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NOTAS PARA UMA BIOGRAFIA DE LUÍS AUGUSTO DE PARADA E SILVA LEITÃO (1811-1858) A BIOGRAPHICAL SKETCH OF LUÍS AUGUSTO DE PARADA E SILVA LEITÃO (1811-1858) José Francisco Ferreira Queiroz CEPESE (Universidade do Porto) correio@franciscoqueiroz.com RESUMO Neste trabalho, apresentamos uma primeira tentativa de esboço biográfico de Luís Augusto Parada e Silva Leitão (1811-1858). Litógrafo, desenhador, engenheiro condutor de obras e professor de Desenho, Luís Augusto Parada e Silva Leitão viveu em Lisboa, em Coimbra e no Porto, constituindo um exemplo interessante de mobilidade e de versatilidade, com uma actividade que combinava a arte e a indústria. PALAVRAS-CHAVE Litografia | Século XIX | Portugal | Indústria ABSTRACT This paper is a first biographical sketch of Luís Augusto Parada e Silva Leitão (1811-1858). Lithographer, illustrator, engineer and teacher of Drawing, he lived both in Lisbon, in Coimbra and in Porto, being an interesting example of mobility and capacity of combining artistic and technical skills. KEYWORDS Litography | 19th century | Portugal | Industry n.º 1 2015 ARTES DECORATIVAS DECORATIVE ARTS Pelo lado da encomenda, poucas famílias representam tão bem os consumos artísticos do Porto romântico como a família Pinto Leite (Queiroz, 2004a: 212-213). Basta mencionar o palacete do Campo Pequeno (Queiroz, 2004b), o célebre busto recusado que António Soares dos Reis executou, representando Joaquim Pinto Leite (Santos, 1987), ou o monumental jazigo-capela que este mandou edificar no Cemitério da Lapa (Queiroz, 2011). Na Primavera de 1851, estava já construído o dito jazigo, mas o competente portão de ferro ainda não havia sido concebido. De facto, em 14 de Abril desse preciso ano, Joaquim Pinto Leite pagou 4$800 “a Parada”, por um risco destinado ao tal portão. Este era, certamente, Luís Augusto de Parada e Silva Leitão, filho de José da Silva Leitão e de D. Francisca Rita de Parada e Silva, objecto destas notas biográficas. Figura ainda insuficientemente estudada, Luís Augusto de Parada e Silva Leitão moveu-se profissionalmente 219 entre os campos artístico e técnico, evidenciando bem a marcante ligação romântica entre arte e indústria (Queiroz, 1999) [fig.01]. Luís Augusto de Parada e Silva Leitão nasceu a 12 de Junho de 1811,1 em Elvas, onde o pai servia como capitão, no contexto das invasões francesas. Porém, o seu irmão mais velho, José de Parada e Silva Leitão (uma das maiores figuras da ciência e da técnica, no Porto do Romantismo, tendo sido Lente da Academia Politécnica e Director da Escola Industrial do Porto), nascera em Cernache do Bonjardim – antiga vila onde radicava esta família (Sousa, 1992). No ano lectivo de 1834-1835, Luís Augusto de Parada e Silva Leitão esteve matriculado na Universidade de Coimbra, no 1.º ano de Filosofia e no 1.º ano de Matemática. Vivia ali, na Rua da Sofia, n.º 404, juntamente com o mencionado irmão, José de Parada Fig 01. “Aparelho salubre para a extracção do sebo, uzado na Cidade do Porto”, Luís Augusto de Parada e Silva Leitão, 1853 (Biblioteca e Arquivo Histórico das Obras Públicas, cota: D 43 A BAHOP) 1. Foi apadrinhado, com procuração, pelo Conde de Resende, D. Luís. Cf. Arquivo Distrital de Portalegre, Paróquia de Santa Maria da Alcáçova de Elvas, Baptismos, 1810-1855, fl. 30v. 220 ART IS ON e Silva Leitão, que também estudava as mesmas matérias na Universidade, um ano mais adiantado, tendo sido colega do célebre José Vitorino Damásio, engenheiro, co-fundador da Fundição do Bolhão.2 Porém, num dos assentos desse ano lectivo, Luís Augusto de Parada e Silva Leitão é dado como ausente.3 Em 2 de Maio de 1840, foi admitido no Instituto Dramático de Coimbra.4 Inocêncio Francisco da Silva a ele alude como discípulo da antiga Aula Régia de Desenho de Figura e Arquitectura Civil, “a qual frequentámos juntos nos annos de 1826 a 1828”.5 Acrescenta ainda que terá colaborado em periódicos políticos do Porto e de Coimbra. Num volume de suplemento ao Dicionário Bibliográfico Português, refere-se que um desses periódicos fora o efémero “A oposição nacional”, de 1844.6 Curiosamente, Inocêncio Francisco da Silva atribui-lhe a redacção do pioneiro periódico “Jardim Portuense”, publicado no Porto durante o ano de 1844, com o subtítulo “Ensaio de um jornal popular de cultura, aclimatação, nomenclatura, vulgarização e commercio das plantas, tanto economicas, como de recreio e ornato”. Esta atribuição viria a ser corrigida pelo próprio Inocêncio, por ter concluído que havia desdobrado erroneamente as iniciais L.A.P.S. do redactor do dito periódico, que correspondiam, sim, a Luís António Pereira da Silva. Inocêncio Francisco da Silva menciona Luís Augusto de Parada e Silva Leitão como natural de Lisboa (o que já vimos não ser verdade), e Professor de Desenho no Instituto Industrial de Lisboa.7 Porém, Luís Augusto de Parada e Silva Leitão alternou a sua residência entre Lisboa, Coimbra e Porto, tendo sido sobretudo desenhador e litógrafo. Foi pai do condutor de obras públicas Estevão Eduardo Augusto de Parada da Silva Leitão (nascido em 1844, gerado em sua segunda mulher, D. Maria das Dores Soares de Brito).8 O próprio Luís Augusto de Parada e Silva n.º 1 2015 Leitão terá sido engenheiro civil, e ainda Moço Fidalgo.9 Em Coimbra, foi membro da Loja Maçónica Filadélfia, fundada em 1844.10 Já havia sido membro de outra loja coimbrã, a Loja Segredo, de 1843 (extinta em 1844), da qual abriu o selo e litografou, em cetim branco, os diplomas dos irmãos.11 Luís Augusto de Parada e Silva Leitão esteve envolvido na malograda revolução de Coimbra de 8 de Março de 1844, quando era litógrafo e ali vivia num edifício arrendado pela Misericórdia, ao cimo da antiga Rua de Coruche (actual Rua Visconde da Luz). Neste edifício foi improvisada uma tipografia, para se imprimir o tal periódico “A oposição nacional”, fiel ao Partido Progressista e redigida por irmãos da mencionada Loja Filadélfia. Esta tipografia terá sido fechada por ordem judicial, devido ao teor oposicionista do mencionado periódico. Já noutro edifício da mesma rua, no ano de 1845 viria a ser impresso um folheto clandestino contra Costa Cabral. Intitulou-se “Duas palavras aos governados por occasião de eleiçoens” e contou com gravuras satíricas da autoria de Luís Augusto de Parada e Silva Leitão. Como consequência, este viria a ser pronunciado, e detido na casa onde residia em Coimbra.12 Supomos que Luís Augusto de Parada e Silva Leitão tenha exercido a litografia sobretudo nos primeiros anos após a conclusão dos estudos na Universidade de Coimbra, cidade onde terá então ficado a residir. De facto, juntamente com o seu irmão, José de Parada e Silva Leitão, e respondendo a um repto do colega de curso deste, José Vitorino Damásio, Luís Augusto de Parada e Silva Leitão descobriu pedra própria para litografia no Monte da Assioga, na freguesia de S. Martinho do Bispo, arredores de Coimbra. Depois de ensaios feitos no Porto em 1838, concluiu-se que as pedras extraídas desse monte eram realmente de boa qualidade para litografia, tendo então sido formada a 2. Relação e Indice Alphabetico dos Estudantes Matriculados na Universidade de Coimbra no anno lectivo de 1834 para 1835, suas naturalidades, filiações e moradas. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1834, p. 15-16 e 18-19. 3. Supostamente, em 1841-1842, terá voltado a frequentar o 1.º ano de Matemática, segundo notas de Américo A. M. de Quadros, em http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=72109&fview=e (2015.06.06). 4. “Chronica Litteraria da Nova Academia Dramática”, n.º 11, Coimbra: Imprensa da Universidade, 9 de Maio de 1840, p. 169. 5. Diccionario Bibliographico Portuguez, Tomo 5, J-M, 1860, p. 228. 6. Diccionario Bibliographico Portuguez, Tomo 8 (primeiro tomo do Suplemento), A-B, 1867, p. 93. 7. Diccionario Bibliographico Portuguez, Tomo 5, J-M, 1860, p. 228. 8. A primeira mulher foi D. Teresa de Jesus Maire, com quem casou, em Coimbra, segundo notas de Américo A. M. de Quadros, em http:// www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=72109&fview=e (2015.06.06). 9. http://memoria.ul.pt/index.php/Leitão,_Luís_Augusto_de_Parada_e_Silva (2015.06.06). 10. CARVALHO, Joaquim Martins de. – Apontamentos para a História Contemporânea. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1868, p. 382. 11. CARVALHO, Joaquim Martins de. – Apontamentos para a História Contemporânea, p. 176. 12. CARVALHO, Joaquim Martins de. – Apontamentos para a História Contemporânea, pp. 382-383 e 385. n.º 1 2015 ARTES DECORATIVAS DECORATIVE ARTS Companhia da Exploração das Pedreiras Litográficas em Coimbra, graças à participação de alguns investidores. Luís Augusto de Parada e Silva Leitão foi nomeado director da exploração, sendo-lhe então reconhecidos o seu “zêlo pela glória, e prosperidade nacional”, o seu “saber e inteligência”.13 Já no Porto, Luís Augusto de Parada e Silva Leitão foi autor do risco do monumento efémero erguido na Praça de D. Pedro, aquando da entrada régia de D. Maria II, em 1852 (Alves, 1992: 52) [fig.02]. Portanto, ainda que não fosse propriamente um artista académico, não admira que, um ano antes, tivesse sido chamado por Joaquim Pinto Leite, para conceber o risco do portão do seu jazigo-capela. É certo que, poucas semanas depois, Joaquim Pinto Leite pagou 221 dois outros riscos para o dito portão, agora ao engenheiro Manuel José do Couto Guimarães, figura fundamental da Arquitectura do Porto de meados do século XIX e que contamos biografar futuramente. Em 1853, Luís Augusto de Parada e Silva Leitão levanta a “Projecção orisontal das secçõens do rio Douro desde a ponte pensil até á Fóz; Projeção vertical, desde a Cantareira até Felgueiras; Costa Norte da Fóz, até Carreiros com perfil e secçõens”, existente na Biblioteca e Arquivo Histórico das Obras Públicas. Neste período de residência no Porto, Luís Augusto de Parada e Silva Leitão mantém actividade como desenhador de arquitectura (Graça, 2005). Apesar disso, em 31 de Março de 1853, quando coadjuva nos testes feitos à resistência da ponte pênsil, Luís Augusto Fig 02. Projecto de obelisco erigido na Praça de D. Pedro para comemorar a visita de D. Maria II e de D. Fernando II, em Maio de 1852, por Luís Augusto de Parada e Silva Leitão (Arquivo Histórico Municipal do Porto, cota: D-CDT/A3-537) 13. “Chronica litteraria da Nova Academia Dramatica”, n.º 6, Abril de 1840, pp. 94-95. 222 ART IS ON de Parada e Silva Leitão é dado como Engenheiro Condutor, ao serviço das Obras Públicas do Distrito do Porto.14 Em 1854, ampliou o projecto de José Vitorino Damásio para o satiricamente célebre “Drop” da Foz do Douro (planeado logo após o fatídico naufrágio do Vapor Porto, em 1852, e destinado a socorrer navios em dificuldades na entrada da barra), por ter reconhecido “a necessidade de serem os turcos mais compridos, para poderem lançar o barco por fora dos rochedos, e igualmente para poderem resistir ao embate do mar, que se despenha contra a sua base de um modo pavoroso”.15 Sabemos também que Luís Augusto de Parada e Silva Leitão foi autorizado, a seu pedido, a visitar a Exposição Universal de 1855, em Paris, para estudar “o estado de perfeição da Photografia, da Chromolytografia, da arte de esmaltar os metaes, e da estamparia em tella e em papel; para melhor desempenhar as funções do magistério nos pontos de contacto entre o dezenho e estas artes”.16 n.º 1 2015 Em 1857, Luís Augusto Parada da Silva Leitão era Professor de Desenho do Instituto Industrial de Lisboa, tendo concorrido a um lugar semelhante na Escola Politécnica de Lisboa. Chegou a prestar provas, em competição com o Eng. Pedro José Pézerat. Porém, as provas foram suspensas e o concurso, que era para um lugar, passou a ser para dois lugares, por portarias de 23 e 24 de Dezembro de 1857. Luís Augusto Parada da Silva Leitão foi então escolhido para professor adjunto, coadjuvando o Eng. Pézerat. Uma vez que todos os alunos matriculados na Escola Politécnica eram obrigados a frequentar Desenho, entendeu-se que um só professor não era suficiente para tantos alunos matriculados.17 Como professor da Escola Politécnica de Lisboa, terá sido assíduo e competente.18 Luís Augusto de Parada e Silva Leitão acabaria por falecer relativamente novo, em 3 de Novembro de 1858, na sequência de uma bronquite que o atacara no início de Outubro.19 BIBLIOGRAFIA AGUIAR, Pedro de. – José Vitorino Damásio. Villa da Feira. Terra de Santa Maria. Ano 6, 17, Outubro (2007), http://issuu.com/ villadafeira/docs/villa_da_feira_17_1-192 (2015.06.06). _____ . – O ensino das artes industriais no Porto do século XIX. O Tripeiro. 7.ª Série, Ano XVIII, 5, Maio (1999), pp. 140-144 / 6, Junho (1999), pp. 177-182. ALVES, Joaquim Jaime Ferreira. – A entrada régia de D. Maria II no Porto em 1852. O Tripeiro. 7.ª Série, Ano XI, 2, Fevereiro (1992). _____ . – «Uma extravagância». A capela tumular de Joaquim Pinto Leite. Actas do congresso “O Porto Romântico” (Escola das Artes da Universidade Católica, Porto, 29 e 30 de Abril de 2011). I, pp. 249-260. GRAÇA, Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo. – Construções de elite no Porto (1805-1906). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2005 (Dissertação de Mestrado em História da Arte). QUEIROZ, José Francisco Ferreira. – Os Pinto Leite: uma família influente no Porto romântico. 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Ano 6, 17, Outubro (2007), http://issuu.com/ villadafeira/docs/villa_da_feira_17_1-192 (2015.06.06), p. 38. 16. Biblioteca e Arquivo Histórico das Obras Públicas, Processo de Luís Augusto de Parada e Silva Leitão, cota PI – Cx. 87. 17. Escola Politécnica de Lisboa. Comemoração do 1.º Centenário. Lisboa, Faculdade de Ciências de Lisboa, 1937, p. 25-26. 18. Escola Politécnica de Lisboa, p. 26. 19. Escola Politécnica de Lisboa, p. 26.