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i Universidade Federal do Rio de Janeiro Escola de Belas Artes Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais A PINTURA DA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES NA 1a REPÚBLICA (1890-1930): DA FORMAÇÃO DO ARTISTA AOS SEUS MODOS ESTILÍSTICOS Arthur Gomes Valle Escola de Belas Artes / Universidade Federal do Rio de Janeiro Doutorado em História e Crítica da Arte Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais Orientadora: Profa. Dra. Angela Ancora da Luz Rio de Janeiro Março de 2007 VERSÃO NÃO REVISADA ii Folha de Aprovação A pintura da Escola Nacional de Belas Artes na 1a República (1890-1930): Da formação do artistas aos seus Modos estilísticos. Arthur Gomes Valle Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito formal para a obtenção do título de Doutor. BANCA EXAMINADORA ____________________________________________ (Orientadora) Profa. Dra. Angela Ancora da Luz ____________________________________________ Profa. Dra. Ana Maria Tavares Cavalcanti ____________________________________________ Prof. Dr. Luciano Migliaccio ____________________________________________ Prof. Dr. Roberto Luis Torres Conduru ____________________________________________ Profa. Dra. Sônia Gomes Pereira Rio de Janeiro Março de 2007 VERSÃO NÃO REVISADA iii VALLE, Arthur Gomes A pintura da Escola Nacional de Belas Artes na 1a República (1890-1930): Da formação do artista aos seus Modos estilísticos / Arthur Gomes Valle. Rio de Janeiro: UFRJ/EBA/PPGAV, 2007. [versão não revisada] xxv, 446 f., II vol.: il. Tese (Doutorado em História e Crítica da Arte) Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, PPGAV, 2007. 1. Pintura fluminense (1890-1930). 2. Escola Nacional de Belas Artes. 3. Ensino artístico. 4. Ecletismo. 5. Estilo. 6. Modos. Orientadora: Profa. Dra. Angela Ancora da Luz. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro II. Título VERSÃO NÃO REVISADA v Resumo O presente trabalho trata da produção pictórica dos artistas oriundos da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) do Rio de Janeiro no período da chamada 1a República ou República Velha (1890-1930). Nele, abordamos a maneira como se dava a formação desses artistas através da apresentação do curriculum do curso de pintura da ENBA, da transcrição de planos de ensino de suas disciplinas e, principalmente, da discussão dos pressupostos que orientavam a prática nele verificada. Procuramos igualmente traçar um painel do sistema de pensionato artístico mantido na Europa pela ENBA, encarado como o complemento lógico da formação dos pintores iniciada no Brasil, a partir da transcrição de pareceres de julgamento relativos aos Prêmios de Viagem e de uma discussão a respeito das relações dos brasileiros com o campo artístico das principais cidades européias por eles freqüentadas no período (Munique, Roma e Paris). Por fim, expomos a sistemática subjacente à grande variedade estilística que se pode observar na produção pictórica dos artistas fluminenses da 1a República, que decorria diretamente da diversidade dos temas e/ou funções desempenhadas por seus quadros. VERSÃO NÃO REVISADA viii LISTA DE ILUSTRAÇÕES CAPITULO 2 Figura 2.1a. MARQUES JÚNIOR: Busto feminino (cópia de escultura), 1906. Carvão sobre papel, 63 x 48 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.1b. MARQUES JÚNIOR: Nu masculino (cópia de escultura), s/d. Carvão sobre papel, 62 x 48,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.2a. FRANCISCO BAYARDO: Desenho do “antigo”, 1920. Fonte: A memoria de Francisco Bayardo. Rio de Janeiro, 1927, s/p. Figura 2.2b. FRANCISCO BAYARDO: Desenho do “antigo”, 1921. Fonte: A memoria de Francisco Bayardo. Rio de Janeiro, 1927, s/p. Figura 2.3. GEORGINA DE ALBUQUERQUE: Lançador de disco (cópia de escultura), 1948. Carvão sobre papel, 145 x 98 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.4. MARQUES JÚNIOR: Lançador de disco (cópia de escultura), 1948. Carvão sobre papel, 146 x 84,8 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.5. GEORGINA DE ALBUQUERQUE: Retrato da Condessa Uta de Ballenstedt (cópia de fotografia), 1942. Fonte: ALBUQUERQUE, Georgina de. O Desenho Como Base no Ensino das Artes Plásticas. Rio de Janeiro: ENBA, 1942, capa. Figura 2.6. MARQUES JÚNIOR: Santo Agostinho e Santa Mônica (cópia de Ary Scheffer), 1920. Óleo sobre tela, 147 x 115,2 cm Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.7. ELYSÊO VISCONTI: Retrato de homem (cópia de Veronese), 189?. Óleo sobre tela, 122 x 94 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.8. ELYSÊO VISCONTI: Figura feminina, 1897. Óleo sobre tela, 62 x 47 cm. Fonte: Bolsa de Arte. Rio de Janeiro, abril de 2004, ilust.30 (Catálogo de leilão). Figura 2.9. HENRIQUE CAVALLEIRO: Retrato de Paulus van Beresteyn (cópia de Franz Hals), 1920. Óleo sobre tela, 136,7 x 99,4 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.10. ALFREDO GALVÃO: La bohemiene (cópia de Franz Hals), 1930. Óleo sobre madeira, 55 x 45 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.11. ALFREDO GALVÃO: Natureza morta com cachimbo (cópia de J.-B. S. Chardin), 1930. Óleo sobre madeira, 30,5 x 38 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. VERSÃO NÃO REVISADA ix Figura 2.12. OSCAR PEREIRA DA SILVA: Cristo morto (cópia de P. Champaigne), c.1892. Óleo sobre tela, 26 x 74,7 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.13. OSCAR PEREIRA DA SILVA: A excomunhão de Roberto, o Piedoso (cópia de J.-P. Laurens), 1892. Óleo sobre tela, 79,5 x 115,0 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.14. ARNOLD BÖCKLIN: Im Spiel der Wellen, 1883. Óleo sobre madeira, 180,0 x 238,0 cm. Munich, Neue Pinakothek. Fonte: http://www.pinakothek.de/neuepinakothek/sammlung/rundgang/rundgang_raum.php?raum=saal%2016 Figura 2.15. ARMANDO MARTINS VIANNA: Nu (estudo), 1920. Aquarela sobre papel , 75 x 47 cm. Fonte: CARNEIRO, J. M. Armando Viana: Sua vida, sua obra. Rio de Janeiro: Cabicieri Editorial, 1988, p.56. Figura 2.16. CARLOS ALBERTO DE AGOSTINI: Nu masculino de pé, 1897. Encáustica sobre cartão, 85,5 x 66 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.17. AUTOR ANÔNIMO: Nu masculino de pé, 189-. Têmpera sobre cartão, 99,5 x 55,7 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.18. ARTHUR TIMÓTHEO DA COSTA: Nu masculino sentado, 1903. Óleo sobre cartão, 86,2 x 66,2 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.19. JOÃO TIMÓTHEO DA COSTA: Nu Feminino, 1914. Óleo sobre tela, 103 x 77 cm. Fonte: Leone Leilões de Arte. Rio de Janeiro, abril de 2002, n. 133 (Catálogo de leilão). Figura 2.20a. RODOLPHO AMOÊDO: Nu de costas, s/d. Óleo sobre tela, 115 x 88 cm. São Paulo, Coleção Simon Mendel Guss. Fonte: ALVES, A. M.; OLIVEIRA, A. M. O. O desejo na academia 1847-1916. São Paulo: PW, 1991, p.87 (Catálogo de exposição). Figura 2.20b. RODOLPHO AMOÊDO: Dorso de mulher, 1881. Óleo sobre tela, 92 x 65 cm. Fonte: ALVES, A. M.; OLIVEIRA, A. M. O. O desejo na academia 1847-1916. São Paulo: PW, 1991, p.85 (Catálogo de exposição). Figura 2.21. RODOLPHO AMOÊDO: Estudo de mulher, 1884. Óleo sobre tela, 150 x 200 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: LUSTOSA, H. A. (coord.). Acervo Museu nacional de Belas Artes – Collection Museum of Fine Arts. São Paulo: Banco Santos, 2002, pp74-75. Figura 2.22. CARLOS CHAMBELLAND: Nu, 1927. Óleo sobre tela. Recife, Museu do Estado de Pernambuco. Fonte: Em pesquisa. Figura 2.23. HENRI MATISSE: Nu deitado de costas, 1927. VERSÃO NÃO REVISADA x Óleo sobre tela, 66 x 92 cm. Fonte: GUADAGNINI, Walter. Matisse. Paris: Librarie Gründ, 1993, p.197. Figura 2.24. BELMIRO DE ALMEIDA: Nu masculino com cabeça de cavalo, 1916. Óleo sobre tela, 100 x 65 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.25. FIÚZA GUIMARÃES: Nu masculino com cabeça de cavalo, 1916. Óleo sobre tela, 96 x 82,3 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.26. QUIRINO CAMPOFIORITO: Nu masculino sentado, 1927. Óleo sobre tela, 94 x 66,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.27. QUIRINO CAMPOFIORITO: Nu masculino sentado, 1926. Óleo sobre tela, 96 x70 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.28 ALFREDO GALVÀO: Nu masculino sentado, 1926. Óleo sobre tela, 93,7 x 68. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto de Bira Soares. Figura 2.29. HELIOS SEELINGER: Estudo anatômico (braço), 1900. Crayon e sépia sobre papel, 15,2 x 48 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.30. MARQUES JÚNIOR: Estudo anatômico (tórax), 190?. Crayon e pastel sobre papel, 64 x 48 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.31a. FRANCISCO BAYARDO: Estudo anatômico e modelo vivo (cabeça e tórax), 1923. Carvão e sangüínea sobre papel, 48,5 x 64 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.31b. FRANCISCO BAYARDO: Estudo anatômico e modelo vivo (coxa), 1923. Carvão e sangüínea sobre papel, 48,5 x 64 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.31c. FRANCISCO BAYARDO: Estudo anatômico e modelo vivo (braço e costas), 1923. Carvão e sangüínea sobre papel, 49 x 63,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.31d. FRANCISCO BAYARDO: Estudo anatômico e modelo vivo (braço), 1923. Carvão e sangüínea sobre papel, 50 x 64 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.32a e 2.32b. Modifications des formes extérieures du tronc dans les mouvements du bras (plan antérieur). Fonte: RICHER, Paul. Anatomie artistique / description des formes extérieures du corps humain au repos et dans les principaux mouvements. Paris: E. Plon, Nourrit, 1890, pl.91 e pl.91bis. Figura 2.33 ELYSÊO VISCONTI: Lavadeira do Anadaraí, s/d. VERSÃO NÃO REVISADA xi Óleo sobre tela, 33 x 41 cm. Fonte: Bolsa de Arte. Rio de Janeiro, dezembro de 2003, ilust.75 (Catálogo de leilão). Figura 2.34a. LUCÍLIO DE ALBUQUERQUE: Primavera na França, 1906-1911. Óleo sobre madeira, 46 x 34,5 cm. Niterói, Coleção Museu do Ingá / MHAERJ Fonte: GRINBERG, P. E. (curadora). Lucílio de Albuquerque 1877-1939. Rio de Janeiro, setembro de 2006, p.60 (Catálogo de exposição). Figura 2.34b. LUCÍLIO DE ALBUQUERQUE: Paisagem, 1907. Óleo sobre madeira, 24 x 16 cm. Niterói, Coleção Museu do Ingá / MHAERJ Fonte: GRINBERG, P. E. (curadora). Lucílio de Albuquerque 1877-1939. Rio de Janeiro, setembro de 2006, p.60 (Catálogo de exposição). Figura 2.35. HENRIQUE CAVALLEIRO: Como se deve construir o arcabouço inicial de uma “academia”ou figura. Fonte: CAVALLEIRO, Henrique. Da Didática e da Técnica da Pintura. Rio de Janeiro: ENBA, 1952, s/p (Tese de concurso). Figura 2.36. THOMAS EAKINS: Nove estudos de figura. Caneta e tinta sobre papel. Smithsoniam Institut, Hirshhorn Museum and Sculpture Garden. Fonte: BOIME, Albert. “The teaching of fine arts and the avant-garde in France during the second half of the nineteenth century. In: Las academias de arte (VII Coloquio Interncional de Gaunajuato). D.F.: Univesidad Autónoma do Mexico, 1985, pl.8. Figura 2.37. WASSILY KANDINSKY: Curvas dançantes ilustrando as danças de Palucca, 1926. Berlin, Bauhaus-Archiv. Fonte: BECKS-MALORNY, Ulrike. Wassily Kandinsky 1866-1944. Em busca da abstração. Köln: Benedikt Taschen Verlag GmBH, 2003, p.151. Figura 2.38. ZEFERINO DA COSTA: Linhas de direção de figuras simbólicas. Fonte: COSTA, João Zeferino da. “Mecanismo e proporções da figura humana”. In: Arquivos da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 1956, pp.42, figs.29-31. Figura 2.39a e 2.39b. ADOLF YVON: Mise em trait. Fonte: BOIME, Albert. The academy and french painting in the nineteenth-century. New Haven/London: Yale University Press, 1985, Fig.7. Figura 2.40a e 2.40b. CHARLES BARGUE: Nu sentado, nu em pé (académies). Reproduzidos em Exercises au fusain, n.3 e n.1. Fonte: BOIME, Albert. “The teaching of fine arts and the avant-garde in France during the second half of the nineteenth century. In: Las academias de arte (VII Coloquio Interncional de Gaunajuato). D.F.: Univesidad Autónoma do Mexico, 1985, pl.6 e pl.7. Figura 2.41. VINCENT VAN GOGH: Nu sentado, nu em pé, c.1890. Carvão sobre papel. Fonte: BOIME, Albert. “The teaching of fine arts and the avant-garde in France during the second half of the nineteenth century. In: Las academias de arte (VII Coloquio Interncional de Gaunajuato). D.F.: Univesidad Autónoma do Mexico, 1985, pl.5. Figura 2.42a. RAPHAEL FREDERICO: Nu masculino de pé (dois esboços), c.1891. Carvão sobre papel, 62 x 48 cm (detalhe). Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.42b. RAPHAEL FREDERICO: Nu masculino de pé, 1891. sobre papel, 62 x 47,5 cm (detalhe). Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.43. ANTONIO DE SOUZA VIANNA: Esboço de menino, 1985. Carvão sobre papel, 61,6 39 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. VERSÃO NÃO REVISADA xii Fonte: Foto do autor. Figura 2.44. GEORGINA DE ALBUQUERQUE: Três estágios do modelado. Fonte: ALBUQUERQUE, Georgina de. O Desenho Como Base no Ensino das Artes Plásticas. Rio de Janeiro: ENBA, 1942, D.18, D.19, D.20 (Tese de concurso). Figura 2.45a. HENRIQUE CAVALLEIRO: Nu masculino sentado, 1920. Carvão sobre papel, 64,3 x 48,2 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.45b. HENRIQUE CAVALLEIRO: Nu masculino de costas,1920, Carvão sobre papel, 64 x 49 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 2.46a. CANDIDO PORTINARI: Figura de Homem, c.1920. Carvão sobre papel cinza, 61 x 42 cm (aproximadas). Rio de Janeiro, Coleção particular. Fonte: http://www.portinari.org.br/ Figura 2.46b. CANDIDO PORTINARI: Figura de Homem, 1921. Carvão e giz sobre papel kraft, 46 x 28 cm. São Paulo, Coleção particular. Fonte: http://www.portinari.org.br/ CAPITULO 3 Figura 3.1a. ELYSÊO VISCONTI: Nu masculino de pé, 1892. Óleo sobre tela, 110,0 x 77,0 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: http://www.eliseuvisconti.com.br/ Figura 3.1b. RAPHAEL FREDERICO: Nu masculino, 1893. Óleo sobre tela, 98,5 x 69,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.1c. FIÚZA GUIMARÃES: Nu masculino apoiado, 1895. Óleo sobre tela, 100,0 x 70,2 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.1d. THEODORO BRAGA: Nu masculino de pé, 1899. Óleo sobre tela, 107,0 x 70,2 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.2a. LUCÍLIO DE ALBUQUERQUE: Anchieta escrevendo o poema à Virgem (esboço), 1906. Carvão sobre papel, 31,3 x 39,2 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.2b. LUCÍLIO DE ALBUQUERQUE: Anchieta escrevendo o poema à Virgem, 1906. Óleo sobre tela, 100,5 x 125,8 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto de Bira Soares. Figura 3.3. AUGUSTO BRACET: O beijo de Judas (esboço), 19111. Carvão sobre papel, 40,0 x 31,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.4a. FRANCISCO BAYARDO: Caramuru tendo disparado o seu arcabuz, os índios surpresos VERSÃO NÃO REVISADA xiii prosternam-se e o aclamam chefe (esboço), 1926. Grafite sobre papel, 49,4 x 35,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.4b. FRANCISCO BAYARDO: Caramuru tendo disparado o seu arcabuz, os índios surpresos prosternam-se e o aclamam chefe, 1926. Óleo sobre tela, 130,0 x 97,2 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.5a. MARQUES JÚNIOR: Nu masculino, 1916. Carvão sobre papel, 63,5 x 46,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.5b. MARQUES JÚNIOR: Nu masculino, 1916. Óleo sobre tela, 101,0 x 76,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.6. ALFREDO GALVÃO: Nu masculino, 1927. Óleo sobre tela, 99,4 x 75,0 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto de Bira Soares. Figura 3.7. JOÃO BAPTISTA DA COSTA: Em repouso, 1894. Óleo sobre tela, 101,0 x 76,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: Foto do autor. Figura 3.8. HELIOS SEELINGER: Bohemia, 1903. Óleo sobre tela, 103,0 x 189,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: Acervo MNBA. Figura 3.9. ARTHUR THIMÓTEO DA COSTA: Antes d'Aleluia, 1907. Óleo sobre tela, 185,4 x 215,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: Arte brasileira, século XX: Catálogo da Galeria Eliseu Visconti: pinturas e esculturas. Rio de Janeiro: MNBA/CNEC, 1984, p.29 (Catálogo de exposição). Figura 3.10. ANGELINA AGOSTINI: Vaidade, 1913. Óleo sobre tela, 74,2 x 78,4 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: Foto do autor. Figura 3.11. ARMANDO MARTINS VIANNA: Primavera em flor, 1926. Óleo sobre tela, 200,4 x 150,3 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: Foto do autor. Figura 3.12a. HELIOS SEELINGER: Nu masculino de perfil, 1901. Carvão sobre papel, 60,5 x 22,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.12b. HELIOS SEELINGER: Nu masculino de costas, 1900. Carvão e giz sobre papel, 60,8 x 26,0 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.13a. JOSÉ FIÚZA GUIMARÃES: Nu masculino de costas, 189-. Óleo sobre tela, 116,0 x 82,5 cm. VERSÃO NÃO REVISADA xiv Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.13b. ANTONIO DE SOUZA VIANNA: Estudo de velho com uma forquilha na mão, c.1899. Óleo sobre tela, 102 x 60,3 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: Foto do autor. Figura 3.14a. RAPHAEL FREDERICO: Camponesa italiana, 1896. Óleo sobre madeira, 56,2 x 42,2 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.14b. RAPHAEL FREDERICO: Retrato de bispo, 1896. Óleo sobre tela, 72,5 x 52,0 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.15a. BENTO BARBOSA: Menino tirando espinho do pé, 1897. Óleo sobre tela, 105,0 x 60,0 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do Bira Soares. Figura 3.15b. BENTO BARBOSA: Busto de menino, c.1897. Óleo sobre tela, 45,5 x 32,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.16. RAPHAEL FREDERICO: A tentação de Santo Antão, 1899. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: Foto do autor. Figura 3.17a. QUIRINO CAMPOFIORITO: A geléia francesa, 1932. óleo sobre tela, 38 x 46 cm. Fonte: http://www.itaucultural.org.br/ Figura 3.17b. OTTONE ROSSAI: Natura morta, 1919. Milano, Coleção particular. Fonte: Em pesquisa. Figura 3.18a. QUIRINO CAMPOFIORITO: Nu masculino de frente e estudo da face, 1932. Nanquim sobre papel, 65,6 x 38,4 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.18b. QUIRINO CAMPOFIORITO: Nu masculino de costas , 1932. Carvão e sangüínea sobre papel, 66,2 x 49,3 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 3.19. JOSEF THORAK: Kameradschaft , 1937. Bronze, altura 630 cm. Fonte: http://www.dhm.de/lemo/objekte/pict/thorak/index.html Figura 3.20. QUIRINO CAMPOFIORITO: Operários - Estudo N.1, 1939. Óleo sobre tela, 60,5 x 73,5 cm . Fonte: Em pesquisa. Figura 3.21. GIUSEPPE CAPOGROSSI: Il poeta del Tevere, 1935. Fonte: Art dossier. Firenze: Gruppo Editoriale Giunti, dezembro de 2001, n. 173, p.10. Figura 3.22. CANDIDO PORTINARI: Floresta I, II e III (tríptico), 1938. Óleo sobre tela, 159 x 139 cm (cada). VERSÃO NÃO REVISADA xv Rio de Janeiro, Coleção particular. Fonte: http://www.portinari.org.br/ Figura 3.23. PISANELLO: A visão de Santo Eustáquio, c.1440. Óleo sobre tela, 65 x 53 cm. Londres, National Gallery. Fonte: Em pesquisa. Figura 3.24. ANNA BILINSKA: Mulher com um guarda-sol japonês, 1885. Pastel, 94 x 74 cm. Paris, Coleção André del Debbio. Fonte: BECKER, Jane; WEISBERG, Gabriel. Overcoming all obstacles: the women of the Académie Julian. Nova York/Londres, The Dahesh Museum / Rutgers University Press, 2000, p.44. Figura 3.25. GEORGINA DE ALBUQUERQUE: Flor de manacá, s/d. Óleo sobre tela, 126 x 101 cm. Fonte: Bolsa de Arte. Rio de Janeiro, dezembro de 2003, ilust.1 (Catálogo de leilão). Figura 3.26. GEORGINA DE ALBUQUERQUE: Sessão do Conselho de Estado que decidiu a Independência, 1922. Rio de Janeiro, Museu Histórico Nacional. Fonte: Foto do autor. Figura 3.27a e 3.27b. PAUL-JEAN GERVAIS: L'Amour, source heureuse de la vie: a) à 20 ans; b) à 40 ans. Toulouse, Sala de Casamentos do Capitólio. Fonte: http://www.jacobins.mairie-toulouse.fr/patrhist/edifices/textes/capitole/Salle_Paul_Gervais.htm Figura 3.28. HENRIQUE CAVALLEIRO: Balões venezianos, 1912. Óleo sobre tela, 130 x 100 cm. Fonte: Soraya Cals. Rio de Janeiro, maio de 2006, fig.31 (Catálogo de leilão). Figura 3.29. HENRY ROYER: Le benedicité, 1898. Óleo sobre tela, 33 x 39 cm. Nancy, Musée des Beaux-Arts. Fonte: L´école de Nancy: peinture et art nouveau. Paris: Éditions de la Réunion des Musées Nationaux, 1999, p.124 (Catálogo de exposição). Figura 3.30. CARLOS CHAMBELLAND: Engenho de cana, s/d. Coleção particular. Fonte: LEITE, J. R. T. Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988, p.217. Figura 3.31. CARLOS CHAMBELLAND: Interior de cozinha, s/d. Fonte: Em pesquisa. Figura 3.32a. LUCÍLIO DE ALBUQUERQUE: Paraíso restituído, 1911. Óleo sobre tela, 233 x 130 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: Em pesquisa. Figura 3.32b. LUCÍLIO DE ALBUQUERQUE: Primeiros frutos, 1919. Óleo sobre tela, 174 x 120 cm. Fonte: REIS JÚNIOR, J. M. História da pintura no Brasil. São Paulo: Editora Leia, 1944, fig.196. Figura 3.33. VICTOR PROVÉ: L’Ile heureuse, 1902. Óleo sobre tela, 266 x 514 cm. Nancy, Musée de l’École de Nancy. Fonte: L´école de Nancy: peinture et art nouveau. Paris: Éditions de la Réunion des Musées Nationaux, 1999, pp.104-105 (Catálogo de exposição). VERSÃO NÃO REVISADA xvi CAPITULO 4 Figura 4.1a. ELYSÊO VISCONTI: Retrato de Gonzaga Duque, 1908. Óleo sobre tela, 96,4 x 65,0 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: LUSTOSA, H. A. (coord.). Acervo Museu nacional de Belas Artes – Collection Museum of Fine Arts. São Paulo: Banco Santos, 2002, p.86. Figura 4.1b. ELYSÊO VISCONTI: Morro do Castelo, 1909. Óleo sobre tela, 80 x 100 cm. Fonte: Arte no Brasil. Abril Cultural, São Paulo, 1979, p.582. Figura 4.2a. ANTONIO PARREIRAS: Fundação da cidade de São Paulo, 1913. Óleo sobre tela, 200 x 300 cm. São Paulo, Prefeitura Municipal. Fonte: LEVY, Carlos R. M. Antônio Parreiras (1860-1937): pintor de paisagem, gênero e história. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1981, p.75. Figura 4.2b. ANTONIO PARREIRAS: Vieux parc, 1914. Óleo sobre tela, 88,8 x 116,5 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: MARQUES, Luiz. (org.). 30 Mestres da Pintura no Brasil. São Paulo: MASP / Rio de Janeiro: MNBA, 2001, p.104 (Catálogo de exposição). Figura 4.3a. ARTHUR TIMÓTHEO DA COSTA: Auto retrato, 1919. Óleo sobre tela, 86,1 x 79,0 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: O Museu Nacional de Belas Artes. São Paulo: Banco Safra, 1985. Figura 4.3b. ARTHUR TIMÓTHEO DA COSTA: Sol (paisagem), 1920. Óleo sobre tela. Fonte: ACQUARONE, Francisco; VIEIRA, Adão de Queiróz. Primores da Pintura no Brasil, Rio de Janeiro, 1941. Figura 4.4a. NICOLAS POUSSIN: A ordenação (da segunda série dos Sete Sacramentos), 1647. Óleo sobre tela, 117 x 178 cm. Edinburgh, National Gallery of Scotland. Fonte: http://www.abcgallery.com/P/poussin/poussin53.html Figura 4.4b. NICOLAS POUSSIN: Moisés encontrado nas águas do Nilo, 1647. Óleo sobre tela, 121 x 195 cm. Paris, Museu do Louvre. Fonte: http://www.abcgallery.com/P/poussin/poussin61.html Figura 4.5. HENRIQUE BERNARDELLI: Projeto de afresco para a fachada da casa dos irmãos Bernardelli, c.1900. Aquarela e guache sobre papel, 24,9 x 46,8 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: LUSTOSA, H. A. (coord.). Acervo Museu nacional de Belas Artes – Collection Museum of Fine Arts. São Paulo: Banco Santos, 2002, p.120. Figura 4.6a. OSCAR PEREIRA DA SILVA: Retrato do arquiteto Ramos de Azevedo, 1929. Óleo sobre tela, 57 x 80 cm. Fonte: MICELI, Sergio. Nacional estrangeiro: história social e cultural do modernismo artistico em São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, figura 1. Figura 4.6b. Fotografia de Ramos de Azevedo em seu escritório. Fonte: MICELI, Sergio. Nacional estrangeiro: história social e cultural do modernismo artistico em São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, figura 2. Figura 4.7a. RODOLPHO CHAMBELLAND: Homenagem a A. Parreiras, 1940. Óleo sobre tela. Niterói, Museu Antonio Parreiras. Fonte: Foto do autor. VERSÃO NÃO REVISADA xvii Figura 4.7b. Fotografia de Antonio Parreiras, s/d. Fonte: LEVY, Carlos R. M. Antônio Parreiras (1860-1937): pintor de paisagem, gênero e história. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1981, p.60. Figura 4.8a. MARQUES JÚNIOR: Retrato coletivo, 1937-1938. Óleo sobre tela, 150 x 231 cm. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras. Fonte: Acervo da Academia Brasileira de Letras. Figura 4.8b. Sociedade de homens de letras no Café Papagaio, 1908. Fonte: O Cruzeiro, Edição do IV Centenário do Rio de Janeiro, p.75. Figura 4.9a. MARQUES JÚNIOR: Retrato de Aníbal Mattos, 1923. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro, Sociedade Brasileira de Belas Artes. Fonte: Foto do autor. Figura 4.9b. MARQUES JÚNIOR: Retrato de Baptista da Costa, 1926. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro, Sociedade Brasileira de Belas Artes. Fonte: Foto do autor. Figura 4.9c. MARQUES JÚNIOR: Retrato de Correa Lima, 1927-1928. Óleo sobre tela, 62,2 x 51,0 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 4.10. ELYSÊO VISCONTI: Os constituintes de 1891 no antigo Paço da Quinta da Boa Vista, 1926. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro, Palácio Tiradentes - ALERJ. Fonte: Foto do autor. Figura 4.11. ARTHUR TIMÓTHEO DA COSTA: Retrato de Eduardo de Sá, 1910. Óleo sobre tela, 175,8 x 107,6 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: Acervo do Museu Nacional de Belas Artes. Figura 4.12. LUCILIO DE ALBUQUERQUE: Retrato de Rui Barbosa, 1916. Óleo sobre tela. Salvador, Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. Fonte: Grandes personagens - História do Brasil. São Paulo: Abril Cultural, v.4, p.47. Figura 4.13. ELYSÊO VISCONTI: O progresso - estudo para o painel da Biblioteca Nacional, 1910. Óleo sobre madeira, 22 x 14 cm. Fonte: http://www.eliseuvisconti.com.br/ Figura 4.14. LUCILIO DE ALBUQUERQUE: Farrapos - Estudo, 1935. Óleo sobre tela, 42 x 93 cm. Rio de Janeiro, Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Fonte: Foto do autor. Figura 4.15a. CANDIDO PORTINARI: Icaro e Prometeu, 1920. Pintura a óleo sobre cartão, 40 x 51 cm. Rio de Janeiro, Coleção particular. Fonte: http://www.portinari.org.br/ Figura 4.15b. CANDIDO PORTINARI: Enéas na praia, 1920. Pintura a óleo sobre cartão, 38,5 x 50 cm. São Paulo, Coleção particular. Fonte:http://www.portinari.org.br/ Figura 4.16a. PIERRE-HENRI DE VALENCIENNES: Roma ao nascer-do-sol, vista do Janiculum, c.1780. Óleo sobre papel colado sobre cartão, 23,3 x 41.3 cm. VERSÃO NÃO REVISADA xviii Londres, National Gallery. Fonte: http://www.nationalgallery.org.uk/cgibin/WebObjects/dll/CollectionPublisher.woa/wa/work?workNumber=L871 Figura 4.16b. PIERRE-HENRI DE VALENCIENNES: Paisagem grega clássica com moças sacrificando seus cabelos à Diana na beira de um rio, 1790. Óleo sobre tela. South Hadley , Holyoke College Art Museum. Fonte: http://home.mtholyoke.edu/offices/artmuseum/images/pages/exhibition/valenciennes.html Figura 4.17. GIONANNNI BATTISTA CASTAGNETO: Trecho da praia de São Roque em Niterói, 1898. Óleo sobre madeira, 32 x 49 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: LUSTOSA, H. A. (coord.). Acervo Museu nacional de Belas Artes – Collection Museum of Fine Arts. São Paulo: Banco Santos, 2002, p.86. Figura 4.18a. GUTTMANN BICHO: Ilha do Governador (estudo), c.1925. Óleo sobre tela Figura 4.18b. GUTTMANN BICHO: Fundo do Quintal, 1926. Óleo sobre tela, 37,5 x 46 cm. Fonte: Bolsa de Arte. Rio de Janeiro, dezembro de 2003, ilust.63 (Catálogo de leilão). Figura 4.19a, 4.19b e 4.19c. CLAUDE MONET: Nínféias, c.1920. Óleo sobre tela, tríptico, 200 x 425 cm (cada). New York, The Museum of Modern Art, Mrs. Simon Guggenheim Fund. Fonte: http://www.moma.org/collection/conservation/unveiling_monet.html Figura 4.20. CLAUDE MONET: Tuileries (esquisse), 1876. Oleo sobre tela. Paris, Musée d'Orsay. Fonte: http://www.abcgallery.com/M/monet/monet168.html Figura 4.21a. CLAUDE MONET: La grenouillère, 1869. Oleo sobre tela. Fonte: HARRISON, Charles. “Impressionsismo, modenismo e originalidade”. In: FRASCINA, Francis [et alli]. Modernidade e modernismo. A pintura francesa no século XIX. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1998, p.168. Figura 4.21b. AUGUSTE RENOIR: La grenouillère, 1869. Oleo sobre tela, 65 X 93 cm. Fonte: HARRISON, Charles. “Impressionsismo, modenismo e originalidade”. In: FRASCINA, Francis [et alli]. Modernidade e modernismo. A pintura francesa no século XIX. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1998, p.169. Figura 4.22. RODOLPHO CHAMBELLAND: Paisagem, s/d. Óleo sobre tela. Fonte: Em pesquisa. Figura 4.23a. MARIO NAVARRO DA COSTA: Marinha, s/d. Óleo sobre tela, 34 x 42 cm. São Paulo, coleção particular. Fonte: MARQUES, Luiz. (org.). 30 Mestres da Pintura no Brasil. São Paulo: MASP / Rio de Janeiro: MNBA, 2001, p.118 (Catálogo de exposição). Figura 4.23b. WASSILY KANDINSKY: Cemitério e presbitério em Kochel, 1909. Óleo sobre cartão, 44,4 x 32,7 cm. Munique, Städtische Galerie im Lenbachhaus. Fonte: DÜCHTING, Hajo. Kandinsky 1866-1944. A revolução da pintura. Köln: Benedikt Taschen Verlag GmBH, 1994, p.16. Figura 4.24a. MARIO NAVARRO DA COSTA: Marinha, s/d. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro, Sociedade Brasileira de Belas Artes. VERSÃO NÃO REVISADA xix Fonte: Foto do autor. Figura 4.24b. MARIO NAVARRO DA COSTA: Veneza, s/d. Óleo sobre tela, 86 x 136 cm. Rio de Janeiro, Sociedade Brasileira de Belas Artes. Fonte: Leone Leilões de Arte, Rio de Janeiro, maio de 2005 (Catálogo de leilão). Figura 4.25a. ARTHUR TIMÓTHEO DA COSTA: Paisagem, c.1920. Óleo sobre tela, 13,5 x 18 cm. Fonte: http://www.itaucultural.org.br/ Figura 4.25b. ARTHUR TIMÓTHEO DA COSTA: Paisagem, c.1920. Óleo sobre tela, 14 x 18 cm. Fonte: http://www.itaucultural.org.br/ Figura 4.26. JOÃO TIMÓTHEO DA COSTA: Vista de Santa Teresa, 1927. Óleo sobre tela, 35 x 35 cm. Fonte: Leone Leilões de Arte, Rio de Janeiro, junho de 2005 (Catálogo de leilão). Figura 4.27a. JOÃO TIMÓTHEO DA COSTA: Paisagem, s/d. Óleo sobre madeira, 42 x 49 cm. Fonte: AGUILAR, Nelson. Mostra do Redescobrimento: Negro de corpo e alma / Fundação Bienal de São Paulo. São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000 (Catálogo de exposição). Figura 4.27b. JOÃO TIMÓTHEO DA COSTA: Paisagem, 1921. Óleo sobre tela, 35 x 35 cm. São Paulo, Pinacoteca do Estado. Fonte: Foto do autor. Figura 4.28a. LUCÍLIO DE ALBUQUERQUE: Gávea Golf, 1928. Óleo sobre tela, 75,8 x 120 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: Foto do autor. Figura 4.28b. LUCÍLIO DE ALBUQUERQUE: Trecho do Rio, 1927. Óleo sobre tela, 133 x 160 cm. Niterói, Coleção Museu do Ingá, MHAERJ. Fonte: GRINBERG, P. E. (curadora). Lucílio de Albuquerque 1877-1939. Rio de Janeiro, setembro de 2006, p.17 (Catálogo de exposição). Figura 4.29a e 4.29b. JOÃO TIMÓTHEO DA COSTA: Duas vistas do Rio de Janeiro, 1923. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro, Palácio Pedro Ernesto. Fonte: Fotos do autor. Figura 4.30a e 4.30b. HELIOS SEELINGER: Frisa carnavalesca (fragmentos), c.1908. Fonte: DUQUE ESTRADA, L. G. “Helios Seelinger”, Kosmos, 1908, n.3, março, p.35. Figura 4.31a e 4.31b. BELMIRO DE ALMEIDA: Bosquejos para a frisa decorativa na residência de Antonio Seabra (fragmentos n.3 e n.4), 1925. Aquarela sobre papel, 14 x 58 cm (cada). Fonte: REIS JUNIOR, J. M. Belmiro de Almeida 1858-1935. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1984, p.62. Figura 4.32. GUTTMANN BICHO: Panneau decorativo, 1921. Óleo sobre tela, 153 x 148 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: Foto do autor. Figura 4.33a. HENRIQUE CAVALLEIRO: Juventude (sugestão decorativa), 1926. Tempera sobre tela, 80,0 x 90,0 cm. Fonte: COSTA, Angyone. A inquietação das abelhas (O que dizem nossos pintores, escultores, arquitetos e gravadores, sobre as artes plásticas no Brasil). Rio de Janeiro: Pimenta de Mello & Cia, 1927, s/p. VERSÃO NÃO REVISADA xx Figura 4.33b. HENRIQUE CAVALLEIRO: Frisa Alegórica, 1930. Pastel e grafite sobre papel, 17 x 39,5 cm. Fonte: http://www.evandrocarneiroleiloes.com/materia/view/3431?artistId=185 Figura 4.34a. PIERRE PUVIS DE CHAVANNES: Ave Picardia Nutrix (Fotografia de época), 1865. Amiens, Musée de Picardie. Fonte: http://www.culture.gouv.fr/documentation/archim/accueil.html Figura 4.34b. PIERRE PUVIS DE CHAVANNES: Sante Geneviève (Fotografia de época), 1876. Fonte: http://www.culture.gouv.fr/documentation/archim/accueil.html Figura 4.34b. PIERRE PUVIS DE CHAVANNES: Ludus pro patria ou Jeunes picards s'exerçant a la lance (Fotografia de época), 1882. Fonte: http://www.culture.gouv.fr/documentation/archim/accueil.html Figura 4.35a. ROSE-MARIE GUILLAUME: Mulher com flores e cisnes. Pastel sobre tela, 38 x 55 cm. Paris, Coleção André del Debbio. Fonte: BECKER, Jane; WEISBERG , Gabriel. Overcoming all obstacles: the women of the Académie Julian. Nova York/Londres, The Dahesh Museum/Rutgers University Press, 2000, p.37. Figura 4.35b. ROSE-MARIE GUILLAUME: Mulher trabalhando em uma escultura. Óleo sobre tela, 46 x 55 cm. Paris, Coleção André del Debbio. Fonte: BECKER, Jane; WEISBERG , Gabriel. Overcoming all obstacles: the women of the Académie Julian. Nova York/Londres, The Dahesh Museum/Rutgers University Press, 2000, p.37. 4.36a. JEAN-PAUL LAURENS: La muraille (La défense de Toulouse devant Montfort), 1895. Têmpera sobre tela. Toulouse, Sala dos Ilustres do Capitólio. Fonte: http://www.jacobins.mairie-toulouse.fr/patrhist/edifices/textes/capitole/J_P_Laurens.htm 4.36a. JEAN-PAUL LAURENS: Le Lauragais, c.1897. Têmpera sobre tela. Toulouse, Sala dos Ilustres do Capitólio. Fonte: http://www.jacobins.mairie-toulouse.fr/patrhist/edifices/textes/capitole/J_P_Laurens.htm Figura 4.37a. J. F. ALMEIDA JÚNIOR: A partida da monção, 1897. Óleo sobre tela, 640 x 390 cm. São Paulo, Museu Paulista. Fonte: Almeida Jr. São Paulo: Art Editora Ltda., 1985, s/p. Figura 4.37b. J. F. ALMEIDA JÚNIOR: A partida da monção (estudo), 1897. Óleo sobre tela, 74,0 x 119,0 cm. São Paulo, Pinacoteca do Estado. Fonte: Almeida Jr. São Paulo: Art Editora Ltda., 1985, s/p. Figura 4.38a. BELMIRO DE ALMEIDA: Os descobridores, 1899. Óleo sobre tela, 260 x 200 cm. Brasília, Museu Histórico do Itamaraty. Fonte: REIS JUNIOR, J. M. Belmiro de Almeida 1858-1935. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1984, p.60. Figura 4.38b. PIERRE PUVIS DE CHAVANNES: Le pauvre pêcheur, 1881. Óleo sobre tela, 155,0 x 193,0 cm. Paris, Musée d'Orsay. Fonte: http://www.comitepierrepuvisdechavannes.com/txt_fr.html Figura 4.39a. ELYSÊO VISCONTI: Decorações para o Theatro Muncipal - Teto da Sala de Espetáculos: A dança das horas, c.1906. Óleo sobre tela (marouflage). Rio de Janeiro, Theatro Municipal. Fonte: Arte no Brasil. Abril Cultural, São Paulo, 1979., p.586. Figura 4.39b. ELYSÊO VISCONTI: Decorações para o Theatro Muncipal - Foyer, 1916. VERSÃO NÃO REVISADA xxi Óleo sobre tela (marouflage). Rio de Janeiro, Theatro Municipal. Fonte: Arte no Brasil. Abril Cultural, São Paulo, 1979., pp.584-585. Figura 4.39c ELYSÊO VISCONTI: Decorações para o Theatro Muncipal - Frisa do proscênio (detalhe), 1934. Óleo sobre tela (marouflage). Rio de Janeiro, Theatro Municipal. Fonte: Arte no Brasil. Abril Cultural, São Paulo, 1979., pp.586-587. Figura 4.40. ETTORE DE MARIA BERGLER: Decoração da Saletta Pompeana (detalhes), c.1890. Palermo, Teatro Massimo. Fonte: La pittura in italia. L'ottocento. Milano: ELECTA, 1991, tomo secondo, p.565. Figura 4.41. HENRIQUE BERNARDELLI: Decoração do Theatro Muncipal – Cúpula do Foyer, 191-. Afresco. Rio de Janeiro, Theatro Municipal. Fonte: Foto do autor. Figura 4.42a. HENRIQUE BERNARDELLI: Cena Bacante - Estudo para a Sala de Jantar do Solar Martinelli, 1931. Aquarela e grafite sobre papel, 26 x 44 cm. Fonte: http://www.evandrocarneiroleiloes.com/materia/view/3431?artistId=151 Figura 4.42b. HENRIQUE BERNARDELLI: Estudo para a sala de jantar da casa de J. Martinelli, c.1931. Óleo sobre tela, 33,5 x 56,5 cm. Fonte: Bolsa de Arte. Rio de Janeiro, julho de 2002, ilust.131 (Catálogo de leilão). Figura 4.43a, 4.43b, 4.43c e 4.43d. IRMÃOS TIMÓTHEO: Decorações para a sede do Fluminense Futebol Clube - Teto do Salão Nobre, c.1920. Óleo sobre tela (marouflage). Rio de Janeiro, Fluminense Futebol Clube. Fonte: Fotos do autor. Figura 4.43e. Detalhe da Figura 4.43d. Fonte: Foto do autor. Figura 4.44a e 4.44b. JOÃO TIMÓTHEO DA COSTA: Decorações para a sede do Fluminense Futebol Clube - Salão Nobre, 1923. Óleo sobre tela (marouflage). Rio de Janeiro, Fluminense Futebol Clube. Fonte: Fotos do autor. Figura 4.45a, 4.45b, 4.45c e 4.45d. ANTONIO PARREIRAS: Decorações para o Instituto Nacional de Música: a) Orpheu - Parthenope - Lydia - Leconia; b) Eolo - Música Cósmica; c) Osiris - Inventor da flauta; d) As sete notas, 1922. Óleo sobre tela (marouflage). Rio de Janeiro, Escola de Música/UFRJ. Fonte: Fotos do autor. Figura 4.46a, 4.46b e 4.46c. ELYSÊO VISCONTI: Decorações para o Palácio Pedro Ernesto Vestíbulo: a) Alegoria ao saneamento da cidade; b) Alegoria aos serviços municipais; c) Alegoria ao embelezamento da cidade, 1920-1923. Óleo sobre tela (marouflage). Rio de Janeiro, Palácio Pedro Ernesto. Fonte: Fotos do autor. Figura 4.46d e 4.46e. CARLOS OSWALD: Decorações para o Palácio Pedro Ernesto – Salão de Honra, 1920-1923. Óleo sobre tela (marouflage). Rio de Janeiro, Palácio Pedro Ernesto. Fonte: Fotos do autor. Figura 4.47a. IRMÃOS CHAMBELLAND: Decorações para o Palácio Tiradentes - Plenário: VERSÃO NÃO REVISADA xxii Monarquia, c.1925. Óleo sobre tela (marouflage). Rio de Janeiro, Palácio Tiradentes – ALERJ. Fonte: Fotos do autor. Figura 4.47b. IRMÃOS CHAMBELLAND: Decorações para o Palácio Tiradentes - Plenário: República, c.1925. Óleo sobre tela (marouflage). Rio de Janeiro, Palácio Tiradentes – ALERJ. Fonte: Fotos do autor. Figura 4.48a e 4.48a. GUTTMANN BICHO: Decorações para o Antigo Posto de Saúde da Freguesia - Ilha do Governador: visão de conjunto das pinturas, c.1930. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro, Centro Municipal de Saúde Necker Pinto. Fonte: Fotos do autor. Figura 4.48c. GUTTMANN BICHO: Decorações para o Antigo Posto de Saúde da Freguesia - Ilha do Governador: A vacinação, c.1930. Óleo sobre tela, 107 x 153 cm. Rio de Janeiro, Centro Municipal de Saúde Necker Pinto. Fonte: Foto do autor. Figura 4.50 ELYSÊO VISCONTI: Decorações para o Theatro Muncipal – Pano de boca: A influência das artes sobre a civilização, 1907. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro, Theatro Municipal. Fonte: Arte no Brasil. Abril Cultural, São Paulo, 1979, p.587. Figura 4.50a, 4.50b e 4.50c. HELIOS SEELINGER: Decorações para o Clube Naval – Salão Nobre, 1910-1911. Rio de Janeiro, Clube Naval. Fonte: Fotos do autor. Figura 4.51a e 4.51b. DECIO VILLARES: Decorações para o Palácio Pedro Ernesto - Sala inglesa: Ida para o trabalho, 1923. Óleo sobre tela (marouflage). Rio de Janeiro, Palácio Pedro Ernesto. Fonte: Fotos do autor. Figura 4.52. RODOLPHO AMOÊDO: Palácio Pedro Ernesto - Plenário: A fundação da cidade do Rio de Janeiro, 1923. Óleo sobre tela (marouflage). Rio de Janeiro, Palácio Pedro Ernesto. Fonte: Foto do autor. Figura 4.53b. Fotografia de Helios Seelinger em seu ateliê, c.1927. Fonte: COSTA, Angyone. A inquietação das abelhas (O que dizem nossos pintores, escultores, arquitetos e gravadores, sobre as artes plásticas no Brasil). Rio de Janeiro: Pimenta de Mello & Cia, 1927, s/p. Figura 4.54. ARTHUR TIMÓTHEO DA COSTA: Paisagem praiana com Pão de Açúcar no fundo, 1919. Óleo sobre tela, 67 x 53 cm. Fonte: Leone Leilões de Arte. Rio de Janeiro, março de 2002 (Catálogo de leilão). Figura 4.55a. GEORGINA DE ALBUQUERQUE: Camponesa, 1930. Óleo sobre tela, 32 x 22 cm. Fonte: http://www.bolsadearte.com/ Figura 4.55b. GEORGINA DE ALBUQUERQUE: Banho de luz, s/d. Óleo sobre tela, 64 x 50 cm. Fonte: http://www.bolsadearte.com/ VERSÃO NÃO REVISADA xxiii Figura 4.56. MARQUES JÚNIOR: Auto retrato, s/d. Óleo sobre tela. São Paulo, Piancoteca do Estado. Fonte: Foto do autor. Figura 4.57. BELMIRO DE ALMEIDA: Mulher em círculos, 1920. Óleo sobre madeira, 46 x 38 cm. São Paulo, coleção particular. Fonte: AMARAL, Aracy. Artes plásticas na Semana de 22. São Paulo: Bolsa de Merdadoria & Futuros, 1992, p.104. VERSÃO NÃO REVISADA xxiv SUMÁRIO A PINTURA DA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES NA 1ª REPÚBLICA (1890-1930): DA FORMAÇÃO DO PINTOR AOS SEUS MODOS ESTILÍSTICOS INTRODUÇÃO............................................................................................................................... 1 CAPÍTULO 1.................................................................................................................................. 27 1.1. Breves notas sobre a relação entre os pintores da ENBA e as artes aplicadas.................... 28 1.2. Em torno da Reforma de 1890............................................................................................... 39 1.2.1. Os anos finais da Academia Imperial de Belas Artes............................................. 40 1.2.2. A Reforma de 1890................................................................................................. 42 1.2.3. Continuidades e rupturas após a Reforma de 1890............................................... 47 1.3 Estruturas do curso de pintura da ENBA durante a 1a República........................................... 55 1.3.1................................................................................................................................. 56 1.3.2................................................................................................................................. 58 1.3.3................................................................................................................................. 60 1.3.4................................................................................................................................. 62 CAPÍTULO 2.................................................................................................................................. 66 2.1 A Tradição................................................................................................................................ 70 2.1.1. Modelos planos....................................................................................................... 72 2.1.2. Moldagens de gesso............................................................................................... 76 2.1.3. Cópias dos mestres................................................................................................ 82 2.2 A Natureza............................................................................................................................... 89 2.2.1. A Figura humana: Academias e nus....................................................................... 89 2.2.2. A figura humana: breves notas sobre os estudos anatômicos............................... 101 2.2.3. A paisagem............................................................................................................. 103 2.3 Desenhando uma academia.................................................................................................... 110 2.3.1. “Movimento”............................................................................................................ 114 2.3.2. A marcação linear................................................................................................... 117 2.3.3. O modelado: Effet e Modernismo........................................................................... 120 CAPÍTULO 3.................................................................................................................................. 127 3.1. Os Prêmios de Viagem ao Estrangeiro.................................................................................. 128 3.1.1. O Prêmio de Viagem na ENBA.............................................................................. 131 3.1.2. O Prêmio de Viagem nas Exposições Gerais de Belas Artes................................ 141 3.2 O estágio de formação na Europa........................................................................................... 147 3.2.1. Munique.................................................................................................................. 150 3.2.2. Roma...................................................................................................................... 156 3.2.3. Paris........................................................................................................................ 164 3.2.3.1. A academia Julian................................................................................... 166 VERSÃO NÃO REVISADA xxv A PINTURA DA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES NA 1ª REPÚBLICA (1890-1930): DA FORMAÇÃO DO PINTOR AOS SEUS MODOS ESTILÍSTICOS 3.2.3.2. Pensionistas brasileiros na Academia Julian.......................................... 170 3.2.3.3. Mestres e “escolas” francesas: suas relações com os brasileiros.......... 174 CAPÍTULO 4.................................................................................................................................. 179 4.1. Os Modos nas artes plásticas................................................................................................. 187 4.1.1. A “Carta do Modos” de Poussin e suas repercussões............................................... 193 4.1.2. Modos na pintura da 1a República: motivação versus convenção............................ 200 4.2. O Modo Realista..................................................................................................................... 203 4.2.1. O Modo Realista e a fotografia.................................................................................. 205 4.2.2. Caracterizar o retratatado.......................................................................................... 213 4.3. O Modo d'Esquisse................................................................................................................. 216 4.3.1. Definições d'esquisse................................................................................................ 219 4.3.2. Paisagem e esquisse................................................................................................. 223 4.3.3. Modo d'Esquisse, pintura de paisagem e Modernismo............................................. 227 4.3.4. Esquisse versus abstração........................................................................................ 231 4.3.5. Procedimentos do Modo d'Esquisse.......................................................................... 235 4.4. O Modo Decorativo................................................................................................................. 239 4.4.1. A difusão da pintura decorativa na 1a República: sua relação com a questão da identidade nacional e com as demais artes aplicadas.................................................................. 240 4.4.2. O Modo Decorativo e a estilização............................................................................ 250 4.4.3. O Modo Decorativo e a “pintura clara”....................................................................... 256 4.5. Exceções aos Modos 280 4.5.1..................................................................................................................................... 281 4.5.2..................................................................................................................................... 287 4.5.3..................................................................................................................................... 288 4.6. Modos na pintura da 1a República: um sistema..................................................................... 290 CONCLUSÃO................................................................................................................................ 295 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................. 299 ANEXO I Disciplinas e professores do curso de pintura da Escola Nacional de Belas Artes durante a 1a República................................................................................................................... 313 ANEXO II Programas das disciplinas práticas do curso de pintura da Escola Nacional de Belas Artes durante a 1a República.......................................................................................................... 326 ANEXO III Pareceres e outros documentos relativos aos julgamentos dos Prêmios de Viagem para os alunos da Escola Nacional de Belas Artes durante a 1a República.................................. 342 ANEXO IV Pensionistas da Escola Nacional de Belas Artes durante a 1a República .................. 361 ANEXO V IMAGENS..................................................................................................................... 364 VERSÃO NÃO REVISADA 1 INTRODUÇÃO VERSÃO NÃO REVISADA 2 1. O presente trabalho tem como objeto de estudo a produção pictórica de artistas oriundos da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (ENBA) durante a chamada 1a República brasileira, período também conhecido como República Velha (1889-1930). Ele tem como foco principal de interesse o processo de formação dos pintores e procura apresentar ferramentas teóricas adequadas para compreender melhor certas recorrências de estilo relativas à produção dos mesmos, marcada, outrossim, por uma grande diversidade. O nosso desejo de estudar a pintura fluminense da 1a República surgiu quando realizávamos pesquisas para nossa dissertação de Mestrado, desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ (PPGAV EBA/UFRJ), no período de 2000-2002, e que teve como orientadora a Profa. Dra. Angela Ancora da Luz. Nessa dissertação, abordávamos a vida e a obra de Galdino Guttmann Bicho, um dos muitos pintores que começou a se destacar na cena artística fluminense das primeiras décadas do século passado1. Embora então nossas preocupações estivessem mais voltadas para questões relacionados à teoria da arte - mais precisamente, a articulação do aspecto semântico nas imagens estéticas -, logo se tornou evidente que a existência de uma imensa lacuna historiográfica relativa ao período de atuação de Guttmann Bicho dificultava, e, em certos aspectos, impossibilitava, uma apreensão precisa da significação de sua obra e de sua trajetória profissional. Decidimos então empreender uma pesquisa que lançasse luz sobre a pintura vinculada à ENBA e contemporânea à afirmação do sistema republicano no Brasil. Intuíamos que a produção artística desse período possuía as suas características peculiares, especialmente se comparada com aquela realizada durante o Segundo Império brasileiro, quando a instituição oficial de ensino artístico fluminense ainda se chamava Academia Imperial de Belas Artes (AIBA). Tal noção logo encontrou apoio em alguns estudos mais recentes, como, entre outros, aquele de Caleb Faria Alves sobre o pintor Benedito Calixto2. 1 VALLE, Arthur G. A semântica da imagem estética: estrutura e relações de sentido na obra de Guttmann Bicho. Rio de Janeiro: Pós-Graduação da Escola de Belas Artes/UFRJ, 2002 (Dissertação de Mestrado). Disponível no site: http://geocities.yahoo.com.br/artus_agv/gb.htm 2 “Não há como trabalhar, na República, com uma noção de academismo cujas propriedades foram extraídas unicamente das relações existentes no Império. [...] Com o advento da República, as relações entre Estado e Academia alteraram-se, enfraquecendo o apoio que o academismo gozava na seara da política. Esvaía-se, com isso, a sua força de resistência frente às posições que lhe fossem concorrentes. Todas essas alterações levam a crer que deve ter ocorrido mudanças no campo artístico, para além do que poderia sugerir a permanência de certos pintores de formação acadêmica em postos importantes na, agora, Academia Nacional de Belas Artes” (ALVES, Caleb Faria. Benedito Calixto e a construção do imaginário republicano. Bauru/São Paulo: Edusc, 2003, p.31). VERSÃO NÃO REVISADA 3 A princípio, havíamos pensado em “recortar”, no vasto universo da produção pictórica do período, um número limitado de pintores, cujas obras seriam estudadas mais detalhadamente. Embora o número exato desses pintores tenha variado nos meses iniciais de desenvolvimento do trabalho3, desde o início havíamos evitado definir um horizonte demasiadamente reduzido de referências, pois acreditávamos que, se assim fizéssemos, descartaríamos de antemão a possibilidade de que quaisquer hipóteses generalizadoras viessem a emergir da pesquisa. No final dessa Introdução, voltaremos a nos referir a essa opção, sem dúvida discutível no atual panorama historiográfico brasileiro e que, pelas limitações que implica, cremos demandar justificativas mais demoradas. No entanto, a medida que recolhíamos mais e mais material - textos de artistas, críticas na imprensa, e, sobretudo, registros iconográficos de quadros -, constatamos um fenômeno, a princípio não suspeitado, que nos encorajou a abandonar inclusive o antigo “recorte” que dizia respeito a um grupo delimitado de pintores. Tratava-se do fato de que, embora normalmente a obra de um determinado pintor, quando analisada isoladamente, apresentasse uma notável diversidade interna - que muitos de nossos estudiosos designaram com o rótulo de ecletismo -, significativas recorrências formais podiam ser encontradas quando comparávamos a produção de artistas distintos. Tal fato parecia apontar para a existência de uma mais ampla sistemática de produção, que somente em parte, já então acreditávamos, podia ser satisfatoriamente explicada como o resultado da formação artística em comum desses pintores, a qual discutiremos com mais detalhes nos três primeiros capítulos que se seguem. Ao refletir sobre as amplas perspectivas de pesquisa que tais recorrências formais implicavam, lembramos de ter experimentado uma sensação vagamente semelhante à vertigem. Porém, ainda que não nos considerássemos suficientemente competentes para destrinchar todos os aspectos de tal tema vasto e complexo, as questões que este levantava exigiam uma explicação, mesmo que parcial e provisória. O capítulo final da presente tese procura justamente apresentar o resultado de nossos estudos a esse respeito. Por enquanto, todavia, nos deteremos em alguns aspectos mais gerais da fortuna crítica relativa ao nosso objeto de estudo. 3 Esses pintores eram, a princípio, doze: Lucílio de Albuquerque; Helios Seelinger; João Timótheo da Costa; Rodolpho Chambelland; Artur Timótheo da Costa; Mário Navarro da Costa; Carlos Chambelland; Georgina de Albuquerque; Augusto José Marques Júnior; Pedro Bruno; o citado Guttmann Bicho; e Henrique Cavalleiro. VERSÃO NÃO REVISADA 4 2. Em diversas de suas motivações e aspectos, podemos dizer que o presente trabalho se insere em uma tendência mais geral da historiografia de arte brasileira, que tem, nas últimas duas décadas, procurado promover uma avaliação mais adequada das correntes artísticas oriundas da Academia no final do século XIX e início do século XX . A expressão arte acadêmica, que utilizaremos com freqüência nas páginas que se seguem, é aqui entendida em seu sentido estritamente institucional, ou seja, como aquela arte que é produzida por agentes ligados ao sistema acadêmico de ensino, produção e vinculação artísticas4. A reavaliação de tal produção, não é demais recordar, se tornou necessária quando alguns dos principais pressupostos que embasavam os estudos anteriores a respeito do tema foram colocados em xeque. Como é notório, na Europa e nos Estados Unidos, a “vitória” estética do Modernismo, pressentida já após a 1ª Guerra Mundial e efetivada em meados do século passado, influiu poderosamente nos critérios de seleção dos historiadores e críticos sobre a arte oitocentista. Por um longo período, a atenção daqueles debruçados sobre a arte produzida a partir da segunda metade do século XIX especialmente a francesa, vista como a mais “avançada” do período -, voltou-se quase exclusivamente para as correntes impressionistas e pós-impressionistas, conhecidas no seu tempo como independentes, termo que as definia justamente em função de sua relação com as instituições artísticas e governamentais. Como resumiu certa feita Robert Roseblum, “Manet e os impressionistas, Seurat, Cézanne, Gauguin e Van Gogh, faziam figura de profetas solitários em um deserto de pintura ruim, anunciando, como heróis solitários que combatiam o establishment, a vinda da pintura moderna”5. (Abrindo parênteses, gostaríamos de salientar que a noção de Modernismo na pintura, a qual faremos referência durante todo o presente trabalho, é aquela conhecida, segundo a qual a pintura moderna se caracteriza pela sua autonomia e seu caráter auto-crítico, bem como pela sua independência com relação a natureza e, também, com relação às demais artes. Tal noção encontrou a sua mais difundida formulação nos anos 1940, nos célebres textos do crítico norte-americano Clement Greenberg, que postulava, como conseqüência extrema do movimento moderno, a 4 Como pontuou Sônia Gomes Pereira a esse respeito: “Acadêmico é certamente um sistema de ensino ou de produção, é também uma postura do artista diante de sua obra, mas não é propriamente um estilo” (PEREIRA, Sonia Gomes. A Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro: Ensino Artístico e Arte Brasileira nos Séculos XIX e XX. Projeto de pesquisa para a reformulação do Museu da Escola de Belas Artes - D. João VI/UFRJ, 2002 (Texto não publicado). 5 "Manet et les impressionistes, Seurat, Cézanne, Gauguin et Van Gogh faisaient figure de prophètes dans une désert de mauvaise peinture, annonçant, en héros solitaires qui combattaient l'establishment autour d'eux, la venue d'art moderne" (ROSENBLUM, Robert. “Recostruire la peinture du XIXe siécle”. In Le Débat, nº 44, março-maio 1984, p.85). VERSÃO NÃO REVISADA 5 eliminação, em cada arte, de “todo e qualquer efeito que se pudesse imaginar ter sido tomados dos meios de qualquer outra arte ou obtido por meio deles. Assim cada arte se tornaria 'pura' e nessa 'pureza' iria encontrar a garantia de seus padrões de qualidade bem como de sua independência”6. Esse modelo de interpretação teve reflexos em todo mundo e a sua adoção no Brasil fez com a nossa arte acadêmica caísse em um quase total ostracismo; tal fato era ainda mais marcante no que se referia à pintura da 1ª República, por ter sido ela contemporânea e por, supostamente, se opor às correntes renovadoras da arte brasileira. Muito da obscuridade que pesa sobre a atuação da ENBA no período aqui abordado é, assim, um sintoma desse notório antiacademicismo7: popularizado pelos nossos primeiros modernistas - que, certamente, possuíam uma visão de Modernismo bem mais singela do que a acima referida -, se associou à ENBA da 1ª República a imagem de uma instituição retrógrada, avessa a quaisquer inovações estéticas e alienada da realidade brasileira. Tal imagem, que na verdade começou a ser forjada já nas décadas finais do século XIX, podendo ser observada na pena dos então críticos da instituição8, se tornou uma das peças centrais daquilo que poderíamos chamar “mito fundador” do Modernismo brasileiro. Bem mais do que uma constatação imparcial do verdadeiro caráter da ENBA, essa imagem poderia ser melhor compreendida como a incorporação “de uma idéia força do ideário modernista francês, qual seja, a da exigência de se formular como uma revolta contra as instituições artísticas, contra os mandarins dos Salons”9. Desde os anos 1920, um bom número de nossos mais eminentes intelectuais se valeram de uma retórica análoga àquela das correntes independentes da arte européia que, desde Courbet e os impressionistas, se formulava habitualmente como uma rebelião contra as instituições artísticas estabelecidas, em particular a Académie e a sua contraparte “prática”, a École des Beaux-Arts parisiense. Assim, nossos modernistas enfatizaram uma imagem da ENBA como instituição repressora, contra a qual o antiacademicismo libertário viria se opor heroicamente. A manobra ideológica era clara: desqualificando e diminuindo o academicismo fluminense e enfatizando a sua suposta estagnação estética, os modernistas só 6 GREENBERG, Clement. “Pintura Modernista”. In: FERREIRA, Glória; MELLO, Cecília Cotrin. Clement Greenberg e o Debate Crítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p.102. 7 Cf. MARQUES, Luiz. “Introdução”. In: MARQUES, Luiz (org.). 30 Mestres da Pintura no Brasil. São Paulo: MASP / Rio de Janeiro: MNBA, 2001, pp.21-23 (catálogo de exposição). 8 Esse antiacademicismo é, por exemplo, um dos poucos traços constantes do pensamento crítico de Luis Gonzaga Duque-Estrada e pode ser detectado também no círculo de intelectuais ligados à célebre Revista Illustrada, como Angelo Agostini; a esse respeito, ver SILVA, Rosangela de Jesus. A crítica de arte de Angelo Agostini e a cultura figurativa do final do Segundo Reinado. Campinas, SP: [s.n.], 2005 (Dissertação de Mestrado). 9 MARQUES, Luiz. Op. cit., p.23. VERSÃO NÃO REVISADA 6 poderiam, por contraste, sair exaltados. Nossa historiografia de arte se viu então clivada por uma “periodização maniqueísta”, nos dizeres de José Carlos Durand, segundo a qual: “tudo que se refere à fase acadêmica como que lembra conformismo, subserviência ao estrangeiro e conservação estética, e tudo que diz respeito ao advento do Modernismo como que se recobre de criatividade, ousadia e autenticidade nacional”10. 3. No Brasil, portanto, o processo de “ocultamento” da pintura da 1ª República se encontra estreitamente relacionado à ascensão das tendências modernistas, especialmente aquelas oriundas do Estado de São Paulo. Sabe-se, todavia, que as razões para esse estabelecimento praticamente hegemônico de artistas modernistas brasileiros no nosso panteão artístico transcendem o campo daquilo que é puramente estético. Já há algumas décadas, referindo-se ao caso mais específico das letras brasileiras, Sergio Micelli assim se expressou a respeito dessas razões: Embora tenham sido os responsáveis pela importação das vanguardas européias depois da Primeira Guerra Mundial – o Surrealismo, o Futurismo, etc. -, tal fato por si só não dá conta da vitória política com que [os modernistas] consolidam a sua posição no campo artístico. A nova hierarquia das legitimidades que acabaram por fazer prevalecer teve, de início, o respaldo do trabalho político-ideológico que desenvolveram em favor da burguesia paulista e em seguida, por força de seu envolvimento nos aparelhos do Estado durante o período Vargas. Não fosse tal papel político, o “destino” social e intelectual dos modernistas poderia ter sido semelhante ao dos simbolistas brasileiros relegados no campo intelectual a despeito da importação de um novo paradigma estético.11 Embora sejamos obrigados a guardar algumas reservas com relação a essa fala Miceli - em especial, ao uso do verbo “importar”, que confere à atitude de nossos artistas uma passividade excessiva, que procuraremos relativizar em algumas partes do que se segue -, é possível, em grande medida, transferir suas considerações para o campo das pintura, o nosso principal foco de interesse. Cumpre fazer aqui, portanto, uma primeira objeção aos acima referidos critérios de seleção modernistas, fundados na idéia de autonomia da arte: para avaliar adequadamente a pintura da 1a República, é necessário não esquecer a íntima relação então estabelecida entre fenômenos estéticos e extra-estéticos, que, como veremos, era fundamental para a definção da própria configuração das obras de então. 10 DURAND, J. C. Arte, privilégio e distinção: artes plásticas, arquitetura e classe dirigente no Brasil, 1855/1985. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1989, p.5 11 MICELI, Sérgio. Poder, sexo e letras na República Velha (Estudo clínico dos anatolianos). São Paulo: Perspectiva, 1977, p.83, nota 21. VERSÃO NÃO REVISADA 7 Em um caso algo análogo, o da pintura francesa de meados do século XIX, uma exposição detalhada de como os novos cânones estéticos se encontravam, na sua afirmação, estreitamente vinculados a outros interesses sociais pode ser encontrado no estudo ainda hoje fundamental de Harrison e Chyntia White, Canvases and careers: institucional change in the french painting world (1965)12. Conjugando história da arte e sociologia, o casal de teóricos norte-americanos verificou que a afirmação das tendências independentes na França a partir do Impressionismo se encontrava estreitamente relacionada com as mudanças mais gerais ocorridas neste país a partir do Segundo Império. Estas levaram, no âmbito da pintura, à progressiva substituição do sistema institucional acadêmico por um outro, que eles designaram pela expressão sistema marchand-crítico (dealer-critic system). Relativizando a versão “heróica” segundo a qual as correntes estéticas independentes teriam se imposto graças exclusivamente à força persuasiva de suas propostas estéticas supostamente inovadoras, os White frisaram a importância das modificações do contexto social e técnico francês, bem com do novo status adquirido pelo artista naquela época13. Dessas modificações por eles descritas, resultou o crescente interesse por uma arte na qual certas características formais (o aspecto decorativo e “abstrato” das obras) e certos temas (em especial, a pintura de gênero e de paisagem) passaram a ser amplamente valorizados; paralelamente, fatores como a individualidade, a especialização e a constante renovação da produção dos artistas foram igualmente incentivados. A empreitada dos White possui muitos pontos em comum com aquela mais recente, referente às letras francesas, desenvolvida pelo sociólogo Pierre Bourdieu em seu livro Les régles de l'art: genèse et structure du champ litéraire (1992)14. Em obras como essa e outras15, Bourdieu refina a sua noção de campo - interessante, ao nosso ver, por evitar, simultaneamente as armadilhas de uma noção de desenvolvimento autônomo das artes em um sentido idealista, por um lado, e de um o socialismo primário, por outro. No nosso entender, as obras acima citadas, bem como os métodos nelas empregados, podem servir como referência para uma abordagem que considere a natureza específica da produção artística brasileira da 1a República, bem como a sua relação com a série de fatores extra-estéticos que Cf a edição francesa: WHITE, H. & C. La carrière de Peintres au XIXe siécle. Paris: Flammarion, 1991. 13 Cf. em especial o capítulo III , “L’emergence d’un nouveau système”. In: WHITE, C. & H. Op. cit., pp.87-114. 14 Cf. a tradução brasileira: BOURDIEU, Pierre. As Regras da Arte: Gênese e Estrutura do Campo Literário. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 15 Por exemplo, BOURDIEU, Pierre. “O mercado do bens simbólicos”. In: A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987, pp.99-181. 12 VERSÃO NÃO REVISADA 8 com ela dialogam dialeticamente. Aqui, porém nossos interesses teóricos tomarão uma direção algo diversa. 4. Na contra-corrente das críticas modernistas acima referidas, já a partir do início da década de 1960, era possível entrever uma reviravolta no que se referia à fortuna crítica da arte acadêmica e oficial no 1º Mundo, e que poderíamos classificar como talvez a mais marcante ocorrida durante o curso da história da arte ocidental mais recente. Essa reviravolta foi caracterizada por uma progressiva ampliação do interesse pela real variedade da pintura das décadas finais do século XIX e início do XX, que, em um impressionante crescendo, não se deteve nem mesmo diante das manifestações mais convencionais da Salon Art tão execrada pelos modernistas. As razões para essa aparentemente caprichosa inversão de gosto foram as mais variadas, a principal parecendo estar vinculada à própria implosão do ideário modernista, particularmente perceptível em áreas como a arquitetura e o urbanismo - ou, como resumiu Pierre Vaisse, a instauração “do reino da história, depois da extinção progressiva de uma fé”16. O adensamento do pensamento crítico resultante desse fenômeno logo pôs em questão a tradicional genealogia da arte do século XX, fundamentada na noção de uma evolução que procederia por saltos sucessivos (o “encadeamento das vanguardas”). Mudanças ocorridas no próprio front operacional da arte foram também fundamentais nesse processo, como observou Antonio Pinelli em sua introdução ao célebre livro de Nicolaus Pevsner sobre as academias de arte: da mesma maneira como o desprestígio da arte acadêmica - e, de uma maneira mais ampla, da própria idéia de ensino artístico -, atingiu seu ponto culminante no imediato segundo pós-guerra, simultaneamente ao predomínio quase absoluto de poéticas neo-românticas (expressionismo abstrato, arte informal, etc.), a retomada do interesse pela arte oficial oitocentista, a partir dos anos 1960, encontrava-se em sintonia com a emergência de novas poéticas que não mais punham no centro de seus programas a criatividade, a originalidade ou a expressão individual do artista17. Essa mudança de gosto encontrou confirmação em diversos fatores. No prefácio recente de seu famoso livro The academy and french painting in the 16 “Le début du régne de l'histoire, après l'extiction progressive d'une foi” (VAISSE, Pierre. “L’esthetique du XIXe siècle: de la légende aux hypothéses”, Le Débat, nº 44, março-maio 1987, p.90); para um balanço a respeito do renovado interesse pela Academia, remetemos ainda à Introdução do mesmo Pierre Vaisse em seu livro La IIIe Republique et Les Peintres. Paris: Flammarion, 1995. 17 Precedido pelo surrealismo e sua celebração “perversa” dos pompiers, foi este caso, da minimal art, da op art, da pop art e que chegou ao ápice, ainda nos anos 1980, com “a implosão de nostalgias passadistas e o difuso direcionamento ‘pós-moderno’ às mídias tradicionais” (PINELLI, Antonio. “Inrodução à edição italiana (1982)”. In: PEVSNER, Nicolaus. Academias de arte: passado e presente. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.44). VERSÃO NÃO REVISADA 9 nineteenth-century (1971), ao qual voltaremos a nos referir, o historiador de arte norte-americano Albert Boime enumerou alguns deles: A fundação, em 1980, da New York Academy of Art, cujo propósito era reviver o curriculum da École des Beaux-Arts; as numerosas monografias e exibições devotadas aos Salons e aos mestres acadêmicos; a abertura, em dezembro de 1986, do novo Musée d'Orsay em Paris, que exibe realistas clássicos ao lado de pintores vanguardistas18; e o revival da pintura figurativa e narrativa.19 No que se refere à arte francesa, por muitos tida como a principal responsável pelas inovações estéticas verificadas já a partir do início do século XIX, o desinteresse anterior pela produção artística às margens das vanguardas foi substituído por uma atenção detida que revelou centenas de artistas, cujo conhecimento é valioso não só na medida em que permite uma melhor compreensão dos mestres já consagrados, como, principalmente, pelo fato de trazer de volta à luz obras que possuem uma qualidade e um encanto em si mesmas. Simultaneamente, esse novo olhar mais compreensivo revelou, em outros países, o valor de um corpus artístico bastante variado, não redutível às tendências estéticas francesas, e composto por, entre outros, os macchiaioli na Itália, a escola nazarena na Alemanha, os pré-rafaelitas na Inglaterra, os simbolistas no norte e leste europeus - só para citar alguns grupos cuja reputação hoje excede claramente as fronteiras de seus próprios países. 5. No Brasil, como não poderia deixar de ser, um fenômeno análogo de mudança de gosto vem se verificando nas últimas décadas. Sem pretensão à exaustão e frisando que nossas considerações a respeito do pensamento dos estudiosos citados são pontuais, gostaríamos de traçar um breve panorama dessa revisão crítica suscitado com relação à pintura acadêmica fluminense - panorama esse que, especialmente no tocante ao período oitocentista, já foi esboçado por autores como Sônia Gomes Pereira, entre outros20. Alguns exemplos muito claros da relativização dos preconceitos críticos elaborados pelos modernistas podem ser encontrados em estudos relativamente 18 A respeito do Musée d'Orsay, cf. a coletânea de textos em Le Débat, nº 44, março-maio 1987. “The founding in 1980 of the New York Academy of Art, whose purpose was to revive the curiculum of the Ecole des Beaux-Arts; the numerous monographs and exhibitions devoted to Salon and other academic masters; the opening in December 1896 of the new Musée d'Orsay in Paris, which features classical realists alongside avant-garde painters; and the revival of figurative and narrative painting” (BOIME, Albert. “Preface to the 1896 Edition”. In: The academy and french painting in the nineteenth century. New Haven/London: Yale university Press, 1896, vii). 20 A esse respeito, cf. PEREIRA, Sônia Gomes. “Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro: revisão historiográfica e estado da questão”. In: Revista Arte & Ensaios. Rio de Janeiro: PPGAV EBA/UFRJ, n.8, 2001, pp.72-83. 19 VERSÃO NÃO REVISADA 10 recentes, como o citado texto de Luiz Marques que figura no catálogo da exposição 30 mestres da Pintura no Brasil (2001), ou o de Paulo Herkenhoff apresentando a Coleção Fadel em uma de suas últimas exposições (2002)21. Tais textos são paradigmáticos dos novos olhares lançados sobre a produção acadêmica da 1a República por colocarem em xeque a crença em uma ruptura radical nas artes brasileiras, cujo “divisor de águas” seria justamente a Semana de Arte Moderna de São Paulo de 1922 - nesse sentido, como bem diz Luiz Marques: “é antes de se crer que, felizmente, a crítica de um certo modelo modernista de reconstrução do passado não faça, hoje em dia, senão arrombar portas abertas”22. Por permitem um acesso direto às obras, um dos instrumentos privilegiados da reavaliação estética em curso são as exposições versando sobre a arte acadêmica. Os textos de apresentação desses catálogos, como os que citamos no parágrafo anterior, são, não raramente, valiosos: dois outros exemplos são aqueles escritos por Luciano Migliaccio, um para o catálogo da Mostra do redescobrimento, realizada em 200023, e outro para a referida exposição 30 mestres da Pintura no Brasil, no qual o professor de história da FAU/USP procura evidenciar o papel central desempenhado por Rodolpho Amoêdo no contexto artístico-pedagógico da pintura da 1a República24. Mas obras bem anteriores já apontavam um caminho análogo: poderíamos citar a História da pintura brasileira do século XIX, de Quirino Campofiorito25, e algumas das obras de referência dedicadas aos artistas brasileiros, em especial o Dicionário crítico da pintura no Brasil, de José Roberto Teixeira Leite26. Esses dois autores já apresentam uma visão bem mais nuançada a respeito da produção acadêmica da 1a República brasileira do que a tabula rasa modernista; em seus textos, em geral, os pintores do período são vistos como elos fundamentais no processo de renovação da pintura brasileira e como elementos decisivos para a introdução e/ou expansão de novos procedimentos estéticos e de novas temáticas, bem como para a transformação da disciplina acadêmica. Nesse processo, a atuação pedagógica dos artistas que aqui abordaremos é igualmente exaltada. 21 HERKENHOFF, Paulo. Arte Brasileira na Coleção Fadel: da Inquietação do Moderno à Autonomia da Linguagem. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, 2002 (Catálogo de exposição). 22 MARQUES, Luiz. Op. cit., p.21. 23 MIGLIACCIO, Luciano. “O século XIX”. In: AGUILAR, Nelson. Mostra do Redescobrimento: Século XX / Fundação Bienal de São Paulo. São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000. 24 MIGLIACCIO, Luciano. “Rodolfo Amoedo. O mestre, deveríamos acrescentar”. In.: MARQUES, Luiz (org.). 30 Mestres da Pintura no Brasil. São Paulo: MASP / Rio de Janeiro: MNBA, 2001 (Catálogo de exposição). 25 CAMPOFIORITO, Quirino. História da Pintura Brasileira no Século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983. 26 LEITE, José R. T. Dicionário Crítico da Pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988. VERSÃO NÃO REVISADA 11 Campofiorito, por exemplo, inclui diversos destes no grupo que “sustentará as melhores condições para a pintura brasileira nesse terço de século”27 e passa a ser notório, como afirma Walmir Ayala, que eles aportam “os valores mais fecundos do período de transição da consciência artística nacional, do colonialismo à autonomia”28. Outros teóricos defendem igualmente a relativização da noção de solução de continuidade entre “acadêmicos” e “modernos”. Nesse sentido, poderíamos lembrar aqui igualmente de Carlos Zílio que demonstra, por exemplo, como preocupações centrais do ideário modernista especialmente as idéias de progresso (atualização) e de identidade nacional (nacionalismo) já se encontravam presentes nas discussões estéticas acadêmicas29. Hoje em dia, é também comum se reconhecer que uma certa consciência da autonomia da pintura já se encontrava madura entre os pintores oriundos da ENBA durante a 1a República. Paulo Herkenhoff, por exemplo, defende a idéia de que entre nossos acadêmicos é mesmo possível encontrar obras que revelam “uma consciência moderna da superfície mais radical do que tudo que se exporia na Semana [de 22]”30. Essa opinião é partilhada por outros, como Tadeu Chiarelli, que, em diversos de seus textos, cita a pintura de alguns artistas oriundos da ENBA como portadora de uma fatura mais “moderna” do que aquela encontrada na obra de nossos próprios modernistas31. Além desses aspectos mais genéricos do debate, é importante fazer referência às monografias abordando artistas particulares ou grupos que tiveram uma relação mais ou menos estreita com a ENBA no período tratado. Nesse sentido, ainda na década de 1980, a editora fluminense Pinakotheke lançou uma série de livros sobre pintores brasileiros: .destes, talvez os mais célebres sejam os do pesquisador Carlos Roberto Maciel Levy que analisou, em especial, a contribuição do pintor de origem austríaca Georg Grimm e de alguns de seus discípulos32, em especial Antonio Parreiras33 e Giovanni Battista Castagneto34, para 27 CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit., p.227. AYALA, Walmir. Georgina de Albuquerque. Rio de Janeiro: Galeria de Arte MG, 1983, p.02 (Catálogo de Exposição). 29 ZILIO, Carlos. "A modernidade efêmera: anos 80 na Academia". In: 180 anos da Escola de Belas Artes – Anais do Seminário EBA 180. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998. 30 HERKENHOFF, Paulo. Op. cit., p.25. 31 Cf. por exemplo, CHIARELLI, Tadeu. “Entre Almeida Jr e Picasso”. In: FABRIS, Annateresa (org.). Modernidade e Modernismo no Brasil. São Paulo: Editora Mercado das Letras, 1994, pp.57-65. 32 LEVY, Carlos Roberto Maciel. O Grupo Grimm: Paisagismo Brasileiro no século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1980. 33 LEVY, Carlos R. M. Antônio Parreiras (1860-1937): pintor de paisagem, gênero e história. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1981. 34 LEVY, Carlos R. M. Giovanni Baptista Castagneto (1851-1900), o pintor do mar. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982. 28 VERSÃO NÃO REVISADA 12 a renovação na cena artística fluminense, pelo viés da prática da pintura de paisagem ao ar livre. De maneira análoga, a produção de dissertações e teses universitárias tem mostrado um interesse sempre renovado pelos pintores acadêmicos do período. Aqui não faremos mais do que indicar alguns trabalhos mais acessíveis ao público em geral, dentre outros tantos35, como a tese de Ana Maria Tavares Cavalcanti que aborda a dinâmica dos prêmios de viagem na AIBA e, em particular, a obra de Elisêo Visconti em sua relação com a França36, e a já referida tese de Caleb Faria Alves sobre a trajetória artística do pintor paulista Benedito Calixto - que, apesar de tratar de um artista cuja atuação é relativamente independente do contexto da ENBA, não deixa de fornecer indicações valiosas a respeito da configuração do campo artístico fluminense de finais do século XIX e início do XX. Ainda para termos uma idéia da amplitude do processo de “reabilitação” da arte figurativa do período aqui em pauta, é importante lembramos que este tem atingido inclusive outros agentes da cena artística brasileira, em especial os caricaturistas e os críticos de arte. Ana Maria de Moraes Belluzzo, por exemplo, em seu livro Voltolino e as raízes do Modernismo no Brasil, evidencia como diversas inovações estéticas que foram exploradas na caricatura e na charge, gêneros menos sujeitos às sanções estéticas estabelecidas, foram depois aplicadas às outras artes como a pintura37. No que se refere aos críticos de arte, cumpre lembrar as reedições de textos do célebre escritor Gonzaga Duque38, e nos trabalhos de Vera Lins a ele dedicados. Por sua vez, o citado Tadeu Chiarelli, em Um jeca nas vernissages, estudou a atuação de Monteiro Lobato como crítico de arte, demonstrando a coerência de seu partido estético que, de forma alguma, reduzia-se ao conservadorismo e à insensibilidade com relação às novas correntes artísticas, concepção ainda hoje muito difundida e tendenciosamente elaborada a partir da célebre crítica de Lobato à exposição de Anita Malfatti de 191739. Também nesse último aspecto, a produção universitária tem sido representativa40. 35 A esse respeito, cf. PEREIRA, Sônia Gomes; DAZZI, Camila (org.). Catálogo de Dissertações e Teses da Pós-Graduação Brasileira relacionadas com a História da Arte 1996-2002. Rio de Janeiro: CBHA, 2003. 36 CAVALCANTI, Ana M. T. Les Artistes Brasiliens et “Les Prix de Voyage en Europe” a la Fin du XIXe Siécle: Vision d’ensemble et étude approfondie sur le peintre Eliseu D’Angelo Visconti (1866-1944). Université de Paris I - Pantheon-Sorbonne, 1999 (Tese de Doutorado). 37 BELLUZZO, A. M. M. . Voltolino e as raízes do Modernismo. São Paulo: Marco Zero, 1992. 38 Cf. DUQUE ESTRADA, Luis G. A arte brasileira. Campinas: Mercado das Letras, 1995; e Graves e frívolos. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1997. 39 CHIARELLI, Tadeu.Um Jeca nos Vernissages. São Paulo: EDUSP, 1995. 40 Cf. MENDONÇA, Aureo Guilherme. A Crítica de Arte no Brasil em fins do século XIX e início do XX: Gonzaga Duque e Angyone Costa. Rio de Janeiro: Pós Graduação da Escola de Belas Artes/UFRJ, VERSÃO NÃO REVISADA 13 Por fim, não podemos deixar de mencionar, mesmo que brevemente, a atuação do mercado de arte brasileiro que tem contribuído decisivamente para a valorização da produção acadêmica da 1a República. Não por acaso, ainda na década de 1970, quando a fortuna crítica desses pintores começou a se alterar, surgiram simultaneamente exposições em museus e galerias particulares. Nesse sentido, devemos remeter para a atividade de diversas casas de leilão de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte, que comercializam freqüentemente e com destaque obras de boa qualidade dos pintores aqui abordados41. De certo, falta-nos, no que se refere a essa questão, um estudo quantitativo sobre o montante de telas comercializadas, bem como das cotações por elas atingidas, o que poderia nos fornecer um perfil mais exato da amplitude da valorização dos pintores acadêmicos da República Velha no mercado artístico atual. Todavia, por si só, esse movimento parece revelar que existe um interesse incontestável pela produção do período, não só por parte de colecionadores privados, como também por parte dos responsáveis por coleções públicas. 6. Todavia, as avaliações mais recentes, apesar de sem dúvida contribuírem para um julgamento mais justo da pintura acadêmica da 1a República, tendem a frisar negativamente as supostas “limitações” das obras dos artistas fluminenses. Estas se evidenciam de maneira mais nítida quando as obras dos brasileiros são diretamente comparadas com a produção européia do mesmo período, que coincide com o surgimento, a partir da segunda metade do século XIX, das correntes independentes (impressionismo, divisionismo, simbolismo) e, já no século XX, das vanguardas modernas (expressionismo, cubismo, futurismo, etc.). Tais avaliações, no nosso entender, levantam problemas teóricos com relação a alguns tópicos, dois dos quais - a) a relação da arte brasileira com a européia; b) os rótulos classificatórios pretendemos discutir aqui mais detidamente. 7. É fato notório a relação da cultura brasileira com a européia, desde os tempos de colônia. Principalmente a partir do século XIX, o diálogo com a francesa foi um dos mais importantes nesse sentido42. No que nos interessa mais de perto, sabemos, 1997 (Dissertação de Mestrado); GRANGEIA, Fabiana de Araujo Guerra. A critica de Arte em Oscar Guanabarino: Artes plásticas no século XIX. Campinas: Programa de Pós-graduação em História IFCH/UNICAMP, 2005. (Dissertação de Mestrado). 41 Uma boa fonte são os catálogos de casas de leilão como a Bolsa de Arte, Evandro Carneiro, Soraya Cals, Renot, entre outras; a esse respeito, pode ser consultado o site http://www.investarte.com/site/scripts/home.asp 42 Ver a série de artigos incluída em FERNANDEZ, Alexandre A. A História Viva Grandes Temas: A herança francesa. São Paulo: Duetto Editorial, 2005. VERSÃO NÃO REVISADA 14 por exemplo, que a AIBA, desde a sua fundação pelos artistas da chamada Missão Francesa, foi pensada tendo como modelo a Académie de Paris - embora, certamente, suas vicissitudes tenham lhe conferido uma fisionomia toda particular. No período da 1a República, como discutiremos com mais detalhes no capítulo 3, era ainda desejado e mesmo quase obrigatório que os artistas fluminenses passassem por um estágio de “aperfeiçoamento” na Europa, que tinha o valor de uma derradeira complementação de seus estudos. Se não é, em absoluto, o caso de negar a relativa ascendência da cultura européia sobre a nossa43, a maneira como esta foi interpretada por diversos de nossos principais teóricos levanta, no nosso entender, questões que necessitam ser discutidas. Muito freqüentemente, a relação Europa/Brasil, entendida no sentido da oposição paradigmática centro/periferia44, se traduz em uma pura e simples submissão do nosso país com relação ao Velho Mundo, e, conseqüentemente, em uma quase total ausência de autonomia da arte aqui produzida. Luiz Marques é talvez o teórico que expresse com mais clareza a versão forte dessa noção de submissão do Brasil/periferia com relação à Europa/centro. Pelo caráter exemplar de suas formulações, julgamos interessante nelas nos determos por alguns momentos. Em texto por nós já citado, Marques postula que a história de toda a arte brasileira - toda, vale ressaltar, e, portanto, não só a da pintura no período aqui abordado -, nada mais é do que um “epifenômeno” da história da arte européia. Na seguinte passagem que transcrevemos, ele expõe sua concepção: História “externa” da pintura no Brasil? Não propriamente, pois não somos concebíveis fora desse sistema. E seria acaso possível concebê-la “de dentro”, se não há a rigor uma história interna dessa pintura, mas apenas a crônica de suas pequenas instituições, de seu público de seus críticos? Se, em uma palavra, o princípio e as condições de inteligibilidade de nossa pintura não resultam da tensão de suas dinâmicas internas?45 Dessa constatação, Marques deduz uma característica pouco lisonjeira para o valor de nossa arte: se o centro (a Europa) é por definição o lugar da criação 43 “Pode-se resumir esse aspecto com uma fórmula: o mundo freqüentou a escola da Europa. Nem sempre por gosto, muitas vezes por força, mas nem por isso deixa de ser verdade que os povos tiveram a Europa como modelo, pelo menos temporário e que a imitaram”. RÉMOND, René. O século XIX 1815-1914. São Paulo: Editora Cultrix, s/d, p.202. 44 Cf, nesse sentido, o estudo do italiano Carlo Ginzburg que aborda a dinâmica da história da arte italiana justamente sobre o prisma da relação centro/periferia (“Arte Italiana”. In: GINZBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1991, pp.6-117) 45 MARQUES, Luiz. Op. cit., p.18; na verdade, a concepção de Marques é ainda mais genérica: “esta característica de ser um epifenômeno da história da arte européia é um lote reservado não apenas ao Brasil, mas à história da arte das Américas (exceção feita à Nova York e Califórnia do último pósguerra) e em menor medida a tantos países de expressão geográfica européia, que ecoam de modo mais ou menos imediato os intercâmbios entre a Itália, a França os Países Baixos, a Espanha e a Alemanha” (Idem, p.18). VERSÃO NÃO REVISADA 15 artística, e a periferia (no caso, o Brasil) significa simplesmente afastamento do centro, não resta senão considerar esta última como sinônimo de atraso artístico, caracterizada pelo funesto, novamente nas palavras de Marques, “descompasso entre a história da arte na Europa e a agenda de atualizações que preside o esforço dos países periféricos”46. Apesar de raramente formulada de maneira tão franca por parte de nossos outros teóricos, a tese de Marques parece, não obstante, estar na base de muitas avaliações críticas a respeito da arte do período aqui delimitado. O topos crítico do “atraso” reaparece freqüentemente nas palavras de Pietro Maria Bardi, Quirino Campofiorito, Tadeu Chiarelli, e de vários outros. Uma lista que apontasse exemplos do emprego de tal idéia seria imensa e nela se encontrariam representados praticamente todos aqueles que trataram, de uma maneira ou de outra, da produção acadêmica fluminense, de modo geral, e da 1a República, em particular. Como conclusão, se valoriza na nossa arte acadêmica, menos a sua qualidade intrínseca do que o seu grau de adequação à arte européia. Ainda mais precisamente, poderíamos dizer que, via-de-regra, só são exaltados entre nossos pintores os chamados “precursores”, aqueles que de alguma maneira contribuíram no processo (eternamente por se fazer...) de atualização da arte brasileira, segundo os padrões europeus. Uma tal postura pode levar facilmente a distorções perniciosas. Uma boa parte dos estudos acima citados - os de C. R. Maciel Levy são disso um bom exemplo - simplesmente escolhem um ou outro nome, procuram alterar lhe a posição numa listagem canônica de artistas, ordenada segundo a participação mais ou menos efetiva no suposto processo de “atualização” de nossa arte, e, não raramente, frisam a sua independência com relação a Academia para melhor realçálo. Fica evidente que, apesar do seu caráter certamente mais inclusivo, tais estudos guardam muito da dinâmica da crítica modernista, que aboliu de seu cânone os acadêmicos, e se assentam em uma distinção valorativa igualmente maniqueísta, ainda que talvez menos evidente. 8. Um outro problema, que, em certa medida, é conseqüência do primeiro, se refere aos rótulos classificatórios empregados para analisar a produção dos pintores que aqui estudaremos. Freqüentemente, a idéias da inexistência de uma “história interna” de nossa pintura acadêmica na 1a República e da sua dependência artística unilateral com relação ao Velho Mundo, levaram os estudiosos a identificar aqui 46 Idem, p.17. VERSÃO NÃO REVISADA 16 apenas aqueles valores e características que foram estabelecidos tendo como base precisamente as características das obras produzidas na Europa, mais particularmente na França47. Dessa forma, os rótulos estilísticos tomados de empréstimo às correntes artísticas européias suas contemporâneas foram usualmente utilizadas para rotular a produção dos pintores fluminenses de outrora. Sem dúvida nenhuma, o mais citado desses rótulos é o de Impressionismo, em função da generalizada prática da pintura ao ar livre entre os artistas da República Velha a qual já nos referimos. Nesse sentido, um teórico como Campofiorito chega a afirmar, sem parecer se importar muito com o caráter redutor de seu enunciado, que “a pintura impressionista [...] passa a imperar na geração que aparece no fim da primeira década do século XX”48. Em especial pintores como Elysêo Visconti, Lucílio e Georgina de Albuquerque foram, sem demais considerações, classificados como impressionistas. De forma análoga, rótulos como divisionismo ou pontilhismo foram também empregadas com relação às obras de, entre outros, João Timótheo da Costa e dos irmãos Rodolpho e Carlos Chambelland, muito especialmente no caso de suas pinturas decorativas. Uma vez que se pressupunha que a pintura fluminense deveria seguir de muito perto a “evolução” dos desdobramentos estéticos do Europa, não constitui surpresa que se tenha procurado detectar, entre nossos artistas, uma progressiva absorção das vanguardas européias sucessivamente surgidas no início do século XX. Dessa forma, influências simbolistas foram encontradas nas obras de Visconti, Lucílio de Albuquerque ou Helios Seelinger; traços “expressionistas” foram observados nas obras de outros pintores - Roberto Pontual se referiu às supostas “tentativas de uma atualização [...] através da absorção de um certo expressionismo”49, observáveis nas obras de João Timótheo da Costa, e Teixeira Leite viu, nas telas “regionalistas” de Carlos Chambelland realizadas a partir da década de 1910, uma “força quase expressionista”50 - ; e, por fim, para Campofiorito, nas marinhas de um pintor como Mário Navarro da Costa, “já seriam o ‘cubismo’ e o ‘fauvisme’, a estrutura e a cor, contribuindo com experiências além da atmosfera impressionista”51. 47 A esse respeito, ver GINZBURG, Carlo. Op. cit., pp.53sg.. CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit., p.253. 49 PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969, p.522. 50 LEITE, José R. T. Op. cit., p.118. 51 CAMPOFIORITO, Quirino. A Visão de Navarro da Costa 1883-1931. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Arte, 1978, p.02 (Catálogo de Exposição). 48 VERSÃO NÃO REVISADA 17 As divergências existentes entre a obra dos brasileiros e as européias evidenciam que o uso de todos esses rótulos importados guardam algo de um empréstimo mal feito. Todavia, usualmente - e cremos que aí reside o maior problema - tais divergências foram interpretadas como uma incapacidade por parte de nossos artistas de compreender as questões estéticas que nortearam os movimentos europeus. Tais interpretações são diretamente decorrentes daquela concepção de uma submissão cultural unilateral a qual nos referimos na parte anterior e que, como nos lembra o historiador italiano Carlo Ginzburg, são recorrentes quando se assume a idéia da submissão das chamadas áreas periféricas: nesses casos, ao se reconhecer que cânones ou padrões estéticos próprios atuam na arte periférica e dominada, esses “são examinados só em relação ao paradigma dominante, com um procedimento que leva facilmente a juízos de decadência, de corrupção, de baixa qualidade, de rudeza, etc.”52. Não por acaso, as avaliações de nossos principais críticos fornecem exemplos abundantes desse tipo de juízo. Campofiorito, por exemplo, se referindo novamente à influência impressionista na arte brasileira, acredita que ela foi aqui atualizada “sem sua inteira autenticidade”, sendo seus “postulados [...] diluídos num contexto em que lhe são adicionados certos preconceitos de técnica e forma e lhes tiram parcela ponderável da expressividade plástica”53; Teixeira Leite, por sua vez, falando de Georgina de Albuquerque aponta o entendimento apenas “singelo” que a artista teria da pintura impressionista54; a esses poucos exemplos, cumpre notar, diversos outros poderiam ser acrescentados (cf. o início do capítulo 4). Uma outra via, menos pejorativa, tomada pelos estudiosos quando percebem a impossibilidade de enquadrar de uma maneira perfeita a pintura fluminense da 1a República na grade dos movimentos europeus, é se valer da categoria estilística conhecida como ecletismo. Normalmente, porém, essa estratégia, embora cômoda, é pouco esclarecedora, já que a própria definição do conceito de ecletismo com referência a pintura do período em questão é vaga e fluida: em geral o ecletismo praticado pelos nossos acadêmicos é compreendido de uma maneira bastante redutora, como uma espécie de compromisso entre a arte acadêmica lato sensu e alguma das correntes independentes, especialmente o impressionismo. 52 GINZBURG, Carlo. Op. cit., p.53. CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit., p.253; em outro momento, Campofiorito volta à carga, ao afirmar que o impressionismo foi “mal assimilado” pelo acanhamento em que seguia nossa pintura no período republicano e refere-se ao que ele considera uma ausência de “atenção rigorosa para com a problemática pictorial” (Idem, p.254). 54 LEITE, José R. T. Op. cit., p.16. 53 VERSÃO NÃO REVISADA 18 Falta de conformidade com relação aos procedimentos estéticos das correntes independentes da arte francesa surgidas a partir da segunda metade do século XIX e/ou prática de um compromisso diluidor das poéticas de tais correntes: como vemos, a postura crítica vigente a respeito da produção acadêmica brasileira, tomando como parâmetro de avaliação rótulo estilísticos tomados de empréstimo à arte européia, praticamente não deixa espaço para uma discussão dos valores intrínsecos que a nossa pintura da 1a República porventura possua. 9. Cremos, todavia, que criticar a produção dos artistas acadêmicos sem a devida contextualização e/ou considerá-la “atrasada” pelo fato de não apresentar resultados análogos aos das correntes independentes ou das vanguardas européias é, além de uma postura um tanto alienada da natureza de nossa pintura, sobretudo pouco apta a compreender suas qualidades específicas. Nossa tese geral a respeito da produção dos pintores oriundos da ENBA na 1a República é, como já se pode antever, contrária às diversas opiniões acima citadas: acreditamos que os resultados alcançados pelos pintores fluminense de então possuem uma lógica e valor intrínsecos e são diferentes dos europeus não por desvios devidos à alguma incapacidade de compreensão, mas sim por escolhas estéticas deliberadas. Estas escolhas são, por sua vez, uma decorrência natural da configuração específica do meio artístico aqui vigente, que possuía a sua própria genealogia, bem como a sua particular exigência de valores - bem diferente, portanto, das européias. Do nosso ponto de vista, igualmente, a produção pictórica da 1a República se apresenta como um momento artístico por direito próprio, não uma simples “transição” para o Modernismo, e necessita de uma abordagem diversa da mera aplicação do instrumental teórico forjado para analisar a arte européia surgida a partir da segunda metade do século XIX. No que se segue, gostaríamos de citar resumidamente alguns principais trabalhos teóricos que orientaram nossa reflexão no sentido dessas teses gerais, e igualmente, de uma outra mais particular, referente à lógica da já referida variedade estilística verificável na pintura da República Velha. 10. A própria história das já referidas vicissitudes da AIBA fornece exemplos de como houve a necessidade de uma reformulação de sua concepção original, inspirada no modelo de ensino artístico francês. Teve que ser criado um novo significado para sua atuação, que se conformava às especificidades sócio-culturais VERSÃO NÃO REVISADA 19 do Brasil de inícios do século XIX, e, portanto, a AIBA estava longe de ser o puro transplante ou implantação de um modelo pré-elaborado externamente. A necessidade de considerar as reformulações sofridas pelos influxos externos parece ser ainda mais premente no período da 1a República: os artistas fluminenses não absorviam passivamente as indicações estéticas européias ou assimilavam sem reflexão aquilo com o que tiveram contato; pelo contrário, de maneira ativa e deliberada, eles filtravam e direcionaram esses influxos, em conformidade com o que julgavam mais proveitoso para suas carreiras profissionais, no contexto do meio artístico local. Este parece ser o ponto ideal para indicarmos a necessidade de questionar um dos pressupostos velados por trás das avaliações correntes a respeito da arte da 1a República, o de influência. Já há mais de vinte anos, o historiador inglês Michael Baxandall, em sua famosa “digressão sobre a noção de influência”, cuja relevância para o leitor brasileiro foi recentemente frisada por Heliana Angotti Salgueiro55, fornecia algumas preciosas indicações de porque e como esse questionamento deveria ser feito: A palavra influência é uma das pragas da crítica de arte. Antes de mais nada, o termo já contém um viés gramatical que decide indevidamente sobre o sentido da relação, isto é , quem age e quem sofre a ação de influenciar: parece inverter a relação ativo/passivo que o ator histórico vivencia e que o observador, apoiado unicamente em suas inferências, deseja levar em conta. Quando dizemos que X influenciou Y, de fato parece que estamos dizendo que X fez alguma coisa por Y e não que Y fez alguma coisa por X. Mas quando examinamos um quadro de qualidade ou um grande pintor, notamos que a segunda relação é sempre a mais ativa e forte.56 E, ainda a respeito dessa necessidade de atribuir a iniciativa da ação ao agente histórico, o historiador inglês concluía com uma analogia: Uma imagem clássica de Hume sobre a causalidade que parece animar muitas discussões sobre a influência, é a de uma bola de bilhar, X, que impulsiona outra bola, Y. Para o nosso jogo, uma imagem melhor seria a do espaço proporcionado por uma mesa de bilhar, na qual estão dispostas muitas bolas – o jogo não é mais o bilhar, mas a sinuca ou o pool – e a partida é jogada numa mesa italiana sem caçapas. A grande diferença é que a tacadeira, ou a bola branca, que impulsiona as demais não é mais X, e sim Y. Toda vez que Y se reposta a X, ocorre uma reorganização de todo o campo do jogo. Y moveu-se propositadamente, impelida pelo taco da intenção, e modifica a posição de X; no fim cada bola está numa nova 55 SALGUEIRO, H. A. “Introdução à edição brasileira”. In: BAXANDALL, Michael. Padrões de intenção: A explicação histórica dos quadros. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p.18 e pp.20-21. 56 BAXANDALL, Michael. Idem, pp.101-102. VERSÃO NÃO REVISADA 20 posição e numa nova relação como todas as demais bolas. [...] As artes são jogos de posição, e cada vez que um artistas sofre uma influência reescreve um pouco a história de sua arte.57 Evitar o uso do capcioso termo influência - “de fundo astrológico”, lembrava Baxandall - é uma precaução de método, que transcende em muito o mero preciosismo terminológico. Essa preocupação não era, todavia, inédita, quando o escritor inglês a formulou. Porém, se suas palavras, certamente bastante lidas e respeitadas em nossas terras, parecem, até hoje, ter aqui ecoado com pouca força, o que não dizer daquelas análogas, escritas há mais de meio século por um teórico como Jan Mukarovsky? Em seu artigo chamado “Função, norma e valor estético como factos sociais” (1936), esse estudioso - oriundo, não por acaso, de um país “periférico”, a antiga Tchecoslováquia - era já categórico a respeito da necessidade de considerar prioritariamente a questão das trocas artísticas do ponto de vista do agente que produz a obra. Sua formulação a respeito da questão era, porém, mais abrangente, ao nos lembrar da necessidade da influência a ser recebida ter de ser preparada pelas condições nacionais, que decidirão do seu sentido e da direcção em que será exercida. Em nenhum caso a influência actua de modo a anular a situação evolutiva nacional, dada não só pela evolução anterior da arte mas também pela evolução anterior e pelo estado actual da consciência social. Por isso ao investigar as influências se tem de levar em conta que os contactos entre as várias artes nacionais se realizam na base da mútua igualdade (e não na de uma subordinação fundamental do influenciado ao influente).[...] Na óptica de cada cultura nacional (e portanto de cada arte nacional), as relações com as culturas (e portanto também com as artes) de outras nações criam uma estrutura unida por relações dialécticas internas que estão em permanente movimento graças aos impulsos da evolução social.58 A partir disso, podemos opor uma séria objeção à tese acima referida de uma subordinação passiva e de caráter unilateral da arte brasileira com relação à européia: as próprias condições específicas no nosso campo artístico foram responsáveis, em todos os momentos de sua existência, por um processo de resignificação mais ou menos evidente das influências externas. No presente texto, levando em conta as precauções acima citadas, nos esforçamos em evitar que, sem a devida contextualização, se incorporem em nossas considerações conceitos formulados em momentos ou locais diferentes dos relacionados ao objeto da pesquisa. Nos resguardamos de postular, por exemplo, os 57 Idem, p.103. MUKAROVSKY, Jan. “Função, norma e valor estético como factos sociais”. Escritos sobre Estética e Semiótica da Arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p.147-148. 58 VERSÃO NÃO REVISADA 21 desenvolvimentos ocorridos na arte européia como um cânone que serviria de compasso para avaliar o valor e o caráter mais ou menos bem-sucedido de nossa arte. Da maneira análoga, procuraremos em diversos momentos contrapor a já referida noção de Modernismo às idéias que circulavam no campo artístico brasileiro na 1a República, demonstrando assim que a primeira não pode pura e simplesmente ser aplicada às realizações pictóricas fluminenses de então, sem que o significado que estas possuíam sejam significativamente distorcidos. 11. Vimos mais acima que as rótulos importados pelos teóricos brasileiros ao classificar a pintura fluminense pictórica da 1a República pareciam pouco adequados para dar desta última uma visão precisa. Todavia, parece-nos que é justamente no âmbito das reflexões mais recentes a respeito de uma desses rótulos, o de ecletismo, que surgiram as indicações mais valiosas para uma melhor compreensão das práticas dos pintores por nós estudados, Diferentemente das considerações modernistas usuais a respeito da pluralidade das tendências estilísticas encontrada na produção acadêmica do período e que nela viam apenas um compromisso e uma ausência de um rigor poético, os estudos mais recentes dispensam à arte oitocentista e do início do século passado uma apreciação mais detida e menos preconceituosa, se esforçando em frisar a coerência de suas práticas estéticas. No campo da arquitetura, teóricos, como o italiano Luciano Patetta59 ou François Loyer60, evidenciaram, de maneira irrefutável, o aspecto unitário e sistemático do ecletismo, bem como o seu caráter de código. Loyer, por exemplo, enfatizou que o ecletismo não deve ser confundido com pastiche, pois a pluralidade de linguagens nele observável é, ao contrário, consciente e necessária aos fins que se propõe, concorrendo para a lisibilidade do conjunto do sistema social do qual ele é uma espécie de tradução construída, eculpida e/ou pintada61. Com relação à arte da pintura, o historiador de arte russo Jan Białostocky já se detivera sobre a questão da convivência simultânea de tendências formais diversas na obra de uma artista ou período. Ele percebera aí, como Patetta e Loyer, a existência de uma sistemática na diversidade que era tributária, em última análise, de um traço de longa duração, presente na teoria da arte ocidental, a saber, a idéia 59 PATETTA, Luciano. “Considerações sobre o Ecletismo na Europa”. In: FABRIS, Annateresa. Ecletismo na arquitetura brasileira. São Paulo: Nobel / Edusp, 1987. 60 LOYER, François. “Ornament et caractère”. In: Le Siécle de l’Ecletisme; Lille 1830-1930. Paris/Bruxelles: Archives d’Architecture Moderne, 1979. 61 Idem, p.67. VERSÃO NÃO REVISADA 22 de que a configuração de uma determinada obra visual deve se adequar ao tema tratado e/ou a função específica que ela deve desempenhar. No início dos anos 1960, Białostocky expusera suas considerações em textos como o seu verbete “Carattere”, para a Enciclopedia Universale dell’Arte (1960)62, e, mais detalhadamente, em um artigo chamado “O problema do ‘modo’ nas artes plásticas: sobre a pré-história e para a sobrevivência da ‘carta dos modos’ de Nicolas Poussin” (1961)63. Nesses textos, o estudioso russo defendia que fossem retomadas as idéias oriundas da teoria da arte antiga, particularmente aquelas expressas pelo pintor seiscentista francês Nicolas Poussin em uma de suas mais célebres cartas: baseado na teoria da retórica e especialmente da música antiga, Poussin postulava que assim como as músicas gregas eram compostos em Modos diferentes, conforme a expressão que se desejava transmitir e/ou a sua função, também uma pintura deveria ser realizado em um Modo apropriado, de maneira a se adequar à natureza do tema nela representado, bem como à sua destinação. As indicações de Poussin foram desenvolvidas por pintores e teóricos posteriores (Roger de Piles, Antoine Coypel, Henri Testelin. Dandré Bardon, etc), o que indica a sua singular vitalidade no âmbito da doutrina acadêmica francesa, em cujos desdobramentos, como já nos referimos, se insere, com todas as suas particularidades, a produção dos artistas por nós estudados. Com base nesses dados, podemos adiantar a tese principal de nosso trabalho, que retomaremos no capítulo final: a pintura fluminense da 1a República constituiu um sistema, no sentido em que a diversidade de estilos nela verificável dialogam entre si e se auto-definem, respondendo à diversidade de seus temas e/ou funções, de uma maneira análoga ao que indica Białostocky em seu texto sobre os Modos ou Patetta e Loyer sobre o ecletismo arquitetônico. Na ausência de uma teoria abrangente e explicitamente formulada a respeito da questão no período aqui analisado, nossa defesa dessa tese se baseará nos depoimentos de artistas e críticos sobre tópicos mais particulares e, sobretudo, na evidência visual fornecida pelas próprias obras. Se, por um lado, seremos os primeiros a evidenciar que a utilização dos Modos pelos pintores no período em questão não tinha o caráter de uma doutrina - são freqüentes as exceções ao sistema que aqui proporemos -, por outro lado, cremos, o estado atual das 62 BIAŁOSTOCKY, Jan. Carattere”. In: Enciclopedia Universale dell’Arte. Venezia-Roma: Instituto per la collaborazione culturale, v.III, pp.114-119. 63 BIAŁOSTOCKY, Jan. “El problema del ‘Modo’ em las artes plásticas. Sobre la prehistoria y para la supervivencia de la ‘Carta del Modo’, de Nicolas Poussin”. In: BIAŁOSTOCKY, Jan. Estilo e iconografia. Contribuición a una ciencia de las artes. Barcelona: Barral Editores, 1973, pp.13-38.1973, pp.13-38. VERSÃO NÃO REVISADA 23 pesquisas já permite afirmar que a produção dos pintores da 1a República não era caracterizada por uma incoerência estética, como postularam muitos de nossos historiadores e críticos. Havia, em sua produção pictórica, um componente sistemático que cumpre compreender e o instrumental que procuraremos apresentar com mais detalhes no capítulo final nos parece dos mais adequados para as primeiras empreitadas nessa direção. 12. Por fim, gostaríamos de aqui justificar aquela nossa já referida decisão de não efetuar um “recorte” mais preciso dentro do amplo objeto de análise que é a pintura fluminense produzida no período de quatro décadas durante o qual se estende a 1a República. Esta decisão pode levantar objeções, e certamente possui as suas desvantagens. A principal delas é, como o leitor notará, a impossibilidade virtual de, nas páginas que se seguem, introduzir análises mais aprofundadas de qualquer pintura individual, o que poderia comprometer severamente o fluxo de nossa exposição. Em um artigo famoso64, Jorge Coli enumerava prescrições muito acertadas para a abordagem da arte brasileira do século XIX, que, acreditamos, devem ser estendidas à pintura oriunda da ENBA no primeiro período republicano. Uma dessa prescrições se referia justamente à delicada questão do equilíbrio entre o geral e o particular na nossa história da arte: O que há de mais difícil é fazer a junção entre o particular e o geral. [...] A tendência de muitos estudos sobre arte – e particularmente a do século XIX - é a da generalização. Não é muito fácil, a não ser em algumas publicações universitárias brasileiras mais específicas (felizmente elas vem aumentando em número), encontrar o lugar onde publicar o resultado de pesquisa específica sobre uma obra, sobre uma questão. Falando por experiência pessoal: o convites para conferências, para artigos, para curso, solicitam, na esmagadora maioria, visões panorâmicas, como se o gera não pudesse ser pensado partindo do particular, como se, por exemplo, o estudo de uma obra trouxesse uma visão estreita das coisas. Ora, entender de verdade as artes é sabre vê-las na sua complexidade concreta. Isto para o século XIX surge como definitivamente essencial. [...] para desenvolvermos os estudos que busquem dar a esse universo artístico sua plena significação, não há dúvida, é preciso partir da obra.65 “É preciso partir da obra”, defende Coli - e da obra na sua individualidade, como ele bem exemplifica em alguns de seus próprios trabalhos66; outros estudiosos 64 COLI, Jorge. “Como estudar a arte brasileira do século XIX?”. In: O Brasil redescoberto. Rio de Janeiro, 1999 (Catálogo de exposição), pp.124-131. 65 Idem, p.131. 66 COLI, Jorge. A Batalha de Guararapes de Victor Meirelles e suas relações com a pintura internacional. Campinas, Tese de Livre-Docência em História da Arte, IFCH- UNICAMP, 1997. VERSÃO NÃO REVISADA 24 brasileiros expressam opinião um tanto análogas67. A postura dos mesmos parece refletir uma tendência dominante no campo atual da história da arte, a da especialização e repartição das competências. Ainda no final dos anos 1980, Eugene Kleinbauer se referiu, não sem uma ponta de desapontamento, a essa marcante tendência à especilização, verificável na historiografia artística, compreendendo-a como tributária em grande parte do impacto de atitudes oriundas do campo das ciências: Hoje, a história da arte é, no seu conjunto, empírica e específica mais do que especulativa e extensiva. [...] Eles [os historiadores da arte] se sentem compelidos a combinar a experiência perceptiva ordinária com proceimentos indutivos. Adotando as ferramentas do método científico, eles observam e acumulam dados, formulando teorias e hipóteses apenas se os dados são repetíveis, como nas controldas experiências de laboratório. Para a história da arte, a consequência de tais atitudes tem sido cautela, ceticismo e, de fato, uma paralisia teórica. Há nos nossos dias uma carência de generalizações aceitas amplamente, e a introdução de novas generalizações e especialmente de novas teorias e hipóteses é muito freqüentemente saudada com mentes fechadas.68 Nossa tese sobre a pintura da 1a Repúbica anunciada mais acima vai claramente contra a especialização dominante na história da arte constatada por Kleinbauer. Já nossas considerações com relação às pinturas individuais, por sua vez, vão em um sentido oposto ao defendido por Coli: as análises que aqui conduziremos serão bastante pontuais, e as obras consideradas menos na sua individualidade concreta do que como depositárias de manifestações de princípios estruturais bem mais gerais69. Não temos a intenção, de assim prodecedendo, defender como melhor uma abordagem historiográfica que passe à margem da particularização, e nem seria o caso de tentar aqui, de alguma maneira, relativizar a necessidade imprescindível dos estudos mais especializados. Muito pelo contrário, temos plena consciência de 67 Cf. por exemplo, os dizeres de Sônia Gomes Pereira: “Acredito, no entanto, que um avanço mais palpável nessa questão [da arte acadêmica brasileira] deverá resultar de uma abordagem voltada para monografias explorando estudos de caso, sem a pretensão, por enquanto, de generalizações” (PEREIRA, Sônia Gomes. Op. cit., p.73.) 68 “Today, art history is, on the whole, empiric and specific rather than speculative and sweeping. [...] They feel compelled to combine ordinary perceptual experience with inductive procedure. Adopting the tool of scientific methods, they observe and accumulate data and formulate hypotheses only if the data ar repeatable, as in controlled laboratiry experimentation. For the history of art, the consequences of such attitudes has been cautioness, skepticism, and indeed theoretical paralysis. There is in our day a dearth of widely accepted generalizations, and the introduction of new generalizations and specially of new theories and hypothesis is too often greeted with closed minds” (KLEINBAUER, W. E. Modern perspectives in western Art History. London/Toronto, 1989, p.35). 69 Como disse Tzvetan Todorov, a respeito da análise estrutural - definição que aplicamos apenas em parte -, “parte-se das manifestações particulares que são as obras para chegar a estruturas (ou propriedades, ou essências, etc.) abstratas que constituem o verdadeiro objeto desse tipo de reflexão” (TODOROV, Tzvetan. Estruturalismo e Poética. São Paulo: Editora Cultrix, 1974). VERSÃO NÃO REVISADA 25 que as abordagens por vezes concisas que aqui faremos de diversos tópicos - a relação entre os pintores e as artes aplicadas e a estrutura do curiculum de pintura da ENBA, no capítulo 1; os parâmetros subjacentes à prática pictórica, - a tradição e a natureza -, no capítulo 2; o sistema de concesão dos Prêmios de Viagem e a consqüente relação dos brasilieros com o campo artístico de diferentes países europeus, no capítulo 3; o sistema de Modos, no capítulo 4 -, deverão necessariamente ser expandidas por pesquisas posteriores. Se essa nossa escolha, devida em última análise à uma certa inclinacão pelo enciclopedismo, é, sem dúvida, criticável, cremos, por um lado, que ela não deixa de ter as suas razões e que, por outro, foi possível em parte compensar as suas limitações lançando mão de outros recursos. Nesse último sentido, viemos desenvolvendo, desde inícios de 2006, juntamente com à historiadora e pesquisadora de arte Camila Dazzi e diversos outros colaboradores, um website dedicado a arte brasileira do século XIX e início do XX: DezenoveVinte (http://www.dezenovevinte.net). Consientes de que o entendimento do período em questão exige um esforço coletivo, nesse endereço eletrônico reunimos artigos de diversos pesquisadores versando sobre os mais variados aspectos do sistema artístico oito-novecentistas: análises de obras particulares, considerações sobre a carreira e a vida dos artistas, discussões sobre o ensino artístico, a crítica de arte do período, etc. Além disso, procuramos disponibilisar um vasto repertório de fontes primárias de todo o gênero que possam ajudar na melhor compreesão da arte acadêmica brasileira, que, se fossem aqui incluídas, aumentariam demasiadamente o volume de nossa tese. Pela sua amplitude e pelo seu caráter de constante expansão, DezenoveVinte confere, através do diálogo entre os textos e documentos nele disponibilizados, uma densidade às análises da arte da 1a República que somente em certa medida aqui conseguimos reproduzir. Todavia, as inúmeras referências que mais a frente faremos ao material disponibilizado em DezenoveVinte comprovam que este último e a presente tese foram, na verdade, pensados como um só e mesmo projeto, e, idealmente, deveriam ser consultados conjuntamente. Por outro lado, com relação às virtudes de nossa escolha de método, cumpre lembrar daquela mudança de paradigma ocorrida no âmbito das chamadas ciências naturais, como a biologia, a psicolgia ou a sociologia, ainda em inícios do século XX: pasou-se então do modo amplamente aceito de analisar os fenômenos a partir das descrições de suas partes - “desde baixo” - , seguido de uma síntese a posteriori, para aquilo que Rudolf Arnheim definiu, a respeito dos trabalhos do psicólogo Max VERSÃO NÃO REVISADA 26 Wertheimer, como “um passo copernicano a um interesse primordial, 'desde cima', relacionado com a estrutura total dos fenômenos”70. Se devemos ser cautelosos com relação àquela formulação unilateral segundo a qual “o todo determina as partes”, ainda mais no caso de um objeto complexo e multifacetado como a pintura fluminense da 1a República, não há como negar que o sistema subjacente a esta relativo, que aqui nos esforçaremos por descrever, pode contribuir para a justa valoração e o melhor entendimento dos nexos entre as suas manifestações individuais. Se o presente trabalho for então encarado como nós próprios o fazemos - menos como um fim em si mesmo, mais como um meio para posteriores desdobramentos - cremos que as suas limitações ganharão um semblante mais perdoável. 70 “Um paso copernicano a un interés primordial, 'desde arriba', relacionado com la estructura total de los fenómenos”. ARNHEIM, Rudolf. “¿Qué es la psicologia de la Gestalt?”. In: Ensayos para rescatar el arte. Madrid: Catedra, 1992, p.203. VERSÃO NÃO REVISADA 27 CAPÍTULO 1 VERSÃO NÃO REVISADA 28 No presente capítulo, iniciaremos nossos trabalhos com uma discussão sobre a relação dos pintores da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) com as chamadas arte aplicadas. Nosso desejo de assim proceder se deve, por um lado, ao fato de que uma boa parte dos artistas que posteriormente se vinculariam à Escola tiveram também algum tipo de formação técnico-artística, e, por outro, porque certas noções que abaixo exporemos - em especial a da valorização das qualidades intrínsecas dos materiais artísticos relacionada estretamente a estética das artes aplicadas -, teriam posteriormente reflexos na pintura da 1a República, aos quais voltaremos a nos referir nos capítulos seguintes, em especial na parte 4.4 do capítulo final. Além disso, aqui procuraremos apresentar uma descrição sucinta dos eventos ocorridos quando da passagem da antiga Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) para a ENBA, na aurora do período republicano. Outrossim, discutiremos aquelas que julgamos ser as principais continuidades e mudanças verificáveis na estrutura e na orientação pesagógica da Escola, bem como as diversas configurações do curriculm do curso de pintura que foram implantadas conforme se sucederam as quatro décadas que compõem o período delimitado no nosso estudo. 1.1 Breves notas sobre a relação entre os pintores da ENBA e as artes aplicadas Iniciar nosso trabalho dedicado à pintura oriunda da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) na 1a República brasileira com apontamenteos a respeito da formação dispensada por outras instituições de ensino artístico fluminenses - a Casa da Moeda e, especialmente, o Liceu de Artes e Ofícios -, é apenas aparentemente uma contradição. Um primeiro argumento que poderíamos levantar em favor desse nosso proceder é o de que a passagem por tais estabelecimentos foi, durante todo período aqui abordado, um estágio comum para diversos aspirantes a pintor. Quirino Campofiorito, aluno da ENBA nos anos 1920, ao descrever a formação de um de seus mestres, Rodolpho Chambelland, lembrou desse fato: Rodolfo Chambelland [...] tem iniciação artística na forma que se repetia ainda, no Brasil, com a quase totalidade dos moços que se dirigiam às artes, já que, como sucedeu até a década de vinte do século corrente [XX], de todos os estados, como era indispensável fazer no tempo do Império, afluíam a capital do país aqueles cuja vocação levava às artes plásticas. Chegados aqui ou aqui nascidos, havia um estágio incidente no Liceu de Artes e Oficios (a Casa da Moeda seria outra opção), como sucedeu a nosso biografado, quando não era possível procurar diretamente ingresso na Escola Nacional de Belas Artes.71 71 CAMPOFIORITO, Quirino. História da Pintura Brasileira no Século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983, p.254. VERSÃO NÃO REVISADA 29 Diversos outros pintores aos quais aqui faremos referência iniciaram igualmente a sua formação artística nessas instituições. No capítulo significativamente intitulado “O Liceu, ninho de artistas”, de seu livro que é ainda hoje consulta obrigatória para os interessados na instituição, Alvaro Paes de Barros listava, sem pretensões de ser exaustivo, uma série de pintores que, “passando pelo curso artístico do Liceu, mais se destacaram depois” - Elysêo d'Angelo Visconti, José Fiúza Guimarães, Carlos Oswald, Gutmann Bicho, Henrique Cavalleiro, Armando Martins Vianna...72 Cremos que a freqüência com a qual, no presente trabalho, se voltará a fazer referência à obra desses e outros pintores igualmente relacionados ao Liceu - alguns dos quais voltaram depois a essa instituição, já na condição de professores -, é, por si só, uma boa medida da sua importância na cena artística fluminense da 1a República. Nesse caso específico do Liceu de Artes e Ofícios, é igualmente necessário recordar que a relevância do mesmo remontava à época imperial, aos meados do século XIX. Instituído pela Sociedade Propagadora de Belas Artes, e fundado em 1858, graças a atuação decisiva do arquiteto, escritor e professor Francisco Joaquim Béthencourt da Silva, um ex-aluno de Grandjean de Montigny, o Liceu foi, durante décadas, a mais importante instituição provedora de ensino técnico-artístico em nível popular do Rio de Janeiro. Seus cusos noturnos eram oferecidos gratuitamente e tinham como missão especial, expressa em seus próprios regulamentos, publicados em 1870, “além de disseminar pelo povo, como educação, o conhecimento do - bello, - propagar e desenvolver, pelas classes operárias, a instrucção indispensavel ao exercicio racional da pratica artistica e technica das arte, ofícios e industrias”73. O Liceu não era simplesmente um curso preparatório da Academia, como afirmaram apressadamente alguns autores74. Não obstante, logo se estabeleu um intenso intercâmbio entre as duas instituições, o que era, por sua vez, um indício seguro do status social e financeiro pouco privilegiado dos pintores na fase final do período imperial e, posteriormente, na 1a República. Como resumiu a esse respeito José Carlos Durand: 72 BARROS, Alvaro Paes de. O Liceu de Artes e Ofícios e seu fundador. Rio de Janeiro, 1956, pp.317sg. 73 Cf. reprodução desse documento nos Anexos de BIELINSKY, Alba C. Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro – dos pressupostos aos reflexos de sua criação – de 1856 a 1900. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais EBA/UFRJ, 2003, p.194 (Dissertação de Mestrado). 74 Cf., por exemplo, o citado Campofiorito (“O Liceu de Artes e Oficios do Rio de Janeiro era a antesala da Academia, e prosseguiu sendo da escola nos primeiros decênios da República”. CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit., p.254). VERSÃO NÃO REVISADA 30 Muitos dos seus alunos [da Academia] provieram do Liceu; vários de seus professores lá se incumbiram de cadeiras de desenho, pintura, modelagem, geometria, etc., para suplementar os vencimentos baixos e algo incertos da Academia. Os cidadões beneméritos que dirigiam a Sociedade Propagadora da Instrução Popular [sic] – a mantenedora do Liceu – costumavam ajudar no ensino, lecionando disciplinas de cultura geral. As profissionais eram confiadas a técnicos, artistas e artesões disponíveis, fossem eles estrangeiros ou brasileiros, estes ultimos comumente formados no próprio Liceu ou na Academia.75 Na década final do Império, como sustenta Alba C. Bielinsky em sua recente dissertação de Mestrado a respeito da instituição, o Liceu era “o mais importante estabelecimento de ensino técnico-profissional no país, e sem rival na América do Sul. Comparável aos poucos existentes nos Estados Unidos e Europa”76. Porém, diferente dos estabelecimentos análogos do hemisfério norte, no Liceu fluminense os preconceitos raciais e sociais eram obstáculos menores para o ingresso, como bem demonstra a inauguração de um pioneiro Curso Feminino, já em finais de 1881. Como rezam seus supracitados regulamentos, no Liceu o ensino estava dividido em duas seções, uma de Sciencias Applicadas, e outra de Artes, que compreendia as mais diversas cadeiras. A listagem dessas últimas, que vale ser aqui reproduzida, incluía: Cadeiras. Dezenho de figura (corpo humano).................................................... 8 a “ geometrico, inclusive as tres ordens classicas.................. 9a “ de ornatos de flores e de animaes..................................... 10 “ de machinas...................................................................... 11 “ de architectura civil e regras de constucção....................... 12 “ de “ naval e regras de constucção..................... 13 Esculptura de ornatos, e arte ceramica.............................................. 14 Estatuaria........................................................................................... 15 Gravura a talho doce, agua-forte, xilographia, etc............................. 16 Pintura (estudos a tempera, estudo particular de diversas tintas, mordentes, vernizes, processos, etc., empregados na pintura, tintura, douradoura etc., de certos artefactos com a demonstração prática)............................................................................................... 17 77 75 DURAND, J. C. Arte, privilégio e distinção: artes plásticas, arquitetura e classe dirigente no Brasil, 1855/1985. São Paulo: Perspectiva, 1989, p.7. 76 BIELINSKY, Alba C. Op. cit., p.114. 77 Cf. os Anexos em BIELINSKY, Alba C. Op. cit., p.194. VERSÃO NÃO REVISADA 31 Prescrevia-se aos professores do Liceu - cuja lista conteve, por períodos mais ou menos longos, os nomes de artistas consagrados no Império, como Victor Meirelles, Décio Villares, Angelo Agostini, Auguste Petit e, já na República, Eysêo Visconti, Raphael Frederico, Fiúza Guimarães ou Raul Pederneiras78 - que ensinassem as matérias das quais eram encarregados de uma maneira que não fosse demasiadamente teórica, mas sim, o mais prática possível. Partia-se dos fundamentos básicos e a ênfase era posta nos aspectos que efetivamente serviriam aos alunos na prática do ofício que já exerciam ou que pretendiam exercer. Nesse sentido, a partir os anos 1890, o Liceu passou a contar inclusive com oficinas, nas quais os alunos podiam se iniciar na experiência das profissões ali ensinadas, cuja ampla variedade se pode depreender das matérias que acima listamos, e que incluía, entre aquelas mais próximas da arte da pintura, as de dourador, decorador, litógrafo e fotógrafo79. Em finais do século XIX, como deixou antever a citação de Campofioriro no início dessa parte, o encaminhamento dos artistas para desempenharem funções no campo das artes aplicadas seria emulado nos cursos de aprendizado profissionalizante promovidos pela Casa da Moeda do Rio de Janeiro. Esta instituição se encontrava então sob a direção de Ennes de Souza, figura que, ao contrário de Béthencourt da Silva, ainda é pouco estudada na historiografia de arte brasileira. Em uma entrevista dada no final dos anos 1920, o pintor João Timótheo da Costa descreveu esse eminente promotor das artes e a maneira como ele permitia que seus contratados, artífices em aprendizagem, muitos dos quais se tornariam depois célebres no meio artístico fluminense, empregassem parte do seu tempo de trabalho complementando a sua formação na ENBA: Ennes de Souza foi, no Brasil, um verdadeiro Mecenas e muitos artistas, só se fizeram taes, porque tiveram a sorte de encontral-o, nos primeiros postos da carreira, quando os golpes fortes da adversidade podem desviar uma vocação. Eu e Arthur [Timótheo da Costa], Rodolpho Chambelland, Eugenio Latour, Calixto Cordeiro, Almeida Junior, Arthur Lucas, talvez só tenhamos conquistado todos os degráos da carreira, devido a Ennes de Souza. Essa grande intelligencia dirigia a Casa da Moeda e com os recursos de que dispunha procurava descobrir, nas creanças, nos aprendizes, nos operários, indícios de intelligencia, inclinação por qualquer arte, para cultival-a, estimulal-a, desenvolvel-a. [...] Nós artistas figurávamos nas folhas de apprendizes e o éramos, de facto, applicando uns a sua actividade em desenhos de machinas, outros em 78 Uma lista abrangente dos professores do Liceu no período compreendido entre 1858, data de sua fundação, e 1900 é apresentado em diversos quadros na já citada dissertação de Alba Bielinsky; cf. BIELINSKY, Alba C. idem, pp.127-147. 79 Cf. BIELINSKY, Alba C. idem, p. 150. VERSÃO NÃO REVISADA 32 desenhos de moedas e sellos, em tudo que fosse obra util e pudesse justificar a nossa presença em folha.80 Essa pequena introdução teve como objetivo principal situar a questão um tanto mais complexa, e que aqui nos interessa mais de perto, da repercussão da orientação ministrada nas instituições profissionalizantes acima citadas sobre a produção dos pintores fluminenses da 1a República. Aqui, nos concentraremos em um aspecto específico dessa questão, que diz respeito, todavia, a um dos próprios fundamentos da ideologia pedagógica de estabelecimentos como o Liceu, a saber, o esforço no sentido de aproximar belas artes e artes aplicadas, minimizando o tradicional hiato entre estes dois campos instaurado no âmbito da teoria artística pós-renascentista. Não que o impulso de aproximar belas artes e indústria fosse inédito no Brasil e, muito menos, estranho ao nosso ensino artístico oficial. Por mais de uma vez, os rumos da Academia de artes fluminense se viram estreitamente entrelaçados aos das artes aplicadas, como bem lembraram autores como o já citado Campofiorito81 e, mais recentemente, Renato Palumbo Dória82 ou Rafael Cardoso Denis, esse último tendo postulado, inclusive, que, desde a fundação da instituição, a atuação de “determinada diretoria ou tendência dentro da Academia/Escola com relação ao ensino técnico pode ser visto como um cata-vento, admiravelmente constante, para discernir em que direção sopram as vontades políticas”83. Nesse sentido, logo nos primórdios da Academia fluminense, era eloqüente o decreto de agosto de 1816, no qual ela se encontrava designada como Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios84, bem como o fato notório de que a Missão Francesa era, na sua maioria, composta de indivíduos ligados a ofícios mecânicos e/ou industriais. Em meados do século XIX, o esforço de promover o ensino artístico com objetivos artesanais e industriais levado a cabo no Liceu de Arte e Ofícios era, em vários aspectos, análogo aquele impulso reformador conduzido, dentro da Academia 80 Citado em COSTA, Angyone. A inquietação das abelhas (O que dizem nossos pintores, escultores, arquitetos e gravadores, sobre as artes plásticas no Brasil). Rio de Janeiro: Pimenta de Mello & Cia, 1927, pp.114-115. 81 CAMPOFIORITO, Quirino. “As artes industriais e as tradições do ensino artístico no Brasil”. In: Arquivos da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, n. IX, 1963, pp.71-76. 82 DÓRIA, Renato Palumbo. “Entre arte e ciência: o ensino de desenho no século XIX”. In: MARTINS, R. A. et alli (edit.). Filosofia e história da ciência no Cone Sul. Campinas: AFHIC, 2004, pp.378-385. 83 DENIS, Rafael Cardoso. “A Academia Imperial de Belas Artes e o ensino técnico”. In: 180 anos de Escola de Belas Artes, Anais do seminário EBA 180. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998, p.181. 84 Que remetia por sua vez, como lembra Palumbo Dória, ao subtítulo da Encyclopédie de Diderot e D'Alembert, publicada em 1751: Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts e des Métiers. VERSÃO NÃO REVISADA 33 fluminense, por Manoel de Araújo Porto-Alegre, durante o breve período de sua administração, compreendido entre 1854 e 185785. Mas foi sem dúvida a articulação entre indústria e criação artística, da maneira como defendida por Béthencourt da Silva e efetivada no Liceu, a iniciativa mais bem sucedida nesse sentido, apesar de suas limitações86. Tal fato pode ser comprovado, de maneira indireta, pela análise da obra dos pintores que tiveram alguma tipo de relação com a prestigiada escola de ensino técnico-artístico, e que, por essa via, acabaria por ter importantes implicações estéticas na produção pictórica fluminense da 1a República. Para entender melhor tais implicações, porém, será necessário fazermos um outro desvio, e considerar, ainda que rapidamente, a relação entre belas artes e artes aplicadas em um contexto mais amplo. Cumpre frisar, logo de início, que essa referida noção de artes aplicadas raramente parece ter tido contornos precisos. As suas variadas designações são, nesse particular, o indicativo da sua inerente ambígüidade: na França oitocentista, por exemplo, a designação artes industriais, como lembra Yvonne Brunhammer, foi a mais comum até 1863, quando passou a ser empregada outra, mais lisonjeira, belas artes aplicadas à indústria87; por volta de meados dos anos 1870, um novo adjetivo - decorativa - passaria a ser freqüentemente associado às artes aplicadas88. No Brasil, no perído aqui delimitado, os diversos termos - utilitária, industrial, decorativa, ou ainda, menor - eram empregados simultaneamente e, por vezes de maneira indiscriminada, para se referir ao mesmo segmento de atividades artísticas. O fato de que esse segmento era, por sua vez, bastante diversificado, pode ser deduzido, por exemplo, de uma passagem do famoso discurso de Rui Barbosa, proferido significativamente no Liceu de Artes e Ofícios, em 1882, por ocasião do 26o aniversário da instituição. Nele, o bacharel agrupou sobre a rubrica de arte 85 Em um discurso proferido em 1856, Porto-Alegre identificava os objetivos da chamada Reforma Pedreira na AIBA, àqueles da Sociedade Propagadora idealizada por Béthecourt da Silva: “a fundação que se acaba de fazer de uma sociedade para propagar o gosto das bellas artes justifica o pensamento da reforma, porque as bases da sua constituição são as mesmas dos nossos estatutos, e não poderão ser outras, porque a experiência e a prática de todos os tempos tem assim ensinado” (Citado em BIELINSKY, Alba C. Op cit ., p.66) 86 “Certamente o Liceu lançou a tempo as premissas para o aparecimento de uma indústria artística; todavia, isso não foi o suficiente para o desenvolvimento significativo dessas atividades. Faltavam o tecido dos ateliês e a tradição artesanal, que poderiam ter substituído a falta de iniciativas industriais. O escasso empenho e os atrasos do Estado na educação básica e na abolição da escravatura, que poderia ter aberto o caminho à integração dos ex-escravos no tecido econômico do país tornavam vãs as tentativas filantrópicas, que no entanto contavam com o apoio do Imperador e de figuras influentes da corte” (MIGLIACCIO, Luciano. “O século XIX”. In: AGUILAR, Nelson. Mostra do Redescobrimento: Século XX / Fundação Bienal de São Paulo. São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000, p.108). 87 BRUNHAMMER, Yvonne. Le beau dans l'utile: un musée pour les arts décoratifs. Paris: Gallimard, 1992, p.18. 88 Cf. o discurso de M. Lameire em 1875: “'L'art qui nous occupe ici' [...] est 'la splendeur de l'utile', Il est 'comme le rayonnement que entoure les objets d'une usage souvent modeste, et le rêvet d'un charme inexprimable” (Citado em idem, p.32). VERSÃO NÃO REVISADA 34 industrial as mais diversas técnicas, como a cristaleria, a vidraria, as tapeçarias, os “trabalhos de agulha”, a marcenaria, a pintura em vidro, a cerâmica, a ourivesaria e os “infinitos modos de reprodução industrial que se acumulam em nosso tempo: a gravura, a litografia, a fotografia, a helioplastia, a galvanoplastia, a moldagem sob os seus vários processos”89. No contexto da teoria da arte acadêmica pós-renascentista, era o status comum à todas essas técnicas - ou seja, o fato delas serem tradicionalmente subestimadas -, o fator que, de certa maneira, as unificava: “a arte menor é aquela na qual o trabalho da mão se sobrepõe a atividade do espírito. É o artesanato, o métier”90. No entanto - e aqui parece estar o nó da questão -, com a chamada Revolução Industrial e a conseqüente produção em massa dos mais variados tipos de utensílio, a definição do estatuto das artes aplicadas, acabaria por adquirir uma inusitada importância. Especialmente a partir do século XIX, as relações entre arte figurativa e indústria se tornariam centrais para a reflexão teórica e crítica. Já no século XVIII, o baixo nível estético dos objetos feitos à máquina era tributado ao divórcio entre indústria e arte. Presumivelmente, uma das principais vias para a resolução da questão seria a aplicação aos produtos industriais de uma prerogativa das belas artes, a ciência do desenho - entendida aqui, sobretudo, no sentido de projeto91. Diversos países europeus tomaram iniciativas nesse sentido: o governo inglês, por exemplo, procurou encorajar a interação arte/indústria através do estabelecimento da Royal Society of Arts; na França da década de 1760, por sua vez, o pintor Bachelier fundou em Paris uma escola para formar trabalhadores com base no ensino do desenho, associando teoria e prática através de aulas expositivas e oficinas - iniciativa que, décadas mais tarde, seria louvada inclusive por Joachim Lebreton92. Com o passar do tempo, os debates a respeito das artes aplicadas se tornaram cada vez mais prementes. Um importante marco nessas discussões foi a chamada Exposição Universal de 1851, realizada em Londres e intensamente comentada em muitos países. O resultado consternador da mostra, o “mau gosto 89 BARBOSA, Rui. O desenho e a arte industrial. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, pp.18-19. Disponível no site: http://www.casaruibarbosa.gov.br/ 90 “L'art mineur est celui dans lequel le travail de la main l'emporte sur l'activité de l'esprit. C'est l'artisanat, le métier” (VAISSE, Pierre. “L’esthetique du XIXe siècle: de la légende aux hypothéses”. In: Le Débat, nº 44, março-maio 1987, p.102). 91 “É preciso enfatizar que o desenho é tomado aqui não apenas como técnica, mas sobretudo como projeto inicial da obra. [...] As artes visuais eram precedidas de uma idéia e era justamente esse a priori mental que justificava a reivindicação de reclassificá-las como liberais, e não mais mecânicas” (PEREIRA, Sônia Gomes. “Desenho, composição, tipologia e tradição clássica - uma discussão sobre o ensino acadêmico do século 19”. In Revista Arte & Ensaios, n. 10, p.41). 92 Cf. LEBRETON, Joachim. Manuscrito sobre o estabelecimento da dupla escola de artes no Rio de Janeiro, em 1816, p.17 (fac-símile da transcrição feita por Mário Barata); texto acessível no site: http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/lebreton_manuscrito.htm VERSÃO NÃO REVISADA 35 quase inconcebível” da maioria dos objetos expostos - para usar a expressão de Nikolaus Pevsner - teria então saltado aos olhos dos contemporânos93. Entre os escritos de artistas e teóricos suscitados pela exposição, alguns sugeriam para o impasse estético que então se verficava soluções que já antecipavam traços típicos daquilo que viria a constituir o cerne daquela concepção de Modernismo a qual nos referimos na Introdução. Uma dessas soluções estava relacionada aquilo que Günter Bandmann, em um artigo cuja título vertido para o português seria A mudança da valorização do material na teoria da arte do século XIX94, chamou de estética materialista. A escolha de tal termo - materialista -, por Bandmann, não derivava de qualquer sistema filosófico, mas era tributária, sim, do seu emprego já antes feito por teóricos e artistas, em especial pelo alemão Gottfried Semper: ele se oporia, na teoria artística oitocentista, ao termo idealista, usado para designar uma estética da qual a doutrina acadêmica constituía um aspecto e segundo a qual o ato transformador do artista sobre os seus materiais, guiado pela idéia95, constituía a medida fundamental do valor artístico. De acordo com a estética materialista, ao contrário, uma valorização dos materiais por si mesmos, uma exigência moral de respeito pelas suas qualidades intrínsecas, deveria se sobrepor à vontade criadora do artista; o que se pregava, nas palavras de Pierre Vaisse, era “uma verdadeira espiritualização do material, portador de um espírito imanente, de uma forma em potência que cabia ao artista revelar, ao invés de impor aquela que ele próprio havia concebido”96. Em seu livro sobre as academias de arte, Nikolaus Pevsner destacou, no debate crítico subseqüente à Exposição Universal de 1851, três escritos que apresentavam traços dessa estética materialista descrita por Bandmann: Wissenchaft, industrie und kunst, de 1851, no qual Semper, que não desaprovava propriamente o trabalho da máquina, criticava com dureza a sua capacidade de dar às coisas uma aparência de ser o que elas não eram; De l’union des arts et de l’industrie, de 1856, relatório no qual o francês Léon de Laborde defendia a 93 Aqui no Brasil, Rui Barbosa descreveu a situação nos seguintes termos: “A supremacia inglesa saiu corrida do certame internacional. A sua preponderância política, a sua soberania monetária, a enorme potência mecânica acumulada nas suas fábricas não a salvaram! O colosso recebeu a mais severa das humilhações. A disformidade do ciclope foi desbaratada por uma onipotência impalpável: a do ideal, transmitido à matéria pela mão hábil do artista” (BARBOSA, Rui. Op. cit., p.4). 94 BANDMANN, Günter. “Der Wandel der Materialbewertung in der Kunsttheorie des 19. jahrhunderts“. In.: KOOPMANN, H.; SCHMOLL, J. A. Theorie der Kunste im 19. Jahrhundert. Frankfurt: Vitorio Klostermann, 1971, v.1, pp.129-157. 95 A esse respeito, consultar o ainda hoje fundamental texto de Erwin Panofsky, Idea: A evolução do conceito de belo. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 96 “Une veritáble spiritualisation du matériau, crédité d'un spirit immanent, d'une forme em puissance qu'íl revient a l'artiste dégager, au lieu de l'imposercelle qu'íl a lui-même conçue” (VAISSE, Pierre. Op. cit., p.104). VERSÃO NÃO REVISADA 36 “'autenticidade dos materiais' (nada de papier-machê imitando pedra, de ebonite simulando madeira entalhada, e coisas semelhantes)” e “desenhos plausíveis (nada de desenhos que criam a ilusão de buracos cavados no tapete)”97 ; e The true and the false in the decorative arts, 1862, no qual o gaulês Owen Jones insistia, por sua vez, na necessidade da adequação (fitness) do objeto industrial que, “para propiciar um prazer perfeito, deve ser dequado aos seu objetivo e autêntico em sua realização”98. Para substituir as decorações com “representações em perspectiva, cheias de falsos furos”, por exemplo, Jones propunha, já em sua Grammar of ornament, de 1856, padrões provenientes de várias culturas e modos de expressão, desde a tapeçaria até os mosaicos, enfatizando a planaridade e as formas geométricas99. Tais idéias logo tiveram considerável repercusão, à medida que o próprio status das artes aplicadas se elevava, com a criação de museus – por exemplo, o de South Keningston, aberto em Londres em 1862 -, e de sociedades promotoras – como a Union centrale des beaux arts appliquées à l'industrie, fundada em Paris em 1863. Logo, elas ganhariam contornos radicais no pensamento de figuras promeminentes do debate artístico europeu da segunda metade do século XIX, como John Ruskin e William Morris, fundador do Arts e Crafts - pensadores que, como se sabe, foram referências mais ou menos diretas na configuração que foi sendo dada ao Liceu de Artes e Ofícios fluminense100. Ainda segundo Pierre Vaisse, é no contexto dos debates em torno da unidade das artes, durante o oitocentos, que se pode verifcar a produção de uma verdadeira ruptura com a doutrina acadêmica: aquilo com o que, por exemplo, o socialista Morris sonhava e cujo exemplo ele acreditava ver um artesanato medieval bastante idealizado, era a fusão da mão e do espírito e a conseqüente abolição de toda hierarquia ente eles - inclusive na sociedade. A questão das artes aplicadas tomava assim a dimensão ideológica que se conhece: 97 PEVSNER, Nikolaus. Academias de arte: passado e presente. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.293. 98 PEVSNER, Nikolaus. Idem, p.294. 99 Cf, nesse sentido a Proposição 8 da Grammar of ornament: "All ornament should be based upon a geometrical construction". 100 Como observou a esse respeito o arquiteto Cláudio Amaral: “A influência das idéias de John Ruskin no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro se deu por aproximações, como, por exemplo, o método de ensino do desenho eclético que valoriza o trabalho manual. Não existem documentos que unem Ruskin a Béthencourt da Silva apenas os que o relaciona a Rui Barbosa. No entanto, Rui Barbosa foi membro do Liceu assim como adepto às idéias de Ruskin (AMARAL, Claúdio. “John Ruskin e o desenho no Brasil”. Texto disponível no site: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp314.asp) VERSÃO NÃO REVISADA 37 Exaltar seu valor, era rebaixar aquele das belas artes a ponto de negar lhe o direiro à existência, suprimir através delas a idéia de uma hierarquia social que implicava na superioridade que lhe era tradicionalmente reconhecida. Ainda assim, era necessário não se contentar apenas com o métier, cumpria igualmente não abandonar o espírito. A transferência desse para o matéria, como forma em potência, trazia a solução, suprimindo o dualismo que o opunha à mão, subsituindo-o por uma inefável comunhão dos dois no ato criador.101 A questão de como aspectos da acima referida estética materialista, surgida no âmbito das artes aplicadas, foram transplantados para as chamadas belas artes é um tópico crucial para o entendimento do que aqui nos referimos como Modernismo. Nela aqui não podermos nos deter, mas é importante assinalar, por exemplo, que é justamente sobre a valorização prioritária dos materiais, como já asssinalara Bandmann, que se encontra assentado um dos pilares da idéia de uma arte não-figurativa. Esta derivava, em grande parte, de um respeito extremado pelo material ou, em outras palavras, como enumerou Vaisse, o respeito pelo bloco por parte do escultor que o talha, o respeito pelas fibras de madeira por parte do gravador, pela lã por parte do desenhista de cartões para a tapeçaria. Foi, um pouco mais tarde, aquele pela placa sensível por parte do fotógrafo. Foi sobretudo, de maneira mais abstrata, o respeito pela superfície do muro por parte do muralista, depois da superfície da tela por parte do pintor de cavalete, assim como das cores das quais ele se serve.102 De certo, no caso brasileiro, não vamos encontrar desdobramentos estéticos tão extremos, sendo as belas artes e as artes aplicadas articuladas de um modo complexo, mas ainda assim hierarquizado, no contexto mais amplo do meio artístico fluminense103. No entanto, também é certo que tal situação acabaria por 101 “Exalter leur valeur, c'était rebaisser celle des beaux-arts jusqu'a le dénier le droit à l'existance, supprimer à travers eux l'idée d'une hierarchie sociale qu'impliquait la supériorité qui leur était traditonnellement reconue. Encore fallait-il ne pas se contenter du métier, ne pas abandonner l'esprit. Sont transfert dans le matériau, comme forme en puissance, apportait la solution em suprimant le dualisme qui l'opposait à la main, en le remplaçant par une ineffable communion des deux dans làcte créateur” (VAISSE, Pierre. Idem, p105). 102 “Le respect pour le bloc du sculpteur qui le taille, le respect des fibres du bois pour le graveur, de lalaine pou le cartonnier de tapisserie. Ce fut, un peu plus tard, celui de la plaque sensible pour le photographe. Ce fut surtout, de façon plus abstraite, celui de la surface du mur pour la peinture murale, puis de celle de la toile pour le peintre de chavalet, ainsi que des couleurs dont il se sert” (VAISSE, Pierre. idem, p.104). 103 Ainda em meados dos anos 1870, por exemplo, Felix Ferreira falou sobre esse tópico em termos bastante tradicionais, ao contrastar os objetivos divergentes do Liceu de Artes e Ofícios, de uma lado, e da AIBA, de outro: “O Lycêo de Artes e Officios não é um estabelecimento recreativo, nem tão pouco uma cópia da Academia de Bellas Artes. Há entre uma e outra instituição grande diferença que cumpre, primeiro que tudo, estabelecer-se para que se possa, discriminando esta daquella, aquilatar o valor intrinseco do Lycêo de cujo progresso depende mesmo em grande parte o florescimento da Academia. A Academia de Bellas Artes é a escola superior do estudo da arte levada no seu maior gráo de perfeição, á supremacia das faculdades do entendimento como essencia e como fim. [...] Lycêo de Artes e Officios, ao contrario, é um escola rudimentar da arte applicada ás diferentes ramificações da industria fabril e manufactureira, ao trabalho indispensavel á existencia da sociedade VERSÃO NÃO REVISADA 38 ganhar outros contornos com o passar do tempo. Especialmente após a proclamação da República, será possível perceber pontos de convergência entre a filosofia do ensino ministrado da ENBA e aquela de contextos como os do Liceu. Um exemplo disso pode ser verificado na preocupação com relação a diversidade de processos materiais da pintura e suas aplicações práticas, verificável no trecho final daquela listagem de reproduzimos acima, disciplinaspresente no regulamentos do Liceu que preocupação que vamos reencontrar dentro da Escola, especialmente nos programas de aula elaborados por Rodolpho Amoêdo [ver Anexo II.11, II.12 e II.13], não por acaso um ex-aluno do Liceu. Como lembrou a esse respeito Luciano Migliaccio, “nos primeiros anos do século XX Amoedo se dedicará com meticulosidade crescente a esse amor pelo ofício que o aproxima, em alguns aspectos, das idéias de Ruskin e do Arts and Crafts”104 Além disso, a própria configuração do campo artístico fluminense levou muitos dos pintores de cujas obras aqui trataremos, a manter uma relação de proximidade com atividades ligadas às arte aplicadas, durante períodos mais ou menos extensos de suas carreiras. No que se refere aos alunos do Liceu que concluíram suas formações artísticas na ENBA, são notórios, por exemplo, os esforços de Elysêo Visconti no campo da artes aplicadas105, ainda no início do século XX. Estes foram empreendidos sem muito sucesso, cumpre lembrar, mas ecoariam mais tarde, por exemplo, na dedicação de um de seus alunos, Guttmann Bicho, à arte da cerâmica, criando inclusive, nos anos 1940, um curso exclusivamente dedicado à técnica na Escola Técnica do Rio de Janeiro106. Fiúza Guimarães notabilizou-se, por sua vez, com os seus trabalhos de ornamentação para o Carnaval, e Henrique Cavalleiro exerceu com brihantismo as atividades de artista gráfico e ilustrador durante muitos anos após o término de sua formação. Nesses exemplos, são já claros os traços daquela estética materialista referida por Günter Bandmann. Foi a consciência com relação às necessidades específicas das artes aplicadas, aguçada pelo contato na França com o mestre Art Nouveau Eugène Grasset, que levou Visconti a estilizar fortemente os motivos em seus projetos, o que lhe valeu a alcunha de “precursor” do design moderno cultivada” (Citado em BIELINSKY, Alba C. Op cit., p.154). 104 MIGLIACCIO, Luciano. Op. cit., p.146. 105 “Quando regressei da Europa, como pensionista dos cofres publicos, fiz uma exposição de arte applicada, na certeza de que a arte decorativa era o melhor elemento para caracterizar a industria artistica do paiz. [...] Cheguei a fazer a mão - apontando - aquellas que estão alli guardadas com carinho, - para ver se attrahia a attenção das escolas, das oficinas do governo” (Citado em COSTA, Angyone. Op cit., p.82). 106 Cf. VALLE, Arthur G. “Anexo I Guttmann Bicho: Biografia”. In: A semântica da imagem estética: estrutura e relações de sentido na obra de Guttmann Bicho. Rio de Janeiro: Pós-Graduação da Escola de Belas Artes/UFRJ, 2002, pp.190sg (Dissertação de Mestrado). Texto disponível no site: http://geocities.yahoo.com.br/artus_agv/gb.htm VERSÃO NÃO REVISADA 39 brasileiro. Guttmann Bicho, por sua vez, chegou a resultados ainda mais extremos em muitas de suas cerâmicas, com o emprego de uma ornamentação completamente abstrata107 - trabalhos tardios, cumpre lembrar, mas que não por acaso foram louvados por Quirino Campofiorito108. Também não foi por acaso que um outro crítico de orientação modernista, Jayme Mauricio, viu nas ilustrações e nos desenhos de humor de Cavalleiro, expostos quando da grande retrospectiva realizada em 1975, o que de mais inventivo e mais harmônico com o seu tempo o pintor havia produzido109. Porém, aqui, como já adiantamos, o que mais nos interessa é saber de que maneiras uma incorporação da estética materialista se refletiu na pintura dos artistas da 1a República. Podemos já adiantar que os exemplos mais significativos dessa incorporação se encontam em trabalhos destinados à decoração arquitetônica, que, para além de projetos para vitrais e mosaico, incluíam a realização de pinturas murais, modalidade praticada com intensidade por virtualmente todos os pintores de relevância do período. As características estilísticas específicas da pintura mural, bem como a sua íntima inserção no contexto mais amplo dos debates a respeito das artes aplicadas, serão dicutidas mais detalhadamente na parte 4.4. Por enquanto, interrompemos nossa discussão da questão frisando que, em todos esses aspectos rapidamente enumerados e em diversos outros mais, a orientação ministrada nas instituiçoes de ensino técnico-artísticos fluminenses, especialmente o Liceu de Artes e Ofícios, com a sua intransigente defesa da dignidade das artes aplicadas, teria a mais indelével das influências sobre as artes do primeiro perído republicano. 1.2 Em torno da Reforma de 1890 Na presente parte mudaremos um pouco o registro de nosso discurso e de nossas preocupações mais imediatas: ao invés das discussões de teoria da arte, as quais retomaremos, de maneira mais ou menos intensa ao longo dos capítulo seguintes, procuraremos descrever o tempo breve, recortado na lâmina dos dias, das ações reformadoras que deram origem a ENBA. Nossa intenção aqui é reunir algumas informações capazes de fornecer um panorama do evento que passou à história da arte brasileira com o nome de Reforma de 1890. Se, por um lado, é necessário frisar que os dados amalgamados nesse esforço provisório não são 107 Alguns exemplos podem ser conferidos em VALLE, Arthur G. Op. cit., p.215. Cf. VALLE, Arthur G. Idem, p.190-191. 109 MAURÍCIO, Jayme. “Revisão da Obra de Henrique Cavalleiro”, Última Hora, Rio de Janeiro, 13 de setembro de 1975. 108 VERSÃO NÃO REVISADA 40 inéditos110, cumpre salientar igualmente que a relativa dispersão dos mesmos tem provocado, ainda nos dias atuais, a repetição de certas idéias feitas por parte dos pesquisadores, as quais por vezes simplificam até a caricatura os fatos e as motivações relacionadas à renomeação da Academia fluminense. Além disso, analisar o esforço reformador que marcou os primeiros tempos da ENBA vai nos possibilitar expor certas mudanças de ênfase então verificáveis na ideologia subjacente à orientação pedagógica da instituição, que logo se refletiriam nos aspectos mais singulares e inovadores da produção pictórica da 1a República. 1.2.1 Os Anos finais da Academia Imperial de Belas Artes Quando a República brasileira foi proclamada, à 15 de novembro de 1889, o meio artístico brasileiro certamente não se encontrava estagnado. Na década final do Segundo Império, um número considerável de bons pintores, formados com os recursos da então ainda denominada Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), se estabeleceu na cena artística fluminense. As últimas Exposições Gerais realizadas pela AIBA foram, apesar de espaçadas, certames importantíssimos, nos quais figuraram obras de grande valor, assinadas por mestres de primeira ordem como Victor Meirelles, Pedro Américo, João Zeferino da Costa, Almeida Júnior ou Rodolpho Amoêdo. Um outro fator revelador, o aumento da freqüência das exposições particulares, foi especialmente notável na segunda metade dos anos 1880. Como lembra Ana Maria Tavares Cavalcanti, no ano de 1886, quatro exposições importantes foram realizadas: os alunos organizaram duas exposições de seus próprios trabalhos no prédio da Academia; a Galeria Vieitas expõe várias obras de João Batista Castagneto; e Rodopho Bernardelli organiza uma exposição que reunia as pinturas de seu irmão Henrique Bernardelli e as paisagens de Fachinetti em uma das salas da Imprensa Nacional111. O movimento de exposições se acentua ao longo do ano de 1887. No começo de 1888, o público pode ver as obras de Firmino Monteiro e Rodolpho Amoedo, artistas que voltavam ao Brasil depois de uma temporada de estudos na Europa, e aquelas de Antônio Parreiras. [...] Em seguida se expuseram as pinturas de Belmiro de Almeida, Castagneto e outros.112 110 Aqui devemos registrar nosso débito com relação à Camila Dazzi, cujo ante-projeto de Doutorado intitulado “A Reforma de 1890" – Da polêmica em torno de sua concepção à forma como se deu a sua implementação na Escola Nacional de Belas Artes (1889-1900) - foi por nós consultado, e à recente tese de Helena Cunha de Uzeda. Ensino acadêmico e modernidade - O Curso de arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes 1890-1930. Rio de Janeiro: Programa de pós-graduação em Artes Visuais, UFRJ, 2006 (Tese de Doutorado), especialmente a primeira parte do capítulo 1. 111 Um fac-símile do catálogo original dessa mostra pode ser consultado no site: http://www.dezenovevinte.net/catalogos/catalogo_hb1886.htm 112 “L’année de 1886, quatre expositions importantes furent réalisées: les élèves organisèrent deux expositions de Ieurs travaux dans l’edifice de l’Académie; la Galerie Vieitas exposa plusieurs ouvres VERSÃO NÃO REVISADA 41 O fato de que o meio artístico fluminense de fins do Império apresentava condições favoráveis pode ser ainda verificado pela atração por ele exercida sobre um número não desprezível de artistas estrangeiros, alguns de reputação firmada, que aqui se estabeleceram de maneira mais ou menos permanente: cumpre aqui lembrar, além do acima citado Nicollò A. Facchinetti, de Georg Grimm, Thomas Driendl, Edoardo De Martino, Gustavo Dall’ara, Beniamino Parlagreco, Luigi Borgomainerio, Bordalo Pinheiro, entre outros. Porém, no seu período final, a situação da AIBA tornou-se particularmente instável: o progressivo enfraquecimento do poder monárquico teve seus reflexos no campo das belas artes, com uma diminuição do apoio do Imperador. Esse fato provocou a insatisfação dos artistas no que se referia a dois pontos que pareciam significar um intolerável estreitamento de suas oportunidades profissionais. Em primeiro lugar, o governo não mais assegurava a continuidade dos Prêmios de Viagem, cuja fundamental significação na cena artística da época será abordada no capítulo 3. Interrompidos por falta de orçamento em 1878, apenas em 1887 um novo concurso foi organizado pela AIBA; mesmo assim, tendo a decisão do júri sido então refutada, os dois laureados - o pintor Oscar Pereira da Silva e o arquiteto João L. M. Berna - não puderam seguir imediatamente para a Europa. Além disso, também as Exposições Gerais acabaram sendo suspensas. A última durante o período monárquico fora a importante exposição de 1884; depois disso, a insuficiência de orçamento impediu a realização de novos certames. Essas exposições eram então o principal meio que os artistas dispunham para tornar suas obras conhecidas a um público mais amplo113, e, conseqüentemente, a perda do apoio oficial foi imensamente lamentada. O acima referido aumento das exposições particulares na década final da Monarquia não deixou de ter relações com esse contratempo. Simultaneamente, multiplicavam-se as críticas endereçadas à estrutura e aos métodos de ensino da AIBA, cuja situação era agravada pela ausência de parte do corpo docente em gozo de licença na Europa, de tal modo que já em meados da de João Batista Castagneto; et Rodolpho Bernardelli organisa une exposition qui reunit les peintures de son frére Henrique Bernadelli et les paysages de Facchínetti dans une des salles de I’Imprensa Nacional (Presse Nationle). Le mouvement de expositions s’accentua au long de 1887. Au début de 188, le public a pu voir les ouevres de Firmino Monteiro et Rodolpho Amoêdo, artistes qui revenaient au Brésil après un séjour d’études en Europe, et celles d’Antonio Parreiras [...]. Ensuite on exposa les peintures de Belmiro de Almeida, Castagneto, et d’autres” (CAVALCANTI, Ana M. T. Les Artistes Brasiliens et “Les Prix de Voyage en Europe” a la Fin du XIXe Siécle: Vision d’Ensemble et Etude Approfondie sur le Peintre Eliseu D’Angelo Visconti (1866-1944). Université de Paris I - PantheonSorbonne, 1999, p.149 (Tese de Doutorado)). 113 Cf. LUZ, Angela Ancora da. Uma breve história dos Salões de Arte - da Europa ao Brasil. Rio de Janeiro: Editora Caligrama, 2005, pp.61sg. VERSÃO NÃO REVISADA 42 década de 1880 o próprio Conselho Escolar reconhecera a necessidade de uma reforma e apresentara um plano ao governo. Em 1887, foi a vez do Ministro do Império, Conselheiro Costa Pereira Júnior, defender em um relatório a necessidade de reformar o estudo artístico114. Todavia, somente com a proclamação da República, em finais de 1889, seriam finalmente postos em andamento os mecanismos para que tal reforma se concretizasse. 1.2.2 A Reforma de 1890115 Dentre as primeiras medidas do Governo Provisório de Deodoro da Fonseca, formado ainda na noite de 15 de novembro, é comum citar o “encilhamento”, a separação do Estado da Igreja ou a grande “naturalização”, que ofereceu cidadania brasileira aos estrangeiros aqui residentes. Poucos se lembram do fato de que apenas quinze dias após a formação desse Governo Provisório foi nomeada uma comissão cujo propósito era reformar os estatutos da Academia fluminense. Diante de tal medida, pode-se intuir a importância que esse estabelecimento, enquanto principal instituição de ensino artístico do país, possuía para o recém-inaugurado Governo. A grande movimentação que resultou na chamada Reforma de 1890, teve suas origens, portanto, ainda nos últimos meses de 1889. Em 19 de dezembro desse ano, foi lido um ofício da Secretaria Nacional do Interior, datado de 30 de novembro, comunicando a nomeação, em nome do Ministro do Interior Aristides da Silveira Lobo, dos maestros Leopoldo Miquez e Alfredo Bevilacqua, do funcionário da Secretaria e crítico musical José Rodrigues Barbosa, do escultor Rodolpho Bernardelli e do pintor Rodopho Amoêdo para elaborarem um projeto de reforma da Academia de Belas Artes e do Conservatório de Música, “em audiência e consulta da Diretoria dos dois estabelecimentos”116. Na mesma data foi lido um oficio, datado de 11 de dezembro, que nomeava o Dr. Ernesto Gomes Moreira Maia, então diretor da AIBA, para a comissão da reforma, em substituição de Rodrigues Barbosa117. 114 Ver FILHO, Adolfo Morales de los Rios. “O ensino artístico”. In: Revista do instituto histórico e geográfico brasileiro. v.258, janeiro-março, 1963, pp.17-18. 115 Para maiores detalhes a respeito do que se encontra resumido nesta parte, consultar o texto de Ana M. T. Cavalcanti, Os embates no meio artístico carioca em 1890 - antecedentes da Reforma da Academia das Belas Artes, fruto da pesquisa intitulada O conceito de modernidade e a Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro realizada com auxílio do CNPq (Bolsa Recém-Doutor) entre janeiro de 2000 e junho de 2001. Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/criticas/embate_1890.htm 116 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Notação: 3518. Ofício da Secretaria Nacional do Interior, datado de 30 de Novembro de 1889; também referido em FILHO, Adolfo Morales de los Rios. Op. cit., p.18. 117 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Notação 6153: Atas da Congregação. VERSÃO NÃO REVISADA 43 O projeto de reforma da Academia de Belas Artes redigido por Bernardelli e Amoêdo, datado de 25 de janeiro de 1890, foi publicado na integra em 12 de março de 1890, na Gazeta de Notícias118. Orientado pelo ensinamento oficial das academias da Europa, particularmente a de Paris, o projeto propunha uma escola moderna de arte, em sintonia com as inovações do seu tempo. Como nos faz saber o crítico de arte Pardal Mallet, que partilhava as idéias da dupla Bernardelli-Amoêdo, em um de seus muitos artigos publicados no decorrer de 1890: Só na Europa existe arte velha e sedimentada; existem escolas diferenciadas no seu processualismo, guerreando-se, rivalizando-se. Aqui existe por fazer. A revolta [contra as academias] na Europa consiste em destruir, a revolta aqui no Brasil consiste em construir. [...] Uma vez colocada em andamento a reforma [da nossa academia] tão urgentemente declamada, entregue a academia à gente nova que tem talento e que tem mocidade, é preciso coloca-la bem, em lugar em que se possa fazer esse trabalho moderno, que não é desprestigio dos velhos mestres; mas que é a continuação do trabalho venerado dos antigos.119 A fala de Mallet indica, simultaneamente, um impasse que então se verificava: a manutenção do ensino artístico em moldes centralizadores, semelhantes aos das tradicionais academias européias, não era, de modo algum, um consenso entre os envolvidos com o meio artístico fluminense da época. De fato, paralelamente aos esforços de Bernardelli-Amoêdo, um outro grupo de artistas viria a elaborar um projeto de reforma do ensino das belas artes baseado em princípios bastante diversos - o chamado Projeto Montenegro120, redigido por Montenegro Cordeiro, Décio Villares e Aurélio de Figueiredo, apelidados de positivistas121. Tal projeto é datado de 30 de janeiro de 1890 e, ao que tudo indica, foi encaminhado ao Ministro dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, Benjamim Constant, ainda em princípios desse ano122. Concebendo a arte como “um dos elementos fundamentaes e indispensáveis do bem publico [...] 118 “Da Escola Especial de Bellas Artes”, Gazeta de Notícias, 12 de março de 1890. Volume/Suplemento: n. 71, ano XVI. Pardal Mallet republicou parte desse projeto em um artigo de meados de 1890: “Academia de Bellas Artes I”, Gazeta de Notícias, 6 de junho de 1890, p.l.. Texto disponível no site http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/pardalmallet_projetoba.htm 119 MALLET, Pardal. “Academia de Bellas Artes II”. Gazeta de Notícias, 7 de julho de 1890. 120 Projecto de Reforma no Ensino das Artes Plásticas, apresentada ao Cidadão Ministro e Secretário dos Negócios do Interior pelos cidadãos Montenegro Cordeiro, Decio Villares e Aurelio de Figueiredo. Rio de Janeiro: Tip. Central, 1890; uma transcrição parcial do projeto pode ser encontrada em DUQUE ESTRADA, Luis G. “O aranheiro da escola”. In: Contemporâneos. Rio de Janeiro: Benedito de Souza, 1929, pp.218-221. 121 Gonzaga Duque ironizou a alcunha, designando “o primeiro [Montenegro] positivista orthodoxo, o segundo [Villares], meio positivista por fantasia, e o terceiro [Aurélio de Figueiredo] nem ‘carne nem peixe’ como diz o povo e cuja significação é corrente” (idem, p.217). 122 Já em 28 de dezembro de 1889, Montenegro e cia. haviam encaminhado a Aristides Lobo, Ministro e Secretario dos Negócios do Interior, uma carta que pedia “a sustação de qualquer medida tendente a reforma do ensino das Bellas Artes, antes de vos ser apresentado um projecto que os suplicantes elaboraram e que vos será entregue brevemente”. VERSÃO NÃO REVISADA 44 meio, e dos mais efficazes, de erguer o nivel moral do povo”123, os positivistas reivindicavam uma ampla democratização do seu ensino. Em termos teóricos, seus propósitos eram duplos: de uma parte, elevar o prestígio da arte, de outra, colocá-la ao alcance das classes menos favorecidas. Como o seu próprio título alardeava, o projeto elaborado pelos positivistas propunha uma completa “reforma no ensino das artes plasticas”, que deixaria de ser centralizado na Academia - instituição, segundo eles, monopolista, “caduca e retrógada” -, para ser implantado em escolas públicas, espalhadas por todo o Brasil, onde ficaria a cargo de pensionistas do Estado, “estudantes que provarem n’um prévio concurso, se acharem nos casos de ensinar os rudimentos de sua arte”124. A bem dizer, portanto, os positivistas nunca propuseram qualquer reforma da Academia, mas, sim, a sua pura e simples extinção e a conseqüente demissão de todos os seus membros. Com a herança da instituição, seria criado aquilo que Montenegro e companhia denominavam “Museu Nacional de Pintura e Esculptura”, que seria, por seu turno, o germe de um segundo movimento de difusão e democratização das artes: reproduções feitas a partir das obras de seu acervo dariam início a coleção de pequenos museus, em cada um dos Estados espalhados pela Federação. É difícil saber, no estado atual das pesquisas, o quanto as propostas contidas no Projeto Montenegro foram realmente levadas à sério na época de sua publicação: a importância que se atribui em nossa atual historiografia ao Projeto Montenegro - que, por sinal, parece ser, hoje em dia, mais citado do que propriamente lido -, deve-se certamente ao juízo favorável a ele atribuído por Gonzaga e a Frederico Barata, que relatou em um de seus livros a turbulência dos anos que viram nascer a ENBA125. Seja como for, provavelmente em virtude das divergências que pairavam no ar das quais o projeto dos positivistas era um exemplo, foi elaborada pelo Governo, em abril de 1890, uma recomendação que solicitava à Academia uma análise mais aprofundada do projeto de reforma para a Escola, que havia sido organizado pela comissão nomeada, em novembro de 1889. A resposta do diretor Moreira Maia à essa recomendação evidenciava o seu desentrosamento com os outros membros da comissão, Bernardelli e Amoêdo, bem como o impasse ainda mais complexo que envolvia a situação: 123 Projecto de Reforma no Ensino das Artes Plásticas, apresentada ao Cidadão Ministro e Secretário dos Negócios do Interior pelos cidadãos Montenegro Cordeiro, Decio Villares e Aurelio de Figueiredo, p.5. 124 Idem, Art.5º, p.11. 125 Cf., respectivamente, o artigo citado na nota 120 e BARATA, Frederico. Eliseu Visconti e seu tempo. Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1944, pp.36sg. VERSÃO NÃO REVISADA 45 Ora, dessa comissão, em vez de um só projeto de reforma, existem três. a saber; o que veio remetido da Secretaria de Interior sem nenhuma assinatura; o que apareceu publicado pêlos alunos na Gazeta de Notícias, no dia 12 de março e assinado pêlos srs. Rodolfo Bemardelli e Rodolfo Amoedo; e o que na qualidade de membro da comissão, o sr. conselheiro diretor apresenta, em separado [...] que serviu de base aos trabalhos da comissão.126 Com relação ao texto sem assinaturas, vindo da Secretária de Interior, nada sabemos. Moreira Maia, por sua vez, dava o seu apoio entusiamado ao terceiro projeto, que fora elaborado pela Congregação de Professores da Academia, em especial pelo fato deste excluir o curso de arquitetura127, fundamentado na idéia de que era necessário um esvaziamento desse último, pois seria muito difícil prover "todas as cadeiras indispensáveis, sem nos sobrecarregarmos de grande ónus orçamentados pouco ou nada justificáveis, porquanto esse curso teria de ser agora somente frequentado por 2 ou 3 alunos"128. O impasse prolongou-se até meados de 1890, sem que surgissem sinais de resolução. Insatisfeito, um grupo de estudantes, com o apoio decisivo de Amoêdo e Rodolpho Bernardelli, e também do irmão desse último, Henrique, resolveu abandonar a Academia, com a intenção de criar um ateliê independente - o chamado Ateliê Livre, que foi instalado, à princípio, em um galpão no Largo de São Francisco e depois em um prédio na Rua do Ouvidor. O grupo de artistas que ocupou esses espaços passou à história da arte brasileira com a designação de novos ou modernos129. A revolta teve lugar em junho de 1890 e prolongou-se até finais do ano130. A decisão dos novos em trabalhar fora da Academia foi tomada após uma série de reuniões nas quais o tema principal da pauta de discutições girava em torno da ineficácia da instituição oficial. Tal agitação pode ser percebida através da leitura dos artigos de jornais da época131, escritos por articulistas que acompanharam o 126 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Actas da Presidência do Director: 18821910, p.84. 127 Em ofício encaminhado ao Ministro Benjamin Constant, Moreira Maia defendeu o projeto exatamente por essa decisão: "O projeto da congregção merece principalmente o meu apoio porque dispensa o curso de arquitetura" (Citado em UZEDA, Helena. Op. cit., p.17). 128 Citado em Idem, p.17). 129 Nos textos de época se referindo a esse grupo de jovens alunos e professores, somente se encontra a denominação de novos; a denominação de modernos parece ter se cristalizado mais tarde, a partir de análises de historiadores do século XX. 130 Como demonstra a Profa. Ana Cavalcanti em sua referida tese de doutoramento, através da consulta dos jornais do período (CAVALCANTI, Ana M. T. Op. Cit., p.160); o historiador Frederico Barata, no seu livro supracitdo, ainda hoje muito citado com relação às agitações do meio artístico fluminense no início da República, teria, portanto, se equivocado ao situar as atividades do novos e a criação do Ateliê Livre em meados de 1889. 131 CAVALCANTI, Ana M. T. Idem, pp.153 sg. VERSÃO NÃO REVISADA 46 movimento e lhe deram franco apoio. Se, a princípio, se chegou a colocar em questão a necessidade de um ensino artístico centralizado132, logo ficou definido que a solução não era suprimir a Academia, mas sim reformá-la; nesse processo, é possível verificar também uma progressiva aproximação entre o grupo chefiado por Bernardelli-Amoêdo e aquele dos chamados positivistas, marcada especialmente pelo entrosamento de Décio Villares no primeiro133. O grupo dos novos logo angariou simpatias e o apoio de mecenas, não somente pelo caráter corajoso de sua iniciativa, mas também pela relevante qualidade dos artistas que o compunham. Outras ações visando pressionar o Governo com relação à necessidade de reformar a Academia foram então tomadas: na sua edição de 9 de julho de 1890, o jornal O Paiz noticiou a abertura de cursos públicos e gratuitos de belas artes, no ateliê do Largo de São Francisco, o que tornou o esvaziamento da Academia ainda mais evidente. Algum tempo depois, os novos lograram promover uma exposição que atraiu um público numeroso, reafirmando sua dissidência. Frederico Barata chegou a descrever tal exposição, em seu livro sobre Visconti, como um “verdadeiro ‘Salon’ de independentes”134. Não obstante a mostra dos novos não parecesse ter, em termos estéticos, um caráter propriamente revolucionário, ela serviu certamente para consolidar ainda mais o prestígio do grupo. Finalmente, os novos estatutos da Academia, amplamente baseados no projeto redigido quase um ano antes por Bernadelli e Amoêdo, foram aprovados pelo Ministro Benjamin Constant, no início de novembro de 1890135. Poder-se-ia aqui, rapidamente, indagar a respeito das razões que levaram este último, um dos principais divulgadores do positivismo no Brasil, a desconsiderar o acima citado projeto organizado pelos positivistas Montenegro, Villares e Aurélio de Figueiredo, ponto já abordado por Helena Uzeda em sua Tese136. Formado em engenharia pela Escola Central do Rio de Janeiro, o general Constant foi uma figura fundamental na liderança do movimento militar que havia deposto a Monarquia e, posteriormente, na organização do Governo Provisório da 132 Em uma reunião que teve lugar no Derby Club do Rio de Janeiro em 16 de junho de 1890, os artistas presentes teriam mesmo declarado que “a existência da Academia é inútil e nociva” (“As artes e os artistas”, O Paiz, 17 de junho de 1890, p.2). 133 Em nova reunião, realizada em 21 de junho de 1890, realizada, a assembléia de artistas reunida elegeu o positivista Décio Villares, juntamente com Bernadelli e Amoêdo, como seus representantes (O Paiz, 22 de junho de 1890, p.2). 134 BARATA, Frederico. Op. cit., p.37. 135 Decreto no 983 - de 08 de novembro de 1890, deferido pelo chefe do governo provisório, o general Deodoro da Fonseca e assinado por Benjamin Constant, Ministro dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Texto disponível no site http://www.dezenovevinte.net/documentos/docs_primeira_republica_arquivos/1890_estatutos.pdf 136 UZEDA, Helena Cunha de. Op. cit., p.19. VERSÃO NÃO REVISADA 47 República, exercendo grande influência sobre o próprio Marechal Deodoro da Fonseca. Sua posição à frente do ministério responsável pela educação pública era estratégica, se levarmos em consideração que o sentido de adesão de Constant à filosofia positivista se baseava na idéia de sintonizar o país com o espírito cientifico moderno. Constant se alinhava com a corrente do positivismo denominado "ilustrado", defensora da Ciência como instrumento para a modernização, e não exatamente com o posivismo "ortodoxo", com seus dogmas e sua "Religião da Humanidade"137. Não chega a ser, portanto, uma surpresa o fato de Constant desconsiderar o projeto dos positivistas - se é que ele realmente o leu - e optar por colocar em prática uma reforma menos traumática. De fato, as idéias algo utópicas relativas ao ensino artístico defendidas no projeto Montenegro eram de dificil execução num momento delicado como aquele; a própria aproximação levada a cabo por Décio Villares com o grupo dos novos aponta para o fato de que nem mesmo este último parecia considerar viáveis suas antigas propostas. Além disso, o prestígio conquistado em tão pouco tempo pelos criadores do Ateliê Livre demonstrava uma capacidade adminsitrativa que, há tempos, não dse fazia notar no ambiente acadêmico fluminense. Rodolfo Bernardelli e de Rodolfo Amoêdo foram nomeados, respectivamente, diretor e vice-diretor da instituição, que passou a se chamar Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Uma nova era se iniciava para ensino artístico no Rio de Janeiro. 1.2.3 Continuidades e rupturas após a Reforma de 1890 Ao revermos a historiografia atual sobre a ENBA, é possível constatar a presença ainda muito marcante da idéia de que a Reforma de 1890, estreitamente ligada ao surgimento da instituição, não representou uma ruptura radical nem trouxe grandes mudanças às concepções pedagógicos professadas já na velha Academia. Tal idéia, na verdade, foi formulada ainda no início do século XX, por figuras de destaque do meio artístico fluminense de então, como o já referido Gonzaga Duque: em sua catilinária contra Bernardelli, O aranheiro da Escola, redigida em 1906, ele afirmava que a Reforma de 1890 não teria passado de - expressão notória - uma “questão de rótulo”138 . 137 Para um resumo das diversas correntes positivistas no Brasil de inícios da República, cf. BENOIT, Lelita O. “Progresso dentro da ordem: filosofia positivista no Brasil”. In: FERNANDEZ, Alexandre A. A História Viva Grandes Temas: A herança francesa. São Paulo: Duetto Editorial, 2005, pp.46-53. 138 DUQUE ESTRADA, Luis G. Op. cit., p.223. VERSÃO NÃO REVISADA 48 No texto referido, Gonzaga Duque defendia o partido de que houvera, na passagem para a República, uma manutenção das engrenagens que faziam funcionar a Academia, o que garantiu, por sua vez, uma fundamental continuidade institucional. A opinião corrente de que, em relação à educação brasileira, a República teria sido uma revolução “falhada”, que, se contentando com a mudança do regime, não teve o poder ou a vontade de realizar uma verdadeira transformação no sistema de ensino139, deveria assim ser transplantada para o caso particular das belas artes. Em resumo, a pretensão de mudar por decreto a orientação da Escola teria esbarrado em hábitos consolidados, entre os quais figuravam a gestão centralizadora e os apadrinhamentos, produtos do sistema político imperial que continuavam sendo reproduzidos em todas as instituições oficiais. Na nossa historiografia de arte, a autoridade de nomes como Gonzaga Duque e outros faz com que, até hoje, tal noção de uma reforma “conservadora” continue vigorando. Todavia, se realmente houveram continuidades na passagem da AIBA para a ENBA, tal fato não deveria ser tomado pelos interessados na história do ensino artístico fluminense como uma verdade unilateral. É necessário irmos além das idéias prontas, da repetição dos antigos “mitos”, e nos indagarmos a respeito das propostas dos reformadores e das razões que os levaram a propô-las. Mesmo a mais breve tentativa de responder a tais questões nos leva à constatação de que, se em 1890 a reforma da Academia não representou uma ruptura radical com o passado da instituição, isso se deve, em última análise, ao fato simples de que esta nunca foi a ambição de seus articuladores. Por outro lado, é possível, sim, perceber mudanças significativas na passagem para a 1a República. Na presente parte, tentaremos contrapor alguns dados relativos aos dois lados desse tópico. Um dos principais motivos da sobrevivência, na ENBA, de traços que já caracterizavam a Academia Imperial - motivo este que iria permanecer atuante até pelo menos a década de 1930 e que procuraremos discutir com mais detalhes na parte 2.1 do capítulo seguinte -, era a manutenção de alguns preceitos derivados da doutrina acadêmica tradicional, especialmente daquela formulação sistemática elaborada na França a partir do século XVII. Nesse sentido, talvez a manutenção mais importante tenha sido a do modelo de ensino artístico subvencionado pelo Estado, firmemente estabelecida por décadas140, imprescindível à ENBA enquanto instituição pública e consolidado na sua estreita ligação com governo republicano 139 Cf. AZEVEDO, Fernando. A cultura Brasileira: Introdução ao estudo da cultura no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/UNB, 1996, tomo III, p.134. 140 “O modo de promoção das artes por parte do Estado mediante encomendas públicas, consolidouse após a eclosão da Guerra do Paraguai” (MIGLIACCIO, Luciano. Op. cit., p.109). VERSÃO NÃO REVISADA 49 recém-instaurado. Isso iria implicar na manutenção de funções já desempenhadas pela antiga AIBA, especialmente daquelas relacionadas à construção de uma identidade e de um imaginário coletivo para o Brasil141. Tais preocupações iriam marcar os artistas que se tornaram célebres durante a 1ª República, cujas discussões se mantiveram centradas em questões de natureza ideológica, especialmente na viabilidade ou não de se constituir uma “arte nacional”, tanto ou mais do que em questões de natureza propriamente estética142. Além disso, em função da antiga preocupação em conferir um status mais elevado aos seus cursos, a Escola republicana promoveu um incremento nas exigências para a admissão de novos alunos143. Como as novas exigências eram difíceis de serem atendidas pela maioria dos possíveis candidatos, considerando as limitações da instrução no Brasil da inícios da República, a conseqüência imediata dessa mudança foi um esvaziamento dos inscritos nos cursos regulares do estabelecimento, que nunca foi de todo revertido nas quatro décadas que se seguiram, ao menos no que se refere ao curso de pintura144. Tal medida, à primeira vista, parecia contradizer os objetivos esperados de uma escola democrática, e, de fato, ela foi responsável pelo reforço de uma certa “visão elitista”, vigente já nos tempos da AIBA145. Continuidades são igualmente perceptíveis no curriculum da ENBA, especialmente no que se refere às chamadas disciplinas “práticas”, entre as quais se destacam algumas que, no próximo capítulo, abordaremos com mais detalhes: Desenho figurado, Desenho de modelo vivo e Pintura. Foram sobretudo essas permanências, em seu conjunto, que levaram os comentadores mais extremados a afirmar que a Reforma de 1890 não teria passado de uma mudança de designação. 141 Um estudo a respeito dos símbolos criados pelos artistas influenciados pelas diversas ideologias que disputavam a primazia no períodos de implantação da República no Brasil pode ser encontrado em CARVALHO, José Murilo de. A Formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 142 A respeito da centralidade das preocupações com o caráter nacional da arte brasileira durante a 1ª República, é ainda fundamental a consulta a coletânea de entrevistas reunidas em COSTA, Angyone. Op. cit. 143 Como dispunham os estatutos: “Art.52. [...] Será ainda necessário para a matricula no 1º anno do curso geral apresentar attestados do exames de portuguez, arithmetica e geographia. Para a matricula no 2º anno deste mesmo curso será necessário apresentar, além dos referidos attestados, mais os de exame de francez, historia universal, álgebra, geometria e trigonometria” (Estatutos de 1890; texto disponível no site http://www.dezenovevinte.net/documentos/docs_primeira_republica_arquivos/1890_estatutos.pdf). 144 Segundo Morales de los Rios Filho, entre 1891 e 1896, o número de matriculados não excedeu a cifra de dez, quase seis vezes menos do que no ano anterior à Reforma, 1889; ver FILHO, Adolfo Morales de los Rios. Op. cit., p.19. 145 Visão elitista, como descreve Sônia Gomes Pereira, “no sentido de uma concepção de que apenas alguns teriam talento para prosseguir até os últimos degraus de um ensino escalonado em dificuldades crescentes” (PEREIRA, Sônia Gomes. “Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro: revisão historiográfica e estado da questão”. In: Revista Arte & Ensaios. Rio de Janeiro: PPGAV - EBA/UFRJ, no VII, 2001, p.76). VERSÃO NÃO REVISADA 50 Para um artista de destaque no meio fluminense da 1ª República, como o pintor Modesto Brocos y Gomez, professor da ENBA por longos períodos, o ensino ministrado no estabelecimento “continuou a ser em seu fundo, ensino e disciplinas no novo regimen, pouco mais ou menos do que era no tempo do Império ou, para falar com franqueza, a mesma cousa”146. No final da década de 1920, um outro exprofessor da ENBA, Elysêo Visconti, faria coro às idéias de Brocos, afirmando em retrospecto: As reformas da Escola de Bellas Artes têm sido reformas burocraticas e o que se quer são reformas didacticas. Não precisamos reformar para augmentar ou diminuir os numero de empregados. Precisamos reformar para dar outra orientação ao ensino.147 Não podemos nos esquecer, todavia, que a maioria dessa afirmações, como aquelas de Gonzaga Duque referidas mais acima, carregavam a marca dos desafetos de natureza pessoal: sabemos, por exemplo, que especialmente Brocos, escrevendo em 1915, visava a polêmica, após as discordâncias com o então ainda diretor da ENBA, Rodolpho Bernardelli, terem alcançado um ponto no qual qualquer hipótese de conciliação parecia afastada. Mantendo isso em mente e para termos uma visão mais justa da Reforma, devemos procurar, para além das continuidades, as mudanças que então ocorreram, não só no sistema de ensino, mas também nas condições estruturais da ENBA. Nesse sentido, logo que a ENBA passou a funcionar, é necessário frisar, algumas reivindicações que remontavam à década de 1880 foram satisfeitas. Foi esse o caso, por exemplo, do restabelecimento da Exposições Gerais e, especialmente, dos Prêmios de Viagem ao Estrangeiro, cuja freqüência, tanto em um caso como no outro, foi significativamente incrementada - fato que discutiremos com mais detalhes no capítulo 3. Uma outra eminente melhoria, que só foi efetivada em meados da primeira década do século XX, mas que provavelmente não teria sido possível sem a mudança de regime, dizia respeito a mudança das instalações físicas da ENBA. Desde antes da Reforma de 1890, como é notório, corriam as críticas a respeito do antigo prédio projetado por Grandjean de Montigny, que, apesar de ter conhecido algumas melhorias, era julgado inadequada para abrigar de maneira conveniente a Academia. Após discussões sem conseqüência a respeito de uma 146 BROCOS, Modesto. A questão do ensino das Bellas Artes: seguido da crítica sobre a direção Bernardelli e justificação do autor . Rio de Janeiro, 1915, pp.45. 147 Citado em COSTA, Angyone. Op. cit., p.79. VERSÃO NÃO REVISADA 51 possível transferência para um outro prédio já construído, em 1904 ficou decidido pelo então Ministro da Justiça J. J. Seabra que um edifício apropriado seria erguido para a Escola na Avenida Central. O prédio projetado por Morales de los Rios (pai) teve a sua pedra fundamental lançada em abril de 1906 e foi virtualmente aberto, com a realização de uma exposição, em setembro de 1908148. Embora a execução tenha fugido em vários pontos ao cuidadoso projeto original e críticas logo viessem a ser feitas sobre a nova sede da Escola, não há como negar que a transferência então verificada possibilitou, além de uma maior visibilidade para a instituição, uma melhoria nas condições de ensino, que logo viriam a se refletir na produção dos alunos. Por fim - ponto que aqui nos interessa mais de perto -, devemos considerar os aspectos renovadores relacionados à orientação pedagógica da ENBA, advindos com a República A principal transformação, nesse sentido, pode ser verificada no esforço explícito de conferir uma orientação mais liberal ao ensino artístico. Esta parece possuir seu correlato ideológico na concepção liberal de República então defendida por alguns grupos políticos e estava relacionado com os debates críticos que condenavam o academicismo, termo que, na época, não se encontrava propriamente identificado com qualquer orientação estética determinada, mas sim com o processo de enrijecimento inerente à oficialização de qualquer delas. Em oposição ao a essa noção de academicismo, era defendida, por seu turno, a originalidade do talento individual do artista. No ambiente oficial francês, essa idéia remontava, pelo menos, ao “chamado às armas” de Léon de Laborde, o já citado De l’union des arts et de l’industrie149: nesse seu panfleto, o influente aristocrata francês defendia, entre outras idéias inovadoras, um “respeito pelos defeitos pessoais” do artista, que acabaria por se tornar um dos marcos distintivos dos esforços reformadores que sacudiram a École des Beaux-Arts parisiense a partir de 1863. Como disse Albert Boime, “isso significava que a expressão idiossincrática do estudante deveria ser encorajada e preservada, não ‘corrigida’ em termos de algum padrão elitista de perfeição”, como se acreditava que a École fizesse150. A arte na sociedade moderna, acreditava Laborde, requeria a originalidade e a personalidade do artista, e somente o cultivo destas qualidades 148 FILHO, Adolfo Morales de los Rios. “A Escola e sua nova sede”. Op. cit., pp.41-43. Ver uma apresentação resumida desse trabalho em PEVSNER, Nikolaus. Op. cit., pp.291-293. 150 “This meant that the students idiosyncratic expression should be encouraged and preserved, not 'corrected' in terms of some elitist standard of perfection” (BOIME, Albert. “The teaching of fine arts and the avant-garde in France during the second half of the nineteenth century. In: Las academias de arte (VII Coloquio Interncional de Gaunajuato). D.F.: Univesidad Autónoma do Mexico, 1985, p.165). 149 VERSÃO NÃO REVISADA 52 asseguraria, por sua vez, que suas obras fossem marcadas por um caráter tipicamente nacional. Na ENBA, diversas medidas foram tomadas para tentar efetivar essa nova orientação de ensino. Afim de evitar o enrijecimento institucional, nos Estatutos de 1890 se prescrevia, por exemplo, que os professores responsáveis pelo ensino “technico” - os de pintura, escultura, gravura de medalhas e pedras preciosas e desenho de arquitetura - não deveriam exercer o professorado por mais de dez anos, afim de garantir a constante renovação da ENBA151. Além disso, foram estimulados os chamados cursos livres que, pelo menos em princípio, relativizavam o monopólio dos professores oficiais. No projeto que Bernadelli e Amoêdo apresentaram para a reforma da Academia, em janeiro de 1890, já constava uma proposta nesse sentido: Art. 129 - Os artistas que, pela especialidade de seus estudos, houverem adquirido conhecimentos excepcionais sobre qualquer parte da teoria, da história ou da técnica das artes, poderão abrir, na escola ou suas dependências, cursos livres em que exponham seus métodos, idéias úteis sobre as matérias que compõem o ensino oficial das belas artes, e para isso deverão dirigir ao conselho de professores um requerimento acompanhado dos documentos de sua idoneidade profissional e folha corrida, no qual designem a matéria que pretendem ensinar e o programa que se propõem seguir.152 Os curso livres se encontram formalmente oficializados nos Estatutos de 1890153. Também nesse caso, é possível encontrar um precedente em certas medidas propostas quando da reforma da École parisiense em 1863. Laborde recomendou então que artistas não-acadêmicos, como Violet-le-Duc e Eugène Delacroix, apresentassem palestras sobre seus trabalhos correntes, abrindo o programa da instituição para criadores independentes154. Na ENBA, ainda que as medidas cima citadas tenham, na prática, se efetivado de maneira apenas relativa e que não tenha sido possível evitar completamente a perpetuação de estéticas específicas, elas tiveram reflexos no impulso eclético que é característico do período e ao qual voltaremos a nos referir no capítulo final. Outro tópico que deve ser lembrado na discussão dessa orientação pedagógica mais aberta então proposta na Academia diz respeito à revitalização da Pinacoteca da instituição, proposta pela nova administração. Era conhecida a necessidade de renovar a coleção da ENBA com obras de uma geração mais nova, 151 Cf. o Art. 32 dos Estatutos de 1890. MALLET, Pardal. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 6 de junho de 1890, p.l. 153 Cf. o Art. 11 dos Estatutos de 1890. 154 BOIME, Albert. Op. cit., p.166. 152 VERSÃO NÃO REVISADA 53 a par das novidades artísticas ocorridas na Europa. Tal renovação, que vinha sendo pedida desde os tempos da AIBA, se fazia sentir inclusive no tom das críticas na imprensa fluminense, como a seguinte, publicada na Gazeta de Notícias em março de 1891: ...quanto a nós, os quadros antigos que existem na galeria da nossa Escola Nacional de Belas Artes, se não são elementos suficientes para formar uma galeria de pintura, muito menos o são para constituir uma galeria de pintura como a que carece uma escola moderna de artes. Já que não possuímos uma coleção de pinturas antigas que podemos mostrar com orgulho no estrangeiro, ocupemos as poucas salas da escola com quadros modernos. Serão melhor exemplo para os alunos de uma escola de artes avançada [...] mas forme-se esta galeria pouco a pouco, adiquirindo-se quadros franceses, italianos, allemaes, espanhois, não esquecendo os nacionais, [...] os alunos da nova Escola de Belas Artes, em presença de todos os estilos, processos e maneiras, verificariam que não há padrão uniforme na arte moderna, e adotariam o melhor estilo, o melhor processo, a melhor maneira, isto é, o que lhes fornecessem os impulsos de sua individualidade. É assim que se devem formar os apóstolos da arte moderna!155 Logo após a nomeação de Rodolpho Bernardelli como diretor, uma série de quadros importantes para a nova configuração da Pinacoteca foi adquirida, como as telas Um Louco, do italiano Antonio Mancini; Derrubada e Muito tarde, de Pedro Weingärter; Os Bandeirantes, Messalina e Modelo em repouso, de Henrique Bernardelli; Balla vista de Nápoles e Caminho do Vesúvio, de B. Parlagreco; Engenho de Mandioca, de Modesto Brocos, entre outras156. A preocupação com o conhecimento de “todos os estilos, processos e maneiras”, defendido na crítica transcrita acima, tinha o seu correlato curricular no maior peso que passou a ser dado às disciplinas teóricas e às “cátedras de cultura”, para usar a expressão do historiador da instituição Adolfo Morales de los Rios Filho. Se essa orientação tinha os seus precedentes na época imperial157, somente com República ela parece ter adquirido contornos realmente efetivos: dessa maneira, disciplinas como História das artes, Mitologia, Arqueologia e etnografia, História natural, física e química aplicada às artes, passaram a preencher uma parcela significativa da carga horária dos cursos da ENBA. Elas se manteriam, de maneira mais ou menos regular, nas três outras reformas pelas quais passou a instituição 155 “A Nossa Coleção de Pinturas”, Gazeta de Notícias, 24 de março de 1891. Cf. os ofícios de Rodopho Bernardelli eviados ao Governo que constam em: Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Livro de correspondências enviadas, ENBA, 12 de março de 1892, p.63 e p.95. 157 Tal preocupação era já perceptível na já referida Reforma Pedreira de 1855, na qual fora incluída no currículo uma disciplina que abordava História das belas artes, estética e arqueologia. 156 VERSÃO NÃO REVISADA 54 durante a 1ª República, em 1901, 1911 e 1915, e que analisaremos mais detalhadamente na parte seguinte. Essa maior ênfase dada as matérias teóricas contribuiu decisivamente para a consolidação de uma crescente consciência histórica, base da ampliação do leque de interesses estéticos dos artistas formados na ENBA. Como não poderia deixar de ser, isto teve repercussões diretas na grande diversidade vericável na produção pictórica do perídodo. Essa consciência histórica pode ainda ser detectada nas concepções de vários artistas formados pela instituição, expressas em seus escritos e teses158, ou, mais singelamente, em algumas declarações isoladas, como, por exemplo, a seguinte, um tanto tardia, de Henrique Cavalleiro: Para completar a sua missão deve ainda o professor afastar de seu julgamento o espíríto de sistema. Sem se deixar prender exclusivamente por uma concepção de Arte, precisa compreender todas aquelas que já foram produzidas, a fim de acolher entre seus alunos, os que revelem um modo próprio, u’a maneira pessoal de expressar, sem contudo descambar para certas aberrações muito comuns em nossos dias.159 Por fim, a referida queda do número dos alunos inscritos foi contrabalançada por uma política de incentivo à chamada livre freqüência160. Morales de Los Rios Filho chama a atenção para esse fato, referindo-se ao aumento significativo do número de alunos livres nos primeiros anos após a proclamação da República161. Essa medida, de certa maneira, serviu para equilibrar o referido caráter “elitista” dos cursos regulares da ENBA. Uma prova de que ela possibilitou de fato uma efetiva “democratização” do ensino artístico é o fato de que durante o período da 1ª República, graças às expensas da Escola, pode complementar os seus estudos na Europa um número sem precedentes de alunos livres. Vários desses, que eram normalmente egressos daquelas instituições que abordamos na parte 1.1 - o Liceu de Artes e Ofícios e da Casa da Moeda -, desempenharam posteriormente importantes papéis na cena artística fluminense e, inclusive, na própria ENBA, como professores e/ou diretores. Foi em virtude da livre freqüência, lembrava Morales de Los Rios Filho, “que tinham surgido os artistas Correia Lima, Hélio Seelinger, 158 A esse respeito, ver os textos reunidos no site http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas.htm CAVALLEIRO, Henrique. Da Didática e da Técnica da Pintura. Rio de Janeiro: ENBA, 1952, p.22 (Tese de concurso). Disponível no site http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/txt_cavalleiro_1952.htm 160 A livre freqüência se encontra oficializada nos Arts 9o, 10 e 55 dos Estatutos de 1890. 161 Morales de los Rios Filho verificou “a inscrição de 35 alunos livres em 1891; número esse que vai crescendo gradativamente até chegar em 1895 ao total de 176” (FILHO, Adolfo Morales de los Rios. Op. cit., p.19). 159 VERSÃO NÃO REVISADA 55 Fernandes Machado, Souza Freitas, os irmãos Chambelland, os Timóteo e o caricaturista Calixto”, entre tantos outros162. 1.3 Estruturas do curso de pintura da ENBA durante a 1a República Na presente parte, nosso objetivo principal é apresentar as diferentes configurações que o curriculum do curso de pintura tomou durante a 1a República. Alguns estudos anteriores, como o já citado artigo de Morales de los Rios, e mais recentemente, as teses de Ivan Coelho de Sá163 e Helena Cunha de Uzeda164, já haviam apresentado esforços nessa direção. Todavia, a comparação dessa bibliografia com a documentação referente às diversas reformulações da ENBA revela algumas discrepâncias - ainda que sutis, cumpre ressaltar -, e, por isso, gostaríamos de retomar tal empreitada. Grosso modo, durante quase toda a 1a República, a estrutura pedagógica da ENBA foi dividida em dois blocos principais: de um lado, existia o chamado curso geral, comum a todos os alunos da instituição e que se destinava a introduzí-los às matérias de conhecimento geral e, sobretudo, à prática do desenho. Ao curso geral se seguia aquilo que poderíamos chamar de uma especialização na prática da arte escolhida pelo aluno, especialização essa que era denominada de curso especial ou curso pratico. Essa bipartição só foi relativizada no período compreendido entre 1901 e 1911, como abaixo veremos. A pintura era apenas uma das quatro artes ensinadas na ENBA da 1a República: duas outras eram a escultura e a arquitetura, tradicionalmente associadas ao conceito de belas artes desde o Renascimento (arquitetura, escultura e pintura formavam o triunvirato máximo das artes do desenho, como postulava Charles Blanc na sua célebre Grammaire des arts du dessin, muito influente entre os brasileiros165). A gravura de medalhas e pedras preciosas era a quarta arte ensinada na ENBA, mais próxima das artes aplicadas referidas na parte 1.1 do que propriamente das belas artes – e, o contexto da Academia fluminense, certos indícios parecem apontar para o fato de que esse último curso possuía realmente 162 FILHO, Adolfo Morales de los Rios. Idem, p.50. SÁ, Ivan Coelho de. Academias de modelo vivo e bastidores da pintura acadêmica brasileira: a metodologia de ensino do desenho e da figura humana na matriz francesa e a sua adaptação no Brasil do século XIX e início do século XX. Rio de Janeiro: Programa de pós-graduação em Artes Visuais, UFRJ, 2004, pp.381sg (Tese de Doutorado). 164 UZEDA, Helena Cunha de. Op. cit.; cf., em especial, os Anexos distribuídos pelo corpo do trabalho: pp.64sg.; pp.140sg., pp.198sg., pp.295sg.; pp.425sg. 165 “Il y a trois arts principaux du dessin: l'architcture, la sculpture et la peinture” (BLANC, Charles. Grammaire des arts du dessin. Paris: Librairie Renouard, 1876, p.53). 163 VERSÃO NÃO REVISADA 56 um status relativamente inferior ao outros, como indicam, por exemplo, as limitações da Prêmio de Viagem a ele relativos166. Depois de 1890, como já fizemos referência na parte anterior, a ENBA foi “reformada” em três ocasiões: 1901, 1911 e 1915. A medida que essas reformas se sucediam, mudanças significativas podiam ser percebidas com relação ao número e a natureza das matérias ministradas, e, conseqüentemente, com relação ao equilíbrio entre prática e teoria no contexto da formação do pintor na Escola. Por fim, é importante notar que, com todas essas reformas, a própria duração do curso de pintura não se manteve inalterável. No que se segue, propomos esboçar a sua cambiante estrutura durante a 1a República, o que nos servirá de referência para alguns apontamentos que faremos nos capítulos seguintes. 1.3.1. Uma primeira estruturação do ensino de pintura da ENBA é apresentada nos já referidos Estatutos de 1890167. Logo no Titulo I, Art. 1.o (“Instituição da Escola Nacional e Conselho Superior de Bellas Artes”) ficava definido que “O ensino da Escola coprehenderá um curso geral e os cursos especiaes de pintura, esculptura, architectura e gravura”. Mais a frente, no Titulo II, Art. 3.o (“Da organização do ensino da Escola”), se determinava que “o curso geral será dividido em tres annos, comprehendendo as seguintes materias: Primeiro anno Historia natural (noções concretas). Mythologia. Desenho linear. Desenho figurado (estudo elementar). Segundo anno Physica e chimica (applicações às artes). Geometria Descriptiva. Trabalhos Gráficos correspondentes. Archeologia e Etnographia. Desenho Figurado. Terceiro anno Historia das Artes. Perspectiva e sombras. Trabalhos Gráficos correspondentes. Elementos de architectura decorativa e desenho elementar de ornatos. Desenho Figurado”. Como observou Helena Uzeda, o curso geral parecia ter uma função específica no contexto da ENBA: como esta recebia alunos a partir de quinze, o que parecia colocá-la fora da órbita dos cursos superiores tradicionais, o curso geral desempenhava o papel de “um curso secundário artístico, específico para a preparação do estudante ao ingresso em dos cursos práticos da Escola [...], estes sim, equiparados pela faixa etária aos superiores”168. O Art. 4.o do citado Titulo II dos Estatutos de 1890, listava, por sua vez, as matérias específicas do curso especial de 166 Os regulamentos que vigoraram na 1a República definiam que os concursos do Prêmio de Viagem de gravura de medalhas nunca poderiam se suceder em um intervalo menor de três anos; os outros cursos nunca foram submetidos a tal limitação. 167 Texto disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/documentos/docs_primeira_republica_arquivos/1890_estatutos.pdf 168 UZEDA, Helena Cunha de. Op. cit., p.28. VERSÃO NÃO REVISADA 57 pintura, que era também divido em três anos: “Primeiro anno Anatomia e Physiologia artisticas. Desenho de modelo vivo. Segundo anno e terceiro Pintura (duas cadeiras)”. Mais à frente, no Titulo VIII, Capitulo III, Art. 52.o (“Das Matriculas”), ficava determinado, com relação a progressão dos alunos de um ano para outro e do curso geral para o especial, que “a matricula em cada anno exige a approvação em todas as materias do anno anterior do curso”. A mesma Helena Uzeda viu nessa progressão seriada um melhoramento com relação ao sistema de aulas avulsas que predominou na Academia fluminense até finais do Império: Mesmo não sendo obrigatório que o aluno fosse aprovado em todas as cadeiras de uma série no prazo de uma ano, o estabelecimento de uma progressão a ser observada, que pressupunha uma hierarquia de conhecimento necessários, deve ser entendida como um avanço pedagógico.169 Isso posto, podemos esquematizar a estrutura inicial que o curso de pintura da ENBA teve na 1a República, como especificada nos Estatutos de 1890 e que apresentava o seguinte aspecto: CURSO GERAL 1o Anno 2o Anno Historia natural Mythologia Desenho linear CURSO ESPECIAL 3o Anno 1o Anno Physica e Historia das Anatomia e chimica Artes Physiologia Archeologia e Perspectiva e artisticas Etnographia sombras Geometria Elementos de Desenho de Descriptiva architectura modelo vivo 2o Anno Pintura 3o Anno Pintura decorativa e desenho elementar de ornatos Desenho Desenho Desenho figurado figurado figurado TABELA 1.1: Estrutura do Curso de Pintura, segundo os Estatutos de 1890. As matérias que compunham os cursos da ENBA estavam distribuídas por diferentes secções (Cf. Titulo II, Art. 6.o), aproximando entre si matérias correlatas e configurando uma estrutura suplementar que se sobrepunha àquela da divisão 169 Idem, p.23. VERSÃO NÃO REVISADA 58 curso geral-cursos especiaes e às grades referentes a cada arte. Por exemplo, a 2a secção reunía as chamadas “cátedras de cultura” (Mythologia, Archeologia e etnographia, Historia das artes), enquanto a 3a secção unificava matérias mais técnicas, que se encontravam espalhadas pelos diversos cursos (Geometria descriptiva; Perspectiva e sombras; Calculo e mecanica; Materiaes de construcção, resistencia dos materiaes, technologia das profissões; plantas e desenhos topographicos). Como as disciplinas dentro de uma mesma secção deveriam “dialogar” intimamente entre si170, essa divisão parecia ter como objetivo servir como uma medida a mais no sentido de garantir que existisse uma certa unidade de orientação estética entre as diversas artes. Eficiente ou não, o certo é que tal divisão por secções não voltou a ser proposta nas reformulações subseqüentes que a ENBA sofreu com o correr da República Velha. Como frisou Morales de Los Rios Filho171, a nova importância dada as matérias de desenho figurado e de modelo vivo, que antecediam a de pintura, conferiam um desdobramento lógico ao ensino dessa última, formando a verdadeira “espinha dorsal” do curso. Além disso, o desdobramento do curso especial de pintura em duas cadeiras dava aos alunos a liberdade de escolher, ainda que dentro de limites restritos, aquele entre os professores com o qual tivessem uma maior afinidade. 1.3.2. Sendo presidente da República o Dr. Manuel Ferraz de Campos Salles e Ministro da Justiça e Negócios Interiores o Dr. Epitácio Pessoa, foi aprovado um novo regulamento para a ENBA, pelo Decreto n.o 3987, datado de 13 de abril de 1901. No Regimento da Escola Nacional de Belas Artes, referente a reformulação então ocorrida172, a estrutura dos cursos ministrados na ENBA se alterava de forma significativa. No Capitulo I, Art. 2.o (“Da Instituição da Escola”), ao invés da divisão bipartida anterior (curso geral-cursos especiaes), apresentava-se, em contrapartida, uma divisão do ensino da ENBA em três cursos: “O ensino da Escola comprehenderá um curso geral, dous cursos especiaes preparatorios, um de pintura, esculptura e gravura de medalhas e pedras preciosas e outro de 170 No Capitulo II, Art. 46, prescrevia-se, nesse sentido, “Recebidos os programmas, o Director há de remetel-os aos professores das secções respectivas para uniformisarem-n'os e com elles organizarse o programma geral de cada secção”. 171 FILHO, Adolfo Morales de los Rios. Op.cit.., p.23. 172 Texto disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/documentos/docs_primeira_republica_arquivos/1901_estatutos.pdf VERSÃO NÃO REVISADA 59 architectura, e quatro cursos praticos: de pintura, de esculptura, de architectura e de gravura de medalhas e pedras preciosas”. No Capitulo II, Art. 3.o (“Da organisação do ensino”) do Regimento de 1901 dividia-se novamente em três anos o curso geral, mas diminuía-se, de quatro para três, as matérias a serem cumpridas pelos alunos a cada ano: “Primeiro anno Mythologia. Desenho geometrico. Desenho figurado (estudo elementar). Segundo anno Historia das artes; Geometria descriptiva; trabalhos gráficos correspondentes; Desenho figurado. Terceiro anno Perspectiva e sombras; trabalhos gráficos correspondentes. Elementos de architectura decorativa e desenho elementar de ornatos. Desenho Figurado”. As aulas do curso geral continuavam a ser ministradas de segunda a sábado, de 9 às 15 ou 16 horas, apesar da redução no número de suas disciplinas: Helena Uzeda postulou, a respeito da razão de tal mudança, que possivelmente “o Curso Geral estaria com uma carga acima da capacidade dos adolescentes que ingressavam na Escola”173, o que nos parece uma hipótese plausível. Ainda de acordo com Regimento de 1901, em seguida ao curso geral vinha o curso preparatorio, comum aos cursos de pintura, escultura e gravura de medalhas e pedras preciosas, o qual, como definido no Art. 4.o, compreendia “as seguintes materias, estudadas em um só anno: Anatomia e physiologia artisticas; Desenho de modelo vivo”. Por fim, o curso pratico de pintura compreendia duas matérias, “Desenho de modelo vivo; Pintura (duas aulas)”. No de quanto Regimento de 1901, todavia, não existe uma determinação inequívoca anos duravam os cursos praticos. Ivan Coelho de Sá postulou uma duração de dois anos174, mas o exame do Regimento se revela ambíguo nesse sentido. O Art. 114 do Capitulo VIII (“Das matriculas”) estipulava que “para a matricula em qualquer curso preparatorio deverá o candidato apresentar certidão de aprovação no terceiro anno do curso geral”; em seguida, o Art. 115 definia que “a matricula em qualquer curso pratico só será permittida aos que apresentarem certidões de approvação nas materias do curso preparatorio respectivo”; por fim, o Art. 116 estipulava que, “para a matricula no segundo anno de cada curso, o aluno deverá certidão de approvação nas materias do anno anterior”. Esse “curso” referido no Art. 116 poderia, de fato, ser o curso pratico, como parece ter interpretado Ivan Coelho; todavia, Morales de los Rios Filho apresenta, a esse respeito, uma opinião bastante diferente. Ele afirma, categoricamente, que, 173 UZEDA, Helena Cunha de. Op. cit., p.96. “No curso prático, finalmente, o aluno especializava-se - ao longo de dois anos - em sua área de formação” (SÁ, Ivan Coelho de. Op. cit., p.401). 174 VERSÃO NÃO REVISADA 60 segundo o Regimento de 1901, o curso pratico de pintura passava a ser sem prazo limitado, “porquanto, para os pintores, assim como para os escultores e gravadores, a terminação dos estudos escolares só tinha lugar com a conquista de premiações máximas ou com o prêmio de viagem”175. Essa determinação, como veremos a seguir, passou a ser de fato oficial a partir de 1915, o que parece confirmar a asserção de Morales de los Rios Filho, que aqui adotaremos. Feita essa ressalva, podemos traçar a estrutura do curso de pintura, como definida pelo Regimento de 1901 e que teria a seguinte configuração: CURSO GERAL 1o Anno 2o Anno 3o Anno CURSO CURSO ESPECIAL PRATICO PREPARATORIO [sem duração [duração de determinada] 1 ano] Mythologia Historia das Artes Perspectiva e Anatomia e sombras Physiologia Pintura artisticas Desenho Geometria Elementos de Desenho de Desenho de geometrico Descriptiva architectura modelo vivo modelo vivo decorativa e desenho elementar de ornatos Desenho figurado Desenho figurado Desenho figurado TABELA 1.2: Estrutura do Curso de Pintura, segundo o Regimento de 1901. 1.3.3. Na administração do Presidente da República Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca foram aprovados, pelo Decreto n.o 8.964, novos regulamentos para a ENBA. Era então Ministro da Justiça e Negócios Interiores o Dr. Rivadávia da Cunha Corrêa e, por conta disso, a reformulação da Escola concretizada nos Regulamentos da Escola de Bellas Artes, editados em setembro de 1911176, passou à história da instituição como Reforma Rivadávia. A respeito dessa reforma observou Morales de los Rios Filho: 175 FILHO, Adolfo Morales de los Rios. Op.cit.., p.36. Texto disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/documentos/docs_primeira_republica_arquivos/1911_estatutos.pdf 176 VERSÃO NÃO REVISADA 61 A Escola passava a ser definida como instituto de instrução especial, sendo regida em parte pelo regulamento e naquilo que ao mesmo não fosse contrário pela Lei Orgânica do Ensino. Dessa maneira, embora ficasse estabelecida a sua autonomia didática, administrativa e financeira, continuava subordinada, nas relações oficiais, ao Ministério da Justiça.177 Com os Regulamentos de 1911, o curso geral da ENBA permaneceu divido em três anos, que passaram, porém, a ser denominados series. O Art. 4.o determinava as matérias que nelas seriam ministradas, respectivamente: “Primeira serie Desenho a mão livre e geometrico. Exercicios de aguadas. Desenho de ornatos e elementos de architectura. Desenho figurado. Segunda serie Geometria descriptiva e desenhos relativos. Desenho de composições elementares de architectura. Desenho figurado. Terceira serie Perspectiva e sombra e desenhos relativos. Esculptura de ornatos. Desenho figurado e principios de modelo vivo”. O “renascido” curso especial de pintura era, por sua vez, dividido em duas series de duração desigual, compostas, como versa o Art. 5.o, das seguintes matérias: “Primeira serie (um anno) Noções de historia natural, physica e quimica. Desenho de modelo vivo. Pintura. Segunda serie (dous annos) Desenho de modelo vivo. Pintura. Anatomia e physiologia artisticas”. Mais uma vez, fica definido um sistema de progressão implicando que “nenhum candidato sera admittido a exames das materias de uma serie sem que apresente o certificado de approvação em todas as disciplinas da serie anterior” (Art. 32, “Do processo dos exames e dos concursos”). A estrutura do curso de pintura que vigorou a partir da Reforma Rivadávia foi então, grosso modo, a que ilustra a seguinte tabela: CURSO GERAL 1a Serie [duração de 1 ano] 2a Serie [duração de 1 ano] CURSO ESPECIAL 3a Serie [duração de 1 ano] 1a Serie [duração de 1 ano] 2a Serie [duração de 2 anos] Desenho a mão Geometria Perspectiva e Noções de Anatomia e livre e geometrico descriptiva sombra historia natural, physiologia physica e quimica artisticas Desenho de Desenho de Esculptura de Desenho de Desenho de ornatos e composições ornatos modelo vivo modelo vivo elementos de elementares de architectura architectura Desenho figurado Desenho figurado Desenho figurado Pintura Pintura e principios de modelo vivo TABELA 1.3: Estrutura do Curso de Pintura, segundo o Regulamento de 1911. 177 FILHO, Adolfo Morales de los Rios. Op.cit.., p.43-44. VERSÃO NÃO REVISADA 62 Cumpre notar que, de todas as grades curriculares que formataram o ensino da pintura durante a 1a República, a da Reforma Rivadávia foi a que menos possuía “cátedras de cultura”, com a virtual eliminação de disciplinas humanistas já então tradicionais no seio da Escola, como Historia das Artes ou Mithologia. O curriculum resultante enfatizava ainda mais a importância do aprendizado do desenho – figurado e técnico – ao qual passou a ser dedicada a maioria das matérias nessa fase preparatória, que era, por sua vez, seguida da obrigatoriedade que os alunos tinham de cursar por três anos a cadeira de Pintura. Uma outra supressão oficial, dizia respeito ao regime de livre freqüência e, conseqüentemente, da categoria dos alunos livres - supressão que foi bastante lamentada por nomes como Modesto Brocos. “A observação das falhas que offerece o ensino depois da reforma de 1911, e o desejo de ver sanados essas lacunas e defeitos”178 foram as principais motivações que o levaram a pubicar, em 1915, o seu célebre livro A questão do ensino das bellas artes. Ainda que as opiniões então expressas por Brocos devam necessariamente ser relativizadas, parecem ter sido, de fato, as “falhas” nos regulamentos as responsáveis pela elaboração de um novo regimento para a ENBA, que se deu cerca de quatro anos após a que acima descrevemos - um intervalo de tempo bem inferior ao que houvera entre as duas reformas anteriores e entre a que ocorreria depois, já terminada a à República. 1.3.4. Assim, em 1915, a ENBA foi novamente reorganizada. Algumas das razões para tanto, como sugeriu Morales de los Rios Filho, foram de ordem administrativa, em particular a polêmica que se iniciara quando da reeleição, em 1911, de Rodolpho Bernardelli como Diretor da ENBA, polêmica que versava justamente em torno do seu prolongado prazo de exercício do cargo. Com a nova reforma, Bernardelli seria substituído na direção por João Baptista da Costa, cuja gestão, a princípio prevista para terminar em 1918, acabou se estendendo até a sua morte, em 1926. Na 1a República, a ENBA ainda teria como diretores José Mariano Filho (diretor no período 1926-1927) e o escultor José Otávio Corrêa Lima (diretor no período 1927-1930)179 - aqui, porém, deixaremos de lado os detalhes a respeito 178 BROCOS, Modesto. Op. cit., p.3. A respeito dos diretores da ENBA, cf. GALVÃO, Alfredo. Subsídios para a história da Academia Imperial e da escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro, 1954, pp.17sg; LUZ, Angela Âncora da. “A Escola de Belas Artes – uma história da arte”. In: CUNHA, Almir Paredes (org.). Arquivos da Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 1999, pp.71sg. 179 VERSÃO NÃO REVISADA 63 dessas sucessões nos determos rapidamente naquilo que, com a reforma de 1915, alterou o curriculum de pintura da Escola. Na ocasião, o Dr. Wenceslau Bras Pereira Gomes ocupava o cargo de Presidente da República e o Dr. Carlos Maximiliano Pereira dos Santos o de Ministro da Justiça, quando foi mandado observar o Regulamento da Escola Nacional de Bellas Artes, a que se refere o decreto n.11.749, de 13 de outubro de 1915180, que definiu uma última configuração para o curso de pintura da ENBA na 1a República - a qual, ao menos no papel, se manteve até que os acontecimentos subseqüentes à Revolução de 1930 promovessem uma nova reforma na instituição, em 1932. As vinte e uma cadeiras ou matérias (quatro teóricas, sete teórico-praticas e dez praticas) eram novamente distribuídas em um curso geral, comum às quatro artes, e em quatro cursos especiaes, cada um relativo a uma arte específica. Retornava à grade uma tradicional disciplina de cunho teórico - Historia das bellas artes - que havia sido cortada do curriculum quando da aprovação do Regulamento de 1911. Também o regime de livre freqüência, que fora abolido nessa mesma ocasião, foi reabilitado, embora, a partir de então, os candidatos a aluno livre tivessem que se submeter a um exame de capacitação mínima, conduzido pelo professor da disciplina que quisessem cursar. O Art. 10 dividia o curso geral, como tradicionalmente fora feito na ENBA até então, em três series. Nestas, as cadeiras que um aluno de pintura deveria freqüentar eram, respectivamente: “Primeira série Desenho geometrico e aguadas; Historia das bellas artes; Desenho figurado. Segunda série Noções de historia natural, physica e chimica (applicaçoes ás artes); Desenho de ornatos e elementos de architectura; Geometria descriptiva e primeiras applicações ás sombras e á perspectiva; Esculptura de ornatos; Desenho figurado. Terceira série Desenho de composições elementares de architectura; Geometria descriptiva applicada (perspectiva); Esculptura de ornatos; [...]; Desenho figurado e principios de modelo vivo”181. Como complemento, o curso especial de pintura, como definia o Art. 11, compreendia três matérias, “Anatomia e physiologia artisticas; Desenho de modelo vivo; Pintura”. 180 Texto disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/documentos/docs_primeira_republica_arquivos/1915_estatutos.pdf 181 Como versa o Paragrafo Unico do art. 10, os alunos de pintura estavam dispensados de prestar exame na cadeira de Geometria descriptiva applicada; já com relação a cadeira de Mathematica applicada, os alunos de pintura estavam dispensados de freqüentar, e, conseqüentemente, também de prestar o respectivo exame. VERSÃO NÃO REVISADA 64 A condição de progressão dos alunos até o nível do curso especial, o Art. 72 definia, como de praxe, era que “para a matricula em qualquer série de cada curso, o alumno deverá apresentar certidão de approvação nas matérias da série anterior”. O Regulamento de 1915, porém, trazia uma alteração a qual já aludimos, quando comentamos o Regimento de 1901: segundo o Art. 14, o curso especial de pintura, como aqueles de escultura e gravura, não comportava uma divisão em anos de estudos, ou seja, a permanência do aluno no curso especial deveria “prolongar-se por tantos annos quanto bastem para o seu completo preparo”. Apresentamos a seguir a derradeira estrutura do ensino de pintura na 1a República, como definida pelos Regulamento da Escola Nacional de Bellas Artes de 1915: CURSO GERAL CURSO ESPECIAL 1a Série 2a Série 3a Série [sem duração [duração de 1 ano] [duração de 1 ano] [duração de 1 ano] determinada] Desenho geometrico e Desenho de ornatos e Desenho de Anatomia e physiologia aguadas elementos de composições artisticas architectura elementares de architectura Historia das bellas artes Desenho figurado Noções de historia Geometria descriptiva Desenho de Modelo natural, physica e applicada Vivo chimica (perspectiva) Desenho figurado Desenho figurado e Pintura principios de modelo vivo Esculptura de ornatos Esculptura de ornatos Geometria descriptiva e primeiras applicações ás sombras e á perspectiva TABELA 1.4: Estrutura do Curso de Pintura, segundo o Regulamento de 1915. Finalizando o presente capítulo, cumpre fazer algumas indicações gerais a respeito das disciplinas que acima viemos enumerando e que, como é fácil perceber pela análise das tabelas, por vezes tiveram os seus nomes alterados. no Anexo I, procuramos fornecer uma listagem dos professores que as regeram no período por nós aqui delimitado e, no Anexo II, apresentamos uma transcrição de VERSÃO NÃO REVISADA 65 alguns programas de ensino daquelas disciplinas práticas que constituirão o centro de nossas atenções no próximo capítulo. A respeito da maneira como esses programas de ensino eram formulados, se encontrava determinado, já nos Estatutos de 1890, Art. 45.o do Capitulo II do Titulo VIII (“Dos exercicios escolares”), que “cada professor em exercicio sera obrigado a apresentar ao conselho escolar na primeira sessão do anno lectivo, o programma do ensino a seu cargo. Se nessa sessão do conselho o professor não apresentar o programma, não poderá reger a sua aula ou atelier emquanto não tiver preenchido tal exigencia”. Essa determinação, cumpre notar, seria mantida em termos praticamente inalterados nos regulamentos/regimentos que se seguiram. No Art. 47.o desses mesmos Estatutos de 1890, se acrescentava, ainda dos programas de ensino, que “os programmas adoptados em um anno poderão servir para os annos seguintes, si isto for proposto e julgado conveniente” - procedimento do qual, de fato e por diversas ocasiões, os mais diversos professores lançaram mão. Diferentemente de algumas outras disciplinas, aquelas que abordaremos com mais vagar no próximo capítulo - Desenho figurado, Desenho de modelo vivo e Pintura - tiveram uma permanência perene no curriculum do curso de pintura durante a 1a República. Por causa disso, as suas diretrizes não costumavam ser alterados pelas reestruturações que a ENBA sofria periodicamente e que tentamos acima enumerar. Os programas de ensino de tais disciplinas eram, certamente, uma elaboração pessoal dos professores que as regiam e um reflexo de suas convicções pedagógicas e estéticas. Porém, como deviam ser aprovados previamente pelo Conselho Escolar, é possível observar igualmente em tais programas alguns parâmetros subjacentes que se repetem para além dos credos pessoais. Nesses parâmetros é possível perceber alguns fundamentos das orientações pedagógicas que atravessaram a Academia fluminense na República Velha e, por isso, são justamente eles que discutiremos no que se segue. VERSÃO NÃO REVISADA 66 CAPÍTULO 2 VERSÃO NÃO REVISADA 67 Com a intenção de compreender as transformações ocorridas no curso de pintura da ENBA durante a 1ª República, o tópico que gostaríamos de aprofundar no presente capítulo se refere à orientação pedagógica ministrada em algumas de suas principais disciplinas práticas. Podemos desde logo adiantar que, como em praticamente todas as instituições acadêmicas surgidas a partir do século XVI, o sistema pedagógico da ENBA esteve baseado no estudo alternado de dois parâmetros “externos” principais: por um lado, a tradição artística, representada pelo amplo conjunto de obras do passado tidas então como referenciais182, e, por outro, a natureza. Poderiam assim, grosso modo, ser aplicadas à Academia fluminense, no período delimitado no presente estudo, as palavras que Albert Boime usou para resumir a rotina acadêmica francesa vigente durante o século XIX: “o sistema pedagógico da École des Beaux-Arts estava centrado em estudos alternados do antigo e da natureza. Mesmo o concursode admissão [places] estava baseada em desenhar alternativamente a partir de uma cópia antiga e a partir do modelo vivo”183. Nos ateliês acadêmicos, usualmente esses dois parâmetros se encontravam estreitamente ligados. Nesse sentido, a teoria da acadêmica preservava, em certa medida, uma formulação que remontava ao Renascimento, segundo a qual a arte era uma imitação da natureza, mas também e inevitavelmente, como lembra Carl Goldstein, uma imitação [...] da obra de artistas seletos que corporificam o ideal ao qual os artistas devem aspirar. Este é o ponto crucial não apenas da teoria da Idea de Bellori mas também do béau idéal da Academia Francesa, que [...] destacava os trabalhos de Rafael e sua escola, de Poussin e de Le Brun; essa foi também a teoria da Royal Academy.184 Outro estudioso, o italiano Antonio Pinelli, resumiu os dois parâmetros tradicionais de “toda” arte acadêmica acima referidos simplesmente como “a Antigüidade clássica e a natureza (ou melhor: o desenho decalcado das estátuas 182 Os acadêmicos brasileiros certamente endossariam a definição de tradição proposta pelos Janson: “Cada obra de arte ocupa seu próprio lugar específico no espectro daquilo que chamamos de tradição. Sem a tradição – a palavra significa “aquilo que nos foi legado” – nenhuma originalidade seria possível; ela nos propicia, por assim dizer, uma plataforma sólida e segura a partir da qual o artista dá o seu salto de imaginação. [...] Estejamos ou não conscientes dela, a tradição é a estrutura dentro da qual forjamos nossa opinião sobre as obras de arte e avaliamos seu grau de originalidade” (JANSON, H. W.; JANSON, A. F. Iniciação à História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.9). 183 “The pedagogical system of the École des Beaux-Arts centred around rotating studies of the antique and of the nature. Even the competition for places was based on drawing alternatively after an antique copy and after the live model” (BOIME, Albert. The academy and french painting in the nineteenth century. New Haven/London: Yale university Press, 1896, p.27). 184 “An imitation […] of the works of select artists that embody the ideal to which artists must aspire. This was the crux not only of Bellori’s theory of the Idea but also the beau ideal of the French academy, which […] highlighted the works of Raphael and his school, Poussin, and Le Brun; it was the theory of the Royal academy as well” (GOLDSTEIN, Carl. Teaching arts: academies and schools from Vasari to Albers. Cambridge University Press, 1996, p.119). VERSÃO NÃO REVISADA 68 antigas e o desenho a partir ‘da natureza’, binômio basilar da rotina acadêmica de todas as épocas)”185. Porém, se essa afirmação de Pinelli tem a sua validade em outros contextos, quando referida ao caso da ENBA da 1ª República ela se apresenta por demais redutora: nela, sequer é feita referência ao papel que a cópia de obras bidimensionais - desenhos e pinturas originais dos mestres, bem como as reproduções de todo gênero feitas a partir das mesmas - sempre desempenhou no aprendizado da pintura dentro dos ateliês acadêmicos. Além disso, a conceito de tradição que, na definição de Pinelli, é equacionado à arte da Antigüidade Clássica, pouco deixa entrever a respeito da diversidade que de fato sob ele se abrigava na Academia fluminense já em inícios dos anos 1890. Essa diversidade pode ser indiretamente intuída se analisarmos, por exemplo, a própria coleção de quadros “antigos” da Pinacoteca da ENBA. Pelo seu caráter oficial e pela sua função disática, essa coleção é, nesse sentido, um indício dos mais confiáveis: composta por originais e cópias de diversas procedências, ela se encontrava em galerias de exposição permanente e era uma das referências básicas dos alunos do estabelecimento durante a República Velha, assim como já havia sido no período imperial. Um documento revelador da configuração da coleção de quadros “antigos” datado dos primórdios da ENBA é o catálogo publicado quando da realização da Exposição Geral de 1890186. Aberta a visitação menos de ano após a proclamação da República, a Exposição Geral de 1890, apesar de desconsiderada por bom número de nossos historiadores, foi, não obstante, um certame importante, especialmente no sentido de reafirmar a atuação da instituição acadêmica fluminense, que, superando as atribulações sofridas na passagem do período imperial para a República, procurava dessa maneira dar continuidade aos seus esforços de formação de artistas e do próprio gosto público. O catálogo da Exposição Geral de 1890 trazia uma listagem bastante completa dos quadros “antigos”, expostos em galerias e divididos em “escolas”. Essa coleção era, em grande medida, um legado deixado pela antiga AIBA à sua sucessora republicana. Abaixo, procuramos organizar em um gráfico o panorama geral dos quadros “antigos” da ENBA, adotando a classificação por “escolas”, utilizada no referido catálogo e que continuou sendo empregada, cumpre frisar, durante uma boa parte da 1a República, mesmo já bem adentrado o século XX. 185 PINELLI, Antonio. “Inrodução à edição italiana (1982)”. In: PEVSNER, Nicolaus. Academias de arte: passado e presente. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.46. 186 Um fac-simile do catálogo da Exposição Geral de Bellas-Artes de 1890 pode ser consultado no endereço http://www.dezenovevinte.net/catalogos/1890_egba.pdf VERSÃO NÃO REVISADA 69 Exposição Geral de Bellas Artes de 1890 - Quadros antigos por "escolas" 35 30 29 30 28 não-identificada florentina romana bolonheza veneziana napolitana lombrada genoveza milaneza ferrara hespanhola flamenga hollandeza franceza ingleza 26 25 22 21 20 16 15 15 13 11 10 8 5 5 2 2 1 0 1 Gráfico 1 A mais breve análise desse gráfico nos permite verificar, por exemplo, como uma quantidade bastante significativa de quadros “antigos” pertenciam, na verdade, a “escolas” bastante afastadas do espectro que hoje constitui o senso comum a respeito da chamada arte clássica. Destacam-se, nesse sentido, especialmente a “escola flamenga” - a terceira mais representada -, a “escola hespanhola” e a “hollandeza”. Mesmo se consideramos as chamadas “escolas italianas”, aquelas mais presnete - a “veneziana”, a “bolonheza” e a “genoveza” - são normalmente associadas apenas em certa medida à noção vulgar de classicismo. Ainda que levemos em conta as eventuais dificuldades de aquisição de quadros de outras escolas, esses dados indicam que a AIBA legara a ENBA um acervo cuja diversidade interna transcendia em muito os limites que são usualmente relacionados à tradição clássica - diversidade essa que só tenderia a aumentar com o passar dos anos, como teremos oportunidade de aqui verificar. Além disso, com o decorrer do século XIX, a própria noção de tradição, dentro do contexto da formação artística acadêmica, tendeu a se dilatar para além do legado “antigo” e progressivamente absorver as correntes estéticas contemporêas. Assim como ocorreu na Europa, a Academia no Brasil assimilou aspectos de movimentos artísticos oitocentistas, que, por vezes, se definiam justamente em oposição explícita ao classicismo. Como bem resume a seguinte consideração de Sônia Gomes Pereira a respeito desse tópico: VERSÃO NÃO REVISADA 70 Temos hoje consciência de que a produção acadêmica ao longo do século XIX partiu de uma postura inicialmente neoclássica, mas posteriormente acabou por absorver idéias e valores de movimentos posteriores, como o Romantismo, o Realismo, o Impressionismo e o Simbolismo.187 Mais adiante, no capítulo 3, voltaremos a tratar com mais detalhes dessa relação dos pintores brasileiros da 1a república com a arte européia sua contemporânea. O presente capítulo, todavia, é dedicado à discussão da maneira como as solicitações do legado da tradição e as exigências surgidas das novas abordagens da natureza foram equilibradas no contexto da pedagogia da ENBA e como isso influiu nas orientações pictóricas surgidas durante o período. Ao final do capítulo, tentamos reunir ainda alguns apontamentos mais precisos relativos à prática do desenho da figura humana, como era usualmente realizada na ENBA. Estes apontamentos, como procuraremos demonstrar, servem como indícios de que as práticas pedagógicas de então já se encontravam impregnadas de uma concepção estética que possui diverso pontos de contato com a idéia modernista de uma autonomia formal da pintura a qual nos referimos na Itnrtodução, e são utéis, no nosso entender, para relativizar o isolamento que caracteriza a pintura da ENBA em boa parte de nossa historiografia. 2.1 A tradição Uma prática central dentro da tradição acadêmica, que remonta aos seus primórdios renascentistas, é o aprendizado baseado na cópia de obras de arte do passado. No contexto do ensino acadêmico, é importante frisar, o contato do aprendiz de pintura com o legado da tradição, encarnado da maneira talvez mais óbvia nas pinturas e esculturas antigas, visava sobretudo revelar as “regras da arte”, sobretudo, as regras da invenção188. Nesse sentido, a difundida prática das cópias era encarada como uma condição imprescindível 187 à manifestação e ao PEREIRA, Sonia Gomes. “Arte no Brasil no Século XIX”. In: OLIVEIRA, Myrian A. R. (Org.). História da arte no Brasil textos de síntese. Rio de Janeiro: Programa de pós-graduação da Escola de Belas Artes/UFRJ, 1999, p. 55. 188 O termo é tomado aqui no sentido “institucionalizado” que tinha no contexto acadêmico desde o início do século XVIII: “l’invention était définie par Liotard comme 'la facilité de composer le sujet d’une peinture, d’en faire une esquisse' [Traité des principes et règles de la peinture. Paris, 1785]. Il faut ajouter que De Pile dans 'L’idée du Peintre parfait' écrit que 'la première partie de la peinture' est la composition qu’il subdivise en deux 'L’invention et la Disposition. L’invention trouve seulement les objets du Tableau, & la Disposition les place' [ L’idée du Peintre parfait... Paris, 1699]. Liotard formule le même point de vue autrement: 'Lorsque le peintre guidé par le jugement a inventé toutes les parties qui constituent un tableau, il faut ensuite les disposer chacune à leur place, de manière que l’ordonnance d’un sujet de peinture ne puisse être mieux disposée'” (LANGLOIS, Monique. L’imitation de la nature dans la peinture française du XVIIIe siècle: Reproduction ou production ? Disponível no site: http://www.uqtr.ca/AE/Vol_12/libre/Langlois.htm) VERSÃO NÃO REVISADA 71 desenvolvimento da personalidade do artista, e não como um entrave a esta última, como não raramente sustentaram os partidários do Modernismo. Na AIBA do século XIX - como em sua congênere francesa, a École des Beaux-Arts parisiense -, esse contato com o legado da tradição artística se efetuava por três vias distintas principais: a) em estágios iniciais, o discípulo realizava cópias de imagens planas. Desde o Renascimento, foram empregados indistintamente desenhos originais de mestres ou gravuras189 como material de aprendizagem dos discípulos, mas, na Academia brasileira, a própria escassez de modelos originais fez com que a cópia de gravuras se tornasse o método de aprendizado mais usual. A organização do ensino nessa fase era baseada na crescente complexidade dos modelos190: nas gravuras mais elementares encontravam-se representados ornatos, unidades anatômicas - partes da cabeça (olhos, bocas, orelhas...), cabeças inteiras, membros do corpo, etc., “concebidas como uma espécie de ‘alfabeto’ do desenho”191 - e, por fim, figuras humanas completas; gravuras ainda mais complexas reproduziam esculturas e pinturas originais, representando um primeiro contato com invenções compositivas dos mestres; b) em um segundo momento, o discípulo passava à cópia de modelos tridimensionais estáticos, dos quais se destacavam as moldagens de gesso. Também aqui, os modelos eram normalmente apresentados ao discípulo seguindo uma ordem de complexidade crescente; a cópia de moldagens era ainda entendida como o antecedente mais apropriado para o desenho realizado diretamente a partir do modelo vivo, que discutiremos na parte 2.2; c) por fim, era requisitado do discípulo, normalmente em estágios avançados de sua formação, a execução de cópias diretamente a partir de pinturas originais dos 189 Na França, tais gravuras de cunho didático eram conhecidas como modèles de dessin; a respeito das cópias de gravura nos ateliês franceses, ver BOIME, Albert. Op.cit., p.24 sg; obviamente, antes da aparição e desenvolvimento da gravura, a única opção possível para os estudantes era a cópia dos desenhos de mestres (exemplum), o que testemunham os tratados mais antigos, como o de Cenino Cennini. 190 Tal concepção pedagógica se encontrava firmemente estabelecido desde os tempos L. B. Alberti ou Leonardo da Vinci, que em seu tratado escreve: “Assim te digo, que por natureza tendes a esta arte, que se pretendes conhecer com verdade as formas das coisas terás de começar de suas partes mais simples e não passar a uma segunda sem ter a primeira bem apreendida na memória e na prática” (VINCI, Leonardo da. Tratado de la pintura. Madrid, 1976, p.365). 191 “Conceived as a kind of ‘alphabet’ of drawing” (GOLDSTEIN, Carl. Op. cit., p.116). A comparação com o aprendizado da escrita remonta a tratadistas como Alberti, de Merken e Mitelli; recentemente foi retomada por Kenneth Clark, que lamentava: “Um erro similar na pedagogia acadêmica aparece na sugestão de que o estudante deveria aprender a forma humana da mesma maneira que a linguagem, de modo que os traços e os membros fossem como as letras e as sílabas: tendência esta que levou a essas lamentáveis coleções de olhos, orelhas e narizes corretos, que iniciando-se como os Carracci, seriam publicadas pelas Academias ao longo dos séculos XVII e XVIII” (CLARK, Kenneth. El arte del Humanismo. Madrid, 1969, pp.91-92). VERSÃO NÃO REVISADA 72 mestres considerados exemplares pelos acadêmicos. Essa última prática, no caso brasileiro, se encontrava relacionada, em um primeiro momento, ao contato com as obras da Pinacoteca da própria Academia, mas, depois, especialmente com os discípulos mais destacados, ela era expandida com a viagem dos mesmos, como pensionistas, à Europa. Obviamente, a seqüência acima descrita não necessariamente correspondia à prática que se podia verificar efetivamente. Eventualmente, um determinado discípulo poderia executar, em um único e mesmo estágio de sua formação, cópias pertencentes a mais de uma das modalidades acima listadas. Além disso, no que aqui nos toca mais de perto, embora o pressuposto fundamental da importância da imitação das obras de arte do passado nunca tenha sido radicalmente questionado na ENBA da 1ª República, essa seqüência pedagógica da realização de cópias de diferentes tipos, graduados em dificuldade, sofreu transformações significativas no período aqui delimitado, as quais gostaríamos de analisar com um pouco mais de vagar no que se segue. 2.1.1. Modelos planos A primeira dessas transformações diz respeito à virtual supressão das cópias de imagens planas: fortes indícios apontam para o fato de que, quando ocorreu a Reforma de 1890, esse método, especialmente no que dizia respeito à cópia de gravuras, passara a ser então visto como ultrapassado. “Princípios”, “elementos”, “estudos” ou “regras de desenho” eram os termos mais utilizados para designar as coleções de modelos gravados que, desde a bottega renascentista, substituíram os desenhos de mestres e os livros de exemplum que eram copiados pelos aprendizes na Idade Média. Com relação a tempos bem mais recentes, especificamente ao período imperial brasileiro, ainda é possível encontrar alguns trabalhos remanescentes dessa modalidade de cópia: assim, por exemplo, no Museu Dom João VI da EBA/UFRJ sobrevive o desenho de um anjo, realizada por Curvilho D’Avila em 1843192, e é também bastante provável que tenham sido feitas a partir de gravuras a série de cópias de mestres (Rafael, Fra 192 Museu Dom João VI EBA/UFRJ, no. reg. 536; cf. a reprodução dessa obra em CORTELAZZO, Patricia Rita. O ensino do desenho na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro e o acervo do Museu D. João VI (1826-1851). Campinas, SP: [s.n.], 2004 (Dissertação de Mestrado), p.135; esse trabalho se encontra disponível no site http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000317720. VERSÃO NÃO REVISADA 73 Bartolomeo, Poussin, entre outros) realizada por Henrique José da Silva, o primeiro professor de Desenho figurado da AIBA193. Já no que diz respeito ao período republicano, a situação parece ser um tanto diferente. Não nos foi possível encontrar, até o momento, qualquer trabalho que testemunhe a sobrevivência da prática de cópias de gravuras após a proclamação da República. Certamente, a mera ausência física de trabalhos datados do período não é por si só uma prova suficiente da supressão do método, uma vez que poderia simplesmente significar - o que era efetivamente o caso -, que os exercícios escolares realizados a partir desse processo normalmente não eram valorizados o suficiente para serem conservados. Porém, se analisarmos os planos de ensino e as declarações dos próprios artistas do período, podemos encontrar indicações mais conclusivas a respeito da questão. Existiam de fato aqueles que propunham com convicção a supressão da prática da cópia de gravuras e é mesmo possível identificar as justificativas que circulavam então para tanto, o que cremos ser o ponto mais significativo com relação ao tópico aqui abordado. O primeiro desses motivos, diretamente relacionado à questão da transmissão da tradição, era o fato de que o tratamento característico das gravuras alterava as qualidades de forma e fatura das obras de arte originais que pretendia reproduzir. Em uma data bastante recuada - 30 de março de 1875 - Zeferino da Costa, então estagiando em Roma como pensionista, endereçou uma carta ao diretor da AIBA, Antonio Nicolao Tolentino, na qual expressava com clareza tal concepção: Não escapará por certo á alta intelligencia de V. E. e dos Illustres Professores, quão pouco satisfaça para o bom ensino dos primeiros elementos, o uso de dar-se aos alumnos para copiar, lithografias, gravuras, etc., etc., como até o presente o faz a nossa Academia. Estas estampas, alias feitas com grande nitidez, são entretanto desprovidas daquelles requisitos e meritos artisticos que é mister que os estudantes aprendam desde o principio de sua carreira.194 Como uma maneira de superar essas limitações, Zeferino, já nessa época, propunha, como alternativa, a aquisição de “photographias” tiradas diretamente de desenhos, quadros e frescos originais dos mestres renomados. A principal 193 Museu Dom João VI EBA/UFRJ, no. reg. 409-416; cf. as reproduções em CORTELAZZO, Patricia Rita. Idem, pp.169-175. 194 Carta de João Zeferino da Costa a A. N. Tolentino, datada de 30 de março de 1875, p.1; um facsimile da carta original pode ser consultado no site http://www.dezenovevinte.net/documentos/documentos_zeferino.htm VERSÃO NÃO REVISADA 74 vantagem desse outro gênero de reprodução era a de oferecer um grau de fidelidade bem maior com relação às obras originais do que até então era possível obter com os fac-símiles feitos através dos métodos convencionais, como a calcografia ou a litografia195. Como bem observava Zeferino, esse grau de fidelidade atingia o seu ápice no caso da reprodução de desenhos, onde eram preservados “até o caracter das diferentes qualidades e cores dos papeis, como também os lapis desses originaes”196. As “photographias” constituiriam, dessa maneira, modelos bem mais confiáveis para oferecer aos “nossos Artistas que não puderem vir á Europa, uma idéa assaz approximada do caracter das obras primas” 197. Embora essa sugestão de Zeferino, ao que parece, não tenha sido de imediato atendida, ela é significativa por trazer para o contexto artístico brasileiro uma discussão que, no Velho Mundo, se iniciara alguns anos antes. Na França, por exemplo, a crise do método da cópia de gravuras remontava à Reforma da École ocorrida em 1863. Em um importante relatório198, lido na já referida Union centrale des beaux arts appliquées à l'industrie, em 1866, Eugène Guillaume, então diretor da École, atacava a prática usual de copiar gravuras, com todas as suas minúsculas hachuras, e propunha novos métodos pedagógicos para o ensino do desenho. Ele defendia a substituição do acabamento detalhado em favor de um tratamento técnico mais livre: o que era importante copiar, dizia Guillaume, era o effet (efeito), ou seja, a relação unificada dos planos de luz e sombra, não o processo pelo qual este era produzido199 - termo-chave para a compreensão das correntes estéticas francesas surgidas na segunda metade do século XIX, o effet será por nós discutido mais detidamente na parte final do presente capítulo200. Tal idéia logo iria implicar em uma substituição dos instrumentos pedagógicos e, igualmente, das técnicas usadas pelos aprendizes. Como solução para o primeiro aspecto da questão - abordaremos o segundo na parte 2.3.2 -, Guillaume recomendava novos modelos impressos que pudessem inspirar, mais do que inibir, os estudantes. Uma outra solução estava implícita em um dos dois programas de desenho destacados no relatório de Guillaume e propostos como modelo para as 195 A respeito dos fac-símiles gravados, ver “Los facsimiles” In: BORDES, Juan. Historia de las teorias de la figura humana: El dibujo/ la anatomía/ la proporcíon/ la fisiognomía. Madrid: Cátedra, 2003, pp.42-43. 196 Carta de João Zeferino da Costa..., p.3. 197 Idem, p.2. 198 GUILLAUME, Eugène. “Idée générale d’un enseingment du dessin”, em Essais sur la théorie du dessin. Paris, 1896. 199 Citado em BOIME, Albert. “The teaching of fine arts and the avant-garde in France during the second half of the nineteenth century. In: Las academias de arte (VII Coloquio Interncional de Gaunajuato). D.F.: Univesidad Autónoma do Mexico, 1985, p.165). 200 Como outros conceitos técnicos do período, o de effet sofreu uma evolução terminológica e tornouse de aplicação mais abrangente (BOIME, Albert. Op. cit., pp.27-29, 167 sg.). VERSÃO NÃO REVISADA 75 reformas, aquele da escola municipal de arte de Justin Lequien201. Esse programa era por sua vez baseado nas idéias de Alexandre Dupuis, brilhante pedagogo e um dos maiores inovadores no campo da educação artística durante a primeira metade século XIX: no programa da escola de Lequien, a importância da prática de copiar modelos impressos era significativamente diminuída, e era defendido, em troca, que aprendiz trabalhasse desde o início a partir de modelos tridimensionais. Apesar da formação de Zeferino da Costa na Europa ter sido estritamente italiana, é improvável que ele não tenha entrado em contato direto com essas idéias surgidas no ambiente cultural do Segundo Império francês. Não podemos esquecer que essa questão da renovação do ensino do desenho estava inserida naquele contexto mais amplo, por nós referido na parte 1.1, da necessidade de atender às crescentes demandas das artes industriais por soluções esteticamente aceitáveis. Ela dizia respeito então a todos os países europeus em via de industrialização, e foi tema de acaloradas discussões nas Exposições Universais, especialmente a partir daquela realizada em Paris, em 1867. Poucos anos depois, essas idéias iriam reverberar no citado discurso sobre a arte industrial, proferido por Rui Barbosa no Liceu de Artes e Ofícios, quando, em substituição à “cópia servil da estampa”, o bacharel propunha, como que citando a pedagogia de Dupuis-Lequien, a “interpretação estilizada de objetos presentes”202. “A base do ensino de Pintura foi durante muito tempo a cópia de estampas e dos quadros da Pinacoteca. Só a República aboliu definitivamente esse método de ensino”203, afirmaria Alfredo Galvão, que foi aluno da ENBA nos anos 1920 A partir de tal afirmação, poderíamos deduzir que foi um método similar ao praticado na escola Lequien aquele que se tornou efetivamente vigente na ENBA durante a 1ª República. De fato, as referências à cópia de gravuras - e, em um sentido mais amplo, à cópia de qualquer tipo de reprodução plana -, são praticamente inexistentes nos programas de ensino do período ao qual tivemos acesso [cf. o Anexo II]. A única exceção por nós encontrada é uma breve passagem do programa de Pedro Weingärtner para a aula de Desenho figurado, datado de 1892, que faz referência à cópia de fotografias: Weingärtner propunha então, como prática para os alunos da 2ª classe da aula por ele ministrada, o “desenho de folhas e ornamentos, 201 O outro programa citado por Guillaume era o da École de Dessin, onde Violet-le-Duc, um dos maiores responsáveis pela Reforma de 1863, havia estudado. 202 BARBOSA, Rui. O desenho e a arte industrial. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, p.16. Disponível no site: http://www.casaruibarbosa.gov.br/ 203 GALVÃO, Alfredo. Subsídios para a história da Academia Imperial e da escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro, 1954, p.47 VERSÃO NÃO REVISADA 76 copias de phototypias”204 - o que parece por sua vez indicar que aquela antiga sugestão de Zeferino da Costa acima referida havia sido ao menos em parte implementada, quando do inicio do período republicano. Provavelmente, as gravuras, progressivamente substituídas pelas reproduções fotográficas de obras originais, continuaram a desempenhar um papel subordinado dentro da ENBA, no que se refere à transmissão das invenções compositivas dos mestres europeus, e que, por conta das limitações da Pinacoteca, apenas em pequena medida podiam ser acessadas diretamente pelos alunos. Se a prática da copiá-las foi virtualmente extinta no que diz respeito aos estágios elementares da formação do artista no ambiente de ensino superior que a ENBA se propunha ser, o mesmo não se pode dizer dos meios amadores, onde o método teve ainda uma longa vida e continuou a fazer às vezes de iniciação às artes do desenho. Nem nesse contexto, porém, ele era visto com bons olhos: “Esse methodo [a cópia de estampas] hoje só é usado por professores amadores e pelos professores que por toda parte pululam. [...] está hoje comdemnado, por se ter reconhecido ser o melhor para atrophiar as intelligencias”, resumiria Modesto Brocos em 1915205. 2.1.2. Moldagens de gesso Se a cópia de gravuras caiu progressivamente em desuso, o mesmo não se pode dizer da cópia de moldagens de gesso, também conhecida na 1ª República como desenho à “antiga”. No programa acadêmico tradicional, a estátua era o primeiro enfrentamento com o modelo volumétrico, depois de assimilados os elementos do desenho através da cópia de imagens planas206. Na Academia brasileira, como na maioria das outras, os inacessíveis mármores originais eram convenientemente substituídos por cópias em gesso e a manutenção da prática de desenhá-los se encontra bem documentada em todos os programas de Desenho figurado elaborados durante a 1ª República. Mais do que isso, com o abandono das gravuras, a cópia do “antigo” parece ter ascendido à posição de principal método para a iniciação aos alunos da ENBA 204 Acervo arquivístico do do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 179: Programa para a aula de Dezenho Figurado da Escola Nacional de Bellas Artes, 8 de junho de 1891; cf. Anexo II.1. 205 BROCOS, Modesto. A questão do ensino das Bellas Artes: seguido da crítica sobre a direção Bernardelli e justificação do autor . Rio de Janeiro, 1915, p.34 206 Nos ateliês franceses oitocentistas, como lembra Boime, “a transição da cópia de gravuras para a cópia de moldes era conhecida como passar à la bosse, o bosse tendo sido o termo para moldes de gesso durante o século XIX” (“The transition from copying engravings to copying casts was knowing as passing à la bosse, the bosse being the term for plaster casts during the nineteenth century”. BOIME, Albert. The academy and french painting..., p.27). VERSÃO NÃO REVISADA 77 na arte do desenho. Tal hipótese é ao menos em parte confirmada, por exemplo, pela seguinte declaração de Lucílio de Albuquerque, no qual o pintor descreve a sua iniciação artística, realizada ainda em meados da década de 1890: “Me vi, na minha primeira aula de Desenho Figurado, de fusain em punho, diante de uma folha moldada em gesso, para copiar”207. O fato da cópia de moldagens de gesso ter continuado a desempenhar um papel capital na pedagogia acadêmica pode ser deduzido também da ampliação da coleção da ENBA, que foi uma constante em toda a 1ª República, assim como fora durante boa parte da segunda metade do século XIX208. Como postula Juan Bordes, “a importância de uma academia européia podia medir-se em função de seu patrimônio de cópias da escultura clássica”209, e a Academia brasileira não deixou de partilhar esse desejo de emulação. Além disso, a dinâmica de ampliação da coleção de gessos da AIBA/ENBA - questão que, cumpre frisar, se encontra ainda insuficientemente esclarecida -, é também um indício de suas cambiantes inclinações estéticas, uma vez que descreve uma das vias pelas quais se deu a dilatação dos referenciais artísticos no meio acadêmico fluminense. Para se ter uma idéia da variedade da coleção de moldagens da ENBA, basta lembrar algumas das aquisições que, segundo Alfredo Galvão, teriam sido feitas na direção de Corrêa Lima, em finais da 1ª República, entre as quais constavam a moldagem da famosa Vitória de Samotrácia, mármore helenístico hoje no Louvre; de um Escravo de Michelangelo; e do Pescador napolitano com tartaruga, obra do escultor oitocentista francês François Rude210. Essa pequena listagem mais uma vez comprova que, sob o rótulo genérico de “antigo” ou “clássico”, abrigava-se na verdade um corpus heterogêneo de obras que contrastavam entre si por apresentarem soluções estilísticas bastante variadas para o problema da figuração da natureza, em geral, e da figura humana, em particular. Embora referências escritas à cópia de moldagens sejam relativamente freqüentes durante a 1ª República, exemplares concretos que ilustrem essa prática não são tão fáceis de localizar. O motivo mais provável é que, analogamente ao caso das cópias de gravuras, os desenhos feitos à “antiga” fossem considerados 207 Citado em LEITE, José R. T. Dicionário Crítico da Pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988, p.16. 208 A esse respeito ver GALVÃO, Alfredo. “Notas sobre as moldagens de gesso da E.N.B.A. da U.B.”. In.: Arquivos da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 1957, pp.127-131; ver também a parte 2.1.2.2, “As moldagens de gesso e a preservação dos ideais clássicos”. In: SÁ, Ivan Coelho de. Academias de modelo vivo e bastidores da pintura acadêmica brasileira: a metodologia de ensino do desenho e da figura humana na matriz francesa e a sua adaptação no Brasil do século XIX e início do século XX. Rio de Janeiro: Programa de pós-graduação em Artes Visuais, UFRJ, 2004, pp.449-454 (Tese de Doutorado). 209 BORDES, Juan. Op. cit., p.64. 210 GALVÃO, Alfredo. Op. cit., p.130. VERSÃO NÃO REVISADA 78 não como obras com seu valor próprio, mas simplesmente exercícios escolares, pouco dignos de preservação. No Museu Dom João VI se encontram os poucos exemplares remanescentes da prática de cópia de moldagens de gesso que nossas pesquisas revelara: lá existem, por exemplo, dois desenhos de Augusto José Marques Júnior, o primeiro datado de 1906 [Figura 2.1a] e o segundo sem datação, mas provavelmente também realizado durante o período de formação do pintor na ENBA [Figura 2.1b]. Além dessas obras de Marques Júnior, encontram-se reproduzidos em um pequeno livro dedicado à memória de Francisco Bayardo, publicado logo após a sua morte prematura, dois outros desenhos realizados por esse artista a partir de moldagens de esculturas antigas, datados do início dos anos 1920 [Figura 2.2a e 2.2b]211. Em trabalhos como esses, é possível perceber os principais objetivos visados pela prática do desenho a partir das moldagens. O primeiro deles era incrementar a percepção e a consciência do estudante com relação às variações de valores, isto é, os tons de cinzas observáveis no modelo a ser desenhado. Especialmente o estudo dos valores intermediários entre as luzes mais claras e as sombras mais escuras era baseado na observação das moldagens de gesso. O pintor francês Amaury-Duval nos lembra que quando passou a desenhar as moldagens de gesso no atelier de Ingres, este lhe repetia constantemente o termo demi-teinte (meiatinta). Ele lembrava também a sua dificuldade em entender o conceito no contexto dos desenhos a partir das moldagens: “Para mim, a moldagem de gesso parecia branca quando na luz e negra quando na sombra; é uma coisa curiosa como o olho ingênuo não percebe o que chamamos de ‘modelado’, ou seja, a transição da luz a sombra através das meia-tintas”212. Simultaneamente, estudos desse gênero visavam introduzir o aluno ao já referido conceito de effet, o resultado do contraste entre os planos unificados de luz e sombra. Não por acaso, o carvão (fusain) foi francamente a técnica preferida para os estudos dessa natureza durante o período aqui analisado. Diferente dos materiais de desenho mais “duros” como o grafite, que prescreviam uma execução mais precisa e controlada e cujo emprego era ainda muito freqüente por parte de pintores consagrados durante o Segundo Império, como Victor Meirelles e Pedro Américo, o uso do carvão favorecia resultados mais imediatos e livres. Para isso 211 Cf. Á memória de Francisco Bayardo. Rio de Janeiro: s/ed., 1927; o exemplar consultado pertence a acervo do Museu Dom João VI EBA/UFRJ, e traz o ex-libris de Alfredo Galvão, que foi contemporâneo de Bayardo quando estudava na ENBA. 212 “For me, the plaster cast looked white when in light and dark when in shadow; its a curious thing that the unpractised eye does not perceive what we call ‘modeling’, that is, the transition from lght to shade by means of half tones” (Citado em BOIME, Albert. Op. cit., p.28). VERSÃO NÃO REVISADA 79 contribuíam as qualidades plásticas do material, que possibilitava a obtenção de uma ampla gama de valores - indo dos cinzas claros aos negros mais profundos -, e de tipos de linha - não tão precisas quanto as obtidas com o grafite, mas ricamente variadas em intensidade e espessura. O carvão facilitava ainda a correção e o rápido preenchimento de grandes áreas, com o auxílio do dedo e/ou do esfuminho, bem como servia como o instrumento ideal de transição para o uso do pincel. Na França, o uso do carvão fora um dos traços distintivos do programa de desenho elaborado pelo já citado Alexandre Dupuis213, ainda na década de 1830, e, a partir da reforma de 1863, ele passou a ser o material de desenho mais utilizado também na École214. O apreço pelo resultado mais informal por ele proporcionado se encontrava relacionado à difusão daquilo que Boime, em seu livro sobre a Academia francesa, denominou “estética do esboço” (aesthetics of sketch), conceito ao qual retornaremos em passagens futuras do presente trabalho, especialmente na parte 4.3. Mas o estudo a partir das moldagens não visava apenas o incremento da percepção dos valores e do effet. Como acima fizemos referência, tal prática era então entendida como o antecedente mais apropriado ao desenho feito diretamente a partir do modelo vivo. Uma imposrtante função desempenhada pelo estudo das moldagens era então a de servir como uma espécie de guia na procura daquelas soluções de compromisso que os alunos eram induzidos a fazer entre tradição e natureza, ou, mais precisamente, entre os paradigmas formais que as moldagens corporificavam e os modelos reais com os quais se defrontavam os aprendizes no dia-a-dia das aulas. Como veremos com mais detalhes abaixo, estes últimos eram induzidos à manipular a forma do modelo vivo, afim de conferir ao seu desenho ou pintura uma “legibilidade” e uma harmonia, que, em muitos casos, era uma reminescência do “antigo”. Essa função reguladora desempenhada pela arte do passado tinha um amplo alcance e foi várias vezes reafirmada durante toda a 1ª República, inclusive por pintores como Henrique Cavalleiro, que a princípio poderíamos imaginar pouco afeito à tradição. Na entrevista por ele concedida à Angyone Costa em 1927, Cavalleiro equacionava tradição e classicismo, e afirmava: Toda a verdadeira arte tem que partir do clássico. Todas as innovações, se não tiverem como fundamento um conhecimento exacto do 213 Cf. BOIME, A.lbert. The teaching of fine arts..., pp.176sg. “Depois de 1863, ele [o carvão] se tornaria o instrumento habitual para desenhar tanto o modelo quanto a moldagem” (“After 1863 it would become the habitual instrument for drawing both the model ande the cast”. BOIME, Albert. The academy and french painting..., p.32). 214 VERSÃO NÃO REVISADA 80 classicismo, são falhas e estereis, porque lhes falta equilibrio, que so se obtem com base, com conhecimentos seguros de technica, sem os quaes nunca se poderá ser pintor.215 Em vista da obra de Cavalleiro, um dos primeiros artistas no meio artístico fluminense a se valer abertamente de procedimentos consagrados por artistas independentes franceses como Paul Cézanne e Vincent Van Gogh, tal declaração pode parecer surpreendente. Na verdade, o trecho acima citado estava inserido no contexto de uma discussão a respeito do ressurgimento das referências classicistas na obra de Pablo Picasso, que foram bastante freqüentes nos quadros realizados após o primeiro pós-guerra pelo artista espanhol. Certamente, quando de sua estadia na Europa como pensionista da ENBA, Cavalleiro teve oportunidade de conhecer tais obras de Picasso, que se inseriam no movimento então muito difundido de revalorização da tradição, mais conhecido como Retorno à ordem (rappel a l’ordre) (cf. final da parte 3.2.2 do presente trabalho). Em um sentido análogo, o pintor brasileiro fazia referência, nessa mesma entrevista, à filiação entre a obra do “admirável e discutido Rodin” e a arte de “clássicos” como Phidias e Michelangelo. Para Cavalleiro, portanto, não existia, propriamente falando, uma solução de continuidade entre a arte “antiga” e as novas tendências: estas últimas eram compreendidas como naturalmente alicerçadas na primeira. A importância fundamental da prática da cópia de moldagens de gesso pode ser verificada, ainda pelo fato de que esta regularmente desempenhava um papel nos concursos de magistério da Escola, como comprovam dois belos desenhos, um tanto mais tardios, de autoria de Georgina de Albuquerque e de Marques Júnior, realizados como prova prática para o provimento de uma das cadeiras de Pintura em 1948 [Figura 2.3 e 2.4]. Ambos, os desenhos foram realizados a partir da moldagem em gesso do chamado Discóbolo em repouso, cujo original em mármore pertence hoje ao Museu do Vaticano. A sensível diferença de expressão que esses dois trabalhos apresentam - uma valorização do contorno linear e o caráter mais sólido da obra de Georgina, contrastando com o aspecto mais fluido, “inacabado”, da obra de Marques Júnior - é, por si só, uma demonstração eloqüente da variedade de resultados que os artistas da ENBA podiam conseguir, mesmo partindo de um único motivo. Essa diferença entre os dois desenhos é igualmente uma prova, no nosso entender, de que a prática da cópia de moldagens de gesso, ainda quando submetida a condições de avaliação muito restritivas, como era certamente o caso 215 Citado em COSTA, Angyone. A inquietação das abelhas (O que dizem nossos pintores, escultores, arquitetos e gravadores, sobre as artes plásticas no Brasil). Rio de Janeiro: Pimenta de Mello & Cia, 1927, pp.114-115, p.123 VERSÃO NÃO REVISADA 81 em um concurso para magistério, não significava, de maneira alguma, a submissão estrita, “mecânica” do artista ao seu modelo. Porém, apesar da sua importância perene - até hoje a cópia de moldagens é praticada da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, a sucessora da ENBA -, é possível perceber igualmente, já durante o período da 1ª República, um relativo questionamento do valor desses exercícios, ao menos no contexto de um curso avançado de formação artística. Podemos aqui levantar algumas hipóteses a respeito desse fato. A primeira diz respeito à já referida ampliação dos referenciais estéticos e a conseqüente valorização de tendências não-classicistas. Embora um pouco mais tardia, uma curiosa demonstração indireta desse fenômeno pode ser encontrada na tese de Georgina de Albuquerque, apresentada no concurso para a Cadeira de desenho de 1942216, e na qual aparece como ilustração de capa um desenho da pintora representando não uma obra clássica, mas sim uma estátua “gótica” alemã, o retrato da Condessa Uta de Ballenstedt, que figura no coro da catedral de Naunburg e que foi realizado por volta de 1245 [Figura 2.5]. Outros fatores ligados à relativização do legado clássico durante a 1ª Républica parecem ser análogos àqueles responsáveis pela virtual extinção da prática da cópia de gravuras. Particularmente instrutivos nesse sentido são diversos ofícios de Lucílio de Albuquerque, escritos na década de 1920, nos quais o pintor expressa claramente a sua insatisfação com o que ele julgava uma manutenção excessiva, forçada por prescrições do regimento interno da ENBA da prática da cópia de gesso na disciplina de Desenho figurado por ele então ministrada. Em um desses ofícios, datado de fevereiro de 1921, Lucílio pondera: A exigência do Regimento determinando as matérias de exames nas 3 series de desenho figurado, força-me, mais uma vez, a adoptar o mesmo programma dos annos anteriores, lamentando não poder realizar um programma mais de acordo com o progresso e as modificações que o tempo vae imprimindo ás artes entre nós. Ha annos venho pedindo que o desenho seja feito com o modelo vivo, limitando o mais possível o estudo do gesso, que deveria constituir, mesmo, materia de exame de admissão. O estudo exclusivo do gesso, sobre fatigar o alumno, fal-o estacionar e algumas vezes retrogadar. Só com o estudo conjuncto com o do modelo vivo, poderá tornar-se o alumno senhor do desenho, comprehendel-o e interpretal-o.217 216 ALBUQUERQUE, Georgina de. O Desenho Como Base no Ensino das Artes Plásticas. Rio de Janeiro: ENBA, 1942. 217 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4077: Ofício de 12 de fevereiro de 1921; nesta mesma notação encontram-se reunidos mais onze ofícios de Lucílio de Albuquerque, datados de 1921 à 1933, nos quais ele reiteradamente mantêm o seu programa de ensino de 1920, que se encontra transcrito no Anexo II.2. VERSÃO NÃO REVISADA 82 Tais reivindicações de Lucílio não foram atendidas, mas não nos foi ainda possível descobrir se os motivos para tanto eram propriamente estéticos ou de ordem financeira – faltavam recursos para a contratação de mais modelos? Significativo aqui é o fato dessas reivindicações expressarem uma inquietação que foi certamente partilhada por outros contemporâneos do pintor. Para estes, mesmo a riqueza de soluções oferecida pelo legado da tradição havia perdido o seu valor relativamente universal e começou a representar uma moldura demasiado estreita para a expressão dos artistas. A via restante parecia ser o embate direto com a natureza, o único modelo que, na sua relativa informidade, possibilitava a livre expansão do caráter pessoal de cada pintor. 2.1.3. Cópias dos mestres Um último aspecto que deve ser discutido no que diz respeito à importância da tradição no contexto de formação do pintor durante a 1ª República relaciona-se a execução das chamadas cópias de “quadros de mestres”, reproduções feitas geralmente à óleo, diretamente a partir de originais de pintores consagrados. Se os exemplos que possuímos dessa modalidade de cópia, realizados durante o período aqui tratado, estão praticamente todos relacionados a estágios avançados da formação de seus autores, mais especificamente aos períodos de estadia na Europa, no gozo do Prêmio de Viagem, não devemos esquecer que tal prática fazia parte, igualmente, da rotina pedagógica ainda no Brasil. É sabido que os alunos copiavam obras pertencentes à Pinacoteca da ENBA, como indica a referência de Galvão, reproduzida na página 75. Um exemplo é o de Oscar Pereira da Silva, que, teria realizado em seus dias de estudante uma cópia reduzida da Batalha do Avahy, de Pedro Américo, e outra do Repouso da modelo, de Almeida Jr. Esse rotina é significativa, uma vez que “tratava-se já da transmissão de uma tradição”218, alicerçada na produção de pintores brasileiros que aos poucos passavam a ser vistos como referências de importância comparável àquelas representadas pelos mestres europeus; essa ascendência é confirmado pelo respeito perene que os pintores da 1ª República nutriram pela obra de antigos mestres formados pela AIBA como Victor Meirelles e outros219. 218 Cf. CAVALCANTI, Ana M. T. Les Artistes Brasiliens et “Les Prix de Voyage en Europe” a la Fin du XIXe Siécle: Vision d’Ensemble et Etude Approfondie sur le Peintre Eliseu D’Angelo Visconti (18661944). Université de Paris I - Pantheon-Sorbonne, 1999, p.310 (Tese de Doutorado). 219 Em julho de 1947, uma pesquisa iniciada pela editores do Boletim de Belas Artes perguntava a diversos artistas como Alfredo Galvão, Manoel Santiago, Raimundo Cela, etc. - todos formados na 1ª República e então ainda ativos -, “Quais os cinco maiores pintores do Brasil?”: os mais votados foram Almeida Jr (1º), Amoêdo (2º), Visconti e V. Meirelles (3º), H. Bernardelli (4º) e Souza Carneiro (5º); ver VERSÃO NÃO REVISADA 83 Como adiantamos, porém, os horizontes relativos a cópia dos quadros de mestre se alargavam e a prática se tornava mais significativo quando o pintor, como pensionista da ENBA, era transplantado para a Europa. Em todos os regulamentos de pensionista redigidos durante a 1ª República, a realização da cópia de um “quadro de mestre” foi uma exigência constante. No regulamento de 1892, por exemplo, é exigida do pensionista, como obrigação de seu terceiro ano no velho mundo, “uma cópia designada pelo Conselho Escolar”220; nas Instrucções para o prêmio de viagem aos alumnos, de 1905, analogamente, se prescreve como obrigação de quarto ano de pensionato, a “copia de um quadro de mestre, existente em qualquer das galerias da cidade designada para permanencia do pensionista e indicada pelo conselho escolar”221; por fim, em 1914, uma “cópia de um quadro de mestre existente em qualquer das galerias da cidade designada para a permanência do pensionista e que já não figure nas galeria da Escola” volta a figurar como obrigação de terceiro ano do pensionista222. Embora nos dois primeiros desses regulamentos estivesse explicitamente determinado que cabia ao Conselho Escolar decidir que mestre e que obra o pensionista deveria copiar, vários documentos dão prova, como abaixo veremos, de que boa parte das vezes tais escolhas ficaram, na verdade, a cabo dos próprios pensionistas Tal fato parece ser o indício de um certo afrouxamento do controle institucional da ENBA sobre os estudantes, que foi uma das reivindicações quando da Reforma de 1890 e que se manifestou também em outros aspectos da rotina dos pensionistas na Europa, como veremos na parte 3.2. Durante as décadas iniciais da ENBA, é possível afirmar que, grosso modo, se mantiveram pouco alteradas as duas principais funções pedagógicas da cópia de quadros de mestres, já definidas desde os tempos da antiga AIBA: “primeiro, a prática da cópia objetivava desenvolver o poder de invenção do pupilo através do estudo das composições dos mestres antigos, e segundo ela objetivava familiarizálo com os procedimentos técnicos desses mesmos mestres”223. Por essas razões, Boletim de Belas Artes. Rio de Janeiro, julho de 1947, n. 31, p.266. 220 Além dessa cópia, era exigido do pensionista, em seu terceiro ano no exterior, “um esboceto para execução de um quadro de três ou mais figuras acompanhando o respectivo orçamento para as despesas com o material para o mesmo quadro” Regulamento para o processo dos concursos, na Escola Nacional de Belas Artes, para os lugares de pensionista do Estado na Europa - 1892 (Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/documentos/Premio_viagem_1892.htm ) 221 Instrucções para o prêmio de viagem aos alumnos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1905, capítulo VI, p.8; um fac-simile desse documento pode ser consultado no site: http://www.dezenovevinte.net/documentos/ipv_1905.htm 222 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6156: Acta do Conselho Docente, realizada em 9 de maio de 1914. 45 recto. A transcrição dessa ata pode ser consultada no site: http://www.dezenovevinte.net/documentos/ipv_1914.htm 223 “First, the practice of copying aimed at developing the pupil’s power of invention by the study of old masters’ compositions, and second it aimed familiarizing the pupil with the technical procedures of the VERSÃO NÃO REVISADA 84 essas cópias usualmente “tencionavam ser reproduções acuradas dos originais” 224, embora pudessem variar de escala com relação à obra copiada - na maior parte dos casos as cópias eram reduções. Certamente, eram praticados outros tipos mais informais de cópia, do qual restam, todavia, poucos exemplares. Uma das variantes mais comuns era constituída de “esboços rápidos de composição feitos à lápis”225, categoria ao qual pertence, por exemplo, um pequeno estudo de Visconti presente em um dos cadernos preenchidos em uma de suas estadias na Europa, feito a partir do quadro Jesus e a samaritana, de autoria do mestre holandês Rembrandt Van Rijn226. Todavia, se as funções didáticas da prática das cópias de quadros de mestres se mantiveram pouco alteradas, transformações mais significativas podem ser observadas na escolha dos próprios artistas copiados, fato que evidencia mais uma vez a já por nós referida ampliação dos referenciais estéticos dos artistas brasileiros, tópico sobre a qual gostaríamos de aqui nos deter. Certamente, nunca deixou de existir entre os alunos da ENBA o interesse por pintores que poderíamos qualificar como “ortodoxos”, aqueles vinculados de uma maneira mais ou menos evidente à uma tradição oriunda das tendências classicistas. Em 1898, por exemplo, Raphael Frederico, então em Roma, enviou à ENBA, como dever de seu terceiro ano de pensionato, a cópia de uma obra de Rafael Sanzio, a Deposição de Cristo da Galeria Borghese - quadro que, como frisa a comissão que deu o parecer do envio, foi “por elle escolhido”227. Em 1908, Lucílio de Albuquerque, pensionista em Paris, solicitou autorização para realizar a cópia de uma obra do pintor italiano Sandro Botticelli: “Rogo a V. Ex fazer com que me seja desde já designada a copia que hei de executar no próximo anno, afim de que possa com vagar fazer o conveniente estudo. Muito feliz me julgarei se a Escola designar o fresco de Botticelli: Giovanna degli Albizzi, mulher de Lorenzo old masters” (BOIME, Albert. Op. cit., p.42); a respeito da prática da cópia dos mestres na AIBA, consultar também LEITE, Reginal da Rocha... 224 “Were intended to be accurate copies reproductions of the originals” (GOLDSTEIN, Carl. Op.cit., p.121). 225 “Quick sketches of the compositions in pencil” (GOLDSTEIN, Carl. Idem, p.120). 226 Esse quadro de Rembrandt copiado por Visconti data de 1655; a seu respeito, o pintor anotou em seu caderno: “Une chaude lumière du soir enveloppe toute la scène” (Citado em CAVALCANTI, Ana M. T. “O conceito e a visão da arte na visão de um pintor brasileiro entre os século XIX e XX – Uma leitura dos cadernos de nota de Eliseu Visconti (1866-1944)”. In: CARDOSO, R.; DAZZI, C.; MIYOSHI, A. (org). Revisão historiográfica: o estado da questão. Atas do I Encontro de História da Arte do IFCH - UNICAMP. Campinas, SP: UNICAMP/IFCH, v.1, 2005, p.80, nota 21). 227 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 5182; o parecer a respeito desse envio, por sinal, não foi dos mais positivos: “A comissão acha que na copia apresentada [...] não foi bem interpretada a maneira de fazer d’esse mestre [Raphael Sanzio], a qual é tão suave e correcta no dezenho quanto no colorido”. VERSÃO NÃO REVISADA 85 Tornabuoni, e as Graças - existente no Museu do Louvre”, demanda que foi aprovada pelo Conselho Escolar228. Em 1920, por fim, foi a vez de Marques Júnior, também em Paris, realizar a cópia do quadro Santo Agostinho e Santa Mônica, do pintor francês de origem holandesa Ary Scheffer [Figura 2.6]. Este último era um artista muito popular e prestigiado desde a primeira metade do século XIX, inclusive aqui no Brasil, onde uma de suas obras parece ter figurado na seção de pintura da Exposição Geral de 1844229, e já Victor Meirelles havia executado a cópia de um de seus quadros mais famosos, Les femmes souliotes, quando de sua estadia na Europa na década de 1850230. Além dessa tendência mais “ortodoxa”, durante toda a 1ª República, é igualmente possível perceber um interesse crescente por certas “escolas” de pintura que até hoje foram pouco associadas pelos estudiosos brasileiros ao nosso ensino acadêmico. Em meados da década de 1890, por exemplo, Elisêo Visconti executou a cópia de um Retrato de homem, de autoria do veneziano Paolo Veronese, hoje na Galeria Colonna em Roma [Figura 2.7]. O interesse pelos venezianos não era então propriamente uma novidade entre os artistas oriundos dos círculos acadêmicos brasileiros: o acervo de quadros “antigos” da Pinacoteca da Academia, como vimos, demonstra esse fato, e já em meados do século XIX Victor Meirelles realizara uma série de cópias do mesmo Veronese e de outros célebres venezianos, como Tiziano e Jacopo Tintoretto. Todavia, Visconti parece ter sido um dos primeiros a expressar uma admiração incontida pelos mesmos; já em 1894, em um caderno de notas registrando uma visita ao Museu Mauritshuis, localizado na cidade holandesa de Haia, ele descrevia o seu arrebatamento diante das obras de Tintoretto, artista que não era exatamente uma unanimidade nos meios acadêmicos231: 228 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6155: Acta da Sessão do Conselho Escolar realizada a 17 de novembro de 1909, digo 1908, 43 recto; tal cópia, cujo paradeiro atual é desconhecido, figura sob o no 39 no catálogo da exposição que Lucílio e sua mulher Georgina realizaram na ENBA em 1911, após a volta do casal da Europa; esse catálogo pode ser consultado no site http://www.dezenovevinte.net/catalogos/cat_la_ga_1911.pdf 229 No catálogo de 1844, a obra de Scheffer citada sob o no 32 é o Retrato de sua alteza real a senhora Princesa de Joinville, de propriedade de Dona Maria Antônia de V. M. da F. 230 Essa cópia pertence ao Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro; em um breve capítulo de sua tese de livre-docência, Jorge Coli discorre sobre as significativas “afinidades” existentes entre a obra de Scheffer e a de Victor Meirelles (Cf. COLI, Jorge. A Batalha de Guararapes de Victor Meirelles e suas relações com a pintura internacional. Campinas, Tese de Livre-Docência em História da Arte, IFCH- UNICAMP, pp.155-166). 231 Charles Blanc, por exemplo, pronuncia um juízo francamente negativo sobre Tintoretto ao discutir as conveniências relativas à fatura na pintura: “s’il convient de peindre largement de grands ouvrages, ce n’est pas à dire qu’il faille pousser la hardiesse de l’execution jusqu’à l’insolance, comme l’ont fait si souvent Tintoret et quelques Vénitiens à as suíte” (BLANC, Charles. Grammaire des arts du dessin. Paris: Librairie Renouard, 1876, p.576-577). VERSÃO NÃO REVISADA 86 Tintoretto um primor. Tudo está em movimento, a figura do primeiro plano cujo manto encarnado, amarelado e cuja tonalidade azul intensa é uma maravilha. A paisagem tem um vigor extraordinário. Tudo tem movimento e vida. Pintado com muita largueza e ousadia.232 Prosseguindo com a realização de seus trabalhos de pensionista, durante o terceiro ano de sua permanência na Europa Visconti empreendeu viagens a Madrid onde, em 1895, iniciou uma cópia de grandes dimensões d’A Rendição de Breda, também conhecida pelo título As lanças, obra de Diego Rodríguez de Silva y Velázquez. Tal trabalho foi muitíssimo elogiado, inclusive pela famosa atriz Sarah Bernhardt, que o viu ainda quando estava sendo executado por Visconti no Museu do Prado. Concluída em meados de 1896233 e enviada ao Brasil, a cópia participou da Exposição Geral daquele ano, e posteriormente ficou exposto na entrada do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) do Rio de Janeiro durante várias décadas, até ser retirada para restauração. Entre 1895 e 1896, outras cópias de quadros de Velázquez teriam sido executadas por Visconti no Prado, dentre elas Las Meninas e os retratos do Infante Carlo e de Mariana d’Áustria. Uma comparação destas últimas obras com, por exemplo, um retrato de mulher executado por Visconti em 1897 [Figura 2.8] evidencia como, de fato, o artista brasileiro absorveu certos aspectos da cromaticidade e da fatura do mestre espanhol que figurariam, de maneira mais ou menos evidente, em inúmeras de suas obras posteriores. Esse interesse de Visconti por Velázquez não chega a ser surpeendente. Ele deve ser relacionado ao pronunciado gosto francês pela pintura espanhola, que caracteriza boa parte da metade final do século XIX, e se encontra bem exemplificado na admiração de Édouard Manet pelo mesmo Velázquez e por Francisco Goya. O final do século XIX, tal gosto encontrou uma grande difusão, especialmente entre artistas oriundos do continente americano, como John Singer Sargent, William Merritt Chase, Thomas Eakins, James McNeill Whistler e Mary Cassatt. Também o interesse pela “escola” holandesa marcou os artistas oriundos da ENBA. Acima já fizemos referência a Visconti, que esboçou e comentou um tela de Rembrandt. Em 1920, foi a vez de Henrique Cavalleiro, pensionista da ENBA em Paris, copiar uma obra de Franz Hals, o Retrato de Paulus van Beresteyn, realizado por volta de 1620 e pertencente ao Museu do Louvre [Figura 2.9]. Em 1930, já no 232 Citado em CAVALCANTI, Ana M. T. Op. cit, p.79, v.1. Uma carta de Xavier da Cunha, membro da Legação brasileira em Madrid, datada de 1º de agosto de 1896, testemunha a dedicação do pensionista Visconti e a conclusão de sua cópia, bem como o fato do trabalho ter sido “muito apreciado e louvado pelos competentes em pintura” da cidade. Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. 233 VERSÃO NÃO REVISADA 87 final da 1ª República, Alfredo Galvão, executou uma pequena cópia de La bohémiene, outro quadro de Hals, que também pertence hoje ao Museu Dom João VI e se encontra reproduzida na [Figura 2.10]. Na verdade, durante a sua estadia como pensionista em Paris, Galvão realizou várias outras cópias que figuraram em uma exposição por ele realizada quando de seu retorno ao Brasil, em 1932. No final do pequeno catálogo dessa mostra são listados os seguintes trabalhos: “St. Louis”, de El Greco; “Descido da Cruz”, do espanhol J. Ribera; “Nat. Mort.” [Figura 2.11], “Le Pourvoyeuse” e “La Mère Laborieuse”, todas as três de autoria do francês J. B. S. Chardin; e “La Source” de J. A. D. Ingres234. Se excetuarmos essa última cópia de Ingres, os outros quadros originais copiados por Galvão tem algumas características em comum que podem ser verificadas nas suas cópias aqui reproduzidas, bem como na cópia de Cavalleiro e na maioria dos originais copiados por Visconti. Essas características, apesar de bastante genéricas, são, todavia, indicativas da difusão de certos interesses estéticos entre nossos pintores acadêmicos que gostaríamos de aqui discutir rapidamente. Em primeiro lugar, em termos temáticos, há uma predileção pela retratística e pelas cenas de gênero, e conseqüentemente, pouco interesse pelos tradicionais temas mitológicos-bíblicos-históricos, pelo grand goût que mormente orientou a realização de cópias durante o período da AIBA. Em segundo lugar, em termos mais especificamente formais, os originais copiados compartilham uma mesma exposição franca da fatura pictórica, um mesmo aspecto de pintura alla prima. Se, como supomos, foram esses os fatores que atraíram os brasileiros, eles demonstram que entre nossos pintores da 1ª República se encontrava bastante difundida uma acentuada sensibilidade para os aspectos mais imediatos da realidade e para aqueles efeitos pictóricos de espontaneidade simulada - aquela já referida estética do esboço -, consagrada pelos pintores impressionistas e que se encontram na base mesmo do gosto modernista, tópico ao qual voltaremos mais abaixo. Ainda no que se refere às cópias dos mestres, um último e instigante aspecto diz respeito ao interesse dos pensionistas brasileiros pelos artistas europeus contemporâneos. Esse interesse é já patente no início da 1ª República, em um pintor como Oscar Pereira da Silva. Além de uma cópia do Cristo Morto, de Philipe de Champaigne [Figura 2.12] - que, como a acima citada de Ingres por Galvão, poderíamos vincular àquela orientação estética mais “ortodoxa” -, Pereira da Silva 234 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6105: Exposição de pinturas de A. Galvão - Catálogo - 1932. VERSÃO NÃO REVISADA 88 realizou em 1892 a cópia do quadro A excomunhão de Roberto, o piedoso, de autoria de outro francês, Jean-Paul Laurens, artista então muito celebrado pelo seu esforço de renovação do tradicional gênero de pintura histórica235 [Figura 2.13]. De maneira análoga, Antonio de Sousa Vianna, pensionista da ENBA enviado para Munique, expressou, em uma carta datada de 1900 e endereçada ao seu exmestre Rodolpho Amoêdo. o desejo de copiar um quadro do pintor suíço Arnold Böcklin, justificando-se nos seguintes termos: “proponho a escola a copia do quadro de Arnold Böcklin, - Das Wellen Spiel - uma obra prima da escola allemã, um poema de phantasia enorme, e uma cópia difficillima sobretudo”236. Muito provavelmente o quadro ao qual se refere Vianna é aquele conhecido nos dias atuais pelo título Im spiel der Wellen, realizado por Böcklin em 1883 e pertencente à Neue Pinakotheke de Munique,[Figura 2.14]. O conselho da ENBA aprovou o pedido237, mas, até o momento, não encontramos indícios que nos digam se Souza Vianna levou ou não a cabo a realização tal cópia. O interesse pela arte contemporânea européia, como veremos no próximo capítulo, era muitíssimo mais amplo do que essas duas cópias podem deixar entrever. Todavia, elas são talvez os exemplos mais evidentes de como existia uma permeabilidade dos alunos da ENBA com relação à obra de artistas que, na época, enriqueciam e dilatavam significativamente os preceitos da doutrina acadêmica. Particularmente no caso Pereira da Silva, artista acusado por Quirino Campofiorito, juntamente com Amoêdo, de distender “até a década de trinta do novo século, bem distante de sua origens, a pintura francesa acadêmica do fim do século XIX” e de ter feito “ouvidos moucos às vozes que ditavam novos problemas às artes plásticas e se entrosavam ao surgimento de uma outra condição de cultura”238, termos consciência de uma tal abertura é importante para que se possa fazer a devida justiça à sua produção. Se considerarmos, por fim, que tais cópias deveriam figurar na Pinacoteca da Escola como modelos de soluções compositivas para os alunos, o fato do Conselho Escolar ter aprovado as suas realizações é um indicativo, entre outros, de que a Academia fluminense desejava e fazia o possível ao seu alcance para se por a par das renovações estéticas ocorridas além-mar. Mesmo se mais não houvesse, 235 A esse respeito, cf. o catálogo de exposição Jean-Paul Laurens (1838-1921) Peintre d’histoire. Paris: Éditions de la Réunion des musées nationaux, 1997. 236 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 5188. 237 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6154: Acta da 3ª Sessão do Conselho Escolar no anno de 1900, p.93 recto. 238 CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira do século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983, p.210. VERSÃO NÃO REVISADA 89 somente isso já serviria para colocar em cheque aquela imagem da ENBA como instituição esclerosada, forjada pelos modernistas e por nós referida na Introdução. 2.2. A natureza Na ENBA, o segundo parâmetro “externo” da prática pictórica ao qual já nos referimos no início desse capítulo era a natureza. Durante a 1a República, é possível verificar, porém, uma crescente assimetria entre esses dois fatores: o equilíbrio tradição/natureza tendia então a pender para o lado dessa última, fato que já podia ser entrevisto com relação a alguns dados que acima expusemos, como a virtual abolição da prática da cópia de gravuras e os questionamentos relativos ao valor pedagógico, dentro da ENBA, dos exercícios a partir de moldagens do “antigo”. Aqui, discutiremos com mais detalhes as principais modalidades de trabalhos feito diretamnete a partir da natureza e teremos oportunidade de perceber de que outras maneiras as solicitação particulares dessa última lograram se sobrepor, em certa medida, às da tradição. 2.2.1. A figura humana: Academias e nus Na ENBA, a natureza, o outro parâmetro “externo” da arte acadêmica ao qual nos referimos no início desse capítulo, estava em grande parte relacionado ao trabalho a partir do modelo vivo. Sintomaticamente, passer à la nature era a designação usual dada, nos ateliês franceses oitocentistas, à passagem de um pupilo do estágio de cópias de moldagens de gesso para o de desenho de modelo, o mais significativo avanço precedendo a prática da pintura propriamente dita239. A ênfase dada à figura humana começava nas disciplinas de desenho da ENBA e continuava presente, posteriormente, nas cadeiras de Pintura. Isso pode ser comprovado pelo fato de que a grande maioria das obras datadas do período da 1ª República pertencente ao acervo do já bastante referido Museu Dom João VI, dedicado a formação dos artistas na Academia fluminense, é composta justamente de academias, ou seja, desenhos e pinturas feitas a partir do modelo vivo. Sabemos que o trabalho a partir da figura humana sempre desempenhou um papel fundamental dentro da ideologia acadêmica brasileira. Todavia, a sua prática efetiva foi muito irregular no período imperial anterior à República, devido principalmente às carências estruturais da instituição, principalmente a falta de 239 BOIME, Albert. Op. cit., pp.30sg. VERSÃO NÃO REVISADA 90 modelos240. Somente após a Reforma de 1890 - e tal fato deve ser considerado como uma daquelas melhorias advindas com a ENBA -, a prática do desenho de modelo vivo parece ter se tornado realmente rotineira, e é mesmo plausível que essa mudança esteja relacionada com um certo incremento qualitativo que pode ser observado na formação dos alunos da Escola a partir desse período, a qual voltaremos a fazer referência mais à frente, na parte 3.2. Essa preocupação prioritária em desenhar ou pintar uma academia, mantida e reforçada na 1ª República, baseava-se na crença enraizada na doutrina acadêmica de que o estudo do modelo vivo, por sua complexidade intrínseca, era uma via privilegiada que permitia ao estudante entrar em contato com tudo aquilo de que ele precisava se familiarizar para a prática de sua arte. De fato, como observa Juan Bordes, um traço comum a praticamente todos os ensaios, tratados e manuais artísticos, desde o Renascimento até o século XIX, é “a total coincidência entre desenho e figura. Ou seja, falar de desenho, é tratar das regras para construir a figura”241. Apenas no oitocentos, métodos alternativos derivados das idéias de pensadores como Rousseau, Pestalozzi e Fröbel retiraram a figura humana da sua condição de modelo por excelência na aprendizagem das artes plásticas: “essa opção produziu uma abstração da aprendizagem com conseqüências 242 extraordinárias, ainda por avaliar . [...] Porém, a aparição desses novos métodos não extingue aqueles que continuam embasando o ensino do desenho sobre a figura”243. É assim que, por exemplo, podemos ler no programa para a cadeira de Pintura de Henrique Bernardelli, datado já do início da década de 1890, uma reafirmação da concepção de ensino tradicional: Em pintura não há maior difficuldade que a figura humana, e o artista que toma a si a responsabilidade de guiar os jovens artistas deverá continuamente observar que não se desviem d’esse fim: a figura humana; porque neste estudo encerrão-se todas as manifestações da pintura.244 240 Ver “A problemática da falta de modelos”. In: SÁ, Ivan Coelho de. Op. cit., pp.454-470 “La total coincidencia entre dibujo y figura. Es dicer, hablar de dibjo es tratar de las reglas para construir la figura” (BORDES, Juan. Op. cit., p.22). 242 O próprio Bordes abordou essa questão em outro de seu livros, El manual del dibujo: Estategias de sua enseñanza en el siglo XX. Madrid: Cátedra, 2002, especialmente no capítulo “Bifurcaciones del dibujo”. 243 “Esta opción produjo una abstraccíon del aprendizaje con consecuencias extraordinarias aún por valorar. [...] Pero la aparicíon de esos nuevos métodos no extingue a los que continúan apoyando la ensenanza del dibujo sobre la figura” (BORDES, Juan. Op. cit., p.18). 244 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4996: Programa para aula de Pintura, do professor Henrique Bernardelli; cf. Anexo II.10. 241 VERSÃO NÃO REVISADA 91 A realização de academias permaneceu sendo considerada, portanto, a “pedra de toque” na formação do pintor: a competência nesse sentido era tida quase como um pré-requisito da excelência artística. Não é de se estranhar, portanto, que o desenho e/ou pintura do modelo vivo desempenhasse um papel fundamental em todos os processos de avaliação dentro da ENBA. Nos concursos anuais das cadeiras de Desenho figurado, Modelo vivo ou Pintura; na maior parte dos concursos para o Prêmio de Viagem, como veremos na parte 3.1.1; e inclusive nos concursos de magistério, o que se avaliava era, usualmente, o trabalho realizado a partir da observação direta da figura humana. Os pareceres desses concursos são particularmente valiosos, uma vez que neles é possível perceber toda uma terminologia codificada que indicava os critérios de avaliação então utilizados: termos como “caracter”, “proporção”, “modelado”, etc., são, nesse sentido, recorrentes e se mantiveram em uso durante todo o período - embora, por vezes, se possa perceber modificações sutis em seus significados. Em termos práticos, havia, com relação às academias, uma continuidade daquela orientação já existente nos desenhos a partir das moldagens, acrescida certamente de maiores dificuldades - como bem lembra Albert Boime, “confrontado com o modelo vivo, o artista inexperiente tinha freqüentemente que superar dificuldades tanto técnicas quanto psicológicas; ele perdia a unidade de tom e a imobilidade da moldagem, e o nu feminino o embaraçava”245. O fato é que essas duas práticas - o desenho à “antiga” e o desenho do “natural” - acabavam por se entrelaçar de maneira complexa: como já adiantamos, as obras de arte serviam, em grande medida, como parâmetros reguladores da apreensão do natural. Nesse sentido, existem mesmo indícios de que as próprias “correções” dos mestres brasileiros aos trabalhos de seus alunos realmente se efetuavam com base em uma adesão aos modelos fornecidos pela arte de épocas passadas. Indicativa dessa postura é seguinte passagem a respeito de Zeferino da Costa - um dos principais professores da cadeira de Modelo vivo durante a 1ª República, junto com Rodolpho Chambelland -, relatada por Alfredo Galvão em seu livro dedicado ao pintor dos painéis da Candelária: Contou-me o ilustre Professor Otávio Corrêa Lima que João Zeferino da Costa, diante do modelo novo, tomava de um compasso de escultor e medindo-o do ápice do crânio aos pés, comparava-o como o cânone ideal de proporções. 245 “Confronted with the live model, the inexperienced artist had often to overcame technical as well as psychological obstacles; he missed the unity of tone and immobility of the cast, and the female nude embarrassed him”. BOIME, Albert. Op.cit., p.30. VERSÃO NÃO REVISADA 92 É claro que a natureza nunca estava de acordo como o ideal grego ou renascentista e o mestre exclamava: “o cânone está certo; o modelo não”.246 Tal passagem, carregada nas tintas da anedota, não deixa, todavia, de corresponder a uma postura mental que, de fato, vigorou entre alguns professores da ENBA durante todo o período aqui tratado. Um exemplo mais preciso: no parecer do concurso ao Prêmio de Viagem de Pintura realizado em 1927, assinado pela comissão julgadora composta por Lucilio de Albuquerque, Rodopho Chambelland e Modesto Brocos, pode-se ler a seguinte observação com relação à academia pintada pelo candidato Alcibíades Noronha de Miranda - “o trabalho do Sr. A. Miranda apresenta qualidades de construcção na figura e de côr no pannejamento; mas não tem proporção na cabeça; o pescoço é curto; os braços igualmente (exagerando o defeito do modelo)”247. Afirmar que o modelo não está “certo” ou que ele é “defeituoso” parece indicar, em contrapartida, a existência de paradigmas de correção, cuja adoção implicaria na negação do registro puro e simples do modelo particular que se encontra a cada vez posando para o artista. De fato, muito já se falou a respeito do “horror acadêmico” à observação estrita do modelo e essas declarações pouco mais fazem do que confirmar que não parece ter havido também na ENBA da 1ª República nada parecido com a prática de um “realismo” stricto sensu. Se, como vimos acima, uma submissão “mecânica” ao motivo não pode ser verificada nem mesmo com relação às cópias de moldagens de gesso, como poderia ser de outra maneira no que se referia à bem mais complexa realização das academias? Por outro lado, identificar a aplicação de algum “cânone ideal” em uma determinada academia é uma questão mais delicada. Como demonstram os abundantes escritos de artistas ocidentais versando sobre a questão das proporções aplicadas à figura humana, haviam inúmeros cânones disponíveis248. Neles, se encontravam codificados, não meramente princípios harmônicos, mas, sobretudo, os mais diversificados caracteres expressivos passíveis de se imprimir a uma figura humana (cf. a parte 4.1 do presente trabalho). Em seu livro sobre as proporções da figura humana, Zeferino da Costa demonstrava conhecer bem essa diversidade249, 246 GALVÃO, Alfredo. João Zeferino da Costa, sua vida de estudante e a de professor contadas pelos documentos existentes na Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ, 1973, p.190. 247 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6158: Acta da sessão da Congregação da Escola Nacional de Bellas Artes, effectuada em 7 de novembro de 1927, 124 recto. 248 Cf. “La proporcíon o el esqueleto de la harmonía”. In: BORDES, Juan. Op. cit., pp.199s. 249 Cf. especialmente a “Introdução” In: COSTA, João Zeferino da. “Mecanismo e proporções da figura humana”. In: Arquivos da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 1956. Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/jzc_proporcoes.pdf VERSÃO NÃO REVISADA 93 e, embora propusesse um cânone específico (de 8 cabeças), indicava que este deveria forçosamente ser adaptado em função do modelo que se tratava de desenhar250. Dessa maneira, se, por um lado, a formação acadêmica induzia o aluno a “ver” o modelo vivo em termos das moldagens, por outro, a sua obra devia igualmente preservar algo da particularidade desse mesmo modelo, aquilo que os acadêmicos da ENBA chamavam caracter. Como prescreviam os preceitos subjacentes à pedagogia acadêmica, mesmo a mais simples academia não se restringia à aplicação de regras pré-estabelecidas, mas deveria ser, isso sim, a busca eminentemente criativa de uma solução de compromisso entre tradição e natureza, entre o “antigo” e o modelo. Já a referida procura da harmonia, muito freqüentemente reduzida, na bibliografia sobre a Academia à noção de um “cânone ideal”, se refletia igualmente em aspectos menos óbvios da execução de um obra do “natural”, como por exemplo, no esforço deliberado de simplificação das formas do modelo, que visava imprimir uma maior “legibilidade” da obra. Como resume Boime: O mestre acadêmico, todavia, não apenas pensava em termos de beleza figural, mas preferia os modelos antigos pela sua simplicidade de linha e massa. Ele enfatizava a necessidade de generalizar as divisões principais do corpo humano, mais do que a atenção a detalhes não essenciais, e para isso os exemplos antigos eram especialmente convenientes.251 Isso posto, não é de se surpreender que um exame atencioso das academias realizadas no período demonstre que existia, na verdade, uma ampla gama de soluções possíveis para dar cabo da tarefa de representar a figura humana. No nosso entender, isso se devia a alguns fatores principais, que podem ser assim resumidos: a) por um lado, havia a já citada variedade embutida no próprio legado da tradição que embasava o ensino da ENBA e que oferecia uma margem considerável de paradigmas reguladores para o pintor; b) a isso se somava o fato de que a própria complexidade da tarefa de realizar uma academia deixava em aberto diversas variáveis que convidavam e mesmo exigiam interpretações individuais; c) por fim, em especial no caso das academias pintadas, haviam as variações de 250 “Assim, tomando sempre como módulo a altura da cabeça, nota-se que a totalidade de cabeças varia, na razão da altura do indivíduo que se quer medir” (Idem, p.74). 251 “The Academic master, however, not only thought in terms of figural beauty, but preferred the antique models for their simplicity of line and mass. He emphasized the need to generalize the major divisions of the human body, rather than attention to unessential details, and for this stage the antique examples were especially suited” (BOIME, Albert. Op. cit., p.31). VERSÃO NÃO REVISADA 94 procedimentos materiais, como o emprego de fundos de diversas tonalidades e, especialmente, de diferentes técnicas de pintura. Esse último fator é particularmente evidente no que diz respeito às academias realizadas pelos discípulos de Rodolpho Amoêdo, artista sempre lembrado pelo seu grande interesse com relação aos diversos “processos materiaes” da arte da pintura. Cumpre lembrar que Amoêdo fora aluno do Liceu de Artes e Ofícios, e, como vimos na descrição da disciplina de pintura ensinada nesse estabelecimento, preocupações de natureza material e de aplicação prática dessa técnica eram ali fundamentais. A preocupação com o aspecto técnico da arte da pintura derivava, em parte das convicções morais de Amoêdo, segundo às quais um pintor não devia negligenciar as especificidades de seu métier, devendo, isso sim, garantir, da melhor maneira possível, a durabilidade de seus trabalhos - pensamento que tem relações com aquela estética materialista a qual fizemos referência na parte 1.1. Essa preocupação foi uma constante na sua carreira como professor. Em 1896, Amoêdo já apresentava como um dos pontos de seu programa de aula as “aplicações praticas dos differentes processos materiaes das pinturas a gomma, a colla, a ovo, e a óleo” e, em seu programa do curso de pintura de 1920, a experimentação de técnicas, para além da pintura à óleo, continuava a ser crucial no ensino por ele ministrado: “os alumnos se exercitarão nos trez mais caracteristicos processos de pintura; á aquarella, tempera e óleo”252. Por fim, em 1933, às vésperas de sua aposentadoria como professor, ele escreveu um pequeno texto que, de certa forma, resumia as razões da orientação que procurou dar ao seu magistério: Os pintores cada vez menos se tem querido occupar com estas questões [de conservação da Pintura], o mercantilismo se foi apropriando da confecção de todo o material artístico, sobre o pretexto de lhes poupar tempo na confecção do mesmo material! Ora, a industria foi progredindo com o desenvolvimento da chimica, mas foi também facilitando imitações desastroza que os artistas tiveram de supportar pondo assim bem caro a sua negligencia ou mesmo bôa fé. [...] Não é preciso mais para demonstrar que o ensino dos processos materiaes da Pintura, se impõem como uma necessidade imperiosa numa Escola superior de Bellas Artes. Existindo duas cadeiras de Pintura em nossa Escola Nal de Bellas Artes, pensei logo que me foi confiada a regência de uma d'ellas ... de dar lhe uma feição prática; sem prejuizo da materia doutrinaria, procurando dar aos meus alumnos noções positivas sobre os principais processos materiaes, familiarizando-os com o material e seu emprego. Claro está que não se pretende fazer de cada alumno um especialista em cada um dos processos em uso, mas colocal-os em situação de conscientemente escolher aquelle que melhor se coadune com o seu 252 Cf. os programas de Amoêdo transcritos nos Anexos II.11, II.12 e II.13. VERSÃO NÃO REVISADA 95 sentimento, offerecendo-lhe assim facilidades maiores para o seu desenvolvimento.253 Para além dessa preocupação com a durabilidade das pinturas, os programas de Amoêdo refletem uma postura experimental, relacionada diretamente às propriedades inerentes dos materiais empregados pelos artistas. Se tal postura havia sido relativamente rara no meio acadêmico brasileiro até então, ela tornar-seia cada vez mais evidente, como atesta o emprego das mais variadas técnicas observável entre artistas fluminenses da 1ª República, e cujo exemplo talvez mais conhecido esteja na obra de Candido Portinari, aluno de Amoêdo na ENBA dos anos 1920. Para darmos uma idéia de como a variação da técnica podia influir no aspecto de uma academia, reunimos três pinturas realizadas nas aulas de Amoêdo durante a 1ª República. A primeira é uma aquarela de Armando Vianna, realizada em 1920 [Figura 2.15]; a segunda, uma pintura à encáustica - ou à “cera”, como também era designada -, realizada por Carlos Alberto Agostini em 1896 [Figura 2.16]; e a terceira uma têmpera, de autoria desconhecida, realizada também nos anos 1890 [Figura 2.17]. Como não poderia deixar de ser, a técnica empregada determina de maneira decisiva o aspecto geral apresentado por cada trabalho. Gonzaga Duque, observador arguto que tinha experiência prática nas artes do desenho, discorreu a respeito dessa variedade de aspectos quando comentou as obras que o próprio Amoêdo expusera no “Salão” de 1904. O crítico encantou-se, sobretudo, pelos quadros realizados com a técnica da têmpera a ovo. No trecho abaixo reproduzido, ele exalta o processo e indica o quanto as suas peculiaridades convinham à evocação da figura feminina em uma das telas de Amoêdo: Verdade é que a pintura a ovo, que ora nos apresenta, essa captivante, essa belissima Captiva, que nos surprende e nos immobilisa em contemplação, parece assegurar um vantajoso substitutivo do oleo. A volupia da epiderme, a nuança quase imperceptível dos tons da sombra para a luz, a delicadeza da coloração quente d’esse corpo moço de mestiça, que alli temos, [...] o artista venceu admiravelmente por um processo que illude, que reproduz de modo incomparavel. A maciez do seios túrgidos, tão fina, tão nítida, que desafia o tacto, a anatomia dos hombros, o flacido peso do ventre e a perfeição da cabeça em que reluzem toques claros de sol, sendo marcas dos pinceis do mestre, parecem ganhar por essa tinta uma vida mais intensa, a que o brilho dos vermelhos do fundo e do panno do regaço realça, com o vigor dos celebres vermelhos flamengos. 253 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI / Escola de Belas Artes / UFRJ. Notação 4811: Manuscrito sobre os processos materiais no ensino da pintura, datado de 1933, pp.1-3. Documento publicado no site: http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/amoedo_pm.htm VERSÃO NÃO REVISADA 96 Tal processo, feito por quem tanto sabe, é incontestavelmente magnifico, mas quanto a sua durabilidade, só o tempo a poderá provar. O que é exacto é que a procura do processo nos offereceu a opportunidade de admirar uma obra inestimável.254 O entusiasmo de Gonzaga Duque pela têmpera não se repetia, porém, com relação a um outro processo então empregado por Amoêdo, a pintura à encáustica, que o autor da Marabá apresentava em “seus dous processos – a pincel e a ferro”: “esse processo”, opinava o crítico, “se nos apresenta muito secco. Não possue o avelludamento do pastel nem a tonalidade pastosa da pintura a ovo. Os vermelhos, sobre tudo, ganham com elle uma resistencia aspera de argila ressequida”255. Cremos que algo dessa secchezza a que se refere Gonzaga Duque pode ser verificada mesmo na reprodução da academia de Agostini que damos na Figura 2.16 - sem que, no nosso entender, tal característica represente nenhum demérito à técnica. Tanto ou mais quanto da natureza da técnica empregada, o aspecto de uma determinada academia dependia do tratamento formal adotado pelo pintor. Como se pode já deduzir a partir do que acima viemos expondo, se analisarmos em conjunto as academias realizadas durante a 1ª República é possível perceber uma considerável variedade no que se refere a esse tópico. Um primeiro tipo de tratamento que gostaríamos de aqui discutir é talvez o mais comumente associado até hoje aos trabalhos de modelo vivo e foi recorrente praticamente em quase todo o período aqui delimitado. Ele pode ser ilustrado, por exemplo, nas obras que valeram a Raphael Frederico e Marques Júnior o Prêmio de Viagem em 1893 e 1916, respectivamente, e que reproduzimos nas Figuras 3.1b e 3.5b. O principal elemento formal responsável pelo aspecto geral dessas academias é a escala de valores, utilizada de maneira enfatizar o modelado; conseqüentemente, os artistas optaram por fazer uso de uma paleta cromática relativamente reduzida, restrita ao preto, ao branco e a tons terra mais ou menos luminosos (cf. a definição da chamada Paleta terra, na parte 4.2). A academia de Marques Júnior foi um dos três trabalhos por ele realizados sob o pseudônimo “Pelêo” quando disputou o concurso de Prêmio de Viagem. A leitura do parecer da comissão julgadora, composta por Lucílio de Albuquerque, Modesto Brocos e Rodolpho. Chambelland, revela como ela influiu na decisão de conferir ao então aluno da ENBA o prêmio e ainda como as qualidades louvadas 254 DUQUE ESTRADA, Luis Gonzaga. “O Salão de 1904”. In: Contemporaneos – Pintores e esculptores. Rio de Janeiro: Typ. Benedicto de Souza, 1929, p.102. 255 DUQUE ESTRADA, Luis Gonzaga.. Idem, p.103. VERSÃO NÃO REVISADA 97 pela comissão correspondem àquelas características formais que acima listamos: “a 1ª prova (Academia pintada), esta bem collocada na tela, são boas as qualidades de côr, o claro-escuro justo, porquanto a projeção da cabeça do cavalo sobre o modelo esta bem observada”256. Em pleno século XX, o uso de uma palheta de tons terra e a acentuação do modelado foi muitas vezes interpretado por nossos críticos imbuídos de variantes daquela ideologia modernista discutida na Introdução como um sinal do conservadorismo estético que caracterizaria a instituição acadêmica fluminense. Uma passagem de Mário Pedrosa, presente em seu famoso texto sobre Visconti, é um exemplo contundente dessa postura que identifica o partido formal das academias que viemos descrevendo com conservadorismo: [No Rio de Janeiro, Visconti] volta, com efeito, freqüentemente a elementos já abandonados em Paris, como os terras e castanhos, em plena voga nos meios acadêmicos, para talvez satisfazer as exigências ambientes que querem sobretudo a semelhança, a imitação, a subordinação ao realismo convencional, senão a um naturalismo ao pé da letra.257 Para os modernistas, ao fazerem obras como as de Raphael Frederico e Marques Júnior que acima citamos, os artistas acadêmicos fluminenses pecavam triplamente com relação ao seu tempo: primeiro, por não seguir aquele caminho rumo à pura visibilidade, apontado “claramente” desde o movimento impressionista; depois, por não adotar um emprego franco de saturações cromáticas; por fim, por não abandonar uma espúria sugestão de tridimensionalidade em prol da afirmação da planaridade do quadro. No caso específico das academias acima apresentadas, devemos ver para além de tais críticas e nos lembrarmos que estas eram, sobretudo, exercícios escolares que visavam desenvolver nos alunos a capacidade de perceber e configurar certos efeitos pictóricos específicos. Saber executar um trabalho que preservasse o “caracter” do modelo e que fosse verossímel era também essencial para a afirmação de um pintor, uma vez que a realização de retratos continuava sendo um dos ramos mais rentáveis da profissão e exigia, invariavelmente, que o pintor possuísse os conhecimentos pictóricos supra-citados. 256 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6156: Acta da sessão da Congregação, effetctuada em 18 de novembro de 1916. p.103 verso (Cf. Anexo III.9); na verdade, parece haver aí uma incorreção na ata: a academia pintada foi a segunda prova do concurso, e não a primeira (uma academia desenhada); além dessa prova os candidatos realizaram ainda, como era praxe, um “esboceto de composição”. 257 PEDROSA, Mário. “Visconti diante das modernas gerações”, Correio da Manhã, 1 de janeiro de 1950. VERSÃO NÃO REVISADA 98 Dito isso, uma análise de algumas outras academias realizadas durante a 1ª República pode nos revelar que não obstante os limites estreitos do gênero, havia espaço para o emprego de tratamentos formais que levavam a resultados mais próximos das expectativas modernistas acima mencionadas. Um desses tratamentos pode ser ilustrado por uma academia de Arthur Timótheo da Costa, datado de 1905 [Figura 2.18]. Nela, o artista emprega na figura uma gama de valores algo próximos e tendendo aos claros, evitando assim, deliberadamente, que se configure um efeito de modelado muito marcado. Nesse trabalho - cujo tratamento sutil contrasta com aqueles pelos quais Arthur Timótheo é hoje mais conhecido (cf. parte 4.3) -, é possível ainda encontrar um uso de saturações cromáticas mais intensas do que o empregado nas citadas academias de Raphael Frederico e Marques Junior: isso é perceptível especialmente na área de tom esverdeado do panejamento de fundo, na qual existe igualmente uma decidida valorização do plano do quadro, feito através do emprego de um padrão decorativo. Um outro trabalho que mantém afinidades com essa academia de Arthur Timótheo, mas no qual o acima referido aspecto decorativo é ainda mais evidente, é o nu realizado pelo seus irmão, o também pintor João Timótheo [Figura 2.19]. Essa obra, executado em 1914, embora não seja propriamente um exercício escolar, carrega consigo traços indeléveis da formação artística pela qual o pintor passou na instituição acadêmica, ainda nos anos 1900. Nesse sentido, é bastante plausível que a adoção desse partido formal pelos irmãos Timótheo, que foram alunos livres da ENBA, esteja vinculada à influência de Rodolpho Amoêdo como professor da cadeira de Pintura. Em alguns nus desse mestre que remontam ao início dos anos 1880, já é possível encontrar soluções formais bastante semelhantes [Figura 2.20a e 2.20b]; estas se encontram igualmente aplicadas, por certo com intenções bem mais ambiciosas, no famoso Estudo de mulher, datado de 1884 e pertencente ao MNBA do Rio de Janeiro [Figura 2.21], obra de Amoêdo que figurou na Exposição Geral de 1884, onde teria causado polêmica258. No nu realizado por um outro pintor, Carlos Chambelland, datado de 1927 [Figura 2.22], podemos encontrar uma espécie de solução de compromisso entre os dois tratamentos formais que até aqui discutimos: uma palheta cromática bastante reduzida, onde predominam os terras, é associada a recursos decorativos próximos daqueles encontrados no Estudo de mulher de Amoêdo. Se é mesmo possível que Chambelland tenha se inspirado no mestre com o qual tivera contato durante o seu período de formação na ENBA, a comparação de sua obra com outra realizada pelo 258 Cf. DUQUE ESTRADA, Luis G. A arte brasileira. Campinas: Mercado das Letras, 1995, p.67. VERSÃO NÃO REVISADA 99 célebre Henri Matisse, o Nu deitado de costas [Figura 2.23], apresenta convergências ainda mais reveladoras. Embora, como salientamos, o brasileiro faça uso de uma palheta cromática pouco saturada, é possível perceber nos dois quadros uma ênfase semelhante no aspecto decorativo do quadro: analogamente ao de Matisse, a repetição do motivo das flores no primeiro plano, embaixo à direita do quadro de Chambelland, funciona como um fator que “comprime” o espaço representado e, simultaneamente, afirma a planaridade inerente da obra. Esse desejo de afirmação da materialidade específica da pintura se encontra também presente no tratamento relativamente chapado da figura feminina, na qual é evitado um modelado acentuado - característica comum aos trabalhos de outros brasileiros que viemos apresentando. A configuração pouco reveladora da mulher, deitada e de costas, acaba por adquirir um aspecto vagamente abstrato, semelhante ao dos outros elementos decorativos da obra. A seguinte observação de Rudolf Arnheim, feita a respeito de uma obra análoga do citado Matisse, poderia ser assim aplicada, mutatis mutandis, ao quadro de Chambelland: “O corpo relativamete vazio da mulher parece quase uma abertura no tecido do ambiente. O artista deliberadamente desmaterializa o corpo - um efeito especificamente moderno”259. A comparação das obras de Chambelland e Matisse aqui proposta tem apenas o objetivo de salientar as suas convergências formais. Não é nossa intenção sugerir entre elas uma vinculação direta - a realização virtualmente simultânea das duas obras, na verdade, desencoraja tal hipótese. Certamente, não podemos descartar a possibilidade de que, quando de sua estadia na Europa ou ainda por meios indiretos, o brasileiro tenha entrado em contato com obras análogas que Matisse já realizava desde inícios do século XX. Cremos, porém, que esse contato, caso tenha existido, não é o fator mais importante aqui. O mais provável, no nosso entender, é que as razões profundas por trás de tais convergências estilísticas se devam à uma mesma matriz de referências, no caso relacionada sobretudo às manifestações daquela estética materialista descrita por Bandmann presentes na pintura de destinação decorativa francesa realizada a partir da décadas finais do século XIX - tópico que voltaremos a discutir com mais detalhes na parte 4.4. Uma astuta apropriação de aspectos dessa mesma pintura decorativa francesa é perceptível em uma academia ainda mais peculiar, realizada por Belmiro de Almeida quando disputava o concurso à cadeira de Pintura da ENBA em 1916 [Figura 2.24]. Certamente, esse trabalho de Belmiro tem um significado diverso dos 259 ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual – Uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1991, p.221. VERSÃO NÃO REVISADA 100 exercícios escolares usuais, uma vez que era obra de um artista então já maduro, do qual era mesmo esperada uma solução plástica mais pessoal. Esse fato pode ser comprovado pela comparação com a obra de Marques Júnior mostrada na Figura 3.5b e executada no mesmo ano, comparação esta que aqui vai servir também como uma indicação definitiva de como a realização de academias na ENBA da 1ª República comportava um leque de escolhas relativamente amplo. Partindo aparentemente dos mesmo elementos - o mesmo modelo, a mesma moldagem de cabeça de cavalo - o resultado final da obra de Belmiro é, não obstante, bastante diverso daquele obtido por Marques Júnior. Como nos quadros dos irmãos Thimóteo acima referidos, é possível perceber na figura o uso de uma palheta de tons “pastéis” bastante próximos e de um modelado pouco acentuado; mas, no quadro de Belmiro, esse tratamento se estende por todo o quadro, o que afirma de maneira ainda mais radical a sua planaridade - nesse sentido, note-se especialmente o aspecto da cabeça do cavalo. Por fim, o artista lança mão, ainda que de modo um tanto contido, de uma fatura divisionista. Todos esses traços, é importante salientar, não eram uma novidade na obra anterior de Belmiro, como comprova, entre outros, o quadro chamado Os descobridores, datada de 1899 e hoje pertencente ao Museu Histórico do Itamaraty [Figura 4.38a], ao qual voltaremos a nos referir na parte 4.4. Nesse concurso de Pintura de 1916, concorreu também Fiúza Guimarães que então realizou uma academia um pouco mais “ortodoxa”, mas mesmo assim análoga em diversos pontos à de Belmiro de Almeida [Figura 2.25]. Embora então nenhum dos dois pintores tenha sido julgado apto para ocupar a cátedra, é significativo que aspectos do partido formal por eles utilizado logo tenham sido apropriados pelos pintores em formação que freqüentaram a ENBA nos anos que se seguiram. Diversas academias mais tardias, como a de Quirino Campofiorito, realizada em 1927, que reproduzimos na Figura 2.26, parecem como que derivar diretamente da obra de Fiúza, em particular no uso de uma palheta de tons neutralizados e bastante próximos. Isso indica que houve uma incorporação “oficial” desse partido formal na rotina pedagógica da ENBA. Como os outros, tal partido comportava, por sua vez, interessantes variações: é o que se pode verificar em duas academias executadas a partir da mesma pose, pelo mesmo Campofiorito e por Alfredo Galvão ainda em 1926 [Figura 2.27 e 2.28], e nas quais se destaca um uso bastante franco de saturações cromáticas, especialmente nos adereços que circundam a figura do modelo sentado. VERSÃO NÃO REVISADA 101 2.2.2. A figura humana: breves notas sobre os estudos anatômicos Com relação à figura humana, cumpre fazer uma menção, ainda que sucinta, aos estudos de anatomia durante a 1ª República. Como encontramos poucos exemplares remanescentes de trabalhos realizados nas aulas de anatomia na ENBA, nos é possível reconstituir apenas parcialmente a prática de tal disciplina. Sabemos, entretanto, que os estudos anatômicos continuaram a possuir uma considerável importância no curriculum do curso pintura da Escola, desempenhando, grosso modo, as mesmas funções estabelecidas já pelos tratadistas do século XV. Desde então, o interesse em conhecer o funcionamento do corpo humano e a necessidade de representá-lo de modo verossímil fizeram do estudo da anatomia uma ferramenta útil e familiar a todos os artistas que passavam pelas academias260. A preocupação com a dissecação e com o desenho anatômico do natural, que atingira extremos nos primórdios da disciplina - como nos fazem lembrar os relatos algo macabros envolvendo nomes famosos como Leonardo da Vinci ou o holandês Hendrick Goltzius -, se mantivera como uma norma durante os séculos seguintes. Na École des Beaux-Arts francesa, ainda no século XIX, a regra com relação aos estudos anatômicos continuava sendo “trabalhar a partir da estrutura interna, dos ossos, mais do que a partir do que era superficialmente visível no corpo vivo e guiado por um conhecimento da maquinaria interna fornecido pela dissecação, pelo corpo inanimado com todas as suas limitações”261. Sabemos que na ENBA da 1a República, os estudos anatômicos visavam prover os estudantes com os conhecimentos necessários às suas práticas artísticas, contudo, “sem exageros inúteis de nomenclatura e ciência”, como disse Marques Júnior em uma tese tardia262. Em termos materiais, os desenhos anatômicos envolviam normalmente o emprego de técnicas mistas: no exemplar reproduzido na Figura 2.29, de autoria de Helios Seelinger, o artista utilizou, em conjunto, o carvão 260 Mesmo estudiosos de inclinação modernista como Rudolf Arnheim ressaltaram o valor dos estudos anatômicos, que tenderam a cair no ostracismo durante o século XX: “Embora temporariamente fora de moda, o estudo da anatomia é valioso para o artista, pois permite-lhe adquirir um conceito visual das coisas que não vistas diretamente, mas que podem ajudar a dar forma àquilo que se vê” (Idem, p.148) 261 “To work outwards from the inner structure, the bones, rather than beginning with what is superficially visible in the living body and informing that with a knowledge of the inner machinery supplied by dissection, by the inanimate body with all iys limitations” (CALLEN, Anthea. “The body and the diference: anatomy training at the École des Beaux-Arts in Paris in the nineteenth century”. In: Art History. Oxford/Boston: Blackwell Publishers, março 1997, vol.20, p.26). 262 MARQUES JÚNIOR, A. J. Do Desenho de “Modelo vivo” e seus Problemas. Rio de Janeiro: ENBA, 1950, p.14 (Tese de concurso). Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/txtartistas_mj.htm VERSÃO NÃO REVISADA 102 e a sangüínea263. Um tratamento material ainda mais diversificada pode ser encontrado na obra reproduzida na Figura 2.30, de autoria de Marques Júnior, na qual podemos observar um uso quase “heráldico” da cor - vermelho para os músculos; azul para as veias; branco para os tendões -, comum nos desenhos anatômicos. Porém, ainda na primeira metade do oitocentos, surgiu uma nova orientação nos estudos de anatomia que relativizava a importância anteriormente dada à dissecação e se caracterizava por uma compreensão “científica” informada mais pelo estudo do corpo vivo do que do cadáver. No contexto acadêmico francês, o pioneiro dessa mudança foi Pierre Nicholas Gerdy, professor de anatomia na École, cujas idéias, inicialmente repudiadas, ganharam força quando posteriormente médicos renomados como Mathias-Marie Duval e em especial Paul Richer, começaram a atuar na instituição, a partir dos anos 1870264. Essa nova orientação postulava ainda uma preocupação com os mecanismos da figura, ou seja, dos seus movimentos físicos, como indica o titulo de um dos livros mais famosos de Richer, Anatomie artistique / Description des formes exterieures du corps humain au repos et dans les principaux mouvements (Paris, 1890). A mudança de ênfase nos estudos anatômicos, institucionalizada na França no final do século XIX, teria seus reflexos no Brasil. Ela é claramente perceptível em uma interessante série de quatro estudos anatômicos realizados por Francisco Bayardo, em inícios dos anos 1920 [Figura 2.31a, 2.31b, 2.31c e 2.31d]: executados com carvão e sangüínea, certamente à vista do modelo, neles o artista apresenta simultaneamente o aspecto superficial da figura e a sua anatomia subjacente, o “funcionamento” dos músculos sob a pele. O artista aproxima-se assim das ilustrações presentes nos manuais paradigmáticos de Paul Richer, que mostram, em seus distintos capítulos, esquemas da musculatura do corpo humano em diferentes posições, acompanhados de desenhos da sua aparência “superficial” [Figura 2.32a e 2.32b]. Um tal procedimento expositivo permitia explicitar, nas palavras do próprio médico francês, “as relações que existem entre elas [as formas exteriores] e as 263 O desenho de Seelinger foi realizado em 1900, quando do estágio do artista na Academia de Munique, onde estudou com o mestre simbolista Franz Von Stuck (cf. capítulo 3.2.1). Desse período, Hélios lembra uma anedota relacionada justamente com seus estudos anatômicos: “Certa vez perguntou-me o professor Stuck sobre uma saliência nas costas do modelo: - Anatomia, conhece? – Ya, Herr Professor. – Como se chama? Veio-me sem pestanejar, uma palavra. – Estalouzas. – Em que língua? – Na minha, Herr Professor. Corrigindo o trabalho de um colega, encontrou na perna uns músculos fora do lugar. E, solene, observou: Este é o Estalouzas do Helios passeando” (Citado em “Helios seelinger nas palavras de seus filhos”, Correio Filatélico, agosto de 1978, no 18, p.16). 264 Mathias Duval foi professor da École de 1873 a 1903, sendo seguido por Paul Richer, que ali atuou entre os anos 1903 e 1933. VERSÃO NÃO REVISADA 103 partes profundas”265, as causas dos volumes visíveis do corpo, em repouso ou nos distintos movimentos. Se considerarmos as palavras de Alfredo Galvão, tal orientação didática nas aulas de anatomia e fisiologia artisística, ou seja, o emprego do “método de Paul Richer”, teria sido introduzida na ENBA por Raul Pederneiras, que se tornou professor da referida cátedra em 1918, e nela permaneceu até bem já adentrado o Estado Novo266. 2.2.3. A paisagem Seria bastante redutor, todavia, deduzir a partir do que acima relatamos que, no curso de pintura da ENBA da 1a República, a relação com a natureza se fazia exclusivamente a partir da figura humana. Um outro ponto importante que devemos considerar no que se refere a esse tópico é a prática da pintura de paisagem, a qual gostaríamos de aqui dedicar algumas páginas. Ao contrário do que por vezes tentaram fazer crer os críticos da pedagogia acadêmica, a noção de que nesta a pintura de paisagem era desdenhada é errônea. Tal fato se encontra hoje bem comprovado, particularmente no que diz respeito ao contexto da École francesa oitocentista. Como lembra Albert Boime: Longe de serem opositores ao gênero, quase todos os acadêmicos do século XIX praticaram a pintura de paisagem; já em 1817 ela era consagrada no curiculum acadêmico como parte das competições do Prixde-Rome. A sanção acadêmica com relação à paisagem afetou as tendências independentes, provendo uma base para o seu desenvolvimento e evolução.267 Embora, por longo tempo, a pintura de paisagem tenha usualmente possuído um status hierarquicamente inferior ao da pintura histórica, não faltaram entre os franceses simpatizantes e defensores convictos da dignidade do gênero. É notório, por exemplo, que os quadros de paisagem realizados por Poussin e Lorrain sempre foram uma referência para os pensionistas da École em Roma. Já Roger de Piles louvava o pintor de paisagem, defendendo a idéia de que ele possuía, na verdade, 265 Citado em MATILLA, J. M. “Las discipilnas em la formacion del artistas”. In: La formacion del artista de Leonardo a Picasso. Aproximación al estudo de la ensenãnza y el aprendizaje de las Bellas Artes. Madrid: Real Academia de Bellas artes de San Fernando/Calcografia Nacional, 1989, p.34. 266 GALVÃO, Alfredo. Subsídios..., p.109; cf. a referência a P. Richer feita feita por Pederneiras em seu Programma da Cadeira de Anatomia e Physiologia Artísticas de 1923, Anexo II.9, item 55. 267 “Far from being opposed to this genre, almost all nineteenth-century Academicians systematically practiced landscape painting; as early as 1817 it was consecrated in the Academic curriculum as part of the Prix-de-Rome competitions. The Academic sanction of landscape affected the independent trends, providing a basis for development and evolution” (BOIME, Albert. Op. cit., p.133). VERSÃO NÃO REVISADA 104 um repertório de motivos mais rico e variado do que aquele do pintor de história268; Girodet de Roussy-Trioson teria certa vez afirmado que a paisagem é “o gênero universal ao qual todos os outros tipos de pintura se subordinam, uma vez que ele abarca a todos”269; mas foram especialmente Pierre-Henri de Valenciennes e seu discípulo, Jean-Baptiste Deperthes, aqueles que elaboram os princípios sobre os quais se fundamentaria a crescente importância da paisagem no século XIX, através de uma dupla atuação como pintores e teóricos270. Com esses últimos, consolidouse definitivamente a idéia de que tal gênero constituía um ramo independente da arte com suas próprias regras e padrões internos, e que, portanto, a paisagem não se encontrava subordinada hierarquicamente a qualquer outro tema. A falta de consideração do prestígio que a pintura de paisagem possuía dentro do contexto do ensino acadêmico francês normalmente colocou o entendimento da gênese de tendências identificadas como “precursoras” do Modernismo - em especial o Impressionismo -, fora de perspectiva. Assim como, anteriormente, os paisagistas românticos e os da Escola de Barbizon começaram suas carreiras nos ateliês de acadêmicos, Monet, Renoir, Bazille e Sisley, freqüentaram o ateliê de um artista próximo dos círculos oficiais, Marc Charles Gabriel Gleyre - muito provavelmente interessados em participar do Prix de paysage historique, que foi porém abolido por decreto em 1863; além disso, segundo Boime, a obra Eléments de la perspective pratique (Paris, 1800), de Valenciennes, foi a forma rudimentar de instrução de Armand Guilaumin e Camille Pisarro a teria inclusive recomendado ao seu próprio filho271. Analogamente, na Academia brasileira, a pintura de paisagem nunca foi negligenciada. Já nos primeiros estatutos da instituição, ela era louvada, assim como era frisado o quanto as próprias condições físicas do território brasileiro convinham e mesmo exigiam o desenvolvimento do gênero272. Durante todo o período imperial, ao lado da cadeira de Pintura Histórica, houve uma cadeira 268 “He [the landscape painter] is the master of all things visible on earth, on water and in the air: for all works of art and nature, there is none that may not enter into the composition of his pictures. Painting is a kind of creation, and it is more especially so in the case of landscape” (Cours de peinture par principes. Paris, 1708, citado em BOIME, Albert. Op. cit., p.134). 269 “The universal genre to which all other kinds of painting are subordinate, since it includes then all” (Citado em Idem, p.136). 270 Entre as obras publicadas por Deperthes encontram-se, por exemplo, dois tratados sobre a pintura de paisagem: Théorie de paysage (Paris, 1818) e Histoire de l’art du paysage (Paris, 1822). 271 BOIME, Albert. Op. cit., p.136. 272 “Este genero de pintura he um dos mais agradaveis da Arte e o vastissimo terreno do Brasil offerece vantagens aos Artistas que viajarem pelas Províncias, fizerem uma collecção de Vistas locaes terrestres como maritimas” (Estatutos da Imperial Academia e Escola das Belas Artes, estabelecida no Rio de Janeiro por Decreto de 23 de Novembro de 1820; uma transcrição desse documento, feita pelo Prof. Alberto Cipiniuk, pode ser encontrada no site http://www.dezenovevinte.net/documentos/estatutos_1820.htm VERSÃO NÃO REVISADA 105 dedicada ao estudo da Pintura de Paisagem, Flores e Animais. Inclusive, um dos pensionistas da AIBA, Agostinho José da Motta, realizou os seus estudos nessa cadeira e conquistou o Prêmio de Viagem em 1850, tornando-se posteriormente professor da instituição. Na política de unificação nacional e cultural proposta por D. Pedro II, já nos anos de 1860, as figurações da natureza brasileira, aí incluída de maneira eminente a pintura paisagística, cumpriram um importante papel nos esforços de construção de uma identidade nacional, bem como na configuração da imagem da nação e do próprio Imperador273. No início da década de 1880, a passagem do artista de origem alemã Georg Grimm pela cadeira de paisagem da AIBA e a atuação de alguns de seus discípulos, como Antonio Parreiras e Giovanni Battista Castagneto, cujas obras eram caracterizadas pela execução de pintura diretamente ao ar livre, agitou o meio artístico fluminense e ajudou a colocar o gênero paisagístico em ainda maior evidência. Derivada especialmente da crítica de arte francesa de inícios dos anos 1870, a idéia do pintor “moderno” como sinônimo de pintor de paisagem foi então bastante difundida pelos críticos de arte brasileiros na década final do Império274. Baseados nos seus congêneres tardo-oitocentistas, nossos críticos mais recentes viram igualmente no ensino e na prática de Grimm e de seus alunos uma ruptura com a orientação pedagógica da Academia. Porém, além de “esqueceram” que a prática da pintura ao ar livre parecia já existir nas aulas ministradas por Zeferino da Costa, fato que indicava o seu relativo enraizamento no curriculum acadêmico275, eles equacionarem de maneira um tanto ingênua Modernismo com pintura plein air, Como lembrou acertadamente a esse respeito Luiz Marques: Não é o plein air ou o pretenso olhar ‘inocente’ a permitir aos impressionistas superar a academia e operar a cesura que se lhes atribui na história da arte, mas antes a sua capacidade de irem a campo armados 273 Cf. SCHWARCZ, Lilia. As Barbas do Imperador - Um monarca nos trópicos. Rio de Janeiro: Companhia da Letras, 1999. 274 A esse respeito, consultar a parte 2.4, “Pintura de paisagem” In: DAZZI, Camila C. Relações BrasilItália na Arte do Segundo Oitocentos: estudo sobre Henrique Bernardelli (1880 a 1890). Campinas, SP: [s.n.], 2006 (Dissertação de Mestrado). 275 Nesse sentido, já Alfredo Galvão fizera algumas observações, e Arnaldo Machado encontrou, nos arquivos do Museu Dom João VI, o documento definitivo que comprova o ensino da pintura ao ar livre por Zeferino já em 1880. Nesse documento, datado de 28 de fevereiro de 1881, Zeferino da Costa discrimina dia a dia, de 23 à 29 de novembro de 1880, as despesas relativas à compra de passagens de bonds da cidade ao Andarahy Pequeno e vice-versa, com cinco alunos matriculados na aula de Paisagem. Machado conclui: “não foi portanto, por influência dos ensinamentos do notável paisagista e professor alemão que o nosso Zeferino da Costa assim procedeu. Dele é, indiscutivelmente, a primazia da aplicação do método de ensino que alguns, depois de Grimm, disseram que era revolucionário”. (MACHADO, Arnaldo. João Zeferino da Costa e o ensino da pintura de paisagem ao ar livre. Rio de Janeiro, 1991, p.49). VERSÃO NÃO REVISADA 106 de uma nova percepção da história da arte, graças à qual podem redefinir a essência e a função da cor na redução luminista do mundo.276 De qualquer forma, tais antecedentes, aqui considerados em brevidade, indicam como a pintura de paisagem desempenhou um relevante papel no período imperial. Por ocasião da proclamação da República, o gênero gozava de um prestígio ainda maior, provavelmente por se adequar igualmente bem tanto aos anseios da criação de uma “escola brasileira” de pintura - então mais difundidos do que nunca -, quanto à manifestação da individualidade dos artistas. À primeira vista, pode portanto parecer um contra-senso o fato da cadeira de Pintura de Paisagem, Flores e Animais ter sido abolida quando da Reforma de 1890. Antonio Parreiras, que lecionava a disciplina quando de sua extinção, se referiu ao fato na entrevista dada à Angyone Costa em 1927, e o tom de sua fala parece guardar um pouco da sua presumível perplexidade com relação ao episódio ocorrido décadas antes: Recebi lições de Victor Meirelles e freqüentei muito tempo a Academia de Veneza, sendo nomeado, de regresso ao Brasil, professor interino da aula de paysagem, na Academia de Bellas Artes, cadeira que leccionei dois annos, tendo-a deixado em virtude da reforma feita no Regulamento da Escola. - E a que fins superiores obedecia essa reforma? Desconheço. Apenas posso affirmar que a Reforma supprimia de seu programma o ensino da paysagem, o que determinou o meu afastamento da Escola.277 A verdade, porém, é que a extinção de uma cadeira nominalmente destinada à pintura de paisagem não significou, em absoluto, que a prática do gênero tenha sido igualmente abolida na ENBA. Pelo contrário, esta então parecia se encontrar ainda mais firmemente estabelecida na rotina pedagógica dos alunos de pintura da ENBA. No nosso entender, essa extinção é, na verdade, mais uma prova de que então vigorava entre nossos acadêmicos uma nova concepção de pintura, na qual as antigas distinções entre os gêneros se encontravam bastante relativizadas, tópico ao qual voltaremos logo abaixo. Como a maioria dos outros trabalhos escolares, exceptuando-se as academias, as pinturas de paisagens realizadas por alunos regulares da ENBA durante o seu período de formação são hoje de difícil localização. Um dos raros exemplos cuja paradeiro é conhecido é uma obra realizada por Elysêo Visconti em 276 MARQUES, Luiz. (org.). 30 Mestres da Pintura no Brasil. São Paulo: MASP / Rio de Janeiro: MNBA, 2001, p.22 (Catálogo de exposição). 277 Citado em COSTA, Angyone. Op. cit., p.71 VERSÃO NÃO REVISADA 107 1891 e chamada Dia de sol - Andaraí Grande [Figura 2.33]. Nesse quadro de pequenas dimensões, os elementos anedóticos tem uma importância subalterna, a fatura é explicitada e a palheta de cores utilizada é mais saturada do que na maioria dos trabalhos do pintor que retratavam figuras feitos na mesma época. Todavia, se escasseiam as obras propriamente ditas, a confirmação de que prática do gênero paisagístico era usual na ENBA pode ser obtida por outras vias menos diretas. Uma delas é a análise dos programas do curso de pintura após a reforma de 1890, uma vez que neles se encontram usualmente explicitados estudos dedicados exclusivamente à realização de paisagens. Já em 1891, por exemplo, ano de realização da tela de Visconti acima citada, Henrique Bernardelli prescrevia como estudos de segundo ano nas aulas de pintura por ele ministradas a realização de “cabeças de modelo vivo em luz de interno e ao ar livre e estudos de paysagem bem apurados” 278. Em 1896, Rodolpho Amoêdo estipulava de forma análoga, como exercício de “2º anno”, o “estudo de paisagem simplesmente e com figuras”279; é bastante provável, contudo, que tais exercícios fizessem parte das aulas de Amoêdo desde que este reassumiu o cargo de professor, logo após a Reforma de 1890. Uma carta do pintor dirigida ao Diretor Rodolpho Bernardelli, datada de julho de 1904, fornece mais alguns detalhes sobre a prática da paisagem em uma das aulas ministradas por Amoêdo, inclusive o sítio onde a sua realização deveria ocorrer: Sendo necessario aos alumnos adiantados do curso pratico de pintura que tenho a honra de dirigir n’esta escola, alguns exercícios de paysagem, e de figura humana ao ar livre, venho solicitar de VExª as necessárias providencias para que aos referidos alumnos, bem como ao individuo que lhes servir de modello, sejam tomados no local os respectivos pontos. O local que me pareceu mais conveniente, pel’a sua proximidade e pela variedade de motivos para estudo que offerece, foi a pedreira do Morro da Viúva, situada por traz da rua do Senador Vergueiro, e com entrada pela rua Honorio de Barros.280 Um outro ponto extremamente revelador com relação aos programas de Bernardelli e Amoedo acima referidos, diz respeito especificamente ao fato de que tanto um quanto o outro prescreviam propostas de trabalho que fundiam a pintura 278 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4996: Programa para aula de Pintura, do professor Henrique Bernardelli.; cf. Anexo II.10. 279 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4750: Programa da aula de Pintura, do professor Rodolpho Amoêdo; cf. Anexo II.11. 280 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4789; na sua carta resposta, que se encontra na mesma notação, Rodolpho Bernardelli informou que os pontos deveriam necessariamente ser tomados na própria Escola, mas demonstrou igualmente sua consideração pela prática do plein-air, dizendo que adiantaria em meia hora as aulas, afim de evitar que sua medida viesse a “prejudicar a regularidade dos trabalhos ao ar livre roubando alguns minutos aos alumnos”. VERSÃO NÃO REVISADA 108 de figura e a de paisagem. A afirmação feita por Bernardelli de que “para o estudo da figura humana é necessário contemporaneamente todos os estudos, especialmente a paysagem com a figura e a figura com a paysagem”281 é um indicativo dessa orientação, marcada não só por uma valorização da pintura paisagísica, tida na mais alta estima, como também por um hibridismo explícito dos gêneros tradicionais. A própria designação das novas cadeiras de pintura - que passaram a se chamar simplesmente, como vimos, primeira e segunda cadeiras -, indicava igualmente o que parecia ser um desejo de relativizar as antigas distinções e hierarquias entre os gêneros, que se constituíram sobretudo com base em critérios temáticos. A verdade é que essa relativização das tradicionais categorias de gênero já fora prenunciada no período final da AIBA, na obra dos mesmos artistas que se tornaram os primeiros professores de pintura da ENBA. Significativamente, já então tal postura fora identificada por alguns comentadores como francamente “moderna”. O escritor e crítico Alfredo Camarate, no texto que escreveu para apresentar o catálogo da exposição que Henrique Bernadelli realizou no Rio de Janeiro em outubro de 1886 observava: Filho da modernissima escola da arte, estuda todos os generos; porque a arte, tomando a fórma da sciencia moderna, exige presentemente, dos seus cultores, extensão de conhecimentos, que se por um lado lhe rasgão campo mais extenso e magestoso, tornão-lhe, por outro, a aprendizagem mais pesada e tormentosa. E’ assim que vedes, da mão e um só artista, paisagens, flores, figuras, e mesmo n’um só quadro, aggremiados todos os gêneros.282 Em um artigo recente, Luciano Migliaccio apontou para os efeitos de uma dissolução análoga dos gêneros na obra Rodolpho Amoêdo, indicando-lhe as prováveis fontes: “além de Cabanel, herdeiro um tanto debochado da disciplina intelectual e da pureza do desenho de Ingres, Amoedo olhou para a ironia com que Gérôme corroía e misturava os gêneros da tradição clássica”283; o mesmo Migliaccio indicaria como o ápice desse processo de “subversão dos códigos tradicionais” na obra de Amoêdo o acima referido Estudo de mulher, de 1884 [Figura 2.21]. Se por um breve momento nos lembramos do tradicional 281 e importante papel que os Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4996: Programa para aula de Pintura, do professor Henrique Bernardelli; cf. Anexo II.10. 282 Texto de apresentação de Alfredo Camarate. Catalogo da exposição H. Bernadelli. Rio de Janeiro, outubro de 1886, p.2; um fac-simile desse catálogo encontra-se disponível no site http://www.dezenovevinte.net/catalogos/catalogo_hb1886.htm 283 MIGLIACCIO, Luciano. “Rodolfo Amoedo. O mestre, deveríamos acrescentar”. In.: MARQUES, Luiz (org.). Op.cit., p.32. VERSÃO NÃO REVISADA 109 critérios de distinção e hierarquia dos gêneros desempenhavam na doutrina acadêmica, não é difícil intuir as implicações estéticas dessa mudança de orientação embutida na obra de Bernardelli e Amoêdo, orientadores de praticamente toda a primeira geração de pintores surgidos no período republicano. Voltando à questão da prática da pintura de paisagem, provas adicionais da sua manutenção dentro da ENBA podem ser fornecidas pela análise dos catálogos das Exposições Gerais. Quando, logo no início da sua resenha ao “Salão” de 1904, mais acima citada, Gonzaga Duque afirma, algo desapontado, que “nesta exposição como nos anteriores Salões, só encontro pintores de figuras e paizagistas”284, o crítico indica claramente os gêneros que então mais figuravam no certame. No que aqui nos diz respeito, os catálogos das Exposições Gerais nos revelam pouco mais do que o nome das obras expostas, mas através deles é possível confirmar que paisagens foram realmente expostas por alunos regulares da ENBA, antes mesmo de suas viagens à Europa: na Exposição geral de 1890, Elysêo Visconti mostrou quatro obras do gênero (Paisagem na ladeira do Monte Alegre (n.16), Uma pedreira (morro da Viúva) (n.17) - aliás, o mesmo sítio referido na carta de Amoêdo supracitada -, e duas marinhas (n.20 e n.21)); a maioria das obras de Fiúza Guimarães que figuraram nas exposições de 1894 e 1895 foram paisagens - nada menos do que dezesseis; menos assíduos na exposição de obras do gênero durante seus períodos de formação parecem ter sido Henrique Cavalleiro (que expôs em 1915 Paisagem (morro do Castelo) (n.45)), Alfredo Galvão (em 1927 expôs, sob o n.28, Ar livre) e Quirino Campofiorito (que figurou em 1928 com Tarde de estio (n.353)). A freqüência com que alunos-livres da ENBA mostraram paisagens nas Exposições Gerais foi certamente ainda maior, mas nesse caso é difícil saber o quanto o incentivo à prática do gênero foi dado por mestres um tanto independentes do meio acadêmico fluminense. Já no que tange à pintura de paisagem feita pelos alunos da ENBA a partir de sua estadia na Europa, os exemplares remanescentes são um tanto mais abundantes. Presumivelmente, o contato direto com os meios artísticos de alémmar, onde o gênero se encontrava de há muito reconhecido, só fez confirmar uma prática usual também aqui no Brasil. Dois exemplos, entre vários outros que poderíamos citar, são as paisagens de Lucílio de Abuquerque reproduzidas na Figura 2.34a e 2.34b, que foram realizadas quando de sua estadia na França e que se encontram hoje ao Museu do Ingá, em Niterói. Como a paisagem de Visconti citada mais acima, estas são pinturas de pequenas dimensões - tal tipo de trabalho 284 DUQUE-ESTRADA, Luis G.. Op.cit., pp.101; disponível no site http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/saloes_gd.htm VERSÃO NÃO REVISADA 110 era então conhecido como mancha, sendo também usual o emprego do termo francês pochade. Realizadas provavelmente diante do motivo, essas pinturas, como a de Visconti mais ao alto referida, são caracterizadas pelo uso de uma palheta de cores mais vibrantes e saturadas, bem como por uma explicitação franca da fatura pictórica. Cumpre notar que esse último fator aproxima tais obras de algumas daquelas cópias de “quadros de mestres” às quais nos referimos na parte 2.1.3. Hoje em dia é comum os estudiosos reconhecerem, tomando o exemplo de paisagens como estas, que uma consciência moderna da autonomia da pintura já se encontrava bastante madura entre alguns artistas oriundos do meio acadêmico fluminense. O que ainda não parece ter sido suficientemente reconhecido, porém, é que a prática da pintura de paisagem se encontrava institucionalizada na ENBA desde os seus primórdios e não era portanto o privilégio ousado de alguns supostos “precursores” do Modernismo. Tal prática levava freqüentemente a execução de quadros cuja aparência geral se aproximava da chamada abstração - como pode ser demonstrado, por exemplo, por uma rápida análise das obras de Lucílio acima citadas e de outras paisagens que reunimos no Anexo de Imagens. Além disso, é importante já adiantar, a ocorrência dessas paisagens que tendem a abstração em períodos precoces da obra de artistas formados pela ENBA, não se deve simplesmente à incorporação de procedimentos valorizados pelas correntes independentes francesas: esse fato se fundamentava, sobretudo, na tradicional metodologia compositiva acadêmica, e, mais particularmente, na prática da esquisse; na parte 4.3 do capítulo final de nosso trabalho, voltaremos a discutir mais detidamente tal questão. 2.3. Desenhando uma academia Certa feita, em um texto ao qual teremos oportunidade de voltar, Tadeu Chiarelli afirmou, a respeito de pinturas análogas às paisagem de alunos da ENBA que abordamos brevemente acima, que nelas se podia encontrar “muitas das características indicadoras da pintura moderna” (cf. página 228); como veremos mais a frente, esse, é na verdade, um conceito recorrente nas críticas mais recentes sobre a pintura de paisagem da 1a República. Na presente parte, procuraremos ampliá-lo através de uma demonstração de que tais “características indicadoras da pintura moderna” podem, na verdade, ser percebidas também em obras bem diferentes das paisagens, produzidas no próprio seio do ensino acadêmico. Nesse sentido, encerraremos o presente capítulo com uma descrição do processo de VERSÃO NÃO REVISADA 111 execução de uma academia desenhada, como era comumente conduzido pelos alunos da ENBA na República Velha. Assim procedendo, tentaremos apontar como esse exercício escolar aparentemente prosaico, muitas vezes visto como a própria antítese do Modernismo, estava impregnado de uma consciência operativa da autonomia dos meios formais de que fazia uso, não diferente, em sua essência, daquela verificável em muitas obras modernas. Logo de início, é importante destacar que duas orientações fundamentais se encontravam na base da realização dos desenhos de academia na ENBA: uma dizia respeito à realização do desenho no seu sentido mais amplo e determinava que esta deveria seguir uma lógica que ia do geral para o particular; a outra se referia respeito à divisão da realização do desenho em duas fases distintas, a primeira relacionada ao contorno linear e a outra ao modelado (claro-escuro). A primeira dessas orientações parece contradizer aquela que vigorava em estágios mais elementares do aprendizado artístico, como a cópia de gravuras ou do “antigo”, nos quais, como já mencionamos, os alunos eram induzidos a trabalhar de maneira analítica. Sob o pretexto de facilitar a compreensão da figura humana, esta era dividida em unidades anatômicas elementares, cuja apresentação em separado, descontextualizada do todo, teria por sua vez a virtude de possibilitar uma observação mais intensa do aprendiz. Alguns comentadores, como Nikolaus Pevsner, chegaram a ver nisso um “erro fundamental” da pedagogia acadêmica, que, na virada para o século XIX, já vinha sendo denunciado pelos primeiros românticos: O programa das academias da época era organizado de tal forma que, durante todo o primeiro ano, o estudante se limitava a desenhar “disiecta membra” [elementos isolados] [...] Os estudantes adiantados elaboravam sua figuras pelo mesmo método, fazendo um inventário de atitudes tiradas de obras célebres, e suas composições como arrolamentos de figuras completas emprestadas das mesmas fontes. Era isso que [Philippe Otto] Runge tinha em mente quando afirmou que o ensino em Copenhague era “feito aos pedaços” e que [Asmus Jacob] Carstens quis dizer quando se referiu a um método “desintegrador”.285 O desejo dos românticos alemães de produzir sua obra, para usar a definição do citado Carstens, como “uma totalidade orgânica” logo seria emulado em outros países europeus, inclusive na França, cujos métodos de ensino artístico oficial, segundo Pevsner, “não foram afetados nem pela Revolução nem pela posterior ditadura artística de David”286. Em seu relatório sobre o Salon de 1859, Charles 285 PEVSNER, Nikolaus. Op. cit., p.248. Idem, p.246. 286 VERSÃO NÃO REVISADA 112 Baudelaire faria a seguinte observação, que se repete na L’ouvre et vie d’Eugène Delacroix de 1863: Uma boa pintura, fiel e igual ao sonho que a fez nascer, deve ser criada como um mundo. Da mesma forma com a Criação que vemos é o resultado de várias criações, das quais as primeiras se tornaram sempre mais completas pelas seguintes, assim também uma pintura, se trabalhada harmoniosamente, consiste de uma série de imagens sobrepostas, onde cada camada dá mais realidade ao sonho e faz com que ele escale um outro degrau no sentido da perfeição. Ao contrário, contudo, eu me lembro de ter visto nos estúdios de Paul Delaroche e Horace Vernet pinturas enormes não esboçadas mas parcialmente feitas, isto é, absolutamente terminadas em certas áreas, enquanto outras estavam apenas indicadas com um contorno preto ou branco. Poder-se-ia comparar esse tipo de trabalho com uma tarefa puramente manual que deve cobrir uma certa quantidade de espaço num dado tempo ou como uma longa rota dividida em muitas etapas. Quando uma seção estiver terminada, está pronta, e quando todo o curso estiver terminado, o artista está livre de sua pintura.287 A juízo irônico de Baudelaire com relação ao caráter mecânico e fragmentário da obra dos mestres oficiais de meados do XIX não deixaria de ter uma vasta repercussão. Exigências de organicidade e espontaneidade se fariam ouvir por todas as partes e logo elas se afirmariam dentro dos próprios meios acadêmicos, se expressando de forma mais evidente, como seria de se esperar, no desenho do natural, considerado o estágio final do aprendizado nas academias. Essas exigências podem ser verificadas, por exemplo, em uma passagem do tratado The painter in oil (Boston, 1898), do pintor americano Daniel Burleigh Parkhurst, que fora um aluno de Bouguereau no final do século XIX: Todo bom trabalho vai do geral para o particular, das massas para os detalhes. Guarde isso em mente como um princípio fundamental no bom trabalho, seja de que espécie for. Você nunca deveria colocar um detalhe antes de ter colocado suas grandes massas. A importância relativa das coisas depende primeiro do que é mais importante. Faça com que essa seja a sua primeira regra ao desenhar.288 No Brasil, é possível observar preocupações similares. Juntamente com a extinção da cópia de gravuras verificada no início da 1ª República, também o ensino 287 Citado em ARNHEIM, Rudolf. Op. cit., p.164; cf. "Le gouvernement de l’imagination". In: Curiosités esthétiques IX. Salon de 1859. Disponível no site: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k101426n 288 “All good work is from the general to the particular, from the mass to the detail. Keep that in mind as a fundamental principle in good work, whatever the kind. You should never place a detail till you have placed your larger masses. The relative importance of things depends on the consideration of the most important first. Let this be your first rule in drawing”. (“Chapter XVI: Proportion”. In: PARKHURST, D. B. The Painter in Oil. Texto disponível no site http://www.artrenewal.org/articles/2002/Parkhurst/parkhurst1.asp) VERSÃO NÃO REVISADA 113 do desenho deixara de principiar com o aprendizado de detalhes anatômicos isolados: passava-se diretamente ao desenho dos moldes de gesso e este, mesmo que representassem fragmentos da figura, pareciam valer mais como uma iniciação às questões do effet e do claro-escuro do que propriamente como um “alfabeto” visual. Algumas décadas mais tarde, Georgina de Albuquerque defenderia como uma das “regras que auxiliam a pratica” de todo tipo de desenho, não só o da figura humana: “Proceder sempre do conjunto ao detalhe, de maneira a poder parar em qualquer momento, dando o desenho a justa impressão de estar sendo feito com inteligência e entendimento”289. Quanto a segunda orientação acima referida, aquela relativa à divisão da realização do desenho em duas fases distintas - uma destinada ao traçado do contorno linear da figura, outra ao seu modelado -, a orientação pedagógica da ENBA nada mais fazia do que seguir uma tradição cujas origens remontam ao século XVI. Como observa Juan Bordes a respeito dos manuais de ensino artístico: A maioria dessas cartilhas são um pacto entre o conceito romanoflorentino de desenho com a ênfase posta sobre o contorno, frente a concepção veneziana que faz prevalecer o diálogo construtivo entre luz e sombra. Sem engano, muitos métodos separam ambas concepções como duas etapas de um mesmo desenho, e fazem conviver em uma mesma lâmina dois estados de um modelo, um a contorno e outro modelado. 290 Foi justamente com base na idéia de uma tal divisão entre desenho linear e desenho sombreado que Zeferino da Costa propôs, em seu programa para a aula de Modelo vivo, datado de 1900, uma separação dos alunos em duas turmas distintas: 2º Os alumnos da 2ª turma que são os principiantes, mas que já tenham cursado a aula de - desenho figurado -, a de perspectiva e algumas noções de - anatomia - com aproveitamento bastante, ou que por uma prova prévia se mostrem habilitados para passarem ao estudo de modelo vivo, serão obrigados a desenhar o modelo só por meio de linhas, isto é: marcação do movimento com as devidas proporções das partes e conjuncto, ate conseguir marcar também a divisão do claro-escuro e habilitarem-se a passar para a - 1ª turma 3º - Os alumnos da 1ª turma continuarão seus estudos aperfeiçoando-se em tudo quanto aprenderam na 2ª e entrarão no estudo de modelagem do - Claro-escuro com todos seus accidentes, podendo então cada um, e só depois de ter bastante pratica da technica do desenho, adoptar o processo 289 ALBUQUERQUE, Georgina, de. Op. cit , p.17. “La mayoría de estas cartillas son en pacto entre el concepto romano-florentino del dibujo com el énfasis puesto sobre el contorno, frente a la concepcíon veneciana que hace prevalecer el diálogo constructivo entre luz y sombra. Sin embargo, muchos métodos separan ambas concepciones como dos etapas de un mismo dibujo, y hacen convivir en la misma lámina dos estados de un modelo, uno a contorno y otro modelado” (BORDES, Juan. Op. cit. , p.70). 290 VERSÃO NÃO REVISADA 114 e maneira de desenhar que entender mais próprios ao seu Caracter individual.291 Colocadas essas duas orientações fundamentais, podemos partir agora para uma discussão um pouco mais detalhada dos passos seguidos na realização efetiva de uma academia desenhada. 2.3.1. “Movimento” A aplicação de uma lógica que ia do geral para o particular pode ser encontrada nos estágios mais elementares de execução de uma academia, bem antes das questões relativas ao modelado entrarem em jogo. Uma boa descrição, apesar de um tanto tardia, de como os artistas da 1ª República procediam para a representação da figura do natural pode ser encontrado em uma tese de Henrique Cavalleiro - Da didática e da técnica da pintura - Considerações sôbre alguns problemas -, datada de 1952. Nela, o pintor aconselhava como uma das primeiras normas a seguir no desenho do modelo vivo: Determinar e bem caracterisar o movimento geral da figura, o qual se fórma pelas linhas principais de direção, linhas essas correspondentes aos eixos do tronco, dos ombros, da bacia, das pernas e dos braços, o que constitue o mecanismo do corpo humano.292 Como vimos acima, também Zeferino da Costa se referia a “marcação do movimento” como a fase inicial inicial do desenho da figura. Exemplos concretos do que os artistas então entendiam por esse termo - “movimento” - podem ser encontrados nos desenhos de Cavalleiro reproduzidos em sua tese, os quais “demonstram, por seu traçado, como se deve construir o arcabouço inicial de uma ‘academia’ ou figura” [Figura 2.35]293. Neles, o “movimento" é indicado por linhas auxiliares que correspondem, grosso modo, a eixos anatômicos fundamentais da figura. Essa linhas, caracterizadas por um traçado mais delicado, tinham a função de guiar o contorno linear propriamente dito e de tal modo se integravam ao resto do 291 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI. Notação 5341: Proposta de Programma para a aula de Modelo vivo da mesma Escola apresentada pelo professor interino da referida aula - João Zeferino da Costa, 14 de março de 1900, folha 1 verso; cf. Anexo II.6. 292 CAVALLEIRO, Henrique. Da Didática e da Técnica da Pintura - Considerações sôbre alguns problemas . Rio de Janeiro: ENBA, 1952, pp.37-38 (Tese de concurso); texto disponível no site: http://www.dezenovevinte.nwt/txt_artistas/txt_cavalleiro_1952.htm 293 Idem, n/p. VERSÃO NÃO REVISADA 115 desenho, no processo de sua realização, que, de maneira geral, são imperceptíveis no estágio final do um trabalho dessa natureza. Provas adicionais de que a boa caracterização do “movimento” era um fator considerado crucial na avaliação de uma academia podem ser encontradas em alguns pareceres da ENBA, especialmente aqueles referentes aos Prêmios de Viagem ao Estrangeiro datados já das décadas inicais da 1ª República, o que comprova a hipótese de que a tardia passagem de Cavalleiro acima reproduzida faz referência, na verdade, a um conceito firmemente estabelecido na ENBA antes mesmo do período de formação do artista nesse estabelecimento, na década de 1910294. O fato é que os artistas tradicionalmente atribuíram grande importância à qualidade que os acadêmicos brasileiros designavam como “movimento” - termo obviamente “metafórico quando se refere à pintura, escultura, arquitetura ou fotografia, onde nada se move fisicamente”295. Segundo Leonardo da Vinci, por exemplo, artista cujos escritos eram uma importante referência para os nossos pintores da 1ª República296, uma figura pintada que carece de movimento está “duplamente morta, uma vez que está morta porque é uma ficção e morta novamente quando não mostra movimento nem da mente nem do corpo”297. A preocupação com o “movimento”, com as linhas essenciais, caracterizadoras da expressão de uma figura, sempre esteve, portanto, implícita nas fórmulas acadêmicas do Velho Mundo. Na França, porém, essa preocupação se tornou ainda mais proeminente e sistematizada com os programas posteriores a Reforma de 1863, quando a renovada ênfase na ciência - parte da empreitada levada a cabo para racionalizar o ensino artístico -, providenciou aos artistas, como dizia Mathias Duval, uma “abordagem científica para movimentos, formas e atitudes”298. Como defende Boime, a relação entre a instrução artística e as inovações das vanguardas na segunda metade do século XIX foram em parte 294 No julgamentos das provas ao Premio de Viagem à Europa de 1893, por exemplo, as academias pintadas dos candidatos classificados em segundo e terceiro lugar são elogiadas justamente no que concerne à compreensão do “movimento” (Acervo arquivístico do Museu Dom João VI. Notação 6154: Acta da secção do Conselho Escolar em 2 de dezembro de 1893, p.23 verso; cf. Anexo III.2); já no concurso de 1906, os membros da comissão julgadora elogiaram o trabalho de Lucílio de Albuquerque por apresentar a “indispensável lógica entre o movimento do protagonista e os acessórios que completam a scena” (Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6155: Acta da sessão do Conselho Escolar realizada no dia 8 de fevereiro de 1906, p.25 verso, cf. Anexo III.7). 295 ARNHEIM, Rudolf. Op. cit., p.406. 296 Na sua acima referida tese, Cavalleiro cita por duas vezes o “mestre” Leonardo (CAVALLEIRO, Henrique. Op. cit., p.17 e 23); também Georgina de Albuquerque, na bibliografia de sua tese de 1942, faz referência à edição italiana do Tratado da Pintura de Da Vinci . 297 Citado em ARNHEIM, Rudolf. Op. cit., p.406. 298 “The scientific approach to movements, forms, and attitudes” (citado em BOIME, Albert. The Teaching of fine arts..., p.186). VERSÃO NÃO REVISADA 116 mediadas por essas já referidas reformas pedagógicas, que visavam promover a indústria artística francesa e executar a planejada renovação de Paris. Nesse sentido, a concepção de “movimento” professada nos meios oficiais pode ser considerada um exemplo típico das vias pelas quais se estabeleceram então relações entre a didática acadêmica e a estética de alguns artistas independentes. No sentido particular que estamos aqui discutindo, isso se traduzia no desejo de caracterizar sucintamente um gesto ou uma atitude através da “linha de ação” “o ritmo vital do corpo reduzido a uma linha abstrata central em torno da qual a ação é organizada”299. J. L. Gerôme era um dos mestres da École que fazia com que seus alunos seguissem essa orientação: um de seus mais destacados discípulos, o pintor americano Thomas Eakins, assimilou o método defendido pelo mestre e fez fotorafias de modelos, que posteriormente eram reduzidos a desenhos lineares, afim de evidenciar a sua “linha de ação” [Figura 2.36]. A identificação desse ritmo vital visava, em última análise, como o próprio Eakins declarava a seus discípulos, garantir a harmonia da obra: desde que o “movimento” da figura tenha sido corretamente captado, “cada detalhe da ação será uma parte integral da ação contínua principal”300. Também os primeiros trabalhos escolares de Georges Seurat, iniciados na já citada escola Lequien, indicam uma preocupação análoga com o “movimento” geral da figura representada, bem como com o papel das sombras em acentuá-lo. Nesse sentido específico, é igualmente possivel perceber a influência de um outro autor muito prezado por Seurat, o matemático, paisagista e filósofo da arte David Sutter, que em sua Esthétique Generale et appliquée (Paris, 1865), obra altamente recomendada por Charles Blanc, frisava noções como as de “unidade óptica “ e “dominantes direcionias”. Essa preocupação seria uma constante ao longo da carreira de Seurat, inclusive na sua fase madura301, e se encontra na base de suas redutivas, por vezes quase caricaturais, configurações da figura humana. Já em pleno século XX, os desenhos do natural feitos por Henri Matisse na Academia Julian, sob a direção de Bouguerau e outros acadêmicos, executados em carvão, freqüentemente em conjunto com o esfuminho, revelam um conhecimento da “linha de ação”. A preocupação com o “movimento” e com seu papel na caracterização expressiva dos motivos foi tambem central para o pintor de origem 299 “The vital rhytm of the body reduced to an abstract central line around which the action is organized” (BOIME, Albert. Idem, p.185). 300 “Every detail of the action will be an integral part of the main continuous action” (citado em BOIME, Albert. Idem, p.192). 301 Segundo BOIME, as soluções diagramáticas proposta por Sutter para composições com uma dominante horizontal teriam contribuído na elaboração de obras célebres de Seurat, com Banhistas em Asnières ou Domingo á tarde na ilha da Grande Jatte (BOIME, Albert. Idem, p.188). VERSÃO NÃO REVISADA 117 russo Wassily Kandinsky, um dos primeiros abstracionistas: alguns de seus desenhos, realizados já quando o artista lecionava na Bauhaus de Weimar, tem uma intenção claramente didática e são representativos do processo de redução de um determinado motivo - no caso, a figura humana -, ao seu “movimento geral” [Figura 2.37]. Os desenhos de Zeferino da Costa que ilustram seu tratado sobre os mecanismos da figura humana e que mostam as “linhas de direção” de figuras em deslocamento são surpreendentemente aparentados aos de Kandinsky [Figura 2.38]. Certamente, este último encarava o “movimento” em termos diversos daqueles expostos até aqui, como uma realidade plástica autônoma e inclusive propondo substituição do termo, insatisfeito com a sua natureza metafórica302. Em virtude disso, os seus desenhos acima referidos são um fim em si mesmos, e não esquemas para posteriores desdobramenos, como os do mestre brasileiro; além disso, Kandinsky não os pensava como uma simples decorrência do “mecanismos” da figura humana, como faziam Zeferino da Costa ou ainda Henrique Cavalleiro. Não obstante, fica patente, na comparação entre os desenhos desses artistas, uma afinidade de abordagem que, em última análise, decorre de um traço de longa duração verificável dentro da pedagogia acadêmica - bastaria aqui compará-los com os esquemas de “movimento” propostos por tratadistas como Lairesse e Preissler, feitos séculos antes, para comprovar tal fato303. 2.3.2. A marcação linear Os “arcabouço iniciais” de Cavalleiro, reproduzidos na Figura 2.35 indicam que, depois de verificar o “movimento” geral da figura, o artista devia se voltar para o seu contorno linear propriamente dito. O traçado desse último deveria seguir a lógica do todo para a parte, já bastante referida acima: em um primeiro momento, o contorno era realizado com linhas simplificadas, de caráter francamente geométrico, que davam conta apenas das suas direções principais. Em seu livro sobre os manuais de desenho da figura, Juan Bordes designou com a expresão trazo recto essa marcação esquemática que antecipa um contorno mais refinado, como a que aparece nas figuras de Cavalleiro. Nos ateliês franceses oitocentistas ela era mais 302 “He decidido sustituir la palabra ‘movimiento’, de uso corriente, por ‘tensíon’. El concepto corriente es demasiado vago y lleva a conclusiones incorrectas, las que a su vez provoca otros malentendidos terminológicos. La ‘tensíon’ es la fuerza presente em el interior del elemento y que aporta tan sólo una parte del ‘movimiento’ activo; la otra parte es constituida por la ‘direccíon’, que a su vez está determinada tambiém por el ‘movimiento’” (KANDINSKY, Wassily. Punto y linea sobre el plano. Barcelona: Barral Editores, 1974,p.58). 303 Cf. BORDES, Juan. Op. cit., pp.76-77, figuras 4-6 e 8. VERSÃO NÃO REVISADA 118 conhecida, todavia pela expressão mise em trait: como observa Boime, a função do mise en trait, “uma forma tosca de esboço”, era essencialmente “prover uma base para o acabamento cuidadoso”304. Também de acordo com essa idéias, Parkhurst aconselhava: Veja os contornos primeiramente em termos de linhas retas e ângulos. [...] Não que as linhas retas devam ser buscadas como um fim em si mesmas, mas apenas como um meio de simplificar uma primeira divisão do todo em partes, e assim fazendo tornam mais fácil o estudo da proporção.305 Um exemplo didático da lógica na execução do contorno linear de uma figura pode ser observado nos desenhos reproduzidos na Figura 2.39a e 2.39b, um mise em trait e uma versão mais refinada de uma cabeça do “antigo”, extraídos do Méthode de dessin (1867) de autoria do pintor francês Adolphe Yvon. Nesses desenhos é ainda possível observar o uso de linhas auxiliares para indicar as divisões principais do perfil e como guia do “movimento” do seu contorno geral. Os desenhos de Yvon testemunham, por outro lado, que o recurso ao mise en trait era usual nos ateliês franceses já em meados do século XIX. Segundo Bordes, “essa decomposição é utilizada por Preisler [Die durch theorie enfurdene Practic..., Nürnberg, 1721-25] e se torna habitual no métodos do século XIX, como o de Esplugas y Gual [Preámbulo al nuevo método para la enseñanza del dibujo natural..., Barcelona, 1854] ou o de Ducollet [Les classiques du Louvre, Paris, 18-] que recolhe detalhes de pinturas do Louvre e se anuncia como modelos em grandes traços e com silhueta quadrada”306; Boime faz remontar o método ainda mais longe, à França do século XVII307. Outro dos discípulos do mesmo Gérôme, Charles Bargue, respondeu aquele apelo de E. Guillaume, ao qual nos referimos na parte 2.1.1, no qual o Diretor da École clamava por novos modelos que substituíssem as antigas gravuras hachuradas até então usuais no ensino de desenho. Visando preencher tal lacuna, Bargue, auxiliado pelo próprio Gérôme, elaborou uma série 300 desenhos litografados em grande folio, publicados em três volumes no final da década de 304 A passagem original de Boime é a seguinte: “It is essential to emphasize that the mise en trait was a form of rough sketch aimed at providing a base for a careful finishing” (BOIME, Albert. Op.cit., p.26). 305 “See outlines first in straight lines and angles […]It is not that the straight lines are to be sought for themselves, but that they simplify the first breaking up of the whole into parts, and so makes more easy the study of proportion” (“Chapter XVI: Drawing”. In: PARKHUSRT, D. B. Op.cit.) 306 “Essa decomposición la utiliza Preisler [...] y se hace habitual en los metodos del siglo XIX, como el de Esplugas y Gual [...] o el de Ducollet [...] que recoge detalles de pinturas del Louvre y se anuncia como modelos a grandes trazos y con silueta cuadrada" (BORDES, Juan. Op. cit., p.71). 307 Boime cita, nesse sentido, a obra de Roger de Piles Les premiers élémens de la peinture pratique (Paris, 1684). VERSÃO NÃO REVISADA 119 1860308. Tais desenhos eram graduados em complexidade e, apesar de seguir a tradicional ordem dos modelos do ensino acadêmico - primeiro desenhos a partir de moldagens de gesso; depois, segundo os mestres antigos; e, por fim, a partir do modelo vivo -, Bargue defendia uma abordagem mais “moderna” e “recomendava o uso do esfuminho e do carvão, empregava geometria para construir a figura e 309 projetar sombras, e enfatizava as linhas essenciais” [Figura 2.40]. J. L. Forain e Vincent Van Gogh foram apenas dois dos celebrados artistas independentes que estudaram a partir dos livros de Bargue. Em seu esforço de autoformação e para superar os impasses artisticos do início de sua carreira, Van Gogh copiava assiduamente os exercícios, se aplicando ao estudo anatômico e à representação das atitudes humanas [Figura 2.41]. O pintor holandês considerava o método de Bargue especialmente valioso, pois ele fornecia “apenas linhas e massas gerais, e simples, delicados contornos” e o ensinou a procurar na natureza “por linhas gerais”. Sob a influência de Bargue ele podia escrever que copiar uma imagem tinha uma vantagem sobre copiar do natural no sentido em que permitia que se captasse imediatamente “linhas essenciais”. Isso ajudou inclusive seus deenhos de paisagem; como confessou: “Aprendi a compreender a natureza através dos Bargues”.310 No Brasil, como é fácil deduzir a partir do acima exposto, o recurso ao mise em trait na execução do contorno linear pode ser observada em exemplos bem anteriores àqueles fornecidos por Cavalleiro. Provavelmente, ele remonta aos tempos imperiais e pode ser concretamente verificado em uma série de trabalhos de diversos pintores brasileiros já na primeira década da República. Normalmente, podemos encontrar essas marcações iniciais como pequenos esboços, nas margens de folhas com desenhos mais acabados - é o caso dos desenhos de Raphael Frederico reproduzidos nas Figura 2.42a e 2.42b -, ou como a versão 308 BARGUE, Charles. Cours de dessin, executé avec le concours de Gérôme. I. Modèles d’après la bosse; II. Modèles d’après les maîtres de toutes les èpoques et toutes les écoles; III. Exercices au fusain pour préparer à l’étude de l’académie d’après nature. Paris: Goupil et Cie., 1868-1870 (referido em BORDES, Juan. Op. cit., p.112); existe pelo menos uma segunda edição, de 1871, referida também por Boime. 309 “Recomended the use of stump and carchoal, employed geometry to block in figures and project shadows, and stressed essential lines” (BOIME, Albert. Op. cit., p.190). 310 “It provided ‘only broad lines and forms, and simple delicate outilines’. Under Bargue’s influence he could write that copying an image has an advantage over drawing from life in that it enables one to grasp immediately ‘essential lines’. This even aided his landscape drawings; as he confessed: ‘I have learned to understand nature from the Bargues” (BOIME, Albert. Idem, p.191); em uma de suas cartas ao irmão, Van Gogh reafirma: "L'étude soigneuse, le dessin constant et répété des Exercices au fusain de Bargue, m'ont donné une meilleure conception du dessin et des figures. J'ai appris à mesurer et à voir et à chercher les grandes lignes. Si bien que ce qui jadis me semblait désespérément impossible, va devenir petit à petit possible" (Carta à Théo, Etten, setembro de 1881. Citado no site http://www.culture.gouv.fr/GOUPIL/FILES/VAN_GOGH_VINCENT.html). VERSÃO NÃO REVISADA 120 inicial de um desenho que, por algum eventual motivo, não foi levado a cabo - como é o caso da marcação de Souza Vianna reproduzida na Figura 2.43 - feita, na realidade, no verso de uma folha que tem em sua frente uma academia finalizada. Ainda nessa fase de marcação geral, como demonstram os desenhos de Cavalleiro, linhas auxiliares verticais e horizontais eram com freqüência utilizadas como referência para fixar os pontos salientes existentes na configuração da figura. Nesse sentido, o próprio pintor aconselhava “empregar as horizontais e as verticais como linhas auxiliares de construção, - linhas de grande importância quando temos que fixar os pontos salientes e determinar as respectivas posições do corpo humano”311; décadas antes, Parkhusrt sugeria em seu tratado um procedimento que tinha objetivos análogos: “você deveria ter também uma linha de prumo para verificar a posição vertical das partes umas em relação às outras”312. Feita essa marcação primária, que davia dar conta da totalidade da figura, restava ao artista inserir as mudanças de direção mais sutis perceptíveis no contorno; esse “detalhamento” podia anteceder ou mesmo ser feito em paralelo com a fase final da academia, a execução do seu modelado. Alguns artistas independentes, todavia, por vezes mantinham até a finalização de seus trabalhos, a aparência facetada e angulosa que caracterizava o mise en trait: isso pode ser verificado em muitas figuras do citado Van Gogh e, de maneira mais enfática, na de pintores posteriores que com o pintor holandês tinham afinidades, como, por exemplo, os alemães do grupo Die Brücke. Nesses pintores, a deliberada explicitação de um procedimento corriqueiro na execução das academias - explicitação esta que, cumpre lembrar, conferia às suas obras um resultado bastante estilizado -, foi interpretada como uma atitude eminentemente modernista. A formação de Van Gogh, porém, não nos permite esquecer de que, ao menos no seu caso, um crédito deveria ser dado a própria orientação pedagógica acadêmica. Abaixo, finalizando o presente capítulo, veremos como um outro artíficio usualmente empregado no processo de realização de uma academia, o effet, foi resignificado de uma maneira análoga na obra dos artistas ditos modernistas. 2.3.3. O modelado: Effet e Modernismo 311 CAVALLEIRO, Henrique. Op. cit., pp.37-38. “You should have also a plumb-line with which to test vertical positions of parts in relations to each other” (“Chapter XVI: Drawing”. In: PARKHUSRT, D. B. Op.cit). 312 VERSÃO NÃO REVISADA 121 O modelado da figura - o dessin ombré, como era designado nos ateliês franceses -, era a configuração dos jogo de luz e sombra, o principal responsável pela sugestão de relevo e concretude no desenho da figura humana. Relembrando o que dissemos na parte 2.1.2, o treinamento a partir das moldagens de gesso tinha justamente, como um dos seus objetivos principais, possibilitar que o estudante incrementasse a sua percepção das variações de cinza observáveis no modelo vivo. Essas variações de cinza ou meias-tintas (demi-teintes) eram também designadas, como vimos, pelo termo valor. Em outra passagem da sua já bastante referida tese, Henrique Cavalleiro procurava justamente especificar o significado desse último termo: Releva notar que as palavras tom, gama, valôres, nuança, colorido, contrastes, côr local, usadas correntemente em pintura e tomadas por vezes em sentidos vários e confusos, nem sempre são apllicadas de acordo com suas próprias designações. [...] Em pintura, os valôres dependem da intensidade luminosa da côr dos objétos, em relação à escala que vai do branco ao preto e considerada como limites extremos da escala cromática. Em desenho, dependem exclusivamente daquela escala.313 Tradicionalmente, a pedagogia acadêmica enfatizava, simultaneamente, a obtenção de modelado cuidadosamente graduado, através de uma sucessão de meias-tintas, e de um vigoroso effet, ou seja, de um contraste entre os planos unificados de valores luminosos e escuros. Porém, assim como com relação à marcação linear, o trabalho com os valores deveria seguir a lógica do todo para a parte e a questão primordial era, portanto, determinar a organização geral e a hierarquia da distribuição dos valores. Por isso, era normalmente dada prioridade à configuração do effet : “Não se deve dar atenção às meio-tintas e aos detalhes até que você tenha tratado das grandes massas”314, já aconselhava o Manuel du dessinateur de A. M. Perrot (Paris, 1832). Uma preocupação antecipada com a definição dos detalhes invariavelmente levava o aprendiz a configurá-los fora da hierarquia de valores do conjunto: Se, antes de desenhar o contorno, você quisesse fazer o acabamento do trabalho começando pelos detalhes e meias-tintas em torno das áreas de luz, poderia cometer o erro característico de fazer tais detalhes parecerem escuros e pesados, quando deveriam ser leves e envoltos em raios luminosos.315 313 CAVALLEIRO, Henrique. Op. cit., pp.27-29. “You should pay no attention to half-tones or details until you have dealt with the principal masses” (Citado em BOIME, Albert. The academy and french painting..., p.28.) 314 VERSÃO NÃO REVISADA 122 Dentro desse mesmo espírito, Georgina de Albuquerque exporia a sua interpretação da orientação acadêmica a respeito da questão na seguinte passagem de sua já referendada tese, que é acompanhada de três desenhos que reproduzimos na Figura 2.44: Para praticar em desenho o estudo dos valores, de inicio é preciso limitalo á apenas dois: a) – sombra b) – luz. Reservado para as partes em luz o branco do papel, desenha-se o contorno da sombra com o cuidado como se desenha o contorno do objétos enchendo-se em seguida o espaço em sombra com um valor igual. (Des. 18) - E’ o que se chama em desenho uma marcação. Depois de alguns treinos nesse sentido passa-se a três valores: a) – sombra b) – luz c) – valor médio (que os pintores denominam meia-tinta (Des. 19) [...] Depois de ter feito muitos estudos com essas marcações em três valores, é que da-se inicio á procura das particularidades ou seja dos valores [outros] médios; comparando no modelo as sombras, e os valores médios entre si e procedendo da mesma forma com as partes em luz até obter o relevo e a expressão (Des. 20).316 O processo mais eficaz para determinar as grandes massas de luz e sombra, ignorando em um primeiro momento os detalhes, era, como pregava Thomas Couture, mestre de Manet, “semicerrar os olhos e olhar para o objeto natural. Assim fazendo, você o simplifica e elimina os detalhes, de maneira a ver só os contrastes básicos de luz e sombra”317 (Méthode et entretiens d’atelier. Paris, 1867). Década depois, Parkhurst proporia um método similar: Quando você procura por valores você não quer ver detalhes ou coisas, você quer ver apenas as massas e as relações. Você deve desfocar seu olho. O olho focado vê o fato, e não a relação. Qualquer coisa que lhe ajude a ver contornos e detalhes menos distintamente vai ajudá-lo a ver os valores mais distintamente. [...] O método mais comum é semicerrar os olhos, o que atenua os detalhes, mas permite-lhe ver os valores.318 315 “If, after drawing the outline, you were to finish the work by starting on details or half-tones surrounding the light areas, you would fall into the characteristic error of making the details appear dark and hard, whereas they should be bright and enveloped in silvery rays” (Citado em Idem, p.28). 316 ALBUQUERQUE, Georgina de. Op cit., p.28. 317 “Screw up your ekes and look at the natural object. By so doing, you simplify it and eliminate details, so that you see only the basic contrasts of light and shadows” (Citado em BOIME, Albert. Op. cit., p.26). 318 “When you look for values you do no wish to see details nor things, you wish to see only masses and relations. You must unfocus your eye. The focussed eye sees the fact, and not the relation. Anything which will help you to see outlines and details less distinctly will help you to see the values more distinctly. […] The most common ways to half close the eyes, which shuts out details, but permits you to see the values” (“Chapter XVII: Values”. In: PARKHUSRT, D. B. Op. cit.); com o mesmo objetivo, Parkhurst aconselhava o uso de lentes, como o chamado vidro de Claude. VERSÃO NÃO REVISADA 123 Uma vez determinadas as grandes massas de luz e sombra, o desenhista podia passar a sua configuração na figura, sobre a marcação do contorno linear realizada nas etapas anteriores. Como prescrevia Georgina, os limites dessas massas eram normalmente traçadas de maneira semelhante ao limites da figura propriamente dita e depois elas eram preenchidas com os valores mais ou menos uniformes. Algumas academias realizadas por Cavalleiro e, seu período de pensionista na França nos permitem ter uma idéia aproximada de como era a aparência usual de um trabalho do gênero, antes de um modelado mais refinado [Figura 2.45a e 45.b]. Na primeira dessa academias, a figura em pé se destaca sobre um fundo não trabalhado e é possível perceber uma grande área de tom médio-escuro que unifica os planos de sombra; o limite linear anguloso que separa a área de sombra das de luz permanece claramente configurado; existe pouca variação dos valores nessas duas áreas, o que confere às mesmas um caráter chapado e tendendo à planaridade; por fim, o que acentua ainda mais a separação entre luz e sombra, as meias-tintas que poderiam fazer o papel de transição são empregadas com parcimônia. Tal tratamento esquemático era usual no estágio anterior a finalização de uma academia. Parkhurst defendia a sua eminente utilidade em uma passagem de seu tratado: “Tente analisar o modelado em planos chapados, cada um grande o suficiente para definir uma massa de relevo. Não tema os recortes ao fazer isso. Deixe os valores chapados se encontrarem”319. Todavia, um aspecto como aquele apresentado pela academia de Cavalleiro reproduzida na Figura 2.45a não era, normalmente, pensado pelos acadêmicos como um fim em si mesmo, mas antes como o estado provisório de um processo que teria o seu necessário desdobramento. O próprio Parkhurst, em outra passagem, era explícito nesse sentido: Isso deve deixar o seu papel com algumas grandes massas de sombra e luz, que podem agora ser fragmentadas novamente nas próximas massas menores, dando maior refinamento ao todo. Assim também deveriam ser fragmentadas os contornos para livrar-se de qualquer sensação de geometria ou recorte.320 319 “Try to analyze the modelling into flat planes, each one large enough to give a definite mass of relief. Don’t be afraid of an edge in doing this. Let your flat tone come frankly up to the next tone in stop” (“Chapter XVI: Drawing”. In: PARKHUSRT, D. B. Op. cit.). 320 “This should leave your paper with a few large masses of dark and light, which can now be cut into again with the next smaller masses, giving more refinement to the whole. This also should so break up the edges as to get rid of any feeling of squareness or edginess” (Idem). VERSÃO NÃO REVISADA 124 Provavelmente, o aspecto esquemático da academia de Cavalleiro mostrada na Figura 2.45a, com seu tratamento linear anguloso e a sua valorização da planaridade, tão cara à sensibilidade modernista, nada mais significava do que o resultado inevitável de um desenho realizado em um período de tempo curto. Ele é extremamente interessante enquanto testemunha do processo criativo do artista, mas nada nos leva a crer que fosse pensado por ele como uma declaração estética dotada de grande autonomia. De fato, algumas outras academias realizadas por Cavalleiro no mesmo período revelam um grau de acabamento - e portanto de verossimilhança - um tanto mais acentuado [Figura 2.45b]. Ainda assim, não há como negar que aquilo que para artistas como Parkhurst e Cavalleiro representava principalmente um meio para a realização de obras mais apuradas, passou a ser um fim em si mesmo para alguns pintores franceses, já a partir de meados do século XIX. Como lembra Boime, a simplificação das massas de luz e sombra em favor do effet foi uma meta fundamental da estética dos independentes e estes tenderam a resumir o processo acadêmico, que requeria uma técnica laboriosa com respeito ao modelado interno. Através da eliminação de demi-teintes indesejadas, os independentes podiam obter um effet mais nítido. As figuras adquriam freqüentemente uma aparência chapada com relação ao seu modelado interno, mas, em compensação, se conseguia uma sensação mais efetiva de relevo, particularmente em termos das relações entre o motivo principal e o fundo. Exemplos típicos desse procedimento de simplificação das massas de luz e sombra em favor do effet podem ser encontrados nas obras do citado Manet, não por acaso considerado por muitos estudiosos um dos principais “precursores” das tendências modernistas. Como diria Clement Greenberg, um típico porta-voz dessas idéias: “As pinturas de Manet tornaram-se as primeiras pinturas modernistas em virtude da franqueza com que declaravam as superfícies planas em que estavam pintadas”321. Ao comparar os trabalhos de Manet com as figuras planas das cartas de baralho, artistas de outra geração, como Gustave Courbet, nada mais teriam feito do que expressar as expectativas tradicionais com relação a integração entre effet e modelado, evitadas deliberadamente pelo pintor da Olympia. As intenções do próprio Manet, todavia, pareciam menos ligadas a qualquer idéia de “pureza” do meios, e mais a sua predileção pela concisão e ao seu desejo 321 GREENBERG, Clement. “Pintura Modernista”. In: FERREIRA, Glória; MELLO, Cecília Cotrin. Clement Greenberg e o Debate Crítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p.102. VERSÃO NÃO REVISADA 125 de que a expressão em um quadro fosse a mais imediata possível. Em um de seus aforismos, Manet declara: Concisão na arte é uma necessidade e uma elegância. O homem conciso faz você pensar; o verborrágico te entedia. Sempre caminhe em direção a concisão... Em uma figura, procure sempre pelas maiores luzes e pelas maiores sombras; o resto seguirá naturalmente.322 A concisão era uma dos motivos da admiração de Manet pela pintura espanhola, em especial por artistas como Velazquez, a qual nos referimos na parte 2.1.3 quando abordamos as mestres que os brasileiros copiavam na Europa. Em uma outra passagem referida por Antonin Proust, o pintor se exprime ainda mais precisamente a respeito da questão do claro-escuro: A luz aparece ao olho humano com uma unidade tal que um simples valor é suficiente para representá-la; portanto seria preferível, por mais tosco que parecesse, passar abruptamente da luz para a sombra do que acumular detalhes que o olho não vê e que não somente enfraquecem a força da luz como também atenuam o colorido das sombras que é importante enfatizar.323 Conceitos como concisão e imediaticidade expresssiva não eram de maneira algumas alheios aos acadêmicos; pelo contrário, tinham um lugar de destaque no próprio seio da sua doutrina. Logo não é de provocar espanto, a observação de Boime, segundo a qual os acadêmicos “freqüentemente apreciavam os quadros feitos pelos pintores independentes que usavam um esquema abrupto de contrastes de valores”, embora pusessem limites a tal apreciação ao observar que “esses efeitos eram obtidos somente graças à um grande sacrifício - através da eliminação da trabalhosa gradação da luz à sombra que por si só demonstrava a ciência do artista”324. Reciprocamente, os independentes, como Manet, aceitavam a prescrição acadêmica de que um quadro deveria ser caracterizado por um effet intenso, com 322 “Conciseness in art is a necessity and an elegance. The concise man makes you think; the verbose man bores you. Always move in the direction of conciseness... In a figure, always look for the gratest light and the greatest shadow; the rest will follow naturallu” (Citado em NOCHLIN, Linda. Realism and tradition. 1848-1900. Sources and documents. New Jersey: Prentice-Hall, Inc., 1966, p.78). 323 “Light appeared to the human eye with a unity such that a single tone was sufficient to render it; moreover it was preferable, crude though it might seem, to pass suddenly form light to darkness rather than accumulate features that the eye does not see and which not only weaken the force of light but attenuate the colouring of shadows which it is important to emphasize” (Citado em BOIME, Albert. Op. cit., p.30). 324 “Academicians often appreciated effets achieved by independent painters who used a scheme of abrupt value relations, but they qualified this admiration by observing that these effects were obtained only at great sacrifice – through elimination of he painstaking gradation of light to dark which alone demonstrated an artist science” (BOIME, Albert. Idem, p.29). VERSÃO NÃO REVISADA 126 respeito ao contraste de luz e sombra. O principal ponto de discórdia, ao que parece, dizia respeito ao desejo de dissociar a prescrição do effet daquela outra que se referia às meias-tintas, isto é, ao modelado. Como resumiu Boime, os independentes “não lutavam contra os fins estéticos da Academia, mas contra os meios de se conseguir o resultado desejado”325. Nas décadas finais do século XIX, com a ascensão das estéticas independentes e de outras oriundas especialmente das artes aplicadas, quadros caracterizados por contrastes abruptos, agora não mais só de valor, mas também de cor, se tornaram comuns. No Brasil, algumas academias de Cândido Portinari, realizados durante seus anos iniciais de formação na ENBA, na década de 1920, apresentam um tratamento bastante sintético na distribuição dos valores [Figura 2.46a e 2.46b] e exibem a incorporação definitiva de um resultado análogo ao da academia de Cavalleiro reproduzida na Figura 2.45a: diferente do mestre mais velho, Portinari raramente parece ter se preocupado em realizar obras mais “acabadas”. Os desenhos de sua primeira maturidade, como, por exemplo, aqueles realizados para os painéis do antigo Ministério da Educação e Cultura, já nos anos 1930, mantém a mesma economia no uso dos valores, principalmente no que se refere às áreas de luz - e, no entanto, não poder-se-ia dizer propriamente que lhes falta autonomia. Aqui, conservar um effet carregado surge, portanto, como uma decisão deliberada, certamente o reflexo de uma sensibilidade mais “moderna”. Cremos que esse é um ponto importante a frisar no encerramento do presente capítulo: quando analisada no contexto que procuramos descrever acima, a atitude de um artista como Portinari surge não como uma revolta contra a ENBA, mas, essencialmente, como uma resignificação dos meios pedagógicos usuais da instituição. O fenômeno é muito similar, portanto, àquele que ocorrera na França, décadas antes, quando certos aspectos da pedagogia da École forma apropriados e resignificados pelos artistas independentes. 325 “Did not quarrel with the aeshetic methods of the Academy, but the means of achieving the desire resut” (Idem, p.29). VERSÃO NÃO REVISADA 127 CAPÍTULO 3 VERSÃO NÃO REVISADA 128 Para além das orientações recebidas nos estabelecimentos de ensino técnico-artístico e na ENBA, que abordamos nos capítulos anteriores, qualquer panorama da formação do pintor durante o período da 1ª República, por mais forçosamente sucinto que possa ser, deveria obrigatoriamente incluir indicações a respeito da estadia na Europa que os mais destacados artistas então invariavelmente realizavam: durante toda a República Velha, essa estadia permaneceu sendo considerada, como já acontecia nos tempos da AIBA, como essencial para o aprimoramento do pintor brasileiro. Os motivos para tanto eram diversos, e aqui gostaríamos de relembrar os que julgamos principais: a) primeiramente, na perspectiva do meio fluminense de então, somente a vivência proporcionada pelos principais centros artísticos europeus poderia imprimir à obra de um pintor o selo definitivo da maturidade e lhe conferir o prestígio necessário para aqui se estabelecer de uma maneira bem sucedida; b) em segundo lugar, o estágio na Europa era tido, em muitos casos, como um indício certo de competência profissional, tornando-se dessa maneira, um fator crucial para obtenção de encomendas públicas e particulares; c) por fim, a estadia no Velho Mundo era também essencial para a legitimação de uma carreira no nosso meio acadêmico, o que pode ser comprovado pelo fato de que praticamente todos os professores de disciplinas práticas da ENBA realizaram significativas temporadas de estudo na Europa, a maioria como pensionistas, alguns às suas próprias expensas. Antes de consideramos mais detalhadamente as razões da importância e alguns dos principais itinerários do estágio de formação artística dos brasileiros na Europa, será preciso, porém, nos determos em uma peça fundamental de todo esse processo, que era a sistemática de concessão dos Prêmios de Viagem ao Estrangeiro, promovida pela ENBA. Cremos que a discussão que se segue do funcionamento e das regras dos Prêmios de Viagem, com seus critérios em parte variáveis serve ainda como o necessário complemento da análise de certas questões relativas à pedagogia da ENBA, na medida em que lança luz sobre as aspirações fundamentais que vigoraram na instituição durante 1ª República. 3.1. Os Prêmios de Viagem ao Estrangeiro Apesar de ter conhecido o seu período de maior expansão durante a República Velha, a rotina de concessão dos Prêmios de Viagem ao Estrangeiro leia-se Europa - não foi inventada no período da ENBA. Ela já existia desde a Monarquia, constituindo a versão oficial e sistematizada de uma prática de viagens VERSÃO NÃO REVISADA 129 ao Velho Mundo em busca de aperfeiçoamento artístico, cujos primórdios remontam, na verdade, aos tempos do Brasil Colônia326. Na história do ensino oficial das belas artes no Rio de Janeiro, a criação do Prêmio de Viagem ao Estrangeiro, em meados do século XIX, veio atender às antigas expectativas dos próprios artistas, que ansiavam pelo aprimoramento e atualização de sua produção junto ao que de mais celebrado se fazia em matéria de arte do outro lado do Atlântico. O primeiro dos concursos para o Prêmio de Viagem da AIBA foi realizado sob a direção de Félix-Émile Taunay, em 1845 e, durante o Segundo Império, ocorreram ao todo mais quinze concursos do gênero, em intervalos relativamente regulares. Boa parte dos pensionistas da instituição brasileira nesse período - quase a metade, de fato - eram pintores: Raphael Mendes de Carvalho (1845)327; Francisco Antonio Nery (1848); Jean Leon Grandjean Pallière Ferreira (1849); Agostinho José da Motta (1850); Victor Meirelles de Oliveira (1852); João Zeferino da Costa (1868); Rodolpho Amoêdo (1878) e Oscar Pereira da Silva (1887)328. Essa predominância de pensionistas pintores, como veremos mais a frente, foi uma tendência que se manteve também durante a 1ª República. Além desses artistas favorecidos com o Prêmio concedido pela AIBA, não podemos esquecer que um certo número de pintores estudou na Europa às expensas do Imperador D. Pedro II. Segundo Guilherme Auler, biógrafo do monarca, não menos do que dezoito pintores teriam sido beneficiados pelo “bolsinho do Imperador”329, como ficou popularmente conhecida a política de mecenato promovida pelo nosso segundo regente330, a qual foi, por vezes, severamente criticada331. Alguns dos pintores favorecidos por Dom Pedro II viajaram 326 Quirino Campofiorito lembra, por exemplo, dos pintores fluminenses Manuel da Cunha e Manuel Dias de Oliveira e dos baianos José Joaquim da Rocha e José Teófilo de Jesus, que estudaram, ainda no século XVIII, em capitais européias como Lisboa e Roma (CAMPOFIORITO, Quirino. História da Pintura Brasileira no Século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983, pp.27-33). 327 Segundo Adolpho Morales de los Rios Filho, diferentemente de todos os outros pensionistas, o pintor Raphael Mendes de Carvalho foi enviado para estudar na Europa graças a uma pensão obtida após resolução da Assembléia Geral Legislativa, sansionada pelo próprio Dom Pedro II, e não através de concurso (FILHO, Adolpho Morales de los Rios. “Grandjean de Montigny e a evolução da arte brasileira”. In: A Noite. Rio de Janeiro, 1941, p.61). 328 A respeito os pensionista da AIBA, ver CAVALCANTI, Ana. M. T. “Les pensionaires de l’Academia Imperial das Belas Artes”. In: Les Artistes Brasiliens et “Les Prix de Voyage en Europe” a la Fin du XIXe Siécle: Vision d’Ensemble et Etude Approfondie sur le Peintre Eliseu D’Angelo Visconti (18661944). Université de Paris I - Pantheon-Sorbonne, 1999, pp.276-314 (Tese de Doutorado); cf. também CAVALCANTI, Ana M. T. “Os Prêmios de Viagem da Academia em pintura”. In: 185 Anos da Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: PPGAV/EBA/UFRJ, 2001/2002, pp.69-92. 329 AULER, Guilherme. “Os bolsistas do Imperador”. In: Cadernos do Corgo Seco, Tribuna de Petrópolis, 1956, p.19. 330 Um arrazoado recente a respeito da questão do mecenato de Dom Pedro II pode ser encontrado em BISCARDI, Afrânio. ROCHA, Frederico Almeida. “O Dirigismo Laico: D. Pedro II e o Projeto Imperial”. Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/mecenato_dpedro.htm 331 José Carlos Durand é talvez o principal crítico contemporâneo da divulgada concepção segundo a qual Dom Pedo II teria sido um protetor generoso das artes no Brasil: “O ponto crucial da crítica de Durand é atacar os autores que enalteciam o mecenato de D. Pedro II ao ponto de insinuar um sacrifício pessoal do monarca na manutenção dos bolsistas, devido ao seu amor incondicional pelo VERSÃO NÃO REVISADA 130 efetivamente para o Velho Mundo e se tornaram posteriormente célebres, desempenhando um papel importante na história da pintura brasileira, comparável ao dos principais pensionistas da AIBA, como foi o caso de Pedro Américo de Figueiredo e Mello, de José Ferraz de Almeida Junior ou de Pedro Weingärtner332. Como já fizemos menção anteriormente, no período final da Monarquia a concessão dos Prêmios de Viagem à Europa pela instituição acadêmica brasileira foi severamente ameaçada. O concurso em 1887, o último do período monárquico, se realizou após um longo intervalo de nove anos e os dois artistas então laureados - o pintor Oscar Pereira da Silva e o arquiteto Ludovico Maria Berna -, tiveram a sua vitória contestada333. Somente com o retorno da estabilidade política, após a proclamação da República, esses dois artistas puderam partir para a França, o que ocorreu em meados de 1890. Considerando a sua significação estratégica no cenário artístico brasileiro a qual acima fizemos referência, não é de se espantar, portanto, que uma das principais preocupações de alunos e professores, quando da Reforma de 1890, dissesse respeito precisamente ao restabelecimento da freqüência dos Prêmios de Viagem ao Estrangeiro. Nesse aspecto específico, talvez mais do que em qualquer outro, as ações promovidas pela nova administração chefiada por Rodolpho Bernardelli foram extremamente bem sucedidas. Por um lado, o tradicional prêmio destinado aos alunos oficialmente inscritos na instituição acadêmica foi restabelecido, inclusive tendo a sua regularidade incrementada de uma maneira significativa: entre 1892 e 1930, foram realizados vinte e cinco concursos (ver a Anexo IV.1), ou seja, eles ocorreram com uma freqüência superior a um concurso a cada dois anos. Além disso, em 1894, foi criado um segundo Prêmio de Viagem, que era concedido ao artista que mais se destacava na Exposição Geral de Belas Artes (ver a Anexo IV.2). Esse segundo prêmio teve, durante toda a 1ª República, uma regularidade notável, ainda maior do que a do prêmio concedido aos alunos da ENBA334, e conhecimento. E a ofensiva parte da comprovação de que as despesas com o número nada surpreendente de contemplados eram pequenas, pois estavam na cifra dos cinqüenta contos de réis, o que inclui as aposentadorias, num orçamento total de oitocentos e vinte contos de réis, de acordo com o balancete feito por Auler. Ou seja, os vultosos gastos com a ciência e as artes somavam apenas seis por cento do dispêndio da casa imperial, de onde saíam os recursos do padroado artístico. O que equivale a importância destinada ao verão da família real em Petrópolis, e menos da metade dos custos com as estrebarias do palácio. Ainda segundo Durand, os bolsistas no exterior não representavam nem meio por cento do orçamento controlado pelo imperador” (BISCARDI, Afrânio. ROCHA, Frederico Almeida. Op. cit.). 332 A respeito dos “bolsistas do Imperador”, ver “Les pensionaires de l’Empereur Dom Pedro II” em CAVALCANTI, Ana. M. T. Les Artistes Brasiliens..., pp.314-329. 333 Segundo Ana Cavalcanti, os professores Rodolpho Bernardelli e Zeferino da Costa ficaram descontentes com o resultado - ambos preferiam premiar Belmiro de Almeida - e conseguiram adiar a efetivação do prêmio. 334 Durante a 1ª República, o Prêmio de Viagem da Exposição Geral deixou de ser concedido apenas no intervalo entre os anos de 1895-1897 e em 1920; os motivos para essas interrupções nos são VERSÃO NÃO REVISADA 131 acabou se revelando um substituto eficiente ao mecenato outrora promovido por Dom Pedro II, que certamente repousava sobre critérios menos transparentes, na concessão de seus privilégios. No total, como se pode verificar nos anexos acima citados, cerca de sessenta artistas usufruíram do Prêmio de Viagem ao Estrangeiro durante um período de trinta e oito anos: o número total de pensionistas foi, portanto. mais de três vezes superior aquele enviados à Europa pela AIBA em um intervalo de tempo equivalente - dezessete pensionistas ao longo de um período de quarenta e cinco anos. Esses dados mais uma vez corroboram o caráter relativamente bem sucedido da acima citada política de “democratização” do ensino artístico levada a cabo pelas administrações da ENBA durante a 1ª República. Na bibliografia disponível sobre a arte acadêmica brasileira, os dois Prêmios de Viagem à Europa que acima enumeramos, o concedido pela ENBA aos seus alunos regularmente inscritos e o concedido nas Exposições Gerais de Belas Artes, foram, na maior parte das vezes, tratados de maneira indiscriminada. No entanto, cada um deles possuía os seus próprios critérios, as suas próprias características e se destinavam a grupos artísticos, em teoria, um tanto diversos. É, portanto, importante não confundi-los e por isso decidimos discuti-los separadamente, com um pouco mais de vagar, no que se segue. 3.1.1 O Prêmio de Viagem na ENBA O Prêmio de Viagem ao Estrangeiro da ENBA foi, durante toda a 1ª República, o mais importante ao qual podia ambicionar um aluno regularmente inscrito na instituição - aos alunos de livre freqüência, cumpre lembrar, estava vedada a concorrência a esse prêmio335. Legítimo sucessor do Prêmio de Primeira Ordem dos tempos da AIBA, o Prêmio de Viagem da ENBA consistia essencialmente em uma temporada de estudos no exterior, subvencionada pelo Estado brasileiro, e era concedido ao laureado em um concurso realizado especialmente para esse fim, normalmente no primeiro ou no último semestre do ano letivo. O local exato da estadia do pensionista era definido a cada vez pela comissão julgadora do concurso; para esse fim, Paris e a Roma continuaram sendo as duas cidades escolhidas com mais freqüência durante a 1ª República, e podemos nisso verificar, uma vez mais, a reminiscência de uma tendência habitual ainda desconhecidos. 335 “Os alumnos que simplesmente houverem dado o nome à inscripção estarão isentos da obrigação de frequencia, não podendo pretender os premios da Escola, nem os diplomas e títulos” (Estatutos a que se refere o decreto n.938 de novembro de 1890, Art. 9. Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net /documentos/docs_primeira_republica_arquivos/1890_estatutos.pdf ) VERSÃO NÃO REVISADA 132 vigente já no período imperial. Mas abaixo, voltaremos a falar sobre os locais de estadia dos brasileiros na Europa que, além das capitais francesa e italiana, incluíram também, especialmente na primeira década da ENBA, a cidade alemã de Munique, duas vezes designada como local de estadia dos pensionistas de pintura. À medida que se sucediam as reformas pelas quais a ENBA passou durante a 1ª República e às quais fizemos referência na parte 1.3, a maneira como o concurso ao Prêmio de Viagem se efetuava, as provas às quais eram submetidos aqueles que a ele concorriam e as exigências feitas aos pensionistas quando de sua estadia na Europa permaneceram em grande parte imutáveis, sofrendo algumas poucas alterações significativas. A análise de alguns documentos permite que tomemos conhecimento das regras dos concursos: o primeiro deles, o Regulamento para o processo dos concursos, na Escola Nacional de Belas Artes, para os lugares de pensionista do Estado na Europa, é datado de 26 de outubro de 1892 e se refere à Reforma de 1890336; o segundo, as Instruções para os Premios de Viagem aos alumnos approvadas por aviso de 23 de outubro de 1905, especifica as diretrizes constantes no Capítulo X (“Dos concursos para pensionistas”) do regimento da ENBA de 1901337; por fim, na Ata do Conselho Docente de 9 de maio de 1914, é possível ler uma transcrição integral das “instrucções especiaes, relativas a premio de viagem e deveres dos pensionistas”, que se refere aos regulamentos da ENBA promulgado em 14 de setembro de 1911338. Certamente, o principal fator que se manteve inalterado no que se refere aos Prêmios de Viagem ao Estrangeiro diz respeito à sua finalidade última: o aprimoramento artístico do pensionista era a principal função visada com a estadia no Velho Mundo. Se esse objetivo não se encontra propriamente explicitado em nenhum dos documentos referidos no parágrafo anterior, isso se deve, provavelmente, ao fato dele ser evidente para qualquer um mais estreitamente envolvido com o meio artístico fluminense de então. É somente em textos destinados a uma divulgação mais ampla que encontramos claramente descrita a acima referida razão de ser dos Prêmios de Viagem 336 Regulamento para o processo dos concursos, na Escola Nacional de Belas Artes, para os lugares de pensionista do Estado na Europa, a que se refere o aviso desta data. Capital Federal, 26 de Outubro de 1892; um transcrição desse regulamento se encontra disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/documentos/Premio_viagem_1892.htm 337 Instruções para os Premios de Viagem aos alumnos por aviso de 23 de outubro de 1905. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1905, um fac-símile desse documento, como já fizemos referência, se encontra disponível no site: http://www.dezenovevinte.net /documentos/ipv_1905.htm 338 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6156: Acta do Conselho Docente, realizada em 9 de maio de 1914, pp.43verso-47recto. A transcrição dessa ata pode ser consultada no site: http://www.dezenovevinte.net /documentos/ipv_1914.htm VERSÃO NÃO REVISADA 133 Assim, por exemplo, na revista Renascença, quando do concurso ao Prêmio de Viagem de 1906, se publicou um pequeno artigo assinado pelo então bibliotecário da ENBA, Victor Vianna, que recapitulava os certames ocorridos no período republicano até então e que contava inclusive com reproduções das obras premiadas dos seis primeiros pensionistas. No texto, Vianna frisou a função principal e os benefícios possibilitados pelo Prêmio de Viagem: Os premios de viagem são hoje uma instituição necessaria e salutar. A viagem de instrução é hoje um complemento natural de toda educação. E tanto ou mais do que outro profissional, o artista precisa ver paizagens novas, viajar para estudar nos museos, contemplar as obras primordiaes, instruir-se, familiarisando-se com os primeiros circulos artísticos do mundo.339 Como o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro concedido aos alunos da ENBA era pensado essencialmente como um complemento da formação artística aqui iniciada, não é de se espantar que ele implicasse em obrigações para os pensionistas. Periodicamente, os premiados deviam enviar trabalhos rigorosamente pré-determinados à Escola - os envios de pensionista (academias desenhadas e/ou pintadas, cabeças de expressão, cópias de mestres europeus, às quais já fizemos referência na parte 2.1.3, etc.), envios estes que foram relativamente simplificados com relação àqueles que existiam nos tempos imperiais, como mostraremos no início da parte 3.2340. Na Escola, uma comissão de professores especialmente designados para esse fim dava o seu parecer a respeito dos progressos do pensionista, podendo inclusive, se este não satisfizesse as expectativas, julgar pela interrupção da sua estadia na Europa - sentença severa que, cumpre constatar, jamais se abateu sobre qualquer pensionista de pintura. Em todos os regulamentos vigentes durante a 1ª República, a freqüência estabelecida para a realização dos concursos de Prêmio de Viagem à Europa sempre foi anual. Já no Regulamento... de 1892, visando atender de maneira mais ou menos igualitária os diversos cursos da ENBA, a congregação instituíra um sistema de rodízio na concessão dos prêmios: “o concurso será feito na ordem seguinte: 1º anno, pintura; 2º anno, esculptura; 3º anno, architectura; 4º anno, gravura”341, ficara então determinado. Esse sistema de rodízio, cuja ordem na 339 VIANNA, Victor. “Escola de Bellas artes. Os prêmios de viagem”. In: Renascença. Rio de Janeiro, p.180. Texto disponível no site: http://www.dezenovevinte.net /artigos_imprensa/renasceça_pv.htm 340 As obrigações dos pensionistas de pintura no decorrer da 1ª República, à quais voltaremos a fazer referência mais a frente, são discutidas mais detalhadamente em CAVALCANTI, Ana M. T. Op. cit., pp.64-71. 341 Regulamento para o processo dos concursos..., Art. 3o. VERSÃO NÃO REVISADA 134 concessão dos prêmios foi mantida sem alterações nas reformas seguintes342, era substancialmente diferente daquele vigente nos concursos de Prêmio de Viagem da AIBA, nos quais, com freqüência, candidatos de diferentes especialidades concorriam à mesma pensão. Todavia, se observarmos a já referida Anexo IV.1, na qual se encontram listados os pensionistas da ENBA durante a primeiro período republicano, é possível perceber que não foram raros os anos nos quais o Prêmio de Viagem à Europa destinado aos alunos deixou de ser concedido. As duas mais prováveis razões para essas interrupções foram: a) por um lado, as limitações do orçamento da ENBA, que provavelmente, dificultavam a concessão de novas pensões; b) por outro, como o número de alunos regularmente inscritos era significativamente baixo, em especial no período inicial da ENBA, eventualmente podiam não haver alunos regulares qualificados para pleitear o prêmio máximo343. Essa última razão foi provavelmente a responsável pelo fato de que, contrariando o regulamento de 1892, os seis primeiros pensionistas da República tenham sido exclusivamente pintores - Elyseu d’Angelo Visconti, em 1892; Raphael Frederico, em 1893; Bento Barbosa, em 1894; José Fiuza Guimarães, em 1895; Antonio de Souza Vianna, em 1896; e Theodoro José da Silva Braga, em 1899. Somente a partir de 1900, a distribuição dos prêmios pelos outros cursos se tornou mais regular, o que indica simultaneamente o crescente prestígio de alguns deles, em especial o de Arquitetura. Durante todo o período aqui tratado, a duração da pensão referente ao Prêmio de Viagem ao Estrangeiro concedido aos alunos da ENBA esteve fixada em cinco anos344. Ao contrário do que era comum acontecer na época imperial, raramente o tempo de pensão dos pensionistas brasileiros durante a 1ª República foi prorrogado. Tal tendência se devia provavelmente ao fato de que, durante a 1ª República, haviam simultaneamente vários pensionistas brasileiros na Europa e a prorrogação de qualquer das pensões significava despesas extras que poderiam privar novos alunos de desfrutar do período de estudo no Velho Mundo. 342 Ver Instruções para os Premios de Viagem aos alumnos... de 1905, Capitulo I, Art. 3º [...] e a Acta do Conselho Docente, realizada em 9 de maio de 1914, p.44 recto. 343 Ao contrário do número de alunos livres que crescia, “um fenômeno oposto ocorria com relação aos alunos matriculados. Estes que em 1889 eram 58, decrescera, para 10 no ano de 1891. E daí por diante ocorreu o mesmo: 7 em 1892 3 1893; 8 em 1894; novamente em 1895 e 8 em 1886” (FILHO, Adolfo Morales de los Rios. “O ensino artístico”. In: Revista do instituto histórico e geográfico brasileiro. v.258, janeiro-março, 1963, p.19). 344 Cf. Regulamento para o processo dos concursos..., de 1892, Capítulo I, Art. 2º; Instruções para os Premios de Viagem aos alumnos... de 1905, Capítulo I, Art. 2º; Acta do Conselho Docente, realizada em 9 de maio de 1914, p.p.44 recto. VERSÃO NÃO REVISADA 135 Um detalhamento a respeito das provas às quais deviam se submeter os candidato à vaga de pensionista quando dos concursos ao Prêmio de Viagem de pintura pode também ser encontrado nos documentos que viemos até agora citando. Na medida em que o Prêmio de Viagem era o mais importante da ENBA, o conhecimento das exigências constantes em tais provas é importante, uma vez que elas constituem um indício seguro das ambições projetadas pela instituição acadêmica brasileira na formação de seus alunos. Por isso, cremos que a natureza dessas provas merece ser aqui discutida com um certo grau de detalhamento. Significativamente, como veremos, é justamente com relação a esse tópico que podemos encontrar a mais importante transformação relacionada aos regulamentos dos Prêmios de Viagem ao Estrangeiro ocorrida durante a 1ª República. No que se refere à maneira de avaliar a aptidão dos candidatos à pensionista, já no início da República é possível perceber uma certa ruptura com relação a orientação que vigorava no período da AIBA. Seguindo as determinações constantes no capítulo 4 (“Provas dos concursos de viagem”) do Regulamento... de 1892, durante toda a primeira década da ENBA o concurso de Prêmio de Viagem de pintura envolveu três provas: 1ª prova – desenho de modelo-vivo em duas sessões de três horas cada uma; o julgamento far-se-ha com o modelo presente. Esta prova é eliminatoria. 2ª prova – modelo-vivo pintado, metade do tamanho natural, trabalhando quatro horas por dia, durando a prova trinta dias; 3ª prova – Composição em esboço de um ponto mithologico, biblico ou historico, tirado á sorte dentre dez organizados no acto do concurso pelos professores dos cursos technicos. A execução durará oito horas, durante as quaes os alumnos se acharão isolados e sem communicação alguma externa.345 O ponto significativo aqui é que destas três provas a que possuía maior peso - como a sua própria duração deixa entrever -, era, indubitavelmente, a segunda, o “modelo-vivo pintado”. A primeira prova (“desenho de modelo-vivo”) tinha um caráter meramente eliminatório e a terceira (“composição em esboço de um ponto mithologico, biblico ou historico”) era “unicamente exigida para que o candidato prove se tem o dom da imaginação”346. Não por acaso, são justamente as provas de “modelo-vivo pintado” vencedoras, referentes aos seis primeiros concursos 345 Regulamento para o processo dos concursos... de 1892, Capitulo 4o.; como os pareceres dos concursos durante a década de 1890 (cf. Anexo III) nem sempre indicam essas três provas, é possível que tenham ocorrido algumas variações. 346 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6154: Acta da 1ª seção do Conselho Escolar do anno de 1900, 91 recto; cf. a transcrição no Anexo III.6. VERSÃO NÃO REVISADA 136 realizados durante a República, as únicas que mereceram ser conservadas347 – cf. As quatro que reproduzimos nas Figuras 3.1a, 3.1b, 3.1c e 3.1d, referentes respectivamente aos concursos de 1892, 1893, 1895 e 1899. Disso se pode deduzir que, até o início do século XX, se esperava sobretudo de um candidato à pensionista que este demonstrasse competência na realização de uma academia pintada, um exercício escolar usual. Esse critério era completamente diverso daquele vigente nos concursos aos Prêmios de Viagem realizados no período da AIBA. Nestes, os candidatos de pintura eram avaliados, sobretudo, com base na realização de um quadro de composição, uma obra que, presumivelmente, denotava um grau considerável de maturidade e autonomia artística por parte de seu autor, ao testemunhar o seu talento inventivo e a sua imaginação. No polêmico concurso de 1887, por exemplo, a realização de uma academia desenhada ou pintada sequer figurou na lista das provas dos candidatos de pintura: o concurso constituiu exclusivamente na realização, de um quadro de dimensões relativamente grandes, precedida de um esboço, cujo tema, sorteado entre outros seis, foi A flagelação de Cristo348. Esse critério de avaliação do candidato à pensionista com base na composição de um quadro de composição, vigente na antiga AIBA, foi retomado durante a 1ª República durante o período entre as reformas de 1901 e 1911. Essa alteração se encontra registrada nas Instrucções para os premios de viagem aos alumnos... de 1905. As duas provas às quais os candidatos à pensionista de pintura deviam se submeter se encontravam detalhadas como segue: 1.ª Composição (rascunho) de um ponto mythologico, biblico ou historico, tirado á sorte, dentre dez, organizados, no acto do concurso, pelos professores da commissão julgadora. A execução desta prova durará oito horas, durante as quaes os alumnos se acharão isolados e sem communicação alguma externa. A escola fornecerá aos concurrentes, para a execução desse rascunho, papel de 0m,40 x 0m,32, devidamente carimbado e rubricado. Igualmente será entregue a cada concurente uma moldura, com vidro e fundo de madeira, para que, finalizado o trabalho, possa este ser collocado, e lacrado pelo secretario para evitar alterações. O rascunho devidamente lacrado, ficará em poder do concurrente, que a elle se reportará, não podendo alterar lhe as linhas geraes. O rascunho deve guardar as proporções da téla, para a composição do esboço, que terá 1m,25 x 1m,00, sendo lícito ao concurrente fazer a sua composição sobre o alto ou sobre a largura da téla. 2.ª Em seguida a prova de rascunho, em dia marcado pela comissão julgadora, comtando que não exceda de 48 horas da data de terminação da prova anterior, proceder-se-ha á segunda e ultima prova. 347 São estes os trabalhos que se encontram reproduzidas no artigo de Victor Vianna a respeito dos Prêmios de Viagem que acima citamos, cf. nota 14. 348 Cf. CAVALCANTI, Ana M. T. Op. cit., p.56. VERSÃO NÃO REVISADA 137 Para a realização dessa prova os concurrentes entrarão ás 10 horas da manha, em local devidamente preparado, de modo que não se comuniquem entre si e externamente. Essa prova realizar-se-ha em sessenta seções, de cinco horas, terminando, portanto, cada sessão ás 3 horas da tarde.349 Os pensionistas voltaram, portanto, a ser avaliados em termos muito semelhantes àqueles vigentes quando do concurso de 1887, ou seja, em função da realização de um único trabalho plenamente “acabado”, uma composição sobre tema “mythologico, biblico ou historico”, que era precedida da apresentação de um rascunho. Disso podemos deduzir que, nesse período, o corpo de professores da ENBA esperava que um candidato à pensionista demonstrasse um grau relativamente elevado de maturidade artística no seu nível final de formação. Certamente, eles então partilhavam a opinião que, em 1915, Modesto Brocos continuaria defendendo, mesmo quando a exigência da realização de um quadro de composição, como veremos, havia deixado de constar no regulamento dos Prêmios de Viagem ao Estrangeiro: Continuo a pensar que a pintura de um quadro se impõe, para obter o prêmio de viagem, como aliás se o exige em todas as escolas da Europa. Só assim poderá o candidato demonstrar os seus conhecimentos technicos, e a sua capacidade para a composição, de sorte a se revelar uma promessa de artista, digno do auxilio que dá o tal premio. A pintura de uma simples academia não é sufficiente para serem reveladas as qualidades exigidas para um futuro artista, e não dá elementos bastantes, para que os juizes formem uma opinião segura.350 Essa expectativa com relação a alunos mais “maduros” era ainda corroborada por uma determinação, presente no Regulamento de 1901, segundo a qual, para ser admitido ao concurso do Prêmio de Viagem, o candidato a pensionista deveria obrigatoriamente ter já obtido anteriormente a medalha de ouro em concurso da Escola351, exigência inexistente nos certames anteriores e que, daí por diante, manter-se-ia nos regulamentos seguintes352. O primeiro concurso seguindo as novas instruções foi realizado em finais de 1905 / início de 1906, e nele o candidato único Lucilio de Albuquerque conquistou o Prêmio de Viagem. O ponto sorteado foi Anchieta escrevendo o poema à Virgem e 349 Instruções para os Premios de Viagem aos alumnos... de 1905, Capitulo IV, Art.10. BROCOS, Modesto. A questão do ensino das Bellas Artes: seguido da crítica sobre a direção Bernardelli e justificação do autor . Rio de Janeiro, 1915, pp.7-8. 351 Regulamento da Escola Nacional de Bellas Artes. Capital Federal, 13 de abril de 1901, Capitulo X, Art. 147, 2º. 352 Regulamento da Escola Nacional de Bellas Artes. Rio de Janeiro, 14 de setembro de 1911, Art. 43; Regulamento da Escola Nacional de Bellas Artes. Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1915, Art. 120; também Ana M. T. Cavalcanti sustenta que a inclusão dessa exigência constituía “un renforcement de la structure académique” (CAVALCANTI, Ana M. T. Op. cit., p.52). 350 VERSÃO NÃO REVISADA 138 as duas provas então executadas por Lucílio - o rascunho e o quadro definitivo ainda podem ser vistas no Museu Dom João VI da EBA/UFRJ [Figura 3.2a e 3.2b]. A comissão julgadora parece ter ficado particularmente satisfeita com o desempenho de Lucílio e frisou, em seu parecer, o “avanço” alcançado sob o novo regulamento: Confrontando-se a presente prova com as dos concursos que para o mesmo fim se fizeram anteriormente, a comissão unanimemente declara a superioridade das presentes provas, congratulando-se com a Escola por ter modificado o regimem anteriormente adoptado.353 Um novo concurso de pintura seguindo as regras prescritas nas Instruções... de 1905 teve lugar em meados 1911, e nele se sagrou vencedor Augusto Bracet, que concorria com AnIbal Mattos, o fundador da sociedade Juventas. O ponto sorteado desta vez foi A Traição de Judas; infelizmente, a única obra que nos resta como testemunha de tal certame é o rascunho preparatório à carvão realizado por Bracet, também pertencente ao Museu Dom João VI [Figura 3.3] – as suas dimensões, compatíveis com as determinadas nas Instruções... de 1905, confirmam que este foi de fato o estudo que serviu de base para o quadro definitivo, hoje de paradeiro desconhecido. Apesar de todo aparente entusiasmo perceptível no trecho da ata acima transcrito, o concurso de pintura de 1911 foi o último no qual realização de um quadro de composição constou como exigência formal para os candidatos à pensionista. Uma sistemática de provas semelhante pode ser encontrada, todavia, em alguns prêmios especiais concedidos pela ENBA, como foi o caso do Prêmio Donativo Caminhoá, instituído ainda nos anos 1910 e que desempenhava uma função semelhante ao tradicional Prêmio de Viagem, ou seja, custear a estadia de artistas brasileiros na Europa. O vencedor do certame em 1926 foi Francisco Bayardo, que concorria com Alfredo Galvão, e as obras então premiadas se encontram conservadas no Museu Dom João VI, tanto o estudo preparatório quanto a composição final [Figura 3.4a e 3.4b], cujo tema foi Caramuru tendo disparado o seu arcabuz, os índios surpresos prosternam-se e o aclamam chefe354. Os trabalhos de Bayardo e também os de Lucílio acima referidos são importantes por constituírem alguns dos raros testemunhos hoje em dia 353 Acta da sessão do Conselho Escolar realizada no dia 8 de fevereiro de 1906. Notação: 6155, arquivo do Museu Dom João VI 6155, 25 recto; ver a transcrição no Anexo III.7. 354 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 5280; tragicamente, a promissora carreira de Bayardo foi interrompida em função do seu falecimento por doença, justamente durante a viagem de navio que o levaria à Europa; ver “Prefacio”. In: Á memória de Francisco Bayardo. Rio de Janeiro: s/ed., 1927, iii-iv. VERSÃO NÃO REVISADA 139 remanescentes do método compositivo que vigorava entre os pintores brasileiros da 1ª República, já em seus períodos de formação. Conforme prescrito nas Instrucções... de 1905, o quadro definitivo do concurso ao Prêmio de Viagem ao Estrangeiro deveria respeitar “as linhas geraes” do rascunho, feito em apenas oito horas em loge. Esse método de composição vigorava também nos concursos de escultura e de arquitetura e estava de acordo com a prática acadêmica usual, estabelecida na França desde o século XVII; de fato, a dinâmica das provas acima descrita muito se assemelhava àquela do Prix-de-Rome e de outros concursos promovidos na École des Beaux-Arts parisiense. O método compositivo acadêmico tinha o objetivo de forçar o aluno a “concentrar-se no principal, na idéia geral - devendo ser capaz de chegar a essa solução rapidamente -, e deixando o detalhamento para depois. Representava uma maneira eficiente de desenvolver a imaginação espacial da composição”355. Nele, o rascunho desempenhava um papel essencial, não sendo simplesmente um trabalho incompleto, mas antes uma obra com um valor intrínseco, que continha o essencial do conceito visual do pintor a respeito do tema tratado e que o quadro definitivo a ser executado tinha, sobretudo, a função de desenvolver - os cuidados para que o rascunho não fosse de alguma maneira adulterado testemunham essa sua importância seminal. Em francês, esquisse era o termo era utilizado de uma maneira mais precisa para designar o trabalho que antecedia a realização definitiva da composição; na parte 4.3 voltaremos a discutir mais detalhadamente a sua natureza e as suas funções. Depois da reforma de 1911, como adiantamos, os regulamentos do Prêmio de Viagem foram mais uma vez alterados. A congregação da ENBA então voltou atrás com relação às provas, extinguindo a exigência da realização de um quadro de composição. Como versa o Artigo 9º, Capítulo 2º (“Provas dos concursos de viagem”) do projeto de reforma das instruções relativas ao Prêmio de Viagem - cujo relator foi o professor Carlo Cianconi, foi então proposto o estabelecimento de um sistema semelhante àquele descrito no Regulamento... de 1892, e composto de três provas: 1ª prova. Desenhar um academia de modelo vivo, com 80 centímetros de altura, em 10 sessões, de 4 horas cada uma. 2ª prova. Pintar uma figura do natural com um metro de altura, em 50 sessões de 4 horas cada uma. [...] 3ª prova. Composição em esboço (pintura) de um assumpto, que será tirado á sorte, d’entre 10 355 PEREIRA, Sônia Gomes. “Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro: revisão historiográfica e estado da questão”. In: Revista Arte & Ensaios. Rio de Janeiro: PPGAV - EBA/UFRJ, no VII, 2001, p.79. VERSÃO NÃO REVISADA 140 organisados na occasião pelos professores da comissão julgadora. A execução dessa prova durará oito horas, durante as quaes os concurrentes se acharão isolados, e sem communicação alguma extrena.356 Nas novas instruções propostas, o peso maior voltava a ser dado à segunda prova - a academia pintada -, como o seu tempo de duração sensivelmente maior deixava entrever. A mudança na sistemática das provas do Prêmio de Viagem indica que as expectativas do Conselho Escolar da ENBA com relação ao grau de maturidade artística dos alunos haviam “baixado”, retornando à um nível provavelmente mais pragmático, semelhante àquele que vigorava durante a 1ª década da República. Quando o projeto de reforma das instruções do Prêmio de Viagem do qual acima reproduzimos uma passagem estava sendo elaborado, o único membro do Conselho Escolar que a ele se opôs foi Modesto Brocos, então professor de uma das cadeiras de Desenho figurado da Escola: ele teria chegado a elaborar um projeto alternativo, no qual defendia a necessidade de que o candidato a pensionista de pintura continuasse a ser avaliado com base na realização de um quadro de composição, a mesma concepção que Brocos voltaria a professar, como vimos, na passagem reproduzida mais acima, a qual figura justamente na abertura de seu livro A questão do ensino das Bellas-Artes, escrito em 1915. No final da ata da mesma seção em que se encontra transcrito o projeto dos novos regulamentos relatado por Cianconi, Zeferino da Costa, após propor-lhe algumas pequenas ementas, se coloca explicitamente contra as idéias de Modesto Brocos. Ele justifica a mudança das provas, indicando o que era esperado de um candidato à pensionista e frisando o objetivo da estadia na Europa como sendo uma complementação da formação iniciada na ENBA: Para o premio de viagem aos alunos da nossa Escola, embora estejam eles bem preparados, a exigência da execução de um quadro, é demasiada, porquanto é precisamente para que o pensionista aprenda a executar quadros, que a Escola lhe concede cinco anos de prazo na Europa para essa aprendizagem. Assim, quando o candidato ao premio, apresentando um trabalho plástico, executado do natural, prove ter bastante conhecimento do desenho e do colorido, não só quanto ao caracter da linha, como em todos os demais accidentes e valorisação do claro-escuro e harmonia [...] do colorido, me parece que para se julgar da sua capacidade de imaginação, bastará que elle apresente mais o escoceto de um assumpto concebido, composto e executado, em poucas horas de tempo.357 356 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6155: Acta da sessão do Conselho Escolar realizada no dia 9 de maio de 1914, pp.44recto-44verso. 357 Idem, p.46verso. VERSÃO NÃO REVISADA 141 O projeto de reforma das instruções foi então aprovado pelo Conselho Escolar. Quatro novos concursos de pintura foram realizados até o final da 1ª República, e, em todos eles, parecem ter vigorado as novas instruções, sem significativas alterações: em 1916, ocorreu um concurso no qual se sagrou vencedor Augusto José Marques Júnior, cujas academias vencedoras aqui reproduzimos [Figura 3.5a e 3.5b]; em 1918, o concurso foi vencido por Henrique Campos Cavalleiro; em 1927, foi a vez de Alfredo Galvão conquistar o Prêmio de Viagem [Figura 3.6]; e, por último, em fins de 1929, o certame foi vencido por Quirino Campofiorito, que se tornou, dessa maneira, o último pensionista de pintura da República Velha. 3.1.2 O Prêmio de Viagem nas Exposições Gerais de Belas Artes Durante a República, como fizemos referência acima, os Prêmios de Viagem não ficaram restritos apenas aos concursos internos da escola, mas passaram a ser concedidos também nas Exposições Gerais. Entre 1894, data de sua primeira realização, e 1930, este segundo prêmio viria favorecer diversos artistas brasileiros (ver Anexo IV.2), alguns dos quais tiveram posteriormente atuações fundamentais dentro da própria ENBA, com foi o caso de João Baptista da Costa, o primeiro laureado na Exposição Geral de 1894, depois professor e diretor da Escola, ou de Rodolfo Chambelland, que conquistou o Prêmio de Viagem em 1905 e foi nomeado catedrático da aula de modelo vivo, após concurso, em 1916. As Exposições Gerais, como também já fizemos notar, foram os mais importantes certames artísticos da 1a República; todavia, ainda escasseiam os estudos exclusivamente a elas dedicados. Na página seguinte, apresentamos um gráfico que mostra a evolução da quantidade de pinturas expostas a cada ano bastante irregular, mas que, não obstante, parece indicar um certo incremento, especialmente a partir de 1920. O período nele compreendido vai de 1894 a 1930; cumpre ainda lembrar que a Exposição Geral seguinte, a de 1931, realizada já em pleno Estado Novo, teve um inclinação modernista bastante diversa das anteriores, sendo apelidada, por seu caráter libertário, de Salão revolucionário ou dos tenentes358. 358 “Lúcio Costa, como diretor da ENBA, ficaria à frente da organização da XXXVIII Exposição Geral. A comissão organizadora deveria fazer os convites, mas haveria total liberdade, sem restrições impostas pelos julgamentos e seleções dos salões tradicionais, sem cortes e sem obstáculos a qualquer artista. O julgamento viria do público” (LUZ, Angela Âncora da. Uma breve história dos Salões de Arte - da Europa ao Brasil. Rio de Janeiro: Editora Caligrama, 2005, pp.104-105). VERSÃO NÃO REVISADA 142 359 O regimento das Exposições Gerais, redigido em 1893, democratizava o Prêmio de Viagem, até então um privilégio exclusivo de alunos da ENBA, bastando a um artista, para obtê-lo, se distinguir significativamente no certame. As indicações relativas ao Prêmio de Viagem presentes no Capítulo III (“Das recompensas”), desse regimento eram as seguintes: Art. 30. Haverá um premio de viagem concedido ao artista de qualquer das secções de pintura, esculptura, gravuras de medalhas e pedras preciosas ou architectura ao artista que se distinguir na exposição. Art. 31. Este premio constará de uma pensão igual a que percebem os pensionistas da Escola de Bellas Artes, sómente pelo prazo improrogavel de dous annos, e da respectiva ajuda de custo. Art. 32 Para poder obter esse premio é indispensável que o artista seja de nacionalidade brazileira e tenha menos de 30 annos de idade.360 Essas instruções, como é fácil observar, são bastante sucintas se comparadas com aquelas relativas ao prêmio destinado aos alunos da ENBA. A vaga definição dos critérios da concessão do Prêmio de Viagem das Exposições Gerais foi um dos fatores que levaram ao questionamento do seu caráter democrático e ele foi por vezes acusado de nada mais ser do um outro instrumento 359 As fontes desse gráfico foram os Catálogos das Exposições Gerais, pertencentes ao Arquivo histórico do MNBA/RJ, e também os dados disponibilizados pelo Carlos R. M. Levy em seu site http://www.artedata.com/crml/ 360 Regimento das Exposições Geraes de Bellas Artes. Rio de Janeiro: Companhia Industrial de Papelaria, 1895, pp.7-8. Documento disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/documentos/reg.htm VERSÃO NÃO REVISADA 143 da Academia no dirigismo do sistema artístico fluminense. Como frisou recentemente Ana Maria Tavares Cavalcanti, embora a princípio fosse acessível a qualquer artista que figurasse no certame, “a maioria dos laureados com o Prêmio de Viagem da Exposição foi de alunos ouvintes da Escola”361 - isto é, alunos de livre freqüência -, o que, por si só, parece indicar um marcado favorecimento na concessão dos prêmios. Em toda a história das Exposições Gerais durante a 1ª República, foram freqüentes, especialmente na imprensa, as denúncias de supostos favorecimentos na concessão dos Prêmios de Viagem. Em 1927, por exemplo, Elysêo Visconti, artista que foi várias vezes membro dos júris das Exposições Gerais - portanto, uma testemunha fidedigna de seus mecanismos internos -, declarou a respeito do que ele denominou “erro da organização dos ‘salons’ annuaes” e da “consagüinidade” que caracterizava a distribuição de suas premiações, na entrevista concedida à Angyone Costa: Na Escola de Bellas Artes o principal mecanismo de estimulo é o “salon” annual, com a sua organização de apparelho que premia e recompensa. A’ primeira vista, parece que esta muito bem. Em detalhes, porém, e comdemnavel. O ‘salon’ estabelece premios e vantagens que são conferidos por um jury composto na maioria de professores da Escola. Veja a que não ficam sujeitos taes julgamentos, desde que o professor póde ser, simultaneamente, juiz, expositor e mestre dos expositandos. E’ uma organização comedemnada e perigosa, prejudicial ao desenvolvimento das bellas artes. Deve ser remodelada em sua essencia, de maneira a assegurar maior justiça nos julgamentos, impedindo vivios originarios da sua organização actual.362 Considerando-se a pouca amplitude do meio artístico fluminense de então fato sempre lembrado em nossa historiografia quando se trata de frisar o “provincianismo” do mesmo -, cumpre-nos perguntar como as coisas poderiam ter sido de outra maneira. Simultanemente, é forçoso reconhecer que uma boa parte dos artistas que conquistaram o Prêmio de Viagem da Exposição Geral durante a 1ª República, se por uma lado tinham relações mais ou menos estreitas com a ENBA, na condição de alunos de livre freqüência, por outro, possuíam igualmente uma formação artística que transcendia os meios estritamente acadêmicos. Esse foi o caso, por exemplo, de Arthur Timotheo da Costa, que, além de uma temporada de estudos Casa da Moeda (cf. Parte 1.1), estudou vários anos com o cenógrafo de origem italiana Orestes Coliva. Segundo Campofiorito, teria sido no 361 CAVALCANTI, Ana M. T. “Os Prêmios de Viagem da Academia em pintura”..., p.71. COSTA, Angyone. A inquietação das abelhas (O que dizem nossos pintores, escultores, arquitetos e gravadores, sobre as artes plásticas no Brasil). Rio de Janeiro: Pimenta de Mello & Cia, p.80. 362 VERSÃO NÃO REVISADA 144 aprendizado junto à Coliva que Arthur Timótheo adquiriu uma fatura pictórica típica da pintura de cenários de teatro, que, somada à sensibilidade de pintor de cavalete desenvolvida na ENBA como discípulo de Rodolpho Amoêdo, se evidencia “na destreza de seus pincéis na obtenção de sugestivos efeitos através de uma técnica desembaraçada e largamente conduzida”363. Essas características são marcantes na tela com a qual Arthur conquistou o Prêmio de Viagem na Exposição Geral de 1907, Antes d'Aleluia [Figura 3.9], e ainda mais em sua obra posterior, especialmente suas paisagens (cf. parte 4.4). Ainda segundo Campofiorito, que a louvou com uma retórica tipicamente modernista, a obra de Arthur Timótheo é “dotada de notável espontaneidade, em que a pintura se liberta das limitações do desenho e este parece obter expressões plásticas de teor pictórico”364. Mesmo o fato de que a maior parte dos pensionistas das Exposições Gerais ter sido composta de pintores - cerca de 80% do total - não necessariamente significa uma qualquer predileção dos organizadores do evento por essa arte em especial. Muito simplesmente, esse dado parece refletir uma tendência marcante e verificável durante toda a 1ª República, a saber, o fato de que a esmagadora maioria de obras que figuravam nos “salões” eram pinturas. O número de escultores e gravadores independentes era relativamente pequeno e o certame não parecia atrair a categoria dos arquitetos, certamente composta de um número considerável de profissionais, que, ao que parece, teriam pouco a lucrar expondo em uma exposição nos moldes da Exposição Geral365. As informações fornecidas no Regimento das Exposições Geraes de 1893 com relação ao respectivo Prêmio de Viagem, apesar de exíguas, são, não obstante, reveladoras de algumas significativas diferenças existentes entre o Prêmio de Viagem concedido aos alunos da ENBA e aquele concedido nas Exposições Gerais. A primeira dessas diferenças dizia respeito à duração da pensão: enquanto o tempo da estadia dos pensionistas da ENBA na Europa era de cinco anos, a dos laureados nas Exposições Gerais, como vimos, estava limitada à apenas dois anos, sem possibilidade de prorrogação. Em uma de suas últimas entrevistas, Alfredo Galvão falou a respeito da justificativa dessa diferença: Diziam, na época, que o prêmio do Salão era dado por dois anos porque o concorrente já era artista, quando concorria. Ao passo que na Escola, os concorrentes eram ainda alunos, ainda estudavam, precisavam completar 363 CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit., p.231. idem, p.231 (grifos nossos). 365 A maioria das obras que figuraram na seção de Arquitetura das Exposições Gerais da 1ª República eram de autoria dos professores que lecionavam na ENBA; eventualmente, também arquitetos estrangeiros se aventuravam no certame. 364 VERSÃO NÃO REVISADA 145 os estudos lá: não bastava ver era preciso matricular-se numa Academia, numa Escola de Belas Artes.366 Essa declaração corrobora o fato de que a maioria dos artistas premiados com o Prêmio de Viagem da Exposição Geral eram, ao menos em teoria, considerados profissionais independentes e plenamente formados. Não por acaso, os quadros agraciados com o prêmio máximo do “Salão”, a maioria dos quais se encontra listado na Anexo IV.2 e pertencentes hoje ao acervo do MNBA, eram composições de dimensões relativamente grandes, que denotavam por parte de seus autores um grau de amadurecimento que, como vimos na parte anterior, apenas no período entre as Reformas da ENBA de 1901 e 1911 foi exigida em um nível semelhante dos alunos candidatos ao Prêmio de Viagem da instituição. Uma avaliação, ainda que ligeira dos temas das obras premiadas nas Exposições Gerais mostra uma grande diversidade, impossível de ser reduzida a um qualquer esquema interpretativo. Durante toda a extensão da 1a República, por exemplo, cenas de gênero, retratando modos informais de sociabilidade moderna (Bohemia, de Helios Seelinger, de 1903 [Figura 3.8]; Primavera em flor, de Armando Vianna, de 1926 [Figura 3.11]) conviveram com quadros de temática religiosa, aparentemente anacrônicos (Sonho de Jacob, de Joaquim Fernadez Machado, em 1901; Remorso de Judas, de Levino Fanzeres, 1912), sem contar com as as tradicionais cenas remetendo para uma Antigüidade mais ou menos idealizada (Bachantes em Festa, de Rodolpho Chambelland, de 1905; Último diálogo de Sócrates, de Raimundo Cela, de 1917). Logo no primeiro certame, em 1894, João Baptista da Costa, com a tela Em repouso, ganhou o prêmio figurando um tipo brasileiro, o caipira [Figura 3.7]. Isso demonstra que já então a ENBA estava completamente aberta para uma temática de cunho nacionalista que normalmente só é associada, no período, às obras de alguns poucos “precursores”, como Almeida Júnior. É certo que o partido compositivo de Baptista da Costa, que imprime ao seu caipira uma pose que remete diretamente à estatuária antiga367, difere do caráter informal verificável nos gestos planejadamente “espontâneos” das figuras do pintor ituano; a fatura de seu quadro é também bem mais contida, mas tudo isso, no nosso entender, não o torna menos 366 TERRA, Carlos G. “Alfredo Galvão e o ensino na EBA”. In: Arquivos da Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ / EBA, 1999, p.56; na realidade a exigência formal de matrícula na École feita à Galvão não foi usual durante a 1ª República, como mostraremos mais abaixo. 367 “Recorda-nos Arisoto Berna que Batista da Costa pretendia concorrer com o 'Retrato de Margarida' tendo sido porém aconselhado a realizar trabalho de realismo menos acentuado, para que tivesse maiores possibilidades de êxito” (FRANCISCO, Nagib. João Batista da Costa, 1865-1926. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1984, p.24). VERSÃO NÃO REVISADA 146 admirável. É significativo ainda que esse tipo de registro de tipos brasileiros continuaria sendo celebrado nas Exposições Gerais nas décadas seguintes, como demonstram quadros como Ceifeiro, de Francisco Manna, vencedor do Prêmio de Viagem em 1910, Pescador, de Oswaldo Teixeira, em 1924, ou Tarrafeiros, de Cadmo Fausto, no último certame da 1a República, em 1930. Mesmo gêneros aparentemente menos ambiciosos podiam ser agraciados com o prêmio máximo nos “Salões”: foi assim com com a paisagem (Recanto de fazenda, de João Paula Fonseca, vencedor em 1923; Saveiros, de Garcia Bento, em 1925) e com o retrato (ver o famoso Retrato de Olegário Mariano, de Portinari, de 1928, ou, Vaidade, de Angelina Agostini, de 1913 [Figura 3.10] - essa certamente uma obra mais complexa, carregada de conotações simbólicas). Em termos mais formais, bastaria comparar esse último quadro com Primavera em flor, de Armando Vianna [Figura 3.11] para verificarmos que também nesse aspecto o conjunto de quadros premiados nas Exposições Gerais da 1a República - por si só merecedor de uma pesquisa de fôlego - guardava a maior das variedades. Finalizando esta parte, gostaríamos de chamar a atenção para uma última diferença que existia entre o Prêmio de Viagem das Exposições Gerais e aquele da ENBA, e que dizia respeito às obrigações dos laureados no primeiro. Enquanto os pensionistas da ENBA eram obrigados anualmente a prestar contas à instituição através do cumprimento de suas obrigações de envio, os premiados na Exposição Geral, ao que tudo indica, nunca estiveram submetidos às mesmas exigências: ao menos, até onde pudemos verificar, nada consta a esse respeito nos regulamentos ou nas atas do Conselho. Essa hipótese é corroborada pelo fato de que no acervo do Museu Dom João VI e do MNBA, possuidores dos principais comjuntos de obras feitas pelos artistas acadêmicos em seus períodos de formação, não existe qualquer “envio” de pensionistas tão célebres como os irmãos Chambelland, Arthur Timótheo, Portinari, entre outros. Se aqui nos detemos nesse detalhe, é porque ele foi freqüentemente interpretado de maneira tendenciosa por autores imbuídos da ideologia modernista: o fato de Portinari, Prêmio de Viagem em 1928, ter pintado pouco durante sua estadia na Europa é até hoje usualmente interpretado como um desafio deliberado à ENBA, sinal da independência estética do pintor com relação a instituição. O mais correto, no tocante a esse tópico, parece ser que Portinari, em diversos aspectos um aluno acadêmico típico, bem como os outros pensionistas da Exposição Geral, nada mais tenham feito do que exercer legitimamente uma liberdade concedida de antemão pela própria Escola. VERSÃO NÃO REVISADA 147 3.2 O estágio de formação na Europa Na historiografia de arte brasileira, as avaliações a respeito da rotina de viagens à Europa, subvencionadas pela AIBA/ENBA, tem sido, na sua maioria, pouco positivas. Mesmo em estudos recentes, ainda é comum encontramos repetida a opinião expressa por Quirino Campofiorito - ele próprio, como vimos, exaluno da ENBA e ganhador do Prêmio de Viagem em 1929 -, segundo a qual as estadias na Europa apenas serviam para encerrar os pensionistas brasileiros em um conjunto de regras previstas de antemão, constituindo antes uma barreira do que um instrumento promotor da renovação de nossas artes plásticas368. Um pouco mais recentemente, Carlos Zílio afirmaria, em um sentido análogo, que os Prêmios de Viagem eram “um mecanismo que nutria e renovava a nossa Academia através da Academia Européia, ou seja, uma espécie de renovação do mesmo ou de um mesmo que buscava uma aparência de novo”369; nesse aspecto, o texto de Zílio constitui pouco mais do que a repetição de idéias de segunda mão, mas, por isso mesmo, é bastante representativo de certas noções genéricas ainda hoje vigentes a respeito da questão. É nesse mesmo viés do entendimento dos Prêmios de Viagem ao Exterior como uma prática castradora da inovação que é com freqüência lembrada a supostamente rigorosa prestação de contas que nossos pensionistas eram obrigados a fazer na forma dos aqui já referidos envios de trabalhos pré-definidos pela Academia, bem como o fato deles serem obrigados a complementar sua formação em instituições oficiais, onde recebiam a orientação de mestres “passadistas”, sem nunca entrar em contato com as correntes mais inovadoras da arte européia contemporânea. Tais considerações, com sua típica ausência de nuances, parecem pouco adequadas para descrever a situação do sistema de pensionato, especialmente daquele mantido pela ENBA durante a 1ª República. De um lado, é necessário avaliar de uma maneira mais adequada a questão dos envios obrigatórios que os pensionistas deviam fazer, e que, no nosso entender, não chegavam a constituir um grande fardo. Como já fizemos referência e como também já observara Ana Maria Tavares Cavalcanti, um desejo de simplificar as obrigações dos pensionistas era perceptível já nos momentos finais da AIBA e o Regulamento para o processo dos 368 Cf. CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit., p.98. ZILIO, Carlos. "A modernidade efêmera: anos 80 na Academia". In: 180 anos da Escola de Belas Artes – Anais do Seminário EBA 180. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998, p.239 (Grifos nossos). 369 VERSÃO NÃO REVISADA 148 concursos... de 1892 dá provas da concretização desse desejo. Vale a pena reproduzir quais passaram a ser então as obrigações de um pensionista de pintura, durante os seus cinco anos no Velho Mundo: 1º anno - oito estudos pintados ou dezenhados. 2º anno - oito estudos pintados. 3º anno - Uma copia de quadro designado pelo Conselho Escolar e o esboceto para a execução de um quadro de três ou mais figuras, acompanhando o respectivo orçamento para as despezas com o material para o mesmo quadro. 4º e 5º annos - execução do quadro que será comprado pela Escola se o conselho Escolar julgar digno de ser adquirido.370 Embora, como vimos, os regulamentos para os pensionistas tenham sido reformados em duas ocasiões durante a 1ª República, os envios estipulados em 1892 se mantiveram, grosso modo, os mesmos. Ora, os estudos - normalmente academias - e a cópia, que constam como obrigação nos três primeiros anos, nada mais eram do que exercícios usuais na própria ENBA e, levando-se em conta a experiência nesse sentido adquirida por nossos artistas ainda aqui no Brasil, podese concluir que a execução de tais trabalhos não lhes demandava tempo excessivo. Um exemplo disso – existem vários outro mais – são as já por nós comentadas academias desenhadas enviadas por Henrique Cavalleiro à ENBA, em finais dos anos 1920, que, pela sua concisão, indicam ter sido realizadas durante sessões de pose relativamente curtas [Figura 2.45a e 2.45.b]. Os pensionistas brasileiros se encontravam assim, em grande medida, livres para conduzir seus trabalhos da maneira que achassem mais condizentes com as suas personalidades e investir em suas produções particulares; a exigência final de execução de um quadro original, que poderia inclusive ser “comprado pela Escola”, tinha, no nosso entender, como função principal incentivar essa iniciatica. No caso acima discutido dos artistas que conquistavam o Prêmio de Viagem nas Exposições Gerais, a situação era ainda mais liberal: como que compensando a duração mais reduzida das pensões e a ausência de qualquer garantia com relação a aquisição das obras produzidas na Europa pelos premiados no “Salão”, estes eram deixados na mais completa liberdade para elaborar, como bem entendessem, as suas rotinas de estudo e pesquisa no Velho Mundo. Outro conceito que deve ser aqui relativizado diz respeito à relação supostamente castradora entre nossos pensionistas e as instituições de ensino oficiais existentes nas principais capitais européias. Com relação a esse tópico, é 370 Regulamento para o processo dos concursos... de 1892, Art. 9o., Capitulo unico. VERSÃO NÃO REVISADA 149 necessário levar em conta, em especial, uma notável tendência à liberalização então verificável. Esta se deveu, em parte, graças às reivindicações no sentido de uma maior autonomia feitas pelos próprios estudantes e detectáveis já quando da crise que culminou na Reforma de 1890; mas tal liberalização parece refletir igualmente as sensíveis melhorias verificáveis no ensino da ENBA, às quais já fizemos referência. Durante a época imperial, cumpre lembrar, a obrigação de freqüentar as instituições oficiais européias parece ter tido o objetivo principal de complementar a formação que o pensionista recebera na AIBA e que, devido em parte aos problemas estruturais da própria instituição, era deficiente em certos aspectos. É isso, ao menos, é o que se pode deduzir da constatação de Manuel de Araújo PortoAlegre - “nossa escola está muito fraca no desenho, muito e muito fraca” -, expressa em uma carta endereçada, em 1856, a Victor Meirelles, exortando o então pensionista a estudar com afinco “anatomia e perspectiva, e muito desenho” na Europa371; é o que se pode deduzir, igualmente, das considerações de Cesare Marianni, professor da Accademia di San Luca em Roma, que em 1869 se referiu à necessidade do pensionista Zeferino da Costa ter ainda de se aplicar mais “ao Desenho, aos modelo vivo e ao clássicos para aperfeiçoar seus estudos”372. Esse quadro teria sofrido uma sensível transformação já no início da República, como veremos abaixo. Nossos pensionistas seriam praticamente desobrigados de seguir um curso oficial e a maioria optaria por freqüentar os chamados ateliês livres, que constituem, sem dúvida, o mais importante capítulo da formação artística dos brasileiros na Europa durante a 1ª República. Essa categoria de instituição de ensino artístico existia nas principais cidades européias, especialmente naquelas para onde os brasileiros foram expressamente enviados ou livremente freqüentaram no período, e que se encontram ao menos parcialmente listadas nos Anexo IV.1 e IV.2. De maneira análoga a outros fatores discutidos, é possível perceber aqui uma significativa abertura: embora Paris e Roma tenham continuado a ser as duas cidades mais procuradas, preservando dessa forma uma tradição já estabelecida na 371 Citado em GALVÃO, Alfredo. “Manuel de Araújo Porto-Alegre. Sua importância na Academia Imperial de Belas Artes e no meio artístico do Rio de Janeiro”. In: Revista do patrimônio histórico e artístico nacional. Rio de Janeiro, 1959, p.88. As cartas de Porto-Alegre a Meirelles se encontram reproduzidas no site http://www.dezenovevinte.net/documentos/mapa_vm.htm 372 Tal conselho encontra-se transcrito em uma carta datada de 12 de outubro de 1869, enviada à Academia Imperial pela Legação do Brasil em Roma (Citado em SÁ, Ivan Coelho de. Academias de modelo vivo e bastidores da pintura acadêmica brasileira: a metodologia de ensino do desenho e da figura humana na matriz francesa e a sua adaptação no Brasil do século XIX e início do século XX. Rio de Janeiro: Programa de pós-graduação em Artes Visuais, UFRJ, 2004, p.532 (Tese de Doutorado). VERSÃO NÃO REVISADA 150 AIBA, não seria correto afirmar que continuassem a ser os pólos exclusivos de atração para os brasileiros. O mais comum passou a ser, então, que nossos pensionistas percorressem várias cidades durante a sua estadia no Velho Mundo; a escolha de outros centros parece ter sido mais freqüente entre os premiados nas Exposições Gerais que, como vimos, gozavam de uma maior autonomia. Um fato bastante significativo nesse sentido, especialmente porque emanava de uma determinação da própria direção da ENBA, se refere à escolha das cidades para onde seus alunos regulares, enquanto pensionistas, foram enviados nos anos 1890: Os seis pintores premiados nessa década foram distribuídos, dois a dois, por três cidades diferentes - Munique, Roma e Paris. Esse desígnio bastante sistemático parece derivar de um desejo do Conselho Escolar da ENBA, que foi por nós já referido quando falamos da renovação da Pinacoteca da instituição (cf. Parte 1.2.3): o de informar a produção fluminense do período com os estilos e processos de todas as “escolas” européias, e assim, por conseqüência, imprimir-lhe um caráter eclético que seria um reflexo da própria ausência de padrão uniforme na arte “moderna” de então. A seguir nos deteremos na análise das relações dos pensionistas da ENBA com a arte das três cidades supra-citadas, aquelas que durante a primeira década da República receberam a mesma atenção por parte da congregação da ENBA e foram, no período geral aqui analisado, provavelmente as principais fontes de onde irradiavam as novas propostas estéticas absorvidas pelos nossos pintores. 3.2.1. Munique A acima referida relação dos brasileiros com a arte dos países de língua alemã logo na primeira década do período republicano é uma interessante tendência que permanece no limbo da nossa historiografia de arte. Em meados da década de 1890, dois pensionistas da ENBA foram designados expressamente para realizar suas temporadas de estudo na cidade de Munique: em 1895, Rodolpho Bernardelli propôs essa cidade para que o premiado Fiúza Guimarães prosseguisse “nos seus estudos, attendendo a só se ter enviado alumnos até a actualidade, para Roma e Pariz, sem haver razão que se justifique não se assim proceder para com a cidade proposta, onde as Bellas-Artes tem desenvolvimento progressivo, e o gosto artístico é bastante cultivado”373. No ano seguinte, 1896, a comissão julgadora do concurso ao Premio de Viagem determinou que “para sede dos estudos nos dous 373 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6154, p.39recto, cf. Anexo III.4. VERSÃO NÃO REVISADA 151 primeiros annos”, Antonio de Souza Vianna fosse enviado para “a cidade de Munich, podendo entretanto o alumno premiado caso seja seu desejo, e isto não acarrete mais para o estado, ser transferido mediante autorização da diretoria da Escola Nacional de Bellas Artes, para outro centro artístico de equivalente importância”374. Desde os tempos do rei Ludwig I da Baviera, Munique tinha a fama de ser um animado pólo cultural, e, no contexto mais específico da arte do continente americano, a relação com essa cidade não era inédita e não deveria, portanto, nos surpreender. Joshua Taylor certa feita observou, se referindo ao caso dos artistas norte-americanos, que A única rival de Paris como um centro de estudos foi Munique por um curto período nos anos 1870, especialmente para os americanos375. Possivelmente haviam ecos tardios de Düsseldorf nessa atração, mas ao contrário da severa especificidade linear a qual os críticos regularmente se referiam como a maneira de Düsseldorf, Munique apoiava uma pintura sombria e rica, com reminiscências da Renascença, Velásquez, e da Holanda seiscentista.376 Essas características formais particulares conferiam à obra de muitos pintores que lá trabalhavam um caráter todo particular, ao qual J. Taylor se referiu, com a expressão escola de Munique. Além disso, a cidade já contava então com coleções de arte de extraordinária qualidade e uma cena intelectual que conferia à história e à prática artística uma notável importância. Embora a relação dos brasileiros com Munique seja um pouco mais tardia do que a dos americanos, é bastante provável que o renome da cidade ecoasse no Rio de Janeiro de uma maneira semelhante ao que ocorria no hemisfério norte. Uma outra possível razão pela qual um interesse pela arte e pelo meio artístico alemão se difundiu na Academia fluminense estaria ligada à significativa atuação, na Itália das décadas finais do século XIX, de pintores como o suíço Arnold Böcklin, os alemães Anselm Feuerbach, Hans Thoma, entre outros377. Sabe-se que o contato dos brasileiros com a arte italiana se manteve durante quase toda a 1a República, como veremos abaixo; a um artista como Rodolpho Bernardelli, por 374 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6154, p.48verso; cf. Anexo III.5b. Taylor lembra de pintores como David Neal, Frank Duveneck e seus discípulos - os “Duveneck's boys” - e William Merrit Chase (TAYLOR, Joshua C. The fine arts in America. Chicago / ondon: The university of Chicago Press, 1979, pp.120sg. 376 “The only rival to Paris as a center of study was Munich for a short time in the 1870s, especially for Americans. Possibly there were lingering echoes of Düsseldorf in its attraction, but instead of the harsh linear specificity that critics regularly referred to as the Düsseldof manner, Munich stood for somber, rich paintings with overtones of the Renaissance, Velázquez, and the seventeenth-century Dutch” (Idem, p.120). 377 Sobre a presença dos artistas alemães na Itália, ver: I “Deutsch-Römer”, Il mito dell'Italia negli artisti tedeschi, 1850-1900. Milano: Mandadori Editora, 1988. 375 VERSÃO NÃO REVISADA 152 exemplo, certamente não escapou, quando de sua estadia na Itália, o valor desses célebres representantes da arte “alemã”, como deixam mesmo transparecer nuances subjetivistas presentes em algumas de suas obras e, provavlemente por isso, ele tenha feito a defesa de Munique como cidade-sede dos pensionistas da ENBA. Aqui, ainda nesse mesmo sentido de procurar entender as via pelas quais se estabeleceram os laços entre a Academia fluminense e Munique, seria talvez interessante lembrar da atuação destacada de alguns artistas oriundos de países de língua alemã no meio fluminense por volta dos anos finais da AIBA: foi o caso do citado Georg Grimm, de Thomas Driendl e, sobretudo, de Benno Treidler, que, chegando ao Rio por volta de 1885 para trabalhar na Casa da Moeda, aqui acabaria por se estabelecer definitivamente, desenvolvendo uma importante atividade já na primeira década da República, seja como expositor celebrado nos “Salões”, seja como professor378. Dentro do ambiente acadêmico, já Pedro Weingärtner, cuja família era de origem teutônica, viajou para a Alemanha em 1878, matriculando-se primeiro no Liceu de Artes e Ofícios de Hamburgo e se mudando depois para a cidade de Carlsruhe, onde foi aluno de Theodor Poeck e Ernst Hildebrandt. O artista se estabeleceria em Berlim, em 1880, onde freqüentaria a Real Academia de Belas Artes local, antes de se mudar para Paris e depois, finalmente, para Roma. Não devemos esquecer que Weingärtner foi um dos primeiros professores de Desenho figurado da ENBA e, embora tenha ocupado por pouco tempo a cátedra, pode ter também influído na decisão de enviar pensionistas brasileiros para Munique. Além dos pensionistas da ENBA acima citados, alguns outros artistas oriundos da Escola estiveram, por períodos mais ou menos longos, na Alemanha: embora mais fixado em Paris, Baptista da Costa eventualmente para lá se dirigia, realizando inclusive algumas telas além-Reno379. Mas foi Helios Seelinger o aluno livre que mais estreitou os seus laços com a arte teutônica380. Em 1896, às suas próprias expensas, ele fez uma primeira viagem para Munique em companhia do então premiado Fiúza Guimarães. O conselho para tanto teria partido também de Rodolphp Bernardelli: Seelinger era familiarizado com a cultura alemã, mas a viagem parecia particularmente conveniente porque em sua produção pictórica já se insinuavam os primeiros indícios da veia mística e imaginativa que viria a 378 Cf. PEIXOTO, Maria E. S. Pintores alemães no Brasil durante o século XIX. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1989. 379 Cf. FRANCISCO, Nagib. Op.cit., p.24 380 Sobre Helios Seelinger, cf. VALLE, Arthur G. “Hélios Seelinger, um pintor ‘Salteado’”. Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/artistas/artistas_hs.htm VERSÃO NÃO REVISADA 153 caracterizar seus trabalhos futuros, uma sensibilidade que poderíamos chamar de neo-romântica e que, como bem sabia o então diretor da ENBA, encontrava nos países de língua alemã um dos seus mais férteis campos de expansão. Em 1903, após obter o Prêmio de Viagem na Exposição Geral, Seelinger voltaria à Europa, dessa vez às custas da ENBA, e, além de Paris, voltaria a freqüentar os círculos artísticos de Munique. Nessa cidade, os brasileiros normalmente iniciavam seus estudos na Academia Ažbè381, um ateliê livre que atraía diversos artistas de outros países, alguns dos quais posteriormente ficariam identificados com as correntes modernistas. Certamente, o mais famoso deles foi o pintor de origem russa Wassily Kandinsky: curiosamente, Kandinsky teria ingressado nessa academia no ano de 1896, e é mesmo possível que tenha convivido com nossos pensionistas que, mais ou menos na mesma época, lá se encontravam382. Um segundo passo de nossos pensionistas era o ingresso na Academia de Belas Artes de Munique, instituição cujos métodos pedagógicos eram afins aos da ENBA. Nos anos 1890, lá pontificava a figura ilustre do pintor e ilustrador Franz Von Stuck, um dos fundadores em 1892 da Sezession de Munique, e cujos trabalhos, bastante influenciados por Böcklin, possuíam claras afinidades com as chamadas tendências simbolistas em voga na Europa de então. A ascendência de Stuck sobre Seelinger deixaria uma marca indelével na obra do brasileiro, que logo ganharia um cunho fortemente alegórico, povoando-se de figuras do folclore alemão e da mitologia helênica - faunos, centauros, ondinas, bacantes. Anos mais tarde, Seelinger confessaria a Angyone Costa: “De Stuck recebi a influência pantheista que é fácil descobrir nos meus trabalhos. O mysticismo, revelado nos meus estudos de “atelier”, desenvolveu-se fortemente ao influxo do idealismo alemão”383. Como ocorria em outros centros da América384, aos olhos do meio artístico fluminense de inícios da 1a República, a arte alemã – mais particularmente a da “escola” de Munique - possuía características bastante singulares, especialmente se comparada, por exemplo, com a arte francesa contemporânea. O mesmo Seelinger, por ter também estudado em Paris - onde como ele afirma, perdeu muito de sua 381 Com atesta uma carta de Souza Vianna, pertencente ao Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ e endereçada ao então diretor Rodolpho Bernadelli: “acho-me frequentando a Atelier Azbe, onde preparo-me para a matricula na Escola de Bellas Artes [de Munique]”. 382 Cf. BECKS-MALORNY, Ulrike. Wassily Kandinsky 1866-1944. Em busca da abstração. Köln: Benedikt Taschen Verlag GmBH, 2003, pp.14sg. 383 COSTA, Angyone. Op. cit., p.160. 384 “The works of Munich painters were readily identifiable when shown in New York exhibitions from the mid-seventies on, and ther extraordinary display of facility and 'old masters' assurance made a distinct impact on judgements in art” (TAYLOR, Joshua C. Op. cit., p.121). VERSÃO NÃO REVISADA 154 maneira inicial, “apprendendo a fazer o bem acabado, o perfeito”385 -, era uma testemunha qualificada para expor tais singularidades temáticas e formais, como ele realmente fez em certas ocasiões: A arte alemã obriga á reflexão, á pesquisa, não philosophica, mas poetica, na procura do lado ideal das coisas. Esta maneira empresta á arte germânica o caracter um tanto nebuloso e confuso, de que a minha pintura tem sido accusada386. Um outro contraste, dessa vez entre a formação artística alemã e aquela usual na França, foi claramente percebido por Seelinger quando ele teve a oportunidade de trabalhar como assistente de Elysêo Visconti em Paris, por volta de 1907, ocasião em que este último estava às voltas com a execução do primeiro ciclo de pinturas decorativas para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Apesar do respeito incondicional pelo mestre mais velho, Seelinger não podia deixar de constatar as diferenças existentes entre o seu modo de trabalhar e o de Visconti e as registrou em algumas passagens de seus manuscritos: Eu não me conformava como a meticulosidade do Visconti. A quadrícula, as medições, compassos, prumos, etc. Na Alemanha, aprendi a desenhar com a medida do olho. Treinava-se à mão livre. Visconti aprendeu na Escola Francesa da medida da quadrícula. Para mostrar a minha habilidade, desenhei a olho as grandes figuras do plafond central. Dança das Horas. “Espantoso”, disse ele. “É rápido, expressivo o traço”.387 E, em uma outra passagem, ainda referente a sua colaboração na execução dos painéis do Theatro Municipal, Seelinger dá novo testemunho do caráter franco de sua maneira de pintar, derivada da formação alemã: Esbocei os grandes painéis, com pinceladas largas, correndo a brocha, esfregando de um lado a outro, tinta, e muita, dando relevo e forma em larga escala, como tinha aprendido em Munique, onde também ajudei vários artistas.388 Ainda que se deva ter uma certa precaução com tal descrição de bravura pictórica por parte de Seelinger, um notório inventor de “causos”, ela parece realmente guardar algo de verdadeiro. O caráter peculiar da “escola” de Munique pode ser percebido, em certa medida, nos trabalhos lá realizados pelo pintor e que chegaram até nós, especialmente em algumas de suas academias desenhadas 385 COSTA, Angyone. Op. cit., p.160. Idem, p.160. 387 “Helios Seelinger na Palavra de Seus Filhos”, Correio filatélico, Rio de Janeiro, n.18, agosto de 1978, p.16. 388 Idem, p.16. 386 VERSÃO NÃO REVISADA 155 [Figura 3.12a e 3.12b]. Se compararmos esses trabalho com aqueles análogos realizados pelos pensionistas brasileiros estabelecidos em Paris na mesma época, parece possível detectar certas diferenças. Em primeiro lugar, o que via de regra era evitado nas academias feitas na França, há o pathos dos modelos desenhados de Seelinger, que, especialmente no caso da Figura 3.12a, remete a algumas figuras do austríaco Gustav Klimt, pintadas alguns anos depois, nas polêmicas decorações para a Universidade de Viena; em seguida, podemos observar uma predominância de contrastes bruscos entre luzes e sombras, ou seja, uma predominância do effet sobre um modelado que procederia por gradações sutis; por fim, as academias “alemãs” de Seelinger, via de regra, possuem uma execução franca, expressa no seu contorno mais anguloso e no seu tratamento sintético. Tais características podem ser igualmente observadas, em um registro mais ambicioso, no já referido Bohemia, com o qual Seelinger ganhou o Prêmio de Viagem em 1903 [Figura 3.8]. Também as academias pintadas por Fiúza Guimarães [Figura 3.13a] e Souza Vianna [Figura 3.13b] em Munique mantêm afinidades com as de Helios acima descritas. Observando os fortes contrastes de valor e uma predileção pelos escuros nelas presentes, nos vem a mente as palavras do citado Joshua Taylor afirmando que “o trabalho dos artistas de Munique refletiam com freqüência as tonalidades sombrias dos mestres”389. Ao descrever a obra do norte-americano Frank Duvenech, que estudou em Munique nos anos 1870, Taylor aponta alguns traços que poderiam igualmente ser aplicados a dos brasileiros: Um pintor de extraordinária facilidade, ele [Duvenech] absorveu o método pictórico associado à Munique e tornou-se um dos maiores expoentes da técnica ousada e desembaraçada tão bem adaptada às telas ricamente empastadas então populares. Inicialmente suas cores, e as dos seus seguidores, eram escuras e betuminosas, sugerindo os trabalhos enegrecidos de Hals e de outros mestres holandeses do século XVII.390 Certamente, não seria o caso aqui de deduzir as diferenças entre a “escola” de Munique e a arte francesa no período da 1a República somente a partir das análises de tais trabalhos - que, cumpre não esquecer, eram exercícios pedagógicos cuja significação é relativamente restrita. Não obstante, elas parecem adiantar alguns pontos no sentido do entendimento daquilo que teria despertado o interesse 389 “The works of Munich artists often reflected the somber tonalities of the masters” (TAYLOR, Joshua C. Op. cit., p.120). 390 “A painter of extraordinary facility, he absorbed the full painterly method associated with Munich and became a major exponent of the bold, facile technique so well adapted to the richly cluttered canvases then popular. Initially his colors, and those of his followers, were dark and betuminous, suggesting the darkned works of Hals and othe seenteenth-century Dutch masters” (Idem, p.120). VERSÃO NÃO REVISADA 156 dos brasileiros pela arte alemã de finais do oitocentos, e que fica à espera de pesquisas mais aprofundadas. . 3.2.2 Roma Na historiografia de arte brasileira, uma atenção insuficiente foi dada às relações entre os artistas oriundos do meio acadêmico brasileiro e a arte italiana: embora esse quadro venha se alterando e trabalhos de qualidade tenham surgido nos últimos anos391, ainda são raras as abordagens mais aprofundadas a respeito de nossos artistas que, na condição de pensionistas ou às suas próprias expensas, procuraram dar continuidade à sua formação na Itália. Se lembrarmos que, nas ultimas décadas do século XIX, nomes posteriormente proeminentes no meio artístico fluminense, como Zeferino da Costa e os irmãos Rodolpho e Henrique Bernardelli, lá permaneceram por praticamente todo o seu período de formação no Velho Mundo, se torna lamentável a existência de tal lacuna relativa à formação “italiana” dos pintores brasileiros na nossa historiografia de arte. No que tange mais especificamente ao nosso estudo, a mais ligeira análise do itinerário dos pintores brasileiros na Europa indica claramente que a Itália, mais especialmente a cidade de Roma, continuou sendo um forte centro de atração para nossos artistas, em especial durante a primeira década e, posteriormente, no final da 1a República. É importante frisar que o fascínio então exercido pela venerada península transcendia a pura e simples veneração do seu célebre passado artístico: ele se encontrava igualmente vinculado a uma contemplação apaixonada da Itália contemporânea - representada em especial nos seus costumes regionais, na paisagem urbana e da campagna, nos seus tipos populares. Tal fascínio se devia também ao profundo interesse dos brasileiros com relação às novas propostas que surgiam no âmbito da arte italiana, tópico que gostaríamos de aqui tratar com mais detalhes. Esse último fator nos chama a atenção para a necessidade de relativizar muitas daquelas idéias que ainda figuram na bibliografia sobre o período, especialmente as que compreendem a arte brasileira exclusivamente em suas 391 Cumpre aqui destacar: COLI, Jorge. Vitor Meirelles e a pintura internacional. Campinas: Unicamp, 1997(Tese de livre docência); SILVA, Maria do Carmo Couto da. A obra Cristo e a mulher adúltera e a formação italiana do escultor Rodolfo Bernardelli. Campinas: Programa de Pós-graduação em História IFCH/UNICAMP, 2005. (Dissertação de mestrado); DAZZI, Camila. As relações Brasil-Itália na arte do último oitocentos: estudo aprofundado sobre Henrique Bernardelli (1880-1890). Campinas: Programa de Pós-graduação em História IFCH/UNICAMP, 2006 (Dissertação de mestrado). VERSÃO NÃO REVISADA 157 vinculações com a França392. Se, em parte, essas idéias são fruto da posição subalterna que a própria arte italiana oito-novecentista até bem pouco tempo ocupou no panorama da história artística européia393, é necessário recordar que, no período aqui analisado, a Itália continuava a ser vista como um país de relevo no panorama artístico ocidental – e isso, vale frisar, não somente em função da sua produção artística pretérita, mas, também daquela contemporânea. Tal fato pode ser comprovado pela extensa lista dos artistas de todas as nacionalidades que ali estudaram e se estabeleceram, e dos quais poderíamos citar o suíço Arnold Böcklin, o alemão Hans Von Marées, os espanhóis Joaquin Sorolla e Mariano Fortuny, os portugueses Silva Porto, Marques de Oliveira e Henrique Pousão, entre diversos outros. Também no Brasil, para vários artistas formados ainda no ambiente da AIBA, a arte italiana era um modelo de inspiração e uma espécie de porta de entrada que possibilitava o acesso às tendências renovadoras da arte que surgiam no panorama europeu. Esse fato é atestado, algo indiretamente, em uma crítica datada de 1890, relativa à obra de Henrique Bernardelli, um pintor cujos vínculos com a Itália se estenderam para além de seus anos de estudo naquele país, sendo verificáveis mesmo durante o seu período como professor na ENBA: A exposição atual [Exposição Geral de 1890] é talvez a mais brilhante que temos tido, e se o público ainda se não definiu a freqüenta-la, é porque anda escabreado das outras, e ainda não tem fé na arte nacional. [...] E se quer que o guiemos, se quer ter logo desde o primeiro dia uma impressão que o obrigará a voltar, ao entrar na galeria nova procure um quadro que fica ao fundo, à direita, a Dicteriade de Henrique Bernardelli; [...] diga-nos se não é aquilo o atestado bem eloqüente do quanto vale a permanência de um artista de talento em um meio verdadeiramente artístico. Aí está a verdadeira arte italiana moderna em toda a sua perfeição, e como a tela é de um artista nosso, ali está o que é preciso para termos arte nacional, se o governo e o público entenderem que vale a pena cultivar a preciosa 392 Paradigmáticos nesse sentido são textos como “Belle Époque no Brasil”, no qual J. R. Teixeira Leite afirma que “seria impossível entender a Belle époque brasileira fora de suas vinculações com a França” (Arte no Brasil, 2 v, Abril Cultural, São Paulo, 1979, p.560), ou, ainda, aqueles que figuram na enciclopédia Nosso Século, uma coleção popular de divulgação da história brasileira do século XX, e onde é possível encontrar afirmações com essa: “A moda nas artes plásticas brasileiras era um transplante tardio dos estilos consagrados pelas exposições internacionais de Paris” (CUNHA, Alexandre Eulálio (org.). Nosso Século. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1985, v.1, p.89). 393 Como bem resume Camila Dazzi, mesmo o renomado Roberto Longhi sustentava que “a arte italiana do 800 era uma arte absolutamente inferior, expressão de uma cultura menor, que ressentia da situação de provincianismo - que era, segundo este, própria da Itália dividida em varias regiões culturalmente diversas, mesmo após sua unificação política”; Lionello Venturi, por sua vez, “mesmo defendendo os macchiaioli, atribuía em sua tese um lugar de maior destaque à arte francesa, sustentando que o Modernismo havia começado com o romantismo francês, na pintura de Delacroix, prosseguindo no Impressionismo, se desenvolvendo através do Pós-impressionismo cèzanniano, vangoghiano etc., e chegando, finalmente, à arte francesa a ele contemporânea” (DAZZI, Camila. Op. cit., p.8). VERSÃO NÃO REVISADA 158 planta, que também enriquece as nações, influindo sobre os costumes, pois nem só de café vive o homem. 394 Dos outros brasileiros que estagiaram na Itália, cujos primórdios da formação remontam aos tempos do Segundo Império mas que tiveram destacada atuação no período republicano, merecem ainda destaque Pedro Weingärtner, Belmiro de Almeida, Antonio Parreiras e Almeida Júnior. O primeiro foi pensionista do Imperador, e, após passar pela Alemanha e França, se estabeleceu, por volta de 1885, em Roma, cidade na qual realizaria boa parte de sua produção nas décadas que se seguiram. Já Belmiro de Lameida chegou a Roma em finais dos anos 1880; uma clara abertura com relação às transformações verificáveis na arte italiana é perceptível em suas obras um pouco posteriores, como Efeitos do sol, de 1892, ou Idílio campestre, de 1893: nelas, a técnica empregada é a do divisionismo, tão em voga na Itália daqueles anos, sobretudo na obra de artistas como Giovani Segantini, Angelo Morbelli e Giuseppe Pellizza da Volpedo. Antonio Parreiras, por sua vez, custeando a sua própria viagem, escolheu em 1889 a Itália como sede de seus estudos, passando em Veneza grande parte de suas estadia além-mar. Por fim, Almeida Junior, estabeleceu-se brevemente na Itália no ano de 1881, quando, vindo de Paris, se demorou em Roma por alguns meses, na companhia dos Bernardelli. Durante a primeira década republicana, a continuidade das relações com a a cidade romana foi mantida especialmente graças à atuação de vários dos artistas acima citados como professores na ENBA: foi esse o caso de Zeferino da Costa, Rodolpho e Henrique Bernardelli, Pedro Weingärtner e Belmiro de Almeida. Além destes, é necessário lembrar de um outro professor que também havia tido um forte vínculo com a cidade, o pintor de origem espanhola Modesto Brocos395. A abertura com relação à cultura figurativa da Itália seria então oficializada através do envio de pensionistas a esse país. Dois destes passaram a maior parte de suas estadias além-mar em Roma: Raphael Frederico, Prêmio de Viagem em 1893, que chegou a capital italiana em meados de 1895, depois de uma curta estadia em Paris, e Bento Barbosa, que tendo ganho o Prêmio de Viagem em 1894 seguiu diretamente para Roma em 1895, como ficou decidido pela Congregação de Professores, designando a cidade como 394 Gazeta de Notícias, março de 1890. Na verdade, Brocos veio ao Brasil a convite de Rodolpho Bernardelli, afim de assumir o cargo de professor de Desenho figurado da ENBA, em 1891. A amizade entre esses dois artistas teve início justamente durante as suas estadia, ainda como estudantes, em Roma, fato que indica que as trajetórias dos pensionistas brasileiros e espanhóis naquela cidade era relativamente análoga. Posteriormente, justamente Brocos viria para o Brasil,. 395 VERSÃO NÃO REVISADA 159 lugar de sua primeira residência396. Frederico e Barbosa lá se tornaram amigos397, freqüentando juntos aulas as mesmas instituições de ensino artístico romanas e o ateliê de Zeferino da Costa, que então também ali se encontrava, preparando as decorações para a Igreja da Candelária398. Algum tempo depois, também Fiúza Guimarães, Prêmio de Viagem em 1895, se estabeleceria em Roma e se juntaria aos demais basileiros. Com relação ao estágio em Roma desses novos pensionistas da ENBA, existe uma diferença relevante quando o comparamos ao dos artistas da antiga AIBA. Pintores como Antonio Francisco Nery, Victor Meirelles ou Zeferino da Costa deram prosseguimento aos seus estudos em instituições oficiais de ensino - a Accademia di San Luca, e, depois de 1873, o Instituto Romano -, pelas quais a passagem era tida então como de fundamental importância. Todavia, já a partir de finais da década de 1870, época em que estagiaram em Roma os Bernardelli, o expediente de freqüentar este antes venerados centros de estudos começou a ser evitado e, com a República, ele praticamente deixa de ser verificado. O principal motivo desse “abandono” parece ser análogo àquele ao qual faremos referência na próxima parte, quando trataremos do afrouxamento da antes estreita relação entre os pensionistas brasileiros e a École des Beaux Arts parisiense: presumivelmente, nossos pensionistas chegavam à Roma já possuidores dos mesmos conhecimentos aos quais teriam tido acesso nas instituições oficiais romanas399. Os pensionistas da ENBA optavam então, via de regra, por freqüentar outros centros de ensino artístico que, se até hoje mereceram pouca atenção dos estudiosos da arte oitocentista, foram, no entanto, bastante importantes em sua época. Dentre estes, vale mencionar a Accademia Chigi, procurada pela sua proximidade com o ateliê de vários pintores e pela existência de classes noturnas onde se realizavam desenhos e academias, sendo famosos os modelos que aí posavam; a Accademia Cauva; a Academia de Bellas Artes Española, em funcionamento a partir de 1881, e por fim o Círculo Artístico Internacional, também chamado Associazione Artistica Internazionale. 396 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6154: Actas das sessões do Conselho Escolar, 10 de dezembro de 1894, 32recto, cf. Anexo III.3. 397 A amizade dos dois artistas pode ser verificada na carta que escrevem em conjunto ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, manifestando contentamento com a notícia da construção da nova Escola (Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 5179). 398 Cf. “Centenário de nascimento do Prof. Rafael Frederico”. In: Arquivos da Escola de Belas Artes. n.XI, pp.59-74, onde figuram relatos descrevendo o contato do pintor com o mestre Zeferino. 399 Ao menos é o que se pode deduzir do comentário de Rodolpho Bernardelli sobre o Instituto Romano, feito em 1877, no qual o escultor brasileiro afirmava não ser possível “tirar proveito dele porque as suas aulas são elementares e se limitam a um curso muito inferior aquele de aperfeiçoamento” (Citado em DAZZI, Camila. Op. cit, p.30). VERSÃO NÃO REVISADA 160 Esse último foi um dos principais locais de intercâmbio dos artistas brasileiros que freqüentaram Roma nas décadas finais do século XIX. Os Bernardelli400, Pedro Weingärtner, Raphael Frederico, Bento Barbosa, Fiúza Guimarães e o escultor Corrêa Lima foram sócios do estabelecimento. O Circulo Artístico Internacional havia surgido em 1870, e um dos seus principais promotores foi o famoso mecenas, Príncipe Baldassarre Odescalchi, que ocupou durante algum tempo o posto de presidente, sucedido por pintores de renome, como Francesco Jacovacci. A instituição contava com várias salas para as suas atividades, bibliotecas e restaurante, e, além disso, organizava exposições anuais na famosa Casina del Pincio, na Piazza del Popolo; era ainda um espaço privilegiado de sociabilização: nele, se organizavam festas e carnavais, em cuja preparação participavam os artistas, decorando o local. Com tantos atrativos, o Circulo Artístico Internacional logo se tornou um ponto agregador de pintores estrangeiros, sobretudo espanhóis e alemães, e dele fizeram parte artistas famosos, como Fortuny, Böcklin, Lenbach, Marstens, e, entre os italianos, Nino Costa, Cabianca, Carlandi, Ettori Ferrari, Joris, Patini, Vertunni e Vannutelli. Não é, portanto, de se admirar que praticamente todos os brasileiros em Roma estivessem filiados a tal instituição e que acabassem sendo influenciados pela produção artística dos sócios de outros países. No Museu Dom João VI, temos alguns testemunhos da produção italiana de Raphael Frederico - como Camponesa italiana [Figura 3.14a] e Retrato de bispo, [Figura 3.14b] -, e de Bento Barbosa - Menino que retira espinho do pé [Figura 3.15a] e Busto de Menino [Figura 3.15b]. Estas obras foram enviadas como estudos obrigatórios de pensionistas401, e, apesar de provavelmente terem sido feitas no mesmo Círculo Artístico , apresentam soluções formais bastante diferentes, o que que indica que o ensino no estabelecimento não impunha nenhuma orientação estética rígida, nenhum direcionamento inflexível. Nas obras de Bento Barbosa percebemos o uso de uma paleta de tons neutros e valores bastante próximos, partido que viria a ser bastante utilizado, como 400 “Henrique Bernardelli se tornou sócio efetivo da Associazione Artistica Internacionale di Roma, em 1 de novembro de 1879; Rodolpho Bernardelli recebeu o diploma de sócio efetivo em 1877. Sabemos que Henrique não só expôs nas mostras que ocorriam na Casina Del Pincio, como parece ter desempenhado funções deliberativas na associação. Na Coleção Rodolpho Bernardelli do MNBA, existe um croqui executado sobre convocação impressa da Associazione dirigida ao 'Sig. Bernardelli Enrico Vle. S. Mla. da Tolentino, 13”datada de 14 de abril de 1886. “Egregio Signore,/ La S. V. È pregata di voler intervenire all`assembela generale dei Soci che avrà luogo, in seconda convocazione, la sera di sabato, 17 corrente, alle 8 ½.'” (DAZZI, Camila. Idem, p.31, nota 68). 401 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 5177: Carta do ministro encarregado da Legação do Brasil em Roma, Régis de Oliveira, ao diretor da Escola, comunicando as despesas com a expedição, de quadros de Rafael Frederico, Bento Barbosa Júnior e Pedro Weingärtner, 07 de outubro de 1896. VERSÃO NÃO REVISADA 161 veremos, nas pinturas de destinação decorativa da 1a República, como veremos no capítulo posterior. Já as obras de Raphael Frederico apresentam um uso franco da fatura e o emprego de uma paleta cromática um tanto mais diferenciada. Camila Dazzi viu, no contraste entre a obra desses dois pensionistas, o reflexo de uma cisão que se verificava na pintura italiana de finais do oitocentos: enquanto as pinturas de Barbosa estariam mais ligadas às correntes simbolistas, as de Frederico, por sua vez, se filiariam ao realismo, que então “estava longe de ser uma tradição gasta e 'poeirenta'”: em Camponesa italiana e Retrato de Bispo se percebe, segundo Dazzi, um evidente interesse “em retratar o caráter psicológico ou a origem social das figuras retratadas [...] vinculada à estética do realismo social”402. Ainda que assim seja, Raphael Frederico não deixou de se interessar igualmente pelo “simbolismo”. Seu quadro A tentação de Santo Antão, pertencente ao MNBA [Figura 3.16], lembra em alguns aspectos e apesar do seu maior despojamento, quadros de Aristide Sartorio e mesmo as cenas povoadas de figuras fantásticas de autoria de Böcklin, austríaco que atuou em grande parte de sua carreira na Itália. É importante lembrar que a obra de Böcklin, em conjunto com a de outros artistas de língua alemã, influiu decididamente em uma gradual mudança de gosto artístico verificável nos ambientes romano e napolitano de finais do oitocentos, marcada pela substituição do verismo por uma interpretação mítico-emotiva da realidade. Diferente da relação com a arte alemã, que parece ter ao menos oficialmente se restringido ao período dos anos 1890, o interesse dos artistas oriundos da ENBA po Roma, e pela arte italiana de uma modo mais geral, prosseguiu durante as primeiras décadas do século XX. Após um período de relativa hegemonia de Paris França, a ascendência da Itália sobre os pensionistas da ENBA voltou a se intensificar por volta de finais dos anos 1910 - na verdade, então, o interesse pela arte italiana parece ter se expandido para outros Estados brasileiros, uma vez que também alguns representantes do Modernismo paulista estagiaram na península. Uma estreita relação com a cultura figurativa italiana é perceptível, por exemplo, no estilo em maturação de um pintor como Pedro Bruno, Prêmio de Viagem na Exposição Geral de 1919. Bruno passou toda a sua estadia em Roma, freqüentando a British Academy of Arts local, estabelecimento onde, inclusive, atuou como professor de desenho. O artista, na entrevista dada à Angyone Costa, deixou entrever a sua “queda” pela Itália, ao destacar o nome de pintores tardo402 DAZZI, Camila. Op. cit, p.33. VERSÃO NÃO REVISADA 162 oitocentistas como A. Spadini, Carena, Alciati, Gaudenzi, Ettore Tito, G. A. Sartorio, “poderosos mestres que muito podem ensinar”, e lamentar: Todos esses grandes nomes offerecem contribuição muito perfeita de observações á nossa arte incipiente e, entretanto, são mais ou menos desconhecidos, porque os nossos pintores dedicam-se quase exclusivamente aos mestres francezes, que andamos a beber desde os passos incipientes da infancia.403 Poucos anos antes, Mário Navarro da Costa, um pintor que, apesar de sua relativa independência, não deixou de estabelecer relações estreitas com a ENBA, absorveu em Nápoles a influência de Attilio Pratella, a qual reafirmaria a sua predileção pelo gênero da marinha, bem como pelo uso de saturações cromáticas intensas e pela explicitação da fatura pictórica, às quais voltaremos a nos referir na parte 4.3. Também Paula Fonseca, Prêmio de Viagem na Exposição Geral de Belas Artes de 1923, exaltou o valor do meio artístico italiano naquele mesmo sentido que destacamos logo no começo dessa parte, ou seja, não só enquanto depositório de uma arte antiga reverenciada, mas também como local privilegiado para se travar conhecimento com as mais modernas manifestações pictóricas: E não é só a Franca que, no ponto de vista artistico, merece de ser conhecida. A Itália é a verdadeira mãe das artes e não é noutra parte que o francez cauteloso vai refazer, constantemente, o seu farnel, quando sente que as emoções se relaxam e o seu gênio, cansado, começa a se repetir. Veneza, por exemplo, só ella vale por um premio de viagem. A sua Exposição Internacional de Arte Moderna, é um estimulo que está a incentivar todas as naturezas apaixonadas, immensa galeria de valores onde se confrontam todos os povos, todas as raças, todas as idades. [...] Mas não é só Veneza que apresenta emoções de arte ao visitante: Toda a Itália é um immenso museu onde muito ha de estudar.404 No período final da 1ª República, podemos notar um incremento ainda maior no interesse dos brasileiros pela arte Italiana. Tadeu Chiarelli foi um dos primeiros a chamar a atenção para esse fato, em especial no que tange à relação entre os artistas atuantes em São Paulo e o chamado Novecento405, um movimento com vertentes diversificadas, surgido em torno da intelectual italiana Margherita Sarfatti. O Novecento é normalmente relacionado àquele fenômeno artístico mais amplo conhecido por Retorno à ordem, de grande importância na cena européia entre 403 Citado em COSTA, Angyone. Op. cit., p.108. Citado em COSTA, Angyone. Op. cit., p.181-182. 405 Ver CHIARELLI, Domingos Tadeu. “O Novecento e a arte brasileira”. In: Arte Internacional Brasileira. São Paulo: Editorial Lemos, 1999, pp.60-85. 404 VERSÃO NÃO REVISADA 163 meados da década de 1910 e a eclosão da Segunda Guerra Mundial: depois da explosão do cubismo, do futurismo e da Pittura metafisica, abre caminho uma corrente que recoloca no centro de suas preocupações as questões da tradição e da história, do classicismo e da fidelidade figurativa, da narrativa e da celebração áulica. Embora os reflexos dessa relação com o Novecento nas obras dos artistas oriundos da Academia fluminense sejam datados já de inícios do Estado Novo, gostaríamos de indicá-los aqui, ainda que resumidamente. A obra de Quirino Campofiorito é uma das que apresenta os mais diversificados exemplos de aproximação com a arte italiana de entre-guerras. O pintor, após uma breve estadia em Paris, estabeleceu-se em Roma, por volta de 1932; desse mesmo ano é, po exemplo, uma de suas naturezas mortas [Figura 3.17a], que apresenta uma grande semelhança de concepção com aquelas que um artista como Ottone Rosai fazia, já na passagem para os anos 1920 [Figura 3.17b]. Ainda da época da estadia de Campofiorito na Itália, o Museu Dom João VI possui alguns de seus envios de pensionista, um conjunto relativamente numeroso de academias desenhadas, duas das quais reproduzimos nas Figuras 3.18a e 18b. As técnicas utilizadas pelo artista nesses desenhos, predominantemente o nanquim e a sangüinea, bem como o seu tratamento formal, demonstram uma orientação bastante peculiar no contexto dos pensionistas da ENBA. O aspecto sintético dessas academias deixa transparecer uma certa urgência de execução, mas é o seu caráter monumental que chama mais atenção: elas parecem tem profundas afinidades com aquelas figuras heróicas e classicizantes que povoariam, logo depois, a arte oficial dos países europeus dominados por regimes totaltários, como o fascismo na Itália, o comunismo na Rússia ou o nacional-socialismo na Alemanha [Figura 3.18c]. Não podemos esquecer que também o Brasil logo se veria sob a tutela de orientação política que não deixava de ter relações com essa situação internacional mais ampla - e, nesse sentido, as soluções encontradas por Campofiorito nas suas academias italianas de início dos anos 1930 pareciam já bastante afinizadas com a ideologia do Estado Novo. Alguns estudos para painéis que o artista realizou um pouco depois lançam mão de recursos formais análogos, como um estruturação geométrica em blocos que subjaz à toda composição e que confere às figuras o seu caráter monumentalizante [Figura 3.19a]. Aqui, porém, o trabalho de Campofiorito parece evidenciar ainda uma outra filiação, uma aproximação com a obra daqueles artistas italianos ligados à chamada Scuola romana como Corrado Cagli, Emanuele Cavalli e Giuseppe Capogrossi [Figura 3.19b]. Se os trabalhos desses pintores, que tiveram considerável VERSÃO NÃO REVISADA 164 repercussão fora da Itália406, possuem um clima mais misterioso e certamente menos retórico do que o estudo de Campofiorito que aqui citamos, as semelhanças formais apontam para a existência de uma relação subjacente. Além disso, o brasileiro não parece, de forma alguma, ter ficado insensível às correntes mais líricas da arte italiana das décadas de 1910 e 1920: diversos de seus quadros mais tardios apresentam, por vezes, citações que remetem diretamente ao clima metafísico das obras de um De Chirico ou de um Carrá. A obra de Candido Portinari, por sua vez, também se ressente de uma dívida com a arte italiana. Sua viagem a esse país, percorrendo cidades como Milão, Veneza, Florença e Roma, foi feita logo após o seu casamento, em 1930, e parece mesmo estar vinculada à resolução de uma certa crise que o artista então vivia407. Portinari, ao que parece, não deixou de se impregnar com a visualidade de novecentistas como Carlo Sironi e seus já referidos painéis para o prédio do MEC no Rio de Janeiro antecipam traços que apontamos acima, com relação às obras de Campofiorito. Paralelamente ao seu contato com os novecentistas - e provavelmente em certa medida por meio deles -, Portinari passaria a se interessar igualmemente pela arte dos chamados primitivos italianos, o que repercutiria em algumas de suas obras posteriores. Isso fica bem demonstrado se compararmos, por exemplo, o seu tríptico intitulado Floresta [Figura 3.20a] com uma famosa obra do mestre quatrocentista Pisanello, chamada A visão de Santo Eustáquio [Figura 3.20b]. 3.2.3 Paris Finalizando o presente capítulo, gostaríamos de nos deter um pouco mais detalhadamente na trajetória dos pensionistas da ENBA em Paris, bem como a sua relação com alguns aspectos da cultura figurativa francesa de então com os quais os brasileiros parecem ter entrado diretamente em contato. Uma primeira observação a fazer a respeito da continuidade dos estudos dos pensionistas da ENBA na França retoma algo que já havíamos adiantado ao falar do caso italiano: assim como em Roma, a relação de nossos pensionistas com as instituições oficiais de ensino artístico parisiense conheceu, com o correr da 1ª 406 Recentemente, Fabio Benzi chegou a postular uma filiação direta do estilo de maturidade do celébre pintor francês Balthus às obras dos integrantes da Scola romana que foram expostas em Paris em 1933, na Galeria Jacques Bonjean; cf. BENZI, Fabio. “Incantate geometrie”. In: Art dossier. Firenze: Gruppo Editoriale Giunti, dezembro de 2001, n. 173, pp.8-12. 407 Antonio Bento descreve tal situação em seu livro sobre Portinari; cf. BENTO, Antonio. Portinari. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial Ltda.,1980, pp.42sg. VERSÃO NÃO REVISADA 165 República, um significativo afrouxamento. Como é notório, durante a maior parte do período imperial, o pensionista brasileiro mandado à Cidade-Luz, além de freqüentar o ateliê de um mestre membro do Institut de France e professor da École nationale supérieure des Beaux-Arts, deveria “concorrer aos lugares da aula de modelo vivo na Escola de Belas Artes se for pintor, escultor ou gravador, logo que se abrir a primeira inscrição depois de sua chegada”408, sendo que a não-admissão na École poderia implicar na perda de sua pensão - nesse sentido, merece ser aqui lembrado o caso de Rodolpho Amoêdo, sobre o qual pesou o regulamento “escorchante” da Academia, ainda na década de 1880, e que foi narrado pelo próprio pintor no final de sua vida409. Desde o início da República, porém, exigências formalizadas de freqüência à École des Beaux-Arts ou a qualquer outra instituição oficial simplesmente deixaram de constar nas instruções aos alunos ganhadores do Prêmio de Viagem. Os poucos artistas oriundos da ENBA que realmente ingressaram na École, como Elisêo Visconti, ali parecem ter permanecido por muito pouco tempo, e a grande maioria de nossos pensionistas, até onde pudemos apurar, sequer chegou a prestar os exames de admissão da instituição parisiense, os seus rigorosos concours de places410. A exigência de freqüentar a École só voltou a ser feita, algo incidentalmente, quando Alfredo Galvão ganhou o Prêmio de Viagem da ENBA, em 1927411, sem que esse detalhe, no nosso entender, seja significativo o bastante para alterar uma tendência à liberalização no que tange ao controle institucional sobre os pensionistas. 408 Instruções para a execução do Título IX dos Estatutos da Academia de Belas Artes, que trata dos pensionistas do estado..., 31 de outubro de 1855, documento transcrito por Alfredo Galvão e pertencente a Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. 409 GOMES, Tapajós. “Rodolpho Amoêdo, mestre do nosso museu”. In: Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 23 de julho de 1939. 410 “O concurso de admissão da École des Beaux-Arts, a partir do decreto de 1884, determinava o mesmo procedimento para franceses e estrangeiros. As provas de ingresso realizavam-se duas vezes ao ano, nos meses de março e agosto, e consistiam nas seguintes etapas: para os pintores, um desenho a partir do natural em uma das sessões e a partir de um gesso em outra, a serem executados em doze horas (exame considerado eliminatório); depois um desenho de anatomia (osteologia) executável nas loges em duas horas; um exame de perspectiva a ser feito nas galerias em quatro horas; um objeto em relevo com indicações de linhas em perspectiva; um fragmento de figura modelada a partir de um gesso, a ser feito em nove horas; um exercício de arquitetura elementar, feito ao longo de seis horas nas galerias; um exame, escrito ou oral, sobre as noções gerais de história. Para os escultores mantinham-se as mesmas etapas, porém não haveria prova de perspectiva, a figura deveria ser modelada d’après nature em condições similares às dos pintores” (SIMIONI, Ana P. C. “A viagem a Paris de artistas brasileiros no final do século XIX”. In: Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1, p. 345; texto disponível no site http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702005000100015). 411 A comissão julgadora aprovou então “um additivo proposto pelo prof. Amoêdo para que se exigisse mais do pensionista a matricula na Escola de Bellas Artes de Paris” (Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6158: Acta da sessão da Congregação da Escola Nacional de Bellas Artes, effectuada em 7 de novembro de 1927,p.124 recto; cf. Anexo III.11. VERSÃO NÃO REVISADA 166 Novamente, caberia aqui lembrar das melhorias verificadas na formação artística dispensada pela ENBA, que, já no começo da República, apontam para uma alteração no quadro de relativa dependência desta com respeito à sua congênere parisiense. Em 1893, por exemplo, Elysêo Visconti, então recémchegado do Brasil, se classificou em sétimo lugar no concours de places da École des Beaux-Arts, e, alguns anos mais tarde, Georgina de Albuquerque conseguiu feito semelhante, obtendo, segundo ela própria, o quarto lugar entre seiscentos candidatos no concorrido concurso de admissão de 1907412. Tais resultados dão testemunho não só do talento excepcional desses artistas, mas também da qualidade da formação que receberam ainda aqui - fato que, por vezes, foi frisado por eles próprios413. Desobrigados de seguir um curso oficial, a maioria de nossos pensionistas, como acima já adiantamos, optaram por freqüentar os chamados ateliês livres, que constituem, sem dúvida, o mais importante capítulo da formação artística dos brasileiros na Europa durante a 1ª República. Em Paris, além dos ateliês particulares mantidos por pintores como Carolus-Duran e Edouard Krug, funcionavam instituições como a Académie Colarossi414, a Académie de la Grande Chaumière e a Academia Julian (Académie Julian), certamente a mais famosa de todas e que analisaremos com mais detalhes a seguir. 3.2.3.1 A academia Julian Breves referências à Academia Julian são abundantes na história da arte européia de fins do século XIX e início do XX. Fundada em 1868 pelo pintor, professor e empreendedor artístico Rodolphe Julian, a instituição foi freqüentada por uma miríade de artistas e uma lista completa destes comporia um painel singularmente amplo da agitação cultural do período. Em tal painel, não faltariam, inclusive, figuras de primeira grandeza da arte moderna, como Maurice Denis, os nabis Paul Sérusier, Édouard Vuiillard e Pierre Bonnard, os fauves Henri Matisse e André Derain, e mesmo alguns artistas como Marcel Duchamp e Jean Dubuffet, 412 ALBUQUERQUE, Georgina. Auto-Biografia. Documento datilografado pela artista, 18 de janeiro de 1958, p.1 (Pasta A 42/15, Biblioteca do Museu Nacional de Belas Artes/RJ). 413 Ao ser indagado por um jornalista a respeito do que ele havia aprendido na Europa, Visconti respondeu: “Nada. Na Europa eu apenas trabalhei. A minha arte aprendi-a realmente aqui como aluno do Liceu e da Escola. Daqui levei a base que, quando muito, poderiam ter sido aperfeiçoadas lá. E isto eu não me canso de proclamar sempre que se me oferece a oportunidade” (Citado em CAVALCANTI, Ana M. T. Op. cit , p.101). 414 A Académie Colarossi foi uma instituição fundada pelo escultor italiano Filippo Colarossi e contava entre seus professores com artistas consagrados como Paul-Émile Colin, Courtois e P. A. DagnanBouveret; foi freqüentada por brasileiros como Augusto José Marques Júnior, na década de 1910. VERSÃO NÃO REVISADA 167 que, a princípio, poderíamos julgar completamente avessos à rotina didática usual naquele ambiente artístico, a qual discutiremos mais à frente. Simultaneamente, a Academia Julian foi um centro de atração para os artistas deste lado do Atlântico, que, desde finais dos oitocentos, procuraram os ensinamentos dos renomados mestres que lá lecionavam. Não por acaso, nas últimas duas décadas, enquanto a sua história continuava praticamente nãoabordada no Velho Mundo, os estudos a respeito da Julian que começaram a surgir foram conduzidos, na sua maior parte, por historiadores de arte norte-americanos, que seguiram a trilha aberta ainda nos anos 1980 pelos textos pioneiros de Catherine Fehrer, filha de um ex-aluno da instituição415. Outros autores famosos, como Gabriel Weisberg e Tamar Garb, também abordaram a instituição, atraídos especialmente pelo seu papel pioneiro na formação artística das mulheres416. Para os estudiosos da pintura brasileira, a Academia Julian se reveste de uma importância toda especial, uma vez que ela foi, sem dúvida, o mais importante ponto de confluência de nossos artistas na Europa durante o período da 1a República. Historiadores como Jorge Coli417, Caleb Farias Alves418 e Jóse Luiz Nunes419 já haviam frisado a importância da instituição, e, mais recentemente, a pesquisadora Ana Paula Cavalcanti Simioni dedicou-lhe boa parte de um artigo, no qual divulgou alguns dados obtidos diretamente das fontes primárias francesas420. Aqui, nossa intenção é, muito simplesmente, tentar compreender um pouco melhor essa relação entre os pensionistas brasileiros em Paris e as orientações pedagógicas que então vigoravam na Academia Julian, através da compilação do material fornecido pelos estudos citados e pela posteriro comparação entre as obras produzidas pelos artistas brasileiros, de um lado, e pelos seus mestres franceses, de outro. O fundador da Academia Julian, Rodolphe Julian, nasceu na pequena cidade de La Palud, em Vancluse. Com o objetivo de se tornar um artista, ele se 415 Os textos fundamentais de Catherine Fehrer a esse respeito são: “New Light on the Académie Julian and its founder (Rodolphe Julian)”. In: Gazette des Beaux-Arts, maio/junho, 1984; The Julian academy, Paris 1868-1939. Nova Iorque: Shepherd Gallery, 1989 (Catálogo de exposição seguido de listas alfabéticas dos professores e alunos); e “Women at the Académie Julian in Paris”. In: The Burlington Magazine, Londres, cxxxvi (1100), novembro, 1994. 416 Nesse sentido, ver os textos reunidos no catálogo da exposição organizada no Dahesh Museum por Gabriel Weisberg e Jane Becker, Overcoming all obstacles: the women of the Académie Julian. Nova York/Londres, The Dahesh Museum / Rutgers University Press, 2000. 417 COLI, Jorge. Op. cit. 418 ALVES, Caleb Faria. Benedito Calixto e a construção do imaginário republicano. Bauru: Edusc, 2003. 419 NUNES, José Luiz. Eliseu d'Angelo Visconti: Sua formação artística no Brasil e na França. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais EBA/UFRJ, 2003, parte 3.3, pp.66sg. (Dissertação de Mestrado). 420 SIMIONI, Ana P. C. Op. cit. VERSÃO NÃO REVISADA 168 mudou ainda jovem para Paris, onde estudou com mestres como Alexandre Cabanel e Léon Cogniet, e expôs com freqüência nos Salons locais, até finais dos anos 1870. Homem de poucos recursos, as próprias dificuldades que Julian enfrentou no início de sua carreira - ele nunca conseguiu ingressar na École des Beaux-Arts, por exemplo - parecem tê-lo sensibilizado para os problemas dos então estudantes de arte. Foi com a intenção inicial de preparar estes últimos para os competitivos exames de admissão da École que Julian estabeleceu o primeiro de seus ateliês na Passage des Panoramas, espaço que tinha a particularidade de, desde o começo da década de 1870, aceitar a inscrição de mulheres. A partir de então, seu empreendimento só fez crescer: por volta de 1890, ele contava com não menos do que cinco estúdios para homens e quatro para mulheres, espalhados em locais estratégicos de Paris. Uma parte da celebridade que a Academia Julian rapidamente adquiriu se deveu ao fato dela ter funcionado como um pólo de atração para diversos grupos pouco favorecidos na cena artística parisiense da virada do século XIX para o XX. Nesse sentido, além da procurada por amadores e estrangeiros de todas as latitudes, cumpre destacar, como acima referimos, que a Academia Julian teve uma atuação pioneira no que diz respeito à formação artística das mulheres, uma vez que foi virtualmente a primeira instituição a aceitá-las em seus ateliês. Estes últimos constituíram, por um bom tempo, a melhor alternativa das artistas, uma vez que o ingresso na École des Beaux-Arts lhes foi vedado até 1897. Na Julian, as mulheres tinham a oportunidade de pintar a partir do modelo vivo, fato significativo não só como prova de uma liberalidade então ainda pouco usual, mas principalmente por democratizar, em termos de gênero, o acesso à uma prática indispensável para quem quisesse se tornar celebrado nos meios oficiais de então, nos quais as pinturas históricas, invariavelmente centradas na figura humana, eram ainda as mais apreciadas. Isso nos leva à questão da orientação pedagógica vigente na Academia Julian. Apesar de possuir uma postura mais liberal que a École des Beaux-Arts, a forma de instrução dispensada em seus ateliês era, em seus aspectos principais, similar à da instituição oficial - em seus primórdios, convém não esquecer, a Academia Julian fora pensada como uma preparação para a École. Nesse sentido, e graças a uma poderosa rede de relações, Julian engajou diversos mestres oficiais então muito renomados, como Adolphe-William Bouguereau, Gustave Boulanger, Jean-Paul Laurens, Jules-Joseph Lefebvre, Tony Robert-Fleury, entre outros mais. O ensino desses mestres frisava, como seria de se esperar, o desenho - primeiro a VERSÃO NÃO REVISADA 169 partir de gravuras e moldagens de gesso e, em estágios mais avançados, diretamente a partir do modelo vivo; duas vezes por semana, eles visitavam as classes, promovendo as suas famosas seções de correção (séances de correction). Por essa dupla via, graças à qualidade de seus professores e à similitude com o ensino ministrado na École, a Academia Julian adquiriu rapidamente respeitabilidade: seus alunos podiam se apresentar ao cobiçado Prix de Rome, ao mesmo tempo em que utilizavam a instituição como um trampolim para expor nos Salons ou, mais tarde, para lançar suas carreiras artísticas independentes. Porém, o ensino na Academia Julian não se restringia ao estrito treinamento acadêmico, procurando promover igualmente a improvisação e a liberdade artística de seus alunos. “Já que não punham em vigor um sistema muito constrangedor”, observou Gabriel Weisberg, “Julian e os outros instrutores permitiam que os estudantes desenvolvessem seus estilos pessoais dentro de uma atmosfera zelosa, mas ainda assim profissional”421. Nos ateliês de Julian “toda aluna, fosse francesa ou irlandesa ou de outra nacionalidade, era confrontada com o mesmo modelo e tentava dominar poses e expressões de acordo com seu talento inato”422, apontamento feito a respeito dos ateliês femininos, mas que poderia ser estendido, sem dúvida, também aos dos homens. Uma marca do treinamento dispensado na Julian era justamente a habilidade de trabalhar em registros estilísticos diferenciados, que freqüentemente rompiam com os limites de uma resposta meramente “realística” aos modelos, como bem demonstra a prática da caricatura, usual entre os alunos e alunas da instituição. Além disso, as tendências estéticas independentes que alardeavam seus novos preceitos para além dos muros da Julian também ali encontravam eco. “Por volta de 1887”, como lembra Catherine Fehrer, “a Académie era descrita como modernista, mesmo impressionista em sua inclinação”423. A febre do japonismo, que invadiu a cena artística francesa de finais dos oitocentos e que deixou marcas bem visíveis na obra de pintores como Monet, Whistler ou Van Gogh, não deixou de se refletir nos trabalhos dos alunos da Academia Julian, especialmente nos retratos, como o da artista de origem polonesa Anna Bilinska-Bohdanowicz reproduzido na 421 “Since they did not enforce an overbearing system, Julian and the others instructors could allow students to evolve their personal styles with a nurturing yet professional atmosphere” (WEISBERG, Gabriel. “The women of the Académie Julian: The power of professional emulation”. In: WEISBERG, G.; BECKER, J. (edit.). Overcoming all obstacles: the women of the Académie Julian. Nova York/Londres, The Dahesh Museum / Rutgers University Press, 2000, pp.20-21). 422 “In Julian’s atelier, everyone, whether French or Irish or another nationality, worked from the same model and tried to master poses and expressions in accordance with her own innate talent” (WEISBERG, Gabriel. idem, pp.22-23). 423 “By 1887, the Académie was described as modernist, even impressionist in its bend” (FEHRER, C. “Women at the Académie Julian in Paris”..., p.757); Fehrer cita, nesse sentido, o artigo “Les Ateliers d’Amateurs”, publicado no Figaro de 10 de janeiro de 1887. VERSÃO NÃO REVISADA 170 Figura 3.21 – alguns anos depois, ecos desse mesmo japonismo seriam perceptíveis na obra de brasileiros como Carlos Oswald, Henrique Cavalleiro, Guttmann Bicho entre outros. Também as tendências decorativas, muito difundidas no final do século XIX no ambiente parisiense se refletiam na Julian, como veremos mais atentamente na parte 4.4. Nessa tolerância com relação às tendências artísticas independentes, ao que parece, residia o principal fator de atração da instituição sobre artistas como Bonnard, Matisse ou Derain, que citamos na abertura dessa parte e que, posteriormente, se tornariam estreitamente identificados com as vanguardas modernistas francesas. A Academia Julian foi assim, desde as décadas finais do século XIX, um palco privilegiado de intermediação entre tradição e inovação, fatores de uma equação estética que, até bem pouco tempo, muitos historiadores da arte teimaram em ver como exclusivos. E foi nesse mesmo palco que nossos artistas absorveram elementos que viriam a conferir um vigor todo especial à pintura brasileira da 1ª República. 3.2.3.2 Pensionistas Brasileiros na Academia Julian Durante as quatro décadas da 1ª República, diversos artistas brasileiros freqüentaram os ateliês da Academia Julian. Em um artigo acima referido, a pesquisadora Ana P. C. Simioni apresentou uma lista sem precedentes em nossa historiografia de arte424, elaborada após uma consulta direta aos documentos encontrados nos Archives Nationales franceses425 e aos arquivos particulares de M. Andre Del Debbio, que preservou a tradição do desenho de modelo vivo no ateliê da Rue de Berri que outrora pertencera a Julian. Ainda que essa lista seja provisória, sem se estender até os anos 1920, ela é de grande valor para os estudiosos brasileiros. Abaixo, apresentamos duas tabelas nas quais constam apenas os pensionistas oficiais da ENBA citados na relação de Simioni, juntamente com o ano em que obtiveram o Prêmio de Viagem - como alunos regularmente inscritos ou como expositores nas Exposições Gerais de Belas Artes -, os anos de passagem pela Julian, como pensionistas, e os seus mestres nessa instituição: 424 SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Op. cit., pp.362-363. Inventário: Archives de l'Académie Julian, 63AS 1 a 8, período compreendido entre 1890-1928. Repertório numérico datilografado por Françoise Hildesheimer, 5 p.; ver referência no site http://www.culture.gouv.fr/documentation/arcade/ImpressionEtude.htm 425 VERSÃO NÃO REVISADA 171 PENSIONISTAS – ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES ARTISTAS ANO DE PREMIAÇÃO PASSAGEM PELA JULIAN PROFESSORES Elysêo Visconti426 1892. 1893-1897 J.-P. Laurens; M. Baschet/F. Schommer Theodoro Braga 1899. 1900-1905 J.-P. Laurens/B. Constant; Henry Royer Lucilio de Albuquerque 1906. 1906-1910. Henry Royer/J.-P. Laurens Augusto Bracet 1911. 1912-1913 Atêlies Reunidos/M. Baschet/P. Gervais 1918. 1919 - 1930. 1930 Eugène Pougheon Henrique Cavalleiro 427 Quirino Campofiorito Tabela 3.1 PENSIONISTAS – PRÊMIO DA EXPOSIÇÃO GERAL DE BELAS ARTES ARTISTAS ANO DE PREMIAÇÃO PASSAGEM PELA JULIAN PROFESSORES João Baptista da Costa428 1894. 1896-1897 J. Lefèbvre/T. R. Fleury João A. de Madedo 1900. 1901 J.-P. Laurens Helios Seelinger 1902. 1904 J.-P. Laurens 1905. 1906 Henry Royer/J.-P. Laurens 1918. 1921 Atêlies Reunidos/Marcel Baschet Rodolpho Chambelland 429 Modestino Kanto Tabela 3.2 Cumpre lembrar que vários outros artistas que tiveram importante atuação na cena fluminense durante o período da 1ª República freqüentaram, às suas próprias expensas e nesse mesmo período, a Academia Julian: poderíamos citar, nesse sentido, nomes como os de Henrique Bernardelli, Belmiro de Almeida ou Eduardo de Sá. Sabemos também que artistas como a escultora Julieta de França (Prêmio de Viagem como aluna da ENBA em 1900) ou Georgina de Albuquerque freqüentaram os estúdios de Julian, mas, infelizmente, parecem não ter sobrevivido registros a seu respeito, uma vez que os arquivos relativos aos ateliês femininos não foram preservados. Dessa enumeração não-exaustiva podemos, perceber como a freqüência à Julian era uma prática quase obrigatória entre nossos pensionistas na França. Vários fatores contribuíram para isso, e, a seguir, gostaríamos de relembrar os principais. 426 Elisêo Visconti freqüentou a Academia Julian em duas outras oportunidades, em 1904 e 1916, períodos em que se encontrava em Paris, não como pensionista, mas sim realizando as decorações para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro. 427 Cf. Quirino Campofiorito - Retrospectiva. Rio de Janeiro/Niterói: MNBA/Museu Antonio Parreiras, p.22 (Catálogo de exposição). 428 Com relação à Baptista da Costa, a lista original fornecida por Simioni parece trazer um erro, ao indicar a sua matrícula na Julian em 1890, quando, na verdade, o artista, Prêmio de Viagem na Exposição Geral de 1894, só teria se dirigido para a Europa em 1896. 429 De todos os artistas listados, o único não-pintor foi Modestino Kanto, escultor, que, segundo ele próprio, freqüentou a Julian por poucos meses, estudando estatuária com “Landwsky, pae, e Bouchard” (Citado em COSTA, Angyone. Op. cit., p.234). VERSÃO NÃO REVISADA 172 Em primeiro lugar, havia o caráter liberal da admissão nos ateliês da Academia Julian: por intermédio do pagamento de uma quantia considerada módica, os brasileiros podiam “exercitar-se” no desenho de modelo vivo, hábito ainda considerado fundamental pela maior parte dos artistas da época. É certo que tal rotina não diferia muito daquela vigente na ENBA e, com o tempo, alguns de nossos pensionistas passaram a julgar um tanto redundante a freqüência à Academia Julian. Para aqueles que haviam obtido o prêmio como alunos da ENBA havia, porém, a necessidade de executar aqueles trabalhos que vigoravam como obrigações de pensionista e aos quais nos referimos no início da parte 3.2. Georgina de Albuquerque forneceu um testemunho indireto dessa situação, ao se referir à passagem do seu marido Lucílio pelo ateliê Julian situado na Rue de Dragon, frisando que a permanência dele ali teria sido “a estrita necessária para executar as cabeças e academias de obrigações de envios de pensionista”430. Henrique Cavalleiro, em sua entrevista dada a Angyone Costa em fins dos anos 1920, expôs de maneira ainda mais clara esse interesse pragmático com relação à Julian: Embarcando para Paris, fiz o sacrifício imposto pelas minhas condições de pensionato de matricular-me na Academie Julien [sic], onde apenas estudei seis mezes. Não tive mais paciência para supportar aquella severa disciplina, a que nove annos de Escola me acostumara, passivamente.431 Um outro atrativo mais substancial para os brasileiros com relação à Academia Julian dizia respeito às possibilidades ali oferecidas de se projetar no meio artístico parisiense. Como já fizemos referência, o trabalho desenvolvido por Julian e seus professores contratados não se limitava às lições de ateliê, mas envolvia também o lançamento das carreiras independentes de seus discípulos. Inclusive, à medida que o ingresso em instituições oficiais como a École des BeauxArts deixava de ser um expediente obrigatório para a afirmação profissional na dinâmica cena das artes parisiesnse, Julian incrementava ainda mais os esforços nessa direção. Com um objetivo análogo, vigorava nos ateliês da Julian um acirrado sistema de emulação, com concursos envolvendo tanto homens como mulheres432, 430 ALBUQUERQUE, Georgina de. Lucilio de Albuquerque e a fase impressionista de sua pintura. Texto datilografado da conferência pronunciada pela artista na Pinacoteca de São Paulo, em 11 de outubro de 1951, p.2 (Acervo da Pinacoteca de São Paulo, pasta Georgina de Albuquerque). 431 Citado em COSTA, Angyone. Op. cit., p.127. 432 Lucílio de Albuquerque foi um dos brasileiros premiados nesses concursos da Julian, como demonstram as seguinte nota,s reproduzidos no catálogo de sua exposição póstuma realizada em 1942: “Lucilio de Albuquerque obtient le prix (dessin) pour um homme bien equilibré, appuyé sur as lance, l’autre poing fermé” (L’Academie Julian, Paris, n.º 5, março de 1908); “Concours de Dessins: Je tiens a nommer Lucilio de Albuquerque, eleve de J. P. Laurens et H. Royer dont l’effet d’ombres etait amusant et seducteur” (L’Academie Julian, Paris, novembro de 1909), citado em Lucilio de VERSÃO NÃO REVISADA 173 que preparava os estudantes para os desafios que iriam enfrentar no futuro, tanto ao exibir seus trabalhos nos Salons quanto na mais ampla competição do mundo profissional da época. Com relação ao penúltimo tópico, Julian implementou, desde os primórdios de seu empreendimento, uma eficaz política de favorecimentos dos alunos que freqüentavam seus ateliês. Estes participavam dos dois grandes Salons que monopolizavam as atenções no período aqui tratado (o da Société des Artistes Français e o da Société Nationale des Beaux-Arts433), não só devido à qualidade intrínseca de seus trabalhos, mas graças também à influência direta de seus mestres na Academia Julian: como membros freqüentes dos júris dos certames, esses últimos asseguravam que seus discípulos fossem ali bem representados. Por volta de 1890, uma certa quantidade de espaço nos Salons oficiais parisienses se encontrava mesmo reservada aos alunos da Academia Julian - e isso nem sempre foi encarado como um expediente positivo por estes, como se pode deduzir da seguinte declaração de Alice Kellog, uma aluna americana da Julian, se “queixando” após ter tido um de seus esboços aceito no Salon, ainda no final da década de 1880: Nosso entusiasmo pelo Salon é decididamente precipitado pelo fato inegável – e nada dissimulado – da onipotência da “influência” e da manipulação. Todos sentimos que o fato de sermos pupilos de Julian fez mais da metade do que era necessário para obtermos nossa admissão.434 É muito provável que a freqüente e ainda pouco pesquisada participação de brasileiros nos certames parisienses durante a década final do século XIX e as primeiras décadas do século passado se deva, em boa parte, a essa estratégia de promoção levada à cabo por Julian, visando o favorecimento daqueles que freqüentavam seus ateliês. Aqui, é necessário não perdermos de vista o quão importante era, para nossos artistas, ter uma obra exposta em um dos Salons parisienses: tal feito obtinha invariavelmente uma grande repercussão no meio Albuquerque – Exposição Retrospectiva. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo, 1942, pp.55 e 57 (Catálogo de exposição). 433 O primeiro, organizado Société des Artistes Français era o herdeiro direto do Salon por criado Louis XIV, em 1673, e realizava-se anualmente no Champs-Elysées. A partir de 1890, depois de uma cisão na Société, um segundo salon, também subvencionado pelo Estado, passou a ser realizado no Champ de Mars, sob a égide da então criada Société Nationale des Beaux-Arts, cujo primeiro presidente foi Ernest Meissonier. Ao lado desses certames oficiais, haviam outros mais permeáveis às novas correntes estéticas: o mais famoso foi certamente o Salon des Indépendants, criado em 1884; não possuindo júri nem premiações, foi um marco, na Europa, da era das chamadas Secessões. Em 1903, foi inaugurado também o Salon d’Automne, exposição também realizada anualmente, que nos seus primórdios abrigou os fauves. 434 “Our enthusiasm for the Salon is decidedly dashed by the undeniable fact - hardly concealed at all of the all-powerfull potency of ‘influency’ and wirepulling. We all feel that going in as pupil of Julian did more than half toward gaining our admission” (Citado em FEHRER, C. Op. cit., p.754). VERSÃO NÃO REVISADA 174 acadêmico brasileiro e mesmo na imprensa local, certamente contribuindo para a consolidação da carreira profissional do pensionista, quando de sua volta ao Brasil. Por fim, o último fator de atração da Academia Julian sobre os brasileiros que gostaríamos de destacar se relacionava aos já referidos mestres que lá lecionavam. Cumpre frisar, de imediato, que o contato com estes era necessariamente ligeiro: as classes da Julian eram normalmente super lotadas e, portanto, a atenção que cada mestre podia dispensar a um determinado aluno, em particular, era forçosamente pequena. Ainda assim é possível detectar traços nas obras de nossos pensionistas que remetem para os seus mestres franceses, tendo sido possivelmente deles assimilados, como abaixo gostaríamos de indicar. 3.2.3.3 Mestres e “escolas” francesas: suas relações com os brasileiros Jean-Paul Laurens foi talvez o principal do professores franceses cuja ascendência se fez sentir sobre os pensionistas da ENBA. Artista muito associado aquela que, na época, era comumente designada “escola” de Toulouse (École Toulousaine)435, Laurens foi citado por Rodolpho Chambelland como o professor que mais o havia impressionado em Paris436 e é mesmo possível que o interesse perene de um artista como Lucílio de Albuquerque pelo gênero da pintura histórica testemunhada, por exemplo, nas suas reiteradas abordagens da vida do Padre Anchieta ou de episódios da Guerra dos Farrapos -, deva algo ao celebrado pintor de L’excommunication de Robert le Pieux - quadro que foi copiado, já no inícios dos anos 1890 por Oscar Pereira da Silva, como já fizemos notar [Figura 2.13]. Reflexos da estética de Laurens podem ser encontrados também nas pinturas decorativas realizadas pelos artistas formados pela ENBA na 1a República, como procuraremos demonstrar na parte 4.4. A tão falada “influência” da estética impressionista sobre nossos artistas, ao nosso ver, se encontrava em boa parte relacionada a essa relação com os mestres que lecionavam em instituições de ensino livres como a Julian. Entre a de diversos outros brasileiros, a produção de Georgina de Albuquerque é das mais representativas nesse sentido. Em quadros como Flor de manacá [Figura 3.25], a artista aplica uma fatura “impressionista” à pintura de uma figura humana, 435 Termo que concorda mal com a realidade, já que existem poucos laços estilísticos que unam os artistas referidos à tal escola, como o já citado Laurens e outros como Benjamin Constant, Henri Martin, Edouard Debat-Ponsan, Alexandre Falguière, Antoine Mercié, Henri Rachou, Jean-André Rixens, Paul Gervais, Casimir Destrem, Edmond Yarz, Jules-Jacques Labatut. 436 “Durante seis mezes, freqüentei o ‘atelier’ Julien [sic]. Tive contato com diversos professores, sendo que o velho mestre João Paulo Laurens foi talvez o espírito que maior influencia exerceu sobre o meu, nesta época distante da minha vida” (Citado em COSTA, Angyone. Op. cit., p.96). VERSÃO NÃO REVISADA 175 procedimento muito comum em sua obra desde, pelo menos, a década de 1910, pouco após a sua volta da Europa. Utilizar esse tipo de tratamento formal, baseado em uma fatura bastante livre e na exacerbação da vibração cromática do quadro, a retratos e mesmo a pinturas de gênero era um partido já utilizado pelos próprios artistas ligados ao círculo independentes, especialmente na década de 1870, mas que foi levado a extremos por pintores mais “oficiais”, como Paul Albert Besnard e Paul Gervais, esse último mestre de Georgina na École des Beaux Arts e de outros brasileiros na Academia Julian. Uma comparação entre as pinturas de Gervais realizados para a Sala de Casamentos, no Capitólio de Toulouse [Figura 3.27a e 3.27b], e Flor de Manacá ou outra tela da mesma Georgina, a famosa Sessão do Conselho de Estado que decidiu a Independência [Figura 3.26], evidencia um parentesco entre o procedimento formal que o francês e a brasileira imprimem a seus quadros, e no qual convivem a liberdade das pinceladas e a plena manutenção do caráter anedótico dos motivos representados. Progressivamente, esse procedimento se tornaria moeda-corrente na orientação artística ministrada dentro da própria ENBA, como demonstra a já referida tela Primavera em flor, de Armando Martins Vianna [Figura 3.11], com a qual esse artista obteve o Prêmio de Viagem na Exposição Geral de 1926. Um tipo semelhante absorção de tendências independentes por parte dos brasileiros, mediada pelos ambiente dos ateliês livres parisienses, pode ser verificada com relação aos chamados procedimentos divisionistas. Nesse sentido, o toulosaine Henri Martin foi citado como importante referência por artistas brasileiros como Elysêo Visconti e Carlos Oswald. Suas paisagens com tratamento divisionista parecem se refletir nas vistas de Dampierre de Belmiro de Almeida, pintadas a partir dos anos 1910, e, por sua vez, nas obras de Guttmann Bicho. Henrique Cavalleiro, contemporâneo desse último na ENBA, falou o seguinte a respeito dessa questão: Quando estudante da Escola Nacional de Belas Artes, de meados de 1910 e 1918 [...] já empregava a técnica impressionista. Tentava mesmo, em alguns trabalhos extra-escolares, seguir um Modernismo a maneira de Seurat. Assim foi executado nessa técnica o quadro Balões Venezianos [Figura 3.28], em 1912, exposto no Salão Nacional de Belas Artes em 1914.437 Outras vias de aproximação entre os brasileiros e segmentos da cultura figurativa francesa, por via das academia livres, podem ser encontrada na absorção 437 CARRAZZONI, M. H. Henrique Cavalleiro. Rio de Janeiro: MEC/MNBA, setembro de 1975, s/p (Catálogo da exposição). VERSÃO NÃO REVISADA 176 de tendências que marcaram os Salons a partir dos anos 1880 e que evoluíam entre naturalismo, simbolismo, ideal moral e engajamento social. Nesse sentido, parece ter sido particularmente importante a relação ainda pouco estudada do brasileiros com os pintores franceses da chamada École de Nancy438. Henri Royer, mestre de alguns de nossos pensionistas na Academia Julian, foi um deles: a sua abordagem das tradições regionais e da vida contemporânea fora da capital francesa, presente em seus quadros “bretões” como L’ex-voto ou La bénédicite [Figura 3.29], parecia, de fato, bastante afinizada com os interesses dos brasileiros, muito envolvidos na criação da tão discutida “escola brasileira” de pintura. Um exemplo da relação entre Royer - cujo quadro Sur la butte, de 1891, foi inclusive adquirido pela ENBA -, e os artistas brasileiros pode ser verificada na obra de Carlos Chambelland, vencedor do Prêmio de Viagem na Exposição Geral de 1907, e que, após a sua volta da Europa, realizou uma série de quadros retratando tipos e cenas do nordeste brasileiro [Figura 3.30 e 3.31], com uma fatura e em um registro “realista” que remetem à produção do mestre francês. Mesmo que não tenha estudado diretamente com Royer, é pouco provável que Carlos não tenha se sentido atraído pela obra de um artista que, pouco antes da sua chegada à Paris, havia sido professor de seu irmão Rodolpho e participava ativamente do salão da Nationale. Da mesma maneira, a aproximação dos brasileiros com a chamada Art Nouveau e com as correntes simbolistas pode também ser vista, em certa medida, como relacionada a essa presumida afinidade com pintores da École de Nancy e tendo como palco de mediação especialmente a Academia Julian. Só para citarmos um exemplo, em uma certa vertente da produção de Lucílio de Albuquerque, perceptível particularmente em quadros como Primeiros frutos [Figura 3.32a] ou Paraíso Restituído [Figura 3.32b] - este último pintado ainda em Paris -, se nos apresenta a visão idílica de uma humanidade redimida e centrada na família, carregada de conotações análogas àquelas presentes nas pinturas de artistas como Émile Friant e, especialmente, nas obras decorativas de Victor Prouvé [Figura 3.33] - um pintor que, por sinal, certamente não passou despercebido aos olhos de outros brasileiros, como Visconti e Seelinger. No próximo capítulo, quando discutirmos a pintura decorativa da 1a República, teremos oportunidade de comentar um pouco mais detalhadamente a respeito de outras aproximações que então se deram entre nossos artistas e a 438 A respeito dos pintores da École de Nancy, ver o catálogo da exposição L´école de Nancy: peinture et art nouveau. Paris: Éditions de la Réunion des Musées Nationaux, 1999. VERSÃO NÃO REVISADA 177 cultura figurativa francesa. Por hora, gostaríamos de encerrar o presente capítulo falando daquele já referido esvaziamento que pode ser verificado na relação entre os pensionistas da ENBA e o ensino artístico parisiense, na medida que nos aproximamos do final da década de 1920. Embora, na verdade, escasseiem os dados a respeito dessa questão, algumas considerações genéricas podem ser feitas. Por uma lado, é certo que os artistas brasileiros continuaram sendo atraídos pelos encantos de Paris: ganhadores do Prêmio de Viagem nas Exposições Gerais como Guttmann Bicho (1921), João de Paula Fonseca (1923), Armando Vianna, Manoel Santiago (1927) ou Portinari, lá passaram a maior parte de seus estágos na Europa; faltam, porém, indicações a respeito das instituições de ensino que eles teriam freqüentado – se é que eles freqüentaram alguma. Um exemplo: em uma carta datada de agosto de 1922 e endereçada ao seu cunhado, o escritor Agrippino Grieco, Guttmann Bicho relatava sua rotina (“eu aqui meio isolado, a não ser o Cavalleiro, que sempre janta comigo, o resto é pintar e passeiar as tardes, nos jardins e nos museus que já se paga um franco”), sem fazer referências à freqüência de qualquer instituição de ensino. Por outro lado, no final da 1ª República, alguns indícios apontam para o fato de que, ao menos para alguns dos brasileiros, o sistema pedagógico da arte em Paris se encontrava marcado por uma crescente decadência. É o que se pode deduzir do testemunho apresentado por Alfredo Galvão, em uma carta endereçada ao secretário da ENBA, datada de 1930. Galvão já se encontrava então no seu terceiro ano como pensionista, e, tentando se justificar perante as críticas feitas pelos professores-pareceristas da Escola aos seus envios anteriores, teceu uma descrição deprimente do meio artístico parisiense, procurando, simultaneamente, apontar as causas de tal estado de coisas. Nas palavras de Galvão, um ciclo parecia terminar: Paris de hoje não é a de 40 annos passados. As academias são perigosas pelo ambiente desorganisado e pello que nelas se faz. O numero de amadores é immenso; inglezas velhas e chinezes e americanos “nouveaux riches” e futuristas e dadaístas e “snobs” de toda espécie que tomam todos os lugares e tudo pertubam estabelecendo a confusão e o deboche cultural. Os professores, mesmo os de grande nome, perderam as idéas e o fervor do magistério. Nada ensinam de útil, preoccupando-se mais com “estylo” e “personalidade” e ”symphonias” do que com o officio de pintar e com a verdadeira arte. Isso tudo é natural: a Europa perdeu na guerra 10.000.000 de homens que deveriam ser a sua fina flor intellectual. O que ficou, salvo raras excepções, não representa grande cousa. Os artistas edosos, os que amadureceram na Escola do trabalho honesto ou não ensinam ou temem o julgamento dos novos e não fazem do mesmo senão um meio de vida. VERSÃO NÃO REVISADA 178 Assim, as únicas coisas que se aproveitam aqui, Sr. Secretario, são - ver museus, assistir, ouvir conferencias e comprar livros a prestações... salvo se nos fosse dado ter um atelier e modelos para trabalhar-se conscienciosamente, cousa impossível com poses de 6 dias ou de 5 minutos, num ambiente desastroso e sem a menor animação, como as academias... Esse “premo de viagem”, Sr. Secretario, é um suplicio de Tantalo.439 Tal descrição abarca, indiscriminadamente, tanto as academias livres quanto a École des Beaux-Arts, que, como vimos no princípio dessa parte, Galvão foi obrigado a freqüentar. A já referida trajetória em Paris de contemporâneos de Galvão, como Candido Portinari e Quirino Campofiorito, parece confirmar um desinteresse pelo ensino artístico ali dispensado: o primeiro, aluno livre da ENBA na década de 1920 e ganhador do Prêmio de Viagem na Exposição Geral de 1928, sequer teria se aproximado de qualquer das academias parisienses durante sua estadia na cidade440; já Campofiorito, que chegou à Paris em 1930, permaneceu ali pouquíssimo tempo, se mudando logo em seguida para Roma, onde parece ter realizado a maior parte de sua produção européia. O fato por nós já referido da pintura fluminense de finais da 1ª República e do Estado Novo, como representada em algumas obras de Campofiorito e Portinari, refletir sensivelmente a arte de grupos italianos como o Novecento ou a Scuola Romana surge, nesse contexto, como um efeito colateral do relativo descrédito com relação ao ambiente artístico parisiense. Os atrativos da Cidade-Luz para os brasileiros se restringiam, cada vez mais, ao seu riquíssimo acervo cultural (“Só o ambiente francês que era muito favorável. Ambiente histórico: castelos, o museu do Louvre com milhares e milhares de pinturas e esculturas. Nesse ponto é que a gente lucrava mesmo”, lembraria o mesmo Galvão em uma entrevista tardia441). Em um sentido de todo contrário, o outrora muito procurado sistema de ensino artístico de Paris parecia mergulhar em um irreversível ostracismo. 439 Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6104. Data: 9 novembro de 1930. Cf. BENTO, Antonio. Op. cit., pp.42sg. 441 Citado em TERRA, Carlos G. Op. cit., p.56. 440 VERSÃO NÃO REVISADA 179 CAPÍTULO 4 VERSÃO NÃO REVISADA 180 Cremos que uma das constatações óbvias que se pode fazer, a partir das discussões que procuramos conduzir nos capítulos anteriores, é a de que o panorama da pintura fluminense no período denominado 1ª República era extremamente diversificado. Se, por um lado, pudemos com isso confirmar quão pouco elucidativos são os rótulos genéricos - academicismo, ecletismo, etc. -, com os quais uma boa parte de nossa historiografia procurou etiquetar a produção da época, por outro lado, levantamos poucas indicações no sentido de compreender essa produção como um fenômeno integrado. Encerrando o nosso trabalho, o presente capítulo se esforça justamente em apresentar um modelo e um instrumental teórico que possam nos auxiliar a pensar de uma maneira mais ampla o nosso objeto de estudo. Nossa tese a respeito da questão é, na verdade, simples e poderia ser resumida, como já adiantamos na Introdução, com uma frase: a pintura fluminense da 1a República constituiu um sistema e a diversidade de estilos nela verificável responde à diversidade de seus temas e/ou funções. Se nossa tese é simples, a discussão de sua genealogia no contexto da teoria artística acadêmica, bem como da maneira como ela concretamente se verifica na pintura fluminense da República Velha vai demandar um espaço algo maior de exposição. Significativamente, não é relativa à pintura, mas sim à arquitetura tardooitocentista e de inícios do século XX que se encontram dedicados alguns dos estudos que nos inspiraram a desenvolver essa nossa tese. Ao que parece, as razões pelas quais uma apreciação mais apurada da natureza sistemática da produção artística do período emergiu primeiro e com mais clareza no que diz respeito à arquitetura se devem ao caráter mais “discreto” dessa arte, mas, sobretudo, aos dilemas práticos com os quais ela vem se defrontando, de forma dramática, nas últimas três décadas, e que, como bem resumiu o estudioso italiano Luciano Patetta, dizem respeito, “por um lado, a ampliação do problema da proteção e restauração do patrimônio histórico monumental para as estruturas urbanas e edifícios do século XIX; por outro lado a crise do urbanismo do movimento moderno”442. Nesse sentido, François Loyer foi outro dos teóricos que procuram, em seus estudos, evidenciar o caráter sistemático e codificado da arquitetura de finais do século XIX e início do século XX. Seguindo seus passos, podemos afirmar que o ecletismo que marcou a produção do período, em todas artes, tem pouca relação com pastiche e que a sua pluralidade de linguagens é, em essência, consciente e 442 PATETTA, Luciano. “Considerações sobre o Ecletismo na Europa”. In: FABRIS, Annateresa. Ecletismo na arquitetura brasileira. São Paulo: Nobel / Edusp, 1987, p.10 VERSÃO NÃO REVISADA 181 necessária aos fins que se propõem, concorrendo para a lisibilidade do conjunto mais amplo do sistema social que lhe deu origem443. A seguinte afirmação de Loyer, referida à arquitetura, poderia ser assim aplicada, mutatis mutandis, à pintura fluminense do período: Os estilos contraditórios do ecletismo, destinados a se confrontar no sistema geral da arquitetura e da sociedade que ela reflete, constituem, todavia, em um nível superior, um conjunto único, pelo fato deles serem indissoluvelmente ligados pelo princípio de contraste que os situam uns em relação aos outros.444 Nosso objetivo final aqui será, portanto, descrever o sistema da pintura da 1a República. Primeiramente, aproximaremos o conceito de estilo, citado na passagem de Loyer acima transcrita, daquela mais preciso de Modo, cujas origens procuraremos esboçar na presente parte. Nas parte 4.2, 4.3 e 4.4, discutiremos separadamente três desses Modos e na na parte 4.5 analisaremos algumas das aparentes contradições desse sistema; por fim, parte 4.6, procuramos apresentar um esquema geral subjacente aos Modos. Se tudo o que acima adiantamos pode parecer bastante óbvio, não devemos esquecer, todavia, que boa parte de nossa historiografia de arte parece ter ignorado como espúrio o diálogo entre os fatores sociais externos e a pintura da 1a República, condenando a obra dos artistas oriundos da ENBA do período por não se conformar aos critérios modernistas de autonomia formal e de expressão individual do artista, ao qual ela presumivelmente devia se amoldar. Aqui, gostaríamos de voltar nossos olhos, por um momento, para tal historiografia. Entre nossos críticos, não faltaram aqueles que consideraram a diversidade da pintura fluminense da República Velha com um olhar condescendente, mesmo se, em última análise, questionavam a sua qualidade propriamente dita. É nesse sentido que se pode tomar, por exemplo, o juízo do já bastante lembado Quirino Campofiorito, quando afirma que, na pintura brasileira da 1ª República, “não se escapou de modelos estrangeiros, porém estes já não eram exclusivos de uma corrente estética, mas, ao contrário, abriam-se em leque capaz de alcançar uma 443 "La variété de ses langages est est une variété consciente, nécessaire aux buts qu'il se fixe, et concourrant, en definitive, à la visibilité de l'emsemble du système social donti il est ( dont il prétend être) la traduction construite" (LOYER, François. “Ornament et caractère”. In: Le Siécle de l’Ecletisme; Lille 1830-1930. Paris/Bruxelles: Archives d’Architecture Moderne, 1979, p.67). 444 “Les styles contradictoires de l'écletisme, destinées a se confronter dans le système général de l'achitecture et de la société que'elle reflète, constituent, néanmoins, à un degré supérieur, un ensemble unique, indissolublement liées qu'ils sont par le principe de contrastes les situant les uns par rapport aux autres” (Idem, p.66). VERSÃO NÃO REVISADA 182 ampla variação”445. Essa “ampla variação” estilística podia ser assim interpretada como um sinal antecipado do liberalismo artístico que viria a se efetivar plenamente em década posteriores, com o advento do Modernismo. Na maior parte das vezes, todavia, os juízos relativos a essa variedade estilística tenderam a ser pouco positivos. Nesse sentido, é sintomático que um dos rótulos mais freqüentemente aplicados por nossos historiadores e críticos à pintura da 1ª República, o de eclético, quase sempre tenha estado impregnado daquelas conotações pejorativas que o caracterizavam já nas teorizações neoclássicas do século XVIII, as quais, como lembra Luiz Marques, dele se serviam para definir, seja a arte helenística do período alexandrino (a exemplo da definição seiscentista de filosofia “eclética” de Polemon de Aexandria), seja a vanidade dos esforços dos Carracci para imitar o estilo clássico de Rafael, como pontificava Winckelmann já em 1763. Na história da pintura, o termo designa portanto justamente uma falta de estilo, uma ausência de radicalidade poética, uma hesitação permanente entre tendências formais de uma época, sintoma de uma fraca personalidade artística.446 Com um olhar retrospectivo que tomava como o principal termo de comparação os procedimentos estéticos radicais das correntes independentes da arte européia, surgidas a partir da segunda metade do século XIX, gerações de estudiosos da pintura brasileira da 1ª República imbuídos dos preconceitos modernistas interpretaram o ecletismo observável na produção de nossos artistas precisamente nesse sentido pejorativo. Mário Barata, por exemplo, foi um dos que definiu o fenômeno justamente pela “pouca consistência ou robustez das incursões de alguns artistas nos fins dos Oitocentos, pelas experiências simbolistas ou impressionistas”447. Em outro viés e em termos ainda mais estritos, o presumido espírito de compromisso verificável na produção dos pintores brasileiros foi identificado com as atitudes de incompreensão e conservadorismo, em uma outra passagem do referido texto de Campofiorito: O Impressionismo que irá animar a paleta de nossos pintores nas duas primeiras décadas não será assimilado em sua problemática exata. O espírito de renovação que a pintura luminosa, arejada e espontânea de Monet e seus companheiros comporta, não é admitido realmente e apenas é aceito em parte, sem que contrarie os preconceitos técnicos e estéticos decorrentes do ensino oficial que prolonga certa rotina conservadora.448 445 CAMPOFIORITO, Quirino. História da Pintura Brasileira no Século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983, p.136 446 MARQUES, Luiz. (org.). 30 Mestres da Pintura no Brasil. São Paulo: MASP / Rio de Janeiro: MNBA, 2001 p.26 (Grifos nossos). 447 Idem, p.27. 448 CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit., p.149 VERSÃO NÃO REVISADA 183 É possível perceber ecos dessas teses mesmo em estudos relativamente recentes, como os de Rodrigo Naves, em especial no que diz respeito aquilo que o autor denominou “renitente timidez formal de nossa arte”449. Nesse caso, a postura subserviente de nossa “cultura periférica” não é encarada apenas como uma característica específica da arte que viceja imediatamente antes do Modernismo, mas sim estendida de maneira a abarcar um arco de tempo dos mais largos. Cremos que a fortuna crítica de um artista como Elysêo Visconti, por ser provavelmente o pintor mais estudado daqueles que se afirmam no primeiro período republicano, é uma excelente indicadora da postura crítica de boa parcela de nossos estudiosos com relação à diversidade estilística da pintura República Velha. Essa postura crítica, senão de todo negativa, é marcada ao menos por uma nítida reserva e se encontra ilustrada, por exemplo, em um artigo de Gilda de Mello e Souza que, com o emblemático subtítulo “Eliseu Visconti: um virtuoso indeciso e contraditório”, comentava, em 1974, as obras do pintor de Gioventú presentes na mostra Os Precursores, do Ciclo de Exposições de Pintura Brasileira Contemporânea, organizado pelo Museu Lasar Segall: Apesar de excelente pintor, Eliseu não é um artista de personalidade muito definida. Quando, como um impressionista retardatário, chega ao apogeu do domínio artesanal, a escola a que se filiara mais de perto havia completado o seu ciclo e a arte atravessava um período de grande renovação. Sua trajetória reflete as tendências diversas que vai cruzando pelo caminho e às vezes incorpora em sua pintura - o Pontilhismo, o Simbolismo, o linearismo art nouveau, o Pré-rafaelismo. Era natural que a sua obra acabasse se ressentindo dessa disponibilidade estilística e que as direções contraditórias marcassem as fases cronologicamente diferentes de sua evolução. Mas muitas vezes as tendências conflitantes coexistem na mesma obra, ameaçando a sua unidade geral.450 Foram as mais diversas as hipóteses levantadas por nossos estudiosos para explicar essa “indefinição” formal verificável na obra de um Visconti. Mário Pedrosa, por exemplo, em artigo célebre por nós já referido (cf. Parte 2.2.1), procurou explicála como uma conseqüência do vai-e-vem constante do artista entre Brasil e França, verificável até a eclosão da 1ª Guerra Mundial. Para Pedrosa, o estilo de Visconti alternaria fases de liberação e outras de conservadorismo, que seriam o reflexo, puro e simples, dos contrastes que caracterizavam os diferentes meios artísticos que o artista freqüentava, respectivamente em Paris e no Rio. Ele afirma: 449 NAVES, Rodrigo. A forma difícil. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.12 SOUZA, Gilda de Mello e. “A arte brasileira já era moderna no final do século XIX”. Última Hora (Cultura Crítica). São Paulo, 19 e 20 out., 1974, p.16. 450 VERSÃO NÃO REVISADA 184 Se em Paris, [Visconti] se liberta, no Rio, tende a aquietar-se. Em Paris, avança; no Rio, parece marcar passo ou recuar. Enquanto adquire lá as novas técnicas neo-impressionistas e assimila, através de Pissarro e Renoir, as lições do Impressionismo, aqui, em diversas ocasiões, de retôrno, sua paleta escurece, quando, ao contrário, na presença da luz tropical devia altear-se mais.451 Uma explicação alternativa e mais comum para a variabilidade estilística da obra de Visconti foi a de tentar fazer corresponder um estilo determinado e característico às, nas palavras de Gilda de Mello e Souza, “fases cronologicamente diferentes de sua evolução”. Na verdade, o próprio pintor se adiantara aos estudiosos na apresentação de um entendimento dessa natureza a respeito de sua obra. No diálogo entretecido com o Angyone Costa, respondendo à colocação do jornalista que detectava “duas phases bem distinctas” no conjunto de seus trabalhos, Visconti assim se expressou: Como o senhor chama a attenção para essas duas phases da minha pintura, eu me apresso a dizer lhe que estou na terceira, podendo considerar-se – primeiro a da Juventude e O Beijo, quadros expostos em Paris, em 1904, aos quaes se devem juntar alguns de menor expressão. Samothrace, os paineis do municipal e varios outros da mesma época, formarão a segunda. E alguns desse momento, como Sotaque Bahiano, ainda não exposto, constituirão a terceira.452 Como que retomando essa indicação de Visconti, outros estudiosos procuraram igualmente fazer corresponder as diferenças estilísticas verificáveis entre suas obras às supostas “fases” de sua carreira, que se encadeariam sucessivamente, em uma seqüência mais ou menos linear. Certamente, o exemplo mais marcante, retomado posteriormente por historiadores como Teixeira Leite453 ou Ana M. T. Cavalcanti454, se encontra no texto de apresentação da grande exposição retrospectiva do artista realizada em 1949, no MNBA, escrito por Lygia Martins Costa. Essa pesquisadora listou então nada menos que seis fases na produção do artista, a saber: 1º Período – 1888 -1897 – Formação, Naturalismo (Brasil e França) 2º Período – Influências Renascentistas e Divisionistas (França) 3º Período – 1909-1912 – Do Divisionismo ao Realismo (Brasil) 451 PEDROSA, Mário. “Visconti diante das modernas gerações”. Correio da Manhã, 01 de janeiro de 1950. 452 COSTA, Angyone. A inquietação das abelhas (O que dizem nossos pintores, escultores, arquitetos e gravadores, sobre as artes plásticas no Brasil). Rio de Janeiro: Pimenta de Mello & Cia, p.81. 453 LEITE, José R. T. “Belle Époque no Brasil”. In: Arte no Brasil, 2 v, Abril Cultural, São Paulo, 1979, p.583. 454 CAVALCANTI, Ana M. T. Les Artistes Brasiliens et “Les Prix de Voyage en Europe” a la Fin du XIXe Siécle: Vision d’Ensemble et Etude Approfondie sur le Peintre Eliseu D’Angelo Visconti (1866-1944). Université de Paris I - Pantheon-Sorbonne, 1999, p.189 (Tese de Doutorado). VERSÃO NÃO REVISADA 185 4º Período – 1913-1919 – Impressionismo da decoração do “foyer” do Municipal e das paisagens de St. Hubert (França) 5º Período – 1920-1930 – Do Impressionismo ao Neo-Realismo (Brasil) 6º Período – Neo-Realismo com acentuada procura da atmosfera e luminosidade.455 Uma versão análoga dessa tese explicativa que enquadra diferentes estilos em diferentes fases da carreira de um pintor, pode ser verificado com relação a um artista formado ainda nos tempos da AIBA, Antonio Parreiras. Novamente, o próprio pintor antecipou, em certa medida, os estudiosos posteriores quando, na entrevista concedida a Angyone Costa em 1927, assim se exprimiu a respeito de sua obra: “Minha primeira phase é a do paysagista. Dediquei-lhe vinte e dois annos de trabalho, no decorrer dos quaes logrei sessenta e oito exposições. Depois comecei a pintar a figura. O primeiro quadro desse genero está no salão de honra do palácio do governo do Pará”456. Posteriormente, Carlos Maciel Levy, dividiria a obra do pintor de Sertanejas em três períodos, com base em critérios não propriamente formais: o de formação (1878-1887), o de afirmação (1887-1896) e o de consagração (18961937)457. Já Cláudio Valério Teixeira, em um estudo dedicado especialmente às características técnicas da obra de Parreiras, a dividiria em duas fases, uma de formação e outra de afirmação, marcadas cada uma pelo emprego de um conjunto específico de procedimentos técnicos458. Todavia, uma análise da produção propriamente dita desses artistas revela que tal tipo de classificação, que procede por cortes temporais sucessivos, não descreve de forma adequada o estilo cambiante de suas obras. Citemos aqui alguns exemplos contrários a essa tese: entre 1908 e 1909, mais ou menos ao mesmo tempo em que pintava o Retrato de Gonzaga Duque - marcado pelo um uso de “terras e castanhos” e por uma “semelhança” aos quais Mário Pedrosa se referiu com desdém [Figura 4.1a] -, Visconti finalizava, simultaneamente, o primeiro ciclo de pinturas para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro [Figura 4.41a, 4.41b e 4.41c], marcado, em grande parte, por uma acentuada estilização e por um tratamento divisionista; também nesses mesmos anos, o artista realizava uma série de pinturas de paisagem, nas quais é possível observar o emprego de uma paleta 455 COSTA, Lygia Martins. “Apreciação da obra”, republicado no catálogo Retrospectiva de Elyseo Visconti. São Paulo, 2ª Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, n.p. 456 COSTA, Angyone. Op. cit., p.69; trata-se do quadro chamado A conquista do Amazonas, de 1907. 457 LEVY, Carlos R. M. Antônio Parreiras (1860-1937): pintor de paisagem, gênero e história. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1981. 458 TEIXEIRA, Cláudio Valério. “A técnica na pintura de Antônio Parreiras”. In: LEVY, Carlos R. M. Op. cit., pp.125-126. VERSÃO NÃO REVISADA 186 cromática um tanto mais saturada, bem como de uma fatura mais livre [Figura 4.1b]. Já Antonio Parreiras, no início dos anos 1910, era capaz de realizar uma obra de grandes dimensões como a Fundação da cidade de São Paulo, marcada por diversas das exigências “representativas” do gênero histórico [Figura 4.2a], bem como paisagens de dimensões mais modestas e quase “abstratas”, como Vieux Parc, Paris [Figura 4.2b]. Essa convivência mais ou menos sincrônica de diferentes maneiras pode ser encontrada na obra de vários outros pintores fluminenses atuantes na 1ª República. Como um último exemplo, e frisando que muitos outros poderiam ser aqui acrescentados, gostaríamos de lembrar dos trabalhos realizados por Arthur Timótheo da Costa nos anos que antecederam a sua morte prematura, os quais incluíam obras estilisticamente tão díspares como o seu Auto retrato pertencente ao MNBA [Figura 4.3a], pequenas manchas de paisagem [Figura 4.3b] e as decorações murais para a sede do Fluminense Futebol Clube, feitas em parceria com seu irmão João [Figura 4.43a, 4.43b, 4.43c e 4.43d]. Finalizando a presente parte, voltemos ao caso sintomático de Visconti. Cremos que a observação de Gilda de Mello e Souza, acima reproduzida, que detectava a coexistência de “tendências conflitantes” em uma única e mesma obra do pintor, merece ser estendida ao espectro das obras realizadas pelo artista em um dado período de tempo. Nesse sentido, é particularmente interessante uma das constatações às quais chegou José Luiz Nunes no decorrer da elaboração de sua recente dissertação de mestrado sobre o pintor de Gioventú. Analisando o período de formação de Visconti, Nunes observou que a convivência simultânea de estilos diversificados remontava aos seus tempos de pensionista na Europa, antes mesmo da sua primeira volta ao Brasil, em 1899. Observando como tal diversidade estilística sublinhava, na realidade, uma diversidade temática detctável nos quadros então realizados, Nunes afirmava que, na obra do pintor, há uma versatilidade de linguagens, que parecem ser escolhidas de acordo com a temática. Assim, os temas alegóricos tomam um tratamento ao gosto simbolista; já as paisagens aproximam-se do Impressionismo; e os temas ligados ao nu, ao retrato alinham-se com o realismo.459 459 NUNES, José Luiz. “A formação artística do pintor Eliseu Visconti”. In: CONDURU, Roberto; PEREIRA, Sônia G. (org.). Anais do XXIII Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte. Rio de Janeiro: CBHA/UERJ/UFRJ, p.230 (Grifos nossos). VERSÃO NÃO REVISADA 187 É exatamente essa intuição que procuraremos desenvolver no que se segue e que, cremos, pode apresentar uma explicação mais satisfatória a respeito das razões por trás do ecletismo da pintura fluminense da 1ª República. 4.1. Os Modos nas artes plásticas A espinhosa questão de como lidar com a convivência simultânea de tendências estilísticas díspares na obra de um determinado artista ou período histórico não é certamente inédita na história da arte. De fato, a diversidade estética dos últimos dois séculos parece nunca ter se acomodado de maneira pacífica às sínteses dos chamados estilos de época. Friedrich Blume, historiador da música, chamou o oitocentos de “o século profundamente dilacerado”, marcado pela “abundância de contradições que o constituem”460; o século XX foi, por sua vez, caracterizado por uma sucessão ainda mais frenética de maneiras de produção artística radicalmente diferenciados. Nas últimas décadas, todavia, o “caos” desconcertante que parecia restrito aos dois últimos séculos começou a ser verificado também com relação àqueles outrora firmes constructos que eram os estilos de época. Citando Rudolf Arnheim, em um arrazoado relativamente recente a respeito da questão: Quanto mais de perto os historiadores de arte examinavam o passado, tanto mais claramente aqueles antigos monolitos mostraram ser complexas combinações de estratos, cuja presença não dizia respeito simplesmente a períodos e lugares. [...] Tornou-se também patente que, quanto maior o artista, menos fácil seria identificar o estilo de sua obra com um estilo geral de sua época. De fato, não foi fácil encontrar um único artista cuja obra pudesse ser satisfatoriamente sintetizada como, digamos, a de um cubista ou impressionista.461 Essa verdadeira crise do conceito de estilo levou os historiadores a elaborarem as mais diversas teorias alternativas462. Nesse mesmo influxo revisionista, já no início da década de 1960, o historiador de arte russo Jan Białostocky formulou algumas noções que nos parecem particularmente adequadas para abordar o objeto multiforme que é a pintura brasileira da 1ª República. Białostocky postulava que, em muitos casos, as diferenças que a historiografia 460 Citado em ARNHEIM, Rudolf. “O estilo como um problema gestaltista”. In: Intuição e intelecto na arte. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.273. 461 Idem, p.278. 462 Cf. as descrições das propostas de Svetlana Alpers e de George Kubler, resumidas por Arnhem (Idem, p.279), bem como o livro de Kubler The shape of time: remarks on the history of things. New Haven and London: Yale University Press, 1962. VERSÃO NÃO REVISADA 188 tradicional atribuía ao estilo, eram, na verdade, explicáveis seja pelo caráter particular do tema de uma obra - como exemplificado na citação acima de José L. Nunes, a respeito da obra de Visconti -, seja, ainda, pelo contexto social ou pela natureza do encomendante ao qual esta se destinava. Białostocky expôs sua idéias em um artigo intitulado “O problema do ‘Modo’ nas artes plásticas: sobre a pré-história e para a sobrevivência da ‘Carta dos Modos’ de Nicolas Poussin”463, que tratava, de forma mais detida, idéias já adiantadas pelo autor no verbete “Carattere”, da Enciclopedia Universale dell’Arte, publicada em 1960464. Juntos, esses dois textos constituíram o verdadeiro ponto de partida e a fonte de inspiração da maioria das idéias desenvolvidas no presente capítulo e, por isso, gostaríamos de neles nos deter com mais vagar. Em “O problema do ‘Modo’ nas artes plásticas”, Białostocky começa chamando a atenção para a acima referida limitação que o instrumental teórico tradicional do historiador da arte - e, em particular, a noção de estilo -, apresenta ao se defrontar com as questões de classificação e avaliação levantadas pelo fenômeno representado pelas “bifurcações da vontade artística de um mestre criador [...] as diversas, e às vezes até desiguais tendências que se produzem na criação de um artista”465. Como exemplos desse fenômeno, o estudioso russo faz referência a obra de artistas dispersos no tempo e no espaço, tão célebres como Rubens, Bernini, Schinkel, Ingres ou Picasso. Desde o começo, fica evidenciado, portanto, que a questão da convivência simultânea de estilos diversos na produção de um determinado mestre não é, de maneira alguma, uma característica surgida com o ecletismo oitocentista, embora certamente ela tenha então assumido uma proeminência e um relevo mais notáveis do que em épocas anteriores. Para se compreender a diversidade de configuração estilística presente na obra dos mais diversos artistas e períodos históricos, propõe Białostocky, uma alternativa é nos voltarmos para os escritos da teoria da arte, a procura de conceitos apropriados que possam conferir uma maior precisão a noção usual, porém ambígua e subjetiva, de estilo466. “Na antiga teoria da arte”, lembra o historiador russo, “se encontram indicações que afirmam com clareza que os artistas dão 463 Originalmente publicado com “Das Modusproblem in den bildenden Kunsten: Zur Vorgeschichte und zum Nachleben des 'Modusbriefes von Nicolas Poussin”. In: Zeitschrift für Kunstgeschichte, 24 Bd., H. 2 (1961), pp. 128-141; a versão aqui citada é a da tradução espanhola: “El problema del ‘Modo’ em las artes plásticas. Sobre la prehistoria y para la supervivencia de la ‘Carta del Modo’, de Nicolas Poussin”. In: BIAŁOSTOCKY, Jan. Estilo e iconografia. Contribuición a una ciencia de las artes. Barceona: Barral Editores, 1973, pp.13-38. 464 “Carattere”. In: Enciclopedia Universale dell’Arte. Venezia-Roma: Instituto per la collaborazione culturale, v.III, pp.114-119. 465 “Las bifurcaciones de la voluntad artística de um maestro cerador [...] las diversas, y a veces hasta desiguales tendencias que se producen en la creación de un artista” (BIAŁOSTOCKY, Jan. Op. cit., p.14). VERSÃO NÃO REVISADA 189 formas diversas ao caráter daquilo que desejam representar, seja em relação com o tipo da obra, do objeto a representar ou da expressão que perseguem”467. Tratar-se-iam aqui de adaptações particulares da noção geral de decoro (decorum), para a qual convergem significados ligeiramente diversos: “de uma parte, a representação de aspectos típicos da vida humana, de outra a conformidade aquilo que é decente e conveniente ao gosto e, sobretudo, à moralidade e à religião. Decoro é, ainda”, acrescenta Białostocky, “a adequação ao texto na figuração bíblica, e, na representação teatral, a adequação da cenografia ao caráter do espetáculo”468, como ilustram exemplarmente as xilografias de Sebastiano Serlio para os três gêneros teatrais renascentistas (tragédia, comédia e sátira)469. De forma análoga, na retórica antiga, era a noção de decoro que orientava a conformidade do estilo do discurso ao tema tratado, às circunstâncias de sua enunciação (kairos) e à sua audiência. Segundo Białostocky, tais idéias influiriam decididamente nas artes plásticas por duas vias distintas, uma através da teoria dos gêneros literários e dos estilos de escritura, e outra através da teoria da música. Com relação à primeira dessa vias, cumpre de imediato lembrar autores como Cícero, que, no Orator, afirmava claramente: “o mesmo estilo e os mesmos pensamentos não podem ser empregados para representar todas as situações da vida, todas as posições sociais e todas as dignidades e idades; por meio da diferenciação se põem em manifesto a situação, o tempo e o interlocutor”470. Em termos gerais, os diversos teóricos que desde a Antigüidade abordaram as diferenças entre os gêneros literários desenvolveram “um sistema de três σχήματα ou figurae: o grande estilo (o sublime), o estilo médio e o simples. O sublime era o estilo retórico por excelência, enquanto que o simples correspondia ao da conversação cotidiana. Então se dividiu o estilo retórico em duas categorias: uma 466 Não por acaso, Białostocky parte da síntese efetuada no célebre estudo sobre a noção de estilo, de autoria de Meyer Schapiro, no qual este último demonstra precisamente as diversas possibilidades de interpretação do conceito; cf. SCHAPIRO, M. “Style” (1958). In: PREZIOSI, Donald (edit.). The art of art history: A critical anthology. New York: Oxford University Press, 1998, pp.143-149. 467 "En la antigua teoría del arte se encuentram indicaciones que afirman con claridad que los artistas dan formas diversas al carácter de lo que desean representar, ya sea en relación con el tipo de la obra, del objeto a representar o de la exprésion que se persigue” (citado em BIAŁOSTOCKY, Jan. Op. cit., p.14). 468 “Da una parte la rappresentazioni di tipici aspetti della vita umana, dall'altra la conformità a cio che è decente e conveniente al gusto e sopratutto alla moralità e alla religione. Decoro è anche, nelle figurazioni bibliche, l'aderenza al testo o, nelle rappresentazoni tetrali, della scenografia al caratere del spetacolo” (BIAŁOSTOCKY, Jan. “Carattere”..., p.115). 469 Cf. o Libro I d'archittetura, Venezia, 1551. 470 “Un mismo estilo y unos mismos pensamientos no pueden ser empleados para representar todas las situaciones de la vida, todas las posiciones sociales y todas las dignidades e idades; por medio de la diferenciación se ponen de manifiesto la situácion, el tiempo y el interlocutor” (Citado em BIAŁOSTOCKY, Jan. “El problema del ‘Modo’”..., pp.16-17) VERSÃO NÃO REVISADA 190 buscava a elegância e a perfeição (cultus), e outra a violência e a paixão (vis, δεινότης)”471. Białostocky cita, em apoio a essa asserção, além de Cícero, tratadistas célebres como Aristóteles472, Quintiliano473, Elio Donato474, Giovanni Battista Agucchi e o padre Agostino Mascardi. No caso da teoria da música, de particular interesse para nossa discussão, o precedente mais conhecido é, sem dúvida, a chamada teoria dos Modos da música grega. Em uma passagem da sua Pequena história da música, Mário de Andrade assim os definiu: Desde muito cedo, os gregos reuniram dois tetracordes [escala elementar de quatro sons] consecutivos, obtendo sistemas já eficientes de oito tons. A tais sistemas chamaram Modos. Como davam nomes geográficos aos tetracordes, conforme a colocação do semitom diatônico dentro deles, os Modos ficaram também designados geograficamente, conforme os tetracordes de que derivam. Foram sete os Modos primordiais que os gregos empregaram: o Dórico (Mi a Mi, descendente, sem alteração, contendo 2 Tetracordes Dóricos); o Frígio (Ré a Ré, sem alteração, contendo 2 Tetracordes Frígios); o Lídio (Do a Do, descendente sem alteração, contendo 2 Tetracordes Lídios); o Hipodórico (La a La, semalteração); o Hipofrígio (Sol a Sol, sem alteração); o Hipolídio (Fá a Fá, sem alteração); o Mixolídio (Si a Si, sem alteração).475 O sistema de Modos gregos, embora com alterações, se refletiu no canto gregoriano, fundamento da monodia cristã da Idade Média, e continuou a representar a base da teoria da música ocidental, até que, no século XVII, o desenvolvimento do sistema tonal veio usurpar o seu insigne posto. Nesse ínterim, um dos principais fatores que mantiveram vivo o interesse dos músicos pelos Modos foi o fato de autores clássicos, aí incluídos Platão e Boécio, terem atribuído a eles o poder de produzir profundos efeitos, de natureza verdadeiramente miraculosa, sobre os ouvintes. A essa doutrina denominou-se ethos: “os gregos chamavam ethos o caráter de cada Modo, vendo nele uma qualidade mimética e uma potencialidade ética: a capacidade de infundir ânimo e potencializar virtudes do corpo e do 471 “Un sistema de tres σχήματα o figurae: el gran estilo (lo sublime), el estilo medio y el sencillo. Lo sublime era el estilo retórico por excelencia, mientras que o sencilo pertenecía a la conversación cotidiana. Entonces se dividió el estilo retórico en dos categorías: una perseguia la elegancia y la perfección (cultus), y otra la violencia y la pasión (vis, δεινότης)” (Idem, p.17). 472 Cf. o agrupamento estético e ético de Aristóteles em ter partes (normal, baixo e alto), como, por exemplo, na caracterização dos diferentes personagens feita pelos poetas (Arte poética, II, 2). 473 Cf. Institutio oratoria, Livro XII, X, IV; Quintiliano observa, todavia, que entre as três grandes categorias, haveria ainda um sem numero de estilos intermediários. 474 Cf. os comentários na Rota Virgili, nas quais três níveis de estilo - humilis, mediocris e gravis -, são postos em correlação com as obras de Virgílio - respectivamente, as Bucólicas, as Geórgicas e a Eneida -, cada uma com seus temas e campos semânticos particulares. 475 ANDRADE, Mário de. Pequena história da música. São Paulo: Livraria Martins Fontes S. A., s.d., pp.26-27. VERSÃO NÃO REVISADA 191 espírito”476. Nas fontes antigas, podia-se ler, por exemplo, como Pitágoras usava os Modos para curar doenças, ou como um flautista induzira em Alexandre, o Grande, um estado de incontroldao furor, exemplos que os teóricos da pintura e os próprios pintores repetiam em seus escritos. Essa crença de que música tinha o poder de elevar ou rebaixar a alma foi também o fator que a transformou em um tema de especulações para alguns dos mais eminentes pensadores antigos. Os exemplos mais famosos são, certamente, os comentários de Platão n'A república, onde se discute longamente o papel pedagógico-político da música no contexto da ordem pública: em Platão, “condenam-se as harmonias lídia mista, lídia tensa, jônia e outras, tidas por propiciadoras da indolência e efeminadas. Em compensação, recomendam-se as harmonias capazes de levar à temperança, ao heroísmo altivo, à soberana aceitação da diversidade”477. Também Aristóteles e outros se preocuparam em descrever os estados de ânimo criados pelos diversos Modos, recomendando, via de regra, aqueles mais altivos e elevados em especial no contexto da educação do cidadão478. 476 WISNIK. J. M. O som e sentido. São Paulo: Companhia das letras, 2005, p.86. As teorias mais difundidas a respeito do ethos procuram compreendê-lo como uma conseqüência direta das estrutura intervalar das notas musicais nos diferentes Modos, ou seja, da sucessão de tons e semitons que lhe são particulares; cf., por exemplo, Arnheim, Rudolf. “A dinâmica perceptiva na expressão musical”. In: Intuição e intelecto na arte. São Paulo: Martins Fontes, pp.227-240. Uma organização dos Modos que expõe de maneira esclarecedora a questão da sua semântica, apresentada por Wisnik na obra supra-citada, se encontra na tabela abaixo: os Modos, transpostos todos a partir de dó maior para facilitar a comparação, se encontram dispostos em uma ordem gradual que vai do mais aberto e ascencional ao mais fechado e descendente: “O ponto de partida é o Modo lídio (o Modo de fá tradição gregoriana), que apresenta uma dupla sensível ascendente sobre a tônica e a dominante, o que lhe dá um caráter aberto, ‘luminoso’, tendente a subir e resistente a descer. Os Modos seguintes são gerados a partir da descida gradual de semitons (através de um ciclo de quintas descendentes), que vai imprimindo a eles um caráter progressivamente mais fechado, ‘escuro’, tendente a descer e resistente a subir, o que acontece em seu máximo grau no Modo frígio” (WISNIK. J. M. Op.cit., pp.236-37, nota 26). 477 Idem, p.103. “The musical modes differ essentially from one another, and those who hear them are differently affected by each. Some of them make men sad and grave, like the so-called Mixolydian, others enfeeble the mind, like the relaxed modes, another, again, produces a moderate and settled temper, which appears to be the peculiar effect of the Dorian; the Phrygian inspires enthusiasm. The whole 478 VERSÃO NÃO REVISADA 192 Nas artes visuais difundiu-se uma sistematização análoga à teoria dos Modos na música, em função, sobretudo, da importância atribuída nessas artes ao conceito em muitos aspectos análogo de caráter, isto é, “os traços distintivos de determinado objeto e particularmente a qualidade intelectual e moral de um indivíduo, ou o conjunto de qualidades que o distinguem como personalidade”479. Białostocky aproxima as duas noções - “'Modo' ou caráter: o significado é muito similar”480 -, mas é interessante salientar que, para os artistas visuais, a questão parecia ser menos a de como produzir emoções nos espectadores e mais de como produzir imagens ou objetos nas quais essas emoções pudessem ser “lidas”. O caso da arquitetura é nesse sentido, sintomático. Como indica Białostocky: O caráter psicológico da forma é já indicado em Vitrúvio (IX, iv), mas é retomado e frisado por Alberti (De Re Aedificatoria, Firenze, 1485 [...]) e por Serlio (Regole generale di architettura, Venezia, 1537), que não somente prescreve a correspondência das ordens arquitetônicas do templo ao caráter (forte, tenro, etc.) da divindade ou do santo ao qual é dedicado, mas deseja que o caráter dos edifícios civis seja apropriado àquele dos seus comitentes ou habitantes (o dórico para os “armigeri”, o jônico para os literatos, o coríntio para “pessoas de vida honesta e casta”, etc.) e chega a especificar o caráter psicológico de cada forma.481 Tais correspondências são retomadas, com maior ou menor insistência, por diversos tratadistas posteriores, desde Lomazzo482 até Francesco Milizia que, em fins do século XVIII, afirmaria: “os edifícios, assim como as figuras em uma pintura ou na escultura, devem ter sua fisionomia própria. Um cárcere deve inspirar terror e uma sala de baile jovialidade... um arsenal deve ser rústico”483. Segundo Białostocky, ainda que a questão da definição de Modos seja certamente mais complexa nas artes figurativas, uma vez que nestas “não imperam subject has been well treated by philosophical writers on this branch of education, and they confirm their arguments by facts. [...] Enough has been said to show that music has a power of forming the character, and should therefore be introduced into the education of the young” (ARISTÖTELES. Politics, Book 8, part V. Disponível no site: http://classics.mit.edu/Aristotle/politics.8.eight.html). 479 “I tratti distinitivi di ogni oggeto e particolarmente la qualità intellttuali e morale di un indiviuo, o l'insieme delle qualità che lo distinguono come personalità” (DEONNA, Waldemar. “Carattere”. In: Op. cit., p.111). 480 “'Modo' ou carattere: el significado es muy similar” ((BIAŁOSTOCKY, Jan. Op. cit., p.17). 481 “Il carattere psicologica delle forme è già indicato da Vitruvio (IX, vi), ma è ripresso e sottolineato dall'Alberti (De Re Aedificatoria, Firenze, 1485 [...]) e dal Serlio (Regole generale di architettura, Venezia, 1537), che non soltanto precrive la corrispondenza degli ordine architettoni del tempio al carattere (forte, tenero, ecc.) delle diviità o dei santi cui sono dedicati, ma vuole che il carattere degli edifici civili sia appropriato a quello dei commitenti o degli abitanti (il dorico per il 'armigeri', lo ionico per 'huomini letterati”, il corinzio per le persone “di vita honesta e casta, ecc.) e giunge a specificare il carattere psicologico di ogni singola forma” (BIAŁOSTOCKY, Jan. “Carattere”..., p.115). 482 Cf. Trattato dell'arte de la pittura, 1584, cap. XXVIII. 483 Cf. Dizionario delle belle arti del designo, 1787 VERSÃO NÃO REVISADA 193 ordens capazes de ser determinadas com clareza e compreendidas com facilidade”484, como sucede na arquitetura, ainda no século XVII, é possível perceber a influência de várias das idéias acima citadas, que relacionam as configurações de uma obra ao caráter que a ela se quer imprimir. Esta tendência é clara nos esforços de sistematização encontrados nas teorias sobre a arte da pintura que a partir de então se desenvolveram, especialmente no ambiente “clássico” de língua francesa, como procuraremos demonstrar na parte que segue. 4.1.1. A “Carta do Modos” de Poussin e suas repercussões Na teoria da pintura, um importante ponto de convergência daquela dupla influência das teorias da retórica e da música pode ser encontrado em uma carta muito conhecida que o pintor francês Nicolas Poussin endereçou em 24 novembro de 1647 ao chevalier Paul Fréart de Chantelou. O principal objetivo da carta de Poussin era acalmar as queixas desse seu amigo e protetor de longa data relativas ao quadro a Ordenação [Figura 4.4a], o quinto da série dos Sacramentos, realizado pelo pintor para Chantelou: comparando a Ordenação com o Moisés encontrado nas águas do Nilo [Figura 4.4b] - obra pintada por Poussin no mesmo ano para Jean Pointel, e que hoje pertence à coleção do Museu do Louvre -, Chantelou, em uma missiva hoje desaparecida, aparentemente lamentava que o seu quadro era menos atrativo, o que implicava - acusação mais grave -, que o pintor teria mais afeição por Pointel do que por ele. Em sua carta, Poussin procurou justificar a diferença então perceptível entre as duas pinturas, frisando o fato a princípio óbvio de que o tema de um quadro determinava a maneira como ele era pintando. Para desenvolver sua tese, o pintor buscou se apoiar na autoridade da poesia antiga e, sobretudo, na da música grega. Assim como esta última era composta em diferentes Modos, aos quais, como vimos, se associavam caracteres expressivos particulares, e que, conseqüentemente, eram escolhidos em função de um tema e/ou função específica, assim também as pinturas deviam variar suas configurações conforme o tema nelas figurado exigisse “é nisso que consiste todo o artifício da pintura”, resumiria Poussin. A passagem decisiva dessa carta, transcrita a partir da versão “restaurada” que Quatremère de Quincy editou em 1824485, se encontra reproduzida abaixo: 484 “No imperam unos órdenes capaces de ser determinados con claridad y compreendidos con facilidad” (BIAŁOSTOCKY, Jan. “El problema del ‘Modo’”.., p.19). 485 Collection de lettres de Nicolas Poussin. Publiées par les soins de Quatremère de Quincy, d'après Quérard. Paris: F. Didot, 1824, pp.274-279, disponível no site da Gallica (http://gallica.bnf.fr/). Esta não é, cumpre frisar, a versão a qual faz referência Białostocky em seu artigo supra-citado: o VERSÃO NÃO REVISADA 194 Se o quadro de Moisés encontrado nas águas do Nilo, que possui M. Pointel, vos encantou assim que o vistes, é isso uma prova de que eu o fiz com mais amor do que os vossos? Vós não vedes que é a natureza do tema e vossa própria disposição que são a causa desse efeito, e que os temas que para vós pintei deviam ser representados de uma outra maneira? É nisso que consiste todo o artifício da pintura. [...] Por essa razão vos submeterei uma consideração importante, a qual vos fará conhecer o que deve ser observado na representação dos temas de que se trata. Nossos bravos antepassados gregos, inventores de todas as coisas belas, encontraram diversos Modos através dos quais produziram efeitos maravilhosos486. Aqui, essa palavra, Modo, significa propriamente a razão, ou a medida e a forma da qual nos servimos para fazer alguma coisa; essa razão nos restringe a não atravessar certos limites e a observar, com inteligência e moderação, em cada uma de nossas obras, a ordem determinada pela qual cada coisa se conserva em sua essência. Sendo os Modos dos antigos uma composição de variados elementos postos em relação, da variedade e diferença que se encontravam na montagem desses elementos, nascia a variedade dos Modos; enquanto a constância na proporção e no arranjo dos elementos próprios à cada Modo, procedia o seu caráter particular, ou seja, seu poder de induzir a alma à certas paixões. Disso decorria que os sábios antigos atribuíam a cada Modo uma propriedade especial, análoga aos efeitos que eles o haviam visto produzir. Eles aplicavam o Modo Dórico aos temas graves, severos e repletos de sabedoria; o Modo Frígio, ao contrário, à paixões veementes, e por conseqüência aos temas de guerra: espero, antes que se passe um ano, pintar um tema nesse Modo Frígio. Eles quiseram ainda que o Modo Lídio se acomodasse aos sentimentos tristes e dolorosos; o Modo Hipolídio aos sentimentos doces e agradáveis; enfim eles inventaram o Jônico para descrever as emoções vivas, as cenas alegres como as danças, as festas, os bacanais. Os bons poetas usaram igualmente de uma grande diligência e de um maravilhoso artifício, não somente para acomodar seu estilo aos temas a tratar, mas também para regrar a escolha das palavras e do ritmo segundo a conveniência dos objetos a descrever. Virgílio sobretudo se mostrou, em todo os seus poemas, grande observador desse partido, e nisso ele foi tão eminente, que com freqüência parece colocar diante dos olhos as coisas que descreve, pelo puro som das palavras. Se ele fala do amor, é com palavras tão artificiosamente escolhidas, que disso resulta uma harmonia doce, agradável e graciosa; enquanto que, quando ele canta um feito de armas ou uma tempestade, o ritmo precipitado, os sons percutidos de seus versos, pintam admiravelmente uma cena de furor, de tumulto e de espanto. Mas, segundo aquilo de que vos me acusastes, se estudioso russo empregou outra, presente na coletânea de Sir Anthony Blunt (POUSSIN, Nicolas. Lettres et propos sur l’art. Paris: Hermann, 1964, pp.121-125), versão esta retirada, por sua vez, de uma edição das cartas do pintor francês datada de 1911 (Correspondance de Nicolas Poussin, éd. Ch. Jouanny, Paris 1911 [Arch. de l’art français, nouv. période , t. V]). Apesar do conteúdo ser essencialmente o mesmo, a versão da carta que consta no tomo organizado por Quatremère é mais concisa e dela se encontram ausentes algumas contradições presentes na edição mais conhecida editada por Blunt. 486 Como observa Blunt, "toute la partie suivante de la lettre, oú Poussin parle d’abord de la musique grecque et ensuite de la poésie de Virgile, est copiée d’après les Instituzioni harmoniche de Giuseppe Zarlino, publiées a Venise em 1558, un des traités plus célèbres sur la musique [...] Poussin avait sans doute acquis une certaine conaissance de la musique dans les cercles des amis de [Cassiano del] Pozzo oú il aurait pu rencontrer, par exemple, Gioavanni Battista Doni, un des théoriciens musicaux les plus importants de l’époque". (POUSSIN, Nicolas. Op. cit., p.122, nota 91). VERSÃO NÃO REVISADA 195 eu vos tivesse feito um quadro com esse caráter, e onde uma tal maneira fosse observada, vós teríeis então imaginado que eu não vos amava!487 É justamente à “sobrevivência” dessa missiva de Poussin que Białostocky dedica o seu texto. Embora precedentes das idéias de Poussin possam ser encontradas em escritos de outros pintores - Nadeije Lanerye-Dagen, por exemplo, viu uma prefiguração dessa noção de Modo na pintura em certas passagens d’A arte da pintura, do espanhol Francisco Pacheco488 -, a exposição que o pintor francês elaborou constituiria o exemplo mais claro e sistematizado de transposição da teoria musical para o campo das artes figurativas - tanto que Białostocky propôs mesmo intitular a carta de Poussin de ut musica pictura, parafraseando o célebre mote de Horácio. Este não é o lugar para aprofundarmos a polêmica a respeito de como e em que medida Poussin teria efetivamente posto em prática, em seus quadros, as idéias defendidas em sua “Carta dos Modos”489; aqui, nos deteremos apenas na 487 "Si le tableau de Moïse trouvé dans les eaux de Nil, que possède M. Pointel, vous a charmé lorsque vous l’avez vu, est-ce un témoignage pour cela que je l’aie fait avec plus d’amour que le vôtres? Ne voyez vous pas bien que c’est la nature du sujet et votre propre disposition que sont cause de cet effet, et que les sujets que je traite pour vous doivent être représentés d’une autre maniére? C’est en cela que consiste tout l’artifice de la peinture. [...] C’est pourquoi je vous soumettrai une considération importante, qui vous fera connoître ce qu’il faut observer en la représentation des sujets qu’il on traite. Nos braves Anciens Grecs, inventeurs de toutes les belles choses, trouvèrent plusieurs modes par le moyen desquels ils ont produit de merveilleux effets. Ici, cette parole, Mode, signifie proprement la raison, ou la mesure et la forme dont nous nous servons pour faire quelque chose; laquelle raison nous astreint à ne passer outre certaines bordes, et à observer avec intelligence et modération, dans chacun de nos ouvrages, l’ordre determiné par lequel chaque chose se conserve en son essence. Les Modes des anciens étant une composition de plusieurs choses mises ensemble, de la varieté et différénce qui se rencontrent dans l’assemblage de ces choses, naissoit la varieté et différénce de modes; tandis que la constance dans la proportion et l’arrengement des choses propres a chaque mode, procédoit son caractére particulier, c’est-à-dire sa puissance d’induire l’ame à certaines passions. De là vient que les sages anciens attribuèrent à chaque mode une propriété speciale, analogue aux effets qu’ils l’avoient vu produire. Ils appliquèrent le mode Dorien aux matiéres graves, sévères et pleines de sagesse. Le mode Prygien, au contraire, aux passions vehémentes, et par conséquent aux sujets de guerre: j’espere, avant qu’il soit un an, peindre un sujet dans ce mode Prygien. Ils voulurent encore que le mode Lydien se rapportât aux sentiments tristes et douloureux ; le mode Hypolydien aux sentiments doux et agréables; enfin ils inventerent l’Ionien pour peindre les émotions vives, les scénes joyeuses, telles que les danses, le fêtes, les bacchanales. Les bons poètes ont également usé d’une grande diligence et d’un merveilleux artifice, non-seulement pour accommoder leur style aux sujets a traiter, mais encore pour régler les choix de mots et le rythme des vers d’aprés la convenance des objets à peindre. Virgile surtout s’est montré, dans tous ces poëmes, grand observateur de cette partie, et il y est tellement éminent, qui souvent il semble, par le son seul de mots, mettre devant les yeux les choses qu’il décrit. S’il parle de l’amour, c’est avec des paroles si artificieusement choisies qu’il en résulte une harmonie douce, plaisante et gracieuse; tandis que lorsqu’il chanté un fait d’armes ou décrit une têmpete, le rythme précipité, les sons retentissants de ses vers, peignent admirablement une scène de fureur, de tumulte et d’épouvante. Mais d’après ce que vou me marquez, si je vous avoit fait une tableau de ce caractère, et où une telle manière fût observée, vous vous seriez donc imaginé que je ne vous aimois pas!" (Collection de lettres de Nicolas Poussin... Op. cit., pp.276-279). 488 Ver a passagem do capítulo II, “Ordem da conveniência a ser salvaguardada na invenção”, reproduzido em LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A Pintura – Vol. 10: Os gêneros pictóricos. São Paulo: Ed.34, 2006, pp.31-37. 489 O próprio pintor, em uma outra carta a Chantelou, assim se definia: “Je ne suis point de ses que en chantent prennent toujours le même ton [...] je sais varier quand je veux". “Carte a Chantelou, Rome, 24 de mars de 1647”. In: POUSSIN, Nicolas. Op. cit., p.117). Entre os críticos de Poussin, Félibien VERSÃO NÃO REVISADA 196 pura e simples repercussão de suas idéias, especialmente no ambiente de língua francesa. Assim, por exemplo, podemos encontrar, em textos escritos por volta de finais do século XVII, prescriçãos relativas à maneira como configurar as figuras individuais de um quadro segundo o caráter específico que se lhes quer conferir, como propõem Henri Testelin na Table de precéptes sobre a proporção, onde são detalhados quatro tipos diversos de personagem (simples, belo e agradável, seleto e excedente). Além disso, “e talvez isso seja o mais interessante de tudo”, como observa Białostocky, o caráter de uma figura não devia se encontrar expresso somente nos seus aspectos mais evidentes, como proporção ou pose, mas igualmente na maneira como os elementos formais (linha, cor, etc.) eram empregados em sua configuração. Nesse sentido, o mesmo Testelin defendia que se selecionasse o tipo de linha utilizado no desenho de um personagem em função de sua natureza (linhas ondulantes, bastas e imprecisas para camponeses e pessoas rústicas; linhas “nobres”, torneadas e bem determinadas para personagens graves e sérios; e assim por diante). Analogamente, Dandré Bardon, em seu Traité de peinture suivi d’um essai sur la sculpture (1765), definia “diferentes caracteres de contornos e de formas”, segundo uma enumeração de seis tipos principais de personagens (vulgares e campones; sérios e respeitáveis; vigorosos e terríveis; agradáveis; heróis; divindades pagãs). Em uma outra passagem, Bardon defendia que mesmo a fatura devia variar em função da natureza da figura representada - a pele das mulheres, por exemplo, deveria ser tratada com uma pincelada bem delineada e torneada, enquanto que nas figuras idosas eram mais apropriadas as pinceladas que denotassem um certo descuido490. Logo, prescriçãos semelhantes podiam ser encontradas em tratados de alémMancha, como o do pintor Jonathan Richadson (“No retrato de homens de tal caráter [grande, terrível ou selvagem] deve ser empregada uma pincela tosca e ousada; contrariamente, se o caráter é gracioso, belo, amável, inocente, etc., um pincel mais leve e uma maior acabamento são apropeiaodos)491. Já nos século XIX, Charles Blanc se inseria nesse movimento, ao estender a necessidade de uma parece ter sido o primeiro a frisar que o mestre tinha realmente aplicado a teoria dos Modos em suas obras. A bibliografia moderna sobre a questão é relativamente ampla e não para de crescer; cf., além dos trabalhos recentes de David Freedberg, a lista parcial em PUTTFARKEN, Thomas. Roger de Piles's theoty of art. New Raven / London: Yale University Press, 1985, p.29, nota 86. 490 “Les chairs de femmes seront traitées d'un pinceau moelleux, arrondi [...] âge décrépit... des touches lâches avec un adroite nonchalance” (Citado em BIAŁOSTOCKY, Jan. Op. cit., p37, nota 65). 491 “The portrait of men of such characters [greatness, terrible or savage] there ought to be employed a rough bold pincel; and contrarily, if the characer is grace, beauty, love, innocence, etc., a softer pencil, and more finishing is proper” (Extraído de Theory of painting, primeira edição de 1715, citado em BIAŁOSTOCKY, Jan. Idem, p37, nota 60). VERSÃO NÃO REVISADA 197 conveniência da fatura à representação de todos os objetos, e não só para a figura humana: Como o aspecto variado das superfícies - eu diria o seu sabor, - só pode ser exprimido pela fatura, a justeza da cor nisso não sendo suficiente, é ai necessário uma certa destreza do pincel apropriada à natureza de cada substância. [...] Que a fatura deva ser variada, sobretudo nas obras de dimensões pequena e média, segundo o caráter dos objetos, é desnecessário dizer.492 Voltando à nossa descrição da argumentação de Białostocky, um passo decisivo é nela dado quando o autor defende que as prescriçãos que visavam, a princípio, caracterizar figuras ou objetos individuais, teriam uma validade mais ampla, podendo ser entendidas como se referendando à concepção do quadro como um todo. Assim, “por exemplo, os preceitos que ordenam as proporções dos diversos tipos de figuras, são ao mesmo tempo regras para a formação da imagem, na qual estas figuras desempenham um papel importante”493. Ampliada dessa maneira, a noção de caráter equivaleria àquela mais moderna de uma ordenação visual unitária do quadro, de um “efeito geral” que o presidiria e que serviria para introduzir e guiar o observador no sentido da compreensão do tema da pintura concepção que, como veremos, se aproxima mais daquela que pode ser encontrada na pintura brasileira da 1a República. Por um lado, o estabelecimento de uma relação entre o caráter visado por uma pintura e a sua composição geral foi certamente facilitado pela acima referida importância que esse mesmo conceito de caráter tinha na arquitetura - arte na qual ele possuía um sentido mais “abstrato”, uma vez que não podia, obviamente, se referir a fisionomias, movimentos ou ações individualizadas. Novamente, porém, parece ter sido da música, em especial a música sinfônica, que veio a inspiração para as tentativas de sistematização de tal relação na arte da pintura: “como o tema ou o pathos de uma música é nela revelado já pelo ritmo sonoro, assim um quadro 492 “ Como l'aspect varié de ces surfaces, - j'alais dire leur saveur – n'est peut être exprimé que par la touche, la seule justesse de la couleur n'y suffisant pas, il y faut une certaine adresse de pinceau appropriée á la nature de chaque substance” (BLANC, Charles. Op. cit., p.576); em outra passagem, Blanc afirmaria a necessidade de conveniência ligada à fatura: “celle qu'elle doit nous révéler, ce n'est pas tant le caractère le personnel du maître que le caractère de son oeuvre, car la touche est conitionnelle par essence; elle a ses convenances variables, sa vérité e sa beauté relative” (Idem, p.574-575) 493 “Por ejemplo, los preceptos que ordenam las proporciones de los diversos tipos de figuras, son al mismo tiempo reglas para la formacíon de la imagen, en la estas figuras juegan un papel importante” Citado em BIAŁOSTOCKY, Jan. Op. cit., p.25). VERSÃO NÃO REVISADA 198 deve revelar o próprio tema de sentimento através do ritmo geral das formas e das cores”494, resumiu Białostocky. Białostocky considera que uma tal noção unificada do caráter de uma pintura já se encontrava implícita nas idéias defendidas por Poussin em sua “Carta dos Modos”. Se assim fosse, a sua teoria ganharia contornos surpreendentemente modernos no contexto da teoria artística francesa do século XVII, como defendem autores contemporâneos como David Freedberg495, e como bem expressava já uma passagem de Anthony Blunt a esse respeito: A idéia de aplicar os princípios dos Modos à pintura é extremamente original, já que, de acordo com os teóricos da arte anteriores, o meio de induzir um clima ou uma emoção era a gesticulação, enquanto Poussin sustenta que isso pode ser feito pelo próprio estilo da pintura, ou seja, por meios quase abstratos.496 Embora tal interpretação não seja, de maneira nenhuma, um consenso entre os estudiosos497, o certo é que, a partir de finais do seiscentos, vamos de fato encontrar sendo formulado de uma maneira menos equívoca o argumento de que o Modo de uma pintura devia ser expresso por meios formais e identificado com o seu “efeito geral”. Isso ocorre em escritos de importantes teóricos e artistas franceses e podemos verificar tal argumento, por exemplo, nas palavras de Antoine Coypel, um dos sucessores de Le Brun como Diretor da Académie, que formulou aquela que é talvez a mais conhecida definição dos Modos na pintura: Cada quadro deve ter um Modo que o caracterize. A sua harmonia será por vezes amarga e por vezes doce, por vezes triste e por vezes alegre, segundo os diferentes caracteres dos temas que se deseja representar. Pode-se seguir nisso a encantadora arte da música... Aquilo que os músicos chamam modos ou motivos [dessins] são graciosos, fortes ou terríveis. Os mesmos princípios se aplicam a um quadro. Aquilo que deve mover o coração passando pelos ouvidos deve movê-lo também passando 494 “Come il tema o il pathos de uma musica ci è rivelato soltanto del ritmo sonoro, così un quando deve rivelare il proprio tema di sentimento dal ritmo generale delle forme e dei colori” ( BIAŁOSTOCKY, Jan. "Carattere"..., p.117). 495 Cf., por exemplo, FREEDBERG, David. Pictorial composition and emotional response. Disponível no site: http://www.interdisciplines.org/artcog/papers/3/9 496 “The idea of applying the principles of the Modes is highly original, becase, according to the earlier writers on the arts, the means of conveying a mood or an emotion had been by gesture, whereas Pousin maintains that it can be done by the actual style of the painting, that is, by almost abstract means” (Citado em PUTTFARKEN, Thomas. Op. cit., p.30). 497 É necessário salientar que um problema que se levanta decorre do fato dessa tese lançar mão daquilo que se poderia chamar, em um sentido moderno, de análise formal, que descreve os elementos da imagem com termos abstratos (“horizontal”, “vertical”, etc.) e os compreende como diretamente expressivos. Porém, como bem nota Thomas Puttfarken, em nenhum momento Poussin fornece uma indicação clara de estar preocupado com os meios formais “abstratos” da pintura; sem dúvida, “Poussin refers to the poet who adapt the choice of words and versification to the character of the subject, but does not specify the analogous parts of painting” (idem, p.31). VERSÃO NÃO REVISADA 199 pelos olhos. A primeira impressão de um quadro deve determinar seu caráter.498 Henri Testelin, logo no início da Table de precéptes sobre a expressão, retomaria e desenvolveria tais noções: Todas as partes da composição devem conter a imagem e o caráter do tema que se quer representar, de maneira que a idéia possa passar diretamente da imagem à mente do observador, para que desperte as paixões que o tema requer de acordo com a sua especificidade, isto é, em um tema de: – Alegria e paz, todas as coisas devem parecer agradáveis e calmas. – Guerra, tudo deve ser turbulento e pleno de terror. – Coisas graves e sérias, deve-se fazer notar por todo o conjunto algo de grandeza e majestade.499 Segundo Puttfarken, mais do que propriamente em Poussin, a concepção expressa por Coypel e Testelin se baseia na concepção de Modo defendida por Roger de Piles, que a aplicou de maneira sistemática à crítica de arte, encontrando, por exemplo, “um caráter de graça” nos quadros de Tiziano, “o caráter de verdade” nos de Veronese , e, na Queda dos danados de Rubens, um caráter de confusão e desespero500. Considerações críticas bastante semelhantes podem ser encontradas nos escritos dos teóricos setecentistas ingleses como Daniel Webb e Joshua Reynolds, que indicam em Rubens e sobretudo em Van Dyck os artistas que melhor conseguiram configurar essa imediateza e unidade de caráter em seus quadros. Além da composição propriamente dita, os arranjos cromáticos eram considerados particularmente adequados para instaurar o “efeito geral” de um quadro, como comprovam as prescrições de autores como Dandré Bardon (“'O tom básico do quadro deve diferenciar-se segundo o lugar da cena representada'; o 498 "Chaque tableau doit avoir un mode que le caractérise. L'harmonie en sera tântot aigre et tântot douce, tântot triste et tântot gaie, selon les differents caractères des sujets que l'on voudra representer. On peut suivre en cela l'art enchanteur de la musique... Ce que les musiciens apppellent modes ou dessins son gracieux, forts ou tertibles. Même principes dans un tableau. Ce qui doit l'émouvoir le couer en passant par l'oreille doit l'émouvoir aussi en passant par le yeux. Le coup d'oeil d'un tableau doit déterminer son caractère" (Citado em Idem, p.30). 499 “All the parts of the Composition ought to bear the Image and the Character of the Subject that we would represent, so that the Idaea may pass from the picture into the mind of those that looks on it, to touch the passions which the Subject requires according to their difference, e.g., in a subject of: - Joy and Peace, all things ought to apear agreeable and calm. - Of War, all must be turbulent and full of Terrour. - Of grave and serious things, we must make appear throughout the whole something of grandeur and Majesty” (Texto da tradução anônima inglesa de Sentiments des plus habiles peintres..., editado em 1688, citado em HARRISON, Charles [et alli]. Art in Theory 1648-1815: an anthology of changing ideas. Blackwell Publishing, 2000, p.139). 500 “Une caractère de grâce”, “le caractère de vérité”, “le caractère de ce tableau est proprement le desordre et le em quoy toutes sesfigures resemblent, c'est quelles portent avec elles un caractère de malédiction”(Citado em BIAŁOSTOCKY, Jan. "El problema del 'Modo'"..., p.35, nota 56). VERSÃO NÃO REVISADA 200 inferno, por exemplo, deve ser pintado em uma cor 'vermelho ardente'”501) ou Jonathan Richardson (“Se o tema é sério, melancólico ou terrível, o tom geral da cor deve inclinar-se em direção ao marrom, ao negro ou ao vermelho, devendo ter algo de sombrio; mas nos temas de alegria e triunfo, deve ser alegre e agradável”502). Aparentemente singelas, tais indicações conheceriam um largo desenvolvimento nas teorias artísticas do Romantismo, a medida que ganhava mais e mais corpo a tese que identificava as noções de Modo (ou caráter) àquela de “efeito geral” de uma pintura. Como lembra Białostocky, tal noção encontraria uma perfeita concretização nos quadros de pintores oitocentistas, desde Delacroix, que procura em todas as suas obras esse acordo concentrado de formamovimento-cor, até Whistler que da análise particularizada dos retratos chega a atmosfera colorística pura e diretamente emotiva, estabelecendo exatamente o acento sugestivo ou poético de uma paisagem, na qual se encontram dissolvidos não apenas os caracteres particulares, mas, por fim, as delineações essenciais.503 4.1.2. Modos na pintura da 1a República: motivação versus convenção Na pintura fluminense, a partir dos últimos decênios do século XIX, é possível encontrar uma associação mais ou menos estreita entre determinados tratamentos formais e determinados gêneros, como observou José Luis Nunes a respeito das pinturas de Elysêo Visconti na passagem por nós citada no parte inicial desse capítulo. Embora nossas pesquisas não tenham revelado, até o momento, declaração teóricas escritas que se detenham na explicação de tal prática, cremos que ela pode ser comprovada por algumas citações esparsas de artistas e de críticos, bem como pela eloqüência das próprias pinturas e dos contrastes de forma que se evidenciam entre elas. Nas partes seguintes, analisaremos três Modos principais. Relacionaremos cada um deles mais estreitamente a um determinado gênero pictórico - o retrato, a paisagem - ou função - a pintura de destinação decorativa. Porém, gostaríamos de frisar logo de início, essa relação entre um Modo e uma determinada categoria 501 “'El tono basico del cuadro debe diferenciarse, según el logar de la escena representada'; el infierno, por ejemplo, deve ser pintado en un color 'rojizo ardiente'” (Citado em Idem, p.28). 502 “If the subject be grave, melancholy, or terrible, the general tint of the colouring must incline to brown, black or red, and gloomy; but, be gay and pleasant in subjects of joy and triumph” (Citado em Idem, p.36, nota 60). 503 “De Delacroix, che questo concentrato accordo di forma-movimento-colore cerca in tutte le sue opere, a Wistler, que dall'analisi particolareggiata dei retrati giunge alle pure, direttamente emotivi atmosfere colorisitiche, intese appunto a stabilire l'accento suggestivo o poetico di un paesaggio, di cui si perdono non soltanto i caratteri particolare, ma pefino i lineamenti essenziali” (BIAŁOSTOCKY, Jan. “Carattere”. In: Op. cit., p.118). VERSÃO NÃO REVISADA 201 externa não é pensada como unívoca: a parte final 4.5 foi escrita procurando apontar justamente algumas das diversas exceções que os Modos aqui propostos comportam e, em última análise, os limites da sistematização neles implícita. Se, como veremos, o “realismo” do Modo associado aos retratos pode, em certa medida, ser interpretado como motivado, ou seja, como uma decorrência natural das funções de tal gênero, a associação verificada entre outros gêneros e os seus respectivos tratamentos - o aspecto bem mais abstrato do Modo associado à paisagem, por exemplo -, parece exigir maiores esclarecimentos, uma vez que tal associação não se baseia em qualquer intenção de fornecer uma representação “realista” de seus motivos. Encerrando a presente parte, gostaríamos, portanto, de nos deter um pouco mais sobre este último ponto. O fato do tratamento formal de uma pintura se encontrar em relativo desacordo com a função de representar o seu tema aparentemente contradiz algumas das definições de Modo que acima citamos, bem como a aproximação acima postulada entre os conceitos Modo e caráter: O esforço de caracterizar uma figura ou ação parece ser, a princípio, o exato oposto de tendências como a idealização ou a estilização; além disso, uma preocupação com a caracterização pode ser encontrado nos mesmos ambientes culturais em que viceja um interesse paralelo pela retratística, pelas cenas de gênero, e assim por diante. Tal contradição assume ares menos drásticos se considerarmos, por outro lado, o quanto, em todos os locais e tempos, a noção de caráter possuiu de convenção socialmente estabelecida. Como observou Waldemar Deonna a esse respeito, a figuração de personagens, ações ou cenas “características” de forma alguma é o simples “caracterizadas” ou efeito de uma predisposição “realista”, que colheria diretamente os aspectos da realidade. A caracterização nas artes figurativas responde igualmente a um impulso de todo contrário ao registro passivo de seus motivos; ainda segundo Deonna, na verdade, ela obedece sobretudo a uma visão secundária e mediada da realidade, filtrada através de variadas experiências de tradição e de meditação cultural: o que explica, no plano formal, ela se encontrar freqüentemente acompanhada de deformações de desenho e cor, de conceituações de estilo, que estão entre os mais distantes de uma pura e simples intenção de mimese.504 504 "Ad una visione secondaria e mediata da realtà, filtrata attraverso avariate esperienze di tradizione e di meditazione culturale: ciò que spiega, sul piano formale, il suo frequente accompagnarsi a deformazioni disegnative e coloristiche, a concetualismi di stile, che sono tra il più lontani da una pura e semplice intentizioni de mimese" (DEONNA, Waldemar. “Carattere”. In: Op. cit., pp.110-111). VERSÃO NÃO REVISADA 202 Novamente, é importante lembrar da noção de decoro e da sua estreita relação com a definição dos Modos nas artes. Não é somente a natureza do objeto ou do tema representado que deve ser levada em conta na escolha da maneira como ele será figurado, mas também outros fatores, como, por exemplo, a quem a obra se destina, onde ela será exibida e, inclusive, os próprios impulsos subjetivos do artista. No estudo dos Modos pictóricos da 1a República, em suma, será necessário levar em conta todo o aspecto multidimensional do complexo ato comunicativo concretizado em um simples quadro, tarefa da qual procuramos apresentar uma síntese na parte 4.6 abaixo. Nas artes do século XIX, o mais conhecido exemplo de o quanto o tratamento formal de uma obra é função de convenções instituídas socialmente – logo, arbitrárias -, pode se encontrado na arquitetura eclética, em particular na prática ornamental bastante difundida do chamado historicismo tipológico, comum na Europa já a partir da primeira metade do século XIX, e que Luciano Patetta definiu justamente como um conjunto de Escolhas apriorísticas de cunho analógico que deviam orientar o estilo quanto a finalidade a que se destinava cada um dos edifícios, reencontrando, na Idade Média, os traços místicos e a religiosidade para as novas igrejas; na Renascença as características áulicas elegantes para os edifícios públicos, no Barroco, ou nos estilos orientais exigida pelos equipamentos de lazer, no Classicismo pesado do coríntio romano, o caráter apropriado aos solenes edifícios do parlamento, dos Museus e dos Ministérios.505 A formulação dessas prescriçãos subjacentes ao historicismo tipológico arquitetônico remontam ao século XVIII. Foi então que ruiu o outro sistema tradicional de caracerização dos edifícios, baseado nas diferentes ordens gregas, em função especialmente do surgimento de uma diversidade sem precedentes de novos programas arquitetônicos, cada um demandando uma configuração ornamental própria506. O fato de a partir de então terem sido “recuperados” ou desenvolvidos diversos sistemas ornamentais derivava também, como lembrou Sônia Gomes Pereira, do “desenvolvimento dos estudo históricos e das pequisas arqueológicas, marcados nesse período [meados do século XVIII ao início do XIX] pela preocupação primordial com a descrição e a classificação dos estilos, sendo a 505 PATETTA, Luciano. Op. cit., pp.14-15. Cf. “Vers une esthétique de la pérception”. In: SZAMBIEN, Werner. Symétrie, Goût, Caractère: Théorie et terminologie de l'architecture à l'age classique 1550-1800. Paris: Picard, 1986, pp.176sg. 506 VERSÃO NÃO REVISADA 203 precisão de sua metodologia apoiada justamente nas características ornamentais”507. Simultâneo ao desenvolvimento dessa consciência histórica, não é de estranhar que na prática arquitetônica eclética tenha se desenvolvido essa série de associações entre a forma e a função de uma construção. Baseadas em analogias convencionais amplamente aceitas, essas associações legitimavam e justificavam a apropriação, por parte dos projetistas, dos estilos do passado ou de regiões afastadas; estes haviam se convertido naquilo que Rudolf Arnheim qualificou, fazendo referência explícita às idéias de Jan Białostocky, de “precedentes modais”, que eram adequadamente invocados de acordo com a natureza do prédio a construir. Cremos que, no presente estudo, a natureza convencional, socialmente estabelecida e arbitrária dos Modos pictóricos praticados na 1a República encontra a sua confirmação mais clara naqueles relacionados à pintura de paisagem (cf. parte 4.3) e à pintura decorativa (cf. parte 4.4). Antes, porém discutiremos um primeiro Modo que parece, a princípio, derivar mais diretamente da aparência de seus motivos. 4.2. O Modo Realista O primeiro Modo da pintura brasileira da 1a República que gostaríamos de aqui discutir se encontra em estreita vinculação com o gênero dos retratos. Devido às exigência de perpetuar a efígie do retratado, especialmente no caso dos retratos oficiais, o tratamento pictórico verificado nas obras desse gênero implicava em uma quase lógica adesão à verossimilhança, uma “fidelidade” à sua referência, que aqui apelidaremos de Realista. Se existe uma estreita relação entre o Modo Realista e o gênero retratístico, gostaríamos desde já de salientar que isso não implica em uma identidade absoluta entre os dois termos, ponto ao qual voltaremos no final da parte 4.5. Em um sentido mais especificamente formal, duas outras características podem ser destacadas com respeito ao Modo Realista. Em primeiro lugar, o fato de ser o valor o principal elemento formal responsável pelo clima geral das obras nele realizadas (cf. A definição de Cavalleiro no início da parte 2.3.3). O jogo de valores os termos tom ou tonalidade eram também usuais para designar esse elemento da 507 PEREIRA, Sônia Gomes. “A questão da ornamentação na arquitetura eclética”. In: Arquivos da Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ / EBA, 1999, p.140-141. VERSÃO NÃO REVISADA 204 forma - é responsável pelos efeitos de claro-escuro, que conferem solidez e modelado às figuras e, eventualmente, aos objetos que com ela partilham a imagem. São também os valores que configuram a “atmosfera” que envolve os retratados, criada normalmente através de modulação e passagens, mais ou menos sutis, de tom para tom. A segunda característica formal que gostaríamos de aqui destacar diz respeito a paleta cromática reduzida que é normalmente observável nas obras realizadas em Modo Realista. Mesmo a mais breve análise de retratos como aqueles de Visconti [Figura 4.1a] ou Arthur Timótheo [Figura 4.3a], aos quais mais acima nos referimos, ou às obras que reunimos sobre a rubrica do Modo Realista no Anexo de Imagens [Figura 4.6 a 4.12], pode servir para demonstrar como neles são normalmente evitadas as saturações cromáticas, ou seja, o uso das cores em graus elevados de pureza. Em certa medida, essa segunda característica formal é uma restrição imposta pela primeira, como observou Charles Harrison: As técnicas tradicionais de modelagem tendem a depender de graduações regulares de luz e sombra, e portanto da organização em termos de tom, mais do que de matiz. Os quadros que são ao mesmo tempo bem modelados e brilhantemente coloridos tendem a aparecer berrantes ou sobrecarregados, ou as duas coisas.508 Em muitos casos, a paleta dos retratos poderia ser resumida a quatro “cores”: o preto e o branco - os extremos da escala de valor -, mais o amarelo ocre e o terra-de-siena-queimada - conjunto que o professor de Pintura da UFRJ Marcelo Duprat designa em seus trabalhos como Paleta terra509. É exatamente esse conjunto de cores que se encontra discriminado - o cal fazendo as vezes do branco -, em um estudo que Henrique Bernardelli realizou para uma decoração destinada ao ateliê que dividiria com seu irmão Rodolpho, a ser executado na técnica do afresco [Figura 4.5]. Uma análise dessa obra permite perceber como, de fato, o artista obteve todo um espectro cromático de baixa saturação através das misturas, em diferentes combinações e proporções, feitas a partir das quatro “cores” de base nela referidas. Pelo seu caráter sintético, pela sua sintaxe simplificada e pela harmonia cromática de ante-mão garantida pela própria limitação do grau de saturação das cores que a compunham, não por acaso era a Paleta terra aquela que normalmente 508 HARRISON, Charles. “Impressionsismo, modenismo e originalidade”. In: FRASCINA, Francis [et alli]. Modernidade e Modernismo. A pintura francesa no século XIX. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1998, p.171. 509 Cf. em especial os textos sobre teoria da cor, disponíveis no site http://www.marceloduprat.net/analises.html VERSÃO NÃO REVISADA 205 o aprendiz de pintor empregava nas suas primeiras experiências práticas com o métier. É por isso, e em parte pela preocupação análoga a dos retratos em conservar a aparência do modelo, que boa parte das academias pintadas, gênero que abordamos na parte 2.2.1, poderia ser inserida no Modo Realista de que aqui trataremos; na presente parte, porém, faremos apenas algumas observações pontuais sobre as academias, sem nelas voltarmos a nos demorar como já fizemos anteriormente. 4.2.1. O Modo Realista e a fotografia Desde antes da República ser instaurada no Brasil, a pintura não era, obviamente, a única arte a qual se recorria quando era o caso de se perpetuar a imagem de um indivíduo. Entre os diversos usos e funções de uma outra célebre técnica, a fotografia, destacava-se, desde meados do século XIX, justamente a retratística, que atendia às demandas de uma clientela crescente e ávida que utilizava a imagem fotográfica como meio de representação social e de fixação da memória individual e familiar. Logo, na 1a República, pintura de retratos e fotografia - especialmente aquela praticada pelos profissionais -, assumem funções análogas e sobrepõem as suas competências. As duas artes se propõe a “fixar uma imagem de um indivíduo ou de um grupo que quer ser reconhecido, recordar e ser recordado, compartilhar experiências, atingir um grau limitado de imortalidade”510. O fato de as ocupações do pintor e do fotógrafo colidirem no campo da confecção dos retratos provocou, como não poderia deixara de ser, certos conflitos entre essas duas categorias de artistas, mas possibilitou também, e sobretudo, íntimas e interessantes associações entre elas. Por um lado, como demonstram estudos recentes511, a retratística pintada continuou sendo uma prática central na cultura figurativa oito-novecentista, cuja importância não foi, de modo algum, usurpada pela fotografia - muito embora, algumas características do Modo Realista que destacaremos nessa parte pareçam derivar diretamente na fotografia. Inversamente, uma parcela significativa dos fotógrafos procurou, na associação com a pintura, conferir um status mais honroso ao seu métier, especialmente durante o século XIX. 510 SCHAPOCHNIK, Nelson. “Cartões postais, álbuns de família e ícones da intimidade”. In: SVEVCENKO, Nicolau (org.). História da vida privada no Brasil 3. República: Da Belle Époque à era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.471. 511 MCPHERSON, Heather. The Modern Portrait in Nineteenth-Century France. Cambridge, United Kingdom: Cambridge University Press, 2001. VERSÃO NÃO REVISADA 206 Logo após o primeiro comunicado da invenção do daguerreótipo512, se estabeleceu, a princípio na comunidade artística francesa e depois na mundial, um caloroso debate provocado justamente pela dificuldade em rotular de uma maneira adequada a imagem fotográfica. Durante décadas, se discutiu se a fotografia era, de fato, uma arte ou simplesmente um resultado mecânico, fruto de um processo químico-ótico, do qual a subjetividade artística estava ausente. Não é de espantar, portanto, que, desde o início, vários dos profissionais entusiastas da técnica da fotografia tenham procurado “elevar” o seu status ambíguo, aproximando-a das belas artes através do recurso aos mais variados procedimentos oriundos desse último domínio. O mais freqüente desses procedimentos era a apropriação de tipologias compositivas, tratamentos e esquemas de valor diretamente derivados de fórmulas celebrizados pela pintura, pelo desenho ou pela gravura. Esse primeiro tipo de apropriação viria a atingir o seu auge entre meados da década de 1880 e a eclosão da 1a Guerra Mundial, com o chamado Pictorialismo fotográfico513 No que se refere às artes do desenho e à gravura, não devemos esquecer que, especialmente em seus primórdios, a fotografia era “naturalmente” a elas comparada por apresentar um resultado monocromático aparentemente análogo. Na Inglaterra, por exemplo, William Fox Talbot compreendia seus photogenic drawings, realizados já a partir dos anos de 1830, como uma extensão da arte do desenho514. Por outro lado, a possibilidade de reprodução da fotografia favorecia as comparações entre esta e os tradicionais processos de impressão: as pesquisas pioneiras de Joseph Nicéphore Niépce, antes de se associar a L.-J. M. Daguerre, apontavam para uma interpretação da imagem de natureza fotográfica como uma matriz metálica geradora de cópias em papel, derivada do processo da água-forte515, e, no Brasil, as anotações do pesquisador pioneiro Hercule de Florence igualmente se referiam a pesquisas no campo da gravura. Outros procedimentos aproximavam os retratos fotográficos da linguagem pictórica, como os retoques corretivos e, especialmente, a colorização manual. Esta técnica tradicional tinha a função de introduzir um elemento vivificador nas imagens 512 Feito por François Arago em 7 de janeiro de 1839 a alguns membros da Academia de Ciências da França. 513 Alguns exemplos célebres de fotos “pictorialistas” podem ser vistas no site http://www.iphotocentral.com/showcase/showcase_view.php/93/1/0 514 Era assim já no título do seu comunicado, lido na Royal Society em 31 de janeiro de 1839, no qual Talbot define o photogenic drawing como um processo pelo qual “objetos naturais podem se delinear sem a intervenção do lápis do artista” (‘An Account of the Art of Photogenic Drawing or the process by which natural objects may be made to delineate themselves without the aid of the artist's pencil.’); cf. http://www.r-cube.co.uk/fox-talbot/history.html 515 FRIZOT, Michael. “Os continentes primitivos da fotografia” In TURAZZI, Maria Inez (org). Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Fotografia – n. 27 (1998). IPHAN, p.38-39. VERSÃO NÃO REVISADA 207 de natureza fotográfica e as acompanhava desde os primórdios de seu surgimento – sendo depois estendida também ao cinema; como comprovam os filmes de Mélies. Todavia, seus resultados eram relativamente “tímidos”, deixando transparecer o substrato técnico sobre as delicadas camadas de tinta a ele sobrepostas, não sendo assim capaz de fazer os espectadores esquecerem a lógica industrial inerente à fotografia. Algo diverso acontecia com outra estratégia, a técnica híbrida da foto-pintura, que literalmente fundia a fotografia e uma das mais prestigiadas belas artes. Diferente da colorização, a foto-pintura era caracterizada por uma plena cobertura da imagem fotográfica com a fatura pictórica e consistia em uma afirmação mais ousada do gesto artístico: a aparência final de uma foto-pintura se aproximava bem mais do resultado de uma pintura tradicional, e o ar “nobre” que o processo conferia à imagem fotográfica original transfigurava essa última em um artigo de luxo516. Essas e outras técnicas seriam empregadas pelos estúdios fotográficos fluminenses, que se mantinham em fina sintonia com as novidades européias. Durante o Segundo Império - lembremos que o próprio monarca D. Pedro II era um entusiasta da técnica fotográfica -, não é de se surpreender que a interação entre esta e a pintura fosse das mais intensas na cidade do Rio de Janeiro. Joaquim Insley Pacheco, a uma só vez pintor e fotógrafo, era um dos apologistas da associação estreita entre as duas artes que praticava. Já em 1858, ele descrevia em um anúncio de seu estúdio, uma de suas foto-pinturas517, e, em meados dos anos 1860, um outro pintor atuante no meio fluminense, Poluceno da Silva, praticava a foto-pintura e “encarregava-se de ampliar fotografia em ambrótipo e retratos no formato cartes-de-viste (6x9cm) para uma pintura a óleo em tela de tamanho natural (cerca de 200 x 100 cm)”518. Obras desses e de outros artistas que produziam na interface entres pintura e fotografia eram igualmente bem aceita nas mostras artísticas do período, inclusive na Exposições Gerais da AIBA. 516“ A técnica da foto-pintura consistia em ampliar uma imagem fotográfica de baixo contraste e fixá-la sobre papel albuminado ou tela preparada com albúmem e sais fotossensíveis. Após esta etapa realizada pelo fotógrafo, a imagem era entregue ao pintor da oficina incumbido de adicionar as tintas reproduzindo a imagem fotográfica pictoricamente. Geralmente era empregada tinta à têmpera guache, aquarela, pastel seco para as imagens sobre papel e tinta a óleo para as fixadas em tela” (SILVA, Lícius da. “A foto-pintura de retrato carioca do século XIX: entre a Arte e a lógica industrial”. In: Convergir: Arte e seus pares. XII Encontro do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ. Rio de Janeiro, 2005 (CD-Rom). 517 “Um retrato sôbre vidro por êste método, o qual reúne as vantagens da fotografia às da pintura a óleo, de tal perfeição que nem a máquina de Daguerre, nem o pintor só com o pincel pode conseguir tal semelhança, tanta finura de contornos nem tanta beleza” (Citado em FERREZ, Gilberto. “A fotografia no Brasil e um dos seus mais dedicados servidores Marc Ferrez 1843-1923”. In: Revista do Patrimonio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, 1946, n.10, pp.184-185). 518 MACHADO, Vladmir. A revolucionária técnica da Photopainting em 1859, Rio de Janeiro, 2005, p.11. VERSÃO NÃO REVISADA 208 Mesmo Victor Meirelles, um artista ainda hoje identificado com a essência mesma da tradição na pintura brasileira - e que, de certo, era um crítico das técnicas híbridas, como a foto-pintura519 -, não fechou os olhos com relação às valiosas possibilidades que a associação com o invento de Daguerre podia oferecer à arte a qual se dedicara. Em 1866, então encarregado de julgar o setor de fotografia da Segunda Exposição Nacional, Meirelles teria elogiado os Panorama do Rio de Janeiro, de George Leunziger, e afirmado que, pela perfeição encontrada na fotos desse polivalente profissional de origem suiça, estas poderiam servir perfeitamente de estudo aos artistas que se dedicavam à arte bela da pintura de paisagem [...] as formas são ali reproduzidas com toda a fidelidade da perspectiva linear [...] e o que sobretudo torna-se ainda mais digno de atenção é a perspectiva aérea, tão difícil de obter-se na fotografia sem alteração.520 Não deixa de ser irônico que, ainda na década de 1880 e posteriormente na a 1 República, com ainda maior intensidade, seria justamente a pintura de paisagem o gênero que mais decidida e freqüentemente se afastaria das exigências da verossimilhança, centrais na declaração de Meirelles e que podem ser verificadas em alguns de seus estudos de paisagem, tudo que restou dos grandes panoramas pintados em finais do oitocentos e hoje perdidos. De qualquer forma, como veremos, especialmente ao praticarem o gênero dos retratos, mas também nas orquestrações exigidas pela grandes “máquinas” de pintura histórica521, o uso de fotografias, substituindo os tradicionais aide-mémoires se tornaria freqüente por parte dos pintores fluminenses, especialmente à medida que novas e mais práticas técnicas eram desenvolvidas e se tornavam de uso corriqueiro. Assim, dentro do contexto de formação do pintor na AIBA/ENBA, como já tivemos oportunidade de mencionar, as aplicações pedagógicas da fotografia seriam defendidas com presteza, como fez, no final da década de 1870, Zeferino da Costa (cf. a citação do pintor reproduzida na parte 2.1.1), e como faria posteriormente Pedro Weingärtner, ao incluir a cópia de “phototypias” de folhas e ornamentos, como atividade para os alunos do 1o ano, em seu plano de Desenho figurado do começo dos anos 1890 (cf. Anexo II.1) - embora seja difícil precisar, nesse último caso, qual era o papel exato da técnica no processo pedagógico. 519 Ver, a esse respeito, a passagem citada em FERREZ, Gilberto. Op. cit., pp.185-186. Citado em MACHADO, Vladmir. Op. cit., pp.12-13. 521 Um exemplo conhecido é o da apropriação de fotografias feita por Pedro Américo para suas grandes cenas bélicas, - A batalha de Campo Grande e A batalha do Avahy -, foi detalhadamente abordado em MACHADO, Vladimir. Do esboço pictórico às rotundas dos Dioramas: a fotografia na pintura de Batalhas de Pedro Américo. São paulo: USP, 2002 (Tese de Doutorado). 520 VERSÃO NÃO REVISADA 209 Na 1a República, novos capítulos desse denso diálogo entre pintura/fotografia continuam sendo escritos. Por um lado, é notório que diversos pintores praticavam com assiduidade e mesmo maestria, a fotografia: era esse o caso, entre os primeiros professores da ENBA, de Henrique Bernardelli, que possuía um estúdio já na época de sua estadia na Itália, nos anos 1880522; foi também o caso, algumas décadas depois, de Guttmann Bicho, que utilizava fotos por ele mesmo tiradas como referência para seus quadros e, especialmente, para seus cartazes e demais trabalhos gráficos. Nas biografias a respeito de Rodolpho Chambelland, é normalmente lembrado o fato dele, no começo de carreira, ter trabalhado como retocador de fotografias. Campofiorito se estendeu sobre esse tópico: [Foi Rodolpho Chambelland] retocador de fotografias da casa Bastos Dias, que mantinha ateliê especializado em ampliações fotográficas. Essas ampliações eram particularmente destinadas a retratos pessoais ou de grupo, o que oferecia aos jovens oportunidade de subsistência praticando o necessário retoque a crayon Conté e esfuminho, e, às vezes, com tênue colorido a “pastel”, já que os originais eram muito imperfeitos. Quase resultavam em um trabalho inteiramente manual, o que criava confusão com desenhos originais e, como tal, alcançavam maior preço.523 Todavia, o que nos interessa mais de perto aqui foi uma interessante resignificação da relação pintura/fotografia verificável na República Velha. Se até então era mais comum os fotógrafos fazerem apelo aos procedimentos da pintura, especialmente a referida colorização, como descrito na passagem de Campofiorito, a partir de então é possível observar, igualmente, uma exata inversão dessa situação: a estreita associação que podemos encontrar, em diversos retratos, entre o Modo Realista e o uso de uma paleta monocromática, ainda mais restrita do que aquela descrita no começo dessa parte, parece decorrer e mesmo querer emular a aparência típica da fotografia de então, o que, por sua vez, dotava os quadros pintados à mão de certas conotações que gostaríamos de abaixo enumerar. Existem exemplos que demonstram, sem deixar margem a dúvidas, que os pintores da 1a República se valiam de fotografias como referência, no processo de realização de seus retratos. Em um de seus livros, Sergio Miceli reproduz um deles, o Retrato do arquiteto Ramos de Azevedo [Figura 4.6a], realizado por Oscar Pereira da Silva em 1929, após a morte do retratado, a partir de uma foto datada de c.1923 522 Em carta dirigida ao irmão Rodolfo, em de 2 de setembro de 1883, Henrique cita o “gabinette fotográfico” (Arquivo do Museu Nacional de Belas Artes. APO-62); Camila Dazzi levantou a hipótese de que esse interesse de Bernardelli poderia ser uma decorrência do contato com a obra de Francesco Paolo Michetti, artista abruzzese que se valia sistematicamente da fotografia em seu processo criativo. Cf. o artigo Revendo Henrique Bernardelli, disponível no site http://www.dezenovevinte.net/artistas/biografia_hbernardelli.htm 523 CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit., p.256. VERSÃO NÃO REVISADA 210 [Figura 4.6b]524. Em nossas pesquisa, nos deparamos ainda com dois outros casos de retratos - esses um tanto mais tardios, cumpre notar -, dos quais sobrevivem reproduções das imagens fotográficas originais que teriam servido de “inspiração” aos artistas. O primeiro deles é o de uma Homenagem a A. Parreiras, um retrato realizado pelo acima referido Rodolpho Chambelland em 1940 e que hoje pertence ao museu dedicado ao pintor de Sertanejas, que se localiza em Niterói [Figura 4.7a]. Em baixo à esquerda, a inscrição “Copia Phot” certifica a relação do quadro com a técnica industrial, feita através da apropriação de uma famosa fotografia de Parreiras [Figura 4.7b]. Todavia, Chambelland não se limitou, nesse caso, à reprodução passiva da imagem que se encontra na origem de seu quadro: além da adição de uma harmonia cromática baseada na Paleta terra, é possível perceber, através de um exame mais atento, um esforço deliberado de conferir uma maior organização aos elementos visuais que constituem a pintura. Esse esforço é perceptível, sobretudo, na atenuação da assimetria dos olhos, bem mais marcada na foto original e, também, na simplificação da complicada tessitura representada pelos fios do cabelo e do bigode do retratado. Um outro exemplo ainda mais interessante de apropriação comprovada de referências fotográficas é o Retrato coletivo que Marques Júnior realizou em finais dos anos 1930, e que hoje pertence à Academia Brasileira de Letras [Figura 4.8a]. Esse tela de grandes dimensões retrata uma daquelas reuniões que ocorriam nas salas do Café Papagaio, na Rua Gonçalves Dias, envolvendo alguns dos mais importantes nomes das letras fluminenses da 1a República, a chamada Sociedade de homens de letras525. Um desses encontros foi registrado em uma foto, datada de 1908, que serviu de ponto de partida para a composição do pintor [Figura 4.8b]. É dificil dizer, a partir do simples exame da obra, se e em que medida o artista teria feito uso de processos mecânicos para ampliar a foto na tela destinada à fixação definitiva da imagem, mas o certo é que, como no caso acima citado de Chambelland, Marques Júnior não se limitou a copiar o original. A configuração de quase todas as formas apresenta pequenos mas sensíveis desvios; o artista promoveu simplificações da marcação linear com o provável intuito de tornar mais 524 MICELI, Sergio. Nacional estrangeiro: história social e cultural do Modernismo artistico em São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, figuras 1 e 2. 525 Os personagens representados na tela seriam, sentados, “da esquerda para a direita, João do Rio, Maurício de Medeiros, Oscar lopes, Antônio Tôrres, Medeiros e Albuquerque, Martins Fontes, Olavo Bilac, um não identificado, Gregório da Fonseca e Emílio Menezes. Em pé, no grupo da esquerda, Bastos Tigre, Carlos Maul, Olegário Mariano, Coelho Netto e Luiz Edmundo. Ao fundo, em pé, a dir., Leal de Souza, Alberto de Oliveira, Humberto de Campos, e outro também não identificado”. SENNA, Terra de. “História do Rio através os cafés”. In: O Cruzeiro, p.116. VERSÃO NÃO REVISADA 211 legível a aglomeração complexa de formas, especialmente na faixa central do quadro, procedimento mais evidente em aspectos como as dobras das roupas dos retratados; além disso, ele incluiu várias figuras ausentes da fotografia - esse é o caso sobretudo daquelas em pé, nos grupos que ladeiam a composição -, e substituiu ou mesmo eliminou outras Todavia, e esse é um detalhe significativo, o pintor preservou uma das características marcantes da fotografia original: a sua monocromia. Esse gesto, no nosso entender, tem interessantes implicações. De certo, a opção pela monocromia, em tons de terra de siena-queimada, preto e branco, representava uma considerável simplificação da tarefa da qual Marques Júnior estava encarregado, uma vez que, provavelmente, o pintor encontraria dificuldades para acrescentar um esquema cromático compatível com o grau de realismo das figuras em uma obra de tais dimensões - ainda mais na total impossibilidade de reunir as figuras que nela deviam figurar, passadas décadas da seu encontro naquele que foi um dos mais célebres bares freqüentados pela boêmia fluminense da República Velha. Mas uma outra motivação da escolha de Marques Júnior por um arranjo monocromático parece residir em certas conotações por ele possibilitadas. Apesar de suas dimensões, é necessário lembrar que esse retrato fora pensado, a princípio, para uma circulação privada. Ele se encontra dedicado ao escritor Luiz Edmundo, que figura em pé, próximo do centro do quadro, e a ele pertenceu até a sua morte; as expressões e as atitudes dos personagens sentados, com a sua marcada informalidade, são outros tantos indicativos do uso privado da obra. Mas do que uma peça celebrativa, o Retrato coletivo se afirma assim, para usar a expressão de Nelson Schapochnik, como um suporte de memória, um convite à especulação rememorativa. Da mesma maneira que o típico retrato fotográfico, essa obra de Marques Júnior, embora constitua “um vestígio de alguma coisa que existiu, não pode ser vista como a imagem exata dessa coisa”, não tem a capacidade de conservar o passado mas tão-somente a de reproduzir referências para a sua rememoração no presente526. No nosso entender, esse déficit existencial é configurado, sobretudo, através da ausência do colorido e da sua conseqüente evocação da técnica de fotografia. Se a monocromia relativiza o conteúdo “verista” da obra, que passa a ter um papel secundário com relação aos efeitos nostálgicos suscitados naquele que contempla, esse fato se encontra igualmente afirmado por outros fatores, com, por exemplo, o uso do efeito de flou (dissolução) na figuração dos personagens que se 526 SCHAPOCHNIK, Nelson. Op. cit., 459 VERSÃO NÃO REVISADA 212 encontram em pé. Esse recurso era comum nas fotografias da 1a República, especialmente nas que retratavam pessoas falecidas e que tinham o valor de objeto de culto527: assim, as efígies que ladeiam a composição, postas acima dos outros retratados, em particular aquelas do lado direto, adquirem com o seu ar mais contido algo da aparência de anjos tutelares - de fato, os literatos Alberto de Oliveira e Humberto de Campos, que aí figuram já eram falecidos quando o quadro foi executado. Menos ambiciosos, alguns retratos individuais realizados por Marques Júnior ainda durante a 1a República, ao longo da década de 1920, parecem antecipar as conotações saudosistas do Retrato coletivo, ao qual acima nos referimos. Feitos para a Sociedade Brasileira de Belas Artes, a antiga Juventas, essa série de retratos apresenta as efígies de alguns de seus membros mais famosos, artistas como Aníbal Mattos [Figura 4.9a], Baptista da Costa [Figura 4.9b] ou o escultor Corrêa Lima [Figura 4.9c]. A princípio, em especial pelas suas áreas que ostentam uma aparência “inacabada”, mas também pelo seu aspecto monocromático, poderíamos pensar que tais quadros são, na verdade, lançamentos (ébauches) que não foram levados a termo. Todavia, as sutilezas de modelado e a utilização de uma matéria mais carregada e opaca, especialmente nos rostos que figuram nos dois últimos quadros citados, indicam algo diverso, isto é, que a aparência de tais obras foi uma escolha deliberada do pintor. Dessa maneira, as áreas “inacabadas” do fundo contrastam e, por sua vez, valorizam os rostos das figuras celebradas. Nessa série de retratos pintados por Marques Júnior, a paleta monocromática parece desempenhar uma dupla função: em primeiro lugar, remete a técnica fotográfica e impregna as obras daquele caráter de rememoração evocativa que acima nos referimos, mais do que de presença física - embora não possamos no presente momento precisar em que medida e de que maneira a fotografia foi de fato empregada na realização de tais retratos. Por outro lado, a monocromia unifica, em certa medida, toda a série, relativizando a distância da sua realização no tempo e, em certa medida, a própria identidade dos indivíduos retratados. Se levarmos em conta que todos esses artistas foram membros destacados da Sociedade Brasileira de Belas Artes, instituição a qual o próprio Marques Júnior pertencia, é bastante plausível que o conjunto dos retratos tenha sido pensado como uma espécie de panteão da agremiação, cujos ideais unificavam e transcendiam os indivíduos que a compunham. O gênero do retrato readquiria, nesse sentido, uma das suas mais 527 Idem, pp.478sg. VERSÃO NÃO REVISADA 213 antigas funções nos meios políticos republicanos, a de servir como celebração pictórica ligada não aos indíviduos particulares, mas aos papéis sociais por eles desempenhados, função cujas origens remontam ao século XV e que foram lembrada pro Enrico Castelnuovo em um célebre artigo, 528. Um outro exemplo da utilização de uma paleta monocromática em um retrato de grupo de grande envergadura é o relativamente conhecido quadro pintado por Elysêo Visconti para o plenário da Câmara do Deputados, no atual Palácio Tiradentes - prédio cuja decoração discutiremos com mais detalhes na parte 4.4. Dominando o espaço destinado a Mesa Diretora, essa grande tela, realizada em 1926, retrata os constituintes de 1891, ocupando o antigo Paço da Quinta da Boa Vista529 [Figura 4.10]. Embora nesse caso, não tenhamos encontrado as referências usadas pelo pintor, cremos que é praticamente impossível que Visconti não tenha feito uso de uma ou mesmo várias fotos para levar a cabo a sua obra530. Nesse quadro de Visconti, de concepção mais formalizada, a monocromia parece ter funções menos poéticas do que aquelas presentes no Retrato coletivo de Marques Júnior: por um lado, ela funciona como um traço que aproxima, em termos visuais, a pintura e o ambiente onde ela está inserida, uma vez que a obra é composta em tons de cinza e terra, cuidadosamente escolhidos para compor em harmonia com o madeiramento do recinto. Por outro lado, a monocromia parece ter sido aqui empregada para conferir ao quadro uma certa neutralidade objetiva, conotações novamente derivadas da técnica da fotografia a qual remetem. 4.2.2. Caracterizar o retratatado As observações que fizemos com relação às sutis, mas ainda assim bastante significativas, alterações que pintores como Chambelland ou Marques Júnior introduziam em seus quadros, mesmo quando partiam de fotografias de boa qualidade estética, servem como uma espécie de indicação de que o termo Realista, complemento da designação do Modo aqui estudado, não deve se definido de uma forma muito estreita. Como afirmou Heather Macpherson, a partir de 528 CASTELNUOVO, Enrico. “Retratos republicanos”. In: Retrato e sociedade na arte italiana - Ensaios de história social da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p.107. 529 No quadro, como observou Carlos Eduardo Sarmento, “destacam-se as efígies de Pinheiro Machado, Prudente de Moraes, Rodrigues Alves, Saldanha Marinho e Rui Barbosa, retratado no momento em que punha sua chancela no texto da Carta Magna”(BELOCH, Israel; FAGUNDES, Laura R. (coor.) Palácio Tiradentes: 70 anos de história. Rio de Janeiro: Memória do Brasil, 1996, p.68). 530 Nas artes da 1a República, existem alguns precedentes da representação da Assembléia Constituinte de 1891, marco fundamental da identidade republicana como o óleo de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, Compromisso Constitucional, pertencente ao Museu Histórico; porém a concepção das duas obras é bastante diversa e não há uma evidência clara de empréstimos por parte de Visconti. VERSÃO NÃO REVISADA 214 meados do século XIX, a retratística havia se tornado, na verdade, um “campo contestado da representação”, no qual pintores e fotógrafos procuravam as mais diversas vias de renovação. Passava então ao primeiro plano das discussões a tensão subjacente entre a proclamada função representativa do retrato - ele deveria fixar a aparência física do retratado - e outras funções mais subjetivas. Charles Blanc, em sua Grammaire des arts du dessin, levantava uma bandeira de certo não original, e frisava a importância essencial da participação subjetiva do artistas na feitura de um retrato, cujo oposto exato era a imparcialidade da máquina fotográfica: Enfrentar a expressão da vida, e da vida inteligente, existe algo mais difícil? E como nisso ter sucesso? Será por uma imitação literal? Se uma tal imitação bastasse, o melhor pintor de retratos seria o fotógrafo. Quem não sabe, entretanto, como é enganadora a verdade, pretensamente infalível, da imagem fotográfica? O pintor dotado de um espírito pode evocar o espírito de seu modelo; mas como poderia uma máquina evocar uma alma? Colocada na presença de uma figura humana, a fotografia, seguindo a bela expressão do escultor Préault, nos dá apenas “a fuligem da chama”.531 Descontemos a antipatia desmedida presente na declaração de Blanc - a primeira edição de sua Grammaire... remonta a 1860, época em que a “ameaça” da fotografia se fazia sentir de maneira bem mais acusada nas preocupações dos artistas. O ponto nodal que gostaríamos de aqui destcar é a necessidade nela expressa de que o retrato supostamente tinha de “capturar” o espírito, a alma do retratado. Os escritos relativos à pintura da 1a República brasileira são pródigos em formulações semelhantes. Assim, por exemplo, a preocupação com a captação do caracter do modelo, reiteradas vezes repetida nos pareceres dos concursos de Prêmio de Viagem da ENBA, no contexto da avaliação das academias, é análoga à expressa por Blanc532. Também na mesma direção vão as apreciações dos críticos; 531 “S'attaquer a l'expression de la vie, et de la vie intelligente, est-il rien de plus difficile? Et comment y parvenir? Sera-ce par une imitation litérale? Si une telle imitation suffisait, le meilleur peintre de portraits serait le photographe. Qui ne sait pourtant combien est trompeuse la vérité, prétendue infallible, de l'image photographique? Le peintre donné d'un esprit peut évoquer l'esprit d son modèle; mais comment une machine pourrait-elle évoquer une âme? Mise em présence d'une figure humaine, la photographie, suivant la belle expression du sculpteur Préault, ne nous donne que 'la suie de la flamme'”(BLANC, Charles. Op. cit., p.611). 532 Assim, por exemplo, no concurso de 1892: “No 1 (Adeus) é o que melhor satisfaz quanto a compreheensão do caracter do modelo e o que melhores qualidades apresenta de pintor e desenhador” (cf. Anexo III.1c); e também no do ano seguinte: “examinando detidamente as provas de concurso ao Premio de Viagem, julgamos a do candidacto que se assigna pelo pseudonimo - “Brazil” a que mais se destaca pela boa harmonia do trabalho, pelas justas proporções e também pelo caracter, que é o que mais se aproxima do modelo, e alem disso pelo colorido mais de accordo”(cf. Anexo III.2). VERSÃO NÃO REVISADA 215 Agrippino Grieco, por exemplo, ao se referir, em 1913, aos quadros de seu amigo Guttmann Bicho, dizia que este buscava dar aos seus retratos a maxima nitidez de traços, um completo rigorismo de execução, para que a sua arte, como queria um mestre, expressando o mais que lhe fôr dado a verdade do modelo, desça às profundezas da sua alma e acabe uma revelação da sua vida interior, uma indiscreta figuração de seus sentimentos, uma biographia narrada em linhas e côres.533 Alguns anos depois, Helios Seeelinger se referiria em termos semelhantes às dificuldades do gênero retratístico: O retrato que, como disse Lavater na “Dificuldade actual do retrato”, apresenta grandes difficuldades, quando realmente o artistas procura traduzir, não somente a face exterior do personagem, mas, sondando pelo sentimento, traduz a alma do retratado. Ahi está a grande difficuldade, que nem todos os artistas lograram vencer: traduzir o caracter de cada personagem, reflectindo, na expressão exterior da face, esse ponto obscuro, chamado alma.534 A alma do retratado não se deixa apanhar com facilidade, fica subentendido nessas declarações. Para fazê-lo, defende o citado Charles Blanc, é necessária uma postura eminente reflexiva por parte do artista: De frente para um ser que sente e pensa, tudo deve ser sentido e pensado, e, por conseqüência, tudo deve ser escolhido, tudo, digo eu, a atitude, a fisionomia, as linhas de adorno, o claro-escuro, a cor, os acessórios e até a proporção relativa do enquadramento, que e suscetível de diminuir ou engrandecer o modelo.535 Se, via de regra, era necessário modificar, simplificar os traços factuais do retratado para conferir uma legibilidade à pintura - cf. o retrato de Parreiras feito por Chambelland -, um dos procedimentos alternativos era caracterizá-lo através de seus acessórios e dos próprios artifícios da composição. Foi isso que fez, por exemplo, Arthur Timótheo, ao fixar na tela, de maneira magistral, a efígie do célebre 533 Fragmento de jornal desconhecido, encontrado em um álbum de recortes de Guttmann Bicho; em outra oportunidade, Grieco define os retratos de Bicho como “indiscutíveis obras-primas em que punha a irradiação do espírito na vulgaridade das faces” (GRIECO, Agrippino. Memórias - Província. Rio de Janeiro: Conquista, 1972, p.149). 534 SEELINGER, Helios. “O Momento na pintura”. A Manhã, 25 de julho de 1926. 535 “Devant un être qui sente et qui pense, tout doit être senti et pensé, et par consequent tout doit être choisi, tout, dis-je, l'attitude, la physionomie, le lignes de l`ajustement, le clair-obscur, la couleur, les acessoires et jusquá la proportion relative du cadre, qui est susceptible de rapetisser ou d'agrandir le modéle” (BLANC, Charles. Op. cit., 611). VERSÃO NÃO REVISADA 216 escultor Eduardo de Sá [Figura 4.11]. Um passagem de Sergio Miceli descreve de maneira sucinta e bastante adequada esse retrato: O retrato de Eduardo de Sá coloca-o abancado numa escada de serviço, sitiada por objetos reveladores de sua rotina de trabalho, o escultor sendo aí definido como o artesão capaz de impor forma ao material proveniente da tinta pousada no chão, estando assim visualmente plantado no meio da diagonal entre a matéria-prima em estado bruto no canto inferior esquerdo e a peça inacabada apoiada sobre o andaime no canto superior direito da composição.536 Uma tentativa análoga de encarnar a própria natureza do retratado no contexto mais amplo do quadro que o envolve pode ser percebido em uma obra de Lucílio de Albuquerque figurando Rui Barbosa [Figura 4.12]. Realizada alguns anos antes da morte do célebre bacharel, nesse quadro o pintor procura evocar o seu modelo circundado-o com adereços que remetem às suas qualidades de político, intelectual e homem de letras: a cátedra, uma estátua, e, especialmente, os livros, pintados com tons de amarelo ocre e marrom, que se repetem também na cabeça e com ela como que parecem tentar a se identificar. Um último exemplo do espelhamento do retratado nos objetos que o circundam é o acima referido retrato de Ramos de Oliveira, de Oscar Pereira da Silva [Figura 4.6a]. Apesar de ter partido de uma foto, que em muito sentidos respeitou, o pintor simultaneamente inseriu pequenos detalhes e manipulou a composição de maneira a imprimir ao quadro final um significado algo diverso. A ampliação do tampo da mesa, por exemplo, permite uma exibição mais organizada da míriade de pequenos atributos que servem como um resumo dos interesses que marcaram a vida do retratado. O alargamento do espaço permite, portanto, evidenciar o partido do pintor, que transforma os objetos incluídos na composição em sutis emblemas, aludindo às diferentes esferas em que se expandiam as atividades e os interesses de Ramos de Oliveira: o empreiteiro e homem de negócio é representado pelo cofre-forte e pelo tinteiro de prata; o arquiteto e desenhista é lembrado pelas réguas, compassos e plantas baixas ; o colecionador e incentivador das artes, por fim, se reflete nas esculturas e telas espalhadas pela composição537. 4.3 O Modo d'Esquisse 536 MICELI, Sergio. Imagens negociadas: retratos da elite brasileira (1920-1940). São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.35 537 Cf. MICELI, Sergio. Nacional estrangeiro.., p.39. VERSÃO NÃO REVISADA 217 Embora o Modo Realista que analisamos no capítulo anterior provavelmente seja, ainda hoje, e especialmente fora dos círculos especializados, o que mais se encontra associado à pintura oficial do primeiro período republicano, ele não é, de forma alguma, o único que podemos encontrar sendo empregado de maneira usual pelos artistas de então. Se nos detivermos em pinturas pertencentes a outros gêneros, ao invés de nos retratos, podemos encontrar tratamentos marcadamente diversos. É o caso, por exemplo, daquele em que foram executadas uma boa parte das paisagem pintadas pelos artistas oriundos da ENBA durante a 1a República. Já fizemos referência a isso no Capítulo 2 e na parte 4.1, mas aqui gostaríamos de aprofundar um pouco mais tal tópico, pois, ao observarmos mais atentamente vistas como aquelas pintadas por Lucílio de Albuquerque [Figura 2.34a e 2.34b], Arthur Timótheo [Figura 4.3b], ou diversas outras às quais faremos referência na presente parte, é possível detectar algumas características, que, em função da sua repetição sistemática, constituem o indício de um Modo autônomo. As mais evidentes dessas características, que contrastam com o aspecto mais “neutro” do Modo Realista, são uma acentuada tendência à explicitação da fatura pictórica, perceptível no seu tratamento franco, nas pinceladas ou golpes de espátula largos, nas porções da pintura que deixam transparecer o suporte, etc., bem como o emprego de uma paleta cromática mais luminosa e “aberta”, na qual as saturações cromáticas são freqüentes. Muitas dessas paisagens - mas, é necessário frisar, não todas -, possuem uma dimensão relativamente pequena, traço que parece estar relacionado às condições em que elas foram realizadas, ou seja, ao ar livre, diante do motivo - prática de pintura que se tornou extremamente difundida na Europa durante o século XIX e que os franceses designavam pelo termo plein-air. Tais condições de execução, como veremos com mais detalhes abaixo, implicam, por fim, que essas mesmas paisagens foram feitas, muito provavelmente, dentro de lapsos de tempos significativamente reduzidos. Todas, essas características aproximam as pinturas de paisagem às quais aqui daremos destaque de um tipo específico de obra visual, que, na literatura artística de língua francesa, convencionalmente foi designado pelo termo esquisse. Esse termo - de gênero feminino, no original -, não possui um equivalente preciso em português, sendo traduzido, um tanto indiscriminadamente, por palavras como esboço, estudo ou rascunho. De fato, um tratamento muito semelhante ao das paisagens pode ser encontrado nas esquisses preparatórias dos artistas brasileiros para quadros mais ambiciosos, como exemplificam, entre diversos outros, aqueles realizados por Elysêo Visconti para uma alegoria do Progresso [Figura 4.13], ou por VERSÃO NÃO REVISADA 218 Lucílio de Albuquerque [Figura 4.14], para uma composição que não chegou a ser completada, versando sobre a Guerra de Canudos. O tratamento das paisagens é também perceptível em certos trechos deliberadamente deixados “inacabados” em obras de outro gêneros - nisso, os pintores da 1a República nada mais fazem do que empregar aquilo que André Malraux, no Musée Imaginaire, chamou style d’esquisse: “Existem em muitas obrasprimas, em numerosos venezianos, nos últimos Hals, nos ingleses, pedaços inteiros em style d’esquisse”538. Todavia, um fato que parece diferenciar significativamente as paisagens das esquisses propriamente ditas é que, normalmente, as primeiras eram obras autônomas, consideradas dignas de apreciação pelos seus realizadores e pelos críticos da época, e não meros estágios na execução de composições mais elaboradas. Esse estatuto privilegiado é comprovado pelo fato de que as paisagens normalmente eram mostradas ao público amador das artes, seja nas Exposições Gerais, seja, ainda com mais freqüência, nas mostras individuais. As esquisses, pelo contrário, eram expostas muito mais raramente, e quando isso acontecia, o mais comum era que existisse por trás de tal iniciativa uma intenção didática e/ou de “prestação de contas” com relação a obras de grande porte, usualmente pinturas decorativas de destinação pública. Além disso, o Modo que aqui estamos postulando como estreitamente ligado às pinturas de paisagem não pode ser compreendido, pura e simplesmente, como decorrente de uma execução rápida, tal como é usual na esquisse autêntica: especialmente aquelas paisagens às quais faremos referência no final da parte 4.3.5 tem dimensões consideráveis, e uma análise mais detida das mesmas revela que elas são, na verdade, o resultado de um trabalho demorado e meditado. O tratamento aparentemente espontâneo que as caracteriza é, portanto, o fruto de uma escolha estética premeditada: ele pode evocar, na mente do observador, certas qualidades como facilidade ou improviso, mas apenas em certa medida foi realmente o resultado de um processo presidido por tais qualidades. No presente trabalho, apelidaremos esse tratamento de Modo d'Esquisse. A escolha do termo francês, inspirado no uso análogo feito por Malraux, não deve ser interpretada como um qualquer impulso francófilo, mas se deve, sobretudo, ao desejo de evitar certas ambigüidades semânticas, uma vez que o termo esquisse possui, no jargão artístico francês, como teremos oportunidade de demonstrar, uma 538 “Il y avait dans bien des chefs-d'oeuvres, dans nombres de Vénetiens, les derniers Hals, les Anglais, des morceaux entiers em style d'esquisse” (MALRAUX, André. “Le Musée imaginaire”. In: Les voix du silence. Paris: La Galerie de la Pléiade, 1951, p.108). VERSÃO NÃO REVISADA 219 significação bastante precisa, diferente do que acontece com os seus correlatos na maioria das outras línguas539. A seguir, procuraremos fornecer algumas indicações, ainda que parciais, a respeito dos significados do Modo d'Esquisse na 1a República; procuraremos indicar também alguns precedentes, encontráveis no contexto da doutrina acadêmica, responsáveis pela estreita associação desse Modo à pintura de paisagem brasileira do período aqui tratado; procuraremos, por fim, abordar a recente valorização, correlata à da pintura de paisagem, do Modo d'Esquisse em nossa historiografia de arte, valorização esta que, por estar baseada em critérios um tanto diversos daqueles responsáveis pela sua aceitação no passado, merece considerações mais detidas. 4.3.1. Definições d'esquisse Na pintura ocidental, as origens da esquisse parecem remontar ao século XVI, tendo como origem a Itália, mais particularmente a cidade de Veneza. A princípio monocromáticas, lembrando os desenhos em aguadas (lavis) dos quais foram, em certa medida, as sucessoras, as esquisses logo passariam a se valer de todas as cores da paleta. Também sua difusão foi rápida e universal, alcançando, no século XVIII, a Flandres - recordemos os célebres trabalhos de Rubens – e a França, onde foi procedimento freqüente entre os artistas, especialmente entre aquele influenciados pela arte italiana, como Le Brun. No século XIX, como lembrou Philippe Grunchec, os críticos franceses definiam de maneira precisa a esquisse, diferenciando-a dos diversos outros termos técnicos correlatos, como étude, ébauche ou croquis. Grunchec se refere, em particular, a definição de Boutard, constante no Dictionnaire des arts du dessin (Paris, 1826): Em pintura, a esquisse é “um primeiro ensaio reduzido de um quadro que se proõe executar em grande [...] é na esquisse, que freqüentemente ele refaz diversas vezes, que um pintor estabelece a composição e o sistema de claro-escuro de seu quadro, por meios negligés que convém igualmente tanto à eclosão do primeiro pensamento quanto ao tatear multíplo de uma invenção dificultosa”.540 539 Um exemplo: na língua inglesa, como observa Pierre Vaisse, o termo sketch “confond avec l'esquisse cette phase tout à fait différente à la fois par sa fonction et sa technique d'exécution que est l'ébauche” (VAISSE, Pierre. Op cit., p.99). 540 “En peinture, l'esquisse est 'un premier essai en petit d'un tableaus qu'on se propose d'éxecuter em grande [...] c'est dan l'esquisse, que souvent il refait plusieurs fois, qu'un peintre établit la composition et le système de clair-obscur de son tableau, par le moyen négligés qui conviennent également a l'essor d'une prémière pensée et aux tatonnements multipliés d'une invention pénible'” (Citado em VERSÃO NÃO REVISADA 220 Uma definição oitocentista complementar de esquisse, centrada menos em suas características técnicas e mais nos efeitos despertados no espectador pode ser encontrada no verbete do Grand Dictionnaire Universel du XIXe siécle, editado em 1870, no qual Pierre Larousse descreve a esquisse como “uma obra de imaginação, de espontaneidade, tratado com arrebatamento, verve, paixão, calor, e feita rapidamente”541. Cumpre frisar, porém, que, bem antes do século XIX, eram exatamente essas qualidades da esquisse enumeradas por Larousse as mais louvadas pelos espíritos “avançados”. No século XVIII, por exemplo, Fragonard realizava esquisses de dimensões médias, que, mais do que cumprir uma função prática, pareciam servir, sobretudo, como uma exaltação da liberdade e da espontaneidade tradicionalmente associadas ao processo. No Salon de 1767, Diderot assim discorria sobre as qualidades da esquisse: “Por que uma bela esquisse nos agrada mais do que um belo quadro? É que ele tem mais vida, menos formas. A medida que se introduz as formas, a vida lá não mais se encontra”542. A “ausência de formas”, i. é, a indefinição, o inacabado, já possuíam portanto, em finais do setecentos, um caráter de virtude artística, o qual no pensamento dos teóricos e artistas posteriores seria apenas exacerbado. Dessa maneira, as gerações formadas sob o signo do Modernismo, como bem lembrou Bruno Foucart, cresceram com uma dupla certeza: “a esquisse é, na maioria das vezes, superior à obra acabada; a Modernidade nunca parou de tomar como aliados os pintores que pintavam com a liberdade identificada à esquisse”543. No Brasil, as palavras que Gonzaga Duque empregou, n'Arte Brasileira, para descrever o trabalhos de Giovanni Battista Castagneto, artista formado ainda nos tempos da AIBA, um tanto às margens do sistema oficial, são tributárias dessa concepção moderna da esquisse. Nelas, a franqueza e a autenticidade da técnica são encaradas como reflexos do temperamento e da expressão pessoal do artista, fatores que atuavam, em certo medida, como uma justificativa para que a sua obra “ferisse as regras de perspectiva, proporção e verossimilhança com o real”544: GRUNCHEC, P. “L'esquisse et l'Ecole des Beaux Arts”. In: GRUNCHEC, Philippe. Les concours d`esquisses peintes. Paris: École Nationale Supérieure des Beaux Arts, 1896, tomo I, pp.19-20sg). 541 “Une oeuvre d'imagination, de spontaneité, traitée, avec fougue, verve, passion, chaleur, et rapidement faite” (LAROUSSE, Pierre. Grand Dictionnaire Universel du XIXe siécle. , t.VII, 1870, p.934). 542 “Pouquoi une belle esquisse nous plaît-elle plus qu'un beau tableau? C'est qu'íl y a plus de vie, moins des formes. A mesure que l'on introduit les formes, la vie n'y est plus”. 543 “L'esquisse est le plus souvent superiéure au tableau achevé; la modernité n'a cessé de prende comme alliés les peintres qui peingnaient avec la liberté reconnue à l'esquisse (FOUCART, B. “L'execise de l'Esquisse”. In: GRUNCHEC, P. Op. cit., p.9). 544 DAZZI, Camila. “A pintura de paisagem no debate artístico carioca - o moderno nas últimas décadas do século XIX”. In:Paisagem: Reflexões, contextualizações. XI Encontro do Programa de Pós- VERSÃO NÃO REVISADA 221 Quanta expressão nesses empastamentos, quanta individualidade nesses borrões despretensiosos e sinceros! [...] Castagneto nunca abandonará o seu estilo pessoal, aquela nota livre e larga, que está intimamente ligada a sua natureza, que faz parte da sua organização e que é a nota mais luzidia e firme da sua crescente individualidade.545 Porém, como já adiantamos na parte 3.1.1, a valorização da esquisse nunca esteve em contradição com a doutrina acadêmica; muito pelo contrário, ela foi mesmo um traço usual da sua pedagogia, especialmente durante o século XIX. De certo, o quadro finalizado, prova de uma maestria consumada, foi sempre preferido, mas eram igualmente reconhecidos os méritos da esquisse e existia uma sensibilidade com relação à sua liberdade técnica e à impressão de facilidade que dela decorria. Nos concorridos Prix de Rome, peça central no sistema artístico francês, a primeira prova de admissão consistia, tradicionalmente, na realização de uma esquisse, que, a partir de 1817, devia ser necessariamente pintada. A prática da esquisse era igualmente usual nos ateliês particulares franceses, embora a esse respeito os testemunhos de se que dispõe sejam, via de regra, mais sucintos No século XIX, um concurso de esquisse pintada (esquisse peinte), foi sancionado oficialmente dentro da École des Beaux Arts, sendo os seus vencedores recompensados com importantes medalhas. Philippe Grunchec detalhou a história desse certame546. Em 1816, de certa maneira procurando compensar a ausência do ensino regular de pintura dentro dos muros da École, uma comissão aprovou, por sugestão de François Gérard, a instituição de um concurso de composição histórica: “Haverá para os alunos de Pintura e Escultura da École dois concursos de composição. Um nos primeiros dias de outubro, o outro nos últimos dias de fevereiro”547, sendo tal freqüência ampliada, em 1842, para quatro concursos por ano. Em 1821, P.-N. Guérin propôs, por sua vez, um concurso análogo de composição de paisagem histórica, cuja primeira edição foi realizada no ano seguinte. Essas composições eram esquisses realizados de memória, em loge, versando sobre um tema previamente sorteado. De uma maneira análoga, na Academia brasileira, esquisses antecediam a realização das composições definitivas nos concursos de Prêmio de Viagem ao Estrangeiro, tanto no período da AIBA, quanto em algumas oportunidades após a renomeação da instituição como ENBA. Nesse contexto, as esquisses realizadas na Graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ. Rio de Janeiro, 2005, p.45. 545 DUQUE ESTRADA, L. G. A arte brasileira. Campinas: Mercado das Letras, 1995, p.200. 546 GRUNCHEC, P. Op. cit., pp.19sg. 547 “Il y aura pour les Élèves de l'École de Peinture et Sculpture deux concours de composition. L'un les 1ers Jours d'8 l'autre dans le derniers jours de février” (Citado em Idem, p.21). VERSÃO NÃO REVISADA 222 1a república que tivemos oportunidade de encontrar não eram, a bem dizer, pintadas, mas sim desenhadas (cf. Parte 3.1.1). Todavia, existem alguns indícios de que a prática da esquisse peinte não era, de modo algum, desconhecida na Escola, como demonstram, por exemplo, dois trabalhos do gênero representando temas “antigos”, realizados por Portinari no início dos anos 1920 [Figura 4.15a e 4.15b]. Essa sanção oficial da esquisse, comentou Foucart, “perturba um pouco nossa idéia feita do ensino dito acadêmico, uma vez que essa prática que aparentemente decorre da liberdade da mão e da inspiração nos parece a própria antinomia da aprendizagem. A esquisse, que é chama, arrebatamento e impulso, pode ser ensinada? Não há nisso algo de contraditório?”548. Essa contradição, vale frisar, é obviamente uma impressão errônea. No contexto pedagógico acadêmico, o significado essencial do esquisse não dizia respeito, necessariamente, a uma qualquer abertura com relação à sensibilidade libertária moderna. Como certa feita resumiu Pierre Vaisse, para os acadêmicos, o esquisse é, sobretudo, a fixação, rápida por necessidade, da idéia primeira. Ele é portanto depositário do essencial, daquilo que, nos próprios termos da doutrina acadêmica, distingue a arte do artesanato, daquilo que emana do espírito, enquanto a execução material nada mais é do que um problema manual.549 Uma outra definição de esquisse , dada pelo já citado pintor norte-americano Daniel Parkhust já praticamente no século XX, diferenciava um pouco mais a noção tradicional, reconhecendo, como análogas, a idéia nascida no espírito da artista e a inspiração que germinava no contato direto com a natureza, particularmente no plein-air: A esquisse [sketch] é sempre a anotação de uma idéia – uma idéia vista ou concebida. [...] Existem dois tipos de esquisse: aquelas feitas do natural para capturar um efeito de alguma espécie; e aquelas feitas para materializar ou expressar concisamente uma composição ou esquema de cor que se tem em mente. Ambas são de grande valia para o estudante, assim como essenciais para o trabalho do artista.550 548 “Voilá qui trouble un peu notre idée reçue de l'enseignement dit académique, tant cette pratique qui releve apparemment de la liberté de la main et de l'ínspiration nous semble antinomique de l'apprentissage. L'esquisse qui est flamme et fougue et impulsion peut-elle être enseignée? N'y a-t-il pas lá quelque chose de contraditoire?” (FOUCART, B. Op. cit., p.9). 549 “La fixation rapide, par nécessité, de l'idée première. Elle est donc depositaire de l'essentiel, de ce qui, aux termes même de la doctrine académique, distingue l'art de l'artisanat, de ce qui ressortit a l'esprit, tandis que l'execution matérielle, n'est plus, elle, que l'affaire de la main” (VAISSE, Pierre. “L’esthetique du XIXe siècle: de la légende aux hypothéses”. In: Le Débat, nº 44, março-maio 1987, p.99). 550 “A sketch is always a note of an idea - an idea seen or conceived. [...] There are two kinds of sketches: those made from nature to seize an effect of some sort: and those made to work out or VERSÃO NÃO REVISADA 223 É possível perceber nessa extensão tardo-oitocentista daquela significação tradicional de esquisse mais relacionada ao registro de um concetto551, para uma igualmente relacionada ao registro da percepção, um lugar-comum tornado célebre pelos artistas independentes. A partir do século XIX, uma estética que remetia às qualidades formais da esquisse havia, de fato, se consagrado na pintura de paisagem dos pintores impressionistas. Todavia, também essa relação entre esquisse e pintura de paisagem possuía precedentes mais longínquos na pedagogia acadêmica, tópico que gostaríamos de aprofundar na parte seguinte. 4.3.2. Paisagem e esquisse Na parte 2.2.3, chamamos atenção para o fato de que a prática de pintura de paisagem era parte constituinte do curriculum acadêmico francês, e nele ocupava uma digna posição. De maneira análoga, a associação entre o gênero da paisagem e o Modo d'Esquisse possui alguns antecedentes na teoria da pintura de língua francesa, remontando ao começo do século XVIII. Roger de Piles, que, como vimos, exaltava o potencial criativo da pintura de paisagem como superior ao de todos os outros gêneros, propusera uma famosa divisão dessa em dois sub-tipos: a) a paisagem histórica ou heróica (paysage historique), apresentando vistas espetaculares e sublimes, como ruínas antigas, e incluindo, no mais das vezes, cenas nobres capazes de elevar a imaginação; e b) a paisagem rural ou pastoral (paysage champêtre), que retratava sítios mais humildes, mas nas quais um uso mais franco da cor era freqüente, afim de fornecer uma impressão mais vívida de “verdade natural”552. Embora essa divisão ecoasse a usual distinção hierárquica entre grande e petite manière, ela foi importante especialmente por lançar os fundamentos da prática da paisagem que vigorariam, a partir de finais dos setecentos, entre os artistas românticos e, mais tarde, entre os independentes. Desde então, como observou Albert Boime, já havia express tersely some composition or scheme of color which you have in your mind. Both are of great use to the student as well as essential to the work of the artist”. (“Chapter XXVI: The sketch”. In: PARKHURST, D. B. The Painter in Oil. Texto disponível no site http://www.artrenewal.org/articles/2002/Parkhurst/parkhurst1.asp) 551 Para mais detalhes a respeito da genealogia da relação esquisse/concetto, cf. o texto de André Chastel, “Le fragmentaire, l'hybride, l'inachevé” (1957). In: Fables, formes, figures. Paris: Flammarion, 1978, v. II, pp.33 sg. 552 Cf. PILES, Roger. Cours de peinture par principes, 1708. VERSÃO NÃO REVISADA 224 uma justificativa para devotar uma carreira à pintura de paisagem: a paisagem possibilitava uma maior satisfação pessoal e oferecia um maior potencial criativo. Os dois tipos de paisagem de de Piles corespondem, respectivamente, à paisagem classicamente composta preferida pelos acadêmico e às cenas mais naturais preferidas pelos independentes. Os aspectos mais humildes da paisagem rural eram análogo aos sítios selecionados pelos paisagistas românticos e, significativamente, requeriam uma ênfase maior sobre a cor.553 Além disso, de Piles recomendava a prática de estudos (études) do natural, para incluir nuvens, árvores, plantas e outros elementos em suas pinturas, bem como a observação atenta dos aspectos cambiantes do céu, conforme a hora do dia ou as estações. Como observou Paula Radisich a respeito desse tópico: Embora artistas tenham feito esboços [sketched] ao ar livre desde tempos imemoriais, foi apenas no século XVIII que eles começaram a discorrer sobre isso. Essa atenção estava em sintonia com as novas correntes estéticas. O esboço, como se pensava, expressava diretamente a individualidade do artista e a sua resposta subjetiva ao motivo, com um mínimo de artifício e convenção. [...] Além disso, o esboço a partir da natureza satisfazia as exigências do empirismo newtoniano e propunha demandas estéticas mais sutis, centradas nas associações e nuances despertadas na imaginação do espectador pela sua qualidade inerentemente incompleta e indeterminada.554 A acima referida classificação, proposta por de Piles, do gênero da paisagem em dois tipos (historique x champêtre) - muito embora não tenha sido a única existente555 -, possuiria uma longa vida556, sendo retomada por diversos pintores e teóricos posteriores, como entre outros, P.-H. Vallenciennes e J.-B. Deperthes. Nesses dois autores, cuja fundamental atuação para elevar o prestígio da pintura de paisagem no ambiente francês de finais do século XVIII já foi por nós referida, é 553 “A justification for devoting a carrer to landscape painting: the landscape provided more personal pleasure for the artist than other genres, and it offered greater creative potential. De Piles`s two types of landscape correspond respectively to the classically composed landscape referred by the Aademician and to the natural scebes preffered by the independents. The humbler aspects of the rural landscape were analogous to the sites selected by Romantic landscapists and, significantly, required greater emphasis upon color” (BOIME, Albet. The academy and french painting in the nineteenth century. New Haven/London: Yale university Press, 1986, pp.134-135). 554 “Though artists have sketched outdoors from time imemorial, its only in the eigteenth century that they began to write at length about it. The sketch, it was thought, direct expressed the artist's individuality and subjective response to the motif, with a minimum of artifice and convention. [...] Moreover, the sketch after nature satisfied the exigence of Newtonian empiricism and met more subtle aesthetic demands centring upon associations and nuances triggered in spectator's imagination by the picture's inherently incomplete and indeterminate quality” (RADISICH, Paula R. “Eighteenth-century plein-air painting and the sketches of Pierre-Henri de Valenciennes”, The Art Bulletin, vol.64, No.1 (Março 1982), p.98). 555 Como lembra Bialostocky, no Liber studioron de Turner, por exemplo, “se multiplican los 'modos': los paisajes puden ser 'Historical', 'Montainous', 'Pastoral, 'Elevated Pastoral', Árchitectural', 'Marine', etc.” (BIAŁOSTOCKY, Jan. Op. cit., p.20). 556 E. H. Gombrich rastreou a transmissão dessa dupla divisão até princípios do século XIX, como presentes nas sinfonias Heróica (n. 3) e Pastoral (n. 6) de Beethoven. VERSÃO NÃO REVISADA 225 possível encontrar uma defesa ainda mais aberta da prática da pintura plein-air, na forma de estudos que serviam como notas de referência para os trabalhos a serem finalizados no ateliê. Como o objetivo desses estudos, com a sua pretensão de científicidade, era retratar a natureza diretamente, uma preocupação demasiada com o acabamento era inadequada e mesmo desaconselhável. No seu Elémens de la perspective pratique..., cuja primeira edição remonta ao ano de 1800, Valenciennes ao descrever como preparava um pupilo no estúdio antes de levá-lo para o ar livre, já afirmava: É ali que eu lhe dou um conselho a respeito da execução dos études que devem ajudá-lo posteriormente a compor suas pinturas. Tal conselho é a coisa mais importante para todos os pintores, uma vez que a maioria deles, por erro, falta de cuidado ou de reflexão, cometem o equívoco de tentar conferir muito acabamento a études que deveriam ser anotações lançadas apressadamente para captar o momento passageiro.557 Tal conselho visava, obviamente, contornar as dificuldades práticas e específicas que um artista enfrenta no trabalho a partir do natural, ao ar livre. Diferente da iluminação controlada do ateliê, a luz do sol que anima a paisagem encontra-se em constante mutação; logo, a persistência em pintar uma determinado sítio por um longo período de tempo podia levar a resultados absurdos e incongruentes com relação a disposição de luzes e sombras, e ao efeito geral do colorido. Em conseqüência disso, Valenciennes prescrevia que “todos os études a partir da natureza, feitos ao ar livre, devem ser feitos no prazo de duas horas, e se o seu efeito é o de um nascer ou por do sol, você não deve despender mas do que meia hora”558. Segundo Boime, em contraste com suas obras acabadas, bastante inseridas na tradição francesa de um Poussin ou de um Claude e às quais falta “naturalidade” [Figura 4.16b], os études de Valenciennes possuem uma modernidade e originalidade capaz de despertar admiração ainda nos dias de hoje [Figura 4.16a] de fato, alguns deles lembram os esquisses dos ingleses como Constable ou Turner e outros parecem mesmo prefigurar as famosas pinturas que, algumas décadas 557 “Is there that i give him advice on the making of études which may later help him to compose pictures. Such advice is the more important for all painters since most of them, through error, carelessness or lake of thought, make the bad mistake of trying to impart too much finish to études which shoud be jottings dashed off hastily to catch the fleeting moment” (Citado em BOIME, Albet. idem, p.137). 558 “All études from Nature should be done within two hours at the outside, and if youe effect is a sunrise or a sunset , you should not take more than half an hour” (citado em BOIME, Albert. Idem, p.138). VERSÃO NÃO REVISADA 226 depois, J. B. C. Corot realizaria na campanha romana559. De certo, porém, Valenciennes, não pensava essas obras como providas de um autonomia significativa, mas antes como estágios no processo de execução de obras mais ambiciosas560. O fato dele proclamar a superioridade da paysage historique é indicativo da uma postura arraigada às hierarquias tradicionais, e as suas restrições com relação ao caráter indeterminado e inacabado dos études se aproximavam daquelas postuladas por de Piles, cerca de um século antes - “muito embora”, como observou Radisch, “o conceito do étude paisagistíco, como outras classificações no pensamento do século XVIII, fosse adaptável e fluido”561. Jean Deperthes, discípulo de Valenciennes, levaria as idéias do mestre a desdobramentos aparentemente mais conformados à ideologia modernista. Além de defender a igual dignidade dos dois tipos acadêmicos de paisagem e de frisar a competência específica e intransferível do paisagista com relação ao pintor de história562, Deperthes postulava - idéia pertinente no contexto da nossa discussão que, como o efeito geral em uma paisagem (especialmente na paysage champêtre) era o fator mais importante, e levando em conta que este era somente apreensível no confronto direto com a natureza, tal fato implicava em uma relativização do grau de acabamento das partes constituintes do quadro. Nas pinturas de paisagem, uma vez que “um acabamento demasiadamente cuidadoso de todos os detalhes imprime uma dureza ao trabalho e destrói completamente o efeito geral”563, saber o que “sacrificar” constituía um fator decisivo para o implemento da qualidade. Portanto, já nos escritos de Deperthes, publicados a partir de finais dos anos 1810, uma maior amplitude e liberdade de execução em uma paisagem, particularmente na champêtre, era considerada decorosa e mesmo desejável. Nas décadas seguintes, os artistas ligados às correntes independentes, os paisagistas da chamada École de Barbizon, e posteriormente os impressionistas, contribuíram decisivamente para a consagração dessa associação entre pintura de 559 Um dado que esclarece em parte tal convergência é o fato de Corot ter estudo com discípulos acadêmicos de Valenciennes. 560 Cf. as palavras de Hugh Honour: “These studies were not, of course intended as ends in themselves, so much as aides-mémoire for the artist when he was at work in his studio” (HONOUR, H. Romanticism. New York-Hagerstown-San Francisco-London, 1979, p.63). 561 “The concept of landscape étude, like other classifications in eighteenth-century tought, was an adaptable and fluide one”(RADISICH, Paula R. Op. cit., p.98). 562 “Deperthes establihed landscape as a independent genre and attached to it a conceptual distinction, making it inacessible to the history painter. Landscape painting could no longer be taken for granted by the history painter, who heretofore had considered his superior instuction adequate preparation for all genres. The mere fact that the history painter treated landscape as an accesory showed his inadequacy in this area” (BOIME, Albert. Op. cit., p.139). 563 “An overcareful finishing of every detail imparts a dryness to the work and completely destroys the general effect” (Citado em BOIME, Albert. Idem, p.140). VERSÃO NÃO REVISADA 227 paisagem e um tratamento informal, que remetia à esquisse - mas, é importante frisar, não foram os inventores dessa associação. 4.3.3. Modo d'Esquisse, pintura de paisagem e Modernismo Essa nossa pequena digressão a respeito da teoria da arte francesa teve como objetivo principal apontar o quanto as qualidades formais do Modo d'Esquisse (tendência a abstração, explicitação da fatura, cromaticidade mais acentuada, etc.), perceptíveis em uma boa parte das pinturas de paisagem realizadas durante a 1a República foram, em certa medida, tradicionalmente associadas ao gênero, dentro do contexto da doutrina acadêmica. Se aqui nos referirmos a esse fato é principalmente porque ele serve como um contraponto àquela interpretação que alguns estudiosos mais recentes deram para a grande difusão do Modo d'Esquisse entre os artistas fluminenses, em especial a partir dos anos 1890: como é sabido, ela foi vista, quase exclusivamente, como uma “influência” das correntes modernistas que os brasileiros perceberam (tardiamente) na obra de seus contemporâneos europeus. Porém, não colocar o Modo d'Esquisse em uma perspectiva histórica mais adequada pode conduzir a interpretações por demais mecânicas e simplistas; pode conduzir, além disso, a percepção de significados um tanto inadequados nas obras de nosso pintores. Não cremos ser um exagero afirmar que, dentro de toda a produção pictórica da 1a República, a sua vertente paisagística é a mais valorizada na atual historiografia de arte brasileira. Esse fato se deve, principalmente, à uma tradicional relação estabelecida entre pintura de paisagem e Modernismo, cujas origens podem ser rastreadas, pelo menos, até os escritos críticos de finais do Oitocentos. Quando procuramos identificar a partir de que critérios os contemporâneos dos pintores aqui estudados avaliavam sua obras, podemos verificar como já então se encontrava firmemente estabelecida, no meio artístico fluminense, a idéia de uma estreita identidade que ligaria pintura de paisagem e o conceito de Modernidade. Essa identidade é muito tributária de idéias oriundas da crítica francesa de inícios dos anos 1870. [...] Como afirmou a esse respeito Camila Dazzi, assim como na Europa, “o pintor moderno passa a ser, também no Brasil, sinônimo de um artista livre, que pinta direto do natural, e que é capaz de romper com velhos padrões acadêmicos”564. Todavia, a fluida noção de Modernidade então difundida entre 564 DAZZI, Camila. Op. cit., p.39. VERSÃO NÃO REVISADA 228 nossos artistas e escritores apenas em parte parece corresponder à definição de Modernismo que vigora entre boa parte dos críticos mais recentes. Para esses últimos, a relação entre a pintura de paisagem e Modernismo se fundamenta, em última análise, no aspecto formal das primeiras, no tratamento nelas usualmente verificável. De fato, não raramente, a presença concomitante das características do Modo d'esquisse acima listadas confere às pinturas de paisagem realizadas na 1a República um aspecto que se aproxima de obras pertencentes a uma das mais famosas correntes da arte moderna, o chamado abstracionismo, cujos primeiros exemplos inequívocos surgem na Europa dos anos 1910, mas cuja genealogia diversos estudiosos crêem remontar ao século XVIII565. No nosso entender, é essa aparente proximidade com algumas das pinturas que constam entra as mais radicais realizadas pelos artistas de vanguarda d'além-mar o principal fator responsável pelo destaque dado atualmente à vertente paisagística da produção dos pintores da República Velha em boa parte dos estudos a eles dedicados. Exemplos típicos da aproximação entre paisagem e Modernismo feita nesses termos formalistas podem ser encontrados, por exemplo, na fortuna crítica do já referido G. B. Castagneto. As marinhas desse pintor, em particular, podem ser razoavelmente descritas com o auxílio das características que enumeramos a respeito do Modo d'Esquisse. Isso é ainda mais verdadeiro com relação àquela parte da produção do artista realizada nos anos que se estendem entre a sua viagem à Europa, em 1890, quando fixou-se em Toulon e manteve contato com artistas como F. Monténard e F. Nardi, e a sua morte precoce, ocorrida em 1900. Fazendo referência às marinhas de Castagneto, como era de certa maneira previsível, alguns críticos brasileiros formularam apreciações de cunho marcadamente modernista. Um exemplo, por nós já referido, é o de Tadeu Chiarelli que, a respeito quadros como Trecho da praia de São Roque em Niterói, realizado em 1898, [Figura 4.17], afirmou certa feita: Alguma obras de Giovanni Battista Castagneto [...] possuem muitas das características indicadoras da pintura moderna: cada um dos elementos formais que a compõem obedece à urgências intrínsecas da própria pintura, sendo os elementos meros pretextos para a própria execução da obra.566 565 Cf. os textos reunidos em “Aux origines de l'abstration, 1800-1914”, Dossier de l'art, n.102. CHIARELLI, Tadeu. Ëntre Almeida Jr e Picasso”. In: FABRIS, Annateresa (org.). Modernidade e Modernismo no Brasil. São Paulo: Editora Mercado das Letras, 1994, p.57. 566 VERSÃO NÃO REVISADA 229 Certamente, caberia questionar em que medida Castagneto encarava os motivos que lhe eram tão caros como “um mero pretexto” - e mais a frente será o caso de frisar alguns fatores que diferenciam as sua obras daquelas que poderíamos inserir genuinamente na tendência à abstração. Muitos de nossos críticos, todavia, não se fizeram de rogados ao imputar, aos pintores da 1a República, uma intencionalidade com relação a efeitos abstratos, cujas conotações de ruptura com a tradição esses mesmos pintores não parecem ter conscientemente calculado. Tal “distorção” se evidencia nos casos em que a predileção dos estudiosos modernos pela pintura de paisagem do período parece estar, na verdade, em desacordo com a apreciação dos contemporâneos dos pintores. Em certos escritos, esse desacordo se encontra mesmo claramente explicitado, como pode ser percebido na seguinte passagem de Mário Pedrosa, que exalta as vistas de um outro pintor, Elysêo Visconti, nos seguintes termos: Para os que conheceram e admiraram o pintor em seu tempo, talvez ainda o que mais avulte na sua obra seja o figurista ou o decorador do Municipal. Para nós outros, porém, e cremos que para as modernas gerações, as quais pela primeira vez entraram em contato com o conjunto de sua produção, avulta incontestavelmente o paisagista.567 Mesmo a reputação apenas relativa de que gozam os pintores menos famosos da 1a República, como é o caso de Guttmann Bicho, encontra-se estreitamente ligada às suas paisagens [Figura 4.18a e 4.18.b]. Aqui também fica evidente um outro ponto importante, para o qual já havíamos chamado a atenção na Introdução, a saber, a estreita relação que nossos críticos frisaram entre as pinturas brasileiras e as tendências impressionistas e pontilhistas da arte francesa de fins do século XIX . Já no início da década de 1940, por exemplo, Carlos Rubens afirmava que, “se ao partir para a Europa se dizia que elle [Guttmann Bicho] era desprovido de qualquer part-pris de escola, quando regressou e expoz o enquadraram no Impressionismo”568; analogamente, Walmir Ayala destacava o “gosto pela pesquisa de luz”569 verificado em suas paisagens e João Medeiros falava de sua “nítida influência impressionista”570. Carlos Cavalcanti, por fim, indicava como, já antes de sua viagem à Europa, Bicho “ensaiou intuitivamente a aplicação dos princípios do 567 PEDROSA, Mário. Op. cit. RUBENS, Carlos. Pequena História das Artes Plásticas no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 211. 569 AYALA, Walmir. Dicionário de Pintores Brasileiros. Curitiba: Editora da UFPR, 1997, p. 104. 570 MEDEIROS, João. Dicionário de Pintores do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Irradiação do Brasil, 1988, p. 79. 568 VERSÃO NÃO REVISADA 230 divisionismo ou da mistura óptica de cores de que Seurat e Signac haviam sido os melhores exemplos nos fins do século passado”571. Como já fizemos notar, a tentativa de fazer remontar ao Impressionismo a gênese da pintura de paisagem da 1a República é um topos dos mais freqüentes de nossa crítica de arte. No contexto da presente discussão, o que gostaríamos de destacar é o quanto essa aproximação, nada inocente, visa legitimar aquela outra postulada pelos nossos estudiosos entre pintura de paisagem e Modernismo, entendida em termos formalistas. Nos encontramos aqui diante de uma idéia adaptada do debate artístico do Primeiro Mundo e fundamentada no fato de diversos historiadores europeus e norte-americanos terem virtualmente identificado o surgimento da arte moderna justamente no Impressionismo. Giulio Carlo Argan, nesse sentido, afirma que “o ponto de fractura [da modernidade] relativamente à tradição remonta a cerca de 1870 quando os impressionistas se propuseram reduzir a arte à reprodução imediata da sensação visual [...] O que eles queriam averiguar e revelar era a reacção despreconceituada, incondicionada, autêntica do sujeito em contacto directo com a realidade”572 - os adjetivos, notemos, são muito parecidos com aqueles que, como vimos, eram tradicionalmente relacionados às esquisses. O historiador italiano, cumpre frisar, não é o único a professar uma tal opinião, uma vez que idéias análogas podem ser facilmente encontradas na pena de outros escritores célebres como John Rewald, Meyer Schapiro ou Pierre Francastel. Ao destacarem a franqueza do gesto e a liberdade da pincelada, em suma, uma certa exaltação da materialidade própria da pintura, detectável nas paisagens dos artistas da 1a República, nossos historiadores e críticos procuraram inserí-las, de maneira mais ou menos consciente, no quadro conceitual a respeito da Modernismo aqui referido Realizadas sob os auspícios do que aqui chamamos Modo d'Esquisse, tais paisagens, pareciam se encaixar como uma luva naquela tendência a valorizar na nossa arte acadêmica anterior a Semana de 1922 aquilo que parecia apontar em direção à concepção da autonomia da pintura, prefigurada no Impressionismo e nos seus desdobramentos. O esforço dos modernistas nesse sentido não eram nada desinteressados, uma vez que possibilitavam como um de seus “efeitos colaterais” encontrar nas obras de um passado recente os precedentes que legitimavam, de mais de uma maneira, a arte moderna brasileira. 571 CAVALCANTI, Carlos (org.) Dicionário Brasileiro de Artistas Plásticos. Brasília: Instituto Nacional do Livro MEC, 1973, p. 242. 572 ARGAN, Giulio Carlo. Arte e Crítica de Arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1988, p.107 VERSÃO NÃO REVISADA 231 4.3.4. Esquisse versus abstração Identificando o acabamento da execução como a própria essência da pintura acadêmica, submissa àquelas exigências supostamente castradoras da representação patentes no Modo Realista que discutimos no capítulo anterior, e, de maneira complementar, encarando o non finito como um critério de modernidade, nossos críticos, na esteira dos europeus, viam a libertação da pintura naquela linha de desenvolvimento que, começando com Delacroix, despontava com evidência na fatura irrequieta dos impressionistas e na estética dos artistas independentes posteriores. Nessa postura, ao lado das questões mais estritamente formais, se evidenciava uma tomada de partido ideológica: “é então a liberdade, a espontaneidade que se opõem assim aos valores burgueses da paciência, de submissão às exigências do trabalho bem feito”573. Como já fizemos notar, teria sido a partir da segunda metade do século XIX, que se consagrara uma relação estreita entra a pintura de trechos prosaicos de paisagem, supostamente indiferente ao tema, e uma estética que exaltava as características especificamente materiais da pintura. Os independentes teriam promovido uma inversão de valores naquilo que até então era tido como o usual: em detrimento do quadro finamente acabado, fruto de um longo esforço, passaram a ser valorizadas as qualidades convencionalmente associadas às esquisses (originalidade, espontaneidade, sinceridade) . Todavia, como também vimos, a prática da esquisse era igualmente consagrada dentro da pedagogia acadêmica: seria possível então resignificar esse desenvolvimento estético de maneiras outras, como de fato fez Albert Boime, em seu famoso livro sobre a Académie francesa, por nós já bastante referido. Diferente dos estudiosos anteriores, Boime, procurando “reabilitar” a arte oficial, via na própria pedagogia acadêmica e na sansão da École à prática do esquisse peinte a verdadeira razão para a acima referida inversão de valores estéticos de meados do século XIX - em suas palavras, a exaltação da fase gerativa (“generative process”) da pintura em detrimento de sua fase executiva (“executive process”). Esse alargamento da importância de um procedimento que até então era identificado apenas em esboços de alguns poucos artistas, notadamente Delacroix, parecia confirmado ainda pela relação documentada entre os independentes e os mestres acadêmicos (Manet aluno de Couture; Renoir, Sisley e Bazille alunos de Gleyre; etc.). Para Boime, como resumiu, não sem ironia, Vaisse. “como a burguesia 573 “C'est alors la liberté, la spontaneité qui s'opposent ainsi aux valeurs bourgeoises de patience, de soumisson aux exigences du travail bien fait” (VAISSE, Pierre. Op. cit., p.99). VERSÃO NÃO REVISADA 232 segundo Karl Marx, a estética dominante teria sido a responsável pela sua própria desaparição”574. Embora normalmente sem uma intenção tão explícita de “reabilitar” nossa pintura acadêmica, alguns estudiosos brasileiros lançaram mão de um raciocínio semelhante ao de Boime para solucionar o dilema da solução de continuidade que se apresentava entre a produção artística da ENBA e aquela dos moernistas. Desejando encontrar um legítimo “precursor” do nosso Modernismo, um escritor como Olívio Tavares de Araújo, como tantos outros, podia aproximar o esboço de Elysêo Visconti mais acima referido [Figura 4.13] de pinturas da fase final de Monet, como as Ninféias [Figura 4.19a, 4.19b e 4.19c], nos seguintes termos: Em sua produção [de Visconti] de meados da década de 10, podem-se encontrar obras tão avançadas, em termos de linguagem, quanto as famosas ninféias pintadas por Monet, na mesma época. Um quadro como O Progresso, de 1912 (no qual, é verdade, as dimensões contribuem para a importância que a pincelada adquire), não fica devendo sequer às ninféias de 1916 a 22 – que são o ponto final do Impressionismo e seu ponto de confluência com a abstração. É um exemplo específico – mas não inventado.575 Nessa citação, se revela com toda a clareza a confusão ainda vigente no meio historiográfico brasileiro entre efeitos decorrentes da prática da esquisse e aqueles resultantes da intenção deliberada de priorizar a superfície do quadro com relação ao seu tema. As eventuais semelhanças que podem existir entre o esboço de Visconti e as Ninféias de Monet são superficiais e evocá-las, da maneira como faz Tavares de Araújo, só serve para obscurecer a suas profundas diferenças diferenças de intenção entre os dois pintores e também diferença de função entre as obras. Nesse caso, a dimensão bem menor da obra de Visconti é um indício dos mais significativos: a esquisse do artista brasileiro é, muito provavelmente, o resultado de uma rápida elaboração, a materialização de um prémiére pensée, enquanto os grandes painéis de Monet são o produto de um trabalho longamente pensado e pacientemente executado e que guardam algo de sucessores modernos dos panoramas oitocentistas. De fato, a tese de Boime acima referida, apesar de engenhosa, pode conduzir facilmente a equivocos. Por um lado, é necessário não perder de vista a função e o valor do esquisse, dentro na concepção acadêmica, tópico nos qual já 574 “Comme la classe bourgeoise selon Karl Marx, l'esthétique dominante serait-elle devenue son propre fossoyeur” (Idem, p.99). 575 ARAÚJO, Olívio Tavares de. Pintura brasileira do séc. XX: trajetórias relevantes. Rio de Janeiro: 4 Estações, 1998, p. 32. VERSÃO NÃO REVISADA 233 nos detivemos e que revela claramente, na “abstração” do esquisse, não um fim em si mesmo, mas apenas a condição necessariamente provisória de um processo em curso. Inversamente, é preciso ter consciência de que, em diversas das mais famosas pinturas impressionistas, a aparência de improviso e de espontaneidade, análoga a de um esquisse, nada mais é do isso: uma aparência, um efeito deliberadamente procurado, o resultado final de um processo de execução cuidadosamente premeditado. Robert Herbert, em um artigo chamado “Method and meaning in Monet”, datado de 1979, já expusera esse fato. O historiador americano começava o seu texto indicando que “se pudessse ficar provado que a arte de Monet não era espontânea, que ela envolvia um longo processo 'em um esforço calculado e intencional'”, citação de Maurice Denis que assim definia a técnica de Cézanne, justamente em oposição à presumida improvisação da de Monet, “então todo a construção crítica a respeito do Impressionismo cairia por terra”576. Alguns parágrafos depois, o próprio Herbert já havia apresentado conclusivamente tais provas, através de análises de paisagens representativas da produção de Monet que documentavam alguns de seus mais importantes procedimentos, o suficiente para provar que ele era um engenhoso inventor cuja técnica, apenas aparentemente improvisatória, era tão complicada como a de Cézanne, e usualmente envolvia envolvia tantos estágios separados quanto aqueles que jazem por detrás de uma paisagem Renascentista.577 Herbert identificou na série das Catedrais de Rouen (c.1892-1895) a culminância desse laborioso método de construção em vários estágios: “Suas texturas que parecem estuque são o resultado de coagulações espessas, incrustadas de pigmento seco. Sobre elas, uma superfície de cores se move em pinceladas que variam de toques com pouca substância visível a acentos diminutos e repetidos que o olho mal pode perceber”578. As texturas corrugadas de Monet, 576 “If it could be proved that Monet's art was not spontaneous, if it could be proved that it envolved a long process 'in a calculated and intentional effort' [...] then the whole edific of Impressionist criticism would crumbling down” (HERBERT, Robert. “Method and meaning in Monet”. In: Art in America, 1979, p.91). 577 “A few of his most important devices, enough to prove that he was an artful contriver whose technique, only in appearence improvisatory, was as complicate as Cézanne's, and usually involved as many separate stages as those which lay behind a Renaissance alndscape” (idem, p.91). 578 “The culmination of Monet’s system of building up a texture in many stages, followed by separate surface colors, is in the Rouen Cathedrals of 1892-95. Their stucco-like textures depend upon thickly encrusted coagulations of dried pigment. Over these surface colors move in stroke that vary from dabs of some visible substance to tiny, repeated accents that the eye can hardly seize upon” (idem, p.98). VERSÃO NÃO REVISADA 234 ainda mais evidentes nas obras do artista realizadas já no século XX, como as Nínféias579, apenas parecem - mas pouco tem de - “espontâneas”. Pierre Vaisee, seguindo as pegadas deixadas por Herbert, também se pronunciou a respeito da relativa inadequação da qualificação de obra inacabada com freqüência associada às obras dos Impressionistas, “sobre o qual se construiu toda uma interpretação da modernidade” a qual já tivemos oportunidade de nos referir. Existem, de certo, algumas paisagens dos impressionistas que podem, com justiça, ser qualificadas como esquisses. Como lembra o mesmo Vaisse, “O Museu d'Orsay expõe um esquisse de Monet, como ele próprio o chamava, uma Vista das Tuilleries [Figura 4.20], cuja fatura a distingue ao primeiro olhar das obras vizinhas”580. Outros quadros bastante famosos de Monet e de Renoir, retratando os banhistas em La Grenouillère [Figura 4.21a e 4.21b], identificados como típicas pinturas impressionistas, parecem de fato ter sido concebidos, como insinuou Charles Harrison, como estudos para quadros maiores e mais “acabados”581. Em uma carta de setembro de 1869, endereçada a Bazille, Monet afirmava a esse respeito: “Tenho de fato um sonho, um quadro de banhistas em la Grenouillère, para o qual fiz algumas manchas [pochades] ruins, mas é um sonho. Renoir, que está passando dois meses aqui, também que fazer o mesmo quadro”582. A insatisfação expressa nessa missiva e materializada também no projeto abortado que foi o Dejeuner sur l`herbe (1865-1866) de Monet, indicam que o pintor não estava, nesses princípios de carreira, satisfeito com o aspecto “abstrato” de suas obras. Tendo em mente a precaução de não confundir a tendência à abstração com os efeitos de evidenciação da fatura resultantes da secular prática da esquisse, cujas motivações são bastante diferentes, podemos, por fim analisar, mais detidamente alguns procedimentos formais e semânticos verificáveis na pintura de paisagem da 1a República e verificar em que medida eles se inserem no processo de autonomização dessa arte, tão identificada com as correntes modernistas. 579 Christopher Lyon, antigo editor da MoMA magazine, em artigo de 1991 intitulado “Unveiling Monet”, afirmava: “In all three panels one also sees an effect, created by the layering of brushwork, that has been called 'corrugation' by the art historian Robert Herbert. The corrugated effect was produced by laying in thick, but open, strokes, which then served as the texture for overlying thin strokes of color. These thinner color strokes were applied in almost a dry brush technique, often in a direction perpendicular to the underlying layer and just lightly catching its ridges”. Trecho disponível no site http://www.moma.org/collection/conservation/unveiling_monet.html 580 “Le Musée d'Orsay présente une esquisse de Monet, comme il l'appelait lui-même, une Vue de Tuilleries que sa facture distingue au premiercoup d'oeil des ouvres voisines” (VAISSE, P. Op. cit., p.100). 581 HARRISON, Charles. Op. cit., pp.167sg. 582 Citado em Idem, pp.173-174. VERSÃO NÃO REVISADA 235 4.3.5. Procedimentos do Modo d'Esquisse Uma das talvez mais evidentes características das paisagens que aqui estamos abordando - e uma direta conseqüência das técnicas usuais na prática da esquisse a elas associadas - é, como já nos referimos, uma franca explicitação da fatura pictórica, uma forte acentuação do gesto do artista. Diverso do tratamento do Modo Realista antes abordado, no qual não raramente as pinceladas se fundem em gradações sutis de valor e/ou cor, conferindo à imagem uma “transparência” adequada à sua função representativa, o tratamento das paisagens frisa na pintura, ao contrário, o seu caráter “opaco” de objeto manualmente configurado. Isso implica na valorização de uma espécie de bravura pictórica, que se filia, de uma maneira mais ou menos direta, aquele uso da fatura consagrado pelos impressionistas, mas também à estética de mestres mais antigos, como Velázquez ou Hals [cf. as cópias na parte 2.1.3]. Por vezes, como no caso de uma paisagem de datação incerta de Rodolpho Chambelland [Figura 4.22], a vibração da superfície conferida ao quadro pelo ritmo das pinceladas orientadas diagonalmente remete mesmos aos quadros de alguns dos chamados pós-impressionistas, como Van Gogh. Na contra corrente da criação de ritmos que unificam o quadro, um procedimento oposto é a individualização das pinceladas carregadas, como acontece em uma paisagem de Navarro da Costa [Figura 4.23a]: aqui, a independência relativa das pinceladas é reforçada pelas suas dimensões com relação à extensão relativamente reduzida do plano do quadro e também pelos contrastes cromáticos que entre elas se verificam. Não podendo ser facilmente assimiladas aos objetos que evocam, tais pinceladas ganham o aspecto de planos independentes que subdividem a imagem, como uma espécie de mosaico tosco. O efeito muito recorda o daquelas paisagens pintadas por Kandisnky em Murnau, por volta de 1910, e cuja importância na depuração do elemento semântico na obra do pintor russo é bem conhecida [Figura 4.23b]. Todavia, se podemos crer na datação de alguma marinhas de Navarro da Costa, por vezes comercializadas em leilões, tal procedimento em sua obra seria ainda anterior, remontando aos primeiríssimos anos do século passado. Em outros gêneros, esse uso carregado da fatura podia ser criticado pelos próprios pintores da 1a República. Henrique Cavalleiro, por exemplo, desaprovava certos efeitos de empastamento nas naturezas mortas: “Pretende-se também, às vezes, com empaste grosso, dar a sensação de relevo de um objeto, ou forçar a VERSÃO NÃO REVISADA 236 potência luminosa de um brilho [...] Esse truque grosseiro, sem nenhuma significação para a técnica, - pois o apresento como defeito vulgar - traz vários inconvenientes: mistura de escultura e pintura, convite a acumulação da poeira, luzes e sombras falsas e, além de falsas, extremamente mutáveis”583. Não obstante, devemos lembrar que o próprio Cavalleiro não fazia censuras análogas com relação às paisagens e não se furtou, em sua obras do gênero, a experimentar variações no emprego da matéria pictórica. No desejo de evidenciar de maneira ainda mais enfática a concretude de suas tintas, o arcabouço inalienável de qualquer pintura, muitos pintores chegavam a substituir o uso do pincel pelo da espátula. Isso pode ser bem observado na maior parte das paisagens de Lucílio de Albuquerque realizadas após o seu retorno da Europa; o uso da espátula é também muito evidente nas obras do citado Navarro da Costa, como mostra exemplarmente uma sua Marinha, pertencente da Sociedade Brasileira de Belas Artes, a antiga Juventas [Figura 4.24a]. Um outro procedimento pode ser encontrado em um partido usualmente empregado por Arthur Timótheo em suas paisagens tardias, como as que reproduzimos na Figura 4.25a e 4.25b. Nestas obras, os recantos apresentados tem um aspecto deliberadamente genérico e o jogo de manchas é igualmente pouco empenhado na caracterização precisa das diferenças materias dos elementos representados - pedra, água, ar... Mas o fator ao nosso ver mais interessante diz respeito ao trabalho de grafismo, que ganha uma relevância fundamental e uma quase total autonomia, expandindo-se com ampla liberdade, por vezes sem nenhuma contraparte semântica. Como os outros procedimentos que viemos até aqui descrevendo, esse processo de incisão feito diretamente na cor – provavelmente com a ponta do cabo do pincel sobre a tinta ainda úmida – pertence ao repetório técnico habitual da esquisse584. Nas paisagens de Arthur Timótheo ele é o reponsável pelo modelado sintético das formas. Além disso, através desse procedimento, passa a transparecer o imprimado do suporte, o que provoca uma singular inversão perceptiva: o que na verdade constitui o fundo sobre o qual se encontram dispostas as manchas de tinta se afirma como se no primeiro plano estivesse, reforçando o caráter chapado das obras – fator que, cumpre notar, se harmoniza com a restrita sugestão de espacialidade que as caracteriza. Alguns anos depois, em quadros nos quais a 583 CAVALLEIRO, Henrique Campos. Da didática e da técnica da pintura - Considerações sôbre alguns problemas. Rio de Janeiro: ENBA/UB, 1952, p.35. 584 Cf. COUESSIN, Charles de. “Analyse scientifique des qulques esquisses”. In: GRUNCHEC, P. Op. cit., especialmente pp.36 sg. VERSÃO NÃO REVISADA 237 definição dos elementos e a representação espacial se adequam um pouco mais ao realimo visual, o irmão de Arthur, João Timótheo, usaria o mesmo procedimento, alcançando resultados mais sutis [Figura 4.26]. Porém, o efeito “abstrato” presente em diversas paisagens realizadas na 1a República por vezes derivava da natureza ou da maneira como os motivos eram representado, tanto quanto de sua fatura. Cumpre destacar aqui o interesse difundido entre certos artistas brasileiros por aquilo que alguns estudiosos, baseados nos trabalhos pioneiros de Jonathan Crary585, denominaram limites da visibilidade: a confrontação direta com a luz plena, com a obscuridade, com a bruma, e a dissolução das formas que disso resulta. Annie Claustres resumiu a genalogia desse interesse, que, paralelamente ao desenvolvimento daquela estética materialista descrita por G. Bandmann, contibuiu para alguns dos mais radicais desdobramentos da pintura moderna: A passagem, no começo do século XIX, de uma ótica geométrica a uma ótica fisiológica preludia o nascimento de uma visão moderna na qual a arte abstrata mergulha suas raízes. Goethe se fez o cantor dessa visão em seu Tratado das cores de 1810, cuja influência será considerável sobre Turner, os pintores românticos, depois a geração impressionista. Da confrontação com a plena luz que dissolve as formas à obscuridade de onde emergem a cores, o caminha será rapidamente percorrido até a abstração pura: logo os artistas desejarão dar a ver simplemente vibrações coloridas.586 Nesse sentido, cumpre novamente destacar, entre outras, a figura de Navarro da Costa que, no contexto da pintura brasileira do início do século passado, foi talvez o pintor mais seduzido pela captação dessas condições limites da percepção. Na sua produção são freqüentes as representações de efeitos fugidios do sol sobre a superfície cambiante da água, de noturnos e de nevoeiros, o que confere a muitas de suas marinhas um caráter eminentemente minimalista [Figura 4.24b]. Ainda com relação a ese tópico, é preciso fazer referência a obra tardia do pioneiro Castagneto, cujo exemplo foi certamente uma referência para Navarro da Costa. 585 Cf. a versão francesa do célebre livro de Crary, L'art de l'observateur, vision et modernité au XIXe siècle. Nimes: Jacqueline Chambon, 1994. 586 Le passage, au début du 19e siècle, d'une optique géometrique à une optique physiologique prélude à la naissance d'une vision moderne dans laquelle l'art abstraite prend ses racines. Goethe se fait le chantre de cette vision dans le Traité des Couleurs de 1810, dont l 'influence sera considerable sur Turner, les peintres romantiques, puis la géneration impressioniste. De la confrontation à la pleine lúmiere qui dissout les formes à l'obscurité d'où emergent les couleurs, le pas ser vite franchi a l'abstraction pure: bientôt les artistes voudront donner à voir de simples vibrations colorées (CLAUSTRES, Annie. “L'oeil solaire”. In: VERSÃO NÃO REVISADA 238 A própria maneira como o paisagem é apresentada também influi diretamente na sua legibilidade. Nesse sentido específico, alguns recursos compositivos empregados pelos paisagistas da 1a República acabavam por neutralizar o valor semântico dos trechos de paisagem por eles representados. Desses, um dos mais usais é uma apresentação eminentemente metonímica dos motivos: isto é feito mostrando ou pequenos detalhes da paisagem, como acontece em uma das já referidas vistas de Lucílio realizadas ainda em Paris [Figura 2.34a], ou mostrando trechos poucos distintos, como aqueles que João Timótheo com freqüência escolhe para representar [Figura 4.27a]. Outras vezes é o próprio enquadramento que, deliberadamente, parece “ocultar” os objetos, selecionando aspectos pouco reveladores dos mesmos e tornando-os, conseqüentemente, quase irreconhecíveis, como acontece em uma outra das paisagens de João Timótheo [Figura 4.27b]. Por fim, cumpre frisar que algumas paisagens realizadas pelos artistas da 1a República, embora ostentem um aspecto informal, não são o fruto de um trabalho improvisado. É o caso da célebre vista Gávea Golf, pertencente ao acervo do MNBA, pintada já em finais dos anos 1920 por Lucílio de Albuquerque [Figura 4.28a], ou, ainda, de uma outra obra de autoria desse mesmo artista pertencente ao Museu do Ingá, em Niterói [Figura 4.28b]. As dimensões desses dois trabalhos, bem como o sutil trabalho de variações cromáticas neles perceptível, fazem supor um tempo de elaboração e execução prolongado. Os trechos quase abstratos que surgem nessas paisagens, como por exemplo no primeiro plano daquela reproduzida na Figura 4.28b, são assim o resulado de um esforço deliberado de conferir as obras um caráter de execução bravia e informal que, se pode concluir, não presidiu a sua execução. Um tanto diferentes são duas paisagens feitas em meados dos anos 1920 por João Timótheo da Costa para ornamentar o Palácio Pedro Ernesto [Figura 4.29a e Figura 4.29b]. Novamente, é possível perceber uma clara tendência à abstração e uma fatura de pequenos toques bem evidentes, variando em alguns trechos de um tratamento mais livre, que remete àquelas pochades de Monet e Renoir acima citadas [Figura 4.21a e 4.21b], a uma fatura divisionista mais controlada e ortodoxa. Porém, a radical contenção dos valores na parte mais luminosa da escala e a restrita variação cromática nos fazem lembrar, por seu turno, de uma espécie de plástica de tapeçaria. Essas características parecem derivar diretamente da função decorativa dessas obras, e com elas, tocamos os limites de um terceiro Modo praticado na 1a República, que gostaríamos de a seguir analisar. VERSÃO NÃO REVISADA 239 4.4. O Modo Decorativo Nessa parte de nosso trabalho, abordaremos algumas características de um derradeiro Modo, muito relacionado às pinturas decorativas realizadas durante a 1ª República. A própria definição do que então se entendia por pintura decorativa não é, certamente, uma questão das mais simples, se encontrando via-de-regra submissa a uma apreciação de ordem estética ou à arbitrariedade das definições. Aqui, fazendo referência à Pierre Vaisse, que, com relação à essa mesma questão, opinou que, para efeitos do discurso, o arbitrário é preferível ao impreciso, desde que seja assumido enquanto tal587, definiremos a pintura decorativa, nos termos correntes durante o oitocentos, ou seja, como toda composição concebida para que a obra definitiva tome seu lugar contra uma parede ou se substitua a ela, o que vale tanto para a pintura à fresco, quanto para todas as pinturas sobre telas marouflées sobre uma superfície mural - certamente a técnica mais utilizada no periódo -, e também para aquelas montadas sobre chassis e depois colocadas em lambris588. Caberia aqui acrescentar ainda os modelos de vitrais, de mosaico ou e de tapeçaria, por motivos aos quais mais abaixo voltaremos, embora não seja necessário frisar que não nos deteremos na análise de qualquer desses modelos no presente trabalho . Procuraremos apurar tal definição de pintura decorativa mais a frente, já adiantando que essa noção definida tão somente em função da sua pretensa destinação, não faz jus às reflexões elaboradas sobre a questão durante a 1ª República. De fato, como veremos, desde meados do século XIX diversos estetas defenderam a idéia de que existiria um caráter particular da pintura decorativa, e que esta deveria diferir da pinturas de cavalete, que analisamos nas duas últimas partes, tanto por sua apresentação como por seu aspecto. Será necessário levar em conta, portanto, a maneira como as pinturas decorativas brasileiras se conformavam à uma série de exigências de composição, de desenho e de cor, tidas como essenciais ao seu caráter ornamental, ou seja, a sua adequação a um estilo distinto, a um Modo propriamente decorativo, do qual mais abaixo procuraremos delimitar as principais características formais. 587 VAISSE, Pierre. Op.cit., p.175. “According to both academic theory and studio parlance in the nineteenth century, decorative painting was primarily that intended for particular architectural locations: murals painted directly onto plaster (in the Italian tradition), or else on canvas glued or impaneled onto the wall (in France)” nos termos que eram usuais no Oitocentos (BENJAMIN, Roger. “The decorative landscape, fauvism, and the arabesque of observation”, Art Bulletin, junho 1993, vol. 75, n. 2, p.304). 588 VERSÃO NÃO REVISADA 240 4.4.1. A difusão da pintura decorativa na 1a República: sua relação com a questão da identidade nacional e com as demais artes aplicadas Para quem quer que se debruce mais demoradamente sobre a produção pictórica da 1ª República brasileira, salta aos olhos o fato notável que é o incremento da produção de pinturas decorativas verificado no período. Certamente, tal fenômeno tem relação com o movimento mais amplo de difusão do gênero em diversos outros centros artísticos mundiais, característico das décadas finais do século XIX. Embora esse movimento de produção de pinturas decorativas no oitocentos possua raízes que remontam às suas primeiras décadas589, ele se intensificou a partir dos anos 1870, e, tomando contornos por vezes febris, se estendeu por toda a Europa e também pela América do Norte. Na França, uma ambiciosa política de incentivo às decorações públicas, defendida já por Charles Blanc, que era diretor geral de Beaux-Arts nos anos iniciais da IIIe République, foi efetivada no directorat seguinte, o de Philippe de Chennevières. A descrição das numerosas realizações francesas oriundas dessa política, bem como da sua riqueza estilística, se acomoda mal ao escorço de alguns parágrafos; aqui, cumpre apenas esboçar rapidamente, seguindo as indicações de Pierre Vaisse, os aspectos mais gerais da sua “história estilística”. Assim é que, por exemplo, a chamada “escola” de Ingres, se excetuarmos as poucas encomendas oferecidas a artistas como Marc C. G. Gleyre ou a seus discípulos François Ehrmann e Paul Milliet, praticamente não desempenhou nenhum papel representativo no desenvolvimento do gênero que então se verificou. “Mais favorecidos pela administração foram os admiradores tardios de Delacroix: Thirion, Ferdinand Hubert, Henry Levy, Cormon”590. Em inícios dos anos 1880 e contra essas tendências “acadêmicas”591, se insurgiu o estilo oficial do jovem regime republicano, o realismo, que, apesar de menos perceptível nas províncias e pouco apoiado pela direção de Beaux-Arts, fez escola em Paris, “’a escola da blouse blue’, segundo Bénédite, que evocou uma vintena de anos mais tarde esse ‘trabalhador descaracterizado [...] que vemos se mover entediado sobre as paredes das salas de casamento, das galerias de festas, das salas de Conselho de tantas mairies 589 “Entre 1820 e 1860, l’Allemagne occupe la première place, avec les immenses décors peints par les Nazaréens revenus de Rome et par ses disciples [...] La France, toutefois, n’était pas en reste". (VAISSE, Pierre. Op. cit. , p.180). 590 "Plus favorisés par l’administration furente les admirateurs tardifs de Delacroix: Thirion, Ferdinand Hubert, Henry Levy, Cormon” (Idem, pp.210-241). 591 Certamente, “acadêmicas” em um sentido “um académisme que se définissait d’abord, pour beaucoup de contemporains, par l’attachement à la tradition classique, c’est-à-dire a une tradition qui plongeait ses racines dans l’art antique” (Idem, p.241). VERSÃO NÃO REVISADA 241 parisienses e prefeituras suburbanas’”592. Por fim, os procedimentos impressionistas conheceram uma difusão tão rápida e extensa que não poderiam deixar de influenciar a pintura decorativa: fragmentação do toque (muitas vezes chegando aos extremos pontilhistas), preocupação com a luminosidade, simplificação dos planos, enfraquecimento do modelado através do emprego de formas transparentes... a incorporação dessa estética independente se deu de diversas maneiras, mais ou menos profundas. Fora da França, só para se ter uma idéia aproximada da agitação relativa à produção de pinturas decorativas, vale a pena reproduzir aqui a lista - parcial, cumpre frisar - de ciclos enumerada por Vaisse no capítulo de La IIIe République et les peintres dedicado à decoração dos edifícios públicos: Os frescos de Hans Von Marées na Estação Zoológica de Nápoles (18721973), as pinturas de Leys na Câmara Municipal de Anvers, um pouco anteriores, e aquelas de Victor Lagye na Sala de Casamentos do mesmo edifício, encomendadas em 1886, o ciclo de Ford Maddox Brown na Câmara Municipal de Manchester (1880-1893), as pinturas de Albrecht de Vriendt na de Bruges, de Derkinderen na de Bois-le-Duc, de Ludwig Dettmann na de Altona, todas executadas nos últimos anos do século, as decorações do Museu de História Natural de Viena por Canon, aquelas do Museu de Belas Artes e do Burgtheater na mesma cidade, nas quais colaborou Klimt, assim como aquelas de numerosos teatros durante o império dos Hasburgos, aquelas do Grande Teatro de Genebra, da escadaria do Museu de Neuchâtel, aquelas de Ferdinand Hodler para o Museu Nacional Suíço de Zurique (1896-1900), para a Universidade de Iéna (1907-1909), para a Câmara Municipal de Hanover (1910-1913), aquelas de Puvis de Chavannes, Abbey e Sargent na Biblioteca Municipal de Boston, aquelas, mais tardias, de Sargent no Museu de Belas Artes dessa mesma cidade, aquelas, enfim, de Edvard Munch para a Aula da Universidade de Oslo (1909-1914) - Oslo cuja Câmara Municipal, construída entre 1931 e 1950, recebeu ainda um dos mais vastos e ricos conjuntos de pinturas murais jamais executados.593 592 “’L’école de la blouse bleue’, selon Bénédite, qui évoquait une vintaine d’anées plus trad ces ‘ travailleur sans caractères [...] qu’on voit se mouvoir avec ennui sur les parois des salles de marriages, des galeries des fêtes, des salles de Conseil de tantes des mairies parisiennes et d’hôtel de ville de banlieue” (Idem, p.242). 593 "Les fresques de Hans von Marées à Ia Station zoologique de Naples (1872-1873), les peintures de Leys à l'hótel de ville d'Anvers, un peu antérieures, et celle de Victor Lagye dans Ia salle des mariages du même edifice, commandées en 1886, le cicle de Ford Maddox Brown à l'hótel de ville de Manchester (1880-1893), les peintures d'Albrecht de Vriendt dans celui de Bruges, de Derkinderen dans de Bois-le-Duc, de Ludwig Dettmann dans celui d’Altona, toutes exécutées au cours des dernières années du siècle, Ies décorations du musée d'Histoire naturelle de Vienne par Canon, celles du musée des Beaux-Arts et du Burgtheater dans Ia même ville, auxquelles collabora Klimt, ainsi que celles de nombreux théâtres dans l’empire des Hasbourg, celles du Grand Théâtre de Genève, de l’escalier du musée de Neuchâtel, celles de Ferdinand Hodler pour le Musée national suisse de Zurich (1896-1900), pour l'université d’lena (1907-1909), pour l’hotel de ville de Hanovre (1910-1913), celles de Puvis de Chavannes, d’Abbey et de Sargent à Ia bibliothèque municipale de Boston, celles plus tardives, de Sargent au musée des Beaux-Arts de Ia même ville, celles, enfin d'Edvard Munch dans l'aula de l’universté d'Oslo (1909-1914) - Oslo dont l’hótel de ville, construit de 1930 à 1950, a encore reçu l’un des ensembles de peintures murales les plus vastes et les plus riches qui aient jamais été executés" (Idem, p.180). VERSÃO NÃO REVISADA 242 No Brasil, por volta de meados da década de 1890, depois de superada a instabilidade dos governos militares, se inicia uma campanha de contornos mais ou menos intermitente visando à decoração de edifícios públicos. No Rio de Janeiro, capital da República, um marco inicial desse processo foi a transferência das atividades de governo do Palácio Itamaraty para o Palácio do Catete, antigo Palacete do Barão de Nova Friburgo, no governo de Prudente de Morais. A partir das obras no Palácio do Catete, vamos encontrar uma seqüência de edificações sendo reformadas ou construídas, associando arquitetura e pintura decorativa de interior. A lista completa dos trabalhos então realizados - que variavam de importância, indo desde um simples quadro até os grandes conjuntos, nos quais vários artistas, de diferentes especialidades, eram chamados a trabalhar -, é vasta e podemos aqui citar, sem pretender fornecer um inventário exaustivo, as decorações para os palácios de Governo - como o do Estado do Pará, para onde Antonio Parreiras pintou uma grande tela, a Conquista do Amazonas, já em 1907594; aquelas, realizadas também na primeira década do século passado, em diversos edifícios da Avenida Central, no Rio de Janeiro, tanto naqueles para fins político-administrativo (Supremo Tribunal Federal, Banco Central do Brasil) quanto comerciais (Companhia Docas de Santos) ou culturais (Theatro Municipal, Escola Nacional de Belas Artes, Biblioteca Nacional); as decorações efêmeras dos grandes pavilhões de exposição, seja no Brasil (Rio de Janeiro, 1908 e 1922), seja no Exterior (Chicago, 1893; St. Louis, 1904; Turim, 1911, etc.); aquelas para o Museu Paulista, encomendadas por A. Taunay a partir de meados dos anos 1910; aquelas para as grandes sedes do poder da então Capital Federal erguidos nos anos 1920, os atuais Palácios Tiradentes e Pedro Ernesto, entre diversas outras. Fontes privilegiadas a respeito das encomendas de decorações podem ser encontradas nos depoimentos rememorativos dos próprios artistas. Tanto aqueles formados sob os auspícios da AIBA, quanto os mais novos, se beneficiaram igualmente do movimento de encomendas do gênero sob a República Velha. Pertencentes à primeira categoria, além do referido Parreiras, podemos citar 594 Dos artistas fluminenses, Antonio Parreiras parece ter sido o que realizou mais trabalhos decorativos fora do Estado: além da encomenda do governador do Pará, podemos enumerar obras como a Fundação de São Paulo e Instituição da Câmara Municipal de São Paulo, encomendas do prefeito de São Paulo; Frei Miguelinho, encomenda do governador do Rio Grande do Norte; José Peregrino, encomenda do governador da Paraíba; Anchieta, adquirido pelo governador do Espírito Santo; Felipe dos Santos, encomenda do governador de Minas Gerais; Jornada dos mártires, encomenda do prefeito de Juiz de Fora; O primeiro passo para a Independência da Bahia, encomendada pelo governador da Bahia e também pela Intendência da Cidade de Cachoeira; Proclamação da República de Piratini, encomenda do governador do Rio Grande do Sul (a esse respeito ver SALGUEIRO, Valéria. “A arte de construir a nação - pintura de história e a Primeira República”. In: Estudos Históricos, Arte e História, n. 30, 2002/2, pp.6sg.). VERSÃO NÃO REVISADA 243 Rodolpho Amoêdo, artista estreitamente ligado à ENBA como professor e cuja atividade como decorador foi exemplar: O primeiro edifício publico que recebeu pintura aqui [no Rio de Janeiro] foi o Itamaraty, quando Elihu Root veiu ao Basil. Era ministro o Rio Branco. Fez-me pequena encommenda, que serviu apenas de estimulo. Compuz no Itamaraty duas telas ornamentaes, na entrada e na caixa da escada. Mais tarde, o Manoel Cicero, tendo concluído os serviços da Bibliotheca, lembrou-se que havia um restinho de verba a gastar e ficariam muito bem algumas pinturas no cantinho do tecto que o estucador conservara em condições de receber pintura. [...] Depois appareceram os primeiros trabalhos de vulto. Vieram as decorações do Theatro Municipal, onde tenho dezoito tela, sendo oito dansas, quatro antigas e quatro modernas595, e oito paineis de flores, para ornamento da mesma composição. Ainda tivemos mais e melhor. Ao concluirem-se as obras do Supremo Tribunal, o ministro Rivadavia me incubiu de pintar o tecto da sala de sessões. Executei o painel grande da Justiça e mais dois, ornamentaes, no tecto do mesmo salão. Mais tarde appareceu a construcção do Conselho Municipal. Ahi tive encomendas de dois paineis, de grandes proporções, que se vêm na sala das sessões, por cima da mesa do presidente e na parede fronteira, tendo também feito, com Roberto Mendes, as duas telas lateraes. Tempos depois, irrompeunos por aqui o João Pessoa. Não tinha dinheiro, dizia inicialmente, mas queria que eu realizasse a decoração do salão principal do Supremo Tribunal Militar. E embora sem dinheiro, o trabalho foi feito, no tempo e condições combinados. Consta de paineis para a ala das sessões e para a sala de honra.596 Entre os artistas formados durante a 1ª República, exemplos de atarefados realizadores de decorações foram, entre outros, Helios Seellinger e João Timótheo da Costa. O primeiro, quando questionado por Angyone Costa a respeito das obras decorativas que realizara, enumerou: Fiz diversas. Entre outras aquella que reputo a minha obra mais forte, as composições ornamentaes dos salões do clube naval [Figura 4.50a, 4.50b e 4.50c]. [...] No Rio Grande do Sul, em duas viagens que fiz, realizei diversos trabalhos, inclusive os da ornamentação do palácio governamental. Além destes, casa particulares, clubs, residências de amigos...597 Já João Timótheo, na entrevista dada ao mesmo Agyone Costa, declarou: 595 Respectivamente, as danças do Egito, Judéia, Grécia e Roma (rotunda da Av. Treze de Maio) e as danças da Hungria, França, Espanha e Polônia (rotunda da Av. Rio Branco); para mais detalhes a respeito da iconografia desses painéis decorativos e daqueles do Supremo Tribunal, realizados por Amoêdo, consultar ROSA, Márcia V. T. “Painéis decorativos executados por Rodolpho Amoêdo (18751941): algumas considerações”. In: In: CARDOSO, R.; DAZZI, C.; MIYOSHI, A. (org). Revisão historiográfica: o estado da questão. Atas do I Encontro de História da Arte do IFCH – UNICAMP. Campinas, SP: UNICAMP/IFCH, v.2, 2005, pp.204-210. 596 Citado em COSTA, Angyone. Op. cit., pp.60-61. 597 Citado em Idem, p.164. VERSÃO NÃO REVISADA 244 Trabalho muito e posso, de relance, lembrar lhe decorações que tenho executado, como a Câmara dos Deputados, salão de honra, “hall” do Museu Nacional, Fluminense F. C. [Figura 4.43a, 4.43b, 4.43c e 4.43d], Copacabana Palace e, agora mesmo, a residência dos Drs. Agenor e Abel Porto.598 As referências de Seelinger e João Timótheo à decoração de casas de particulares nos fazem lembrar de um campo de trabalho que então igualmente se expandia, motivado pelo surgimento de uma nova concepção da decoração de interiores, caracterizada pelo desejo de imitar aquilo que, em tempos de fortunas particulares menores, ou, sobretudo, de menor queda pela ostentação, havia sido apanágio dos palácios reais, das sedes do poder público e da Igreja599. Tal demanda foi mesmo responsável pela aparição de um novo gênero de composições nos “salões” e exposições particulares da 1ª República, normalmente chamadas nos catálogos de painéis decorativos, expressão que servia como uma espécie de cláusula restritiva destinada a orientar o olhar do espectador com relação a certas “anomalias” formais, admissíveis no contexto de uma “decoração” e que abaixo discutiremos. Certamente, a exposição de tais painéis decorativos servia também para atrair a atenção da possível clientela, demonstrando as capacidades de um pintor em se adaptar às exigências da decoração de interiores. A pesquisa nas seções de Pintura e Artes Aplicadas dos catálogos das Exposições Gerais realizadas entre 1894 e 1931 revela um número significativo de obras desse gênero, a maioria realizada por artistas formados durante o período republicano, mas cujo paradeiro, na maioria dos casos, é, infelizmente, hoje desconhecido. Para além do crescimento da demanda, tanto pública quanto particular, existem outras causas igualmente decisivas para o surto decorativo verificado na 1ª República, as quais se encontravam estreitamente relacionadas com questões que foram então calorosamente discutidas no meio artístico fluminense e sobre as quais gostaríamos de nos deter com mais vagar. Nesse sentido, o fator talvez mais importante que impulsionou a difusão da pintura decorativa no período foi a grande relevância que esta então assumiu no esforço coletivo de criação de uma identidade cultural brasileira. Quando analisamos 598 Citado em Idem, p.118. “A partir do momento em que a riqueza era decodificada por um conjunto de imagens, aqueles que podiam e desejavam aparentar superioridade (social e cultural), deveriam evidenciar sua visibilidade. Instaurava-se um mundo de aparências cujos códigos de distinção se baseavam em valores artísticos, os quais eram apropriados pelos objetos cotidianos. Exacerbava-se o aspecto decorativo a parcela artística presente nos objetos - e ostentavam-se seus representantes, os estilos” (MALTA, Marize. “Um outro Ecletismo pela visão das artes decorativas”. Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/decorativas_ecletismo.htm) 599 VERSÃO NÃO REVISADA 245 o pensamento dos artistas da República Velha, encontramos entrelaçados, de maneiras por vezes indissociáveis, os conceitos de arte brasileira e de pintura decorativa, e os motivos para tanto eram variados. Em boa parte, isso se devia, certamente, à própria destinação pública da parcela mais importante das pinturas murais, que mais acima fizemos notar: no Brasil, como na maioria dos países europeus e no resto da América, se tinha como pressuposto que a pintura destinada a ornar os prédios públicos deveria ser como que a expressão dos sentimentos coletivos e da própria alma do povo. Mais do que simplesmente embelezar os edifícios, ela deveria, portanto, educar e propagar valores políticos e morais que concorriam para a afirmação e o esplendor do regime político vigente. Como bem resumiu Valéria Salgueiro a esse respeito: Nas democracias liberais, assim como nos países socialistas do século XX, uma arte para atingir o público ganhou espaço conforme se ampliaram a própria idéia de público e o tamanho do Estado. Em prédios públicos, amplas paredes vieram abrigar uma ação didática sobre a consciência coletiva no plano simbólico, visando a despertar o sentimento patriótico. Paredes e tetos de palácios de governo, assembléias, tribunais, bibliotecas e teatros forneceram, nesse sentido, suportes privilegiados para a projeção do discurso oficial numa linguagem visual captada imediatamente pelos sentidos, acessível mesmo aos não alfabetizados. Em muitos lugares do mundo buscou-se fortalecer a identidade nacional apelando ao patriotismo com o trabalho de figuração em imagens alusivas ao pretendido passado comum, aos mitos de origem e de fundação, aos heróis venerados e, enfim, ao processo histórico da nação. Entrando e saindo de prédios públicos, circulando por seus corredores e saguões, o público se movimentava sem dar-se conta desse trabalho da pintura “decorativa” sobre sua consciência.600 Em termos iconográficos, essas funções de persuasão da população e de celebração do regime republicano brasileiro se refletiam em uma predileção pelas representações alegóricas e, especialmente, pela temática histórica. É necessário não perder de vista que os primeiros anos da República foram marcados por um projeto de culto de virtudes e valores nacionais, bem como por uma “releitura” da história brasileira que em tudo favoreceu a receptividade do governo federal a uma produção artística destinada a ornamentar as paredes dos edifícios públicos com motivos inspirados nos grandes momentos de nossa história. Também os governos estaduais estavam sensibilizados nesse sentido, tendo o advento da República propiciado uma maior abertura para os acontecimentos regionais representativos do passado: atravessando o século praticamente no anonimato, Tiradentes e outros nomes ligados às revoltas coloniais, como Felipe dos Santos e frei Caneca, foram então perdendo o estatuto de conspiradores, 600 SALGUEIRO, Valéria. Op. cit., pp.2-3. VERSÃO NÃO REVISADA 246 subversivos e inimigos da pátria, sendo reabilitados até o ponto de sua construção mítica como heróis republicanos. Muito se desenvolveu então uma estreita relação entre a historiografia produzida pelos chamados institutos históricos e geográficos espalhados pelo país e os pintores de história da 1a República. Mas a acima referida relação entre a criação de uma identidade cultural brasileira e a pintura decorativa se dava também por uma outra importante via. Aqui é necessário nos determos, ainda que rapidamente, na relação que então se estabelecera, no espírito de vários artistas, entre a pintura decorativa e as chamadas artes aplicadas, por nós já referidas na parte 1.1, e que não por acaso, lembremos, eram também conhecidas como artes decorativas601. Às vésperas da proclamação da República, a relação entre artes aplicadas e belas-artes voltara a estar em destaque na pauta das discussões do meio artístico fluminense. Rui Barbosa, em seu discurso no Liceu de Artes e Ofícios, já dera o tom dos debates que se seguiram, identificando a noção de artes aplicadas com aquela de “aplicações decorativas da arte”, materializada nos “artefatos úteis e decorativos”. Tal raciocínio seria retomado por muitos artistas, e encontraria eco, décadas depois, em uma palestra explicativa sobre o conceito de arte decorativa proferida por Campofiorito, na qual este inseria claramente a pintura com destinações murais na série de técnicas das artes aplicadas: Não seria possível ensinar essa matéria [arte decorativa] sem ligá-la a prática das seguintes especializações conhecidas como: vitral, tapeçaria, mosaico cenografia, cerâmica, artes gráficas (incluindo a estampagem de tecidos), mobiliário, vidro, decoração de interior etc. Teremos que incluir também a pintura e a escultura murais ou diretamente destinadas à ornamentação, isto é, incorporadas a conjunto arquitetônico.602 Embora seu texto seja algo tardio, nele Campofiorito não mais fazia do que expressar uma concepção abrangente de arte decorativa que já circulava na ENBA antes mesmo do período de formação do pintor na instituição, nos anos 1920603. As 601 Como define Marize Malta: “O adjetivo ‘decorativa’ remete à propriedade daquilo que adorna, embeleza, agrada aos olhos, desempenho característico do que é tradicionalmente artístico. Para que um objeto utilitário fosse decorativo fazia-se necessário que tivesse uma finalidade de embelezamento amalgamada a seu fim prático. Para isso, o utilitarismo deveria dialogar com os preceitos plásticos vigentes e revestir-se com os padrões de beleza ditados pela grande arte” (MALTA, Marize. Op. cit.). 602 CAMPOFIORITO, Quirino. “Palestra do professor Quirino Campofiorito. Arte decorativa”. In: Arquivos da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 1959, p.5; grifos nossos 603 Já não havia Modesto Brocos propugnado, com veemência, nos debates com os demais professores e em artigos pela imprensa, por um ensino profissional mais prático e mais amplo, onde a “A arte decorativa” seria “o primeiro degráu que deve galgar todo moço que se destina às belas Artes’”? VERSÃO NÃO REVISADA 247 razões para o fato da pintura com finalidades decorativas ter sido então incluída no rol das artes aplicadas não são difíceis de discernir. A premissa principal, da qual, como veremos, deriva mesmo toda uma série de restrições formais, é a de que a pintura mural tem como objetivo, precisamente, decorar uma muro. Contrariamente às regras estabelecidas para as decorações plaffonnants nos séculos XVII e XVIII, a pintura mural, segundo certas correntes estéticas surgidas no oitocentos, não deveria destruir a integridade do conjunto arquitetural que a abrigava. Tal era a concepção formulada por Prosper Merimée, já em 1851604, e retomada pelo pintor Jules Breton: “Queremos que a pintura mural, nobre e bela, mas circunspeta, antes de tudo complete a arquitetura que decora”605. Por essa presumida “humildade”, por ter que se submeter ao conjunto arquitetural no qual se inseria e que a sobrepujava, não é de se estranhar que a pintura decorativa fosse então pensada como mais próxima das artes aplicadas do que propriamente da pintura enquanto “belas artes”, esta sim concebida, para utilizar novamente as palavras de Rui Barbosa, “como um fim em si mesma”, que pairava “independente nas regiões do ideal”606. O incremento verificado na produção de pinturas decorativas durante a 1ª República deve ser, portanto, compreendido no contexto mais amplo do crescimento análogo verificado no campo das artes aplicadas. Ora, o acima referido ideal de criação de uma “escola” brasileira era defendido pelos mais diversos artistas envolvidos com essas últimas, durante a 1ª República: no espírito de vários deles é mesmo possível observar uma tendência a equacionar o desenvolvimento das artes decorativas, compreendidas no sentido amplo que viemos até agora empregando, e a questão da criação de uma identidade cultural brasileira. Seguindo a via inaugurada, ainda em meados do século XIX, por teóricos e artistas como John Ruskin e Owen Jones607, os artistas que professavam tal ideal introduziram aqui o debate moderno sobre o ornamento e polemizaram a apropriação historicista dos motivos decorativos de estilos e épocas diferentes, bem 604 MÉRIMÉE, Prosper. "De la peinture murale et de son emploi dans l’architecture moderne". In : Revue de l’architecture et des travaux publics 9, 1851, col.328 sqq. 605 “On veut que la peinture murale, noble et belle, mais circonspecte, compléte avant tout l’architecture qu’elle décore" (Citado em PRICE, Aimée Brown. "L'esthetique decorative de Puvis de Chavannes". In: FOUCART, Jacques (org). Puvis de Chavannes, 1976, p.22 (Catálogo de exposição). 606 BARBOSA, Rui. O desenho e a arte industrial. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, p.9. Texto disponível no site: http://www.casaruibarbosa.gov.br/ 607 John Ruskin, crítico da distinção hierárquica entre artista-intelectual vs artista-artesão, foi outro defensor emblemático dessa visão que unia ornamento e natureza e que equacionava a concordância com essa última à beleza; na medida em que os objetos se distanciavam da alusão à natureza, discordando dela, eles estariam fadados a serem feios (cf. HESKETT, John. Industrial design. London: Thames and Hudson,1980, p.85); já Owen Jones, arquiteto e desenhista, na sua The Grammar of ornament, apresentava a história do ornamento com objetivo declarado de educar o artista para que este pudesse plasmar suas próprias soluções ornamentais, a partir do natural. VERSÃO NÃO REVISADA 248 como a sua junção indiscriminada em um mesmo projeto, em favor de uma inspiração obtida diretamente da natureza - no caso, mais especificamente, de uma natureza brasileira. Um estilo tipicamente nacional deveria assim surgir com a difusão, em todas as esferas sociais, do ornamento inspirado na nossa flora e fauna, bem como em algumas de nossas manifestações culturais autóctones. Para isso, contribuiria também uma extensa reformulação educacional: a maneira ideal para instituir a arte brasileira seria o ensino da arte decorativa, desde as primeiras séries elementares, e a eliminação dos repertórios ornamentais estrangeiros, então muito copiados pelos alunos. Dessa maneira disseminada por todo país, a arte decorativa abriria o caminho para a consolidação de um estilo próprio, capaz de individualizar a arte brasileira em relação às “escolas” de outros países. Elysêo Visconti e Theodoro Braga foram figuras centrais nesse movimento. Desde os primeiros anos do século XX, após seus respectivos retornos da Europa, onde estagiaram na condição de pensionistas da ENBA e estudaram com o mestre Art Nouveau Eugène Grasset, eles já se dedicavam a execução de obras impregnadas de motivos da flora e da fauna nacional. Visconti estilizou elementos da flora brasileira (a flor do maracujá e do cajueiro, a samambaia...) em alguns de seus trabalhos expostos já em 1901, cuja fria recepção já foi por nos lembrada608. Já Theodoro Braga teria concluído em 1905 um repertório ornamental intitulado A planta brasileira (copiada do natural) applicada à ornamentação, cujas “últimas pranchas são dedicadas à estilização de elementos da fauna e dos motivos da cerâmica marajoara”609. Porém, foi a mídia impressa o principal meio de divulgação da campanha pela nacionalização da arte decorativa brasileira: durante as primeiras décadas do século XX, escritores e articulistas como Gonzaga Duque, Manoel Campello, Plínio Cavalcanti, Flávio Brandt e Flexa Ribeiro, além dos próprios artistas, defendiam em artigos de revistas e de jornais a relação, supostamente necessária, entre a tão 608 Gonzaga Duque comentou a respeito da “incomprehensão e inopportunidade” da exposição de Visconti em 1901, e o próprio artista rememorou um tanto amargamente a experiência, em sua entrevista à Angyone Costa, dada quase 30 anos depois. 609 GODOY, Patrícia B. “O nacionalismo na arte decorativa brasileira - de Eliseu Visconti a Theodoro Braga”. In: CARDOSO, R.; DAZZI, C.; MIYOSHI, A. (org). Revisão historiográfica: o estado da questão. Atas do I Encontro de História da Arte do IFCH – UNICAMP. Campinas, SP: UNICAMP/IFCH, v.3, 2005, p.80; cf. também, da mesma autora, “Arte Decorativa Brasileira: Theodoro Braga e A planta brazileira (copiada do natural) applicada à ornamentação”, Revista de história da arte e arqueologia, Campinas, vol. 5, 2005. Cumpre notar que a única outra referência que temos a respeito desse álbum de T. Braga data da década de 1920, quando ele teria figurado entre os trabalhos que o artista então mostrara na Exposição Geral; esse dado, mais o fato de que as obras que o pintor expusera em 1905, após sua volta da Europa, nada pareciam indicar de uma qualquer preocupação nacionalista, nos levam a questionar a datação tão prematura que consta na capa do álbum. VERSÃO NÃO REVISADA 249 desejada criação de uma “escola” brasileira e o desenvolvimento de um arte decorativa baseada em motivos nacionais. Em meados dos anos 1920, tal concepção havia alcançado imensa difusão e a sua repetição, quase inalterada, pode ser detectada nas palavras de diversos pintores. Assim, quando, em 1926, Helios Seelinger foi perguntado sobre “qual a actual tendência na pintura?”, respondeu sem hesitar: Sem dúvida a decorativa. Nem poderia deixar de ser assim. No nosso paiz, onde a natureza se expande grandiosa, fecunda, embriagada de luz, impregnada de cores, não se poderá conceber senão a pintura decorativa. Nem nos faltam elementos em nosso paiz, para o desenvolvimento de fortes tendencias decorativas.610 Marques Junior e Henrique Cavalleiro, nas entrevistas concedidas à Angyone Costa no ano seguinte, faziam eco a essa opinião de Seelinger, bem como àquela análoga do mestre de ambos, Elysêo Visconti, a respeito da impossibilidade de se criar uma arte brasileira sem se considerar as artes decorativas. Marques Júnior assim defendia a necessidade do estudo dessas últimas: Modernamente, não há povo que não cultive, em alto gráo, as artes applicadas ás necessidades da industria e da decoração em geral [...] Nós, no Brasil, verdadeiramente nada fizemos á respeito. Dispomos de motivos os mais lindos, na fauna, na flora, e no remanescente de cerâmica indigena, chegado, vagamente, até nós. Não houve ainda, porém, o despertar do movimento que faça de cada artista um pesquisador interessado na arte de crear coisas nossas, extrahindo-as de elementos rigorosamente nossos. [...] Porque não estylizar os formosissimos passaros, os animaes curiosos da nossa fauna; o talhe das nossas palmeiras; o maravilhoso dos nossos arbustos?611 Também Cavalleiro delegava “á Architectura, á pintura decorativa, á mobiliária, á cerâmica, e não à pintura propriamente,” a formação de uma arte brasileira, afirmando: Emquanto não cogitarmos seriamente da arte decorativa, base de toda arte, não teremos arte brasileira. Fazer arte brasileira não é pintar ou esculpir motivos nacionaes. E’ estylisar, é tirar da natureza patria elementos de composição que, lentamente embora, acabem por dar nascença a um typo de arte propria e inconfuniível. [...] só quando olharmos com carinho para a arte decorativa, teremos progressos assinalados nesse sentido. Por emquanto, o que tenho notado é que esse ramo importante da pintura se confunde com a arte applicada e é considerado entre nós com desinteressante e quase inútil. Corrijamos 610 Helios Seelineger, “O Momento na pintura”, A Manhã, 25 de julho de 1926. Citado em COSTA, Angyone. Op. cit., p.172 611 VERSÃO NÃO REVISADA 250 esse julgamento como ponto de partida essencial á formação de uma arte nacional.612 Nas falas acima reproduzidas, um ponto importante a destacar é a estreita relação que os artistas estabeleciam entre arte/pintura decorativa e estilização. Aqui, aproveitando o ensejo, gostaríamos de retomar a questão central do presente capítulo, que diz respeito às características formais que foram então relacionadas à pintura decorativa. Passaremos assim a abordar o conceito de Modo Decorativo, vigente durante o período da 1ª República, com base em dois de seus traços distintivos principais, a já referida estilização, de um lado, e a sua cromaticidade, por outro. 4.4.2. O Modo Decorativo e a estilização A origem da estreita relação entre pintura decorativa e estilização verificável na produção de vários artistas brasileiros da 1ª República deve ser buscada nos debates a respeito das características do gênero que se desenvolveram na Europa a partir de meados do século XIX. Uma das premissas, por nós já salientada, era então a de que a pintura decorativa deveria diferir da pintura de cavalete, tanto com relação à sua apresentação, quanto com relação ao seu aspecto. É possível perceber claramente a formulação de tal noção nos escritos de críticos como Teóphile Gautier, que a postulou com vigor em diversas ocasiões. Já em 1848, Gautier opunha a pintura monumental à pintura de cavalete: enquanto a primeira deveria visar “a execução larga e simples”, da segunda deverse-ia esperar “o acabamento da execução, a curiosidade do detalhe, o precioso ou o prazer do toque”613. Alguns anos mais tarde, Gautier precisaria ainda mais aquilo que supostamente deveria caracterizar uma pintura mural, em contraste com os efeitos típicos da pintura de cavalete usual: O balanceamento da composição, o ritmo das atitudes, a interseqüência das simetrias... Adeus ao claro-escuro, aos truques de pincel, aos empastamentos, à marteladas de tons, às veladuras, ao grão da epiderme, às rugosidades dos bordados, aos realces cintilantes, a todos esses artifícios de paleta aos quais os amadores são tão sensíveis.614 612 Citado em COSTA, Angyone. idem, p.125 "Le fini d’execution, la curiosité du detail, le préciqux ou le râgout de la touche" (Citado em PRICE, Aimée Brown. Op. cit., p.22). 614 “Le balancement de la composition, le rythme des attitudes, l’intersequence des simétries... Adieu le clair-obscur, les jeux des brosses, les empatêments, es martelages de tons, les glacis, le grain de l’epiderme, les rugosités des broderies, les rehauts pétillants, tous ces artifices de palette auxquels les amateurs sont si sensibles" (Citado em Idem, p.22). 613 VERSÃO NÃO REVISADA 251 Como afirma Aimée Brown Price, “para Gautier e muitos outros, o objetivo do decorador é atingir a beleza virando às costas às realidades mesquinhas”615 - o crítico como que atualiza, em novos termos, o tradicional conceito de “maneira magnífica” defendido por, entre outros, Bellori616. Mas, no caso da pintura mural, o realismo “mesquinho”deveria ser banido por uma outra importante razão: se era necessário negar todo efeito de trompe-l’oeil, de modelado e mesmo de perspectiva - como desde os anos 1860 defendia, entre outros, Charles Blanc617 -, era porque todos esses subterfúgios necessariamente relativizavam a planaridade do muro, cuja integridade, como vimos, cumpria à pintura decorativa preservar. Seguir até as últimas conseqüências as regras assim preconizadas, como bem frisou Brown Price, “levava à imposição de uma estética arcaizante. E, com efeito, era às decorações murais dos Antigos bem como aos mestres da grande era do afresco, predecessora de Rafael, que remetiam os vaticínios do século XIX”618. A partir de meados da década de 1880, ao mesmo tempo que o termo “decorativo”, associado à ornamentação aplicada, começava a ganhar conotações pejorativas - não havia Pisarro se referido ironicamente às paisagens de Monet expostas em 1888 como “decorações habilidosas”?619 -, ele ganhou contornos mais amplos nas idéias desenvolvidas pelos artistas e escritores conhecidos como simbolistas. Para estes, o decorativo se encontrava ainda mais estreitamente relacionado à noção de estilização - no sentido de síntese, de simplificação -, por motivos apenas em parte convergentes àqueles expostos por Gautier ou Blanc. Um exemplo é o chamado estilo sintetista desenvolvido por Émile Bernard e utilizado por Paul Gauguin e pelos Nabis, entre outros, em quadros de cavalete cujas dimensões pareciam negar toda pretensão à monumentalidade, e nos quais contornos escuros eram usados para circundar e separar áreas de cor intensa. Como define Gill Perry, esse estilo - também chamado de cloisonniste, em função do seu parentesco com a técnica do vitral, não por acaso uma típica arte aplicada 615 “Pour Gautier et bien d’autres, le but du décorateur est d’atteindre la beauté en tournant le dos aux mesquines realités" (Idem, p.22). 616 Cf. o fragmento de Le vite de' piittori, scultori et architetti moderni reproduzida em LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). Op. cit., p47-48. 617 "C’est que dans la peinture murale, l’architecture réele commande à l’architecture feinte, et qu’il serait choquant de percer sur un mur une perspective que supposerait le spectateur à une place impossible et que dès lors serait démentie par la construction environnante" (BLANC, Charles. Op. Cit., p.511)). 618 “Suivre jusqu’au but les règles preconisées ici revenait à imposer une esthétique archaïsante. Et, en effet, c’est aux décors muraux des Anciens comme aux maîtres du grand âge de la fresque, prédecesseur de Raphaël, que renvoient les augures du XIXe siécle" (PRICE, Aimée Brown. Op. cit., p.22). 619 Citado em PERRY, Gill. “O primitivismo e o moderno”. In: HARRISON, Charles [et alli]. Primitivismo, cubismo e abstração – Começo do século XX. São Paulo: Cossac & Naify edições, 1998, p.61. VERSÃO NÃO REVISADA 252 “tinha o efeito de neutralizar qualquer sugestão de espaço ou profundidade tridimensional e contribuía para um sistema pictórico que já estava sendo descrito por contemporâneos como ‘abstração’ da natureza”620. Nesse contexto, para além de servir como meio de criar uma arte “pura”, a estilização, intimamente relacionada ao aspecto decorativo dos quadros sintetistas, estava igualmente impregnada de conotações metafísicas. Uma síntese das idéias simbolistas a respeito da pintura pode ser encontrada em uma célebre série de resenhas que o crítico George-Albert Aurier publicou no Mercure de France, em 1891. Nesses textos é possível perceber a noção de “decorativo” se afirmando como um verdadeiro ideal para os pintores da nova escola, cuja estética se definia na negação dos aspectos “realistas” imputados às obras de artistas tanto acadêmicos como impressionistas, supostamente dependentes das aparências superficiais da realidade. Para Aurier, o autêntico pintor, no intuito de configurar uma arte “mais pura e elevada”, tinha a necessidade de estilizar as linhas, as formas e as cores que constituíam os objetos representados em seus quadros. Se, por esse motivo, tal arte “ideísta”, como exemplificada na obra de um Gauguin, seria inevitavelmente decorativa, Aurier procurava, simultaneamente, legitimá-la fazendo referência à uma interpretação particular daquelas tradições de pintura mural então chamadas de “primitivas”621 - ou seja, àquela estética arcaizante referida por Brown Price. O escritor podia afirmar assim que “a pintura decorativa em sentido próprio, como os egípcios e talvez os gregos e os Primitivos a entendiam, nada mais é que uma manifestação artística ao mesmo tempo subjetiva, sintética, simbólica e ideísta”622. Já em pleno século XX, o pintor e teórico Maurice Denis, retomando suas próprias concepções desenvolvidas a partir dos anos 1890, publicou um importante artigo, “De Gauguin et de Van Gogh au classicisme”623, onde ele desenvolvia a noção, já adiantada por Aurier, de um Gauguin “decorador”. A decisiva passagem desse texto que reproduzimos a seguir cumpre aqui um duplo papel: ela recapitula algumas noções a respeito da pintura decorativa que viemos expondo, uma vez que Denis concebe a pintura de Gauguin como que irmanada às artes aplicadas - idéia 620 idem, p20. Como observa H. R. Rookmaaker, “Aurier não pensa, nesse caso, na arte primitiva em nosso sentido de arte tribal, mas sim na arte do fim da Idade Média e anterior de Rafael. Pode também ter incluído a arte pré-clássica, egípcia e a mesopotâmica” (CHIPP, Herschel Browning. Teorias da Arte Moderna. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1993, p.86, nota 36). 622 G.-A. Aurier, de “Le symbolisme en Peinture: Paul Gauguin”, Mercure de France (Paris), II (1891), 159-164; reproduzido em Idem, p.88. 623 Artigo publicado originalmente na revista L’Occident (Paris), maio de 1909. 621 VERSÃO NÃO REVISADA 253 em tudo semelhante aquela que circulava com relação à pintura decorativa no Brasil desde os anos 1880 -, e, simultaneamente antecipa algumas características formais do Modo Decorativo as quais voltaremos a nos referir na próxima parte: [Com Gauguin] estamos lidando com um decorador: o homem a quem Aurier, no passado, demandava tão imperiosamente paredes! O homem que decorou a sala de estar da estalagem em Le Pouldu, bem como sua cuia e seus tamancos! O homem a quem, no Taiti, a despeito das preocupações, da doença e da pobreza, nada preocupou tanto quanto a decoração de sua cabana. Os críticos italianos o chamam “frescante” [pintor de afrescos]. Ele gostava da aparência fosca do afresco, e é por isso que ele preparava suas telas com camadas espessa de têmpera branca. Contudo, ele não sabia nada dos Quatrocentistas; e sentimos que, como eles, ele fez uso da aplicação plana da cor e do contorno preciso. Sua arte tem mais em comum com a tapeçaria e a pintura de vitrais do que com a pintura à óleo...624 Por fim, ainda fazendo referência à relação entre pintura decorativa e estilização no contexto da pintura européia de inícios do século XX, cumpre fazer uma breve referência a noção de paysage décoratif, formulada pelos fauves e que constituía, segundo Roger Benjamin, “uma adição modernista à divisão acadêmica tradicional entre a paisagem histórica (paysage historique) com figura em ação heróica e a paisagem rural (paysage champêtre) com seu cenário rural mais intimista”625. Também nesse contexto, o adjetivo décoratif designava uma imagem esquemática ou abstraída. Diferente dos simbolistas, porém, tal intenção estilizadora aparece em um artista como Henri Matisse desprovida de qualquer pressuposto metafísico: o decorativismo e a ênfase em um desenho independente do objeto, que afirma a superfície, surgem como os corolários de um desejo ávido de afirmar a realidade da pintura, desejo esse muitas vezes apontado por escritores posteriores, já o vimos, como a síntese mesma do Modernismo. Voltando ao Brasil, depois dessa digressão pela Europa, é possível afirmar que a relação entre pintura decorativa e estilização constituía um topos freqüente nas discussões artísticas desde as décadas finais do século XIX. Bem antes daquelas declarações de artistas como Seelinger, Marques Júnior ou Cavalleiro, que reproduzimos acima, já Rui Barbosa, em seu referido discurso no Liceu de Artes e Ofícios, defendia a idéia de que, nas artes aplicadas, “cuja lei é tratar como simples motivos as aparências gerais da criação, estilizando-as em tipos de beleza, a tendência naturalística exprime a incapacidade do artista e a sua estranheza aos métodos históricos”626. 624 Citado em PERRY, Gill. Op. cit., p.31 (grifos nossos). Idem, p.50. 626 BARBOSA, Rui. Op. cit., p.9 (grifos nossos). 625 VERSÃO NÃO REVISADA 254 Mesmo o título de algumas obras “decorativas” expostas nas Exposições Gerais durante a 1ª República confirma a existência de uma parentesco estreito entre decoração e estilização: dessa maneira, os trabalhos expostos por Miguel Caplonch em 1917 e 1924 são designados, pelo próprio autor, como “syntheses simbolicas” (em uma referência direta à G.-A. Aurier?) e a obra exposta por Hélio Feijó em 1931 se chamava justamente Estylização decorativa. Se, por um lado, não encontramos até o momento registros iconográficos de tais quadros, os quais poderiam nos indicar com mais precisão o que os termos “estylização” e synthese” significavam para artistas como Caplonch e Feijó, por outro lado, conhecemos algumas outras obras, de outros artistas, que certamente lançam alguma luz sobre a questão. Na edição de março de 1908, a revista Kósmos estampou dois fragmentos de uma composição de Helios Seelinger intitulada Frisa carnavalesca [Figura 4.30]. Essa obra era parte integrante da exposição individual que o pintor promovera naquele ano, no Museu Commercial, e que foi comentada por Gonzaga Duque nessa mesma revista. Em vários momentos de seu texto, o autor de Mocidade Morta parece querer como que justificar o deliberado distanciamento do registro realista verificável nas obras de Seelinger. Observando que esse pintor procura no real “a transmutação do quanto idealisa”, Gonzaga Duque, em sintonia com as idéias simbolistas de um Denis627, fez derivar a verve estilizadora de Seelinger diretamente da sua “tendencia para a decorativa”, como se ambos os fatores, em termos estéticos, fossem equivalentes: Há, por tanto, na natureza artística de Helios uma impulsiva tendência para a decorativa. E assim deve ser, attendendo-se á sua ardente imaginação, porque não ha especialidade em que se póssa dar maior largueza á fantasia do que esta, sobre todas as applicações da plástica livre, audaciosa, criadora e deslumbrante arte! Já desde muito cedo, elle nos deu provas cabaes de sua habilidade decoradora. E não só no desenvolver e combinar de volutas e vegetaes de puro ornamento, como na difficil e sugestiva composição de assumptos animados [...] Aqui temos a frisa carnavalesca, que é bom exemplar.628 Mais à frente, Gonzaga Duque vinculava a essa mesma “tendencia para a decorativa” o notável pendor caricaturista de Seelinger: “Em geral nota-se que os decoradores possuem a fibra caricaturista, pela habilidade do exaggero. Essa feição que é, como eu disse, commum aos fantasistas da fórma, expande-se na arte de 627 Não havia este último afirmado, no mesmo texto que acima fizemos referência, que a arte é “uma criação de nosso espirito, da qual a natureza não passa de ocasião”? (Reproduzido em CHIPP, H. B. Op. cit., p.102). 628 DUQUE ESTRADA, L. Gonzaga. “Helios Seelinger”, Kosmos, pp.34-35. VERSÃO NÃO REVISADA 255 Helios Seelinger”629 - muito embora, ainda segundo o articulista, a maneira pessoal do pintor, a sua “intenção subjetiva” o impedisse, em suas composições mais ambiciosas, de se “estreitar no hilare do deformado”, e o arrastasse para “composições syntheticas, generalisando as intenções”. Uma similar tendência à estilização da forma na pintura decorativa, certamente em um registro mais ameno, pode ser encontrada em uma obra de outro pintor que também se distinguiu como caricaturista, Belmiro de Almeida. Em seu esboço para a Frisa decorativa na residência de Antonio Seabra, datada de 1925 e do qual reproduzimos aqui dois fragmentos [Figura 4.31a e 4.31b], é perceptível, ainda mais do que na obra de Seelinger, a enfática intenção de afirmar a planaridade da obra, traço formal que parece derivar, aqui, ao menos em parte, da estética do baixo-relevo. Não dispomos da obra finalizada e portanto não sabemos que alterações a realização efetiva traria à concepção aqui esboçada por Belmiro; todavia, os contornos no geral simplificados, a leveza das aguadas, os tons uniformes das figuras e das nuvens, com o seu total desprezo pelo modelado, e a disposição do elementos em alguns poucos planos sobrepostos, negando o efeito perspectivo, são certamente artifícios que asseguravam, de ante-mão, que a pintura não viria a fragmentar a superfície plana sobre a qual seria pintada. Algumas características análogas às do esboço de Belmiro podem ser observadas em uma obra que, em um primeiro olhar, poderíamos julgar bastante diferente, o Panneau decorativo de Guttmann Bicho [Figura 4.32], quadro que valeu ao pintor o Prêmio de Viagem na Exposição Geral de 1921. O título não é gratuito: novamente, como na frisa decorativa do pintor de Arrufos, os principais elementos do quadro - a mulher, o cachorro, a mesa, a cadeira -, se encontram dispostos sobre um mesmo plano, paralelo à superfície do quadro, assim como a parede um pouco mais recuada espacialmente, que ocupa a metade esquerda da obra. Mesmo as eventuais distorções perspectivas que seriam de se esperar com relação aos móveis são atenuadas de maneira a não contradizer a forte tendência à planaridade; os diferentes objetos partilham ainda uma mesma orientação espacial, estando todos lateralmente perfiladas. A tudo isso se soma um tratamento pictórico que utiliza com parcimônia as modulações de valor e um desenho linear sintético - mais “realista” do que no casos das obras de Seelinger e Belmiro, porém certamente mais estilizado do que aquele que ostentam obras contemporâneas de Bicho pertencentes a outros gêneros, como seus retratos. Tudo isso reforça o sentido de artificialidade do quadro: apesar de se 629 idem, p.35. VERSÃO NÃO REVISADA 256 tratar de uma cena do quotidiano, paira no ar uma sensação de rigidez hierática e de congelamento, reminescentes dos baixo-relevos gregos que o pintor muito admirava, e que nos traz à memória, igualmente, algumas obras de artistas mais próximos de Bicho no tempo, como o francês Georges Seurat, cujos célebres quadros Banhistas em Asnières (1883), ou Domingo à Tarde na Ilha do Grand Jatte (1884), certamente não eram estranhos ao pintor brasileiro630. Por fim, gostaríamos de citar uma obra mostrada por Henrique Cavalleiro na Exposição Geral de 1926, com o subtítulo de “sugestão decorativa”. Reproduzida, no ano seguinte, n’A Inquietação das abelhas, onde trazia como legenda explicativa os dizeres “tentativa de estylização para decorações”, tal obra voltou a figurar, sob o n.15, na exposição póstuma de Cavalleiro, realizada em 1975, com o título Juventude [Figura 4.33a]. Novamente, é possível encontrar uma tendência à simplificação dos contornos e das modulações de valores nos planos que atingem aqui um alto grau de abstração, algo semelhante aquilo que podia ser visto em obras quase contemporâneas de artistas como Vicente de Rego Monteiro ou Victor Brecheret. Esse quadro de Cavalleiro, bem como um pequeno estudo intitulado Frisa alegórica [Figura 4.33b], datado de 1930, indicam o quanto o artista se aproximava das tendências formais da chamada Art déco, cujos ecos são freqüentes em outras manifestações da arte decorativa brasileira631. 4.4.3 O Modo Decorativo e a “pintura clara” Uma última característica relativa ao Modo Decorativo na 1ª República que gostaríamos de aqui discutir diz respeito à sua cromaticidade. Acima, reproduzimos uma passagem de Maurice Denis no qual é feita referência à preferência pela “aparência fosca do afresco”, notável nas pinturas de Gauguin. Na arte européia da décadas finais do século XIX, todavia, esse traço formal não era, de maneira alguma, exclusivo das obras do pintor do Cristo amarelo. O aspecto fosco era um traço julgado particularmente conveniente à pintura mural, uma vez que valorizava a sua superfície plana, e a busca dessa qualidade levou mesmo diversos decoradores como H. Flandrin, Theodore Chassériau, Delacroix e Puvis de Chavannes a realizar 630 Uma análise mais detalhada desse quadro é por nós proposta em outro local; cf. VALLE, Arhur. “Questões Semânticas na Obra de Guttmann Bicho”, 19&20, v.I, n. 2, agosto de 2006. Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/obras/obras_gb.htm 631 Patrícia Godoy defende, inclusive, que as mais bem sucedidas realizações do acima referido projeto de nacionalização da arte brasileira, via arte decorativa, “encontram-se nas fachadas de edifícios residenciais e comerciais, principalmente daqueles edificados na década de 1930. São elementos da flora, da fauna e da arte marajoara, estilizados sob os princípios matemáticos do estilo que se convencionou chamar Art Déco” (GODOY, Patrícia B. Op. cit., p.86). VERSÃO NÃO REVISADA 257 experiências com a pintura encáustica. Todavia, “se todos concordam com relação ao aspecto fosco”, observa Brown Price, “as opiniões são mais divididas com relação à escolha cromática”. Assim, por exemplo: Para os edifícios religiosos, nota Baudelaire, os Ingristas se inclinam pelas cores doces e renunciam a todo jogo de luz. Ainda que do outro lado, Delacroix parece pender um pouco na mesma direção. Gautier se pronuncia pelas tonalidades sóbrias e “blondes”. Diversas regras foram mesmo formalmente enunciadas em um contrato estabelecido em 1860, para a decoração de uma capela. Com efeito, o pintor Victor Mottez só lhe viu ser confiada a encomenda “sob a condição de que ele restringiria suas composições às tintas doces e calmas próprias ao afresco e que ele não procuraria mais empregar a pintura à óleo pelo vigor dos tons e dos coloridos”. Entretanto, certos críticos são da opinião que os tons pálidos – e notadamente os grisailles e os camafeus – em princípio convêm apenas nas simulações de escultura ou quando a cor arrisca se perder na penumbra. 632 Em meio dessa pequena “querela da cor” no campo da pintura decorativa francesa, uma figura se destacou, a partir dos anos 1860, pela influência que exerceu não só com relação aos artistas franceses formados nas décadas finais do século XIX, mas também, o que aqui nos interessa particularmente, sobre diversos brasileiros que freqüentaram os meios parisienses nesse mesmo período: trata-se do já referido Puvis de Chavannes. Sua produção no gênero decorativo inclui uma grande quantidade de obras, encomendadas por diversas cidades francesas: o grande conjunto formado pelos pendants Concordia e Bellum, e Le Travail e Le Repos, uma série de figuras simbólicas, os painéis Ave picardia nutrix [Figura 4.34a] e Ludus pro patria [Figura 4.34b], todas para o Musée de Picardie, em Amiens; sua série abordando da vida de Santa Geneviève para o Panthéon (Igreja de Santa Geneviève) realizada entre 1874-1878 e entre 1893-1898 [Figura 4.34c]; o tríptico Vision antique, Inspiration chrétienne, e Le Rhône et la Saône, para a escadaria do Museu de Lyon (1884-1886); a alegoria da Letras, Ciência e Arte executada para o hemiciclo do grande anfiteatro da Sorbonne (1887-1889), etc. O estilo da maturidade de Puvis, presente nesses e em outros panneaux décoratifs, bem como em vários de seus quadros de cavalete, se definiu, em grande 632 "Si tout le monde s’accorde sur la matité, les avis sont plus partagés sur le choix des couleurs. Pour les édifices religieux, note Baudelaire, les Ingristes affectionnent les couleurs douces e renoncent à tout jeux de lumière. Quoique dans l’autre camp, Delacorix semble trancher um peu dans le même sens. Gautier se prononce pour les tonalités sobres et ‘blondes’. Plusiers de régles ont même formallement énoncées dans un contrat établi en 1860, pour la décoration d’une capelle. Le peintre Victor Mottez ne se voit en effet confier la commande que ‘sous la condition qu’il tiendrait ses compositions dans les teintes douces et calmes propres à la fresque et qu’il ne tenterait plus de lutter avec la peintura à l’huile pou la viguer des tons e des coloris’. Pourtant, certains critiques sont d’avis que les tons pâles - notamment les grisailles et les camaïeux – ne conviennent en principe que pour les sculptures feintes ou lorque la couleur risque de se perdre dans la pénombre" (PRICE. Aimée Brown. Op. cit. , p.24). VERSÃO NÃO REVISADA 258 parte, a partir daquilo que Aimée Brown chamou acertadamente de sua “estética decorativa”, uma doutrina elaborada em função das pinturas murais que o próprio pintor considerou, por um bom tempo, suas obras mais importantes. Em um texto recente, Serge Lemoine descreveu as características gerais das pinturas ornamentais da maturidade de Puvis; a passagem transcrita abaixo, como veremos, se adapta em boa parte às pinturas decorativas brasileiras da 1ª República, e por isso a transcrevemos na íntegra: Os meios empregados para obter esse resultado [decorativo] se valem da simetria e do ritmo dentro da composição, respeitando escrupulosamente as duas leis primordiais que regem a pintura integrada na arquitetura: a lei do muro, a lei do enquadramento. O muro que vai ser afirmado pela verticalidade do partido, isto é, pela ausência de profundidade, pela repartição de compartimentos que o constituem, tanto em faixas paralelas, quanto em três partes, e pelo ritmo conduzido pelas formas que o escandem. Na superfície assim preparada, essas formas são em seguida simplificadas, fracamente modeladas ou utilizadas de maneira chapada, e se encadeiam, mantidas solidárias pelo jogo de correspondências. As cores são em pequeno número, os valores são aproximados de maneira a não criar contrastes muito marcados. O aspecto geral, fosco e por vezes gredoso, se aproxima daquele do afresco: ele é obtido graças ao emprego de uma matéria seca, pobre em aglutinante, e de uma fatura larga, por vezes grosseira, e que pode mesmo dar a impressão de ter sido taclée, inclusive nas obras de pequeno formato. A lei do enquadramento que se aplica primordialmente à pintura monumental é respeitada ao pé da letra por Puvis, que leva em conta em suas composições a situação da pintura no espaço bem como a sua colocação: uma faixa alongada, uma superfície vertical, um tríptico, um enquadramento de porta, um tímpano, e outras soluções que se adaptam a cada configuração.633 Talvez mais do que em qualquer desses aspectos, a estética decorativa de Puvis se evidenciava na composição da sua pálida paleta cromática. Se compõem em tons claros, nos informa o próprio Puvis, é porque a decoração deve se harmonizar com a pedra, e lá onde ele trabalha a tinta dominante é clara. Ainda 633 "Les moyens employés pou parvenir a ce résultat utilisent la sturcture et le ryhthme dans la composition, en respectant scrupuleusement les deux lois principales qui governent la peinture integrée dans l’architecture: la loi du mur, celle du cadre. Le mur qui va être affirmé par la verticalité du parti, c’est-a-dire, l’absance de profondeur, la repartition de compartiments qui le constituent, tantôt en bandes paralléles, tantôt en trois parties et le rythme apporté par les formes qui le scandent. Dans la surface ainsi preparée, ces formes ensuite sont simplifiées, faiblement modelées ou itilisées en aplats et s’enchaînent, tendues solidaires par le jeu de correspondances. Les couleurs sont en petit nombre, les valeurs rapprochées afin de ne pas créer de contrastes trop marqués. L’aspect general, mat et parfois crayeux, se raproche de celui de la fresque: il est obtenu grâce a l’emploi d’une matière sèche, pauvre en liant et d’une touche large, parfois grossière et qui peut même donner l’impression d’avoir été taclée, y compris dans les petis formats. / La loi du cadre qui s’applique primordialement à la peinture monumentale est respectée à la lettre par Puvis, qui tient compte dans ses compositions de la situation de la peinture dans l’espace et de son emplacement: un bandeau allongé, une surface verticale, un tripthyque, un enquadrement de porte, un tympan et des solutions qui s’adaptent à chaque configuration" (LEMOINE, Serge. "Le créateur". In: De Puvis de Chavannes à Matisse et Picasso: vers l’art moderne. Paris: Flammarion, 2002, pp.46-47). VERSÃO NÃO REVISADA 259 segundo o próprio pintor, não se trata aqui de uma qualquer idiossincrasia pessoal embora, como bem lembre Brown Price, “a clareza das cores também corresponda sem dúvida, em Puvis, ao gosto da época (notado por Castagnary no Salon de 1879), e o próprio pintor não escondeu o quanto apreciava a paleta clara dos impressionsista”634. E, muito embora o cuidado de casar a cor e a pedra nada tivesse de novo, em meados do século XIX, nisso Puvis foi aos extremos: “igualando os valores ele concede à cor um papel essencial para a solidez da composição”635. Foram as particularidade formais de sua pintura mural que fundamentaram a extraordinária reputação que Puvis angariou em sua época, a ponto de ser considerado “o” decorador de seu tempo, “o único dos contemporâneos”, nas palavras de Édouard Aynard “a conhecer o magnífico segredo da composição sobre o muro”636. Em um comunicado oficial publicado em Le temps, em 1892, por exemplo, pode-se ler: Dos artistas franceses, se existe um, atualmente, cujo talento, pela grandeza do estilo, pela harmonia da cor, pelo equilíbrio e contenção da composição, pela compreensão profunda que ele demonstra da arte decorativa, [...] este é incontestavelmente M. Puvis de Chavannes.637 Em última análise, a razão decisiva para esses e outros julgamentos análogos, que eram então compartilhados por diversos espíritos - razão esta já esboçada em um artigo de Robert Goldwater, datado de 1946638 -, era o fato delas responderem à uma expectativa de muitos franceses, que Pierre Vaisse resumiu com as seguintes palavras: Elas [as decorações de Puvis] apareciam como a própria encarnação da idéia ainda abstrata, e por isso totalmente negativa, que a maioria dos seus contemporâneos nutria a respeito daquilo que deveria ser a pintura mural. Ela deveria banir a perspectiva e o modelado para respeitar a planaridade do muro, renunciar a todos os efeitos permitidos pela técnica do óleo, empastamentos, transparência, claro-escuro, para reencontrar a clareza fosca do afresco, considerada a técnica por excelência da pintura mural.639 634 "La clarté de teintes correspond sans doute aussi, chez Puvis, au goût de l’époque (noté par Castagnary au Salon de 1879), et le peintre lui-même n’a pas caché combien il appréciait la palette claire des impressionistes" (PRICE, Aimée Brown. Op. cit., p.24). 635 "En égalisant les valeurs, il donne à la couleur un rôle essentiel dans la solidité de la composition" (Idem, p.24). 636 "Le seul des contemporains a connaître le magnifique secret de la composition sur la muraille" (Citado em VAISSE, Pierre. Op. cit., p.256). 637 “De tous les artistes français, s’il en est un, actuallement, dont le talent, par le grandeur du style, par l’harmonie de la couleur, par l’équilibrie et le tenue de ses compositions, par le sens profond qu’il témoigne de l’art décoratif [...] c’est incontestablement M. Puvis de Chavannes" (Citado em idem, p.258). 638 GOLDWATER, Robert. "Puvis de Chavannes: some reasons for a reputation". In: Art Bulletin, março de 1946, pp.33-43. VERSÃO NÃO REVISADA 260 Tal concepção, é necessário frisar novamente, não era exatamente inédita: ela fora formulada por Merimée, em seu artigo mais acima referido, e era, em boa parte, o ideal dos discípulos de Ingres, cujos esforços, muito voltados para um certo passado clássico pareceram, todavia, por demais redutores. De fato, um outro aspecto importante para a afirmação de Puvis dizia respeito à iconografia de suas obras: se é certo que as suas figuras não ostentavam vestes contemporâneas, é certo também que a intemporalidade na qual se moviam, juntamente com a ausência de qualquer detalhe arqueológico mais precisamente datado, favoreciam uma assimilação mais fácil e direta de suas obras, por parte do público640. Além disso, como lembra Vaisse, Puvis foi o principal responsável pela paisagem ter “invadido” a pintura decorativa do período641. A pintura mural francesa, como representada na estética decorativa de Puvis de Chavannes, que “pela palidez de seus tons, pela atenuação do modelado, pela calma simplicidade da composição, evocava imediatamente no espírito dos contemporâneos as grandes decorações do Trecento e do Quattrocento”642, parecia impregnada de uma dignidade que remetia àquelas decorações que marcaram a era de ouro da arte italiana, um passado idealizado como virtuoso e no qual uma corrente unânime de fé era vista como conduzindo o povo. Por Isso, as pinturas de Puvis adquiriram uma particular significação no momento delicado pelo qual a França passava: depois da derrota na guerra de 1870-1871, elas surgiam como as mais aptas para representar os ideais do novo regime republicano e de renascença do país - a aprovação da forma das pinturas decorativas de Puvis refletia, como não poderia deixar de ser , uma atitude moral. A produção decorativa de Puvis teve uma grande repercussão, não só no trabalho de seus discípulos propriamente ditos - pintores como Ary Cornélis Renan, Jean Francis Auburtin e, em especial, Paul Albert Baudouïn e Alexandre Séon -, 639 "Elles apparurent comme l’incarnation même de l’idée encore abstraite, et par là toute négative, que la plupart des contemporains nourrissaient de ce que devait être la peinture murale. Elle devait bannir la perspective et le modélé pour respecter la plineité du mur, rennoncer à tous les effets permis par le médium de l’huile, empâtements, transparence, clair-obscur, pour retrouver la claire matité de la fresque, considerée comme la technique pour excellence de la peinture murale" (VAISSE, Pierre. Op. cit., p.257). 640 Nesse mesmo sentido pode ser entendido o esforço de Puvis para tornar suas alegorias mais prontamente compreensíveis, através de uma caracterização por meio de poses e atributos cujo reconhecimento era mais direto, esforço este que pode ser verificado em um texto no qual o artista se detém sobre as pinturas do anfiteatro da Sorbonne (reproduzido em NOCHLIN, Linda. Realism and tradition in art 1848-1900. Sources and documents. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall., Inc., 1966, pp.28-29.) 641 VAISSE, Pierre. Op. cit , p.245. 642 “Par le palêur et la matité de ses tons, par l’effacement du modélé, par la calme simplicité de la composition, évoqua tout de suite dans l’esprit des contemporains les grands décors du Trecento et du Quattrocento" (Idem, p.257). VERSÃO NÃO REVISADA 261 mas também sobre toda uma geração de artistas formada no terço final do século XIX, que incluía os toulousaines Henri Martin e Victor Prové, Albert Thomas, Ferdinand Hubert, entre outros. Foi seguindo o exemplo de Puvis que tais pintores, cujas “tendências a se inspirar nas sistemáticas abstrações e descolorizações do mestre”643 foram notadas por Paul Lefort, já em 1890, moldaram em boa parte o seu senso de valores decorativos. É importante lembrar aqui, ainda, da ascendência das obras de Puvis sobre os mais diversos artistas que formariam, posteriormente, entre as fileiras dos modernos - e isso não só na França, mas também em vários outros países europeus644: nos anos 1930, Maurice Denis lembraria, justamente nesse sentido, do “Puvis do Pauvre pêcheur, grande mestre esquecido, de cuja enorme influência no final do século XIX nunca se falará o suficiente”645. Certamente, essa influência disseminada do pintor do Pauvre pêcheur nem sempre foi vista com bons olhos. Significativas mudanças de orientação na reação dos críticos à sua obra podem ser observadas de decênio em decênio. Reprovações foram endereçadas ao pintor por nomes como os de Léonce Bénédite, Philippe Burty, Edmond About, Albert Wolff e Edmond de Goncourt646. Gaston Scheffer fez notar em 1897, com ironia, a “infecção de branco” (“contagion de blanc”) disseminada pela pintura francesa, que ele imputava à Puvis647, e, em 1900, Louis de Foucard assim se manifestou sobre a sua “escola”: De todos os lados, se improvisa decorador. Puvis de Chavannes triunfou ao criar espetáculos interiores e ao resumir raças e sítios. Toma-se-lhe. não seu estilo, mas suas simplificações lineares, não suas figuras, mas o aspecto geral de seus personagens, não suas harmonias, mas seus tons híbridos, derivados de não sei qual gênero pastoral, impregnado de traços clássicos e modernos.648 Não obstante, como faz entrever essa mesma passagem de Foucard, Puvis continuou a ser considerado, em geral, como um decorador formidável em sua 643 "Ses tendances a s’inpirer des abstractions et decolorations systemátiques du maître" (Citado em Idem, p.242). 644 O papel decisivo de Puvis na gênese de diversos movimentos modernos pode ser deduzido na leitura dos diversos textos que compõem o citado catálogo da exposição organizada por Serge Lemoine, De Puvis de Chavannes à Matisse et Picasso - vers l’art moderne. Paris: Flammarion, 2002. 645 “Puvis do Pauvre pêcheur, grand maître oublié, dont on ne dira jamais assez quelle fut l’enorme influence sur la fin de XIXe siècle” (DENIS, Maurice. L’époque du symbolisme. 1934) 646 Ver, nesse sentido, o arrazoado de Aimée-Brown Price em “La fortune critique de Puvis de Chavannes”. LEMOINE, Serge, De Puvis de Chavannes à Matisse et Picasso - vers l’art moderne. Paris: Flammarion, 2002, pp.61-69. 647 Citado em PRICE, Aimée Brown. "L'esthétique decorative...", p.26 648 “De tous côtés on s’improvisa decorateur. Puvis des Chavannes triomphait à créer des spetacles intérieurs et à resumes des races et des sites. On lui prit, non son style, mais ses simplifications linéaires, non ses figures, mais les façons générales de ses personnages, non ses harmonies, mais ses tons hybrides, dérivant de non sait quel genre pastorale, mêlés de traits classiques et modernes" (citado em VAISSE, Pierre. Op. cit., p.245). VERSÃO NÃO REVISADA 262 individualidade, cujos “defeitos” eram plenamente redimidos pelo seu gênio. Por volta de finais dos anos 1880, Félix Féneon, Alphonse Germain, Gustave Geffroy, e o já citado Albert Aurier, críticos receptivos a um novo quadro de referências e ao léxico estético decorativo, deram o seu apoio à Puvis. De fato, o pintor conheceria o apogeu de sua reputação em vida, nos anos 1890, ainda que esta tenha sido severamente eclipsada um pouco depois, com o surgimento das vanguardas modernas. Mesmo assim, as ponderações a respeito da sua importância decisiva como o decorador par excellence da IIIe République francesa encontram repercussão até nos dias atuais649, e a relação entre fatores como simplicidade compositiva, supressão dos contrastes de valor e caráter decorativo, característicos da pintura de Puvis, foi aceita e repetida como um dado, mesmo por um crítico tipicamente modernista como Clement Greenberg650. Não é de se espantar, portanto, que tais noções tenham sido adotadas pelos brasileiros que freqüentaram Paris, especialmente no período compreendido entre os anos 1880-1910. Assim, Rodolpho Chambelland louvava “como decorador, o moderno Puvis de Chavannes, das formidaveis composições ornamentaes da Sorbonne”651, e Modesto Brocos não deixaria de dedicar o capítulo d’A retórica dos pintores sobre a pintura decorativa ao elogio do mestre como o restaurador moderno do gênero, justificando tal avaliação com aquelas razões que já expusemos: Essa pintura mural, tão comum na Itália até o primeiro terço do século XVI, com Rafael e M. Ângelo, chegou a perder a sua tradição. Sendo reestabelecido no século passado por Puvis de Chavannes nas pinturas do Panteon de Paris [...] A pintura mural, antes de Puvis de Chavannes, estava inteiramente desconhecida, como o provam as decorações de S. Francisco el Grande, em Madrid, feitas de 1883 até 90, que não tem nada 649 No prefácio do catálogo da grande exposição que foi consagrada a Puvis em 1976, Jacques Foucart afirma: “Puvis apparaît em effet comme le plus pur et au vrai comme le seul véritable héritier des frequistes italiens de quattro et cinquecento”; mais a frente, no mesmo texto, ainda acrescenta: “Jmais epuis Florence et lês fresquistes italiens de l’âge gothique et de la Pré-Renaissance, on n’avait revu um tel amour du mur, une telle simplification austére des formes, un tel silence de couleurs, une semblable monumentalité de l’intrasegeance" ("Preface". In: FOUCART, Jacques (org.). Puvis de Chavannes, 1976, p.12 e p.20). 650 Essa relação é bem perceptível nas observações de Greenberg a respeito de pintores como Clifford Still, Barnett Newmann e Mark Rothko. A seguinte passagem é paradigmática: “Uma qualidade concomitante da contenção dos contrastes de valor operada por Still, Newmann e Rothko e de sua preferência pelos matizes quentes é a planaridade mais enfática de suas pinturas. Por não ser quebrada por diferenças bem acentuadas de valor nem por muitos incidentes de desenho ou composição, a cor emana da tela com um efeito envolvente, que é intensificado pela própria extensão do quadro. Os espectadores tendem a reagir a isso mais em termos de décor ou ambiente do que naqueles geralmente associados a um quadro pendurado na parede. A questão crucial suscitada pelo trabalho desses três artistas é onde termina o pictórico e onde começa o decorativo. De fato, sua arte afirma elementos e idéias decorativos em um contexto pictórico” (“Pintura à americana” (1955). In: FERREIRA, G.; MELLO, C. C. Op. cit., pp.89-90); que Greenberg só tenha percebido a relação desses procedimentos com a obra de artistas celebrados como Turner ou Monet, e que não tenha feito a menor referência a pintura decorativa francesa pós-1850, é apenas mais uma prova, no nosso entender, do seu notório “provincianismo” estético. 651 Citado em COSTA, Angyone. Op. cit., p.98. VERSÃO NÃO REVISADA 263 de murais e que se podem qualificar de pinturas de cavalete. Porque nenhum dos pintores chamados para decorar a igreja respeitaram a nota de cor do arco triunfal, que deveria servir de ponto de partida para as decorações ulteriores da igreja [...] todos os pintores provaram a ignorancia de desconhecer a pintura mural, que deve dar a impressão de janela aberta, respeitando sobretudo a arquitetura.652 Considerando tais declarações, é igualmente compreensível que as características formais da obra mural de Puvis de Chavannes tenham obtido enorme repercussão na produção decorativa brasileira da 1ª República. A absorção da estética decorativa do pintor de Ave Picardia Nutrix pelos brasileiros parece ter se dado não somente no contato direto com as suas ornamentações, mas também por intermédio da atenção de nossos artistas à obra e aos ensinamentos de seus professores nas academias livres parisienses, especialmente na já discutida Academia Julian. Comentando alguns trabalhos de discípulos dessa última, Gabriel Weisberg foi um dos estudiosos que chamou a atenção para as relações existentes entre o ensino ministrado na Julian e as tendências decorativistas que permeavam a arte francesa em finais do século XIX. Segundo ele, obras como as da pintora RoseMarie Guillaume [Figura 4.35a e 4.35b], estariam respondendo ao interesse corrente por concepções decorativas e bidimensionais, que era popular na virada do século. As delicadas tonalidades de cor e o interesse evidente em padrões silhouetados, combinado com suas qualidades de esboço e seu formato horizontal, indicam que novas orientações estilísticas e composições decorativas pensadas para interiores estavam sendo exploradas nos estúdios de Julian. Elas também indicam que as formas simplificadas visíveis nos pôsteres contemporâneos e na arte comercial estavam influenciando a maneira como os artistas estavam sendo treinados em pintura.653 Isso se devia, em grande parte, a atuação na Julian de figuras como os toulousaines Paul Gervais e J.-P. Laurens Esse último, cumpre salientar, dirigiu, junto com Puvis de Chavannes, L.-O. Merson, e outros, uma revista emblematicamente intulada Art et décoration, lançada em 1897. Em suas obras como La muraille (também chamada La défense de Toulouse devant Montfort) [Figura 4.36a], executada à tempera e exposta no Salon de 1895, ou Le Lauragais 652 BROCOS, Modesto. A retórica do pintores. Rio de Janeiro: Typ. d’Industria do Livro, 1933, p.129. “Responding to the current interest in decorative, two-dimensional designs that was popular in the turn of the century. The delicate color tonalities and apparent interest in silhouette patterns, compounded by their sketchlike qualities and horizontal format, indicate that new directions in artistic style and decorative compositions intended for room interiors were being explored in Julian’s studios as well. They also imply that the simplified forms seen in the contemporary posters and commercial art were influencing the way in which artists were being trained in painting” (WEISBERG, Gabriel P. “The woman of the Académie Julian:the power of profissional emulation”. In: BECKER, Jane; WEISBERG , Gabriel. Overcoming all obstacles: the women of the Académie Julian. Nova York/Londres, The Dahesh Museum / Rutgers University Press, 2000, p.38). 653 VERSÃO NÃO REVISADA 264 [Figura 4.36b], ambas adquiridas pelo Estado francês para decorar o Capitólio da cidade de Toulouse654, Laurens plasmou uma maneira de pintar que, particularmente em sua coloração e fatura, se inseria diretamente na linhagem daquelas realizadas por Puvis. O crítico de arte André Michel, destaca, então, como, em tais obras, “o grão da tela é visível por toda parte, a cor, sustentada pelo veículo leve e móvel na qual está dissolvida, penetrou seu suporte sem alterá-lo”, e Albert Maignan, falando sobre Le lauragais, assim qualificou a fatura empregada nessa obra: “esse processo confere ao todo um delicadeza, um aspecto de fresco, qualidade muito apreciável em uma decoração”655. No Brasil, como decorrência de tal conjunção, as primeiras manifestações de um Modo Decorativo análogo à “pintura clara” de Puvis surgem ainda nos anos 1890, em alguns quadros realizadas por pintores cuja formação se dera na antiga AIBA. Exemplos pioneiros podem ser encontrados nas telas de José Ferraz Almeida Júnior, das quais gostaríamos de destacar aqui A partida da monção (1897) [Figura 4.37a]. Essa obra de grandes dimensões, mostrada no Rio de Janeiro na Exposição Geral de 1898, representa a saída de uma caravana de antigos colonizadores paulistas, às margens do rio Tietê656, e se insere naquele esforço de criação de uma identidade regional que levou instituições como o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, o Museu Paulista, a Academia Paulista de Letras, o jornal O Estado de S. Paulo, e um grande número de literatos, a produzir um discurso laudatório que, entre outros aspectos, conduziu à glorificação dos bandeirantes. Em termos cromáticos, A partida da monção é caracterizada pela utilização do branco como cor regente, como uma tônica que, ao minimizar os contrastes de valor, contribui simultaneamente para a harmonia geral do conjunto. Em termos compositivos, a grande diagonal ascendente sobre a qual se encontram dispostas as canoas dos paulistas é contrabalançada por uma série de horizontais mais estáveis, visíveis por toda a obra - nas próprias canoas, nas sombras projetadas 654 Sobre as decorações de J.-P. Laurens para o Capitólio de Toulouse, consultar o site http://www.jacobins.mairie-toulouse.fr/patrhist/edifices/textes/capitole/J_P_Laurens.htm 655 “Le grain de la toile est partout visible, la couleur, portée par le véhicule léger et mobile dans lequel elle est dissoute, a pénétré son supporte sans le changer”; “Ce procédé donne aussi à l’ensemble une tenue, un aspect de fresque, qualité très appreciable dans une décoration” (Citados em VAISSSE, Pierre. Op. cit., p.263). 656 Um texto no catálogo da EGBA de 1898, possivelmente de autoria do próprio Almeida Junior, assim descrevia a tela: “Os antigos paulistas assim denominavam a caravana que partia de Porto Feliz, descendo o Tietê para Cuiabá! As de que se trata eram organizadas simplesmente por destemidos e ousados sertanejos, que, inspirados pelo amor do desconhecido, descoberta das minas e civilizações dos bugres, em toscos batelões cobertos de palha e simples canoas, partiam conscientes de que iam arrostar com sacrifícios inauditos toda a sorte de aventuras, constituindo-se por isso uma tradição gloriosa para os paulistas. O quadro sob o número 20 representa a partida desses heróis que depois da missa na igreja de Nossa Senhora da Mãe dos Homens, acompanhados do padre, capitão-mor e povo, embarcavam-se no 'porto-geral', recebendo na ocasião a solene benção da partida”. VERSÃO NÃO REVISADA 265 pelas figuras, e, especialmente, na grande linha que define o horizonte ao fundo. Praticamente todos os personagens, se excetuarmos o negro que levanta um baú, em primeiro plano, ou a figura com lenço na cabeça que puxa uma corda, ao centro da obra, são caracterizados por uma severa contenção dinâmica. O quanto tais propriedades formais visavam à adaptação da obra à sua futura destinação como um painel integrado no conjunto arquitetônico que a abrigaria, pode ser intuída se a compararmos com o estudo preparatório realizado pelo pintor [Figura 4.37b]. Este último tem um caráter algo diverso da obra definitiva, sendo marcado pelo uso de uma paleta de tons mais quentes, por um maior vigor volumétrico nas figuras e por uma maior interação entre estas657. As características formais d’A partida da monção que procuramos listar acima foram descritas por um observador competente, Henrique Bernardelli, em uma carta datada de 1898, endereçada ao seu ex-díscipulo Visconti, que então se encontrava em Paris como pensionista: Almeida Junior mandou uma grande tela muito grande mesmo para o assunto que era. Com muitas boas intenções sobretudo o novo modo de encarar a coloração, abandonando o preto do “Caipira Nagaceando”, o motivo é retirado dos paulistas que partiam em bando para as novas descobertas e capturação dos pobres índios. Ele imaginou pois uma partida desses aventureiros que na margem do Tiete recebem a benção das canoas e equipagens que vai partir. O tempo é coberto de neblina, o que envolve o quadro num tom caliginoso. O sol porém, conquanto consiga projetar umas fortes sombras não chega a colorir o imenso tom branco do gesso. [...] toda a scena porem é de uma frieza glacial, ninguém se move, a própria natureza nada tem de interessante, e nem mesmo pode fazer adivinhar os próprios sentimentos da matéria e talvez deste grande lençol branco.658 Outros julgamentos a respeito da obra, especialmente os dos críticos de arte, tenderam a ser mais negativos do que os de Bernardelli. Em todos, todavia, é possível perceber como saltou aos olhos dos espectadores fluminenses o contraste formal que A partida da monção estabelecia com relação àquelas outras obras pelas quais Almeida Júnior era então mais conhecido. O influente Oscar Guanabarino, que escreveu para o jornal O Paiz uma série de resenhas sobre a Exposição Geral de 1898, teceu em uma delas comentários sobre o quadro e, além de criticar aquilo 657 Uma transformação semelhante foi verificada, por Rodrigo Naves, entre as duas versões conhecidas do Caipira picando fumo (1893): “A diferença básica entre os dois quadros é o clareamento geral a que Almeida Júnior submeteu a segunda versão. No estudo, os contrastes entre claros e escuros são mais marcados e os volumes um tanto mais acentuados, o que dá maior solidez às coisas e realça levemente a figura do caipira em relação ao fundo” (NAVES, Rodrigo. “Almeida Júnior: o sol no meio do caminho”. In: Novos estudos, n.73, novembro 2005, p.136) 658 Carta de H. Bernardelli à E. Visconti, Rio, 19 de outubro de 1898, pp.6-7. Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/documentos/hb_ev.htm VERSÃO NÃO REVISADA 266 que ele qualificou como “o tom de esboço na grande tela”, não escondeu seu descontentamento com relação à mudança estética verificável na Partida da Monção: “Quem ignorar o nome do autor desse quadro, difficilmente descobrirá nelle o pintor do Negaceando. É que o artista, além de querer contrariar o seu estylo, não tem, em S. Paulo, elementos para dar execução a um quadro daquella ordem”659. Anos depois, também Gonzaga Duque lembraria, com desgosto, a nova orientação que Almeida Júnior deu ao seu estilo. Referindo-se a uma certa “falta de naturalidade” na diposição das figuras nas obras que Modesto Brocos expunha no “salão” de 1904, ele a aproximou das obras tardias do pintor ituano: “Essa maneira foi usada por Almeida Júnior, que havia perdido as excellentes qualidades technicas da estréa para se transformar num pintor pastoso, amaneirado e duro”660. Na historiografia de arte brasileira, há uma certa controvérsia em torno da significação desse “novo modo de encarar a coloração”, referido por Bernardelli, perceptível na pinturas de Almeida Júnior, sobretudo naquelas realizadas a partir de 1890. Em um texto escrito por ocasião do centenário de nascimento do pintor ituano, Alfredo Galvão expôs uma das teses mais conhecidas com relação à razão de tal mudança, fazendo-a derivar do embate de Almeida Júnior com a natureza brasileira: Na segunda fase de seu desenvolvimento artístico, isto é, no período que vai de seu regresso ao Brasil até a morte, Almeida Júnior, cultivando sempre o espírito de brasilidade na escolha dos motivos para suas obras, modificou subitamente, e creio que conscientemente, sua fatura. Pareceme que, não conseguindo com a maneira anterior “realizar” nossa natureza tropical, ensolarada e clara até o desaparecimento da cor e dos volumes, [...] Almeida Júnior modificou conscientemente sua fatura e sua visão (e não instintivamente, como afirma Luís Martins, em um artigo publicado na revista do Arquivo Municipal de São Paulo) tornando a pasta tênue, cobrindo pouco a tela, evitando contrastes violentos, e abandonando a procura da diferenciação das matérias, como praticava na primeira fase com tanta ênfase e segurança para poder representar com mais verdade a natureza, simples, singela e melancólica do sertão e do sertanejo brasileiros.661 Muita tinta correu a respeito das supostas relações entre a mudança verificada nas derradeiras obras de Almeida Júnior e as inovações na pintura 659 “Artes e artistas Exposição Escola Nacional de Bellas-Artes”, O Paiz, 4 de setembro de 1898, p.2. DUQUE-ESTRADA, Gonzaga. “Salão de 1904”. Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/saloes_gd.htm 661 GALVÃO, A. “Almeida Júnior: Sua técnica, sua obra”. In: Revista do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1956, n.13, p.222. Disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/ag_sobre_aj.htm 660 VERSÃO NÃO REVISADA 267 francesa na segunda metade do século XIX. Recentemente, Rodrigo Naves apresentou um resumo dessas discussões: Conhece-se pouco sobre o gosto artístico do pintor. No entanto, a observação de seus quadros deixa poucas dúvidas sobre alguns vínculos, para além dos compromissos acadêmicos das telas mais tradicionais. Courbet e Millet contribuíram para uma relação não idealizada com a natureza e com os homens. E é quase impossível não ver numa obra como “A estrada” (1899) a influência de Corot e de uma luminosidade feita de cores claras e intensas, não mais criada pelo contraste entre claros e escuros. Da mesma maneira, considero muito provável que “O derrubador brasileiro” (1879) tenha encontrado apoio em “O Cristo morto e anjos” (1864), de Manet. Sem falar nos contrastes marcados entre regiões de sombra e luz que o aproximam dos primeiros trabalhos de Monet, como apontei no início. Todos esses quadros evidenciam uma atenção à renovação que ocorria na pintura francesa naquele momento - embora este quadro de Manet seja dos mais moderados - e que tinha na luz um de seus elementos mais decisivos. Gilda de Mello e Souza considera que Almeida Júnior teria optado por uma solução de compromisso, ao aproximar-se das saídas encontradas por alguns pintores acadêmicos secundários - Jules Breton, Troyon, Rosa Bonheur - que incorporavam superficialmente aspectos do Impressionismo, sem pôr em xeque os códigos pictóricos dominantes.662 Sem querer negar tais aproximações - em especial as últimas, que dizem respeito ao aspecto iconográfico das obras do pintor ituano -, é impossível deixar de notar o quanto estas se esforçam para inserir a nova orientação estilística de Almeida Júnior na linha das correntes independentes que agitaram Paris na segunda metade do século XIX. No nosso entender, esta poderia ser suficientemente explicada como decorrente daqueles seus “compromissos acadêmicos”, aos quais Naves se refere pejorativamente. Nossa hipótese, nesse sentido, é que especialmente as escolhas cromáticas e a caracterização dinâmica das figuras em um quadro como A partida da monção devem ser aproximadas da pintura decorativa francesa do período - hipótese que, além de tudo, oferece a vantagem de ser menos contraditória com relação ao que de fato sabemos sobre a orientação seguida pelo brasileiro em Paris - nesse sentido, deveriam ser aqui invocadas as estreitas relaçõs de Cabanel, mestre de Almeida Júnior em Paris, com a estética decorativa então vigente663. A recepção que A partida da monção teve entre os membros da academia fluminense foi auspiciosa: segundo Bernardelli, “a estrada nova que Almeida 662 NAVES, Rodrigo. Op. cit., p.144. Pierre Vaisse assim se expressou a esse respeito: “Un simple regard posé sur les ouevres de Cabanel, par exemple, conduit à se rendre compte que la Vénus à la pomme du Salon de 1872 em releve, malgré ses dimensions relativement modestes, et même sa célèbre Naissance de Vénus de 1963, tableau apparenté à l’un de ses dessus-de-porte peints par l’artiste à la même époque pour le grand salonde l’hôtel de Say, palce Vendôme" (VAISSE, Pierre. Op. cit., p.176). 663 VERSÃO NÃO REVISADA 268 mostrou mereceu unânimes aplausos da comissão”664, e, além disso, o artista conquistou a 1ª medalha na Exposição daquele ano. Isso indica que a tela foi plenamente compreendida e não constituía qualquer ruptura com a cultura figurativa celebrada na ENBA, embora a perplexidade que transparece no comentário de Bernardelli com relação à “frieza glacial” d’A partida da monção possa sugerir que o pintor da Mater não estabelecera a necessária relação entre a obra de Almeida Júnior e a pintura decorativa francesa de finais dos oitocentos, derivada em grande parte do exemplo de artistas como Puvis de Chavannes ou J. P. Laurens comparar, por exemplo, a descrição da técnica de Almeida Júnior, feita por Galvão, e aquelas de Michel e Maignam, relativas à fatura de Le lauragais, relação essa que, por si só, tornava o partido formal escolhido pelo ituano plenamente compreensível. Outros pintores cuja formação remonta aos tempos da AIBA realizaram, na virada do século XIX para o XX e em um Modo semelhante, quadros de grandes dimensões destinados à decoração de prédios públicos e que retratavam momentos emblemáticos da história brasileira. Neles é possível observar muitas das características formais às quais acima nos referimos, ao descrever A Partida da Monção de Almeida Júnior, como a mesma paleta clara, a mesma parcimônia no uso dos contrastes e a mesma contenção na composição. É o caso tanto da série de painéis concebida por Antonio Parreiras para ornamentar o antigo prédio do Supremo Tribunal Federal do Rio de Janeiro, na atual rua Primeiro de Março - o pendant composto pelos painéis A chegada e A partida, mais o quadro Suplício de Tiradentes665 -, quanto do famoso quadro de Belmiro de Almeida, Os descobridores, hoje no Museu Histórico do Itamaraty, em Brasília [Figura 38.a]. Nesse quadro, cujo caráter derrisório foi várias vezes ressaltado, Luciano Migliaccio percebeu uma “composição de sabor medieval tal e qual a decoração de uma tapeçaria”666, que poderia ser vinculada a alguns experimentos de J.-P. Laurens. Além disso - muito embora uma plástica um tanto semelhante possa ser encontrada em algumas obras anteriores de Belmiro, realizadas quando da estadia do artista na Itália -, cremos que a relação estabelecida por Ana M. C. Simioni entre Os descobridores e Le pauvre pêcheur, de Puvis de Chavannes [Figura 38.b], é bastante pertinente e, por isso, gostaríamos de aqui reproduzir a passagem a ela referente: 664 Carta de H. Bernardelli à E. Visconti, Rio, 19 de outubro de 1898, p.7. Catalogada sob o número 164 em LEVY, Carlos Maciel. Antônio Parreiras (1860-1937): pintor de paisagem, gênero e história. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1981, p.154. 666 MIGLIACCIO, Luciano. “O século XIX”. In: AGUILAR, Nelson. Mostra do Redescobrimento: Século XIX/Fundação Bienal de São Paulo. São Paulo: Ass. Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000, p.185. 665 VERSÃO NÃO REVISADA 269 Os descobridores estabelece um diálogo perceptível com a tela Le pauvre pêcheur de Puvis de Chavannes. Formalmente há grande afinidade entre as figuras representadas, como na conotação popular das personagens; o cromatismo também é muito similar, com opção por tons terrosos e por um certo embranquecimento espesso da paleta. Mesmo na composição há pontos de convergência: em ambas o horizonte é cortado por uma linha, quase abstrata, que caracteriza o mar e há uma presença comum de grandes espaços vazios na tela, que também revelam uma propensão para a geometrização e para a escala das obras murais.667 Mas são nos grandes ciclos decorativos realizados a partir de meados da primeira década do século passado, por pintores formados já no ambiente da reformada ENBA, que o Modo Decorativo do qual viemos até agora tratando ganha a sua concretização mais monumental. O primeiro e talvez mais conhecido exemplo, nesse sentido, é aquele das decorações realizadas por E. Visconti para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Esse ciclo de pinturas foi iniciado em 1905, com a encomenda feita pelo Governo brasileiro, das pinturas para o pano de boca [Figura 4.49], para o friso sobre o proscênio, para dois ecoinçons que decoram uma parte do teto, e para o teto propriamente dito, uma obra em forma oval finalizada em 1907 [Figura 4.39a]. O ciclo seria retomado por Visconti em duas outras ocasiões: em 1913, com a realização das três pinturas que decoram o foyer do teatro [Figura 4.39b], e, por fim, em 1934, com uma nova frisa para o proscênio, necessária por causa de uma expansão da sala de espetáculos, obra que foi terminada em 1936 [Figura 4.39c]. O próprio pintor parecia considerar essas pinturas decorativas, junto com aquelas do mesmo gênero por ele realizadas para o antigo Conselho Municipal e que mais abaixo comentaremos, como a parte mais importante de sua obra. Excetuando a pintura do pano de boca, as outras decorações realizadas por Visconti para o Theatro Municipal são bastante aproximadas estilisticamente. Se considerarmos o espaço de tempo transcorrido entre o início e o fim da realização de tal conjunto, a sua unidade formal se evidencia como um esforço deliberado de harmonização, guiado não só pelo desejo de unificar entre si as pinturas propriamente ditas, como, sobretudo, pela necessidade de integrá-las adequadamente ao entorno arquitetônico que as abriga. Tal esforço é patente quando da realização da nova frisa do proscênio, na qual, dezessete anos depois, Visconti retoma o estilo da primeira, malgrado as grandes mudanças estilísticas que podem ser verificadas em outros aspectos de sua produção nesse meio tempo. Uma característica que deve ser destacada nessas pinturas, todas pensadas para ocuparem locais próximos ao teto, é o fato delas serem marcadas pela 667 SIMIONI, A. P. Cavalcanti. Op. cit., p.356 VERSÃO NÃO REVISADA 270 utilização de uma fatura pontilhista - que, é igualmente importante salientar, a partir de então se tornaria de emprego bastante freqüente em outros grandes ciclos ornamentais realizados durante a 1ª República. Essa opção pelo tratamento divisionista parece derivar diretamente da admiração que Visconti nutria pela obras decorativas do já referido Henri Martin. Como já adiantara Ana M. T. Cavalcanti, o brasileiro teria ficado especialmente impressionado com as decorações que o francês realizara para o Capitólio de Toulouse e que foram expostas no Salon des Artistes Français, em 1906 - isto é, quando Visconti se encontrava em pleno processo de concepção das pinturas para o Theatro Municipal, logo após ter aceitado a encomenda. A respeito desses quadros de Martin, Visconti anotou à época: Capitólio de Toulouse de H.M. Toda sua pintura é vista de longe. Ele modela pelo valor e não propriamente pelo modelado. É isso que confere simplicidade. Todas as cores se misturam desde o primeiro plano até o último. O ar circula por tudo. Como valor, três ao máximo. A mistura de cor se faz por justaposição com muito [...] e nunca fundidas umas às outras. É justamente o resultado fresco e luminoso que se obtêm de sua pintura.668 Todavia, a coloração clara e luminosa utilizada por Viscoti se distancia do jogo de saturações presente nas citadas obras de Henri Martin - que, segundo Vaisse, acrescentava ao exemplo de Puvis, para a composição, o dos Impressionistas, para a cor669 - para se aproximar daquela encontrada em obras como as de Almeida Júnior, Parreiras ou Belmiro, que comentamos mais acima. Por sua obstinada abolição dos contrastes, as pinturas de Visconti poderiam mesmo ser utilizadas como ilustrações daqueles preceitos enumerados por Charles Blanc em sua Grammaire des arts du dessin, com relação à pintura plaffonant: Que esses espetáculos aéreos, separados de nós por uma grande distância, o sejam ainda mais pela perspectiva aérea que, enfraquecendo as sombras, apagando as luzes, empreste as figuras celestes uma indecisão, uma feliz vagueza. Muita resolução nos contrastes, muito vigor, feriria os olhos ao invés de encantá-los, e o espectador poderia temer de ver cair sobre sua cabeça, ou sobre o pavimento da igreja, os grupos que, animados pelo jogo de claros e castanhos, se destacariam em demasia um do outro. É necessário aí no conjunto, sobretudo nos personagens que 668 "Capitole de Toulouse H .M. Toute sa peinture est vue de loin. Il modèle par valeur e non par le modelé lui-même. C’est ce qui donne simplicité. Toutes ce couleur se mêlent depuis le premier plan jusqu’au le dernier. L’air circule partout. Comme valeur trois au maximun. Le mélange de couleur se fait pour juxtaposition avec beaucoup [...] est jamais fondues les unes dans les autres. C’est justament le résultat frais et lumineux que l’on obtient de sa peinture” (Citado em CAVALCANTI, Ana M. T. Op. cit , p.247). 669 Ver VAISSE, Pierre. Op. Cit., p.245. VERSÃO NÃO REVISADA 271 não possuem nenhum ponto de apoio aparente sobre as cornijas, tintas claras cuja leveza tranqüilize o olhar.670 (Aqui, abrindo um parênteses, cabe lembrar das pintura realizada por Henrique Bernardelli, para uma das cúpulas do foyer do Theatro Municipal [Figura 4.41] - um dos poucos exemplos da técnica do afresco realizados durante a 1ª República - e, posteriormente, para residências particulares [Figura 4.42a e 4.42b], nas quais o artista daria provas de uma adesão aos preceitos defendidos por Blanc muito embora suas obras tendam a apresentar uma espacialidade mais “ilusionista”, que se afasta da enfática planaridade que Visconti confere às suas pinturas de teto no Theatro Municipal). Se comparadas com as outras pinturas dos brasileiros que destacamos nesta parte, todavia, as pinturas de Visconti são um tanto diferentes, tanto em termos iconográficos - suas figuras decididamente ornamentais parecem avessas a atribuição de qualquer significado preciso671 - quanto, especialmente, com relação ao seu caráter dinâmico e bem mais agitado. Essa última característica é perfeitamente compreensível, uma vez que tais pinturas eram destinadas a ornar uma casa de espetáculos, na qual não convinha a contenção dos personagens presentes nas obras acima referidas, que fizemos derivar de Puvis e de sua “escola”. Aqui, certamente, cabe fazer referência aos procedimentos decorativos divulgados por Éugene Grasset em seu manual La plante et ses aplicattions ornamentales, base dos exercícios que Visconti teria realizado na École Guérin, sob a orientação do renomado mestre do Art Nouveau, e que, segundo Ana M. T. Cavalcanti, teriam contribuído para a estilização das figuras do Theatro Municipal. Ainda com relação às supostas fontes utilizadas por Visconti, particularmente no caso do friso oval realizado para o teto da sala de espetáculos, parece ser pertinente fazer referência, além disso, a um exemplo decorativo italiano, o da Saletta Pompeiana, realizada pelo Ettore De Maria Bergler para o Teatro Massimo, em Palermo [Figura 40]. Provavelmente, Visconti teve oportunidade de ver tal obra quando de sua estadia na Itália nos anos 1890, e nela teria se inspirado, a menos 670 "Que ses spetacles aériens, separés de nous pour une assez grande distance, le soient encore plus par la perspective aérienne, qui, en affaiblissent les ombres, en noyant les lumiéres, prête aux figures célestes une indécision, une vaguesse heureuse. Trop de résolution dans les contrastes, trop de viguer, blesserait l’oeil au lieu de le charmer, et le spectateur pourrait craindre de voir tomber sur sa tête, ou sur le pavé de l’eglise, des groupes qui, par le jeu animé de clairs et des bruns, se détacheraient trop fortment l’un de l’autre. Il y faut donc dans l’ensemble, surtout dans les personnages qui n’ont aucun point d’appui apparent sur les corniches, des teintes blondes dont la légèreté rassure le regard" (BLANC, Charles. Op. cit., p.584). 671 Para uma opinião contrária à nossa, cf. a análise “panofskiana” da pintura do foyer em OLIVEIRA, V. O. “Um olhar sobre as Musas de Eliseu Visconti: a Alegoria à Música”. In: Anais do XXIV Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte. Belo Horizonte: Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA), 2004. VERSÃO NÃO REVISADA 272 em parte, para plasmar o aspecto de silhuetas movimentadas presentes em suas figuras. Assim como na Europa, o Modo Decorativo se estendia para além da França, no Brasil existem realizações para além das fronteiras fluminenses. Sem podermos aqui nos estender sobre esse tópico, faremos referência apenas a um exemplo, o da obra do baiano Prisciliano Silva, pintor que manteve uma carreira relativamente independente do meio artístico no Rio de Janeiro, mas que, em Paris, freqüentou os mesmos ambientes que os artistas fluminenses seus contemporâneos672. Ana Maria D’Errico Gantois em uma monografia recente sobre o pintor, assim descreveu as suas decorações para o Palácio da Aclamação de Salvador, realizadas em meados da década de 1910: “nas laterais deste mesmo espaço [salão de recepção do Palácio] guirlandas espargem folhagens de parreiras sobre um fundo azul lilás, com pinceladas brancas formando um conjunto etéreo e de rico efeito que atendia ao que deve ter sido solicitado”673. Em 1918, o mesmo pintor decorou a residência do Dr. Francisco de Góes Calmon, atual sede da Academia de Letras da Bahia: no teto da Sala Edith da Gama Abreu e no Salão Nobre desse edifício as composições, marcadas pela mesma leveza que remete diretamente ao exemplo de pintores setecentstas como Antoine Watteau, guardam em seus conjunto, ainda segundo Gantois, “o efeito das pinturas em afresco”. A partir de finais da década de 1910, a produção de ciclos decorativos no Rio de Janeiro ganha um implemento significativo e, em vários deles, vamos reencontrar uma orientação estilística e características técnicas semelhantes àquelas que observamos acima, com relação às pinturas de Visconti para o Theatro Municipal - o que parece indicar que tal obra havia se tornado então uma espécie de precedente formal incontornável para os artistas que trabalhavam no gênero. Já em 1920, os irmãos Arthur e João Timótheo da Costa trabalham juntos na decoração do salão de festas da sede do Fluminense Futebol Clube. Para o teto desse aposento, eles realizaram seis telas, lançando mão de uma iconografia inusitada que mistura reminiscências à antiguidade e aos esportes, que fazem uma referência mais ou menos direta à função propriamente dita do prédio. Quatro dessas telas de formato oval, colocadas nos cantos do salão [Figura 4.43a, 4.43b, 4.43c e 4.43d], representam atividades esportivas ambientadas no mundo antigo maratona, luta de gladiadores, etc. - e são configuradas com tons muito próximos, 672 Ana Simioni cita o nome de Prisciliano entre os dos brasileiros inscritos na Academia Julian, no atelier de Lefèbvre e Tony Fleury, entre 1905 e 1907. 673 GANTOIS, Ana Maria D’Errico. “Um estudo sobre Prisciliano Silva”. In: Revista Ohun - Revista eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFBA. Ano 2, nº 2, outubro 2005, p.13 VERSÃO NÃO REVISADA 273 oscilando entre os cremes e os azuis acizentados. Nas outras duas, nas quais figura a junção algo irônica de putti e bolas de futebol, predominam o azul e o rosa, com econômicos toques de verde, cores empregadas com um grau de saturação um pouco maior do que nos quadros anteriores, mas ainda assim muito próximas em termos de valor. O recurso a um traçado redessiné se torna, nessas obras dos Tímótheo, um fator compositivo essencial, pois ele é o único fator que se opõem à desintegração das formas. Além de muito pouco contrastadas entre si, estas são cobertas por uma névoa de pequenos pontos de creme claro, cor muito semelhante àquela com a qual se encontram atualmente pintadas as paredes, e que se estendem para além das molduras levemente douradas dos painéis. A princípio parecendo se tratar do resultado da aplicação da técnica divisionista que os irmãos Timótheo, especialmente João, utilizavam com certa freqüência, um exame mais atento revela que tais pontos foram, na verdade, aspergidos sobre as pinturas já prontas [Figura 4.43e] - uma técnica de pátina que remete aos posteriormente célebres drippings de um Jackson Pollock. Aqui, porém, o procedimento tem a função decorativa principal de relativizar a pregnância das imagens e, assim fazendo, integrá-las mais efetivamente ao contexto arquitetônico, sendo portanto presumível que a cor atual das paredes seja semelhante àquela que já as cobria, quando os artistas incorporam ali as suas pinturas marrouflées. Por volta de 1923, já depois da morte em circunstâncias trágicas de seu irmão Arthur, João Timótheo retomaria sozinho o trabalho de decorações no Fluminense Futebol Clube. Desta feita, ele pintou para o Salão Nobre duas grandes telas [Figura 4.44a e 4.44b], onde retomou o motivo dos três nus femininos, que desde as Três Graças, fora freqüentemente um veículo para alegorias e mitos. A partir de finais do século XIX, o problema da interelação entre os três corpos foi abordado por artistas cuja importância no contexto da pintura decorativa brasileira já salientamos, como Puvis de Chavannes, no panneu décoratif Mulheres na praia (1879), ou Georges Seurat, no seu quadro Les poseuses (1888). Como lembra Meyer Schapiro, à época, “o problema dos três corpos atraía os pintores da mesma maneira que os matemáticos da época eram absorvidos pelas equações sobre o movimento de três corpos celestes que se atraíam mutuamente”674. João Timótheo forneceu em seu pendant duas soluções contrastantes para tal problema: no primeiro de seus painéis [Figura 4.44a], as 674 SCHAPIRO, Meyer. “Seurat”. In: A arte moderna: Séculos XIX e XX: Ensaios escolhidos. São Paulo: EDUSP, 1996, p.151. VERSÃO NÃO REVISADA 274 figuras são bem mais “movimentadas” e se relacionam por um fluxo dinâmico que remete ao ato da dança, bem como, às figuras de Visconti que povoam teto do Theatro Municipal; já no segundo [Figura 4.44b], as figuras femininas, portando instrumentos musicais, são mais estáticas e suas configurações se orientam em função do ritmo de grandes verticais. Com relação ao tratamento, o pintor apresenta nesses quadros um uso bem mais ortodoxo dos procedimentos divisionistas, o que faz entrever uma execução mais cuidadosa, transparente também no refinado uso das variações cromáticas. Em 1922, foi a vez de Antonio Parreiras utilizar procedimentos ainda mais radicais nas grandes telas que realizou para o antigo Instituto Nacional de Música do rio de Janeiro (hoje Escola de Música da UFRJ). Nos quatro painéis onde figuras simbólicas representado a arte da música e sua história mítica - Orpheo Parthenope - Lydia – Lecosia; Eolo - Musica cosmica; Osíris - Inventor da Flauta; As sete notas [Figura 4.45a, 4.45b, 4.45c e 4.45d]675 - o pintor chega aos extremos da dissolução das formas, que palidamente emergem em meio a uma superfície repleta de sutis vibrações cromáticas, nas quais predominam as tonalidade frias, especialmente os azuis e os ocres acizentados. Existe uma marcada intencionalidade no sentido de minimizar a espacialidade das cenas e as figuras tendem, por sua vez, ou à frontalidade ou à lateralidade, sendo os escorços, na maior parte das vezes, suprimidos. O quadro que figura Osíris [Figura 4.45c] é exemplar nesse sentido, e nele a representação de um baixo-relevo egípcio funciona como uma espécie de tônica formal que ecoa diretamente na configuração estilizada e sintética dos personagens. Alguns anos mais tarde, Parreiras retomaria esse partido decorativo, quase inalterado, na tela Visão de Tiradentes ou O sonho da liberdade (1926)676, realizada desta vez para o Conservatório de Música de Belo Horizonte Nas duas grandes sedes do poder da então Capital Federal erguidos nos anos 1920, os atuais Palácios Tiradentes e Pedro Ernesto, podemos encontrar outros exemplos de pinturas realizadas no Modo decorativo. Desde 1895, o Poder Legislativo da cidade do Rio de Janeiro ocupava a antiga Escola Municipal São José, um prédio neo-gótico localizado onde outrora se erguia o Convento da Ajuda. Em 1911, com a abertura da Avenida Central e com os trabalhos de reurbanização 675 Catalogadas, respectivamente, sob os números 467, 468, 465 e 466 em LEVY, Carlos R. M. Op. cit., p.170. 676 Catalogada sob o número 521 em Idem, p.175; cf. LEITE, Reginaldo R. “Uma interpretação dos significados da pintura alegórica de Antônio Parreiras: Visão de Tiradentes ou O Sonho da liberdade”. In: XXIII Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte, 2004, Rio de Janeiro. Anais do XXIII Colóquio do CBHA. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 2003, pp. 401-407. VERSÃO NÃO REVISADA 275 da região hoje conhecida como Cinelândia, foi lançada uma licitação para o projeto de um novo edifício a ser construído no mesmo terreno. Essa concorrência foi vencida pelo arquiteto Heitor de Mello, mas a construção do edifício só começou efetivamente em 1920, no Governo de Epitácio Pessoa, seguindo um projeto do arquiteto Arquimedes Memória, ex-aluno da ENBA e na época professor da instituição; essa era a primeira grande obra pública conduzida por Memória que respeitou, em boa parte, o plano inicial de Heitor de Mello, precocemente falecido. A construção do novo edifício-sede do Conselho Municipal se estendeu por quase três anos; o povo, ironicamente, batizou-o de “gaiola de ouro”, em alusão ao alto custo da obra e ao luxo de seus trabalhos decorativos. Em 1971, uma resolução677 confirmou a denominação de Palácio Pedro Ernesto (o primeiro governador eleito pelos fluminenses no período republicano) para o edifício, que, em 1975, com a fusão da Guanabara, assumiria a sua função atual, como sede da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Vários dos trabalhos decorativas que ornamentam o Palácio se inserem na linhagem da “pintura clara” que viemos expondo até aqui. O primeiro deles, ao qual já fizemos rápida referência, foi realizado por Elysêo Visconti: trata-se do tríptico que se localiza no topo da escadaria central do Hall Nobre, denominado Alegoria à cidade e dividido nas seguintes partes, da esquerda para a direita: a) Alegoria ao saneamento da cidade, homenageando Oswaldo Cruz [Figura 4.46a] ; b) Alegoria aos serviços municipais, centrado em uma figura simbólica representando a própria Cidade do Rio de Janeiro [Figura 4.46b]; e c) Alegoria ao embelezamento da cidade, homenageando Pereira Passos, o prefeito responsável pelas obras de modernização do centro da cidade e pelo movimento de reurbanização que se encontra na própria origem da construção do Palácio Pedro Ernesto [Figura 4.46c]. Nessa obras, realizadas entre 1920 e 1923, Visconti emprega, de maneira ainda mais enfática do que antes, a técnica divisionista que já caracterizava os seus trabalhos para o Theatro Municipal. No segundo pavimento do prédio, mais exatamente no Salão de Festas, ou Salão de Honra, o teto central em forma de abóboda é ocupados por três grandes pinturas dos irmãos Chambelland e as duas zonas laterais menores são divididas, cada uma, em três medalhões, que foram realizadas por Carlos Oswald [Figura 4.46d e 4.46e]. Todas essas obras, de onde emergem figuras mitológicas algo fantasmagóricas, cuja identificação precisa ainda está por se fazer, são dominadas por regências cromáticas que lançam mão de tons pouco contrastados e se 677 Projeto de Resolução No 28, de 1971, de autoria de Gama Lima. VERSÃO NÃO REVISADA 276 harmonizam perfeitamente entre si, bem como com o resto do trabalho ornamental e com o mobiliário, de caráter leve e refinado, inspirado no chamado estilo Luís XV. Ainda nesse pavimento, nos Gabinetes do Presidente e do 1º Secretário, encontram-se outras obras do mesmo Carlos Oswald: são pinturas quase monocromáticas, onde predominam os tons terrosos em tonalidade bastante claras, que trazem à memória as obras do pintor francês Éugene Carriére. No Gabinete do Presidente, existem ao todo oito pinturas: duas em forma de leque, decorando os tímpanos, quatro sobre os nichos e outras duas sobre os frisos; no Gabinete do 1º Secretário, as pinturas de Oswald seguem uma disposição semelhante. Em termos iconográficos, analogamente à obras de Priciliano Silva que comentamos acima, todas essas decorações buscam inspiração no mundo de galanteios da pintura francesa setecentista, procurando assim se harmonizar, em espírito, com o restante da decoração dos interiores, onde também predomina o estilo Luis XV. Já o Palácio Tiradentes, projeto do mesmo Arquimedes Memória teve a sua pedra inaugural assentada em junho de 1922678. A construção do ambicioso prédio se inseria no amplo processo de remodelação da paisagem urbana carioca, iniciado pelo Prefeito Carlos de Carvalho às vésperas das comemorações do centenário da Independência e que foi marcado por ações reformadoras de grande envergadura, a mais radical delas sendo, sem dúvida, o desmonte do tradicional Morro do Castelo. Atendendo à demanda premente da Câmara dos Deputados por uma nova sede679, o Palácio Tiradentes veio a ocupar o local onde antes se erguia o prédio da Cadeia Velha. A escolha do sítio estava carregada de simbologia: ali o inconfidente Tiradentes, mártir da liberdade política brasileira e patrono do novo edifício, ficara detido em seus últimos dias de vida, antes da execução; a Cadeia Velha também possuía uma tradição legislativa, uma vez que ali, por mais de sessenta anos, funcionara a Assembléia do Império, constituindo dessa maneira um eixo de continuidade na vida parlamentar do país. As dispendiosas obras de construção do Palácio Tiradentes só terminaram no início de 1926, sendo prejudicadas pelo período de singular agitação política que foi a transição do governo de Epitácio Pessoa para o de Artur Bernardes. Um conjunto dos mais prestigiados artistas brasileiros trabalhou nas decorações pintadas e 678 Para uma descrição mais detalhada a respeito do projeto e da construção do Palácio Tiradentes, consultar o texto de Carlos Eduardo Sarmento em BELOCH, Israel; FAGUNDES, Laura R. (coor.) Palácio Tiradentes: 70 anos de história. Rio de Janeiro: Memória do Brasil, 1996, pp.43sg. 679 A Câmara dos Deputados ocupava, desde 1914, o Palácio Monroe, o antigo prédio do Pavilhão Brasileiro na Exposição Internacional de St. Louis de 1908, que fora transportado e remontado próximo à Praça Floriano, na Capital Federal. Em 1921, o edifício havia sido requisitado para compor o conjunto arquitetônico dos pavilhões da Exposição Internacional do Centenário da Independência, recuperando assim a sua função primordial e forçando o Poder Legislativo a procurar uma nova sede. VERSÃO NÃO REVISADA 277 esculpidas do prédio: dos ornatos e da própria arquitetura emerge um discurso em linguagem simbólica representativo das concepções políticas e ideológicas que então oficialmente vigoravam. Aqui, gostaríamos de nos deter apenas sobre dois conjuntos decorativos particulares, os painéis pintados pelos irmãos Chambelland para a cúpula do Plenário e aqueles realizados por João Timótheo da Costa para o teto do Salão Nobre. A imponente cúpula que domina o Plenário, peça central do palácio e a sua verdadeira razão de ser, foi decorada por Rodolpho Chambelland, auxiliado por seu irmão Carlos, com oito painéis realizados entre 1925 e 1926680. Tais pinturas foram cuidadosamente concebidas para explicitar uma mensagem que ecoa em vários outras obras do prédio, a saber, a consolidação de um projeto de nação brasileira construído a partir das leis. A escolha da linha interpretativa da história nacional e dos momentos significativos a serem representados parece ter recaído sobre o prestigiado Alfonso Taunay, diretor do Museu Paulista, que, em carta datada de 21 de março de 1924, enviada ao então ao Presidente da Câmara, Arnolfo Azevedo, propunha o tema dos painéis, Os pontos cardeais da História do Brasil. De fato, dispostos como uma bússola em volta do vitral representando o céu do Rio de Janeiro em 15 de novembro de 1889, os oito painéis estão divididos em duas linhas temáticas distintas que dialogam entre si, compondo uma visão panorâmica do passado brasileiro: assim, os quatro painéis maiores contam a evolução política do país - A catequese, O Governo Geral, A Monarquia e, sobre a Mesa Diretora, A República – e se alternam com outros quatro painéis menores, cujos temas se referem ao processo de formação territorial do Brasil - Cabral chegando ao Novo Mundo, A luta pela expulsão dos invasores estrangeiros, As bandeiras e O Barão de Rio Branco definindo os limites territoriais681. Nessas obras monumentais, todas com mais de seis metros de altura e apresentando um tratamento divisionista, os Chambelland optaram por um registro laudatório, que insere retratos de personagens históricos bastante estilizados em um contexto geral dominado pelo caráter alegórico. Essa mistura é especialmente notável nos grandes painéis da Monarquia [Figura 4.47a] e da República [Figura 4.47b], que retomam o partido dos triunfos renascentistas, e são cortejos nos quais os principais vultos do país se encontram cercados de figuras simbólicas - a tipologia dos triunfos, cumpre lembrar, fora comum na pintura decorativa francesa 680 Na entrevista concedida a Angyone Costa, Rodolpho lembrou do grande esforço que foi forçado a fazer para “entregar, em prazo limitado, a encommenda da Câmara” (Citado em COSTA, Angyone. Op. cit., p.100). 681 Para uma descrição mais detalhada desses painéis, ver BELOCH, Israel; FAGUNDES, Laura R. (coor.). Op. cit., pp.68sg. VERSÃO NÃO REVISADA 278 de finais do século XIX e Visconti a havia empregado, quase duas décadas antes, em sua pintura do pano-de-boca no Theatro Municipal. Em todas as pinturas, os retratos sintéticos dos heróis nacionais se encontram localizados na parte inferior dos painéis e são marcados por uma relativa definição; à medida que se aproximam da parte superior, todavia, todas as composições se tornam progressivamente mais diáfanas e se desvanecem, a ponto dos putti e das figuras femininas aladas, portando coroas de louros, que nelas aparecem se tornarem, por vezes, quase indistinguíveis. Mais uma vez, a predominância de tons neutros e o familiar branqueamento da paleta de cores empregada favorece a integração dessas pinturas decorativas na superfície de cantaria nua que compõem a cúpula, e que transparece nas molduras austeramente ornamentadas que cercam e separam os painéis. Muito desse tratamento diáfano pode ser reencontrado nos cinco painéis realizados por João Timótheo da Costa para o teto o Salão Nobre do mesmo Palácio Tiradentes, embora neles predomine um gama de tons frios (azuis, verde, violetas) certamente mais saturados e puros, mas que permanecem ainda bastante próximos em termos de valor. Aqui, o domínio do registro alegórico passa a ser total: no painel central, se encontra uma grande representação da República, figurada como uma mulher portando o barete frígio, que pode ser vista também no referido painel da República dos Chambelland, e que deriva da iconografia inaugurada com a Revolução Francesa. A República se encontra cercada por dez outras figuras alegóricas, que remetem às grandes datas nacionais: “esse curioso calendário cívico brasileiro chama atenção pelo seu aspecto iconográfico quase sacro, podendo ser entendido como uma espécie de guia litúrgico. [...] Situar tal conjunto na chamada Sala de Honra do palácio tinha sido uma atitude completamente intencional, afinal, aquele deveria ser o espaço consagrado às grandes festas e celebrações do civismo brasileiro”682. Um último exemplo do emprego da paleta “clara” em pinturas decorativas que gostaríamos de aqui citar é o ciclo de nove quadros que Guttmann Bicho realizou para o antigo Posto de Saúde da Freguesia, Ilha do Governador683 [cf. os esquemas nas Figuras 4.48a e 48b]. Essa obra difere daquelas que até aqui viemos 682 BELOCH, Israel; FAGUNDES, Laura R. (coor.) idem, p.66. Hoje Centro de Atendimento Psicosocial (CAPS) Ernesto Nazareth; as pinturas de Guttmann Bicho foram tombadas pelo decreto 6.602 de 05 de maio de 1987 do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural; para uma discussão mais detalhada a seu respeito, remetemos ao nosso artigo “O Ciclo de Pinturas de Guttmann Bicho no CAPS Ernesto Nazareth – Ilha do Governador / RJ”. In: DAZZI, Camila [et alli]. , C.; MIYOSHI, A. (org). Revisão historiográfica: o estado da questão. Atas do I Encontro de História da Arte do IFCH – UNICAMP. Campinas, SP: UNICAMP/IFCH, v.1, 2005, pp.102-117. Uma versão se encontra disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_gb_caps.htm 683 VERSÃO NÃO REVISADA 279 descrevendo especialmente em termos temáticos: contrastando com o caráter histórico-alegórico freqüente nos outros ciclos decorativos brasileiros, a obra de Bicho é marcada por um registro “realista” retrata um evento bastante circunscrito, as ações de sanitaristas empenhados no esforço de erradicação do surto de febreamarela que assolou a estado do Rio de Janeiro em 1928. Essa particularidade temática tem suas raízes, no nosso entender, na própria função que o conjunto de pinturas de Bicho devia desempenhar, uma vez que ele servia como uma espécie de lição através de imagens, versando sobre questões relativas à saúde pública e destinada aos habitantes simples da localidade onde se instalava o prédio que o abrigava. Em função da necessidade de estabelecer uma relação mais estreita entre seus quadros e o entorno, Guttmann Bicho parece não ter se sentido constrangido ao lançar mão de alguns recursos que foram relativamente pouco empregados na pintura decorativa da 1ª República, particularmente a representação de uma espacialidade acentuada, presentes em alguma cenas que se organizam em torno de pontos de fuga perspectivos em nada dissimulados. Porém, em vários outros aspectos, as pinturas de Bicho se assemelham à pinturas anteriormente discutidas, como A Partida da monção, de Almeida Júnior, ou Os descobridores de Belmiro de Almeida - que, aliás, foi uma das principais referências para o pintor do Panneau decorativo. As figuras dos painéis de Guttmann Bicho são marcadas, em sua maioria, por aquela já várias vezes referida contenção dinâmica e, não raramente, assumem em suas atitudes aparentemente mecânicas ou na sua contemplação distanciada um caráter quase onírico. Em termos compositivos, especialmente as pinturas que ornamentam a parede esquerda do hall de entrada do prédio, marcadas pelo predomínio de grandes ritmos horizontais que se estendem de um lado a outro do recinto, guardam algo daquela calma simplicidade que caracterizava as decorações de Puvis de Chavannes. Nessas pinturas, Guttmann Bicho abandonou a fatura divisionista que marcara suas obras desde antes da obtenção do Prêmio de Viagem e cujo emprego se intensificara durante a sua permanência na Europa, provavelmente visando imprimir uma maior legibilidade aos quadros, que dessa maneira podiam cumprir mais adequadamente a sua função didática. Em compensação, ele empregou aqui outros expedientes formais típicos da pintura decorativa fluminense do período, notadamente o recurso a uma paleta de cores claras e a abolição dos contrastes de valor pronunciados. Contudo, esses procedimentos que, em outros ciclos decorativos, visavam sobretudo garantir a harmonia interna das pinturas e a VERSÃO NÃO REVISADA 280 integração das mesmas no ambiente arquitetônico envolvente, ganham, nas obras de Bicho, uma inesperada conotação simbólica. Assim é que a paleta clara parece aqui vincular, simultaneamente, idéias de pureza e limpeza, estreitamente relacionadas aos objetivos das ações do sanitarismo campanhista. Obviamente, conhecendo as referências estéticas que poderiam ter orientado Guttmann Bicho ao realizar esse trabalho, é importante não exagerarmos de uma maneira unilateral a suposta importância de tal conotação na escolha do partido formal utilizado. Não obstante, tal interpretação surge como particularmente convincente com relação a certos trechos do ciclo, como por exemplo, no quadro que ocupa o espaço central da parede esquerda [Figura 4.48c], no qual as crianças e os funcionários da saúde pública, banhados pela luz solar e trajando roupas claras, parecem se opor ao casal de adultos, semi-obscurecidos sob o umbral da porta: aqui, como não interpretar a clareza como um atributo das ações civilizatórias de erradicação da doença, enquanto a relativa escuridão, pelo contrário, identificar-se-ia com a idéias de desconfiança refratária dos pais? 4.5. Exceções aos Modos Feita essa exposição geral dos três Modos que procuramos aqui delimitar Realista, d'Esquise e Decorativo - , cumpre abordar um tópico que ao qual por vezes fizemos rápidas referências. Além de existirem gêneros que não são passíveis de identificação como um único Modo - é o caso da pintura histórica, na prática, nenhum do Modos que descrevemos recobre completamente os gêneros aos quais aqui os associamos e nos quais podem ser encontrados mais freqüentemente respectivamente, o retrato, a paisagem e a pintura decorativa. Em outras palavras, nem todos os retratos da 1a República são tratados em Modo Realista, nem todas as paisagens simulam a aparência d'esquisses, nem todos os painéis decorativos se submetem às características que discutimos na parte anterior. Novamente, ao lançarmos uma olhar para a arquitetura eclética, podemos perceber algumas analogias esclarecedoras. É o caso das exceções às prescriçãos do historicismo tipológico ao qual fizemos referência no final da parte 4.1. Quem bem se expressa a esse respeito é Francois Loyer: Não se deixou de chamar a atenção para a coincidência que existe entre a escolha de um estilo e a natureza de um programa - o obrigatório neoRenasceça das câmaras municipais, o tedioso neoclássico dos palácios de justiça, o gótico das igrejas e o românico do conventos. Mas as VERSÃO NÃO REVISADA 281 numerosas faltas a essa lei do gênero podem, certamente com razão, colocar alguma dúvidas a respeito da sua exatidão. É necessário ir mais fundo na análise: se, em um certo nível, a apropriação do estilo ao programa pode ser escolhida por critério, encontramos em seguida muitas variantes que, negligenciando essa adequação sumária (e lançando mão, freqüentemente, do paradoxo formal), estabelecem variações sutis no interior um mesmo sistema ornamental (por exemplo, entre um neogótico sulpiciano e um neogótico racionalista) - variações nas quais reside toda a expressividade da linguagem em relação à função.684 Logo, as observações que se seguem, não constituem, propriamente, a negação do sistema que tentamos esboçar até aqui, mas são, antes, o necessário complemento do mesmo, ao indicarem que mesmo em uma boa parte das exceções aos Modos que descrevemos continua atuando uma lógica da conveniência que modela a obra em função de fatores externos objetivos, muitos dos quais podem ser adequadamente descritos. A seguir, indicaremos de maneira mais ou menos sumária algumas dessas exceções. 4.5.1. Quando discutimos o Modo Decorativo, na parte 4.4, destacamos duas de suas características principais: a primeira dizia respeito ao seu aspecto estilizado e a segunda à sua cromaticidade, a presença do emprego de uma paleta “clara”, com a conseqüente relativização dos contrastes de valor (claro-escuro). Apenas em certa medida, porém, tais características se conservam no conjunto das pinturas decorativas da 1a República; em alguns casos, o aspecto visual dessas últimas se afasta decidamente das características acima apontadas. Cumpre frisar, não obstante, que na maioria dessas exceções o afastamento não se deve a um qualquer comportamento idiossincrático por parte do decorador, que, assim procedendo, se recusaria à adaptar seu estilo pessoal e submeter as configurações de sua obra ao entorno arquitetônico onde ela tomaria o seu definitivo lugar. Isso fica claro quando, por exemplo, o estilo das pinturas de um mesmo pintor, inseridas em um único e mesmo ambiente, varia - o que indica que, na concepção das pinturas decorativas na 1a República, funcionava uma lógica mais diferenciada de adaptação ao contexto espacial envolvente. 684 “On n'a pas manqué, déjà, de remarquer la coïncidance qui existe entre la choix d'un style et la nature d'un programme – l'obrigatoire néo-Renaissance des Hôtels de Ville, l'ennuyeux néoclassique des Palais de Justice, le góthique des églises ou le roman des couvents. Mais le nombreaux manquements à cette loi du genre peuvent, avec raison certainement, donner quelques doutes sur son exactitude. / Il faut aller plus loin dans l'analyse: si, à un certan niveau, l'appropriation du style au programme a pu être choisi par critére, on trouve ensuite bien des variants qui, négligeant cette adéquation sommaire (et maniant bien souvent le paradoxe formel), établissent à l'interieur d'un seul système ornemetal des subtiles variantes (par exemple, entre un néogothique sulpicien et un néogothique rationaliste) - variantes dans lesquelles réside toute l'expresivité du langage par rapport à la fonction” (LOYER, François. Op. cit., pp.65-66). VERSÃO NÃO REVISADA 282 Um bom exemplo é a já referida decoração de Elysêo Visconti para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na qual existe uma marcante diferenciação formal e de conteúdo entre as pinturas realizadas para a Sala de Espetáculos. Nos dizeres de Ana M. T. Cavalcanti, “entre todas as pinturas executadas para a decoração do teatro, o pano de boca [Figura 4.49] se afasta significativamente das outras pelo estilo e concepção”685; e isso é, de fato, facilmente perceptível, especialmente quando o comparamos com a pintura oval do teto ou com a frisa do proscênio, que convivem com o pano de boca no mesmo espaço. Entre as razões para a singularidade do pano de boca no conjunto das pinturas decorativas realizadas para o Theatro Municipal, algumas foram adiantadas pela própria Profa. Cavalcanti. Aqui, cumpre destacar uma delas, aquela que compreende o contraste entre as pinturas como derivado da diferença de localização e orientação no espaço arquitetônico: O pano de boca se encontrando ao mesmo nível dos espectadores, Visconti respeita aí as convenções correntes na representação do mundo real. As outras pinturas se encontram colocadas no alto, e isso favorece uma maior liberdade de criação, pois a distância do solo pode já simbolizar um distanciamento com relação à vida quotidiana e suas convenções.686 Um contraste semelhante pode ser observado nas cúpulas do foyer do mesmo Theatro Municipal, nas quais as relativamente diáfanas composições no teto, povoadas por criaturas celestiais, contrastam em tratamento e conteúdo com as pinturas bem mais “realistas” das danças executadas por Rodolpho Amoêdo e pensadas para serem dispostas, como o pano de boca de Visconti, em posição vertical com relação aos espectadores. Um outro exemplo de variação de tratamento entre pinturas decorativas realizadas por um mesmo pintor para ocupar um mesmo ambiente, pode ser encontrado no ciclo concebido por Helios Seelinger para ornamentar o Salão Nobre do Clube Naval do Rio de Janeiro, entre 1910 e 1911. O fato de Seelinger ter colaborado com Visconti nas decorações do Theatro Municipal poderia ser uma justificativa parcial para a convergência dos procedimentos dos dois artistas, mas outras características da decoração do pintor de Bohemia parecem derivar 685 “Parmi toutes les peintures executées pour la décoration du thêatre, de rideau d’avant-scéne s’eloigne significativement des autres par le style et la conception" (CAVALCANTI, Ana. M. T. Op. Cit, p.241). 686 "Le rideau d'avant-scène se trouvent au même niveau de les spectateurs, Visconti y respecte les convéntions courantes dans la répresentation du monde réel. Les autres peintures sont places en haut, et cela favorise un plus grande liberté de création, car la distance du sol peut déjà symboliser un éloignement par rapport à la vie quotidienne e ses conventions" (CAVALCANTI, Ana. M. T. Op. Cit, p.246). VERSÃO NÃO REVISADA 283 diretamente da sua singular formação artística e também da sua originalidade pessoal. Em termos iconográficos, no ciclo de pinturas do Clube Nava que permanece obscuro em diversos de seus aspectos, história e mitologia se justapõem, sem realmente se misturar. O conjunto é dividido em três “faixas” distintas. Existe uma central [Figura 4.50b], entremeada por janelas circulares que remetem a escotilhas de navio, composta de oito quadros e que apresenta uma espécie de evolução das embarcações luso-brasileiras, desde as caravelas até os modernos encouraçados. À esta faixa central, mais “prosaica”, se opõem, em termos temáticos, tanto a superior [Figura 4.50a], localizada logo abaixo da clarabóia, na qual figuram divindades celestes, quanto a faixa inferior [Figura 4.50c], que ladeia as duas portas principais do salão, e onde, com uma maneira mais jocosa, são representados no fundo de mar os tritões e sereias tão comuns em outras obras de Seelinger. Se compararmos a faixa superior com a inferior, é possível perceber que as pinturas adquirem um maior detalhamento na fatura, assim como se tornam mais individualizados os personagens, as expressões e as atitudes nelas representadas. Existem outras particularidades nas pinturas de Seelinger para o Clube Naval, que se afastam do que era usual na pintura decorativa da 1a República, tanto em termos técnicos687, quanto naqueles mais propriamente formais. Nesse último caso, cumpre fazer referência ao emprego, por parte do artista, de uma paleta cromática bem mais saturada e de contrastes menos “tímidos” de valor, que se afastam da descrição que acima fizemos do Modo Decorativo. Esse aspecto geral das pinturas de Seelinger aponta para uma outro importante fator que deve ser considerado no estudo das decorações pintadas do período. Nesse sentido, nossa anterior discussão das pinturas em Modo decorativo que, cumpre frisar, se encontram inseridas em ambiente relativamente austeros -, não nos deve fazer esquecer que nem toda decoração tinha como destino ornamentar uma arquitetura cujo interior exibia a pedra ou alvenaria nua. Esse fato exigia, como frisou Vaisse, um acordo “em um plano mais material [...] entre a pintura e a arquitetura envolvente, sobretudo no que concerne a cor”688. Essa cláusula parece explicar, ao menos em parte, a cromaticidade mais brilhante das pinturas de Seelinger para o Salão Nobre do Clube Naval. Esse espaço, decorado 687 É significativo, nesse sentido, o fato de Seelinger não ter se valido da marouflage, então quase uma regra entre os pintores brasileiros quando se tratava de pinturas decorativas; ele optou por realizar as pinturas diretamente sobre as próprias paredes do salão, fazendo eco àquela descrição de sua técnica franca, que transcrevemos acima. 688 “Sur un plan matériel [...] entre la peinture et l'architecture environnante, surtout em ce que concerne la couleur” (VAISEE, Pierre. Op. cit., p.259). VERSÃO NÃO REVISADA 284 no chamado estilo Luís XVI, é repleto de ornamentos dourados e uma de suas paredes é vazada por grandes portas e pelas janelas circulares, que dão para o exterior e que deixam entrar diretamente a luz: portanto, se a harmonia da decoração pintada por Seelinger fosse muito “pálida”, ela correria o risco de literalmente desaparecer no espaço feérico que a envolve. Esse acordo material entre pintura e arquitetura interior comportava diversas variações. Aqui, é necessário introduzimos um tópico ao qual não fizemos mais do que referências sucintas anteriormente e que diz respeito à relação entre pintura decorativa e decoração interior. Primeiramente, é necessário lembramos da variedade estilística que existia entre os diversos aposentos individuais que compunham muitas das habitações que receberam trabalhos decorativos de pintura da 1ª República. Nas práticas da arquitetura eclética de então, em especial nas grandes construções destinadas ao poder público, mas também nos palacetes de particulares mais abastados, era comum que o estilo da decoração de interiores variasse de aposento para aposento, sublinhando as diferentes funções dos mesmos - sala de visitas, sala de jantar, fumoir, sala de jogos, etc. Essa prática tem seus precedentes nas teorias da arquitetura, ao menos desde o século XVIII. Nos tratadistas “clássicos” franceses, é clara a preocupação com a caracterização específica de cada peça de um edifício. Germain Boffrand, por exemplo, já em meados do setecentos (Livre d'architecture, contenant les principes généraux de cet art..., 1745), reivindicava “uma individualização dos espaços interiores de um hôtel: salão de compagnie, gabinete de musica, sala de baile...”689. reivindicação que ele, Boffrand, parece, todavia, não ter posto em prática em seus próprios projetos. Todavia, já Nicolas Le Camus de Mézières, no Le génie de l’architecture ou l’analogie de cet art avec nos sensations, tornava ainda mais sistemática a vontade de diferenciar os diversos espaços interiores. Para ele, o caráter “não reside apenas no exterior do edifícios públicos e privados, mas em primeiro lugar, ao menos se considerarmos a atenção que lhe é concedida pelo autor, no interior”690. O sistema de caracterização dos interiores de Le Camus é, como observa Werner Szambien, de uma lógica impertubável, ao mesmo tempo que quase erótica; o arquiteto assim se expressava: 689 "L'individualisation des espaces intériures d'un hôtel: salon de compagnie, cabinet de musique, salle de bal..." (SZAMBIEN, W. Op. cit., p.177); Szambien faz referência as páginas 19, 26 e 27 do Livre d'architecture... de Boffrand. 690 "Le caractére ne reside seulement dans le dehors des édifices publics et privées, mais en premier lieu, du moins si l'on considère l'espace que lui est accordé par l'auteur, dans le dedans" (Idem, p.181). VERSÃO NÃO REVISADA 285 Cada peça deve ter o seu caráter particular. A analogia, a relação de proporção determinam nossas sensações; uma peça faz desejar a outra, essa agitação ocupa e mantêm em suspenso o espírito, é um gênero de gozo que satisfaz.691 Criavam-se então espaços idealmente modelados, onde o número de vestíbulos e de ante-salas se multiplicava e onde tudo contribuía para a satisfação dos prazeres sociais: sala de jantar, salão, billiard, galeria... Por fim, a natureza distinta de cada um desses aposentos deveria se manifestar até nos seus mínimos detalhes, como a disposição dos móveis e dos quadros - e, obviamente, no estilo desses últimos. No século XIX, como vimos rapidamente, se promoveu, com o historicismo tipológico, um relativo equacionamento entre os chamados estilos históricos e os diversos caracteres expressivos que um prédio podia assumir, derivados principalmente de sua função. Essa lógica associativa seria também aplicada com relação aos estilo das decorações de interiores, que variavam conforme a razão de ser desses últimos, seguindo certos padrões estabelecidos por convenção e mais ou menos variáveis: “Luís XIII na anticâmara, Henri II na sala de jantar, Luís XIV, Luís XV, Luís XVI para o salão, o boudoir, o quarto de dormir...”692. No Rio de Janeiro, existem vários edifícios que seguem em termos de decoração interior uma orientação análoga. Aqui, não faremos mais do citar alguns dos exemplos mais conhecidos, acenando para a sua sistemática decorativa - tópico que, por si só, mereceria um trabalho de fôlego. Temos, dessa maneira, o chamado Palácio Laranjeiras, hoje usado como residência do Governador do Estado, onde a Sala de visitas é decorada suntuosamente em estilo Luís XIV, enquanto, por exemplo, a Sala de Música e o fumoir recebem variações de um tratamento mais leve e “festivo”, em estilo Luís XV; a peça de grandes dimensões, chamada Salão Império é ornamentado, por sua vez, como o próprio nome indica, no estilo promovido por Napoleão na aurora do século XIX, eivado de referências classicizantes, e assim por diante. De maneira análoga a esse palacete particular, as duas grandes sedes do poder legislativo construídos na 1a República - os já referidos Palácio Pedro Ernesto 691 "Chaque pièce doit avoir son caractére particulier. L; analogie, le rapport de proportion décident nos sensations; une pièce fait désirer l'autre, cette agitation occupe & et tient en suspens les esprits, c'est un genre de jouissance que satisafait" (Citado em Idem, p.181). 692 “Louis XIII dans l'antichambre, Henri II dans la salle à manger, Louis XIV, Louis XV, Louis XVI pour le salon, le boudoir, la chambre à coucher...” (BRUNHAMMER, Yvonne. Le beau dans l'utile: un musée pour les arts décoratifs. Paris: Gallimard, 1992, p.19). VERSÃO NÃO REVISADA 286 e Palácio Tiradentes -, também exibem uma planejada diferenciação de seus aposentos: no primeiro, o Plenário, centro simbólico do prédio, recebe uma ornamentação austera e despojada, reminiscência dos grandes edifícios públicos antigos, como o Pantheon; nos espaços reservados, como os Gabinetes das Lideranças e, especialmente no do Presidente, o clima mais intimista é reforçado pelas graciosas decorações em estilo Luís XV; já a Sala Inglesa, espaço concebido para o convívio informal dos deputados, tem suas paredes e teto revestidos de lambris de madeira escura trabalhada, remetendo ao chamado Estilo Elizabetano quinhentista. O Palácio Tiradentes, construído pouco depois do Palácio Pedro Ernesto, mantém, por seu turno vez, uma lógica decorativa que em sua lógica geral e em muitos aspectos particulares se aparenta a desse último. Como conseqüência lógica de que acima procuramos expor resumidamente, o Modo das pinturas decorativas acabava por se adequar, naquele sentido mais material ao qual Vaisse faz referência, ao estilo do ambiente que a abrigava. Os contrsates de estilo das decorações cumpriam assim uma função análoga àquela das diferenças de estilo dos interiores, servindo para clarificar as diferenças de funcionalidade e, conseqüentemente, de hierarquia entre os diversos ambientes de um mesmo edifício. Deduz-se disso, que, durante a 1a República, se estabelecera uma intricada relação de complementaridade entre a pintura decorativa e a refinada arte da decoração de interiores; aqui não faremos mais do que indicar essa relação, um outro tópico que mereceria todo uma profunda pesquisa. Na 1a República, os dois mais evidentes exemplos desse diálogo entre pintura e decoração de interiores, tecido nas obras de artistas fluminenses, podem ser encontrados nas decorações realizadas para os acima citados Palácio Pedro Ernesto e o Palácio Tiradentes. Finalizando a presente parte, nos deteremos um pouco mais no primeiro, salientando que a lógica dos contrates de estilo entre os trabalhos decorativos do Palácio Tiradentes guardam significativas analogias com os do Palácio Pedro Ernesto . Em termos ornamentais, neste último o emprego do Modo Decorativo, que descrevemos na parte 4.4, se encontra presente no grande tríptico de Visconti, que decora o vestíbulo [Figura 4.46a, 4.46b e 4.46c] e às delicadas pinturas dos Chambelland e de Carlos Oswald, que ornamentam os aposentos decorados em estilo Luís XV, como os Gabinetes e o Salão de Honra, destinado a recepções e festividades. Mas bastante diversas, o leitor já pode deduzir, são as decorações feitas, por exemplo, por Décio Villares e Rodolpho Amoêdo para esse mesmo prédio. As particularidades de estilo desses artistas de uma geração anterior, VERSÃO NÃO REVISADA 287 chamados a dividir os trabalhos de decoração do Palácio com pintores mais novos, não resultou em qualquer desequilíbrio, pois as suas obras se destinavam a aposentos autônomos, cujas características são completamente peculiares. As pinturas de Villares, retratando a Ida para o trabalho e a Volta do trabalho, ocupam a referida Sala Inglesa [Figura 4.51a]: para não se “apagarem” em meio aos lambris de madeira escura do pesado Estilo Elizabetano, elas são tratadas em um maneira mais “realista” e com contrastes mais acentuados tanto de valor como também de cor [Figura 4.51b] . Já o quadro de Rodolpho Amoêdo, A fundação da cidade do Rio de Janeiro [Figura 4.52], concebido para o Plenário do Palácio Pedro Ernesto, deixa transparecer por suas grandes dimensões e de maneira ainda mais evidente do que as pinturas de Villares, seu contraste com o Modo Decorativo das obras que abordamos na parte anterior. Nele, o colorido e o modelo são intensos e não parece ter havido, por parte do pintor, qualquer preocupação em minimizar o efeito de espacialidade, que é, ao contrário, fortemente sugerido. Dessa maneira, a obra parece derivar diretamente do estilo mais “realista” das pinturas históricas que foi usual durante o Segundo Império. Poder-se-ia, a princípio, pensar que o artista aqui não conseguiu - ou não quis - chegar a um acordo conveniente com o espaço arquitetônico; mas essa conclusão não parece levar em conta o eminente local ocupado pela pintura. Colocada atrás da Mesa Diretora, naquele que é normalmente o foco de atenções dos parlamentares, em certa sentido o centro perceptivo e simbólico de todo o Palácio, a obra de Amoêdo deveria ter um “peso” suficiente para deter os olhares e, assim, cumprir o seu papel de ligar o presente com o momento mítico de fundação do Estado nela figurado. Inversamente, a própria eminência do local ocupado pela tela parece suportar o grau de realidade que ela ostenta. Que Amôedo poderia pintar de outra maneira, se fosse o caso, fica comprovado pelas grisailles que executou, junto com Roberto Rowley Mendes, para as paredes laterais dessa mesmo Plenário, e que não guardam uma tratamento tão diferenciado quanto o que A fundação da cidade do Rio de Janeiro apresenta. 4.5.2 Seguindo nossa exposição, nos deteremos mais rapidamente nas exceções aos outros dois Modos. Como já adiantamos, a pintura de paisagem, embora bastante identificada com o Modo d'Esquisse, exibiu igualmente alguns outros tratamentos. Já havíamos apontado para o fato de que as vistas pintadas por João Timótheo para o Palácio Pedro Ernesto [Figura 4.29a e 4.29b] partilhavam algo do VERSÃO NÃO REVISADA 288 Modo Decorativo, embora não fossem, a bem dizer, decorações em sentido estrito, uma vez que guardam muito da natureza de quadros de cavalete. Existem, porém, alguns paisagens que apresentam contrastes ainda mais efetivos. De fato, um paisagista tão célebre como Baptista da Costa, embora não raramente tenha feito uso de uma paleta cromática bastante luminosa, nunca parece ter sido muito afeito ao uso liberto da fatura que era comum em diversos de seus contemporâneos e que caracteriza o Modo d'Esquisse. Mesmo seus quadros de pequenas dimensões e suas manchas feitas ao ar livre preservam um tratamento cuidadoso, no qual a verossimilhança se sobrepõe a qualquer escritura pictórica mais evidente. Suas incursões no Modo d'Esquisse foram, dessa maneira, muito pontuais, como no diminuto estudo referido por Luis Marques, O passeio, “”de datação incerta mas posterior a 1894, que atinge resultados de luminosidade impressionista absolutamente excepcionais em sua obra”693. Certamente menos assíduo na produção de obras do gênero, Helios Seelinger parece, não obstante, ter também se afastado decididamente do Modo d'Esquisse em suas pinturas de paisagem. É o que parece comprovar um foto de seu ateliê, estampada n'A inquietação das abelhas [Figura 4.53], na qual figuram à esqerda um biombo e alguns quadros, nas quais se abrem vistas que remetem, por seu estilo, muito mais para as soluções “simbolistas” do que para aquelas comuns entre os adeptos do plein-air desde meados do século XIX. Além disso, mesmo um artista usualmente identificado pelo emprego do Modo d'Esquisse que fazia em suas paisagens, como Arthur Timótheo, podia eventualmente realizar obras com um tratamento muito diverso. É o caso, para citar um exemplo, de sua Paisagem praiana com Pão de Açúcar no fundo [Figura 4.54], caracterizada por uma fatura mais cuidadosa e por uma preocupação em individualizar com clareza os motivos – trabalho minucioso, realizado em dimensões não tão maiores, cumpre notar, do que a de suas vistas pintadas a la diable, por volta da mesma época. Sobre as razões do estilo peculiar tal quadro, que nos faz pensar em uma espécie de Vinet revivido e que revela uma versatilidade consumada, só podemos, a princípio, especular: o mais provável é que ele tenha sido o resultado de uma encomenda que teria forçado o artista a se desviar da maneira que ele usualmente empregava em suas vistas. 4.5.3. Por fim, algumas palavras devem ser ditas a respeito dos retratos que fogem do Modo Realista. Havíamos feito notar que tal associação - Modo Realista / retratos 693 MARQUES, Luiz. Op. cit., p.22. VERSÃO NÃO REVISADA 289 – dizia respeito mais de perto aqueles efígies que poderíamos chamar de oficiais, nas quais as funções de celebração e/ou fixação da aparência do retratado se faziam sentir de maneira prioritária. Ao contrário disso, quando, a relação entre pintor e retratado era mais informal, havia uma maior liberdade e um maior campo para a exibição de efeitos pictóricos que não raramente se afastavam da estrita verossimilhança. Em alguns dos retratos que fez de sua muher Georgina, Lucílio de Albquerque deu plena vazão aos seus instintos de colorista: é o caso da sua célebre tela A la campagne, realizada ainda quando da estadia na Europa e exposta no Salon des Artistes Françaises de 1908. Nela, o modelado cede lugar à justaposição de um jogo de cores saturadas, materializado por meio de pinceladas independentes e altamente diferenciadas que, embora um pouco mais controladas, não deixam de se assemelhar aquelas que caracterizam as vistas que Lucílio pintava contemporaneamente, algumas das quais tivemos oportunidade de nos referir na parte 4.3. Analogamente, os retratos plein-air que a citada Georgina freqüentemente realizava, nos quais figuram raparigas anônimas mas ainda assim bastante individualizadas, especialmente em termos expressivos, alcançam resultados de um colorido ainda mais feérico [Figura 4.55a e 4.55b]. Na parte 2.2.1, havíamos feito observações a respeito de academias – outro “gênero”, se assim se pode qualificá-lo, no qual o Modo Realista era usual - que faziam uso de procedimentos formais mais “decorativos”, com a academia de Belmiro de Almeida da Figura 2.24. Algo de semelhante pode ser observado, por exemplo, em um quadro de Marques Júnior, de datação incerta, um de seus Auto retratos pertencentes à Pinacoteca de São Paulo [Figura 4.56]: nele, a predominância de tonalidades claras e bastante aproximadas, bem como recurso a uma fatura derivada do divisionismo traem uma clara filiação com o Modo Decorativo, que se afasta decididamente do estilo de outros de seus retratos que comentamos na parte 4.2.1. Um último exemplo, que ilustra da maneira ainda mais radical o afastamento com relação ao Modo Realista, pode ser encontrado no conhecido Mulher em círculos de Belmiro de Almeida [Figura 4.57]. Pintado em inícios dos anos 1920, essa obra do mestre da Dame a la rose parece ironizar os procedimentos das vanguardas modernas - Luciano Migliaccio, por exemplo, viu nela uma paródia dos procedimentos de pintores como Balla e Delaunay694. Sobre uma marcação linear estilizada, mas ainda assim verossímil, do rosto da mulher que ri, se encontra 694 MIGLIACCIO, Luciano. Op. cit., p.149. VERSÃO NÃO REVISADA 290 sobreposta uma grade abstrata autônoma de formas circulares que se interpenetram, definindo diversos planos que são, por sua vez, individualizados por variações cromáticas sutis. As duas “camadas” da imagem dialogam entre si, através da coincidência entre os círculos e os elementos anatômicos da cabeça em determinados pontos - cf. os olhos e o pescoço da mulher -, mas sobretudo, pela proximidade de seus valores, que remete a uma paleta mais freqüentemente encontrada no Modo Decorativo. 4.6. Modos na pintura da 1a República: um sistema A variedade da pintura fluminense da 1a república se conforma a um sistema: foi essa tese que procuramos demonstrar ao longo do presente capítulo. Embora esse sistema que propusemos não seja sempre respeitado ao pé da letra, ele parece, não obstante, abarcar uma parcela das mais significativas da produção pictórica do período. Cremos que ele deve ser entendido ainda como mantendo um permanente diálogo, como determinando e sendo ao mesmo tempo determinado por aquelas instâncias extra-estéticas de produção, vinculação e recepção dos discursos visuais que são as pinturas. Finalizado, gostaríamos de propor aqui um esquema desse diálogo. Para tanto, seria útil lembrar, ainda que rapidamente, do famoso esquema de Karl Bühler que enumera os elementos básicos constitutivos de todo ato de comunicação, que reproduzimos abaixo: Nesse esquema, o ato comunicativo é reduzido à sua forma essencial: um remetente, aquele que produz a mensagem, envia esta última a um destinatário (ou receptor); para que seja comunicativamente eficaz, a mensagem deve remeter a um referente, i. é, à realidade, entendida aqui no seu sentido mais amplo695. Ainda segundo Bühler - é aqui está o ponto que aqui mais nos interessa - uma 695 É bom frisar esse caráter sintético do esquema de Bühler, com a sua reduzida enumeração dos elementos que entram em jogo no ato comunicativo; teóricos posteriores, sem negar o valor de tal esquema, não deixaram de propor, todavia, vários “aprimoramentos”. O lingüístico russo Roman Jakobson, por exemplo, postulou a inclusão de dois outros elementos, o código, comum total ou parcialmente ao remetente e ao destinatário, e o contato, isto é, um canal que capacita a ambos entrar em comunicação; cf. JAKOBSON, Roman. “Lingüística e poética”. In Lingüistica e Comunicação. São Paulo: Editora Cultrix, 1969, pp.122sg. VERSÃO NÃO REVISADA 291 determinada mensagem poderia, a princípio, desempenhar diversos tipos de função, à medida que se “centra” sobre um ou outro dos fatores que atuam no ato comunicativo. Existiriam portanto quatro funções básicas, diretamente deduzíveis de seu esquema, e das quais três ele próprio já havia destacado, a saber: a) a função referencial (também chamada de denotativa ou cognitiva), que se manifesta quando determinada mensagem se encontra centrada sobre o referente e visa, sobretudo, informar sobre a realidade a qual ela remete. Um exemplo típico do predomínio da função referencial na linguagem poderia ser encontrado, por exemplo, nos textos descritivos de caráter científico; b) a função emotiva (ou expressiva), que ocorre quando a mensagem é centrada sobre o próprio remetente e que visaria, supostamente, a expressão da sua atitude subjetiva com relação aquilo a que se refere. Uma mensagem caracterizada pela função emotiva, como diz Jakobson, tenderia “a suscitar a impressão de uma certa emoção, verdadeira ou simulada”696; na linguagem, o estrato “puramente” emotivo seria representado pelas interjeições; c) a função conativa, que se manifesta quando a mensagem visa o destinatário, procurando convencê-lo ou persuadi-lo daquilo que se busca exprimir; as expressões gramaticais mais puras dessa função são encontradas no vocativo e no imperativo. Ao enumerarmos essas três funções, as únicas reconhecidas por Bühler, deixamos de considerar um dos fatores de seu esquema, a própria mensagem. Outros estudiosos se encarregaram de preencher tal lacuna, o que aqui nos diz respeito de perto, pois ela se relaciona estreitamente aos fenômenos artísticos. Para Jan Mukarovsky, por exemplo, é justamente quando a mensagem se centra na sua própria elaboração que temos aquilo que caracteriza as obras artísticas ou estéticas, em especial a poesia. O teórico checo chamou tal função lingüística, centrada na própria mensagem, de estética, que se caracterizaria pelo “pendor (Einstellung) para a mensagem como tal, o enfoque da mensagem por ela própria”697. Outros teóricos como Roman Jakobson retomariam e descreveriam com mais detalhes tal noção. Para Jakobson, a função estética - ou como ele a designa, poética -, “promove o caráter palpável do signo” e, assim fazendo, “aprofunda a 696 Idem, p.124. Idem, pp.127-128 697 VERSÃO NÃO REVISADA 292 dicotomia de signo e objetos”698. Isso significa que os elementos que constituem uma mensagem onde predomina a função estética não deveriam ser experimentados, como no caso das outras, como simples substitutos dos objetos evocados, nem como manifestação de pulsões subjetivas do seu realizador. Esses elementos deixam de ser então indícios “inertes” de uma realidade - exterior ou interior-, e passam a possuir o seu próprio peso e o seu próprio valor. A semelhança com a concepção estética modernista é aqui óbvia. Como resume Mukarovsky: A supremacia da função estética converte a coisa ou o acto em que se manifesta num signo autônomo e desprovido de ligação unívoca com a realidade a que alude e com o sujeito de que provém ou a que se dirige (autor e receptor da obra artística, respectivamente).699 O esquema de Buhler poderia ser então novamente proposto com o acréscimo das funções relativas a cada um dos quatro elementos básicos do ato comunicativo e assumiria, dessa maneira, a seguinte configuração: 700 Ao conceber seu esquema, Bühler partia das premissas da linguagem e tinha em mente um tipo específico de mensagem, a lingüística (falada ou escrita). Todavia, especialmente os pensadores ligados ao chamado estruturalismo, se valendo de um conceito mais elástico de mensagem - cf. a clássica definição de Abrahan Moles, segundo a qual “uma mensagem é um grupo finito e ordenado de elementos de percepção tirados de um ‘repertório’ e reunidos numa estrutura”701 -, postulou que tal esquema poderia ser estendido proveitosamente às outras manifestações comunicativas, inclusive às pinturas das quais tratamos no presente estudo. 698 Idem, p.128. MUKAROVSKY, Jan. Op. cit., p.224. 700 Jakobson incluiu cita ainda outras funções, em conformidade com a sua expansão do esquema de Bühler: além daquelas referentes ao código e ao canal, que ele designa, respectivamente, de função metalingüística e função fática, Jakobson descreve ainda, por exemplo, a função mágica ou encantatória, que consistiria, sobretudo, na “conversão de uma ‘terceira pessoa’ ausente ou inanimada em destinatário de uma mensagem conativa” (JAKOBSON, Roman. Op. cit., p.126). 701 MOLES, Abraham. Teoria da informação e da percepção estética. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1969, p.24. 699 VERSÃO NÃO REVISADA 293 Isso foi feito por, entre outros, a dupla de semiólogos franceses Bernard Cocula e Charles Peyroutet702, e, mais recentemente, por Martine Joly703. Aproximando as imagens das funções das linguagem, Cocula e Peyroutet podiam afirmar, por exemplo, que “a mensagem icônica de caráter científico é, muito normalmente, denotativa e monossêmica”704 e que um outro tipo de imagem onde predomina, grosso modo, a função referencial é a fotografia de imprensa. Já Joly postulava que a função emotiva predominava em toda uma vasta gama de obras de arte visuais, em particular naquelas ligadas às chamadas correntes expressionistas. Já a função conativa seria predominante na grande maioria das imagens publicitárias, que, geralmente acompanhadas de textos escritos, procuram convencer os eventuais consumidores a respeito da qualidade ou eficiência dos produtos que apresentam. É óbvio que nenhuma mensagem, seja lingüística, seja visual, monopoliza uma e apenas uma das funções acima listadas. Cada mensagem individual é, na verdade, um palimpsesto de funções que atuam simultaneamente; mesmo que uma delas seja dominante, determinando o caráter geral da mensagem, nem por isso fica eliminada a participação subordinada das outras. Pode-se fazer algumas generalizações, como as que citamos no parágrafo acima, e mesmo postular que cada arte - fotografia, pintura, publicidade, etc. - mantém afinidades com uma determinada função. Mas quanto nos detemos na análise de uma qualquer imagem específica, tais generalizações tendem a evidenciar seus limites. Martine Joly, por exemplo, lembra do exemplo conhecido das fotografias de imprensa: “supostamente deveriam ter uma função referencial, cognitiva, mas, na realidade, situam-se entre a função referencial e a função expressiva ou emotiva. Uma foto de reportagem testemunha bem uma certa realidade, mas também revela a personalidade, as escolhas a sensibilidade do fotógrafo que a assina”705. Postas essas ressalvas, poderíamos aproximar os três Modos que descrevemos da extensão das funções derivadas do esquema de Bühler às artes figurativas. Dessa maneira, O Modo Realista, muito obviamente, se encontraria mais relacionado à função referencial. Tanto o Modo d'Esquisse quanto o Modo Decorativo, por partilharem, de maneiras diferenciadas, uma ênfase análoga na materialidade intrínseca da pintura, se aproximariam da função estética. Porém, 702 COCULA, Bernard; PEYROUTET, Charles. Sématique de l’image: pour une approche méthodique des messages visuels. Paris: Delagrave, 1986, pp.21sg. 703 JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. São Paulo: Papirus, 1999, pp.55 sg. 704 “Le message iconique à caractere scientifique est, très normalement, dénotatif et monosémique” (COCULA, Bernard; PEYROUTET, Charles. Op. cit., p.40). 705 JOLY, Martine. Op. cit., p.58 VERSÃO NÃO REVISADA 294 enquanto o Modo d'Esquisse, por se encontrar também fundamentado na captação sensível e na reestruturação subjetiva da realidade por parte do artista, poderia ser aproximado igualmente da função emotiva, o Modo Decorativo, na sua freqüente tendência retórica a persuadir o espectador com relação a certos valores ideológicos, poderia, por sua vez, ser aproximado da função conativa. VERSÃO NÃO REVISADA 295 CONCLUSÃO VERSÃO NÃO REVISADA 296 Depois da exposição levada a cabo no capítulos anteriores, permita-nos aqui fazer alguma considerações sintéticas, à maneira de conclusão. A pintura fluminense oriunda da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) durante a 1a República teve suas origens em duas fontes principais: a primeira era a própria produção acadêmica local anterior, representada no legado deixado pela Academia Imperial de Belas Artes (AIBA); a segunda era a pintura européia contemporânea, lato sensu, com a qual os artistas brasileiros mantiveram um diálogo bastante dinâmico. Todavia, oriundas dessas duas fontes, a pintura da ENBA no primeiro período republicano adquiriu uma configuração própria, irredutível às suas matrizes. Além disso, nas quatro décadas que aqui delimitamos, essa produção não se manteve imutável. Uma de suas mais notórias características era justamente a sua variedade: estilos diversos conviviam em um mesmo recorte temporal, na obra de uma mesmo artista, por vezes em uma única e mesma pintura. Isso era verificável mesmo na prática do mais corriqueiro exercício escolar, a pintura de academias, nas quais era possível ao pintor aprendiz lançar mão de partidos estilísticos relativamente variados. Se a pedagogia da ENBA, quando comparada com a de sua antecessora, a AIBA, revela as suas continuidades, como não poderia deixar de ser, ela assumiu, não obstante, caracteres muito particulares. As referências relativas à tradição artística se ampliaram grandemente, vindo a abarcar efetivamente certos ramos da arte européia antes menos celebradas - pintura veneziana, espanhola, holandesa -, e, principalmente, as novas correntes figurativas surgidas nos mais diferentes países europeus com os quais os pensionistas da ENBA entraram em contato especialmente a França, a Itália, e, durante os anos 1890, também a Alemanha. Os pintores brasileiros absorveram então procedimentos oriundos dos mais diversos “movimentos” - impressionismo, divisionismo, simbolismo, tendências decorativas, Novecento italiano - e “escolas” – Munique, Nancy, Toulouse, entre outras -, resignficando esses procedimentos, ao fundirem com eles as sólidas referências que traziam da sua formação anterior na própria ENBA. Tal abertura era, em última análise, o resultado do incentivo de um gosto eclético e de uma significativa liberalização, promovidos dentro da própria instituição acadêmica fluminense e manifestado oficialmente no caráter menos rígido do controle institucional sobre os pensionistas em gozo do Prêmio de Viagem ao Exterior. O equilíbrio entre esse primeiro parâmetro “externo” da prática da pintura, a tradição, e um segundo, a natureza, também viria a se alterar na ENBA da 1a VERSÃO NÃO REVISADA 297 República, com uma tendência ao relativo predomínio do segundo com relação ao primeiro. Se não constituía propriamente uma novidade no contexto da doutrina acadêmica, essa mudança de ênfase assumiu, no caso fluminense, contornos bem marcados com demonstra, por exemplo, a virtual supressão das antigas cópias de gravura nas aulas de desenho, o questionamento do valor do estudo segundo as moldagens do “antigo”, e, sobretudo, com a oficialização, dentro da própria instituição, de práticas como a pintura de paisagem feita diretamente ao ar livre. Apesar de ser mais evidente nas obras desse último gênero, uma afirmação da autonomia da pintura, no sentido postulado por artistas e teóricos modernistas, pode ser observada em vários outros aspectos da produção dos artistas oriundos da ENBA na 1a República, inclusive nas academias. As causas dessa tendência parecem estar, em grande medida, ligadas à intensa relação que estes mesmos artistas estabeleceram com as artes aplicadas, bem como à valorização das qualidades intrínsecas dos materiais artísticos implicada na prática dessas últimas, decorrente dos intensos debates sobre a relação arte/indústria desenvolvidos desde meados do século XIX. Essa relação com as artes aplicadas se iniciava por vezes antes mesmo do ingresso dos pintores na ENBA - muitos dos alunos da instituição freqüentaram estabelecimentos técnico-artísticos, como o Liceu de Artes e Ofícios ou a Casa da Moeda – e permanecia ao longo de suas carreiras, como comprova a atuação destacada dos mais diversos artistas em ramos como a ilustração gráfica, a caricatura, a cerâmica, o projeto para vitrais e mosaicos e, principalmente, a pintura com destinações decorativas. O amplo ecletismo praticado pelos pintores oriundos da ENBA tinha o seu sistema: a diversidade de estilos nele verificável respondia diretamente à diversidade dos temas e/ou funções de suas pinturas. Essa característica decorria de um traço de longa duração dentro do contexto da doutrina acadêmica, traço esse que foi outrora explicitado por alguns artistas e téoricos da arte, dos quais cumpre destacar o pintor francês Nicolas Poussin, que designava pelo termo Modo, inspirado na teoria da música antiga, as variantes estilísticas das pinturas derivadas de diferentes solicitações externas. Na pintura da 1a República é possível detectar alguns Modos, que, em função de uma genealogia apenas em parte reconstituível, foram estabelecidos por convenção, e desempenhavam, à época, um papel análogo ao recurso, feito no historicismo tipológico arquitetônico, a estilos do passado ou de regiões remotas. Os Modos eram amplamente utilizados por diversos pintores e por isso, por vezes, é possível percebermos surpreendentes convergências estilísticas entre obras de VERSÃO NÃO REVISADA 298 artistas díspares: submetidos a restrições temáticas ou funcionais análogas, estes invariavelmente adaptavam seus estilos particulares a um determinado Modo. Conseqüentemente, determinado gênero ou função era mais estreitamente associado a um determinado Modo. No presente trabalho destacamos três deles: aquele que designamos de Modo Realista, associado às academias e mais significativamente aos retratos, com a sua busca da verossimilhança, sua ênfase no jogo de valores (claro-escuro) e sua fatura mais neutra; o Modo d'Esquisse, mais associado às paisagens, com sua exacerbação da fatura e seu emprego de uma gama cromática mais luminosa e saturada; e o Modo Decorativo, associado às pinturas ornamentais, com sua estilização simplificadora das formas e sua redução dos contrastes de valor e cor, que visavam promover a integração harmoniosa da pintura no contexto arquitetônico envolvente. Outrossim, no período aqui tratado, haviam gêneros os quais não se enquadravam em um único Modo e foram realizados numerosos quadros que representavam exceções a divisão genérica acima indicada, sem que isso representasse, no nosso entender, uma negação da relativa validade do sistema que procuramos descrever. É necessário lembrar, nesse sentido, que, subjacente ao discurso visual que é um quadro, se encontravam as suas instâncias de produção, vinculação e recepção, cuja equilíbrio complexo e mutável permitia que caracteres formais convencionalmente relacionados a um determinado gênero fossem com, freqüencia, transplantados para outros. Quando, no início dos anos 1930, um grupo de artistas composto por alguns ex-alunos da ENBA, como Quirino Campofiorito e Manoel Santiago, entre outros, criaram o Núcleo Bernardelli - nome dado justamente em homenagem àquele que fora um dos pioneiros reformadores do ensino da pintura da Escola, na aurora da República - um ciclo parecia se fechar. A partir de então e malgrado as suas continuidades, a pintura fluminense incorporaria uma retórica e procedimentos eminentemente modernista. Ela apontaria então novas sínteses formais que se materializaram, por exemplo, nas obras dos citados Campofiorito e Santiago, ou, ainda em maior medida, na de Candido Portinari - herdeiro típico, ainda que a contra-gosto, da pedagogia da ENBA. Porém, essas novas sínteses, que necessitam ser ainda melhor estudadas, só puderam se concretizar devido a eminente riqueza da pintura da 1a República fluminense que, em sua diversidade, lhes abrira um caminho que seria marcado pela liberdade de expressão artística. VERSÃO NÃO REVISADA 299 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS VERSÃO NÃO REVISADA 300 LIVROS ACQUARONE, Francisco; VIEIRA, Adão de Queiróz. Primores da Pintura no Brasil, Rio de Janeiro, 1941. ALBUQUERQUE, Georgina de. Auto-Biografia. Documento datilografado pela artista, 18 de janeiro de 1958 (Pasta A 42/15, Biblioteca do Museu Nacional de Belas Artes/RJ). ALBUQUERQUE, Georgina de. Lucilio de Albuquerque e a fase impressionista de sua pintura. 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Texto disponível no site: http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/txtartistas_mj.htm PARKHURST, Daniel B. The Painter in Oil. Boston, 1898. Disponível no site: http://www.artrenewal.org/articles/2002/Parkhurst/parkhurst1.asp POUSSIN, Nicolas. Lettres et propos sur l’art. Paris: Hermann, 1964 (textos reunidos e apresentados por Anthony Blunt). VINCI, Leonardo da. Tratado de la pintura. Madrid, 1976. TESES E DISSERTAÇOES BIELINSKY, Alba C. Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro – dos pressupostos aos reflexos de sua criação – de 1856 a 1900. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais EBA/UFRJ, 2003 (Dissertação de Mestrado). CAVALCANTI, Ana M. T. Les Artistes Brasiliens et “Les Prix de Voyage en Europe” a la Fin du XIXe Siécle: Vision d’Ensemble et Etude Approfondie sur le Peintre Eliseu D’Angelo Visconti (1866-1944). Université de Paris I - Pantheon-Sorbonne, 1999 (Tese de Doutorado). COLI, Jorge. 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SEGUNDA CADEIRA DE PINTURA Professor Período Observações Henrique Bernardelli 1890-1906 Foi nomeado por Decreto de 30 de dezembro de 1890, tomando posse em 25 de maio de 1891; licenciado nos períodos de 1893-1894 e 1899-1901; foi reconduzido em 1906, mas não aceitou o cargo; permaneceu regendo a cadeira até 14 de maio de 1907. Modesto Brocos y Gomes 1893-1894 Assumiu na licença de Henrique Bernadelli, entre 3 de agosto de 1893 e 23 de agosto de 1894. João Zeferino da Costa 1899-1901 Assumiu na licença de Henrique Bernadelli, entre 2 de junho de 1899 e 3 de maio de 1901. João Baptista da Costa 1907-1908 Regeu interinamente a Segunda cadeira de pintura, concomitantemente à Primeira, no hiato entre a saída de Henrique Bernardelli e a posse de Elysêo Visconti. Elysêo d’Angelo Visconti 1906-1914 Foi nomeado a 4 de junho de 1906, mas só veio a assumir a cátedra em 16 de março de 1908; pediu exoneração em 1914. José Fiúza Guimarães 1916-1918 Nomeado professor interino por Portaria de 4 de abril de 1916; serviu até 9 de abril de 1918. Rodolpho Amoêdo 1918-1934 Contratado em 1918; exerceu o cargo até 3 de maio de 1934, quando aposentou-se. VERSÃO NÃO REVISADA 315 ANEXO I.2 : Desenho Figurado / Desenho figurado e principios de modelo vivo Professor Período Observações José Maria de Medeiros 1879-1891 Admitido em concurso em 8 de abril de 1878, foi jubilado com a Reforma de 1890; oficialmente foi o primeiro professor da disciplina da ENBA, mantendo-se na cátedra até 16 de maio de 1891. Pedro Weingärtner 1891-1895 Nomeado por Decreto de 16 de maio de 1891; licenciou-se entre março de 1893 e setembro de 1894; exonerou-se por Decreto de 9 de maio de 1895. Belmiro de Almeida 1893-1896 Substitui Weingärtner em licença; sofreu um impedimento em 1894; pediu demissão em 1o de maio de 1896. Rodolpho Amoêdo 1894,1898. E, 1894, serviu durante o impedimento de Belmiro de Almeida; em 1898, dirigiu o curso freqüentado por alunas-livres. François Marie Daniel Bérard 1896-1910 Regeu interinamente a cadeira, após a exoneração de Belmiro de Almeida; foi nomeado efetivo após concurso por Decreto de 28 de dezembro de 1896 e regeu a cadeira até o seu falecimento, em 1910 Rodolpho Bernardelli 1910. Modesto Brocos y Gomes 1893; Assumiu a cátedra, por curto tempo, em 1893, antes de 1911-1934 Belmiro de Almeida tomar posse; em 1911, foi nomeado, para assumir a Primeira Cadeira de Desenho como professor extraordinário; por Decreto de 12 de outubro de 1915, foi reconduzido como professor catedrático, exercendo o cargo até a sua aposentadoria, em 2 de agosto de 1934. Lucilio de Albuquerque 1911-1939 Foi nomeado em 11 de outubro de 1911 professor extraordinário da Segunda Cadeira de Desenho; reconduzido como catedrático em 1916, manteve-se no cargo até seu falecimento, em 1939. Assumiu provisoriamente a cadeira, após a morte de Daniel Bérard. VERSÃO NÃO REVISADA 316 ANEXO I.3 : Desenho de modelo vivo Professor Período Observações João Zeferino da Costa 1890-1893; Foi nomeado por decreto de 30 de dezembro de 1890, 1897-1915 porém, só assumiu em 1893 e, nesse mesmo ano, pediu exoneração; em 1897, como professor interino, voltou a assumir a catédra, na qual se manteve, renomeado como professor extraordinário em 1911, até a sua morte em 1915. Modesto Brocos y Gomes 1893-1897 Substituiu Zeferino da Costa. Belmiro de Almeida 1916. Rodolpho Chambelland 1916-1946 Foi nomeado por concurso em 7 de junho de 1916 e exerceu o cargo até a sua aposentadoria, por Decreto de 16 de outubro de 1946. Nomeado professor interino em 1 de abril de 1916 e dispensado em 12 de maio do mesmo ano. VERSÃO NÃO REVISADA 317 ANEXO I.4 : Anatomia e Physiologia Artísticas Professor Período Observações J. Álvares de Azevedo Macedo 1890-1896 Foi nomeado por Decreto de 30 de dezembro de 1890; ocupou o cargo até o seu falecimento. Francisco Fajardo 1893-1895 Foi nomeado interinamente a 2 de agosto de 1893; exonerou-se em 1895. Sebastião Mascarenhas Barros 1894-1897 Foi nomeado interinamente em 1894; exonerou-se em 1897. Márcio Filafiano Neri 1897-1904 Veio transferido, por pedido, da cadeira de Historia natural, physica e chimica; em 1904 foi colocado à disposição do governo do Amazonas. Cincinato Americo Lopes 1904-? Augusto Brant Pais Lemes 1912-1916 Serviu até o seu jubilamento. Alfredo de Morais Coutinho Filho 1916-1917 Foi nomeado interinamente em 1916. Raul Paranhos Pederneiras 1918-1938 Assumiu a cátedra por concurso, em 1918; era também catedrático da Faculdade de Direito e, em 1938, sendo obrigado por lei a “desacumular”, abandonou o cargo na ENBA. VERSÃO NÃO REVISADA 318 ANEXO I.5 : Historia Natural, Physica e Chimica (applicadas às Artes) Professor Período Observações Cincinato Américo Lopes 1891-1894; Foi nomeado por Decreto de 22 de abril de 1891; 1911-1931 licenciou-se em 1894, sendo exonerado, por abandono de emprego, em 25 de maio desse mesmo ano; depois de sua reintegração, em 1897, voltou a exercer a cadeira em 1911, que ocupou até o seu falecimento. Márcio Filafiano Neri 1894-1897 Foi nomeado por Decreto de 7 de novembro de 1894; em 1897, pediu transferência para a cadeira de Anatomia e Physiologia Artisticas . João de Souza Gomes 1897. Serviu interinamente. VERSÃO NÃO REVISADA 319 ANEXO I.6 : Desenho Geométrico Professor Período Observações Henrique Baiana 1890-1893 exonerou-se em 1893. Carlo Cianconi 1895-; Foi nomeado interinamente a 2 de agosto de 1893; 1901-1906 José Pereira da Graça Couto 1898-1901 Transferido em 1901. Manuel Henrique Lima 1920-1932 Regeu uma turma em 1929 e, nesse mesmo ano, foi nomeado interinamente a 30 de julho. João Ludovico Berna ?-? VERSÃO NÃO REVISADA 320 ANEXO I.7 : Geometria Descriptiva / Perspectiva e Sombras / Geometria descriptiva e primeiras applicações ás sombras e á perspectiva / Geometria descriptiva applicada (perspectiva) Professor Período Observações Sante Bucciarelli 1892-1894 Veio transferido da cadeira de Esterotomia, pelo Aviso de 26 de maio de 1892; ocupou a cátedra até o seu falecimento. Carlos Cianconi 1894-1901 Foi contratado a 31 de março de 1894; nomeado interinamente a 30 de março de 1896, tomou posse em 8 de maio do mesmo ano. Adolfo Morales de los Rios 1901-1905 Veio transferido da cadeira de Esterotomia a 20 de abril de 1901; foi em 1905 transferido para a cadeira de Elementos de archiectetura decorativa e desenho elementar de ornatos. Gastão Baiana 1905-1911 Foi nomeado a 3 de julho de 1905; em 1911, foi transferido para a cadeira de Geometria Descriptiva e sua applicações. Álvaro José Rodrigues 1911-1946 Foi nomeado a 11 de outubro de 1911; tornou-se catedrático por Decreto de 30 de novembro de 1915; aposentou-se em 1946. Manuel Henrique Lima 1916. Serviu interinamente. Raimundo de Berredo 1917. Serviu interinamente. VERSÃO NÃO REVISADA 321 ANEXO I.8 : Elementos de archiectetura decorativa e desenho elementar de ornatos / Desenho de ornatos e elementos de archiectetura / Desenho de composições elementares de architectura Professor Período Observações Heitor Branco de Cordoville 1890-1904 Foi nomeado por Decreto de 30 de dezembro de 1890, e ocupou o cargo até o seu falecimento. Adolfo Morales de los Rios 1905-1920 Veio transferido da cadeira de Geometria Descriptiva por Decreto de 3 de julho de 1905; foi depois novamente transferido para a cadeira de Historia e teoria da architectura. Arquimedes Memoria 1920. Raul Lessa Saldanha da Gama 1921-1945 Foi nomeado após concurso, a 28 de dezembro de 1921; ocupou o cargo até o seu falecimento. Fernando Nereu Sampaio 1924; Serviu interinamente em 1924 e, depois, entre 26 de 1929-1930 abril de1292 e 5 de novembro de 1930. Foi nomeado interinamente em 28 de abril 1920. VERSÃO NÃO REVISADA 322 ANEXO I.9 : Esculptura de ornatos Professor Período Observações Petrus Verdié 1911-1940 Em 1920, prestou concurso para a cadeira que já ocupava desde a reforma de 1911; aposentou-se a 4 de julho de 1940. Jose Octavio Correia Lima 1915. Honório da Cunha e Melo 1916; Serviu interinamente. 1922; 1924 Armando Magalhães Corrêa 1928. Serviu interinamente. Serviu interinamente. VERSÃO NÃO REVISADA 323 ANEXO I.10 : Historia das Artes / História das Bellas Artes Professor Período Observações José Joaquim de Campo da Costa de Medeiros e Albuquerque 1890-1897 Foi nomeado por Decreto de 30 de dezembro de 1890; licenciou-se em 1891 e, com assento na Camara Federal, 1894; em 1897 foi transferido para a cadeira de Mithologia. L. G. Duque Estrada 1891. Serviu interinamente em 1891; foi exonerado em 26 de maio desse mesmo ano. Urbano Duarte de Oliveira 1894. Serviu interinamente de 23 de maio de 1894 a 15 de junho desse mesmo ano. Henrique Coelho Neto 1894. Serviu interinamente; foi dispensado 21 de dezembro de 1894. Fausto de Aguiar Cardoso 1895-1896 Regeu a cadeira de 15 de maio de 1895 a 9 de junho de 1896. Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo 1897-1916 Foi nomeado a 20 de março de 1897; foi posto em disponibilidade em 1917. Ernesto da Cunha Araújo Viana ?-? Basílio de magalhães 1917-1918 Foi professor interino de 16 de abril de 1917 a 13 de junho de 1918. José Flexa Ribeiro 1918-? Serviu em ausências de F. Homem de Melo. Nomeado, após concurso, a 12 de junho de 1918, tomando posse a 14 do mesmo mês. VERSÃO NÃO REVISADA 324 ANEXO I.11 : Arqueologia e Etnographia Professor Charles Gustave Paille Período Observações 1892-1893 Contratado a 8 de março de 1892, teve o contrato renovado em 1893; foi dispensado por Aviso de 24 de novembro de 1893. VERSÃO NÃO REVISADA 325 ANEXO I.12 : Mithologia Professor Período Observações Raul d’Avila Pompéia 1890-1895 Foi nomeado por Decreto de 30 de dezembro de 1890, ocupou o cargo até o seu falecimento. Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo 1896-1897 Foi nomeado a 15 de abril de 1896 e dispensado por decreto de 11 de janeiro de 1897. José Joaquim de Campo da Costa de Medeiros e Albuquerque 1897-1911 Veio transferido da cadeira de Historia das artes em 11 de janeiro de 1897; com assento na Camara Federal, licenciou-se em 1904; em 1911, com a extinção da cadeira, ficou em disponibilidade. Ernesto da Cunha Araújo Viana 1904-. Substituiu Medeiros e Albuquerque. VERSÃO NÃO REVISADA 326 ANEXO II : PROGAMAS DAS DISCIPLINAS PRÁTICAS DO CURSO DE PINTURA DA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES DURANTE A 1a REPÚBLICA VERSÃO NÃO REVISADA 327 ANEXO II.1 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 179. Programa para a aula de Dezenho Figurado da Escola Nacional de Bellas Artes Todo discípulo que entrar para a aula de dezenho é obrigado á fazer um trabalho de prova, e conforme o trabalho que apresentar, entrará nas seguintes classes: 1º anno 1. desenho linear e figuras geometricas 2. desenho de folhas e ornamentos, copias de phototypias 3. as mesmas folhas e ornamentos formadas do natural e reproduzidas em gesso 4. modellos em gesso apresentando bocca, nariz, olhos, orelhas, etc. 2º anno 5. partes de extremidades mãos, pés, etc., formados em gesso do natural 6. mascaras troncos, braços, pernas, formados do natural 7. bustos, cabeças, troncos de originaes antigos 3 anno 8. figuras antigas em tamanho natural (conforme o espaço que houver na sala de dezenho) 9. retratos em tamanho natural, modello vivo Para estes estudos é absolutamente necessário que as salas sejão illuminadas com uma luz de 45 gráus Capital federal, 8 de junho de 1891 Pedro Weingärtner VERSÃO NÃO REVISADA 328 ANEXO II.2 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4076. Programma da aula de Desenho Figurado Primeira serie. Copia do antigo (gesso), folhas, bustos, ornatos, troncos, estatuas. Noções de proporção da figura humana, cabeças, mãos, pés, copiados do modelo-vivo. Segunda serie. Noções de proporções da figura humana. Copia do modelo-vivo; troncos, fragmentos de figura. Terceira serie. Construcção da figura humana (academia). Os alumnos serão obrigados a apresentar no primeiro anno um mínimo de 3 trabalhos, e no 2º e 3º, 2 por mez. Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1920. (a) Lucilio de Albuquerque. VERSÃO NÃO REVISADA 329 ANEXO II.3 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4859. Programma para a cadeira de desenho figurado a cargo do prof. M. Brocos 1º anno Enquanto os alumnos entratem sem nenhuma noção de desenho serão dados nos quatro primeiros mezes: o caixão, solidos geometricos, e objectos usuaes; para os quatro mezes restantes, baixos relevos, mascaras e bustos, segundo o progresso de cada alumno. 2º anno Para os quatro primeiros mezes: pernas, braços, troncos e modelos de ornatos; e para os quatro restantes, estátuas. 3º anno Para os quatro primeiros mezes estatuas; para os mezes restantes estátuas, e agrupamentos de gessos. Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1921 Modesto Brocos Approvado na sessão da Congregação de 1 de março de 1921 VERSÃO NÃO REVISADA 330 ANEXO II.4 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4859. Exmo. Sr. Director da Escola N. de Bellas Artes Em obediencia ás disposições regulamentares, venho apresentar o programma da aula de desenho figurado a meu cargo. Esta aula base do estudos que se fazem na Escola, deveria ser feita tendo-se submetido os alumnos a uma prova de desenho no exame vestibular para conhecer de antemão si reunem realmente disposições para emprehender as diversas disciplinas que aqui se ensinam. O programma para essa cadeira será dividido em quatro partes do seguinte modo: Primeira parte: Esta primeira parte occupar-se-á com os alumnos da primeira serie que, enquanto ingressarem sem ter noção alguma de desenho, nos trez primeiros mezes de aula começarão por desenhar solidos geometricos, objectos usuaes, folhas de gesso e ornatos simples, afim de verificar as disposições de cada alumno. Para os quatro mezes restantes, serão dados bustos ate troncos de figuras segundo o progresso de cada alumno. Segunda parte: Occupar-se-á com os alumnos da segunda serie, estes durante os trez primeiros mezes desenharão bustos, troncos e ornatos e nos quatro seguintes, troncos e estatuas. Terceira parte: Occupar-se-á com os alumnos da terceira [verso] serie que, durante os trez primeiros mezes desenharão estatuas, e os quatro restantes estatuas, grupos de gessos e perspectiva practica. Quarta parte: Para avaliar dos progressos dos alumnos e dar as notas mensaes com um justo critério, as trez series desenharão no ultimo dia de cada mez, na quarta parte da folha Ingres, um croquis em trez horas, de um dos modelos executados durante o mesmo mez. Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 1929 Prof. Modesto Brocos VERSÃO NÃO REVISADA 331 ANEXO II.5 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 180. Programma da aula de Modelo-vivo para 1891 Sr. Director Pouco tenho que expor a vossa consideração quanto ao programma da cadeira de Modelo-Vivo de que me acho interinamente encarregado. Esta aula que deve ser feita de noite e destinada aos alumnos já approvados em desenho figurado, e aos que frequentam as de pintura e esculptura, concretizando-se especialmente ao estudio do nu, não comporta programma propriamente dito; apezar disso, pode-se lhe dar maior desenvolvimento addicionando ao processo de desenho á fusain e lapiz usados até aqui os de desenho á penna, pastel, guache, aquarella, bem como os de pintura a oleo e modelagem. Julgo também imprescindível que, cumulativamente ao estudo de nú, deverse-ha fazer o de roupagens, e para isso opino pelos estudo dessa materia durante uma semanna por mez, e peço-vos de fazer acquisição de trages que sirvam á este fim. Relativamnte ao methodo de ensino penso ser do dever do professor guiar o alumno segundo seu temperamento, não limitando-se á dirigir-lhe a mão com se tem feito até agora, mas sim a inteligencia Modesto Brocos y Gomes 3Ver também: Acta da secção do Conselho Escolar em 4 de junho de 1891. Presidência do Sr. Rodolpho Bernardelli VERSÃO NÃO REVISADA 332 ANEXO II.6 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 5341. [Folha 1 recto] Ilmo. Sr. Director Interino da Escola Nacional de Bellas Artes Proposta de Programma para a aula de Modelo-vivo da mesma Escola apresentada pelo professo interino da referida aula - João Zeferino da Costa O estudo do desenho de - modelo-vivo - tendo por fim principal o aperfeiçoamento das proporções das partes e do conconjuncto, do movimento, do caracter da linha e da justa divisão e distribuição do claro-escuro com todos seus accidentes de uma figura núa – conseguintemente - só o desenho -, entende que esse desenvolvimento de que trata o programma já feito para essa aula e impresso no - regulamento especial para os cursos technicos e concursos escolares - da mesma escola, addicionando ao processo commum de desenhar á carvão e á lápis, aquelles outros coloridos á pastel, guache, acquarella e óleo, longe de sêr proveitoso á aprendizagem do alumno, é, pelo contrario, mais uma preocupação que prejudica o fim principal de que venho de expor - só o desenho Esses processos coloridos são mais próprios para um Curso especial de Costumes Quanto ao estudo de roupagem, cumulativamente ao nú, durante uma semana por mez, estou de accôrdo, mudando-se porem o termo - roupagem - para pannejamento Para o Concurso, entendo que 15 – sessões, [Folha 1 verso] ainda com prazo prorogavel de mais 3 sessões é muito. Assim, proponho o seguinte - Programma: 1º Os alumnos serão divididos em duas turmas. 2º Os alumnos da 2ª turma que são os principiantes, mas que já tenham cursado a aula de - desenho figurado -, a de perspectiva e algumas noções de - anatomia com aproveitamento bastante, ou que por uma prova prévia se mostrem habilitados para passarem ao estudo de modelo-vivo, serão obrigados a desenhar o modelo só por meio de linhas, isto é: - marcação do movimento com as devidas proporções das partes e conjuncto, ate conseguir marcar também a divisão do claro-escuro e habilitarem-se a passar para a - 1ª turma 3º - Os alumnos da 1ª turma continuarão seus estudos aperfeiçoando-se em tudo quanto aprenderam na 2ª e entrarão no estudo de modelagem do - Claro-escuro com todos seus accidentes, podendo então cada um, e só depois de ter bastante pratica da technica do desenho, adoptar o processo e maneira de desenhar que entender mais próprios ao seu Caracter individual. 4º - Ambas as turmas estudarão tambem cumulativamente ao nú, uma vez cada mez, uma figura com partido de pannejamento que não domine a importancia do nú. 5º - Os concursos durante o anno escolar serão em numero de quatro: sendo os três primeiros de emulação e o 4º o intitulado - Ultima prova do anno; distribuidos da seguinte forma: 1º De emulação, no acto de abertura da Aula, isto é em principio de abril. 2º De emulação, no fim de junho. VERSÃO NÃO REVISADA 333 3º De emulação, no fim de setembro. [Folha 2 recto] 4º Ultima prova do anno, que terminará á 14 de novembro. 6º Para cada estudo durante o curso do anno, terão os alumnos de 6 á 10 sessões de modelo, conforme a posição do modelo e á juizo do Professor; Para cada um dos 3 concursos de emulação terão 10 sessões; Para o 4º concurso - Ultima proa do anno, terão 12 sessões e o trabalho será executado no mesmo formato de papel em que se trabalha durante o anno. Rio de Janeiro, 14 de março de 1900 O prof. int. Jº Zeferino da Costa VERSÃO NÃO REVISADA 334 ANEXO II.7 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4971. Programma da aula de modelo-vivo 1ª 2ª 3ª Constará este curso de 3 provas estudadas alternadamente, a saber: Exercícios expontaneos de modelo vivo em attitude de movimento, desenhados em ¼ de papel “Ingres” Marcação de modelo-vivo executado em uma só sessão, em uma folha de papel “Ingres”. Estudo mais detalhado de modelo, executado com o claro escuro e respectivos valores, numa folha de papel “Ingres” em 6 sessões. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1932 Rodolpho Chambelland VERSÃO NÃO REVISADA 335 ANEXO II.8 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6154. Actas das sessões do Conselho Escolar [2 verso] Acta da secção do Conselho Escolar em 8 de junho de 1891 (em continuação) Presidencia do Sr. Rodolpho Bernardelli Anatomia e physiologia das paixões Anatomia descriptiva – Anthropologia Comprehende o estudo dos ossos (osteologia), dos ligamentos (...logia), dos músculos (myologia), da pelle, tecido sub-cutaneo e vasos superficiaes. Morphologia ... estudo das formas, ou estudos dos movimentos e da forma. Em ultimo lugar a physiologia da expressão ou das paixões e desenho anatomico. O meo curso terá lugar duas vezes por semana, nas 2as e ... do meio dia a 1 hora. Rio - 11 de junho de 1891 (assignado) Dr. Azevedo Macedo VERSÃO NÃO REVISADA 336 ANEXO II.9 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 2024. [Folha 1 recto] Escola Nacional de Bellas Artes Programma da Cadeira de Anatomia e Physiologia Artísticas 1. Conceito de anatomia-physiologia artística. Methodos adoptados para o estudo da matéria. Doutrina dos autores destacadamente Mathias Duval, Paul Richer, Lutz, Dunlop e Zeferino da Costa. 2. Aspecto e fórma da figura humana. Nomenclatura das regiões. Elementos constitutivos. Attitude normal e attitude convencional. 3. Eixos do corpo humano. Condições de equilibrio. Regras schematicas. 4. Esqueleto humano. Sua importância mecânica e morphologica. Pontos de referencia, ósseos, subcutâneos. 6. Articulações em geral. Sua influencia na morphologia humana. 7. Systema muscular voluntário. Morphologia das peças musculares e sua importancia em arte. 8. Membros thoracicos. Omoplata. Clavicula. Articulações. Effeitos na morphologia externa. 9. Membros thoracicos. Humero. Radio. Cúbito. Articulações. Effeitos na morphologia externa. 10. Membros thoracicos. Ossos do punho e da mão. Articulações. Effeitos na morphologia externa. 11. Membros thoracicos. Musculos anteriores do braço. Physiologia. Morphologia. 12. Membros thoracicos. Musculos posteriores do braço. Physiologia. Morphologia. 13. Membros thoracicos. Musculos antero-laterais do antebraço. Physiologia. Morphologia. [Folha 1 verso] 14. Musculos posteriores do antebraço. Physiologia. Morphologia. 15. Musculos da mão. Physiologia. Morphologia. 16. Membros thoracicos. Fórma exterior. Eixos. Proporções. Physiologia geral. 17. Membros abdominais. Osso iliaco. Articulações. 18. Membros abdominais. Femur. Rotula. Articulações. Morphologia. 19. Membros abdominais. Tibia. Peroneo. Articulações. Morphologia. 20. Membros abdominais. Torso. Articulações. Effeitos morphologicos. 21. Membros abdominais. Metatarso. Phalanges. Articulações. Effeitos morphologicos. 22. Membros abdominais. Musculos anteriores da côxa. Physiologia. Morphologia. 23. Membros abdominais. Musculos posteriores da côxa. Physiologia. Morphologia. 24. Membros abdominais. Musculos lateraes internos da côxa. Physiologia. Morphologia. 25. Membros abdominais. Musculos antero-lateraes da perna. Physiologia. Morphologia. 26. Membros abdominais. Musculos posteriores da perna. Physiologia. Morphologia. 27. Membros abdominais. Musculos do pé. Physiologia. Morphologia. 28. Membros abdominais. Fórma exterior. Eixos. Proporções. Physiologia geral. 29. Torso. Coluna vertebral em detalhe. Eixos. Articulações. 30. Torso. Coluna vertebral em conjuncto. Eixos. Articulações. 31. Torso. Esterno. Costelas. Articulações. [Folha 2 recto] 32. Torso. Thorax em conjuncto. Morphologia. 33. Torso. Sacro. Cocyx. Pelvis. Articulações. 34. Torso. Bacia em conjuncto. Articulações. [...] ias morphologicas. Differenciações. VERSÃO NÃO REVISADA 337 35. Torso. Musculos antero superiores. Physiologia. Morphologia. 36. Torso. Musculos antero inferiores. Physiologia. Morphologia. 37. Torso. Musculos postero superiores. Physiologia. Morphologia. 38. Torso. Musculos postero inferiores. Physiologia. Morphologia. 39. Torso. Musculos do pescoço. Osso [...]. Laringe. Morphologia.. 40. Torso. Formas antero externa e lateraes. Eixos. Proporções. 41. Torso. Formas postero-externa. Eixos. Proporções. 42. Cabeça. Craneo. Osteologia. Suturas. Fórmas. 43. Cabeça. Face. Osteologia. Articulações. 44. Cabeça. Musculos do movimento. Physiologia. 45. Cabeça. Musculos da expressão. Effeitos exteriores. 46. Cabeça. Fórma exterior. Variações. Angulo facial. Proporções. 47. Cabeça. Physiologia geral. 48. Cabeça. Expressão da emoções. Schema de Superville. Physionomia. Phisiognomomia. 49. Analise das expressões e sua significação em arte. Duchene de Boulogne, Darwin, de Rochas, Silva Araújo. A mímica. 50. Interpretações artísticas das expressões. Anomalias. Expressões concentricas e excentricas. 51. Caracteres differenciaes dos tipos pelo sexo. 52. Caracteres differenciaes dos tipos pela edade. 53. Caracteres differenciaes dos tipos pelas raças. As tentativas de classificação. 54. Proporçoes do corpo humano. Canones classicos. [folha 2 verso] 55. Proporçoes do tipo humano. Tipo normal. Tipo ideal ou heroico. Canones de Fitsch, Paul Richer, Lutz, Dunlop e Zeferino da Costa. 56. Attitudes do corpo humano. Estação de pé. Apoio perfeito. Apoio unilateral. 57. Attitudes do corpo humano. Estação deitada, sentada, acocorada, genuflexa. 58. Attitudes do corpo humano. Locomoção. Passo. Jogo do membros thoracicos abdominaes na marcha em plano horizontal. 59. Attitudes do corpo humano. Locomoção. Ascenção. Descida. Corrida. Salto. Phases caracteristicas. 60. Anatomia comparada. Dados Geraes. 61. O cavallo. Aspecto. Fórma. Nomenclatura das regiões. Osteologia e sua influencia morphologica. 62. Cabeça do cavallo. Osteologia. Morphologia. Systema muscular. 63. Cabeça do cavallo. Ossos e musculos. Morphologia. 64. Torso do cavallo. Ossos e musculos. Morphologia. 65. Membros anteriores do cavallo. 66. Membros posteriores do cavallo. 67. Exterior do cavallo. Eixos. Equilíbrio. Proporções. Canones de Burgelat, Du[...] sset e [...]stead. 68. Attitudes do cavallo. Estação. Locomoção. Marcha. Corrida. Galope. Salto. 69. Differenciação de edade e de raça do cavallo. Escola Ingleza. Escola francogermanica. 70. Anatomia comparada. Ruminantes. Especialmente o touro. 71. Anatomia comparada. Felinos, especialmente o leão e o tigre. 72. Anatomia comparada. O cão. Dados geraes. 73. Anatomia comparada. A aguia. Detalhes sobre as asas. Attitudes. Estudos práticos de todos os pontos por meio de schemas ou de composições segundo o modelo vivo. Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1923 - Raul Pederneiras. VERSÃO NÃO REVISADA 338 ANEXO II.10 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4996. Programma para a aula de pintura da Escola Nacional de Bellas-Artes Em pintura não ha maior difficuldade que a figura humana, e o artista que toma a si a responsabilidade de guiar os jovens artistas deverá continuamente observar que não se desviem d’esse fim: a figura humana; porque neste estudo encerrão-se todas as manifestações da pintura. Possuindo o jovem artista profundamente tal conhecimento poderá facilmente entregar-se á especialidade á que mais o seu temperamento seja propenso, visto que para o estudo da figura humana é neceçario contemporaneamente todos os estudos especialmente a paysagem com a figura e a figura com a paysagem. Por isso formulei um plano d’estudo pelo qual o estudante nunca poderá desviar-se d’este verdadeiro principio. Os estudos d’esta aula serão feitos unicamente com tintas á oleo. anno 1º Pintarão: gessos moldados do natural, panejamentos, flores e fructas. 2º anno Cabeças de modello-vivo em luz de interno e ao ar livre e estudos de paysagem bem apurados. 3º anno pintar ao interno e ao ar livre uma figura ao tamanho natural nua e vestida. [verso] Capital Federal 4 de junho de 1891 (assignado) Henrique Bernardelli VERSÃO NÃO REVISADA 339 ANEXO II.11 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4750. Escola Nacional de Bellas-Artes Capital Federal, 16 de março de 1896 “Programma da aula de pintura” 1º anno estudos de natureza mortas, gessos moldados do natural, panejamentos, frutas e flores 2º anno cabeças e troncos de modello vivo estudados dentro e fóra do atelier. Estudo de paisagem simplesmente e com figuras. Nota estes estudos serão feitos com pintura à Cêra 3º anno estudos de figura completa dentro e fóra do atelier, nuas e vestidas. Aplicações praticas dos differentes processos materiaes das pinturas a gomma, a colla, a ovo, e a óleo. Esbocetos de composição. Profsor. Rodolpho Amoêdo VERSÃO NÃO REVISADA 340 ANEXO II.12 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4794. Programma do Curso de Pintura do Profsor Rodolpho Amoêdo O curso de Pintura será dividido em trez series ou turmas, segundo o gráu de adiantamento dos alumnos, a saber: 1ª série natureza morta, constando de gessos antigos e moldados do natural, grupados com objectos de uso, estofos e roupagens, fructas e flôres 2ª série estudos de modello-vivo, cabeças em tamanho natural com estudos de expressão, e academias em pequenas dimensões. Esbocetos de composição de quadros e ornamentações. 3ª série estudos de modello-vivo cabeças, troncos e academias, em metade do tamanho natural. Esbocetos de composição. Na primeira e segunda series, os alumnos se exercitarão nos trez mais caracteristicos processos de pintura; á aquarella, tempera e óleo. Na 3ª terceira serie, serão dadas noções praticas de envernizamento, limpeza e reparação de pinturas deterioradas. Serão ainda indicados os meios mais faceis de verificação das tintas, collas, gomas, essências, oleos e vernizes, bem como os meios de reparar os acidentes diários, como sejam empollas, rasgões, soluções de continuidade e [verso] outros. Rio de Janeiro, 10 de abril de 1918 Profsor Rodolpho Amoêdo Approvado unanimemente VERSÃO NÃO REVISADA 341 ANEXO II.13 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 4839. Programma do Curso de Pintura do Profsor Rodolpho Amoêdo O curso de Pintura será dividido em trez series ou turmas, segundo o gráu de adiantamento dos alumnos, a saber: 1ª série, natureza morta, constando de gessos antigos ou moldados do natural, grupados com objectos de uso, estofos, roupagens fructas e flores. 2ª série, estudos de modelo vivo, cabeças em tamanho natural com estudos de expressão, academias em pequenas dimensões. Esbocetos de composições decorativas, comportando: ornatos de folhagens e fructas, tropheos, Panoplias, frontispícios, itercolunas, medalhões, sobreportas, etc. N’estas duas primeiras series os alumnos se exercitarão nos trez mais caracteristicos processos de pintura á aquarella tempera e óleo. 3ª série estudos de modelo vivo, troncos e academias, em maiores dimensões. Esbocetos de composição de qua [verso] dros de assumptos mithologicos, Bíblicos ou Históricos. Noções praticas sobre envernizamento, limpeza e reparação de pinturas deterioradas. Serão ainda indicados os meios mais faceis de verificação das tintas, collas, gomas, resinas, essencias, oleos e vernizes, bem como as repararações de acidentes diários, como sejam; rasgões, empolas soluções de continuidade e Escola Nacional de Bellas Artes 18 de fevereiro de 1920 Profsor Rodolpho Amoêdo VERSÃO NÃO REVISADA 342 ANEXO III : PARECERES E OUTROS DOCUMENTOS RELATIVOS AOS JULGAMENTOS DOS PRÊMIOS DE VIAGEM PARA OS ALUNOS DA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES DURANTE A 1a REPÚBLICA VERSÃO NÃO REVISADA 343 Anexo III.1a Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6045. Termo de Julgamentos das provas para o lugar de pensionista do estado na Europa, assinado por Rodolpho Bernardelli, Rodolpho Amoêdo, Henrique Bernardelli e Pedro Weingartner com os pseudônimos utilizados pelos candidatos Raphael Frederico, J. Fiúza Guimarães, Eliseu Visconti, José Luís Ribeiro, em provas de concurso. Escola Nacional de Bellas Artes Capital federal, 17 de novembro de 1892 Termo de julgamento da prova de modelo vivo no concurso ao lugar de pensionista do Estado na Europa. No dia 17 de novembro de 1892, á 1 hora da tarde, reunidos os professores Rodolpho Amoedo, Henrique Bernardelli, Pedro Weingartner da comissão julgadora, presentes os cidadãos Director e Secretário, deliberaram aceitar todos os trabalhos que constituem a primeira prova de concurso, estabelecendo a seguinte classificação conforme o merecimento d’esses trabalhos: 1º lugar – o trabalho marcado – ▲ –706 2º lugar – trabalho marcado – Arte e Liberdade – 3º lugar – o trabalho marcado – Cupio Discere – 4º lugar – o trabalho marcado – ? – Deliberaram mais os membros da comissão julgadora que os envelopes contendo os annagrammas pertencentes aos candidatos seriam abertos no acto de entrada dos mesmos para [verso] a 2ª prova, e que fosse afixada na portaria a classificação assim referida, do que foi resolvido lavrar o presente termo, assignando-o os professores- o cidadão Director e Secretário. Capital Federal, 17 de novembro de 1892 (assignados) Rodolpho Bernardelli, Rodolpho Amoêdo, Henrique Bernardelli, Pedro Weingartner, Modesto Brocos y Gomes, Sr. ... José Teixeira – secretario. 706 Trata-se aqui de um pequeno erro do redator do documento: o anagrama utilizado pelo candidato a pensionista - na verdade, Elysêo Visconti, como revela a Acta da secção do Conselho Escolar de 26 de dezembro de 1892 -, foi um triângulo invertido (▼), como se pode ver no final do Anexo III.1d abaixo. VERSÃO NÃO REVISADA 344 Anexo III.1b Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação: 6045. Termo de Julgamentos das provas para o lugar de pensionista do estado na Europa, assinado por Rodolpho Bernardelli, Rodolpho Amoêdo, Henrique Bernardelli e Pedro Weingartner com os pseudônimos utilizados pelos candidatos Raphael Frederico, J. Fiúza Guimarães, Eliseu Visconti, José Luís Ribeiro, em provas de concurso. Escola Nacional de Bellas Artes Capital Federal, 26 de dezembro de 1892 Termo de julgamento da 2ª e 3ª provas do concurso para o lugar de pensionista do Estado na Europa. No dia 26 de dezembro de 1892, ás 9 horas da manhã, reunidos os professores da secção de pintura Henrique Bernardelli, Rodolpho Amoêdo e Modesto Brocos y Gomes, que constituem a Comissão julgadora, presentes o cidadão Director, o Secretário e o professor de desenho figurado, Pedro Weingartner, designado pelo cidadão Director para auxiliar a Comissão, resolveu esta proceder ao julgamento dos trabalhos que representão as 2ª e 3ª provas do concurso, e designar o lugar de permanencia na Europa do candidato premiado. Na própria sala do concurso á vista do modelo collocado na posição anteriormente escolhida para a 2ª prova, e á vista dos esboços de composição, trabalho [verso] da 3ª prova, foi feito o julgamento pelos membros da comissão, os quaes lavraram os seus pareceres (votos) motivados, na forma do art. 4º cap. 5º do regulamento vigente. Estes votos foram consubstanciados no processo do professor Amoedo, escolhido relator da Comissão. Escola Nacional de Bellas Artes 26 de dezembro de 1892. (assignados) Rodolpho Bernardelli, Henrique Bernardelli, Rodolpho Amoedo – relator –Modesto Brocos y Gomes. VERSÃO NÃO REVISADA 345 Anexo III.1c Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação: 6045. Termo de Julgamentos das provas para o lugar de pensionista do estado na Europa, assinado por Rodolpho Bernardelli, Rodolpho Amoêdo, Henrique Bernardelli e Pedro Weingartner com os pseudônimos utilizados pelos candidatos Raphael Frederico, J. Fiúza Guimarães, Eliseu Visconti, José Luís Ribeiro, em provas de concurso. Julgamento do concurso para o prêmio de viagem - Parecer da comissão 2ª prova – modelo vivo pintado. O jury adoptou para esta como para a 3ª prova o systema de classificação por ordem numérica que prevaleceu na 1ª prova. No 1 (Adeus) É o que melhor satisfaz quanto a compreheensão do caracter do modelo e o que melhores qualidades apresenta de pintor e desenhador. No 2 (Deotilio) deve ser mencionado pelo espírito da simplicidade que prezidio á execução embora a construcção do dezenho deixe a dezejar. No 3 (tempo ao tempo) A differença que resulta da comparação com o modello é tal que não tem o Jury a menor duvida no considera-lo muito inferior aos dous primeiros. No 4 (Talvez) Não contem qualidade alguma que justifique qualquer classificação. 3ª prova (um esboceto de um assumpto tirado à sorte d’entre dez organizados pelos professores technicos) = Apparição de três anjos a Abrahão = O No 1 (Adeus) É considerado composição superior em effeito, phantasia e arranjo. O No 2 (Deotilio) Tem uma certa sobriedade de côr e effeito que convem bastante ao assumpto d’esta ordem; mas a composição quanto ao arranjo é infeliz. Aos No 3 e 4 (tempo ao tempo, e, Talvez) faltam qualidades de arranjo e de effeito. [verso] Em conclusão o júri considera digno do premio em ambas as provas com vantagem grande sobre os outros o No 1, e designa Paris como a cidade em que deverá permanecer o pensionista, pagando-se-lhe a pensão igual áquella que percebiam os pensionistas da ex-academia, bem como a respectiva ajuda de custos. O jury louva a ordem com que se comportaram os concurentes e a assiduidade de que deram provam durante a execução d’este concurso. Escola Nacional de Bellas Artes. 26 de dezembro de 1892 (assignados) o relator Rodolpho Amoedo, Henrique Bernardelli, Modesto Brocos y Gomes. VERSÃO NÃO REVISADA 346 Anexo III.1d Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6154. Actas das sessões do Conselho Escolar [18 verso] Acta da secção do Conselho Escolar em 26 de dezembro de 1892 Presidência do cidadão Diretor [...] Passa-se á ordem do dia: resultado do concurso de premio de viagem á Europa. É lido o parecer do relator da Comissão julgadora, o qual é approvado. São abertos os envelopes contendo os annagramas dos candidatos, e reconhecido candidato premiado o alumno Angelo Visconti, á quem pertence o annagrama – Adeus – É approvada a indicação mandando inserir em acta d’esta sessão os termos do julgamento das provas, o parecer do relator da Comissão julgadora, bem como os annagramas dos candidatos e os pontos que serviram para a 3ª prova. Tudo vai abaixo transcripto. [...] Pontos: - 1º Genesis – cap. XVIII Apparição dos três anjos á Abrahão – 1 Outra vez appareceu o Senhor á Abrahão no valle do..., quando elle estva assentado á porta da sua tenda no maior calor do dia. 2 E tendo Abrahão levantado os olhos, (a) apparecerão tres homens que estavão em pé junto á elle. Tanto que elle os vio correu da porta da tenda á recebel-os; e prostrado em terra os adorou (a) apparecerão tres homens; ... que estes três homens representarão as tres divinas pessoas da Trindade Beatissima. 2º Genesis – cap. XIX A mulher de Lot he convertia em estatua de sal. A mulher de Lot porque olhou para traz (g) ficou convertida ... estatua de sal. 3º Caramuru – poema épico – por Fr. José de Santa Rita Durão – Canto VI pág. 181 – Moema – XLII Perde o lume dos olhos, pasma e treme, pallida a cor, o aspecto moribundo, com a mão já sem vigor, soltando a ..., entre as salsas escumas desce ao fundo. Mas na onda do mar que irado freme, tornando a affarecer desde o profundo, Ah, Diogo cruel! disse com magoa, e sem mais vista ser magoa. 4º Volume II – Juizes – cap XIII Annuniciação do nascimento de Sansão. 20 E quando subiu a chamma do altar ao céu, subiu também anjo do Senhor e sua mulher, cahirão com os rostos em terra 5º Genesis – Cap II pág, 8 – Creação de Eva 21 ... pois o Senhor Deus em profundo somno á Adão; e quando elle estava dormindo, tirou uma de suas costellas, e enchendo de carne o ... d’onde tinha tirado Ponto 22 – E da costella que tinha tirado de Adão, formou o Senhor Deus a mulher e a deo a Adão 6º Historia do Brasil de Southey “A confissão de Calabar” Vol II pag. 302 Cap XVI o confessor foi Sr. Manuel de Salvador, que mais tarde tomou não vulgar parte nesta longa contenda, de que nos deixou singular e interessantissima historia. ... o paciente que os bens que tinha no Recife e o saldo que lhe devião os Estados, fosse tudo, pagas as dívidas, entregue a sua mãe Angela Alvares, pedido que facilmen [20 recto] te foi cumprido pelo digno ... Interrogado se sabia d’algum portuguez que estivesse em traiçoeira correspondencia com o inimigo, respondeu Calabar que sobre este capitulo muito sabia, não sendo dos mais ... as pessoas implicadas, mas que a respeito queria consultar com seu confessor, não desejando gastar o pouco que lhe vida lhe restava em fazer accusação e depor perante um escrivão, quando de arrepender-se de seus pecados e por-se bem com Deus. O que elle revelou ao Sr. Manuel foi communicado ao general que por mais teve ... fazer publico, etc. 7º - A alma de ... apresenta-se a Ulysses – A alma de seu camarada, ..., apresentou-se a primeira – etc. Odissea – Canto XI parag.2, pág.183 8º Genese – pag. 91 Cap. XXIX ... 11 Encontro de Jacob com Raquel ... E depois de ter dado de beber ao seu rebanho beijou á Raquel e levantando a voz chorou. 9º Ulysses e ... – Enfim, tomando Ulisses pelo queixo, disse-lhe: Sim, tu és Ulysse, etc. Odissea Canto XIX parag.5, pág.338 10º Honras funebres feitas a ...Quando appareceu a Aurora de VERSÃO NÃO REVISADA 347 dedos de ... eu enviei meus camaradas ao poço de Circe para trazer o corpo ... de ... Depois de Haver cortado lenha e sobre o ponto mais elevado da ribeira, nos queimamos o morto lamentando-nos e chorando abundantemente. Odysséa – Canto XIII parag.1 pag.203 - Annagramas - ▼ E. Visconti – Arte e Liberdade J. Fiuza Guimarães. Cupio Discere - Rahael Frederico. ? – José Luiz Ribeiro (na 1ª prova). Adeus - Visconti, Tempo ao tempo, J. Fiuza Guimarães - Talvez - Luiz Ribeiro (nas 2ª e 3ª provas) Deotilio - Raphael Frederico (nas 2ª e 3ª provas) VERSÃO NÃO REVISADA 348 Anexo III.2 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação: 6154. Actas das sessões do Conselho Escolar [23 verso] Acta da secção do Conselho Escolar em 2 de dezembro de 1893 [...] Cópia do parecer da comissão “examinando detidamente as provas de concurso ao Premio de Viagem, julgamos a do candidacto que se assigna pelo pseudonimo “Brazil” - a que mais se destaca pela boa harmonia do trabalho, pelas justas proporções e também pelo caracter, que é o que mais se aproxima do modelo, e alem disso pelo colorido mais de accordo. A prova que não foi assignada não está, por assim dizer, terminada; tem no entanto movimento bem sentido, boas proporções e conserva algo do caracter do modelo; no tocante a côr nota-se que ao candidato lhe ... a pratica continua do pincel. A prova firmada pelo pseudônimo “Ego Ipson” (textual) não está mal comprehendida no movimento geral, tem qualidades de modelado, não lhe falta caracter na cabeça do modelo, mas não apresenta proporções geraes, o desenho é incorreto e a côr falsa. O candidato “... e Pietro” acha-se tão longe do modelo, um pela ... das formas, e outro pelo ... das mesmas, que não merece classificação. Passamos pois à julgar as composições, e achamos que a do candidato – Brazil” – é a que melhor representa o assumpto; o arranjo é original, tem certo brilhantismo na côr e não lhe falta sentimento. Do candidato que não se assignou tem bastante expressão e sentimento, a tonalidade geral tem merecimento, mas arranjo da composição é fraco. As dos outros concorrentes, [24 recto] pela monotonia da composição, falta de comprehensão do assumpto, não merecem ter classificação. A vista pois do que acabamos de ... somos do parecer de que seja concedido o “Premio de Viagem”, ao candidato “Brazil”, e que em segundo lugar seja classificado o candidato que deixou de assignar, e em terceiro o candidato ...pson” (textual). Designamos a cidade de Paris para residência do pensionistas durante os dous primeiros annos, e a Italia nos últimos; pagando-se-lhe a pensão que recebiam os pensionistas da antiga Academia, e a respectiva ajuda de custo; como foi feito ao candidato premiado no concurso realizado no anno próximo passado. Escola Nacional de Bellas Artes, em 2 de dezembro de 1893 (assignado Belmiro de Almeida relator, Modesto Brocos y Gomes e Augusto Girardet) N.R. O candidato que se assigna pelo pseudonymo “Brazil”, verificou-se ser Raphael Frederico. VERSÃO NÃO REVISADA 349 Anexo III.3 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação: 6154. Actas das sessões do Conselho Escolar [32 recto] Acta da secção do Conselho Escolar em 10 de dezembro de 1894 [...] Julgamento das provas do concurso ao premio de viagem considerando as difficuldades com que tiveram que lutar os concorrentes ao premio desse anno, taes como a impropriedade da sala em que tiveram que fazer a prova de modelo-vivo pintado, sala em que nem as commodidades de luz oferecia aos que nella foram obrigados, por falta de outro local, a trabalhar nesse concurso e outras de menos importancia; não pode deixar de louvar os concorrentes em geral pelo esforço de que deram prova. Das quatro telas representando modelos-vivos pintados e dos quatro esbocetos, cujo ponto foi: “...” (História do Brasil de Southey) destacam a comissão aquelas assignadas como o pseudonymo Alma-Mater. Pareceu a comissão que este concorrente reunia no modelo vivo o maior numero de qualidades á saber: mais caracter do modelo presente, feito com mais largueza de factura e de comprehensão da natureza, mesmo no ... maior justeza de comprehensão, digo de observação, sendo de grande felicidade a cabeça, e tem sobre todos os outros a vantagem de estar melhor collocada na tela, não só a figura como os acessórios, não somente quanto ao caracter geral mas ate quanto a comprehensão da perspectiva. Dos esbocetos, o mais movimentado e o que melhor traduz o assumpto ... mais ... do que qualquer dos outros, e revelando enfim superioridade, também pareceu a comissão o assignado com o pseudonimo acima indicado. Quanto aos demais, apenas pode ser mencionado o modelo-vivo pintado designado com uma ampulheta num dos ângulos á guisa de annagrama. Os demais não supportando a comparação como nenhum dos dois primeiros ... a comissão de tratar delles. Os esbocetos com exceção do classificado em primeiro lugar não parecem a comissão estar a altura de estabelecer uma classificação, o que com pezar registra-se. Em conclusão, a vista das razões expostas, propõe a comissão que se de o premio ao concorrente que se assigna como o pseudonymo AlmaMater, e designa para lugar de [32 verso] sua primeira residência a cidade de Roma. Escola Nacional de Bellas Artes 10 de dezembro de 1894. (Assignados), Rodolfo Amoêdo, Henrique Bernardelli, Modesto Brocos. O professor Brocos pergunta se não seria mais conveniente enviar o alumno premiado para Pariz. O professor Amoêdo diz que é essa a sua opinião ... que em Roma também ... os alumnos applicados. Nessa cidade existe um local onde vão lecionar os melhores professores. Há alem disso outros meios estilísticos, e lhe parecendo que o pensionista é dotado de viva imaginação, attenta as provas que deu em dous concursos, melhor lhe convirá ir primeiro para Roma. Posto a vista é approvado o parecer da comissão. Em seguida são abertas as portas e convidados a entrar os alumnos que concorreram ao pemio, não se achando elles presentes, abrem-se as ... e é reconhecido premmiado o alumno Bento Barbosa, que ... o pseudonymo Alma-Mater. VERSÃO NÃO REVISADA 350 Anexo III.4 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação: 6154. Actas das sessões do Conselho Escolar [38 verso] Acta da secção do Conselho Escolar em 26 de novembro de 1895 [...] O Sr. Director communica ao Conselho que lhe vai ser presente o voto da Comissão Julgadora do concurso ao premio de viagem, o que constitui a matéria da ordem do dia. Convidado o Conselho á examinar os trabalhos dos candidatos ao premio, é depois lido pelo relator da Comissão Julgadora o seu parecer sobre o concurso que é nos seguintes termos. Il. Director – A comissão por vos nomeada para julgar o concurso ao premio de viagem, reunida nesta data, não pode deixar de lamentar que se tenha que fazer provas para um concurso de tal importância, em um local ... das condições indispensáveis para a execução de taes provas. Assim é que foram obrigados os concorrentes a fazer cada prova em lugar differente, sem que em nenhum pudessem dispor, não já da commodidade requerida, mas até de elementos primordiais, como estabilidade de luz, sufficiente aeração das salas, etc. onde foram obrigados a permanecer tantas horas encerrados. A vista de tão importante consideração, não pode a comissão deixar de louvar o estóico affinco com que os candidatos conseguiram levar a cabo os trabalhos que a comissão tem presente, e que só um entusiasmo juvenil pode produzir. Na 1ª prova a comissão julgou dever admittir as provas deffinitivas ambos os candidatos, classificando em 1º lugar o concorrente que assinou com a inicial (z) e em 2º o que assim fez com a letra (x) Nas provas de modelo-vivo pintado, o que tem o signal (!) admiração reúne maior numero de qualidades, taes como: harmonia geral da feitura e ambiente, o caracter geral do modelo, sendo também o desenho de conjunto superior ao da prova que tem o signal (?) interrogação, entretanto nota a comissão com ...necimento que tanto um quanto outro candidato disputaram como ardor a primazia, esforçando-se ambos por tal forma, que se lhes reconhece sensível progresso nessa prova, comparada com os trabalhos escolares executados durante o corrente anno letivo. Consequentemente classificou-se em 1º lugar o candidato cuja prova tem o signal (!), admiração, e em segundo o que tem o signal (!) admiração. Quanto a 3ª prova, tendo conseguido cada um dos candidatos qualidade differentes, de tal sorte, que [39 recto] quasi se equilibram, em attenção as duas provas em que o candidato no 1 levou vantagem ao segundo, não duvidou a comissão classifical-o ainda nesta em 1º lugar fazendo entretanto sentir a pequena differença que existe de um para outro, com a designação de 1º no 1 2º no 1. Em conclusão a comissão é de unanime parecer que se conceda o premio ao candidato que assignou as duas ultimas provas com o signal (!), admiração. Escola Nacional de Bellas Artes, 25 de novembro de 1895. (assignados) Rodolfo Amoêdo, Henrique Bernardelli, Modesto Brocos. O Sr. Director propõe que seja ... a cidade de Munich para que o premiado prosseguir nos seus estudos, attendendo a só se ter enviado alumnos até a actualidade, para Roma e Pariz, sem haver razão que se justifique não se assim proceder para com a cidade proposta, onde as Bellas-Artes tem desenvolvimento progressivo, e o gosto artístico é bastante cultivado. Approvado o parecer da comissão e a proposta do Sr. Director, são introduzidos na sala de sessão os dous candidatos, em presença os quaes é novamente lido o parecer da Comisssão, pelo seu relator, e abertos os enveloppes que continham os annagramas. É reconhecido premiado ao alumno José Fiúza Guimarães, que usou d’um ponto de admiração como signal ocultador. VERSÃO NÃO REVISADA 351 Anexo III.5a Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 668. Termo de julgamento da prova final de Pintura no Concurso ao Prêmio de Viagem. Em 1º de dezembro de 1896 as 9 horas e meio da manhã reunidos Comissão composta dos Senrs. Professores Henrique Bernardelli, Modesto Brocos e Augusto Girardet, nomeda pela Directoria, presente o Senr. Director e Secretario deu-se conhecimento ao canditato da seguinte lista de pontos; 1º Judith – Morte de Holofernes 2º Visão de Jacob 3º Agar no Deserto 4º Pompilio e a nympha Egeria 5º Sahida de Abrão do Egipto 6º Helena invoca Minerva 7º Agar despedida por Abrão 8º Daphnis e Clóe 9º Narciso 10º Tarquinio O Senr. Antonio de Sousa Vianna candidato ao ponto de Viagem tira o ponto 4º (Pompilio e a nympha Egeria). Em [verso] Em seguida foi o candidato introduzido em sala que foi fechada, sendo as portas lacradas em presença da comissão e Director, afim de executar a prova. Terminados os trabalhos ás 4 horas da tarde foram guardados secretamente. Do que fica dito foi lavrado o presente termo que vai assignado pelo Secretario que o lavrou, pelo Senr. Director e pela Comissão. Secretaria da Escola Nacional de Bellas Artes, 1 de dezembro de 1896. [assignados: Prof. Rodolpho Bernardelli, Modesto Brocos, Augusto Girardet, Henrique Bernadelli...] VERSÃO NÃO REVISADA 352 Anexo III.5b Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6154. Actas das sessões do Conselho Escolar [48 verso] Acta da secção do Conselho Escolar em 5 de dezembro de 1896 [...] É lido o parecer da comissão julgadora do concurso ao Premio de Viagem a Europa. Parecer: “Sr. Director da Escola Nacional de Bellas Artes. A comissão nomeada pela directoria dessa Escola para julgar as provas de concurso ao premio de viagem a que concorreu o alumno matriculado Antonio de Souza Vianna, depois de ter examinado detidamente com o modelo a vista as referidas provas, entende que o candidato merece e a elle deve ser conferido o premio de viagem. Esta opinião é alem de tudo fortalecida com o confronto feito entre as provas apresentadas e as exhibidas no ultimo concurso, realizado em 1895. A comissão resolve mais que para sede dos estudos nos dous primeiros annos, foi escolhida a cidade de Munich, podendo entretanto o alumno premiado caso seja seu desejo, e isto não acarrete mais para o estado, ser transferido mediante autorização da diretoria da Escola Nacional de Bellas Artes, para outro centro artístico de equivalente importância. Escola Nacional de Bellas Artes, 5 de dezembro de 1896 (assignados) Henrique Bernardelli, Modesto Brocos, Augusto Girardet. [49 recto] O Sr. Presidente convida os professores presentes para examinarem os trabalhos do concorrente. É approvado o parecer da Comissão julgadora do concurso. VERSÃO NÃO REVISADA 353 Anexo III.6 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6154. Actas das sessões do Conselho Escolar [91 recto] Acta da 1ª seção do Conselho Escolar do anno de 1900 [...] É lido o seguinte parecer: “Escola Nacional de Bellas Artes do Rio de Janeiro. Concurso ao premio de viagem a Europa realizado em 1899. Parecer da comissão nomeada para o julgamento do dito concurso. A comissão nomeada pela directoria dessa Escola para o julgamento e fiscalização das provas do concurso com premio de viagem a Europa, apresentadas pelo único candidato, o alumno matriculado Theodoro José da Silva Braga, tendo examinado com todo cuidado, as referidas provas, é de parecer que: A primeira, que vem a ser: uma figura nua de homem e acessórios, ... pintado do natural em 30 sessões e que foi examinada com a presença do modelo em acção e ... acessórios, esta em condições de ser aceita em grau de boa. A segunda, sendo o esboceto de uma composição executada em 8 horas, cujo assumpto, tirado á sorte, é: “... se fait connaitre ... pretendante et commence sa vengeance par la mort d’...” é unicamente exigida para que o candidato prove se tem o dom da imaginação. Consequentemente, postos a parte todos os demais requisitos, os quaes não se pode pretender de um alumno que ainda muito tem que estudar, entende a comissão que a composi [91 verso] ção do candidato ... sufficientemente o assumpto. ..., confrontadas estas provas com idênticas exhibidas por alumnos premiados nos últimos anno, a comissão julga que o candidato é merecedor do Premio de Viagem a Europa. Outrossim, entende a comisssão escolher a cidade de Pariz para a aprendizagem do premiado nos dous primeiros annos, podendo depois, se for o seu desejo, e com a autorização da Directoria desta Escola, se transferir para outra cidade de igual importância artística para terminar o prazo de seus estudos. Rio de Janeiro a 13 de janeiro de 1900. A comissão: (assignados) Daniel Berard, Augusto Girardet, Zeferino da Costa” VERSÃO NÃO REVISADA 354 Anexo III.7 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação: 6155. Livro de registro das atas das sessões do Conselho Escolar da ENBA (após 14/09/1911 – Conselho Docente) [25 recto] Acta da sessão do Conselho Escolar realizada no dia 8 de fevereiro de 1906. [...] “A comissão nomeada para acompanhar e julgar o Concurso de Viagem reunida nesta Escola na presente data, depois de examinar attentamente as duas provas de que consta o alludido concurso é de parecer que o único concorrente que se apresenta esta ... de complementar na Europa os seus prometedores estudos pelas razões que passa a expor: 1º o assumpto sorteado “Anchieta escrevendo o seu poema á Virgem”, comportando apenas uma só figura offerece ao candidato grandes dif [25 verso] ficuldades sendo algumas vencidas com desembaraço promettedor. 2º ... a concepção não esta isenta de ... para um jovem artista, em compensação o assumpto no seu aspecto mais geral foi ... com inteligência ... alguns requisitos exigidos em um quadro como sejam: a harmonia geral, a indispensável lógica entre o movimento do protagonista e os acessórios que completam a scena, e boa comprehensão da attitude do personagem em relação ao assumpto. 3º confrontando-se a presente prova com as dos concursos que para o mesmo fim se fizeram anteriormente, a comissão unanimemente declara a superioridade das presentes provas, congratulando-se com a Escola por ter modificado o regimem anteriormente adoptado. E em cumprimento do disposto no art. 16, cap, V das instruções approvadas por aviso de 23 de outubro de 1905 a comissão marca a cidade de Paris para lugar de permanencia do premiado (Assignados) Rodolpho Amoêdo, Henrique Bernardelli, Zeferino da Costa VERSÃO NÃO REVISADA 355 Anexo III.8 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação: 6155. Livro de registro das atas das sessões do Conselho Escolar da ENBA (após 14/09/1911 – Conselho Docente) [72 recto] Acta da sessão do Conselho Escolar realizada no dia 8 de agosto de 1911. [...] Termo do julgamento das provas apresentadas ao Concurso de Viagem apresentadas pelos dois candidatos Senrs. Augusto Bracet e Aníbal Mattos. Aos três dias do mês de Agosto do anno de mil novecentos e onze, reuniu-se a comissão julgadora do concurso ao premio de viagem sob a presidencia do Senr. Prof. Rodolpho Bernardelli e, depois de apurado exame sobre os quadros apresentados, apresenta o seu julgamento nos seguintes termos. Dous são os candidatos que se inscreveram e o ponto sorteado foi – “Trahição de Judas”; ..., como é o ..., tiveram os candidatos vasto campo para escolherem a scena que melhor se coadunasse com os seus temperamentos. Assim é que o candidato sob o pseudônimo Arauto escolheu a scena immediatamente seguida. Analizando detidamente as qualidades dos dous trabalhos apresentados, a comissão entende que sob o ponto de vista da interpretação do assumpto, da technica e do colorido, o trabalho do candidato Arauto é evidentemente superior e por isso resolve unanimente indical-o como merecedor do Premio de Viagem. Quanto ao traba [72 verso] lho do assignado Fé, entende a comissão que embora inferior ao do trabalho do outro candidato, tem entretanto, qualidades dignas de menção e de encorajamento. ... immediatamente a ... dos trabalhos julgados, a comissão manda abrir os envelopes em que se encerraram os nomes dos candidatos e os respectivos pseudônimos que são: “Arauto”, candidato Augusto Bracet; “Fé”, candidato Aníbal Mattos. Nestas condições, o Sr. Presidente da comissão proclama como ... do Premio de Viagem o candidato Sr. Augusto Bracet, indicando como lugar de permanência do pensionista a cidade de Roma. E, para ..., lavra-se o presente termo que vai assignado pelo Presidente e pelos membros da comissão julgadora. (Assignado) Rodolpho Bernardelli, Zeferino da Costa, E. Visconti, João Baptista da Costa. VERSÃO NÃO REVISADA 356 Anexo III.9 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6156. Livro de Registro das actas da sessão do Conselho Docente, posteriormente da Congregação (a partir de 4/11/1915) [103 verso] Acta da sessão da Congregação, effetctuada em 18 de novembro de 1916. [...] “Exmos. Srs. Membros da Congregação da Escola Nacional de Bellas Artes. A comissão feita para julgar o concurso ao premio de viagem ao estrangeiro, examinou com a maior attenção os trabalhos dos dous únicos concorrentes e notou o seguinte: os trabalhos assignados como o pseudonymo Peleu, a 1ª prova (Academia pintada), esta bem collocada na tela, são boas as qualidades de côr, o claro escuro justo, porquanto a projecção da cabeça do cavallo sobre o modelo esta bem observada; a 3ª prova (esboceto de composição) não correspondendo, embora, ao mérito das provas anteriores, expressa discretamente o assumpto e tem algumas qualidades de côr. Nas provas assignadas pelo pseudonymo Jason, a primeira (Academia desenhada), tem as mesmas qualidades do candidato Peleu, com algumas vantagens de construcção e caracter, não acontecendo o mesmo com a 2ª prova (Academia pintada). Vê-se nesse trabalho que o outro preocupou-se em executal-o com largueza [104 recto] de factura, em prejuizo do modelo, que esta mal comprehendido e ... as proporções. Quanto a 3ª prova (Esboceto de composição), não deixa, como na do candidato Peleu, de expressar o assumpto, mas as figuras não estão distribuídas com a variedade daquelle, nem reúnem as suas qualidades de côr. Em vista do exposto, a comissão unanimemente adjudica o premio de viagem ao candidato Peleu, indicando a cidade de Paris para sede de seus estudos. Escola Nacional de Bellas Artes, 17 de novembro de 1916 (Assignados) Modesto Brocos, Lucilio de Albuquerque, Rodolpho Chambelland, João Baptista da Costa presidente e Dr. Gama Rosa, secretário.” O Sr. Cianconi pergunta, como sendo secreto o parecer da comissão julgadora do premio de viagem, publicaram, entretanto, os jornaes o resultado do julgamento. O Sr. Director diz que, pela Administração da Escola, nada foi communicado á Imprensa. O parecer da comissão julgadora do premio de viagem foi unanimente approvado pela Congregação excepto digo, exceptuado, apenas o voto do professor Ludovico Berna, que apresenta a seguinte declaração de voto: “Não se traduza a minha franqueza e lealdade em falta de acatamento aos dignos julgadores do concurso de viagem, porem, seguindo a minha orientação e meu programma technnico, e, reconhecendo qualidades excelsas de imaginação e execução technica nos trabalhos do pseudonymo Jason, é a esse trabalho que dou o meu voto.” VERSÃO NÃO REVISADA 357 Anexo III.10 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6156. Livro de Registro das actas da sessão do Conselho Docente, posteriormente da Congregação (a partir de 4/11/1915) [172 verso] Acta da sessão da Congregação, reabrindo a 25 de novembro de 1918. [...] “Escola Nacional de Bellas Artes. Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1918. Parecer da Comissão do Concurso de viagem, na sessão de pintura. A Comissão ..., desempenhando-se de seu compromisso e ... o trabalho executado pelo alumno candidato Henrique Cavalleiro, declara que na primeira prova (desenho) o Candidato mostra aptidão de modelado satisfatória; na segunda prova (pintura de modelo vivo) o candidato apresenta as mesmas qualidades junto a um sentimento ... da côr e do ambiente; na prova final (esboceto sobre assumpto histórico) satisfaz quanto à parte da imaginação, que n’esta se requer. Em conclusão, é de parecer que ao Candidato deve ser concedido o premio. Assignado – J. Baptista da Costa. Director. Rodolpho Amoedo, Rodolpho Chambelland e Raul Pederneiras”. Foi igualmente lida e approvada a relação de pontos para a prova de esboço (composição) para o ... concurso: primeiro: Morte de Moema, segundo – Orpheo ... as divindades superiores; terceiro – Tiradentes ouvindo a sentença de morte; quarto – homenagem a D. João 6º no Rio de Janeiro (1808); quinto – uma ... da catechese dos ...; sexto – Morte de Absalão (... 9º); sétimo – o Sacrifício de Abrahão; oitavo – o Repouso de Ulyses; nono – Salomé pedindo a cabeça de S. João Baptista?; décimo – Allegoria á Cruz? ... Foi sorteado o ponto no 6 – morte de Absalão VERSÃO NÃO REVISADA 358 Anexo III.11 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6158. Actas das sessões da Congregação da Escola Nacional de Bellas Artes 19241931 [124 recto] Acta da sessão da Congregação da Escola Nacional de Bellas Artes, effectuada em 7 de novembro de 1927. Presidência do prof. José O. Corrêa Lima Director A comissão incubida de dar parecer sobre o concurso de pintura a premio de viagem examinando os trabalhos dos dois candidatos Alcebiades Miranda e Alfredo Galvão tem a dizer o seguinte: 1ª prova: – um desenho de academia de modelo vivo -. O trabalho do Sr. A. Miranda tem qualidades de modelado, porém é insufficiente como caracter e proporção, faltando-lhe equilibrio. O desenho do Sr. A. Galvão tem qualidades de caracter, modelado e construcção, mas desproporcionado nas pernas um tanto alongadas. Em consequencia ha uma pequena superioridade sobre o desenho do outro concurrente. 2ª prova – Pintura de uma figura do natural – O trabalho do Sr. A. Miranda apresenta qualidades de construcção na figura e de côr no pannejamento; mas não tem proporção na cabeça; o pescoço é curto; os braços igualmente (exagerando o defeito do modelo); perna esquerda mal desenhada; côr terrosa uniforme em todo modelo. O trabalho do Sr. A. Galvão tem qualidades de desenho, de [124 verso] côr, modelado e caracter, principalmente na cabeça. Falta-lhe porem volumes nas articulações do joelho, melhor valorisação no torso e o pé direito é deficiente como desenho e modelado. Pelo exposto ressalta uma superioridade, nesta prova sobra a do outro concurrente. 3ª prova – Esboço de composição do ponto sortedo “Uma scena de carnaval” – em ambas falta o senso da composição; não existe um ponto principal; não ha equilibrio nem valores; enfim ambos são máus. Finalisando: a comissão acha que o candidato A. Galvão apresenta uma superioridade sobre o seu concurrente merecendo, portanto, que lhe seja conferido o premio de viagem á Europa, apezar dos defeitos apontados. Escola Nacional de Bellas Artes 7 de novembro de 1927 Lucilio de Albuquerque Rodopho Chambelland Modesto Brocos”. VERSÃO NÃO REVISADA 359 Anexo III.12 Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6158. Actas das sessões da Congregação da Escola Nacional de Bellas Artes 19241931 [182 verso] Acta da sessão da Congregação da Escola Nacional de Bellas Artes realizada em 15 de janeiro de 1930 Presidencia do Prof. José O. Corrêa Lima Director Julgamento das provas do concurso de premio de viagem na secção de pintura executadas pelos dois candidatos: Alcibiades Miranda e Quirino Campofiorito, o Sr. Director chama, inicialmente attenção, para o facto: de não haver a comissão julgadora chegado - como habitualmente - a uma mesma conclusão quanto ao merito dos concurrentes, ... que, cada um de seus componentes, firmará um parecer distincto. - [183 recto] São lidos sucessivamente os seguintes pareceres: “Tratando-se de um concurso escolar, é preciso considerar qual dos candidatos deu melhor applicação aos principios da arte; Ora ... das provas quase se equilibram embora as do Sr. Miranda levem vantagem quanto as applicações da perspectiva linear. Na terceira e ultima prova esboceto pintado em uma só sessão de 8 horas, a do Sr. Miranda leva grande vantagem a do antagonista, o Sr. Campofiorito, não só quanto a expressão do assumpto sorteado: - “Morte de Abel”, como também no arranjo e execução, que demonstram um conhecimento maior da Arte. Voto por consequencia no Sr. Miranda, por evidenciar elle maior approveitamento dos ensinos desta Escola e parecer mais artista. (Assignado) Rodolpho Amoêdo.” – “Tendo examinado os trabalhos executados para o referido concurso, julgo o seguinte: Quirino Campofiorito: apresenta na 1ª prova (academia desenhada) melhores qualidades, quer na construção, quer nas proporções. Na 2ª prova (academia pintada) prova que reputo a mais importante, não só encontro as mesmas qualidades como maior harmonia com relação a cor e a factura. Quanto ao esboceto: “Morte de Abel”, embora fraco, não faz a meu ver diminuir a classificação que julgo de justiça dar o 1º lugar. Rio de Janeiro, 8 de janeiro de 1930 (Assignado). Augusto Bracet; - “Sou da opinião que não se poderá distacar qualquer dos concorrentes ao premio de viagem pelo motivos seguintes: na 1ª prova de desenho, o Sr. Q. Campofiorito apresenta pequena superioridade sobre o seu concurrente, quer como proporção e caracter, quer quanto o modelado. Na 2ª prova de academia, o mesmo candidato offerece qualidade melho- [183 verso] res ao do seu collega quanto a proporção, modelado e cor. Na 3ª prova constando de esboceto cujo ponto sorteado “Morte de Abel” O Sr. Campofiorito não satisfaz absolutamente por não expressar o assumpto com a clareza devida, o que é essencial. Na 1ª prova de desenho do Sr. A. Miranda, sem apresentar o mesmo aspecto do trabalho do seu collega, possue entretanto qualidades que muito se approximam do seu concurrente. Na 2ª prova de academia, o Sr. A. Miranda apresenta um trabalho sem as proporções do modelo; a cor é terroza e o modelado deficiente. Na 3ª prova de esboceto: “Morte de Abel” o seu trabalho é superior ao do seu collega, visto ter conseguido as qualidades que faltam no esboceto do Sr. Campofiorito. Em resumo, entendo que não havendo superioridade entre os dois concurrentes, visto possuirem ambos qualidades que equivalem, por isso mesmo não posso destacar qualquer dos dois candidatos para premio de viagem. Rio 8 de janeiro de 1930 (Assignado) Rodolpho Chambelland. – ” Pede a palavra o Sr. Flexa e diz, em conclusão, que o parecer do Prof. Chambelland retratava fielmente a situação dos candidatos; discordava porém, de suas conclusões, pois na mesma ... que precedera deixara transparecer claramente: sensível superioridade de um dos candidatos, com que, alias, estava de pleno accordo. – O Sr. Director em seguida convida a Congregação VERSÃO NÃO REVISADA 360 a examinar os trabalhos do can- [184 recto] didatos, suspendendo momentaneamente a sessão. – Reaberta a sessão, o Sr. Director indaga: si a vista da divergencia existente entre os membros da comissão julgadora, não conviria escolher-se uma nova comissão. Regeitado tacitamente esse alvitre, estabelece-se prolongado debate sobre a maneira de se proceder a votação dos pareceres. O Prof. Raul propõe preferência para a votação o parecer “Chambelland” o que motiva animado debate e a tacita recusa da proposta. O Prof. Bahiana propoe: que preliminarmente a Congregação verificasse: qual dos dois candidatos obtivera maiores recompensas no curso, proposta, que, igualmente, é regeitada implicitamente. Finalmente, o Sr. Director declara que iria submeter, nominalmente, os tres pareceres a votação, devendo cada um dos senhores professores manifestar-se por um delles; solução que merece geral apoio. – Procedida nominalmente a chamada, votaram a favor do parecer “Bracet” (dando o 1º lugar ao candidato Campofiorito) os professores: Lucilio de Albuquerque, Magalhães Corrêa, Morales Filho, Flexa Ribeiro, A. Memória, Augusto Girardet, seis votos (6 votos). – Votaram á favor d parecer “Chambelland” (considerando os candidatos em igualdade de condições) os professores: Alvaro Rodrigues, Manoel Henrique Lima, Raul Pederneiras, Corrêa Lima; quatro votos (4 votos); vota á favor do parecer “Amoêdo (dando o 1º lugar ao candidato A. Miranda) o prof. Gastão Bahiana. Não tomam parte da votação os autores dos respectivos pareceres, em com o Prof. Petrus Verdié, que declara votar em branco, por se achar embaraçado para opinar a vista da divergência dos proprios membros da commissão Technica. [184 verso] O Sr. Director declara, a vista do resultado da votação, o candidato Quirino Campofiorito classificado em 1º lugar. O Prof. Álvaro declara que embora tendo votado pelo parecer “Chambelland” ... pela victoria do candidato Campofiorito que ... justa. E nada mais havendo a tratar, o Sr. Director encerra a sessão e para constar mandou lavrar a presente ata que vai assignada ... pelo Sr. Director e professores presentes. VERSÃO NÃO REVISADA 361 ANEXO IV : PENSIONISTAS DA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES DURANTE A 1a REPÚBLICA VERSÃO NÃO REVISADA ANEXO IV.1 : PENSIONISTAS DA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES NA 1a REPÚBLICA ANO NOME DO ARTISTA PAÍS DE ESTADIA NA EUROPA / MESTRES CURSO 1892 Elysêo d'Angelo Visconti Pintura França: Grasset / Espanha 1893 Raphael Frederico Pintura França: Bouveret / Itália 1894 Bento Barbosa Pintura Itália 1895 José Fiúza Guimarães Pintura Alemanha / França 1896 Antonio de Souza Vianna Pintura Alemanha 1899 Theodoro J. S. Braga Pintura França: Laurens,Constant,Royer 1900 Julieta de França Escultura França: (Academia Julian) 1906 Lucílio de Albuquerque Pintura França: Royer, Laurens (Academia Julian) 1908 Heitor da Cunha e Mello Arquitetura 1910 Raul L. Saldanha da Gama Arquitetura 1911 Augusto Bracet Pintura França: Billoul, ateliês reunidos, Baschet, Gervais / Itália: Morelli 1912 A. Magalhães Corrêa Escultura França 1913 Dinorah Carolina de Azevedo Gravura 1916 A. J. Marques Júnior Pintura França 1917 Antonio E. S. Pitanga Escultura Itália 1918 Henrique Cavalleiro Pintura França: (Academia Julian) 1920 Fernando Nereu de Sampaio (*) Arquitetura 1922 Samuel C. Martins Ribeiro Escultura 1923 Mário de Santos Maia Arquitetura França: (Instituto de Urbanismo de Paris) 1924 Margarida Lopes de Almeida Escultura França 1926 Atílio Corrêa Lima Arquitetura 1927 Alfredo Galvão Pintura 1928 Lucas Meyerhofer Arquitetura 1929 Quirino Campofiorito Pintura 1930 Paulo de Camargo e Almeida Arquitetura França: Laurent,Prinet França: (Academia Julian) / Itália (*) O pensionista perdeu o prazo do prêmio VERSÃO NÃO REVISADA ANEXO IV.2 : PENSIONISTAS PREMIADOS NAS EXPOSIÇÕES GERAIS DE BELAS ARTES DA 1a REPÚBLICA ANO NOME DO ARTISTA SEÇÃO TÍTULO DA OBRA PAÍS DE ESTADIA NA EUROPA / MESTRES João Baptista da Costa (1865-1926) Pintura Em repouso França: Lefèbvre, Fleury (Academia Julian) / Itália / Alemanha 1898 Augusto Luiz de Freitas (1868-1962) Pintura In Deo speravit Itália 1899 José Octavio Correa Lima Escultura Remorso Itália 1900 João Araripe de Macedo (1877-1934) Pintura A prece França: Laurens (Academia Julian) 1901 Joaquim Fernades Machado (1875-19?) Pintura Sonho de Jacob França: Lefèbvre, Fleury, Laurens (Academia Julian) 1902 Eugenio Latour (1874-1942) Pintura Escolha dificil Itália Helios Seelinger (1878-1965) Pintura Bohemia França: Laurens (Academia Julian) / Alemanha: Stuck 1904 Aluisio C. A. Stahlenbrecher Arquitetura 1905 Rodolpho Chambelland (1879-1967) Pintura Bachantes em Festa França: Royer, Laurens (Academia Julian) 1906 Eduardo Bevilacqua (1884-1941) (*) Pintura 1907 Carlos Chambelland (1884-1950) Pintura Final de Jogo França / Itália / Espanha 1907 Arthur Timótheo da Costa (1882-1923) Pintura Antes d'Aleluia França 1908 Joaquim R. Moreira Jr. Escultura 1909 Adalberto Mattos Gravura 1910 Francisco Manna (1879-1943) (**) Pintura Ceifeiro 1911 Gaspar Puga Garcia (18?-1914) (***) Pintura Pastor da Arcadia 1912 Levino Fanzeres (1884-1956) Pintura Remorso de Judas França: Cormon, Debrié, Chartier 1913 Angelina Agostini (1888-1973) Pintura Vaidade Inglaterra 1914 Antonino Mattos Escultura Lyra partida França: Dalon 1915 João Baptista Bordon (1882-1917) Pintura Poesia da tarde Espanha 1916 José Ferreira Dias Júnior (1887-1921) Pintura Abel e Caim Raimundo Brandão Cela (1890-1954) Pintura Último diálogo de Sócrates França 1918 Modestino Kanto Escultura On ne passe pas França: Landowsky, Bouchard (Academia Julian) 1919 Pedro Bruno (1888-1949) Pintura Patria Itália: Sciortino 1894 1903 1917 Itália: Lucas Itália (Roma, Florença: Mugnone) VERSÃO NÃO REVISADA 1921 Guttmann Bicho (1888-1955) Pintura Panneau Decorativo França 1922 Luis F. Almeida Júnior (1894-1970) Pintura Iracema França / Itália 1923 J. B. Paula Fonseca (1889-1960) Pintura Recanto de fazenda França 1924 Oswaldo Teixeira (1905-1974) Pintura Pescador França / Itália / Portugal 1925 Garcia Bento (1897-1929) Pintura Saveiros Portugal / Espanha 1926 Armando Martins Viana (1897-?) Pintura Primavera em Flor França 1927 Manoel Santiago (1897-1987) Pintura Marajoara França 1928 Candido Portinari (1903-1962) Pintura Olegário Mariano França / Itália / Espanha / Inglaterra 1929 Calmon Barreto Gravura 1930 Cadmo Fausto (1901-1983) Pintura Tarrafeiros França (*) Desistência / (**) Prêmio anulado: artista de origem estrangeira, tendo já visitado a Europa / (***) Prêmio anulado: o artista foi acusado de plágio VERSÃO NÃO REVISADA 364 ANEXO V : IMAGENS VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA VERSÃO NÃO REVISADA