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A consolidação do moderno na história da arte do Paraná A consolidação do moderno na história da arte do Paraná : anos 50 e 60 1 Artur Freitas 2 Introdução Tendo por objeto uma série de transformações estéticas e ideológicas ocorridas no meio das artes plásticas no Paraná durante os anos cinqüenta e sessenta, este artigo gravita ao redor de uma problemática específica, que se resume, por sua vez, a um pequeno rol de interrogações: como e quando se deu a infiltração e a consolidação de um certo ideário moderno no campo artístico paranaense? Quais foram as principais estratégias, agentes e instituições envolvidos nesse processo? E quais as eventuais resistências e desdobramentos imediatos que esse processo motivou? As forças em ação no andamento dessas transformações, no entanto, não foram nem somente artísticas como tampouco apenas ideológicas ou institucionais, mas – e é quase um truísmo dizer – consistiram numa soma de todos esses aspectos. Num contexto de modernização econômica, social e política pelo qual passavam o Paraná e o Brasil, poderia parecer evidente àquela altura a predisposição histórica à 1 Nessa pesquisa, que teve apoio financeiro da Capes, cumpre agradecer em especial ao prof. Geraldo Leão, pelo acesso irrestrito a suas fontes de pesquisa, bem como a Irai Casagrande, Regina Célia Rezende e à Dona Lúcia, pesquisadoras do Museu de Arte Contemporânea do Paraná. 2 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná, bolsista pela Capes, com pesquisa sobre a relação entre arte e política durante os anos 60 e 70. Mestre pela mesma instituição, também com bolsa Capes. Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 87 Artur Freitas superação do “provincianismo” cultural e, conseqüentemente, à aceitação de uma produção artística e intelectual igualmente moderna3 . Contudo, e como se verá, nem a infiltração do modernismo nas instituições culturais paranaenses esteve imune a rejeições e dificuldades de toda sorte, como nem sequer a própria noção de “modernismo” deixou, num segundo momento, de se fragmentar internamente, dando origem a novos debates artísticos que se traduziram inclusive em disputas de viés político. Espaços acadêmicos: EMBAP e Salão Paranaense Desde fins da década de 40, quando surgiram duas das principais instituições artísticas paranaenses – a Escola de Música e Belas Artes do Paraná, a EMBAP, fundada em 1948, e o Salão Paranaense de Belas Artes, criado em 1944, ambos atrelados à Secretaria de Educação do Governo do Estado –, os espaços oficiais dedicados às artes plásticas são 3 Os anos cinqüenta, cumpre dizer, são marcados pela idéia de superação do “provincianismo”. Desde os tempos da revista Joaquim (194648), por exemplo, a autodenominação “província”, tanto para Curitiba quanto para a situação periférica do Paraná frente à nação encobre uma preocupação maior e recorrente na cultura local: a expectativa de superação do atraso – brasileiro e paranaense – mediante um projeto de efetiva integração modernizadora. No campo da política, tal preocupação sustentou, em princípio, o desejo do primeiro governo Lupion (19471951) de libertar “o Paraná de seu isolamento provinciano” através de sua inclusão “entre os primeiros da Federação”, o que, de certa forma se conseguiu graças à explosão internacional da cafeicultura que alçou o Paraná à condição de grande produtor de café do Brasil (então carrochefe das exportações nacionais). IPARDES – Fundação Édison Vieira. O Paraná reinventado: política e governo. Coordenado por Marionilde Brephol de Magalhães. Curitiba, Ipardes, 1989. p. 26. Uma certa euforia daí resultante contaminaria a intelectualidade local: “Sustenta-se, e com razão, ter chegado já o momento de fazer compreender ao Brasil que soou a hora do Paraná”. LINHARES, Temístocles. Paraná vivo: um retrato sem retoques. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000. p. 29. No campo econômico, Ney Braga, ao comentar sobre os êxitos dessa política integradora, afirmava que já em fins dos 50, após a recuperação frente as geadas, o Estado “sozinho produziu quase um terço da produção mundial” de café. BRAGA, Ney. Tradição e mudança na vida política. Curitiba, Edição do autor, 1996. p. 144. 88 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná controlados por nomes geralmente pouco favoráveis às formas modernas de arte. A própria composição do ambiente cultural do Paraná – que além de dispor de pouquíssimas informações sobre arte, contava com o predomínio oficial de uma arte tida como academizada pelos chamados “discípulos de Andersen” – seria uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos jovens e mais inquietos artistas paranaenses atuantes na década de 50. Fernando Velloso, artista atuante na época, descreve a situação: Curitiba na época era uma cidade sem nenhuma ou quase nenhuma informação sobre arte. Havia muito, apenas a Biblioteca Pública recém inaugurada tinha um setor de arte: “Belas Artes”, [que] na época possuía alguns livros. (...) Então havia [uma] avidez muito grande – entre os jovens que pretendiam fazer arte – de saber as coisas mais avançadas, mais novas; e eu, ao dizer “mais avançadas”, não imaginei que a gente pretendia os últimos acontecimentos culturais na Europa ou Estados Unidos: nós queríamos saber apenas aquilo que hoje qualquer jovem encontra até nas bancas de jornal, [como] por exemplo, uns impressionistas, que ninguém tinha visto, que se tinha uma pálida idéia do que era. Por aí vocês sintam a dificuldade de desenvolvimento dessa geração. Quando apareceram as primeiras informações nós nos agarramos com unhas e dentes e talvez isso tenha feito com que se formasse um pequeno grupo que é – como disse há pouco, antes do início da entrevista – uma ilha cercada de burrice por todos os lados. Porque havia um academismo implantado que era ferrenho inimigo de tudo que se inovasse, reacionário e muito bem implantado porque era fruto de várias gerações de pintores que se repetiam, e cada vez com menor qualidade; como todo xerox que cada vez que é “re-xerocado” perde qualidade, esses acadêmicos eram ainda originários do grande mestre Alfredo Andersen, e durante gerações e gerações nada mais faziam do que repetir o que o mestre os havia ensinado sem nenhuma preocupação de pesquisa ou de descobrir novos caminhos4 . 4 Palavras do artista paranaense Fernando Velloso transcrito em FRANCO, Violeta. Depoimento datil., Curitiba, 14/05/1984 – Setor de Pesquisa do MAC-PR. Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 89 Artur Freitas Nomes como os de Estanislau Traple (Fig. 1) ou Waldemar Curt Freÿesleben, normalmente tidos como “acadêmicos”, eram presença certa nos Salões Paranaenses desses anos, fosse na qualidade de artista premiado ou mesmo como componentes do júri de seleção5 . A própria Escola de Belas Artes, a única no estado com ensino formal na área de artes plásticas, reproduzia, nos idos dos anos cinqüenta, certos métodos didáticos calcados em modelos conservadores que pouco estimulavam a reflexão sobre os problemas culturais da modernidade. Segundo o professor, pesquisador e artista Geraldo Leão O currículo da nova escola, como não podia deixar de ser, pelas relações de seus fundadores com os métodos de ensino de Alfredo Andersen, era baseado nas orientações típicas das academias, com forte ênfase na cópia de modelos de gesso. A pintura apenas começava a ser praticada, sob a forma de um gênero menor, a natureza-morta, no segundo ano6 . Freÿesleben, inclusive, ministrava duas disciplinas de terceiro ano na EMBAP: Pintura de Paisagem e Composição Decorativa7 , o que ajudava a compor um ambiente artístico 5 Num intervalo de 13 anos – entre 1944 (fundação do Salão Paranaense) e 1957 (ano do “Salão dos pré-julgados”) é evidente o poder de consagração que essa dupla de artistas conquistou nesse salão oficial: Traple participou de três júris de seleção, de uma Comissão Organizadora e, como artista, de 11 Salões Paranaenses, tendo sido premiado quatro vezes, enquanto Freÿesleben participou de três júris, tendo também participado, como artista, de 11 Salões, sendo duas vezes premiado. Freÿesleben ainda participaria dos Salões de 1958, 1960 e 1961. Dados retirados de JUSTINO, Maria José. 50 anos de Salão Paranaense. Curitiba, Clichepar Editora, 1995. pp. 253-307. 6 LEÃO, Geraldo. Escolhas abstratas, arte e política no Paraná – 19501962. Curitiba, 2002. Dissertação (Mestrado em História) – UFPR (arquivo virtual cedido pelo autor), p. 57. Esse texto de Geraldo Leão, que trata especificamente do processo de consolidação cultural e institucional da não-figuração no Paraná, levanta questões interessantes tanto – em termos gerais – sobre as relações de poder que de maneira inevitável atravessam o campo artístico, quanto – em termos restritos – sobre o processo específico de transformação da cultura artística paranaense de início dos anos sessenta. 7 Ibidem, p. 58. 90 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná oficial desfavorável (ou no mínimo pouco alentador) às experimentações artísticas menos tradicionais. Dessa forma, ao contrário do que ocorria nos maiores centros nacionais onde os debates sobre a arte concreta e o respaldo de instituições como o MAM e a Bienal Internacional fomentavam nichos modernos de discussão e produção artística, no Paraná, a essa altura, as poucas e desinformadas pretensões “modernistas” se formavam, de certo modo, em detrimento do contexto conservador. Fig. 1 Estanislau Traple. Auto-retrato. 1958. Óleo sobre tela. 46 x 36 cm. Acervo EMBAP-PR. Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 91 Artur Freitas Insisto nessa evidente diferença entre o ambiente cultural paranaense e o de Rio ou São Paulo por dois motivos. Primeiro, para salientar que as mudanças na cultura artística do Paraná durante os anos cinqüenta e sessenta seriam de fato notáveis, pois é somente nessas décadas que um certo ideário modernista, a princípio quase inexistente, implantar-se-ia em definitivo no cenário artístico local. E, segundo, para caracterizar certas dificuldades conjunturais com as quais estiveram envolvidos alguns artistas menos conservadores que de um lado se formaram nesse ambiente tradicional e pouco expressivo dos anos cinqüenta e de outro foram em seguida responsáveis em grande parte pela gestão da política cultural no estado durante os anos sessenta e setenta. A revista Joaquim e seus saldos: Guido Viaro e Poty No Paraná, a discussão em termos de cultura moderna e tradicional é colocada pelo menos desde fins dos anos quarenta quando, sobretudo a partir da revista de literatura e arte Joaquim, os termos da questão foram enunciados e de certa maneira contrapostos. A revista de literatura e arte Joaquim, editada em Curitiba entre 1946-48 por Dalton Trevisan, Erasmo Pilotto e Antonio Walger, é um divisor de águas na cultura local. A integração com os problemas sociais contemporâneos e os debates sobre a função da arte e da literatura são uma constante. Tais preocupações refletem-se nas ilustrações que se espalham por Joaquim, seja nas obras de Poty Lazzarotto e Guido Viaro, seja nas obras de jovens artistas como Nilo Previdi, Blasi Júnior, Gianfranco Bonfanti ou mesmo nas de artistas consagrados como Di Cavalcanti e Cândido Portinari. Embora a revista tenha em seu quadro de escritores sobretudo homens das letras como Temístocles Linhares, Wilson Martins e o próprio Dalton Trevisan, e apesar da maximização dessa frente se ter robustecido graças a publicação de textos de Antônio Cândido, Sérgio Milliet, Otto Maria Carpeaux, Carlos Drummond de Andrade, Sartre, Merleau92 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná Ponty entre outros, a parte da revista dedicada aos debates específicos das artes plásticas não foi menos pródiga, tendo legado valiosos artigos, depoimentos e entrevistas8 . Em dois anos de Joaquim, a figura do inimigo encarnava-se na poesia de Emiliano Perneta e na pintura dos discípulos de Alfredo Andersen, o “pai da pintura paranaense”, competente artista norueguês que por aqui chegou em 1893 (permanecendo até sua morte, em 1935) e fez escola. Em pleno desfavor a essa tendência, contrapunha-se a imagem de uma arte universal e moderna, encarnada por sua vez pelo escritor Dalton Trevisan e pelo pintor Guido Viaro (este, aliás, artista italiano, que por aqui aportou em 1930). As posições do próprio Dalton, por exemplo, são firmes e aguerridas: Já se disse que se pode elogiar Viaro sem desmerecer Andersen. Pois esse é o ponto preciso: não se pode. (...) Há um tempo para semear e outro para colher; se houve um tempo em que era de bom tom admirar Alfredo Andersen, agora é necessário exorcizar a sua sombra”9 Pouco tempo depois, já em inícios dos anos cinqüenta, a partir da atuação de artistas-professores como Poty Lazzarotto e Guido Viaro, esboçam-se pequenos cenáculos de jovens artistas inconformados com o conservadorismo paranaense, estudantes de Belas Artes ávidos pelas tendências modernistas e dispostos a falar de seu tempo através de uma produção artística comprometida com questões sociais10 . Pintores e gravadores como Loio-Pérsio, 8 Cf. JOAQUIM: edição fac-similar. Curitiba: Imprensa Oficial, s.d. e SAMWAYS, Marilda Binder. Introdução à literatura paranaense. Curitiba, Livros HDV, 1988. 9 TREVISAN, Dalton. “Viaro Hélas...e abaixo Andersen”. Joaquim, Curitiba, nº 07, dez. 1946. p. 10. 10 Em 1950, um ano antes da primeira Bienal portanto, abria-se em Curitiba um curso de gravura em metal ministrado por Poty Lazzarotto, a convite do então Secretário de Estado da Educação e Cultura, Erasmo Pilotto, seu ex-companheiro de Joaquim. ARAÚJO, Adalice. Arte paranaense moderna e contemporânea: em questão 3000 anos de arte paranaense. 424 p. Tese (concurso de livre docência) – Setor de Ciências Humanas Letras e Artes, UFPR, Curitiba, 1974. p. 189. O curso – Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 93 Artur Freitas Ennio Marques, Violeta Franco, Fernando Velloso, Alcy Xavier e Nilo Previdi – ao contrário das poéticas abstrato-geométricas que circulavam no eixo Rio / São Paulo – abraçaram uma figuração crítica, de temática muitas vezes social, onde o componente de “modernidade” em alguns casos resumia-se à deformação da figuração tradicional. Em poucas palavras, poder-se-ia afirmar que, no que tange à linguagem artística, esses artistas estiveram muito mais abertos às poéticas defendidas pelos Clubes de Gravura gaúchos do que propriamente à arte concreta que aportava em solo brasileiro desde as primeiras Bienais de São Paulo 11 . A grande influência tanto da produção literária, através de nomes paranaenses como Temístocles Linhares, Dalton Trevisan e Wilson Martins, quanto da produção artística de artistas freqüentado pelos artistas locais em boa medida por indicação do próprio Viaro (que a essa altura já servia como referência aos novos) –, aglutinou à sua volta toda uma geração de artistas. FRANCO, Violeta. Depoimento datil., Curitiba, 14/05/1984 – Setor de Pesquisa do MACPR. 11 Vários artistas paranaenses estiveram presentes nas Bienais de São Paulo desde sua primeira edição, em 1951. Entretanto, talvez graças a uma certa influência dos Clubes de Gravura, esses artistas não retiveram a abstração geométrica como um caminho relevante a seguir. O Clube de Gravura de Porto Alegre, criado em fins de 1950, por iniciativa dos artistas plásticos Carlos Scliar e Vasco Prado, centrou-se inicialmente na politização das artes e na conscientização das massas através da “campanha pela paz” e pela luta por uma “arte nacional”, tendo surgido como meio de viabilizar o lançamento da revista cultural de esquerda Horizonte. Em seus primórdios o Clube se sustentava com a venda de cotas de associação, que davam aos associados o direito de receber uma gravura ao mês, doada pelos artistas. Com o sucesso de vendas da revista, a influência do Clube se estende pelo país, fazendo surgir outros clubes nas principais capitais brasileiras, entre as quais Curitiba, chegando inclusive a Montevidéu e Buenos Aires. Os Clubes mais duradouros (Porto Alegre e Bagé) resistiram até 1956. Para informações mais detalhadas cf. AMARAL, Aracy. Arte para quê? a preocupação social na arte brasileira 1930-1970. São Paulo, Livraria Nobel AS, 1984; PIETA, Marilene Burtet. O grupo de Bagé no Clube de Gravura. Porto Alegre, CEF, 1997. Catálogo de exposição; TRAMONTINI, Marcos Justo. “O Clube de Gravura de Porto Alegre”. Estudos leopoldinenses. São Leopoldo – RS, dez. 1990, v. 26, nº20, pp. 121-124; LEITE, José Roberto Teixeira. A gravura brasileira contemporânea. Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1966. 94 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná como Viaro, Poty e Scliar – ou seja, de uma arte figurativa que não se mostrava como uma ruptura absoluta com os valores tradicionais que ainda informavam o artista do Paraná (mesmo o menos conformado) –, fazia da figuração crítica dos gravuristas gaúchos o próximo passo lógico a ser dado. Em meados dos anos cinqüenta, por exemplo, o artista Loio-Pérsio – um dos fundadores do Centro de Gravuras do Paraná –, graças a uma formação intelectualizada, com passagens pelos meios artísticos, literários e teatrais, e graças às suas publicações no Diário do Paraná, pode ser visto como uma espécie de voz pública das contradições de uma geração espremida entre o internacionalismo das culturas norte-americanas e européias e as diretrizes socialistas da arte mexicana e soviética, conforme a polarização estético-ideológica característica da própria época. Seus posicionamentos na imprensa, de algum modo, estavam imersos em certos problemas que provavelmente então se dispusessem aos artistas paranaenses. Salvo raras exceções, das quais a mais expressiva é o muralismo mexicano, não existe na pintura moderna a identificação com o movimento social revolucionário que se processa no âmago da sociedade moderna e que se exprime pela luta de classes. A pintura, partindo do real, afastouse gradativamente dele, de tal maneira quase chegou ao absurdo de criar-se uma arte essencialmente formal, destituída de idéia ou mensagem. (...) Não é difícil entreverse, na fisionomia artística de nosso tempo, a raiz filosófica idealista, que é a concepção de vida da burguesia, transplantada para o terreno do pensamento12 . Espaços modernistas: “Garaginha”, Centro de Gravura e Galeria Cocaco Isolados em pequenos grupos e com pouco apoio oficial, os artistas mais abertos às tendências modernistas precisaram engendrar seus próprios espaços sociais de 12 LOIO-PÉRSIO. “Genealogia da pintura moderna”, Diário do Paraná, Curitiba, 09/10/1955. Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 95 Artur Freitas encontros e discussões. Destacaram-se nesse sentido, ao longo dos anos cinqüenta, o ateliê da artista Violeta Franco – a “Garaginha” –, o Centro de Gravura do Paraná e, sobretudo, a galeria Cocaco. O primeiro, nos dizeres de Fernando Velloso era o ateliê de Violetinha [Violeta Franco], mas que passou a ser o ponto de encontro de intelectuais, de artistas, de pessoas que passavam por aqui como Mário Cravo. (...) Sérgio Milliet também esteve e uma série de outras pessoas que traziam luzes à escuridão, porque volta e meia vinham e conversavam, e mostravam o que faziam. (...) Alguns amigos também (...) passaram a freqüentar aquele local onde a gente tinha um coquetelzinho e todo um charme, porque o chão e as paredes eram forrados de esteira – que era uma coisa absolutamente escandalosa para a época – e a gente ficava descalço e sentado no chão em almofadas; tudo isso era um clima muito agradável, muito interessante e diferente de Curitiba13 . Já o Centro de Gravura – criado em 1951, e que atuaria por cerca de vinte anos sob a direção de Nilo Previdi – consistia numa instituição artística de utilidade pública e sediada autonomamente nos “porões” da EMBAP14 . A origem do Centro está vinculada à atuação e à influência de Carlos Scliar no Paraná, desde fins dos anos 40, tendo resultado na formação de um Clube de Gravura do Paraná, cuja existência relativamente breve deu início ao Centro. Segundo Violeta, O club propriamente dito durou um ano. Ficou seis meses sob a minha direção. Após essa data a oficina de gravura que tinha ligações com o club de Porto Alegre, liderado por Carlos Scliar, teve uma atuação bastante importante, ativa, 13 FRANCO, Violeta. Depoimento datil., Curitiba, 14/05/1984 – Setor de Pesquisa do MAC-PR. 14 O Centro de Gravura do Paraná é criado por Nilo Previdi, Loio-Pérsio, Violeta Franco, Alcy Xavier, Blasi Jr, Gastão de Alencar, Jiomar José Turim, Osmann Caldas e Emma Koch, cujos estatutos são publicados no Diário Oficial do Estado. ESTATUTOS. Diário Oficial do Estado, 11/04/ 1951. Reconhecida como sendo de utilidade pública, a entidade recebe apoio do Governo para a compra de equipamentos. 96 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná com premiações, posições e participações coletivas, até internacionais. Depois disso se transformou em Centro de Gravura e foi conduzida por Nilo Previdi durante 20 anos. Sua participação e conduta (as de Nilo) foram muito criticadas por levar para o local, não só desenhistas, mas forasteiros que apareciam na cidade, e eram recebidos com o carinho que só ele sabia dar. Os boêmios do fim da tarde discutiam, reformulavam o mundo e bebiam muito; a par disso ele conduziu, ele ensinou a todos que procuravam por ele. Não havia jovem desajustado que quisesse trabalhar que ele não desse um taco de madeira para fazer uma xilo, ou um pedaço de metal, e ali dentro dessa aparente desorganização, ele dava todo o seu conhecimento, de experiência, sem pedir nada em troca15 . Fig. 2 Nilo Previdi. Sem título. s.d. Xilogravura. 15 FRANCO, Violeta. Depoimento datil. s.d. – Setor de Pesquisa do MAC-PR. Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 97 Artur Freitas Pintor, gravador, escultor e muralista, Nilo Previdi, comunista descendente de italianos, talvez lhes tenha herdado o gosto pela luta social. Autodidata, foi discípulo livre de Guido Viaro e Poty – os joaquins das artes gráficas – e deixouse influenciar tanto pela temática social quanto pela dedicação à gravura, a princípio feita em metal e posteriormente em madeira (xilogravura), por considerá-la “mais barata, mais popular, mais da terra”. Artista algumas vezes premiado, breve colaborador da revista Joaquim, participou já em 1951 da I Bienal Internacional de São Paulo e desde essa época, durante o tempo em que esteve à frente do Centro de Gravura, algumas vezes modificou-lhe a função ao estabelecer ali, e a contragosto da direção da EMBAP-PR, um centro social de ajuda a mendigos e desocupados. Por certo, não há como menosprezar as iniciativas desse artista: sua poética, afetada pelos compromissos dos militantes do Partido Comunista, transbordava, em comunhão com sua dimensão humana, em um engajamento efetivo, em uma preocupação social que transcendia – justamente ao comportá-la – a sua condição de artista (Fig. 2). Eu sempre me preocupei com os esquecidos, principalmente os esquecidos da sociedade. Por isso comecei a recolher artistas e marginais que dormiam na Praça Osório no Centro de Gravura. Eu pergunto: por que a sociedade gera marginais? Por que não se evita tal marginalização criando núcleos profissionais em cada bairro, não só com artesanato mas com oficinas de carpintaria, etc! Foi isso que tentei fazer: levar mendigos para o Centro de Gravura, tentar ensinar-lhes uma profissão. Mas não me compreenderam. Eu era subversivo16 . Uma boa parcela de artistas paranaenses passou pelo ateliê do Centro de Gravura. As obras de vários artistas – caracterizadas em alguns casos pela desfiguração proposital, pelo exagero das proporções nas representações e por certa gestualidade – absorveram, mesmo que de forma 16 PREVIDI, Nilo. Depoimento datil. s.d – Setor de Pesquisa do MACPR. 98 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná enviesada, além do impacto político do realismo socialista, uma certa influência expressionista, poética esta que afetava, desde os anos quarenta, toda uma geração de artistas, especialmente àqueles que, como os “joaquins” ou ulteriores, viam-na como veículo ideal à nutrição de temáticas “sociais”17 . Todavia, cabe aqui lembrar, como ressalva histórica a uma pretensa “homogeneidade” cultural e ideológica desses artistas paranaenses menos tradicionais, que Nilo Previdi afastava-se, pela sua origem proletária, dos outros artistas e intelectuais daquele grupo. Trabalhando como funcionário público mal remunerado, ganhando “extras” com pintura de automóveis (já que além de praticamente não vender suas obras também não recebia pela atuação no Centro de Gravura), Previdi, em detrimento de sua influência no meio artístico local, distanciava-se, graças à sua condição de classe e à sua formação pouco intelectualizada, dos artistas mais próximos como Violeta Franco, Loio-Pérsio, Fernando Velloso e Ennio Marques Ferreira, todos filhos de famílias influentes do Estado18 . 17 Curioso que, por intermédio de Poty e Guido Viaro e por influência de Di, Portinari e mesmo do muralismo mexicano, uma geração inteira se tenha influenciado pelo expressionismo, o que é significativo se lembrarmos que por um quase vício de interpretação afirmamos que o expressionismo possuiu, historicamente, uma espécie de dupla tarefa na história cultural do século XX: a destruição das idéias tradicionais do naturalismo (mormente em suas diversas manifestações acadêmicas) e a porosidade às idéias políticas, à crítica social e ao engajamento. No caso brasileiro, o expressionismo, com sua postura estética de deformação da figuração tradicional, tornou-se a poética mais recorrentemente utilizada por nossos modernistas, tanto pelo que possibilitava de agressão aos “acadêmicos”, quanto pelo que possuía de identificação com tendências internacionalistas, bem como pelo que permitia tratar de um modo menos inocente da dimensão trágica da existência humana. Cf. AMARAL, Aracy. Op. cit. p. 132 e DUBE, Wolf-Dieter. O expressionismo. Lisboa, Verbo, 1974. 18 O pai de Fernando Velloso foi o primeiro Secretário de Educação e Cultura do Estado do Paraná, durante o primeiro governo de Lupion; o pai de Ennio foi Secretário da Agricultura e chegou a ser Interventor do Estado; Loio e Violeta, que posteriormente se casaram, vinham de famílias abastadas e intelectualizadas. Previdi, entretanto, segundo depoimento de Loio, “era ignorante, era um mecânico, um operário”, apesar de ser “uma ótima pessoa (...) que chegou a pintar alguns quadros muito Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 99 Artur Freitas De todos esses pequenos lugares onde circulavam algumas idéias artísticas menos tradicionais no Paraná, provavelmente o mais relevante tenha sido a galeria Cocaco. Disposta inicialmente como uma modesta fábrica de molduras, a loja torna-se galeria de arte em 1957, sob a propriedade de Ennio Marques Ferreira, e é exatamente à sua volta que se cria um autêntico ponto de encontros onde discutese e vê-se arte, sobretudo aquela arte que à época, e dentro das possibilidades do momento, soava como “moderna”. Conforme a historiadora e crítica Adalice Araújo O nome [da galeria] foi inspirado na palavra Cocaco gravada no cabo de uma ferramenta de fabricação alemã. Além de um acervo de cerâmica popular, objetos decorativos e confecção de molduras, a “Cocaco” pode assim ser considerada a primeira galeria particular de Curitiba a trabalhar profissionalmente com arte moderna. Foi inaugurada a 7/11/57 com a exposição de Loio-Pérsio, pintor que influenciou grandemente uma parcela de artistas da capital. Além [de Ennio Marques e Loio], o grupo da Cocaco passa a ser constituído, entre outros, por: Alcy Xavier, Garfunkel, Fernando Velloso, Paulo Gneco, Werner Jehring; intelectuais: Athos Velloso, Eduardo Rocha Virmond, Fernando Pessoa; jornalistas como Benjamin Steiner do Diário do Paraná, [que] possibilitam ao grupo uma grande cobertura jornalística. Seus principais objetivos são: tornar a Cocaco numa galeria de grande expressão / e reformar o Salão Paranaense19 . Dessa profusão de nomes, em geral atrelados a interesses – digamos – “antiacadêmicos” (daí o objetivo de “reformar o Salão Paranaense”), surgia uma certa frente de combate formada àquela altura por artistas e intelectuais dispostos a divulgar e defender publicamente seu próprio ideário “moderno”, mesmo que para tanto fosse preciso assumir os riscos de um conflito aberto com determinadas mentalidades e práticas rançosas que ainda dominavam o meio artístico local. Não demora muito e o embate, enfim, acontece: em dezembro de 1957, durante o maior evento melhores que os da gente”. LOIO-PÉRSIO. Depoimento a Geraldo Leão, digit., Curitiba, 30/01/2001. 19 ARAÚJO, Adalice. Op. cit, p. 223. 100 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná artístico do estado – o Salão Paranaense –, alguns jovens artistas, inconformados com certas premiações, arrancam suas próprias obras das paredes da mostra e montam, com o apoio do diretor da Biblioteca Pública Ubaldo Puppi, uma exposição paralela que ganhou a história sob a denominação de “Salão dos pré-julgados”. Com boa repercussão na imprensa, o incidente se torna referência para compreender o quanto determinados problemas da cultura artística paranaense estavam distantes do leque de problemas culturais de Rio ou São Paulo. Causou a mais acesa das polêmicas a decisão do júri do XIV Salão Paranaense de Belas Artes, integrado pelo prof. da Escola Nacional de Belas Artes, do Rio, sr. Gerson Pompeu Pinheiro; Tasso Correa, pianista e diretor do Instituto de Belas Artes de Porto Alegre; e Waldemar Curt Freÿesleben, pintor local, premiando obras que em sua maioria mereceram vivo repúdio dos artistas paranaenses e colocando os artistas de tendência moderna e novos numa sala contígua ao grande salão, onde sequer existem condições de visibilidade. No dia da instalação, 19, os pintores revoltados tiveram expressões de contrariedade, não reconhecendo nos julgadores categoria ou condição de artistas para a premiação e seleção de obras; em declarações às rádios Colombo e Ouro Verde, manifestaram seu veemente protesto contra o que consideram um embulho e um conchavo. (...) Paul Garfunkel, tão exasperado ficou que rasgou a menção honrosa que lhe fora conferida, e isso em pleno salão, minutos após a abertura da mostra. Ontem os ânimos esquentaram demais, a ponto de se dirigirem diversos artistas para o salão, às 18 horas, para retirar seus quadros. Como encontrassem resistência, lançaram-se a arrancar os quadros dos painéis. (...) Resolveram os pintores, em que se contam Paul Garfunkel (menção honrosa), Alcy Xavier, Fernando Velloso, Loio-Pérsio, Ennio Marques Ferreira, Nilo Previdi, Thomaz Wartelsteiner (menção honrosa) e outros, expor suas obras no saguão da Biblioteca, para o que contaram com o apoio do diretor desse estabelecimento, Ubaldo Puppi, com o seguinte dístico: “Pré-julgados do Salão Paranaense de Belas-Artes”20 . 20 “PINTORES exaltados arrancaram seus quadros (à força) do Salão”. Diário do Paraná, Curitiba, 21/12/1957. Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 101 Artur Freitas A resposta mais contundente vem de Loio-Pérsio, em seu conhecido texto “O XIV Salão Paranaense de Belas Artes ou a burrice oficializada”, publicado no jornal O Estado do Paraná e tido como uma espécie de manifesto em prol dos afãs modernos da arte paranaense, uma forma emblemática de resposta ao predomínio oficial do conservadorismo. Segundo esse artista, o Salão de 57 que foi “assaltado por uma quadrilha de velhos imbecis, que fizeram da pintura um remédio para as suas enxaquecas e um artifício a mais para obter dinheiro fácil, não representa em absoluto a arte paranaense”, uma vez que esses “fósseis”, mesmo “depois da bomba atômica e do satélite artificial, continuam perpetrando uma pinturinha que já era ruim e desonesta no século passado”. “Como explicar” – continua Loio – “na constituição do júri deste Salão, a presença unânime das honorabilidades rançosas? Por que os dois membros da Comissão Julgadora (...) são ambos acadêmicos, bonzos reconhecidos, avessos à arte moderna? (...) Seria preciso desentocar da sua obscuridade medíocre esses dois espécimes arqueológicos?”. Referindo-se à escolha de Freÿesleben e Gerson Pinheiro, Loio-Pérsio afirma que a formação de uma Comissão Julgadora em sua totalidade contrária “à arte moderna” constituiria “um cerceamento de direito aos concorrentes modernistas, uma coação à liberdade de concorrência”21 . O ataque, no entanto, não passaria impune, e já no dia seguinte teria resposta nas palavras publicadas anonimamente no jornal Diário da Tarde22 : estava armada a querela. Três pintores laureados constituíram a Comissão Julgadora do Salão: um do Rio de Janeiro, outro de Porto Alegre e um terceiro do Paraná, todos eles, no entender dos nossos modernistas de província, desonestos, cretinos e parciais na atuação que tiveram, selecionando telas medíocres e concedendo premiações tão somente aos filiados do 21 LOIO-PÉRSIO. “O XIV Salão Paranaense de Belas Artes ou a burrice oficializada”. Estado do Paraná, Curitiba, 22/12/57. 22 “ARTISTAS de fancaria”, Diário da Tarde , Curitiba, 23/12/1957. 102 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná academicismo plástico. Pois bem, foi assim julgando os julgadores da mostra que, de início, se manifestaram os “enfant gatés”, os meninos estragados pelos mimos do louvor gracioso e fácil, os meninos prodigiosos aos quais nossa boa e generosa imprensa tem cumulado de lisonjas, mais visando o estímulo e a emulação que propriamente o enaltecimento do valor intrínseco à arte23 . A proximidade com a década de 60 no meio artístico paranaense, portanto, estava marcada por discussões artísticas bastante precárias, ainda calcadas em dicotomias obtusas, sobretudo se insistirmos em compará-las linear e ingenuamente com cenários históricos concomitantes como os que permitiram formulações mais refinadas e penetrantes da condição de um “Plano piloto para a poesia concreta”, de 195824 ou de uma “Teoria do não-objeto”, de 195925 . Dessa forma, quando dobramos a década na história da arte paranaense ainda a encontramos chamuscada pelas labaredas de um duelo arquetípico tão conhecido quanto necessário, entre “antigos” e “modernos”. Inícios abstratos: para ser mais moderno que o moderno Curiosamente, logo no começo do novo decênio uma outra força estético-ideológica desponta em solos paranaenses, a não-figuração, força esta que iria, em linhas gerais, despertar descontentamentos tanto num lado quanto no outro daquela tão recente contenda. A abstração – na sua acepção simplificada onde surge como a forma de arte “que não representa objetos reconhecíveis”26 – tem suas primeiras aparições no Paraná a partir tanto da obra de Werner Jehring, em 195627 , quanto do próprio Loio-Pérsio que, sob a 23 apud LEÃO, Geraldo. Op. cit, p. 66. CAMPOS, Augusto; CAMPOS, Haroldo; PIGNATARI, Décio. “Plano piloto para a poesia concreta.” Noigandres, nº 04, 1958, São Paulo, edição dos autores. 25 In: GULLAR, 1999. 26 CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de arte. 2º ed. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p. 03. 27 LEÃO, Geraldo. Op. cit, p. 109-110. 24 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 103 Artur Freitas influência do informalismo do artista espanhol Antoni Tàpies e revendo seus posicionamentos estético-ideológicos recentes, apresenta seus primeiros estudos abstratos já em 1957 (Fig. 3), em exposição na galeria Cocaco28 . Entretanto, seria somente nos primeiros anos da década de 60 que o ambiente cultural paranaense assistiria ao despontar, inclusive oficial, dessa poética. Fig. 3 Loio-Pérsio. Sem título. 1957. Tinta metálica. Com o arrefecimento do realismo socialista causado pelas denúncias dos crimes de Stálin bem como com o recrudescimento da ofensiva político-cultural norte-americana pelo mundo ocidental (entre outros fatores), as poéticas abstratas, sobretudo as não-geométricas, difundiam-se como nunca. A partir da divulgação das Bienais de São Paulo de 28 BAPTISTA, Regina Vianna. A arte de Loio-Pérsio. Curitiba, Museu de Arte do Paraná / Cronos, 1999. p. 23. 104 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná 1957 e 1959, consagram-se pelo Brasil as poéticas ligadas ao informalismo e ao tachismo europeus e ao expressionismo abstrato norte-americano, todas correntes em geral não-figurativas 29 . A arte “informal” (como se convencionou de maneira simplificada denominar toda essa soma de filiações abstratas) influencia toda uma geração de artistas, críticos e agentes culturais em todos os cantos do país30 . No Paraná, tal situação tornou-se paradigmática. A introdução e a aceitação oficial dessa forma de arte foi 29 Houve um momento em que a influência do abstracionismo era tanta que mesmo artistas eminentemente figurativos como Portinari, Panceti, Scliar, Viaro e Previdi detiveram-se nalgumas experimentações nãofigurativas, mesmo que passageiras ou pouco aprofundadas. 30 Uma rápida elucidação: informalismo é apenas um termo usual na linguagem canônica da história da arte moderna, e de forma alguma um conceito amplo que signifique algo como “oposto à forma ou ao formalismo”. Ao contrário, às manifestações artísticas tidas como “informalistas”, justamente pela sua valorização do jogo de formas expressivas em detrimento de valores temáticos, muitas vezes coube, curiosamente, a ofensa de “formalistas”. Segundo Jean-Clarence Lambert, o informalismo seria uma forma de pintura abstrata cuja liberdade de criação seria posta em oposição aos condicionamentos formais apriorísticos da abstração geométrica LAMBERT, Jean-Clarence. Historia general de la pintura abstrata. Madri, Aguilar, 1969. Conforme esse autor, o informalismo englobaria tanto o expressionismo abstrato e a action painting norte-americanos quanto a arte outra (de Michel Tapié) e o tachismo europeus, sobretudo franceses. Em alguns casos, como para Juan Eduardo Cirlot, o informalismo, que seria um fenômeno apenas europeu, estaria comprometido, em primeira instância, com a materialidade das obras de arte e diria respeito a artistas tão distintos como Dubuffet (Arte Bruta), Fautrier, Wols, Mathieu, Degottex, Asger Jorn (CoBrA), Karel Appel (CoBrA), Tàpies e Burri. CIRLOT, Juan Eduardo. El arte outro. Barcelona, Seix Barral, 1957; e CIRLOT, Juan Eduardo. Informalismo. Barcelona, Ômega, 1959. É preciso ainda, entretanto, afirmar rapidamente que a distinção fundamental entre o “informalismo” conforme ele era entendido e praticado na Europa e o “informalismo” norte-americano reside no caráter compositivo do primeiro ser literalmente o oposto do caráter all over do segundo, sendo que neste se substituía a composição de valores pela trama homogênea e uniforme da matéria pictórica disposta sobre o suporte. Vale destacar também, com Geraldo Leão, que “o estilo e as idéias que” suportavam o expressionismo abstrato norte-americano, “não foram assimilados pelos pintores paranaenses e, devemos dizer, por praticamente nenhum outro artista brasileiro do período” LEÃO, Geraldo. Op. cit, p. 106. Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 105 Artur Freitas contundente, e pode ser vista como fruto tanto do inconformismo crescente de um grupo de agentes culturais em boa parte oriundos da Cocaco e “que ganha força e espaço político com a reverberação das suas idéias, através de jornalistas e intelectuais com trânsito no governo do Estado”, quanto da necessidade de suprir a carência, em Curitiba e conseqüentemente no Paraná, de um espaço destinado a “abrigar as manifestações contemporâneas”31 . E, de fato, ao contrário do que havia ocorrido durante o último governo Moysés Lupion (1956-60) – quando a concepção reinante sobre artes plásticas correspondia àquela feita por Andersen e seus discípulos32 –, os responsáveis pela política cultural do governo subseqüente (Ney Braga: 1961-65) se não se demonstraram explicitamente favoráveis à abstração, ao menos concederam efetivo poder político a certos agentes adeptos, àquela altura, da não-figuração33 . Entretanto, é preciso desde já problematizar certas relações de causa e efeito entre produção artística e poder político. 31 LEÃO, Geraldo. Op. cit, p. 75. Ibidem. 33 Conforme Geraldo Leão, o próprio Ney Braga teria dito “eu também faria isto!”, diante de uma obra não-figurativa de Jorge Carlos Sade premiada e exposta no Salão Paranaense de 1962. LEÃO, Geraldo. Op. cit, p. 74. Desse modo convém esclarecer que, se de um lado, não é possível estabelecer relações mecânicas entre modernidade e modernismo, de outro convém destacar que a própria idéia de “modernização” estava, a essa altura, realmente na ordem do dia, uma vez que por essa época procurava-se repetir localmente o processo desenvolvimentista que ocorria num plano nacional mediante a industrialização interna via substituição de importações. O Paraná, até então centrado numa economia predominantemente agrícola (monocultura cafeeira), precisava importar os produtos manufaturados de Estados industrializados como São Paulo. E é durante esse primeiro período Ney Braga que o governo estadual põe em prática um projeto de industrialização do Paraná, principalmente através da CODEPAR. Cf. AUGUSTO, Maria Helena Olívia. Intervencionismo estatal e ideologia desenvolvimentista: estudo sobre a CODEPAR. São Paulo, Símbolo, 1978. Luiz Carlos Ribeiro, na mesma linha, afirma que a conjuntura de fins dos anos cinqüenta e início dos 60, marcada pelo aumento na difusão do capital internacional, “colocou em xeque a inépcia do governo estadual” impondo-lhe “uma modernização de sua atuação”. RIBEIRO, Luiz Carlos. “O sonho do progresso”. Tradição / contradição. Curitiba, MAC, 1986. Catálogo de exposição. 32 106 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná Em primeiro lugar, o poder concedido pelo governo Ney à abstração no campo das artes plásticas não deve ser compreendido como uma preferência prévia e determinada por certos estilos artísticos, uma vez que a formação de um Departamento de Cultura dirigido por simpatizantes da abstração é uma contingência histórica, e não o efeito de uma eleição estética pré-determinada por parte do governo, e provavelmente sequer da própria Secretaria de Educação. E em segundo lugar é preciso relembrar que a relação de poderes hierárquicos entre o Gabinete do Governador, a Secretaria de Educação do Estado, a direção do Departamento de Cultura e a eleição do júri de seleção do Salão Paranaense, bem como sua relação com o resultado propriamente dito do certame e sua divulgação e repercussão informal ou mediática, tudo isso junto, não deve ser interpretado numa linha direta e logicamente dedutível, como se qualquer um desses níveis de relações pudesse ter suas ações dissecadas com base na avaliação dos outros níveis imediatos34 . Como dados concretos nós temos apenas uma mudança significativa de nomes e estratégias envolvidos diretamente com o entendimento e a gestão da política cultural do Paraná; política esta que, no âmbito específico das artes plásticas vai propiciar, ao longo dos anos sessenta, a consolidação do moderno na arte. 34 Não seria incoerente, por exemplo, deduzir que o abstracionismo adaptava-se bem às idéias de progresso e de modernidade e a todo o ideário incipiente de industrialização do primeiro governo Ney Braga, pois assim se aventaria que o projeto hegemônico das elites progressistas locais podia sustentar, através do aparente “radicalismo” abstrato, uma face cultural “moderna”, mesmo que dela eventualmente quase nada se retivesse. Igualmente seria possível deduzir que, ao apoiar institucionalmente as correntes não-figurativas, impedia-se de certa forma a entrada no Estado da arte politicamente engajada que a essa altura retornava a vociferar através dos Centros Populares de Cultura (CPC), fruto direto do momento instável e politicamente conturbado dos governos Jânio Quadros e João Goulart. Contudo, embora essas “explicações” tenham certo poder de sedução, seria preciso uma pesquisa específica sobre cada um daqueles níveis de poder para que pudéssemos escapar do reino das hipóteses e da especulação. Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 107 Artur Freitas Política cultural modernista: um processo institucional Vivendo num ambiente cultural em que , praticamente inexistia um mercado de arte que viabilizasse um certo grau de autonomia profissional, restava aos artistas locais, portanto, a busca pela aceitação oficial – aceitação esta que há tempos se dava, sobretudo, através das consagrações do Salão Paranaense. Conforme nos lembra Geraldo Leão, num período em que os artistas paranaenses não dispunham de um público capaz de manter a demanda por diferentes modalidades da produção que garantisse a sobrevivência profissional de diferentes tipos de arte, só podia sobrar a luta pelas atenções do Estado, que era quem poderia conferir a validação que suportaria sua afirmação profissional. Tal validação, desta maneira, iria estabelecer o diferencial da produção dos jovens artistas em relação às gerações dos seus professores35 . O Salão Paranaense – um dos mais importantes e antigos do país e certamente a principal vitrine artística do Estado – estava claramente propenso a aglutinar e de certa maneira formalizar publicamente os diversos debates estético-ideológicos locais que por vezes se encontravam dispersos e pouco delineados. Dessa forma, como já foi dito, quando o predomínio “acadêmico” no Salão – que persistiu por cerca de quinze anos graças à sucessão praticamente ininterrupta de júris artisticamente conservadores – é ameaçado, as reações de parte a parte só podiam se mostrar violentas, uma vez que se estava jogando não somente com a aceitação oficial de uma certa tendência poética, mas sobretudo com a própria sobrevivência simbólica e material dos artistas. E da mesma forma, pouquíssimo tempo depois, quando as obras abstracionistas tornam-se predominantes e conquistam os principais prêmios do certame (1961, 1962 e 1963), a reação dos artistas contrários à não-figuração (fos35 LEÃO, Geraldo. Op. cit, p. 105. 108 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná sem “modernos” ou “acadêmicos”) é, em diversas ocasiões, igualmente violenta, e consegue o respaldo tanto dos pintores mais tradicionais quanto daqueles artistas e intelectuais que, ao defenderem um certo ideário político de esquerda, repudiavam a abstração como uma forma de alienação e escapismo. Fig. 4 Fernando Velloso. Composição em castanho. 1962. Óleo sobre tela. 80 x 40 cm. Acervo UFPR. Ocorre que a transição entre predomínios poéticos numa instituição do porte de um Salão Paranaense não se passa “naturalmente”, como se uma determinada visão artística suplantasse ou substituísse de modo espontâneo uma outra considerada “ultrapassada”: mudanças como essa, que pela reprodução de valores, hábitos e sensibilidades acabam Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 109 Artur Freitas por alterar a cultura artística de um certo meio, dependem tanto de novas disposições perceptivas e estéticas quanto de novas conjunturas político-econômicas. Assim sendo, a compreensão de um factual predomínio estético-ideológico num evento como o Salão Paranaense não deve desconsiderar que o júri de seleção e premiação – que é realmente quem tem o poder direto de consagração e veto – via de regra era composto por nomes que refletiam os interesses mais diversos do Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura do Governo do Estado, uma vez que cabia a esse departamento a organização dos Salões, incluindo a escolha dos júris. Então vejamos. Logo no primeiro ano da década, atuante no meio artístico paranaense desde meados dos anos cinqüenta, o proprietário da galeria Cocaco e pintor Ennio Marques Ferreira – filho de João Cândido Ferreira Filho, ex-Secretário da Agricultura e ex-Interventor do Paraná –, é indicado ao então Secretário da Educação do governo Ney Braga, Mário Braga Ramos, para assumir a diretoria do Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura (DC da SEC)36 . De 1961 a 1969, atravessando os governos de Ney Braga e Paulo Pimentel portanto, Ennio executaria efetivamente o projeto de institucionalização da arte moderna no Paraná, inicialmente com notável incentivo às manifestações abstracionistas, mormente o tal informalismo. Para tanto contaria com o apoio de nomes como o do crítico Eduardo Virmond e o do artista (abstracionista) e amigo Fernando Velloso, que de 1961 a 1969 ocuparia a chefia da Divisão de Planejamento e Promoções Culturais (DPPC), do Departamento de Cultura. 36 Segundo a memória do próprio Ennio, sua indicação ao cargo foi feita por Fernando Pessoa Ferreira, jornalista e diretor do Teatro Guairá. “GRAVANDO: Ennio Marques Ferreira”. Estado do Paraná, Curitiba, 02/ 09/1984. Já conforme o primo de Ennio, o crítico de arte e então diretor do Museu de Arte do Paraná, Eduardo Rocha Virmond, a indicação de Ennio teria sido levada a cabo por algumas pessoas, entre as quais (e, sobretudo) o próprio Virmond. LEÃO, Geraldo. Op. cit, 79. 110 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná Fig. 5 Luiz C. A. Lima. Composição III. 1963. Gravura em metal. 21 x 17 cm. Acervo MAC-PR. Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 111 Artur Freitas Desde o início da gestão de Ennio Marques ficou bastante claro que o principal objetivo do Departamento de Cultura, com respeito à organização dos Salões Paranaenses, era o de possibilitar que o evento se constituísse no “reflexo da atual produção artística do país”37 , sendo que para tanto foram convidados toda uma série de renomados artistas, críticos e historiadores da arte do Brasil (todos ligados às diversas manifestações da arte moderna) para comporem o corpo de júri de cada Salão, entre os quais destacam-se os nomes dos teóricos Mário Pedrosa, Frederico Morais, Walter Zanini, José Roberto Teixeira Leite, Lourival Gomes Machado, Mário Barata, Geraldo Ferraz, Clarival do Prado Valladares e dos artistas Arcângelo Ianelli e Ivan Serpa38 . Destarte, uma vez que, por um conjunto complexo de condições históricas, em inícios dos anos sessenta toda uma infinidade de manifestações não-figurativas conquista elevados índices de consagração (simbólica, econômica e institucional) nos grandes circuitos da arte contemporânea nacional e internacional, não seria de todo absurdo esperar, através da atuação de júris envolvidos com algumas das mais recentes discussões artísticas inclusive mundiais, que os Salões Paranaenses desses tempos de fato “refletissem” certos traços “mais recentes” das artes plásticas como, por exemplo, a tendência à abstração “informal”39 . 37 Ennio em “SALÃO do Paraná na berlinda”. Diário do Paraná, Curitiba, 16/12/1962. 38 JUSTINO, Maria José. Op. cit, p. 262-270. 39 Se não é hegemônico, o fenômeno ao menos é internacional. 1961 é o ano de publicação de Pintura Modernista, âncora do esteticismo, escrito pelo crítico norte-americano Clement Greenberg. Na Europa, em 1957 e 1959 respectivamente, Eduardo CIRLOT escreve El arte otro e informalismo, verdadeiros manifestos da abstração. A teoria da Obra aberta, escrita pelo semioticista italiano Umberto Eco (1962) e que nas artes plásticas representava-se justamente pelo informalismo, torna-se coqueluche, inclusive no Brasil, com visitas freqüentes do pensador italiano ao país, ciceronianas pelos irmãos Campos. O estruturalismo nas ciências humanas, com Levi-Strauss e Roland Barthes, está no seu apogeu. No mercado internacional de arte as pinturas de Jackson Pollock – o principal representante do expressionismo abstrato – tornam-se investimentos reais: em 1950, um “Pollock” vendia-se nas galerias novaiorquinas pelo valor de US$2.350,00; em 1957 sob um aumento de 112 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná A querela abstracionista e a consolidação do moderno A não-figuração, que já é predominante no Salão de 1961, consagra-se em definitivo nos Salões seguintes, em 1962 e 1963, com artistas como João Osório Brzezinski, Antonio Arney, Fernando Calderari, Helena Wong, Fernando Velloso (Fig. 4), Jorge Sade, Waldemar Roza, Ianelli, Tomie Ohtake e Tikashi Fukushima, gerando reações agressivas de alguns artistas “figurativos” locais como Paul Garfunkel, Miguel Bakun, Jair Mendes, Nilo Previdi, René Bittencourt, Luiz Carlos de Andrade Lima (Fig. 5) e Leonor Botteri. O avanço abstrato era tão evidente no Estado que já em 1961 Garfunkel, usando uma expressão de Botteri, acusa o júri do Salão Paranaense de favorecimento aos “imperativos da ditadura abstracionista”40 . O próprio Garfunkel, aliás, afirmaria mais tarde que o Salão Paranaense foi marcado em sua história por dois grupos acadêmicos: o primeiro, dos anos cinqüenta, “e outro mais jovem, que fazia boa pintura e depois virou moderno, [e que] começou a imitar tudo o que se fazia lá fora – cubismo, abstracionismo”41 . Difundem-se no Paraná, assim, as contendas estéticas e políticas entre figurativos e quase 1.300% vendia-se na faixa dos US$30.000,00 chegando, por fim, no ano de 1961, ao exorbitante valor de US$100.000,00 (até 1955, um “Matisse” não passava de 75 mil dólares; obras de Kandinsky, Klee e Léger, de oito a dez mil dólares). FRASCINA, Francis. A política da representação. In: WOOD, Paul et alii. Modernismo em disputa. São Paulo, Cosac & Naif, 1998. p. 128. O próprio Loio-Pérsio, a essa altura atuando no eixo Rio / São Paulo, já conquistava considerável destaque nos grandes centros, destaque esse que bem pode aqui nos servir como espécie de indicador do alto grau de consagração institucional e de dotação orçamentária da voga abstrata. Em 1959 e 1961, Loio participa das Bienais de São Paulo, em 1960 expõe individualmente no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ) para logo em seguida ser escolhido para participar de três dos maiores eventos artísticos mundiais: a Bienal Internacional de Veneza, a Bienal Internacional de Paris e a mostra coletiva de arte contemporânea a ser realizada num dos maiores e mais poderosos museus do planeta, o Guggenheim, de Nova York. BAPTISTA, Regina. Op. cit. 40 GARFUNKEL, Paul. “Piedade para os jovens pintores”. Estado do Paraná, Curitiba, 07/12/1961. 41 JUSTINO, Maria José. Op. cit, p. 17. Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 113 Artur Freitas abstratos. As agressões, de parte a parte, se tornam públicas e recíprocas. O então diretor do Museu de Arte do Paraná e conhecido intelectual paranaense da época, Eduardo Rocha Virmond, comenta a agressão que o ainda diretor do Centro de Gravura do Paraná, Nilo Previdi, promoveu na abertura da exposição das obras de Franz Krajcberg, artista de porte internacional e à época tido como representante da arte informal: Não era tudo abstrato, era abstratizante, e o pessoal, a turma do Previdi foi à exposição dele e virou os quadros de cabeça para baixo. E eu denuncie isso como sendo um movimento reacionário, cafajeste, compreende? Que desprestigiava um avanço na pintura, e defendi Krajcberg. Quem ficou do meu lado, entre os pintores, foram pouquíssimos. (...) Acho que eles eram indignos de representarem qualquer coisa em relação à arte, por estarem fazendo justamente o que fizeram na França quando começaram a ver os impressionistas, em 1890. (...) Eles jogavam fora, cuspiam, faziam o diabo. E aqui eles fizeram a mesma coisa, se apresentando como arte moderna. Ele (Nilo Previdi), o (Luiz Carlos de Andrade) Lima, o René (Bittencourt), foram lá para destruir a exposição, fizeram protesto e tudo. E eu fui defensor do Krajcberg e até hoje ele menciona isso42 . Adesão cega ao modismo estrangeiro, imposição de uma política cultural tendenciosa, elitismo provincianamente esnobe e uma funesta alienação política eram as acusações mais freqüentes que se lançavam sobre os “abstratos”. Num teor bastante próximo do Manifesto do CPC (escrito por Carlos Estevão Martins), o escritor Walmor Marcelino trovejava seu marxismo ortodoxo pelos jornais da época. Vale a pena a longa citação. O Salão Paranaense de Belas Artes deste ano representa o coroamento das atividades de um grupo de críticos e intelectuais que, através de suas vinculações com artistas e intelectuais de São Paulo e Guanabara, resolveram dividir, 42 em VIRMOND, Eduardo. Depoimento a Geraldo Leão, digit. 10/05/ 2001, que me foi gentilmente cedida. 114 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná entre amigos, os prêmios instituídos pelo Governo do Paraná para aquela mostra. Reflete, como já dissemos ontem, a tragédia cultural que sofre o Estado do Paraná. (...) Então, em determinado momento de nossa evolução social, os borradores e seus amigos, podemos situar nos anos de 1960-1961, apossam-se do comando cultural deste Estado, pondo e dispondo uma política cultural ao seu belprazer. Corre boca-a-boca o slogan oficial: “Quem não for abstrato não recebe prêmio e, o que é pior, nem entra no Salão de Belas-Artes”. (...) Vários artistas de valor vêm sendo sacrificados por esta política de rendas e alfaias, transformando ainda mais as artes plásticas em deleite de uma minoria pedante e de privilégio cultural daqueles que têm na arte motivo de “rendez-vous” cultural, a que não pode faltar o bom uísque escocês. (...) Para defenderem as suas posições, os intelectuais autores das deformações culturais recorrem às bienais de São Paulo, de Veneza e Paris. Esquecem-se de que as alienações dos artistas dos países desenvolvidos, ainda que não reflitam as dificuldades de grande parte das populações, pelo menos brotam de estágios mais avançados da sociedade humana; a presença de países subdesenvolvidos nesses certames se divide em duas partes: os “universais”, que vivem com Pangloss o melhor dos mundos e dedicam abstrações aos seus compradores privilegiados, e os conscientes, que refletem a vida e a alma de seu povo. Para exemplificar, logo depois de algumas requintadas exposições abstratas oficializadas, inaugurou-se em Curitiba a mostra de artistas mexicanos: o povo mostrou suas preferências, apesar da pequena publicidade; o confronto ia do trágico ao ridículo. Sabemos que a arte é um meio de comunicação entre homens. O que podem comunicar os burros, cretinos e alienados? Nada, absolutamente nada! E aí vem o sr. Gotlieb (vencedor da última Bienal de São Paulo) e diz, enfático: “pinto apenas para algumas pessoas que me entendem...” É de se perguntar ao cidadão: e por que não guarda para os seus amigos? E que têm que ver os governos com as suas personalíssimas produções, para oficializá-las? Acontece que vivemos num país em que o analfabetismo é uma tragédia (não uma preguiça ou uma incapacidade, senhores), em que a fome é uma desgraça, em que a mortalidade infantil é um horror; país em que falta pão e leite e frutas, e Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 115 Artur Freitas comida mesmo, na mesa de 70 por cento da população... O artista tem opção perante a vida e a realiza em qualquer parte do mundo; ninguém o impede de seguir seus caminhos, mas não se exija, sequer se admita que um governo transforme as preferências pessoais de qualquer alienado em arte patrocinada oficialmente, a não ser que os objetivos desse governo sejam exatamente fixar privilégios de grupos sociais43 . Pelo ar – ou melhor, pelos jornais – alimentava-se a polêmica. A resposta de Ennio Marques chega em pouquíssimo tempo: Lamento que a maioria dos que escreveram sobre o Salão, com o pretexto de atingir a estrutura oficial, está movendo, talvez deliberadamente, uma insidiosa campanha de desmoralização dos nossos artistas (...). Alguns intelectuais, bitolados por uma radicalização sem nenhum sentido, se aliaram a uns poucos acadêmicos nessa campanha nada construtiva (...). Acusam de inconseqüente a arte por eles chamada de “alienada”, isto é, aquela que foge da linha rígida seguida pelos sectários da esquerda. As artes plásticas deveriam ser “engajadas”, precisariam conter aquilo que subjetivamente seria uma “mensagem”. (...) Continuo a afirmar que o artista pode ter ideologias as mais contraditórias, pois desse aspecto independe o seu 43 MARCELINO, Walmor. “O Salão de Belas Artes”. O Esportivo, Curitiba, 05/12/1963. Surgem aí algumas das premissas básicas da retórica do nacional-popular: a crença no etapismo progressista, o nacionalismo anticolonialista, o antielitismo e o entendimento do povo como entidade materialmente desfavorecida, mas espiritualmente evoluída, justa, trabalhadora. Os nacionalistas-populares, segundo Ridenti, “vinculavam o progresso técnico com a ‘libertação popular’. Esta era, muitas vezes, entendida como superação do imperialismo norte-americano”. RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo, Unesp, 1993. p. 79. De acordo com H. B. de Hollanda, no período que vai de cerca 1960-65 o engajamento cultural aparece imbricado com a militância política, algo perceptível, como exemplos, em Walmor e Previdi. HOLLANDA, Heloísa Buarque. Impressões de viagem. São Paulo, Brasiliense, 1980. p. 15. Sobre Walmor, cf. também HELLER, Milton Ivan. Resistência democrática: a repressão no Paraná. Rio de Janeiro, Paz e Terra; Curitiba: Secretaria da Cultura do Estado do Paraná, 1988. p. 473. 116 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná desenvolvimento técnico e artístico. Seria um absurdo apreciar uma obra de arte, condicionando-a “a priori” ao engajamento ideológico ou até moral de seu criador44 . O predomínio oficial da abstração no Paraná, entretanto, apesar do aparente estímulo da voga não-figurativa nacional e internacional, ganhava nesse Estado uma aparência mais rígida (e, portanto, mais típica) do que em outros ambientes culturais. Graças a uma certa carência de pluralidade na constituição dos canais de consagração do meio artístico local45 , o favorecimento à tendência abstrata no Paraná ostentava contornos hiperbólicos e singulares. Se a voga não-figurativa, muitas vezes mal compreendida, conquistava nos grandes circuitos de arte uma posição de destaque por volta de 1960, isso de forma alguma caracterizava qualquer espécie de hegemonia poética nesses meios. Desse modo, se por volta de 1963, por exemplo, em São Paulo, e sobretudo no Rio de Janeiro, a diversidade estético-ideológica já era uma marca do período (indo dos CPCs ao tachismo, passando tanto pela Otra Figuración, quanto por Oiticica), no Paraná, a crer de um lado no teor dos posicionamentos dos debates divulgados pela imprensa e, de outro, nas premiações dos Salões Paranaenses, essa diversidade parecia comprometida – o que talvez ajudasse a compreender a violência das reações frente às decisões do Salão Paranaense, isso sem contar (o que é fundamental) a provável disseminação local de uma certa mentalidade conservadora. Portanto, a crer nas palavras do próprio Ennio Marques, a interpretação da arte paranaense desses tempos depende menos da consideração do predomínio abstrato do que propriamente da consideração do predomínio de uma mentalidade mais tradicional e avessa a mudanças. Realmente era difícil; as condições eram mais restritas em relação a, principalmente, São Paulo e Rio. O público aqui [em Curitiba] tinha uma certa dificuldade para absorver as 44 FERREIRA, Ennio Marques. Estado do Paraná, Curitiba, 21/12/1963. Uma vez que o Salão Paranaense praticamente detinha o monopólio desta função. 45 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 117 Artur Freitas novas tendências da arte mundial. Ele sempre foi mais voltado para as coisas mais acadêmicas. Foi um trabalho do Estado, da Prefeitura, para acabar com essa má tendência da cultura, para mostrar que existiam outras coisas, outras formas de criação do artista. Eu acho que o curitibano com isso abriu a cabeça, não pelo meu trabalho apenas, mas eu fiz parte de um conjunto de condições que propiciou ao público curitibano conhecer mais coisas46 . O “predomínio abstrato”, assim sendo, não deve ser visto de forma ingênua como resultado de uma imposição vertical e oficiosa, como simples privilégio deliberado a essa ou aquela espécie de produção artística, mas como a conseqüência mais abrangente das estratégias de uma política cultural decidida a expor o meio artístico paranaense ao diálogo com as discussões e produções estético-ideológicas vigentes em outros lugares, sobretudo daqueles àquela altura mais afeitos aos debates da arte moderna, como Rio, São Paulo ou Belo Horizonte. De maneira curiosa, talvez a maior prova dessa estratégia resida justamente no fato de que, uma vez arrefecidas as discussões iniciais norteadas pela aporia “figuração” versus “abstração” – e uma vez solidificado em definitivo o processo de consagração oficial especificamente moderno –, passam então a despontar nos próximos Salões Paranaenses toda uma série diversificada de manifestações artísticas de fato bastante próximas das produções de outros centros artísticos importantes47 . Alguns importantes artistas do resto do país, inclusive, passam pelo aval dos próximos Salões Paranaenses, demonstrando um certo grau de amadureci46 FERREIRA, Ennio Marques. “Depoimento”. In: Memória da Curitiba urbana. Curitiba: IPPUC, 1991. v. 7, p. 160. 47 A pesquisadora Maria José Justino descreve rapidamente alguns sintomas dessa diversidade: “No Salão Paranaense, as linguagens parecem recorrer ao metafórico, ao jogo entre pesquisa puramente formal (Op Art) e formas mais engajadas. Gerchman e Antonio Manuel (um contraponto com a gravura engajada sobre o movimento estudantil de 68) convivem com a linguagem de Hisao Ohara – Espaço I –, que explora os efeitos visuais da Op Art. A escultura primitiva de Lafaete Rocha parece olhar indiferente para os desenhos eruditos de Yukata Toyota”. JUSTINO, Maria José. Op. cit, p. 20. 118 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná mento e mesmo de reconhecimento do evento, uma vez que até bem pouco tempo o espaço do Salão era explorado exclusivamente por artistas locais48 . Esse período inicial de combate, consolidação e prestígio de uma política cultural voltada à arte moderna, portanto – uma vez que acaba por efetivar o projeto de “abertura cultural” das artes plásticas paranaenses –, é resgatado pela memória, inclusive pela memória política do Estado, como sendo uma espécie de época de desbravo. Segundo o próprio Ney Braga, por exemplo: No governo do Estado, notadamente na primeira gestão, dei apoio ao teatro, à música, às artes plásticas. Fico feliz em ver que esse apoio até hoje é lembrado pelos artistas, que afirmam ter havido, naquela época, um processo de valorização cultural de Curitiba e do Paraná. Curitiba se transformou em centro cultural respeitado em todo país49 . Dessa forma, quando chegamos à metade final da década de 60, o Salão Paranaense já se encontra – dentro de suas possibilidades – de certa forma mais permeável às discussões da cultura artística de Rio ou São Paulo. Digo “dentro de suas possibilidades” porque, como se sabe, uma parcela significativa das vanguardas brasileiras lutava a essa altura por libertar a arte da contínua institucionalização cultural causada por entidades como o museu, a Bienal e, inclusive, o salão. Nada que atrapalhasse, entretanto, a hegemonia absoluta do moderno que, embora tardiamente, consolidou-se em definitivo no mais importante evento artístico do Paraná. Resta, é claro, o processo histórico imediatamente posterior a este, onde tanto a questão do moderno quando a 48 O primeiro Salão Paranaense a não contar com maioria de artistas premiados representantes do Paraná foi justamente o primeiro realizado sob a administração de Ennio Marques, o Salão de 1961, onde dos 21 premiados apenas 10 eram “paranaenses”. A partir de 1964, praticamente todos os Salões subseqüentes (à exceção dos de 1970 e 1976) tiveram maioria dos premiados entre artistas “não-paranaenses”. 49 BRAGA, Ney. Op. cit, p. 256. Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 119 Artur Freitas do modelo salão de arte são irremediavelmente revistas; mas essa, enfim, já é uma outra história50 . Referências AMARAL, Aracy. Arte para quê? a preocupação social na arte brasileira 1930-1970. 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E sobre a relação mais ampla entre as vanguardas dos anos 70 e os movimentos contraculturais, está em preparo minha atual pesquisa de doutorado. 120 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná JOAQUIM: edição fac-similar. Curitiba: Imprensa Oficial, s.d. JUSTINO, Maria José. 50 anos de Salão Paranaense. Curitiba, Clichepar Editora, 1995. LAMBERT, Jean-Clarence. Historia general de la pintura abstrata. Madri, Aguilar, 1969. LEÃO, Geraldo. Escolhas abstratas, arte e política no Paraná – 1950-1962. Curitiba, 2002. Dissertação (Mestrado em História) – UFPR (arquivo virtual cedido pelo autor). LEITE, José Roberto Teixeira. A gravura brasileira contemporânea. Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1966. LINHARES, Temístocles. Paraná vivo: um retrato sem retoques. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000. PIETA, Marilene Burtet. “O grupo de Bagé no Clube de Gravura”. Porto Alegre, CEF, 1997. Catálogo de exposição. 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Depoimento a Geraldo Leão, digit. 10/05/2001. 122 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003 A consolidação do moderno na história da arte do Paraná A consolidação do moderno na história da arte do Paraná – anos 50 e 60 Artur Freitas Resumo: Os processos de infiltração, embate e consolidação da cultura moderna no meio artístico paranaense foram lentos e conflituosos. Desde pelo menos fins dos anos 40, com a revista de literatura e arte Joaquim (46-48), o Paraná recebe as primeiras informações mais refletidas sobre arte moderna. Ao longo dos anos 50, com a formação de alguns cenáculos menos conformados à mentalidade acadêmica reinante no Salão Paranaense e na Escola de Música e Belas Artes, surgem as primeiras manifestações artísticas locais abertas a uma certa noção de modernidade, muito mais próxima, no entanto, da poética dos Clubes de Gravura gaúchos do que do ideário concretista que circulava no Rio ou em São Paulo. Contudo, somente a partir do início dos anos 60, com a formação de uma política cultural centrada na “atualização” da arte local, é que um certo viés da cultura moderna (sob forma sobretudo da abstração lírica e informal) passa a dominar nos meios oficiais da arte do Paraná, mormente através do Salão Paranaense. O abstracionismo, assim, que então circulava nas principais instituições artísticas do país, no Paraná ganhará um contorno hegemônico, sugerindo um certo ar progressista a uma política cultural local que se adaptava às idéias de modernidade daquele período de industrialização paranaense e nacional. Palavras-chaves: arte e política; arte no Paraná; abstração; arte moderna; história da arte Abstract: The infiltration, collision and consolidation of the modern culture in the paranaense field artistic were a slow and conflicting process. From end of the forties, the Joaquim’ literature and art magazine (46-48) brings to Paraná the primordial informations about modern art. In the fifties, with initial opposition to academic mentality of Paranaense Saloon and of the School of Music and Fine Arts, one appear the first paranaenses artistic manifestations opened to the modernity. These manifestations were closer of the gaúchos Engraving Clubs that of carioca and paulista concretism. However, just at the beginning of the sixRevista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno2003 123 Artur Freitas ties, with the formation of a cultural politics addressed to “updating” the local art, the abstract modernism begins to dominate the art institutions in Paraná, above all Paranaense Saloon. The abstractionism – that it circulated in largest artistic institutions of country – will be hegemonic in Paraná. Here, the abstract art is resulted by local cultural politics that adapted itself to ideas of modernity of that paranaense and national industrialization period . Keywords: art and politics; art in Paraná; abstraction; modern art; art history Artigo recebido para análise em 26/03/2004 Artigo aprovado para publicação em 27/05/2004 124 Revista de História Regional 8(2): 87-124, Inverno 2003