalves, 2010);
Sim, por vezes tenho a impressão [que estou a construir] uma narrativa maior. Não é uma
coisa programada.. (C. Mateus, 2011);
Às vezes não tenho dúvidas nenhumas, às vezes parece-me evidente.
E parece-me que sempre estive a fazer isso, mesmo quando não tinha uma noção clara que
estava a criar essa grande construção... E essa tomada de consciência é, em si, um processo de
construção (J. Vasconcelos, 2011);
Essa ‘grande obra’ é sempre uma construção exterior ao próprio artista. O próprio não tem
consciência dela. É, normalmente, e por necessidade, catalogada por quem é exterior (A.
Carneiro, 2011);
Pode ler-se alguma coerência nas abordagens que fui fazendo. Vejo que há uma preocupação
na procura de uma linguagem, uma forma de dizer com um discurso não complexo ou
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excessivo. Tento utilizar um discurso simples... E o tempo foi passando e fui deixando coisas
para trás (...) O tempo parece-me sempre insuficiente (Z. de Carvalho, 2011);
‘A grand jatte’. Um trabalho para a vida (...) Acho que sim (A. Gonçalves, 2010);
(...) Parece-me que sim (F. Queirós, 2010);
Eu acho que estou a construir uma ‘grande obra’ (...) e é interessante o K. Schachter
traduzir essa ‘grande obra’ como a caixa do ‘speakers corner’ (...) Tudo é um pretexto para
me por em cima de uma caixa de sabão (...) e dizer a toda a gente o que tenho para dizer.
E eu imagino-me em cima dela de cuecas ou com o traje Talar (A. Olaio, 2010);
(...) verifico que há discursos ou ideias que vão transitando de obra para obra. São
insistências que não desaparecem (Z. de Carvalho, 2011);
Sempre achei que estava a fazer diferente e começo agora a perceber que tenho andado a
tratar sempre das mesmas coisas (M. Palma, 2010);
Sem perceber, estou sempre a fazer a mesma coisa (C. Mateus, 2011);
O artista faz sempre o mesmo trabalho (G. Burmester, 2011);
Sim, há (...) Os temas acabam por se repetir, embora sempre de forma diferente (...) E eu
procuro surpreender-me nas minhas próprias exposições (C. Filipe, 2010);
(...) quando exponho (…) por vezes surpreendo-me a mim mesmo (G. Burmester, 2011);
Existe [um grande quadro sobre o qual estou a trabalhar] e parece-me mais importante que
as obras individuais (P. Mendes, 2010);
Agora, com 70 anos, vejo que tracei um percurso (...) (Z. de Carvalho, 2011);
Não considero que o meu percurso seja o somatório de pequenos pedaços soltos mas também
não vejo um ‘grande quadro’. Há uns anos atrás não diria isto, mas agora, olhando para o
meu percurso, consigo encontrar linhas de pensamento e obsessões pessoais constantes (J.
Tabarra, 2010);
Por vezes (poucas vezes) tenho consciência que acertei. Há trabalhos que percebo logo que
funcionam. Noutros casos só tenho essa consciência mais tarde (G. Burmester, 2011);
Espero que o meu trabalho não seja condicionado por essa ideia. E sim, eu tenho um
programa.
E percebo que há um conjunto de trabalhos que vão cosendo um tecido entre si. E é esse
tecido que um dia, não estando necessariamente pronto... estará maior (...)
Trabalho os temas que sempre me interessaram (e julgo que me vão interessar sempre) mas
pelo meio vou fazendo férias.. (...) Pelo meio faço desvios conscientes. De quando em vez,
percebo que há trabalhos que se desviam desse programa. São trabalhos que,
intencionalmente quero fazer, exactamente porque não acho que tenha que me limitar a uma
única experiência (D. Blaufuks, 2011);
(...) Agora, olhando para trás, fico espantado e não consigo perceber o que vejo. De uma
forma muito sincera, acredito que vou começar a perceber o que fiz a partir dos 90 anos,
através de um olhar retrospectivo mais completo e mais compreensivo. Até lá, tudo o que faço
são fragmentos que funcionam como fotogramas de um filme que ainda não está montado
(R. Chafes, 2011);
Considero que uma fotografia funciona como uma frase de um texto ao qual ela pertence (D.
Blaufuks, 2011);
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Esse ‘grande quadro’ é constituído por pequenos bocados (G. Burmester, 2011);
Essa ‘grande obra’, o ‘the big picture’, só acontecerá se tu conseguires continuar a dar
pequenos passos sólidos (J. Vasconcelos, 2011);
Gosto de apresentar um corpo de trabalho múltiplo e gosto de ver o espaço bem preenchido
pelo trabalho. O que me tem acontecido ultimamente é que as coisas funcionam muito bem
juntas, mas quando elas são deslocadas daquela família, quando são apresentadas
individualmente, num outro local, perdem (...) Parecem-me estar todas interligadas num
grande percurso. Pode ser apenas uma questão pessoal, pelas relações estabelecidas durante o
processo da sua criação (F. Queirós, 2010);
Vendo-me ao espelho, olhando para o meu trabalho, é bom sentir que não reprimi um
conjunto de coisas que estavam latentes e que acabaram numa panóplia de trabalhos. Se isso
é essa [grande] obra, num sentido Wagneriano... não sei... e não me preocupo muito...
Gostava de ter uma retrospectiva bem feita para perceber isto mesmo, mas não há pressa (P.
Proença, 2011);
Mais importante do que os trabalhos tomados individualmente é o conjunto da obra de cada
artista, é o discurso que vai sendo elaborado ao longo dos anos pela sua obra (…) O artista
está a criar uma espécie de fresco sobre a sua época, cruzando a memória do passado com as
reflexões do presente (P. Mendes, 2010);
Para mim é claro: há dois tipos de artistas. Os artistas que têm obras (que podem ser
brilhantes) e os artistas que têm obra. A mim interessam-me os artistas que têm obra, uma
obra que nasceu algures e continua algures, numa busca constante de qualquer coisa (A.
Carneiro, 2011);
Por vezes tento criar cortes no meu trabalho. Mais tarde, aquilo que me pareceu ser um corte
foi, na realidade, a continuação de um mesmo percurso. Efectivamente, aquilo que me
parecem ser fases diferentes não são assim tão distintas. Olhando para trás vejo um fio
condutor. Isso acontece de forma inconsciente (G. Burmester, 2011);
Ou porque me pedem para remontar uma peça, ou porque arrumo o atelier, ou por uma
outra qualquer razão, estou sempre a voltar atrás (...) Nesses momentos descubro, percebo e
reconheço invariantes no meu trabalho. Mas, e embora encontre essas invariantes, não
reconheço nem me identifico com essa imagem do grande quadro. Não considero que exista
uma grande coisa, não encontro uma grande narrativa.
Na realidade, muito mais do que essas continuidades (...), interessam-me as
descontinuidades. Acredito que é nas descontinuidades que há coisas a acontecer (M. Leal,
2011);
(…) tenho dificuldades em ver esse todo. Tenho muitas dificuldades em ver o meu percurso
como um grande projecto. Ele não é planeado nesse sentido (…) A estratégia não é
totalmente clara nem completamente definida à partida. A estratégia vai-se construindo (A.
Ferreira, 2011);
[Sobre a construção de um ‘grande quadro’,] creio que não. A menos que essa leitura
[transversal] seja um processo de não-entendimento e incompreensões, como é provável que
aconteça.
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Noto com satisfação alguma variedade nos meus trabalhos, ao mesmo tempo que verifico que
aquilo que para mim constitui mudanças é visto pelos outros como manutenção de uma
mesma linha de trabalho (E. Batarda, 2011);
Há pouco tempo fiz uma apresentação do meu trabalho ao doutoramento da ESBAL. No
final, o Manuel Botelho veio dizer-me que a leitura e o discurso que eu produzi sobre meu
trabalho tinha revelado ligações entre as diferentes fases do meu trabalho, evidenciando
continuidades onde antes pareciam surgir descontinuidades (P. Calapez, 2011);
Acho que nunca trabalhei no sentido dessa tal ‘big picture’ (…) Não tenho um meio de
trabalho específico. Não há uma linguagem que me possa definir ou identificar [e] o meu
trabalho parecia-me um grande caos o que me provocava alguma frustração. Só agora começo
a encontrar no meu percurso esse ‘grande quadro’. Consigo agora encontrar e perceber as
ligações entre os meus trabalhos (C. Cruz, 2010);
Cada vez me parece mais importante olhar para os percursos individuais e percebe-los como
um corpo contínuo e coerente (P. Mendes, 2010);
Sei exactamente o momento em que tomei consciência de que estava a tratar as questões de
identidade (…) A partir dessa altura, e sempre que faço um novo trabalho, relaciono-o
conscientemente com as questões de identidade (…) E julgo que os meus trabalhos giram
sempre à volta dessas questões (M. de Menezes, 2010);
Há qualquer coisa que se persegue e que parece ser sempre a mesma coisa. Fazer
repetidamente a mesma coisa acaba por criar algo maior. E isso acaba por ser perceptível.
Em certa medida [acaba por se construir um ‘quadro maior’] (C. Mateus, 2011);
A existir essa ideia maior, ela será consequência de um somatório de momentos e de ideias
(...) (Z. de Carvalho, 2011);
À medida que os anos vão passando a minha obra tem evoluído em determinados sentidos.
Contudo, sinto que existe uma matriz nos diferentes temas que vão sendo tratados. Essa
matriz, mais acentuada nuns casos do que noutros, está presente em praticamente todos os
momentos (…) [e] as ideias anteriores funcionam como sementes para novas ideias
germinarem (J. de Guimarães, 2011);
Vou fazendo, vou trabalhando e vou conquistando coisas que previamente não tinha (...) As
coisas sucedem-se conforme vou respondendo e tentando resolver as interrogações que se são
colocadas (Z. de Carvalho, 2011);
Tenho vontade que as minhas obras sigam o seu percurso, autónomas, e possam ajudar a
gerar outras obras de outros criadores. Tem a ver com uma ideia de reciprocidade. Talvez
isso possa ser a ‘grande obra’, não limitada à pessoa que a criou, mas num sentido mais lato
de grande/constante transformação.
De resto, sou um artista tão miserável como os outros... mas sou feliz! (P. Proença,
2011);
A vida e a obra são a mesma coisa. A obra não se separa do artista. As verdadeiras obras
e os verdadeiros artistas são aqueles onde não existe separação entre uma coisa e a outra. As
obras construídas com sinceridade, seriedade e integridade não são uma obra, são uma vida.
Isto não é um emprego e a porta do atelier nunca se fecha (J. Vasconcelos, 2011);
[A Grande Narrativa existe como a] identidade individual da pessoa [e] o ‘grande quadro’
é a vida organizada (G. Burmester, 2011);
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
As coisas mais pequenas são, por vezes, as mais importantes. Vitais até. As grandes
questões mantêm-se as mesmas e faz sentido que assim o sejam (…) Para a exposição ‘Les
Limites du Désert’ senti necessidade de voltar atrás... de começar outra vez (J. Tabarra,
2010);
Não considero que esteja a fazer nada de dramaticamente diferente daquilo que os meus
pares fazem (...) A identidade foi sempre uma obsessão humana (com perfeita razão de ser).
E continua a ser relevante trabalhar as questões de identidade (…) Trabalhar sobre a
minha identidade é também trabalhar sobre a identidade do ser humano. E julgo que os
meus trabalhos giram sempre à volta dessas questões (M. de Menezes, 2010);
Quando olho para trás vejo um todo. Vejo um crescimento: vejo uma infância, uma préadolescência, uma adolescência.. (...) Os problemas que me são apresentados em cada uma
desta etapas são em tudo semelhante aos problemas que elas proporcionam nas nossas vidas
(F. Queirós, 2010);
(...) naquilo que é essencial, as questões levantadas pelos artistas são basicamente sempre as
mesmas (G. Burmester, 2011);
Percebe-se que outros artistas percorrem os mesmos caminhos (P. Calapez, 2011).
Excertos do material coligido, decorrente do registo áudio das conversas tidas com
os 27 artistas plásticos (com posterior edição e respectiva revisão final por parte dos
próprios), no âmbito do Doutoramento em Estudos de Arte 'O Artista pelo Artista na
voz do próprio' (Universidade de Aveiro - com o apoio da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia). Publicado com o consentimento expresso dos artistas. ●
El escultor Javier Marín: una lectura personal sobre las
fuentes de inspiración a través de su obra
Guillermo Martínez Salazar *
Resumen: La interpretación sobre la obra de otro colega de profesión es el punto de
vista que se ha tomado para analizar las fuentes de inspiración evidenciadas en la
escultura del escultor mexicano Javier Marín.
Palavras chave: Escultura, Procedimientos, volumen, textura.
Title: The sculptor Javier Marin: a personal reading on his sources trough his works
Abstract: The interpretation about the work of another profesional partner is the
starting point we have taken to analyze the inspiration sources for the sculpture of
mexican artist Javier Marín.
Keywords: Sculpture, processes, volumen, texture.
Introducción
Es parte del proceso creativo en la escultura mantener unas pautas
iniciales que establezcan la metodología procesual, me refiero a la
documentación previa y estudio necesario para acometer una obra
definitiva. Entiendo que este III Congreso CSO´2012 es el foro más
indicado para poder valorar y analizar conceptos sobre otros colegas de
profesión. En este caso nos centraremos en el escultor mexicano Javier
Marín. Entiendo que a través de su obra podemos llegar a conclusiones
personales que nos indican cuales son las claves en las que se apoya a la
hora de abordar su obra escultórica.
Dichas
conclusiones
están
contrastadas
conceptualmente
consolidando las teorías expuestas, a través de la comparación
fotográfica clarificando aspectos que trataremos en esta comunicación.
Apunte biográfico
Javier Marín, natural de México (1962). Desarrolló su formación
académica en la Escuela Nacional de Artes Plásticas de la Universidad
Nacional Autónoma (Academia de S. Carlos) México.
La temática de su escultura se centra principalmente en la figuración
humana, trabaja un lenguaje que nos evoca a las ascendencias
prehispánicas con un marcado carácter mexicano.
*
264
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Espanha, escultor. Professor na Facultad de Bellas Artes da Universidad de Sevilla. Doctor en Bellas Artes.
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Vinculado al arte desde la infancia comienza sus trabajos en el campo
de la pintura, pero será la escultura el medio de expresión donde
desarrollará su producción. Actualmente Marín está reconocido en
muchos países gracias a las exposiciones realizadas siendo un referente
importante a tener en cuenta en el ámbito de la escultura
contemporánea.
Su obra se caracteriza por la multiplicidad de materiales empleados
para dotar de expresividad y fuerza el concepto escultórico.
Comenzando desde las terracotas, bronces y mezclas de resinas con
cargas naturales que llenan de significado la poca nobleza del poliéster.
1. Influencia de los maestros.
Se trata de un artista formado académicamente conocedor y
respetuoso de la historia en la que se ve reflejado. La obra de Marín
transmite sentimientos al contemplarla, nos transporta al recuerdo de
obras renacentistas y clásicas. La expresividad superficial nos deja
entrever a Rodín en su plástica.
De éste último, adopta el empleo del fragmento, la seriación y el
respeto a los procesos escultóricos que muestran en sus obras como
parte intrínseca de ellas mismas.
Posiblemente estos puntos pasen desapercibidos por el público que
observa una obra de Marín, pero observado a través de los ojos de otro
escultor las lecturas son diferentes. Un escultor cuando observa estas
obras reconoce diferentes significados y entre ellos, sobresalen
entrelíneas conceptos que nos recuerdan a grandes maestros de la
historia del arte, además de su propia personalidad que indudablemente
aporta un lenguaje personal cargado de connotaciones alegóricas a su
procedencia y estilo de creación.
2. La plástica personal del escultor
El cuerpo es el tema principal de la escultura de Marín, sin cuerpo no
existe nada, la concibe como una búsqueda personal en su obra.
No configura la escultura conceptualmente como punto de partida,
emerge de la depuración del mensaje, el objetivo es encontrar el
significado desde la propia escultura.
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De ese modo, el espectador es libre de leer y sacar sus conclusiones
ante la obra resuelta, ofreciendo un entramado de volúmenes y grafismos
que forman parte de la seña de identidad personal.
Es por ello que la escultura de Marín no está preconcebida como una
obra de encargo, para él, la escultura ha de surgir de su interior,
propiciada por la necesidad del alma, donde la fusión de la personalidad
se transfigura en la fuerza de su concepción escultórica.
El proceso de trabajo necesita un tiempo de maduración, para dotar de
vida la obra, es un comienzo estructural, que en un momento
determinado la obra respira por sí sola.
En ese instante comienza el dialogo escultor-escultura, es el momento
de proceder a realizar los cambios que la obra decide. Se trata de un
consenso por ambas partes, de lo contrario si el escultor no escucha a su
obra seguirá siendo solo eso, un volumen sin vida.
Juan Coronel recoge una entrevista con Marín donde explica el dialogo
mantenido con su obra:
Una vez establecida la plática, ella me dice hasta dónde va el brazo y lo alto de la
cabeza, que la pierna va hacia adelante y la mirada más hacia abajo, o la sonrisa es
más sonrisa, o no es la sonrisa. Obviamente sé que quien acaba diciendo todo soy yo,
pero es la escultura la que dice: “no es así, es así y es así y así”. De repente hace lo
que se le antoja, y muchas veces ocurre que puedo tener una idea clara al principio y la
escultura la va cambiando (Juan Coronel: Javier Marín. Palabras de Barro.
Entrevista).
3. Los paralelismos y las fuentes de inspiración
Los grandes maestros siempre han sido un referente para los artistas a
través de los tiempos, en ellos encontramos las claves que resolverán
muchos de los problemas que la escultura nos presenta.
Al estudiar la obra de Marín puedo leer entrelíneas el
monumentalismo de Miguel Ángel y la impronta de Rodín entre otros.
Son conceptos similares los que se deducen entre las obras de todos
ellos, parten de teorías que definen los entresijos compositivos que Javier
Marín adopta e integra en su concepción escultórica.
La obra de Miguel Ángel presenta aspectos que repite en gran parte de
su producción, altera proporciones para dotar de fuerza y
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
monumentalidad, la rotación de los torsos al cruzar las cinturas escapular
y pélvica, el cruce o flexión de las piernas para dinamizar la postura.
Marín conoce y adapta a la perfección estos criterios compositivos en
su escultura. No obstante, aunque nos recuerde al genial florentino en su
concepto, no hablamos de una copia, pues su obra goza de personalidad
suficiente para ser analizarla de forma independiente.
La superficie escultórica de la obra de Marín nos conduce hasta Rodín,
gran conocedor y respetuoso del genial Miguel Ángel. La manera de
tratar la epidermis escultórica se fundamenta en la vitalidad expresiva, la
manera de tocar los volúmenes desde su interior, son un referente que
nos conduce directamente a reconocer en él la morbidez de la piel
rodiniana.
No obstante, ahondará mucho más al considerar el fragmento como
obra definitiva, al recurrir a la seriación como método compositivo, o al
conservar los procesos intermedios de la creación escultórica.
Todos estos aspectos son concebidos como elementos intrínsecos de
la obra y en muchos casos, los potencia para dotarla de personalidad.
Observemos la lectura sobre Marín y Miguel Ángel comparando dos
obras (Fig.1 y Fig.2) la disposición de los torsos, la contraposición de los
ejes, la flexión de las piernas y el apoyo del brazo como elemento
estabilizador de la escultura, entenderemos los puntos que comparten
ambas piezas.
suspensión de los pies aportado inestabilidad contrarrestada por los
apoyos de la misma.
Señalar la disparidad de los materiales presentados en estas obras, ello
nos aporta una lectura diferente pero en lo esencial, en la estructura, en la
composición es donde podemos analizar el paralelismo con el florentino.
Del mismo modo, en las (Figuras 3 y 4) rencontramos a Miguel Ángel
en su dibujo, el contraposto es la base en la que se apoya Marín en su
relieve. A Rodín se evidencia en la temática y el modo de concebirlo,
representando el negativo y positivo, además hace un guiño al proceso
de reproducción emulando los canales empleados en la fundición a la
arena.
Figuras 3 y 4. Comparación de dibujo y escultura de Miguel Ángel y Marín. ISBN 38290-5689-3 y website del autor
Figura 1 y 2. Website del autor (www.javiermarin.com) “El día” ISBN3-8290-5689-3
(pagina 81)
En cuanto a los aspectos formales como son la rotundidad que
desprende la obra, la disposición lateral de la mirada nos obliga a
contemplarla desde uno de sus perfiles como vista principal, la
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ISBN: 978-989-8300-32-4
Será en la superficie de su obra donde la presencia conceptual de
Rodín es una realidad.
El juego de las texturas y las improntas toman el protagonismo a corta
distancia.
En la expresividad superficial del modelado observamos al detalle los
aspectos más elementales del tratamiento empleado. La huella del artista,
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
la rotundidad de la forma, el equilibrio, enriquecidos con los grafismos
que aportan vibración en la epidermis enfatizando en las claves
personales cargadas de significado y contenido.
Figuras 5 y 6. Detalle de la textura y juntas de piezas. (Website del autor).
Podemos leer a Rodín en la obra de Javier Marín observando la
superficie de su obra, en la vibración enriquecida por las herramientas,
las huellas de las manos como parte intrínseca de la escultura.
La diferente naturaleza de los materiales empleados en su obra,
aportan multiplex lecturas en sus resultados. Pero si analizamos la resina
como material escultórico, de origen industrial, entendemos que Marín la
carga de tierras, pigmentos, fibras naturales, que simbolizan su entorno
natural, para dotarlas de alma desde la materia de donde nace.
Referencias
Copplestone, Trewin. (2006) Miguel Ángel. Madrid: Ediciones Lisma. ISBN:
9788495677266
Coronel, Juan. Javier Marín. Palabras de Barro.[Consulta 2012-01-12]texto
disponible en.
http://javiermarin.com.mx/documentacion/textos/entrevistas/javiermarin-%E2%80%93-barro/
Metropolitan Museum of Art. Augusto Rodín (1840-1917) [Consulta 2012- 1228] http://www.metmuseum.org/toah/hd/rodn/hd_rodn.htm
Gamba, Claudio (2008) Miguel Ángel. Milán: Skira. ISBN: 9788861307728
Gesell, Paul (2000) L`Art Augusto Rodín Madrid: Editorial Sintesis. S.A. ISBN:
84-7738-807-5
Noreña, Gongora (2008) Enigma y espacialidad Milán: Proyecto obra: 3 en 3
Javier Marín. ISBN: 9 789689231035
Perez, Rafael. Doná, Massimo, (2008) Javier Marín, Fragmentos. Museo Dolores
Olmedo. ISBN: 9 789687516349
Sillevis, John. (2009) Javier Marín, Mexicaanse monumentale sculptuuur. Holanda:
Stichting Den Haag Sculptuur. ISBN: 9 7 89078010036
Turbau Imma (2007) El cuerpo de las cosas. Madrid/ Barcelona: Agencia española
de cooperación internacional.
VV.AA. (2001) Javier Marín, Barro. Milán: Landucci Editores.ISBN: 9 685059292
VV.AA. (2005) Rodín. Barcelona: Ediciones del Lago Azul. ISBN:
9788496459021 ●
Conclusiones
Dada la diferenciación que existe en las lecturas que podemos hacer de
la escultura si el lector es o no entendido en la materia, creo que las
posibilidades de enfocar nuevas vías de estudio alternativas a las
tradicionales se establecen en este punto. De tal forma contrastar
analíticamente la obra desde su configuración. Por último, confío que
esta valoración sobre las fuentes de inspiración en la obra de Marín, sean
un punto de vista más para poner en valor su concepto escultórico.
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Antonio Zambrana Lara. Técnicas y procedimientos
del Realismo Sevillano de los años 70
Gustavo Domínguez Moreno*
Resumen: Esta comunicación analiza la figura de Antonio Zambrana Lara, artista
sevillano cuya obra se enmarca dentro del realismo de los años 70. Su obra resulta
excepcional entre otras cuestiones por su planteamiento técnico, ya que utiliza recursos
propios de la imaginería polícroma sobre la pintura de caballete, creando un
procedimiento artístico cuyos resultados son característicos.
Palabras clave: Zambrana, realismo, Sevilla, pintura, técnica.
Title: Antonio Zambrana Lara, Techniques and procedures of the Sevilliam realism of
the 1970s
Abstract: This communication analyses the figure of Antonio Zambrana Lara, Sevillian
artist whose work is part of the realism of the 1970s. His work is exceptional among
other things by its technical approach, because it uses own resources of the polychrome
imagery on the easel painting, creating an artistic procedure whose results are
characteristic.
Keywords:Zambrana, realism, Sevilla, painting, techniques.
Introducción.
Que un artista llegue a un procedimiento personal es un proceso que
puede tardar muchos años en consolidarse, ya que corresponde a una
búsqueda larga y lenta en la que influyen diversos factores, sus
inquietudes artísticas, sus influencias, el entorno y sus vivencias, por lo
que lejos de ser un asunto estático, el proceso artístico de un pintor
siempre continúa evolucionando.
En el caso de Antonio Zambrana, resulta especialmente original e
innovador porque se basa en la asociación de dos procedimientos, el
tradicional de policromar las imágenes y el de la pintura al óleo sobre
tabla.
1. Breve reseña biografica
Antonio Zambrana nació en Sevilla el 18 de enero de 1944. Vivia muy
cerca de San Juan de la Palma y de la Casa de los Artistas, donde su
padre, tenía un kiosco. Antonio desde pequeño empieza a acompañarle,
quedándose maravillado con el ambiente que allí había.
Asiduo a visitar los estudios, empieza a recibir la influencia de estos
artistas y poco a poco llega a convertirse en aprendiz, recibiendo a
*
cambio consejos artísticos, estableciendo una especial relación con el
imaginero Francisco Buiza.
Su creciente interés por el arte le lleva a estudiar Artes y Oficios y
después a la Escuela de Santa Isabel de Hungría, recibiendo el primer
premio de la Dirección General de BB. AA. de Madrid en 1965.
Actualmente es Catedrático de la Universidad de Sevilla y director del
departamento de pintura.
2. Su obra
A nivel de contenidos, su obra muestra una clara personalidad dentro
del realismo Sevillano. Si sus predecesores, habían utilizado la realidad tal
cual, como referente, él y sus coetáneos dan un paso más allá,
introduciendo el factor poético y la imaginación en su discurso,
profundizando en narraciones más complejas, asunto que debe
enmarcarse en el contexto posmoderno.
Una de sus características más evidentes, es el peso de la tradición. Su
pintura se sustenta más en la evolución que en la ruptura, especialmente
mira al barroco; la forma de distribuir las luces, el carácter escenográfico,
el gusto por las composiciones complejas y dinámicas, el enaltecimiento
de las pequeñas cosas. De la pintura flamenca recoge el gusto por el
detalle y el cuidado de la superficie.
El artista se sirve de todos los recursos en un intento de alcanzar el
perfeccionamiento visual, buscando la belleza idealizada, y para lo que
recurre a sus referentes cercanos, lo que conecta a la perfección con los
postulados del realismo contemporáneo.
Un apartado importantísimo en su obra es la técnica. Nada está
improvisado, con un planteamiento metódico tan estudiado, como lento,
en el que casi de manera científica el artista afronta paso a paso la
elaboración de su cuadro.
Se sirve de una técnica preciosista y una estética hiperrealista para
recrear algo nuevo e inexistente, profundizando en un discurso narrativo
distanciado de la realidad original, alcanzando así un nuevo significado.
Este perfeccionamiento en busca de imágenes fidedignas, unido a un
sentido compositivo y argumental basado en la irrealidad, produce al que
observa su obra una sensación de extrañeza, siendo lo que se ha venido a
llamar realismo mágico, término adoptado que en nuestro artista adquiere
un nuevo sentido.
Espanha, Pintor. Licenciado en Bellas Artes e bolseiro de investigação no FPI+D, Universidad de Sevilla.
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Figura 1. Cuadro del artista: Atardecer. fotografía propiedad del artista
Óleo sobre tabla. 100 x 81 cm. Colección Galería de Arte Oda Barcelona)
En su obra siempre aparece la intención poética y simbólica, que
fortalece el sentido de belleza y el onirismo. La belleza está idealizada y
se recrea más allá de lo que el modelo aporta. La terminación y el gusto
por el detalle, obliga a la imagen a detenerse en el punto álgido de
perfección.
La figura es la parte central del cuadro, donde alcanza sus mayores
logros plásticos y sobre el que giran los demás elementos de la obra y
donde alcanza mayores cotas de desarrollo.
Al igual que el imaginero se sirve de una vejiga de animal para
producir especialmente en las encarnaciones efectos similares,
eliminando la huella del pincel, para conferirle esa particular calidad y
jugosidad a la materia plástica.
3. Procedimiento
Antonio Zambrana al igual que el imaginero parte del soporte de la
madera para realizar su obra. Para el imaginero la escultura es su soporte,
mientras que el pintor se sirve de tablas. Cuando son de gran formato
suele utilizar tableros de L.P. o de D. M. que monta sobre un bastidor,
274
ISBN: 978-989-8300-32-4
mientras que si son pequeños puede utilizar cedro y caoba, dotado de
engatillados.
A veces parte de bocetos a escala del original donde marca las
directrices generales sobre las que su obra se desarrollará y sobre las que
empezará a distribuir las formas, color y luces, componiendo y
estableciendo la jerarquía de los diversos elementos.
A continuación del boceto, realiza un dibujo al mismo tamaño del
cuadro, que después traspasará al soporte mediante calcos y que le
servirá como guía en su proceso.
Una vez establecido el soporte como tal, el siguiente paso es
acondicionarlo para recibir las capas de preparación. Primero el lijado,
que levantara el repelo, desbastando la madera para que pueda recibir
con mayor facilidad las capas de preparación y que sirve también para
quitar posibles defectos del tablero. Posteriormente aplica un baño de
cola de conejo bien caliente que sirve como primera mano de la
preparación.
Una vez dada esta primera mano de cola caliente y seca, procede a dar
las siguientes capas, para las que utilizará una mezcla de sulfato de cal y
cola, aplicadas siempre en caliente. Estas capas además de ser finas,
deben ir alternándose en diferentes direcciones, favoreciendo la unión
entre capas, esperando a que seque y sin lijarlas entre si. Antonio
propone de siete a ocho manos. Después de haber aplicado las manos
suficientes se procede a lijarlas, para dejar la superficie lo mas fina
posible. Posteriormente aplica una mano de dióxido de titanio con alta
cualidades reflectantes, aglutinada con cola de conejo y por debajo de la
capa aislante. Esta forma de disponer esta capa en la preparación es
similar a la que utiliza el imaginero. Después dispone una capa aislante,
que sirve para pasar de magro a graso sin que se afecten entre si, la que
utiliza el artista es de goma laca, disuelta en alcohol. Una vez acabada la
preparación se procede a aplicar la capa de imprimación.
La capa de imprimación se aplica al óleo y sirve para partir de un color
base al pintar e influirá en el tono general de la obra, por lo que la
elección del color deberá ser muy meditada. No tiene que ser
homogénea, sino que estará organizada tonal o cromáticamente de
acuerdo con la pintura que se vaya a realizar. Al aplicar esta imprimación
al oleo, el pintor utiliza la vejiguilla para pulir la pintura estando aun
fresca y quitar así las huellas del pincel, ya que la textura que aquí deje se
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
reflejará en las capas posteriores. Cuando utiliza la vejiguilla animal el
pintor aplica una pequeña capa de agua estando aun fresca la pintura, lo
que permite que al frotarla sobre la superficie elimine la huella del pincel
pero no mueva la pintura.
Figura 2. Aplicación de la vejiguilla en la pintura. Fuente propia
Una vez aplicada la imprimación y seca, el siguiente paso es pasar el
diseño o dibujo que previamente ha realizado al mismo tamaño del
cuadro. Una vez traspasado, este se recoge enrollado en la parte superior
del cuadro para poder utilizarlo tantas veces lo necesite. El dibujo refleja
las cuestiones fundamentales y no tiene que estar muy elaborado.
Una vez pasado el dibujo se plantea la mancha inicial sobre él,
utilizando pinceles amplios y de cerda, aplicando una media pasta con
esencia de trementina como disolvente. Cuando acaba la sesión, y aun
fresca la pintura al óleo, vuelve a pasar la vejiguilla para seguir
manteniendo la superficie sin huellas, utilizándola tantas veces como la
necesite.
Una vez seca esa mancha inicial, Antonio, aplica colores más
transparentes, más ricos cromáticamente para ir finalizando la obra.
Utiliza pinceles más suaves, de marta, con los que aplica pequeñas
pinceladas que sirven para matizar los tonos. Característico de este
proceso es el raspado de la pintura mediante cuchillas, que realiza para
mover el color estando fresca la pintura y para alisar la superficie y sacar
colores de estratos inferiores cuando está seca, creando un interesante
efecto de superposiciones cromáticas. Entre sesión y sesión suele
refrescar la superficie del cuadro, facilitando la fluidez del pincel. El
médium que utiliza tanto para refrescar como para añadirlo a la pintura y
adelgazarla, está compuesto de 1 parte de Barniz Holandés, ½ de esencia
de trementina, y una pequeña parte de aceite de nueces. Cuando lo aplica
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para refrescar la superficie antes de cada sesión lo hace con la mano,
permitiendo así capas muy delgadas.
Una vez acabado de pintar el cuadro y seco, lo barniza mediante
pistola, con barniz brillante, que sirve para unificarlo y posteriormente
con barniz mate, el cual una vez aplicado frota con un trapo para
eliminar el excesivo brillo.
Conclusión
Resulta muy interesante como el artísta ha conseguido agrupar dos
técnicas tradicionales, para lanzar un discurso personal dentro de un
lenguaje relativamente actual como es el hiperrealismo. Esto demuestra
que las investigaciones sobre técnicas y procedimientos, tanto las
realizadas por los artistas para su propia obra, como aquellas que se
refieran al estudio de otros artistas, pueden ser un campo muy fecundo.
Sin embargo los estudios que analizan los métodos de trabajo no son
habituales, siendo más extendidos los manuales de caracter generalista
que de manera estereotipada analizan los usos convencionales de los
materiales actuales. La proliferación de estudios que analicen los
métodos de trabajo de los artistas puede ser algo beneficioso para los
profesionales del arte, ya que pueden adquirir así una herramienta
escepcional para su discurso creativo.
Referencias
De la Banda y Vargas, A. (1991): “De la Ilustración a nuestros días”, en AA.
VV. Historia del Arte en Andalucía. Volumen VIII, Ed. Gever, Sevilla.
Domínguez Moreno, G. (2004): Antonio Zambrana Lara, docente y pintor. Técnica y
procedimiento dentro del Realismo Sevillano del último tercio del siglo XX.
Director. Dr D. Juán Francisco Cárceles Pascual, Trabajo de
Investigación, Universidad de Sevilla. Facultad de Bellas Artes. Sevilla.
Gañan Medina, C. (1999): Técnicas y evolución de la imaginería en Sevilla. Ed.
Universidad de Sevilla, Sevilla
Guasch, A. M. (1981): 40 años de Pintura en Sevilla, Ed. Excma. Diputación
Provincial de Sevilla, Obra Cultural de la Caja de Ahorros Provincial San
Fernando de Sevilla, Sevilla
Mártinez Leal P. I. (2000): Buiza, Ed. Guadalquivir, Sevilla ●
277
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Elias dos Bonecos: o mundo como resto
Gustavo Henrique Torrezan
*
Resumo: Este artigo pretende abordar o trabalho e o processo de criação de Elias dos
Bonecos (Elias Rocha) dando destaque a coleta que o motivava na construção de seus
trabalhos. Esta abordagem será pensada pelo viés do biografema, de uma escrita atenta
aos detalhes aparentemente insignificantes que, por tais características, se transformam
em signos disparadores de um texto que exprime o processo/campo específico onde o
artista se constitui.
Palavras chave: Elias dos Bonecos, Biografema, Processo de criação, Coleta.
Title: Elias dos Bonecos: the world as remainder
Abstract: This article intent to approach the work and the creative process of Elias dos
Bonecos (Elias Rocha) emphasizing the collecting of materials which motivated the
construction of his art. This approach will be conceived by the biografema, by being
carefully with the details, apparently insignificant, but which can turn themselves in
trigger signs of a text that express the specific process/field where the artist is
constitute.
Keywords: Elias dos Bonecos, Biografema, Creative Process, Collect.
Introdução: do que toca na irrelevância
Principais elementos do cisco são: gravetos, areia, cabelo,
pregos, ramos secos, asas de mosca, grampos, cuspe de aves, etc.
Há outros componentes do cisco, porém de menos importância.
Depois de completo, o cisco se ajunta, com certa humildade,
em beira de ralos, em raiz de parede,
ou, depois das enxurradas, em alguma depressão de terreno.
Mesmo bem rejuntado o cisco produz volumes quase sempre modestos. [...]
O cisco há de ser sempre aglomerado que se iguala a restos.
Que se iguala a restos a fim de obter a contemplação dos poetas. [...]
Até sei de pessoas que propendem a cisco mais do que a seres humanos.
Manuel de Barros, O Cisco.
Embora habitualmente os aspectos considerados relevantes no
trabalho de Elias dos Bonecos digam respeito à localidade em que seu
trabalho foi produzido e a sua classificação como um artista naïf,
*
interessa a esse texto abordar precisamente a dimensão de insignificância
no trabalho e do seu processo de criação.
“As coisas tem o valor que nóis dá pra elas”, disse o artista Elias
Rocha, conhecido como “Elias dos Bonecos”. Caboclo da terra, nascido
em 1932 e já falecido, morou toda sua vida nas margens do rio Piracicaba
(São Paulo/Brasil). Trabalhou em uma olaria e depois em uma
metalúrgica. Durante suas criações, começou a construir bonecos com os
restos da argila da olaria. Pescava frequentemente, como muitos o
faziam, na beira do rio, onde também encontrava com os amigos “pra
jogar conversa fora”, como ele mesmo dizia. Ao se aposentar, Elias
transitava pelas margens do rio e nas ruas dos arredores visitando amigos
e vendo suas lembranças desaparecerem.
Neste contexto, pretendo dar atenção à ideia de coleção, à atividade de
coletar materiais, em especial aqueles considerados como restos, ao
abordar o trabalho e o processo de criação de Elias dos Bonecos. Esta
abordagem se dará pelo viés do biografema tal como elaborado por
Sandra Corazza (2010), isto é, através de uma escrita atenta aos detalhes
aparentemente insignificantes que, por tais características, se
transformam em signos disparadores de um texto capaz de exprimir o
processo do artista e o campo específico onde ele se constitui como tal.
Para efeito desta análise pretende-se utilizar o conceito de coleção de
Hume a partir da elaboração feita por Gilles Deleuze (2001).
A dimensão da insignificância e da coleção articula-se à atividade de
coletar materiais, que do ponto de vista do biografema confere a própria
biografia do artista um caráter “ficcional”. Deste modo, assim como os
bonecos (coleção de restos) habitam o rio, Elias (o coletador) habita o
mundo onde esses bonecos existem.
1. O movimento de coleta
Elias, já pela manhã, arrumava sua carroça com o cavalo e partia pelas
ruas da cidade em percursos sempre novos. Botava tudo que colhia na
carroça e voltava para sua casa.
A estética da coleta se produz na paisagem, já que é composta pelas
forças que transversalizam os objetos que vão sendo ajuntados. Os
elementos singulares que fazem parte desses objetos catados são, muitas
vezes, importantes somente para aquele que os recolhe, como é o caso
Brasil, artista visual. Graduação: bacharelado em Artes Plásticas, licenciado em Educação Artística.
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ISBN: 978-989-8300-32-4
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
de Elias que dava especial valor para as coisas insignificantes, os restos
deixados aqui e acolá. Restos que são o material do artista.
O artista quando coleta produz um movimento que se dá como ato
criador. Nele, o coletador instaura uma animação e promove
acontecimentos sutis no encontro com as coisas. Tais acontecimentos
são singulares, caracterizam-se como únicos (Deleuze, 2007); e a
animação promove o adensar de camadas de afetividade que estão
sempre por fazer-se (em expansão) no mundo, motivando a vida como
aquilo que se constrói pelo e no movimento.
frutifique agenciamentos em um campo de composição que busca validar
seus mais tênues elementos” (Oliveira, Siegmann & Coelho, 2005: 116) e
com eles produzir vida. Vida como arte.
Figura 2. Elias coletando materiais.
Fonte: Neptune.
Figura 1. Trabalho de Elias avistado da margem do rio Piracicaba.
Fonte: Neptune.
Coletar é próprio da vida em criação e independe de uma história, de
uma temporalidade. Vida que nasce do arranjo do material que é
coletado e que o correlaciona como função artística que potenciliza a
diversidade de afetos que surgem e atravessam o corpo daquele que
produz esse movimento.
O movimento que Elias produz, tensiona o préstimo das coisas, sua
relevância para o mundo. Valora o insignificante, fazendo valer a
potência que existe em cada material coletado. São desnaturalizadas “as
formas para captar as forças, deslocando o objeto de si para que
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2. O quintal como Ateliê
A oficina de Elias era uma especie de “puxadinho” que ficava no
quintal, seu lugar de fazer arte. Neste ateliê, com aquilo que era trazidos
dos seus percursos pela cidade, começou processos de junção, colagem,
fusão, associação, inventando coisas durante as tardes. Lá era um espaço
onde cabia um mundo, ou vários, já que nele sempre algo novo surgia da
produção de experimentos, de raridades.
Naquele espaço, seus restos eram guardados, acumulavam-se
transitoriamente a partir de configurações de conjuntos sempre
modificáveis de acordo com cada nova busca, coleta e as questões que
surgiam a cada trabalho. Sua coleção era feita de por efêmeros conjuntos
produzidos (Deleuze, 2001) como intervalo entre a coleta e a obra,
sempre observado pelo artista que passava horas organizando,
281
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
inventando aquilo que poderia ser unido a outra coisa, ou seja, quais
compostos poderiam ser criados.
Selecionar coisas e produzir com elas conjuntos é construir um
composto de variedades. Arranjo de forças que são potencializadas
quando relacionadas e que sustentam as sensações de que são feitas.
Aos serem produzidos, os bonecos de Elias formam um tecido de
conexões que inventa o possível do impossível, ou seja, dos restos, da
insignificância, se produz vida. Um movimento no qual não há lugar para
metas estabelecidas, a priori, nem para alcances mecânicos (Salles, 2004:
27), pois a própria construção de um trabalho de arte é esse coabitar,
esse processo de junção de partes que formam um campo onde se edifica
o trabalho.
Figura 3. Trabalho de Elias em construção.
Fonte: Neptune.
3. A Margem do Rio
Elias, preocupado com a aparente solidão do Piracicaba, resolveu
povoá-lo. Com restos do humano “fez humanos”; Dessemelhantes,
trazem um fluxo tão intenso quanto o do Piracicaba. São feitos de lixo,
de sobras de roupas, madeira, latas, arames, pneus. Materiais que são o
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resto, encontrados muitas vezes à margem tanto dos depósitos, lixões,
quanto dos rios. Pessoas comuns esses pescadores, mas especiais na
força que carregam consigo. Trazem, por aquilo de que se compõem a
potência para produzir alianças no entorno, que escapam em novas
visões, tateações, oufações, criações que invocam um povo. Há um jogo
de seres diferentes em suas escalas, reinos e espécimes. Essa é a família
de Elias, o povo do artista.
O rio do artista é um rio afetivo, rio de sensações, corpo que pulsa no
constante movimento do por vir, da complexidade que emana. Visto
sempre da margem esquerda do Piracicaba, os bonecos que ficam no
outro lado solicitam uma presença ao mesmo tempo em que promovem
uma mistura entre aquele que vê e o rio, na construção de uma complexa
aliança que atravessa os sentidos tal como acontece com os trabalhos de
Elias dos Bonecos. O rio apresenta uma gama maior de espaços que seu
curso.
Figura 4. Trabalho de Elias avistado da margem do rio Piracicaba.
Fonte: Neptune.
Os bonecos de Elias são de uma estética singular. A singularidade com
que são produzidos, somada ao lugar que ocupam, faz deles únicos.
Esses viventes do rio se mesclam com a paisagem de modo a deixar sem
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saber quem nasceu primeiro: foi o rio quem deu vida aos bonecos de
Elias, ou foram os bonecos que deram vida, uma nova “moldura” ao rio?
(Fantini, 2003). Fazendo uso dessa ambiguidade aparente, é possível
afirmar que com seus trabalhos o artista cria um outro modo de habitar
o mundo em que aquilo que é considerado como “coisa de louco”,
“coisa de criança” ou mesmo a qualificação dos materiais como bom ou
ruins ou ainda se é “parecido”ou não, se é “bacana” habitar a margem ou
não, perdem seus estatutos de maneira que ele cria uma amplitude que
perpassa o próprio limite do que é a vida.
A ficção rebelada que o artista produz é capaz de tecer uma rede
heterotrópica que dinamiza a cidade entrecruzando geografias, culturas e
a própria arte ao assumir o deslocamento, a insignificância como suas
heranças e questões para o seu trabalho. Elias cria sua obra como fluxo
de Piracicaba (cidade-rio, rio-cidade) e fala do entre, abrindo caminho
para outras vozes de vários tons e que, por serem assim, são capazes de
propor desvios para repensar conceitos como história, tradição,
influência e até mesmo qual lugar o artista tem ou pode ocupar.
Conclusão: O processo de criação com restos
Encontrar elementos singulares é o que faz Elias dos Bonecos para
criar os trabalhos, com isso instaura um campo vindo do movimento de
coleta e dos constantes e infindáveis rearranjos dos materiais. Produz
uma animação que o faz criar e adensar camadas de afetividade.
Engendra uma força que atravessa o corpo e que gera na paisagem uma
estética feita das potências daquilo que foi reunido e que é composto
como boneco na margem do rio.
Dos restos que coleta, dos conjuntos que seleciona, dos lugares que
escolhe para suas criações, Elias dos Bonecos inventa a vida e um
mundo: um mundo de resto.
Referências
Figura 5. Trabalho de Elias avistado da margem do rio Piracicaba.
Fonte: Neptune.
Descentrando fronteiras hierárquicas, valores de mercado e de
produto, Elias dos Bonecos desmancha a pretensa imobilidade entre
centro e periferia, entre arcaico e contemporâneo, entre realidade e
ficção. Não operando com esse tipo de dualidade, tensiona esses limites
quando escolhe dizer desde a margem, trabalhar na margem, com os
restos dela. Assim, constrói na margem seu trabalho e com ele um modo
de subjetivação.
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Deleuze, Gilles (2001) Empirismo e subjetividade: ensaio sobre a natureza humana
segundo Hume. São Paulo: Ed. 34. ISBN: 85-7326-210-9
Deleuze, Gilles (2007) Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva. ISBN: 978-85273—138-1
Fantini, Marli (2003) Guimarães Rosa: Fronteiras, margens e passagens. Cotia – SP:
Ateliê Editorial, Editora SENAC São Paulo, ISBN: 85-7480-210-7
Neptune, Nordahl. Os Bonecos do Elias dos Bonecos. Fotografias. [Consult.
2011-12-01] Disponível em <URL
http://www.iar.unicamp.br/alunos/eliasdosbonecos/index.htm>
Oliveira, Andréia M.; Siegmann, Christine; Coelho, Débora. As coleções como
duração: o colecionador coleciona o quê?. Episteme, Porto Alegre, n. 20,
jan./jun., 2005. ISSN: 1413-5736
Salles, Cecília A (2004) O Gesto Inacabado: Processo de criação artística. São Paulo:
Anna Blume. ISBN: 85-7419-042-X ●
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Chema Madoz: conversando con
universos poético-visuales
Hernando Gómez Gómez*
Resumen: Chema Madoz responde a esa clase de artistas que permiten vislumbrar una
forma de ver el arte como reflejo de vida cotidiana aunque comportándose como
observadores incondicionales. La poesía tal vez no sea la pretensión de su obra, sin
embargo es imposible negar una cierta vinculación poética y retórica. Los recursos
utilizados responden a ciertos mecanismos similares a los usados en la lingüística y su
consecuente resultado en forma de significado poético. La fotografía será el medio por
el cual el poeta mostrará al mundo su nuevo punto de vista, además de la disposición de
los objetos representada en una reducidísima paleta de color; blanco y negro. La
ausencia de luces artificiales evoca a una naturalidad extrema y la percepción del
espectador jamás quedará impasible ante la originalidad expresada de estas imágenes.
Palabras clave: Chema Madoz, fotografia, retórica, linguística
Title: Chema Madoz: through visual-poetic universes
Abstract: Chema Madoz belongs to that class of artists who allow us to glimpse a way
of seeing art as a quotidian life reflection although acting as unconditional observers.
Maybe poetry is not the main purpose of his work, but it is impossible to deny a certain
poetic and rhetoric link. That resources which were used respond to certain
mechanisms that are similar to those used in linguistics and its consequent results
materialized in poetic meanings. The photograph will be the medium by which the
poets show the world its new point of view, plus the arrangement of the objects
displayed
in
a
tiny
color
palette;
white
and
black.
The absence of artificial lights evokes the natural course of events and the viewer can
not be indifferent to the originality expressed in these images.
Keywords: Chema Madoz, photography, rethorics, linguistics
Introducción
La necesidad de buscar una alternativa conceptual y perceptiva, que
sea capaz de emocionar y sorprender, no resulta demasiado accesible ni
sencillo. La pretensión de los artistas por encontrar esta clave que
conduzca al éxito, en ocasiones se transforma en obsesión tal vez
haciendo perder la magia de la creación espontánea y por consiguiente
del goce y disfrute que todo espectador percibe.
Sería demasiado osado, injusto y seguramente pretencioso afirmar que
el arte del que hoy bebemos carece de recursos conceptuales o que sufre
Espanha, fotógrafo, operador de cámara, artista visual. Professor na Universidad Europea de Madrid.
Licenciado em Publicidad y RR.PP (Universidad Complutense de Madrid). Doctorando en Facultad de Bellas
Artes (Universidad Complutense de Madrid).
*
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un empobrecimiento desmesurado, siendo por consiguiente producto de
una sociedad cargada de malos hábitos y de escasa conciencia social. Uno
mismo puede hacer un balance crítico sobre sus propios actos y del
modo de actuar con y para los demás, pero se debe aceptar que el arte sí
que emite lo que vive y refleja lo que experimenta. De ahí la enorme
responsabilidad que el autor material de las piezas de arte posee en la
obtención de un producto creativo y listo para ser expuesto.
“El arte y su concepción” es un debate eterno que jamás ha podido ser
resuelto. Las ganas de consensuar los diferentes puntos de vista ha sido
constante aunque los resultados casi inexistentes. La disposición actual
de los artistas ha puesto de manifiesto que el bucle de tendencias y
movimientos vividos en los últimos cinco siglos ha representado
evolución reflexiva e intelectual, por lo que la opinión general debería ser
optimista aunque crítica de aquí en adelante.
Pretender obtener una visión generalista sobre todo el contexto y
panorama de todas las secciones del arte sería algo desmesurado y de
escaso rigor, por lo que todas las energías de estas palabras serán
focalizadas sobre una de las disposiciones del arte más actual y de
también mayor grado de abstracción; la fotografía.
A través de la captura de la imagen vivida se produce una
representación de lo real, considerando a la fotografía la máxima
responsable de lo antinatural, de la interrupción del tiempo y apostando
por un cambio de concepto de la designación tradicional del objeto
encargado de congelar y sustituyendo el concepto “cámara obscura” por
“cámara lúcida” (Barthes, 2004: 81). Los recuerdos permanecerán
alterados, que no vividos, en las memorias de quienes formaron parte del
evento fotografiado. Tal vez esta particularidad propia en la lectura
fotográfica debería ser considerada por los artistas en el momento de
contabilizar los efectos demoledores y las causas-consecuencias que los
llevaron a ello.
La imagen fotográfica por lo tanto será la fuente a evaluar y la
herramienta del autor representado. Utensilio que le servirá como
mediador narrativo entre la imagen final y el objeto representativo.
Comenzando por su mayor cercanía a las artes plásticas, como a la
escultura más que hacia la fotografía, Chema Madoz (Madrid, 1957)
puede ser considerado como uno de los mayores exponentes del arte
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Artes em torno do Atlântico:
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español actual, a través del novedoso modo de enfrentarse al mundo y al
significado de las palabras.
Figura 1. Chema Madoz (1998), 50x50 cm.
Figura 2. Chema Madoz (1995), 16x12 cm.
Figura 3. Chema Madoz (1987). Gelatina de plata, 50x60 cm.
Figura 4. Chema Madoz (1994), 40x40 cm.
1. Aparición poética
Chema Madoz (Madrid, 1958), quien transmite un carácter emotivo y
delicado en todas sus creaciones visuales muy próximo a la lingüística y a
los registros (recursos estilísticos) que los poetas mantienen desde sus
orígenes; en ocasiones fantásticos, en otras más terrenales y con ganas de
expresar sentimientos o simplemente formas de concebir la vida. Es
evidente que ese formalismo severo e intransigente, impuesto y concreto
que la lingüística reivindica en sus poemas es necesario que se muestre si
el fin sigue siendo la búsqueda poética escondida tras las palabras. Sin
embargo este artista no se trata de un experto de la voz escrita, sino más
bien de un artista capaz de conjugar poemas y elementos visuales.
Conecta con el espectador a través de su juego visual y es capaz de
volver a definir el significado de los objetos que se presentan, es decir
utilizando la estructura propia de la METÁFORA de la PARADOJA o
de la IRONÍA (Figuras 1 a 4). De este modo transforma una realidad
irrebatible para dar paso a un nuevo concepto y a una nueva lectura
original, novedosa y completamente innovadora. Materializa el poema
mental a través de la captura de la imagen y de la construcción de
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escenarios que ayuden a su doble lectura retroalimentada por sus
diversos significados que en ocasiones serán considerados universos
connotativos y en otros más claros aunque siempre completos de
sarcasmo.
La esencia de sus obras es el resultado de una personalidad tan curiosa,
diversa, observadora compulsiva de la realidad que habita, generosa en la
divulgación creadora como humilde y carente de vocablos explicativos.
La expresión de quien parece crear, en este caso cierra el proceso
comunicativo clásico propuesto por Saussure (1945), desde el momento
que rompe el vínculo entre el código y el receptor. El mensaje deja
patente una aparente cercanía al concepto estímulo-respuesta, ya que cada
una de las imágenes que Madoz (2006) crea, presentan una apariencia
cercana al juego de palabras aunque esta vez de imágenes. El espectador
observa y el fotógrafo-artista espera esa respuesta, ¿tal vez medida?
Chema Madoz en su obra básicamente crea un entretenimiento hacia
el espectador. La catarsis aristotélica en este caso se verá representada
ante el goce por la resolución del teorema visual planteado y puede
resultar cercano al efecto producido por las ecuaciones matemáticas
durante su ejercicio también resolutivo. Sus armas de actuación serán la
estética limpia, tranquila, apaciguada, simbólica, reconocible y
reconocedora de otros autores, fiel a los elementos utilizados, donde de
este modo irá construyendo su universo estilístico y modus operandi
personal.
Figura 5. Chema Madoz (2007), Transportador. Gelatina de plata 15x20 cm.
Todo le llega desde que comienza a ser consciente del mundo que
visita cada día. La cotidianeidad de sus paseos le hacen observar los
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Artes em torno do Atlântico:
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objetos con los que tropieza y de la extracción del presente y de lo
ordinario resultan sus obras. La descontextualización de los objetos
provoca nuevos significados y universos de connotación.
El análisis detallado de esta imagen (Figura 5) y de los elementos
empleados para su construcción se puede extraer el siguiente análisis; la
composición de la imagen precisa para su construcción una regla en
forma medio esférica, una imagen infinita del mar y su horizonte
(Imagen izquierda-desglose elemental). Por lo tanto la suma total de
componentes sería dos y por los cuales obtendríamos en ese proceso de
descontextualización un nuevo significado (Imagen derecha);
atardecer/amanecer en el mar. Los valores del medidor semiesférico
hacen coincidir con la forma figurada de los rayos del sol. Y a partir de
aquí todas las lecturas que uno mismo haga quedarán en posesión de a
quién provoque ciertos sentimientos, posiblemente no intencionados ni
predeterminados.
Intentar buscar un porqué a este tipo de imágenes es difícilmente
posible, y la única respuesta fiable sería la que el propio autor emitiera.
2. Observando la naturaleza de los objetos
El artista creador de esta obra necesita esclarecer que la apariencia de
las cosas es producto de un consenso social y se comportan como signos
de representación. No existe demasiada conexión entre esa
representación y su verdadero valor. A través de códigos similares a los
que el lenguaje posee, esa apariencia encarnará una nueva identidad. La
metáfora, como parte del elenco de herramientas que el poeta maneja a
la hora de la confección poética, será la responsable a través de sus
características de crear esos nuevos significados que el rigor lingüístico
exige.
Son escasos los trabajos o estudios que han centrado su investigación
en el significado y análisis de los objetos icónicos que se hallan
contenidos en las imágenes fotográficas, sin embargo es innegable la
capacidad significativa que hoy en día se maneja en la disciplina visual
que un día supuso una verdadera amenaza figurativa para los maestros
pictóricos debido al acercamiento de ésta con una realidad muy próxima.
Y si fuese posible emitir una afirmación rotunda sería la de manifestar
que las imágenes fotográficas son verdadera unidades de sentido en las
que se contiene una significación específica incuestionable. En el caso de
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la obra de Madoz, ya no sólo la imagen posee un valor determinado, sino
más bien cada pequeño detalle en la imagen cobra sentido tanto global
como individual. La disposición elemental, jamás improvisada, restablece
el sentido que la obra precisa.
La sección verdaderamente notable será la encargada de alabar la
capacidad de atributo de la fotografía, y en concreto su aspecto narrativo
y lectura implícita.
Otro de los aspectos interesantes para poder entender el verdadero
valor simbólico de la obra aquí expuesta (si la tuviere) sería algo que se
encuentra en un terreno de estricta subjetividad; la seducción que nos
transmite una obra fotográfica.
Es posible que al enfrentarse a cualquier tipo de obra artística, de
repente y sin encontrar cierta explicación objetiva, aparecerá cierta
fascinación ante la sección transmitido de la obra. Este es un hecho
natural e intrínseco al ser humano, donde la sensibilidad estética actúa sin
más y en la que los seres se sienten atraídos por los elementos
observados. El momento más interesante de este proceso será el referido
a la capacidad de suscitar una reflexión del ser.
Por lo tanto se podría sintetizar lo previamente mencionado con
respecto a Ch. Madoz, además de la significación que posee su
fotografía, vertiéndose las siguientes conclusiones que a su vez podrán
ser asumidas por la totalidad de las artes visuales. Siendo; Valor poético,
Originalidad, Novedad, Sugerencia, Artisticidad, Valor metafórico,
Fascinación, Emoción y Reflexión.
Los rasgos más significativos podrían designarse velozmente. Uno de
ellos sería la utilización del sistema de representación monocromático, es
decir Blanco y Negro. En cierta ocasión y acompañando a la poesía de
sus imágenes, denominaron éste rasgo distintivo como universo
plateado. Prueba de esta bella denominación sería el efecto demoledor
que pondría en entredicho una simple descripción de las imágenes de
Madoz o utilizando la destreza lingüística. Esta misma ejemplificación
podría servir de paralelismo entre la imagen y el lenguaje. Apollinaire se
encargó de reutilizar el lenguaje conocido, también para crear poemas a
través de las palabras aunque no dispuestas de modo conocido y
tradicional. Fue un pionero de la poética visual.
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Artes em torno do Atlântico:
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Podría compararse sus objetos manipulados con las imágenes
construidas por W. Fenton (Figura 8), ya que fueron creados para servir
de significantes de otros mundos significativos. No son reales pero
modifican la personalidad de los mismos, y tal vez los lugares donde
fueron encontrados además adquirieron para él un valor añadido,
aportando a su vez una magia adherida.
Figura 6. Chema Madoz (2004), 60x50 cm.
Figura 7. Apollinaire (1917), Calligrames.
En las dos imágenes (Figuras 6 y 7) se produce una utilización del
lenguaje en sentido literal, siendo este mismo recurso el utilizado por los
poetas de entrambas vertientes.
La utilización de la luz natural excluye una vez más a los universos
artificiales paralelos. La cercanía con lo frecuente y cotidiano arropan sus
teorías artísticas y productivas.
Para finalizar y como oposición al punto de vista de Madoz, Peirce
afirma lo siguiente something which stands to somebody for something in some
respect or capacity (1931: 2228), en la que se traduce “algo que permanece a
alguien bajo su aspecto o capacidad”. La obra de nuestro autor se aleja
muchísimo de este concepto. La semiótica por lo general puede ser el
punto de partida de su base reflexiva, sin embargo la no aceptación de
que las cosas son lo que son, es lo que mueve al juego visual
Conclusiones
El trabajo realizado por el artista madrileño siempre estuvo vinculado
a la especialidad artística que moldeaba las formas adquiriendo un
carácter concreto, sin embargo el camino de la fotografía se encontró en
su camino y casi de modo casual.
No existe un proceso muy claro en cuanto a la línea que él sigue
durante su producción, pero deja bastante y clara constancia de la
dualidad que existe entre las personas y los objetos. Podría definirse
como; dime de qué te rodeas y te diré quién eres.
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Figura 8. Valle de la sombra de la muerte (Fenton, 1855). Primera muestra de
manipulación durante la guerra de Crimea.
La cercanía con el mundo de la poética es visible en cuanto a la esencia
que poseen sus objetos. Y si la ironía, el humor, la metáfora son sus
armas, por qué no asumir que realmente adquirieron, aún sin saberlo, esa
idiosincrasia vecina a la poética. Porque si las armas del poeta fueron la
hipérbole, paráfrasis o la sinonimia, es absurdo huir de esta
denominación y de los criterios que siguen para convertir las palabras en
hechos.
En sus imágenes no se trata de encontrar una línea estética muy
definida, sino que más bien la exclusión de elementos insignificantes no
interesan, tratando de permitir al ojo que disfrute de lo que está
observando.
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Lo simple y mínimo es bello.
Para concluir con una frase de Greimas (1976: 13) donde se dice que
habría que segmentar el discurso (poético) en unidades de dimensiones variables que
van desde los totalizadores de los objetos poéticos discretos hasta los elementos mínimos
(semas y femas). La propuesta que se lanza es la observación de las
imágenes fotográficas, de su producción, del proceso de confección
previo a la captura de la misma y sobre todo de lo desea contar. Es
necesario encontrar sentido a la obra de Madoz ya que será el punto de
entendimiento de esta premisa, en la que se expresa el deseo de control
de lo que hacemos desde la mínima expresión.
Referencias:
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Sala-Sanahuja. Barcelona: Paidós Ibérica
Greimas, A.J. (1976). Ensayos de semiótica poética. Barcelona: Editorial planeta
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Madoz, CH. (2009). Chema Madoz. Madrid: La Fabrica
Peirce, CH. (1931). Collected papers. Cambridge: Harvard University press
Saussure, F. (1945). Curso de lingüística General. Buenos Aires: Ediciones
Losada. ●
Rocha de Sousa – cartografias da alma
Hugo Ferrão*
Resumo: É revisitada a obra multifacetada de Rocha de Sousa (Portugal, 1938), pintor,
cineasta experimental, pedagogo e teorizador, crítico de arte, e também ensaísta e autor
literário. Rocha de Sousa é um autor chave para compreender a transição do regime no
ensino e na produção artística.
Palavras chave: Rocha de Sousa, ESBAL, painting, nova figuração, cinema
experimental, crítica de arte.
Title: Rocha de Sousa – cartography of the soul
Abstract: The multifaceted body of work of Rocha de Sousa (Portugal, 1938), painter,
experimental movie director, art educator, researcher, art critic and literary author.
Rocha de Sousa is a key author to understand the Portuguese régime transition, both on
the art education and on the art creation scene.
Keywords: Rocha de Sousa, ESBAL, new figuration, experimental cinema, art critic.
Introdução
Rocha de Sousa (n. 1938) é uma personalidade multifacetada, e uma
referência incontornável como pintor, critico de arte, professor,
investigador e ensaísta, de reconhecida excelência intelectual que marcou
gerações de jovens estudantes da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa.
Este documento é uma aproximação ao «trajecto plural» que caracteriza
o estar e obra de Rocha de Sousa, um dos poucos artistas portugueses do
século XX, com vasta produção teórica, que sempre entendeu a obra de
arte como «espaço do desejo, da comunicação e da revolta - espécie de
mentira providencial capaz de tornar verosímeis, por instantes que seja, os
nossos passos encobertos» (Sousa, 1986: 50), e é contributo para a
«história não oficial» negando o esquecimento cultural e institucional a
que autores com a dimensão de Rocha de Sousa são votados porque não
souberam abdicar da memória ou não foram suficientemente
«habilidosos» para deixarem de ser testemunhas do seu tempo.
«Deus, Pátria e Família», são os três pilares do Estado Novo,
concebendo uma «política do espírito» de visão futurista, à imagem
Portugal. Graduação em Artes Plásticas Pintura, Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa
(ESBAL). Mestrado em Comunicação Educacional Multimédia, Universidade Aberta. Pós Graduação em Sociologia do Sagrado e do Pensamento Religioso, Universidade Nova;
Doutoramento em Belas-Artes – Pintura, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa,
onde é professor (área de Pintura). Desenvolve investigação nos domínios da ciberarte,
cibercultura, hipertexto, realidade virtual e o seu impacto na formalização do discurso artístico.
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italiana encarnada por António Ferro (1895-1956) que arquitecta de 1933
a 1950 uma imagética para consumo internacional que aliasse tradição e
modernidade sendo capaz de representar vanguarda, força, «máquinaenergia» património civilizacional. É nesta atmosfera que Rocha de Sousa
é aluno da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, vindo de Silves
cheio de sonhos para realizar, matriculando-se no primeiro ano do Curso
Especial de Pintura (1955). No entanto para a sua geração o conceito de
artes plásticas começa a ser percepcionado como sistema integrador de
subcategorias como a escultura, a pintura, a arquitectura, a cerâmica, a
fotografia, o cinema, ou a tapeçaria, reforçando o internacionalismo da
arte, evocando modernidade e actualidade.
Dois momentos de grande intensidade marcam a vida de Rocha de
Sousa, um deles é a Guerra Colonial (1961-1974), tendo cumprido o
serviço militar em Angola (1961-1963) - e quando regressa entra para as
Belas-Artes como Assistente (1964) - o outro momento é o 25 de Abril
de 1974, onde se vivem «tempos «heróicos», «surrealistas» de grande
festividade, na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa.
Conceptualmente o que ressalta da reestruturação de 74, é o conceito de
interdisciplinaridade, e o abandono do «paternalismo pedagógico» que
permitiria estabilizar a individualização do percurso académico, feita de
escolhas e acentuações curriculares. Rocha de Sousa, neste novo
contexto académico, é um dos responsáveis pelas boas práticas
académicas que conduzem à integração das Belas-Artes na Universidade
de Lisboa em 1992, também devida às qualidades negociais de Lima de
Carvalho.
As coisas e as palavras
«Ser vários sem o recurso metafórico dos heterónimos», é desta
maneira, no sentido da narratividade permitida pelas diferentes
linguagens, que Rocha de Sousa se conta, elaborando «expedições»
poéticas, construindo, tornando visíveis mundos insuspeitados,
exorcizando as danações, suportando a depressão de todas as guerras
vividas no corpo, fazendo arrancamentos à matéria do indizível. Como
«operador plástico», para utilizar terminologia da sua preferência, nunca
necessitou de «apresentadores instituídos», subtilmente deixa-nos
reconhecer a dimensão de reflexão que se configura na «miscegenação»
plástica que caracteriza a sua obra artística. O seu pensamento plástico
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está ancorado nas palavras «dizer a visibilidade», e é esse o seu principal
«projecto-objecto», este «dizer a visibilidade» adquiriu diferentes lugares,
ou configurações, palavra escrita na forma de ficção ou ensaio, crítica da
arte, teatro, pintura e cinema, somos remetidos constantemente para
«estratégias de recolecção», que diluem a significação acética,
«cientificada», lançando-nos na descoberta de outros olhares.
A sua obra plástica, desde cedo faz recurso de técnicas pouco usuais
(1950-60), como a colagem, desenho, processos de impressão e
reprodução das artes gráficas, utilização de trucagem fotográfica,
projecção de diapositivos, máscaras, inclusão de objectos, manipulação
de diferentes matérias e materiais como o spray, pistolas de pintar,
aerógrafos, construção de instrumentos não usuais na prática artística
que «evitassem» a sua habilidade em «fazer bem feito» e deixassem
transparecer o incontrolado, o acidente, aquilo que nos escapa. Extravasa
a imagem pictórica e passa para o campo de experimentação e realização
na fotografia, no diaporama, no filme com o formato «super 8» e no
vídeo.
Existe «contaminação» Pop-Arte, no discurso plástico de Rocha de
Sousa, os aspectos aleatórios da sociedade de consumo são evidenciados,
reconhecidos numa óptica internacional, o contexto nacional é distante,
está isolado, mas para quebrar essa distância trazem-se de Paris, Madrid e
Roma, livros de bolso às escondidas, discos nunca ouvidos, visitam-se
sofregamente Museus, Galerias, Exposições, Livrarias, e espaços de
cultura que só a Fundação Calouste Gulbenkian pode igualar. Mas nunca
se deslumbrou, não assume o papel de «importador cultural», não se
«estrangeira». No entanto, não deixa de ter como referências Jean
Baudrillard, Claude Boudet, Herbert Marcuse, Aldous Huxley, o eterno
rochedo de «sísifo» de Albert Camus, as «Mitologias de Roland Barthes,
realizadores como Francis Ford Coppola, Stanley Kubrick, Andrei
Tarkovsky, Alain Resnais, Pier Paolo Pasolini, Jean-Luc Godard,
Michelangelo Antonioni. Habitam-no e fascinam-no, filmam como
pintores, sente que é possível «exigir o impossível» quando os estudantes
se revoltam no Maio de 68, quando os intelectuais como Jean-Paul Sartre
estavam presentes, e tinham pensamento divergente.
A Pop Art eliminou o tradicional estatuto do sublime na
representação, devastou o caracter redentor e moralista da obra de arte, e
anulou a instauração da significação a partir do objecto sobre a imagem,
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passou-se a funcionar com «vestígios» recombináveis, apropriando-se
dos mecanismos e estratégias de produção e reprodução da imagem
industrial, massificante aleatória, os conteúdos são «vampirizados»,
amontoados como coisas sem sentido. A Pop-arte excluí a
transcendência, anuncia a solidão de uma pós-humanidade confrontada
com uma existência feita de errância. Andy Warhol (1928-1987), Claes
Oldenburg (1929), Roy Lichtenstein (1923), e David Hockney (1937) ,
são o melhor rosto da Pop internacional, mas cá dentro, e graças ao
papel das bolsas de estudo atribuídas pela Fundação Calouste
Gulbenkian e da futura reposição da democracia, o contacto com Paris,
Londres e Nova Iorque contribuem para «acertar» o passo pelo que de
mais actual se realiza em todo o mundo, podemos nomear alguns artistas
contemporâneos de Rocha de Sousa, em que a influência da Pop Art é
declarada: Joaquim Rodrigo, René Bertholo, José Escada, Lurdes Castro,
António Costa Pinheiro, António Areal, Carlos Calvet, António Palolo,
Paula Rego e Álvaro Lapa.
Rocha de Sousa expõe colectivamente e individualmente com
regularidade desde 1967, circunscreve «personagens» reportando-se à
realidade social, política, económica e artística nacional, recorta, monta,
cola, apropria-se das imagens da imprensa, elaborando, espécie de
arquétipos, e identificando as alienações e mitologias do quotidiano
lisboeta. Sobre as «Personagens Ilustradas» das quais desenvolve três
séries até 1994, Rui Mário Gonçalves escreve texto introdutório à
exposição de pintura realizada na Galeria Judite Dacruz em 1973.
«As Coisas e as Palavras» é apresentada na Galeria de Arte Moderna,
na Sociedade Nacional de Belas-Artes (1983) em co-autoria com a
pintora Maria João Gamito (n. 1956). Esta mostra tenta relacionar texto,
fotografia e desenho. A partir de fins dos anos 80 surgem as pinturas
«Histórias da Guerra ou o Real Impossível», algumas delas são expostas
na Galeria «Quadrado Azul» no Porto em 1991. Rocha de Sousa divaga
sobre esta nova temática e da insustentabilidade de se «ser vários com
um único rosto, sem máscara, sem nomes de empréstimo».
Na «A Urgente Representação dos Desastres Principais», na Galeria
CeutArte em Lisboa, 2002, baseia-se numa outra realiza na Galeria 111
em 1999, obras requintadas de pequeno e médio formato, elaboradas em
suporte de papel, técnica mista, desenho, colagem e montagem
fotográfica, porém, nas pinturas (acrílico sobre tela), apresenta obras das
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«Personagens Ilustradas», e das «Histórias de Guerra ou o Real
Impossível». Com montagem impecável, estas obras confrontam-nos
com os «restos» de uma humanidade destroçada, tal como os
inesquecíveis corpos rasgados por estilhaços de granadas, ou balas
perdidas que interrompem abruptamente a vida. Mas em 2007 na mostra
«Rocha de Sousa – Novas Fundações», na Galeria Valbom, desenvolve a
série dos «Os Desastres Principais II» utilizando técnicas mistas de base
digital, sinalizando a «caixa do campo digital» como domínio de novas
explorações artísticas, sugerindo outro olhar anunciador das «geometrias
do caos» em que vivemos, manifestando uma grande actualidade.
Contrariando o estereótipo de então, muito alimentado por uma ala de
Historiadores de Arte, de que os «pintores não sabem escrever ou
teorizar», surpreende-nos enquanto membro da Secção Portuguesa da
AICA, Associação Internacional de Critica da Arte, tendo colaboração
como crítico de arte na imprensa, publicando ensaios, artigos e nunca
fugindo ao debate de ideias. Tem participação regular nos jornais «Diário
de Lisboa, Suplemento Literário», «Expresso», «Dia», «Jornal Novo» e
«Jornal de Letras Artes e Ideias», nas revistas «Opção», «& ETC»,
«Sema», «Seara Nova», «ArteOpinião», «Artes Plásticas», «Colóquio Artes
- F. C. Gulbenkian» e «ArteTeoria». Nunca se furtou à defesa dos seus
pontos de vista como em polémicas com José-Augusto França, «Os
Astros e o Ensino Artístico» no Diário de Lisboa - Suplemento Literário,
(nº 657) ou a Ernesto de Sousa a propósito da «Alternativa Zero» com o
artigo «Acertar na Cabeça do Prego, Eis a Questão» no Diário de Lisboa
- Suplemento Literário, (nº 663) e no jornal Expresso (1981) resposta ao
arquitecto Frederico George, com «Universidade Técnica Arquitectura e
o Resto» e também no mesmo jornal e no mesmo ano, sobre imagética e
ideologia rebate Leonel Moura e Cerveira Pinto em «Uma Crise de Perfil
Ideológico ou as Ideologias em Crise». No Jornal de Letras tem papel
destacado como crítico de arte, elaborando textos de elevada qualidade.
Participa activamente com artistas plásticos para quem faz textos
introdutórios para catálogos dos quais destacamos alguns: Miguel
Arruda, Isabel Laginhas, Hilário, Gil Teixeira Lopes, Lagoa Henriques,
Luis Pinto-Coelho, Justino Alves, Bartolomeu Cid, Manuela Justino, José
Cândido, José Reis, Pedro Chorão, Matilde Marçal, Lima Carvalho, Luis
Dourdil, Nelson Dias, Menez, Alice Jorge, Margarida Cepêda, Marília
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Viegas, Mário Dionisio, Hugo Ferrão, Jorge Pinheiro, Germano Santo e
Rogério Ribeiro.
A fotografia esteve para a sua geração como hoje está o computador
para nós. Utiliza-se a mítica Nikon F, mas a atracção que a imagem em
movimento exerce sobre si leva-o a desenvolver pesquisa
cinematográfica em «super 8», hoje em desuso, posteriormente
substituído pelo vídeo. Produz alguns filmes de curta duração: «Por um
Cidadão Desconhecido» (1977), «Encontro no Século XXI» (1977),
«Semearam Ventos» (1978), presente no 1º Festival Internacional de
Cinema não Profissional de Coimbra, «Peregrinação» (1978), «A Casa
Revisitada» (1979), entre outros.
Podemos considerar que também é pioneiro em Portugal, nas
experiências realizadas no domínio da vídeo-arte, mas com menor
impacto e expressão, todavia existe um reticulado temático, que interliga
ensaio, ficção, pintura e filme, a comprová-lo estão algumas das obras:
«Memória» (1987), Triologia «A Carta, A Hora Zero, O Fim do Cenário»
(1988), «A Máscara» (1989), «O Túnel» (1989), «Lírica do Desassossego»
(1992), e por fim «O Pó» (1992).
Conclusão
Concluímos, sem no entanto deixar de referir as inseparáveis folhas de
papel, onde escreve e desenha a sua deriva, resultam na publicação de
um conjunto de livros, dos quais se destacam: «Angola 61, uma Crónica
de Guerra» (1999), «Os Passos Encobertos» (1986), «Belas-Artes e
Segredos Conventuais» (2007), «A Casa» (2008), «Belas-Artes e Segredos
Conventuais» (2009) «A Culpa de Deus» (2009), «Talvez Imagens e
Gente de um Inquieto Acontecer» (2011), «Coincidências Voluntárias»
(2011) e a lançar «Lírica do Desassossego» (2012) onde nega a
conveniência de certos «esquecimentos», com palavras pintadas dessas
memórias que se dizem na visibilidade testemunhada.
Afirmamos que Rocha de Sousa, continua a ser «um lugar» de
memória e clarividência perante a desertificação imagética imposta pelas
«circularidades redutoras» dos novos dispositivos de controlo
tecnológicos que caracterizam a sociedade de informação e comunicação.
Sousa, Rocha de (1995/96) Deriva do Ensino Superior Artístico em Portugal, ou as
Reformas de Papel, Depoimento, Faculdade de Belas-Artes da Universidade
de Lisboa / Licença Sabática.
Sousa, Rocha de (1999) Angola 61, uma crónica de guerra ou a visibilidade da última
deriva, 1º Ed. Lisboa: Contexto, ISBN: 972-575-237-6
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Arteopinião, Lisboa, Ass. Est. ESBAL, n.º 2, p. 2-4
Sousa, Rocha de (1995) (Coordenador) Didáctica da Educação Visual. Lisboa:
Universidade Aberta, Col. Textos de Base, nº 83,
Sousa, Rocha de (s.d.) Batista, Helder - Para uma Didáctica Introdutória às Artes
Plásticas, 1.ª Ed., Fundação Calouste Gulbenkian/Subsidiada, s.d.
Sousa, Rocha de (s.d.) Desenho, (Área: Artes Plásticas). Lisboa: Ministério da
Educação, Col. Textos Pré-Universitários, TPU 19, s.d.
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História Secreta do Ensino Superior Artístico.” Lisboa: Artes Plásticas, n.º
7, , p. 44-47.
Sousa, Rocha de (1983) Pedro Chorão. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da
Moeda, Colecção Arte e Artistas.
Sousa, Rocha de (1984) Luís Dourdil. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da
Moeda, Colecção Arte e Artistas.
Sousa, Rocha de (1986) Eduardo Nery. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da
Moeda, Colecção Arte e Artistas. ●
Referências
Sousa, Rocha de (1986) Os Passos Encobertos. Porto: Figueirinhas.
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El arte y las moscas
Ignacio Barcia Rodríguez
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Resumen: A partir de un hacha de piedra hallada en el yacimiento de Atapuerca (Burgos,
España) se establece una reflexión sobre el origen de la obra de arte, vinculado a la
conciencia de la mortalidad. Intentando establecer un hilo desde esa conciencia con la
experiencia que proporciona el arte contemporáneo.
Palabras clave: arte, origen, mortalidad, contemporaneidad
Title: Art and flies: on the meanings of art.
Abstract: From a stone ax found at the archaelogical site of Atapuerca (Burgos, Spain)
provides a reflection about the origin of the artwork, linked to the awareness of mortality.
Trying to connect that awareness with the experience that provides contemporary art.
Keywords: art, origin, mortality, contemporaneity
Introducción
El 9 de julio de 1998 encontraron un hacha de piedra en la Sima de los
Huesos, un osario de restos fósiles humanos en el yacimiento arqueológico
de Atapuerca (Burgos, España) hasta entonces no se había hallado ningún
objeto de fabricación humana en esas excavaciones. La pieza reunía unas
características que, más allá del emplazamiento concreto donde se
encontró, la convertían en algo singular porque había sido tallada en un
lugar distante y en un material, cuarzita de color rojo, infrecuente en la
Sierra de Atapuerca. Todo indicaba, para los científicos que hicieron el
hallazgo, que hace aproximadamente 400.000 años alguien depositó de
forma intencionada ese objeto tan especial entre los muertos, con un gesto
que, rebasando la mera utilidad de la herramienta, podía ser una ofrenda,
un acto de carácter simbólico (Arsuaga y Martínez, 2004: 112). En ese
objeto hay quien quiso ver una primera obra de arte, una primera actitud
simbólica, una primigenia actitud humana.
El hallazgo de la pieza lítica que, de manera no muy afortunada a mi
entender, sus descubridores bautizaron como Excalibur, obliga a modificar
la consideración que teníamos de aquella acumulación de huesos
fosilizados. Ese objeto hizo que lo que hasta ese momento no era sino un
montón de huesos acumulados de manera más o menos fortuita se
convirtiera en un enterramiento, pasara de ser una especie de muladar a ser
Espanha, artista plástico, professor na Facultade de Belas Artes, Universidade de Vigo (Pontevedra). Doctor
en Bellas Artes.
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un incipiente cementerio.
Cientos de miles de años después, una eternidad, nosotros nos sentimos
vinculados con aquellos que, depositando aquella herramienta de piedra
entre sus muertos, dejaron una señal, demostrando su capacidad de
simbolización, una cosmovisión, y una manera de sentirse en el mundo que
nos parecen muy humanas.
En este escrito me interesa remarcar este hecho, es decir, que desde
nuestra concepción del arte reconocemos como tal el hacha de piedra
hallado entre los restos humanos de la Sima de los Huesos de Atapuerca;
reflexionar sobre la vinculación que sentimos con sus “autores”, hay
ciertamente un reconocimiento en ellos; apuntar también el hecho de que
la experiencia que tenemos aquí y ahora cuando nos enfrentamos a ese
hacha de piedra puede ser similar esencialmente a la que sentimos ante
cualquier obra de arte.
Debo advertir desde el principio que puedo estar basándome en una
hipótesis inestable, aunque la haya tomado de fuentes solventes, pues tiene
algo de aventurado suponer que Excalibur (utilizaré esa denominación
aunque no me agrade) no sea esa obra de arte primigenia que vemos ahora,
que su ubicación entre aquellos muertos no fuera sino algo accidental. En
cualquier caso, no tendría esto porqué llevar a que las reflexiones que a
continuación expongo no sean acertadas pues pretendo hablar no tanto de
lo que pudo ser el arte, sino de lo que es y de lo que puede ser. Decía
Theodor W. Adorno:
La definición de aquello en que el arte pueda consistir siempre estará predeterminada por
aquello que alguna vez fue, pero sólo adquiere legitimidad por aquello que ha llegado a
ser y más por aquello que quiere y quizá puede ser (Adorno, 1980: 121).
1. La piedra, los huesos y el tiempo.
Utiliza José Lezama Lima la expresión materia artizada para referirse a la
materia que ha sido definida y afinada por el arte (Lezama, 1996: 257). Algo
redunda en las palabras de-finir y a-finar, como si Lezama insistiera en la idea
de “fin” o de “límite”: si artizar la materia es de-finirla y a-finarla, es
diferenciarla de la mera materia al ponerle fines (límites), materia artizada es
materia separada, apartada. Sin duda materia artizada es Excalibur, una pieza
tallada en un tipo de piedra rojiza que no es habitual en la zona donde se
ubicó y que es “definida” y “afinada”, es decir, es extraída de la
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continuidad del mundo por medio del hacer humano: su talla, su transporte
y su ubicación. Es posible que el color tuviera algo que ver en la elección
de su material, no podemos saberlo, más detención merece el hecho de que
el material elegido sea la piedra. De aquellos hombres nos han llegado sus
restos en forma de huesos fósiles, literalmente petrificados, y una
herramienta de piedra: lo más duro, lo más duradero.
Puedo imaginar el hacha de piedra depositada entre los cadáveres al
fondo de la sima (los muertos caen, pesan, las piedras también). Puedo
imaginar los cuerpos en descomposición, las moscas zumbando alrededor,
y el tiempo transcurriendo, hasta el total blanqueamiento de los huesos.
Tras la desaparición de lo blando, de lo ligero, de lo inestable, de lo
efímero, en un lapso de tiempo mentalmente inabarcable, solo quedaron
los huesos y un hacha de piedra, un conjunto que parece reclamar un
análisis hermeneutico, si es que merece la pena ese tipo de análisis de la
obra de arte, como si de un lenguaje a descifrar se tratara.
2. La piedra, el ritual, la escultura y el monumento
La imagen del hacha de piedra depositado entre los muertos durante
milenios es, por analogía, similar a la idea de Jane Harrison sobre la
escultura griega: que es “un rito congelado en monumento” (Harrison, J.
citada por Lowie, 1983: 237). En relación al hacha de piedra de Atapuerca,
tanto o más adecuado que esta idea es la que desarrolla Mircea Elíade sobre
el origen de la figura del dios griego Hermes a partir de las hermai, simples
piedras depositadas por los griegos arcaicos al borde de los caminos para
protegerlos y conservarlos. Para este conocido historiador de las religiones:
Las hermai no manifestaban una presencia divina más que para la conciencia capaz de
percibir la revelación de lo sagrado de manera inmediata, en cualquier gesto creador, en
cualquier “forma” o “signo”. Hermes, en cambio, se separó de la materia; su figura se
hizo humana y su teofanía se convirtió en un mito (Eliade, 1981: 244).
No me interesa en este momento ahondar en las relaciones entre el arte
y la religión, sino apuntar la idea de que en el conjunto de los huesos
humanos y el hacha de piedra de que venimos hablando se percibe una
situación dinámica que pasa por el ritual (el gesto de depositar el hacha
entre los muertos), por la escultura (el propio hacha de piedra como materia
artizada) y finalmente por una situación monumental (el hacha de piedra
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vinculado a un lugar concreto confiriéndole un simbolismo determinado y
remarcando al tiempo el simbolismo del lugar).
Para asentar, nunca mejor dicho, este concepto de situación
monumental en el caso que nos ocupa, es sugerente plantear una relación
de desarrollo similar a la que describe Elíade desde las hermai, hitos de
piedra tosca que marcaban los caminos, hasta la figura de Hermes. Así, el
hacha de piedra depositado entre los muertos, podríamos relacionarlo con
los monumentos megalíticos (menhires, dólmenes), vinculados a
enterramientos y levantados por culturas agrarias muy posteriores
preocupadas por el ciclo de la vida y la muerte.
De la relación ancestral de la muerte con la piedra, de su pesadez y
estabilidad, es algo que no es ajeno el hombre contemporáneo. Joyce
describe la siguiente escena en el Ulises: En silencio, siguieron por el camino de
Phibsborough. Un coche fúnebre vacío pasó trotando al lado, volviendo del cementerio:
parece aliviado (Joyce, 1991: 147). Los coches de caballo regresan aliviados
después de dejar el peso del muerto. Más avanzado el relato aparece en
escena la piedra:
Una pareja de caballos que venía de Finglas pasó con paso fatigoso y penoso,
arrastrando a través del fúnebre silencio un carro crujiente con un bloque de granito. El
carrero, que andaba por delante de ellos, saludó. El ataúd ahora. Llegó aquí antes que
nosotros, muerto y todo (Joyce, 1991: 149).
3. La aparición de la conciencia. El hombre arcaico, mágico,
mítico y mental.
En las personas que efectuaron ese posible acto ritual por el que fue
depositado el hacha de piedra junto a los muertos podemos, siguiendo a
Jean Gebser, percibir cuatro estructuras mentales más o menos
desarrolladas, superadas o latentes: arcaica, mágica, mítica y mental. La
estructura arcaica, que tiene que ver con el origen y la inicial
indiferenciación y la armonía paradisíacas y la no-conciencia, parece ir
quedando relegada al tomar una conciencia básica de la identidad y la
unidad que supone la estructura mágica, claramente definida en el ritual
que supone una relación de unidad en la naturaleza y en el hacer, como
posibilidad de intervenir en el mundo. Explica Jean Gebser:
Hay un grupo semántico que une, entre otras, las siguientes palabras: machen,
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Mechanik, Maschine y Macht (hacer, mecánica, máquina y poder); se trata de
palabras de la misma raíz indoeuropea “mag(h)”, Suponemos que la palabra de origen
griego “magia”, que es un préstamo del persa, pertenece al mismo grupo semántico, esto
es, posee la misma raíz.
En esta estructura mágica, el hombre se desprende de la “armonía”, de la identidad
con el todo. Así se produce una primera concienciación que aún permanece como
adormecida: por primera vez el hombre no solo está en el mundo, sino que comienza a
haber una primera existencia frente a él, aunque todavía vaporosa (Gebser, 2011: 8990).
Así, en ese primer despertar de la conciencia mágica, que supone un
atisbo de individualidad, está en potencia la estructura mítica, por el mito
se establece la relación con la comunidad, y la estructura mental, que
implica la conciencia de la individualidad que acabará despertando en el
hombre moderno con una visión en perspectiva, desde un punto de vista
único (Gebser, 2011).
4. Conclusiones
En una conferencia en 1958 entre los ingredientes que consideraba
deberían incluirse en una obra de arte, el pintor Mark Rothko refería en
primer lugar “una intensa preocupación por la muerte: sentimientos de
mortalidad…” (Rothko, 2007: 183) Pero ya encontramos similares
preocupaciones por la muerte en los inicios del arte. Una primera actitud
artística consecuencia de la conciencia de la mortalidad de unos seres
humanos que comienzan a salir de la indiferenciación paradisíaca en la que
se haya el animal. Experimentamos como cualquier otra obra de arte el
hacha de piedra encontrado entre los muertos de Atapuerca porque algo de
aquello permanece en el arte contemporáneo. O en sentido contrario, algo
del arte contemporáneo influye en el arte del pasado. Apliquemos a las
artes plásticas lo que escribe George Steiner refiriéndose a la literatura:
Referencias
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Arsuaga, J.L. e I. Martínez (2004) Atapuerca y la evolución humana. Barcelona:
Fundación Caixa Catalunya.
Elíade, M. (1981) Tratado de Historia de las religiones. Morfología y dinámica de lo sagrado.
Madrid: Ediciones Cristiandad. 2ª Edición.
Gebser, J. (2011) Origen y presente. Girona: Ediciones Atalanta.
Joyce, J. (1991) Ulises. Traducción de J.M. Valverde. Barcelona: Editorial Lumen.
3ª Edición.
Lezama Lima, J. (1996) La materia artizada (Críticas de arte). Madrid: Editorial
Tecnos.
Lowie, R.H. (1983) Religiones primitivas. Madrid: Editorial Alianza.
Rothko, M. (2007) Escritos sobre arte (1934-1969). Barcelona: Ediciones Paidós
Ibérica.
Steiner, G. (2001) Pasión intacta. Ensayos 1978-1995. Madrid: Ediciones Siruela. 2ª
Edición. ●
Cuando el actual “posmodernismo” declara que el “tiempo de las grandes historias ha
terminado”, merece la pena recordar que la invención de estas historias terminó hace
mucho tiempo y que, como sucede en la física de la “extrañeza”, el tiempo de la
literatura es reversible: hoy la Odisea viene después del Ulises (cf. Borges), y los
argonautas de la épica griega y helénica siguen a Stark Trek (Steiner, 2001: 139).
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Ocaña. Hacia el frágil sueño de la libertad
Isabel María Sola Márquez
*
Resumen: En la presente exposición pretendemos ahondar en el significado y la
personal visión de la obra de José Pérez Ocaña, nacido en Cantillana (1947-1983),
analizando su relación con la cultura popular de su localidad natal, que influye
decisivamente en el desarrollo de su pintura y el novedoso enfoque de las artes visuales
a través de sus performances que surgen de su espíritu festivo, libre y vivo hasta el
extremo.
Palabras clave: Ocaña, Cantillana, pintura, performance.
Title: Ocaña to the fragile dream of freedom.
Abstract: In this study we want to deepen the meaning and personal understanding of
the work of José Pérez Ocaña, born in Cantillana (1947-1983), analyzing their
relationship with the popular culture of his hometown, the significant influence of this
in the development of his painting and the new vision of the visual arts through their
performances determined by his joyous, free and extremely alive spirit.
Keywords: Cantillana Ocaña, painting, performance.
Introducción.
El artista y su obra constituyen una unidad indisoluble y en algunas
ocasiones es la propia identidad del creador y su propia vida la que se
perfila como obra. En el caso de Ocaña (José Pérez Ocaña, nacido en
Cantillana, Sevilla, 1947-1983), el afán que le lleva hacia su sueño, el arte,
también le arrastra trágicamente hasta la muerte. Su búsqueda incansable
de la libertad le impulsó, tras superar muchas dificultades, hacia el
reconocimiento público de su trabajo. Pero quizás en vida, mientras
perseguía su deseo, ser pintor, le disgustaba que fuera su opción sexual y
su lucha contra la represión las que en algunos momentos llegaran a
eclipsar su obra. Tras su muerte, surgió el mito y a pesar de que ya en
vida llegó a tener proyección internacional, sus trabajos se revalorizaron
y llegaron a mostrarse en una exposición póstuma en el Museo de Arte
Contemporáneo de Madrid (Wynn, 1985). Pero ¿qué nos quedó de aquel
personaje con bombín y mantón de Manila que revolucionaba a sus
amigos en sus visitas a su pueblo natal?, la estela de aquel sencillo y
candoroso andaluz, que no dejó de ser niño, y que, sin embargo, al
Espanha, pintora. Doctora em Bellas Artes. Professora na Facultad de Bellas Artes da Universidad de
Sevilla; Investigadora, Grupo HUM 516.
*
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hablar, reflejaba una gran sabiduría, ese saber popular que no siempre se
valora en su justa medida.
Como objetivo propondremos mostrar la imagen más desconocida de
este artista, que siendo libre, quiso buscar su propio lenguaje. Sus
escenificaciones (performances de un artista que opinaba que su pintura
no estaba completa sin su improvisada interpretación o sus genuinas y
llamativas escenografías) muestran una original forma de entender la
obra de arte. Podríamos definirlo como precursor de esa nueva manera
de ver el arte poniendo en contacto con el espectador al artista, o
haciendo que su trabajo no esté limitado a una obra colgada en la pared,
sino que se sitúe en un espacio tridimensional, no solo para ser
contemplado sino para ser vivido. A través de los testimonios de
aquellos que llegaron a conocerlo de cerca, especialmente sus amigos
Nazario y Camilo, y las propias respuestas de Ocaña en diversas
entrevistas grabadas en cortometrajes y televisión, intentaremos
confirmar su defensa de lo popular, lo festivo, las tradiciones y raíces de
la tierra que lo vio nacer.
1. La palabra y pensamiento de Ocaña.
A la primera exposición realizada en la galería Mec Mec, en Barcelona
(1977) le pone por título Un poco de Andalucía. Es fundamental entender
la poderosa influencia del desarrollo de su infancia y adolescencia en su
pueblo natal, Cantillana, para llegar a explicar el verdadero significado y
origen de su obra. Como todas esas personas que son absolutamente
diferentes y poseen un carácter genuino y un pensamiento firme Ocaña
gusta a unos y disgusta a otros. Ese amor por su tierra que le lleva a
interpretar en sus obras sus vivencias relacionadas con fiestas,
costumbres o religiosidad popular, sentidas con fruición, se refleja en sus
palabras:
A mí me gusta el pueblo y sus costumbres, y me gustan los cementerios, lo trágico de
los entierros, los bautizos de los pueblos, las imágenes barrocas, las viejas andaluzas,
que me recuerdan las Pinturas Negras de Goya, los campos de aceituna y las
amapolas andaluzas, como las poesías de Lorca (Ocaña, 1977).
Su niñez juega un papel importantísimo. Él mismo, hablando de su
infancia, afirma en Ocaña, retrat intermitente, cortometraje de Ventura Pons,
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
1977 (Campo Vidal, 2004), que los niños, en su pueblo, vivían en
constante agitación y correteaban con entusiasmo por las calles, siendo
partícipes de las costumbres populares. Narra que se asomaban a la
ventana para ver pasar un entierro, que reían, lloraban, estaban llenos de
ilusión... y que todos esos recuerdos son los que él lleva a su pintura
porque le entusiasma todo lo relacionado con aquellas vivencias: las
fiestas, los casamientos, los bautizos, los entierros, forman parte de su
vida y de su pintura y por eso, argumenta, mezcla cementerio con alegría,
con cante, con bautizo, con borracheras, con romerías y con folklore.
Figura 1. El velatorio. 300 x 190 cm. 1982.
Aunque en ningún momento se declaró creyente, era, según palabras
de su hermana Luisa, muy “Asuncionisto”, y es que en Cantillana los
niños y niñas, desde que nacen están muy unidos a una u otra
hermandad. Ocaña realiza obras relacionadas con las dos hermandades la
de Ntra. Sra. de la Asunción y la de la Divina Pastora. En su caso existía
un vínculo con la Hermandad de Ntra. Sra. de la Asunción y su Gloriosa
Asunción también estuvo muy presente en su obra y en sus sentimientos.
Llegó a escenificar con su particularísima visión la fiesta de la Subida, un
recuerdo candoroso e inolvidable para muchos infantes cantillaneros,
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porque en su escenografía sumerge a los pequeños en la ilusión de ser
ángeles entre nubes de tul y pétalos de rosa que lanzan a la Virgen
mientras se eleva hasta su Altar Mayor. En esta ceremonia, que se celebra
cada año en la Parroquia el penúltimo domingo de septiembre, el propio
Ocaña intervino manifestando su idea a la hermandad de que la Virgen
fuera coronada por ángeles al llegar al Altar Mayor y así se sigue
culminando esta celebración desde entonces.
Esta suma de emociones dibujan su personal modo de ver Andalucía y
las costumbres de su pueblo, que le atraen poderosamente por su luz y
su color, y mueven su espíritu hacia la creación por medio de un impulso
incontenible y apasionado, que comparte hasta la madrugada, en su
diálogo silencioso con su obra, con la quietud de la noche y a solas con
sus sentimientos.
Su lucha por la libertad de expresión en la vida y en el arte le lleva a
expresar su opinión sobre lo que él cree que debe ser la obra artística,
desoyendo la palabra de los críticos y la opinión de esa burguesía que
según él afirma, considera únicamente la pintura de caballete como
expresión válida, sin llegar a reconocer sus teatrillos, presentaciones y
escenografías que reúnen su amor por lo teatral, el cine (en 1979 es
protagonista en “Ocaña, der engel der in der qual singt” (Ocaña, el ángel
que canta en el suplicio) de Gérard Courant. También participó en los
cortometrajes “Manderley”, de Jesús Garay, o “Silencis”, de Xavier
Daniel), la fiesta, la alegría y el gozo absoluto de vivir la vida por y para
su arte. Y ese sentimiento que le mueve para crear sostiene que justifica
el valor de lo artístico, su posibilidad de transmitir emoción.
2. La obra en sí misma.
Aquel joven candoroso, que admiraba a Chagall y Matisse, lleno de
bondad, sin rencores ni intereses, transparente como la mirada de un
niño, travieso y provocador, pero nunca ofensivo, reflejaba su espíritu en
su obra, porque poseía la humildad de quien, habiendo siendo pintor de
brocha gorda en sus inicios, no buscaba cubrirse de vanidades, ni dejar
nunca de valorar la sencillez y sus raíces, sin negar el nuevo y todavía
incomprendido lenguaje de las formas de expresión artística emergentes
que, en ese momento de la Transición española, no se aceptaba ni se
entendía plenamente. Su espíritu abierto y libre conservaría precisamente
ese reflejo infantil que nunca dejó atrás, esas ansias de conocer el mundo,
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
como quien despierta por primera vez a la luz de la existencia, de sentir,
gozar, escrutar, conocer, amar. A veces atormentado por sus miedos,
como quien teme a la oscuridad de la conciencia del mismo modo que a
la noche de la muerte, o al igual que el niño que se asusta de las sombras
de una sociedad reprimida y al que le horroriza el fuego del odio, del
desprecio y de la incomprensión.
Protagonista en su teatro de la calle, junto a Nazario y Camilo, pasea
por las Ramblas, no le gusta decir travestido, sino disfrazado de sus
recuerdos. Defensor del movimiento gay, afirma que no se siente mujer y
sostiene el valor conjunto de lo femenino y lo masculino, presente
siempre en determinada medida en el ser humano.
Pero su creación no queda reducida a sus pinturas o sus personajes de
papel maché, esas Vírgenes de corazón humano y piel pintada del color
de la ilusión que un día hizo mutis entre las candilejas del ardiente sol de
la tragedia, poniendo fin a su mayor obra, su propia vida.
El fatal desenlace que acontece en 1983 (cuando vestido de sol
participaba en la Fiesta de la Juventud en el colegio Ntra. Sra. de la
Soledad de su pueblo natal, Cantillana, y accidentalmente una bengala,
según cuentan algunos testigos, prendió su disfraz hecho de papel de
colores, complicándose las quemaduras con una hepatitis de la que no se
había recuperado totalmente) da lugar al mito, a una imagen construida
por la sociedad, que hace historia de los ángeles caídos, de aquellos que
quiebran sus alas de manera prematura y trágica, pero que han vivido tan
intensamente, que a pesar de ello esbozan una personalidad genuina y
única para el recuerdo de todos. Especialmente, aquellos que conocieron
su realidad de cerca saben que ante el candor de ese Chaplin andaluz con
mantón de Manila, fascinado por la música clásica y el flamenco puro,
que llegó a Barcelona queriendo ser pintor, el arte decidió colorear su
rostro para reflejar su obra en sí mismo.
formas de expresión, no permanecer en lo superficial o lo anecdótico,
sino constatar su defensa del arte como una forma de expresión libre, sin
convencionalismos, que no se concede al artista por medio de un título o
por el apoyo de la crítica, ni por gozar de una posición social privilegiada,
sino por su sincera entrega y la voluntad interior de expresarse y
comunicar sus emociones a los demás, por su deseo de entender su
mundo para poderlo vivir con una mayor amplitud de miras. Piensa que
la obra artística no se cuelga únicamente en la pared, sino que impregna,
como la mejor de las esencias, los espacios de color, luz, sensaciones
táctiles o sonoras y las almas del amor y la pasión necesarios para no
dejar nunca de mirar hacia nuevos horizontes buscando el frágil sueño de
la libertad.
Referencias
Arbide, J. : Sevilla en los 70. RD Editores, Sevilla, 2005.
Campo Vidal, A. : Ventura Pons, la mirada libre. SGAE, Madrid, 2004.
Lusson, F. : El MEAC exhibe una antología del pintor Ocaña, integrada por doscientas
treinta obras. La Vanguardia, 11-12-1985. Pág. 32
Wynn, M. J. : Ocaña - Pinturas. Museo Español de Arte Contemporáneo, Madrid,
1985.
http://larosadelvietnam.blogspot.com/ [Consult. 01-05-2011]
http://missindiestyle.com/2010/03/25/ocana-vuelve-a-sus-queridas-ramblas/
[Consult. 10-12-2011] ●
Conclusión
A pesar de que se afirme que Ocaña fue rechazado en su pueblo natal
y tratado con desprecio (Arbide, 2005) esta aseveración resulta
prejuiciosa, es evidente que provocó simpatías y también antipatías, pero
él llega a declarar ‘me gusta mucho ser de mi pueblo, donde unos me
quieren y otros me critican…’, lo verdaderamente importante es
entender su obra a través de su unión con lo popular y sus múltiples
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“Qualquer semelhança com a realidade é mera
coincidência”: Grupo Poro
Joana Aparecida da Silveira do Amarante*
Resumo: Grupo Poro, formado por Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada!, através
de suas propostas buscam apontar as sutilezas do urbano e tornar visíveis aspectos que
a sociedade contemporânea escondeu ou esqueceu. Poro possibilita uma nova vivência,
um novo olhar para a cidade. Um olhar com calma, um olhar nos detalhes. Torná-la sua
a partir de imagens absurdas. Construir uma memória, uma narrativa à parte do real e,
assim, torná-la real.
Palavras chave: Poro, cidade, intervenção urbana, memória.
Title: Poro Group: “any similarity with real facts are mere coincidence”
Abstract: Poro group is composed by Brígida Campbell and Marcelo Terça-Nada! and
aims to point out the subtleties of the urban environment through their proposals,
unveiling hidden aspects that were long forgotten by the contemporary society. Poro
allows a new experience, a new gaze into the city. A slow gaze, a gaze into the details.
The city is assimilated through absurd images. Memories are built, fictional narratives
made real by their surrealness.
Keywords: Poro, city, urban intervention, memory.
Introdução
O grupo Poro é formado pela dupla de artistas Brígida Campbell e
Marcelo Terça-Nada!, que atuam desde 2002 com trabalhos de
panfletagem, intervenções urbanas e cartazes, nos quais procuram
apontar as sutilezas do urbano tornando, assim, visíveis aspectos que a
sociedade contemporânea escondeu ou esqueceu. Com suas ações, a
dupla busca uma reflexão acerca da cidade, dos problemas do excesso de
imagem, da banalização da comunicação, do ritmo desenfreado das
multidões de pedestres.
Através de suas ações, eles propõem que os transeuntes estabeleçam
novas relações com o espaço público, que observem, através dos
pequenos desvios, das pequenas inserções na paisagem, vivenciando-a e
recriando-a constantemente.
Brasil, artista visual. Licenciatura em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC). Atualmente é mestranda na linha de História e Teoria em Artes Visuais do Programa de PósGraduação em Artes Visuais da UDESC (PPGAV/UDESC).
*
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Efemeridade compartilhada
Com propostas simples, Poro dilui a autoria tornando-a compartilhada
– os artistas acreditam e sempre incentivam a participação espontânea de
outras pessoas para realizarem suas ações em outros contextos -, o grupo
passa, então, a ser formado por muitos outros na medida em que os
trabalhos exijam maior ou menor participação (algumas ações podem ser
feitas de forma solitária). Assim como suas propostas de ocupação da
paisagem são efêmeras, o grupo aumenta e dilui-se com o passar do
tempo. Segundo eles,
Queremos gerar espaço de encantamento, suspensão e desvio. Fazer com que o sutil, o
efêmero, apareça em gotas na cidade acelerada, que é cada vez mais levada a uma
verticalização árida, ao concreto e ao asfalto, em suas pistas duplicadas e sem árvores
(temos certeza de que a cidade não precisa ser assim) (Campbell; Terça-Nada!,
2011: 7)
Com essa possibilidade para participação de outras pessoas, as
propostas de Poro são sempre re-significadas, assim como é a memória, móvel e dinâmica (Bergson, 2006) - são suas ações nos espaços urbanos
pensadas para durar 1 hora, algumas semanas, alguns meses, mas sempre
com o intuito de provocar os pedestres desavisados e torná-los coautores não intencionais.
Um “respiro” ao olhar
Através de suas intervenções, a dupla procura uma relação com a
paisagem urbana através de ações efêmeras. Partindo dos conceitos
trabalhados por Michel de Certeau (2008), o grupo propõe a
transformação do lugar, que possui uma ordem pré-estabelecida e
estática, em espaço, que é móvel; segundo o autor, é o lugar praticado
pelos transeuntes ‘ordinários’ através de uma vivência, que pode ser
tanto suscitada por uma memória pessoal diante desse novo espaço,
como por uma memória do próprio lugar que até então estava esquecida.
É a possibilidade do invisível tornar-se visível e significativo.
Suas ações são como retratos do que foi, ou do que deveria ser a
paisagem urbana em algum momento do passado real ou do passado
inventado a partir das memórias, lembranças passadas, das percepções
presentes que se mesclam.
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Os trabalhos da dupla incluem frases indicativas, panfletos e lambeslambes que procuram quebrar a rotina da cidade. Entre essas ações
podemos citar ‘Perca tempo,’ realizada em 2010, na cidade de Belo
Horizonte, que consistia em abrir faixas nos cruzamentos, enquanto o
sinal de trânsito estivesse fechado, e distribuir panfletos. Como parte da
ação, existia também uma banca, onde as pessoas curiosas quanto à
performance poderiam receber informações de como perder tempo
através dos panfletos: ‘10 maneiras de perder tempo’ e ‘+10 maneiras
incríveis de perder tempo.’ Algumas maneiras sugeridas para perder
tempo eram: acompanhar o caminho das formigas; escutar música;
desenhar uma laranja; procurar desenhos em nuvens; fazer listas de
coisas improváveis; dormir de tarde; observar o movimento das folhas
nas árvores.
Figura 1. Grupo Poro, Faixas de anti-sinalização, Belo Horizonte, MG, Brasil (2009).
Suas propostas consistem em instruções de ações bem simples, mas
que suspendem o pedestre ‘ordinário,’ por exemplo, quando se depara
com a frase: ‘Assista sua máquina de lavar como se fosse um vídeo’
(Figura 1), em vez de uma propaganda política ou de qualquer outra
coisa a que está acostumado.
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A paisagem urbana está cheia de simulacros, ou seja, está com excesso
de imagens vazias de significação. Os transeuntes não conseguem mais
observar atentamente a paisagem que se modifica constantemente. O
que existe é um movimento desordenado das pessoas, um movimento de
uma massa informe que nem sequer mais sabe onde vive ou consegue
efetivamente vivenciar/experimentar a cidade. O grupo Poro tenta
resgatar essa memória dos lugares, torná-los vistos e vivenciados, tornálos espaços.
A paisagem inventada
Simon Schama nos coloca que, ‘o poder da arte é o poder da surpresa
perturbadora’ (Schama, 2010: 11). Poro busca essa ‘surpresa perturbadora’
nos distraídos, nos ‘pedestres ordinários’ que de repente se deparam com
imagens, objetos estranhos no meio do caminho e que fazem com que as
pessoas pensem acerca disso, se perguntem se aquilo é possível ou não,
se é uma ilusão ou é real. São ações que procuram confundir-se com o
real, mas ao mesmo tempo gritam ‘não somos verdadeiras,’ ‘não
acreditem em nós.’
A dupla convoca o espectador/pedestre passivo a vivenciar a cidade
de outras formas ou, simplesmente, observá-la com outros olhos, dando
a ele seu tempo, pois o olhar, na contemporaneidade, não possui mais
tempo para olhar a cidade.
Através de pequenas inserções de imagens ou objetos dentro da
paisagem, que se transformam em puctuns para o observador atento, o
grupo permite que o detalhe, o insignificante, possa nos surpreender,
dando-nos assim, a visão do todo. No detalhe podemos ter a paisagem e
sua memória como um todo, apenas através de suas ações simples que
enganam nosso olhar.
E as ações que enganam nosso olhar são: ‘Azulejos de papel’ (Figura
2), lambe-lambes no formato de azulejos reais com 15x15 cm instalados
em fachadas de casas abandonadas, muros caindo, calçadas, que passam
a sofrer a ação do tempo, assim como a superfície na qual essas imagens
foram instaladas.
Assim como os azulejos de papel, que se camuflam na paisagem
urbana, confundindo a história real com uma história inventada, são as
‘Folhas de ouro’ (Figura 3), compostas por folhas secas pintadas de
dourado e colocadas novamente nas árvores.
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memória, uma narrativa à parte do real e, assim, tornando-a real. Como
Italo Calvino coloca no seu livro As cidades invisíveis:
Figura 2. Grupo Poro, Azulejos de papel, diversas cidades (desde 2008).
Figura 3. Grupo Poro, Folhas de ouro, Belo Horizonte, MG e São Carlos, SP, Brasil
(2002).
Poro quer que acreditemos que esses simples objetos, lambe-lambes
colados nas paredes, tornaram-se reais e verdadeiros, que fazem parte da
paisagem urbana, como se sempre estivessem ali.
Azulejos que se confundem com os reais, falsos azulejos de papel, que
irão se desgastar, descolar, rasgar, enganar o olhar daquele transeunte que
acha que já viu tudo e que não consegue mais diferenciar nenhuma
imagem por estar com o olhar sem tempo. Mas aquele que flana pela
cidade, que perde tempo olhando o desgaste do muro, a movimentação
das folhas das árvores, percebe que há algo errado. Mesmo que se
engane por um curto período, o crime já foi cometido e não há mais
volta. Agora ele é obrigado a parar e prestar atenção a sua volta, a pensar,
seu caminho foi perturbado e agora ele precisa perder tempo para poder
continuar.
Eu também imaginei um modelo de cidade do qual extraio todas as outras –
respondeu Marco – É uma cidade feita só de exceções, impedimentos, contradições,
incongruências, contra-sensos. Se uma cidade assim é o que há de mais improvável,
diminuindo o número dos elementos anormais aumenta a probabilidade de que a
cidade realmente exista. Portanto, basta subtrair as exceções ao meu modelo e em
qualquer direção que eu vá sempre me encontrarei diante de uma cidade que, apesar de
sempre por causa das exceções, existe. Mas não posso conduzir a minha operação
além de um certo limite: obteria cidades verossímeis demais para serem verdadeiras.
(Calvino, 2009: 67)
E Poro, em mais uma ação em forma de cartaz nos coloca: ‘Qualquer
semelhança com a realidade é mera coincidência.’
Referências
Bergson, Henri (2006). Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito.
3. ed. São Paulo: Martins Fontes. ISBN: 85-336-2341-0
Campbell, Brígida; Terça-Nada!, Marcelo (org) (2011). Intervalo, Respiro, Pequenos
deslocamentos: Ações poéticas do Poro. São Paulo: Radical Livros. ISBN: 97885-98600-14-7.
Certeau, Michel de (2008). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 14 ed.
Petrópolis, RJ: Vozes. ISBN: 978-85-326-1148-2 ●
Ilusões próximas ao real
Poro apenas propõe, cabendo a nós inventar novas paisagens e
memórias, que serão compartilhadas com outras através de detalhes
imperceptíveis. Somente um flâneur descuidado perceberá essa
incongruência do que é ou não verdade, e no seu descuido perceberá a
ironia da paisagem.
A dupla possibilita uma nova vivência, um novo olhar para a cidade.
Um olhar com calma, um olhar nos detalhes. Torná-la ‘caseira’ de forma
lenta. Torná-la sua a partir de imagens absurdas, construindo uma
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Joanna Latka: ficcionando a realidade para a ver melhor
Joana Ganilho Marques
*
Resumo: Partindo de duas exposições da artista polaca Joanna Latka, este artigo
pretende evidenciar algumas estruturas essenciais do seu trabalho: a observação, o
desenho, a memória e o quotidiano e relacioná-los com alguns conceitos inerentes à sua
obra e prática artística.
Palavras chave: Latka; gravura; desenho; quotidiano.
Title: Joanna Latka: turning reality into fiction order to see it better
Abstract: Based on two exhibitions of the polish artist Joanna Latka, this article aims to
highlight some essential structures of her work: the observation, the drawing, the
memory, the daily life and connect them with some inherent concepts to its work and
artistic practice.
Keywords: Latka; engraving; drawing; daily.
Introdução
Joanna Latka (1978) é uma artista Polaca residente em Portugal desde
2002. É mestrada em Artes Plásticas no Instituto das Artes da
Universidade de Pedagogia de Cracóvia (2003), realizou uma pósgraduação em Ilustração no Instituto Superior de Educação e Ciência de
Lisboa (2006) e encontra-se atualmente a frequentar o doutoramento de
História de Arte na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi
docente na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha e na
Escola Superior de Educação da Universidade de Coimbra. Apesar de
jovem apresenta já um extenso currículo na área das artes plásticas,
realizando com frequência exposições coletivas e individuais em Portugal
e no estrangeiro. O desenho é a sua técnica por excelência, recorrendo
frequentemente à gravura.
Este artigo pretende abordar a obra de Joanna Latka a partir de duas
exposições: Ter mais olhos que barriga (2009, Galeria das Salgadeiras) a
partir do registo que a artista faz das estruturas do seu quotidiano e da
relação que estabelece com a cidade de Lisboa, enquanto cenário desse
quotidiano, e com a cultura portuguesa; e Central de Operações (2010,
Espaço Fábulas) enquanto processo de quase-heteronímia face ao papel
da mulher contemporânea na sociedade ocidental. Problematiza-se a sua
obra a partir dos conceitos de Luís Rodrigues de
conhecimento/autoconhecimento a partir do desenho e de desenhoprocesso/desenho-objeto.
Ficcionando para ver melhor
Ter mais olhos que barriga reuniu desenhos essencialmente centrados em
pequenos episódios que têm como pano-de-fundo a da cidade de Lisboa.
São imagens vibrantes, muito dinâmicas, que caracterizam fortemente o
espaço urbano. A questão do espaço é central: o seu papel é
simultaneamente o de cenário e o de palco para as histórias que ganham
vida no desenho. Recorrendo à temática da gastronomia como metáfora,
a artista explora cenas do seu e nosso quotidiano numa atitude de
curiosidade, de humor e até de espanto perante a cultura portuguesa. Os
desenhos, intitulados Bacalhau à Zé do Pipo, Bife a cavalo, Sardinhas (Figura
1), Empadão, Caracolada ou Feijoada (Figura 2), entre outros, caracterizam
sobretudo espaços sociais portugueses com as vivências que lhes são
inerentes: espaços como o mercado, a tasca, as festas tradicionais, a praia
ou os transportes públicos são registados como eventos. No entanto,
existe uma caracterização para além do domínio público, chegando a
hábitos como jogar as cartas ou ver televisão.
Figuras 1 e 2. À esquerda: Joanna Latka (2009), Sardinhas. Tinta-da-china e ecoline
sobre papel. Fonte: Joanna Latka. À direita: Joanna Latka (2010), Feijoada. Tinta-dachina e ecoline sobre papel. Fonte: Joanna Latka.
Portugal, artista visual. Mestre em Educação Artística, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa
(FBAUL). Licenciatura em Artes Plásticas, Escola Superior de Artes e Design, Instituto Politécnico de Leiria
(ESAD.CR).
*
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
A exposição Central de Operações apresentou um conjunto de gravuras
sob o tema da mulher. São imagens fundamentalmente descritivas que
posicionam uma personagem, uma mulher, face ao desempenamento de
uma tarefa. O sentido destas gravuras é-nos dado a conhecer sobretudo a
partir dos objetos que são apresentados com a mulher e que definem
simultaneamente a tarefa que a mesma desempenha e um atributo que a
sociedade espera que possua: alimentadora, pesquisadora, amante, conselheira,
protetora, reprodutora. No entanto, há sempre uma ambiguidade na imagem
e no próprio atributo que é dado à mulher, situação na qual o título tem
um papel de relevo. Por exemplo em A pesquisadora (Figura
5)observamos uma mulher de costas que comtempla uma estante.
Inicialmente poderíamos ser levados a pensar que se tratava de uma
biblioteca, dado o título e a pouca definição do produto que se encontra
nessa mesma estante.
Figuras 3, 4 e 5. À esquerda: Joanna Latka (2010), A alimentadora. Água-tinta sobre
papel. Fonte: Galeria das Salgadeiras. Ao meio: Joanna Latka (2010), A reprodutora.
Água-tinta sobre papel. . Fonte: Galeria das Salgadeiras. À direita: Joanna Latka (2010),
A pesquisadora. Água-tinta sobre papel. Fonte: Galeria das Salgadeiras.
O objeto decisivo na análise desta imagem é precisamente o carrinho de
compras que se encontra junto à personagem e que nos remete para uma
situação de compras domésticas. Também em A alimentadora (Figura 3),
322
ISBN: 978-989-8300-32-4
podemos encontrar um duplo sentido a partir da imagem da mulher: a
mulher enquanto dona de casa que cozinha, estando a cortar um legume,
ou a mulher enquanto mãe que alimenta, uma vez que a personagem se
encontra nua a desempenhar essa tarefa, mostrando os seios. Há ainda
outro elemento singular na imagem: a mulher chora e do legume saem
pequenas gotículas, podendo ser uma alusão à acidez do legume que está
a ser cortado mas também ao estado emocional da personagem neste
contexto.
A obra de Latka apresenta-nos dois sentidos muito existencialistas da
procura humana: a procura de um conhecimento exterior, expresso pela
da sociedade e pelo seu funcionamento, mas também uma busca de um
autoconhecimento e do nosso lugar na sociedade. O desenho cumpre,
assim, nestas obras, o conceito que lhe atribui Luís Rodrigues:
“Desenhar, então, é acima de tudo, interpretar-se e mostrar um reflexo
dessa interpretação”. P.58.
Em Ter mais olhos que barriga encontramos essa busca pelo
conhecimento: as imagens constituem micronarrativas que, embebidas
numa extraordinária capacidade de observação, análise e crítica, que nos
conduzem à sua visão particular, a do outro, sobre a vida da cidade, os
seus habitantes e os seus costumes. Mas existe também nestas imagens
uma (auto)narrativa latente: quando apresentadas conjuntamente
adquirem um novo sentido – são o testemunho de um processo de
desenho e de pensamento que nos revela o autor enquanto sujeito
ausente na sua obra. A autora é, neste conjunto de desenhos, o outro
face à nossa cultura e estabelece um movimento de observação que parte
de si para o exterior.
Contrariamente, na exposição Central de Operações, o movimento de
observação é feito para o interior com ponto de partida no exterior. As
cenas evocadas nas gravuras testemunham um processo de
(auto)reflexão do papel da artista enquanto mulher na sociedade a partir
do que a sociedade espera destas. Latka apresenta-nos um processo de
quase heteronímia, que é também um retrato e uma condição da mulher
nas sociedades desenvolvidas.
O trabalho de Latka é assim um jogo entre o reflexo do mundo e o
seu próprio reflexo numa poça desse mundo. E este é um jogo
fundamentalmente contemporâneo: ele põe a nu a reflexividade da nossa
cultura, o ver-me de fora de que nos fala Pessoa.
323
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Há ainda nas obras presentes nestas duas exposições um sentido que
atravessa toda a obra de Joanna Latka: o registo do quotidiano como
registo de si. É uma viagem que se desenha, uma ilustração, um passeio
íntimo pelas coisas do mundo. É o desenho que não começa nem acaba,
é uma prática inserida no tempo, ligada ao duplo movimento, o da mão e
o do olho, ao qual são subtraídos fragmentos que se cristalizam e
ganham vida no espaço, inserem-se no concreto. Utilizando os conceitos
de Luís Rodrigues, o registo passa do desenho-processo para desenhoobjeto ganhando autonomia material ao ser fechado enquanto obra,
objetificado, mas também autonomia de significação na medida que
deixa de ser vestígio de um pensamento para existir narrativamente por
si só.
Conclusão
Observando, desenhando e redesenhando, Joanna Latka cria
fragmentos de histórias em que a sua narrativa autobiográfica se cruza
com outras narrativas povoadas por personagens e cenários da Lisboa
atual ou da sociedade ocidental. Há nelas um retrato do que de mais
tradicional existe na cidade, muito presente em Ter mais olhos que barriga,
mas também uma procura, numa postura quase inquisitiva, das
geografias interiores das suas personagens.
Referências
Babo, M. A. (2000). A reflexividade na cultura contemporânea. In E. P. José
Augusto Miranda, Revista de comunicação e linguagens - Tendencias da cultura
contemporânea (pp. 335-348). Lisboa: Relógio D'Água.
Galeria das Salgadeiras. (s.d.). Obtido em 20 de 10 de 2011, de
http://www.salgadeiras.com
Latka, J. (s.d.). Joanna Latka. Obtido em 14 de 10 de 2011, de
http://joannalatka.blogspot.com/
Rodrigues, L. F. (2010). Desenho, criação e consciência. Lisboa: Books on
Demand. ●
Novas formas de habitar ‘o Bairro’ de Gonçalo M.
Tavares: sobre os projetos Galerista por um dia e
Senhores Projetos no Bairro de Gonçalo M. Tavares
Joana Ganilho Maques*
Resumo: A partir das obras integrantes da coleção “O Bairro” de Gonçalo M. Tavares
têm nascido várias outras obras, de muitas expressões. Neste artigo visitamos algumas
dessas expressões resultantes de dois projetos distintos: “Galerista por um dia”, uma
proposta curatorial; e “Senhores Projectos no bairro de Gonçalo M. Tavares”, numa
visão arquitetónica deste bairro.
Palavras chave: Gonçalo M. Tavares; literatura; artes plásticas; arquitetura;
transdisciplinaridade .
Title: New ways to inhabit “o bairro” of the writer Gonçalo M. Tavares: about the
projects ‘galerista por um dia’ and ‘Senhores Projetos no Bairro de Gonçalo M.
Tavares’
Abstract: From the works of the collection "O Bairro" of Gonçalo M. Tavares, has
been born several other works, of many expressions. In this article we visit some of
those expressions, outcome of two distinct projects: "Galerista por um dia",
a curatorial proposal; and “Senhores Projectos in the neighborhood of Gonçalo M.
Tavares”, in an architectural perspective of this neighborhood.
Keywords:
Gonçalo
M.
Tavares,
literature,
visual/plastic
arts,
architecture, transdisciplinar.
Introdução
Gonçalo M. Tavares (Luanda, 1970) é já uma referência incontornável
na literatura portuguesa contemporânea. Ao longo da sua ainda breve
vida literária o autor escreveu e publicou mais de duas dezenas de livros,
do ensaio ao teatro, passando pela poesia, o romance ou o conto. Dentro
desta vasta obra existem um conjunto de pequenas obras singulares que,
juntas, formam O Bairro. São livros com nomes de personalidades que o
autor homenageia criando personagens fictícias que habitam também
eles um bairro fictício. O Bairro conta já com dez habitantes que criam
uma mini história da literatura em ficção.
As obras que integram o Bairro têm sido frequentemente
reinterpretadas e adaptadas a outros formatos artísticos: teatro, ópera,
dança, fotografia, pintura, gravura, arquitetura. Neste artigo pretendemos
Portugal, artista visual. Mestre em Educação Artística, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa
(FBAUL). Licenciatura em Artes Plásticas, Escola Superior de Artes e Design, Instituto Politécnico de Leiria
(ESAD.CR).
*
324
ISBN: 978-989-8300-32-4
325
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
apresentar alguns exemplos: a partir do olhar de quatro artistas plásticos
que integraram o projeto curatorial Galerista por um dia, desenvolvido pela
Galeria das Salgadeiras; e a partir do olhar dos alunos de Arquitetura da
Universidade Lusíada, que desenvolveram o projeto Senhores Projectos no
Bairro de Gonçalo M. Tavares.
Reabitar o bairro
O projeto Galerista por um dia surgiu como uma tentativa de abrir a
galeria a outras formas de encarar a arte e a outras sensibilidades. Para
isso, por cada edição, é convidada uma personalidade de uma área
diferente da curadoria para organizar uma exposição a partir dos artistas
e do acervo da galeria. Em 2010 Gonçalo M. Tavares foi o convidado da
Galeria das Salgadeiras. A proposta foi revisitar o seu Bairro a partir das
sensibilidades e das interpretações de quatro artistas plásticos: Cláudio
Garrudo, Helena Gonçalves, Jaime Vasconcelos e Joanna Latka.
Visitaremos de seguida a obra de dois destes artistas.
Figura 1. Joana Latka (2011), Sem Título. Instalação. Fonte: Galeria das Salgadeiras.
Figura 2. Cláudio Garrudo (2011), Senhores do Bairro. Fotografia. Fonte: Galeria das
Salgadeiras.
Na obra de Cláudio Garrudo (Figura 2) o bairro é substituído pelo
espaço da galeria, um novo bairro, habitado apenas por uma pessoa: ele
mesmo. A (auto)narrativa é-nos dada através de imagens captadas por
uma câmara de vigilância instalada neste espaço e pelos percursos que o
autor performava no mesmo. A sua aproximação ao trabalho de M.
Tavares revela duas particularidades: a primeira, já enunciada, prende-se
com a autorrepresentação; a segunda é a questão da técnica. A primeira
remete diretamente para o imaginário do fotógrafo, cujas (auto)
encenações são recorrentes; a segunda remete diretamente para o
326
ISBN: 978-989-8300-32-4
imaginário do próprio M. Tavares, trabalhado em várias obras, dentro e
fora da coleção do Bairro.
A interpretação de Joanna Latka (Figura 1), por sua vez, assenta
sobretudo na memória, revelando um traço comum com a de Garrudo: a
autorreferencialidade. A artista polaca revisita as primeiras memórias de
Lisboa, de estendais brancos à janela, para reabitar o bairro. Recorrendo
à sua linguagem específica, com base no registo quotidiano, Latka cria
uma instalação de gravuras, evocando diretamente as memórias sobre as
quais trabalhou. Inscreveu dois tipos de registos nas suas gravuras: um
primeiro, o desenho da linha e da mancha, que cria uma narrativa por
sobreposição de diferentes imagens, cada uma na sua gravura; o segundo,
em gravura cega, que confere às imagens uma patine de intimidade, da
relação invisível das coisas.
No espaço da galeria cresceram novos bairros: mais do que de uma
materialização, trata-se de uma partilha e visita de obras e imaginários à
volta do bairro.
Figura 3. Exemplo de Bairro, maquete. Fonte: Espaços&Casas nº94.
Figura 4. Exemplo de casa do Sr. Breton, maquete. Fonte: Espaços&Casas nº94.
O projeto Senhores Projectos no bairro de Gonçalo M. Tavares (Figuras 3, 4,
5 e 6) surgiu da necessidade educativa de criar novos exercícios para o
curso de arquitetura da Universidade Lusíada, pela mão do regente do
curso Fernando Hipólito, conjuntamente com a já antiga vontade do
próprio escritor de cruzar a sua arte com outras. O objetivo foi encarar
os senhores do bairro como cliente, procurando projetar espaços (casas,
percursos públicos, bibliotecas, bairros) que correspondessem às suas
necessidades e refletissem a sua própria personalidade.
Deste projeto nasceram muitos edifícios e, inesperadamente, um livro
e uma exposição que testemunham outras formas de ver, de pensar, de
327
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
responder na tridimensionalidade o que foi prometido no papel. Pegando
no espelho do Sr. Breton (Figura 4), na deambulação do Sr. Valéry, na
exatidão do Sr. Walser, na geometria do Sr. Swedenborg, e nos
cruzamentos de todos estes, e outros, vizinhos (Figura 3), construíram-se
novas visões de este e outros bairros. Aquilo que era domínio das
palavras é materializado no mundo concreto: cada personagem, com o
seu imaginário e o seu próprio mundo.
Figura 5. Exemplo de biblioteca, maquete. Fonte: Espaços&Casas nº94.
Figura 6. Exemplo de casa. Maquete. Fonte: Espaços&Casas nº94.
parecem ser. A narrativa transmite, mais do que história, uma capacidade
de observação meticulosa das coisas do mundo, que enforma também
uma visão desse mesmo mundo. Partindo da premissa do próprio M.
Tavares o livro pode ter muitos formatos, procurámos pôr em confronto
novas formas de reabitar o Bairro.
Referências
Senhores Projectos no bairro de Gonçalo M. Tavares. (2009). Lisboa:
Universidade Lusíada Editora.
Galeria das Salgadeiras. (s.d.). Obtido em 20 de 10 de 2011, de
http://www.salgadeiras.com
Latka, J. (s.d.). Joanna Latka. Obtido em 14 de 10 de 2011, de
http://joannalatka.blogspot.com/
Espaços&Casasnº94, (s.d.). Obtido em 8 de 11 de 2011, de
http://www.youtube.com/watch?v=AX2MJTZ_lRk&fb_source=messa
ge ●
Todos estes artistas criaram novos espaços, novos bairros, com novos
habitantes a partir da sua própria forma de materializar o mundo:
primeiramente no pensamento e, como extensão, no desenho, na
gravura, na fotografia ou na maquete. Em ambos os projetos deu-se um
encontro interpretativo, uma visita de imaginários que operou uma
reconfiguração do mundo impalpável das letras para o material, o
concreto. Poderemos aqui dizer que das obras nascem obras, obras essas que
encerram em si uma multiplicidade de expressões, de reinterpretações, de
criações a partir de um dado mundo, imaterial, e não apenas traduções
desse mesmo mundo, de forma potencialmente infinita.
Conclusão
Os textos de Gonçalo M. Tavares têm sido utilizados como ponto de
partida para várias outras e novas expressões, mas o que torna estas duas
particulares é o facto de existirem já latentes no pensamento e na escrita
do próprio autor. Cingindo-nos ao Bairro, existe uma outra narrativa por
baixo da sequência de episódios descritos nos livros. Existe aquilo a que
Maria Madalena Gonçalves designa, referindo-se especificamente ao Sr.
Calvino, por intranquilidade ou suspeita de que as coisas não são o que
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
O Simulacro em Ana Vieira – Uma leitura deleuzeana
Joana Tomé
*
Resumo: Perscruta-se na obra de Ana Vieira uma leitura à luz do simulacro deleuzeano
enquanto ponto de partida para uma reminiscência da Caverna Platónica enquanto
ventre.
Palavras chave: Ana Vieira, simulacro, Deleuze, Irigaray, Platão, Alegoria da Caverna
Title: Simulacrum in Ana Vieira : a deleuzean reading
Abstract: It is intended to investigate Ana Vieira’s work as connected to a deleuzean
simulacrum as a means to a reminiscence of Plato’s Cave as womb.
Keywords: mAna Vieira, simulacrum, Deleuze, Irigaray, Plato, Cave
Considerações Iniciais
Toma-se em análise a obra da artista plástica portuguesa Ana Vieira
(Coimbra, 1940), num ensaiar da aproximação de obras como Ambiente,
de 1971 (Figura 1) e Ambiente, de 1972 (Figura 2), a um entender
deleuzeano de simulacro. Nascida em Coimbra, cresce em S. Miguel, nos
Açores, e forma-se em Pintura na Escola Superior de Belas-Artes (1964);
de percurso marcado por um questionar do médium, trabalha o espaço
em ambientes, instalações, cenografias, recortes e montagens que se
parecem oferecer de bom grado a uma análise assente na ligação ao
simulacro que se espera pertinente e fecunda.
Defender-se-á, em primeira instância, o simulacro enquanto poder
positivo na insubmissão ao Logos, ligado, deste modo, à condição
feminina, invocando, para o efeito, os proeminentes teóricos franceses
Gilles Deleuze e Luce Irigaray; estendendo-se, de seguida, tal noção aos
objectos construídos pela artista, por forma a pensar, em última análise, a
subversiva potencialidade da invocação do mesmo, sob uma perspectiva
deleuzeana, nas obras em estudo.
1. A Reminiscência da Caverna
Perscruta-se em Deleuze, na sua investida em derrubar o platonismo –
propondo uma reversão do mesmo –, uma legitimação do simulacro,
reivindicando o direito deste sobre ícones ou cópias e afirmando o seu
poder positivo na negação do original e da cópia, do modelo e da
Portugal, escultora artista independente. Licenciatura em Escultura, na Faculdade de Belas-Artes da
Universidade de Lisboa (FBAUL). Frequenta o mestrado em Ciências da Arte e do Património, FBAUL.
*
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ISBN: 978-989-8300-32-4
reprodução. Numa subversiva análise da Alegoria da Caverna de Platão, o
autor (Deleuze: 1990) investiga a distinção platónica entre cópias e
simulacros apontando como verdadeiro propósito do dualismo platónico
o proceder a um seleccionar de entre os demandantes da verdade,
colocando-os numa estrutura de oposições onde se separa o puro do
impuro, o autêntico do inautêntico, e se testa a mesmidade e a
semelhança excluindo o que aí não cabe (Deleuze, 1990: p. 254): as
cópias, operando no sistema de representação, são autorizadas pela
semelhança que prestam à Ideia – correspondem, por analogia e sob o
princípio da identidade –; já os simulacros se olham como falsos,
corrompidos pela dissemelhança cujo âmbito é o do sensível – de índole,
deste modo, inferior, subversivo e contra a Ideia, o Pai. O neófito
outrora acorrentado, ao voltar o olhar na direcção da fogueira, não
reconhece modelo nos artefactos que aí encontra e que projectam
sombras na parede.
Figura 1. Ambiente, 1971, Colecção CAMJAP/FCG, Lisboa. Fonte: Ana Vieira (s.d.).
Irigaray empenha-se, de modo idêntico, na desconstrução do mesmo
texto platónico, defendendo uma ligação da caverna ao ventre da mulher,
ao útero (Irigaray: 1985b): a caverna é a representação – invertida a partir
de um eixo de simetria – de algo sempre aí, da matriz original. Amorfa,
excede tudo; furta-se ao domínio do Logos, da lei do Pai. Platão negalhe, no entanto, a condição de origem, pensando-a como mera superfície
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
reflectora sobre a qual origens transcendentais – a luz do Sol, das Ideias,
e da fogueira análoga – se projectam, e a mulher é assim tomada
enquanto receptáculo (Platão, Timaeus: 50e): sem face, sem forma
autorizada, diferente, é sujeita às invasivas impressões do Pai. A diferença
é, contudo, impossível de anular, por mais que se lhe imprima a
mesmidade. Ora, tendo por simulacro ‘an image without resemblance’
(Deleuze, 1990: p. 257), e seguindo Irigaray, à mulher parece pertencer
tal posição: o simulacro constrói-se em torno da diferença, da
dissimilitude, da condição de Outro - termo cunhado por Simone de
Beauvoir, referente à alteridade correspondente à condição feminina, por
oposição ao mesmo, masculino por excelência - que escapa à ordem do
mesmo, não se reportando a qualquer modelo, qual cópia.
Figura 2. Ambiente, 1972, Colecção Berardo, Lisboa. Fonte: Ana Vieira (s.d.).
Os objectos de Ana Viera, ora reais, na obra de 1972 (Figura 2), ora
virtuais, na obra de 1971 (Figura 1), habitam, sós, os espaços criados, e
mesmo aqueles primeiros teimam em apresentam-se, ininterruptamente,
na condição dos últimos – são perversão e desvio; continuamente outros;
simulacro. O objecto desmaterializa-se numa falsa semelhança e, qual
espelho carrolliano, esconde o seu reverso, confundindo-se as fronteiras
332
ISBN: 978-989-8300-32-4
entre real e virtual, presente e ausente, dentro e fora, próximo e distante,
opaco e translúcido, acessível e inacessível, público e privado. A artista
aborda a arte como passagem para um mundo interior (Melo: 2011),
arriscar-se-ia, um ventre qual Caverna de Irigaray, um espaço interior de
reflexo que se clama origem. Constrói ambientes, cenários, qual Caverna
em que se projectam as sombras, explorando o real e as suas limitações e
pressupostos num ensaio de ausências e presenças.
Vieira questiona, em Ambiente de 1972 (Figura 2), o plinto e o ritual
sacralizante, quase fúnebre, a ele circunscrito, numa, dir-se-ia, aberta
refutação da mimese que opera na cópia platónica – a submissão ao
modelo da Ideia. Aí se entrevê uma Vénus – símbolo da celebração
greco-romana da mimese – que se afasta do mundano e se vê rodeada de
silêncio, cadeiras sem ocupantes. Crítica à monumentalidade e ideais
clássicos e a um entendimento da arte que fetichisa e afasta as obras do
espectador, a Vénus exila-se agora perante um público de ausências e
transfigura-se. Entre ela, as cadeiras vazias e o espectador, um véu
apolíneo que ora oculta ora revela – oferece a ambiguidade de um espaço
simultaneamente aberto e fechado, onde um interior se insinua e
esconde, a um tempo, perante o olhar voyeur.
O véu volta a fazer-se presente em Ambiente, de 1971 (Figura 1) – e de
resto, ao longo de grande parte da obra da autora –, onde a mobília da
casa de jantar de faz de sombras, de simulacros. É o véu apolíneo que
permite a sobreposição das sombras que ora ocultam ora revelam – e
revelam não só o espaço e as cópias que o habitam, mas permitem que o
olhar o atravesse e alcance igualmente o espectador em potência no lado
contrário da obra. Convida-se um olhar deambulante, um olhar háptico,
a passear num espaço que se transmuta com a sua passagem – é sempre
diverso, de face para face; de máscara para máscara.
O conhecimento faz-se, no texto de Platão, na medida em que o
filósofo abandona a caverna; apenas se liberto dela e das suas correntes –
vestígios do mundo sensível – pode o homem aceder às Ideias: apenas se
liberto do feminino, parece dizer-nos Platão, pode o homem
transcender. Quando um dos habitantes da caverna é forçado a sair e a
encarar a luz solar do Pai, tudo na caverna deve ser esquecido por forma
a lembrar somente o que é verdadeiro: o mesmo – o mais, o verdadeiro, o
correcto, claro, inteligível, masculino – deve prevalecer sobre o outro – o
menos, o diferente, o fantástico, obscuro, sensível, materno, feminino
333
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
(Irigaray, 1985b: p. 275). O feminino, o materno, é inviabilizado;
tolerado apenas na medida em que assegura a reprodução/produção de
duplos, cópias, simulacros, na medida em que se vê transformado em
cenário, em palco e ecrã de projecção. Ana Vieira parece poder ler-se na
linha de uma proposta de reversão desta lógica platónica: a reminiscência
a ter lugar deve ser da matriz/ventre em detrimento do sol/Ideia. Parece
propor-se, por meio da legitimação do simulacro, um lembrar do ventre
que se foi obrigado a esquecer. Aí o espectador reencontrará não só a
matriz original, a mulher, mas igualmente a si próprio: na caverna não era
ainda peremptoriamente impossível o reflexo do eu e a reflexão sobre ele;
banindo a “fantasia” da caverna, bane-se o próprio início do homem e a
sua estória – a sua origem passa a ser a Ideia.
Deleuze, no seguimento de Nietzsche, sustenta que, dado o grau de
colonização da caverna/matriz pela Ideia e suas projecções, existe,
dentro daquela, uma caverna outra, mais profunda. Aí o Pai não mais se
reconhece (Deleuze, 1990, p. 263), não mais se conhece dono de mitos
por contar e transformar em fundação: tal caverna mais profunda não
reconhece o mito ou a analogia, é real ainda que virtual; nela impera o
simulacro. Deleuze denomina-a de devir, e o devir não produz outra coisa
que não ele mesmo. Parece ser desta caverna mas profunda que nos fala
Ana Vieira, lembrando que o simulacro se rodeia da libertação imensa da
Ideia, do modelo, existindo por si só, autónomo, diferente. Interrogando o
modo como olhamos e aquilo para que olhamos, a artista cria um espaço
háptico que se insinua palpável ao olhar: o olho adquire uma função
táctil. Este espaço nómada, do devir, apela à participação mas esconde o
seu reverso: é perpetuamente impenetrável, obrigando o espectador a
rever a posição que ocupa face ao sistema de representação. O olhar
atravessa-o, mas nunca o corpo – a ele se veda a proximidade e o toque.
Referências
Ana Vieira (s.d.) [Consult. 2011-15-11]. Disponível em
http://www.anavieira.com/
Beauvoir, Simone (2009), O Segundo Sexo, Quetzal Editores, Lisboa
Deleuze, Gilles (1990), The Logic of Sense, Nova Iorque: Columbia University
Press
Irigaray, Luce (1985), This Sex Which Is Not One, Ithaca/Nova Iorque: Cornell
University Press
Melo, Jorge Silva (2011), Ana Vieira – E O Que Não É Visto, Midas Filmes,
DVD ●
Conclusão
Ana Vieira actualiza, em última análise, o simulacro na sua condição
feminina: trá-lo à superfície num último e derradeiro desafio ao sistema
de representação falogocêntrico. É por mão do simulacro que se conduz
o espectador a um espaço interdito, a uma caverna mais profunda, para
que a ela o olhar desça e dela se traga a criativa subversão à ordem do
Pai.
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Onde habitam pedras e linhas cruzadas* – sobre a beleza
subtil da obra gravada de David de Almeida
Joanna Latka**
Resumo: Este artigo tem como objectivo, através da produção da obra gravada de
David de Almeida, chamar a atenção para as técnicas aditivas que ainda são uma forma
relativamente desconhecida de produção contemporânea na arte gravada portuguesa.
Trata-se uma breve apresentação das novas possibilidades das técnicas não tóxicas em
gravura, bem como a análise das obras produzidas pelo artista.
Palavras-chave: David de Almeida, gravura, técnicas aditivas, pasta de pedra, arte.
pasta de pedra e sobretudo a procura da resposta - entre o papel, matéria
frágil, tornado matéria forte e o ferro, trabalhado, tornado matéria, não direi frágil,
mas delicada, dúctil e obediente ao desenho e à sugestão, trocam-se os contrastes que
sempre agradaram a David de Almeida” (Azevedo, 1989,s.p), faz com que
David de Almeida seja um dos portugueses mais premiados
internacionalmente em concursos de gravura. As centenas de exposições,
em território nacional e no estrangeiro, e a presença das suas obras em
inúmeros museus e coleções em todo o mundo, provam-nos o seu
“reconhecimento superior no panorama das artes” (Soares, 1996:7).
Title: On the beauty of David Almeida’s print work
Abstract: This article is intended, by the engraved work of David de Almeida, call
attention to the additive techniques, which are still a relatively unknown production
recorded in contemporary Portuguese art. This is a brief presentation of the new
possibilities in the non-toxic printmaking techniques as well as the analysis of works
produced by the artist.
Keywords: David de Almeida, engraving, additive techniques, pulp stone art.
A viagem do ofício da sua transcendência
O desenvolvimento técnico da gravura nos anos oitenta, a
possibilidade de trabalhar em cores mais compactas, e as misturas de
técnicas, antes impensáveis - permitiram aos gravadores contemporâneos
as aventuras artísticas de uma “viagem ininterrupta do ofício à sua
transcendência” (Azevedo, 1989,s.p). Em Portugal, os artistas focam-se
sobretudo na abordagem à serigrafia e à fotogravura, quando noutros
países já estão dominadas novas possibilidades de trabalho com técnicas
aditivas (uso de pastas de pedra, colas, placas acrílicas, tintas de spray, o
carborundo, entre outros), que revolucionaram o ofício gráfico, abrindo
assim novas capacidades na produção desse médium.
David de Almeida (1945) é um dos primeiros e dos poucos artistas
portugueses a desenvolver estas técnicas, dedicando praticamente toda a
sua produção artística nestas novas possibilidades tecnológicas. A
“brilhante demonstração do seu talento - no uso da prática da gravura com
Rocha Sousa, Poética da reciclagem artística, Galeria Ara, Lisboa, 2002.
** Polónia, residente em Portugal, artista plástica (gravadora). Mestrado em Educação
das Artes Plásticas no Instituto das Artes, na Universidade de Pedagogia em Cracóvia,
Polónia, (2003), e actualmente doutoranda em História de Arte no Instituto de História
da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e bolseira FCT
*
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Fig. 1. Serpe, 1992, 45x99cm (matriz), 50x100 (papel)
Técnica: pastas de pedra. Fonte: David de Almeida.
No trabalho de David de Almeida podemos ver a gravura numa forma
minimalista sendo que o artista reduz muito a informação visual,
limpando todos os elementos acessórios (elementos não necessários),
dando-nos somente as linhas e texturas do fundo da terra, ou uns
esboços dos elementos arquitetónicos desaparecidos no meio do
nevoeiro, como figuras geométricas que nos fazem lembrar gigantescas
pedras ensombradas em dia chuvoso.
(Na) toda a sua obra de gravador (artista) manifesta (…), a beleza subtil e
delicada como uma ideia que o papel ajudava ganhando pela luz a sua verdadeira
dimensão. O apelo à luz, ao silêncio também, à meditação que diria cósmica,
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
inundam de forma táctil e representada, faces ocultas do seu mundo e do seu
pensamento sensível. (Ribeiro, 2003,s.p)
1. Entre o homem e o seu habitar
No seguimento da exposição 100 melhores gravuras do mundo, em
1977, com um júri constituído por grandes nomes da arte
contemporânea mundial - Tatiana Grossman, e o Director do Cento
Gorge Pompidou Puntos Hulté (1974-1981), entre outros (Almeida,
2010), surgiram várias viagens para os Estados Unidos da América, o
artista depara-se com o fenómeno do renascimento da gravura
contemporânea norte-americana, nos mais famosos ateliers de gravura:
Universal Limited Art Editions; Gemini; Tyler Graphics; entre outros.
Os percursos dos novos modos de trabalho em gravura “de forma
nada ortodoxa” (Almeida, 2010:9) que os americanos praticavam na
altura, com prensas hidráulicas, papéis pigmentados, ou modelagem a
vácuo, foram para o artista “impensáveis, de que em Portugal não dispúnhamos e
nunca dispusemos” (Almeida, 2010:9). Aí, o gravador trocou as suas
experiencias gráficas com diversos e notáveis artistas, tais como: Robert
Serpa, Tatiana Grossman, David Hockney, entre outros, e cruzou com as
“monumentais obras gráficas que (artista) conhecia apenas através de
reprodução, com consequentes problemas de escala: Rauchenberg, Stella,
Rosenquist, Dine, (…), Anthony Caro, Allan Shields” (Almeida, 2010:9).
Fig 2. Tigre 1995,44x44cm (matriz), 56x76 (papel) Fig. 3. Gois III, 1995, 44x44 (matriz),
76x56 (papel). Técnica: pastas de pedra. Fonte: David de Almeida
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ISBN: 978-989-8300-32-4
2. A parte mais secreta das coisas da alma
Nos anos oitenta, na base das experiências apreendidas nas suas
viagens, David de Almeida, partindo da técnica collagraph, inicia o seu
ensaio com as matrizes produzidas com base de pastas de pó de pedra e
cola branca para madeira (Almeida, 2010), chegando assim aos
belíssimos resultados de “uma arte que se inventa em si mesma sem nunca se
repetir”(Soares, 1996:7). A resposta alcançada através dessas experiências
resultou em:
(as) matrizes com elevado grau de dureza que permitiam (ao artista) não só gravação
com buris ou goivas, mas também relevos consideráveis que correspondiam (…) a
horas de cobre mergulhado em ácido” (Almeida, 2010:10)
Além da pesquisa de texturas nas novas matérias da matriz, o artista
ainda explorou a “possibilidade de obter águas-tintas acrílicas pulverizando a cola
sobre a placa” (Almeida, 2010:10), mas na procura de outras soluções, o
gravador através do uso de carborundo com uma solução de cola fresca,
aplicando-o com o pincel ou através de um aerógrafo ou pistola,
conseguiu aproximar camadas de texturas de carborundo às de águastintas, em “que a luz não nos encanta pela brancura continuada, mas pelo peso e
densidade, matéria e gradação cromática” (Ribeiro, 2003,s.p). O artista controla
os graus mais claros através da consistência das camadas de cola aplicada
na matriz, produzindo “(a) luz interior (…) luminosa, numa coincidência de gestos,
repetição significante da qual resulta uma nova percepção” (Fernandes, 1996:16).
As vantagens do trabalho com as matrizes produzidas em pasta de
pedra a fresco ou a seco “onde a mão projecta uma profundidade (…) numa
coincidência de gestos, repetição significante da qual resulta uma nova percepção”
(Fernandes, 1996:16), não são somente questões do tempo ou de saúde.
São, sobretudo, as capacidades da pasta de pedra que são praticamente
iguais à produção em cobre. Interessante é o facto de as matrizes dessa
matéria, uma vez produzidas e quando o resultado não satisfaz o autor,
poderem ser trabalhadas novamente “tantas vezes quantas as necessárias
voltando a rectificar a área do trabalho” (Almeida, 2010:15).
Uma vez que na tintagem da matriz, o gravador recorre ao modo
tradicional da prática da talha doce (a frio), permite-lhe criar manchas de
cor de uma riqueza ilimitada, onde consegue obter os seus “cinzentos de
noite, azuis profundos como o céu do Sahara, e toda uma gama de castanhos339
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
bordeaux e bistres delicadamente avivados de cor-de-laranja vivo que subitamente
brilha como um sol” (Nardon, 1987s/p). Para alcançar resultados com cores
variáveis, na sua “permanente procura da parte mais secreta das coisas da alma e
da alma das coisas” (Soares, 1996:7), o artista tem que recorrer a
intervenções com rolos moles e duros (em modo de Stanley Hayter),
conseguindo assim criar uns: “ocres e cinzentos, belíssimos cinzentos onde, num
fingimento que diz a verdade, se gravam marcas simples e enigmáticas, poética da
reciclagem artística” (Sousa, 2002,s.p).
3. As pedras ensombradas
O artista está permanentemente a divulgar a prática de gravura através
das suas exposições e dos numerosos cursos em todo o território
nacional e no estrangeiro. Mas infelizmente o modo de trabalho com
pasta de pedra, é ainda uma forma relativamente desconhecida da
produção contemporânea na arte gravada portuguesa.
Espero que através deste artigo e das magníficas obras de David de
Almeida, tenha despertado o interesse de todos os leitores para esse
modo de produção gráfica, ainda bastante desconhecida e raramente
praticada, que devido à sua natureza e beleza pitoresca merece maior
atenção.
Referências:
Fig. 3 Devoriano, 1995, Fig. 5 PRÉ CAMBRIANO, 1995, Fig. 6. Carbonífero,
1995100x70. Técnica: pastas de pedra, dimensão das gravuras: 100x70 cm, (matriz e
papel). Fonte: David de Almeida
Para conseguir estas cores extraordinárias, David de Almeida utiliza
apenas as tintas de offset (de boa qualidade), porque, em resultado das
suas experiências, reparou que as tintas especiais para gravura “na verdade
chegam a ter menos qualidade do que as tintas industriais” (Almeida, 2010:39),
dado que estas têm cada vez menos, ou quase nada, do pigmento natural,
perdendo a sua cor com a passagem do tempo e em contacto com a luz
natural.
Igualmente interessante é que o artista pode editar sem preocupações
de desgaste da matéria base, essa “superfície rugosa do papel que ele próprio
fabrica, uma escrita balbuciante, que traduz a magia das origens da escrita e da arte”
(Fernandes, 1996:16), aproximando-se, assim, do elevado número de
tiragens das produções gráficas efectuadas em cobre (Almeida, 2012).
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ISBN: 978-989-8300-32-4
Almeida, David, de (2010) Gravura, outra, F.C.G, Lisboa.
Azevedo, Fernando, de (1989) sobre a obra de David de Almeida, Galeria 111,
Lisboa.
Duarde, Luz, Fagundes (1998) David de Almeida - Facit, Imprensa National –
Casa da Moeda, Lisboa.
Huici, Fernando (1999) O anel do horizonte, Galeria Estiarte, Madrid.
Fernandes, Maria, João (1996) 25 anos de Gravura, Galeria Palácio Galveias,
Lisboa.
Latka, Joanna (2012) entrevista com David de Almeida, Alameda do Espirito
Santo.
Nardon, Anita (1987) A Ia pêche à Ia baleine... (Baleias 86-87), sobre a obre de
David de Almeida, Bruxelas.
Ribeiro, Rogério (2003) David de Almeida – Gravuras, Enes – Arte
Contemporânea,
Soares, João (1969) 25 anos de Gravura, Galeria Palácio Galveias, Lisboa.
Sousa, Rocha, (2002) Poética da reciclagem artística, Galeria Ara, Lisboa, 2002. ●
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Cuestiones sobre la alteridad
en el trabajo de Xavier Ristol
Joaquim Cantalozella Planas*
Resumen. La idea de alteridad es fundamental en la obra de Xavier Ristol. En el
presente artículo, se analizan dos líneas principales de su desarrollo: la primera se funda
en la presencia del otro para establecer las directrices de un arte definido desde la
consideración ética y etnográfica. La segunda está motivada por reflexiones que giran
en torno a experiencias autobiográficas, identificando su labor con la circunstancia vital
de otras personas.
Palabras clave: arte contemporáneo, alteridad, vídeo, teatro, Xavier Ristol
planifican mediante juegos de ocultamiento entre lo que se ve, lo que se
escucha y lo que realmente se está mostrando, lo que exige al espectador
una mayor atención para que vea más allá de lo manifestado. Geòrgia &
altres qüestions (2009) es quizá la pieza donde este aspecto alcanza mayor
extensión de significados.
Title: Questions on alterity in the work of Xavier Ristol
Abstract: The notion of alterity is fundamental in the works of Xavier Ristol. This
paper analyses the two main branches of Ristol’s work: one in which the artist proposes
the dissolution of the self in the presence of the other in order to establish guidelines
for an art defined in ethical and ethnographic terms; and another which takes as its
point of departure the artist’s reflections on life experience, aligning his work with the
vital circumstances of other people’s lives.
Keywords: contemporary art, alterity, video, theater, Xavier Ristol
Introducción
Desde los presocráticos se debatió, en un plano metafísico, la idea del
Uno y el Otro, y se generó una discusión en torno a la unidad del ser que
se extendió a lo largo del pensamiento occidental. En las últimas décadas,
la cuestión de la diferencia y de la alteridad han sido puestas de relieve
por pensadores como Emmanuel Lévinas y Jacques Derrida, ‘apuntando
a ese gesto de exclusión que tendía a ocultarse en la instauración del
Uno’ (Samonà, 2005: 5). Con ellos se da el giro hacia el ‘pensar lo Otro’
oponiéndose a un saber unificador. El trabajo de Xavier Ristol (Sabadell,
1978) se acoge a la dimensión ética resultante de estas últimas
reflexiones, separándose de una tradición capaz de relegar la diferencia a
un segundo plano.
1. Estrategias de visibilidad
Es significativa la relación que se establece entre lo visible y lo que
resta oculto en todo el trabajo de Ristol. Muchas de sus obras se
Espanha, artista visual. Doctor en Bellas Artes. Professor do departamento de pintura, Facultad de Bellas
Artes, Universidad de Barcelona.
*
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ISBN: 978-989-8300-32-4
Figura 1: Xavier Ristol (2009). Geòrgia & altres qüestions. Vídeo DVD PAL 16’49”.
Sabadell. (Imagen cedida por el artista).
Georgia es una acción realizada entre el autor y dos inmigrantes ilegales
georgianos. Ristol impele a los dos obreros a cavar una fosa al lado de
una antigua fábrica en desuso. Los obreros se representan a sí mismos en
un ensayo de excavación arqueológica absurda que no parece llevar a
ningún lado. Se dejan dirigir dando lugar a una simulación de su realidad
laboral. A medida que el tiempo y que las conversaciones se suceden,
encuentran chatarras con las que especulan y que les permiten remitirse a
historias personales y colectivas. Mientras lo hacen, van surgiendo
comentarios, fortuitos y casuales, que acaban por mostrar sus
desigualdades sociales y políticas. Este giro es una de las claves de la
propuesta, ya que promueve un desplazamiento de lo simbólico –léase
343
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
aquí condición social– por la irrupción de una reafirmación de la
alteridad y la diferencia.
Figura 2: Xavier Ristol (2009). Geòrgia & altres qüestions. Vídeo DVD PAL 16’49”.
Sabadell. (Imagen cedida por el artista).
El producto artístico es el registro de la acción que, gracias a los
procesos de posproducción, toma aspecto de documental o, mejor
dicho, falso documental. La austeridad de la cámara fija reafirma la
apariencia de realidad, mientras que diversos guiños y algunas voces que
se entrometen desde fuera del campo descubren el carácter de simulacro
del proceso. Resaltan los fundidos a negro que funcionan como
interludios narrativos, fragmentando el encadenamiento y organizando
las secuencias en capítulos. Son variaciones que acentúan el ritmo
narrativo: a medida que la cinta avanza, la distensión entre los obreros y
el autor va creciendo, consiguiendo con ello un mayor clímax de
compenetración y familiaridad. En esta consecución vemos cómo la
presencia del otro toma protagonismo y acaba dirigiendo la
conversación. En varias ocasiones se detecta la ingerencia de cierta ironía
–por parte de los georgianos– que desarma los preceptos estéticos que
344
ISBN: 978-989-8300-32-4
sustentan la obra. Son momentos en los que bromean acerca del trabajo
de Ristol. No se ríen de él, pero sí que parecen otorgarle poca
credibilidad. Para ellos, su labor es semejante a un juego infantil, un
sinsentido donde el dispositivo del arte se desvanece. Así pues, se
pervierte la seriedad de la lógica del pacto laboral y se reanuda una
relación más próxima y humana. Es justo en este instante cuando la
circunstancia del otro se sitúa por encima del artificio que los une: ellos
ofrecen su fuerza de trabajo remunerada para generar una obra de arte
que podríamos considerar de élite, pero dentro de ella despliegan una
realidad alternativa capaz de absorber cualquier ejercicio de ficción.
¿Qué sabemos de los otros? En verdad, poca cosa, y la película nos lo
confirma continuamente. Los diálogos subtitulados nos muestran que
nuestra comprensión está sujeta a la traducción y a la escritura. No son
más que interpretaciones del lenguaje oral, pantallas de significado que
entorpecen los matices del habla y, por tanto, el acercamiento empático
entre unos y otros. Es decir, la aproximación se da, pero con
condicionantes, pues al otro no lo podemos entender sin una
transcripción externa, esto sería una versión análoga de lo que le sucede a
un inmigrante cuando se encuentra en un país sin recursos idiomáticos.
Mientras Ristol está presente, uno de los georgianos, en un intento de
integración, chapurrea una mezcla de castellano y catalán. Entre tanto, su
compañero, que no tiene nociones del idioma, permanece en silencio.
Cuando los obreros se quedan solos, hablan en su lengua, el tono es
distinto, los subtítulos aparecen y con ellos la distancia.
No solo es el habla lo que nos separa, sino las circunstancias
históricas. Entre los hallazgos encontrados en el agujero destacan unos
trozos de metal, de los que deducen que podrían ser cascos de bombas
(figuras 1 y 2). Como espectadores no tenemos la posibilidad de verlos
con claridad, pues en la filmación no hay fijación por el detalle, sino por
los planos generales. La visión de aquello que es central en el diálogo nos
es negada, solo tenemos la palabra y cierta sombra del objeto descrito.
Aun así, la imagen de los metales –los supuestos explosivos– ejerce su
función, pues ‘la imagen no es algo exclusivo de lo visible. Hay un visible
que no hace imagen, hay imágenes que son todo palabra’ (Rancière,
2011: 29). Gracias a las conjeturas en torno a las bombas, parece que el
trabajo del inmigrante derive a la reconstrucción el pasado histórico del
país que lo recibe, pero la lógica seguida en las elucubraciones termina
345
Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
por dibujar otra realidad: las convulsiones bélicas y políticas de Georgia.
Así, Ristol consigue crear una auténtica relación interpersonal con el
otro, un estar ‘cara-a-cara’ (Lévinas, 2008: 66).
Figura 4: Xavier Ristol (2009). El falso pulgar (lectura dramatizada). Vídeo 07’36”.
Sabadell. (Imagen cedida por el artista).
Figura 3: Xavier Ristol (2008). Despacho mágico de Pere Ristol Adell. Fotografía. Sabadell.
(Imagen cedida por el artista).
2. Teatro y personificaciones
Geòrgia, finalmente, sí generó un producto: un libreto que compendia
toda la acción y los diálogos como si de una obra teatral se tratara (Ristol,
2009), un gesto que por parte del autor ya viene siendo habitual. Esto
enlaza con la materialización de El falso pulgar (2010), obra desarrollada
enteramente desde la idea de texto y teatro: por un lado tenemos la
historia impresa que funciona autónomamente y, por otro, a un actor
que, desde la penumbra de un escenario, la lee (figura 3). En ella se narra
la necesidad, por parte de Ristol, de entender cómo su abuelo era capaz
de confundir la realidad mediante trucos de magia, y revela la fascinación
hacia un mundo peculiar lleno de ilusionismo y artefactos (figura 4). La
puesta en escena es una experiencia preformativa directa con el público,
mientras que el texto impreso se sitúa en un lugar más íntimo y privado.
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Ristol realiza una doble identificación con los procedimientos,
propuestas y propósitos de su abuelo y, asimismo, con la presencia del
actor, que a modo de álter ego lee un texto que le es ajeno. Es decir, el
juego de personificaciones se ejecuta en tres niveles distintos: autorabuelo-actor. El artista desplaza sus inquietudes artísticas para ceder su
lugar al mundo ilusionista del abuelo, partiendo de la proximidad que le
da esta figura que podríamos considerar paterna. Ristol idea toda una
serie de tácticas para ocultar su presencia y permitir que las
circunstancias de los demás sean las que tomen la palabra. En realidad, se
trata de un juego de identidades que mediante mimetismos termina por
revelar los propósitos de ambos.
A diferencia de muchas manifestaciones artísticas, su trabajo no es
utilizado como soporte para prolongar el yo del artista, al contrario,
entrega la palestra del arte a los demás. Es cierto que detrás de cada una
de sus obras se encuentran rasgos personales del autor: autobiografía,
entornos familiares y motivaciones. Estos no sirven para reafirmar su
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Interiores y exteriores. Las ventanas de Anna Malagrida
ego, todo lo contrario, aquello que es propio de su vida privada
conforma un lugar común de la clase media. Lo personal se disuelve, en
un acto de prudencia y generosidad, en lo colectivo. De esta manera, las
lecturas no se generan a partir de los datos biográficos –de los que por
otro lado no tenemos información– sino desde contextos conocidos.
Conclusión
En el trabajo de Ristol, la ética se despliega en una relación
desinteresada basada en el respeto para y con el otro. Todo ello apunta a
cierto convencimiento, como explica Humberto Maturana:
[…] la solución de cualquier problema social siempre pertenece al dominio de la ética,
es decir, al dominio de la seriedad en la acción frente a cada circunstancia que parte de
aceptar la legitimidad de todo ser humano, de todo otro, en sus semejanzas y sus
diferencias (Maturana, 2009: 18).
Aun así, cabría añadir que el suyo no es un arte de acción política, sino
un despliegue poético que ofrece un enclave para el pensamiento y, del
mismo modo, ayuda a reflexionar y a identificar cuáles son los lugares del
artista, la creación y sus sujetos.
Referencias
Lévinas, Emmanuel (2008) Ética e infinito. Madrid: La balsa de la medusa. ISBN:
978-84-7774-541-9
Maturana, Humberto (2009) La realidad: ¿objetiva o construida? I. Fundamentos
biológicos de la realidad Barcelona: Anthropos. ISBN: 978-84-7658-926-7
Rancière, Jacques (2011) El destino de las imágenes. Madrid: Editorial Politopías.
ISBN: 978-84-938186-0-9
Ristol, Xavier (2009) Geòrgia & altres qúestions. Obra escrita en tres actes. Barcelona:
Ajuntament de Barcelona/CONCA/Generalitat de Catalunya.
Samonà, Leonardo (2005) Diferencia y alteridad. Madrid: Akal. ISBN: 978-84-4601835-3 ●
Marta Negre Busó*
&
Joaquim Cantalozella Planas**
Resumen. La ventana es el sujeto que articula muchas de las obras de Anna Malagrida.
Sus fotografías y vídeos plantean una dicotomía entre exterior e interior. En el presente
artículo analizo diferentes piezas que abordan conceptos como lo público y lo privado,
a la vez que expongo la forma que tiene la artista de entender la ciudad contemporánea.
Palabras clave: arte contemporáneo, fotografía, vídeo, la ventana, Anna
Malagrida.
Title: Interiors and exteriors: the windows of Anna Malagrida
Abstract: The window is a leitmotif in many of Anna Malagrida’s works. Her
photographs and video productions examine the dichotomy between outer and inner
worlds. This paper analyses a series of pieces which deal with the public and the private
and proposes how the artist understands our contemporary city.
Keywords: contemporary art, photography, video art, the window, Anna
Malagrida.
Introducción
La artista catalana Anna Malagrida (Barcelona, 1970) plantea sus
fotografías como ventanas por donde observar la realidad, remitiéndose
así a la tradición artística occidental. El marco -cuadrado o rectangularfue el formato instaurado a partir del siglo XV, como una ventana al
mundo a través de la cual el pintor representaba diferentes realidades.
Pero la aparición de la fotografía en el siglo XIX hizo tambalear este
fundamento, convirtiéndose en la técnica idónea para captar la realidad
de forma mucho más rápida y veraz. Sin embargo, desde mediados del
siglo pasado se ha visto que la fotografía también es una imagen mediada
entre el referente, el fotógrafo y el espectador, lo que pone en cuestión
su carácter puramente neutro y objetivo. En los trabajos de Malagrida,
tras una estética engañosamente naturalista, se vislumbra el artificio y lo
imaginario, de manera similar a como sucedía en la imagen pintada. El
concepto de tableau fotográfico se hace evidente en unas obras donde el
Marta Negre Busó: Espanha, artista visual. Profesora do Departamento de Pintura, Facultad de Bellas Artes,
Universidad de Barcelona (UB). Doctora en Bellas Artes, UB.
** Joaquim Cantalozella Planas: Espanha, artista visual. Doctor en Bellas Artes. Professor do departamento de
pintura, Facultad de Bellas Artes, Universidad de Barcelona.
*
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límite entre lo escenificado y lo documental se torna ambiguo. La autora
intencionadamente trabaja con opuestos en una misma obra: la ficción y
el documento, lo íntimo y lo colectivo, lo visible y lo oculto. Tratar de
analizar esta ambivalencia es el punto de partida de este artículo.
realidad de la imagen como cuadro’ (Chevrier, 2004: 271). Una vez más,
el formato cuadro se restablece en la historia del arte, pero en este caso
desde la fotografía. Malagrida elabora su obra dentro de estas
perspectivas; las escenas que aparecen en sus fotografías han sido
construidas, son ficciones, pero al mismo tiempo se confrontan con un
contexto actual, existente.
Figura 1. Anna Malagrida (2001). Untitled (Kasuko) de la serie Interiores. C-Print, 99 x 99
cm. (http://annamalagrida.com/interiores_portrait6.htm).
1. Los cuadros fotográficos de Anna Malagrida
Jean-François Chevrier designa el cuadro fotográfico como cierta clase
de fotografía concebida en relación con el modelo pictórico, sin que por
esto intervenga el gesto de pintar, cuyas características son: ‘delimitación
clara de un plano, frontalidad y constitución en clave de objeto
autónomo’ (Baqué: 2003: 45). Los artistas que trabajan en estos
fotocuadros no son tan ingenuos como para creer en la absoluta
veracidad de la imagen fotográfica, sino que entienden que toda
representación es ficción y artificio. De todas formas, de la misma
manera en que refutan la imagen documental pura e instantánea,
tampoco se someten al simulacro y la apropiación. Ellos mantienen
referencias descriptivas con el motivo; ‘ya no es la mera huella de una
experiencia vivida, un recuerdo, sino una nueva realidad objetiva: la
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Figura 2. Anna Malagrida (2002). Untitled (Fachada III) de la serie Interiores. C-Print, 99 x
138 cm. (http://annamalagrida.com/interiores_fachada3.htm).
La serie Interiores (2000-2002) (Figura 1 y 2) consta de dieciocho piezas
distribuidas en dos grupos: el primero, un conjunto de retratos de
personajes que posan en sus habitaciones, se contrapone al segundo,
compuesto por las fotografías nocturnas de un edificio neoplasticista del
arquitecto Jean Dubuisson, cercano a la estación parisina de
Montparnasse. Con una temática similar, la instalación En la sombra
(2005-2006), formada por varios vídeos, presenta escenas cotidianas
filmadas a través de una ventana. El movimiento de la imagen es casi
imperceptible. Los personajes que habitan en el interior desarrollan
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acciones mínimas, que solo la atenta mirada del espectador puede
percibir.
que ha permitido el desarrollo de un urbanismo vulgar e impersonal,
donde la promesa de felicidad no se ha cumplido. Las escenas que vemos
apenas cuentan algo, no revelan dato biográfico alguno; no hay dramas,
pero tampoco momentos de alegría: al voyeur le quedan pocas cosas para
ver.
Figura 3. Anna Malagrida (2009). Faubourg Poissonière de la serie Escaparates. Impresión
digital con tintas pigmentadas, 145 x 221 cm.
(http://annamalagrida.com/escaparates9.htm).
Malagrida elabora estas representaciones, fotográficas y videográficas,
como si de cuadros se tratara. El equilibrio en la composición, la
importancia del encuadre, la luz tenebrista y la actuación de los
personajes así lo demuestran. De la misma manera, la inclusión de cierta
narración nos remite a la pintura. Pero huyendo del pictorialismo y el
costumbrismo evidentes, sus ficciones presentan un modo de estar en el
mundo; o mejor dicho, de habitar la ciudad. Y no lo hacen de forma
activa, sino todo lo contrario: los protagonistas aparecen abstraídos e
incomunicados. En su cotidianidad no sucede nada: un violento silencio
puebla estas sobrias escenas. Tras el cristal de las ventanas se vislumbra
la ciudad, ejemplificada en cada una de las imágenes del edificio
racionalista que la artista ha capturado. Su fachada, formada por una
rígida retícula de luces y sombras, nos remite a la abstracción geométrica;
otro guiño a la pintura que Malagrida utiliza para evidenciar el fracaso de
la utopía moderna: un modelo arquitectónico basado en el funcionalismo
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Figura 4. Anna Malagrida (2007). Amman XIII (Four Seasons) de la serie Vistas veladas.
Impresión digital con tintas pigmentadas, 146 x 186 cm.
(http://annamalagrida.com/vistas_veladas.htm)
En la serie Escaparates (2008-2009) (Figura 3) la mirada del espectador
también rebota en los ventanales. Estas fotografías muestran cristales de
tiendas parisinas empañados con blanco de España, cuyo efecto de
opacidad impide ver el interior de estos espacios. Los referentes
pictóricos vuelven a ser claros: si las series anteriores nos remitían a la
estética barroca, aquí los trazos que ha dejado el material recuerdan el
informalismo europeo o el expresionismo abstracto norteamericano. De
todas formas, y lejos de la abstracción, en las obras de Malagrida la
superficie del vidrio refleja también el entorno urbano, convirtiendo las
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
pinceladas en metáforas del proceso de transformación de la ciudad, y
aún más, del impacto de la crisis en nuestros días. Estamos delante de
espacios comerciales cerrados o en reformas; es decir, en traspaso. Su
presencia habla de lo efímero y lo inestable que supone vivir en la
metrópolis contemporánea.
2. Interiores y exteriores
La ventana siempre está presente, ya sea como encuadre o como
elemento dentro de la representación, planteando una relación implícita
entre lo público y lo privado. El interior (vivienda, comercio) se
confronta con el exterior (ciudad) estableciendo una relación umbilical
entre ambos entornos. Por ejemplo, en Interiores, las fotografías de
Malagrida sugieren un mirar hacia fuera. Los personajes, absortos,
dirigen su vista hacia un lugar que no alcanzamos a ver, pero que
intuimos: una ventana, un monitor o un televisor. Así, su cotidianidad se
ve inundada por una exterioridad aplastante. Los artefactos tecnológicos
se inmiscuyen como otros habitantes más de estos hogares, interfiriendo
en su organización. La televisión funciona como una ventana a una
nueva realidad fabricada por el dispositivo audiovisual. El espacio deja de
ser únicamente privado para convertirse en receptor de un mundo
‘reconstruido y representado a distancia una y otra vez’ (Echevarría,
1995: 82).
Lo público también penetra en el hogar de La dormeuse (2003-2006).
Esta instalación se constituye como un trompe-l’oeil que reproduce un
dormitorio a partir de dos vídeos y de objetos comunes como una cama,
unas mesitas, una silla y unas cortinas. Sobre el lecho se proyecta la
imagen de una mujer durmiendo. En otra proyección, enmarcada por
altos cortinajes, vemos imágenes de grabaciones realizadas con cámaras
infrarrojas durante la guerra del Golfo. Así, en la misma estancia
cohabitan dos universos en paralelo que nada tienen que ver el uno con
el otro: mientras las bombas resuenan, la mujer sigue durmiendo. Como
si de fuegos artificiales se tratara, las imágenes televisivas de esta guerra
se convierten en un espectáculo que no hiere, sino que incluso resulta
seductor. Si bien lo público entra en el espacio íntimo, no altera su
devenir natural, porque lo real, aquí, se constituye como una ficción tan
onírica como el propio sueño de la durmiente.
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Los paisajes urbanos que encontramos en Vistas veladas (2007) (Figura
4) también parecen irreales. Las fotografías realizadas en Amman, a
través de grandes ventanales de hoteles de lujo, nos ofrecen panorámicas
privilegiadas de la ciudad desde un punto de vista que se asemeja a una
especie de panóptico. Estos espacios de tránsito se erigen como símbolo
del poder de unos pocos, alejándose de la realidad que se encuentra
detrás del cristal. La artista también aprovecha el efecto de velado
producido accidentalmente por los rayos X de las máquinas de seguridad
de los hoteles, convirtiéndolo en un elemento más de la pieza.
Precisamente, el azar configura la obra: desde la seguridad y el
distanciamiento se observa un entorno que se diluye.
Conclusión
Las ventanas de Malagrida parecen acercarse a lo cotidiano, pero
detrás del cristal no vemos acción alguna: la quietud emana de unos
personajes estáticos y de unas ciudades frías y vacías. El tiempo detenido
de sus obras nos remite a estados de soledad, donde lo social se vive en
privado, delante del ordenador. El exterior penetra a través de
dispositivos tecnológicos. La ciudad que vemos a través del cristal está
tan cerca y tan lejos como lo puede estar cualquier otra ciudad del
mundo.
Referencias
Baqué, Dominique (2003) La fotografía plástica: un arte paradójico. Barcelona:
Gustavo Gili. ISBN: 84-252-1930-2
Chevrier, Jean-François; Lingwood, James (2004); “Otra objectividad” dentro
de: Ribalta, Jorge (ed.) (2004) Efecto real. Barcelona: Gustavo Gili. ISBN:
84-252-1973-6
Echevarría, Javier (1995) Cosmopolitas domésticos. Barcelona: Anagrama. ISBN:
84-339-1393-X ●
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Zona zero. Un itinerari a través d’obres de Francesc
preocupacions similars com la guerra, la memòria col·lectiva i individual,
l’arxiu i el contra-arxiu d’ús polític, i la investigació de les seves fonts.
Jordi Morell i Rovira*
1. Burgos i NY
Per Torres la guerra és inherent a la condició humana. Es pren com a
punts del recorregut dos dels seus treballs: Dark is the room where we sleep
(2007) (Figura 1) i Memòria fragmentada. 11-S NY (2011) (Figura 2). En
elles s’hi entreveu la línia de treball iniciada a finals dels 70 que perseguia
‘posar l’estètica en comunió amb un projecte ètic’ (Marí, 2008: 15).
Aquesta comunió la podem constatar per mitjà dels seus escrits, on el
seu esperit compromès i combatiu es posa clarament de manifest.
A finals dels anys 90, Torres s’interessa per eliminar la distància entre
les seves preocupacions com a ciutadà i com a artista (Torres, 2007: 176).
Inicia un nou projecte en el que no abandona els continguts, en aquest
cas l’exploració de la violenta història de la Guerra Civil Espanyola i del
seu llegat, però sí que deixa de banda els formats expositius que l’havien
acompanyat fins el moment i la premissa d’haver de fer art. Les
constants barreres per part del govern de la Generalitat per dur a terme
la recerca a Catalunya el van portar a replantejar l’actuació en una fossa
comuna de represaliats civils a la província de Burgos (2004). L’excavació
enceta una memòria que durant llargs anys romangué enterrada, tant
metafòrica com físicament. Torres va documentar el dolorós procés de
desenterrar, d’identificar les víctimes i de les reaccions de la comunitat de
Villamayor de los Montes. Els relats dels familiars fan reaparèixer els
records del que va succeir i els seus desitjos frustrats durant dècades per
a localitzar els cossos i donar-los-hi un enterrament digne. Les
fotografies del procés d’excavació de la fossa comuna es recullen en el
llibre publicat per Torres Dark is the room where we sleep (‘Oscura es la
habitación donde dormimos’, Actar, 2007). Si bé a Burgos, Torres
proposa traslladar l’espectador a les fonts del conflicte, a Memòria
fragmentada. 11-S NY (2011), el seu darrer treball, l’artista és testimoni
directe del conflicte. Aquest darrer, en format instal·lació, va ser
presentat simultàniament a Barcelona, Londres, Madrid i Nova York
coincidint amb el desè aniversari de l’atemptat a les Torres Bessones.
L’artista va fotografiar l’Hangar 17 de l’aeroport JFK de Nova York per
encàrrec del National September 11 Memorial & Museum. Aquest espai
tancat al públic que serveix de magatzem temporal de les restes materials
recuperades de la Zona Zero, es transforma en un ‘Museu d’Història
Torres I de The Atlas Group
Resum: Utilitzant com a leitmotiv el terme ‘Zona zero’ i aprofitant la recent
inauguració del Memorial en el 10è aniversari de l’11/S a NY, es revisiten obres de
Francesc Torres i de Walid Raad, les quals plantegen interessos comuns des de
contextos singulars. Les obres parlen de guerra, de conflictes que recauen sobre
l’arquitectura i la població i com es construeix la memòria individual i col·lectiva.
Paraules claus: Zona zero, conflictes, memòria, Francesc Torres, The Atlas Group.
Title: Ground Zero. A journey through the artwork of Francesc Torres and the Atlas
Group.
Abstract: Using as leitmotiv ‘Ground Zero’, and taking advantage of the recent
opening of the Memorial on the 10th anniversary of September 11 in NY, we revisit
artworks from Francesc Torrres and Walid Raad. They present common interests from
singular contexts. Artworks talk about war, conflicts affecting architecture and
population and also how we build individual and collective memory.
Keywords: Ground Zero, conflict, memory, Francesc Torres, The Atlas Group.
Introducció
Zona zero (Ground Zero) identifica a escala global l’espai devastat pels
atacs de l‘11 de setembre de 2001 a les Torres Bessones de Nova York.
L’origen del terme però, rau en el desenvolupament de la bomba atòmica
(Manhattan Project) durant els assajos previs als primers atacs amb aquesta
arma a Hiroshima i Nagasaki (1945). Sovint ha denominat l’epicentre
geogràfic o conceptual de desastres. En referència a terratrèmols,
epidèmies i altres catàstrofes, la zona zero, senyala el punt amb major dany
o destrucció: quan més ens allunyem d’aquest punt central, l’impacte i el
dany és menys evident.
Revisant treballs dels artistes Francesc Torres (Barcelona, 1948) i
Walid Raad (Chbanieh, Líban, 1967), fundador del projecte The Atlas
Group, es proposa un itinerari que pretén revisar els seus
posicionaments artístics i personals vers conflictes, les seves reflexions
sobre el paper de la memòria i la documentació d’aconteixements
històrics. Dos artistes singulars de contextos bastants allunyats tanmateix amb part de la seva trajectòria des dels Estats Units- però amb
España, artista visual e professor no departamento de pintura, Facultad de Bellas Artes, Universitat de
Barcelona.
*
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
Innatural’ per la seva singularitat, de gran poder visual i emocional
(Torres, 2011).
Figura 1. Francesc Torres, Dark is the room where we sleep (2007).
Font: F. Torres.
Figura 2. Francesc Torres, una de les imatges que forma part de Memòria fragmentada.
11-S NY (2011). Font: F. Torres.
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2. Beirut
The Atlas Group és una fundació d’investigació imaginària establerta
el 1999 a Beirut, per indagar i documentar la història contemporània del
Líban, en concret per analitzar la censura i els conflictes de la guerra civil
(1975-1991). Aquest col·lectiu artificial examina especialment els
mecanismes de transformació de la informació en narració històrica, amb
la dificultat que suposa corroborar les seves causes i veracitat (Guasch,
2011: 295).
El projecte és situa entre la ficció i la història, recuperant i arxivant
situacions com fets aparentment banals i quotidians que habiten en la
memòria dels qui els han viscut, malgrat que, paradoxalment, a vegades
generen amnèsia col·lectiva. No recorre a imatges de la guerra, sinó del
seu entorn físic i subjectiu, fent ús d’imatges que no han esdevingut part
de la història política ni social del Líban. De la mateixa manera, la guerra
no segueix una història cronològica dels fets, sinó que es projecta
mitjançant la interrelació, i sobretot concurrença dels actes. Crea
històries que es troben en procés d’escriptura en lloc de ser relats únics i
tancats (Guasch, 2011: 296).
A l’arxiu The Atlas Group, sota els documents classificats com a tipus
A, o d’autoria coneguda, trobem el quadern de Raad Let’s be honest the
weather helped (1998) (Figura 3), que conté imatges fotogràfiques en blanc i
negre intervingudes amb cercles de colors i notes de l’artista. Raad narra
com després d’un bombardeig solia recollir bales i metralla incrustades a
murs, cotxes i arbres. L’artista anotava amb precisió l’emplaçament de les
troballes per fotografiar-lo. La imatge es convertia en un mapa amb
punts de colors col·locats sobre els forats, colors que seguien fidelment
el codi concebut per fabricants de diferents països per marcar els seus
cartutxos i projectils. Després de 25 anys, s’adonà que en els quaderns
havia catalogat els 23 països que havien armat o venut municions a les
milícies i exèrcits que havien lluitat en el Líban.
La investigació sobre l’ús de cotxes bomba en les guerres del Líban
dóna forma a una part important de l’arxiu del grup. La trobem, entre
altres, a My Neck Is Thinner Than A Hair (2003-) (Figura 4), investigació
en curs que pertany a l’arxiu tipus C, producció pròpia de The Atlas
Group. Amb aquest projecte es vol examinar les múltiples dimensions de
les guerres i investigar els esdeveniments públics i privats, els discursos,
objectes i experiències al voltant dels 245 cotxes bomba que van ser
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
detonats durant aquest període. I així, analitzar la dimensió sociològica,
política, econòmica i psicològica de la guerra de guerrilles i el seu impacte
catastròfic en la societat i en el barri on detonaven els cotxes.
gran part del seu treball artístic. Les seves obres són com epicentres que
senyalen un punt, una zona zero.
Figura 3. Walid Raad, Detall d’una làmina del quadern Let’s be honest the weather helped
(1998). Font: The Atlas Group Archive.
Figura 4. Detall d’una làmina del quadern My Neck Is Thinner Than a Hair, (2003-).
Font: The Atlas Group Archive.
Examinant aquests arxius es fa evident que el que es percep dels
esdeveniments són il·lusions instantànies, moments en què un creu que
està a l’interior de l’acció. És una metàfora del temps, de l’experiència de
la història, de les simultaneïtat il·lusòria en tant que experiència real,
actual (GUASCH, 2011: 296-297).
Raad, a partir del conflicte i la seva documentació, busca despertar un
compromís de tipus emocional i polític entre el seu públic. L’empatia
causada per aquestes obres i el significat obert de les imatges provoquen
que funcionin més enllà del context polític del que es fa referència i
trobin ressonàncies en les memòries privades dels espectadors.
Sovint, a través de l’arxiu dipositen materials i registres que reflexen
conflictes bèl·lics, processos sovint marcats per ruptures històriques.
Mentre que Torres excava la terra, Raad col·lecciona ferralla, els dos
estan captivats pels rastres.
Aprofitant les circumstàncies donades pel recent desè aniversari del
11/S i prenent com leitmotiv la zona zero, la qual remet a uns fets que
formen part de la memòria col·lectiva, el terme evoca fàcilment al
concepte d’entretemps. L’entretemps es troba en el període que ha viscut
aquesta zona fins a arribar a la inauguració del tant esperat memorial.
Malgrat que el procés de reconstrucció no culminarà fins que no s’alci la
Freedom Tower i quan el terme, que designa un espai devastat ja no hi
tingui cabuda.
Durant els mesos d’estiu del 2011 a l’International Center of
Photography de NY va tenir lloc una exposició que ens remet a la zona
zero original, la de la bomba atòmica d’Hiroshima. Hiroshima: Ground Zero
Conclusions
Els dos artistes es consideren producte d’una o varies guerres, ja sigui
per conseqüència directa o indirecta. La guerra ha format part de les
seves vides, model·lant la manera de veure el món, i donant contingut a
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La investigación en la obra de Noé Serrano: un camino
hacia el hiperrealismo escultórico
1945 mostra la desolació, destrucció i buit en 60 imatges. Les fotos van
ser desclassificades en la dècada dels seixanta, abandonades i quasi
destruïdes, fins que el 2006 se sumen a la col·lecció de l’ICP.
Referències
Atlas Group, The (1989-2004) Raad Files. [Consultat 2011-12-13] Quaderns.
Disponible a <URL: http://www.theatlasgroup.org/data/TypeA.html>
Atlas Group, The (1989-2004) The Thin Neck Files. [Consultat 2011-12-13]
Fotografies. Disponible a <URL:
http://www.theatlasgroup.org/data/TypeAGP.html>
Barnett, Erin (com.) (2011) Hiroshima: Ground zero 1945. Exposició Nova York:
International Center of Photography. [Consultat 2012-01-02] Full de
sala. Disponible a <URL:
http://www.icp.org/museum/exhibitions/hiroshima-ground-zero1945>
Guasch, Anna Maria (2011) Arte y Archivo, 1920-2010. Genealogías, tipologías y
discontinuidades. Madrid: Akal. ISBN: 978-84-460-2539-9
Marí, Bartomeu (com.) (2008) Francesc Torres. Da Capo. Catàleg exposició.
Barcelona: Museu d’Art Contemporani de Barcelona. ISBN: 978-8489771-61-1
Torres, Francesc (2007). “Si no puedes hacer nada, no deberías estar ahí” a
Monegal, Antonio (comp.) (2007) Política y (po)ética de las imágenes de
Guerra. Barcelona: Paidós Ibérica. ISBN: 978-84-493-2058-3
Torres, Francesc (2011) Memoria fragmentada 11-S NY. Artefactos en el Hangar 17.
Exposició Madrid: CentroCentro. Palacio de Cibeles. [Consultat 201112-13] Full de sala. Disponible a <URL:
http://www.centrocentro.org/centro/exposicion_ficha/3> ●
José María Hurtado Rodriguez*
Resumen: La obra de Noé Serrano puede encuadrarse dentro del hiperrealismo cruel,
donde el artista fascinado por la anatomía concibe el acto creativo como un estudio
compulsivo de las formas y materiales.
Palabras clave: Escultura, hiperrealismo, anatomía, resina, piel
Title: The investigation of Noe Serrano´s work: one way towards the sculptural hyperrealism.
Abstract: The work of Noe Serrano can frame within the cruel hyperrealism, where the
artist fascinated by Anatomy conceives creative act as a compulsive study of forms and
materials.
Keywords: sculpture, hyperrealism, anatomy, resin, skin.
Introducción
La producción de este escultor cordobés, se basa en una
reinterpretación de las “esfinges” bajo el prisma de la estética actual,
mostrando la parte más enigmática del ser humano. Se nos presenta así
un bestiario de seres híbridos -mitad hombre, mitad animal- donde la
anatomía se pone al servicio de la ironía y el virtuosismo hiperreal.
El artista indaga en lo más profundo del subconsciente del espectador,
que se ve fuertemente sacudido al reencontrarse con sus instintos más
primarios. De esta manera, conforme observamos sus piezas nos vemos
arrastrados a la parte más misteriosa, sorprendente y, a veces,
monstruosa de los seres vivos. Dicha exploración del comportamiento
humano dentro de un colectivo se intensifica de forma gradual a la vez
que avanza la trayectoria artística de Noé Serrano, cuya evolución se hace
cada vez más trascendental.
Trayectoria
En su primera obra titulada “El funcionario” ([2005], resina, 60 x 70 x
27 cm) presenta un híbrido robusto y musculado. Dicho ser adopta una
actitud erguida y casi simétrica, lanzando al espectador una mirada
directa y desafiante como muestra del poder político.
Espanha, escultor. Licenciado em Bellas Artes pela Universidad de Sevilla. DEA “El retrato escultórico Juan
Polo”. Licenciado en Bellas Artes pela Universidad de Sevilla (beca Seneca, UCM Madrid. Técnico Superior
de Escultura en Piedra.
*
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En “El pastor” ([2007], resina, 80,5 x 26,5 x 54,5 cm) la composición
se enriquece al representar la languidez y elegancia de un galgo en
reposo. Esta pose junto al expresivo rostro humano reflejan una absoluta
sumisión del individuo ante la religión.
sobre la naturaleza del ser humano y en lo cruel que podemos llegar a
convertirnos.
En su última obra “Los cerdos no son niños” ([2011], resina, 62 x 33
x19 cm) el artista focaliza su crítica a la capacidad humana de catalogar e
incluso de marginar a individuos de su misma especie. Nuevamente el
artista nos sorprende abandonando su línea de representaciones caninas,
a la vez que incorpora nuevos elementos que acentúan el juego de
sensaciones que existe entre la realidad y la obra artística.
Figura 1. Noé Serrano en su estudio de Santa Cruz, Córdoba (imagen del autor).
Figura 3. El pastor y Los cerdos no son niños (imágenes del autor).
Figura 2. El pequeño dictador y El funcionario (imágenes del autor).
Tanto “El pequeño dictador” ([2008], resina, 21,5 x 12,5 x 6,5 cm) así
como “El pequeño dictador (versión ampliada)” ([2011], resina, 57,5 x
126 x 202 cm) vienen a enriquecer un único significado a través de la
disparidad de escalas. Un inofensivo bebe-cachorro nos hace reflexionar
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En su producción el titulo se convierte en el complemento perfecto de
cada pieza, lo que le ha marcado una línea de trabajo alejada de la
acumulación de tópicos habituales en el hiperrealismo. Pero todo
complejo análisis iconográfico y conceptual perdería su sentido a falta del
que es su principal pilar y autentico sustento, la incesante investigación
llevada a cabo por Noé Serrano.
Este arduo trabajo se divide en dos vertientes principales que vienen a
confluir en un único punto, el hiperrealismo escultórico. Por una parte
encontramos un profundo estudio de la osteología, artrología y miología
referido tanto a la anatomía humana como animal. Por otro lado se
advierte en su producción una continua experimentación de los
materiales y los procesos escultóricos.
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Trabajo de campo
En el caso del estudio anatómico, el artista comienza por una
concienzuda recopilación de datos e investigación que se prolongará
durante varios meses, a partir de continuas visitas a facultades de
medicina y veterinaria, así como zoológicos. Su exhaustivo trabajo le
llevará a realizar disecciones, en busca de una verosimilitud escalofriante.
Reflejo de su modelado naturalista es la preocupación por el estudio
de la anatomía de superficie, haciendo especial hincapié en el
comportamiento de la piel. Para ello no dudara en utilizar a animales y
personas durante el proceso de modelado de los prototipos sobre los que
realizara numerosos estudios. Dicho interés por plasmar la realidad tal y
como es, le llevan el desarrollar una tabla donde se refleja el tamaño,
morfología, y dirección del poro de la piel según la edad y el lugar del
cuerpo donde se encuentra ubicado.
No menos sorprendente es la reproducción de las garras de los perros,
donde el artista modela y reproduce un prototipo de uña translucida que
encapsulan las terminaciones nerviosas tal y como sucede en la realidad.
Figura 5. Detalle de la garra de la obra El pequeño dictador (versión ampliada). (Imágenes
del autor).
Laboratorio
Por otra parte se puede advertir en sus obras la continúa
experimentación con los materiales y la perfección con la que lleva a
cabo los procesos escultóricos para alcanzar un realismo inquietante.
Hablamos de un artista muy escrupuloso y exigente. Su espacio de
trabajo se asemeja a un laboratorio científico y en sus vitrinas se
observan las muestras experimentales llevadas a cabo con el que es su
material predilecto, la resina.
Con este material lleva a cabo un novedoso proceso de reconstrucción
de la piel. Dicha técnica consiste en la emulación de los tejidos a partir de
un molde realizado al prototipo definitivo. Esta reproducción se
consigue con la aplicación del material resinoso en diferentes estratos
para conseguir la calidad de la piel mediante la translucidez de la materia.
Pero esto no hubiese sido posible con las resinas que existen en el
mercado debido a la inadaptación de sus cualidades.
Figura 4. Secuencia de modelado y proceso de molde flexible de la obra El pastor.
(Imágenes del autor).
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Por otra parte el artista nos advierte de las exigencias para la aplicación
de esta técnica. Esto sucede por la necesidad de tener una perfecta
visibilidad en la pieza que deseamos positivar y de esta manera poder
controlar las calidades tonales de la pigmentación. Por tanto es necesaria
la realización de moldes muy complejos y cuidados que nos permitan
controlar en todo momento el positivado.
No cabe duda alguna que todo este proceso no solo forma parte de la
totalidad de la obra de Noé Serrano, sino que nos ayuda a entenderla en
su conjunto global; por tanto entendemos que el III Congreso sobre
otros creadores es el foro más indicado para mostrarla y darle
divulgación.
Conclusión
Sin su fuerte personalidad y la capacidad de trabajo no se entendería
esta insolita e impactante producción artística. Las exigencias marcadas
por el propio artista hacen que el proceso creativo se dilate en el tiempo,
caminado en el sentido opuesto del mercado. El resultado final de esta
continua experimentación es una perfecta simbiosis entre concepto y
forma, renovando el anclado lenguaje de la figuración escultórica.
Figura 6. Detalle de recontrucción de piel en las obras El pequeño dictador y El pastor.
(Imágenes del autor).
Es por eso que el escultor decide investigar sobre este material en
busca de adecuarlo a sus propias necesidades. Para ello parte de una
resina epoxi concreta a la que varia sus cualidades de densidad, opacidad,
maleabilidad y pigmentación. El resultado es la obtención de dos nuevas
resinas que permiten conseguir nuevas calidades gracias a su
maleabilidad, translucidez y control de pigmentación. Mediante este
proceso el artista consigue que la pieza salga desmoldada con la
apariencia y translucidez de la piel. Como paso final esta apariencia será
enriquecida mediante suaves veladuras que matizaran su tonalidad.
El uso de este nuevo proceso de policromía además de otorgar a la
obra una enorme calidad y realismo posee otra gran ventaja: la de su
conservación pues, al contrario de las policromías barrocas, se trata de
una pigmentación interna que queda completamente protegida a los
agentes erosivos externos que pudieran provocarle cualquier tipo
alteración.
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Referencias
Ortega Nuñez, Francisco y Alonso López, Alfonso (2007) La gallina ciega, una
mirada contemporanea. Ed. Caja Granada y Fundación Museo Casa Ibáñez.
Granada. ●
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Déjame que te cuente
José Orozco
*
Resumen. La ilustración, al igual que la literatura, puede ser un ejercicio descriptivo
ceñido y amparado en el lenguaje cotidiano o puede ser una entrada al metalenguaje.
Como consecuencia, esto implica un viaje al no se sabe donde, con posibilidad de
descubrimientos o de naufragios. Describimos aquí la obra de Ramón Muro, que
discurre actualmente en la experimentación del discurso paralelo, permitiendo a la
imagen la autonomía negada como generadora y mensajera de los arquetipos del
cuento.
Palabras clave: Ilustración, cuento, arquetipos, experimentación.
Abstract. The ilustration, like literature, can be a descriptive exercise tight and
protected in quotidian language or may be a gateway to metalanguage. As a result, this
means a trip to not know where, with the possibility of discovery or shipwrecks. We
describe here the work of Ramon Muro, currently running in testing of parallel
discourse, allowing the image to be the creator and messenger of the archetypes of the
tale, role is always denied.
Keywords: Illustration, tale, archetypes, experimentation.
Introducción.
En lo que concierne al proceso de creación de un cuento ilustrado, de
forma acostumbrada, creemos que es la palabra la que antecede a la
imagen, quizá por aquello de que "en el principio era el Verbo" y, por
tanto, el trabajo del que ilustra se supedita a lo que el escritor ya ha
resuelto con palabras. Este es un camino habitual en la cooperación
escritor-ilustrador, pero hay otros recorridos, no suficientemente
explorados, que nos permitirían ampliar el recurso narrativo-expresivo
con la posibilidad de ser llevado a mayores niveles de profundidad y
comprensión. Sin ser un objetivo, en sí mismo premeditado, hay
creadores que se sumergen en el recorrido de estas corrientes, se prestan
a ser engullidos por ellas sabiendo que no hay indicadores de rumbo ni
anuncios de llegada, pero intuyen, a su vez, que van en la dirección
marcada por su propia brújula y no les importa ni los rodeos ni el
resultado per se. Este es el caso de Ramón Muros y del trabajo que aquí
describimos.
Manuel Ramóm Muro Rivas desde su Licenciatura en Bellas Artes
Espanha, artista visual. Professor na Escuela de Artes Plásticas y Diseño de Jerez. Licenciado y Doctorado
en Bellas Artes, Universidad de Sevilla.
*
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(facultad Alonso Cano de Granada en 1999), se ha desenvuelto con
reconocida maestría y soltura en el campo abierto de las Artes Plásticas
aunque reconoce que la Ilustración atrajo pronto su interés hasta llegar a
concretarse en trabajos publicados como "la nube roja", "la flor del Tao"
con la Editorial Alhulia o los "cuentos populares" con la Editorial Anaya,
entre los más destacados. Además de exponer su obra en eventos como
la bienal de “Ilustrarte ”(Barreiro, Portugal) o el Certamen Internacional
de Ilustración “Figures-Futur” (París, Francia), galerías como Sandunga,
Laberinto, Rpresentación, Jesús Puerto (Granada), Amadís (Madrid) o en
la embajada de España en Estonia, Tallín; no obstante su trayectoria
artística también discurre en otras disciplinas como la pintura, que
discurre paralela a su actividad de ilustrar, o la animación, en la
productora de cine animado Kandor Graphic, en la que trabajó como
ilustrador y animador. Es, a su vez, profesor de Dibujo y Color en las
Escuela de Artes Plásticas y Diseño de Córdoba y reconoce que esta
ocupación le permite investigar y experimentar sin necesidad de ser
correspondido, sabiendo que lo que busca es esquivo y requiere una
actitud de espera sigilosa y atenta más que la disciplina de un esfuerzo
lineal con expectativas de réditos fijos.
1. Puro cuento
El objeto de esta comunicación no es adentrarnos en un estudio de la
simbología del cuento, en su utilidad o en las analogías de sus elementos
en las diferentes culturas. Partimos ya de un hecho establecido en el
psicoanálisis de que provienen de un magma común, la propia realidad
de los arquetipos colectivos, igual que lo fueron los mitos como
antecesores del cuento. Tanto estos como aquellos surgen como
necesidad e intento de clarificar la comunicación entre lo consciente y lo
inconsciente, de resolver o "sanar" con ellos las incongruencias y
conflictos de nuestra naturaleza dual y de paso, porqué no, servir de
referente ético o moral a la cultura, este aspecto claramente manifestado
cuando son concluidos en sus conocidas moralejas.
Como decimos, no podemos profundizar en ello a pesar del enorme
interés que tendría en relación a lo que aquí describimos pero si
podemos hacer el siguiente planteamiento: ¿porqué los cuentos
ilustrados han de estar concluidos o relatados en pasado (Erase una
vez..Erase que se era...Había una vez.)? y aceptamos como verdad que
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Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
son historias arquetípicas y, por ello "eternas", no pertenecientes a
culturas, tiempo o espacios concretos (Von Franz, 1993:51). Siendo así
¿porqué no contarlas en un presente que se escenifique conforme lo
creas o lo imaginas?. Este cuestionamiento nos hace pensar que, de
ocurrir así, estaríamos asistiendo, como espectadores de primera fila, al
nacimiento de la más genuina de las historias, aquella que podríamos
beber en su propio origen, como un manantial donde el cuento nace
puro.
el recorre sus espacios igual que un niño recorrería un parque de
atracciones.
Imagen 2. “La casa de cristal”, 2011. T. Mixta (420x297 cm). Fuente: cedida por el
autor
Imagen 1. “La casa de cristal”, 2011. T. Mixta (420x297 cm). Fuente: cedida por el
autor
2. Cuéntame tus sueños
Ramón Muros actualmente trabaja en dos experimentos (vamos a
llamarlos así) que recurren a estas alternativas narrativas. Uno es la
decripción con imágenes de un sueño, el sueño de una amiga que le veía
a él en su casa de cristal (Imagen 1 y 2). Desde entonces lleva esa imagen
en su cuaderno queriendo tomar forma, como a la zaga, sabiendo en lo
más intimo que esconde algo de importancia para él. Decía Von Franz
que los cuentos constituyen "el esqueleto desnudo de la psique", y
Ramón es un astronauta que escudriña su íntimo Universo (que es
representado por la casa) aunque no de una manera sombría o temeraria,
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ISBN: 978-989-8300-32-4
Es en este trabajo donde él dice descubrir qué ocurre con esa casa en
cada imagen que brota de ese manantial, incluso recurre a un estilo, no
usual en su registro, con analogías al Art Brut para conectarse con lo
primigenio del inconsciente, con lo puro y espontáneo. Se encuentra
también, en esta metodología, una relación de semejanza con los
sistemas de creación automática experimentados por el surrealismo,
tanto en la literatura como en el campo de artes plásticas (Coulage, Echo
poem, Parsemage, Grafomanía entópica, Cadaver esquisito, etc.) y que
tenían como proposito no dejar que el intelecto se enredara en el proceso
creativo, como André Breton decía al respecto "ausencia de toda
vigilancia ejercida por la razón".
La Casa de Cristal es como el espejo mágico que le susurra y así
Ramón se cuenta a sí mismo (y de camino a los demás) lo que la imagen
hace brotar, se descubre y se construye a su vez, ayudado por el
arquetipo simbólico de su propia casa.
A veces, hacia el final del cuento, la estancia se llena de aurora, otras veces, queda un
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
fragmento de estrella o un mellado retazo de cielo de tormenta. Pero cualquier cosa que
quede es un don que se debe utilizar para trabajar en la configuración del alma”
(Pínkola, 1998: 499).
Mi trabajo consiste en salir en su busca, de caza ...........Cuando regreso al
campamento con la idea la encierro con el texto y compruebo cómo se llevan entre sí.
No siempre hacen migas. En tal caso, hay que dejarla libre y salir en busca de otra.
Es un proceso lento que requiere mucha paciencia. Insisto: el texto no sugiere ideas,
sino que se queda esperando el resultado de la caza.
Imagen 3 . “Marta”, 2011. Lápiz, Acrílico, collage y cartulina (297x210 cm). Fuente:
cedida por el autor
Desatascar la puerta a lo espontáneo para propiciar que se manifieste
lo más escondido en la psique es el proposito más velado en el cuento,
escribirlo es una necesidad...
éste puede parecer un estanque tranquilo y profundo que a simple vista refleja tan sólo
nuestra propia imagen, pero detrás de ella podemos descubrir las tensiones internas de
nuestro espíritu, es decir, sus aspectos más ocultos y el modo en que logramos la paz
con nosotros mismos y con el mundo externo (Bettelheim, 1976).
Si el ilustrador esta comprometido en la arquitectura de la historia no
puede entregarse sencillamente a la copia de la imagen literaria, este debe
trazar y discurrir por un camino paralelo que al final le lleve a confluir
con la palabra y ampliar con ello todos los recursos expresivos. Veamos
que como lo expresa el ilustrador Pablo Amargo:
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Imagen 4 . “Marta”, 2011. Lápiz, Acrílico, collage, cartulina e impresión digital
(297x210 cm). Fuente: cedida por el autor
Ramón aborda su segundo trabajo también en amistad con la
paciencia, siguiendo el decurso que la historia va marcando, con su
propia partitura, en tiempos que carecen de ritmos acostumbrados. Lleva
el título inicial de Marta y describe la historia de una niña que no puede
dormir y menos soñar. Comienza con un sueño blanco, vacío,
representado por ella de pie, al borde de la cama, enfrentada a ese
espacio-sueño en blanco (Imagen 3), que tratará de llenar a través de su
propia búsqueda que, como toda búsqueda, comienza en los recuerdos,
(va a la habitación del abuelo (Imagen 4) -como arquetipo del pasado- y
recuerda la conversación donde le contaba como veía él el cielo) con el
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Artes em torno do Atlântico:
Atas do III Congresso Internacional Criadores Sobre outras Obras - CSO’2012
propio reconocimiento de hacia donde quiero ir y de donde he venido, y
cada página será el encuentro con el laberinto y su propia salida. No sabe
cual es el contenido de las páginas consecutivas, el sueño que le espera es
responsabilidad de alguien. Una analogía absoluta con el mundo que
construimos dia a dia.
El propio Ramón Muros explica:
Cuando busco la imagen, los vuelco sobre la mesa y juego como si fuera el cajón de
juguetes que tenía cuando era pequeño. Pese a que los juguetes eran los mismos, cada
vez que los sacaba aparecían nuevos. Otros de esos juquetes, sin embargo, tardaban
mucho tiempo en aparecer de nuevo. Busco relaciones y metáforas que el azar ofrezca,
como el paseo por el embarcadero con patos. Esta es una imagen de un sueño de Isa
(mi esposa), en el que ella jugaba con flamencos en un estanque escondiendo la cabeza
en el agua”.
pureza es también inevitable.
Haciendo un guiño al juego que crea con las imagenes el propio
ilustrador se podría, así mismo, jugar con las palabras y expresar a modo
de conclusión: La jarra estaba llena y el agua cae directamente sobre el
papel; imágenes como haikus brotan y se componen en un tejido de
hojas y ramas que no es en absoluto azaroso. El autor juega con ellas
mientras estas forman su estructura arbórea y el viaja con sus raices
trayendo con nosotros la conciencia del viaje experimentado.
Al terminar la historia, es necesario volver a la realidad, aterrizar al sujeto, amarrar
de nuevo el cielo con la tierra (Von Franz, 1993:54).
Referencias
Bettelheim, Bruno (1975). Psicoanálisis de los cuentos de hadas. CRÍTICA (Grijalbo
Mondadori).1994, Barcelona.
Pablo Amargo. Entrevista Posted by Jot Dwon Magazine. [Consult. 2012-01-16].
Disponible en: http://www.jotdown.es/2011/08/pablo-amargo-laidea-es-el-motor-la-tecnica-solo-el-minimo-exigible/
Pinkola, Clarissa. (1998) Mujeres que corren con los lobos: mitos y cuentos de la mujer
salvaje. ZETA BOLSILLO 2009
Von Franz, Marie-Louise. (1993). Erase una vez. Editorial Luciérnaga, S.A. ●
Imagen 5. “Marta”, 2011. .Impresión digital, Acrílico, collage y cartulina (297x210 cm).
Fuente: cedida por el autor
Conclusión
Estas son dos historias que inexorablemente obligan a una
autogeneración en el presente y por esa razón el compromiso con su
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Acumulación y despojamiento, en el lenguaje
pictórico de Joan Hernández Pijuan
Josep Montoya Hortelano*
Resumen. Se plantea en la presentación, la utilización de lo aprehendido desde la
realidad más cercana a la identidad del artista , en una dualidad de “acumulacióndespojamiento” para la construcción de un lenguaje creativo, que nutriéndose de esa
percepción del entorno, es capaz de sintetizar esa realidad en pura materia pictórica
dentro de la cual el gesto, actúa a la vez como símbolo primigenio de lo percibido y
como valor intrínseco de la “pintura-pintura” en ella misma,
Palabras clave: Percepción, síntesis, lenguaje creativo, símbolo, pintura-pintura.
Title: The pictorial discourse of Joan Hernández Pijuan
Abstract. Arises in the presentation using what is apprehended from the reality closer
to the identity of the artist, in a duality of "accumulation-stripping" to build a creative
language, nourished by the fact that the environment is capable of synthesizing this
reality in pure pictorial matter in which the gesture, acts both as a symbol of the
perceived primal as the intrinsic value of the "painting-painting" in itself,
Keywords: Perception, síntesis, creative language, symbol, picture-painting
Figura 1. Campos de Folquer, La Noguera. Catalunya 1996.
Foto Joan Hernández Pijuan.
Figura 2. Joan H.Pijuan. Tierras blancas, 150x195, cm. Oleo sobre tela, 1997.
Introducción
Definiendo la obra de Joan Hernández Pijuan como: manifestación
sintética de percepción y memoria, podemos plantear al inicio de esta ponencia
una dualidad temporal que influye en su proceso: Acumulación y
despojamiento, plenitud y síntesis que provienen de un tiempo y una
Espanha, pintor. Doctor en Bellas Artes e licenciado em Artes Escénicas. Professor do Departamento de
Pintura da Facultad de Bellas Artes da Universidad de Barcelona.
*
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identidad, que configuran un lenguaje creativo que contempla el silencio
y el vacío como referencia.
1. Tiempo e identidad en la obra de Joan Hernández Pijuan
El tiempo en la obra de Pijuan, va indiscutiblemente ligado a la
recuperación permanente de la identidad desde la dualidad de pintor y
nativo de un entorno no urbano, en definitiva un pintor de paisajes…
internos i externos, de estados de silencio y espacios de vacío.
De las conversaciones, mantenidas con Joan Hernández Pijuan, se
puede muy bien extraer una dualidad temporal en su obra… y en eso, la
identidad con su tierra de origen, tiene mucho que ver. Es como si ese
origen suyo de la Catalunya interior, de esa castilla catalana* que es la
Segarra y la Noguera le hubiesen insuflado en su organismo lo cíclico y
espacial, que tienen ese tiempo “abierto” y estacional, que aún pervive en
las zonas rurales.
Su alternancia entre Barcelona, la ciudad con su complejidad sin fin y
Folquer, la casa solariega donde radicaba su estudio de verano y desde
donde se vislumbra el mar de campos de cereales, de la Catalunya
interior, es la base para argumentar que el tiempo en la obra de
Hernández Pijuan es un tiempo estacional, un tiempo cíclico dual: desde
el tiempo urbano y desde el tiempo rural. De esta dualidad, se puede
también derivar dos funciones de estos tempos… una de acumulación y
otra de despojamiento.
Con todo lo que tiene de contundente el concepto de acumulación, se
da la paradoja que en ese tiempo acumulativo urbano, se produce un
estado, que si bien nutre la percepción y el pensamiento, lo hace con
tanta inmediatez que el resultado, puede ser extenso pero no denso…
con el añadido de ser frágil y re-convertible frente a estados o actos de
reflexión en profundidad, dejando aparecer muchas preguntas sobre el
sentido de muchas de las cosas percibidas. Por tanto, podemos
argumentar que el tiempo urbano, es propenso a la fragilidad, de hecho
en el punto álgido de su actividad profesional, Joan Hernández Pijuan,
(en su estacionalidad urbana), compartía pintura, docencia y
responsabilidades de gestión en la Facultad de Bellas Artes de Barcelona,
de ahí, se puede adivinar una mayor participación de materiales frágiles y
con medios fluidos papel, gouache…etc. Como elementos dinámicos de
re-ubicación en el taller y con uno mismo.
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Pasados a la estacionalidad rural, que se sucede por parte de Pijuan en
Folquer, esta, actúa como diapasón que marca el ritmo vital… quizás no
en extensión (de múltiples percepciones), pero si en profundidad. El
tiempo en el espació rural, obliga a más…a cumplir con lo que es
necesario y preciso en cada momento… la frivolidad y la distracción no
se contemplan. También el espacio, condiciona la acción y la tarea debe
desarrollarse hasta el fin (pensemos en la preparación de la tierra, la
siembra o la cosecha) son tareas donde se trabaja de luz a luz con pocas
interrupciones y mucho rigor, el contacto con los elementos y los
utillajes es extremadamente intenso y la intuición está alerta a fin de
desvelar cualquier desajuste o imprevisto, que en caso de surgir, es de
inmediato afrontado y en su medida redireccionado en nueva estrategia
para avanzar en la tarea.
De esta concepción, de este espíritu de rigor, es desde donde se
manifestaba la densidad de su pintura. Los encierros en Folquer,
sostenían con amplitud la reflexión en profundidad de todo lo
acumulado anteriormente… y por tanto actuaban a manera de campana
de vacío que posibilitaba el despojar-se de lo superfluo adquirido. En el
silencio de Folquer, los materiales son consistentes-contundentes,
aunque también precisan de un tiempo de adaptación… y en ese tiempo,
también frágil, los materiales livianos, ayudaban a preparar el terreno
para los formatos más amplios… Como si la amplitud del campo
circundante, favoreciese la inmersión en el espacio pictórico… pintor y
pintura en un todo… ocres, verdes, pequeños rastros o espacios
aparentemente vacíos se acumulan en el espacio físico y a la vez mental
que es el estudio de Folquer, continuado ejemplo de la esencia vivida y
percibida… como retazos de lo sentido al caminar cada mañana por el
mismo sendero en compañía de su perro Blanc. Volver cada día al
mismo lugar para descubrir la magia de su transformación… igual que
volver cada día al estudio, para descubrir la magia de una continuidad en
la obra, aparentemente imposible desde el despojamiento total.
2. Orden y posicionamiento en la obra de Hernández Pijuan
(Percepción y síntesis)
La posibilidad de continuidad desde casi el vacío, no es un acto casual,
ni de iluminación repentina, hemos visto que el tiempo y el espacio,
marcan las pautas, también sabemos que la dualidad cíclica, se desarrolla
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en dos espacios diferenciados pero conexionados por la presencia del
pintor, en definitiva… el elemento esencial que actúa como catalizador
de percepciones y sensaciones que a través de la mirada como
pensamiento, llegarán a traducirse en obra.
Para esa consecución, la de la obra en densidad y vivida a la vez, que
se sucede desde esa mirada como pensamiento (siempre presente en los
planteamientos de Pijuan) hay que tener en cuenta tres actitudes duales,
que de manera inconsciente, actúan como constantes en el hacer de
Hernández Pijuan., y que según mi criterio son la esencia ordenadora de
la síntesis en su obra :
1.-Percibir-sentir,
2.-Interiorizar-memorizar
y
3.-Constatarmanifestar…
Estas actitudes son en si, una sucesión lógica y consecutiva de ejercitar
esa mirada como pensamiento… lo percibido en su totalidad, constituye
un archivo de material sensible, que una vez interiorizado, se añade a la
lógica de la memoria por un lado, ancestral y por otro, de hombre de su
época, que transforma ese material sensible percibido en lo que ha
constituido el misterio y la atracción de la obra de Hernández Pijuan:
Una manifestación sintética de percepción y memoria. Constatación desde lo mas
esencial, desde una pintura de mínimos, de gestos inmediatos que se han
nutrido con anterioridad de una inmensidad de tiempo y de
percepciones.
Para que esta manifestación sintética suceda como resultado de esas
inconscientes actitudes duales anteriormente citadas, es necesario un
marco. Su posicionamiento, es ese marco… (como en la caza o el
toreo)… a veces estático, a veces de una sutil variación, casi silencioso,
con tacto frente a materiales y actitudes, sabiendo que con
imperceptibles cambios, se generan grandes mutaciones en la superficie
pictórica, que ya no admiten modificación… quizás la posibilidad del
error… , de la duda es lo más significativo i que permite ese nuevo
recomenzar día a día la obra en el taller, de ahí que:
Frente a la dualidad de percibir-sentir, establece: deriva
Frente a la dualidad de interiorizar-memorizar, establece: ritual
Frente a la dualidad de constatar-manifestar, establece:
ambivalencia interior de incertidumbre y certitud.
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3. Deriva
La deriva en la obra de Hernández Pijuan, se produce como resultado
de ese perderse sin apercibirse que se producía en medio de actividades
previsibles (viajes o desplazamientos)… o establecidas (el trayecto del
estudio a la facultad o bien el recorrido establecido por los caminos de
Folquer), no es una deriva sin rumbo, es más bien una deriva de la
mirada dentro de espacios i/o actitudes que forman parte de una
cotidianeidad conocida… ese volver a un lugar conocido, para
apercibirse de lo mutable que tiene lo aparentemente conocido…(
paradoja al fin de la vida misma)
Mas que viajar, me gusta volver al sitio conocido (Pijuan, 2003)
Deriva inconscientemente adquirida, que en su persistencia… se
convierte en Ritual, en ese ritual de ubicarse en el estudio, para ese volver
a empezar con lo conocido: La pintura, pero a su vez con lo desconocido
que esta, depara al pintor dentro de su propia contingencia como materia
viva que es.
4. Ritual
En todo ritual, se busca un fin, aunque oficiar el ritual, no nos asegura
que el fin sea el deseado…los imponderables que nos circundan, actúan
como “extraños atractores” de lo imprevisto y de eso el pintor sabe
mucho
La práctica de la pintura es una forma de conocimiento… es una forma de
aprendizaje continuo en que la duda está siempre presente; ha de ser el reflejo de uno
mismo y tiene que partir de la necesidad de pintar… como ritual (Pijuan, 2003:
180).
La pintura de Pijuan, aparece como territorio de huellas, señales,
afloramientos sensibles que nos hablan de ciclos y persistencias, de
conocimiento y desconocimiento, de repetición y diferencia… en
definitiva de acto ritual que se conoce y se desconoce a la vez.
5. Incertidumbre y certitud
Incertidumbre frente a los condicionamientos que subyacen en la
pintura, pero certitud que parte de la necesidad de pintar, de ese
aprendizaje continuo que es el pintar que al fin y al cabo se convierte en
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acto que moldea al pintor desde ese ir y venir que es el actuar y el
reflexionar tensionado frente al espacio pictórico, frente al cuadro, para
así, en palabras de Joan Hernández Pijuan, poder mantener que:
La materia, los medios, el momento y una multitud de accidentes –lo imprevisto, lo
indeterminado, el azar- aportan a la obra tal cantidad de condicionamientos que la
llevan a ser racionalmente inconcebible (Pijuan, 2003: 162).
Incertidumbre y certitud, que rige esa confrontación con el espacio
pictórico, para poder conocerse, en palabras de Joan:
mientras hay emoción no hay repetición … Los cuadros se parecen a quién los pinta;
los míos andan despacio y no hacen ruido (Pijuan, 2003: 376).
Si por un lado, el ejercicio de la certitud en la pintura moldea al pintor,
es la confrontación con la incertidumbre la que lo forja y templa,
sostener la tensión de ubicarse en algo “racionalmente inconcebible” como es
la obra pictórica en un acto ritual día a día, conlleva una fortaleza interna
extraordinaria…la mayoría de veces solapada por una actitud de silencio
y de poco ruido, como deber moral del pintor frente a la dura
contingencia de la vida.
6. Epilogo
En la anterior manifestación, no subyace un espíritu, trascendente ni
didáctico, sino mas bien el reconocimiento de que si el pintor se debe
forjar para afrontar la incertidumbre, también debe moldearse como
persona y en eso la figura de Joan Hernández Pijuan ha sido y es ejemplo
de persona con amplia voluntad de conexión con lo que es la
contingencia de la vida. Desde su figura como académico y docente, pero
sobre todo como pintor comprometido generosamente con la
transmisión de conocimiento… creando dialogo y debate en los Talleres
de la facultad, consiguió una credibilidad impensable, de lo que a
posteriori se ha considerado la capacidad de investigación desde la propia
obra, el siempre mantuvo que un pintor, no investiga, sino que pinta,
pero su posicionamiento y ejemplo de estructurada obra (sin
pretenderlo) abrieron las puertas a un conocimiento de la pintura desde
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Artes em torno do Atlântico:
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otro orden posible que no sólo la pura subjetividad. En esto, su relación
con la contingencia de la vida, fue determinante.
También decir que la fidelidad a sus orígenes y la persistencia de la
memoria de lo que uno es, junto al amor por la tierra, … lejos de ser
auto complaciente, ha ejercido una constante disciplina de despojamiento
y de pensamiento sobre el acto de pintar.
La obra de Joan, está viva y descubre en su mostrarse, miradas que
gozan de un tiempo lento de contemplación y de silencio… como el de
los campos y paisajes que las inspiraron, bucle que se cierra otra vez con
tiempo, percepción y silencio como síntesis de vida.
Referencias
Hernandez Pijuan (s.d.) [Consult. 2012-01-20]. Disponible en
http://hernandezpijuan.org
Pijuan, Joan Hernández (2003) Obra sobre papel 1987-2002. Catalogo. Madrid:
Galería Rafael Pérez Hernando. ●
Arte e conhecimento: alquimia e o novo paradigma da
ciência
Juliana Alvarenga*
Resumo: Apresentação do conceito de transformação da matéria nos trabalhos dos
artistas Damien Hirst e Joseph Beuys como fio condutor para pensar o conhecimento e
o novo paradigma da ciência. As obras citadas refletem possibilidades de curas
relacionadas com a alquimia e apontam a poiesis como procedimento metafórico de
investigação do que afeta o homem quando se intervém na sua dimensão orgânica.
Palavras chave: arte, alquimia, conhecimento, matéria, novo paradigma da ciência.
Title: Art and knowledge: alchemy and the new paradigm of science
Abstract: Presentation of the concept of transformation of material in the work of the
artists Damien Hirst and Joseph Beuys, taken as a guide for thinking about knowledge
and the new paradigm of and science. Some of their works reflect healing possibilities
related with alchemy. They point poiesis as a metaphorical procedure of investigation
that affects man when he intervenes in its organic dimension.
Keywords: art, alchemy, knowledge, material, new paradigm of science.
Introdução
A alquimia tem como objetivo a transformação da matéria, entendida
aqui como os elementos encontrados na natureza e também os seres
humanos, na qual se unem natureza e ser humano, condição prévia para
aceder-se ao conhecimento.
A partir da ciência moderna, o acesso ao conhecimento é estruturado
através da separação do sujeito do objeto de estudo sem considerar a
subjetividade como parte fundamental.
A arte se abre para diversidade e complexidade do conhecimento. O
artista inglês Damien Hirst nascido em 1965 e o artista alemão Joseph
Beuys (1921-1986) se referem ao conhecimento oriundo da ciência
moderna, de forma a tematizar a relação do homem com os saberes da
natureza na construção de suas poéticas visuais.
As analogias e metáforas usadas por Damien Hirst e por Beuys em
algumas de suas obras dizem sobre processos naturais e/ou artificiais
que interferem na vida. Eles apresentam idéias sobre o homem apartado
da natureza, sobre crenças e mitos, que podem ser traduzidas na
transformação da matéria em seu sentido alquímico.
Brasil, artista visual. Graduada em Artes Plásticas, pela Escola Guignard/UEMG, Belo Horizonte,
mestranda em Criacão Artística Contemporânea na Universidade de Aveiro / UA, Portugal.
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1. Transformação da matéria na alquimia
Alquimia é conhecida como arte alquimica ou como ciência hermética,
do deus grego Hermes Trismegistro, equivalente ao deus egípcio Thot, o
suposto inventor dos hieróglifos — forma de expressão que une imagem
e palavra.
A arte alquímica tem por objetivo principal a transformação da
matéria, chamada de a Grande Obra ou Pedra Filosofal, através de
procedimentos denominados operações. Ao conduzir as operações
alquímicas, o operador possibilita esta transformação ao transformar-se a
si próprio concomitantemente, acessando o conhecimento adormecido
em ambos, resgatando suas potencialidades inertes. Paracelso, alquimista
do seculo XVI, que denominava macrocosmos o universo natural e
microcosmos o universo do filosofo alquimista, ressaltava que esses dois
universos são reflexos um do outro.
Outro conceito importante da ciência hermética é recomposição: partir
do material em putrefação, ou impuro, para buscar o mais puro,
reconstruindo assim o uno primordial, em um sentido oposto ao da
natureza que parte do uno para a decomposição. A putrefação, chamada
de fase nigredo, é um objetivo primeiro dos procedimentos alquímicos,
pois sinaliza que a matéria foi despertada e entrou em processo de
transformação. O apodrecimento da matéria é comemorado pelos
operadores porque iniciou a sequencia de transformação, seguida da fase
albedo onde a matéria é transmutada em prata.
Jacques Van Lennep, considerado o maior pesquisador da ciência
hermética como produção de obras de artes, relata que este é ainda um
campo recente e pouco estudado. Van Lennep fala das possibilidades de
se fazer uma leitura hermética de certos quadros de alguns pintores
como Durer, Rafael, Bosch e Brueghel (Van Lennep, apud Carvalho,
2005). Podem ser também possíveis leituras herméticas de algumas obras
de Damien Hirst e Beuys.
2. Joseph Beuys e Damien Hirst sob uma perspectiva alquímica
Joseph Beuys e Damien Hirst têm em comum declarações sobre
doença, cura, medicina, ciência, remédio e arte, e é sobre essa perspectiva
que procuramos aqui encontrar semelhanças possíveis entre alguns de
seus trabalhos e determinados preceitos que regem a alquimia.
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Considerando que a transformação da matéria é a grande orientação
da alquimia, Beuys se diz regido por essa arte e diz: “interessam-me as
transformações” (Girão, 2001, p.18). Em seu trabalho Cadeira com gordura
(1963), o artista expõe a gordura em todos os seus estados de
transformação (Figura 1).
Figura 1. Objeto Cadeira com gordura de Joseph Beuys, 1963 (Borer, 2001).
A gordura tem um ponto de fusão baixo e por isso facilmente tem seu
estado alterado; derrete e endurece à mínima alteração de temperatura.
Segundo o artista, em suas obras “várias operações se dão na maior parte
delas: reações químicas, fermentações, mudanca de cor, degradação,
ressecamento. Tudo está em estado de mudança” (Beuys, apud Borer,
2001: 26).
Damien Hirst também trata da transformação da matéria, das
substancias medicamentosas vinculadas ao organismo humano, em uma
denúncia da ausência do sentido alquímico de cura. No trabalho The Existence
of Nothing Causes Nothing (1999), Damien Hirst apresenta um armário de
medicamentos com embalagens vazias, onde o homem pode ser tomado
como resultante de efeitos medicamentosos (Figura 2).
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formol (Figura 3). O artista demonstra assim a interferência humana em
processos naturais como a morte e o deterioramento corporal, de modo
a querer controlá-los.
Figura 2. Instalação The Existence of Nothing Causes Nothing de Damien Hirst, 1999.
(Hirst, 2005).
Damien Hirst faz uma crítica à interferência supressora da indústria
farmacêutica que trata a cura medicinal como um processo restaurador.
De uma forma quase hermética, pode-se pensar que o artista reclama
essa união do homem com a natureza de que trata a alquimia ao sugerir
uma falsidade curativa dos medicamentos industrializados como síntese
do homem. Damien Hirst fala como a medicina tradicional impede a
manifestação humana com sua tentativa de exterminar o desagradável e
desenvolve sua crítica como um alquimista que sabe da necessidade da
fase nigredo para que existam as transformações humanas curativas.
Segundo ele,
If you’re happy, you paint a yellow-and-red painting; If you depressed you paint a
sombre brown and purple painting; or you’re a smart you give up painting and shared
your good feelings with your friends, or when you’re down, cheer up and don’t drag
people” (Hirst, 2005: 246).
Figura 3. Instalação A impossibilidade física da morte na mente de alguém que vive de Damien
Hirst, 1991 (Hirst, 2005).
O uso da química para evitar a decomposição orgânica do animal
mostra a forma ilusória com que a ciência mantém a aparência de vida
em um corpo morto. O fato do corpo do animal ser impedido de mudar
de estado decompondo-se organicamente é a crítica mais pertinente do
ponto de vista alquímico, pois não permitir a transformação da matéria é
não realizar a obra alquímica.
Na obra Coyote, I love America, America likes me (1974), Joseph Beuys
tranca-se por 3 dias com um coiote em uma galeria de Nova York e
utiliza o feltro e a gordura como elementos alquímicos de uma mitologia
individual, transitando entre o simbólico, o autoterapêutico e o
autobiográfico (Figura 4).
Damien Hirst em seu trabalho A impossibilidade física da morte na mente de
alguém que vive (1991), expõe um tubarão morto em um tanque com
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Figura 4. Ação Coyote, I love America, America likes me de Joseph Beuys, 1974 (Borer,
2001).
Com a intenção de fazer conexão com o conhecimento ancestral
xamânico, Beuys trata de comunicação e reconciliação com a natureza
como fundamento para cura individual e social. A forma como o artista
se refere à cura tem o mesmo sentido da alquimia, ele acreditava que a
autotransformação gerava também a transformação do indivíduo e do
seu entorno social na medida em que instigava outras transformações em
outras matérias e também em outras pessoas. O xamanismo para Beuys
assemelha-se a uma espécie de alquimia ritualística onde as práticas
laboratoriais são substituídas por rituais com o mesmo intuito de se
reintegrar à natureza para restabelecimento de cura. Joseph Beuys se
declara um estudioso da alquimia e encontramos em suas palavras uma
das leis dessa ciência hermética; “[...] aprender das próprias substâncias
as potencialidades que elas encerram e, por conseguinte, as nossas.”
(Beuys, citado por Borer, 2001, p.15).
A pintura de Damien Hirst intitulada Naja naja (2000) é parte de uma
série de trabalhos que o artista afirma terem propriedades farmacológicas
específicas (Figura 5).
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ISBN: 978-989-8300-32-4
Figura 5. Pintura Naja naja de Damien Hirst, 2000. Óleo sobre tela 53.3 X 48.2cm
(Hirst, 2005).
Naja naja é um antídoto, fabricado a partir do veneno da cobra naja
que gera a cura, o que é em si um preceito alquímico: buscar no mais
impuro o que vai se tornar o mais puro. Arthur Danto relata não
perceber na pintura Naja naja relação entre a forma química do veneno e
o trabalho de Damien Hirst, como acha que o artista não tinha a
consciência do que é esse medicamento. Mas o filosofo considera de
forma análoga que, nas palavras do autor, “[…] a idéia da pintura ser
uma forma de farmacologia faz dela a possibilidade literal do artista ser
um farmacêutico” (Danto, 2000, p38). Do ponto de vista alquímico,
onde a cura é um restabelecimento de uma condição anterior à
deterioração natural, a beleza pode ser considerada fator reconstituinte.
Segundo Danto, “Existe […] uma verdade que vale a pena considerar,
que é que ambos os trabalhos são extremamente belos, e enquanto eu
não sei como conectar a beleza com (o que suponho ser) o aborto, me
parece que uma possibilidade é que a beleza cura” (Danto, 2000, p38.).
Não se trata aqui de averiguar a verdade, e sim de constatar a
verossimilhança, uma semelhança capaz de gerar outras possíveis
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narrativas que englobem a alquimia e a arte como matéria de
transformação.
2. Conhecimento e intuição
Segundo Edgard Morin (2007), hoje a ciência deveria reatar com a
filosofia e ter a reflexão sobre o conhecimento adquirido, consistindo
este fato em uma impossibilidade para o autor, por ser o método
cientifico baseado na disjunção de sujeito e objeto. Tudo o que se diz
sobre um objeto parte do sujeito, e que, portanto, não haveria outra
forma de abordagem do objeto que não a subjetiva.
A passagem da alquimia para a química moderna se dá quando as
preocupações humanas deixam de ser entender o que é o mundo para tornarse como ele funciona. O pensamento racionalista dos séculos XVI e XVII
caracteriza a revolução industrial e a passagem do pensamento holístico e
sistêmico para o mecanicismo especialista. Pode-se dizer que a
manipulação é uma das formas na qual mais se manifesta essa mudança
epistemológica. Ao contrário do sentido de manipulação alquímica, onde
a matéria é a natureza e o homem, na ciência moderna a matéria a ser
manipulada é o método que através da técnica quer manipular a natureza.
O método experimental característico da ciência moderna é, nas palavras
de Edgar Morin, “um método de manipulação que necessita cada vez
mais de técnicas, que permitem cada vez mais manipulações” (Morin,
2007, p.19).
A alquimia é um conhecimento onde sujeito e objeto estão fundidos.
A arte pode também ser entendida como uma junção de sujeito e objeto
quando a transformação da matéria (orgânica e/ou pensamento) em obra
de arte reflete também a transformação do artista através do processo de
produção artística. A obra de arte reflete o conhecimento acessado pelo
artista ao produzi-la.
No processo de conhecimento das artes e da alquimia, as metáforas e
as analogias são amplamente usadas englobando saberes de outras áreas.
Através de analogias, procedimento de transportar relações de um
campo do conhecimento para outro, podemos pensar o ato de refletir
como método artístico e alquímico. Esses campos de conhecimento
diferentes são regidos pelos mesmos preceitos holísticos de integração
do homem ao cosmos e por isso guardariam as mesmas relações. Nesse
sentido, pode ser que a arte e alquimia sejam parte da inovação científica.
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Conclusão
Tanto a prática artística quanto a prática alquímica estão em acordo
com o novo paradigma da ciência por ser uma das suas características
fundamentais a junção do sujeito com o objeto. Nesta fusão sujeitoobjeto, o corpo surge como o espaço onde o conhecimento se dá, por
onde passarão os impulsos instintivos e intuitivos da criatividade;
segundo Berger: “O saber não é mais suficiente como tal, ele é
acompanhado de uma intuição ‘orgânica’ ” (Berger, 2003: 43). O corpo
como organismo é matéria de transformação na arte e na alquimia,
afetado pelo conhecimento refletido na obra.
Através de um dos fundamentos da alquimia no qual o microcosmos
do universo humano está refletido no macrocosmos do universo, e com
a consideração de que a natureza é determinante dos seus processos mais
fundamentais, percebemos como as transformações humanas se dão a
partir da própria natureza. Aqui propomos uma alternativa de uma noção
de natureza na qual se imprime a relação do corpo humano com a vida.
A diferença entre a alquimia e a química que faz Fernando Pessoa
(1986) é análoga à diferenciação entre um objeto de arte e o objeto
comum que faz Arthur Danto; tendo em vista que são idênticos, apenas
a intenção poderia separá-los. Seria a intenção a diferenciação de todas as
coisas? Possivelmente a arte e a alquimia pretendem ter grandes
narrativas sobre o tema.
Referências
Berger, René (2003) Tornar-se os primitivos do futuro? In: Domingues, Diana
(org.), Arte e vida no século XXl: tecnologia, ciência e criatividade. São Paulo:
UNESP.
Borer, Alain (2001) Joseph Beuys. São Paulo: Cosac & Naify Edições.
Carvalho, J. J. (1995) Mutus Liber. O Livro Mudo da Alquimia. São Paulo: Attar
Editorial.
Danto, Arthur C. (2000) Death in the Gallery. Nation. New York: November
20.
Girão, João A. A. (2001) Anatomia de um desenho, Revista Margem.
Guimarães: Ed. Escola Superior Artística do Porto – Extensão
Guimarães.
Hirst, Damien (2005) I want to spend the rest of my life everywhere, with everyone, one to
one, always, forever, now. Londres: Ed. Other criteria.
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Gerardo Delgado: el juego racional del arte
Morin, Edgard (2007) Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand
Brasil LTDA.
Paracelso (1973) A chave da alquimia. São Paulo: Ed. Três.
Pessoa, Fernando (1986) A procura da verdade oculta. Lisboa: Ed. Europa
América. ●
Lola García Suárez*
&
Paco Lara-Barranco**
Resumen. Esta comunicación analiza la innovación del pintor Gerardo Delgado en los
años 1968-1972. Las producciones de ese período requieren de una participación activa
del espectador, siendo el juego un motor que inicia la vinculación a fin de producir
variaciones no pensadas por el autor durante el proceso creativo. Geometría, control y
cálculo (de proporciones y gamas cromáticas), definen unos resultados descritos como
“obras abiertas”.
Palabras clave: Juego, arte-ciencia, obra-abierta, informática, espectador
Title: Gerardo Delgado: the rational game of art
Abstract. This paper examines artist Gerardo Delgado's innovations in his works from
the years 1968-1972. The work he produced during that period requires the viewer's
active participation, and this interplay is a driving force that leads to other connections
in order to produce variations that were not intended by the artist during the creative
process. Geometry, control and calculation (regarding proportions and color ranges)
define the results which can be described as "open work".
Keywords: Play, art-science, open-work, computer, viewer
Introducción
Esta comunicación centra su análisis en las investigaciones realizadas
por Gerardo Delgado (Olivares, Sevilla, 1942) durante el período 19681972. Pretendemos resaltar las aportaciones que llegó a proponer al
concepto de “obra viva”. Como integrante de la generación sevillana
emergente de los 70 (Soto, Sierra, Suárez, Salinas, Tovar –entre otros), es
considerado uno de los pioneros del arte abstracto en España. Si “está en
el medio de todos los debates” (Yñiguez, 1999: 124), esto es
consecuencia de haber mantenido una actitud arriesgada (y cambiante)
frente al hecho artístico. Razón por la que sus respuestas frente a la
pintura han sido tildadas como “brillantes” (Navarro, 1999: 31). Algunos
de sus hallazgos son destacados por Kevin Power, crítico de arte, cuando
subraya: “Sólo Gerardo Delgado llegó más allá, experimentando con
formatos de díptico en los que los elementos confluían no como pares
Lola García Suárez: Espanha, artista visual. Licenciada en Ciencias de la Información. Actualmente realiza 5º
curso da Licenciatura de Bellas Artes, Departamento de Pintura, Facultad de Bellas Artes, Universidad de
Sevilla.
** Paco Lara-Barranco: Espanha, pintor e professor titular da Universidad de Sevilla, departamento de pintura,
Facultad de Bellas Artes. Doctor en Bellas Artes pela mesma Universidade.
*
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fijos predeterminados sino más libremente” (Power, 1999: 79). Si bien el
autor ha declarado, ser “una persona inestable, contradictoria […] nunca
he estado en un sitio fijo” (Olivares, 1985: 61), esta condición le ha
permitido aprender de cualquier disciplina: música, cine y literatura.
Strauss, Wenders, Rodrigo Caro, Cernuda han sido, entre otros, claros
referentes en su obra. Pasión transmitida a su segunda actividad
profesional, la enseñanza universitaria en la Escuela Técnica Superior de
Arquitectura de la Universidad de Sevilla.
En el primer apartado de nuestra investigación, Un modelo de obra
abierta: libertad versus control, indagamos las motivaciones que impulsan al
pintor sevillano hacia el desarrollo de la obra de arte con sentido
“abierto”; en el segundo apartado, Aportaciones de una generación singular, se
destacan unos rasgos comunes en autores de su generación. Nuestra
metodología ha sido de carácter analítico-comparativo (aplicada a los
textos consultados).
1. Un modelo de obra abierta: libertad versus control
Un hecho, que influye en la producción del objeto de arte en Gerardo
Delgado, es su participación en las sesiones de trabajo organizadas por el
Centro de Cálculo de la Universidad Complutense de Madrid (CCUM),
durante el curso 1968-69. Allí demuestra “un ardiente entusiasmo en las
posibilidades de las nuevas tecnologías” (Castaño Alés, 2000: 196), de ahí
sus incursiones en la informática. El CCUM fundado en 1966 por la
Universidad Complutense y la compañía IBM, fue pionero en España
por dirigir su investigación hacia el cálculo automático aplicado a la
producción artística. Incursiones ya promovidas por el ingeniero, Billy
Klüver (desde principios de los 60), con Yvonne Rainer (My Body’s House,
1963 –junto al ingeniero Harold Hodges), Robert Rauschenberg (Oracle,
1965), John Cage y Merce Cunninghan (Variations V, 1965) y Andy
Warhol (Silver Clouds, 1966) –entre otros. Dinámicas en gran expansión
en la actualidad.
Cuando la informática r