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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES A ATIVIDADE ARTÍSTICA COMO VETOR DE INCLUSÃO: uma investigação-ação no âmbito das necessidades educativas específicas Filipa Alexandra dos Reis Machado Rodrigues Doutoramento em Belas-Artes Especialidade de Educação Artística 2015 UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES A ATIVIDADE ARTÍSTICA COMO VETOR DE INCLUSÃO: uma investigação-ação no âmbito das necessidades educativas específicas Filipa Alexandra dos Reis Machado Rodrigues Tese orientada pela Profª. Doutora Margarida Calado e co-orientada pelo Prof. Doutor João Peneda, elaborada para a obtenção do grau de Doutor em Belas-Artes, na especialidade de Educação Artística 2015 RESUMO Na presente tese intitulada A atividade artística como vetor de inclusão: uma investigação-ação no âmbito das necessidades educativas específicas - é descrita a investigação aplicada à Educação Artística nas artes visuais, mediante a construção de uma abordagem sistematizada junto de alunos com necessidades educativas específicas. Pretende abordar aspetos conceptuais e metodológicos relativos a uma intervenção de natureza prática e crítica, dirigida a um grupo de alunos adolescentes com comprometimentos nos domínios cognitivo e motor, abrangidos pela medida educativa designada por Currículo Específico Individual (CEI) no âmbito da Educação Especial. Face ao caráter funcional do referido currículo, a abordagem da Educação Artística nas artes visuais junto destes alunos é, tendencialmente, realizada a um nível reabilitativo da psicomotricidade ou na vertente da livre-expressão, deixando um vazio metodológico relativamente aos aspetos unificadores necessários a uma ação pedagógica potenciadora da atividade e cognição artística. Através do estudo dos diferentes olhares sobre o percurso do(s) lugar(es) ocupado(s) pela Educação Artística, com destaque para os paradigmas do Espelho e da Janela segundo a autora D. Kelly, e em concreto para o legado do teórico e pedagogo Henry SchaeferSimmern (1896-1978), sublinhamos a pertinência de encontrar um modelo mais coeso e promotor da inclusão em sala de aula. Procurámos traçar a intervenção com ênfase na relação entre o processo criativo e produto da atividade artística de cada um dos alunos do estudo, tendo os resultados obtidos apontado para a viabilidade dos aspetos relacionados, isto é, do impacto das metodologias usadas na resposta às necessidades e expectativas dos alunos, com reflexos na promoção de sentimentos de eficácia e competência, prioritários no sucesso da escola inclusiva. Palavras-Chave: Educação Artística | Artes Visuais | Paradigmas do Espelho e da Janela |Necessidades Educativas Específicas | Inclusão. ABSTRACT The present thesis entitled The artistic activity as a vehicle for inclusion: an action research within the specific educational needs describes the research applied to Art Education in the visual arts, through the construction of a systematic approach with students with specific educational needs. This aims to address conceptual and methodological aspects relating to an intervention of practical and critical nature, addressed to a group of teenage students with impediment in cognitive and motor domain, covered by the educational measure designated as Currículo Específico Individual (CEI) (Specific Individual Curriculum) in the context of Special Education. Due to the functional character of this Curriculum, the approach of Artistic Education in the visual arts with these students has the tendency to be performed at a rehabilitation level of psychomotor skills or on free-expression issue, leaving a methodological gaping hole in what concerns the unifying aspects necessary to a pedagogical action that enhances the activity and artistic cognition. Through the study of the different perspectives on the place(s) occupied by Art Education, with emphasis on the Mirror Paradigm and Window Paradigm by D. Kelly and specifically to the legacy of the theorist and educator Henry Schaefer-Simmern (1896-1978), we place greater emphasis on the relevance of finding a more cohesive and promoter model for implementing inclusion in the classroom. Therefore, we have sought to draw the intervention with emphasis on the relationship between the creative process and product of the artistic activity of each of the students in the study and the results obtained pointed to the feasibility of the related aspects, i.e., the impact of the methodology used in response to the needs and expectations of students, with reflexes in promoting feelings of efficacy and competence, priority issues to the success of the inclusive school. Key Words: Art Education | Visual Arts | Mirror Paradigm and Window Paradigm |Specific Educational Needs | Inclusion AGRADECIMENTOS Este trabalho não teria sido possível sem a ajuda de muitas pessoas às quais agradeço o apoio dado: Ao orientador Professor Doutor João Pedro Fróis por acreditar no potencial desta investigação, apresentando desde o início referências inspiradoras e desafiantes na perspetiva otimista de conseguir trilhar novos caminhos. À Professora Doutora Margarida Calado e ao Professor Doutor João Peneda, pela orientação na fase final da tese, pela disponibilidade e crítica construtiva pautada pela exigência intelectual. Aos alunos, por me terem permitido evoluir como docente, sob o sentimento constante de work in progress revelado em cada aula lecionada. À coordenadora da Educação Especial, Teresa Santos, à professora Matilde Viçoso e à presidente do Conselho Executivo Paula Martins, pelo reconhecimento da importância da Educação Artística na Educação Especial, e pela oportunidade de as poder conciliar junto dos alunos, enquanto área de Currículo Funcional. Aos Encarregados de Educação pelo voto de confiança e disponibilidade para participar, bem como à comunidade educativa em geral. Em especial agradeço à minha família, principalmente os meus filhos Matilde e Mateus, aos quais dedico este trabalho pois, mesmo sem saberem, tornaram mais clara a minha perceção perante os seus desenhos e pinturas. Ao marido pelo apoio nas ausências e companhia nas presenças. Aos meus pais e irmão, pelo conforto emocional incondicional, e a todos os amigos que direta ou indiretamente contribuíram para a concretização deste trabalho, incentivandome a continuar o caminho. Índice RESUMO ABSTRACT DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 12 1.1. Aàproblemática e os campos disciplinares ........................................................ 16 1.2. O enquadramento e a diferenciação .................................................................. 17 1.3. A organização e os critérios metodológicos ..................................................... 19 PARTE I. ENQUADRAMENTO TEÓRICO E REVISÃO DE LITERATURA ........ 23 Introdução ................................................................................................................. 24 CAPITULO 1- Os Paradigmas da Educação Artística: o paradigma da INFÂNCIA/PEDAGOGIA, o paradigma do ESPELHO e o paradigma da JANELA a partir de Donna D. Kelly ................................................................................................................ 26 2.1. Periodização histórica: a primeira geração de praticantes do paradigma do ESPELHO ................................................................................................................. 31 2.2. Transição entre a primeira e a segunda geração de praticantes do paradigma do ESPELHO e da JANELA ......................................................................................... 38 2.2.1. Segunda geração de praticantes do paradigma do ESPELHO ........... 43 2.2.2. A Segunda geração de praticantes do paradigma da JANELA ........... 44 2.2.3. O Espírito da Época ........................................................................... 45 2.3. O Modelo de Educação Artística de Henry Schaefer-Simmern ....................... 48 2.3.1. Apresentando o autor ......................................................................... 49 2.3.2. Influências teóricas e aspetos centrais da filosofia de H. SchaeferSimmern ....................................................................................................... 52 2.3.3. (In) visibilidade da obra ..................................................................... 56 2.3.4. Metodologia de ensino ....................................................................... 63 2.3.5. A Deficiência na abordagem pedagógica .......................................... 77 2.4. Processo versus Produto na Educação Artística ............................................... 82 2.5. Perspetivas sobre a Criatividade na adolescência ............................................. 91 Nota conclusiva ....................................................................................................... 98 CAPITULO 2 - A Educação Artística no âmbito da Educação Especial .......................... 100 3.1. Educar para Incluir ......................................................................................... 101 3.2. Que funcionalidade para o currículo de artes visuais? ................................... 106 3.3. O currículo de artes visuais e a criação de significados pessoais ................... 110 3.4. Os alunos: o primeiro recurso para a inclusão ................................................ 115 3.5. Diferenciação pedagógica em Educação Visual e Educação Tecnológica ...... 118 3.6. Reflexão final sobre os pressupostos teóricos ................................................ 123 PARTE II - COMPONENTE EMPÍRICA ................................................................... 126 Reflexão Introdutória .............................................................................................. 127 CAPITULO 3 - Caracterização do contexto de Investigação............................................. 129 4.1. O Meio envolvente ......................................................................................... 129 4.2. A Escola .......................................................................................................... 130 4.3. Os Sujeitos da Investigação ............................................................................ 131 CAPITULO 4 - Metodologia da Investigação .................................................................... 144 5. Opção metodológica: a Investigação- Ação (IA) ............................................... 144 5.1. Planificação da Intervenção ............................................................................. 149 5.2. Validade do estudo .......................................................................................... 150 5.3. Aspetos éticos da Investigação ....................................................................... 154 5.4. Planos da Investigação .................................................................................... 155 5.4.1. Momento da Pré-Intervenção ........................................................... 156 5.4.2. Plano de Investigação Diagnóstico .................................................. 157 5.4.3. Plano de Investigação Principal ....................................................... 159 6.Técnicas de recolha dos dados ............................................................................. 161 6.1. Inquérito por questionário para os professores de EV e ET .......................... 163 6.2. Técnicas de análise e tratamento de dados ..................................................... 165 CAPITULO 5 - A Intervenção .......................................................................................... 168 7. A Intervenção pedagógica na área de Educação e Expressão Plástica .............. 170 7.1. As estratégias psicopedagógicas ......................................................... 173 7.2. Descrição das unidades temáticas ....................................................... 176 CAPITULO 6 - Apresentação, análise e discussão dos resultados ................................... 187 8. Sobre o Momento da Pré-Intervenção ............................................................... 187 8.1. Sobre o Plano de Investigação Diagnóstico .................................................... 188 8.1.1. Discussão dos dados referentes ao inquérito .................................... 194 8.2. Sobre o Plano de Investigação Principal ........................................................ 196 8.2.1. Discussão dos dados referentes ao diário de bordo .......................... 197 8.3. Análise dos portfólios segundo os estágios de conceção visual de H. SchaeferSimmern ................................................................................................................ 209 8.4. Discussão dos resultados relativos ao plano de Investigação Principal .......... 252 CAPITULO 7 - Considerações finais, limitações e linhas de investigação futuras ......... 256 9.1. Linhas de investigação futura ......................................................................... 264 Bibliografia ........................................................................................................................ 266 Apêndices e anexos CD que acompanha a tese (anexo II –portfólio digital) INDICE DE FIGURAS Fig.1 - “A Small Town in Connecticut”, Donald (10 anos) IEA, Berkeley, CA. Fig.2 - Egito, 18ª dinastia (1447-1375 a.C.) “Planting”, Metropolitan Museum of Art, NI Fig.3 - Alaska, séc.XIX, cena de caça gravada em marfim, Museum of the American Indian Fig.4 - “People Walking Around a Round Flower Bed”, Walter (10 anos) IEA, Berkeley, CA Fig.5 -“Park With Round Pool in Front of Building”, Eric Stolz (9 anos) IEA, Berkeley, CA Fig.6 - Egito“Animals in Trap” (4000 a.C.), pintura mural Fig.7 - Suécia,“Woman in Holy Forest” gravação em pedra (1000 a.C.) Fig.8 - Evolução da garatuja para o controlo da estrutura gráfica espiral (1993,pp.12-16) Fig.9 - Gravação Maori em ornamento de Jade, Nova Zelândia (100 a.C.) Fig.10 - Espiral gravada em alto-relevo em Chiapas, México Fig.11 - Espiral gravada em rocha, Phoenix, Arizona Fig.12 - Espiral gravada em rocha, Vale do Tejo, Portugal Fig.13 - Valcamonica, Itália (7000 a 2000 a.C.) Fig. 14 - Alexander Calder – escultura em arame de bronze Fig.15 - Desenho de Pablo Picasso Fig.16 - Escócia, gravação em rocha, monumento funerário (4000 a.C.) Fig. 17 - Gravação de espiral dupla num levantamento arqueológico em Portugal (préhistória) similar à configuração na Escócia. Fig. 18 - Desenhos de crianças (4 anos) - estádio de transição para a estrutura da forma circular. Fig.19 - Gravação em rocha (Arte Rupestre), Vale do Tejo, Portugal Fig. 20 - Trabalho do Tomás na unidade temática Eu e o meu amigo Fig. 21 - Trabalho da Anabela na unidade temática Eu e o meu amigo Fig. 22 - Trabalho do David na unidade temática Eu e o meu amigo Fig. 23 - Trabalho da Ester na unidade temática Eu e o meu amigo Fig. 24 - Trabalho da Rita na unidade temática Eu e o meu amigo Fig. 25 - Gustav Klimt, Baby Cradle, (1918) Fig. 26 - H. Bosch, Jardim das Delícias Terrenas, (1504) Fig. 27 a 30 - Francis Bacon, Triptych, (1976) Fig. 31 - H. Rousseau, Exotic Landscape, (1910) Fig. 32 - H. Matisse, Portrait of the Family, (1911) Figs. 33 e 34 - Obras de Joaquim Rodrigo Figs. 35 a 38 - Obras de F. Hundertwasser Figs. 39 a 41 - Graça Morais, Metamorfoses, (2000 a 2004) Fig. 42 - Trabalho do David na unidade temática Autorretrato (tríptico) Figs. 43 a 51 - Trabalhos do portfólio do Tomás Figs. 52 a 64 - Trabalhos do portfólio da Anabela Figs. 65 a 72 - Trabalhos do portfólio do David Figs. 73 a 78 - Trabalhos do portfólio da Ester Figs. 79 a 85 - Trabalhos do portfólio da Rita Figs. 86 e 87 – Trabalho da Rita na unidade temática Escola Re-visitada INDICE DE QUADROS Quadro 1- Praticantes dos três paradigmas da educação Artística em análise: INFÂNCIA/PEDAGOGIA, JANELA e ESPELHO Quadro 2 - Principais praticantes da segunda geração do paradigma da JANELA Quadro 3 - Estruturação do questionário para os professores de EV e ET Quadro 4 - Perspetivas pessoais dos professores sobre a inclusão de alunos com NEE nas aulas de Educação Visual e educação Tecnológica Quadro 5 - Codificação de temas a partir das respostas dos inquiridos sobre a inclusão de alunos com NEE nas aulas de Educação Visual e Educação Tecnológica Quadro 6 - Codificação para análise temática dos dados do diário de bordo INDICE DE DIAGRAMAS Diagrama 1 - Mapa conceptual da investigação Diagrama 2 - Conceito de Integração Diagrama 3 - Conceito de Educação Inclusiva Diagrama 4 - Planificação da Investigação Diagrama 5 - Organização da frequência de ET e EEP pelos sujeitos de investigação INDICE DE APÊNDICES Apêndice I - Sumários dos Estádios de Conceção Visual segundo a descrição em Conciousness of Artistic Form (2003) Apêndice II - Matriz de análise dos portfólios Apêndice III - Inquérito por questionário aos professores de EV/ET Apêndice IV - Planificação por conteúdos e objetivos relativos a cada unidade temática/ lista de recursos materiais e obras apresentadas Apêndice V - Diário de Bordo INDICE DE ANEXOS Anexo I - Conto “O Zbiriguidófilo” Anexo II - Portfólio dos alunos em PDF (consultar CD) ANEXO III - Respostas dos inquiridos ao questionário ANEXO IV - Kids Guide to Francis Bacon´s Studio INDICE DE ACRÓNIMOS AT | Análise Temática APP | Apoio Pedagógico Personalizado CEB | Ciclo do Ensino Básico CEI | Currículo Específico Individual CIFCJ | Classificação Internacional de Funcionalidade para Crianças e Jovens CF | Currículo Funcional CV | Conceção Visual EA | Educação Artística EC | Estudo de Caso EE | Educação Especial EEP | Educação e Expressão Plástica FBAUL | Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa IA | Investigação-Ação MEC | Ministério da Educação e Ciência NEEcp | Necessidades Educativas Especiais de caráter permanente PCA | Projeto Curricular de Agrupamento PCE | Projeto Curricular de Escola PEA | Projeto Educativo de Agrupamento PEI | Programa Educativo Individual INTRODUÇÃO «As you form the work, the work forms you». [Henry Schaefer-Simmern, 1948] O estudo que se apresenta é o resultado das muitas dúvidas e inquietações inerentes à condição de docente, em particular as que se afirmam em tempos de mudança na Escola e na Educação Artística como é o caso atual. Face a estas inquietações surgiu interesse e motivação pelo processo de pesquisa, verificando-se a escassez de publicações no panorama nacional dirigidas à intervenção na área das artes visuais, junto crianças e jovens que usufruem de um currículo específico individualizado (CEI). Como tal, procurámos a construção na presente tese de doutoramento de um corpo teórico transdisciplinar entre a Educação Especial e a Educação Artística que venha apoiar a prática à qual que se faz referência desde a génese do movimento da escola inclusiva: a priorização das disciplinas de Educação Visual e Educação Tecnológica na escolarização a partir do 2º ciclo do ensino básico, dos grupos-alvo da Educação Especial (enquadrados pelo Decreto-Lei n.º 3/2008).1 Pretende-se a expansão do conhecimento da área em foco, através de uma intervenção pedagógica em contexto escolar, orientada por estratégias metodológicas ligadas à proposta de leitura que aqui quisemos fazer para duas obras publicadas de Henry Schaefer-Simmern: The unfolding of artistic activity: Its basis, processes, and implications (1948) e O Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de Janeiro enquadra as medidas educativas especializadas a implementar junto de «alunos com limitações ou incapacidades significativas ao nível da atividade e da participação, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de caráter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social» disponível em «http://dre.pt/pdf1s/2008/01/00400/0015400164.pdf» [Consult: 11/08/12]. 1 Consciousness of Artistic Form (2003). Consideramos que os conceitos enquadrados pelo referencial teórico selecionado acrescentam perspetivas pertinentes sobre o desenvolvimento da expressão, da criatividade e do pensamento visual no âmbito das necessidades educativas específicas. A opção pelo tema em análise resultou essencialmente de três circunstâncias: a condição de docente na Educação Especial associada à anterior licenciatura em Educação Visual e Tecnológica; o reconhecimento do “vazio metodológico” no que respeita às orientações da tutela sobre a presença da Educação Artística na elaboração de um currículo específico individual (CEI) e, por fim, a oportunidade de poder beneficiar diretamente os alunos participantes na IA, mediante a atenção e o enfoque conferido aos parâmetros da sua atividade artística. Mediante estas circunstâncias, optámos por focar uma problemática que tem vindo a manifestar-se reiteradamente, no início de cada ano letivo e repetindo-se em setembro de 2012, perante as dificuldades evidenciadas no momento de elaborar o CEI dos alunos e, concretamente, pela opção das disciplinas a frequentar pelos mesmos na turma (a par das áreas curriculares específicas em pequeno grupo, como Língua Portuguesa Funcional, Matemática Funcional e Formação Pessoal e Social). Normalmente, a escolha recai sobre as disciplinas constituintes do departamento das Expressões2, por se considerarem menos deterministas nos conteúdos programáticos, e por permitirem mais facilmente a adequação flexível de estratégias diferenciadas na sala de aula, logo, como tendo um maior potencial na inclusão escolar. Apesar dessas opções pelas áreas da Educação Artística, considerou-se que, em plena fase de re-organização curricular, a estrutura das metas e descritores de desempenho da disciplina de Educação Visual de 7º ano, refletiam uma abordagem demasiado centrada nos princípios formais do Design e na análise das inter-relações dos elementos visuais, o que dificultaria o acesso às propostas de trabalho por parte daquele grupo de alunos na turma, pelo que foi decidida pela coordenadora da Educação Especial, a não inclusão desta O Departamento de Expressões compreende as disciplinas de Educação Visual e Educação Tecnológica (2º ciclo), Educação Musical (2º Ciclo), Educação Física (2º ciclo), Educação Visual (3º Ciclo), Música (3º Ciclo), Educação Física (3º ciclo), e Educação Tecnológica (3º ciclo). 2 disciplina na elaboração dos seus currículos específicos. Foi uma decisão difícil, principalmente por sabermos que o problema da inclusão se resolve sempre com mais inclusão, e nunca com menos como refere David Rodrigues (2013). Se por um lado, se debate quase unanimemente a premissa da inclusão, somos por outro lado, confrontados na escola com as dúvidas dos professores que procuram respostas para questões sobre como integrar o valor da heterogeneidade num sistema educativo pouco apto à diferenciação positiva e estruturado para trabalhar com a homogeneidade e não com a diversidade. Questões acerca do que ensinar, como ensinar e com quem são debatidas por todos os grupos disciplinares mas, no que respeita aos alunos enquadrados na Educação Especial, o debate é inevitavelmente remetido para a esfera de um grupo/departamento de docentes que, na sua orgânica, contempla momentos de diálogo insuficientes com os restantes professores sobre os processos mais eficazes de inclusão. Porém, este diálogo é tanto mais imperativo quanto mais restrições os alunos demonstram no seu envolvimento em situação escolar, quer ao nível das aprendizagens, quer nas relações interpessoais devido às dificuldades na participação e desempenho das atividades. No caso da área das artes visuais, e face às dificuldades demonstradas a vários níveis no acesso ao currículo de EV/ET, a abordagem pedagógica dirigida a alunos que frequentam um CEI é comumente concebida numa tentativa de não exposição dos alunos a abordagens demasiado formalistas das artes visuais (abordagens que frequentemente orientam os objetivos do currículo comum). Deste modo, surgem duas alternativas pedagógicas: uma segue a vertente reabilitativa (aproximando-se do tipo de atividades realizadas no âmbito da Terapia Ocupacional) e a segunda remetendo para a abordagem orientada para a livre expressão. Implementadas em contexto de turma, ambas acarretam consigo obstáculos à inclusão, pela ausência de real diferenciação positiva, ao fazer revelar nos produtos/objetos da atividade artística uma grande disparidade dos resultados apresentados pelos alunos com necessidades educativas específicas. A questão que nos parece pertinente, com vista a mais inclusão, relaciona-se com a possibilidade de valorizar a relação triádica aluno - processo expressivo e criativo produto/objeto da atividade artística, enquanto meio de capacitação para transformar o ambiente, através da concreção3 plástica/visual de um produto, produto esse valorizado perante a atitude responsiva dos professores que actuam como mediadores no desenvolvimento de projetos artísticos significativos. Nesse sentido, planificamos inicialmente a nossa intervenção pedagógica enquadrada em duas dimensões de estudo coexistentes, mas de acordo com especificidades diferentes: a) A conceção e operacionalização de uma a área específica designada por Educação e Expressão Plástica (EEP) no currículo específico individual de cinco alunos participantes, durante um ano letivo; b) O apoio pedagógico personalizado (APP) aos mesmos alunos, pela doutoranda em contexto de turma, na disciplina de Educação Tecnológica. No que concerne à segunda dimensão, a intervenção decorreu em período temporal análogo ao da lecionação da área de EEP, segundo parâmetros concretos de ação pedogógica que visavam apoiar cada aluno nas dificuldades manifestadas durante a realização das propostas na aula de Educação Tecnológica. No entanto, apesar de termos definido os objetivos, procedido à coleta de dados e estabelecido as técnicas para o seu tratamento e interpretação, não pudemos concluir este plano de investigação em tempo útil, pelo que optámos por não o apresentar nesta tese. Consideramos que, face à complexidade associada à intervenção em contexto do APP, à diversidade e quantidade de dados disponíveis para estudo, este plano de investigação configuraria uma nova tese de doutoramento.4 Tomamos com referência o significado de concreção - ação de tornar concreto, indicado no dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico, Porto Editora. Disponível em «http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/concreção» [consult. 2015-04-20]. 4 Neste plano de investigação procurávamos reconhecer os aspetos do APP evidenciados pela atuação da docente, bem como do feedback dos alunos relativamente a esta presença no contexto de turma. Pelo conhecimento construído durante a intervenção pensávamos poder aceder à compreensão e consciencialização dos fatores positivos e menos positivos do APP, de forma a podermos optar, no futuro por melhorar as condições do apoio prestado e favorecer a inclusão dos alunos com necessidades educativas específicas no âmbito da aula de EV/ET. 3 1.1. A problemática, os campos disciplinares, a questão central e as questões secundárias A introdução da área de artes visuais no âmbito de medida educativa do currículo funcional, surgiu com base em inúmeros estudos de follow-up nos campos disciplinares da Educação Artística e da Educação Inclusiva, a partir dos quais pudemos partir da premissa de que a atividade artística possui um impacto positivo no desenvolvimento de competências importantes no percurso escolar dos alunos, com repercussões nos diferentes níveis de participação. Olivia Gude (2009) refere na sua participação na Lowenfeld Lecture, sobre o tema Art Education for Democratic Life: «Much arts education research is devoted to articulating the development of students’ modes of thinking and acting, describing the development of various aptitudes in terms of the individual’s experiences and accomplishments». Na esteira das afirmações de Gude, remetemos para a nossa investigação a procura da relação entre a atividade artística dos alunos com necessidades educativas específicas, enquanto reforço da consciência do potencial para agir e interagir com o mundo. Deste modo, por reconhecermos a centralidade e a atualidade das questões atinentes ao estudo, pretendeu-se a confirmação da hipótese central: - A atividade artística nas artes visuais, integrada num currículo funcional de alunos com restrições no envolvimento escolar, potencia os processos conducentes à sua participação e inclusão. Numa fase inicial da organização do itinerário da investigação-ação surgiram as questões secundárias, as quais foram sendo progressivamente focalizadas e sucessivamente modificadas, dando origem a novos patamares de análise. As questões surgem enunciadas da seguinte forma: i) Os diferentes estádios de desenvolvimento artístico permitem a conciliação de estratégias pedagógicas direcionadas ao trabalho colaborativo? Quais as potencialidades e dificuldades relacionadas com a heterogeneidade do grupo de alunos? ii) Qual a importância da valorização do produto finalizado da atividade artística a par da valorização do processo criativo, para a motivação e capacitação dos alunos da sua ação transformadora do ambiente? iii) Sabemos que o currículo funcional visa o desenvolvimento de competências universais nos alunos com restrições significativas na atividade e participação escolar. Que lugar ocupa a Educação Artística nas artes visuais na construção deste tipo de currículo? O levantamento destas e de outras inúmeras questões paralelas, face à complexidade do objeto de estudo, orientou a definição do propósito da investigação e o planeamento do design metodológico. 1.2. O enquadramento e a diferenciação O enquadramento situa a investigação em contexto escolar num agrupamento de escolas do distrito de Lisboa, decorrente no ano letivo 2012/2013, sendo o objeto de estudo definido por um grupo principal de participantes constituído por cinco alunos, a frequentar o 6º e 7º ano de escolaridade. Os alunos constituem em simultâneo um pequeno grupo fora das turmas de referência, no qual é desenvolvido um currículo específico individual, no âmbito dos seus Programas Educativos Individuais (PEI), lecionado por docentes em momentos e espaços distintos daqueles das turmas de referência do ensino regular5. Com base na análise de referências bibliográficas internacionais atualizadas, optámos por nos diferenciarmos do Os modelos de atendimento aos alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) enquadram três paradigmas principais - segregação, integração e inclusão. O termo escola de ensino regular é usado com a finalidade de distinguir a frequência em estabelecimento de ensino da das instituições de educação especial, as quais detinham a responsabilidade pela educação e ensino dos alunos com NEE, previamente ao movimento de inclusão. 5 termo adoptado no enquadramento legislativo nacional - necessidades educativas especiais de caráter permanente (NEEcp), o qual pretendeu inicialmente abranger todas as crianças e jovens cujas necessidades envolvessem limitações ou dificuldades na atividade e participação escolar - pela definição necessidades educativas específicas - por se considerar mais rigoroso segundo as publicações na área científica em que se inscreve. O conceito de necessidades educativas especiais é controverso por englobar, no mesmo termo, necessidades especiais fora do âmbito educativo, e necessidades educativas que não sendo especiais, encontram-se contempladas nas diretivas e princípios educativos da Lei de Bases do Sistema Educativo. O termo necessidades educativas especiais é amplamente criticado por organismos internacionais não-governamentais com destaque nos EUA, por contrariar as orientações da American Psychological Association (APA), a qual define o termo “especiais” como uma descrição capciosa que nada veio acrescentar às perceções públicas sobre o tema, sendo promotora do reforço de estereótipos negativos acerca das problemáticas relacionadas com incapacidade. A terminologia preferencial de acordo com a APA6 é indicada como “necessidades específicas” (specific needs or accommodation), justificando que «the term special generates a bias toward the idea that the needs are not normal and institutions will allocate extraordinary resources to address these needs» (Office of Equity and Human Rights, Portland, 2012). Em convergência com as propostas apresentadas, Simi Linton na obra intitulada My Body Politic (2006), refere que: «While dictionaries insist that special be reserved for things that surpass what is common, the naming of children and education as special can be understood only as a euphemistic formulation that obscures the reality that neither the children nor the education are considered desirable and that they are not thought to surpass what is common» (p.164).7 4 Orientações da American Psychological Association publicadas em Guide to reduce disability bias in language, Manual of APA (6th ed., 2012: 70-77). Disponível em «www.apastyle.org». [Consult: 10/05/14]. 7 Ao longo desta tese optamos frequentemente por citações no idioma original a fim de aceder rigorosamente à informação fornecida pelos autores tratados, evitando a intermediação da literatura secundária ou a sistemática tradução para a Língua Portuguesa. Consideramos que, na eventualidade de nossa língua não existirem termos alternativos para designar determinados conceitos, o risco de adulterar semanticamente as expressões deve ser evitado. 6 Deste modo, optamos por alterar a designação NEEcp no âmbito desta tese, para melhor nos situarmos naquilo que distingue cada aluno: as suas necessidades educativas específicas. Por conseguinte, o acrónimo será utilizado apenas enquanto referência à terminologia aplicada no Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de Janeiro do Ministério da Educação. 1.3. A organização e os critérios metodológicos A identificação da problemática central e as questões a ela associadas foi realizada com base no conhecimento direto da doutoranda dos alunos participantes, e das dinâmicas subjacentes entre a Educação Especial e o departamento das Expressões deste agrupamento. Contudo, como referimos no ponto anterior, a perspetiva da EE necessita de ser complementada com a visão dos professores dos restantes grupos disciplinares com vista à reflexão e ação conciliadas sobre como incluir. Para «ajudar a constituir a problemática de investigação» (Raimond Quivy, 2003:69), complementando as pistas inicias de trabalho estabelecidas pela doutoranda, optámos por realizar um inquérito exploratório aos professores de Educação Visual e Tecnológica do agrupamento, inquérito esse que teve lugar no início da investigação. Decorrente da sua análise, foram identificados dados pertinentes para a pesquisa, os quais, em articulação com os previamente estabelecidos no projeto tese, constituiram a base da opção por um paradigma de tipo qualitativo e interpretativo, conduzido através de uma Investigação-Ação. Por ser um método indutivo adequa-se à complexidade da relação de ensinoaprendizagem, faculta uma maior compreensão dos fatores com influência na interação entre os intervenientes, permitindo prestar atenção às sinergias, ao idiossincrático, à singularidade de cada aluno. Relativamente à recolha de dados, as técnicas principais consistiram na observação participante no âmbito da intervenção nas duas dimensões determinadas (pequeno grupo e grupo-turma), construção de um diário de bordo contendo notas de campo, bem como a análise documental da informação constante dos registos biográficos dos alunos e dos programas educativos individuais. Também o portfólio8 de cada aluno, construído através da recolha dos vários trabalhos propostos na área de Educação e Expressão Plástica, foi central para a análise de dados da intervenção. Os registos escritos da observação foram marcadamente descritivos das interações e dinâmicas interpares, «incorporando a linguagem expressiva e a presença da voz no texto» (Elliot Eisner, 1991: 36). Da análise compreensiva dos dados textuais e da “situação real”, extraímos sentido utilizando procedimentos abertos do método da análise de conteúdo, os quais, de acordo com Ghiglione & Matalon (1997) «não fazem intervir “categorias prédefinidas”, tendo por isso um caráter exploratório» (p.210). Considerando o exposto, passamos a apresentar a estrutura do presente documento, organizado em duas grandes partes interrelacionadas. Da primeira parte, relativa ao enquadramento teórico e revisão de literatura constam dois capítulos. Através dos quadros de referência seleccionados orientam-se as questões de investigação e apoiam-se as decisões metodológicas tomadas na intervenção educativa. O primeiro capítulo é relativo à periodização histórica e caracterização dos paradigmas da Educação Artística segundo D. Kelly: o paradigma da INFÂNCIA/PEDAGOGIA, o paradigma do ESPELHO e o paradigma da JANELA, e apresenta a metodologia de ensino de Henry Schaefer-Simmern, bem como a contextualização do debate sobre a importância do processo criativo versus do produto finalizado da atividade artística, com enfoque no período de transição da adolescência. O segundo capítulo foca questões relacionadas com a Educação Artística no âmbito da Educação Especial, concretamente na construção de currículos funcionais (ou currículos específicos individuais). A segunda parte do estudo é composta por cinco capítulos correspondentes à parte do estudo empírico operacionalizada segundo uma investigação ação em contexto escolar. O capítulo 4 compreende a justificação das opções metodológicas, a caracterização do Meio, da Escola e dos Sujeitos de investigação. No quinto capítulo consta a descrição da O portfólio digital completo dos alunos pode ser consultado em PDF no CD anexo à tese, e também na animação Prezi on-line em «https://prezi.com/anabnowymkr6/copy-of-filipa-rodrigues/» 8 intervenção pedagógica nos vários planos de investigação planificados, e no capítulo 6 procedemos à apresentação, análise e discussão dos resultados. No sétimo e último capitulo desta tese, tecemos as considerações finais, as reflexões sobre as limitações evidenciadas e enunciamos algumas linhas possíveis para futuras investigações. Mapa conceptual da Investigação PROBLEMA: Osàalu osà o à e essidadesà edu ativasàespe ífi asà vive ia à est içõesà oàseuà e volvi e to,à ue à asà ap e dizage s,à ue à asà elaçõesài te pessoais,à devidoà sàdifi uldadesà aà pa ti ipaçãoàes ola »à Difi uldadesà f e ue te e teà dese adeado asà deà se ti e tosàdeàf ust açãoàeàdeài apa idadeàpa aàagi à eà o t ola àoà o texto/a ie teàeà ueà o duze àa: -àDes otivaçãoà asàap e dizage s; -àDesi vesti e toà aà elaçãoài te pessoal; à-àSe ti e toàdeàex lusão/isola e to. Hipótese olo ada: - A ati idade a tísti a as a tes isuais, i teg ada u u í ulo fu io al de alu os o est iç es o e ol i e to es ola , pote ia os p o essos o du e tes à sua pa ti ipação e i lusão. [COMO?] át av sàdaà o st uçãoàdeàu aàp opostaàdeàa o dage à etodológi aà asàa tesàvisuaisà ueàvisaàoà pe spetiva àdoàp odutoàdaàatividadeàa tísti aàe ua toà ediado àpa aàaà o st uçãoàativaàdoà e volvi e toàe àp o essosàdeàação,àt a sfo açãoàeà o u i ação,àeà ueà espo daà sà e essidadesà edu ativasàespe ífi asàeà sàexpe tativasàdosàalu os. O jeti os: Be efí ios: -P o ove à se ti e tosàdeà efi iaàeà o pet ia; -àCapa itaçãoàdosàalu osà oàpla oài tele tual,à e o io alàeàfísi o; -àáu e ta àaà otivaçãoàeàoà e volvi e toàes ola ; -opo tu idadesàdeà expe i e taçãoàa tísti aà valo izadasà oàg upoàeà o u idadeàes ola ; -àDese volve àaà og içãoàvisualàeà a tísti a. -àP o oçãoàdaà autoesti aàeàsupe açãoà deàdifi uldades. Ba ei as: -àI flu iaàdeàeste eótiposà so io- ultu aisàso eàaà atividadeàa tísti aà e ua toàtale toà/do ; -àP ese çaàdeàpe fisàdeà ap e dizage à uitoà dive sifi adosà oà es oà g upoàdeàt a alho. PARTE I. ENQUADRAMENTO TEÓRICO E REVISÃO DA LITERATURA «The theory of visual, artistic conceiving has full validity only if it can be applied equally to persons of different ages and of different mental and economic levels, and if it can be brought into general teaching practice» [Henry Schaefer-Simmern, 1948:28] Introdução «The use of history…is to rescue from oblivion the lost causes of the past. History is especially important when those lost causes haunt us in the present as unfinished business». [Nelson Goodman, 1960: 216] No enquadramento teórico, procuramos analisar e organizar os aspetos subjacentes aos principais paradigmas ou matrizes disciplinares no campo da Educação Artística, convocados na obra Uncovering the History of Children's Drawing and Art (2004) pela autora Donna Darling Kelly. As generalizações simbólicas, os modelos e os valores que enquadram cada um desses paradigmas acrescentam à compreensão e interpretação da atividade artística na infância e adolescência, bem como da ação educativa a ela associada. Atribuímos especial destaque à periodização histórica realizada na obra citada, enquadrada em três grandes paradigmas: o paradigma da INFÂNCIA e os paradigmas do ESPELHO e da JANELA, bem como à intervenção dos diversos autores num e noutro paradigma.9 As definições de paradigmas na EA, traduzidas e sintetizadas pela autora nas duas metáforas, espelho e janela, enfatizam a possibilidade de a metáfora ser pensada para além de uma forma específica da linguagem, não só com uma função retórica mas também com uma função cognitiva - como forma de pensar e agir. Deste modo, designando os paradigmas numa base metafórica, a reflexão sobre as teorias e práticas foram desconstruídas e No original: «Childood paradigm, Mirror paradigm e Window paradigm», D. Kelly examinou as teorias sobre o Desenho e Arte Infantil através de um circuito literário que percorre os séculos XVIII a XX, na procura das atitudes prevalecentes face ao desenvolvimento da atividade artística nas crianças em cada época histórica. Realizando «historical/aesthetic syntesis (…) retracing and reinterpretation of the genesis and semantics of children´s art/drawing» (2004:1). A utilização do binómio “Desenho/Arte Infantil” surge enquanto referência lexical na totalidade da pesquisa da autora, pela preponderância atribuída no âmbito de cada paradigma, sendo que considera, maioritariamente, o Desenho como foco de análise no paradigma da INFÂNCIA e do ESPELHO, e a Arte Infantil como foco do paradigma da JANELA, decorrente do termo aplicado por Franz Cizek através do reconhecimento de «children´s art as an aesthetic process» (2004:2). 9 sistematizadas, a par do estudo das suas implicações e mudanças desde o século XVIII até à contemporaneidade. Não obstante os paradigmas da Educação Artística descritos terem refletido, à época, diferentes justificações ou racionalidades (Teresa T. Eça, 2001), cotejadas pelas abordagens preponderantes da área da psicologia e da psicopedagogia, eles repercutem ainda as suas influências na atualidade, num processo contínuo de reforma e contra-reforma do sistema educativo. Contextualizar historicamente as visões na Educação Artística abre possibilidades para entender melhor o presente e perspetivar o futuro, possibilitando a definição de frameworks passíveis de optimizar a compreensão e discussão sobre os caminhos das artes visuais na escola de hoje. A enfâse atribuída a determinado paradigma, através da difusão dos seus princípios teóricos fornece a compreensão, em cada momento da história, sobre como se supunha que aprendizagem ocorresse, não significando com isto que uma visão específica eclipsasse todas as anteriores, mas, por vezes de forma conflituante e antagónica, constituíram o aspeto afirmador da sua realidade. Ressalvamos, à semelhança do que já fizeram outros autores, que a história dos conceitos é, sobretudo, uma história das palavras e um processo contínuo de contextualizações, numa pluralidade de visões e de transformações semânticas. Capítulo 1 - Definição dos paradigmas da INFÂNCIA, do ESPELHO e da JANELA A apresentação diferenciada dos paradigmas da INFÂNCIA, do ESPELHO e da JANELA, contribui para sistematização das abordagens fragmentadas sobre o desenvolvimento artístico, bem como das “pontes de ligação” e interconectividades patentes na conciliação dos mesmos. Por reconhecermos a validade do referido enquadramento e pertinência dos mesmos no âmbito desta tese, procederemos seguidamente à descrição de cada um dos três paradigmas nos seus aspetos diferenciadores, os quais surgirão particularizados posteriormente na figura das personalidades que os protagonizaram, com início na afirmação do movimento cultural e artístico do Romantismo e das profundas alterações do Oitocentos europeu: «The earliest emphasis emerged from a Chilhood paradigm into a chilhoodpedagogy paradigm iniciated by comercial considerations (…) growth of industrialiazation, that is, that children should learn drawing for strictly comercial motivation. (…) Out of this pedagogical beginning, toward the end of the 19th century and continuing unabated into the 20th century, with the establishment of psychology as a social science, a strong psychologycal perspective that sought to reveal the work of a child´s mind (…) as mirror of reflection of children cogntive processes. Later, with the work of Franz Cizek (…) we encounter the recognition of children´s art as an aesthetic process - the third, or Window perspective» (Kelly, 2004:2). A abordagem educativa da arte teve o seu foco completamente alterado com o advento do pensamento iluminista, concretamente nos princípios filosóficos e pedagógicos, os quais compreenderam a noção de infância e desenvolvimento da criança, constitutiva do primeiro paradigma em análise - da INFÂNCIA - associado ulteriormente ao paradigma da INFÂNCIA/PEDAGOGIA, o qual se manteve até ao início do século XX. A designação “pedagogia” usada neste paradigma, concerne à conceção formativa da arte, a qual está vinculada à noção de Educação Artística como meio de instrução – em particular a formação em oficinas especializadas na área do Desenho. É essencialmente uma vertente no âmbito de uma Racionalidade Industrial (Eça, 2001), que identifica a arte com um conjunto de conhecimentos úteis transmissíveis, e a Educação Artística como a ação de os transmitir (Imanol Agirre, 2005:205-06). Por sua vez, o paradigma do ESPELHO, com étimo no século XX e cujas evidências de aplicação se mantêm até à atualidade, possui um enfoque psicológico sobre a arte infantil, a qual pode ser definida como a capacidade da criança para representar graficamente algo que não o próprio objeto - a sua imagem. Os educadores, psicólogos e historiadores de arte proponentes deste paradigma destacam os aspetos autorreflexivos ou projectivos do desenho infantil e de como estes se relacionam com o desenvolvimento cognitivo e afetivo. Na perspetiva descrita, as imagens ou representações simbólicas da arte infantil pertitem ao observador aceder a uma das formas de linguagem por meio da qual o inconsciente se pode manifestar, e a qual usualmente se compõe de uma gama de projeções relacionadas ao autoconceito, a imagem ideal do eu e aspetos emocionais. O desenho é valorizado na sua dimensão de conteúdo, que reflete uma impressão unificada da criança, como uma Gestalt organizada num suporte gráfico. Os praticantes deste paradigma partilham um background comum ligado à psicologia e psicanálise, sendo utilizada uma mesma semântica entre autores na investigação desenvolvida nesta matriz disciplinar. Teresa Eça (2001, cit. Hernandez, 1997) enquadra esta abordagem na Racionalidade Expressiva, a qual «acredita que as crianças devem poder projectar os seus sentimentos e emoções e o seu mundo interior através da arte».10 Numa vertente diferente, surge o paradigma da JANELA – firmado numa perspetiva estética - foca-se na visualidade da representação (não nas inferências psicológicas dessa representação), no processo/experiência estética associada à produção gráfica e pictórica na sua singularidade autoral e na construção de poéticas próprias. Esta abordagem é perspetivada por elementos da comunidade artística, como historiadores e críticos de Arte, artistas plásticos, teóricos ligados à Estética e Filosofia da Arte e professores-artistas, os Fonte: artigo de Teresa Torres Eça (2001), Educação Visual como educação artística para a compreensão, disponível em «http://www.prof2000.pt/users/mglfm/teresa1.htm» [Consulta: 09/11/2014]. 10 quais, apesar de apologistas da dimensão estética na arte infantil, partilham de forma mais fragmentada, o vocabulário e os diversos focos de análise.11 Em comum possuem a visão focada na criatividade e no valor estético da linguagem plástica, na assunção de que esta proporciona uma “janela para o mundo” de forma a tornar visível um fragmento desse mundo, representado pela imagem, a qual é em si mesma a realidade da própria criança, transposta no ato da representação: «The purpose of the act is the verisimilitude of what is viewed from the perspective of a window with everything within the frame of the window viewed as reality» (Kelly,2004:6). Utilizando a linguagem vygotskyana, cada obra artística é uma “janela” de aprendizagem para o sujeito psicológico, interaccionista e comunicativa. Por sua vez, o filósofo e historiador de arte Arthur Coleman Danto, na obra Encounters & Reflections: Art in the Historical Present (1997) refere a existência da metáfora da janela na pintura desde o período do Renascimento, como uma demarcação quase metafísica entre Arte a Vida (reportando-se à Janela de Alberti). Danto afirma: «technology of painting was bent upon making the experience of seeing something through a window and seeing something in a painting perceptually indistinguishable» (p. 264). Descreve este paradigma como a demanda dos artistas na criação de um espaço pictórico ilusório ou virtual, suficientemente verosímil, que permita ao observador o processo perceptivo/interpretativo da realidade: «to navigate real space optically serve to rationalize the placement of objects in illusory space. Hence the appropriateness of the metaphor of the window – by Ruskin (…) remids us that the word means “looking through” – and it was really as if the Renaissance artist commanded a magic window, enabling us as witnesses to observe the events that mattered to us most» (p. 338). Cada grupo particular de praticantes no paradigma da JANELA orienta o seu interesse em enquadramentos diferentes da imagem ou produto artístico: a sua associação a um enquadramento histórico (determinado período ou estilo); ou o modo como íntegra técnicas e o uso de materiais, as qualidades formais e a influência dos critérios estéticos no contexto em que se inclui, etc. A perspetiva do educador ou professor pressupõe simultaneamente a atenção à dimensão expressiva da representação, organização visual, domínio dos materiais e à vertente estética. 11 De facto, o paradigma da JANELA na pintura manteve-se praticamente constante até ao Modernismo, altura em que a superfície – a tela - se tornou em si mesma o objeto valorizado artísticamente, mais do que somente “a janela” através da qual, ilusoriamente, se percepciona uma realidade ulterior. O foco do “olhar através” seria assim alterado na arte abstrata, e deter-se-ia no “olhar para”. Muitos artistas procuraram “esvaziar” a tela do conteúdo narrativo que conferia a qualidade de fundo cénico, para a tornar no campo de invenção formal e cromática. Segundo a publicação de Maurice Denis (1890) no Manifesto Nabis, «um quadro – antes de ser um cavalo de batalha, uma mulher nua ou qualquer anedota – é essencialmente uma superfície plana coberta de cores reunidas numa certa ordem». 12 Como anteriormente citamos, o interesse pelo ensino do desenho na infância, teve o seu principal enfoque a partir do final do século XIX, ainda que as raízes dessa atenção remontem ainda ao século XVIII – ao pensamento do precursor do romantismo, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), na sua visão instrumental do Desenho descrita em Emílio (livro IV): «As crianças, grandes imitadores, tentam todas desenhar, quereria que a minha cultivasse essa arte, não precisamente pela arte ela mesma, mas para tornar o olhar justo e a mão flexivel, e em geral importa muito pouco que se exercite desta ou daquela forma, desde que os seus sentidos adquiram a perspicácia e seu corpo bons hábitos proporcionados por esse exercício».13 A abordagem “pedagógica” do desenho seguiu então direções diferentes na evolução para o paradigma da INFÂNCIA/PEDAGOGIA, nomeadamente naqueles que foram o contexto europeu e norte-americano, apesar de na sua génese ambas as direções visarem uma premissa comum. Desde a segunda metade do século XVIII o ensino do Desenho surge ligado às manufaturas reais e no século XIX é incorporado no sistema de ensino com vista à formação profissional operária, como campo de aprendizagem importante direcionado à industrialização dos países. No entanto, à medida que o campo de conhecimento da Fonte: biografia de Maurice Denis, disponível em «http://elmaxilab.com/definicao-abc/letra-m/mauricedenis.php#Extratos-de-seu-Journal» [Consulta: 18/04/2015]. 13 Fonte: artigo de José A. Marques (2002) intitulado A Educação Musical de Emílio, disponível em «http://www.unicamp.br/~jmarques/pesq/EdMus.pdf» [Consulta: 18/04/2015]. 12 psicologia sobre o desenvolvimento infantil se expande, o princípio pedagógico unificador é levado a dissociar-se e conduzir gerações distintas de praticantes, educadores e artistas, no âmbito de dois paradigmas com valores e modelos autónomos e diferenciados. Estes novos paradigmas, do ESPELHO e da JANELA revelam aspetos discordantes inevitáveis a partir da primeira metade do século XX. Por sua vez, a cisão entre os dois paradigmas permaneceu até uma «re-emergent, synthetic pedagogical paradigm combines both the psychological Mirror and the aesthetic Window paradigms» (Kelly, 2004:5), contando nessa conciliação com a abordagem de Rudolph Arnheim (1904 - 2007), a qual versou o restabelecimento do estatuto das artes visuais na educação, tanto na componente da produção e expressão artística como da apreciação e fruição estética. Ao advogar a ligação entre as Artes e as Ciências, Arnheim sublinhou ambos os campos de conhecimento são mediados pelo processo criativo, e ressaltou para a relevância de conciliar a cognição, pensamento e intuição. Como refere o investigador Graham Price (2007) no artigo Captured voices in Primary school Art Education: «Within art education, exploring the nuance of perception, Arnheim (1954) was an early lone voice championing the cognitive foundations of perception in a time when psychological and expressive views on art education held away»14 (p.232). Esta justificação tornou-se relevante para os educadores do paradigma da JANELA pois viram reforçados os seus argumentos sobre a importância do papel da arte no processo de reconstrução social assim como, ao reunir esforços, os praticantes do paradigma do ESPELHO obtiveram apoio nas propostas de inclusão da Educação Artística como área curricular. Só através de ambos os contributos conciliados de ambos os paradigmas, se pôde sobrelevar o estatuto das experimentações artísticas na escola. Não obstante esta ligação, o facto de atualmente o termo «Children´s Drawings» constar nos índices na área da Fonte: referência ao artigo Captured voices in Primary school Art Education de Graham Price (2007) retirado do Waikato Journal of Education (13). Disponível em «http://researchcommons.waikato.ac.nz/bitstream/handle/10289/6192/Price%20Captured.pdf?sequence=3» [Consulta: 18/04/2015]. 14 Psicologia, e «Children´s Art» surgir indexada na área das Artes Visuais, confirma a coexistência das duas perspetivas: «This distinction indicates that the psychologists generally do not invest child imagemaking with any aesthetic quality and thus refer to these images as “drawings”, whereas the artists find beauty or artistic qualities in the child´s renderings and call them “art”» (Kelly, 2004:5). A semântica adoptada numa e noutra matriz disciplinar, desenho infantil ou arte infantil, é reveladora das suas premissas quanto à génese e análise dos processos artísticos. Descritas as conceptualizações sobre o desenho/arte infantil que determinaram os focos de análise na educação artística associados aos três paradigmas, seguimos para o enquadramento dos percursos históricos e modelos a eles associados. 2.1. Periodização histórica: a primeira geração de praticantes do paradigma do ESPELHO A análise dos percursos da Educação Artística, segundo os paradigmas estabelecidos, nomeadamente no paradigma do ESPELHO e no paradigma da JANELA, surge padronizada em duas categorias principais: no seu caráter linear (no qual se distinguem movimentos e orientações intencionais com evidência de progresso e por vezes de retrocesso) e no caráter cíclico (com padrões e aspetos de repetição em épocas subsequentes): «In the historical examination of children´s art/drawing, the analysis demosntrates a combination of linear and cyclical patterns (…) linear pattern as the inquiry evolves from an educational focus to a psychological focus (Mirror paradigm), and then to aesthetic focus (Window paradigm).The move from an educational objective to a psychologycal perspective illustrates a better comprehension of the mind, or cognitive theory (…). The move to an aesthetic focus shows a general understanding and acceptance of the modern art movement and the impressionist and expressionist art theories that it produced» (Kelly, 2004:7). Determinado o ponto de partida para a análise do percurso histórico da Educação Artística no pensamento de J.J.Rousseau (na sua reflexão sobre a educação da infância, a democratização e racionalização do ensino do Desenho), prosseguimos através dos teóricos nos quais exerceu a sua influência, como Johann Heinrich Pestalozzi (1746 -1827), com enfoque na educação social e sistema de ensino centrado no princípio Anschauung15, ou seja recurso às impressões dos sentidos (métodos de experimentação sensorial) e do «aprender fazendo» em todas as áreas do currículo, incluindo o Desenho. O autor mostra um grande interesse no desenvolvimento de competências de desenho, segundo uma vertente instrumental e pragmática na evolução para o domínio da escrita, relacionando o estudo da “forma”, “medida” e geometria como um pré-requisito para o desenho da caligrafia. A valorização da educação estética permanece em segundo plano perante o desenvolvimento das capacidades de observação e acuidade visual, enquanto contributos para o estudo da geometria e geografia. Ao definir um princípio pedagógico baseado em fases de desenvolvimento humano, traduzidas nos estados: natural, social e moral (correspondentes à infancia, adolescência e idade adulta), Pestalozzi reiterou a abordagem individualizada na educação e defendeu um «universal psychological method of instruction» (Pestalozzi, 1889/1977:132). Nos textos presentes em The Letters to Greaves (1827), considera a possibilidade de ver as particularidades do desenvolvimento infantil refletidas no desenho, situando-se assim como um pioneiro do paradigma psicológico do ESPELHO. Ao enfatizar a importância da experiência natural infantil e a preservação da sua inocência, Pestalozzi cria simultaneamente, a base para a perspetiva dos praticantes do paradigma estético da JANELA. Na sua trajectória, Pestalozzi inspirou pedagogos europeus e norte americanos, ao longo do século XIX, rumo à entrada do desenho na modernidade da história do ensino, nomeadamente nos percursos protagonizados por Friedrich Wilhelm August Fröbel (1782 1852), John Ruskin (1819 - 1900) e Herbert Spencer (1820 - 1903). O princípio Anschauung é aplicado «for the mental act by which the above knowlwdge is obtained – observation; and for the mental faculties by which it is obtained – the senses. (Pestalozzi,1889/1977:9) 15 Fröebel destaca-se pelo pioneirismo na criação dos jardins-de-infância (Kindergarten) e por ser considerado como um dos primeiros a relacionar a educação com o desenvolvimento da criança, tendo influenciado o trabalho de Maria Montessori e Rudolf Steiner (1861-1925), fundador da pedagogia Waldorf em 1919. Conferiu grande ênfase ao desenvolvimento da linguagem visual (prévia à linguagem verbal), à criatividade e à perceção. Neste sentido, a perceção constituiria a base para o conhecimento do mundo, assim como para a aquisição da linguagem e formas de representação do mundo. Mencionou a importância da arte na educação como expressão natural da criança, sendo que em toda sua metodologia, Fröebel deixa claro que é por meio da arte – canto, poesia, desenho, pintura, escultura – que a criança tenta expressar-se. Sendo assim, afirma que a arte tem lugar em todas as culturas, e deve por isso estar presente na educação, pois ao chegar à maturidade, mesmo não sendo um artista, o jovem poderá ser capaz de contemplar a arte e experienciar emoções artísticas (Fröbel,1889:35). Apesar de, à semelhança dos seus predecessores, Fröebel visar a pragmaticidade da aprendizagem do desenho, este reconheceu também o sentido e os valores estéticos da educação artística, bem como o valor intrínseco daquela expressão, relacionando-a com a afirmação da individualidade dos alunos. No capítulo sétimo do seu tratado “The Education of Man”, intitulado “The Child´s Love of Drawing”, o autor afirmou que «the child takes pleasure in drawing and painting, and both are essential for his education» (Kelly, 2004:32). Contudo, o pedagogo teve dificuldades em implementar e expandir os seus princípios teóricos na Alemanha sobre a expressão artística infantil e, segundo Kelly «as a practicioner in the child-pedagogy paradigm, Fröbel began to open new avenues for teaching but remained steadfast in his devotion to Rousseau» (p.34), acabando por dirigir maioritariamente a sua abordagem para as fases do desenvolvimento mental e emocional da criança e adolescente, na antecâmara do paradigma do ESPELHO: «According to Fröbel, drawing is the vehicle by which the children illustrate their understanding of the world and demonstrate their criativity by recognizably visualizing their thinking. He consider it an essential part of the school curriculum, and this foreshadowed the psicologycal Mirror paradigm» (Kelly, 2004:32). Ruskin afirmar-se-ia como a voz mais proeminente no meio artístico dos meados do século XIX em Inglaterra. A aceitação das suas obras “The Elements of Drawing” (1856) e “Education in Art” (1858) foi generalizada, pelo que a comunicação das suas premissas sobre a arte como linguagem universal foi amplamente aceite, não só em Inglaterra, mas também na Alemanha, Itália e Estados Unidos. O crítico de arte questionou a noção de que a capacidade para desenhar fosse considerada restrita a alguns artistas e associada apenas a uma questão de talento, e tentou evidenciar que através da educação sistemática dos elementos básicos do desenho e da cor, todos, independentemente da sua condição social, poderiam compreender os princípios da arte (Ruskin,1905, cit.Kelly, p.40). A visão de Ruskin é considerada como um marco reformista na Educação Artística, conjugando não só a vertente pedagógica dos seus predecessores, mas acrescentando na sua teorização a perceção ou “pensamento visual”, através do desenho de observação da natureza, assim como a atribuição de enfase na criatividade, conduzindo-o na direção do paradigma estético da JANELA. A sua influência inovadora é descrita por Claire Penketh em “A Clumsy Encounter Dyspraxia and Drawing” (2011): «Ruskin´s approach is the connection between art education and the development of thought via a combination of the psysical and cognitive but more specifically through looking and drawing. Central to this belief was the value of teaching perception (…) Ruskin understood perception as a sort of visual thinking with association as part of, and not subsequente to, the act of seeing» (p.88). A influência de Ruskin pode ser encontrada no trabalho do psicólogo ingles James Sully (1842 - 1923) e Ebenezer Cooke (1837 - 1913), ambos tendo desenvolvido pesquisa no campo da arte infantil e na educação artística. Porém, estes autores direcionaram os seus contributos num sentido diferente, ao promoverem as bases para o reconhecimento dos estádios do desenho infantil, segundo a perspetiva psicológica do desenvolvimento cognitivo. De acordo com Penketh, Cooke evidenciou a necessidade de conhecer a “natureza da criança” para a poder ensinar: «Cooke and Sully (…) recognition of stages in drawing development which was summarized and continued by Sir Cyril Burt in “Mental and Scholastic Tests”, where they made connections between medical and educational discourses to develop influential yet contestable frameworks for determining intelligence. Within this stages, drawing is firmly connected with age progression and cognitive development. (…) Cooke was also to lead reforms of chils art education which prioritized an understanding of the particular nature of the child and aknowledged this as being as important as the specificity of the teaching systems employed» (Penketh, 2011:88). Publicadas as visões reformistas dos três autores, as quais se contrapõem ao paradigma tradicional da PEDAGOGIA-INFÂNCIA, surgiu a necessidade de debater o rumo da educação artística na Conferência Internacional de Educação (1884) em Londres. Foram apresentadas visões conflituantes sobre arte e os propósitos educativos de então, baseados em aspetos técnicos do Desenho, de que resultaram implicações pedagógicas inovadoras apresentadas por maioritariamente por A. F. Brophy, Jonh Sparkes, T.C. Horsfall, Charles Bird e E. Cooke, entre outros. As suas visões pressupuseram a transposição do então interesse central na pedagogia aplicada nas Design Schools europeias expondo o facto de que «old pedagogical paradigm began to reveal internal tensions» (Kelly, 2004:52), e criando o debate entre aquelas que se consolidariam como as opções divergentes do paradigma estético e do paradigma psicológico: «The discussions (…) offered a glimpse into the impending interest in children´s drawing and the debate forming around the subject of Education – a debate that would later solidify into the competing aesthetic Window and psychological paradigms» (ibidem). Deste modo, na transição para o Modernismo, E. Cooke e J.Sully influenciam-se mutuamente na procura de um modelo teórico/científico centrado na evolução gráfica da infância tendo sido J. Sully (1884-1923) considerado o primeiro praticante no âmbito do paradigma psicológico do ESPELHO, responsável por conciliar a atividade artística infantil e a psicologia aquando da publicação de Studies in Chilhood, em 1895: «The Mirror paradigm is aptly named to reflect the central interests of the psychologists in examimg children´s drawing. The educators were already in the habit of referring to the renderings as drawings so that reference term continued with the psychologists. Sully was the first to practice in the psychological Mirror paradigm, but in the lineage of Rousseau and Pestalozzi, Fröbel, Spencer and Cooke» (Kelly, 2004:80). Sully reflete sobre a produção espontânea artística da Infância, afirmando as suas afinidades com os registos artísticos de povos primitivos e culturas não Ocidentais, ou “Early Art” (Sully, 1896/1977:332), numa perspetiva comum baseada na “ingenuidade” e “autenticidade”. Ao estabelecer o vínculo entre as características gráficas da atividade artística e o desenvolvimento da mente, o autor define a existência de fases no desenho infantil (na compreensão da representação como símbolo do objeto real), em conexão com as diferentes fases da maturação psicológica. Sobre o percurso que a criança inicia com despertar para a sua imagem refletida no espelho, Sully refere: «The development of an understanding of visual representation or the imagining of things has already been touched upon…the first lesson in this branch of knowledge is supplied by the reflections on the mirror, which, as we have seen, the infant begins to take for realities, though he soon comes to understand that they are not tangible realities. The looking-glass is the best means of elucidating the representattive function of the image» (Sully, 1896/1977:309). O psicólogo advoga o facto de a criança só iniciar a representação gráfica de objetos (no suporte papel) após o reconhecimento do seu reflexo no espelho como representação de si própria e estabelece a génese do paradigma do ESPELHO na educação artística, apelidando os desenhos da criança segundo o termo “rude embryonic art”, cuja evolução ocorre segundo estádios de desenvolvimento. No capítulo The Child As Artist, Sully refere aspetos relacionados com aquilo que designa como impulso artístico na criança, na direcção de “conferir uma forma exterior” a uma ideia concebida no interior da sua mente (Sully,1977:327). Contemporaneo de J. Sully, o artista e professor Franz Cizek introduziu na Educação Artística o termo «Child Art» tendo sido considerado, na viragem para o século XIX, o praticante inicial no âmbito do paradigma da JANELA. Posteriormente, da segunda geração de praticantes deste paradigma fazem parte Corrado Ricci (1858 – 1934) com o primeiro livro dedicado ao desenho infantil L'Arte dei Bambini (1887); Georg Kerschensteiner (1854 - 1932), autor de Die Entwicklung der zeichnerischen Begabung [The development of drawing skill] em 1905; Georges Rouma, com a obra Le langage graphique de l'enfant (1913) e G.H. Luquet16 (1876 - 1965) em Le Dessin Enfantin (1927). Em período análogo, nos Estados Unidos, a psicóloga Florence Goodenough emàThe Measurement of Intelligence by Drawings (1926), direcionava a abordagem do desenho infantil enquanto ferramenta na análise psicométrica, na medida em que, através do desenho realizado pela criança, se poderia avaliar a maturidade intelectual, nas suas funções perceptivas, de abstração e generalização. Por sua vez, Helga Eng publicava o primeiro estudo transversal intitulado The Psychology of Children´s Drawings (1932) no qual descreve a evolução gráfica infantil, acompanhada da análise psicológica do desenvolvimento (contando com analogias entre arte infantil e arte primitiva). Influenciado pelos pressupostos do paradigma do ESPELHO, Jean Piaget desenvolvia a sua teoria cognitiva identificando as contribuições do desenho infantil no desenvolvimento da aprendizagem, segundo a sua classificação em quatro etapas principais: Garatuja, PréEsquematismo, Esquematismo e Pseudo-Naturalismo. Apesar de, inicialmente, o percurso teórico-prático proposto pelo paradigma psicológico ter evoluido numa direcção distinta daquela do paradigma estético, as suas interconexões foram progressivamente aumentando e as fronteiras semânticas e contrastes das linhas de estudo foram dissipadas, dando origem a uma segunda geração de praticantes focados no campo interdisciplinar do desenho/arte infantil. Este campo foi expandido devido às influências modernistas na conjugação das ciências sociais, cognitivas e movimentos artísticos, fatores que conferiram a ambos os paradigmas a conceção do desenho/arte infantil contraposta à visão clássica na qual os proponentes de ambos os paradigmas pretenderam Na obra Le Dessin Enfantin (1927), Luquet descreve o desenho/atividade gráfica (pp.14-17) como forma de representação capaz de revelar o conteúdo da imagem mental da criança e o desenvolvimento das suas estruturas mentais através da distinção entre quatro estágios do desenho infantil: o Realismo Fortuito, o Realismo Fracassado, o Realismo Intelectual e o Realismo Visual. 16 marcar um distanciamento comum, visando uma abordagem mais heterodoxa da Educação Artística. Como tal, os três praticantes e teóricos com mais destaque do paradigma da JANELA, Schaefer-Simmern, Viktor Lowenfeld e Rudolph Arnheim, partilham a sua origem geográfica (República de Weimar), e dão continuidade ao esforço pioneiro de Cizek levando para os Estados Unidos os pressupostos deste paradigma. Os três autores são responsáveis pela visão e influência no paradigma estético, cuja continuidade foi assegurada desde a segunda metade do século XX por Seymour Bernard Sarason e Sylvia Fein, num movimento de reafirmação do paradigma da JANELA perante o impacto internacional crescente dos pressupostos do paradigma psicológico do do ESPELHO. 2.2. Transição entre gerações do paradigma do ESPELHO e da JANELA Na transição para o século XX surge o movimento artístico do Impressionismo, caracterizado pelo rompimento com os canones tradicionais da representação pictórica, em oposição às anteriores conceções neoclássicas e românticas. Priveligia-se o imediatismo da perceção e sensação perante o motivo da pintura através da observação direta do efeito fugaz da reflexão da luz solar na superfície dos objetos, em deterimento da pintura de modelos em estúdio. Em reação ao Impressionismo, sobretudo ao estilo naturalista de representação, surge na Alemanha o movimento artístico e intelectual cuja transversalidade aglutina diversas personalidades não só no campo da pintura, mas também da arquitetura, literatura, música, cinema, teatro, dança e fotografia – o Expressionismo. Durante o período anterior à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e até ao fim do período entre-guerras (1918-1939), o artista procura meios de comunicação que privilegiem a manifestação das suas emoções e visões subjectivas, relacionadas com circunstâncias históricas propiciadoras de sentimentos de pessimismo e angústia existencialista. A expressão individual, mais do que a impressão, define a essência da arte, a qual se viu também catalisada pelo contributo da Teoria Psicoanalítica de Freud. A este modo de conceber a arte como expressão, corresponderam práticas de Educação Artística próprias de uma corrente expressiva: exercícios não dirigidos, de expressão livre que, por oposição ao modelo anterior, procuravam promover a originalidade, através da cedência de liberdade. O foco é dirigido para as capacidades inatas da criança, equiparando-a a um artista (Agirre, 2005:219). Esta comparação (“criança artista”) leva ao enunciado de metodologias de ensino norteadas para atividades que visem a via de exteriorização do “eu”, e os seus fins deixam de ser subordinados à aprendizagem de normas, técnicas, conhecimentos e aquisição de destrezas. Segundo Arthur Efland (1990) a corrente expressiva surge ancorada no modelo Expressivo-Psicanalítico, o qual valoriza o processo criativo intuitivo e subjectivo, como premissas do desenvolvimento emocional e construção da personalidade. Por sua vez, os autores Al Hurwitz e M.Day destacam na obra Children and Their Art (2007), o impacto do movimento do Expressionismo na Educação Artística, preconizado peloàprofessor-artista de Viena, Franz Cizek (1865 – 1946): «Until the advent of expressionism or emphasis on children´s creative art production, art education remained remarkably aloof from artistic tradition. Expressionism first had its effects on art Education largely through the work of one outstanding teacher, Franz Cizek» (p.14). Deste modo, o conceito de Child Art torna-se no paradigma da JANELA, e Franz Cizek é apelidado como «the ‘father’ of creative art teaching» James P. Anderson refere em Franz Cizek, Art education’s man for all seasons (1969) que Cizek teorizou e implementou projetos artísticos dirigidos a crianças no intento de credibilizar os seus métodos e legítimar a promoção da autoexpressão em crianças. Distinguiu-se pelo seu vanguardismo na abordagem de ensino minimalista, diferente daquela associada aos currículos rígidos cujo objetivo era o treino da habilidade em copiar e domínio geométrico do traçado, em vigor nas escolas primárias da época (pp.27-30). Cizek adota um ambiente pedadógico adaptado a crianças, o estúdio, e altera o tipo de instrução formal: o trabalho procura estimular as tendências criativas inerentes a todas as crianças, permitindo-lhes explorar livremente as suas próprias ideias através de uma variedade de materiais. O autor reforma a conceção de Arte Infantil na Europa através do Child Art Movement (cujos pressupostos estiveram na origem do Movimento da Expressão Livre) a qual, até então, não tinha sido considerada motivo de destaque, manifestando uma profunda admiração pelos trabalhos artísticos das crianças e adolescentes, considerando as suas expressões como sendo de uma natureza mais pura. No que diz respeito à nova pedagogia, o trabalho de Cizek consistiu em definir o perfil de professor facilitador, capaz de promover a importância da autodescoberta e o acesso à criatividade individual – não no sentido da formação de artistas, mas com vista a «unfolding of the artistic personality of each individual». Este conceito, o de desabrochar,17 será adotado por Henry Schaefer-Simmern, como o âmago da sua teoria de Educação Artística. Através da análise contínua dos trabalhos dos alunos, Cizek define as leis permanentes que regem a atividade criadora das crianças, estabelecendo uma sucessão de três estádios no desenvolvimento da arte infantil, desde a etapa em que esta ainda não domina a linguagem verbal-conceitual até à puberdade, período sobre o qual o autor reflete sobre as razões da inibição da espontaneidade criadora. Estabelecendo a comparação entre as conclusões de Cizek sobre a inibição da criatividade nos adolescentes, numa reflexão atual, o artista e pedagogo Ferreira Gullar, escreve no artigo intitulado Arte Infantil (2006): «A perda da capacidade criadora da maioria das crianças ao atingir a puberdade tornou-se um dos mais sérios problemas com que se defronta essa nova pedagogia. Há (…) várias explicações, a começar pela que o vê como simples consequência do desenvolvimento biológico. Para Cizek, a civilização industrial é prejudicial à criança, mata nas pessoas o espírito criador. Na sociedade mecanizada de nosso 17 O termo “unfold” surge na litreratura europeia associado à aluna de Cizek, Ruth Kalmar Wilson. Esta afirmou: «Cizek’s class was not directed at all to creating artists but, rather, to unfolding of the artistic personality of each individual». Excerto citado por Peter Smith (1985) no artigo Franz Cizek: The Patriarch. Art Education, Volume 38 Number 2. pp. 28 – 31. tempo, a educação é orientada no sentido de preparar o indivíduo para a atividade estandardizada, a produção e o consumo em massa. Esse sistema transforma a maioria da população das cidades, de produtora em consumidora, extinguindo nela a imaginação, a criatividade e o real interesse pela cultura e pela arte». 18 A noção de Arte Infantil de Cizek foi progressivamente acalentada por educadores seus contemporâneos, de modo a que o paradigma da JANELA passaria a impôr-se no panorama da Arte-Educação do mundo ocidental, mobilizado principalmente pelos credos do movimento modernista da Arte. Em simultâneo, Cizek contra-argumentaria acerca do enfoque psicológico da expressão artística da infância, evocado pelos praticantes do paradigma do ESPELHO. De acordo com Wilhelm Viola (1944): «Cizek was also quite aware of the psychologist’s interest in children´s art and felt a need to respond: “There was always psychology in art. But to consider Child Art from a psychological point of view – as it has been done in recent years –is against my conviction. Art is not realised psychology but the formimg and shaping of life. All true art contains psychology, but so wonderfully dosed as only nature can dose» (p.32). A controvérsia instalar-se-ia entre os praticantes da segunda geração dos dois paradigmas, contando sobretudo com influências norte-americanas em contraposição com pressupostos dos autores provindos do contexto cultural e intelectual europeu, os quais viriam, no âmbito do mesmo paradigma (da JANELA), a seguir abordagens distintas. Num olhar transversal sobre a periodização dos três paradigmas representados na figura dos seus principais praticantes, são concretizadas na Educação Artística estratégias pedagógicas que privilegiam diferentes abordagens e perspetivas supracitadas e, como tal, importa representar essa correspondência, como consta no seguinte quadro: Fonte: artigo intitulado Arte Infantil (2006) de Ferreira Gullar, disponível «http://brasil.planetasaber.com/theworld/gats/article/printable.asp?ts=1&pk=2810&art=59&calltype=1» [Consulta: 21/09/2014]. 18 em Quadro 1 - Praticantes dos três paradigmas da educação Artística em análise: INFÂNCIA/PEDAGOGIA, JANELA e ESPELHO Pa adig a INFÂNCIA/ PEDAGOGIA Pa adig a da JANELA ªàge ação Pa adig a do ESPELHO ªàge ação ªàge ação ªàge ação J. J.Rousseau J.Pestalozzi F. F - el E.Cooke - J.Ruski - J.Sullyààààààààààààààà - F. Cizek - C.Ri iàààààààààààààà G.Ke s he stei e –à G.Rou a -à? G.H. Lu uetààà K. Buhle à H. S-Si - e V. Lo e feld R. A hei S. Sa aso - F.Goode ough J. Piaget H. E gàààààààààààààà -à R. Coles -ààà S. Fei -àà Apesar de surgirem enquadrados separadamente, importa referir que os praticantes de ambos os paradigmas propõem frequentemente actuações de forma combinada entre as abordagens psicológica e estética/formalista da Educação Artística. Porém, ScaheferSimmern focou sempre, de forma diferenciada as três dimensões da atividade artística: as bases (ou a génese da conceção visual), os processos (recurso à imaginação criadora na concreção dessa conceção) e as suas implicações (a cognição visual resultante da análise e compreensão do produto gráfico-pictórico finalizado), dimensões essas que são desenvolvidas no ponto 2.3, dedicado ao seu modelo de ensino. 2.2.1. Segunda geração de praticantes do paradigma do ESPELHO No início do seculo XX, o paradigma do ESPELHO é adoptado por praticantes que usam o desenho como ferramenta interpretativa na análise e interpretação de dados sobre o desenvolvimento do pensamento infantil. As informações obtidas visam o estudo da construção dos processos de representação gráfica de forma cada vez mais abrangente. Como os avanços no campo de pesquisa da Teoria da Mente, os profissionais ligados à Ciência Cognitiva tornaram-se o último subgrupo de praticantes do paradigma do ESPELHO: «The emphasis of these psychologists is the process of drawing, that is, the planning and execution of these drawings. It is not the finished product that interests them so much as the strategies and planning used to arrive at the finished product» (Kelly, 2004:93). Florence L. Goodenough viria a afirmar-se nesta da segunda geração de praticantes, como a maior impulsionadora deste paradigma. Educadores e outros psicólogos como Corrado Ricci, Georg Kerschensteiner, George Rouma, G.H. Luquet, Karl Buhler, Helga Eng, Jean Piaget e Robert Coles são considerados os praticantes mais influentes na abordagem psicológica do desenho infantil e cujas influências, em certa medida, viriam a entrecruzar-se com as do paradigma estético da JANELA, no trabalho dos educadores interessados quer na importância do desenho enquanto veículo de autoexpressão espontãnea, quer no pendor atribuído à atividade artística como forma de cognição visual. Os três autores mais influentes, oriundos da República de Weimar19, constituem a segunda geração no âmbito deste paradigma, ao qual será atribuído maior destaque no referencial teórico desta tese. 2.2.2. Segunda geração de praticantes do paradigma da JANELA A segunda geração de praticantes no âmbito deste paradigma conta com as perspetivas teóricas de Schaefer-Simmern, bem como com os contributos dos seus coetâneos Lowenfeld e Arnheim, os quais conceberam abordagens na Educação Artística que viriam a revelar-se muito distintas, ainda que todos se considerem praticantes do paradigma estético da JANELA, partilhando da visão sobre que a arte infantil como actuando como uma janela para o mundo. Os três autores viriam a trabalhar simultaneamente em Nova Iorque, onde confrontaram e consolidaram as suas perspetivas sobre Educação Artística. Consideramos que definir em profundidade os conceitos usados por Schaefer-Simmern é fundamental na clarificação da teoria única que desenvolveu. Este estudo foi realizado através da análise bibliográfica de Unfolding of Artistic Activity-Its Basis, Processes and Implications (1ª edição em 1948 e a 2ª edição em 1961) e Consciousness of Artistic Form (2003), publicação póstuma de textos e notas de Schaefer-Simmern pelos editores Gertrude Schaefer-Simmern (esposa), e alunos Roy Abrahamson e Sylvia Fein. No livro publicado em 2003, os pontos de vista dos dois antigos alunos são úteis na compreensão dos conceitos desenvolvidos por Schaefer-Simmern, podendo ser divididos em três categorias principais: aqueles relacionados à sua teoria em geral, e aqueles que estão relacionados com estratégias pedagógicas dirigidas a docentes, e às etapas do desenvolvimento artístico desde a infância até à adolescência. 19 Incluímos referências mais detalhadas acerca da República de Weimar na página 50 deste texto. 2.2.3. O Espírito da Época O clima intelectual e cultural, ou o espírito da época, exaltava o caráter individual da Arte, liberta de qualquer repressão ou condicionalismos académicos. No entanto, na sequência dessa supervalorização centrada no indivíduo, surgiu o movimento de reação ao individualismo expressionista, o qual passou a procurar na arte a sua função social e potencial de reconstrução. O Modelo Pragmático-Reconstrucionista tomou forma no final da década de vinte, enquadrado pela Grande Depressão, com forte influência do movimento da Educação Progressiva de John Dewey (1859-1952), cuja pedagogia aparece ancorada na conceção de uma sociedade mais justa e igualitária, na qual caberia à educação favorecer a adaptação dos estudantes ao seu ambiente social. Simultaneamente e em resposta ao Expressionismo, a estética Formalista afirma-se como movimento artístico com enfase na experiência visual e estética, a qual se relaciona com “desdobramentos” da Teoria da Visibilidade Pura de Conrad Fiedler (1841 - 1895), com relevância apenas para os valores intrínsecos dos elementos visuais na apreciação estética no campo das Artes Visuais (como as linhas, cores e suas interações em planos e superfícies). São aqui considerados como irrelevantes, os valores do psicologismo das emoções ou ideias, reduzindo-se o sentimento estético às propriedades formais do produto artístico finalizado. Numa outra vertente, desenvolve-se a estética sociológica e antropológica, consolidando uma nova taxionomia na qual a obra de arte é estudada como objeto civilizacional, com importante significado histórico e cultural. A afirmação deste discurso interdisciplinar ocorre aravés do método sociológico de Pierre Francastel (1900 – 1970), no mapeamento de questões como a amplitude e a natureza intrínseca da arte, o estatuto das artes na tipologia das linguagens e, o lugar ocupado por elas nas sociedades (Jorge L. Campos, 2003).20 Referência à Arte enquanto “objeto civilizacional”, documentado por Jorge Lucio de Campos no artigo intitulado: Pierre Francastel, Um Sociólogo. Da Criação Imaginária (2003), disponível em «http://serbal.pntic.mec.es/AParteRei/lucio2.pdf» [Consulta: 01/09/2014]. 20 Situado no espaço de confluência entre as estéticas formalistas e a visão da Racionalidade Histórica da Arte encontra-se Schafer-Simmern, cuja teoria demonstra o impacto inicial da filosofia de Dewey na Alemanha – através do movimento da antropologia filosófica, e que mais tarde surgiria alinhada com o pragmatismo deweyano nos Estados Unidos.21 É igualmente enquadrada no período durante o qual foram estimuladas importantes alterações sobre a visão do mundo e a humanidade, e lançadas questões morais e éticas acerca do potencial destrutivo do ser humano. Em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é reforçada a importância da autonomia moral do indivíduo em detrimento do imobilismo acrítico face ao autoritarismo para que, pudesse enfrentar no futuro os problemas da ordem política e social. Através desta diretiva da Organização das Nações Unidas, com um intento nivelador das desigualdades sociais, procuraram-se políticas socioeducativas capazes de promover a educação como prática cívica, transformadora da sociedade, tentando evitar assim as consequências da dimensão agressiva decorrente do anterior radicalismo político da Alemanha Nazi. A dimensão incalculável das perdas humanas aquando da Segunda Guerra Mundial configuram um fosso profundo no percurso evolutivo da civilização humana e a análise realizada pelas nações sobre o conflito levou a importantes consequências políticas, traduzidas na defesa dos conceitos de Liberdade, Direitos Humanos, Igualdade e Oportunidade de Desenvolvimento e de Expressão, agora acessíveis a todos. O Pós Guerra emancipou na sociedade grupos que iniciaram a sua redefinição em termos de capacidades e estatuto social e cultural, desafiando anteriores conceções sobre o valor individual. Inegavelmente, a expressão artística tornou-se um veículo dessa emancipação, projetando valores de autoafirmação canalizados para um sentido de pertença O termo Pragmatismo possui o seu étimo na palavra grega “pragma” e significa ação, e da qual surgiu a palavra “prático”, usada actualmente. Foi introduzido pela primeira vez em filosofia por Charles Peirce, em 1878. Face às mudanças inerentes à revolução científica, à revolução industrial, e à revolução política representada pelo pensamento democrático, Dewey (1958) refere em A Filosofia em Reconstrução: «Uma filosofia ajustada ao presente deve tratar daqueles problemas que resultam de mudanças que se processam num setor humano-geográfico em escala cada vez mais ampla e com poder de rapidez e de penetração cada vez mais intenso; eis aí uma indicação bem marcante da necessidade que se faz sentir de uma espécie de reconstrução diversa, em todos os sentidos, daquela que está agora em evidência» (p. 3). 21 mais amplo. Na visão pragmática centrada no aluno enquanto participante responsável na sociedade, Dewey rejeita a educação pela instrução (ensinar por ensinar), e equaciona em Art as Experience (1934) e Experience and Education (1938), o papel da arte como elemento fundamental na relação com o potencial crítico e transformador da pedagogia social. Reportando-se à promoção das competências sociais pela arte, Dewey afirma no prólogo por si escrito na obra de Henry Schaefer-Simmern, Unfolding Artistic Activity (1948), que a atividade se torna artística quando esta contempla a participação global da personalidade nos domínios intelectual, emocional e físico do indivíduo, de uma forma holística e acessível a todos os indivíduos participantes de uma herança humana e natural. Consequentemente, afirma que a atividade artística é o meio pelo qual é possível contribuir para a construção de um mundo mais humanizado «the way in which art exercises its humane function» (Dewey,1934:346). Como Dewey, Schaefer-Simmern sugere que é pela arte que se torna possível a compreensão dos componentes mais profundos de civilizações distantes da nossa vivência, e que essa compreensão pode levar ao rompimento barreiras e permitir a comunicação entre culturas. Em consonância, estes autores afirmam que existem implicações na atividade artística, com base nas experiências individuais, capazes de favorecer a integridade pessoal e, em consequência, contribuir para a revitalização da sociedade. «Art education that recognizes artistic activity as a general attribute of human nature and that aims at the unfolding and developing of man’s latent creative abilities will then contribute its share to the great task which faces all of us, the resurrection of a humanized world» (H.S-Simmern,1948:201). Herbert Read (1893-1968) escreveu e publicou a obra Education Through Art (1943) em plena Segunda Guerra Mundial, tendo sido notória no seu pensamento a influência desse clima de destruição. De acordo com Read a sofisticação da civilização moderna e da própria educação, tinha colocado em risco o processo natural de integração e comunicação pessoal dos indivíduos. Como tal, defendeu a arte como base da educação, baseada na pedagogia da Expressão Livre, como potencial contributo para a Harmonia Social e a Paz (Efland, 1990). 2.3. Modelo de Educação Artística de Henry Schaefer-Simmern O conceito de criatividade e o seu potencial foi amplamente destacado pelo autor ao considerar necessário o seu desenvolvimento individual, num contexto histórico-cultural denominado Era da Máquina, época na qual a indústria alterava drasticamente o estilo de vida dos operários devido à natureza repetitiva do trabalho fabril. Schaefer-Simmern acreditava que através da atividade artística, as pessoas recuperariam a sua capacidade criativa e reequilibrariam as dimensões da existência humana. Montemayor (2008), sugere que este esforço pelo resgate da criatividade ainda hoje revela a sua atualidade, desta vez numa era dominada pelo trabalho digital e pela constante presença dos media. O uso dos computadores e outros recursos tecnológicos em ambiente laboral e doméstico afirmam-se como indispensáveis e, contudo, esses mesmos recursos podem fomentar a angústia e o isolamento dos indivíduos devido a razões semelhantes às evocadas por Schaefer-Simmern relativamento ao trabalho dos operários (p.13). Ao considerar-se como um “universalista” Schaefer-Simmern questiona o axioma que sustenta a atividade artística como um talento especial somente encontrada num grupo restrito de pessoas. Refere que esse axioma tem a sua fundamentação nas convenções históricas e culturais, as quais têm vindo a promover uma visão dicotómica do mundo baseada na distinção entre indivíduos, concretamente no âmbito da atividade artística nas artes visuais, entre os que possuem o “dom” ou não para desenhar ou pintar. Ao longo da sua carreira como professor, teceu considerações fundamentais sobre o potencial artístico de todos, em geral – crianças, jovens e adultos - e daqueles com algum comprometimento cognitivo ou em risco de exclusão social, em particular, com os quais desenvolveu projetos de Educação Artística não-formal, dos quais resultaram detalhados Estudos de Caso, documentados na obra Unfolding Artistic Activity: Its Basis, Processes and Implications. Num dos projetos descritos menciona o trabalho em parceria com o psicólogo Seymor Sarason numa instituição psiquiátrica junto de residentes com deficiência mental, experiência sobre a qual S. Sarason baseia o seu livro The Challenge of Art to Psycholoygy (1990). Nos diferentes estudos de caso, Schaefer-Simmern testemunhou a ocorrência de transformações a vários níveis nos participantes dos projetos de Educação Artística, concretamente ao nível emocional e comportamental. Face às mudanças tornadas evidentes, Schaefer-Simmern acreditava que «the Self manifests something of extreme importance from the deepest level of personal existence that was previously hidden, mysterious, or unknown in the unfolding of artistic development» (Raymond Berta, 1994:217). Este processo transformativo, associado ao desabrochar da consciência artística, é defendido pelo autor como sendo acessível a “não-artistas”, e encontrado universalmente em todo o percurso histórico da Humanidade, em pessoas de diferentes idades, capacidades intelectuais, género ou etnicidade. Neste posicionamento a Arte e Educação têm um valor instrumental e a metodologia centra-se na resolução de problemas, situações próximas do dia-a-dia em que o conhecimento sobre arte actua como um potencial instrumento de transformação, promovendo o envolvimento e participação numa dimensão sociopedagógica. 2.3.1. Apresentando o autor Apesar de não se tratar de aqui de uma tese sobre a vida e obra de Henry SchaeferSimmern, consideramos que as inovações teórico-práticas na sua metodologia de ensino no campo da Educação Artística evidenciam aproximações pertinentes no debate sobre as artes visuais junto de alunos com necessidades educativas específicas, pelo que neste ponto encontra-se sintetizado o percurso académico do autor, sobretudo a sua carreira como professor nos Estados Unidos desde 1937 até à data da sua morte em 1978. Na pesquisa biográfica incluímos igualmente alguns aspetos da sua formação artística enquanto estudante, por serem referidos pelo próprio como métodos de ensino aos quais se viria a opor na sua vida profissional. Inicialmente na área das Letras, a formação universitária de Schaefer-Simmern conferiu ênfase à aprendizagem rigorosa dos clássicos da literatura. A preponderância desta formação académica justifica, em parte, a dificuldade em fazer compreender a sua teoria nos Estados Unidos, pois muito do complexo léxico usado para designar os conceitos traduzidos para o inglês, tal como “psicobiological whole”, “visual cognition” e “Gestalt” não se enquadrava, à época, no vocabulário tradicional da maioria dos contextos de ensino de arte norte-americanos. É possivelmente por esta razão que o seu livro The Unfolding of Artistic Activity não se teria tornado tão amplamente consultado por professores de Educação Artística, relativamente a textos de outros autores desta altura. No entanto, ainda que muitos dos conceitos surjam nos EUA pela sua teorização sobre o desenvolvimento da atividade artística, é possível encontrá-los na língua original (alemão e austríaco) através do mapeamento das influências teóricas e referências de autores como Cizek, Conrad Fiedler e Gustav Britsch (1879-1923).22 Ainda durante a época em que Schaefer-Simmern frequentava o ensino superior, teve lugar o início duma nova república na Alemanha, cuja orientação política emergente ficou conhecida como a República de Weimar (1919-1933). A Constituição de Weimar a 11 de Agosto de 1919 promoveu uma abordagem mais democrática na educação, exigindo uma frequência mínima no ensino primário de oito anos, e oferecendo continuidade dos estudos até aos dezoito anos de idade sem custos financeiros. Esta república durou até ao início do Terceiro Reich liderado pelo partido Nazi em Março de 1933. Schaefer-Simmern lecionou e continuou o seu desenvolvimento profissional adquirindo certificações de ensino superiores e entre 1919 e 1920 tornando-se membro de H. Schaefer-Simmern nasceu em 11 de Dezembro 1898 em Haan-on-the-Esels, na Alemanha. Frequentou a escola primária durante o período Wilhelmian sobre o qual refere que a maior parte da formação artística recebida se resumia ao desenho de cópia, mediante reproduções de obras de arte clássicas. Frequentou mais tarde o Realgymnasium Ohligs-Wald de 1908 a 1916 (Berta, 1994:533), ramo do Gymnasium que integrava o estudo das línguas clássicas Grego e Latim bem como as línguas modernas Inglês e Francês. Nesse período Schaefer-Simmern cedo manifestou o seu intuito de estudar Arte, mas o seu pai, diretor de uma fábrica de sapatos, não concordou com a sua decisão e sugeriu-lhe estudar na área da Educação. Schaefer-Simmern frequentou de 1916 a 1917 a Teachers College em Mettman e recebeu o diploma de professor do ensino básico (Berta, 1994:533). Após a morte do seu pai em 1916, Schaefer-Simmern teve a possibilidade de seguir a carreira que ambicionava, e em 1917 iniciou a frequência no ensino artístico na Academia Pública de Belas-Artes em Düsseldorf até 1919, onde recebeu o diploma de professor do Gymnasium e do Teachers College (Berta, 1994:534). No entanto, a instituição adoptava métodos clássicos de ensino artístico que incluíam atividades como o desenho de observação a partir de escultura e estudos a partir de Natureza Morta, métodos estes que Schaefer-Simmern rejeitaria anos mais tarde aquando do desenvolvimento da sua abordagem pedagógica. 22 uma associação de artistas expressionistas e com o seu próprio estúdio em WuppertalElberfeld. Sobre essa experiência, viria a relatar o seguinte: «I lost thirty years of my life before I learned the meaning of genuine art, what I could do myself, and what was my own art. All my studies at Dusseldorf and Kassel Art Academies were complete nonsense. I didn´t learn anything except imitating nature, duplicating techniques, copying the styles of other artists, and reproducing the latest art vogues. Even though I had exhibited (…) I was a complete fraud. My paitings were not but swindle. My work was non-artistic because it was not mine; it was not from my own convictions (…) I burned all my Expressionist paintings on a Sunday morning in 1928» (Berta, 1994:263). De 1920 a 1923, simultaneamente à prática artistca da pintura, lecionou Arte no Gymnasium em Simmern, uma pequena cidade na Renânia (Berta, 1994:535), e acrescentou o nome da cidade de Simmern ao seu sobrenome para evitar ser confundido com outro artista homónimo. Em Simmern trabalhou com alunos do quinto ao décimo terceiro ano, com idades compreendidas entre os dez e os vinte anos. Entre 1923 e 1925, Henry Schaefer-Simmern estudou na State Academy of Fine Arts em Kassel e recebeu um diploma de ensino em Industrial Arts in Gymnasiums and Teachers Colleges. Em 1925, foi-lhe atribuído o grau de professor efectivo no Gymnasium de Educação Artística pelo Ministério Prussiano da Ciência, Arte e Educação em Berlim (Berta, 1994:535). De 1926 a 1933, Henry Schaefer-Simmern foi presidente do Departamento da Arte no Gymnasium Musterschule ou Escola Modelo em Frankfurt-am-Main. Durante este período, organizou uma exposição de arte itinerante e apresentou obras elaboradas pelos alunos sob a sua supervisão na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos (Berta, 1994:523). Em 1928, Schaefer-Simmern trabalhou como correspondente no jornal Frankfurter Zeitung com o objetivo de fazer a reportagem sobre o Congresso Internacional de Educação Artística realizado em Praga, na Checoslováquia, no qual contactou com a teoria de Gustaf Britsch através dum aluno do mesmo, Egon Kornmann. Posteriormente fundou uma escola artística para os desempregados e “leigos” na prática artística, a qual funcionou entre 1929 e 1933, após ter constatado esta necessidade face ao período de depressão económica. Entre 1930 e 1933 Schaefer-Simmern tornou-se presidente do Departamento de Arte no State Teachers College for Higher Education em Frankfurt, onde lecionava no curso de licenciatura na formação de professores de Arte dos Gymnasiums (Berta, 1994:538). Em simultâneo dirigiu um programa semanal de rádio sobre Educação Artística para a estação emissora pública em Frankfurt. Sendo apelidado de «politically unreliable» por ter recusado aliar-se ao partido Nazi, viu o fim à sua carreira no ensino em Weimar em Abril de 1933: «When we think of Weimar, we think of modernity in art, literature and thought: we think of the rebelion of sons against fathers (…) And we think, above all, of the exiles that exported Weimar culture all over the world (…) when the Nazis seized control of Germany, the exiles Hitler made were the gratest collection of transplanted intellects, talent, and scholarship the world has ever seen» (P. Gay, 1968, pp.xiii-xiv). Após o exílio Schaefer-Simmern continuou a estruturar a sua teoria, familiarizandose com alguns dos autores mais influentes norte-americanos, como Jonh Dewey e Rudolph Arnheim. 2.3.2. Influências teóricas e aspetos centrais da filosofia de H. Schaefer-Simmern Schaefer-Simmern desenvolveu a sua própria filosofia da Educação Artística, inspirado pelas perspetivas críticas de autores europeus: através de Conrad Fiedler, tomou conhecimento do conceito de Cognição Artística, e através de Gustaf Britsch e Egon Kornmann, refletiu sobre as propriedades universais da Arte. O autor pesquisou as etapas do desenvolvimento artístico e ampliou-as através da teoria de Britsch e Kornmann. Partilhava a ideia de que a atividade artística é inata e direcionou a sua metodologia para grupos de trabalho sem qualquer tipo de formação artística específica. Sobre a temática da Cognição Artística de Fiedler, Schaefer-Simmern afirma: «His endeavor is nothing else than the search for the true origin of the artistic consciousness as it is artistically manifested in works of art» (Schaefer-Simmern, in Fiedler, 1957: 35). A influência de Fiedler foi de tal modo importante que Schaefer-Simmern viria, conjuntamente com Fulmer Mood, a traduzir a obra On Judging Works of Art, do alemão para inglês, em 1957, tornando-a mais acessível a um público mais vasto nos Estados Unidos. Fiedler acreditava que o artista podia “pensar visualmente” em formas holísticas através da transformação de experiências perceptivas, em diferentes graus de conceção visual. Herbert Read (1893-1968) foi igualmente inspirado por Fiedler e incorporou referências no livro Icons and Ideas: The Function of Art in the Development of Human Consciousness (1955). Como citamos anteriormente Schaefer-Simmern conheceu Franz Cizek e Egon Kornmann (1887- data do óbito desconhecida) na Conferência Internacional de Educação Artística em Praga e viria a interessar-se pela teoria de Gustaf Britsch, denominada por Theorie der bildenden kunst (1926), obra que o viria a inspirar a sua própria filosofia de ensino. Entre as ideias principais encontra-se a crença na universalidade da atividade artística, e a sua relação com as funções cognitivas do indivíduo, independentementes da idade, nacionalidade e background cultural. Schaefer-Simmern refere-se sistematicamente às ideias de Britsch na sua obra The Unfolding of Artistic Activity. No prefácio Schaefer-Simmern escreveu: «My work in art education has been decisively stimulated by Britsch’s theory. For twenty years I have tested his principles in practice, with children and adults, persons of different nationalities and of different mental, educational, and economic backgrounds. I have extended his theory and added to his findings. Out of this experience a doctrine of art education has emerged which may serve as a stimulus for new educational procedures and may activate latent, hitherto unconsidered, potentialities in artistic as well as other fields of human functioning» (p. xi). De modo a compreender a teoria de Schaefer-Simmern é importante entender os pontos de vista de Britsch, por existirem ligações óbvias entre ambos como a validação dos pressuspostos: a atividade artística é inata; o desenvolvimento das formas “desabrocham” organicamente das mais simples para as mais complexas; o ser humano tem o potencial para a cognição artística e o “apelo” para a realização de configurações visuais é universal. Schaefer-Simmern tomou conhecimento com a Berlin School of Gestalt Psychology através de Max Wertheimer em 1927, altura em que Arnheim completava o seu doutoramento sob orientação daquele professor. Os conceitos que se reportam à sua teoria são amplamente influenciados pela Teoria da Gestalt: Visual Conceiving, Artistic forms, Visual Configurations, Gestalt forms or formations, Figure-ground relationship, Psycobiological whole or wholeness, Visual Cognition, Artistic Cognition e Insight. Relativamente ao conceito «Psycobiological Whole», este define-se como a relação holística entre a mente e o corpo, os quais actuam em simultaneidade na criação da totalidade da forma artística: «The unfolding of artistic consciousness occurs in a process when the intuitive, the felt, and the aesthetic live harmoniously» (Sally Gradle, The Unfolding Inner Teacher: Applying Holistic Ideas from Kenneth Beittel & Henry Schaefer-Simmern, 2010). O principal pressuposto da sua teoria é o de que a capacidade de transformar experiências de perceção visual em criação de imagens Gestalt é algo inerente à mente humana. SchaeferSimmern acreditava que as crianças têm tal capacidade a um nível elementar. No que concerne ao conceito «Visual Conceiving», o autor define-o de acordo com o seu sentido literal: «[the child] creates a definite organization of form by which he comprehends the world visually. His drawings, therefore, must be evaluated as independent visual entities. Their existance can be explained only as the result of a definite mental activity of conceiving relationships in the realm of pure vision – an activity that may called “visual conceiving” and its pictorial realization, which is “visual conception”. The term visual conception is used in a literal sense, to designate that which is conceived or begotten in the mind and which causes the birth of a visual configuration of form, that is, the artistic form. Mental activity that transforms the multiplicity of visual impressions into self-created visual unities leads to visual cognition» (1961:13). Enquadrado na criação da forma artística, o conceito de Visual Cognition resulta de um processo biopsicossocial de construção da experiência visual numa síntese visual da Forma. Quanto ao conceito «Figure-Ground Relationships», é definido pelo contraste visual das características formais que diferencia a figura do fundo: a figura colocada no espaço (suporte visual) relaciona-se com o fundo (a figura difere formalmente do contexto onde se encontra colocada), descrito pelo autor como: «intentional marks are the “figures” and their surroundings become the “ground”» (1948:10). Quanto ao conceito de «Artistic Forms», este é equiparado às formas Gestalt, as quais consistem em estruturas holísticas onde as configurações visuais (linhas, formas, estruturas e espaço) se relacionam numa interfuncionalidade como um todo integral. É definido em Consciousness of Artistic Form (2003) como: «these artistic, Gestalt forms are created in the mind’s subconscious, intuitive domain and are expressed through tools, materials, processes (drawings, painting, etc.) and techniques as works of art» (p.xv). O conceito de «Insight», central na psicologia Gestalt, é dificilmente traduzível para a língua portuguesa, é descrito como o evento cognitivo ou processo de “revelação” que o fazer artístico permite em cada etapa, à medida que o indivíduo se envolve na atividade artística e se sente impulsionado para a etapa seguinte: «People are ready to advance as their level of visual conception increases. This concept is important because it reminds us of that universal aspect - everyone comes with the innate desire to make marks» (Schaefer-Simmern, 1948, citado por Elisabeth Montmayor, 2008:69).à Apesar dos princípios da Gestalt não definirem propriamente uma teoria de aprendizagem, antes uma teoria psicológica, o conceito de Insight revela-se importante para o estudo do processo de aprendizagem, sendo traduzido pela perceção das relações entre elementos de uma situação problemática, concretamente num problema visual. Sabemos que a potenciação da aprendizagem por insight está relacionada com as estratégias metodológicas, as quais podem promover a eliciação do insight através da estruturação dos conteúdos de modo interdisciplinar, relacionando cada um com as áreas de aprendizagem mais abrangentes (o todo e o tópico), recorrendo tanto ao pensamento divergente como convergente na procura de uma solução para resolver problemas. A utilização dos principios Gestalt na Educação Artística conduz-nos ao cerne da teoria de Schaefer-Simmern e ao conceito síntese de «Artistic Activity», descrito como a realização/concretização pictórica resultante da conceção visual na qual surgem as configurações visuais Gestalt, ou Gestalten - estruturas simples de formas que precedem as mais complexas - indicando assim o percurso natural que possiblita que as capacidades artísticas se revelem, desabrochem e desenvolvam ao longo de diversos estádios. «The visual configurations, which may be termed the artistic forms, is the artist´s language by which he expresses his ideas visually and artistically. It is the artistic form that realizes and that symbolizes its creator´s artistic consciouness» (1961:8). No entanto, a aproximação de Schaefer-Simmern ao conceito de Gestalt, conceito previamente estudado porà Goethe (1749 - 1832) nos seus pontos críticos, revela um distanciamento relativamente ao núcleo teórico da Psicologia Gestalt. Apesar de apelidado de estruturalista, o autor procura ir, na sua teoria, para além da noção de estrutura mental pré-estabelecida ou do esquema fixo de perceção visual, argumentando a favor de uma conotação de estrutura enquanto organizadora a todos os níveis e a todas as áreas da experiência. De facto, sobre a perceção Gestalt, não se refere como princípio ou mecanismo, mas enquanto a construção de “sentido”, similar à perspetiva de Goethe como «an empirical element held fast for a mere moment of time»23 pois nada num organismo vivo pode considerar-se permanente ou definitivo - tudo existe num fluxo contínuo.à 2.3.3. (In)visibilidade da obra Temos vindo a referir que o contributo teórico de Schaefer- Simmern parece ter sido remetido para uma certa condição de invisibilidade. De entre os autores que têm reexaminado a sua obra, Roy Abrahamson tem tido um papel importante na promoção das ideias através do texto Henry Schaefer-Simmern: His Life and Works (1980): «his research and his teachings have not been neglected for being outmoded, for they are far from that. They have not been rejected by those colleagues who have given Conceito de Gestalt segundo Johann Wolfgang von Goethe, disponível em «https://www.marxists.org/glossary/terms/g/e.htm» [Consulta: 03/10/ 14]. 23 his works careful attention. But his works have not received the scholarly attention they so richly deserve. As a whole, his ideas and research have been overlooked in the field of art education» (p:12). A visão deste ex-aluno e estudioso da obra de Schaefer-Simmern contém aspetos biográficos relevantes assim como informações sobre as suas influências teóricas. Um dos aspetos biográficos sobre Schaefer-Simmern é a circunstância de, devido a conflitos políticos, o autor ter emigrado para Nova Iorque24. De referir igualmente o artigo de Abrahamson, Henry Schaefer-Simmern’s Research and Theory: Implications for Art Education, Art Therapy and Art for Special Education (1985), o qual chama a atenção para a pesquisa do autor sobre as estratégias metodológicas que este desenvolveu conciliadas no campo da educação Especial, entre as quais a denominada por «Teacher Directed SelfEvaluation of Art Products» com o acrónimo TDSEAP (1985:251). Igualmente pertinente para este estudo é a intervenção documentada de SchaeferSimmern junto alunos da instituição psiquiátrica em Southbury, em Connecticut, com a equipa do psicólogo Seymour Sarason. Em Psychological Problems in Mental Deficiencies (1949), Sarason dedicou uma parte da obra à descrição do trabalho de Schaefer-Simmern junto de uma paciente (Selma), descrevendo a evolução do seu desempenho neste contexto de Educação Artística não formal, onde desenvolveu atividade artística regular, individualmente e em pequeno grupo. Sarason afirmou que a alteração de comportamento, concretamente nas competências sociais da paciente fora notável. Para além de Sarason, as referências de Abrahamson e de Andersen acrescentam igualmente valor e dimensão à abordagem pedagógica de Schaefer-Simmern, cujo sucesso nos resultados dos projetos de Educação Artística, foram partilhados e documentados por A ascenção do partido Nazi na Alemanha constituía uma ameaça para Schaefer-Simmern por este ser de origem judaica, condição comum aos autores Lowenfeld e Arnheim. Chegado aos Estados Unidos após uma fuga dramática, não sabendo fluentemente a língua inglesa, evoluiu por si próprio a ler e a escrever em inglês, ao traduzir a obra de John Dewey Art as Experience (1934), o qual teve um grande impacto em SchaeferSimmern. Dewey viria posteriormente a escrever o prefácio da obra The Unfolding of Artistic Activity. Quando finalmente foi capaz de dominar a língua, Schaefer-Simmern começou a dar palestras no Museu de Arte de Cleveland e em 1939 recebeu uma bolsa de pesquisa atribuída pela Fundação Russell Sage o que apoiou na pesquisa para o seu livro The Unfolding of Artistic Activity. Lecionou durante três anos na Universidade da Califórnia em Berkeley tendo fundado o Instituto para o Ensino de Arte (IEA) e mais tarde começado o seu último período de ensino em St. Mary’s em Moraga, Califórnia. 24 estes autores na comunidade científica. Abrahamson sintetiza a filosofia de ensino centrada no aluno de Schaefer-Simmern da seguinte forma: «He believed that education starts with the individual student and not with externally prescribed bodies of ‘knowledge’ from the teacher» (1980:252). Wayne Andersen foi também aluno de Schaefer-Simmern no Instituto para o Ensino de Arte em Berkeley na Califórnia antes de se tornar professor na Universidade de Tecnologia de Massachusetts (MIT). O artigo de Andersen A Neglected Theory of Art History (1962) fornece informação relevante sobre as influências históricas de anteriores pedagogos alemães, referidos no anterior ponto 2.3.2 deste capítulo. A já destacada influência de Rudolf Arnheim, psicólogo Gestalt em Nova Iorque em 1942, altura em que iniciou a sua convivência com Schaefer-Simmern, cedo mostrou afinidade com o professor e a sua teoria na esteira do trabalho de Gustav Britsch, tendo vindo a incorporar muitos dos pressupostos sobre as etapas do desenvolvimento artistico infantil na obra Toward a Psichology of Art (1966). Em Visual Thinking (1969) Arnheim volta a referir Schaefer-Simmern, concretamente sobre a relação figura-fundo, uma componente importante da sua teoria de suporte à observação e avaliação das realizações artísticas dos alunos (pp.285-286). Em Art and Visual Perception (1954), estabelece a proximidade entre conclusões interdisciplinares no campo investigativo da psicologia e da educação: «It is encouraging for me to discover that similar conclusions had been reached independently in the field of art education. In particular Gustaf Britsch, with whose work I had become acquainted through Henry Schaefer-Simmern, asserted that the mind is a struggle for an orderly conception of reality which proceeds in a lawful and logical way from the perceptually simplest patterns to patterns of increasing complexity. There was evidence that the principles revealed in the gestalt experiments were also active geneticall». (p. 6). Para Schaefer-Simmern o emergente consenso na década de sessenta acerca da fundamentação da abordagem artística baseada no paradigma da JANELA esteve praticamente a desvanecer-se perante o popular e influente Lowenfeld, cuja perspetiva se afirmava pelo posicionamento que questionava a existência de um modelo de Educação Artística, na medida em que tal modelo, a existir, implicaria um absoluto (logo impraticável) enfoque individualizado junto de cada aluno. Porém, como já referimos, Arnheim foi determinante na confluência do estruturalismo pragmatista de Schaefer-Simmern e do estudo da expressão artística na vertente psicológica de Lowenfeld, expandindo o paradigma da JANELA rumo a uma maior credibilização junto da comunidade científica e educativa internacional. Esta parceria no trabalho investigativo, bem como a amizade e a influência de Schaefer-Simmern na University of California Press, foram também determinantes aquando da publicação da primeira obra de Arnheim em inglês, em 1954: Art and Visual Perception, cuja versão revista viria a ser publicada em 1974. Sobre a supracitada obra Schaefer-Simmern defende: «It is generally agreed that his book has provided the very best application of Gestalt perceptual psychology to children´s art and to art in general. Arnheim´s Gestalt theory is a compreensive system that surpasses any previous attempts to systematize a formalist theory of art» (Berta, 1994: 548). Em Art and Visual Perception, Arnheim sublinha a concordância com os fundamentos da teoria formalista/estruturalista de Schaefer-Simmern: «Finally, there was a wholesome lesson in the discovery that a vision is not a mechanical recording of elements but rather the apprehension of significant structural patterns. If this was true for the simple act of perceiving an object, it was all more likely to hold also for the artistic approach to reality» (1974:6). A proximidade intelectual entre os dois autores vinculou as suas conceções no plano teórico quanto ao desenvolvimento da atividade artística e no plano ideológico, pois ambos defendiam a visão instrumentalista e sócio-crítica da Educação Artística, na qual a arte era capaz de modelar significativamente a identidade e a sociedade. O princípio universalista de que a apreciação e a realização artística está ao alcance de todos foi igualmente reiterado por Arnheim: «The psychological interpretations of the growth process (…) relies heavily on Schaefer-Simmern theoretical formulations and life long experience as an art educator. The Unfolding of Artistic Activity has demonstrated that the capacity to deal with life artistically is not the privilege of a few gifted specialists, but tis available to every person whom nature is an indispensable part of the study of man» (1974:7). O debate sobre o processo de pensamento visual (ou cognição visual segundo SchaeferSimmern) tornou-se numa prerrogativa comum, tendo tornado difícil a atribuição a um ou a outro, a génese da sua conceptualização: «For me, artwork is a form of visual thinking, and beyond that, all the areas of human knowledge and human activity require the capacity of dealing with visual imagery» (Arnheim, 1984)25. De facto, seis anos antes da versão original da obra Art and Visual Perception, Schaefer-Simmern refere: «The entire experience reveals that from the beginning, artistic activity is an autonomous operation…based upon sensous creation and “visual thinking” of relationships of form…artistic activity should be considered as a part of nature. Its growth can only take place in accordance with natural laws of unfolding and development, simple structures precede complicated ones...according the evolutionary laws of visual conceiving» (1948:198). Mencionamos anteriormente que existem diversas reflexões sobre a razão pela qual o contributo de Schafer-Simmern não ter tido pelo menos tanta visibilidade, comparativamente a Lowenfeld na Educação Artística. Uma das razões reporta-se ao facto de que a SchaeferSimmern não ter sido atribuída a orientação de alunos de doutoramento na sua carreira como professor, ao contrário de Lowenfeld que pode dessa forma divulgar os princípios teóricos e a sua abordagem pedagógica (nomeadamente em Creative and Mental Growth com W. Lambert Brittain), outra razão seria a forte personalidade de Schaefer-Simmern e a rejeição do movimento Expressionista Abstrato na época muito popular. Mas, seria sobretudo o facto da recusa em comprometer as suas ideologias no campo da Educação Artística, a favor de modelos que considerava obsoletos, ou a favor dos argumentos de outros autores, como sucedeu com Lowenfeld. Fonte: entrevista realizada por David A. Pariser, publicada em 1984 com o título «A Conversation with Rudolf Arnheim». 25 A sua discordância foi tornada pública aquando da First National Art Education Association Meeting, Nova Iorque, em 1951 (Berta, 1994:29-31), no qual Lowenfeld era orador. Quando este mencionava o primado da sua teoria pela self-expression no desenvolvimento da criatividade, foi interrompido por Schaefer-Simmern e confrontado com a validade dessas afirmações. Schaefer-Simmern referiu que a abordagem “laissez-faire” não promove o desenvolvimento da cognição das formas artísticas, na procura de «inner sense for unity of artistic forms» (2003:17). Apesar disso, ambos pedagogos como já referimos, numa fase inicial da sua carreira, haviam elaborado as suas abordagens teóricas baseadas em pontos comuns. Criticando perentóriamente as práticas de EA que pretendiam enfatizar a preferência pela livreexpressão, explicou: «To the psychologist and psychiatrist this kind of self expression offers insight into various importante psychological processes – a fact which explains why such investigators are less interested in the artistic quality of the child´s work than in drawing and painting as a “projective technique” (…) hence, the educational method which aims at self-expression, though it may have psychological values, does not forward the growth of the child´s artistic abilities» (p.5). As aceções dos dois autores relativas aos estádios de desenvolvimento artístico surgem marcadamente divergentes: Lowenfeld desenvolveu a sua visão dos seis estádios de desenvolvimento gráfico e criativo infantil do ponto de vista da compreensão da evolução cognitiva, na esteira do trabalho de Luquet (1969) com o conceito de “modelo interno” referente à realidade psíquica transposta para o desenho. Já Schaefer-Simmern, realiza a análise do desenvolvimento nos estádios somente com base na produção gráfica-pictórica, ou «pictorial data only» (1948:8), não tendo como “guião” uma matriz etária ou de desenvolvimento psicológico da criança, mas antes a progressão da conceção visual traduzida nas formas ou configurações artísticas. A diferenciação gradual dessas estruturas da forma é a base para avaliar cada estádio de desenvolvimento, sem excluir a possibilidade de a criança “transpor” alguma etapa ou regredir em certos momentos da sua atividade artística (ver quadro seguinte). Quadro 2 – Principais praticantes da segunda geração do paradigma da JANELA H. Schaefer-Simmern -Atividade artística inata e universal; -Referencial construcionista e pragmatista da Educação Artística; - Contributo teórico do estudo histórico-cultural da arte através da análise formalista de manifestações artísticas de diferentes períodos e civilizações; - Recusa da tradição mimética e expressionista da arte na Educação; - Desenvolvimento (unfolding) da atividade artística segundo estádios de conceção visual; - Não há relação fixa entre a idade de uma criança e o estádio dos desenhos; - Recurso aos princípios da Gestalt no processo de “Cognição Visual”: tomada de consciência do todo, ou seja, o conjunto dinâmico dos elementos da composição; - Promoção da perceção intuitiva ou insight; -Abordagem holística da EA -Sistema de ensino que promove as aptidões de auto-análise, de reestruturar e encontrar novas relações: capacidade de resolução de problemas; - Aprendizagem por descoberta guiada-questionamento/ produto final como base para a autoavaliação; - Perfil de professor mediador, recorre a estratégias psicopedagógicas centradas no aluno. Viktor Lowenfeld - Expressão artística acessível a todas as crianças; - A arte desempenha um papel vital na educação; -Ênfase da expressão espontânea e impulso criador da criança; - Expressão gráfica enquanto processo que não deve ser corrigido nem alterado; - Desenho como instrumento na compreensão do desenvolvimento cognitivo e emocional da criança: «A expressão artística da criança como documentação de sua personalidade» (Lowenfeld, 1977:108); -Promoção de diversas linguagens artísticas (escultura, música, teatro,etc.) e da capacidade de perceber o mundo segundo uma perspetiva estética; - Relação entre o desenho e a idade cronológica da criança; -Conceito de “expressão” como oposição “a resolução de problemas” 26 -Sistema de ensino equilibrado: estimulo das experiências sensoriais e desenvolvimento do ser integral, a fim de poder desabrochar na criança a capacidade criadora em potencial; -Perfil de professor como estimulador da criatividade, através de experiências e vivências centradas no aluno. Rudolf Arnheim - Atividade artística acessível a todos; -Foco na experiência perceptiva e psicologia da perceção visual; Procede dos princípios da Gestalt; -O “Pensamento Visual” com impacto transdisciplinar na Educação; -Enfoque na perceção intuitiva ou insight; -Estudo das relações e princípios estruturais da Forma Visual; - Congruência entre expressão e cognição: conceção cognitivista da Educação Artística (Artes Visuais); - Recusa da tradição mimética e expressivista da arte na educação; - Sistema de ensino, cuja base deve residir na liberdade individual e na integração do indivíduo na sociedade; -Estratégias pedagógicas baseadas no processo dinâmico da conceção visual do aluno, cujas intervenções são dirigidas ao processo de desenvolvimento global. As atividades devem ser planificadas de modo a estimular o aluno a trabalhar em tarefas de organização visual no seu próprio nível de conceção e de execução; -Perfil de professor como impulsionador de experiências percetivas e do processo criativo, relacionadas com os estádios de desenvolvimento. Fonte: citação de Duke Madenfort, no artigo Viktor Lowenfeld and Aesthetic Education (1973). Art Education.Vol. 26, No. 2. 26 Neste quadro surgem ilustrados os principais pontos de convergência e divergência entre praticantes do paradigma estético, bem como a proposta determinante de Arnheim. As diferentes abordagens dos praticantes do paradigma da JANELA na Educação Artística acabaram por fragmentar aqueles que seriam os pressupostos iniciais da perspetiva estética subjacente, facto que daria lugar a uma maior intervenção e reconhecimento dos princípios defendidos pela abordagem psicológica do desenho infantil: a sua leitura e interpretação enquanto comunicação e «ferramenta de mediação do conhecimento e autoconhecimento do indivíduo» (Goldberg et al., 2005; Menezes, et al. 2008). 2.3.4. Metodologia de ensino Para além das ligações aos contributos teóricos dos autores mencionados anteriormente em Influências e referências teóricas (ponto 2.3.3), a metodologia de Schaefer-Simmern evidencia pontos de contacto com as teorias cognitivas de Lev Vygotsky, Jean Piaget e Jerome S. Bruner, autores influentes na elaboração do método da Aprendizagem pela Descoberta 19 , caracterizado como uma proposta pedagógica abrangente e integradora – determinada pela perspetiva holística da aprendizagem. Na vertente que contempla algum grau de intervenção externa (a da orientação na figura do professor), surge o método da Aprendizagem pela Descoberta Guiada (James Scrivener, 2005). Subjacente a esta abordagem está um conjunto de dimensões fundamentais associadas ao desenvolvimento global do indivíduo, nomeadamente a afectiva, a social, a cognitiva e a ideológica, bem como a noção da construção do conhecimento como resultante da dinâmica entre interação social, ação e experiência: «Guidance is typically mediated by questions, each question challenging learners to advance their understanding one further step. Clearly, the notion of asking questions as a means of co-constructing learning maps neatly onto a sociocultural model of learning, where the teacher is working within the learners’ zone of proximal development in order to scaffold their emergent learning».27 De acordo com este método, o aluno constrói ativamente o seu conhecimento no contexto socio-cultural, e na Zona de Desenvolvimento Proximal (Vygotsky, 1978) zona de desenvolvimento que situa entre aquilo que o aluno já sabe e o potencial de aprendizagem mediante a sua experiência. Esta experiência é estimulada através de estratégias centradas na investigação, que ao promoverem a descoberta através da mediação e orientação do professor, e auxiliam na progressão para níveis superiores de desenvolvimento (Judith Conway, 1997). As estratégias metodológicas implementadas pressupoem o desenvolvimento da autonomia através da metodologia centrada no questionamento ativo e no trabalho cooperativo interpares, facultando meios e instrumentos que permitam a resolução de problemas pelos alunos através da recapitulação dos passos dados, da revisão de conteúdos e da detecção de erros. Através da autocorreção e autoreflexão, os alunos desenvolvem competências cognitivas que lhes permitem transferir conhecimentos entre as diferentes situações ou contextos de aprendizagem. De acordo com Maria J. Mendes no artigo O Método Socrático: O Elenchos e a Epagogé (2011), o destaque conferido à mediação pedagógica consiste na aplicação do método de questionamento que remete à Escola peripatética e pedagogia socrática: «O Método Socrático surge como a matriz do que, na contemporaneidade, se assume intencionalmente como a metodologia da Descoberta Guiada. A descoberta coloca-se como o resultado de uma operação prévia: a investigação, que se encontra dependente da possibilidade de correcção intrínseca que reside na comunicação». Numa referência prévia a este método, um dos conceitos utilizados por Schaefer-Simmern foi a ideia do “leading out”28 27 No original Discovery Learning (2010), definição disponível em «http://tictrabalhodeprojecto.pbworks.com/w/page/38045243/2%20Aprendizagem%20pela%20Descoberta%2 0Guiada» [Consult:20/08/14]. 28 O conceito de leading out ou processo de “conduzir” é definido pelo processo segundo o qual o aluno é orientado seguido um percurso mediado pelo adulto. do aluno, subjacente ao desenvolvimento de estratégias pedagógicas específicas, concretamente o recurso a técnicas de questionamento indutivo e reformulação das propostas. Através do perfil mediador do professor, este potencia a capacidade de resolução de problemas artísticos e encoraja os alunos à descoberta individual, experiência sobre a qual Lowenfeld (1987) viria a igualmente a referir a importância: «one of the basic abilities that should be taught in our public schools is the ability to discover, to search for answers, instead of passively waiting for answers and directions from the teacher. The experiences central to an art activity embody this very factor» (p.4). No processo de “leading out” é conferido um enfoque central ao papel da imaginação criadora, como foi sublinhado por Schaefer-Simmern na palestra na Universidade de St. Mary (1966): «I believe that education is not a question of putting in or stuffing in, but rather a question of drawing out.Educare in Latin means to lead out, to draw out. This is the true meaning of art education» (Berta, 1994:116). No seguimento das diversas estratégias pedagógicas constantes na obra The Unfolding of Artistic Activity, Roy Abrahamson e Silvia Fein elaboraram o guia para professores no capítulo conclusivo do livro Consciousness of Artistic Form (2003). As estratégias relacionavam-se com a crença de Schaefer-Simmern de que a cópia ou reprodução de obras inibiria a evolução das configurações artísticas que naturalmente se ocorrem na infância, e que ao copiar se encorajava uma visão parcial e segmentada, e não uma visão holística nem uma consciencilização artística da forma, como seria desejável. De igual modo, a razão que o levou a questionar o recurso sistemático ao desenho de observação a partir de “natureza morta” foi o facto de frequentemente, durante as aulas que frequentou enquanto aluno, os desenhos realizados diante do motivo tenderem a surgir fragmentados, devido a dificuldades relativas à composição ou perspetiva. Referiu que, na eventualidade de os objetos estarem dispostos à frente ou atrás de outros, os alunos podem ficar confusos na forma gráfica de os sobrepor (por ainda não terem atingido essa etapa de cognição visual) e concomitantemente poderem gerar-se sentimentos de frustação. Esta estratégia, com objetivo de aprender a representar o visível, deixa pouco espaço ao exercício da imaginação, para além de confundir o aluno que não reconhece no seu desenho uma composição unificada.à Todas as estratégias metodológicas que desenvolveu enfatizavam o critério de permitir aos alunos avançar nos diversos estádios ao seu próprio ritmo, e considerou que ao desenhar a partir da imaginação os alunos são capazes de desenhar a partir de vários pontos de vista, o que resulta numa visão mais clara. Schaefer-Simmern refletiu sobre aquilo que ele acreditava serem as desvantagens da cópia na Educação Artística, e relacionou fatores como a desmotivação e inibição da atividade artística na adolescência, em parte, como decorrente de estratégias centradas no desenho de observação. Ressalva porém que a própria capacidade artística não desaparece: é intrínseca e pode ser despertada: «as he grows older, the creative urge diminishes. It is therefore understandable that in most persons visual conception and its pictorial realization are not developed beyond the stages of childhood. But the ability itself has not vanished. It is always latent and can be awakened» (Schaefer-Simmern, 1948:29). De forma a promover o desenho com recurso à imaginação, o autor acreditava que deveriam ser fornecidos os instrumentos aos alunos para escolherem com autonomia o próprio tema de trabalho e para resolverem os problemas visuais: «Outline your idea. Make many drawings until the idea gets into your bloodstream» (2003:123). Uma das estratégias metodológicas que Schaefer-Simmern usou em sala de aula seria o registo gráfico em “largesized sketchbooks”, cadernos de esboço nos quais se certificava que nas margens das páginas eram incluídas informação sobre o aluno e o trabalho (como o nome, data, título) e outra informação contextual. Era também incentivada a modelação em barro, quer como como visão artística complementar da representação através do desenho, quer como escolha de técnica principal dos alunos em propostas específicas. Descrita como «Teacher Directed Self-Evaluation of Art Products», a estratégia baseada em perguntas ou no “questionamento” requeria um diálogo gerido de forma a guiar os alunos na aferição do que precisavam de refazer de forma a melhorar, numa auto-análise dos seus trabalhos (2003:121). A orientação do professor visava a perceção de como seria o produto final, num exercício de Gestalt, com os elementos “a funcionar” em conjunto como um todo, de modo harmonioso. Os alunos realizavam uma série de desenhos, no âmbito de uma mesma proposta, de forma a chegarem à composição final que os satisfizesse. Exemplos das questões e orientações de Schaefer-Simmern foram descritas através dos seus ex-alunos: eram dadas orientações no sentido do trabalho se desenvolver lentamente, e à medida que for finalizado, o professor adapta as questões a cada aluno, orientando-o na perceção visual e na compreensão do seu produto gráfico-pictórico. Seriam colocadas questões/orientações como: “Observa o teu desenho, o que é que te deixa mais satisfeito?”; “Que parte gostas mais?”; “O que não te agrada tanto no desenho?”; “Achas que podes melhorá-lo?”, “Como? O que farias para melhorar o teu trabalho?”. O conceito de “melhor” é deixado ao critério do aluno, de modo a que a visão artística de cada aluno possa evoluir: «The educational procedure should be based on the child’s ability to judge his work visually according to his own level of visual conceiving. Only when he will be able to solve his problems with his mental potentialities can one expect an artistic as well as an education success» (1966:68). Em relação à hetero-avaliação, Schaefer-Simmern esclarece que apesar de o diálogo ser maioritariamente entre o professor e o aluno de forma individualizada, existem momentos em que a participação do grupo pode ajudar, todavia com algumas limitações, pois em momentos de alguma dificuldade e frustação, a exposição do trabalho ao grupo poderá ser alvo de comentários obstaculizantes: «this discussion is between you and the student whose work is displayed. The others may ask questions but may not express any criticisms. Their comments are discouraged because all too often their remarks or questions can be distracting and unhelpful» (2003:122). No processo de reformulação das propostas, o aluno deverá ser incentivado a escrever as suas próprias notas no verso dos trabalhos, mencionando a descrição do problema e quais as soluções que procurou para o resolver. O autor refere que no caso de turmas numerosas (mais de 20 alunos), a atenção individualizada só será possível se cada aluno um tiver o seu portfólio organizado e datado, para que o professor possa fazer um acompanhamento e fornecer feedback oportuno: «Teaching students to judge for themselves gives them confidence and empowers them. However, it is important for the teacher to be careful not to impose his or her views. As a teacher, therefore an authority figure, students will listen to what you say about their work» (2003:21). Outra das inovações metodológicas relevantes - o recurso comparativo da História de Arte - através da introdução do estudo de exemplos na aula, no momento da análise do produto final do aluno, é tido como um reforço na perceção deste sobre a etapa do desenvolvimento artístico em que se encontra e restabelece a confiança de cada aluno perante configurações visuais semelhantes, realizadas em culturas ou civilizações diferentes. Schaefer-Simmern selecionava os exemplos de pintura, escultura, artesanato ou arte primitiva, passíveis de estabelecer relações comparativas em relação à etapa atual de conceção visual do aluno. No âmbito do trabalho com um grupo de refugiados na Fundação Russell Sage (Nova Iorque entre 1939 e 1942), o autor descreve um exemplo da aplicação deste recurso metodológico numa das aulas em que uma aluna adulta manifestava interesse em modelar cabeças a partir de gesso (referida como Miss B na obra Unfolding of Artistic Activity) tendo desenvolvido a sua escultura de forma semelhante aos exemplos de escultura grega do século sexto A.C. (pp.102-103). Após a análise conjunta da peça Miss B apercebera-se do facto e devido a essa constatação iniciaria o estudo sobre Escultura Grega motivada pela similaridade com o seu estilo atual. O autor sublinha que a apresentação de exemplos históricos era criteriosamente selecionada de acordo com o estádio de conceção artística dos alunos e, nunca o objetivo seria o da cópia. Ao invés, a comparação mediante obras cujos problemas formais/visuais eram semelhantes, forneceria pistas para redefinição do processo de resolução dos problemas, potenciado pela extensão da perceção Gestalt. Casos similares de alunos adultos são relatados no que toca à Arte Egípcia, Arte Aborígene, entre outros exemplos. Abrahamson (1990) contribuiu para aprofundar o estudo sobre a metodologia do seu professor fornecendo exemplos de aulas nas quais, SchaeferSimmern disponibilizou o conhecimento que tinha de História da Arte, proporcionando-lhes uma visão complementar na análise dos trabalhos. Abrahamson começou por descrever a sua experiência durante o curso no Institute of Art Education, durante um projeto de desenho de Retrato, referindo a forma como o conhecimento de obras no mesmo estádio de conceção artística reforçou a sua técnica de representação da figura humana, tendo aumentado a sua consciência sobre a forma artística. De modo a ilustrarmos aqui a estratégia metodológica do recurso a exemplos comparativos da História de Arte, selecionamos da obra Consciousness of Artistic Form (2003) dados relativos ao sexto estádio, da Orientação Espacial, de os entre os oito apresentados. Neste estádio a direcção da linha aparece gradualmente unificada (por oposição a variável), aspeto visual que tende a verificar-se a partir dos 6/7 anos de idade (2003:78-97). Decorrente da análise deste estádio de Visual Conceiving, surge a correlação entre a atividade artística infantil e os exemplos seguintes (figuras 1 a 19), ilustrados pela artista Sylvia Fein, autora de Genesis of Visual Thinking (1993) e Heidi's Horse (2009). Quanto aos restantes estádios de Visual Conceiving, constam pormenorizados no quarto capítulo desta tese, e ilustram toda a sequência proposta por Schaefer-Simmern. Particularizando, no âmbito do referido estádio, conferimos especial destaque à organização das formas no espaço pictórico com o recurso a linhas de base, implícitas ou explícitas (paralelas, retangulares, triangulares, circulares, ovais, múltiplas ou individuais) por contribuem para a organização das figuras (no sentido da direção unificada), sendo o seu propósito fornecer estabilidade ou suporte visual (e mental), impedindo as figuras de flutuarem no espaço e harmonizando a perceção global Gestalt. Para isso, tomemos como exemplo de partida a figura seguinte “Desenho de uma cidade” (2003:83) organizado segundo linhas de base múltiplas (resolução encontrada para o problema visual associado à justaposição espacial de figuras) Fig.1 - “A Small Town in Connecticut” de um aluno, Donald (10 anos), IEA, Berkeley No percurso conducente a este estádio de visual conceiving, o aluno terá já realizado diferentes experimentações com vista à organização do espaço pictórico, desde o recurso inicial às margens do papel como linhas de base na definição da direção, ao recurso de uma linha horizontal única geradora da organização vertical das figuras (a base horizontal está presente nas figuras de suporte: barcos, carros, animais, montes), e possivelmente, também o recurso a uma linha de base dupla, prévia às linhas de base múltiplas da figura. Na metodologia baseada na apresentação de exemplos comparativos de História de Arte (com base no trabalho do aluno), são apresentadas reproduções facsimile de gravuras, litografias, xilogravuras, murais, baixo-relevos, cerâmica, manuscritos, pinturas, tapeçaria, moedas, selos, cujas comparações históricas contêm essa representação de «linhas de base múltiplas horizontais» (figs.2 e 3). Fig.2- Egito,18ªdinastia (1447-1375 AC) “Planting”Metropolitan Museum of Art, NI Fig.3- Alaska,séc.XIX, cena de caça gravada em marfim,Museum of the American Indian, NI No que respeita à conceção visual determinada pela organização espacial das figuras segundo linhas circulares, a configuração remete para a relação horizontal-vertical da linha correspondente ao segundo estádio: círculo com radiais dirigidos ao centro (2003:18-21). As figuras 4 e 5, de alunos, são a base para as comparações históricas de diferentes locais e épocas, referentes ao uso de «linhas de base circulares» (figs.6 a 10). Fig.4- “People Walking Around a Round Flower Fig.5- “Park With Round Pool in Front of Building” Bed”, aluno: Walter (10 anos) IEA, Berkeley,CA aluno: Eric Stolz (9 anos) IEA,Berkeley, CA Fig.6- Egito“Animals in Trap” (4000 a.C.), pintura Fig.7- Suécia“Woman in Holy Forest” gravação em mural pedra (1000 a.C.) A obra Cousciousness of Artistic Form (2003) apresenta a recolha de exemplos da História de Arte, englobando os oito estádios de Visual Conceiving da forma artística (1.Garatuja e forma circular; 2. Relação horizontal-vertical da linha; 3. Direção variável da linha-Árvores; 4. Direção variável da linha - Figura Humana; 5. Relação Figura-fundo; 6. Orientação espacial; 7. Representação do espaço, e por fim, 8. Desenvolvimento da representação da Face e Olho). E, como referimos anteriormente, resultam do intenso processo de ilustração da artista plástica Sylvia Fein, a qual conta com alguns exemplos da História de Arte portuguesa na sua base de dados e material pedagógico. Estas ilustrações fornecem evidências de um tipo de gramática visual universal, numa manisfestação comum da imaginação que Samuel T. Coleridge (1772-1834) designou por «all-in-each of human nature». Por sua vez, Fein sugere uma análise da atividade artística infantil segundo as características formais de exemplos desde a Arte Primitiva. Na primeira parte do seu livro, no qual consta o capítulo intitulado “Percursores”, configurações prévias às primeiras estruturas circulares, Fein apresenta um paralelismo entre as configurações espirais, numa sequência do movimento da garatuja infantil («first ordered curves and first parallels»), iniciando na Arte Rupestre e terminando com um apontamento a Picasso (Fig. 15). «Spirals are ubiquitous and have an extraordinary place in artistic thought. They beguild our ancestors perhaps because they are restless, dinamic, intelectual (…) with entertain all manner of intrincacies. They are simple, formal, ordely, adaptable, expandable, and provide a infinity of puzzlements» (1993:22). Fig.8 -Evolução da garatuja para o controlo da estrutura gráfica espiral (1993,pp.12-16) Fein refere que em exemplos históricos estas espirais surgem gravadas, picadas, cinzeladas, raspadas em rocha próximas de locais de pesca ou caça, em abrigos ou locais funebres, demostrando a dificuldade técnica de execução que desafiou artesãos, e que viriam a ser encontradas mais tarde em configurações padronizadas em superfícies curvas de cerâmica e objetos cerimoniais (1993:24). Fig.9- Gravação Maori em ornamento de Jade, Nova Zelândia (100 a.C.) Fig.10- Espiral gravada em alto-relevo em Chiapas,México Fig.11- Espiral gravada em rocha, Phoenix, Arizona Fig.12- Espiral gravada em rocha, Vale do Tejo, Portugal (pós-paleolítico) Fig.13- Valcamonica, Italia (7000 a 2000 a.C.) Fig. 14 - Alexander Calder –escultura em arame de bronze Fig.15 - Pablo Picasso – desenho 29 Da espiral simples, a estrutura evolui para uma combinação de duas (no mesmo sentido ou sentidos opostos), que pretende mostrar movimento de rotação. Os nossos antepassados conferiram significados diferentes, a maior parte deles no sentido místico, a esta configuração: «wind, whirlwind, relationship of earth and heaven,waning of the moon, birth process, fecundity, eternal life, inhalation and exhalation of humans,oculi, and the universe and whatever characterizations served their porposes. For them, spirals had qualities that dealt appropriately with the supernatural: mysteriouus, incomprehensible, fenomenal and questionable. The spiral and the circle had always been the stuff of miths and stories» (Fein, 1993:27). Fig.16 - Escócia, gravação em rocha, monumento funerário celta (4000 a.C.) Pablo Picasso apresentou na década de quarenta um desenho cuja representação de uma estrutura gráfica espiral, revela semelhanças óbvias às da espiral de Valcamonica. Já era um pintor reconhecido, quando conheceu pela primeira vez exemplos de artefactos africanos e da Oceania num museu em Paris. 29 Fig. 17 - Gravação de espiral dupla num levantamento arqueológico em Portugal (Pré-História) similar à configuração encontrada na Escócia (fig. anterior) Na sequência da estrutura gráfica espiral é sugerida a transição para as primeiras formas circulares fechadas, que Arnheim denomina por “círculo primordial” (Dalila D´Alte Rodrigues, 2002:24), onde a figura assume o seu destaque em relação ao fundo: «It is in the spiral that our children and our ancestors discover circular formations. Out of the grand arm movement and the regulated coiling of the spiral lines, a central space develops and an area in enclosed for the first time. A figure is manifested against a ground» (Fein,1993:42). Fig. 18 - Desenhos de crianças (4 anos) - estádio de transição para a estrutura da forma circular. Fig.19-Gravação em rocha (Arte Rupestre), Vale do Tejo, Portugal Arnheim sublinha no prefácio de First Drawings-Genesis of Visual Thinking, o caráter da universalidade patente no levantamento histórico das estruturas/configurações visuais realizado por Fein e Schaefer-Simmern: «Our ancestors do not stand mute before us. For at least 20000 years, they have created marks and configurations in a process which is orderly, and which discovers and develops linear and planar structures. These practical structures are identical and everywhere obedient to laws of measurement: they are relationships of points, lines, perpendiculars, parallels and angles, and they form humanity’s scaffold for visual thinking. If we study these fundamental structures we hear our ancestors speak to us across time and the world. The unspoiled art of our children is a contemporary reiteration of these verities» (Fein, 1993, Pref.). Na esteira do trabalho de Schafer-Simmern, Sylvia Fein é considerada a praticante da segunda geração do paradigma da JANELA na atualidade, e as suas obras fornecem claramente a continuidade sobre os pressupostos estético/formalistas e, em simultâneo apresentam investigação relevante na área da génese do “Pensamento Visual”. 2.3.5. A Deficiência na abordagem pedagógica A temática da deficiência na Educação Artística foi amplamente debatida quer por Lowenfeld quer por Schaefer-Simmern. Numa relevante entrevista realizada por Elizabeth Kay Montemayor (2008) a Roy Abrahamson, no âmbito da dissertação de mestrado intitulada From Theory to Practice in Art Education: Henry Schaefer-Simmern and the SelfExploration of Artistic Potential, foram colocadas questões específicas sobre a metodologia de Schaefer-Simmern junto de crianças e jovens com deficiência cognitiva numa instituição de Southbury, nos Estados Unidos. Algumas dessas questões visaram descobrir que métodos/técnicas teria implementado Schaefer-Simmern no seu trabalho com populações com necessidades especiais, tendo Abrahamson descrito alguns aspetos da abordagem usada pelo professor (2008:88): «When working with several mentally deficient children Schaefer-Simmern typically gave them a cooperative task. He believed that collaborative projects were successful only if the individuals involved were at the same stage of development artístically. Also, due to the typical shyness of group members, a cooperative project allowed them to participate and learn group responsibility.The results were typically more of a “community spirit” and gave them feeling of “human worth”». Estes projetos designados por “community-minded projects” eram operacionalizados na sala de aula mediante algumas condições: o esforço cooperativo só seria possível se os alunos do grupo se situassem no mesmo estádio de desenvolvimento da conceção visual, de forma a garantir uma compreensão partilhada do projeto. As limitações no plano da comunicação destes alunos, descritos como tendo um QI entre 54 e 79 e idades entre os 11 e os 29 anos de idade (1961:33), impede a sua fluência no diálogo verbal e poderá remetê-los para um estado indesejável de introversão e isolamento perante os pares. É desejável que todos os membros se mobilizem para o sucesso da tarefa global: «only within the total design does the drawing of each member receive its value» (1948:187). A consciência dessa cooperação compele os elementos a participar concomitantemente e a envolverem-se num processo de troca de opiniões. A essência do desafio cooperativo incentiva os participantes a abdicar das atitudes de retração, pois só através do trabalho global organizado, poderá cada um ver o seu contributo reconhecido. Ao nível emocional, é promovido um sentido de co-existência comunitário e espírito de grupo, que confere a cada participante o sentimento de valorização enquanto ser humano e a consciência de ser reconhecido como tendo um papel decisivo no grupo e na comunidade. Os projetos conduziriam eventualmente à criação de um mural ou outro tipo de realização comum que implicasse a partilha de um suporte gráfico-pictórico. SchaeferSimmern recomendava a constituição de grupos pequenos e insistia na realização prévia de esboços e numa planificação passo-a-passo: «Each child will work out his or her part, and then the entire painting will be a well-organized whole, complete and understood by all» (2003:123). São focados aspetos como o cuidado e atenção às dificuldades instrumentais da execução motora, alertando para a adequação de materais e técnicas, assim como a análise do estádio de conceção visual em que cada aluno se situa, de forma a ser possível acompanhar o progresso criativo. Montmayor refere que: «In working with students who needed to overcome some deficiency, SchaeferSimmern believed certain conditions must be present: “Artistic activity (…) requires, to the adequate application of the right tools and techniques, the focusing of attention on the unadulterated creative process.The individual has to be led to his particular stage of visual conceiving. Progress is based upon his own visual judgment and comprehension of his work as a pictorially formed whole. Stimulation can be given by showing the patient works of art and handicraft which in their construction of form are related to his own stage of visual comprehension”» (2008:191). Schaefer-Simmern acreditava que simultaneamente à atividade artística, eram desenvolvidas também a auto-confiança e autonomia e, em simultâneo eram promovidas competências sociais. Outro dos aspetos mencionados na abordagem pedagógica de Schaefer-Simmern dirigida a alunos com deficiência, era a de promover sempre a criatividade individual e assumindo a não-aceitação da cópia. Frequentemente o baixo autoconceito das crianças ou jovens propiciava quer à cópia dos trabalhos dos colegas, quer de imagens existentes. O autor acreditava que aqueles que haviam sido expostos aos manuais e aos métodos baseados na cópia teriam, frequentemente, mais dificuldade em deixar que a sua própria criatividade dasabrochasse. No âmbito do projeto em Southbury, é descrito e documentado pelo pedagogo e pelo psicólogo S.Sarason, o trabalho de 15 meses com a paciente “Selma”, sendo referida como tendo o QI mais baixo de todos os participantes («QI 49, idade 30 e idade mental 6 anos e 10 meses»). A experiência descrita em Southbury confirma o facto de que a atividade artística pode ser desenvolvida em indivíduos com deficiência mental acentuada de acordo com as suas potencialidades. Os autores referem que as dificuldades reais aparecem usualmente com os indivíduos do grupo que têm no seu historial escolar algum tipo de instrução artística baseada na cópia/reprodução de imagens: «feebleminded persons cling to a technique and slavish imitation which are in no way related to their stage of visual comprehension». No estanto, quer Schefer-Simmern quer Sarason reconhecem que essa a adesão a um padrão rígido ou esquema de representação repetitivo parece servir para proporcionar uma sensação de segurança e qualquer tentativa de fazer regressar os alunos ao nível real de conceção visual é inicialmente rejeitada face à ansiedade de própria de um estado de incerteza. É também destacado que o projeto em Southbury se desenrolou na perspetiva de exclusão das propostas baseadas na atividade conceptual abstrata, pois a simples proposta de ilustração de uma história ou representação de um evento vivenciado pelo aluno, mesmo o mais simples, iria requerer uma reconstrução mental que estaria, eventualmente, para além da sua capacidade cognitiva. Partindo da sugestão de temas simples, como o “desenho de uma árvore” (p.186), o percurso iniciar-se-á provavelmente pelo desenho de uma estrutura visual simples, com recurso à relação horizontal-vertical da linha, e após a observação espontânea e critica do próprio aluno, incentivado para “fazer melhor”, a forma vai sendo progressivamente complexificada e expandida através de outras direções, ângulos e repetições de ramos e folhas. Schaefer-Simmern refere que, esta diferenciação da forma não surge, por a criança “saber” que a árvore tem muitos ramos (pensamento abstrato) mas antes, deriva do facto da “sensação visual” que a leva a completar a estrutura inicial, integrando mais elementos, conduzindo a uma maior compreensão da forma (ou consciência da forma). Assim, afirma: «Thus, visual conception preceds and determines the formation of abstract concepts. In this way, a natural transition from concrete behavior to abstract thought takes place» (ibidem). As dificuldades diminuem perante a apresentação de propostas concretas, cujo tema e compreensão da forma seja acessível relativemente ao estádio de conceção visual. Esta direccionalidade da proposta seguida da experiência visual imediata e concreta proporciona segurança e motivação e, em simultâneo prepara para o despertar da própria atividade artística. Foram também observados e relatados fatores como a diminuta perseverança e baixa capacidade de concentração que provaram ser os maiores obstáculos na execução dos projetos. Estas dificuldades, particularmente acentuadas na realização de tarefas novas ou desconhecidas, exigem que seja definido inicialmente o tema da proposta, assim como adoptado o recurso a materiais e técnicas adequadas: «As a prerequisite for the fruitful success of this education as it will also be necessary to limit a specific theme to such a degree that it can be easily grasped; that is, the subject matter schould be no means required any complicated effort of thought for its understanding. Under such circumstances the mental capacities of the feeble-minded individual can operate uniformly» (1961:186). A fim de reforçar a sensação de confiança no seu potencial, era importante o reconhecimento e a aprovação do adulto perante o trabalho de cada aluno, cujo progresso evidente era visível na sequenciação dos resultados. Com a crescente satisfação face ao seu trabalho, a auto-confiança aumentava e consequentemente a preserverança e concentração. Finalmente, era possível manter e sustentar o interesse na realização do trabalho durante maiores períodos de tempo. O desenvolvimento de competências artísticas destes alunos estava da mesma forma que com os pares sem deficiência, baseado no grau de cognição visual alcançado perante o seu trabalho finalizado, através da técnica de questionamento guiado ou Teacher Directed Self Evaluation Art Projects (TDSEAP). Finalmente, o desenvolvimento cognitivo e de coordenação motora manifestava-se através da realização gradual de tarefas mais complexas e alargadas, e uma maturação da personalidade tinha lugar, percecionada através de maior estabilidade no comportamento. A experiência de Southbury parece consubstanciar o facto de que a atividade artística inerente ao processo de conceção visual, apesar de num nível simplificado, poderá ter um impacto decisivo no desenvolvimento global das funções de indivíduos com deficiência mental. Sobre a Educação Especial, o autor refere que, de modo a potenciar as capacidades dos alunos com algum tipo de limitação cognitiva, deveria contemplar-se a atividade artística como fator indispensável e sistemático na intervenção (1961:186) por integrar princípios pedagógicos conducentes ao desenvolvimento equilibrado nos domínios biopsicossocial. O exemplo apresentado do desenvolvimento artístico de “Selma”, para além de demonsntrar o sucesso em termos educativos, revelou também implicações no plano terapêutico promovendo uma atitude menos inibida e ansiosa. Este resultado terapêutico, porém, não poderia ter sido atingido unicamente sob o prisma da expressão de emoções. As abordagens deste tipo, refere Schaefer-Simmern, podem realçar as características psicológicas do paciente em observação e apoiar na superação de problemas emocionais, mas trazem os benefícios suficientes quando o objetivo fundamental da intervenção é o suporte na reconstrução da personalidade. A actuação da Educação Artística no campo da Educação Especial implica não só, conferir a possibilidade para libertar forças interiores reprimidas, como também revelar aspetos essênciais do desenvolvimento humano. A Educação Artística organiza e forma (numa perpectiva abrangente) toda a entidade do indivíduo, o qual testemunha o seu próprio desenvolvimento espontâneo, passo-a-passo, por meio da evolução requerida no desempenho das várias tarefas. Assim, perante essas conquistas, o respeito e a autoconsideração aumentam gradualmente, e neste âmbito a atividade artística alcança o sentido da psicoterapia. A aplicação da atividade artística (como é aqui entendida) pode contribuir conjuntamente com a terapia ocupacional, especialmente quando se dirige à recuperação funcional da atividade motora fina, muitas vezes tratada isoladadamente do necessário ajuste do indivíduo na sua globalidade. Segundo a crítica perspetivada por Schaefer-Simmern, se o paciente é obrigado a focar-se exclusivamente no aspeto da incapacidade dos membros evidenciados pela deficiência, estes podem ganhar uma desproporcionada relevância, devido à atenção sobre o estímulo constante. Em extremo surgirá no indivíduo uma rigidez motora acrescida, acompanhada de tensão e ansiedade traduzida em comportamentos desajustados, e a recuperação é por isso, muitas vezes interrompida: «the disturbance can be neutralized if the divorced function of an organ becomes part of a process that envolves the patient as a unified organism. It is in this particular relation to occupational therapy that artistic activity can be of decisive importance» (p.190). Como exemplo, o autor descreve atividades como tecer, desenhar ou gravar, as quais procuram (re)mobilizar as funções do corpo para a sua realização, deverão ter como base algo que o indivíduo concebeu visualmente para este propósito - só assim o seu interesse na atividade pode ser garantido. Como já foi referido, no decurso destas atividades cada decisão traduzida num traço, pincelada, peça modelada ou opção sobre a estrutura da forma, serve para determinar o estádio da conceção visual e requer a funcionalidade do controlo motor. Foi referido que «the average state of tention of the single muscle is not determined by the muscle alone, but the situation of the whole of the organism» (Goldstein, cit. por H.S.-S., 1961:190). Isto significa que o acto de realizar um exercício de grafo-motricidade não ocorre separadamente da confluência holística das sensações, da conceção visual e do funcionamento integral do individuo. Se o interesse do paciente estiver dirigido ao desenvolvimento do seu trabalho, a parte do corpo a reabilitar não é alvo de excessiva proeminência, tornando-se possível, em vez da rigidez, uma flexibilidade traduzida na equalização das funções solicitadas na atividade artística, com a função de terapia criativa e ocupacional. 2.4. Processo versus Produto na Educação Artística A maior ruptura entre os praticantes do paradigma da JANELA (Lowenfeld e SchaeferSimmern) deveu-se à discordância sobre o modo de estruturar a abordagem dos conceitos da Educação Artística a partir, exclusivamente de objetivos centrados no processo criativo/expressivo, gerando com isso posições de reação que ao advogarem sobre o valor do produto artístico, vieram reforçar a divisão quase dicotómica, entre processo e produto. Parece-nos que na base da teorização que veio diferenciar radicalmente a visão de SchaeferSimmern, estará o conceito de unfolding, usado por para designar o processo de desenvolver ou desabrochar das capacidades artísticas inatas, e que poderá ser enquadrado num outro conceito globalizante que faz parte da cultura alemã: Bildung, o qual é dificilmente traduzível para outras línguas por remeter para uma tradição e contexto cultural específico.à O autor Michael Eldridge (2004), em The German Bildung Tradition refere: «Leibniz (1646-1716) used the term in natural philosophy to refer to “the development or unfolding of certain potentialities within an organism.” In the 18th century, Moses Mendelssohn (1729-1786), the founding father of the Jewish Enlightenment, used the term in the sense of unfolding one’s potential».30 O vocábulo Bildung evoluiu do seu enquadramento inicial teológico (séc.XVIII), para o plano secular filosófico, pedagógico e político, referente sobretudo à noção de atividade (ou prática) na sua vertente de processo contínuo de formação ou criação, assumindo em simultâneo o sentido Gestalt de “imagem”,“forma” ou “configuração”. Através de Goethe, tanto o conceito de Gestalt como de Bildung foram amplamente estudados e a descrição que melhor serve os nossos propósitos encontra-se em A metamorfose das plantas: «A nossa língua costuma servir‑se e, com razão, da palavra ‘Formação’ [Bildung] para designar tanto o que é produzido como o que está em vias de o ser» ([1790],1993: 68‑69), pelo que podemos afirmar que o conceito alemão pode descrever transversalmente o processo da atividade artística, bem como o produto final desse processo. Na tentativa de superação da dicotomia “processo/produto” da Educação Artística, apoiados na visão de Schaefer-Simmern, que defende a superação dos conceitos pela sua interpenetração, referimos aqui oà autor francês Antoine Berman (1984), em Bildung et Bildungsroman, onde se salienta a sua aproximação com a arte: Fonte. artigo online de Michael Eldridge (2004) The German Bildung Tradition, disponível em «http://www.philosophy.uncc.edu/mleldrid/SAAP/USC/pbt1.html» [consul. 23/11/14]. 30 «A palavra alemã Bildung significa, genericamente, "cultura" e pode ser considerado o duplo germânico da palavra Kultur, de origem latina. (…) riquíssimo campo semântico: Bild, imagem, Einbildungskraft, imaginação, Ausbildung, desenvolvimento, Bildsamkeit, flexibilidade ou plasticidade, Vorbild, modelo, Nachbild, cópia, e Urbild, arquétipo. Utilizamos Bildung para falar no grau de "formação" de um indivíduo, um povo, uma língua, uma arte: e é a partir do horizonte da arte que se determina. Sobretudo, a palavra alemã tem uma forte conotação pedagógica» (p. 142).31 Perspetivada a partir deste conceito, toda a abordagem metodológica de SchaeferSimmern é consensual sobre que a mesma relevância seja atribuída às duas dimensões da atividade artística, o processo e o produto, sendo que este evoca naturalmente a necessidade de retomar o processo, podendo conduzir a um novo produto reformulado. Não obstante as diversas hipóteses de argumentação, Schaefer-Simmern confrontou-se durante a sua carreira, com inúmeras perspetivas divergentes sobre as suas abordagens educativas. Uma das perspetivas partiu de Howard Gardner, que conheceu a teoria de Schaefer-Simmern através de Rudolf Arnheim, seu professor, aquando da realização da tese de doutoramento. Na obra Artful Scribbles: The Significance of Children’s Drawings (1980), Gardner questiona a tese universalista de Schaefer-Simmern: «Does Schaefer-Simmern want to ignore the vast individual differences between a normal child and a psychotic adult and claim that the same processes, as well as the same behavior, necessarily characterize both individuals? (…) Is it not equally parsimonious to assume that apparent similarities may reflect the fact that any set of works must have certain properties in common, rather than to assert a “preset harmony” between the hands, eyes, and minds of artists everywhere?» (pp:257-258). A discordância de Gardner é importante para a compreensão dos três aspetos mais controversos da teoria de Schaefer-Simmern: a base para a definição de estádios de conceção visual e seu paralelismo com exemplos históricos do património artístico; as considerações Berman citado por Rosana Suarez (2005), em nota sobre o conceito de Bildung (formação cultural). Disponível em «http://dx.doi.org/10.1590/S0100-512X2005000200005» [Consult.10/11/14]. 31 sobre o desenvolvimento da conceção visual em jovens e adultos portadores de deficiência mental; e por fim, a valorização do produto final da atividade artística na Educação Artística. Sobre os primeiros dois aspetos, as interpretações divergentes referem-se maioritariamente à asserção que estabelece as bases de aproximação entre a evolução dos estádios de conceção visual e os fatores comuns à atividade artística, encontrados em diferentes contextos culturais e momentos da História: «Schaefer-Simmern laid the groundwork for an approach to art education through a comprehensive survey of what the arts have in common beyond their variety in time and space» (prefácio de Rudolf Arnheim no livro de S. Fein: First Drawings: Genesis of Visual Thinking, p. xi). Parte dessa discordância deriva do facto de a teoria de Schaefer-Simmern ter sido associada à Lei da Recapitulação Ontofilogenética, defendida pelo alemão Ernst Haeckel em 1866, a qual relaciona a evolução e desenvolvimento humano defendendo que cada indivíduo repete o desenvolvimento evolucionário da espécie, passando por etapas que se assemelham aos seus ancestrais na fase adulta. Apesar de contraposta pelo próprio Schaefer-Simmern, esta suposta associação com a teoria de Haeckel tentou descredibilizar a sua teoria da conceção visual na Educação Artística e dificultou a afirmação das suas convicções. Sobre o aspeto que diz respeito à similitude entre as configurações visuais de crianças e aquelas de jovens e adultos portadores de deficiencia mental, verifica-se que SchaeferSimmern pretendeu sobretudo destacar que o processo de conceção visual estaria sujeito a inúmeros condicionamentos e obstáculos na sua evolução: «not all things made by people are called art, have been, are or will be, artistic conceptions having artistic forms. He knew full well that numerous influences and interferences may partially or completely stifle the process of visual conceiving in any person or group» (Abrahamson, 2003:17). Pretendia também enquadrar as potencialidades das metodologias de EA propostas (as mesmas que dirigia a crianças ou jovens com deficiência cuja atividade artística parecia ter estagnado) afirmando que, mediante uma abordagem que tivesse atenção a «unadulterated creative process», seria possível desbloquear e retomar o processo inicial de conceção e compreensão visual no ponto no qual teria sido impedido de evoluir. Como referimos anteriormente, outro dos aspetos amplamente contestados refere-se à dimensão dada ao produto final da atividade artística, face à valorização conferida quase somente ao processo criativo/expressivo, defendida pelos proponentes da vertente Expressiva do paradigma da JANELA. Sobre este ponto, Schaefer não calculava o impacto que teria no seio da comunidade científica aquando da primeira edição do seu livro em 1948, pelo que sentiu necessidade de se dirigir aos seus críticos posteriormente na Addendum da segunda edição de Unfolding of the Artistic Activity, em 1961. Por esta altura Schaefer-Simmern contava já com uma maior experiência profissional e consolidação da sua teoria da conceção visual, bem como com o apoio do psicólogo e professor da Universidade de Yale, Saranson e de Arnheim, tendo estes contribuído para a compreensão junto de um público mais abrangente das interpretações descritas por Schaefer-Simmerm, nomeadamente sobre a importância do processo criativo/expressivo versus produto artístico: «One can clarify this confusion by looking at the way in which the word “art” is commonly used (…) more often than not, we use the word art to refer to a product, an end result of a process.This would not necessarily be a problem, excepting that such a use of the word “art” carries with it culturally determined meanings and judgments that restrict our understanding of the process by which works of art are created» (Sarason, 1990:12). O enfoque atribuído ao investimento no produto final, valoriza o objeto da concreção da atividade artística, e assume-se enquanto elemento/instrumento de absoluta relevância para o desenvolvimento da cognição visual (integração gradual da estrutura da forma) e da consciência artística. O produto da atividade artística é, em si mesmo, estruturador do processo de aprendizagem enquanto objeto de auto-análise e, novo ponto de partida para a reformulação da proposta. No lado oposto da discussão sobre a “consciência da forma artística” encontra-se o argumento da “art as a creative self-expression” e, de facto, a tónica na auto-expressão dada na sociedade americana e que se viria a traduzir nas opções curriculares da EA a partir da década de 40, é clarificada por Kerry Freedman, a qual associa a necessidade da expressão livre ou “therapeutic self-expression” na escola, às consequências sócio-políticas da Segunda Guerra Mundial e à necessidade de uma formação da personalidade orientada para valores altruístas e democráticos: «Art curriculum (…) provide an avenue children's free self-expression which was stifled in the world outside school (…). By the 1940s and 1950s, school art was to therapeutically maintain a democratic personality considered vital (...). During and after the Second World War (…) there was a concern that fascism was a result of and propagated an authoritarian personality. Educators addressed the possibility that children could develop authoritarian tendencies as a result of certain schooling techniques (Lowenfeld, 1949). An equitable curriculum was one that promoted selfexpression and awakened an assumed dominant independence in each child» (p.111).32 O autor Ian Verstegen, no livro Arnheim, Gestalt and Art: A Psychological Theory (2006) analisa um dos contrapontos debatido por Arnheim sobre a questão: «Like many artists, S-S preferred to talk only about what can be concretely perceived and to leave matters of meaning and expression to what it is surely essential but more readily sensed that known. His extreme formalism in art conveyed a heightened sensitivity for visual relations.But while this virtues excel in this comments on relatively tangible subjects they would not do justice to others. He referred to expression only when he rightly condemned shapeless “self-expression” in art education; he kept silent about it where it truly matters» (p. 98). A polémica com Lowelfeld é compreensível pelo facto de este ter dedicado o início da sua experiência professional a projetos de Educação Artstica, associada a uma vertente terapêutica, dirigidos a grupos de invisuais33, pois a exigência metodológica ao nível da realização artística foi obviamente transposta para outros níveis de atividade sensorial que não particularmente a visual «which led him to examine various aptitudes of expression besides visual» (Kelly,2004:113). No entanto, perante o princípio da “mera expressão” em Fonte: Kerry Freedman, Dilemmas of Equity in Art Education: Ideologies of Individualism and Cultural Capital (1989), disponível em «http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED375010.pdf» [Consult: 04/06/12]. 33 Em Viena, Lowenfeld exerceu funções como director do Blind Institute, tendo desenvolvido a teoria designada por Visual-Haptic theory. 32 que consistiam as experimentações artísticas, vários outros autores viriam alegar a defesa dos pontos de vista de Lowenfeld e de Schaefer-Simmern. Arthur Lewis (1966) argumenta a favor de Schaefer-Simmern no manuscrito intitulado Child Art: The Beginnings of Self-Affirmation, afirmando que: «It should be clear that this kind of art education is not concerned with the fabrication of pictures, or the mere release of emotional expressions, nor the playful exploring of various materials. Its task lies in the creation of ideas, built up and expressed visually by a mental order, by a gestalt-formation» (p. 68). Assim, começa por descrever o panorama da produção artística americana, sintetizando as correntes difundidas sobre o propósito da arte (addendum,p.xiv).34 Caracteriza uma primeira corrente, como um manifesto a favor da livre expressão do Self «a emergente manifestação intuitiva do subconsciente do artista e a visualização das revelações místicas pessoais sobre quais o artista não possui controlo» (ibidem). Descreve-a como não sendo mais do que a manifestação de experiências emocionais, enquadrada somente numa perspetiva psicológica ou metafísica. Refere uma segunda corrente artística focada nos aspetos ligados às descobertas científicas da Física e novas perspetivas filosóficas sobre o mundo. Para compreender estas aproximações, diz Schaefer-Simmern, temos de situar-nos nos planos científico e filosófico para perceber o que inspirou as suposições, o que nos afasta do cerne das Artes Visuais, mesmo que posteriormente a ele retornemos. Aqui é procurado o estatuto da exaltação dos elementos visuais como a linha, a cor, os planos e as suas relações espaciais geométricas em «new theories of optics», ironizando que existem “mais de vinte sistemas diferentes de Apesar de passados sessenta anos, ainda subsiste o debate sobre a finalidade da Educação Artística na visão dialética do processo versus produto, por vezes de forma tão superficial e fragmentada que se limita a contrapor de forma irreconciliável as duas abordagens. Autores como Schaefer-Simmern, a quem erroneamente se atribui a abordagem pedagógica focada somente no produto, continha nos seus textos inúmeras referências ao termo “processo criativo” na atividade artística. Porém, tanto na obra de Schaefer-Simmern, como de Sarason existe muita contenção no que respeita à descrição da natureza artística enquanto “expressão” porém, a noção de que a arte expressa algo pessoal e intrínseco à criança ou jovem, está sempre presente. O debate surge sobre o enquadramento da fase posterior de reflexão ou “thought process” na fase conclusiva da atividade, cujo objetivo é dirigido à perceção e resolução de problemas visuais na representação (para além da exploração sensorial de materiais e da representação livre). 34 produzir arte abstrata” (ibidem). Afirma que os princípios ready-made de composição visual, os quais conduzem à unificação pictórica, se configuram num plano completamente exterior ao “criador”. De modo igualmente contundente, surge a referência à action painting, pintura gestual abstrata, a qual encontra o seu significado na realização plástica do artista no domínio “psycho-psysical”35 e que supostamente evidencia “a sua coragem e determinação em controlar o seu mundo interior, através das suas pinceladas poderosas em grandes telas” (p.xvi). Também contestado neste ponto, o autor refere existir uma similaridade entre a produção artística designada por “folk art” e atividade pictórica infantil, no sentido em que a criança tenta apropriar-se mentalmente e sensorialmente da essência do mundo, através da visível e tangível Gestalt-formation dos objetos.A atividade artística não começa com o pensamento abstrato para tentar chegar às formas, em vez disso evolui do informe para a forma, «from formless to the formed», e neste processo é fundado o seu significado mental global. Foi acusado de cultivar um primitivismo artístico numa época sofisticada, marcada pelo desenvolvimento científico, ao que responde: «Primitive stages within artistic unfolding are (…) the only garantee of a normal, natural growth of that activity. The inborn creative potentialities of many persons are of course limited, these individuals may remain always in primary states of artistic awareness» (p.xvii). Refere ainda que, perante os grandes mestres da Pintura, a maior parte dos indivíduos se encontra num estádio primário de maturidade artística, mas acrescenta que o cerne do património cultural assenta sobretudo na atividade artística popular, e sublinha a importância dessa produção genuína, a “folk art”. Fazendo um paralelismo entre a consciência artística e o discutido valor da “expressão”, o autor justifica que a atividade artística evolui através da crescente Através da técnica do“automatismo psíquico”, a pintura gestual abstrata, como o informalismo, o expressionismo abstrato, a action painting surrealismo abstrato, entre outras formas de expressão espontânea não figurativas, exalta o gesto impulsivo, «suspenso de qualquer controle exercido pela razão, alheio a qualquer preocupação estética ou moral». (André Breton, 1924/2001, p. 40). 35 diferenciação e organização da estrutura visual da forma (identificada em cada estádio da conceção visual) e que, quanto mais desenvolvida está a consciência da forma artística, mais se conseguem alcançar níveis de representação gráfica capazes de exprimir e comunicar o que foi concebido/imaginado. No artigo intitulado John Dewey and Henry SchaeferSimmern: The Wholeness of Artistic Activity (2014), Gradle cita Schaefer-Simmern sobre um dos pontos centrais da sua filosofia educativa, a discussão sobre o binómio processo-produto, contrariando a ideia deste como algo “cristalizado” e imutável, e atribuindo ênfase à dinâmica do produto recriado em função do encontro entre o aluno, o professor e os pares: «The outcome of creating is always an ‘inner relationship between man and his work’. It is evident through his comment that an art product is not the goal of his educational philosophy; it is the ongoing relationship between the making, the maker, and the thing made that transcends the final product». Se o produto finalizado da atividade artística não é sinónimo de produto final (pois logo é possível iniciar um novo processo transformativo desse produto), a metodologia de Schaefer-Simmern é valorizadora do processo na medida em que este se completa no produto e, por sua vez, o produto é revelador do processo. Esta visão permite aos educadores, teóricos e artistas conciliar as duas vertentes do debate, posicionando-os numa abordagem dialógica. Olivia Gude (2009) destaca em Art Education for Democratic Life - Lowenfeld Lecture, o potencial da experimentação artística no desenvolvimento da consciência de Si, a partir da exploração de materiais, imagens e ideias. Na aceção de Gude, é esta imersão sensorial, paradoxalmente, permite que à criança construir o seu Eu diferenciado e a sua linguagem única e pessoal, no sentir e no fazer artístico: «What is important here is not ultimately the uniqueness of the artistic product, but rather the deeply felt connection between self, process, and product. (…) awareness of the potential to act and interact with the world (…) the artistically engaged individual couples intense awareness with a strong sense of agency, a belief that he or she can shape the world.The arts are an avenue through which youth and communities experience their power to make things and to make things happen». Podemos concluir que a relação entre o aluno, o processo criativo e o produto artístico permitem conquistar um conhecimento de si próprio e do mundo, e que a valorização das produções artísticas pode catalizar sentimentos de eficácia e competência face às possíveis interações com o meio envolvente. Esta valorização acarreta para o aluno um sentimento de contentamento que contribui para um aumento de autoconfiança aliado à autoestima e motivação para enfrentar as adversidades subjacentes às limitações e incapacidades. 2.5. Perspetivas sobre a criatividade na adolescência A especifidade deste período importa no âmbito da tese, pois assenta num dos aspetos basilares da presente IA ao tentar perscrutar o “desabrochar natural” da atividade artística, permitindo aos alunos adolescentes do estudo, o acesso à imaginação criadora no plano das artes visuais. Para isso importa reconhecer, ao nível das abordagens pedagógicas, as práticas que possam demonstrar algum caráter obstaculizante dessa imaginação, e assim encontrar estratégias alternativas. Uma das depreensões importantes do estudo de Schaefer-Simmern foi a de que o currículo de Educação Artística nas artes visuais, organizado segundo os princípios do Design e os elementos da Linguagem Visual, deixava pouco espaço para a criatividade. Criticou a abordagem radical formalista, a qual no plano cultural europeu, havia desaparecido desde o final dos anos vinte (Guilherme Bueno, 2006) 36 e ao argumentar que os princípios e metodologia de ensino definidos por Arthur W. Dow para a Educação Artística Fonte: artigo de Guilherme Bueno (2006), intitulado Formalismo e Modernidade, disponível em «http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2012/01/ae13_guilherme_bueno.pdf» [Consult:01/09/14]. O paradigma de ensino formalista - corrente do racionalismo científico, segundo Efland (1990), veio introduzir os elementos de uma linguagem visual ligada à abstração, conotada com a reação à corrente do Expressionismo Abstrato na pintura. Nessa fratura é procurada a universalidade da Arte, através da “forma purificada”, sem fronteiras, em prol do objeto artístico puramente visual e estético. As teorias formalistas marcaram a História da Arte nos EUA até aos anos 60. 36 se revelavam desadequados, encetou um percurso solitário e polémico no sistema de ensino americano. Menciona que a excessiva valorização dos códigos analíticos da composição visual surge como tentativa de compensar as insuficiências da abordagem da expressividade total. Schaefer-Simmermn refere que o estudo de obras de pintura, acarreta novos problemas pedagógicos, concretamente na abordagem da atividade artística no período da adolescência: «In order to overcome the deficiencies of merely ‘self expressive’ spontaneous activity in the visual arts, the customary pedagogical practice is to attempt to mold the abilities of the adolescent toward the attainments of the ‘Masters.’ In effect, this aim is to induce him to produce pictorially on a level that may go beyond his comprehension and that has no relationship to his personality» (1948:5). O autor apelidou os métodos de ensino mais populares da sua época, inscritos na corrente mimética da Educação Artística, de influências externas distorcedoras e inibidoras do desenvolvimento artístico: «It has been shown that a child’s spontaneous drawings not yet distorted by the methods of teaching or imitation of nature possess intrinsically the artistic form, even though in a modest way» (1948:29). Apesar desta crítica aos métodos de ensino, Schaefaer-Simmern compreendeu que num dado ponto da maturação física e psicológica dos seus alunos, mecanismos internos são transpostos para o plano motivacional do aluno, e alterando o processo criativo: «As he grows older, the creative urge diminishes. It is therefore understandable that in most persons visual conception and its pictorial realization are not developed beyond the stages of childhood. But the ability itself has not vanished. It is always latent and can be awakened» (1948:29). O início desta interrupção na «natural progression of the unfolding of creative expression» parece coincidir com a fase pré-adolescente, no qual é patente um esmorecimento do interesse na atividade gráfica, a par de uma reconstrução do imaginário que reflete para o plano das representações visuais, a insegurança sobre as suas potencialidades e, se traduz na atividade baseada em imagens estereotipadas, adquiridas através de modelos externos. O autor questiona-se acerca das influências nesta produção visual juvenil, bem como da possibilidade de “restauro” através do encorajamento e orientação do professor mediador: «When the students get to about third grade level, or even second grade in some cases, they need to be encouraged more and guided. They should be encouraged more earlier too of course, but the young children, the kindergartners and so on, just have this natural, spontaneous, form creation. But because of parents, because of the teachers not understanding the art education— it gets stifled. It gets stifled and they start copying and doing coloring books and so on, so that maybe even by the fifth or sixth grade it has gone way down hill. It can be revived though. It can be revived after a short time» (Abrahamson, 2008:72). A análise das influências transformadoras da atividade criativa, internas e externas, permitem tanto a análise psicológica como a pedagógica e a sócio-histórica, sendo que as conceções devem ser complementares. No plano do desenvolvimento intelectual, segundo Vygotsky: «a imaginação deste período caracteriza-se pela fractura e a destruição e pela procura de um novo equilíbrio. O facto de a atividade imaginativa, como se manifestava na idade infantil, ir declinando nos adolescentes é evidente, porque a criança desta idade, em regra, perde o gosto pelo desenho. Apenas algumas crianças continuam a desenhar, sobretudo os mais talentosos nesta atividade, ou quando estimulados pelas condições exteriores, como por exemplo, através de aulas especiais de desenho» (Vygotsky, trad.Fróis, 2012:62). Esta transformação está relacionada com a passagem da fase da imaginação subjectiva da infância para a construção da fase mais objectiva da adolescência, a qual configura uma crise com fundamentos fisiológicos e psicológicos relacionados, preparatória de uma nova configuração dos processos mentais e, reveladora de antagonismos entre «a idade em que o equilíbrio psicológico infantil é quebrado e o equilíbrio do organismo adulto, que ainda não foi alcançado» (ibid,p.62). Ao propiciar uma fratura e em simultâneo uma dinâmica restabelecedora do equilíbrio, nasce uma nova versão transformada da imaginação ou duplicidade, estimulada pelo «alargamento e o aprofundamento da vida íntima do adolescente que, deste modo e nesta fase, está a criar o seu próprio mundo interior (…) tende a personificar-se em formas objectivas: nos versos, nos contos, e nas formas criativas que o adolescente percepciona, capta a partir da literatura adulta que o rodeia» (ibid,p.63), para a sua própria criação/expressão escrita. Contudo, as dificuldades do adolescente em objectivar a realidade através da criação literária própria irá também esmorecer, perante o desenvolvimento desta imaginação contraditória (ao tentar apropriar-se da expressão escrita adulta) pelo que, neste período «sobressaem com toda a clareza dois tipos de imaginação: plástica e emocional,isto é, interna e externa (…) uma mais objectiva, outra mais subjectiva. A revelação de um e outro tipo de imaginação e a sua diferenciação gradual são precisamente características desta idade» (ibid,p.64). Este duplo papel da imaginação, em níveis quase rivais, torna-se difícil de conciliar, e atribui ao adolescente aquela qualidade de «fechamento e imersão em si próprio» neste período. No plano de análise sócio-histórico (repercute no plano da prática pedagógica), a diminuição da atividade artística na adolescência relaciona-se com as influências no percurso escolar dos alunos, de fatores condicionantes das aprendizagens como as representações sobre as diferentes áreas do currículo. A integração de conceitos ligados à Educação Artística como “dom”, “talento”à“aptidão natural” ou “sensibilidade”, remete grande parte dos alunos para a perceção de que a activdade artística (por exemplo o desenho), exige determinadas cacterísticas para as quais não têm capacidade.37 Schaefer-Simmern defende que a ideia (promovida pelas conceções culturais reforçada pela escola), de que algumas pessoas nascem com talento ou aptidão para as artes tem permanecido quase que intocável no decorrer dos anos, trazendo diversas implicações para a EA, por bloquear de forma direta ou indireta a acesso dos alunos à atividade artística. Perante esta conceção socialmente construída, verifica-se um empobrecimento da atividade artística dos alunos que crescem e se percepcionam como não-criativos e, consequentemente, as gerações adultas conseguem alcançar níveis de gratificação diminutos, quer em relação a A partir do 2º Ciclo do Ensino Básico, esta perceção pode agravar-se tendencialmente, devido à abordagem curricular por disciplinas, e ao pendor atribuído aos critérios de avaliação com implicações na aprovação dos alunos. 37 oportunidades de experimentação artística individual, quer em relação à experiência estética enquanto participantes no contexto artístico sociocultural. O incentivo da criatividade requer um contexto que proporcione oportunidades e acesso a materiais que possam ser usados com intencionalidade artística - as quais existem em maior ou menor grau em todas as culturas - e nesse sentido podemos afirmar que potencialmente, todos os indivíduos podem participar artisticamente em cada contexto cultural ou comunidade. Mas as culturas diferem entre si em pelo menos três aspetos diferentes no que toca a essa participação: as oportunidades criadas para a observação da atividade artística, as oportunidades para a realização da atividade artística, e o suporte dado àquela atividade, o qual pode ser formal ou informal, mas pressupõe a existência de uma antecipação, de um reconhecimento e do reforço dessa atividade. Como anteriormente referimos, existem inúmeras formas através das quais a atividade artística se pode manifestar e encontrar em sociedades, presentes e passadas, nas quais todos os membros estão envolvidos, não se sentindo intimidados com questões como “quem é artista’” e “o que é arte?”. Estas realizações são parte integrante de um padrão de participação social, o qual parece contestar a evidência de uma inibição do desenvolvimento artístico na adolescência, Howard Gardner designa por atrophying (descrita como o gráfico da curva U), com alguma recuperação no final do ensino secundário no período correspondente à adolescência tardia: «It has been noticed that near the end of secondary schooling there appears to be a return of interest in diverse artistic activities: visual, musical, literary, crafts, dance. Gardner concludes: This development picture has led some scholars to speak of a Ushaped curved in artistic development. The first part of the U refers apparently high level of criativity found amomg preschoolers; the through of the U designates the period of literalness, when the child artistic creation are less striking in the eyes of many observers; the triumphant resurgence of the U marks the attainment (on the part of at least some adolescentes) of a new, higher level of artistic accomplishment» (Sarason, 1990:74). Sarason admite inclusivamente que os resultados observados sobre a atividade criativa segundo alguns modelos educativos, nomeadamente os baseados na pedagogia Waldorf e na Antroposofia38 de Steiner, se encontram comparativamente, no pólo oposto aos dos registados em outros modelos, não se verificando a acentuada curva U no gráfico validado por Gardner. Sarason defende que o constante interesse na atividade criativa se deve ao facto de a arte ser um elemento transversal e em situação de co-igualdade relativamente à valorização dos restantes conteúdos curriculares, e afirma que «The U-shaped curve says less about artistic development than it does about worldviews and their educational consequences in our society» (1990:75). Por sua vez, Paul Duncum contestou a teoria de Gardner no artigo intitulado Breaking Down the Alleged "U" Curve of Artistic Development, propondo, em alternativa “a straight line theory” para explicar o desenvolvimento artístico nos adolescentes: «the belief in the “U” curve has preempted alternative developmental schemes and that the real basis of the “U” in no more than narrow stylistic prejudices. (…) proposes an alternative, cultural model in which each stage of development is valued equally» (1986:43). Schaefer-Simmern havia já contestado a legimimidade de conclusões indicativas de períodos de declínio no desenvolvimento artístico, concretamente na transição para a adolescência, quando consideradas como uma peculiariadade inevitável em cada aluno, ao invés de essa justificação ter como base as consequências socio-culturais e educacionais, as quais refletem as conceções sobre arte e criatividade no percurso escolar. Refere que, não obstante existirem em algumas culturas, graus diferentes de variedade e complexidade entre a atividade artística dos vários indivíduos, a questão fulcral reside no facto de existirem evidências que se contrapõem à conceção difundida na sociedade ocidental sobre a O termo Antroposofia, de etimologia grega, significa “conhecimento do ser humano”, e está ligada ao filósofo austríaco Rudolf Steiner, que esteve inicialmente ligado à Teosofia na India e mais tarde na Alemanha viria a desenvolver um método de conhecimento da natureza, do ser humano e do universo, conciliando ciência, arte e pedagogia numa abordagem holística do desenvolvimento, traduzida na pedagogia Waldorf. 38 diminuição do potencial criativo, subestimando essa capacidade natural e remetendo-a para a condição de “especial”. As conceções díspares de autores de referência no que concerne ao decréscimo da imaginação criativa na adolescência, traduzem a complexidade deste período e oferecem visões complementares sobre as circunstâncias de que dependem as oscilações da imaginação criativa, as quais se relacionam com uma série de fatores, quer extrínsecos quer intrínsecos, desde a infância à idade adulta. De novo, a perspetiva de Vygotsky descreve as alterações no processo criativo nessa idade de transição, na qual se depreende que a atividade artística não pode ser igual na criança, no adolescente ou no adulto: «Vimos que a imaginação depende da experiência e que a experiência da criança se vai estruturando e crescendo lentamente, sendo portadora de características específicas profundas que a distinguem da experiência do adulto.A relação da criança com o seu meio, que com a sua complexidade ou simplicidade e com as tradições e influências, estimula e orienta o processo da criatividade, é também muito diferente.(…) à medida que a criança se desenvolve, a imaginação e a força da sua fantasia começam a diminuir. (…) esta simplicidade e pouca exigência da fantasia infantil, que deixa de ser livre no adulto, foi confundida frequentemente com a liberdade e riqueza da imaginação infantil» (Vygotsky, trad. Fróis, 2012:58). Por nos parecer, em certos pontos, tão distante da conceção que comumente possuímos sobre a imaginação infantil, vale a pena debruçarmo-nos sobre a fundamentação em que Vygotsky se alicerça para afirmar que a fantasia na idade infantil não é mais rica nem variada do que no adulto pois «Sabemos que a experiência da criança é mais pobre (…) os seus interesses são mais simples, elementares e mais pobres; por fim, a sua relação com o contexto é igualmente menos complexa, desprovida da precisão e variedade do comportamento do adulto, sendo todos estes fatores importantíssimos definidores do trabalho da imaginação» (ibidem). Desta forma, entre a infância e a idade adulta ocorrem períodos de maturação muito graduais, nomeadamente a transição para adolescência, na qual a relação entre o desenvolvimento físiológico e a experiência determinam novos interesses e suspendem outros, mais infantis, abrindo caminho para o que designa por “força da imaginação, em ascensão muito poderosa” (ibid,p.59), prévia a um estágio de equilíbrio, mais complexa e dependente do controlo da atividade cognitiva na idade adulta. Com base no conhecimento das oscilações promovidas na adolescência, quer por fatores psicofisiológicos, quer por influências do contexto socio-cultural, a intervenção pedagógica conta decisivamente com o perfil de professor enquanto mediador, o qual gere metodologias baseadas no questionamento e reflexão. Este perfil mediador descreve, segundo Ana Tudela Lima de Sousa (2008): «alguém que respeita, mas também estimula, que proporciona meios, não só de execução (como o facilitador), mas também de compreensão, que questiona, que faz pensar, apesar de não ditar o pensamento»39. Deste modo, será possível intervir com vista a minorar a quebra acentuada na atividade artística, valorizando os estádios de imaginação criativa característicos do período da adolescência. Deverá a Escola, enquanto instituição, exercer o seu papel de agente mediador de representações positivas implicadas na promoção da atividade artística, ao alcance de todos, de forma sistemática, proporcionando ambientes pedagógicos promotores de oportunidades de crescimento criativo e de valorização pessoal, mediadas pelo produto artístico, considerando-o como estratégia de afirmação e de construção de outras lógicas de comunicação. Fonte: artigo O Perfil do Professor de Artes Visuais em Portugal (1860-actualidade): ilações para o futuro, disponível em «http://coral.ufsm.br/lav/noticias1_arquivos/perfil_portugal.pdf» [Consulta:20/11/14]. 39 Nota conclusiva No sentido de estabelecer margens de progressão para cada aluno, Schaefer-Simmern refere ser necessário ao professor identificar o estádio de conceção visual em que se encontra, individualmente, de forma a poder intervir no seu potencial. Para isso, apresenta estratégias metodológicas que visam promover o processo de cognição visual, apoiado pela abordagem pedagógica dirigida à análise guiada e auto-avaliação dos trabalhos pelos alunos, bem como por estratégias que contemplam a temática significativa e o trabalho colaborativo mediante o estádio de conceção visual individual. Abrahamson (2003) designa esta abordagem por “positive teaching technique”, e Gradle (2009) por “holistic Art Education”. Assim como a perspetiva de desenvolvimento vygotskyana, também a de SchaeferSimmern se situa no plano holístico psicobiosocial. Segundo Schaefer-Simmern a forma artística, isto é, a estrutura holística ou unidade das partes num todo global Gestalt, tem sido expressa nas várias épocas da história, independentemente dos cânones artísticos e normas (entre as quais religiosas, ou outras influências e ditames culturais). Ambos possuem uma visão holística do desenvolvimento como um todo indivisível- uma estrutura global que inclui a psique no âmbito de um sistema integral de interações sociais: «Artistic activiy cannot begin where educators impose on students externally formulated images and methods, concepts and cognition. A transaction between the individual and his or her physical, psychological, and social environments is necessary for true artistic activity (...) He or she needs to become conscious of counsciousness within the emanating from the being. In doing so, the psysical, affective and cognitive domains of his or her being function in coordination with and in service to the artistic process» (1961, p.xx). Através da sua metodologia, Schaefer-Simmen demonstra em que medida o professor pode actuar como um guia, ao potenciar o desenvolvimento dos alunos, considerando a figura do professor, como alguém sensível ao nível de desenvolvimento dos alunos, que apoia na prossecução do trabalho e estimula o recurso às imagens internas. Capítulo 2. A Educação Artística no âmbito da Educação Especial «The vividness of art experiences blurs the boundaries between self experience and the experiences of another. Through artworks, students absorb the perceptions of others— situated in other times and places, embodied in other races, genders, ages, classes, and abilities. Through art, the self becomes vitally interested in other selves, sensing the possibilities and problems of those selves within oneself». [Olivia Gude, 2009] A presente investigação relaciona os campos disciplinares da Educação Artística e da Educação Especial/NEEcp, com base na premissa de que artes visuais podem constituir um ponto de partida para perceber a “diferença” nas suas múltiplas dimensões. Como tal, procuramos apresentar as implicações decorrentes da intervenção educativa construída na perspetiva do desenvolvimento da criatividade, expressão e pensamento/cognição visual de alunos com necessidades educativas específicas no domínio cognitivo e motor. A investigação-ação teve lugar num contexto escolar caracterizado pela implementação das alterações legislativas efetuadas pelo DL 3/2008 e, pelas mudanças que, morosamente vão refletindo no quotidiano, o quadro legal em vigor. Tal investigação faz sentido pois a sociedade portuguesa, ao aliar-se ao movimento internacional da escola inclusiva baseado no direito à diversidade, vem apelar a uma pedagogia centrada no aluno capaz de potenciar globalmente os níveis de desenvolvimento essenciais - académico, emocional e social, de forma a proporcionar uma educação de qualidade, independentemente das suas condições físicas, sociais, culturais, linguísticas ou outras. O papel que a Educação Artística nas artes visuais ocupa neste movimento, exige o estudo de uma cartografia crítica que confira coesão às práticas educativas. 3.1. Educar para incluir Rumo à inclusão, a Educação Especial tem vindo a sofrer modificações quanto à sua conceção e prática, estando este percurso diretamente relacionado com o modo como se perspetiva a diferença. Desde as opções politicas que determinaram na educação, a exclusão, a segregação, a integração e, atualmente a inclusão de crianças e jovens com necessidades educativas específicas, que temos vindo a assistir nas últimas décadas a modificações de fundo no plano social e cultural, na visão sobre a educação inclusiva. Entre a intervenção educativa realizada anteriormente em instituições de Educação Especial de caráter segregacionista, à mudança de paradigma que ocorre a partir dos anos sessenta (ancorada na Declaração dos Direitos da Criança e dos Direitos do Homem), foram sendo criadas condições do ponto de vista educativo e social, para o movimento de integração de crianças e jovens portadores de deficiência nos estabelecimentos de ensino regular. Sobre esse momento de transição Maria Odete Emygdio da Silva, no artigo Da Exclusão à Inclusão: Conceções e Práticas (2009), refere que: «Defendia-se um atendimento educativo diferenciado e individualizado, de forma a que cada aluno pudesse atingir metas semelhantes, o que implicava a necessidade de adequar métodos de ensino, meios pedagógicos, currículos, recursos humanos e materiais, bem como os espaços educativos, tendo em conta que a intervenção junto destes alunos, respeitando a sua individualidade, deveria ser tão precoce quanto possível» (p.139). Também a publicação de outros dois documentos trazem contributos fundamentais no sentido da integração dos alunos com NEE (ultrapassando os efeitos do legado psicomédico): o designado Warnock Report (1978) e, posteriormente a Declaração de Salamanca (1994), a qual examinou os princípios, as políticas e as práticas na área das NEE fez um reenquadramento da ação, reconhecendo a necessidade de actuar eficazmente segundo o objetivo da “escola para todos”. Países como a Suécia e Dinamarca estiveram entre os precursores da aplicação do princípio da normalização e, nesse sentido, a perspetiva de que «a educação das crianças e dos alunos com deficiência deveria ser feita em instituições de educação e de ensino regular» (Silva, 2009:139), estendeu-se rumo à Europa, Estados Unidos e Canadá.40 Nos diagramas 2 e 3, adaptados da publicação Towards Inclusion: Lessons from the South, An International Disability and Development Consortium (IDDC) é apresentada uma base de discussão auxiliar à definição de integração e de inclusão41: tem dificuldade em aprender precisa de um ambiente especial tem necessidades educativas especiais o aluno como problema é diferente dos outros alunos precisa de professores especiais precisa de equpamento especial Diagrama 2 - Conceito de Integração (adaptado do original)42 Em Portugal, com o decreto-lei 35/90 e 319/91 já se havia responsabilizado o sistema de ensino regular por todos os alunos, prevendo para esse efeito, as medidas educativas individualizadas e, em 2008 estabeleceu-se nova legislação para assegurar a desinstitucionalização de crianças e jovens em idade escolar com deficiência, que ainda frequentassem os estabelecimentos de Ensino Especial, contemplando o apoio pedagógico O princípio da normalização foi «definido nos finais da década de cinquenta do século XX, por BankMikkelson, director dos Serviços para Deficientes Mentais da Dinamarca» (Silva,2009:139). 41 Os conceitos de integração e inclusão diferem nas suas premissas, sendo que os argumentos iniciais são geradores de representações e abordagens diferentes. 42 Diagramas adaptados do documento relativo ao seminário sobre Educação Inclusiva (1998), India.Disponível em «http://www.eenet.org.uk/resources/docs/agra.php» [Consult:01/07/14]. 40 personalizado, as adequações curriculares individuais, as adequações no processo de matrícula e de avaliação, o currículo específico individual e as tecnologias de apoio. Neste enquadramento legislativo prevêm-se as intervenções educativas consideradas mais adequadas a cada problemática, mesmo as mais graves como as de alunos com perturbações do espectro do autismo, multideficiência ou surdocegueira congénita, segundo uma via educativa mais estimulante das suas capacidades. No entanto, a inclusão educativa difere da educação inclusiva (Silva, 2009:147), na medida em que algumas modalidades específicas de EE podem configurar medidas internas de exclusão, o que vem acrescentar grande controvérsia no terreno. Perante as dificuldades evidenciadas nas escolas, o Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou em 1999 um parecer com o tema Uma Educação Inclusiva, a Partir da Escola que Temos, no qual são apresentadas reflexões e orientações (numa perspetiva dotada de grande atualidade) sobre a progressiva tomada de consciência internacional sobre esta matéria, e afirma que: «O modelo da escola inclusiva não é um projecto descontextualizado (...), é uma exigência social e política, é a tradução, em termos educacionais, dos valores da democracia, da justiça social e da solidariedade que, desde a segunda metade do século XIX, impuseram, progressivamente, o reconhecimento do direito de todos à educação, à escolaridade obrigatória, o direito ao acesso e sucesso na escola». 43 Podemos supor a inclusão como um “princípio” ou axioma no sentido em que se preconiza um conjunto vasto de condições indispensáveis para se atingir esse objetivo: não só as mudanças jurídico-legislativas que garantam concretamente esses direitos, mas mudanças socioculturais e de mentalidades de professores e famílias e outros intervenientes, mudanças organizativas e de gestão ao nível das escolas, mudanças ao nível da natureza e Fonte: Parecer Nº 1/99 do Conselho Nacional de Educação: Crianças e alunos com necessidades Educativas Especiais, disponível em «http://www.dgidc.min-edu.pt/educacaoespecial/index.php?s=directorio&pid=31» [Consulta:10/02/13]. 43 da estrutura do currículo e mudanças nos modelos de apoio individual aos alunos numa perspetiva de escolarização de todos. atitudes dos professores falta de flexibilidade curricular e metodológica formação de docentess insuficiente o sistema de ensino como problema insucesso escolarabandono e retenções ambientes inacessiveis falta de recursos humanos e materiais pouca participação das famílias Diagrama 3 - Conceito de Educação inclusiva (adaptado do original) Na salvaguarda do princípio da EI, determinou-se o conceito de necessidades educativas especiais, o qual veio enquadrar a elegibilidade de um aluno para a Educação Especial se nele se verificar um desfasamento do nível de atividade e participação relativamente aos seu pares, desfasamento este baseado em dificuldades permanentes que exigem a adaptação das condições em que se processa o ensino/aprendizagem, isto é, dificuldades significativamente maiores em aprender do que a maioria dos alunos da mesma idade, ou incapacidades impeditivas do acesso às mesmas oportunidades em contexto escolar. Ora, nessas condições, um número crescente de alunos com NEE, cerca de 2,7% do número total de alunos atual, frequenta o sistema de ensino português de acordo com a legislação internacional vigente que estabelece a frequência de um ambiente educativo o menos restritivo possível. De acordo com a Declaração de Salamanca: «O princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em todos os alunos aprenderem juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentem. Estas escolas devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos, através de currículos adequados, de uma boa organização escolar, de estratégias pedagógicas, de utilização de recursos e de uma cooperação com as respectivas comunidades. (1994:1). Depreende-se que a experiência e a interação social constituem uma base importante do desenvolvimento e da aprendizagem e serve de alicerce ao desenvolvimento cognitivo e socioemocional, e como tal, uma das premissas subjacentes à actuação da EE deverá fornecer a rede de suporte a estas experiências num ambiente securizante. Este entendimento está baseado na teoria vygotskyana, a qual atribui importância à dimensão social e interpessoal na construção do sujeito psicológico, e remete para interação entre as condições sociais e a base biológica do comportamento humano, na formação das estruturas mentais da criança. Algumas das implicações da sua abordagem para a educação situam-se no papel dos pares na construção do conhecimento, e no papel mediador do professor nessa dinâmica de interações interpessoais, bem como na interação entre o aluno e o objeto de conhecimento. Um conceito central da sua teoria da aprendizagem com destaque para a perspetiva da Educação Inclusiva, designa-se por Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), cuja definição situa a aprendizagem no intervalo entre o conhecimento real e o conhecimento potencial do aluno recorrendo à mediação com um aluno ou adulto em níveis de desenvolvimento mais adiantados. Segundo a ZDP, as diferenças dos alunos são tidas como um recurso e não como um obstáculo à aprendizagem afirmando que através da mediação a Zona Proximal de hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã, ou seja: aquilo atualmente a criança só consegue fazer com a ajuda, posteriormente conseguirá fazer sozinha. Assim, segundo o postulado de Vygotsky desde há mais de 80 anos, a integração de crianças em diferentes níveis de desenvolvimento passou a ser encarada como um fator determinante no processo de aprendizagem, dando origem a alguns modelos educativos com abordagens sociointeraccionistas. 3.2. Que funcionalidade para o currículo de artes visuais? Os alunos participantes no presente estudo usufruem das medidas do regime educativo especial definidas pelo Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de Janeiro, documento que determina e fundamenta as respostas educativas e respectivas formas de avaliação, as quais são formalizadas na elaboração de um Programa Educativo Individual (PEI) em parceria entre a escola e família. Desse documento formal que garante direito à equidade educativa dos alunos com NEE, constam as adequações do processo de ensino e de aprendizagem que visam promover a sua aprendizagem e a participação, e pelas quais a escola e os encarregados de educação são responsáveis. Constituem as medidas educativas referidas as seguintes alíneas: a) Apoio pedagógico personalizado; d) Adequações no processo de avaliação; e) Currículo Específico Individual e f) Tecnologias de apoio. Por se tratarem de alunos com dificuldades acentuadas, não estão sujeitos a matrizes curriculares definidas para os restantes alunos, pelo que se prevê a aplicação da medida do CEI (artigo 21º), cujo documento anexo ao PEI modifica as competências definidas para cada nível de ensino mediante o parecer do conselho de turma, equipa multidisciplinar, docente de Educação Especial e Encarregado de Educação. Pressupõe alterações que poderão ser significativas relativamente ao currículo comum, podendo as mesmas traduzir-se na introdução, substituição e ou eliminação de objetivos e conteúdos, em função do nível de funcionalidade do aluno. Pretende-se que o CEI inclua conteúdos conducentes à autonomia pessoal e social do aluno e dê prioridade ao desenvolvimento de atividades de cariz funcional centradas nos contextos de vida diária. Ou seja, dever-se-ão ter em conta as características e as necessidades individuais de cada aluno, atendendo à máxima de que "cada caso é um caso" e à tónica das metas/objetivos que melhor visam a autonomia. Em síntese, pretende-se que os currículos específicos: «Tenham um carácter funcional e as atividades propostas sejam úteis para a vida presente e futura (pos-escolar) do aluno; a seleção das competências a desenvolver devem ter como critério a sua aplicabilidade nos diferentes contextos da vida do aluno (…); as atividades devem estar relacionadas com a idade cronológica do aluno».44 A legislação não prevê a aplicação de um modelo único, pelo contrário, define que o CEI deve ser flexível e criteriosamente adaptado ao nível de funcionalidade dos alunos.àNesse sentido, a frequência de um CEI não é impeditiva da participação dos alunos nas turmas de ensino regular, devendo acompanhar, tanto quanto possível (de acordo com as suas capacidades), as temáticas e conteúdos abordados no currículo comum. De acordo com as orientações da Direcção Geral de Educação, deverá ser preferencialmente organizado e operacionalizado segundo áreas curriculares como: Língua Portuguesa Funcional (expressão escrita, leitura, compreensão e expressão oral), Matemática Funcional, Formação Pessoal e Social e Atividades da Vida Diária, sendo que as áreas disciplinares como Educação Física, Educação Musical, Educação Visual e Educação Tecnológica, poderão estar contempladas mediante a possibilidade de participação dos alunos no seio das suas turmas de referência. Porém, as propostas e orientações no que se refere à “funcionalidade” de programas curriculares na área da Educação Artística nas artes visuais, são escassas para alunos portadores de problemáticas cognitivas ou motoras. Quanto a outra das áreas da Educação Artística – a Música - têm sido implementados projetos experimentais na vertente da musicoterapia. Contudo, as questões ligadas à elaboração de um CEI, que contemple uma avaliação detalhada do perfil de funcionalidade de cada aluno e um currículo elaborado “à medida de cada um”, não se podem desligar dos formatos de trabalho dos estabelecimentos de ensino, largamente imobilistas e renitentes à mudança. Fonte. Princípios Orientadores da Educação Especial, Adelaide Barbosa (2013), disponível em «http://pt.slideshare.net/AdelaideBarbosa1/principios-orientadores-educao-especial». [Consult:10/06/14]. 44 No quotidiano das escolas encontramos muitas vezes este caráter contraditório e verificamos que são feitas sugestões no sentido da diferenciação curricular positiva, mas que não encontram no terreno um enquadramento que permita a sua operacionalização. Desse modo, a medida de CEI, ao invés de potenciar a diversidade e desvendar as áreas fortes dos alunos com dificuldades acentuadas, afunila para áreas muito restritas dirigidas para a autonomia dos alunos ao nível da literacia, numeracia, segurança e higiene pessoal e, só a partir dos quinze anos se procede ao despiste vocacional, a fim de programar uma transição para a vida ativa. Como refere Maria do Céu Roldão, no seminário Inclusão e Conhecimento45 (2012): «Incluir tem assim sido abordado, no plano curricular, sobretudo através de conceitos como diferenciação e adequação. Contudo, a apropriação práxica desses conceitos tem muitas vezes reconduzido a formas internas de exclusão, em nome de opções de nível, ou na escolha do praticismo versus o conhecimento mais elaborado». O pendor do modelo curricular funcional no âmbito das artes visuais enquanto promotor de competências funcionais, é determinante no foco atribuído às «competências que o aluno necessita desenvolver para funcionar nos diversos ambientes com o máximo de autonomia possível. Este modelo tem implicações ao nível do grau de estruturação curricular, o qual deverá permitir níveis de flexibilização e adaptação permanente no sentido de ajustar o processo individualizado de ensino-aprendizagem. Fatores como o comportamento dos alunos e alteração dos registos da interação podem ser razão para alterar toda uma planificação prévia. De acordo com Ana Maria Bénard da Costa, na obra Currículos Funcionais - Manual para formação de docentes (2000): «a análise dos comportamentos interactivos coloca-nos, obrigatoriamente, perante os conceitos de bidireccionalidade, adaptação mútua de comportamentos, contingência, responsividade, sincronia, pré-adaptação biológica à interação social. Coloca-nos face à capacidade/incapacidade de permanentemente ajustarmos os nossos comportamentos à imprevisibilidade e complexidade estrutural (cognitiva, motora, linguística...) dos comportamentos do outro, o que envolve a presença, a fusão e o Fonte: Comunicação no seminário: Inclusão e Conhecimento, Maria do Céu Roldão.disponível em «http://www.ceied.ulusofona.pt/images/stories/artigos/livro_resumps_5_seminario_educacao_inclusiva.pt» [Consult:05/07/14]. 45 abraço, de mecanismos» lógico-racionais e de mecanismos afetivos e intuitivos» (p.20). Reportando-se ao perfil do professor de acordo com a perspetiva educativa funcional dirigida aos alunos com deficiência intelectual acentuada, Benárd da Costa refere que «Ao potenciar a construção de uma relação afectiva securizante, a vivência de sentimentos de competência e eficácia por parte da criança, facilita o confronto com as aprendizagens» (ibidem). A este ambiente securizante associamos a atitude responsiva do adulto, enquanto fator que influencia igualmente o sucesso nas aprendizagens e o desenvolvimento sócioafetivo. Consideramos que responsividade enquadra o perfil de professor enquanto mediador na promoção de «sentimentos de competência e eficácia do aluno em relação à sua capacidade de agir e controlar o mundo físico e social» (ibidem). Com base nestes pressupostos, os currículos funcionais deverão também ser adequados à idade cronológica, sendo que pouco ou nada têm a acrescentar ao desenvolvimento da autonomia ou de adaptação ao meio algumas tarefas, nomeadamente quando enquadradas na área artística da seguinte forma: «Um dos problemas enfrentados, em muitos países, no que diz respeito a estes alunos, na sua vida escolar consiste no facto de que, uma vez matriculados nas escolas regulares, são avaliados com base nas suas competências intelectuais e são-lhes propostas atividades infantilizantes, totalmente desfasadas da sua idade cronológica. São típicas destas perspetivas não-funcionais, tarefas tais como colar, picar, pintar imagens, etc., atividades estas que, são geralmente justificadas por uma única razão: o desenvolvimento da motricidade fina». Bénard da Costa sublinha que a perspetiva funcional de um currículo deve focar estratégias centradas em atividades úteis, que desenvolvam em cada aluno a autoestima e o sentido de participação num grupo ou comunidade. Por isso as atividades infantilizantes, no contexto da educação inclusiva, constituem a antítese ao nível de participação desejada e conduzem a exposições totalmente desintegradas em relação aos pares das mesmas faixas etárias. Sobre a atividade artística, a autora considera que esta não possui, nesta abordagem curricular, um caráter estritamente funtional, e destaca o seu valor intrínseco e a relevância de se desenvolver junto dos pares: «é igualmente importante que a sua educação passe pelas atividades artísticas, pelo desporto ou pelo jogo que, obviamente, não têm um carácter funcional, mas que contribuem para o enriquecimento global do ser humano (…) É, assim, necessário que estas atividades funcionais e não funcionais se equilibrem, sempre que possível, em estreita ligação com as que decorrem para todos os colegas na sala de aula».46 Tendo em conta estas premissas, segundo a orientação da perspetiva de ação centrada na pessoa, procuramos não nos limitarmos somente ao desenvolvimento da atividade/ação baseada em competências específicas (operacionais ou de procedimentos) da EA nas artes visuais, mas também às finalidades ou metas de aprendizagem capazes de desenvolver nos alunos a curiosidade, a imaginação e a criatividade, bem como a autonomia, a autoestima e o desenvolvimento físico e intelectual, conducentes a «sentimentos de eficácia e competência» (2000:20). 3.3. O currículo de artes visuais e a criação de significados pessoais Para desenvolver e alcançar sentimentos de eficácia e competência em alunos que apresentam frequentemente comportamentos que traduzem insegurança, passividade pouca resiliencia devido à frustração desencadeada pelas suas limitações e dificuldades, é necessário estabelecer oportunidades de participação efectiva, definidas nas estratégias metodológicas adequadas a cada aluno. O sucesso na transformação de sentimentos de incapacidade e incompetência em sentimentos de confiança e autoestima passa em simultâneo pela decisão respeitante à relevância dos conteúdos da aprendizagem e, aos processos que conferem a essa aprendizagem um caráter significativo (David Ausubel, 1918Fonte: estudo de Ana Maria Bénard da Costa (2000), Currículo Funcional no Contexto da Educação Inclusiva. Disponível em «http://redeinclusao.web.ua.pt/files/fl_46.pdf» [Consult: 01/07/14]. 46 2008). À questão que se coloca sobre “o que” contemplar num currículo funcional, devemos indagar sobre “o como” operacionalizar e quais as estratégias pedagógicas indicadas. A autora Nicole Gnezda (2009) docente de artes visuais com experiência junto de alunos com problemáticas comportamentais, refere em “The Potential for Meaning in Student Art” que, atualmente o foco encontra-se na preponderância dada ao conteúdo académico sobre a produção artística, sendo esta menos significativa na organização e desenvolvimento curricular das disciplinas de artes visuais (p:48). Gnezda recomenda uma abordagem integrada entre as orientações curriculares baseadas na produção artística, a vertente mais académica e teórica dos estudos sobre arte e, uma vertente essencial na organização do processo de ensino: o potencial da aprendizagem significativa em arte. Este potencial assenta na relação triádica entre os fatores Authenticity, Relevance and Substantive Response, presentes na organização, gestão curricular e estratégias pedagógicas. Sobre o processo de ensino-aprendizagem, a autora destaca a importância da criação de significados artísticos pessoais, a par do valor da responsividade dos pares e professor ao produto realizado: «there are higher values associated with teaching artmaking: the authenticity of creating personal meanings in art, the relevance of art education to students live and substantive responses from adults and peers to the messages and images in students artwork» (p:49). Relativamente ao primeiro conceito, o qual traduzimos como autenticidade, surge referido naquilo que a criação artística considera frequentemente uma resposta significativa do artista às suas experiências pessoais e culturais. Porém, não é inusual que a principal finalidade das realizações artísticas dos alunos/estudantes,concretamente na adolescência, seja a de corresponder às propostas dos professores. Através da análise destes pressupostos, aparentemente contraditórios, Gnezda afirma ser pertinente advogar que os alunos deveriam ter oportunidade de desenvolver enunciados visuais baseados nos recursos criativos presentes na sua psique, sem deixarem de corresponder às metas propostas no currículo estabelecido. Considera as artes visuais, no âmbito de um currículo dirigido a alunos com dificuldades, como o cenário natural para a aprendizagem autêntica na medida em que a arte é expressão das vivências do aluno e do seu encontro com o Eu, a História e a Cultura, devendo por isso, ser estimulado a construir o conhecimento de si e do mundo. No que concerne ao segundo conceito, o da relevância é referido que a aprendizagem autêntica requer a construção de conhecimento com base nas relações significativas do aluno com as suas vivências reais, sendo que as propostas deverão conciliar igualmente um caráter de objectividade, na medida em que os produtos artísticos finais deverão encontrar eco nas perspetivas complementares dos colegas e professores, fator da responsividade.47 Como tal, o fator relevância é determinante para o sucesso das propostas, sendo igualmente considerado por autores como Gardner (1991), Andreson e Milbrandt (2005) na obra Art for Life, na qual consideram fundamental situar a Educação Artística no centro da vida académica dos alunos, ao invés de promover um distanciamento intelectual, condicionante da atividade criativa. Gnezda defende que «make relevant and meaninful art can foster in students a sence of art´s significance in their lives» (2009:49). O terceiro conceito subjacente na abordagem à aprendizagem significativa em Arte é designado por responsividade, e assenta na dinâmica pedagógica que permite ao aluno obter uma resposta elucidativa às suas questões ou dúvidas. A construção de significados através da arte exige que os professores envolvam os alunos num diálogo frequente durante e após o processo criativo e proporcionem respostas consubstanciadas às suas ideias e projetos. E enquanto mediadores da aprendizagem, os professores deverão trabalhar sistematicamente no sentido de desenvolver nos alunos a competência «of adress personal content in visual form» (ibid, p:49). As produções artísticas baseadas na experiência pessoal dos alunos poderão ser facilmente integradas num currículo mais abrangente de artes visuais, através da abordagem de projetos que relacionam aspetos históricos e culturais da Arte com as vivências pessoais, em alternativa à “prescrição” de projetos que se limitem a seguir as instruções do professor ou que re-interpretem artistas e obras. Conteúdos relacionados com a cultura visual podem incluir projetos artísticos de alunos sobre as suas próprias experiências e perceções. Poderão À semelhança da teorização de Gnezda sobre a dimensão objectividade/responsividade, à qual corresponde uma dimensão de autoanálise e gratificação pessoal, a mesma está patente em toda a metodologia apresentada por Schaefer-Simmern, cujas ilações possuem impacto na investigação de pedagogos da contemporaneidade. 47 igualmente ser estudados pontos em comum entre as imagens produzidas pelos alunos e as de artistas, de modo a ajudar os alunos a descobrirem intersecções entre as suas vivências individuais e fenómenos sociais mais abrangentes. Na obra de Edmund Feldman, sobre este tópico, é patente o potencial que o autor aribui ao significado nas produções artísticas dos alunos. Em “Becoming Human Trough Art” (1970), Feldman recomenda uma abordagem triádica: o ensino sobre a arte de outros, apoio ao processo criativo do próprio aluno e, a promoção do empenho dos alunos numa discussão sobre a sua própria produção artística. Segundo Feldman, os alunos compreendem que a Arte «is a vehicle for meaning» (1970:36), tornando-se capazes de dialogar sobre esses significados presentes nas suas produções artísticas e nas de outros. Feldman sugere que os projetos artísticos devem decorrer das experiências de vida e ser desenvolvidos através de uma planificação colaborativa entre aluno e professor, orientados com o propósito da expansão do pensamento criativo, e experimentando os três aspetos da criatividade: «identification of real problems, catharsis and communication» (1970:34). Ao atentar nas diferenças no processo criativo em contexto escolar e não escolar, o autor refere que num ambiente artístico não académico, a produção é motivada por um desequilíbrio no âmbito individual, como: «displeasing, even painful, interruption in the accustomed order and flow of…experience» (ibidem). Assim, para tentar repor o equilíbrio e amenizar as sensações de desconforto, o artista responde sensorialmente e fisicamente ao problema, desenvolvendo uma solução no fazer artístico. Para Feldman, o nível do pensamento criativo por si só, não é suficiente, pois a solução para o referido desequilíbrio exige um nível de realização material através do produto artistico, cujo esforço liberta a energia necessária para estabelecer uma sensação de controlo na dimensão do real, o que acarreta a satisfação intrínseca catártica. Ainda assim, o processo não fica completo, tendo o artista necessidade de experienciar o impacto social que concretiza a intencionalidade comunicativa da obra. A visão de Feldman acerca do processo criativo artístico ultrapassa a noção de expressão individual - implica interações no plano emocional, cognitivo, físico e social, as quais contribuem para o desenvolvimento do processo de compreensão do artista em relação a si mesmo e à sua arte, de novo o fator responsividade. Na nossa opinião, a abordagem de Feldman tem também afinidade com o legado de Schaefer-Simmern, ambos sugerindo que o professor, para além de conduzir o aluno no seu processo criativo, deverá proporcionar as bases para a aceitação social que os autores consideram fundamental para a auto-realização e crescimento individual. Assim, deverá ser conferida especial relevância à reflexão sobre os trabalhos, pois através deste diálogo, é possível ao aluno reconhecer aspetos idiossincráticos que, quando acompanhado da aceitação e sentido de pertença ao grupo, reforça a capacidade de comunicar recorrendo à atividade artística. Na concretização desta visão de diferentes autores sobre a aprendizagem significativa em Arte, focamos um dos parâmetros mais importantes da abordagem escolhida: a planificação de estratégias eficazes na promoção da atividade artística a alunos com necessidades educativas específicas. A organização do currículo específico individual (CEI) de artes visuais permite a sua planificação temática, flexível e significativa, ou seja a partir de temas relevantes para o aluno, passiveis de serem transformados em subtemas ou tópicos diferentes propostos pelos alunos.   Autorretrato (autoconceito e autoestima),  drogas, condição humana),  Amizade e Afectos (sexualidade e relacionamentos),  (mensagens difundidas pelos media, questões ligadas à imagem)  Conflitos de Guerra e Paz,   Diversidade e Visão do mundo (exclusão e inclusão social, trabalho infantil,consumo Família (valores, estereotipos e papeis familiares), Influência da Publicidade e dos media na auto-imagem e na construção da Identidade Sonhos e ambições, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável  Cultura Visual, entre outros temas, cujo interesse varia de acordo com a faixa etária e o contexto sócio-cultural dos alunos. Outro parâmetro simultaneamente relevante é a planificação de propostas de trabalho/projetos semi-estruturados, sem resultados fixos predeterminados, designados por open-ended, isue-based assignements, projetos abertos nos quais o professor não estipula o aspeto do resultado final, permitindo ao aluno explorar os temas e criar algo que reflita as suas ideias, emoções e experiências sobre esses temas. Esta reflexão pode ser facilitada através da apresentação/ visualização de obras que dinamizem a discussão no campo da História da Arte, que se relacionem com o conteúdo lecionado na proposta de trabalho. 3.4. Os alunos: recursos naturais para uma Educação Artística mais inclusiva Em Portugal existem poucos estudos relativamente à problemática da Educação Artística no domínio das NEE e inclusão, das quais algumas estão enquadradas no Projecto RedeInclusão, na Associação de docentes de Educação Especial Pró-inclusão, na Associação Artística de Educação pela Arte da Madeira, na Associação Pró-Educação Artística, Associação Portuguesa de Arte Terapia, que vêm publicando alguns textos informativos e reflexões, mas que carecem de algum reconhecimento e abertura da parte das instituições de ensino, de modo a se estabelecerem protocolos e parcerias capazes de transmitir directrizes e estratégias pragmáticas aos docentes e pedagogos que optassem por fazer formação contínua nesta área. Verificamos que existe de facto, bastante investigação no campo da Arte Terapia, na qual são focadas abordagens reabilitativas e terapêuticas da arte, e cujos procedimentos bem documentados demonstram sucesso em problemáticas específicas, mas que são difíceis de implementar no contexto escolar. Infelizmente os estudos no campo da EA para alunos com incapacidade, são diminutos no panorama científico nacional. Relativamente ao conceito de Inclusão e modelo de Escola Inclusiva, os dados nacionais apontam para um considerável esforço financeiro, tanto ao nível dos recursos materiais como de recursos humanos no sistema de ensino, mas estão estão maioritariamente dirigidos aos alunos que frequentam as Unidades de Multideficiência (UMM) ou de Ensino Estruturado para Alunos Autistas (UEEA), e menos para os restantes alunos ao abrigo da Educação Especial que não frequentem estas unidades de ensino. Porém, apesar das políticas educativas e da crescente mudança de mentalidades dos intervenientes no processo de ensino-aprendizagem consideramos que, para os alunos com NEE, o sucesso escolar está, na maior parte das vezes, afastado dos modelos pedagógicos tradicionais do ensino regular, dirigidos a perfis de aprendizagem homogéneos. O investigador publicado internacionalmente, Mel Ainscow (2006), da Universidade de Manchester, tem contribuído para uma reflexão mais abrangente sobre a Escola Inclusiva, debatendo não só os princípios da equidade social subjacentes a este paradigma, mas principalmente o que o autor considera mais relevante para os sistemas de ensino: as formas de operacionalizar a inclusão no terreno. De facto, no livro Improving Schools, Developing Inclusion (Improving Learning), um estudo sobre escolas do Reino Unido, o autor refere que: «There is no shortage of books and articles that have extolled the value of inclusive education.These have provided a whole range of accounts of what we prefer to call “intructive practice”, since, unlike notions of “good practice”, such accounts invite the reader to retain a critical perspective and learn from the ideas, including the mistakes, of others. However, despite these developments, inclusion remains a complex and controversial issue, and the development of inclusive practices in schools is not well understood» (p.5). O estudo procura compreender as dificuldades do que o autor designa por “approach to education”, abordagem esta dotada de valores particulares como a garantia de se ultrapassarem todas as barreiras na superação da “marginalisation, exclusion and underachievment”, sem contudo se confinar exclusivamente a uma abordagem dirigida aos alunos com NEE. Com isto, e através da investigação em vinte e cinco escolas inglesas em meios urbanos, Ainscow alude a situações de alunos pertencentes a grupos ou minorias sócioculturais diversas que evidenciam igualmente características de exclusão escolar. Assim, relaciona fatores chave para inclusão escolar de alunos com NEE, entre eles a implementação de estratégias pedagógicas diferenciadas dirigidas a perfis de aprendizagem heterogéneos e que promovam uma educação apropriada e de qualidade. Estas estratégias deverão ser subjacentes à planificação da aula para a turma, como um todo no seu conjunto. Outro dos fatores de inclusão pelo mesmo autor é descrito como «utilização eficiente de recursos naturais: os próprios alunos - valorizando os conhecimentos, as experiências e vivências de cada um; reconhecendo a capacidade dos alunos para contribuir para a respectiva aprendizagem, enquanto processo social e desenvolvendo o trabalho a pares/cooperativo, criando ambientes educativos mais ricos» (1997:16). Os fatores de inclusão descritos por Ainscow reforçam a questão central desta tese: a aferição do potencial inclusivo da EA, de acordo com uma abordagem metodológica baseada no recurso pedagógico dos alunos como mediadores de aprendizagem no trabalho cooperativo com pares com NEE do mesmo grupo e da turma. De acordo com Mariane Hedegaard (2009) na obra Vygotsky and Special Education Needs, para melhor interagir com a diferença, a escola enquanto instituição deverá promover o desenvolvimento cognitivo, social e relacional através da aprendizagem significativa e contextualizada, numa perspetiva histórico-cultural, na qual o aluno participa e interage socialmente sob a influência dos valores e tradições institucionalizados, transformando a sua relação com o mundo. Encontramos então em Vygotsky uma perspetiva precursora sobre a aprendizagem enquanto processo social potenciado pela interação entre o professor, conteúdos e o aluno, ao qual devem ser propiciados os meios, apoios e recursos que lhe permitam personalizar essa aprendizagem. Assim, de acordo com a teoria da determinação histórico-cultural do desenvolvimento cognitivo, a sala de aula é análoga ao contexto social no interior do qual se desenvolve uma participação guiada entre um indivíduo mais apto em determinadas competências, em relação ao menos apto. Como acentua Carlos Fino (2001) em Vygotsky e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP): três implicações pedagógicas, esta participação poderá ocorrer através duma mediação inter pares, na qual se pretende que os alunos assumam maior controlo sobre o seu desenvolvimento metacognitivo, num ambiente considerado mais “natural” de cooperação, «no qual a transferência de controlo promove a aprendizagem auto-regulada» (p. 9).Sobre o papel no professor como mediador na interação, o autor afirma: «Na perspectiva de Vygotsky, exercer a função de professor (…) implica assistir o aluno proporcionando-lhe apoio e recursos, de modo que ele seja capaz de aplicar um nível de conhecimento mais elevado do que lhe seria possível sem ajuda. Nas palavras de Bruner, actuar como professor considerando uma ZDP tem que ver com a maneira como se organiza o contexto de modo a que a criança possa atingir um patamar mais elevado ou mais abstracto a partir do qual reflecte. Patamar onde é capaz de ser mais consciente (Bruner, 1985). Não é, portanto, a instrução propriamente dita, mas a assistencia tendo presente o conceito de interação social, que permite ao aprendiz actuar no limite do seu potencial» (2001:7). Relativamente aos benefícios de “peer tutoring” entre alunos com NEE e os seus pares da turma, Fino afirma que estratégias baseadas na intervenção horizontal de pares mais aptos pode actuar como fator de encorajamento, beneficiando o aspeto cognitivo quer daqueles alunos, quer dos que demonstram mais dificuldades. 3.5. Diferenciação pedagógica na aula de Educação Visual e Educação Tecnológica No campo da diferenciação pedagógica em Educação Artística, consideramos muito relevantes os estudos de Michael F. Giangreco, (2005), Kent Gerlach, (1997) e Doris M. Pffeuffer-Guay (2012), os quais enquadram simultaneamente a Educação Inclusiva e a Educação Artística, e revelam conclusões e diretrizes importantes para investigação no âmbito das necessidades educativas específicas e das medidas de apoio pedagógico personalizado (APP) prestado pela categoria profissional designada por assistentes operacionais (paraprofessionals/assistants), junto de alunos em art classes do ensino regular. Um dos artigos com maior impacto na definição de parâmetros a analisar neste tópico intitula-se Creating Efective Paraprofessional Support in the Inclusive Art Classroom (2012), de Corrie Burdick e J.Causton-Theoharis, o qual sintetiza e completa as conclusões dos estudos de Giangreco e Pffeuffer-Guay (2005), ao descrever as áreas problemáticas e os aspetos negativos ligados ao apoio educativo do paraprofissional,48 observadas e estudadas em escolas do Reino Unido. O estudo assenta na análise dos níveis da dependência do adulto em realização ao apoio nas ativadades da aula, excessiva proximidade deste relativamente ao aluno apoiado, do contacto físico continuado e da vigilância desproporcionada na sala e nos diversos espaços da escola. São também analisadas questões relativas à gestão currícular, como a atribuição da responsabilidade na planificação da aula (professor titular da disciplina ou paraprofissional), e determinação do tipo de adaptações dirigidas aos alunos, como é realizado o apoio e qual o grau de intervenção pedagógica do professor titular no processo de ensino-aprendizagem daqueles alunos. Os pontos focados interessam à presente investigação, relativamente às características e efeitos do tipo de apoio prestado pela doutoranda aos alunos nas suas diversas dimensões, e toca questões específicas presentes nas investigações de Giangreco (1997) em Helping or hovering? Effects of instructional assistant proximity on students with disabilities e análise complementar da investigação de Burdick & Causton-Theoharis (2012) e de Pffeuffer-Guay (2013) em Students with Disabilities in the Art Classroom: How Prepared Are We? Os pontos de análise e reflexão propostos pelos autores procuram compreender a prática pedagógica nos vários momentos, bem como revelar aspetos da conduta profissional que possam ser afinados aos níveis: i. interferência na liderança e responsabilidade do professor de ensino regular ii. influência na separação dos pares Categoria profissional que assiste e apoia os alunos com NEE, colaborativamente com o professor da turma, nos sistemas de ensino anglo-saxónicos. No original: «Paraprofessionals are people supervised by certified professionals who support students with disabilities as deter- mined by a student’s Individual Education Plan (IEP). Other terms to describe this position may include “aide,” “assistant,” or “associate,” among others». Creating Effective Paraprofessional Support in the Inclusive Art Classroom (Burdick; Causton-Theoharis, 2012). 48 iii. favorecimento da dependência do adulto iv. impacto nas interrelações entre pares v. influência na limitação na qualidade de instrução recebida vi. influência na perda de autonomia e auto-controle dos alunos vii.interferência na instrução aos restantes colegas da turma49 Perante alterações de fundo no funcionamento das escolas, Pffeuffer-Guay (1994) constata nos Estados Unidos uma realidade análoga à portuguesa relativamente ao papel dos professores de artes visuais, no que se refere ao movimento de inclusão de alunos com NEE no sistema de ensino regular. No artigo intitulado Cross-site analysis of teaching practices: Visual art education with students experiencing disabilities, a autora refere que «As individuals in special education communities questioned the need for special programs and the validity of continued separation of students, the concept of exceptionality in the classroom gave way to one of diversity. Art teachers were challenged to meet the needs of an extreme diverse population in integrated art classrooms» (p.222). O desafio de lecionar a uma tão grande diversidade de alunos na mesma turma é tão evidente, que seguramente mesmo os professores mais motivados o sentem como uma tarefa hercúlea, tentando que os alunos com dificuldades acentuadas tenham oportunidades de participação e acesso ao currículo comum, sem distrair a atenção da qualidade do ensino perante os pares sem dificuldades. Ao incluir as disciplinas de Educação Visual e Educação Tecnológica, procura-se que as competências transverais desenvolvidas tragam benefícios no desempenho cognitivo e motor solicitado nos diferentes momentos e contextos de aprendizagem. Para advogar a área das artes visuais enquanto recurso privilegiado na aquisição de competências escolares, escolhemos estudos e projetos internacionais os quais corroboram essas evidências, como o projeto desenvolvido pelo Museu Guggenheim em Nova Iorque intitulado Learning to Read Through the Arts (C.Robson, 1988), o qual promoveu com No original: «(a) interference with ownership and responsibility by general educators, (b) separation from classmates, (c) dependence on adults, (d) impact on peer interactions, (e) limitations on receiving competent instruction, (f) loss of personal control, (g) loss of gender identity, (h) interference with instruction of other students» (1997:1). 49 eficácia atividades artísticas como meio de desenvolver competências de leitura. Outro relevante projeto-piloto implementado no Canadá designado One approach to art in special education (Goebel e Gowland, 1982), desenvolveu programas de Educação Artística enquadrados em currículos especiais na preparação para transição de alunos com NEE para turmas de currículo normal. O projeto incidiu na expressão artística individual e manipulação de materiais, e os seus objetivos centraram-se no desenvolvimento do autoconceito, nas competências de organização, atenção e capacidade de realização das tarefas escolares. Neste projeto foram incluídos com sucesso alunos (com idades entre 7 e 12 anos) com problemas comportamentais, dificuldades de aprendizagem e baixo autoconceito escolar. Diversos autores referem o contributo da EA na promoção da autoestima e de expectativas mais positivas face à escola, pois a atividade artística não está sujeita à avaliação de “certa” ou “errada”. De acordo com Connie Dalke (1984), na obra intitulada There Are No Cows Here: Art and Special Education Together at Last, é referido que «in the production of art there is no regimented patterns of wrong or right as in spelling. While producing art each child has an opportunity to succeed» (p.80). De facto, um dos contextos privilegiados para a inclusão dos alunos com necessidade educativas específicas nas turmas com os pares, são as áreas disciplinares relacionadas com as expressões (Plástica, Física/Motora e Musical), e atualmente os docentes da área da Educação Artística lecionam turmas que incluem cada vez mais casos de alunos com dificuldades, em todos os níveis de ensino (Guay;Gerlach, 2006). A EA, para além do impacto nas competências académicas, demonstra um potencial inclusivo com oportunidades para dinamizar interações sociais efectivas em contexto de sala de aula. Segundo Rodrigues (2000) referindo-se concretamente à disciplina de Educação Física, considera que as áreas curriculares mais flexíveis e menos deterministas nos conteúdos programáticos, têm um maior potencial na inclusão de alunos com NEE por permitirem normalmente a adequação de estratégias na aula. Nesta descrição enquadra-se também a Educação Artística, nomeadamente as áreas curriculares designadas por Expressão e Educação Plástica (no 1º ciclo), Educação Visual e Educação Tecnológica (no 2º e 3º ciclos do ensino básico), devido à flexibilidade inerente dos seus conteúdos o que conduz a uma maior facilidade de diferenciação pedagógica positiva. Neste sentido, Dalke (1984) refere que a participação dos alunos com incapacidade nas EA é um meio de treinar e desenvolver competências ao nível perceptivo, motor e académico, e um veículo para promover o autoconceito em alunos especiais (p.1). Para além disso, a importância da atividade artística no desenvolvimento global das crianças encontrase a cada passo na literatura, nomeadamente nas publicações de Ana M. Barbosa (1998), e concretamente em relação aos alunos com NEE, Alice F. Martins (2002), autora que relaciona a investigação no campo do ensino da arte e da Educação Especial. O contributo de Martins, na investigação no campo da arte e das NEE, tem enfoque em aspetos metodológicos, e reconhece a importância de um olhar criterioso dos docentes em relação às diferenças dos alunos, para que os meios de expressão individuais sejam contemplados equitativamente, ou seja, adaptados ao potencial de cada aluno. Não obstante a flexibilização de objetivos e adequação das estratégias, existem pontos de análise sobre o que parece configurar um dilema entre a EA e as necessidades educativas específicas moderadas e graves: um desses pontos refere-se à questão do “para que serve?” e situa-se na perspetiva mais funcional da EA (que enquadra uma visão mais instrumentalista da atividade artística), dirigida a potenciar as competências em vários domínios da aprendizagem, com foco no despiste vocacional e mais tarde na transição para a vida ativa (laboral e social). Em relação ao papel da arte no ensino básico, a conceção acerca do que alguns alunos com NEE são ou não capazes de alcançar, mediante a constatação de grandes disparidades, constitui um fator subtil aquando da abordagem pedagógica. Assim como a rejeição é fator óbvio de exclusão, também a abordagem baseda numa atitude excessivamente protetora ou facilitista menospreza as potencialidades e limita o desenvolvimento e inclusão daquele que é objeto da intervenção pedagógica. Pretende-se mais do que a presença física ou a expressão livre nas aulas de Educação Visual e Educação Tecnológica: é necessário partilhar algo em comum, um tema, uma técnica, um projeto. É necessário avaliar à priori e à posteriori as condições para cada aluno ser capaz de atingir com sucesso as metas desenhadas especificamente para si, e contemplar a sua margem de progresso mediante propostas desafiantes. Freedman (1989) refere que: «At one level, it is assumed that students cannot fail to produce art if they participate in an art class. On another level, it is believed that if a student does fail an art course, it is unimportant. In this sense, art is considered innocuous; to keep unsuccessful students in such courses will not hurt them (…) Further, making art is thought be a therapeutic aid, to particularly students who have adjustment problems». Na Educação Artística, ultrapassados os dilemas relacionados com a presença de alunos com limitações moderadas ou acentuadas na aula, encontramo-nos atualmente no momento de enfrentar uma outra etapa conflituante - que avaliação e quais os parâmetros que determinam a participação equitativa destes alunos. 3.6. Reflexão final sobre os pressupostos teóricos Apesar da controvérsia entre autores sobre o conceito de “universalidade” do potencial artístico do ser humano, atualmente nenhum investigador na área do desenvolvimento infantil nega a preposição de que a atividade artística decorre de funções biopsicológicas e culturais, observáveis desde a infância e presente nas mais diversas culturas. Esta atividade é potencialmente estimulada ou limitada através de uma miríade de condições exteriores, veiculadas nos diversos contextos histórico-sociais, em particular na formulação e implementação das políticas educativas e o tipo de promoção das práticas culturais. Provavelmente já muitos de nós questionámos sobre o porquê da atividade artística parecer extinguir-se progressivamente, levando a grande maioria dos adultos das sociedades ocidentais a descreverem-se a eles próprios como pouco criativos e desprovidos de capacidade artística. De facto, como explicar a visão persistente que a atividade artística, comum e natural na primeira infância, se transforma mais tarde numa capacidade rara que poucas pessoas detêm? Estas questões requerem um estudo sistematizado das opções e práticas educativas, as quais em conjunto têm incorporado na maioria dos alunos, a noção de que a atividade artística estará provavelmente fora do seu alcance e longe das suas capacidades, inculcando o princípio da dicotomia entre o aluno com talento e aquele que não tem “queda para o desenho”, fundamento da convenção cultural que futuramente, distingue os artistas dos nãoartistas. Também em conversas mais ou menos espontâneas, desta vez entre professores e encarregados de educação, nos perguntamos se será possível reverter a tendência de desvalorização da atividade artística na escola, afirmando-a como qualidade inerente ao desenvolvimento humano, independentemente da idade, da proveniência socio cultural ou das competências cognitivas dos alunos? E por onde começar, sem optar nem pela preponderante visão terapêutica da arte, nem pela visão indulgente sobre a atividade artística de alunos com deficiência? E de que forma, a intervenção pedagógica mas artes visuais pode contribuir para uma construção da consciência de Si mais positiva e, consequentemente potenciar as dinâmicas interrelacionais na escola? àà A forma como os alunos se percecionam no mundo consubstancia um processo íntimo de auto-conhecimento e em simultâneo, processo de construção da personalidade. Esta perceção é modelada constante e dinamicamente pelas interações com o meio exterior, desde uma fase muito precoce. O que procurámos nesta intervenção foi que essa perceção se “refundamentasse” nos aspetos positivos mediados pela atividade artística tentando, por um lado, não inibir a preciosa motivação e expectativa positiva dos alunos envolvidos no estudo e, por outro lado procurar motivar e despertar aqueles que, em segredo, já teriam pensado em desistir de desenhar ou de pintar. Assim como Seymour Sarason, tentamos estabelecer a premissa alternativa através da expressão «Eu rabisco, logo existo»50 ao consideramos ser a maior evidência dessa consciência, observável logo na infância - o desenho. No original de Seymour B. Sarason (1990): «I scribble, there for I am- a way of describing how artistic activity in its earliest manifestations is already a process of formimg and being formed» (prefácio do livro The Challenge of Art to Psychology, p.ix). 50 Estamos cientes de que é em relação a algo único que produz e que existe fora dele/a, que o/a aluno/a sente o poder de modificação e transformação do seu mundo exterior, e que apesar das dificuldades instrumentais possíveis na concreção da imaginação, a descoberta deste poder de transformação ecoa significativamente na sua realização pessoal. Deste modo, pretendeu-se nesta intervenção que cada aluno/a fosse capaz de associar a este esforço a satisfação perante um produto, que no plano da imaginação, ambiciona serlhe isomórfico. Quando argumentamos que a consciência de Si pode assim desenvolver-se, referimonos ao processo de interiorização perante o produto visualmente percecionado, através do qual o aluno alicerça conscientemente as suas opções criativas, mediante o resultado da interação entre as marcas gráficas e o movimento do seu corpo quando conciliado com os materiais, instrumentos e as superfícies, num grau crescente de intencionalidade. O reforço positivo destas interações leva não só a descobertas e evidências da consciência de Si, mas também da consciência do que está para além de Si, e consequentemente actua como fator de “restauro” da individualidade. Deste modo, optámos pelo estudo da importância do produto artístico por este enfatizar o processo activo e intencional do aluno envolvido na atividade artística, e não meramente o resultado objectual dessa atividade. PARTE II - COMPONENTE EMPÍRICA DA INVESTIGAÇÃO «A realidade social e educacional está pregnante de possibilidades de mudança e transformação, de que são actores centrais os profissionais quando desenvolvem a necessidade de reflectir sobre a própria prática, isto é de investigar o próprio trabalho a fim de o melhorar invocando e construindo conhecimento praxiológico» [Oliveira-Formosinho e Formosinho, 2008:9] Reflexão introdutória «There is nothing so practical as a good theory» [Kurt Lewin, 1951: 169] O propósito de toda a investigação é a procura da mudança, no sentido em que o conhecimento emergente acrescenta algo à forma como a realidade é compreendida, impelindo-a através da fronteira do desconhecido. Falar de mudança no contexto educativo tem sido comum, sobretudo face aos desafios propostos à Escola e aos intervenientes que nela operam mas efetivar essa mudança já não se revela tão linear, por acarretar geralmente níveis de resistência relativamente à práxis implementada e consolidada. Tendo em conta esta perspetiva optámos pelo referencial metodológico que julgamos ser facilitador da dinâmica inerente à relação “compreender-agir-mudar”, a InvestigaçãoAção, operacionalizada com base numa abordagem de caráter reflexivo e crítico, decorrente da própria intervenção pedagógica. Segundo Sanches (2005:128): «A mudança geradora de uma educação inclusiva é um dos grandes desafios da educação de hoje (…). A implicação de todos os intervenientes no processo de tomada de decisão sobre as mudanças a realizar e a sua operacionalização, numa dinâmica de ação/reflexão/ação contínua e sistemática, poderá ser, para o professor em geral e para o professor de apoio educativo em particular, uma estratégia eficaz de resolução de alguns dos problemas com que se confronta hoje, na sua escola e na sua sala de aula». Consideramos a IA uma metodologia potenciadora de mudança na medida em que abre possibilidades para que as problemáticas identificadas se reajustem em relação aos resultados obtidos, mediante decisões contextualizadas que adequam a intervenção segundo o propósito da emancipação do aluno. De facto, por ser operacionalizada com base no conhecimento individualizado de cada um dos alunos, conciliamos esta IA com a estratégia de investigação de estudo de caso: «o estudo de caso não é uma metodologia específica, mas uma forma de organizar dados preservando o caráter único do objeto social em estudo» (Goode & Hatt, 1952, citado em Punch, 1998:150), situando concomitantemente o aluno enquanto Sujeito e Objeto de estudo, na medida em que precisamos de aprender sobre os “casos” em particular para podermos estruturar a intervenção mais consentânea (Coutinho, 2002:223) e efetivar uma diferenciação pedagógica inclusiva. De acordo com Stake (2012): «O verdadeiro objectivo de estudo de caso é a particularização, não a generalização. Pegamos num caso particular e ficamos a conhecê-lo bem, numa primeira fase não por aquilo que difere dos outros, mas pelo que é e pelo que faz. A ênfase é colocada na singularidade e isso implica o conhecimento de outros casos diferentes, mas a primeira ênfase é a compreensão do próprio caso» (p.24). A vertente do estudo de caso aqui considerada é instrumental pois visa, para além do conhecimento e compreensão experiencial das especificidades de cada aluno, a utilidade que o estudo pode alcançar como embasamento a uma mudança da ação pedagógica, tanto no decorrer do processo de investigação-ação, como no futuro da prática profissional da doutoranda. CAPITULO 3- Caracterização do contexto de investigação 4.1. O Meio envolvente A presente IA foca um grupo reduzido de alunos em contexto escolar, inseridos num espaço e geografia humana com características e idiossincrasias próprias, que traduzem o modos vivendi das gentes da cidade e arredores nas atitudes dos próprios alunos. Por isso, incluímos neste texto elementos do Projeto Educativo da Escola, a fim de caracterizar aspetos importantes do respetivo contexto. Administrativamente, o concelho em que se enquadra a escola/agrupamento do estudo pertence ao distrito de Lisboa e integra o conjunto regional da Comunidade Intermunicipal do Oeste. É uma região marcada principalmente pela atividade económica no setor agrícola e vinícola, sendo que a agricultura protegida tem grande importância, sobretudo na faixa litoral. A vinha é a cultura de maior tradição e também a mais importante economicamente e o concelho é, à escala nacional, o maior produtor de vinho. A indústria localizada nesta sub-região desenvolveu-se a partir de pequenas oficinas, com atividade diretamente relacionada com a agricultura, mas devido às dificuldades a nível mundial que afetaram o setor metalúrgico, as indústrias do setor perderam importância. Por sua vez as indústrias agroalimentares apresentam um maior dinamismo, com maior representação dos subsetores de produção de rações e alimentos compostos para animais, preparação e transformação de carnes e as indústrias de lacticínios. Também os setores da cerâmica de barro vermelho e produtos para a construção civil, encontram algum dinamismo no concelho, e a representatividade do tecido empresarial é constituído por aproximadamente 1000 empresas (Instituto Nacional de Estatística, 2010). De referir o crescente envelhecimento da população e a falta de condições económicas para que a população mais jovem se possa fixar na zona. Culturalmente, o meio envolvente das escolas e jardim-de-infância deste agrupamento é bastante desfavorecido e pouco escolarizado, o que se reflete na população infantil, a qual não revela hábitos de leitura e raramente recorre a qualquer outro meio de informação, a não ser a televisão. No cômputo geral «a população escolar é culturalmente heterogénea, sendo o estrato social médio/baixo» (2010,p.18). A localidade está relativamente bem servida de infraestruturas, nomeadamente no que se refere a equipamentos sociais, de saúde, lazer e transportes, proporcionando aos residentes algum bem-estar social e cultural. 4.2. A escola Resultante da reorganização da rede escolar e à semelhança de muitos estabelecimentos escolares, a escola do referido agrupamento passou a integrar um mega agrupamento no decorrer do ano letivo 2012/13. A laboriosa administração e gestão no período de transição esteve a cargo de uma presidente e de uma comissão administrativa provisória (CAP). No que concerne ao edifício da escola (de 2º e 3º ciclo), é constituído por um bloco principal de dois pisos de construção recente. Tem em funcionamento uma unidade de ensino estruturado (UEEA) que se constitui como uma resposta educativa para alunos com perturbação do espectro do autismo, visando o seu desenvolvimento cognitivo, linguístico, emocional e social. Reforçada pela presença da UEEA e pelo facto de ter sido anteriormente uma escola de referência para o ensino bilingue de alunos com surdez, a inclusão de alunos com necessidades educativas específicas encontra-se largamente contemplada através da definição das metas principais do agrupamento. Como consta no Projeto Educativo para o quadriénio de 2009/13,àé salvaguardada a «promoção do desenvolvimento de competências pessoais e sociais, instituindo a igualdade de oportunidades; promoção do sucesso escolar, atendendo às necessidades de todos os alunos; promoção da integração dos alunos com NEE e da qualidade de vida na Escola» (p.6). E, em consonância com as metas citadas referimos os objetivos, dos quais constam os mais diretamente ligados às medidas de promoção da integração: «Desenvolver estratégias para superar o insucesso dos alunos com dificuldades de aprendizagem, proporcionando práticas diversificadas e significativas; Desenvolver estratégias para superar as dificuldades de aprendizagem dos alunos surdos, proporcionando práticas diversificadas de acordo com as suas necessidades educativas; Desenvolver nos alunos atitudes de autoestima, respeito e regras de convivência, que contribuam para a sua educação enquanto cidadãos tolerantes, justos, solidários, autónomos, organizados e civicamente responsáveis; Contribuir para a integração dos alunos com necessidades educativas especiais e dos alunos surdos» (p.23). Subjecente a todo documento, sublinha-se o princípio fundamental da criação de uma “Escola para Todos” e de uma identidade própria voltada para o futuro, para a utilização dos meios tecnológicos e para a Comunicação. Simultaneamente, reconhece-se à Escola a competência na «transmissão das referências que impeçam as pessoas de ficarem submersas nas ondas de informação, mais ou menos efémeras e que as levem a orientar-se para projetos de desenvolvimento individuais e coletivos. Em conclusão é referido que cabe à Educação fornecer a cartografia de um mundo complexo e agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele» (p.18). 4.3. Os sujeitos de investigação O grupo de alunos defimido como Sujeitos da investigação é composto por dois elementos do sexo masculino e três elementos do sexo feminino, entre os 12 e os15 anos de idade. Destes alunos integrados no grupo de CEI, um aluno pertence a uma turma de referência de 6º ano, e os restantes quatro encontram-se matriculados numa turma de 7º ano. Frequentam juntos as áreas definidas nos seus Currículos Específicos Individuais, bem como a disciplina de Educação Tecnológica na turma do 6º ano. A exceção é a frequência da disciplina de Educação Física, a qual é frequentada unicamente pelo aluno de 6º ano com a sua própria turma. A decisão de integrar os alunos do 7º ano numa turma de 6º na disciplina de ET deveu-se ao facto de o grupo poder usufruir assim do apoio pedagógico personalizado (APP) no contexto da referida aula por parte da doutoranda e docente de Educação Especial e, porque na turma de 7º ano dificilmente seria contemplado este apoio complementar por razões inerentes à distribuição de serviço docente. Apresentamos em seguida a caracterização de cada aluno segundo nomes fictícios, realizada através da consulta e análise dos Programas Educativos Individuais (PEI), elaborados com base na checklist da Classificação Internacional de Funcionalidade para Crianças e Jovens (CIF-CJ), em relatórios médicos e técnicos, bem como em registos escolares constantes dos Processos Individuais (PIA). Nesta caracterização consta igualmente uma avaliação diagnóstica de alguns parâmetros implicados na atividade artística no âmbito da área de EEP.  O Tomás O Tomás tem 12 anos e frequenta o 6º ano. A tipologia das suas necessidades educativas específicas é definida pelo défice cognitivo moderado e acentuado atraso no desenvolvimento psicomotor. É um rapaz amistoso e gosta de demonstrar o seu afeto, principalmente a professores e auxiliares que conhece bem. Porém, aquando da sua chegada ao 2º ciclo notaram-se algumas inseguranças e dúvidas sobre o ajuste do comportamento esperado face a esta mudança para uma escola e ambiente diferentes. O conselho de docentes e o grupo de CEI que o acolheu (de alunos mais velhos) foi facilitador da integração no 5º ano, e o Tomás manteve a sua atitude de proximidade e confiança nos pares e nos adultos com quem e relaciona no quotidiano. No 6º ano, com a chegada de uma colega nova, verificaram-se algumas mudanças na dinâmica do grupo, constatando-se que o Tomás começou a revelar momentos de tensão, isolamento e tristeza na escola, que não havíamos observado no ano anterior. No primeiro período do corrente ano letivo observamos que não é aceite por todos os colegas do grupo e relacionando-se com dificuldade nas brincadeiras de recreio, e permanecendo cada vez mas tempo junto de um adulto de referência (auxiliar de ação educativa). A relação interpessoal com esta colega (Rita) veio a ser problemática durante quase todo o desenvolvimento deste estudo, ocasionando a definição de estratégias psicopedagógicas no sentido de minorar as situações de conflituosidade na aula. A família próxima mostra-se bastante interessada e participativa no processo de aprendizagem, esforçando-se por promover as capacidades do aluno e minimizar as suas dificuldades. Segundo os dados da anamnese (entrevista ao encarregado de educação) o Tomás nasceu com 35 semanas, duma gravidez bastante problemática (mãe alcoólica) e sem assistência médica, tendo nascido com síndrome fetal-alcoólico. Até aos 4 meses, viveu em péssimas condições, com a família biológica, tendo sido internado no hospital, por desnutrição. Dos 4 aos 8 meses viveu no hospital e desde essa idade vive em família de acolhimento, passando a mesma a deter o poder paternal. O aluno vive (à época da investigação) com o pai e a mãe adotivos e um irmão mais velho. De acordo com Avaliação Psicológica e de Linguagem e Fala (Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças – 3ª edição; Grelha de Observação da Linguagem – nível escolar (GOL-E) e Avaliação informal da leitura e da escrita) pode-se concluir que o aluno apresenta um funcionamento cognitivo global muito abaixo do esperado para a sua idade. No seu perfil de funcionalidade ressaltam os seguintes aspetos: - o aluno demonstra apenas alguns indícios de capacidades de conceptualização e de compreensão da relação entre os conceitos (raciocínio abstrato e associativo-área forte), contudo nas restantes dimensões cognitivas o seu desempenho está muito abaixo do esperado para a sua idade. Manifesta dificuldades acentuadas em tarefas que exigem conhecimentos gerais, assimilação de experiências, memória a longo prazo de dados escolares e outras, capacidade de retenção auditiva imediata, memória visual imediata; resolução de problemas visuais e abstratos, coordenação motora, flexibilidade cognitiva, velocidade de procura visual e velocidade de processamento de nova informação. - revela dificuldades acentuadas ao nível do reconhecimento e identificação visuais (memória visual de longo prazo) sem atividade motora essencial, capacidades de perceção fina, atenção ao detalhe e ao meio circundante, bem como em tarefas que exigem conceptualização do todo a partir das partes, análise visual, estruturação espacial, estruturação da atividade e organização precetiva, coordenação grafo-percetiva e grafo- motora, capacidades para ordenar lógica e temporalmente uma situação concreta (sequenciação temporal e conceção de tempo), capacidades de aquisição de conhecimentos, da sua compreensão e facilidade de verbalização, resistência à distração e capacidade de concentração. O aluno mostra também dificuldades acentuadas em tarefas que requerem a capacidade de aprendizagem de uma tarefa nova, velocidade psicomotora, raciocínio e cálculo numérico, capacidades de adaptação prática e conhecimento dos comportamentos convencionais padronizados. Na linguagem revela um perfil global de dificuldades moderadas. A sua área mais forte é a estruturação fonológica onde se verifica uma boa discriminação auditiva (na média para a sua idade) e boa capacidade de identificação de rimas (na média para a idade). Revela imaturidade na consciência de sílaba. A sua área mais fraca é a estruturação morfossintática, onde apresenta dificuldades graves no conhecimento metalinguístico, nomeadamente no reconhecimento de frases agramaticais e na coordenação e subordinação de frases (capacidade de construção de frases complexas a partir de frases simples). Na estruturação semântica, revela dificuldades ao nível da definição e classificação de conceitos e evocação de opostos. Relativamente à articulação verbal, articula todos os sons, no entanto, em discurso espontâneo surgem alguns erros articulatórios de caráter fonológico como inversão de sílabas, mas com ocorrência inconsistente e que corrige por repetição. Ao nível da fluência verbal revela uma acelaração do ritmo da fala, o que em conjunto com uma voz fraca e ligeiramente soprada, e com alguma imprecisão articulatória por vezes compromete a inteligibilidade do seu discurso. Ao nível das funções relacionadas com o movimento também manifesta limitações ao nível da força e tónus muscular, assim como no controlo do movimento voluntário. Na leitura é fluente, no entanto vai piorando o seu desempenho à medida que vai ficando mais cansado. Faz trocas de palavras, sem autocorrecção, o que parece comprometer, por vezes, a compreensão do texto. Faz algumas inversões e hesita perante alguns casos especiais de leitura. Identifica com facilidade a informação concreta do texto, contudo sente dificuldade em interpretar e retirar informação abstrata. Ainda assim consegue compreender a ideia geral contida no texto, desde que os conteúdos vão de encontro aos seus interesses e vivências. Se o texto apresentado for mais complexo e abstrato, não consegue selecionar a ideia principal, nem sintetizar. Na escrita comete erros ortográficos, omite letras e revela inconsistência na aplicação dos casos especiais. Realiza imensas trocas e apresenta uma caligrafia muito irregular e muito pouco funcional, encontrando-se muito abaixo do que seria de esperar para a sua idade e ano letivo. Na área da psicomotricidade (escrita e desenho), o Tomás mostra dificuldades na coordenação fina no que diz respeito à habilidade e destreza manual bem como na coordenação óculo-manual ou viso-motora. Devido à hipertonia muscular do braço e mão dominantes, mostra dificuldades na motricidade fina dos dedos da mão, no movimento de preensão dos instrumentos de escrita e desenho, e no controlo da pressão gráfica exercida sobre o lápis no papel, na velocidade, dissociação e intencionalidade do movimento. Revela dificuldades em reproduzir um modelo devido, não só devido a falhas na aquisição de destreza manual mas também a fatores relacionados com o défice na capacidade de discriminação percetivo-visual, memória visual, atenção e concentração. Na aula de EEP, revelou inicialmente muita insegurança e por vezes desinteresse em atividades que envolvessem a realização de grafismos. Fig.20 - trabalho do aluno na unidade temática Eu e os meus amigos  A Anabela A Anabela tem 15 anos e frequenta o 7ª ano. A tipologia das suas necessidades educativas específicas é definida por um atraso global do desenvolvimento e dificuldades ao nível da linguagem associada a perturbação articulatória fonético-fonológica. É uma jovem meiga, simpática, afável e sensível, que manifesta o seu contentamento sempre que é abordada pelo adulto. A aluna vive, à época da investigação, com os pais e três irmãos, dois deles mais velhos, sendo uma irmã adulta que já não frequenta a escola, um irmão frequenta outro agrupamento e uma irmã mais nova que frequenta o Jardim de Infância. De acordo com o referido no seu PEI, verificaram-se algumas dificuldades ao nível de funcionamento familiar, quer do ponto de vista económico quer do ponto de vista de integração social, que poderão estar relacionados com as dificuldades no desenvolvimento da aluna, nomeadamente na área da socialização. Constatam-se dificuldades sobretudo na área da cognição, da motricidade fina, da coordenação óculo - manual, da linguagem e da socialização. A aluna tem sido acompanhada em Neurologia, realizou diversos exames mas sem relatórios conclusivos acerca da etiologia das dificuldades apresentadas. No que se refere às funções mentais, como consta na CIF, a aluna apresenta dificuldades acentuadas ao nível do funcionamento intelectual, da atenção, da memória, das funções da perceção, das funções cognitivas básicas e do cálculo, decorrentes das deficiências nas funções mentais cognitivas da atenção e do pensamento. Quanto à aprendizagem e aplicação de conhecimentos, apresenta muitas limitações no que diz respeito à aquisição de informação e de conceitos, concentração da atenção, pensamento e conversação. As suas capacidades cognitivas comprometem a capacidade para estruturar e transmitir ideias. Devido ao comprometimento apresentado nas funções mentais da linguagem e do cálculo, a aluna revela dificuldades moderadas referentes à aprendizagem da leitura, escrita e cálculo. Para além do comprometimento cognitivo verificado, a aluna tem dificuldade em concentrar e dirigir a atenção, recorrendo ao adulto na maior parte das vezes a fim de encontrar solução para as dificuldades com que se depara no seu quotidiano. Nas tarefas de exigência geral, tem muitas dificuldades quando lhe são solicitadas tarefas múltiplas. A comunicação que faz (oral e/ou escrita) está comprometida porque os pré-requisitos não estão adquiridos. Aprendeu todas as letras do alfabeto e com ajuda do adulto, já consegue ler e escrever palavras e pequenas frases. Revela algumas dificuldades na execução das habilidades motoras solicitadas, com destaque para a coordenação, estruturação espácio-temporal e motricidade fina. Ainda não distingue a mão direita da esquerda (lateralidade). Mostra dificuldade em relacionar os conhecimentos adquiridos e de os utilizar em novas situações. Relativamente aos fatores ambientais, estes são facilitadores à participação e aprendizagem. Na escola, os docentes estão envolvidos no processo ensino aprendizagem da aluna, tentando adequar medidas e estratégias que facilitem as aprendizagens. Com os colegas e amigos interage positivamente e sente-se acompanhada nas suas atividades escolares e lúdicas. Na representação gráfica esquematizada de figuras elementares como figura humana, a Anabela possui fraca consciência do corpo e consequente dificuldade na exploração gráfica. Nas diversas unidades temáticas denota-se a repetição mecânica do mesmo esquema, estereotipada e sem detalhes diferenciadores da forma visíveis ao longo do tempo. Mesmo durante a atividade artística mostra algum receio de agir independente e transmite dificuldades de autoafirmação. Fig. 21 - trabalho da aluna na unidade temática Eu e os meus amigos  O David O David tem 14 anos e frequenta o 7º ano. A tipologia das suas necessidades educativas específicas é definida pela síndrome polimalformativa de etiologia não definida, associada a lesões cerebrais. É um jovem interessado, entusiasta e mostra-se sempre disponível para as propostas quer da aula, quer para atividades extracurriculares, como o desporto ou a música. Gosta de interagir e, dos cinco alunos, é o que mais procura situações de convívio no recreio, fora do pequeno grupo. De acordo com o seu PEI, David é o terceiro filho de uma fratria de três irmãos, vive com os pais e uma irmã. É uma família que revela grande empenho no acompanhamento da situação do aluno. Os dados da anamnese revelam uma gravidez de risco que decorreu com dificuldades, seguida de um parto prematuro (seis meses de gestação), em que o bebé nasceu sem respiração espontânea, tendo necessitado de cuidados especiais, nomeadamente ventilação. Apresenta hipoacusia neurossensorial (surdez) severa no ouvido esquerdo. O médico aconselhou no início do ano letivo 2011/12 o uso de aparelho auditivo, no entanto o aluno tem revelado alguma resistência, pelo que não o usa de forma sistemática. Do ponto de vista neurológico o David apresenta uma doença cerebral, subsequente a lesão estrutural do sistema nervoso central de natureza crónica e permanente, tendo evidenciado atraso na aquisição das etapas de desenvolvimento psicomotor e sendo considerado uma criança com necessidades educativas especiais de caráter permanente. As suas maiores limitações relacionam-se com a área do desenvolvimento psicomotor e apesar da área cognitiva ser relativamente eficiente, é considerado que as suas dificuldades se tornarão mais evidentes ao longo do percurso escolar. No que diz respeito às áreas de aprendizagem e aplicação de conhecimentos, em termos da linguagem escrita, o David reconhece a maioria dos casos especiais na leitura, mas esta ainda é realizada a uma velocidade muito lenta e muito inferior ao esperado para a faixa etária. Registam-se falhas frequentes na aplicação dos casos especiais, na expressão escrita, apresentando trabalhos com pouca correção ortográfica. Revela insegurança nos algoritmos matemáticos mas evidencia algumas capacidades de cálculo mental e raciocínio numérico, revelando lentidão na operação mental. Os tempos de atenção que envolvem a realização das tarefas escolares são muito curtos, registando-se muita dispersão, cansaço e dificuldades em realizar as tarefas que lhe são dadas, sendo importante respeitar estes aspetos no trabalho académico com o aluno. Estas limitações condicionam a capacidade para realizar tarefas de forma autónoma (com o ritmo de execução muito lento na conclusão das tarefas), sendo que para isto contribuem também as dificuldades ligeiras de motricidade fina da mão. Os fatores ambientais têm sido bastante facilitadores, quer no que diz respeito à colaboração da família, quer dos técnicos de saúde e ainda de todos os intervenientes da sua comunidade educativa. No âmbito da atividade artística, tem facilidade em recorrer a imagens internas (vividas ou imaginadas) e através delas construir significativamente representações gráficas e plásticas. É persistente, espontâneo e mantém a atenção no decorrer das propostas. É interessado na exploração de materiais e dos resultados expressivos que consegue experimentar. Na generalidade dos trabalhos mostra capacidade na organização experiências pessoais, desenvolvendo processos mentais implicados na perceção e na resolução de problemas visuais, relativamente à organização espacial, proporção e sobreposição das formas. Ainda na fase inicial da IA, o David demonstra compreender o potencial de representação e de comunicação subjacente à sua própria criação/produção artística, através do uso autónomo e comparação entre diferentes materiais e técnicas, na concreção da sua conceção visual. Fig. 22 - trabalho do aluno na unidade temática Eu e os meus amigos  A Ester A Ester tem 14 anos e frequenta o 7º ano e a tipologia das suas necessidades educativas específicas é definida por um défice cognitivo ligeiro e perturbação emocional. É uma jovem introvertida, tornando-se mais comunicativa à medida que confia no adulto e sente que o ambiente é securizante. Mostra sempre grande interesse e motivação para as aprendizagens e valoriza muito as situações em que está com a turma. Em pequeno grupo, é estável e tem um comportamento exemplar. Segundo os dados da anamnese, verificaram-se problemas no parto com implicações na posterior aquisição da marcha (iniciada aos 2 anos), e controlo muito tardio dos esfíncteres. Manifestou desde o início da frequência do JI e do 1º ciclo, grandes dificuldades de adaptação e de aprendizagem, altura em que foi encaminhada para consulta de psicologia no Centro de Saúde, onde foi sujeita a avaliação psicológica tendo-se iniciado o processo de acompanhamento à criança e à família. No PEI consta uma avaliação psicológica, na qual se salienta que o nível de desenvolvimento intelectual e instrumental da Ester é muito inferior ao esperado para o seu grupo etário, apontando para a existência de dificuldades várias – verbalização, competências simbólicas, pensamento lógico-associativo ou abstrato, raciocínio e cálculo numérico e competências sociais. É também referido que possui uma linguagem expressiva imatura e em termos psicoafectivos, revelando imaturidade, baixo nível de tolerância à frustração, instabilidade e labilidade emocional, bem como dependência excessiva da figura materna. Um relatório de pedopsiquiatria refere igualmente grandes dificuldades instrumentais e fatores emocionais a interferir no funcionamento cognitivo. Ao nível da aprendizagem da linguagem escrita, a Ester reconhece a maioria dos casos especiais na leitura, mas esta ainda é realizada a uma velocidade inferior ao esperado para a faixa etária. Registam-se falhas frequentes na aplicação dos casos especiais na expressão escrita, apresentando trabalhos com pouca correção ortográfica. No que diz respeito a competências de consciência fonológica necessárias à aprendizagem da leitura e escrita também se registam dificuldades. Revela insegurança na identificação e nomeação dos números, e com ajuda esquematiza o respetivo algoritmo. Evidencia ainda poucas capacidades de cálculo mental e raciocínio numérico, sendo necessária ajuda. Os tempos de atenção que envolvem a realização das tarefas escolares são progressivamente mais longos, mas com alguma tendência à dispersão. É autónoma e colaborante com os colegas. Na concretização prática das propostas de EEP, a aluna manifesta grande interesse nas propostas, pelo que consegue dirigir e manter a atenção e é persistente na realização das propostas. Não demostra comprometimento ao nível da motricidade fina da mão, nem ao nível da coordenação óculo-manual. Manuseia com facilidade a maior parte dos instrumentos usados na área da EEP, e domina as técnicas simples de representação gráfica e plástica. Revela alguma facilidade em evocar visualmente episódios e ambientes vividos e representa com expressividade, tanto os espaços como as personagens. Cria formas visuais a partir da sua imaginação, resolvendo com facilidade os problemas visuais, como aspetos da proporção ou escala, mostrando grande capacidade de diferenciar figuras através do desenho de pormenores. Explora, analisa imagens e revela capacidade de interpretação de narrativas visuais. Explora a relação texto-imagem, ilustrando histórias, poemas, etc. Aplica estratégias de organização das estruturas visuais, compreendendo princípios como a ocupação de página e enquadramento. Apesar das suas dificuldades E revela uma linguagem gráfica e cromática com características muito próprias da sua expressão pessoal. Fig. 23 - trabalho da aluna na unidade temática Eu e os meus amigos  A Rita Esta aluna tem 13 anos e frequenta pela primeira vez este estabelecimento de ensino, no 7º ano, sendo desde o início do ano letivo 2012/13 integrada no grupo de elementos acima descrito. A tipologia das suas necessidades educativas específicas é definida pelo défice cognitivo ligeiro, perturbação emocional e limitações na concentração da atenção. Devido ao insucesso verificado no primeiro ano de escolaridade e às grandes dificuldades em seguir o currículo comum, acrescidas pelas dificuldades cognitivas e emocionais que revela (limitações na concentração da atenção) foi proposto que a aluna usufruísse da medida Currículo Específico Individual. Em termos de desenvolvimento, segundo um relatório psicológico datado de 2006, a Rita apresenta um nível cognitivo inferior ao esperado para a sua faixa etária, não existindo diferenças significativas entre as áreas essencialmente verbais (compreensão verbal, processamento da linguagem, raciocínio e atenção) e áreas da realização relacionadas com capacidades de planeamento, processamento visual e velocidade psicomotora. De salientar que revela uma boa capacidade de análise visual e compreensão das relações das partes com o todo, que se encontram relacionadas com a organização percetiva, bem como com a aquisição do esquema corporal. Em termos emocionais regista-se pouca autonomia, bastante dependência da figura materna e imaturidade. Da avaliação realizada pelo serviço de psicologia e orientação da escola, confirma-se o atraso de desenvolvimento anteriormente referido e grande dispersão da atenção, em situação de sala de aula, registando com muita frequência comportamentos como levantar-se do lugar e dificuldade em escutar as orientações dadas. A Rita revela dificuldades acentuadas a nível das funções da atenção, funções psicomotoras, funções cognitivas de nível superior, funções do cálculo e dificuldades ligeiras nas funções intelectuais, funções psicossociais globais, funções da memória, funções emocionais e funções mentais da linguagem. Relativamente à linguagem escrita, a aluna faz leitura global e começou a utilizar estratégias de decifração, lendo palavras com sílabas diretas. Escreve pequenas frases, fazendo correspondência grafo-fonética, mas ainda com muitas dificuldades ortográficas e na construção de frases complexas. Tem dificuldades no cálculo mental e na resolução de problemas aritméticos. As dificuldades cognitivas e emocionais que revela poderão justificar as limitações que apresenta na concentração da atenção, em resolver problemas e tomar decisões. Apresenta também dificuldades em realizar a rotina diária, em gerir o comportamento e a expressão de emoções de forma apropriada. No que respeita à área de EEP, demostra dificuldades em trabalhar em grupo, concretamente no saber reconhecer o espaço do outro, perceber e respeitar a individualidade de cada um e partilhar ideias e pontos de vista. Demostra algumas dificuldades em sentir a aula de EEP como espaço libertador, na qual todos são autónomos de acordo com as suas capacidades, capazes de produzir livremente sem ter de agradar ao adulto ou impressionar os colegas. Junto desta aluna foi trabalhada a noção de que cada um pode criar artisticamente de forma diferenciada, dentro da mesma proposta, segundo o seu desejo e sensibilidade. A aluna não revela dificuldades em criar imagens a partir da sua imaginação, mas por vezes o comprometimento na atenção e concentração prejudica o seu desempenho na finalização das propostas. O desenho é pouco pormenorizado devido ao rápido ritmo de trabalho, no entanto é entusiasta no que concerne à exploração de técnicas novas, mostrando iniciativa. Tem facilidade na perceção e compreensão de enunciados visuais e adquire com facilidade o vocabulário específico da disciplina. Fig. 24 - trabalho da aluna na unidade temática Eu e os meus amigos CAPITULO 4- Metodologia de investigação «Uma metodologia centrada na Investigação-Acção permitenos operacionalizar uma diferenciação curricular e pedagógica inclusiva ao invés de uma diferenciação que retoma e reforça a uniformidade, a exclusão». [Isabel Sanches, 2005:140] Ainda que o sentido inicial da investigação-ação não se encontre apresentado de forma consensual na revisão bibliográfica realizada (pelos aspetos considerados irreconciliáveis entre a investigação e simultaneamente a ação), esta metodologia tem sido nas últimas décadas sistematicamente usada nos contextos educativos. Tida como uma modalidade de investigação qualitativa segundo um paradigma sócio crítico, «faz também incidir o seu foco sobre o conhecimento emancipatório, que pretende pôr a nu as ideologias que condicionam o acesso ao conhecimento e operar ativamente na transformação dessa realidade» (Coutinho, 2005:80). Enquadra-se no contexto da investigação participativa, definida como um processo integrador que combina a tríplice dimensionalidade da investigação, da educação e da ação. 5. Opção metodológica: a Investigação-Ação Enquanto conducente a transformações na atitude dos atores sociais e promoção da mudança social, a IA é integrada no tipo de investigação aplicada, podendo ser descrita como uma família de metodologias de investigação que utilizam um «processo cíclico ou em espiral, que alterna entre ação e reflexão crítica. Nos ciclos posteriores são aperfeiçoados, de modo contínuo, os métodos, os dados e a interpretação feita à luz da experiência (conhecimento) obtida no ciclo anterior» (Dick, 1999, cit. Coutinho, 2008)51. De acordo com Sanches (2005:139) «o vaivém da ação-reflexão sistemático e continuado feito pelo professor dá origem a uma práxis mais informada, mais rigorosa, mais científica». Perante as situações problemáticas evidenciadas no quotidiano letivo, o professor investigador questiona-se sobre a qual realidade desejável, e adota uma atitude crítica face aos fatores de imobilismo, sustentados quer por determinações de um dado corpo teórico ultrapassado quer pelo apego a “receitas” normalizadas e normalmente pouco flexíveis em situações que exigem ações alternativas. Deste modo, a identificação de problemas, da «realidade negativa ou desfavorável» González (2000) precede o processo de investigação, o qual procura através de mais e melhor conhecimento (Padrón,1996) colocar uma hipótese de resposta/solução, sob forte influência da componente ideológica vinculada à transformação e mudança. Segundo Cohen & Manion (1994) Descombe (1999), Elliot (1991) e Cortesão (1998), as características da metodologia de pesquisa da IA surgem sintetizadas como um tipo de investigação participativa, prática e interventiva, cíclica, crítica e autoavaliativa, atuando como um guia para orientar as práticas educativas e melhorar as aprendizagens. Considerase que a investigação-ação permite superar algumas discrepâncias existentes no binómio teoria-prática, possibilitando melhorias significativas no que diz respeito à qualidade da educação, por favorecer o processo sistemático de reflexão acerca da própria ação pedagógica, através da focalização de problemas, determinação da sua etiologia e mobilização de estratégias que permitiram a sua superação. De novo de acordo com Cohen & Manion (1994), trata-se de um procedimento essencialmente in loco com vista a lidar com um problema concreto identificado numa situação imediata. Isto significa que o processo é controlado passo a passo durante períodos de tempo determinados através de diversas estratégias que permitam que os resultados Fonte: artigo de Clara Coutinho (2008) intitulado Métodos de Investigação em Educação, disponível em «http://faadsaze.com.sapo.pt» [Consult: 01/11/14]. 51 subsequentes possam ser traduzidos em ajustamentos, mudanças e redefinições de modo a trazerem vantagens duradouras ao próprio processo em curso. Sobre esta metodologia, Cortesão e Stoer (1997), afirmam que o “pensamento multirreferencial” alcançado através da IA consegue produzir no professor-investigador dois tipos de conhecimento científico: «um que se baseia no professor como investigador e outro que se baseia no desenvolvimento de dispositivos pedagógicos (o professor como educador). A formação deste professor, simultaneamente investigador e educador, realiza-se através da concretização do que denominamos a interface da educação intelectual (…) torna possível a gestão da diversidade pelo professor. Esta diversidade, presente quer na escola, quer na sala de aula (…) pode ser vista como uma fonte de riqueza para o aprofundamento da natureza democrática da escola e do sistema educativo» (p.7). Dependendo da problemática identificada, dos contextos, dos sujeitos de investigação e do perfil do investigador, a investigação-ação apresenta diferentes possibilidades de ser operacionalizada. Deste modo, identificam-se três modalidades de IA definidas com base na sua “forma de ação” (Coutinho, 2005): a investigação-ação Técnica, Prática e Crítica (Emancipadora). O nosso estudo assume-se na modalidade de investigação-ação Prática voltada para a ação - pelo perfil ativo, autónomo e autoavaliativo durante o processo. Esta modalidade difere da IA Técnica, na qual o investigador é um especialista externo que «propõe a experimentação de resultados de investigações externas», investigando sobre a ação, sendo que o professor se limita a testar aquelas conclusões em prática no terreno (ibidem). Ainda que o objetivo central nas três modalidades seja o de melhorar a eficácia do sistema educativo, a IA Prática debruça-se maioritariamente na compreensão do funcionamento desse sistema, não contando impreterivelmente na sua operacionalização com os níveis de colaboração entre investigadores exigidos na modalidade de IA Emancipadora (apesar de considerarmos que através dessa articulação e corresponsabilização de vários intervenientes, é possivel estabelecer as verdadeiras possibilidades de transformação da realidade social). Seria nesta modalidade que gostaríamos de ter desenvolvido a nossa pesquisa (ao nível de participação coletiva) por considerarmos que a IA Emancipadora catalisa as possibilidades do paradigma sócio-crítico, indo para além da ação pedagógica individual e mobilizando departamentos e equipas multidisciplinares na escola. Desta forma seria possível assumir em conjunto as responsabilidades pela mudança pretendida, bem como os impactos e o acompanhamento da pós-intervenção no terreno. Por sua vez a presente investigação, aplicada no campo educativo mais restrito mas ainda assim segundo uma perspetiva de educação inclusiva, enquadra diferentes planos de investigação, dois dos quais assentando na dimensão exploratória e do levantamento das «condições existentes num determinado contexto, visando a compreensão do fenómeno em profundidade» (Coutinho,2005:176),52 e o terceiro plano analisa a intervenção. De modo a poder expandir e, em simultâneo, triangular o conhecimento obtido face ao fenómeno em escrutínio, os diferentes planos de investigação desenhados focaram objetivos específicos e procuraram hipóteses de respostas para questões problemáticas distintas. Na necessidade de instrumentos de recolha de dados úteis e adequados a cada plano, incluímos na IA metodologias de investigação de tipo misto, possibilidade essa confirmada por Coutinho (2005): «a inclusão da componente ideológica confere à IA uma individualidade própria que não pode ser menosprezada e que justifica que a consideremos, nesta nossa análise, como uma modalidade de planos de investigação “pluri” ou “multi” metodológicos, por isso mesmo também designados como planos mistos» (p.222). Visando chegar a níveis de consistência interna, e porque o “caso” em si ou o conjunto de “casos” não pode ser replicado ou reconstruído (Yin, 1994), procuramos a coleta de dados provenientes de fontes múltiplas (Stake,1995; Punch, 1998), com a preocupação de preservar o caráter «único, específico, diferente, complexo do caso» (Mertens,1998, citado Coutinho, 2002:234). Tal como afirmamos anteriormente, as vantagens da combinação da metodologia de IA com o estudo de caso residem na qualidade de informação mais completa que produz e que, ao privilegiar a observação participante (logo o próprio investigador como Os planos qualitativos/descritivos diferem dos planos experimentais por não pretenderem testar hipóteses de causalidade entre variáveis, normalmente inscritos no paradigma da investigação quantitativa. 52 “instrumento” de recolha de dados), na descrição em profundidade do contexto em que se inscreve, procura um entendimento holístico das possibilidades de abordagem. No entanto, as desvantagens que possui são as decorrentes da própria subjetividade durante o inquérito, o que leva à dificuldade em prevenir ou detetar aspetos relacionados com “intrinsic biases” (Cohen & Manion,1994) ou “ideias pré-concebidas” do observador, e na criação do distanciamento necessário à leitura e interpretação dos dados recolhidos pelo próprio. Assim, devido às desvantagens descritas, tornou-se necessário procurar formas de manter a validade da pesquisa qualitativa, estabelecendo os seguintes pressupostos: i) a intervenção teve início a partir de uma planificação de aula simples e flexível, a qual permite dirigir mais o foco para a recolha de dados; ii) foi adotada uma visão atenta, sensível, recetiva e criativa: os sujeitos de pesquisa qualitativa fornecem a maior parte do material de investigação. Assim a recolha e interpretação de material decorrente da intervenção é prioritária e determina a reformulação de conjeturas que por sua vez se induzem a partir das assunções previamente estabelecidas a partir do referencial teórico; iii) foi procurado um registo preciso: os registos foram mantidos sob a forma de anotações detalhadas ou transcrições, após as sessões de intervenção e estão anexos à tese, evitando excluir “peças” de informação, mesmo não podendo concluir a interpretação dos dados na sua totalidade (concretamente o diário de bordo do Apoio Pedagogico Personalizado na aula de ET); v) e por fim, a investigadora empreendeu num modo de olhar socrático, questionando e realizando exercícios de abstração e “des-subjectivação” constantes, tentando manter a perspetiva crítica apesar da exigência incontornável da visão pragmática enquanto docente. Acreditamos que a consecução dos objetivos da presente investigação se realizou através da dialética de ação-reflexão, segundo a qual pretendemos chegar à explicitação de um modelo de atuação pedagógica capaz de resolver, de forma autónoma, os problemas identificados (Sanches, 2005:130), sendo que «o objetivo principal do investigador é intervir diretamente numa situação ou contexto e solucionar problemas reais» (Coutinho, 2000:5). 5.1. Planificação da Intervenção «A atividade artística quando inovadora, propõe novos modos de sentir, pensar e agir» [T. Eça, 2002: 111] Numa época em a Educação Artística carece de novos debates a fim de se poder resgatar do plano secundário e de menor valor para a comunidade educativa devido sobretudo à última revisão da estrutura curricular da disciplina de EVT, a qual segundo a nossa opinião, contraria as prerrogativas do paradigma da inclusão, quisemos formular uma pergunta de partida que indicasse o sentido de uma realidade desejável, por contraste com a situação problemática atual: → De que modo a área artística nas artes visuais, integrada num currículo funcional (CEI) de alunos com restrições no envolvimento escolar, potencia os processos conducentes à sua participação e inclusão? No nosso entendimento, a questão é emergente por se relacionar com a aplicação da medida educativa (CEI), a qual que prevê alterações significativas no currículo comum, restringindo aos alunos a quem foi aplicado o prosseguimento de estudos de nível académico e, logo o contacto mais assíduo com os pares (questões estas com contornos complexos e ainda sem estudos avaliativos recentes no universo teórico da Educação Especial). Mediante as dúvidas que o referido modelo de inclusão nos suscita, foi-nos natural abdicar da posição cómoda e acrítica e passar a ponderar as possibilidades de melhoria do modus faciendi da atividade docente no âmbito da referida medida educativa. Visando concretizar esta intenção de melhoria, planificamos a nossa intervenção em sete fases: 1. Pré-intervenção /pré-observação e análise da experiência, 2. Diagnóstico da situação problemática/ identificação da realidade desejável; 3. Enunciado de um problema de investigação; 4. Revisão da literatura e escolha de referenciais teóricos de suporte à transformação; 5. Construção do plano de ação/ intervenção; 6. Implementação empírica dos planos de investigação, observação, descrição e registo dos resultados; 7. Reflexão, interpretação e integração dos resultados na reformulação da intervenção, com base na focalização progressiva das questões problemáticas. Segundo Goyette et al. (1984) referido por Lessard-Hébert (1996), nas fases de IA surgem englobados três níveis de operações distintas: as operações de pré-intervenção, que compreendem a pré-observação, a escolha do problema, a planificação do projeto; as operações de intervenção (que compreendem a intervenção no terreno) o ensaiar do projeto, a observação e registo da intervenção; e por fim as operações de avaliação, que compreendem a avaliação dos resultados da intervenção, a apresentação dos resultados, as limitações do projeto, as conclusões e as hipóteses que potenciem novas atuações. Através da revisão bibliográfica e pelas inferências que realizamos ao longo do nosso estudo, concluímos que o processo de Investigação-Ação desenvolvido possui um forte pendor pedagógico demonstrando, por ora, um cariz marcadamente individual na medida em que o alcance das conclusões remete para uma investigação de pequena escala, circunscrito a um contexto muito específico. 5.2. Validade do estudo A questão da qualidade científica da investigação segundo o paradigma qualitativo, também designado na literatura por hermenêutico, interpretativo ou naturalista (Coutinho, 2008), é uma preocupação de quem investiga sobretudo no campo das Ciências Sociais e Humanas (no qual se incluem as Ciências da Arte e as Ciências da Educação) e cujo objetivo central é compreender os fenómenos sociais do ponto de vista dos intervenientes. A ameaça da falta de fiabilidade e validade no âmbito da IA decorre da postura epistemológica sustentada pela conceção da natureza subjetiva do conhecimento acerca dos fenómenos sociais, sobre a qual se afirma que «a complexidade do mundo social apresenta permanentes mudanças e é impossível estabelecer leis semelhantes às das Ciências Naturais» (ibid,p.6). Em contraste, e face ao modelo de investigação de cariz quantitativo (positivista e normativo) encontrado frequentemente no âmbito da investigação realizada nas Ciências Naturais e Exatas, encontramos no seio da comunidade científica, desde há várias décadas, esta polémica sobre o rigor da investigação, questionando-se os critérios de cientificidade adotados nos estudos de problemáticas com forte pendor interpretativo, inscritos numa epistemologia subjetivista. Contudo, não obstante estas dificuldades, «é fundamental que todo o investigador em educação se preocupe com a questão da fiabilidade e validade dos métodos a que recorre sejam eles de cariz quantitativo ou qualitativo, porque (…), sem rigor a investigação não tem valor, torna-se ficção e perde a sua utilidade» (Coutinho,2008:5)53. Sabemos que a validade de uma investigação é dividida em validade externa e interna. A validade externa está ligada à possibilidade de os resultados poderem ser generalizáveis ou aplicáveis fora do enquadramento experimental, e assim poderem aplicar- se a grupos alvo ou ambientes diferentes (validade ecológica). Este nível de validade externa não é procurada pela IA, que pela sua natureza da abordagem indutiva visa construir progressivamente aproximações à compreensão da realidade problemática, as quais não dependem de variáveis ou de categorias de análise estabelecidas à priori, e segundo a qual se presume «que o conhecimento profundo de um fenómeno e dos seus resultados só podem ser obtidos com “insights” sobre as experiências pessoais dos intervenientes/participantes» (Coutinho, ibid,p.7). Fonte: artigo de Clara Pereira Coutinho (2008): A qualidade da investigação educativa de natureza qualitativa: questões relativas à fidelidade e validade. Disponível em «https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/7884/1/005a015_ART01_Coutinho%5Brev_OK%5D.p df» [Consult:10/01/2015]. 53 Na pesquisa qualitativa, o «nível ontológico (natureza da realidade) e epistemológico (relação do investigador com o objeto ou sujeito de estudo) originam uma postura metodológica distinta» (ibidem), determinante nas decisões tomadas pelo investigador, quer relativamente à planificação da intervenção, quer relativamente às técnicas escolhidas para recolha de dados e seu tratamento. A aplicação destas técnicas, quando realizada corretamente irá conferir coerência entre as conclusões de um estudo e a realidade, certificando o investigador da certeza de que os resultados podem ser aceites com base no desenho de investigação proposto – a sua confiabilidade.54 Segundo afirma Nieveen (1999, citado por Nunes, 2012) para se assegurar a validade dos estudos e, por conseguinte a qualidade da intervenção, é importante considerar quatro critérios gerais: «i) Relevância ou validade do conteúdo: implica alicerçar os componentes da intervenção no estado da arte em que o conhecimento se encontra; ii) consistência ou validade do constructo: a intervenção é planeada de uma forma lógica, onde todos os componentes se relacionam uns com os outros; iii) praticabilidade: exige que os utilizadores finais considerem a intervenção útil nos contextos em que os materiais ou as estratégias foram planeadas e desenvolvidas, e que seja compatível com as intenções de quem desenvolveu o estudo; iv) eficácia: implica que a intervenção seja efetiva e os resultados desejados sejam alcançados. Se a intervenção cumprir estes requisitos é considerada válida».55 Os quatro critérios elencados remeteram-nos para cada uma das fases da investigação, pois incidem sobre momentos diferentes ao longo do processo da IA, na qual se procurou um alinhamento entre teoria e prática, muito exigente inicialmente pela revisão da literatura e a construção crítica e reflexiva do Estado da Arte com referência ao que se tem descoberto sobre o assunto pesquisado, clarificando conceitos e paradigmas. 54 Segundo Clara Coutinho, o temo rigor é usado pelo paradigma quantitativo, enquanto trustworththiness (confiabilidade) é termo paralelo proposto para o paradigma qualitativo e que, segundo os autores, nos dá como que uma medida do quanto podemos confiar/acreditar nos resultados obtidos na pesquisa interpretativa (p.8). Fonte: Nunes, C. (2012). Apoio a pais e docentes de alunos com multideficiência: Conceção e desenvolvimento de um ambiente virtual de aprendizagem. Tese de doutoramento. Instituto de Educação UL, Disponível em «http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/7702/1/ulsd064599_td_tese.pdf» [Consult:12/12/14]. 55 Ao interrelacionar referenciais teóricos provindos de autores basilares, foi possível consolidar/sistematizar um enquadramento cuja força argumentativa alcançada através da congruência entre a formulação das questões de investigação e a revisão de literatura, permitiram avançar para fases posteriores de planeamento da investigação empírica. Consideramos também que os critérios apropriados capazes de demonstrar a qualidade científica se vinculam à “praticabilidade” na área do estudo, que reconheceu consensos, quer a montante da intervenção (revisão da literatura de autores nos diversos campos disciplinares), quer a jusante (a escola, os professores, os alunos e encarregados de educação) sobre a utilidade, pertinência e premência da temática pesquisada e abordada. No que concerne ao quarto critério, reconhecemos que a eficácia da investigação se prende com a concreção da intencionalidade transformadora, espelhada na melhoria dos aspetos relacionados com a atividade e cognição artística, participação, interação, aprendizagem e inclusão dos sujeitos de estudo, através da operacionalização de um plano de intervenção coerente e consistente. Diante do exposto, cremos que a eficácia e validade do estudo são corroboradas pela análise e interpretação dos dados recolhidos e triangulados através das diferentes fontes de evidência, disponíveis nos planos de investigação concebidos (ponto 6 deste capítulo). Neles procurámos a «combinação de pontos de vista, métodos e materiais empíricos diversificados suscetíveis de “constituírem uma estratégia capaz de acrescentar rigor, amplitude e profundidade à investigação» (Denzin e Lincoln, 2000 cit. Coutinho, 2008:9). De acordo com o postulado por Stake (2012) recorremos a “protocolos de triangulação” através de: a) triangulação de fontes de dados (cruzamento de dados provenientes de várias fontes, técnicas e instrumentos como as notas de campo, os registos escritos, as produções de natureza reflexiva, documentos oficiais como PEI e CEI, e os portfólios de trabalhos organizados para cada aluno)56. 56 A fim de complementar este estudo e, com o intuito de poder realizar-se uma triangulação técnica de recolha de dados quantitativos, planificámos inicialmente a introdução do estudo sociométrico (a aplicar na turma, na aula de ET no final do ano letivo). Os dados decorrentes deste instrumento (inquérito) visavam a compreensão das relações sociais (redes) existentes no grupo-turma, pois consistia em pedir a cada elemento de um grupo b) triangulação metodológica, em que para aumentar a confiança nas suas interpretações o investigador procede a múltiplas combinações “inter metodológicas” (o estudo de caso como complemento da abordagem metodológica da Investigação-ação). c) triangulação da teoria, utilizando diferentes perspetivas para interpretar o conjunto de dados (a revisão da literatura e referenciais teóricos de autores e pedagogos como Schaeffer-Simmern, Dewey, Arnheim, entre outros, permitiu uma triangulação teórica, dado que orientaram a interpretação dos dados obtidos na investigação); d) triangulação interdisciplinar, utilizando áreas de conhecimento distintas para informar a investigação (foram trianguladas referências/ princípios orientadores relativos às matrizes disciplinares da Educação Artística e da Educação Especial. A especificação dos momentos e dos processos de triangulação descritos serão assinalados ao longo do estudo, nos pontos relativos a cada plano de investigação. 5.3. Aspetos éticos da investigação Relativamente às questões éticas da pesquisa, foram seguidos os procedimentos com vista à obtenção da autorização expressa dos professores inqueridos no questionário, dos Encarregados de Educação dos cinco alunos para a recolha de dados, bem como enviado o para indicar os colegas com quem gostaria de trabalhar em grupo na aula de ET, obtendo uma matriz sociométrica, através da qual seria possível vislumbrar informações sobre a estrutura sócia afetiva dos grupos, os relacionamentos interpessoais e a dinâmica relacional entre os alunos da turma e os alunos com NEE, sujeitos de investigação, durante a aula e nos intervalos. A nosso ver, seria um instrumento pertinente e importante para a credibilidade do estudo, pois segundo Adam Blatner (1996) «Com a Sociometria é possível promover uma investigação sobre a organização e a evolução dos indivíduos e dos grupos, ela é “uma filosofia de pesquisa coletiva» (p.143). Assim, perante esta possível complementaridade de dados para a intervenção contatou-se a DGIDC com a finalidade de efetuar o pedido de realização de inquérito em meio escolar, o qual resultou em rejeições sucessivas com a justificação que “este tipo de estudo contempla o tratamento de dados pessoais e sensíveis, a utilizar em trabalho académico, exigindo-se a garantia de anonimato” (o teste sociométrico é identificado por cada aluno). A doutoranda foi informada que seria necessário pedir parecer prévio à Comissão Nacional de Proteção de Dados, para que ficassem registados os procedimentos a seguir e dados recolher, bem como a devida autorização dos EE, sendo que a notificação à CNPD em maio de 2013 emitiu o indeferimento, anulando a aplicação do referido instrumento junto dos alunos. requerimento à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), cujo parecer determinou a resposta da Direção Geral da Educação (DGIDC) no âmbito do pedido para a realização de “Inquéritos em Meio Escolar”. Após concluído este processo, com deferimento da DGIDC, foi possível solicitar o consentimento da Comissão Administrativa Provisória do agrupamento que acolheu positivamente a presente investigação. 5.4 Planos da investigação A problemática em estudo requereu uma abordagem enquadrada em três planos de investigação (ver diagrama 4) de acordo com as seguintes denominações: a) momento de préintervenção, b) plano de investigação diagnóstico (obtenção de perspetivas pessoais dos professores de Educação Visual e Educação Tecnológica relativas à frequência das disciplinas pelos alunos com necessidades educativas específicas), c) plano de investigação principal (intervenção pedagógica através da conceção, implementação e avaliação da área curricular específica de Educação e Expressão Plástica, no âmbito do CEI dos alunos participantes). A intervenção mencionada no plano de investigação principal constitui o cerne da Investigação-Ação, através da qual se procurou uma compreensão da relação entre as opções metodológicas da EA tomadas (objeto da investigação) e os mecanismos envolvidos na conceção visual e na cognição artística dos alunos (sujeitos da investigação). Quisemos também analisar as implicações ao nível da autoestima, autonomia e relação interpessoal dos alunos, bem como a contribuição destes fatores no desenvolvimento de sentimentos de eficácia e competência, os quais afirmamos como sendo vetores de inclusão. Diagrama 4 –Planificação da investigação e definição das técnicas e instrumentos de recolha de dados De acordo com a calendarização apresentada, o plano de investigação principal integrou momentos de intervenção semanais ao longo de um ano letivo, descritos e documentados em cada plano de investigação, com recurso à estratégia de investigação do estudo de caso, e aos diferentes instrumentos de recolha de dados como inquérito por questionário, observação participante, registo em diário de bordo e elaboração de portfólios individuais, apresentados no capítulo seis deste texto. 5.4.1. Momento da pré-intervenção (plano de análise da experiência) Neste ponto salientamos a importância do momento prévio de investigação designado por pré-intervenção (Lessard-Hébert,1996), o qual procurou uma aproximação crítica da realidade vivenciada em contexto da escola, através da análise da experiência pessoal enquanto docente desde há três anos neste agrupamento, e no início do quarto e último ano, durante o qual lecionei a área de CEI (Educação e Expressão Plástica) ao grupo dos sujeitos da investigação. O grupo de alunos referido iniciou a frequência do 5º ano naquele estabelecimento de ensino (de 2º/3º CEB) em 2010/11, pelo que a proximidade e o contacto informal com a docente/doutoranda já se tinha estabelecido anteriormente ao início do projeto de investigação (2012/13), ainda que não sendo alunos da “lista de atendimento”57 da própria. Foi no último ano do contrato enquanto docente de Educação Especial no agrupamento que se direcionou e formalizou a relação pedagógica no âmbito da área de CEI, Educação e Expressão Plástica. As dúvidas, inquietações e procura de soluções para diferentes aspetos do percurso escolar destes alunos, assim como de outros alunos enquadrados no DL 3/2008, foram sendo partilhadas no seio do Departamento de Educação Especial, principalmente por aquelas docentes que apoiavam alunos do 2º e 3º ciclo abrangidos pela medida educativa de CEI. Através do diálogo e partilha dos pontos de vista com colegas docentes existia algum conhecimento prévio de características dos alunos referidos entre docentes, mas que viria a aprofundar-se a nível mais pormenorizado aquando da lecionação da área curricular de EEP. 5.4.2. Plano de investigação diagnóstico O segundo plano, na vertente diagnóstica, refere-se à recolha de dados sobre as perspetivas dos professores de Educação Visual e Educação Tecnológica do agrupamento sobre a inclusão, bem como ao levantamento de aspetos psicopedagógicos problemáticos, e potencialmente condicionadores dos resultados da intervenção. Na lista de atendimento de um docente de EE, constam os alunos cuja gestão do processo individual, e apoio direto ou indireto, são da responsabilidade daquele docente, sendo que outros docentes ou técnicos poderão “partilhar” esses alunos através da lecionação/intervenção em áreas distintas. 57 Participantes: Professores do quadro do agrupamento do Departamento de Expressões e alunos (5 sujeitos da investigação). Recolha de dados: Foram contactados e convidados os seis professores do agrupamento que lecionaram no ano letivo 2012/2013 as referidas disciplinas, com o intuito de ser realizado um inquérito por questionário. Dos contactos efetuados, quatro professores concluíram a totalidade do inquérito, cujo conteúdo constitui a base para a codificação de temas a fim de ser realizada a análise temática fornecendo dados relevantes para complementar o diagnóstico da situação problemática identificada pela doutoranda. Este inquérito por questionário foi elaborado utilizando, maioritariamente, perguntas abertas, ou seja, que «requerem uma resposta construída e escrita pelo respondente (…) com as suas próprias palavras» (Hill & Hill, 2005:93). No que respeita ao estudo da dinâmica de grupo e nível de desenvolvimento gráfico-plástico, procedemos a uma avaliação diagnóstica simples do nível de competências adquiridas através das primeiras semanas/ unidades temáticas de EEP, as quais se encontram documentadas através da estrutura de planificação e do portfólio individual dos alunos, cuja análise consta do sexto capítulo desta tese. Calendarização: Os inquéritos por questionário foram facultados a cada professor individualmente durante o primeiro período, tendo sido recolhidos no início do segundo período. A consulta e análise dos PEI de cada aluno foi sendo realizada a longo do primeiro período. Objetivos: a) Obter perspetivas pessoais dos professores de Educação Visual e Educação Tecnológica relativas à frequência destas disciplinas pelos alunos com necessidades educativas específicas, no âmbito dos Currículos Específicos Individuais. Visa concretamente conhecer a perceção dos professores de EV e ET em relação à importância da Educação Artística no currículo de alunos com NEE; conhecer a opinião sobre a inclusão de alunos com NEE nas aulas de EV e ET, sobre as condicionantes do acesso ao currículo geral das referidas disciplinas, permitir, através da descrição de aspetos da prática pedagógica dos professores, encontrar quais os pontos favoráveis e/ ou desfavoráveis no processo de inclusão destes alunos nas aulas de EV e ET; b) fazer a caracterização do meio envolvente e dos sujeitos da investigação (alunos); c) permitir aferir aspetos problemáticos acerca da vivência escolar dos sujeitos de estudo, tais como: evidência de conflituosidade frequente entre elementos do pequeno-grupo - incluindo provocações verbais, queixas a adultos, comentários desencorajadores entre alunos, comentários sobre as incapacidades e dificuldades (do outro) perante professores na aula, desvalorização mútua das opiniões e perante as produções individuais (escrita, desenho, música, etc) - de forma a traçar um conjunto de estratégias psicopedagógicas passiveis de implementar durante as aulas de EEP, a fim de minorar os efeitos causados pela instabilidade do ambiente, com consequências ao nível da desconcentração e desmotivação dos alunos. 5.4.3. Plano de investigação principal Este terceiro plano é relativo à intervenção pedagógica na área curricular específica de Educação e Expressão Plástica no âmbito da medida educativa do Currículo Específico Individual. Participantes: No ano letivo de 2012/2013, o agrupamento incluiu pela primeira vez a área de Educação e Expressão Plástica no CEI de cinco alunos (2º e 3º ciclo), a par das Áreas Curriculares Específicas de Português Funcional, Matemática Funcional, Formação Pessoal e Social e da área de Música e Dança. Das disciplinas que os alunos frequentaram com a turma (designadas por Áreas Curriculares Disciplinares) constam também a Educação Física e a Educação Tecnológica. Foi elaborado um horário segundo o qual os alunos alternaram a frequência das áreas específicas de CEI com as áreas disciplinares com a turma de referência. Mediante a referida estrutura, o conselho de turma foi constituído por docentes de Educação Especial (para as áreas específicas) e professores do ensino regular para as áreas disciplinares com a turma. Os participantes/ sujeitos de estudo deste plano de investigação são os cinco alunos que frequentaram no referido ano letivo, a área de EEP lecionada pela doutoranda. Recolha de dados:àrevisão bibliográfica, observação participante, diário de bordo (notas de campo) e análise documental (PEI e trabalhos dos alunos) Calendarização: A calendarização da área de EEP foi estabelecida de acordo com o calendário escolar 2012/13, com a carga semanal de um bloco de noventa minutos. Contudo, as aulas previstas não correspondem às aulas dadas, por se terem verificado sobreposições com atividades programadas no âmbito do Plano Anual de Atividades, ou do Departamento da EE, entre outras situações de impossibilidade de cumprimento do horário. Objetivos: Este plano é descrito pela planificação-ação-reflexão sobre o desenvolvimento da atividade artística de cinco alunos no âmbito do seu CEI, e cuja intervenção foi ancorada abordagem teórico-prática documentada por H. Shaeffer-Simmern. Este plano materializouse através da implementação de unidades temáticas, dando origem conjunto dos trabalhos realizados pelos alunos, reunidos em portfólios individuais. As opções pedagógicas assentam na investigação e nos princípios metodológicos do autor supra mencionado no que concerne à abordagem construtivista da EA, baseada na evolução ou unfolding da atividade artística a partir dos estádios de conceção visual de cada aluno. Simultaneamente ao plano de investigação principal, é prestado Apoio Pedagógico Personalizado (APP) na aula de Educação Tecnológica ao mesmo grupo de cinco alunos com regularidade semanal (bloco de 90 minutos). O apoio da docente inclui o reforço de competências específicas a desenvolver com estes alunos no seu grupo-turma; adaptações ao nível da organização do espaço e das atividades; o estímulo da participação, da autonomia e da criatividade; a antecipação e o reforço da aprendizagem de técnicas de expressão plástica, aprendidos no âmbito da aula de ET com a turma (ver diagrama seguinte). Diagrama 5 - Organização da frequência de ET e EEP dos sujeitos da investigação Á eaàdeàEdu açãoàeàExp essãoàPl sti aà CEI áoàPl sti aà 4 alunos da turma de referência de 1 aluno da áoà turma de referência de 6º ano: 7º ano frequenta a aula de ET com a medida de Apoio Pedagógico Personalizado) (frequentam ET na turma do aluno de 6º ano no mesmo horário) Apesar de não ser considerado um plano de investigação, o apoio prestado neste contexto contribui para uma reflexão crítica e reformulação da ação pedagógica, em coadjuvação com o professor titular da disciplina de Educação Tecnológica. 6. Técnicas de recolha dos dados No seu percurso, o investigador que opta pela dimensão qualitativa da pesquisa, considera inevitavelmente o seu caráter holístico pois os indivíduos, os grupos e as situações de investigação são vistas como um “todo” não podendo ser reduzidos a variáveis (Carmo e Ferreira, 1998). Deste modo, procura sempre «estudar objetivamente os conteúdos subjetivos dos sujeitos» (Bogdan e Bilken, 1994:188), atentando não só ao momento presente da investigação, mas também a aspetos relacionados com o percurso já realizado, pelo que se envolve «na atividade como um insider mas é capaz de refletir sobre ela como um outsider» (Eisenhart in Ponte, 1994:9, cit. Coutinho, 2008:10). Esta dualidade sugere porém alguns aspetos difíceis de conciliar entre o “agir-insider” e o “analisar-outsider” (dos efeitos da ação), e por isso mostrou-se necessário pensar nas formas de recolha da informação que, estando diretamente relacionadas com a intervenção da docente/investigadora, pudessem contribuir na visão mais distanciada sobre a repercussão da própria prática letiva. Nesse sentido diligenciamos um modo sistemático e intencional do “olhar” na tentativa de discernir sobre os aspetos acessórios ou redundantes da realidade em estudo, reduzindo o processo a um sistema de representação mais fácil de analisar, facilitando assim, a fase da reflexão (António Latorre, 2003). Com base no referido, optámos por recolher os dados através da conjugação de: a) técnicas baseadas na conversação: o questionário e o diálogo informal e interação com docentes, alunos e Encarregados de Educação – centradas na perspetiva dos participantes e sujeitos do estudo; b) técnicas baseadas na observação: o diário de bordo, as notas de campo e produções de natureza reflexiva – centradas na perspetiva e narrativa do investigador; c) técnicas baseadas na análise de documentos – como o Programa Educativo Individual e documentos do Processo individual do Aluno. Quanto aos dados recolhidos através das técnicas de observação, o seu registo foi marcadamente descritivo «incorporando a linguagem expressiva e a presença da voz no texto» (Eisner, 1991:36) por considerarmos que veiculou informação rica em pormenores e perceções sobre a experiência dos participantes no contexto, e por isso mais significativos do ponto de vista epistemológico. No que respeita ao inquérito por questionário aplicado aos professores (ver quadro 3), os objetivos e a sua estrutura são apresentados no ponto seguinte onde procurámos explicitar a relevância da informação recolhida numa fase preliminar da investigação. 6.1. Inquérito por questionário para os professores de EV e ET Incluído no plano diagnóstico da investigação, foi elaborado e utilizado um inquérito por questionário a três professores de EV e ET do agrupamento, a fim de recolher informação qualitativa sobre a problemática destacada tendo recorrido a perguntas abertas, ou seja, que «requerem uma resposta construída e escrita pelo respondente (…) com as suas próprias palavras» (Hill & Hill, 2005:93). Quando abordados sobre as possibilidades para a coleta de informação (inquérito por entrevista ou inquérito por questionário), os professores manifestaram unanimemente preferência pelo questionário, pelo que anuímos e sublinhamos a importância do contributo de cada inquirido para esta investigação. Foi garantida a autorização para publicação dos dados bem como o anonimato dos professores, os quais aparecem associados a identificadores (quadro 4), apenas reconhecíveis pela doutoranda. Sendo que o objetivo geral do questionário se prende com a recolha das perspetivas pessoais dos professores sobre aspetos relacionados com a inclusão (facilitadores e obstáculos à inclusão, metodologias inclusivas, etc.) de alunos com NEE nas disciplinas de EV e ET, destacaram-se também os objetivos específicos (a par de cada domínio) que contribuíram para aprofundar o nível de compreensão da realidade vivenciada na escola. No seguinte quadro é possível aceder à estruturação do questionário nos domínios focados, objetivos e questões colocadas. As transcrições das entrevistas aos professores encontram-se compiladas e apresentadas no anexo III. Quadro 3 - Estruturação do questionário para os professores de EV e ET Caracterização pessoal Domínios Objetivos específicos - Identificar o professor inquirido Questões 12345- Nome Idade Situação profissional Tempo de serviço Tempo de serviço no agrupamento Importância da Educação Artística no currículo de alunos com NEE Facilitadores da inclusão Obstáculos à inclusão Característic as inclusivas do currículo Formas de potenciar a interação -Conhecer o percurso profissional do professor -Como era a sua relação com a disciplina de Educação Visual? O que mais gostava na disciplina? - Perscrutar sobre a valorização do paradigma da Inclusão tanto para os alunos com NEE como para os restantes alunos do ensino regular; Durante a última década, as escolas têm recebido orientações do ME no sentido de integrar alunos com Necessidades Educativas Especiais nas turmas, que até então frequentavam instituições designadas por “escolas especiais”. Esta transição assumiu o caráter de obrigatoriedade no sistema público de ensino com a publicação do Dec.Lei 3/2008. - Conhecer a perceção dos professores de EV e ET em relação à importância da Educação Artística no currículo de alunos com NEE; -Permitir fazer um diagnóstico, através da descrição de aspetos da prática pedagógica dos professores, sobre os pontos favoráveis e/ ou desfavoráveis no processo de inclusão destes alunos nas aulas de EV e ET; - Conhecer a opinião sobre as condicionantes na implementação de medidas inclusivas mais eficazes; - Conhecer a opinião sobre características dos currículos que promovem melhor a inclusão; Melhoria da participação - Conhecer as metodologias/estratégias mais usadas, no sentido de potenciar a interação entre pares nas aulas de EV/ET, -e no sentido de aumentar a participação. 1- Do seu ponto de vista, considera que a inclusão traz benefícios aos alunos com NEE? Se sim, quais? E aos restantes alunos da escola? Enquanto docentes, a inclusão remete-nos à reflexão sobre a escola que temos, ou que gostaríamos de ter, como um lugar de plena igualdade e que, face à legislação atual deve promover o sucesso educativo dos alunos com NEE. 2- Na sua opinião, quais os principais obstáculos na implementação de medidas inclusivas mais eficazes? Existe atualmente uma discussão internacional sobre a questão da acessibilidade dos alunos com NEE relativamente aos currículos gerais, adequando-os de forma a responder às necessidades específicas de aprendizagem. 3- Considera existirem disciplinas, que pelas suas características curriculares, podem promover a inclusão de alunos com NEE de forma mais eficaz do que outras? Se sim, quais/ porquê? Pretende-se que as aprendizagens se realizem no grupo dos pares, valorizando a socialização e cooperação, numa perspetiva de igualdade social. 4- Na sua opinião, de que forma as disciplinas de Ed. Visual e Ed. Tecnológica podem promover interações sociais positivas entre os alunos com NEE e os colegas da turma? 5- De acordo com a sua experiência, quais as estratégias pedagógicas que considera mais eficazes na melhoria da participação destes alunos nas aulas de EV/ET? 6.2. Técnicas de análise e tratamento de dados À medida que nos aproximamos do apuramento de conclusões, confrontamo-nos com a tarefa meticulosa e pormenorizada subjacente à análise de dados, essencial na fundamentação das respostas encontradas no âmbito das questões problemáticas definidas aquando do desenho do projeto de investigação. O processo é exigente pela grande quantidade e diversidade de informação, a qual necessita, a fim de ser capaz de produzir conhecimento científico, de ser escrutinada através de um método interpretativo de análise. Atendendo ao tipo de dados recolhidos optámos pela análise temática dos textos por permitir abordar e organizar um volume de material em bruto, e conseguir a identificação e descrição de padrões até se obterem elementos manuseáveis que permitam estabelecer relações, fazer interpretações e chegar a resultados ou conclusões. Segundo Braun and Clarke (2006) a análise temática é definida como «A method for identifying, analyzing and reporting patterns within data» (p. 79) e é um método adequado para a análise de dados relativos a entrevistas, focus groups, diários, etc. De acordo Bogdan & Biklen (1994): «A análise de dados é o processo de busca e de organização sistemático de transcrições de entrevistas, de notas de campo e de outros materiais que foram sendo acumulados, com o objectivo de aumentar a sua própria compreensão desses mesmos materiais e de lhe permitir apresentar aos outros aquilo que encontrou. A análise envolve o trabalho com os dados, a sua organização, divisão em unidades manipuláveis, síntese, procura de padrões, descoberta dos aspetos importantes e do que deve ser aprendido e a decisão final sobre o que vai ser transmitido aos outros» (p.205). Pelo seu teor qualitativo, o tratamento dos dados resultantes das questões abertas do inquérito por questionário, exigiu uma análise preliminar com base na comparação das respostas dadas pelos três professores, para permitir a identificação de temas e sub-temas decorrentes dos pontos concordantes e discordantes evidenciados nos textos: «a theme is an idea that captures something important about the data in relation to the research question that represents a pattern in responses» (Braun & Clarke, ibid). De modo semelhante, os dados resultantes das notas de campo foram submetidos a uma leitura e análise prévia à identificação dos temas, os quais foram sendo codificados através da perceção das regularidades e/ou padrões nos textos, associados ao referencial teórico. Tal como as questões problemáticas foram sendo progressivamente focalizadas, também o foco sobre informação procurada sofreu consequentemente alterações no decurso da pesquisa, gerando-se novos subtemas (conceitos subjacentes aos temas iniciais) que vieram aprofundar e enriquecer a análise da informação disponível. Como refere Ferreira, L. (adaptado de Braun & Clarke, ibid)58, na análise temática «o investigador posiciona-se de uma forma ativa na análise - os temas não emergem por si só». Nas notas de campo a codificação dos temas e subtemas decorrem da constatação de fatores preponderantes no âmbito da intervenção: a) Melhoria nas interações e controle de comportamentos conflituantes; b) Maior motivação perante as propostas; c) Estímulo da imaginação criadora; d) Superação das dificuldades e autonomia na atividade artística; e) Análise e valorização dos trabalhos finalizados e f) Manifestação de sentimentos de eficácia e competência (ver quadro 3). Posteriormente selecionaram-se excertos relevantes os quais foram agrupados em temas distintos, coerentes, consistentes e ilustrativos dos temas sugeridos. «Os dados foram analisados de forma interpretativa, não são apenas descrições ou paráfrases do texto» tendo sido procurado um «equilíbrio entre a narrativa de análise e a ilustração dos temas através de excertos (…) A linguagem e os conceitos usados são consistentes com as posições epistemológicas assumidas pelo investigador». Relativamente ao tratamento dos dados recolhidos através do portfólio individual dos alunos, o procedimento assentou na análise dos elementos formais das produções segundo os parâmetros definidos por Schaeffer-Simmern descritos no “Sumário da Evolução dos Estádios de Conceção Visual” (ver apêndice I). A análise dos trabalhos procura identificar os níveis de conceção visual de cada aluno, produzindo informação que consideramos Fonte: Critérios para uma Análise Temática de qualidade, in Qualitativas, etc, blog de Luana Cunha Ferreira, investigadora da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Disponívelem «http://qualitativas.blogspot.pt/2014/02/analisetematica.html?» [Consult:12/03/15]. 58 relevante neste IA pela influência que têm na planificação e na escolha de estratégias destinadas ao trabalho colaborativo entre pares, e que dará resposta a uma das questões problemáticas colocadas inicialmente nesta tese. A análise do material produzido foi realizada foi realizada a partir de pressupostos construtivistas através do recurso a uma matriz orientadora, a qual combina desenhos e descrição do respetivo estádio (apêndice II). Os aspetos não formais, enquanto sujeitos à subjetividade do observador não foram referidos na análise do portfólio, pois através daquela procurámos evidências concretas de desenvolvimento gráfico-plástico individual, traduzidos concretamente na “maneira de desenhar e pintar”. Assim sendo, a análise dos fatores não formais desta fonte de dados que concorrem para o desenvolvimento e maturidade ao nível da cognição visual (na sua inter-relação com a perceção, a compreensão e a expressão, ampliando as capacidades de “pensar, sentir e agir” através da atividade artística), foi procurada ao longo das várias unidades temáticas da intervenção, e surge explanada no capítulo sete – Considerações, limitações e linhas de investigação futura. CAPITULO 5 - A Intervenção Pedagógica «Uma pedagogia das artes (…) ajuda a desenvolver a criatividade e motivação, desenvolve habilidades intelectuais tais como capacidades de percepção e memória, de organização e relacionamento de informação, de análise e de síntese, de raciocínio e de resolução de problemas. E desenvolve habilidades de comunicação e de relacionamento intrapessoal e interpessoal, compreensão dos seus sentimentos e dos sentimentos dos outros» [T. Eça, 2008, p.3] 59 Não sendo a presente investigação-ação balizada por um ou outro posicionamento teórico-prático face ao currículo de Educação Visual ou de Educação Tecnológica em vigor nas escolas, revela ressonâncias que ecoam do background da investigadora, enquanto professora do extinto grupo de EVT até ao ano 2005. Distancia-se porém desta experiência por se inscrever a intervenção na conceção de uma área curricular específica (EEP) procurando a construção de uma abordagem da EA nas artes visuais “à medida” de um grupo de alunos, logo à margem dos últimos constrangimentos ministeriais sobre a reorganização curricular). A intervenção é complementada pela análise e pelas considerações gerais sobre o acesso dos mesmos ao currículo de ET, em situação de frequência desta disciplina em contexto turma. Tendo sido aferidos, através dos dados recolhidos no plano de investigação diagnóstico, alguns aspetos problemáticos na dinâmica do grupo (dos cinco alunos) como situações conflituosidade frequentes, refletidas sobretudo em comentários desencorajadores entre alunos e tentativas de desvalorização mútua nas diversas áreas do currículo, a Fonte: artigo on-line de Teresa Eça com o título Para acabar de vez com a Educação Artística, disponível em «http://coral.ufsm.br/lav/noticias1_arquivos/educacao_artisitca.pdf», [Consult: 01/01/2015]. 59 professora, enquanto mediadora, contemplou estratégias de gestão de comportamento, sob o risco de estes aspetos “tomarem conta” do espaço e tempo da aula. Percebemos que o desinteresse e desmotivação na aula se alicerçava, em parte, no facto de alguns alunos permanecerem focados no outro (na procura da evidenciação perante a desvalorização dos restantes), o que dificultava as oportunidades para se centrarem nas propostas, e na valorização das suas próprias perceções e conceções artísticas individuais. Ambicionamos que estes conflitos se fossem reduzindo progressivamente, desbloqueando hipóteses de desenvolver o processo de “pensar-sentir e agir” através das produções gráficoplásticas, orientadas por uma metodologia holística da EA. A metodologia escolhida incidiria na promoção de situações e estratégias de aprendizagem baseadas no questionamento (interação entre a linguagem visual e verbal), na intuição, na autoanalise e reflexão, na valorização tanto do processo de criação, como do produto finalizado (perante níveis de responsividade do adulto), na resolução de problemas visuais, no desenvolvimento da consciência da forma artística (H. S-Simmern, 1961). A consciência da forma artística, apoiada no processo de cognição (ou conhecimento) visual, foi explorada através do questionamento, da leitura, interpretação e valorização das produções artísticas e das manifestações simbólicas de caráter visual das diferentes épocas e culturas (Eça, 2001; D´Alte Rodrigues,2002; Hernandez,1997; Fein, 1993). Neste tópico, e segundo Eça:60 «O processo do fazer artístico, as suas metodologias holísticas, o seu equacionamento de questões centrado na observação, na análise, na síntese, na ironia e na imaginação oferecem à educação métodos e instrumentos de indagação, de reflexão crítica e de criação de respostas. O questionamento visual é tão importante como o questionamento verbal, o pensar a realidade e o sonho através de processos do fazer visual é tão importante como o pensar a realidade e o mundo.» 60 ibidem. 7. Área de Educação e Expressão Plástica Consideramos que a conceção, implementação e avaliação de um currículo específico individualizado de Educação e Expressão Plástica são o núcleo da nossa intervenção, cujo percurso é orientado pela metodologia a que temos vindo a fazer referência e que surge transposta para a prática através da síntese das seguintes diretivas: (i) A metodologia contempla as propostas de trabalho que são baseadas mais na imaginação e menos na observação (imagination-based drawings,Schaefer-Simmern,1961), encorajando os alunos a produzir a partir das suas experiências e vivências, ao invés de propostas centradas no desenho de observação, tido como mais limitador da visão artística individual; (ii) assenta na possibilidade da escolha do tema (choice in subject matter,ibid), onde os alunos têm a oportunidade para escolher o tema da proposta, através de técnicas como brainstorming ou participação em diálogos iniciados por questões simples mediadas pela professora; (iii) salvaguarda o caráter de continuidade da unidade temática (project continuity and sequence,ibid) permitindo o desenvolvimento das propostas em várias versões, a sua autoanálise e reformulação, promovendo a atitude de investigação, a capacidade de resolver problemas e o insight; (iv) privilegia o questionamento (questioning technique,ibid) e mediação na autoanálise (guidance to analyze and judge their artwork), através de questões dirigidas a aspetos concretos do produto finalizado (na procura da relação das partes com o todo Gestalt). Como refere H. S.-Simmern: «You will need to improvise, to invent questions, to constantly direct children´s perceptions and guide them to make comparisons. But never tell children what is wrong with their artworks. Lead them by questioning into seeing for themselves where the fault lies. They will soon discover it, and you will be amazed at the intelligence they show in judging their own work» (H.S-S in Abrahamson, 2003:122). (v) introduz exemplos da história da arte (incorporating Art History comparisons) em momentos específicos da situação de aprendizagem, sendo, em simultâneo, das metodologias mais exigentes para o professor e das mais profícuas para os alunos pois «requer conhecimentos interdisciplinares que permitam a abordagem das diferentes culturas de outras épocas e lugares (conhecimento histórico e antropológico)» (Eça,2001), possibilitando aos alunos a compreensão e validação das suas produções e consequentemente dos seus esforços e intuições durante a atividade artística, contribuindo para uma maior autoestima e sentimentos de competência e eficácia; (vi) seleciona e adapta de técnicas e materiais, perante a especificidade de cada proposta, a fim de evitar a dispersão decorrente da grande panóplia de matérias apresentadas, assim como evitar a frustração ao nível instrumental e técnico, consequência das dificuldades psicomotoras (ex. problemas resultantes da textura da tinta, tamanho dos pinceis, posição e dimensão do suporte, etc). Destacamos também uma das finalidades (ou intenção) da intervenção educativa associada ao “desabrochar” da atividade artística e à dimensão da cognição visual - a de possibilitar o desenvolvimento de competências implicadas na literacia visual, com enfoque no saber ver, saber fazer e saber interpretar (Eça,2001) e a construção de sentido a partir de informação visual, por considerarmos que no âmbito de um currículo específico individualizado, os alunos deverão conseguir desenvolver estratégias e mecanismos para poder escrutinar, selecionar e absorver a diversidade de imagens que se lhes apresenta no ambiente (Manuel Damásio, 2006)61 podendo, para além disso, abrir as portas para o desenvolvimento do universo de competências subjetivas na esfera da comunicação associada à imagem mediatizada de expressão tecnológica, como a fotografia, televisão, vídeo e cinema. Comunicação de Manuel José Damásio (2006), intitulada Construção da percepção em imagem digital e desenvolvimento de novas formas de literacia visual, Disponível em «http://conferencias.ulusofona.pt/index.php/sopcom_iberico/sopcom_iberico09/paper/viewFile/355/351» [Consult: 01/07/14]. 61 Julgamos que integrar no âmbito do CEI, este conjunto de competências ligadas à literacia da visão, como o ser capaz de reconhecer, compreender e exprimir-se por meios visuais, contempla o seu caráter funcional mediante «atividades propostas úteis para a vida presente e futura (pós-escolar) do aluno, bem como a seleção das competências a desenvolver ter como critério a sua aplicabilidade nos diferentes contextos de vida» (artº17, DL3/2008).No entanto, gostaríamos também de ter podido expandir mais a nossa intervenção na direção de uma pedagogia da Educação Artística alicerçada na racionalidade cultural definida por Hernandez (1997) cuja visão sobre a finalidade principal da EA advoga o favorecer da compreensão da cultura visual através de estratégias de interpretação a partir de objetos (físicos ou mediáticos) que a constituem (Eça, 2001). Porém, consideramos que prévia a esta exigente abordagem interdisciplinar para a compreensão da cultura visual e da sua multiplicidade de significados (ibidem), foi necessário um “despertar” destes alunos para as possibilidades da imaginação criadora resgatando-a e concretizando-a através dos meios de expressão gráfico-plástica mais simples. É verdade que iniciamos este percurso com a apresentação de algumas «produções artísticas e manifestações simbólicas de caráter visual das diferentes épocas e culturas» (ibidem), através da introdução de Art History Comparissons, mas o patamar para a sua interpretação, valorização e compreensão situa-se muito para além do alcance da presente investigaçãoação, desenvolvida somente ao longo de um ano letivo. Após definidas as finalidades da EA na perspetiva da nossa intervenção - o estímulo da imaginação criadora, o desenvolvimento da expressão gráfica e plástica individual, da intuição, e a promoção de sentimentos de eficácia e competência através da atividade artística - construiu-se a planificação da área de EEP ao longo de doze unidades temáticas, nas quais se traçaram os objetivos, os conteúdos, bem como as estratégias psicopedagógicas, implementadas transversalmente em contexto de aula junto de todos os alunos. Essas estratégias, ancoradas na subjetividade do “pensar, sentir e agir” mostraram-se determinantes ao nível do relacionamento interpessoal, ao nível da motivação e ao nível da autonomia. 7.1. As Estratégias Psicopedagógicas Neste ponto optámos por apresentar as estratégias psicopedagógicas organizadas em quatro dimensões diferentes, sendo que na prática se conciliaram e geriram de modo integrado:  a) Ao nível do relacionamento interpessoal Proporcionar uma socialização adequada dos alunos do grupo no sentido de lhes incutir regras de convivência social, respeito pela diferença, valorização das expressões    individuais, cuidado com os seus objetos pessoais e de outrem, Promover trabalho colaborativo entre pares, possibilitando a entreajuda na resolução de problemas e a criação de laços de amizade e respeito, Sensibilizar e ensinar os alunos a refletir antes de emitir uma resposta, ajudando-os a pensar nas diversas alternativas e a utilizar um certo tempo para emitir uma resposta, Contemplar momentos de diálogo, quer sobre vivências, quer sobre obras apresentadas e experimentações artísticas realizadas na aula;  b) Ao nível da motivação Estimular a autoestima e praticar o reforço positivo, sem insistir nos erros e elogiando de  forma verdadeira, o que os alunos fizerem ou disserem corretamente,  Nunca fazer comparações das produções/experimentações dos alunos com o resto do grupo ou turma, Diversificar estratégias de motivação para as propostas: recurso a imagens, desenhos, objetos, ilustrações e livros de histórias, filmes de animação, etc.;   c) Ao nível da autonomia Propor tarefas definidas e sequenciadas, Alternar o diálogo com a atividade prática, estabelecendo um ritmo para o trabalho individual ou para o trabalho de grupo,         Incentivar os alunos a verbalizar dúvidas sobre as instruções e sobre os conteúdos aprendidos, Relacionar conteúdos plásticos e narrativos das obras apresentadas com a experiência/vivências dos alunos, Reduzir o número de conceitos apresentados de uma vez, Complementar as instruções orais com instruções gráficas e suporte de imagem, Familiarizar os alunos com o novo vocabulário (autores, períodos históricos, movimentos artísticos, elementos visuais, técnicas e instrumentos), Assegurar-se de que os alunos entenderam aquilo que lhes foi explicado, através do questionamento e da repetição, se necessária, daquilo que lhes foi transmitido, Utilizar um discurso simples, com instruções diretas e curtas, Ajudar a manter a área de trabalho organizada e livre de materiais desnecessários,  Dar pistas ou dicas aos alunos para que iniciem ou concluam o trabalho;  d) Ao nível do desenvolvimento da atividade artística Utilizar os interesses dos alunos para escolher e trabalhar os temas das unidades de  trabalho, desencadeando o mecanismo da expressão,    Proporcionar o contacto com a obra de arte, possibilitando a descoberta de diversas de modalidades de expressão individual, e da utilização de técnicas diferentes, Dar tempo suficiente para a organização e conclusão da conceção visual, Proporcionar momentos de comunicação, reflexão e análise do trabalho finalizado,  Permitir e incentivar a reformulação das propostas, explicando qual o propósito,  competência e eficácia, através do estímulo para resolver problemas visuais. Substituir gradualmente do comentário dos alunos “não consigo!” pelo sentimento de Realizar experimentações plásticas que promovam transversalmente a atenção, concentração, lateralidade e a coordenação viso-motora, e que desenvolvam competências ao nível do pensamento/perceção visual (através da observação, leitura, interpretação de imagens),  Desenvolver a motricidade fina na utilização de diferentes técnicas artísticas (desenho, pintura, recorte, colagem, dobragem, etc.) sendo que estas são no entanto, subsidiárias à própria expressão (D´Alte Rodrigues, 2002). Igualmente inserida nas opções metodológicas está a seleção dos materiais e instrumentos e as adaptações aos mesmos, em caso de necessidade. Existem objetos concebidos para compensar as dificuldades no manuseio dos instrumentos convencionais de desenho, pintura, recorte, etc., que constituem as designadas Tecnologias de Apoio a serem contempladas na alínea f) do PEI. Como descreve o artigo 22º D-L 3/2008, «Entende -se por tecnologias de apoio os dispositivos facilitadores que se destinam a melhorar a funcionalidade e a reduzir a incapacidade do aluno, tendo como impacte permitir o desempenho de atividades e a participação nos domínios da aprendizagem e da vida profissional e social». Esta ponderação sobre os materiais e instrumentos mais adequados permite ampliar os sentimentos de eficácia e competência em cada aluno. Concordamos com Sousa (2003) quando afirma que «cada material contribui de modo específico para a expressividade e a criatividade da criança em determinadas condições específicas. Compete ao professor procurar o material mais adequado para cada situação particular (p.185). Desse modo, deverão estar contemplados na planificação da unidade todos os materiais e instrumentos adaptados ou, no caso de não haver necessidade de equipamento específico, nomear simplesmente as estratégias facilitadoras da execução do trabalho, tal como a eventual fixação do papel à mesa, seleção, organização e acesso aos mateiais disponíveis, posicionamento das áreas de trabalhos relativamente à iluminação da sala, remoção de barreiras físicas, entre outras. 7.2. Descrição das unidades temáticas Neste ponto encontram-se elencadas e descritas as unidades temáticas desenvolvidas ao longo da intervenção, através das quais se procurou aumentar a motivação e o envolvimento dos alunos com base em temas significativos e próximos dos seus interesses individuais. As propostas de atividades inserem-se nas temáticas sugeridas pelo diálogo com o grupo sobre os afetos, a família, a escola e o “mundo da imaginação” e orientam-se pelo binómio intenção / intervenção pedagógica na procura do desabrochar da atividade e da cognição artística. Segundo Elvira Leite (2002): «a intenção é desbloquear, é não criar barreiras à expressão, é não inibir o dizível. A ideia é animar, criar estímulos à criação (…) naturalmente sujeita a uma evolução, porventura com paragens, regressões, quando no começo da adolescência surgem, por insegurança, pela descoberta de outras linguagens, pelo desejo de saber, de adquirir uma habilidade técnica ou de desenvolver uma representação de um certo tipo numa produção mais elaborada, mais de acordo com as exigências do seu autor» (prefácio A infância da Arte, a arte da infância). Em seguida caracterizamos sumariamente cada unidade, sendo que a planificação por conteúdos e os objetivos pode ser consultada no quarto apêndice à tese, bem como a lista de materiais e as imagens das obras trabalhadas.  Escola Re-visitada (outubro de 2012 - 2 aulas) A opção por esta unidade temática surgiu da necessidade de dar a conhecer o espaço escolar a uma aluna do grupo recém-chegada. Teve como objetivo a familiriazação com o espaço através do direcionamento e intencionalidade do olhar e da descoberta mediada pela fotografia enquanto veículo expressivo e de criação de sentido (escolha e enquadramento dos locais preferidos). Após a impressão das fotografias digitais, foi pedido aos alunos para realizaram experimentações plásticas através do desenho e pintura sobre a impressão a preto/branco, tentando sintetizar a forma através da linha contorno das formas, procurando compreender a relação entre o espaço tridimensional e a sua representação bidimensional no suporte de papel. Os produtos finalizados desta unidade temática foram reunidos com os dos restantes grupos de alunos de CEI que trabalharam o mesmo tema, e expostos no átrio principal da escola no primeiro período.  As Minhas Férias (outubro de 2012 - 1 aula) A segunda unidade temática propôs o diálogo sobre as vivências e interesses de cada aluno e a transposição de cenas relacionadas com o quotidiano para o desenho, enquanto modo de representação, expressão e comunicação das suas conceções visuais individuais. A atividade artística visou a experimentação individual de técnicas e materiais diversificados.  “O Zbiriguidófilo” (novembro de 2012 - 1 aula) A terceira unidade temática dedicou-se à pintura como ilustração, na sua relação descritiva, narrativa, expressiva e estética entre a linguagem verbal e visual, através da leitura do conto “O Zbiriguidófilo” (anexo I) do autor Pitum Keil do Amaral (1935), presente no livro intitulado O Zbiriguidófilo e outras histórias. A leitura do conto fezse propositadamente sem a visualização das ilustrações que acompanham no livro, estimulando a relação entre os conteúdos narrativos e conceção visual individual através de uma atividade gráfico-plástica em suporte de papel quadriculado, descrito pelo autor como o habitat natural da personagem principal.  Autorretrato - tríptico / Stencil (novembro e dezembro de 2012 - 4 aulas) A presente unidade temática foi dividida em quatro partes, com referência à obra de Francis Bacon segundo várias abordagens. A primeira parte focou a estrutura tríptica na pintura, tendo sido também apresentadas outras obras como “Jardim das Delicias” de H. Bosch e exemplos de trípticos na arte comtemporãnea. Através do relacionar dos conteúdos plástico e narrativo das obras procurou-se que o grupo compreendesse os elos de ligação entre diferentes períodos da História da Arte. Concretamente sobre o autor Francis Bacon, foi estabelecido o diálogo sobre os elementos figurativos na obra escolhida, procurando captar a atenção para temas como a vida, morte, a violência e a descoberta das emoções e sensações evocadas para além da mera representação ou narração pictural. No momento seguinte foi desenvolvida individualmente a atividade artística através da experimentação gráfico-plástica segundo o tema do autorretrato. A segunda parte da unidade temática contou como ponto de partida o documento “Kids Guide to Francis Bacon´s Studio” organizado pela Hugh Lane Gallery em Dublin (anexo IV à tese) no qual constam atividades dirigidas ao público infantojuvenil e adequadas ao grupo em questão. Através de exemplos de obras de Bacon que mostram a técnica do stencil, partiu-se para uma demonstração pela docente seguida pelas experimentações plásticas dos alunos com recurso à pintura com tinta acrílica, tinta em spray e o uso de algumas formas vazadas em cartão, com temática livre. Numa terceira aula, as pinturas realizadas na aula anterior foram fotocopiadas e cortadas em partes geometricamente iguais de modo a poder construir-se um puzzle (de 12 ou de 24 peças de acordo com os alunos). Foi pedido que, em trabalho de pares, se ajudassem a montar o puzzle colando as peças num suporte de papel. Na quarta aula foi proposta a realização de um pequeno flipbook a partir do exemplo do “kids guide” e de exemplos visualizados na internet. Fig.26 - H. Bosch, Jardim das Delícias Terrenas, (1504) Fig. 27 - Francis Bacon, Triptych, (1976) Figs. 28 a 30 - F. Bacon Statue and Figures in a Street, (1983) A Piece of Waste Land (1982) Cardboard arrow (cut out)  Autorretrato – “A Manta” (janeiro de 2012 - 2 aulas) Esta unidade temática contou com a obra de referência a pintura de Gustav Klimt intitulada “The Baby Cradle”, a qual foi apresentada aos alunos nos momentos inicias da aula. Perante a reprodução em livro do quadro, estabeleceu-se o diálogo sobre aspetos relacionados com os conteúdos plástico e narrativo desta e de outras obras, bem como de elementos biográficos do autor. Numa fase posterior procurou-se sensibilizar o grupo para as modalidades expressivas da técnica mista/colagem através da composição da sua fotografia (de rosto) num suporte onde foram colados papéis diversos, numa dinâmica de trabalho colaborativo e de partilha. Fig. 25 - Gustav Klimt, Baby Cradle (1918)  A Floresta Mágica (janeiro de 2013 - 1 aula) A sexta unidade temática foi iniciada com a visualização de um filme de animação baseado no quadro de H. Rousseau “Exotic Landscape”. Através do diálogo estabelecido entre os elementos do grupo e a docente foi identificado o conteúdo plástico e narrativo da obra, com destaque para a relação entre as figuras e o fundo, a representação do espaço e distância e a presença de tons e valores diferentes das cores. A atividade artística baseou-se no tema da floresta segundo a conceção visual de cada aluno. Fig. 31 - H. Rousseau, Exotic Landscape, (1910)  A Minha Família (janeiro de 2013 - 1 aula) O tema desta unidade, desenvolvida com o recurso à obra “The Painters Family” de H. Matisse, pretendeu conduzir os alunos através da atividade artística até à vivência famíliar, usando o desenho como linguagem e expressão da subjetividade. Mediada pela narrativa visual da obra observada, cada aluno situou a sua imaginação criadora num contexto físico e afetivo propiciando a concreção da conceção visual. Fig. 32 - H. Matisse, Portrait of the Family, (1911)  A Árvore (janeiro de 2013 - 1 aula) A proposta apresentada nesta unidade temática refere-se ao pedido de representação de uma árvore, com o desenho da sua estrutura principal e à qual cada aluno acrescenta pormenores (ramos, folhas, flores), complexificando a figura de acordo com o seu estádio de conceção visual e consciência da forma artística.  Eu e o meu melhor amigo/a (março de 2013- 1 aula) Remetendo novamente a temática da unidade para a importância do universo afetivo e das vivências individuais, esta atividade teve como finalidade sensibilizar o grupo para o potencial do desenho como uma linguagem universal e forma de comunicação privilegiada de sentimentos.  Percursos (abril e maio de 2013 - 2 aulas) O tema desta unidade apela à tranposição para o suporte gráfico da viagem do olhar registada no caminho para a escola à viagem das formas num espaço bidimensional, onde o desenho é experienciado como um espaço de investigação perceptiva mobilizando os recursos cognitivos a fim de concretizar a conceção visual de cada aluno. Esta viagem é mediada pelas composições observadas nas obras sobre os “percursos” de Joaquim Rodrigo, as quais apoiam o complexo processo de abstração subjacente a esta proposta. Assim como nas unidades anteriores, é incentivada a autoanálise e reformulação dos produtos artísticos realizados. Figs.33 e 34 - Joaquim Rodrigo Praia do Vau, (1982)  Memórias, (2010) A Casa de Sonho (maio de 2013 - 2 aulas) Os sonhos, desejos e aspirações frequentam assiduamente o imaginário e desenhar a partir desse imaginário é desenvolver a capacidade de projetar e construir imagens concretas ainda que a partir de conceitos abstratos por decorrerem apenas indiretamente da experiência perceptiva do mundo real. As casas repreentadas nas obras de Friedensreich Hundertwasser serviram de estímulo e mediação no processo criativo dos alunos, pelo impacto visual transmitindo exuberância de formas e cores vibrantes. A visualização de obras deste autor foi introduzida após as primeiras produções dos alunos possibilitando reformulações e novas experimentações gráficoplásticas. Figs. 35 a 38 - F. Hundertwasser It Hurts to Wait for Love If Love is Somewhere Else, (1971) A Yellow Last Will, (1971) Waintung Houses (1969)  Ronald McDonald House Metamorfose (junho de 2013 - 2 aulas) Nesta última unidade temática, divida em duas fases distintas, a ênfase foi dada inicialmente à figuração, com recurso ao desenho de observação de insetos reais - o gafanhoto e o escaravelho (utilizando a grafite e a pintura com aguada de café) - e posteriormente à deformação, tentando integrar estes registos de insetos na figura humana imaginada. Os dois planos da atividade procuraram a compreensão e interpretação do conceito de metamorfose, através de exemplos de transformações, o diálogo sobre a diferença entre a verosimilhança e virtualidade das imagens. A obra de Graça Morais potenciou esta alternância (perceção-interpretação) e a transposição para a conceção visual. Como surge referido na obra Metamorfoses de Graça Morais e Agustina Bessa-Luís (2007), a metamorfose «É aquilo que faz de nós alguma outra coisa». Figs. 39 a 41 - Graça Morais, Metamorfoses, (2000 a 2004) CAPITULO 6 - Apresentação, análise e interpretação dos resultados 8. Sobre o momento da pré-intervenção (plano de análise da experiência) Nos muitos momentos de partilha entre docentes, prévios ao início da intervenção, foi referida a existência de situações de conflituosidade frequente entre os elementos do pequeno grupo, principalmente em contexto de aula nas áreas de CEI, para além da grande dispersão da atenção/concentração durantes as atividades letivas. Estas adversidades pareciam relacionar-se com o facto de alguns alunos focarem muita da sua atenção em “detetar” as dificuldades dos colegas para os poderem criticar. Estes dados foram importantes para traçar estratégias específicas dirigidas ao grupo, nomeadamente na procura de um contexto mais calmo, agradável e de valorização das capacidades individuais. Durante o momento da pré-intervenção (a partir do ano letivo imediatamente anterior à implementação da IA), procedemos à revisão bibliográfica sobre o Estado da Arte na interseção dos campos de conhecimento entre a Educação Artística e a Educação Especial, e foi igualmente possível iniciar a consulta dos dados sobre a tipologia das necessidades educativas específicas dos cinco alunos, através da pesquisa documental que incidiu nos seus Programas Educativos Individuais. A pré-intervenção foi sendo complementada com a análise da experiência docente durante as primeiras semanas do ano letivo em foco, já em contexto da lecionação da EEP e de Apoio Pedagógico Personalizado na aula de ET em situação da turma de referência. Estabeleceram-se prioridades de intervenção mediante a compreensão dos comprometimentos cognitivos e motores, e na medida em que essas limitações foram confirmadas ao nível da compreensão ou concreção das atividades propostas. Depois de conhecermos em profundidade as características dos alunos e o tipo de alteração no seu desenvolvimento, considerámos que dadas as dificuldades apresentadas a nossa preocupação inicial consistia em direcionar uma intervenção de modo a proporcionar oportunidades de desenvolvimento da atividade artística para todos, na expectativa de contribuir positivamente numa das áreas em que manifestavam maiores dificuldades, a área da socialização e dos aspetos interrelacionais, sobretudo devido às situações de conflito frequente gerados. Como refere Vitor da Fonseca (1989) «identificar, diagnosticar, observar e intervir (ou ensinar) devem fazer parte de uma abordagem experimental contínua a fim de progressivamente ir encontrando e satisfazendo as necessidades específicas das crianças» (p. 125). Consideramos que foi importante fazer uma observação inicial da realidade em estudo e estabelecer uma base line sobre o contexto de pesquisa, através das pistas encontradas que permitiram refletir e tomar algumas decisões sobre a condução da futura intervenção. Sobre estes dados informais foram sendo construídos os seguintes planos de investigação, mais objetivos e cada vez mais focalizados na problemática62 encontrada. Como referem Paiva, Barbosa e Fernandes (2006): «Há muito se reconhece a necessidade de preparar os jovens para as constantes e rápidas mudanças da vida moderna, através do desenvolvimento da autonomia, mas a concretização deste objetivo pressupõe que os professores estejam, eles próprios, preparados para adequar a sua ação às necessidades educativas e motivações dos seus alunos» (p.79). 8.1.Sobre o plano de investigação diagnóstico Neste plano foram recolhidos dados sobre as perspetivas dos professores de Educação Visual e Educação Tecnológica do agrupamento relativamente aos fatores de inclusão de alunos com NEE nas aulas de EV e ET. Foi também realizada a caracterização do meio Para Ludke e André (1986) «no início (da investigação) há questões ou focos de interesses muito amplos, que no final se tornam mais directos e específicos. O pesquisador vai precisando melhor esses focos à medida que o estudo se desenvolve» (p.13). 62 envolvente e dos sujeitos de investigação, bem como a avaliação diagnóstica de aspetos ligados à área de EEP. No que concerne à recolha das opiniões de alguns professores da escola, os dados recolhidos referem-se à caracterização pessoal e profissional, e às respostas às questões sobre a inclusão de alunos com NEE nas aulas de Educação Visual e Educação Tecnológica. Dos dados relativos à caracterização dos inquiridos retira-se que os três professores de EV/ET têm idades compreendidas entre os 38 e os 45 anos, sendo que dois são do género masculino e uma do género feminino. Relativamente ao tempo de serviço, todos possuem mais de 15 anos de serviço e encontram-se efetivos no Quadro de Escola no grupo 240 (Educação Visual e Tecnológica). Relativamente aos dados obtidos sobre a opinião pessoal dos professores sobre a inclusão de alunos com NEE nas aulas de Educação Visual e Educação Tecnológica, as cinco perguntas abertas apresentadas no quadro seguinte pretenderam aferir se os inquiridos consideram que a inclusão de alunos com NEE nas turmas do ensino regular se mostra positiva, e quais os aspetos que facilitam ou dificultam essa inclusão. As questões acerca das estratégias usadas nas disciplinas de EV/ET que promovem as interações e potenciam a participação dos alunos com NEE procuram revelar alguns aspetos da prática docente considerada eficaz na efetivação da inclusão no contexto destas disciplinas. O facto de serem apresentadas questões desta natureza (as quais necessitam de uma exposição por escrito e não de uma simples escolha de entre variáveis apresentadas) constitui uma valiosa fonte de informação para o plano de investigação diagnóstico, na medida em que são referidas as perspetivas pessoais dos professores, sem indução de respostas ou limitação no campo das respostas possíveis. Apresentamos de seguida excertos das respostas dos inquiridos, organizadas de acordo com as questões efetuadas, tendo sido garantido o anonimato dos participantes no inquérito (consulta às respostas completas pode fazer-se no anexo III). Quadro 4- Perspetivas pessoais dos professores sobre a inclusão de alunos com NEE nas aulas de Educação Visual e educação Tecnológica 1- Do seu ponto de vista, considera que a inclusão traz benefícios aos alunos com NEE? Se sim, quais? E aos restantes alunos da escola? J - “A inclusão traz sempre benefícios, nomeadamente ao nível das relações sociais e autonomia, contudo, considero que a “escola” não estava preparada para essa transição repentina e como tal não consigo avaliar os efeitos imediatos da medida, sobretudo quanto às aquisições feitas por esses alunos relativamente à autonomia que referi. Julgo ser esse o caminho fundamental para uma inclusão plena. Para os outros alunos os benefícios são claramente ao nível da compreensão da sociedade em que estão inseridos; da socialização, da aquisição/aplicação de valores de cidadania.” H - “Considero que a integração é positiva, no entanto deveria ser feita em turmas com menos alunos e sempre com um acompanhamento de um prof. Do ensino especial. Cada caso é um caso, e pessoalmente já trabalhei com alunos muito diferentes. Desde os mais autónomos que conseguem evoluir, como os com mais dificuldades que têm que fazer um trabalho muito diferente do grupo/turma. Em relação à turma, para alguns alunos é positivo.” P - “Considero que traz muitos benefícios aos alunos com NEE, nomeadamente: a motivação, a estimulação, a integração, o envolvimento, a partilha e a interação com conteúdos, técnicas e metodologias, fazendo com que os alunos NEE se sintam com maior autoestima, autoconfiança e motivadas a descobrir as suas potencialidades e capacidades. Para os restantes alunos é benéfico na medida que entram num processo de partilha, respeito, interação, encarando as "diferenças" com respeito e naturalidade.” 2 - Na sua opinião, quais os principais obstáculos na implementação de medidas inclusivas mais eficazes? J - Recursos humanos (número de professores para trabalhos de parceria) e autonomia das escolas, para uma gestão mais eficaz de projetos que envolvam alunos com NEE. H - “Falta de tempo; materiais e até barreiras arquitetónicas” P - “Os principais obstáculos na aplicação de medidas inclusivas, são o aumento de alunos por turma, a ausência de par pedagógico em EV/ET, diminuição de recursos/materiais para exploração criativa de técnicas e conteúdos.” 3 - Considera existirem disciplinas, que pelas suas características curriculares, podem promover a inclusão de alunos com NEE de forma mais eficaz do que outras? Se sim, quais/ porquê? J - “Sim, as disciplinas de língua materna (promoção da leitura e do conto -transposição para o mundo da ficção e fantasia); história (relação com as tradições, história local e família); ciências (exploração do corpo e cuidados básicos de saúde) e expressões (desenvolvimento das capacidades motoras e da criatividade).” H -“Todas as disciplinas de caráter mais prático facilitam esta integração pois será nestas áreas que os alunos também terão mais facilidade em se equipararem aos restantes colegas.” P - “Há várias disciplinas que promovem a inclusão de alunos com NEE tais como Ed. Física, Ed. Musical porque pelas suas especificidades são potenciadoras de estímulos criativos e cognitivos eficazes e positivos para os alunos com NEE.” 4 - Na sua opinião, de que forma as disciplinas de Ed. Visual e Ed. Tecnológica podem promover interações sociais positivas entre os alunos com NEE e os colegas da turma? J - “Através do envolvimento em projetos criativos, quer em contexto de sala de aula, quer fora desta. O trabalho de projeto, pela sua dinâmica, implica a constituição de pares, responsabilizaos, promove a discussão, a implementação de regras e consequentemente a autonomia. No entanto dever-se-á ter em atenção as características dos alunos com NEE e a sua problemática, porque nem sempre as tarefas desenvolvidas numa ou outra disciplina e/ou a pares, será o mais adequado para esses alunos.” H - “Desde o partilhar matérias ao sentar-se em grupo poderá facilitar uma proximidade.” P -“ As disciplinas de EV e ET promovem interações positivas com os colegas da turma na medida em que se podem efetuar trabalhos de grupo, partilha de materiais, ferramentas estimulando assim a partilha, respeito e socialização entre todos os alunos.” 5 - De acordo com a sua experiência, quais as estratégias pedagógicas que considera mais eficazes na melhoria da participação destes alunos nas aulas de EV/ET? J - “Pela minha experiência (2º Ciclo – faixa etária dos 10 aos 14), as estratégias passam por planificar atividades que não impliquem muita investigação; de execução num espaço de tempo curto; que envolvam a manipulação simples de ferramentas e a exploração permanente de novos materiais.” H -“Como já referi, cada caso é um caso…” P - “As estratégias pedagógicas que considero mais eficazes são a interação e realização de atividades iguais ou com pequenas adaptações adequadas às características dos alunos, simplificação de processos nas atividades a realizar (…) estimular e fomentar a partilha de experiências, materiais entre alunos.” Nesta fonte de dados foram codificados temas e subtemas, e selecionados os excertos das respostas mais coerentes e compatíveis com os mesmos, como ilustra o seguinte quadro: Quadro 5 - Codificação a partir das respostas dos inquiridos sobre a inclusão de alunos com NEE nas aulas de Educação Visual e Educação Tecnológica Temas 1-Benefícios da Inclusão para alunos com NEE 2-Benefícios da Inclusão para todos os alunos da turma Subtemas A inclusão é positiva Promove a socialização/ interação/ partilha/ cidadania autoestima e autoconfiança Excertos “A inclusão traz sempre benefícios” “Considero que a integração é positiva” “Considero que traz muitos benefícios aos alunos com NEE” “Para os outros alunos os benefícios são ao nível da compreensão da sociedade em que estão inseridos; da socialização, da aquisição/aplicação de valores de cidadania.” “Em relação à turma, para alguns alunos é positivo.” “Para os restantes alunos é benéfico na medida que entram num processo de partilha, respeito, interação, encarando as "diferenças" com respeito e naturalidade.” “os alunos NEE se sintam com maior autoestima, autoconfiança e motivadas a descobrir as suas Considera a potencialidades e capacidades” autonomia como “a motivação, a estimulação, a integração, o fator de inclusão envolvimento” “aquisições que levam à autonomia (…) caminho fundamental para uma inclusão plena” Refere a avaliação “os mais autónomos que conseguem evoluir, os com do processo mais dificuldades têm que fazer um trabalho muito diferente do grupo/turma” O papel da “a “escola” não estava preparada para essa transição educação especial repentina e como tal não consigo avaliar os efeitos imediatos da medida” “deveria ser feita em turmas com menos alunos e sempre com um acompanhamento de um prof. do ensino especial” Deenvolvimento “desenvolvimento das capacidades motoras e da da criatividade criatividade” Promove a “ estímulos criativos e cognitivos eficazes e positivos” interação “interações positivas com os colegas da turma” Motivação 3- Aspetos positivos da inclusão 4-Condicionantes da inclusão 5-EV/ET: disciplinas promotoras de inclusão 6- Obstáculos à implementação de medidas inclusivas As barreiras arquitetónicas A ausência de par pedagógico A falta recursos materiais O envolvimento em projetos 7-Estratégias de promoção de interações sociais -Estratégias pedagógicas para potenciar a participação dos alunos com NEE na aula Faciliatdor da socialização/ proximidade com pares/grupo A partilha A manipulação e exploração de materiais As adaptações ou adequações, simplificação A partilha “Falta de tempo; materiais e até barreiras arquitetónicas” “Recursos humanos (número de professores para trabalhos de parceria)” “o aumento de alunos por turma, a ausência de par pedagógico em EV/ET, diminuição de recursos materiais” “ envolvimento em projetos criativos (…) implica a constituição de pares (…) autonomia” “O trabalho de projeto, pela sua dinâmica” “atenção às características dos alunos com NEE e à sua problemática, porque nem sempre as tarefas desenvolvidas numa ou outra disciplina e/ou a pares, será o mais adequado para esses alunos.” “facilitar uma proximidade” “ trabalhos de grupo e partilha de materiais, ferramentas(…) respeito e socialização entre todos” “planificar atividades que não impliquem muita investigação; de execução num espaço de tempo curto; que envolvam a manipulação simples de ferramentas e a exploração permanente de novos materiais” “cada caso é um caso…” “realização de atividades iguais ou com pequenas adaptações adequadas (…), simplificação de processos nas atividades a realizar (…) estimular e fomentar a partilha de experiências, materiais entre alunos.” Da sistematização das respostas e do seu enquadramento/codificação em temas e subtemas procedemos seguidamente à análise temática e discussão sobre a informação recolhida, tendo em consideração tanto os aspetos comuns aos vários inquiridos, como os aspetos em que algumas respostas se distinguem das dos demais. Percorrendo as várias questões apresentadas, constatamos que quando questionados sobre se na sua opinião a inclusão traz benefícios, todos os professores respondem como sendo positiva para os alunos com NEE, sendo que relativamente aos restantes alunos da turma, um professor refere ser positivo apenas para alguns. Para dois inquiridos a inclusão é positiva também para os colegas na medida em que através da interação se promove a socialização, o respeito pela diferença e a partilha, bases dos valores da cidadania. Quanto aos aspetos benéficos em concreto, os inquiridos focam a promoção da autoestima e autoconfiança, a par da motivação e da possibilidade de desenvolver a autonomia, decisiva na eficácia do processo de inclusão. Referem a importância de cada aluno com necessidades educativas poder descobrir as suas potencialidades e ser valorizado nas suas capacidades, desenvolvendo projetos dinâmicos que envolvam trabalho colaborativo entre pares. Quanto às condicionantes da inclusão encontradas, um docente destaca a falta de preparação da escola para receber alunos com NEE e a falta de avaliação da implementação das medidas inclusivas escolhidas pelo MEC, medidas estas que revelam muitos obstáculos à sua efetivação. Todos os professores mencionam a falta de apoio especializado nas salas de aula, o problema da eliminação do par pedagógico nas disciplinas de EV/ET, a diminuição de recursos materiais bem como o excessivo número de alunos por turma. Um professor refere o problema das barreiras arquitetónicas. No que concerne à questão seguinte, e na opinião de todos os docentes, as disciplinas EV/ET são promotoras eficazes de inclusão quer pelo seu enfoque nos estímulos criativos, cognitivos e motores, potenciadores do desenvolvimento das capacidades individuais, quer pela possibilidade da partilha e das interações positivas com os colegas da turma, existindo no entanto, condicionantes reais à concretização destas potencialidades. Na última questão foi solicitado aos inquiridos que identificassem possíveis estratégias facilitadoras da participação dos alunos com NEE na aula, ao que repetiram que o objetivo é o de alcançar mais autonomia e envolvimento através da simplificação de processos, sendo que para isso devem ser antecipadas as adaptações e adequações necessárias e privilegiar o trabalho de grupo. Na opinião de um professor, devem ser salvaguardadas algumas exceções, nos casos em que as características desse trabalho (colaborativo) não se ajustem ao perfil do aluno. No entanto, como refere outro dos professores: «os mais autónomos conseguem evoluir, os com mais dificuldades que têm que fazer um trabalho muito diferente do grupo/turma», pelo que nem sempre se consegue que todos possam partilhar as mesmas atividades na aula. Por fim, concordam quando afirmam a necessidade de planificar «atividades que não impliquem muita investigação, de execução num espaço de tempo curto, que envolvam a manipulação simples de ferramentas e a exploração permanente de novos materiais». Ainda neste tópico voltaram a sublinhar a importância da partilha e da atenção a ter individualmente, pois «cada caso é um caso» e os alunos com NEE são todos diferentes. 8.1.1 Discussão dos dados referentes ao inquérito É um facto que estes três professores contam já com bastante experiência no trabalho com alunos com necessidades educativas específicas na sala de aula, pois como já referimos anteriormente, o agrupamento em questão possui unidades de atendimento especializado para alunos com autismo, e tem recebido também matrículas de outros alunos que apresentam problemáticas diversas no domínio cognitivo e motor. Parece-nos também que, neste agrupamento, as disciplinas em questão foram sempre consideradas privilegiadas no que respeita à inclusão desses alunos, mas que o perfil único destas disciplinas não teria sido antes posto tanto em causa, senão recentemente pelas dificuldades apontadas pelos professores, os quais referem ter trazido tantos constrangimentos nas rotinas escolares. Acreditamos que os aspetos estruturais e conjeturais da situação do ensino em Portugal revelam a existência de obstáculos, já não somente ao nível das atitudes e preconceitos dos professores e restante comunidade escolar perante a diferença (como no início da aplicação do Dec.-Lei 3/2008 se fez crer no sentido de se justificarem alguns insucessos na escolarização de alunos com NEE) mas, agora também ao nível das próprias opções do MEC, opções estas aparentemente contraditórias e prejudiciais da inclusão perante a constante eliminação dos recursos humanos e materiais, necessários ao suporte de medidas educativas diferenciadas. Aparentemente, as consequências da reorganização da diciplina de EVT nas disciplinas de EV e ET, conduzem de novo a uma uniformização do ensino, depois de vários anos de adaptação e de transformação de mentalidades para se conseguir “acomodar” a diferenciação positiva e a visão de que «cada caso é um caso» (cit. inquirido H.). Mas, não perdendo de vista o objetivo de, através dos dados recolhidos neste inquérito diagnosticar a realidade e as suas problemáticas, transpusemos alguns tópicos resultantes da análise temática do inquérito para auxiliar na definição dos objetivos específicos da intervenção na área de Educação e Expressão Plástica. Deste modo foram estabelecidas prioridades para tentar proporcionar aos alunos «aquisições que levam à autonomia (…) caminho fundamental para uma inclusão plena» (cit. inquido J.), aquisições estas que são importantes quer na aula de Educação Tecnológica quer na área de EEP e que exigem o reforço de competências específicas. Também foi dada ênfase na planificação de EEP aos «estímulos criativos e cognitivos eficazes e positivos» e ao «desenvolvimento das capacidades motoras e da criatividade», conciliando sempre que possível as atividades colaborativas, os «trabalhos de grupo e partilha de materiais, ferramentas, (…) o respeito e socialização entre todos» (cit.inquirido P.) Por último, concordamos com os inquiridos sobre que a finalidade da inclusão, concretamente em contexto das disciplinas das Expressões, é a de possibilitar a oportunidade a que todos «os alunos NEE se sintam com maior autoestima, autoconfiança e motivadas a descobrir as suas potencialidades e capacidades», e que a dinâmica gerada em contexto de turma é capaz de privilegiar as interrelaçoes entre pares com e sem necessidades educativas específicas. Contudo, apesar da premissa da educação inclusiva se basear no ambiente heterogéneo de aprendizagem, consideramos que o aumento da autoestima e autoconfiança de alunos com limitações acentuadas na realização das propostas poderá não se verificar tão linearmente, caso não se efetuem as adaptações necessárias a fim de prevenir sentimentos de frustração, perante a comparação com os pares sem dificuldades. A par das referidas adaptações (ao nível da organização das propostas, dos materiais, etc.), o ambiente da turma deverá ser, na medida do possível, tranquilo e proporcionar oportunidades de participação a todos os colegas. Para isso deverão ser feitas sensibilizações à(s) turmas(s) sobre “compreender a diferença”, repetidas ao longo do ano pelos professores, permitindo a partilha de experiências, dúvidas, receios, e mediando eventuais conflitos entre alunos, por vezes baseados em estereótipos que precisam de ser esclarecidos. 8.2. Sobre o plano de investigação principal Neste plano de Investigação, intervenção pedagógica na área curricular específica de Educação e Expressão Plástica, no âmbito da medida educativa do Currículo Específico Individual, selecionaram-se os dados recolhidos através dos relatos do diário de bordo da docente (compilado na íntegra no apêndice V) e presentes nos trabalhos dos alunos, para a análise e discussão orientada pelas questões problemáticas iniciais e pelos objetivos da intervenção. Da leitura prévia do diário de bordo foram extraídos temas principais para a sua análise temática e progressivamente particularizados em subtemas, os quais evidenciam ações e manifestações de sentimentos, percecionados pelas expressões verbalizadas dos intervenientes. No quadro seguinte apresentamos a codificação dos quatro temas centrais e dos subtemas que os especificam: Quadro 6 - Codificação para análise temática do diário de bordo Temas 1. Melhoria nas interações e harmonização (mediação) de comportamentos conflituantes Subtemas - Redução dos conflitos, dos comentários negativos, desvalorização e crítica negativa - Aumento da partilha, do ambiente de aceitação, tolerância, entreajuda e colaboração 2. Aumento da motivação perante as propostas/ construção de significados pessoais - Aumento da participação dos alunos, o envolvimento, o interesse, a capacidade de escolha e de decisão, - Aumento da capacidade de atenção e concentração - Oportunidade de expressar a opinião, de questionamento 3. Estímulo da imaginação criadora 4. Promoção da autonomia e dos sentimentos de eficácia e competência - Valorização da expressão criativa individual, da liberdade, da intuição e da curiosidade - Mediação da professora no “desabrochar” do processo criativo - Valorização das propostas sobre temas a trabalhar/ Incentivo para reformular, procurar soluções - Realização autónoma das atividades, alcançando mais maturidade e segurança: o foco não deve situar-se na dificuldade mas em aprender a não desistir, em tentar compreender e resolver os problemas, sozinho(a) ou com apoio na realização das atividades - Perceção das capacidades e das habilidades/áreas fortes - Oportunidade de sentir alegria, satisfação, gratificação relativamente ao trabalho realizado. 8.2.1. Discussão dos dados referentes ao diário de bordo No que concerne ao primeiro tema da análise de conteúdo – melhoria nas interações e harmonização (mediação) de comportamentos conflituantes- surgem descritos nas primeiras aulas aspetos problemáticos na interação entre os alunos: «… a relação conflituosa …manifestou-se com mais evidência. Criticam-se mutuamente…agressões verbais» (entrada de 23 outubro, p.75). Constata-se que a atenção da professora era constantemente dirigida para a mediação e gestão de conflitos, na tentativa de construir um ambiente calmo no qual se pudesse alcançar um nível de comunicação e interação satisfatório entre todos: «Depois de muitas vezes serem avisados para se manterem sem discussões, o grupo só acalma quando ouve música e se concentra a fundo no trabalho, às vezes após uma hora de aula» (entrada de 23 outubro, p.76). Principalmente entre dois elementos, a troca de comentários mais agressivos perturbava todo o grupo e era impeditivo de uma continuidade em termos de trabalho, pois interrompiam-se frequentemente com observações e desvalorizações mutuas sobre a atividade artística de cada um: «T. tende a mostrar a sua frustração através da crítica dirigida ao outro”; “…pela necessidade que R. tem de mostrar que é mais capaz do que os colegas, de quem se apercebeu das suas grandes limitações» (entrada anterior). Impunha-se frequentemente a mediação da professora, sendo que o que parecia desmotivar a atitude de constante crítica era o facto de os alunos serem remetidos para o trabalho, focalizando a atenção no plano da realização individual, e da conjugação deste com música calma «…A música ouvia-se e por muitos momentos, os alunos trabalharam sem discutir” e “o nível de discussão foi mínimo, comparado com as sessões anteriores, o silêncio foi quase sempre evidente, para além da música de relaxamento que costumo usar» (entrada de 21 novembro, p.65) Por vezes, alguns comentários da professora “aliviavam” o clima de crispação entre os alunos, que seguiam uma rotina já muito alicerçada no confronto verbal e atitudes de humilhação dos colegas. Uma das estratégias mais eficazes foi a de reforçar positivamente os resultados dos alunos com quem “implicavam” mais devido às dificuldades acentuadas ao nível da psicomotricidade «... Os conflitos foram menos frequentes hoje, mas ainda assim, ouviram-se comentários sobre as incapacidades de uns e de outros. Os colegas continuam a implicar bastante com o T., com as expressões dele, com as dificuldades de compreensão…»à (entrada de 16 de janeiro, p.71). Perante o reconhecimento genuíno dos fatores positivos em cada trabalho desenvolvido pelos alunos mais visados nos comentários, o grupo acreditou na hipótese de todos serem capazes de responder às propostas da aula, independentemente do que se supunha que conseguissem na área da expressão plástica «…agora, tudo (me)63 parece causar barreiras à compreensão e à concretização» (entrada anterior). Rapidamente se aperceberam que não havia nesta aula avaliação com base no “certo ou errado” e, que a expressão da sensibilidade individual era trabalhada de forma diferente das restantes áreas curriculares que frequentavam. O problema dos comportamentos conflituantes foi sendo debelado através da insistência na comunicação, firmeza, mediação e principalmente através do sentimento de aceitação das particularidades de cada aluno, tendo como abordagem a valorização do esforço durante o processo de realização e do produto finalizado em cada unidade temática. Em várias situações, os comentários positivos da professora refrearam agressões face a alguns colegas «R. gozou uma vez. Chamei a atenção para não gozarmos e deixar todos falar à vontade, o que resolveu a questão e voltaram a interagir sem conflito» (entrada de 28 novembro, p.67), noutras situações a interação evoluía até se esgotar na resposta daquele aluno que era o alvo do comentário negativo, e que a dado ponto se emancipava e reagia assertivamente (com o apoio securizante da professora). «… riram e gozaram e eu deixei falar, nem sempre deixo a conversa evoluir até ao ponto de o T. se sentir frustrado», mas filo de modo a provocar no aluno uma resposta autónoma: «-Deixem-me, diz ele (T.), já não se pode falar!» (entrada de 16 de janeiro, p.72). Penso que, ainda no primeiro e segundo períodos, as opções tomadas pelo grupo passaram por três fases de interação: a) a necessidade e satisfação de poder diminuir o outro com base nas limitações evidenciadas, b) a possibilidade de sentir satisfação ao ver valorizado e reconhecido o seu próprio trabalho pela figura de um adulto em posição de autoridade, obtendo a confirmação concreta sobre as suas capacidades perante um desenho ou pintura elogiado no grupo e c) a capacidade de aceitar as suas próprias limitações e potencialidades e nos pares, oferecendo ajuda espontaneamente e colaborando com eles nas tarefas mais exigentes: «…Tenho assistido a grandes progressos em termos de relacionamento dentro do grupo, penso que as discussões se esbatem mais na sua 63 Nos vários excertos retirados do diário de bordo surgem referências à primeira pessoa (através do recuro ao pronome eu e aos verbos na forma reflexiva) a par de referências à figura da professora ou «stora». Ambos os casos (discurso direto e indireto) servem para registar as intervenções da doutoranda em contexto de sala de aula. agressividade, e os 5 alunos conhecem cada vez melhor as potencialidades e limitações de cada um» (entrada de 4 dezembro, p.70). Uma consideração que temos de fazer sobre o trabalho colaborativo recai sobre aspetos específicos da dinâmica do grupo. Esta metodologia apresenta mais limitações na falta de um conhecimento prévio e de preparação para o nível do envolvimento que cada aluno poderá alcançar em cada tarefa. Frequentemente quando a proposta é planificada para se realizar através de trabalho de grupo ou pares, a limitação na participação de alguns alunos é mais evidenciada perante pares, pois as expectativas da colaboração vindas desses elementos poderão não ser alcançadas: «A R. reclamou com o T. por ele não ter ajudado nada. (Eu perguntei) - Então, agora vão tentar dizer-me quem foi o elemento que mais ajudou na construção do puzzle? (e afastei-me). Eles falaram entre si e quando voltei parecia que discutiam» (entrada anterior, p.70). Pensamos que, do ponto de vista da autoestima, a situação de não ver o contributo reconhecido junto dos pares agrava o fatores de intimidação e cerceia a participação no grupo, pelo menos enquanto não se estabelece uma base de confiança entre todos. No caso de o trabalho se realizar individualmente, os objetivos são fixados pela professora que rapidamente flexibiliza os diversos patamares de concretização de modo a serem adaptados e acessiveis ao perfil do aluno. Assim o risco de este não corresponder é mais diminuto e os sentimentos de eficácia e competência são mais prováveis de experimentar: «(Eu) - O que sentiram neste desafio? Pensam que teria sido mais fácil se o fizessem sozinhos? A R. disse, sim, - sozinhos é mais fácil» (entrada anterior). Porém, no caso de dois alunos com mais dificuldades, a flexibilização e adaptação das tarefas teve de ser muito ponderada, pois os alunos temiam a própria exposição do trabalho perante o grupo, mesmo nas fases mais iniciais. Um dos alunos, o Tomás, nunca pedia ajuda, fitava a professora e ficava quieto à espera que alguém a interpelasse por ele, no sentido de pedir para o ajudar. As estratégias psicopedagógicas passaram pelo reforço positivo de todos os passos percorridos, tentando motivar os alunos para continuarem sozinhos, e em concreto incentivar o Tomás a pedir ajuda quanto necessário, e sem se sentir humilhado com esse pedido. Os registos do diário de bordo não indicam se níveis mais altos de confiança (para este aluno) terão sido alcançados até ao fim do ano. Pensamos existir uma evolução neste primeiro parâmetro de análise de conteúdo pois em registos de aulas no segundo e terceiro períodos não existem descrições ou menções quanto aos conflitos, nem a necessidade de mediação e gestão de comportamentos agressivos. Verificou-se que nos momentos em que se registaram ajudas entre colegas, estas não foram necessariamente solicitados pela professora nem dirigidos a alunos em particular: «Começaram a interagir bastante, comentando as cores, os pinceis, e os temas da pintura» (entrada de 28 novembro, p.67). Apesar da dominância de Rita se manter sempre durante o ano, a aluna aprendeu a canalizar mais a sua energia para a realização das propostas e menos para as observações negativas que fazia dos colegas. Ao longo do tempo aprenderam a partilhar os materiais, pois estes eram sempre comuns ao grupo, disponibilizados e colocados no centro da mesa de trabalho (não havia um estojo individual para cada aluno) para evitar haver discrepância entre a qualidade dos materais usados: «Todos pediram opinião e partilharam os retratos», «Penso que a tentativa de rebaixar o outro já não existe, pelo menos na minha aula» (entrada de 21 novembro, p.65). No que refere ao segundo tema de análise - aumento da motivação perante as propostas/ construção de significados pessoais - um dos objetivos principais da intervenção foi precisamente o de aumentar os níveis de motivação destes alunos para a aula de Educação e Expressão Plástica, principalmente daqueles que chegaram à escola desencorajados, em particular os alunos com mais dificuldades na psicomotricidade (Tomás) e maior comprometimento cognitivo (Anabela). Perante a desmotivação destes alunos para a área artística verificaram-se inicialmente atitudes da professora muito mais diretivas do que para com os restantes, na tentativa de mantê-los envolvidos na realização das propostas. Foi promovido o acompanhamento passo a passo e estabelecido um faseamento das atividades, bem como dados comandos verbais simples e diretos acompanhados de incentivos frequentes. No diário de bordo identificámos diversas manifestações de desmotivação do Tomás, uma delas em situação de final de aula, aquando do toque de saída: era ele quem se levantava primeiro, ao passo que outros alunos diziam que a aula parecia “durar apenas 5 minutos”: «Tocou, T. foi o 1º a levantar-se, “-vamos”? “disse ele (aos colegas)», e perante a minha insistência para concluir o trabalho «olha fixamente, não responde e quer sair… sou muito mais diretiva com ele, a margem para a concretização fica imensamente reduzida às respostas que lhe tenho que fornecer, é um constante sim ou não» (entrada de 16 de janeiro, p.73). A escolha de temas significativos que agradassem a todos não surtia grande iniciativa neste aluno, nem a variedade de materiais postos à disposição: «T só faz o que eu propuser e nunca se chega a concentrar-se em algo realmente pessoal. Tenho de fazer um esforço para ultrapassar a sensação de que o aluno não quer ou não gosta de investir naquele trabalho, pois até acho que não se trata de desinvestimento, mas de falta de estimulação e treino (…) aparentemente, T. foi “poupado a algumas tarefas” como cortar, dobrar, colar…» (entrada anterior, p.71). No entanto, nos momentos de diálogo com o grupo, Tomás gostava de participar oralmente e sentia-se mais à vontade a falar do que a desenhar ou pintar. No registo de uma aula de dezembro surge o comentário: «Começamos por relembrar o vocabulário (pedido em forma de chuva de ideias) aprendido nas últimas semanas, e com alguma ajuda na contextualização, a R. e o T. foram os que mais participaram» (entrada de 4 dezembro, p.67). Ao longo do ano existem registos de expressões de entusiasmo dos quatro elementos, à exceção do Tomás, e todos foram sendo progressivamente capazes de manter a atenção e o interesse: «(E) prestava muita atenção ao trabalho dos colegas e via-se que estava curiosa e interessada» (entrada de 7 novembro, p.63). Para além dos temas, as técnicas artísticas escolhidas para as diferentes unidades de trabalho (como a fotografia, a pintura com recurso ao stencil ou a manipulação de imagens no computador) revelaram-se também decisivas enquanto fator de motivação: «Os outros 3 (D, R e E) quiseram logo ir também fotografar, e o 1º foi D. que costuma ser muito tímido, a ideia foi muito gira, seguiu-se a R. e a E., que teve dificuldade em soltar-se, mesmo assim como recebe bem as minhas opiniões arriscou e rimos muito» (entrada de 5 dezembro, p.70). Relativamente à metodologia utilizada, transparece nos registos do diário de bordo que o recurso ao diálogo conjugado com a apresentação de obras ou objetos «traz algumas nuances na dinâmica da aula, por comparação às aulas onde não são apresentadas obras»à entrada de 16 de janeiro, p.73). A inferência é confirmada pelos relatos sobre este parâmetro: «Preparei reproduções destas obras, e desenvolvi com os alunos um diálogo sobre o papel da arte na Idade Média, mostrando em simultâneo as obras e contextualizando a sua importância cultural e artística na história da arte»à (entrada de 21 novembro, p.64); e no caso de outra aula: «os alunos estavam literalmente embalados pela descrição das narrativas religiosas dos retábulos de Weyden e participaram quando lhes perguntei pormenores sobe as obras: as cores, figuras, expressão das figuras, sentimentos expressos nas pinturas, aspetos ligados à cultura da época». Também nesta aula selecionamos o seguinte excerto: «As imagens fortes e o vocabulário usado captaram completamente a atenção dos alunos» (entrada anterior). Ainda neste tópico de análise e, como temos vindo a referir, a importância conferida às preferências dos alunos nas escolhas dos temas como, por exemplo, o tema do Autorretrato, a Minha Família, Eu e o meu melhor amigo(a) - bases da criação de propostas fundamentadas para promover e libertar o processo criador - foi demostrada por reflexões anotadas no diário: «todos se sentiram realizados com a experiência, eu própria aprendi muito e fiquei surpreendida com as possibilidades que este grupo demonstra, porém também percebi, que só conseguem corresponder se as atividades foram adequadas, adaptadas e significativas para eles».à(entrada de 5 dezembro, p.71). No terceiro tema em análise, sobre o estímulo da imaginação criadora, a codificação resultante das descrições constantes do diário de bordo mostrou ser dada enfase à metodologia baseada no questionamento, com relatos de diálogos completos e de cuja transcrição se retira o impacto positivo desta interação na própria relação pedagógica: «Isto sem falar do vínculo que se criou entre mim e os alunos, que penso ser muito facilitador no processo criativo» (entrada anterior). Os subtemas codificados para a análise temática contêm os vocábulos «perguntar/responder», bem como diversas frases do tipo interrogativo, evidenciam que o questionamento ocorreu em várias vertentes da intervenção: a) sobre as vivências/preferências dos alunos, b) sobre as expectativas em relação às aulas de EEP, c) na observação e discussão sobre obras ou objetos na aula e finalmente d) sobre os trabalhos realizados e os aspetos que conduziam à sua possível reformulação. Alguns exemplos das questões colocadas pela professora procuram igualmente confirmar se os objetivos da proposta foram compreendidos e tentam esclarecer possíveis dúvidas dos alunos. Por vezes o questionamento foi acompanhado do desenho na desconstrução de conceitos, aquando da apresentação de um pintor(a) ou obra: «Perguntei a que continente pertencem os países Holanda e Irlanda (depois de ter associado os países às obras), várias vezes ouvi: Pertencem ao continente atlântico… Voltei a perguntar e fiz um esboço rápido com Portugal e R. Unido a marcador e disse “- Tanto Portugal como a Irlanda são banhados pelo Atlântico. Vêm aqui?”. Mas o continente a que pertencem é..?”, O D. disse “- São da Europa”. Respondi “- muito bem!» (entrada de 28 novembro, pp.65-66). Noutras alturas, o diálogo mediou a leitura das narrativas visuais das obras selecionadas e que evocavam de alguma forma a temática trabalhada em cada unidade de trabalho (questionamento verbal e visual). As perguntas surgiram numa linguagem muito simples e direta, estabelecendo um “encadeamento” em relação às respostas dadas pelos alunos, contemplando os contributos de cada intervenção e em simultâneo estimulando a nível cognitivo. No excerto seguinte, acerca da unidade de trabalho que contava com obras de Klimt apresentadas num livro, é transcrito o diálogo que conduziu à escolha da obra e à proposta de trabalho (entrada de 16 de janeiro, p.72): «- E em relação à época, de quando será? Muito antigo ou recente? - Um pouco antigo, vê-se pela pintura, diz a E. Eu pergunto se pela pintura ou se pelo que aparece na pintura? (aqui ficaram confusos). Pergunto: - O que aparece na pintura é uma senhora, o que faz pensar que é antigo? - O vestido, diz E., Eu disse:- muito bem e mais? R, como está representada a senhora em termos de moda? É atual? - Não, o penteado... (mostrei outro retrato feminino). - É parecido com a stora, diz a R. - Pois, o outro retrato era de alguém com cabelo ruivo, esta tem cabelo escuro, e na cabeça tem mais qualquer coisa? uma touca, chapéu? Olhavam mas não respondiam. (mostrei) outro quadro, do período dourado, todos gostam das obras, repararam nas datas: - 19.. disse a R,, - Então, 1913? É a data deste quadro, foi há quanto tempo? perguntei. - Estamos em 2013, disseram. - Se tiramos 100 anos a 2013, ficamos com… - 2000?? disse a R. - 1913. disse a E, - Boa E., acertaste! foi há 100 anos, , em que século se pintou então este quadro? Enganaram-se algumas vezes e ensinei a fórmula para calcular o séc. despois disso, acertaram no séc. XX. -Vamos ver este quadro, chama-se… , e em relação às cores? - Amarelo, disseram todos, e algum azul, castanho e laranja, amarelo mais uma vez.. - Este amarelo parece especial, é diferente.. (disse eu) - é mais brilhante. - Pois é amarelo de ouro, - dourado, disse D. - Sim, este quadro é quase todo dourado, sabem porquê? É que antes de ser pintor, Klimt dedicava-se a um ofício ligado ao ouro, sabem qual é? como pão e padeiro, são palavras da mesma família, agora é ouro e… ? A R diz joalharia… - Ou… disse eu: - ourives.., pois é , um oficio relacionado com o ouro é ourives ou gravador de ouro., Klimt aprendeu com o pai, e dominava as técnicas ligadas ao trabalho do ouro. Quando começou a pintar, também quis experimentar o efeito que o brilho dourado produzia na tela. Por fim, mostrei a obra The Baby Cradle, e disse, - A nossa proposta para hoje é sobre este quadro: imaginem que ainda não saíram da cama, (são 9h e 40m, mas há uma hora atrás ainda estavam na cama, certo?) - Pois, diz o D., sim, ainda. - Então pensem agora na vossa cama, no cobertor ou na manta e vamos fazer o nosso trabalho sobre isso… mas não é uma pintura, nem a lápis de cor, nem a marcador! - É com pinceis, diz o T?. -não é com pinceis, digo eu, - é com papéis e tecidos, é uma colagem». Ainda relativamente ao recurso do questionamento como ferramenta pedagógica no desencadear de mecanismos de expressão da criatividade, apresentamos em seguida um execerto de um diálogo iniciado com uma pergunta do aluno (D) sobre a proposta do tríptico (uma das versões da temática do autorretrato), a qual se relacionou com a observação e leitura da narrativa visual do tríptico de Bosch a partir de uma animação multimédia. Perante a sua cartolina azul escura já dobrada em três partes, «D. perguntou se podia usar todas as cores, e eu chamei a atenção para as cores que fazem mais contraste no fundo escuro, sendo que os brancos, prateados e amarelos se destacavam bastante sobre o fundo. D. perguntou se podia usar vermelho e como se fazia um diabo (no vídeo aparecia em 1º plano a figura de lucifer que engolia um corpo), e eu repeti “- D., não tens de desenhar o inferno!” e ele respondeu “-É que eu às vezes fico furioso e zango-me muito”. Desenhou na parte interior um rosto diabólico com duas bocas e línguas de fora, dois chifres curvados para baixo e uma pintura em tons de vermelho» (entrada de 21 novembro, p.65). Fig. 42 - trabalho do David na unidade de trabalho Autorretrato Na análise e discussão do último tema, sobre os aspetos de valorização dos resultados / e promoção de sentimentos de eficácia e competência atraves da atividade artística, é possível perceber que as descrições e comentários sobre os produtos finalizados não surgem imediatamente nos registos das primeiras aulas. Atribuímos este facto a dois motivos: a) a revisão da literatura sobre a metodologia de ensino de H.S-Simmern estava ainda no início pelo que a prática pedagógica não refletia ainda em setembro e outubro de 2012 as opções relacionadas com as orientações metodológicas, as quais viriam mais tarde a estruturar a intervenção e, b) a dinâmica do grupo era frequentemente condicionada pelas situações de conflito, pelo que a professora centrava, na altura, a sua energia em criar e manter um ambiente de aula securizante e estável de modo a dar oportunidade à expressão criativa. Para além disso, uma das imposições da intervenção era a de manter níveis satisfatórios de atenção e concentração nas propostas, de forma a cada aluno poder iniciar, desenvolver e concluir a sua atividade artística: «A. falava entusiasmada, mas começou por dizer “ -Está feio! levantando a sua folha. Eu respondi, “-Ainda só pousaste o pincel (no papel) e já dizes que está feio? tens de acrescentar mais qualquer coisa para podermos comentar!” disse eu. Até ao fim, não repetiu a palavra FEIO, e nomeava as cores alto, com o problema de dicção que tem saíam palavras como banco (branco)...» (entrada de 28 novembro, p.67). Para além da manutenção da atenção, foi necessário também assegurar os níveis de autonomia, diferentes para cada aluno, de modo a serem resilientes e capazes de resolver os problemas visuais e instrumentais revelados no decorrer da realização da proposta: «A E. finalizou o trabalho do módulo-padrão com um resultado muito satisfatório, sentiu-se bem e não precisou mais do meu apoio» (entrada de 5 março, p.79). Com base na interpretação dos dados deste diário, pensamos que os níveis de autonomia alcançados se relacionam diretamente com a valorização do trabalho finalizado, pois quanto menos interferência exterior ocorresse na realização da proposta, mais hipóteses esta tinha de ser valorizada perante o próprio aluno (consciente da superação das suas dificuldades), e perante os colegas que percecionavam o nível de empenho, esforço e capacidade dos pares refletido no produto alcançado. Assim, o que se depreende de comentários como o de uma aluna que começou a desenhar no trabalho do colega, e que ao ser confrontada pela professora com a instrução «- deixa o T. fazer sozinho!”, respondeu “-O T. não consegue…» (entrada de 16 de janeiro, p.72), é que a interferência direta no processo de realização do trabalho possui repercussões ao nível da autonomia, que por sua vez dificultam a valorização do produto e diminuem a oportunidade de experienciar sentimentos de eficácia e competência. Num dos excertos relevantes neste tema pode ler-se: «No fim da aula todos comentaram - Está muito giro, muito bonito. Gosto, uau! Ninguém se referiu à proposta dizendo “-Não consigo, não sou capaz» (entrada de 21 novembro, p.65). Pensamos que, diretamente relacionados com a conquista da autonomia estão as estratégias e metodologias de ensino adotadas pela doutoranda, na medida em que estas contemplaram as adaptações necessárias e possibilitar a cada aluno a concretização das atividades de acordo com as suas capacidades. As possibilidades de experimentação gráfico-plástica foram previamente organizadas e os materiais disponibilizados para partilha no centro da mesa de trabalho. Neste grupo existia apenas a necessidade de pequenas adaptações ao nível da organização do espaço e alguma seleção prévia de materiais e instrumentos, não se verificando a obrigatoriedade do uso de aparelhos ou tecnologia de apoio como auxílio no processo do grafismo ou no posicionamento na cadeira devido a problemas posturais. Notámos que nas situações em que os niveis de autonomia não são alcançados, transparecem nos alunos sentimentos de frustação, prejudiciais na sua emancipação e inclusão. Ao invés, foi procurada a gratificação pessoal: «A. no decorrer da tarefa demonstra prazer e satisfação perante os resultados, (decalque das folhas de árvore, ou aguada sobre lápis de cor)» (entrada de 23 outubro, p.75).àSobre este tópico, contabilizamos os registos de frequência no diário de bordo contendo os vocábulos deficiência /incapacidade, e concluímos que surgem apenas 8 vezes durante o ano enquanto referência direta à dificuldade observada em algum aluno numa determinada tarefa (na execução ou compreensão). Consideramos que o fator da autonomia tem inclusivamente, implicações perante a atitude responsiva da professora, a qual teve dificuldade em valorizar genuinamente as produções dos alunos, se nelas existissem evidências do seu próprio exercício gráfico e plástico. De facto, as produções foram tanto mais valorizadas quanto mais corresponderam à ação do seu autor, pois não só foi valorizado o produto, mas todo o processo que conduziu e o concretizou (ou materializou), a partir de uma determinada conceção visual, única e individual: «Foram completamente autónomos e o resultado final muito satisfatório» (entrada de 4 dezembro, p.70). Os registos escritos confirmam que a ênfase conferida aos trabalhos era verbalizada pela professora e pelos pares durante a aula, e era também dada através de exposições regulares dos trabalhos no placard da sala, tirando partido da situação em que o grupo, ao frequentar esta mesma sala acompanhado de diversos professores, e os quais ao apreciarem a qualidade e a beleza, contribuiam como um reforço à própria intervenção da doutoranda no plano da autoestima e dos sentimentos de eficácia e competência dos alunos sobre o seu desempenho. Ilustrativo deste fator positivo é a situação de visita à aula de EEP de uma das professoras de Educação Especial, a qual comentou perante a aluna Ester: «-Muito giro, que bonito! E. está a gostar?“,”- Sim, gosto” respondeu» (entrada de 16 de janeiro, p.73). Ainda no registo de expressões de agrado e satisfação, retira-se do diário a transcrição: «… Ouvi várias vezes dizerem, “O teu está giro!, gosto do teu” , a R. repetiu diversas vezes: “as minhas cores estão bué abstratas!!” (eufórica com a experiência). Antes de tocar fomos lá para fora para fazer stencil com spray, pois a E. tinha referido que se podia pintar assim. Dispusemos os materiais e aplicamos o spray preto no stencil. “Uau”, que giro, e outras expressões de surpresa e agrado ouviram-se, ao mesmo tempo que passavam professores e funcionários e olhavam a sorrir» (entrada de 28 novembro, p.67). Ao longo da análise do diário de bordo, compreendemos que a sequência escolhida na codificação dos temas e subtemas reflete a sinopse dos passos percorridos, dos critérios metodológicos e da finalidade da própria intervenção da EA junto dos alunos, concretamente ao aproximar-se do quarto tema, a análise procura evidências de resposta à questão problematica e confirmação empírica da hipótese inicialmente colocada. 8.3. Análise dos portfólios segundo os estágios de Conceção Visual segundo H. Schaefer-Simmern Na continuidade da análise de dados recolhidos a partir do diário de bordo, focamonos de seguida no contributo de um conjunto de trabalhos realizados no âmbito das unidades temáticas, seguindo-se uma seleção de alguns exemplos correspondentes à atividade artística dos cinco alunos (o portfólio completo encontra-se no CD anexo a esta tese). Sobre cada um destes exemplos aplicamos a matriz orientadora que construímos a partir da obra Consciouness of Artistic Form (2003), procurando dados visuais para a identificação do estádio de conceção visual, e das evidências de progresso ao longo do percurso realizado nesse ano letivo.  Análise do estádio de conceção visual do Tomás Fig. 43 - “As minhas férias” (outubro) Neste trabalho a figura representada está “ancorada” no suporte visual através de uma linha de base coincidente com a margem inferior do papel. A estrutura apresenta uma organização segundo a relação horizontal – vertical da linha e está segmentada nas várias formas que a compõem, não apresentando linha de contorno integral (ou silhueta). O fundo enfatiza e situa globalmente a figura principal e é diferenciado pelo contraste de cor plana nas áreas pintadas, sem outros elementos de preenchimento. Fig. 44 – “A Floresta Mágica” (janeiro) Neste trabalho sobre a temática da Floresta Mágica é reconhecível a representação de três figuras humanas em cujos elementos da face (olhos e nariz) iniciam tenuemente a diferenciação entre figuras, apesar de no corpo os elementos serem semelhantes. O pensamento do aluno neste estádio opera de forma a que a ideia/ conceito de pessoa é comum a todas as pessoas e representa de modo semelhante (esquemático) a estrutura da face e do corpo. Na direção dos elementos do rosto relativamente à forma oval da cabeça, é identificado o estádio horizontal-vertical da direção da linha, no qual o elemento da boca sugere em perpendicularidade com o nariz, sendo a relação mais óbvia tendo o nariz uma configuração vertical. Porém, num dos rostos (à esquerda) mostra ainda a relação dos elementos circulares no rosto do estádio anterior, no qual se combinam círculos de dimensões diferentes, organizados no interior da forma oval inicial. A forma circular dos olhos não contém ainda outra forma ou ponto no seu interior para a identificação da pupila. Na figura humana (corpo) o padrão das configurações é marcadamente perpendicular, sobretudo no desenho dos segmentos para os braços e pernas (relação horizontal/vertical inicial). A noção de volume do corpo é evidenciada ainda com recurso à definição de formas fragmentadas combinadas (rectangulares ou parcialmente ovais), desenhando o volume de cada segmento do conjunto de cada vez, com separação visível das linhas da cabeça, tronco, braços, pernas, etc. A relação horizontal-vertical descrita na representação da figura humana é repetida na conceção visual de outras estruturas visuais, como flores ou frutos, pelas linhas retas combinadas com formas circulares adjacentes (ver pormenor). Pormenor Relativamente à organização no espaço as figuras humanas não se sobrepõem e estão organizadas segundo uma direção unificada. A direção das plantas não se encontra ainda uniformizada, pois a direção dos vários ramos de fruto é diferente. No que consta à análise da tipologia das linhas de base, este desenho apresenta linhas de base múltiplas: uma grande linha de base é paralela à margem inferior, e outra à margem lateral do papel. Na margem superior a linha de céu sobrepõe-se indistintamente entre as nuvens e a continuidade da folhagem da floresta: o suporte de papel poderá ter sido movido de forma a continuar a preenchimento. Apresenta algumas linhas (quebradas) de base paralelas indicando níveis diferentes de vegetação mas manifesta dificuldades na concretização, optando por resolver o problema da sobreposição distinguindo áreas através do contraste de cor. Ao nível das figuras, o fundo mais próximo foi deixado desocupado, pois a conceção visual estava a perder clareza. Fig. 45 – “A Minha Família” (janeiro) Neste desenho as figuras aparecem organizadas em linhas horizontais implícitas (o observador perceciona linhas paralelas invisíveis, sugeridas pela posição das figuras), as quais reduzem a sensação de estas flutuarem no espaço. Nos planos posteriores são apresentadas linhas de base individuais retas, uma das quais é usada para situar a figura da porta, que por estar num nível diferente precisa de ver aumentada sua visibilidade nesta zona do desenho. A porta foi desenhada como se fosse vista do exterior da casa, e não do interior da divisão. Existem ao lado desta outras linhas de base individuais, que não contém figuras associadas. A margem superior do papel funciona como linha de base para auxiliar no desenho da janela, a qual se abre ao exterior através da referência ao sol. A representação da mesa de jantar não traduz ainda a perspetiva através da variabilidade da direção da linha com recurso a diagonais e ao ponto de fuga, sendo desenhada somente através de linhas na relação H-V, de acordo com o ponto de vista de topo sobre o objeto. As figuras da família estão desenhadas lado a lado e não existe sobreposição nem variabilidade da direção (figura de perfil), pelo que o problema visual de colocar as pessoas à volta da mesa foi resolvido colocando a mesa muito próxima da margem do papel e reduzindo a necessidade de ocupar essa zona. É visível a tentativa de diferenciar as personagens aravés de pormenores do rosto: olhos ou boca preenchidos a grafite, escurecimento da cara (“cor da pele”), e diferentes texturas do cabelo. Nas mãos são reconhecíveis as configurações das linhas radiais a partir da figura circular. Para aumentar a identificação o aluno escreveu o nome dos familiares respetivos a cada figura. Fig. 46 – “A Árvore” (janeiro) Nesta proposta e após ter explorado a estrutura combinada de círculos e linhas radiais na representação de flores e árvores, é evidenciada a transição para o estádio que corresponde à relação horizontal-vertical plena entre ramos e tronco, em ângulos quase retos. Os ramos desenhados com recurso a ângulos diferentes (à direita) surgem depois de o aluno ter observado outros colegas a desenhar. O tronco foi desenhado atraves da combinação vertical de volumes segmentados (estrutura da forma não-linear) e preenchidos individualmente a grafite. Os troncos não apresentavam volume até ao momento do diálogo, momento em que o aluno acrescentou as sombras com recurso ao “esfuminho”. A árvore está ancorada numa linha de base individual horizontal, e a área de fundo não foi diferenciada através de pedras ou outras plantas (no chão) mas apresenta o desenho do sol, o qual tem a função diferenciadora do fundo. A linha circular do sol serve de base para os raios. Fig. 47 – “Eu e o meu melhor amigo/a” (março) As três figuras dispostas lado a lado numa localização central revelam a procura de equilibrio no espaço disponível no suporte pictórico. Apresentam uma configuração esquematizada simétrica (elementos do rosto e posição dos braços e pernas) e, apesar de não existirem linhas de base, as figuras estão dispostas segundo uma direção unificada. O fundo não se encontra preenchido (com cor ou outros elementos visuais) possivelmente pela tonalidade da folha, que poderá evitar a sensação de “espaço vazio” da folha branca. As figuras são legendadas pelo aluno de forma a poderem ser distinguidas, pois os elementos formais diferenciadores entre si são ténues. Figs. 48 e 49 – “ Percursos #1 e #2” (abril/maio) Na primeira versão do tema, o Tomás representa a casa como ponto de partida para o percurso: “tem janelas e cortinas”. Depois de termos falado sobre as ruas e os sítios por onde passa para vir para a escola, reorganiza o espaço visual de forma a incluir a casa desta vez com uma varanda (que serve de linha de base) e duas figuras. Inclui linhas de base paralelas às margens da folha e indicia o percurso pela composição das formas que dispõe numa sequência vertical: as formas estão dispostas numa direção unificada: a escola primária por onde passa e vê as crianças pequenas, um jardim central (área mais escura) e por fim, a escola atual, desenhada numa onfiguração semelhante à da casa em primeiro plano. Nomeia algumas zonas do desenho mas não nomeia as pessoas. O espaço pictórico foi organizado de forma a poder registar-se percursos a tracejado, inclusive numa direção que aponta para fora do “mapa”. Fg. 50 – “Metamorfose #1” (maio/junho) No desenho de observação do escaravelho, a posição e a dimensão da figura dentro dos limites do papel traduz uma maior consciência visual da relação entre a figura e o fundo. Com base num maior domínio na manipulação dos instrumentos, evoluiu para marcas mais intencionais (de caráter menos acidental das linhas relativamente à sua direção), reconhecível nos movimentos coordenados que se traduzem em linhas expressivas capazes de definir volumes, simetrias, texturas e pormenores. Apesar de evidenciar a noção de volume do corpo ainda com recurso à definição de formas fragmentadas combinadas, a variabilidade da direção das linhas transmite a forma orgânica do ser vivo observado, bem como a gradação dos cinzas e o desenho com borracha para alcançar maior contraste entre o claro-escuro. É visível uma complexificação da estrutura, a qual contém as configurações já dominadas pelo aluno, de forma a clarificar a conceção visual, que surge aqui completa e integral. Fig. 51 – “Metamorfose #2” (maio/junho) A presente proposta é associada à anterior e propõe a transformação de um inseto numa figura humana ou vice-versa- uma metamorfose. O ponto de partida para a atividade é o desenho do inseto observado anteriormente, cuja forma seria posteriormente sintetizada podendo incorporar ou ser incorporada na figura humana escolhida. O aluno não incorporou totalmente os dois conceitos nos termos que tinha sido proposto, no entanto a figura do inseto, a primeira a ser desenhada (à esquerda) está perfeitamente sintetizada numa linha de contorno integral, com volumetria similar à do inseto no trabalho anterior, e apresentando simultaneamente elementos evocativos da figura humana: uma cabeça no topo e dois pés, o que representa uma alteração à forma orignal de acordo com o pretendido. No interior da forma é visível a combinação de círculos não-concêntricos de dimensões semelhantes, organizados visualmente de modo a sugerir um padrão. Ao lado desenhou outra figura, na tentativa de corresponder ao pedido da fusão entre as duas, devido ao diálogo gerado entre os outros alunos e a professora e que induziu o aluno a incluir uma segunda tentativa. Apesar de se terem contemplado as adaptações e o apoio necessário ao desenvolvimento de habilidades motoras neste aluno, a sua produção no âmbito das várias unidades de trabalho demonstrou evoluções muito ténues ao nível da configuração dos elementos visuais, sendo visível durante o ano a pouca complexibilização das formas e uma manutenção das estruturas já dominadas até então. • Análise do estádio de conceção visual da Anabela Fig. 52 - “As minhas férias” (outubro) Neste trabalho o conjunto das figuras – menina, casa e flores – está desenhado no centro do espaço pictórico sem recurso a uma linha de base, a qual é implicitamente percecionada através da proximidade dos elementos desenhados. Existe também uma linha de base horizontal mas não possui estruturas visuais apoiadas. Num desenho inicial, as figuras em primeiro plano foram apagadas e estavam localizadas numa linha de base coincidente com a margem inferior do papel. Esta primeira tentativa foi reformulada e deu lugar a uma conceção visual da figura-fundo mais integrada num fundo diferenciado pelas áreas do chão que se prolongam até às nuvens indicadoras da zona do céu. Esta proposta evidencia um estádio de transição da justaposição para a sobreposição: o céu e o chão já não são tratados como espaços completamente isolados (contornados), apesar de ainda conferirem aqui o destaque a um espaço intermédio, este espaço é expandido através do uso da cor. As figuras semelhantes (flores) estão organizadas segundo uma direção unificada e evidenciam as características do estádio da direção horizontal-vertical da linha, assim como a figura humana. Na figura da casa existe uma estrutura apoiada na linha de base do telhado que mantem a orientação de perpendicularidade relativa a essa base e não à linha de base principal. Relativamente à análise da direção dos elementos do rosto relativamente à cabeça, as formas circulares dos olhos, nariz e boca seguem a curvatura da linha da cabeça, apresentando a “boca sorridente” ou sorriso arcaico, forma parcialmente circular onde se encaixam o nariz e os olhos, e que é a repetição da forma circular concentrica (paralela à do rosto) no segmento inferior. O estádio de conceção visual desta aluna, segundo o autor de referência H.S-Simmern é o segundo estádio identificado por “Relação Horizontal-Vertical Plena da Linha” evidenciando um padrão marcadamente perpendicular das configurações visuais (2003:28). Fig. 53 - “O Zbiriguidófilo” (novembro) Nesta proposta a personagem do zbiriguidófilo foi desenhada como sendo semelhante a um gato, identificável pela configuração das orelhas e dos bigodes. A figura está apoiada numa linha de base definida pela quadrícula da folha, e a área do fundo foi contornada pela aluna e diferenciada através do preenchimento total com mancha de cor, destacando a figura central. A estrutura do animal segue a direção H-V simples com forma circular para a cabeça e conceito de cão (4 pernas e não apenas 2 como na figura humana) consolidado. Evidencia noção de volume do corpo à exceção das pernas ainda com recurso à definição de formas fragmentadas combinadas (parcialmente ovais), com o volume de cada segmento do conjunto de cada vez, com separação visível das linhas da cabeça, orelhas, tronco, pernas, patas e cauda. A direção dos elementos do rosto relativamente à cabeça é similar à do rosto humana na proposta anterior. Fig. 54 – “A Floresta Mágica” (janeiro) Neste trabalho a aluna concretizou uma conceção visual clara organizando o fundo e as figuras através do desenho de várias linhas curvas paralelas entre si em primeiro plano para definir a folhagem densa da floresta. Redimensionou estas linhas à medida que se afastam para os planos posteriores até darem origem a um espaço onde surgem árvores e flores de configuração semelhante entre si (combinação de formas circulares com linha vertical) e organizadas de acordo com a direção unificada completa. Desenhou estas figuras criando ritmo visual através da repetição e alternância. Na relação figura-fundo surgem os pássaros entre as árvores e o céu, usados para diferenciar a área do fundo. Estes estão também representados segundo uma direção unificada e alinhados numa linha de base implícita, percetível pela sequência das figuras. O fundo diferenciado através da cor azul destaca as figuras contornadas e extende-se até à linha de base mais próxima. O conceito de ave não está consolidado, pois surge representado com 3 ou 4 pernas (estrutura simples do cão combinada com o rosto humano) e ainda sem elementos diferenciadores como as asas ou o bico. Fig. 55 – “A Minha Família” (janeiro) Neste trabalho as várias estruturas visuais estão organizadas segundo uma direção unificada. Porém, estão representadas de acordo com vários pontos de vista (de topo: fogão, mesa, tapete, sofá), as cadeiras de costas, e as restantes figuras de frente. Em primeiro plano, apoiadas numa linha de base coincidente com a margem do papel, estão representadas as figuras da família acompanhadas de legenda (pois os elementos diferenciadores aparecem só numa das figuras, a indicar uma peça de vestuário diferente). A relação da direção destas estruturas visuais mantêm o contraste vertical-horizontal. Não são visíveis outras linhas de base, sendo que estruturas como a mesa ou o armário não possuem linha de base individual e partilham o espaço próximo com o quadro e as janelas na parede. No pormenor do armário cómoda a prateleira inferior serve de linha de base de apoio para as estruturas nele contidas (ver pormenor), assim como um dos lados da mesa ajuda a organizar as cadeiras numa seguencia alinhada. As estruturas visuais correspondentes às janelas foram situadas no canto superior esquerdo e foram escurecidas a grafite, do mesmo modo que algumas outras figuras se destacam do fundo pelo contraste claro-escuro. A aluna resolveu alguns problemas visuais como o posicionamento das cadeiras, as quais se encontram todas vistas de costas e não à volta da mesa. É visível a diferença entre a representação da mesa e do armário, anteriores ao estádio que permite representar a profundidade. O elemento da mesa é representado através da forma do tampo em função da perceção visual que a aluna tem deste objeto, quando sentada para a refeição. No elemento do armário cómoda, visto de frente, estão representadas as 4 pernas, porém não estão situadas na posição correspondente (simétrica). A conceção visual colocou problemas que não foram resolvidos, concretamente na organização dispersa dos vários elementos, sem definição dos diferentes planos (chão e paredes) da sala de jantar. pormenor (quadro, mesa e cómoda) Fig. 56 – “A Árvore” (janeiro) Neste trabalho a aluna definiu as zonas para o chão e para o ceú e o espaço intermédio vazio foi deixado para desenhar a figura centrada no espaço pictórico o qual em termos Gestalt, atua como um fundo que destaca claramente a estrutura visual com significado figurativo, acentuada pelo contraste claro-escuro da grafite. A dimensão da árvore desenhada indica uma boa organização no espaço disponível e a procura do equilíbrio na perceção visual. Está representada segundo a relação horizontal-vertical plena entre o tronco principal e os ramos, os quais se extendem a partir de uma forma oval inicial. A noção de volume é traduzida em cada segmento fragmentado do conjunto (ramos e tronco) sem indícios de variação da direção e com elementos mínimos diferenciadores destas estruturas, como algumas folhas ou frutos. Fig. 57 – “Eu e o meu melhor amigo/a” (março) Nesta proposta as duas figuras em primeiro plano são a aluna e o melhor amigo, e ambas estão legendadas. Estão apoiadas numa linha de base única paralela à margem do papel. Num plano superior está representado um cão, companheiro da brincadeira. Relativamente à conceção visual da figura humana presente nas propostas anteriores, neste desenho a aluna complexifica o elemento do olho, acrescentando à forma circular inicial outra forma- a pupila centrada, e confere mais expessividade ao olhar. Também na estrutura do corpo, existe maior diferenciação no vestuário por comparação ao trabalho anteror, estando aqui preenchido a carvão (em contraste claro-escuro com o fundo) transmitindo uma maior noção de volume. Mantem a preponderância da relação horizontal-vertical da linha, sem indícios ainda de mudança de direção (articulações dos braços e pernas). No fundo realizou a experimentação com o material pastel seco, e no final referiu ser um arco-iris no céu. Apesar de ser um trabalho com poucos elementos, estão organizados de forma simples e equilibrada no espaço pictórico, tendo a aluna atribuído mais destaque aos pormenores das figuras representadas. Figs. 58 a 60 – “Percursos #1, #2 e #3” (abril/maio) A proposta baseada no percurso casa-escola foi realizada ao longo de três versões, ao longo das quais a conceção visual sofreu alterações significativas. Na primeira versão a aluna representou apenas a figura da casa- ponto de partida do percurso, não tendo inicialmente compreendido a proposta de desenhar o caminho para a escola. Como o espaço deixado livre não era suficiente para acrescentar mais estruturas visuais, passou para o desenho da segunda versão, redimensionando a figura central da casa e incluindo elementos como uma árvore, escadas, duas estruturas com grades, um largo e a indicação da direção para a escola (à esquerda) através de dois percursos possíveis- um mais retilíneo e outro mais sinuoso. No entanto, esta conceção visual não deixou a aluna satisfeita, pois o percurso indicado no desenho transmite mais proximidade geográfica do que na realidade, visto que a sua casa fica bastante distante da escola. Encetou uma terceira tentativa, motivada pelo diálogo em grupo sobre os dois trabalhos já realizados, mantendo os elementos principais das versões anteriores (casa e árvore) mas modificando a configuração de outros (escola) e reorganizando-os no espaço pictórico. A casa surge no topo, ligeiramente sobreposta ao monte (com contorno e sem indicação de sombra entre elas, pois o monte não é ainda em si mesmo um fundo, mas uma figura). O espaço à esquerda ficou reservado para as estruturas encontradas no caminho para a escola, representados através de vários pontos de vista: segundo perspetiva aérea: o café “Migalhas” com legenda e indicação das mesas contidas no interior da forma quadrangular e ao lado uma forma circular corresponde a uma rotunda próxima do café. Vista de frente e apoiadas na margem do papel surgem as estruturas referentes à escola, nos vários pavilhões com grades viradas para a rua (linha de base implícita). A relação entre as figuras e o fundo é concebida pela diferenciação do céu, onde aparecem nuvens escuras. A conceção visual na terceira e última versão foi satisfatória para a aluna, que conseguiu resolver os problemas visuais relacionados com a organização dos elementos no espaço da folha de papel, transmitindo uma ideia visualmente próxima em relação ao percurso que faz para a escola. Figs. 61 e 62 – “Casa de Sonho #1 e #2” (maio) A realização desta proposta no seu primeiro momento manteve as configurações das casas muitos semelhantes às que a aluna havia desenhado anteriormente, acrescentando o pormenor da piscina no sentido de se aproximar da temática sugerida – uma casa de sonho”. A piscina está desenhada segundo o ponto de vista “de topo”, diferente do ponto de vista frontal para as casas, estando as três estruturas apoiadas na linha de base correspondente à margem inferior do papel. O fundo é diferenciado através dos elementos das nuvens e do sol. Após a introdução de exemplos da obra de Hunderwasser, a aluna optou por reformular a proposta e iniciou outro trabalho, no qual manteve um elemento principal – a casa à esquerda em primeiro plano- acrescentando pormenores diferenciadores no telhado e construiu todo um envolvimento visual na área disponível à direita, onde surgem lado a lado estruturas organizadas segundo padrões, e que são em simultâneo figura e fundo: à exceção de uma forma, as restantes contém várias outras formas repetidas, coloridas, destacadas pelo fundo de cor plana, criando um ritmo visual que facilmente se reconhece nas obras do artista apresentado. As nuvens foram substituídas por formas semelhantes e servem para diferenciar a área do fundo. Fig. 63 – “Metamorfose # 1” (maio/junho) Nesta proposta, perante o pedido de desenhar uma realidade observada – o inseto, a aluna captou a forma envolvente do escaravelho e a partir daí evoluiu para a sua própria conceção visual, simplificando a forma do animal e construindo os vários elementos como as patas e as antenas, apoiados na linha de base circular que delimita a figura. Na organização espacial destes pormenores é procurada uma simetria que unifique e transmita similaridade com o objeto observado. A aluna recorre ao preenchimento da forma principal com elementos circulares e quadrados, sendo estes os únicos que destaca através da relação claro-escuro, conferindo um ritmo visual pela sua regularidade. A figura contém pormenores antropomórficos correspondentes aos elementos do rosto (à semelhança do trabalho “zbiriguidófilo”, fig.55). Esta configuração análoga do rosto humano em figuras de animais, com destaque para o desenho da “boca sorridente”, é documentada na obra Counsciousness of Artistic Form (2003) com exemplos que surgem particularmente na representação de animais domésticos, próximos da criança: o gato, cão ou cavalo, no entanto não é feita nenhuma análise para além daquela que estuda o posicionamento dos elementos em relação à forma da cabeça e entre si. Nestes casos o autor identifica a faixa etária dos exemplos apresentados (p.31), entre os 4 e 5 anos de idade. Fig. 64 – “Metamorfose # 2” (maio/junho) Na segunda parte da unidade temáica, após a apresentação das obras de série Metamorfoses de Graça Morais, a aluna apresenta duas figuras desenhadas (não a síntese visual completa de uma pessoa-inseto), sendo que a figura em primeiro plano contém a cabeça de configuração análoga à do inseto desenhado antes (a cabeça é todo o corpo do inseto e surge desporporcionada), à qual foi acrescentado um corpo humano. De referir que estando as duas figuras lado a lado, a representação da boca sorridente ficou reservada para a representação do rosto na figura humana à direita, e à esquerda o apontamento das antenas e elementos retirados do primeiro desenho). Nota. A Anabela mostra ligeiras alterações nas características formais relativamente ao estádio de conceção visual no início do ano, evidenciando níveis de complexificação da forma, da orientação espacial e da relação figura-fundo capazes de a situar num estádio de transição no final do ano letivo. • Análise do estádio de conceção visual do David Fig. 65 – “A Minha Família” (janeiro) Nesta proposta foi pedida a representação de um momento familiar em casa, e o David optou por desenhar uma refeição em conjunto. A perspetiva usada mostra a divisão do espaço em duas zonas, a mais próxima possui elementos da cozinha e através de uma linha horizontal fez a transição para a sala e funciona como orientação para uma linha de base implícita que apoia os elementos menos próximos. Os pontos de vista são diferentes (na cozinha vemos os elementos “de topo” e na sala apresentam sua face frontal paralela ao observador, Na mesa, a procura da tridimensionalidade é dada através das linhas diagonais apresentando as quatro pernas visíveis, assim como nas cadeiras. Ainda não existe representação com recurso à relação de paralelismo completo, mas o aluno encontra-se no estádio de transição para o desenho de linhas que se aproximam da relação mais unificada da direção. As figuras humanas sentadas apresentam pontos de vistas diferentes (perfil e costas) e apesar da simplicidade das estruturas, surgem linhas em novas direções, para além da relação horizontal-vertical, indicando a representação das articulações dos joelhos. Existe também a indicação da direção lateral do corpo (mudança da configuração simétrica do corpo para a configuração não-simétrica), na qual os dois braços se situam ambos no mesmo lado do corpo apontando para a mesma direção. Existe sobreposição das figuras contornadas, em relação à mesa, as quais foram escurecidas para resolver o problema visual resultante da transparência (a linha da mesa é visível no interior das figuras de costas). O fundo foi diferenciado com recurso à sombra nos objetos representados: mesa, armários e porta. Fig.66 - “A Árvore” (janeiro) Nesta proposta o aluno preencheu todo o suporte visual com a figura da árvore, apoiada numa linha base não retilínea. À estrutura vertical principal do tronco são combinadas as estruturas dos ramos em direções variáveis, porém os diferentes ângulos entre os ramos e o tronco não sugerem uma relação segundo a direção unificada da linha (para resolver o problema visual dos ramos intrincados e das folhas). Devido à dificuldade em concretizar a sua conceção visual, o David opta por tentar clarificá-la ao delimitar a copa através de uma linha circular fechada, cujo espaço interior contém as estruturas desenhadas antes. Schaefer-Simmern designa este recurso à linha de copa como uma reversão ao estádio anterior (2003, p.45) para a conceção geral de árvore, e que apoia/une visualmente todos os elementos desenhados, na relação entre figura e fundo. Fig. 67 – “Eu e o meu melhor amigo/a” (março) Nesta proposta para desenhar um momento entre amigos, o aluno por uma situação desportiva praticada em conjunto. Surgem duas figuras identificadas nas costas da camisola (o ponto de vista foi escolhido para contemplar esta informação visual) e são representadas segundo uma direção unificada. As figuras foram diferenciadas entre si, em aspetos como a altura e o volume do corpo. Traduzem movimento pela representação das articulações (ombros, cotovelos, joelhos) e notória a evolução da clareza da conceção visual através da organização das figuras no espaço relativamente à bola do jogo. O fundo é parcialmente diferenciado pela mancha (iluminação dos candeeiros) e pormenores dispersos na mesma área. Em relação à representação da cabeça, ainda não inclui a indicação do nariz na posição de perfil, apesar de seguir a mesma direção do corpo. Figs. 68 a 70 - “Percursos #1, #2 e #3” (abril/ maio) Do primeiro ao terceiro trabalho desta unidade temática, o aluno alterou as opções na representação do espaço, diminuindo a escala e incluindo cada vez mais elementos do percurso realizado entre casa e escola. Após a introdução da obra de Joaquim Rodrigo, distanciou o olhar (desenho #2) e recorreu à combinação de linhas de base múltiplas (paralelas e circulares para passeios, ruas e rotundas) e a uma mistura de pontos de vista (aérea e frontal) de várias estruturas visuais, no estádio de transição para a unificação da direção (elementos semelhantes na mesma direção: árvores). No desenho #3 existe a representação gráfica de um espaço verde com árvores em “rebatimento topológico”, alinhadas com a margem, indicando a rotação do papel rodou sobre si próprio para permitir soluções para o problema de transformar uma situação tridimensional numa representação gráfica no espaço bidimensional do desenho. Fig. 71 - Metamorfose #1 (maio/junho) Nesta proposta, o aluno optou pelo desenho de observação do gafanhoto tendo captado, com bom domínio do traço, a forma de modo muito fidedigno à do inseto observado, e construído uma estrutura visual a partir da linha de contorno do corpo e cabeça, integrando elementos pormenorizados como as antenas e patas, onde procurou conferir volumetria. Este desenho possui uma grande expressividade conseguida através dos recursos de luz e sombra e da textura (uso da borracha para texturizar as zonas escuras). Na relação figura-fundo, diferenciou a área próxima da figura com a aplicação da aguada de café. Fig. 72 - Metamorfose #2 (maio/junho) Na segunda parte da proposta, o aluno conseguiu responder ao pedido de combinar na mesma figura pormenores do inseto e da pessoa numa síntese das duas estruturas visuais. Optou pela figura de perfil com destaque para as asas, elemento a que deu mais ênfase na transformação (semelhante à terceira obra de Graça Morais visualizada). A figura é proporcionada e possui pormenores metamorfoseados (cabeça, pernas, asas). O David demonstrou compreender os objetivos da proposta e atingiu o nível de abstração necessário para integrar duas representações que só podem surgir combinadas através do exercício da imaginação. Nota: O David manteve sempre a motivação nas propostas da área de EEP. Evoluiu quer ao nível instrumental do domínio dos instrumentos e técnicas experimentadas, quer ao nível da expressão, criatividade e cognição visual, resolvendo problemas na representação gráfica. A descoberta das potencialidades nesta área contribuíram para uma atitude confiante e colaborante com os colegas do grupo. • Análise do estádio de conceção visual da Ester Fig. 73 - “As minhas férias” (outubro) Nesta proposta a Ester representar um episódio das férias, de acordo com o pedido. A inter-relação espacial mostra a organização das diversas imagens no espaço pictórico,através da indicação de diferentes planos, o primeiro plano para a figura humana, o segundo para a casa e um terceiro para situar o avião. A figura humana está apoiada na linha de base coincidente com a margem do papel, e a casa numa linha de base horizontal paralela. Na relação figura-fundo, a aluna descontinuou a pintura do fundo relvado para destacar a figura humana isolando-a numa área vazia, modo que encontrou para resolver o problema visual da transição dos planos, optando pela não sobreposição. A zona destinada ao céu prolonga-se em direção à linha do horizonte o suficiente para destacar a figura do avião na totalidade, bem como o sol. A relação entre as figuras e o fundo, a forma, tamanho, cor, localização e orientação de cada imagem foram ponderadas no seu contributo para o todo global. Fig. 74 – “A Floresta Mágica” (janeiro) Nesta proposta a aluna optou por criar uma área para a base do desenho, elevando a linha onde estão apoiadas as figuras (árvore, tigre e flores), sugerindo a ideia de perspetiva da em que o primeiro plano pertence à densidade da vegetação, que ora destaca figuras ora se sobrepõe a elas.tem em simultâneo valor de figura e de fundo. No caso da árvore é visível uma linha do contorno da vegetação que surge na transparência do tronco (por colorir) e a enfatiza como figura que se perceciona mais próxima do observador, assim como o tigre. Este evidencia noção de volume do corpo, com recurso à definição de formas fragmentadas combinadas apenas com separação visível das linhas da cabeça. O tronco, pernas e cauda apresentam uma linha de contorno integral. A figura está desenhada com os pormenores diferenciadores quer através da configuração das formas quer através do uso da cor. A figura da árvore situa-se num estádio de transição entre a conceção geral e aspetos diferenciadores como a configuração dos ramos que apresentam direção variável das linhas. Todos os elementos estão organizados segundo uma direção unificada e segundo o mesmo ponto de vista. Fig.75 – “A Minha Família” (janeiro) Nesta proposta a aluna organizou o desenho de modo a apoiar todos os elementos numa linha horizontal paralela à margem da folha elevando a área destanada ao chão da sala. A conceção visual é clara e permitiu a combinação de vários elementos muito pormenorizados e de grande expressividade. A aluna recorre à sobreposição de figuras (pessoas sentadas no sofá), ainda só contornadas e sem sombra. Aqui são visíveis os passos na elaboração destas figuras pelo que se reconhecem à trnasparência os traços das formas desenhadas antes. As figuras evidenciam aquisição da variabilidade da linha, onde a aluna explora novos ângulos na relação dos braços com o tronco, na roupa e no desenho do tapete. A figura que está sentada na cadeira apresenta o desenha das pernas de perfil (de acordo com a posição da cadeira) mas o tronco e a cabeça de frente, não estando ainda segundo uma direção unificada. Quanto à representação da perceção da estrutura da mesa, surge como figura plana desenhada sem recurso a linhas diagonais. Na tentativa de representar perspetiva a Ester combina diferentes pontos de vista e, progressivamente mostra transição para uma unificação da direção. Fig. 76 - A Árvore (janeiro) Na estrutura da árvore desenhada, a aluna procura nas direções dos ramos o princípio unificador da forma orgânica, realizando experiências onde as linhas mantêm uma configuração paralela e os ângulos são semelhantes entre si.Tentou conferir volumetria (como no tronco principal) mas prosseguiu de modo diferente, usando o efeito do esfuminho na grafite macia para marcar as linhas, a partir das quais surgem folhas, que preenchem o espaço dentro da linha de contorno da copa. Esta linha auxilia a clarificar a conceção de árvore, que não ficou totalmente clara apenas com o desenho dos ramos e folhas. O fundo é diferenciado com mais folhas em direções diferentes e transmitem a sensação visual de movimento, assim como os sinais gráficos escolhidos para representar o vento. Fig. 77 – “Eu e o meu melhor amigo/a” (março) Nesta proposta são evidenciados níveis de diferenciação muito pormenorizados da figura humana. Ainda que todas as figuras estejam na mesma posição frontal, ao nível da configuração dos braços, do cabelo e do desenho e pintura do vestuário existe variação em cada uma delas. A linha de base é comum e no fundo não foram incorporados elementos adicionais, provavelmente pela influência que a cor mais escura e a ligeira textura do suporte de papel tem na composição (a fundo branco do papel interfere na perceção das formas e das relações espaciais, sendo mais facilmente percecionado como vazio, e sugerindo a necessidade de preenchimento). Fig. 78 - Casa de Sonho (maio) A aluna esteve presente somente na segunda aula, pelo que não participou na primeira parte da atividade, ainda sem a visualização das “casas” de Hunderwasser. Aqui, depois de serem apresentadas e discutidas as pinturas do artista, a Ester optou por incorporar no desenho muitos elementos visuais associados aos exemplos das pinturas e arquitetura: o grafismo, a combinação de cores, associação com elementos como notas musicais e evocação das ilustrações de palácios dos contos de fadas. O fundo azul confere destaque à casa e prolonga-se até à linha de base, não existindo já uma separação na organização espacial entre a área correspondente ao céu e ao chão. Nota: a Ester foi uma aluna cuja assiduidade era bastante irregular, no entanto as evidências do progresso realizado num ano letivo devem-se à sua grande motivação, sensibilidade estética e capacidade de concentração durante a atividade artística. • Análise do estádio de conceção visual da Rita Fig.79 – “A Manta- autorretrato” (janeiro) Nesta proposta a Rita demosntrou níveis de concentração mais altos do que nas três propostas anteriores, o que constitui um fator importante, face ao seu comportamente frequentemente disruptivo durante as aulas. O modo como organizou a composição a partir de uma matriz simples (posicionamento da foto de rosto e delimitação do espaço para a colagem) revela imaginação e permanência na atividade, pois possui muitos pormenores para além da smples justaposição de formas e recortes.A aluna preencheu todo o espaço disponível e construiu novas figuras a partir da sobreposição de elementos geométricos, conferindo grande efeito decorativo produto finalizado. Fig. 80 – “A Minha Família” (janeiro) Nesta proposta a aluna representou, de acordo com o pedido, um momento familiar em casa. As figuras estão legendadas e não seguem uma direção uniformizada na organização espacial, sem sobreposições. O pai escontra-se de acordo com a direção da janela e as restantes figuras seguem a orientação vertical relativamente à linha de base implícita que apoia as outras estruturas visuais (mesa, tv,sofá). Existe uma dificuldade em conciliar o mesmo ponto de vista (cadeira-mesa) sem paralelismo nas 4 pernas da mesa, mas a procura da tridimensionalidade no sofá conseguiu concretizar-se através do recurso às linhas diagonais (ângulos iguais e opostos). A configuração das figuras é muito semelhante, encontra-se no estádio da relação horizontal-vertical da linha. A configuração dos elementos do rosto é comum às quatro pessoas. Fig. 81 – “Eu e o meu melhor amigo/a” (março) A aluna representa a figura do cão no estádio caracterizado pela combinação H-V da linha, e evidencia noção de volume do corpo ainda com recurso à definição de formas fragmentadas combinadas (retangulares e parcialmente ovais). É dada volumetria a cada segmento do conjunto, com separação visível das linhas das orelhas, tronco, pernas e cauda. Figs. 82 e 83 - “Percursos” #1 e #2 (abril/ maio) A Rita realizou dois desenhos, partindo de um primeiro no qual selecionou o ponto de chegada para a indicação do percurso pedido. Não quis concluir a primeira versão e iniciou um segundo desenho que incluiu mais elementos organizados segundo uma direção uniforme (não rodou a folha para completar o itinerário). Alguns elementos estão legendados. A conceção visual é clara e construção gráfica é muito sugestiva da sequência de arruamentos e rotundas da área circundante à escola, e a organização espacial apresenta analogias relativamente à topografia do local. Fig. 84 - Metamorfose #1 (junho) A Rita escolheu o gafanhoto para o desenho de observação respondendo ao pedido para desenhar “o que vê” (e não a partir da memória). Escolheu também o ângulo de visão e percebeu a instrução de o manter até ter concluído o desenho. Apesar de alguns problemas na porporção, a forma desenhada mostra uma consciência integral da forma e da interrelação entre as partes - a perceção Gestalt do todo e da leitura visual da forma, a qual surgere muitas características do inseto observado. A solução para destacar a figura do fundo foi através da pintura da área de contorno. Fig. 85 - Metamorfose #2 (junho) Após a apresentação da série Metamorfoses de Graça Morais, a aluna iniciou a atividade tentando incorporar o real e o imaginário numa figura humana de acordo com o conceito trabalhado. Nesta configuração apresenta um elemento comum às figuras de pessoas que a aluna havia desenhado antes (calças), sendo que todos os outros elementos viuais são transformados e interpretados segundo os objetivos da proposta. A variabilidade de direção das linhas confere movimento e expressividade, assim como o grafismo pormenorizado no braço e cabeça. Nota: A Rita demosntrou uma crescente permanência na atividade artística (mais tempo na realização), com repercursões na perceção e análise das imagens, foco progressivo da atenção na representação de pormenores. Estes fatores contribuiram para a maior motivação, melhoria do comportamento e para o desenvolvimento da consciência da forma artística e mais segurança face ao seu trabalho no grupo. 8.4. Discussão dos resultados relativos ao plano de investigação principal Neste ponto são articulados e confrontados os elementos recolhidos no plano investigação principal num debate que remete aos objetivos traçados e à hipótese e questões colocadas na introdução desta tese. A escolha de um dos focos da intervenção procurou estratégias pedagógicas direcionadas ao trabalho colaborativo, conciliando os diferentes estádios de desenvolvimento artístico e perfis heterogéneos no domínio cognitivo e motor dos cinco alunos. Nesse sentido, e no seguimento da análise dos elementos recolhidos (os portfólios dos alunos e informação do diário de bordo), constatamos que são indicados diferentes estádios de conceção visual, destacando-se o caso do Tomás situado no nível de conceção visual mais distante em relação aos colegas do grupo. Os comprometimentos ao nível cognitivo e da psicomotricidade deste aluno permitiram evoluções muito ténues ao longo da atividade artística desenvolvida, que ainda assim são reveladas num percurso para o desenho de formas mais complexas e de maior intencionalidade motora na representação gráfica. Neste aluno, acrescem dificuldades ligadas à capacidade de atenção e concentração, as quais frequentemente obstaram à conclusão das propostas no intervalo de tempo destinado à sequenciação das unidades temáticas, pelo que a metodologia que incidia na reformulação dos produtos finalizados raramente reuniu condições para ser aplicada a este elemento do grupo. No que concerne a este aluno, também o fator da desmotivação dificultou a participação plena nas propostas apresentadas. A perceção de Si no seio do grupo foi bastante marcada por experiências de desvalorização verbalizadas pelos próprios colegas, diminuindo a sua participação e a motivação para as atividades, principalmente pela presença do “olhar reprovador”, o qual só decorridos alguns meses se conseguiu minorar, para se fazer sentir o incentivo e o reforço positivo fornecido pela professora. Uma das inferências que julgamos pertinente na reformulação da ação pedagógica recai sobre as oportunidades criadas para o trabalho colaborativo (em pares), durante as quais as dificuldades na concreção gráfico-plástica deste aluno eram claramente evidenciadas e logo geradoras de mais conflitos com alguns colegas (embora menos com outros) pelo que, perante a observação de situações de passividade e isolamento junto de colegas em estádios diferentes de evolução gráfica, se optou pela formação de pares de alunos situados num estádio de desenvolvimento próximo, nomeadamente a Anabela (em ambos o estádio de CV é definido pela relação horizontal-vertical plena da forma, com aspetos indicadores da transição para o estádio da direção variável da linha). Consideramos que a ponderação prévia deste aspeto - nível equiparado de conceção visual - conduz a dinâmicas mais empáticas e equilibradas no trabalho de pares, pelo que a docente poderia ter intercedido mais precocemente na escolha dos alunos e formação dos pares sendo que assim, teria sido possível alcançar níveis mais autónomos de realização, por comparação à situação de trabalho em conjunto realizado com pares mais competentes e em estádios mais avançados. Relativamente à participação do aluno que neste estudo surge identificado como David, pudemos constatar que as dificuldades ao nível psicomotor traduzidas num ritmo lento de execução devidas à lesão estrutural do sistema nervoso central, não revelaram implicações significativas na concreção da conceção visual, como confirmamos pela análise dos produtos finalizados que constam do seu portfólio. As estruturas visuais que desenha possuem os níveis de complexificação da forma mais avançados do grupo, sendo a evolução a longo do ano patente na sequência dos trabalhos realizados. Devido ao ritmo de trabalho diferenciado, o David preferiu realizar as tarefas a um nível mais individual, alcançando com facilidade os níveis de concentração necessários a um desenvolvimento gráfico pormenorizado e reformulação das propostas. Num estádio similar de conceção visual ao do David situa-se a aluna identificada como Ester. Esta aluna mantinha-se interessada mas muito silenciosa durante os momentos iniciais da aula, principalmente quando o ambiente ainda estava mais agitado. No decorrer do ano a aluna começou a verbalizar e comunicar espontaneamente, participando mais no diálogo quando este se originava a partir de uma obra de arte. Como exemplo desta evolução surge a conversa durante uma aula no momento em que eram discutidas as perceções individuais sobre o tríptico de F.Bacon. A Ester respondeu ao seguinte comentário da docente: «-Crescer é muito complicado, e às vezes faz falta desabafar com alguém os nossos problemas», com a expressão: «Sim, por exemplo eu, a minha mãe tem uma amiga, ali na loja…, e essa amiga sabe que eu …sofro dos nervos, e às vezes eu vou lá, sento-me na cadeira e ela ouve-me, eu acho que me sinto melhor» (entrada de 28 novembro, p.67). A Ester foi mostrando uma progressiva confiança e autoestima, pois cada trabalho que finalizava era valorizado perante o grupo, e a aluna era encorajada a centrar-se nas suas potencialidades. Apesar desta confiança, a aluna revelou sempre maior inclinação para a realização individual das atividades. Outra das alunas, a Anabela, que devido às suas dificuldades acentuadas na área da cognição, da motricidade fina, da coordenação óculo – manual e da linguagem, era frequentemente corrigida pela colega Rita, manifestou algumas conquistas para a sua expressão individual, ultrapassando por vezes os níveis de inibição habituais. No diário de bordo podem encontrar-se momentos de participação verbal da aluna, quer acerca de motivos de frustração, quer na expressão de gostos e desejos (entrada de 4 dezembro, p.69). Perante a pergunta da docente: « - E tu Anabela, que queres aprender nesta aula? (ela não diz nada) e o David responde por ela: - A não ser envergonhada! (risos), e finalmente diz: - Desenhar. - Muito bem, desenhar o quê?perguntei. - Aves, flores,corações, sol… tudo serve! diz a Anabela. - Ai sim, e com o que desenhas? - Marcadores,carvão,lápis de cor, de cera, borracha… A Rita diz alto: - o quê? Borracha!? Achas que é possível desenhar com a borracha, dahhh… (acompanha com um gesto). - Pois, (disse eu) numa aula eu ensino a desenhar com a borracha, coisa que só aprendi com 19 anos. Vocês vão aprender com…13, 14 anos. Vêem, são uns sortudos!». Efetivamente a promessa de “desenhar com a borracha” foi cumprida na unidade temática “A árvore”, na tentativa de não desiludir as expectativas criadas no grupo. Em relação à aluna Anabela, o processo de IA permitiu a reflexão sobre se os níveis de diretividade da docente seriam demasiado evidentes, comprometendo a sua capacidade intrínseca de expressão e a concreção da conceção visual inalterada. Os dados coletados no diário de bordo indiciam que, tanto para o Tomás como para a Anabela, as instruções eram mais diretas e os comandos usados pela docente eram mais relacionados com tarefas concretas (técnicas) e menos com sugestões para explorar a imaginação e a fantasia. De referir que surge com frequência assinalado no diário de bordo o recurso à música como fator de harmonização: «o grupo só acalma quando ouve música e se concentra a fundo no trabalho, às vezes após uma hora de aula» (entrada de 23 outubro, p.76). Observamos que inicialmente a música era selecionada e introduzida pela docente e posteriormente eram os alunos que a solicitavam, pelo que pensamos que deverá ser destacada enquanto estratégia promotora de bem-estar e até de favorecimento da concentração na atividade. Relativamente às potencialidades inerentes à heterogeneidade do grupo, pensamos que a metodologia e as estratégias usadas confirmam o que Teresa Eça (2008) defende como o potencial da pedagogia das artes no desenvolvimento de «habilidades de comunicação e de relacionamento intrapessoal e interpessoal, compreensão dos seus sentimentos e dos sentimentos dos outros». Apesar da diferença entre os estádios de desenvolvimento e dos perfis de funcionalidade, foi visível a progressiva motivação e concentração nas atividades num ambiente mais tolerante e flexível perante as diferenças e capacidades de cada um. Constatamos que a gestão de comportamentos conflituantes revelou ser eficaz quando se percecionou que a frequência dos comentários agressivos esmoreciam (principalmente da aluna Rita) – conclusão retirada da interpretação dos registos do diário de bordo – conquistando-se o espaço para a valorização da expressão individual e para a concreção da imaginação. No cômputo geral, quando era alcançado um ambiente estável e securizante na aula, a motivação surgia naturalmente aquando da escolha dos temas para as atividades e a transição para o trabalho prático. Os alunos demonstravam curiosidade e satisfação perante as possibilidades de experimentação de materiais e técnicas, e a consciência da forma artística evoluiu de modo a possibilitar, a partir do segundo período, mais oportunidades de trabalho colaborativo. CAPITULO 7 – Considerações finais, limitações e linhas de investigação futura «Investigar no campo disciplinar da educação artística significa reconhecer as linhas que dividem a luz da sombra para oferecerem a evidência do real. Operar nas liberdades e nas interdições configuradas por essas linhas é colocar em suspensão a existência das coisas, assim como estas são, que é o mesmo que falar na indisciplina possível dentro de um campo disciplinar»64 Na sequência do trabalho de análise e interpretação dos dados apresentado no capítulo anterior, relativo aos planos de investigação implementados, sintetizar-se-ão as principais considerações visando responder à hipótese construída e às questões de investigação inicialmente formuladas nesta tese e confrontadas com os resultados da pesquisa empreendida. Temos vindo a registar ao longo do texto que o referencial teórico que está na base do presente estudo se revelou de extrema importância enquanto ponto de partida para a planificação da intervenção de um modo coeso e simultaneamente flexível, dadas as características heterogéneas dos sujeitos da investigação. Assim, através da proposta de leitura que construímos para as obras de Henry Schaefer-Simmern (ainda sem tradução para a língua portuguesa) e do contributo de Uncovering the History of Children's Drawing and Art (2004) de D. Kelly, estruturamos a nossa abordagem no território comum entre os pressupostos da expressão e cognição visual, Fonte: artigo de Catarina S. Martins e Catarina Almeida. Há opção? Que sentido para a investigação senão como prática política? Arte, educação e cultura: Contribuições da periferia. COLBAA, Jaén, 2012. Disponível em «http://www.educacionartistica.es/aportaciones/1_comunicaciones/politizacion/117_martins_almeida_artinvestigac_politica.pdf» [Consult:12/03/15]. 64 sustentados pelos pressupostos teóricos complementares do paradigma da Janela e do Espelho. Neste encontro entre arte, educação e pedagogia, consideramos os estudos de caso apresentados em The Unfolding of Artistic Activity, uma base de partida na fundamentação da intervenção, situando-a na abordagem estruturalista/construtivista do desenvolvimento gráfico/pictórico. O conceito de “unfold” associado a outros conceitos como consciência da forma artística e cognição visual congregam aspetos didático-pedagógicos importantes no estímulo da atividade artística de crianças e jovens e consequentemente na promoção do seu desenvolvimento integral. Do cruzamento das obras supracitadas com referenciais teóricos ligados mais recentemente à Escola Inclusiva, à construção de currículos funcionais e ao lugar da Educação Artística na escola atual, orientámos esta pesquisa para tópicos dedicados à importância da valorização do produto finalizado da atividade artística a par da valorização do processo criativo, para a motivação e capacitação dos alunos da sua ação transformadora do ambiente. Associada a esta questão de partida surgiu, necessariamente, a procura de fatores relacionados com o desenvolvimento de habilidades capazes de ampliar a satisfação e a produtividade através da atividade artística. Na consecução desse objetivo criaram-se oportunidades curriculares na área de Educação e Expressão Plástica concebidas segundo os diferentes interesses, potencialidades e capacidades dos alunos do grupo, não havendo por isso lugar a generalizações a partir dos resultados obtidos. As unidades temáticas foram planificadas de modo simples e flexível permitindo a realização das adaptações exigidas, as quais se desenvolveram em torno de temas centrais significativos por vezes sugeridos pelos próprios alunos, que se constituíram também elementos co-responsáveis pelas escolhas ao longo do ano. Sobre esta questão cabe-nos igualmente refletir sobre as opções estético-pedagógicas que estão na base da planificação das unidades temáticas. Consideramos que, inicialmente estas tinham uma maior preocupação pelo efeito decorativo que as explorações plásticas produziam (como são disso exemplo as unidades intituladas “Escola Revisitada” e a “Manta”). Sentimos que os produtos finalizados careciam de maior diferenciação para permitir a cada aluno a apropriação do seu próprio trabalho, sentido como único e valorizado como tal, não apenas pelo seu efeito decorativo, uniformizado pelo conjunto, através da aplicação de uma matriz para a composição visual. Estas opções são justificadas numa fase inicial de trabalho com o grupo, na qual procuramos planificar atividades simples e acessíveis que desbloqueassem a expressividade plástica, e que resultassem em composições visuais apelativas. Foi uma forma de começar o percurso descobrindo motivações e criando bases para o investimento em trabalhos mais diferenciados. Figs. 86 e 87 – trabalhos da Rita na unidade temática “Escola Re-visitada” (outubro) Ao refletirmos sobre o aspeto decorativo do produto finalizado, a nosso ver considerado secundário, optamos por passar a planificar atividades mais focadas na expressão da conceção visual individual, associadas à possibilidade de experimentar as qualidades expressivas dos diversos materiais e técnicas, de forma igualmente acessível, na concretização dos trabalhos. Na sequência desta opção, verificámos que a atitude responsiva da doutoranda foi sendo amplificada perante os níveis cada vez mais diferenciados da atividade artística dos alunos, conduzindo a uma valorização mais genuína do produto finalizado, do reforço positivo e capacitação acerca da sua ação transformadora do ambiente. Paradoxalmente, de modo geral, a Escola parece reconhecer apenas os produtos da Educação Artística: exposições de pintura, apresentações de teatro, dança e concertos ou audições. Pensamos que a vivência do produto artístico concebido para a exibição se encontra muito distanciada da finalidade e metodologia por nós desenvolvida, a qual tentou contrariar o caráter hermético do resultado final, subjacente a iniciativas como as dos concursos entre alunos para premiar “o melhor desenho”. Pretendemos que perante os resultados, possamos continuar a transformar os processos. Consideramos que ao fomentar a competição retiramos espaço para acolher a diversidade e ensinar valores sociais e de cidadania, fundamentais na concretização do paradigma da Escola Inclusiva. Esta reflexão urge na área investigativa comum entre a Educação Artística e a Educação Especial em Portugal, a qual evidencia sobretudo a dificuldade de entendimentos entre a comunidade educativa sobre como incluir e ensinar a todos. Apesar disso a sociedade portuguesa tem evoluído no sentido de uma representação da inclusão baseada no direito à diferença, onde a presença das artes visuais é considerada uma opção consensual entre docentes, não só como uma oportunidade de estimular as interações entre os pares, mas também considerada segundo a perspetiva da “área forte”, e na qual o nível de motivação dos alunos permite trabalhar em simultaneo competências específicas nos planos cognitivo, motor, social e emocional. Do ponto de vista da lecionação, consideramos que o desafio para os professores das disciplinas de Educação Visual e de Educação Tecnológica é constante, na procura das estratégias mais eficazes que permitam a todos os alunos aceder às propostas da turma. Estes professores veêm-se confrontados com falta de recursos materiais e de recursos humanos, para além da falta de orientação e formação pedagógica contínua sobre as adequações e adaptações necessárias à sua disciplina, de forma a poder estruturar o currículo contemplando os diferentes perfis de aprendizagem. Aprendendo com as especificidades do grupo face aos modos de sentir, pensar e agir de cada um, a doutoranda procurou estabelecer um canal de comunicação eficaz no decurso da intervenção, que permitisse um feedback sobre a margem para inovar estratégias e progressivamente testar as evoluções esperadas ao nível da cognição artística. O desafio de conceber uma investigação-ação na Educação Artística em contexto escolar, assentou na perspetiva otimista de que os alunos participantes com necessidades educativas específicas possam vir a extrapolar os beneficios das suas experimentações artísticas para os seus contextos familiares, com impacto junto das comunidades onde vivem, para num futuro próximo, encontrarem um modo mais gratificante de participação e envolvimento. Outras das questões orientadoras da IA indaga sobre o sobre que o lugar ocupa a Educação Artística nas artes visuais na construção de um currículo funcional, sabendo que este visa o desenvolvimento de competências universais nos alunos com restrições significativas na atividade e participação, determinantes na sua transição para a vida ativa pós-escolar. Consideramos que, ao inscrever-se nas diretrizes metodológicas subjacentes a um currículo funcional, a área de Educação Artística prevê metodologias e estratégias psicopedagógicas facilitadoras da participação do aluno em todas as etapas do seu desenvolvimento, no âmbito dos domínios afectivo, cognitivo e social. Deste modo, o ponto de referência é sempre o Aluno, com características específicas e determinantes na elaboração dos objetivos de aprendizagem. A intervenção documentada nesta tese procurou criar oportunidades de experimentação artística de modo coeso e sistemático, capazes de levar os alunos a explorar, conhecer, criar e resolver problemas relacionados com propostas planificadas de forma flexível e dirigidas aos seus pontos fortes. A partir da interpretação dos dados recolhidos ao longo de um ano letivo, ficou demonstrado que a doutoranda procurou, na sequência das várias unidades temáticas, que fossem atendidas as necessidades específicas de cada aluno, bem como contempladas as potencialidades que “desabrochavam”. Pensamos que se confirma um posicionamento da doutoranda menos focado no défice e na vertente da reabilitação, e mais holisticamente focado na vivência artística e na participação em projetos abrangentes das diferentes capacidades. Consideramos que a intervenção foi desenvolvida segundo a perspetiva ecológica do desenvolvimento, a qual visa a aquisição de habilidades/capacidades capazes de aumentar os níveis de autonomia e participação nos diversos ambientes da vida, desde o contexto académico, ao contexto familiar, social, de lazer e recreação, confirmando que através do desenvolvimento da cognição visual e artística contribuímos para o estímulo do pensamento criativo ampliando os recursos para a resolução de problemas, a par da promoção da diversidade de referências para construção do "gosto pessoal" e de possibilidades de fruição e conhecimento do património artístico transcultural, num contexto privilegiado de liberdade e promoção da imaginação criadora. A intervenção ajusta-se por isso, ao caráter funcional de um currículo específico individual por enfatizar a atividade artística como meio de conhecimento de uma linguagem transversal e presente na produção cultural da humanidade, a qual reflete e expande através da arte as perceções e conceções que as sociedades constroem a respeito de si próprias. Nesse sentido, ao fornecer ferramentas para o conhecimento, para a compreensão e descodificação de alguns aspetos da comunicação visual, a presença da Educação Artística num currículo funcional, forma e capacita os indivíduos para realizarem a sua “leitura do mundo” e assim poderem desenvolver sentimentos de pertença à comunidade, potenciando mais e melhor participação e inclusão. Acreditamos que, após discorridas as considerações finais no seguimento das indagações acima enunciadas, foram trilhados os argumentos conducentes à resposta para a questão central, levantada a partir da hipótese do nosso estudo sobre de que modo a área artística nas artes visuais, integrada num currículo funcional (CEI) de alunos com restrições no envolvimento escolar, participação/inclusão. potencia os processos conducentes à sua melhor Em síntese, reconhecemos o impacto positivo da metodologia de EA escolhida na capacitação dos alunos acerca do seu poder transformador, através da promoção de sentimentos e eficácia e competência mediados pelos produtos finalizados da atividade artística. Podemos assim afirmar que existe uma relação direta entre a intervenção desenvolvida no âmbito desta tese de doutoramento e a promoção de vetores de inclusão escolar. Contudo, ao estabelecer a discussão sobre os tópicos mencionados, somos conscientes de ter deixado por aprofundar aspetos importantes no plano da Psicologia do Desenvolvimento, aspetos esses transversais a esta investigação quer na análise e interpretação das produções gráficas, compreensão dos fenómenos relacionais entre os alunos e das variáveis que os influenciam, problemas ligados à falta de motivação, etc. Poder-se-iam também ter expandido e analisado mais os conceitos focados neste estudo no campo da Psicologia da Arte, no sentido da compreensão dos processos psicológicos envolvidos na criação, na fruição e na prática artística, dos fins terapêuticos da arte, assim como dos aspetos mais diretamente ligados à literacia e pensamento visual. Por fim, ao reconhecermos a importância do conhecimento e compreensão do património artístico no desenvolvimento cultural dos alunos e assim contribuir para a sua melhor participação social e inclusão nas comunidades, carecemos também aqui, de aprofundamento no campo da História da Arte, a qual em comum com a Educação Cultural abre novas perspetivas sobre como “pensar as artes visuais” enquanto meio de questionamento sobre as pressões e lutas da contemporaneidade, como a justiça, a equidade e diversidade cultural. Gostaríamos de ter sustentado as nossas inferências a partir desses campos de conhecimento interdisciplinares, mas a tarefa de cruzar sistematicamente a informação com essas referências teóricas tão abrangentes cedo se revelaria difícil de cumprir em tempo útil, comprometendo a conclusão desta tese. O que pensamos ter conseguido fazer foi basear a discussão dos elementos recolhidos segundo a perspeciva de uma pedagogia da Educação Artística refletiva e crítica, recorrendo à informação detalhada que organizamos através do estudo de caso, e da integração da intervenção das metodologias que se revelaram mais eficazes que cumprem com os objetivos traçados em três eixos principais: a compreensão (saber ver), a análise crítica (saber interpretar) e a produção (saber fazer) (Eça, 2008). A necessidade de reformular práticas foi constante e por isso reconhecemos que também a motivação e a criatividade da doutoranda foram decisivas na tentativa de situar a abordagem segundo interesses e temáticas significativas, na adequação aos diferentes níveis de autonomia, e no estimular de uma familiaridade crescente com a atividade artística, através do gosto e prazer na descoberta, tanto de obras de artistas como da própria experimentação e expressão da imaginação. Apesar da evolução significativa que testemunhamos, as incertezas e inseguranças enquanto docente não desapareceram mas somos agora, mais conscientes dos limites impostos à participação e inclusão dos alunos com necessidades educativas especificas: algumas dessas limitações são impostas pelo ambiente e contexto escolar e social (e incapacitantes), outras são impostas pelas próprias limitações nos domínios cognitivo, emocional, motor ou sensorial, e utras ainda são auto-impostas e provêm da aceitação do estatuto de especiais que lhes é conferido. Ainda assim, sabendo que as opções tomadas seriam continuamente reformuladas se a intervenção se prolongasse no tempo e, que este nunca seria suficiente para concluir uma investigação desta natureza, gostaríamos de ter integrado na metodologia aspetos como a organização sistematizada dos portfólios de cada aluno contendo notas individuais mais detalhadas sobre o trabalho realizado, bem como a apresentação regular de exemplos históricos da produção artística análogos a cada estádio de conceção visual. Certamente que os dados coletados seriam de valiosa importância na elaboração de novas considerações, e iriam seguramente expandir o entendimento das razões subjacentes a determinados resultados. Conscientes das limitações e dos aspetos a melhorar, identificamos no ponto seguinte, linhas possíveis de investigação futura. 9.1. Linhas de investigação futura Identificou-se, junto aos professores inquiridos no plano de investigação diagnóstico, a grande importância atribuída à anterior presença do par pedagógico, principalmente nas turmas onde existem alunos com dificuldades acentuadas na participação, como sucede com aqueles abrangidos pela medida da Educação Especial – currículo específico individual (CEI). No entanto, apesar da ausência da parceria pedagógica desde 2012, a premissa que estabelece a frequência de disciplinas de EV e ET a partir do 2º ciclo não deve ser questionada, pelo que o debate deverá incidir sobre quais as soluções que vão colmatar essa inexistência, com efeitos detrimentais diretos na quantidade e qualidade do apoio prestado aos alunos com necessidades educativas específicas em situação de aula. Na base desta premissa está a perspetiva do ganho qualitativo para todos os alunos que convivem e participam em contextos heterogéneos de aprendizagem, aprendendo sobre a diferença e ampliando o “olhar” sobre si e sobre o outro. Pensamos que a partir de aspetos da investigação iniciados nesta tese são indicados planos de pesquisa futura como o da necessidade emergente da criação de uma categoria profissional específica para coadjuvar os professores titulares das disciplinas os quais, não sendo docentes obrigatoriamente da Educação Especial ou de EV/ET, terão de possuir níveis de formação artística e pedagógica consentâneos com a função que desempenham. Do mesmo modo, ao nível do 1º ciclo deverão ser repensadas as respostas educativas dadas a alunos com CEI, na área da Expressão Plástica, permitindo a coadjuvação do professor titular de turma por um profissional qualificado (porque não por alguns dos inúmeros professores que ficaram com horário zero após a restruturação curricular da disciplina de EVT?). A investigação no campo dos apoios educativos nas “art classes” decorre em vários países, com destaque para os estudos referidos ao longo da nossa tese, como os de M.Giangreco (2005), Corrie Burdick e Julie Causton-theoharis (2012), com o título Creating Effective Paraprofessional Support in the Inclusive Art Classroom. Propomos que, nesta possível linha de investigação futura, se estude a pertinência de criar uma valência nas equipas multidisciplinares nos agrupamentos de escolas, capaz de definir quais as necessidades de adaptações, equipamentos e tecnologias de apoio imprescindíveis para alunos com restrições de participação na atividade artística, facultando aos restantes professores os meios para que possam ser minimizadas as dificuldades instrumentais inerentes às problemáticas dos alunos a quem lecionam. Outra das linhas de investigação, complementar à anterior, é aquela dirigida à formação de professores, por acreditarmos que a formação inicial de professores deve incluir obrigatoriamente nos currículos oficiais, disciplinas que discutam aspetos científicos, educativos e sociais no âmbito da deficiência/incapacidade, assegurando a hipótese de os futuros professores de artes visuais terem nos seus estágios o contacto com alunos com necessidades educativas específicas, a par de orientação efetiva sobre as opções e estratégias psico-pedagógicas mais adequadas às diversas limitações no domínio cognitivo, motor e sensorial. BIBLIOGRAFIA Abrahamson, R.E. (1980). Henry Schaefer-Simmern: His life and works.Studies in Art Education; 33(8), 12-16. Abrahamson, R.E. (1980). The teaching approach of Henry Schaefer-Simmern. Studies in Art Education; 22 (1), 42-50. Abrahamson, R.E. (1985). 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