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MODELOS NA ARTE 200 anos da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro Anais eletrônicos do VII Seminário do Museu D. João VI Ana Cavalcanti Marize Malta Sonia Gomes Pereira Arthur Valle Organizadores MODELOS NA ARTE 200 anos da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro Anais eletrônicos do VII Seminário do Museu D. João VI Ana Cavalcanti Marize Malta Sonia Gomes Pereira Arthur Valle Organizadores Rio de Janeiro Edições EBA 2017 La imagen de Bolívar en la coniguración de modelos estéticos en el siglo XIX colombiano / Carolina Vanegas Carrasco Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Os artigos e as imagens reproduzidas nos textos são de inteira responsabilidade de seus autores ISBN 978-85-87145-72-7 Anais eletrônicos do VII Seminário do Museu D. João VI EBA/CLA/UFRJ 2017 2017 © Capa: Adriano Motta Concepção Gráica Organização Editorial Marize Malta Marcele Linhares Viana Projeto Gráico: Adriano Motta Apoio CAPES Escola de Belas Artes - UFRJ Centro de Letras e Artes - UFRJ Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais – EBA/UFRJ Organização Ana Cavalcanti Marize Malta Sonia Gomes Pereira Arthur Valle CAVALCANTI, Ana; MALTA; Marize; PEREIRA, Sonia Gomes; VALLE Arthur (orgs.). Roberto Leher Reitor Modelos na arte. 200 anos da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Anais eletrônicos do VII Seminário do Museu D. João VI. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, Flora De Paoli Decana do CLA 2017. 655p. Carlos Terra Diretor da EBA • Felipe Scovino Coordenador do PPGAV Ana Cavalcanti Coordenadora do Museu D. João VI Museu D. João VI 2. Modelos na arte 3. História da arte I. Título II. Universidade Federal do Rio de Janeiro 4 5 SUMÁRIO Maria Luisa Tavora / Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 ACADEMIAS, MODELOS E OS 200 ANOS DA ACADEMIA DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO Rafael Bteshe / Os manuscritos de Marques Junior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170 APRESENTAÇÃO MODELOS DE ENSINO EM OUTRAS ACADEMIAS ACADEMIAS E QUESTÕES ARTÍSTICAS PALESTRA CONFERÊNCIAS Anna Marley / Making history in American Art Academies 1781-1893 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190 Alain Bonnet / La Gloire et l’Opprobre: la carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 COMUNICAÇÕES Sonia Gomes Pereira / Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Laurens Dhaenens / Modelled on sound: art criticism and the institutionalization of the visual arts in Buenos Aires, Rio de Janeiro and Santiago de Chile between 1869 and1879 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206 MODELOS DE ENSINO NA ACADEMIA DO RIO DE JANEIRO Michela Degortes & Maria João Neto / Ensino artístico na Corte Portuguesa do Rio de Janeiro: a escolha entre os modelos francês e italiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 224 PALESTRA Elaine Dias / Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816 – 1851) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 Amandine Diener / Brazilian architecture and the École des BeauxArts. Teaching approach of André Gutton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250 COMUNICAÇÕES Cybele Vidal Fernandes / Ensino artístico na Academia Imperial de Belas Artes. Campo de produção X campo de consagração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 MODELOS DE APLICAÇÃO Ana Cavalcanti / Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 Angela Boesl / The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839 – 1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 274 COMUNICAÇÕES Marina de Andrade & Dalila Santos / O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 Marize Malta / Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 298 6 7 Rogéria de Ipanema / A tradução ilustrada da arte em revista: dentro e fora dos modelos de atuação da Academia Imperial das Belas Artes e da Revista Illustrada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 512 Marcele Linhares Viana / Da ÉcoleGuérin à Bauhaus – os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 322 Danielle Rodrigues Amaro / Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (Rio de Janeiro, 1950 – 1975) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 342 PÔSTERES Barbara Ferreira Fernandes / A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado: as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 530 Larisa Mantovani & Giulia Murace / Enseñarenlas fabricas el amor e lo bello. Artes industriales y academia a comienzos del siglo XIX em Argentina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 372 João Victor Rosseti Brancato / Entre a sala de aula e o Salão: a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 550 Heloisa Salém Fernandes Capel / Modesto Brocos e os modelos de formação artística: defesa das artes proissionais na Primeira República (1890 – 1915) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 388 Valéria Mendes Fasolato / Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 572 PÔSTERES MODELOS DE COLEÇÃO Patrícia Figueiredo Pedrosa / A EBA e o ensino nas oicinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 408 PALESTRA MODELOS DE REPRESENTAÇÃO Maraliz Christo / A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 590 COMUNICAÇÕES Fernanda Mendonça Pitta / Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: o lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 422 COMUNICAÇÕES Valéria Piccoli / A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 614 Carolina Vanegas Carrasco / La imagem de Bolívar en la coniguración de modelos estéticos en el siglo XIX colombiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 456 Tatiana da Costa Martins / O acervo museológico do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 632 Thiago Costa / Debret, leitor de Humboldt. Modelos artísticos e cientíicos da representação da paisagem brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 476 Taís Gonçalves Avancini / A formação dos artistas mexicanos e brasileiros, entre 1890 e 1920, na ENBA/ México e na ENBA/ Brasil através da produção de desenhos (“academias”) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 496 8 9 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Apresentação Pereira, professora emérita da UFRJ, como a fundadora dessa linha de pesquisa. Essa liderança tem raízes em fatores históricos e atuais. Em primeiro lugar, devemos lembrar que a antiga Academia das Belas Artes - atual Escola de Belas Artes da UFRJ (EBA/UFRJ), sede do grupo de pesquisa Entresséculos, foi inaugurada na cidade do Rio de Janeiro em 1816, data cujos 200 anos o evento buscou justamente celebrar. Além disso, o Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV) (Mestrado e Doutorado) da EBA/ UFRJ vem ampliando a possibilidade de novas leituras na reavaliação crítica da Academia Imperial de Belas Artes-Escola Nacional de Belas Artes e vem investindo, desde os anos 1990, em uma linha de pesquisa sobre a história do ensino artístico no Brasil, tomando como caso de estudo a sua própria trajetória enquanto instituição que se vale das fontes primárias do Museu D. João VI-EBA-UFRJ. Academias, modelos e os 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Apresentação Em 2016, completaram-se 200 anos da chegada da “Missão artística francesa” ao Rio de Janeiro e consequente criação da Escola Real das Ciências Artes e Ofícios, por Decreto-Lei em 12 de agosto de 1816. Era o início do projeto sistematizado de ensino artístico no Brasil e origem da atual Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para festejar a data, os grupos de pesquisa Entresséculos (PPGAV/EBA/ UFRJ) e DezenoveVinte, por meio de Arthur Valle, com o apoio do Museu Nacional de Belas Artes e o Consulado Geral da França, realizaram um evento acadêmico internacional, comemorativo dos 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro. O Seminário do Museu do João VI e o Colóquio de Estudos sobre a Arte Brasileira do Século XIX serão pela primeira vez realizados conjuntamente em 2016, sendo a sétima versão do primeiro e a quinta do segundo. São eventos acadêmicos já consolidados e renomados ente os estudiosos da arte do século XIX e início do XX, dentro e fora do Brasil. Os eventos fazem parte, respectivamente, das práticas dos grupos de pesquisa Entresséculos e Dezenovevinte, os quais têm contribuído de maneira signiicativa para que o Rio de Janeiro seja percebido como um dos principais centros de estudos acadêmicos sobre a arte oito-novecentista no país, tendo a prof. Dra. Sonia Gomes O acervo do Museu D. João VI, foco privilegiado do grupo de pesquisa Entesséculos e Dezenovevinte, possui grande importância para a memória da produção artística brasileira nos séculos XIX e XX, uma vez que a Academia de Belas Artes, posteriormente Escola Nacional de Belas Artes e, enim, Escola de Belas Artes da UFRJ, foi responsável não apenas pela formação de inúmeros artistas, mas também pelo funcionamento do sistema das artes visuais, organizando exposições, salões e prêmios de viagem. Portanto, boa parte da arte no Brasil e da construção de um imaginário para uma nação emergente, a partir de 1816, está escrita nos livros, documentos e obras pertencentes ao Museu D. João VI. 10 11 Anualmente, desde 2010, ininterruptamente, foram realizados seis seminários do Museu D. João VI com grande sucesso de público de graduação e pós-graduação e plena aprovação dos palestrantes e comunicadores, provenientes de todas as regiões do país, e alguns estrangeiros, demarcando a Escola de Belas Artes como um lugar de encontro de pesquisadores para dividir estudos e relexões. Frutos desses encontros já foram editadas Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Apresentação cinco publicações impressas. Já o grupo Dezenovinte conta com quatro publicações. No conjunto, as produções bibliográicas são referências para pesquisadores e estudantes de graduação e pós-graduação em todo o país. Tais eixos de estudos, no entanto, não foram desenvolvidos de forma simétrica. Alguns deles, como os dois primeiros, apresentam pesquisas mais avançadas. Já o terceiro e o quarto, só mais recentemente, têm sido aprofundados. Há mais de uma década, portanto, os pesquisadores de ambos os grupos vêm atuando no estudo da arte brasileira, acompanhando o movimento internacional de revisão historiográica do século XIX e início do XX – período de forma genérica chamado de acadêmico e anatematizado pela crítica modernista. No caso brasileiro, signiica voltar a atenção para obras, artistas e instituições esquecidos ou reduzidos à repetição de clichês normativos. O primeiro objetivo do evento acadêmico foi avançar o estado da questão dos estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, incentivando pesquisadores brasileiros e estrangeiros a apresentarem trabalhos inéditos que representassem novas pesquisas sobre os eixos temáticos indicados. O segundo objetivo do evento foi atrair pesquisadores de outros países que reletissem, como nós, sobre a função e a prática de suas academias – ou instituições similares – e cujos trabalhos representassem avanços à historiograia geral do tema, sobretudo em torno dos quatro eixos temáticos já citados. Na recente produção historiográica da arte brasileira – em grande parte ligada aos grupos de pesquisa Entresséculos e Dezenovevinte – alguns temas se destacam como vetores de estudos sobre a Academia: A sistemática das pesquisas e dos eventos empreendidos pelos dois grupos permitiu constantes trocas culturais e rendem frutos signiicativos, estreitando laços entre investigadores brasileiros e estrangeiros. Nos últimos eventos, a presença internacional veio se ampliando. O evento de 2016 se propôs a dar continuidade a essa tendência internacionalizante, realizando chamada aberta em quatro línguas: português, espanhol, inglês e francês, de modo a atrair pesquisadores de todo o mundo. Tal ação atraiu uma variedade de pesquisadores estrangeiros, especialmente da América, permitindo traçar um amplo panorama dos estudos em curso sobre as academias e os ensinos da arte nos séculos XIX e XX. • A estruturação teórica e prática do ensino acadêmico e suas relações com os modelos europeus da tradição e da modernidade; • A participação da instituição no projeto de construção da nação tanto na Independência quanto na República; • A estruturação do campo artístico no Rio de Janeiro, tanto dentro da Academia – com o modelo das Exposições Gerais, mais tarde Salões – quanto fora de seus muros – com a progressiva organização do meio artístico mais autônomo, com ateliês, galerias, exposições, periódicos, crítica de arte etc. • A formação das coleções da Academia e o modelo de formação de acervos públicos, ao lado do incentivo ao colecionismo particular. 12 13 Em termos cientíicos, o saldo foi fortemente positivo. Houve grande aluxo de público, especialmente alunos de graduação e pós-graduação de história da arte, com participação ativa nos debates. Alunos da UFRJ e UFFRJ que estivessem com seus professores e/ou em horário de aula, tinham acesso gratuito, assim como os funcionários do Museu Nacional de Belas Artes e do Museu D. João VI. Ao im do evento, todos teceram muitos elogios à iniciativa de reunir vários estudos em torno Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Apresentação dos modelos de ensino da arte em diversos países, permitindo compor um panorama complexo e aprofundado acerca das academias, especialmente na América. e em livro impresso, pela editora Nau, com textos selecionados, cujo conjunto servirá de referência aos estudos sobre modelos de ensino da arte a partir das academias. No livro, os textos originais serão todos traduzidos para o português, de modo a ampliar o público leitor nacional, que poderá usufruir mais facilmente dos estudos de caso e das argumentações apresentadas por cada pesquisador estrangeiro, dando um caráter de coerência bibliográica. Nos anais, os textos, aqui presentes, encontram-se na língua nativa de cada autor, a saber, inglês, francês, espanhol e português e seguiram uma proposta de sumário mais próxima da programação do evento, reunindo vários níveis de andamento de pesquisa. Como atividades paralelas, ocorreram visitas à tela restaurada “Alegoria às Artes”, de Léon Palière, que encimava o teto da biblioteca da Academia de Belas Artes e, que, à princípio, seria inaugurada durante o evento, mas foi postergada em função da agenda de viagem do presidente da França, que estaria presente. Comandados pela professora do curso de Artes Visuais Escultura da UFRJ, Beatriz Pimenta, ocorreu a exposição coletiva de intervenções, com performances, no acervo do Museu Nacional de Belas Artes que, de forma poética, dialogava com a arte proveniente do ensino acadêmico. Finalizando esta apresentação, cabe-nos desejar uma boa leitura e aspirar que os textos nas suas variedades e complexidades permitam iluminar os estudos sobre as academias e as questões artísticas, a partir dos modelos: modelos de ensino na Academia do Rio de Janeiro, modelos de ensino em outras academias, modelos de aplicação, modelos de representação e modelos de coleção. Toda a secretaria do evento contou com o auxílio dos alunos da graduação e pós-graduação da UFRJ que assumiram diversos postos, a quem agradecemos imensamente a colaboração inestimável. Ainda contamos com o importante suporte de inanciamento das agências de fomento – Capes e CNPq –, reforçado pelo apoio do Centro de Letras e Artes, da Direção da Escola de Bels Artes e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e ainda da gráica da Universidade Rural do Rio de Janeiro. A todos, agradecemos o importante apoio. Os organizadores Rio de Janeiro, março de 2017. Estiveram representadas 16 instituições estrangeiras e 18 brasileiras, que apresentaram 3 conferências, 5 palestras, 34 comunicações e 19 pôsteres. Com exceção dos pôsteres, todas as apresentações foram traduzidas – francês-português, inglês-português, português-inglês, espanhol-inglês – , alargando exponencialmente o aproveitamento pelo público das falas proferidas, das questões levantadas e das relexões desenvolvidas. As repercussões do evento acontecerão de duas formas: em anais eletrônicos, com a inclusão de todos os textos enviados na sua língua original, que serão disponibilizados no site da Escola de Belas Artes da UFRJ (www.eba.ufrj.br), na seção Publicações, 14 15 La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle 16 17 Alain Bonnet Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle / Alain Bonnet on songe que ce peintre qui, dans la hiérarchie du médiocre, est maître, est chef d’école, et que cette école, si l’on n’y prend garde, deviendra tout simplement la négation la plus absolue de l’art !5 » William Bouguereau conia un jour à Othon Friesz que, chaque fois qu’il s’interrompait dans son travail pour aller satisfaire un besoin naturel, il perdait cinq francs1. L’anecdote est sans doute inventée, elle n’en est pas moins signiicative de la position économique avantageuse d’une certaine catégorie d’artistes dans le dernier tiers du XIXe siècle2. Bouguereau passe pour être l’exemple même d’un artiste médiocrement doué qui, à force de volonté et de travail, parvint au faîte des honneurs et obtint une reconnaissance professionnelle et sociale que son talent seul ne pouvait lui garantir3. A vrai dire, les honneurs reçus par Bouguereau étaient, de son vivant même, assez discutés. S’il accomplit la carrière classique des élèves consciencieux, se formant à l’Ecole des beaux-arts et obtenant à 25 ans le Prix de Rome, devenant ensuite professeur à l’Ecole et à l’Académie Julian4, puis membre de l’Institut et de différentes académies européennes, décoré de la Légion d’honneur et de nombreux ordres étrangers, recevant des commandes de l’Etat, des municipalité et du clergé pour orner les palais de la nation et les églises, développant un réseau fourni de collectionneurs idèles qui allait jusqu’aux Etats-Unis, il subit également des critiques féroces qui attaquaient non seulement ses œuvres, mais aussi son statut et sa personne. Joris-Karl Huysmans écrivit ainsi, en 1879, à propos de la Naissance de Vénus «: « Il me faut bien, hélas ! commencer par l’œuvre de M. Bouguereau […] De concert avec M. Cabanel, il a inventé la peinture gazeuse, la pièce souflée. Ce n’est même plus de la porcelaine, c’est du léché lasque ; c’est je ne sais quoi, quelque chose comme de la chair molle de poulpe. La naissance de Vénus, étalée sur la cimaise d’une salle, est une pauvreté qui n’a pas de nom […] C’est à hurler de rage quand L’école qu’évoque ici Huysmans, cette école qui était pour lui la négation de l’art, a-t-elle en vérité jamais existé, au sens que l’on donne généralement au mot école? Pendant longtemps, les critiques progressistes et les historiens d’art éclairés, communiant de concert dans le culte du moderne et professant leur foi dans le progrès des arts, ont condamné sans relâche tout un pan de la production artistique du XIXe siècle en englobant ses représentants sous le qualiicatif de pompiers. Il faut revenir sur la déinition de ce terme si tant est que nous puissions lui donner une certaine consistance. Bouguereau est un exemple signiicatif de ce que fut la peinture qualiiée tour à tour d’académique ou d’oficielle, ou plus généralement de bourgeoise, sans que ces termes aient par ailleurs plus de contenu que celui de pompier. Quelques précisions terminologiques s’imposent donc en préambule. 18 19 Pompier est un terme qui a été employé de façon dévalorisante pour désigner, ou plutôt pour disqualiier, une certaine catégorie de peinture produite par un certain type social d’artistes. Un journaliste du début du XXe siècle en donnait cette déinition : « Pompier veut dire un artiste studieux, raisonnable, respectueux des traditions, titulaire d’un certain nombre de récompenses du salon, en un mot arrivé, ou en passe d’arriver, par les traditions classiques6. » Gustave Coquiot, le biographe de Degas, caractérisa de façon plus précise le terme : « Dans l’argot des peintres, le mot « pompier » désignait celui qui peint des tableaux dits de genre aussi vides qu’académiques, en usant de ces accessoires caducs que sont les casques et les glaives, — ou bien encore celui qui s’exténue après des compositions historiques, décomposées à force d’avoir servi […] — ou enin celui qui lèche des portraits compassés et mous7. » Un certain nombre d’adjectifs sont à relever dans ces citations qui précisent le champ lexical qui sera utilisé pour caractériser les artistes relevant de cette Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle / Alain Bonnet tendance (studieux, raisonnables, respectueux, décorés), ou les œuvres produites par eux (vides, caduques, compassées, molles et éculées). L’origine exacte du mot pompier est obscure8. Le qualiicatif s’est sans doute imposé par glissement métonymique. Les grandes compositions exposées au Salon représentaient souvent des guerriers antiques, Grecs ou Romains, qui, par une espèce de convention esthétique déconcertante, étaient montrés prêts à partir au combat en ayant pris soin de protéger leur tête par un casque en oubliant de couvrir une autre partie de leur anatomie, au moins aussi sensible. Ces tableaux, que l’on appelait des grandes machines en raison de leurs dimensions, étaient exposés au Salon. A cause des risques d’incendie, l’exposition nationale était protégée par des pompiers de Paris qui montaient la garde auprès de ces grands cadres, le chef coiffé d’un casque rutilant qui rivalisait avec ceux de Marcus Sextius, de Romulus ou de Tatius. Du casque du pompier de service à celui du héros antique, le glissement était facile et aurait ensuite servi à caractériser l’ensemble des tableaux qui gloriiait ainsi une Antiquité conventionnelle et célébrait les vertus de courage et de sacriice à travers de sujets mis en scène de façon grandiloquente. La prétention des sujets et l’emphase du style fournissent la deuxième origine possible du terme pompier, toujours par glissement. Le qualiicatif a pu s’imposer par ce qu’il pouvait rappeler celui de pompeux qui désigne un comportement ou un langage ridicules par leur exagération de solennité et de vanité. Quoi qu’il en soit de l’origine exacte du terme, il s’est rapidement imposé dans les milieux artistiques comme synonyme de mauvaise peinture. Edgar Degas qualiia ainsi Albert Besnard de « Pompier qui a pris feu », critique à laquelle Gérôme répondit plaisamment qu’il était plus facile d’être incendiaire que chef des pompiers. Le terme de pompier a, pendant longtemps, englobé ceux d’art académique et oficiel. Là également, il faut préciser ces termes dont l’usage, très répandu, n’en est pas moins confus9. La locution art oficiel ne devrait être réservée qu’aux productions 20 21 commandées par l’Etat pour l’ornement des palais nationaux. Mais si nous appliquons avec rigueur cette déinition, force est de constater qu’un artiste comme Delacroix, qui reçut de très nombreuses commandes pour le Palais Bourbon, siège de l’Assemblée nationale, ou pour le Palais du Luxembourg, siège du Sénat, fut un peintre plus oficiel que son rival Ingres, dont la carrière dépendit presque exclusivement de la commande privée. Or, à lire les histoires courantes sur l’art du XIXe siècle, les situations sont inversées : Ingres passe pour l’exemple même du peintre oficiel, protégé par l’Etat et couvert d’honneurs, alors que Delacroix incarne, lui, le mythe de l’artiste incompris et rejeté par les pouvoirs publics10. Il serait sans doute trop long de vouloir expliquer cette incohérence historiographique mais nous pouvons au moins constater que l’usage du qualiicatif oficiel est moins que rigoureux. Art académique a aussi peu de signiication qu’art oficiel. Cette qualiication devrait ne s’appliquer qu’aux artistes membres de l’Académie des Beaux-Arts ou dont les productions étaient en accord avec la doctrine académique. Il semble dificile toutefois de déinir quelle a été cette doctrine et quels principes stylistiques la soutenaient. Si nous envisageons la question d’un point de vue diachronique, nous devons reconnaître que la production des artistes qui ont été membres de l’Académie royale de peinture, avant la Révolution, ou de l’Académie des Beaux-Arts, fondée au début du XIXe siècle, ne témoigne pas d’une identité formelle très forte. Comment en effet déinir la peinture académique à partir des tableaux de François Boucher, qui fut l’académicien le plus réputé dans la deuxième moitié du XVIIIe siècle, comparés à ceux de Jacques-Louis David, qui régna sur l’Académie des Beaux-Arts au début du XIXe siècle et opéra une réforme précisément dirigée contre l’art rococo de Boucher ? ; Quoi de commun entre les grandes compositions héroïques de David et les tableautins d’Ernest Meissonier, qui occupa dans la deuxième moitié du XIXe siècle au sein de l’Académie une position similaire à celle de David? ; Comment prétendre que l’œuvre de Meissonier ait une quelconque identité formelle, que l’on qualiierait de style académique, avec celle de Dagnan-Bouveret, qui devint membre de Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle / Alain Bonnet tement liée chez lui au modèle de la vocation religieuse, qui ne passa pas par le système académique d’instruction, préférant prendre quelques cours de peinture en choisissant librement ses modèles artistiques, qui demeura tout au long de sa carrière à l’écart des circuits institutionnels d’exposition et de vente et ne dut sa survie professionnelle qu’au soutien de son frère Théo, qui travaillait pour Goupil, l’un des grands marchands d’art de la période11. Par opposition à cette image d’un artiste indépendant, l’artiste que l’on qualiiera de pompier, académiste ou oficiel suivra une carrière entièrement marquée par le poids des institutions oficielles, l’Ecole des beaux-arts, l’Académie des Beaux-Arts, le Salon, les associations d’artistes comme la Société des Artistes français ou la Société nationale des BeauxArts, les commandes prestigieuses et les honneurs. Il s’agit bien là de deux types sociaux d’artistes, qui se distinguent non seulement par leur parcours, mais également par leur origine sociale, par leur position professionnelle et par l’image qu’ils construisent d’eux-mêmes. Les séries d’autoportraits sont à cet égard révélatrices. L’artiste indépendant donne volontiers de lui-même l’image d’un être solitaire et incompris, rejeté par la société que pourtant il éclaire et guide grâce à la puissance de ses créations. Les exemples de cette autocélébration sous les traits d’un mage ou d’un prophète sont nombreux12. A l’opposé de ces représentations de l’artiste persécuté et marginal, les artistes oficiels donnèrent d’eux-mêmes une image satisfaite, celle d’artistes conscients de leur dignité, iers de leur position sociale et assurés de leur talent13. l’Académie en 1900? Si l’on envisage la question d’un point de vue synchronique, force est de constater que les titulaires de la dignité académique à une même période ne partageaient pas plus, loin s’en faut, une même conception esthétique : sous le Second Empire, les membres de l’Académie des Beaux-Arts étaient, par exemple, Emile Signol, Louis Cabat, Jean-Léon Gérôme, Victor Schnetz, Alexandre Cabanel ou Isidore Pils. Pourrait-on déduire, à partir de ces exemples, une esthétique commune qui déinirait un style académique? Que ce soit les choix des sujets ou la technique picturale, on voit bien que les artistes qui siégeaient à l’Institut ne partageaient au mieux qu’une position institutionnelle, et certainement pas des convictions esthétiques. Les qualiicatifs de pompier, d’académique, d’oficiel ne renvoient donc pas à une réalité bien établie ou, pour le dire autrement, il semble dificile de donner une déinition claire à ces termes qui ont pourtant été employés de façon répétée, pendant des décennies, par les critiques et par les historiens de l’art pour dénigrer des œuvres et des artistes que l’on jugeait uniformément médiocres ou même indignes. Si l’art pompier ne peut être déini par ses thèmes ou par son style, on peut toutefois tenter de comprendre par une approche de type sociologique l’opposition entre art oficiel et art indépendant, qui a servi de socle à l’écriture de la modernité artistique. Il a en effet existé en France, à partir de la deuxième moitié du XIXe siècle, deux grandes catégories d’artistes, aux contours vagues, qui se distinguaient par le type de formation, par le mode d’exposition et de commercialisation de leurs œuvres et par la nature de la reconnaissance professionnelle qu’ils espéraient. Les peintres qui ont servi de référence à la construction du mythe de la modernité et à l’image fabuleuse de l’artiste d’avant-garde se caractérisaient par une formation libre, proche souvent de l’autodidaxie, par leurs liens professionnels avec les marchands d’art et par le soutien d’une frange de la critique qui publiait dans des petites revues ou des journaux aux tirages limités. L’exemple même de ce type d’artiste demeure Van Gogh, qui embrassa tardivement la carrière des arts par vocation, une vocation qui était étroi- 22 23 Il reste à présent à évoquer ces institutions artistiques qui déterminèrent, au XIXe siècle, la carrière de ces artistes, nombreux et divers, qui furent regroupés sous l’épithète dépréciative de pompiers. La première étape d’une carrière était, évidemment, celle de la formation14. Comment était organisé l’enseignement des arts à l’époque des académies, quels étaient les exercices qui étaient imposés aux élèves, quel était le but de cet enseignement ? Le premier point à souligner ici, qui constitue l’essence même de l’académisme artistique ou même, plus exactement, de la tradition artistique fondée à la Renaissance, est que toute Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro la formation artistique était orientée en vue de reproduire les formes du corps humain. Cet impératif était à ce point présent dans les consciences qu’un peintre comme Monet, un des grands impressionnistes et un des modèles de la modernité au XXème siècle, peu suspect donc de complaisance à l’égard de l’académisme, pouvait afirmer sans craindre le paradoxe que tous les artistes, et même les paysagistes, devaient apprendre leur métier en copiant les formes d’un modèle posant nu sur une estrade. Ce type d’enseignement centré sur la reproduction des formes du corps humain demeura remarquablement stable de la Renaissance à la Première guerre mondiale. Le jeune garçon qui se destinait à une carrière artistique commençait à apprendre son métier en copiant les formes élémentaires du corps humain. Il était placé devant des gravures qui reproduisaient les éléments anatomiques et il copiait d’abord les formes les plus simples, en commençant généralement par le nez, puis la bouche, les yeux etc., et terminait par ce qui passait alors pour la partie anatomique la plus dificile à reproduire, le pied. Une fois qu’il avait bien appris à reproduire ces éléments, il devait tenter de les intégrer dans le schéma corporel en copiant des estampes représentant des statues antiques. Quant enin il parvenait à rendre correctement ces gravures, il pouvait être mis directement face à un plâtre, c’est-à-dire face au moulage d’un modèle antique. La dernière étape consistait à reproduire les formes du corps humain directement à partir d’un modèle vivant. Cet exercice était appelé faire une académie et les lieux qui le proposaient s’appelaient pour cela des académies. L’académie artistique la plus célèbre au XIXe siècle était certainement l’École des beaux-arts de Paris. Cette institution avait été fondée au début du XIXe siècle, et elle était dirigée par le collège des professeurs, qui exerçaient à tour de rôle, un mois dans l’année, pour surveiller et corriger les travaux des élèves. On entrait à l’École après un concours pendant lequel les candidats devaient exécuter une académie dans un temps déterminé. Après avoir été reçus, les élèves suivaient un enseignement minimal: pendant une semaine, et à raisons de deux heures par jour, ils devaient réaliser une académie d’après la bosse, c’est-à-dire la copie en plâtre d’une statue antique, la La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle / Alain Bonnet semaine suivante, ils s’exerçaient sur le modèle vivant. Outre cet enseignement réduit, les élèves devaient suivre trois cours: un cours d’anatomie pour apprendre en disséquant des cadavres à la fois la structure osseuse (ostéologie) et le système musculaire (myologie) du corps humain ; un cours de perspective, pour apprendre à représenter grâce à la géométrie un espace cohérent ; un cours d’histoire, pour se familiariser avec l’histoire ancienne et la mythologie antique. Cet emploi du temps peu chargé laissait aux élèves le temps de se rendre au Louvre pour copier les maîtres. L’enseignement des arts au XIXe siècle s’opérait donc principalement, sinon exclusivement, sur la représentation du corps humain, soit à partir du modèle vivant, ain de garantir le respect de la nature, c’està-dire une certaine forme de réalisme, soit à partir des statues antiques pour apprendre les critères intemporels de la beauté idéale. Le véritable mode didactique de l’École des beaux-arts était le concours, et la valeur scolaire essentielle était l’émulation. Il existait toute sorte de concours qui rythmaient la scolarité : des concours de géométrie et des concours d’anatomie, des concours d’esquisse et des concours de composition, des concours de la igure entière ou du torse seul, des concours de la Tête d’expression, où les candidats devaient tenter de traduire par les seuls traits du visage des états d’âme aussi abstraits que « La foi mêlée d’espérance » ou « La mélancolie ». Tous ces exercices avaient un but unique : conduire les élèves au sommet de la formation académique, le Prix de Rome. Le Prix de Rome a été pendant tout le XIXe siècle, et même jusqu’en 1968, date de sa suppression, une véritable institution, à la fois sévèrement moquée par les critiques modernes et enviée et imitée par les nations étrangères. Ce prix était décerné à l’issue d’un concours extrêmement sélectif et donnait droit à un séjour de cinq puis de quatre ans à Rome, à la Villa Médicis, ain d’achever sa formation au contact des antiques et de la grande peinture italienne de la Renaissance, qui constituaient les deux modèles insurpassables de la grandeur artistique dans la doctrine académique. 24 25 Bouguereau fut un élève consciencieux de l’Ecole. Il acquit, Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle / Alain Bonnet exposer au Salon. grâce à cet enseignement rigoureux, une technique picturale élaborée. Il remporta différents concours scolaires, une médaille en perspective en 1847, une médaille de troisième classe au concours des igures, une mention honorable au concours de la Tête d’expression, avant d’être admis à concourir pour le Prix de Rome. En 1850, il obtint cette récompense prestigieuse, à égalité avec Paul Baudry, sur un sujet emprunté à l’auteur latin Tacite, Zénobie sauvée de l’Araxe par les bergers. La comparaison des deux tableaux primés en 1850, celui de Bouguereau et celui de Baudry, permet de juger de l’eficacité de l’instruction académique : à l’issue de leur formation, les élèves de l’Ecole de Paris savaient, à l’évidence, composer un grand tableau, ils savaient ordonner un espace homogène, ils savaient rendre la igure, ils savaient distribuer la lumière, ils savaient jouer des demi-tons pour donner l’illusion du relief, ils pouvaient exprimer des états psychologiques grâce à la pantomime. Cette comparaison permet également de comprendre les critiques de plus en plus marquées qui allaient viser le système académique de formation et les artistes qui en étaient issus : l’identité stylistique très forte qui existe entre les compositions de Baudry et de Bouguereau, identité qui allait encore être renforcée par les exercices imposés aux pensionnaires de la villa Médicis, apparut résolument contraire à l’idéal même de la création artistique, qui supposerait l’expression libre d’un tempérament singulier. Un critique a pu ainsi écrire : « M. Cabanel et M. Baudry ont eu les grands Prix de Rome (1849, 1850), ce qui explique leurs talents en dehors des tendances véritablement modernes et originales. Quand on a été enfermé quinze ans à l’Ecole des beaux-arts de Paris et à la Villa Médicis de Rome, quel caractère, même le plus vivace, saurait conserver l’indépendance, sous la pression continue des vieux professeurs, des vieux exemples, des vieilles routines, des vieilles théories ?15 » Après avoir passé trois années à Rome à la villa Médicis ain de parfaire sa formation, Bouguereau revint à Paris pour entamer enin, à l’âge de 30 ans, une carrière professionnelle. Pour un artiste formé à l’Ecole des beaux-arts et lauréat du Prix de Rome, cette entrée dans la carrière ne pouvait que signiier 26 27 Le Salon était, avant la Révolution, réservé aux seuls membres de l’Académie royale de peinture et de sculpture. Il s’agissait donc d’une manifestation à la fois oficielle, puisqu’elle était protégée par le roi, et privée, puisqu’elle n’était ouverte qu’aux membres d’une confrérie. Sa fonction était claire : le Salon devait exposer au public l’excellence de l’art français contemporain16. Après la Révolution, le Salon changea de nature en devenant un espace de vente mais conserva l’idéal de prestige qui avait été celui des expositions d’Ancien Régime, ce qui entraîna nécessairement des tensions dans la communauté des artistes. Pour ajouter encore à la confusion, l’accroissement des œuvres exposées transforma la physionomie de l’exposition. Alors que le Salon d’Ancien Régime, pour répondre à sa fonction de prestige, était essentiellement ouvert à la peinture d’histoire, les Salons du XIXe siècle virent la présence de plus en plus marquée des portraits, des paysages ou des natures mortes, c’est-à-dire de tous ces genres picturaux qui, s’ils n’étaient que peu appréciés par la théorie académique à cause de leur faible élévation spirituelle, étaient certainement plus facilement négociables sur le marché libre des œuvres d’art. Ces deux problèmes, pratique et doctrinal donc, vont être à l’origine des conlits provoqués par le Salon tout au long du XIXe siècle. L’accroissement continu de la population des artistes, et par voie de conséquence celui des œuvres, obligèrent les organisateurs du Salon à investir les galeries du Louvre, puis à trouver d’autres lieux, plus vastes et plus commodes, pour abriter l’exposition17. Cette augmentation continue provoqua également des problèmes d’intendance et d’accrochage. D’autre part, la possibilité d’exposer offerte à des artistes en nombre sans cesse grandissant entraîna des récriminations de la part des artistes rejetés par le jury, qui criaient à l’injustice, mais également de la part des artistes autorisés à exposer, qui jugeaient que le trop grand nombre d’œuvres accrochées aux cimaises entraînait une perte de qualité, que le Salon n’était plus une vitrine mais un bazar commercial, et inalement qu’y exposer déconsidérait. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Les problèmes soulevés par le Salon au XIXe siècle se cristallisèrent autour de la question du jury. Sous l’Ancien Régime, le jury avait une fonction simple : il devait, non pas apprécier la qualité des œuvres dans la mesure où ces œuvres étaient produites par des artistes dont la compétence était établie par leur appartenance à l’Académie, mais être le garant de leur moralité et de leur conformité politique. Le jury au XIXe siècle aura une autre fonction, plus délicate à conduire : il ne devait plus seulement écarter les œuvres tendancieuses, il devait surtout en estimer le mérite artistique. Le jury se transforma en conséquence en une espèce de consistoire esthétique chargé d’appliquer une norme artistique et, selon une expression régulièrement employée, être le Gardien du Temple. La légitimité du jury fut alors mise en question par une partie des artistes, qui refusa de se plier aux décrets d’une assemblée composée des membres de l’Académie des Beaux-Arts, au nom de la liberté de l’art, une réclamation qui emprunta beaucoup, dans sa formulation, aux principes de la politique économique encourageant la liberté du commerce. La question du maintien ou de la suppression du jury se posa de façon de plus en plus nette au long du siècle, selon deux options : soit la nécessité d’un jury pour séparer les œuvres de qualité des œuvres médiocres ; soit, au contraire, l’abolition du jury ain de garantir la libre circulation des œuvres, assimilées à des marchandises. Ces deux options renvoyaient à la déinition des fonctions du Salon. Devait-il être, comme à l’origine, le lieu de l’excellence, devait-il au contraire être un simple lieu de vente, sans considération de qualité ? Elles s’appuyaient sur deux conceptions très nettement opposées de la légitimité artistique : la première acceptait l’idée qu’il existe en art des normes établies qui dictent la valeur et le mérite des productions ; la seconde estimait que seul le succès commercial, et donc le jugement du public qui achète ou n’achète pas, était le critérium de la qualité. Ces deux opinions opposées furent résumées par Balzac, qui afirma en 1839 « Sans le choix de l’Académie, il n’y aurait plus de Salon, et sans Salon, l’art peut périr » et par Théophile Gautier qui proclama en 1848 « Point de jury, sous quelque nom que ce soit ! La liberté pleine La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle / Alain Bonnet et entière, liberté à tous, aux jeunes comme aux vieux, aux sublimes comme aux ridicules.18 » Les deux déinitions opposées de la fonction du Salon, vitrine de l’excellence ou entrepôt commercial, marquèrent l’évolution des caractéristiques formelles et thématiques de la peinture. A côté du Salon unique se développa le système des galeries d’art, dont l’exemple typique fut celle de Durand-Ruel, le marchand des impressionnistes19. Une galerie d’art est, contrairement au Salon, un espace intime qui emprunte beaucoup au décor familier des appartements bourgeois et qui promeut un certain type de tableaux, plus décoratif peut-être que narratif, une peinture de chevalet aux dimensions réduites, rapidement exécutée pour le renouvellement du stock mis à la vente. Le Salon maintiendra jusqu’à la Première guerre mondiale une certaine conception de l’art, conception académique si l’on veut, qui fait de la peinture, non pas seulement un objet de délectation rafinée et, de façon plus discrète, de vente, mais le support d’un récit édiiant et le témoignage d’une maîtrise pratique fruit d’un long et patient apprentissage. 28 29 Bouguereau participa toute sa vie à cette exposition de prestige, envoyant chaque année plusieurs tableaux au Salon. En 1848, avant même l’obtention de son Prix de Rome, il exposa un grand tableau allégorique inspiré par les événements révolutionnaires, Egalité devant la mort. Au Salon suivant, il envoya une toile d’un genre différent avec Dante et Virgile aux Enfers. Il s’agit là d’une œuvre singulière dans la production du peintre, à la fois par son sujet littéraire et romantique et par la représentation de la fureur bestiale qui anime les damnés ; dans la suite de sa carrière, Bouguereau s’illustra plus volontiers par la suavité, coninant à la mièvrerie, de ses compositions. Il est vrai que les sujets sentimentaux étaient plus faciles à écouler, ainsi que le reconnut le peintre : « Voici mon Ange de la Mort. En face se trouve mon second tableau L’Enfer de Dante. Comme vous pouvez le voir, ils diffèrent de mes tableaux d’aujourd’hui… Si j’avais continué à faire des tableaux semblables, il est probable que, comme ceux-ci, ils me seraient restés. Que voulez-vous, Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle / Alain Bonnet chance à l’Ecole des beaux-arts21. D’une certaine façon, grâce à cette profusion picturale à vrai dire étonnante, on pourrait faire du XIXe siècle, en France, en Europe et dans le monde, une deuxième Renaissance artistique. Il serait dommage d’en réduire la prolixité et la diversité à un qualiicatif, celui de pompier, dont la signiication demeure à bien des égards équivoque22. il faut marcher avec les goûts du public et le public n’achètent que les tableaux qui lui plaisent20. » Preuve, s’il en était besoin, que les artistes classés parmi les oficiels et les académiques n’étaient pas insensibles aux nécessités commerciales de la vie d’artiste et surent se plier aux attentes d’une clientèle internationale. Ce type de productions sentimentales devint l’exemple même de l’art pompier, confondu avec le kitsch ; le dédain que les critiques professèrent à son endroit fut étendu à l’ensemble de la production artistique qui ne participait pas ou semblait ne pas participer de la modernité esthétique. Ce mépris répondait à l’origine à la nécessité de déboulonner de leur piédestal les maîtres du Salon ; il se recommandait des articles de foi du progressisme artistique et de l’originalité formelle pour promouvoir les artistes indépendants qui exposaient dans les galeries d’art. La déconsidération qui frappa de manière uniforme la production artistique exposée au Salon de Paris en masqua pendant de très nombreuses années la diversité. Les artistes qui suivirent la voie oficielle, c’est-à-dire qui furent formés de façon traditionnelle à l’Ecole des beaux-arts et dans les ateliers des artistes célèbres, puis qui exposèrent au Salon, ne peuvent être regroupés sous une seule épithète et inscrits dans un seul courant. Les représentants de cette catégorie professionnelle, ne formant pas un corps uni par des convictions identiques, ne peuvent pas être indifféremment qualiiés de studieux et de raisonnables, leurs œuvres ne peuvent pas toutes être accusées de veulerie et de mollesse. Les artistes pompiers, si l’on veut bien accepter ce terme, s’inscrivirent dans tous les grands courants stylistiques du siècle, du néo-classicisme au symbolisme en passant par le romantisme et le réalisme, et présentèrent une hétérogénéité thématique tout à fait étonnante, des portraitistes mondains aux peintres de bataille, des peintres spécialisés dans la représentation de toutes les époques historiques aux peintres orientalistes, des peintres de paysage aux peintres de genre… L’Ecole française a joui, pendant tout le XIXe siècle, d’une réputation telle que les artistes étrangers irent souvent le voyage à Paris pour tenter d’en percer les secrets en s’inscrivant dans les ateliers des peintres les plus réputés et en tentant leur 30 31 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle / Alain Bonnet Notas: fut ainsi magniié dans le Monument à la gloire du peintre, réalisé par Jules Dalou et inauguré en 1890 dans les jardins du Luxembourg. L’allégorie de la Renommée couronne le peintre en présence du Temps et sous les applaudissements d’Apollon. Les discours oficiels brodèrent à l’envi sur le thème de l’artiste martyr, injustement méprisé et enin honoré. Voir par exemple notre étude « Le peintre statuié – Rélexions sur la représentation monumentale des peintres dans la sculpture du XIXe siècle », Revue de l’Art, décembre 2008. 11 Sur le mythe de Van Gogh, voir Nathalie Heinich, La Gloire de Van Gogh – essai d’anthropologie de l’admiration, Paris, éditions de Minuit, 1991. 12 Sur ce point, voir par exemple Rebels and Martyrs: The Image of the Artist in the Nineteenth Century, National Gallery Publication, Yale University Press, 2006. Egalement notre contribution au catalogue d’exposition Bohèmes - De Léonard de Vinci à Picasso, « Portrait de l’artiste en bohémien », Paris, RMN Grand Palais, 2012, p. 244-246. 1 L’origine exacte de cette anecdote est dificile à cerner, et elle est souvent citée de façon peu exacte. Charles Virmaître l’évoque de façon familière dans Paris-Palette, publié chez Savine en 1888, p. 210: « Je perds cinq francs toutes les fois que je vais pisser, disait-il récemment à un ami. » James Herding, Les Peintres pompiers – La peinture académique en France de 1830 à 1880, Paris, Flammarion, 1980, p. 9, en donne une version à la fois édulcorée et réévaluée : « Bouguereau, à l’apogée de sa gloire, faisait remarquer au jeune Othon Friesz : Chaque minute me coûte cent francs. » 13 Sur ces questions, voir notre étude « Ces Messieurs les Gros Bonnets - L’image des artistes oficiels au XIXe siècle », 48/14 - La revue du musée d’Orsay, Printemps 2011, n° 31, p. 34- 43. 14 Nous résumons ici à grands traits des questions que nous avons eu l’occasion de détailler dans un certain nombre de publications, la plus importante demeurant L’enseignement des arts au XIXE siècle - La Réforme de l’École des beaux-arts de 1863 et la in du modèle académique, Rennes, P.U.R., 2006. Voir également Devenir peintre au XIXe siècle. Baudry, Bouguereau, Lenepveu, Alain Bonnet, Hélène Jagot, directeurs, Lyon, Fage éditions, 2007. 2 « Notre époque dore la vie de ceux qui tiennent un pinceau » a pu ainsi écrire un critique. Et il poursuivait : « les sculpteurs et les peintres achètent des palais et des moitiés de province […] » L. D’Orfer, « Le Palais doré des Poètes », Le Scapin, 1er novembre 1886, p. 110. 3 Bouguereau gagna auprès de ses camarades de la villa Médicis le surnom de Sisyphe, tant était grande son ardeur au travail, et peu assurée sa réussite. Son biographe insista à plusieurs endroits de son ouvrage sur cette volonté du peintre de parvenir à la perfection grâce à des efforts continus. Voir Marius Vachon, William Bouguereau, Paris, 1900, p. 99 et 102. 15 1870. 16 Sur l’histoire du Salon, Dominique Lobstein, Les Salons au XIXe siècle : Paris, capitale des arts, Paris, La Martinière, 2006 ; Norbert Wolf, L’art des Salons : le triomphe de la peinture du XIXe siècle, Paris, Citadelles & Mazenod, 2012. 4 Voir James F. Peck, In the Studio of Paris – William Bouguereau and his American Students, The Philbrook Museum of Art, Yale University Press, New Haven et Londres, 2008. 17 Voir le volume collectif dirigé par James Kearns et Pierre Vaisse, « Ce Salon à quoi tout se ramène ». Le Salon de peinture et de sculpture, 1791-1890, French Studies of the Eighteenth and Nineteenth Centuries Bd. 26, Peter Lang, Oxford, Bern, Berlin, Bruxelles, Frankfurt am Main, New York, Wien 2010. 5 J.-K. Huysmans, « Le Salon de 1879 », L’art moderne, Paris, P.-V. Stock, 1902 (deuxième édition), p. 26-27. 18 Honoré de Balzac, Pierre Grassou, Scènes de la vie parisienne, 1839 ; Théophile Gautier, « Salon – 5ème article », La Presse, 27 avril 1848. 6 Jacques de Sancère, « Le Salon des Pompiers », Le Magasin pittoresque, supplément, 1912, p. 19. 7 19 Nous ne pouvons que renvoyer, sur ce point, à l’ouvrage classique de Harrison C. White, Cynthia A. White, Canvases and Careers; Institutional Change in the French Painting World, New York, Wiley, 1965. Voir également le volume collectif Saloni, Gallerie, musei e loro inluenza sullo sviluppo dell’arte dei secoli XIX e XX, Bologne, Atti del XXIV Congresso Internazionale di Storia dell’Arte, VII, 1981 ; Martha Ward, « Impressionist Installations and Private Exhibitions », The Art Bulletin, Vol. 73, No. 4, décembre, 1991, pp. 599-622. Gustave Coquiot, Degas, Paris, Gustave Ollendorf, 1924, p. 101. 8 Sur ce point, voir Jacques Thuillier, Peut-on parler d’une peinture « pompier » ?, Paris, Presses universitaires de France, 1984. 9 Sur ce point, voir Jacques Thuillier, Peut-on parler d’une peinture « pompier » ?, Paris, Presses universitaires de France, 1984. 10 Le mythe du rejet et de l’incompréhension attaché à la igure de Delacroix Théophile Thoré, “Salon de 1863” in Salons de W.Biirger (1861 à 1868), Paris, 32 33 20 W. Bouguereau, entretien dans L’Eclair du 9 mai 1891. Cité par Louise d’Argencourt, « Bouguereau et le marché de l’art en France », catalogue d’exposition Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle / Alain Bonnet William Bouguereau, 1825-1905, Paris, Petit Palais, 1984, p. 100. 21 Pour l’exemple des peintres nord-américains, voir Lois Marie Fink, American art at the nineteenth-century Paris Salons, National museum of American art, Smithsonian institution Cambridge university press, 1990. 22 Pour emprunter ici l’adjectif utilisé dans le titre de l’une des premières tentatives de réhabilitation de cette production picturale, l’exposition « Equivoques » Peintures françaises du XIXe siècle, Paris, Musée des arts décoratifs, 1973. 34 35 Alain Bonnet Professeur Université d’Alpes-Grenoble Laboratoire d’étude historique Rhône-Alpes (LARHRA – UMR 5190) Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica 36 37 Sonia Gomes Pereira Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica / Sonia Gomes Pereira Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro na constituição da nacionalidade, e a pintura indianista, quase toda calcada em motivos literários (Figura 1), assim como o interesse pela paisagem, como fator identitário. As pinturas histórica e indianista têm sido bastante estudadas. Já a pintura de paisagem está ainda para ser mais explorada. A visão do Manual de Araújo Porto Alegre em prol da celebração da loresta brasileira (Figura 2) tem a ver com as idéias de Humbold e dos naturalistas que estiveram no Brasil, como Martius, da mesma forma que remete ao tipo de representação, tornada célebre pelo Conde de Clarac: todos enfatizam o sublime de uma natureza monumental e em grande parte intocada. A adesão de Porto Alegre a esta concepção deve ter-se originado em seu tempo de estudos em Paris, entre 1831 e 1837, assim como na sua proximidade com os cientistas do Museu Nacional—onde trabalhou após deixar a cadeira de pintura histórica da Academia em 1848—e com a sua longa atuação no Instituto Histórico e Geográico Brasileiro. No entanto, acredito que essa abordagem não teve continuidade na pintura de paisagem posterior. Basta ver a obra de Agostinho José da Mota. Tendo vencido o concurso para Prêmio de Viagem, estudou em Roma, de 1851 a 1854, tendo como mestre Jean-Achille Benouville, pintor francês radicado na Itália. De volta ao Brasil, tornou-se professor de desenho na Academia, em 1859, conseguindo transferência logo no ano seguinte para a cadeira de pintura de paisagem, que ocupou até sua morte em 1878. A obra de Agostinho (Figura 2) não tem aproximação com a de Porto Alegre: segue inicialmente o padrão da paysage composé, típica da tradição paisagística francesa, passando, em seguida, para uma abordagem mais próxima da Escola de Barbizon, com paisagens registradas com mais naturalidade e menos idealização. Nas últimas três décadas no Brasil, acompanhando o movimento geral de revisão historiográica da arte do século XIX, o tema da academia retomou fôlego e tem suscitado grande número de pesquisas. Chegamos, assim, neste ano emblemático de 2016—quando comemoramos os 200 anos da criação da nossa Academia—a um certo amadurecimento, conseguindo ter uma visão de conjunto destes estudos recentes. Nela, podemos distinguir quatro vetores principais de interesses: a participação no projeto de construção da nação após a independência; a criação de um campo artístico para as artes plásticas, após o período colonial; o colecionismo da instituição; e a releitura da estrutura do ensino acadêmico, tanto a sua teoria quanto a prática. Vamos começar pela participação da Academia no projeto de construção da nação durante o Império, seguindo a orientação do Instituto Histórico e Geográico Brasileiro, criado em 1838. Este é um projeto político, forjado por intelectuais da chamada Geração de 1830 , que visava, de maneira geral, dar à jovem nação uma genealogia meritória, conferindo aos índios o lugar de uma origem mítica, à colonização portuguesa o entendimento de uma etapa necessária à incorporação do país à cultura ocidental e pautando o então presente pela vontade de inclusão no mundo moderno, mas tendo o cuidado de demarcar a identidade da cultura nacional. É da visão destes românticos de meados do século XIX que sai o programa para grande parte da produção da Academia nessa época: a pintura histórica, celebrativa dos momentos exemplares 38 39 Coube também a esses românticos a discussão do que seria a arte brasileira. Em todas as suas iniciativas, o objetivo primordial do grupo foi a procura da peculiaridade nacional, partindo da concepção da arte como expressão da especiicidade de cada povo, entendido como unidade cultural com características Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica / Sonia Gomes Pereira Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 1a - Pedro Peres, Elevação da cruz em Porto Seguro, Bahia, 1879, Figura 1b - Firmino Monteiro, Exéquias de Camorim, c. 1879, óleo/tela, óleo/tela, 200,5 x 276 cm; Firmino Monteiro, Exéquias de Camorim, c. 1879, óleo/tela, 100,6 x 157,7 cm. Museu Nacional de Belas Artes. 40 41 100,6 x 157,7 cm. Museu Nacional de Belas Artes. Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica / Sonia Gomes Pereira Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro coletivas, que se encontram impressas em cada indivíduo. Além disso, as Exposições Gerais representavam um espaço de poder importante da Academia, pela concessão de prêmios. Não é naturalmente coincidência que o prestígio da Academia e de sua sucessora, a Escola Nacional de Belas Artes (enba), após 1890, perdura enquanto for detentora única dessa instância de poder. A partir dos anos 1930, é justamente sobre a questão dos salões e dos júris que a crítica à enba se torna mais densa— muito mais do que, propriamente, o sistema pedagógico. Mas é importante observar que a busca da identidade nacional nessa geração não signiicava ruptura com os modelos europeus, mas, sim, a sua integração com a feição mais recente da cultura européia: o Romantismo. Assim, a identidade nacional, neste momento, não exorcizava a ligação com a Europa, mas procurava um lugar onde uma cultura tão diferente como a brasileira pudesse se alinhar, sem perder sua especiicidade. Outro tema que vem sendo enfocado nos estudos recentes sobre a Academia é o colecionismo da instituição, embora talvez esse seja, dos quatro acima apontados, o que se encontra ainda menos desenvolvido, especialmente em relação às coleções originais e as doações. O projeto nacional de construção da nação, portanto, é marcado pelo desaio de construir um projeto positivo, apesar de realidades percebidas como negativas: a periferia geográica; a condição subalterna em relação ao sistema econômico internacional; o anacronismo da importância da religião num século cientiicista; e a realidade da mistura étnica numa época em que as teorias sociais se baseavam no conceito de raça. O acervo da Pinacoteca da Academia no século XIX foi constituído inicialmente por duas coleções: a Coleção Lebreton—adquirida por Joachim Lebreton em Paris um pouco antes de sua vinda para o Brasil em 1816—, e a Coleção D. João VI—parte do acervo real trazido em 1808 e que não regressou a Lisboa com o rei em 1821. Desse conjunto, algumas obras foram identiicadas, todas atualmente no Museu Nacional de Belas Artes. Passemos, agora, a outro ponto importante—também bastante abordado—sobre a contribuição da Academia para a criação do campo artístico da então capital, Rio de Janeiro, sobretudo através da realização dos seus salões—as Exposições Gerais. Essas mostras serviram, naturalmente, para dar maior visibilidade ao trabalho da Academia, tanto a sua ação pedagógica, quanto a constituição de seu acervo. A partir daquele núcleo inicial, o acervo foi sendo aumentado por doações e aquisições—coleções de estampas, moldagens de gesso e cópias de pinturas e esculturas européias, assim como livros. Ao estudar essas coleções, alguns pontos são notórios: de um lado, o grande investimento da Academia na formação desse acervo; por outro lado, a sua atualização, adquirindo obras recentes. Basta observar algumas categorias do acervo do Museu D. João VI. Mas as Exposições Gerais tinham uma abrangência mais ampla, de diversas maneiras. Eram abertas a artistas de dentro e de fora da Academia, entre eles, muitos estrangeiros. Acolhiam novas técnicas, como a litograia e a fotograia. Eventualmente, abrigavam coleções particulares, como a do próprio imperador. Disponibilizam, em seus catálogos, os endereços dos artistas expositores, incentivando o mercado de arte. Expunham também amadores, entre eles, inúmeras mulheres. Muito visitadas, eram ainda profusamente comentadas pela imprensa local. Num país e numa cidade com vida cultural ainda acanhada, é notório o alcance dessas ações, como formadoras de gosto e de público. 42 43 A Academia adquiriu em museus europeus, especialmente na Itália e na França, uma coleção signiicativa de moldagens em gesso: ornatos arquitetônicos e cópias de esculturas, predominantemente da Antigüidade Clássica, mas também do Renascimento, com destaque para obras de Michelangelo (Figura 3). Além de constituir uma etapa importante no Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica / Sonia Gomes Pereira Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 2a – Manuel de Araújo Porto Alegre, Floresta Brasileira, 1853, sépia/papel, 62,2 × 87,3. Figura 2b – Agostinho José da Mota, Vista de Roma, c. 1851-1855, óleo/ 44 45 tela, 58,5 × 72,5 cm. Museu Nacional de Belas Artes. Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica / Sonia Gomes Pereira Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro em parte devedoras da formação tradicional. Assim, em lugar de enfatizar só as rupturas, esses novos estudos apontavam as continuidades. No caso da academia brasileira, essa nova postura demonstrou ser de grande eiciência metodológica. aprendizado do desenho, essas moldagens tinham o objetivo de introduzir o aluno na grande tradição européia, especialmente nas obras dos Antigos. Já em relação à gravura, o acervo do Museu D. João VI conta com inúmeros álbuns franceses de estampas, voltados especiicamente para o ensino do desenho. Há muitas estampas didáticas com estudos de igura humana, sempre partindo das partes do corpo até chegar ao corpo inteiro—sendo a maioria cópia de estatuária antiga ou de obras a partir do Renascimento. Mas é interessante observar que muitas estampas já se referem a obras do século XIX, especialmente pinturas francesas (Figura 4), evidenciando a sua rápida divulgação, quase que contemporânea, através da gravura. Assim, veriicamos que essas estampas serviam para dois tipos de iniciação: a aprendizagem da representação da igura humana pelo desenho e o conhecimento da tradição artística—tanto na Antiguidade, quanto a partir do Renascimento—os chamados Modernos—, assim como de sua atualização pela pintura francesa recente, tanto neoclássica quanto romântica. O Decreto de 12 de agosto de 1816, promulgado pelo Conde da Barca, que criou a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, foi muito lacônico, limitando-se às disposições contratuais, à relação dos professores e funcionários e a seus respectivos vencimentos. Para se conhecer as concepções que nortearam o programa daquela Escola, depois Academia, é preciso recorrer ao projeto manuscrito do próprio Joaquim Lebreton, datada de 12 de junho de 1816 – documento encontrado pelo prof. Mário Barata nos arquivos do Palácio Itamarati. Nele, já se encontra explícita a estrutura pedagógica típica das academias. Destaca, por exemplo, a prioridade do desenho—cujo ensino exige longo treinamento, antecedendo a abordagem das belas artes propriamente—, assim como enfatiza a necessidade de formar um acervo de obras européias de caráter exemplar. A atuação da nossa Academia ao longo de todo o século XIX segue as disposições expressas naquele projeto. Os diversos regimentos—mesmo com eventuais diferenças na montagem de disciplinas—respeitam aquela estrutura primordial. O aluno enfrenta inicialmente um longo processo de ensino de desenho—através de cópias sucessivamente de estampas e de moldagens de gesso até chegar aos exercícios de modelo vivo. Só depois de dominado o desenho, passa à pintura, escultura ou arquitetura. No caso da pintura, inicia de novo pelo modelo vivo e passa a fazer cópias das pinturas do acervo, até chegar ao nível de elaborar obras próprias. O acervo do Museu D. João VI comprova todas as fases desse longo aprendizado, assim como revela a prioridade do estudo da igura humana— essencial para a realização de uma arte de caráter narrativo. Predominam aí os exercícios de modelo vivo, tanto desenhado, quanto pintado (Figura 6). A coleção foi acrescida, também, pela própria produção de professores e alunos. No acervo do Museu D. João VI, há obras referentes aos concursos mais importantes—como o Prêmio de Viagem ou para os cargos de magistério—, assim envios dos pensionistas, muitos deles cópias de obras européias. Há, também, exemplos dos concursos escolares usuais, como o caso de dois desenhos de modelo vivo, um de Henrique Cavaleiro e outro de Marques Júnior, feitos em aula do prof. Zeferino da Costa, em 1911 (Figura 5). Finalmente, chegamos ao quarto e último grupo de estudos recentes sobre a Academia: a releitura do sistema de ensino acadêmico, fora dos clichês que lhe foram imputados pela crítica posterior modernista. Desde os anos 1970 e 1980, novos estudos apontavam para o artiicialismo entre a divisão rígida entre vanguarda e academicismo no entendimento da arte do século XIX. Indicavam, ainda, o quanto as vanguardas eram 46 47 Nesse ponto, é importante enfatizar a longa duração do ensino Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica / Sonia Gomes Pereira Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 3b – Torso de Belvedere, Autoria ignorada (cópia de escultura), s/d, carvão/papel, 63,5 × 48, 4 cm (nota 10 e assinatura do prof. Osvaldo Figura 3a – Torso de Belvedere, s/d, moldagem de gesso, 127 x 72 x 94. 48 49 Teixeira). Museu D. João VI / EBA / UFRJ. Fotograias Rafael Bteshe. Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica / Sonia Gomes Pereira Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A reavaliação historiográica que tem sido feita nas últimas décadas sobre a atuação da nossa Academia, portanto, tem evidenciado que o universo acadêmico—ao contrário do que os modernistas airmavam—foi também o espaço de discussão das questões artísticas então contemporâneas, assim como dos problemas especíicos da arte e mesmo da cultura brasileiras. acadêmico entre nós. Se é evidente que há mudanças na arte da passagem dos séculos XIX e XX, o método de ensino da nova Escola é praticamente o mesmo do passado: o mesmo cuidado com o desenho, os exercícios de cópias—com exceção das estampas—e a prática intensa do modelo vivo. Na verdade, este modelo de ensino acadêmico tem longa duração pelo século XX a dentro, convivendo com a chegada dos valores modernos, mesmo em ateliês particulares. Parece ter havido um consenso de que a iniciação deveria ser feita pelo método tradicional acadêmico e que, sobre essa base, o artista futuramente escolheria o seu próprio caminho expressivo. É interessante lembrar a maneira como Thierry de Duve analisa os modelos de ensino artístico a partir do século XIX. De Duve centra a discussão em torno dos modelos deinidores para o ensino, que ele resume em três tríades: o modelo acadêmico, apoiado em talento/métier/imitação; o modelo modernista, fundado em criatividade/meio/invenção; e o modelo contemporâneo, voltado para atitude/prática/ desconstrução. Assim, para que o modelo de ensino moderno fosse implantando seria preciso a fé na tríade criatividade/meio/invenção, isto é, acreditar que a criatividade é um dom humano inato, distribuído democraticamente por todos; aceitar que cada meio artístico tem a sua própria essência, autonomia e, portanto, regras próprias; e inalmente entender a arte como invenção a partir da sensibilidade do artista. Tais idéias não parecem ter sido integralmente partilhadas em nossos ambientes culturais, nem mesmo por aqueles que se consideravam modernos. Os artistas ligados ou não ao Modernismo continuavam, em grande parte, no ambiente mental do modelo acadêmico: talento/métier/imitação—sendo essa última atualizada pelos primeiros movimentos modernos. Só mesmo a partir dos anos 1950 no Brasil—logo convivendo com a arte contemporânea— aquelas idéias aludida por de Duve tiveram repercussão como um todo. 50 51 Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica / Sonia Gomes Pereira Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 4a – Alexis-François Girard & G. Reverdin, Atalá (dessiné d´après le tableau original de A. L. Girodet), s/d, maneira de crayon, 49,0 × 58,5 cm. Figura 4b – Antônio Araújo de Sousa Lobo, Atalá, 1854, crayon/papel, 52 53 49,2 × 56,4 cm. Museu D. João VI/EBA/UFRJ. Fotograias Rafael Bteshe. Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica / Sonia Gomes Pereira Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 5b – Marques Júnior, Nu masculino em pé de frente, 1911, carvão/papel, 58,3 × 44 cm. Anotação “última prova do ano, concurso, Figura 5a – Henrique Cavaleiro, Nu masculino, 1911, carvão/crayon/ papel, 63 × 48 cm. novembro de 1911, Prof. Zef. Costa”. Museu D. João VI/EBA/UFRJ. 54 55 Fotograias Rafael Bteshe. Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica / Sonia Gomes Pereira Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro 7 Notas: PEREIRA (2015) p. 2.170-2.183, 8 O Museu D. João VI da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro preserva parte do acervo da nossa Academia, justamente as obras de caráter didático, usadas como apoio ao ensino ou resultantes dos diversos concursos, especialmente para o Prêmio de Viagem ou as de magistério. 9 Os álbuns de estampas do MDJVI são : Académie aux deux crayons, Cours d´après l´antique, Cours d´Ornement, Cours de Dessin, Cours Elémentaire, Étude Academique, Études choisies, Études d´après l´antique, Études d´après les grands maîtres, Études D´Ornements Aux Deux Crayons Par Bilordeaux, Galerie d´Études aux Deux Crayons, Grand Étude aux Deux Crayons, Grand Tête d´étude aux deux crayons, Groupes d´Études, L´Ornement, Le Dessin Classique, Le Guide de L´Ornemaniste, Le Portefeuille des Ornemanistes, Nouvelles Academies, Nouvelles Études Aux Deux Crayons, Ornements aux Deux Crayons. 1 Seria impossível, aqui, fazer referência direta a essa literatura, fruto da ação de alguns grupos de pesquisa, em geral ligados a programas de pós-graduação em várias universidades, tais como: UFRJ, UFRRJ, UFJF, UNICAMP, UNIFESP. Parte dessas pesquisas pode ser encontrada nos anais dos colóquios do Comitê Brasileiro de História da Arte, que se encontram on line. 10 BARATA (1959). Isto pode parecer um paradoxo, mas é preciso lembrar que o Modernismo brasileiro, até a década de 1940, foi iel ao igurativismo e formalmente bastante conservador, apesar de apresentar, em certos momentos, como no 1º Modernismo, um discurso radical. 2 Tais como Domingos José Gonçalves de Magalhães, Manuel de Araújo Porto Alegre, Francisco Adolfo de Varnhagen, Antônio Gonçalves Dias, José de Alencar entre outros. 11 DUVE (2003) p. 92-105. 12 Na década de 1950, como sabemos, os artistas brasileiros passam a se interessar pela abstração (com o Concretismo, o Neoconcretismo e os Informais). Ao mesmo tempo, cresce o interesse por outras teorias formais, como a Gestalt, e outros métodos de ensino, como os da Bauhaus. 3 Cito aqui as idéias gerais do movimento, mas é preciso reconhecer as diferenças internas a respeito de alguns temas. Sobre a interpretação do passado colonial, por exemplo, há posições opostas entre Gonçalves de Magalhães, que o repudiava, e Varnhagen que o considerava positivo, como uma etapa necessária ao processo civilizatório do Brasil. Também a respeito do Indianismo, as posições nem sempre são idênticas: Varnhagen não o admirava, ao contrário da maior parte dos demais literatos e poetas do período. 4 A imagem da loresta, assim como do território ainda selvagem no século XIX, vai ser realizada muito mais pelos desenhistas, aquarelistas e também fotógrafos, frequentemente ligados a expedições cientíicas, ou com o objetivo de montar álbuns para divulgação no exterior. 5 Imagino que houve, na pintura, preferência pela representação de uma natureza mais domesticada – numa época em que é notório o esforço de integrar-se ao mundo civilizado. A comparação com a representação da natureza na literatura da época pode ajudar a entender melhor essa questão. Dessa maneira, cria-se uma situação ambígua: no exterior, o Brasil que levanta interesse é o selvagem e primitivo, mas internamente essa imagem é repudiada, em prol de uma visão mais amena da natureza local e sua possibilidade de integração à civilização. 6 A partir da criação do SPHAN, em 1937, várias reformas sucessivas são feitas na organização dos salões, voltadas para a diminuição da ingerência exclusiva da ENBA, até que inalmente esse poder passa para o Museu Nacional de Belas Artes, que havia sido criado também em 1937. 56 57 Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica / Sonia Gomes Pereira Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas: BARATA, Mário. Manuscrito inédito de Lebreton sobre o estabelecimento de uma dupla escola de artes no Rio de Janeiro em 1816. Revista do SPHAN, n. 14, p. 283-307, 1959. BOIME, Albert. 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No momento, atua no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da ufrj. Depois de pesquisas sobre o maneirismo luso-brasileiro e a história urbana do Rio de Janeiro, passou ao estudo da arte brasileira do século XIX—temas sobre os quais escreveu alguns livros e inúmeros artigos. PEREIRA, Sonia Gomes ; A questão da paisagem no universo acadêmico do século XIX: o caso de Agostinho José da Mota. Locus (UFJF), v. 19, p. 87-101, 2014. PEREIRA, Sonia Gomes ; Os envios de Rodolfo Amoedo: a questão da tradição e da modernidade. Anuário do MNBA. v. 1, p. 155-164, 2009. PEREIRA, Sonia Gomes ; A Academia de Belas Artes e a historiograia da arte no Brasil. In: PEREIRA, Sonia Gomes; CAVALCANTI, Ana; MALTA, Marize. (Org.). Coleções de Arte: formação, exibição, ensino. 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Joachim Lebreton, Henrique José da Silva e Félix -Émile Taunay, personagens de formações e interesses ora bastante distintos, ora absolutamente próximos, promoveram, cada um a seu modo, transformações e marcas duradouras no âmbito do ensino artístico. No que se refere à questão política, convém já ressaltar que os 35 anos de duração destas trajetórias juntas perpassaram três políticas e governantes distintos no Brasil, passando pela mudança de estatuto do país ao deixar de ser colônia, de tornar-se a capital de um novo Reino na América e conquistar a independência, e pelo poder de um Rei e dois imperadores que, embora todos fossem provenientes da mesma família, deram ao território brasileiro características um tanto distintas de acordo com os interesses sociais e econômicos que moveram cada uma de suas trajetórias. Le Breton, Silva e Taunay izeram parte desse processo e trabalharam para a formação da instituição e dos artistas, com todas glórias e tropeços na articulação de suas políticas. Joachim Lebreton não pôde, de fato, exercer seu papel como diretor do primeiro projeto da famigerada Escola de Ciências, Artes e Ofícios. Depois das tratativas da vinda dos artistas 64 65 franceses para a condução deste projeto artístico, apresentado aos diplomatas portugueses em Paris ainda em 1815, o secretário perpétuo da classe de Belas Artes do Institut de France chega ao Rio de Janeiro em março de 1816 com seu grupo. Depois de passar pela conturbada queda de Napoleão e de colocar-se contra os ingleses na devolução do espólio de guerra em uma polêmica sessão do Institut de France, Le Breton, que esperava passar apenas alguns meses no Brasil e voltar a Paris, viu-se em uma situação complicada com a política francesa de Restauração do período. Excluído da instituição, ele acaba encontrando, no Rio de Janeiro, uma saída – ainda que tortuosa - para a continuidade de sua atuação no âmbito das Belas Artes, procurando adaptar os modelos de ensino francês e mexicano a um contexto que julgava conhecer. Conseguindo o apoio do francóilo e iluminista diplomata Conde da Barca já no Brasil, ele apresenta alguns meses depois de sua chegada um plano de ensino artístico para a denominada a tal Escola. Não é uma coincidência que o título de Escola de Ciências, Artes e Ofícios seja semelhante ao da Enciclopédie. Le Breton pretendia, au but des comptes, objetivos semelhantes ao projeto de Diderot e d’Alembert: o conhecimento e o aprendizado em torno das artes, da ciência e da futura indústria em prol do progresso e da educação. Ele era dotado de erudição e senso crítico, havia sido fundador e redator do Jornal La Décade Philosophique1 , era membro da classe de ciências morais e política do Instituto, da classe de Belas Artes e um dos maiores articuladores do sistema artístico na política napoleônica, trabalhando diretamente na organização das coleções do Museu do Louvre junto a Vivant Denon. Para o plano de ensino brasileiro, ele tinha em mente um conjunto de modeles: o modelo mexicano da Escuela de los Nobles Artes2, instituição conhecida pelos europeus através dos escritos de Alexander von Humboldt, correspondente do Institut de France; aquele da Academia de belas artes francesa e ainda a École Gratuite du Dessin fundada pelo pintor JeanJacques Bachelier em Paris, escola ao qual Le Breton estava diretamente vinculado, trabalhando em sua administração. Seguindo o modelo clássico de ensino, o desenho era central nesse processo, e isso pode ser percebido em seu plano a partir Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851) / Elaine Dias Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro apoio de iguras iluministas como o Conde da Barca, morto em 1817, com uma corte absolutista e com pouco interesse em uma escola voltada a estes objetivos. A escravidão era o motor da economia e os interesses liberais e progressistas deinitivamente não estavam nos planos dos Bragança e dos Bourbon no Brasil. A aproximação a d. João VI nunca poderia efetivarse, nem pela via econômica, nem pela via ideológica. D. João representava tudo que Le Breton combatia desde os tempos da Décade Philosophique e sua estadia permanente no Brasil, que não estava nos planos iniciais, certamente alterou todo esse processo. Além disso, Barca era seu intermediário e protetor, mas sua morte minou completamente seus planos liberais no Brasil. Le Breton morreu em 1819, vendo sua Escola apenas criada por decreto mas longe de ser fundada, sendo perseguido por um certo general francês da Restauração instalado na corte luso-brasileira e acusado de relações revolucionárias no Brasil e na América do Sul. da proposta de uma Escola Gratuita de Desenho, título que se vincula diretamente a Bachelier, fundamental tanto para as Belas Artes quanto para os ofícios. Ao mesmo tempo, o exemplo mexicano que Le Breton julga poder ser aplicado ao Brasil, era um modelo de sucesso nas relações entre a colônia americana e metrópole espanhola, acreditando, possivelmente, que tínhamos as mesmas oicinas de artes manuais que caracterizavam o ambiente mexicano, e faziam desta escola uma instituição de êxito. Para ele, era a união das belas artes, ofícios e ateliers práticos, ou ainda a união dos trabalhos intelectual e manual – dualidade perfeita dos enciclopedistas caros a Le Breton, na união entre o pensamento e a execução3. No caso do exemplo de Bachelier em Paris, ele espera aplicar na corte de d. João VI o mesmo sistema4, propondo subscrições e estimulando a inserção dos comerciantes na formação dos alunos, que se beneiciariam da produção de objetos, impulsionando o comércio, aumentando o lucro e o poder do Estado na condução deste processo. A promessa de progresso econômico e social para uma corte instalada na América era, assim, essencial ao convencimento para a fundação da Escola, para que o país não “[icasse] em atraso, quando já uma parte do continente aumenta com maravilhosa rapidez sua população, suas riquezas agrícolas e comerciais”. A escola forneceria meios para a boa concorrência com a América Espanhola. Em seu plano de ensino, Le Breton cita, assim, a academia mexicana, a escola francesa de Bachelier, a Academia de Belas Artes francesa, as possibilidades de aplicação dos modelos no Brasil, a compra de coleções de gesso, o desenvolvimento da classe de modelo vivo, o Prêmio de Viagem a Roma, mesmo que ainda não conheça efetivamente a política e a sociedade brasileira, e as bases para o acolhimento de suas propostas. A intenção foi nobre na busca pelo desenvolvimento da cultura e do progresso econômico, na apropriação de modelos vindos do México e da Europa, mas o plano de Le Breton icaria apenas no papel, desenvolvendo-se, no futuro e com muitas modiicações, tanto no que se refere às belas artes quanto aos ofícios. O revolucionário Le Breton deparou-se, apesar do Com a morte de Le Breton, surge o segundo diretor da instituição de ensino. Junto com Henrique José da Silva, artista português que chega ao Rio de Janeiro em 1819, modiicam-se também os projetos de ensino artístico. A Escola de Ciências, Artes e Ofícios torna-se Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, destituindo a parte da “indústria” e restringindo o projeto às belas artes. A saída de Le Breton poderia ter levado à nomeação de Nicolas-Antoine Taunay como diretor da instituição ainda não fundada, mas a chegada de Silva frustra seus planos, levando-o a deixar o Brasil em 1821. Silva é convidado pelo Barão de São Lourenço a ocupar a cadeira de desenho da tal Escola5, sendo nomeado em 1820 para o cargo de diretor. A morte de Le Breton, associada, possivelmente, ao conturbado momento político vivido entre Brasil e Portugal, culminando na partida de d. João VI à Europa, acaba levando a direção da instituição a Silva em 1820, levando ao retorno de Taunay e sua esposa a Paris, deixando no Brasil os cinco ilhos que ainda marcariam a história da Academia brasileira. 66 67 Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851) / Elaine Dias Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Como professor de desenho e levando em conta estas obras, Silva parece se sobressair em relação a Debret, sobretudo se levarmos em conta a escassa produção do artista francês no período. As telas conservadas no Brasil não revelam a excelência do artista neoclássico que, de resto, era também inferior se comparado aos alunos de Jacques-Louis David, seu mestre, e se levarmos em conta sua própria produção napoleônica em Paris. Muito já se discutiu sobre a atuação de Henrique José da Silva como diretor da Academia Imperial de Belas Artes, inaugurada inalmente em 1826, e sobre a conturbada relação do artista português com Jean-Baptiste Debret, então professor de pintura da história da instituição, e Grandjean de Montigny, professor de arquitetura. Sonia Gomes Pereira em seu artigo “Henrique José da Silva, um pintor portugues na Academia Imperial de Belas Artes”, publicado em 2009, já destacou a necessidade de se rever o papel de Silva no Brasil e, sobretudo, a disputa entre portugueses e franceses, estes considerados superiores artisticamente. Em Portugal, Silva foi discípulo de Joaquim Manuel da Rocha, Eleutério Manuel de Barros e Pedro Alexandrino6, em estudos centrados na Aula Régia de Lisboa. No Arquivo do Museu d. João VI, podemos ver sua formação nos desenhos ali conservados e, de fato, como ressalta igualmente Gomes Pereira, pode-se ver ali sua excelência que, provavelmente, relacionava-se às suas aulas de desenho proferidas na Academia brasileira. Já sabemos também que o curso de desenho de três anos ministrado por Silva, instituído nos estatutos acadêmicos impedia, de fato, a atuação dos franceses em suas respectivas classes. Essa regra fez com que Silva, Debret e Montigny protagonizassem diversos conlitos na instituição, os quais podem ser conferidos nas atas da Academia e também nos jornais do período, sobretudo em relação aos alunos que passavam, clandestinamente, para as demais aulas sem o término do curso de desenho, e as diiculdades enfrentadas, por exemplo, para a abertura das primeiras exposições, levadas a cabo sobretudo por Debret. Contrariando a maioria das opiniões que veem Debret superior a Silva, é preciso, no entanto – e relembrando novamente Gomes Pereira – recoloca-lo na história, sobretudo em razão de sua principal habilidade, o desenho. Como já citamos anteriormente, suas obras conservadas no Arquivo do Museu d. João VI, provenientes de uma doação de sua esposa após sua morte, em 1834, revelam sua excelência em sua principal habilidade na Academia, passando pelos estudos de anatomia, nus e cópias das principais escolas artísticas italiana e francesa. Debret, apesar de ter um papel relativamente importante fora da Academia e junto às representações do Imperador, especialmente no teatro da corte e na criação da nova iconograia das vestimentas, dos acessórios e da bandeira, amargava o fato de ser destinado a Silva o papel de pintor oicial. E foi de fato Silva quem realizou os retratos de D. Pedro I distribuídos pelas províncias e também aquele que foi gravado por Urbain Massard em Paris. Silva já havia feito outros retratos de personagens importantes na Europa, como aquele do Duque de Wellington e de Beresford, e também do poeta Bocage. Ainda que Debret propusesse inovações na representação de d. Pedro, Silva ofereceu ao Imperador a tipologia mais tradicional do retrato de Estado, com o retrato em corpo inteiro em trajes majestáticos, a repetida pose de Louis XIV, o trono, o acortinado e a coroa depositada ao lado, retomando o elemento da janela aberta com a paisagem do Pão de Açúcar ao fundo – talvez uma provação a Debret, que coloca o mesmo elemento no retrato de d. João VI realizado anos antes. 68 69 É verdade, assim, que o período de atuação de Silva icou marcado, na historiograia, pelos conlitos com os franceses. Mas é também preciso apontar outra questão em sua trajetória, isto é, sua relação com Félix-Émile Taunay, que ocupará seu lugar após sua morte, em 1834. Com o retorno de Debret a Paris em 1831, ano da abdicação de d. Pedro I ao trono brasileiro que segue para Portugal para recuperar seu reinado, tem-se, de certa forma, uma espécie de sinalização do im das relações de conlito. Debret simbolizava, em âmbito acadêmico, a própria igura de Le Breton com seus projetos progressistas e liberais. Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851) / Elaine Dias Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro De fato, Debret e Le Breton estavam juntos na condução dos projetos de 1816, ao lado de Grandjean de Montigny, e a presença de Silva em seu lugar desde 1820 signiicava, de certa forma, o fracasso de um projeto artístico e político. Silva parecia ver a presença dos franceses da mesma forma, mas isso não impediu uma relação amistosa com Félix-Émile Taunay, secretario da Academia no ano da partida de Debret, ainda que Félix criticasse igualmente as regras acadêmicas, especialmente aquelas relativas ao desenho. Nesse ponto, é preciso ter em mente os conlitos vividos entre Nicolas Taunay, pai de Félix, e Debret, em 1816. Em carta a um amigo em Paris, Debret relata os conlitos vividos entre ele, Le Breton e Taunay que, naquele período, almejava o espaço de ambos no projeto de ensino artístico. Taunay não se conformava com o status elevado de Debret em comparação ao seu, uma vez que ainda que ele fosse pintor de história, não era membro do Institut de France. Taunay, como membro da classe de Belas Artes, queria ter um estatuto maior que aquele de Debret, mesmo que sua posição na hierarquia dos gêneros como pintor de paisagem e gênero, estivesse evidentemente abaixo da pintura de história. Além disso, queria ter o lugar de Le Breton como diretor da tal Escola de Ciências, Artes e Ofícios, cargo destinado a Joachim já no Brasil em 1816. Com a reforma proposta por Félix e Grandjean, a duração de três anos do curso de desenho de Silva se reduz para apenas um ano, sendo esta a principal razão dos conlitos entre os artistas. Félix consegue o feito ao lado de Grandjean e logra, ainda, a admiração de Silva no cargo de secretario: A verdade exige também dizer-se que o dito requerente logo que entrou a servir, abriu hum livro de actas das sessões da congregação, outro de copia dos oficios e cartas, outro novo de matriculas, e, conservando o antigo devido ao desvelo do director, assim como a collecção dos oficios da secretaria do Estado, deu principio aos archivos do Estabelecimento incumbidos ao secretario. Em conseqüência de que a congregação he de parecer que será hum acto de justiça conceder-lhe a gratiicação estabelecida nos Estatutos, em quanto for conveniente conserva-lo no dito exercício. [...]8 A atuação de Félix nesse período, ainda como secretario e tendo o apoio de Silva, assemelha-se, de certa forma, àquela de Le Breton ainda em Paris como secretario perpétuo da classe de Belas Artes do Institut de France. A comparação entre Le Breton e Félix Taunay é inevitável nesse sentido. À parte os conlitos vividos entre seu pai Nicolas-Antoine e Le Breton nos primeiros anos no Rio de Janeiro, Taunay converte-se também em grande administrador do incipiente sistema brasileiro das belas artes, como Le Breton fora outrora. Seu papel aproximase daquele de secretário perpétuo do Instituto, malgrado todas as diiculdades que envolviam a Academia brasileira. A secretaria destinada a Taunay convertia-se, pouco a pouco, no estímulo à futura direção da instituição, onde poderia levar a cabo os modelos franceses de funcionamento de uma Academia. Começaria, então, pela liderança dos projetos de Reforma dos Estatutos, na organização dos documentos e da memória da instituição. Félix-Émile Taunay herdara, de certa forma, essas relações pouco amistosas entre seu pai e Debret e, de fato, não há nada que relacione Félix ao pintor de história. Quando Debret parte para Paris em 1831, vê-se claramente nas atas acadêmicas a tomada de posição de Félix que, ao lado de Grandjean, consegue avançar nas reformas dos Estatutos tão almejada por Debret, sem sucesso. Além disso, Debret, ainda em 1824, elabora um plano de ensino para a Academia que sequer havia sido inaugurada, sugerindo que a instituição fosse governada por um junta de membros honorários, visando destituir o poder de Silva, e também uma Escola Pública de Desenho, pretendendo igualmente retirá-lo desta classe, ou ao menos, dividir esta docência entre os demais professores.7 70 71 Se Félix Taunay mantém relações amistosas com o diretor Silva e desempenha um cargo semelhante ao de Le Breton em Paris, é preciso dizer que suas estratégias vão além. Com Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851) / Elaine Dias Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro dos textos facilitaria o aprendizado dos alunos que não liam em francês, permitindo o acesso à teoria e a visualização das pranchas diretamente nas obras originais. Outra medida de suma importância no que se refere ao aprendizado dos alunos é a organização da Pinacoteca da Academia. Nesse ponto, Le Breton retorna. Foi ele quem trouxe uma coleção de 60 obras de artistas estrangeiros, em sua maioria italianos, para integrar o corpus de estudo dos alunos na realização das cópias, comprados em Paris em 1815. Felix as organiza em escolas artísticas, sistematizando o aprendizado junto às demais obras que faziam parte da coleção Real, que igualmente integram a Pinacoteca. A criação das Exposições Gerais de Belas Artes estendidas a todos os artistas da corte a partir de 1840 e a instituição do Prêmio de Viagem à Europa em 1845 são outras medidas de grande impacto para a formação dos alunos, para o desenvolvimento do colecionismo e da crítica de arte, e para o reconhecimento social do artista.9 a morte de Silva em 1834, ele recebe os votos destinados a Grandjean de Montigny na eleição da nova direção, passando a ocupar o cargo e promovendo, a partir de então, uma série de transformações na Academia de Belas Artes. Sua atitudes progressistas, que veremos adiante, assemelham-se, em certo ponto a Le Breton, mas Félix é mais estratégico na proposição e aprovação de suas medidas, seguindo as intenções outrora almejadas pelo pai Nicolas Taunay. Em sua trajetória, Felix logra tudo o que seu pai sempre quis e fracassou. Torna-se diretor da Academia, conquista a coniança dos políticos e torna-se professor de francês e desenho do Imperador, mantendo-se perto do poder. Essas relações são fundamentais para que suas medidas sejam aprovadas, e não são poucas, valendo-se, sobretudo, da Coroação do Imperador Pedro II e da tentativa de encampar projetos progressistas e nacionalistas para um governo que acredita ser o portador de transformações liberais. Assim que ocupa o cargo de diretor, Félix empenha-se em desenvolver o curso de desenho, base comum às academias de arte e seus modelos clássicos, especialmente no que se refere à classe de modelo vivo, aprovadas ainda no período de direção de Silva. Apesar de todas as diiculdades para sua contratação, o que inclui a falta de proissionais ou a inabilidade dos que são contratados, longe de exibirem os corpos atléticos naturais à proissão, Félix insiste no desenvolvimento desta classe durante toda sua trajetória no cargo. Ao seu lado, a tradução de obras didáticas é de especial relevância no estudo do desenho, integrando em um único compêndio autores utilizados nas academias europeias, entre os quais o tratado de osteologia e miologia de Tortebat e Roger de Piles, de medidas das estátuas antigas de Gérard Audran, publicações que, embora datadas do século XVII, são ainda utilizadas na Europa e traduzidas do francês para outras línguas. Félix também insere no catálogo as expressões das paixões humanas de Charles Le Brun e um verbete de proporções de autoria de Aubin-Louis Millin do Dictionnaire des Beaux-Arts de 1806. A tradução 72 73 Durante os dezessete anos em que dirigiu a Academia Imperial de Belas Artes, Félix procurou adaptar à realidade brasileira os modelos franceses de ensino, tornando-os compatíveis com os recursos destinados à Academia. Mas ele não estava sozinho nesta empresa. Grandjean de Montigny, que esteve ao lado de Le Breton e Debret, alvo de Silva durante sua gestão, foi o companheiro de Félix durante toda sua trajetória, sobretudo no que refere à valorização da arquitetura na Academia e sua utilidade aos órgãos públicos. Caberia a ela, à arquitetura, impulsionar as artes no Rio de Janeiro e no Brasil, trabalhando ao lado dos escultores na produção de monumentos públicos, no embelezamento da cidade e em sua organização urbana, com a abertura de rios e a melhoria na circulação, na construção de belos e grandes edifícios neoclássicos que abrigassem, no futuro, as produções monumentais da pintura de história. A estratégia parece bem traçada, não fossem os conlitos com os engenheiros da Repartição de Obras Públicas já consolidados em suas funções, e uma certa aversão aos estrangeiros que ocupavam cargos de direção frente ao nacionalismo da década de 1840. Apesar da aproximação de Félix Taunay ao Imperador Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851) / Elaine Dias Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: Pedro II, que certamente o fazem lograr uma série de importantes medidas para a formação do aluno, mencionadas acima, com a morte de seu companheiro Grandjean em 1850, a pressão pela colocação de um brasileiro no cargo e um conjunto de intrigas com Manoel de Araújo Porto Alegre - seu principal desafeto, discípulo de Debret e, portanto, continuador natural das intrigas e disputas de poder -, Félix deixa o cargo em 1851, alegando problemas de saúde. Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay foram iguras essenciais ao desenvolvimento do ensino artístico no Brasil, adaptando modelos de ensino, exaltando a importância do desenho e valorizando o papel do artista. Três gestões com inalidades distintas e voltadas a governantes de características e projetos diversos. Le Breton com d. João VI, Silva com Pedro I e Taunay com Pedro II, seus atos foram conduzidos a partir e para estes governantes e para sua sociedade, com estratégias bem deinidas e modelos artísticos condizentes a estas distintas políticas. Suas trajetórias revelaram disputas, conlitos, aproximações e interesses ora descartados, ora retomados, seguindo a cartilha artística e política do período. 1 KITCHIN, 1956. 2 Carta de Joachim Lebreton ao Conde da Barca, datado de 9 de julho de 1816, contendo o plano de organização da Escola de Ciências, Artes e Ofícios. 3 MANTZ, 1865, p.235. 4 Ver MANTZ,1865 e LEBEN, 2004. 5 PEREIRA, 2010, p.550. 6 PAMPLONA, 2000, p.185. 7 Projecto do Plano para a Imperial Academia das Bellas-Artes do Rio de Janeiro. Conservado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 74 75 8 IE. Ofício de Silva a 18 de junho de 1833. Arquivo Nacional, RJ, Seção Educação, 9 Ver DIAS, 2009. Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851) / Elaine Dias Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas: BARATA, Mário. Manuscrito Inédito de Lebreton. Sobre o Estabelecimento de Dupla Escola de Artes no Rio de Janeiro, em 1816 In Revista do SPHAN, 1959. ______Lebreton et l’organisation d’une doublé école des Beaux-Arts et des Arts Métiers au Brésil en 1816. A Propos de la Mission artistique française de 1816 ». Actes du XIXe Congrès International d’Histoire de l’Art, Paris, Unesco, 1959a. DIAS, Elaine. Lebreton e a estruturação do ensino artístico no Institut de France (1803-1815) In Anais do XXIII Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte, Rio de Janeiro, 2004. _______ Correspondências entre Joachim Le Breton e a Corte Portuguesa na Europa. O nascimento da Missão artística de 1816 in Anais do Museu Paulista. , São Paulo, v.14, p.301 - 316, 2006. _______Paisagem e Academia: Félix-Émile Taunay e o Brasil. Campinas: Ed. Da Unicamp, 2009. HUMBOLDT, Alexander von. Essai Politique sur le Royaume de la Nouvelle Espagne. Paris: F. Schoell, 1811, 5v. KITCHIN,Joanna. Un journal “philosophique” : “La Décade” (1794-1807), Paris, M.J. Minard-Lettres Modernes, 1956 LEBEN, Ulrich. École Royale Gratuite de Dessin de Paris 1767-1815. Saint-Rémy-en -l’Eau: Monelle Hayot, 2004. MANTZ, Paul. L’enseignement des arts industriels avant la révolution. Gazette des Beaux-Arts, Paris, v. X, t. XVIII, p. 229-245, mars, 1865. PAMPLONA, Fernando de - Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses. 4ª ed. Porto: Civilização, 2000. ISBN 972-26-1786-9. Elaine Dias é docente em História da Arte na EFLCH-UNIFESP. Doutora em História (UNICAMP), com especialização no Institut National d’Histoire de l’Art em Paris (INHA-Getty Foundation). Publicou, entre outros, Paisagem e Academia. Félix-Émile Taunay e o Brasil. (1824-1851) (Edit. Unicamp, 2009); “Les artistes français au Brésil au XIXe siecle: l’Académie des Beaux-Arts et la formation de la collection nationale de peinture of Rio de Janeiro”, in PANZANELLI, R. (et.all).. La Circulation des Oeuvres d’Art - The Circulation of Works of Art in the Revolutionary Era 1789-1848. (Ed.Rennes: PUR, 2007); e “Arte e Academia entre Política e Natureza”. In: BARCINSKI, F. Sobre Arte Brasileira. (SP: WMF Martins Fontes; SESC, 2014). PEDROSA, Mário. Acadêmicos e modernos. Textos Escolhidos III. São Paulo: Edusp, 1998. PEREIRA, Sonia Gomes. ““Henrique José da Silva, um pintor português na Academia Imperial de Belas Artes” in FERREIRA-ALVES, Natália Marinho (org.) – A encomenda, o Artista, a Obra. Porto: CEPESE, 2010, p. 547-556 PEVSNER, Nikolaus. Les Académies d’Art. Paris: Gérard Monfort, 1999 TAUNAY, Affonso d’E. A Missão Artística de 1816. Rio de Janeiro: Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1957. 76 77 Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes. Campo de produção X campo de consagração 78 79 Cybele Vidal Neto Fernandes Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes. Campo de produção X campo de consagração / Cybele Vidal Neto Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro suas modalidades, mecanismos e funções. “Concursos” eram mecanismos utilizados na academia com diferentes objetivos: 1- para o ingresso de professores (designados Proprietários ou Substitutos) 2- para conferir prêmios de viagem ao exterior; 3como emulação ou estímulo ao estudo. As “premiações” eram conferidas, em diferentes situações, a alunos, professores, ou àqueles a quem a academia desejasse homenagear, com medalha de ouro, de prata ou títulos honoríicos. Dos concursos públicos e particulares. Formas de ingresso. Considerando as diretrizes estabelecidas para o presente Seminário, em homenagem aos 200 anos da Academia Imperial das Belas Artes do Rio de Janeiro, pretendo avançar no estudo das questões do ensino artístico na instituição ( tema sobre o qual tenho me debruçado em outras oportunidades) analisando, em especial, os concursos e premiações em suas diversas modalidades. Talvez não haja novidade no uso desse indicador, mas pretendo reconsiderá-lo, na presente relexão, porque entendo que o mesmo pode trazer uma contribuição maior para a compreensão e aferição dos mecanismos do ensino na AIBA. O ensino na Academia foi organizado na tradição da École des Beaux- Arts, que regulava as atividades acadêmicas através de premiações e concursos, a começar pela admissão dos alunos, que passavam por diversas provas de avaliação em matérias básicas1. No Brasil, o ingresso dos alunos era por indicação de uma pessoa esclarecida, sendo admitidos jovens do sexo masculino, entre doze e dezoito anos, sem nenhuma avaliação2. Cerca de 88% desses eram provenientes do Rio de Janeiro, 37% das Províncias, 12% eram estrangeiros; eram ainda isentos de serviço militar; 92% deles completava o curso em cerca de cinco a seis anos, havendo casos de alunos que permaneciam na Academia por mais de doze anos. Sendo realidades muito distintas (organização político-social, econômica, formação dos professores, espaço físico, etc) era de se esperar que a estrutura da École des Beaux-Arts, impossível de ser adotada como um todo, seria apenas uma orientação geral para a organização da Academia no Brasil. Para entender a questão na AIBA, vamos deinir “concurso” e “premiação” e esclarecer 1-Concursos Públicos: essa modalidade era destinada ao preenchimento de vagas para professores, nas categorias Proprietário e Substituto. Tomemos por base a legislação, considerando primeiramente o Estatuto estabelecido pelo Decreto de 30/12/1831/Reforma Lino Coutinho: o capítulo 1 trata dos professores e empregados; o Artigo 2, deine a composição do Corpo Acadêmico - cinco Professores Proprietários e quatro Substitutos, que formariam a Congregação, sendo o Diretor votado entre seus pares. Mais adiante, o Artigo 5 esclarece que, surgindo uma vaga de Professor Proprietário, a mesma deveria ser ocupada por seu Substituto direto. No entanto, havendo algum artista de renome interessado na vaga, haveria um concurso entre o Substituto e o interessado, para a deinição do ocupante da mesma. E ainda, os alunos que tivessem terminado os seus cursos na Academia, poderiam também concorrer à vaga de Substituto. Em resumo: havendo mais de um interessado na vaga, haveria concurso para a escolha do seu ocupante Consideremos agora o Decreto 1603, de 14/05/1855, que estabelece novos estatutos para a Academia Imperial das Belas Artes3 ; no Título IV, “Dos trabalhos acadêmicos”, o Artigo 10, item 2, deine: 80 81 A Academia das Belas Artes no desempenho do im de sua instituição e no intuito de promover o progresso das Artes no Brasil, de combater os erros introduzidos em matéria de gosto, de dar a todos os artefatos da indústria nacional a Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes. Campo de produção X campo de consagração / Cybele Vidal Neto Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Animais, mas morreu dois meses depois. Portanto, em quatorze concursos, foram nomeados nove Substitutos e cinco Proprietários6. O cargo mais alto do magistério era o de Proprietário; chegaram a esse cargo: cinco professores por concurso direto, sete por progressão de carreira, (passaram de Substitutos a Proprietários, com exceção de João Maximiano Mafra, que prestou dois concursos para Substituto,1840 e 1851, e nunca passou a Proprietário) e mais dois Proprietários externos, por indicação ( Joaquim C. Soares Meirelles e Luiz Carlos da Fonseca, ambos em 1837). Desse modo, quatorze professores alcançaram o topo da carreira na instituição, como Professor Proprietário. conveniente perfeição e, enim, no de auxiliar o Governo em tão importante objeto, empregará, na proporção dos recursos que tiver, os seguintes meios… 2- Concursos públicos e particulares ( o texto segue até o item 9).4 Ainda no Título IV, “Dos concursos públicos e particulares”, o Artigo 56 deine quem poderia tomar parte nos referidos concursos: artistas, da Academia ou não, brasileiros ou estrangeiros naturalizados, que tivessem menos de trinta anos, que tivessem estudado no Brasil, que não fossem membros do Corpo Acadêmico.5 O Artigo 58 do Regimento de 1855 dizia: “As vagas para Professores da Academia serão preenchidas por concurso, sempre que o Corpo Acadêmico não julgue mais conveniente apresentar, ao Governo Imperial, algum Professor Honorário de mérito transcendente”. Para participar dessa modalidade, era necessário um requerimento ao diretor, posteriormente referendado pelo Corpo Acadêmico. Além desse tipo de indicação, ocorriam ainda pedidos de nomeação às autoridades. Fazendo um levantamento de dados para veriicar qual foi ainal, na prática, o sistema adotado para a admissão de professores na AIBA, pode-se concluir que foi mais freqüente o ingresso, a pedido ou por indicação do Corpo Acadêmico, de algum Professor Honorário ou proissional externo à AIBA, do que por concurso. Avaliando a questão, desde a fase inicial da Academia, compreende-se que os primeiros professores, os mestres franceses e alguns outros, tenham sido nomeados por iniciativa do Governo. Mais tarde, na gestão de Felix-Émile Taunay, foram promovidos nove concursos para Substituto: 1835 (1) para a cadeira de Paisagem, sendo nomeado Augusto Müller; 1837 (2) 1840 (2) 1849 (1) 1850 (1) 1851 (2). Os Concursos para Professor Proprietário foram mais tardios e menos freqüentes ainda, cinco no total: 1850 (1) sendo nomeado Francisco Elídio Pâniro para a cadeira de Escultura, artista que faleceu no ano seguinte; 1865 (2) João Jules Le Chevrel e Pedro Américo de Figueiredo, ambos para a Cadeira de Desenho; 1878 (1) José Maria Medeiros, também para Desenho; em 1881 (1) Leôncio da Costa, que tomou posse pelo concurso de Paisagens, Flores e Considerando agora a forma de ingresso por indicação ou a pedido, encontrei vinte e nove decretos de nomeação: cinco (1810/1820) dois ( 1820/1830) seis (1830 a 1840) um (1840 a 1850) sete (1850 a 1860) três (1860 a 1870) um (1870 a 1880) sete (1880 a 1890) entre eles, seis Professores Honorários: Porto -alegre, 1837; François Biard, 1859; Domingos de Azevedo Silva, 1864; Rosendo Moniz Barreto, 1887; Zeferino da Costa, 1890; Rodolfo Amoedo1889/90. Portanto, segundo a forma de ingresso, o corpo de Professores icou assim constituído: nove por concursos para Substitutos; cinco para Proprietários, e vinte e nove por indicação, num total de quarenta e três professores. Considerando os percentuais entre os concursados e os indicados, teremos: concursados 32.56% do total; indicados 67.44% do total ( mais do dobro dos concursados). Esses dados que me pareceram muito importantes e vou utilizá-los como indicadores para avaliar sua repercussão, em relação à capacitação dos professores da AIBA, muitas vezes questionada pelos próprios colegas e pela crítica da época. A formação desses proissionais era bem precária de início, vindo a melhorar lentamente, com o retorno ao Brasil, na segunda metade do período, dos pensionistas, mais bem formados após a experiência européia. Sobre esse fato, em 1849 Porto-alegre7 registrava na Revista Guanabara: 82 83 Seria muito mais profícuo ao Governo imperial mandar à Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes. Campo de produção X campo de consagração / Cybele Vidal Neto Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro de exoneração, ocupando, por quatorze anos ( de 1857 a 1871) o cargo mais importante da Academia. Era Conselheiro da AIBA, Médico e um homem de grande cultura, mas não era um artista. O cargo icou vago por três anos, de 1871 a 1874, quando Gomes dos Santos morreu, sendo substituído por outro médico, Conselheiro da AIBA, Antônio Nicolau Tolentino, que dirigiu a Academia por mais quatorze anos ( de 1874 a 1888, tendo sido Interino de 1871 a 1874). Europa os Substitutos estudar do que esses pobres moços por três anos, que é curtíssimo o tempo para a viagem e para aprenderem a língua. A França manda os seus premiados por seis anos e quando vão para a Itália já têm todos os seus estudos feitos e alguns já passam por mestres. (FERNANDES, C.V.N, 2001)8 Esse panorama mudaria com a Reforma de 1855, que passou para seis anos o tempo de estudos na Europa, no caso de Arquitetura, Pintura Histórica e Escultura, e para quatro anos, no caso de Gravura e Paisagem. No Capítulo IV, que trata dos professores honorários, o Artigo 126 do texto informa que os pensionistas, ao retornarem ao Brasil, por votação do Corpo Acadêmico, poderiam ser eleitos Professores Honorários, sendo obrigados, nessa condição, a reger turmas, no impedimento dos professores. Foi nessa condição que o pintor Zeferino da Costa, por exemplo, atuou como professor da Academia, pois nunca prestou concurso para a instituição10. Houve exceção, por exemplo, no caso de Heitor Branco Cordovile, porque a Academia julgou que o pensionista não compriu corretamente com as obrigações como pensionista, e não permitiu sua nomeação, como Professor Honorário.11 A Reforma de 1855, ao incluir várias disciplinas teóricas nos diversos cursos, enfrentou o problema da inexistência desses proissionais na AIBA e precisou contar com proissionais externos, que embora formados em alguma ciência, por vezes não eram professores na prática, e eram estranhos ao mundo da Arte. Podemos citar o caso de Honorato Manoel de Lima, que era Mestre Geral da Diretoria de Obras Militares, e foi nomeado professor por decreto de 1855, nas cadeiras de Escultura de Ornatos, Estatuária e Modelagem. Outro exemplo é o do engenheiro Dr. Domingos de Azevedo Silva, nomeado pelo Decreto de 30/09/1864, para assumir a cadeira de Matemáticas Aplicadas. Talvez o caso mais notório seja o cargo de diretor da Academia que, por duas vezes, foi ocupado proissional estranho ao mundo da Arte. É o caso de Tomás Gomes dos Santos, que substituiu Porto-alegre após seu pedido Outro caso é o de François Biard, Membro Honorário que, sendo estrangeiro, foi contratado por dois anos, como professor de pintura, com o objetivo de guardar a vaga até o retorno de Vitor Meireles. O artista terminava o seu período de afastamento como pensionista na Europa, e já havia prestado concurso para Substituto de Pintura Histórica, em 1851, antes da Reforma de 185512. Há muitos outros casos a citar, mas creio que esses exemplos são suicientes para demonstrar as reais diiculdades da instituição: a complexidade das regras de admissão de professores, a falta desses, às vezes, por longo período ( afastados por licenças de saúde ou a serviço do Governo) a fraca formação dos mesmos, a inconformidade da formação do mestre em relação à disciplina assumida. A esses problemas soma-se, como agravante, os alunos serem admitidos sem nenhum concurso, na condição de quase analfabetos, havendo mesmo o caso de se matricularem e não freqüentarem a Academia, vista apenas como uma “solução” para fugir ao serviço militar13. Esses dados, certamente, teriam repercussão no ensino da Academia, a médio e longo prazos. 84 85 Entendemos também que a eicácia desses concursos não era inquestionável. Vamos analisar, como exemplo, o Concurso Público prestado em 01/05/1865, por Jules Le Chevrel, Pedro Américo de Figueiredo e Melo e Francisco Antônio Nery, para a cadeira de Desenho, com comissão composta por João Maximiano Mafra, Agostinho José da Mota e Vitor Meireles de Lima. O concurso constou de três provas: 1- uma academia, a ser executada em doze horas e quatro sessões; 2- uma igura anatômica, em seis horas (osteologia e miologia, um à esquerda Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes. Campo de produção X campo de consagração / Cybele Vidal Neto Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro pediu jubilação, vinte e cinco anos após sua nomeação. e outro à direita do modelo) 3- uma composição em óleo sobre tela, sobre um ponto a ser sorteado dentro dos temas dados, com esboço a óleo, realizada em um dia, com execução deinitiva em cinquenta dias. O tema sorteado foi “Sócrates afastando Alcebíades do vício”14. A Comissão considerou que a melhor resolução da terceira etapa foi o trabalho de Pedro Américo. A Congregação da AIBA decidiu, em 02/10/1865, nomeá-lo Professor Proprietário e a Jules Le Chevrel, contratado desde 12/06/1864 para Desenho, como Professor Honorário. Quatro anos depois do concurso, em 15/09/1869, Pedro Américo pediu transferência para a cadeira de História das Belas Artes, Estética e Arqueologia, criada pela Reforma de 1855. Há uma justiicativa de Pedro Américo para o fato: Concluo que a passagem de Pedro Américo como professor na Academia, foi muito pouco positiva; a predisposição do artista contra o magistério na instituição, revelou-se logo após o seu ingresso16. É inegável que os alunos eram fracos, não falavam nenhuma língua, a população era ainda bastante inculta, a cidade oferecia muito poucas referências em Arte... Mas é inegável também, como ele deixa claro por várias vezes, o seu desinteresse pelo magistério: “Nessas circunstâncias, o trabalho de ensinar é sobretudo fastidioso e pesado, poucas horas bastam para cansar o espírito e torná-lo incapaz de encetar composições que requerem meditação e sossego”. Além disso, alegava que a atividade de magistério era muito pouco compensadora, pagava muito mal e atormentava o artista, no Brasil, com a idéia de miséria: “o professor de Desenho é mais mal pago do que qualquer operário hábil”. Seus relatos deixam transparecer o seu verdadeiro foco de interesse, que era tornar-se um pintor de história e obter, com suas obras, a glória nacional. Desse modo, talvez seja mais correto acreditar que as repetidas licenças de Pedro Américo, propiciaram ao artista a oportunidade de alcançar seu verdadeiro objetivo. As muitas licenças que acumulou tornou sua atividade, no magistério da Academia, praticamente nula; ali, o seu papel foi outro, o de um artista de Pintura Histórica que, é inegável, legou ao país várias obras de reconhecido valor nacional e internacional. 05/08/1869 - O ensino de Desenho, tal como oferece a Academia das Belas Artes, exige que o professor lecione de três a cinco horas por dia, a moços tão pouco instruídos, que ignoram até os termos vulgares com que se designam as diversas partes elementares de uma igura humana... A Academia das Belas Artes tem por im formar artistas e não paralisar-lhes a inspiração e absorver-lhes o tempo em que poderiam executar trabalhos artísticos para ilustrar o país.... Em semelhantes circunstâncias a falta de tempo acarreta diiculdades insuperáveis e priva o país de ter obras de arte de algum valor, e o proissional de produzir tanto quanto poderia fazer em melhores conjunturas. Prevendo uma vida infrutuosa e estéril, o suplicante requer que lhe seja concedida a cadeira de História da Arte, Estética e Antiguidades.15 O texto faz a defesa de Pedro Américo como artista, e não como professor. Pedro Américo considera estar perdendo tempo a ensinar a alunos despreparados e desestimulados. Em 1871, por haver poucos alunos matriculados, as aulas foram transferidas para o Curso Noturno. Em 1873, pediu licença, e foi substituído pelo Dr. Antônio José Barbosa de Oliveira, que foi dispensado em 1876 por falta de alunos. De 1882 a 1890, a Academia nomeou novo regente para a cadeira; em 1890, Pedro Américo 86 87 2-Concursos para Prêmio de 1ª. Ordem ou Prêmio de Viagem: esses concursos eram previstos para o inal do ano letivo, mais precisamente para o dia 05 de Novembro. Isso porque a Academia não tinha salas especiais, exclusivas para os concursos, como era tradição nas academias européias; assim sendo, os concursos eram promovidos nas salas comuns, onde os alunos icavam separados por biombos17. Em razão dos ganhadores receberem bolsas de estudo na Europa, esses concursos precisavam de instruções especiais, que deveriam ser aprovadas pelo Governo. Pelo Regimento de 1855, os concursos deveriam ocorrer de três em três anos; pelo Decreto de 25/05/1859 a periodicidade dos Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes. Campo de produção X campo de consagração / Cybele Vidal Neto Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro enviou à Congregação da AIBA um documento referente ao relatório que recebeu do professor interino das aulas de Pintura Histórica e Paisagem. Compartilhando as mesmas preocupações, enfatizava que não havia material necessário às aulas nem passes de carris para deslocar os alunos para pintar frente à natureza (Jardim Botânico, Vila Isabel, São Cristóvão). Reclamava a falta de resposta a pedidos anteriores e chamava a atenção, mais uma vez, para os problemas que enfrentava ao trabalhar nas dependências da Academia, onde os espaços eram inadequados ao ensino. Acrescia a isso a inexistência de modelos-vivos e, quando existentes, serem os professores obrigados a contar com pessoas com total despreparo, problema já crônico, que se ligava à falta de verba para pagamento dos modelos. Zeferino da Costa declarava não entender a falta de providências para tal questão, cujos prejuízos se estendiam aos concursos escolásticos em Paisagem e Pintura Histórica, considerada a cadeira mais importante da Academia. concursos mudou: deveriam ser promovidos de dois em dois anos, durariam trinta dias úteis, conferindo bolsa de estudos de cinco anos. Entre 1845 a 1888 foram selecionados quinze pensionistas: Pintura Histórica (6) Escultura (3) Arquitetura (3) Gravura (2) Paisagem (1). Vitor Meireles e Zeferino da Costa estudaram na Europa por nove anos; Rodolfo Amoedo e Rodolfo Bernardelli, estudaram por 10 anos; em 1876 houve a concomitância de três pensionistas na Europa18. Os Concursos para Prêmios de Viagem eram tradicionais na França, e propiciavam estudos avançados na Itália. No Brasil, logo despertaram grande interesse entre os alunos e, graças a eles, devido a complementação dos estudos feita com os mestres europeus, podemos dizer que entre 1870 e 1890, aproximadamente, os artistas da Academia revelaram um maior amadurecimento. No período, também a Pintura Histórica, de temática brasileira, obra de “grande máquina”, revelou artistas de valor internacional. Crescia ainda o interesse na pintura de paisagens e retratos, que na sua tradição realística, caracterizava as muitas encomendas para o Governo e para a classe mais favorecida da população. Essas modalidades iam aos poucos suplantando o gosto em relação às grandes obras de Pintura Histórica. 3-Concursos Particulares: também chamados Concurso de Animação ou Trimestrais, destinavam-se aos alunos regularmente matriculados; deveriam ocorrer no inal de cada trimestre, para cada matéria, e serem avaliados por uma comissão de especialistas nos diferentes assuntos. Os concursos particulares funcionavam de maneira muito clara e imediata, como um meio de “emulação”19, isto é, serviam para estimular os alunos no aproveitamento dos estudos, no correr do ano. Os trabalhos resultantes desses concursos, depois de avaliados pelas comissões, eram expostos nas salas da Academia, para serem julgados também pelo Corpo Acadêmico; os autores dos melhores trabalhos recebiam Medalhas de Prata. A realização desses concursos nem sempre correu bem; há registros, nos arquivos da Academia, de problemas recorrentes em sua aplicação. Em 05/-08/1887 o professor Zeferino da Costa No dia 04/11/1887, Zeferino da Costa encaminhou outro documento ao diretor: “Fui ontem surpreendido por uma comunicação que me dirigiram os meus alunos de Pintura Histórica e de Paisagem, em que me participam que se acham impossibilitados de continuar seus trabalhos dos concursos escolásticos, começados desde o dia 19 ...”20 O professor lamentava que a Direção tivesse indeferido o abaixo-assinado dos alunos, que requeriam material para pintura. Airmava estar certo de que os seus trabalhos provariam, nos concursos trimestrais, a dedicação por ele despendida e o progresso dos alunos. A instituição precisava de mais verbas para enfrentar a manutenção de seus serviços; na falta dessas, problemas diversos surgiam e prejudicavam as relações entre todos e o cumprimento do Regulamento. No caso citado, o concurso trimestral de emulação icou claramente prejudicado; funcionou, na verdade, ao contrário, e o objetivo inal, estimular os alunos nos estudos, não foi alcançado. 88 89 Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes. Campo de produção X campo de consagração / Cybele Vidal Neto Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro As premiações da Academia. Campo de produção e campo de consagração. década de 1860. Era imperativo, porém, que as “Exposições Gerais”, organizadas a partir do decreto de 25/05/1859 cada ano fossem programadas para anteceder os “Concursos Públicos”, porque dependiam dos espaços das salas da Academia, para expor as obras selecionadas.21 Foram realizadas, entre 1840 e 1889, vinte e seis “Exposições Gerais”, sendo onze na gestão de Felix-Taunay. Para a realização dessas exposições, era necessário que o Governo destinasse verba suiciente para fazer frente aos inúmeros gastos: obras no edifício; restauração de peças da coleção da Academia; decoração do edifício, preparação de catálogo, confecção de medalhas, divulgação do evento nos jornais. Talvez o maior problema a enfrentar fosse a verba destinada à aquisição das obras de valor, selecionadas pela Comissão Oicial, para enriquecer Coleção da Academia. Em 1884 a relação dessas obras era grande ( só do pintor Pedro Américo havia doze obras selecionadas). Por esse motivo, algumas exposições programadas foram muitas vezes adiadas ou não foram realizadas. Os prêmios promovidos pelas “Exposições Gerais” faziam parte dos diversos mecanismos de emulação, dentro do sistema de ensino. Voltados para o artista da instituição (aluno ou professor) ou para os artistas externos, nem sempre funcionaram a contento, mas serviram para dar a conhecer ao público os esforços da AIBA a favor do amadurecimento da Arte no Brasil. O Título VI do Regimento de 1855 trata “Dos Prêmios” conferidos pela Academia; no Artigo 70 estes eram classiicados como 1- “Prêmios de Primeira Ordem” (uma pensão anual para estudos na Europa) 2- “Prêmios de Segunda Ordem”, para os artistas que se distinguissem nas Exposições Gerais públicas, ou para aqueles a quem a Academia julgasse dignos dessa distinção 3- “Prêmios de Terceira Ordem”, destinados aos concursos durante o ano escolar, e “Exposições Finais” (seriam em forma de medalhas de ouro e prata). As exposições pertenciam a duas modalidades: 1- o Título V, Artigo 64 se refere à “Exposição Pública” e determina: “No im de cada ano escolar, haverá uma Exposição pública dos trabalhos de todas as classes da Academia, a qual durará três dias, indos os quais se fará a distribuição dos prêmios”. E mais adiante, refere-se à “Exposição Geral Pública”: “De dois em dois anos, a contar do ano de 1856, se fará uma Exposição Geral Pública de todos os trabalhos artísticos feitos na Capital do Império e nas Províncias”, esta, com a duração de quinze dias. Portanto, eram duas exposições distintas, uma para alunos e outra para alunos e artistas em geral, com estrutura e premiação diferentes. As “Exposições Gerais Públicas” eram os maiores eventos programados; comparando as primeiras com as últimas, é notório o seu crescimento, tanto no número de participantes, quanto no número de obras nas diversas Sessões. Tomemos como exemplo, no Segundo Reinado, duas Exposições Gerais da fase inicial, 1843 e 1849, e as duas últimas, de 1879 e 1884: considerando o número de expositores temos 28 e 23 expositores/117 e 84 expositores, respectivamente. O mesmo raciocínio vale para avaliarmos a representação dos retratos: 35 e 49 retratos/75 e 65 retratos, respectivamente. Na pintura de paisagem brasileira temos 6 e 5 paisagens/61 e 64 paisagens, respectivamente. Na pintura histórica temos 4 e 5 obras históricas/9 e 17 obras históricas, respectivamente. Gravura, fotograia e Artes Industriais praticamente só passaram a ser representados a partir da 90 91 Pierre Bourdieu, em sua obra “A economia das trocas simbólicas” trabalha o campo sociológico da Arte através do que chamou mercado dos bens simbólicos, com atenção especial à sociologia do ensino. Bourdieu considera que a cultura escolar propicia aos indivíduos um corpo de categorias de pensamento que torna possível a comunicação. Consideramos, como atores desse processo, alunos, professores, suas relações com as academias européias, e a crítica nascida nesse contexto. O autor faz referência à Academia francesa, à época de Le Brun, que acumulou o monopólio de execução de todos os trabalhos artísticos do país, do ensino do Desenho, da produção da Academia, numa supremacia universal no campo da arte. Nesse sentido, Porto-alegre tentou colocar a Academia num Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes. Campo de produção X campo de consagração / Cybele Vidal Neto Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Se a AIBA era o campo de produção, as exposições eram muito importantes, como campo de consagração da obra, ligada ao ensino na Academia, à capacidade e à atuação de professores, a par das obras de outras procedências. Para P. Francastel, a arte conigura, como linguagem, os modos de pensamento do contexto no qual foi gerada, e oferece informações que outros tipos de pensamento não consegue apreender, “O artista cria e, criando, ele pensa tanto quanto o matemático e o ilósofo”, mas concretiza as suas conclusões de forma plástica, não verbal. A obra estabelece ainda relações com outras obras, mesmo que deslocadas no tempo e no espaço. Desse modo, o artista deve ser entendido como aquele que age tanto como agente da propaganda oicial, como na qualidade de intérprete de resistências desconhecidas. No nosso caso, a Academia, como campo de produção, tendia a produzir as normas válidas para o ensino e a execução da obra, mas precisava dar à mesma uma existência real, pública, o que se concretizava nos salões das Exposições. Do mesmo modo, através da obra, se revelava também todo um sistema, em sua realidade, em seus pontos positivos e negativos, dentre os quais as questões aqui abordadas se colocam, sem dúvida. patamar mais elevado, unindo os seus objetivos aos do Teatro e da Música, e tornando-a um órgão consultivo, em relação aos proissionais liberais ligados ao desenho e às atividades de criação. Empenhou-se para combinar o ambiente de ensino com o do pensamento, isto é, por transformar a instituição realmente numa Academia, mas encontrou inúmeros obstáculos, entre eles, a incompreensão dos professores, vítimas eles mesmos da sua frágil formação proissional. Apesar da Reforma de 1855, e suas regulamentações posteriores, o ensino na AIBA continuava bastante deiciente, se comparado às escolas francesa e italiana. Foi somente cerca das últimas décadas que se fez notar um amadurecimento maior, talvez inluenciado pela melhor formação dos pensionistas que retornavam ao país, somado aos avanços que iam aos poucos transformando a sociedade. Félix Ferreira (1841-1898) um dos primeiros a escrever sobre a arte do século XIX no Rio de Janeiro,22 considerou a “Exposição Geral” de 1884 a mais rica e variada, desde 1840, com cerca de trezentos trabalhos originais: “é que, a despeito da indiferença do público e descuramento do Governo, as artes progridem entre nós... Exigir que um aluno seja correto ou que um mestre seja impecável não é para o meio em que vivemos, onde tudo falta ao estudo e à educação artística”23. A Exposição de 1879, na minha opinião, deu um testemunho maior de crescimento da Arte entre nós, de participação no conjunto das obras produzidas, além do número de visitantes ter sido maior que em 1884 (menos visitada, talvez, porque tenha cobrado ingresso com o objetivo de angariar fundos para ajudar na compra das obras selecionadas). Se compararmos os dois eventos, teremos alguns dados bem signiicativos: retratos (75 – 65) paisagem brasileira (64 – 61) paisagem européia (29 – 24) costumes (35 – 9) tema religioso (35 – 9) arquitetura (10 –7) escultura (10 – 6) artes industriais (10 – 4) . Em 1884 foram mais bem representados: fotograia 5 – 47) lores e animais (21 – 34) clássicos e alegóricos (8 – 20). A importância da Exposição de 1884 é a de ter fechado um ciclo da história da Academia Imperial e da arte brasileira, reunido importantes obras e artistas e estimulado sobremaneira os debates críticos. 92 93 Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes. Campo de produção X campo de consagração / Cybele Vidal Neto Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro minúsculo, respeitando a maneira de grafar do próprio artista, que assim o fazia. Conferir: Diário. Histórico e demonstrativo da minha Diretoria na Academias das Belas Artes. Começado no dia 11 de Maio de 1854, dia da minha posse. Arquivos do Museu D. João VI/EBA/UFRJ. Notas: 8 FERNANDES, Cybele Vidal N. Os caminhos da arte. O ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes – 1850/1890. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, Tese de Doutoramento, Or. Manoel Luiz Salgado Guimarães, 2001, p. 155. 9 João Zeferino da Costa foi professor da Academia na qualidade de Professor Honorário da Sessão de Pintura da AIBA, por ter sido pensionista na Europa, de onde regressou em 1877. Não prestou concurso para a cadeira de Desenho e substituiu em várias ocasiões os professores de Pintura Histórica, Pintura de Paisagem e Desenho de Modelo-vivo, como professor Interino. Serviu desse modo à Academia, por quarenta e oito anos, entre 1877 e 1915 1 Na École des Beaux-Arts os alunos eram admitidos por Sessões. Exemplo das Provas para a Sessão de Pintura: uma igura desenhada do natural, numa das Sessões e outra à antiga, na outra Sessão, executadas em doze horas. Era uma prova eliminatória, que poderia aprovar até oitenta alunos e mais vinte suplentes. Esses candidatos iriam para a etapa seguinte: um desenho anatômico/ osteologia, executado em logge, durante duas horas; uma épura de perspectiva, executada em logge, em quatro horas; um fragmento de igura modelada à antiga, executado em nove horas; um estudo elementar de arquitetura, executado em logge, em seis horas; um exame referente às noções gerais de História, escrito ou oral, à escolha do candidato. Conferir: La Grande Encyclopédie – Inventaire raisonné des Sciences, des lettres et des Arts par une societé de savantset de gens de lettres sous La direction de M. M. Berthelot, Hartwig Derembourg, A. Giri, E. Glasson, D. B. Hahn, C.A. Laisant, M.M. Langlois, H Laurent, E. Lavasseur, G. Lyon, H. Marion, E. Muntz e Secretaire Général : André Berthelot. Paris: Societé Anonyme de La Grande Encyclopédie. 61, Rue de Rennes, p. 390, V. 1. 10 João Zeferino da Costa foi professor da Academia na qualidade de Professor Honorário da Sessão de Pintura da AIBA, por ter sido pensionista na Europa, de onde regressou em 1877. Não prestou concurso para a cadeira de Desenho e substituiu em várias ocasiões os professores de Pintura Histórica, Pintura de Paisagem e Desenho de Modelo-vivo, como professor Interino. Serviu desse modo à Academia, por quarenta e oito anos, entre 1877 e 1915 11 Conferir: Arquivos do Museu D. João VI/EBA/UFRJ, Ata da congregação, de 22/03/1869. 12 Vitor Meirelles prestou concurso para Professor Substituto de Pintura Histórica em 1851, e o vencedor foi João Maximiano Mafra ( que só atuou na disciplina em 1874, substituindo Vitor Meirelles). Meirelles viajou para a Europa em 1852 e regressou ao Brasil em 1861. Foi nomeado Professor Honorário e, no mesmo ano, passou a Interino. Em 1862 passou a Professor Proprietário. 2 Em 20/02/1888 o professor Rosendo Moniz Barreto propôs que a Academia exigisse, na admissão dos alunos, exames de português e francês, e não apenas leitura e as quatro operações.Ver: arquivos do Museu D. João VI/EBA/, atas da congregação. 13 Conferir: Arquivos do Museu D. João VI, EBA/UFRJ, Ata da congregação de 22/03/1869. 14 Os outros temas selecionados para o concurso de Desenho foram: Agamenon de volta de seu palácio é assassinado no Egito; O ilho pródigo voltando à casa paterna; Aquiles entrega Briseida aos arautos de Agamenon; Jacó recebendo o vestido ensangüentado de José; Moisés salvo das águas. Eram temas que tinham todos uma carga dramática muito grande, condizentes com as interpretações românticas que permeavam o gosto do período. 3 O documento da Reforma foi assinado pelo Ministro do Império Luiz Pedreira do Couto Ferraz, e traduz, de modo geral, as idéias de Porto-alegre, diretor entre os anos de 1854 e 1857, responsável pela implantação da mesma na Academia. Ver: FERNANDES, Cybele Vidal Neto. “O palácio da Academia das Belas Artes. O ensino artístico versus o espaço da Academia”. In: VI Seminário do Museu D. João VI. Rio de Janeiro: EBA/MNBA, 2015. 15 Sobre essa fase da vida do artista ver: Arquivo Nacional, Série Educação – Cultura e Belas-Artes IE 792, Sessão DAS doc. 284 e 286. 4 Decreto 1603, de 14/05/1855: ver a íntegra do Título IV, Dos trabalhos acadêmicos, Artigos 10 a 13. 5 Ver a íntegra da regulamentação, no documento citado, Artigos 56 a 63, do Decreto 1603, já referido. 6 Conferir: GALVÃO, Alfredo. Subsídios para a história da Academia Imperial e da Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 1964. 7 Informo que grafarei o nome de Manoel de Araújo Porto-alegre com e 94 95 16 Fica muito claro que Pedro Américo praticamente não deu aula na AIBA: posse em 19/02/1866; três meses depois pediu 2 anos de licença, prorrogados para três e mais cinco meses , e só reassumiu ( em 07/1899) porque estava ameaçado de perder o cargo.Dois meses depois pediu transferência para História da Arte, Estética e Arqueologia ( posse em 18/02/1870). Em 1871 a cadeira foi para o curso noturno. Em 1873 pediu nova licença, voltando somente em 1877. Nesse mesmo ano pediu outra licença pata tratar da saúde. Em 1880 pediu exoneração, voltou por risco de perder o cargo. Em 1882 pediu novamente exoneração, igualmente negada, e jubilou-se aos Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes. Campo de produção X campo de consagração / Cybele Vidal Neto Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro vinte e cinco anos de casa, em 1890. 17 O edifício da École dês Beaux-Arts de Paris foi ampliado na década de 1800, e o arquiteto responsável foi François Debret. A descrição do edifício é longa, mas cita “ ...No pátio das logges se encontravam o ateliê de Modelagem e o Laboratório de Química; acima icavam as logges destinadas aos concursos”.... Ver: Dictinnaire de L´Académie dês Beaux-Arts. . Chez Firmin D. Frères ET Fils ET Cie Imprimeurs-Libraires de L Ínstitut Impérial de France, 56, Rue Jacob, 1858.In: FERNANDES, Cybele V. N. Os caminhos da arte. O ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes1850/1890. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, Tese de Doutorado, 2001, ( Orientador: Manoel Luiz S. G.). 18 Os ganhadores dos concursos foram: Rafael Mendes de Carvalho, Pintura, 1845 ( agraciado com uma viagem à Itália em 17/09/1845, antes do prêmio ser criado, em 24/09/1845, exigindo concurso para esse im); Antônio Batista da Rocha, Arquitetura, 1845; Francisco Elídio Pâniro, Escultura, 1846; Geraldo Francisco Pessoa Gusmão, Gravura, 1847; Francisco Antônio Neri, Pintura Histórica, 1848; Jean Leon Palliere, Pintura Histórica, 1849; Agostinho José da Motta, Pintura de Paisagem, 1850; Vitor Meirelles de Lima, Pintura Histórica, 1852; Joaquim José da Silva Guimarães, Gravura de Medalhas, 1860; José Rodrigues Moreira, Arquitetura, 1862; Cândido Caetano de Almeida Reis, Escultura, 1865; João Zeferino da Costa, Pintura Histórica, 1868; Heitor Branco Cordovile, Arquitetura, 1871; Rodolfo Bernardelli, Escultura, 1876; Rodolfo Amoedo, Pintura Histórica, 1878; Oscar Pereira da Silva, Pintura Histórica, 1888. Conferir: Arquivos do Museu D. João VI/EBA-UFRJ. Documentos avulsos, livros de Atas e outros registros. 19 Emulação: Ação ou efeito de emular; sentimento que leva uma pessoa a desejar superar outra, ou se igualar a ela, disputar ou concorrer, com outra pessoa, de maneira honesta. 20 Conferir: acervo do Museu D. João VI/EBA-UFRJ, arquivo. 21 Apesar dos concursos ocorrerem, tradicionalmente, nas Academias, em espaços somente a eles destinados, ( as loggias) no Rio de Janeiro, o edifício da Academia era muito pequeno e não contava com esses espaços. A alternativa de utilizar as salas de aula não era uma boa solução e causava muitos problemas. 22 FERREIRA, Felix. Belas Artes. Estudos e apreciações. Introdução e notas de Tadeu Chiarelli. Porto-Alegre: Editora Zouk, Arte: Ensaios e Documentos, 6, ISBN 978-85-8049-024- 4, 2012 23 FERREIRA, Felix. Opus cit, p. 177. 96 97 Cybele Vidal N. Fernandes Licenciada em Desenho e Artes Plásticas pela Escola de Belas Artes/UFRJ. Mestre em Artes Visuais pela EBA/UFRJ (Tema: A talha do século XIX no Rio de Janeiro). Doutora em História Social da Cultura pelo IFCS/UFRJ (Tema: O ensino artístico na AIBA). Pós-Doutora em Artes Visuais pela Universidade do Porto/CEPESE (Tema: Porto X Rio de Janeiro. O ambiente artístico e a produção artística de fora da AIBA). Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti 98 99 Ana Maria Tavares Cavalcanti Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti / Ana Maria Tavares Cavalcanti quanto à perda de criatividade ou originalidade de um artista formado no exercício da cópia. Dentre as cópias pintadas por Visconti, algumas se encontram em acervos públicos. Uma delas reproduz o retrato de um nobre, obra de Veronese, e hoje faz parte do acervo do Museu D. João VI da Escola de Belas Artes da UFRJ (n. de registro 3043). O original se encontra na Galeria Colonna, em Roma, sob o título Ritratto di gentiluomo. É curioso observar que há uma diferença nas cores dos dois quadros: enquanto na cópia pintada por Visconti, a roupa do nobre veneziano é verde, no original ela é azul. Essa mudança de cor pode ser resultado de uma retirada de verniz antigo na obra original; ou do escurecimento de verniz na cópia brasileira que aguarda restauração. Outra hipótese a ser avaliada é a de que Visconti tenha feito essa cópia ainda no Rio, antes do embarque para a França, a partir de uma reprodução em preto e branco. Eliseu Visconti (1866-1944) foi um dos mais importantes artistas brasileiros do inal do século XIX e início do século XX. Nascido na Itália, veio para o Brasil ainda criança, por volta de 1873. Iniciou sua formação artística no Rio de Janeiro, primeiramente no Liceu de Artes e Ofícios, onde ingressou em 1883, e em seguida na Academia Imperial de Belas Artes / posterior Escola Nacional de Belas Artes, onde estudou de 1885 a 1892. Em novembro de 1892, se inscreveu no concurso para o Prêmio de Viagem à Europa, sendo declarado vencedor em dezembro do mesmo ano. Nos sete anos seguintes, completou seus estudos em Paris, passando pela École Nationale et Spéciale des Beaux-Arts, pela École normale d’enseignement du dessin, também conhecida como École Guérin, e pela Académie Julian. Pouco tempo após seu período de pensionista, Visconti já se destacava no meio artístico brasileiro, recebendo encomenda para realizar pinturas decorativas para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, inaugurado em 1909. No período de sua formação no Brasil, de 1885 a 1892, Eliseu Visconti passou pelo exercício da cópia de obras de outros artistas, como era costume no ensino acadêmico. Após vencer o concurso do Prêmio de Viagem, também realizou cópias na Europa, como parte de suas obrigações de pensionista. Essa prática, usual no ensino das artes no século XIX, permaneceu vigente nas primeiras décadas do século XX e em seguida foi recriminada pelos defensores da arte moderna. Nos interessa investigar se esse método que fez parte de sua aprendizagem deixou marcas ao longo da carreira de Visconti. E, nesse caso, veriicar se eram procedentes as inqwuietações modernistas De todo modo, sabemos que entre as obrigações de Visconti como pensionista brasileiro na Europa estava prevista apenas uma cópia que devia ser enviada ao inal do 3° ano de seus estudos. Visconti cumpriu essa tarefa entre 1895 e 1896 em Madri, copiando a pintura de Velázquez A Rendição de Breda, no museu do Prado, em tamanho equivalente ao do original. Esse trabalho de fôlego icou durante muitos anos exposto no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. 100 101 Durante o tempo em que esteve no Museu do Prado copiando Velázquez, Visconti realizou outras cópias, de menores dimensões, que não faziam parte de suas obrigações. Esses trabalhos hoje se encontram em coleções privadas e suas imagens estão disponíveis no site oicial de Eliseu Visconti <http://www.eliseuvisconti.com.br>. Algumas mostram 1 detalhes de obras de Velásquez , outra é uma cópia reduzida de O rapto de Helena (1578-79), quadro de Tintoretto também pertencente ao Museu do Prado. O trabalho de Visconti é uma anotação rápida da composição de Tintoretto. Nosso pintor quis registrar a estrutura e as cores que o impressionaram, Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti / Ana Maria Tavares Cavalcanti Figura 1 – acima: Eliseu Visconti – cópia de Tintoretto, 1896 óleo sobre madeira – 21 x 32cm – coleção particular. http://eliseuvisconti.com.br/Catalogo/Principal/21/Catalogo.aspx abaixo: Eliseu Visconti - A Poesia e o Amor Afastando a Virtude do Vício (detalhe) Estudo do primeiro friso do proscênio do Theatro Municipal do Rio. Óleo sobre tela - 51cm X 148 cm - 1906 - Museu dos Teatros - funarj http://www.eliseuvisconti.com.br/Site/Obra/FrisoProscenio.aspx. Figura 2 – Eliseu Visconti - “Marabá”, 1888, graite s/papel – 18,7cm x 102 103 15,1cm MNBA – Rio de Janeiro. Fonte: base Donato/MNBA. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti / Ana Maria Tavares Cavalcanti a diferença expressiva entre elas.2 De fato, enquanto na versão inal, Marabá tem uma atitude relexiva e melancólica, que em nada ameaça os que a contemplam, já no estudo registrado por Visconti, ela é abertamente sedutora, uma femme fatale como estava em voga na Europa do inal do século. conservando assim a lembrança desse quadro. É interessante comparar essa cópia com um detalhe de uma de suas pinturas decorativas do Theatro Municipal. Embora as diferenças entre as duas imagens sejam grandes, a semelhança na posição das iguras femininas principais e o acúmulo das demais iguras ao seu redor chama nossa atenção. Isso não signiica que esse quadro especíico de Tintoretto tenha sido a fonte de inspiração para o primeiro friso do proscênio do Theatro Municipal. Com essa comparação, gostaríamos de adiantar a hipótese que defendemos: no exercício de copiar, os artistas adquiriam um vocabulário visual do qual se apropriavam. As soluções compositivas, os contrastes de claro e escuro, as atitudes das iguras pintadas, todos esses elementos que eles observavam nas obras originais que copiavam vinham enriquecer seu próprio repertório ao qual podiam recorrer com liberdade em diversas ocasiões. Aliada ao estudo do modelo vivo, à realização de esbocetos preparatórios para grandes composições, e às chamadas “manchas” ou pochades de paisagens realizadas ao ar livre, a prática de copiar pinturas de mestres era uma forma de adquirir cultura visual, de tomar posse de um patrimônio comum que passava de geração à geração. Portanto, vemos que a escolha de quais obras copiar não era indiferente. Muitas cópias revelam algo sobre o temperamento e os interesses do artista que as realizou. Outro exemplo signiicativo se encontra num caderno de notas de Visconti, no qual, por volta de 1895, ele desenhou os traços e anotou os nomes das cores do quadro de Dante Gabriel Rossetti, Ecce Ancilla Domini - A anunciação (c. 1849-50) que viu em Londres. Esse pequeno desenho-registro da obra de Rossetti conirma o interesse de Visconti pelos pintores pré-rafaelitas, interesse que se nota em seus quadros do inal da década de 1890. Numa fotograia desse período observamos o indício evidente do processo que se inicia com a admiração de Visconti por um pintor, no caso Sandro Botticelli (1445-1510), passa pela referência a uma obra especíica, e inalmente se completa numa pintura original. Nesse sentido, além das cópias previstas no decorrer de sua formação, desde cedo os artistas adquiriam o hábito de fazer rápidos desenhos para guardar a lembrança de pinturas ou esculturas que os interessavam particularmente. Visconti também fez diversos desses pequenos estudos. Em 1888, por exemplo, desenhou a graite a Marabá de Rodolpho Amoêdo, seu professor na Academia Imperial de Belas Artes. Visconti posou para o fotógrafo em seu ateliê em Paris e se posicionou em frente ao cavalete, paleta e pincéis nas mãos. Sobre o cavalete vemos um estudo para as Oréadas, trabalho com o qual viria a receber medalha de prata na Exposição Universal de Paris de 1900. Atrás de Visconti, vemos o quadro em sua versão inal. E na parede do fundo, no ponto central da fotograia, se vê uma reprodução da Primavera de Botticelli (c. 1482). No caso da Marabá, é interessante notar que Visconti optou por registrar a versão inicial da pintura, o estudo no qual a mestiça olha diretamente para nós, espectadores do quadro, sendo que na obra inal, Amoêdo desviou o olhar da moça, pintando seu rosto de peril. Talvez Visconti tenha icado tão admirado quanto os que hoje comparam essas duas versões e observam Oréadas não é uma cópia da Primavera, mas suas ninfas dançantes estão impregnadas da atmosfera desse quadro. Quando comparamos as pinturas mais atentamente, percebemos que duas iguras de Botticelli foram usadas como referências visuais para as oréadas. Uma delas é Clóris, que Botticelli pinta sendo agarrada por Zéiro no canto direito da imagem. Visconti replicou a posição 104 105 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti / Ana Maria Tavares Cavalcanti de seu corpo, em especial de suas pernas, no casal que dança no primeiro plano de seu quadro: o jovem rapaz e a ninfa que olha em nossa direção. Claro, não são cópias idênticas de Clóris. Visconti “girou” e espelhou a igura, mas reconhecemos sua fonte. E o mesmo se dá com uma das três Graças de Botticelli, aquela que está de costas para nós. Reencontramos sua atitude na ninfa que Visconti pintou no canto esquerdo, inteiramente nua. Tudo indica que após escolher essas referências, ele contratou um modelo que posou em posições semelhantes, pois existem muitos estudos para as Oréadas feitos em graite sobre papel, a partir da observação do modelo vivo.3 Em um de seus cadernos, há a seguinte anotação: “Domenique Vintri [...] – menino muito bonito de corpo para a primavera – belas formas”.4 Menciono essa passagem como um exemplo das diversas etapas que faziam parte da realização das pinturas de Visconti e de seus contemporâneos. A ideia de um quadro podia surgir da contemplação de pinturas de outros artistas. Muitos esboços preparatórios eram então realizados, e nestes se mesclavam referências visuais encontradas em obras anteriores, estudos de modelo vivo, de paisagens ou de interiores. lhista que observou em quadros de Signac e Seurat. Pequenos comentários sobre os dois pintores se encontram em um de seus cadernos: Independentes. [...] “Paul Signac” Pontilhista interessante; “Seurat” 1859-1891 Pontilhista muito ino5 São registros de sua visita ao Salão da Sociedade dos Artistas Independentes em 19056, e demonstram sua admiração pelos neo-impressionistas. Igualmente interessante é perceber que sua atenção também se dirigiu a artistas hoje menos conhecidos, ao menos em âmbito internacional. Visconti escreveu um pouco acima, nesse mesmo caderno: Paris, Independentes 23-4-9057 O mesmo procedimento de tomar emprestadas iguras de outro pintor foi empregado por Visconti nas decorações do Theatro Municipal. Nas pinturas que decoram a sala de espetáculos do teatro - no plafond (teto) sobre a plateia e no friso sobre o proscênio – algumas de suas iguras alegóricas são releituras de imagens presentes em um quadro do pintor austríaco Gustav Wertheimer (1847-1904), La Danse des Sirènes. Já tratei desses empréstimos em minha tese de doutorado (1999) e em artigo publicado em 2002 (Arte & Ensaios, n. 9). Aqui menciono essa apropriação para ressaltar como as imagens retiradas do quadro de Wertheimer são transformadas por Visconti, transiguradas em obra de expressão muito diversa. Se reconhecemos nas alegorias das “horas” as mesmas poses das “sereias”, quando comparamos as cores e as pinceladas de Visconti e Wertheimer, nota-se uma grande diferença. Visconti fez uma “colagem” nesse trabalho. Por um lado utilizou as iguras de Wertheimer, e por outro, a técnica ponti- Butler,8 notas cinzentas mas variadas E. Brin9 – La Vérité – muito bem! “Hermann Paul”10 original. […] “Peccatte”11 Luminoso, colorido, rico, dourado claro. Imaginamos Visconti em sua visita ao Salão dos Independentes, caderninho no bolso, pronto para registrar suas impressões sobre o que via. Seu olhar não era o de um visitante distraído, estava atento à produção de seus contemporâneos. O americano Theodore-Earl Butler (1861-1936) e os franceses Emile-Quentin Brin (1863-1950), René Georges Hermann-Paul (1864-1940) e Charles-Marie Peccatte (1870-1962) mereceram seus comentários. Suas anotações nos orientam em direção 106 107 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti / Ana Maria Tavares Cavalcanti Figura 3 – Eliseu Visconti – a partir de Dante Gabriel Rossetti (Ecce Ancilla Domini) graite sobre papel – 15,5 x 10,5cm – acervo Tobias Visconti, foto João Araujo. Figura 4 – Eliseu Visconti no ateliê em Paris, 1899 108 109 Fonte: http://www.eliseuvisconti.com.br/Img/1/obrasc_crono16.jpg. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti / Ana Maria Tavares Cavalcanti às ainidades que sentiu e nos fazem perceber que os artistas eram um grupo. O trabalho de cada um, embora realizado por vezes de forma solitária na quietude de seus ateliês, era na verdade um trabalho coletivo. Ao criar suas obras, uns tinham consciência do que os demais estavam fazendo, e se situavam em relação a esse conjunto interagindo uns com os outros, mesmo quando não se conheciam pessoalmente. Assim, nas visitas aos museus e às exposições, havia uma troca de ideias entre artistas de tempos e lugares diversos. Resta-me acrescentar minhas próprias impressões quando, em visitas a museus de outros países, ou diante de reproduções, vejo pinturas que me lembram as telas de Visconti. Sous la lampe (Sob a lâmpada) do francês Victor Prouvé é uma dessas pinturas, pois nos remete aos Deveres de Visconti. É sobretudo pelo tema que os quadros se aproximam. Os dois pintores retrataram meninas ocupadas com seus estudos, os livros abertos e iluminados por um foco de luz. Há diferenças na interpretação do assunto, no entanto. Prouvé inclui três meninas na cena, cada qual com uma atitude particular, sendo que a garota situada no centro da composição nos olha pensativa. Sua tela tem a leveza de uma crônica do cotidiano. Já Visconti concentra a ação em apenas uma igura inteiramente absorvida em sua tarefa escolar. Um facho de luz ressalta as folhas brancas do caderno que iluminam, por relexão, o rosto da menina. A atmosfera é quase mística. Visconti deixou outro registro dessa “troca de ideias” em seus cadernos, ao comentar os estudos feitos por Henri Martin (1860-1943) para a decoração do Capitólio de Toulouse, expostos no Salão da Société des Artistes Français em 1906. Nessa oportunidade, Visconti escreveu: Capitole de Toulouse de H. M. Toda sua pintura é vista de longe. Ele modela por valor e não pelo próprio modelado. É o que dá simplicidade. Todas as suas cores se misturam desde o primeiro ao último plano. O ar circula livremente. Como valor, no máximo três. A mistura de cores se faz por justaposição […] e jamais fundidas umas às outras. É justamente o resultado fresco e luminoso que notamos em sua pintura.12 A comparação entre essas duas telas nos faz perceber o desaio que os pintores do período enfrentavam ao abordar temas já trabalhados por outros. Pois se havia assuntos que despertavam o interesse do público e recebiam repetidamente a atenção dos artistas, estes eram chamados a expressar uma visão original, traduzindo o tema de acordo com seu temperamento pessoal. Sabemos que nesse momento Visconti começava a preparar as pinturas decorativas para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O Salão em Paris era ocasião de observar os trabalhos de outros pintores, com a atenção voltada para os recursos que poderia empregar nessa decoração. Visconti aprovou a maneira como Henri Martin se apropriou do pontilhismo, utilizando a técnica dos neoimpressionistas Seurat e Signac nas pinturas de grandes dimensões que realizou para o prédio em Toulouse. Observar o efeito “fresco e luminoso” da justaposição de cores nos estudos de Martin deve ter sido experiência decisiva para Visconti, que optou por empregar o mesmo procedimento nas pinturas do Theatro Municipal, conforme já mencionado. Outros quadros que nos fazem pensar em Visconti são o Retrato de Olga Serova, do pintor russo Valentin Serov (1865-1911), e Bois de Boulogne do holandês Isaac Israëls (1865-1934). Em ambos reconhecemos as mesmas cores, pinceladas e atmosfera de certos trabalhos de Visconti. 110 111 Tanto Israëls quanto Serov foram contemporâneos do pintor brasileiro e viveram em Paris durante alguns anos. Foi em Paris que Isaac Israëls pintou Bois de Boulogne. Provavelmente, Visconti nunca se encontrou com Israëls, e tampouco com Valentin Serov. Embora possa ter visto suas obras nos Salões de Paris, Visconti não menciona telas de nenhum dos dois pintores em suas anotações. No entanto, numa pintura de Visconti datada de 1921, Tapera Velha, realizada pouco tempo Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti / Ana Maria Tavares Cavalcanti Figura 5 - acima: Gustav Wertheimer (1847-1902) - La danse des Sirènes, 1888 (detalhe) reproduzido em Le Figaro Salon, 1888, fascículo 3, p. 42. Figura 6 - Charles-Marie Peccatte (1870-1962). abaixo: Eliseu Visconti - A Dança das horas ou A passagem do Dia, 1908 (detalhe) Pintura decorativa - Theatro Municipal do Rio de Janeiro. 112 113 Les Bouleaux – detalhe Musée de l’École de Nancy Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti / Ana Maria Tavares Cavalcanti após seu retorno ao Brasil, vemos as mesmas pinceladas e uma paleta muito próxima daquela que observamos em Bois de Boulogne. Copia-se muito, combinam-se concepções anteriores para criar tipos aparentemente inéditos. Se rejuvenesce o assunto, o tema, tratando-os ao gosto da época.”15 Poderíamos apresentar ainda muitos outros exemplos, em que quadros realizados por pintores que não se conheceram, parecem ser “da mesma família”. Ao confrontar a pintura de Visconti das décadas de 1920 e 1930, sobretudo suas obras de atmosfera impressionista, com a produção de artistas contemporâneos atuantes em outros países, encontramos semelhanças na escolha dos temas, na paleta e na fatura das pinceladas. Não se trata, como alguns poderiam propor, de uma simples “cópia” do Impressionismo francês do inal do século anterior. Claro, na base, está a pintura dos impressionistas, mas é evidente que Visconti possui mais ainidade e maior semelhança com pintores de sua própria geração. Ao que tudo indica, essas anotações de Visconti foram feitas a partir da leitura de livros, pois a passagem que diz “Quase já não se inventa mais. Limitam-se a combinar […] os tipos criados pelos grandes mestres” é na verdade a citação de um texto do arqueólogo e historiador suíço Waldemar Deonna (1880-1959). O trecho se encontra no prefácio que Deonna escreveu para o livro de fotograias de Frédérique Boissonnas, intitulado L’image de la Grèce, Athènes ancienne, publicado em Genebra em 1921.16 Lendo o trecho no caderno de Visconti, facilmente imaginamos que ele se refere a artistas seus contemporâneos. Curiosamente, no entanto, ao ler a passagem completa de Waldemar Deonna, percebe-se que o suíço se referia aos gregos do período helenístico. Nos perguntamos então se Eliseu teria anotado essa passagem justamente por ter sentido que as observações que se dirigiam aos antigos gregos poderiam muito bem se endereçar aos artistas de seu próprio tempo. Possivelmente... Como vimos, ele próprio utilizara esse procedimento de repetir temas, de copiar e combinar “concepções anteriores para criar tipos aparentemente inéditos”. Ou seja, essas anotações parecem contradizer sua prática. Como entender essas semelhanças? Muitas respostas são possíveis, mas a que nos parece mais simples é a de que esses artistas partilhavam de um mesmo vocabulário pictórico, das mesmas inquietações e interesses. Em sua formação, passavam pelos mesmos exercícios, e em sua trajetória artística, participavam dos mesmos Salões, frequentavam as mesmas exposições, visitavam os mesmos museus e galerias. Assim, ao produzir suas obras, formulavam suas ideias e expressavam seus sentimentos compartilhando a mesma linguagem. Essas relexões que têm como ponto de partida as obras de Visconti, se tornam mais complexas à luz de seus escritos pessoais. Em um de seus cadernos, lemos a seguinte frase que data, provavelmente, da década de 1920: “O verdadeiro gênio é o que inventa fora das convenções e tradições.” Adiante, provavelmente na década de 1930, ele anota: “Quase já não se inventa mais. Limitam-se a combinar, de forma mais ou menos feliz os tipos criados pelos grandes mestres, a repetir, a adaptar.”14 E no mesmo tom que ora parece crítico, ora simples constatação, continua: “O julgamento estético é subjetivo, varia no decorrer dos tempos. O mesmo tema é repetido século após século. Situado entre os séculos XIX e XX, entre concepções diversas de ensino e produção da arte, Eliseu Visconti nos estimula a pensar sobre os desaios enfrentados pelos artistas formados na Academia e cuja atuação se prolongou até a década de 1940. 114 115 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti / Ana Maria Tavares Cavalcanti Figura 7 – Victor Prouvé (1858-1943) Sous la lampe – 1895 óleo sobre Figura 8 – Eliseu Visconti (1866-1944) Deveres – c. 1910. óleo sobre tela tela – 73,5cm x 93,8cm Musée de l’École de Nancy, França. – 60cm x 80cm Coleção particular. Fonte: http://www.ecole-de-nancy.com/web/index.php? page=peinture-prouve. Fonte: http://www.eliseuvisconti.com.br/Catalogo/Descricao/1/Deveres. 116 117 aspx. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti / Ana Maria Tavares Cavalcanti Figura 9 – Valentin Serov (1865-1911), Verão, retrato de Olga Serova – Figura 10 - Isaac Israëls (1865-1934). Bois de Boulogne, arredores de 1895. óleo sobre tela – 73,5cm x 93,8cm. Galeria Tretyakov, Moscou. Paris - c. 1906, óleo sobre tela – 33cm x 46cm, Rijksmuseum, Amsterdam Fonte: http://www.tretyakovgallery.ru/en/collection/_show/image/_ id/3002. Fonte: 118 119 https://www.rijksmuseum.nl/en/rijksstudio/artists/isaac-israels/ objects#/SK-A-3593,7. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti / Ana Maria Tavares Cavalcanti Notas: 1 http://www.eliseuvisconti.com.br/Catalogo/Descricao/1/Velasquez.aspx 2 Dentre os autores que observaram essa mudança expressiva entre o estudo e a versão inal da Marabá, podemos citar Luciano Migliaccio. Vide: MIGLIACCIO, Luciano. Rodolfo Amoedo. O mestre, deveríamos acrescentar. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 2, abr. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/ra_migliaccio. htm>. 3 Um desses estudos para Oréadas pode ser visto no catálogo de obras de Visconti (código D302), disponível em <http://eliseuvisconti.com.br/Catalogo/ Descricao/1/D302.aspx> 4 Visconti, E. Manuscrito em bloco de notas, c. 1894-95, 10.5cm x 15.5cm. Acervo da família Visconti. 5 De um caderno de Visconti conservado no Arquivo Histórico do Museu Nacional de Belas Artes. Grupo 3: artistas, personalidades e obras de arte (mapoteca 03). Tradução da autora. Em francês no original: Indépendants […] “Paul Signac” Pointilliste intéressant. “Seurat” 1859-1891 Pointilliste très in. 6 No Salon des Indépendants de 1905 foi realizada uma exposição retrospectiva de Georges Seurat (1859-1891) com quadros de diversas coleções, inclusive Un Dimanche à la Grande Jatte (no catálogo, p. 127-129). O catálogo da exposição está disponível em Digital Collections from The Metropolitan Museum of Art Libraries http://libmma.contentdm.oclc.org/cdm/ref/collection/p16028coll4/id/4116 7 De um caderno de Visconti conservado no Arquivo Histórico do Museu Nacional de Belas Artes. Grupo 3: artistas, personalidades e obras de arte (mapoteca 03). Tradução da autora. Em francês no original: Paris, Indépendants 23- 4-905 / Butler, notes grises mais variées / E. Brin La Vérité très bien! / Hermann Paul original […] / “Peccatte”Lumineux et coloré, riche, doré clair. 8 Theodore-Earl Butler (nascido nos Estados Unidos, 1861-1936 – viveu em Giverny). No Salon des Indépendants de 1905 expôs: La statue de la Liberté, New-York; La rue de la Pépinière; Effet d’hiver, Giverny; Marine; La Seine en hiver (dois quadros com esse mesmo nome); Rouen; Giverny l’hiver. Figura 11 – Eliseu Visconti (1866-1944), Tapera Velha – 1921, óleo sobre tela - 24cm x 35cm. Coleção particular, Brasil. 120 121 9 Emile-Quentin Brin (Paris, 1863-1950) – foi aluno de Cabanel na Ecole Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti / Ana Maria Tavares Cavalcanti nationale des Beaux-Arts. No Salon des Indépendants de 1905 expôs sete pinturas, sendo seis “estudos” e um quadro chamado La vérité. 10 René Georges Hermann-Paul (Paris, 1864-1940). No Salon des Indépendants de 1905 expôs oito telas: Portrait de Cézanne, Portrait de Mlle H.-C., Portrait de M.P.M., Jeune garçon, Soir d’été, En visite, L’écolière, Trois enfants. 11 Charles-Marie Peccatte (1870-1962) – artista francês da região de Lorena, estudou em Paris a partir de 1890, frequentando o Museu do Louvre e a Academia Colarossi. No Salon des Indépendants de 1905 expôs oito telas: Brumes d’octobre, Jour de Pâques, Neige et bouleaux, Novembre, Le bosquet blanc, La saison rouge, Sur la colline, La rivière. Mais informações em < http://artlorrain.com/charles-marie -peccatte>. 12 De um caderno de Visconti conservado no Arquivo Histórico do Museu Nacional de Belas Artes. Grupo 3: artistas, personalidades e obras de arte (mapoteca 03). Tradução da autora. Em francês no original: Capitole de Toulouse de H. M. Toute sa peinture est vue de loin. Il modèle par valeur et non par le modelé lui-même. C’est ce qui donne simplicité. Toutes ces couleurs se mêlent depuis le premier plan jusqu’au dernier. L’air circulle partout. Comme valeur trois au maximum. Le mélange de couleur se fait par juxtaposition avec beaucoup de [...] et jamais fondues les uns dans les autres. C’est justement le résultat frais et lumineux que l’on obtient de sa peinture. 13 Idem, ibidem. Esse trecho está escrito em português no original. 14 Idem, ibidem. Em francês no original: On n’invente plus guère. On se borne à combiner plus ou moins heureusement les types créés par les grands maîtres, à répéter, à adapter. 15 Idem, ibidem. Em francês no original: Le jugement esthétique est subjectif, varie au gré des temps. Le même thème répété de siècle en siècle. On copie beaucoup, on combine conception antérieure pour crééer des types en apparence innédits. On rajeunit le sujet, le motif en les traitant au goût de l’époque. 16 BOISSONAS, F. L’image de la Grèce, Athènes ancienne. photographies de Fred. Boissonnas, Introduction de W. Deonna. Genève: Editions d’Art Boissonas, 1921. Disponível em https://archive.org/stream/athnesancienne00bois#page/n7/mode/2up (consulta em 18 de abril de 2016) 122 123 Ana Maria Tavares Cavalcanti, Doutora em História da Arte pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne, é professora de História da arte na Escola de Belas Artes da UFRJ desde 2006. Suas pesquisas abordam a produção, a circulação e a recepção da arte entre Brasil e Europa nos séculos XIX e XX. O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições 124 125 Marina de Andrade & Dalila Santos Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições / Marina de Andrade & Dalila Santos função do acervo da AIBA e da ENBA que hoje pertencente ao MDJVI era a de formar artistas - colaborando, em especial, nas disciplinas de Desenho, que era a base para todos os ofícios. A incorporação dessas obras através de concursos, compras e doações iniciou-se com a criação da AIBA em 1816 e manteve-se depois da República na ENBA (PEREIRA, 2015, p.2171)1. O acervo não abrange, contudo, toda a coleção da antiga AIBA e ENBA, pois com a criação do Museu Nacional de Belas Artes (1937) há uma separação da coleção, tendo sido destinada à ENBA a parte mais didática, que mantinha sua função pedagógica e era em grande parte disponibilizada em salas de aula e ateliês. Quando a EBA foi transferida para a Ilha do Fundão, passando a ocupar parte do Prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, esse acervo manteve-se nas salas de aula e ateliês. Foi apenas em 1979 que o Museu D. João VI foi criado, visando a conservação das peças da Escola que então completava 163 anos. Com um grande acervo didático, o Museu D. João VI (MDJVI) da Escola de Belas Artes da UFRJ abriga coleções de desenho, pintura, medalhística, estampas, moldagens em gesso, entre outros, que são testemunhos visuais de processos de ensino usados pela Academia Imperial das Belas Artes (AIBA) e pela Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Em sua etapa contemporânea como Escola de Belas Artes (EBA), entretanto, o reduzido quantitativo de obras não fornece a mesma representatividade na identiicação das práticas e processos desenvolvidos por professores e alunos. Tal constatação denuncia a falta de continuidade em processos de aquisição de obras, mas também pode signiicar uma mudança signiicativa em relação aos métodos e currículos de escolas de arte na contemporaneidade - de que maneira a diversidade da arte contemporânea poderia ser posta em um acervo didático? É signiicativo pensar que parte das obras expostas no Museu participavam do cotidiano dos alunos. Sua presença frequente evocava os valores que deveriam ser mantidos e tornava presente a história da arte. A imagem que vem à mente é a de academias italianas e da francesa - esta última, modelo determinante para a AIBA. A aproximação parece estar na concordância de que os artistas deveriam estudar a natureza, aprender o desenho do nu e valorizar as obras da antiguidade clássica. A presença dos modelos era frequente, como registra a fotograia de uma aula de pintura em 1912, na ENBA. E a convivência de referências gregas/romanas e as próprias obras dos professores apontava para o encontro entre diferentes modelos teóricos e de ensino. Não cabe nesse momento responder essa pergunta que não pode, contudo, ser negligenciada. A questão encaminha-se aqui para um contexto mais especíico, sobre a maneira pela qual o atual acervo se mantém signiicativo para as disciplinas de desenho. Essa especiicação parece relevante, dada a complexidade e pluralidade de peris que convivem na atual EBA. Como aponta Sonia Gomes Pereira (2011, p.124), num universo tão diferenciado de professores e alunos, o sentido do MDJVI pode ser óbvio dentro do curso de História da Arte ou de Conservação e Restauração mas se torna menos claro para os que estão voltados para a formação do artista. Há de fato uma mudança quando constatamos que a primeira A observação dessa imagem nos encaminha, assim, para concepções distintas da palavra “modelo”, que podem ser o ponto de partida para as considerações sobre a prática do desenho na atual EBA. Num momento, mencionam-se os modelos que eram usados pelos alunos/ aprendizes na busca pelo domínio da representação (da igura humana em 126 127 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições / Marina de Andrade & Dalila Santos especial), em outro, o modelo de ensino francês que caracterizou a formação da AIBA. Em um sentido, modelos são objetos que difundem e informam formas de adequação. No segundo, trata-se de um modelo de ensino da arte, do conjunto de postulados que caracterizam e especiicam um determinado contexto. organizador de projetos para escolas de artes, o autor analisa as três principais vertentes que a seu ver inluenciaram as escolas de arte desde a criação das academias: o modelo acadêmico, o modelo da Bauhaus e um terceiro, que se relaciona à contemporaneidade. Para cada um dos três momentos o autor propõe tríades de conceitos: talento/métier/imitação; criatividade/meio/ invenção; atitude/prática/ desconstrução, respectivamente. Como descreve Cybele Vidal, a Academia deveria possuir objetos necessários a aprendizagem, que incluíam desenhos (preferencialmente executados pelos professores), gravuras de estampas europeias, de partes do corpo e as “academias”. No processo de ensino, cita a autora, o aluno tinha como ponto de partida a imitação, que era seguida da invenção e da expressão. A importância dos modelos parecia perpassar todas essas etapas: ele era a referência para a imitação, fornecia critérios de avaliação e fórmulas de empréstimo para a invenção e na expressão. Foi esse apoio ao ensino que motivou a reunião das várias coleções da academia. O modelo acadêmico tinha como fundamentos a observação da natureza e a imitação. O processo de aprendizagem era lento, priorizando-se o saber técnico ou a habilidade que levariam à formação do métier. Duve (2008), contudo, aponta que o diferencial entre artista e artesão era justamente o que ele não poderia aprender na academia: o talento, algo com o qual se nasce, e que a educação pode apenas aprimorar. Essa distinção parecia estar no cerne da Academia, cuja maior ambição seria transmitir valores, tradições. É esse o modelo que encontramos mais representado pelo acervo do MDJV. A presença desses modelos nas aulas desenvolvidas na AIBA e ENBA pode ser observada no conjunto de desenhos disponíveis no acervo do Museu. A cópia da escultura do Discóbolo é representada por Georgina de Albuquerque (igura 2) evidenciando alguns preceitos do ensino do desenho, entre eles: o equilíbrio na composição e nas passagens de luz e sombra, o estudo das proporções e da forma clássica. A cabeça do Moisés - cópia da cabeça da escultura de Michelangelo também documenta a presença desses modelos no ensino, tal como evidencia o desenho de Marques Júnior (igura 3). Um estudo contemporâneo de um aluno do curso de Artes Visuais (Escultura) da EBA sugere outras apropriações desses modelos (igura 4), chamando-nos a pensar sobre outros modelos de ensino. O modelo da Bauhaus, como propõe Duve (2008, 2003), segue direcionamentos distintos do seu antecessor. O desenho anatômico, que trazia a observação e estudo humanistas, cede lugar ao estudo do homem como princípio subjetivo no campo da psicanálise. E o restrito talento cede lugar à universal criatividade. Para essa não é necessário o domínio de qualquer saber especíico, pois a criatividade conigura-se como qualidade que independe de qualquer pré-requisito. No modelo acadêmico, a entrada no ensino era feita quando o candidato mostrava uma habilidade especíica, que justiicava seu encaminhamento a algum mestre ou à Academia. Com base na criatividade, perde-se, em princípio, a restrição à entrada nos estudos artísticos. Esse ensino não era mais direcionado às habilidades historicamente deinidas (os truques, hábitos, cânones), mas trabalhava o meio através de elementos que perpassavam diferentes épocas: suporte, ferramentas, convenções especíicas. Sobre os modelos de ensino, Thierry de Duve nos fornece relexões em meio as quais a própria EBA pode ser colocada como exemplo para comparação. A partir da experiência como professor e 128 129 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições / Marina de Andrade & Dalila Santos A representação moderna do acervo do MDJVI é feita por professores como Quirino Campoiorito, Oswald Goeldi e Abelardo Zaluar. A presença moderna também se coloca nas disciplinas de desenho da EBA, como, por exemplo, no livro do professor Onofre Penteado, “Desenho estrutural”, que apresenta uma metodologia de ensino para artes visuais inluenciada pela Bauhaus e pelos movimentos da “Educação pela Arte” e “Escola Nova” (PENTEADO, 1981, p.17). Ementas utilizadas até os dias atuais, como a de Modelo Vivo, trazem em suas bibliograias Wassily Kandinsky e “Pedagogia da Bauhaus”. É válido ressaltar, contudo, que essas referências modernas não signiicaram o abandono de procedimentos dito “acadêmicos”, havendo a convivência (conlituosa e contraditória) entre diferentes abordagens de ensino. decompor o todo em suas partes. Não se pode, portanto, desassociar o objeto do próprio ensino em que esteve inserido. A aquisição de referências para a aprendizagem (modelos), por exemplo, já expõe um projeto de ensino baseado na imitação, no uso de referências. E a relexão sobre a participação do MDJVI na formação de artistas na atual EBA envolve a diversidade de processos contemporâneos que não pode ser representada por um conjunto restrito de modelos. Talvez para esse momento, uma outra deinição de modelo se impõe, a de modelos teóricos, modelos de pensamento. Essa outra via para reletir sobre os modelos em arte foi aqui impulsionada pelos escritos de Yves Alain Bois no livro “A pintura como modelo”. Empreendendo uma análise crítica das diversas correntes teóricas na arte, o autor propõe examinar a obra em sua especiicidade, compreendendo-a “não como ilustração de uma teoria, mas como um modelo, um modelo teórico em si mesmo” (2009, p.XL). Bois explicita que essa airmação é uma dívida a seu orientador Hubert Damisch e seus escritos no livro “Fenêntre jaune cadmium, ou les dessous de la peinture”. A pergunta “O que signiica, para um pintor, pensar?”, introduz a apresentação de uma abordagem que traz a recusa de categorias estilísticas estabelecidas, propondo “uma nova investigação diante de cada nova obra e a consciência permanente da regra operacional da pintura como referência ao discurso” (2009, p.289). O último momento do ensino, analisado por Duve, é construído através de mudanças em relação aos dois modelos anteriores. O talento e a criatividade cedem vez à atitude, mais crítica e dependente de um projeto. Em lugar do métier e da pureza do meio, a palavra “prática” marca a interdisciplinaridade das obras que questionam a própria condição enquanto arte.2 A desconstrução fecha a terceira tríade proposta por Duve, caracterizando o momento em que a a cultura que alimentava a invenção começa a vacilar, deixando de se opor a cultura da imitação (DUVE, 2003, p.104). Esse terceiro modelo não é, para o autor, um paradigma pós-moderno que substitua o moderno, mas é o mesmo paradigma “sem a fé e com a suspeita. Eu tendo a vê-lo como uma pós-imagem, um sintoma negativo de uma transição histórica cuja positividade ainda não está clara” (2003, p.105). Ainda assim, o exame desse momento é de fundamental importância, visto que ele suscita a crítica sobre os modos em que vem sendo discutida e abordada a arte dos últimos 50 anos. Roland Barthes é outra referência citada por Bois. Dele, toma emprestado o conceito de “assimbolismo”, que designa a incapacidade em aceitar a coexistência de signiicados distintos para uma obra. É fundamentada em Barthes também sua reação a teorias que funcionam como ferramentas prontas para lidar com uma questão, entendendo-se que teorias não podem ser aplicadas, pois os conceitos são moldados a partir de um objeto e de acordo com suas exigências especíicas. Essa relação está presente em todo o discurso do autor, que em meio a outros conceitos, ressalta o desejo de resistir a determinadas pressões A diferença entre os modelos como objetos e modelos como postulados para o ensino, contudo, só pode ser separada para efeito de análise - palavra que em sua etimologia signiica 130 131 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições / Marina de Andrade & Dalila Santos Figura 1: Aula de Pintura - ENBA. Pertence ao álbum digitalizado de fotograias doado por M. Nogueira da Silva, de 1932, que retrata cenas Figura 2: Georgina de Albuquerque. O discóbolo (cópia de modelo do cotidiano da Escola Nacional de Belas Artes e dos artistas da época. de gesso), 1948. Carvão e sanguínea sobre papel, 97,5 x 143 cm. Rio de Disponível em: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_ iconograia/icon276572_1418999/icon276572_1418999.pdf. Janeiro, Museu D. João VI, EBA UFRJ. Fonte: http://www.dezenovevinte. 132 133 net/ensino_artistico/ensino_enba_rp.htm. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições / Marina de Andrade & Dalila Santos Reconhecendo a relevância do Museu para a pesquisa e ensino na atual EBA, pode-se considerar que sua atuação poderia tornar-se mais expressiva, caso fossem agregados ao seu acervo mais registros de pesquisas desenvolvidas pelos seus atuais alunos e professores. Sem cumprir a função de fornecer modelos imprescindíveis a formação do artista (algo que se distancia da prática contemporânea), essas novas aquisições colaborariam no registro dos modelos de ensino e na elaboração/ exercício de modelos teóricos (seja pela produção, escrita ou curadorias). ou chantagens impostas ao historiador ou ao crítico de arte. Há uma fala de Tunga (2009, p.200) que remete a essas considerações: “Todos os meus trabalhos são uma teoria, que é ao mesmo tempo teoria de si mesmo e teoria da arte”. Mais do que uma ilustração de teorias, entende-se que o artista buscou airmar a própria obra como um parecer crítico, um posicionamento sobre a arte. Ressaltando a singularidade da obra, essa abordagem parece signiicativa para as apropriações contemporâneas do acervo do MDJVI. É signiicativo pensar que os encontros com a obra possam gerar não apenas relexões escritas, mas também pesquisa prática. As diversas apropriações realizadas por alunos e artistas vinculados à EBA (tal como a representada na igura 4) atentam para as próprias obras como construções de pensamento e como modalidades de discurso. Deixar de ver essas obras como “modelos para a imitação” é algo que passa pela nossa prática como professoras de desenho da atual EBA. De fato, o acervo didático ainda é utilizado em propostas de desenho de observação, mas entendemos que a esse fazer não pode ser atribuído o mesmo sentido que possuía em um ensino que privilegiava o talento e o métier. Tampouco buscamos o contato com essas obras exclusivamente sob a perspectiva do modelo deinido pela atitude/prática/ desconstrução - cujo potencial contestatório tornou-se, hoje, convencional (DUVE, 2003, p.105). A desconstrução segundo Thierry de Duve, tem como resultado “estudantes que não tiveram tempo de construir qualquer espécie de cultura artística sendo orientados pela noção desconstrutiva própria do nosso tempo” (2003, p.104). Tradições e modelos Inserido em uma escola de arte, o Museu D. João VI é alvo de diferentes atribuições, funções e sentidos. Se por um lado é necessário que sua curadoria atenda às atuais recomendações de preservação e documentação, deve manter-se atrelada aos estudos da historiograia da arte sem esquecer de sua função educativa - que envolve o ensino e a pesquisa. Função esta que toca em especial os proissionais da arte e os alunos que buscam sua formação nessa instituição que completa 200 anos. Desse ponto de vista, a presença do acervo do MDJVI traz um contato valioso com a história da arte, seus modos de construção e transmissão. Sem tábula rasa, os artistas podem transitar entre esses saberes ou reminiscências, escolhendo na história da arte interlocutores que dão suporte a suas manifestações. Os modelos de referência e os modelos de ensino, permitem o contato com tradições que coniguram o campo artístico. A distinção proposta no início do artigo de abordar as diferentes concepções de modelo fomentadas pelo acervo do MDJVI, parece signiicativa na discussão sobre a presença de um acervo didático no século XIX e de um museu universitário no século XX. Nessa última vertente, ressalta-se um olhar para as obras não apenas como modelos para o ensino, mas como referências de pesquisa, fomentando distintas aproximações teóricas, abordagens historiográicas e em curadorias. O conceito de tradição aqui proposto não se refere exclusivamente a norma clássica, mas vem destacar a própria construção da arte como processo que envolve continuidades 134 135 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições / Marina de Andrade & Dalila Santos e rupturas. Perpassando os 200 anos de história da Escola de Belas Artes, continuidades e rupturas são simultâneas tanto no período da AIBA, quanto no da ENBA. Nos atuais processos das disciplinas de desenho, acreditamos que o contato com o acervo do Museu possa permitir a identiicação de aproximações e distanciamentos signiicativos para o processo de pesquisa em artes; estimulando, assim, o movimento de olhar para trás e para frente, vendo os traçados anteriores e visualizando campos expandidos plenos de possibilidades sendo construídos à medida que caminhamos. atualidade. Uma pequena parte já é trabalhada em obras provocadoras de seu tempo, mas o grande todo ainda não foi percebido como possibilidade pela arte contemporânea no ensino do desenho, na EBA. No modelo acadêmico e moderno, a busca pela representação e adequação aos objetivos de bem conhecer as obras, como ferramenta didática, buscava tratar essas referências como modelos para as chamadas cópias, e sabemos como o século XIX “foi atravessado por uma importação maciça e impensada de modelos” (Baez, 1985, p.22). Em paralelo a essas considerações sobre a tradição, uma airmação de Gombrich parece ser uma conclusão impugnável para um museu inserido em uma escola ou para uma escola que possui um museu: a de que arte nasce da arte, não da natureza. A frase, citada quando o autor tece considerações sobre André Malraux, sendo deposta de uma interpretação excessivamente exclusiva, pode corroborar na airmação de que a deinição de algo como arte envolve relações com outras obras que também foram deinidas enquanto tal. Fantasmas e modelos: o aprendizado do olhar Abordando essas imagens hoje, como mediadoras no ensino do desenho, é preciso observar esse passado como passível de ser articulado no presente. A imagem é sempre gênese3, possuindo estratos, camadas de signiicados históricos: antropológicos, sociais, religiosos, políticos, passíveis de serem articulados e reelaborados pelo artista. No aprendizado do desenho na atualidade, essas imagens são buscadas por seus signiicados e inseridas em propostas artísticas sem o compromisso do “fazer” semelhante, mas sem pudor são apropriadas e se mostram como sobrevivências de outros tempos, se abrem ao olhar do artista criador como potencialidades, como memória imagética. Essas sobrevivências se airmam por si mesmas e não mais pela mímesis de si. Passam a não pertencer à uma ou outra determinada época, mas como um nó de temporalidades não podem mais ser deinidas por sistemas de datação, autoria ou técnica. Segundo o historiador da arte Didi-Hubermann (2013,p.34), “icamos diante da imagem como diante de um tempo complexo”. A singularidade das imagens permite que tenhamos, diante delas, uma história da arte e da cultura como acervo potencial para a produção artística contemporânea. Reletindo sobre as imagens artísticas que formam os variados acervos do MDJVI da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reconhecemos ininitas possibilidades ainda não suicientemente observadas pelas práticas artísticas na Didi-Hubermann (2013, p.89) airma ainda que o historiador Aby Warburg, que estudou as imagens sob uma ciência da cultura e de tempos anacrônicos, reconhecia essa complexidade da articulação temporal como articulação formal. Essas formas Ao mesmo tempo que um museu fornece modelos e transmite tradições, ele impõe aos seus alunos a necessidade de pensar a sua produção historicamente, buscando constantes relações em que semelhanças e diferenças estarão constantemente sendo analisadas. As obras sobrevivem ao tempo, suas imagens são reproduzidas e circulam, impondo a necessidade de enfrentamento e convivência. Fantasmas com os quais convivemos, e que se tornam presentes em disciplinas como as de Desenho, cuja presença está intrinsecamente ligada à história da EBA. 136 137 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições / Marina de Andrade & Dalila Santos Figura 3: Augusto José Marques Junior (1887-1960). Nu feminino com cabeça de Moisés. Carvão sobre Papel 91 x 145. Museu D. João VI. Foto de Ricardo Pereira. Fonte: http://www.dezenovevinte.net/ensino_ artistico/ensino_enba_rp.htm Figura 4: Tiago Vieira (curso de Artes Visuais). 2016. Foto de Bruna 138 139 Fantappie. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições / Marina de Andrade & Dalila Santos Notas: não mais olhadas como modelos referenciais são hoje olhadas como forma/força em estado latente. Carregam uma sobrevida que pode nos assombrar como fantasmas4 que teimam, com suas vozes inaudíveis, em nos sussurrar sentidos e conlitos inerentes a elas e suas relações. Warburg deiniria a história da forma de tratar as imagens como “histórias de fantasma para gente grande” (Warburg apud Didi-Huberman, 2013 p. 72). Se o desenho numa estrutura acadêmica buscou nas imagens modelos para reconhecimento ou exercício de ixação, na contemporaneidade elas carregam sentido de elaboração de conceitos que podem aproximar vários períodos e obras artísticas. Mais do que nunca a aproximação com a história da cultura se faz presente. Não são mais modelos de práticas, mas modelos de pensamento e aproximação de expressões. 1 Sobre a formação do acervo da AIBA e da ENBA, descreve Sonia Gomes Pereira: “Uma parte provinha da coleção real, trazida pela corte portuguesa em 1808. Outra parte veio para o Brasil em 1816 com Joaquim Lebreton, o chefe da chamada Missão Francesa. Mas o maior conjunto foi oriundo da própria Academia, fruto de suas diversas atividades: exercícios de alunos “envios” dos pensionistas, cópias de obras dos mestres mais importantes da tradição européia, material didático usado nos ateliês, obras vencedoras de concursos, como o Prêmio de Viagem ao Exterior ou para a contratação de professores, ou das Exposições Gerais ou Salões”. O exercício ou procedimento de montagem das relações entre imagens que se deslocam no tempo, permitem lições do olhar e atestam os tempos impuros de contaminação. Desta forma os signiicados das imagens migram para outros sentidos ao longo da história e ganham outros signiicados. Assim, investigação e interpretação de obras artísticas e diferentes meios de expressão serão o caminho para o desenvolvimento de outras propostas no ensino do desenho. 2 A palavra foi incorporada a diversos currículos de escolas de arte. Por exemplo, no curso de artes plásticas da Universidade Federal de São Paulo (USP) são oferecidas as disciplinas “Prática de Pintura”, “Prática de Escultura”, “Prática de Gravura” e “Prática de Multimídia e Intermídia”. Dados disponíveis em http://www3. eca.usp.br/cap/disciplinas. Acessado em 20 de março de 2013. 3 Nos estudos de Walter Benjamin, o termo gênese que se reportaria a palavra origem, ele a compara a corrente de um rio. Ela se daria a cada vez que as águas desse rio encontrassem um impedimento. A partir do redemoinho formado se instalaria uma nova origem, e é o objeto histórico que desencadearia esse redemoinho (Benjamin, 1984, p.67). Ao abrir a possibilidade de outras relações com as obras do acervo do MDJVI é como se ouvíssemos as vozes de outrora, dos fantasmas, fantasmas da história da Academia Imperial, da Escola Nacional de Belas Artes. Finalmente, as obras do acervo nos olham e aguardam que as vejamos como potencial criador. 4 Lembramos que a origem da palavra fantasma vem do grego phantázein – fazer aparecer. A palavra e o seu sentido são ligados a phos = luz, pois a presença dela nos mostra o que há para ver, o que continua a existir.(Site de etimologia http:// origemdaspalavras.com.br). Nossos “fantasmas” têm muito a dizer aos que quiserem ouvi-los. 140 141 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições / Marina de Andrade & Dalila Santos Referências Bibliográicas: BAEZ, Elizabeth Carbone. A academia e seus modelos. In Gávea, Revista da Arte e Arquitetura: nº 1, fev., Rio de Janeiro,1985. BOIS, Yve-Alain. A Pintura como Modelo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. 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PEREIRA, Sonia Gomes. Curadoria e História da Arte: o caso do Museu D. João VI da Escola de Belas Artes / UFRJ. In: 20º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP): Subjetividade, Utopias e Fabulações., 2011, Rio de Janeiro. Anais do Encontro Nacional da ANPAP (Cd-Rom), 2011. v. 1. p. 121-136. _____________. Repensando o papel dos acervos históricos e artísticos num museu universitário: o caso do Museu D. João VI. Revista Interfaces (UFRJ), v. 17, p. 109, 2013. Dalila dos Santos Cerqueira Pinto é Professora Adjunta da Escola de Belas Artes atuando na área de Desenho. Em suas pesquisas dedica-se aos estudos de imagem em relação à história e memória. Marina Menezes de Andrade é Professora Adjunta da Escola de Belas Artes atuando na área de Desenho. Em suas pesquisas dedica-se ao desenho, ao ensino de artes e à formação do artista na contemporaneidade. 142 143 Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA 144 145 Maria Luisa Luz Tavora Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA / Maria Luisa Luz Tavora do cenário social e cultural do Rio de Janeiro favorecem o entendimento da natureza das práticas modernistas, híbridas, hesitantes e ambíguas, não fundadas,necessariamente, no processo de rupturas propagado pelos grupos vanguardistas europeus e pretendido pelos modernistas da Semana de 22. Assim, pensar a Escola Nacional de Belas Artes, núcleo relevante na constituição do cenário acima referido, como uma instituição homogênea, ainada exclusivamente na manutenção da tradição das “belas artes”, compromete a contribuição da escrita histórica que se queira apresentar. Esta Instituição precisa ser pensada no campo das relações que se estabeleceram neste cenário artístico-cultural, importando aproximar as atividades de ensino desenvolvidas em seu espaço com o que acontecia extra-muros com participação expressiva de parte de seus docentes e discentes. Há rebatimentos a serem considerados no processo de atualização da prática artística promovido por esses atores. Há situações e personagens emblemáticos na formulação de uma nova visualidade. Os estudos pioneiros da arte moderna no Brasil depositaram demasiada coniança nos discursos de airmação dos postulados e motivações da Semana de 22 elaborados por seus protagonistas e defensores. Findam, em muitos casos, por repetir e incorporar deles uma visão cristalizada e simpliicada do processo de constituição desta arte, entre nós. O caráter bélico das airmações e a necessidade de irmar-se historicamente como vanguarda gerando signiicativos desdobramentos, tornam compreensível o desinteresse dos personagens que se envolveram com a semana modernista, por outras ações transformadoras, sobretudo aquelas geradas em núcleos tradicionais e instituições oiciais como era o caso da Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Um desses personagens é o artista Quirino Campoiorito (19021993), paraense que veio para o Rio ainda menino, buscando aos 18 anos formação na Escola Nacional de Belas Artes. Aos 15 anos já trabalhava como ilustrador e caricaturista.2 Recebeu da Escola várias medalhas relativas à pintura e ao desenho de modelo vivo até que, em 1929, foi laureado pela ENBA com o prêmio de Viagem ao Estrangeiro concretizada em 1930. Nos quatro anos em que permaneceu fora, o jovem artista passou por Roma, onde cursou pintura na Scuola di Belle Arti, permanecendo mais tempo em Paris, frequentando as Academias Julien e De La Grande Chaumière. Todavia, estudos mais recentes, procuraram expandir a geograia, o território das especulações e práticas modernas, oferecendo levantamentos e análises de artistas e grupos outros que contribuíram para a consolidação da modernidade nas artes plásticas, no Brasil. Os anos 30 e 40 vieram à tona em estudos que identiicaram a formação de vários grupos e a realização de muitos eventos reveladores dos múltiplos entendimentos da arte moderna.1 Pouco tempo depois de retornar ao Brasil, Campoiorito assumiu interinamente a cadeira de Desenho Artístico da ENBA (1938)3 conjugando à sua atuação no ensino artístico, múltiplas atividades no complexo sistema de mercado dos bens simbólicos, (BOURDIEU:1982, pp.99-178) que o Negligenciadas, em um primeiro momento, as ações que tiveram lugar no Rio de Janeiro, comparecem como dados fundamentais para a compreensão dos modos peculiares da constituição da nossa arte moderna. As particularidades 146 147 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA / Maria Luisa Luz Tavora nência do ensino oicial promovido pela ENBA. Este processo, numa primeira fase, teve lugar nos porões da Escola. colocaram à frente dos debates, julgamentos e organização de eventos artístico-culturais no Rio de Janeiro. Posicionouse sempre favorável à atualização da arte nos termos de uma estética moderna. Integrou o Núcleo Bernardelli, tendo sido o seu segundo presidente. Foi crítico de arte, assumiu colunas em periódicos, fundou revista, foi membro de júris de seleção e premiação do Salão Nacional de Belas Artes, liderando o grupo de artistas que criou a Divisão Moderna desse salão; participou da fundação da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). Integrou comissões julgadoras de mostras e outros salões fora do Rio, dirigiu associações de artistas, participou de debates, proferiu palestras, organizou eventos, escreveu livros sobre arte brasileira.4 Como artista, desde 1935 participou do Salão Nacional de Artes Plásticas, da sua Divisão Moderna, do Salão Nacional de Arte Moderna e de Artes Plásticas. Muitas mostras individuais e coletivas, nacionais e internacionais completam seu currículo. A dinâmica de questionamento do sistema de ensino da Escola constituiu em Campoiorito a razão de sua existência, um programa de vida, em diferentes instâncias de sua atuação. A própria ligação com a caricatura indicava, de sua parte, um interesse de transgressão da iguração acadêmica, um deslocamento de seus modelos e critérios estéticos. A mesma caricatura, forma de pressão social, em geral demolidora do status quo, revela sua personalidade artística antenada com o horizonte urbano e as questões de seu tempo.O coletivo, desde sempre, foi sua motivação. Esteve estreitamente ligado aos movimentos espontaneamente criados pelos alunos “progressistas” da ENBA, cuja frente de batalha era assumida por membros do Diretório Acadêmico, para os quais buscou sempre apoio institucional em suas iniciativas. Foi o caso, por exemplo, da exposição de inal de ano dos alunos e ex-alunos da Escola, montada em suas dependências, em dezembro de 1942, episódio conhecido pela rebeldia do Grupo dos Dissidentes.(MACHADO:1997) Antes mesmo de realizar a experiência de artista na Europa, atualizando sua pintura, Campoiorito, entre 1918/1919, mobilizara colegas na luta por um método de ensino ainado com a liberdade proporcionada pela arte moderna. Tal informação nos é dada por um dos participantes do referido grupo, Eugênio Sigaud: Aqui cabe pensar a rebeldia como fato de mão dupla. Se por um lado, revelou os conlitos e o desacordo com a formação e os métodos ainda tradicionais da Escola, por outro, evidenciou o processamento de sua transformação na rotina institucional, em seu território.A análise deste episódio e seus ruidosos desdobramentos fortalece a visão de que a Escola não constituía um bloco uniforme de pensamento sobre a arte e seu ensino mas uma composição de forças na revitalização institucional. Liderados pelo Campoiorito, Eu, Dezon, Goeldi, Murilo Araujo e Reis Junior, promovemos mostras de arte dita moderna e antecipamos o movimento modernista de 22, apoiando-o, sem contudo dele participarmos. Aliás, creio que não podíamos, pois nós não éramos tão conhecidos e na Semana de 22 só tinha gente famosa.5 No papel de artista politicamente empenhado, Campoiorito participa do Núcleo Bernardelli (1931-1940), (MORAIS:1982) com ação que se volta para o aprendizado da pintura, do métier, com interesses proissionalizantes, cujas possibilidades de concretização passavam pela avaliação e discussão da perti- Se Augusto Bracet, diretor da ENBA na ocasião, sucumbiu de bom grado à pressão dos alunos conservadores que atacaram os trabalhos expostos, impondo censura e proibindo a continuidade da exposição na Escola,6 por outro lado, professores, artistas e intelectuais como Campoiorito izeram do episódio 148 149 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA / Maria Luisa Luz Tavora uma oportunidade de manifestação em favor de uma nova visualidade para a nossa arte.7 Entramos naquela Escola virgens-inocentes. Encontramos saindo dela Roberto Burle Marx, Aldary Toledo e Ubi Bava (os dois ex-alunos de Portinari, em 1936-37) que pouco puderam fazer por nós, pois quem iria na verdade fazer nossas cabeças seria quase que exclusivamente o nosso professor de desenho Quirino Campoiorito (MORAES:1984, p.1) (o grifo é nosso) Murilo Mendes, ainda no calor dos acontecimentos, solidarizouse com os alunos, manifestando-se: Vocês acabam de praticar um ato decisivo: começaram o ataque à Bastilha das Belas Artes, onde se refugiou o convencionalismo. Vocês sentem o anseio de vida, de liberdade, de movimento. Não podem se ixar em fórmulas e atitudes rígidas e frias, contra as necessidades profundas que a cultura de nossa época exige. É muito signiicativo que essa dissidência tenha ocorrido justamente quando se realizam as comemorações da Semana de Arte Moderna. (MENDES:1943) Como membro do Núcleo Bernardelli desenvolveu atividades que se integravam à pintura, sempre pensando mudanças no entendimento da arte tanto na Escola como fora dela. A atuação político/cultural dos nucleanos parece ter sido mais consequente e mais transformadora que a sua produção artística como um todo. Em seus estudos,Frederico Morais, crítico de arte, chama-nos atenção para este fato. Airmando a singularidade do grupo, no que diz respeito ao projeto de proissionalização em pintura e sua composição social de parcela da classe média baixa, o crítico observa um certo descompasso entre a plataforma ativista do grupo e sua produção artística, considerando-a “ Uma pintura sem grandes voos de linguagem, mas honesta e sadia.” (MORAIS:1995, p.144) Anos mais tarde, comparando o episódio do “Grupo dos Dissidentes” e o Salão Revolucionário de 31, Campoiorito airmaria: Ele foi mais positivo porque realizado pelos próprios alunos, enquanto Lúcio Costa quis combater a ENBA com elementos de fora, provocando uma reação interna de professores e alunos. Como professor catedrático da ENBA, rebelamo-nos contra a expulsão e acompanhamos a decisão dos jovens reconhecendo-lhes o direito de se rebelarem contra o método de ensino já por demais inconveniente. Foi um acontecimento que na História de nossa evolução modernista tem a mesma dimensão que se atribuiu à Semana de Arte Moderna de 1922.8 Que limites, na verdade, o crítico destaca na prática da pintura que o grupo empreendeu? Como pensar, no caso de Campoiorito, na possibilidade de dissociação de atitudes revolucionárias, discursos inlamados, portanto de grandes voos, de uma produção artística tímida se pensadas as transformações que teoricamente desejava? Tem razão Morais em confrontar os dois campos concretos de atuação dos nucleanos. No caso de Campoiorito, a contestação centrava-se muito mais na estrutura sobre a qual repousava a arte produzida no Rio de Janeiro, e menos na natureza da linguagem da tradição. Os marcos próprios da modernidade em arte parecem neutralizados enquanto fundamentos de mudanças da prática artística. As nomenclaturas parecem esvaziadas de signiicação. O próprio artista, ao criticar um A liderança de Campoiorito na ENBA para mobilizações, discussões sobre arte e atualidade, apoios à mudanças, estímulo à oxigenação de ideias é airmada por José Moraes, um dos expositores dissidentes que teve sua obra rasgada pelos alunos conservadores. Ele destacou a positividade da atuação de Campoiorito, referência de peso em sua formação, ao airmar: 150 151 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA / Maria Luisa Luz Tavora certo tipo de polarização (academismo X modernismo) nos campos de forças em que se constituíra a luta pela condução da arte nos anos 30/40, na ENBA ou fora dela, defendia sua posição, airmando que Antigos são os artistas do passado e tiveram valor em sua época. E modernos, os que hoje fazem arte boa, inteligente, que amanhã serão estudados como “antigos”.9 do social que marcou estes anos, as pinturas de Campoiorito tratam das complicadas relações do indivíduo e a crueza da modernidade técnica avançada oferecendo, nas iguras dos operários e seu trabalho, oportunidade de relexão sobre as agruras da sociedade classista, própria de um homem de esquerda, ainado às idéias do partido comunista. Os tempos de mobilização em relação ao trabalhador caracterizam a política getulista sendo também incorporada à arte, buscando justiicar, em muitos casos o papel social do artista. Realiza o artista ainda experiências no surrealismo, referências observáveis, por exemplo, na pintura Ricordo di Roma (1941). Nos anos 70 e 80, estabelece também, diálogos com as vanguardas históricas, realizando a série de homenagens a Malevitch, a Braque, a De Chirico, a Fernand Léger, entre outras. Todavia, entre os dois termos há uma reversão de ideologias que Campoiorito parece ignorar, em um discurso conciliador.Trata-se de dois paradigmas fundados, segundo Thierry de Duve,(DE DUVE: 2003) em duas tríades assim deinidas pelo estudioso: talento/métier / imitação referindo-se à arte acadêmica e criatividade/meio/invenção para a arte moderna. A proposta de relexão oferecida pelo teórico belga ainda inclui e completa-se com uma tríade para a arte contemporânea. Para a abordagem do pensamento de Campoiorito importa confrontá-lo com o que o pensador airma: Para sua arte, não há dúvida da importância do pensionato de quatro anos na Europa, premiação oferecida pela ENBA, em 1930. Outras tantas viagem foram realizadas posteriormente, buscando o aprimoramento artístico. O legado artístico da modernidade da pintura foi por ele experimentado e trabalhado em sua arte. Descobrira uma abordagem deslocada dos interesses da ENBA. A propósito ele mesmo airmou: Meus envios (obrigações dos pensionistas) foram rejeitados pela direção (da ENBA) por escaparem às normas acadêmicas. Não sei por que motivo não me cortaram o prêmio que pode ser completado em 1934.10 O modelo acadêmico entrou em crise profunda tão logo começou a merecer o rótulo de academicismo. Sua decadência foi completada pela pressão da arte moderna, que desconsiderava qualquer retorno ao passado, a não ser que um apagão se pronunciasse em toda arte e em todos os artistas da modernidade. (DE DUVE: 2003, p.96) (o grifo é nosso) A partir desta experiência européia, Campoiorito se aproxima da nova pintura, pós-impressionista e mais singularmente da cezaniana. Trabalhos de interesse como Geléia Francesa, realizado em Roma, em 1932, documentam a vontade do artista de justiicar razões outras para a sua pintura, alicerçada então na liberdade de um sujeito instaurador de uma realidade pictórica, na qual perdem força os temas da tradição. Fixando-se em motivos concretos da realidade cotidiana, o artista cria uma espacialidade autônoma, advinda de sua percepção. O apagão de que trata Thierry compreende a reversão de abordagens que inclui, entre outras tantas categorias do moderno, a pintura auto-referencial, - a pesquisa das potencialidades do meio pictórico e, portanto, a rejeição dos sistemas clássicos de representação onde a exigência da pintura-métier e seu caráter histórico são contemplados. A produção artística de Campoiorito revela múltiplas iliações da arte moderna. Interessam-lhe as abordagens realistas e de cunho social (anos 30 e 40). Integradas no universo imagístico Nesta obra, - uma natureza-morta, a compreensão do espaço 152 153 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA / Maria Luisa Luz Tavora pictórico moderno, em linhas gerais, está colocada, ainda que solucionado com hesitações. É possível identiicar o legado de Cézanne, um repertório de qualidades de cores e formas ligado a uma concepção única das coisas próximas.(SHAPIRO:1988, p.35) Nosso artista busca as lições do pintor francês, a pintura com uma coisa material, que apaga de diversas maneiras os limites entre a realidade e a representação. (SHAPIRO:1988, p.31) O tratamento visual que serve para a faca, para a lata e para as frutas não guarda proximidade com o realizado no restante do quadro. Campoiorito cria, isto sim, um conlito. Tais procedimentos anunciam a permanência, ou melhor, a convivência de dois sistemas de abordagem da realidade na pintura, entendidas como excludentes na trajetória da arte moderna européia. Une aparência e opacidade. O que harmoniza os dois termos é o tratamento indiferenciado das superfícies na criação de texturas que dizem respeito à subjetivação do mundo via sensação do artista. Suspensas de sua realidade natural, no “não-lugar”, sobre a mesa, as frutas revelam a permanência do interesse do artista na relação com o real subjetivado, em um espaço de intimidade doméstica. Lata e faca garantem esta referência. Exercitando a sensibilidade moderna, Campoiorito arbitra outra função para os elementos, colocando as frutas, faca e lata a serviço de uma espacialidade que se quer não mais na profundidade do mundo mas na realidade rasa da superfície do quadro. Neste processo, hesitações e diiculdades. Em sua obra, não há lugar para ruptura da tradição pictórica a qual comparece na validação de uma pintura que se quer moderna. Campoiorito mantém sua pintura nos termos de uma luta surda entre métier e meio expressivo (DE DUVE:2003) afrouxando seus limites, provocando uma contaminação entre eles. Esta é a realidade de sua pintura que se mantém em toda a sua trajetória. Como exemplos de continuidade deste processo, temos A camisa vermelha, de 1976 e Caquis no ateliê, de 1987. Em ambas, a conjugação de pontos de vista diferentes, na organização de um mesmo espaço da tela, desloca as bases da operação artística da pura observação para uma ordenação mental, criativa e arbitrária da superfície da tela. Os azuis, os vermelhos, os amarelos trazem substância aos objetos ainda que sua ação seja limitada pelo cloisonismo da linha recuperada. Assim, da referência cezaniana, a cor perde a sua natureza cambiante. Campoiorito mantém em sua pintura o interesse gráico, a força da linha, antiga aliada de suas caricaturas e ilustrações da juventude.Os artifícios da presença da luz, modeladora dos objetos no espaço físico, verdadeiros truques do métier são mantidos pelo artista. A superfície azul que acolhe os objetos funciona sobretudo para o contraste com as formas circulares das frutas, amareladas e alaranjadas. Há luminosidades no azul, que acentua os limites dessas formas. Curioso, no entanto, é que, embora estas não estejam submetidas às leis de suas aparências no mundo objetivo, visto a elaboração pictórica de suas superfícies, Campoiorito mantém ainda uma solução de representação no espaço. Incorpora manchas enegrecidas em sua bases, funcionando como sombras resultantes de um foco de luz, expediente de modelagem dos objetos em um espaço homogêneo de profundidade. O artista vai além disto ao incorporar neste espaço, não mais de projeção, artifícios de relexos da luz nos metais da faca e da lata, recurso ilusionista da tradição pictórica. Ao mesmo tempo, a superfície rasa da tela ica evidenciada pelo tratamento emprestado para a superfície azul (o tampo da mesa) e o espaço que a contém. Não há entre eles distâncias a considerar. A construção do espaço na tela não incorpora os lugares e distâncias da realidade objetiva. Estão referenciados nestes trabalhos, além de Cézanne, Dégas, Braque, Matisse. Para esse grupo de artistas, na pintura, o espaço e seus objetos enunciam campos de forças articulados pelo arbítrio de um sujeito moderno para quem é facultada a liberdade de criação, matéria palpável na constituição do 154 155 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA / Maria Luisa Luz Tavora mundo da arte. gravador de medalhas, do pintor e do escultor. A pouca atenção e a prática incipiente da gravura plana marcam os regimentos da Instituição.12 Campoiorito reluta em formalizar seu trabalho exclusivamente no léxico canônico da arte moderna.Talvez, isto explique o comentário de Frederico Morais sobre a pintura do Núcleo Bernardelli, uma pintura sem grandes voos de linguagem, embora como agrupamento espontâneo, sua produção tenha desempenhado papel relevante para a criação da Divisão Moderna no Salão Nacional. Campoiorito manifestou-se sempre favorável às ações que ampliavam a presença da gravura na ENBA. Participava também em outros fóruns de discussões acerca de seus meios e ins com destaque para os debates realizados no MAM-Rio, defendendo o destino moderno daquele meio de expressão. Na Escola, apoiou Raimundo Cela, o primeiro orientador do Curso de Especialização de talho-doce, da água-forte e xilograia (1951). Apoiou a orientação de Goeldi neste curso. Batalhou pela contratação de Iberê Camargo para substituí-lo quando de seu falecimento, em 1961, embora a escolha tenha recaído em Adir Botelho, assistente de Goeldi. Esta questão de uma hesitação de abordagem do espaço moderno se estendia a outros tantos artistas da geração de pintores dos anos 30 e 40. A propósito, Walter Zanini, ao tratar do Grupo Santa Helena, estabelece uma aproximação com as soluções obtidas pelo grupo paulista: A tônica generalizada era a de um rebatimento da liberalidade da arte moderna reconciliada com a observação sensível do mundo exterior e atenta aos valores da tradição da arte ocidental. (ZANINI:1991, p.42) Proferiu palestra sobre a exposição das litograias de Darel Valença (Palmares, PE, 1924) organizada pelo Diretório Acadêmico, motivação para a criação do curso livre de litograia na ENBA, o que aconteceu em 1956 e 1957. A contratação de Darel Valença deveu-se a Campoiorito, que reconhecendo seu esforço de reativar a litograia como arte, acreditou poder este projeto ganhar relevância se desenvolvido numa instituição de peso como a Belas Artes. Premiado com Viagem ao Exterior pelo Salão de Arte Moderna, Darel foi substituído por Ahmés de Paula Machado. Mais uma vez Campoiorito envolveuse neste processo de contratação de Ahmés, interessado na continuidade do projeto Darel de abordar a litograia como instrumento de criação artística. Todavia, foi com esta pintura que Campoiorito participou dos Salões Nacionais de Belas Artes, granjeou autoridade para liderar o grupo que criou a Divisão Moderna deste salão, em 1940, tendo integrado juntamente com Portinari e Niemeyer a Comissão Organizadora da Divisão Moderna do 51° Salão de Arte Moderna. Vale destacar também que foi membro de júri da emblemática 1ª Bienal Internacional de São Paulo,em 1951, assim como da Diretoria do Museu de Arte Moderna-Rio, em 1948, na qualidade de tesoureiro.11 Campoiorito, sempre antenado com o conjunto das questões da ENBA, desempenhou papel relevante para a implantação do ensino da gravura artística na Escola, a partir de 1951. (TAVORA:1999) A atribulada trajetória da gravura plana que, até então, como disciplina não se consolidava numa prática sistemática, reletia, desde a Academia, o papel secundário dos cursos de medalhas e xilograia. Estes oferecidos na formação artística proposta pelas Belas Artes, uma prática na formação do Todas as três técnicas, metal, xilogravura e litograia consolidaram-se como campo de realização artístico-proissional. Lugares de ação modernizadora, esses ateliês livres favoreceram produtivos desdobramentos, na ENBA, com a gradativa adequação das oicinas para a formação de um novo proissional das artes gráicas, a partir de 1961, tendo a frente Adir Botelho, cuja dedicação à gravura estendeu-se por mais 156 157 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA / Maria Luisa Luz Tavora de 50 anos. As experiências iniciais desdobraram-se na criação do Curso de Desenho e Artes Gráicas, em 1958, iniciado em 1959.13 Posteriormente, em 1971, também foi criada a Graduação em Gravura, cuja estruturação considerou a experiência com o curso de Artes Gráicas, no qual as atividades de gravura integraram-se ao ensino oicial, inaugurando uma nova relação com a estrutura administrativa e as disputas de poder da Escola.14 processo de transformação da sociedade e, a seu ver, cabia ao ensino de uma instituição oicial e prestigiada como a ENBA adaptar-se às novas tarefas sociais. Ele chamava para si a responsabilidade de criar as condições efetivas e objetivas para o progresso da vida social. Defendia a necessidade de transformar em experiência coletiva a prática individual, posição informada pelos princípios da BAUHAUS e de seu criador Walter Gropius, que deinira a ideologia daquele espaço de formação: Para a Escola, o primeiro curso, integrando os campos das belas artes e o do mercado de trabalho, atualizou a imagem da Instituição. Da mesma forma, a abertura pelo Diretório Acadêmico da galeria MACUNAIMA, propiciou um espaço alternativo tanto para exposições de artistas jovens quanto da arte moderna, lugar de debates e discussão, muitas vezes ignorados por parcela expressiva dos membros da Escola. Tal inauguração reforçava o quanto, no seio da própria Escola, em sua rotina, desejava-se e, sobretudo, elaborava-se uma atualização. Em prol da abertura do ensino na ENBA, Campoiorito não se cansava de proclamar a necessidade de se considerar, didaticamente, o espírito da época. Buscando atender os paradigmas da modernidade, Campoiorito, por várias vezes, expressou seu anseio de tornar o ensino da EBA um grande laboratório de investigação intensamente relacionado com o mercado de trabalho[...](Macedo: 2000,p.99) Nossa ambição consistia em arrancar o artista criador de seu distanciamento do mundo e restabelecer sua relação com o mundo real do trabalho.[...] A academia, cuja tarefa foi desde o princípio ( quando ainda era uma força vital) a de desenvolver esta teoria para as artes visuais, malogrou porque perdeu o contato com a realidade. (GROPIUS: 1974, pp.32 e 39) Em 1959, em participação no Ciclo de Palestras 17 proposto para se pensar a atuação da Escola, Campoiorito enfatiza a importância do ensino da Bauhaus: A grande experiência que não podemos jamais deixar de ter presente, e que foi realizada no nosso século e dá diretrizes de absoluta importância para as artes decorativas, é a escola mundialmente conhecida por BAUHAUS [...] Fundada em 1919 (Weimar, Alemanha) a BAUHAUS jamais deixou de orientar o melhor ensino da decoração e lhe indicar os aspectos de vida moderna. Desaparecida depois dos tristes acontecimentos que todos conhecem, a partir de 1933 na Alemanha, o seu exemplo vai frutiicando. (CAMPOFIORITO: 1959, p.61) Pode-se ainda conirmar esta airmação se tratarmos do Curso de Arte Decorativa, criado em 1946 e implantado em 1952.15 Campoiorito, tornara-se catedrático da cadeira de Composição Decorativa16 em 1949, buscando imprimir mudanças no entendimento que aquela área do conhecimento implicava para a ENBA, em seu papel pedagógico. Manifestou-se muitas vezes em seus escritos e em suas falas diante da Congregação da Escola desfazendo o entendimento hierárquico que classiicava as artes em “menores” e “maiores”.(CAMPOFIORITO: 1959, pp.56-59) Campoiorito reconhecia a contribuição teórica da Bauhaus de promover condições para o desenvolvimento de um método de raciocínio em substituição ao puro interesse pelo ensino de meras habilidades de representação espacial, posição de seu criador Gropius ao airmar [...] o virtuosismo e as habilidades manuais não geram ainda a arte. (GROPIUS:1974,p.39) Campoiorito acreditava na função da arte como experiência no 158 159 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA / Maria Luisa Luz Tavora constante como ideologia estruturadora do regimento de 1931, constituía então uma realidade nas salas de aula:[...] qualquer avanço que se faz na Escola, são resultados da luta de Campoiorito e, consequentemente, se espalhou para todo o Brasil.18 Nos anos 80, em texto que tratava das relações da ENBA com o carnaval, Campoiorito escreveu: A consolidação de um ensino pragmático, com responsabilidades sociais contemporâneas, tem em 1965, um dos momentos mais positivos desta ideologia. Ano do IV Centenário do Rio de Janeiro, todos os concursos de ornamentações para o carnaval foram arrebatados por docentes e ou discentes da ENBA. Esta presença maciça de integrantes da Escola nessa atividade promoveu [...] uma revolução estética, técnica e temática no carnaval, com transformações introduzidas por Fernando Pamplona. (GUIMARÃES:2006, p.2) [...] um professor assistente especializado era incumbido, após as informações teóricas, de encaminhar rigorosamente o trabalho prático. Cabia esta tarefa, no setor de carnaval e demais festejos populares, ao professor Pamplona. Cada ponto do programa funcionava como uma célula que podia desenvolver-se na medida em que encontrasse estimulantes dentro da temperatura de atualidade e interesse proissional.19 Nesse ano, Fernando Pamplona, grande vencedor dos carnavais do Rio de Janeiro, (cenógrafo do Teatro) pleiteou para a grande festa popular, um nível proissionalizante, com processo de seleção mais democrática através de concurso voltado para a área. Airmava que com este processo os festejos ganhariam uma nova dimensão, “o lado sério das pesquisas”.(PAMPLONA: 1964, p.22) Integravam-se à prática das primeiras ornamentações um atualizado conhecimento técnico e uma mediação cultural erudita que redundou, segundo Helenise Guimarães, em “um novo conceito estético”. (GUIMARAES:2006, p. 280) A pesquisadora airma ainda: Remonta aos anos 30, o interesse em colocar em pauta nos debates e discussões a participação da Escola nas atividades do carnaval e outras celebrações de cunho popular. Tal interesse era motivado pela entendimento de sua valiosa e necessária participação nas questões nacionalistas, centradas então, na aproximação à cultura do homem do povo. Para Campoiorito, a interação entre a ENBA e o mercado de atuação dos artistas concretizava seu projeto de envolver os jovens estudantes no interesse pelas manifestações culturais, fortalecendo a política de conhecimento e valorização das tradições brasileiras. 20 A participação de alunos da ENBA nas atividades oferecidas pelo carnaval não se iniciou no Salgueiro com Fernando Pamplona, mas é através dele, com a concordância do Professor Quirino Campoiorito, catedrático da Cadeira de Artes Decorativas, que os projetos para a decoração seriam incluídos como tarefas acadêmicas. (GUIMARAES:2006,p.220) As possibilidades institucionais desta participação abertas por Campoiorito (foram usadas também pelos professores Liana Silveira, Plínio Cipriano e Almir Gadelha) contaram muito neste processo, ao garantir como catedrático, o registro da presença e o grau dez, nas respectivas disciplinas, para os alunos comprometidos com esse trabalho externo, do mês de outubro ao inal do ano letivo, em dezembro. A relação e pertinência do ensino artístico da ENBA e a demanda social, Os produtos desta ação, “território de experimentações formais” (FABRIS: 2001, p.64) na cenograia urbana, eram sustentados pela crença dos artistas na eicaz transformação da sociedade através da experiência estética. Fundavam-se os posicionamentos na utopia de uma educação visual promovida pela classe erudita, na esperança de agregar às referidas manifestações qualidade e atualização visual.21 Em sua plataforma ativista, Campoiorito revelava cruzamentos com o que de mais renovador produziram as 160 161 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA / Maria Luisa Luz Tavora vanguardas modernas do início do século XX, com destaque para sua iliação com as ideias de Gropius e o ensino da Bauhaus. Todavia, em diversas oportunidades, atuando como crítico e mesmo em sua pintura, deu sinais de inadequação no agenciamento de valores pertencentes a sistemas díspares de visualidade artística. O crítico dedica vários textos à referida exposição, repreendendo a artista por abandonar “nossas coisas” em prol de um “decorativismo não-representativo”. Questiona a gravadora por afastar-se do “igurativismo” que desempenharia muito bem a função de “traduzir uma emoção” em lugar do “formalismo dos arabescos”. Outras expressões como, “supericial”, “fuga da realidade”, “negação da vida em sua arte”, “virtuosismo abstracionista” ancoram uma visão de completa incompreensão da experiência estética de Fayga.22 A artista, no entanto tinha percebido a ineicácia de “comentários estéticos” sobre certas questões do homem. Sua opção traduzia o entendimento da proposta moderna da especiicidade dos meios e ins da arte. A autonomia da obra conquistada pela arte moderna constituía para a gravadora condição da criação artística. Toda argumentação que ofereceu para a gravura ensinada e praticada na ENBA consolidar-se como meio expressivo moderno, pelas mãos de Raimundo Cela, Oswaldo Goeldi, Darel Valença, Ahmés Machado e Adir Botelho, diluiu-se diante das gravuras de Fayga Ostrower, expostas em 1950, nas salas do então Ministério de Educação e Saúde. Ainda igurativas, estas concentravam-se na articulação de soluções essencialmente plásticas, trilhando um caminho moderno para as formas. As Maternidades de Fayga, por exemplo, destacam muito mais os ritmos circulares que a artista submete a composição. Esta solução aprofunda signiicações da vida, perpetuando a forma celular, trazendo um sentido de continuidade e dependência na relação mãe-ilho. É o desenvolvimento das formas que permite a apreensão do sentido profundo natural da maternidade. Campoiorito parecia não se dar conta de que as questões da abstração habitavam a concepção de arte moderna desde sua gênese. Fayga não estava disposta a acomodações. Ele, ao contrário, realizou uma pintura e fundamentou seu olhar de crítico dentro de limites que diluíram as teorias modernas numa timidez formal conciliatória dos quadros conceituais das artes moderna e acadêmica. Vestígios do olhar contemplativo da tradição e um renitente interesse pela realidade não puderam ser suprimidos, em seu processo. Daí em suas obras, a contaminação dos respectivos léxicos. A arte abstrata para ele seria um trauma. Campoiorito, preso ainda a uma iguração realista, julgou essas gravuras segundo uma relação arte condicionada à representação ou ilustração da vida. Condenando o procedimento de Fayga escreveu o crítico: A artista desejando ressaltar por demais o valor abstracionista das linhas, das formas e da própria unidade das formas e das linhas, ou seja, a composição, faz desaparecer a expressão do drama representado (o sentimento maternal, a adoração da mulher pelo fruto do seu amor,a vigilância pelo pequenino ser vindo ao mundo [...]a perpetuação da espécie) para que o formulário plástico se torne linguagem estéril, inalidade em si, em vez de ser o que realmente é, apenas o meio. (CAMPOFIORITO: 1950) 162 163 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA / Maria Luisa Luz Tavora Notas: O caso de Campoiorito leva-nos a pensar no trânsito da arte moderna, entre nós, na “diiculdade de forma” apontada por Rodrigo Naves em relação à constituição de uma modernidade na arte brasileira. Para o crítico, grande parte dos trabalhos realizados entre nós incorpora sem dúvida as mudanças modernas, mas com um viés todo particular. As obras se vêem envolvidas numa morosidade perceptiva que reduz a força de seu aparecimento.(NAVES:1996, p. 9-19) Ou ainda, no que diz Marcio Doctors quando airma que a arte brasileira [...] sofre de um desvio de instauração, ou seja esta não se vê como continuidade da cultura ocidental europeia. Seríamos o foradentro.23(DOCTORS: 2001, p.35) 1 - VIEIRA, Lucia Gouvêa. Salão de 1931: marco da revelação da arte moderna em nível nacional. Rio de Janeiro: FUNARTE/ INAP, 1984; MORAIS, Frederico. Núcleo Bernardelli-Arte brasileira nos anos 30 e 40. Rio de Janeiro:Ed. Pinakotheke, 1982 e ZANINI, Walter. Arte no Brasil nas décadas de 1930 - 40: O Grupo Santa Helena São Paulo: Nobel/Edusp, 1991. Nesta conformação muito especíica, subjacente às conceituações referidas, encontra-se Campoiorito, emblemático personagem na busca de uma nova visualidade. Ele carrega a contradição de sua pintura, percebida como moderna pelo público ao qual se dirige, mas que não dá conta de sua existência combatente, em permanente confronto com o tradicionalismo do ensino artístico. 2 - Ilustrou a Tico-Tico e a Revista Infantil.Com a caricatura atuou em periódicos como A Maçã, O Malho, D. Quixote, A Máscara. 3 - Tornou-se por concurso de provas e títulos catedrático da cadeira de Arte Decorativa, em 1949. 4 - Sobre suas múltiplas atividades ver MORAIS, Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro,1816-1994. Rio de Janeiro: Top-books, 1995 e Catálogo exposição Quirino Campoiorito.Retrospectiva Comemorativa dos 90 anos do artista. MNBA , Rio de Janeiro,1992 / Museu Parreiras, Niterói, 1992. 5 - SIGAUG, Eugênio. In GONÇALVES, Luis Felipe. Sigaud: O pintor dos operários. Rio de Janeiro: Ed Independente. 1981, p. 20. 6 - A pedido de um dos participantes da exposição, Maurício Roberto, Herbert Moses, então presidente da Associação Brasileira de Imprensa, cedeu uma sala da ABI para que a exposição despejada da ENBA tivesse continuidade fora da Escola. 7 - Prestaram solidariedade aos estudantes despejados, iguras dos mais diferentes segmentos da sociedade, comparecendo à exposição na ABI ou escrevendo artigos na imprensa. Entre outros, Murilo Mendes, Afonso Arinos, Aníbal Machado, Manuel Bandeira, Guignard, Vinicius de Moraes, Marques Rebelo, José Lins do Rêgo, Moacir Werneck, Alcides Rocha Miranda e Oscar Niemeyer. 8 - CAMPOFIORITO, Quirino em depoimento à equipe da galeria de Arte BANERJ, dez 1982. Em seu depoimento o artista cometeu equívoco, pois naquela oportunidade (1942) ele ainda não era professor catedrático, o que veio a acontecer somente em 1949. 164 165 9 - Em entrevista a Paulo Ourique apud MACHADO, Vladimir. José Moraes e o Grupo dos Dissidentes da ENBA In 180 Anos de Escola de Belas Artes. Anuais do Seminário EBA 180. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997, p.426. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro 10 Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA / Maria Luisa Luz Tavora 22 - Santa Rosa respondeu a Campoiorito, saindo em defesa de Fayga Ostrower, criticando-o pelo uso esvaziado de “slogans” e “bizantinismos” que não cabiam a uma crítica séria. Letras e Artes, Rio de Janeiro, 10/9/1950. - CAMPOFIORITO , Quirino. In MORAIS:1995, pp. 135-136. 11 - Outras participações do artista: Diretor de Artes Plásticas da Associação de Artistas Brasileiros, 1942; membro consultivo do Instituto Brasileiro de História da Arte, em 1942 passando em 1946 a seu presidente; membro fundador da ABCA em 1949, recebendo em 1979 o título de presidente de honra; membro da comissão de Belas Artes (1961-1963; membro do Conselho Universitário da UFRJ, 1967 12 - Ver Regimento ENBA de 17 de agosto de 1948 que vigorou a partir do ano seguinte. 13 - O Curso de Desenho e Artes Gráicas passou a funcionar, em 1959, ainda sem a aprovação do Conselho Universitário, em cujo parecer indicava para tal funcionamento uma reforma no Regimento da Escola. Ver sobre o assunto ATA da Congregação ENBA 21/1/59. Livro 1. A alteração do referido Regimento foi aprovada somente em 12/6/61 assim permanecendo: “ onde se lê Professorado de Desenho, leia-se Desenho e Artes Gráicas; onde se lê Gravura e Arte Decorativa, leia-se Gravura de Medalhas e Pedras Preciosas, Arte Decorativa e Desenho e Artes Gráicas”; na enumeração de disciplinas acrescentar [..].litograia”. 14 - Ver Regimento da ENBA, 1965 Art.13 pp.9-10. 15 - Ver Reforma do regimento da ENBA, em 1946, em cujo Título II, Cap. I , art.3 consta sua criação. 16 - Esta cadeira fora criada na Reforma de 1931, com o nome de Artes Aplicadas-Tecnologia-Composição Decorativa. Em 1933, recebeu a denominação Composição Decorativa. 17 - A ideia do ciclo de palestras era que cada catedrático responsável por uma disciplina, pudesse organizar uma palestra em que deveria responder a 3 perguntas básicas: O que é a disciplina? Porque ela é ensinada nos cursos da ENBA? e Como ela é ensinada? Após as palestras tanto os professores quanto os alunos poderiam discutir questões suscitadas pela apresentação. Este ciclo iniciou-se em 1958, quando foram realizadas onze palestras e, em 1959 até o im de junho, mais cinco, que todas publicadas na integra nos Arquivos de 1959. 18 - PAMPLONA, Fernando. In GUIMARÃES, Helenise. Carnavalesco, o Proissional que faz Escola no carnaval carioca. Dissertação de mestrado/ PPGAV/EBA/ UFRJ, Rio de Janeiro,1992, p. 59. 19 - CAMPOFIORITO, Quirino. Em texto de apresentação do catálogo da exposição: A Escola Nacional de Belas Artes e o Carnaval Carioca. Rio de Janeiro:UFRJ/ EBA, 1980, p.3. Sobre detalhes deste processo ver depoimento de Pamplona concedidos à Helenise Guimarães, em tese citada (1996) p. 225 -226. 20 - Com a cassação dos direitos civis e a aposentadoria compulsória de Campoiorito, Abelardo Zaluar e Mário Barata, este trabalho icou comprometido. 21 - Ver sobre o assunto as edições do Correio da Manhã de 10 e 15 de janeiro de 1932. Rio de Janeiro 166 167 Maria Luisa Luz Tavora é Doutora em História Social (UFRJ), pós-doutora pela EHESS (Paris). Atua como professora de História da Arte na graduação e na Pós-graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ, de cuja revista Arte&Ensaios é coeditora. Pesquisadora do CNPq, estuda a gravura artística no Brasil, o informalismo e a crítica de arte a ele referenciada. É membro do CBHA, da ABCA/AICA e da ANPAP. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA / Maria Luisa Luz Tavora Referências Bibliográicas: MORAES, José. Algumas histórias de um sobrevivente carioca da classe 1940 (texto mimeografado), São Paulo, set 1984. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1982. pp.99-178. MORAIS, Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro,1816-1994. Rio de Janeiro:Top-books, 1995. CAMPOFIORITO, Quirino. A Escola Nacional de Belas Artes e o Carnaval Carioca. Apresentação do Catálogo da Exposição Rio de Janeiro:UFRJ/ EBA, 1980. ________. Núcleo Bernardelli-Arte brasileira nos anos 30 e 40. Rio de Janeiro:Ed. Pinakotheke, 1982. ________. Arte decorativa: Porque é ensinada. Palestra proferida na aula inaugural da ENBA, em 1959 In Arquivos, pp.56-59. NAVES, Rodrigo. Da diiculdade da forma à forma difícil In A FORMA DIFÍCIL, ensaios sobre a arte brasileira São Paulo: Ática, 1996, pp. 9-19. ________.O Jornal, Rio de Janeiro 6 /09/ 1950. PAMPLONA, Fernando. O Globo, Rio de Janeiro, 21/12/1964, p.22. DE DUVE, Thierry . Quando a forma se transformou em atitude – e além. Revista Arte & Ensaios. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/ EBA/UFRJ, n° 10, 2003, pp.93-105. SHAPIRO, Meyer. El arte moderno, Madrid: Alianza Editorial, 1988. TAVORA, Maria Luisa L. A Escola Nacional de Belas Artes: a gravura no ensino oicial. 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Revista SOMBRA, janeiro de 1943. 168 169 Os Manuscritos de Marques Júnior 170 171 Rafael Bteshe Os Manuscritos de Marques Júnior / Rafael Bteshe Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro problemas”, apresentada em 1950 no provimento da cátedra; o artigo “Plástica das Expressões Fisionômicas, publicado em 1955 nos Arquivos da Escola; e os manuscritos inéditos que estudaremos nesta comunicação. A reunião desses documentos permite uma visão mais completa do ensino de arte na ENBA na primeira metade do século XX. Façamos agora algumas comparações entre as principais características analisadas nesse material, relacionando a caixa de manuscritos de Marques Júnior com sua tese de 1950. Augusto José Marques Júnior nasceu em 1887 no Rio de Janeiro. Em 1905, ingressou na Escola Nacional de Belas Artes, onde estudou entre outros professores com Baptista da Costa (18651926), Eliseu Visconti (1866-1944) e Zeferino da Costa (18401915). Em 1916, recebeu o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro, permanecendo na França até 1922. No mesmo ano retornou ao Brasil, onde foi nomeado professor de Pintura e em 1950, tornou-se catedrático da disciplina Desenho de Modelo Vivo da Escola Nacional de Belas Artes. Em 1960, alguns dias antes de morrer, Marques Júnior coniou à Bandeira de Mello, seu discípulo, uma caixa com 10 manuscritos, contendo ichamentos e anotações pessoais sobre o universo do desenho, material nunca publicado. A caixa deixada pelo artista possui dez conjuntos cuidadosamente organizados por assunto (na nomenclatura de Marques Júnior: “10 Pontos”), compostos de uma série de “cadernos” (termo utilizado pelo autor), como se fossem capítulos, no interior de cada conjunto. Os pontos abordados são: 1- dos materiais de desenho; 2- a iluminação do modelovivo; 3- o claro-escuro; 4- a mancha e a linha; 5- a proporção e a composição; 6- o movimento e o equilíbrio; 7- o retrato; 8- análise da forma; 9- a igura humana; 10- as expressões da isionomia. Em seus manuscritos, Marques concentra-se nos assuntos relativos ao desenho buscando referências em tratados acadêmicos da segunda metade do século XIX e início do século XX, dentre os quais destacamos: “Grammaire des arts du dessin” (1867), do crítico de arte e gravador francês Charles Blanc (1813-1882); “Le peintre: traité usuel de peinture à l’usage de tout le monde” (1898), do pintor e gravador francês Camille Bellanger (1853-1923); e “The Practice and Science of Drawing” (1913), do pintor inglês Harold Speed (1872-1957). Mais do que um instrumento para a representação da natureza, o desenho é apresentado como uma forma de conhecimento, uma espécie de pensamento visual, aproximando-se, em certos momentos, da matemática (proporção), biologia (anatomia e isiologia) e física (óptica, teoria das cores). Estes documentos são em grande parte cópia de trechos ou ichamentos a partir da obra de outros autores. São poucas as anotações pessoais, o que nos leva a crer que não havia nenhum intuito de futuramente publicar esse material. Apesar disso, suas anotações, escolhas de autores e trechos especíicos dos livros, nos permitem conhecer uma parte de sua formação, comum a outros professores a ele contemporâneos na ENBA. De cunho autoral são suas teses publicadas na Escola, que possibilitam, com mais clareza, perceber seu posicionamento crítico diante do ensino de arte. Todos os escritos de Marques Júnior que encontramos até o momento são relativos ao Desenho, dentre os quais destacamos a tese “O gesso e o modelo vivo”, (1942); “Do desenho de ‘modelo-vivo’ e seus 172 173 Os Manuscritos de Marques Júnior / Rafael Bteshe Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Após a observação de que certos aspectos são próprios da imagem, como o ritmo, a dinâmica e a proporção, Marques Júnior apresenta um mapeamento dos escritos existentes sobre o assunto. pelas corporações de construtores e pela ilosoia neoplatônica estenderam-lhe o emprego as intrincadas estruturas de suas magniicas catedrais. Como chegaram até nós esses ensinamentos? Por meio de várias cadeias de iniciados: em arte (Platão, Vitrúvio, Pacioli, Da Vinci), em matemática (Platão, Euclides, Nicomaco de Gerasio, Pacioli, Kepler, Descartes), e nas doutrinas secretas (Pitágoras). Ao analisar tal mapeamento nossa primeira constatação é que a setorização das áreas de conhecimento existentes nos dias de hoje não era tão especíica em outras épocas. Determinadas disciplinas se confundiam, como a pintura e a escrita, a geometria e o desenho, a matemática e a ilosoia. Neste sentido, os estudos sobre a forma confundem-se com a história de outras disciplinas, o que transparece no levantamento realizado por Marques. São mencionados: Platão, Pitágoras, Vitrúvio, Luca Pacioli, Leonardo da Vinci, Kepler, Nicolas Poussin, Kleppisch, Seurat, Zeising, Fechner, Theodore Cook, Harold Speed e Andre Lhote. Recentemente [1945] Hambridge (Dinamic Simetry), Lund (Ad quadratum) e Moessel (Die Proportion in der Antike und Mittelalter) sugeriram sistemas gráicos para descobrir na complexa geometria das arquiteturas egípcia, grega, romana e gótica o estabelecimento das proporções. Encontram todos eles, entre outras leis, a predominância da seção áurea e, consequentemente, das proporções que se originam de um pentágono ou da divisão de um círculo diretor em cinco ou dez partes iguais.3 A comparação entre obras de épocas distintas aparece em muitas análises de teóricos artistas do século XX. Neste caso, a atenção volta-se para os problemas plásticos. Parece não haver o interesse pelo recorte temporal, ou mesmo pelo contexto em que a obra foi construída, de maneira que uma pintura de Seurat pode ser comparada com um desenho de Leonardo da Vinci para demonstrar o interesse dos dois artistas pela utilização dos traçados reguladores1. O que parece comum aos autores apontados por Carlos Del Negro e Marques Júnior é o interesse pelo estudo da forma a partir da observação da natureza, numa possível relação entre o micro e macrocosmo. Estudar um sólido geométrico é o mesmo que estudar as leis do universo. Para estudar a proporção áurea, Marques Júnior aborda os escritos do professor da ENBA Carlos Del Negro2. O texto aproxima a geometria da aritmética demonstrando como as relações harmônicas elaboradas espacialmente nos mais variados contextos - da pirâmide de Gizé a um quadro de Seurat - podem ser estudadas por meio das formas geométricas e explicadas através dos números. Nas palavras de Del Negro, Após a explicação matemática, Del Negro associa o desenvolvimento de tais relações ao fato de sua existência também estar presente na própria natureza. Em suas palavras: Na natureza essa lei ocorre em diversos fenômenos, quais os de formação de turbilhões de ar, de água e especialmente nos fenômenos de crescimento de seres vivos (lores, organismos marinhos, corpo humano), o que explica a frequente ocorrência de arranjos baseados nas simetrias pentagonal e decagonal. Em botânica a disposição dos galhos, folhas e frutos (ilotaxia) é regida pela série de Fibonacci e as que Pode airmar-se que a divisão áurea constitui o característico das civilizações mediterrâneas. Conhecida dos egípcios, foi aplicada à civilização greco-romana; transmitida aos góticos 174 175 Os Manuscritos de Marques Júnior / Rafael Bteshe Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 2 - Primeiras páginas do “Caderno 1 - Carlos Del Negro- A secção áurea”, do manuscrito “Ponto n°5: Escritos sobre a proporção e a Figura 1 - Caixa de manuscritos de Marques Júnior – dez conjuntos. Acervo Lydio Bandeira de Mello. Foto do autor, 2016. composição”, de Augusto José Marques Júnior, 25 de setembro de 1945. 176 177 Acervo Lydio Bandeira de Mello. Foto do autor, 2016. Os Manuscritos de Marques Júnior / Rafael Bteshe Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro acadêmico ocidental, não se voltando para detalhes sociológicos e culturais. dela se derivam.4 A abordagem de Carlos Del Negro, relacionando antigos tratados matemáticos com a arte e com a biologia, o aproxima dos pintores teóricos da primeira metade do século XX, como Andre Lhote, e de teóricos como o ilósofo romeno Mathila Ghyka, ambos citados no texto de Del Negro. Outro teórico estudado por Marques é o pintor acadêmico inglês Harold Speed. Por meio de esquemas gráicos e análises de pinturas consagradas, Speed demonstra de que modo a organização das formas em si constrói um signiicado. Relaciona constantemente a pintura com a música, de maneira a facilitar a compreensão dos elementos abstratos da forma. Nas palavras de Speed, publicadas em 1913, no livro A Prática e a Ciência do Desenho, e transcritas por Marques Júnior: No Brasil, a pesquisa sobre a presença dos traçados reguladores em culturas ancestrais foi estendida para povos dessa região, é o caso das pesquisas do professor da ENBA, Francisco Pacheco da Rocha, que nas palavras de Edson Motta: A palavra ritmo a usamos aqui para expressar a propriedade que têm as linhas, tons e cores, de nos afetar por sua disposição e arranjo, ao modo das diferentes notas e combinações de sons na música. Na pintura, na escultura e na arquitetura, existe uma música que por si mesma nos comove, aparte, toda signiicação unida à representação de formas naturais. (...). Poderá não aparecer muito claramente e até icar oculta, porém se encontrará estas linhas e estas massas, como esquema básico de toda a pintura. (...) Toda a força emotiva de um quadro se deverá em grande parte à signiicação rítmica desse esquema original.7 desenvolveu pesquisa proveitosa e elucidativa em torno da Ocorrência da simetria dinâmica na arte do homem primitivo americano (1964), onde estuda a presença de ressonâncias proporcionais e a capacidade de percepção de ritmos e harmonias dos primitivos habitantes da ilha de Marajó, de outras regiões do litoral brasileiro e de Santarém, nas margens do rio Amazonas, provando, de certa forma, airmações inseridas em páginas anteriores de que a ciência, que chega depois, corrobora as propostas suscitadas pelos olhos e pela intuição.5 Para a análise da estrutura rítmica linear de uma pintura de Veronese, por exemplo, Speed apresenta um esquema gráico com a seguinte orientação: “esquema em que se mostram as linhas principais que dão sua unidade rítmica a este quadro”. Com o mesmo procedimento, o autor analisa as obras de Botticelli, El Greco e Paolo Uccello, escrevendo sobre essa última (ig.10): “Choque de linhas em harmonia com o caráter guerreiro do assunto”. Ou seja, os contrastes agressivos de acentuadas diagonais constroem o clima agitado, dramático da pintura. Diferentemente de outros autores que também abordaram o assunto, como o caso do professor da ENBA Edson Motta que, em alguns momentos, conduz suas análises compositivas para uma abordagem histórica e sociológica, Marques concentra-se nos aspectos formais do assunto.6 Esse fato talvez tenha relação com a área de atuação de Marques, que enquanto professor de Desenho de Modelo Vivo, preferiu concentrar seus esforços na teoria voltada para o campo do fazer artístico, e tudo o que essa disciplina carrega. A abordagem histórica aparece apenas na organização das diferentes soluções formais em grupos, de acordo com o período e região, como por exemplo as variações de cânones de proporção nas sociedades antigas do Egito, Grécia, Mesopotâmia, Roma, até chegar no contexto Os termos “massas gerais, “linhas essenciais”, “grandes linhas”, “ver simples”, interpretação gráica”, constantes 178 179 Os Manuscritos de Marques Júnior / Rafael Bteshe Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro nos manuscritos de Marques Júnior, são essenciais para compreensão do pensamento visual dentro e fora do contexto acadêmico do entresséculos XIX e XX. Reletem o interesse pela compreensão do signiicado da composição como um todo, a consciência das qualidades emotivas da forma, já que a relação entre as massas gerais e as linhas essenciais constrói um signiicado simbólico. Em síntese, a tese, de cunho didático, tem como principal defesa o estudo do natural antes do estudo da estatuaria clássica, já que, para Marques Júnior, o desenho do natural pode ser associado a “interpretação da natureza” enquanto a cópia de estatuária é relacionada a cópia de algo já interpretado. O olhar de Marques Júnior sobre os conceitos de natureza e Belo ideal revelam alguns pontos fundamentais no estudo da metodologia de ensino das Escolas de Arte no entresséculos XIX e XX: as mudanças de perspectiva na arte, o interesse pela revisão da metodologia de ensino de desenho dentro do contexto acadêmico, e a valorização da personalidade do artista. Todos esses aspectos são parte de um movimento que já havia sido iniciado na Europa, no século XIX. Há em seu discurso uma clara inluência dos ideais impressionistas, em contraposição ao movimento neoclássico, o que se conirma na proposta de revisão dos métodos de ensino, assim como na observação do próprio trabalho artístico de Marques Júnior. É importante lembrar que o pintor estudou no Brasil com Eliseu Visconti, mestre a quem dedica a teste de 1950. A principal diferença levantada por Marques Júnior entre essas duas abordagens artísticas refere-se, portanto, por um lado a rígida busca de proporções matemáticas, baseada em modelos da Antiguidade Clássica, e, por outro, o desenvolvimento de uma interpretação pessoal, por meio da observação da natureza, nas suas ininitas relações de proporção, que transcendem os cânones clássicos. Em seus manuscritos, Marques Júnior se aproxima da ideologia acadêmica do século XIX. São valorizados: os cânones, as proporções históricas, a aproximação entre arte e matemática, o estudo de obras antigas, e a educação visual por meio do desenho. Ainda são retomados aspectos que estavam em decadência no século XX, como o Belo ideal e a ideia de evolução na história da arte. Em outra direção se apresenta o Marques da tese de 1950, demonstrando sua identiicação com o impressionismo. O autor defende o ensino da arte pelo estudo do natural, assim como a valorização do croqui para o desenvolvimento da memória visual. Poderíamos sintetizar a tese de 1950 em três principais argumentos, divididos em três capítulos: “Preferência dada ao estudo do modelo vivo que deve preceder a cópia da estatuaria clássica, icando esta reservada para o im do curso e não tendo caráter constante”. “Quanto ao estudo da Anatomia, julgamo-lo de capital importância, mas achamos que o conhecimento seguro da “osteologia” sobreleva aos demais”. “Considerando, inalmente, o desenho de “croquis”, somos levados a airmar ser o mesmo de imensa utilidade no currículo das Escolas Superiores de Belas Artes, sobretudo no desenvolvimento da memorização das imagens, memorização essa imprescindível ao artista plástico”. 180 181 Após essa constatação, é preciso ponderar alguns aspectos. Primeiro, os resultados das duas abordagens serão idealizados, já que mesmo o exercício do natural, como defende Marques Júnior, busca organizar os meios plásticos numa direção artística, em outras palavras, de interpretação pessoal da natureza, seja por meio de uma escolha hierárquica sobre o que deve e o que não deve ser desenhado, seja por meio da sintetização da forma, das distorções conscientes em prol de determinados resultados plásticos. Portanto, em nenhum dos dois casos há o objetivo de cópia da natureza. Os Manuscritos de Marques Júnior / Rafael Bteshe Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 3 - Páginas do “Caderno 1: Carlos Del Negro- A secção áurea”, do manuscrito “Ponto n°5: Escritos sobre a proporção e a composição”, de Augusto José Marques Júnior, 25 de setembro de 1945. Acervo Lydio Bandeira de Mello. Foto do autor, 2016. Figura 4 - Análises retiradas do livro SPEED, H. La pratica y La Ciencia 182 183 del Dibujo. Editorial Albatros, 1941. Os Manuscritos de Marques Júnior / Rafael Bteshe Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro O segundo ponto a ser reletido, trata da aparente polarização entre acadêmicos e modernos no im do século XIX e primeira metade do século XX, dividindo o ensino de arte em apenas duas escolas, o que deixa de lado outras correntes de pensamento em vigor nesse período. Proportion” (1532)9, autores estudados por Marques Júnior. Não encontramos evidencias que apontem para a possibilidade do artista ter estudado as fontes primárias, sendo mais provável que o tenha feito por meio de teóricos que abordaram o assunto, como Thales de Mello Carvalho (1916-1961)10 e Carlos Del Negro, por exemplo. Já os livros “Grammaire des arts du dessin” (1867), de Charles Blanc, e “Traité usuel de peinture” (1898), de Camille Bellanger, são parte do acervo de Obras Raras do Museu Dom João VI, da Escola de Belas Artes da UFRJ, e provavelmente foram estudados pelo artista, já que foram publicadas edições traduzidas para o espanhol e para o português na primeira metade do século XX.11 Após essa breve análise dos escritos de Marque Júnior, conhecemos parte das diferentes correntes ideológicas que circulavam na ENBA na primeira metade do século XX. Marques foi um pintor impressionista, seja na construção de sua obra, seja na defesa do estudo do natural enquanto professor. Teve, no entanto, uma formação voltada para o ensino clássico, iniciada com estudo de proporção, cópia de moldagens e anatomia artística, corrente que continuou estudando até a década de 1950, quando já estava com 63 anos, conforme pudemos conirmar por meio da análise de seus manuscritos. Não sabemos se a caixa de manuscritos foram os estudos preparatórios para o concurso da cátedra ou a consequência natural de um mestre que procurou o aprofundamento sobre o universo do Desenho. Nos dois casos, no entanto, percebe-se alguém que estudou um material não para airmá-lo, mas para revisá-lo. O levantamento realizado até o momento, sobre os tratados e escritos utilizados na presente pesquisa, revela um intercâmbio de ideias entre diferentes autores. Tais correspondências de conhecimentos em diferentes contextos dissolvem as fronteiras precisas que muitas vezes engessam a História. Tão relevante quanto o acesso a documentos inéditos é a constatação de uma longa cadeia de relações entre diferentes artistas dos mais variados e distantes contextos, seja por meio de tratados que propagaram ideias pelo mundo e pela história, como é o caso do livro “De Divina Proportione” (1505)8, do frade renascentista italiano Luca Pacioli (1445-1517), ou por meio do contato direto entre artistas que dividiam conhecimentos do fazer, numa linhagem que remonta à antigos mestres. Vale destacar que o acervo de Obras Raras da Biblioteca Nacional possui versões originais dos tratados de Luca Pacioli (1509) e Albrecht Dürer (1471- 1528) – “Vier Bücher von menschlicher 184 185 Os Manuscritos de Marques Júnior / Rafael Bteshe Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 5 - À esquerda, estudo de Marques Júnior sobre Luca Pacioli, retirado do “Caderno 2 – Secção Aurea, curiosidades matemáticas, Melo Carvalho”, manuscrito “Ponto n°5: Escritos sobre a proporção e a composição”; À direita, estudo de Marques Júnior sobre Charles Blanc, Figura 6 - Estudos de Marques Júnior sobre Albrecht Dürer. Nas retirado do “Caderno 6- Contribuições, gravuras”, manuscrito “Ponto laterais, páginas do “Caderno 44: Veriicação, maneira de medir, prova n°9: A igura humana, sua construção, pontos de referências ósseas e didática, 11/08/1950”; no centro, página do “Caderno 40: Proporções do musculares, eixos e direções, as deformações, o escorço, de Augusto corpo humano, Alfredo Galvão”, ambos parte do manuscrito “Ponto n°5: José Marques Júnior, 25 de setembro de 1945. Acervo Lydio Bandeira de Mello. Foto do autor, 2016. Escritos sobre a proporção e a composição”, de Augusto José Marques 186 187 Júnior. Acervo Lydio Bandeira de Mello. Foto do autor, 2016. Os Manuscritos de Marques Júnior / Rafael Bteshe Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: 7 SPEED In JÚNIOR, A. J. M. “Ponto n°8: Analise da forma: sua interpretação gráica por meio das linhas: o desenho esquemático, a silhueta”; “Caderno 2: Harold Speed- Ritmo”. Manuscrito inédito de Augusto José Marques Júnior. Coleção particular de Lydio Bandeira de Mello. s/d. 8 O tratado teve ampla repercussão no Renascimento, e no século XX foi retomado por diversos artistas, sendo mencionado nos escritos do pintor francês André Lhote, e dos professores brasileiros Thales de Mello Carvalho, Carlos Del Negro, Marques Júnior e Edson Motta. 9 A primeira publicação do tratado “Vier Bücher von menschlicher Proportion” foi publicada na Alemanha em 1513. Uma das cópias originais, impressa em 1532, encontra-se no acervo de Obras Raras da Biblioteca Nacional. Disponível em: http:// objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasraras/or1292597/or1292597.pdf. Acesso em: mai 2016. 1 O restaurador e professor da ENBA Edson Motta deine os traçados reguladores como estruturas que: “destinam-se a organizar a composição, proporcionando espaços, formas, linhas, pontos dominantes e auxiliares. Eles fornecem uma série de espaços de diferentes dimensões e similares, até certo ponto, em suas formas, que se compensam e se reproduzem em torno de eixos medianos, verticais e horizontais. Talvez a razão da harmonia gerada seja o resultado da relação proporcional entre várias grandezas que fazem surgir a similitude das formas resultantes. Os espaços originados por esses delineamentos rebatem-se uns aos outros e evitam o movimento desordenado da composição, tanto quanto a uniformidade monótona. Os traçados composicionais têm sido alterados segundo os desígnios, a determinação e a vontade de cada época”. (MOTTA, E. Fundamentos para o estudo da pintura. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1979. p.62). 10 Thales Mello Carvalho (1916 – 1961) foi Catedrático de Metodologia do Cálculo do Instituto de Educação do Distrito Federal. Livre-docente de Matemática Financeira da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas. Professor de Matemática Geral e Financeira do Curso de Aperfeiçoamento da Caixa Econômica do Rio de Janeiro e do Curso de Extensão do Instituto de Resseguros do Brasil. Posteriormente, foi Catedrático da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil e do Instituto de Educação do Distrito Federal. Era formado em Engenharia Civil e em Geograia pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro. 2 Carlos Del Negro (1901-??) estudou na Escola Nacional de Belas-Artes na década de 1920, onde foi discípulo de Correia Lima, Lucílio de Albuquerque e Rodolfo Chambelland. Posteriormente, trabalhou na mesma instituição como professor de Desenho Artístico e como Professor de Matemática Superior na Escola Nacional de Química. Publicou os livros: “O Desenho Artístico e a Perspectiva Linear (1942), Palhetas de Alguns Pintores dos Séculos XIX e XX (1945), Dicionário dos Termos Técnicos de Belas-Artes, Sobre o Método do Duplo Ponto de Fuga (1947), Escultura Ornamental Barroca no Brasil (1967), Contribuição ao Estudo da Pintura Mineira, além de estudos sobre Física, Higiene e Mineralogia”. Disponível em: http://www.catalogodasartes.com.br/Detalhar_Biograia_Artista.asp?idArtistaBiograia=6771. Acesso em 12 jan 2016. 11 Cf. BLANC, C. Gramatica de las Artes del Dibujo. Buenos Aires: Editorial Victor Lerú, 1947; BELLANGER C. A arte do pintor: tratado prático de desenho e de pintura. Dois volumes. Tradução de F. R. Gomes Junior. Rio de Janeiro: Ed. H. Garnier, 1910. 3 NEGRO del Carlos. O número de ouro. In: Arquivos da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, n° I, 1955, p.51. 4 NEGRO del Carlos. O número de ouro. In: Arquivos da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, n° I, 1955, p.51. 5 MOTTA, E. Fundamentos para o estudo da pintura. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1979. p.76. 6 Edson Motta enquanto restaurador, além do conhecimento técnico, necessitava de uma formação histórica aim de ponderar as ações a serem tomadas na restauração de um quadro, que vão além da técnica. Apesar do trabalho como restaurador e professor de Teoria e Conservação da Pintura na ENBA, Edson Motta foi também um dedicado pesquisador da estrutura formal na pintura. Realizou inúmeras conferências e deixou uma série de escritos sobre o assunto. Parte de sua pesquisa pessoal foi publicada no livro “Fundamentos para o Estudo da Pintura”, no qual dedica um capítulo inteiro ao debate sobre a composição. 188 189 Rafael Bteshe é doutorando da linha de pesquisa História e Crítica da Arte do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Making History in American Art Academies 1781-1893 190 191 Anna O. Marley Making History in American Art Academies 1781-1893 / Anna O. Marley Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Spanish sovereigns Ferdinand and Isabella that hang alongside those of Montezuma and Fray Bartolomé de las Casas in the Museo Nacional in Mexico City, or paintings of irst masses in Brazil, history paintings from the 19th-century form the visual backdrop of conceptions of citizenship and history across all of the Americas. In a time when scholars are increasingly examining the ideals and legends of America’s “founding,” these tangible things illustrate a period in this hemisphere’s history when Americans—North and South—were struggling to deine the political, social, and geographic borders of their nationhood. Visual artists were at the vanguard of this deinition, and the grand canvasses they left their countrymen represent the most iconic and lasting examples of this phenomenon. Now is the time to demand that art historians investigate these narratives in the context of the diverse realities of the artists and audiences involved in their conceptions. This talk is part my broader exhibition project Marcando Historia/Making History in the Americas 1843-1893. This paper will critically examine history painting at the three oldest art academies in the Americas as expressions of nationalism during the long nineteenth century. Notable art academies were founded in Mexico City (1781), Philadelphia (1805), and Rio de Janeiro (1816) at the turn of the nineteenth century. It is an honor to present my research in the context of the 200th anniversary of the founding of the Academy in Brazil. By focusing in particular on the academic history paintings that were produced by artists working at these schools this paper will ask, what roles did these institutions play in deining national histories and identities? How did art academies in Mexico, the US, and Brazil shape education programs aimed at producing modern citizens? To what extent did national politics determine the functions of art academies? What types of visual idioms were deployed by art academies to shape national consciousness? How were the international conventions of academic history paintings used in these three countries to explicate their complex and individual projects of nation building and expansion within the transnational discourse of modern painting? The history paintings that are the subject of this paper are embedded in their respective nation’s concept of what it means to be American, and challenge my own institution’s history and long-standing mission of exhibiting “American Art” to expand its deinition outside the boundaries of the United States. Whether it be paintings of Columbus and De Soto that hang alongside those of George Washington and Thomas Jefferson in the United States Capitol, or paintings of Columbus and the 192 193 My focus today is on a series of history paintings of the Spanish conquest in mid-nineteenth century United States. This paper forms the foundation of a larger project on history painting and national identity as taught and exhibited in Rio, Mexico City, and Philadelphia. I look forward to learning from my colleagues in the audience about analogous traditions in Brazilian painting. The primary documents we are going to see today are the history paintings of Peter F. Rothermel (18121895), ranging from Cortés’s View of the City of Mexico (1844) to De Soto discovering the Mississippi (1851), along with the text that inluenced the paintings, William H. Prescott’s History of the Conquest of Mexico (1843). Rothermel was Director of the Pennsylvania Academy of the Fine Arts (pafa) from 1847-1855, and one of its most inluential instructors at a time when the Academy was one of the most prestigious art schools in the Americas, having been founded in 1805 a few short years after the founding of the nation. He was also a leading Making History in American Art Academies 1781-1893 / Anna O. Marley Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro painted in Rome in 1850.2 artist who has faded into obscurity. A new study of his work in relation to broader international trends in history painting in the mid-nineteenth century will result in expanding understanding of how artists at North America’s most venerable art school negotiated and visualized national identity during the period of territorial conlict between the United States and Mexico known as the Mexican-American War (1846-1848) or the primera intervención estadounidense en México. Rothermel’s series of scenes of the Spanish conquest was begun after a prominent art connoisseur saw Columbus before the Queen in an exhibition organized by Rothermel at pafa, and subsequently commissioned a painting of similar size and subject matter. Sartain’s Union Magazine wrote of the commission in 1852, In this period the Academy was the focal point of Philadelphia’s cultural life and a major force on the American art scene. Although New York City was emerging as a leader in the American art world, the nation’s irst capital city was still known as the Athens of America. As Ray Hernandez-Duran has recently shown, in the 1840s and 50s a similar cultural renaissance in Mexico emerged around the Academy San Carlos in Mexico City.1 My larger project aims to bring the nationalistic history paintings of American and Mexican artists together to examine how the same subjects—most especially the territorial Conquest of New Spain—was employed by academic artists in each nation to explore very different national interests and imperial desires. It is my hope this study will further contextualize the oeuvre of Rothermel in relation to the broader body of work of nineteenth-century history painting in the Americas. The series of large scale history paintings I am examining begins with Rothermel’s Columbus before the Queen (1842). This painting was probably inluenced by a combination of popular literary inluences including William H. Prescott’s irst book on the history of Spain, History of the Reign of Ferdinand and Isabella (1837), and Washington Irving’s History of the Life and Voyages of Christopher Columbus (1828). Each of these histories portrays Isabella as a Christian missionary and Columbus as her able knight. This was a popular subject for both American and Mexican academic painters at the time; contemporaneous paintings include Emanuel Leutze’s Columbus Before the Queen (1843),exhibited at pafa in 1848, and Juan Cordero’s Columbus before the Catholic Sovereigns, 194 195 Professor Mapes, who has done so much to encourage art and artists in the country, saw while on a visit to Philadelphia, the picture of ‘Columbus before the Queen;’ and being struck with some of its points, left with a friend an order for Rothermel to paint one of the same size, suffering the artist to choose the subject; and adding, that is, when inished, any one fancied it, the artist should sell the picture, and paint another instead. At that time Prescott’s work on ‘The Conquest of Mexico’ was making a great noise, and furnished a number of good subjects. Rothermel selected ‘Cortez haranguing his Troops, within sight of the Valley of Mexico,’ and painted, as he says, ‘a very fair picture.’ It was much more, however, than ‘very fair,’—being a glorious composition, remarkable for its vigor, force, and combination of ine tone with richness of colour. It attracted the attention of a liberal patron of the arts, Warrington Gillette, of New York, but at that time a resident of Baltimore, who gave Rothermel without hesitation the price he demanded, and thus an invaluable addition to his own collection. Professor Mapes, saw the picture, liked it so much, that he ordered its substitute to be founded on a similar subject,—‘The Surrender of Guatemozon.’ This, which was also an admirable specimen of drawing and colouring, was duly executed and delivered. These paintings attracted such admiration, that several more, on similar themes, were ordered. One of these ‘Noche Triste; or, The Morning of the Retreat on the Causeway,’—was for Mr. Binney, Making History in American Art Academies 1781-1893 / Anna O. Marley Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro With this visual overview of Rothermel’s views of the conquest as background, now I ask, and partially answer, a series of questions about the paintings. To begin with, how does Rothermel’s vision of the conquest differ from native, mestizo, creole, Spanish, Mexican, and other American and European artist’s visions? Do Rothermel’s paintings relect Prescott’s narrative—which tended to present Spanish history as the antithesis of that of the United States? Why was this subject matter so popular in the United States in the 1840s? How do these depictions of the Spanish conquest painted in the 1840s in Philadelphia differ from centuries of depictions of the conquest completed in New Spain and Mexico? How do landscapes of possession igure differently in paintings of the conquest over different time periods and cultures? And inally—a larger question that this paper only begins to address—what intellectual understanding will be gained by a comparison of American and Mexican visions of the conquest? of Boston; another,—‘Cortez Burning his Fleet,’—for James Robb, of New Orleans; a third,—‘Launch of the Brigantines,’ – for J.B.H. Latrobe, of Baltimore, son of the architect of the Capitol; and a fourth,—the subject unknown to me,—which is not in the possession of the artist’s cousin, Samuel H. Rothermel, of Philadelphia.3 The paintings mentioned above include Cortés’s First View of Mexico, 1844 (NY Historical Society).This was the irst in a series of ive paintings depicting the adventures of Cortez, including Surrender of Guatemozin (1845) (Current location unknown, Kennedy Galleries in 1995), Cortés before Tenochtitlan [Cortés’s Invasion of Mexico] (1846) (Lowe Art Museum, University of Miami), Cortés Burning His Ships before Marching on Mexico (1846) (destroyed), and Cortés Launch of the Brigantines “Noche Triste” (1848) (location unknown). In addition to paintings of Cortés, Rothermel also exhibited the Embarkation of Columbus (1844) (location unknown) and two of another Spanish explorer: irst, De Soto Discovering the Mississippi River (1843) (St. Bonaventure University Art Collection); second, De Soto Raising the Cross on the Banks of the Mississippi (1851) (pafa), evidently inished with his Cortés cycle. In 1844, a reviewer noted that Rothermel’s paintings of the conquest “have a penchant for the heroic age of our western world—for we have had our age of chivalry as well as Europe. Columbus and Cortés and Soto, Rothermel’s favorites, were all belted knights in their time—and knights errant too, for they wandered further in quest of adventures than even the Crusaders.”4 The paintings are decidedly romantic, in keeping with Prescott’s approach to history, which Prescott acknowledged as romantic and widely accessible.5 Rothermel was an admirer of the great French Romantic painter Eugene Delacroix (1798-1863) as well as Baroque painter Peter Paul Rubens (1577-1640) and one can see the inluences of both masters in his romantic and high toned color approach to landscape and in the igures in his history paintings. 196 197 Before turning to Rothermel’s paintings in the context of the United States in the 1840s it is important to understand how different they were from earlier Spanish Colonial images of the same subject. Mestizo and indigenous views of the conquest were created in the sixteenth century exist, most famously in the Florentine codex (1555-79). On the other hand, Spanish and Creole depictions of the conquest do not really begin until the late seventeenth century in the form of enconchados—oil on board paintings with inlayed mother of pearl. This series is in the Museo de Americas in Madrid (1698)—commissioned for the vice regal palace in Mexico and then brought back to Spain. The enconchados were made following the publication of Antonio de Solis y Rivadeneyra’s Historia de la conquista de Mexico (1684)—an elegiac response to the protestant black legend of the sixteenth and early seventeenth century. In enconchados and biombos—Asian inspired folding screen paintings— the death of Moctezuma is attributed to the hands of native insurrectionists, not to the Spanish as it is in indigenous images. The biombo of the conquest in the Museo Franz Mayor (ca. 1690) depicts the chaotic conquest on one side and the orderly Making History in American Art Academies 1781-1893 / Anna O. Marley Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Tension over religion and immigration boiled over in Philadelphia in the major anti-Catholic riots of 1844, the same year Rothermel painted Cortés’s First View of Mexico. The Philadelphia Nativist Riots took place from May 6 to 8 and July 6 to 7, 1844, in Philadelphia and its suburbs. The riots were a result of rising anti-Catholic sentiment aimed at the growing population of Irish Catholic immigrants. These social conlicts did not go unnoticed in the art world. An 1845 review of Rothermel’s showing of The Surrender of Guatemozin at the National Academy of Design in New York City referred to the painting as being painted “by one of the most promising artists of the mob city”.8 Prescott’s narrative, while romanticizing the conquest, was also decidedly anti-Catholic, and so as much a part of the spirit of the times as the nativist riots. At the same time as these local tensions were taking over Philadelphia, the United States was becoming embroiled in conlict with neighboring Mexico, leading up to the Mexican-American War of 1846-48. In these years Rothermel painted Cortés before Tenochtitlan [Cortés’s Invasion of Mexico], Cortés Burning His Ships before Marching on Mexico, and Cortés. Launch of the Brigantines“Noche Triste.” vice regal city of the seventeenth century on the other.6 Barbara Mundy argues that this biombo displays a unique interplay of artwork and collective memory, reinforcing the idea of viewing contemporary Mexico City through a colonial history of celebrated conquest.7 In all of these representations of the conquest, the built environment of Mexico City plays a central role, as it does in the paintings of nineteenth-century American history painters. However, these examples suggest that mestizo, indigenous, creole, and Spanish views from the sixteenth to early-eighteenth century differ from later nineteenth century academic paintings of the conquest both in Mexico and the US because of their differing audiences and contexts. For the former, the audience was scholars, vice regal rulers, or colonial elites with the displays in libraries, palaces, and elite Mexico City interiors; for the latter, the audience was the general public, with the displays in public art exhibitions. Returning to our case study in nineteenth-century Philadelphia, Rothermel’s paintings were not made exclusively for a private domestic context—though they often were commissioned by private individuals residing in Baltimore, Philadelphia, New York, and Boston. Rather, following on from the previous paragraph, they were primarily intended for display in the public art exhibitions of Philadelphia and New York City. How does this differ from these earlier visions of the conquest? Just as Spanish colonial scholars Mundy and Terraciano have studied the audiences for the Spanish colonial works illustrated above, in order to understand Rothermel’s paintings one must also understand their intended audiences. Rothermel was not only a leading academician at pafa, but his patrons included leading Republican and Whig elites in Philadelphia and other east coast locations. Also, in 1862, the artist and his patrons were among the founding members of the exclusive Republican Union League Club of Philadelphia. This bastion of conservatism was created following a time of great turmoil in Philadelphia, a time when Rothermel’s paintings of the Spanish conquest were at their height of popularity. 198 199 Rothermel’s view of Cortés seems to have shifted between 1844 and 1846. What seems to be romantic and celebratory in 1844 is brooding and destructive by 1846. In particular, smoke and lurid lames progressively dominate the canvases. Rothermel also seems to be moving farther away from an exclusive focus on igures to the inclusion of landscape as an expressive element of the composition. It is dificult to know how Rothermel felt about American imperialism and territorial expansionism from looking at these paintings. Is Cortés the gallant leader haranguing his troops or the melancholic leader looking out over a sunset the color of blood setting over the city of Tenochtitlan? How was Rothermel affected by the anti-Catholic riots and ires in his own city, as well as by newspaper reports of major conlicts along the Mexican American border? These paintings are certainly more nuanced and confusing than contemporaneous popular topographic military depictions of Making History in American Art Academies 1781-1893 / Anna O. Marley Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro with Prescott’s original intent, as well as aligned with the views of the artist’s elite east coast patrons. Leutze, on the other hand, seems to have more in common with the mestizo images from the Florentine Codex than with romantic visions of the progress of civilization. the contested landscape of Mexico made during the Mexican American war. For example a print of the 1846 battle of Buena Vista takes a military topographic approach to the landscape, which is seen from a bird’s eye view. The Mexican landscape forms a backdrop to the impressive military prowess of the United States in the foreground, all is controlled and mapped. In his contemporaneous canvases it is hard to know whether Rothermel expects the viewer to identify with Cortés, or to see him as a decadent Catholic conquistador. His paintings are also nuanced enough to suggest that, by 1846, Rothermel may have been, like many Americans, dismayed by the bloodshed of the Mexican American war. At this stage, and perhaps to further muddy the proverbial waters, it is appropriate to bring into the discussion the work of Rothermel’s fellow American history painter Emanuel Leutze. Leutze’s The Storming of the Teocalli by Cortez and His Troops, 1848, was commissioned in 1846 for Boston scientist Amos Binney. Binney was a friend of William H. Prescott, and both men were members of the Boston Athenaeum, one of the United States oldest membership libraries, founded in 1807.9 As mentioned above, Binney had commissioned one of Rothermel’s Cortés paintings, namely Noche Triste; or, The Morning of the Retreat on the Causeway (1848, location unknown); and it is tempting to surmise that Binney meant the Leutze and Rothermel paintings to hang together. Leutze’s painting depicts the irst, failed battle the Spaniards waged against the Aztecs for the teocalli.10 Based on these paintings, it is productive to discuss whether Rothermel or Leutze best embodied Prescott’s view of the conquest. Prescott described Cortés and his men as “gallant cavaliers,” attributed the strength of brute force to the Aztecs, and the skill of “superior science” to the Spaniards.11 No one really comes off well in Leutze’s painting; both the Spanish and Aztecs seem bloodthirsty and cruel. Was this really aligned with Prescott’s view of things? As William Truettner argues, “Prescott’s volumes had presented the founding of the Americas as a irst step toward New World civilization…”12 It seems that Rothermel’s less violent depictions of events in The Conquest of Mexico were perhaps more in line Jochen Wierich argues that the Leutze painting “revealed the problems that romantic history painters faced in giving manifest destiny a concrete pictorial form, and in convincing their audience that the history of the United States was guided by divine providence.”13 Other contemporary American painters, such as Richard Caton Woodville, avoided the problematic of images of the Spanish conquest in the aftermath of the MexicanAmerican war by creating genre scenes that verged on history paintings. The landscape of Mexico is completely effaced by an American domestic interior and “American” hotel. The problem of embodying a positive image for Western manifest destiny in the igure of Cortés may be why Rothermel eventually returned to De Soto as his Spanish colonial hero. Indeed, Cortés was most often left out of oficial US history paintings, most probably because he could too easily be associated with the protestant Black Legend of Spanish cruelty. Also, in the aftermath of the Mexican American war, perhaps the Mississippi subject matter was more in keeping with popular taste than the bloody conquest of Mexico City. 200 201 Rothermel’s De Soto Raising the Cross (1851) depicts what was believed at the time to be the irst Christian religious service in America. When Rothermel painted his second and more successful version of the subject, De Soto was a popular igure in Philadelphia. In 1852 the play The Tragedy of de Soto was presented at Philadelphia’s Chestnut Street Theatre with scenery paintings by Rothermel’s fellow pafa exhibitor Russell Smith.14 Also in 1852, when Rothermel’s painting Patrick Henry in the House of Burgesses was exhibited in the Rotunda of the US Capitol, “twenty Philadelphia artists, including Thomas Sully, Rembrandt Peale, John Neagle, J.R. Lambdin, John Sartain, William Trost Richards, Samuel Waugh and Christian Schuessele, petitioned Congress to commission Rothermel to produce a national work.”15 Making History in American Art Academies 1781-1893 / Anna O. Marley Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro compare it to the program of the US Capitol murals in the 1830s and 40s, which were visual embodiments of the national founding myths of the United States. A comparison between Rothermel’s Landing of the Pilgrims and Robert Walter Weir’s The Embarkation of the Pilgrims at Delft Havenm Holland, July 22nd, 1620(painted from 1837-43) reveals that though Weir chose to focus on igures, Rothermel continued his use of landscape to capture the emotional impact of the historic moment.17 The U.S. Capitol history painting project had been in process from the 1820s and continued through the early 1850s. I believe that the Cortés series, and then the return to the subject of De Soto, was an attempt on the part of Rothermel, his patrons, and the Philadelphia art community in general, to have one of Rothermel’s paintings selected for the US Capitol project. William Henry Powell was painting his Discovery of the Mississippi by De Soto, A.D. 1541, from 1848-55. Could Rothermel, who undoubtedly knew that congress was at the time looking for a Western subject, have painted his composition in competition?16 In progressing from Cortés to De Soto to the Pilgrims, Rothermel moved further and further away from the themes of the Spanish conquest with which I began this paper. It makes sense that this is so, given the conditions in contemporary Philadelphia, which by the 1850s was beginning to feel the impending pangs of sectionalism which were to erupt in the US Civil War. In transitioning from Mexico to the Mississippi to New England, Rothermel’s paintings offer us a map of American geopolitics in the 1840s and 50s, from excitement about territorial conquest to the south, to anxieties about the spread of slavery to the new lands annexed from Mexico, to a retreat and idealization of the founders of New England. In all these themes, Rothermel was aligned with Republican concerns in Philadelphia. Landscape has more of a role in this painting than in any of Rothermel’s other images of Spanish conquest and discovery. The entire foreground is given over to pliable clay of the Mississippi river banks. Both the cross and the kneeling natives in the right foreground seem to be emerging out of the earth. The cross gives the appearance of having been hewn from a tree, unlike the cross in Powell’s version which includes what appears to be an applied ivory cruciied Christ. The cross is being planted in the soil becoming as much a part of the American soil as the native igures. Visually, this is undoubtedly the most accomplished painting of Rothermel’s conquest series. In focusing on the American landscape rather than architecture or igures to convey the dramatic emotional narrative of conquest, Rothermel has created his masterpiece. At a time when manifest destiny was being bandied about as the term du jour in United States politics, what better image than the planting of a Christian cross in the soil of a great western river to suggest the divine destiny of America to push westward. According to Prescott, in this vision of the conquest the goal is the spread of Christianity across the wilderness of America, rather than those of Cortés, the gold loving Spaniard. Rothermel employs this format again with his Landing of the Pilgrims (1854) (Lafayette College); here, American religion and American landscape are paired to create a successful history painting. The landscape dominates the foreground of snow and storm tossed waves. Landing of the Pilgrims is not part of the Spanish Conquest series, but is related, especially when you In conclusion, Rothermel’s views of the Spanish conquest say more about Philadelphia in the 1840s than they do about the sixteenth century conquest. But that is always the case with history painting. In capturing a moment in history, the artist almost always tells us more about his own time than the one he aims to portray. Thus, from Rothermel’s paintings of Cortés and De Soto, we may be able to learn more about the territorial conquest of the Mexican American war and anxieties over immigration and slavery, than we can about the conquest of Mexico by Spain. It remains to be seen what a similar comparative study of Brazilian and Mexican paintings of the same period will reveal 202 203 Making History in American Art Academies 1781-1893 / Anna O. Marley Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: 11 Ibid., 68. 12 Ibid., 70. 13 Jochen Wierichm,Grand Themes: Emanuel Leutze, Washington crossing the Delaware, and American History Painting (University Park: Pennsylvania State University Press, 2012), 51. 14 Thistlethwaite,Painting in the Grand Manner, 51. 15 Ibid., 16. 16 For more on the US Capitol Commissions see Ann Uhry Abrams, “National Paintings and American Character: Historical Murals in the Capitol’s Rotunda” in William Ayers, , Ed. Picturing History: American Painting 1770-1930.(New York: Rizzoli, 1993), 65-79. 1 Ray Hernández-Durán, “Modern Museum Practice in Nineteenth-Century Mexico: The Academy of San Carlos and la antigua escuela Mexicana”, www.19thc -artworldwide.org Volume 9, Issue 1 Spring 2010. 17 In an 1835 review of this painting the Puritan emigrants were set up in direct contrast to the “tumult of the Irish mob, sweeping through the streets” of Boston, which reminds one of the anti-catholic sentiments in Philadelphia in the 1840s.Jacob Abbott, New England and Her Institutions by One of Her Sons (The American Popular Library: Boston, 1835), 245- 46. 2 For further study, examine PAFA annual exhibition records for both artists, and ind more reviews of Rothermel and Leutze’s paintings of the conquest in Philadelphia. Mark Thistlethwaite notes that Rothermel and Leutze were both studying in Philadelphia at the same time and may have been in John Rubens Smith’s drawing class together. Mark Thistlethwaite,Painting in the Grand Manner: the Art of Peter Frederick Rothermel (1812-1895). (Chadds Ford, PA: Brandywine River Museum, 1995), 13. 3 Thomas Dunn English, “Peter F. Rothermel,” Sartain’s Union Magazine of Literature and Art 10 (January 1852): 15. 4 277. An Amateur, “Visits to the Painters,” Godey’s Lady’s Book 29 (December 1844): 5 Richard Kagan, “Prescott’s paradigm: a new look at a Bostonian’s image of sixteenth-century Spain” in The Word Made Image: Religion, Art, and Architecture in Spain and Spanish America, 1500-1600. (Boston: Isabella Stewart Gardner Museum, 1998), 16. 6 For a discussion of all of these representations of the conquest see Kevin Terraciano “Competing Memories of the Conquest of Mexico” in Ilona Katzew, Contested Visions in the Spanish Colonial World. (New Haven and London: Los Angeles County Museum of Art and Yale University Press, 2012), 55-77. 7 See Barbara E. Mundy, “Moteuczoma Reborn: Biombo Paintings and Collective Memory in Colonial Mexico City” Winterthur Portfolio, Vol. 45, No. 2/3 (Summer/ Autumn 2011), 161-176. 8 “The National Academy,” Broadway Journal, May 17, 1845, p.307. 9 William H Truettner, “Storming the Teocalli—Again: Or, Further thoughts on Reading History Paintings.” American Art. Vol 9. No 3 (Autumn 1995), 59. 10 Ibid., 67. 204 205 Anna O. Marley, Ph.D. Curator of Historical American Art, Pennsylvania Academy of the Fine Arts Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878-1879) 206 207 Laurens Dhaenens Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878-1879) / Laurens Dhaenens Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro the product of the composers Arthur Napoleão (1843-1925) and Leopoldo Américo Miguez (1850-1902). They were the founders of Casa Arthur Napoleão & Miguez that published scores and organised concerts.4 In Chile, the driving force behind the magazine Las Bellas Artes (1869) was Juan Jacobo Thompson (s.d.), the vice-president of the music association Sociedad Orfeón.5 Buenos Aires, by contrast, witnessed in 1878 the creation of the publication El Arte en el Plata, an ‘artistic and literary magazine’. However, due to inancial dificulties it ceases to exist after the irst issue6 and for at least two years, La Gaceta Musical was the magazine of the ine arts.7 It can be said that the ine arts arrived in South America in the nineteenth century on the rhythm of the performative arts. More than painting and sculpture, the ield of opera and theatre shaped the incipient ine arts activities in urban centres after the wave of independence. Buenos Aires and Rio de Janeiro in particular became signiicant international destinations for performances. On a smaller scale, this also holds true for Santiago de Chile.1 The prevalence of this ield challenges our understanding of how the concept of ‘Bellas Artes’ was used in certain contexts at the time. In one of the irst texts on the ine arts in Chili, Pedro Lira begins his exposé with a warning: “Trazar la historia de las bellas artes en Chile, hé aquí el objeto de nuestro artículo. Pero ante todo advertiremos que, al tratar de las bellas artes, no comprendemos la música, sino la arquitectura, la escultura i la pintura.”2 From Lira’s perspective, it was necessary to deine the term. Four years later the irst magazine that explicitly dedicated itself to the ine arts in Chile appeared under the title of Las Bellas Artes. Yet, in the second issue, the editorial states that “[p]or ser la música el arte más simpático, i en cierta manera, el patrimonio de todos, le damos la preferencia.”3 It is no surprise that a quantitative analysis of the contributions about the visual art criticism in these magazines displays an imbalance in favour of music. In La Gaceta Musical, there are only six articles on painting and sculpture in 1878, seven in 1879, none in 1880 and 1881 and three in 1882. This stands in sharp contrast with the 202 editorials that deal almost exclusively with the performative arts in 1878 for instance. In the magazines Las Bellas Artes and Revista Musical the ratio between texts on ‘music’ and the visual arts is in general less unbalanced mainly because of the activity of the national academies. The annual exhibitions in particular generated a peak in art critical writing. However, in 1880 the Brazilian magazine did not report on any topic related to the visual arts for nineteen issues because ‘there was nothing worth writing about’.8 The Chilean magazine is more consistent as it includes besides texts on local exhibitions and artists, numerous translations and republications, such as the translation of Hippolyte Taine’s Philosophie de l’art9 and a series of artist biographies originally published in Revista Barcelonesa and in José Muñoz Maldonado’s book Los pintores de antaño.10 Although early practices of visual art criticism in the Southern Cone were strongly embedded in the dynamics of the literary ield, a mapping of the irst magazines with a focus on the ine arts in Argentina, Brazil and Chile shows the importance of the performative arts. The Brazilian Revista Musical (1879), that from its third issue added to its name ‘e de Bellas Artes’, was Each of these magazines deined and redeined its own prospects in relation to the particular social, political and cultural situation in the country. Their primary ambitions were the same: to represent the ine arts, educate the people, 208 209 Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878-1879) / Laurens Dhaenens Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro stimulate national culture and, in so doing, to ‘civilize’ the nation. The editorial statements of El Arte en el Plata and Las Bellas Artes phrase these objectives in positivistic terms, placing the development of the arts and society in a dialectic relation with European (art) history.11 The Revista Musical e de Bellas Artes also draws on an evolutionary paradigm when it exclaims that “[o]s paizes, ainda mesmo os mais atrazados neste ramo de conhecimentos, têm um ou mais órgãos especiaes que sé occupão da arte, já cuidando no seu progresso e desenvolvimento, já registrando os commettimentos artísticos dos seus ilhos [...]”.12 In this way, the very act of founding these magazines was a performative statement in itself. interviews, reviews and so on. Genette speaks of: [...] an ‘undeined zone’ between the inside and the outside, a zone without any hard and fast boundary on either the inward side (turned toward the text) or the outward side (turned toward the world’s discourse about the text), an edge, or, as Philippe Lejeune puts it, ‘a fringe of the printed text which in reality controls one’s whole reading of the text.’ Indeed, this fringe, always the conveyor of a commentary that is authorial or more or less legitimated by the author, constitutes a zone between text and off-text, a zone not only of transition but also of transaction: a privileged place of a pragmatics and a strategy, of an inluence on the public, an inluence that–whether well or poorly understood and achieved–is at the service of a better reception for the text and a more pertinent reading of it [...].13 The exact signiication of this statement for the visual arts unlocks a myriad of issues, ranging from the formation of art criticism, to the circulation of knowledge, the creation of imaginative art galleries and the representation of national art. The present chapter addresses some of these issues, studying the discourse on the visual arts in relationship to the context of the magazines. In particular it looks at La Gaceta Musical and its collaboration with the Sociedad Estímulo de Bellas Artes. This approach might seem common but in an age of growing digitalization, magazines are less and less studied in its entirety than scanned for speciic information. From this perspective, the present paper unravels the magazine’s discourse, opening up the space in between texts, where the questions about the development of art criticism, imaginative galleries and national art receive another dimension, in that they show the practice of visual art criticism embedded in a broader ield of cultural criticism and in an implicit or explicit relection on the kinship of the arts. Translating the concept to the study of poetry in Victorian periodicals, Kathryn Ledbetter describes the paratext as the constellation of elements such as “editorial opinions, letters to the editor, advertising, adjacent feature articles, other authors and their previous contributions, and reportage of news events.”14 In the case study analysed in the present chapter, the constellation is dominated by the ield of music. Therefore, the question this study poses is how in the particular context of La Gaceta Musical visual art criticism sounded. La Gaceta Musical and The Musicalization of The Visual Arts In the irst issue of 1878, the editor of La Gaceta Musical, Julio Nuñez, announces a collaboration with the ine art association Sociedad Estímulo de Bellas Artes, expressing the magazine’s ambition to become “el órgano en la prensa argentina de todas las bellas artes”.15 Simultaneously, the platform changed its proile from a ‘semanario ilustrado de música, literatura y modas’ into a ‘semanario ilustrado de música y bellas artes’. One year later, in the editorial of the irst issue of 1879, Nuñez The study builds upon the concept of paratext developed by Gérard Genette. The notion of ‘paratext’ refers to those elements that extend the signiicance of a text beyond the text such as titles, subtitles, introductory quotes, names of authors and publishers, forewords, epigraphs, press releases, 210 211 Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878-1879) / Laurens Dhaenens Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro reafirmed this new course, describing the magazine as “el único órgano de las bellas artes”.16 The collaboration with the Sociedad Estímulo de Bellas Artes materialized in a more or less regular publication of a ine arts section.17 For at least two years, this column was a medium to communicate and comment on the accomplishments of the Sociedad and artistic activities in general. last issue of 1877–the issue before the magazine and the art association initiated their collaboration. Under the title of “Una omisión censurada”, an anonymous author critically comments upon a lecture pronounced by a representative of the Sociedad Estímulo de Bellas Artes, Esteves Sagui, at an event honouring the participants of the International Exhibition of Independence in Philadelphia. According to the author, Esteves had failed to capture the full importance of the ine arts in society because he had not considered the signiicance of the art of music, “la mas bella entre las bellas artes”.20 Esteves is reproached for restricting his lecture to the visual arts. As the title indicates, the author regards this approach as a type of censorship by omission: Esteves was only thinking of his own interests and those of the Sociedad. Quoting authorities such as Homer, Hermes, Pythagoras and Salinas on the importance of music, the message of the text ‘Una omisión censurada’ is clear: the superiority of music was beyond doubt.21 At irst sight, there is nothing remarkable about the alliance. The Gaceta Musical offered a column to an association that had just seen its own publication project fail and as a result broadened its own artistic scope. It continued privileging music but from that moment on, it also claimed the ine arts in general; a programmatic direction that was not veiled. In the masthead of the magazine, the putti kept on playing musical instruments until they were replaced by a more abstract decorative emblem with harps.18 From the perspective of the Sociedad Estímulo de Bellas Artes, the collaboration was most probably seen as a temporary solution, until there were suficient funds to continue the short lived El arte en el Plata. The substantial resemblances between the one and only issue of this magazine and La Ilustración Argentina that saw the light in 1881, that has been highlighted by various scholars, supports this presumption.19 The magazine subtly rearticulated this view when it announced the collaboration with the Sociedad in the irst issue of 1878, in the sense that the correspondence between Nuñez and Vaca Guzman shares the page with a correspondence that conirms a partnership with the music association La Sociedad del Cuarteto and, more signiicantly, an article titled “Los músicos argentinos”. The latter had originally been published in the newspaper La Tribuna and approaches the development of the ine arts in society as a mirror of moral progress. Grounding the argumentation on Hegel’s philosophy, it proposes a hierarchy that located architecture in the lowest rang and music in the highest: A paratextual reading of the discourse on the visual arts in La Gaceta Musical complicates this image. The integration of a new section yielded more than a new proile for the magazine and a (temporary) platform for the art association. It generated a space of interaction and debate between the artistic ields, presenting different perspectives on the identity and kinship of the ine arts. The inter-artistic discourse took shape within and between the contributions; it surfaces in the text and the paratext as the product of individual thoughts but also of the invisible hand of the editor(s), composing the pages. “Efectivamente, aunque la pintura añade a las formas los diversos aspectos de la apariencia visible, las ilusiones de la perspectiva, el color, la luz y las sombras, y puede reproducir sobre el lienzo los sentimientos más profundos del alma humana, lo que la música espresa, es el alma misma, en lo que tiene de más íntimo, y esto por medio de un fenómeno sensible, The starting point for this study is an article published in the 212 213 Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878-1879) / Laurens Dhaenens Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro instantáneo, impalpable. Para nosotros las artes supremas son la música y la poesía, que tiene a su servicio el ritmo de la palabra humana.”22 testiied to the artistic potential of the nation. If the former constituted the basis of a “música esencialmente americana”, the latter would do the same for the visual art.26 This article is no exception. The magazine conirms the hegemonic position of music throughout its issues. The irst editorial of the magazine emphasises music as the most inluential art form in society. It was “la primera y la última palabra de las pasiones”.23 In essays such as “La ópera”, music is presented as the universal language of human sentiment and passion by nature: “[..] sus espresiones van directamente al corazon, sin pasar, digamos así, por el espíritu [...].”24 The same rhetoric returns extensively in the article “La Música, apreciaciones de un crítico acerca del bello arte de los sonidos” that explores the sisterhood of music and poetry, privileging the latter because of its affective impact: “La música es más incisiva, más intuitiva, más universal. No hay corazon humano rebelde a las sensaciones agradables que producen las combinaciones de las siete notas.”25 That same year, Vaca Guzman published three more articles, respectively on the academy of the art association, sculpture in Argentina and the practice of painting.27 The musical element disappears from his discourse that now focuses on the accomplishments of the Sociedad and its members. Progress and modernity are the key concepts. Vaca Guzman presents the foundation of the private academy of the Sociedad as “[...] el mas grande acontecimiento artístico ocurido en nuestros últimos tiempos [...]”.28 He lauds incipient sculptural practices in Argentina, discussing El Pampa of Correa Morales.29 In regards to Argentine painting, the activity of young artists forms the beginning of an ‘American art’ that unlike modern artistic movements in Europe does not follow the tendency towards specialization. In Latin America, a history painter could also be a painter of landscapes, seascapes and portraits. Vaca Guzman mentions Eduardo Sívori, Alfredo Paris, Marco del Pont and ‘other members of the Academy’ as artists who have a “[...] gran facilidad para las obras de largo aliento [...]”.30 Santiago Vaca Guzman was aware of the aesthetic ideology of the magazine. In his irst contribution “Sentimiento estético”, he introduces the Sociedad Estímulo de Bellas Artes via an evolutionary map that unites the performative arts and the visual arts–as it were formulating an answer to the earlier criticism of “Una omisión censurada”. In general terms, Vaca Guzman advocated a more neutral relationship between the arts, emphasizing the notion of aesthetic sentiment that unites the arts, and situating the different arts’ historical origins in the same modern cultural movements of eighteenth-century France, where a new ield of scientiic, artistic and literary associations emerged. He illustrates his point of view with musical references such as the irst (partial) performance of Gluck’s opera Orphée and Eurydice in the salon of Abbé Morellet. Turning to Buenos Aires, he identiies a similar movement in the foundation of the Sociedad del Cuarteto and the Sociedad Estímulo de Bellas Artes. Both associations The magazine however failed to integrate Vaca Guzman’s discourse. A paradigmatic example is the editorial announcement of the publication of an engraving that reproduces a seascape by Alfredo Paris. Rather than a celebratory message, it is an apology, explaining how the initial objective was to include a photoengraving of the music instruments exhibition at the Universal Exhibition in Paris. Due to inancial dificulties, this project had been suspended. The article informs that there were still negotiations with photographers in Paris but to keep the readers from waiting for ‘the gift’, it had chosen to collaborate with an artist. For more details about the painting, the editorial refers to the Bellas Artes section, authored by Vaca Guzman. 214 215 Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878-1879) / Laurens Dhaenens Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Santiago Vaca Guzman comments upon the work. He positions it as an example of the incipient art movement, highlighting the importance of reproducing and disseminating art works but also lamenting the absence of an illustrated magazine: the opening of a small-scale exhibition organized in the music store of Hartmann, co-founder of the Sociedad del Cuarteto. Seemigly futile, the brief text that goes unsigned nonetheless stands out because it encompasses the ield of music, painting and to a lesser extent architecture. The art works on display were two photographic reproductions of paintings by Ferdinand Keller, representing scenes of Wagner’s Tannhäuser and Meyerbeer’s Le Prophète. The text gives a brief description of the image of Meyerbeer’s opera and praises the art works whose original location was the vestibule of the Munich Opera House. Le Prophète was programmed in the Colon Theatre in the same month. Numerous comments preceded and accompanied the performance, including the Bellas Artes note, whose real subject is not (just) the paintings but the opera. This is accomplished by discussing the art works mainly in function of the musical content even if their artistic quality is not really denied: “Recomendamos a los aicionados ir a ver estas fotografías, pues a más del interés que ofrece el asunto que representan, son, como hemos dicho antes, verdaderas obras de arte.”33 What is meant by ‘true art works’ is however not speciied.34 [...] sentimos que la falta de una publicación ilustrada en el país, prive a los aicionados é intelijentes de poder conocer con frecuencia sus bellas obras. Es posible que más tarde el progreso artístico venga a llenar esta necesidad, estimulando así a los jóvenes de talento y creando reputaciones que el sentimiento estético reclama para evidenciar el alto grado de nuestra cultura social.31 Juxtaposed to the editorial, Vaca Guzman’s critical comment becomes self-relective. Addressing the absence of an illustrative magazine, he questions the approach of La Gaceta Musical from within the magazine. At this point, the Gaceta’s objective of being “el órgano en la prensa argentina de todas las bellas artes” seems far away. The visual arts appear in a peripheral position. The reproduction was a temporary solution, deviating from their original intentions. This also returns is in the announcements. Rarely does the magazine announce an exhibition. Moreover, when there are concerts organized at the same venues of exhibitions, the musical event is publicized while the exhibition is but briely mentioned.32 However, the relationship between the magazine and the visual arts complicates when studying the Bellas Artes sections. As a general rule, it can be stated that the column stands isolated. Vaca Guzman’s words did not resonate outside the boundaries of the section. There are exceptions: anonymous texts published in the same section that deal with both the performative and the visual arts. In these short relections or informative notes, the nature of the perspective of the magazine towards painting shines through. A similar rhetoric is found in the publication of an engraving of a painting in October 1878. As in the Hartman store note, it concerns an artwork that as art work remains largely unaddressed. Yet, in this case, the visual reproduction of the work engenders a more complex word-image dialectic. The image shows a man on a horse, walking in a wide ield with a lock of sheep. The dominant element is not the presence of man and animals but a sky turning dark, expressing the advent of a storm. It is a traditional representation of the life of a gaucho in the pampas. In contrast with the magazine’s publication of the seascape by Alfredo Paris,35 there is no information about the art work but a few references, scattered over three issues: an announcement that speaks of an art work by a ‘distinguished artist (October 13), an apology that informs why the image is not included in the present number (October In the issue of June 16 1878, the Bellas Artes section describes 216 217 Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878-1879) / Laurens Dhaenens Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro 20) and the identiication of the art work as the image of Una Borrasca (A Thunderstorm) in the retrospective section of the inal issue of 1878 (October 27).36 a tone of Romanticist longing, the landscape and its musical poetics appear as an essential element of a national identity. Bringing this text and the image together, the magazine supports a similar reading of the dramatic concert in the pampas. Apart from these explicit clariications, it is the context of the page that provides more information. The artwork is surrounded by articles on the performative arts among which one text stands out: “Una tempestad, descrita bajo el punto de vista músico”. Published over three issues, the article “Una tempestad” begins in the issue that announces the engraving, is published in the one that should have included the engraving and inally joins the image in the issue of October 27.37 It is signed by the acronym P.M and focuses on one of the author’s peculiarities, i.e. that if he had to choose between listening to the most famous concert or to a thunderstorm in his homeland, he would prefer the latter. According to the writer, a thunderstorm is a concert of nature, a ‘musical drama’ in which natural elements plays the instrumental score and bell towers perform the vocals. For the author, no concert is more complete, no opera is better attuned, no score is better written because “el compositor de la tempestad es el Eterno [...] el autor de todas las inspiraciones melodicas”.38 The combination of the article and the engraving establishes a word-image relationship that implies on the one hand a musicalization of a scene in the pampas and on the other a visualisation of a musical interpretation of a natural phenomenon. The text projects upon the image an audible dimension of wind, thunder and rain, while the image connects the poetic narration with a storm in the pampas. This inter-artistic dynamic reinforces the idea that music is a natural phenomenon, an art form originating from the uncontrollable forces of nature. Moreover, through the emphasis on tradition, authenticity and the homeland, text and image conirm each other in their expression of a national sentiment, in spite of the different geographical horizon. The focus of the article is the writer’s town of birth, Reus (Spain). Described in 218 219 Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878-1879) / Laurens Dhaenens Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: artigos ás bellas-artes, se ellas não estivessem, como estão, ha alguns mezes, em profundo lethargo. Exposições nao as tem havido e as obras d’arte isoladas que por ahi têm apparecido, é nos estabelecimentos commerciaes que se têm exposto, em más condições de espaço e de luz.” C.A., “Quadros,” Revista Musical E de Bellas Artes, no. 27 (September 1880): 214. 9 The translation of Taine’s Philosophy was irst published between May 10 and September 6, 1869 in Las Bellas Arte. That same year, it was also published as a book. Hippolyte Taine, Filosofía Del Arte Por H. Taine, Lecciones Dadas En La Escuela de Bellas Artes de París. Traducida Por Pedro Lira (Santiago de Chile: Imprenta Chilena, 1869). 10 There does not yet exist a thorough study of the magazine. I am currently preparing an article on the ambitious encyclopaedic project of Las Bellas Artes that presented a series of important artists amongst which poets, painters, sculptors and musicians such as Bellini, Van Dyck, Ary Scheffer, Rubens, Titian, Paganini, Zurbaran, Gounod, José Riviera, Enrique Goltzius, Pietro da Cortona, Alexandre-François Desportes, Ricardo Wilson, Ludovico Ariosto. The most signiicant source for the visual artists was Fabraquer’s book Los pintores de antaño, published in Barcelona. In addition, the Biographie universelle ancienne et moderne by Michaud, the magazine Museo de las familias (Madrid) and Revista Barcelonesa, periódico propagandor appear as key sources. 1 For a general analysis of the ield of music, I refer to: Gerald Martin, “Literature, Music and the Visual Arts, 1870-1930,” in A Cultural History of Latin America, ed. Leslie Bethell (Cambridge: Cambridge University Press, 1998), 47–130. 2 Pedro Lira, “Las Bellas Artes En Chile,” Anales de La Universidad de Chile (Santiago de Chile, April 1866), 276. 3 S.n., “Las Bellas Artes,” Las Bellas Artes (Santiago de Chile, April 1869), 14. 11 Laura Malosetti Costa has studied the positivistic perspective in the editorial of El Arte en el Plata. Malosetti Costa, Los Primeros Modernos. Arte Y Sociedad En Buenos Aires a Fines Del Siglo XIX, 40– 43. In the case of the magazine Las Bellas Artes, Juan Jacobo Thompsom emphasizes the necessity to complement the ‘material’ progress of Chile with the moral development of the society. Juan Jacobo Thompson, “Prospecto,” Las Bellas Artes 1, no. 1 (April 1869): 1–2. 4 Rosangela De Jesus Silva, “Crítica de Arte Na Imprensa Carioca Do Século Xix:,” in III Encontro de História Da Arte - História Da Arte E Instituições Culturais: Perspectivas Em Debate, ed. Eliana Ribeiro Ambrosio et al. (Campinas: Centro de Historia da Arte e Arqueologia-UNICAMP, 2007), 601–9, http://www.unicamp.br/chaa/ eha/atas/2007/SILVA, Rosangela de Jesus.pdf; Alexandre Raicevich de Medeiros, “A Revista Musical E de Bellas Artes (1879-1880) E O Panorama Musical Do Rio de Janeiro No Fim Do Século XIX,” in Anais XVI Encontro Regional De História Da ANPUH-RIO: Saberes e Práticas Cieníicas, ed. Beatriz Kushnir et al. (Rio de Janeiro: ANPUH-RIO, 2014), http://www.encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1400451220_ ARQUIVO_textoanpuh2014.pdf. 12 S.n, “Revista Musical,” Revista Musical, no. 1 (1879): 1. The lack of a specialized art magazine is an issue that also returns in Juan Jacobo Thompon’s inaugural text Prospecto: “Hasta el presente se han hecho muchas publicaciones que se han concretado solo al cultivo de la literatura, unas pocas a tratar de ciertas ciencias i ninguna a ser el órgano del arte en jeneral.” Thompson, “Prospecto.” 5 Luis Merino Montero, “El Surgimiento de La Sociedad Orfeón Y El Periódico Las Bellas Artes: Su Contribución Al Desarrollo de La Actividad Musical Y de La Creación Musical Decimonónica En Chile,” Neuma 2, no. 11 (2009): 11– 43. 13 Gérard Genette, Paratexts, Thresholds of Interpretation (Cambridge: Cambridge University Press, 2001), 2. 6 For more information on El Arte en el Plata, see: María Isabel Baldasarre, “El Arte En El Plata, O El Fugaz Proyecto de Una Revista de Artes Plásticas En Buenos Aires de 1878,” in Leer Las Artes, ed. Inés Saavedra and Patricia M. Artundo (Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires, 2002), 23–37; Laura Malosetti Costa, Los Primeros Modernos. Arte Y Sociedad En Buenos Aires a Fines Del Siglo XIX (Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2001), 40– 43, 108–114. 14 Kathryn Ledbetter, Tennyson and Victorian Periodicals. Commodities in Context (Hampshire: Ashgate, 2007), 101. 7 I would like to thank Laura Malosetti Costa for informing me about this magazine. For a general study of the magazine, see: Anibal Enrique Cetrangolo, “La Gaceta Musical: De Un Teatro a Otro,” La Gaceta Musical, 2011, http://www.imla.it/dvd1/ data/es/presentazione.html. 17 The section ‘Bellas Artes’ was not new but appeared only sporadically. In 1877 there are two articles published under this banner. S.n., “Bellas Artes. Dos Artistas Sud-Americanos,” La Gaceta Musical, no. 16 (1877): 153; S.n., “Bellas Artes,” La Gaceta Musical 20 (1877): 155. 8 In the issue of September 27, 1880, it states: “Por muito que nos tenham distrahido os assumptos musicaes, nem por isso deixaríamos de consagrar alguns 220 221 15 Julio Nuñez, “Bellas Artes,” La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878), 3. 16 Julio Nuñez, “Un Año Mas!,” La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1879), 2. 18 Between May 22, 1881 and May 14, 1882 there was no emblem. From May 14, two decorative harps adorn the front page. Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878-1879) / Laurens Dhaenens Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Bottesini in the shop window of the music store Rodriguez y Ca. The drawing was commissioned by members of ‘Stella de Italia’. The brief text also mentions another art work, made by Carlo Truchi but does not give any more information. La Gaceta Musical, no. 23 (1878): 180. 19 Malosetti Costa, Los Primeros Modernos. Arte Y Sociedad En Buenos Aires a Fines Del Siglo XIX, 162–176. 20 S.n., “Una Omisión Censurada,” La Gaceta Musical, no. 26 (1877): 202. 35 The magazine only published two engravings. The irst one appeared in the issue of August 11 and was metioned in Vaca Guzman’s text. Vaca Guzman, “Estudios Del Natural,” 115. 21 The author cites a wide range of writers and thinkers. The constellation and formulation is very similar to Felipe Pedrell’s deinition of music, published in his book Diccionario técnico de la música. It is beyond doubt that this text lies at the basis of the article. Felipe Pedrell, Diccionario Técnico de La Música (Barcelona: Isidro Torres Oriol, 1897), 299. 22 36 S.n., “Ecos Locales,” La Gaceta Musical 24 (1878): 187; S.n., “Ecos Locales,” La Gaceta Musical, no. 25 (1878): 195; Julio Nuñez, “Despedida,” La Gaceta Musical, no. 26 (1878): 201. S.n., “Notable Artículo,” La Gaceta Musical, no. 1 (1878): 10. 37 P.M., “Una Tempestad I,” La Gaceta Musical, no. 24 (1878): 186; P.M., “Una Tempestad II,” La Gaceta Musical, no. 15 (1878): 194; P.M., “Una Tempestad III,” La Gaceta Musical, no. 26 (1878): 202. 23 Julio Nuñez and Adolfo Van Gelderen, “La Gaceta Musical. Semanario Musical Y Literario,” La Gaceta Musical, no. 1 (1874): n.p. 24 C. A. y A., “La Ópera,” La Gaceta Musical, no. 9 (1878): 65–66; C. A. y A., “La Ópera,” La Gaceta Musical, no. 10 (1878): 73–74; C. A. y A., “La Ópera,” La Gaceta Musical, no. 12 (1878): 89–90. Citation: p. 73. 38 P.M., “Una Tempestad II,” 202. 25 The author irst recognizes the relationship between poetry and music: “La poesía y la música se ha dicho mil veces que son hermanas. En efecto, para escribir buenos versos y para componer buenas melodias es menester estar igualmente dominados por ese eluvio divino que es la inspiración. En su origen, en su forma, en su esencia es indiscutible esa aserción; en la espresión diieren un tanto.” S.n., “La Música, Apreciaciones de Un Crítico Acerca Del Bello Arte de Los Sonidos,” La Gaceta Musical, no. 26 (1878): 202. 26 Santiago Vaca Guzman, “Sentimiento Estético,” La Gaceta Musical (Buenos Aires, May 1878), 11. 27 Santiago Vaca Guzman, “Academia Argentina, Estudios Del Natural,” La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878), 27–28; Santiago Vaca Guzman, “El Pampa,” La Gaceta Musical, no. 10 (1878): 75; Santiago Vaca Guzman, “Estudios Del Natural,” La Gaceta Musical, no. 15 (1878): 90. 28 Vaca Guzman, “El Pampa,” 75. 29 Vaca Guzman, “El Pampa,” 75. 30 Vaca Guzman, “Estudios Del Natural,” 90. 31 115. S.n., “A Nuestro Favorecedores. Un Regalo,” La Gaceta Musical, no. 15 (1878): 32 For example, the exhibition of Juan Manuel Blanes at the salons of Fusoni is mentioned but in the context of a musical event. La Gaceta Musical, no. 17 (1878): 132. 33 S.n., “Dos Fotografías,” La Gaceta Musical, no. 7 (1878): 51. 34 Another example of the relationship between the ield of music and the visual arts is the announcement of the exposition of a portrait of the composer Giovanni 222 223 Laurens Dhaenens PhD student and Research Fellow Flanders Research Foundation-FWO; Catholic University of Leuven. Ensino Artístico na Corte Portuguesa do Rio de Janeiro: A escolha entre os modelos francês e italiano 224 225 Michela Degortes & Maria João Neto Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro: A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano / Michela Degortes & Maria João Neto Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro O Ensino Artístico em Roma A marcar signiicativamente o processo de estruturação da didática artística surge a Academia Portuguesa de Belas Artes fundada em Roma em 1791 pelo ministro plenipotenciário Alexandre Sousa Holstein (1751-1803), calcando o exemplo da Academia de França. A instituição, dirigida pelo crítico de arte italiano Giovanni Gherardo De Rossi (1754-1827), cumpria com as tendências metodológicas contemporâneas em matéria de ensino artístico. O projeto enquadrava-se no seguimento de um programa de artistas pensionados promovido pelo Intendente e Provedor da Casa Pia, Pina Manique (1733-1805), com o objectivo de tornar Portugal num país moderno, independente e desenvolvido no campo da indústria. Assim como no caso da Escola de Ciências, Artes e Ofícios da capital carioca, a iniciativa acarretava o objectivo de modernizar o país, soltando-o da dependência de outras nações europeias. Se a prioridade de Pina Manique era ter bons artistas nacionaes, com predileção para gravadores e abridores de cunho1, o Conde da Barca (17541817) queria encorajar o desenvolvimento dos ofícios mecânicos promovendo “uma escola de vários ofícios, mais próxima do espírito enciclopédico, que uma academia exclusivamente dedicada às belas artes, como era o ideal de Debret à imagem francesa” (LAGO, 2013, 44). Nesse sentido, existe uma continuidade entre as razões que motivaram os promotores das duas instituições, embora ambas as iguras nada tivessem em comum. Aliás, um conlito entre os dois deu-se precisamente no desfecho da Academia Portuguesa de Roma (DEGORTES, no prelo), opondo-se Azevedo, então ministro dos Negócios Estrangeiros, à última determinação do Intendente a esse respeito - vender o recheio com a toda a gipsoteca e fechar a sua sede, ainda ocupada por De Rossi - que Pedro Sousa Holtein (1781-1850), encarregado da corte na sede papal, se recusara cumprir. Com a criação da Escola de Ciências Artes e Ofícios implementavase o ensino artístico, pela primeira vez devidamente estruturado, em território português e “o que fora impossível de fazer em Lisboa ao longo dos esforços atrabiliários dos Governos de D. Maria I e do Regente, realizou-se então no Rio” (FRANÇA, 1967, vol.I, 199). O estabelecimento desta instituição representa portanto um momento chave na sistematização do ensino e no desenvolvimento das belas artes, enquanto na metrópole a educação artística se cumpria no contexto fragmentário das diversas aulas de desenho, escultura, arquitetura e gravura, perpetrando-se o atraso perante o meio europeu (LISBOA, 2007, 438). Todavia, nesse quadro é preciso ter em conta as iniciativas de estabelecer, ao longo de Setecentos e em meados de Oitocentos, uma academia de belas artes em Roma, centro cosmopolita da cultura artística europeia. Importa debruçarmo-nos sobre a história das instituições artísticas que até então se tentaram implantar em Itália, não apenas para enquadrar a fundação de uma academia no Brasil no contexto das políticas régias nessa matéria, mas também porque algumas dessas iniciativas contaram com a participação do próprio conde da Barca e do marquês de Marialva, exímios promotores da Missão Francesa. Assim, a veriicação das suas atitudes nesse sentido, bem como das determinações régias, poderá ser enquadrada no debate sobre a fundação da Escola carioca. A determinação de Azevedo não impediu a extinção da academia em 1805, mas a sua existência reforçou as relações artísticas de Portugal no meio artístico da Roma cosmopolita, 226 227 Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro: A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano / Michela Degortes & Maria João Neto Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro proporcionando uma formação “italiana” aos alunos lusitanos, especialmente graças à igura do diretor De Rossi, que se manteve próximo da legação portuguesa até 1827. Este, além de crítico e coleccionador de arte, gozava de certo poder político, chegando a ser nomeado ministro das inanças da República Romana em 17982 e, no mesmo ano, a presidir a comissão de expertos, - análoga à francesa Commision de Monuments - formada no intuito de redigir uma lista de obras de arte, objetos cientíicos, manuscritos e livros que iriam ser incorporados no Museu Vaticano após a alienação do património eclesiástico. (RACIOPPI, 2015). O círculo erudito das suas amizades contava, entre outros, com Antonio Canova, sendo essa intimidade determinante nas negociações da encomenda que o escultor aceitara realizar para a corte portuguesa em 1805, episódio mediado pelo futuro conde da Barca (NETO, 2014). Granjeado com o hábito de São Tiago e beneiciário de uma pensão régia, De Rossi3 soube manter viva a amizade estabelecida com Alexandre e Pedro Sousa Holstein, mesmo depois da morte do primeiro e do regresso a Portugal do segundo. Continuou, sempre a assessorar os diplomatas portugueses em Roma - onde em 1817 conheceu o marquês de Marialva - usando a sua inluência quando fosse preciso, também na expectativa de recuperar o prestigiado papel de diretor caso a academia fosse restabelecida. em conjunto com De Rossi, no intuito de ver restabelecida a instituição extinta no ano anterior: Todas as outras Academias de Bellas Artes das nações de Europa em Roma, passado o perigo da revolução de França, continuaram como d’antes, a sua marcha nos seus estudos, porem à de Portugal não succedeu o mesmo (…) e icou também Portugal sendo talvez a unica Nação da Europa que não tenha aqui hum estabelecimento onde virem aperfeiçoarse os seus alunnos no estudo das Bellas Artes.6 O texto resumia as etapas e os progressos alcançados nessa academia até aos dias correntes, comparando-a ainda com o exemplo da mais antiga instituição joanina.7 Insistia-se especialmente sobre dois pontos: a ligação direta entre o desenvolvimento da arte e o progresso do estado, atendendo à linha de ação intentada por Pina Manique, e a ideia que a perfeição no estudo artístico apenas se podia alcançar em Roma, por ali ser possível o confronto constante entre artistas de todas as nacionalidades no âmbito da arte contemporânea, bem como o contato visual com as obras da arte clássica e renascentista: Vossa Excellência conhece melhor do que eu a intimidade e conecção que tem o estudo das Bellas Artes com a prosperidade Nacional e portanto não planeio dizer nada a este respeito; sendo por outra parte certo que fora d’este clima não se podem jamais levar à sua perfeição, ou seja em razão dos antigos monumentos que aqui existem, ou dos assignalados Professores e Artistas que tem havido e ha sempre em Roma8. De facto, o novo encarregado de negócios português em Roma, José Manuel Pinto de Sousa4 parecia querer perpetrar a linha de ação inaugurada por Alexandre Sousa Holstein e seguida pelo ilho deste, Pedro, futuro conde e duque de Palmela: sensibilizar a corte em relação à importância de manter uma instituição de ensino artístico em Roma, não apenas para implementar o desenvolvimento das artes e o progresso do país, como também para manter Portugal a par das outras potências europeias. Destaca-se a proposta de sustentar as despesas da academia através das pensões ex-jesuíticas, e limitando alguns privilégios concedidos aos eclesiásticos: Assim, em Março de 1806 Pinto enviava para António Araújo de Azevedo uma extensa Memória sobre a Academia5, escrita Monasticos e alguns Prelados Ecclesiasticos para terem os privilegios episcopaes e outro caprichos desta natureza, 228 229 Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro: A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano / Michela Degortes & Maria João Neto Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro então afetados pela penúria de encomendas. Assim referia uma carta de José Manuel Pinto em 1808: podem e devem ter uma taxa aplicada para este estabelecimento, já que fazendo como fazem sahiem do Reino inutilmente sommas consideraveis de dinheiro em prejuizo do Publico, possa ao menos o mesmo Publico ter compensação em parte por este modo9. Nesta Cidade se acham alguns Artistas que teriâo grande satisfação de poder andar ao Brasil para lá exercitar os diversos ramos das Bellas Artes, que professão, se tivessem a certeza de ser protegidos pela Corte. No cazo que V.E. julgue que cumpre ao Bem pubblico que elles partão se dignará participar-mo, porque será mais facil rezolve-los a esta viagem. A falta da concurrença dos Estrangeiros em Roma, que as circunstancias actuães alimentão cada vez mais, faz que não tenhão sahia os objetos das bellas Artes, e que os Artistas por consequência não tenhão a subsistência, nem possão continuar nos seus trabalhos; e portanto he mui fácil na presente occazião fazer esta acquizição que talvez em diversas circunstâncias seria mui dificil e dispendioza12. Finalmente, abordava-se a questão da admissão dos alunos na academia, propondo que estes fossem escolhidos com base no mérito e talento, avaliados em concursos públicos segundo o modelo francês do Grand Prix de Rome. Quanto ao número dos pensionados, entendia-se que: No ultimo estado da Academia erão dez os pensionados, porem bastaria talvez para Portugal, em attenção as circumstancias actuais do nosso Pais, que houvessem dois Pintores, dois Architectos, hum Sculptor, hum Gravador, que fairão o numero de seis pensionados que se podariam manter com huma despeza discreta e muito moderada10. A questão levantada por Pinto mantinha-se por enquanto num nível de sugestão, vislumbrando a oportunidade de se poderem contratar em Roma artistas carenciados de encomendas e eventualmente desejosos de tentar novos mercados. Muito provavelmente, se a ideia tivesse despertado o interesse da corte, seria redigido um plano pormenorizado, contando com as inluências de De Rossi no meio artístico romano para a escolha e contratação dos artistas. Várias razões podem alegar-se para a proposta não ter sido tomada em consideração, primeira de todas o facto que a corte recém-estabelecida na capital carioca enfrentaria na altura assuntos urgentes de ordem política e administrativa; o afastamento de António de Araújo de Azevedo da liderança do governo também terá contribuído para que a ideia caísse no vazio. A proposta terá sido aprovada pelo futuro conde da Barca, que em março de 1807 ainda assegurava o seu patrocínio: “em quanto ao restabelecimento da Academia das Bellas Artes nesta Cidade, não me descuidei d’elle, e pode segurar a V.S. que este negocio està quase concluido, brevemente espero escrever sobre elle a V.S. deinitivamente.11” As invasões francesas em Portugal e a partida da Corte para o Brasil vinham alterar profundamente a isionomia do país, e assuntos mais urgentes deixaram de lado a questão da academia. No entanto, os diplomatas lusitanos sediados em Roma não podiam deixar de se confrontar com o “estado das Bellas Artes” por estas constituírem o principal suporte económico da Cidade Eterna. Aos seus olhos era claro que a precariedade do mercado da arte romano, fortemente abalado pelos espólios e destruições causados pelas tropas napoleónicas em Itália, podia facilitar a aquisição de obras de arte contemporâneas, bem como o recrutamento de artistas As circunstâncias já eram outras, em 1815, quando Joaquim Lebreton (1760-1819) avançou com o seu detalhado projeto, atendendo a objectivos ponderados e mais pertinentes com a situação do Brasil. O debate sobre o desenvolvimento das 230 231 Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro: A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano / Michela Degortes & Maria João Neto Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro colónias americanas era assunto “quente” na Europa, também graças à inspiradora obra de Alexander Von Humboldt (17691859), igura entre as mais admiradas e inluente no meio cientiico contemporâneo. O caso bem-sucedido da Academia de los Nobles Artes fundada no México em 1783, relatado no Essay politique sur le royame de la nouvelle Espagne13, constituía a sólida base do pragmático plano de Lebreton (DIAS, 2006), indo ao encontro das necessidades da nova capital do Reino Unido. No ano seguinte, o mesmo ministro enviava à Corte um segundo projeto para o restabelecimento da academia portuguesa em Roma, relembrando que a mesma proposta tinha sido acolhida favoravelmente pelo Conde da Barca dez anos antes. Cópias da mesma carta, enviada oicialmente ao ministro João Paulo Bezerra e Seixas (1756-1817), foram enviadas ao embaixador em Paris marquês de Marialva (1775-1823) e a Pedro Sousa Holstein, entretanto nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros. Do conde de Palmela esperava-se apoio incondicional a favor da iniciativa: além de ter promovido no passado a academia fundada pelo pai, o diplomata conhecia bem o ambiente brilhante e cosmopolita de Roma, o qual lhe despertara o amor pelas belas artes.15 Quanto ao reinado Marquês de Marialva, este encontrava-se em Roma na altura em que o projeto da academia foi redigido; o diplomata acabava de ver concluída com sucesso a sua embaixada em Viena onde se celebrara, em maio de 1817 e por procuração, o casamento entre o príncipe D. Pedro de Alcântara e a arquiduquesa Maria Leopoldina de Áustria. Depois de acompanhar a Princesa a Livorno, onde a esperava o navio direto ao Brasil, Marialva aproveitou para viajar pelo sul de Itália, visitando, entre outras cidades, Pompeia e Nápoles, e chegando mais tarde a Roma onde se deteve durante o mês de Outubro. A sua presença junto da legação portuguesa seria provavelmente inspiradora para o diplomata Manuel Pinto, e não é de excluir que este tenha sido encorajado por Marialva na ideia de apresentar um novo projeto para o restabelecimento da academia de Roma, visto o sucesso da recém criada Escola de Ciências Artes e Ofícios na capital carioca. Daí uma cópia do projeto ser-lhe mais tarde remetida para Paris16. Projeto de uma Nova Academia em Roma Depois de um longo período de instabilidade social, política e económica, Roma acolhia o regresso de Pio VII em 1814, após cinco anos de exílio forçado, iniciando-se todas as diligências necessárias com vista a devolver a estabilidade na sede papal. Uma das primeiras medidas consistiu na reclamação, através de Antonio Canova, da restituição das obras de arte levadas pelos franceses, o que muito nos diz sobre o valor de cariz simbólico, identitário e mesmo económico atribuído a esses monumentos. A questão ocupa um longo parágrafo do ofício dirigido em 1816 por Manuel Pinto ao Marquês de Aguiar, onde é relatado o regresso à normalidade na sociedade romana: Teve este governo huma grande vantagem com (…) a restituição de todos os Monumentos de Bellas Artes, que tinham sido transportados a Paris, e pertenciam a esta capital, os quaes alem de serem muitos em numero, e de precioso valor, são alem d’isso huma surgente de riquezas para este Estado pelo numero grande de estrangeiros, que atrahe a Roma a curiozidade de ver estes preciosos monumentos. As Bellas Artes que he a segunda surgente de riqueza Nacional em hum Paiz, em que falta o commercio, e a industria em outros ramos, vão também agora resuscitando, porque os Artistas tem já alguns compradores das suas obras (…)14 A nova proposta acrescentava detalhes à memória redigida com De Rossi, em 1806, baseando-se mais uma vez no exemplo de outras instituições presentes em Roma, mas também recorrendo à legislação italiana em matéria de ensino artístico, nomeadamente, o Regolamento Disciplinale per l’esecuzione del Reale Decreto del15 Agosto 1812. 232 233 Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro: A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano / Michela Degortes & Maria João Neto Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 1: Gregório Francisco Queiroz, Ill.mo Ex.mo Senhor António Figura 2: Charles Simon Pradier, D. Pedro Menezes Marquez de Araújo de Azevedo, 1804, gravura: água - forte e buril. Biblioteca Nacional de Portugal. E.151.V © BNP. Marialva, 1819, gravura: água - forte e buril. Biblioteca Nacional de 234 235 Portugal. E.147 .V © BNP. Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro: A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano / Michela Degortes & Maria João Neto Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro periódicos das academias romanas. Ao expor as vantagens e os defeitos de um ou de outro sistema, o diplomata considera que o modelo corporativo, ao manter os alunos juntos na mesma sede e sob o controlo de um diretor, seria talvez limitativo da sua criatividade artística, obrigando-os “a seguir o mesmo gosto e o plano de estudos, ao mesmo tempo que convem deixar aos talentos a estrada branca, e aberta para seguirem novos veredos, que a sua imaginação e talento possa descobrir.” No entanto, a eventual falta de regras e disciplina do modelo livre podia levar os alunos a “entregar-se a paixões viciosas, e n’ellas empregar o tempo necessario para os estudos.” A solução proposta seria uma via de equilíbrio entre os dois modelos, delegando a responsabilidade a um diretor18 O Artigo Um desse decreto debruça-se sobre os critérios a empregar na escolha dos alunos que, vindos de outras academias italianas, desejassem aperfeiçoar-se em Roma nos cursos de Pintura, Escultura e Arquitetura, deinindo detalhadamente as provas de exame a enfrentar para conseguirem a admissão; para o efeito impunha-se uma idade inferior a 26 anos. Atendendo as mesmas regras, e considerando também o sistema francês que admitia apenas os alunos que conseguissem ganhar o prestigiado Grand Prix de Rome, Pinto considerava o critério de escolha dos alunos um elemento fundamental: (...) se deve com o maior cuidado acutelar que os Alumnos que foram designados para vir a Roma não sejam principiantes nas Artes, mas tenham já dado algumas mostras de talento distinto a este respeito, porque de outro modo se faria huma despeza inutil, e não se recolheriam as vantagens, que se esperam d’este novo Estabelecimento da Real Muniicencia. Os Alunnos de França vem a Roma como premio dos progressos que ja tem feito nas Artes; e os Alunnos, que o Reino Italiano mandava de Milão a Roma a estudar as Bellas Artes, eram escrupolosamente escolhidos, e era necessario que presentemente dessem provas do seu talento (…)17 que vigie sobre os estudos e progressos dos moços estudantes e aprendisatas das Bellas Artes, e deve ser ou hum homen intendido e conhecedor das Bellas Artes, ou hum Artista que deve porem deixar a liberdade a estes alumnos de seguirem a sua imaginação e talento natural, a visita dos monumentos e Mestres que consultarem nesta capital19 e ao ministro plenipotenciário, responsável pela suspensão das pensões aos alunos que não cumprissem com os resultados esperados. No que diz respeito aos modelos pedagógicos a adotar, o diplomata volta a considerar o exemplo das outras escolas europeias, distinguindo entre modelos corporativo e livre; o primeiro, adotado pela prestigiada Academia de França, impunha que os alunos vivessem “unidos em huma caza, constituindo huma corporação, comendo juntos, e trabalhando debaixo da inspecção de hum Director, que os governa e dirige nos seus estudos”. O modelo livre dizia respeito aos programas de pensionados adoptados por outros estados; nesse caso, os alunos contavam com os diplomatas como referentes, tanto no apoio in loco para o alojamento e as despesas, como para o envio de provas dos próprios progressos às respetivas cortes, e inclusive, para participarem nos prestigiados concursos Finalmente, estabelecia-se o número de nove alunos e os seus respetivos ordenados: Dois Arquitectos com o ordenado de 400 Escudos d’Hespanha cada hum (...) Dois Pintores de Historia com o ordenado de 400 Escudos d’Hespanha cada hum (...) Hum Pintor de Paizes com ordenado de 300 Escudos d’Hespanha cada hum (...) Dois Esculptores com o ordenado de 400 Escudos d’Hespanha cada hum (...) Hum Abridor com ordenado de 300 Escudos d’Hespanha cada hum (...) 236 237 Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro: A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano / Michela Degortes & Maria João Neto Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Hum Abridor de Cameu com ordenado de 300 Escudos d’Hespanha cada hum (...)20 em Roma, que bem dirigidos aqui fossem depois propagar em Portugal e no Brasil o fructo dos seus trabalhos.21 A disparidade entre ordenados justiicava-se considerando que as despesas seriam mais avultadas para arquitetos e escultores devido ao tipo de materiais a adquirir, e para os pintores de história devido à necessidade de pagar os modelos. “Roma encanta-me”, escrevia o marquês na mesma carta, enfatizando o entusiasmo despertado pela visita à sede papal, que sabia partilhado por Pedro Holstein: “tu conheces Roma, conheces quais seijão as vantagens que as Bellas Artes procurerão ao fazer que ellas prosperão e por consequência não podes deixar de ser, no lugar que vai ocupar, o patrono deste Negócio” , e ainda insistia: “A ocasião não pode ser melhor22.” O processo de avaliação do progresso dos alunos passaria pelo envio à corte dos seus ensaios, seguindo o método da Academia Portuguesa, pelo que se enfatizava a possibilidade de “ir formando huma Galleria dos diversos trabalhos dos Alumnos Portugueses, que não deixa de compensar huma parte da despeza qua a Corte fará com elles.” A questão de uma galeria, outrora já vislumbrada por Pina Manique (VALENTE, 1950, 253), reveste-se de grande importância no contexto das consequências que teria tido essa iniciativa sobre a arte no Brasil; a presença dos trabalhos dos alunos, nomeadamente das cópias pictóricas dos grandes mestres, teria certamente contribuído para colmatar a escassez de obras desse genro, difundindo a iconograia de obras clássicas e renascentistas existentes em Roma, promovendo a sua cultura estética e igurativa. Vislumbrava-se a possibilidade de se criar em Roma uma nova academia cuja didática se articulasse com a congénere do outro lado do Atlântico. Desse modo, a Escola carioca, mais pragmática nos seus objetivos e liderada pelos artistas franceses, e a prestigiada Academia romana, sediada no berço da cultura neoclássica a competir com as outras instituições europeias, iriam constituir o canal para a passagem de artistas, saberes, obras e cânones estéticos entre Itália, Portugal e Brasil. Contudo, mais uma vez, a concretização do projeto sofria com a conjuntura histórica desfavorável; o conde de Palmela, contrário à permanência da corte no Brasil, deter-se-ia na Europa, incumbido de resolver delicadas questões diplomáticas23— juntando-se à corte somente três anos mais tarde para apresentar de imediato a sua demissão; do outro lado do Atlântico, o conde da Barca tinha falecido havia poucos meses e a ausência desse brilhante promotor, inluente junto do rei, concorreu certamente para o desfecho negativo da iniciativa24. Nos anos seguintes, já depois do regresso de D. João VI à metrópole e da independência do Brasil, a questão da Academia em Roma mantinha-se. Em 1823, o encarregado de negócios Carlos Maria Pereira referia ter “há tempos pricipiado hum Projecto para ser renovada a Academia de Bellas Artes de Portugal em Roma, muito differente d’aqueles que os meus antedecessores em diversas epocas remetterão para a Corte Este plano ambicioso terá merecido a consideração do Marquês de Marialva — presente em Roma após a missão de Viena — que resolvia procurar o apoio do Conde de Palmela, recém-nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros: Meu querido amigo, agora que venho de saber com certeza que estas nomeado para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, repito os parabens que já antes te dera (…). Como tu sabes, tenho inclinações para as Bellas Artes, não estranharás que eu seja aprovador dellas, quanto ao seu restabelecimento na nossa terra. Todas as cortes d’Europa tem pensionários nesta para se aplicarem às Artes do Desenho, e so a nossa não cuida nisso. Será pois huma obra digna de Nosso Amo, digna de ti, o estabelecimento de pensionários 238 239 Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro: A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano / Michela Degortes & Maria João Neto Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro (..)25”. Contudo, esta não mais seria restabelecida, continuando a existir o luxo de artistas pensionários, coniados pelo conde de Palmela ao antigo diretor De Rossi26. seus nomes, como vimos, inscrevem-se na trama que constitui a história das instituições de ensino. Nesse sentido, referimos os laços e a interação entre o conde da Barca, o marquês de Marialva e o conde de Palmela, em episódios ligados à implementação de um moderno ensino artístico. Numa comparação entre os modus operandi que apontaram para o estabelecimento das academias romanas e da Escola carioca, estes perfazem o mesmo esquema, baseando-se na escolha de um referente no meio artístico e cultural, coerente com as exigências — De Rossi em Roma, Lebreton em Paris — e no apoio indispensável da rede diplomática30. O desfecho dessas iniciativas esteve ligado à sucessão dos eventos políticos e às mudanças económicas, culturais e sociais que contribuíram para alterar a isionomia da Europa e o contexto geopolítico mundial; nesse âmbito, enquadra-se a fundação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, contrariando a tendência das colónias espanholas, cuja independência prospetava a “formação de um bloco continental do outro lado do Atlântico hostil à tutela europeia” (SERRÃO, 1984, vol. VI, 114). O Conde da Barca soube aproveitar a conjuntura histórico-política favorável à deinição da identidade do novo Reino Unido, cuja fundação tinha impulsionado; essa identidade estava ligada ao progresso das artes, indispensável ao desenvolvimento da indústria e meio imprescindível para a modernização do Brasil. Neste contexto, enquadra-se a vinda da missão francesa e o projeto de Lebreton, cuja modernidade perfazia os objetivos do conde da Barca, reletindo a sua “visão governativa e cultural” (FRANÇA, 1967, vol. I, 202). Conclusões Ao considerar a introdução de artistas e modelos de ensino no Brasil cabe-nos ainda mencionar a presença do antigo pensionário da Academia Portuguesa de Roma Manuel Dias de Oliveira27, artista modesto que acabou por reger uma Aula Publica de Desenho e Figura criada por carta régia a 20 de Novembro de 1800, a primeira instituição de ensino artístico criada no Rio de Janeiro, recebendo o título de Professor régio de Desenho e Figura e permanecendo o único na colónia até 1812. (TELLES, 2014,151) A criação dessa aula não deixa de ser sinal de uma política régia positiva para com a implementação do ensino artístico no Brasil, tendo-se naturalmente reforçado após a criação do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves e da nova capital no Rio de Janeiro. Essa atitude da corte portuguesa não é de descurar, apesar de a historiograia ter tido tendência a minimizar os papeis de D. João VI e D. Carlota Joaquina nesse sentido, assim como os relatos da literatura coeva — veja-se o caso do diário de Laura Permon—28 terem evidenciado maioritariamente os aspetos negativos dos regentes. Nesse registo, entre os sinais positivos na atitude dos regentes perante as belas artes, assinala-se o caso da infanta D. Maria Isabel enquanto rainha de Espanha29 na fundação do Museu del Prado, que deixa transparecer uma sensibilidade apurada para a valorização e salvaguarda do património artístico. Contudo, no que toca ao desenvolvimento das belas artes e à sistematização do seu ensino, é indiscutível o papel de promotores iluminados, dotados de apurado sentido crítico e meios de comparação com o contexto europeu, e por esse motivo, capazes de inluenciar a corte. Estas iguras cruzaramse no caminho da implementação da didáctica artística, e os 240 241 Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro: A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano / Michela Degortes & Maria João Neto Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 3: Charles Simon Pradier, D. Pedro Sousa Holstein Marquês de Palmela, entre 1823 e 1830, gravura: água - forte e ponteado. Biblioteca Nacional de Portugal. E. 2235 .V © BNP. 242 243 Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro: A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano / Michela Degortes & Maria João Neto Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: 1 Em carta ao ministro em Londres João de Almeida, Pina Manique queixavase da “falta de Abridores de Cunhos na nossa Caza da Moeda” e pedia ao diplomata o apoio à formação do gravador José Antonio Vale. (VALENTE, 1950, 262) 2 A legação portuguesa terá beneiciou da autoridade de De Rossi em várias ocasiões; uma delas foi a remessa para Lisboa do monumento a D. Maria I enviado para Portugal num momento em que não era fácil obter a licença de exportação, devido às imensas perdas de obras de arte que a cidade tinha sofrido com as invasões francesas. Michela Degortes é doutoranda em História da Arte na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigadora integrada no ARTIS - Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Licenciou-se em Arquitectura pela Universitá degli Studi di Firenze e foi bolseira em Investigação em Cultura Portuguesa e Lusófona na Fundação Calouste Gulbenkian. A sua investigação enquadrase no âmbito do estudo do ensino artístico e do mercado da arte, com enfoque nas relações entre Portugal e Itália entre o inal de Setecentos e meados de Oitocentos, nomeadamente, no caso da Academia Portuguesa de Belas Artes em Roma e na igura do seu diretor Giovanni Gherardo De Rossi. 3 1812. De Rossi foi também membro correspondente do Institut de France desde 4 José Manuel Pinto de Sousa foi ministro em Roma de 1805 a 1818. 5 Archivio da Embaixada Portuguesa na Santa Sé (AEPSS), Lv.16, f.125 a f.131. Para a transcrição integral deste texto, já reproduzido em BRAZAO, 1977, veja-se MENDONÇA, 2014, 424 6 Maria João Neto é Professora Associada com Agregação de História da Arte e investigadora integrada do ARTIS - Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Licenciou-se em História da Arte na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1985. Concluiu o Mestrado, na mesma Faculdade, em 1990, com a apresentação de uma tese sobre O Restauro do Mosteiro de Santa Maria da Vitória de 1840 a 1900. Doutorou-se em 1996 com uma tese intitulada A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e a Intervenção no Património Arquitectónico em Portugal (1929-1960). É vice-diretora do ARTIS - Instituto de História da Arte, responsável pelo grupo Patrimonium e diretora do curso de Mestrado em Arte, Património e Teoria do Restauro. Idem, f.129. 7 A propósito desta academia, fundada por D. João V em 1718, Pinto especiica que “No Cartorio desta Legação não existe Documento algum relativo a este assumpto” (Lv. 16, f.126), airmação que conirma a escassez de documentação a esse respeito. Duma carta de 1728 de Nicolas Vleughels, então diretor da Academie de France, depreende-se que já nessa época não havia vestígios dessa escola: “Il n’y a plus ici aucun vestige de l’Academie de Portugal; tout a disparu, et les directeurs et les élèves.” (DELAFORCE, 2002, 345) 8 MENDONÇA, 2014, 424 9 Idem. 10 Idem. 11 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), Cx. 835, Of.74. 244 245 12 ANTT, MNE, Cx. 834, Of. Nº2, Carta de José Manuel Pinto de Sousa de 3 de Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro: A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano / Michela Degortes & Maria João Neto Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Maio de 1808; a carta é transcrita parcialmente em NETO, 2014, 59 13 27 Temos alguma dúvida quanto à suposta aprendizagem deste pintor no atelier de Pompeo Batoni (1708-1787), da qual o artista se gabava; além da falta de documentação que o conirme, supostamente Manuel Dias viajou para Roma em 1788 no mesmo grupo de artistas que contava com Domingos Sequeira, pelo que à sua chegada na capital, Batoni já teria falecido. Os alunos portugueses frequentariam inicialmente as aulas de pintura de Pietro Labruzzi, enquanto Sequeira entraria no atelier de Domenico Corvi, considerado pela crítica contemporânea o antagonista de Batoni. Taborda e Sequeira frequentaram também o atelier de Antonio Cavallucci. Publicado em Paris em 1811. 14 “Ideia geral do estado politico, em que se acha actualmente a Peninsula Italica” dirigida ao Marquês de Aguiar por José Manoel Pinto de Sousa, 8 de março de 1816, apud NETO, 2014, 60 15 “Outra excitação resultava para mim da frequência dos alunos da Academia Portuguesa de Belas Artes, instituída em Roma pelo meu pai, a qual infelizmente (…) se extinguiu, por descuido e abandono do nosso Governo. Estas primeiras impressões foram tão profundas que nunca mais se apagou em mim a paixão que elas despertaram para o estudo da Antiguidade e cultura das belas-artes” (BONIFACIO, 2010, 89) 28 29 O casamento de D. Maria Isabel com Fernando VII, bem como o da irmã D. Maria Francisca com Carlos de Bourbon, devem-se à determinação da rainha D. Carlota Joaquina em reforçar as relações entre Espanha e Portugal. 30 No que diz respeito ao apoio da rede diplomática, a investigação levada a cabo por Patricia Delayti Telles tem destacado o papel de Francisco Maria Brito nas circunstâncias que levaram a Missão Francesa a embarcar para o Brasil em 1816, demonstrando a inexistência de um convite real. Agradecemos à autora por disponibilizar o conteúdo do seu artigo “Uma carta inédita do cavaleiro Brito e a criação do mito de uma “missão” francesa”, em “Histórias da Escola de Belas Artes”, organizado por Sónia Gomes Pereira, Marize Malta e Ana Maria Tavares Cavalcanti, Rio de Janeiro: PPGAV-EBA-UFRJ-Editora Nau, atualmente no prelo. 16 O envio do projeto é conirmado nas notas de expedições da Legação portuguesa em Roma. AEPSS, Lv.21 “Notas de Expedições feitas de Novembro de 1814 a Outubro de 1819”, f.39: “al dí 19 col corriere Luigi Palyart spedito a Parigi al Marchese di Marialva é stato mandato: ofizi 72, 73, 74 cioè il nº 74 che tratta di istituzione d’una Accademia di Belle Arti in Roma, essendo (…) al detto oficio. Un piano indicante la qualità degli allievi che vi dovrebbero mandar a Roma, pensione da pagargli ed altri incarichi da sopportargli dalla Corte similmente essendo unito al detto ofizio un regolamento per l’ordinazione di detta Accademia.” 17 ANTT, MNE, Cx.835, Of. 74 18 Enquanto na Memoria redigida em 1806 apontava-se De Rossi para a direção da academia, neste novo plano essa hipótese não é contemplada devido a divergências entre o crítico de arte e Manuel Pinto. 19 ANTT, MNE, Cx.835, Of. 74 20 Idem 21 ANTT, ACP, PT/TT/CPLM/cx.158 Carta do marquês de Marialva a Pedro Sousa Holstein de Novembro de 1817. 22 Idem. 23 As negociações entre Espanha e Portugal para a questão do Rio da Prata. 24 Pedro Sousa Holstein não se deixou de interessar pelo projeto, e para o efeito, consultara o amigo De Rossi, desejando solicitar o parecer de um especialista em matéria artística. Entendemos também que José Manuel Pinto não gozava do favor do conde de Palmela, visto o comentário que lhe reserva nas suas memórias: “a protecção do mesmo Lannes, poderosissimo em Portugal, lhe havia feito obter a nomeação de ministro em Roma” (BONIFACIO, 2010, 95) 25 ANTT, MNE, Cx. 837, Ofício de Carlos Maria Pereira para Silvestre Pinheiro Ferreira de 14 de Julho de 1823. Até agora não foi encontrado o projeto mencionado na carta. 26 DEGORTES, 2015 Veja-se PERMOM, 2008 246 247 Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro: A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano / Michela Degortes & Maria João Neto Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas: MENDONÇA, Ricardo Jorge dos Reis, A recepção da escultura clássica na Academia das Belas Artes de Lisboa, Tese de Doutoramento apresentada na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 2014 ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO (ANTT): Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), Legação em Roma Casa Palmela (ACP) NETO, Maria João, O Génio da Indipendência: a estátua encomendada a Antonio Canova para Lisboa em 1807, em ARTIS nº2/2014, p.198-199 ARCHIVIO EMBAIXADA PORTUGUESA NA SANTA SÈ (AEPSS), Correspondência de José Manuel Pinto IDEM, Construção e deconstrução de coleções: o mercado da arte em Roma no periódo Napoleónico aos olhos dos diplomatas portugueses in NETO, Maria João, MALTA, Marize, (ed.lit), Coleções de arte em Portugal e Brasil nos séculos XIX e XX. Peris e trânsito, Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2014, p.51-70 Publicações BONIFÀCIO, Maria de Fátima (ed.lit.), Memórias do Duque de Palmela, Lisboa, D.Quixote, 2011 BRAZÃO, Eduardo, Relações diplomáticas de Portugal com a Santa Sé: de Bonaparte a Napoleão I (1803 - 1805), Lisboa: Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1974 PEDREIRA, Jorge, COSTA, Fernando Dores, D.João VI o Clemente, Rio de Mouro: Circulo dos Leitores, 2006 PERMOM, Laure de St-Martin Duquesa de Abrantes, Recordações de uma estada em Portugal 1805-1806, Lisboa: Bilioteca Nacional, 2008 DEGORTES, Michela, Ensino artístico no estrangeiro e relações internacionais: o caso da Academia Portuguesa de Belas-artes em Roma, em NETO, Maria João, MALTA, Marize, (ed.lit), As Coleções de arte em Portugal e Brasil nos séculos XIX e XX. As academia de Belas Artes do Rio de Janeio, Lisboa e Porto, 1816-1836: ensino, artistas, mecenas e coleções, No Prelo RACIOPPI, Pierpaolo, Arte e Rivoluzione a Roma: cittá e patrimonio artistico nella Repubblica Romana, Roma: Artemide, 2014 RODRIGUES, José Damião (coord.), O Atlântico revolucionário: circulação de ideias e de elites no inal do antigo regime, Ponta Delgada: FCSH-UNL, 2012 IDEM, António Jacinto Xavier Cabral em Roma: de promissor artista gravador a mercante de arte in ARTIS nº 3/2015, p.134-153 TELLES, Patricia Delayti, Retrato entre baionetas. Prestigio, politica e saudades na pintura do retrato em Portugal e no Brasil entre 1804 e 1834, Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada na Universidade de Évora, 2015 DELAFORCE, Angela, Art and Patronage in Eighteenth-Century Portugal, Cambridge: University Press, 2002 IDEM, Uma carta inédita do cavaleiro Brito e a criação do mito de uma “missão” francesa, em “Histórias da Escola de Belas Artes”, organizado por Sonia Gomes Pereira, Marize Malta e Ana Maria Tavares Cavalcanti, Rio de Janeiro: PPGAV-EBA -UFRJ-Editora Nau, No Prelo DIAS, Elaine, Correspondência entre Joaquim Lebreton e a corte portuguesa na Europa. O nascimento da Missão Artística de 1816, Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, vol.14, nº2, Dezembro 2006, p.301-313 VALLE, Arthur, DAZZI, Camilla, PORTELLA, Isabel (coord), Oitocentos: intercâmbios culturais entre Brasil e Portugal : tomo III / III Colóquio de Estudos Sobre a Arte Brasileira do Século XIX, Rio de Janeiro : UFRRJ, 2013 FRANÇA, José-Augusto, A arte em Portugal no século XIX, Vol.I, Lisboa: Bertrand, 1967 LAGO, Pedro Correa do, BANDEIRA, Julio (coord.) Debret e o Brasil. Obra completa, Rio de Janeiro: Capivara, 2013 VALENTE, Vasco, Pina Manique e o monumento a D. Maria I in Museu nº15-16, 1950 LISBOA, M. Helena, As Academias e escolas de belas artes e o ensino artistico (1836-1910), Lisboa: Edições Colibri, IHA-Estudos de Arte Contemporânea, FCSH, 2007 MALTA, Marize (coord.), O ensino artístico, a história da arte e o Museu D.João VI, Rio de Janeiro: Escola das Belas Artes, 2010 MALTA, Marize, CAVALCANTI, Ana, PEREIRA, S. Gomes (Ed.Lit.), Novas perspectivas para o estudo da arte no Brasil de entresséculos (XIX-XX): 195 anos de escola de belas artes, Rio de Janeiro: Escola de Belas Artes - UFRJ, 2012 MATTOSO, José (dir.), História de Portugal. O Liberalismo, Vol.V, Lisboa: Estampa, 1994 248 249 Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts. The teaching approach of André Gutton 250 251 Amandine Diener Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts. The teaching approach of André Gutton / Amandine Diener Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro By analyzing all these works, we have seen how Brazilian architecture as well as French-Brazilian relations are integrated into the Ecole des beaux-arts. In particular, we focused on Gutton’s choice of buildings for his courses, on topics he gave for the Concours d’émulation1, and on drawings made by his students. The Ecole des beaux-arts and the evolution of architectural teaching through the lens of André Gutton teaching practice. During the irst half of XXth century, the French-Brazilian relations in the ield of Architecture were largely represented by the partnership between the team of Lucio Costa (19021998) and Le Corbusier (1887-1965), who was the strongest opponent to the academic system of the Ecole des beaux-arts (Le Corbusier 1933). Indeed, this one was often criticized for its rigid way of teaching. But does it really reject all forms of modernity? Which are the chosen models and the vectors of their diffusion? In order to do that, the presence of Brazilian inluences in the teaching of André Gutton (1994-2002) has been analysed. Gutton is an architect, an urbanist, and professor of Urban Planning at the Institut d’Urbanisme between 1944 and 1957, and of Architectural Theory and Urbanism at the Ecole des beaux-arts, between 1949 and 1958. The importance of Gutton is well expressed by the fact that he becomes an active member of the Union Internationale des Architectes (UIA), within this context he travelled around the world. Several publications are linked to Gutton’s teaching activity at the Ecole des beauxarts: his courses Conversations sur l’Architecture (Gutton 1952-1962), published in ive-Volumes between 1952 and 1962, and the register of the subjects of the architectural competitions (Ecole Nationale Supérieure des Beaux-Arts n.d.) he launched every year for his students, published by Vincent et Fréal between 1906 and 1967. At the end of his career, Gutton published Conversations, De la nuit à l’aurore (Gutton 1985), which is an autobiographical text in two-Volumes. 252 253 Gutton got his master at the Ecole des beaux-arts in 1927, and decides to have a parallel formation at the Institut d’Urbanisme with Henri Sellier (1883-1943), who was the founder of the Société Française des Urbanistes and the author of the urban plan of Paris Region. Gutton surrounding himself with wellknow professionnals since his studies, and include the urban dimension at architect’s work. In 1933, the same year he got his diploma, he wins the international competition for the urban plan of Anvers. During his carreer, Gutton is an active player in cities planning. He is the author of many urban plans, both in France and in other countries. Among them: Dakar in 1944, Alep in 1951 or the new city of Port de Sihanoukville in Cambodia in 1959. Above all, he built his own professionnal network very well. In 1949 he joins the Executive Committee of the UIA, which was just been created (Aymone 2007). Solicited by the irst president of UIA, Sir Patrick Abercrombie (18791857), he becomes president of the Commission of Urban Planning until 1957. In this context he meets Pierre Vago (19102002), the chief editor of L’Architecture d’Aujourd’hui (Ragot 1990, 77-81). Moreover he becomes the irst secretary-general of the UIA. It is a great occasion for Gutton to internationalize his point of view on architectural and urban problems, and that affects his teaching practice. In 1949, the same year he joins the UIA, he takes the Chair of Architectural Theory at the Ecole des beaux-arts, replacing eminent professors such as Julien Guadet (1834-1908) and Georges Gromort (1870-1961). He tries to modernize the Ecole des beaux-arts, especially by introducing the new discipline of urban planning. His purpose is to educate architects to the dificult mission of Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts. The teaching approach of André Gutton / Amandine Diener Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Reconstruction in connection with technological, social and professional modernity. Gutton does not reinvent the way of teaching, which is composed by a theoretical course followed by Concours d’émulation, made for stimulating competition among students. Nevertheless he introduces some changes. His courses take the form of conferences (ill. 1) and pedagogical debates2, as he calls them, based on a contemporary bibliography. The publication of his courses is signiicantly titled Conversations and not “Theory” or “Essay” as Guadet (Guadet 1901-1904) and Gromort (Gromort 1942). It is an important sign of the refuse of Theory. He invites in his courses French and international speakers, often members of UIA and famous architects as Richard Neutra (1892-1970). Regarding competitions, Gutton has launched in 1957 a yearly Concours International d’Emulation, whose name has a clear reference to the Concours Internationaux of UIA, that students could present within the Congresses. The year 1958 is signiicant for more than one reason. First of all Gutton stops teaching architectural theory to teach urbanism at the Ecole des beaux-arts, because he succeed to create a chair of Urbanism. Secondly he participates to the International Congress of architecture students in Leningrad, focused on “the modern city”. In his intervention titled “The Man of tomorrow3”, Gutton explains the recent birth of urbanism and his ideas on the mission that urbanists should accomplish, that is to say thinking the city at the scale of human being and of his needs. Hence, Gutton refuses the idea of projects out of scale. He believes that a city must be constructed around the couple of functions of residing and working. Finally he contests the idea that a certain type of form must correspond to a certain types of buildings. In essence the intervention of Gutton develops the prescriptions he had previously published in La Charte de l’Urbanisme (Gutton 1941) in 1941. In 1958 the Fifth UIA Congress takes place in Moscou, whose subject is “Modern City4” (ill. 2). Gutton, presides the session about economic, social and legislative aspects about realization of cities5. Lastly, 1958 is an important year because Gutton goes to Brazil. He is designated by the ambassador Paulo Carneiro (1901-1982) to accompany, together with Vago, a delegation in Rio de Janeiro and Brasilia in the context of the international seminar on new towns organized by United Nations Educational, Scientiic and Cultural Organization (UNESCO). In this occasion, Gutton meets President Kubitschek (19021976) who is looking for suggestions about the conception of the new capital Brasilia. On one hand, Gutton is impressed by the courageous act of constructing a federal capital in the middle of an harsh nature. On the other hand, he gives a severe opinion by saying that for him Brasilia, rather than a real city, is a space of segregation made on the basis of social classes. It is a succession of ghettoes that couldn’t form a city in which human souls could meet. References to the past, like the symmetry of the plan, for him are just formal. He condemns the lack of lexibility of the project. Travel to Brazil gives Gutton the opportunity to see some seminal Brazilian buildings. In Rio he visits the building of the Ministry of National Education made by Lucio Costa and Oscar Niemeyer (1907-2012) as well as the house of this latter that he deine a “lost paradise”. In the “dantesque6” city of Sao Paulo, where he feels overwhelmed by an anarchical development, he meets Rino Lévi7 (1901-1965), a dear friend of Vago. Even if the book Conversations has not been translated in Portuguese, Rino Levi attests him he has got these Volumes on its library8. That would prove that there is a certain circulation of the scientiic production between France and Brazil. We are going to see how Gutton’s biography could have affected the evolution of teaching practices at the Ecole des beaux-arts. In particular, the following part analyzes the choice of Brazilian architectures made by Gutton for his courses. 254 255 Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts. The teaching approach of André Gutton / Amandine Diener Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 2 – Congress of Union Internationale des Architectes in Leningrad, 1958. Gutton, André, 1985, De la nuit à l'aurore : conversations Figura 1 – Program of conferences of Architectural Theory course for year 1956/1957. National Archives AJ/52/975. 256 257 sur l'architecture, Vol. 1, Saint-Léger-Vauban : Zodiaque, p290. Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts. The teaching approach of André Gutton / Amandine Diener Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Teaching architectural theory and the diffusion of Brazilian urban and architectural models The third volume of the Conversations (Gutton 1956), focused on religious and cultural buildings. Whether other countries are represented by about 10 projects, there is only one Brazilian project: the church of Pampuhla of Oscar Niemeyer, completed in 1943. This example can be found in the inal chapter of the Volume, titled “Church is always alive - forms of today and tomorrow13”. There cannot be found any particular indications about this project, but a short tagline “Look at the azulejos14”. The lack of comements can be interpreted as a way of encouraging students to develop their own opinion about this building, that is to say a critical point of view. By analyzing geographical provenience of both urban and architectural works chosen by Gutton is possible to understand the role of international productions, especially Brazilian ones, in his courses. The majority of architectures published by Gutton are built abroad, from United States to Italy, from Swede to England, from China to Brazil. In the irst Volume of Conversations (Gutton 1952) called “The building within the city9”, there can be found 3 Projects that are situated in Sao Paulo. The Trussardi building made by Rino Levi in 1941 is described as an example of good scale for human relations10, in contrast to the building CBI-Esplanada made by the architect Lucjan Korngold in 1950. The second Volume of Conversations (Gutton 1954) and focused on “Man’s home11”, contains a richly illustrated catalogue, in which there can be found 7 Brazilian projects all integrated into tables with different plans at the same scale, as Jean-Nicolas-Louis Durand (1760-1834) did. This representational technique is used to facilitate the comparison among different spatial devices. Three project can be mentioned: the one of Henrique E. Mindlin (1911-1971) (n.d.), the one of Saldanha (1905-1986) in Sao Paulo and the project of collective housing in a park made by Vital Brazil (1909-1997) in Rio. There can be found also different solutions for different kinds of urban habitat, both within a rational urban plan or in a site where there are speciic constraints. There are the two project made by the architect Eduardo Reidy (1909-1964), one of the “unit housing12” of Pedregulho in Rio de Janeiro of 1952 and another in Rio. Finally there is the project of a summer residence in Petropolis made by yhe young Francisco Bolonha (1923-2006) in 1950. The last project has been surely appreciated by Gutton for the quality of its spaces, for the simplicity of its architectural language, for the treatment of landscape and perhaps also for the religious dimension that is expressed by the presence of a chapel. The following Volume, numbered 3b (Gutton 1959) and focused on schools, faculties and universities, contains 6 Brazilian projects. Gutton shows big plans and elevations and uses sometimes a simple photo with a legend to express his opinion. This is the case of the garden in Persepolis made by Burle Marx (1909-1994), whose photography is accompanied by the tagline which explain that the proximity between nature and child is not only required but also indispensable for his development15”. The garden designed by Burle Marx that could be a school-garden. There is also a photography of a detail of Azulejos of Reidy, without a tagline, that seems to be appreciated by Gutton. There are also published plans and photographs of the projects of a School in Tamba made by Silva, of a School and a Gymnasium in Pedreguhlo made by Reidy in 1952 and of the University of Rio de Janeiro made by Marcelo, Milton and Mauricio Roberto. There is any tagline, but we can suppose that they have been chosen because of the treatment of the site, the spatial organization and the technical solutions. 258 259 Finally, the last Volume of the Conversations (Gutton 1962) focused on “urban planning at the service of the man16” and is published when Gutton occupied the chair of urbanism. Before talking about published Brazilian projects within the book, it is interesting to talk about the “general advices17” which are required for the context and the composition of human Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts. The teaching approach of André Gutton / Amandine Diener Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro The school architectural competitions and the way in which they relect an architectural actuality and of a French-Brazilian cultural politics aggregates, especially for new towns. Firstly, he speaks about the reasons of the existence of a city (politics, tourism, industry), then about the deriving site, about the development of contemporary architecture, the combination of the two functions of residing and working, the construction of the city on a green weave... The project of Brazilia is evoked by Gutton. There can be found its masterplan and two images: one of the Esplanade and one of the Three Powers place, just published in L’Architecture d’Aujourd’hui. Gutton expresses the same opinion he expressed during his travel to Brasilia. He speaks about speculation, urban plan conceived not at the human scale but at the scale of the cars, segregation…. Nevertheless he appreciates the majesty and simplicity of architectural volumes because they are the most adapted to a capital city. He concludes by wondering if the city of Brasilia, due to the willing of a single man and the glory of a Country, will become one day accepted by population. Therefore the project of Brasilia is not showed as an example of new town. In contrast, for Gutton Chandigarh is a positive example, a model for a new town. In this last part, two aspect are taken into consideration: the subjects of competitions chosen by Gutton and the graphic works of students. The aim is to discover if the Brazilian architecture of the time is integrated in the teaching and the way in which it is expressed. Until now, we have mentioned the Brazilian architectural production which is published by Gutton. Nevertheless the absence of certain projects in Gutton’s works can be also considered signiicant. For example, there is no trace of the Ministry of Education of Rio de Janeiro, published a lot in L’Architecture d’Aujourd’hui. There cannot be found buildings that symbolize a cultural cooperation between France and Brazil, such as the French and Brazilian Intitutes of high culture in Rio and San Paolo. At this regard, school competitions at the Ecole des beaux-arts could be analyzed in order to see if they relect certain cultural and esthetical references to Brazil. 260 261 Several subjects have a direct reference to Gutton’s activity, professional engagement and his role within the UIA. On this regard we can mention the project of the Concours d’émulation of 1956, where he asks student to create “A panel18” or a ictive exposition at the Ecole des beaux-arts for the Concours International d’émulation in 1955 (ill. 3). We should remind that Gutton is the conceiver of these competitions and that, as he speciies in the call for competition, the ictive exposition is organized by UIA under the tutelage of UNESCO. Others proposed subjects are directly linked to the political and cultural actuality and, sometimes, openly referred to Brazil. In 1956-1957, for the project of “A Stadium19”, Gutton refers to the great examples of modern stadiums, such as the stadium of Rio, which is mentioned among others (Helsinki, Lima, Mexico, Montevideo, Berlin, Lisbonne, Lausanne). All these examples are showed for their “strong audacity that satisies the conditions of visibility, of orientation and of protection of the public20”. In 1960, for the Concours du grand prix de Rome titled “The business center of a capital city21”, the new town of Brazilia is mentioned, among Ankara, Canerra, Chandigarh and Nouakchott, as example of a capital that is built for economic and political reasons. The fact that the program is about the conception of a new capital for three million of inhabitants represents a signiicant echo of the project of Le Corbusier of 40 years earlier. For the Concours du grand prix de Rome of 1964, a project of “A Museum of Three Arts from Latin America22” is required. It can be considered the expression of the attention focused on Latin America in that Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts. The teaching approach of André Gutton / Amandine Diener Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 3 – "Une Afiche", Concours d’émulation, esquisse de première classe, 04.11.1955. Ecole Nationale Supérieure des Beaux-Arts, s.d., Les Figura 4 – Christian Ivaldi, "Un Stade", Concours Américain, 1956. concours d’architecture de l’année scolaire 1955-1956, Paris : Vincent, Fréal & Cie. Ecole Nationale Supérieure des Beaux-Arts, s.d., Les concours d’archi- 262 263 tecture de l’année scolaire 1956-1957, Paris : Vincent, Fréal & Cie. Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts. The teaching approach of André Gutton / Amandine Diener Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 4 – Christian Cacaut, "Le Centre d’Affaires d’une Capitale", Figura 6 – Guy Daher, "Une Salle des Congrès", Concours d’émulation, Concours du grand prix de Rome, épreuve déinitive, 1960. esquisse de première classe 27.10.1960. Ecole Nationale Supérieure des Beaux-Arts, s.d., Les concours d’architecture de l’année scolaire 1959-1960, Paris : Vincent, Fréal & Cie. Ecole Nationale Supérieure des Beaux-Arts, s.d., Les concours d’archi- 264 265 tecture de l’année scolaire 1960-1961, Paris : Vincent, Fréal & Cie. Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts. The teaching approach of André Gutton / Amandine Diener Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro of Niemeyer and Le Corbusier. period, attested by a “certain number of exposition in Paris23” focused on Latin America, like Gutton writes in the call for competition. According to Gutton, this potential Museum could contribute to strength the relations between French and Brazil, by exposing Pre-Columbian art, Conquistadores art, and Baroque art of Brazil. Finally one of the subject of 1967 is “A world center for scientiic discovery24”. In the program it is written that each country contributes to the progress of the science and that it is necessary to put together the treasures of civilization. Nevertheless Gutton writes also that France is the most legitimate country to host this center, ahead of other projects “conceived for San Francisco, Rio and Tokyo25” in the same time. Regarding the drawings, some of them are very attractive for their graphics, their reference to modern architecture, maybe Brazilian architecture. In 1956 for “A Stadium26”, Christian Ivaldi (1934-) perhaps knows the project to the Olympic Stadium of Rio de Janeiro conceived by Niemeyer, because its drawing is similar with partially underground ovoid shaped volume and sloping extremity which is slightly sur-elevated (ill. 4). In 1960 even if Brasilia was mentioned in the program of the competition focused on “The business center of a capital city27”, the inluence of Brasilia does not seem to be perceptible neither in at the big scale nor in the details. The white reversed half dome proposed by Christian Cacaut (1932-) could remind the Palace of Congress in the Three Powers place (ill. 5). For the rest, the project is almost horizontal, marked by a low building that highlights the horizontal development together with the relexes of a water basin, except for the vertical line of a monumental building that breaks this horizontality. In general, even if the plan is traversed by a certain lack of symmetry, it can be considered classical, dominated by an orthogonal, equilibrated language. In the same year 1960, for the program “A Conference Center28” we can ind the interesting project from a graphical point of view of Guy Daher (1937-) (ill. 6). It have a free composition, marked by luid and curved lines and by light/shadow effects that reproduce almost inluences To sum up, we can say that Gutton is fascinated by international projects. He opens up his course of Architectural Theory beyond the traditional examples of Italian architecture, utilized until that time as a model of classical architecture. Moreover, Gutton starts valorizing contemporary architecture. Finally he includes in the course of Theory not only architecture but also urbanism. By doing that, he opens up the limits of disciplines as well as the role of the architect, that becomes also an urbanist. On this subject, the travel of Gutton to Brasilia is important because it reinforces its opinions on Urbanism, already expressed in La Charte de l’Urbanisme (Gutton 1941) published 15 years earlier and in the last Volume of Conversations (Gutton 1962) focused on urbanism which he was writing in that period. 266 267 Regarding the integration of Brazilian examples of buildings and urban plans in the Ecole des beaux-arts courses, it is interesting to say that Brazilian projects Gutton published are not necessary those that have marked Brazilian Architecture; we can ind projects that are not so much mediatized (Klein 2005). About highly mediatized projects such as the one of Brasilia, Gutton does not hesitate to express his doubts and critics about. In the choice of the competition subjects made by Gutton a certain overture to architectural most advanced tendencies of the time and to Brazilian modernidad can be observed. Nevertheless in the projects designed by students, the Brazilian inluence is not so explicit. It must be said that published drawings are just the rewarded ones. We cannot state if rejected projects have a stronger overture. It could be interesting to see if the production of the students changes during their professional career, when they are not more obliged to respect the codes of representation of the Ecole des beaux-arts. At this subject, we can mention the example of School of architecture of Bordeaux, designed by Claude Ferret (1907-1993) in 1973. Its dispersed plan is inscribed in the double iliation of modern movement and functionalism. Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts. The teaching approach of André Gutton / Amandine Diener Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: The reference to Niemeyer is clear, especially if we look at the amphitheater whose eye shape reminds the one of Bello Horizonte. Perhaps the presence in France of exiled Brazilian professors during the Seventies, such as Joaquim Guedes (19322008) at the Strasbourg’s School (Halévy 2007) of architecture and Rodrigo Lefebvre (1938-1984) at Grenoble, contributes to the diffusion of the Brazilian architectural culture. An anecdote for inishing. Maybe the title “From night to dawn29” of Gutton autobiography has been inspired by the presidential palace of Brasilia, named Palace of the Dawn. That would mean that probably the travel to Brazil has marked Gutton more than he thinks.... 1 Architectural competition for students. 2 In french ”causeries-débats”. 3 In french ”L’homme de demain” 4 In french ”La Cité Moderne”. 5 In french ”Aspect économique, social et législatif de la réalisation des villes”. 6 Gutton, André, 1952, Conversations sur l’architecture, L’édiice dans la ville, Vol. 1, Paris : Vincent, Fréal & Cie, p287. 7 Gutton qualiies Levi as « the constructor of the best Brazilian skyscrapers”. Refer to Gutton, André, 1952, Conversations sur l’architecture, L’édiice dans la ville, Vol. 1, Paris : Vincent, Fréal & Cie, p287. 8 Gutton, André, 1952, Conversations sur l’architecture, L’édiice dans la ville, Vol. 1, Paris : Vincent, Fréal & Cie, p287. 9 In french “L’édiice dans la ville”. 10 Un french ”La notion d’échelle vraie et le rapport «’’humain’’ de l’édiice sont certains dans la première vue. Que sont-ils dans la seconde ? ”. Gutton, André, 1952, Conversations sur l’architecture, L’édiice dans la ville, Vol. 1, Paris : Vincent, Fréal & Cie, p238. 268 269 11 In french “La maison de l’homme”. 12 In french “Unité d’habitation”. 13 In french “L’église est toujours vivante- formes d’aujourd’hui et de demain”. 14 In french “Regardez les Azulejos”. 15 In french “La nature sera mise à la disposition de l’enfant. Le rapprochement nature-enfant est non seulement nécessaire mais indispensable à son libre épanouissement […]“. Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts. The teaching approach of André Gutton / Amandine Diener Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro 16 In french “L’urbanisme au service de l’homme”. 17 In french ”Données générales”. 18 In french ”Une Afiche”, Concours d’émulation, esquisse de première classe, 04.119155. 19 In french ”Un Stade”, Concours pour le prix de reconnaissance des architects américains, 1956. 20 In french “Les moyens techniques dont nous disposons aujourd’hui ont permis des réalisations d’une grande hardiesse où les conditions de visibilité, d’orientation, de protection du public ont été pleinement satisfaisantes. “ 21 In french, “Le Centre d’Affaires d’une Capitale”, Concours du grand prix de Rome, épreuve deinitive, 14.09.1960. 22 In french, “Un Musée des Arts de l’Amérique Latine”, Concours du grand prix de Rome, troisième essai, 22.06.1964. 23 In french ”l’attention s’est tournée depuis plusieurs années vers les arts de l’Amérique latine, et de récentes expositions à Paris ont constitué pour le public une veritable revelation de l’Art précolombien et de l’Art mexicain.” 24 In french ”Un centre mondial de la découverte scientiique”, Concours pour le prix des anciens élèves américains de l’atelier Laloux, 03.05.1967 – 09.06.1967 25 In french ”C’est l’Europe qui se doit d’en prendre l’initiative, devançant les projets qui sont à l’étude à San Fransisco, Rio ou Tokyo”. 26 In french ”Un Stade” 27 In french, “Le Centre d’Affaires d’une Capitale”, Concours du grand prix de Rome, épreuve deinitive, 14.09.1960. 28 In french ”Une Salle des Congrès”, Concours d’émulation, esquisse de première classe, 27.10.1960. 29 In french “De la nuit à l’aurore”. 270 271 Amandine Diener is an architect and a PhD student at the University of Strasbourg (EA 3400 ARCHE). Her research focuses on teaching architecture in the XXth century at the Ecole des beaux-arts, especially the course of Architectural Theory. Among her publications, she is co-editor with Anne-Marie Châtelet et Franck Storne at Enseigner l’architecture à Strasbourg, des Beaux-Arts à l’Université. She is one of the coordinators of the National research program HEnsA20 (Histoire de l’Enseignement de l’architecture au XXe siècle) supported by the Ministère de la Culture et de la Communication. Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts. The teaching approach of André Gutton / Amandine Diener Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas: L’Architecture d’Aujourd’hui, 33, 1950. Aymone, Nicolas, 2007, L’apogée des concours d’architecture, l’action de l’UIA 1948-1975, Paris : Picard. L’Architecture d’Aujourd’hui, 42-43, 1952. L’Architecture d’Aujourd’hui, 90, 1960. Klein, Richard, 2005, « Si loin, si proche… L’Architecture d’Aujourd’hui et le Brésil», L’Architecture d’Aujourd’hui, 359 (july-august), 359 : 92-99 L’Architecture d’Aujourd’hui, 101, 1962. Ragot, Gilles, 1990, « Pierre Vago et les débuts de L’Architecture d’Aujourd’hui 1930-1940. Entretiens avec Pierre Vago », Revue de l’Art, 89 : 77-81. Sources Ecole Nationale Supérieure des Beaux-Arts, n.d., Les concours d’architecture de l’année scolaire [1906-1967], Paris; Vincent, Fréal & Cie. Guadet, Julien, [1901-1904], Éléments et théorie de l’architecture, 4 Vol., Paris : Librairie de la Construction moderne. Gromort, Georges, 1941, Essai sur la théorie de l’architecture, Paris : Vincent, Fréal & Cie. Gutton, André, 1941, La Charte de l’urbanisme, Paris: Dunod. Gutton, André, 1952, Conversations sur l’architecture, L’édiice dans la ville, Vol. 1, Paris: Vincent, Fréal & Cie. Gutton, André, 1954, Conversations sur l’architecture, La maison de l’homme, Vol. 2, Paris: Vincent, Fréal & Cie. Gutton, André, 1956, Conversations sur l’architecture, Les édiices religieux et culturels, Vol. 3a, Paris: Vincent, Fréal & Cie. Gutton, André, 1959, Conversations sur l’architecture, Les écoles, lycées, facultés et universités, Vol. 3b, Paris: Vincent, Fréal & Cie. Gutton, André, 1962, Conversations sur l’architecture, L’urbanisme au service de l’homme, Vol. 6, Paris: Vincent, Fréal & Cie. Gutton, André, 1985, Conversations sur l’architecture, De la nuit à l’aurore, 2 Vol., Saint-Léger-Vauban : Zodiaque. Halévy, Jean-Pierre, « L’architecture et l’invention du Brésil », in Cardoso, Luiz Claudio, Martinière, Guy, 1989, France-Brésil, 20 ans de coopération, Paris : IHEAL, 42-45. Le Corbusier, 1933, Croisade ou le Crépuscule des académies, Paris : G. Crès & Cie, coll. De L’Esprit Nouveau. L’Architecture d’Aujourd’hui, 13-14, 1947. L’Architecture d’Aujourd’hui, 21, 1948. 272 273 The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts 274 275 Angela Bösl The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts / Angela Bösl Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro From decorative painting to the study of plants: A proile of Moritz Meurer Moritz Meurer was born in Waldenburg, Saxony, in 1839. After studying painting at the academies of Dresden and Munich, from 1869 on, he taught decorative painting at the Unterrichtsanstalt, the school of applied arts, which was afiliated with the newly founded Royal Museum of Applied Arts in Berlin.2 After 15 years of teaching and some commissions for interior paintings,3 Meurer moved to Rome in 1884. There, he developed his concept and curriculum of applied plant studies, which he irst published in 1889. With the approval—and substantial funding— of the Prussian ministries for trade and education in 1890, Meurer plunged into further autodidactic botanical studies. He elaborated his teaching system and started producing the teaching aids. Four sketchers and later two additional modellers, one of them being Karl Blossfeldt (1865–1932),4 supported him in his so-called “Versuchsstation”5 in Rome, an atelier with adjacent garden suited for plant growing and morphological studies of living or dissected specimens mainly from Mediterranean lora. The plants themselves were selected neither arbitrarily nor according to iconographic traditions. Meurer chose them partly in reference to earlier loral and ornamental templates, like those of Frederick Edward Hulme (1841–1909) or Victor Ruprich-Robert (1820–1887).6 The main criteria of selection, however, were the tectonic properties of the plant organism and “(…) all the supporting, linking, surrounding structures which in plant anatomy and the consolidation of their organs fulilled similar functions to certain structural elements in architecture or structures in applied arts”7. In winter term 1891/92, Meurer was able use the irst aids in his newly established class in plant drawing at the Unterrichtsanstalt in Berlin. By 1896, Meurer’s extensive manual for artisans, architects and artisan teachers, meaningfully titled “Planzenformen”8 (Plant Forms) had been published, and the corpus of the teaching aid collection had been set up. Walter Benjamin should be proved right when he secondguessed, that Karl Blossfeldt’s (1865–1932) photographs should ind “innumerous beholders”1: Until today, the popularity of Blossfeldt’s close-ups of extensively enlarged buds, seemingly sculpted plant stems and ornamentally arranged lowers is unbroken. His black and white icons of Neue Sachlichkeit have long entered common visual memory and still and undoubtedly will attract public as well as scientiic interest. Quite in contrast, the man who actually paved Blossfeldt’s way and who may be labelled the initiator of the photographs, has fallen behind his disciple: the decorative painter and artisan teacher Moritz Meurer (1839–1916), who developed a teaching concept of plant studies for artisanal education between 1887 and 1890. Furthermore, little mention is usually made of the fact that some of Blossfeldt’s photographs belonged to a comprehensive set of two- and three-dimensional teaching aids that Meurer had devised for implementing the aforementioned concept. This paper will concentrate on this ensemble of theory and aids and suggest regarding the latter as a new type of template because they neither offered inal design solutions or simply naturalistic plant images, nor were they just exercising gestures of drawing. Rather, the aids will be discussed as interfaces in which botanical and artisanal knowledge fused. Before testing this hypothesis, a short introduction to Moritz Meurer’s life and work seems insightful – by paying special attention to the period from 1890 to 1909, in which the teaching collection was manufactured. 276 277 After this irst period of production and collective artisanal-bo- The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts / Angela Bösl Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 1: Otto Greiner, Portrait of Moritz Meurer, lithograph and pen, 24 x 20 cm, 1914, Staatliche Kunstsammlungen Dresden, Kupferstich-Kabinett, inv. 1916-145; Vogel 102; NIA 54/6994, credits: Sächsische Landes- Figura 2. Moritz Meurer et al., Akanthus mollis, ink, water colour and bibliothek-, Staats- und Universitätsbibliothek Dresden, Deutsche Fotothek, Rudolph Kramer pencil on paper, 35 x 27cm, around 1890. 278 279 credits: Museum Waldenburg, Die Kulturgutscanner – Viola Rosenau The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts / Angela Bösl Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro striking intersections and reciprocal amendments, it seems fruitful to concentrate on one motif. The acanthus as one of the most recurrent plants in Meurer’s teaching collection provides such an example – not least, since Meurer dedicated a separate publication to this plant and its adaptions in the ancient Greek applied arts.11 Concentrating thus on this ‘model plant’ not only exempliies the different ways in which Meurer revisited this classic motif. It also allows pointing to the functions, instructive properties and didactic potentials that Meurer assigned to the different representations of nature. tanical studies, the function of the atelier in Rome changed: On Meurer’s initiative, it altered into a training lab for practising and future artisan teachers. They spent three months with Meurer who introduced them to basic morphology, his pedagogical system and the right implementation or adaption of the teaching aids. Additionally, his scholars helped to augment the teaching collection and assisted to Meurer’s last project, a comparative analysis of vegetal and artistic forms. In 1909, Meurer inalized this applied morphology project with a compendium titled “Vergleichende Formenlehre” (Comparative Formal Theory). It consisted of 250 large format wall charts (70 cm x 100 cm) and a manual to facilitate imparting the comparative study of plants and their adaptions in architecture and the decorative arts. The target group being artisan teachers, the companion was widely distributed by the Prussian Ministry of Trade to Prussian schools for applied arts and technical colleges. Meurer’s multimedia plants: The collection of teaching aids In the course of the preparations for the companion, Meurer’s interest seems to have shifted: Since the irst decade of the 20th century, he had worked on several essays dealing with rather archaeological and ornament-historical topics. His late plan to assemble and publish his indings and research material on animal forms in the applied arts and architecture should however not be realised anymore. With the outbreak of World War I, Meurer and his wife moved to Dresden, where Meurer died in 1916. His widow later sold his estate to his hometown of Waldenburg and to the Museum of Applied Arts in Dresden.9 The collection of his teaching aids is yet to be found in the Archive of the University of Arts Berlin,10 the present-day successor institution of the former school of applied arts. In the following, reference will be made to objects mainly belonging to this collection, which regrettably has not all survived. However, we do know from documents and photographs what the lost aids were like and how Meurer combined them with other types of existing aids. To illustrate the diversity of these teaching aids and their 280 281 Although Meurer dedicated almost 20 years to the production of these aids, he kept emphasizing that none of them could or should replace the living plant as the primordial object of study. This is why he both propagated to study living specimens as often as possible12 as well as he tried to preserve them. Thus, dried, pressed and conserved plants in wax and grain alcohol and even electroplatings were part of the teaching collection.13 Today, only herbaria14 and some electroplatings have survived. Meurer was on the one side enthusiastic about these aids, since they all prolonged the durability of the natural samples and could – except the electroplatings – be produced with minor efforts and expenses. On the other hand, some effects of priming also damaged features that Meurer deemed crucial for the formal analysis and structural understanding of the plants: Surface characteristics of the organic material were distorted and small structures deleted. But mainly, Meurer complained that some preservatives and the copper coating “partly destroyed the organic system of the linking between the components or made it invisible”15 so that it subsequently had to be restored artiicially or that they diminished the three-dimensional appearance of the plant—a property to which Meurer attached great importance because it constituted one of the principal aspects in his understanding of form.16 He deemed it crucial for the task of conceiving ornaments and designing in general. It thus recurs as a major topic of concern in his theory and his writings The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts / Angela Bösl Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro on the teaching collection, as with the next group of aids, the plant drawings in ink and pencil. They were useful for visualizing the botanical lectures17 accompanying Meurer’s drawing classes—for explaining morphological terms or for highlighting principles of growth. Since the translation from 3D to 2D had already been completed, they were helpful tools for beginners, too. Still, apart from diminishing all corporeality, Meurer feared that students could take over the manner of drawing as their personal style.18 Seen and drawn from various perspectives and with applied lights and shading, the plants gain a three-dimensional, more vivid appearance. Yet, they never turn into naturalistic copies. It is the peculiar, which is again dominating, captured by precise observation of structures and silhouette while often dismissing natural colouring. Later, Meurer had most of the drawings printed as lithographs, photolithographs and heliotypes in his publications, in his template series “Planzenbilder”20 (Plant images) and on separate charts. Although these prints show the same motif, I propose to acknowledge them as an autonomous group, not least because of the various duplicating processes, the varying materials and techniques involved and the subtle differences between original drawing and print. All these aspects deserve to be factored in— in terms of variation and of sharpening the visual sensorium, two aspects, which are closely linked with Meurer’s teaching collection and the functions of the aids. This worry might not least have contributed to the result that the drawings vary in the manners and modes of representation, which were consciously chosen in correlation with the respective plant sample and the didactic function of the drawn chart. In the case of leaves, linear, almost geometrically constructed drawings were created (ig 2). Sharp contour, exact internal structures and accurate proportions are the main aspects of these schematic illustrations. They expose a seemingly underlying, almost symmetrical disposition and preserve typical, not individual, plant features. The translation of the plant sample from 3D to 2D has reached maximum extent. Any signs of naturalness of the organic material are missing. Another way of educating the eye could be conducted with the plant photographs taken by Karl Blossfeldt (ig. 4). Meurer was undoubtedly aware of the documentary status of photography. Still, he seems not to have chosen this medium programmatically, i.e., for its alleged objectivity and claim to truth.21 According to one of his letters in 1892, he was far more interested in photography as a tool for magniication,22 which he deemed instructive in two ways: for drawing the students’ attention to the smallest and undetected details and for training the cognitive skill of scaling while drawing. This also pertains to drawings of lowers, fruit and seed forms: Horizontal and vertical outlines as well as cross and longitudinal sections were constructed of precise lines by ruler and dividers. It is not by chance that these projections remind us of technical or architectural drawing techniques. Meurer was rather explicitly using them to make the tectonic disposition of the plant visible. Furthermore, it was the method of projection itself that Meurer judged central for his applied morphology and for the tasks of designing.19 Beside these two-dimensional media, Meurer’s collection contained three-dimensional aids of plaster and bronze.23 Similar to the plaster casts of leaves kept at the Museu D. Joao VI, Meurer had plaster reliefs of leaves and lowers (ig. 5) made that again show clear intersections with drawings, prints and photographs. Finally, a third group can be distinguished, characterised by its more realistic rendering of the specimen (ig. 3). 282 283 The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts / Angela Bösl Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 3: Heinrich Homolka (?) for Moritz Meurer, Acanthus mollis, ink, red pen, white heightening on paper, mounted on black cardboard, igura 4: Heliotype of a photograph by Karl Blossfeldt, Acanthus 25 x 33 cm, after 1891 credits: Museum Waldenburg, Die Kulturgutscanner – Viola Rosenau leaves, published in Meurer‘s template series “Planzenbilder“, 24 x 30 284 285 cm, 1896-1899, credits: Museum Waldenburg, Angela Bösl The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts / Angela Bösl Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Because they were not fully adequate for realizing the plant as a stereometric object, three-dimensional plaster casts were manufactured, which mainly reproduced stems and buds. Whereas merely photographs document this 38-partite plaster cast collection,24 a set of 35 bronze casts has survived. They were not as cheap as their equivalents in plaster (ig. 6), but also not as fragile, and resembled the living plant more because of the effects of light and shades. Meurer’s concept of studying plants Two aspects provide irst insight for that question: On the one hand, Meurer himself fostered a clear scepticism about historicism and formal conditioning27 as a still-prevalent modus operandi at schools of ine and applied arts. Still, in line with the Aristotelian axiom that Natura non facit saltus, he was convinced that the arts did not develop by radically breaking with former traditions, but were always evolving organically from one stage to the next. Thus, thinking of the education of future generations of artisans and their abilities to develop their individual manner of designing, Meurer deemed it essential to continue imparting the history of styles as basic artisan knowledge. In the case of plants that were too complex or simply too small for casting, bronze models were sculpted by Karl Blossfeldt and Louis Heitsch (1866–1921). These models enlarged details and thereby “made it easier, to discern the lineament, the silhouette and the bodily appearance of forms and to simultaneously foreground the structural principles of the plants”25. Moreover, the transformation of the organic into clearly sculptural material subtly anticipated the transition of natural into artistic form as one of the main tasks of crafting. Beside these individual advantages, Meurer rated all the casts and particularly the sculptural models as utmost instructive for designing: They helped make the students realize how materials and techniques determined the process of generating form and the inal form itself.26 On the other hand, plants constituted the master teacher to Meurer. Yet, he didn’t intend to educate future botanists, but botanically informed artisans.28 Therefore, his education in plant morphology highlighted speciic elements that were instructive for any crafting branch: the constructive and static elements, proportions and the connection between the separate organs and the whole organisms, the linkages between components and particularly the correlation of forms and their respective functions. In other words, to Meurer, the study of nature held the status of a means to the end of artistic production. This functionalist view actually matched the demand of the reformers of the arts and crafts for aesthetically convincing and organically crafted goods as well as the educational consensus at the Berlin academy of ine arts.29 Finally, the ensemble included templates of outstanding historical architecture and decorations after nature, originated in Europe and North Africa and ranging from the early high cultures to the Renaissance. Some were published as photos in Meurer’s manuals; some were lithographed on the large wall charts. Now, how do these classic samples relate to the botanical aids? Moreover, are they not indicating that Meurer’s teaching model was still caught in the much-criticised modus of historicist stylistics? To answer this, Meurer’s concept of applied plant studies gives hints. However, the signiicant role of art did not imply that Meurer was following the idealist concept of art perfecting nature. Instead, in Meurer’s prefaces, we ind the recurring plea to treat the products of nature and of art as equivalents.30 286 287 This plea is mirrored in the leading principle of his teaching concept, i.e., a comparative analysis of natural and artistic forms.31 By opposing a natural original and its artistic adaptions, the students irst were prompted to discover and relect on diffe- The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts / Angela Bösl Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro and crafts, this motif was thus not appropriate any more, neither to meet the demands of an up-to-date formal vocabulary nor to contribute to a new conception of adequate decoration and of the education future artisans. As a way of overcoming the predominance of this classic motif in the late 19th century, it was progressingly replaced by plant motifs stemming from the explicitly local lora. rences and analogies. Following this, they had to reconstruct the different strategies applied for transforming the natural into an artistic form. Finally, and accounting for the theory of Gottfried Semper (1803–1879), they should learn to recognize how this process of conversion was dependent on the respective function, material and technique of the art works. Along with this process of gaining insight, Meurer’s aim was to enable the students to protrude to the laws of nature and to use the understanding of the genesis of natural form for developing it into principles of artistic production. We can thus call it a methodological move of Meurer to enlist plant morphology and to integrate stylistics as both reciprocally controlled themselves: Thereby, a pure naturalism on the one hand and the mere reproduction of historical styles on the other were prohibited. Meurer’s concept systematized a dialectic approach that modiied the ways of observing and analysing the teaching aids. But did it also alter the ways of copying them? Let us come back to the acanthus and question Meurer’s strategies of revisiting it in the drawing classes. Same same, but different? The acanthus revisited The acanthus can rightly be categorized as one of the most predominant ornamental motifs. From the 5th century B.C. to the 19th century, it was widespread, modiied and adapted in architecture and the applied arts. Due to this central and long passed position in the classic formal repertoire, it naturally also played a decisive part in the education of artisans and architects as well as in the discourse on style and taste. After the extensive use and variations of the acanthus, especially in the 17th and 18th centuries, from 1850 on, the perception of this motif altered.32 Criticism was voiced on the almost rampant growth of acanthus decorations, among others by Owen Jones (1809–1874).33 Linked with the reproach of its arbitrary adaption to any kind of object and of historicist decorating methods, the acanthus became an epitome of the techniques of mindless copying and implementing of earlier styles.34 To the reformers of the arts 288 289 Thus, at irst sight, the dominance of the acanthus in Meurer’s teaching aids and publications and its status as a template might seem reactionary, at least conservative. However, with a closer look, Meurer used the acanthus for reasons other than imposing ixed drawing gestures, like in James Page’s “Guide for drawing the Acanthus and every description of ornament foliage”35. Nor was he trying to prolong and indoctrinate an out-dated formal canon. Beside the pragmatic fact, that the acanthus was a common plant in Meurer’s surroundings in Rome, it were irst the signiicant features of this natural sample, that predestined it for the analysis of its external shape and its corresponding inward structure of the leaf veins. He furthermore referred to this well-known but suspiciously eyed ornament since he had, during his years as a teacher of decorative painting, been confronted with the need to make the students of the applied arts aware again of the original motifs, which underlay later artistic adaptions – basic knowledge and a central creative approach which had been lost in course of mechanically copying normative ornaments, even in case of the acanthus. Due to this, the students were exempt from relecting on the relation and coherence of an initial and a future inal form, a skill which Meurer deemed imperative for designing the shape of an object which was consistent with its functions. By showcasing how the different leaves, buds and lowers of the natural acanthus had been transformed for decoration and architecture over the centuries, Meurer did thus not present these classic adaptions to his students and recipients as the ideal for being acquired as an element of the personal formal repertoire. He rather consciously recurred to former artistic transformations of the natural form for the sake of extracting and differentiating possible methods of The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts / Angela Bösl Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 5 Albert Frisch for Moritz Meurer, Heliotype of a photograph Figura 6: Giovanni Nisini for Moritz Meurer, bronze cast of a leaf of of a plaster relief (lower picture) with Acanthus leaves and lower, Acanthus mollis, bronze, wood, 15 x 11 x 5 cm, 1891/92, Archive of the published in Meurer‘s “Catalog der plastischen Planzenformen“, around University of Arts Berlin, inv.: 321-001 1899, 24 x 30 cm (relief size 54 x 72 cm), credits: Museum Waldenburg, Die Kulturgutscanner – Viola Rosenau credits: Die Photographische Sammlung/SK Stiftung Kultur, Cologne: 290 291 Susanne Fern The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts / Angela Bösl Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro In the case of Meurer’s templates, it thus seems legitimate to discuss copying as an epistemic method and creative technique that exceeds mnemonics and to a greater degree resembles the process of researching. In line with this argument, the diversity of the aids gains signiicance, too: On a basic level, the individual material characteristics of the aids, their intersections and deviations, their diverse levels of abstraction or concretisation catered to Meurer’s intended “gymnastics of independent thinking”38. Secondly, they promoted a differentiated analysis that again sharpened observation and reined visual perception. Finally, neither the collection of the aids nor the process of copying channelled a pre-formulated result such as a normative manner of drawing or a standard strategy of designing ornaments. Arguing more in the sense of Hans-Jörg Rheinberger’s “experimental system”39, I would rather describe the collection of aids as a quite open setting, which still gave directions but also allowed for individual research interests and results. In this reading, copying as a dynamic process of reproduction might be called an analytical and relective approach, which is not so much aiming at producing identity, but instead epistemically and aesthetically decisive differences.40 In consequence, copying as a method and process seems to follow the principle of variation, not imitation. adapting the vegetal motif. To meet this aim, the acanthus was, as Meurer visualized in his same-named publication showing numerous artistic variations of acanthus mollis and spinosus, undoubtedly a fertile case example. In doing so, Meurer’s methods of working on the natural and the artistic acanthus motifs and his teaching model as such truly aligned with the method of copying: Within Meurer’s curriculum, students started with naturalistic copies after nature. From these individualist features, they moved on to general ones by copying the type drawings and projections. Progressing from simple to complex conigurations, they subsequently reproduced the conigurations of perspective drawings of the casts and models. That Meurer’s understanding of this process of reproduction and its aims was yet indeed different, is irst implicitly proven by the criticism passed on his aids, which were alleged to be propagating formal schematism as a new style.36 What this reproach reveals is the common understanding of the teaching aids as stylistic samples, setting or spreading fashions and offering motifs for direct application. Meurer’s templates were in fact exactly not made for displaying prototype compositions ready to reuse. Nor were they intended as trendsetters of a new artistic style.37 Rather, they can be described as a means to developing a new style of perceiving form and conceiving ornament. First and foremost, however, they were objects of study for gaining basic formal knowledge – by the method of reproducing. With this determination, copying itself changed in its function: It was not aimed at gathering further completed motifs. Instead, it was employed as a technique to incorporate the constituent elements of a sample coniguration to discover its implicit organising principles. Conducted as a morphological examination, the process of copying also became a reconstruction of the evolution of the natural specimen. In the course of this examination, botanical information was not simply acquired in the sense of the reception of expert knowledge. It was rather cultivated, fused with each student’s practical knowledge, related with art historical content and processed individually. Transferring these considerations to the conference and its objectives, it inally seems worthwhile to rethink the practice of copying in 19th-century arts and crafts and its tools as an epistemic practice and to develop a new approach to teaching models and designing methods of that time. This would not only contribute to a historiography of a research-based design methodology before the wake of modernism. It could also encourage a historical perspective on present-day strategies of copying and pasting in design. 292 293 The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts / Angela Bösl Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro 8 Moritz Meurer, Planzenformen. Vorbildliche Beispiele zur Einführung in das ornamentale Studium der Planze; zum Gebrauche für Kunstgewerbe- und Bauschulen, Technische Hochschulen und höhere Unterrichtsanstalten sowie für Architekten und Kunsthandwerker, Dresden 1895. Notas: 9 After recent rearrangements of the exhibition display at the Kunstgewerbemuseum Dresden at Schloss Pillnitz, one room in the section on Art Nouveau is dedicated to Moritz Meurer, plant studies at the school of applied arts Dresden around 1900 and objects adapting vegetal and zoological forms for decoration and shape. Within this setting, also 19 bronze casts and sculpted bronzes of leaves, buds and stalks by Karl Blossfeldt, Louis Heitsch and the Roman bronze founder Giovanni Nisini are on display. 10 A part of the teaching aid collection including bronze casts and models as well as herbaria and photographs made by Karl Blossfeldt can be searched online: cf. http://www.universitaetssammlungen.de/modelle/suche/swp/ Design; http://www. photographie-sk-kultur.de/karl-blossfeldt/werke/ (30.08.2016) 1 Benjamin, Walter: Neues über Blumen, in: id.: Gesammelte Schriften, vol. 3, ed. by Hella Tiedemann-Bartels, 3rd edition, Frankfurt on the Main 1987, p.151-153, there p. 151. 11 Moritz Meurer, Die Ursprungsformen des griechischen Akanthusornamentes und ihre natürlichen Vorbilder, Berlin 1896. 2 For a biographical overview on Moritz Meurer and the institutionalization of his teaching model see also: Nancy Tanneberger, Von Waldenburg nach Rom. Der Maler und Kunstschulreformer Moritz Meurer (1839–1916), http://www.photographie-sk -kultur.de/ileadmin/user_upload/ download/Tanneberger_ 20090312.pdf, 10.08.2016. 12 To meet this aim, Meurer suggested to establish small gardens or green houses at the schools of applied arts or to go on joint walks in nature during the drawing classes. Cf. Meurer 1895, p. 42, 53. 3 Although the paintings themselves have not survived, some preparatory sketches and inal designs have remained and are today part of Meurer’s estate kept at Museum Waldenburg. 13 Cf. Meurer 1895, p. 54-56. 14 Most of the herbaria that have survived at the Archive of the University of Arts in Berlin came to the Unterrichtsanstalt by 1911-1913 and are ascribed to Karl Blossfeldt. It is however dificult to determine whether the latter originally manufactured them for Meurer or if they were generated in Meurer’s atelier in Rome. However, even if these remaining herbaria were not the ones used in the classes for plant drawing but only in Blossfeldt’s own classes, it is yet certain, that Meurer as well had dried plants preserved in similar boxes as teaching aids. See the photograph taken in his Roman atelier, showing a group of herbaria in: Jürgen Wilde: Karl Blossfeldt. Ein Lebensbild, in: Karl Blossfeldt. Fotograie, ed. by Ann und Jürgen Wilde, exhibition catalogue, Kunstmuseum Bonn, Ostildern 1994, p. 7-12, here p. 8. 4 For publications on Blossfeldt related with his works for Meurer and with his own classes in plant modelling at the School for applied arts of the Museum of Arts and Crafts Berlin see among others: Rajka Knipper: Die Sammlung Karl Blossfeldt in der Universität der Künste Berlin. Lehrmittel für den kunstgewerblichen Unterricht, hg. von SK Stiftung Kultur, Die Photographische Sammlung 2009, http://www.photographie-sk-kultur.de/ileadmin/user_upload/download/Knipper_20090312.pdf, 10.08.2016. 5 Archive of the University of Arts Berlin, Acta Planzenzeichnenklasse 7, no. 7, fol. 28 v. 6 Beside other contemporarily well-known authors like Karl Bötticher (1806– 1889) or Johann Eduard Jacobsthal (1839–1902) Meurer clearly labelled Frederick Edward Hulme and Victor Ruprich-Robert as two of his sources of reference. However, he partly critically reviewed them as–to his mind–they had not fully deployed the didactic potential of the tectonic properties of plants for the arts and crafts. Cf. Edward Hulme, Plants. Their natural growth and Ornamental Treatment, London 1874; Victor Ruprich-Robert, Flore Ornementale. Essai sur la composition de l‘ornement. Éléments tirés de la nature et principes de leurs application, Paris 1876. 15 Meurer 1895, p. 55. 16 Cf. ibd., pp. 40f, 54. 17 On the content of the lectures and their integration in the classes cf. ibd., p. 50-51. 18 Cf. Meurer, Moritz: Das Studium der Naturformen an kunstgewerblichen Schulen. Vorschläge zur Einführung eines vergleichenden Unterrichts. Berlin 1889, p. 39 7 Moritz Meurer: Die Ziele und Bedingungen des Naturformenstudiums an technischen Kunstschulen und meine Bestrebungen auf diesem Gebiete. Ein Vortrag gehalten auf der Wanderversammlung Deutscher Gewerbeschulmänner in Cassel. Dresden 1894, p. 30. 19 294 295 Cf. Meurer 1895, p. 44- 46. 20 Moritz Meurer (ed.): Meurer’s Planzenbilder, 20 parts (10 sheets each), Dresden 1896-1899. The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts / Angela Bösl Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro arts (2000), no. 459, pp. 25-31. 21 Indeed, the photos of Blossfeldt often are anything but showing nature as it is, but manipulated and primed plants, staged for being photographed. 35 James Page, Guide for the drawing of acanthus, and every description of ornamental foliage. Illustrated with upwards of two hundred wood-cuts, and sixty etchings on steel, London 1843. 22 Moritz Meurer to Ernst Ewald, 17th July 1892, Archive of the University of Arts Berlin, Acta Planzenzeichenklasse 7, no. 7, fol. 281-282. 23 Cf. Meurer’s comments on and his positive evaluation of the casts: Meurer Planzenformen 1895, p. 56. 36 Cf. the most critical review of Meurer’s “Planzenformen“ by Paul F. Krell, Eine Gefahr für den Zeichenunterricht in Deutschland, in: Münchner Neueste Nachrichten, 48. Jg (1895), no. 188, 24.04.1895, without pagination. 24 Some of these photographs were reprinted in Meurer’s series “Planzenbilder”. As a compete collection, the photos of the cast reliefs and models were published– with indications on measures and the sample plants–as parts of an order catalogue: Moritz Meurer, Catalog der plastischen Planzenformen. Eine Sammlung von Modellen nach der Natur in Relief- und Rundformen zum Gebrauche an technischen Kunstschulen, Dresden s. a. [1899]. 37 Meurer himself irmly emphasized that he was not intending to nor believing in the founding of a new style. To his mind, style evolved as a process. Therefore, even the study of nature was not the directly operant force generating a new manner of giving shape and designing. With regard to this conviction, it does not surprise at all that Meurer distanced himself from the exuberant loral or zoological designs of Art Nouveau. Cf. Meurer 1895, p. 33-35. 25 Meurer 1895, p. 56. 26 Cf. Meurer 1895, p. 47. 38 Archive of the University of Arts Berlin, Acta Planzenzeichnenklassen 7, no. 7, fol. 26. 27 Cf. Meurer 1895, p. 39. 28 Ibd., pp. 43f, 51. 39 Cf. Hans-Jörg Rheinberger’s deinition in: Experimentalsysteme und epistemische Dinge, 2nd edit., Göttingen 2002; id.: Augenmerk, in: id.: Iterationen, Berlin 2005, p. 51-73, here pp. 57–59. 40 29 In the late 19th century, the study of nature not only played the primordial role in the renewal of artisan production, education and the debate on ornament, but also was present in the renewal of the education system at the Academy in Berlin under its director Anton von Werner. Beside nature as a means he also relied on the didactic effect of exemplary works of arts. Still, composition not imitation constituted the aim of his approach – an aim, which can partly be correlated with Meurer’s intentions, who also disqualiied mimetic approaches as strategies in crafting and decoration. On the history of the Berlin Academy of ine arts see Ekkehard Mai, Die deutschen Kunstakademien im 19. Jahrhundert. Künstlerausbildung zwischen Tradition und Avantgarde, Köln/Weimar/Wien 2010, p. 261-289. 30 Cf. Meurer 1895, pp. 38, 40. 31 Ibd., p. 38. 32 Bruce Tattersall/Eva Wilson, Acanthus, in: The Dictionary of Art, ed. By Jane Turner, 34 vol., London 1996, vol. 1, pp. 109-112. 33 “The fatal facilities which the Roman system of decoration gives for manufacturing ornament, by applying acanthus leaves to any form and in any direction, is the chief cause of the invasion of this ornament into most modern works. It requires so little thought, and is so completely a manufacture, that it has encouraged architects in an indolent neglect of one of their especial provinces, and the interior decorations of buildings have fallen into hands most unitted to supply their place.“ Owen Jones, Grammar of Ornament, London 1856, p. 44. 34 Cf. Tattersall/Wilson 1996, p. 111; cf. Sabine Thümmler, Sources of Jugendstil in Germany. Facets of the renewal from nature, in: Apollo: The international magazine of 296 297 Cf. Rheinberger 2005, p. 68. Angela Bösl, M.A. studied Art History and History at Ludwig-Maximilians-Universität Munich, at Sorbonne (IV) Paris and the Freie Universität (FU) Berlin (2004-11). She worked, amongst other places, at the German Forum for Art History Paris and at the Max Planck Institute for the History of Science Berlin (2006-09). At University Museum Tübingen and within the graphic arts collections of the Louvre and the British Museum, she acquired experience in the ields of curating. After an academic traineeship at the City Museums Wetzlar (2011-13) she has since worked as a research associate at Cluster of Excellence “Image Knowledge Gestaltung“ at Humboldt-Universität Berlin. Since August 2016, as a doctoral researcher at the Center of Advanced Studies „BildEvidenz” at FU Berlin, she has been working on her doctoral thesis on Moritz Meurer and his teaching aid collection. Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX 298 299 Marize Malta Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX / Marize Malta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro lado, também é possível encontrar folhas de acanto, capitéis e vasos, especialmente se as escolas ofertavam cursos de arquitetura nos seus currículos, ao lado da pintura, escultura e gravura (neste caso, gravura de medalhas e pedras preciosas). O conjunto de modelos que empreendeu, por meio das cópias, diversos trânsitos, conigurava-se como um manancial de referências clássicas (antiguidade e renascimento) que serviam de paradigma para aprender a ver um certo padrão de beleza e de tipo de representação. Os escritos de história da arte diicilmente relacionam a produção de um artista ou a grandeza e provocação da arte com uma ação ornamental ou decorativa, por serem consideradas qualidades depreciativas no campo artístico, apesar de fazerem parte dele, e com especial intensidade, em ins do século XIX e início do XX. Como seria, então, pensar na formação de artistas consagrados na história da arte no Brasil e relacioná-los ao estudo e a trabalhos de lores, folhagens e itinhas... É o que veremos aqui, na medida que iremos abordar modelos de ensino que contemplam modelos de ornatos, que implicaram desenvolvimento de habilidades visuais para tudo aquilo que fosse decorativo, mostrando que nas escolas de artes, especialmente na Academia do Rio de Janeiro, durante o século XIX, desenvolveu-se um olhar decorativo (Malta, 2011). Ao se tratar sobre os modelos de ensino nas academias/escolas de Belas Artes ao longo de suas trajetórias, é comum encontrarmos referências a corpos humanos (narizes, bocas, mãos e pés), estatuária clássica (bustos, iguras e grupos) ou elementos arquitetônicos ligados às ordens greco-romanas, materializados em moldagens de gesso. As chamadas acadêmias eram recursos imprescindíveis até boa parte do século XX para o processo de aquisição da habilidade de saber ver e representar arte. E toda escola se esforçava para montar um conjunto signiicativo de referência para seu alunado. Nos muitos acervos de escolas de artes, com pelo menos mais de cem anos, espalhados pelo mundo, podemos visualizar peças recorrentes, como Laocoonte, o Discóbolo, o torso de Belvedere, Vênus de Milo, o Escravo Rebelde e o Escravo Moribundo, de Michelangelo... Ao seu O Museu D. João VI-EBA-UFRJ, legatário de obras de cunho didático da Academia Imperial (AIBA) e Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) do Rio de Janeiro, possui uma coleção de moldagens, gravuras e desenhos que, junto com as peças que estão em regime de comodato no Museu Nacional de Belas Artes (visíveis nas duas galerias de moldagens), dá conta das referências com que os estudantes lidavam na sua formação durante o século XIX, quando o método acadêmico estava em voga (Pereira, 2003). É incontestável a maciça presença de iguras humanas e dos elementos escultóricos e arquitetônicos de linguagem clássica. 300 301 A reincidência não foi fenômeno brasileiro, mas em grande parte do mundo europeu e pode ser observada por meio de algumas representações de espaços de estudos que acolhiam as moldagens em gesso, caso da tela de Johan Zoffany, de 1782, que retrata Charles Townley e seus amigos na biblioteca (Zoffany, Johann – Charles Towneley in his Sculpture Gallery – 1782. Towneley Hall Art Gallery and Museum). As peças ali estão como fontes de estudos, discussões, aprimoramento de gosto, uma elegia ao clássico, ao mesmo tempo que o pintor comprova sua competência em representar mimeticamente de uma só vez tantos modelos. De modo similar, na gravura do museu de sir John Soane, veiculada no Illlustrated London News (Sir John Soane’s Museum in Lincoln’s Inn Fields: The Monks’ Parlour - The Illustrated London News, 25 June 1864.), iguram muitos modelos arquitetônicos em meio a rostos, modelos e emblemas. Se as moldagens se faziam presentes em casas de particulares Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX / Marize Malta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e colecionadores, seus destinos mais garantidos foram as salas das academias, escolas de belas artes e de desenho. Cada instituição acabou por constituir conjuntos particulares, apontando por certas preferências comandadas por seus administradores e docentes de várias gerações coisas existentes. Ornar não se faz por acaso, é algo que demanda conhecimento. Também as coisas não são ornadas naturalmente, é preciso arranjar, pôr em ordem. Signiica que a condição ornamental não preexiste, não é dada pela natureza e, sim, fruto da cultura. No conjunto da Academia/Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, além das iguras da estatuária e arquitetura clássicas, há uma série de modelos de lores, folhagens e itinhas, chamados de ornatos e visíveis não só em forma de relevo, mas também encontrados em desenhos e gravuras. Se estes modelos são quantitativamente inferiores aos das iguras humanas e de arquitetura, não signiica que foram menos importantes. Contudo, a ausência de estudos sobre o repertório ornamental aprendido na formação do artista e desenvolvido na AIBA/ENBA acabou por reforçar uma ideia equivocada de sua pouca participação no processo de ensino-aprendizagem e de produção artística. Muito menos, encontramos estudos sobre sua repercussão. No século XIX era inconcebível pensar um mundo sem ornamento. Muitos artistas atuaram em trabalhos de cunho decorativo, executando relevos arquitetônicos, projetando vinhetas e capas de revistas, frisos e painéis decorativos para espaços interiores, diplomas e cartazes, estampas para papéis e tecido, objetos utilitários, cujo aprendizado dos ornatos foi fundamental. Contudo, a historiograia deu preferência a se aprofundar quase que exclusivamente na produção pictórica ou escultórica, ou seja, na criação estritamente visual, por mais que alguns artistas tivessem atuado em vários tipos de trabalhos artísticos. Enfeitar, o signiicado mais disseminado de ornar, veio do latim affactare, e expressa pôr adornos, arrebiques e enfeites; adornar, ornamentar, tornar-se bonito, alindar, embelezar, dar boa aparência (Moraes e Silva, 1877: 656; Moraes e Silva, 1949: 412; Aulete, 1881:611). É o vocábulo que assume constantemente o sentido de beleza, tornar-se belo. Quando ornar e, por consequência, decorar, estão expressamente relacionados à beleza, evidencia-se o objetivo da ação com os atributos da aparência, da forma, ou melhor, da boa aparência, da bela forma. A atividade de decorar – saber escolher e aplicar os ornamentos – estava ixada na formação dos artistas oitocentistas e transcorreu por várias gerações que aprenderam a lidar com a decoração em detalhes (Viana, 2015). Desde os primeiros tempos da Academia Imperial de Belas Artes, Desenho de Ornamentos, Pintura de Ornamentos e Escultura de Ornamentos estiveram presentes na oferta de disciplinas (Fernandes, 2001), o que pode ser atestado pelos desenhos de ornato em crayon de Henrique José da Silva, datados de 1827 (Fig. 1A e 1B), que deveriam ter sido usados como modelos para os alunos poderem copiar. Ornar O verbo ornar, do latim ornare, signiicava inicialmente por em ordem, arranjar. Depois passou a signiicar enfeitar. A ideia de ornar originou-se de um sentido de intervir para colocar em ordem, com objetivo de alcançar um estado de equilíbrio, uma beleza ideal. Ornar faz parte de ações que preveem arrumar, colocar as coisas em seus devidos lugares; intervenções conscientes sobre as 302 303 Das 126 pranchas de desenhos de Henrique José da Silva, por volta de 15 são de ornatos, sendo quatro com cupidos em diferentes conjugações, dois lorões e nove folhas de acanto. Indiscutivelmente, a folhagem-símbolo das belas artes se constituía como desaio de aprendizagem, com seus recortes e volteios, suas dobras e variações, sendo representação recorrente em termos de folhagem, despertando um processo de naturalização no imaginário de muitos artistas: – Se é artístico tem que ter folha de acanto! Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX / Marize Malta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Afora as moldagens, os alunos contavam com gravuras e livros. Os alunos de Pintura tinham a disciplina Desenho Figurado cuja primeira etapa consistia em cópia de estampas (Fernandes, 2001/2002: 36). A obra Le guide de l’ornemaniste (1826), por exemplo, já estava presente na listagem das obras constantes na biblioteca da Academia, lista feita a partir de levantamento de Félix Émile Taunay em 1850 (Fernandes, 2001: p.355-357). Em seguida, a partir de 1831, o desenho passou a ser ofertado pela disciplina Desenho de Moldagens (franqueado a todos os cursos – Arquitetura, Pintura de Paisagem, Pintura Histórica e Escultura), esclarecendo a partir de que suporte os olhares em formação estavam sendo canalizados e evidenciando a presença dos modelos em gesso para suporte didático. Ver lores e folhagens em relevos aguçava a percepção para facilitar criar com sutilezas os ornamentos internos e externos da arquitetura. E tudo poderia começar com uma folha de acanto. Daí as muitas gravuras e desenhos dessa folhagem presentes no acervo do Museu D. João VI-EBA-UFRJ. No conjunto de gravuras do acervo do Museu D. João VI, há estampas pertencentes às obras como: Études d’ornements aux deux crayons, de Adolphe Bilordeaux (1ª edição de 1846); Le portefeuille des ornemanistes, de J. Carot (sem data); ou simplesmente Cour d’Ornements ou ainda L’Ornement. Muitas gravuras vinham reunidas em forma de portfólios, em pranchas soltas, algumas com apresentação do conteúdo, por vezes fazendo-se referência da origem do ornato representado. Não custa lembrar que as gravuras eram depositadas na biblioteca da Academia e dialogavam com outras páginas de papéis, os livros didáticos. Com a reforma de 1855 e a abertura para o ensino industrial e curso noturno, as disciplinas voltadas ao ornato ganharam mais alunos nas décadas subsequentes. Para as disciplinas Desenho de Ornatos e Desenho de Ornatos e Figura, esteve à frente o professor João Maximiano Mafra (de 1856 a 1890), e na cadeira de Escultura de Ornatos, Honorato Manoel de Lima (de 1855 a 1863) e Antônio de Pádua e Castro (de 1863 a 1881). O desenho de ornatos era oferecido aos alunos do curso de arquitetura, imperando os modelos de ornatos arquitetônicos. Já Escultura de Ornatos, em mãos de um dos maiores entalhadores de sua época – Pádua e Castro, pôde se utilizar das moldagens ornamentais de modo a instruir os futuros escultores não só a aprender a ver, mas a fazer a decoração dos edifícios. O olhar para o ornato naquele momento se desenvolvia pela e para a tridimensionalidade (ig.2A e 2B). Os livros de repertório, como o de Owen Jones, de 1865, e de Albert Racinet, o primeiro de 1869-73 e o segundo de 1885-87, presentes na atual biblioteca de obras raras da EBA-UFRJ, herdeira da biblioteca da Academia, tratavam os ornamentos como categorias estilísticas e etnoculturais e eram dirigidos para auxiliarem artistas a desenvolverem novas composições baseadas na síntese ornamental que apresentavam. Mais do que deinirem ornatos, os livros buscavam ensinar pelos exemplos. Quantitativamente, gravuras e livros eram superiores às moldagens, imperando as fontes de estudo em duas dimensões. Do inventário das moldagens em gesso de 1858, constava a estatuária greco-romana e renascentista, mas também os ornatos, mencionados como 200 fragmentos, oriundos da Coleção da École des Beaux-Arts de Paris (Fernandes, 2001: 360). Provavelmente parte desses ornatos havia sido adquirida em compra de 1857 por Araújo Porto-Alegre, enquanto diretor da AIBA, de uma coleção de ornatos para aulas de escultura e desenho, como mencionava o documento (Fernandes, 2001: 361). 304 305 Enquanto uns acreditavam no ornamento enquanto poder de embelezamento de um objeto, proporcionando sensação de prazer no observador-usuário (Dresser), outros apontavam para seu caráter moral (“Educando o gosto se forma necessariamente o caráter” – Ruskin). Nas aulas adquiriam-se não somente meios técnicos, mas habilidades e compartilhamento de identidades, como a insistente folha de acanto, apropriada Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX / Marize Malta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro por muitas culturas e alvo de várias adaptações estilísticas que, em face de sua repetição e cópias ao longo dos tempos, transformou-se em motivo abstrato, capaz de se moldar a outras realidades e tempos. eram propostos por livros, muitos dos quais podem ser encontrados na biblioteca de obras raras da EBA-UFRJ. Porém, junto a isso, os livros com métodos de repertórios tirados da natureza funcionavam como contrapontos aos ornatos tradicionais e incentivavam os alunos a pensarem em criar seus próprios repertórios ornamentais. Flores, folhas e itinhas Após a reforma de ensino que passou a vigorar na Escola Nacional de Belas Artes, impulsionada pela reforma do sistema de educação por Benjamin Constant, a cópia dos modelos seria preterida em favor da valorização do método intuitivo, em que o aprendizado se valia dos sentidos e da observação direta da natureza (Dazzi, 2013). Para a formação geral dos cursos de Arquitetura, Pintura, Escultura e Gravura era oferecida, no terceiro ano, a cadeira de Elemento de Arquitetura Decorativa e Desenho Elementar de Ornatos (que perde o “Elementar” em 1911). Na fase do curso especial, somente para Escultura e Gravura, era ofertada a matéria Escultura de Ornatos (Viana, 2015: 117). Se as ordens arquitetônicas eram praticamente imutáveis, se as esculturas greco-romanas não possuíam variações, eram quase sempre as mesmas, variando em escalas, o mesmo não era válido para os ornatos. Há diversas linguagens impressas nas moldagens de ornatos constantes no Museu D. João VI (ig. 2). Composições de gosto gótico, renascentista, barroco, rococó, neoclássico e até mesmo arte nova. Desse modo, os estudantes que conviviam com essa variedade, em ins do século XIX, podiam desenvolver uma experiência visual mais diversiicada, menos subjugada aos modelos clássicos, apta a perceber pequenas diferenças entre as linguagens e escolas, além das formas de composição com múltiplos elementos reunidos, caso de frisos com candelabras e grotescos. O mesmo tema encontra relexos na biblioteca de obras raras, com livros de repertórios e gramática decorativa com motivos lorais, de itas e concheados, expandindo-se para letras, cartelas, monogramas e vinhetas. Mesmo assim, os modelos tradicionais em gesso continuaram a ser usados, o que pode ser observado por meio de fotograias dos ateliês da Escola Nacional de Belas Artes. Há também no acervo do MDJVI 14 moldagens de lores, folhas e itas provenientes da École Boule (igs. 2C e 2D), escola superior de arte aplicada parisiense, que adotou esse nome a partir de 1891. Embora não saibamos quando o conjunto foi adquirido pela ENBA, tudo índica que tenha sido empregado nas aulas de ins do XIX e primeiros anos do século XX. Apesar de ainda encontrarmos algumas folhas de acanto, visualizamos guirlandas, itas, folhas de carvalho, igo, agrião, folha d’água, mamão, e mais rosas, girassóis e peônias como motivos predominantes, desprendendo-se do domínio da linguagem clássica e de seus motivos decorativos. Essa sistemática poderia ter sido uma facilitadora no processo de criação de repertórios locais, que partiam da experiência do natural para criar repertórios decorativos, cujos exercícios já 306 307 As obras Exercices de Compositions Décoratives, d’après la nature e Essais de Décoration d’Aprés la Nature, presentes nas Obras Raras da EBA-UFRJ, que se propunham iniciar os alunos à composição decorativa aplicada à indústria, ofereciam vários modelos de lores, plantas e vegetais, desenvolvidos a partir da observação direta da natureza. Cada prancha, de autoria de M. Chevry, denominado artista-pintor, apresentava o desenho do espécime botânico como se oferecia no momento da lorescência, acompanhado de projetos criados por ele para aplicação decorativa da estilização da planta, como frisos para pirogravura, sanefas, capitéis, estamparia para tecidos, azulejos, molduras para cartões, decoração para pratos, etc. (ig. 3A). Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX / Marize Malta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e simetria (uniformidade, repetição, declinação, variação, unidade, variedade); ordem e disposição das formas (séries, conjugação, disposições variadas, múltiplas, aglomerações); disposições iguradas, coordenadas e construídas; desenvolvimentos (combinações, aplicações, partições, compartimentação e ajustes). Com essas habilidades adquiridas, seria possível a criação de ornamentos totalmente novos. Chevry seguiu os passos de Eugéne Grasset, que lecionou entre 1890 e 1903 na École Guérin e desenvolveu em 1896 obra intitulada La plante et sés apllications ornamentales (A Planta e suas Aplicações Ornamentais), como L’Animal dans La décoration (O animal na decoração) e Méthode de Composition Ornamentale (Método de Composição Ornamental). Seu curso e obra obtiveram reverberações no Brasil, com destaque para Eliseu Visconti, Lucílio de Albuquerque e Theodoro Braga. Em anotações de cadernos dos dois primeiros artistas são apreciáveis os registros do processo de sintetização da forma e os métodos para transformação do modelo, retirado a partir do olhar para a natureza, para se conseguir o efeito decorativo do ornato (Teixeira Leite et al, 1979). Em desenhos e aquarelas de Henrique Bernardelli também se faz presente vários estudos de lores e folhas a partir da natureza (ig. 3B). Por outro lado, para se alcançar o domínio de criação ornamental, haveria que se dar o desenvolvimento da capacidade visual para o ornato, alcançado durante as aulas na Academia/Escola Nacional de Belas Artes. Uma das funções do ornamento seria iluminar a imaginação (Bloomer, 2000) e, portanto, os exercícios de cópias de lores, folhagens e itinhas tinham seu papel na formação do olhar para os detalhes e seus usos decorativos. Para criar seu próprio ornato, seria necessário primeiro compreender a natureza do ornamento. Das leis de composição, Charles Blanc destacava: repetição, alternância, simetria, progressão, confusão, consonância, contraste, radiação, gradação, complicação (Blanc, 1881: 1-28). Estas regras eram consideradas as bases nas quais o ensino da criação das formas poderia se apoiar. Desenhos esquemáticos exempliicavam várias regras, facilitando sua compreensão. Segundo Henri Mayeux, as normas seriam baseadas na razão e no bom senso, porque gosto, originalidade e imaginação não eram ensinados (Mayeux, 1885: 8). Ele ditava regras da forma isolada (proporção, do peril, contorno, da estabilidade); do décor e motivos ornamentais (tipos de motivo: da natureza, da invenção, da geometria); da aplicação do décor à forma (da divisão das superfícies, os intervalos, do sentido dominante, dos efeitos visuais, da escala decorativa, da variedade e similitude de detalhes, da contiguidade de motivos, da verossimilhança, da decoração como fundo); do conjunto (função, conveniência, qualidades superiores). Alguns autores ofereciam métodos para criar os ornamentos a partir de exercícios geométricos. Na sua gramática elementar para o ornamento (1881), Bourgoin apresentava a maneira de lidar com essa nova linguagem – a visual – através da aprendizagem do alfabeto gráico. O livro era dividido em quatro partes, do conhecimento mais elementar ao mais complexo: 1) alfabeto gráico e conjugação; 2) iguras; 3) partições; 4) motivos e disposições. Em obra posterior (1883), Bourgoin acrescentou noções pormenorizadas para compor ornamentos, desenvolvendo noções de: fundamentos (número, grandeza, quantidade, coordenadas, escalas); delineações (linhas retas, curvas); formas fundamentais e formas corporais; regularidade O conhecimento da composição parecia de tal modo difundido e creditado como fundamental que até as obras ligadas à prática inseriam noções de geometria aplicada. É o caso de Traité d’ébenesterie et de marqueterie (Fourier, 1905) que, ademais a tradicional descrição das características da madeira e modos de trabalhá-la, oferecia noções sobre linhas, curvas, polígonos, ângulos e concordâncias de curvas e noções de arquitetura, com a apresentação das ordens clássicas. O mesmo se aplica a Traité de peinture en bâtiment et de décoration (Chauvet), que traz os princípios fundamentais da decoração, incluindo a teoria das cores, antes de apresentar os exemplos e suas respectivas explicações. 308 309 Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX / Marize Malta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 2 – Moldagens de ornato. Gesso. Acervo do Museu D. João Figura 1 – Grupo de desenhos de ornatos. Acervo do Museu D. João VI-EBA-UFRJ. Figura 2A- Ornato com rocalha e folha de acanto - 64,0 VI. 1a e 1b – Desenhos de folhas em crayon de Henrique José da Silva, x 38,0 X 8,0. Reg.3418. Figura 2B – Rosas com hastes sobre placa - 44,5 1827. Figura 1c – Desenho de ornato em carvão de Antonio Bernardo do x 27,0 x 4,0. Reg. 2233. Figura 2C – Fita sobre placa. École Boule - 40,5 x Patrocinio, 1858. Figura 1d – Desenho de ornato em carvão e crayon de José Alves das Neves, 1863. 25,5 x 8,0. Reg.2236. Figura 2D – Peônias (Pivoines). École Boule - 30,0 x 310 311 41,0 x 10,0. Reg 2277. Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX / Marize Malta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Em ins do século XIX, os artistas brasileiros passaram também a criar seus próprios repertórios ornamentais, buscando desenvolver motivos de síntese da natureza, alguns com caráter nacionalista. Eliseu Visconti criou vasos com lores de maracujá, Theodoro Braga criou seu álbum A planta brasileira (copiada do natural) aplicada à ornamentação (1905), valendo-se de plantas e animais recorrentes em território brasileiro como café, cacau, vitória-régia, macacos, peixes, tendo adicionado pranchas com repertório marajoara em 1914 (Coelho, 2012: 113). retirados na reforma realizada em 1922, a qual acrescentou galerias, ocupando parte da área do pátio interno. Labor, veritas, contantia, nobilitas, gloria, vita, amor, ars (Fig. 4). Com cores vibrantes e efeitos de vidro liso, iridescente e martelado, com disposição dinâmica e harmonicamente inscrita nos círculos, com variedade e unidade, o efeito decorativo é inegavelmente alcançado, por olhos que foram devidamente treinados por modelos de lores, folhas e itinhas. Parte dos estudos para esses vitrais se encontra no acervo do Museu Mariano Procópio e na Pinacoteca do Estado de São Paulo, devidamente identiicados e assinados, permitindonos comprovar que se tratam de peças de autoria de Henrique Bernardellli, cujas peças materiais estão salvaguardadas no Museu D. João VI-EBA-UFRJ. O labor, representado por colmeia com abelhas (Fig.5a); o amor, com grande buquê de rosas (Fig. 6a); a arte, com pedestal e folhas de acanto (Fig. 7a). Do projeto inicial, algumas adaptações foram feitas para o produto inal, subtraindo-se pedestais, colmeias e abelhas e dando-se preferência representar apenas lores, folhas e itinhas (Figs. 5b, 6b e 7b). Cada palavra escrita em latim assenta-se sobre uma ita branca, cujas pontas se dobram em curvas que desaparecem em meio a folhagens. Variadas lores e folhas, cada uma delas se adequa ao círculo e à alegoria (rosas para o amor, digitalis para o trabalho, oleandro para a nobreza), emoldurada por faixas vermelhas e amarelas, com amarrações e “X” em cor azul, criando uma união compositiva. Os vitrais foram pensados para serem visualizados em conjunto (Fig. 4). Modesto Brocos, em texto que discutia o ensino das belas artes e a crítica da direção de Rodolfo Bernardelli, dizia: As artes ornamentais são as que mais se precisa desenvolver no atual momento; estas preparam os oiciais de todas as proissões, (...). Isto trará outras vantagens: os produtos manuais feitos com inteligência artística ao passarem as nossas fronteiras, irão mostrar às nações vizinhas o bom gosto que distinguirá nossos artefatos (Brocos, 1915, p.16-17). Em ins do século XIX muitos artistas se aventuraram no campo das artes decorativas, criando ilustrações, capas de livros e revistas, diplomas, projetos gráicos, de decoração e de pintura decorativa, predominando ornatos em planaridade, mais de cunho gráico e pictórico. Muitos desenhos projetivos de Rodolfo Amoedo e Henrique Bernardelli podem ser vistos nos acervos do Museu Nacional de Belas Artes, Pinacoteca do Estado de São Paulo e Museu Mariano Procópio. Eram artistas que lidavam com lores, folhagens e itinhas. Para a decoração do novo prédio da Escola Nacional de Belas Artes na avenida Central foram pintados personagens célebres para a arte no Brasil e executados relevos remetendo às civilizações antigas, presentes na fachada do prédio, e para os interiores foram projetados vitrais que, pelo que tudo indica, icavam voltados para o pátio interno do edifício, sendo 312 313 A arte (Fig.7), da qual todas as alegorias partiram, manteve como representação um dos ornatos mais presentes nos modelos em desenho e gesso na Academia, a tradicional folha de acanto. Proveniente dos gregos, considerados os ancestrais da arte ocidental, a folha representada por Bernardelli se conigura como uma síntese de todas as folhas de acanto que ele e muitos de seus contemporâneos viram pelas paredes e nas gravuras da biblioteca da Academia/Escola. Desde os desenhos de Henrique José da Silva, passando por pranchas Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX / Marize Malta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro de gravuras e manuais franceses e pelas variações do acanto em moldagens em gesso, essa folhagem perpassou os olhos atentos de gerações e gerações de aprendizes das belas artes, sendo uma das folhagens mais representativas do ensino da arte, uma genuína representante das belas artes. Bernardelli provavelmente conhecia suas simbologias. Diante de seus signiicados, “o acanto é algo poético que lembra a pureza de caráter, perfeição moral e trabalho honesto” (Chevalier; Gheerbrandt), bastante pertinente para o percurso de um artista de entresséculos. Se suas folhas eram fortemente decorativas, eram seus espinhos que lhe conferiam a representação do triunfo, da vitória de quem soube vencer os espinhos, as provações e percalços. Guiados pelo amor à arte, os artistas bem sabiam o quanto de trabalho (labor)(Fig. 5) e perseverança (contantia) eram necessários para poder representar tudo aquilo que a mente imaginasse ou estivesse apresentado diante dos olhos, encontrando a sua verdade (veritas)(Fig.8). O caminho da arte demandava um projeto de vida (vita), ao mesmo tempo que podia transformar a vida das pessoas com suas criações, enobrecendo-as (nobilitas)(Fig.9), especialmente se fossem criações decorativas que, por sua natureza, conviviam na trivialidade do dia a dia das pessoas. A provação vencida se transformaria em glória (gloria)(Fig.10), sonho de todo artista em ver seu trabalho reconhecido. Hoje, Henrique Bernardelli teve seu trabalho decorativo reconhecido – os vitrais. Alcançou o reconhecimento da sua arte decorativa, auxiliando a reconhecê-la também na Academia/Escola. Com todas essas alegorias e com tantos modelos ornamentais, cheios de lores, folhas e itinhas, lá se vão 200 anos de provação. É hora de reconhecer que a arte decorativa também faz parte desses 200 anos. A arte também é feita de lores, folhas e itinhas. 314 315 Marize Malta é professora de história da arte/ artes decorativas/ ambiências interiores na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduada em Arquitetura (USU), mestre em História da Arte (EBA-UFRJ) e doutora em História (UFF). Seu domínio de investigação é em história e teoria das ambiências, artes decorativas, arte doméstica, objetos do mal, coleções e modos de exibição. É líder dos grupos de pesquisa ENTRESSÉCULOS: mudanças e continuidades nas artes no Brasil nos séculos XIX e XX e MODOS – História da arte: modos de ver, exibir e compreender. Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX / Marize Malta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 3 – Ornatos a partir da natureza. Figura 3A - Prancha do livro de M. Chevry. A lor Phlox e sua aplicação ornamental. Acervo das Obras Raras-EBA-UFRJ. Figura 3B - Desenho de lores a partir da natureza. Figura 4 – Conjunto de oito vitrais circulares pertencentes ao acervo do Henrique Bernardelli. Aquarela e graite sobre papel – 21,7 x 29, [s.d.]. Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Museu D. João VI-EBA-UFRJ, com representação do trabalho, verdade, 316 317 constância, nobreza, glória, vida, amor e arte, escritos em latim. Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX / Marize Malta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências bibliográicas: GRASSET, Eugéne. La plante et ses applications ornementales. Paris : E. Lévy Éditeur, 1896. Disponível em http://www.calameo.com.br/ read/00039773e60d2151af40. AULETE, Francisco Julio Caldas. Diccionario contemporaneo da língua portugueza. Lisboa:Imprensa Nacional de Lisboa,1881.2V. JONES, Owen. La grammaire de l’ornament. Londres : Bernard Quaritch, 1865. BLANC, Charles. Grammaire des arts décoratifs. Paris: Librairie Renouard, 1881. BLOOMER, Kent. The Nature of Ornament. Rhythm and metamorphosis in architecture. New York: W.W. Norton & Company, 2000. LIMA, Solange Ferraz de. O trânsito dos ornatos. Modelos ornamentais da Europa para o Brasil, seus usos (e abusos ?). Anais do Museu Paulista. 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Ver para crer: visão, técnica e interpretação na academia. Rio de Janeiro: Escola de Belas Artes, 2013, p.89-100. 320 321 Da École Guérin à Bauhaus Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes 322 323 Marcele Linhares Viana Da École Guérin à Bauhaus Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes / Marcele Linhares Viana Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro de contratação na própria Escola, que investe na renovação docente como forma de permitir a entrada de novas tendências no sistema de ensino. Isto já se inicia com as encomendas enviadas pelos pensionistas, mas efetua-se principalmente, com as novidades acadêmicas – e extra-acadêmicas – que os artistas compartilham com os alunos da instituição. Deste modo, mostra-se importante a investigação acerca dessas instituições e da sua contribuição para o desenvolvimento das artes decorativas no ensino no Brasil. A inluência que o Brasil recebe, desde o século XIX, do sistema de ensino francês pode ser notado já nas primeiras ações para a criação da Academia Imperial de Belas Artes em 1816, com a contratação da Missão Artística Francesa. Por conta desse laço e pelo fato de Paris ser, depois de Roma, o destino artístico de referência para o ensino na época, os alunos pensionistas da Escola, em geral, complementam seus estudos acadêmicos em algumas das principais escolas de arte da cidade. O relexo do desenvolvimento da arte decorativa francesa começa a ser percebido no ensino artístico no país após o retorno desses pensionistas e da divulgação das ideias adotadas em suas produções artísticas, como ocorre com Eliseu Visconti no início do século XX. Na França, o ensino artístico da Academie e da École des Beaux-Arts não inclui o aprendizado de arte aplicada. A instrução técnica ica a cargo de outras escolas, a mais antiga delas é a École Royale Gratuite de Dessin, fundada em 1766 por Jean-Jacques Bachelier, e que se mantém ao longo dos séculos XVIII e XIX com diferentes nomes: École Royale de Dessin et de Mathématiques en Faveur des Arts Mécaniques (1823) e École Nationale des Arts Décoratifs (1877). Neste período, alguns pensionistas da AIBA, alunos de arquitetura, estudam temporariamente na instituição antes de ingressarem na École des Beaux-Arts. A instituição muda novamente de nome, para École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs (EnsAD), em 1925. (PEREIRA; 2001-2002; p123) A École Royale Gratuite de Dessin aparece como modelo institucional na argumentação de Lebreton em defesa do ensino casado entre artes e ofícios na Escola Real de Artes, Ciências e Ofícios, no Brasil. O francês destaca a iniciativa de Bachelier, ex-aluno da Academie, a qual “se escandalizou porque um de seus membros se abaixava até os operários, prostituindo assim a nobre arte do desenho.” (BARATA, 1959, p301) O processo de remodelação do ensino pelo qual passa a ENBA após a Proclamação da República se estrutura com base em modelos educacionais ingleses e norte-americanos, porém, a formação do que podemos chamar de “pós-graduação” de um grupo de alunos ocorre nos estudos fora do país. Este período é fundamental para a complementação da formação artística já que ocorre quando os artistas se encontram mais amadurecidos e, geralmente, dispostos e encontrar ou deinir uma identidade para seus trabalhos. Se considerarmos que a virada do século conigura-se como um período de efervescência cultural e de uma especial diversidade de vanguardas modernas na arte, compreendemos o ambiente cultural que os alunos de excelência da ENBA encontram na capital francesa. Esses ex-alunos retornam ao Brasil com grande possibilidade 324 325 Outra instituição francesa frequentemente citada nas biograias de alunos pensionistas da ENBA, em Paris, é a École Guérin. A École Normale d’Enseignement Du Dessin ica conhecida pelo nome de seu idealizador, o arquiteto francês Alphonse Guérin, que funda a instituição em 1881. A escola de iniciativa privada oferece ensino artístico gratuito – de composição decorativa, história da arte, anatomia, perspectiva etc – e conta com a Da École Guérin à Bauhaus Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes / Marcele Linhares Viana Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro contribuição de professores voluntários e com pequeno auxílio governamental. A instituição ganha prestígio na França após ter seus alunos como vencedores de importantes concursos de arte e de composição decorativa entre os anos de 1891 e 1894. A École Guérin oferece diferentes cursos voltados para diversas áreas artísticas, porém, o curso de arte decorativa, que abre a primeira turma em 1890, contribui para a formação nesta área do artista brasileiro Eliseu Visconti. Após abandonar a École Des Beaux-Arts, Visconti se matricula na École Guérin no curso de Arte Industrial e Composição Decorativa, oferecido pelo artista suíço Eugène Grasset. Experiente na área de arquitetura, decoração e gravura, Grasset começa a lecionar na França na École “de la rue Thévenot”, instituição do sindicado dos ourives, em 1875, onde ministra um curso de princípios gerais da decoração. Grasset inicia seu trabalho na École Guérin, em 1890, onde permanece até 1903. Nos anos de 1903 e 1904, leciona na École d’Art graphique “de la rue Madame” e, dá continuidade ao mesmo trabalho na Académie de la Grande Chaumière, até 1913. A partir deste ano, Grasset passa a lecionar história do desenho e de tipograia na École Estienne, onde permanece até sua morte, em 1917. Grasset possui uma formação diversiicada, inluenciada pela obra de Viollet-le-Duc e pelo trabalho de William Morris, graças à inluência direta de Walter Crane. Filho de um decorador e escultor, ele estuda arquitetura em Zurique e após se formar visita o Egito. A partir desta época, passa a ser um admirador da arte não europeia, como a africana e a japonesa. Trabalha como pintor e escultor em decorações de teatros, e como decorador na fabricação de móveis, tapeçaria, cerâmica, ourivesaria e relojoaria. O artista atua ainda como ilustrador e na criação de estampas para papéis de parede, mosaico, vitrais, litograia e gravura. O engajamento proissional de Grasset no apoio às artes decorativas é percebido através de suas atividades junto a grupos e associações deste ramo. O professor da École Guérin é autor dos livros La Plante et Sés Aplications Ornamentales1 (1896), ilustrado por nove de seus alunos, com 144 modelos vegetais decorativos, organizado em dois volumes; L’Animal Dans La Décoration (1897), ilustrado por Maurice Pillard-Verneuil; e Méthode de Composition Ornamentale (1905). Nestas obras, registra o seu conhecimento acerca do processo de estilização artística e da composição ornamental, além de promover a estética art nouveu. Grasset é professor na École Guérin e na Académie de la Grande Chaumière de alguns pensionistas da ENBA como Eliseu Visconti, Theodoro Braga e Lucílio de Albuquerque. Além de adotarem seu modelo de ensino em suas aulas e cursos, os artistas fazem uso das publicações de Grasset como inspiração para o processo de estilização de motivos ornamentais inspirados na natureza brasileira, que encontramos em produções artísticas e em livros, como o editado por Braga – A Planta Brasileira Copiada do Natural Aplicada à Ornamentação – em 1905.2 As aulas de Grasset inluenciam a produção de arte decorativa de Visconti que, ao retornar ao Brasil, promove uma exposição intitulada “Pintura e Arte Decorativa”, em 1901. Após a mostra, o artista investe na produção de cerâmicas e produz trabalhos no campo das artes gráicas e de pintura decorativa. Embora alegue que não recebe apoio em suas produções de arte decorativa, nos anos 1930, Visconti coordena e leciona em um curso de Extensão Universitária, promovido por Flexa Ribeiro na Escola Politécnica da URJ. 326 327 Antes mesmo da criação de um curso de graduação de Arte Decorativa pela ENBA, e um ano após o estabelecimento da cadeira de Artes Aplicadas – Tecnologia e Composição Decorativa é aberto um curso de extensão voltado para esta área, dentro da Universidade do Rio de Janeiro. A extensão universitária, coordenada pelo pintor Eliseu Visconti, funciona na Escola Politécnica, a partir de 1934. Visconti contribui para o início do ensino de Arte Decorativa baseado nos princípios franceses, porém em busca de uma arte (decorativa) de caráter nacional. Da École Guérin à Bauhaus Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes / Marcele Linhares Viana Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro para procurar inspiração em motivos regionais, enchendo os seus cadernos de composições estilizadas dos frutos e folhas do cafeeiro e das ramadas do maracujá.” (BARATA, 1944, p301) De fato, Visconti, desde 1901, já realiza obras com esta temática, entretanto, a principal característica destacada pelo professor no curso é o compromisso com a arte decorativa de caráter nacional. A estrutura do curso revela um conjunto de estudos e análises que Visconti realiza, desde o início de sua carreira, e que são anotadas em pequenos cadernos, onde podem ser encontrados ainda diversos desenhos de selos, luminárias, cerâmicas ao lado de frases como “trabalhar dez anos sem desfalecimento e parecer um dia” ou “sem pesquisa, sem procura, não pode existir nenhuma criação nova”. (ARESTIZABAL, 1983, pp33-34) Nesses documentos, estão registros diversos, como: a admiração que o pintor tem pela arte japonesa, suas cópias de Leonardo, seus comentários sobre John Ruskin, suas comparações entre artistas etc. Também se encontram nos cadernos algumas referências bibliográicas, como “Decoration Ceramique na ferry de meufle.”, e recortes de jornal, como “‘La peinture décorative est une convention greffée sur une autre convention: Lei il ne s’agit plus donner l’illusion de la vie réelle, mais de décorer une muraille qui doit malgré tout conserver son aspect de solidité’, pour Victor Fulconis”. Dentre as anotações, os temas “composição decorativa”, “decorativo” e “decoração” são frequentes: “‘Composição’: lora e igura; igura e arquitetura; igura e elementos geométricos; plano e côncavo; redondo e chato; trabalho e não trabalho; vazio e cheio-claro-escuro; ‘verdade, vida, observação’”.3 Além deste conteúdo, contribui para a composição do programa do curso de extensão, informações extraídas do regulamento da École des Arts Décoratifs de Paris, enviada à Visconti, através de correspondência datada de 1934, por seu cunhado, Jules Palombe. O artista, porém não está apenas interessado nas novidades das escolas europeias, mas se compromete com a criação de uma arte nova nacional. Dentre os motivos decorativos utilizados por Visconti no curso e em suas produções predominam os inspirados na lora brasileira, como o café, o fumo, o maracujá, a begônia etc. A estilização da arte brasileira através da criação da arte decorativa, frequente no discurso de Visconti, torna-se um marco para o ensino de arte decorativa no Rio de Janeiro. Segundo Frederico Barata, “em 1936 e 1937, quando [Visconti está] lecionando nos Cursos de Extensão Universitária, ele se afasta um pouco da tradição europeia O curso de extensão começa a se concretizar em 1933, iniciando suas atividades em 1934 e permanece até 1936 sob comando do artista, porém há registros de que mesmo após a saída de Visconti, o curso tem continuidade com outros professores. Em 25 de maio de 1934, Visconti escreve uma espécie de justiicativa do curso, onde airma que “a arte decorativa é possuidora de um domínio inesgotável” do qual é possível retirar ininitas composições: “Este curso vem suprir as falhas das nossas indústrias nascentes: a educação de arte.” (ARESTIZABAL, 1983, p33) Neste documento, o pintor ainda ressalta que o estudo de uma “arte brasileira” deve ser feito continuamente e não apenas em “algumas lições”. Visconti apresenta as fontes da decoração em quatro itens: 1º a geometria, 2º a lora, 3º a fauna e 4º a igura humana “e tudo mais que nos rodeia na vida.” (ARESTIZABAL, 1983, p34) Em seguida, apresenta a dupla inalidade do curso: a primeira, para ins artístico-industrial, focado no estudo do desenho; e a segunda, para o formar professores de desenho em artes aplicadas e decorativa, como segue descrito no programa.4 Visconti adota na metodologia do curso um critério que distingue a parte geométrica da inspiração naturalista. No primeiro ano, apresenta a geometria e técnica; e no segundo, lora, fauna e paisagem. O primeiro segmento é subdividido em: ponto, linhas, letras, festões, triângulos, quadrados, curvas harmônicas, hexágonos; e na parte técnica, o emprego do ferro forjado, pratos, papéis pintados, “maqueterie”, vitral, capas de livros, selos, monogramas, relógios, lampiões, leques etc. (ARESTIZABAL, 1983, p116) 328 329 O curso de extensão de Visconti possui papel fundamental no Da École Guérin à Bauhaus Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes / Marcele Linhares Viana Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro campo do ensino de arte decorativa no Rio de Janeiro, pois serve como referencial para a cadeira de Arte Aplicada – Tecnologia e Composição Decorativa que é criada na ENBA na mesma época e norteia os primeiros programas do curso de graduação de Arte Decorativa que é criado em 1948. A disciplina voltada especialmente para o ensino da composição artística para os meios industriais, da pintura decorativa, dos estudos cenográicos e de interiores, contemplando sua aplicabilidade à diversos materiais é criada na ENBA a partir das reformas documentadas pelo Regimento de 1931. para as artes visuais e para a arquitetura. Cavalleiro atua em praticamente quase todos os seguimentos relacionados na época às artes decorativas: ilustração, caricatura, pintura decorativa, publicidade e propaganda (cartaz) e teatro (indumentária/ cenograia). Em seu programa da cadeira de Arte Decorativa são apresentados 11 temas de aulas:8 Neste Regulamento, a primeira disciplina voltada especialmente para o ensino de arte decorativa é divida em duas partes. A primeira parte “tratará da tecnologia das artes menores (mobiliário, vitrais, cerâmica, etc) e composição decorativa de todas essas modalidades de indústria”5, a segunda parte não apresenta descrição. Em 1933, o título da matéria é abreviado para Arte Aplicada e, em seguida, modiicado para Arte Decorativa6. Ao longo das décadas de 1930 e 1940, a matéria Arte Aplicada/Arte Decorativa tem dois professores. O arquiteto Roberto Lacombe assume a disciplina em 19337 e permanece até 1936, icando interinamente em 1937. O segundo professor, que inicia no cargo em 1937, é o pintor e ex-aluno da ENBA Henrique Cavalleiro (Rio de Janeiro, 1894 – 1975). No programa de sua disciplina, na descrição da primeira parte do curso, no item Composição é destacada a “importância da cor na decoração. Valor. Tom. A teoria das complementares e dos contrastes”9 e as Fontes de Inspiração são divididas em “não igurativa (geometria)” e “igurativa (a natureza)”, esta última “compreende o reino vegetal, o reino animal, a paisagem e as invenções do homem”10. Em Ritmos da Composição, são destacados no item Motivo: as conjugações, a repetição, a simetria e a alternância. A seção Estilização é dividida em itens: estilo; imaginação ou invenção; materiais; natureza técnica do objeto; situação, proporção e singularidades das superfícies a decorar. No item Aplicações à Indústria, são indicados “técnica, história e exercícios especializados”11 em onze temas: vidro; cerâmica; indumentária; metais; joalheria; tapeçaria; bordado, ilet e renda; encadernação; desenho de ilustração (iluminura); composição tipográica (o jornal e o mestre) e madeira (mobiliário, marchetaria e entalhe). A sua relação com as artes decorativas, no entanto, reside além de sua formação na ENBA e em institutos de arte na França. O artista, desde o início de sua carreira, destaca-se nos trabalhos de pintura decorativa, inclusive premiadas nas Exposições Gerais. Na época em que assume a vaga de professor de Arte Decorativa, Cavalleiro já é casado com Yvonne Visconti, ilha de Eliseu Visconti, que se torna referência na área ao ministrar um curso de extensão universitária na Escola Politécnica da URJ entre os anos de 1934 e 1936, no qual Yvonne e Cavalleiro são seus alunos. Cavalleiro defende o conceito de arte decorativa que, de certa forma, relete o pensamento dos teóricos europeus, que airmam que a origem da arte está na arte decorativa e que sua importância compositiva é fundamental para contribuir O ensino se baseia na composição através do desenho e nos estudos de forma e cor, processo fundamental para estilização dos motivos decorativos. Na tese de concurso apresentada por Cavalleiro, em 1952, para provimento da cadeira de Pintura, o artista esclarece a importância para ele do desenho no ensino artístico: “No sentido literal em que é tomada, a palavra ‘desenho’ possui bem mais ampla signiicação. Exprime volume, proporção, fórma, claro-escuro, equilíbrio, rítmo, movimento.” (CAVALLEIRO, 1952, p12) Em relação ao trabalho com as cores, Cavalleiro especiica sua aplicabilidade diferenciada para a pintura e para a arte decorativa. “O efeito do contraste, em pintura é obtido por meio da oposição de um tom quente a um tom frio, ou por meio do claro-escuro. Tais efeitos, em arte 330 331 Da École Guérin à Bauhaus Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes / Marcele Linhares Viana Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro criação”, e outra de “demonstração em matéria deinitiva”. As disciplinas que se destacam são Composição Decorativa, Arquitetura Analítica e Decoração de Interior, ministradas por professores catedráticos.14 decorativa, se tornam mais amplos, estendendo-se ao jogo dos complementares.” (CAVALLEIRO, 1952, p30) O programa da cadeira regido por Cavalleiro apresenta elementos comuns ao currículo do curso de extensão universitária dirigido por Eliseu Visconti. Nele, as inluências da arte decorativa francesa da virada do século, como do art nouveau, adaptadas ao conceito de nacionalização da arte brasileira. Os processos de estilização através do exercício compositivo de diferentes tipos exercitam, sobretudo, a capacidade criativa do aluno. É esta independência de que Cavalleiro fala em suas citações e que parece ser qualidade fundamental para o artista que pretende atuar no campo da arte decorativa. Cavalleiro deixa a frente da cadeira de Arte Decorativa em 1949, quando entra em vigor as reformas previstas pelo regulamento de 1948. O Regimento Interno da Escola Nacional de Belas Artes começa a ser gerido no ano de 1946, logo após a saída do curso de Arquitetura da Escola.12 No documento, a instituição se (re)deine como Escola destinada ao “ensino de grau superior, técnico e estético das artes que têm como fundamento o desenho.”13 O ensino artístico pautado no desenho já está presente na metodologia da Escola desde o século XIX, porém sua reairmação neste momento parece funcionar como uma âncora que marca a tradição da instituição mesmo com a inserção de dois novos cursos e o deslocamento do ensino de arquitetura para outra a Faculdade Nacional de Arquitetura. O professor Quirino Campoiorito assume a cátedra já no primeiro ano. A história do curso de graduação praticamente se confunde com a trajetória do catedrático, pois Campoiorito se engaja na defesa das artes decorativas dentro da Escola de forma intensa e promovendo atualizações fundamentais nesta área. No curso regular, Campoiorito ministra a principal disciplina do curso, Composição Decorativa. A partir do Regimento de 1948, o catedrático organiza o curso de Arte Decorativa, com a colaboração de professores auxiliares, para Composição Decorativa e, com apoio complementar de docentes contratados, para as Especializações. Em relação ao programa das disciplinas do curso de Arte Decorativa, pouco é documentado nos arquivos. O programa da principal cadeira do curso de Arte Decorativa, coordenada pelo catedrático Quirino Campoiorito, Composição Decorativa, segue inicialmente as diretrizes herdadas da antiga disciplina Arte Decorativa. O programa do professor anterior, Henrique Cavalleiro, é ampliado e gradativamente modiicado por Campoiorito. O primeiro programa do catedrático que, em suas anotações, ele próprio chama de “rascunho da cadeira quando comecei”15, é composto por seis itens que se desdobram a partir dos 11 temas iniciais de Cavalleiro. No documento é esclarecido que a formação teórica e prática do ensino é voltado à habilitação de “proissionais que se destinam à Pintura, à Escultura, à Gravura, à Decoração e ao Professorado de Desenho” composto por cinco cursos, os três primeiros com duração de cinco anos seriados, e os dois últimos, com tempo mínimo de quatro anos para conclusão. A graduação de Arte Decorativa é destinada a formação de “proissionais-decoradores, visando conhecimento particular da arte ornamental.” Os quatro anos do curso compreendem uma parte de ensino teórico-prático, de “aprendizado de A principal inovação do programa de Campoiorito é a divisão do curso em uma parte introdutória inicial composta por estudo e análise da forma, seguido pelos estudos de composição e criação, para enim, sua aplicação na parte inal através das técnicas. No programa de Cavalleiro as técnicas e materiais estão mesclados com os estudos da forma. Outro ponto importante é a inserção, no programa de Campoiorito, do termo “artes industriais”, que não é citado por Cavalleiro, e que se torna ponto fundamental do estudo de Composição Decorativa a partir dos anos 1950. Quirino Campoiorito, mais 332 333 Da École Guérin à Bauhaus Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes / Marcele Linhares Viana Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro tarde, substitui o programa inicial por outro mais elaborado e detalhado. No período entre 1952-1959, a disciplina de Composição Decorativa apresenta três diferentes programas, um para os cursos de Pintura, Escultura e Gravura, diferente do oferecido para Professorado de Desenho, e outro exclusivo para o curso de Arte Decorativa. citou o folclore e as artes populares brasileiras como outros pontos essenciais a serem integrados à nova realidade, de forma a possibilitar aos jovens um desenvolvimento dentro de uma tradição nacional. Conclui mencionando inúmeras técnicas necessárias ao desenvolvimento das artes decorativas, dentre elas o mosaico, o vitral, a serigraia e a estamparia. (MACÊDO, 2000, p75) Com o intuito de promover esta renovação através da sua cátedra, Campoiorito realiza importantes viagens, uma delas, em 1951, à Europa para pesquisar o ensino de arte decorativa atual. O resultado desses levantamentos é registrado nos artigos que o catedrático publica em O Jornal. Em dezembro de 1951 ele relata sua experiência na Escola de Artes Decorativas de Paris, classiicando-a como referência neste segmento de ensino e destacando a recente reforma feita após a Segunda Guerra. Segundo o professor, ele tem boas experiências na instituição de onde sai estimulado para “a luta neste ambiente árido em que temos que desenvolver as nossas atividades de professor de artes decorativas.” (MACÊDO, 2000, pp73-74) A inluência do pensamento artístico alemão, tanto da Bauhaus quanto da Escola de Ulm seguem presentes nos discursos de Campoiorito. Para ele, a criação da forma constitui elemento fundamental de aprendizado no qual a arte decorativa está na base das artes visuais em geral, pensamento do qual corroboram outros professores, principalmente, Fléxa Ribeiro, que deixa evidente tal hipótese em seus livros de História da Arte. E, de acordo com esse princípio, em uma escola de arte, o ensino de arte decorativa deve constituir os programas de todas as formações.19 Em 1957, ele retorna a Europa para nova atualização, com objetivo de pesquisar o ensino de arte decorativa na Itália, França, Inglaterra, Suíça, Holanda, Bélgica e Alemanha. Só na Itália, Campoiorito permanece por um ano como membro da Missão Cultural da UB, onde estuda Mosaico na Escola de Belas Artes de Ravena.16 No sentido de se “reciclar”, o catedrático visita ainda outras escolas europeias: “estive em Ulm e encontrei uma Escola de Arte Decorativa em Londres17, que era muito boa e, me lembro [de] que uma das vezes iquei seis meses e, então deixei o Manoel Francisco Ferreira [seu Assistente na época] em meu lugar e parte do meu ordenado para ele se manter.”18 Na reportagem d’O Globo, Campoiorito também cita, como o faz em outros artigos, a experiência da Bauhaus e sua iniciativa de integrar a indústria com a arquitetura e o design. O catedrático 334 335 A partir de ins dos anos 1950 novas ideias são defendidas por Campoiorito acerca do curso de Arte Decorativa e que contribuem para a Reforma Universitária dos anos 1960, através da Lei de Diretrizes e Bases. Em documento sobre 146º aniversário da ENBA, o então diretor Alfredo Galvão, expõe “algumas ideias para um futuro próximo”, de acordo com o seu pensamento “moderno” para a Universidade, constituída de Institutos destinados ao ensino e à pesquisa. Dentre elas encontramos a alteração do nome da cadeira Composição Decorativa para Criação da Forma20, por inluência da Escola de Ulm e a vinculação mais direta do ensino artístico com a indústria, com a criação de um curso de Desenho Industrial, também nos moldes alemães. Essas medidas fazem parte de um conjunto de ações de Campoiorito na ENBA onde, em 1963, ele propõe à Congregação da Escola a mudança de nome do departamento de Arte Decorativa para Arte Industrial. A medida é aprovada e, em seguida, é feita a incorporação de disciplinas de cunho industrial. “Foi aprovado também o curso de Desenho Industrial. Contudo, o projeto não foi imple- Da École Guérin à Bauhaus Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes / Marcele Linhares Viana Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: mentado [e] Campoiorito, em atividade intensa exercida em diversas publicações, demonstrou profunda preocupação com o destino [desta] Reforma Universitária.” (MACÊDO, 2000, p110) Estes ideais começam a se deinir a partir de 1968, com o início de um Grupo de Trabalho de Arte Decorativa, liderado pelo Catedrático, que propõe a abertura do Departamento de Criação da Forma, composto pelos seguintes cursos: Cenograia, Composição de Interior, Comunicação Visual e Projeto Industrial; e das especializações em: Mosaico, Cerâmica, Vestuário, Tapeçaria e Fotograia. Estes projetos, porém, são interrompidos temporariamente dentro da Escola por conta de determinações do Regime Militar e da saída compulsória de Campoiorito da instituição, em 1969. 1 Edição on line – volume 1. Disponível em http://www.calameo.com/ read/000397731e60d2151af40. Acessado em 22/06/2014. 2 Ministério da Cultura da França. Disponível em: http://www.culture.gouv.fr/ LH/LH111/PG/FRDAFAN84_O19800035v0199422.htm. Acessado em: 20/05/2014 e Home Page Eugene Grasset. Disponível em: http://eugene.grasset.perso.sfr.fr/EG/home.html. Acessado em 20/05/2014. Em seguida, a Reforma Universitária é feita, porém com algumas modiicações em relação ao ensino no que tange a Criação da Forma. O curso de Arte Decorativa é fragmentado, dando origem aos seguintes cursos: Composição Paisagística, Composição de Interiores, Comunicação Visual, Desenho Industrial, Cenograia e Indumentária. Os alunos da graduação em Arte Decorativa são então convidados a migrar para um desses novos cursos e têm seus currículos reestruturados. A graduação de Arte Decorativa, instituída a partir dos anos 1950, é responsável pela formação do “proissional-decorador” pela ENBA por quase trinta anos. Em ins dos anos 1960 o curso deixa de existir e suas habilitações se transformam nas atuais graduações da Escola de Belas Artes (EBA).21 3 Caderno de anotações e recortes de Eliseu Visconti, ca 1874. Pasta Eliseu Visconti. Arquivo Histórico do MNBA. 4 ARESTIZABAL, Irma (Org.). Eliseu Visconti e a Arte Decorativa. Rio de Janeiro: PUC/FUNARTE, 1983, 160p, p34. 5 Atos do Governo Provisório Decreto nº19852 de 11/04/1931. Item 7 – Do ensino artístico. A) Escola Nacional de Belas Artes. II Do curso de Arquitetura, p392. 6 GALVÃO, Alfredo. Subsídios para a história da Academia Imperial e da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: 1954, p83. 7 Ofício de 18.02.1933. Para o diretor da Escola Nacional de Belas Artes da Universidade do Rio de Janeiro. Avulsos 571-640. Arquivos do MDJVI da EBA-UFRJ. (Agradeço à professora Ana Maria Tavares Cavalcanti por ceder gentilmente a cópia deste documento). 8 O programa indicado de Henrique Cavalleiro faz parte do Arquivo Quirino Campoiorito (Solar do Jambeiro – Niterói), em pasta de título “Henrique Cavalleiro”. O documento anexo contém anotações de Campoiorito sobre o programa. 9 Programa da cadeira de Arte Decorativa – 1ª parte (professor interino Henrique Cavalleiro). Pasta Henrique Cavalleiro. Arquivo Quirino Campoiorito (Solar do Jambeiro), p1. 10 Programa da cadeira de Arte Decorativa – 1ª parte (professor interino Henrique Cavalleiro). Pasta Henrique Cavalleiro. Arquivo Quirino Campoiorito (Solar do Jambeiro), p1. 336 337 Da École Guérin à Bauhaus Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes / Marcele Linhares Viana Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro 11 Programa da cadeira de Arte Decorativa – 1ª parte (professor interino Henrique Cavalleiro). Pasta Henrique Cavalleiro. Arquivo Quirino Campoiorito (Solar do Jambeiro), p1. 12 A Faculdade Nacional de Arquitetura é criada pelo Decreto nº 7918, de 31 de agosto de 1945. O Regimento é aprovado pelo Conselho Universitário em 17/08/1946 e publicado no Diário Oicial em 08/08/1947, entrando em vigor no ano de 1949. Regimento Interno da ENBA da Universidade do Brasil – 1948. 13 Regimento Interno da ENBA, 1948, p1. 14 Regimento Interno da ENBA, 1948, p1. 15 Documento avulso. pasta Quirino Campoiorioto. Arquivo Quirino Campoiorito (Solar do Jambeiro). 16 Provavelmente este curso inluencia a criação da especialização em Mosaico que passa a ser oferecida no curso de Arte Decorativa a partir do Regimento de 1957. 17 No artigo “Ensino das artes plásticas no Rio”, de Mario Barata, o historiador da arte cita a Royal School of Art de Londres como “exemplo pioneiro de adaptação de velhas instituições ao novo ensino artístico” IN Suplemento Comemorativo do IV Centenário do Rio de Janeiro no 1º caderno de O Jornal. Rio de Janeiro: 19/03/1965, p34. 18 Entrevista de Fabio Macêdo com Quirino Campoiorito, em junho de 1992, p8. 19 CAMPOFIORITO, Quirino. Não se pode falar em escola de arte que não ensine a composição decorativa. Documento avulso. Arquivo Hilda e Quirino Campoiorito. 20 Campoiorito publica o artigo “Arte Decorativa ou Criação da Forma”, em maio de 1967, em que explica este conceito e o defende como fenômeno da criação artística. 21 Artes Cênicas (Cenograia e Indumentária), Composição de Interior, Composição Paisagística e Desenho Industrial (Projeto de Produto e Programação Visual); além de Licenciatura em Educação Artística (derivada da graduação de Professorado de Desenho); e dos mais antigos Pintura, Gravura e Escultura Atualmente somam-se aos cursos citados o de Restauração e Conservação e de História da Arte. 338 339 Marcele Linhares Viana é doutora em Artes Visuais – História e Crítica da Arte pelo PPGAV – EBA – UFRJ. Atualmente é docente no CEFET/RJ e professora colaboradora no Museu D. João VI – EBA – UFRJ. Desenvolve pesquisas no campo da História da Arte, História do Mobiliário e Arte Decorativa. Integra o grupo de pesquisa Entresséculos. Da École Guérin à Bauhaus Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes / Marcele Linhares Viana Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas: ARESTIZABAL, Irma (Org.) Eliseu Visconti e a Arte Decorativa. Rio de Janeiro: PUC/FUNARTE, 1983. ARTES, João das. “A Reforma do Ensino”. Jornal Bellas Artes. Ano III. Nº21-22. Janeiro de 1935. BARATA, Mario Barata. Manuscrito Inédito de Lebreton. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1959, pp285-305. Caderno de anotações e recortes de Eliseu Visconti, ca 1874. Pasta Eliseu Visconti. Arquivo Histórico do Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. CAVALLEIRO, Henrique. Da didática e da técnica da pintura – Considerações sobre alguns problemas. Tese de concurso para provimento da cadeira de Pintura da ENBA da UB. Rio de Janeiro: ENBA/UB, 1952. 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O início efetivo das aulas do IBA foi marcado pela publicação da matéria intitulada “Amplo movimento de educação estética”, no Correio da Manhã em 01 de abril de 1951 (CORREIO DA MANHÃ [B], 1951, p.16), para a qual foi entrevistado o primeiro diretor do IBA, Henrique Sálvio (?-?). O entrevistado adverte que, no Rio de Janeiro de então, o ensino artístico era ministrado, em grau superior e de forma exclusiva, pela Escola Nacional de Belas Artes e, em nível elementar, por entidades como o Liceu de Artes e Ofícios e algumas agremiações particulares. Sálvio airma assim a importância da criação do Instituto pelo fato de oferecer o ensino de arte em nível intermediário. Prossegue informando que já eram quase 300 alunos matriculados nos cursos que seriam ministrados por um corpo docente composto por 25 professores, todos “portadores de elevados prêmios no Salão Nacional de Belas Artes e com larga experiência didática”. As aulas aconteceriam em vários pontos da cidade, o que, segundo o diretor da instituição, os tornavam mais acessíveis, evitando que os alunos realizassem longos deslocamentos para comparecerem às aulas. A distribuição do curso em vários pontos (invés de concentrado em uma sede) era assim coerente com o projeto de atingir as massas, em um largo movimento de “educação estética”, tendo como referência a experiência inglesa de William Morris (1834-1896), considerado um dos principais fundadores do Movimento das Artes e Ofícios britânico, e outros que “conseguiram reformar o gosto tradicional do povo”. Essas expectativas com relação aos efeitos esperados pela atuação do IBA revelam-se na argumentação de Henrique Sálvio: Criado em junho de 1950, durante a gestão do prefeito do antigo Distrito Federal1, o general Ângelo Mendes de Moraes (18941990), o Instituto de Belas Artes (IBA)2 objetivava o ensino das artes plásticas na cidade, “tendo como inalidade promover a educação popular, a formação de quadros proissionais técnicos e desenvolver, pela difusão, a cultura em todos os seus aspectos, além de educar o gosto daqueles que manifestem apreciável vocação artística” (CORREIO DA MANHÃ [A], 1950, p.2). De acordo com o regulamento de funcionamento3, o Instituto de Belas Artes oferecia cursos gratuitos de Pintura, Escultura, Gravura, Artes da Prensa, Arte Decorativa e Cenograia com duração de três anos. Ao concluir qualquer um dos cursos, o aluno receberia um certiicado, no qual constariam “indicações precisas sobre a natureza do Curso, sua duração, disciplinas componentes e notas obtidas em exames inais” (CORREIO DA MANHÃ [B], 1950, p.2). A primeira sede provisória do IBA, cuja inauguração deu-se em 18 de janeiro de 1951, foi a Escola Minas Gerais (localizada na Avenida Pasteur, nº433, Urca)4. Como parte da programação, foi aberta uma exposição de trabalhos produzidos ao longo do ano de 1950 nos Cursos Livres de Artes promovidos pela prefeitura (CORREIO DA MANHÃ [A], 1951, p.6). De acordo com periódicos da época, a iniciativa de criação do IBA adveio da demanda gerada justamente por esses cursos. O elevado número de alunos neles inscritos fez com que as autoridades organizassem e transformassem a antiga estrutura em Instituto, ampliando suas atividades (SÁLVIO apud CORREIO DA 344 345 Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Além dos cursos com duração de três anos em práticas artísticas especíicas, o IBA promovia formações em história da arte para os alunos da instituição e para outros interessados. Entre os ministrantes das aulas, destacam-se Carlos Felinto Cavalcanti (1909-s.d.), Carlos Otávio Flexa Ribeiro (1914-1991) e Flávio de Aquino (1919-1987), nomes que retomaremos mais adiante. Os cursos foram instituídos por meio da Resolução nº13 de 23 de junho de 19516, a qual estabelecia que o Instituto deveria ministrar cursos de “História das artes em geral” e “História das artes no Brasil”. Além disso, indica que os “professores de técnica” deveriam promover “nas escolas primárias e secundárias, demonstrações de arte, para familiarizar os alunos com os recursos e processos da pintura, da modelagem, da escultura, da gravura e outras modalidades artísticas”. Basta notar, por exemplo, a transformação no tipo do homem inglês, quanto à maneira de vestir. Ramalho Ortigão5 assinala que até o meio do século passado, o inglês era apresentado como igura grotesca, muito ao sabor dos “musis-halls”, com longas suíças cor de cenoura, face rubicunda, coberta do indefectível barrete escocês de duas palas, embrulhado num “cache-nez” quadriculado, prendendo nos dentes enormes o cachimbo em forma de gancho. Pois bem: alguns decênios de educação estética transformaram-no num modelo de sobriedade e bom gosto, a ponto de servir de igurino para os elegantes do mundo inteiro. A mesma sobriedade se manifesta na decoração e no mobiliário, em contraste com a bizarra do norte-americano, que possui o mesmo sangue, mas não a mesma formação estética. [...] O estudo das Belas Artes, ministrado pelo nosso Instituto, visa formar proissionais, é verdade, mas não se limita a isto. Procura, outrossim, difundir conhecimentos indispensáveis ao arremate da cultura geral, incluindo entre outras, a cadeira de História da Arte, hoje considerada complemento de estudo da História dos povos. [...] Deste modo, segundo esperamos, nossos cursos icarão abertos do comum das pessoas, espécie de boa sombra neste nosso mundo escaldante de hoje... (SÁLVIO apud CORREIO DA MANHÃ [B], 1951, p.16) De modo geral, o levantamento de edições de jornais da época aponta que as ações do IBA foram efusivamente elogiadas na ocasião de sua inauguração. Algumas características institucionais sobressaem, como a majoritária presença feminina nas listas de convocação para o início das primeiras turmas do curso de pintura de paisagem em desproporção à baixíssima ocorrência masculina entre discentes e a completa ausência de professoras na instituição em seus primeiros meses de atividade (DIÁRIO DE NOTÍCIAS [A], 1951, p.2). Ao que parece, apenas homens lecionavam no IBA e, na maior parte das vezes, não o faziam para outros homens7. Além disso, durante os vinte e cinco anos de existência do IBA (de 1950 a 1975), a professora primária Zélia Maria Abdulmacih foi a única mulher a ocupar a direção da instituição e por um período muito breve: entre 05 de março e 08 de julho de 1961, o que equivale a pouco mais de quatro meses8. Curiosamente, há escassas referências sobre sua atuação à frente do IBA. Como pode ser observado na supracitada fala do diretor, o projeto de “educação estética” do IBA não objetivava somente proporcionar cursos de formação técnica ou proissionalizante, ou ainda restrita à educação artística: era um projeto social nos moldes europeus, que pretendia substituir a experiência do grotesco e do tórrido pela cultura da sobriedade, do bom gosto, do ameno. Ao tornar “o estudo das artes acessível ao comum das pessoas e não um privilégio daqueles que podem cursar Academia”, a criação do Instituto Municipal de Belas Artes e “a cultura das Artes Plásticas” resultariam ao Brasil à “oportunidade para robustecer sua civilização” (REVISTA DA SEMANA, 1951, p.12). 346 347 Advoga-se aqui que a questão da presença e participação das mulheres no IBA possa ser melhor compreendida tendo em vista que o campo de produções artísticas e historiográicas são constituídos por disputas pelo poder perpassadas também por discursos de gênero. Ainal, quantas mulheres se inscreveram Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro oicialmente na história do IBA e na grande narrativa histórica da arte?9 Diante de tal quadro de constatações, mostra-se oportuno reletir sobre alguns questionamentos de Vicente: culturais, escolas de arte em suas diversas linguagens, etc.) e conta com uma infraestrutura mais qualiicada que outras regiões, resultado em parte de uma maior e qualitativa oferta de serviços públicos e privados. Porque é que as mulheres puderam ser objeto de criação, mas não criadoras? Porque é que foram personagens de quadros, de romances ou de fotograias, e não pintoras, escritoras ou fotógrafas? Figuras em mármore ou em gesso, mas não escultoras? Porque é que puderam ser “artefatos culturais”, mas não participar na “produção de cultura”? (VICENTE, 2012, pp.19-20) Discorrendo ainda sobre a questão do acesso, mas a partir de outra perspectiva, em entrevista concedida ao Diário de Notícias em 15/16 de julho de 1951 (DIÁRIO DE NOTÍCIAS [D], 1951, p.3), o diretor do IBA, Henrique Sálvio, ao tratar do projeto do IBA de difusão do ensino artístico, airma que é incompreensível que o último esteja coninado ao âmbito universitário, mas que deveria ser popularizado, colocado ao alcance de todos. Outra particularidade presente nos discursos que envolve a criação do IBA e merece destaque é o apreço pela dispersão dos cursos pela cidade, justiicada reiteradamente como uma forma de dar acesso ao ensino das Belas Artes para as massas. Em breve matéria publicada no Correio da Manhã em 27 de maio de 1951, na qual é divulgada a oferta de aulas gratuitas de pintura de paisagem pelo IBA, é mais uma vez dito que, “com o propósito de facilitar os interessados, essas aulas são ministradas nos locais mais pitorescos da cidade” (CORREIO DA MANHÃ [C], 1951, p.18). Os pontos de realização das aulas recorrentemente citados durante o ano de 1951 são: Campo de Santana, Passeio Público, Parque Laranjeiras, Largo do Boticário, Praia Vermelha, Jardim Botânico e Avenida Atlântica10. Percebe-se assim a concentração nas Zonas Central e Sul, privilégio que beneiciava (em termos geográicos) as populações que habitavam próximo a essa regiões. Não se airma e nem se desmente que populações de outras áreas da cidade tenham participado de forma mais ou menos expressiva dos cursos oferecidos pelo IBA, até porque não há qualquer fonte ainda levantada que pudesse levar a uma consideração tão enfática. No entanto, deve-se levar em conta que o eixo Centro-Zona Sul da cidade é aquele que, ainda hoje, é maior beneiciário de equipamentos oiciais de atividades artístico-culturais (como museus, teatros, centros 348 349 Quando se objetiva o desenvolvimento artístico e cultural de uma nação, não se pode ter em vista apenas a formação de reduzidas elites. É, sobretudo, necessário popularizar os conhecimentos, despertando, na coletividade, o interesse pelas coisas da inteligência e do espírito [...]. Assim [...], não se compreende que o ensino das artes ique coninado ao âmbito da Universidade. Deve ser ministrado, também, por instituições outras capazes de colocá-lo diretamente ao alcance de quantos sintam uma vocação ou um simples desejo de aperfeiçoamento, pois, quanto maior a massa cultivada, mais expressivos e legítimos os seus expoentes. [...] O Instituto visa provocar um amplo movimento popular [...] e tem em vista não só o aperfeiçoamento dos iniciados, mas, igualmente, despertar um mais vivo e geral interesse pelas artes. Nos cursos que ora inauguramos, muitos interessados encontrarão a oportunidade que não tiveram na Universidade, fosse pela falta de diplomas ginasiais, fosse por não poder cumprir os seus horários. O Instituto Municipal de Belas Artes foi fundado com o objetivo de tornar o estudo das artes acessível ao comum das pessoas, descentralizados como são os seus cursos. [...] Esses cursos [...] representam a mais popular das iniciativas do governo no campo das artes. Com os mestres de que dispomos e as facilidades que concedemos, abrem-se para elevado Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro cerca de dois anos (ou seja, praticamente desde o início das atividades do IBA), era reivindicada a normalização da instituição. Segundo ele, apesar da qualidade dos professores e dos bons salários com os quais eles seriam remunerados, o IBA enfrentava uma situação de desleixo. Flutuava perdido, “sem endereço, sem sede, sem quase nada”, em suma, “ao Deus dará; em Copacabana, no Passeio Público, onde existir um lugarzinho”. “Nem mesmo uma cadeira ou mesa possui seu diretor...”, assim denunciou ironicamente os problemas de ordem estrutural do IBA. Reconhece as tentativas de algumas autoridades para normalização, mas indica-as como frustradas, “como se existisse alguém muito poderoso interessado em não dar casa ao Instituto”. Entretanto, a parte mais polêmica da fala de Jayme Maurício é aquela na qual defende a necessidade não apenas de dar uma sede ao estabelecimento, “como, também, rever seu programa, dinamizar suas atividades, dar-lhe um diretor de categoria” (MAURÍCIO [A] in: CORREIO DA MANHÃ, 1953). número de interessados, horizontes que, de outra forma, talvez jamais se descerrassem. (SÁLVIO apud DIÁRIO DE NOTÍCIAS [D], 1951, p.3) A partir das falas de Sálvio e da constatação da concentração dos cursos oferecidos pelo IBA em regiões bastante especíicas e estratégicas da cidade, uma conclusão possível é que a popularização dos conhecimentos talvez estivesse mais relacionada ao fato do ensino das artes não ser exclusivo às universidades (ou seja: à formação de “reduzidas elites”), do que comprometida em contemplar de fato toda a população em sua complexidade socioeconômica e cultural. É possível ainda colocar em questão se o discurso da dispersão dos cursos pela cidade não teria sido também uma estratégia para persuadir o público do caráter mais acessível do IBA e, ao mesmo tempo, desviar o foco de um problema central que será retomado em vários momentos ao longo dos anos subsequentes, sendo causa de descontentamentos e embates: a ausência de uma sede permanente. A questão é levantada como problema pela primeira vez em agosto de 1952, quando matéria publicada pelo Correio da Manhã aponta que “a falta de uma sede capaz de abrigar todo o corpo discente, faz com que as atividades do Instituto, no momento, se limitem a aulas de pintura ao ar livre e a auditórios de História da Arte” (CORREIO DA MANHÃ, 1952, p.0). Ao mesmo tempo, é retomado o argumento de que a descentralização dos cursos tornava-os acessíveis a moradores de diversos bairros. No entanto, não deixou de ser apontado que a falta de uma sede ixa também era fator limitador. Nos anos seguintes, o tema foi abordado repetidas vezes e cada vez com mais força, transformando-se em um problema de urgente solução, sendo motivo (ou – como não se deve descartar – pretexto) de indisposição pública entre o ainda diretor do IBA, o professor Henrique Sálvio, e o crítico de arte Jayme Maurício (1927-1997). Em 04 novembro de 1953, o crítico airma em sua coluna no Correio da Manha que, há 350 351 Poucos dias após, é publicada por Maurício na mesma coluna uma carta do professor Henrique Sálvio em resposta ao artigo do crítico de arte. Nela, o diretor reconhece “de bom grado” a presença constante da situação do IBA na pauta de assuntos do “Correio da Manhã”, particularmente o pleiteamento de uma sede deinitiva para a instituição empreendido pelo crítico. No entanto, julga as palavras tecidas com relação a sua pessoa são injustas e descabidas. À reclamação de Maurício de que seria necessário dar ao IBA “um diretor de categoria”, Sálvio contra-argumenta, em sua defesa, apresentando dados de sua formação: foi aluno da Escola Nacional de Belas Artes, laureado no Salão Nacional, tendo sido um de seus quadros adquirido pelo Museu Nacional de Belas Artes. Além disso, teria atuado como presidente, durante seis anos, da Sociedade Brasileira de Belas Artes. Relata ainda o respeito e o apoio que recebera de autoridades políticas, que o nomearam e ainda o mantinham como primeiro diretor do IBA. Cita ainda sua participação em “várias comissões da Prefeitura, entre as quais o Conselho Artístico do Departamento de Documentação”. Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Encerra sua réplica de forma bastante irônica: de um programa e de diretrizes mais abstratas ainda. [...] O jovem crítico poderá dar-lhe um feito mais dinâmico e ativo. (MAURÍCIO in: CORREIO DA MANHÃ, 1954, p.10) Não é muito, concordo, mas certamente bastante para me conferir o direito de uma escola de arte. Se não consegui fazer muito pelo IMBA, pode estar certo, é devido ao grande número de problemas a resolver, mas que estimo sejam em breve solucionados por mim ou por alguém de maior categoria e capacidade. (SÁLVIO apud MAURÍCIO [B] in: CORREIO DA MANHÃ, 1953, p.11) O embate público entre Jayme Maurício e Henrique Sálvio evidencia vários pontos de tensão. O mais evidente refere-se à gestão do IBA. Contudo, é possível observar ainda um desacordo sobre a orientação artística e pedagógica do IBA: de um lado, Henrique Sálvio, próximo ao ensino das Belas Artes; de outro, Jayme Maurício, mais ainado com a produção artística a ele contemporânea. Dois lugares, duas diferentes e complementares posições discursivas que se instituem a partir de duas experiências proissionais. O choque entre o antigo e o novo, entre a tradição e a vanguarda é um dos aspectos que supomos como fundamentais na trajetória do Instituto de Belas Artes. Retornará ao centro da discussão mais adiante, já que este debate não se esgota aqui e envolverá outros atores. Jayme Maurício se desculpa publicamente pela expressão que, segundo ele, “saiu infeliz, escorregou involuntariamente entre dois cochilos”. Reairma que lhe preocupa a necessidade de uma “dinamização das atividades do Instituto e também uma orientação artística mais em harmonia com as correntes contemporâneas de arte” e expressa seu desejo de ver a modernização do IBA. Maurício ainda alineta Sálvio: “não sei se esse será também o seu ponto de vista, mas desconio que não. E respeito”. Conclui assim sua tréplica: “digo, porém, lutando pelos meus pontos de vista, e não contra o senhor, homem educado e bem titulado. Porém, se para obter a reforma do Instituto e sua conseqüente modernização for necessário criticar, criticaremos. Mas por favor não coloque isso em termos pessoais” (MAURÍCIO [B] in: CORREIO DA MANHÃ, 1953, p.11). Pouco depois de sua nomeação como diretor do IBA, em ins de 1954, Flávio de Aquino é designado pela Secretaria Geral de Educação e Cultura para compor a comissão incumbida de rever a regulamentação do Instituto Municipal de Belas Artes, juntamente com o historiador da arte Carlos Otávio Flexa Ribeiro e o escultor Hildegardo Leão Velloso (1899-1966)11, sendo presidida por Murilo Almeida dos Reis (?-?) (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1954, p.5). Henrique Sálvio permaneceu à frente do IBA até 1954, quando foi substituído pelo crítico e historiador da arte Flávio de Aquino (1919-1987). Na ocasião da nomeação do novo diretor, Jayme Maurício airma que a eleição de seu “confrade” foi “uma boa escolha”. Pelo entusiástico discurso do colunista, Aquino representava o inverso de Sálvio, seu antecessor, impressão reforçada nos vários elogios vertidos por Maurício: Elemento jovem, dinâmico e conhecedor de lastimável realidade do ensino das artes no Distrito Federal, Flávio de Aquino muito poderá fazer para digniicar esse estranho IMBA, há anos em funcionamento na estratosfera, ao léu 352 353 Há ainda alguns hiatos em nosso levantamento de fontes. No entanto, é provável que esse processo tenha culminado na criação oicial do Instituto de Belas Artes pela Secretaria Geral de Educação e Cultura do Distrito Federal por meio do Artigo nº294 da Lei nº899 de 28 de novembro de 1957. É indicado em parágrafo único: “o Secretário Geral de Educação e Cultura submeterá à aprovação do Prefeito, dentro de 30 dias, após a aprovação desta lei, o Regulamento do Instituto de Belas Artes do Distrito Federal”12. Depois disso, nova comissão foi constituída em meados de 1962 pelo agora Secretário de Educação e Cultura Carlos Otávio Flexa Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Ribeiro, que designou os professores Lamartine Oberg (19182003)13, Flávio de Aquino e Wladimir Alves de Souza (19081994) para “elaborar o plano de reestruturação do ensino no Instituto de Belas Artes” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1962, p.5). No início do ano seguinte, em 12 de fevereiro de 1963, foi inalmente publicado o Decreto nº1.526 que objetivava a reestruturação do ensino da instituição mediante a aprovação do novo regulamento do IBA. Por meio dele, deiniu-se que o Instituto ofereceria os seguintes cursos: Cursos Livres de Pintura, Escultura, Gravura, Artes da Prensa e Cenograia, Curso de Artes Decorativa, Curso de História da Arte14 e Curso de Elementos de Arquitetura (Art.2º). O prefeito Negrão de Lima, em ato de 25 de maio último, aprovou a exposição de motivos do secretário-geral de Educação e Cultura relativa à instalação deinitiva do Instituto Municipal de Belas Artes. Aproveitando o próprio municipal existente na praia Vermelha, onde até há pouco funcionou uma casa de diversões, a “boite” Casablanca, o prefeito determinou se izesse imediatamente a instalação do Instituto, que há cinco anos tinha suas aulas em diferentes locais da cidade (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1956, p.5). Depois de ser abrigado provisoriamente na Escola Minas Gerais (na Urca) e no Departamento de Educação de Adultos da Prefeitura (no Centro da cidade), o Instituto seria instalado no edifício da boate Casablanca, localizada na Praia Vermelha, Urca. A expectativa era de que ali também passasse a ocorrer o Salão Municipal de Belas Artes. É possível acompanhar a situação a partir de notas informativas publicadas por Mário Barata no Diário de Notícias, entre os meses de junho e julho de 1956, na coluna “Vida das Artes” por ele assinada. Em outubro do mesmo ano, foi noticiada a solicitação de crédito para a mudança e instalação do Instituto de Belas Artes. O prefeito Negrão de Lima teria assinado mensagem, que seria enviada à Câmara dos Vereadores acompanhando anteprojeto de lei, na qual o governador da cidade fazia “ampla exposição sobre a inalidade do novo instituto e, por conseguinte, solicitava abertura do necessário crédito destinado àquela inalidade”. O novo regulamento do IBA foi amplamente divulgado pela mídia, na maior parte das vezes em tom elogioso. Em matéria publicada no Diário Carioca alguns meses depois de baixado o novo regulamento do IBA, o crítico de arte Antônio Bento (1902-1988) vê com bons olhos a reorganização dos serviços culturais da Guanabara. Airma que a instituição estaria emperrada desde sua criação, “que já nasceu com insaciáveis taras acadêmicas, no velho estilo do ensino brasileiro do século XIX” (BENTO in: DIÁRIO CARIOCA, 1963, p.8). A nova orientação do IBA parece não ter sido tão bem recebida por alunos e professores. O movimento de resistência recebe duras críticas do crítico de arte José Roberto Teixeira Leite (1930-): Não temos procuração de quem quer que seja para defender a atual orientação do IBA, mas julgamos de nosso dever aplaudir as boas iniciativas, e não podemos icar calados ante a reforma, inédita em nossos meios, que atingiu a tradicional instituição da Praia Vermelha. [...] Ninguém se insurja contra o progresso. (LEITE in: DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1963, p.3) Retomando a questão da falta de uma sede do IBA, em uma pequena nota publicada no Diário de Notícias em 17 de junho de 1956, antes de todas as reformas aqui tratadas, é sinalizada uma possível solução. Segundo Carvalho, a ocupação do prédio na Praia Vermelha pelo IBA teria ocorrido em 1958 (CARVALHO, 1998: p.69). No entanto, a publicação da nota “Escola de Artes e Buate” no Diário de Notícias, em 23 de outubro de 1959, demonstra que, mesmo após sua instalação no novo espaço, a situação do Instituto não era tão tranqüila. O tom da matéria é bastante crítico, como se veriica nos trechos selecionados: 354 355 Esse diretor de Turismo descoberto pelo prefeito Sá Freire Alvim [...] resolveu desalojar do prédio onde funcionou (e fracassou) a “boite” Casablanca o Instituto Municipal de Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro entusiasmada dos seus representantes institucionais, o IBA nunca gozou de uma infraestrutura confortável. Em 27 de junho de 1968, é publicada no Jornal no Brasil a matéria “A difícil arte de tornar-se artista”, dedicada ao ensino artístico oferecido pela Escola Nacional de Belas Artes, Escola Superior de Desenho Industrial e pelo Instituto de Belas Artes. Belas Artes, para que nele seja instalada nova “boite”. Ou, nas suas expressões, “um restaurante típico, com comida, música e dança folclóricas brasileiras”, para servir de atração turística. [...] O IMBA – decretou, ou pensa ter decretado o estranho sr. Saladini – que procure algum barraco gigante para instalar suas aulas de artes plásticas. Com isso pretende despejar quatrocentos estudantes do próprio municipal onde hoje aprendem arte, para dar lugar a um restaurante turístico. A mais um restaurante-“boite”, entre tantos outros já existentes por toda a cidade em número excessivo. Todos sabem as diiculdades com que lutam os estabelecimentos de ensino artístico entre nós. [...] Contra esse inconcebível atentado à cultura artística da metrópole insurge-se o diretor do IMBA, escultor Leão Veloso, bem como os alunos do instituto. Uma reação que merece o apoio de todos e que, de início, deveria merecer os dos superiores desse extravagante diretor de Turismo, a rigor necessitado de um exame psicotécnico para ser conirmado no exercício do cargo. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1959, p.4) Com relação ao IBA, é noticiado que o Instituto não contava nem com uma “verba especial” e vivia praticamente de uma contribuição anual espontânea que o aluno dava para o Caixa Escolar e que era revertido em benefício do próprio aluno. A alegada falta de recursos implicava em problemas estruturais graves: desde a iluminação deiciente do espaço e a falta de modelos para as aulas de desenho, até o medíocre número de recursos humanos. Segundo a coordenadora do curso de Artes Decorativas, a professora Marli Bastos, os alunos faziam até a limpeza. Outra reclamação era a falta de divulgação, que nos nos pareceu bastante curiosa quando pensamos na quantidade de material encontrado nos arquivos da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional e que a todo momento citamos aqui. No entanto, é novamente a professora Marli Bastos quem esclarece melhor a questão: “a divulgação também precisa funcionar, porque a Secretaria de Turismo manda avisar a todas as escolas que tem concurso de vitrinas, e nós que formamos vitrinistas somos ignorados”. A mesma professora requenta outro velho problema: a ausência do reconhecimento formal oicial dos cursos. Ao que indicam algumas fontes, após alguns anos funcionando no edifício da Praia Vermelha, o IBA ganhou nova sede em 1966, sendo instalado em deinitivo no Jardim Botânico, onde encerrou suas atividades, sendo substituído pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage, em 1975. Em 09 de fevereiro de 1966, o Jornal do Brasil noticia a mudança para o Parque Lage, justiicando que, no novo endereço, o Instituto disporia de “melhores e mais amplas instalações que lhe permitirão aumentar suas atividades”. Indica que, embora não estivesse em plenas condições para receber os alunos, o novo ano letivo se iniciaria normalmente em março, “utilizando as salas em melhor estado, mas com grande sacrifício”. Airma ainda que, no prédio da Praia Vermelha passaria a funcionar “um grêmio dos oiciais residentes na Praça General Tibúrcio” (JORNAL DO BRASIL, 1966, p.10). É possível constatar assim que, apesar da euforia com a qual foi noticiada a sua criação por diversos periódicos e da fala 356 357 O nosso [curso de Artes Decorativas] deveria ser um curso de encontro da proissão. Formamos cartazistas, ilustradores, muralistas, especialistas em propagandas e joalheiros (desenham e executam as jóias). Mas o nosso curso não dá diplomas reconhecidos. Dizer que um papel não faz um artista é muito bonito. A questão é que os artistas precisam ganhar a vida, e quando não dispõem de meios objetivos para isto, icam desestimulados. O 1º ano tem muito alunos, mas no 2º muitos desistem para ser bancários. [...] Não adianta, pois quando o aluno sai daqui e vai procurar emprego numa Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro projetos de Grisolli. Entretanto, uma carta enviada ao Diário de Notícias mostrou-se singular por tratar de uma questão que já apontamos aqui. A leitora Jacira Gonçalves, moradora de Padre Miguel, bairro da Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, escreve ao jornal também relatando suas expectativas com relação à gestão do novo diretor do Departamento de Cultura: irma particular, a primeira coisa que eles querem são só títulos e credenciais. (BASTOS apud JORNAL DO BRASIL [C], 1968, p.1) Após o Golpe de 1964, muitas mudanças ocorreram no ensino superior em função da mudança da nova legislação em vigor no país. Se a situação já era particularmente delicada para o IBA, a crise tendia a se agravar em virtude de um outro episódio histórico: em 01º de julho de 1974 é sancionada pelo general Ernesto Geisel a Lei Complementar nº20, que previa a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro sob a denominação de Estado do Rio de Janeiro, a partir de 15 de março de 197515. Li, nos jornais, que o Departamento de Cultura tem novo Diretor – O Sr. Paulo Afonso Grisolli, um homem de criação, como ele próprio se deiniu. E, já que ele está assumindo, creio ser interessante sugerir àquela autoridade que talvez seja fundamental dedicar parte de sua gestão a levar cultura aos subúrbios do Rio de Janeiro. Lugares como Meyer, Realengo, Nova Iguaçu, Campo Grande e Padre Miguel são verdadeiras cidades em crescimento. Estamos ansiosos por cultura em todos os matizes, mas nem sempre podemos pagar. Dirijo um apelo ao novo Diretor do Departamento de Cultura para que volte suas vistas para os subúrbios. Ainal, também somos ilhos de Deus. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS [B], 1975, p.4) O ano de 1975 também seria marcado pela comemoração dos 25 anos de criação do IBA, o último de seus aniversários. Em abril daquele ano, poucos meses antes do início das comemorações, o novo Diretor do Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio de Janeiro, Paulo Affonso Grisolli (1934-2004) narrou, em entrevista coletiva à imprensa, suas expectativas com relação à sua gestão, conforme o registrado pelo Diário de Notícias: Apesar do discurso de popularização das artes a partir de um “amplo movimento de educação estética”, a criação do IBA não fugiu à regra. Em matéria publicada no Jornal do Brasil em 23 de julho de 1975, Rangel relata a desproporção na oferta de cultura na cidade do Rio de Janeiro. Com “muitas idéias na cabeça e mais de mil e quinhentas sobre a mesa”, o novo diretor [...] airmou ontem que está tomando contato com a estrutura de funcionamento do Departamento e com problemas de ordem operacional. Em suas declarações, Paulo Afonso Grisolli disse que ainda é cedo para se falar em planos, já que o Departamento de Cultura está em fase de total organização, inclusive de Regimento Interno, mas fará questão de dinamizar todos os seus setores [...]. Acredita ter sido convidado para o cargo como “um artista criador” e por isso pretende fazer da cultura “um grande espetáculo”, ainda que não tenha idéia no momento dos recursos que lhe serão liberados. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS [A], 1975, p.7) Várias outras matérias foram publicadas a respeito dos A cultura, em sentido erudito, como processo de informação artística e cientíica e seus meios de expressão (principalmente artísticos), sempre foi, no Rio, um privilégio quase exclusivo da Zona Sul. A Zona Norte, onde se concentram mais de dois terços da população carioca, ainda permanece marginalizada em termos culturais. (RANGEL in: JORNAL DO BRASIL, 1975, p.1) 358 359 Rangel ironiza Grisolli, atribuindo-lhe uma fala na qual ele trataria da descentralização da cultura: “vamos criar imedia- Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro diretamente nas atividades do IBA de tal maneira que foi organizado um abaixo-assinado, no qual reivindicavam o direito de opinar sobre os rumos que a instituição tomaria a partir de tal decisão. Na nota, foram destacadas as conquistas da instituição sob a direção de Azevedo e, em conclusão, admitiu-se ser “rotina em mudança de Governo o remanejamento de pessoal” na tentativa da nova direção cercar-se de proissionais “que melhor conhece, admira, respeita ou em última análise ache mais capacitada para concluir um programa previamente estruturado”. No entanto, a nota é encerrada com um recado: “o corpo docente e discente do IBA acha que vale a pena aproveitar 10 anos de experiência, numa programação que deu certo” (JORNAL DO BRASIL, 1975, p.20). Apesar do movimento de resistência que se levantou no IBA, Darcy Bove de Azevedo é oicialmente substituído por Rubens Gerchman (1942-2008) em setembro de 1975. tamente uma escolinha de arte na Quinta da Boa Vista”. De modo geral, no restante da matéria, há uma preocupação em desconstruir a ideia de “descentralizar” a cultura da “Zona Sul”, a partir da questão: “nessa integração, o que a Zona Norte poderia oferecer à Zona Sul, em contrapartida?”, levando assim a uma discussão sobre o reconhecimento de outras culturas vivenciadas em outras regiões da cidade. Não se pretende aqui entrar nessa longa discussão, nem questionar se a gestão de Grisolli preocupou-se em atender demandas regionais especíicas. Além disso, não acredita-se que o IBA isoladamente teria algum poder de mudar a coniguração das políticas culturais do contexto onde foi criado. Considera-se, contudo, como muito acertada a conclusão de pesquisa recente sobre a percepção da população brasileira a respeito das práticas e da oferta cultural16, que “o acesso à cultura [...] não é apenas sintoma de outras desigualdades, ela mesma produz distâncias sociais e culturais” (CODES et al. in: SCHIAVINATTO, 2011, p.143). A direção de Gerchman marca a extinção do Instituto de Belas Artes e a fundação da Escola de Artes Visuais, a qual funciona até os dias de hoje com mesmo nome e no mesmo lugar. A mudança não foi apenas na denominação, mas evidencia o novo caráter da instituição. O próprio Gerchman, em depoimento sobre sua atuação à frente da EAV, esclarece o signiicado que isso tinha para ele e para Grisolli: Em maio de 1975, é veiculado em O Globo alguns do planos de Grisolli. Entre eles, estava a criação do Instituto Estadual de Educação Artística (INEART), constituído por “cinco escolas de formação e informação artística”: Instituto de Belas Artes, Escola de Teatro Martins Penna, Escola Villa Lobos, Escola de Danças do Teatro Municipal e o Centro de Arte e Criatividade Infanto-Juvenil (O GLOBO, 1975, p.10). O órgão tinha como projeto “a integração destas entidades num todo orgânico de funcionamento interdisciplinar, visando a quebra do isolamento nos diversos aspectos da criação artística” (GERCHMAN, 1976)17. Retornando assim ao IBA, semanas antes do início das comemorações dos 25 anos da instituição, uma notícia agitou os humores de alunos, professores e outros funcionários: o professor Darcy Bove de Azevedo, que desde 1965 exercia o cargo de diretor do Instituto, seria substituído. Segundo nota do Jornal do Brasil, a situação comoveu os envolvidos Então nós pensamos primeiro que o que a gente tinha que mudar era o nome da escola. De Instituto passou a ser Escola. De Belas Artes, que era uma coisa que continha ranços do passado, inclusive lembrando a antiga Escola de Belas Artes, da qual fui aluno. Então, eu e Paulo Grisolli, que era Diretor do Departamento de Cultura, resolvemos mudar para Artes Visuais, um nome mais contemporâneo.18 360 361 Apesar do IBA se caracterizar como escola de cursos livres, seu projeto de ensino ainava-se com o ensino artístico acadêmico. O novo diretor revela em seu depoimento que esta não seria uma opção em sua gestão. Ao contrário do estrito Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro termo “Belas Artes”, Gerchman e Grisolli optaram pelo uso de “Artes Visuais” para renomear a instituição, o qual aponta para uma diversidade sem im de fenômenos artísticos, desde as linguagens mais tradicionais (como pintura, desenho, escultura, gravura), até outras mais recentes e híbridas como instalação, videoarte, performance, etc. Ou seja, uma compreensão da arte mais coerente inclusive com a produção artística do artistadiretor. Deve-se lembrar que, quando assumiu a direção da instituição, Rubens Gerchman já gozava de certo prestígio no meio artístico: além de ter a obra comentada por Mário Pedrosa (1900-1981), já havia participado de mostras coletivas como “Opinião 65” (1965), “Opinião 66” (1966) e “Nova Objetividade Brasileira” (1967), realizadas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; sido premiado, em 1967, pelo Salão Nacional de Arte Moderna, que viabilizou sua mudança para Nova York, onde permaneceu até 1972, participando à distância da articulação contra a Bienal de 1969, a “Bienal do Boicote”. dos quais não conseguiram ainda sequer dispensar a palheta, a boina e o foulard de sua faina igurativista. A reação da parcela descontente se tem manifestado de maneira bem menos ortodoxa e comportada do que a sua pintura; diariamente as paredes da instituição aparecem contestariamente pixadas com slogans e declarações de protesto. (AMARAL in: JORNAL DO BRASIL, 1975, p.3) A matéria opõe o novo e inquieto diretor aos alunos, “os ventos vanguardistas” personiicados no jovem e inquieto artista/ diretor resistente ao academicismo revelado em cavaletes e palheta. Em seus exageros, a nota assemelha-se a uma caricatura, por exemplo, ao citar o nome da EAV em inglês, o que nos parece uma crítica a suposta inluência de modismos estrangeiros na nova coniguração da instituição. O ponto mais hilário da nota é a narrativa (ou seria uma parábola?) de uma ação brutal, quase performática, da nova diretoria contra cavaletes, triturando-os e afogando-os no lago do edifício onde funciona a escola. Os alunos da escola descontentes são descritos como idosos ociosos, vestidos de boina e foulard19. A nova proposta, como é possível imaginar, não foi recebida com unânime entusiasmo. As mudanças repercutiram em uma nota lançada na coluna “Zózimo” do Jornal do Brasil de 03 de dezembro de 1975, que narra com bastante ironia a agitação que contagiava os corredores da instituição. Anda conturbado o ambiente no antigo Instituto de Belas-Artes, atual School of Visual Arts, na Rua 21, digo, no Parque Lage, agora sob a direção do artista plástico Rubens Gerchmann. As mudanças introduzidas no sistema de funcionamento da Escola pelo seu novo e inquieto diretor não foram bem recebidas por alguns alunos, sobretudo os mais idosos, descontentes com os ventos vanguardistas que passaram a soprar. [...] A guerra ao academicismo levou o jovem Gerchmann a investir contra os cavaletes, que, depois de triturados, foram afogados no lago próximo ao edifício da Escola. Também esta atitude não mereceu o apoio unânime dos alunos, muitos De forma a concluir esse artigo, retomaremos alguns pontos que consideramos fundamentais para a compreensão do projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção. O ensino artístico no IBA tinha como referência o ensino acadêmico, as “Belas Artes” como o próprio nome lhe confere. Pretendendo fomentar um “amplo movimento de educação estética”, a criação do IBA objetivava promover o reinamento do gosto por meio de um projeto artístico e cultural que tinha como referência padrões europeus. O progresso adviria a partir da substituição do grotesco pelo sóbrio, tal qual na experiência inglesa evocada por Henrique Sálvio, na ocasião da inauguração do IBA. Apesar do discurso de popularização do ensino artístico, o que pode-se observa é a reiteração do caráter exclusivo de tal proposta, já que continua a beneiciar as mesmas regiões e, por consequência, populações. 362 363 Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: O novo projeto de ensino que se estabelece com a mudança para “Escola de Artes Visuais” se relaciona com uma posição mais ainada com a produção artística contemporânea. É possível observar que a ideia de progresso estava relacionada com a ruptura justamente daqueles paradigmas que fundamentaram a criação do IBA. Havia assim um choque entre gerações, entre compreensões divergentes a respeito do que era arte e, por consequência, do ensino artístico que seria oferecido pela instituição. Era uma disputa pela permanência ou substituição de um projeto artístico, mas também social que tinha raízes profundas cultivadas desde a criação do IBA. 1 Após 1960, com a transferência da capital federal para Brasília, o antigo Distrito Federal transforma-se em Estado da Guanabara. Com a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975, corresponde hoje ao município do Rio de Janeiro. Por im, valendo-se da trajetória atribulada do IBA, vale registrar a tentativa recente de extinção do Ministério da Cultura empreendida pela presidência interina (ao menos, até o im dessa redação...). Apesar de grandes avanços nas últimas décadas, as políticas públicas de cultura pelejam ainda hoje por condições profícuas para seu desenvolvimento e continuidade, sendo uma das primeiras áreas a sofrerem impactados em situações de revisões orçamentárias. Que outras narrativas sejam possíveis. 2 O Instituto de Belas Artes (IBA), dependendo da conjuntura, é também citado como Instituto Municipal de Belas Artes (IMBA), Instituto de Belas Artes do Distrito Federal, Instituto de Belas Artes do Estado da Guanabara (IBAEG). Aqui, preferiu-se usar apenas o primeiro nome. 3 BRASIL. Instruções nº2 de 27 de outubro de 1950. Regulamenta o funcionamento do Instituto Municipal de Belas Artes. pp.9.200-9.201. Diário Oicial da União, Rio de Janeiro, DF, ano XIII, nº249, 28 de outubro de 1950. Seção II. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/DOU/1950/10/28>. Acesso em: 16 de agosto de 2015. 4 Pela forma como foi veiculado na imprensa de modo geral, acredita-se que a Escola Minas Gerais tenha sido uma espécie de sede provisória para contemplar questões de ordem administrativa (como, por exemplo, inscrições de alunos). 5 José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915), escritor português. 6 BRASIL. Resolução nº13 de 23 de junho de 1951. Institui no Departamento de Educação de Adultos o Setor de Belas Artes. Diário Oicial da União, Rio de Janeiro, DF, ano XIV, nº148, p.5.776, 25 de junho de 1951. Seção II. Disponível em: <http://www. jusbrasil.com.br/diarios/DOU/1951/06/25>. Acesso em: 18 de agosto de 2015. 7 Na convocatória para o início das aulas do curso de pintura de paisagem, são elencados os nomes dos seguintes professores: Armando Martins Viana (18971991), Oswaldo Teixeira (1905-1974), Orózio Herculano Belém (1903-1985), Manoel de Assumpção Santiago (1897-1987), Edgar Walter Simmons (1917-1994), Salvador Fujals Sabate (1898-1965). Como a lista de alunos é demasiadamente longa, considerou-se por bem não transcrevê-la integralmente aqui. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS [A], 1951, p.2) 8 Segundo Carvalho, ao todo, o IBA teve nove diretores. Além de Zélia Maria Abdulmacih, estiveram à frente da instituição: Henrique Sálvio (de 1950 a 1954), Flávio 364 365 Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro 1 Após 1960, com a transferência da capital federal para Brasília, o antigo Distrito Federal transforma-se em Estado da Guanabara. Com a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975, corresponde hoje ao município do Rio de Janeiro. contemporâneas a cada artista, encontram-se as posteriores exclusões da própria construção histórica, sobretudo durante os séculos XIX e XX. Sujeitas a um duplo processo de exclusão – o da história vivida e o da história construída –, as mulheres artistas tornaram-se num objeto arqueológico que só nas últimas décadas começou a ser escavado de modo consistente pela historiograia da arte com uma abordagem feminista.” (VICENTE, 2012, p.20) 2 O Instituto de Belas Artes (IBA), dependendo da conjuntura, é também citado como Instituto Municipal de Belas Artes (IMBA), Instituto de Belas Artes do Distrito Federal, Instituto de Belas Artes do Estado da Guanabara (IBAEG). Aqui, preferiu-se usar apenas o primeiro nome. 10 Observa-se ainda que, em algumas raras vezes, são citados o Largo da Usina e a Estrada Velha da Tijuca, o Largo do Humaitá, o Alto da Boa Vista, a Quinta da Boa Vista. 3 BRASIL. Instruções nº2 de 27 de outubro de 1950. Regulamenta o funcionamento do Instituto Municipal de Belas Artes. pp.9.200-9.201. Diário Oicial da União, Rio de Janeiro, DF, ano XIII, nº249, 28 de outubro de 1950. Seção II. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/DOU/1950/10/28>. Acesso em: 16 de agosto de 2015. 11 Uma curiosidade: ambos eram professores do IBA. Além disso, Hildegardo Leão Velloso viria a ser tornar diretor da instituição (1955-1960), substituindo Flávio de Aquino. Já Carlos Otávio Flexa Ribeiro foi nomeado secretário da Educação e Cultura (função que exerceu de 1961 até 1965) pelo governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda (1914-1977), cuja gestão deu-se entre 1960 e 1965. 4 Pela forma como foi veiculado na imprensa de modo geral, acredita-se que a Escola Minas Gerais tenha sido uma espécie de sede provisória para contemplar questões de ordem administrativa (como, por exemplo, inscrições de alunos). 5 12 BRASIL. Lei nº 899, Artigo nº 294, de 28 de novembro de 1957, Distrito Federal. LEX Coletânea de Legislação. ANO XXI, 1957. Legislação do Distrito Federal. São Paulo: LEX Ltda. Editora. p.170. José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915), escritor português. 13 6 BRASIL. Resolução nº13 de 23 de junho de 1951. Institui no Departamento de Educação de Adultos o Setor de Belas Artes. Diário Oicial da União, Rio de Janeiro, DF, ano XIV, nº148, p.5.776, 25 de junho de 1951. Seção II. Disponível em: <http://www. jusbrasil.com.br/diarios/DOU/1951/06/25>. Acesso em: 18 de agosto de 2015. 14 O curso Superior de História da Arte oferecido pelo Instituto de Belas Artes (RJ) é o primeiro na área sobre o qual se tem notícia no Brasil. Criado oicialmente em 1963, o curso originou aquele alocado no Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) desde 1978 até os dias atuais. Além de ser tema de minha pesquisa de doutorado, em desenvolvimento desde 2013, foi assunto central do artigo “Acerca de ‘almas penadas’: debates sobre criação e regulamentação do primeiro Curso Superior de História da Arte (1961-1978)”, apresentado no 14º Seminário Nacional de História da Ciência e Tecnologia e publicado nos anais eletrônicos do evento. Disponível em: <http://www.14snhct.sbhc.org.br/arquivo/download?ID_ARQUIVO=1676>. Acesso em: 30 de agosto de 2016. 7 Na convocatória para o início das aulas do curso de pintura de paisagem, são elencados os nomes dos seguintes professores: Armando Martins Viana (18971991), Oswaldo Teixeira (1905-1974), Orózio Herculano Belém (1903-1985), Manoel de Assumpção Santiago (1897-1987), Edgar Walter Simmons (1917-1994), Salvador Fujals Sabate (1898-1965). Como a lista de alunos é demasiadamente longa, considerou-se por bem não transcrevê-la integralmente aqui. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS [A], 1951, p.2) 15 BRASIL. Lei Complementar nº20, de 1º de julho de 1974. Dispõe sobre a criação de Estados e Territórios. p.7.253. Diário Oicial da União, Brasília, DF, 01º de julho de 1974. Seção I. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/leicom/1970-1979/ leicomplementar-20-1-julho-1974-372645-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 22 de agosto de 2015. 8 Segundo Carvalho, ao todo, o IBA teve nove diretores. Além de Zélia Maria Abdulmacih, estiveram à frente da instituição: Henrique Sálvio (de 1950 a 1954), Flávio de Aquino (de 1954 a 1955), Hildegardo Leão Velloso (de 1955 a 1960), Luiz Augusto de Leão Castello (de 1960 a 1961), Lamartine Oberg (de 1961 a 1963), Luiz Carlos Palmeira (de 1963 a 1964), Alcídio Mafra de Souza (de 1964 a 1965), Darcy Bove de Azevedo (de 1965 a 1975). (CARVALHO, 1998, pp.69-70) 9 Em obra na qual relete e problematiza a escrita de uma história da arte que, durante muito tempo, ignorou e desvalorizou a produção artística de mulheres, Vicente argumenta que “as formas de marginalização da prática artística feminina” poderiam ser deinidas em duas vertentes principais: “Em primeiro lugar, as condicionantes sociais que afetaram, especiicamente, cada mulher artista. Independentemente dos diferentes espaços geográicos e dos períodos cronológicos em que estas viveram, a identidade de uma artista esteve sempre condicionada pela sua identidade enquanto mulher. E, se alguns contextos geográicos ou domésticos foram mais favoráveis ao seu desenvolvimento do que outros [...], ter nascido mulher foi sempre um entrave ao ser artista: a falta de acesso ao ensino artístico ou às possibilidades de viajar, as condicionantes sociais à proissionalização feminina, ou o peso das responsabilidades domésticas. Em segundo lugar, e para lá das múltiplas exclusões socioculturais Na época, diretor do IBA, cuja gestão deu-se entre 1961 e 1963. 16 Fazemos referência à pesquisa “SIPS Cultura: percepções e cultura”, que integra o projeto SIPS (Sistema de Indicadores de Percepção Social). Concebido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, teve “como objetivo principal implementar um sistema de indicadores sociais que se mostrem de grande utilidade para o Estado e a sociedade, possibilitando veriicar, por exemplo, como a população avalia os serviços de utilidade pública disponíveis e seu grau de importância”. (SCHIAVINATTO, 2011, p.7) 17 Trecho retirado de texto assinado por Rubens Gerchman em folder de divulgação da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, de 1976, em que são apresentadas a instituição e a estrutura dos cursos. Disponível em: <http://acervo.memorialage.com. br/xmlui/handle/123456789/1274>. Acesso em: 22 de agosto de 2015. 366 367 Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas: 18 Em 08 de agosto de 2014, foi inaugurada na Casa Daros (Rio de Janeiro, RJ) a mostra “Rubens Gerchman: com a demissão no bolso” realizada em parceria com o Instituto Rubens Gerchman (Rio de Janeiro, RJ). Segundo informações disponíveis no site da Casa Daros, “a mostra traz um levantamento histórico sobre o pensamento pedagógico do artista Rubens Gerchman e sua contribuição para o ensino da arte no país como diretor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (1975-1979)” [disponível em: <http://www.casadaros.net/index_rio.php?q=1614>, acesso em 12 de agosto de 2014]. O depoimento de Gerchman, gravado poucos meses antes de sua morte em 29 de janeiro de 2008, encontra-se disponível em trecho de documentário (que, na íntegra, compõe a mostra), vinculado em notícia sobre o evento publicada na seção Cultura do jornal O Globo on line. A mostra esteve em exibição até o dia 08 de fevereiro de 2015. Fonte: RUBIN, Nani. Exposição faz tributo à passagem de Rubens Gerchman pelo Parque Lage. Publicado online em 09 de agosto de 2014. Disponível em: <http:// oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/exposicao-faz-tributo-passagem-de-rubensgerchman-pelo-parque-lage-13539278>. Acesso em 12 de agosto de 2014. 19 AMARAL, Zózimo Barrozo do. Percalços no Parque. In: JORNAL DO BRASIL, CADERNO B, ANO LXXXV, Nº239, P.3. Rio de Janeiro, quarta-feira, 03 de dezembro de 1975. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader. aspx?bib=030015_09&PagFis=132246>. Acesso em: 22 de março de 2014. BENTO, Antônio. Reorganização dos serviços culturais da Guanabara. 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Destacam-se as atuações no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (2004-2007) e na Pinacoteca do Estado de São Paulo (2010-2016). CORREIO DA MANHÃ [B]. Amplo movimento de educação estética. TERCEIRO CADERNO, ANO L, Nº17.802, P.16. Rio de Janeiro, domingo, 1 de abril de 1951. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=089842_06&PagFis=8577>. Acesso em: 21 de abril de 2014. CORREIO DA MANHÃ [C]. O Instituto Municipal de Belas Artes e suas aulas gratuitas de pintura. TERCEIRO CADERNO, ANO L, Nº17.848, P.18. Rio de Janeiro, domingo, 27 de maio de 1951. Disponível em: <http://memoria.bn.br/ DocReader/DocReader.aspx?bib=089842_06&PagFis=9595>. Acesso em: 21 de abril de 2014. CORREIO DA MANHÃ. O Instituto Municipal de Belas Artes. QUARTO CADERNO, ANO LII, Nº18.216, P.0. Rio de Janeiro, domingo, 10 de agosto de 1952. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=089842_06&PagFis=19458>. Acesso em: 21 de abril de 2014. 368 369 DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Notícias da Prefeitura. Secretaria Geral de Educação e Cultura. SEGUNDA SEÇÃO, ANO XXV, Nº 9.840, P.5. Rio de Janeiro, quarta- Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975) / Danielle Rodrigues Amaro Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro feira, 1º de dezembro de 1954. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/ DocReader.aspx?bib=093718_03&PagFis=36972>. Acesso em: 08 de junho de 2014. bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=089842_06&PagFis=31339>. Acesso em: 21 de abril de 2014. DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Instala-se o Instituto Municipal de Belas Artes. SUPLEMENTO LITERÁRIO, ANO, Nº10.311, P.5. Rio de Janeiro, domingo, 17 de junho de 1956. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader. aspx?bib=093718_03&PagFis=51264>. Acesso em: 08 de junho de 2014. MAURÍCIO, Jayme [B]. Artes Plásticas. A direção do IMBA. 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Finalmente a sede do IMBA. CORREIO DA MANHÃ, PRIMEIRO CADERNO, ANO LIII, Nº 18.593, P.11. Rio de Janeiro, quarta-feira, 4 de novembro de 1953. Disponível em: <http://memoria. 370 371 “Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”. Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina 372 373 Larisa Mantovani & Giulia Murace “Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”. Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina / Larisa Mantovani & Giulia Murace Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Las Bellas Artes colaborarían así en la conformación de un país que pudiera exportar no sólo materias primas sino también aquello que llevara “el sello de la idea” (Schiafino cit. en Malosetti Costa, 2001:45). Los principales referentes y participantes de la Sociedad Estímulo a lo largo del tiempo fueron reconocidos artistas, muchos destacados en la pintura de grandes temas, que expusieron en salones nacionales e internacionales y cuya formación se vio enriquecida debido a sus viajes a Europa tanto costeados con ayuda familiar como gracias a becas estatales.4 En este trabajo presentaremos cómo la reforma de la enseñanza en la Academia de Bellas Artes argentina estuvo vinculada a la asunción de Pío Collivadino como director, cuya formación en Italia incidió en la realización de modiicaciones en la estructura educacional de la institución. En este sentido, también abordaremos un aspecto poco indagado hasta el momento en torno al lugar creciente que ocuparon las artes decorativas y aplicadas en el plan de estudios. En 1901, una revista de gran circulación para la época, Caras y Caretas, presentaba una nota que hacía foco en las posibilidades que la Academia había brindado para formar profesionales que pudieran vivir de su arte. Pintores, músicos y escultores que antes debían trabajar en la administración pública o dedicarse a problemas “ajenos a su índole” podían ahora dedicarse a aquello en lo que se habían formado, hecho impensado varias décadas atrás.5 Las instituciones artísticas en Argentina desde ines del siglo XIX Desde un principio la pintura y escultura recibieron particular atención en la enseñanza que se impartía en la institución. No obstante, no siempre se tuvo por inalidad educar únicamente en estas producciones artísticas: la existencia de cursos nocturnos para artesanos, yeseros y carpinteros revela un interés en expandir los alcances de la formación que obtenían los alumnos. Así se resaltaba durante la década de 1890 en una nota de La Nación: A lo largo de todo el siglo XIX en la Argentina se fomentó la instauración de escuelas o academias para la enseñanza de las artes1. Tardíamente respecto a otros países latinoamericanos, como Brasil, México o Chile, en 1876 se creó por iniciativa privada de un grupo de jóvenes artistas la Sociedad Estímulo de Bellas Artes (SEBA) en Buenos Aires. Dos años después, en 1878, comenzó a funcionar bajo sus auspicios una Academia de Bellas Artes y Escuela de artes decorativas e industriales2 que durante su fundación tuvo por inalidad hacer foco en el estudio del dibujo y la escultura (Manzi, s/f: 14). Desde el último decenio del siglo XIX hubo fuertes presiones por parte de la comunidad artística para que la institución se nacionalizara, hecho que inalmente se llevó a cabo en 1905. Con la formación de la SEBA, los artistas de la denominada Generación del ‘803 intentaron impulsar una visión del arte como “elemento fundamental de la cultura ‘civilizada’” (Malosetti Costa, 2001:422), que tenía a Europa como modelo. La parte más concurrida del curso de dibujo es la que corresponde al ornamental, lo que se comprende por su aplicación a diferentes objetos industriales (…) Y hay quienes entre ellos ganan tres y cuatro pesos diarios en talleres industriales, pagando sólo dos pesos mensuales por la educación artística que reciben (cit. en Manzi, s/f: 28). 374 375 La propuesta de formación en artes aplicadas fue uno de los modos de otorgar relevancia a las actividades que se realizaban “Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”. Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina / Larisa Mantovani & Giulia Murace Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro desacuerdos con la antigua gestión habían sido explicitados en diversas ocasiones y se agudizaron cuando se pretendió reformar el plan de estudios junto con el modelo de enseñanza que se había propuesto hasta el momento. en la Academia6. De este modo, la institución se presentaba como un espacio de formación de artistas pero también de trabajadores del ámbito industrial y artesanal o manufacturero: se sostenía que el arte, y sobre todo el dibujo, servía en particular a los obreros y artesanos en su labor; a su vez, el aprendizaje obtenido posibilitaba ampliar la salida laboral y conseguir mejores ingresos. A los pocos meses de asumir, Collivadino otorgó una entrevista a la revista Athenas en donde se criticaba a la gestión anterior y al atraso en que había quedado la institución. El nuevo director aspiraba a que “el joven que ingrese á nuestra academia salga siendo un artista ó un buen dibujante que pueda emplear sus conocimientos para ser útil a sí mismo” y entre las reformas propuestas se encontraba la incorporación de ciertos estudios complementarios que hasta el momento no existían, como también el establecimiento de clases mixtas “que facilitaran la concurrencia de alumnas á las aulas…”.8 No obstante, la cuestión que más inquietaba a Collivadino era que la Academia formase únicamente artistas que luego no tuvieran una salida laboral adecuada a su formación.9 Si el arte, como se mencionó, era el medidor de la civilización, podemos decir que las artes aplicadas posibilitaban dar cuenta del progreso vinculado a la industria local. De este modo, las artes decorativas y aplicadas, la industria y la enseñanza eran tres ejes que en conjunto se presentaban como un aporte fundamental al desarrollo del país. No obstante, solo a ines del siglo XIX se logró tener cursos dirigidos especialmente a los oicios, mientras que fue en los primeros años del XX que las artes decorativas e industriales adquirieron una mayor atención en el marco de la educación artística. Esto también fue producto de las contingencias económicas generadas por la Primera Guerra Mundial que favorecieron en Argentina el crecimiento de la industria (Rocchi, 2000:15-70).7 Tras la asunción de los nuevos directores se visualizan algunos intentos por regularizar y formalizar la enseñanza en la institución, a partir de la incorporación de nuevos requisitos para el ingreso: antes se aceptaban estudiantes desde los doce años (Malosetti Costa, 2001: 102) mientras que ahora era necesario tener catorce cumplidos, certiicado de buena conducta y haber cursado hasta quinto grado inclusive de las escuelas comunes o, en su defecto, rendir equivalencias. La inscripción que debían realizar los estudiantes año a año para continuar los cursos y el ordenamiento correlativo de las asignaturas también evidenciaban una voluntad de control constante del alumnado. A su vez, los estudios se organizaban en tres tramos a través de cursos elementales, preparatorios y superiores;10 una vez inalizados los cursos elementales y preparatorios el estudiante debía elegir si continuaría en los cursos superiores de la sección de Bellas Artes o de Artes Decorativas.11 La Academia Nacional de Bellas Artes y su plan de estudios La Academia Nacional de Bellas Artes (ANBA) heredó la estructura que tenía cuando estaba a cargo de la SEBA, por lo que la línea de enseñanza supuso cierta continuidad, manteniendo sus asignaturas y sus directivos: Ernesto de la Cárcova fue el director y Eduardo Sívori el vicedirector. Ambos pertenecieron a la Generación del ‘80 y habían sido parte activa de la SEBA. Mientras que Sívori había formado parte de la Sociedad Estímulo desde sus inicios, de la Cárcova había estudiado en ella y posteriormente en Turín y Roma. La decisión gubernamental tomada en 1908, de incluir la ANBA bajo las directivas de la Comisión Nacional de Bellas Artes, causó la renuncia de Cárcova, provocando un cambio de dirección. Los artistas Pío Collivadino y Carlos Ripamonte pasaron a ocupar, no sin polémicas, los lugares de director y vicedirector; sus 376 377 Desde 1910, gracias a Collivadino y su cuerpo docente la Academia ratiicó la reforma del plan de estudios sistema- “Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”. Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina / Larisa Mantovani & Giulia Murace Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro tizando las orientaciones de Ornamentación Decorativa y Plástica Ornamental en tres niveles y un curso superior a la par de lo establecido para Pintura y Escultura. Al año siguiente se agregaron talleres de aguafuerte (1911) y más tarde cursos de escenografía (1919) y litografía (1920). cantidad de artistas y docentes respecto de los cuales podía peligrar su inserción laboral. Asimismo, el sector industrial se veía descuidado siendo la capacitación en oicios una demanda todavía por cubrir.13 Este tema hacía eco en la prensa e incluso en Athinae, publicación del Centro de Estudiantes de la Academia. Allí se destacaba que aquellos que no tuvieran una inserción clara en el sistema artístico no eran más que un gasto para el Estado. Se propugnaba una formación artística pero con aplicación práctica en donde el obrero no fuera un simple imitador de un modelo sino un “creador” que pudiera “inspirarse” de la naturaleza que lo rodeaba; de este modo la nota concluía “Así [se] desarrollaría en nuestras fábricas el amor á lo bello y se iría creando paulatinamente el verdadero arte nacional”.14 De modo que el arte aplicado a la industria podía llegar a tener una condición de belleza y también colaborar en la conformación de un arte argentino. La institución brindaba tanto un turno diurno como nocturno. Este último contaba con mayor cantidad de cursos, algunos de ellos no disponibles a lo largo del día como Escultura, Ornamentación, Plástica Ornamental, los cuatro niveles de Arquitectura (dentro de las materias prácticas) e Historia de la Arquitectura y Ornato de la Arquitectura (dentro de las complementarias). Posiblemente esto tuviera por inalidad brindar una oferta variada a los trabajadores que también aspiraban a estudiar en la Academia a la salida de la fábrica. En las clases de Ornamentación Decorativa se destacaba el aprendizaje de técnicas tales como acuarela, temple y óleo, con un curso superior orientado a las artes gráicas y “demás artes aplicadas”.12 La asignatura de Historia del arte, dictada por Carlos Zuberbhüler y luego por Alejandro Ghigliani, era una materia afín a todas las orientaciones y que en los casos dedicados a la especialización ornamental se complementaba con historia de las artes decorativas. A su vez, Ornamentación Decorativa y Plástica Ornamental hacían foco en el “estudio de la lora y de la fauna del natural”, mientras que la igura humana no aparecía dentro de sus programas. De este modo, podemos establecer que una de las diferencias que podían atribuirse a las orientaciones ornamentales era el interés por el estudio de la naturaleza en detrimento de la enseñanza de la anatomía humana, característica esencial de pintura y escultura. Con la nacionalización aloraron con más fuerza obligaciones en relación al Estado. Pese a los esfuerzos dirigidos hacia una orientación de la enseñanza que pudiera brindar una formación más amplia, en estos años los directivos tuvieron que enfrentarse a cuestionamientos y problemas. La ANBA creaba una excesiva oferta de egresados, es decir una gran Pio Collivadino y su formación en Roma 378 379 El cuerpo docente de la nueva academia estaba formado por los ya citados Collivadino y Ripamonte, pero también por Alberto María Rossi, Arturo Dresco, Bernaldo de Quirós, Héctor Nava, Manuel Julián Castilla y Gustavo Bacarisas, quienes habían tejido lazos de amistad en los años de “bohemia” en Roma15. Los primeros cinco junto a Fernando Fader y Justo Lynch fundaron en 1907 el grupo Nexus. Estos artistas con su labor buscaban mostrarse como una “generación nueva”, lista para luchar contra las viejas instituciones y sus directivos. Este grupo podía verse heterogéneo en términos artísticos por las diferentes tendencias abordadas en sus obras, pero estaba unido en el desacuerdo con el entero sistema artístico argentino, desde la SEBA hasta el Museo Nacional de Bellas Artes, especialmente con la dirección de Eduardo Schiafino; a su vez, propugnaban la necesidad de un Salón Nacional (Malosetti Costa, 2006:70-71), aún inexistente16. Entre las primeras experiencias del grupo destacó la exposición Nexus de Blanco y Negro, certamen donde se proponía exponer exclusivamente obras “no pictóricas”, principalmente dibujos y “Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”. Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina / Larisa Mantovani & Giulia Murace Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro grabados, hecho que daba cuenta de la particular sensibilidad que tenía este grupo hacia las artes aplicadas17. la cual durante siglos había sido el centro de la tradición artística italiana y europea. En el RI los jóvenes eran orientados en la “imitación inteligente del natural”, pero acompañados por “estudios ornamentales, arquitectónicos e intelectuales” (Damigella, 2010:30-31).21 Collivadino llegó a Buenos Aires como un artista con una notable carrera en Italia y en menos de dos años pasó a tener la responsabilidad de ser el artíice del cambio de rumbo de la enseñanza artística en Argentina. Desde su asunción como director de la Academia tuvo conciencia de que su propuesta educativa iba a presentar una incisiva modiicación en la institución en relación a la gestión anterior. Los cambios que él presentaba tenían un fuerte contenido ideológico: el aprendizaje del llamado “gran Arte” no podía garantizar la supervivencia de quienes quisieran desarrollarlo profesionalmente, la condición social del alumnado era un aspecto fundamental a tener en cuenta. El contingente estudiantil debía tener otras opciones, especialmente si no contaba con el apoyo económico que podía implicar provenir de una familia adinerada, la formación de aplicación práctica y utilitaria era una salida posible: Collivadino empezó a cursar en 1891, cuando se ponía en marcha el nuevo plan de estudio, donde se encuentran muchas similitudes con el que implementó cuando se volvió director de la ANBA. La formación se repartía en dos tramos, el primero de “corso comune” (curso común) que funcionaba como preparatorio con enseñanzas generales de tres años, y el segundo de “corso speciale”, (curso especial o superior), según la especialización que el alumno elegía: en Ornato (Ornamentación), Figura, Escultura o Arquitectura.22 El RI se complementaba con el MAI, en el cual funcionaban escuelas profesionales dirigida por los mismos profesores; ambas instituciones tenían la intención de ampliar la sensibilidad artística entre las clases obreras.23 A partir de la década de 1880 se desarrolló un proyecto de gran alcance desde el Ministerio de Agricultura, Industria y Comercio italiano que preveía un fortalecimiento de la enseñanza de las artes aplicadas. En esta instancia, el MAI fue designado como la sede de creación de modelos de ornamento y de yesos que suplían las falencias de muchas escuelas profesionales e industriales, como también de muchas academias de bellas artes (Pesando 2009:125-130), italianas y extranjeras, igurando entre ellas la Academia de Bellas Artes en Argentina.24 Los profesores entre ellos Cárcova y Sivori no eran muy partidarios de que la enseñanza tuviese un carácter más práctico, ellos no sabían de la necesidad de los alumnos y de su porvenir práctico, ellos nacieron y crecieron con todas las comodidades, no tuvieron que ganarse la vida pudieron estudiar y dedicarse al gran Arte y claro está que ellos pensaran que yo quería rebajar el nivel de la enseñanza en la Academia encarándola desde el principio en la forma práctica y útil.18 Pio Collivadino volvía a la Argentina después de haber vivido en la capital italiana durante dieciséis años y de haber participado activamente de los debates artísticos que allí se estaban desarrollando.19 En Roma en este momento había dos instituciones artísticas que se encontraban conectadas, el Regio Istituto di Belle Arti (RI) y el Museo Artistico Industriale (MAI).20 El primero de estos había surgido en 1874 a partir de un decreto estatal que quitaba la gestión de la enseñanza a la pontiicia Accademia di San Luca, situada en la misma ciudad, Consideraciones inales 380 381 La Academia de Bellas Artes, como habíamos dicho, se nacionalizó en 1905, cuando ya otros elementos esenciales para la formación de un campo artístico habían sentado sus cimientos y otros se encontraban en proceso. La apertura de nuevos espacios de legitimación evidenciaba la necesidad de colmar una laguna que a esta altura cronológica se sentía como un retraso importante en relación a Europa y Estados Unidos. Si “Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”. Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina / Larisa Mantovani & Giulia Murace Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: bien el Museo Nacional de Bellas Artes ya había nacido en 1895, el Salón Nacional logró instaurarse de manera deinitiva en 1911 y fue un eje fundamental para la consagración no sólo de las instituciones artísticas sino también para brindar posibilidades de crecimiento y visibilidad a artistas locales y extranjeros, muchos formados en la Academia. Dicho salón se inició con secciones para la pintura, escultura, arquitectura y también artes decorativas que lentamente fueron adquiriendo mayor independencia. Los salones de acuarelistas, pastelistas y aguafuertistas (desde 1915) como también aquellos de artes decorativas (desde 1918) incorporaron muchas de las áreas que se venían fomentando desde la Academia (y desde distintas escuelas de artes aplicadas). Este giro en los intereses de la institución y del cual Collivadino fue pionero, debe ser tenido en cuenta dentro de un desarrollo más amplio en consonancia con otras áreas que se interesaron en las artes decorativas y aplicadas a la industria de igual manera. Aunque existente desde principios de siglo, años después de la reforma ya se perilaba con mayor claridad una estructura institucional que tenía una triple exigencia: artística, pedagógica y profesional (para la formación de artistas, maestros y especialistas en oicios) dando cuenta de que la Academia tenía una propuesta de enseñanza más aianzada pero en constante proceso de transformación, lo cual continuará en los años treinta y cuarenta. 1 Entre ellas pueden mencionarse algunas a modo de ejemplo: en 1799 Juan Manuel Belgrano había promovido la apertura de una escuela de dibujo al servicio de la “industria” nacional; existió una academia de dibujo instituida por Fray Francisco de Paula Castañeda, en 1815, que se integró a la naciente Universidad de Buenos Aires en 1821; como también una escuela de dibujo, creada en Mendoza en 1817 por indicación del General San Martín; a su vez, en 1825 el padre Castañeda fundó en Santa Fe una escuela de artes y oicios. 2 La escuela era una estructura para-académica para la enseñanza artística, aunque hasta el momento la información sobre lo que se estudiaba en la academia y la escuela no se encuentra diferenciado con especiicidad en las fuentes consultadas. 3 Éstos fueron actores del campo cultural argentino en la década de 1880, cuando se instauró un coherente discurso relativo al progreso y a la civilización donde el arte y la cultura tuvieron un papel protagónico. Para un panorama completo sobre el proyecto de la Generación del ’80 y la fundación de la SEBA, cfr. Malosetti Costa, 2001: 83-114. 4 Entre ellos: Eduardo Schiafino, Eduardo Sívori, Ernesto de la Cárcova, Ángel Della Valle, etc. Cfr. Malosetti Costa, 2001. 5 Caras y Caretas. “La Academia de Bellas Artes. Su origen y estado actual”, nº 137, 18 de mayo, 1901. Pp 29-36. 6 Malosetti Costa 2001:102, nos brinda el reglamento de la SEBA publicado en 1899 donde subraya no había distinciones jerárquicas entre las bellas artes y las artes aplicadas. 7 Las mejores condiciones económicas para los sectores beneiciados incrementaron el consumo de productos, muchos de ellos de fabricación local como la vestimenta. A su vez, la creciente preocupación por la alfabetización también beneició a la industria gráica productora de libros escolares. Para un primer estado de la cuestión sobre la situación de las artes aplicadas en Argentina cfr. Mantovani, 2016. 382 383 8 “Con el nuevo director de la Academia”. Athenas, año 1, núm. 3, 15 de septiembre de 1908. PP 1 y 68. Archivo del Museo Pío Collivadino, documento 1666_ h28a1 y 1666_h28a2. Varios años después estos intereses seguían vigentes en su pensamiento, en sus notas se preguntaba sobre la posibilidad de crear un turno diurno mixto, destacando que en Europa era posible porque las niñas eran menos, pero contemplándolo como un beneicio también en términos presupuestarios. “Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”. Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina / Larisa Mantovani & Giulia Murace Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro 9 Frente a los cuarenta y siete alumnos de ambos sexos repartidos entre los cursos de estampa, ornato de yeso y igura de estampa y yeso a cargo de Giúdice y Ángel Della Valle (Manzi, s/f: 25) hacia 1908 la Academia contaba con 625 alumnos comprendiendo los tres cursos que se dictaban en la Academia y en la Escuela (entendiendo por estos tres cursos Bellas Artes, Escuela de artes decorativas e industriales y materias complementarias), aunque posteriormente en los exámenes de noviembre y marzo de 1908 y 1909 fueron aprobados sólo 329. Memoria presentada al Congreso Nacional de 1910 por el Ministro de Justicia e Instrucción Pública. Tomo III. Anexos de Instrucción Pública 1908. Buenos Aires, Talleres Gráicos de la penitenciaría nacional, 1909. PP. 249-250. la sede de sus becas, volviendo todos a la Argentina entre 1904 y 1905. Héctor Nava y Alberto Rossi viajaron a la ciudad eterna con sus propios recursos, mientras que Gustavo Bacarisas, sevillano, se encontraba estudiando en la Academia de España en Roma cuando conoció a la colonia argentina y fue invitado por Collivadino, ya director de la Academia en Buenos Aires, para ser profesor de dibujo en ella. Para un primer estudio exploratorio de estas relaciones latinoamericanas en Roma cfr. Murace, 2016. 16 Un importante estudio sobre los salones nacionales de arte en Buenos Aires es Penhos, Wechsler, 1999. 17 Si bien la variedad de obras que se iban a exponer estaba en los propósitos del grupo Nexus, esto no se logró por completo durante la exposición, dato que resalta aún más la situación difusa de las artes aplicadas en la Argentina de principios del siglo XX. Cfr. La Nación, “Exposición Blanco y Negro”, 16 de abril de 1908. 10 Memoria presentada al Congreso Nacional de 1910 por el Ministro de Justicia e Instrucción Pública. Tomo III. Anexos de Instrucción Pública 1908. Buenos Aires, Talleres Gráicos de la penitenciaría nacional, 1909. PP. 373. 11 Las materias se dividían en “prácticas” y “complementarias”, estas últimas probablemente tenían contenidos teóricos entre las que se encontraban Historia del Arte, Anatomía Artística y Perspectiva. En aquellas previamente mencionadas se proponía un método de evaluación con el sistema de “bolillas”, en donde el alumno recibía azarosamente dos de ellas, cada una con un tema, de las cuales debía elegir una para desarrollar lo estudiado. Asimismo, mientras el resto de las materias se regularizaba el examen con el sistema de aprobación, aplazo o reprobación, las asignaturas mencionadas y Dibujo Lineal recibían una nota numérica que permitiría establecer un orden de prioridad en las vacantes para el acceso a los cursos superiores. En cambio, las materias prácticas contaban con la posibilidad de que el estudiante de las materias de Dibujo, Modelado y Pintura contara con los “modelos” aproximadamente un mes antes de los exámenes y cuando ya se encontraban inalizados los cursos, hecho que les permitía tener un mes de práctica para la copia del claroscuro antes de la evaluación formal. En este período los profesores no podrían asistir a la Academia dado que debían abstenerse de hacer correcciones verbales y/o gráicas a los estudiantes. Cfr. Memoria presentada al Congreso Nacional de 1910 por el Ministro de Justicia e Instrucción Pública. Tomo III. Anexos de Instrucción Pública 1908. Buenos Aires, Talleres Gráicos de la penitenciaría nacional, 1909. PP. 371-374. 18 19 Además de participar de la vida de la Associazione Artistica Internazionale y de colaborar con varias revistas, participó de las Biennale di Venezia (1901;1903;1905). Estableció contactos con muchos de los jóvenes artistas que transitaban por la capital italiana en aquel momento (frecuentaba el círculo de Giacomo Balla con los protofuturistas: Adolfo De Carolis y Duilio Cambellotti, dos artistas cuya producción artística estuvo particularmente atenta a las artes aplicadas). 20 La existencia de instituciones educativas vinculadas a museos y escuelas tuvo su origen estuvo en el South Kensington Museum en Inglaterra, a partir de la Exposición Universal de 1851, que funcionó como modelo para toda Europa con la idea de crear un espacio donde exhibir los embellecidos productos de la industria y al servicio de reinar el gusto (la mano y el ojo) de los trabajadores de las fábricas. 21 Esta fórmula que priorizaba la imitación de lo que es real (verdadero) quería responder a exigencias derivadas de las teorías positivistas. Las enseñanzas no eran cerradas en sí mas transversales: se impartían disciplinas de naturaleza objetiva, indispensables para formar una base de conocimiento positivo a los jóvenes que se iniciaban al arte del Dibujo, aboliendo el conocimiento de índole subjetivo. 12 Athinae, “Academia Nacional de Bellas Artes”. Febrero 1910. Año III, núm. 18. Pp. 16-18. Para una relexión sobre la revista cfr. Baldasarre, 2009. 22 En los primeros años el alumno recibía conocimientos de ciencias matemáticas, dibujo lineal, perspectiva, dibujo a claroscuro, literatura e historia del arte. Los cursos especiales aunque tuvieran sus propias especiicidades, tenían todos en cuenta el modelado del natural y del modelo en yeso, el uso de la perspectiva aplicada y el seguimiento de la historia del arte. Cfr. Vagnetti, 1943 13 En 1902 se sancionó un decreto estableciendo que las cátedras de dibujo de los establecimientos oiciales de enseñanza serían ocupadas por quienes fueran graduados de la academia de la sociedad estímulo de bellas artes; otorgando la posibilidad al año siguiente de que se otorgase a la Sociedad la facultad de expedir diplomas de profesor de dibujo (Manzi, s/f:34). En 1912 en una nota de Caras y Caretas se comenzaba a señalar un problema que tendrá larga data “Hay, como se ve, un buen porcentaje de alumnos en los cursos de artes decorativas y de aplicación industrial, futuros obreros que no toman como pasatiempo la tarea, que van a hacer su profesión y que merecen las mismas atenciones que los estudiantes de otros institutos (…) Mientras se aguarda la iniciativa que no llega, sigue la Academia exigiendo a su personal docente un horario improbo, sigue rechazando más de doscientos inscriptos por año y dando, sin embargo, en el mismo tiempo, alrededor de cuarenta profesores al país.” Caras y Caretas. “La Academia Nacional de Bellas Artes”, n.° 740, 7 de diciembre de 1912. P.108. El subrayado es nuestro. 14 23 La creación de la Commissione Centrale per l’insegnamento artistico e industriale, en 1884, nacionalizó y centralizó esta comunión de intenciones, difundiéndolas a todas las escuelas profesionales y las academias de bellas artes italianas. 24 Los calcos en yeso del MAI se exportaban no solo a las academias italianas, sino también al exterior, llegando incluso a Buenos Aires, como da a conocer la revista “Arte italiana decorativa e industriale”, enero de 1898, p. 9 Athinae, “Escuela de artes industriales”, enero de 1910. Año III, núm. 17. Pp. 5-6. 15 Pio Collivadino estudió en Roma entre 1890 y 1896 (permaneciendo en la ciudad hasta 1906); Carlos Ripamonte, Arturo Dresco, Cesáreo Bernaldo de Quirós, Manuel Julián Castilla, ganaron en 1899 el Premio Europa y decidieron instalar en Roma Archivo del Museo Pío Collivadino, documento 867_h1. 384 385 “Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”. Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina / Larisa Mantovani & Giulia Murace Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Bibliografía de referencia citada en el texto: BALDASARRE, María Isabel (2008) “La revista de los jóvenes: Athinae” en: Artundo, Patricia (dir.) Arte en revistas: publicaciones culturales en la Argentina 1900-1950. Rosario, Beatriz Viterbo Editora. DAMIGELLA, Anna Maria (2010) Vicende dell’Accademia di Belle Arti di Roma dal 1874 agli anni Trenta. en: D’ACHILLE, Tiziana, DAMIGELLA, Anna Maria, SIMONGINI, Gabriele (coord.) (2010), Romaccademia. Un secolo d’arte da Sartorio a Scialoja, Roma, Gangemi editore. MALOSETTI COSTA, Laura (2001) Los primeros modernos: Arte y sociedad en Buenos Aires a ines del siglo XIX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica. ------------------------------------ (2006) Collivadino. Buenos Aires, El Ateneo. MANZI, Ofelia (s/f ) Sociedad Estímulo de Bellas Artes. Desde su fundación hasta la nacionalización de la academia. Buenos Aires, Atenas. MANTOVANI, Larisa (2016) “Arte, oicio e industria. La institucionalización de las artes decorativas y aplicadas en la historia del arte argentino a principios del siglo XX” en 19&20, Rio de Janeiro, Año XI, número 1. URL: http://www.dezenovevinte. net/arte%20decorativa/ad_argentina.htm MURACE, Giulia (2016) “Network artísticos internacionales en la Roma inisecular. Una lectura crítica a través de las imágenes de ateliers de los pintores latinoamericanos” en A. Valle, C. Dazzi, I. Portella, R. de J. Silva (coord.) Oitocentos - Tomo IV: O Ateliê do Artista, Universidade Federal da Integração Latino-Americana: Foz do Iguaçu/PR. Larisa Mantovani es licenciada y profesora en artes por la Universidad de Buenos Aires. Doctoranda en Historia con mención en Historia del arte en el Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional de San Martín. Su tema de investigación se centra en las artes decorativas, aplicadas e industriales y las tensiones entre las Bellas Artes y la industria en las primeras décadas del siglo XX en Argentina. Participa y ha participado de eventos cientíicos y proyectos de investigación relacionados a las artes gráicas y cultura visual, como también a la escultura y ornamentación. Giulia Murace es licenciada en Historia del Arte por la Università della Calabria y Especializada en Historia del Arte por la Università degli Studi di Siena. Doctoranda en Historia con mención en Historia del Arte en el Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional de San Martín. Su tema de investigación concierne los viajes de estudio a Roma de artistas sudamericanos entre el último cuarto del siglo XIX y las primeras décadas del siglo XX y cómo esto tuvo incidencia en la formación del arte sudamericano. PENHOS, Marta y Diana WECHSLER (coord.) (1999) Tras los pasos de la norma. Salones nacionales de Bellas Artes (1911-1989), Buenos Aires, Ediciones del Jilguero. PESANDO, Annalisa B. (2009) Opera vigorosa per il gusto artistico delle nostre industrie. La Commissione Centrale per l’insegnamento artistico industriale e “il sistema delle arti” (1884-1908), Milano, Franco Angeli. ROCCHI, Fernando (2000) “El péndulo de la riqueza: la economía argentina en el período 1880-1916 en Nueva Historia Argentina”, tomo 5, Lobato, M.Z. (ed.) El progreso, la modernización y sus límites (1880-1916), Sudamericana, Buenos Aires. VAGNETTI, Fausto (1943) La regia accademia di belle arti di Roma, Le Monnier, Firenze. 386 387 Modesto Brocos e os modelos de formação artística: A defesa das artes proissionais na primeira república (1890 – 1915) 388 389 Heloisa Selma Fernandes Capel Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915) / Heloisa Selma Fernandes Capel Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro pensamento de Brocos como algo que emerge de sua produção como artista visual, escritor de icção e professor que nos legou estudos sobre o ensino de artes. Utilizo aqui conceitos como “republicano” e “liberal”, sem adentrar nas nuances que esses termos vão adquirir a partir dos estudos contemporâneos da ciência política, mas como um posicionamento que nasce genericamente de posições contrárias ao Império e suas determinações no campo social. O tema que explora o pensamento do pintor compostelano e professor da Escola Nacional de Belas Artes Modesto Brocos y Gomez (1852-1936) e sua perspectiva de ensino compõe parte da pesquisa realizada em estágio pós-doutoral que contou com o apoio da CAPES/FAPEG em 2011 e se estende desde então, com a busca de aprofundamentos a respeito das ideias defendidas pelo artista em sua expressão visual e escrita. No VI Seminário do Museu Dom João VI, ocorrido em 2015, realizei uma primeira aproximação ao tema do pensamento de Brocos sobre A Questão do Ensino de Belas Artes, situando o livro em uma perspectiva geral de compreensão de seus conteúdos e o ambiente político e artístico que envolveu o momento de sua escrita e publicação no ano de 1915. Evidenciei, especialmente, o contexto pessoal e proissional de Brocos desde sua volta ao Brasil após uma pequeno período em que permaneceu na Espanha durante os anos de 1897 a 1900, com ênfase em suas diiculdades para se recolocar como proissional e artista. No presente texto, pretendo discutir as ideias de Brocos como republicano, sua perspectiva de ensino para a Escola Nacional de Belas Artes articulada à legislação do inal do século XIX e início do século XX. A hipótese é que, como um adepto da doutrina liberal, o pensamento de Brocos compreende ainidades com três princípios: o da formação proissional como meta para o ensino artístico, o da identiicação com métodos de ensino relacionados à legislação higienista e eugênica e, por im, o de defesa da nacionalidade ligada ao ensino de artes com valorização do desenho de ornatos. A discussão desses fundamentos só é possível na compreensão do Há indícios diretos que nos apontam Brocos como um simpatizante de ideias republicanas. Na biograia de seu irmão, Isidoro Brocos (1841-1914), encontra-se uma referência à família Brocos caracterizada como modesta, composta por artistas e republicanos: Pasa su infancia en los bajos del antiguo palacio de los condes de Altamira, demolido a inales del siglo XIX para la construcción de la plaza de abastos compostelana, donde miembros de su familia servían como campesinos y criados. Su padre, Eugenio, era pintor y grabador, trabajó como «pintor de coches y carruajes» y posteriormente como portero para esta familia. En cuanto a su tío Juan, era escultor; ambos eran socios del Liceo la Amistad de Santiago de Compostela, liberales y republicanos. ABANCA – COLECCIÓN DE ARTE.. BROCOS, Isidoro (Biograia). Disponível em: http://coleccion.abanca.com/es/Coleccion-de-arte/Artistas/ Brocos deixou a Espanha ainda jovem sob a conjuntura de lutas entre conservadores e liberais, e provavelmente foi inluenciado por seu pai, o pintor e gravador Eugênio Brocos, além de seu Tio Juan, escultor, ambos liberais e republicanos. Logo que se matriculou como aluno na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, em 1875, há registros de ter contribuído com xilograias no Jornal Republicano O Mequetrefe. Há, também, indícios desse republicanismo em três referências presentes em seus escritos: uma no livro sobre a Questão do Ensino de Bellas 390 391 Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915) / Heloisa Selma Fernandes Capel Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Artes quando ao iniciar sua justiicação à crítica ao Diretor Bernardelli, airma a barbárie da escravidão: “já se vão longos annos que isto aconteceu (...); foi na época do Império, ainda havia a escravidão, ainda existia aquele resto de barbaria” (BROCOS, 1915, p.95). Outra, ao ser simpático às ideias de mudança em sua utopia Viaje a Marte (BROCOS, 1930, p.11). Nela defende reformas radicais e faz citações do comunista belga Ernest Gilou ao constatar que os Estados haviam mantido boas intenções, mas ineicazes, nada que pudesse remediar os males do mundo (“Como dice un comunista belga: restée a l'etat de bonnes intentións ineicaces”). Brocos ainda se mostra simpático aos ideais da cultura republicana quando elege para protagonista de sua icção, o ilustrado Benito Gerónimo Feijóo (1676-1764), considerado um dos ensaístas mais destacados da Primeira Ilustração Espanhola. Inspirado na literatura de Feijóo o artista desenvolve ideias sobre as mulheres, a organização do exército e uma série de mudanças exemplares realizadas em Marte e que deveriam ser imitadas na terra. substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho livre envolveu a educação. É nesse ambiente que surgiu a Reforma Benjamin Constant de 1890 que inspirou a Reforma da Escola Nacional de Belas Artes. Nela, procurava-se conciliar os estudos literários com os cientíicos. Essa mentalidade positivista advogava a desoicialização do ensino e isso abriu caminho para uma tendência que se acentuou desde a crise do Império, a de acender o debate sobre as artes proissionais, o que expressava a contradição entre a formação do artista para a chamada “grande arte” e o “artista artíice” que conferia à atividade um sentido utilitário. O mesmo que criou oposições entre o Liceu de Artes e Ofícios (1856/1857) e a Academia de Belas Artes. A preocupação em instruir artíices e operários já existia na Academia Imperial desde os Estatutos de 1855 sob a conjuntura da Reforma Pedreira (1855) e foi tentada por seu Diretor, Manuel Araújo Porto Alegre (1808-1879) sem sucesso devido à conjuntura social brasileira e a diversas diiculdades internas da própria academia (SQUEFF, 2000). De acordo com tal perspectiva, em A Questão do Ensino de Bellas Artes Brocos defende os cursos noturnos com livre frequência, a criação de um professorado de desenho e a formação de um artista-artíice, que, segundo ele, poderia ser a fonte de um processo de desenvolvimento das artes no Brasil e de melhoria do gosto artístico nas classes ilustradas (BROCOS, 1915, p.49-59). O professor ica bastante impressionado quando descobre a iniciativa nos antigos Estatutos da Academia que encontrara no Convento de Santo Antônio (BROCOS, 1915, p.65). Para tanto, o estudo do desenho seria fundamental no exercício de qualquer proissão, aspecto que não teria sido devidamente enfatizado pelas Reformas de 1890. Como explica: Brocos estava ainado com o pensamento liberal no Brasil, a despeito de suas contradições. Sabe-se que ser liberal no Brasil é uma deinição singular, que no período entre séculos vai da perspectiva de se obter representatividade política e privilégios econômicos, excluindo-se o trabalhador escravo mediante coação jurídica (BOSI, 1992, pág.199-200). Na perspectiva do ideário, a República nasceu sob a inluência do Positivismo, propondo liberdade e laicidade e gratuidade na educação. Além disso, desejava superar a tradição clássica das humanidades, muitas vezes acusada de ser a responsável pelo academicismo brasileiro. Todavia, em que pesem os fundamentos desse ideário, as medidas educacionais esbarraram nas raízes de uma sociedade excludente e escravista, o que valorizou os ginásios e escolas superiores voltados para uma pequena parcela da sociedade. Tal conjuntura reforçou a separação entre trabalho manual e intelectual. O estudo do desenho deve merecer a mais carinhosa proteção por parte do governo, a im de espalhar e desenvolver o gosto artístico tão necessário a todos que se dedicam, quer às artes maiores, quer às artes menores, desenvolvimento No contexto de transição para a República, o problema da 392 393 Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915) / Heloisa Selma Fernandes Capel Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Brocos admite em seu livro a importância do Conselho Superior, por ele avaliado como uma congregação que pudesse se colocar como base decisória autônoma, todavia, reclama que nos regulamentos de 1890, 1901 (Código Epitácio Pessoa) e na Reforma de 1911 nada se encontrava sobre a indústria nacional e as artes proissionais, fundamentais para o desenvolvimento do País segundo o artista (BROCOS, 1915, p.60). Para Brocos, a Escola Nacional de Belas Artes como centro irradiador da cultura artística a ser difundida no País, deveria aperfeiçoar o gosto artístico nas fábricas e oicinas e ser frequentado por marmoristas, entalhadores, ourives e outros proissionais que pudessem aplicar esse conhecimento em suas atividades (BROCOS, 1915, p.62). este que trará, fatalmente, o aperfeiçoamento das indústrias nascentes no Brasil (BROCOS, 1915, p.48). Para que se conseguisse estimular o desenho deveria se organizar um curso especial e titular professores com formação no tema. Nesse sentido, Brocos elogia a Lei Rivadávia Corrêa (1911) que passou a exigir o concurso de habilitação para a obtenção dos cursos de professorado, preenchendo lacunas em relação ao assunto (BROCOS, 1915, p.50). Importante assinalar que a Lei Rivadávia Corrêa (1911) é a mais radical no processo de desoicialização desde a implantação da República. É a lei que propõe a frequência não-obrigatória, a não exigência da validação oicial de diplomas e a comprovação, vinculada ao Estado, dos estudos secundários. Os institutos públicos de ensino superior e de ensino fundamental, como o Colégio Pedro II, não seriam mais referências para as escolas públicas ou privadas, pois seus diplomas poderiam ser substituídos por meros certiicados. A Reforma Rivadávia Corrêa reforçou a tendência de estimular a liberdade de ensino e a desoicialização. As escolas públicas passariam a ter ampla autonomia de gestão administrativa e pedagógica e se subordinariam a um Conselho Superior de Ensino, formado pelos diretores das seis escolas públicas federais (Medicina do Rio de Janeiro, da Bahia, Direito de São Paulo e de Pernambuco, Politécnica do Rio de Janeiro e Colégio Pedro II) e por um docente de cada um desses estabelecimentos. Além das ainidades de Brocos com os princípios liberais, é possível identiicar sua concordância com fundamentos da última legislação educacional do Império: a Reforma Leôncio de Carvalho (1879), conhecida por seus princípios higienistas e por estar de acordo com métodos de ensino declaradamente defendidos por Brocos em seu livro sobre o Ensino de Belas Artes. Esses princípios são o método intuitivo e a emulação. Segundo Saviani (2008), a essência da Reforma Leôncio de Carvalho (Decreto n.7247 de 19 de abril de 1879) é apresentada logo no artigo primeiro ao proclamar que “é completamente livre o ensino primário no município da Corte e o superior em todo o Império, salva a inspeção necessária para garantir as condições de moralidade e higiene” (SAVIANI, 2008, p.136). Para o autor, o tema do higienismo ganhou força no ideário pedagógico brasileiro na segunda metade do século XIX, especialmente por causa da constituição da medicina como campo disciplinar. Saviani cita o discurso do Dr. Luiz Correa de Azevedo na Academia Imperial de Medicina em 1821 que, em sua interpretação, considera como um discurso liberal iluminista de fundo eugênico. Diz o Dr. Luiz Correa: “Ergamos à maior altura a instrução e a educação; formemos legiões lealmente civilizadas; façamos uma humanidade robusta, e O decreto de 1911 provocou uma série de descontentamentos e acabou por ser modiicado três anos depois pela Reforma Carlos Maximiliano (1915) que o revogou, mas foi, talvez, a Reforma mais liberal dos primeiros tempos republicanos, a que ao valorizar a educação livre e a equiparação das instituições privadas às públicas, negou o princípio de garantir aos indivíduos a educação como direito social a ser garantido pelo Estado. Ao dar alguma autonomia às instituições, a Reforma de 1915, por sua vez, estabeleceu as diretrizes do Conselho Superior, considerado uma instância deliberativa e consultiva. 394 395 Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915) / Heloisa Selma Fernandes Capel Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro propunham a oferecer ensino gratuito como o Imperial Liceu de Artes e Ofícios, fundado pela Sociedade Protetora de Belas Artes em 1858, da qual Brocos foi também professor. conjuremos assim esse futuro medonho de debilidade e apatia” (SAVIANI, 2008, p.137). O autor ainda enfatiza a recepção desse discurso por José Gonçalves Gondra que o trata como uma “pregação salvacionista, civilizatória e eugênica que, no limite, se confunde com o próprio estatuto a que a ciência médica queria ser elevada” (Idem). Brocos é explícito ao defender esse princípio pedagógico, o do método intuitivo que, embora seja oriundo das leis do Império, estava de acordo com o objetivo de favorecer o aprendizado prático, voltado para uma sociedade que se industrializava e formava artistas-artíices. Como airma: “Não há dúvida, o método de ensino, a seguir-se com os alunos que estudam bellas artes deverá ser intuitivo, deve entrar pela vista e não pelos ouvidos” (BROCOS 1915, p.53). E o autor explica com detalhes como o professor deveria proceder com os elementos concretos de seus instrumentos didáticos tanto para as aulas de desenho, quanto para as de pintura e escultura: Se a legislação das Escolas de Primeiras Letras equacionava a didática pedagógica com o método do ensino mútuo e a Reforma Pedreira (1854) pelo método do ensino simultâneo, a Reforma Leôncio de Carvalho (1879) manifesta, ainda, explicitamente sua defesa do ensino intuitivo ou lições de coisas (artigo 9º). O método intuitivo surgiu na Alemanha no inal do século XVIII e foi divulgado pelos discípulos de Pestalozzi (1746-1827) no decorrer do século XIX na Europa e nos Estados Unidos. O método esteve nas propostas de reforma da instrução pública no inal do Império e foi defendido por Rui Barbosa (1849-1923). Ligado à conjuntura da ineiciência do ensino frente às exigências da industrialização crescente, fazia parte da pedagogia intuitiva viabilizar materiais didáticos como suportes físicos do novo método de ensino. Esses materiais foram expostos nas exposições universais realizadas na segunda metade do século XIX com a participação de diversos países, dentre eles o Brasil, e compreendiam peças do mobiliário escolar, quadros negros parietais, gravuras, objetos de madeira e diversos outros. Houve, também, uma disseminação dos manuais, que se convertiam em materiais essenciais de orientação didática para o professor. O método intuitivo parte do princípio que o ensino deve envolver a percepção sensível a partir de objetos, iguras ou qualquer material que estimule a percepção a partir do concreto. O método foi estimulado no ensino livre de Leôncio de Carvalho (1879) e essa pedagogia se manteve como referência durante a Primeira República e fez parte do processo de desoicialização do ensino que vai culminar na Reforma Rivadávia de 1911. É sob essa conjuntura que são estimuladas a abertura de escolas por meio de entidades particulares de benemerência, que se [...] não é possível que um rapaz entre para a aula de pintura e o professor lhe entregue as tintas e diga: - pinte – sem nunca ter ele pegado em um pincel. É necessário que o professor dê previamente uma explicação da theoria das cores, do emprego das tintas e, sobretudo, tome o pincel e pinte para o alumno conhecer o processo de pintar (BROCOS, 1915, p.52). Ao lado da defesa de tal método de inspiração na ambiência eugênica da legislação pedagógica do inal do Império, há, ainda, o elogio de Brocos ao princípio da emulação. Para Brocos, esse deveria ser uma das principais atribuições do Conselho Superior aperfeiçoado pela Reforma Rivadávia (1911): “a de conservar em constante estado de emulação professores e alunos nas diversas aulas, além de tirá-los da apathia que por ventura venha dominar em qualquer delas” (BROCOS, 1915, p.32). E ainda completa: a emulação é a uma das forças mais poderosas para o progresso humano, dela resulta a nobre e esforçada luta, em que cada um se empenha para conseguir a realização do seu 396 397 Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915) / Heloisa Selma Fernandes Capel Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro ideal, seja no campo das investigações scientíicas, seja no utilitário das industrias ou no da imaginação artística. D’ahi a necessidade de manter em constante alerta a emulação, forte alavanca de progresso, se quisermos resultados eicazes para o ensino na Escola Nacional de Bellas Artes (Brocos, 1915, p.32). todas as consequências para averiguar a origem do homem. Nós também deveremos estudar o estado embryonario das artes e seguir o seu desenvolvimento, para depois tirar as consequências e aplical-as ao nosso methodo de ensino. Antes, porém, precisamos indagar como as artes se manifestaram na humanidade (BROCOS, 1915, p.34). Mas em que consistia a emulação? Oriundo do Ratio Studiorum da pedagogia jesuítica, o método envolvia o princípio da competição e não descartava os castigos físicos como meio punitivo para se estimular resultados. A emulação era considerada algo diferente da competição que “alimentava as paixões viciosas, acendia a ira e instigava a vingança”, mas se conigurava como a emulação que o Ratio Studiorum chamava de honesta aemulatio, nobre emulação que estimula a honra (RODRIGUES,1917,p.68). A ênfase nos resultados é favorecida no método pela política de prêmios e castigos. A recompensa era um mecanismo pedagógico muito característico do sistema jesuítico e cumpria essa função, a de emular para a honra (BITTAR, 2011, p.240). Brocos considera que os ornatos estão entre as primeiras manifestações artísticas da humanidade e que os desenhos encontrados nos índios do Amazonas são muito parecidos com os tempos pré-históricos gregos e as expressões artísticas de Micenas. Partindo dessa ideia, seria necessário começar a ensinar o desenho pelos ornatos para instruir as classes populares sobre educação artística e só mais tarde ampliar este ensino. No livro Retórica dos Pintores (1933) assinala a importância dos vasos de Marajó como um ponto de partida para a arte nacional e, quando discorre sobre a arquitetura, enfatiza a necessidade de estilizar a lora brasileira, substituindo a “folha de acantho pela folha do nosso mamoeiro”, ou mesmo o uso da preguiça, do tatu e do tamanduá que deveriam ser adotados em decorações arquitetônicas (BROCOS, 1933, pág.131-136). No texto de 1915, o autor detalha como esse ensino deveria ser realizado, com o professor e o aluno apropriando-se de maneira prática do modelo e, a partir daí, realizando um esforço para estimular a imaginação criadora. O aluno manipula o modelo concreto, o professor o corrige com exemplos práticos e, depois, eles retomam o trabalho criando em cima das formas. Brocos critica os professores que não tocam nos trabalhos dos alunos para fazê-los entender, na prática, o “sentimento de uma linha” ou como “fazer cantar uma forma”. Os professores que não faziam isso não deveriam premiar alunos (BROCOS, 1915, pág. 52). Portanto, a emulação precisa ser associada ao ensino concreto, com estímulo de objetos e aulas práticas que contribuíssem efetivamente para uma formação proissional. Entretanto, na concepção do professor Brocos, para se ensinar e difundir o gosto artístico no Brasil seria necessário, ainda, partir do mais simples, do desenho de ornatos. Isso, de fato criaria espaço para o desenvolvimento de uma arte genuinamente brasileira, tema a ser ampliado em seu livro Retórica dos Pintores, de 1933. Como explica: Darwin estuda o estado embryonario da criança e tira dele 398 399 Brocos constata que por ser o Brasil um País novo criaram uma Academia sem mais preparo com o intuito de ensinar pintura, escultura, gravura e arquitetura. Todavia, as artes ornamentais deveriam ser ensinadas em primeiro lugar, pois eram as únicas que tinham cabimento na criação da Academia (BROCOS, 1915, p. 36). Acrescenta, ademais, que não se pode julgar uma instituição, sem considerar o meio em que ela está inserida, considerá-la em seu tempo e espaço, para concluir: “entre nós, não devemos imitar servilmente o que se faz nos paizes da Europa: as instituições que de lá importemos, deverão Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915) / Heloisa Selma Fernandes Capel Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro ser primeiro estudadas, de modo que possam adoptar-se e se amoldem em nosso meio” (Idem, p.36). É por essa razão que além de um curso de desenho, propõe o reforço de uma galeria de moldagens em gesso de ornatos, modelos que seriam elementos de partida para a arte nacional (BROCOS, 1915, p.43). O curso do professorado de desenho seria suplementar, com dois anos de frequência e ali, na aula de ornatos, se aprenderia a estilizar a lora e a fauna brasileira e a fazer composições em todos os estilos. d) Autoridade – A escola elabora um sistema de prêmios e castigos, de sanções apropriadas de modo a garantir que a organização pedagógica funde-se sempre na autoridade do professor. e) Emulação – A ideia de dever, a necessidade de aprovação e o sentimento do mérito são desenvolvidos para manter a atividade escolar, e completa, desse modo, o princípio da autoridade. f) Intuição – O ensino deve partir de uma percepção sensível. O princípio da intuição exige o oferecimento de dados sensíveis à observação e à percepção do aluno. Desenvolvemse, então, todos os processos de ilustração com objetos, animais ou suas iguras (SAVIANI, 2006, p.26-27, grifos meus). A ideia de partir do mais simples, tendo como princípios a emulação e a intuição (método intuitivo) defendidas explicitamente por Brocos, são bases de uma política pedagógica adotada nos regulamentos da instrução pública do século XIX, fundamentos que a Escola Nova vai denominar, no século seguinte, como Pedagogia Tradicional. Contra a pedagogia que considerava conservadora, a Escola Nova vai contrapor a defesa da autonomia do aluno e advogar contra a tutela do professor em um sistema de ensino público, livre e aberto que garantisse a todos o direito à educação. Como detalha SAVIANI (2006), os princípios da escola do século XIX podem ser assim deinidos, associados à ideia do formalismo, da autoridade e da memorização, a capacidade de repetir o que foi transmitido: Do que foi exposto é possível inferir que Brocos era um professor-artista vigilante quanto às transformações e demandas de seu tempo. Como republicano convicto, suas ideias sobre as artes proissionais foram vivamente explicitadas e defendidas em seus livros para instrução do ensino de Belas Artes. Com empenho e argúcia, o artista-professor foi capaz de perceber as tendências de valorização do ensino proissional e o estendeu para o ensino das artes nos primeiros anos da República. Ele estava atento às Reformas não apenas da Escola Nacional de Belas Artes, mas à sua adequação às discussões sobre a legislação e as políticas educacionais desde o inal do Império. Brocos se ilia ao pensamento pedagógico eugênico e sua metodologia intuitiva marcada por premiações e defesa do artista artíice está de acordo com a conjuntura de despreparo da população para lidar com uma sociedade livre: era preciso valorizar a atividade produtiva e educar os indivíduos, dar-lhes um sentido de sobrevivência em uma sociedade altamente excludente e estratiicada, governada por uma pequena elite. A concepção do trabalho como meio para conformar mentalidades mais ordeiras e civilizadas estava no ideário republicano. a) Simplicidade, análise e progressividade – O ensino deve começar pelos elementos mais simples. O esforço pedagógico exige a análise da matéria ensinada, de modo a decompô-la num certo número de elementos que serão individualmente fáceis de assimilar. O espírito do aluno, progressivamente, vai se enriquecendo à medida que adquire os novos conhecimentos gradualmente dispostos. b) Formalismo – O ensino chega ao encadeamento de aspectos rigorosamente lógicos. O ensino esforça-se por ser dedutivo. c) Memorização – A decomposição do conteúdo do ensino em elementos facilita a memorização. A capacidade de repetir o que foi ensinado pelo professor. Brocos ainda se ilia ao esforço de pensar uma arte nacional, 400 401 Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915) / Heloisa Selma Fernandes Capel Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: ideário da República nascente. Com a perspectiva que os modelos europeus deveriam ser adaptados à conjuntura brasileira, se empenha em exibir tipos nacionais, especialmente negros, apresentando-os em atividades de trabalho, como em Engenho de Mandioca (1892) ou discutindo o processo de miscigenação, como em Redenção de Cã (1895), os exemplos mais conhecidos. São maneiras de se colocar como proissional e artista em uma sociedade que vivia um intenso processo de transformação. Sua perspectiva europeia e eugênica, todavia, icará evidenciada no livro publicado em Valência (Viaje a Marte, 1930). Ali, em um esforço de imaginar a organização ideal, Brocos vai propor a seleção de raças para um horizonte de expectativas a ser alcançado, o da cultura branca e civilizada que deveria se tornar a sociedade brasileira. 1 Ensino mútuo: Também conhecido como sistema monitoral, esse método pregava, dentre outros princípios, que um aluno treinado ou mais adiantado (decurião) deveria ensinar um grupo de dez alunos (decúria), sob a orientação e supervisão de um inspetor. Ou seja, alunos mais adiantados deveriam ajudar o professor na tarefa de ensino. Essa ideia resolveu, em parte, o problema da falta de professores no início do século XIX no Brasil, pois a escola poderia ter apenas um educador. O quaker inglês Joseph Lancaster (1778-1838), identiicado com o trabalho pedagógico realizado em Madras, na Índia, pelo pastor anglicano Andrew Bell (1753-1832), e com os ideais reformadores do jurista inglês Jéremy Bentham (17481792), autor do Panóptico, estabeleceu em 1798, uma escola para ilhos da classe trabalhadora, também utilizando monitores para o encaminhamento das atividades pedagógicas. Todavia, Lancaster amparou seu método no ensino oral, no uso reinado e constante da repetição e, principalmente, na memorização, porque acreditava que esta inibia a preguiça, a ociosidade, e aumentava o desejo pela quietude. Em face desta opção metodológica ele não esperava que os alunos tivessem “originalidade ou elucubração intelectual” na atividade pedagógica, mas disciplinarização mental e física. História da Educação Brasileira. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete ensino mútuo. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: <http://www.educabrasil.com. br/ensino-mutuo/>. Acesso em: 08 de jul. 2016. 2 Ensino Simultâneo: Visa atender um grande número de alunos separados em subgrupos conforme o grau de desenvolvimento. Segundo esse método, cada professor deveria atender a três classes. Foi criado e sistematizado por São João Batista de La Salle (1651-1719), que suavizou a disciplina escolar da sua época, proibindo os castigos físicos. O método simultâneo superou o método individual de ensino, em que o professor atende individualmente um aluno por alguns minutos. Porém, trazia como consequência o tumulto em sala de aula, prejudicando o aproveitamento da disciplina. La Salle adotou o método simultâneo de ensinar quando a maioria dos educadores de seu tempo ainda se utilizava do método individual. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete ensino mútuo. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/ensino-mutuo/>. Acesso em: 08 de jul. 2016. 402 403 3 Conforme SAVIANI (2008, p.138) mais famoso desses manuais foi o do americano Norman Allison Calkins, denominado Primeiras Lições de Coisas, cuja 1ª Edição data de 1861. Foi traduzido por Rui Barbosa em 1881 e publicado no Brasil em Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915) / Heloisa Selma Fernandes Capel Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro 1886. 4 O método Pestalozzi propunha partir do mais simples, para o mais complexo, fundamento que dá base ao método intuitivo. 5 Brocos estava informado sobre tudo que ocorria na Europa no que se refere ao campo artístico. Em seu livro, há observações sobre a 1ª Exposição Universal ocorrida em Londres no ano de 1851. Para ele, a França havia suplantado a Roma e Florença como centro irradiador da arte (BROCOS, 1915, p.40- 41). 6 Ratio Studiorum é o plano de estudos da Companhia de Jesus aprovado em 1599 para ser adotado em todos os Colégios jesuíticos estabelecendo regras a serem seguidas por professores e alunos. 7 Escola Nova: um movimento de educadores europeus e norte-americanos, organizado em ins do século XIX, que propunha uma nova compreensão das necessidades da infância e questionava a passividade na qual a criança estava condenada pela escola tradicional. Também conhecida como Educação Nova, a Escola Nova tem seus fundamentos ligados aos avanços cientíicos da Biologia e da Psicologia. Pode-se airmar que, em termos gerais, é uma proposta que visa a renovação da mentalidade dos educadores e das práticas pedagógicas. O pedagogo Célestin Freinet foi um dos defensores dessa concepção de educação. Já o educador e pensador Jean Piaget optou pela chamada Escola Ativa, uma corrente da Escola Nova. [...] No Brasil, a Escola Nova buscava a modernização, a democratização, a industrialização e urbanização da sociedade. Os educadores que apoiavam suas idéias entendiam que a educação seria a responsável por inserir as pessoas na ordem social. Também conhecido como escolanovismo, a Escola Nova chegou ao País na década de 1920 com as Reformas do Ensino de vários Estados brasileiros. Historicamente, os fatos marcantes da Escola Nova passam pela criação da Associação Brasileira de Educação em 1924 e a dissidência ocorrida na IV Conferência Nacional de Educação em 1931, que dividiu o pensamento renovador em dois grupos: liberais e católicos. Vale citar que o primeiro grupo, dos liberais, era integrado por nomes conhecidos como Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Anísio Teixeira e outros. Um marco importante foi o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, publicado em 1932, que apresentava as principais diretrizes políticas, sociais, ilosóicas e educacionais do escolanovismo. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete Escola Nova. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/escola-nova/>. Acesso em: 08 de jul. 2016. 404 405 Heloisa Selma Fernandes Capel é professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás. Coordena o GEHIM – Grupo de Estudos de História e Imagens/CNPq. Desenvolve pesquisa sobre Modesto Brocos y Gomes (1852-1936) e possui vários artigos publicados em revistas especializadas e capítulos de livro sobre o tema. Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915) / Heloisa Selma Fernandes Capel Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas BITTAR, Marisa. Códigos e Regras de Estudo no Sistema Jesuítico de Educação. In Série Estudos - Periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB. Campo Grande, n. 31, p.225-244, jan./jun. 2011. BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. BROCOS, Modesto. A Questão do Ensino de Bellas Artes, Seguido da Crítica sobre a Direção Bernardelli e Justiicação do Autor. Rio de Janeiro, 1915. BROCOS, Modesto. Viaje à Marte. Valência: Editorial Arte y Letras, 1930. BROCOS, Modesto. Retórica dos Pintores. Rio de Janeiro: Typ. D’a Indústria do Livro, 1933. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. MIRANDA, Margarida. Código pedagógico dos jesuítas: Ratio Studiorum da Companhia de Jesus. Campo Grande: Esfera do Caos, 2009. RODRIGUES, Francisco. A formação intellectual do jesuíta – leis e factos. Porto: Magalhães & Moniz, 1917. SAVIANI, Dermeval. O Legado Educacional do Século XX no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2006. SAVIANI, Dermeval. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. Campinas, SP: Editores Associados, 2008. SQUEFF, Letícia Coelho. A Reforma Pedreira na Academia de Belas Artes (18541857) e a Constituição do Espaço Social do Artista. In. Cadernos do Cedes, ano XX, número 51, novembro/2000. 406 407 A EBA e o ensino nas oicinas 408 409 Patrícia Figueiredo Pedrosa Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A EBA e o ensino nas oicinas / Patrícia Figueiredo Pedrosa singularidades de nossa história. Para Duve, cada um desses modelos se apoia numa tríade de conceitos: o modelo acadêmico apoia-se sobre a tríade talento-métier-imitação, o modelo Bauhaus na tríade criatividade-meio-invenção, o modelo pós-moderno na tríade atitude-prática-desconstrução. Apesar de obsoletos, tanto o modelo da Bauhaus quanto o modelo acadêmico estabeleceram pressupostos a respeito do ensino sobre as quais muitas escolas foram construídas e que permanecem até hoje subjacentes na maioria dos currículos. A seu ver “obter uma melhor compreensão do declínio do modelo da Bauhaus” nos ajuda a entender a crise do ensino atual de arte. A mudança do conceito da Bauhaus de criatividade para o conceito pós-moderno de atitude foi precedido pela invasão da teoria (comumente chamada Teoria Francesa) nas escolas subvertendo a prática dos ateliês. Esse processo iniciado em meados da década de 70 consolida-se até a metade da década de 80, caracterizado pela ampla institucionalização do discurso vanguardista. As escolas são instituições dentro do campo da arte. Instituição complexa, de contornos sutis, local de concentração de seus agentes - artistas, historiadores e críticos – que desempenham seus papéis simultaneamente à docência. A peculiaridade dessa situação que em si já demanda uma atenção especial, torna-se ainda mais interessante quando se investiga a atuação do aluno, sujeito do aprendizado, potência e devir, conluência entre passado, presente e futuro. A atuação do aluno em suas possibilidades está, em variável proporção, vinculada aos currículos formatados de acordo com linhas ilosóicas próprias a cada instituição. A Escola de Belas Artes da UFRJ originada da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro completa 200 anos em 2016 como reconhecido espaço de desenvolvimento de pesquisa e conhecimento, intercâmbio de informações e experiências. Sua trajetória é parte constituinte da história da cultura e da arte de nosso país tendo acompanhando seu desenvolvimento, e em razão deste sofreu as consequentes mudanças no curso do tempo. Dentre as inúmeras questões envolvidas em sua história abordaremos a presença especíica das oicinas e ateliês no corpo estrutural da escola e de seu ensino. Apoiaremos esta relexão na análise feita por Thierry de Duve no artigo “Quando a forma se tornou atitude e além” (2003) no qual examina as instituições de ensino de arte da Europa e América investigando as mudanças de paradigma ocorridas nos três grandes modelos que a seu ver inluenciaram este ensino: o modelo acadêmico, o modelo da Bauhaus e o modelo pós-moderno. Esses modelos também inluenciaram o ensino no Brasil, resguardadas as 410 411 Nossa escola insere-se na condição citada por Duve das inúmeras que procuram encontrar um equilíbrio entre o tradicionalismo e a modernização de seus métodos. Os cursos organizados como oicinas que são oferecidos à algumas graduações (as licenciaturas, por exemplo) como disciplinas obrigatórias, são também acessíveis como disciplinas eletivas às demais graduações. Esse é um recurso que permite ao aluno investigar diversas alternativas e vivenciar os meios no questionamento de suas pesquisas, base fundamental na sua formação. De acordo com o texto do site oicial da Escola “oicinas são espaços equipados para produção do objeto que já foi anteriormente projetado, enquanto que os ateliês são espaços em que se cria e se produz o objeto, numa atividade contínua.” Além dos ateliês de Pintura, Escultura, Gravura e Restauração, “possui, também, oicinas como as de Cerâmica, Têxteis, Estamparia, Maquete, Metal e Madeira, Plástico e Serigraia cuja função é a de oferecer aos alunos a oportunidade para a produção da peça, travando conhecimento com técnicas Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A EBA e o ensino nas oicinas / Patrícia Figueiredo Pedrosa intituladas “A” e “B” - Pintura A, Aquarela A, Litograia A, Gravura A e B, Estamparia A e B – para citar alguns exemplos, são sempre muito concorridas, tornando as vagas oferecidas insuicientes. São cursos já tradicionais são oferecidos há muito tempo na Escola, cuja permanência se dá pela intensa demanda dos alunos que se renova a cada período. A oicina citada de Estamparia, ministrada pela professora Marina Magano, é oferecida desde 1975. O interesse dos alunos se torna bem patente no caso da “Fudido Silk”, oicina coordenada pelo professor de Gravura Pedro Sanchez, que se organizou a partir da solicitação dos alunos, como os entrevistados Yuji Pomar e Clarissa Gonçalves quando visitaram os ateliês de gravura levados pela Professora de Processos Gráicos Raquel Pontes. Constituído como oicina que funciona em regime de cooperativa voltada para impressão de camisetas através da serigraia e outros processos ains com a gravura, apresenta em seus produtos o acento artesanal como marca distintiva, visando o mercado extra universidade. Dentre seus participantes (o grupo compõem-se de 10 integrantes ixos mais os que gravitam em torno de atividades temporárias), encontramos alunos de diversos cursos, como Comunicação Visual e Design, História da Arte, e até de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social, como Bárbara Rossi. Para os alunos de Design, esta oportunidade veio suprir grande carência, pois reportam que não têm oicinas na grade curricular, e por isso, não conseguem vagas, tendo que ser aceitos como ouvintes. alternativas de grande valor, que contribuem para a ampliação de seu potencial proissional.” De acordo com Duve as oicinas que no modelo acadêmico serviram para a aquisição do métier na lapidação do talento e no modelo Bauhaus serviram para as experimentações do meio no exercício da criação do novo, no modelo pós-moderno sofreram deslocamento e/ou substituição. Ainda que mal assimilada a desconstrução se tornou um método para produzir e ensinar arte, que apesar de interessante na produção de obras se mostrou estéril para o ensino, tendo como resultado “estudantes que não tiveram oportunidade de construir qualquer espécie de cultura artística sendo orientados pela noção desconstrutiva própria de nosso tempo”(DUVE, 2003, p. 104). O autor sustenta que a tríade atitude-prática-desconstrução não se sustenta como paradigma da pós-modernidade em substituição ao paradigma do modernismo por ser a continuação deste pensamento, não sua oposição. Uma das principais críticas à universidade é que a pouca lexibilidade de sua estrutura curricular restringe a criação artística ou que não está em consonância com os conceitos norteadores da arte contemporânea. O que se nota é que o método em quer se articula formação teórica à formação prática, encontrada nas escolas que oferecem a estrutura de ateliês montados e professores capacitados, proporciona uma área de liberdade fundamentalmente necessária ao próprio exercício de criação. Lamentavelmente, alguns ateliês em nossa escola (mosaico, tecelagem, couro), assim como em outras instituições, foram desmontados. Independente das causas, se a inluência do pensamento francês, se por questões políticas ou inanceiras, ou por ambas, o que se pretende ressaltar aqui é a importância da sua preservação como recurso válido ao ensino contemporâneo. O grande interesse dos alunos pelos cursos oferecidos como oicinas foi conirmado, para efeito desta pesquisa, através de uma pequena pesquisa entre discentes e docentes. As disciplinas 412 413 Entendemos que o desmonte das oicinas em nome de uma suposta atualização corresponde a um conceito modernista de oposição ao passado, já obsoleto. Arthur Danto nos esclarece que a arte contemporânea nada tem contra a arte do passado, que deve estar disponível para qualquer uso que os artistas queiram lhe dar. Desta forma, não devemos suprimir, mas no mínimo conservar as possibilidades existentes. A preservação das oicinas se conigura recurso válido ao ensino contemporâneo porque além de ampliar possibilidades artísticas e potencialidades criativas, contribui para a conservação do patrimônio cultural e a preservação de saberes. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A EBA e o ensino nas oicinas / Patrícia Figueiredo Pedrosa Figura 2 - Oicina de Cerâmica Figura 1 - EBA – Prédio da Reitora da UFRJ. Foto Patrícia Pedrosa 414 415 Foto Kátia Gorini Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A EBA e o ensino nas oicinas / Patrícia Figueiredo Pedrosa Figura 3 - Oicina de Estamparia Foto Marina Magano Figura 4 - Oicina de Estamparia 416 417 Foto Marina Magano Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A EBA e o ensino nas oicinas / Patrícia Figueiredo Pedrosa Figura 5 - Matriz serigráica e estêncil – Oicina Fudido Silk Foto Patrícia Pedrosa 418 419 Patrícia Figueiredo Pedrosa Possui graduação em Gravura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994), licenciatura em Educação Artística pela Universidade Cândido Mendes (2006) e pós-graduação em Arteterapia em Educação pela Universidade Cândido Mendes (2010). Atualmente é Professor Docente I - Secretaria de Estado de Educação - RJ. Mestranda em História e Crítica da Arte pela EBA – UFRJ - PPGAV. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A EBA e o ensino nas oicinas / Patrícia Figueiredo Pedrosa Referências Bibliográicas: DANTO, Arthur C. Introdução moderno, pós-moderno e contemporâneo. In: Após o im da arte: a arte contemporânea e os limites da história. Tradução de Saulo Krieger. São Paulo: Edusp: Odysseus, 2006 [1997], pp. 2-21. DUVE, Thierry de. Quando a forma se transformou em atitude – e além. In: Arte & Ensaios n. 10. Revista do PPGAV/EBA/UFRJ. Rio de Janeiro: UFRJ, dezembro 2003. http://www.eba.ufrj.br/index.php/graduacao/oicinas 420 421 Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação 422 423 Fernanda Pitta Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Uma igura [FIG.1] de caboclo ocupa quase todo o espaço da tela, fumando sossegadamente seu cigarro após cumprido o trabalho de derrubar a mata virgem. Difícil saber de qual tipo étnico exatamente se trata: caboclo, na segunda metade do século XIX, é termo associado tanto à igura do indígena “civilizado” como a do mestiço de indígena e branco (BEAUPAIRE-ROHAN, 1889, p.23). Esse “caboclo manso” jaz de torso nu e pés descalços, em pose grandiosa, construída em pinceladas largas que ressaltam sua sensualidade carnal, mas também seus pés sujos, mãos grossas, roupas rotas e unhas encardidas. A igura tem monumentalidade escultórica. Sua gestualidade oscila entre um registro classicizante – uma grande linha “serpentinata” organiza o seu corpo –; e o realista - traduzido no conforto da personagem recostada sobre a pedra, a perna direita semi-estendida, apoiada pelo calcanhar, o contrapeso realizado pelo braço esquerdo, cuja mão sensualmente envolve o machado, mas também no detalhe da chama fumegante do cigarro. Na fatura também há algo de indeciso. Pinceladas largas, untuosas e aparentes – uma pasta “gorda, rica, possante e aplicada franca e largamente”, nas palavras de Alfredo Galvão (1956, p.220) – estão presentes no rosto, dorso e calças do modelo; efeitos de saliência em grossa camada de tinta são visíveis na mata derrubada, na palha de milho ao chão, e, é claro, na ponta lamejante do cigarro. Esfregaços de tinta misturada com branco fazem a textura rugosa das rochas e do limo que se deposita sobre elas. Mas há também uma presença importante do desenho: contornos bem delineados do corpo, minúcia na representação das folhagens, além das veias salientes dos braços, mãos e pés do modelo. Na coniguração geral da igura, há algo de um conjunto de forças perfeitamente balanceado que sugeriu a alguns, como Luciano Migliaccio, a sensação de pose forçada, por demais devedora dos exercícios de Academia (MIGLIACCIO, 2000, p.142). A outros, como Gilda de Mello e Souza, não obstante, a representação da “dinâmica dos gestos”, uma complexa fusão de relaxamentos e tensões musculares deveria ser associada ao tipo brasileiro por excelência – uma gestualidade única e característica, eicazmente codiicada pelo artista, ainda que a partir de um modelo italiano (MELLO E SOUZA, 1980, p.224). Concordemos com um ou com outro, é necessário reconhecer o quanto esse caboclo tem de impactante. A potência de sua igura, e de seus atributos de virilidade assim tão evidentes, quase nos faz esquecer do io de água leitoso, estranhamente iluminado, que surge à esquerda da composição, e forma a diminuta fonte vertente sobre a cabaça pousada a seus pés, itada de esguelho pelo caboclo. Também mal notamos o cacto do gênero opuntia, característico da vegetação americana, à sua direita, os cipós e as folhagens, capturados que somos por sua imagem, ou talvez apenas pela clareira que se abre com a derrubada da mata e se escande no plano de fundo. 424 425 Realizada durante o séjour do pintor paulista em Paris em 1879, no ano seguinte ao seu ingresso na École des Beaux Arts como aluno matriculado no atelier de Alexandre Cabanel, a obra foi exposta no Salon de 1880, sob o título Défricheur Brésilien (DUMAS, 1880, p.2), juntamente com outra tela do artista, Le Remors de Judas [O Remorso de Judas]. Caboclo em Descanso, Caboclo brasileiro, Caboclo no trabalho, Caboclo brasileiro em repouso, Índio no repouso ou Lenhador brasileiro, variantes de título que lhe foram atribuídas pela imprensa do período, Derrubador Brasileiro é obra que desperta certa perplexidade para a historiograia da arte no Brasil, ainda que tenhamos sobre ela as belas páginas de Jorge Coli (2002, pp.23-30) e os comentários perspicazes de Rafael Cardoso (2004, pp. 24-27). Se a historiograia tem até hoje diiculdade de precisar o gênero desta pintura, considerada por muitos mero estudo de Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro igura humana, uma Academia, uma composição malsucedida, algo postiça, indecisa ou mal-realizada, suas conclusões não estão muito distantes daquelas emitidas pela crítica brasileira contemporânea à obra. parasitárias matérias que se vão grimpando livremente pelas pedras, pelos galhos secos, pelas elevações da terra úmida. Não se pode deixar de notar que a primeira impressão da obra, para Gonzaga Duque, é positiva. Interessa-lhe a rudeza do tipo e a galhardia de sua “vadiagem”: Na primeira resenha de Felix Ferreira à tela, em 1882, quando o artista a expõe em sua individual na Academia, o crítico nota a “falsidade do colorido da epiderme” do derrubador, imputando o resultado ao uso do modelo europeu e não “um indígena puro ou mesmo mestiço do Brasil”. Ainda assim, elogia suas feições, em que encontra “traços característicos dos nossos íncolas”, considerando sua atitude “cheia de naturalidade” e a “de uma robustez belamente artística”, sem deixar de colocar reparos na representação da paisagem ao fundo, considerada carregada e árida (FERREIRA, 1882, p.1)1. No comentário que faz à obra quando é novamente exposta na exposição geral de 1884, Ferreira se limita a descrevê-la como “um bom estudo de musculatura robusta e isionomia honesta de homem trabalhador” (FERREIRA,1884, p.1). Julio Dast, em resenha à exposição de 1882 na Revista Illustrada, interessase apenas por suas características formais, um “assunto de desenho e de largura de toque” (DAST, 1882, p.2). O crítico X., na mesma revista, considera em 1884 o quadro “insigniicante como composição porém bem executado” (X, 1884, p.3). Na caricatura publicada pela revista na ocasião do salão de 1884, a legenda também indica o pouco apreço de Angelo Agostini pela pintura: “bom quadro mas que não diz nada. Verdade é que o patrício está descansando e não precisa deitar discursos” (AGOSTINI, 1884, p.4). Gonzaga Duque, escrevendo em 1882, louva a liberdade do assunto, reparando que: o título de Caboclo não vai de perfeito acordo com a igura que é mais a de um mestiço do que de puro ilho de raça guarani. A igura descansa sobre umas pedras com o cigarro aceso entre os dedos e o machado à mão esquerda. Em derredor a paisagem tem o aspecto feliz da calma e da luz. Um pequenino córrego quebra, de pedra em pedra, a sua água fresca e toniicante, aljofrando as folhas escuras de O rude mestiço está, no meio desta magníica vegetação, tão bem e tão cômodo, como se estivesse refestelado numa macia esteira de palha trançada. Provoca a vontade de imitá-lo, pedindo-se-lhe para chegar mais um pouco, a im de dar-nos lugar, junto dele, o vadio. Elogia ainda a correta representação anatômica e a franqueza da pintura, associando sua técnica aos processos de um Jules Breton: Na igura o Sr. Almeida Júnior fez muito bom estudo de anatomia. Musculatura rígida, hercúlea, tendões desenvolvidos, e largas veias entumecidas. A pintura é franca como a do Remorso de Judas, o que me leva a crer que o artista compreendeu nesses quadros o processo de Jules Breton: uma vez produzida a comoção desejada, não há mais que polir nem alisar, todo o trabalho verdadeiramente d’arte cessa; o resto é ocupação de embutidor” (ESTRADA, 1882, p.1). 426 427 Em 1888, ao reescrever os trechos da crítica para incorporá-los ao livro Arte Brasileira, Gonzaga Duque reitera o apreço pela técnica do Derrubador, considerando, mais uma vez como no Judas, “felizes os tons, o jogo da luz, o desenho e a expressão”. Admira “a carnação, e sobretudo o tórax”, de “uma verdade que lembram os estudos de Bonnat”, mas modera o apreço declarado pelo quadro em 1882, ainda que o considere original enquanto assunto: “acho-lhe, no entanto, com pouca naturalidade; parece que foi propositalmente posado para ser pintado” (ESTRADA, 1995, p. 183). Oscar Guanabarino, por sua vez, expressa em 1884 todo o seu desdém pela obra, não escondendo o quanto ela lhe desagrada: “o assunto do quadro Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e o tipo reproduzido exigiam uma composição valente, e não aquilo” (GUANABARINO, 1884, p.1). a aquisição das obras à Academia, e não à vontade da instituição. Em Paris, a pintura tivera uma recepção discreta, porém digna de nota para um artista proveniente de um país longínquo e “selvagem” como o Brasil – o que o faz a imprensa paulista, interessada em registrar o sucesso do conterrâneo. O crítico conservador Alfred Wolff registra duas breves linhas no seu contumaz salão para o Figaro: “Défricheur brésilien, grand tableau que ne manque pas d’interêt” (WOLFF, 1880, p.71)2. Theodore Véron por sua vez assinala: Louis Énault, em La Presse, contenta-se com um “assez pittoresque”3 para descrever o quadro (ÉNAULT, 1880, p.2). A tela foi também prestigiada com um poema - assaz medíocre - de François Fertiault, publicado no Journal des Arts, chronique hebdomadaire de l’Hôtel Drouot, de 28 de maio de 18804. Ainda assim, seria possível compreender Derrubador Brasileiro como uma obra destinada pelo artista a contribuir às temáticas de assunto brasileiro? Para Rafael Cardoso, ela é “imagem fundamental – e, talvez, fundadora – na consolidação de um retrato imaginário do tipo nacional” (CARDOSO, 2004, p.24). Se a interpretarmos segundo essa perspectiva, é necessário indagar por que motivo uma obra digna de ser assimilada ao projeto acadêmico de construção de uma visualidade brasileira foi recebida com reticências pela crítica e talvez com certo desinteresse por parte da Academia que aparentemente não a inclui entre aquelas expostas como pertencentes à “Escola Brasileira de Pintura Formando Galeria Nacional”, da exposição geral de 1884, relegando-a à sessão dos expositores da mostra, ainda que a tela já pertencesse ao acervo da instituição (DE WILDE, 1884, p.6). Na atualidade, a obra pode ser lida como um elemento central da construção da visualidade do tipo brasileiro. Ainda que esse aspecto não tenha sido devidamente aprofundado por nossa historiograia, considero possível mapear na reticência e perplexidade provocadas pela obra a zona precisa em que o artista a situou: uma fronteira movediça entre gêneros, temáticas e signiicados, que propunha uma outra abordagem à questão da arte nacional desenvolvida até então dentro do âmbito acadêmico da segunda metade do século XIX. Ainda assim, a crítica carioca não se comoveu com o tímido caminho de consagração preparado pela inserção parisiense da obra, evitando deitar os louros provavelmente esperados pelo artista. Em razão desse desinteresse, permiti-me conjecturar, em outra oportunidade5, que a compra da tela pela Academia em 1882 – juntamente com as outras produzidas durante a estada em Paris e expostas ao inal de outubro daquele ano – pode ter se devido sobretudo ao empurrão dado pelo conterrâneo Joaquim Bento de Paula Souza, ex-ministro da marinha, junto ao então Ministro do Império, Leão Velloso, quem recomenda As incertezas na interpretação contemporânea da obra, esse é o argumento desenvolvido aqui, são resultado da posição oscilante em que o artista deliberadamente a colocou em relação às tradições da academia brasileira, e por esse mesmo motivo reveladoras de suas pretensões. Compreende-la, portanto, requer ao mesmo tempo, inscreve-la nas determinadas tradições e modos de representação caros à arte no Brasil de então, mas também atentar para o modo como o artista os borra, desvia e ressigniica, em diálogo também com o que via e aprendia no seu estágio parisiense. Fazendo Almeida (José) – “Un Défricheur brésilien au repos”. Nu, sauf un pantalon de toile, il se repose, assis sur un tertre et appuyé sur sa hache. Une source coule auprès de lui, mais il ne semble pas disposé à en proiter pour se laver les pied, qui en auraient pourtant besoin. Son type bronze exprime la force et l’energie. Une nature vierge l’environne. Assez bonne étude qui gagnerai beaucoup si elle avait plus d’effet, mais il y manque le foyer lumineux”. (VÉRON, 1880, pp.141142). 428 429 Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro isto, procuro salientar o caráter consciente e deliberadamente provocador do artista, e precisar a natureza de sua intervenção no debate sobre o projeto acadêmico de construção da nação. forma traduzidos. A clave, signo da fortaleza ou fortitude, no machado; a pele de leão, na bolsa de pele animal presa à cinta. Signos completados pela cabaça, o cipó, o cacto e a bromélia como atributos do lugar, mas também das atividades próprias desse caboclo, homem de fronteira, responsável por transformar em riqueza, pelo trabalho, aquilo que dá a natureza. Um Marte e um Teseu, por sua vez, também forneciam modelos da tarefa cumprida, aqui associada à imagem do triunfo não só pela força, mas pela astúcia. Marte ainda carrega associações eróticas, quando desarmado pelo amor de Vênus, ou até mesmo melancólicas, na meditação contida do vencedor. Sendo assim, seria possível ver no derrubador de Almeida Júnior uma síntese de modelos clássicos, uma apropriação que mescla e desloca os vários atributos a eles associados: de virilidade, força física, trabalho, sensualidade ou repouso satisfeito. Do ponto de vista da composição, o mais evidente é maneira como o artista constrói o apoio do braço esquerdo da igura e o gesto de segurar o machado remetendo à igura do Hercules em repouso11. Entretanto, o reclinado do corpo para trás, o olhar de esguelho que ita a cabaça, parecem prover mais imediatamente do Teseu e o Minotauro de Canova12, obra de juventude do artista, executada durante o seu pensionato em Roma, e seu primeiro grande sucesso, obra que fazia referência à política contemporânea, em defesa da liberdade contra a tirania, aludindo ao papel de Veneza e da Áustria em relação à Creta no inal do século XVIII13. O primeiro ponto a notar, e o mais evidente, é a referência clássica da composição. O aspecto de Academia na representação do torso nu do derrubador, o correto estudo anatômico, ressoam obviamente as poses do abandono erótico de um Fauno adormecido e do repouso satisfeito de Hercules. As iguras do Marte Vitorioso e do Teseu destruidor do Minotauro também fornecem exemplos dessa iconograia, denotando a contenção nobre do triunfo. É corriqueira, no contexto de sua formação brasileira e transnacional, a recorrência aos modelos clássicos, ensinados sobretudo através da cópia da estatuária antiga, da cópia de gravuras, mas também da observação de suas apropriações pela escultura europeia, que tinham, por exemplo, o Hercule Galois (1661-1662), de Pierre Puget6, o Teseu e o Minotauro (1781-83), de Antonio Canova [FIG. 2]7, como referências para o estudo do modelo nu. Que na década de 1880 o modelo clássico continuasse a ser um elemento central da formação artística acadêmica de um brasileiro não deve ser portanto motivo de surpresa, já que encontramos a referência a ele em mais de uma tela de Almeida Júnior do período8 e também em produções de colegas seus, como Rodolpho Amoêdo, por exemplo, que faz igurar uma pequena estatueta em gesso de um Prometeu Acorrentado ou de um Cativo, na aquarela que representa seu ateliê parisiense em 1883 [FIG.3]. Os modelos clássicos diretos ou interpretados contemporaneamente não eram somente fontes para o estudo da anatomia do movimento e da pose. Eram também referências para a construção de signiicados simbólicos e de atributos. A igura de Hércules fornece, por exemplo, o modelo legitimador para a representação de um tipo popular, a qual se associa uma certa força, coragem, virilidade, e também não infrequentemente concupiscência9, irascibilidade e brutalidade10. No derrubador, essa simbologia e atributos estão ali de alguma 430 431 Não se deve esquecer tampouco da importância do nu historiado, exercício de representação do nu inserido dentro de uma temática, com atributos e cenário correspondentes, visando exprimir a capacidade do estudante de superar o simples estudo de modelo vivo para lançar-se aos temas históricos14. Tal tipo de produção era fundamental para um aluno da École e em especial de Cabanel, cuja prática pictórica frequentemente centrava-se na igura humana nua como elemento de destaque em uma composição histórica ou alegórica. Para recorrer a apenas um exemplo, basta lembrar que uma década antes Cabanel trabalhara a igura monumental plena Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro de sensual realismo “satânico” do Adão no Paraíso Perdido, para Maximilien II da Baviera15, de quem talvez Almeida tenha retido a oscilação entre o registro ao mesmo tempo realista e classicizante de seu derrubador. Como reelaboração de um modelo, a obra se inscreve em uma tradição importante da produção artística, desta vez americana – aquela das alegorias do Império e da Nação. Sem sombra de dúvida, o indígena foi o tipo privilegiado dessa iconograia alegórica. Herdeiras das alegorias da América, retomada por Debret para a primeira alegoria do novo reino brasileiro, essas representações tomaram o corpo do indígena como iguração dos limites do território e de suas qualidades, idealizado ou amparado por uma atenção mais realista. Assim o izeram, como já analisou Alberto Chillón (2015), Ferdinand Pettrich na obra, perdida, de índio representando o Brasil; João Duarte Morais, Severo da Silva Quaresma e Quirino Antônio Vieira, em O Gênio do Brasil e as Musas (1857); Louis Rochet na Estátua equestre de Pedro I (1861), ladeada pelas igurações dos rios Amazonas, Madeira, São Francisco e Paraná, Cândido Almeida Reis, no Rio Paraíba do Sul16 (1866), ou Francisco Manuel Chaves Pinheiro, em sua Alegoria do Império Brasileiro (1871)17. Ainda que a obra tenha evidente relação com essas alegorias, como já notaram anteriormente Cardoso (2004) e Chiarelli (2010), ela se afasta desses precedentes precisamente por retratar não o indígena selvagem – fosse ele idealizado ou em registro antropológico - , mas sim o aculturado, “integrado” à sociedade nacional – o caboclo. Mesmo que o modelo não tenha sido adequado, Almeida representa aquele que, além de concreto, é reconhecível no cotidiano e seu contemporâneo – o mestiço ou o caboclo, o indígena inserido na civilização ocidental. O amendoado de seus olhos, a cor de sua tez, a espessura ina de sua barba, a relativa nudez de pelos em todo seu torso e braços aludem precisamente às características isiológicas capturadas pelo olhar cientiicista lançado à época para a questão racial. 432 12 433 13 Através de todas essas relações, Almeida Júnior desloca e reconigura as referências legitimadoras tradição, seja europeia ou brasileira, numa operação que se assemelha, por seu caráter de paródia, aquelas feitas por artistas como Édouard Manet e Gustave Courbet ao se referirem aos temas e composições consagrados pela tradição clássica, como acontecera no Déjeneur sur l’herbe, referenciado em Giorgione, e na Olympia18, que se remete a Tiziano, como é sabido, e mais especialmente em uma obra de Courbet como La Source, de 1868 [FIG.4]19. Nela, o sentido do procedimento alegórico é atualizado, porque utilizado com ins a incluir notas dissonantes na totalidade da composição. A tradição do nu feminino, como analisou Laurence de Cars (2009), é convocada e ao mesmo tempo confrontada. O pintor se coloca em aberta polêmica com os nus de Ingres, mas também com as vênus de Cabanel e de Bouguereau. O nu ocultado pela posição, de costas para o público, a associação entre a igura feminina e o elemento clássico e imemorial da fonte são recursos tomados à tradição a im de serem contraditos pelo tratamento realista da cena e da nudez feminina. Os aspectos tácteis na representação da natureza, da água, das rochas e da folhagem, bem como aqueles do corpo feminino, marcado pelo corset contemporâneo, pelas saliências e reentrâncias causadas pelo sedentarismo da vida moderna, são dados que fazem uma espécie de “curtocircuito” quando infusos com aqueles oriundos da tradição20. Na alegoria de Courbet opera-se um deslocamento propositado com relação ao gênero pictórico do nu mitológico. Ao mesmo tempo que o atualiza, também o torna mais complexo e opaco. Ao não mais corresponder às expectativas tradicionalmente estabelecidas pelo gênero, conforme a hierarquia e o decoro, embaralham-se as associações, remetendo à questões da ordem do dia, da atualidade política ou social. De maneira semelhante, o mesmo ocorre na alegoria brasileira de Almeida Júnior. Rafael Cardoso (op.cit.) e eu21 chegamos, por vias independentes, a hipótese de que não seria despropositado associar o caráter alegórico da igura do caboclo por Almeida Júnior à categoria de “alegoria real” formulada por Courbet, na tela L’Atelier du peintre, allégorie réelle déterminant une Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 2 - Antonio Canova Theseus and the Minotaur, 1782-83 mármore, Figura 1 - José Ferraz de Almeida Júnior Derrubador Brasileiro, 1879 óleo sobre tela, 228 x 183 cm. Museu Nacional de Belas Artes. 145,4 x 158,7 x 91,4 cm. Victoria and Albert Museum, Londres. 434 435 © Victoria&Albert Museum, London Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro reunião”. Carioca de Pedro Américo intencionava produzir uma alegoria do Brasil, representado pela igura portuguesa e branca da mulher, uma náiade. Tema ediicante, correção no desenho, proporcionalidade da composição, colorido distinto e “bem posto”, poucos elementos acessórios, mas signiicativos, à representação, modelado abstratizante, tudo contribuía para que a obra carregasse consigo valores também elevados. Calcava-se no repertório consagrado, mas nem por isso queria com isso transmitir um ideário “ultrapassado”. Pelo contrário, Pedro Américo acreditava no valor perene daquela gramática para com ela veicular, em sua composição, noções “novas”: a crença no caráter civilizado do povo brasileiro, representado pela mulher branca - e não pela índia, nem pela negra ou pela mestiça. Ainda assim, o Derrubador de Almeida Júnior faz clara alusão à Carioca de Pedro Américo. Poderia se dizer que ele é uma náiade “invertida”, se não fosse a presença do machado e do cigarro, fazendo-se passar até por uma divindade luvial, já que se assenta seminu ao lado de uma diminuta fonte. A inversão, no entanto, não para por aí. Se para Pedro Américo a referência clássica é fonte para uma fusão em busca do belo ideal, para Almeida é um recurso para um complexo embaralhamento de referências. No corpo da carioca apagam-se todos os traços de mestiçagem; naquele do derrubador, eles são paradoxalmente domesticados e reforçados pelo recurso às referências clássicas, potencializando a sobreposição entre a referência alegórica e aquela da tipiicação. phase de sept années de ma vie artistique. Uma alegoria diz sempre de algo “que não está lá”. Inscreve uma tensão na imagem e explicita suas descontinuidades e os anacronismos na sua recepção. Para Linda Nochlin, a dissonância é a questão chave para compreender o procedimento alegórico na pintura realista de Courbet, que força a quebra de consenso, de decoro e adequação, seja do ponto de vista temático, simbólico ou formal (NOCHLIN, 2007, esp. p. 183). Entretanto, é preciso reconhecer que Almeida Júnior marca uma certa distância da perspectiva paródica diante da tradição de Manet ou de Courbet, ao airmar explicitamente a associação com a questão da identidade nacional. Derrubador brasileiro traça também uma linha de distinção no tratamento da temática indígena, marcada, até a década de 1870, como já airmou David Treece para a literatura (2008), pela visão romântica da política conciliatória do II Reinado, que via igura do indígena longínquo e selvagem o mito fundador da brasilidade. O caboclo de Almeida Júnior não é personagem tal como as Moemas, Iracemas, Camorins, Peris, Aimberês, Lindóias, Jaguarês, Paraguaçus, retirados das narrativas históricas ou da icção para entrarem no universo da pintura como representações dos valores de nobreza, sacrifício, hierarquia e submissão desse indianismo. Esses personagens, na sua maioria heróis - ou melhor, heroínas – trágicas, representavam, nos mais das vezes, os atributos da terra brasileira e o penoso processo de sua dominação pela civilização branca, concebido, em geral, como uma tragédia dramática ou um drama trágico, que exigia deles o sacrifício daquilo que era a essência de sua identidade. Mártires, como analisou Alex Miyoshi (2010) a respeito de Moema, do nascimento da nacionalidade. Outro artista havia proposto uma alegoria em chave oposta àquelas do Império baseadas na igura do indígena. A Carioca, de Pedro Américo, demonstra Fabio d’Almeida (2016), é ancorada em modelos “elevados” e “ediicantes” da tradição clássica e ocidental, um perfeito (ou quase perfeito) “belo de 436 437 O corpo indígena, claro, não era só motivo de debate artístico. No mesmo ano em que a obra de Almeida Júnior é exposta, realiza-se no Rio de Janeiro a Exposição Anthopológica, no Museu Nacional, uma empreitada sem precedentes na ciência brasileira até então, cujos principais objetivos eram, segundo Andemann, “resgatar e revalorizar a iconograia indigenista do Império” e fazer uma “celebração popular da ciência”, entendida como “celebração da antropologia como conquista de uma perspectiva imparcial e objetiva sobre um Outro interno que havia até então fornecido ao Estado monárquico um de seus principais ícones artísticos e literários” (ANDERMANN, Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro acadêmica brasileira no Caçador e a Onça de Félix Emile Taunay, entretanto, como coloca Luciano Migliaccio: 2004. p.130). Ainda era, segundo o autor, a oportunidade de avaliar, dada a evidência material da vida indígena, de sua existência concreta, a “utilidade do índio como representante da nação moderna” (id.ibid.). “O mameluco de Almeida Jr. não é um lutador, um matador de feras. Cansado de abater troncos, de domar a loresta, ele se apresenta sentado numa pedra, dando baforadas de seu cigarro, com ar esperto e tranquilo de quem está gozando de um prazer animal. É o primeiro de uma série de caboclos pouco heroicos, lagrados em seus gestos diários ‘como il ramarro sotto la gran fersa del dí canicolar’, naquele pouco de sombra em que, sob um céu imóvel, busca refúgio da luz incandescente do sol tropical” (MIGLIACCIO, op.cit., p. 143). Se Derrubador brasileiro faz alusão à tradição da alegoria na arte nacional, traça sua distância em relação a elas ao representar o trabalhador mestiço, livre e atual, não o índio da literatura, nem o dos etnógrafos, presentes nas telas feitas por Aurélio de Figueiredo e Décio Villares para a exposição22, tampouco o tipo caucasiano requerido por Pedro Américo. Almeida parece não preocupar-se com as teorias racialistas dos antropólogos que debatiam o lugar do indígena “selvagem” na escala evolutiva da espécie humana e na seleção natural. Muito menos, como Américo, nega a presença real da mestiçagem. Não recorre sequer à representação com escrutínio naturalista do indígena em seus costumes exóticos, como izera Rodolfo Bernardelli na escultura premiada na Filadélia, em 1876, À espreita [FIG.5]. E ainda que esse escultor tenha trabalhado o tema da aculturação, em Saudades da tribo (exposta na mesma ocasião), Bernardelli insiste no aspecto da inadaptação à civilização (SILVA, 2007), abordagem da qual veementemente se afasta a construção imagética de Almeida. Na airmação da mestiçagem, ou da aculturação, como característica do tipo brasileiro, Almeida Júnior se aina com o novo momento do indianismo literário dos anos de 1870 que, na crise do modelo heroico-trágico alencariano, constrói uma imagem do indígena que explicita as contradições da visão sobre esse tipo na sociedade brasileira de então, mesclando princípios criativos e destrutivos, combinados na imagem do mostro primitivo e do bom selvagem. Aproxima-se também dos debates cientíicos travados entre aqueles que rechaçavam a mestiçagem como “modelo biopolítico de integração nacional”23, os que a defendiam, e aqueles que viam nos indígenas objetos de estudo, preservação colecionista ou via de acesso para um eldorado perdido. Ao evocar o tipo caboclo, retoma a iguração do mateiro que havia aparecido na tradição Seu “caboclo médio e preguiçoso” (“Um paulista”, 1888, p.1), no dizer de um crítico da Gazeta de Campinas, alude aos trabalhadores nacionais livres que despertavam temor e preocupação às classes dominantes cafeicultoras, preocupadas com a questão premente da substituição da mão de obra escrava. Estes trabalhadores, como diria um membro da Assembléia Legislativa Provincial de 1874: agora estão pimpões porque já tem consciência da carestia de braços. Fora da lavoura eles ganham um dia para o resto da semana. E quando mesmo assim não fosse, eles querem vadiar na segunda feira, pois no domingo passam a noite no cateretê, e também querem vadiar no sábado por que é dia de Nossa Senhora. Os quatro dias que restam, querem passar bem, fazer cigarro no serviço e comer sossegado... Qual pois, a utilidade que poderão prestar ao lavrador que está com seus serviços atrasados? (Anais da Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo, Sessão de 12 de março 1874, apud KIRSCHNER, 1994, p.70) 438 439 Esse comentário é interessantíssimo pois sinaliza o ambiente ideológico em que a obra foi concebida. A nota saborosa a respeito do cigarro permite vislumbrar esse elemento como um signiicante importante na obra de Almeida. Ela faz alusão Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro ao trabalho de abertura de terrenos para o plantio, com a derrubada das matas, trabalho este enormemente necessário naquele período de ampliação das fronteiras agrícolas e que era atribuído justamente àqueles tipos caboclos, indígenas assimilados ou mestiços de indígenas e brancos, conhecedores das terras e aptos a lidar com seus desaios. Esse contingente, contratado sazonalmente para abertura de novas frentes, consistia num grande temor e “problema” para os grandes latifundiários, que deles dependiam mas não tinham o recurso legal da violência para força-los ao ritmo de trabalho esperado. O seu descanso, a interrupção de seu “serviço” para gozar do prazer reconfortante do fumo, alude, portanto a um aspecto caro da vida desses trabalhadores, que é o controle sobre o seu próprio tempo de trabalho. melhores serviços podem prestar nessas duas terças partes do nosso território [as terras virgens], porque as indústrias extrativas, únicas possíveis nessas regiões [...] só tem sido e só podem ser exploradas pelo selvagem (MAGALHÃES, 1876, p.XXI). Para Magalhães, somente o indígena, o caboclo, teria a constituição física e a índole capazes de enfrentar os desaios do desbravamento das lorestas para a expansão das fronteiras para a lavoura. Ainda que Magalhães tenha, como sustenta Treece, aceitado sem questionar “a legitimidade de sua sociedade querer explorar os recursos, sejam materiais ou humanos, do interior brasileiro”, o que tornava suas opiniões “tão modernas e progressistas em relação ao que viera antes não era simplesmente a sua compreensão do papel decisivo do índio em qualquer projeto econômico para região”, ou o reconhecimento de seus saberes e tecnologias de exploração equilibrada dos recursos naturais, mas sim “sua crença” que o “potencial cultural do índio representava um avanço importante relativo às noções [...] abstratas de ‘integração’ e ‘civilização’ [...] defendidas até ali pelos românticos indianistas” (TREECE, 2008, p.287-288). O Caboclo em Repouso posiciona de modo propositalmente ambíguo as visões acerca do tipo brasileiro caboclo. Se o repouso é signo da falta de vontade, da preguiça, da inabilidade para o empenho no trabalho marcado pelas exigências da agricultura exportadora, também é entendido como um direito quase natural. A construção vigorosa do tipo de Almeida Júnior ainava-se às posições de iguras como de um Couto de Magalhães, general da guerra do Paraguai e um dos principais intelectuais que, mostrando-se favorável ao emprego dessa mão de obra, advogavam que se desse atenção à necessidade de incluir esses homens no “novo” modelo produtivo que se instaurava no Brasil, e em especial na província de São Paulo, tomando providências para que essa inclusão fosse bem sucedida – isto é, que essa mão de obra torna-se “disponível” para a expansão da fronteira agrícola. A postura desse político era a de indicar ao Governo Imperial, o que fará na monograia O Selvagem, escrita a pedido de Pedro II e apresentada na Exposição Universal da Filadélia de 187624, a alternativa de “civilização” dos índios feita por missões militares, a im de utilizar seu potencial produtivo, já que, segundo Couto de Magalhães, os meio milhão de selvagens que possuímos são os que Pode-se então compreender que a representação do tipo mestiço, “trabalhador do presente”, aludia a aspectos considerados da maior urgência na pauta política brasileira, e bastante problemáticos. “Trazê-lo” para a pintura era uma estratégia de exposição da questão num fórum público – o da “arte” – e uma tomada de posição com relação à questão de sua “viabilidade” no processo civilizatório, mas também sintoma do que Treece chama de “crise de identidade racial e cultural” vivida no Brasil dos anos 1870, diante da eminência da abolição e do aluxo migratório de estrangeiros (TREECE, 2008, p.289). 440 441 A operação da tela de Almeida veste-se portanto de uma lógica articulada porém difusa, que situa seu Derrubador na fronteira entre a alegoria e o tipo tocando um tema candente Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 3 - Rodolpho Amoêdo Detalhe de Ateliê do artista em Paris, 1883, Figura 4 - Gustave Courbet La Source, 1868 óleo sobre tela, 128 x 97 cm Musée D’Orsay © RMN-Grand Palais (Musée d’Orsay) / Hervé Lewan- aquarela sobre cartão, 56.8 × 77 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. 442 443 dowski. Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro imagem do caboclo como anti-herói, cuja condição destribalizada faria surgir um novo tipo de marginal social, desinibido, violento, sexualizado - em uma palavra “primitivo” - que seria tema da literatura naturalista e regionalista25. do contexto social e político de então. Ela fornecia elementos para a construção de uma nova imagem do tipo brasileiro, que se ancorava tanto nos debates acerca da viabilidade do elemento indígena na construção da nação, quanto na própria construção auto-imagética de parcela das elites, especialmente as paulistas, que se identiicavam como fruto aprimorado do “cruzamento” do elemento português com o indígena, “livre” da inluência do “sangue” negro. A própria nomenclatura francesa do quadro, Défricheur, pode ser compreendida como sintoma desse processo. Ela signiica numa primeira acepção, derrubador, roceiro, mas é também empregada para designar, por derivação, o desbravador. Aquele que abre o território à sua exploração. Ora, essa mesma noção está na gênese de um mito que terá a maior importância naquela mesma autorrepresentação das elites. Desbravadores, ou, o termo posteriormente consagrado, bandeirantes. O elogio ao trabalho, característico da ideologia liberal que consagraria posteriormente o mito bandeirante, carrega-se de tensão ao ser ladeado, no mesmo patamar, ao elogio ao “descanso” do caboclo, aspecto que não deixou de ser registrado no poema medíocre de Fertiault: se quem foge ao trabalho é “frouxo”, o repouso é bem-vindo à produtividade. Para melhor trabalhar, é preciso interromper a tarefa, descansar, antes de retomar os afazeres com a força revigorada. A visão sobre o trabalho e o trabalhador nacional livre indicava o nó da questão: o mestiço era o signo de um recalque - tanto da repressão da violência com a qual era tratado pela sociedade brasileira, quanto da expectativa angustiada das elites por um novo arranjo social, político e econômico para a nação. Não à toa, o meio intelectual, cientíico e político de ins do oitocentos seguiria debatendo o estatuto da mestiçagem nas décadas subsequentes, dividindo-se entre os que acreditariam na inexorabilidade do progresso em direção à brancura e aqueles que abririam as vias para uma avaliação positiva do papel da cultura sertaneja na formação do Brasil. Em meio a esse contexto, brotariam imagens perpassadas pela mesma ambiguidade identiicada no Derrubador, consolidando a A via “cabocla”, entretanto, não tem aderência no meio artístico da Academia de princípios da década de 1880. O índio semicivilizado contemporâneo do sertão não se transforma em iconograia corrente para a representação da nacionalidade no contexto da Academia de então, tampouco após a reforma da Escola em 1890. Raras serão as obras dedicadas nesse contexto à iguração do tipo sertanejo26. A crítica ao indianismo romântico realizada no âmbito da academia preferiria ainda imagens que escancaravam, sem sombra de heroicidade, as iguras demoníacas de uma Marabá ou ainda o próprio cadáver do projeto indianista imperial na representação do último Tamoio. A perplexidade diante do Derrubador Brasileiro, o mal-entendido em relação à obra, a recusa em recebê-lo como um ícone da nacionalidade por parte da arte brasileira de ins do século XIX, guarda alguma semelhança com o que havia passado, décadas antes, com o Habitante da Cordilheira do Peru [FIG.5], pintado por Francisco Laso em Paris, no ano de 1855, analisado por Natalia Majluf. Um cosmopolita marginal como Laso, Almeida Júnior faz uma obra não suicientemente exótica para os olhos estrangeiros, e talvez perigosamente ambivalente para merecer ser incluído no rol das grandes obras de tema nacional. O indício mais evidente de que a tela de Almeida Júnior tocava em um aspecto reprimido da nacionalidade –, brasileira, mas também americana e mestiça - é o fato do atributo mais gritante de seu Derrubador, seu saliente signo de virilidade, ter sido absolutamente evadido do discurso da crítica, sequer mencionado e muito menos debatido, nem mesmo em tom de escândalo ou piada. 444 445 Se o Derrubador de Almeida não consegue deixar marcas na produção artística do sistema acadêmico de ins do XIX, sua Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 5 - Rodolfo Bernardelli À Espreita, 1875 Gesso, medidas desconhecidas Cromolitograia reproduzida em: NORTON, Charles Benjamin. Treasures of Art, Industry and Manufacture Represented in the American Figura 6 Candido Portinari O Mestiço, 1934, óleo sobre tela, 81 x 65 Centennial Exhibition At Philadelphia 1876. Buffalo, N. Y., Philadelphia: cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, Compra do Governo do Estado, Cosack & co., 1877. 446 447 1935. Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: imagem permanecerá pulsante, irredutivelmente ambígua, capaz de ainda hoje provocar nosso olhar. Ele acabará por se ixar como uma representação atuante no imaginário da nossa “nacionalidade”, ou de sua miragem, que inscreve o trabalhador livre mestiço como tipo brasileiro. Aparecerá reconigurado, não mais como síntese racial do índio e do branco, e sim também do negro, na imagem deinitiva do trabalhador brasileiro criada por Portinari, em O Mestiço, de 1934 [FIG.6], ou no Lavrador de Café, de 193927, ainda que, sintomaticamente, desapareçam aí os dados da indolência, do caráter indômito, que faziam do Derrubador uma imagem duplamente sedutora e perturbadora e, por que não, potencialmente mais crítica. 1 A graia dos textos foi atualizada. 2 “Derrubador brasileiro, grande quadro ao qual não falta interesse”. 3 Bastante pitoresco. 4 “DÉFRICHEUR BRÉSILIEN / A J. de Almeida / Dur travailleur que rien ne fâche, / Ton corps se soude à se pencher: / Tu t’en vas fouillant, sans relâche, / L’herbe que tu dois arracher. / Qui fuit la besogne est un lâche; / Mais le répit fait mieux piocher. / Pour ‘piocher mieux’, suspends ta tâche... / Tout sol est lent à dèfricher – / Dèjá reposé ? ... Tu tressailles; / Tu retournes à tes brussailles; / Par tes mains le pic est repris ... / Courage ! En toi, vaillant manoeuvre, / On symbolise et voit à l’œuvre / Ceux qui dèfrichent les esprits.” O poema foi republicado n’A Província de S. Paulo, no artigo “Um brasileiro que promete”, 1880, p.1. A transcrição também aparece em A Constituinte, na nota “Notícias - Refere A Província de hontem”, 1880, p.1, e na Imprensa Ytuana, “Dois quadros”, 1880, p. 1. Em ANTONIO,1983, aparece uma tradução do poema, por Aphrodisio Baptista dos Anjos: “Duro trabalhador que não se descontenta/Teu corpo se une ao se inclinar; / Tu te vais embora escavando sem descanso / A erva que deves arrancar. // Quem foge ao trabalho é um frouxo! / Porém o repouso faz melhor trabalhar,/ Para ‘trabalhar melhor’ interrompe tua tarefa.../ todo solo é lento a desbravar /// Já repousado?... Tu estremeças; / retornas a teus afazeres; / Por tuas mãos a picareta é retomada... /// Coragem! Em ti, valente manobrista, / Simbolizaram-se e pressentem a obra. / Aqueles que desbravam os espíritos.” 5 PITTA, Fernanda. “O jabuti e a palheta”, trabalho apresentado no IV Colóquio de estudos sobre a arte brasileira do século XIX. O ateliê do artista, Museu da República, 8 a 10 de junho de 2015. Manuscrito. 6 Musée du Louvre. 7 No Victoria and Albert Museum. Que remete por sua vez, ao Mars Ludovisi, séc II, do Palazzo Altemps, em Roma. 8 Faz-se notar a presença dos moldes de gesso para cópia no Ateliê parisiense, de 1880, hoje em coleção particular, e do Écorché Combattant, modelo de igura esfolada usado para o estudo de anatomia, no Ateliê do artista, de 1886(?) do MASP. 448 449 9 Para essa qualidade, é útil lembrar das gravuras hoje perdidas de I Modi ou Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro De omnibus Veneris Schematibus, de Marcantonio Raimondi, retomadas por Agostino Carracci (ou Camillo Proccacini), que incluem uma prancha representando o sexo entre Hercules e Djanira. 10 23 24 Onde também foram exibidas coleções arqueológicas e etnográicas indígenas. Para uma importante discussão dessa estratégia de exposição de uma “antiguidade brasileira” centrada no indígena como passado nacional, ver SCHUSTER, 2015. Lembre-se das igurações do Hercules Furens. 11 Ver, por exemplo, Figura de Hercules em repouso, estátua em bronze, Ashmolean Museum, Oxford, Annibale Carracci, A escolha de Hercules, 1596, óleo sobre tela, coleção Farnese do Museo Capodimonte, Nápoles, Paolo de Matteis, A escolha de Hércules entre o Vício e a Virtude, c.1712, desenho sobre papel, Musée du Louvre. 12 Agradeço a Alain Bonnet por chamar minha atenção para o Teseu de Canova. 13 Para esta discussão, ver JOHNS, 1998, especialmente o cap.2. A expressão é de Jens Andermann, 2004, p.136. 25 Remeto novamente a Treece para a discussão da literatura. 26 Para a iconograia do sertanejo, ver VALLE, 2008. Para a discussão da representação do caipira, ver PITTA, 2013. 27 Comparação já assinalada por Gilda de Mello e Souza, op. cit. e precisamente ponderada por Jorge Coli, op.cit. 14 Lembre-se por exemplo, da Academia de Almeida Júnior pertencente à coleção da Pinacoteca de São Paulo, cujo modelo muito se assemelha ao empregado por Léon Bonnat para o Job, exposto no mesmo salão de 1880. 15 Na França e na Alemanha, a tela de Cabanel foi rechaçada pela crítica por seu excesso de realismo, sua falta de pudor. O pintor, considerado incapaz de abordar satisfatoriamente um assunto tão grave e poético, e pretencioso, por tentar se equiparar a Rafael e Michelangelo, as referências mais evidentes da obra, ver NERLICH, 2010. 16 Como coloca Chillón (2015), a escultura é recebida pela crítica como uma alegoria, ainda que o artista a entendesse como a representação de um tipo. 17 Cabe lembrar que a alegorização do indígena na escultura ainda seria presente nos Indios representando os rios brasileiros, de 1889, feitos pelo ateliê de François Ambroise Gilbert para o pavilhão do Brasil na exposição Universal de Paris de 1889. Ver CHILLÓN, 2015 e SCHUSTER, 2015. 18 As duas obras de Manet se encontram no Musée d’Orsay, em Paris. Para uma análise das relações entre Manet e a tradição, ver CLARK, 2004. 19 Musée d’ Orsay, Paris. 20 Para a análise dessa obra, ver De Cars, 2008, p.386. 21 2013. Desenvolvi esta hipótese com mais vagar em minha tese de doutorado. PITTA, 22 Decio Villares e Aurélio de Figueiredo fazem certa de dezesseis retratos tirados do vivo, de desenhos e fotograias, para as salas da exposição. Parte deles se encontra no acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Cf. Guia da Exposição Anthropológica Brazileira, 1882. Ao que tudo indica, o interesse de Ladislau Netto pelas populacoes indígenas não-aculturadas vinha ao encontro de sua teoria da degenerescência. O director do Museu Imperial acreditava que a América do Sul havia sido berço de uma civilização antiga, mais elevada – tese para ele comprovada pelos achados da cultura material marajoara – que havia degenerado nas populaces remanescentes observadas no século XIX. Para essa discussão, ver SCHUSTER, 2015. 450 451 Fernanda Pitta é pesquisadora e curadora na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Realizou pós-doutorado pelo Museu Paulista da Universidade de São Paulo. É doutora em Artes Visuais pela ECA-USP e mestre em História pela Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de História da Arte, com ênfase em História da Arte no Brasil e Historiograia da Arte. Entre alegoria nacional e tipo brasileiro: O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação / Fernanda Pitta Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas: après les dessins originaux des artistes (Sections de Peinture e de Sculpture). Edition Autorisée par le Ministère de L’Instruction publique et de Beaux-Arts. Paris: Motteroz Imprimeur-Éditeur/L.Baschet, Librairie d’Art, 1880. “Dois quadros”, A Imprensa Ytuana, Itu, 11 de julho de 1880, p.1. Guia da Exposição Anthropologica Brazileira realizada pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger & Filhos, 1882. ÉNAULT, Louis. “Le Salon de 1880 – XI – Les Étrangers”, La Presse, 27 de maio de 1880, p.2 “Notícias - Refere A Província de hontem”, A Constituinte, São Paulo, 7 de julho de 1880, p.1. 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Las escuelas de pintura, música y arquitectura fueron formalizadas por decreto entre enero y julio de 1881 y se unieron con las de grabado y dibujo en 1882 conformando así la Escuela Nacional de Bellas Artes, que en 1884 fue integrada a la Universidad Nacional4. La sección de “escultura y ornamentación” se puso en marcha gracias a los contratos con el escultor italiano Cesare Sighinoli (Módena, 1833 Suesca, 1903) en 1883 y con el ornatista suizo Luigi Ramelli (Grancia, 1851- Suiza, 1931) en 1884 para hacerse cargo de las obras que el gobierno les encomendara, así como de dar clases (Cfr. Vanegas Carrasco, 2014). La actividad pedagógica, sin embargo, tuvo que ser pospuesta debido al inicio de una nueva guerra civil, que impidió la apertura de la escuela hasta marzo de 1886, cuando inalmente se iniciaron las actividades bajo la dirección de Alberto Urdaneta, quien en julio de ese año organizó una gran exposición de inauguración. I. Los reveses de la fundación de la Escuela (1873-1886) La fundación de una Escuela de Bellas Artes en Bogotá, capital de Colombia, fue un proyecto largamente postergado debido a la inestabilidad política del país cuyos gobernantes, después del proceso de Independencia inalizado en 1819, concentraron su atención en la reorganización del país. La conlictividad de este proceso se evidencia al considerar que entre 1830 y 1902 hubo ocho guerras civiles y se promulgaron seis constituciones1. Cuando se decretó la fundación la Academia Vásquez2 durante el segundo gobierno de Manuel Murillo Toro (18721874) habían pasado diez años desde la última guerra civil y su consecuente constitución (1863), por lo tanto podría atribuirse la creación de la institución a la conianza en la estabilidad de la propuesta de organización federal, los Estados Unidos de Colombia. Sin embargo la Escuela no entró en funcionamiento dado que las prioridades del gobierno estaban más centradas en los conlictos políticos producidos por las diferencias ideológicas y las divisiones internas de los partidos que crecían día a día. Es así que la Escuela fue conformándose entre 1874 y 1886 como resultado de acciones fragmentarias, interrumpidas por dos guerras civiles, la primera entre 1876-1877 y la segunda en 1885. Entre estas acciones se encuentran la creación de Sociedad de Fomento de las Bellas Artes (1874), las escuelas de pintura para hombres y mujeres del pintor mexicano Felipe Santiago Gutiérrez (Texcoco, México; 1824-1904) quien estuvo en Bogotá entre 1873 y 18753, las clases nocturnas gratuitas 458 459 El intrincado y fragmentario proceso de formalización de la escuela ha sido frecuentemente omitido por la historiografía local especialmente en lo que se reiere a la formación en escultura. Prueba de ello es que de los dos profesores extranjeros que llegaron como consecuencia del decreto de creación de la Escuela en 1873, sólo se reconoce el aporte del pintor mexicano Felipe Santiago Gutiérrez, cercano de dos intelectuales conservadores como lo fueron Rafael Pombo y Alberto Urdaneta. Sólo dos años después estuvo en Colombia Mario Lambardi por intermediación del dirigente liberal Murillo Toro y es tan clara su cercanía con los liberales -entre ellos el empresario teatral Bruno Maldonado- que igura como capitán activo en la guerra civil de 1876 (Cfr. Vanegas Carrasco, 2013). Antes de que empezara la guerra, Felipe Santiago Gutiérrez salió del país, pero sus colegas participaron activamente en favor del La imagen de Bolívar en la coniguración de modelos estéticos en el siglo XIX colombiano / Carolina Vanegas Carrasco Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro ejército conservador: Pombo escribió un manual de reglas de campaña, organización y administración de las tropas conservadoras (Cfr. Robledo, 2014) y Urdaneta participó en la acción armada y llegó a ser General. existía una Academia ni una Escuela de Bellas Artes, debió constituir una verdadera revolución visual. A pesar de las diicultades económicas a mediados de la década de 1870, el gobierno liberal hizo un importante esfuerzo para mitigar la presencia simbólica del ya famoso “Bolívar de Tenerani”. Iniciaron por pedirle a Mario Lambardi que rehiciera el pedestal aprovechando para cambiar el sentido de la estatua, que dejó de mirar hacia la catedral para dirigirse hacia el Capitolio, mermando con ello su vínculo ideológico con la iglesia, caro a los conservadores. Por esos mismos años se encargó al escultor italiano Pietro Costa una estatua de Santander que fue inaugurada en 1878 –justo después de la guerra civil que fue escenario del conlicto partidario. Los ataques que cada una de estas obras sufrió desde su instalación evidencian que los personajes representados en sus estatuas cumplían sus funciones simbólicas respecto de los partidos enfrentados. La reproducción del Bolívar de Tenerani en el Papel Periódico Ilustrado no sólo en su portada (ver imagen 2) sino en otras ediciones -en donde se hacían reiteradas referencias textuales a la belleza y perfección de la obrafortalecía su importancia. En oposición a ello, la estatua de Santander fue apenas objeto de una escueta reseña en dicha publicación. Nos interesa pensar entonces cuáles fueron los modelos de enseñanza para las artes en los lugares en los que se produjo, en medio de este conlictivo contexto, dado que sin ninguna duda para las élites de los dos partidos el fomento de las artes era fundamental en sus proyectos “civilizatorios”. Dado que hay pocos indicios de la actividad desarrollada en las instancias de formación antes mencionadas, seguiremos principalmente dos fuentes: la escultura conmemorativa instalada en Bogotá y una selección de imágenes realizadas por los estudiantes de la Escuela de dibujo y grabado publicadas en el Papel Periódico Ilustrado (1881-1886), dirigido por Alberto Urdaneta, uno de los más destacados proyectos editoriales de in de siglo y principal órgano difusor de las novedades artísticas del momento. II. La “estatuomanía” bogotana y su difusión Las diferencias ideológicas existentes entre “bolivarianos” y “santanderistas” (partidarios de Francisco de Paula Santander, principal opositor político de Bolívar en la Nueva Granada), que luego se establecerían como los partidos conservador y liberal respectivamente5, fueron extensivas a la recepción de sus estatuas. Vale decir que la estatua de Simón Bolívar realizada por Pietro Tenerani en 1846 –una de las primeras esculturas públicas de América- fue la única estatua en el espacio público bogotano durante más de veinte años (ver imagen 1). La presentación de la estatua estuvo acompañada de la impresión de un libro en el que se incluyeron los grabados del monumento, conformado por la estatua y cuatro bajorrelieves. Uno de estos, junto con la estatua, fue hecho bajorrelieve de una medalla conmemorativa. La introducción de este poderoso conjunto de representaciones en un medio en el que no sólo no había precedentes de estatuaria pública en bronce, sino que tampoco 460 461 La inescapable celebración del Centenario del nacimiento de Bolívar en 1883 produjo la creación de un parque dedicado al prócer, así como la creación de una nueva estatua que se instalaría en un templete realizado por el arquitecto Pietro Cantini. En ese mismo año los liberales inauguraron la estatua de uno de sus más destacados líderes, Tomás Cipriano de Mosquera (1798-1878)6, mostrando con ello su interés en poblar el espacio público con eigies que hicieran contrapeso simbólico a sus opositores políticos representados por Bolívar. A pesar de la importancia de la estatua de Mosquera, realizada por Ferdinand von Miller, director de la Real Casa de Fundición de Munich y de haber sido acompañada por elogiosas reseñas en la prensa –que fueron reproducidas en el Diario Oicial-7 La imagen de Bolívar en la coniguración de modelos estéticos en el siglo XIX colombiano / Carolina Vanegas Carrasco Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Imagen 1 - Pietro Tenerani/G. Marcucci (grab.) Simón Bolívar. 1845. Grabado en cobre. Museo Nacional de Colombia, reg. 1823. / Anónimo. Imagen 2 - Portada del Papel Periódico Ilustrado, año 1, n. 1, 6 de Estatua y Plaza de Bolívar. Ca. 1856. Negativo de colodión húmedo copiado en papel de gelatina. Museo Nacional de Colombia, reg. 2090.3. agosto de 1881, p. 1. A la izquierda la silueta del “Bolívar de Tenerani” y a 462 463 la derecha el peril de Roulin. Grabado de Antonio Rodríguez. La imagen de Bolívar en la coniguración de modelos estéticos en el siglo XIX colombiano / Carolina Vanegas Carrasco Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro La publicación difundió la labor de los estudiantes y los resultados de los concursos internos. Llama la atención que el estudio de “plegaduras” que se podría imaginar como un desnudo con paños, en el grabado se veriica que se trata de un “tipo campesino” y el estudio de paños obtenido a partir de la copia de las ondulaciones de su ruana (denominación local de una manta o poncho), facilitado por una especial iluminación: la obra no fue reseñada ni reproducida en el Papel Periódico Ilustrado. III. El triunfo conservador: Bolívar como modelo estético de la nación Lo hasta aquí expuesto de manera sucinta nos muestra que varios de los impulsores de la institucionalización de la enseñanza participaron activamente de las confrontaciones políticas del momento y por ende es preciso vincular sus acciones en la vida política partidaria con las del desarrollo artístico. En este sentido consideramos que la intensidad con que Alberto Urdaneta reprodujo la imagen de Simón Bolívar en el Papel Periódico Ilustrado conirma su propósito de construir un ideal estético que coincidiera con el ideario conservador sintetizado en la imagen idealizada del héroe. Esta difusión, que como se señaló antes- fue inversamente proporcional a la que tuvieron las estatuas de Santander y Mosquera que habían renovado los espacios públicos de Bogotá, es una decisión que atribuimos sin duda a motivos políticos, si bien de manera reiterada Urdaneta expresaba que su periódico era “campo neutral”. Una gran pantalla arroja luz que producen ocho picos de gas, toda sobre el modelo, y lámparas particulares alumbran solo el papel. La instalación para los acuarelistas es de 20, y el mobiliario es completo, como el resto de la clase. Los modelos de yeso, en número de más de 200, no pueden ser mejores, y hoy puede asegurarse el porvenir artístico a los perseverantes en el trabajo, que ojalá lo sean todos, tanto los alumnos de acuarela, como los 120 que cursan en la clase de dibujo y pintura al óleo8 Según los documentos textuales e iconográicos podemos inferir que los 200 yesos referidos eran de sólidos y que los estudiantes también hacían copia de grabados, fotografías, cuadros de sus maestros (varios de Urdaneta), además de los citados estudios del natural. En la portada del primer número del Papel Periódico Ilustrado se reprodujeron dos imágenes de Bolívar: el peril que François-Désiré Roulin (1796-1874) hizo en 1828 y el Bolívar de Tenerani. Los grabados fueron realizados por Antonio Rodríguez, un artista sevillano que Urdaneta conoció en París en donde éste se desempeñaba como ilustrador de Le Monde Illustré. Fue invitado a Bogotá por Urdaneta y juntos iniciaron los cursos de dibujo, acuarela y grabado en el Colegio de San Bartolomé, que luego conformarían las correspondientes secciones de la Escuela. Desde el inicio el propósito fue combinar la enseñanza con la producción de grabados para el Papel Periódico Ilustrado, razón por la que su producción resulta ser un documento imprescindible de la formación que impartieron en ella. 464 465 En el número dedicado a Bolívar en el Centenario de su nacimiento Urdaneta publicó un estudio iconográico del héroe en el que describe y caliica un conjunto de 160 imágenes de Bolívar que se encontraban en Bogotá, organizadas en cuatro grupos: 1. “Última isonomía de Bolívar” en donde reunió los retratos hechos por José María Espinosa y sus copias;2. Periles, grupo constituido principalmente por el peril que hizo François-Désiré Roulin y sus derivaciones; 3. el conjunto de obras hechas por Tenerani y 4. “Fisonomías de la primera época” en la que incluye a Gil de Castro y Figueroa. En este estudio el autor dejó claro que su propósito es reunir todos los retratos del Libertador pero a medida que los va presentando va diferenciando entre las que tienen a su juicio más valores históricos que artísticos por ejemplo, la pintura de Espinosa La imagen de Bolívar en la coniguración de modelos estéticos en el siglo XIX colombiano / Carolina Vanegas Carrasco Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro partir de la iconografía de Espinosa, pero después de haber sido transformado en una litografía francesa. En estas elecciones es evidente la preferencia por tomar como referente modelos europeos o europeizados (en el caso de Espinosa). de la que dice que “si bien tiene inconvenientes que afectan la estética del arte, en cambio tiene cualidades para la historia, y condiciones artísticas y etnográicas, que difícilmente pudiéramos hallar en algún otro retrato del Libertador” (Urdaneta, 1883: 404). Reiriéndose a Figueroa airma que “su estilo era liso, sin efecto, no copiaba del natural, trabajaba mucho de memoria y por consiguiente el resultado que producía era amanerado” acusando entonces a su representación de no tener ninguna animación y que: “difícilmente se reconocería en esa cabeza la bellísima que idealizó más tarde Tenerani” (Urdaneta, 1883: 422). A pesar del reconocido magisterio de las obras de Tenerani, Urdaneta resentía el gesto melancólico de la estatua que según él respondía a que se realizó con base en el peril de Roulin, quien retrató al héroe en 1828, “en el crepúsculo de su vida”. Es notable en todo el estudio la atención que Urdaneta da a la cabeza de cada una de las representaciones, mostrando con ello su adhesión a la frenología y la isionomía que vinculaban la forma del cráneo y los rasgos faciales con el carácter y la personalidad. Establece así a lo largo de su texto una jerarquización interna de la retratística de Bolívar en donde aparece en primer lugar todo el conjunto realizado por Tenerani, la estatua de la plaza, dos bustos que se encontraban en colecciones privadas y el mausoleo de Caracas. Urdaneta destaca el busto militar y lo describe como […] Escasos y un tanto recios se presentan los cabellos, que crespos, blondos y abundantes, encontramos en los retratos de la primera época. La frente despoblada la acentúan tres severas arrugas, y el pelo inclinado hacia adelante conserva su movimiento primitivo. Hay en el sitio de la corona cuatro pequeños rasgos que indican lo reacio del pelo en la parte de atrás de la cabeza y que los isiólogos y los moralistas pudieron traducir por el estado enfermizo de su alma y lo marchito y fatigado de su cuerpo. La mirada hacia abajo, forzando el párpado la ceja al arrugar la frente, el labio inferior ligeramente adelantado sobre el superior; la perfecta y bien trazada nariz acentuada por un pequeño gesto de mal humor, la línea que marca la quijada al pie de la oreja, la cabeza un tanto inclinada sobre el cuerpo, dejan conocer que el héroe de América del Sur, agobiado por la gloria, presentía su in prematuro […] (Urdaneta, 1883: 418). magníico, espléndido, riquísimo por su forma, verdadera belleza artística, rico en composición, espléndido en modelado, supremamente delicado hasta el último pormenor, preciosa joya, que en el más exigente de los museos pudiera igurar en primera línea, único en su especie y único en América (Urdaneta, 1883: 418). Es por ello que declara que desde 1882 ha sido tomado como modelo para los estudiantes de su clase de dibujo y a partir del cual seguramente surgió la idea de hacer un concurso entre los estudiantes para elegir las mejores reproducciones de los modelos por él indicados. El hecho de haber iniciado la enseñanza artística sin el recurso fundamental de las copias en yeso de las obras de la antigüedad y los grabados de las grandes “obras maestras”, así como la preferencia de Urdaneta por establecer las representaciones de Bolívar como medida y modelo de “perfección artística” explican este fenómeno. Los grabados premiados muestran cuáles eran los modelos: la estatua de Tenerani, el peril de Roulin, y un tercero realizado a 466 467 Urdaneta copia la estatua de espaldas en su álbum de dibujos9 probablemente evitando la representación del rostro de la estatua cuyo gesto consideraba debía ser el que Tenerani dio al busto. Al compararlo encontraba “diferencias capitales en la forma, como son, la mirada de frente al espectador del busto, y baja en la estatua; más dulce la expresión en éste que en La imagen de Bolívar en la coniguración de modelos estéticos en el siglo XIX colombiano / Carolina Vanegas Carrasco Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro aquélla” (Urdaneta, 1883: 418). discurso de inauguración de la escuela señaló que además de la buena voluntad del gobierno y al talento de los discípulos era necesario “agregar una colección completa de modelos”*, cosa que nunca logró pues éstas sólo serían adquiridas cuarenta años después, en 1926. Es así que el “Bolívar de Tenerani” siguió siendo el punto de referencia artístico más importante del país, a pesar de nuevos intentos de crear estatuas más “modernas e imponentes” como la que se proyectó para la celebración Centenario de la Independencia en 1910, la cual también fracasó estrepitosamente desde su misma instalación (Cfr. Vanegas Carrasco, 2012). Con innumerables réplicas –oiciales y populares- realizadas a lo largo del siglo XX en todo el país, la estatua se consolidó como modelo estético al igual que el modelo centralista, hispanista y católico que el partido conservador estableció con la Constitución de 1886 cuya vigencia se mantuvo hasta 1991. Es así que, con ayuda de uno de sus alumnos, Francisco Camacho (activo entre 1878-1891), construyó un modelo ideal para ser copiado por sus alumnos para lo cual sacaron una copia en yeso de la cabeza del busto para luego ubicarla “convenientemente sobre un maniquí para producir una igura del Libertador de pie, de cuerpo entero […]” (Urdaneta, 1883: 418). La oportunidad de hacer la estatua que consideraba más ajustada a su ideal se produjo, como dijimos, con el encargo de la nueva estatua para el templete conmemorativo en donde modiicaba la mirada y eliminaba la capa, según él, “para no afectar ni la verdad ni la estética del arte” (Urdaneta, 1883: 412). Sin embargo la obra fue modiicada por los intermediarios por lo cual Urdaneta hizo una detallada y extensa queja en la que se destaca el semblante triunfante que deseaba para la estatua: [..] a la cabeza levantada y arrogante se sustituyó otra inclinada y relexiva que tiene el sabor de la estatua de Tenerani; y no se conservó el volumen de la frente, que determina y acentúa con claridad el medallón de David D’Angers; en la boca hay un gesto de desagrado, y la línea recta de la nariz y su volumen, se alteraron […] (Urdaneta, 1884: 388). No obstante siguieron siendo los bustos y la estatua de Tenerani los modelos que copiaron no sólo quienes asistían a los cursos de dibujo y grabado, sino quienes seguían los estudios en escultura, como fue el caso de Francisco Camacho, quien hizo una nueva versión del busto en el que mezcló los dos bustos al sobreponer el manto talar al traje militar, una obra con la que ganó el primer premio del concurso de escultura que organizó la gobernación del estado de Cundinamarca con motivo de la celebración del Centenario del natalicio de Bolívar en 1883. El titular de la cátedra de escultura Cesare Sighinoli –quien también copió uno de los bustos de Tenerani-, desde en el 468 469 La imagen de Bolívar en la coniguración de modelos estéticos en el siglo XIX colombiano / Carolina Vanegas Carrasco Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Imagen 4 - José María Espinosa (dib) / Leveillé (lit). Simón Bolívar. Ca. 1840. Litografía sobre papel. Museo Nacional de Colombia, reg. 1813. Imagen 3 - José María Espinosa, Simón Bolívar, Ca. 1828, Miniatura sobre maril. Museo Nacional de Colombia, reg. 568. Foto: ©Museo Nacional de Colombia/Juan Camilo Segura. / Alfredo Greñas. Simón Bolívar. Papel Periódico Ilustrado, año II, nos. 470 471 46- 48, 24 de julio de 1883, p. 400. La imagen de Bolívar en la coniguración de modelos estéticos en el siglo XIX colombiano / Carolina Vanegas Carrasco Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: 1 En este periodo hubo ocho guerras civiles: 1839- 41, 1851, 1854, 1860-62, 1876-77, 1885, 1895, 1899-1902 y desde 1830, se promulgaron seis constituciones: 1832, 1843, 1853, 1858, 1863 y 1886. 2 Creada por ley 98 del 4 de junio de 1873. Fue nombrada en homenaje a Gregorio Vásquez de Arce y Ceballos, el más destacado pintor neogranadino del siglo XVII. 3 El poeta Rafael Pombo, uno de los principales impulsores de la creación y formalización de una Academia de Bellas Artes en Bogotá conoció a Gutiérrez en Nueva York y le pidió que viajara dada la posibilidad de ser nombrado como director de la misma. Según lo que dice Gutiérrez en sus memorias, él no habría recibido un contrato para viajar con antelación (Gutiérrez, 1883: 563) 4 Entre octubre y diciembre de 1884 se deinió la normativa que reintegraba a la Universidad Nacional las escuelas de Ingeniería, Artes y Oicios y Bellas Artes. De acuerdo con el reglamento orgánico de la UN, expedido en diciembre de 1884, la nueva Escuela de Bellas Artes quedó formada por cinco secciones: 1. Arquitectura, 2. Pintura y dibujo, 3. Escultura y ornamentación, 4. Grabado en madera y 5 Música. (Anales de la Instrucción Pública en los Estados Unidos de Colombia, Bogotá, no. 46, tomo IX, enero de 1885, pp. 3-5). Cfr. González Escobar, 2011, p. 541. 5 Después de la declaración deinitiva de la Independencia de la Nueva Granada en 1819, Bolívar continuó en las campañas de liberación de los territorios del sur y el vicepresidente, Francisco de Paula Santander, quedó a cargo de la presidencia. Sin embargo las diferencias entre los dos dirigentes llegaron al punto de que Santander hizo parte del intento de asesinato de Bolívar en 1828, por lo cual fue enviado al exilio. Con la muerte de Bolívar en 1830 y la consiguiente separación de la Nueva Granada de Venezuela y Ecuador, Santander fue nombrado presidente, cargo que ejerció entre 1832 y 1837. Murió en 1840. La muerte de los dos líderes agudizó los múltiples conlictos entre los partidarios de uno y otro. A partir de dichas diferencias se formaron dos partidos políticos (liberales y conservadores) que dominaron la escena política colombiana hasta el siglo XX (González, 2010: 11). 6 Fue presidente de la Nueva Granada en cuatro periodos: 1845-1849, 1861-1863, 1863-1864, 1866-1867. Imagen 5: Francisco Camacho. Simón Bolívar. 1883. Piedra. Museo Nacional de Colombia, reg. 1140. Foto: ©Museo Nacional de Colombia / Samuel Monsalve. 472 473 7 “Estatua del Gran General Tomás C. de Mosquera” en Diario Oicial, año XVIII, La imagen de Bolívar en la coniguración de modelos estéticos en el siglo XIX colombiano / Carolina Vanegas Carrasco Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro no. 5495, 8 de octubre de 1882, pp. 11033-34. Moreno de Ángel, Pilar. Dibujos y caricaturas de Alberto Urdaneta. Bogotá. Ediciones Sol y Luna. 1976. Papel periódico Ilustrado, vol. 4, n. 81, 20 de diciembre de 1884, p. 142. Referências Bibliográicas: * “Estatua del Gran General Tomás C. de Mosquera” en Diario Oicial, año XVIII, no. 5495, 8 de octubre de 1882, pp. 11033-34. AA. VV. (2010) Las historias de un grito. Doscientos años de ser colombianos. Bogotá: Ministerio de Cultura, Museo Nacional de Colombia. Papel Periódico Ilustrado, año V, no. 97, 6 de agosto de 1886, p. 7. González, Fernán E. (2010) “La Guerra de los Supremos (1839-1841) y los orígenes del bipartidismo”, en Boletín de Historia y Antigüedades, vol. XCVII, No. 848 marzo. González Escobar, Luis Fernando, Del alarife al arquitecto. El saber y el pensar la arquitectura en Colombia. 1847-1936, Tesis de Doctorado en Historia, Universidad Nacional de Colombia, Escuela de Historia, Medellín, 2011. Disponible en: http:// www.bdigital.unal.edu.co/4601/2/15955921._2011_2.pdf. Consultado el 14.01.2012. Gutiérrez, Felipe Santiago. Viaje de Felipe S. Gutiérrez por México, los Estados Unidos, Europa y Sudamérica. Tomo II. 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Doctora en Historia con especialización en Historia del Arte (Instituto de Altos Estudios Sociales, Universidad Nacional de San Martín (IDAES-UNSAM) y magíster en Historia del Arte Argentino y Latinoamericano, de la misma casa de estudios. Es co-coordinadora del Grupo de Estudio sobre Arte Público en Latinoamérica (GEAP-Latinoamérica, Universidad de Buenos Aires). Docente e investigadora del Instituto de Investigaciones sobre el Patrimonio Cultural (IIPC/TAREA-UNSAM). http://unsam.academia. edu/CarolinaVanegasCarrasco/Papers _. (2013) “Mario Lambardi: una alternativa escultórica en las canteras de Balsillas”, en III Seminario Internacional sobre Arte Público en Latinoamérica “Tránsitos, apropiaciones y marginalidades del arte público en América Latina”. Santiago de Chile: GEAP-Latinoamérica (UBA) y Universidad Adolfo Ibáñez. _. (2014) “Escultores en tiempos de guerra: práctica y enseñanza de la escultura en Colombia a ines del siglo XIX” en VII Jornadas de Historia del Arte – El sistema de las artes. Universidade Federal de São Paulo, Museo Histórico Nacional de Chile, Universidad Adolfo Ibáñez de Chile y el Centro de Restauración y Estudios Artísticos CREA, Chile. Valparaíso-Viña del Mar. 474 475 Debret leitor de Humboldt 476 477 Thiago Costa Debret leitor de Humboldt / Thiago Costa Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro das “viagens pitorescas” eram comuns na Europa. Na década de 1780, por exemplo, saiu a conhecida obra, Voyage pittoresque, ou descriptions des royaumes de Naples et de Sicile (Paris, 1781), do abade de Saint-Non. Em 1799, também em Paris, foi a vez do álbum Voyage pittoresque de la Syrie, de Plénicie, de la Palestine et de la Basse Égypte, e em 1802, o Voyage pittoresque et historique de l’Italie et de la Dalmatie, ambos de Louis François Cassas. Dedicadas ao espaço americano, destacam-se as obras consagradas ao México e ao Brasil, publicadas ao longo da década de 1830. É o caso do Voyage pittoresque et archéologique dans la partie la plus intéressante du Mexique (Paris, 1836), do desenhista alemão Carl Nebel, e de Voyage pittoresque et archéologique dans la province de Yucatán pendant les années 1834 et 1836 (Paris, 1838), do viajante boêmio Jean-Fréderic Waldeck, e o Voyage pittoresque dans le Bresil (Paris, 1827/35), do desenhista bávaro Johann Moritz Rugendas. Entre os anos de 1834 e 1839, o pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) publicou em Paris os três volumes de sua monumental obra, o Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou, em português, o “Viagem pitoresca e histórica ao Brasil”. De caráter enciclopédico, e com um olhar retrospectivo para a história do país, o Viagem pitoresca de Debret consistia em um belo livro-álbum in folio dedicado ao Brasil, com 232 imagens distribuídas em 151 pranchas litográicas, em que se apresentava um rico painel de motivos luso-brasileiros em diferentes séries de estampas. É, pois, dentro dessa tradição literária que Debret situa seu álbum brasileiro. Construído com base em variadas fontes, desde consultas a obras de viajantes aos empréstimos de esboços de seus alunos, a coleta de informações no Museu Imperial e notas de suas experiências pessoais no Rio de Janeiro, o processo de composição do Viagem pitoresca seguiu pautado pela observação de múltiplos canais de conhecimento, uma prática comum para os exploradores estrangeiros, artistas e/ou cientistas, que percorreram diversos territórios extraeuropeus. De fato, é inegável a contribuição dos viajantes para a construção não apenas do álbum do pintor francês, mas para a formatação de todo um pensamento a respeito do Brasil e da América na primeira metade do século XIX. E o grande responsável pela renovação e reorientação nos interesses pelos assuntos americanos foi o naturalista alemão Alexander von Humboldt (1769-1859). Com efeito, ao longo do século XIX o termo “pitoresco” era uma fórmula de uso corrente nos títulos de álbuns realizados por artistas e viajantes que percorreram a América e o Oriente. Enquanto gênero literário, esses trabalhos sustentavam uma concepção pedagógica, cuja intenção era a de oferecer uma visão abrangente dos espaços nacionais numa tentativa de traçar identidades culturais. As imagens – com frequência gravadas pelo processo da litograia – ocupavam um lugar destacado nessas obras e seu sucesso provinha, em parte, por se comunicar com um público maior de leigos, menos especializado e igualmente curioso e, claro, amante das belas -artes. Assim, as “viagens pitorescas” encerravam um amplo conjunto temático, com motivos que iam desde a arquitetura e arqueologia indígenas, história e mitologia, cenas do cotidiano, retratos da população, até representações topográicas, de elementos da natureza e construções da paisagem. Já ao inal do século XVIII os relatos de viajantes e o modelo Humboldt, Alexander Von 478 479 Entre os anos de 1799 e 1804, acompanhado do médico e Debret leitor de Humboldt / Thiago Costa Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro zoólogo francês Aimé Bonpland, Humboldt realizou um longo périplo pelo continente americano, atravessando as regiões que hoje formam os países da Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, México, Cuba e Estados Unidos. De volta à Europa, os dois pesquisadores levaram consigo uma extraordinária coleção de objetos naturais e apontamentos cientíicos, que incluíam desde observações da formação geológica dos territórios visitados, medições astronômicas, espécimes da lora e da fauna, e estudos de história, economia e antropologia das diversas sociedades – indígenas e mestiças – a que tiveram contato. A viagem de Humboldt e Bonpland foi um marco de importância sem igual para o desenvolvimento das ciências no decorrer do século XIX, com contribuições fundamentais em diversos ramos do saber, como a botânica, a geograia, a geologia, a isiologia e a zoologia, entre muitas outras. sensível” em meio às “zonas tropicais” e à natureza em geral, o naturalista prussiano moldava o peril de um pesquisador notadamente romântico, para quem as sensações e memórias individuais contribuíam com igual valor para o conhecimento objetivo do mundo. No continente europeu, entre a França e a Alemanha, Humboldt dedicou-se à sistematização e publicação dos resultados da empresa americana. Já em suas primeiras publicações, nomeadamente Essai sur la Géographie des plantes (Paris, 1805) e Vue dês Cordillères et monuments dês peuples indigènes de l’Amérique (Paris, 1810), Humboldt esclarecia a proposta de um reconhecimento cientíico da natureza que levasse em conta a experiência subjetiva e o gosto. Pois, para o pesquisador alemão, a pintura de paisagem era o expediente ideal para a apresentação da riqueza e variedade do mundo natural. Mas o tratamento estético das coisas da natureza não era senão a constatação de um entendimento da realidade mediada por um pensamento de arte. Segundo Misch, “Parece evidente que Humboldt vê a paisagem tropical com os olhos de um pintor” (MISCH 2008, p. 282). Com uma perspectiva integradora, em que dados individuais eram analisados enquanto manifestações subjacentes da unidade orgânica da natureza, ao longo de sua extensa obra o sábio viajante estabeleceu um modelo de estudo do mundo natural no qual se combinava a intuição artística com a objetividade racionalista das ciências. E seu projeto cientíico incluía também um ideal estético. No prefácio da primeira edição do seu conhecido Ansichten der Natur, “Quadros da Natureza” (Stuttgart e Tübingen, 1807), Humboldt anunciava que a orientação de seu trabalho era a de “fornecer uma visão englobante da natureza, comprovar a existência de um trabalho conjunto de energias, [e] renovar o prazer que é dado ao homem sensível no contato direto com as zonas tropicais” (HUMBOLDT 2007 [1807], p. 21). No parágrafo seguinte, declarava que “apesar dos erros” em sua obra, esperava poder “proporcionar ao leitor uma parte do prazer que o espírito sensível encontra na contemplação direta da natureza” (idem, ibidem). Ao evocar a experiência subjetiva do “homem O cientista tinha familiaridade com álbuns de viajantes, em particular, do tipo das “viagens pitorescas”. Seu auxílio possibilitou a publicação de diversas obras, de artistas e naturalistas, e, também, a divulgação mais ampla de ideias e representações acerca dos países americanos nos diferentes espaços do continente europeu. Sabe-se da amizade e da admiração dedicada ao trabalho de Johann Moritz Rugendas, que o naturalista conheceu em Paris em 1825 logo após o artista ter deixado o recente império brasileiro e a expedição cientíica para a qual fora contratado1. A profunda impressão causada pelas aquarelas de Rugendas, de vistas e paisagens do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e da Bahia, levou o cientista alemão a encomendar-lhe de imediato três desenhos para uma re-edição de sua Géographie des Plantes (DIENER e COSTA 1999, p. 16). Dessa ainidade entre Humboldt e Rugendas resultaria o belo livro-álbum, Voyage pittoresque dans Le Brésil. Anos mais tarde, nos primeiros meses de 1835, o cientista fez circular em Berlim um artigo de divulgação do projeto editorial do viajante 480 481 Debret leitor de Humboldt / Thiago Costa Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro alemão, Carl Nebel, em que airmava que o seu Voyage pittoresque et archéologique, dedicada às ruínas pré-hispânicas mexicanas visitadas por Nebel no começo de 1830, assim que publicada “satisfará todas as expectativas, tanto no arqueológico como no pitoresco” (HUMBOLDT apud DIENER 2006, p. 43). O próprio Humboldt, em seu Vues dês Cordillères, tinha como proposta inicial a elaboração de um atlas pittoresque composto por imagens que complementasse o diário da viagem americana (ETTE 2008, p. 304/305; PUIG-SAMPER e REBOK 2010, p. 23). ao Brasil a uma “Missão Artística”2. E foi vinculado a esse projeto de ensino artístico que Debret mencionou novamente o sábio prussiano, desta vez no terceiro volume do seu álbum. Na prancha 40, Retratos dos ministros, o artista elaborou um quadro com o busto de cinco personalidades políticas da corte luso-brasileira, entre eles, o de Dom Pedro de Menezes, o marquês de Marialva. No texto que acompanhou a litograia, Debret descreveu Marialva associando-o a Humboldt e à intenção de fundação da Academia de Belas-Artes no Brasil. Ministro plenipotenciário junto à corte de França em Paris, aí organizou um círculo íntimo de homens extremamente notáveis pelos seus conhecimentos e cultura. Entre estes se encontrava o Barão de Humboldt, um dos membros do Instituto de França que, em 1815, lhe inspiraram o desejo de fundar no Rio de Janeiro uma academia real de belas-artes (DEBRET s/d, p. 612/13). Humboldt, Debret e o Brasil Ainda que jamais tenha cruzado os limites do país, traços da “presença-ausente” de Humboldt no ambiente cientíicocultural brasileiro da época são inequívocos (COSTA 1999, p. 32). Dentro do álbum de Debret, a primeira referência ao pesquisador alemão está em sua folha de rosto. Na abertura da obra, o artista francês agradeceu o Institut de France em uma carta-dedicatória em que advertiu seus leitores que “o Império do Brasil deve ao Instituto de França sua Academia de Belas-Artes do Rio de Janeiro”. E lembrou que, “[...] o Sr. de Marialva, embaixador português em Paris, cujo desejo de criar, por sua vez, uma Academia Brasileira, nasceu das persuasivas conversações do Sr. de Humboldt” (DEBRET s/d, p. 09). Conforme o artista, o marquês de Marialva, ministro de dom João em serviço na França, inspirado tanto pela academia de belas-artes francesa como a de Nobles Artes mexicana, consultou-se com Alexander von Humboldt para a construção de instituição análoga no Rio de Janeiro. O naturalista, então, indicou para coordenar o projeto a Joachim Lebreton. O viagem pitoresca de Debret foi uma das fontes para a famosa interpretação de Affonso D’Escragnolle Taunay, que em 1911 publicou estudo na Revista do Instituto Histórico e Geográico Brasileiro, associando a trasladação de artistas franceses Além de Marialva, outra personagem talvez ainda mais importante para a empresa francesa, nas palavras de Debret, foi Antônio de Araújo de Azevedo, o Conde da Barca. O Sr. Marquês de Marialva, embaixador português na corte de França, e residindo em Paris, entendeu-se, em 1815, com o Sr. Conde da Barca, então ministro das Relações Exteriores do Rio de Janeiro, no sentido de criar uma academia de belas-artes, no modelo da de França (DEBRET s/d, p. 448). 482 483 De acordo com Debret, o projeto inicial da Academia de Belas -Artes no Brasil havia partido de Antonio de Araújo de Azevedo, no Rio de Janeiro, que então se comunicou com Marialva, em Paris. Homem de grande erudição e uma extraordinária coleção bibliográica, Da Barca era um político habilidoso, que exerceu importantes cargos na administração luso-brasileira. De formação e ideal cosmopolita, Azevedo mantinha uma relação próxima com diversos naturalistas, tanto no Brasil como na Europa, e gozava de prestígio no meio intelectual luso-brasileiro. No Viagem pitoresca, Debret apresentou-o Debret leitor de Humboldt / Thiago Costa Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro como o “Cavaleiro Luís de Araújo”, que era “acima de tudo amigo das ciências e das artes” (DEBRET s/d, p. 611). No país americano, entre outras iniciativas suas, foi o responsável pela instalação do primeiro laboratório de química do país, abrigado em sua própria residência – que também funcionou como sede da Impressão Régia – no Rio. Azevedo, preocupado com um ideal de progresso e o desenvolvimento cientíico brasileiro, e, também, a posição inluente de Alexander von Humboldt no âmbito intelectual europeu como homem de ciência consagrado. Em realidade, e com independência do caráter oicial ou não do traslado de artistas franceses ao Brasil3, é evidente o papel seminal de Alexander von Humboldt. Em 12 de junho de 1816, quando o grupo francês já estava no Brasil, Joaquim Lebreton elaborou uma carta-projeto destinada à Araújo de Azevedo em que esclarecia seu plano de fundação da Academia de Belas -Artes no país, cujo exemplo era a academia mexicana. No texto, Lebreton usou como epígrafe uma citação de Humboldt, onde se lia que, “Nenhuma cidade do Novo Continente, sem excetuar as dos Estados Unidos, oferece estabelecimentos cientíicos tão grandes, tão sólidos, quanto os da capital do México” (HUMBOLDT apud LEBRETON 1816, p. 285). À continuação, Lebreton confessava que “Foi reletindo sobre este enunciado surpreendente de um viajante célebre [...] que eu concebi o projeto de conceber para dar as mesmas vantagens ao Brasil, com despesas ininitamente menores” (idem, ibidem). Desta perspectiva, pode parecer plausível as indicações de Debret que atribuíam à Araújo de Azevedo o papel de patrono e idealizar da “Missão Artística”. Para Debret, Azevedo constituía exemplo do “verdadeiro amigo do progresso do Brasil”, que “realizou o projeto de criar uma academia de belas -artes no Rio de Janeiro, mandando vir, a expensas do governo, um grupo de artistas franceses” (DEBRET s/d, p. 611). E, de fato, Azevedo manteve contato com Humboldt. Existem ao menos duas cartas, publicadas na década de 1960, que atestam a relação entre o diplomata português e o viajante alemão. Escrevendo em quatro de agosto de 1813, Azevedo pedia para que Humboldt intercedesse junto à Corte da Prússia para que se permitisse o prolongamento da licença do mineralogista alemão Wilhelm Christian Gotthelf von Feldner (17721822), que desde 1803 atuava como diretor nas minas de carvão em Portugal e em 1810 trasladou-se para o Brasil. Não se sabe da reposta de Humboldt, já que nessa época o naturalista residia em Paris, e, provavelmente, deve ter remetido o pedido ao irmão, Wilhelm, na época ministro da Prússia em serviço na Áustria (BEAU 1964, p. 95). Anos mais tarde, foi Humboldt quem escreveu à Azevedo. Em missiva de primeiro de março de 1816 – portanto, poucos dias antes do desembarque de Debret no Rio de Janeiro –, o naturalista dirigiu-se ao Conde da Barca solicitando proteção, em terras luso-brasileiras, para dois discípulos seus, a saber, o botânico parisiense Auguste de Saint-Hilaire e o mineralogista alemão pouco conhecido Saint-Lambert; na correspondência, Humboldt também citou o botânico Sellow (OBERACKER 1969, p. 85). O teor de ambas as cartas demonstra o caráter ilustrado de 484 485 Sem dúvida, o alcance universal de sua obra, a enorme inluência enquanto homem de ciência e a extensa rede de contatos e relações formada ao redor de sua igura garantiam à Humboldt uma importância singular, que extrapolava os limites da pesquisa cientíica. Desta forma, conforme Lilia Schwarcz, “Talvez o autor mais importante para a ‘colônia Lebreton’ [...] tenha sido não um francês, e sim o viajante alemão Alexander von Humboldt” (SCHWARCZ 2008, p. 51). De fato, em Essai politique sur Le royaume de la nouvelle Espagne (Paris, 1811), Humboldt havia descrito os benefícios da Academia de los Nobles Artes – fundada no México em 1783 –, para a instrução da sociedade mexicana. Os escritos de Humboldt eram uma importante referência para os assuntos americanistas e documento de consulta indispensável para muitos viajantes estrangeiros no interior ou de partida para a América. Desta forma, supõe-se, junto com Lilia Schwarcz, que Debret leitor de Humboldt / Thiago Costa Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro a “obra de Humboldt [...] inlamou ainda mais a imaginação de nossos artistas”, já que era lida e “apreciada por muitos daqueles que se dirigiam ao Brasil” à época (idem, p. 52). mática neste sentido, isto é, no aproveitamento civilizado dos artigos da lora e da fauna, é a prancha 19 do segundo volume, Regresso de negros caçadores/Negros de um naturalista (DEBRET s/d, p. 213). Aqui Debret aproximou-se do tema de viajantes ao registrar não o guia de viagem – associado ao indígena transculturado –, mas um ator social pouco abordado: o homem escravizado que busca e recolhe, dentro das matas, o objeto de investigação do naturalista em seu gabinete. Debret, naturalista As duas últimas referências à Humboldt dentro do Viagem pitoresca de Debret correspondem mais propriamente ao abrangente espectro dos estudos americanistas, campo em que o naturalista representava a máxima autoridade. Ao comentar as qualidades do cultivo da bananeira no Brasil, e as “riquezas vegetais do Maranhão e do Pará”, Debret argumentou que o “Sr. de Humboldt veriicou que uma jeira [sic] de bananeira produz vinte vezes mais substância alimentar do que o mesmo espaço semeado com cereais” (DEBRET s/d, p. 340). Em sua obra, Debret fez frequentes incursões no âmbito da história natural, com observações pontuais acerca dos benefícios do cultivo agrícola e o uso diversiicado dos abundantes produtos naturais brasileiros. Para o artista, com exceção de poucas paisagens e alguns estudos botânicos, a natureza tinha um caráter funcional: seja para o comércio, seja para o uso medicinal (VANGELISTA 2008, p. 196/97). É o que vemos, por exemplo, na prancha 24 do terceiro volume, Frutas do Brasil, em que airmou: “A medicina brasileira, tão rica em inúmeros especíicos indígenas extraídos do suco de suas plantas, da casca e da resina de suas árvores, não negligencia tampouco o emprego de muitas espécies de frutas de substâncias terapêuticas”. Frutas que eram, conforme Debret, “quase todas aproveitadas pela ciência” (DEBRET s/d, p. 557). Na prancha 17, Vendedores de Palmito, Debret descreveu a extração, o manejo e o consumo da planta extraída de determinadas espécies de palmeiras (idem, p. 206). No primeiro volume, Debret incluiu pranchas cujos títulos, Vegetais empregados como cordas, Plantas alimentícias e Diferentes vegetais utilizados nos colares, nas tatuagens e na alimentação (DEBRET s/d, p. 112 e 101/03), demonstram a perspectiva utilitária com que o pintor concebia a natureza do país. Emble- Já na estampa, Inscrições do Rochedo dos Arvoredos, imagem embutida na prancha 33, no terceiro volume, Vista do Castelo Imperial de Santa Cruz, o artista assinalou a existência de símbolos gráicos nas paredes de um grande penedo, “situado a pequena distância da entrada da baía de Santa Catarina” (idem, p. 592). Nesses desenhos rupestres, que alegou serem pré-colombianos, o pintor identiicou aspectos de uma escrita de origem oriental, similar as inscrições encontradas por Humboldt na América espanhola. O Rochedo dos Arvoredos comporta, segundo a tradição, uma inscrição em caracteres fenícios e muito semelhante a outras colhidas na América por Humboldt; apresentada como as outras aos sábios orientalistas, foi considerada um vestígio de uma língua morta, hoje indecifrável, consequência inevitável da confusão de línguas produzida pela invasão dos povos na América (DEBRET s/d, p. 592). Ao incorporar motivos arqueológicos em sua obra, Debret alinhava-se à voga cientíica do período ao mesmo tempo em que fornecia possibilidades de interpretação do passado brasileiro numa perspectiva que se identiicava com o pensamento orientalista. 486 487 Com efeito, à época de Debret e Humboldt as hipóteses que sugeriam a ascendência oriental dos povos do continente americano eram correntes. De acordo com Caroline Depetris, desde ao menos o século XVII já havia teorias que vinculavam os habitantes dos dois hemisférios em uma ancestralidade Debret leitor de Humboldt / Thiago Costa Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro comum (DEPETRIS 2010, p. 12 e 14). Na década de 1780, as descrições de viagem do Conde de Volney, as observações lingüísticas de Claude-Étienne Savary – que em 1783 traduziu o Corão ao francês –, bem como a análise dos idiomas indo-europeus feita, entre outros, pelo francês Abraham AntequilDuperron (1731-1805) e o inglês William Jones (1746-1794), contribuíram para o desenvolvimento e maior difusão de representações sobre o Oriente. Também os resultados da expedição militar de Napoleão ao Egito, entre 1798 e 1801, com destaque para a monumental publicação, Description de l’Egypte (Paris, 1809/29), auxiliaram para a formatação da tradição do orientalismo, que tornou os assuntos do Leste ainda mais populares no Ocidente. Humboldt havia feito observações acerca dos diferentes idiomas das sociedades indígenas a que teve contato, o que lhe permitiu, mais tarde, elaborar uma espécie de teoria lingüística dentro de sua narrativa de viagem. Em Vue dês Cordillères, o viajante alemão analisou o vocabulário indígena aproximando-o da estrutura gramatical do sânscrito, do persa, do grego e do alemão. E, ainda, relacionou as inscrições pré-colombianas com uma escrita “hieroglíica” (HUMBOLDT 1816 [1810], p. 175). Para Humboldt, as similaridades encontradas nos monumentos arquitetônicos, nas instituições políticas, e até nas cosmogonias, atestavam o vínculo do homem americano à uma antiguidade de origem oriental-asiática (idem, ibidem). Para o sábio alemão, era “impossível não icar impressionado com a analogia existente entre as memórias antigas dos povos da Ásia e os do novo continente” (HUMBOLDT 1816 [1810], p. 384). E lembrou a existência de “tantos relatórios anunciando antigas comunicações entre o Leste Asiático e o Novo Mudo” (idem, p. 276). Em seu Ansichten der Natur4, Humboldt considerava “[...] a existência de antigas conexões entre os habitantes da América ocidental e da Ásia oriental como mais que provável, mas por quais rotas, ou com quais nações asiáticas as comunicações aconteceram, não se pode determinar atualmente” (HUMBOLDT 1849 [1807], p. 176)5. Com efeito, como ressaltou Oliver Lubrich, o Oriente Antigo – em particular o Egito – marcou o pensamento de Humboldt, em certa medida modelando sua percepção da América ao longo de sua famosa viagem (LUBRICH 2002, p. 6 e 9). E os trabalhos de Humboldt eram uma das principais referências para a interpretação que aproximava a América das sociedades antigas, seja como ideologia e/ou como expediente retórico (LUBRICH, 2002), e orientou parcela dos viajantes que percorreram o interior americano no decurso do século XIX. Uma das obras que – na esteira de Humboldt – vinculava as sociedades ameríndias com os povos do Antigo Oriente foi o Voyage pittoresque et archéologique dans la province de Yucatán pendant les années 1834 et 1836 (Paris, 1838), de JeanFréderic Waldeck. Entre 1832 e 1836, Waldeck dedicou-se à investigação dos monumentos arqueológicos encontrados no México com o intuito de conirmar as hipóteses da ascendência asiática dos povos americanos. Seus estudos deram origem à numerosos diários de campo e ao seu Voyage pittoresque et archéologique (DEPETRIS 2010, p. 10). Na citação de Debret, a evocação à Humboldt ica mais evidente pelo trecho em que o artista ressaltou a “confusão de línguas produzida pela invasão dos povos na América” (DEBRET s/d, p. 592). É, pois, também por meio do paradigma lingüístico que Humboldt – cujo irmão, Wilhelm, foi um notável lingüista, ainda mais conhecido na Alemanha da época que o próprio Alexander – assinalou a iliação das sociedades ameríndias com os povos do Oriente Antigo. Em sua expedição americana, No Brasil de Debret, as associações com o Oriente e o mundo Antigo aparecem já na introdução ao primeiro volume. Nesta parte do Viagem pitoresca, Debret descreveu as características das sociedades indígenas brasileiras (i.e., americanas) estabelecendo comparações e paralelos culturais com os povos gregos e egípcios. Segundo o artista, 488 489 Debret leitor de Humboldt / Thiago Costa Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro cada espécie, desde a costa até os picos da serra dos Órgãos, o texto de Descourtilz apresentava um painel sistemático da localização da vegetação, articulando sua distribuição geográica com os efeitos do clima, em uma síntese física na qual se identiicava as regiões apropriadas para o desenvolvimento de certas espécies da lora tropical. Esse modo de apreensão do mundo natural tinha como antecedente e marco intelectual os “quadros da natureza” de Humboldt, em seu Ansichten der Natur (COSTA 2015, p. 166). Enquanto os egípcios e os gregos buscavam [...] a púrpura de Tiro para ostentar o luxo da riqueza ou da aristocracia, na América, na mesma época sem dúvida, o índio selvagem, naturalmente sensível ao brilho imponente da cor vermelha da arara, escolhia essa plumagem para sinal distintivo de seus chefes (DEBRET, s/d, p. 16-17). Neste trecho, Debret situou temporalmente o índio americano no mesmo nível dos povos antigos da Grécia e do Egito. Na prancha 04, Múmia de um chefe coroado, no primeiro volume do álbum, o artista francês ilustrou inclusive uma “múmia” indígena, segundo o autor, da sociedade dos Bororo Coroado (DEBRET s/d, p. 36/37). Conclusões Alexander von Humboldt representava um paradigma cientíico, vale dizer, um tipo de discurso de saber acerca do mundo natural, cujo modelo Debret quis seguir em determinados momento de sua obra. Neste caso, a referência à Humboldt no Viagem Pitoresca aproxima-se daquilo que Michel Foucault chamou, em conferência de 1969, de “função-autor”. Para Foucault, a “função-autor” consistia na identidade que o conjunto de uma obra conferia ao seu autor (FOUCAULT 2006 [1969], p. 274). Deste modo, pode-se sugerir que em seu álbum Debret referia-se não à pessoa de Humboldt e, sim, à igura do autor consagrado, um sujeito ictício construído a partir de seu volumoso trabalho naturalista. Pois, segundo a deinição de Foucault, a obra também produz seu autor, atribui uma identiicação, mais ou menos homogênea, de unidade e coerência. Cria, assim, uma representação de autoria (FOUCAULT 2006 [1969], p. 280; CHARTIER 2012, p. 39 e 64). Em muitas de suas imagens o artista empregou o modelo neoclássico, cânone artístico pelo qual havia sido formado por Jacques-Louis David em uma tumultuada Paris pré-revolucionária (COSTA 2013, p. 41). No entanto, as constantes referências no interior do álbum demonstram que Debret estava atento às teorias cientíicas da época e que tinha familiaridade com a literatura de viagem, particularmente aquela dedicada à América (COSTA 2015, p. 63). De modo que a presença de Humboldt no Viagem pitoresca de Debret constata-se também através de outros indícios. Para a historiadora italiana Chiara Vangelista, a elaboração da prancha 21, O Judas do Sábado de Aleluia, inserta no terceiro volume do álbum (DEBRET s/d, p. 548), foi orientada pelos textos de Humboldt em Voyage aux Regions Equinoxiales du Nouveau Continent, publicada em Paris em 1816 (VANGELISTA 2008, p. 180). Contudo, é nos quadros da paisagem do Brasil que ica evidente o esforço de iliação de Debret ao arquétipo conceitual apregoado pelo cientista alemão. No primeiro volume do Viagem pitoresca, o pintor francês incluiu dois cadernos anexos, de estudos botânicos e da paisagem (DEBRET s/d, p. 105), com uma carta assinada pelo ornitólogo francês Jean-Theodore Descourtilz (1796-1855). Com o título de Golpe de vista sobre os lugares de adoção de 490 491 Logo, as citações à Humboldt – e de outros naturalistas6 – dentro do Viagem pitoresca de Debret não eram meros esforços de reprodução de suas observações e/ou notas cientíicas. A intenção do pintor francês não era senão a de formular contextos teóricos que o próprio viajante alemão havia tornado possível em sua incessante atividade naturalista. E a evocação ao seu nome – isto é, à igura do autor – serviria para garantir certa credibilidade ao álbum enquanto discurso de saber sobre o mundo natural brasileiro. Debret leitor de Humboldt / Thiago Costa Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: Não existem notícias de que Humboldt e Debret tenham se conhecido pessoalmente. Desde o retorno de Humboldt à Europa, em 1804, e a partida de Debret ao Brasil, em 1816, ambos viveram em Paris, e podem ter freqüentado ambientes comuns, como as reuniões no Institut de France e os Salões de Arte napoleônicos. Também não há referências de que o viajante alemão tenha tido acesso ao Viagem pitoresca de Debret, publicada quando o cientista já estava em Berlim. O que se pode airmar é que Debret, este sim, foi leitor de Humboldt. 1 Para o conjunto da obra brasileira de Rugendas, ver: DIENER, Pablo e COSTA, Maria de Fátima. Rugendas e o Brasil. São Paulo: Editora Capivara, 2012. 2 O texto teve algumas reedições ao longo do século XX, mas a primeira versão foi o artigo de 1912, em: TAUNAY, Affonso D’Escragnolle. “A Missão Artística de 1816”. Revista do Instituto Histórico e Geográico Brasileiro. Rio de Janeiro, 1912. E, em formato de livro, em: TAUNAY, Affonso D’Escragnolle. A Missão Artística de 1816. Rio de Janeiro: Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1957. 3 Para o assunto existe uma boa bibliograia. Destaco, entre outros, o importante artigo de DIAS, Elaine. “Correspondência entre Joachim Le Breton e a corte portuguesa na Europa. O nascimento da Missão Artística de 1816”. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material. São Paulo, v. 14, n. 2, jul.-dez. 2006; pp. 301-313. 4 Consultamos a edição em inglês, Aspects of nature, de 1849. 5 Tradução livre do autor, a partir da edição em inglês (Londres, 1849). 6 Para a relação de Debret com viajantes e naturalistas no Brasil à época, ver: COSTA, Thiago. “Debret, viajante”. Revista Documento/Monumento. Cuiabá, vol. 14, nº 1; pp. 30- 46. 492 493 Thiago Costa é mestre em história pela UFMT. Docente do IFMT, campus Fronteira Oeste/Pontes e Lacerda, atua nas áreas de história da arte e história das ciências. É pesquisador do grupo “História, Arte, Ciência e Poder – HISARCIPO” (UFMT/CNPq), e autor da obra, “O Brasil pitoresco de Jean-Baptiste Debret ou Debret, artista-viajante” (Rio de Janeiro, 2015). Debret leitor de Humboldt / Thiago Costa Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas: HUMBOLDT, Alexander von. Aspects of nature in different lands and different climates with scientiic elucidations. LONGMAN, BROWN, GREEN, AND LONGMANS: Londres, 1849. ANDRA, Helmut. “Alexander von Humboldt e suas relações com o Brasil”. HUMBOLDT – Revista para o mundo luso-brasileiro. Ano 04, número 10, 1964; pp. 68-74. HUMBOLDT. Alexander von. Vue dês Cordillères et monuments dês peuples indigènes de l’Amérique. L. Bourgeois-Maze: Paris, 1816. BEAU, Albin Eduard. Estudos Vol. II. 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As duas instituições começam um caminho de ressigniicação do papel do ensino acadêmico, que pode ser veriicável na produção dos desenhos dos alunos. E isso se relete diretamente na produção dos desenhos dos alunos O período estudado, sem dúvida, apresenta um contexto de modernização e de renovação artística quanto aos temas e de experimentações em relação às formas. O presente texto pretende apresentar pesquisa de doutorado e as primeiras proposições sobre o objeto analisado. A pesquisa tem o intuito de analisar os desenhos de alunos da Escola Nacional de Belas Artes do México e da Escola Nacional de Belas Artes do Brasil durante o período de 1890 a 1920. A pesquisa se realiza no arquivo do Museu Dom João VI e no arquivo da antiga Academia San Carlos. Foram fotografadas por volta de 50 obras de cada arquivo. As mesmas foram pesquisadas e organizadas por grupos temáticos, Nu masculino, Jovens e Anciões, Nu feminino e Cópia de Esculturas. Ressaltamos, entretanto, que para este texto analisaremos um pequeno grupo de obras. Para esta análise é preciso levar em conta que ambas as escolas têm como modelo as academias europeias, a mexicana através da academia espanhola e logo pela francesa e italiana, e a brasileira pelas duas últimas. Neste sentido, trabalharemos com a ideia de uma dinâmica de persistências e desvios. Por persistências se entende o conjunto de soluções formais e temáticas que tomem como base repertórios anteriores, aqui me reiro à tradição clássica. Do mesmo modo que por desvios se compreendem as tentativas de mudanças das soluções formais e temáticas em relação a estes repertórios. Para começar a analisar os desenhos deve-se considerar o papel central do desenho no ensino acadêmico. Ao longo da História da Arte o desenho sempre teve vital importância na prática artística. Entretanto foi no Renascimento que encontramos abordagens sobre o desenho que impactaram o ensino e a prática artística. O desenho, afora de ser o meio pelo qual o artista estabelece os modelos de beleza, também adquire caráter de atividade intelectual á medida em que o artista deve planiicar, projetar seu conjunto compositivo através do desenho. As obras que analisaremos estão relacionadas à centralidade do desenho no ensino artístico, porém propondo novos direcionamentos as práticas e experiências artísticas. Para entendermos as obras estudadas mencionaremos sobre o contexto histórico do período. O Brasil e o México passam A análise pretende veriicar as persistências e os desvios temático-formais em cada um dos grupos propostos. E tentar responder a seguinte questão: A produção de desenhos de ambas as academias pode apresentar aproximações quanto à dinâmica de persistência e desvios partindo da ideia de modelos acadêmicos comuns? Analisaremos três grupos temáticos dos quatro a serem 498 499 A formação dos artistas mexicanos e brasileiros, entre 1890 e 1920, na ENBA/ México e na ENBA/Brasil através da produção de desenhos (“academias”) / Taís Gonçalves Avancini Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 2 - Nu masculino de pé (academia). Data: 1894. Técnica/ Material: Crayon/papel. Dimensões: 61,5 x 47,2 cm. Autor: FREDERICO, Figura 1 - Hombre Jóven sentado. Data: 1892. Autor: Anônimo. 500 501 Rafael (1865-1934). A formação dos artistas mexicanos e brasileiros, entre 1890 e 1920, na ENBA/ México e na ENBA/Brasil através da produção de desenhos (“academias”) / Taís Gonçalves Avancini Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro temático-formais muito signiicativas para o período. Uma mulher semi-vestida, encostada na parede que olha para baixo, sugerindo uma timidez. O contorno e o modelado são suaves e ligeiros. As sombras do corpo na parede são linhas rápidas e concisas. estudados, nu de jovens, nu feminino e cópia de esculturas. Devemos destacar que nossa análise está baseada em estudos de Fausto Ramirez (2008) e Arthur Valle (2007). Valle propõe que questões formais do contorno, do modelado e das formais concisas adquirem problemáticas muito relevantes para se entender as obras dos alunos neste período. Estas soluções formais de linhas mais suaves, concisas e ligeiras aportam para uma visão destas Vênus mundana, mulher do cotidiano. Seu ar nos demonstra um sentimento particular, uma solidão, tema também recorrente no entre séculos. Primeiramente podemos observar dois nus masculinos de jovens onde abordar-se a questão do novo, da novidade, do novo versus o antigo. Assim como trabalhar com uma análise das persistências ou dos desvios das questões apolíneas. No caso do nu de 1892, um jovem sentado de lado parece segurar um caderno de desenhos, observamos o uso de uma linha suave e rápida, um desenho-esboço que nos dá uma sensação de uma imagem espectral. As sombras são mínimas usadas na parte das costas, cabelos e dobras do corpo. As linhas suaves e a rapidez da feitura do desenho nos dão a sensação de uma materialidade líquida. Destaca-se um desenho de formas concisas, caracterizando um possível desvio em relação aos modelos de desenho do corpo humano advindos da tradição clássica. Garduño escolheu trabalhar com uma Vênus mundana, marginalizada da sociedade, presente nas ruas das cidades. O ar do rosto é de introspecção, tristeza, solidão e descaso talvez. Os marginalizados, indígenas, prostitutas, anciões e crianças sem teto são temas de atenção destes artistas. Nas soluções formais vemos um sombreado que vai do cabelo por toda as costas, a iluminação é dada pela parte direita da composição. Por estar em posição lateral, quase não se vê seus seios e suas partes íntimas dando uma conotação de pureza, relacionada talvez a idealização da raça indígena. No nu de Rafael Frederico de 1894 observa-se um jovem em pé, em posição frontal, com o rosto inclinado e expressando-se com sua mão direita. O desenho do corpo é muito bem detalho em músculos e ossos. O rosto se vê escurecido em relação às demais partes do corpo. Podemos observar, como uma possível tentativa de desvio, a questão do jogo luz e sombra. Em especial chama-se a atenção para este sombreado que é trabalhado ao fundo da igura, se observa esta solução em diferentes obras de ambos os países. Nosso último grupo de obras são as cópias de escultura. Primeiramente a Venus de Medicis de Manuel Iturbide, de 1908. A composição está organizada sobre um fundo preto e o corpo em branco mesclado com um forte sombreado que confunde corpo e espaço pictórico. Esta cópia de escultura serve como experimentação do aluno no jogo de tensões entre contorno e modelado. No trabalho de análise dos desenhos produzidos na Academia San Carlos, Fausto Ramírez argumenta que: “Sin duda, los dibujos más innovadores e impactantes son aquellos en donde la igura queda en blanco, contrastante sobre un fondo oscuro (RAMIREZ, 2008, p.247). O tratamento formal cumpre uma dupla função, como experimento formal do contorno e do modelado e como desmistiicação da Vênus na medida em que o tema se converte Para as obras de Nu feminino podemos abordar sobre a perspectiva da dualidade Vênus celestial versus Vênus mundana, ou seja, destacar a persistência do tratamento do nu feminino, pelo viés celestial e os desvios pelo viés mundano. Nesta obra de Rafael Frederico podemos observar soluções 502 503 A formação dos artistas mexicanos e brasileiros, entre 1890 e 1920, na ENBA/ México e na ENBA/Brasil através da produção de desenhos (“academias”) / Taís Gonçalves Avancini Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 3 - Nu feminino (academia) Data: 1893 Técnica/Material: Carvão/ papel Dimensões: 61,0 x 47,0 cm. Autor: FREDERICO, Rafael (1865-1934). Figura 4 - Mujer sentada Data: sem data Tecnica/ material: Carvão 504 505 sobre papel. Dimensões: 39.4 x 31 cm. Autor: Alberto Garduño. A formação dos artistas mexicanos e brasileiros, entre 1890 e 1920, na ENBA/ México e na ENBA/Brasil através da produção de desenhos (“academias”) / Taís Gonçalves Avancini Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro em uma abordagem formal e não em uma representação da Vênus e seus ideais de beleza, assim demonstrando um desvio temático e formal. Nossa última obra é o Lançador de discos de Augusto Bracet. Apresenta aspectos muito interessantes, sobre um fundo escurecido, quase todo preto a cópia desta escultura sobressai aos nossos olhos, por sua verossimilhança, dando a sensação de que é uma fotograia. O desenho anatômico da igura é feito com precisão de detalhes e respeitando a harmonia e o equilíbrio da composição. Persistências e desvios caminham juntos numa coexistência orgânica e própria da arte do período. Para concluir cito Francisco Gomez (GOMEZ, 2005, P.80) que comenta que estas dualidades, como a de persistências e desvios eram um enfrentamiento dialéctico no siempre se producía en idénticas condiciones, ni concluía con similares resultados. Porque si en ocasiones la dualidad tesis-antítesis quedaba irresuelta, en otras se producía una síntesis más o menos equilibrada, demostrando que su oposición era menos marcada que lo que aparentaba. A partir da problematização destas persistências e desvios temático-formais nos grupos de ambos os países poderemos determinar uma possível aproximação entre estas dinâmicas mesmo que os processos e resultados obtidos tenham suas particularidades. Figura 5 - Vênus de Médici. Data: 1908, Técnica/Material: Carvão sobre 506 507 papel. Dimensões: 55.5 x 36 cm. Autor: Manuel Iturbide. A formação dos artistas mexicanos e brasileiros, entre 1890 e 1920, na ENBA/ México e na ENBA/Brasil através da produção de desenhos (“academias”) / Taís Gonçalves Avancini Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 6 - Lançador de disco (cópia de escultura) Data: 1904 Técnica/ Material: Carvão/papel Dimensões: 63,1 x 48,0 cm Autor: BRACET, Augusto (1881-1960). 508 509 Taís Gonçalves Avancini é Doutoranda em História da arte (desde 2015) pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Mestre em Artes Visuais do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ (2011). Possui graduação em História pela Faculdade de Filosoia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2006). Tem experiência na área de História da Arte, atuando principalmente em história da arte de ins do século XIX e início do século XX do Brasil e do México. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas: GÓMEZ, Francisco Garcia. 2005. El Nacimento de la modernidad: conceptos de arte del siglo XIX. Málaga: Universidad de Málaga. RAMÍREZ, Fausto. 2008. Modernización y Modernismo en el arte mexicano. ,México D.F.: UNAM, IIE. VALLE, Arthur. 2007. Desenhar uma academia: modernismo e autonomia formal nos bastidores da escola nacional de belas artes durante a 1a república. In Anais do III Encontro de Historia da Arte do IFCH / UNICAMP. Campinas. 510 511 A tradução ilustrada da arte em revista: dentro e fora dos modelos de atuação da Academia Imperial das Belas Artes e da Revista Illustrada 512 513 Rogéria de Ipanema A tradução ilustrada da arte em revista: dentro e fora dos modelos de atuação da Academia Imperial das Belas Artes e da Revista Illustrada / Rogéria de Ipanema Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro recorridos pelos historiadores para se penetrar na visualidade mais cotidianamente produzida no último segmento do regime monárquico. Na verdade, não se pode perder o enquadramento que se trata de uma visualidade construída por imagens daquela história presente, a qual o projeto político do artista atravessou todos os lápis litográicos em que a Revista Illustrada deiniu a sua visão de realidade. Se os assuntos do estado e a vida pública brasileira estavam em revista na imprensa, estavam nas páginas da Revista Illustrada, assim como se a arte e a Academia estavam em revista, eram revistas pela Revista Illustrada. Abundante em imagens e farta em numeração, a folha teve o traço exclusivo de Agostini desde a primeira página, de 1º de janeiro de 1876 até outubro de 1888. A Revista completaria 22 anos de periodicidade ininterrupta até 1898.1 É o artista, que no tabloide hebdomadário de oito páginas,2 saído aos sábados,3 analisava os contextos cotidianos e extraordinários da vida da corte. Muito do que movia o campo das artes visuais no Império protagonizado pela Academia era noticiado em Revista. As duas instituições eram vizinhas na Freguesia do Santíssimo Sacramento, cada qual com a sua força e ação, cada qual em seu tempo e a seu tom: uma, na Travessa das Belas Artes e a outra na Rua Gonçalves Dias, 66.4 Introdução Em continuidade à problematização das relações externas que envolviam a Academia, desejamos ampliar, neste especial 200 anos de aniversário, a pesquisa recortada na historicidade da crítica jornalística, pela tradução da imprensa política, satírica e ilustrada oitocentista. Nas décadas de 1870 e 1880, a imprensa compreendeu, para além da informação, a tinta litero-imagética artística instituída dentro e fora das ações oiciais do Estado, como evidentemente àquelas constituídas na representação maior da arte e seu ensino, as belas artes da Academia. Mas, mais que isto, dentre estas duas dimensões de diferentes formas de organização e sistema (Academia e imprensa; oicial e independente), respondendo cada qual aos seus objetivos - as práticas de dentro pelas representações de fora, quer as práticas de fora pelas representações de dentro -, abriam-se espaços de discussão de arte na corte do Rio de Janeiro. Ver e ler a Revista Illustrada para a pesquisa da arte no e do Segundo Reinado constitui uma fonte densa na escrita de uma história contributiva para a compreensão e construção dos modelos instituídos, dentro do grande universo da arte da imagem impressa no Brasil dos Oitocentos. A propósito dos 200: dois temas Revista Illustrada e a Academia Imperial das Belas Artes Problematizada pela imprensa de Angelo Agostini, a Academia Imperial das Belas Artes, entre personagens – diretores, discípulos e lentes -–, e entre – artes, artistas e exposições -, tematizou as imagens e leituras de um dos periódicos mais 514 515 Da relação contemporânea de convívio entre a Revista Illustrada e a Academia Imperial das Belas Artes, trazemos à discussão dois temas presentes na Escola hoje. Um relativo ao seu espaço arquitetônico e geográico, destituída que foi a instituição da sua segunda ediicação própria. E o outro tema é relativo ao permanente debate do ensino de artes na constituição e formação do artista, do professor e do pesquisador, quanto as atualizações estritas às políticas públicas gerais da Educação e da Universidade. Isto atinge e abrange o ensino universitário de artes e a Escola de Belas Artes, esta que foi integralizada em 1937 ao corpus da então Universidade do Brasil, hoje a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Portanto, A tradução ilustrada da arte em revista: dentro e fora dos modelos de atuação da Academia Imperial das Belas Artes e da Revista Illustrada / Rogéria de Ipanema Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro é na dimensão destes dois temas que nos incorporamos às discussões de modelos do VII Seminário do Museu D. João VI. trução da referida parede dos fundos, em uma extensão de mais de cinquenta metros, por não ter ela a espessura indicada na antiga planta de Grandjean de Montigny, que presidira a sua ediicação e pela qual se guiara a seção de arquitetura no seu orçamento: esta parede, contra o que estava indicado naquela planta, achou-se com menos de cerca de 33 centímetros em sua espessura, e por isso, e pela má qualidade da argamassa com que fora feita (como se veriicou na demolição), não podia suportar a carga das galerias laterais a construir. (Relatório do Ministério do Império, anexo,1883). Primeiramente, queremos o nosso prédio! Depois, a Escola de Belas Artes em uma história de construção, inauguração, ampliação, reinauguração, demolição, realocação... (histórias de ontem e de hoje) A igura 1 é uma pequena imagem, mas que bem expressa o partido que a Revista, em sua igura-símbolo – o seu repórter -, assumiu em relação à Academia, o ensino acadêmico e a política do Estado para a instituição. Mesmo a imagem tendo sido criada a partir de um contexto especíico, que dimensionaremos adiante, dela partimos para pensar como se deu este convívio. Vemos a captura do olhar recuado do menino da Revista, de braços cruzados, curvando-se para trás, equilibrado e altivo, a medir de cima a baixo a estatura do prédio e/ou o próprio estatuto da instituição? Uma cena que transparece o Palácio da Academia construído no segundo pavimento dos corpos laterais de toda a sua extensão. O relator registrou, também, as questões que comprometiam as atividades escolares durante o processo da reforma: Matricularam-se 55 alunos no curso diurno, compreendidos os das aulas de modelo-vivo, de história das belas-artes, estética, e arqueologia, que funcionaram em horas do dia, não tendo as outras do curso noturno tido exercício, não só em consequência da falta de lugar por motivo das obras de reconstrucção do edifício, como também pela ausência de pretendentes à matrícula em algumas delas. (Idem, ibidem). É sobre a ampliação do prédio, que irmemente encara o menino. Analisando o conjunto da obra, reclamava a alta quantia de realização em mais de 200 contos, que pelos dados oiciais, eram precisamente, 218:625$050 réis.5 No entanto, no texto da relatoria do ano de 1882 do então diretor da época Nicolau Tolentino ao ministério do Império -- pasta a que a instituição estava subordinada -, veriica-se que novas obras haviam surgido, superando assim, o planejamento orçamentário original, e dizia por que: Nicolau Tolentino contava que a construção do sobrado icasse concluída em 1883, conirmando que, “até o im do corrente ano estarão terminadas todas as obras, e então se fará a exposição geral das belas-artes, que por motivo delas não se tem podido efetuar.” (Idem, ibidem). De fato, a última edição das Exposições Gerais da Academia Imperial das Belas Artes, aquelas coletivas e abertas à inscrição geral de participantes extra-quadros acadêmicos, tinha sido em 1879, e a subsequente exibição aconteceria somente em 1884, após o término da construção de ampliação do Palácio. foi necessário afastar da parede dos fundos da Academia pequenas ediicações no pátio do Tesouro que impediam a iluminação e ventilação de algumas salas do pavimento térreo, privadas agora das clarabóias que as iluminavam, pela construção do sobrado; e bem assim a demolição e recons516 517 A crítica na Revista Illustrada, que acompanhou de perto, os anos das obras na Academia, teve exemplo na seção Pequena Crônica, de 12 de agosto de 1883.6 O jornalista assinado por Ego, expõe o comprometimento da arquitetura grandjeana e A tradução ilustrada da arte em revista: dentro e fora dos modelos de atuação da Academia Imperial das Belas Artes e da Revista Illustrada / Rogéria de Ipanema Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 1 - Legenda: “E o governo acaba de gastar mais 200 contos Figura 2 - Legenda: “Apenas lançamos um olhar sobre os trabalhos, com a tal Academia! À vista das botas que lá se pintam deveriam tratar compreendemos o susto que se apoderou dos outros visitantes. Na de transformá-la em fábrica de calçado.” Agostini, Angelo, Revista verdade!...”. Agostini, Angelo, Revista Illustrada, Rio de Janeiro, ano 8, Illustrada, Rio de Janeiro, ano 8, n. 365, 27 dez. 1883. p. 8.(Hemeroteca Marcello e Cybelle de Ipanema; Imagem de Rogéria de Ipanema). n. 365, 27 dez. 1883. p. 8. (Hemeroteca Marcello e Cybelle de Ipanema; 518 519 Imagem de Rogéria de Ipanema). A tradução ilustrada da arte em revista: dentro e fora dos modelos de atuação da Academia Imperial das Belas Artes e da Revista Illustrada / Rogéria de Ipanema Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro descreve o seu gosto e escolhas estéticas: anos de 1882 e 1883. Ou seja, uma exposição dos trabalhos escolares dos estudantes da Escola de Belas Artes no Império. E era um dia a fachada da Academia de Belas Artes... Por mais que a defenda o sr. Taunay, vencerá, parece, a opinião demolidora. É isso porque, pelo novo plano de engrandecimento, se precisa de mais alguns centímetros! Cresceu então tanto assim o gosto artístico e aumentou o número de preciosidades da Academia, que é forçosamente preciso alargá-la? Eu tenho pena realmente. O Rio de Janeiro tem duas joias arquitetônicas: a Academia de Belas Artes e a Igreja da Cruz dos Militares. Uma consolava a outra, e as duas consolavam-nos de todos esses aleijões de pedra e cal que fazem a cidade do Rio de Janeiro. Vai icar só a Cruz dos Militares, porque felizmente a devoção não cresce. Pelo contrário! A exposição tomou destaque nas páginas da Revista de 23 de dezembro de 1882. Compreendida em dura crítica, a qual expõe o conservadorismo da Academia e a burocratização estatizada da instituição, a matéria responsabiliza o sistema, arrolando o dirigente, professores, os métodos para os exercícios dos estudantes e os modelos de ensino e aprendizagem. Dizia o colunista X, na coluna Belas Artes ao visitar a exposição, no terceiro e último dia de exibição, em 17 de dezembro de 1882,7 “fui à Academia das Belas Artes, ver a exposição dos trabalhos executados este ano [...] mais do que nunca iquei convencido de que para aprender a desenhar ou pintar, é preciso nunca entrar neste estabelecimento.” (Revista Illustrada, n.326, 23 dez. 1882, p.3). “O atraso de tudo aquilo e a apatia que se apossou de quase todos os alunos que lá estão... é devido, não à falta de modelos, como dizem, mas à falta de professores que sejam professores.” (Idem, ibidem). E desaia, e neste momento, o colunista X se revela no desenhista Angelo Agostini. Se este desespero de engrandecimento da Academia indicasse ao menos um aumento de artistas, uma produção maior de telas, um progresso da arte, seria ainda perdoável: mas aí! Confessa Grandjean, lá do alto do império, a tua derradeira morada, que tu também não estás lá muito contente dos inquilinos da tua bela casa. (Revista Illustrada, n.311,12 ago. 1882, p.7). Posso garantir, e desaio a que provem o contrário, que não há entre os que ocupam as cadeiras de desenho igurado e de pintura, um só que saiba desenhar. Essa é a verdadeira razão do atraso em que se acham os poucos alunos que lá estão a esforçarem-se para aprender alguma coisa, mas que nunca o hão de conseguir, enquanto forem dirigidos por pessoas inabilitadas como o sr. Medeiros, por exemplo, que nem como aluno seria aceito em qualquer academia da Europa. (Revista Illustrada, n.326, 23 dez.1882, p.3) A Revista está então contrariada, desqualiica a reestruturação do prédio por uma desarmonia do partido arquitetônico original de Montigny, e esta crítica constitui um daqueles momentos que o periódico positivava as coisas da Academia, mas, exatamente, em momento em que estas desapareciam... Exposição de Alunos, a Bienal “imperial” da Escola de Belas Artes Bem, se a reforma do prédio impediu a realização da edição das Exposições Gerais de Belas Artes, o mesmo não aconteceu com a Exposição de Alunos da Academia que ocorreram nos 520 521 O nome Medeiros, citado, é do açoriano José Maria de Medeiros (1849-1925), professor de desenho igurado do Curso de Pintura, que também contava com a disciplina de Paisagem, lores e animais, com o professor João Zeferino da Costa. E, ainda, neste período dos anos de 1880, o professor de História da Arte, Estética e Arqueologia era o Dr. Pedro Américo de A tradução ilustrada da arte em revista: dentro e fora dos modelos de atuação da Academia Imperial das Belas Artes e da Revista Illustrada / Rogéria de Ipanema Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figueiredo e Melo. A composição completa consta em nota.8 Tolentino (1810-1888) era um velho político, burocrata, conselheiro de Estado, funcionário do Tesouro, com 72 anos idade, o que, apesar de ser muito para à época, não constitui um problema em si, e sim, a sua origem e destino. E estas forças políticas do estado sobre a Academia contribuíam, entre outras, para um conservadorismo em sua matriz gestora e orçamentária, com concursos de professores, aquisição de obras, o que certamente delimitava e determinava também os modelos de ensino, além dos mecanismos estatais de controle. Estes, vivenciamos hoje, quando as determinações governamentais são impostas ao Ensino, à Educação e às universidades, retirando-lhe a liberdade, a autonomia, a crítica, e consequentemente a criação. Nota-se que à referência de Medeiros, outra questão é colocada permanente no campo das artes e cultura, daquele e de posteriores tempos, que é o parâmetro da excelência dos modelos estrangeiros europeus. Em relação à qualidade dos trabalhos dos estudantes, o Relatório de 1882 de Nicolau Tolentino justiicava-se pela questão conjuntural, ao dizer: “o resultado escolar não foi tão feliz como o tem sido em alguns outros anos, esse fato encontrava a sua explicação natural no incômodo e restrições disciplinares e administrativas causadas pela aglomeração de todas as aulas em uma só ala do edifício.” (Relatório do Ministério do Império, Anexo, 1883).9 Então, a mostra dos trabalhos escolares, que ocupara quatro salas da Academia, teve para a crítica da ilustrada Revista, somente “Uma pequena tela representando um estudante dormindo revela grande talento da parte de seu autor, o sr. Francisco Teixeira da Silva. Muita graça na composição, bom desenho e bom colorido.” (Idem, ibidem). E continua, A cobertura detalhada da exposição, também teve a assinatura de outro jornalista/colunista, Julio Dast. Aqui, vemos algumas questões incômodas sobre o que foi denominado, “o grande acontecimento da semana”. Ou seja, a festa de distribuição dos prêmios aos alunos da Academia, ocorrido no domingo dia 17 de dezembro, no terceiro e último dia da exibição, no grande salão do Conservatório de Música. Aberta às 11 horas da manhã, com a guarda de honra do 1º Batalhão de Infantaria e a chegada do imperador, conigurando um cenário do espetáculo oicial à qual a Academia estava subsumida. E pelo que a folha transcreve com texto entre aspas, estas foram algumas das palavras do diretor da Academia, as quais a Revista introduz com o “Lede-o vós mesmos”: “Eu disso de belas artes, devo dizer-vos, não pesco nenhum pires. Eu era um simples empregado do contencioso, sem jamais ter reletido sobre os efeitos do claro escuro”. (Idem, ibidem). E segue: “ia todo o dia ao Tesouro (sabemos icava muito próximo), disseramme que passasse de vez em quando, por ali pela Academia.” (Idem, ibidem). A Revista reairmou o afastamento e pertencimento de Tolentino às coisas da arte por várias vezes. Antonio Nicolau Escusado é dizer que esse quadrinho foi pintado fora da Academia. E bem avisado andou nisso o sr. Teixeira, pois que no templo das artes ele teria sido aconselhado pelos sábios professores que com certeza o teriam obrigado a pintar uma... bota. Esse quadrinho e as duas paisagens, são as únicas coisas que prenderam a minha atenção; o mais... é melhor eu não falar. Um conselho aos que se dedicam ao estudo das belas artes, com exceção feita do curso de paisagem do sr. Grimm: fujam da Academia, e para bem longe! (Revista Illustrada, n.326, 23 dez.1882, p.3) 522 523 Os modelos acadêmicos de ensino da escola permaneciam e permaneceram, assim como as críticas da Revista continuariam atuais para a exposição dos seus alunos do ano seguinte, de 1883. São exatamente das imagens do ano seguinte que estão estamos tratando, como numa colagem anacrônica, os comen- A tradução ilustrada da arte em revista: dentro e fora dos modelos de atuação da Academia Imperial das Belas Artes e da Revista Illustrada / Rogéria de Ipanema Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 3 - Legenda: “Dirigíamo-nos para à Academia das Belas Figura 4 - Legenda: “Mestre Grimm entendeu e muito bem que a Artes, aim de examinar os trabalhos dos alunos, quando de lá vimos verdadeira escola de paisagem é a natureza e não as paredes da sair várias pessoas com o semblante alterado, lívido, assustador...”. Academia, como julgaram até hoje os professores que lá ensinavam.” Agostini, Angelo, Revista Illustrada, Rio de Janeiro, n.365, 27 dez.1883, Agostini, Angelo. Revista Illustrada, Rio de Janeiro, ano 8, n. 365, 27 dez. p.8. (Hemeroteca Marcello e Cybelle de Ipanema; Imagem, Rogéria de Ipanema). 1883. p. 8. (Hemeroteca Marcello e Cybelle de Ipanema; Imagem de 524 525 Rogéria de Ipanema). A tradução ilustrada da arte em revista: dentro e fora dos modelos de atuação da Academia Imperial das Belas Artes e da Revista Illustrada / Rogéria de Ipanema Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro tários da exposição anterior. Pois, um ano depois, as matérias transcritas e comentadas da exposição de 1882 continuam numa correlação da reportagem visual de 27 de dezembro de 1883, assim, de forma ajustada e reveladora. mestre o sr. J. Grimm... Mas é que o sr. Grimm não faz parte da panelinha e só se entende com os seus alunos que ele leva para ao campo e lá lhes diz: Esta é a verdadeira Academia de Belas Artes. Olhem para esta esplendida natureza e procurem senti-la, impressionem com ela e transmitam sobre a tela essa mesma impressão. É assim que os srs. Vasques e Caron conseguiram fazer nos seis meses, em que aprendem com o sr. Grimm, o que nem em seis anos teriam feito com os outros professores da Academia. (Revista Illustrada, n.326, 23 dez.1882, p.3-7) A primeira parte da matéria registra o repórter-menino “Dirigíamo-nos para à Academia das Belas Artes, aim de, examinar os trabalhos dos alunos quando de lá vimos sair várias pessoas com o semblante alterado, lívido, assustador...” (Revista Illustrada, n.365, 1883, p.8). Nos momentos subsequentes: “Estivemos quase a chamar os bombeiros, supondo haver fogo...”; “Mas não havia fogo e lá entramos.”; “Apenas lançamos um olhar sobre os trabalhos, compreendemos o susto que se apoderou dos outros visitantes.” (Revista Illustrada, n.365, 1883, p.8) (ig. 2). Com a paisagem da Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar vista de Niterói (ig.4.), provavelmente da Praia de Boa Viagem, a Revista reforçaria a arte e os artistas da pintura ao ar livre, do que foi posteriormente denominado o Grupo Grimm. Na verdade não era a primeira vez que Angelo Agostini desenhava as corridas do público visitante para fora das exposições da Academia, por uma motivação de pudor e moralista, parodia uma família a correr dos nus da Sala de Modelos da Exposição Geral de 1879. De fato a crítica é muito rasgada, e deve-se a uma pauta antiga de discussões na ambiência artística da cidade, no mínimo desde janeiro de 1876, protagonizada também fora da Academia, quando 12 anos antes, o litógrafo Angelo Agostini traduziu o debate polarizado, entre a escola realista e a escola idealista, estabelecido entre dois portugueses na corte carioca: o conservador de museus e crítico de arte, Alfredo Camarate, pseudônimo, Julio Huelva, e o guachista e fotógrafo Joaquim Insley Pacheco. E neste duelo, como a revista denominou a discussão na imprensa, fez emergir em um desenho provocativo, com a inclusão forçada de participação da Academia no fórum da imprensa, o que a Revista Illustrada pautava como sendo debates que a Academia não considerasse seus. São tão iguais as avaliações da folha sobre a exposição dos alunos dos anos de 1882 e 1883, que para fechar este paralelo, por nós criado, tanto da continuidade aos conteúdos dos modelos de ensino da Academia como da crítica da Revista, voltamos ao texto da exposição anterior relativo à questão da pintura de paisagem. Um valor que sobressaiu em qualidade, justiicada pela exterioridade do modelo adotado em contrário à Academia, assim: O concurso da aula de paisagem é a maior prova do avanço; a tela dos alunos Domingos Garcia y Vasques e a do seu competidor que o segue de perto, Hipólito Boaventura Caron, são duas paisagens que agradam aos mais exigentes e revelam dois futuros artistas que muito honrarão a nossa Academia, assim como honram, atualmente, o distinto Por im, desejo parabenizar os 200 anos da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Parabéns! 526 527 A tradução ilustrada da arte em revista: dentro e fora dos modelos de atuação da Academia Imperial das Belas Artes e da Revista Illustrada / Rogéria de Ipanema Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: 1 De fato, um recorde para este gênero de imprensa que experimentou vários títulos marcados pela efemeridade de baixíssimos números. 2 Quatro textuais e quatro com imagens que podiam se correlacionar ou não com a redação das matérias. 3 Podendo variar de interregno entre uma edição ou outra. 4 A edição da Revista Illustrada encontrou-se em alguns poucos endereços, o que signiicava uma estabilidade comercial em contraponto aos vários estabelecimentos da cidade que tiveram endereçamentos muito lutuantes. A Revista Illustrada abriu na Rua da Assembleia, 44, na década de 1880 esteve na Rua Gonçalves Dias, 66 e na Rua Gonçalves Dias, 50 – Sobrado. 5 Relatórios Ministeriais sobre a Academia Imperial das Belas Artes - 1882, Anexo, 19 & 20. http://www.dezenovevinte.net/documentos/relatorios_ministeriais/rltr_ mntr_1882anexo.htm (acesso 30 jun. 2016). 6 Revista Illustrada, ano 7, n.311, 12 ago. 1882. 7 A exposição foi realizada nos dias 15, 16 e 17 de dezembro de 1882. 8 A diretoria com um diretor, um vice-diretor e um secretario; a Seção de arquitetura com 3 professores (desenho geométrico, desenho de ornato, arquitetura); a Seção de escultura com 2 professores (escultura de ornato e estatuária); a cadeira de gravura de medalhas e pedras preciosas estava vaga; a seção de pintura contava com 3 professores titulares e dois honorários (Desenho igurado, Paisagem, lores e animais e Pintura histórica) e porim, a Seção de Ciências Acessórias eram ofertadas por três professores (Matemáticas aplicadas, Anatomia e isiologia das paixões, História das artes, Estética e Arqueologia), esta última ministrada por Pedro Américo de Figueiredo e Melo. A de matemáticas aplicadas e a disciplina de Anatomia e Fisiologia das paixões era dada pelo conselheiro dr. Luiz Carlos da Fonseca, médico e senador durante 30 anos (1857-1887). 9 “E para as do Conservatório de Música na aplicação das novas regras pré-escritas nos Estatutos decretados era agosto de 1881, que estabeleceram normas restritivas para a admissão à matricula, e para os exames inais e prêmios anuais.” (Relatório do Ministério do Império, Anexo, 1883). 528 529 Rogéria de Ipanema é Docente do Departamento de História e Teoria da Arte, da Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro. É doutora em História pela Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora da imagem impressa do Brasil dos Oitocentos, tem escrito artigos de periódicos e anais de congresso, como capítulos de livro sobre a produção gráica, a impressão e o poder político, tanto como estuda as coleções de estampas em acervos do Museu Don João VI e a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Atualmente exerce o cargo da Assessoria Especial da Pró-Reitora de Extensão da UFRJ. A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado: as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial 530 531 Bárbara Ferreira Fernandes A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado: as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial / Bárbara Ferreira Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Relação com o senado Após o im da Guerra do Paraguai, na década de 1870, o Senado, bem como todo o governo Imperial, passava por um clima um tanto turbulento, mesmo com o Brasil tendo sido vencedor, observou-se diversas perdas para o país. Além disso, o manifesto republicano fora assinado e as pressões internas e externas em relação ao tema da escravidão só aumentavam. As telas que foram encomendadas por Visconde de Abaeté, reletiam as preocupações dos senadores e de seu presidente com o futuro do Império. Não podemos nos esquecer que arte e política muitas vezes se misturam ao longo dos tempos, conforme airma T. J. Clark , “a arte, em muitos de seus momentos mais altos nos séculos XIX e XX, extraiu da política, sem transformá-la, em sua própria matéria prima. ” (CLARK, 2007 p.105). As encomendas dessas obras podem reletir uma preocupação do próprio Senado com o momento de crise do país e também com a continuidade do Império na igura da Princesa Isabel. Utilizadas como forma de persuasão, legitimação e construção da nação, essas pinturas históricas reletiam o desejo dos Senadores de garantir a continuidade do Império que muitos deles ajudaram a criar e estabelecer. Introdução Na década de 70 do século XIX o Senado Imperial Brasileiro, sob a presidência do Visconde de Abaeté, realizou a encomenda de três obras de arte representando os monarcas brasileiros: Dom Pedro I na Abertura da Assembleia Geral Legislativa em 18262, Fala do Trono e Juramento da Princesa Isabel3. Essas obras apresentam a linha de sucessão do trono (Dom Pedro I, Dom Pedro II e Princesa Isabel) em importantes cerimônias oiciais do Império. O historiador Roger Chartier (CHARTIER, 1990, p.08) airma que as representações são sempre colocadas em um campo de disputas cujos desaios demonstram-se em forma de poder e dominação, além disso, continua o autor, as representações são sempre determinadas pelos grupos que as forjam. Nesse sentido, torna-se necessário reletir acerca dessas encomendas pensando, não somente a partir de quem as fez mas também nos artistas responsáveis por executá-las. Airmo que essas encomendas são parte de um projeto político gestado pelo Estado, principalmente a partir do reinado de Dom Pedro II, de legitimação da monarquia e construção de uma história da Nação através de pinturas e textos históricos. A historiadora Maraliz Christo (CHRISTO, 2009 p. 1153) aponta que os processos de construção das memórias nacionais são complexos e exigem pesquisas constantes das maneiras pelas quais ocorrem em cada situação concreta. Pretendo, portanto, no presente artigo, estudar as três obras citadas acima de forma a relacioná-las com esse projeto, dando enfoque nas escolhas de representações feitas por Victor Meirelles e Pedro Américo e percebendo os possíveis projetos dos artistas. A lógica das encomendas 532 533 As encomendas oiciais eram concretizadas através de cartas ou ofícios enviados à Academia Imperial ou diretamente aos artistas. Era comum encontrar a troca de correspondências entre o pintor e o encomendante discutindo a respeito das obras. Não localizei ainda o contrato de encomenda de todas as telas citadas, no entanto, em relação ao “Juramento da Princesa Isabel” há uma nota de jornal. No “Diário de Notícias” do dia 28 de maio de 1871 está escrito: “Victor Meirelles, foi convidado pelo sr. Visconde de Abaeté para pintar um quadro representando o juramento da princeza imperial, como regente do imperio. ”4 Tratando-se da obra Fala do Trono localizei no arquivo do Senado o contrato da encomenda, transcrevo aqui o documento: A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado: as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial / Bárbara Ferreira Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro que Abaeté tenha pedido a mesma coisa ao Victor Meirelles na ocasião do juramento da Princesa. O quadro de Américo é um pouco maior do que o tamanho estabelecido pelo Visconde sem trazer, no entanto, grandes diferenças. É interessante observar que esse documento deixa espaço para a interpretação dos artistas. Como ressalta Tomas Peres Vejo (VEJO, 1999), os artistas, mesmo trabalhando para o Estado, possuíam certas liberdades que eram expressas nas obras. Dessa maneira, é possível que nestas encomendas oiciais estivessem expressas, não somente o que os encomendantes pensavam, mas também, as ideias e projetos dos pintores. Contracto celebrado por Sua Excellencia o Senhor Visconde de Abaeté, Presidente do Senado, e o Doutor Pedro Américo de Figueirêdo e Melo, pintor historico e professor de Historia, Esthetica e Archeologia da Academia Imperial das Belas Artes. Aos vinte e tres dias do mez de março do ano de nascimento do Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e setenta e dois compareceu no Paço do Senado o Doutor Pedro Américo de Figueirêdo e Melo, e entre elle e o Senhor Visconde de Abaeté, como Presidente do Senado, celebrouse o seguinte contracto: O referido Doutor Pedro Américo de Figueirêdo e Melo obriga-se a fazer um quadro representando o Senhor Dom Pedro segundo, Imperador do Brasil, tal qual deverá comparecer na abertura da sessão da Assembleia Geral legislativa em (espaço em branco) de Abril de mil oitocentos e setenta e dois, com as dimensões de dois metros e oitenta e cinco centimetros de altura e dois metros e dois centimetros de largura, pelo preço de cinco contos de reis, Rs =5:000$000=, que lhe será satisfeito em tres prestações, a saber: A primeira de um conto de reis, logo que for autorizado e dar começo ao trabalho. A segunda de dois contos de reis, quando o trabalho estiver esboçado. A terceira de dois contos de reis, na recepção e entrega do quadro no Senado. E pelo Senhor Visconde de Abaeté foi dito que aceitava, como Presidente do Senado, as condições declaradas pelo doutor Pedro Americo de Figueiredo e Mello, para o im de fazer o retrato de S. M. o Imperador D. P. II., tal qual deverá o Mesmo Augusto Senhor comparecer na Abertura da Sessão da Assembleia Geral Legislativa em (espaço em branco) de março de mil oitocentos e setenta e dois, e obriga-lhe na qualidade de Presidente do Senado, ao pagamento do preço do mesmo retrato nos termos estipulados, auctorizando desde já que lhe dê principio. Do que foi lavrado e subscripto o presente instrumento por mim. 5 Como observado, no contrato há a obrigação de Pedro Américo o comparecimento na cerimônia que ele iria retratar, acredito Maraliz Christo (CHRISTO, 2002) nos traz um estudo interessante e que consegue explicar como se dava, algumas vezes, as negociações em relação às obras encomendadas. O trabalho é centrado nas correspondências de Taunay, diretor do Museu Paulista, e os artistas à quem ele havia encomendado telas para fazer parte do acervo do Museu. Bernardelli e Amoêdo trocam diversas cartas com o diretor a respeito da composição e representação das telas. Segundo a historiadora, se examinarmos somente as correspondências podemos deduzir que o projeto de Taunay tenha se imposto. Porém, Christo airma, que se considerarmos as obras, percebemos que Bernardelli e Amoêdo não seguiram à risca as ideias de Taunay: os artistas tinham um passado e um projeto que diferiam do diretor do Museu. Neste artigo, portanto, a autora demonstra que sim, os artistas também impõem suas próprias interpretações do fato em suas obras encomendadas. O olhar para as imagens 534 535 O historiador da arte, Jorge Coli, aponta a importância de se interrogar as imagens, de olhar para elas sem pré-conceitos deinidos. Ressalta o autor: “Se me dirijo diretamente às telas, de modo honesto e cuidadoso, percebo que elas escapam continuamente àquilo que eu supunha ser a própria natureza delas[...]”(COLLI, 2005 p.11) Dessa forma, me propus à interrogar as imagens encomendadas pelo Senado Imperial, A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado: as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial / Bárbara Ferreira Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Dom Pedro I com Portugal, mesmo ainda depois da Independência. O imperador utiliza, no entanto, em sua veste, uma penugem amarela demonstrando a tentativa de se relacionar com o recém independente império brasileiro. Com o cetro na mão direita e a espada embainhada, Dom Pedro possui, na mão esquerda, uma folha enrolada. Seria a representação da Constituição recém aprovada? Na esquerda da tela, está em destaque o trono dourado com as iniciais do Imperador (PI), e no lado oposto encontra-se a plateia que parece se revelar de uma “cortina”. Plateia essa que contava com importantes nomes, como por exemplo, o presidente do senado no período: Marquês de Santo Amaro. Mesmo com o corpo virado para o espectador, o olhar do Imperador não nos encontra: Américo confere ao proclamador da independência um ar distante, Dom Pedro parece não se conectar com os presentes, talvez seus olhos e pensamentos estivessem cruzando o oceano para o país do qual ele havia acabado de “se desligar”? Ou o Imperador estaria vislumbrando o futuro da nova nação? tendo em mente a importância de colocar as questões adequadas. Sendo as telas em questão, encomendas oiciais, é provável que estas fossem utilizadas para legitimar o “Império”. Mas o que seria o Império para estes artistas? Qual a visão deles a respeito desses governantes? Não pretendo aqui esgotar as possiblidades e estabelecer verdades, procuro levantar questões e respondê-las através do que as imagens me mostram. Victor Meirelles e Pedro Américo são muitas vezes chamados de “pintores oiciais” da monarquia. Na década de 70 ambos foram escolhidos para representarem importantes quadros da história brasileira, principalmente a militar e as que retratam a família Imperial. Segundo Donato Mello Júnior: “gozava a monarquia da euforia da década de 1870 (relativa, sobremaneira, à vitória na Guerra do Paraguai) que incentivava semelhante tipo de gloriicação” (MELLO JÚNIOR, 1983: 35). Algumas vezes, ambos abordaram temas análogos, como por exemplo, o casamento da princesa Isabel, e retratos de Dom Pedro II (IBID: 58). Na tela Fala do Trono (Figura 2), 1872 também de Pedro Américo está representado o Imperador Dom Pedro II realizando a Fala do Trono na abertura da Assembleia Legislativa de 1872. O monarca se apresentava pela primeira vez após se ausentar do país por quase um ano e depois da aprovação da chamada “lei do ventre livre de 1871”. Esse era um importante discurso, visto que essa lei causou grande polêmica principalmente entre os senhores de escravos. A tela Dom Pedro I na Abertura da Assembleia Geral Legislativa em 1826 (Figura 1), realizada em 1872 de Pedro Américo retrata o Imperador Dom Pedro I proferindo a fala do trono na abertura da Assembleia Geral em 1826, ou seja, o início dos trabalhos da Câmara dos Deputados e do Senado Imperial, pela primeira vez após a promulgação da Constituição em 1824. As Falas do Trono ocorriam duas vezes ao ano na sala de sessões do Senado Imperial. No quadro, o Imperador é representado de pé, de corpo inteiro e portando seus trajes reais com suas habituais botas e calças, denotando o ar do “rei explorador/guerreiro”. A coroa, apoiada sobre uma almofada de pano verde à direta da tela, demonstra a manutenção da tradição de representação dos reis portugueses, que não eram coroados. Dessa forma, o pintor faz uma escolha de representação diferente da de Debret, por exemplo, que retrata o Imperador portando a coroa6. Com isso, Américo poderia estar querendo ressaltar a ligação de O pintor representa Dom Pedro II de corpo inteiro, portando trajes majestáticos (só utilizados duas vezes ao ano), que continha, assim como o de seu pai, elementos ligados às características brasileiras: o manto verde e amarelo e uma murça feita de penas de tucano localizada ao redor do pescoço do Imperador. Pedro II leva em sua mão direita o mesmo cetro utilizado por seu pai (que possui o dragão alado na parte superior) e segura, na mão esquerda, a espada. O trono, representado ao lado esquerdo da tela, segundo Ângela Brandão: 536 537 A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado: as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial / Bárbara Ferreira Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro estão escutando sua fala no Senado, seu olhar, seguro e sereno, parece dirigir-se para o futuro da nação, que estava, aos poucos, se vendo livre do elemento escravo. Visto que, no contrato de encomenda, não há nenhuma exigência em relação a quais elementos deveriam estar presentes na tela, pode-se supor que Pedro Américo teve liberdade de escolha no momento de representar o Imperador e quais elementos estariam no quadro. parece recriado pelos olhos do pintor – que consegue dar o sentido monumental, fazer ver o volume escultórico de seus elementos decorativos, seu douramento. Mas é completamente reformulado se comparado ao trono do acervo do Museu Histórico Nacional. Pedro Américo compôs um trono sustentado por peixes e com putti acomodados nos braços. (BRANDÃO, 2010: 12) Há, na tela, uma predominância das cores dourada e vermelha o que denota o poder e importância do monarca. Além disso, Américo representa uma coluna próxima ao Imperador, elemento esse, que, ao comparar-se com outras imagens que representam a sala do Senado, não estava presente. Conclui-se, portanto, que o pintor escolhe inserir a coluna dórica envolvida por tecidos das cores predominantes do quadro e que à conectam ao trono. Esse elemento, muito comum nos clássicos retratos dos reis franceses, serve para, além de ser um símbolo do poder, alongar a silhueta do monarca. Dom Pedro II é retratado em um plano superior, maior e mais bem iluminado do que as demais iguras presentes. Pedro Américo escolhe representar Dom Pedro II coroado, diferindo em relação à Dom Pedro I, é provável que para o pintor, com a igura de Dom Pedro já consolidada, o Brasil estava deinitivamente desligado de Portugal. Essa escolha difere da de Décio Villares7 e de Araújo de Souza Lobo8 que representam o Imperador também em seus trajes majestáticos, no entanto, sem a coroa. É importante relembrar aqui que Dom Pedro II era um dos maiores patronos dos artistas no Império, ele patrocinava viagens, encomendava e comprava telas. Na época, Pedro Américo estava trabalhando em seu famoso quadro Batalha de Campo Grande9, ele estava planejando vender para família imperial ou algum órgão oicial, dessa maneira, parecia ser importante para ele agradar ao Imperador. Ao observar a representação dos monarcas, é evidente que, mesmo os dois tendo sido representados de forma soberana, com símbolos que denotam poder, o pintor destaca de forma mais efusiva Dom Pedro II. Além disso, parece que Américo procura dar um tratamento e acabamento melhor à Fala do Trono que, claramente, possui uma qualidade superior. Pedro Américo realiza a tela de Dom Pedro I 45 anos após a celebração da cerimonia, nesse momento, o pintor já saberia os rumos que a história do país havia tomado após 1826. Dessa maneira, ao valorizar mais o quadro do pai de Isabel, Américo estaria ressaltando a importância de Dom Pedro II para o Brasil, em contraposição à de Dom Pedro I. Dom Pedro II é observado, na tela, por sua esposa, ilha, seu genro Conde d’Eu, alguns senadores e o presidente do Senado Visconde de Abaeté. É interessante observar que Américo representa a princesa Isabel conversando com o Conde d’Eu e não totalmente concentrada em seu pai. A plateia, nesta tela, aparece de forma mais destacada do que na de Dom Pedro I, talvez o pintor queira demonstrar um maior amadurecimento e importância do aparelho político do Império, no caso especíico, o Senado. Dom Pedro II não está com o corpo virado para o espectador do quadro, mas sim, para àqueles que Os retratos realizados por Pedro Américo seguem a lógica de representações de reis europeus que eram retratados, geralmente, em um ambiente fechado, próximo a colunas, com muito dourado nos trajes e nos tronos (também sempre presentes). Os reis eram comumente pintados com as pernas uma na frente da outra e, na maioria das vezes, itando o espectador do quadro, não olhando para o “nada” como nas telas de Américo. Ressalto aqui, por exemplo, os quadros que representam Luis XVI de Antoine-François Callet10 e o que retrata Luis XIV de Hyacinthe Rigaud11, por apresentarem 538 539 A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado: as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial / Bárbara Ferreira Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 1 - Pedro Américo. Dom Pedro I na Abertura da Assembleia Figura 2 - Pedro Américo. Dom Pedro II na Abertura da Assembleia Legislativa em 1826,1872. Oléo s/ tela. 270x178 cm. Museu Nacional de Belas Artes. Foto: Bárbara Fernandes. Geral, 1872. Oléo s/ tela. 288x205 cm. 540 541 nº26/2016 Museu Imperial/Ibram/MinC/ A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado: as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial / Bárbara Ferreira Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro em que está apoiado, Isabel, não passa perto dele. Sabe-se pela descrição da cerimônia que a princesa senta-se em uma cadeira de espaldar que está localizada abaixo do trono, o pintor, no entanto, não representa a cadeira: a princesa ajoelha-se em uma pequena almofada que combina com o tom de seu manto. composição semelhante à utilizada por Pedro Américo. A tela Juramento da Princesa Isabel (Figura 3), feita em 1875, de Victor Meirelles retrata o juramento à Constituição feito por Isabel em 20 de maio de 1871. A cerimônia foi realizada para que a princesa pudesse assumir o trono enquanto seu pai viaja à Europa. É importante ressaltar não haver unanimidade em Isabel assumir o trono na ausência do Imperador, sua regência era questionada; por ser, entre outros fatores, casada com um estrangeiro e mulher. Meirelles poderia estar deixando transparecer essa disputa em torno da princesa ao retrata-la dessa maneira e cercada por esses homens. Além disso, sabe-se da importância de outras iguras presentes, como, por exemplo, o Duque de Caxias, “herói” após a Guerra do Paraguai, e o Visconde do Rio Branco, que leva seu nome na lei do ventre livre assinada posteriormente por Isabel. Estaria Meirelles, dessa forma, reconhecendo a importância do parlamento na nossa monarquia? Ressalto também que o momento retratado é aquele no qual a princesa estaria se submetendo à lei, à Constituição. O poder do monarca não vinha mais do “divino”, mas era legitimado pelo livro Constitucional. Victor Meirelles recebe o pedido da tela no mesmo período em que Pedro Américo, no entanto, apesar de receber a encomenda da obra em 1871, só apresenta o quadro em 1875. No momento da encomenda, Meirelles, provavelmente, estava envolvido na inalização de Batalha Naval do Riachuelo12 e Passagem de Humaitá13 ambas expostas na Exposição Geral de Belas Artes (EGBA) de 1872. O pintor também estava preocupado com os estudos para Batalha dos Guararapes14 tendo passado três meses em Pernambuco em 1874. Apesar de poucos autores citarem, Meirelles foi mestre de pintura da Princesa Isabel, demonstrando sua proximidade com a família imperial. (ARGON, Fátima, 2009:95) No quadro, Isabel é representada ajoelhada, com a mão direita sobre a constituição de capa vermelha. Ela utiliza um vestido de chamalote branco, o tradicional manto verde dos Bragança e uma tiara no alto da cabeça. A tela possui uma visão “expandida” em relação àquela dos retratos do Imperadores, ou seja, é possível ver e reconhecer os importantes nomes do corpo político imperial do período, dessa forma, a pintura convida-nos a percorrer os olhos pelos outros personagens representados no recinto. A regente, apesar de encontrar-se destacada, mais iluminada no centro do quadro e em um plano ligeiramente superior, pode muito bem se perder entre as outras iguras do quadro. Por estar ajoelhada, à primeira vista, a posição da princesa pode ser considerada de fragilidade frente ao sisudo presidente do senado, Visconde de Abaeté. Ao observar a imagem mais de perto, no entanto, nota-se uma troca de olhares incisivos: não sei se de disputa ou cumplicidade. O trono aparece quase que camulado à parede Victor Meirelles faz uma escolha diferente à de Debret ao representar um monarca diante do Senado, na obra Coroação de Dom Pedro I15,; o Imperador, sentado no trono, recebe homenagens do presidente do Senado Lúcio Soares Teixeira de Gouveia, como aponta Elaine Dias: este último, ajoelhado, presta as devidas homenagens ao novo imperador e confere a leitura do juramento. Além do cenário religioso imposto pela arquitetura barroca, a cena tem uma forte conotação religiosa. (DIAS, op. Cit: 16). 542 543 Gostaria de frisar que não acredito que o pintor catarinense estaria apenas querendo enfraquecer a princesa em detrimento do Senado e submete-la à Constituição, Meirelles era iel à monarquia e à família imperial. O historiador Robert Daibert Jr. aponta que a tela “buscava engrandecer o momento e construir a trajetória da princesa rumo ao trono. Esse importante A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado: as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial / Bárbara Ferreira Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Conclusão No quadro de Meirelles, a Princesa é representada de forma, à primeira vista, fragilizada, já Américo, procura exaltar o poder dos imperadores, destacando-os do restante do quadro: ao olhar a tela, o espectador percebe a imponência de Dom Pedro II e Dom Pedro I. Ressalta-se, no entanto, que o pai de Isabel parece ainda mais grandioso que seu próprio pai. As diferenças apresentadas nas telas encomendadas pelo senado: Fala do Trono, Dom Pedro I e Juramento da Princesa Isabel são importante alvo de relexão, devido ao fato de três importantes iguras da monarquia serem representadas de formas diferente em celebrações oiciais do império. A encomenda de três obras de grandes proporções representando a linha de sucessão do Império brasileiro pelo presidente do Senado expõe uma preocupação em relação à legitimação da monarquia. Ao observar de forma atenta e detalhada as imagens, conclui-se não somente uma reairmação dos Imperadores, mas também, do Parlamento brasileiro. Torna-se claro, nas obras, a vontade dos pintores em representar os senadores e deputados presentes nas cerimônias retratadas, com especial destaque para a tela do Juramento da Princesa Isabel. Sabe-se da relação de proximidade de Meirelles e Américo com a família Imperial, nesse sentido, as obras demonstram, de certa forma, essa “lealdade”. Ressalto, no entanto, alguns detalhes nos quais os pintores possam destacar certas opiniões: a fragilidade da princesa frente ao parlamento e à Constituição, e a não coroação e olhar distante de Dom Pedro I. Dessa maneira, torna-se claro que, como aponta Christo, embora os artistas sejam dependentes de encomendas e compras do estado estes encontram oportunidades para expressar suas visões. (CHRISTO, 2009:1148). Figura 3 - Victor Meirelles. Juramento da Princesa Isabel, 1875. Oléo s/ tela. 1,770x2,600m Museu Imperial/Ibram/MinC/nº09/2016. 544 545 A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado: as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial / Bárbara Ferreira Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: momento precisava ser imortalizado” (DAIBERT JR, 2001:50). Isabel ainda não havia assumido o trono de forma deinitiva, por ainda ser regente, a princesa não poderia ser coroada, nem utilizar o trono que pertencia ao seu pai. Ela, portanto, não poderia encarnar o papel do Imperador, no entanto, deveria mostrar-se preparada para assumir o trono futuramente. Nos parece que Victor Meirelles procura resolver essa dicotomia na confecção da tela. A Princesa Isabel é conhecida hoje como “a redentora”, no entanto, em 1871 essa imagem ainda não estava ligada à ela. Conforme aponta Daibert Jr. “A partir da Primeira Regência intensiicam-se as lutas de representações que buscam criar um consenso em torno da imagem da herdeira do trono” (IBIDEM:52). Com o passar dos anos percebe-se que esse consenso vai sendo criado em torno da ideia da redenção, ou seja, a princesa passa a ser cada vez mais relacionada com a abolição – até então gradativa – da escravidão. O ápice dessa associação chega à 1888 quando, enquanto regente do Império pela terceira vez devido à doença de seu pai, Isabel aprova a Lei Àurea abolindo de vez o trabalho escravo no país. Victor Meirelles possui um quadro, que icou somente no estudo, retratando a assinatura da abolição. Lei Áurea16, possui composição semelhante à da pintura do Juramento, a visão da tela está expandida, podendo-se observar os demais presentes na sessão. A forma como Meirelles retrata Isabel, no entanto, difere sobremaneira na tela de 1888. A princesa está de pé, com sua igura mais iluminada, vestida de branco em oposição aos que estão usando preto, a coluna próxima à ela alonga sua silhueta deixando-lhe, de certa forma, maior que os presentes. Isabel não encontra-se fragilizada frente aos homens do recineto, pelo contrário, em 1888, o pintor catarinense retrata o senador próximo à ela curvado, reverenciando a princesa. Isabel ainda era regente, não poderia utilizar a coroa, nem sentar-se ao trono, no entanto, a simbologia de seu poder e sua legitimação vinham através da sua bondade, da sua “redenção”. 1 Mestranda no programa de Pós Graduação em história da Universidade Federal de Juiz de Fora, sob orientação da professora Maraliz de Castro Vieira Christo. 2 Ambas as obras são do pintor Pedro Américo, a primeira, datada de 1872, encontra-se no Museu Nacional de Belas Artes, a segunda, também de 1872, está no Museu Imperial de Petrópolis. 3 De autoria de Victor Meirelles e datada de 1875, a obra está localizada no Museu Imperial de Petrópolis. 4 Diário de Notícias, Rio de Janeiro: 28 de maio de 1871. Anno II, nº 248.p. 01 5 Arquivo do Senado Federal em Brasília (Serviço de Informação ao cidadão) 6 Para mais informações ver: DIAS, Elaine. A representação da realeza no Brasil: uma análise dos retratos de D. João VI e D. Pedro I, de Jean- Baptist Debret. Anais do Museu Paulista. São Paulo.N. Sér. v.14. n.1.p. 243-261. jan.- jun. 2006. 7 Décio Villares. Pedro II em Trajes Majestáticos. s/d. Óleo s/ tela. 8 Antônio Araújo de Souza Lobo. Retrato do Imperador Dom Pedro II. Óleo s/ tela, 240 x 158cm. Museu Nacional de Belas Artes. 9 Pedro Américo. Batalha de Campo Grande, 1871. Óleo s/ tela, 332x530 cm. Museu Imperial de Petrópolis. 10 Antoine-François Callet. Louis XVI, rei da França e Navarro (1754-1793), vestindo seus trajes reais em 1779, 1789. Óleo s/ tela, 196 x 278 cm. 11 Paris. Hyacinthe Rigaud. Retrato de luís XIV, 1700. Óleo s/ tela, Museu do Louvre, 12 Victor Meirelles. Batalha Naval do Riachuelo, 1872. Óleo s/ tela. 13 Victor Meirelles. Batalha dos Guararapes, 1879. Óleo s/ tela, 494,5x923cm. Museu Nacional de Belas Artes. 546 547 14 Victor Meirelles. Passagem de Humaitá, 1868-72. Óleo s/ tela, 268x435 cm. A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado: as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial / Bárbara Ferreira Fernandes Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Museu Nacional de Belas Artes. Referências Bibliográicas: 15 Jean-Baptiste Debret. Coroação de Dom Pedro I, 1828. Óleo s/ tela, 340 × 640 cm. Palácio do Itamaraty. ARGON, Maria de Fátima Moraes. O mestre de pintura da princesa regente. In:___ TURAZZI, Maria Inês (org). Victor Meirelles. Novas Leituras. Florianópolis: São Paulo: Museu Victor Meirelles/IBRAM/Minc, Studio Nobel, 2009 16 Victor Meirelles. Abolição da escravatura, 1888. Óleo s/ tela, 46x55 cm. Iara Venanzi/Itaú Cultural BRANDÃO, A. Tronos do Império, anotações para uma história do mobiliário brasileiro do século XIX. in GUZMAN, F. et allii (orgs.) ARTE AMERICANA E INDEPENDENCIA. Nuevas Iconografías. V Jornadas de Historia del Arte. Santiago de Chile, Universidad Adolfo Ibañez, CREA, Museo Historico Nacional, 2010. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel, 1990, p. 08 CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. A pintura de história no Brasil no século XIX: panorama introdutório. In: Dossiê: Los relatos icónicos de la nación, Arbor, Revista do Consejo Superior de Investigaciones Cientiicas da España, v. 185, n. 740, nov. / dez. 2009. CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Bandeirantes na contramão da História: um estudo iconográico. Projeto História, SÃo Paulo, n. 24, p. 307-335, jun. 2002. CLARK, T.J. Modernismos: ensaios sobre política, história e teoria da arte. São Paulo: Cosac Naify, 2007. COLI, Jorge. Como estudar a arte brasileira no século XIX? São Paulo: Editora SENAC, 2005 DAIBERT JUNIOR, Robert. Isabel, “a redentora de escravos”: um estudo das representações sobre a princesa. Dissertação (mestrado) – UNICAMP: Campinas, 2001. DIAS, Elaine. A representação da realeza no Brasil: uma análise dos retratos de D. João VI e D. Pedro I, de Jean- Baptist Debret. Anais do Museu Paulista. São Paulo.N. Sér. v.14. n.1.p. 243-261. jan.- jun. 2006. Bárbara Ferreira Fernandes é Mestranda no programa de pós graduação em história na UFJF sob orientação da Professora Dra. Maraliz Christo, licenciada em história pela mesma universidade. Tem experiência de três anos com bolsas de iniciação cientíica Cnpq-PIBIC/UFJF. Vencedora do prêmio de melhor Comunicação Discente no XIX Encontro Regional de História - ANPUH MG (2014) e 5º lugar no prêmio José Marques de Melo de estímulo à memória da mídia, 9º Encontro Nacional de História da Mídia – Alcar. Tem experiência na área de História, com ênfase em História da arte e história do Brasil Império. MELLO JÚNIOR, Donato. Pedro Américo de Figueiredo e Melo: 1843-1905. Algumas singularidades da sua vida e de sua obra. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1983. VEJO, Tomas Perez. La pintura de historia e la invencion de las naciones. LOCUS: Revista de História. Juiz de Fora, vol. 5 nº1, 1999, p. 139-159 548 549 Entre a sala de aula e o Salão: a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20 550 551 João Victor Rossetti Brancato Entre a sala de aula e o Salão: a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20 / João Victor Rossetti Brancato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro agrária e escravista (AMARAL, 2011, p.78). Igualmente, nos inais do século XIX, a AIBA sofria duras censuras por seu modelo de ensino, tanto por parte dos artistas quanto dos críticos. O Império caíra, a República se instalara e uma das primeiras medidas do Governo Provisório foi a comissão para uma reforma no ensino artístico oicial, implementada em 1890 pelo projeto Amoêdo-Bernardelli, desembocando na criação da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). O desejo por reformas no sistema de ensino, contudo, não cessaria (DAZZI, 2011, p.8-9). Introdução Diante de todo esse panorama, o papel da crítica de arte não se restringiria a proposições estéticas ou aos comentários nos Salões de Belas Artes. Em jornais e revistas, alguns críticos denunciariam os problemas da Escola e proporiam soluções à mesma. É o caso, por exemplo, das entrevistas de Angyone Costa publicadas n’O Jornal - mais tarde reunidas no volume A inquietação das abelhas (1926) -, em que se nota o recorrente questionamento acerca da posição dos artistas sobre o júri das Exposições ou da necessidade do pensionato no estrangeiro, etc. O advento da República no Brasil aprofundou inúmeros debates fundamentais para a estruturação do novo regime. Vencer as limitações de uma raça medíocre, pensamento comum da época, era um imperativo. Mais que meras decisões do campo político, diversos intelectuais, literatos e polemistas estavam imbuídos de um sentimento fortemente progressista, em busca da almejada Modernidade. Construir um país moderno, nesse sentido, não era apenas uma motivação por um desejo de ser dignamente reconhecido no circuito internacional, mas necessário à própria viabilização do país. Através de uma imprensa cada vez mais presente na sociedade, diferentes assuntos de relevância nacional emergiam à esfera pública. Um campo de disputas, sem dúvida, em que muitas personalidades militavam por seus projetos, ideologias e interesses. A questão da educação republicana se inclui entre estes. Na realidade, ao menos desde o Império o debate acerca de uma educação nacional estava posto. Rui Barbosa fora um dos que mais atuaram na defesa de uma reforma educacional, sobretudo no ensino primário. O ensino artístico também não escapara desse debate. A fundação do Liceu de Artes e Ofícios, promovido por Bethencourt da Silva, em 1856, já apontava para a incapacidade da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) de suprir demandas especíicas, como a formação do operariado nacional e de uma cultura do trabalho, inexistentes em uma sociedade 552 553 Neste trabalho, partimos do crítico Adalberto Mattos para pensar algumas questões postas no ensino artístico, em seus diferentes níveis. Mattos teceu comentários não apenas sobre mudanças que julgava serem necessárias à modernização da ENBA, mas também aquelas relativas às escolas de ensino técnico-artístico, como o Liceu de Artes e Ofícios, e também às aulas de desenho no ensino primário. Suas palavras não estão sozinhas, contudo. Elas envolvem diferentes personalidades do campo político, intelectual e artístico, tornando-se possível compreender quais eram as suas leituras, quais exemplos seus contemporâneos deveriam seguir, a quem se dirigia e quais as possibilidades para o desenlace de algumas questões. Para empreender essa pesquisa, analisaremos, portanto, alguns artigos de sua autoria em diferentes revistas da década de 20, período em que mais atua na imprensa carioca, e as relações estabelecidas com outros autores no mesmo momento. Em alguns momentos, a im de contextualizar o debate a horizontes temporais mais amplos, Entre a sala de aula e o Salão: a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20 / João Victor Rossetti Brancato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro faremos referências a conjunturas distintas. pretativa da beleza, auscultou, com acuidade profunda, o sentido alto da vida, o próprio pensamento das formas. Realizou, então, a imortalidade individual da natureza, que, no meu conceito, é a deinição da própria arte. (RIBEIRO, 1922a) O ensino do artista Em abril de 1922, na primeira página do jornal O Paiz, um título em caixa alta chamava a atenção: O conselho de Renoir. Tratava-se do primeiro de uma série de três artigos escritos pelo crítico de arte Fléxa Ribeiro versando sobre o ensino artístico. Partindo do desgosto dos novos artistas para com o desenho, supondo-o desnecessário à formação, Fléxa observa como alguns deles, portadores de grande sensibilidade, são incapazes de criar o belo pela inabilidade na apreensão das formas a partir da observação. Esse tipo de atitude com o desenho, diz ele, leva a um artista que: Reforçando essa ideia, no terceiro artigo da série, O modelo vivo, Fléxa Ribeiro (1922c) exalta a obra de Jules Grandjouan, considerado por ele o mestre do desenho moderno. Essa alcunha nos ajuda até mesmo a pensar quais os referenciais e expectativas tinha Fléxa em relação aos artistas brasileiros. Destaca ainda, particularmente, os desenhos feitos pelo artista na escola de Darmstadt, de Elizabeth Duncan, “tirados do instantâneo”. Grandjouan fez inúmeros desenhos de Isadora Duncan – célebre norte-americana que revolucionou a dança no início do século XX –, reunidos e publicados em 1912. A suavidade de suas linhas elementares e sinuosas, marcando o corpo e as vestes da dançarina e agradando o olhar mais despretensioso, de fato captura a leveza da dança profundamente espiritual reavivada por Duncan a partir da tradição grega [Imagens 1 e 2]. Grandjouan, parafraseando Fléxa, foi capaz de imortalizar uma fração da natureza, a própria vida humana, na forma de Isadora. só consegue operar um quadro de banal simetria, em que os insultos e ultrajes à natureza, à anatomia, ao simples bom gosto, se agrupam e disseminam, transformando a obra em humorada de diabo coxo. (RIBEIRO, 1922a) Posicionando Fléxa em um antigo debate, certamente ele não se consideraria um poussinista. Aliás, vale lembrar sua paixão por Rubens, que o inspirou, em 1917, a escrever a tese para a cátedra de História da Arte da ENBA (AGUIAR, 2011). Em O conselho de Renoir, o crítico sugere também a superioridade de Delacroix sobre Ingres, já que “penetrou mais profundo no mistério genesíaco do ser”, mas tampouco descarta a importância do desenho na formação do artista. Seu longo estudo disciplina a mão, desvenda os segredos da forma e do modelado. Há, contudo, uma ressalva sobre esse aprendizado, que o insere em uma discussão sobre a modernização da Escola. Copiar estampas e moldes de gesso não eram o bastante. Nem menos produzir academias poderia ser o suiciente. Para uma exímia formação, o desenho deveria ser feito a partir de modelos livres, em movimento. Já na estatuária, foi Rodin o que mais conferiu movimento às esculturas. E se assim o fez, foi por sua própria recusa às poses convencionais dos modelos. Do contrário, deixava-os livres no ateliê, e capturava seus movimentos a partir da observação arguta. A inluência de seu mestre no ensino de desenho, Lecoq de Boisbaudran, é muito clara. Elaine Dias (2007), em estudo sobre a história do modelo-vivo no século XIX, cita trecho de Éducation de la mémoire pittoresque, de 1862, em que o professor de Rodin destaca a importância de se desenhar os modelos em ação no ateliê, guardando na memória as linhas de movimento para colocá-las no papel. Assim, a modernização proposta por Fléxa Ribeiro se insere no debate da escola francesa que, conforme Elaine Dias, não seria implementado, ao menos até o inal do século XIX. Só assim ele [o artista] obterá a expressão individual e única do “caráter”. E poderá dizer que escravizou uma modalidade inter554 555 Voltando ao artigo, Fléxa conclui que existem certas “ideias no Entre a sala de aula e o Salão: a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20 / João Victor Rossetti Brancato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro desenho”, e essas são vocacionais, portanto incapazes de serem ensinadas, mas que nenhum artista jamais tornara-se tal sem antes conhecer a ciência do desenho. Daumier e Degas são casos dessa impressionante habilidade, mas é a Pierre-Auguste Renoir que devem seguir o exemplo. O pintor não era tão talentoso quanto Degas no desenho, airma o crítico, porém mesmo em sua velhice, já paralítico, com o pincel amarrado entre os dedos, fora capaz de criar telas preciosas. A resposta para isso seria dada pelo próprio Renoir em diálogo com um amigo, caso que Fléxa transcreve: revelar com intensidade, ela só, um total de beleza, - sem corpo de mulher, nas suas curvas numerosas e perturbantes, ao passo que contornos, sem digniicação, superfícies mortas, laboriosamente desenhados [sic], com excelências caligráicas, nada exprimem além da cópia inerme e insigniicante; não nos enlevam, não nos comovem. (RIBEIRO, 1922b) Retomando o terceiro artigo, em que algumas conclusões icam mais evidentes, o professor sugere como im do tirocínio escolar a elaboração do croqui. A aproximação com Baudelaire e O pintor da vida moderna, de 1863, torna-se então admirável, relativamente ao que airma sobre o croqui de costumes, representações do presente em que a agilidade do pintor deve ser semelhante à da vida em movimento, fugaz, efêmera. Infere Fléxa: - No seu estado ainda pinta com esse vigor; com essa veracidade; imagine se tivesse as mãos. [...] - Eu não pinto com a mão; pinto com o cérebro. Se me amarrassem o pincel no pé, eu pintaria da mesma forma, concluiu o artista, com leve emoção na voz. (RIBEIRO, 1922a) Aliás, e mais modestamente um croquis se faz dando liberdade aos modelos; ou melhor ainda, contemplando a rua, na sua rica agitação, no inesperado de seu pitoresco. (RIBEIRO, 1922c) Renoir subordina a habilidade manual à apreensão das formas no cérebro. Abraçando esse conselho, os artistas estariam no caminho certo, segundo Fléxa; contudo, para aplicar a lição do pintor deveriam, em todo o caso, estudar as formas em ação. É o que o crítico analisa mais detidamente no segundo artigo, O desenho e o modelo. Sobre o ensino a partir de estampas, diz ser “deplorável”. Os moldes em gesso, suportáveis, uma vez que vê neles algumas qualidades para o ensino de aprendizes, porém prejudiciais a longo prazo. Fléxa airma que no gesso não há surpresas, e o artista assim se torna incapaz, no futuro, de captar as linhas elementares a partir do movimento. O modelovivo, nesse sentido, é um avanço no ensino, contudo as poses são artiiciais, imóveis, e portanto, contrárias à própria dinâmica da vida. É como desenhar um cadáver, que pode ser prolongadamente estudado e corrigido até atingir um estado ideal. Por outro lado: A linha lançada com ímpeto, com fuga e inspiração, pode Ser capaz de “kodakizar a vida”, eis, por im, a síntese daquilo que Fléxa concebia como um moderno ensino de Belas Artes, a exemplo das aulas de desenho do professor japonês Kanawabe Kyosai, também citado, que levava seus alunos ao ar livre para desenhar os animais soltos na natureza. Do contrário, o crítico estabelece um cruel diagnóstico: reside no erro do ensino artístico o atraso e a pobreza da arte brasileira. 556 557 Destacamos aqui algumas produções historiográicas sobre os modelos-vivos no Brasil buscando relacionar às proposições de Fléxa e Mattos. Ivan Coelho de Sá (2009) analisa as academias de artistas e como ocorre um gradual processo de “desacademização” dos estudos de modelos-vivos entre os inais do XIX e início do XX. Dentre as impregnações estilísticas que repercutiriam no Brasil, destaca a impressionista, possível de ser observada em trabalhos de Visconti, Cavalleiro ou do casal Albuquerque. As poses não-clássicas, o interesse nas curvas e Entre a sala de aula e o Salão: a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20 / João Victor Rossetti Brancato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro no movimento das iguras são as aproximações que julgamos possíveis às aspirações dos críticos para a arte brasileira. Contudo, o problema do movimento aqui é solucionado com o modelo posado a partir do fazer pictórico, ou seja, das pinceladas mais livres e marcadas na tela, e não pela apreensão das formas a partir dos modelos em movimento. e verdadeira? Quando por essa estrada chegamos mais rapidamente à meta desejada? (MATTOS, 1922a) O ensino da criança Na edição seguinte de O Malho, Adalberto escreve O ensino de desenho nas escolas primárias. Podemos somente imaginar se fora a discussão levantada por Fléxa o motor para que se debruçasse no assunto, mas seu próprio texto indica que já não era a primeira vez que tratava sobre isso. Também é fundamental observar que Mattos, gravador de medalhas, ex-aluno da ENBA, discípulo de Zeferino da Costa e Girardet, era professor de desenho e gravura no Liceu de Artes e Ofícios à época, e já possuía experiência enquanto docente de outras instituições, como o Instituto La-Fayette e a Escola Remington (LEVY,2003). Portanto, o assunto do qual trata não parte simplesmente do lugar da crítica de arte ou do artista, mas simultaneamente daquele que está dentro da sala de aula, e compreende as diiculdades e implicações dos programas de ensino, da infraestrutura escolar, da formação dos alunos e dos próprios professores. A importância conferida ao movimento nos estudos de academias durante a Primeira República é também objeto de exame de Arthur Valle (2007). Segundo o autor, nos escritos de Cavalleiro e Zeferino da Costa existe uma atenção à caracterização das linhas gerais de movimentação das iguras que caminha no sentido de dar naturalidade às poses dos modelos. A problemática do movimento nas teses novamente entra em choque com a questão enunciada por Fléxa, já que se constituem apenas como um primeiro passo à realização das academias, a qual sucederiam os contornos lineares, os modelados, etc., enquanto o crítico parece depreciar os passos seguintes, conferindo certa autonomia às linhas. Adalberto Mattos lera a coluna de Fléxa Ribeiro n’O Paiz e comentara-a dias depois na revista O Malho. Seu tom é de ampla concordância e felicidade para com as palavras do professor, sugerindo ainda que fosse “estudado, lido, relido, e decorado” por professores e alunos da ENBA. Mattos enfatiza o prolongado tempo que o estudante permanece a copiar os gessos, e quando inalmente avança aos modelos vivos, eles são “estropiados de forma e proporção, sem cor, verdadeiros autômatos, sem a menor expressão de vida ou sentimento”. O ensino precário torna-se assim responsável pela falta de criatividade e fantasia dos artistas, fundamentais para o desenvolvimento da arte, contrapondo em seguida a tradição do ensino à modernidade de uma nova experiência: O que importam, porém os séculos, quando a experiência nos aponta uma estrada mais verossímil, mais racional Nesse artigo, o tom era diverso daquele em resposta à Fléxa. Adalberto dirige-se às autoridades administrativas, que segundo ele, entregam importantes responsabilidades às mãos de leigos. Sobre o ensino qualquer um opina e pratica, sem conhecimento e formação. Expondo o programa de desenho das escolas primárias do Distrito Federal, critica-o ferrenhamente: Não é preciso ser pedagogo ou proissional para compreender e veriicar a quantidade de incoerências e absurdos que depois de cento e seis anos de ensino artístico oicial, as administrações municipais não tenham a exata compreensão das coisas de arte e do verdadeiro critério para o ensino do desenho. (MATTOS, 1922b) 558 559 O ensino de desenho às crianças do 1º ao 5º ano exigia dos alunos, basicamente, que através da cópia, do ditado e da composição por memória realizassem desde desenhos de sinais óticos de Entre a sala de aula e o Salão: a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20 / João Victor Rossetti Brancato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro trânsito (1º ano) a temáticas da história do Brasil e da literatura (5º ano). Segundo Adalberto Mattos, um programa tão exigente, que chega a cobrar de uma criança de 12 anos um desenho retratando o folclore brasileiro, algo que apenas um aluno do 3º ano da Escola Nacional de Belas Artes poderia fazer, não apenas depõe contra a cultura pedagógica, como se torna um engodo aos próprios professores municipais, cientes de que isso é impossível. O problema resvala ainda na própria formação destes, na Escola Normal, que apesar de terem docentes brilhantes (alguns oriundos da ENBA), não dispõem de carga horária de formação adequada para posteriormente ministrarem aulas de desenho às crianças. Um problema estrutural que afeta diferentes níveis de ensino e por isso multiplica a má formação das crianças, fruto do descaso do poder público para com as questões ligadas à arte no Brasil. nas salas de aula. Acreditamos que Mattos se reira a Francisco Ferreira da Rosa (1864-1952), escritor e docente de inúmeras instituições ao longo de sua trajetória, dentre elas o Colégio Militar do Rio de Janeiro e a Escola Normal (ARQUIVO, 2015). Em tal trabalho, o pedagogo faria referência às inúmeras contribuições do desenho à formação dos indivíduos. Suas razões são, sobretudo, por uma elevação mental e espiritual capaz de despertar sentimentos estéticos positivos à vida cotidiana, mas também à vida proissional, enquanto “pedra angular” de todas as proissões, masculinas e femininas, em uma educação chamada moderna. Nesse sentido, começamos a perceber uma das questões de crucial importância à vida do homem moderno no Brasil, prenunciadas no século XIX pelo crítico Felix Ferreira, além de Rui Barbosa, o qual abordaremos a seguir, também objeto de atenção de Dazzi (2011). A importância do ensino de desenho para formação do brasileiro é alvo de atenção própria em um artigo de Mattos no mês seguinte na mesma revista, tomando como justiicativa a aproximação dos eventos para o Centenário e a correria das escolas no preparo de suas contribuições às comemorações. O professor denuncia o que vai acontecer, a exemplo de exposições anteriores, e reforça a culpa dos responsáveis: No discurso O desenho e a arte industrial, de 1882, no Liceu de Artes e Ofícios, Rui Barbosa elogiava a nobre função da instituição, que buscava favorecer o desenvolvimento da indústria nacional. Na ocasião, relacionava-a ao fortalecimento do ensino de desenho nas escolas primárias: O dia em que o desenho e a modelação começarem a fazer parte obrigatória do plano de estudos na vida do ensino nacional datará o começo da história da indústria e da arte no Brasil. [...] Semear o desenho imperativamente nas escolas primárias, abrir-lhe escolas especiais, fundar para os operários aulas noturnas desse gênero, assegurar-lhe vasto espaço no programa das escolas normais [...] – eis o roteiro dessa conquista, a que estão ligados os destinos da pátria. Não é uma aspiração do futuro; é uma exigência da atualidade mais atual, mais perfeitamente realizável, mais urgentemente instante. Só o não compreenderão os incapazes de perceber a importância suprema da educação popular. (BARBOSA, p.16) É comum ver-se objetos comprados, conservando muitas vezes as etiquetas com preços e indicações das lojas de arrabaldes. Quando não são comprados, são confeccionados pelos professores habilidosos, tendo dos alunos unicamente o nome! Tudo isso se dá pela falta de critério, ignorância do desenho e incompetência dos organizadores de programas escolares, e pela desídia de politicagem dos que, pelas circunstâncias de momento, se encontram à frente das administrações. (MATTOS, 1922c) Conforme o autor, dentre os muitos que falam sobre o ensino primário, a maioria inadvertidamente, emerge o pedagogo Ferreira da Rosa, que publicara um trabalho sobre o desenho 560 561 À enunciada urgência, clamada por Barbosa, segue o exemplo inglês na Exposição de Londres de 1851, quando, a despeito Entre a sala de aula e o Salão: a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20 / João Victor Rossetti Brancato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro de elevar o Brasil a um status de Nação moderna. As considerações de Theodoro Braga sobre o assunto serão, assim, de igual importância a ele. da participação francesa, incontestavelmente superior pelo reinamento artístico de seus produtos, “o colosso recebeu a mais severa das humilhações. A deformidade do ciclope foi desbaratada por uma onipotência impalpável: a do ideal, transmitido à matéria pela mão hábil do artista” (BARBOSA, p.4) A solução encontrada pela Inglaterra foi posta em prática rapidamente, investindo massivamente no ensino de desenho e encontrando resultados já na Exposição de 1862, conforme airma em seguida Barbosa. O Brasil, como ica subentendido, deveria seguir o exemplo inglês. O ensino do operário Na revista Illustração Brasileira de setembro de 1922, Theodoro Braga tomava uma página para um assunto recorrente no campo artístico: a nacionalização da arte brasileira. Sua tônica, todavia, era diferente dos outros críticos. A grande Arte Nacional – aquela dos Salões – já se encontraria no caminho correto, “entregue à Mocidade Brasileira”. Restava a nacionalização das Artes Aplicadas. Adalberto Mattos, por sua vez, não apenas conhecia o discurso de Rui Barbosa como o transcrevera parcialmente em texto de sua autoria de 1925, publicado na revista A Educação. No artigo, enaltecia o esforço do intelectual e frisava a ineiciência das inúmeras reformas postas a cabo desde então. Sempre propositivo, criticava novamente o programa de desenho nas escolas primárias e citava pensadores que deveriam orientar as novas diretrizes do ensino na área, como os argentinos Victor Mercante e Martín Malharro. No inal da década de 20, em artigo dedicado a Vicente Licínio Cardoso, então ocupando o cargo de subdiretor técnico da Diretoria de Instrução Pública do Distrito Federal, Mattos relacionava a Exposição Londrina de 1851 a escritos de franceses sobre as artes industriais, como Charles Dupin, Ferdinand de Lasteyrie e Charles Laboulaye (MATTOS, 1928). Nosso crítico e professor, conforme procurou-se demonstrar até aqui, tinha conhecimento de autores que tratavam da importância do ensino de desenho, tecendo fortes críticas aos currículos escolares primários e propondo modiicações a partir de novos referenciais teóricos, modernos. Uma boa educação escolar infantil, calcada em “corretos métodos” de aprendizado do desenho era crucial para a sua aplicabilidade posterior no mundo do trabalho. Um mundo que se apresentava como urbano, que se queria industrial, mas que ainda permanecia predominantemente rural. Adalberto tinha em mente o mesmo que Rui Barbosa no século anterior: a reforma do ensino a im A chave da nacionalização na arte em Theodoro Braga retoma uma das questões caras a Rui Barbosa: o ensino artístico nas escolas técnicas. E não era a primeira vez que escrevia sobre isso. No inal do ano anterior, o artista discorrera sobre a aplicação de elementos ornamentais brasileiros na arte decorativa (BRAGA,1921). Aliás, Braga despendeu consideráveis esforços no assunto, fato este perceptível tanto nas obras expostas nos Salões anuais quanto em seus manuscritos, estudados por Patrícia Godoy (2012). A Primeira Guerra permeia o parágrafo inicial do texto. Passadas as batalhas que moveram o mundo na “retrógrada Europa civilizada”, Braga propõe o aproveitamento do “delírio patriótico” desperto nos brasileiros em um novo campo de ação – a arte. E para nacionalizá-la é necessário que isso se inicie pelo operariado, nas escolas de ensino artístico-técnico. Eis o ponto central do autor, a proissionalização do operário, incentivando o domínio técnico e a capacidade criativa, como destaca um pouco à frente: Já é tempo de cuidar-se do operário nacional; educá-lo a im de que um dia a sua inteligência esteja dentro de sua obra e que esta represente alguma coisa de sua pátria; que ele execute o que o seu espírito inventou e que a habilidade de 562 563 Entre a sala de aula e o Salão: a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20 / João Victor Rossetti Brancato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Imaginamos que o crítico, ao comentar sobre o estrangeirismo, referia-se à mesma questão posta por Theodoro Braga na Illustração Brasileira do ano anterior. Trata-se do uso dos catálogos estrangeiros, “cabotinos e sem valor”. Em seu lugar, Mattos recorreria aos álbuns do artista paraense. Theodoro ainda voltaria à cena nas colunas de Adalberto Mattos algumas vezes. Em uma delas, Ex-libris de Theodoro Braga, publicada em agosto na seção Bellas Artes de O Malho, o crítico izera menção a um nome no mínimo interessante: suas mãos responda à delicadeza desse espírito criador. O Instituto será uma escola de vida intensa de luta, de trabalho e de preocupação espiritual, única forja onde se temperam a alma, o cérebro e o corpo. (BRAGA,1922) Theodoro Braga critica em seguida os moldes atuais em que se ensinam os operários nas oicinas. Com pouca instrução, por vezes sem saber ao menos ler ou pensar diferente, repetem os modelos já consagrados, escravos dos catálogos estrangeiros, atroiadores do cérebro, não tendo, consequentemente, o mínimo valor artístico. A saída está na estilização de motivos nacionais: Monteiro Lobato encontrou em Theodoro Braga o iel tradutor do seu pensamento rebelado de brasileiro: “Coe-se a arte colonial através de um temperamento profundamente esteta, ilho da terra, produto do ambiente, alma aberta à compreensão amorosa da nossa Natureza...” Theodoro Braga assim fez; criou sem copiar o acanto, sem decalcar as volutas caprichosas do Jônico nem os trevos do gótico. Bebeu a inspiração nos motivos brasileiros, na folhagem poliforme, na linha caprichosa dos frutos e na “silhouette” graciosa das aves. (MATTOS, 1923b) [...] já era tempo de tê-la nossa, muito nossa, a arte brasílica, inspirada na nossa lora esplendidamente bela e luxuriante e na nossa fauna exótica e desconhecida, típica e extravagante, sem precisar ir buscar, no ininito campo das combinações geométricas, novidades inesgotáveis e originais. (BRAGA, 1922) No Salão de Belas Artes de 1922, o artista expôs dois álbuns sobre a fauna e a lora brasileiras aplicadas à decoração na Seção de Artes Aplicadas, praticando aquilo que considerava fundamental em seus textos. Nesse ano é também premiado com a pequena medalha de ouro. A repercussão de suas obras é notada pela crítica da época. Adalberto Mattos, comentando a Exposição de 22, cita Braga e a relevância de sua empreitada: A maior parte do seu tempo foi dedicada ao estudo de estilização da nossa lora, conseguindo realizar uma obra notável e patriótica, merecedora do apoio do governo, que deve ser publicada para divulgação do que é possível fazer unicamente com elementos nossos. [...] Theodoro Braga é o elemento que as nossas escolas proissionais precisam para caminhar sem recorrer ao estrangeiro na maior das vezes cabotino e sem valor... Toda a coleção apresentada pelo artista é de um valor indiscutível sob todos os pontos de vista artísticos e didáticos. (MATTOS, 1923a) Na análise de Adalberto Mattos sobre o artista, a partir da produção de Lobato, Theodoro Braga teria sido capaz de resistir ao estrangeirismo, criando novos horizontes para uma arte brasileira. Compreendeu e interpretou a sua natureza e seu povo, dedicando-se tanto à fauna e lora típicas quanto à arte indígena. O paralelo com a importância que Lobato dedicara a Almeida Júnior é incontestável; o pintor ituano fora aquele que compreendera e interpretara o interior de São Paulo, representando o caipira. Braga, o pintor paraense, voltara-se à própria terra na busca da síntese de motivos ornamentais nacionais. 564 565 Ao longo de toda a década de 20 e além, Theodoro Braga investiria na questão do ornamento nas artes brasileiras. Patrícia Godoy traça inúmeras publicações ao longo da década de 20 e 30 que dialogam com a obra de Braga em Carlos Hadler: apóstolo de uma arte nacionalista, demonstrando como o assunto era Entre a sala de aula e o Salão: a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20 / João Victor Rossetti Brancato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro de fato intenso e fora absorvido por outros artistas. Plínio Cavalcanti, Flávio Brandt, Fléxa Ribeiro, Edgar Roquete-Pinto e Frederico Carlos Hoehne são alguns dos citados por Godoy (2004, p.22-27) que se enquadram nesse debate. A historiadora também destaca a importância da crítica de Mário de Andrade sobre as exposições da escola proissional de Carlos Hadler, professor que aplicara os métodos de Theodoro Braga em Rio Claro. Em publicação no Diário Nacional de 1928, Mário louva as obras em exposição dos alunos de Hadler e aprofunda as possibilidades de motivos nacionais a serem estilizados a im de uma arte nacional. Para o crítico, seria necessário não apenas expandir os motivos, mas também incluir os escassos processos nacionais, como as rendas do nordeste. Concluindo, Mário airma: poderoso das Academias de Belas Artes, e ter como desfecho Mário de Andrade, o grande expoente do Modernismo vitorioso, pode parecer contraditório. Aproximar o moderno crítico da Semana de 22 àqueles que entrariam para a História como os passadistas, antimodernos, poderia ser considerado um ultraje. Contudo, a mera possibilidade de enxergar horizontes comuns entre ambos os grupos nos faz questionar até que ponto são tão divergentes – ou ao menos em quais pontos são convergentes. Existe algo mais nas entrelinhas de todas as discussões apresentadas até aqui. Mais do que o lugar do desenho nas escolas primárias, o ponto nevrálgico é a função da educação escolar em uma sociedade em urbanização. Muito além de motivos decorativos nacionais, discute-se especialização de mão-de-obra, encorajamento do desenvolvimento fabril, formação de consciência nacional. Como ignorar então todo o potencial do debate que se trava nos derradeiros anos do século XIX e se perpetua vigorosamente nas décadas seguintes envolvendo políticos, artistas, críticos, em questões extremamente contemporâneas à própria noção de Modernidade? Se nos casos estudados elas não são tratadas explicitamente é porque permeiam um corpus mais amplo de relexões acerca do desenvolvimento de um Brasil moderno. Ou, em síntese, nas palavras de Annateresa Fabris (1994, p.18), “a questão moderna é um dado fundamental na produção cultural dos primeiros anos do nosso século e não uma súbita descoberta do grupo de São Paulo por volta da década de 1920”. Ora, duma concordância do motivo nacional com os elementos tradicionais brasileiros ou indígenas de decoração pode com rapidez se formar uma arte decorativa que se não for inconscientemente nacional (coisa que leva séculos) é necessariamente nacional. (ANDRADE, 1928) Ainal, não havia grandes divergências entre as formulações de Theodoro Braga, aplicadas por Carlos Hadler, e as aspirações de Mário de Andrade, opinião que Godoy parece concordar (2004, p.27-30) O modernista paulista propunha ao diretor da escola de Rio Claro a ampliação dos motivos possíveis, mas tinha um olhar profundamente positivo ao legado de Braga. Por analogia, os críticos Adalberto Mattos e Mário de Andrade também não parecem ter julgamentos tão díspares acerca da importância da estilização de motivos nacionais aos ornatos. Essas considerações podem ser entendidas no mesmo sentido das semelhanças apontadas por Chiarelli (2007) entre o crítico modernista e Monteiro Lobato. Por im, vale ressaltar a atuação de sujeitos como Adalberto Mattos. Inseridos no campo artístico, delinearam seus interesses no espaço público, representado sobretudo pela imprensa, aprofundando debates essenciais à vida moderna. Admitir esse gênero de discursos no interior da História da Arte é enriquecê-la com novas possibilidades de análise e expandir a compreensão das relações estabelecidas pelo campo artístico com outros espaços. Conclusão Principiar com algumas relexões de época que exaltavam a importância do desenho, talvez o elemento mais simbólico e 566 567 Entre a sala de aula e o Salão: a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20 / João Victor Rossetti Brancato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas: ANDRADE, Mário de. Arte Indayá. Diário Nacional. 15 jan 1928, p.2. BARBOSA, Rui. O desenho e a arte industrial. Fundação Casa de Rui Barbosa, p.16. Acesso em: 27/07/2016. 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Disponível < http://www.rio.rj.gov.br/ dlstatic/10112/4203403/4136028/GuiadefundosFerreiradaRosaP.pdf> 568 569 Entre a sala de aula e o Salão: a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20 / João Victor Rossetti Brancato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro CHIARELLI, Tadeu. Pintura não é só beleza: a crítica de arte de Mário de Andrade. São Paulo: Letras Contemporâneas, 2007. DAZZI, Camila. “Pôr em prática a reforma da antiga Academia”: a concepção e a implementação da reforma que instituiu a Escola Nacional de Belas Artes em 1890. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. Tese. DIAS, Elaine. Um breve percurso pela história do Modelo Vivo no Século XIX Princípios do método, a importância de Viollet Le Duc e o uso da fotograia. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 4, out 2007. FABRIS, Annateresa. (Org.). Modernidade e modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 1994. GODOY, Patrícia Bueno. 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No jornal “A Época”, apenas duas pinturas das EGBA foram reproduzidas: Esquecimento de Maria Pardos e Paisagem do Binqhen (Petrópolis) de Baptista da Costa, evidenciando sua boa recepção. D. Maria Pardos expõe diversos quadros bem interessantes, especialmente ‘Esquecimento’, que reputamos o primeiro nu do ‘Salon’. A igura está desenhada com muita arte, pintada com muito vigor e admiravelmente modelada. De uma tonalidade muito justa e feliz, dá-nos a impressão de um trabalho de alto valor artístico. A pintura também foi exposta na Galeria Jorge, no ano seguinte, em 1916, juntamente com outra discípula de Rodolfo Amoedo, Regina Veiga. Diversos periódicos noticiaram o evento. A “Revista da Semana”, por exemplo, divulgou duas páginas sobre a exposição, intituladas “Mulheres Artistas”. Na página destinada à Maria Pardos, evidencia-se Esquecimento (ig. 1) ao lado da fotograia em close do rosto da artista5. Chiquinho é igualmente um quadro apreciável, evidenciando as mesmas qualidades de desenho e irmeza do Esquecimento. Luizinha tem uma bela cabeça, de uma frescura de colorido muito agradável, mas não deixa bem compreensível a forma do ombro direito, que nos parece defeituoso. (MARCONDES, 1915)1 Exposição e circulação É necessário um pequeno retorno acerca da trajetória de Maria Pardos. A pintora começou a expor no salon em 1913, apresentada nos catálogos como aluna de Rodolfo Amoedo. Teve um início promissor, fora notada em sua primeira participação. No seu primeiro ano, recebeu menção honrosa de 1º grau; em 1914, conquistou a medalha de bronze pela pintura Sem Pão, e, em 1915, ganhou seu maior prêmio2, a pequena medalha de prata. Podemos considerar 1915 o auge da sua breve carreira. Maria Pardos3 (Zaragoza4, Espanha, c. 1866Rio de Janeiro, Brasil, 1928) expôs Esquecimento (ig. 1) nas Exposições Gerais de Belas Artes (EGBA), de 1915, juntamente com três obras: Chiquinho, Luizinha e Jardim abandonado. 574 575 Localizamos outra reprodução da pintura na revista “Careta”, do dia 29 de outubro de 1916, também por ocasião da exposição da Galeria Jorge. Abaixo da imagem, a seguinte descrição: “D. Maria Pardos – quadro premiado com a pequena medalha de prata no Salão de 1915.” O texto da página não tem ligação alguma com as reproduções das obras de Regina Veiga e de Maria Pardos. Mas a frase colocada abaixo da pintura Esquecimento (ig. 1) faz pensar em algo maior. Abre-se neste ponto uma questão mais ampla do que o estudo particular de uma obra e de uma artista. Consideremos o fato de Maria Pardos não ter sido aluna da ENBA (Escola Nacional de Belas Artes) e que a Galeria Jorge funcionava como espaço extraoicial de apresentação de produção artística, voltado para atender os colecionadores interessados em adquirir bons trabalhos. São dois assuntos articulados entre si, que merecem uma investigação mais atenta para entender tal cenário e as mudanças em curso. Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon” / Valéria Mendes Fasolato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A obra como imagem O primeiro se liga à formação de artistas, seja de homens ou de mulheres, fora da academia. Como se dava a formação dos artistas a ponto de alunos, que não eram matriculados na ENBA, conseguirem chegar a expor em espaço de atuação oicial, nas EGBA? Maria Pardos, para usar o termo do catálogo, “discípula” de Rodolfo Amoedo, participou das EGBA assim como Regina Veiga, a outra “discípula” do mestre. Regina começou seus estudos no Brasil e com apenas 16 anos, expôs nas EGBA sem ser aluna da ENBA. Interessante comparar a trajetória dessas artistas. Regina Veiga viajou para a Europa, estudou na Academia Julian em Paris, e, em Munique, onde teve por mestre Heilmann (RUBENS, 1941, p. 239). Viajou com recursos próprios, ou seja, não contou com prêmio de viagem. Mediante esses casos particulares, vale salientar a importância de se investigar o grupo de artistas que se prepararam de formas diversas, como elas, fora da instituição oicial de formação de artistas brasileiros. Outros professores também atuavam em ateliês particulares, e outros alunos também não frequentaram a ENBA e participaram da EGBA. Após abarcar a circulação da obra em ocasião da concepção e exposição, evidencia-se a importância desta pintura para a trajetória de Maria Pardos enquanto artista. A tela logrou o maior prêmio da sua carreira, foi comentada e teve imagens divulgadas nos periódicos da época e em uma publicação de livro. Mas Esquecimento (ig. 1) como imagem, o que pode nos dizer? Uma mulher branca, de cabelos castanhos, deitada sob uma superfície estampada, sobre a qual não sabemos ao certo se é um tapete ou uma colcha, devido ao recorte do enquadramento. A pose sanfonada da modelo a espreme na tela, transformando-a em uma gigante. O tronco está elevado por uma almofada igualmente estampada, braços erguidos, e pernas lexionadas e dobradas. Há um jarro no lado direto, ao fundo, ocupando toda a altura da tela. A mulher, o vaso e as estampas lembram a pintura orientalista (CHRISTO, 2012, p. 182). Um tecido dourado, brocado sobrepõe um lençol branco que é notado apenas com a borda aparente em contato com seu corpo, deixando à mostra apenas sua mama direita, braços, cabeça e pés. O busto é bem trabalhado e seus pés têm uma aparência suja. O segundo assunto está ligado aos ambientes extraoiciais, como o citado neste caso particular: o da Galeria Jorge. Tarasantchi (2008, p. 56) fala sobre a importância do espaço por ser o “único local onde o colecionador podia abastecer-se de obras de arte, tanto estrangeiras como nacionais, sem ter de esperar as individuais”. Para além da função de abastecer o comércio de arte, abre-se a questão de interdependência entre espaços, do oicial e do extraoicial. Voltando ao caso particular de Maria Pardos, por exemplo, era importante para a Galeria Jorge dizer que a artista e a obra exposta em suas paredes haviam passado pelas EGBA e pelo julgamento oicial, necessitando divulgar o prêmio recebido: com Esquecimento (ig. 1) aconteceu assim. Entendendo que essas questões faziam parte engrenagem do mercado de arte, não é pretensão, deste estudo, resolvê-las; contudo, pontuá-las tornou-se necessário. 576 577 Essa pintura é considerada um seminu; das obras que conhecemos da artista é, sem dúvida, a mais sensual, apresentando um olhar, quase hipnótico de cansaço e cabelos desgrenhados. A modelo está paralisada, sem a pretensão de alguma ação, quase dormindo ou acordando. Seu braço direito levantado deixa aparente uma mancha escura, representando possíveis pelos nas axilas, também determinantes de sensualismo. A mulher não é foco de voyeurismo: o contrário acontece, a personagem ita o observador. O olhar é calmo, a mulher parece entorpecida como quem acaba de acordar ou cansada pela energia despendida por alguma atividade que não nos é dada a conhecer. O título Esquecimento (ig. 1) pode gerar diversas interpretações, a gosto do observador. Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon” / Valéria Mendes Fasolato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 1: Pardos, Maria. Esquecimento, c. 1915, óleo sobre tela, 76 x 105 cm, Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora – M.G. Figura 2: Pardos, Maria. Zuleika, 1918, óleo sobre tela, 100 x 155 cm, 578 579 Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora – MG. Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon” / Valéria Mendes Fasolato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro do Esquecimento (ig. 1) que, apesar do olhar entorpecido, encara o espectador. Orientalizar ou tematizar uma academia eram estratégias para legitimar um nu, mas não necessariamente para o voyerismo. Maria Pardos, em Esquecimento (ig. 1) e em Zuleika (ig. 2), ao representar modelos encarando o observador, impregna as telas da intenção de intimidade com o espectador. A almofada, o tapete e o grande jarro aparecem como álibis para determinar que aquele não seja o espaço/tempo da pintora, ligação direta com o orientalismo, assim como em outra pintura sua, Zuleika (ig. 2). Maria Pardos não funda nada novo, é possível encontrar referências orientais em nus nas pinturas de artistas nacionais e internacionais. Um bom exemplo é o Estudo de mulher6 (ig. 3) de seu mestre Rodolfo Amoedo, exposto em 1884, há três décadas. Segue um trecho, de Gonzaga Duque, em que descreve a academia: “A mulher, nua, sobre um divã de seda escura, é vista de costas; tem um dos braços caído para o chão, indolente, preguiçoso, segurando uma ventarola chinesa.”7 Interessa para esta análise as semelhanças de representações: ambas estão deitadas no interior e possuem vários elementos orientais para situarem as modelos para fora daquele tempo e lugar. Todo o ambiente é pensado para a leitura do oriental, as estampas, os tecidos, a ventarola, no caso de Rodolfo Amoedo, e o jarro, no caso de Maria Pardos. Ao compararmos com outras pinturas tematizadas, encontramos Danae (ig. 4), pintada por uma mulher importante para a história da arte, Artemísia Gentileschi. O mito de Danae consiste em que a ilha do rei de Argos é fecundada por Zeus, na forma de uma cascata de ouro. Diversos artistas representaram este tema desde a época clássica. Os tons avermelhados são constantes na iconograia da princesa, como em Ticiano, Fantin-Latour, Carolus-Duran, Comerre e Klimt. Danae (ig. 4) de Artemisia está com um dos braços erguidos e as pernas estão articuladas e cruzadas como as da modelo de Esquecimento (ig. 1), de Maria Pardos. Quatro séculos separam as representações, mas é inevitável o diálogo entre as mesmas. A Danae (ig. 4) de Artemisia aparece com uma tensão corporal. Enquanto o braço esquerdo erguido em direção a cabeça apresenta uma sensualidade, o direito está abaixado com os punhos cerrados, os membros inferiores se cruzam, em uma recusa diante da possível fecundação por parte de Zeus, quase um estupro. Prazer e repúdio se misturam. Outro exemplo da pose de pernas articuladas e cruzadas é a Pietà de Delacroix. Apesar do antagonismo apresentando uma história de dor da mãe e do ilho, a pose sanfonada dialoga com Esquecimento. Outra mulher adormecida é Baigneuse endormie près d’une source, de 1850, de Chassériau, um artista francês. Apresenta uma mulher adormecida perto de uma fonte sobre a relva verde, uma banhista dormindo inserida na paisagem. Os braços erguidos e cruzados sob sua cabeça fazem a vez de um travesseiro. “As nádegas são protegidas por um drapeado, da roupa que escondia a exuberância do corpo nu. A sexualidade alora de modo particular: a pele brilhosa é como que suada e polida e os braços levantados deixam aparente os pelos nas axilas.” (COSTA JR, 2014). Enquanto que a Ozy de Chassériau dorme, o olhar da mulher de Esquecimento (ig. 1) é terno, calmo e entorpecido. Interessante notar a representação dos pelos nas axilas, semelhante à pintura de Maria Pardos, ressalta-se a sensualidade incutida. Le femme a la vague e Femme allongé nu sur le lit de Courbet, também com braços erguidos, representações com grande carga de sensualidade. As modelos aparecem com pelos nas axilas, totalmente expostas ao voyeurismo. Nesse ponto difere 580 581 Voltando à trajetória da artista, considerando seu período de formação, é importante lembrar que se trata de uma discípula de Rodolfo Amoedo. O professor atendia os alunos particulares, não matriculados na ENBA, em seu próprio atelier. A evidência do fato é a nota dada em 1911: “No ‘atelier’, onde tudo inspira franca simpatia, o visitante é idalgamente acolhido, e sem que apareça o momento da cerimonia, alunos, em número elevado, trocam ideias com o professor dedicado.”8 Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon” / Valéria Mendes Fasolato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A entrevista a Amoedo fez parte de uma sequência apresentada pelo periódico “A Imprensa”, que se ocupou de entrevistar vários artistas em seu ambiente de trabalho. A coluna intitulada “Em visita a arte” trouxe informações relevantes para entender o processo de ensino do mestre. Por meio dessa entrevista especíica, descobrimos que Rodolfo Amoedo se preocupava com o conhecimento literário da arte e da estética, no que diz respeito à idealização, à interpretação e à composição. Há pelo menos um desenho de Maria Pardos que conirma o aprendizado do nu com o mestre; trata-se de desenhos de ambos, professor e aluna, da mesma modelo. mas Maria Pardos faz diferente: não dá a identidade para a sua personagem, ao colocar o título, Esquecimento, está permitindo interpretações diversas. Esquecimento (ig. 1) aparece com força carnal assim como a modelo de Un bain au sérail de Chassériau. Ambas estão no interior, lançam seu olhar diretamente ao espectador e também erguem os braços. Há duas criadas no quadro do francês, ela está em pé, enquanto a mulher de Esquecimento (ig. 1) está deitada e sozinha. Podemos ver a concepção de Esquecimento (ig. 1) em seu aspecto bem geral e esquemático, do corpo da igura feminina. Há um trânsito entre o desejo de exibição das formas corporais, que apesar de o tecido esconder grande parte de sua pele, dá clara demarcação das curvas do corpo, com o domínio da situação, mesmo entorpecida. A pose de braços estendidos lembra algumas pinturas de Ingres, apesar de um tratamento mais liso. Trata-se de Venus anadyomène e Odalisca com Escrava Feminina. A pintura Odalisca com escrava feminina oferece um diálogo direto com o que Maria Pardos faz em Esquecimento (ig. 1); entretanto, são escolhas diferentes. Há uma cena mais elaborada na pintura de Ingres, enquanto Maria Pardos escolhe situar a academia no espaço oriental usando apenas o vaso. No caso das estampas, Ingres é mais detalhista. Há um tecido rosado delicado e transparente envolvendo suas pernas, quase uma segunda pele, enquanto o panejamento em Esquecimento (ig. 1) é pesado e grosso. Os braços igualmente erguidos denotam sensualidade. A Odalisca está em outro momento, o do descanso. Quanto às referências para composições, o professor costumava fazer pequenas digressões, pelas coleções nacionais e internacionais, por meio de estampas da Europa, levando seus alunos a apreciar vários mestres. Amoedo acreditava em um aprendizado prático. Sobre o desenho do nu, entendia que o aluno de pintura não deveria aprender anatomia como um médico ou cirurgião, bastava seguir os ensinamentos de seu mestre. A prática era comum entre os artistas: idealizar uma nova composição com referências em outras pinturas. Clark é direto ao dizer que “a tarefa do pintor era construir ou negociar uma relação entre o corpo como fato particular e excessivo – aquela carne, aquele contorno, aquelas marcas da mulher moderna – e o corpo como signo, formal e generalizado, concebido como emblema de serenidade e satisfação. O desejo aparecia no nu, mas era mostrado deslocado, personiicado, não mais no atributo da forma da mulher sem roupa.” (CLARK, 2004, p. 184) O autor discute, de forma clara, as questões do corpo ao analisar a obra Olympia de Manet, apresentando o que se esperava do pintor e em que difere dos demais. Ao compararmos Esquecimento (ig. 1) com Olympia, encontramos semelhanças no que diz respeito ao olhar, o cruzar das pernas e os pés sujos, 582 583 Importante notar as diferenças entre as representações apresentadas, os anseios que transparecem são próximos, o corpo dado ao voyeurismo ou a intimidade conferida pelo olhar, o orientalismo como álibi na composição. Maria Pardos não funda uma nova maneira de representar o corpo feminino; para usar uma expressão de Clark, transita em seu trabalho com o nu entre o “decoro e o desejo”, dialogando com a pintura nacional e estrangeira. Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon” / Valéria Mendes Fasolato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Figura 3: AMOEDO, Rodolpho. Estudo de Mulher, óleo sobre tela, 150,5 x 200 cm, 1884. Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro - RJ. Figura 4: GENTILECHI, Artemisia. Danae, óleo sobre cobre, 584 585 41,3 x 52,7 cm, 1612. Saint Louis Art Museum. Estados Unidos. Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon” / Valéria Mendes Fasolato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Notas: 7 (DUQUE apud ROSA, 2000, p. 77). Interessante o estudo da autora sobre a pintura Estudo de nu, no qual, além de descortinar a crítica da época e a atual, compara a composição com outras pinturas do próprio Amoedo, buscou elementos que se repetem como o ambiente, o leque e a almofada. Ver ROSA, 2000, p. 77-89. 8 A IMPRENSA. Em visita arte. Rio de Janeiro, 10 de maio de 1911, ano VIII n. 1235, p. 1 e 2. Disponível em: < http://goo.gl/Trx7x4 > Acesso em: 03 maio 2014. 1 Esta nota foi corrigida dias depois de sua publicação, tirando a exaltação que fazia ao nu de Maria Pardos. Segue a correção: “Onde se lê que D. Maria Pardos expõe diversos quadros bem interessantes, especialmente “Esquecimento”, que “reputamos o primeiro nu do “Salon” leia-se: “que reputamos um dos primeiros do Salon” (MARCONDES, 1915a). 2 Conquistou a pequena medalha de prata com outros três artistas, a saber: Sr. Henrique Cavalleiro, D. Sylvia Meyer e José Ferreira Dias Júnior. Ata da sessão do Conselho Superior de Belas-Artes realizada em 21 de agosto de 1915, p. 51 (Acervo do Museu D. João VI). 3 Este artigo trata da pintura Esquecimento; no entanto, havendo interesse pela biograia de Maria Pardos ver o primeiro capítulo desenvolvido na dissertação de mestrado (FASOLATO, 2014). 4 Certidão da escritura de Testamento, outorgante Maria Pardos. Essa informação é inédita. Agradeço ao Douglas Fasolato a localização do testamento de Maria Pardos, porque por meio dele sabemos hoje a origem da artista. “Disse ela testadora chamar-se Maria Pardos, ser espanhola, natural de Zaragoza, ser solteira, ser ilha legítima de Miguel Pardos e Rosalia Vicente Pardos.” (Testamento, 1939, p.01-verso) Ainda agradeço à Sônia Garcia por ter guardado o documento e doado a cópia do testamento, pedida ao cartório, pela família, datada de 1939. 5 Interessante notar, na mesma revista, a coluna feminista intitulada “Cartas de Mulher”. A autora do texto, com o pseudônimo de Iracema, expõe toda sua admiração enaltecendo a exposição “Pardos e Veiga” e o valor do trabalho ali apresentado para o universo feminino. Coloca questões sobre a moral e o nu e lança a pergunta: “O nu, em arte, é imoral? Um dado importante é que ela quantiica o nu levado pelas duas pintoras: “A sra. Regina Veiga e também a Sra. Maria Pardos, como todo artista pintor, estudaram a igura humana pelo modelo nu, e na exposição iguram bastantes estudos desse gênero (sendo que dois da Sra. Maria Pardos e os restantes, uns quinze, da sua ilustre companheira).” Revista da Semana. (Cartas de Mulher. Rio de Janeiro, 04 de novembro de 1916; Ano XVII; n° 39; p. 18. MMP) 6 Essa obra chamou a atenção crítica no período em que foi exposta e ainda hoje suscita debate. Estudos recentes buscam reletir sobre o possível escândalo provocado pela obra. (MIGLIACCIO, 2007; ROSA, 2000) 586 587 Valéria Mendes Fasolato é doutoranda em História (2015-2019) - Instituto Ciências Humanas – Programa de Pós Graduação em História da UFJF. Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon” / Valéria Mendes Fasolato Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas: CHRISTO, Maraliz. Cenas familiares na pintura de Maria Pardos na década de 1910. In: Novas perspectivas para o estudo da arte no Brasil de entresséculos XIX/XX: 195 anos de Escola de Belas-Artes. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2012. p. 181-189. CLARK, T. J. A Pintura da Vida Moderna, Paris na arte de Manet e de seus seguidores. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 129-209. COSTA-JR, Martinho Alves da. “Os retratos de Alice Ozy por Théodore Chassériau”. VII Simpósio Nacional de História Cultural, 2014. FASOLATO, Valéria Mendes. As representações de Infância na pintura de Maria Pardos. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2014. Disponível em: <http://goo.gl/BJSLHF>. Acesso em: 16 out. 2015. FREIRE, Laudelino. Um século de pintura – Apontamentos para a História da Pintura no Brasil, de 1816 a 1916. Rio de Janeiro: Rohe, 1916. MARCONDES, Viriato. XXII Exposição da Escola de Belas Artes. A Época, Rio de Janeiro, Ano IV, n. 1093, p. 1, Domingo, 22 de agosto de 1915. ______. XXII Exposição da E. N. de Belas-Artes. A Época, Rio de Janeiro, Ano IV, n. 1101, p. 1, segunda-feira, 30 de agosto de 1915(a). ______. XXII Exposição da E. N. de Belas-Artes. A Época, Rio de Janeiro, Ano IV, n. 1101, p. 1, segunda-feira, 30 de agosto de 1915(b). MIGLIACCIO, Luciano. Rodolfo Amoedo. O mestre, deveríamos acrescentar. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 2, abr. 2007. Disponível em <http://www.dezenovevinte.net/artistas/ra_migliaccio.htm>. ROSA, Márcia Valéria Teixeira. A formação e a trajetória artística de Rodolpho Amoedo. Dissertação de Mestrado em História e Teoria da Arte, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000. p. 77-89. RUBENS, Carlos. Pequena História das artes plásticas no Brasil. São Paulo: Companha Editora Nacional, 1941. TARASANTCHI, Ruth Sprung. Oscar Pereira da Silva. São Paulo: Empresa das Artes/Sociarte, 2008. 588 589 A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação 590 591 Maraliz de Castro Vieira Christo A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação / Maraliz de Castro Vieira Christo Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Viscondessa, convidando-a a recompô-las mentalmente. Nesta comunicação analisaremos, em particular, a presença dos quatro artistas brasileiros. Como grande parte dos colecionadores brasileiros do inal do séc. XIX, a Viscondessa dedicou-se à arte europeia, o que se relete igualmente nas escolhas dos artistas signatários do leque. Quais relações se pode estabelecer entre os artistas brasileiros e os europeus presentes no leque? No momento em que o assinaram, que papeis desempenhavam no sistema das artes plásticas no Brasil? Que obras deixaram ixadas no leque e o que elas representavam na construção de suas memórias? A Viscondessa de Cavalcanti reuniu, num leque, entre aproximadamente 1890 e 1945, mensagens e desenhos de 68 célebres escritores, artistas, músicos, atores, cientistas, exploradores e políticos de seu tempo. Artistas brasileiros Amélia Machado Cavalcanti (1852-1946), mulher culta, nascida no Rio de Janeiro, casou-se jovem com Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque (1829-1899), que fora deputado geral, senador, presidente de várias províncias e ministro de diversas pastas, enobrecido com o título de Visconde, em 1888. O casal colecionava obras de arte e buscava conviver com o meio intelectual, abrindo semanalmente as portas de suas residências, no Rio de Janeiro ou em Paris, para animados encontros. Entre os signatários do leque destacam-se os artistas plásticos. A Viscondessa privilegiou artistas consagrados nos salões oiciais e requisitados pelo mercado artístico. Dezenove deixaram suas mensagens, sendo doze franceses1 (Carolus Duran, Charles Olivier de Penne, Eugène Guillaume, Jean Beraud, Jean Léon Gérôme, Jules Worms, Léon Bonnat, Louis Eugene Lambert, Louis Humbert, Louis Marie Schryver, Paul Landowski, Rosa Bonheur), quatro brasileiros (Henrique Bernardelli, João Zeferino da Costa, Pedro Weingartner e Rodolpho Bernardelli) dois espanhóis (Raimundo Madrazo e Salvador Sanchez-Barbudo Morales) e um português (Raphael Bordallo Pinheiro). O fato de todos os pintores desenharem no leque, tornou-o bastante singular. Os pintores reproduziram detalhes das obras pelas quais gostariam de ser lembrados pela A exemplo dos artistas franceses, os brasileiros signatários do leque compõem uma unidade. Os irmãos Rodolpho (Guadalajara, México 1852 — Rio de Janeiro, 1931) e Henrique Bernardelli (Valparaíso, Chile 1858 - Rio de Janeiro RJ 1936) assim como, João Zeferino da Costa (Rio de Janeiro RJ 1840 idem 1915) e Pedro Weingartner (Porto Alegre, RS 1853 - idem 1929) estavam diretamente envolvidos na reestruturação da antiga Academia Imperial de Belas Artes, transformada, com a República, em Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Após meses de intensos debates, onde se cogitou até o fechamento da Academia (CAVALCANTI, 2007), em 8 de novembro de 1890 foram aprovados os estatutos da ENBA e do Conselho Superior de Belas Artes, responsável pelo seu funcionamento. Em 14 do mesmo mês, Rodolpho Bernardelli tornou-se diretor da ENBA e, logo depois, também professor de Escultura. Igualmente, João Zeferino da Costa fora nomeado vice-diretor e professor de Modelo vivo. Em 30 de dezembro, Henrique Bernardelli assumiria a Cadeira de Pintura e Pedro Weingartner ocuparia a cadeira de Desenho Figurado, a partir de 28 de maio de 1891. Camila Dazzi, em sua tese de doutoramento, caracteriza bem 592 593 A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação / Maraliz de Castro Vieira Christo Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro valor artístico anteriormente ligados à corte, como Victor Meirelles e Pedro Américo, mas preferiu os ditos novos, já envolvidos com os projetos da República. esse grupo: (...) o grupo de professores selecionados para atuar nos primeiros anos da Escola Nacional de Belas Artes possuía uma deinição, uma unidade: artistas jovens cujos trabalhos seguiam uma orientação que divergia das ‘velhas regras’ e que eram tidos pela crítica como iniciadores da arte moderna nacional – Henrique Bernardelli, Rodolpho Amoêdo, Pedro Weingärtner, Modesto Brocos, Belmiro de Almeida e o próprio [Rodolpho] Bernardelli. Difícil precisar o contexto em que se deu o encontro entre a Viscondessa e os artistas, mas Arthur de Azevedo, escrevendo na A estação, jornal ilustrado para a família, sob o pseudônimo de “Elóy, o herói”, em 30 de novembro, relata às leitoras ter visto o leque no atelier dos irmãos Bernardelli, de que era assíduo frequentador, e onde também estava morando Pedro Weingärtner: Era importante nos anos iniciais da Escola, de airmação da instituição, conquistar críticas positivas. Até mesmo a nomeação de Zeferino da Costa, professor que havia lecionado na Academia, se justiicava plenamente. Embora de uma geração mais velha, desde um primeiro momento, Zeferino da Costa havia se colocado ao lado dos ‘novos’ e contra os ‘velhos’ da Academia. (DAZZI, 2011, p. 249.) Apesar de nomeados os professores, as atividades da Escola Nacional de Belas Artes só começariam em junho; uma epidemia de varíola na Capital Federal retardou o início das aulas (DAZZI, 2011, p.228). (...) reservo o espaço que ainda me sobra para fallar-lhes de um objeto feminino, que tive occasião de apreciar no atelier Bernardelli. Trata-se de um leque de pergaminho, pertencente á Exma. Sra. Viscondessa Cavalcanti, todo cheio de preciosos autógrafos e desenhos. Figuram alli os grandes artistas franceses Bonnat e Carolus Duran; J. Berau e Raymundo de Madrazzo, Rodolpho, Henrique Bernardelli e Pedro Weingartner.. Arthur de Azevedo revela as 26 assinaturas contidas no leque até aquele momento e identiica as iguras desenhadas3. Supondo-se que a dona acompanha o leque, entre junho e agosto, a Viscondessa chegaria ao Brasil, encontrando a reabertura da escola como a novidade do momento no mundo artístico. Num ano vazio de exposições, a imprensa do Rio de Janeiro destacava o grande sucesso alcançado pelo Panorama da Cidade do Rio de Janeiro, noticiando-o desde sua inauguração, em 03 de janeiro.2 A reabertura da Escola, com seus professores modernos, e a exposição na rotunda do Largo do Paço, do Panorama de Victor Meirelles, professor jubilado da antiga Academia Imperial de Belas Artes, marcam as possibilidades de escolha da Viscondessa. Ao contrário do que a princípio se poderia supor, dado o grau de amizade com a família imperial, agora exilada, a Viscondessa não buscou artistas de grande (...) Bonnat desenhou ligeiramente a sua própria cabeça; Duran esboçou uma das suas appetitosas bacchantes; J. Beraud, o illustre pintor moderno, fez o croquis de seu christo e da sua adultera, vestida á moda de 1891, que iguraram no ultimo Salon; Madrazzo o eminente pintor hespanhol, deu uma idéa da sua celebre Pierrette; Rodolpho Bernardelli desenhou a cabeça de seu Christo; Henrique Bernardelli uma das iguras dos seus Bandeirantes; Weingartner contribuio com a interessante silhouette da contadina do seu bello quadro Ciumes. Embora um pouco enfadonho, é necessário acompanharmos cronologicamente os passos dos quatro artistas brasi594 595 A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação / Maraliz de Castro Vieira Christo Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro leiros, principalmente em 1891, para entendermos como se aproximaram e o que escolheram para deixar como memória no leque. ensino tradicional da Academia. Em 1889, realiza o busto da Imperatriz D. Teresa Cristina. Com a queda do Império, deixa a cadeira de escultura em solidariedade à família imperial, porém, é convidado por Benjamin Constant, Ministro da Instrução Pública, a permanecer no cargo e integra a comissão para a reforma do ensino artístico. Em 1890, foi nomeado diretor da Escola Nacional de Belas Artes, dirigindo a instituição até 1916. Acolhido com entusiasmo por um grupo de intelectuais ligado ao poder, Bernardelli irá se tornar o escultor oicial da Primeira República. Rodolpho Bernardelli Talvez Arthur Azevedo tenha visto o leque durante uma sessão de pose para a realização de seu busto por Rodolpho Bernardelli4. O escultor nascera em Guadalajara, México5. Viveu com sua família por algum tempo em São Pedro e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A convite de D. Pedro II, passou a residir na Corte, onde os seus pais se tornaram preceptores das princesas imperiais. Em 1870, ingressou na Academia Imperial de Belas Artes, tendo como professor de estatuária Francisco Manoel Chaves Pinheiro (1822-1884). Em 1874, naturalizou-se brasileiro. Dois anos depois, foi premiado na Exposição Internacional de Filadélia, com as esculturas Saudades da Tribo (1874) e À Espreita (1875). Recebeu, no mesmo ano, o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro, com o relevo Príamo implorando o corpo de Heitor a Aquiles. Permaneceu em Roma, de 1877 a 1885, onde estudou com o escultor Giulio Monteverde (18371917) e manteve contato com vários outros, dentre eles, Achille D’Orsi (1845-1922) e Eugenio Maccagnani (1852-1930). Na Itália, estabeleceu fortes laços de amizade com brasileiros ali presentes, como Pedro Américo (1843-1905), que em Florença realizava a grande tela sobre a Batalha de Avay (1870), e Zeferino da Costa, ainda no término de seu pensionato no exterior. Retornou ao Brasil, em 1885, assumindo o cargo de professor de estatuária da Academia Imperial de Belas Artes e trabalhou em vários projetos escultóricos. Em 1888, realiza os bustos da Princesa Isabel, do Conde d’Eu e o mausoléu do José Bonifácio, assim como recebe o título de Oicial da Ordem do Rosa. Com Rodolfo Amoedo, seu irmão Henrique Bernardelli e Zeferino da Costa, fundou o Atelier Livre, uma forma de protesto ao Entre 1881 e 1884, em Roma, realizou o que a crítica considerara sua obra-prima: Cristo e a mulher adúltera, hoje pertencente ao Museu Nacional de Belas Artes. Ainda na Itália, em 1884, o artista conseguiu apresentá-la na Exposição de Turim, sendo homenageado com o Grau de Cavaleiro da Coroa da Itália. Ao voltar ao Rio de Janeiro, a escultura integrou sua grande exposição individual de 1885, muito comentada pelos principais periódicos, como o Jornal do Commercio, Gazeta de Notícias, Gazeta da Tarde, Revista Illustrada, O Mequetrefe, entre outros. O debate principal girou em torno do realismo do grupo escultórico. Gonzaga Duque, que conheceu Rodolpho em 1886, no atelier que Zeferino da Costa mantinha na Candelária para a decoração da igreja, assim se referiu ao grupo, ao citá-lo em seu livro Arte brasileira, de 1888: 596 597 (...) primoroso grupo do Cristo e a mulher adultera, concebido fora de toda a preocupação clássica e animado por estranho poder. (...) O Cristo de Bernardelli, é um tipo judaico, humano, real; não relembra de forma alguma as antigas criações da escultura, não é uma inspiração da fé católica segundo a imposição dos dogmas, não é um transcendente tipo místico, tal como criara Leonardo de Vinci ou o imaginara o beatíico Fiesole. Nisto vai o valor da sua estátua. (...) A composição desse grupo é bela e moderna. A igura do Cristo apresentada em grandeza superior ao natural, tem bastante imponência e serenidade, a expressão do seu rosto, os gestos de seus braços são verdadeiros e A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação / Maraliz de Castro Vieira Christo Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro quando fora nomeado professor de pintura da Escola. Embora ciente de sua nomeação, regressou provavelmente só em maio de 18917. denotam muita observação. (DUQUE, 1995, p.252.) É exatamente a cabeça do Cristo, de forte expressão, humanizado, sem auréola, a lá Ernest Renan (RENAN,1863), considerada sua obra prima, que o escultor desenha no leque da Viscondessa. Diante do leque da Viscondessa, Henrique Bernardelli elegeu, como obra mais signiicativa a representar naquele momento, Os Bandeirantes. Henrique Bernardelli No quadro, em meio a uma escura loresta tropical, vê-se uma descida de índios. No primeiro plano, à direita, dois bandeirantes, deitados no chão, saciam a sede sorvendo, diretamente, água de uma poça. À esquerda, dois vigorosos índios, um em pé, com as mãos amarradas, e outro sentado, os observam. No segundo plano, um bandeirante anda com diiculdade. Por último, índios carregam uma padiola, acompanhados por ileira horizontal de iguras apenas esboçadas, fundidas à natureza. Irmão de Rodolpho, nascido no Chile, Henrique Bernardelli fora também aluno da AIBA6. Embora tenha perdido o prêmio de viagem em polêmico concurso, com o apoio do irmão seguiu para a Itália em 1879; em estadia que se estendeu por quase 10 anos, se estabelecendo a princípio em Roma, posteriormente em Nápoles. Ainda na capital Italiana, Henrique colaborou com Zeferino da Costa nos estudos para a Igreja da Candelária (Igreja da Candelária. 1887, 373-381), auxiliando nos desenhos preparatórios das pinturas da capela-mor, dos vitrais do coro e para-vento (MACHADO, 1988, p. 6). Os Bandeirantes, hoje pertencente ao Museu Nacional de Belas Artes, apresenta uma visão inusitada dos aventureiros paulistas: os representa bebendo água como animais. Apesar de situar-se no gênero da pintura histórica, a tela esvazia o personagem de seu heroísmo, mostrando-o em ação corriqueira. Mais: revela uma inversão iconográica, o vencedor é representado aos pés do vencido. Em 1886, enviou obras para a exposição organizada por Rodolpho nas salas da Imprensa Nacional, da qual também participou Nicolao Facchinetti. Foram cerca de 28 telas, mais alguns estudos, entre pintura histórica, paisagens e pinturas de gênero. As paisagens e as cenas do cotidiano italiano, tratadas de forma realista, chamaram a atenção da crítica, principalmente de Gonzaga Duque e Oscar Guanabarino. Henrique Bernardelli retornou da Itália somente em 1888, embora ainda realize constantes viagens àquele país. Já em 1889, voltou à Europa, estando em Veneza e Roma, assim como em Paris, onde recebeu a 3ª medalha na Exposição Universal, com o quadro Os Bandeirantes. Regressou ao Brasil no mesmo ano, integrando o Atelier moderno e, em 1890, participou da EGBA, com obras como Cabeça de Estudo, Tarantella, Paisagem de Roma, expostas em 1886, e algumas novidades, como Os Bandeirantes. Em dezembro de 1890, quando começaria a ser colocada em prática a reforma da Academia, o artista partiu novamente para a Itália, ali se encontrando 598 599 O confronto entre o índio, em posição ereta, e os bandeirantes, ao chão, a beber água como animais, não parece gratuito e esclarece, deinitivamente, o valor simbólico do quadro. Lembra-nos a passagem bíblica, presente no “Livro dos Juízes”, cap. VII, onde Deus, na época de Samuel, teria suscitado alguns heróis, chamados juízes, a libertarem todo o seu povo, ou parte dele, da opressão inimiga, conduzindo-o à observância da lei. O Senhor manda Gedeão selecionar combatentes contra os Madianitas, estabelecendo como critério, além da coragem, o fato de não tomarem água como animais: “...o Senhor disse a Gedeão: Porás a um lado os que lamberam a água com a língua, como os cães costumam lamber; e os que beberam de joelhos, estarão noutra parte...” (Bíblia 1982, p. A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação / Maraliz de Castro Vieira Christo Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro pintor Delim da Câmara, parte para a Alemanha em 1878, sem nenhum apoio oicial. Circula por Hamburgo, Baden e Berlim, tornando-se aluno de Ernest Hildebrand, Ferdinand Keller e Theodor Poech. Em 1882, se matricula na Académie Julian, em Paris. Graças a uma carta elogiosa de Adolphe Bouguereau, quanto ao seu desempenho acadêmico, consegue, no início de 1884, aos 31 anos, uma bolsa do próprio Imperador D. Pedro II, e volta à Alemanha, continuando sua formação. Em 1886, vai à Itália, ixando-se em Roma, na Villa Strohl-Fern, espécie de pensão artística romana, onde conhece Henrique Bernardelli (TARASANTCHI, 2009, p. 22-23). Após 9 anos de sua partida, volta ao Brasil, e, em setembro de 1888, expõe no Rio de Janeiro, no atelier fotográico de Insley Pacheco & Cia, na Rua do Ouvidor, retornando no ano seguinte à Itália. 275) Os bandeirantes, animalizados por lamberem a água como cães, não podem ser combatentes de Gedeão. A tela condena-os, sutilmente, sem nenhuma dramaticidade. No texto de apresentação do quadro Os bandeirantes, para o salão de 1893, Henrique Bernardelli, ao contrário da historiograia de seu tempo, expõe a difícil relação entre índios, bandeirantes e jesuítas, contrapondo heroísmo e culpa: A téla celebra a audacia dos expedicionarios paulistas de 1600, que izeram a descoberta das mais inaccessiveis regiões do sul do Brazil, tornando-se depois infelizmente, por conselho da cobiça, verdadeiros, caçadores de indios para a escravidão. A invasão das suas bandeiras que não respeitavão mesmo os aldeiamentos sujeitos aos missionarios Jesuitas, que tinhão já por esses lugares adiantados trabalhos de cathechese, moveu os Padres da Companhia a reclamar providencias da Santa Sé e da côrte de Hespanha. Mais de tresentos mil indios queixavão-se os emissarios dos Jesuitas, dando ao mesmo tempo idéa de culpa e do heroismo de taes emprezas forão entre 1614 e 1639, reduzidos a escravidão por quatrocentos Paulistas, auxiliados por uns dois mil indios amigos (...) (CATALOGO, 1893, p. 17-18. Grifos nossos) Como aponta Paulo Gomes, a trajetória do artista se consolida precisamente em 1891, quando, em maio, participa do Salon da Societé des Artistes Français8 e torna-se professor da ENBA. Em setembro, realiza uma exposição na Escola, com os últimos trabalhos produzidos na Itália: A mártir, Arrufos, Bacanal, Cena de ciúmes, Debulha, Dissonância, Inverno, Rua de Anticoli de Corrado, Triste notícia e Chegou tarde, esta última adquirida pela ENBA (GOMES, 2008)9. A personagem que desenhara no leque da Viscondessa, uma contadina como já identiicara Arthur de Azevedo, fora retirada do quadro Cena de ciúmes. Embora não tão festejado como Bacanal e Cena de atelier10, ele foi particularmente comentado por Adelina A. Lopes Vieira, em seu artigo para O tempo: A representação do bandeirante ao solo marcou Henrique Bernardelli e o público. Convidado a fazer um pequeno desenho no leque da Viscondessa de Cavalcanti, em 1891, Henrique irá reproduzir exatamente um dos bandeirantes a beber água como animal (CHRISTO, 2002). Lindíssimo – A Ciumenta – A olhar aquelle campo sente-se como que o perpassar da aragem na mais serena das tardes de verão e parece ouvir-se a respiração offegante daquella mulher que ali está amparando-se ao carro, que momentos antes conduzia, a seguir com o olhar a rival e o amante, esmagada de baixo do peso atroz de um ciúme fundado.11 Pedro Weingärtner Weingärtner foi nomeado Professor Desenho Figurado da ENBA sem ter sido aluno da antiga Academia. Filho de imigrantes alemães, após incipiente formação em Porto Alegre, junto ao pai e irmãos, como também frequentando o atelier do 600 601 A camponesa amuada traja roupa típica da região de Anticoli A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação / Maraliz de Castro Vieira Christo Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro de sua visita ao atelier de Zeferino da Costa, montado no coro da igreja, e de ali ter visto os projetos iniciais para a decoração da nave central. Corrado, próxima à Roma, onde o Weingärtner e vários outros artistas costumavam pintar no verão. Figuras semelhantes aparecem em alguns quadros do pintor como Fontanina chez le Palais Branca à Rome ou O idílio12. Em julho de 1889, Zeferino fora contratado novamente pela Irmandade, para dar continuidade aos trabalhos de pintura decorativa, ainda a executarem-se na Candelária, ou seja, os painéis da nave central. Solicita à AIBA dispensa por tempo indeterminado e parte, em setembro do mesmo ano, para a Europa, objetivando realizar os estudos para a referida decoração (GALVÃO, 1973). Hoje, o destino do quadro encontra-se ignorado, tendo-se apenas, além da descrição de Adelina, a reprodução encontrada livro de Angelo Guido (GUIDO,1956) e o pequeno desenho realizado no leque. João Zeferino da Costa A assinatura de João Zeferino da Costa é cinco anos posterior às dos irmãos Bernardelli e de Pedro Weingärtner, datando de 1896/ Roma. Mesmo ausente, suas críticas constantes às condições de trabalho, encontradas na AIBA, ainda ecoavam entre os jovens que exigiam mudanças. Com a transformação da AIBA na ENBA, Zeferino fora nomeado vice-diretor e professor de Desenho de modelo-vivo. O artista não pode ocupar o cargo de vice-diretor, justiicando não ter mais idade (aos 51 anos) para assumir dois compromissos ao mesmo tempo, e por dedicar-se à decoração da Candelária. A cadeira de modelo vivo, ele só assumirá em 1893, quando retorna ao Brasil13. Nascido na corte, Zeferino fora aluno da AIBA, onde obteve o prêmio viagem, em 1868. Estudou em Roma, na Academia de São Lucas. Seu atelier tornou-se o centro agregador dos jovens artistas brasileiros, que chegavam a Roma nesse período, como Henrique Bernardelli (DAZZI, 2006). Regressando em 1877, é nomeado professor da AIBA, atividade que exerceu até o im da vida, tendo lecionado pintura histórica e paisagem, ixando-se, posteriormente, na cadeira de desenho. Em 1878, é indicado pelo imperador D. Pedro II (1825 - 1891) à Irmandade do S.S. Sacramento de Nª Senhora da Candelária, para elaborar as pinturas decorativas na Matriz da mesma irmandade, no Rio de Janeiro, consideradas sua principal obra. No teto da nave, haveria seis painéis relativos à história inicial da igreja, desde a viagem dos fundadores até a primeira sagração, enquanto que, na cúpula, as pinturas representariam a Virgem, as virtudes e iguras do Velho Testamento (Jessé, Isaías, David e Salomão). Ao que parece, volta à Itália em julho de 1879, ali permanecendo até meados do ano seguinte. Nos anos de 1880, dedica-se à decoração da candelária e à AIBA. Em 16 de fevereiro de 1886, Eloy, o herói, ou seja, Arthur de Azevedo, em coluna no Diário de Notícias, fala com entusiasmo A igreja da Candelária é fruto da promessa contraída por um navegador espanhol que, em apuros durante uma tempestade, promete à Nossa Senhora da Candelária a construção de uma capela devotada a essa invocação no primeiro porto a que chegassem. No Rio de Janeiro, erigira uma capela como cumprimento da promessa. A pequena capela daria lugar ao grande templo que hoje conhecemos, construído entre 1775 e 1877, quando se iniciam os trabalhos de decoração interna. Os seis painéis da nave central narram a própria história do templo: as cenas da partida do porto de Palma, a tormenta em alto-mar, a invocação de Nossa Senhora e a promessa da construção da igreja votiva, a chegada à salvo ao porto do Rio de Janeiro, a sagração em 1775 e, inalmente, a inauguração em 1870. 602 603 Em Roma desde 1889, Zeferino da Costa desenvolvia os A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação / Maraliz de Castro Vieira Christo Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Como airmamos inicialmente, os quatro artistas brasileiros signatários do leque formam uma unidade. Rodolpho e Henrique Bernardelli, assim como Pedro Weingärtner, em 1891, situavam-se entre 33 e 39 anos. Relativamente jovens, eram reconhecidos pela crítica como artistas completos, podendo compararem-se a João Zeferino da Costa, então com 51 anos. estudos para as composições. Preocupado com a verossimilhança, viajou a Palma, estudou embarcações do século XVII no Museu do Real Arsenal de Marinha de Veneza, pesquisou indumentárias e objetos..., sobrepondo temática religiosa, aspectos da história e costumes populares (TAVARES, 2003). Retornou ao Brasil em julho de 1893, podendo ater-se também aos elementos locais. Entretanto, voltou a Roma em 10 de maio de 1895, para inalizar as composições, regressando deinitivamente em meado de 1896. Embora desconheça-se o destino da maioria dos esboços e desenhos para os painéis, Arnaldo Machado identiicou desenhos para as composições datados entre 1891 e 1895, assim como óleos sobre madeira, que serviam de estudos de cor para os painéis, datados de 1895 a 1896 (MACHADO, 1984). Todos se distinguiam pela competência técnica, fruto de longa aprendizagem, que incluía indispensável estadia na Europa; por participarem e conquistarem prêmios em importantes exposições; assim como, por serem bem aceitos pelos críticos. Naquele estrito momento, eram símbolo de modernidade e abraçavam uma causa em comum: a reestruturação da antiga Academia Imperial de Belas Artes. Tomando-se como hipótese estar a Viscondessa de Cavalcanti em Roma, no primeiro semestre de 1896, ela teria se encontrado com Zeferino da Costa quando este inalizava o estudo de cor do último painel, “O voto cumprido”, datado do mesmo ano. Provavelmente, a Viscondessa teria tido o privilégio de ver en avant-première os estudos, além dos cartões já na medida certa dos painéis a executar. Cartões que seriam expostos ao público na própria igreja, a partir de 20 de setembro de 1896, após o retorno do artista ao Brasil. Fortes laços de amizade os aproximavam, desenvolvidos a partir de vivências em comum no exterior e no Brasil. Elegeram, para desenharem no leque, uma produção relativamente recente: Cristo e a mulher adúltera, de 1884; Os Bandeirantes, de 1889; Cena de ciúmes, de 1890; e A tempestade, obra ainda em esboço. Trabalhos realizados na Itália, marcados por certo realismo e festejados pela crítica. O interessante no leque da Viscondessa de Cavalcanti é exatamente perceber sua construção. As escolhas não demonstram serem aleatórias ou circunstanciais. No leque, Zeferino representou o momento auge da narrativa, o de maior tensão: em meio à tempestade, Antônio Martins da Palma ampara no peito a esposa, quase desfalecida, e estende o braço ao céu pedindo salvação, enquanto a dama de companhia, ao fundo, ajoelhada, estreita a cabeça entre as mãos, em total desespero. O painel da aludida cena será tomado por muitos como referência ao trabalho do artista na Candelária, como o fez Augusto Giorgio Girardet, ao reproduzi-lo no verso do medalhão, gravado em homenagem a João Zeferino da Costa, em 189814, quando a igreja foi inaugurada. Pontos em comum Dúvida 604 605 A Viscondessa permaneceu grande parte da vida na Europa. Órfã de pai, passou a adolescência na Alemanha, de onde retornou em 1868, após a morte de sua mãe, Mariana Barbosa de Assis Machado, em Bremen (FAZOLATO, 2013, p. 9). Depois do casamento, em 1871, foi para a França, lá nascendo, em 1872, sua ilha Stella (COSTA, 2013). Entre 1875 a 1878, permaneceu no Rio de Janeiro, tendo construído um palacete na Rua Senador Vergueiro. De 1884 a 1888, é possível ter realizado A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação / Maraliz de Castro Vieira Christo Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro um Grand Tour, partindo da França, percorrendo a Itália, a Terra Santa, Egito, Índia e Sri Lanka (FIGUEIRA, 2014), e, ao retornar, ixado-se em Paris, viajando com certa frequência à Itália e Suíça, vindo esporadicamente ao Brasil, regressando em deinitivo alguns anos antes de morrer. Examinando-se a cronologia das assinaturas no leque, percebe-se que, em maio de 1891, os escritores portugueses Oliveira Martins, Ramalho Ortigão e Antero de Quental deixam-lhe mensagens, datando-as e identiicando estarem em Lisboa. Em 27 de agosto de 1891, por sua vez, Machado de Assis, fez o mesmo, já no Rio de Janeiro. Em 30 de novembro, Arthur de Azevedo escreve ter visto o leque no atelier dos irmãos Bernardelli. ano. Na relação de passageiros aparece o nome Francisco Manuel Ramalho Ortigão. Ainda não identiicamos o grau de parentesco com José Duarte Ramalho Ortigão, signatário do leque; é possível que seja um sobrinho. O escritor era o mais velho de nove irmãos e dois se estabeleceram no Rio de Janeiro, no ramo de comércio, Joaquim da Costa Ramalho Ortigão e Francisco Duarte Ramalho Ortigão, “tornando-se homens de posses, poderosos e inluentes” (GORBERG, 2013), podendo atrair outros parentes. É tentador imaginar que José Duarte Ramalho Ortigão, o escritor, tenha assinado o leque em 12 de maio, entregue a um parente, Francisco Manuel Ramalho Ortigão, para que o levasse consigo ao Rio de Janeiro, uma vez que estaria partindo para o Brasil em 15 do mesmo mês. Aqui chegando, o suposto parente poderia tê-lo entregue a Machado de Assis, que o assinou em 27 de agosto. Ramalho Ortigão (1836-1915) e Machado de Assis (1839-1908) eram velhos conhecidos, desde quando colaboraram com a Gazeta de Notícias (ZAN, 2009). A primeira questão que surge é se o leque veio acompanhado ou não da Viscondessa. A dúvida se coloca por duas razões: Consultando-se os registros de entrada no país, disponíveis no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (Fundo/Coleção: Associação : Porto do Rio de Janeiro), constatou-se não haver, entre maio e agosto de 1891, registro de entrada da Viscondessa no Brasil; por outro lado, segundo o Barão do Rio Branco, ela estaria em Paris, quando do falecimento de D. Pedro II, tendo comparecido as exéquias solenes do ex- imperador do Brasil, celebradas em 9 de dezembro de 1891, na igreja de Santa Maria Madalena15. Machado de Assis e a Viscondessa de Cavalcanti se conheciam de longa data. Em artigo publicado na revista Ilustração Brasileira, de 15 de agosto de 1877, Machado de Assis comentou sobre “as quintas-feiras no palacete do casal Cavalcanti”. O contato entre eles parece ter sido estreito e duradouro. Em 1875, oferecera-lhe um exemplar de sua coletânea de poesias, Americanas, escrevendo uma dedicatória; procedeu da mesma maneira, quando lançou o romance Quincas Borba, em 1891. Não seria a primeira vez que o leque se distanciaria de sua proprietária. Ao assiná-lo, Pierre Loti (pseudônimo de Louis Marie Julien Viaud, oicial da marinha francesa e escritor, que desde 1879 transformou sua vida e viagens em temas de romances) escreveu “À la dame inconnue dont on vient de me montrer l’image charmante»16. Percebe-se na frase a possibilidade do escritor não conhecer a Viscondessa; sendo prática relativamente recorrente, ao coletar-se autógrafos, a intermediação de conhecidos em comum (GUTIÉRREZ, 2008). Os registros de entrada no país sugerem uma hipótese. Em 2 de junho de 1891, chegou ao porto do Rio de Janeiro o paquete Malange, saído de Lisboa, em 15 de maio do mesmo 606 607 Retornando a nossa narrativa imaginada, a partir da hipótese da Viscondessa não ter vindo ao Brasil, Machado de Assis pode ter recebido, junto com o leque, instruções para: a) recolher as assinaturas dos irmãos Bernardelli e de Pedro Weingärtner; b) deixar o leque no atelier dos Bernardelli e os mesmos incluíram Weingärtner, que ali também residia; c) escolher ele mesmo alguns pintores para comporem o leque. A última alternativa não é de todo absurda, se observarmos alguns desdobramentos da amizade entre Machado e a Viscondessa. Em 1899, a correspondência do escritor registra estar ele coletando assinaturas A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação / Maraliz de Castro Vieira Christo Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro para um novo álbum de autógrafos, a pedido da Viscondessa. “Ao Senhor Machado de Assis cumprimenta A Viscondessa de Cavalcanti e pede a ineza de encetar a série de literatos cujos autógrafos deseja nesse álbum”. Embora não esteja muito claro, parece que ele mesmo selecionou os signatários: “Acuso o recebimento de sua amável carta de 13 do corrente [junho de 1900] e em resposta cabe-me dizer que aceito agradecida o oferecimento de passar as folhas do álbum às pessoas a quem já falou, assim como o de conservar em seu poder as folhas já escritas para me serem entregues todas juntas. Desculpe-me abusar da sua bondade e queira aceitar as seguranças de toda a minha consideração e estima Viscondessa de Cavalcanti” Em que esse novo contexto alteraria nossa visão sobre o leque? Chama a atenção nos artistas plásticos signatários do leque a unidade que expressavam na década de 1890, unidade reconhecida e desejada pela Viscondessa para os representantes da arte brasileira em seu leque. Todavia, admitindo-se a possibilidade de ter outra pessoa como intermediário entre ela e os artistas, essa unidade expressaria a intenção da Viscondessa? 608 609 A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação / Maraliz de Castro Vieira Christo Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro 1898 (Roma).Óleo s/tela, 27 x 55 cm., Coleção Particular, Rio de Janeiro, RJ. Notas: 13 Zeferino permaneceu apenas 21 dias no cargo, tendo pedido exoneração. (GALVÃO, 1973). 14 A. G. GIRARDET, A tempestade, medalhão em bronze (214mm), reproduzindo pintura mural de Zeferino da Costa no teto da nave central da Igreja da Candelária, 1898. Museu D. João VI, EBA-UFRJ. 15 Barão do Rio Branco, 2012 p. 396- . Publicado originalmente no Jornal do Brasil, em 17 de janeiro de 1892. 16 1 2015. “À dama desconhecida, cuja imagem encantadora acabo de ver” A presença dos artistas franceses no leque foi analisada no texto CHRISTO, 2 A Gazeta de Notícias, por exemplo, manteve, durante todo o ano, uma coluna intitulada “Panorama do Rio de Janeiro”, onde registrava as impressões deixadas pelo público. 3 De um lado, D. Pedro II, Manuel de Oliveira Lima, Pedro Weingartner , Rodolpho Bernardelli; de outro, a Princesa Isabel, marido e os ilhos (Pedro, Luis e Antônio), Eça de Queiroz, Raimundo Madrazo, Arthur Napoleón, Carlos Gomes, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Joaquim Nabuco, Carolus Duran , Jean Beraud, Machado de Assis, Anthero de Quental, Alexandre Dumas Fils, Constant Coquelin, Ramalho Ortigão, Henrique Bernardelli, Léon Bonnat, Victor Cherbuliz, Gabriel Lippmann 4 BERNARDELLI , Rodolfo, Retrato de Arthur Azevedo, escultura em bronze, ass. e dat. 1891 nas costas, 15 x 14 x 8,5 cm. 5 Sobre o artista nos baseamos em SILVA, 2005 e 2011. 6 Sobre Henrique Bernardelli nos baseamos em DAZZI, 2006. 7 Diário de notícias. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1891. 8 Há uma divergência entre as fontes concernente ao trabalho exposto no Salon. Enquanto Angelo Guido (GUIDO,1956, p. 52) escreve ter Weingärtner exposto o quadro Caombat de cocq, consta do catálogo, sob a autoria do artista, a obra de nº 1693, intitulada La leçon. (Société, 1891). 9 Ocupou a mesma sala onde Henrique Bernadelli, em agosto de 1891, izera a sua exposição, contendo quatro telas, Revista Illustrada, agosto de 1891. 10 Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 31 de agosto de 1891, p. 1. 11 O tempo, Rio de Janeiro, 22 de setembro de 1891, p. 1 12 Pedro Weingartner, Fontanina chez le Palais Branca à Rome, 1889. Óleo s/ madeira, 50 x 36 cm., Coleção Jorge Yunes. São Paulo, SP. Pedro Weingartner, O idílio, 610 611 Maraliz de Castro Vieira Christo é Doutora em História pela UNICAMP (2005). Bolsista da Foundation Getty junto ao Institut National d’ Histoire de l’ Art de Paris (2003-2004). Grande Prêmio Capes de Tese em 2006 (concedido à melhor tese defendida em 2005 no conjunto das grandes áreas de Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Lingüística, Letras e Artes). Estágio pós-doutoral na Universitat Jaume I de Castelló, Espanha, e na Escuela Nacional de Antropología e Historia-INAH, México (2009). Professora Associada do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora, Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq - Nível 2, e Bolsista de pesquisa da FAPEMIG. Membro do Comitê Brasileiro de História da Arte. A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação / Maraliz de Castro Vieira Christo Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro Referências Bibliográicas: GOMES, Paulo. “A carreira e a obra de Pedro Weingärtner. Pedro Weingärtner, obra gráica. Porto Alegre, 2008. Revista Illustrada, agosto de 1891. 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A pintura celebrativa do fato histórico ocorrido em solo paulista e decisivo para a história do país independente tornou-se o mote tanto da coleção a ser reunida naquela instituição, como da narrativa histórica a ser elaborada conjuntamente entre o museu e pelo IHGSP: a história de São Paulo como história do Brasil. Vale aqui propor um paralelo entre o papel desempenhado pela Academia Imperial de Belas Artes e pelo Instituto Histórico e Geográico Brasileiro (IHGB, 1838) no projeto político de construção de uma identidade cultural brasileira durante o Segundo Império e a atuação das instituições paulistas correlatas na airmação de uma identidade regional no período republicano. A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções1 A constituição de uma coleção de arte pertencente ao Governo do Estado de São Paulo nos primeiros anos do século XX deve ser entendida como parte de um processo mais amplo de aparelhamento da capital paulista com novos equipamentos voltados à pesquisa cientíica, à cultura e à instrução pública, que fossem condizentes com a importância econômica e política que a cidade adquire nesse momento no cenário nacional. O vertiginoso crescimento populacional pelo qual a cidade de São Paulo passa a partir do último quartel do século XIX2 é certamente outro fator a pressionar o poder público no sentido desse aparelhamento. Assim, é sintomática a criação consecutiva de instituições como a Escola Politécnica em 1893, ou a Biblioteca Pública de São Paulo em 1895, bem como o Horto Florestal, instituição de pesquisa voltada ao incremento da agricultura no estado, inaugurado em 1896. A abertura do viaduto do Chá em 1892, permitindo o trânsito por sobre o vale do Anhangabaú, facilitou a expansão da cidade na direção da Praça da República, percurso em que surgiriam edifícios públicos icônicos, como o Teatro Municipal – cuja construção tem início em 1903 – e o Edifício Caetano de Campos, que passa a abrigar a antiga Escola Normal em 1894. Essas e outras iniciativas semelhantes reletiam os ideais republicanos que versavam sobre as responsabilidades da atuação do Estado para o progresso da sociedade. Em sua conformação inicial, o Museu Paulista compreendia um acervo enciclopédico, reunindo itens de zoologia, botânica e etnograia, além de objetos e documentos históricos. Entre essas muitas coleções, a instituição foi dotada desde o início de suas atividades de uma galeria de belas artes, em que se planejava reunir representações da história e dos costumes locais e nacionais. E aqui se entrelaçam as histórias do Museu Paulista e da Pinacoteca, uma vez que o acervo inicial desta última era composto de 26 pinturas, sendo vinte delas transferidas da galeria artística do Museu Paulista. As demais tinham sido aquisições do Governo do Estado especialmente para compor o novo museu. 616 617 Quando a Pinacoteca do Estado de São Paulo é criada em 25 de dezembro de 1905, ela se constitui numa galeria de pintura junto ao Liceu de Artes e Ofícios, instituição que remonta à Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções / Valeria Piccoli antiga Sociedade Propagadora da Instrução Popular, transformada em Liceu em 1882. As pinturas eram expostas em uma das salas do segundo andar do edifício recém-construído – embora nunca terminado – do Liceu junto ao Parque da Luz. O edifício fora projetado pelo escritório de Francisco de Paula Ramos de Azevedo, engenheiro e arquiteto responsável pela ediicação de vários dos edifícios públicos mais importantes da cidade de São Paulo. Ramos de Azevedo era também diretor do Liceu e à frente da instituição, havia proposto uma reformulação do plano de ensino que apontava claramente para sua intenção de fazer do Liceu o fundamento de uma futura escola de belas artes em São Paulo. Esse intuito já se manifestava aliás, na própria notícia veiculada no jornal Correio Paulistano sobre a abertura da Pinacoteca, que anunciava já a “futura Escola de Bellas Artes de São Paulo”3. O propósito da atuação do governo estadual na criação da Pinacoteca foi, portanto, o de reunir um conjunto de obras de excelência, que pudesse servir como referência artística para os alunos do Liceu e, ao mesmo tempo, incentivar o desenvolvimento do gosto pelas artes no ambiente local. A Pinacoteca em seus primeiros anos foi idealizada para ser um ponto de irradiação, que atuaria concretamente na formação de um sistema de arte local, sistema este que incluía, além galeria artística, a futura escola de belas artes, a subvenção do Estado para o aperfeiçoamento de artistas no exterior, bem como a realização de salões periódicos. Obviamente, o modelo para a organização desse sistema era o da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro. As primeiras pinturas que constituíram a coleção da Pinacoteca eram de autoria de oito artistas ativos no inal do século XIX, entre os quais os paulistas José Ferraz de Almeida Júnior e Pedro Alexandrino, mas também o luminense Oscar Pereira da Silva e a francesa Berthe Worms. Fica evidente o esforço do governo estadual em formar uma coleção valorizando os artistas locais ou aqueles que, como Pereira da Silva e Worms, tinham ixado residência em São Paulo e inluenciavam, como professores de pintura e desenho, o restrito meio artístico da cidade. A opção por separar, dentre o enciclopédico acervo do Museu Paulista o que se considerava na época “acervo artístico” evidencia o interesse por manter no Ipiranga obras que se adequavam a um certo discurso histórico que se pretendia instaurar no monumento, de que a tela de Pedro Américo era o ponto central. Dessa forma, as cenas de gênero, a natureza morta e a paisagem, assim como algumas pinturas de história que não se encaixavam nessa premissa, vieram integrar a coleção da Pinacoteca de São Paulo. Essas relexões acerca da natureza do acervo abrigado em cada instituição levariam a outras transferências de obras realizadas posteriormente entre os dois museus. Em 1947, durante a gestão de Sergio Buarque de Holanda no Museu Paulista, outros 25 itens são encaminhados daquele museu à Pinacoteca. Integravam este lote 19 obras de Almeida Júnior. Desde 1905, a Pinacoteca já possuía em seu acervo o Caipira picando fumo [FIG.1] e a Amolação interrompida. Com essas novas transferências, concentra-se no museu praticamente todo o ciclo de pinturas caipiras do artista, que constitui hoje um dos segmentos mais importantes da coleção, e, sobretudo, aquele que o público mais identiica com a Pinacoteca. Se a presença deste conjunto na coleção do Governo do Estado, por um lado, é indicativa da valorização do primeiro artista que, a partir de São Paulo, alcança projeção nacional, por outro, a desvinculação destas obras do acervo do Museu Paulista, responsável por compor a narrativa oicial da história regional, indica uma revisão da importância do mito do caipira paulista dentro do museu, e a substituição deste pelo mito do bandeirante, faceta que será privilegiada pelo diretor Afonso Taunay nas celebrações do centenário da independência. Vale ressaltar que houve também movimentos no sentido contrário, ou seja, obras sendo transferidas da Pinacoteca para o Museu Paulista, como é o caso da Partida da monção, de Almeida Júnior, já estudada por Fernanda Pitta, requisitada em 1929 pelo diretor Affonso Taunay para a composição da Sala das Monções. 618 619 No ano seguinte, 1948, outros doze itens chegam à Pinacoteca vindos do Ipiranga. Neste lote, cabe destacar a presença da Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções / Valeria Piccoli obra A Providência guia Cabral [FIG.2] pintura de Eliseu Visconti alusiva aos 400 anos da chegada dos portugueses ao Brasil. A composição de Visconti se organiza em torno da igura alegórica da Providência Divina que, com uma das mãos, toca a cabeça do navegador Pedro Álvares Cabral, e com a outra segura uma tocha, que parece servir a iluminar o caminho das naus portuguesas. É provável que a modernidade da composição de Visconti, que prescinde mesmo de uma ambientação apropriada – a embarcação é sugerida pela vela e pelo leme - e é dominada pela vibração dos vermelhos e laranjas predominantes nas ondulações do panejamento da personagem, não facilitasse a sua compreensão naquele momento como uma pintura de história. É indício de que interessava conservar no Ipiranga apenas as obras em que se conirmasse a interpretação de uma história do Brasil narrada a partir de São Paulo. Até 1949, quando o programa do Pensionato Artístico deixou de existir, o acervo da Pinacoteca foi acrescido de obras de artistas como Lopes de Leão e Tulio Mugnaini, pintores formados no círculo do Liceu de Artes e Ofícios e que viriam a ser, ambos, diretores da Pinacoteca: Lopes de Leão foi o primeiro diretor do museu, atuando a partir de 1939 e Mugnaini o sucedeu, permanecendo à frente da instituição entre 1944 e 1965. Também foram contemplados artistas provenientes do interior paulista, como é o caso de Campos Ayres, natural de Itapetininga, ou Monteiro França, nascido em Pindamonhangaba. De modo geral, a produção enviada pelos contemplados da premiação era bastante aim aos padrões estabelecidos pelas academias de belas artes. Despontam como importantes exceções, entre os contemplados pelo Pensionato, a escolha do escultor Victor Brecheret e da pintora Anita Malfatti como pensionistas do Estado, agraciados respectivamente em 1921 e 1923. Por um lado, por serem artistas já identiicados com linguagens mais vanguardistas, tendo ambos passado anteriormente por períodos de estudos no exterior. Mas também, e, especialmente no caso de Malfatti, por já haverem ultrapassado os 25 anos estipulados como idade limite para obtenção do prêmio. A pintora, vinte anos depois de sua passagem pela Academia de Berlim e pela Independent School of Arts em Nova York, viaja para Paris, onde executa cópias de Eugène Delacroix e Jean-François Millet, ambas enviadas para a Pinacoteca em cumprimento à Lei do Pensionato. A doação da obra original também não ocorreu como previa o regulamento do programa. Em 1929, a artista opta por encaminhar ao museu a obra Tropical, de 1917, e não uma obra executada durante o período contemplado pela bolsa. Com a regulamentação do programa de Pensionato Artístico em 19124 a Pinacoteca passou a contar com entradas sistemáticas de obras para suas coleções. De modo semelhante ao que ocorreu na Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro a partir da década de 1840, o Pensionato previa que o Governo do Estado de São Paulo subvencionasse estudos de aperfeiçoamento de artistas paulistas na Europa. O decreto que instituiu o programa airmava que o Governo manteria “em centros artísticos da Europa, moços paulistas dos que maior vocação artística houverem demonstrado para o estudo da pintura, escultura e da música ou canto...”5. Após um exame de seleção, o vencedor era apontado por uma comissão, em que desempenhava um papel bastante decisivo o senador José de Freitas Valle. Ao Governo do Estado cabia garantir a permanência do estudante no exterior por cinco anos, período que poderia ser prorrogado por mais dois anos. Em contrapartida os artistas deveriam apresentar provas de seu processo de aperfeiçoamento, doando para a Pinacoteca, em seu retorno, cópias de quadros célebres de mestres europeus, bem como trabalhos originais executados ao inal do período da bolsa. 620 621 Paralelamente à expansão da coleção promovida pelo programa do Pensionato Artístico, o Governo do Estado teve uma atuação regular na compra de obras para o acervo da Pinacoteca desde os primeiros anos da instituição. As compras revelam uma atenção dos gestores públicos às oportunidades surgidas, por exemplo, em exposições realizadas na cidade, como é o caso da aquisição da pintura Praia de Fortaleza, Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções / Valeria Piccoli Figura 1 - José Ferraz de Almeida Júnior Caipira picando fumo, 1893 Figura 2 - Eliseu Visconti A Providência guia Cabral, 1900 óleo sobre óleo sobre tela, 202 x 141 cm. Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil. Transferência do Museu Paulista, 1905. tela, 180 x 108 cm. Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil. 622 623 Transferência do Museu Paulista, 1948. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções / Valeria Piccoli y Ortiz, Moreno Carbonero, Luis Graner ou Cubells y Ruiz tiveram suas obras adquiridas nos anos seguintes por ocasião de exposições organizadas em São Paulo, uma delas no próprio edifício do Liceu, pelo também artista e espécie de marchand José Pinelo Llul7. Esses eventos, assim como outros semelhantes promovidos por artistas de origem italiana e francesa, indicam a intensa circulação de estrangeiros no meio paulista durante os anos de 1910, cujo impacto se pode sentir também na formação de muitas das coleções privadas da cidade. As notícias de compras feitas por particulares por ocasião das exposições de artistas estrangeiros são frequentes nos jornais da época e muitas das obras adquiridas acabariam por ser direcionadas à Pinacoteca décadas depois, quando se intensiicam os processos de doação de lotes de obras provenientes de espólios familiares. A coincidência das compras feitas contemporaneamente pelo governo estadual e por colecionadores particulares é sintomática da proximidade entre as esferas de decisão pública e privada especialmente naquele período. do pintor paraibano Aurélio de Figueiredo, que expõe seus trabalhos em São Paulo em 1912. É o caso também de Pedro Weingärtner que, retornando de um período na França, realiza uma mostra na cidade em 1911. Entre as obras expostas estava A fazedora de anjos [FIG.3], executada em Paris em 1908, adquirida pelo Governo do Estado e destinada ao acervo da Pinacoteca. Sendo hoje uma das obras mais conhecidas da coleção do museu, A fazedora de anjos não só é um tríptico de grande porte, como também de forte conteúdo moral, que concentra sua narrativa no embaraçoso tema do infanticídio de crianças nascidas fora de uniões estáveis. Essa é uma escolha que nos leva a considerar outros aspectos da função didática que se pretendia para a coleção do museu: a obra parece indicar não apenas um bom exemplo de prática artística e domínio técnico do métier, como também chama a atenção para consequências funestas dos desvios da boa conduta moral. Grande parte das obras da coleção inicial da Pinacoteca revelam preferência por temas moralizantes, pelo sentimentalismo das cenas familiares ou composições com trabalhadores humildes, de que são bons exemplos as pinturas de Berthe Worms e mesmo a Criação da vovó, 1895, de Oscar Pereira da Silva. Contudo, o fato de a pintura de Aurélio de Figueiredo, datada de 1910, ter sido adquirida em 1912, bem como a de Weingärtner ter sido comprada três anos após sua conclusão, reforçam o princípio de que os gestores da Pinacoteca sempre se empenharam em reunir exemplos importantes da produção artística mais recente. As compras realizadas pelo governo estadual para o museu nesses primeiros anos não se limitavam a artistas brasileiros. A regulamentação da Pinacoteca como instituição independente do Liceu, que data de 1911, dispunha que o museu se dedicaria a reunir igualmente autores nacionais e estrangeiros, desde que observado o critério de qualidade das obras adquiridas. Já se notava naquela data a presença na coleção do museu de ao menos dois artistas de origem espanhola: os irmãos Agustín e Pablo Salinas, pintores que expuseram com regularidade em São Paulo entre 1910 e 19196. Outros nomes como Pradilla 624 625 Entretanto, o momento em que se nota uma diversiicação mais acentuada no peril das obras que compõem o acervo da Pinacoteca ocorre a partir de três aquisições realizadas pelo Governo do Estado no inal da década de 1920: em 1928 dá entrada na coleção a pintura Bananal de Lasar Segall; no ano seguinte, a São Paulo de Tarsila do Amaral; e em 1935, o Mestiço de Candido Portinari. As duas primeiras foram adquiridas diretamente dos artistas por iniciativa do então governador Julio Prestes, com quem Segall e Tarsila mantinham laços de amizade. Já Mestiço, a primeira pintura de Portinari a ser adquirida por um museu público, é encaminhado à Pinacoteca por expressa recomendação do escritor Mario de Andrade. Ao se reunirem à escultura Carregadora de perfume, doada ao museu por Victor Brecheret em 1927, e à já referida Tropical, de Anita Malfatti, estas obras vieram a constituir o primeiro núcleo de caráter modernista a ingressar no acervo de um museu brasileiro8. Que esse museu tenha sido um museu em São Paulo, cidade onde ocorreu a Semana de Arte Moderna de 1922, reforça a hipótese de uma política deliberada de consagração inicial desse movimento artístico. Há que se considerar ainda que a presença Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções / Valeria Piccoli de Bananal, Mestiço e Tropical na coleção da Pinacoteca junto ao ciclo de pinturas caipiras de Almeida Júnior, recoloca o debate sobre um caráter nacional nas artes, apontando inalmente para o reconhecimento do legado africano. Pensionato Artístico continuaria ativo até 1949, embora, nesta altura, fosse um modelo já um tanto desgastado de estímulo à formação artística. Todas essas iniciativas colaboravam para que a Pinacoteca fosse se tornando um museu mais e mais identiicado com certa elite paulista e vista como instituição de feição bastante conservadora. Essa imagem só começaria a se alterar no inal da década de 1970, quando da atuação de Aracy Amaral na direção do museu, transformando-se deinitivamente durante a gestão de Emanoel Araújo, que, entre 1992 e 2002, reposiciona a Pinacoteca no cenário nacional, projetando-a também internacionalmente. Por vários anos, esta coleção moderna permaneceria, no entanto, como um conjunto excepcional no acervo da Pinacoteca. A chegada de lotes de obras provenientes de espólios familiares, que se intensiica a partir da década de 1940, viria a reforçar o caráter mais conservador da coleção do museu. Entre esses lotes, vale lembrar as doações feitas pelas famílias Azevedo Marques, Silveira Cintra e Andrada Noronha, por exemplo, que acrescentam ao acervo obras de artistas brasileiros, mas também de vários dos estrangeiros que haviam exposto em São Paulo na década de 1910, ou mesmo obras adquiridas em viagens ao exterior. Por outro lado, a doação de 733 obras provenientes do espólio de Henrique Bernardelli em 1937, bem como a aquisição do espólio de Pedro Alexandrino pelo Governo do Estado em 1944 levariam à criação de salas monográicas no circuito expositivo do museu em homenagem a esses artistas. A reorganização das salas expositivas reforça a ideia do culto à personalidade que parece ter sido, em meados do século XX, um princípio orientador tanto da formação do acervo quanto da maneira de mostrá-lo. Apesar da consolidação da Pinacoteca como o único museu de arte da cidade de São Paulo até a criação do MASP em 1947, é notório que o plano de emulação do meio artístico no contexto paulista não se concretizou como havia sido idealizado pelos gestores públicos na década inal do século XIX. A Escola de Belas Artes de São Paulo, tantas vezes anunciada, nunca se realizaria como uma iniciativa do poder público, inaugurando suas atividades em 1925 como escola privada e, portanto, desligada do museu. O Salão Paulista de Belas Artes seria criado por decreto apenas em 19339, tendo sua primeira edição em janeiro do ano seguinte. Não manteria nenhuma relação com a Escola de Belas Artes, ainda que já estivesse previsto no regulamento que as premiações, se adquiridas, seriam destinadas à coleção da Pinacoteca. Apenas o programa do 626 627 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções / Valeria Piccoli Notas: 1 Este ensaio está fundamentado em estudos que tem sido desenvolvidos nos últimos anos pela equipe de Pesquisa e Curadoria da Pinacoteca do Estado de São Paulo, representando um importante avanço na relexão sobre a história desta instituição centenária. Entre os pesquisadores que se dedicaram particularmente aos anos iniciais da trajetória do museu, destaco os estudos realizados por Ana Paula Nascimento, Fernanda Pitta e Pedro Nery, que recentemente inalizou sua dissertação de mestrado, orientada pelo Prof. Dr. Paulo César Garcez Marins, do Museu Paulista da USP, trazendo à tona uma série de novos documentos sobre as origens da coleção da Pinacoteca. Ver NERY, 2015. 2 A população da cidade salta de 30.000 habitantes em 1872 para 240.000 em 1900, chegando ao primeiro milhão no inal da década de 1920, segundo dados disponíveis no portal da Prefeitura do Município de São Paulo. Ver smdu.prefeitura.sp.gov.br 3 Correio Paulistano, 24/12/1905, capa. 4 É importante ressaltar que 1912 é a data do decreto que regulamenta o programa, embora já houvesse bolsistas enviados à Europa pelo governo estadual desde a década de 1890, conforme aponta pesquisa desenvolvida pela curadora Ana Paula Nascimento para a exposição “O Pensionato Artístico na República Velha” (Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2 de março a 3 de novembro de 2013). 5 Decreto 2.234, de 22 de abril de 1912. Crea o Pensionato Artistico de S.Paulo e lhe dá regulamento. Artigo 1º. Disponível em http://www.al.sp.gov.br/repositorio/ legislacao/decreto/1912/decreto-2234-22.04.1912.html 6 NASCIMENTO, 2010, tomo 2, p.74 7 Pinelo Llul organizou três exposições de arte espanhola em São Paulo, mas atuava num circuito mais extenso que incluía, além do Rio de Janeiro, mostras em Buenos Aires, Argentina e Montevidéu, Uruguai. A esse respeito, ver PITTA, 2014, p.84-112. 8 Figura 3 - Pedro Weingärtner La faiseuse d’anges [A fazedora de anjos], 1908, óleo sobre tela, 151 x 375 cm. Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil. Compra do Governo do Estado de São Paulo, 1911. 628 629 Sobre esse tema, ver ARAÚJO, 2002. 9 Decreto 6.111, de 4 de outubro de 1933. Aprova o Regulamento do Salão Paulista de Belas Artes elaborado pelo Conselho de Orientação Artística. Disponível em http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1933/decreto-6111-04.10.1933. html Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções / Valeria Piccoli Referências Bibliográicas: 100 anos da Pinacoteca: a formação de um acervo. Textos Ana Paula Nascimento, Regina Teixeira de Barros [et al.]. São Paulo: FIESP e Pinacoteca do Estado, 2005. ARAÚJO, Marcelo Mattos. Os modernistas na Pinacoteca: o Museu entre a Vanguarda e a Tradição. São Paulo: FAU-USP, 2002. Tese de Doutorado. Arte no Brasil: uma história na Pinacoteca de São Paulo. Textos Valéria Piccoli, Giancarlo Hannud [et al.]. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2011. NASCIMENTO, Ana Paula. “São Paulo: meio artístico e as exposições (18951929)”. In: Oitocentos – Arte Brasileira do Império à República. Rio de Janeiro: EDUR-UFRRJ/ DezenoveVinte, 2010. NASCIMENTO, Ana Paula. Espaços e a representação de uma nova cidade: São Paulo 1895-1929). São Paulo: FAU-USP, 2009. Tese de Doutorado. NERY, Pedro. Arte, pátria e civilização: a formação dos acervos artísticos do Museu Paulista e da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1893-1912) [online]. São Paulo: Museologia, Universidade de São Paulo, 2015. Dissertação de Mestrado. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/103/103131/tde-29102015-120926/ Pinacoteca do Estado de São Paulo: a história de um museu. Textos Marcelo Araújo [et al.]. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2007. PITTA, Fernanda. Um povo pacato e bucólico: costume e história na pintura de Almeida Júnior. São Paulo: ECA-USP, 2013. Tese de Doutorado. PITTA, Fernanda. “A paisagem naturalista estrangeira na coleção do Museu Mariano Procópio, suas relações com a coleção da Pinacoteca e com o meio artístico brasileiro”. In Coleções em diálogo: Museu Mariano Procópio e Pinacoteca de São Paulo. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2014, pp. 84-112. Valéria Piccoli é Doutora pela FAU-USP, desde 2007 integra a equipe de curadores da Pinacoteca do Estado de São Paulo, tendo se tornado Curadora Chefe em 2012. Foi coordenadora do projeto de reformulação da exposição do acervo da Pinacoteca, que resultou na exposição Arte no Brasil: uma história na Pinacoteca de São Paulo (2011). Colaborou em projetos de exposições internacionais, como Terra Brasilis, parte do festival Europalia.Brésil ocorrido em Bruxelas em 2011 e foi uma das curadoras do projeto Paisagem nas Américas: pinturas da Terra do Fogo ao Ártico (2015-2016), em colaboração com a Art Gallery of Ontario (Toronto, Canadá) e Terra Foundation for American Art (Chicago, Estados Unidos). É membro do CBHA e Membro Individual Regular do ICOM. 630 631 A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição. 632 633 Tatiana da Costa Martins Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição / Tatiana da Costa Martins Nesta formulação, as ações de políticas de aquisição substituindo o termo colecionismo situa o acervo como ponto de partida (fonte) e ponto de chegada (inalidade) inscrito no processo cientíico, isto é, a pesquisa. Porém, Desvallées e Mairesse apontam a limitação desta acepção que (2013, p.34): não permite distinguir o museu da coleção privada, na medida em que esta última pode ser reunida com um objetivo perfeitamente cientíico, do mesmo modo que, por vezes, o museu chega a adquirir coleções privadas desenvolvidas, eventualmente, com uma intenção pouco cientíica. Museu ÷ coleção A coleção de um museu se difere de outros tipos de coleção. E a missão do museu é: “a de adquirir, preservar e valorizar suas coleções com o objetivo de contribuir para a salvaguarda do patrimônio natural, cultural e cientíico” (Código de Ética do ICOM, 2007). A dinâmica que oferece espaço para deinir uma coleção como museológica reside em entendê-la como centro vital das atividades circunscritas na musealização, tal como nos esclarecem André Desvallées e François Mairesse (2013, p.34): “De maneira geral, a coleção – ou as coleções – do museu se apresenta(m) tanto como a fonte quanto como a inalidade das atividades do museu percebido como instituição”. Pretendemos reforçar a ligação entre os objetos da coleção e seu estatuto de fonte através da deinição: “os objetos coletados do museu, adquiridos e preservados em razão de seu valor de exemplaridade, de referência, ou como objetos de importância estética ou educativa” (Burcaw, 1997 apud Desvallées; Mairesse, 2013, p.35). A perspectiva apresentada pelo autor pode referi-se também à dinâmica entre a coleção privada e sua institucionalização, de modo a implicar a associação entre poder público e curadoria (em termos mais rigorosos certamente): O museu deve normalmente desenvolver uma política de aquisição – é o que sublinha o ICOM, que prevê o mesmo para a política de coleta. Ele seleciona, compra, coleta, recebe doações. O verbo “colecionar” é pouco utilizado, porque está muito diretamente ligado ao gesto do colecionador privado e seus derivados. Jean Davallon considera que num museu “os objetos são sempre elementos de sistemas ou de categorias” (1992, p.12). Esta perspectiva permite que a coleção museológica seja tratada pelo rigor metodológico do inventário e de normas de classiicação que sustentam os sistemas de catalogação que, por sua vez, descrevem e localizam qualquer item entre os inúmeros objetos que compõem uma coleção museológica: Os usos modernos da classiicação foram amplamente inluenciados pela informática, mas a documentação de coleções permanece uma atividade que requer um saber especíico e rigoroso, fundado na constituição de um thesaurus capaz de descrever as relações entre diversas categorias de objetos (Desvallées; Mairesse, 2013, p.35). 634 635 A propósito da apresentação do quadro da musealização das coleções no ambiente comunicacional especíico à documentação e pesquisa inalizamos com uma última deinição de coleção que parte da sua materialidade, isto quer dizer, que se trata especiicamente de objetos materiais. O ilósofo polonês Krysztof Pomian deine coleção como “todo conjunto de objetos naturais ou artiiciais, mantidos temporariamente ou deinitivamente fora do circuito de atividades econômicas, submetido a uma proteção especial em um lugar fechado, mantido com este propósito, e exposto ao olhar” (1987, p.12). Esta acepção fundamenta-se no seu conteúdo simbólico já que Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição / Tatiana da Costa Martins implicitamente funciona como portador de sentido ou signiicado. “Deiniu-se a coleção como um conjunto de objetos expostos ao olhar. Mas, ao olhar de quem?” (1984, p.63) Com essa pergunta Pomian prepara o leitor para que se reconheça no elo entre espectadores e o invisível habitado nos objetos. O trânsito entre o visível e o invisível não prescinde do nexo mediador que é o objeto, pois há nele um aspecto comunicacional, o que signiica dizer que este objeto é atravessado pela linguagem. Pomian trata dessas categorias de objetos aplicando o termo semióforo expresso na seguinte airmação: a comunicação possui uma instância invisível. Os critérios observáveis que deinem uma coleção, segundo o autor, dizem respeito à especiicidade do: determinadas no campo das especialidades museologia, história da arte e ensino artístico. Dito desse modo, levamos em consideração a natureza peculiar da formação das coleções do Museu, indissociável da criação do ensino artístico no Brasil e determinada pelo ambiente das políticas públicas que orientam sua caracterização. Coleção + documentação Duas determinações pontuais orientam nossa associação entre coleção e documentação. A primeira circunscreve a declaração do Comitê Internacional para Documentação do ICOM (CIDOC – ICOM): “A documentação é uma aspecto indispensável de todas as atividades do museu. Uma coleção sem documentação adequada não é uma ‘coleção de museu’”. A segunda determinação encontra-se no Código de Ética do ICOM na seção 2, no item 20, da Documentação dos acervos: [...] local em que se acumulam, do estado da sociedade, das suas técnicas, e do modo de vida, da sua capacidade de produzir e acumular o excedente, da importância que se atribui à comunicação entre o visível e o invisível por intermédio dos objetos. (1984, p. 67). Os acervos dos museus devem ser documentados de acordo com normas proissionais reconhecidas. Esta documentação deve permitir a identiicação e a descrição completa de cada item, dos elementos a ele associados, de sua procedência, de seu estado de conservação, dos tratamentos a que já foram submetidos e de sua localização. Estes dados devem ser mantidos em ambiente seguro e estar apoiados por sistemas de recuperação da informação que permitam o acesso aos dados por proissionais do museu e outros usuários autorizados. Independente da coleção possuir uma natureza material ou imaterial, cabe reletir sobre a possibilidade de documentar, registrar e difundir (inserção comunicativa e informacional) os objetos que formam esse conjunto como modo de produzir conhecimento e consequentemente preservar. Com Desvallées e Mairesse (2013, p.35), entendemos que: A coleção do museu sempre teve de ser deinida em relação à documentação que a acompanha e pelo trabalho que resultou dela, para ter a sua relevância reconhecida. Esta evolução levou a uma acepção mais ampla da coleção, como uma reunião de objetos que conservam sua individualidade e reunidos de maneira intencional, segundo uma lógica especíica. E atribuímos que a vinculação entre documentação e coleção; pesquisa e acervo e exposição do Museu D. João VI (MDJVI) dependem das relações sistêmicas, conceituais e materiais Ainda que o MDJVI não apresente sua missão em seu endereço eletrônico, podemos extraí-la do Catálogo do Novo Museu D. João VI, de autoria concepção da professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ) e museóloga Sonia Gomes Pereira, que reúne os processos de modernização e transferência do espaço físico. As ações de musealização - incluindo a caracterização das coleções (fonte e inalidade), documentação, exposição - pelas quais passou o 636 637 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição / Tatiana da Costa Martins Museu foram embasadas nos ditames estabelecidos no Código de Ética e no Estatuto dos Museus supracitados (PEREIRA, 2008, p.25, grifo nosso): Escola Nacional de Belas Artes (ENBA - 1890), transpondo sua deinitiva incorporação à UFRJ até nossos dias contamos 200 anos. Inicialmente, os objetos da coleção são identiicados aos produtos do ensino artístico no Brasil. Há ampla discussão, em diversos campos do conhecimento1, sobre a natureza do objeto do museu na qual se destacam premissas da descontextualização e do esvaziamento do seu uso, isto é, a retirada ou extração do circuito econômico e da função utilitária, do lugar originário e a validade de tais ações. Se por um lado, a extração do objeto serve de embasamento para a deinição de musealização, por outro, discute-se o valor negativo correspondente a uma espécie de ‘decretação’ de morte do objeto. Sem nos aprofundarmos nessa polêmica, consideramos que a extração do objeto e seu acolhimento por um museu signiica sua repotencialização. O Museu D. João VI é essencialmente um museu universitário, voltado para uso de professores e alunos da instituição e para os pesquisadores, que têm interesse direto em suas fontes primárias. Mais do que isso, o Museu atende a uma escola de artes e o seu acervo deve servir ao seu propósito original – aquele que promoveu a própria constituição da coleção: servir de instrumento de estudo e observação dos alunos para a compreensão da tradição artística que embasou a trajetória da arte ocidental e também para a discussão sobre os métodos de formação do artista – questões ainda polêmicas na cena contemporânea. Através da vinculação coleção de arte e de ensino às especiicidades prático-teórica da musealização, compreendemos os processos técnicos da documentação e seus desdobramentos. Em número, o acervo do MDJVI compreende cinco coleções, a saber, Arquivo, Didática, Obras Raras, Ferreira das Neves, Renato Miguez, somando aproximadamente 4.900 peças museológicas e 6.221 documentos. Os objetos da coleção do ensino artístico (Didática) do MDJVI, no momento de sua formação, foram extraídos do seu contexto? Respondemos que, por muito tempo, não. O conjunto de objetos da EBA relativo ao ensino (Coleção Didática e Arquivo do Museu) permaneceu nos ambientes da Escola2 e, posteriormente, na Universidade divido entre as salas de aula, corredores e ateliers, com a presença de alunos, professores e funcionários das Instituições: Começamos, então, o relato da sua formação. O Museu possui uma trajetória singular que nos permite associá-lo ao ambiente acadêmico, tipiicado como museu universitário e relacionado ao ensino das Belas Artes no Brasil. A formação inicial da coleção está marcada pela da criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, por Decreto Real irmado em 1816, e sua institucionalização ocorre somente em 1979, por iniciativa do então diretor da EBA/UFRJ, prof. Almir Paredes. Durante esses quase duzentos anos o museu existiu apenas na possibilidade de ser, no devir de um acervo que foi se constituindo por doações, mas, principalmente, pelo próprio ensino artístico no Brasil. As obras enviadas pelos pensionistas, as pinturas de mestres que serviam de exemplo nas paredes dos ateliês, os documentos que registravam a memória de todos esses anos e as diversas doações foram dando corpo às coleções (LUZ, 2008, p.9). Do início do colecionismo na Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, passando pela efetivação da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA - 1826), sua consequente transformação em 638 639 A Coleção Didática e o Arquivo do Museu formam o núcleo central do acervo do MDJVI. A tipiicação Museu do ensino Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição / Tatiana da Costa Martins (desenho, gravura, escultura e pintura) identiicadas com as normas clássicas. A história que os objetos contam relete o contexto geral da memória artística como projeto epistemológico e campo de especialidade. Nesse sentido, apresentamos a abordagem de Maria Teresa Marín Torres (2004, p.272): artístico deve-se à muselização dos objetos de sala de aula, exercícios, práticas, prêmios, todo e qualquer objeto que confere unidade àquele ambiente. Sonia Gomes Pereira (2010, p.13) indica o movimento (inerente às instituições) que deu origem à coleção principal do MDJVI: “Em 1937, esse acervo foi dividido em dois conjuntos. Outra parte, em geral de caráter mais didático, continuou nas salas de aulas e nos ateliês da ENBA”. A memória artística está formada principalmente pelas obras de arte assim como pela informação e documentação que estas geram. A consciência de seu aparecimento, assim como a necessidade do seu estudo, controle e difusão ocorrem, sobretudo, durante os séculos XVII e XIX com o nascimento da História da Arte e os movimentos artísticos e sua descontextualização, tanto pela importância que o mercado artístico recebe quanto pelos episódios revolucionários que impulsionam o surgimento do museu público. A coleção Jeronymo Ferreira das Neves foi doada à ENBA em 1947. A coleção, caracterizada por objetos da atmosfera doméstica do casal Ferreira das Neves e pelos objetos colecionados por eles, coletados preferencialmente em Portugal durante o século XIX, “[...] forma um conjunto eclético, pois reúne pinturas, esculturas, gravuras, tecidos, móveis, imaginária, porcelana, prataria, numismática e livros raros, em sua maioria de origem europeia” (PEREIRA, 2010, p.14). Os aspectos estético, histórico, artístico e sua recepção alinham-se à feição comunicacional natural e necessária aos objetos que conservam a memória artística. O ambiente da preservação desses objetos destina-se preferencialmente ao museu. Em especial, o MDJVI reúne objetos cujos signiicados apregoam certa adesão teórica e adequação da práxis referentes ao ambiente do ensino artístico e sua musealização. Os objetos reletem a mentalidade artística da época da Academia/ Escola, referenciados pela tradição artística, a partir da qual se deinem os processos: estabelece hierarquia entre os tipos e materiais, temas e problemas; evidencia as etapas práticas para se alcançar o resultado máximo de objeto tipiicado; adota escala de valores rigorosa pautada no exercício da cópia. Sonia Gomes Pereira sintetiza a seguir a lógica do nosso ensino Acadêmico: Já incorporadas à EBA/UFRJ, as coleções passam a integrar um museu a partir de 1979 com a criação do MDJVI. A importância da consolidação das coleções através da musealização do acervo na criação do MDJVI incide sobre o signiicado da memória artística no Brasil. A unidade constitutiva da Coleção Didática se expressa através da metodologia do ensino artístico tradicional. Remontando à Missão Artística Francesa (origem e mentalidade da pedagogia da Academia), passando pelas formulações artísticas tradicionais e consolidando a linguagem plástica no Brasil, o acervo do MDJVI documenta, conserva e comunica o patrimônio artístico no Brasil. As peças originadas das práticas do ensino artístico explicitam o pensamento, a ideologia, os métodos e os resultados obtidos pelo sistema pedagógico que se constituía na Academia/ Escola. No sistema de arte oitocentista, a prática artística tinha como objetivo o aprimoramento das técnicas tradicionais 640 641 Todo esse sistema pedagógico continha certamente um caráter teórico e ideológico, que manteve sempre sua adesão às diretrizes dominantes da tradição artística ocidental, mas o ensino propriamente dito caracterizava-se pelo pragmatismo, em que importavam, sobretudo, a relação direta mestre⁄aluno e a experiência prática no ateliê (2010, Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição / Tatiana da Costa Martins As informações dos objetos do MDJVI - rediscutidas por ocasião do Projeto Integrado na comemoração dos 180 anos da Escola de Belas Artes coordenado por Sonia Gomes Pereira e pela professora da EBA Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira – são direcionadas para a uniformização das classiicações. Os descritores não foram alterados substancialmente em relação às informações fornecidas na época da incorporação à EBA/ UFRJ. Na realidade, eles conferem a possibilidade de acrescentar a vida da peça na instituição, seus trânsitos e deslocamentos, caracterizando o processo de musealização da coleção. Sobre o processo de informatização, Sonia Gomes Pereira relata: p.14). A prática do ensino acadêmico no Brasil resulta em inúmeros objetos, à primeira vista sem o valor artístico do objeto consagrado, tais como desenho, gravura, molde em gesso, escultura, pintura solicitados em salas de aula. A orientação era temática, seguindo os gêneros de pintura: “Durante grande parte do século XIX predominaram as obras e temas históricos ou retratos. No entanto, a partir da passagem do XIX para o XX, outros gêneros tornaram-se importantes, como as paisagens, as naturezas-mortas e as cenas do cotidiano” (PEREIRA, 2010, p.14). Além das peças produzidas nos ateliês da academia, os documentos gerados na vivência cotidiana e burocrática do ensino também indicam o funcionamento da tradição artística vinculada à Academia/Escola. Por exemplo, a documentação regular da AIBA e da ENBA, tal como atas das reuniões da diretoria, caderneta de estudantes, programas de curso, regulamentos de concursos (23.600 páginas) e os documentação avulsa, representada por correspondências, certidões, recorte de jornal, trânsito de professores entre instituições, etc (118.000 páginas)3. A base de desenvolvimento do projeto foi a realização de um inventário cientíico e sistemático dos acervos museológico e arquivístico. Criou-se um padrão de registro único, com a subsequente organização de um Banco de Dados Informatizados4, que permitiu agilizar a identiicação e a localização das peças do acervo, além de possibilitar o cruzamento de informações entre diversas categorias – autoria, título, datação, técnica e material, - otimizando o acesso do pesquisador às fontes primárias. (PEREIRA, 2010, p.15) Objetos e papéis transformam-se em acervo museológico e arquivístico. Disso resulta nossa memória artística compreendida no quadro de musealização do MDJVI. A informatização dos acervos museológico e arquivístico dependia da especiicidade das coleções e do seu estado de conservação. Como metodologia, estabelece-se um diagnóstico profundo da situação das coleções no sentido do processamento museológico recebido até então, a partir do qual foi identiicada a heterogeneidade nas descrições dos objetos da coleção. A etapa seguinte previa a uniicação das informações com a reformulação das ichas catalográicas, construindo um arcabouço informacional correspondente à museologia – deinido por critérios técnico-cientíico desse campo de conhecimento. O MDJVI adota icha catalográica que contém descritores relevantes para o campo da arte. Sem dúvida, tal icha poderia ser mais elaborada do ponto de vista da museologia e da arte. A icha que foi produzida por ocasião da incorporação das coleções oriundas da ENBA era básica, cumprindo a função imediata da etiqueta de identiicação da peça. Seus descritores eram: categoria, número, autor, título, técnica, dimensões, localização, observação, data e assinatura. Com critérios de identiicação extremamente simpliicados, algumas informações foram ignoradas, diicultando muitas vezes a caracterização completa da peça. 642 643 Atualmente, o MDJVI trabalha com a icha catalográica que contém os seguintes descritores: registro (numeração sequencial que respeita o sistema numérico do Livro de Tombo); classe Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição / Tatiana da Costa Martins Didática, conferindo, no universo heterogêneo de uma coleção, seu caráter identitário. Da avaliação em sala de aula ao julgamento do cobiçado Prêmio de viagem, existe uma lógica relativa à estrutura do ensino artístico e à circulação do objeto de arte fundadora do nosso Sistema de Arte. e subclasse (informação pautada no Thesaurus para acervos museológicos, editado pela Fundação Pró-memória em 1987); autor e coautor; datação, local e assinatura (segue as normas do Manual de Catalogação de Pinturas, Esculturas, Desenhos e Gravuras, publicado pelo Museu Nacional de Belas Artes em 1995); título, técnica-material e dimensões (informação orientada pelo Sistema de Informação do Museu Nacional de Belas Artes de 1995); aquisição, modo, ano, conservação; concursos, exposições, premiações e pensionistas; tema, localização, observação, movimentação. Nesse sentido, entendemos que da sua formação inicial à consolidação do acervo museológico e arquivológico, devemos caracterizar os aspectos da musealização pertinentes às práticas e sistemas de informação das coleções do Museu: critérios de seleção dos objetos, sistematização das coleções, histórico e localização; além de apresentarmos os elementos para a fundamentação do discurso museológico contido na exposição do acervo do Museu. Convém destacar as informações relevantes que comunicam o acervo do Museu ao seu usuário (acervos arquivístico e museológico). Assinalamos a especiicidade do campo título, que à primeira vista não se reveste de excepcionalidade, mas analisando a informação contida, percebemos a especiicidade da identiicação ou da atribuição do título pela natureza do objeto. Por exemplo, os objetos da Coleção Didática consistem da prática de aula, por esta razão muitas vezes não foram intitulados, restando como procedimento de identiicação a atribuição, esta, por sua vez, é decorrente do tema ou da imagem. As informações complementares ao título são constitutivas do sistema de ensino artístico, próprio e restrito à Academia/Escola. Ainda nos termos da musealização da coleção Didática, observamos que o ensino artístico na AIBA e na ENBA era orientado pela relação entre mestre e discípulo de natureza marcadamente hierárquica da qual extraímos um rígido princípio de aferição. Contemplando o sistema de avaliação do aluno, buscamos no campo descritor concursos, exposições, premiações e pensionistas, o aprofundamento da informação contida no objeto da coleção, isto é, seu pertencimento à lógica do ensino artístico que fundamenta (por adesão ou por oposição) a produção artística no Brasil. A sequência relativamente extensa e detalhada (aproximadamente 45 referências) das várias premiações – podendo ser relativas ou não à Academia/Escola - indica a especiicidade da Coleção Documentação = exposição As exposições guardam vários sentidos: das obras expostas ao lugar da exposição. A polissemia indica complexo tema. A expressão exposição aplica-se (DESVALLÉS; MAIRESSE, 2010, p.42) “[...] tanto ao conjunto de coisas de natureza variadas e formas distintas, expostas ao público, quanto às próprias coisas expostas e ao lugar onde acontece essa manifestação.” Como uma atribuição do museu, a exposição amplia ainda mais seu uso. O museu reletido no espaço expositivo, leva em consideração o conteúdo e seus suportes – galeria de arte, site speciic, sítio arqueológico e histórico, etc – e, ainda, seu público, os usuários que participam da experiência proposta, indicando a dimensão comunicacional do lugar. Retomamos, portanto, a deinição proissional de museu, de atribuição recente, que se encontra nos estatutos do Internacional Council of Museums - Conselho Internacional de Museus (ICOM): 644 645 O museu é uma instituição permanente sem ins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com ins de educação, estudo e deleite Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição / Tatiana da Costa Martins (ICOM, 2007, grifo nosso). como matéria-prima desta informação cultural especializada (2000, p.20). A deinição do ICOM é pertinente à discussão, pois evidencia a função exposição do ponto de vista qualitativo e entrelaçada às outras competências do museu. De acordo com Desvallés e Mairesse (2010, p.43): “[...] a exposição faz parte da função mais geral de comunicação do museu, que compreende igualmente as políticas educativas e de publicação”. Deparamos-nos então com uma função fundamental do Museu, que é constituída para a visualização dos objetos de sua coleção, ou seja, a apresentação sensível dos objetos. “O discurso museológico que a exposição do acervo expressa” recorre fundamentalmente às informações geradas no processo de documentação do objeto da coleção do Museu (no qual deve conter além das informações técnicas, seu histórico antes de pertencer ao acervo, sua movimentação e vida na instituição, referências que auxiliam na sua caracterização, entre outras informações). O modo de expor pode contribuir para reforçar a identidade da peça incidindo sobre sua natureza de objeto de coleção especíica. Em geral, a exposição do acervo de um museu é o ponto de chegada do processo que se inicia com a identiicação do objeto, seu registro, o diagnóstico da conservação sobre seu estado físico e sua catalogação. A musealização do objeto é marcada por diversas etapas indicadas pela natureza técnica de cada processo pelos quais um objeto acolhido no museu deve passar para se constituir num objeto de museu. A função informacional-comunicacional que culmina na exposição, explicitada pela museóloga Diana Farjalla Correia Lima, é consequência de uma cadeia de práticas direcionadas para o objeto do acervo do museu com o objetivo de conservá-lo e identiicá-lo, para, por im, oferecê-lo ao público na forma de exposição: A tarefa primordial do Museu da categoria tradicional está alicerçada na atividade de conhecer/estudar seu acervo e todas as implicações teóricas e práticas decorrentes, (tarefa da qual depende a ‘vida’ da Instituição Cultural), no contato que estabelece com seu usuário, o público visitante ou o público consulente, nas iguras dos visitantes de breve passagem ou do pesquisador e demais usuários, na constância das interrogações. Qualquer motivo que estimule e leve o público ao Museu – lazer ou estudo – terá o efeito de colocá-lo frente ao discurso museológico que a exposição do acervo expressa, elaborado tomando os objetos das coleções A exposição de longa duração da coleção do MDJVI, inaugurada em 2008, torna visível os diversos aspectos de sua musealização, pois coloca em evidência a sobreposição das funções do Museu: trata-se de expor a reserva técnica. Nos interessa pensar no conjunto das atividades do Museu segundo tal coniguração. A necessidade de repensar o conceito museológico da Instituição foi impulsionada por uma circunstância: a mudança do espaço do Museu5 (2006). Anteriormente localizado no 2º andar do Prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ6, o MDJVI foi realocado no 7º andar do mesmo prédio. A mudança implicou a redução drástica do espaço físico do Museu. Em paralelo à nova realidade, foi premente reconsiderar profundamente os processos técnicos para o Museu. De acordo com as circunstâncias relativas ao prédio da FAU/ UFRJ, Sonia Gomes Pereira põe em prática a nova concepção museológica do MDJVI: 646 647 O conceito norteador no novo Museu D. João VI repousa sobre a ideia da Reserva Técnica disponibilizada ao público, resguardados, naturalmente, aos cuidados necessários com a conservação e a vigilância do acervo. Com a compra dos trainéis, estantes e mapotecas para armazenamento do acervo e dos equipamentos para controle climático e de Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição / Tatiana da Costa Martins segurança (2010, p.18). da arte no Brasil foram balizares para chegar à fundamentação do projeto museográico (2010, p.22). A partir do conceito museológico planejado por Sonia Gomes Pereira, faz-se necessário repensar a museograia do MDJV. A museograia tem a assinatura de Marize Malta, professora da Escola de Belas Artes e arquiteta, e podemos pensá-la como a expressão máxima da reconiguração dos setores do museu que busca agregar à Instituição outro plano artístico-museológico. Nesse sentido, a museograia sinaliza a mudança conceitual do Museu ao dispor as coleções em estado de tratamento técnico, seccionadas por temas, em consonância com a divisão estabelecida no ambiente do ensino acadêmico no Brasil. Desde a criação do Museu em 1979 até sua transformação conceitual, o discurso museológico apresentado na exposição possuía o claro propósito de oferecer uma tipologia diacrônica das obras do acervo. A mudança do status expositivo que reverte o sentido cronológico para a visualização do acervo reunido em coleções, caracteriza nova forma de comunicar consoante a nossa atualidade, cuja aposta reside em opor e contrastar modos de experiência espácio-temporal. Os espaços que abrigavam separadamente sala de exposição e reserva técnica passam a exercer a dupla função. Para as salas do atual espaço do Museu, foi concebida a “reserva técnica exibida” (MALTA, 2010, p.20), solução adequada em relação à redução do espaço, mas que assegura coerência no tratamento das coleções do MDJVI. O novo conceito museológico do MDJV parte de projetos integrados e complementares que circunscrevem a informatização do acervo (1994-1998), revitalização da reserva técnica (2005-2011) e a mudança do espaço (2006-2008). Esta nova concepção retrata a percepção do público e usuários do Museu, deinidos pela ênfase no peril universitário que acentua as funções ensino e pesquisa, imiscuídas na inalidade educação e estudo em acordo com as prerrogativas do ICOM. A nova curadoria do MDJVI repensa ainda as coleções que constituem o seu acervo do ponto de vista da sua distribuição física e funcional no novo espaço. A centralidade da coleção Didática – em número de peças e na tipiicação do próprio Museu - apoia-se na proximidade física entre o Arquivo e a Biblioteca de Obras Raras constituindo assim seu núcleo de estudo e pesquisa. A ideia de coleções implicava ação de reunir peças sob determinado critério, tanto de escolha das peças quanto maneira de agrupá-las, distinto de uma sequência cronológica ou da eleição de determinado artista para ser destacado. Vê-las em conjunto signiicava tratá-las como coleção de estudo (study collections), locando-as de modo a provocar indagações e problematizações capazes de incitarem novas pesquisas ou, pelo menos, de fazer com que o público revisse suas premissas em relação ao tom pejorativo que ainda persiste frente à categoria arte acadêmica (MALTA, 2010, p. 23) Indiscutivelmente, a proposição da curadoria considera o quadro das coleções para dinamizar as etapas processuais da musealização. Para o projeto museográico da exposição de longa duração do MDJVI, Marize Malta pontua: As discussões acerca das coleções, da importância do acervo para o entendimento da formação artística, da história da Escola, da potencialidade das obras para a escrita da história 648 649 A museograia do MDJVI explicita o funcionamento da reserva técnica, na qual o processamento do acervo é realizado. O visitante escolhe um caderno referente a um determinado espaço da reserva técnica ou especiicação da peça ou coleção (por exemplo: acervo do corredor, acervo de esculturas, acervo Ferreira das Neves, acervo de pintura). Em posse desse caderno de referência, o visitante pode apreciar a peça independente das informações técnicas (numeração das peças e dados correspondentes à etiqueta de informação), imerso no do conjunto colecionado. O percurso linear associado à disposição de peças em ordem cronológica não assegura totalmente a potência Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição / Tatiana da Costa Martins artísticas e seus modos de expor. A autora revela um apreço pelo pensamento pós-moderno no que tange os postulados teóricos da arqueologia de Michel Foucault: da coleção. Atravessar o olhar pelos espaços povoados pelos objetos da coleção, que reunidos sob alguma tutela (coleção, tema, tipo), expande suas possibilidades discursivas. A disposição de um objeto do MDJVI interfere necessariamente em outro, formando camadas de leituras reveladas por diversas perspectivas para além da composição diacrônica de certo tipo de história. Outro aspecto relevante da experiência dessa composição reside na vivência do visitante no universo colecionista que cada vez mais retorna para as relexões acerca da disposição do sujeito colecionador de inspiração benjaminiana. Na pós-modernidade não haveria parâmetros ixos, de acordo com o ilósofo francês [Foucault] ante ao desaparecimento da história progressista e teleológica, assim só nos restaria a realização de uma arqueologia. Na atualidade, a memória artística não se ordena por critérios cronológicos, a exemplo do MoMA, onde as coleções aparecem de acordo com parâmetros temáticos. […] A ilosoia estruturalista da história de Foucault se transforma em arqueologia; o historiador em colecionista que tenta obter sucesso com fragmentos que podem parecer insigniicantes; os documentos são constituídos como monumentos; e suas classiicações, que podem ser muito subjetivas, ocorrem no espaço do heterotópico por excelência da pós-modernidade (2004, p.279). O efeito da museograia revela um duplo exposto: a prática museológica e a apreciação do objeto disposto aos olhos se confundem e se repotencializam. O museu se transformou em uma grande reserva técnica e todas as suas salas e circulações foram consideradas como espaço para guarda⁄exibição do acervo. [...] Por esse viés, chamei esse partido projetual de ‘reserva técnica exibida’ de modo a relativizar a ideia de guarda fechada e inacessível das reservas técnicas e da exibição espetacularizada de peças nos salões de exposição. A intenção era de guardar e exibir, preservar e mostrar, proteger e expor. Em vez de tratar esses conceitos como oposições, a opção foi de encará-los como diferenças capazes de conviverem e se sensibilizarem (MALTA, 2010, p.24, grifo nosso). Se a exposição expressa o discurso do museu, cabe reletir sobre o modo dialógico que a museograia do MDJVI propõe ao restituir as conjunções, grifadas por nós, entre as assertivas dessa fala. As disjunções características do discurso museológico centrado nas excessivas especializações do tempo cronológico são relativizadas em benefício da materialidade imanente das coleções do acervo e em respeito à formação da nossa memória artística. Como ordenação da memória artística, a museograia do MDJVI relete a dimensão discursiva da atualidade. Torres retraça a problemática dos parâmetros dos dispositivos da memória referentes às coleções A orientação temporal relacionada à pós-modernidade recai sobre o discurso museológico oferecido pela museograia do MDJVI. A partir dele, compreendemos as práticas oriundas da área do conhecimento da museologia que, ofertadas aos olhos dos visitantes, atestam seu campo de competência. Para além do aspecto técnico, a museograia revela o lugar misterioso e quase sempre vedado ao visitante, espaço íntimo do museu, sua faceta menos pública. Acentuamos a singularidade da sobreposição de funções dos espaços do MDJVI envolvida no modo heterotópico cuja dinâmica deixa transparecer sua condição de objeto em metamorfose, lembrando-nos aqui da fórmula do André Malraux em seu Museu Imaginário. O mistério revelado no tratamento do objeto de museu, sua potencialidade frente à nova condição e a apresentação do universo da recontextualização no seu novo ambiente de uso são o resultado do partido projetual da “reserva técnica exibida”. A premissa de tornar visível e comunicável aquilo que, constitutivo do objeto de coleção, permanece intangível acompanha a experiência do visitante condicionada pelo novo conceito 650 651 Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição / Tatiana da Costa Martins Notas: museológico do MDJVI. A concepção museológica do MDJVI expõe sua dimensão colecionável – disposição afetiva do sujeito-institucional - que não se resume ao tratamento técnico dos objetos. Ao dispor seu acervo a partir da perspectiva das suas coleções, realiza uma dupla experiência do espaço: como visualização e como musealização e assim revela sua potencialidade artística e museológica. O museu se divide em coleções; às coleções, são somados os documentos; os documentos materializam a exposição. 1 Museologia, Artes, Antropologia, História, Sociologia, por exemplo. 2 O acervo do atual MDJVI icava espalhado nos ateliês e salas de aula, corredores e administração do prédio do Museu Nacional de Belas Artes, onde a ENBA esteve localizada até 1975. 3 De acordo com estimativa de Sonia Gomes Pereira. 4 Elaborado pelo professor Pedro Manoel da Silveira do Núcleo de Computação Eletrônica – UFRJ. 5 A constante iniltração e as inúmeras goteiras no espaço do Mezzanino no prédio colocaram em risco o acervo do Museu. 6 O prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo foi projetado pelo arquiteto Jorge Moreira e ganhou o prêmio da Bienal de São Paulo em 1957. 652 653 Tatiana da Costa Martins Museóloga: graduação: Museologia Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO (1997); mestrado: História Social da Cultura, PUC-Rio (2002); doutorado: História Social da Cultura (2009); pós-doutorado: Programa de Pós-graduação em Museologia e Patrimônio PPG PMUS UNIRIO/MAST (2014) Professora: Departamento de História e Teoria da Arte, UFRJ, e Professora convidada do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais PPGAV/UFRJ. Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição / Tatiana da Costa Martins Referências Bibliográicas: POMIAN, Kryzstof. Coleção. Lisboa: Einaudi, 1984. BENJAMIM, Walter. Desempacotando minha biblioteca: um discurso sobre o colecionador. In: Rua de mão única. Obras Escolhidas. Vol. 2. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 227-235. CAMARO-Moro, Fernanda de. Museu: aquisição/documentação. Rio de Janeiro: Livraria Eça Editora, 1986. TORRES, Maria Teresa Marín. Los visionarios de la gestión de la memoria artística. Revista da Faculdade de Letras Ciências e Técnicas do patrimônio, Vol. III. Porto, 2004. DAMISCH, Hubert. L’amour m’expose. Gand: Yves Gevaert Éditeur, 2000. Davallon Jean. Le musée est-il vraiment un média, Public et musées, no2, p. 99-124, 1992. DEVALLÉES, Andre; MAIRESSE, François. Conceitos-chave de museologia, ICOM, 2013. ENTRESSECULOS. 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