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PORTO, César Henrique de Queiroz; SILVA, Luiz Gustavo Soares. Cultura da mídia e
medievalidade: uma análise do videojogo Assassin’s Creed. Domínios da Imagem, Londrina,
v. 9, n. 17, p. 257-276, jan./jun. 2015.
ISSN 2237-9126
Recebido em 14/01/2015 e aprovado em 08/05/2015
Este artigo constitui uma versão ampliada de um texto publicado nos anais
do VIII Encontro de Estudantes de História e I Encontro de Pós-graduandos
em História: História e Identidades, realizados em 2011.
Resumo: Este trabalho analisa o videojogo Assassin’s Creed que, lançado em
2007, pela empresa Ubisoft Montreal, evoca representações do período
medieval, destacando a Seita dos Assassinos e vários personagens históricos
em meio à Terceira Cruzada. Devido à pouca produção bibliográfica
envolvendo o assunto, lançamos mão de parte da teoria cinematográfica
para subsidiar este trabalho. Exploramos em que medida a história
representada no jogo dialoga com o momento de sua produção. Além
disso, procuramos colocar em evidência o modo como os consumidores
dessa trama, através da convergência das mídias, buscaram estabelecer
uma relação mais próxima do enredo apresentado à sua experiência
cotidiana.
Palavras chave: Assassin’s Creed. Cruzadas. Medievalidade.
Abstract: This study analysis Assassin’s Creed videogame that, released by
Ubisoft Montreal in 2007, evoke representations of medieval period and
emphasizes the assassins’ sect and several historic characters in the middle of
third Crusade. Because of the lack of bibliographic production about this
subject, we prefer use part of the cinematographic theory to develop this
work. We explore how the game’s story dialogues with the moment’s
production. Besides, we also put in evidence the way that consumers of this
plot, through the convergence of medias, sought to establish a closer relation
of spot presented to your everyday experience.
Keywords: Assassin’s Creed. Crusades. Medievalidade.
Introdução
Elementos da História Medieval vêm sendo cada vez mais difundidos
em nossos dias através das mídias. De acordo com Douglas Kellner, a cultura
da mídia “[...] não aborda apenas grandes momentos da experiência
contemporânea, mas também oferece material para fantasia e sonho,
modelando pensamento e comportamento, assim como construindo
identidades” (KELLNER, 2006, p. 119). Usando o termo “espetáculo”, Kellner
procura enfatizar o fenômeno do entretenimento que, ajudado pelas
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constantes inovações tecnológicas, fizeram de telejornais, filmes e jogos,
dentre outros, um importante promotor de audiências e do estado
capitalista. Para ele, “[...] o entretenimento e o espetáculo entraram nos
domínios da economia, da política e do cotidiano, de novas e importantes
maneiras” (KELLNER, 2006, p. 128).
Então, como afirma José Rivair Macedo, professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para o caso dos jogos, bem como
acontece no cinema, é no âmbito da medievalidade e não no da
historicidade medieval que os games devem ser analisados. Haja vista, mais
uma vez, não possuírem compromisso explícito em descrever com fidelidade
os eventos do passado e ao invés disso, perpetuarem lendas e mitos.
Desde os anos 1980, diversos jogos executados em
videogames incorporam formas pretensamente medievais aos
guerreiros que combatem em reinos distantes, às fortalezas,
templos e palácios habitados por guerreiros magos e
feiticeiros. [...] Aos já habituais temas de uma mitologia
contemporânea do Medievo (os Templários, a Távola
Redonda e o Graal, as Cruzadas etc.), somam-se os dragões e
monstros de uma Idade Média que deve muito ao universo
criado por J. R. Tolkien. (MACEDO; MONGELLI, 2009, p. 17 e 18)
O arrebatamento que a civilização medieval exerce sobre a
sociedade contemporânea está fortemente associado à ideia de que “[...]
esta época é o berço de lendas, mitos e epopéias que hoje fazem parte do
imaginário da cultura ocidental [...]” (BALDISSERA, 2006, p. 24). Nesse sentido,
a medievalidade difere da historicidade medieval ou de suas reminiscências
por ser uma narrativa romanceada, sem preocupações com a verdade
histórica. O clássico filme O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel, por
exemplo, produção híbrida1 que é sucesso de vendas e de público e que
“O hibridismo ocorre quando o espaço cultural [...] absorve e transforma elementos de
outro; uma obra híbrida, portanto existe entre duas tradições culturais, oferecendo um
caminho que pode ser explorado a partir das duas direções”. (JENKINS, 2008, p. 153)
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reproduz “o eterno combate do bem contra o mal”2, conta a história do
jovem hobbit Frodo, que na trama deve destruir o anel de poder criado por
Sauron, Senhor da Escuridão, para livrar seu povo do domínio do mal. Essa
produção retoma a ideia de seres fantásticos3 e faz alusão a valores
fundamentais como a honra e o prestígio do cavaleiro após ter realizado um
grande feito. São incontáveis as especulações acerca da possível relação
entre os elementos textuais da obra e as experiências de seu autor John
Ronald Reuel Tolkien, quanto à apropriação de elementos das duas Grandes
Guerras, já que o mesmo participou ativamente da primeira e escreveu seu
livro no entre guerras.
Outro caso particularmente interessante para essa abordagem é do
jogo O Príncipe da Pérsia (2003), produzido pela Ubisoft – mesma empresa
que, mais tarde, em novembro de 2007, lançaria Assassin’s Creed (2007), que
é o objeto de análise deste trabalho –, que conta a história do príncipe
Dastan, que protagoniza um romance impossível. Em 2010, o tema daria
ensejo para uma nova produção feita pelos estúdios Disney, figurando mais
um caso de intertextualidade indireta, principalmente em relação ao livro Mil
e Uma Noites, através do filme The Prince of Persia: The Sands of Time. Obras
desse tipo, nas palavras de José Rivair Macedo, representam “[...] uma Idade
Média sonhada [...]” (MACEDO; MONGELLI, 2009, p. 18).
Em entrevista concedida a um periódico online da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), José de Assunção Barros comenta que o
expressivo interesse do cinema, mas não só dele, pela Idade Média, reflete
os principais anseios e temores da sociedade em que foi produzido:
Típico dos enredos melodramáticos que impregnam muitos produtos da ficção
contemporânea, como novelas, filmes e livros.
3 Como a própria figura do Hobbit que, segundo artigo de Emílio Ribeiro Soares, “[...] são
seres criados por Tolkien [...] menores que os anões, mas extremamente ágeis, podendo
desaparecer com facilidade. Seus pés são grandes e peludos, tornando-os resistentes a
grandes caminhadas. Normalmente são pacatos, e adoram contar e ouvir boas histórias,
comer e fumar cachimbo” (RIBEIRO, 2005, p. 198). Figuras semelhantes a duendes.
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O interesse expressivo do cinema pela Idade Média, segundo
penso, refere-se ao fato de que as várias temáticas
relacionadas a este período têm conseguido canalizar de
maneira particularmente intensa alguns dos principais desejos
e temores modernos. A peste Negra prefigura a AIDS; a
Inquisição canaliza os receios diante dos regimes totalitários; a
alquimia, o encantamento e o Trovadorismo canalizam os
desejos contemporâneos de ultrapassar o excessivo
racionalismo e uma forma de vida exageradamente utilitarista
regida exclusivamente pelos mais frios interesses econômicos.
(BARROS, 2006, p.14)
Nesse sentido, seu pensamento vai de encontro ao de Marc Ferro4, um
dos historiadores pioneiros no que diz respeito às relações entre a história e o
cinema. Para Ferro, todo filme, embora encarne um espaço temporal
diferente do contexto de sua produção, diz mais sobre o momento em que
foi feito do que sobre o período em que deseja encenar. Desse modo, podese dizer que existem duas vias de análise para esse tipo de produto
midiático: uma primária, que se refere ao momento em que essas produções
foram concebidas; e outra, secundária, que procura fazer uma reflexão
sobre o discurso produzido pelos filmes sobre o passado (FERRO, 2010).
Marcos Napolitano chega até mesmo a comentar que muitos historiadores
ainda dominados pela herança positivista acabam prendendo-se a esta
segunda opção e, por esse motivo, perdem a oportunidade de uma leitura
mais ampla sobre o assunto abordado (NAPOLITANO, 2006).
Concordamos que seria mais pertinente ao profissional da história que
buscasse compreender essas obras tanto no que diz respeito ao seu aspecto
primário quanto secundário, pois isso garantiria a ele uma leitura mais
completa sobre o material estudado, mas isto sem nunca perder de vista
que cada produto elaborado pela mídia possui uma finalidade específica e
códigos internos de linguagem e representação próprios. Tais aspectos não
Marc Ferro é historiador da terceira geração da Escola dos Annales. Lecionou na École des
Hautes Éstudes em Sciences Sociales (Paris). Realizou estudos sobre a Revolução Russa e a
Primeira Guerra Mundial, mas se tornou mundialmente conhecido devido às suas reflexões
sobre o cinema e a história.
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podem ser negligenciados pelo historiador que se propõe a estudar as
confluências do cinema com a história.
Entretanto, apesar de Ferro e Napolitano se referirem em seus textos ao
cinema e, este último, também à televisão (novelas, telejornais, minisséries,
etc.), acreditamos que suas sugestões teórico-metodológicas também
podem ser aproveitadas para o estudo dos videojogos, pois integram o
universo audiovisual e adquirem relevância por permitirem aos seus
jogadores encarnar a história do personagem principal.
Assim sendo, procurar entender o porquê das omissões e adaptações
encontradas no jogo, bem como das distorções mais radicais presentes no
enredo dessas tramas eletrônicas, embora trabalhoso, pode elucidar as
expectativas, desejos e concepções de mundo de quem as produziu. Para o
caso de Assassin’s Creed, por exemplo, produzido no calor da perseguição
anti-terror, desencadeada pós 11 de Setembro nos Estados Unidos5, pode
generalizar a imagem do muçulmano como violento e terrorista, bem como
imprimir na trama elementos que remetam a uma desvalorização da
alteridade
entre
cristãos
e
muçulmanos,
ainda
que
seu
principal
personagem seja um integrante da Seita dos Assassinos, uma das mais
importantes do Islã Medieval (BARTLETT, 2007). De acordo com Jacques A.
Waimberg, jornalista e teórico da comunicação, que desenvolve pesquisas
em diálogo com a história, a imprensa pode “[...] construir e disseminar
rótulos que ajudam as pessoas a entender o mundo com base em certos
pressupostos ideológicos. Entre esses rótulos estão inúmeras categorias de
pensamento que estimulam a hostilidade contra o inimigo” (WAIMBERG,
2005, p. 70).
Em 2007, a Ubisoft, empresa responsável pela produção e distribuição
do jogo, foi considerada pela revista estadunidense Game Developer6,
Segundo informações divulgadas por Leandro Alves (JOGORAMA, [s.d.]), Assassin’s Creed
teria começado a ser produzido em novembro de 2004. As primeiras artes conceituais do
jogo podem ser vistas no Facebook (s.d.).
6 Revista especializada em análise de jogos.
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como a quarta maior empresa fabricante de videojogos do mundo. Nesse
sentido, Kellner, através de análise feita em Cultura da Mídia e Triunfo do
Espetáculo, define nossa sociedade como de consumo e organizada em
torno da absorção de imagens, produtos e eventos culturais, que são
propagados principalmente pelo rádio, pela televisão e através da internet.
O espetáculo dos jogos de computador e dos videogames
tem sido uma grande fonte de entretenimento juvenil e de
lucros. [...] Estes jogos são altamente competitivos, violentos e
oferecem alegorias para a vida sob o capitalismo empresarial
e o militarismo da guerra ao terror. [...] os mais vendidos são
espetáculos do capitalismo predatório e do militarismo
machista, e não os de um mundo mais pacífico, amistoso e
cooperativo. (KELLNER, 2006, p. 134).
No entanto, para além da dimensão comercial e fantasiosa das várias
formas assumidas pela cultura da mídia, sem sombra de dúvidas, os
videojogos podem desempenhar um importante papel de agente promotor
do conhecimento, já que os velhos meios de comunicação, como o rádio e
a TV, estão sendo transformados pela introdução de novas tecnologias,
dando ao espectador o direito de interagir com seus personagens preferidos.
Falando especificamente acerca da relação entre a cultura da mídia
e a história, J. B. Thompson destaca o fenômeno da historicidade mediada,
na qual
os
consumidores
das mídias
se
introduzem
nos
principais
acontecimentos do passado via produtos midiáticos, tais como: a
programação televisiva, o cinema e, em nosso modo de ver, também os
jogos (THOMPSON, 1998, p. 38). O que não dizer de uma série de filmes que
povoa o cinema desde a década de 1950, que em comum traze a lenda de
Robin Hood e que contribuiu para uma dada imagem acerca do período
medieval, que é amplamente difundida nos meios populares? As várias
histórias acerca do justiceiro anti-herói, que rouba dos ricos para dar aos
pobres, parecem fascinar, ainda hoje, milhares de pessoas. Assim sendo, a
fama do bandido benfeitor, que prospera desde o final da Idade Média
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através de baladas, contos e poemas, pode dar ensejo para que, dentre
outras coisas, personagens históricos como: João sem Terra (1167-1216),
Ricardo Coração de Leão (1157-1199) e Leonor da Aquitânia (1122-1204),
importantes nomes relacionados ao contexto da Terceira Cruzada, se
tornem conhecidos entre o público consumidor dessas tramas7.
O Jogo e suas representações
O enredo do jogo Assassin’s Creed começa no ano de 2012, quando
Desmond Miles é sequestrado e levado a um laboratório nas Indústrias
Abstergo – elemento que reforça o caráter ficcional presente nesta trama – ,
onde é colocado no Animus, máquina que consegue ler o material genético
do indivíduo e transportá-lo à memória de seu antepassado direto. Ao
encarnar Altaïr, membro da Seita dos Assassinos8, Desmond conduz o
espectador ao passado medieval das cruzadas (1191) e oferece recursos
para a construção de um imaginário sobre esse período que pode ter
paralelos com o momento atual. Pois, “[...] os textos populares da mídia
constituem um acesso privilegiado às realidades sociais de sua era, assim, a
sua interpretação possibilita a compreensão daquilo que está de fato
acontecendo em determinada sociedade em dado momento” (KELLNER,
2001, p. 143).
Dentre os diversos filmes produzidos sobre a lenda de Robin Hood, destacamos Robin
Hood: Príncipe dos Ladrões, dirigido por Kevin Hal Reynolds, que serviu de inspiração para
que fosse lançado um game de mesmo nome pela Nintendo Entertainment System e Game
Boy, ainda em 1991. O videojogo se tornou popular entre os fãs do seguimento devido aos
seus quatro modos de jogabilidade (Overworld, Duel Mode, Meelee Mode e Horse Chase
Mode) e pela natureza de suas missões, que se aproximavam daquilo que havia sido
retratado pelo filme. Apesar disso, algumas tarefas incumbidas aos jogadores na pele de
Robin não estavam presentes no enredo da película, mas diziam respeito a situações
comuns do medievo, como impedir que casamentos comprados acontecessem.
8 Suas origens remontam o século XI, quando ocorre uma divisão no mundo islâmico, em
meio à facção xiita. Antes eles eram admitidos, por nomeação de seus inimigos, como
hashishiyyun, termo pejorativo cuja definição era “usuário de haxixe”, embora fosse mais
apropriado chamá-los de nizaris identificando-os pelo nome de seu último líder Nizar
(BARTLETT, 2007).
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Quanto ao contexto em que o jogo foi produzido, os meios de
comunicação destacavam a perseguição norte-americana a Osama Bin
Laden, principal procurado pelas forças militares (daquele país) depois dos
atentados ao World Trade Center9. Em setembro do mesmo ano da
chegada dessa produção ao mercado, Bin Laden gravou um vídeo
elogiando os autores do atentado de 11 de setembro de 2001. Nesse
sentido, o jogo pode ser entendido como uma metáfora que retrata a
guerra ao terror, dando aos islâmicos uma identidade de fanáticos e
terroristas. De certa forma, o game retoma o confronto Ocidente versus
Oriente, que provém desde o século VII, mas que tem em fins do século XI,
época do início das Cruzadas, um importante momento nas relações
intercivilacionais.
O presidente dos Estados Unidos na época, George W. Bush, que se
declarou “cristão renascido” em 1999, no dia 16 de setembro de 2001,
convoca os americanos para uma nova “cruzada”, o que depois rebatizaria
de “guerra ao terror” (BOND, [s.d.]). O crescente medo de novos atentados
ganha as páginas dos principais jornais e revistas do mundo inteiro. Aliado a
isso, temos a constante ameaça de arma bacteriológica por parte de
extremistas islâmicos, o que nos permite fazer uma análise entre as diferentes
formas de terror praticadas no período medieval e as da atualidade. Bernard
Lewis (2003), em Os Assassinos: Os primórdios do terrorismo no Islã, reforça
essa ideia.
Mas em que medida a análise do terrorismo atual evoca o
procedimento dos Assassinos? Será que a prática dos Assassinos medievais
pode ser considerada como terrorismo no sentido mais contemporâneo da
palavra? Apesar de Lewis sugerir que os atuais terroristas islâmicos e a ação
dos membros da Seita dos Assassinos tenham algumas semelhanças, ao
Assassin’s Creed foi lançado em novembro 2007 pela empresa Ubisoft Montreal, e ganhou
respaldo em meio a seus espectadores tanto por seus gráficos de alta precisão, quanto pela
história que envolve uma das seitas mais polêmicas do período medieval.
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traçar um paralelo entre as duas formas de terror aludidas acima, observa-se
a existência de inúmeras divergências no foco da ação dos dois.
Os Assassinos da Idade Média focavam um único alvo e faziam de
tudo para aproximar-se dele sem atrair suspeitas. Infiltravam-se no convívio
de sua vítima e se faziam de aliados para, por fim, matar. Para ilustrar esse
fato, Bartlett nos narra o homicídio de Conrad de Montferrat10:
Logo após receber a oferta do reino de Jerusalém, Conrad
estava irritado com a esposa que ainda não tinha preparado
o jantar. Com um humor nada agradável, saiu pelas ruas da
cidade em direção a casa de seu amigo [...]. Durante o
trajeto, foi abordado pelos dois monges recém-chegados.
Travaram com ele uma agradável conversação. Mas depois,
em uma fração de segundo puxaram adagas que traziam
ocultas sob a dobra dos hábitos. Se, naquele instante, Conrad
teria ou não reconhecido os homens como assassinos Nizares
nunca se saberá. Porém, o resultado desse ataque foi muito
claro Conrad caiu de seu cavalo e rolou pelo chão,
fatalmente ferido. (BARTLETT, 2007, p. 149)
O próprio Bernard Lewis ainda afirma que
[...] as vitimas escolhidas eram quase invariavelmente os
governantes e líderes da ordem existente – monarcas,
generais, ministros, importantes autoridades religiosas. Eles só
atacavam os grandes e poderosos [...] e escolhiam os alvos
mais difíceis e protegidos bem como o modo mais perigoso de
atacar (LEWIS, 2003, p. 8).
Assim procedendo, conquistavam, através do medo sobre seus
adversários, aquilo de que necessitavam para a manutenção de sua ordem.
Nesse sentido, a ampliação e difusão das mídias e a globalização das ideias
na sociedade atual, ampliam o medo e o impacto do terror no mundo.
Jacques A. Waimberg, estabelecendo conexões entre os meios de
comunicação e o terror, nos revela que os noticiários acerca do terrorismo
“Conrad era um aventureiro e uma espécie de herói improvável”. Foi coroado rei de
Jerusalém com aceitação, embora relutante, do rei inglês Ricardo I. (BARTLETT, 2007, p.149).
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possuem um grande impacto no imaginário das pessoas. A mídia amplifica
os efeitos do terror, potencializando o medo: tal desproporção entre meios e
fins só é possível por causa da intervenção da comunicação massiva que,
atraída pela violência e pelas vítimas, alardeia em seus telejornais,
documentários e reportagens, a causa política em jogo (WAIMBERG, 2005, p.
7).
Portanto, nessa linha de argumentação, podemos estabelecer
similaridades entre o comportamento dos Assassinos medievais e os terroristas
da atualidade, pois, em ambos os casos, o uso do medo é potencializado
através da publicidade que o terror adquire, seja através dos meios de
comunicação (como acontece na contemporaneidade) ou de comentários
informais realizados face a face pelas pessoas que presenciaram o evento
(como acontecia na época da seita xiita).
Bernard Lewis, ao tratar das armas usadas pelos assassinos medievais,
diz que quase sempre utilizavam a adaga e que após ter exterminado sua
vítima não faziam conta de fugir e nem mesmo de serem resgatados. “Nesse
aspecto os assassinos podem ser vistos como os precursores dos homens
bomba, suicidas de hoje” (LEWIS, 2003, p. 9). Essa informação invalidaria por
completo as missões propostas no game, pois o protagonista tem o dever de
eliminar nove pessoas, ou seja, a quantidade de vítimas cria um paradoxo
com a bibliografia supracitada. Outra divergência entre história/ficção é
sobre o armamento utilizado pelos assassinos que, no jogo, além da adaga,
Altaïr dispõe de espada e facas para atirar, para o cumprimento de sua
missão. “É significativo que praticamente não usassem armas mais seguras
existentes na época, como o arco e a besta, armas de arremesso e veneno”
(LEWIS, 2003, p. 8).
O jogo tem como cenário as cidades de Acre, Damasco e Jerusalém,
pontos estratégicos para o sucesso das expedições cruzadistas. Jerusalém
pertencia ao domínio árabe e, até o século XI, eram permitidas
peregrinações cristãs à Terra Santa, porém já no final deste mesmo século
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são proibidas, principalmente em função do clima de caos e desordem que
se instalou na região, após o advento dos turcos seldjúcidas, que sucedem
os árabes no domínio da região. Aliado a tudo isso, no Ocidente, a Igreja de
Constantinopla passa a se distanciar da de Roma por questões de natureza
teológica e política. Então, o Papa Urbano II, em 1095, convoca as Cruzadas
com o intuito de retomar Jerusalém e libertar os cristãos oprimidos pelos
turcos na Terra Santa.
Hilário Franco Junior, ao analisar o fenômeno das Cruzadas (10961270), descreve que elas serviram de “[...] válvula de escape para as tensões
sociais, econômicas e políticas presentes na sociedade feudal [...]” (FRANCO
JÚNIOR, 1999, p. 10). O surto demográfico ocorrido, principalmente a partir
do ano 1000, devido às melhores condições de produção, higiene e
alimentação, acarretou grande número de pessoas desempregadas e sem
expectativas, passíveis de revoltas na Europa Medieval. Então, é significativo
que as regiões que conheceram de forma mais acentuada um crescimento
demográfico como a França, tenham sido as que forneceram o maior
número de combatentes. De certa forma, as cruzadas funcionariam como
uma válvula de escape para aliviar os problemas decorrentes do surto
populacional europeu enfrentado a partir do século X.
No entanto, há aspectos que o jogo retrata que estão de acordo com
a história. Um deles é a cena em que Altaïr e outros dois membros da seita
sobem no local mais alto da Fortaleza de Masyaf11 e ao comando do seu
Mestre saltam, demonstrando não ter medo da morte. Essa atitude,
historicamente falando, é chamada de “salto da fé”. No jogo isso faz parte
de uma estratégia para desviar o foco de Robert de Sable12, que estava
O Castelo Masyaf efetivamente se tornara o quartel-general do grupo [Assassinos], na
Síria. Era uma fortificação poderosa e bem defendida, em uma posição que dificultava o
ataque de um exército (BARTLETT, 2007, p. 141).
12 Robert de Sable foi o Grão-Mestre da Ordem dos Templários (1191-1193) e participou da
Terceira Cruzada ao lado dos Reis Ricardo I e Filipe Augusto, na conquista do território do
Acre. No jogo ele é um dos alvos de Altaïr e morre depois de travar uma batalha com o
mesmo. No entanto, sua morte na vida real se deu de causas naturais (WIKIPEDIA, [s.d.]b).
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prestes a invadir a Fortaleza dos Assassinos. Bartlett cita Arnold Lübeck,
cronista alemão do início do século XIII, que descreve o mesmo rito: “[...]
muitos deles [assassinos] estando no alto de uma alta muralha, até se
atiravam a um aceno ou ordem [de seu líder], despedaçando os crânios,
padeciam uma morte miserável [...]” (BARTLETT, 2007, p. 193).
Dentre os personagens do jogo, destacamos Garnier de Naplouse13,
Willian (Guilherme) de Montferrat14, Robert de Sable (já citado) e Sibrand15,
personagens que representam pessoas que, de fato, existiram. Já entre os
que fazem alusão a outras figuras históricas, podemos citar: Al Mualim,
personagem que evoca Rashid ad-Din Sinan, conhecido como o “O velho
da Montanha” (MAALOUF, 2001, p. 172), que assumiu o controle da seita
após a morte de Abu Muhammad (1100-1160) e o sétimo alvo de Altaïr,
Jubair al Hakim, inspirado no cronista muçulmano Ibn Jubayr (1145-1217)
(BARTLETT, 2007, p. 224).
O jogo também retoma o discurso orientalista que associa o Oriente
ao sexo e a licenciosidade. Em uma cena, que se passa ao fundo da
Fortaleza de Masyaf, há um jardim com várias mulheres dançando em meio
a uma paisagem que remete a um cenário paradisíaco. Já em outra
ocasião, quando Altaïr vai ao encontro de sua sétima vítima, Abu’l Noqoud,
a situação sugerida é de vários homens e mulheres em clima de festa,
dançando e bebendo. Como Edward Said afirmou, o Oriente era muitas
vezes descrito como um lugar onde se podiam realizar as experiências
sexuais impossíveis de se obter no Ocidente (SAID, 1990, p. 198). Dessa forma,
Garnier de Naplouse foi o nono Grande Mestre dos Cavaleiros Hospitalários (11901192). Ele lutou na Batalha de Arsuf, sob o Richard Lionheart. No jogo, Garnier aparece
como um velho e é um dos alvos de Altaïr. E morre antes da Batalha de Arsuf (WIKIPEDIA,
[s.d.]a).
14 William V de Montferrat (1115-1191), foi marquês de Montferrat de 1136 até sua morte, em
1191. William era o único filho do Marquês Renier I e sua esposa Gisela, filha de Guilherme I,
Conde da Borgonha e viúva do Conde II Humbert de Sabóia. No jogo ele é um dos alvos de
Altaïr e é Senhor do Acre e vassalo do Rei Ricardo I (WIKIPEDIA, [s.d.]c).
15 Sibrand foi líder dos Cavaleiros Teutônicos na vida real: Meister (mestre) Sibrand. Um dos
primeiros líderes dos Cavaleiros Teutônicos, que foi colocado no poder por volta de 1190
(WIKIA, [s.d.]).
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PORTO, César Henrique de Queiroz; SILVA, Luiz Gustavo Soares. Cultura da mídia e
medievalidade: uma análise do videojogo Assassin’s Creed. Domínios da Imagem, Londrina,
v. 9, n. 17, p. 257-276, jan./jun. 2015.
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muitas imagens que procuram representar o Oriente em filmes, jogos e outras
produções reproduzem o Orientalismo16.
Recepção do jogo
Por acreditar que os games podem nos ensinar sobre o estágio atual
de nossa cultura e por estarem assumindo um papel cada vez mais relevante
em nossa sociedade, cremos, assim como Derval Golzio e Olavo Mendes,
que “[...] para além das correlações que possam existir entre videojogos e
violência alguns [deles] [...] despertam a atenção pela forma como impõem
representações sociais a determinados povos ou comunidades” (GOLZIO;
MENDES, 2008). Contudo, do mesmo modo que os produtos da mídia podem
manipular os eventos do passado através de intertextualidades, também
sofrem
alterações
por
parte
de
seu
público
em
decorrência
da
popularização de fóruns e sites da Internet, que se caracterizam como
mecanismos favorecedores do diálogo entre o público e a obra em questão.
Henry Jenkins (2008), em Cultura da Convergência, destaca que os
fóruns on-line podem representar uma oportunidade para que seus
participantes compartilhem conhecimento e opiniões sobre o jogo. Afirma,
ainda, que precisamos ter em mente que os interesses de produtores e
consumidores não são os mesmos, mas que às vezes se sobrepõem. Como
no caso da sequência de jogos, que compõem a saga Assassin’s Creed17,
que após alguns protestos de fãs aficionados pela trama produzida pela
Em 1979, Edward Said formulou a tese do Orientalismo estudando obras produzidas pelos
europeus que retratavam o Oriente e concluiu que esse era quase uma invenção europeia,
sendo tratado desde a antiguidade como um lugar de romance, de seres exóticos, de
aventuras e memórias. Para ele, o Oriente não passava de um discurso europeu, forjado a
partir da ideia e experiência de contraste. Nesse sentido, desde muito cedo o Oriente foi
retratado como uma terra de sonhos, prazeres e fantasias. Portanto, o Orientalismo é
produto de um discurso que criou no Ocidente um Oriente imaginário (SAID, 1990).
17 Assassin’s Creed, Assassin’s Creed II, Assassin’s Creed Brotherhood, Assassin’s Creed
Revelations, Assassin’s Creed III Liberation, Assassin’s Creed III, Assassin’s Creed Liberation HD,
Assassin’s Creed Pirates, Assassin’s Creed Freedom Cry, Assassin’s Creed Black Flag, Assassin’s
Creed Unity.
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PORTO, César Henrique de Queiroz; SILVA, Luiz Gustavo Soares. Cultura da mídia e
medievalidade: uma análise do videojogo Assassin’s Creed. Domínios da Imagem, Londrina,
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Ubisoft, em outros países que não eram de língua inglesa – ou daquelas
línguas disponíveis no setup do game: espanhol, italiano e alemão –,
reclamaram pela falta de legendas ou dublagem nos trechos do game em
que são expressas as falas de personagens importantes. Esses fãs queriam
compreender a história do jogo. No Brasil, para ilustrar esse processo de
convergência18, damos ênfase para os vídeos postados no site YouTube por
Legendasacbr, que em entrevista através do canal de mensagem do
mesmo site, diz:
Meu interesse em publicar esses vídeos vem da frustração que
me dava pelo primeiro jogo não ter legendas nem em inglês...
Muita gente não ia entender a história, que se tratando do
mundo dos games, é uma das mais ricas. As pessoas que não
falam nada de inglês, mas que gostariam de entender a
história, também são o meu alvo no AC2. Só a falta de tempo
e um pouco de falta de vontade também, atrasaram esse
segundo projeto.19
Quando perguntado se fazia parte de alguma ramificação da Ubisoft
no Brasil, respondeu: “Não sou filiado da Ubisoft, que inclusive depois de um
tempo começou a deletar os vídeos que eu estava fazendo do Assassin’s
Creed II legendados. Serão hospedados em outro site futuramente. Apenas
mais um fã.” (SILVA, 2011) A Internet é uma ferramenta que favorece
inúmeras oportunidades de interação com o conteúdo das mídias. E, cada
vez mais, sites como o YouTube e outras redes sociais têm se tornado um
“Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes
midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento
migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em
busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que
consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais,
dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando[...]” (JENKINS, 2009, p.
29).
19 Legendasacbr continua, ainda hoje, postando legendas para os vídeos do jogo que não
têm tradução para o português. Em uma ocasião mais recente, já no ano de 2013, quando
perguntado sobre o assunto, disse que a Ubisoft não tem mais se preocupado em excluir as
postagens feitas por ele (SILVA, 2011).
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PORTO, César Henrique de Queiroz; SILVA, Luiz Gustavo Soares. Cultura da mídia e
medievalidade: uma análise do videojogo Assassin’s Creed. Domínios da Imagem, Londrina,
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local de participação dos fãs que, por sua vez, expõem pontos de vista em
relação à franquia, aprofundam o enredo dessas histórias e interagem de
muitas maneiras lícitas e ilícitas em relação a esses conteúdos. Acreditamos
que, se de um lado a convergência das mídias representa uma
oportunidade de crescimento empresarial, uma vez que o conteúdo de uma
plataforma pode fazer sucesso também em outra, por outro lado, essa
confluência de suportes midiáticos pode simbolizar um grande perigo às
empresas, pois temem perder o controle da produção de suas franquias.
Sobre seu apelido, comenta que participou da comunidade de fãs do
Assassin’s Creed Brasil, no Orkut, “Vai ver é de lá que eu tirei a idéia” (SILVA,
2011). Atualmente, a comunidade de fãs no Twitter conta com cerca de 800
mil seguidores; no Instagram, 40 mil; e no Facebook, atinge a incrível marca
de 9,5 milhões de membros espalhados por todo o mundo. A Ubisoft
também é responsável pela perpetuação de clássicos como Resident Evil 4,
em sua versão para PC, e America’s Army – jogo feito sob encomenda do
exército norte-americano para tentar conter a baixa de alistamentos em
1999 – e investe através de uma de suas derivadas, a Ubiworkshop, em
quadrinhos, camisetas, chaveiros, fantasias dentre outros.
Para Jenkins: “[...] no mundo da convergência das mídias, toda história
importante é contada, toda marca é vendida e todo consumidor é
cortejado por múltiplas plataformas de mídia” (JENKINS, 2009, p. 29). Através
desse universo é que a franquia Assassin’s Creed vai se tornando um
fenômeno mundial, com jogos, livros e filmes dentre outros. Recentemente
foram publicados no Brasil alguns livros que visam ampliar a experiência de
entretenimento possibilitada pela história dos jogos, sob os títulos: A Cruzada
Secreta, Renascença, Irmandade, Revelações, Renegado e Assassin’s
Creed: Bandeira Negra; além das HQ’s Assassin’s Creed: A queda, que conta
a história de Nikolai Orkov, assassino que viveu durante a Primeira Guerra
Mundial; e Assassin’s Creed I: Desmond, que diferentemente dos outros livros
da série, conta episódios da vida de Desmond Miles, personagem que vive
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PORTO, César Henrique de Queiroz; SILVA, Luiz Gustavo Soares. Cultura da mídia e
medievalidade: uma análise do videojogo Assassin’s Creed. Domínios da Imagem, Londrina,
v. 9, n. 17, p. 257-276, jan./jun. 2015.
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nos tempos atuais. Através da leitura desses textos é possível conhecer mais
sobre o personagem principal de cada jogo e ampliar o universo de
experiências mediadas por meio da ficção. Além disso, será lançado em
2015 uma versão adaptada para o cinema sobre a trama dos Assassinos.
Esta será uma coprodução entre a New Regency e a 20th Century Fox, que
fará a distribuição do longa (ROMARIZ, [s.d.]). Portanto, para aqueles que
não têm hábito de ler, mas se interessam pelo jogo, essa será mais uma
oportunidade de aprofundar na história.
Jenkins afirma ainda que “[...] os fãs são o segmento mais ativo do
público das mídias [...]” (JENKINS, 2009, p. 188) e que a Internet ajusta-se
como um poderoso canal de distribuição da produção cultural amadora.
Nesse sentido, torna-se um ambiente favorável para a experimentação e
inovação. Portanto,
Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde
mandavam que ficassem, os novos consumidores são
migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes
ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram
indivíduos isolados, os novos consumidores são mais
conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de
mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são
agora barulhentos e públicos. (JENKINS, 2009, p. 47)
Assim sendo, fóruns de discussão na Internet favorecem o diálogo
entre o público dessas obras e a empresa que as produziu. A convergência
das mídias modifica a lógica pela qual a indústria midiática atua e o modo
como os consumidores dão significado à notícia e ao entretenimento. “A
convergência refere-se a um processo, não a um ponto final” (JENKINS, 2009,
p. 43), constituindo-se assim um importante elemento propagador da cultura
popular.
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medievalidade: uma análise do videojogo Assassin’s Creed. Domínios da Imagem, Londrina,
v. 9, n. 17, p. 257-276, jan./jun. 2015.
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Considerações Finais
Conforme vimos, por meio da cultura da mídia, através do jogo
Assassin’s Creed, elementos da cultura medieval têm sido retomados, apesar
de marcados pela fantasia, pelo maravilhoso e pelas diversas hibridizações,
que caracterizam a maioria das produções veiculadas pela indústria do
entretenimento, sob as mais diversas formas – filmes, programas de televisão
como novelas e seriados, além de desenhos animados e os jogos
propriamente ditos.
O contexto histórico se inscreveu numa temporalidade marcada por
um importante momento nas relações entre a Cristandade Europeia e o
Oriente Islâmico. Como Kellner nos assegura, a Cultura da Mídia pode refletir
também
angústias,
incertezas
e
inquietações
das
sociedades
contemporâneas.
O jogo coincidiu com a política de combate ao terror, empreendida
pelo governo norte-americano no pós 11 de setembro, quando grupos
ligados ao terrorismo islâmico atacaram as Torres Gêmeas, em Nova Iorque.
Em 2007, ano em que foi lançado esse videojogo, foi também um momento
de elevada tensão nas conturbadas relações entre o mundo muçulmano e
o Ocidente – marcado por um relativo aumento no número de tropas
americanas na ocupação do Iraque. De certa forma, essa produção da
cultura da mídia recente traduz, em alguma medida, o aumento da
violência que tem marcado na contemporaneidade, uma parcela do
antagonismo que envolve os Estados Unidos e a civilização muçulmana.
Por fim, deve-se considerar que o jogo também promove o que Jenkins
chama de convergência midiática, ou seja, um produto ficcional que leva
parte de seu público consumidor a se mobilizar através de outros canais da
mídia, principalmente fazendo uso da Internet, instaurando redes de
discussão virtual, nas quais fãs interagem entre si e com as produções.
Assassin’s Creed conseguiu arregimentar milhões de seguidores em todo o
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medievalidade: uma análise do videojogo Assassin’s Creed. Domínios da Imagem, Londrina,
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mundo, levando, conforme mencionamos, até um fã brasileiro a postar um
vídeo com legendas em português, como uma espécie de protesto, pois o
mesmo reivindica a possibilidade de todos terem direito a entender a
história.
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Lançamento: Novembro de 2007. Gênero: Ação e Aventura. Modos de
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