MODELOS NA ARTE
200 anos da
Escola de
Belas Artes do
Rio de Janeiro
Anais eletrônicos
do VII Seminário do
Museu D. João VI
Ana Cavalcanti
Marize Malta
Sonia Gomes Pereira
Arthur Valle
Organizadores
MODELOS NA ARTE
200 anos da
Escola de
Belas Artes do
Rio de Janeiro
Anais eletrônicos
do VII Seminário do
Museu D. João VI
Ana Cavalcanti
Marize Malta
Sonia Gomes Pereira
Arthur Valle
Organizadores
Rio de Janeiro
Edições EBA
2017
La imagen de Bolívar en la coniguración de modelos
estéticos en el siglo XIX colombiano
/ Carolina Vanegas Carrasco
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Os artigos e as imagens reproduzidas nos textos são de inteira responsabilidade de seus autores
ISBN 978-85-87145-72-7
Anais eletrônicos do VII Seminário do Museu D. João VI
EBA/CLA/UFRJ 2017
2017 ©
Capa: Adriano Motta
Concepção Gráica
Organização Editorial
Marize Malta
Marcele Linhares Viana
Projeto Gráico: Adriano Motta
Apoio
CAPES
Escola de Belas Artes - UFRJ
Centro de Letras e Artes - UFRJ
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais – EBA/UFRJ
Organização
Ana Cavalcanti
Marize Malta
Sonia Gomes Pereira
Arthur Valle
CAVALCANTI, Ana; MALTA; Marize; PEREIRA, Sonia Gomes; VALLE Arthur (orgs.).
Roberto Leher
Reitor
Modelos na arte. 200 anos da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Anais
eletrônicos do VII Seminário do Museu D. João VI. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ,
Flora De Paoli
Decana do CLA
2017.
655p.
Carlos Terra
Diretor da EBA
•
Felipe Scovino
Coordenador do PPGAV
Ana Cavalcanti
Coordenadora do Museu D. João VI
Museu D. João VI 2. Modelos na arte 3. História da arte
I. Título
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro
4
5
SUMÁRIO
Maria Luisa Tavora / Quirino Campoiorito: emblemático ativista
da modernização na ENBA
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
ACADEMIAS, MODELOS E OS 200 ANOS DA
ACADEMIA DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO
Rafael Bteshe / Os manuscritos de Marques Junior
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170
APRESENTAÇÃO
MODELOS DE ENSINO EM OUTRAS ACADEMIAS
ACADEMIAS E QUESTÕES ARTÍSTICAS
PALESTRA
CONFERÊNCIAS
Anna Marley / Making history in American Art Academies
1781-1893
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190
Alain Bonnet / La Gloire et l’Opprobre: la carrière des peintres
oficiels en France au XIXe siècle
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
COMUNICAÇÕES
Sonia Gomes Pereira / Estudos sobre a Academia de Belas Artes
do Rio de Janeiro: estado da questão e revisão historiográica
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
Laurens Dhaenens / Modelled on sound: art criticism and the
institutionalization of the visual arts in Buenos Aires, Rio de
Janeiro and Santiago de Chile between 1869 and1879
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206
MODELOS DE ENSINO NA ACADEMIA DO RIO DE JANEIRO
Michela Degortes & Maria João Neto / Ensino artístico na Corte
Portuguesa do Rio de Janeiro: a escolha entre os modelos francês e
italiano
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 224
PALESTRA
Elaine Dias / Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e
Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e estratégias na direção do
ensino artístico brasileiro (1816 – 1851)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Amandine Diener / Brazilian architecture and the École des BeauxArts. Teaching approach of André Gutton
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250
COMUNICAÇÕES
Cybele Vidal Fernandes / Ensino artístico na Academia Imperial
de Belas Artes. Campo de produção X campo de consagração
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
MODELOS DE APLICAÇÃO
Ana Cavalcanti / Da prática das cópias às imagens de referência na
pintura de Eliseu Visconti
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
Angela Boesl / The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839
– 1916) teaching model of plant studies for Prussian schools of
applied arts
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 274
COMUNICAÇÕES
Marina de Andrade & Dalila Santos / O desenho e a formação do
artista contemporâneo: entre modelos e tradições
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
Marize Malta / Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar
decorativo na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os
modelos ornamentais no século XIX
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 298
6
7
Rogéria de Ipanema / A tradução ilustrada da arte em revista:
dentro e fora dos modelos de atuação da Academia Imperial das
Belas Artes e da Revista Illustrada
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 512
Marcele Linhares Viana / Da ÉcoleGuérin à Bauhaus – os modelos
de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 322
Danielle Rodrigues Amaro / Um “amplo movimento de educação
estética”: o projeto social inscrito no Instituto de Belas Artes desde
sua criação até sua extinção (Rio de Janeiro, 1950 – 1975)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 342
PÔSTERES
Barbara Ferreira Fernandes / A pintura de história e seu papel
na legitimação do Estado: as encomendas oiciais realizadas pelo
Senado Imperial
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 530
Larisa Mantovani & Giulia Murace / Enseñarenlas fabricas el amor
e lo bello. Artes industriales y academia a comienzos del siglo XIX
em Argentina
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 372
João Victor Rosseti Brancato / Entre a sala de aula e o Salão: a
crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 550
Heloisa Salém Fernandes Capel / Modesto Brocos e os modelos
de formação artística: defesa das artes proissionais na Primeira
República (1890 – 1915)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 388
Valéria Mendes Fasolato / Esquecimento de Maria Pardos:
“o primeiro nu do Salon”
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 572
PÔSTERES
MODELOS DE COLEÇÃO
Patrícia Figueiredo Pedrosa / A EBA e o ensino nas oicinas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 408
PALESTRA
MODELOS DE REPRESENTAÇÃO
Maraliz Christo / A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos
no leque da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 590
COMUNICAÇÕES
Fernanda Mendonça Pitta / Entre alegoria nacional e tipo
brasileiro: o lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico
de construção da nação
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 422
COMUNICAÇÕES
Valéria Piccoli / A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas
coleções
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 614
Carolina Vanegas Carrasco / La imagem de Bolívar en la
coniguración de modelos estéticos en el siglo XIX colombiano
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 456
Tatiana da Costa Martins / O acervo museológico do Museu D.
João VI: arte, documentação e exposição
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 632
Thiago Costa / Debret, leitor de Humboldt. Modelos artísticos e
cientíicos da representação da paisagem brasileira
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 476
Taís Gonçalves Avancini / A formação dos artistas mexicanos
e brasileiros, entre 1890 e 1920, na ENBA/ México e na ENBA/
Brasil através da produção de desenhos (“academias”)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 496
8
9
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Apresentação
Pereira, professora emérita da UFRJ, como a fundadora dessa
linha de pesquisa.
Essa liderança tem raízes em fatores históricos e atuais. Em
primeiro lugar, devemos lembrar que a antiga Academia das Belas
Artes - atual Escola de Belas Artes da UFRJ (EBA/UFRJ), sede
do grupo de pesquisa Entresséculos, foi inaugurada na cidade
do Rio de Janeiro em 1816, data cujos 200 anos o evento buscou
justamente celebrar. Além disso, o Programa de Pós-Graduação
em Artes Visuais (PPGAV) (Mestrado e Doutorado) da EBA/
UFRJ vem ampliando a possibilidade de novas leituras na
reavaliação crítica da Academia Imperial de Belas Artes-Escola
Nacional de Belas Artes e vem investindo, desde os anos 1990,
em uma linha de pesquisa sobre a história do ensino artístico no
Brasil, tomando como caso de estudo a sua própria trajetória
enquanto instituição que se vale das fontes primárias do Museu
D. João VI-EBA-UFRJ.
Academias, modelos e os 200 anos da Academia de Belas Artes do
Rio de Janeiro
Apresentação
Em 2016, completaram-se 200 anos da chegada da “Missão
artística francesa” ao Rio de Janeiro e consequente criação da
Escola Real das Ciências Artes e Ofícios, por Decreto-Lei em
12 de agosto de 1816. Era o início do projeto sistematizado de
ensino artístico no Brasil e origem da atual Escola de Belas
Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para festejar
a data, os grupos de pesquisa Entresséculos (PPGAV/EBA/
UFRJ) e DezenoveVinte, por meio de Arthur Valle, com o
apoio do Museu Nacional de Belas Artes e o Consulado Geral
da França, realizaram um evento acadêmico internacional,
comemorativo dos 200 anos da Academia de Belas Artes do Rio
de Janeiro.
O Seminário do Museu do João VI e o Colóquio de Estudos
sobre a Arte Brasileira do Século XIX serão pela primeira
vez realizados conjuntamente em 2016, sendo a sétima versão
do primeiro e a quinta do segundo. São eventos acadêmicos já
consolidados e renomados ente os estudiosos da arte do século
XIX e início do XX, dentro e fora do Brasil. Os eventos fazem
parte, respectivamente, das práticas dos grupos de pesquisa
Entresséculos e Dezenovevinte, os quais têm contribuído de
maneira signiicativa para que o Rio de Janeiro seja percebido
como um dos principais centros de estudos acadêmicos sobre a
arte oito-novecentista no país, tendo a prof. Dra. Sonia Gomes
O acervo do Museu D. João VI, foco privilegiado do grupo de
pesquisa Entesséculos e Dezenovevinte, possui grande importância para a memória da produção artística brasileira nos
séculos XIX e XX, uma vez que a Academia de Belas Artes,
posteriormente Escola Nacional de Belas Artes e, enim,
Escola de Belas Artes da UFRJ, foi responsável não apenas
pela formação de inúmeros artistas, mas também pelo funcionamento do sistema das artes visuais, organizando exposições,
salões e prêmios de viagem. Portanto, boa parte da arte no Brasil
e da construção de um imaginário para uma nação emergente,
a partir de 1816, está escrita nos livros, documentos e obras
pertencentes ao Museu D. João VI.
10
11
Anualmente, desde 2010, ininterruptamente, foram realizados
seis seminários do Museu D. João VI com grande sucesso de
público de graduação e pós-graduação e plena aprovação dos
palestrantes e comunicadores, provenientes de todas as regiões
do país, e alguns estrangeiros, demarcando a Escola de Belas
Artes como um lugar de encontro de pesquisadores para dividir
estudos e relexões. Frutos desses encontros já foram editadas
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Apresentação
cinco publicações impressas. Já o grupo Dezenovinte conta com
quatro publicações. No conjunto, as produções bibliográicas
são referências para pesquisadores e estudantes de graduação e
pós-graduação em todo o país.
Tais eixos de estudos, no entanto, não foram desenvolvidos
de forma simétrica. Alguns deles, como os dois primeiros,
apresentam pesquisas mais avançadas. Já o terceiro e o quarto,
só mais recentemente, têm sido aprofundados.
Há mais de uma década, portanto, os pesquisadores de ambos os
grupos vêm atuando no estudo da arte brasileira, acompanhando
o movimento internacional de revisão historiográica do século
XIX e início do XX – período de forma genérica chamado
de acadêmico e anatematizado pela crítica modernista. No
caso brasileiro, signiica voltar a atenção para obras, artistas
e instituições esquecidos ou reduzidos à repetição de clichês
normativos.
O primeiro objetivo do evento acadêmico foi avançar o estado da
questão dos estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de
Janeiro, incentivando pesquisadores brasileiros e estrangeiros
a apresentarem trabalhos inéditos que representassem novas
pesquisas sobre os eixos temáticos indicados.
O segundo objetivo do evento foi atrair pesquisadores de outros
países que reletissem, como nós, sobre a função e a prática de
suas academias – ou instituições similares – e cujos trabalhos
representassem avanços à historiograia geral do tema, sobretudo
em torno dos quatro eixos temáticos já citados.
Na recente produção historiográica da arte brasileira – em
grande parte ligada aos grupos de pesquisa Entresséculos e
Dezenovevinte – alguns temas se destacam como vetores de
estudos sobre a Academia:
A sistemática das pesquisas e dos eventos empreendidos pelos
dois grupos permitiu constantes trocas culturais e rendem frutos
signiicativos, estreitando laços entre investigadores brasileiros e
estrangeiros. Nos últimos eventos, a presença internacional veio
se ampliando. O evento de 2016 se propôs a dar continuidade a
essa tendência internacionalizante, realizando chamada aberta
em quatro línguas: português, espanhol, inglês e francês, de
modo a atrair pesquisadores de todo o mundo. Tal ação atraiu
uma variedade de pesquisadores estrangeiros, especialmente da
América, permitindo traçar um amplo panorama dos estudos
em curso sobre as academias e os ensinos da arte nos séculos
XIX e XX.
•
A estruturação teórica e prática do ensino
acadêmico e suas relações com os modelos europeus da
tradição e da modernidade;
•
A participação da instituição no projeto de
construção da nação tanto na Independência quanto na
República;
•
A estruturação do campo artístico no Rio de Janeiro,
tanto dentro da Academia – com o modelo das Exposições
Gerais, mais tarde Salões – quanto fora de seus muros – com
a progressiva organização do meio artístico mais autônomo,
com ateliês, galerias, exposições, periódicos, crítica de arte
etc.
•
A formação das coleções da Academia e o modelo
de formação de acervos públicos, ao lado do incentivo ao
colecionismo particular.
12
13
Em termos cientíicos, o saldo foi fortemente positivo. Houve
grande aluxo de público, especialmente alunos de graduação
e pós-graduação de história da arte, com participação ativa nos
debates. Alunos da UFRJ e UFFRJ que estivessem com seus
professores e/ou em horário de aula, tinham acesso gratuito,
assim como os funcionários do Museu Nacional de Belas
Artes e do Museu D. João VI. Ao im do evento, todos teceram
muitos elogios à iniciativa de reunir vários estudos em torno
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Apresentação
dos modelos de ensino da arte em diversos países, permitindo
compor um panorama complexo e aprofundado acerca das
academias, especialmente na América.
e em livro impresso, pela editora Nau, com textos selecionados,
cujo conjunto servirá de referência aos estudos sobre modelos de
ensino da arte a partir das academias. No livro, os textos originais
serão todos traduzidos para o português, de modo a ampliar o
público leitor nacional, que poderá usufruir mais facilmente
dos estudos de caso e das argumentações apresentadas por cada
pesquisador estrangeiro, dando um caráter de coerência bibliográica. Nos anais, os textos, aqui presentes, encontram-se na
língua nativa de cada autor, a saber, inglês, francês, espanhol e
português e seguiram uma proposta de sumário mais próxima
da programação do evento, reunindo vários níveis de andamento
de pesquisa.
Como atividades paralelas, ocorreram visitas à tela restaurada
“Alegoria às Artes”, de Léon Palière, que encimava o teto da
biblioteca da Academia de Belas Artes e, que, à princípio, seria
inaugurada durante o evento, mas foi postergada em função da
agenda de viagem do presidente da França, que estaria presente.
Comandados pela professora do curso de Artes Visuais Escultura da UFRJ, Beatriz Pimenta, ocorreu a exposição
coletiva de intervenções, com performances, no acervo do Museu
Nacional de Belas Artes que, de forma poética, dialogava com a
arte proveniente do ensino acadêmico.
Finalizando esta apresentação, cabe-nos desejar uma boa leitura
e aspirar que os textos nas suas variedades e complexidades
permitam iluminar os estudos sobre as academias e as questões
artísticas, a partir dos modelos: modelos de ensino na Academia
do Rio de Janeiro, modelos de ensino em outras academias,
modelos de aplicação, modelos de representação e modelos de
coleção.
Toda a secretaria do evento contou com o auxílio dos alunos da
graduação e pós-graduação da UFRJ que assumiram diversos
postos, a quem agradecemos imensamente a colaboração
inestimável. Ainda contamos com o importante suporte de inanciamento das agências de fomento – Capes e CNPq –, reforçado
pelo apoio do Centro de Letras e Artes, da Direção da Escola de
Bels Artes e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e ainda da gráica
da Universidade Rural do Rio de Janeiro. A todos, agradecemos
o importante apoio.
Os organizadores
Rio de Janeiro, março de 2017.
Estiveram representadas 16 instituições estrangeiras e 18
brasileiras, que apresentaram 3 conferências, 5 palestras, 34
comunicações e 19 pôsteres. Com exceção dos pôsteres, todas as
apresentações foram traduzidas – francês-português, inglês-português, português-inglês, espanhol-inglês – , alargando exponencialmente o aproveitamento pelo público das falas proferidas,
das questões levantadas e das relexões desenvolvidas.
As repercussões do evento acontecerão de duas formas: em anais
eletrônicos, com a inclusão de todos os textos enviados na sua
língua original, que serão disponibilizados no site da Escola de
Belas Artes da UFRJ (www.eba.ufrj.br), na seção Publicações,
14
15
La Gloire et
l’Opprobre:
La carrière des
peintres oficiels
en France au
XIXe siècle
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Alain Bonnet
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle
/ Alain Bonnet
on songe que ce peintre qui, dans la hiérarchie du médiocre,
est maître, est chef d’école, et que cette école, si l’on n’y prend
garde, deviendra tout simplement la négation la plus absolue de
l’art !5 »
William Bouguereau conia un jour à Othon Friesz que, chaque
fois qu’il s’interrompait dans son travail pour aller satisfaire un
besoin naturel, il perdait cinq francs1. L’anecdote est sans doute
inventée, elle n’en est pas moins signiicative de la position
économique avantageuse d’une certaine catégorie d’artistes
dans le dernier tiers du XIXe siècle2. Bouguereau passe pour
être l’exemple même d’un artiste médiocrement doué qui, à force
de volonté et de travail, parvint au faîte des honneurs et obtint
une reconnaissance professionnelle et sociale que son talent
seul ne pouvait lui garantir3. A vrai dire, les honneurs reçus
par Bouguereau étaient, de son vivant même, assez discutés.
S’il accomplit la carrière classique des élèves consciencieux, se
formant à l’Ecole des beaux-arts et obtenant à 25 ans le Prix
de Rome, devenant ensuite professeur à l’Ecole et à l’Académie
Julian4, puis membre de l’Institut et de différentes académies
européennes, décoré de la Légion d’honneur et de nombreux
ordres étrangers, recevant des commandes de l’Etat, des municipalité et du clergé pour orner les palais de la nation et les églises,
développant un réseau fourni de collectionneurs idèles qui allait
jusqu’aux Etats-Unis, il subit également des critiques féroces
qui attaquaient non seulement ses œuvres, mais aussi son statut
et sa personne. Joris-Karl Huysmans écrivit ainsi, en 1879, à
propos de la Naissance de Vénus «: « Il me faut bien, hélas !
commencer par l’œuvre de M. Bouguereau […] De concert avec
M. Cabanel, il a inventé la peinture gazeuse, la pièce souflée. Ce
n’est même plus de la porcelaine, c’est du léché lasque ; c’est je
ne sais quoi, quelque chose comme de la chair molle de poulpe.
La naissance de Vénus, étalée sur la cimaise d’une salle, est une
pauvreté qui n’a pas de nom […] C’est à hurler de rage quand
L’école qu’évoque ici Huysmans, cette école qui était pour lui
la négation de l’art, a-t-elle en vérité jamais existé, au sens que
l’on donne généralement au mot école? Pendant longtemps,
les critiques progressistes et les historiens d’art éclairés,
communiant de concert dans le culte du moderne et professant
leur foi dans le progrès des arts, ont condamné sans relâche tout
un pan de la production artistique du XIXe siècle en englobant
ses représentants sous le qualiicatif de pompiers. Il faut revenir
sur la déinition de ce terme si tant est que nous puissions lui
donner une certaine consistance. Bouguereau est un exemple
signiicatif de ce que fut la peinture qualiiée tour à tour d’académique ou d’oficielle, ou plus généralement de bourgeoise,
sans que ces termes aient par ailleurs plus de contenu que celui
de pompier. Quelques précisions terminologiques s’imposent
donc en préambule.
18
19
Pompier est un terme qui a été employé de façon dévalorisante
pour désigner, ou plutôt pour disqualiier, une certaine catégorie
de peinture produite par un certain type social d’artistes. Un
journaliste du début du XXe siècle en donnait cette déinition :
« Pompier veut dire un artiste studieux, raisonnable, respectueux
des traditions, titulaire d’un certain nombre de récompenses du
salon, en un mot arrivé, ou en passe d’arriver, par les traditions
classiques6. » Gustave Coquiot, le biographe de Degas, caractérisa de façon plus précise le terme : « Dans l’argot des peintres,
le mot « pompier » désignait celui qui peint des tableaux dits de
genre aussi vides qu’académiques, en usant de ces accessoires
caducs que sont les casques et les glaives, — ou bien encore
celui qui s’exténue après des compositions historiques, décomposées à force d’avoir servi […] — ou enin celui qui lèche des
portraits compassés et mous7. » Un certain nombre d’adjectifs
sont à relever dans ces citations qui précisent le champ lexical
qui sera utilisé pour caractériser les artistes relevant de cette
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle
/ Alain Bonnet
tendance (studieux, raisonnables, respectueux, décorés), ou les
œuvres produites par eux (vides, caduques, compassées, molles
et éculées).
L’origine exacte du mot pompier est obscure8. Le qualiicatif s’est sans doute imposé par glissement métonymique.
Les grandes compositions exposées au Salon représentaient
souvent des guerriers antiques, Grecs ou Romains, qui, par une
espèce de convention esthétique déconcertante, étaient montrés
prêts à partir au combat en ayant pris soin de protéger leur
tête par un casque en oubliant de couvrir une autre partie de
leur anatomie, au moins aussi sensible. Ces tableaux, que l’on
appelait des grandes machines en raison de leurs dimensions,
étaient exposés au Salon. A cause des risques d’incendie,
l’exposition nationale était protégée par des pompiers de Paris
qui montaient la garde auprès de ces grands cadres, le chef
coiffé d’un casque rutilant qui rivalisait avec ceux de Marcus
Sextius, de Romulus ou de Tatius. Du casque du pompier de
service à celui du héros antique, le glissement était facile et
aurait ensuite servi à caractériser l’ensemble des tableaux qui
gloriiait ainsi une Antiquité conventionnelle et célébrait les
vertus de courage et de sacriice à travers de sujets mis en scène
de façon grandiloquente. La prétention des sujets et l’emphase
du style fournissent la deuxième origine possible du terme
pompier, toujours par glissement. Le qualiicatif a pu s’imposer
par ce qu’il pouvait rappeler celui de pompeux qui désigne un
comportement ou un langage ridicules par leur exagération de
solennité et de vanité. Quoi qu’il en soit de l’origine exacte du
terme, il s’est rapidement imposé dans les milieux artistiques
comme synonyme de mauvaise peinture. Edgar Degas qualiia
ainsi Albert Besnard de « Pompier qui a pris feu », critique à
laquelle Gérôme répondit plaisamment qu’il était plus facile
d’être incendiaire que chef des pompiers.
Le terme de pompier a, pendant longtemps, englobé ceux d’art
académique et oficiel. Là également, il faut préciser ces termes
dont l’usage, très répandu, n’en est pas moins confus9. La
locution art oficiel ne devrait être réservée qu’aux productions
20
21
commandées par l’Etat pour l’ornement des palais nationaux.
Mais si nous appliquons avec rigueur cette déinition, force
est de constater qu’un artiste comme Delacroix, qui reçut de
très nombreuses commandes pour le Palais Bourbon, siège de
l’Assemblée nationale, ou pour le Palais du Luxembourg, siège
du Sénat, fut un peintre plus oficiel que son rival Ingres, dont
la carrière dépendit presque exclusivement de la commande
privée. Or, à lire les histoires courantes sur l’art du XIXe siècle,
les situations sont inversées : Ingres passe pour l’exemple même
du peintre oficiel, protégé par l’Etat et couvert d’honneurs,
alors que Delacroix incarne, lui, le mythe de l’artiste incompris
et rejeté par les pouvoirs publics10. Il serait sans doute trop
long de vouloir expliquer cette incohérence historiographique
mais nous pouvons au moins constater que l’usage du qualiicatif oficiel est moins que rigoureux. Art académique a aussi
peu de signiication qu’art oficiel. Cette qualiication devrait
ne s’appliquer qu’aux artistes membres de l’Académie des
Beaux-Arts ou dont les productions étaient en accord avec la
doctrine académique. Il semble dificile toutefois de déinir
quelle a été cette doctrine et quels principes stylistiques la
soutenaient. Si nous envisageons la question d’un point de vue
diachronique, nous devons reconnaître que la production des
artistes qui ont été membres de l’Académie royale de peinture,
avant la Révolution, ou de l’Académie des Beaux-Arts, fondée
au début du XIXe siècle, ne témoigne pas d’une identité
formelle très forte. Comment en effet déinir la peinture
académique à partir des tableaux de François Boucher, qui
fut l’académicien le plus réputé dans la deuxième moitié du
XVIIIe siècle, comparés à ceux de Jacques-Louis David, qui
régna sur l’Académie des Beaux-Arts au début du XIXe siècle
et opéra une réforme précisément dirigée contre l’art rococo de
Boucher ? ; Quoi de commun entre les grandes compositions
héroïques de David et les tableautins d’Ernest Meissonier, qui
occupa dans la deuxième moitié du XIXe siècle au sein de
l’Académie une position similaire à celle de David? ; Comment
prétendre que l’œuvre de Meissonier ait une quelconque
identité formelle, que l’on qualiierait de style académique,
avec celle de Dagnan-Bouveret, qui devint membre de
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle
/ Alain Bonnet
tement liée chez lui au modèle de la vocation religieuse, qui ne
passa pas par le système académique d’instruction, préférant
prendre quelques cours de peinture en choisissant librement
ses modèles artistiques, qui demeura tout au long de sa carrière
à l’écart des circuits institutionnels d’exposition et de vente
et ne dut sa survie professionnelle qu’au soutien de son frère
Théo, qui travaillait pour Goupil, l’un des grands marchands
d’art de la période11. Par opposition à cette image d’un artiste
indépendant, l’artiste que l’on qualiiera de pompier, académiste
ou oficiel suivra une carrière entièrement marquée par le poids
des institutions oficielles, l’Ecole des beaux-arts, l’Académie
des Beaux-Arts, le Salon, les associations d’artistes comme la
Société des Artistes français ou la Société nationale des BeauxArts, les commandes prestigieuses et les honneurs. Il s’agit
bien là de deux types sociaux d’artistes, qui se distinguent non
seulement par leur parcours, mais également par leur origine
sociale, par leur position professionnelle et par l’image qu’ils
construisent d’eux-mêmes. Les séries d’autoportraits sont à cet
égard révélatrices. L’artiste indépendant donne volontiers de
lui-même l’image d’un être solitaire et incompris, rejeté par la
société que pourtant il éclaire et guide grâce à la puissance de
ses créations. Les exemples de cette autocélébration sous les
traits d’un mage ou d’un prophète sont nombreux12. A l’opposé
de ces représentations de l’artiste persécuté et marginal, les
artistes oficiels donnèrent d’eux-mêmes une image satisfaite,
celle d’artistes conscients de leur dignité, iers de leur position
sociale et assurés de leur talent13.
l’Académie en 1900? Si l’on envisage la question d’un point
de vue synchronique, force est de constater que les titulaires
de la dignité académique à une même période ne partageaient
pas plus, loin s’en faut, une même conception esthétique : sous
le Second Empire, les membres de l’Académie des Beaux-Arts
étaient, par exemple, Emile Signol, Louis Cabat, Jean-Léon
Gérôme, Victor Schnetz, Alexandre Cabanel ou Isidore Pils.
Pourrait-on déduire, à partir de ces exemples, une esthétique
commune qui déinirait un style académique? Que ce soit
les choix des sujets ou la technique picturale, on voit bien
que les artistes qui siégeaient à l’Institut ne partageaient au
mieux qu’une position institutionnelle, et certainement pas des
convictions esthétiques.
Les qualiicatifs de pompier, d’académique, d’oficiel ne
renvoient donc pas à une réalité bien établie ou, pour le dire
autrement, il semble dificile de donner une déinition claire
à ces termes qui ont pourtant été employés de façon répétée,
pendant des décennies, par les critiques et par les historiens de
l’art pour dénigrer des œuvres et des artistes que l’on jugeait
uniformément médiocres ou même indignes. Si l’art pompier ne
peut être déini par ses thèmes ou par son style, on peut toutefois
tenter de comprendre par une approche de type sociologique
l’opposition entre art oficiel et art indépendant, qui a servi de
socle à l’écriture de la modernité artistique. Il a en effet existé
en France, à partir de la deuxième moitié du XIXe siècle, deux
grandes catégories d’artistes, aux contours vagues, qui se distinguaient par le type de formation, par le mode d’exposition et de
commercialisation de leurs œuvres et par la nature de la reconnaissance professionnelle qu’ils espéraient. Les peintres qui ont
servi de référence à la construction du mythe de la modernité et
à l’image fabuleuse de l’artiste d’avant-garde se caractérisaient
par une formation libre, proche souvent de l’autodidaxie, par
leurs liens professionnels avec les marchands d’art et par le
soutien d’une frange de la critique qui publiait dans des petites
revues ou des journaux aux tirages limités. L’exemple même de
ce type d’artiste demeure Van Gogh, qui embrassa tardivement
la carrière des arts par vocation, une vocation qui était étroi-
22
23
Il reste à présent à évoquer ces institutions artistiques qui déterminèrent, au XIXe siècle, la carrière de ces artistes, nombreux
et divers, qui furent regroupés sous l’épithète dépréciative de
pompiers. La première étape d’une carrière était, évidemment,
celle de la formation14. Comment était organisé l’enseignement
des arts à l’époque des académies, quels étaient les exercices
qui étaient imposés aux élèves, quel était le but de cet enseignement ? Le premier point à souligner ici, qui constitue l’essence
même de l’académisme artistique ou même, plus exactement,
de la tradition artistique fondée à la Renaissance, est que toute
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la formation artistique était orientée en vue de reproduire les
formes du corps humain. Cet impératif était à ce point présent
dans les consciences qu’un peintre comme Monet, un des
grands impressionnistes et un des modèles de la modernité au
XXème siècle, peu suspect donc de complaisance à l’égard de
l’académisme, pouvait afirmer sans craindre le paradoxe que
tous les artistes, et même les paysagistes, devaient apprendre
leur métier en copiant les formes d’un modèle posant nu sur
une estrade. Ce type d’enseignement centré sur la reproduction
des formes du corps humain demeura remarquablement stable
de la Renaissance à la Première guerre mondiale. Le jeune
garçon qui se destinait à une carrière artistique commençait
à apprendre son métier en copiant les formes élémentaires du
corps humain. Il était placé devant des gravures qui reproduisaient les éléments anatomiques et il copiait d’abord les formes
les plus simples, en commençant généralement par le nez, puis
la bouche, les yeux etc., et terminait par ce qui passait alors
pour la partie anatomique la plus dificile à reproduire, le pied.
Une fois qu’il avait bien appris à reproduire ces éléments, il
devait tenter de les intégrer dans le schéma corporel en copiant
des estampes représentant des statues antiques. Quant enin il
parvenait à rendre correctement ces gravures, il pouvait être
mis directement face à un plâtre, c’est-à-dire face au moulage
d’un modèle antique. La dernière étape consistait à reproduire
les formes du corps humain directement à partir d’un modèle
vivant. Cet exercice était appelé faire une académie et les
lieux qui le proposaient s’appelaient pour cela des académies.
L’académie artistique la plus célèbre au XIXe siècle était
certainement l’École des beaux-arts de Paris. Cette institution
avait été fondée au début du XIXe siècle, et elle était dirigée
par le collège des professeurs, qui exerçaient à tour de rôle, un
mois dans l’année, pour surveiller et corriger les travaux des
élèves. On entrait à l’École après un concours pendant lequel
les candidats devaient exécuter une académie dans un temps
déterminé. Après avoir été reçus, les élèves suivaient un enseignement minimal: pendant une semaine, et à raisons de deux
heures par jour, ils devaient réaliser une académie d’après la
bosse, c’est-à-dire la copie en plâtre d’une statue antique, la
La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle
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semaine suivante, ils s’exerçaient sur le modèle vivant. Outre
cet enseignement réduit, les élèves devaient suivre trois
cours: un cours d’anatomie pour apprendre en disséquant
des cadavres à la fois la structure osseuse (ostéologie) et le
système musculaire (myologie) du corps humain ; un cours de
perspective, pour apprendre à représenter grâce à la géométrie
un espace cohérent ; un cours d’histoire, pour se familiariser
avec l’histoire ancienne et la mythologie antique. Cet emploi
du temps peu chargé laissait aux élèves le temps de se rendre
au Louvre pour copier les maîtres. L’enseignement des arts
au XIXe siècle s’opérait donc principalement, sinon exclusivement, sur la représentation du corps humain, soit à partir du
modèle vivant, ain de garantir le respect de la nature, c’està-dire une certaine forme de réalisme, soit à partir des statues
antiques pour apprendre les critères intemporels de la beauté
idéale. Le véritable mode didactique de l’École des beaux-arts
était le concours, et la valeur scolaire essentielle était l’émulation. Il existait toute sorte de concours qui rythmaient la
scolarité : des concours de géométrie et des concours d’anatomie,
des concours d’esquisse et des concours de composition, des
concours de la igure entière ou du torse seul, des concours de la
Tête d’expression, où les candidats devaient tenter de traduire
par les seuls traits du visage des états d’âme aussi abstraits
que « La foi mêlée d’espérance » ou « La mélancolie ». Tous
ces exercices avaient un but unique : conduire les élèves au
sommet de la formation académique, le Prix de Rome. Le Prix
de Rome a été pendant tout le XIXe siècle, et même jusqu’en
1968, date de sa suppression, une véritable institution, à la
fois sévèrement moquée par les critiques modernes et enviée
et imitée par les nations étrangères. Ce prix était décerné à
l’issue d’un concours extrêmement sélectif et donnait droit à
un séjour de cinq puis de quatre ans à Rome, à la Villa Médicis,
ain d’achever sa formation au contact des antiques et de la
grande peinture italienne de la Renaissance, qui constituaient
les deux modèles insurpassables de la grandeur artistique dans
la doctrine académique.
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25
Bouguereau fut un élève consciencieux de l’Ecole. Il acquit,
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exposer au Salon.
grâce à cet enseignement rigoureux, une technique picturale
élaborée. Il remporta différents concours scolaires, une médaille
en perspective en 1847, une médaille de troisième classe au
concours des igures, une mention honorable au concours de la
Tête d’expression, avant d’être admis à concourir pour le Prix
de Rome. En 1850, il obtint cette récompense prestigieuse, à
égalité avec Paul Baudry, sur un sujet emprunté à l’auteur latin
Tacite, Zénobie sauvée de l’Araxe par les bergers. La comparaison des deux tableaux primés en 1850, celui de Bouguereau et
celui de Baudry, permet de juger de l’eficacité de l’instruction
académique : à l’issue de leur formation, les élèves de l’Ecole
de Paris savaient, à l’évidence, composer un grand tableau,
ils savaient ordonner un espace homogène, ils savaient rendre
la igure, ils savaient distribuer la lumière, ils savaient jouer
des demi-tons pour donner l’illusion du relief, ils pouvaient
exprimer des états psychologiques grâce à la pantomime. Cette
comparaison permet également de comprendre les critiques de
plus en plus marquées qui allaient viser le système académique
de formation et les artistes qui en étaient issus : l’identité
stylistique très forte qui existe entre les compositions de Baudry
et de Bouguereau, identité qui allait encore être renforcée par
les exercices imposés aux pensionnaires de la villa Médicis,
apparut résolument contraire à l’idéal même de la création
artistique, qui supposerait l’expression libre d’un tempérament
singulier. Un critique a pu ainsi écrire : « M. Cabanel et M.
Baudry ont eu les grands Prix de Rome (1849, 1850), ce qui
explique leurs talents en dehors des tendances véritablement
modernes et originales. Quand on a été enfermé quinze ans à
l’Ecole des beaux-arts de Paris et à la Villa Médicis de Rome,
quel caractère, même le plus vivace, saurait conserver l’indépendance, sous la pression continue des vieux professeurs, des
vieux exemples, des vieilles routines, des vieilles théories ?15 »
Après avoir passé trois années à Rome à la villa Médicis ain de
parfaire sa formation, Bouguereau revint à Paris pour entamer
enin, à l’âge de 30 ans, une carrière professionnelle. Pour un
artiste formé à l’Ecole des beaux-arts et lauréat du Prix de
Rome, cette entrée dans la carrière ne pouvait que signiier
26
27
Le Salon était, avant la Révolution, réservé aux seuls membres
de l’Académie royale de peinture et de sculpture. Il s’agissait
donc d’une manifestation à la fois oficielle, puisqu’elle était
protégée par le roi, et privée, puisqu’elle n’était ouverte qu’aux
membres d’une confrérie. Sa fonction était claire : le Salon
devait exposer au public l’excellence de l’art français contemporain16. Après la Révolution, le Salon changea de nature en
devenant un espace de vente mais conserva l’idéal de prestige
qui avait été celui des expositions d’Ancien Régime, ce qui
entraîna nécessairement des tensions dans la communauté des
artistes. Pour ajouter encore à la confusion, l’accroissement
des œuvres exposées transforma la physionomie de l’exposition. Alors que le Salon d’Ancien Régime, pour répondre à sa
fonction de prestige, était essentiellement ouvert à la peinture
d’histoire, les Salons du XIXe siècle virent la présence de plus
en plus marquée des portraits, des paysages ou des natures
mortes, c’est-à-dire de tous ces genres picturaux qui, s’ils
n’étaient que peu appréciés par la théorie académique à cause
de leur faible élévation spirituelle, étaient certainement plus
facilement négociables sur le marché libre des œuvres d’art.
Ces deux problèmes, pratique et doctrinal donc, vont être à
l’origine des conlits provoqués par le Salon tout au long du
XIXe siècle. L’accroissement continu de la population des
artistes, et par voie de conséquence celui des œuvres, obligèrent
les organisateurs du Salon à investir les galeries du Louvre, puis
à trouver d’autres lieux, plus vastes et plus commodes, pour
abriter l’exposition17. Cette augmentation continue provoqua
également des problèmes d’intendance et d’accrochage.
D’autre part, la possibilité d’exposer offerte à des artistes en
nombre sans cesse grandissant entraîna des récriminations de
la part des artistes rejetés par le jury, qui criaient à l’injustice,
mais également de la part des artistes autorisés à exposer, qui
jugeaient que le trop grand nombre d’œuvres accrochées aux
cimaises entraînait une perte de qualité, que le Salon n’était
plus une vitrine mais un bazar commercial, et inalement qu’y
exposer déconsidérait.
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Les problèmes soulevés par le Salon au XIXe siècle se cristallisèrent autour de la question du jury. Sous l’Ancien Régime,
le jury avait une fonction simple : il devait, non pas apprécier
la qualité des œuvres dans la mesure où ces œuvres étaient
produites par des artistes dont la compétence était établie par
leur appartenance à l’Académie, mais être le garant de leur
moralité et de leur conformité politique. Le jury au XIXe
siècle aura une autre fonction, plus délicate à conduire : il
ne devait plus seulement écarter les œuvres tendancieuses,
il devait surtout en estimer le mérite artistique. Le jury se
transforma en conséquence en une espèce de consistoire
esthétique chargé d’appliquer une norme artistique et, selon
une expression régulièrement employée, être le Gardien
du Temple. La légitimité du jury fut alors mise en question
par une partie des artistes, qui refusa de se plier aux décrets
d’une assemblée composée des membres de l’Académie des
Beaux-Arts, au nom de la liberté de l’art, une réclamation qui
emprunta beaucoup, dans sa formulation, aux principes de la
politique économique encourageant la liberté du commerce.
La question du maintien ou de la suppression du jury se posa
de façon de plus en plus nette au long du siècle, selon deux
options : soit la nécessité d’un jury pour séparer les œuvres
de qualité des œuvres médiocres ; soit, au contraire, l’abolition du jury ain de garantir la libre circulation des œuvres,
assimilées à des marchandises. Ces deux options renvoyaient
à la déinition des fonctions du Salon. Devait-il être, comme
à l’origine, le lieu de l’excellence, devait-il au contraire être
un simple lieu de vente, sans considération de qualité ? Elles
s’appuyaient sur deux conceptions très nettement opposées de
la légitimité artistique : la première acceptait l’idée qu’il existe
en art des normes établies qui dictent la valeur et le mérite des
productions ; la seconde estimait que seul le succès commercial,
et donc le jugement du public qui achète ou n’achète pas, était
le critérium de la qualité. Ces deux opinions opposées furent
résumées par Balzac, qui afirma en 1839 « Sans le choix de
l’Académie, il n’y aurait plus de Salon, et sans Salon, l’art
peut périr » et par Théophile Gautier qui proclama en 1848
« Point de jury, sous quelque nom que ce soit ! La liberté pleine
La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle
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et entière, liberté à tous, aux jeunes comme aux vieux, aux
sublimes comme aux ridicules.18 »
Les deux déinitions opposées de la fonction du Salon, vitrine
de l’excellence ou entrepôt commercial, marquèrent l’évolution
des caractéristiques formelles et thématiques de la peinture. A
côté du Salon unique se développa le système des galeries d’art,
dont l’exemple typique fut celle de Durand-Ruel, le marchand
des impressionnistes19. Une galerie d’art est, contrairement au
Salon, un espace intime qui emprunte beaucoup au décor familier
des appartements bourgeois et qui promeut un certain type de
tableaux, plus décoratif peut-être que narratif, une peinture de
chevalet aux dimensions réduites, rapidement exécutée pour le
renouvellement du stock mis à la vente. Le Salon maintiendra
jusqu’à la Première guerre mondiale une certaine conception de
l’art, conception académique si l’on veut, qui fait de la peinture,
non pas seulement un objet de délectation rafinée et, de façon
plus discrète, de vente, mais le support d’un récit édiiant et le
témoignage d’une maîtrise pratique fruit d’un long et patient
apprentissage.
28
29
Bouguereau participa toute sa vie à cette exposition de prestige,
envoyant chaque année plusieurs tableaux au Salon. En 1848,
avant même l’obtention de son Prix de Rome, il exposa un grand
tableau allégorique inspiré par les événements révolutionnaires,
Egalité devant la mort. Au Salon suivant, il envoya une toile
d’un genre différent avec Dante et Virgile aux Enfers. Il s’agit là
d’une œuvre singulière dans la production du peintre, à la fois
par son sujet littéraire et romantique et par la représentation
de la fureur bestiale qui anime les damnés ; dans la suite de
sa carrière, Bouguereau s’illustra plus volontiers par la suavité,
coninant à la mièvrerie, de ses compositions. Il est vrai que
les sujets sentimentaux étaient plus faciles à écouler, ainsi que
le reconnut le peintre : « Voici mon Ange de la Mort. En face
se trouve mon second tableau L’Enfer de Dante. Comme vous
pouvez le voir, ils diffèrent de mes tableaux d’aujourd’hui… Si
j’avais continué à faire des tableaux semblables, il est probable
que, comme ceux-ci, ils me seraient restés. Que voulez-vous,
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chance à l’Ecole des beaux-arts21. D’une certaine façon, grâce
à cette profusion picturale à vrai dire étonnante, on pourrait
faire du XIXe siècle, en France, en Europe et dans le monde,
une deuxième Renaissance artistique. Il serait dommage
d’en réduire la prolixité et la diversité à un qualiicatif, celui
de pompier, dont la signiication demeure à bien des égards
équivoque22.
il faut marcher avec les goûts du public et le public n’achètent
que les tableaux qui lui plaisent20. » Preuve, s’il en était besoin,
que les artistes classés parmi les oficiels et les académiques
n’étaient pas insensibles aux nécessités commerciales de la vie
d’artiste et surent se plier aux attentes d’une clientèle internationale. Ce type de productions sentimentales devint l’exemple
même de l’art pompier, confondu avec le kitsch ; le dédain que
les critiques professèrent à son endroit fut étendu à l’ensemble
de la production artistique qui ne participait pas ou semblait ne
pas participer de la modernité esthétique. Ce mépris répondait à
l’origine à la nécessité de déboulonner de leur piédestal les maîtres
du Salon ; il se recommandait des articles de foi du progressisme
artistique et de l’originalité formelle pour promouvoir les
artistes indépendants qui exposaient dans les galeries d’art. La
déconsidération qui frappa de manière uniforme la production
artistique exposée au Salon de Paris en masqua pendant de très
nombreuses années la diversité. Les artistes qui suivirent la voie
oficielle, c’est-à-dire qui furent formés de façon traditionnelle
à l’Ecole des beaux-arts et dans les ateliers des artistes célèbres,
puis qui exposèrent au Salon, ne peuvent être regroupés sous
une seule épithète et inscrits dans un seul courant. Les représentants de cette catégorie professionnelle, ne formant pas un
corps uni par des convictions identiques, ne peuvent pas être
indifféremment qualiiés de studieux et de raisonnables, leurs
œuvres ne peuvent pas toutes être accusées de veulerie et de
mollesse. Les artistes pompiers, si l’on veut bien accepter ce
terme, s’inscrivirent dans tous les grands courants stylistiques
du siècle, du néo-classicisme au symbolisme en passant par le
romantisme et le réalisme, et présentèrent une hétérogénéité
thématique tout à fait étonnante, des portraitistes mondains aux
peintres de bataille, des peintres spécialisés dans la représentation de toutes les époques historiques aux peintres orientalistes, des peintres de paysage aux peintres de genre…
L’Ecole française a joui, pendant tout le XIXe siècle, d’une
réputation telle que les artistes étrangers irent souvent le
voyage à Paris pour tenter d’en percer les secrets en s’inscrivant
dans les ateliers des peintres les plus réputés et en tentant leur
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle
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Notas:
fut ainsi magniié dans le Monument à la gloire du peintre, réalisé par Jules Dalou
et inauguré en 1890 dans les jardins du Luxembourg. L’allégorie de la Renommée
couronne le peintre en présence du Temps et sous les applaudissements d’Apollon.
Les discours oficiels brodèrent à l’envi sur le thème de l’artiste martyr, injustement
méprisé et enin honoré. Voir par exemple notre étude « Le peintre statuié – Rélexions
sur la représentation monumentale des peintres dans la sculpture du XIXe siècle »,
Revue de l’Art, décembre 2008.
11
Sur le mythe de Van Gogh, voir Nathalie Heinich, La Gloire de Van Gogh – essai
d’anthropologie de l’admiration, Paris, éditions de Minuit, 1991.
12
Sur ce point, voir par exemple Rebels and Martyrs: The Image of the Artist
in the Nineteenth Century, National Gallery Publication, Yale University Press, 2006.
Egalement notre contribution au catalogue d’exposition Bohèmes - De Léonard de
Vinci à Picasso, « Portrait de l’artiste en bohémien », Paris, RMN Grand Palais, 2012, p.
244-246.
1
L’origine exacte de cette anecdote est dificile à cerner, et elle est souvent citée
de façon peu exacte. Charles Virmaître l’évoque de façon familière dans Paris-Palette,
publié chez Savine en 1888, p. 210: « Je perds cinq francs toutes les fois que je vais
pisser, disait-il récemment à un ami. » James Herding, Les Peintres pompiers – La
peinture académique en France de 1830 à 1880, Paris, Flammarion, 1980, p. 9, en donne
une version à la fois édulcorée et réévaluée : « Bouguereau, à l’apogée de sa gloire,
faisait remarquer au jeune Othon Friesz : Chaque minute me coûte cent francs. »
13
Sur ces questions, voir notre étude « Ces Messieurs les Gros Bonnets - L’image
des artistes oficiels au XIXe siècle », 48/14 - La revue du musée d’Orsay, Printemps
2011, n° 31, p. 34- 43.
14
Nous résumons ici à grands traits des questions que nous avons eu l’occasion
de détailler dans un certain nombre de publications, la plus importante demeurant
L’enseignement des arts au XIXE siècle - La Réforme de l’École des beaux-arts de 1863
et la in du modèle académique, Rennes, P.U.R., 2006. Voir également Devenir peintre
au XIXe siècle. Baudry, Bouguereau, Lenepveu, Alain Bonnet, Hélène Jagot, directeurs,
Lyon, Fage éditions, 2007.
2
« Notre époque dore la vie de ceux qui tiennent un pinceau » a pu ainsi écrire
un critique. Et il poursuivait : « les sculpteurs et les peintres achètent des palais et
des moitiés de province […] » L. D’Orfer, « Le Palais doré des Poètes », Le Scapin, 1er
novembre 1886, p. 110.
3
Bouguereau gagna auprès de ses camarades de la villa Médicis le surnom
de Sisyphe, tant était grande son ardeur au travail, et peu assurée sa réussite. Son
biographe insista à plusieurs endroits de son ouvrage sur cette volonté du peintre
de parvenir à la perfection grâce à des efforts continus. Voir Marius Vachon, William
Bouguereau, Paris, 1900, p. 99 et 102.
15
1870.
16
Sur l’histoire du Salon, Dominique Lobstein, Les Salons au XIXe siècle :
Paris, capitale des arts, Paris, La Martinière, 2006 ; Norbert Wolf, L’art des Salons : le
triomphe de la peinture du XIXe siècle, Paris, Citadelles & Mazenod, 2012.
4
Voir James F. Peck, In the Studio of Paris – William Bouguereau and his
American Students, The Philbrook Museum of Art, Yale University Press, New Haven et
Londres, 2008.
17
Voir le volume collectif dirigé par James Kearns et Pierre Vaisse, « Ce
Salon à quoi tout se ramène ». Le Salon de peinture et de sculpture, 1791-1890, French
Studies of the Eighteenth and Nineteenth Centuries Bd. 26, Peter Lang, Oxford, Bern,
Berlin, Bruxelles, Frankfurt am Main, New York, Wien 2010.
5
J.-K. Huysmans, « Le Salon de 1879 », L’art moderne, Paris, P.-V. Stock, 1902
(deuxième édition), p. 26-27.
18
Honoré de Balzac, Pierre Grassou, Scènes de la vie parisienne, 1839 ;
Théophile Gautier, « Salon – 5ème article », La Presse, 27 avril 1848.
6
Jacques de Sancère, « Le Salon des Pompiers », Le Magasin pittoresque,
supplément, 1912, p. 19.
7
19
Nous ne pouvons que renvoyer, sur ce point, à l’ouvrage classique de
Harrison C. White, Cynthia A. White, Canvases and Careers; Institutional Change in
the French Painting World, New York, Wiley, 1965. Voir également le volume collectif
Saloni, Gallerie, musei e loro inluenza sullo sviluppo dell’arte dei secoli XIX e XX,
Bologne, Atti del XXIV Congresso Internazionale di Storia dell’Arte, VII, 1981 ; Martha
Ward, « Impressionist Installations and Private Exhibitions », The Art Bulletin, Vol. 73,
No. 4, décembre, 1991, pp. 599-622.
Gustave Coquiot, Degas, Paris, Gustave Ollendorf, 1924, p. 101.
8
Sur ce point, voir Jacques Thuillier, Peut-on parler d’une peinture
« pompier » ?, Paris, Presses universitaires de France, 1984.
9
Sur ce point, voir Jacques Thuillier, Peut-on parler d’une peinture
« pompier » ?, Paris, Presses universitaires de France, 1984.
10
Le mythe du rejet et de l’incompréhension attaché à la igure de Delacroix
Théophile Thoré, “Salon de 1863” in Salons de W.Biirger (1861 à 1868), Paris,
32
33
20
W. Bouguereau, entretien dans L’Eclair du 9 mai 1891. Cité par Louise
d’Argencourt, « Bouguereau et le marché de l’art en France », catalogue d’exposition
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
La Gloire et l’Opprobre: La carrière des peintres oficiels en France au XIXe siècle
/ Alain Bonnet
William Bouguereau, 1825-1905, Paris, Petit Palais, 1984, p. 100.
21
Pour l’exemple des peintres nord-américains, voir Lois Marie Fink, American
art at the nineteenth-century Paris Salons, National museum of American art, Smithsonian institution Cambridge university press, 1990.
22
Pour emprunter ici l’adjectif utilisé dans le titre de l’une des premières
tentatives de réhabilitation de cette production picturale, l’exposition « Equivoques »
Peintures françaises du XIXe siècle, Paris, Musée des arts décoratifs, 1973.
34
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Alain Bonnet
Professeur Université d’Alpes-Grenoble Laboratoire d’étude
historique Rhône-Alpes (LARHRA – UMR 5190)
Estudos sobre a
Academia de
Belas Artes do
Rio de Janeiro:
estado da questão
e revisão
historiográica
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Sonia Gomes Pereira
Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro:
estado da questão e revisão historiográica
/ Sonia Gomes Pereira
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
na constituição da nacionalidade, e a pintura indianista, quase
toda calcada em motivos literários (Figura 1), assim como o
interesse pela paisagem, como fator identitário.
As pinturas histórica e indianista têm sido bastante estudadas.
Já a pintura de paisagem está ainda para ser mais explorada.
A visão do Manual de Araújo Porto Alegre em prol da
celebração da loresta brasileira (Figura 2) tem a ver com
as idéias de Humbold e dos naturalistas que estiveram no
Brasil, como Martius, da mesma forma que remete ao tipo de
representação, tornada célebre pelo Conde de Clarac: todos
enfatizam o sublime de uma natureza monumental e em grande
parte intocada. A adesão de Porto Alegre a esta concepção
deve ter-se originado em seu tempo de estudos em Paris, entre
1831 e 1837, assim como na sua proximidade com os cientistas
do Museu Nacional—onde trabalhou após deixar a cadeira de
pintura histórica da Academia em 1848—e com a sua longa
atuação no Instituto Histórico e Geográico Brasileiro. No
entanto, acredito que essa abordagem não teve continuidade na
pintura de paisagem posterior. Basta ver a obra de Agostinho
José da Mota. Tendo vencido o concurso para Prêmio de
Viagem, estudou em Roma, de 1851 a 1854, tendo como mestre
Jean-Achille Benouville, pintor francês radicado na Itália. De
volta ao Brasil, tornou-se professor de desenho na Academia,
em 1859, conseguindo transferência logo no ano seguinte para
a cadeira de pintura de paisagem, que ocupou até sua morte
em 1878. A obra de Agostinho (Figura 2) não tem aproximação
com a de Porto Alegre: segue inicialmente o padrão da paysage
composé, típica da tradição paisagística francesa, passando,
em seguida, para uma abordagem mais próxima da Escola de
Barbizon, com paisagens registradas com mais naturalidade e
menos idealização.
Nas últimas três décadas no Brasil, acompanhando o movimento
geral de revisão historiográica da arte do século XIX, o tema
da academia retomou fôlego e tem suscitado grande número
de pesquisas. Chegamos, assim, neste ano emblemático de
2016—quando comemoramos os 200 anos da criação da nossa
Academia—a um certo amadurecimento, conseguindo ter uma
visão de conjunto destes estudos recentes. Nela, podemos
distinguir quatro vetores principais de interesses: a participação
no projeto de construção da nação após a independência; a criação
de um campo artístico para as artes plásticas, após o período
colonial; o colecionismo da instituição; e a releitura da estrutura
do ensino acadêmico, tanto a sua teoria quanto a prática.
Vamos começar pela participação da Academia no projeto de
construção da nação durante o Império, seguindo a orientação
do Instituto Histórico e Geográico Brasileiro, criado em 1838.
Este é um projeto político, forjado por intelectuais da chamada
Geração de 1830 , que visava, de maneira geral, dar à jovem
nação uma genealogia meritória, conferindo aos índios o lugar de
uma origem mítica, à colonização portuguesa o entendimento de
uma etapa necessária à incorporação do país à cultura ocidental
e pautando o então presente pela vontade de inclusão no mundo
moderno, mas tendo o cuidado de demarcar a identidade da
cultura nacional.
É da visão destes românticos de meados do século XIX que sai
o programa para grande parte da produção da Academia nessa
época: a pintura histórica, celebrativa dos momentos exemplares
38
39
Coube também a esses românticos a discussão do que seria a arte
brasileira. Em todas as suas iniciativas, o objetivo primordial
do grupo foi a procura da peculiaridade nacional, partindo da
concepção da arte como expressão da especiicidade de cada
povo, entendido como unidade cultural com características
Estudos sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro:
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Figura 1a - Pedro Peres, Elevação da cruz em Porto Seguro, Bahia, 1879,
Figura 1b - Firmino Monteiro, Exéquias de Camorim, c. 1879, óleo/tela,
óleo/tela, 200,5 x 276 cm; Firmino Monteiro, Exéquias de Camorim, c.
1879, óleo/tela, 100,6 x 157,7 cm. Museu Nacional de Belas Artes.
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100,6 x 157,7 cm. Museu Nacional de Belas Artes.
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
coletivas, que se encontram impressas em cada indivíduo.
Além disso, as Exposições Gerais representavam um espaço
de poder importante da Academia, pela concessão de prêmios.
Não é naturalmente coincidência que o prestígio da Academia e
de sua sucessora, a Escola Nacional de Belas Artes (enba), após
1890, perdura enquanto for detentora única dessa instância de
poder. A partir dos anos 1930, é justamente sobre a questão
dos salões e dos júris que a crítica à enba se torna mais densa—
muito mais do que, propriamente, o sistema pedagógico.
Mas é importante observar que a busca da identidade nacional
nessa geração não signiicava ruptura com os modelos europeus,
mas, sim, a sua integração com a feição mais recente da cultura
européia: o Romantismo. Assim, a identidade nacional,
neste momento, não exorcizava a ligação com a Europa, mas
procurava um lugar onde uma cultura tão diferente como a
brasileira pudesse se alinhar, sem perder sua especiicidade.
Outro tema que vem sendo enfocado nos estudos recentes sobre
a Academia é o colecionismo da instituição, embora talvez
esse seja, dos quatro acima apontados, o que se encontra ainda
menos desenvolvido, especialmente em relação às coleções
originais e as doações.
O projeto nacional de construção da nação, portanto, é marcado
pelo desaio de construir um projeto positivo, apesar de
realidades percebidas como negativas: a periferia geográica;
a condição subalterna em relação ao sistema econômico
internacional; o anacronismo da importância da religião num
século cientiicista; e a realidade da mistura étnica numa época
em que as teorias sociais se baseavam no conceito de raça.
O acervo da Pinacoteca da Academia no século XIX foi
constituído inicialmente por duas coleções: a Coleção
Lebreton—adquirida por Joachim Lebreton em Paris um pouco
antes de sua vinda para o Brasil em 1816—, e a Coleção D. João
VI—parte do acervo real trazido em 1808 e que não regressou
a Lisboa com o rei em 1821. Desse conjunto, algumas obras
foram identiicadas, todas atualmente no Museu Nacional de
Belas Artes.
Passemos, agora, a outro ponto importante—também bastante
abordado—sobre a contribuição da Academia para a criação
do campo artístico da então capital, Rio de Janeiro, sobretudo
através da realização dos seus salões—as Exposições Gerais.
Essas mostras serviram, naturalmente, para dar maior
visibilidade ao trabalho da Academia, tanto a sua ação
pedagógica, quanto a constituição de seu acervo.
A partir daquele núcleo inicial, o acervo foi sendo aumentado por
doações e aquisições—coleções de estampas, moldagens de gesso
e cópias de pinturas e esculturas européias, assim como livros. Ao
estudar essas coleções, alguns pontos são notórios: de um lado,
o grande investimento da Academia na formação desse acervo;
por outro lado, a sua atualização, adquirindo obras recentes. Basta
observar algumas categorias do acervo do Museu D. João VI.
Mas as Exposições Gerais tinham uma abrangência mais ampla,
de diversas maneiras. Eram abertas a artistas de dentro e de
fora da Academia, entre eles, muitos estrangeiros. Acolhiam
novas técnicas, como a litograia e a fotograia. Eventualmente,
abrigavam coleções particulares, como a do próprio imperador.
Disponibilizam, em seus catálogos, os endereços dos artistas
expositores, incentivando o mercado de arte. Expunham também
amadores, entre eles, inúmeras mulheres. Muito visitadas, eram
ainda profusamente comentadas pela imprensa local. Num país
e numa cidade com vida cultural ainda acanhada, é notório o
alcance dessas ações, como formadoras de gosto e de público.
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43
A Academia adquiriu em museus europeus, especialmente
na Itália e na França, uma coleção signiicativa de moldagens
em gesso: ornatos arquitetônicos e cópias de esculturas,
predominantemente da Antigüidade Clássica, mas também
do Renascimento, com destaque para obras de Michelangelo
(Figura 3). Além de constituir uma etapa importante no
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Figura 2a – Manuel de Araújo Porto Alegre, Floresta Brasileira, 1853,
sépia/papel, 62,2 × 87,3.
Figura 2b – Agostinho José da Mota, Vista de Roma, c. 1851-1855, óleo/
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tela, 58,5 × 72,5 cm. Museu Nacional de Belas Artes.
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em parte devedoras da formação tradicional. Assim, em lugar
de enfatizar só as rupturas, esses novos estudos apontavam
as continuidades. No caso da academia brasileira, essa nova
postura demonstrou ser de grande eiciência metodológica.
aprendizado do desenho, essas moldagens tinham o objetivo de
introduzir o aluno na grande tradição européia, especialmente
nas obras dos Antigos.
Já em relação à gravura, o acervo do Museu D. João VI
conta com inúmeros álbuns franceses de estampas, voltados
especiicamente para o ensino do desenho. Há muitas estampas
didáticas com estudos de igura humana, sempre partindo das
partes do corpo até chegar ao corpo inteiro—sendo a maioria
cópia de estatuária antiga ou de obras a partir do Renascimento.
Mas é interessante observar que muitas estampas já se referem
a obras do século XIX, especialmente pinturas francesas
(Figura 4), evidenciando a sua rápida divulgação, quase que
contemporânea, através da gravura. Assim, veriicamos
que essas estampas serviam para dois tipos de iniciação: a
aprendizagem da representação da igura humana pelo desenho
e o conhecimento da tradição artística—tanto na Antiguidade,
quanto a partir do Renascimento—os chamados Modernos—,
assim como de sua atualização pela pintura francesa recente,
tanto neoclássica quanto romântica.
O Decreto de 12 de agosto de 1816, promulgado pelo Conde
da Barca, que criou a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios,
foi muito lacônico, limitando-se às disposições contratuais,
à relação dos professores e funcionários e a seus respectivos
vencimentos. Para se conhecer as concepções que nortearam o
programa daquela Escola, depois Academia, é preciso recorrer
ao projeto manuscrito do próprio Joaquim Lebreton, datada
de 12 de junho de 1816 – documento encontrado pelo prof.
Mário Barata nos arquivos do Palácio Itamarati. Nele, já se
encontra explícita a estrutura pedagógica típica das academias.
Destaca, por exemplo, a prioridade do desenho—cujo ensino
exige longo treinamento, antecedendo a abordagem das belas
artes propriamente—, assim como enfatiza a necessidade de
formar um acervo de obras européias de caráter exemplar.
A atuação da nossa Academia ao longo de todo o século XIX
segue as disposições expressas naquele projeto. Os diversos
regimentos—mesmo com eventuais diferenças na montagem
de disciplinas—respeitam aquela estrutura primordial. O
aluno enfrenta inicialmente um longo processo de ensino de
desenho—através de cópias sucessivamente de estampas e de
moldagens de gesso até chegar aos exercícios de modelo vivo.
Só depois de dominado o desenho, passa à pintura, escultura
ou arquitetura. No caso da pintura, inicia de novo pelo modelo
vivo e passa a fazer cópias das pinturas do acervo, até chegar
ao nível de elaborar obras próprias. O acervo do Museu D.
João VI comprova todas as fases desse longo aprendizado,
assim como revela a prioridade do estudo da igura humana—
essencial para a realização de uma arte de caráter narrativo.
Predominam aí os exercícios de modelo vivo, tanto desenhado,
quanto pintado (Figura 6).
A coleção foi acrescida, também, pela própria produção de
professores e alunos. No acervo do Museu D. João VI, há obras
referentes aos concursos mais importantes—como o Prêmio
de Viagem ou para os cargos de magistério—, assim envios
dos pensionistas, muitos deles cópias de obras européias. Há,
também, exemplos dos concursos escolares usuais, como o caso
de dois desenhos de modelo vivo, um de Henrique Cavaleiro e
outro de Marques Júnior, feitos em aula do prof. Zeferino da
Costa, em 1911 (Figura 5).
Finalmente, chegamos ao quarto e último grupo de estudos
recentes sobre a Academia: a releitura do sistema de ensino
acadêmico, fora dos clichês que lhe foram imputados pela
crítica posterior modernista. Desde os anos 1970 e 1980, novos
estudos apontavam para o artiicialismo entre a divisão rígida
entre vanguarda e academicismo no entendimento da arte do
século XIX. Indicavam, ainda, o quanto as vanguardas eram
46
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Nesse ponto, é importante enfatizar a longa duração do ensino
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Figura 3b – Torso de Belvedere, Autoria ignorada (cópia de escultura),
s/d, carvão/papel, 63,5 × 48, 4 cm (nota 10 e assinatura do prof. Osvaldo
Figura 3a – Torso de Belvedere, s/d, moldagem de gesso, 127 x 72 x 94.
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Teixeira). Museu D. João VI / EBA / UFRJ. Fotograias Rafael Bteshe.
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A reavaliação historiográica que tem sido feita nas últimas
décadas sobre a atuação da nossa Academia, portanto, tem
evidenciado que o universo acadêmico—ao contrário do que
os modernistas airmavam—foi também o espaço de discussão
das questões artísticas então contemporâneas, assim como dos
problemas especíicos da arte e mesmo da cultura brasileiras.
acadêmico entre nós. Se é evidente que há mudanças na arte da
passagem dos séculos XIX e XX, o método de ensino da nova
Escola é praticamente o mesmo do passado: o mesmo cuidado
com o desenho, os exercícios de cópias—com exceção das
estampas—e a prática intensa do modelo vivo.
Na verdade, este modelo de ensino acadêmico tem longa
duração pelo século XX a dentro, convivendo com a chegada
dos valores modernos, mesmo em ateliês particulares. Parece
ter havido um consenso de que a iniciação deveria ser feita pelo
método tradicional acadêmico e que, sobre essa base, o artista
futuramente escolheria o seu próprio caminho expressivo.
É interessante lembrar a maneira como Thierry de Duve
analisa os modelos de ensino artístico a partir do século
XIX. De Duve centra a discussão em torno dos modelos
deinidores para o ensino, que ele resume em três tríades: o
modelo acadêmico, apoiado em talento/métier/imitação; o
modelo modernista, fundado em criatividade/meio/invenção;
e o modelo contemporâneo, voltado para atitude/prática/
desconstrução.
Assim, para que o modelo de ensino moderno fosse implantando
seria preciso a fé na tríade criatividade/meio/invenção, isto
é, acreditar que a criatividade é um dom humano inato,
distribuído democraticamente por todos; aceitar que cada meio
artístico tem a sua própria essência, autonomia e, portanto,
regras próprias; e inalmente entender a arte como invenção a
partir da sensibilidade do artista. Tais idéias não parecem ter
sido integralmente partilhadas em nossos ambientes culturais,
nem mesmo por aqueles que se consideravam modernos. Os
artistas ligados ou não ao Modernismo continuavam, em
grande parte, no ambiente mental do modelo acadêmico:
talento/métier/imitação—sendo essa última atualizada pelos
primeiros movimentos modernos. Só mesmo a partir dos anos
1950 no Brasil—logo convivendo com a arte contemporânea—
aquelas idéias aludida por de Duve tiveram repercussão como
um todo.
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Figura 4a – Alexis-François Girard & G. Reverdin, Atalá (dessiné
d´après le tableau original de A. L. Girodet), s/d, maneira de crayon, 49,0
× 58,5 cm.
Figura 4b – Antônio Araújo de Sousa Lobo, Atalá, 1854, crayon/papel,
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49,2 × 56,4 cm. Museu D. João VI/EBA/UFRJ. Fotograias Rafael Bteshe.
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Figura 5b – Marques Júnior, Nu masculino em pé de frente, 1911,
carvão/papel, 58,3 × 44 cm. Anotação “última prova do ano, concurso,
Figura 5a – Henrique Cavaleiro, Nu masculino, 1911, carvão/crayon/
papel, 63 × 48 cm.
novembro de 1911, Prof. Zef. Costa”. Museu D. João VI/EBA/UFRJ.
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Fotograias Rafael Bteshe.
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7
Notas:
PEREIRA (2015) p. 2.170-2.183,
8
O Museu D. João VI da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio
de Janeiro preserva parte do acervo da nossa Academia, justamente as obras de
caráter didático, usadas como apoio ao ensino ou resultantes dos diversos concursos,
especialmente para o Prêmio de Viagem ou as de magistério.
9
Os álbuns de estampas do MDJVI são : Académie aux deux crayons, Cours
d´après l´antique, Cours d´Ornement, Cours de Dessin, Cours Elémentaire, Étude
Academique, Études choisies, Études d´après l´antique, Études d´après les grands
maîtres, Études D´Ornements Aux Deux Crayons Par Bilordeaux, Galerie d´Études aux
Deux Crayons, Grand Étude aux Deux Crayons, Grand Tête d´étude aux deux crayons,
Groupes d´Études, L´Ornement, Le Dessin Classique, Le Guide de L´Ornemaniste,
Le Portefeuille des Ornemanistes, Nouvelles Academies, Nouvelles Études Aux Deux
Crayons, Ornements aux Deux Crayons.
1
Seria impossível, aqui, fazer referência direta a essa literatura, fruto da ação
de alguns grupos de pesquisa, em geral ligados a programas de pós-graduação em
várias universidades, tais como: UFRJ, UFRRJ, UFJF, UNICAMP, UNIFESP. Parte dessas
pesquisas pode ser encontrada nos anais dos colóquios do Comitê Brasileiro de
História da Arte, que se encontram on line.
10
BARATA (1959). Isto pode parecer um paradoxo, mas é preciso lembrar que o
Modernismo brasileiro, até a década de 1940, foi iel ao igurativismo e formalmente
bastante conservador, apesar de apresentar, em certos momentos, como no 1º
Modernismo, um discurso radical.
2
Tais como Domingos José Gonçalves de Magalhães, Manuel de Araújo Porto
Alegre, Francisco Adolfo de Varnhagen, Antônio Gonçalves Dias, José de Alencar
entre outros.
11
DUVE (2003) p. 92-105.
12
Na década de 1950, como sabemos, os artistas brasileiros passam a se
interessar pela abstração (com o Concretismo, o Neoconcretismo e os Informais). Ao
mesmo tempo, cresce o interesse por outras teorias formais, como a Gestalt, e outros
métodos de ensino, como os da Bauhaus.
3
Cito aqui as idéias gerais do movimento, mas é preciso reconhecer as
diferenças internas a respeito de alguns temas. Sobre a interpretação do passado
colonial, por exemplo, há posições opostas entre Gonçalves de Magalhães, que o
repudiava, e Varnhagen que o considerava positivo, como uma etapa necessária ao
processo civilizatório do Brasil. Também a respeito do Indianismo, as posições nem
sempre são idênticas: Varnhagen não o admirava, ao contrário da maior parte dos
demais literatos e poetas do período.
4
A imagem da loresta, assim como do território ainda selvagem no século
XIX, vai ser realizada muito mais pelos desenhistas, aquarelistas e também fotógrafos,
frequentemente ligados a expedições cientíicas, ou com o objetivo de montar álbuns
para divulgação no exterior.
5
Imagino que houve, na pintura, preferência pela representação de uma
natureza mais domesticada – numa época em que é notório o esforço de integrar-se
ao mundo civilizado. A comparação com a representação da natureza na literatura
da época pode ajudar a entender melhor essa questão. Dessa maneira, cria-se uma
situação ambígua: no exterior, o Brasil que levanta interesse é o selvagem e primitivo,
mas internamente essa imagem é repudiada, em prol de uma visão mais amena da
natureza local e sua possibilidade de integração à civilização.
6
A partir da criação do SPHAN, em 1937, várias reformas sucessivas são feitas
na organização dos salões, voltadas para a diminuição da ingerência exclusiva da
ENBA, até que inalmente esse poder passa para o Museu Nacional de Belas Artes,
que havia sido criado também em 1937.
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la nature. La Rochelle : Rumeur des Ages, 2002. (extrato de Cosmos).
PEREIRA, Sonia Gomes. Arte brasileira do século XIX. Belo Horizonte: C/Arte,
2008.
Sonia Gomes Pereira é museóloga e historiadora da arte.
Fez mestrado na Universidade de Pennsylvania, doutorado
na ufrj e pós-doutorado no Laboratório de Pesquisa sobre o
Patrimônio Francês em Paris. É professora titular da unirio
e professora titular emérita da ufrj. No momento, atua no
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de
Belas Artes da ufrj. Depois de pesquisas sobre o maneirismo
luso-brasileiro e a história urbana do Rio de Janeiro, passou ao
estudo da arte brasileira do século XIX—temas sobre os quais
escreveu alguns livros e inúmeros artigos.
PEREIRA, Sonia Gomes ; A questão da paisagem no universo acadêmico do século
XIX: o caso de Agostinho José da Mota. Locus (UFJF), v. 19, p. 87-101, 2014.
PEREIRA, Sonia Gomes ; Os envios de Rodolfo Amoedo: a questão da tradição e da
modernidade. Anuário do MNBA. v. 1, p. 155-164, 2009.
PEREIRA, Sonia Gomes ; A Academia de Belas Artes e a historiograia da arte no
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Coleções de Arte: formação, exibição, ensino. Rio de janeiro: Rio Book´s, 2015, v. 1, p.
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
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e conexões. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2015. v. 24. p. 2.1702.183.
PEREIRA, Sonia Gomes. A Exposição Geral de 1879 e a escrita da História da Arte
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Artísticos. Belo Horizonte: UFMG, 2014. p. 1865-1880.
PEREIRA, Sonia Gomes ; O estudo dos acervos e a historiograia da arte brasileira
do século XIX: os desenhos do Museu D. João VI. In: Anais do XXXIV Colóquio do
Comitê Brasileiro de História da Arte: Territórios da História da Arte. Uberlândia:
Universidade Federal de Uberlândia, 2014. v. 1. p. 213-222.
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Joachim Le Breton,
Henrique José da
Silva e Félix-Émile
Taunay:
projetos, modelos e
estratégias na
direção do ensino
artístico brasileiro
(1816-1851)
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Elaine Dias
Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e
estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851)
/ Elaine Dias
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Os três diretores que conduziram os projetos de ensino artístico
no Rio de Janeiro entre 1816 e 1851 foram caracterizados
por um conjunto de fatores que marcaram deinitivamente a
história da arte brasileira: ousadias, fracasso e estratégias na
adaptação de modelos internacionais, na exaltação às suas
qualidades e na articulação de suas propostas aos governos
do período. Joachim Lebreton, Henrique José da Silva e Félix
-Émile Taunay, personagens de formações e interesses ora
bastante distintos, ora absolutamente próximos, promoveram,
cada um a seu modo, transformações e marcas duradouras no
âmbito do ensino artístico.
No que se refere à questão política, convém já ressaltar que
os 35 anos de duração destas trajetórias juntas perpassaram
três políticas e governantes distintos no Brasil, passando
pela mudança de estatuto do país ao deixar de ser colônia, de
tornar-se a capital de um novo Reino na América e conquistar
a independência, e pelo poder de um Rei e dois imperadores
que, embora todos fossem provenientes da mesma família,
deram ao território brasileiro características um tanto distintas
de acordo com os interesses sociais e econômicos que moveram
cada uma de suas trajetórias. Le Breton, Silva e Taunay izeram
parte desse processo e trabalharam para a formação da instituição e dos artistas, com todas glórias e tropeços na articulação
de suas políticas.
Joachim Lebreton não pôde, de fato, exercer seu papel como
diretor do primeiro projeto da famigerada Escola de Ciências,
Artes e Ofícios. Depois das tratativas da vinda dos artistas
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franceses para a condução deste projeto artístico, apresentado
aos diplomatas portugueses em Paris ainda em 1815, o secretário
perpétuo da classe de Belas Artes do Institut de France chega
ao Rio de Janeiro em março de 1816 com seu grupo. Depois
de passar pela conturbada queda de Napoleão e de colocar-se
contra os ingleses na devolução do espólio de guerra em
uma polêmica sessão do Institut de France, Le Breton, que
esperava passar apenas alguns meses no Brasil e voltar a Paris,
viu-se em uma situação complicada com a política francesa
de Restauração do período. Excluído da instituição, ele acaba
encontrando, no Rio de Janeiro, uma saída – ainda que tortuosa
- para a continuidade de sua atuação no âmbito das Belas Artes,
procurando adaptar os modelos de ensino francês e mexicano
a um contexto que julgava conhecer. Conseguindo o apoio do
francóilo e iluminista diplomata Conde da Barca já no Brasil,
ele apresenta alguns meses depois de sua chegada um plano
de ensino artístico para a denominada a tal Escola. Não é uma
coincidência que o título de Escola de Ciências, Artes e Ofícios
seja semelhante ao da Enciclopédie. Le Breton pretendia, au
but des comptes, objetivos semelhantes ao projeto de Diderot
e d’Alembert: o conhecimento e o aprendizado em torno das
artes, da ciência e da futura indústria em prol do progresso e da
educação. Ele era dotado de erudição e senso crítico, havia sido
fundador e redator do Jornal La Décade Philosophique1 , era
membro da classe de ciências morais e política do Instituto, da
classe de Belas Artes e um dos maiores articuladores do sistema
artístico na política napoleônica, trabalhando diretamente na
organização das coleções do Museu do Louvre junto a Vivant
Denon. Para o plano de ensino brasileiro, ele tinha em mente
um conjunto de modeles: o modelo mexicano da Escuela de los
Nobles Artes2, instituição conhecida pelos europeus através
dos escritos de Alexander von Humboldt, correspondente do
Institut de France; aquele da Academia de belas artes francesa
e ainda a École Gratuite du Dessin fundada pelo pintor JeanJacques Bachelier em Paris, escola ao qual Le Breton estava
diretamente vinculado, trabalhando em sua administração.
Seguindo o modelo clássico de ensino, o desenho era central
nesse processo, e isso pode ser percebido em seu plano a partir
Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e
estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851)
/ Elaine Dias
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
apoio de iguras iluministas como o Conde da Barca, morto
em 1817, com uma corte absolutista e com pouco interesse em
uma escola voltada a estes objetivos. A escravidão era o motor
da economia e os interesses liberais e progressistas deinitivamente não estavam nos planos dos Bragança e dos Bourbon
no Brasil. A aproximação a d. João VI nunca poderia efetivarse, nem pela via econômica, nem pela via ideológica. D. João
representava tudo que Le Breton combatia desde os tempos da
Décade Philosophique e sua estadia permanente no Brasil, que
não estava nos planos iniciais, certamente alterou todo esse
processo. Além disso, Barca era seu intermediário e protetor,
mas sua morte minou completamente seus planos liberais no
Brasil. Le Breton morreu em 1819, vendo sua Escola apenas
criada por decreto mas longe de ser fundada, sendo perseguido
por um certo general francês da Restauração instalado na corte
luso-brasileira e acusado de relações revolucionárias no Brasil
e na América do Sul.
da proposta de uma Escola Gratuita de Desenho, título que
se vincula diretamente a Bachelier, fundamental tanto para
as Belas Artes quanto para os ofícios. Ao mesmo tempo, o
exemplo mexicano que Le Breton julga poder ser aplicado ao
Brasil, era um modelo de sucesso nas relações entre a colônia
americana e metrópole espanhola, acreditando, possivelmente,
que tínhamos as mesmas oicinas de artes manuais que caracterizavam o ambiente mexicano, e faziam desta escola uma instituição de êxito. Para ele, era a união das belas artes, ofícios
e ateliers práticos, ou ainda a união dos trabalhos intelectual
e manual – dualidade perfeita dos enciclopedistas caros a
Le Breton, na união entre o pensamento e a execução3. No
caso do exemplo de Bachelier em Paris, ele espera aplicar na
corte de d. João VI o mesmo sistema4, propondo subscrições
e estimulando a inserção dos comerciantes na formação dos
alunos, que se beneiciariam da produção de objetos, impulsionando o comércio, aumentando o lucro e o poder do
Estado na condução deste processo. A promessa de progresso
econômico e social para uma corte instalada na América era,
assim, essencial ao convencimento para a fundação da Escola,
para que o país não “[icasse] em atraso, quando já uma parte do
continente aumenta com maravilhosa rapidez sua população,
suas riquezas agrícolas e comerciais”. A escola forneceria
meios para a boa concorrência com a América Espanhola.
Em seu plano de ensino, Le Breton cita, assim, a academia
mexicana, a escola francesa de Bachelier, a Academia de Belas
Artes francesa, as possibilidades de aplicação dos modelos no
Brasil, a compra de coleções de gesso, o desenvolvimento da
classe de modelo vivo, o Prêmio de Viagem a Roma, mesmo
que ainda não conheça efetivamente a política e a sociedade
brasileira, e as bases para o acolhimento de suas propostas.
A intenção foi nobre na busca pelo desenvolvimento da cultura
e do progresso econômico, na apropriação de modelos vindos
do México e da Europa, mas o plano de Le Breton icaria
apenas no papel, desenvolvendo-se, no futuro e com muitas
modiicações, tanto no que se refere às belas artes quanto aos
ofícios. O revolucionário Le Breton deparou-se, apesar do
Com a morte de Le Breton, surge o segundo diretor da instituição de ensino. Junto com Henrique José da Silva, artista
português que chega ao Rio de Janeiro em 1819, modiicam-se
também os projetos de ensino artístico. A Escola de Ciências,
Artes e Ofícios torna-se Real Academia de Desenho, Pintura,
Escultura e Arquitetura Civil, destituindo a parte da “indústria”
e restringindo o projeto às belas artes. A saída de Le Breton
poderia ter levado à nomeação de Nicolas-Antoine Taunay
como diretor da instituição ainda não fundada, mas a chegada
de Silva frustra seus planos, levando-o a deixar o Brasil em
1821. Silva é convidado pelo Barão de São Lourenço a ocupar
a cadeira de desenho da tal Escola5, sendo nomeado em 1820
para o cargo de diretor. A morte de Le Breton, associada, possivelmente, ao conturbado momento político vivido entre Brasil
e Portugal, culminando na partida de d. João VI à Europa,
acaba levando a direção da instituição a Silva em 1820, levando
ao retorno de Taunay e sua esposa a Paris, deixando no Brasil
os cinco ilhos que ainda marcariam a história da Academia
brasileira.
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Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e
estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851)
/ Elaine Dias
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Como professor de desenho e levando em conta estas obras,
Silva parece se sobressair em relação a Debret, sobretudo se
levarmos em conta a escassa produção do artista francês no
período. As telas conservadas no Brasil não revelam a excelência
do artista neoclássico que, de resto, era também inferior se
comparado aos alunos de Jacques-Louis David, seu mestre, e
se levarmos em conta sua própria produção napoleônica em
Paris.
Muito já se discutiu sobre a atuação de Henrique José da Silva
como diretor da Academia Imperial de Belas Artes, inaugurada
inalmente em 1826, e sobre a conturbada relação do artista
português com Jean-Baptiste Debret, então professor de pintura
da história da instituição, e Grandjean de Montigny, professor
de arquitetura. Sonia Gomes Pereira em seu artigo “Henrique
José da Silva, um pintor portugues na Academia Imperial de
Belas Artes”, publicado em 2009, já destacou a necessidade de
se rever o papel de Silva no Brasil e, sobretudo, a disputa entre
portugueses e franceses, estes considerados superiores artisticamente. Em Portugal, Silva foi discípulo de Joaquim Manuel
da Rocha, Eleutério Manuel de Barros e Pedro Alexandrino6,
em estudos centrados na Aula Régia de Lisboa. No Arquivo
do Museu d. João VI, podemos ver sua formação nos desenhos
ali conservados e, de fato, como ressalta igualmente Gomes
Pereira, pode-se ver ali sua excelência que, provavelmente,
relacionava-se às suas aulas de desenho proferidas na Academia
brasileira. Já sabemos também que o curso de desenho de três
anos ministrado por Silva, instituído nos estatutos acadêmicos
impedia, de fato, a atuação dos franceses em suas respectivas
classes. Essa regra fez com que Silva, Debret e Montigny protagonizassem diversos conlitos na instituição, os quais podem
ser conferidos nas atas da Academia e também nos jornais
do período, sobretudo em relação aos alunos que passavam,
clandestinamente, para as demais aulas sem o término do curso
de desenho, e as diiculdades enfrentadas, por exemplo, para a
abertura das primeiras exposições, levadas a cabo sobretudo
por Debret.
Contrariando a maioria das opiniões que veem Debret superior
a Silva, é preciso, no entanto – e relembrando novamente
Gomes Pereira – recoloca-lo na história, sobretudo em razão
de sua principal habilidade, o desenho. Como já citamos
anteriormente, suas obras conservadas no Arquivo do Museu
d. João VI, provenientes de uma doação de sua esposa após
sua morte, em 1834, revelam sua excelência em sua principal
habilidade na Academia, passando pelos estudos de anatomia,
nus e cópias das principais escolas artísticas italiana e francesa.
Debret, apesar de ter um papel relativamente importante
fora da Academia e junto às representações do Imperador,
especialmente no teatro da corte e na criação da nova iconograia das vestimentas, dos acessórios e da bandeira, amargava
o fato de ser destinado a Silva o papel de pintor oicial. E foi
de fato Silva quem realizou os retratos de D. Pedro I distribuídos pelas províncias e também aquele que foi gravado por
Urbain Massard em Paris. Silva já havia feito outros retratos de
personagens importantes na Europa, como aquele do Duque
de Wellington e de Beresford, e também do poeta Bocage.
Ainda que Debret propusesse inovações na representação de
d. Pedro, Silva ofereceu ao Imperador a tipologia mais tradicional do retrato de Estado, com o retrato em corpo inteiro em
trajes majestáticos, a repetida pose de Louis XIV, o trono, o
acortinado e a coroa depositada ao lado, retomando o elemento
da janela aberta com a paisagem do Pão de Açúcar ao fundo –
talvez uma provação a Debret, que coloca o mesmo elemento
no retrato de d. João VI realizado anos antes.
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É verdade, assim, que o período de atuação de Silva icou
marcado, na historiograia, pelos conlitos com os franceses.
Mas é também preciso apontar outra questão em sua trajetória,
isto é, sua relação com Félix-Émile Taunay, que ocupará seu
lugar após sua morte, em 1834. Com o retorno de Debret a Paris
em 1831, ano da abdicação de d. Pedro I ao trono brasileiro
que segue para Portugal para recuperar seu reinado, tem-se, de
certa forma, uma espécie de sinalização do im das relações de
conlito. Debret simbolizava, em âmbito acadêmico, a própria
igura de Le Breton com seus projetos progressistas e liberais.
Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e
estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851)
/ Elaine Dias
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
De fato, Debret e Le Breton estavam juntos na condução
dos projetos de 1816, ao lado de Grandjean de Montigny, e
a presença de Silva em seu lugar desde 1820 signiicava, de
certa forma, o fracasso de um projeto artístico e político.
Silva parecia ver a presença dos franceses da mesma forma,
mas isso não impediu uma relação amistosa com Félix-Émile
Taunay, secretario da Academia no ano da partida de Debret,
ainda que Félix criticasse igualmente as regras acadêmicas,
especialmente aquelas relativas ao desenho. Nesse ponto, é
preciso ter em mente os conlitos vividos entre Nicolas Taunay,
pai de Félix, e Debret, em 1816. Em carta a um amigo em Paris,
Debret relata os conlitos vividos entre ele, Le Breton e Taunay
que, naquele período, almejava o espaço de ambos no projeto
de ensino artístico. Taunay não se conformava com o status
elevado de Debret em comparação ao seu, uma vez que ainda
que ele fosse pintor de história, não era membro do Institut de
France. Taunay, como membro da classe de Belas Artes, queria
ter um estatuto maior que aquele de Debret, mesmo que sua
posição na hierarquia dos gêneros como pintor de paisagem e
gênero, estivesse evidentemente abaixo da pintura de história.
Além disso, queria ter o lugar de Le Breton como diretor da tal
Escola de Ciências, Artes e Ofícios, cargo destinado a Joachim
já no Brasil em 1816.
Com a reforma proposta por Félix e Grandjean, a duração de
três anos do curso de desenho de Silva se reduz para apenas um
ano, sendo esta a principal razão dos conlitos entre os artistas.
Félix consegue o feito ao lado de Grandjean e logra, ainda, a
admiração de Silva no cargo de secretario:
A verdade exige também dizer-se que o dito requerente logo
que entrou a servir, abriu hum livro de actas das sessões da
congregação, outro de copia dos oficios e cartas, outro novo
de matriculas, e, conservando o antigo devido ao desvelo do
director, assim como a collecção dos oficios da secretaria
do Estado, deu principio aos archivos do Estabelecimento
incumbidos ao secretario. Em conseqüência de que a
congregação he de parecer que será hum acto de justiça
conceder-lhe a gratiicação estabelecida nos Estatutos, em
quanto for conveniente conserva-lo no dito exercício. [...]8
A atuação de Félix nesse período, ainda como secretario e
tendo o apoio de Silva, assemelha-se, de certa forma, àquela de
Le Breton ainda em Paris como secretario perpétuo da classe
de Belas Artes do Institut de France. A comparação entre Le
Breton e Félix Taunay é inevitável nesse sentido. À parte os
conlitos vividos entre seu pai Nicolas-Antoine e Le Breton nos
primeiros anos no Rio de Janeiro, Taunay converte-se também
em grande administrador do incipiente sistema brasileiro das
belas artes, como Le Breton fora outrora. Seu papel aproximase daquele de secretário perpétuo do Instituto, malgrado
todas as diiculdades que envolviam a Academia brasileira.
A secretaria destinada a Taunay convertia-se, pouco a pouco,
no estímulo à futura direção da instituição, onde poderia
levar a cabo os modelos franceses de funcionamento de uma
Academia. Começaria, então, pela liderança dos projetos de
Reforma dos Estatutos, na organização dos documentos e da
memória da instituição.
Félix-Émile Taunay herdara, de certa forma, essas relações
pouco amistosas entre seu pai e Debret e, de fato, não há nada
que relacione Félix ao pintor de história. Quando Debret parte
para Paris em 1831, vê-se claramente nas atas acadêmicas
a tomada de posição de Félix que, ao lado de Grandjean,
consegue avançar nas reformas dos Estatutos tão almejada
por Debret, sem sucesso. Além disso, Debret, ainda em 1824,
elabora um plano de ensino para a Academia que sequer havia
sido inaugurada, sugerindo que a instituição fosse governada
por um junta de membros honorários, visando destituir o
poder de Silva, e também uma Escola Pública de Desenho,
pretendendo igualmente retirá-lo desta classe, ou ao menos,
dividir esta docência entre os demais professores.7
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Se Félix Taunay mantém relações amistosas com o diretor
Silva e desempenha um cargo semelhante ao de Le Breton
em Paris, é preciso dizer que suas estratégias vão além. Com
Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e
estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851)
/ Elaine Dias
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
dos textos facilitaria o aprendizado dos alunos que não liam
em francês, permitindo o acesso à teoria e a visualização das
pranchas diretamente nas obras originais. Outra medida de
suma importância no que se refere ao aprendizado dos alunos
é a organização da Pinacoteca da Academia. Nesse ponto, Le
Breton retorna. Foi ele quem trouxe uma coleção de 60 obras
de artistas estrangeiros, em sua maioria italianos, para integrar
o corpus de estudo dos alunos na realização das cópias,
comprados em Paris em 1815. Felix as organiza em escolas
artísticas, sistematizando o aprendizado junto às demais obras
que faziam parte da coleção Real, que igualmente integram a
Pinacoteca. A criação das Exposições Gerais de Belas Artes
estendidas a todos os artistas da corte a partir de 1840 e a
instituição do Prêmio de Viagem à Europa em 1845 são outras
medidas de grande impacto para a formação dos alunos, para
o desenvolvimento do colecionismo e da crítica de arte, e para
o reconhecimento social do artista.9
a morte de Silva em 1834, ele recebe os votos destinados a
Grandjean de Montigny na eleição da nova direção, passando
a ocupar o cargo e promovendo, a partir de então, uma série
de transformações na Academia de Belas Artes. Sua atitudes
progressistas, que veremos adiante, assemelham-se, em certo
ponto a Le Breton, mas Félix é mais estratégico na proposição
e aprovação de suas medidas, seguindo as intenções outrora
almejadas pelo pai Nicolas Taunay.
Em sua trajetória, Felix logra tudo o que seu pai sempre quis e
fracassou. Torna-se diretor da Academia, conquista a coniança
dos políticos e torna-se professor de francês e desenho do
Imperador, mantendo-se perto do poder. Essas relações são
fundamentais para que suas medidas sejam aprovadas, e não
são poucas, valendo-se, sobretudo, da Coroação do Imperador
Pedro II e da tentativa de encampar projetos progressistas e
nacionalistas para um governo que acredita ser o portador de
transformações liberais.
Assim que ocupa o cargo de diretor, Félix empenha-se em
desenvolver o curso de desenho, base comum às academias de
arte e seus modelos clássicos, especialmente no que se refere à
classe de modelo vivo, aprovadas ainda no período de direção
de Silva. Apesar de todas as diiculdades para sua contratação,
o que inclui a falta de proissionais ou a inabilidade dos que
são contratados, longe de exibirem os corpos atléticos naturais
à proissão, Félix insiste no desenvolvimento desta classe
durante toda sua trajetória no cargo. Ao seu lado, a tradução de
obras didáticas é de especial relevância no estudo do desenho,
integrando em um único compêndio autores utilizados nas
academias europeias, entre os quais o tratado de osteologia e
miologia de Tortebat e Roger de Piles, de medidas das estátuas
antigas de Gérard Audran, publicações que, embora datadas
do século XVII, são ainda utilizadas na Europa e traduzidas
do francês para outras línguas. Félix também insere no
catálogo as expressões das paixões humanas de Charles Le
Brun e um verbete de proporções de autoria de Aubin-Louis
Millin do Dictionnaire des Beaux-Arts de 1806. A tradução
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Durante os dezessete anos em que dirigiu a Academia Imperial
de Belas Artes, Félix procurou adaptar à realidade brasileira os
modelos franceses de ensino, tornando-os compatíveis com os
recursos destinados à Academia. Mas ele não estava sozinho
nesta empresa. Grandjean de Montigny, que esteve ao lado de
Le Breton e Debret, alvo de Silva durante sua gestão, foi o
companheiro de Félix durante toda sua trajetória, sobretudo
no que refere à valorização da arquitetura na Academia e sua
utilidade aos órgãos públicos. Caberia a ela, à arquitetura,
impulsionar as artes no Rio de Janeiro e no Brasil, trabalhando
ao lado dos escultores na produção de monumentos públicos,
no embelezamento da cidade e em sua organização urbana, com
a abertura de rios e a melhoria na circulação, na construção
de belos e grandes edifícios neoclássicos que abrigassem, no
futuro, as produções monumentais da pintura de história. A
estratégia parece bem traçada, não fossem os conlitos com os
engenheiros da Repartição de Obras Públicas já consolidados
em suas funções, e uma certa aversão aos estrangeiros que
ocupavam cargos de direção frente ao nacionalismo da década
de 1840. Apesar da aproximação de Félix Taunay ao Imperador
Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e
estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851)
/ Elaine Dias
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Notas:
Pedro II, que certamente o fazem lograr uma série de importantes medidas para a formação do aluno, mencionadas acima,
com a morte de seu companheiro Grandjean em 1850, a pressão
pela colocação de um brasileiro no cargo e um conjunto de
intrigas com Manoel de Araújo Porto Alegre - seu principal
desafeto, discípulo de Debret e, portanto, continuador natural
das intrigas e disputas de poder -, Félix deixa o cargo em 1851,
alegando problemas de saúde.
Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile
Taunay foram iguras essenciais ao desenvolvimento do ensino
artístico no Brasil, adaptando modelos de ensino, exaltando
a importância do desenho e valorizando o papel do artista.
Três gestões com inalidades distintas e voltadas a governantes de características e projetos diversos. Le Breton com
d. João VI, Silva com Pedro I e Taunay com Pedro II, seus
atos foram conduzidos a partir e para estes governantes e
para sua sociedade, com estratégias bem deinidas e modelos
artísticos condizentes a estas distintas políticas. Suas trajetórias revelaram disputas, conlitos, aproximações e interesses
ora descartados, ora retomados, seguindo a cartilha artística e
política do período.
1
KITCHIN, 1956.
2
Carta de Joachim Lebreton ao Conde da Barca, datado de 9 de julho de 1816,
contendo o plano de organização da Escola de Ciências, Artes e Ofícios.
3
MANTZ, 1865, p.235.
4
Ver MANTZ,1865 e LEBEN, 2004.
5
PEREIRA, 2010, p.550.
6
PAMPLONA, 2000, p.185.
7
Projecto do Plano para a Imperial Academia das Bellas-Artes do Rio de
Janeiro. Conservado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
74
75
8
IE.
Ofício de Silva a 18 de junho de 1833. Arquivo Nacional, RJ, Seção Educação,
9
Ver DIAS, 2009.
Joachim Le Breton, Henrique José da Silva e Félix-Émile Taunay: projetos, modelos e
estratégias na direção do ensino artístico brasileiro (1816-1851)
/ Elaine Dias
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
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Dupla Escola de Artes no Rio de Janeiro, em 1816 In Revista do SPHAN, 1959.
______Lebreton et l’organisation d’une doublé école des Beaux-Arts et des Arts
Métiers au Brésil en 1816. A Propos de la Mission artistique française de 1816 ».
Actes du XIXe Congrès International d’Histoire de l’Art, Paris, Unesco, 1959a.
DIAS, Elaine. Lebreton e a estruturação do ensino artístico no Institut de France
(1803-1815) In Anais do XXIII Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte,
Rio de Janeiro, 2004.
_______ Correspondências entre Joachim Le Breton e a Corte Portuguesa na Europa.
O nascimento da Missão artística de 1816 in Anais do Museu Paulista. , São Paulo,
v.14, p.301 - 316, 2006.
_______Paisagem e Academia: Félix-Émile Taunay e o Brasil. Campinas: Ed. Da
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KITCHIN,Joanna. Un journal “philosophique” : “La Décade” (1794-1807), Paris,
M.J. Minard-Lettres Modernes, 1956
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-l’Eau: Monelle Hayot, 2004.
MANTZ, Paul. L’enseignement des arts industriels avant la révolution. Gazette des
Beaux-Arts, Paris, v. X, t. XVIII, p. 229-245, mars, 1865.
PAMPLONA, Fernando de - Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses. 4ª ed.
Porto: Civilização, 2000. ISBN 972-26-1786-9.
Elaine Dias é docente em História da Arte na EFLCH-UNIFESP. Doutora em História (UNICAMP), com especialização no Institut National d’Histoire de l’Art em Paris
(INHA-Getty Foundation). Publicou, entre outros, Paisagem
e Academia. Félix-Émile Taunay e o Brasil. (1824-1851) (Edit.
Unicamp, 2009); “Les artistes français au Brésil au XIXe siecle:
l’Académie des Beaux-Arts et la formation de la collection
nationale de peinture of Rio de Janeiro”, in PANZANELLI,
R. (et.all).. La Circulation des Oeuvres d’Art - The Circulation of Works of Art in the Revolutionary Era 1789-1848.
(Ed.Rennes: PUR, 2007); e “Arte e Academia entre Política
e Natureza”. In: BARCINSKI, F. Sobre Arte Brasileira. (SP:
WMF Martins Fontes; SESC, 2014).
PEDROSA, Mário. Acadêmicos e modernos. Textos Escolhidos III. São Paulo:
Edusp, 1998.
PEREIRA, Sonia Gomes. ““Henrique José da Silva, um pintor português na
Academia Imperial de Belas Artes” in FERREIRA-ALVES, Natália Marinho (org.) –
A encomenda, o Artista, a Obra. Porto: CEPESE, 2010, p. 547-556
PEVSNER, Nikolaus. Les Académies d’Art. Paris: Gérard Monfort, 1999
TAUNAY, Affonso d’E. A Missão Artística de 1816. Rio de Janeiro: Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, 1957.
76
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Ensino artístico na
Academia Imperial
das Belas Artes.
Campo de produção
X campo de
consagração
78
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Cybele Vidal Neto Fernandes
Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes.
Campo de produção X campo de consagração
/ Cybele Vidal Neto Fernandes
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
suas modalidades, mecanismos e funções. “Concursos” eram
mecanismos utilizados na academia com diferentes objetivos:
1- para o ingresso de professores (designados Proprietários ou
Substitutos) 2- para conferir prêmios de viagem ao exterior; 3como emulação ou estímulo ao estudo. As “premiações” eram
conferidas, em diferentes situações, a alunos, professores, ou
àqueles a quem a academia desejasse homenagear, com medalha
de ouro, de prata ou títulos honoríicos.
Dos concursos públicos e particulares. Formas de ingresso.
Considerando as diretrizes estabelecidas para o presente
Seminário, em homenagem aos 200 anos da Academia Imperial
das Belas Artes do Rio de Janeiro, pretendo avançar no estudo
das questões do ensino artístico na instituição ( tema sobre o
qual tenho me debruçado em outras oportunidades) analisando,
em especial, os concursos e premiações em suas diversas
modalidades. Talvez não haja novidade no uso desse indicador,
mas pretendo reconsiderá-lo, na presente relexão, porque
entendo que o mesmo pode trazer uma contribuição maior para
a compreensão e aferição dos mecanismos do ensino na AIBA.
O ensino na Academia foi organizado na tradição da École des
Beaux- Arts, que regulava as atividades acadêmicas através de
premiações e concursos, a começar pela admissão dos alunos,
que passavam por diversas provas de avaliação em matérias
básicas1. No Brasil, o ingresso dos alunos era por indicação
de uma pessoa esclarecida, sendo admitidos jovens do sexo
masculino, entre doze e dezoito anos, sem nenhuma avaliação2.
Cerca de 88% desses eram provenientes do Rio de Janeiro,
37% das Províncias, 12% eram estrangeiros; eram ainda isentos
de serviço militar; 92% deles completava o curso em cerca de
cinco a seis anos, havendo casos de alunos que permaneciam na
Academia por mais de doze anos.
Sendo realidades muito distintas (organização político-social,
econômica, formação dos professores, espaço físico, etc) era de
se esperar que a estrutura da École des Beaux-Arts, impossível de
ser adotada como um todo, seria apenas uma orientação geral para
a organização da Academia no Brasil. Para entender a questão
na AIBA, vamos deinir “concurso” e “premiação” e esclarecer
1-Concursos Públicos: essa modalidade era destinada ao preenchimento de vagas para professores, nas categorias Proprietário
e Substituto. Tomemos por base a legislação, considerando
primeiramente o Estatuto estabelecido pelo Decreto de
30/12/1831/Reforma Lino Coutinho: o capítulo 1 trata dos
professores e empregados; o Artigo 2, deine a composição do
Corpo Acadêmico - cinco Professores Proprietários e quatro
Substitutos, que formariam a Congregação, sendo o Diretor
votado entre seus pares. Mais adiante, o Artigo 5 esclarece que,
surgindo uma vaga de Professor Proprietário, a mesma deveria
ser ocupada por seu Substituto direto. No entanto, havendo
algum artista de renome interessado na vaga, haveria um
concurso entre o Substituto e o interessado, para a deinição do
ocupante da mesma. E ainda, os alunos que tivessem terminado
os seus cursos na Academia, poderiam também concorrer à vaga
de Substituto. Em resumo: havendo mais de um interessado na
vaga, haveria concurso para a escolha do seu ocupante
Consideremos agora o Decreto 1603, de 14/05/1855, que
estabelece novos estatutos para a Academia Imperial das Belas
Artes3 ; no Título IV, “Dos trabalhos acadêmicos”, o Artigo 10,
item 2, deine:
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A Academia das Belas Artes no desempenho do im de sua
instituição e no intuito de promover o progresso das Artes
no Brasil, de combater os erros introduzidos em matéria de
gosto, de dar a todos os artefatos da indústria nacional a
Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes.
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Animais, mas morreu dois meses depois. Portanto, em quatorze
concursos, foram nomeados nove Substitutos e cinco Proprietários6. O cargo mais alto do magistério era o de Proprietário;
chegaram a esse cargo: cinco professores por concurso direto,
sete por progressão de carreira, (passaram de Substitutos a
Proprietários, com exceção de João Maximiano Mafra, que
prestou dois concursos para Substituto,1840 e 1851, e nunca
passou a Proprietário) e mais dois Proprietários externos,
por indicação ( Joaquim C. Soares Meirelles e Luiz Carlos da
Fonseca, ambos em 1837). Desse modo, quatorze professores
alcançaram o topo da carreira na instituição, como Professor
Proprietário.
conveniente perfeição e, enim, no de auxiliar o Governo
em tão importante objeto, empregará, na proporção dos
recursos que tiver, os seguintes meios… 2- Concursos
públicos e particulares ( o texto segue até o item 9).4
Ainda no Título IV, “Dos concursos públicos e particulares”,
o Artigo 56 deine quem poderia tomar parte nos referidos
concursos: artistas, da Academia ou não, brasileiros ou estrangeiros naturalizados, que tivessem menos de trinta anos, que
tivessem estudado no Brasil, que não fossem membros do Corpo
Acadêmico.5 O Artigo 58 do Regimento de 1855 dizia: “As vagas
para Professores da Academia serão preenchidas por concurso,
sempre que o Corpo Acadêmico não julgue mais conveniente
apresentar, ao Governo Imperial, algum Professor Honorário
de mérito transcendente”. Para participar dessa modalidade,
era necessário um requerimento ao diretor, posteriormente
referendado pelo Corpo Acadêmico. Além desse tipo de
indicação, ocorriam ainda pedidos de nomeação às autoridades.
Fazendo um levantamento de dados para veriicar qual foi
ainal, na prática, o sistema adotado para a admissão de
professores na AIBA, pode-se concluir que foi mais freqüente
o ingresso, a pedido ou por indicação do Corpo Acadêmico, de
algum Professor Honorário ou proissional externo à AIBA,
do que por concurso. Avaliando a questão, desde a fase inicial
da Academia, compreende-se que os primeiros professores, os
mestres franceses e alguns outros, tenham sido nomeados por
iniciativa do Governo. Mais tarde, na gestão de Felix-Émile
Taunay, foram promovidos nove concursos para Substituto: 1835
(1) para a cadeira de Paisagem, sendo nomeado Augusto Müller;
1837 (2) 1840 (2) 1849 (1) 1850 (1) 1851 (2). Os Concursos para
Professor Proprietário foram mais tardios e menos freqüentes
ainda, cinco no total: 1850 (1) sendo nomeado Francisco Elídio
Pâniro para a cadeira de Escultura, artista que faleceu no ano
seguinte; 1865 (2) João Jules Le Chevrel e Pedro Américo de
Figueiredo, ambos para a Cadeira de Desenho; 1878 (1) José
Maria Medeiros, também para Desenho; em 1881 (1) Leôncio
da Costa, que tomou posse pelo concurso de Paisagens, Flores e
Considerando agora a forma de ingresso por indicação ou a
pedido, encontrei vinte e nove decretos de nomeação: cinco
(1810/1820) dois ( 1820/1830) seis (1830 a 1840) um (1840 a
1850) sete (1850 a 1860) três (1860 a 1870) um (1870 a 1880)
sete (1880 a 1890) entre eles, seis Professores Honorários: Porto
-alegre, 1837; François Biard, 1859; Domingos de Azevedo
Silva, 1864; Rosendo Moniz Barreto, 1887; Zeferino da Costa,
1890; Rodolfo Amoedo1889/90. Portanto, segundo a forma de
ingresso, o corpo de Professores icou assim constituído: nove
por concursos para Substitutos; cinco para Proprietários, e vinte
e nove por indicação, num total de quarenta e três professores.
Considerando os percentuais entre os concursados e os indicados,
teremos: concursados 32.56% do total; indicados 67.44% do
total ( mais do dobro dos concursados). Esses dados que me
pareceram muito importantes e vou utilizá-los como indicadores
para avaliar sua repercussão, em relação à capacitação dos
professores da AIBA, muitas vezes questionada pelos próprios
colegas e pela crítica da época. A formação desses proissionais era bem precária de início, vindo a melhorar lentamente,
com o retorno ao Brasil, na segunda metade do período, dos
pensionistas, mais bem formados após a experiência européia.
Sobre esse fato, em 1849 Porto-alegre7 registrava na Revista
Guanabara:
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Seria muito mais profícuo ao Governo imperial mandar à
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de exoneração, ocupando, por quatorze anos ( de 1857 a 1871)
o cargo mais importante da Academia. Era Conselheiro da
AIBA, Médico e um homem de grande cultura, mas não era um
artista. O cargo icou vago por três anos, de 1871 a 1874, quando
Gomes dos Santos morreu, sendo substituído por outro médico,
Conselheiro da AIBA, Antônio Nicolau Tolentino, que dirigiu a
Academia por mais quatorze anos ( de 1874 a 1888, tendo sido
Interino de 1871 a 1874).
Europa os Substitutos estudar do que esses pobres moços
por três anos, que é curtíssimo o tempo para a viagem
e para aprenderem a língua. A França manda os seus
premiados por seis anos e quando vão para a Itália já têm
todos os seus estudos feitos e alguns já passam por mestres.
(FERNANDES, C.V.N, 2001)8
Esse panorama mudaria com a Reforma de 1855, que passou
para seis anos o tempo de estudos na Europa, no caso de Arquitetura, Pintura Histórica e Escultura, e para quatro anos, no
caso de Gravura e Paisagem. No Capítulo IV, que trata dos
professores honorários, o Artigo 126 do texto informa que os
pensionistas, ao retornarem ao Brasil, por votação do Corpo
Acadêmico, poderiam ser eleitos Professores Honorários, sendo
obrigados, nessa condição, a reger turmas, no impedimento
dos professores. Foi nessa condição que o pintor Zeferino da
Costa, por exemplo, atuou como professor da Academia, pois
nunca prestou concurso para a instituição10. Houve exceção,
por exemplo, no caso de Heitor Branco Cordovile, porque a
Academia julgou que o pensionista não compriu corretamente
com as obrigações como pensionista, e não permitiu sua
nomeação, como Professor Honorário.11
A Reforma de 1855, ao incluir várias disciplinas teóricas nos
diversos cursos, enfrentou o problema da inexistência desses
proissionais na AIBA e precisou contar com proissionais
externos, que embora formados em alguma ciência, por vezes
não eram professores na prática, e eram estranhos ao mundo
da Arte. Podemos citar o caso de Honorato Manoel de Lima,
que era Mestre Geral da Diretoria de Obras Militares, e
foi nomeado professor por decreto de 1855, nas cadeiras
de Escultura de Ornatos, Estatuária e Modelagem. Outro
exemplo é o do engenheiro Dr. Domingos de Azevedo Silva,
nomeado pelo Decreto de 30/09/1864, para assumir a cadeira
de Matemáticas Aplicadas. Talvez o caso mais notório seja o
cargo de diretor da Academia que, por duas vezes, foi ocupado
proissional estranho ao mundo da Arte. É o caso de Tomás
Gomes dos Santos, que substituiu Porto-alegre após seu pedido
Outro caso é o de François Biard, Membro Honorário que,
sendo estrangeiro, foi contratado por dois anos, como professor
de pintura, com o objetivo de guardar a vaga até o retorno de
Vitor Meireles. O artista terminava o seu período de afastamento
como pensionista na Europa, e já havia prestado concurso para
Substituto de Pintura Histórica, em 1851, antes da Reforma
de 185512. Há muitos outros casos a citar, mas creio que esses
exemplos são suicientes para demonstrar as reais diiculdades
da instituição: a complexidade das regras de admissão de
professores, a falta desses, às vezes, por longo período ( afastados
por licenças de saúde ou a serviço do Governo) a fraca formação
dos mesmos, a inconformidade da formação do mestre em
relação à disciplina assumida. A esses problemas soma-se, como
agravante, os alunos serem admitidos sem nenhum concurso,
na condição de quase analfabetos, havendo mesmo o caso de
se matricularem e não freqüentarem a Academia, vista apenas
como uma “solução” para fugir ao serviço militar13. Esses
dados, certamente, teriam repercussão no ensino da Academia,
a médio e longo prazos.
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Entendemos também que a eicácia desses concursos não era
inquestionável. Vamos analisar, como exemplo, o Concurso
Público prestado em 01/05/1865, por Jules Le Chevrel, Pedro
Américo de Figueiredo e Melo e Francisco Antônio Nery,
para a cadeira de Desenho, com comissão composta por João
Maximiano Mafra, Agostinho José da Mota e Vitor Meireles
de Lima. O concurso constou de três provas: 1- uma academia,
a ser executada em doze horas e quatro sessões; 2- uma igura
anatômica, em seis horas (osteologia e miologia, um à esquerda
Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes.
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pediu jubilação, vinte e cinco anos após sua nomeação.
e outro à direita do modelo) 3- uma composição em óleo sobre
tela, sobre um ponto a ser sorteado dentro dos temas dados,
com esboço a óleo, realizada em um dia, com execução deinitiva
em cinquenta dias. O tema sorteado foi “Sócrates afastando
Alcebíades do vício”14. A Comissão considerou que a melhor
resolução da terceira etapa foi o trabalho de Pedro Américo.
A Congregação da AIBA decidiu, em 02/10/1865, nomeá-lo
Professor Proprietário e a Jules Le Chevrel, contratado desde
12/06/1864 para Desenho, como Professor Honorário. Quatro
anos depois do concurso, em 15/09/1869, Pedro Américo pediu
transferência para a cadeira de História das Belas Artes, Estética
e Arqueologia, criada pela Reforma de 1855. Há uma justiicativa de Pedro Américo para o fato:
Concluo que a passagem de Pedro Américo como professor na
Academia, foi muito pouco positiva; a predisposição do artista
contra o magistério na instituição, revelou-se logo após o seu
ingresso16. É inegável que os alunos eram fracos, não falavam
nenhuma língua, a população era ainda bastante inculta, a
cidade oferecia muito poucas referências em Arte... Mas é
inegável também, como ele deixa claro por várias vezes, o seu
desinteresse pelo magistério: “Nessas circunstâncias, o trabalho
de ensinar é sobretudo fastidioso e pesado, poucas horas bastam
para cansar o espírito e torná-lo incapaz de encetar composições que requerem meditação e sossego”. Além disso, alegava
que a atividade de magistério era muito pouco compensadora,
pagava muito mal e atormentava o artista, no Brasil, com a idéia
de miséria: “o professor de Desenho é mais mal pago do que
qualquer operário hábil”. Seus relatos deixam transparecer o
seu verdadeiro foco de interesse, que era tornar-se um pintor de
história e obter, com suas obras, a glória nacional. Desse modo,
talvez seja mais correto acreditar que as repetidas licenças
de Pedro Américo, propiciaram ao artista a oportunidade
de alcançar seu verdadeiro objetivo. As muitas licenças que
acumulou tornou sua atividade, no magistério da Academia,
praticamente nula; ali, o seu papel foi outro, o de um artista de
Pintura Histórica que, é inegável, legou ao país várias obras de
reconhecido valor nacional e internacional.
05/08/1869 - O ensino de Desenho, tal como oferece a
Academia das Belas Artes, exige que o professor lecione de
três a cinco horas por dia, a moços tão pouco instruídos,
que ignoram até os termos vulgares com que se designam
as diversas partes elementares de uma igura humana... A
Academia das Belas Artes tem por im formar artistas e
não paralisar-lhes a inspiração e absorver-lhes o tempo em
que poderiam executar trabalhos artísticos para ilustrar o
país.... Em semelhantes circunstâncias a falta de tempo
acarreta diiculdades insuperáveis e priva o país de ter obras
de arte de algum valor, e o proissional de produzir tanto
quanto poderia fazer em melhores conjunturas. Prevendo
uma vida infrutuosa e estéril, o suplicante requer que lhe
seja concedida a cadeira de História da Arte, Estética e
Antiguidades.15
O texto faz a defesa de Pedro Américo como artista, e não como
professor. Pedro Américo considera estar perdendo tempo a
ensinar a alunos despreparados e desestimulados. Em 1871, por
haver poucos alunos matriculados, as aulas foram transferidas
para o Curso Noturno. Em 1873, pediu licença, e foi substituído
pelo Dr. Antônio José Barbosa de Oliveira, que foi dispensado
em 1876 por falta de alunos. De 1882 a 1890, a Academia
nomeou novo regente para a cadeira; em 1890, Pedro Américo
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2-Concursos para Prêmio de 1ª. Ordem ou Prêmio de Viagem:
esses concursos eram previstos para o inal do ano letivo, mais
precisamente para o dia 05 de Novembro. Isso porque a Academia
não tinha salas especiais, exclusivas para os concursos, como era
tradição nas academias européias; assim sendo, os concursos
eram promovidos nas salas comuns, onde os alunos icavam
separados por biombos17. Em razão dos ganhadores receberem
bolsas de estudo na Europa, esses concursos precisavam de
instruções especiais, que deveriam ser aprovadas pelo Governo.
Pelo Regimento de 1855, os concursos deveriam ocorrer de três
em três anos; pelo Decreto de 25/05/1859 a periodicidade dos
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
enviou à Congregação da AIBA um documento referente ao
relatório que recebeu do professor interino das aulas de Pintura
Histórica e Paisagem. Compartilhando as mesmas preocupações, enfatizava que não havia material necessário às aulas
nem passes de carris para deslocar os alunos para pintar frente
à natureza (Jardim Botânico, Vila Isabel, São Cristóvão).
Reclamava a falta de resposta a pedidos anteriores e chamava
a atenção, mais uma vez, para os problemas que enfrentava
ao trabalhar nas dependências da Academia, onde os espaços
eram inadequados ao ensino. Acrescia a isso a inexistência
de modelos-vivos e, quando existentes, serem os professores
obrigados a contar com pessoas com total despreparo, problema
já crônico, que se ligava à falta de verba para pagamento dos
modelos. Zeferino da Costa declarava não entender a falta de
providências para tal questão, cujos prejuízos se estendiam aos
concursos escolásticos em Paisagem e Pintura Histórica, considerada a cadeira mais importante da Academia.
concursos mudou: deveriam ser promovidos de dois em dois
anos, durariam trinta dias úteis, conferindo bolsa de estudos
de cinco anos. Entre 1845 a 1888 foram selecionados quinze
pensionistas: Pintura Histórica (6) Escultura (3) Arquitetura
(3) Gravura (2) Paisagem (1). Vitor Meireles e Zeferino da
Costa estudaram na Europa por nove anos; Rodolfo Amoedo e
Rodolfo Bernardelli, estudaram por 10 anos; em 1876 houve a
concomitância de três pensionistas na Europa18.
Os Concursos para Prêmios de Viagem eram tradicionais na
França, e propiciavam estudos avançados na Itália. No Brasil,
logo despertaram grande interesse entre os alunos e, graças a
eles, devido a complementação dos estudos feita com os mestres
europeus, podemos dizer que entre 1870 e 1890, aproximadamente, os artistas da Academia revelaram um maior amadurecimento. No período, também a Pintura Histórica, de temática
brasileira, obra de “grande máquina”, revelou artistas de valor
internacional. Crescia ainda o interesse na pintura de paisagens
e retratos, que na sua tradição realística, caracterizava as muitas
encomendas para o Governo e para a classe mais favorecida da
população. Essas modalidades iam aos poucos suplantando o
gosto em relação às grandes obras de Pintura Histórica.
3-Concursos Particulares: também chamados Concurso
de Animação ou Trimestrais, destinavam-se aos alunos
regularmente matriculados; deveriam ocorrer no inal de
cada trimestre, para cada matéria, e serem avaliados por uma
comissão de especialistas nos diferentes assuntos. Os concursos
particulares funcionavam de maneira muito clara e imediata,
como um meio de “emulação”19, isto é, serviam para estimular
os alunos no aproveitamento dos estudos, no correr do ano.
Os trabalhos resultantes desses concursos, depois de avaliados
pelas comissões, eram expostos nas salas da Academia, para
serem julgados também pelo Corpo Acadêmico; os autores dos
melhores trabalhos recebiam Medalhas de Prata. A realização
desses concursos nem sempre correu bem; há registros, nos
arquivos da Academia, de problemas recorrentes em sua
aplicação. Em 05/-08/1887 o professor Zeferino da Costa
No dia 04/11/1887, Zeferino da Costa encaminhou outro
documento ao diretor: “Fui ontem surpreendido por uma
comunicação que me dirigiram os meus alunos de Pintura
Histórica e de Paisagem, em que me participam que se acham
impossibilitados de continuar seus trabalhos dos concursos
escolásticos, começados desde o dia 19 ...”20 O professor
lamentava que a Direção tivesse indeferido o abaixo-assinado
dos alunos, que requeriam material para pintura. Airmava
estar certo de que os seus trabalhos provariam, nos concursos
trimestrais, a dedicação por ele despendida e o progresso dos
alunos. A instituição precisava de mais verbas para enfrentar a
manutenção de seus serviços; na falta dessas, problemas diversos
surgiam e prejudicavam as relações entre todos e o cumprimento
do Regulamento. No caso citado, o concurso trimestral de
emulação icou claramente prejudicado; funcionou, na verdade,
ao contrário, e o objetivo inal, estimular os alunos nos estudos,
não foi alcançado.
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As premiações da Academia. Campo de produção e campo de
consagração.
década de 1860. Era imperativo, porém, que as “Exposições
Gerais”, organizadas a partir do decreto de 25/05/1859 cada ano
fossem programadas para anteceder os “Concursos Públicos”,
porque dependiam dos espaços das salas da Academia, para
expor as obras selecionadas.21 Foram realizadas, entre 1840 e
1889, vinte e seis “Exposições Gerais”, sendo onze na gestão
de Felix-Taunay. Para a realização dessas exposições, era
necessário que o Governo destinasse verba suiciente para
fazer frente aos inúmeros gastos: obras no edifício; restauração
de peças da coleção da Academia; decoração do edifício,
preparação de catálogo, confecção de medalhas, divulgação do
evento nos jornais. Talvez o maior problema a enfrentar fosse
a verba destinada à aquisição das obras de valor, selecionadas
pela Comissão Oicial, para enriquecer Coleção da Academia.
Em 1884 a relação dessas obras era grande ( só do pintor
Pedro Américo havia doze obras selecionadas). Por esse
motivo, algumas exposições programadas foram muitas vezes
adiadas ou não foram realizadas. Os prêmios promovidos pelas
“Exposições Gerais” faziam parte dos diversos mecanismos de
emulação, dentro do sistema de ensino. Voltados para o artista
da instituição (aluno ou professor) ou para os artistas externos,
nem sempre funcionaram a contento, mas serviram para dar a
conhecer ao público os esforços da AIBA a favor do amadurecimento da Arte no Brasil.
O Título VI do Regimento de 1855 trata “Dos Prêmios”
conferidos pela Academia; no Artigo 70 estes eram classiicados
como 1- “Prêmios de Primeira Ordem” (uma pensão anual para
estudos na Europa) 2- “Prêmios de Segunda Ordem”, para os
artistas que se distinguissem nas Exposições Gerais públicas, ou
para aqueles a quem a Academia julgasse dignos dessa distinção
3- “Prêmios de Terceira Ordem”, destinados aos concursos
durante o ano escolar, e “Exposições Finais” (seriam em forma
de medalhas de ouro e prata). As exposições pertenciam a duas
modalidades: 1- o Título V, Artigo 64 se refere à “Exposição
Pública” e determina: “No im de cada ano escolar, haverá uma
Exposição pública dos trabalhos de todas as classes da Academia,
a qual durará três dias, indos os quais se fará a distribuição dos
prêmios”. E mais adiante, refere-se à “Exposição Geral Pública”:
“De dois em dois anos, a contar do ano de 1856, se fará uma
Exposição Geral Pública de todos os trabalhos artísticos feitos
na Capital do Império e nas Províncias”, esta, com a duração de
quinze dias. Portanto, eram duas exposições distintas, uma para
alunos e outra para alunos e artistas em geral, com estrutura e
premiação diferentes.
As “Exposições Gerais Públicas” eram os maiores eventos
programados; comparando as primeiras com as últimas, é
notório o seu crescimento, tanto no número de participantes,
quanto no número de obras nas diversas Sessões. Tomemos
como exemplo, no Segundo Reinado, duas Exposições Gerais da
fase inicial, 1843 e 1849, e as duas últimas, de 1879 e 1884: considerando o número de expositores temos 28 e 23 expositores/117
e 84 expositores, respectivamente. O mesmo raciocínio vale para
avaliarmos a representação dos retratos: 35 e 49 retratos/75 e
65 retratos, respectivamente. Na pintura de paisagem brasileira
temos 6 e 5 paisagens/61 e 64 paisagens, respectivamente. Na
pintura histórica temos 4 e 5 obras históricas/9 e 17 obras
históricas, respectivamente. Gravura, fotograia e Artes Industriais praticamente só passaram a ser representados a partir da
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Pierre Bourdieu, em sua obra “A economia das trocas
simbólicas” trabalha o campo sociológico da Arte através
do que chamou mercado dos bens simbólicos, com atenção
especial à sociologia do ensino. Bourdieu considera que a
cultura escolar propicia aos indivíduos um corpo de categorias
de pensamento que torna possível a comunicação. Consideramos, como atores desse processo, alunos, professores, suas
relações com as academias européias, e a crítica nascida nesse
contexto. O autor faz referência à Academia francesa, à época de
Le Brun, que acumulou o monopólio de execução de todos os
trabalhos artísticos do país, do ensino do Desenho, da produção
da Academia, numa supremacia universal no campo da arte.
Nesse sentido, Porto-alegre tentou colocar a Academia num
Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes.
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Se a AIBA era o campo de produção, as exposições eram muito
importantes, como campo de consagração da obra, ligada ao
ensino na Academia, à capacidade e à atuação de professores,
a par das obras de outras procedências. Para P. Francastel, a
arte conigura, como linguagem, os modos de pensamento do
contexto no qual foi gerada, e oferece informações que outros
tipos de pensamento não consegue apreender, “O artista cria
e, criando, ele pensa tanto quanto o matemático e o ilósofo”,
mas concretiza as suas conclusões de forma plástica, não verbal.
A obra estabelece ainda relações com outras obras, mesmo
que deslocadas no tempo e no espaço. Desse modo, o artista
deve ser entendido como aquele que age tanto como agente da
propaganda oicial, como na qualidade de intérprete de resistências desconhecidas. No nosso caso, a Academia, como campo
de produção, tendia a produzir as normas válidas para o ensino
e a execução da obra, mas precisava dar à mesma uma existência
real, pública, o que se concretizava nos salões das Exposições.
Do mesmo modo, através da obra, se revelava também todo um
sistema, em sua realidade, em seus pontos positivos e negativos,
dentre os quais as questões aqui abordadas se colocam, sem
dúvida.
patamar mais elevado, unindo os seus objetivos aos do Teatro
e da Música, e tornando-a um órgão consultivo, em relação
aos proissionais liberais ligados ao desenho e às atividades de
criação. Empenhou-se para combinar o ambiente de ensino com
o do pensamento, isto é, por transformar a instituição realmente
numa Academia, mas encontrou inúmeros obstáculos, entre
eles, a incompreensão dos professores, vítimas eles mesmos da
sua frágil formação proissional. Apesar da Reforma de 1855, e
suas regulamentações posteriores, o ensino na AIBA continuava
bastante deiciente, se comparado às escolas francesa e italiana.
Foi somente cerca das últimas décadas que se fez notar um
amadurecimento maior, talvez inluenciado pela melhor
formação dos pensionistas que retornavam ao país, somado aos
avanços que iam aos poucos transformando a sociedade.
Félix Ferreira (1841-1898) um dos primeiros a escrever sobre a
arte do século XIX no Rio de Janeiro,22 considerou a “Exposição
Geral” de 1884 a mais rica e variada, desde 1840, com cerca de
trezentos trabalhos originais: “é que, a despeito da indiferença
do público e descuramento do Governo, as artes progridem
entre nós... Exigir que um aluno seja correto ou que um mestre
seja impecável não é para o meio em que vivemos, onde tudo
falta ao estudo e à educação artística”23. A Exposição de 1879,
na minha opinião, deu um testemunho maior de crescimento
da Arte entre nós, de participação no conjunto das obras
produzidas, além do número de visitantes ter sido maior que
em 1884 (menos visitada, talvez, porque tenha cobrado ingresso
com o objetivo de angariar fundos para ajudar na compra das
obras selecionadas). Se compararmos os dois eventos, teremos
alguns dados bem signiicativos: retratos (75 – 65) paisagem
brasileira (64 – 61) paisagem européia (29 – 24) costumes (35 – 9)
tema religioso (35 – 9) arquitetura (10 –7) escultura (10 – 6) artes
industriais (10 – 4) . Em 1884 foram mais bem representados:
fotograia 5 – 47) lores e animais (21 – 34) clássicos e alegóricos
(8 – 20). A importância da Exposição de 1884 é a de ter fechado
um ciclo da história da Academia Imperial e da arte brasileira,
reunido importantes obras e artistas e estimulado sobremaneira
os debates críticos.
92
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Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes.
Campo de produção X campo de consagração
/ Cybele Vidal Neto Fernandes
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
minúsculo, respeitando a maneira de grafar do próprio artista, que assim o fazia.
Conferir: Diário. Histórico e demonstrativo da minha Diretoria na Academias das Belas
Artes. Começado no dia 11 de Maio de 1854, dia da minha posse. Arquivos do Museu
D. João VI/EBA/UFRJ.
Notas:
8
FERNANDES, Cybele Vidal N. Os caminhos da arte. O ensino artístico na
Academia Imperial das Belas Artes – 1850/1890. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, Tese de
Doutoramento, Or. Manoel Luiz Salgado Guimarães, 2001, p. 155.
9
João Zeferino da Costa foi professor da Academia na qualidade de Professor
Honorário da Sessão de Pintura da AIBA, por ter sido pensionista na Europa, de onde
regressou em 1877. Não prestou concurso para a cadeira de Desenho e substituiu em
várias ocasiões os professores de Pintura Histórica, Pintura de Paisagem e Desenho
de Modelo-vivo, como professor Interino. Serviu desse modo à Academia, por
quarenta e oito anos, entre 1877 e 1915
1
Na École des Beaux-Arts os alunos eram admitidos por Sessões. Exemplo
das Provas para a Sessão de Pintura: uma igura desenhada do natural, numa das
Sessões e outra à antiga, na outra Sessão, executadas em doze horas. Era uma
prova eliminatória, que poderia aprovar até oitenta alunos e mais vinte suplentes.
Esses candidatos iriam para a etapa seguinte: um desenho anatômico/ osteologia,
executado em logge, durante duas horas; uma épura de perspectiva, executada
em logge, em quatro horas; um fragmento de igura modelada à antiga, executado
em nove horas; um estudo elementar de arquitetura, executado em logge, em seis
horas; um exame referente às noções gerais de História, escrito ou oral, à escolha do
candidato. Conferir: La Grande Encyclopédie – Inventaire raisonné des Sciences, des
lettres et des Arts par une societé de savantset de gens de lettres sous La direction de
M. M. Berthelot, Hartwig Derembourg, A. Giri, E. Glasson, D. B. Hahn, C.A. Laisant, M.M.
Langlois, H Laurent, E. Lavasseur, G. Lyon, H. Marion, E. Muntz e Secretaire Général
: André Berthelot. Paris: Societé Anonyme de La Grande Encyclopédie. 61, Rue de
Rennes, p. 390, V. 1.
10
João Zeferino da Costa foi professor da Academia na qualidade de Professor
Honorário da Sessão de Pintura da AIBA, por ter sido pensionista na Europa, de onde
regressou em 1877. Não prestou concurso para a cadeira de Desenho e substituiu em
várias ocasiões os professores de Pintura Histórica, Pintura de Paisagem e Desenho
de Modelo-vivo, como professor Interino. Serviu desse modo à Academia, por
quarenta e oito anos, entre 1877 e 1915
11
Conferir: Arquivos do Museu D. João VI/EBA/UFRJ, Ata da congregação, de
22/03/1869.
12
Vitor Meirelles prestou concurso para Professor Substituto de Pintura Histórica
em 1851, e o vencedor foi João Maximiano Mafra ( que só atuou na disciplina em 1874,
substituindo Vitor Meirelles). Meirelles viajou para a Europa em 1852 e regressou ao
Brasil em 1861. Foi nomeado Professor Honorário e, no mesmo ano, passou a Interino.
Em 1862 passou a Professor Proprietário.
2
Em 20/02/1888 o professor Rosendo Moniz Barreto propôs que a Academia
exigisse, na admissão dos alunos, exames de português e francês, e não apenas
leitura e as quatro operações.Ver: arquivos do Museu D. João VI/EBA/, atas da
congregação.
13
Conferir: Arquivos do Museu D. João VI, EBA/UFRJ, Ata da congregação de
22/03/1869.
14
Os outros temas selecionados para o concurso de Desenho foram: Agamenon
de volta de seu palácio é assassinado no Egito; O ilho pródigo voltando à casa
paterna; Aquiles entrega Briseida aos arautos de Agamenon; Jacó recebendo o
vestido ensangüentado de José; Moisés salvo das águas. Eram temas que tinham
todos uma carga dramática muito grande, condizentes com as interpretações
românticas que permeavam o gosto do período.
3
O documento da Reforma foi assinado pelo Ministro do Império Luiz Pedreira
do Couto Ferraz, e traduz, de modo geral, as idéias de Porto-alegre, diretor entre
os anos de 1854 e 1857, responsável pela implantação da mesma na Academia. Ver:
FERNANDES, Cybele Vidal Neto. “O palácio da Academia das Belas Artes. O ensino
artístico versus o espaço da Academia”. In: VI Seminário do Museu D. João VI. Rio de
Janeiro: EBA/MNBA, 2015.
15
Sobre essa fase da vida do artista ver: Arquivo Nacional, Série Educação –
Cultura e Belas-Artes IE 792, Sessão DAS doc. 284 e 286.
4
Decreto 1603, de 14/05/1855: ver a íntegra do Título IV, Dos trabalhos
acadêmicos, Artigos 10 a 13.
5
Ver a íntegra da regulamentação, no documento citado, Artigos 56 a 63, do
Decreto 1603, já referido.
6
Conferir: GALVÃO, Alfredo. Subsídios para a história da Academia Imperial e da
Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 1964.
7
Informo que grafarei o nome de Manoel de Araújo Porto-alegre com e
94
95
16
Fica muito claro que Pedro Américo praticamente não deu aula na AIBA:
posse em 19/02/1866; três meses depois pediu 2 anos de licença, prorrogados para
três e mais cinco meses , e só reassumiu ( em 07/1899) porque estava ameaçado de
perder o cargo.Dois meses depois pediu transferência para História da Arte, Estética
e Arqueologia ( posse em 18/02/1870). Em 1871 a cadeira foi para o curso noturno. Em
1873 pediu nova licença, voltando somente em 1877. Nesse mesmo ano pediu outra
licença pata tratar da saúde. Em 1880 pediu exoneração, voltou por risco de perder o
cargo. Em 1882 pediu novamente exoneração, igualmente negada, e jubilou-se aos
Ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes.
Campo de produção X campo de consagração
/ Cybele Vidal Neto Fernandes
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
vinte e cinco anos de casa, em 1890.
17
O edifício da École dês Beaux-Arts de Paris foi ampliado na década de 1800,
e o arquiteto responsável foi François Debret. A descrição do edifício é longa, mas
cita “ ...No pátio das logges se encontravam o ateliê de Modelagem e o Laboratório
de Química; acima icavam as logges destinadas aos concursos”.... Ver: Dictinnaire
de L´Académie dês Beaux-Arts. . Chez Firmin D. Frères ET Fils ET Cie Imprimeurs-Libraires de L Ínstitut Impérial de France, 56, Rue Jacob, 1858.In: FERNANDES, Cybele
V. N. Os caminhos da arte. O ensino artístico na Academia Imperial das Belas Artes1850/1890. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, Tese de Doutorado, 2001, ( Orientador: Manoel
Luiz S. G.).
18
Os ganhadores dos concursos foram: Rafael Mendes de Carvalho, Pintura,
1845 ( agraciado com uma viagem à Itália em 17/09/1845, antes do prêmio ser criado,
em 24/09/1845, exigindo concurso para esse im); Antônio Batista da Rocha, Arquitetura, 1845; Francisco Elídio Pâniro, Escultura, 1846; Geraldo Francisco Pessoa
Gusmão, Gravura, 1847; Francisco Antônio Neri, Pintura Histórica, 1848; Jean Leon
Palliere, Pintura Histórica, 1849; Agostinho José da Motta, Pintura de Paisagem, 1850;
Vitor Meirelles de Lima, Pintura Histórica, 1852; Joaquim José da Silva Guimarães,
Gravura de Medalhas, 1860; José Rodrigues Moreira, Arquitetura, 1862; Cândido
Caetano de Almeida Reis, Escultura, 1865; João Zeferino da Costa, Pintura Histórica,
1868; Heitor Branco Cordovile, Arquitetura, 1871; Rodolfo Bernardelli, Escultura, 1876;
Rodolfo Amoedo, Pintura Histórica, 1878; Oscar Pereira da Silva, Pintura Histórica, 1888.
Conferir: Arquivos do Museu D. João VI/EBA-UFRJ. Documentos avulsos, livros de
Atas e outros registros.
19
Emulação: Ação ou efeito de emular; sentimento que leva uma pessoa a
desejar superar outra, ou se igualar a ela, disputar ou concorrer, com outra pessoa, de
maneira honesta.
20
Conferir: acervo do Museu D. João VI/EBA-UFRJ, arquivo.
21
Apesar dos concursos ocorrerem, tradicionalmente, nas Academias, em
espaços somente a eles destinados, ( as loggias) no Rio de Janeiro, o edifício da
Academia era muito pequeno e não contava com esses espaços. A alternativa de
utilizar as salas de aula não era uma boa solução e causava muitos problemas.
22
FERREIRA, Felix. Belas Artes. Estudos e apreciações. Introdução e notas de
Tadeu Chiarelli. Porto-Alegre: Editora Zouk, Arte: Ensaios e Documentos, 6, ISBN
978-85-8049-024- 4, 2012
23
FERREIRA, Felix. Opus cit, p. 177.
96
97
Cybele Vidal N. Fernandes
Licenciada em Desenho e Artes Plásticas pela Escola de
Belas Artes/UFRJ. Mestre em Artes Visuais pela EBA/UFRJ
(Tema: A talha do século XIX no Rio de Janeiro). Doutora
em História Social da Cultura pelo IFCS/UFRJ (Tema: O
ensino artístico na AIBA). Pós-Doutora em Artes Visuais
pela Universidade do Porto/CEPESE (Tema: Porto X Rio de
Janeiro. O ambiente artístico e a produção artística de fora da
AIBA).
Da prática das
cópias às imagens
de referência na
pintura de
Eliseu Visconti
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Ana Maria Tavares Cavalcanti
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti
/ Ana Maria Tavares Cavalcanti
quanto à perda de criatividade ou originalidade de um artista
formado no exercício da cópia.
Dentre as cópias pintadas por Visconti, algumas se encontram
em acervos públicos. Uma delas reproduz o retrato de um
nobre, obra de Veronese, e hoje faz parte do acervo do Museu
D. João VI da Escola de Belas Artes da UFRJ (n. de registro
3043). O original se encontra na Galeria Colonna, em Roma,
sob o título Ritratto di gentiluomo. É curioso observar que há
uma diferença nas cores dos dois quadros: enquanto na cópia
pintada por Visconti, a roupa do nobre veneziano é verde, no
original ela é azul. Essa mudança de cor pode ser resultado de
uma retirada de verniz antigo na obra original; ou do escurecimento de verniz na cópia brasileira que aguarda restauração.
Outra hipótese a ser avaliada é a de que Visconti tenha feito
essa cópia ainda no Rio, antes do embarque para a França, a
partir de uma reprodução em preto e branco.
Eliseu Visconti (1866-1944) foi um dos mais importantes
artistas brasileiros do inal do século XIX e início do século XX.
Nascido na Itália, veio para o Brasil ainda criança, por volta de
1873. Iniciou sua formação artística no Rio de Janeiro, primeiramente no Liceu de Artes e Ofícios, onde ingressou em 1883,
e em seguida na Academia Imperial de Belas Artes / posterior
Escola Nacional de Belas Artes, onde estudou de 1885 a 1892.
Em novembro de 1892, se inscreveu no concurso para o Prêmio
de Viagem à Europa, sendo declarado vencedor em dezembro
do mesmo ano. Nos sete anos seguintes, completou seus
estudos em Paris, passando pela École Nationale et Spéciale
des Beaux-Arts, pela École normale d’enseignement du dessin,
também conhecida como École Guérin, e pela Académie Julian.
Pouco tempo após seu período de pensionista, Visconti já se
destacava no meio artístico brasileiro, recebendo encomenda
para realizar pinturas decorativas para o Theatro Municipal do
Rio de Janeiro, inaugurado em 1909.
No período de sua formação no Brasil, de 1885 a 1892, Eliseu
Visconti passou pelo exercício da cópia de obras de outros
artistas, como era costume no ensino acadêmico. Após vencer
o concurso do Prêmio de Viagem, também realizou cópias na
Europa, como parte de suas obrigações de pensionista. Essa
prática, usual no ensino das artes no século XIX, permaneceu
vigente nas primeiras décadas do século XX e em seguida foi
recriminada pelos defensores da arte moderna. Nos interessa
investigar se esse método que fez parte de sua aprendizagem
deixou marcas ao longo da carreira de Visconti. E, nesse caso,
veriicar se eram procedentes as inqwuietações modernistas
De todo modo, sabemos que entre as obrigações de Visconti como
pensionista brasileiro na Europa estava prevista apenas uma cópia
que devia ser enviada ao inal do 3° ano de seus estudos. Visconti
cumpriu essa tarefa entre 1895 e 1896 em Madri, copiando a
pintura de Velázquez A Rendição de Breda, no museu do Prado,
em tamanho equivalente ao do original. Esse trabalho de fôlego
icou durante muitos anos exposto no Museu Nacional de Belas
Artes, no Rio de Janeiro.
100
101
Durante o tempo em que esteve no Museu do Prado copiando
Velázquez, Visconti realizou outras cópias, de menores
dimensões, que não faziam parte de suas obrigações. Esses
trabalhos hoje se encontram em coleções privadas e suas
imagens estão disponíveis no site oicial de Eliseu Visconti
<http://www.eliseuvisconti.com.br>.
Algumas
mostram
1
detalhes de obras de Velásquez , outra é uma cópia reduzida
de O rapto de Helena (1578-79), quadro de Tintoretto também
pertencente ao Museu do Prado. O trabalho de Visconti é uma
anotação rápida da composição de Tintoretto. Nosso pintor
quis registrar a estrutura e as cores que o impressionaram,
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Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti
/ Ana Maria Tavares Cavalcanti
Figura 1 – acima: Eliseu Visconti – cópia de Tintoretto, 1896
óleo sobre madeira – 21 x 32cm – coleção particular.
http://eliseuvisconti.com.br/Catalogo/Principal/21/Catalogo.aspx
abaixo: Eliseu Visconti - A Poesia e o Amor Afastando a Virtude do Vício
(detalhe) Estudo do primeiro friso do proscênio do Theatro Municipal do
Rio. Óleo sobre tela - 51cm X 148 cm - 1906 - Museu dos Teatros - funarj
http://www.eliseuvisconti.com.br/Site/Obra/FrisoProscenio.aspx.
Figura 2 – Eliseu Visconti - “Marabá”, 1888, graite s/papel – 18,7cm x
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15,1cm MNBA – Rio de Janeiro. Fonte: base Donato/MNBA.
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Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti
/ Ana Maria Tavares Cavalcanti
a diferença expressiva entre elas.2 De fato, enquanto na versão
inal, Marabá tem uma atitude relexiva e melancólica, que em
nada ameaça os que a contemplam, já no estudo registrado por
Visconti, ela é abertamente sedutora, uma femme fatale como
estava em voga na Europa do inal do século.
conservando assim a lembrança desse quadro. É interessante
comparar essa cópia com um detalhe de uma de suas pinturas
decorativas do Theatro Municipal.
Embora as diferenças entre as duas imagens sejam grandes,
a semelhança na posição das iguras femininas principais e o
acúmulo das demais iguras ao seu redor chama nossa atenção.
Isso não signiica que esse quadro especíico de Tintoretto
tenha sido a fonte de inspiração para o primeiro friso do
proscênio do Theatro Municipal. Com essa comparação, gostaríamos de adiantar a hipótese que defendemos: no exercício
de copiar, os artistas adquiriam um vocabulário visual do
qual se apropriavam. As soluções compositivas, os contrastes
de claro e escuro, as atitudes das iguras pintadas, todos
esses elementos que eles observavam nas obras originais que
copiavam vinham enriquecer seu próprio repertório ao qual
podiam recorrer com liberdade em diversas ocasiões. Aliada
ao estudo do modelo vivo, à realização de esbocetos preparatórios para grandes composições, e às chamadas “manchas”
ou pochades de paisagens realizadas ao ar livre, a prática de
copiar pinturas de mestres era uma forma de adquirir cultura
visual, de tomar posse de um patrimônio comum que passava
de geração à geração.
Portanto, vemos que a escolha de quais obras copiar não era
indiferente. Muitas cópias revelam algo sobre o temperamento
e os interesses do artista que as realizou. Outro exemplo signiicativo se encontra num caderno de notas de Visconti, no qual,
por volta de 1895, ele desenhou os traços e anotou os nomes
das cores do quadro de Dante Gabriel Rossetti, Ecce Ancilla
Domini - A anunciação (c. 1849-50) que viu em Londres.
Esse pequeno desenho-registro da obra de Rossetti conirma
o interesse de Visconti pelos pintores pré-rafaelitas, interesse
que se nota em seus quadros do inal da década de 1890.
Numa fotograia desse período observamos o indício evidente
do processo que se inicia com a admiração de Visconti por
um pintor, no caso Sandro Botticelli (1445-1510), passa pela
referência a uma obra especíica, e inalmente se completa
numa pintura original.
Nesse sentido, além das cópias previstas no decorrer de sua
formação, desde cedo os artistas adquiriam o hábito de fazer
rápidos desenhos para guardar a lembrança de pinturas ou
esculturas que os interessavam particularmente. Visconti
também fez diversos desses pequenos estudos. Em 1888, por
exemplo, desenhou a graite a Marabá de Rodolpho Amoêdo,
seu professor na Academia Imperial de Belas Artes.
Visconti posou para o fotógrafo em seu ateliê em Paris e se
posicionou em frente ao cavalete, paleta e pincéis nas mãos.
Sobre o cavalete vemos um estudo para as Oréadas, trabalho
com o qual viria a receber medalha de prata na Exposição
Universal de Paris de 1900. Atrás de Visconti, vemos o quadro
em sua versão inal. E na parede do fundo, no ponto central da
fotograia, se vê uma reprodução da Primavera de Botticelli (c.
1482).
No caso da Marabá, é interessante notar que Visconti optou por
registrar a versão inicial da pintura, o estudo no qual a mestiça
olha diretamente para nós, espectadores do quadro, sendo
que na obra inal, Amoêdo desviou o olhar da moça, pintando
seu rosto de peril. Talvez Visconti tenha icado tão admirado
quanto os que hoje comparam essas duas versões e observam
Oréadas não é uma cópia da Primavera, mas suas ninfas
dançantes estão impregnadas da atmosfera desse quadro. Quando
comparamos as pinturas mais atentamente, percebemos que duas
iguras de Botticelli foram usadas como referências visuais para as
oréadas. Uma delas é Clóris, que Botticelli pinta sendo agarrada
por Zéiro no canto direito da imagem. Visconti replicou a posição
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Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti
/ Ana Maria Tavares Cavalcanti
de seu corpo, em especial de suas pernas, no casal que dança no
primeiro plano de seu quadro: o jovem rapaz e a ninfa que olha em
nossa direção. Claro, não são cópias idênticas de Clóris. Visconti
“girou” e espelhou a igura, mas reconhecemos sua fonte. E o
mesmo se dá com uma das três Graças de Botticelli, aquela que
está de costas para nós. Reencontramos sua atitude na ninfa que
Visconti pintou no canto esquerdo, inteiramente nua. Tudo indica
que após escolher essas referências, ele contratou um modelo que
posou em posições semelhantes, pois existem muitos estudos para
as Oréadas feitos em graite sobre papel, a partir da observação do
modelo vivo.3 Em um de seus cadernos, há a seguinte anotação:
“Domenique Vintri [...] – menino muito bonito de corpo para
a primavera – belas formas”.4 Menciono essa passagem como
um exemplo das diversas etapas que faziam parte da realização
das pinturas de Visconti e de seus contemporâneos. A ideia de
um quadro podia surgir da contemplação de pinturas de outros
artistas. Muitos esboços preparatórios eram então realizados, e
nestes se mesclavam referências visuais encontradas em obras
anteriores, estudos de modelo vivo, de paisagens ou de interiores.
lhista que observou em quadros de Signac e Seurat. Pequenos
comentários sobre os dois pintores se encontram em um de
seus cadernos:
Independentes. [...]
“Paul Signac” Pontilhista interessante;
“Seurat” 1859-1891 Pontilhista muito ino5
São registros de sua visita ao Salão da Sociedade dos Artistas
Independentes em 19056, e demonstram sua admiração pelos
neo-impressionistas.
Igualmente interessante é perceber que sua atenção também se
dirigiu a artistas hoje menos conhecidos, ao menos em âmbito
internacional. Visconti escreveu um pouco acima, nesse mesmo
caderno:
Paris, Independentes 23-4-9057
O mesmo procedimento de tomar emprestadas iguras de outro
pintor foi empregado por Visconti nas decorações do Theatro
Municipal. Nas pinturas que decoram a sala de espetáculos
do teatro - no plafond (teto) sobre a plateia e no friso sobre o
proscênio – algumas de suas iguras alegóricas são releituras de
imagens presentes em um quadro do pintor austríaco Gustav
Wertheimer (1847-1904), La Danse des Sirènes. Já tratei desses
empréstimos em minha tese de doutorado (1999) e em artigo
publicado em 2002 (Arte & Ensaios, n. 9). Aqui menciono
essa apropriação para ressaltar como as imagens retiradas do
quadro de Wertheimer são transformadas por Visconti, transiguradas em obra de expressão muito diversa. Se reconhecemos
nas alegorias das “horas” as mesmas poses das “sereias”,
quando comparamos as cores e as pinceladas de Visconti e
Wertheimer, nota-se uma grande diferença.
Visconti fez uma “colagem” nesse trabalho. Por um lado
utilizou as iguras de Wertheimer, e por outro, a técnica ponti-
Butler,8 notas cinzentas mas variadas
E. Brin9 – La Vérité – muito bem!
“Hermann Paul”10 original.
[…] “Peccatte”11 Luminoso, colorido,
rico, dourado claro.
Imaginamos Visconti em sua visita ao Salão dos Independentes, caderninho no bolso, pronto para registrar suas
impressões sobre o que via. Seu olhar não era o de um visitante
distraído, estava atento à produção de seus contemporâneos.
O americano Theodore-Earl Butler (1861-1936) e os franceses
Emile-Quentin Brin (1863-1950), René Georges Hermann-Paul
(1864-1940) e Charles-Marie Peccatte (1870-1962) mereceram
seus comentários. Suas anotações nos orientam em direção
106
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Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti
/ Ana Maria Tavares Cavalcanti
Figura 3 – Eliseu Visconti – a partir de Dante Gabriel Rossetti (Ecce
Ancilla Domini) graite sobre papel – 15,5 x 10,5cm – acervo Tobias
Visconti, foto João Araujo.
Figura 4 – Eliseu Visconti no ateliê em Paris, 1899
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Fonte: http://www.eliseuvisconti.com.br/Img/1/obrasc_crono16.jpg.
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Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti
/ Ana Maria Tavares Cavalcanti
às ainidades que sentiu e nos fazem perceber que os artistas
eram um grupo. O trabalho de cada um, embora realizado por
vezes de forma solitária na quietude de seus ateliês, era na
verdade um trabalho coletivo. Ao criar suas obras, uns tinham
consciência do que os demais estavam fazendo, e se situavam
em relação a esse conjunto interagindo uns com os outros,
mesmo quando não se conheciam pessoalmente. Assim, nas
visitas aos museus e às exposições, havia uma troca de ideias
entre artistas de tempos e lugares diversos.
Resta-me acrescentar minhas próprias impressões quando, em
visitas a museus de outros países, ou diante de reproduções,
vejo pinturas que me lembram as telas de Visconti.
Sous la lampe (Sob a lâmpada) do francês Victor Prouvé é
uma dessas pinturas, pois nos remete aos Deveres de Visconti.
É sobretudo pelo tema que os quadros se aproximam. Os dois
pintores retrataram meninas ocupadas com seus estudos, os
livros abertos e iluminados por um foco de luz. Há diferenças na
interpretação do assunto, no entanto. Prouvé inclui três meninas
na cena, cada qual com uma atitude particular, sendo que a garota
situada no centro da composição nos olha pensativa. Sua tela tem
a leveza de uma crônica do cotidiano. Já Visconti concentra a
ação em apenas uma igura inteiramente absorvida em sua tarefa
escolar. Um facho de luz ressalta as folhas brancas do caderno
que iluminam, por relexão, o rosto da menina. A atmosfera é
quase mística.
Visconti deixou outro registro dessa “troca de ideias” em seus
cadernos, ao comentar os estudos feitos por Henri Martin
(1860-1943) para a decoração do Capitólio de Toulouse,
expostos no Salão da Société des Artistes Français em 1906.
Nessa oportunidade, Visconti escreveu:
Capitole de Toulouse de H. M. Toda sua pintura é vista de
longe. Ele modela por valor e não pelo próprio modelado.
É o que dá simplicidade. Todas as suas cores se misturam
desde o primeiro ao último plano. O ar circula livremente.
Como valor, no máximo três. A mistura de cores se faz
por justaposição […] e jamais fundidas umas às outras. É
justamente o resultado fresco e luminoso que notamos em
sua pintura.12
A comparação entre essas duas telas nos faz perceber o desaio
que os pintores do período enfrentavam ao abordar temas já
trabalhados por outros. Pois se havia assuntos que despertavam
o interesse do público e recebiam repetidamente a atenção dos
artistas, estes eram chamados a expressar uma visão original,
traduzindo o tema de acordo com seu temperamento pessoal.
Sabemos que nesse momento Visconti começava a preparar
as pinturas decorativas para o Theatro Municipal do Rio de
Janeiro. O Salão em Paris era ocasião de observar os trabalhos
de outros pintores, com a atenção voltada para os recursos que
poderia empregar nessa decoração. Visconti aprovou a maneira
como Henri Martin se apropriou do pontilhismo, utilizando a
técnica dos neoimpressionistas Seurat e Signac nas pinturas de
grandes dimensões que realizou para o prédio em Toulouse.
Observar o efeito “fresco e luminoso” da justaposição de cores
nos estudos de Martin deve ter sido experiência decisiva para
Visconti, que optou por empregar o mesmo procedimento nas
pinturas do Theatro Municipal, conforme já mencionado.
Outros quadros que nos fazem pensar em Visconti são o Retrato
de Olga Serova, do pintor russo Valentin Serov (1865-1911), e
Bois de Boulogne do holandês Isaac Israëls (1865-1934). Em
ambos reconhecemos as mesmas cores, pinceladas e atmosfera
de certos trabalhos de Visconti.
110
111
Tanto Israëls quanto Serov foram contemporâneos do pintor
brasileiro e viveram em Paris durante alguns anos. Foi em Paris
que Isaac Israëls pintou Bois de Boulogne. Provavelmente,
Visconti nunca se encontrou com Israëls, e tampouco com
Valentin Serov. Embora possa ter visto suas obras nos Salões
de Paris, Visconti não menciona telas de nenhum dos dois
pintores em suas anotações. No entanto, numa pintura de
Visconti datada de 1921, Tapera Velha, realizada pouco tempo
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
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Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti
/ Ana Maria Tavares Cavalcanti
Figura 5 - acima: Gustav Wertheimer (1847-1902) - La danse des Sirènes,
1888 (detalhe) reproduzido em Le Figaro Salon, 1888, fascículo 3, p. 42.
Figura 6 - Charles-Marie Peccatte (1870-1962).
abaixo: Eliseu Visconti - A Dança das horas ou A passagem do Dia,
1908 (detalhe) Pintura decorativa - Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
112
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Les Bouleaux – detalhe
Musée de l’École de Nancy
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Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti
/ Ana Maria Tavares Cavalcanti
após seu retorno ao Brasil, vemos as mesmas pinceladas e uma
paleta muito próxima daquela que observamos em Bois de
Boulogne.
Copia-se muito, combinam-se concepções anteriores para
criar tipos aparentemente inéditos. Se rejuvenesce o assunto, o
tema, tratando-os ao gosto da época.”15
Poderíamos apresentar ainda muitos outros exemplos, em
que quadros realizados por pintores que não se conheceram,
parecem ser “da mesma família”. Ao confrontar a pintura de
Visconti das décadas de 1920 e 1930, sobretudo suas obras de
atmosfera impressionista, com a produção de artistas contemporâneos atuantes em outros países, encontramos semelhanças
na escolha dos temas, na paleta e na fatura das pinceladas. Não
se trata, como alguns poderiam propor, de uma simples “cópia”
do Impressionismo francês do inal do século anterior. Claro,
na base, está a pintura dos impressionistas, mas é evidente
que Visconti possui mais ainidade e maior semelhança com
pintores de sua própria geração.
Ao que tudo indica, essas anotações de Visconti foram feitas
a partir da leitura de livros, pois a passagem que diz “Quase
já não se inventa mais. Limitam-se a combinar […] os tipos
criados pelos grandes mestres” é na verdade a citação de um
texto do arqueólogo e historiador suíço Waldemar Deonna
(1880-1959). O trecho se encontra no prefácio que Deonna
escreveu para o livro de fotograias de Frédérique Boissonnas,
intitulado L’image de la Grèce, Athènes ancienne, publicado
em Genebra em 1921.16
Lendo o trecho no caderno de Visconti, facilmente imaginamos
que ele se refere a artistas seus contemporâneos. Curiosamente,
no entanto, ao ler a passagem completa de Waldemar Deonna,
percebe-se que o suíço se referia aos gregos do período
helenístico. Nos perguntamos então se Eliseu teria anotado
essa passagem justamente por ter sentido que as observações
que se dirigiam aos antigos gregos poderiam muito bem se
endereçar aos artistas de seu próprio tempo. Possivelmente...
Como vimos, ele próprio utilizara esse procedimento de repetir
temas, de copiar e combinar “concepções anteriores para
criar tipos aparentemente inéditos”. Ou seja, essas anotações
parecem contradizer sua prática.
Como entender essas semelhanças? Muitas respostas são possíveis,
mas a que nos parece mais simples é a de que esses artistas partilhavam de um mesmo vocabulário pictórico, das mesmas inquietações e interesses. Em sua formação, passavam pelos mesmos
exercícios, e em sua trajetória artística, participavam dos mesmos
Salões, frequentavam as mesmas exposições, visitavam os mesmos
museus e galerias. Assim, ao produzir suas obras, formulavam
suas ideias e expressavam seus sentimentos compartilhando a
mesma linguagem.
Essas relexões que têm como ponto de partida as obras de
Visconti, se tornam mais complexas à luz de seus escritos
pessoais. Em um de seus cadernos, lemos a seguinte frase que
data, provavelmente, da década de 1920: “O verdadeiro gênio é
o que inventa fora das convenções e tradições.” Adiante, provavelmente na década de 1930, ele anota: “Quase já não se inventa
mais. Limitam-se a combinar, de forma mais ou menos feliz os
tipos criados pelos grandes mestres, a repetir, a adaptar.”14 E
no mesmo tom que ora parece crítico, ora simples constatação,
continua: “O julgamento estético é subjetivo, varia no decorrer
dos tempos. O mesmo tema é repetido século após século.
Situado entre os séculos XIX e XX, entre concepções diversas
de ensino e produção da arte, Eliseu Visconti nos estimula a
pensar sobre os desaios enfrentados pelos artistas formados
na Academia e cuja atuação se prolongou até a década de
1940.
114
115
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti
/ Ana Maria Tavares Cavalcanti
Figura 7 – Victor Prouvé (1858-1943) Sous la lampe – 1895 óleo sobre
Figura 8 – Eliseu Visconti (1866-1944) Deveres – c. 1910. óleo sobre tela
tela – 73,5cm x 93,8cm Musée de l’École de Nancy, França.
– 60cm x 80cm Coleção particular.
Fonte: http://www.ecole-de-nancy.com/web/index.php?
page=peinture-prouve.
Fonte: http://www.eliseuvisconti.com.br/Catalogo/Descricao/1/Deveres.
116
117
aspx.
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti
/ Ana Maria Tavares Cavalcanti
Figura 9 – Valentin Serov (1865-1911), Verão, retrato de Olga Serova –
Figura 10 - Isaac Israëls (1865-1934). Bois de Boulogne, arredores de
1895. óleo sobre tela – 73,5cm x 93,8cm. Galeria Tretyakov, Moscou.
Paris - c. 1906, óleo sobre tela – 33cm x 46cm, Rijksmuseum, Amsterdam
Fonte: http://www.tretyakovgallery.ru/en/collection/_show/image/_
id/3002.
Fonte:
118
119
https://www.rijksmuseum.nl/en/rijksstudio/artists/isaac-israels/
objects#/SK-A-3593,7.
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti
/ Ana Maria Tavares Cavalcanti
Notas:
1
http://www.eliseuvisconti.com.br/Catalogo/Descricao/1/Velasquez.aspx
2
Dentre os autores que observaram essa mudança expressiva entre o estudo
e a versão inal da Marabá, podemos citar Luciano Migliaccio. Vide: MIGLIACCIO,
Luciano. Rodolfo Amoedo. O mestre, deveríamos acrescentar. 19&20, Rio de Janeiro, v.
II, n. 2, abr. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/ra_migliaccio.
htm>.
3
Um desses estudos para Oréadas pode ser visto no catálogo de obras
de Visconti (código D302), disponível em <http://eliseuvisconti.com.br/Catalogo/
Descricao/1/D302.aspx>
4
Visconti, E. Manuscrito em bloco de notas, c. 1894-95, 10.5cm x 15.5cm.
Acervo da família Visconti.
5
De um caderno de Visconti conservado no Arquivo Histórico do Museu
Nacional de Belas Artes. Grupo 3: artistas, personalidades e obras de arte (mapoteca
03). Tradução da autora. Em francês no original: Indépendants […] “Paul Signac”
Pointilliste intéressant. “Seurat” 1859-1891 Pointilliste très in.
6
No Salon des Indépendants de 1905 foi realizada uma exposição retrospectiva de Georges Seurat (1859-1891) com quadros de diversas coleções, inclusive
Un Dimanche à la Grande Jatte (no catálogo, p. 127-129). O catálogo da exposição
está disponível em Digital Collections from The Metropolitan Museum of Art Libraries
http://libmma.contentdm.oclc.org/cdm/ref/collection/p16028coll4/id/4116
7
De um caderno de Visconti conservado no Arquivo Histórico do Museu
Nacional de Belas Artes. Grupo 3: artistas, personalidades e obras de arte (mapoteca
03). Tradução da autora. Em francês no original: Paris, Indépendants 23- 4-905 / Butler,
notes grises mais variées / E. Brin La Vérité très bien! / Hermann Paul original […] /
“Peccatte”Lumineux et coloré, riche, doré clair.
8
Theodore-Earl Butler (nascido nos Estados Unidos, 1861-1936 – viveu em
Giverny). No Salon des Indépendants de 1905 expôs: La statue de la Liberté, New-York;
La rue de la Pépinière; Effet d’hiver, Giverny; Marine; La Seine en hiver (dois quadros
com esse mesmo nome); Rouen; Giverny l’hiver.
Figura 11 – Eliseu Visconti (1866-1944), Tapera Velha – 1921, óleo sobre
tela - 24cm x 35cm. Coleção particular, Brasil.
120
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9
Emile-Quentin Brin (Paris, 1863-1950) – foi aluno de Cabanel na Ecole
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Da prática das cópias às imagens de referência na pintura de Eliseu Visconti
/ Ana Maria Tavares Cavalcanti
nationale des Beaux-Arts. No Salon des Indépendants de 1905 expôs sete pinturas,
sendo seis “estudos” e um quadro chamado La vérité.
10
René Georges Hermann-Paul (Paris, 1864-1940). No Salon des Indépendants
de 1905 expôs oito telas: Portrait de Cézanne, Portrait de Mlle H.-C., Portrait de M.P.M.,
Jeune garçon, Soir d’été, En visite, L’écolière, Trois enfants.
11
Charles-Marie Peccatte (1870-1962) – artista francês da região de Lorena,
estudou em Paris a partir de 1890, frequentando o Museu do Louvre e a Academia
Colarossi. No Salon des Indépendants de 1905 expôs oito telas: Brumes d’octobre,
Jour de Pâques, Neige et bouleaux, Novembre, Le bosquet blanc, La saison rouge,
Sur la colline, La rivière. Mais informações em < http://artlorrain.com/charles-marie
-peccatte>.
12
De um caderno de Visconti conservado no Arquivo Histórico do Museu
Nacional de Belas Artes. Grupo 3: artistas, personalidades e obras de arte (mapoteca
03). Tradução da autora. Em francês no original: Capitole de Toulouse de H. M. Toute
sa peinture est vue de loin. Il modèle par valeur et non par le modelé lui-même. C’est
ce qui donne simplicité. Toutes ces couleurs se mêlent depuis le premier plan jusqu’au
dernier. L’air circulle partout. Comme valeur trois au maximum. Le mélange de couleur
se fait par juxtaposition avec beaucoup de [...] et jamais fondues les uns dans les
autres. C’est justement le résultat frais et lumineux que l’on obtient de sa peinture.
13
Idem, ibidem. Esse trecho está escrito em português no original.
14
Idem, ibidem. Em francês no original: On n’invente plus guère. On se borne
à combiner plus ou moins heureusement les types créés par les grands maîtres, à
répéter, à adapter.
15
Idem, ibidem. Em francês no original: Le jugement esthétique est subjectif,
varie au gré des temps. Le même thème répété de siècle en siècle. On copie
beaucoup, on combine conception antérieure pour crééer des types en apparence
innédits. On rajeunit le sujet, le motif en les traitant au goût de l’époque.
16
BOISSONAS, F. L’image de la Grèce, Athènes ancienne. photographies de
Fred. Boissonnas, Introduction de W. Deonna. Genève: Editions d’Art Boissonas, 1921.
Disponível em https://archive.org/stream/athnesancienne00bois#page/n7/mode/2up
(consulta em 18 de abril de 2016)
122
123
Ana Maria Tavares Cavalcanti, Doutora em História da Arte
pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne, é professora de
História da arte na Escola de Belas Artes da UFRJ desde 2006.
Suas pesquisas abordam a produção, a circulação e a recepção
da arte entre Brasil e Europa nos séculos XIX e XX.
O desenho e a
formação do artista
contemporâneo:
entre modelos e
tradições
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Marina de Andrade
& Dalila Santos
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições
/ Marina de Andrade & Dalila Santos
função do acervo da AIBA e da ENBA que hoje pertencente
ao MDJVI era a de formar artistas - colaborando, em especial,
nas disciplinas de Desenho, que era a base para todos os
ofícios. A incorporação dessas obras através de concursos,
compras e doações iniciou-se com a criação da AIBA em 1816
e manteve-se depois da República na ENBA (PEREIRA, 2015,
p.2171)1. O acervo não abrange, contudo, toda a coleção da
antiga AIBA e ENBA, pois com a criação do Museu Nacional
de Belas Artes (1937) há uma separação da coleção, tendo sido
destinada à ENBA a parte mais didática, que mantinha sua
função pedagógica e era em grande parte disponibilizada em
salas de aula e ateliês. Quando a EBA foi transferida para a Ilha
do Fundão, passando a ocupar parte do Prédio da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo, esse acervo manteve-se nas salas
de aula e ateliês. Foi apenas em 1979 que o Museu D. João
VI foi criado, visando a conservação das peças da Escola que
então completava 163 anos.
Com um grande acervo didático, o Museu D. João VI (MDJVI)
da Escola de Belas Artes da UFRJ abriga coleções de desenho,
pintura, medalhística, estampas, moldagens em gesso, entre
outros, que são testemunhos visuais de processos de ensino
usados pela Academia Imperial das Belas Artes (AIBA) e
pela Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Em sua etapa
contemporânea como Escola de Belas Artes (EBA), entretanto,
o reduzido quantitativo de obras não fornece a mesma representatividade na identiicação das práticas e processos desenvolvidos por professores e alunos. Tal constatação denuncia a
falta de continuidade em processos de aquisição de obras, mas
também pode signiicar uma mudança signiicativa em relação
aos métodos e currículos de escolas de arte na contemporaneidade - de que maneira a diversidade da arte contemporânea
poderia ser posta em um acervo didático?
É signiicativo pensar que parte das obras expostas no Museu
participavam do cotidiano dos alunos. Sua presença frequente
evocava os valores que deveriam ser mantidos e tornava presente
a história da arte. A imagem que vem à mente é a de academias
italianas e da francesa - esta última, modelo determinante para
a AIBA. A aproximação parece estar na concordância de que
os artistas deveriam estudar a natureza, aprender o desenho do
nu e valorizar as obras da antiguidade clássica. A presença dos
modelos era frequente, como registra a fotograia de uma aula
de pintura em 1912, na ENBA. E a convivência de referências
gregas/romanas e as próprias obras dos professores apontava
para o encontro entre diferentes modelos teóricos e de ensino.
Não cabe nesse momento responder essa pergunta que não
pode, contudo, ser negligenciada. A questão encaminha-se
aqui para um contexto mais especíico, sobre a maneira pela
qual o atual acervo se mantém signiicativo para as disciplinas de desenho. Essa especiicação parece relevante, dada
a complexidade e pluralidade de peris que convivem na atual
EBA. Como aponta Sonia Gomes Pereira (2011, p.124), num
universo tão diferenciado de professores e alunos, o sentido do
MDJVI pode ser óbvio dentro do curso de História da Arte ou
de Conservação e Restauração mas se torna menos claro para
os que estão voltados para a formação do artista.
Há de fato uma mudança quando constatamos que a primeira
A observação dessa imagem nos encaminha, assim, para
concepções distintas da palavra “modelo”, que podem ser
o ponto de partida para as considerações sobre a prática
do desenho na atual EBA. Num momento, mencionam-se
os modelos que eram usados pelos alunos/ aprendizes na
busca pelo domínio da representação (da igura humana em
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições
/ Marina de Andrade & Dalila Santos
especial), em outro, o modelo de ensino francês que caracterizou a formação da AIBA. Em um sentido, modelos são
objetos que difundem e informam formas de adequação. No
segundo, trata-se de um modelo de ensino da arte, do conjunto
de postulados que caracterizam e especiicam um determinado
contexto.
organizador de projetos para escolas de artes, o autor analisa as
três principais vertentes que a seu ver inluenciaram as escolas
de arte desde a criação das academias: o modelo acadêmico, o
modelo da Bauhaus e um terceiro, que se relaciona à contemporaneidade. Para cada um dos três momentos o autor propõe tríades
de conceitos: talento/métier/imitação; criatividade/meio/
invenção; atitude/prática/ desconstrução, respectivamente.
Como descreve Cybele Vidal, a Academia deveria possuir objetos
necessários a aprendizagem, que incluíam desenhos (preferencialmente executados pelos professores), gravuras de estampas
europeias, de partes do corpo e as “academias”. No processo
de ensino, cita a autora, o aluno tinha como ponto de partida a
imitação, que era seguida da invenção e da expressão. A importância dos modelos parecia perpassar todas essas etapas: ele
era a referência para a imitação, fornecia critérios de avaliação
e fórmulas de empréstimo para a invenção e na expressão. Foi
esse apoio ao ensino que motivou a reunião das várias coleções
da academia.
O modelo acadêmico tinha como fundamentos a observação da
natureza e a imitação. O processo de aprendizagem era lento,
priorizando-se o saber técnico ou a habilidade que levariam
à formação do métier. Duve (2008), contudo, aponta que o
diferencial entre artista e artesão era justamente o que ele não
poderia aprender na academia: o talento, algo com o qual se
nasce, e que a educação pode apenas aprimorar. Essa distinção
parecia estar no cerne da Academia, cuja maior ambição seria
transmitir valores, tradições. É esse o modelo que encontramos
mais representado pelo acervo do MDJV.
A presença desses modelos nas aulas desenvolvidas na AIBA
e ENBA pode ser observada no conjunto de desenhos disponíveis no acervo do Museu. A cópia da escultura do Discóbolo
é representada por Georgina de Albuquerque (igura 2) evidenciando alguns preceitos do ensino do desenho, entre eles: o
equilíbrio na composição e nas passagens de luz e sombra,
o estudo das proporções e da forma clássica. A cabeça do
Moisés - cópia da cabeça da escultura de Michelangelo também documenta a presença desses modelos no ensino, tal
como evidencia o desenho de Marques Júnior (igura 3). Um
estudo contemporâneo de um aluno do curso de Artes Visuais
(Escultura) da EBA sugere outras apropriações desses modelos
(igura 4), chamando-nos a pensar sobre outros modelos de
ensino.
O modelo da Bauhaus, como propõe Duve (2008, 2003),
segue direcionamentos distintos do seu antecessor. O desenho
anatômico, que trazia a observação e estudo humanistas, cede
lugar ao estudo do homem como princípio subjetivo no campo
da psicanálise. E o restrito talento cede lugar à universal criatividade. Para essa não é necessário o domínio de qualquer saber
especíico, pois a criatividade conigura-se como qualidade que
independe de qualquer pré-requisito.
No modelo acadêmico, a entrada no ensino era feita quando
o candidato mostrava uma habilidade especíica, que justiicava seu encaminhamento a algum mestre ou à Academia.
Com base na criatividade, perde-se, em princípio, a restrição
à entrada nos estudos artísticos. Esse ensino não era mais
direcionado às habilidades historicamente deinidas (os
truques, hábitos, cânones), mas trabalhava o meio através de
elementos que perpassavam diferentes épocas: suporte, ferramentas, convenções especíicas.
Sobre os modelos de ensino, Thierry de Duve nos fornece relexões
em meio as quais a própria EBA pode ser colocada como exemplo
para comparação. A partir da experiência como professor e
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições
/ Marina de Andrade & Dalila Santos
A representação moderna do acervo do MDJVI é feita por
professores como Quirino Campoiorito, Oswald Goeldi e
Abelardo Zaluar. A presença moderna também se coloca
nas disciplinas de desenho da EBA, como, por exemplo, no
livro do professor Onofre Penteado, “Desenho estrutural”,
que apresenta uma metodologia de ensino para artes visuais
inluenciada pela Bauhaus e pelos movimentos da “Educação
pela Arte” e “Escola Nova” (PENTEADO, 1981, p.17).
Ementas utilizadas até os dias atuais, como a de Modelo Vivo,
trazem em suas bibliograias Wassily Kandinsky e “Pedagogia
da Bauhaus”. É válido ressaltar, contudo, que essas referências
modernas não signiicaram o abandono de procedimentos dito
“acadêmicos”, havendo a convivência (conlituosa e contraditória) entre diferentes abordagens de ensino.
decompor o todo em suas partes. Não se pode, portanto, desassociar o objeto do próprio ensino em que esteve inserido. A
aquisição de referências para a aprendizagem (modelos), por
exemplo, já expõe um projeto de ensino baseado na imitação,
no uso de referências. E a relexão sobre a participação do
MDJVI na formação de artistas na atual EBA envolve a diversidade de processos contemporâneos que não pode ser representada por um conjunto restrito de modelos. Talvez para
esse momento, uma outra deinição de modelo se impõe, a de
modelos teóricos, modelos de pensamento.
Essa outra via para reletir sobre os modelos em arte foi aqui
impulsionada pelos escritos de Yves Alain Bois no livro “A
pintura como modelo”. Empreendendo uma análise crítica das
diversas correntes teóricas na arte, o autor propõe examinar
a obra em sua especiicidade, compreendendo-a “não como
ilustração de uma teoria, mas como um modelo, um modelo
teórico em si mesmo” (2009, p.XL). Bois explicita que essa
airmação é uma dívida a seu orientador Hubert Damisch e
seus escritos no livro “Fenêntre jaune cadmium, ou les dessous
de la peinture”. A pergunta “O que signiica, para um pintor,
pensar?”, introduz a apresentação de uma abordagem que traz a
recusa de categorias estilísticas estabelecidas, propondo “uma
nova investigação diante de cada nova obra e a consciência
permanente da regra operacional da pintura como referência
ao discurso” (2009, p.289).
O último momento do ensino, analisado por Duve, é construído
através de mudanças em relação aos dois modelos anteriores.
O talento e a criatividade cedem vez à atitude, mais crítica e
dependente de um projeto. Em lugar do métier e da pureza
do meio, a palavra “prática” marca a interdisciplinaridade
das obras que questionam a própria condição enquanto arte.2
A desconstrução fecha a terceira tríade proposta por Duve,
caracterizando o momento em que a a cultura que alimentava
a invenção começa a vacilar, deixando de se opor a cultura
da imitação (DUVE, 2003, p.104). Esse terceiro modelo não
é, para o autor, um paradigma pós-moderno que substitua o
moderno, mas é o mesmo paradigma “sem a fé e com a suspeita.
Eu tendo a vê-lo como uma pós-imagem, um sintoma negativo
de uma transição histórica cuja positividade ainda não está
clara” (2003, p.105). Ainda assim, o exame desse momento
é de fundamental importância, visto que ele suscita a crítica
sobre os modos em que vem sendo discutida e abordada a arte
dos últimos 50 anos.
Roland Barthes é outra referência citada por Bois. Dele, toma
emprestado o conceito de “assimbolismo”, que designa a
incapacidade em aceitar a coexistência de signiicados distintos
para uma obra. É fundamentada em Barthes também sua reação
a teorias que funcionam como ferramentas prontas para lidar
com uma questão, entendendo-se que teorias não podem ser
aplicadas, pois os conceitos são moldados a partir de um objeto
e de acordo com suas exigências especíicas. Essa relação está
presente em todo o discurso do autor, que em meio a outros
conceitos, ressalta o desejo de resistir a determinadas pressões
A diferença entre os modelos como objetos e modelos como
postulados para o ensino, contudo, só pode ser separada para
efeito de análise - palavra que em sua etimologia signiica
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições
/ Marina de Andrade & Dalila Santos
Figura 1: Aula de Pintura - ENBA. Pertence ao álbum digitalizado de
fotograias doado por M. Nogueira da Silva, de 1932, que retrata cenas
Figura 2: Georgina de Albuquerque. O discóbolo (cópia de modelo
do cotidiano da Escola Nacional de Belas Artes e dos artistas da época.
de gesso), 1948. Carvão e sanguínea sobre papel, 97,5 x 143 cm. Rio de
Disponível
em:
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_
iconograia/icon276572_1418999/icon276572_1418999.pdf.
Janeiro, Museu D. João VI, EBA UFRJ. Fonte: http://www.dezenovevinte.
132
133
net/ensino_artistico/ensino_enba_rp.htm.
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições
/ Marina de Andrade & Dalila Santos
Reconhecendo a relevância do Museu para a pesquisa e ensino
na atual EBA, pode-se considerar que sua atuação poderia
tornar-se mais expressiva, caso fossem agregados ao seu acervo
mais registros de pesquisas desenvolvidas pelos seus atuais
alunos e professores. Sem cumprir a função de fornecer modelos
imprescindíveis a formação do artista (algo que se distancia da
prática contemporânea), essas novas aquisições colaborariam
no registro dos modelos de ensino e na elaboração/ exercício
de modelos teóricos (seja pela produção, escrita ou curadorias).
ou chantagens impostas ao historiador ou ao crítico de arte.
Há uma fala de Tunga (2009, p.200) que remete a essas considerações: “Todos os meus trabalhos são uma teoria, que é ao
mesmo tempo teoria de si mesmo e teoria da arte”. Mais do
que uma ilustração de teorias, entende-se que o artista buscou
airmar a própria obra como um parecer crítico, um posicionamento sobre a arte. Ressaltando a singularidade da obra,
essa abordagem parece signiicativa para as apropriações
contemporâneas do acervo do MDJVI. É signiicativo pensar
que os encontros com a obra possam gerar não apenas
relexões escritas, mas também pesquisa prática. As diversas
apropriações realizadas por alunos e artistas vinculados à EBA
(tal como a representada na igura 4) atentam para as próprias
obras como construções de pensamento e como modalidades
de discurso.
Deixar de ver essas obras como “modelos para a imitação” é
algo que passa pela nossa prática como professoras de desenho
da atual EBA. De fato, o acervo didático ainda é utilizado em
propostas de desenho de observação, mas entendemos que a
esse fazer não pode ser atribuído o mesmo sentido que possuía
em um ensino que privilegiava o talento e o métier. Tampouco
buscamos o contato com essas obras exclusivamente sob a
perspectiva do modelo deinido pela atitude/prática/ desconstrução - cujo potencial contestatório tornou-se, hoje, convencional (DUVE, 2003, p.105). A desconstrução segundo Thierry
de Duve, tem como resultado “estudantes que não tiveram
tempo de construir qualquer espécie de cultura artística sendo
orientados pela noção desconstrutiva própria do nosso tempo”
(2003, p.104).
Tradições e modelos
Inserido em uma escola de arte, o Museu D. João VI é alvo
de diferentes atribuições, funções e sentidos. Se por um lado é
necessário que sua curadoria atenda às atuais recomendações
de preservação e documentação, deve manter-se atrelada aos
estudos da historiograia da arte sem esquecer de sua função
educativa - que envolve o ensino e a pesquisa. Função esta
que toca em especial os proissionais da arte e os alunos que
buscam sua formação nessa instituição que completa 200 anos.
Desse ponto de vista, a presença do acervo do MDJVI traz
um contato valioso com a história da arte, seus modos de
construção e transmissão. Sem tábula rasa, os artistas podem
transitar entre esses saberes ou reminiscências, escolhendo na
história da arte interlocutores que dão suporte a suas manifestações. Os modelos de referência e os modelos de ensino,
permitem o contato com tradições que coniguram o campo
artístico.
A distinção proposta no início do artigo de abordar as
diferentes concepções de modelo fomentadas pelo acervo do
MDJVI, parece signiicativa na discussão sobre a presença de
um acervo didático no século XIX e de um museu universitário
no século XX. Nessa última vertente, ressalta-se um olhar para
as obras não apenas como modelos para o ensino, mas como
referências de pesquisa, fomentando distintas aproximações
teóricas, abordagens historiográicas e em curadorias.
O conceito de tradição aqui proposto não se refere exclusivamente a norma clássica, mas vem destacar a própria
construção da arte como processo que envolve continuidades
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Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições
/ Marina de Andrade & Dalila Santos
e rupturas. Perpassando os 200 anos de história da Escola de
Belas Artes, continuidades e rupturas são simultâneas tanto no
período da AIBA, quanto no da ENBA. Nos atuais processos
das disciplinas de desenho, acreditamos que o contato com
o acervo do Museu possa permitir a identiicação de aproximações e distanciamentos signiicativos para o processo de
pesquisa em artes; estimulando, assim, o movimento de olhar
para trás e para frente, vendo os traçados anteriores e visualizando campos expandidos plenos de possibilidades sendo
construídos à medida que caminhamos.
atualidade. Uma pequena parte já é trabalhada em obras
provocadoras de seu tempo, mas o grande todo ainda não foi
percebido como possibilidade pela arte contemporânea no
ensino do desenho, na EBA.
No modelo acadêmico e moderno, a busca pela representação
e adequação aos objetivos de bem conhecer as obras, como
ferramenta didática, buscava tratar essas referências como
modelos para as chamadas cópias, e sabemos como o século
XIX “foi atravessado por uma importação maciça e impensada
de modelos” (Baez, 1985, p.22).
Em paralelo a essas considerações sobre a tradição, uma
airmação de Gombrich parece ser uma conclusão impugnável
para um museu inserido em uma escola ou para uma escola que
possui um museu: a de que arte nasce da arte, não da natureza.
A frase, citada quando o autor tece considerações sobre André
Malraux, sendo deposta de uma interpretação excessivamente
exclusiva, pode corroborar na airmação de que a deinição de
algo como arte envolve relações com outras obras que também
foram deinidas enquanto tal.
Fantasmas e modelos: o aprendizado do olhar
Abordando essas imagens hoje, como mediadoras no ensino do
desenho, é preciso observar esse passado como passível de ser
articulado no presente. A imagem é sempre gênese3, possuindo
estratos, camadas de signiicados históricos: antropológicos,
sociais, religiosos, políticos, passíveis de serem articulados e reelaborados pelo artista. No aprendizado do desenho na atualidade,
essas imagens são buscadas por seus signiicados e inseridas em
propostas artísticas sem o compromisso do “fazer” semelhante,
mas sem pudor são apropriadas e se mostram como sobrevivências de outros tempos, se abrem ao olhar do artista criador
como potencialidades, como memória imagética. Essas sobrevivências se airmam por si mesmas e não mais pela mímesis de si.
Passam a não pertencer à uma ou outra determinada época, mas
como um nó de temporalidades não podem mais ser deinidas
por sistemas de datação, autoria ou técnica. Segundo o historiador da arte Didi-Hubermann (2013,p.34), “icamos diante da
imagem como diante de um tempo complexo”. A singularidade
das imagens permite que tenhamos, diante delas, uma história da
arte e da cultura como acervo potencial para a produção artística
contemporânea.
Reletindo sobre as imagens artísticas que formam os variados
acervos do MDJVI da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), reconhecemos ininitas possibilidades ainda
não suicientemente observadas pelas práticas artísticas na
Didi-Hubermann (2013, p.89) airma ainda que o historiador
Aby Warburg, que estudou as imagens sob uma ciência da
cultura e de tempos anacrônicos, reconhecia essa complexidade
da articulação temporal como articulação formal. Essas formas
Ao mesmo tempo que um museu fornece modelos e transmite
tradições, ele impõe aos seus alunos a necessidade de pensar a
sua produção historicamente, buscando constantes relações em
que semelhanças e diferenças estarão constantemente sendo
analisadas. As obras sobrevivem ao tempo, suas imagens são
reproduzidas e circulam, impondo a necessidade de enfrentamento e convivência. Fantasmas com os quais convivemos, e
que se tornam presentes em disciplinas como as de Desenho,
cuja presença está intrinsecamente ligada à história da EBA.
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições
/ Marina de Andrade & Dalila Santos
Figura 3: Augusto José Marques Junior (1887-1960). Nu feminino
com cabeça de Moisés. Carvão sobre Papel 91 x 145. Museu D. João
VI. Foto de Ricardo Pereira. Fonte: http://www.dezenovevinte.net/ensino_
artistico/ensino_enba_rp.htm
Figura 4: Tiago Vieira (curso de Artes Visuais). 2016. Foto de Bruna
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Fantappie.
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O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições
/ Marina de Andrade & Dalila Santos
Notas:
não mais olhadas como modelos referenciais são hoje olhadas
como forma/força em estado latente. Carregam uma sobrevida
que pode nos assombrar como fantasmas4 que teimam, com
suas vozes inaudíveis, em nos sussurrar sentidos e conlitos
inerentes a elas e suas relações. Warburg deiniria a história da
forma de tratar as imagens como “histórias de fantasma para
gente grande” (Warburg apud Didi-Huberman, 2013 p. 72).
Se o desenho numa estrutura acadêmica buscou nas imagens
modelos para reconhecimento ou exercício de ixação, na
contemporaneidade elas carregam sentido de elaboração
de conceitos que podem aproximar vários períodos e obras
artísticas. Mais do que nunca a aproximação com a história da
cultura se faz presente. Não são mais modelos de práticas, mas
modelos de pensamento e aproximação de expressões.
1
Sobre a formação do acervo da AIBA e da ENBA, descreve Sonia Gomes
Pereira: “Uma parte provinha da coleção real, trazida pela corte portuguesa em 1808.
Outra parte veio para o Brasil em 1816 com Joaquim Lebreton, o chefe da chamada
Missão Francesa. Mas o maior conjunto foi oriundo da própria Academia, fruto de
suas diversas atividades: exercícios de alunos “envios” dos pensionistas, cópias de
obras dos mestres mais importantes da tradição européia, material didático usado
nos ateliês, obras vencedoras de concursos, como o Prêmio de Viagem ao Exterior ou
para a contratação de professores, ou das Exposições Gerais ou Salões”.
O exercício ou procedimento de montagem das relações entre
imagens que se deslocam no tempo, permitem lições do olhar
e atestam os tempos impuros de contaminação. Desta forma os
signiicados das imagens migram para outros sentidos ao longo
da história e ganham outros signiicados. Assim, investigação e
interpretação de obras artísticas e diferentes meios de expressão
serão o caminho para o desenvolvimento de outras propostas no
ensino do desenho.
2
A palavra foi incorporada a diversos currículos de escolas de arte. Por
exemplo, no curso de artes plásticas da Universidade Federal de São Paulo (USP)
são oferecidas as disciplinas “Prática de Pintura”, “Prática de Escultura”, “Prática de
Gravura” e “Prática de Multimídia e Intermídia”. Dados disponíveis em http://www3.
eca.usp.br/cap/disciplinas. Acessado em 20 de março de 2013.
3
Nos estudos de Walter Benjamin, o termo gênese que se reportaria a
palavra origem, ele a compara a corrente de um rio. Ela se daria a cada vez que as
águas desse rio encontrassem um impedimento. A partir do redemoinho formado
se instalaria uma nova origem, e é o objeto histórico que desencadearia esse
redemoinho (Benjamin, 1984, p.67).
Ao abrir a possibilidade de outras relações com as obras do
acervo do MDJVI é como se ouvíssemos as vozes de outrora,
dos fantasmas, fantasmas da história da Academia Imperial,
da Escola Nacional de Belas Artes. Finalmente, as obras do
acervo nos olham e aguardam que as vejamos como potencial
criador.
4
Lembramos que a origem da palavra fantasma vem do grego phantázein –
fazer aparecer. A palavra e o seu sentido são ligados a phos = luz, pois a presença
dela nos mostra o que há para ver, o que continua a existir.(Site de etimologia http://
origemdaspalavras.com.br).
Nossos “fantasmas” têm muito a dizer aos que quiserem
ouvi-los.
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O desenho e a formação do artista contemporâneo: entre modelos e tradições
/ Marina de Andrade & Dalila Santos
Referências Bibliográicas:
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Arquitetura: nº 1, fev., Rio de Janeiro,1985.
BOIS, Yve-Alain. A Pintura como Modelo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: história
da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto,
2013.
_____________. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998.
DUVE, Thierry de. Quando a forma se transformou em atitude – e além. Arte &
Ensaios, Rio de Janeiro, n.10, 2003. p. 93-105.
FERNANDES, Cybele Vidal Neto. O ensino de pintura e escultura na Academia
Imperial das Belas Artes. In: PEREIRA, Sonia Gomes (org.) 185 Anos de Escola de
Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001/2002. p. 09-40.
GOMBRICH, Ernst Hans. Arte e Ilusão: um estudo da psicologia da representação
pictórica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
_____________. Norma e forma. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
PENTEADO NETO, Onofre. Desenho estrutural. São Paulo: Perspectiva, 1981.
PEREIRA, Ricardo A. B.. A ENBA da primeira metade do século XX vista pela obra
de alguns dos seus professores - uma gradual transição para o moderno. 19&20, Rio
de Janeiro, v. VIII, n. 1, jan./jun. 2013. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.
net/ensino_artistico/ensino_enba_rp.htm>.
PEREIRA, Sonia Gomes. Curadoria e História da Arte: o caso do Museu D. João
VI da Escola de Belas Artes / UFRJ. In: 20º Encontro da Associação Nacional de
Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP): Subjetividade, Utopias e Fabulações.,
2011, Rio de Janeiro. Anais do Encontro Nacional da ANPAP (Cd-Rom), 2011. v. 1.
p. 121-136.
_____________. Repensando o papel dos acervos históricos e artísticos num museu
universitário: o caso do Museu D. João VI. Revista Interfaces (UFRJ), v. 17, p. 109,
2013.
Dalila dos Santos Cerqueira Pinto é Professora Adjunta da
Escola de Belas Artes atuando na área de Desenho. Em suas
pesquisas dedica-se aos estudos de imagem em relação à
história e memória.
Marina Menezes de Andrade é Professora Adjunta da Escola
de Belas Artes atuando na área de Desenho. Em suas pesquisas
dedica-se ao desenho, ao ensino de artes e à formação do artista
na contemporaneidade.
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Quirino
Campoiorito:
emblemático
ativista da
modernização
na ENBA
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Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA
/ Maria Luisa Luz Tavora
do cenário social e cultural do Rio de Janeiro favorecem o
entendimento da natureza das práticas modernistas, híbridas,
hesitantes e ambíguas, não fundadas,necessariamente, no
processo de rupturas propagado pelos grupos vanguardistas
europeus e pretendido pelos modernistas da Semana de 22.
Assim, pensar a Escola Nacional de Belas Artes, núcleo
relevante na constituição do cenário acima referido, como uma
instituição homogênea, ainada exclusivamente na manutenção
da tradição das “belas artes”, compromete a contribuição da
escrita histórica que se queira apresentar. Esta Instituição
precisa ser pensada no campo das relações que se estabeleceram neste cenário artístico-cultural, importando aproximar
as atividades de ensino desenvolvidas em seu espaço com o
que acontecia extra-muros com participação expressiva de
parte de seus docentes e discentes. Há rebatimentos a serem
considerados no processo de atualização da prática artística
promovido por esses atores. Há situações e personagens
emblemáticos na formulação de uma nova visualidade.
Os estudos pioneiros da arte moderna no Brasil depositaram
demasiada coniança nos discursos de airmação dos postulados
e motivações da Semana de 22 elaborados por seus protagonistas
e defensores. Findam, em muitos casos, por repetir e incorporar
deles uma visão cristalizada e simpliicada do processo de constituição desta arte, entre nós.
O caráter bélico das airmações e a necessidade de irmar-se
historicamente como vanguarda gerando signiicativos desdobramentos, tornam compreensível o desinteresse dos personagens que se envolveram com a semana modernista, por
outras ações transformadoras, sobretudo aquelas geradas em
núcleos tradicionais e instituições oiciais como era o caso da
Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Um desses personagens é o artista Quirino Campoiorito (19021993), paraense que veio para o Rio ainda menino, buscando
aos 18 anos formação na Escola Nacional de Belas Artes. Aos
15 anos já trabalhava como ilustrador e caricaturista.2 Recebeu
da Escola várias medalhas relativas à pintura e ao desenho de
modelo vivo até que, em 1929, foi laureado pela ENBA com o
prêmio de Viagem ao Estrangeiro concretizada em 1930. Nos
quatro anos em que permaneceu fora, o jovem artista passou
por Roma, onde cursou pintura na Scuola di Belle Arti, permanecendo mais tempo em Paris, frequentando as Academias
Julien e De La Grande Chaumière.
Todavia, estudos mais recentes, procuraram expandir a
geograia, o território das especulações e práticas modernas,
oferecendo levantamentos e análises de artistas e grupos
outros que contribuíram para a consolidação da modernidade
nas artes plásticas, no Brasil. Os anos 30 e 40 vieram à tona
em estudos que identiicaram a formação de vários grupos e a
realização de muitos eventos reveladores dos múltiplos entendimentos da arte moderna.1
Pouco tempo depois de retornar ao Brasil, Campoiorito
assumiu interinamente a cadeira de Desenho Artístico da
ENBA (1938)3 conjugando à sua atuação no ensino artístico,
múltiplas atividades no complexo sistema de mercado dos
bens simbólicos, (BOURDIEU:1982, pp.99-178) que o
Negligenciadas, em um primeiro momento, as ações que
tiveram lugar no Rio de Janeiro, comparecem como dados
fundamentais para a compreensão dos modos peculiares
da constituição da nossa arte moderna. As particularidades
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Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA
/ Maria Luisa Luz Tavora
nência do ensino oicial promovido pela ENBA. Este processo,
numa primeira fase, teve lugar nos porões da Escola.
colocaram à frente dos debates, julgamentos e organização
de eventos artístico-culturais no Rio de Janeiro. Posicionouse sempre favorável à atualização da arte nos termos de uma
estética moderna. Integrou o Núcleo Bernardelli, tendo sido
o seu segundo presidente. Foi crítico de arte, assumiu colunas
em periódicos, fundou revista, foi membro de júris de seleção
e premiação do Salão Nacional de Belas Artes, liderando o
grupo de artistas que criou a Divisão Moderna desse salão;
participou da fundação da Associação Brasileira de Críticos
de Arte (ABCA). Integrou comissões julgadoras de mostras
e outros salões fora do Rio, dirigiu associações de artistas,
participou de debates, proferiu palestras, organizou eventos,
escreveu livros sobre arte brasileira.4 Como artista, desde 1935
participou do Salão Nacional de Artes Plásticas, da sua Divisão
Moderna, do Salão Nacional de Arte Moderna e de Artes
Plásticas. Muitas mostras individuais e coletivas, nacionais e
internacionais completam seu currículo.
A dinâmica de questionamento do sistema de ensino da Escola
constituiu em Campoiorito a razão de sua existência, um
programa de vida, em diferentes instâncias de sua atuação. A
própria ligação com a caricatura indicava, de sua parte, um
interesse de transgressão da iguração acadêmica, um deslocamento de seus modelos e critérios estéticos. A mesma
caricatura, forma de pressão social, em geral demolidora do
status quo, revela sua personalidade artística antenada com o
horizonte urbano e as questões de seu tempo.O coletivo, desde
sempre, foi sua motivação.
Esteve estreitamente ligado aos movimentos espontaneamente
criados pelos alunos “progressistas” da ENBA, cuja frente de
batalha era assumida por membros do Diretório Acadêmico,
para os quais buscou sempre apoio institucional em suas
iniciativas. Foi o caso, por exemplo, da exposição de inal
de ano dos alunos e ex-alunos da Escola, montada em suas
dependências, em dezembro de 1942, episódio conhecido pela
rebeldia do Grupo dos Dissidentes.(MACHADO:1997)
Antes mesmo de realizar a experiência de artista na Europa,
atualizando sua pintura, Campoiorito, entre 1918/1919,
mobilizara colegas na luta por um método de ensino ainado
com a liberdade proporcionada pela arte moderna. Tal
informação nos é dada por um dos participantes do referido
grupo, Eugênio Sigaud:
Aqui cabe pensar a rebeldia como fato de mão dupla. Se por
um lado, revelou os conlitos e o desacordo com a formação e
os métodos ainda tradicionais da Escola, por outro, evidenciou
o processamento de sua transformação na rotina institucional,
em seu território.A análise deste episódio e seus ruidosos desdobramentos fortalece a visão de que a Escola não constituía um
bloco uniforme de pensamento sobre a arte e seu ensino mas
uma composição de forças na revitalização institucional.
Liderados pelo Campoiorito, Eu, Dezon, Goeldi, Murilo
Araujo e Reis Junior, promovemos mostras de arte dita
moderna e antecipamos o movimento modernista de 22,
apoiando-o, sem contudo dele participarmos. Aliás, creio
que não podíamos, pois nós não éramos tão conhecidos e na
Semana de 22 só tinha gente famosa.5
No papel de artista politicamente empenhado, Campoiorito
participa do Núcleo Bernardelli (1931-1940), (MORAIS:1982)
com ação que se volta para o aprendizado da pintura, do
métier, com interesses proissionalizantes, cujas possibilidades
de concretização passavam pela avaliação e discussão da perti-
Se Augusto Bracet, diretor da ENBA na ocasião, sucumbiu de
bom grado à pressão dos alunos conservadores que atacaram
os trabalhos expostos, impondo censura e proibindo a continuidade da exposição na Escola,6 por outro lado, professores,
artistas e intelectuais como Campoiorito izeram do episódio
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uma oportunidade de manifestação em favor de uma nova
visualidade para a nossa arte.7
Entramos naquela Escola virgens-inocentes. Encontramos
saindo dela Roberto Burle Marx, Aldary Toledo e Ubi Bava
(os dois ex-alunos de Portinari, em 1936-37) que pouco
puderam fazer por nós, pois quem iria na verdade fazer nossas
cabeças seria quase que exclusivamente o nosso professor
de desenho Quirino Campoiorito (MORAES:1984, p.1) (o
grifo é nosso)
Murilo Mendes, ainda no calor dos acontecimentos, solidarizouse com os alunos, manifestando-se:
Vocês acabam de praticar um ato decisivo: começaram
o ataque à Bastilha das Belas Artes, onde se refugiou o
convencionalismo. Vocês sentem o anseio de vida, de
liberdade, de movimento. Não podem se ixar em fórmulas
e atitudes rígidas e frias, contra as necessidades profundas
que a cultura de nossa época exige. É muito signiicativo
que essa dissidência tenha ocorrido justamente quando se
realizam as comemorações da Semana de Arte Moderna.
(MENDES:1943)
Como membro do Núcleo Bernardelli desenvolveu atividades
que se integravam à pintura, sempre pensando mudanças no
entendimento da arte tanto na Escola como fora dela. A atuação
político/cultural dos nucleanos parece ter sido mais consequente e mais transformadora que a sua produção artística
como um todo. Em seus estudos,Frederico Morais, crítico de
arte, chama-nos atenção para este fato. Airmando a singularidade do grupo, no que diz respeito ao projeto de proissionalização em pintura e sua composição social de parcela da classe
média baixa, o crítico observa um certo descompasso entre a
plataforma ativista do grupo e sua produção artística, considerando-a “ Uma pintura sem grandes voos de linguagem, mas
honesta e sadia.” (MORAIS:1995, p.144)
Anos mais tarde, comparando o episódio do “Grupo dos
Dissidentes” e o Salão Revolucionário de 31, Campoiorito
airmaria:
Ele foi mais positivo porque realizado pelos próprios
alunos, enquanto Lúcio Costa quis combater a ENBA
com elementos de fora, provocando uma reação interna de
professores e alunos. Como professor catedrático da ENBA,
rebelamo-nos contra a expulsão e acompanhamos a decisão
dos jovens reconhecendo-lhes o direito de se rebelarem
contra o método de ensino já por demais inconveniente.
Foi um acontecimento que na História de nossa evolução
modernista tem a mesma dimensão que se atribuiu à Semana
de Arte Moderna de 1922.8
Que limites, na verdade, o crítico destaca na prática da pintura
que o grupo empreendeu? Como pensar, no caso de Campoiorito, na possibilidade de dissociação de atitudes revolucionárias, discursos inlamados, portanto de grandes voos, de
uma produção artística tímida se pensadas as transformações
que teoricamente desejava?
Tem razão Morais em confrontar os dois campos concretos de
atuação dos nucleanos. No caso de Campoiorito, a contestação
centrava-se muito mais na estrutura sobre a qual repousava
a arte produzida no Rio de Janeiro, e menos na natureza da
linguagem da tradição. Os marcos próprios da modernidade
em arte parecem neutralizados enquanto fundamentos de
mudanças da prática artística. As nomenclaturas parecem
esvaziadas de signiicação. O próprio artista, ao criticar um
A liderança de Campoiorito na ENBA para mobilizações,
discussões sobre arte e atualidade, apoios à mudanças, estímulo
à oxigenação de ideias é airmada por José Moraes, um dos
expositores dissidentes que teve sua obra rasgada pelos alunos
conservadores. Ele destacou a positividade da atuação de
Campoiorito, referência de peso em sua formação, ao airmar:
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certo tipo de polarização (academismo X modernismo) nos
campos de forças em que se constituíra a luta pela condução
da arte nos anos 30/40, na ENBA ou fora dela, defendia sua
posição, airmando que Antigos são os artistas do passado e
tiveram valor em sua época. E modernos, os que hoje fazem
arte boa, inteligente, que amanhã serão estudados como
“antigos”.9
do social que marcou estes anos, as pinturas de Campoiorito
tratam das complicadas relações do indivíduo e a crueza da
modernidade técnica avançada oferecendo, nas iguras dos
operários e seu trabalho, oportunidade de relexão sobre
as agruras da sociedade classista, própria de um homem de
esquerda, ainado às idéias do partido comunista. Os tempos
de mobilização em relação ao trabalhador caracterizam a
política getulista sendo também incorporada à arte, buscando
justiicar, em muitos casos o papel social do artista. Realiza
o artista ainda experiências no surrealismo, referências observáveis, por exemplo, na pintura Ricordo di Roma (1941). Nos
anos 70 e 80, estabelece também, diálogos com as vanguardas
históricas, realizando a série de homenagens a Malevitch, a
Braque, a De Chirico, a Fernand Léger, entre outras.
Todavia, entre os dois termos há uma reversão de ideologias
que Campoiorito parece ignorar, em um discurso conciliador.Trata-se de dois paradigmas fundados, segundo Thierry
de Duve,(DE DUVE: 2003) em duas tríades assim deinidas
pelo estudioso: talento/métier / imitação referindo-se à arte
acadêmica e criatividade/meio/invenção para a arte moderna.
A proposta de relexão oferecida pelo teórico belga ainda inclui
e completa-se com uma tríade para a arte contemporânea.
Para a abordagem do pensamento de Campoiorito importa
confrontá-lo com o que o pensador airma:
Para sua arte, não há dúvida da importância do pensionato de
quatro anos na Europa, premiação oferecida pela ENBA, em 1930.
Outras tantas viagem foram realizadas posteriormente, buscando
o aprimoramento artístico. O legado artístico da modernidade
da pintura foi por ele experimentado e trabalhado em sua arte.
Descobrira uma abordagem deslocada dos interesses da ENBA.
A propósito ele mesmo airmou: Meus envios (obrigações dos
pensionistas) foram rejeitados pela direção (da ENBA) por
escaparem às normas acadêmicas. Não sei por que motivo não
me cortaram o prêmio que pode ser completado em 1934.10
O modelo acadêmico entrou em crise profunda tão
logo começou a merecer o rótulo de academicismo. Sua
decadência foi completada pela pressão da arte moderna,
que desconsiderava qualquer retorno ao passado, a não ser
que um apagão se pronunciasse em toda arte e em todos os
artistas da modernidade. (DE DUVE: 2003, p.96) (o grifo é
nosso)
A partir desta experiência européia, Campoiorito se aproxima
da nova pintura, pós-impressionista e mais singularmente
da cezaniana. Trabalhos de interesse como Geléia Francesa,
realizado em Roma, em 1932, documentam a vontade do
artista de justiicar razões outras para a sua pintura, alicerçada
então na liberdade de um sujeito instaurador de uma realidade
pictórica, na qual perdem força os temas da tradição. Fixando-se
em motivos concretos da realidade cotidiana, o artista cria uma
espacialidade autônoma, advinda de sua percepção.
O apagão de que trata Thierry compreende a reversão de
abordagens que inclui, entre outras tantas categorias do
moderno, a pintura auto-referencial, - a pesquisa das potencialidades do meio pictórico e, portanto, a rejeição dos sistemas
clássicos de representação onde a exigência da pintura-métier
e seu caráter histórico são contemplados.
A produção artística de Campoiorito revela múltiplas iliações
da arte moderna. Interessam-lhe as abordagens realistas e de
cunho social (anos 30 e 40). Integradas no universo imagístico
Nesta obra, - uma natureza-morta, a compreensão do espaço
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Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA
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pictórico moderno, em linhas gerais, está colocada, ainda que
solucionado com hesitações. É possível identiicar o legado de
Cézanne, um repertório de qualidades de cores e formas ligado
a uma concepção única das coisas próximas.(SHAPIRO:1988,
p.35) Nosso artista busca as lições do pintor francês, a pintura
com uma coisa material, que apaga de diversas maneiras os
limites entre a realidade e a representação. (SHAPIRO:1988,
p.31)
O tratamento visual que serve para a faca, para a lata e para
as frutas não guarda proximidade com o realizado no restante
do quadro. Campoiorito cria, isto sim, um conlito. Tais
procedimentos anunciam a permanência, ou melhor, a convivência de dois sistemas de abordagem da realidade na pintura,
entendidas como excludentes na trajetória da arte moderna
européia. Une aparência e opacidade. O que harmoniza os dois
termos é o tratamento indiferenciado das superfícies na criação
de texturas que dizem respeito à subjetivação do mundo via
sensação do artista.
Suspensas de sua realidade natural, no “não-lugar”, sobre a
mesa, as frutas revelam a permanência do interesse do artista
na relação com o real subjetivado, em um espaço de intimidade
doméstica. Lata e faca garantem esta referência. Exercitando a
sensibilidade moderna, Campoiorito arbitra outra função para
os elementos, colocando as frutas, faca e lata a serviço de uma
espacialidade que se quer não mais na profundidade do mundo
mas na realidade rasa da superfície do quadro. Neste processo,
hesitações e diiculdades.
Em sua obra, não há lugar para ruptura da tradição pictórica
a qual comparece na validação de uma pintura que se quer
moderna. Campoiorito mantém sua pintura nos termos
de uma luta surda entre métier e meio expressivo (DE
DUVE:2003) afrouxando seus limites, provocando uma contaminação entre eles. Esta é a realidade de sua pintura que se
mantém em toda a sua trajetória. Como exemplos de continuidade deste processo, temos A camisa vermelha, de 1976 e
Caquis no ateliê, de 1987. Em ambas, a conjugação de pontos
de vista diferentes, na organização de um mesmo espaço da
tela, desloca as bases da operação artística da pura observação
para uma ordenação mental, criativa e arbitrária da superfície
da tela. Os azuis, os vermelhos, os amarelos trazem substância
aos objetos ainda que sua ação seja limitada pelo cloisonismo
da linha recuperada. Assim, da referência cezaniana, a cor
perde a sua natureza cambiante. Campoiorito mantém em
sua pintura o interesse gráico, a força da linha, antiga aliada
de suas caricaturas e ilustrações da juventude.Os artifícios
da presença da luz, modeladora dos objetos no espaço físico,
verdadeiros truques do métier são mantidos pelo artista.
A superfície azul que acolhe os objetos funciona sobretudo para
o contraste com as formas circulares das frutas, amareladas e
alaranjadas. Há luminosidades no azul, que acentua os limites
dessas formas. Curioso, no entanto, é que, embora estas não
estejam submetidas às leis de suas aparências no mundo objetivo,
visto a elaboração pictórica de suas superfícies, Campoiorito
mantém ainda uma solução de representação no espaço.
Incorpora manchas enegrecidas em sua bases, funcionando
como sombras resultantes de um foco de luz, expediente de
modelagem dos objetos em um espaço homogêneo de profundidade. O artista vai além disto ao incorporar neste espaço,
não mais de projeção, artifícios de relexos da luz nos metais
da faca e da lata, recurso ilusionista da tradição pictórica. Ao
mesmo tempo, a superfície rasa da tela ica evidenciada pelo
tratamento emprestado para a superfície azul (o tampo da
mesa) e o espaço que a contém. Não há entre eles distâncias
a considerar. A construção do espaço na tela não incorpora os
lugares e distâncias da realidade objetiva.
Estão referenciados nestes trabalhos, além de Cézanne, Dégas,
Braque, Matisse. Para esse grupo de artistas, na pintura, o
espaço e seus objetos enunciam campos de forças articulados
pelo arbítrio de um sujeito moderno para quem é facultada
a liberdade de criação, matéria palpável na constituição do
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mundo da arte.
gravador de medalhas, do pintor e do escultor. A pouca atenção
e a prática incipiente da gravura plana marcam os regimentos da
Instituição.12
Campoiorito reluta em formalizar seu trabalho exclusivamente
no léxico canônico da arte moderna.Talvez, isto explique o
comentário de Frederico Morais sobre a pintura do Núcleo
Bernardelli, uma pintura sem grandes voos de linguagem,
embora como agrupamento espontâneo, sua produção tenha
desempenhado papel relevante para a criação da Divisão
Moderna no Salão Nacional.
Campoiorito manifestou-se sempre favorável às ações que
ampliavam a presença da gravura na ENBA. Participava
também em outros fóruns de discussões acerca de seus meios
e ins com destaque para os debates realizados no MAM-Rio,
defendendo o destino moderno daquele meio de expressão.
Na Escola, apoiou Raimundo Cela, o primeiro orientador
do Curso de Especialização de talho-doce, da água-forte e
xilograia (1951). Apoiou a orientação de Goeldi neste curso.
Batalhou pela contratação de Iberê Camargo para substituí-lo
quando de seu falecimento, em 1961, embora a escolha tenha
recaído em Adir Botelho, assistente de Goeldi.
Esta questão de uma hesitação de abordagem do espaço
moderno se estendia a outros tantos artistas da geração de
pintores dos anos 30 e 40. A propósito, Walter Zanini, ao tratar
do Grupo Santa Helena, estabelece uma aproximação com as
soluções obtidas pelo grupo paulista: A tônica generalizada era
a de um rebatimento da liberalidade da arte moderna reconciliada com a observação sensível do mundo exterior e atenta
aos valores da tradição da arte ocidental. (ZANINI:1991, p.42)
Proferiu palestra sobre a exposição das litograias de Darel
Valença (Palmares, PE, 1924) organizada pelo Diretório
Acadêmico, motivação para a criação do curso livre de litograia
na ENBA, o que aconteceu em 1956 e 1957. A contratação de
Darel Valença deveu-se a Campoiorito, que reconhecendo seu
esforço de reativar a litograia como arte, acreditou poder este
projeto ganhar relevância se desenvolvido numa instituição de
peso como a Belas Artes. Premiado com Viagem ao Exterior
pelo Salão de Arte Moderna, Darel foi substituído por Ahmés
de Paula Machado. Mais uma vez Campoiorito envolveuse neste processo de contratação de Ahmés, interessado na
continuidade do projeto Darel de abordar a litograia como
instrumento de criação artística.
Todavia, foi com esta pintura que Campoiorito participou dos
Salões Nacionais de Belas Artes, granjeou autoridade para
liderar o grupo que criou a Divisão Moderna deste salão, em
1940, tendo integrado juntamente com Portinari e Niemeyer a
Comissão Organizadora da Divisão Moderna do 51° Salão de
Arte Moderna. Vale destacar também que foi membro de júri
da emblemática 1ª Bienal Internacional de São Paulo,em 1951,
assim como da Diretoria do Museu de Arte Moderna-Rio, em
1948, na qualidade de tesoureiro.11
Campoiorito, sempre antenado com o conjunto das questões
da ENBA, desempenhou papel relevante para a implantação
do ensino da gravura artística na Escola, a partir de 1951.
(TAVORA:1999) A atribulada trajetória da gravura plana que,
até então, como disciplina não se consolidava numa prática
sistemática, reletia, desde a Academia, o papel secundário dos
cursos de medalhas e xilograia. Estes oferecidos na formação
artística proposta pelas Belas Artes, uma prática na formação do
Todas as três técnicas, metal, xilogravura e litograia
consolidaram-se como campo de realização artístico-proissional. Lugares de ação modernizadora, esses ateliês livres
favoreceram produtivos desdobramentos, na ENBA, com a
gradativa adequação das oicinas para a formação de um novo
proissional das artes gráicas, a partir de 1961, tendo a frente
Adir Botelho, cuja dedicação à gravura estendeu-se por mais
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA
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de 50 anos. As experiências iniciais desdobraram-se na criação
do Curso de Desenho e Artes Gráicas, em 1958, iniciado
em 1959.13 Posteriormente, em 1971, também foi criada a
Graduação em Gravura, cuja estruturação considerou a
experiência com o curso de Artes Gráicas, no qual as atividades
de gravura integraram-se ao ensino oicial, inaugurando uma
nova relação com a estrutura administrativa e as disputas de
poder da Escola.14
processo de transformação da sociedade e, a seu ver, cabia ao
ensino de uma instituição oicial e prestigiada como a ENBA
adaptar-se às novas tarefas sociais. Ele chamava para si a responsabilidade de criar as condições efetivas e objetivas para o
progresso da vida social. Defendia a necessidade de transformar
em experiência coletiva a prática individual, posição informada
pelos princípios da BAUHAUS e de seu criador Walter Gropius,
que deinira a ideologia daquele espaço de formação:
Para a Escola, o primeiro curso, integrando os campos das belas
artes e o do mercado de trabalho, atualizou a imagem da Instituição. Da mesma forma, a abertura pelo Diretório Acadêmico
da galeria MACUNAIMA, propiciou um espaço alternativo
tanto para exposições de artistas jovens quanto da arte moderna,
lugar de debates e discussão, muitas vezes ignorados por parcela
expressiva dos membros da Escola. Tal inauguração reforçava o
quanto, no seio da própria Escola, em sua rotina, desejava-se e,
sobretudo, elaborava-se uma atualização. Em prol da abertura do
ensino na ENBA, Campoiorito não se cansava de proclamar a
necessidade de se considerar, didaticamente, o espírito da época.
Buscando atender os paradigmas da modernidade, Campoiorito,
por várias vezes, expressou seu anseio de tornar o ensino da EBA
um grande laboratório de investigação intensamente relacionado
com o mercado de trabalho[...](Macedo: 2000,p.99)
Nossa ambição consistia em arrancar o artista criador de
seu distanciamento do mundo e restabelecer sua relação
com o mundo real do trabalho.[...] A academia, cuja tarefa
foi desde o princípio ( quando ainda era uma força vital) a
de desenvolver esta teoria para as artes visuais, malogrou
porque perdeu o contato com a realidade. (GROPIUS: 1974,
pp.32 e 39)
Em 1959, em participação no Ciclo de Palestras 17 proposto
para se pensar a atuação da Escola, Campoiorito enfatiza a
importância do ensino da Bauhaus:
A grande experiência que não podemos jamais deixar de ter
presente, e que foi realizada no nosso século e dá diretrizes
de absoluta importância para as artes decorativas, é a escola
mundialmente conhecida por BAUHAUS [...] Fundada em
1919 (Weimar, Alemanha) a BAUHAUS jamais deixou de
orientar o melhor ensino da decoração e lhe indicar os aspectos
de vida moderna. Desaparecida depois dos tristes acontecimentos que todos conhecem, a partir de 1933 na Alemanha, o
seu exemplo vai frutiicando. (CAMPOFIORITO: 1959, p.61)
Pode-se ainda conirmar esta airmação se tratarmos do Curso
de Arte Decorativa, criado em 1946 e implantado em 1952.15
Campoiorito, tornara-se catedrático da cadeira de Composição
Decorativa16 em 1949, buscando imprimir mudanças no entendimento que aquela área do conhecimento implicava para a
ENBA, em seu papel pedagógico. Manifestou-se muitas vezes
em seus escritos e em suas falas diante da Congregação da
Escola desfazendo o entendimento hierárquico que classiicava
as artes em “menores” e “maiores”.(CAMPOFIORITO: 1959,
pp.56-59)
Campoiorito reconhecia a contribuição teórica da Bauhaus de
promover condições para o desenvolvimento de um método
de raciocínio em substituição ao puro interesse pelo ensino de
meras habilidades de representação espacial, posição de seu
criador Gropius ao airmar [...] o virtuosismo e as habilidades
manuais não geram ainda a arte. (GROPIUS:1974,p.39)
Campoiorito acreditava na função da arte como experiência no
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constante como ideologia estruturadora do regimento de 1931,
constituía então uma realidade nas salas de aula:[...] qualquer
avanço que se faz na Escola, são resultados da luta de Campoiorito e, consequentemente, se espalhou para todo o Brasil.18
Nos anos 80, em texto que tratava das relações da ENBA com
o carnaval, Campoiorito escreveu:
A consolidação de um ensino pragmático, com responsabilidades sociais contemporâneas, tem em 1965, um dos momentos
mais positivos desta ideologia. Ano do IV Centenário do Rio de
Janeiro, todos os concursos de ornamentações para o carnaval
foram arrebatados por docentes e ou discentes da ENBA.
Esta presença maciça de integrantes da Escola nessa atividade
promoveu [...] uma revolução estética, técnica e temática no
carnaval, com transformações introduzidas por Fernando
Pamplona. (GUIMARÃES:2006, p.2)
[...] um professor assistente especializado era incumbido,
após as informações teóricas, de encaminhar rigorosamente
o trabalho prático. Cabia esta tarefa, no setor de carnaval
e demais festejos populares, ao professor Pamplona. Cada
ponto do programa funcionava como uma célula que podia
desenvolver-se na medida em que encontrasse estimulantes
dentro da temperatura de atualidade e interesse proissional.19
Nesse ano, Fernando Pamplona, grande vencedor dos carnavais
do Rio de Janeiro, (cenógrafo do Teatro) pleiteou para a grande
festa popular, um nível proissionalizante, com processo de
seleção mais democrática através de concurso voltado para a
área. Airmava que com este processo os festejos ganhariam uma
nova dimensão, “o lado sério das pesquisas”.(PAMPLONA:
1964, p.22) Integravam-se à prática das primeiras ornamentações um atualizado conhecimento técnico e uma mediação
cultural erudita que redundou, segundo Helenise Guimarães,
em “um novo conceito estético”. (GUIMARAES:2006, p. 280)
A pesquisadora airma ainda:
Remonta aos anos 30, o interesse em colocar em pauta nos
debates e discussões a participação da Escola nas atividades do
carnaval e outras celebrações de cunho popular. Tal interesse
era motivado pela entendimento de sua valiosa e necessária
participação nas questões nacionalistas, centradas então, na
aproximação à cultura do homem do povo. Para Campoiorito,
a interação entre a ENBA e o mercado de atuação dos artistas
concretizava seu projeto de envolver os jovens estudantes no
interesse pelas manifestações culturais, fortalecendo a política
de conhecimento e valorização das tradições brasileiras. 20
A participação de alunos da ENBA nas atividades oferecidas
pelo carnaval não se iniciou no Salgueiro com Fernando
Pamplona, mas é através dele, com a concordância do
Professor Quirino Campoiorito, catedrático da Cadeira
de Artes Decorativas, que os projetos para a decoração
seriam incluídos como tarefas acadêmicas. (GUIMARAES:2006,p.220)
As possibilidades institucionais desta participação abertas
por Campoiorito (foram usadas também pelos professores
Liana Silveira, Plínio Cipriano e Almir Gadelha) contaram
muito neste processo, ao garantir como catedrático, o registro
da presença e o grau dez, nas respectivas disciplinas, para os
alunos comprometidos com esse trabalho externo, do mês
de outubro ao inal do ano letivo, em dezembro. A relação e
pertinência do ensino artístico da ENBA e a demanda social,
Os produtos desta ação, “território de experimentações
formais” (FABRIS: 2001, p.64) na cenograia urbana, eram
sustentados pela crença dos artistas na eicaz transformação
da sociedade através da experiência estética. Fundavam-se os
posicionamentos na utopia de uma educação visual promovida
pela classe erudita, na esperança de agregar às referidas
manifestações qualidade e atualização visual.21
Em sua plataforma ativista, Campoiorito revelava cruzamentos com o que de mais renovador produziram as
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vanguardas modernas do início do século XX, com destaque
para sua iliação com as ideias de Gropius e o ensino da
Bauhaus. Todavia, em diversas oportunidades, atuando como
crítico e mesmo em sua pintura, deu sinais de inadequação no
agenciamento de valores pertencentes a sistemas díspares de
visualidade artística.
O crítico dedica vários textos à referida exposição, repreendendo
a artista por abandonar “nossas coisas” em prol de um “decorativismo não-representativo”. Questiona a gravadora por
afastar-se do “igurativismo” que desempenharia muito bem
a função de “traduzir uma emoção” em lugar do “formalismo
dos arabescos”. Outras expressões como, “supericial”, “fuga
da realidade”, “negação da vida em sua arte”, “virtuosismo
abstracionista” ancoram uma visão de completa incompreensão
da experiência estética de Fayga.22 A artista, no entanto tinha
percebido a ineicácia de “comentários estéticos” sobre certas
questões do homem. Sua opção traduzia o entendimento da
proposta moderna da especiicidade dos meios e ins da arte. A
autonomia da obra conquistada pela arte moderna constituía
para a gravadora condição da criação artística.
Toda argumentação que ofereceu para a gravura ensinada
e praticada na ENBA consolidar-se como meio expressivo
moderno, pelas mãos de Raimundo Cela, Oswaldo Goeldi, Darel
Valença, Ahmés Machado e Adir Botelho, diluiu-se diante das
gravuras de Fayga Ostrower, expostas em 1950, nas salas do
então Ministério de Educação e Saúde. Ainda igurativas, estas
concentravam-se na articulação de soluções essencialmente
plásticas, trilhando um caminho moderno para as formas. As
Maternidades de Fayga, por exemplo, destacam muito mais
os ritmos circulares que a artista submete a composição. Esta
solução aprofunda signiicações da vida, perpetuando a forma
celular, trazendo um sentido de continuidade e dependência na
relação mãe-ilho. É o desenvolvimento das formas que permite
a apreensão do sentido profundo natural da maternidade.
Campoiorito parecia não se dar conta de que as questões da
abstração habitavam a concepção de arte moderna desde sua
gênese. Fayga não estava disposta a acomodações. Ele, ao
contrário, realizou uma pintura e fundamentou seu olhar de
crítico dentro de limites que diluíram as teorias modernas numa
timidez formal conciliatória dos quadros conceituais das artes
moderna e acadêmica. Vestígios do olhar contemplativo da
tradição e um renitente interesse pela realidade não puderam
ser suprimidos, em seu processo. Daí em suas obras, a contaminação dos respectivos léxicos. A arte abstrata para ele seria
um trauma.
Campoiorito, preso ainda a uma iguração realista, julgou
essas gravuras segundo uma relação arte condicionada à representação ou ilustração da vida. Condenando o procedimento
de Fayga escreveu o crítico:
A artista desejando ressaltar por demais o valor abstracionista das linhas, das formas e da própria unidade das
formas e das linhas, ou seja, a composição, faz desaparecer a
expressão do drama representado (o sentimento maternal, a
adoração da mulher pelo fruto do seu amor,a vigilância pelo
pequenino ser vindo ao mundo [...]a perpetuação da espécie)
para que o formulário plástico se torne linguagem estéril,
inalidade em si, em vez de ser o que realmente é, apenas o
meio. (CAMPOFIORITO: 1950)
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Notas:
O caso de Campoiorito leva-nos a pensar no trânsito da arte
moderna, entre nós, na “diiculdade de forma” apontada por
Rodrigo Naves em relação à constituição de uma modernidade
na arte brasileira. Para o crítico, grande parte dos trabalhos
realizados entre nós incorpora sem dúvida as mudanças
modernas, mas com um viés todo particular. As obras se vêem
envolvidas numa morosidade perceptiva que reduz a força de
seu aparecimento.(NAVES:1996, p. 9-19) Ou ainda, no que
diz Marcio Doctors quando airma que a arte brasileira [...]
sofre de um desvio de instauração, ou seja esta não se vê como
continuidade da cultura ocidental europeia. Seríamos o foradentro.23(DOCTORS: 2001, p.35)
1
- VIEIRA, Lucia Gouvêa. Salão de 1931: marco da revelação da arte moderna
em nível nacional. Rio de Janeiro: FUNARTE/ INAP, 1984; MORAIS, Frederico. Núcleo
Bernardelli-Arte brasileira nos anos 30 e 40. Rio de Janeiro:Ed. Pinakotheke, 1982 e
ZANINI, Walter. Arte no Brasil nas décadas de 1930 - 40: O Grupo Santa Helena São
Paulo: Nobel/Edusp, 1991.
Nesta conformação muito especíica, subjacente às conceituações referidas, encontra-se Campoiorito, emblemático
personagem na busca de uma nova visualidade. Ele carrega
a contradição de sua pintura, percebida como moderna pelo
público ao qual se dirige, mas que não dá conta de sua existência
combatente, em permanente confronto com o tradicionalismo
do ensino artístico.
2
- Ilustrou a Tico-Tico e a Revista Infantil.Com a caricatura atuou em periódicos
como A Maçã, O Malho, D. Quixote, A Máscara.
3
- Tornou-se por concurso de provas e títulos catedrático da cadeira de Arte
Decorativa, em 1949.
4
- Sobre suas múltiplas atividades ver MORAIS, Frederico. Cronologia das artes
plásticas no Rio de Janeiro,1816-1994. Rio de Janeiro: Top-books, 1995 e Catálogo
exposição Quirino Campoiorito.Retrospectiva Comemorativa dos 90 anos do artista.
MNBA , Rio de Janeiro,1992 / Museu Parreiras, Niterói, 1992.
5
- SIGAUG, Eugênio. In GONÇALVES, Luis Felipe. Sigaud: O pintor dos
operários. Rio de Janeiro: Ed Independente. 1981, p. 20.
6
- A pedido de um dos participantes da exposição, Maurício Roberto, Herbert
Moses, então presidente da Associação Brasileira de Imprensa, cedeu uma sala da
ABI para que a exposição despejada da ENBA tivesse continuidade fora da Escola.
7
- Prestaram solidariedade aos estudantes despejados, iguras dos mais
diferentes segmentos da sociedade, comparecendo à exposição na ABI ou
escrevendo artigos na imprensa. Entre outros, Murilo Mendes, Afonso Arinos, Aníbal
Machado, Manuel Bandeira, Guignard, Vinicius de Moraes, Marques Rebelo, José Lins
do Rêgo, Moacir Werneck, Alcides Rocha Miranda e Oscar Niemeyer.
8
- CAMPOFIORITO, Quirino em depoimento à equipe da galeria de Arte
BANERJ, dez 1982. Em seu depoimento o artista cometeu equívoco, pois naquela
oportunidade (1942) ele ainda não era professor catedrático, o que veio a acontecer
somente em 1949.
164
165
9
- Em entrevista a Paulo Ourique apud MACHADO, Vladimir. José Moraes e
o Grupo dos Dissidentes da ENBA In 180 Anos de Escola de Belas Artes. Anuais do
Seminário EBA 180. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997, p.426.
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22
- Santa Rosa respondeu a Campoiorito, saindo em defesa de Fayga Ostrower,
criticando-o pelo uso esvaziado de “slogans” e “bizantinismos” que não cabiam a
uma crítica séria. Letras e Artes, Rio de Janeiro, 10/9/1950.
- CAMPOFIORITO , Quirino. In MORAIS:1995, pp. 135-136.
11
- Outras participações do artista: Diretor de Artes Plásticas da Associação de
Artistas Brasileiros, 1942; membro consultivo do Instituto Brasileiro de História da Arte,
em 1942 passando em 1946 a seu presidente; membro fundador da ABCA em 1949,
recebendo em 1979 o título de presidente de honra; membro da comissão de Belas
Artes (1961-1963; membro do Conselho Universitário da UFRJ, 1967
12
- Ver Regimento ENBA de 17 de agosto de 1948 que vigorou a partir do ano
seguinte.
13
- O Curso de Desenho e Artes Gráicas passou a funcionar, em 1959, ainda
sem a aprovação do Conselho Universitário, em cujo parecer indicava para tal
funcionamento uma reforma no Regimento da Escola. Ver sobre o assunto ATA da
Congregação ENBA 21/1/59. Livro 1. A alteração do referido Regimento foi aprovada
somente em 12/6/61 assim permanecendo: “ onde se lê Professorado de Desenho,
leia-se Desenho e Artes Gráicas; onde se lê Gravura e Arte Decorativa, leia-se Gravura
de Medalhas e Pedras Preciosas, Arte Decorativa e Desenho e Artes Gráicas”; na
enumeração de disciplinas acrescentar [..].litograia”.
14
- Ver Regimento da ENBA, 1965 Art.13 pp.9-10.
15
- Ver Reforma do regimento da ENBA, em 1946, em cujo Título II, Cap. I , art.3
consta sua criação.
16
- Esta cadeira fora criada na Reforma de 1931, com o nome de Artes
Aplicadas-Tecnologia-Composição Decorativa. Em 1933, recebeu a denominação
Composição Decorativa.
17
- A ideia do ciclo de palestras era que cada catedrático responsável por uma
disciplina, pudesse organizar uma palestra em que deveria responder a 3 perguntas
básicas: O que é a disciplina? Porque ela é ensinada nos cursos da ENBA? e Como
ela é ensinada? Após as palestras tanto os professores quanto os alunos poderiam
discutir questões suscitadas pela apresentação. Este ciclo iniciou-se em 1958, quando
foram realizadas onze palestras e, em 1959 até o im de junho, mais cinco, que todas
publicadas na integra nos Arquivos de 1959.
18
- PAMPLONA, Fernando. In GUIMARÃES, Helenise. Carnavalesco, o Proissional que faz Escola no carnaval carioca. Dissertação de mestrado/ PPGAV/EBA/
UFRJ, Rio de Janeiro,1992, p. 59.
19
- CAMPOFIORITO, Quirino. Em texto de apresentação do catálogo da
exposição: A Escola Nacional de Belas Artes e o Carnaval Carioca. Rio de Janeiro:UFRJ/ EBA, 1980, p.3. Sobre detalhes deste processo ver depoimento de Pamplona
concedidos à Helenise Guimarães, em tese citada (1996) p. 225 -226.
20
- Com a cassação dos direitos civis e a aposentadoria compulsória de
Campoiorito, Abelardo Zaluar e Mário Barata, este trabalho icou comprometido.
21
- Ver sobre o assunto as edições do Correio da Manhã de 10 e 15 de janeiro de
1932. Rio de Janeiro
166
167
Maria Luisa Luz Tavora é Doutora em História Social (UFRJ),
pós-doutora pela EHESS (Paris). Atua como professora
de História da Arte na graduação e na Pós-graduação em
Artes Visuais da EBA/UFRJ, de cuja revista Arte&Ensaios é
coeditora. Pesquisadora do CNPq, estuda a gravura artística
no Brasil, o informalismo e a crítica de arte a ele referenciada.
É membro do CBHA, da ABCA/AICA e da ANPAP.
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Quirino Campoiorito: emblemático ativista da modernização na ENBA
/ Maria Luisa Luz Tavora
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________. Núcleo Bernardelli-Arte brasileira nos anos 30 e 40. Rio de Janeiro:Ed.
Pinakotheke, 1982.
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MENDES, Murilo. Triunfo da arte moderna. Revista SOMBRA, janeiro de 1943.
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Os Manuscritos de
Marques Júnior
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Rafael Bteshe
Os Manuscritos de Marques Júnior
/ Rafael Bteshe
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
problemas”, apresentada em 1950 no provimento da cátedra;
o artigo “Plástica das Expressões Fisionômicas, publicado em
1955 nos Arquivos da Escola; e os manuscritos inéditos que
estudaremos nesta comunicação.
A reunião desses documentos permite uma visão mais completa
do ensino de arte na ENBA na primeira metade do século
XX. Façamos agora algumas comparações entre as principais
características analisadas nesse material, relacionando a caixa
de manuscritos de Marques Júnior com sua tese de 1950.
Augusto José Marques Júnior nasceu em 1887 no Rio de Janeiro.
Em 1905, ingressou na Escola Nacional de Belas Artes, onde
estudou entre outros professores com Baptista da Costa (18651926), Eliseu Visconti (1866-1944) e Zeferino da Costa (18401915). Em 1916, recebeu o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro,
permanecendo na França até 1922. No mesmo ano retornou
ao Brasil, onde foi nomeado professor de Pintura e em 1950,
tornou-se catedrático da disciplina Desenho de Modelo Vivo
da Escola Nacional de Belas Artes. Em 1960, alguns dias antes
de morrer, Marques Júnior coniou à Bandeira de Mello, seu
discípulo, uma caixa com 10 manuscritos, contendo ichamentos e anotações pessoais sobre o universo do desenho,
material nunca publicado.
A caixa deixada pelo artista possui dez conjuntos cuidadosamente organizados por assunto (na nomenclatura de
Marques Júnior: “10 Pontos”), compostos de uma série de
“cadernos” (termo utilizado pelo autor), como se fossem
capítulos, no interior de cada conjunto. Os pontos abordados
são: 1- dos materiais de desenho; 2- a iluminação do modelovivo; 3- o claro-escuro; 4- a mancha e a linha; 5- a proporção
e a composição; 6- o movimento e o equilíbrio; 7- o retrato;
8- análise da forma; 9- a igura humana; 10- as expressões da
isionomia.
Em seus manuscritos, Marques concentra-se nos assuntos
relativos ao desenho buscando referências em tratados
acadêmicos da segunda metade do século XIX e início do
século XX, dentre os quais destacamos: “Grammaire des arts
du dessin” (1867), do crítico de arte e gravador francês Charles
Blanc (1813-1882); “Le peintre: traité usuel de peinture à
l’usage de tout le monde” (1898), do pintor e gravador francês
Camille Bellanger (1853-1923); e “The Practice and Science of
Drawing” (1913), do pintor inglês Harold Speed (1872-1957).
Mais do que um instrumento para a representação da natureza,
o desenho é apresentado como uma forma de conhecimento,
uma espécie de pensamento visual, aproximando-se, em certos
momentos, da matemática (proporção), biologia (anatomia e
isiologia) e física (óptica, teoria das cores).
Estes documentos são em grande parte cópia de trechos ou
ichamentos a partir da obra de outros autores. São poucas
as anotações pessoais, o que nos leva a crer que não havia
nenhum intuito de futuramente publicar esse material. Apesar
disso, suas anotações, escolhas de autores e trechos especíicos
dos livros, nos permitem conhecer uma parte de sua formação,
comum a outros professores a ele contemporâneos na ENBA.
De cunho autoral são suas teses publicadas na Escola, que
possibilitam, com mais clareza, perceber seu posicionamento
crítico diante do ensino de arte. Todos os escritos de Marques
Júnior que encontramos até o momento são relativos ao
Desenho, dentre os quais destacamos a tese “O gesso e o
modelo vivo”, (1942); “Do desenho de ‘modelo-vivo’ e seus
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Os Manuscritos de Marques Júnior
/ Rafael Bteshe
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Após a observação de que certos aspectos são próprios da
imagem, como o ritmo, a dinâmica e a proporção, Marques
Júnior apresenta um mapeamento dos escritos existentes sobre
o assunto.
pelas corporações de construtores e pela ilosoia neoplatônica estenderam-lhe o emprego as intrincadas estruturas
de suas magniicas catedrais.
Como chegaram até nós esses ensinamentos? Por meio de
várias cadeias de iniciados: em arte (Platão, Vitrúvio, Pacioli,
Da Vinci), em matemática (Platão, Euclides, Nicomaco de
Gerasio, Pacioli, Kepler, Descartes), e nas doutrinas secretas
(Pitágoras).
Ao analisar tal mapeamento nossa primeira constatação é
que a setorização das áreas de conhecimento existentes nos
dias de hoje não era tão especíica em outras épocas. Determinadas disciplinas se confundiam, como a pintura e a escrita,
a geometria e o desenho, a matemática e a ilosoia. Neste
sentido, os estudos sobre a forma confundem-se com a história
de outras disciplinas, o que transparece no levantamento
realizado por Marques. São mencionados: Platão, Pitágoras,
Vitrúvio, Luca Pacioli, Leonardo da Vinci, Kepler, Nicolas
Poussin, Kleppisch, Seurat, Zeising, Fechner, Theodore Cook,
Harold Speed e Andre Lhote.
Recentemente [1945] Hambridge (Dinamic Simetry), Lund
(Ad quadratum) e Moessel (Die Proportion in der Antike und
Mittelalter) sugeriram sistemas gráicos para descobrir na
complexa geometria das arquiteturas egípcia, grega, romana
e gótica o estabelecimento das proporções. Encontram
todos eles, entre outras leis, a predominância da seção áurea
e, consequentemente, das proporções que se originam de um
pentágono ou da divisão de um círculo diretor em cinco ou
dez partes iguais.3
A comparação entre obras de épocas distintas aparece em
muitas análises de teóricos artistas do século XX. Neste caso, a
atenção volta-se para os problemas plásticos. Parece não haver
o interesse pelo recorte temporal, ou mesmo pelo contexto
em que a obra foi construída, de maneira que uma pintura
de Seurat pode ser comparada com um desenho de Leonardo
da Vinci para demonstrar o interesse dos dois artistas pela
utilização dos traçados reguladores1.
O que parece comum aos autores apontados por Carlos Del
Negro e Marques Júnior é o interesse pelo estudo da forma a
partir da observação da natureza, numa possível relação entre
o micro e macrocosmo. Estudar um sólido geométrico é o
mesmo que estudar as leis do universo.
Para estudar a proporção áurea, Marques Júnior aborda
os escritos do professor da ENBA Carlos Del Negro2.
O texto aproxima a geometria da aritmética demonstrando
como as relações harmônicas elaboradas espacialmente nos
mais variados contextos - da pirâmide de Gizé a um quadro de
Seurat - podem ser estudadas por meio das formas geométricas
e explicadas através dos números. Nas palavras de Del Negro,
Após a explicação matemática, Del Negro associa o desenvolvimento de tais relações ao fato de sua existência também estar
presente na própria natureza. Em suas palavras:
Na natureza essa lei ocorre em diversos fenômenos, quais os
de formação de turbilhões de ar, de água e especialmente nos
fenômenos de crescimento de seres vivos (lores, organismos
marinhos, corpo humano), o que explica a frequente
ocorrência de arranjos baseados nas simetrias pentagonal e
decagonal. Em botânica a disposição dos galhos, folhas e
frutos (ilotaxia) é regida pela série de Fibonacci e as que
Pode airmar-se que a divisão áurea constitui o característico
das civilizações mediterrâneas. Conhecida dos egípcios, foi
aplicada à civilização greco-romana; transmitida aos góticos
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Os Manuscritos de Marques Júnior
/ Rafael Bteshe
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Figura 2 - Primeiras páginas do “Caderno 1 - Carlos Del Negro- A
secção áurea”, do manuscrito “Ponto n°5: Escritos sobre a proporção e a
Figura 1 - Caixa de manuscritos de Marques Júnior – dez conjuntos.
Acervo Lydio Bandeira de Mello. Foto do autor, 2016.
composição”, de Augusto José Marques Júnior, 25 de setembro de 1945.
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Acervo Lydio Bandeira de Mello. Foto do autor, 2016.
Os Manuscritos de Marques Júnior
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acadêmico ocidental, não se voltando para detalhes sociológicos e culturais.
dela se derivam.4
A abordagem de Carlos Del Negro, relacionando antigos
tratados matemáticos com a arte e com a biologia, o aproxima
dos pintores teóricos da primeira metade do século XX, como
Andre Lhote, e de teóricos como o ilósofo romeno Mathila
Ghyka, ambos citados no texto de Del Negro.
Outro teórico estudado por Marques é o pintor acadêmico
inglês Harold Speed. Por meio de esquemas gráicos e
análises de pinturas consagradas, Speed demonstra de que
modo a organização das formas em si constrói um signiicado.
Relaciona constantemente a pintura com a música, de maneira
a facilitar a compreensão dos elementos abstratos da forma.
Nas palavras de Speed, publicadas em 1913, no livro A Prática
e a Ciência do Desenho, e transcritas por Marques Júnior:
No Brasil, a pesquisa sobre a presença dos traçados reguladores
em culturas ancestrais foi estendida para povos dessa região, é o
caso das pesquisas do professor da ENBA, Francisco Pacheco
da Rocha, que nas palavras de Edson Motta:
A palavra ritmo a usamos aqui para expressar a propriedade
que têm as linhas, tons e cores, de nos afetar por sua
disposição e arranjo, ao modo das diferentes notas e
combinações de sons na música. Na pintura, na escultura
e na arquitetura, existe uma música que por si mesma nos
comove, aparte, toda signiicação unida à representação de
formas naturais. (...). Poderá não aparecer muito claramente
e até icar oculta, porém se encontrará estas linhas e estas
massas, como esquema básico de toda a pintura. (...) Toda
a força emotiva de um quadro se deverá em grande parte à
signiicação rítmica desse esquema original.7
desenvolveu pesquisa proveitosa e elucidativa em torno
da Ocorrência da simetria dinâmica na arte do homem
primitivo americano (1964), onde estuda a presença de
ressonâncias proporcionais e a capacidade de percepção
de ritmos e harmonias dos primitivos habitantes da ilha de
Marajó, de outras regiões do litoral brasileiro e de Santarém,
nas margens do rio Amazonas, provando, de certa forma,
airmações inseridas em páginas anteriores de que a ciência,
que chega depois, corrobora as propostas suscitadas pelos
olhos e pela intuição.5
Para a análise da estrutura rítmica linear de uma pintura de
Veronese, por exemplo, Speed apresenta um esquema gráico
com a seguinte orientação: “esquema em que se mostram as
linhas principais que dão sua unidade rítmica a este quadro”.
Com o mesmo procedimento, o autor analisa as obras de
Botticelli, El Greco e Paolo Uccello, escrevendo sobre essa
última (ig.10): “Choque de linhas em harmonia com o caráter
guerreiro do assunto”. Ou seja, os contrastes agressivos de
acentuadas diagonais constroem o clima agitado, dramático da
pintura.
Diferentemente de outros autores que também abordaram o
assunto, como o caso do professor da ENBA Edson Motta que,
em alguns momentos, conduz suas análises compositivas para
uma abordagem histórica e sociológica, Marques concentra-se
nos aspectos formais do assunto.6 Esse fato talvez tenha relação
com a área de atuação de Marques, que enquanto professor de
Desenho de Modelo Vivo, preferiu concentrar seus esforços
na teoria voltada para o campo do fazer artístico, e tudo o
que essa disciplina carrega. A abordagem histórica aparece
apenas na organização das diferentes soluções formais em
grupos, de acordo com o período e região, como por exemplo
as variações de cânones de proporção nas sociedades antigas
do Egito, Grécia, Mesopotâmia, Roma, até chegar no contexto
Os termos “massas gerais, “linhas essenciais”, “grandes
linhas”, “ver simples”, interpretação gráica”, constantes
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Os Manuscritos de Marques Júnior
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Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
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nos manuscritos de Marques Júnior, são essenciais para
compreensão do pensamento visual dentro e fora do contexto
acadêmico do entresséculos XIX e XX. Reletem o interesse
pela compreensão do signiicado da composição como um
todo, a consciência das qualidades emotivas da forma, já que
a relação entre as massas gerais e as linhas essenciais constrói
um signiicado simbólico.
Em síntese, a tese, de cunho didático, tem como principal defesa
o estudo do natural antes do estudo da estatuaria clássica,
já que, para Marques Júnior, o desenho do natural pode ser
associado a “interpretação da natureza” enquanto a cópia de
estatuária é relacionada a cópia de algo já interpretado.
O olhar de Marques Júnior sobre os conceitos de natureza e
Belo ideal revelam alguns pontos fundamentais no estudo da
metodologia de ensino das Escolas de Arte no entresséculos
XIX e XX: as mudanças de perspectiva na arte, o interesse
pela revisão da metodologia de ensino de desenho dentro
do contexto acadêmico, e a valorização da personalidade do
artista. Todos esses aspectos são parte de um movimento que
já havia sido iniciado na Europa, no século XIX. Há em seu
discurso uma clara inluência dos ideais impressionistas, em
contraposição ao movimento neoclássico, o que se conirma
na proposta de revisão dos métodos de ensino, assim como na
observação do próprio trabalho artístico de Marques Júnior. É
importante lembrar que o pintor estudou no Brasil com Eliseu
Visconti, mestre a quem dedica a teste de 1950. A principal
diferença levantada por Marques Júnior entre essas duas
abordagens artísticas refere-se, portanto, por um lado a rígida
busca de proporções matemáticas, baseada em modelos da
Antiguidade Clássica, e, por outro, o desenvolvimento de uma
interpretação pessoal, por meio da observação da natureza,
nas suas ininitas relações de proporção, que transcendem os
cânones clássicos.
Em seus manuscritos, Marques Júnior se aproxima da
ideologia acadêmica do século XIX. São valorizados: os
cânones, as proporções históricas, a aproximação entre arte e
matemática, o estudo de obras antigas, e a educação visual por
meio do desenho. Ainda são retomados aspectos que estavam
em decadência no século XX, como o Belo ideal e a ideia de
evolução na história da arte.
Em outra direção se apresenta o Marques da tese de 1950,
demonstrando sua identiicação com o impressionismo. O
autor defende o ensino da arte pelo estudo do natural, assim
como a valorização do croqui para o desenvolvimento da
memória visual.
Poderíamos sintetizar a tese de 1950 em três principais
argumentos, divididos em três capítulos:
“Preferência dada ao estudo do modelo vivo que deve
preceder a cópia da estatuaria clássica, icando esta reservada
para o im do curso e não tendo caráter constante”.
“Quanto ao estudo da Anatomia, julgamo-lo de capital
importância, mas achamos que o conhecimento seguro da
“osteologia” sobreleva aos demais”.
“Considerando, inalmente, o desenho de “croquis”, somos
levados a airmar ser o mesmo de imensa utilidade no
currículo das Escolas Superiores de Belas Artes, sobretudo
no desenvolvimento da memorização das imagens,
memorização essa imprescindível ao artista plástico”.
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181
Após essa constatação, é preciso ponderar alguns aspectos.
Primeiro, os resultados das duas abordagens serão idealizados,
já que mesmo o exercício do natural, como defende Marques
Júnior, busca organizar os meios plásticos numa direção
artística, em outras palavras, de interpretação pessoal da
natureza, seja por meio de uma escolha hierárquica sobre o
que deve e o que não deve ser desenhado, seja por meio da
sintetização da forma, das distorções conscientes em prol de
determinados resultados plásticos. Portanto, em nenhum dos
dois casos há o objetivo de cópia da natureza.
Os Manuscritos de Marques Júnior
/ Rafael Bteshe
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Figura 3 - Páginas do “Caderno 1: Carlos Del Negro- A secção áurea”,
do manuscrito “Ponto n°5: Escritos sobre a proporção e a composição”,
de Augusto José Marques Júnior, 25 de setembro de 1945. Acervo Lydio
Bandeira de Mello. Foto do autor, 2016.
Figura 4 - Análises retiradas do livro SPEED, H. La pratica y La Ciencia
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del Dibujo. Editorial Albatros, 1941.
Os Manuscritos de Marques Júnior
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O segundo ponto a ser reletido, trata da aparente polarização
entre acadêmicos e modernos no im do século XIX e primeira
metade do século XX, dividindo o ensino de arte em apenas duas
escolas, o que deixa de lado outras correntes de pensamento
em vigor nesse período.
Proportion” (1532)9, autores estudados por Marques Júnior.
Não encontramos evidencias que apontem para a possibilidade do artista ter estudado as fontes primárias, sendo mais
provável que o tenha feito por meio de teóricos que abordaram
o assunto, como Thales de Mello Carvalho (1916-1961)10 e
Carlos Del Negro, por exemplo. Já os livros “Grammaire des
arts du dessin” (1867), de Charles Blanc, e “Traité usuel de
peinture” (1898), de Camille Bellanger, são parte do acervo de
Obras Raras do Museu Dom João VI, da Escola de Belas Artes
da UFRJ, e provavelmente foram estudados pelo artista, já que
foram publicadas edições traduzidas para o espanhol e para o
português na primeira metade do século XX.11
Após essa breve análise dos escritos de Marque Júnior,
conhecemos parte das diferentes correntes ideológicas que
circulavam na ENBA na primeira metade do século XX.
Marques foi um pintor impressionista, seja na construção de sua
obra, seja na defesa do estudo do natural enquanto professor.
Teve, no entanto, uma formação voltada para o ensino clássico,
iniciada com estudo de proporção, cópia de moldagens e
anatomia artística, corrente que continuou estudando até
a década de 1950, quando já estava com 63 anos, conforme
pudemos conirmar por meio da análise de seus manuscritos.
Não sabemos se a caixa de manuscritos foram os estudos
preparatórios para o concurso da cátedra ou a consequência
natural de um mestre que procurou o aprofundamento sobre o
universo do Desenho. Nos dois casos, no entanto, percebe-se
alguém que estudou um material não para airmá-lo, mas para
revisá-lo.
O levantamento realizado até o momento, sobre os tratados e
escritos utilizados na presente pesquisa, revela um intercâmbio
de ideias entre diferentes autores. Tais correspondências de
conhecimentos em diferentes contextos dissolvem as fronteiras
precisas que muitas vezes engessam a História.
Tão relevante quanto o acesso a documentos inéditos é a
constatação de uma longa cadeia de relações entre diferentes
artistas dos mais variados e distantes contextos, seja por meio
de tratados que propagaram ideias pelo mundo e pela história,
como é o caso do livro “De Divina Proportione” (1505)8, do frade
renascentista italiano Luca Pacioli (1445-1517), ou por meio
do contato direto entre artistas que dividiam conhecimentos
do fazer, numa linhagem que remonta à antigos mestres. Vale
destacar que o acervo de Obras Raras da Biblioteca Nacional
possui versões originais dos tratados de Luca Pacioli (1509) e
Albrecht Dürer (1471- 1528) – “Vier Bücher von menschlicher
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Os Manuscritos de Marques Júnior
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Figura 5 - À esquerda, estudo de Marques Júnior sobre Luca Pacioli,
retirado do “Caderno 2 – Secção Aurea, curiosidades matemáticas,
Melo Carvalho”, manuscrito “Ponto n°5: Escritos sobre a proporção e a
composição”; À direita, estudo de Marques Júnior sobre Charles Blanc,
Figura 6 - Estudos de Marques Júnior sobre Albrecht Dürer. Nas
retirado do “Caderno 6- Contribuições, gravuras”, manuscrito “Ponto
laterais, páginas do “Caderno 44: Veriicação, maneira de medir, prova
n°9: A igura humana, sua construção, pontos de referências ósseas e
didática, 11/08/1950”; no centro, página do “Caderno 40: Proporções do
musculares, eixos e direções, as deformações, o escorço, de Augusto
corpo humano, Alfredo Galvão”, ambos parte do manuscrito “Ponto n°5:
José Marques Júnior, 25 de setembro de 1945. Acervo Lydio Bandeira de
Mello. Foto do autor, 2016.
Escritos sobre a proporção e a composição”, de Augusto José Marques
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Júnior. Acervo Lydio Bandeira de Mello. Foto do autor, 2016.
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Notas:
7
SPEED In JÚNIOR, A. J. M. “Ponto n°8: Analise da forma: sua interpretação
gráica por meio das linhas: o desenho esquemático, a silhueta”; “Caderno 2: Harold
Speed- Ritmo”. Manuscrito inédito de Augusto José Marques Júnior. Coleção
particular de Lydio Bandeira de Mello. s/d.
8
O tratado teve ampla repercussão no Renascimento, e no século XX foi
retomado por diversos artistas, sendo mencionado nos escritos do pintor francês
André Lhote, e dos professores brasileiros Thales de Mello Carvalho, Carlos Del
Negro, Marques Júnior e Edson Motta.
9
A primeira publicação do tratado “Vier Bücher von menschlicher Proportion”
foi publicada na Alemanha em 1513. Uma das cópias originais, impressa em 1532,
encontra-se no acervo de Obras Raras da Biblioteca Nacional. Disponível em: http://
objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasraras/or1292597/or1292597.pdf. Acesso em:
mai 2016.
1
O restaurador e professor da ENBA Edson Motta deine os traçados
reguladores como estruturas que: “destinam-se a organizar a composição, proporcionando espaços, formas, linhas, pontos dominantes e auxiliares. Eles fornecem
uma série de espaços de diferentes dimensões e similares, até certo ponto, em suas
formas, que se compensam e se reproduzem em torno de eixos medianos, verticais
e horizontais. Talvez a razão da harmonia gerada seja o resultado da relação proporcional entre várias grandezas que fazem surgir a similitude das formas resultantes. Os
espaços originados por esses delineamentos rebatem-se uns aos outros e evitam o
movimento desordenado da composição, tanto quanto a uniformidade monótona. Os
traçados composicionais têm sido alterados segundo os desígnios, a determinação e
a vontade de cada época”. (MOTTA, E. Fundamentos para o estudo da pintura. Rio de
Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1979. p.62).
10
Thales Mello Carvalho (1916 – 1961) foi Catedrático de Metodologia do Cálculo
do Instituto de Educação do Distrito Federal. Livre-docente de Matemática Financeira
da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas. Professor de Matemática Geral e
Financeira do Curso de Aperfeiçoamento da Caixa Econômica do Rio de Janeiro
e do Curso de Extensão do Instituto de Resseguros do Brasil. Posteriormente, foi
Catedrático da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil
e do Instituto de Educação do Distrito Federal. Era formado em Engenharia Civil e em
Geograia pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
2
Carlos Del Negro (1901-??) estudou na Escola Nacional de Belas-Artes na
década de 1920, onde foi discípulo de Correia Lima, Lucílio de Albuquerque e Rodolfo
Chambelland. Posteriormente, trabalhou na mesma instituição como professor de
Desenho Artístico e como Professor de Matemática Superior na Escola Nacional
de Química. Publicou os livros: “O Desenho Artístico e a Perspectiva Linear (1942),
Palhetas de Alguns Pintores dos Séculos XIX e XX (1945), Dicionário dos Termos
Técnicos de Belas-Artes, Sobre o Método do Duplo Ponto de Fuga (1947), Escultura
Ornamental Barroca no Brasil (1967), Contribuição ao Estudo da Pintura Mineira, além
de estudos sobre Física, Higiene e Mineralogia”. Disponível em: http://www.catalogodasartes.com.br/Detalhar_Biograia_Artista.asp?idArtistaBiograia=6771. Acesso em 12
jan 2016.
11
Cf. BLANC, C. Gramatica de las Artes del Dibujo. Buenos Aires: Editorial Victor
Lerú, 1947; BELLANGER C. A arte do pintor: tratado prático de desenho e de pintura.
Dois volumes. Tradução de F. R. Gomes Junior. Rio de Janeiro: Ed. H. Garnier, 1910.
3
NEGRO del Carlos. O número de ouro. In: Arquivos da Escola Nacional de
Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, n° I, 1955, p.51.
4
NEGRO del Carlos. O número de ouro. In: Arquivos da Escola Nacional de
Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, n° I, 1955, p.51.
5
MOTTA, E. Fundamentos para o estudo da pintura. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira S.A., 1979. p.76.
6
Edson Motta enquanto restaurador, além do conhecimento técnico, necessitava de uma formação histórica aim de ponderar as ações a serem tomadas na
restauração de um quadro, que vão além da técnica. Apesar do trabalho como
restaurador e professor de Teoria e Conservação da Pintura na ENBA, Edson Motta foi
também um dedicado pesquisador da estrutura formal na pintura. Realizou inúmeras
conferências e deixou uma série de escritos sobre o assunto. Parte de sua pesquisa
pessoal foi publicada no livro “Fundamentos para o Estudo da Pintura”, no qual dedica
um capítulo inteiro ao debate sobre a composição.
188
189
Rafael Bteshe é doutorando da linha de pesquisa História
e Crítica da Arte do Programa de Pós Graduação em Artes
Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
Making History
in American
Art Academies
1781-1893
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Anna O. Marley
Making History in American Art Academies 1781-1893
/ Anna O. Marley
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Spanish sovereigns Ferdinand and Isabella that hang alongside
those of Montezuma and Fray Bartolomé de las Casas in the
Museo Nacional in Mexico City, or paintings of irst masses in
Brazil, history paintings from the 19th-century form the visual
backdrop of conceptions of citizenship and history across all
of the Americas.
In a time when scholars are increasingly examining the
ideals and legends of America’s “founding,” these tangible
things illustrate a period in this hemisphere’s history when
Americans—North and South—were struggling to deine the
political, social, and geographic borders of their nationhood.
Visual artists were at the vanguard of this deinition, and
the grand canvasses they left their countrymen represent the
most iconic and lasting examples of this phenomenon. Now
is the time to demand that art historians investigate these
narratives in the context of the diverse realities of the artists
and audiences involved in their conceptions. This talk is part
my broader exhibition project Marcando Historia/Making
History in the Americas 1843-1893.
This paper will critically examine history painting at the
three oldest art academies in the Americas as expressions
of nationalism during the long nineteenth century. Notable
art academies were founded in Mexico City (1781), Philadelphia (1805), and Rio de Janeiro (1816) at the turn of the
nineteenth century. It is an honor to present my research in
the context of the 200th anniversary of the founding of the
Academy in Brazil. By focusing in particular on the academic
history paintings that were produced by artists working at these
schools this paper will ask, what roles did these institutions
play in deining national histories and identities? How did
art academies in Mexico, the US, and Brazil shape education
programs aimed at producing modern citizens? To what extent
did national politics determine the functions of art academies?
What types of visual idioms were deployed by art academies
to shape national consciousness? How were the international
conventions of academic history paintings used in these three
countries to explicate their complex and individual projects
of nation building and expansion within the transnational
discourse of modern painting?
The history paintings that are the subject of this paper are
embedded in their respective nation’s concept of what it means
to be American, and challenge my own institution’s history and
long-standing mission of exhibiting “American Art” to expand
its deinition outside the boundaries of the United States.
Whether it be paintings of Columbus and De Soto that hang
alongside those of George Washington and Thomas Jefferson
in the United States Capitol, or paintings of Columbus and the
192
193
My focus today is on a series of history paintings of the
Spanish conquest in mid-nineteenth century United States.
This paper forms the foundation of a larger project on history
painting and national identity as taught and exhibited in Rio,
Mexico City, and Philadelphia. I look forward to learning from
my colleagues in the audience about analogous traditions in
Brazilian painting. The primary documents we are going to see
today are the history paintings of Peter F. Rothermel (18121895), ranging from Cortés’s View of the City of Mexico (1844)
to De Soto discovering the Mississippi (1851), along with the
text that inluenced the paintings, William H. Prescott’s History
of the Conquest of Mexico (1843). Rothermel was Director
of the Pennsylvania Academy of the Fine Arts (pafa) from
1847-1855, and one of its most inluential instructors at a time
when the Academy was one of the most prestigious art schools
in the Americas, having been founded in 1805 a few short
years after the founding of the nation. He was also a leading
Making History in American Art Academies 1781-1893
/ Anna O. Marley
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
painted in Rome in 1850.2
artist who has faded into obscurity. A new study of his work
in relation to broader international trends in history painting
in the mid-nineteenth century will result in expanding understanding of how artists at North America’s most venerable art
school negotiated and visualized national identity during the
period of territorial conlict between the United States and
Mexico known as the Mexican-American War (1846-1848) or
the primera intervención estadounidense en México.
Rothermel’s series of scenes of the Spanish conquest was
begun after a prominent art connoisseur saw Columbus before
the Queen in an exhibition organized by Rothermel at pafa,
and subsequently commissioned a painting of similar size
and subject matter. Sartain’s Union Magazine wrote of the
commission in 1852,
In this period the Academy was the focal point of Philadelphia’s cultural life and a major force on the American art
scene. Although New York City was emerging as a leader in
the American art world, the nation’s irst capital city was still
known as the Athens of America. As Ray Hernandez-Duran
has recently shown, in the 1840s and 50s a similar cultural
renaissance in Mexico emerged around the Academy San Carlos
in Mexico City.1 My larger project aims to bring the nationalistic
history paintings of American and Mexican artists together to
examine how the same subjects—most especially the territorial
Conquest of New Spain—was employed by academic artists
in each nation to explore very different national interests and
imperial desires. It is my hope this study will further contextualize the oeuvre of Rothermel in relation to the broader body
of work of nineteenth-century history painting in the Americas.
The series of large scale history paintings I am examining begins
with Rothermel’s Columbus before the Queen (1842). This
painting was probably inluenced by a combination of popular
literary inluences including William H. Prescott’s irst book
on the history of Spain, History of the Reign of Ferdinand
and Isabella (1837), and Washington Irving’s History of the
Life and Voyages of Christopher Columbus (1828). Each of
these histories portrays Isabella as a Christian missionary
and Columbus as her able knight. This was a popular subject
for both American and Mexican academic painters at the
time; contemporaneous paintings include Emanuel Leutze’s
Columbus Before the Queen (1843),exhibited at pafa in 1848,
and Juan Cordero’s Columbus before the Catholic Sovereigns,
194
195
Professor Mapes, who has done so much to encourage
art and artists in the country, saw while on a visit to
Philadelphia, the picture of ‘Columbus before the
Queen;’ and being struck with some of its points, left
with a friend an order for Rothermel to paint one of
the same size, suffering the artist to choose the subject;
and adding, that is, when inished, any one fancied it,
the artist should sell the picture, and paint another
instead. At that time Prescott’s work on ‘The Conquest
of Mexico’ was making a great noise, and furnished a
number of good subjects. Rothermel selected ‘Cortez
haranguing his Troops, within sight of the Valley of
Mexico,’ and painted, as he says, ‘a very fair picture.’
It was much more, however, than ‘very fair,’—being a
glorious composition, remarkable for its vigor, force,
and combination of ine tone with richness of colour.
It attracted the attention of a liberal patron of the
arts, Warrington Gillette, of New York, but at that
time a resident of Baltimore, who gave Rothermel
without hesitation the price he demanded, and thus
an invaluable addition to his own collection. Professor
Mapes, saw the picture, liked it so much, that he ordered
its substitute to be founded on a similar subject,—‘The
Surrender of Guatemozon.’ This, which was also an
admirable specimen of drawing and colouring, was duly
executed and delivered. These paintings attracted such
admiration, that several more, on similar themes, were
ordered. One of these ‘Noche Triste; or, The Morning
of the Retreat on the Causeway,’—was for Mr. Binney,
Making History in American Art Academies 1781-1893
/ Anna O. Marley
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
With this visual overview of Rothermel’s views of the
conquest as background, now I ask, and partially answer, a
series of questions about the paintings. To begin with, how
does Rothermel’s vision of the conquest differ from native,
mestizo, creole, Spanish, Mexican, and other American and
European artist’s visions? Do Rothermel’s paintings relect
Prescott’s narrative—which tended to present Spanish history
as the antithesis of that of the United States? Why was this
subject matter so popular in the United States in the 1840s?
How do these depictions of the Spanish conquest painted in
the 1840s in Philadelphia differ from centuries of depictions
of the conquest completed in New Spain and Mexico? How
do landscapes of possession igure differently in paintings
of the conquest over different time periods and cultures?
And inally—a larger question that this paper only begins to
address—what intellectual understanding will be gained by a
comparison of American and Mexican visions of the conquest?
of Boston; another,—‘Cortez Burning his Fleet,’—for
James Robb, of New Orleans; a third,—‘Launch of the
Brigantines,’ – for J.B.H. Latrobe, of Baltimore, son of
the architect of the Capitol; and a fourth,—the subject
unknown to me,—which is not in the possession of the
artist’s cousin, Samuel H. Rothermel, of Philadelphia.3
The paintings mentioned above include Cortés’s First View
of Mexico, 1844 (NY Historical Society).This was the irst
in a series of ive paintings depicting the adventures of
Cortez, including Surrender of Guatemozin (1845) (Current
location unknown, Kennedy Galleries in 1995), Cortés before
Tenochtitlan [Cortés’s Invasion of Mexico] (1846) (Lowe Art
Museum, University of Miami), Cortés Burning His Ships before
Marching on Mexico (1846) (destroyed), and Cortés Launch
of the Brigantines “Noche Triste” (1848) (location unknown).
In addition to paintings of Cortés, Rothermel also exhibited
the Embarkation of Columbus (1844) (location unknown) and
two of another Spanish explorer: irst, De Soto Discovering
the Mississippi River (1843) (St. Bonaventure University Art
Collection); second, De Soto Raising the Cross on the Banks of
the Mississippi (1851) (pafa), evidently inished with his Cortés
cycle.
In 1844, a reviewer noted that Rothermel’s paintings of the
conquest “have a penchant for the heroic age of our western
world—for we have had our age of chivalry as well as Europe.
Columbus and Cortés and Soto, Rothermel’s favorites, were
all belted knights in their time—and knights errant too, for
they wandered further in quest of adventures than even
the Crusaders.”4 The paintings are decidedly romantic, in
keeping with Prescott’s approach to history, which Prescott
acknowledged as romantic and widely accessible.5 Rothermel
was an admirer of the great French Romantic painter Eugene
Delacroix (1798-1863) as well as Baroque painter Peter Paul
Rubens (1577-1640) and one can see the inluences of both
masters in his romantic and high toned color approach to
landscape and in the igures in his history paintings.
196
197
Before turning to Rothermel’s paintings in the context of the
United States in the 1840s it is important to understand how
different they were from earlier Spanish Colonial images of the
same subject. Mestizo and indigenous views of the conquest
were created in the sixteenth century exist, most famously in
the Florentine codex (1555-79). On the other hand, Spanish
and Creole depictions of the conquest do not really begin until
the late seventeenth century in the form of enconchados—oil
on board paintings with inlayed mother of pearl. This series is
in the Museo de Americas in Madrid (1698)—commissioned
for the vice regal palace in Mexico and then brought back to
Spain. The enconchados were made following the publication
of Antonio de Solis y Rivadeneyra’s Historia de la conquista
de Mexico (1684)—an elegiac response to the protestant black
legend of the sixteenth and early seventeenth century. In enconchados and biombos—Asian inspired folding screen paintings—
the death of Moctezuma is attributed to the hands of native
insurrectionists, not to the Spanish as it is in indigenous images.
The biombo of the conquest in the Museo Franz Mayor (ca.
1690) depicts the chaotic conquest on one side and the orderly
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Tension over religion and immigration boiled over in Philadelphia in the major anti-Catholic riots of 1844, the same year
Rothermel painted Cortés’s First View of Mexico. The Philadelphia Nativist Riots took place from May 6 to 8 and July 6
to 7, 1844, in Philadelphia and its suburbs. The riots were a
result of rising anti-Catholic sentiment aimed at the growing
population of Irish Catholic immigrants. These social conlicts
did not go unnoticed in the art world. An 1845 review of
Rothermel’s showing of The Surrender of Guatemozin at the
National Academy of Design in New York City referred to the
painting as being painted “by one of the most promising artists
of the mob city”.8 Prescott’s narrative, while romanticizing the
conquest, was also decidedly anti-Catholic, and so as much a
part of the spirit of the times as the nativist riots. At the same
time as these local tensions were taking over Philadelphia, the
United States was becoming embroiled in conlict with neighboring Mexico, leading up to the Mexican-American War
of 1846-48. In these years Rothermel painted Cortés before
Tenochtitlan [Cortés’s Invasion of Mexico], Cortés Burning
His Ships before Marching on Mexico, and Cortés. Launch of
the Brigantines“Noche Triste.”
vice regal city of the seventeenth century on the other.6 Barbara
Mundy argues that this biombo displays a unique interplay
of artwork and collective memory, reinforcing the idea of
viewing contemporary Mexico City through a colonial history
of celebrated conquest.7 In all of these representations of the
conquest, the built environment of Mexico City plays a central
role, as it does in the paintings of nineteenth-century American
history painters. However, these examples suggest that mestizo,
indigenous, creole, and Spanish views from the sixteenth to
early-eighteenth century differ from later nineteenth century
academic paintings of the conquest both in Mexico and the
US because of their differing audiences and contexts. For the
former, the audience was scholars, vice regal rulers, or colonial
elites with the displays in libraries, palaces, and elite Mexico
City interiors; for the latter, the audience was the general public,
with the displays in public art exhibitions.
Returning to our case study in nineteenth-century Philadelphia,
Rothermel’s paintings were not made exclusively for a private
domestic context—though they often were commissioned by
private individuals residing in Baltimore, Philadelphia, New
York, and Boston. Rather, following on from the previous
paragraph, they were primarily intended for display in the public
art exhibitions of Philadelphia and New York City. How does
this differ from these earlier visions of the conquest? Just as
Spanish colonial scholars Mundy and Terraciano have studied
the audiences for the Spanish colonial works illustrated above,
in order to understand Rothermel’s paintings one must also
understand their intended audiences. Rothermel was not only
a leading academician at pafa, but his patrons included leading
Republican and Whig elites in Philadelphia and other east coast
locations. Also, in 1862, the artist and his patrons were among
the founding members of the exclusive Republican Union
League Club of Philadelphia. This bastion of conservatism was
created following a time of great turmoil in Philadelphia, a time
when Rothermel’s paintings of the Spanish conquest were at
their height of popularity.
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199
Rothermel’s view of Cortés seems to have shifted between 1844
and 1846. What seems to be romantic and celebratory in 1844
is brooding and destructive by 1846. In particular, smoke and
lurid lames progressively dominate the canvases. Rothermel
also seems to be moving farther away from an exclusive focus
on igures to the inclusion of landscape as an expressive element
of the composition. It is dificult to know how Rothermel felt
about American imperialism and territorial expansionism
from looking at these paintings. Is Cortés the gallant leader
haranguing his troops or the melancholic leader looking out
over a sunset the color of blood setting over the city of Tenochtitlan? How was Rothermel affected by the anti-Catholic riots
and ires in his own city, as well as by newspaper reports of
major conlicts along the Mexican American border? These
paintings are certainly more nuanced and confusing than
contemporaneous popular topographic military depictions of
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with Prescott’s original intent, as well as aligned with the views
of the artist’s elite east coast patrons. Leutze, on the other hand,
seems to have more in common with the mestizo images from the
Florentine Codex than with romantic visions of the progress of
civilization.
the contested landscape of Mexico made during the Mexican
American war. For example a print of the 1846 battle of Buena
Vista takes a military topographic approach to the landscape,
which is seen from a bird’s eye view. The Mexican landscape
forms a backdrop to the impressive military prowess of the
United States in the foreground, all is controlled and mapped.
In his contemporaneous canvases it is hard to know whether
Rothermel expects the viewer to identify with Cortés, or to see
him as a decadent Catholic conquistador. His paintings are also
nuanced enough to suggest that, by 1846, Rothermel may have
been, like many Americans, dismayed by the bloodshed of the
Mexican American war. At this stage, and perhaps to further
muddy the proverbial waters, it is appropriate to bring into the
discussion the work of Rothermel’s fellow American history
painter Emanuel Leutze.
Leutze’s The Storming of the Teocalli by Cortez and His Troops,
1848, was commissioned in 1846 for Boston scientist Amos Binney.
Binney was a friend of William H. Prescott, and both men were
members of the Boston Athenaeum, one of the United States
oldest membership libraries, founded in 1807.9 As mentioned
above, Binney had commissioned one of Rothermel’s Cortés
paintings, namely Noche Triste; or, The Morning of the Retreat
on the Causeway (1848, location unknown); and it is tempting to
surmise that Binney meant the Leutze and Rothermel paintings
to hang together. Leutze’s painting depicts the irst, failed battle
the Spaniards waged against the Aztecs for the teocalli.10 Based on
these paintings, it is productive to discuss whether Rothermel or
Leutze best embodied Prescott’s view of the conquest. Prescott
described Cortés and his men as “gallant cavaliers,” attributed the
strength of brute force to the Aztecs, and the skill of “superior
science” to the Spaniards.11 No one really comes off well in
Leutze’s painting; both the Spanish and Aztecs seem bloodthirsty
and cruel. Was this really aligned with Prescott’s view of things?
As William Truettner argues, “Prescott’s volumes had presented
the founding of the Americas as a irst step toward New World
civilization…”12 It seems that Rothermel’s less violent depictions
of events in The Conquest of Mexico were perhaps more in line
Jochen Wierich argues that the Leutze painting “revealed the
problems that romantic history painters faced in giving manifest
destiny a concrete pictorial form, and in convincing their
audience that the history of the United States was guided by
divine providence.”13 Other contemporary American painters,
such as Richard Caton Woodville, avoided the problematic of
images of the Spanish conquest in the aftermath of the MexicanAmerican war by creating genre scenes that verged on history
paintings. The landscape of Mexico is completely effaced by an
American domestic interior and “American” hotel. The problem
of embodying a positive image for Western manifest destiny in the
igure of Cortés may be why Rothermel eventually returned to De
Soto as his Spanish colonial hero. Indeed, Cortés was most often
left out of oficial US history paintings, most probably because he
could too easily be associated with the protestant Black Legend of
Spanish cruelty. Also, in the aftermath of the Mexican American
war, perhaps the Mississippi subject matter was more in keeping
with popular taste than the bloody conquest of Mexico City.
200
201
Rothermel’s De Soto Raising the Cross (1851) depicts what was
believed at the time to be the irst Christian religious service in
America. When Rothermel painted his second and more successful
version of the subject, De Soto was a popular igure in Philadelphia. In 1852 the play The Tragedy of de Soto was presented
at Philadelphia’s Chestnut Street Theatre with scenery paintings
by Rothermel’s fellow pafa exhibitor Russell Smith.14 Also in
1852, when Rothermel’s painting Patrick Henry in the House
of Burgesses was exhibited in the Rotunda of the US Capitol,
“twenty Philadelphia artists, including Thomas Sully, Rembrandt
Peale, John Neagle, J.R. Lambdin, John Sartain, William Trost
Richards, Samuel Waugh and Christian Schuessele, petitioned
Congress to commission Rothermel to produce a national work.”15
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compare it to the program of the US Capitol murals in the 1830s
and 40s, which were visual embodiments of the national founding
myths of the United States. A comparison between Rothermel’s
Landing of the Pilgrims and Robert Walter Weir’s The Embarkation of the Pilgrims at Delft Havenm Holland, July 22nd,
1620(painted from 1837-43) reveals that though Weir chose to
focus on igures, Rothermel continued his use of landscape to
capture the emotional impact of the historic moment.17
The U.S. Capitol history painting project had been in process from
the 1820s and continued through the early 1850s. I believe that the
Cortés series, and then the return to the subject of De Soto, was
an attempt on the part of Rothermel, his patrons, and the Philadelphia art community in general, to have one of Rothermel’s
paintings selected for the US Capitol project. William Henry
Powell was painting his Discovery of the Mississippi by De Soto,
A.D. 1541, from 1848-55. Could Rothermel, who undoubtedly
knew that congress was at the time looking for a Western subject,
have painted his composition in competition?16
In progressing from Cortés to De Soto to the Pilgrims, Rothermel
moved further and further away from the themes of the Spanish
conquest with which I began this paper. It makes sense that
this is so, given the conditions in contemporary Philadelphia,
which by the 1850s was beginning to feel the impending pangs
of sectionalism which were to erupt in the US Civil War. In
transitioning from Mexico to the Mississippi to New England,
Rothermel’s paintings offer us a map of American geopolitics in
the 1840s and 50s, from excitement about territorial conquest to
the south, to anxieties about the spread of slavery to the new lands
annexed from Mexico, to a retreat and idealization of the founders
of New England. In all these themes, Rothermel was aligned with
Republican concerns in Philadelphia.
Landscape has more of a role in this painting than in any of
Rothermel’s other images of Spanish conquest and discovery. The
entire foreground is given over to pliable clay of the Mississippi
river banks. Both the cross and the kneeling natives in the right
foreground seem to be emerging out of the earth. The cross gives
the appearance of having been hewn from a tree, unlike the cross in
Powell’s version which includes what appears to be an applied ivory
cruciied Christ. The cross is being planted in the soil becoming as
much a part of the American soil as the native igures. Visually, this
is undoubtedly the most accomplished painting of Rothermel’s
conquest series. In focusing on the American landscape rather than
architecture or igures to convey the dramatic emotional narrative
of conquest, Rothermel has created his masterpiece. At a time
when manifest destiny was being bandied about as the term du
jour in United States politics, what better image than the planting
of a Christian cross in the soil of a great western river to suggest
the divine destiny of America to push westward. According to
Prescott, in this vision of the conquest the goal is the spread of
Christianity across the wilderness of America, rather than those
of Cortés, the gold loving Spaniard.
Rothermel employs this format again with his Landing of the
Pilgrims (1854) (Lafayette College); here, American religion and
American landscape are paired to create a successful history
painting. The landscape dominates the foreground of snow and
storm tossed waves. Landing of the Pilgrims is not part of the
Spanish Conquest series, but is related, especially when you
In conclusion, Rothermel’s views of the Spanish conquest say more
about Philadelphia in the 1840s than they do about the sixteenth
century conquest. But that is always the case with history painting.
In capturing a moment in history, the artist almost always tells us
more about his own time than the one he aims to portray. Thus,
from Rothermel’s paintings of Cortés and De Soto, we may be
able to learn more about the territorial conquest of the Mexican
American war and anxieties over immigration and slavery, than
we can about the conquest of Mexico by Spain. It remains to be
seen what a similar comparative study of Brazilian and Mexican
paintings of the same period will reveal
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Making History in American Art Academies 1781-1893
/ Anna O. Marley
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Notas:
11
Ibid., 68.
12
Ibid., 70.
13
Jochen Wierichm,Grand Themes: Emanuel Leutze, Washington crossing
the Delaware, and American History Painting (University Park: Pennsylvania State
University Press, 2012), 51.
14
Thistlethwaite,Painting in the Grand Manner, 51.
15
Ibid., 16.
16
For more on the US Capitol Commissions see Ann Uhry Abrams, “National
Paintings and American Character: Historical Murals in the Capitol’s Rotunda” in
William Ayers, , Ed. Picturing History: American Painting 1770-1930.(New York: Rizzoli,
1993), 65-79.
1
Ray Hernández-Durán, “Modern Museum Practice in Nineteenth-Century
Mexico: The Academy of San Carlos and la antigua escuela Mexicana”, www.19thc
-artworldwide.org Volume 9, Issue 1 Spring 2010.
17
In an 1835 review of this painting the Puritan emigrants were set up in direct
contrast to the “tumult of the Irish mob, sweeping through the streets” of Boston,
which reminds one of the anti-catholic sentiments in Philadelphia in the 1840s.Jacob
Abbott, New England and Her Institutions by One of Her Sons (The American Popular
Library: Boston, 1835), 245- 46.
2
For further study, examine PAFA annual exhibition records for both artists, and
ind more reviews of Rothermel and Leutze’s paintings of the conquest in Philadelphia.
Mark Thistlethwaite notes that Rothermel and Leutze were both studying in Philadelphia at the same time and may have been in John Rubens Smith’s drawing class
together. Mark Thistlethwaite,Painting in the Grand Manner: the Art of Peter Frederick
Rothermel (1812-1895). (Chadds Ford, PA: Brandywine River Museum, 1995), 13.
3
Thomas Dunn English, “Peter F. Rothermel,” Sartain’s Union Magazine of
Literature and Art 10 (January 1852): 15.
4
277.
An Amateur, “Visits to the Painters,” Godey’s Lady’s Book 29 (December 1844):
5
Richard Kagan, “Prescott’s paradigm: a new look at a Bostonian’s image of
sixteenth-century Spain” in The Word Made Image: Religion, Art, and Architecture in
Spain and Spanish America, 1500-1600. (Boston: Isabella Stewart Gardner Museum,
1998), 16.
6
For a discussion of all of these representations of the conquest see Kevin
Terraciano “Competing Memories of the Conquest of Mexico” in Ilona Katzew,
Contested Visions in the Spanish Colonial World. (New Haven and London: Los
Angeles County Museum of Art and Yale University Press, 2012), 55-77.
7
See Barbara E. Mundy, “Moteuczoma Reborn: Biombo Paintings and Collective
Memory in Colonial Mexico City” Winterthur Portfolio, Vol. 45, No. 2/3 (Summer/
Autumn 2011), 161-176.
8
“The National Academy,” Broadway Journal, May 17, 1845, p.307.
9
William H Truettner, “Storming the Teocalli—Again: Or, Further thoughts on
Reading History Paintings.” American Art. Vol 9. No 3 (Autumn 1995), 59.
10
Ibid., 67.
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Anna O. Marley, Ph.D.
Curator of Historical American Art, Pennsylvania
Academy of the Fine Arts
Modelled on Sound:
Visual Art
Criticism in
La Gaceta Musical
(Buenos Aires,
1878-1879)
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Laurens Dhaenens
Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical
(Buenos Aires, 1878-1879)
/ Laurens Dhaenens
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
the product of the composers Arthur Napoleão (1843-1925)
and Leopoldo Américo Miguez (1850-1902). They were the
founders of Casa Arthur Napoleão & Miguez that published
scores and organised concerts.4 In Chile, the driving force
behind the magazine Las Bellas Artes (1869) was Juan Jacobo
Thompson (s.d.), the vice-president of the music association
Sociedad Orfeón.5 Buenos Aires, by contrast, witnessed in 1878
the creation of the publication El Arte en el Plata, an ‘artistic
and literary magazine’. However, due to inancial dificulties it
ceases to exist after the irst issue6 and for at least two years, La
Gaceta Musical was the magazine of the ine arts.7
It can be said that the ine arts arrived in South America in
the nineteenth century on the rhythm of the performative arts.
More than painting and sculpture, the ield of opera and theatre
shaped the incipient ine arts activities in urban centres after
the wave of independence. Buenos Aires and Rio de Janeiro
in particular became signiicant international destinations
for performances. On a smaller scale, this also holds true for
Santiago de Chile.1 The prevalence of this ield challenges our
understanding of how the concept of ‘Bellas Artes’ was used
in certain contexts at the time. In one of the irst texts on the
ine arts in Chili, Pedro Lira begins his exposé with a warning:
“Trazar la historia de las bellas artes en Chile, hé aquí el objeto
de nuestro artículo. Pero ante todo advertiremos que, al tratar
de las bellas artes, no comprendemos la música, sino la arquitectura, la escultura i la pintura.”2 From Lira’s perspective,
it was necessary to deine the term. Four years later the irst
magazine that explicitly dedicated itself to the ine arts in Chile
appeared under the title of Las Bellas Artes. Yet, in the second
issue, the editorial states that “[p]or ser la música el arte más
simpático, i en cierta manera, el patrimonio de todos, le damos
la preferencia.”3
It is no surprise that a quantitative analysis of the contributions
about the visual art criticism in these magazines displays an
imbalance in favour of music. In La Gaceta Musical, there are
only six articles on painting and sculpture in 1878, seven in
1879, none in 1880 and 1881 and three in 1882. This stands in
sharp contrast with the 202 editorials that deal almost exclusively with the performative arts in 1878 for instance. In the
magazines Las Bellas Artes and Revista Musical the ratio
between texts on ‘music’ and the visual arts is in general less
unbalanced mainly because of the activity of the national
academies. The annual exhibitions in particular generated
a peak in art critical writing. However, in 1880 the Brazilian
magazine did not report on any topic related to the visual arts
for nineteen issues because ‘there was nothing worth writing
about’.8 The Chilean magazine is more consistent as it includes
besides texts on local exhibitions and artists, numerous translations and republications, such as the translation of Hippolyte
Taine’s Philosophie de l’art9 and a series of artist biographies
originally published in Revista Barcelonesa and in José Muñoz
Maldonado’s book Los pintores de antaño.10
Although early practices of visual art criticism in the Southern
Cone were strongly embedded in the dynamics of the literary
ield, a mapping of the irst magazines with a focus on the ine
arts in Argentina, Brazil and Chile shows the importance of the
performative arts. The Brazilian Revista Musical (1879), that
from its third issue added to its name ‘e de Bellas Artes’, was
Each of these magazines deined and redeined its own
prospects in relation to the particular social, political and
cultural situation in the country. Their primary ambitions
were the same: to represent the ine arts, educate the people,
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Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical
(Buenos Aires, 1878-1879)
/ Laurens Dhaenens
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
stimulate national culture and, in so doing, to ‘civilize’ the
nation. The editorial statements of El Arte en el Plata and
Las Bellas Artes phrase these objectives in positivistic terms,
placing the development of the arts and society in a dialectic
relation with European (art) history.11 The Revista Musical e
de Bellas Artes also draws on an evolutionary paradigm when
it exclaims that “[o]s paizes, ainda mesmo os mais atrazados
neste ramo de conhecimentos, têm um ou mais órgãos especiaes
que sé occupão da arte, já cuidando no seu progresso e desenvolvimento, já registrando os commettimentos artísticos dos
seus ilhos [...]”.12 In this way, the very act of founding these
magazines was a performative statement in itself.
interviews, reviews and so on. Genette speaks of:
[...] an ‘undeined zone’ between the inside and the outside,
a zone without any hard and fast boundary on either the
inward side (turned toward the text) or the outward side
(turned toward the world’s discourse about the text), an edge,
or, as Philippe Lejeune puts it, ‘a fringe of the printed text
which in reality controls one’s whole reading of the text.’
Indeed, this fringe, always the conveyor of a commentary
that is authorial or more or less legitimated by the author,
constitutes a zone between text and off-text, a zone not only
of transition but also of transaction: a privileged place of
a pragmatics and a strategy, of an inluence on the public,
an inluence that–whether well or poorly understood and
achieved–is at the service of a better reception for the text
and a more pertinent reading of it [...].13
The exact signiication of this statement for the visual arts
unlocks a myriad of issues, ranging from the formation of
art criticism, to the circulation of knowledge, the creation of
imaginative art galleries and the representation of national art.
The present chapter addresses some of these issues, studying
the discourse on the visual arts in relationship to the context of
the magazines. In particular it looks at La Gaceta Musical and
its collaboration with the Sociedad Estímulo de Bellas Artes.
This approach might seem common but in an age of growing
digitalization, magazines are less and less studied in its entirety
than scanned for speciic information. From this perspective,
the present paper unravels the magazine’s discourse, opening
up the space in between texts, where the questions about the
development of art criticism, imaginative galleries and national
art receive another dimension, in that they show the practice
of visual art criticism embedded in a broader ield of cultural
criticism and in an implicit or explicit relection on the kinship
of the arts.
Translating the concept to the study of poetry in Victorian
periodicals, Kathryn Ledbetter describes the paratext as the
constellation of elements such as “editorial opinions, letters to
the editor, advertising, adjacent feature articles, other authors
and their previous contributions, and reportage of news
events.”14 In the case study analysed in the present chapter, the
constellation is dominated by the ield of music. Therefore, the
question this study poses is how in the particular context of La
Gaceta Musical visual art criticism sounded.
La Gaceta Musical and The Musicalization of The Visual Arts
In the irst issue of 1878, the editor of La Gaceta Musical, Julio
Nuñez, announces a collaboration with the ine art association
Sociedad Estímulo de Bellas Artes, expressing the magazine’s
ambition to become “el órgano en la prensa argentina de todas
las bellas artes”.15 Simultaneously, the platform changed its
proile from a ‘semanario ilustrado de música, literatura y
modas’ into a ‘semanario ilustrado de música y bellas artes’.
One year later, in the editorial of the irst issue of 1879, Nuñez
The study builds upon the concept of paratext developed
by Gérard Genette. The notion of ‘paratext’ refers to those
elements that extend the signiicance of a text beyond the
text such as titles, subtitles, introductory quotes, names of
authors and publishers, forewords, epigraphs, press releases,
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Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical
(Buenos Aires, 1878-1879)
/ Laurens Dhaenens
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
reafirmed this new course, describing the magazine as “el
único órgano de las bellas artes”.16 The collaboration with the
Sociedad Estímulo de Bellas Artes materialized in a more or
less regular publication of a ine arts section.17 For at least
two years, this column was a medium to communicate and
comment on the accomplishments of the Sociedad and artistic
activities in general.
last issue of 1877–the issue before the magazine and the art
association initiated their collaboration. Under the title of
“Una omisión censurada”, an anonymous author critically
comments upon a lecture pronounced by a representative of the
Sociedad Estímulo de Bellas Artes, Esteves Sagui, at an event
honouring the participants of the International Exhibition of
Independence in Philadelphia. According to the author, Esteves
had failed to capture the full importance of the ine arts in
society because he had not considered the signiicance of the
art of music, “la mas bella entre las bellas artes”.20 Esteves is
reproached for restricting his lecture to the visual arts. As the
title indicates, the author regards this approach as a type of
censorship by omission: Esteves was only thinking of his own
interests and those of the Sociedad. Quoting authorities such
as Homer, Hermes, Pythagoras and Salinas on the importance
of music, the message of the text ‘Una omisión censurada’ is
clear: the superiority of music was beyond doubt.21
At irst sight, there is nothing remarkable about the alliance.
The Gaceta Musical offered a column to an association that
had just seen its own publication project fail and as a result
broadened its own artistic scope. It continued privileging
music but from that moment on, it also claimed the ine arts in
general; a programmatic direction that was not veiled. In the
masthead of the magazine, the putti kept on playing musical
instruments until they were replaced by a more abstract
decorative emblem with harps.18 From the perspective of the
Sociedad Estímulo de Bellas Artes, the collaboration was
most probably seen as a temporary solution, until there were
suficient funds to continue the short lived El arte en el Plata.
The substantial resemblances between the one and only issue
of this magazine and La Ilustración Argentina that saw the
light in 1881, that has been highlighted by various scholars,
supports this presumption.19
The magazine subtly rearticulated this view when it announced
the collaboration with the Sociedad in the irst issue of 1878,
in the sense that the correspondence between Nuñez and Vaca
Guzman shares the page with a correspondence that conirms
a partnership with the music association La Sociedad del
Cuarteto and, more signiicantly, an article titled “Los músicos
argentinos”. The latter had originally been published in the
newspaper La Tribuna and approaches the development of the
ine arts in society as a mirror of moral progress. Grounding the
argumentation on Hegel’s philosophy, it proposes a hierarchy
that located architecture in the lowest rang and music in the
highest:
A paratextual reading of the discourse on the visual arts in La
Gaceta Musical complicates this image. The integration of a
new section yielded more than a new proile for the magazine
and a (temporary) platform for the art association. It generated
a space of interaction and debate between the artistic ields,
presenting different perspectives on the identity and kinship
of the ine arts. The inter-artistic discourse took shape within
and between the contributions; it surfaces in the text and the
paratext as the product of individual thoughts but also of the
invisible hand of the editor(s), composing the pages.
“Efectivamente, aunque la pintura añade a las formas los
diversos aspectos de la apariencia visible, las ilusiones de la
perspectiva, el color, la luz y las sombras, y puede reproducir
sobre el lienzo los sentimientos más profundos del alma
humana, lo que la música espresa, es el alma misma, en lo que
tiene de más íntimo, y esto por medio de un fenómeno sensible,
The starting point for this study is an article published in the
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(Buenos Aires, 1878-1879)
/ Laurens Dhaenens
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instantáneo, impalpable. Para nosotros las artes supremas son
la música y la poesía, que tiene a su servicio el ritmo de la
palabra humana.”22
testiied to the artistic potential of the nation. If the former
constituted the basis of a “música esencialmente americana”,
the latter would do the same for the visual art.26
This article is no exception. The magazine conirms the
hegemonic position of music throughout its issues. The irst
editorial of the magazine emphasises music as the most
inluential art form in society. It was “la primera y la última
palabra de las pasiones”.23 In essays such as “La ópera”, music
is presented as the universal language of human sentiment
and passion by nature: “[..] sus espresiones van directamente
al corazon, sin pasar, digamos así, por el espíritu [...].”24 The
same rhetoric returns extensively in the article “La Música,
apreciaciones de un crítico acerca del bello arte de los sonidos”
that explores the sisterhood of music and poetry, privileging
the latter because of its affective impact: “La música es más
incisiva, más intuitiva, más universal. No hay corazon humano
rebelde a las sensaciones agradables que producen las combinaciones de las siete notas.”25
That same year, Vaca Guzman published three more articles,
respectively on the academy of the art association, sculpture in
Argentina and the practice of painting.27 The musical element
disappears from his discourse that now focuses on the accomplishments of the Sociedad and its members. Progress and
modernity are the key concepts. Vaca Guzman presents the
foundation of the private academy of the Sociedad as “[...]
el mas grande acontecimiento artístico ocurido en nuestros
últimos tiempos [...]”.28 He lauds incipient sculptural practices
in Argentina, discussing El Pampa of Correa Morales.29 In
regards to Argentine painting, the activity of young artists
forms the beginning of an ‘American art’ that unlike modern
artistic movements in Europe does not follow the tendency
towards specialization. In Latin America, a history painter
could also be a painter of landscapes, seascapes and portraits.
Vaca Guzman mentions Eduardo Sívori, Alfredo Paris, Marco
del Pont and ‘other members of the Academy’ as artists who
have a “[...] gran facilidad para las obras de largo aliento [...]”.30
Santiago Vaca Guzman was aware of the aesthetic ideology of
the magazine. In his irst contribution “Sentimiento estético”,
he introduces the Sociedad Estímulo de Bellas Artes via an
evolutionary map that unites the performative arts and the
visual arts–as it were formulating an answer to the earlier
criticism of “Una omisión censurada”. In general terms, Vaca
Guzman advocated a more neutral relationship between the
arts, emphasizing the notion of aesthetic sentiment that unites
the arts, and situating the different arts’ historical origins in
the same modern cultural movements of eighteenth-century
France, where a new ield of scientiic, artistic and literary
associations emerged. He illustrates his point of view with
musical references such as the irst (partial) performance of
Gluck’s opera Orphée and Eurydice in the salon of Abbé
Morellet. Turning to Buenos Aires, he identiies a similar
movement in the foundation of the Sociedad del Cuarteto
and the Sociedad Estímulo de Bellas Artes. Both associations
The magazine however failed to integrate Vaca Guzman’s
discourse. A paradigmatic example is the editorial announcement of the publication of an engraving that reproduces a
seascape by Alfredo Paris. Rather than a celebratory message,
it is an apology, explaining how the initial objective was to
include a photoengraving of the music instruments exhibition
at the Universal Exhibition in Paris. Due to inancial dificulties,
this project had been suspended. The article informs that there
were still negotiations with photographers in Paris but to keep
the readers from waiting for ‘the gift’, it had chosen to collaborate with an artist. For more details about the painting, the
editorial refers to the Bellas Artes section, authored by Vaca
Guzman.
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(Buenos Aires, 1878-1879)
/ Laurens Dhaenens
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
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Santiago Vaca Guzman comments upon the work. He positions
it as an example of the incipient art movement, highlighting
the importance of reproducing and disseminating art works
but also lamenting the absence of an illustrated magazine:
the opening of a small-scale exhibition organized in the music
store of Hartmann, co-founder of the Sociedad del Cuarteto.
Seemigly futile, the brief text that goes unsigned nonetheless
stands out because it encompasses the ield of music, painting
and to a lesser extent architecture. The art works on display were
two photographic reproductions of paintings by Ferdinand
Keller, representing scenes of Wagner’s Tannhäuser and
Meyerbeer’s Le Prophète. The text gives a brief description
of the image of Meyerbeer’s opera and praises the art works
whose original location was the vestibule of the Munich Opera
House. Le Prophète was programmed in the Colon Theatre in
the same month. Numerous comments preceded and accompanied the performance, including the Bellas Artes note,
whose real subject is not (just) the paintings but the opera.
This is accomplished by discussing the art works mainly in
function of the musical content even if their artistic quality is
not really denied: “Recomendamos a los aicionados ir a ver
estas fotografías, pues a más del interés que ofrece el asunto
que representan, son, como hemos dicho antes, verdaderas
obras de arte.”33 What is meant by ‘true art works’ is however
not speciied.34
[...] sentimos que la falta de una publicación ilustrada en el
país, prive a los aicionados é intelijentes de poder conocer
con frecuencia sus bellas obras. Es posible que más tarde el
progreso artístico venga a llenar esta necesidad, estimulando
así a los jóvenes de talento y creando reputaciones que el
sentimiento estético reclama para evidenciar el alto grado
de nuestra cultura social.31
Juxtaposed to the editorial, Vaca Guzman’s critical comment
becomes self-relective. Addressing the absence of an illustrative magazine, he questions the approach of La Gaceta
Musical from within the magazine.
At this point, the Gaceta’s objective of being “el órgano en
la prensa argentina de todas las bellas artes” seems far away.
The visual arts appear in a peripheral position. The reproduction was a temporary solution, deviating from their original
intentions. This also returns is in the announcements. Rarely
does the magazine announce an exhibition. Moreover, when
there are concerts organized at the same venues of exhibitions,
the musical event is publicized while the exhibition is but
briely mentioned.32 However, the relationship between the
magazine and the visual arts complicates when studying the
Bellas Artes sections. As a general rule, it can be stated that the
column stands isolated. Vaca Guzman’s words did not resonate
outside the boundaries of the section. There are exceptions:
anonymous texts published in the same section that deal
with both the performative and the visual arts. In these short
relections or informative notes, the nature of the perspective
of the magazine towards painting shines through.
A similar rhetoric is found in the publication of an engraving
of a painting in October 1878. As in the Hartman store
note, it concerns an artwork that as art work remains largely
unaddressed. Yet, in this case, the visual reproduction of the
work engenders a more complex word-image dialectic. The
image shows a man on a horse, walking in a wide ield with a
lock of sheep. The dominant element is not the presence of
man and animals but a sky turning dark, expressing the advent
of a storm. It is a traditional representation of the life of a
gaucho in the pampas. In contrast with the magazine’s publication of the seascape by Alfredo Paris,35 there is no information about the art work but a few references, scattered over
three issues: an announcement that speaks of an art work by
a ‘distinguished artist (October 13), an apology that informs
why the image is not included in the present number (October
In the issue of June 16 1878, the Bellas Artes section describes
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20) and the identiication of the art work as the image of Una
Borrasca (A Thunderstorm) in the retrospective section of the
inal issue of 1878 (October 27).36
a tone of Romanticist longing, the landscape and its musical
poetics appear as an essential element of a national identity.
Bringing this text and the image together, the magazine supports
a similar reading of the dramatic concert in the pampas.
Apart from these explicit clariications, it is the context of
the page that provides more information. The artwork is
surrounded by articles on the performative arts among which
one text stands out: “Una tempestad, descrita bajo el punto
de vista músico”. Published over three issues, the article “Una
tempestad” begins in the issue that announces the engraving,
is published in the one that should have included the engraving
and inally joins the image in the issue of October 27.37 It is
signed by the acronym P.M and focuses on one of the author’s
peculiarities, i.e. that if he had to choose between listening to the
most famous concert or to a thunderstorm in his homeland, he
would prefer the latter. According to the writer, a thunderstorm
is a concert of nature, a ‘musical drama’ in which natural
elements plays the instrumental score and bell towers perform
the vocals. For the author, no concert is more complete, no
opera is better attuned, no score is better written because “el
compositor de la tempestad es el Eterno [...] el autor de todas
las inspiraciones melodicas”.38 The combination of the article
and the engraving establishes a word-image relationship that
implies on the one hand a musicalization of a scene in the
pampas and on the other a visualisation of a musical interpretation of a natural phenomenon. The text projects upon the
image an audible dimension of wind, thunder and rain, while
the image connects the poetic narration with a storm in the
pampas.
This inter-artistic dynamic reinforces the idea that music is a
natural phenomenon, an art form originating from the uncontrollable forces of nature. Moreover, through the emphasis
on tradition, authenticity and the homeland, text and image
conirm each other in their expression of a national sentiment,
in spite of the different geographical horizon. The focus of the
article is the writer’s town of birth, Reus (Spain). Described in
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Notas:
artigos ás bellas-artes, se ellas não estivessem, como estão, ha alguns mezes, em
profundo lethargo. Exposições nao as tem havido e as obras d’arte isoladas que por
ahi têm apparecido, é nos estabelecimentos commerciaes que se têm exposto, em
más condições de espaço e de luz.” C.A., “Quadros,” Revista Musical E de Bellas Artes,
no. 27 (September 1880): 214.
9
The translation of Taine’s Philosophy was irst published between May 10 and
September 6, 1869 in Las Bellas Arte. That same year, it was also published as a book.
Hippolyte Taine, Filosofía Del Arte Por H. Taine, Lecciones Dadas En La Escuela de
Bellas Artes de París. Traducida Por Pedro Lira (Santiago de Chile: Imprenta Chilena,
1869).
10
There does not yet exist a thorough study of the magazine. I am currently
preparing an article on the ambitious encyclopaedic project of Las Bellas Artes that
presented a series of important artists amongst which poets, painters, sculptors and
musicians such as Bellini, Van Dyck, Ary Scheffer, Rubens, Titian, Paganini, Zurbaran,
Gounod, José Riviera, Enrique Goltzius, Pietro da Cortona, Alexandre-François
Desportes, Ricardo Wilson, Ludovico Ariosto. The most signiicant source for the
visual artists was Fabraquer’s book Los pintores de antaño, published in Barcelona. In
addition, the Biographie universelle ancienne et moderne by Michaud, the magazine
Museo de las familias (Madrid) and Revista Barcelonesa, periódico propagandor
appear as key sources.
1
For a general analysis of the ield of music, I refer to: Gerald Martin, “Literature,
Music and the Visual Arts, 1870-1930,” in A Cultural History of Latin America, ed. Leslie
Bethell (Cambridge: Cambridge University Press, 1998), 47–130.
2
Pedro Lira, “Las Bellas Artes En Chile,” Anales de La Universidad de Chile
(Santiago de Chile, April 1866), 276.
3
S.n., “Las Bellas Artes,” Las Bellas Artes (Santiago de Chile, April 1869), 14.
11
Laura Malosetti Costa has studied the positivistic perspective in the editorial
of El Arte en el Plata. Malosetti Costa, Los Primeros Modernos. Arte Y Sociedad En
Buenos Aires a Fines Del Siglo XIX, 40– 43. In the case of the magazine Las Bellas
Artes, Juan Jacobo Thompsom emphasizes the necessity to complement the
‘material’ progress of Chile with the moral development of the society. Juan Jacobo
Thompson, “Prospecto,” Las Bellas Artes 1, no. 1 (April 1869): 1–2.
4
Rosangela De Jesus Silva, “Crítica de Arte Na Imprensa Carioca Do Século
Xix:,” in III Encontro de História Da Arte - História Da Arte E Instituições Culturais:
Perspectivas Em Debate, ed. Eliana Ribeiro Ambrosio et al. (Campinas: Centro de
Historia da Arte e Arqueologia-UNICAMP, 2007), 601–9, http://www.unicamp.br/chaa/
eha/atas/2007/SILVA, Rosangela de Jesus.pdf; Alexandre Raicevich de Medeiros, “A
Revista Musical E de Bellas Artes (1879-1880) E O Panorama Musical Do Rio de Janeiro
No Fim Do Século XIX,” in Anais XVI Encontro Regional De História Da ANPUH-RIO:
Saberes e Práticas Cieníicas, ed. Beatriz Kushnir et al. (Rio de Janeiro: ANPUH-RIO,
2014), http://www.encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1400451220_
ARQUIVO_textoanpuh2014.pdf.
12
S.n, “Revista Musical,” Revista Musical, no. 1 (1879): 1. The lack of a specialized
art magazine is an issue that also returns in Juan Jacobo Thompon’s inaugural
text Prospecto: “Hasta el presente se han hecho muchas publicaciones que se han
concretado solo al cultivo de la literatura, unas pocas a tratar de ciertas ciencias i
ninguna a ser el órgano del arte en jeneral.” Thompson, “Prospecto.”
5
Luis Merino Montero, “El Surgimiento de La Sociedad Orfeón Y El Periódico
Las Bellas Artes: Su Contribución Al Desarrollo de La Actividad Musical Y de La
Creación Musical Decimonónica En Chile,” Neuma 2, no. 11 (2009): 11– 43.
13
Gérard Genette, Paratexts, Thresholds of Interpretation (Cambridge:
Cambridge University Press, 2001), 2.
6
For more information on El Arte en el Plata, see: María Isabel Baldasarre, “El
Arte En El Plata, O El Fugaz Proyecto de Una Revista de Artes Plásticas En Buenos
Aires de 1878,” in Leer Las Artes, ed. Inés Saavedra and Patricia M. Artundo (Buenos
Aires: Universidad de Buenos Aires, 2002), 23–37; Laura Malosetti Costa, Los Primeros
Modernos. Arte Y Sociedad En Buenos Aires a Fines Del Siglo XIX (Buenos Aires:
Fondo de Cultura Económica, 2001), 40– 43, 108–114.
14
Kathryn Ledbetter, Tennyson and Victorian Periodicals. Commodities in
Context (Hampshire: Ashgate, 2007), 101.
7
I would like to thank Laura Malosetti Costa for informing me about this
magazine. For a general study of the magazine, see: Anibal Enrique Cetrangolo, “La
Gaceta Musical: De Un Teatro a Otro,” La Gaceta Musical, 2011, http://www.imla.it/dvd1/
data/es/presentazione.html.
17
The section ‘Bellas Artes’ was not new but appeared only sporadically. In 1877
there are two articles published under this banner. S.n., “Bellas Artes. Dos Artistas
Sud-Americanos,” La Gaceta Musical, no. 16 (1877): 153; S.n., “Bellas Artes,” La Gaceta
Musical 20 (1877): 155.
8
In the issue of September 27, 1880, it states: “Por muito que nos tenham
distrahido os assumptos musicaes, nem por isso deixaríamos de consagrar alguns
220
221
15
Julio Nuñez, “Bellas Artes,” La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878), 3.
16
Julio Nuñez, “Un Año Mas!,” La Gaceta Musical (Buenos Aires, 1879), 2.
18
Between May 22, 1881 and May 14, 1882 there was no emblem. From May 14,
two decorative harps adorn the front page.
Modelled on Sound: Visual Art Criticism in La Gaceta Musical
(Buenos Aires, 1878-1879)
/ Laurens Dhaenens
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Bottesini in the shop window of the music store Rodriguez y Ca. The drawing was
commissioned by members of ‘Stella de Italia’. The brief text also mentions another
art work, made by Carlo Truchi but does not give any more information. La Gaceta
Musical, no. 23 (1878): 180.
19
Malosetti Costa, Los Primeros Modernos. Arte Y Sociedad En Buenos Aires a
Fines Del Siglo XIX, 162–176.
20
S.n., “Una Omisión Censurada,” La Gaceta Musical, no. 26 (1877): 202.
35
The magazine only published two engravings. The irst one appeared in the
issue of August 11 and was metioned in Vaca Guzman’s text. Vaca Guzman, “Estudios
Del Natural,” 115.
21
The author cites a wide range of writers and thinkers. The constellation and
formulation is very similar to Felipe Pedrell’s deinition of music, published in his book
Diccionario técnico de la música. It is beyond doubt that this text lies at the basis of
the article. Felipe Pedrell, Diccionario Técnico de La Música (Barcelona: Isidro Torres
Oriol, 1897), 299.
22
36
S.n., “Ecos Locales,” La Gaceta Musical 24 (1878): 187; S.n., “Ecos Locales,” La
Gaceta Musical, no. 25 (1878): 195; Julio Nuñez, “Despedida,” La Gaceta Musical, no. 26
(1878): 201.
S.n., “Notable Artículo,” La Gaceta Musical, no. 1 (1878): 10.
37
P.M., “Una Tempestad I,” La Gaceta Musical, no. 24 (1878): 186; P.M., “Una
Tempestad II,” La Gaceta Musical, no. 15 (1878): 194; P.M., “Una Tempestad III,” La
Gaceta Musical, no. 26 (1878): 202.
23
Julio Nuñez and Adolfo Van Gelderen, “La Gaceta Musical. Semanario Musical
Y Literario,” La Gaceta Musical, no. 1 (1874): n.p.
24
C. A. y A., “La Ópera,” La Gaceta Musical, no. 9 (1878): 65–66; C. A. y A., “La
Ópera,” La Gaceta Musical, no. 10 (1878): 73–74; C. A. y A., “La Ópera,” La Gaceta
Musical, no. 12 (1878): 89–90. Citation: p. 73.
38
P.M., “Una Tempestad II,” 202.
25
The author irst recognizes the relationship between poetry and music: “La
poesía y la música se ha dicho mil veces que son hermanas. En efecto, para escribir
buenos versos y para componer buenas melodias es menester estar igualmente
dominados por ese eluvio divino que es la inspiración. En su origen, en su forma, en
su esencia es indiscutible esa aserción; en la espresión diieren un tanto.” S.n., “La
Música, Apreciaciones de Un Crítico Acerca Del Bello Arte de Los Sonidos,” La Gaceta
Musical, no. 26 (1878): 202.
26
Santiago Vaca Guzman, “Sentimiento Estético,” La Gaceta Musical (Buenos
Aires, May 1878), 11.
27
Santiago Vaca Guzman, “Academia Argentina, Estudios Del Natural,” La
Gaceta Musical (Buenos Aires, 1878), 27–28; Santiago Vaca Guzman, “El Pampa,” La
Gaceta Musical, no. 10 (1878): 75; Santiago Vaca Guzman, “Estudios Del Natural,” La
Gaceta Musical, no. 15 (1878): 90.
28
Vaca Guzman, “El Pampa,” 75.
29
Vaca Guzman, “El Pampa,” 75.
30
Vaca Guzman, “Estudios Del Natural,” 90.
31
115.
S.n., “A Nuestro Favorecedores. Un Regalo,” La Gaceta Musical, no. 15 (1878):
32
For example, the exhibition of Juan Manuel Blanes at the salons of Fusoni is
mentioned but in the context of a musical event. La Gaceta Musical, no. 17 (1878): 132.
33
S.n., “Dos Fotografías,” La Gaceta Musical, no. 7 (1878): 51.
34
Another example of the relationship between the ield of music and the visual
arts is the announcement of the exposition of a portrait of the composer Giovanni
222
223
Laurens Dhaenens
PhD student and Research Fellow Flanders Research
Foundation-FWO; Catholic University of Leuven.
Ensino Artístico na
Corte Portuguesa do
Rio de Janeiro:
A escolha entre os
modelos francês
e italiano
224
225
Michela Degortes &
Maria João Neto
Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro:
A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano
/ Michela Degortes & Maria João Neto
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
O Ensino Artístico em Roma
A marcar signiicativamente o processo de estruturação da
didática artística surge a Academia Portuguesa de Belas Artes
fundada em Roma em 1791 pelo ministro plenipotenciário
Alexandre Sousa Holstein (1751-1803), calcando o exemplo da
Academia de França. A instituição, dirigida pelo crítico de arte
italiano Giovanni Gherardo De Rossi (1754-1827), cumpria com
as tendências metodológicas contemporâneas em matéria de
ensino artístico. O projeto enquadrava-se no seguimento de um
programa de artistas pensionados promovido pelo Intendente
e Provedor da Casa Pia, Pina Manique (1733-1805), com o
objectivo de tornar Portugal num país moderno, independente
e desenvolvido no campo da indústria. Assim como no caso da
Escola de Ciências, Artes e Ofícios da capital carioca, a iniciativa
acarretava o objectivo de modernizar o país, soltando-o da
dependência de outras nações europeias. Se a prioridade de
Pina Manique era ter bons artistas nacionaes, com predileção
para gravadores e abridores de cunho1, o Conde da Barca (17541817) queria encorajar o desenvolvimento dos ofícios mecânicos
promovendo “uma escola de vários ofícios, mais próxima do
espírito enciclopédico, que uma academia exclusivamente
dedicada às belas artes, como era o ideal de Debret à imagem
francesa” (LAGO, 2013, 44). Nesse sentido, existe uma continuidade entre as razões que motivaram os promotores das duas
instituições, embora ambas as iguras nada tivessem em comum.
Aliás, um conlito entre os dois deu-se precisamente no desfecho
da Academia Portuguesa de Roma (DEGORTES, no prelo),
opondo-se Azevedo, então ministro dos Negócios Estrangeiros,
à última determinação do Intendente a esse respeito - vender
o recheio com a toda a gipsoteca e fechar a sua sede, ainda
ocupada por De Rossi - que Pedro Sousa Holtein (1781-1850),
encarregado da corte na sede papal, se recusara cumprir.
Com a criação da Escola de Ciências Artes e Ofícios implementavase o ensino artístico, pela primeira vez devidamente estruturado,
em território português e “o que fora impossível de fazer em Lisboa
ao longo dos esforços atrabiliários dos Governos de D. Maria I
e do Regente, realizou-se então no Rio” (FRANÇA, 1967, vol.I,
199). O estabelecimento desta instituição representa portanto um
momento chave na sistematização do ensino e no desenvolvimento
das belas artes, enquanto na metrópole a educação artística se
cumpria no contexto fragmentário das diversas aulas de desenho,
escultura, arquitetura e gravura, perpetrando-se o atraso perante
o meio europeu (LISBOA, 2007, 438).
Todavia, nesse quadro é preciso ter em conta as iniciativas de
estabelecer, ao longo de Setecentos e em meados de Oitocentos,
uma academia de belas artes em Roma, centro cosmopolita da
cultura artística europeia. Importa debruçarmo-nos sobre a
história das instituições artísticas que até então se tentaram
implantar em Itália, não apenas para enquadrar a fundação
de uma academia no Brasil no contexto das políticas régias
nessa matéria, mas também porque algumas dessas iniciativas
contaram com a participação do próprio conde da Barca e do
marquês de Marialva, exímios promotores da Missão Francesa.
Assim, a veriicação das suas atitudes nesse sentido, bem como
das determinações régias, poderá ser enquadrada no debate
sobre a fundação da Escola carioca.
A determinação de Azevedo não impediu a extinção da
academia em 1805, mas a sua existência reforçou as relações
artísticas de Portugal no meio artístico da Roma cosmopolita,
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A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano
/ Michela Degortes & Maria João Neto
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
proporcionando uma formação “italiana” aos alunos lusitanos,
especialmente graças à igura do diretor De Rossi, que se
manteve próximo da legação portuguesa até 1827. Este, além de
crítico e coleccionador de arte, gozava de certo poder político,
chegando a ser nomeado ministro das inanças da República
Romana em 17982 e, no mesmo ano, a presidir a comissão
de expertos, - análoga à francesa Commision de Monuments
- formada no intuito de redigir uma lista de obras de arte,
objetos cientíicos, manuscritos e livros que iriam ser incorporados no Museu Vaticano após a alienação do património
eclesiástico. (RACIOPPI, 2015). O círculo erudito das suas
amizades contava, entre outros, com Antonio Canova, sendo
essa intimidade determinante nas negociações da encomenda
que o escultor aceitara realizar para a corte portuguesa em 1805,
episódio mediado pelo futuro conde da Barca (NETO, 2014).
Granjeado com o hábito de São Tiago e beneiciário de uma
pensão régia, De Rossi3 soube manter viva a amizade estabelecida com Alexandre e Pedro Sousa Holstein, mesmo depois
da morte do primeiro e do regresso a Portugal do segundo.
Continuou, sempre a assessorar os diplomatas portugueses
em Roma - onde em 1817 conheceu o marquês de Marialva
- usando a sua inluência quando fosse preciso, também na
expectativa de recuperar o prestigiado papel de diretor caso a
academia fosse restabelecida.
em conjunto com De Rossi, no intuito de ver restabelecida a
instituição extinta no ano anterior:
Todas as outras Academias de Bellas Artes das nações de
Europa em Roma, passado o perigo da revolução de França,
continuaram como d’antes, a sua marcha nos seus estudos,
porem à de Portugal não succedeu o mesmo (…) e icou
também Portugal sendo talvez a unica Nação da Europa que
não tenha aqui hum estabelecimento onde virem aperfeiçoarse os seus alunnos no estudo das Bellas Artes.6
O texto resumia as etapas e os progressos alcançados nessa
academia até aos dias correntes, comparando-a ainda com
o exemplo da mais antiga instituição joanina.7 Insistia-se
especialmente sobre dois pontos: a ligação direta entre o desenvolvimento da arte e o progresso do estado, atendendo à linha
de ação intentada por Pina Manique, e a ideia que a perfeição
no estudo artístico apenas se podia alcançar em Roma, por ali
ser possível o confronto constante entre artistas de todas as
nacionalidades no âmbito da arte contemporânea, bem como
o contato visual com as obras da arte clássica e renascentista:
Vossa Excellência conhece melhor do que eu a intimidade e
conecção que tem o estudo das Bellas Artes com a prosperidade Nacional e portanto não planeio dizer nada a este
respeito; sendo por outra parte certo que fora d’este clima
não se podem jamais levar à sua perfeição, ou seja em razão
dos antigos monumentos que aqui existem, ou dos assignalados Professores e Artistas que tem havido e ha sempre
em Roma8.
De facto, o novo encarregado de negócios português em Roma,
José Manuel Pinto de Sousa4 parecia querer perpetrar a linha
de ação inaugurada por Alexandre Sousa Holstein e seguida
pelo ilho deste, Pedro, futuro conde e duque de Palmela:
sensibilizar a corte em relação à importância de manter uma
instituição de ensino artístico em Roma, não apenas para
implementar o desenvolvimento das artes e o progresso do
país, como também para manter Portugal a par das outras
potências europeias.
Destaca-se a proposta de sustentar as despesas da academia
através das pensões ex-jesuíticas, e limitando alguns privilégios concedidos aos eclesiásticos:
Assim, em Março de 1806 Pinto enviava para António Araújo
de Azevedo uma extensa Memória sobre a Academia5, escrita
Monasticos e alguns Prelados Ecclesiasticos para terem
os privilegios episcopaes e outro caprichos desta natureza,
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A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
então afetados pela penúria de encomendas. Assim referia
uma carta de José Manuel Pinto em 1808:
podem e devem ter uma taxa aplicada para este estabelecimento, já que fazendo como fazem sahiem do Reino
inutilmente sommas consideraveis de dinheiro em
prejuizo do Publico, possa ao menos o mesmo Publico ter
compensação em parte por este modo9.
Nesta Cidade se acham alguns Artistas que teriâo grande
satisfação de poder andar ao Brasil para lá exercitar os
diversos ramos das Bellas Artes, que professão, se tivessem
a certeza de ser protegidos pela Corte. No cazo que V.E.
julgue que cumpre ao Bem pubblico que elles partão se
dignará participar-mo, porque será mais facil rezolve-los a
esta viagem.
A falta da concurrença dos Estrangeiros em Roma, que as
circunstancias actuães alimentão cada vez mais, faz que não
tenhão sahia os objetos das bellas Artes, e que os Artistas
por consequência não tenhão a subsistência, nem possão
continuar nos seus trabalhos; e portanto he mui fácil na
presente occazião fazer esta acquizição que talvez em diversas
circunstâncias seria mui dificil e dispendioza12.
Finalmente, abordava-se a questão da admissão dos alunos na
academia, propondo que estes fossem escolhidos com base no
mérito e talento, avaliados em concursos públicos segundo o
modelo francês do Grand Prix de Rome. Quanto ao número
dos pensionados, entendia-se que:
No ultimo estado da Academia erão dez os pensionados,
porem bastaria talvez para Portugal, em attenção as circumstancias actuais do nosso Pais, que houvessem dois Pintores,
dois Architectos, hum Sculptor, hum Gravador, que fairão o
numero de seis pensionados que se podariam manter com
huma despeza discreta e muito moderada10.
A questão levantada por Pinto mantinha-se por enquanto num
nível de sugestão, vislumbrando a oportunidade de se poderem
contratar em Roma artistas carenciados de encomendas e
eventualmente desejosos de tentar novos mercados. Muito
provavelmente, se a ideia tivesse despertado o interesse da
corte, seria redigido um plano pormenorizado, contando com
as inluências de De Rossi no meio artístico romano para a
escolha e contratação dos artistas. Várias razões podem
alegar-se para a proposta não ter sido tomada em consideração,
primeira de todas o facto que a corte recém-estabelecida na
capital carioca enfrentaria na altura assuntos urgentes de
ordem política e administrativa; o afastamento de António
de Araújo de Azevedo da liderança do governo também terá
contribuído para que a ideia caísse no vazio.
A proposta terá sido aprovada pelo futuro conde da Barca,
que em março de 1807 ainda assegurava o seu patrocínio: “em
quanto ao restabelecimento da Academia das Bellas Artes
nesta Cidade, não me descuidei d’elle, e pode segurar a V.S.
que este negocio està quase concluido, brevemente espero
escrever sobre elle a V.S. deinitivamente.11”
As invasões francesas em Portugal e a partida da Corte
para o Brasil vinham alterar profundamente a isionomia do
país, e assuntos mais urgentes deixaram de lado a questão
da academia. No entanto, os diplomatas lusitanos sediados
em Roma não podiam deixar de se confrontar com o “estado
das Bellas Artes” por estas constituírem o principal suporte
económico da Cidade Eterna. Aos seus olhos era claro que
a precariedade do mercado da arte romano, fortemente
abalado pelos espólios e destruições causados pelas tropas
napoleónicas em Itália, podia facilitar a aquisição de obras de
arte contemporâneas, bem como o recrutamento de artistas
As circunstâncias já eram outras, em 1815, quando Joaquim
Lebreton (1760-1819) avançou com o seu detalhado projeto,
atendendo a objectivos ponderados e mais pertinentes com
a situação do Brasil. O debate sobre o desenvolvimento das
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colónias americanas era assunto “quente” na Europa, também
graças à inspiradora obra de Alexander Von Humboldt (17691859), igura entre as mais admiradas e inluente no meio
cientiico contemporâneo. O caso bem-sucedido da Academia
de los Nobles Artes fundada no México em 1783, relatado no
Essay politique sur le royame de la nouvelle Espagne13, constituía
a sólida base do pragmático plano de Lebreton (DIAS, 2006),
indo ao encontro das necessidades da nova capital do Reino
Unido.
No ano seguinte, o mesmo ministro enviava à Corte um segundo
projeto para o restabelecimento da academia portuguesa em
Roma, relembrando que a mesma proposta tinha sido acolhida
favoravelmente pelo Conde da Barca dez anos antes. Cópias
da mesma carta, enviada oicialmente ao ministro João Paulo
Bezerra e Seixas (1756-1817), foram enviadas ao embaixador
em Paris marquês de Marialva (1775-1823) e a Pedro Sousa
Holstein, entretanto nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros. Do conde de Palmela esperava-se apoio incondicional
a favor da iniciativa: além de ter promovido no passado
a academia fundada pelo pai, o diplomata conhecia bem
o ambiente brilhante e cosmopolita de Roma, o qual lhe
despertara o amor pelas belas artes.15 Quanto ao reinado
Marquês de Marialva, este encontrava-se em Roma na altura
em que o projeto da academia foi redigido; o diplomata acabava
de ver concluída com sucesso a sua embaixada em Viena onde
se celebrara, em maio de 1817 e por procuração, o casamento
entre o príncipe D. Pedro de Alcântara e a arquiduquesa Maria
Leopoldina de Áustria. Depois de acompanhar a Princesa a
Livorno, onde a esperava o navio direto ao Brasil, Marialva
aproveitou para viajar pelo sul de Itália, visitando, entre outras
cidades, Pompeia e Nápoles, e chegando mais tarde a Roma
onde se deteve durante o mês de Outubro. A sua presença junto
da legação portuguesa seria provavelmente inspiradora para
o diplomata Manuel Pinto, e não é de excluir que este tenha
sido encorajado por Marialva na ideia de apresentar um novo
projeto para o restabelecimento da academia de Roma, visto
o sucesso da recém criada Escola de Ciências Artes e Ofícios
na capital carioca. Daí uma cópia do projeto ser-lhe mais tarde
remetida para Paris16.
Projeto de uma Nova Academia em Roma
Depois de um longo período de instabilidade social, política e
económica, Roma acolhia o regresso de Pio VII em 1814, após
cinco anos de exílio forçado, iniciando-se todas as diligências
necessárias com vista a devolver a estabilidade na sede papal.
Uma das primeiras medidas consistiu na reclamação, através
de Antonio Canova, da restituição das obras de arte levadas
pelos franceses, o que muito nos diz sobre o valor de cariz
simbólico, identitário e mesmo económico atribuído a esses
monumentos.
A questão ocupa um longo parágrafo do ofício dirigido em
1816 por Manuel Pinto ao Marquês de Aguiar, onde é relatado
o regresso à normalidade na sociedade romana:
Teve este governo huma grande vantagem com (…) a restituição de todos os Monumentos de Bellas Artes, que tinham
sido transportados a Paris, e pertenciam a esta capital, os
quaes alem de serem muitos em numero, e de precioso valor,
são alem d’isso huma surgente de riquezas para este Estado
pelo numero grande de estrangeiros, que atrahe a Roma a
curiozidade de ver estes preciosos monumentos. As Bellas
Artes que he a segunda surgente de riqueza Nacional em
hum Paiz, em que falta o commercio, e a industria em outros
ramos, vão também agora resuscitando, porque os Artistas
tem já alguns compradores das suas obras (…)14
A nova proposta acrescentava detalhes à memória redigida com
De Rossi, em 1806, baseando-se mais uma vez no exemplo de
outras instituições presentes em Roma, mas também recorrendo
à legislação italiana em matéria de ensino artístico, nomeadamente, o Regolamento Disciplinale per l’esecuzione del Reale
Decreto del15 Agosto 1812.
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Figura 1: Gregório Francisco Queiroz, Ill.mo Ex.mo Senhor António
Figura 2: Charles Simon Pradier, D. Pedro Menezes Marquez de
Araújo de Azevedo, 1804, gravura: água - forte e buril. Biblioteca
Nacional de Portugal. E.151.V © BNP.
Marialva, 1819, gravura: água - forte e buril. Biblioteca Nacional de
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Portugal. E.147 .V © BNP.
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periódicos das academias romanas. Ao expor as vantagens e os
defeitos de um ou de outro sistema, o diplomata considera que
o modelo corporativo, ao manter os alunos juntos na mesma
sede e sob o controlo de um diretor, seria talvez limitativo da
sua criatividade artística, obrigando-os “a seguir o mesmo
gosto e o plano de estudos, ao mesmo tempo que convem deixar
aos talentos a estrada branca, e aberta para seguirem novos
veredos, que a sua imaginação e talento possa descobrir.” No
entanto, a eventual falta de regras e disciplina do modelo livre
podia levar os alunos a “entregar-se a paixões viciosas, e n’ellas
empregar o tempo necessario para os estudos.” A solução
proposta seria uma via de equilíbrio entre os dois modelos,
delegando a responsabilidade a um diretor18
O Artigo Um desse decreto debruça-se sobre os critérios
a empregar na escolha dos alunos que, vindos de outras
academias italianas, desejassem aperfeiçoar-se em Roma nos
cursos de Pintura, Escultura e Arquitetura, deinindo detalhadamente as provas de exame a enfrentar para conseguirem a
admissão; para o efeito impunha-se uma idade inferior a 26
anos. Atendendo as mesmas regras, e considerando também o
sistema francês que admitia apenas os alunos que conseguissem
ganhar o prestigiado Grand Prix de Rome, Pinto considerava o
critério de escolha dos alunos um elemento fundamental:
(...) se deve com o maior cuidado acutelar que os Alumnos
que foram designados para vir a Roma não sejam principiantes nas Artes, mas tenham já dado algumas mostras de
talento distinto a este respeito, porque de outro modo se
faria huma despeza inutil, e não se recolheriam as vantagens,
que se esperam d’este novo Estabelecimento da Real Muniicencia. Os Alunnos de França vem a Roma como premio
dos progressos que ja tem feito nas Artes; e os Alunnos,
que o Reino Italiano mandava de Milão a Roma a estudar
as Bellas Artes, eram escrupolosamente escolhidos, e era
necessario que presentemente dessem provas do seu talento
(…)17
que vigie sobre os estudos e progressos dos moços
estudantes e aprendisatas das Bellas Artes, e deve ser ou
hum homen intendido e conhecedor das Bellas Artes, ou
hum Artista que deve porem deixar a liberdade a estes
alumnos de seguirem a sua imaginação e talento natural,
a visita dos monumentos e Mestres que consultarem nesta
capital19 e ao ministro plenipotenciário, responsável pela
suspensão das pensões aos alunos que não cumprissem com
os resultados esperados.
No que diz respeito aos modelos pedagógicos a adotar, o
diplomata volta a considerar o exemplo das outras escolas
europeias, distinguindo entre modelos corporativo e livre;
o primeiro, adotado pela prestigiada Academia de França,
impunha que os alunos vivessem “unidos em huma caza,
constituindo huma corporação, comendo juntos, e trabalhando
debaixo da inspecção de hum Director, que os governa e dirige
nos seus estudos”. O modelo livre dizia respeito aos programas
de pensionados adoptados por outros estados; nesse caso, os
alunos contavam com os diplomatas como referentes, tanto no
apoio in loco para o alojamento e as despesas, como para o
envio de provas dos próprios progressos às respetivas cortes,
e inclusive, para participarem nos prestigiados concursos
Finalmente, estabelecia-se o número de nove alunos
e os seus respetivos ordenados:
Dois Arquitectos com o ordenado
de 400 Escudos d’Hespanha cada hum (...)
Dois Pintores de Historia com o ordenado
de 400 Escudos d’Hespanha cada hum (...)
Hum Pintor de Paizes com ordenado
de 300 Escudos d’Hespanha cada hum (...)
Dois Esculptores com o ordenado
de 400 Escudos d’Hespanha cada hum (...)
Hum Abridor com ordenado
de 300 Escudos d’Hespanha cada hum (...)
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Hum Abridor de Cameu com ordenado
de 300 Escudos d’Hespanha cada hum (...)20
em Roma, que bem dirigidos aqui fossem depois propagar
em Portugal e no Brasil o fructo dos seus trabalhos.21
A disparidade entre ordenados justiicava-se considerando que
as despesas seriam mais avultadas para arquitetos e escultores
devido ao tipo de materiais a adquirir, e para os pintores de
história devido à necessidade de pagar os modelos.
“Roma encanta-me”, escrevia o marquês na mesma carta,
enfatizando o entusiasmo despertado pela visita à sede
papal, que sabia partilhado por Pedro Holstein: “tu conheces
Roma, conheces quais seijão as vantagens que as Bellas Artes
procurerão ao fazer que ellas prosperão e por consequência não
podes deixar de ser, no lugar que vai ocupar, o patrono deste
Negócio” , e ainda insistia: “A ocasião não pode ser melhor22.”
O processo de avaliação do progresso dos alunos passaria pelo
envio à corte dos seus ensaios, seguindo o método da Academia
Portuguesa, pelo que se enfatizava a possibilidade de “ir
formando huma Galleria dos diversos trabalhos dos Alumnos
Portugueses, que não deixa de compensar huma parte da
despeza qua a Corte fará com elles.” A questão de uma galeria,
outrora já vislumbrada por Pina Manique (VALENTE, 1950,
253), reveste-se de grande importância no contexto das consequências que teria tido essa iniciativa sobre a arte no Brasil; a
presença dos trabalhos dos alunos, nomeadamente das cópias
pictóricas dos grandes mestres, teria certamente contribuído
para colmatar a escassez de obras desse genro, difundindo a
iconograia de obras clássicas e renascentistas existentes em
Roma, promovendo a sua cultura estética e igurativa.
Vislumbrava-se a possibilidade de se criar em Roma uma
nova academia cuja didática se articulasse com a congénere
do outro lado do Atlântico. Desse modo, a Escola carioca,
mais pragmática nos seus objetivos e liderada pelos artistas
franceses, e a prestigiada Academia romana, sediada no berço
da cultura neoclássica a competir com as outras instituições
europeias, iriam constituir o canal para a passagem de artistas,
saberes, obras e cânones estéticos entre Itália, Portugal e
Brasil.
Contudo, mais uma vez, a concretização do projeto sofria
com a conjuntura histórica desfavorável; o conde de Palmela,
contrário à permanência da corte no Brasil, deter-se-ia na
Europa, incumbido de resolver delicadas questões diplomáticas23— juntando-se à corte somente três anos mais tarde
para apresentar de imediato a sua demissão; do outro lado do
Atlântico, o conde da Barca tinha falecido havia poucos meses
e a ausência desse brilhante promotor, inluente junto do rei,
concorreu certamente para o desfecho negativo da iniciativa24.
Nos anos seguintes, já depois do regresso de D. João VI à
metrópole e da independência do Brasil, a questão da Academia
em Roma mantinha-se. Em 1823, o encarregado de negócios
Carlos Maria Pereira referia ter “há tempos pricipiado hum
Projecto para ser renovada a Academia de Bellas Artes de
Portugal em Roma, muito differente d’aqueles que os meus
antedecessores em diversas epocas remetterão para a Corte
Este plano ambicioso terá merecido a consideração do Marquês
de Marialva — presente em Roma após a missão de Viena — que
resolvia procurar o apoio do Conde de Palmela, recém-nomeado
ministro dos Negócios Estrangeiros:
Meu querido amigo, agora que venho de saber com certeza
que estas nomeado para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, repito os parabens que já antes te dera (…). Como
tu sabes, tenho inclinações para as Bellas Artes, não estranharás que eu seja aprovador dellas, quanto ao seu restabelecimento na nossa terra. Todas as cortes d’Europa tem
pensionários nesta para se aplicarem às Artes do Desenho,
e so a nossa não cuida nisso. Será pois huma obra digna de
Nosso Amo, digna de ti, o estabelecimento de pensionários
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(..)25”. Contudo, esta não mais seria restabelecida, continuando
a existir o luxo de artistas pensionários, coniados pelo conde
de Palmela ao antigo diretor De Rossi26.
seus nomes, como vimos, inscrevem-se na trama que constitui
a história das instituições de ensino. Nesse sentido, referimos
os laços e a interação entre o conde da Barca, o marquês de
Marialva e o conde de Palmela, em episódios ligados à implementação de um moderno ensino artístico. Numa comparação
entre os modus operandi que apontaram para o estabelecimento
das academias romanas e da Escola carioca, estes perfazem o
mesmo esquema, baseando-se na escolha de um referente no
meio artístico e cultural, coerente com as exigências — De Rossi
em Roma, Lebreton em Paris — e no apoio indispensável da
rede diplomática30. O desfecho dessas iniciativas esteve ligado
à sucessão dos eventos políticos e às mudanças económicas,
culturais e sociais que contribuíram para alterar a isionomia
da Europa e o contexto geopolítico mundial; nesse âmbito,
enquadra-se a fundação do Reino Unido de Portugal, Brasil e
Algarves, contrariando a tendência das colónias espanholas, cuja
independência prospetava a “formação de um bloco continental
do outro lado do Atlântico hostil à tutela europeia” (SERRÃO,
1984, vol. VI, 114). O Conde da Barca soube aproveitar a
conjuntura histórico-política favorável à deinição da identidade
do novo Reino Unido, cuja fundação tinha impulsionado; essa
identidade estava ligada ao progresso das artes, indispensável
ao desenvolvimento da indústria e meio imprescindível para a
modernização do Brasil. Neste contexto, enquadra-se a vinda
da missão francesa e o projeto de Lebreton, cuja modernidade
perfazia os objetivos do conde da Barca, reletindo a sua “visão
governativa e cultural” (FRANÇA, 1967, vol. I, 202).
Conclusões
Ao considerar a introdução de artistas e modelos de ensino
no Brasil cabe-nos ainda mencionar a presença do antigo
pensionário da Academia Portuguesa de Roma Manuel Dias
de Oliveira27, artista modesto que acabou por reger uma Aula
Publica de Desenho e Figura criada por carta régia a 20 de
Novembro de 1800, a primeira instituição de ensino artístico
criada no Rio de Janeiro, recebendo o título de Professor régio
de Desenho e Figura e permanecendo o único na colónia até
1812. (TELLES, 2014,151) A criação dessa aula não deixa
de ser sinal de uma política régia positiva para com a implementação do ensino artístico no Brasil, tendo-se naturalmente
reforçado após a criação do Reino Unido de Portugal Brasil
e Algarves e da nova capital no Rio de Janeiro. Essa atitude
da corte portuguesa não é de descurar, apesar de a historiograia ter tido tendência a minimizar os papeis de D. João VI
e D. Carlota Joaquina nesse sentido, assim como os relatos da
literatura coeva — veja-se o caso do diário de Laura Permon—28
terem evidenciado maioritariamente os aspetos negativos dos
regentes. Nesse registo, entre os sinais positivos na atitude dos
regentes perante as belas artes, assinala-se o caso da infanta
D. Maria Isabel enquanto rainha de Espanha29 na fundação
do Museu del Prado, que deixa transparecer uma sensibilidade apurada para a valorização e salvaguarda do património
artístico.
Contudo, no que toca ao desenvolvimento das belas artes
e à sistematização do seu ensino, é indiscutível o papel de
promotores iluminados, dotados de apurado sentido crítico
e meios de comparação com o contexto europeu, e por esse
motivo, capazes de inluenciar a corte. Estas iguras cruzaramse no caminho da implementação da didáctica artística, e os
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Figura 3: Charles Simon Pradier, D. Pedro Sousa Holstein Marquês
de Palmela, entre 1823 e 1830, gravura: água - forte e ponteado.
Biblioteca Nacional de Portugal. E. 2235 .V © BNP.
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Notas:
1
Em carta ao ministro em Londres João de Almeida, Pina Manique queixavase da “falta de Abridores de Cunhos na nossa Caza da Moeda” e pedia ao diplomata o
apoio à formação do gravador José Antonio Vale. (VALENTE, 1950, 262)
2
A legação portuguesa terá beneiciou da autoridade de De Rossi em várias
ocasiões; uma delas foi a remessa para Lisboa do monumento a D. Maria I enviado
para Portugal num momento em que não era fácil obter a licença de exportação,
devido às imensas perdas de obras de arte que a cidade tinha sofrido com as
invasões francesas.
Michela Degortes é doutoranda em História da Arte na
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigadora integrada no ARTIS - Instituto de História da Arte da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Licenciou-se
em Arquitectura pela Universitá degli Studi di Firenze e foi
bolseira em Investigação em Cultura Portuguesa e Lusófona na
Fundação Calouste Gulbenkian. A sua investigação enquadrase no âmbito do estudo do ensino artístico e do mercado da
arte, com enfoque nas relações entre Portugal e Itália entre o
inal de Setecentos e meados de Oitocentos, nomeadamente,
no caso da Academia Portuguesa de Belas Artes em Roma e na
igura do seu diretor Giovanni Gherardo De Rossi.
3
1812.
De Rossi foi também membro correspondente do Institut de France desde
4
José Manuel Pinto de Sousa foi ministro em Roma de 1805 a 1818.
5
Archivio da Embaixada Portuguesa na Santa Sé (AEPSS), Lv.16, f.125 a f.131.
Para a transcrição integral deste texto, já reproduzido em BRAZAO, 1977, veja-se
MENDONÇA, 2014, 424
6
Maria João Neto é Professora Associada com Agregação de
História da Arte e investigadora integrada do ARTIS - Instituto
de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa. Licenciou-se em História da Arte na Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa em 1985. Concluiu o
Mestrado, na mesma Faculdade, em 1990, com a apresentação
de uma tese sobre O Restauro do Mosteiro de Santa Maria
da Vitória de 1840 a 1900. Doutorou-se em 1996 com uma
tese intitulada A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais e a Intervenção no Património Arquitectónico em
Portugal (1929-1960). É vice-diretora do ARTIS - Instituto
de História da Arte, responsável pelo grupo Patrimonium e
diretora do curso de Mestrado em Arte, Património e Teoria
do Restauro.
Idem, f.129.
7
A propósito desta academia, fundada por D. João V em 1718, Pinto especiica
que “No Cartorio desta Legação não existe Documento algum relativo a este
assumpto” (Lv. 16, f.126), airmação que conirma a escassez de documentação a esse
respeito. Duma carta de 1728 de Nicolas Vleughels, então diretor da Academie de
France, depreende-se que já nessa época não havia vestígios dessa escola: “Il n’y a
plus ici aucun vestige de l’Academie de Portugal; tout a disparu, et les directeurs et les
élèves.” (DELAFORCE, 2002, 345)
8
MENDONÇA, 2014, 424
9
Idem.
10
Idem.
11
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Ministério dos Negócios
Estrangeiros (MNE), Cx. 835, Of.74.
244
245
12
ANTT, MNE, Cx. 834, Of. Nº2, Carta de José Manuel Pinto de Sousa de 3 de
Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro:
A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano
/ Michela Degortes & Maria João Neto
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Maio de 1808; a carta é transcrita parcialmente em NETO, 2014, 59
13
27
Temos alguma dúvida quanto à suposta aprendizagem deste pintor no
atelier de Pompeo Batoni (1708-1787), da qual o artista se gabava; além da falta de
documentação que o conirme, supostamente Manuel Dias viajou para Roma em 1788
no mesmo grupo de artistas que contava com Domingos Sequeira, pelo que à sua
chegada na capital, Batoni já teria falecido. Os alunos portugueses frequentariam
inicialmente as aulas de pintura de Pietro Labruzzi, enquanto Sequeira entraria no
atelier de Domenico Corvi, considerado pela crítica contemporânea o antagonista de
Batoni. Taborda e Sequeira frequentaram também o atelier de Antonio Cavallucci.
Publicado em Paris em 1811.
14
“Ideia geral do estado politico, em que se acha actualmente a Peninsula
Italica” dirigida ao Marquês de Aguiar por José Manoel Pinto de Sousa, 8 de março de
1816, apud NETO, 2014, 60
15
“Outra excitação resultava para mim da frequência dos alunos da Academia
Portuguesa de Belas Artes, instituída em Roma pelo meu pai, a qual infelizmente (…)
se extinguiu, por descuido e abandono do nosso Governo. Estas primeiras impressões
foram tão profundas que nunca mais se apagou em mim a paixão que elas
despertaram para o estudo da Antiguidade e cultura das belas-artes” (BONIFACIO,
2010, 89)
28
29
O casamento de D. Maria Isabel com Fernando VII, bem como o da irmã
D. Maria Francisca com Carlos de Bourbon, devem-se à determinação da rainha D.
Carlota Joaquina em reforçar as relações entre Espanha e Portugal.
30
No que diz respeito ao apoio da rede diplomática, a investigação levada a
cabo por Patricia Delayti Telles tem destacado o papel de Francisco Maria Brito nas
circunstâncias que levaram a Missão Francesa a embarcar para o Brasil em 1816,
demonstrando a inexistência de um convite real. Agradecemos à autora por disponibilizar o conteúdo do seu artigo “Uma carta inédita do cavaleiro Brito e a criação do
mito de uma “missão” francesa”, em “Histórias da Escola de Belas Artes”, organizado
por Sónia Gomes Pereira, Marize Malta e Ana Maria Tavares Cavalcanti, Rio de
Janeiro: PPGAV-EBA-UFRJ-Editora Nau, atualmente no prelo.
16
O envio do projeto é conirmado nas notas de expedições da Legação
portuguesa em Roma. AEPSS, Lv.21 “Notas de Expedições feitas de Novembro de 1814
a Outubro de 1819”, f.39: “al dí 19 col corriere Luigi Palyart spedito a Parigi al Marchese
di Marialva é stato mandato: ofizi 72, 73, 74 cioè il nº 74 che tratta di istituzione d’una
Accademia di Belle Arti in Roma, essendo (…) al detto oficio. Un piano indicante la
qualità degli allievi che vi dovrebbero mandar a Roma, pensione da pagargli ed altri
incarichi da sopportargli dalla Corte similmente essendo unito al detto ofizio un
regolamento per l’ordinazione di detta Accademia.”
17
ANTT, MNE, Cx.835, Of. 74
18
Enquanto na Memoria redigida em 1806 apontava-se De Rossi para a
direção da academia, neste novo plano essa hipótese não é contemplada devido a
divergências entre o crítico de arte e Manuel Pinto.
19
ANTT, MNE, Cx.835, Of. 74
20
Idem
21
ANTT, ACP, PT/TT/CPLM/cx.158 Carta do marquês de Marialva a Pedro Sousa
Holstein de Novembro de 1817.
22
Idem.
23
As negociações entre Espanha e Portugal para a questão do Rio da Prata.
24
Pedro Sousa Holstein não se deixou de interessar pelo projeto, e para o
efeito, consultara o amigo De Rossi, desejando solicitar o parecer de um especialista
em matéria artística. Entendemos também que José Manuel Pinto não gozava do
favor do conde de Palmela, visto o comentário que lhe reserva nas suas memórias:
“a protecção do mesmo Lannes, poderosissimo em Portugal, lhe havia feito obter a
nomeação de ministro em Roma” (BONIFACIO, 2010, 95)
25
ANTT, MNE, Cx. 837, Ofício de Carlos Maria Pereira para Silvestre Pinheiro
Ferreira de 14 de Julho de 1823. Até agora não foi encontrado o projeto mencionado
na carta.
26
DEGORTES, 2015
Veja-se PERMOM, 2008
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Ensino Artístico Na Corte Portuguesa Do Rio De Janeiro:
A Escolha Entre Os Modelos Francês E Italiano
/ Michela Degortes & Maria João Neto
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
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1994
248
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Brazilian
Architecture
and the Ecole des
Beaux-Arts.
The teaching
approach
of André Gutton
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Amandine Diener
Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts.
The teaching approach of André Gutton
/ Amandine Diener
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
By analyzing all these works, we have seen how Brazilian architecture as well as French-Brazilian relations are integrated into
the Ecole des beaux-arts. In particular, we focused on Gutton’s
choice of buildings for his courses, on topics he gave for the
Concours d’émulation1, and on drawings made by his students.
The Ecole des beaux-arts and the evolution of architectural
teaching through the lens of André Gutton teaching practice.
During the irst half of XXth century, the French-Brazilian
relations in the ield of Architecture were largely represented
by the partnership between the team of Lucio Costa (19021998) and Le Corbusier (1887-1965), who was the strongest
opponent to the academic system of the Ecole des beaux-arts
(Le Corbusier 1933). Indeed, this one was often criticized for
its rigid way of teaching. But does it really reject all forms of
modernity? Which are the chosen models and the vectors of
their diffusion?
In order to do that, the presence of Brazilian inluences in
the teaching of André Gutton (1994-2002) has been analysed.
Gutton is an architect, an urbanist, and professor of Urban
Planning at the Institut d’Urbanisme between 1944 and 1957,
and of Architectural Theory and Urbanism at the Ecole des
beaux-arts, between 1949 and 1958. The importance of Gutton
is well expressed by the fact that he becomes an active member
of the Union Internationale des Architectes (UIA), within this
context he travelled around the world. Several publications are
linked to Gutton’s teaching activity at the Ecole des beauxarts: his courses Conversations sur l’Architecture (Gutton
1952-1962), published in ive-Volumes between 1952 and 1962,
and the register of the subjects of the architectural competitions (Ecole Nationale Supérieure des Beaux-Arts n.d.) he
launched every year for his students, published by Vincent et
Fréal between 1906 and 1967. At the end of his career, Gutton
published Conversations, De la nuit à l’aurore (Gutton 1985),
which is an autobiographical text in two-Volumes.
252
253
Gutton got his master at the Ecole des beaux-arts in 1927, and
decides to have a parallel formation at the Institut d’Urbanisme
with Henri Sellier (1883-1943), who was the founder of the
Société Française des Urbanistes and the author of the urban
plan of Paris Region. Gutton surrounding himself with
wellknow professionnals since his studies, and include the
urban dimension at architect’s work. In 1933, the same year he
got his diploma, he wins the international competition for the
urban plan of Anvers. During his carreer, Gutton is an active
player in cities planning. He is the author of many urban plans,
both in France and in other countries. Among them: Dakar in
1944, Alep in 1951 or the new city of Port de Sihanoukville in
Cambodia in 1959. Above all, he built his own professionnal
network very well. In 1949 he joins the Executive Committee of
the UIA, which was just been created (Aymone 2007). Solicited
by the irst president of UIA, Sir Patrick Abercrombie (18791857), he becomes president of the Commission of Urban
Planning until 1957. In this context he meets Pierre Vago (19102002), the chief editor of L’Architecture d’Aujourd’hui (Ragot
1990, 77-81). Moreover he becomes the irst secretary-general
of the UIA. It is a great occasion for Gutton to internationalize his point of view on architectural and urban problems,
and that affects his teaching practice. In 1949, the same year
he joins the UIA, he takes the Chair of Architectural Theory
at the Ecole des beaux-arts, replacing eminent professors
such as Julien Guadet (1834-1908) and Georges Gromort
(1870-1961). He tries to modernize the Ecole des beaux-arts,
especially by introducing the new discipline of urban planning.
His purpose is to educate architects to the dificult mission of
Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts.
The teaching approach of André Gutton
/ Amandine Diener
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Reconstruction in connection with technological, social and
professional modernity. Gutton does not reinvent the way of
teaching, which is composed by a theoretical course followed
by Concours d’émulation, made for stimulating competition
among students. Nevertheless he introduces some changes. His
courses take the form of conferences (ill. 1) and pedagogical
debates2, as he calls them, based on a contemporary bibliography. The publication of his courses is signiicantly titled
Conversations and not “Theory” or “Essay” as Guadet (Guadet
1901-1904) and Gromort (Gromort 1942). It is an important
sign of the refuse of Theory. He invites in his courses French
and international speakers, often members of UIA and famous
architects as Richard Neutra (1892-1970). Regarding competitions, Gutton has launched in 1957 a yearly Concours International d’Emulation, whose name has a clear reference to the
Concours Internationaux of UIA, that students could present
within the Congresses.
The year 1958 is signiicant for more than one reason. First of all
Gutton stops teaching architectural theory to teach urbanism
at the Ecole des beaux-arts, because he succeed to create a
chair of Urbanism. Secondly he participates to the International Congress of architecture students in Leningrad, focused
on “the modern city”. In his intervention titled “The Man of
tomorrow3”, Gutton explains the recent birth of urbanism and
his ideas on the mission that urbanists should accomplish,
that is to say thinking the city at the scale of human being and
of his needs. Hence, Gutton refuses the idea of projects out
of scale. He believes that a city must be constructed around
the couple of functions of residing and working. Finally he
contests the idea that a certain type of form must correspond
to a certain types of buildings. In essence the intervention of
Gutton develops the prescriptions he had previously published
in La Charte de l’Urbanisme (Gutton 1941) in 1941. In 1958
the Fifth UIA Congress takes place in Moscou, whose subject
is “Modern City4” (ill. 2). Gutton, presides the session about
economic, social and legislative aspects about realization of
cities5.
Lastly, 1958 is an important year because Gutton goes to
Brazil. He is designated by the ambassador Paulo Carneiro
(1901-1982) to accompany, together with Vago, a delegation
in Rio de Janeiro and Brasilia in the context of the international seminar on new towns organized by United Nations
Educational, Scientiic and Cultural Organization (UNESCO).
In this occasion, Gutton meets President Kubitschek (19021976) who is looking for suggestions about the conception of
the new capital Brasilia. On one hand, Gutton is impressed
by the courageous act of constructing a federal capital in the
middle of an harsh nature. On the other hand, he gives a severe
opinion by saying that for him Brasilia, rather than a real city, is
a space of segregation made on the basis of social classes. It is a
succession of ghettoes that couldn’t form a city in which human
souls could meet. References to the past, like the symmetry
of the plan, for him are just formal. He condemns the lack
of lexibility of the project. Travel to Brazil gives Gutton the
opportunity to see some seminal Brazilian buildings. In Rio he
visits the building of the Ministry of National Education made
by Lucio Costa and Oscar Niemeyer (1907-2012) as well as
the house of this latter that he deine a “lost paradise”. In the
“dantesque6” city of Sao Paulo, where he feels overwhelmed by
an anarchical development, he meets Rino Lévi7 (1901-1965),
a dear friend of Vago. Even if the book Conversations has not
been translated in Portuguese, Rino Levi attests him he has got
these Volumes on its library8. That would prove that there is a
certain circulation of the scientiic production between France
and Brazil.
We are going to see how Gutton’s biography could have
affected the evolution of teaching practices at the Ecole des
beaux-arts. In particular, the following part analyzes the choice
of Brazilian architectures made by Gutton for his courses.
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Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts.
The teaching approach of André Gutton
/ Amandine Diener
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Figura 2 – Congress of Union Internationale des Architectes in
Leningrad, 1958. Gutton, André, 1985, De la nuit à l'aurore : conversations
Figura 1 – Program of conferences of Architectural Theory course
for year 1956/1957. National Archives AJ/52/975.
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sur l'architecture, Vol. 1, Saint-Léger-Vauban : Zodiaque, p290.
Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts.
The teaching approach of André Gutton
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Teaching architectural theory and the diffusion of Brazilian urban
and architectural models
The third volume of the Conversations (Gutton 1956), focused
on religious and cultural buildings. Whether other countries
are represented by about 10 projects, there is only one Brazilian
project: the church of Pampuhla of Oscar Niemeyer, completed
in 1943. This example can be found in the inal chapter of the
Volume, titled “Church is always alive - forms of today and
tomorrow13”. There cannot be found any particular indications
about this project, but a short tagline “Look at the azulejos14”.
The lack of comements can be interpreted as a way of encouraging students to develop their own opinion about this
building, that is to say a critical point of view.
By analyzing geographical provenience of both urban and architectural works chosen by Gutton is possible to understand the
role of international productions, especially Brazilian ones, in
his courses. The majority of architectures published by Gutton
are built abroad, from United States to Italy, from Swede to
England, from China to Brazil. In the irst Volume of Conversations (Gutton 1952) called “The building within the city9”,
there can be found 3 Projects that are situated in Sao Paulo.
The Trussardi building made by Rino Levi in 1941 is described
as an example of good scale for human relations10, in contrast
to the building CBI-Esplanada made by the architect Lucjan
Korngold in 1950. The second Volume of Conversations
(Gutton 1954) and focused on “Man’s home11”, contains
a richly illustrated catalogue, in which there can be found 7
Brazilian projects all integrated into tables with different plans
at the same scale, as Jean-Nicolas-Louis Durand (1760-1834)
did. This representational technique is used to facilitate the
comparison among different spatial devices. Three project can
be mentioned: the one of Henrique E. Mindlin (1911-1971)
(n.d.), the one of Saldanha (1905-1986) in Sao Paulo and the
project of collective housing in a park made by Vital Brazil
(1909-1997) in Rio. There can be found also different solutions
for different kinds of urban habitat, both within a rational
urban plan or in a site where there are speciic constraints.
There are the two project made by the architect Eduardo Reidy
(1909-1964), one of the “unit housing12” of Pedregulho in
Rio de Janeiro of 1952 and another in Rio. Finally there is
the project of a summer residence in Petropolis made by yhe
young Francisco Bolonha (1923-2006) in 1950. The last project
has been surely appreciated by Gutton for the quality of its
spaces, for the simplicity of its architectural language, for
the treatment of landscape and perhaps also for the religious
dimension that is expressed by the presence of a chapel.
The following Volume, numbered 3b (Gutton 1959) and
focused on schools, faculties and universities, contains 6
Brazilian projects. Gutton shows big plans and elevations and
uses sometimes a simple photo with a legend to express his
opinion. This is the case of the garden in Persepolis made by
Burle Marx (1909-1994), whose photography is accompanied
by the tagline which explain that the proximity between nature
and child is not only required but also indispensable for his
development15”. The garden designed by Burle Marx that
could be a school-garden. There is also a photography of a
detail of Azulejos of Reidy, without a tagline, that seems to
be appreciated by Gutton. There are also published plans and
photographs of the projects of a School in Tamba made by
Silva, of a School and a Gymnasium in Pedreguhlo made by
Reidy in 1952 and of the University of Rio de Janeiro made by
Marcelo, Milton and Mauricio Roberto. There is any tagline,
but we can suppose that they have been chosen because of the
treatment of the site, the spatial organization and the technical
solutions.
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Finally, the last Volume of the Conversations (Gutton 1962)
focused on “urban planning at the service of the man16” and is
published when Gutton occupied the chair of urbanism. Before
talking about published Brazilian projects within the book,
it is interesting to talk about the “general advices17” which
are required for the context and the composition of human
Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts.
The teaching approach of André Gutton
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
The school architectural competitions and the way in which they
relect an architectural actuality and of a French-Brazilian cultural
politics
aggregates, especially for new towns. Firstly, he speaks about the
reasons of the existence of a city (politics, tourism, industry),
then about the deriving site, about the development of contemporary architecture, the combination of the two functions of
residing and working, the construction of the city on a green
weave... The project of Brazilia is evoked by Gutton. There can
be found its masterplan and two images: one of the Esplanade
and one of the Three Powers place, just published in L’Architecture d’Aujourd’hui. Gutton expresses the same opinion he
expressed during his travel to Brasilia. He speaks about speculation, urban plan conceived not at the human scale but at the
scale of the cars, segregation…. Nevertheless he appreciates
the majesty and simplicity of architectural volumes because
they are the most adapted to a capital city. He concludes by
wondering if the city of Brasilia, due to the willing of a single
man and the glory of a Country, will become one day accepted
by population. Therefore the project of Brasilia is not showed
as an example of new town. In contrast, for Gutton Chandigarh
is a positive example, a model for a new town.
In this last part, two aspect are taken into consideration: the
subjects of competitions chosen by Gutton and the graphic
works of students. The aim is to discover if the Brazilian architecture of the time is integrated in the teaching and the way in
which it is expressed.
Until now, we have mentioned the Brazilian architectural
production which is published by Gutton. Nevertheless the
absence of certain projects in Gutton’s works can be also
considered signiicant. For example, there is no trace of the
Ministry of Education of Rio de Janeiro, published a lot in
L’Architecture d’Aujourd’hui. There cannot be found buildings
that symbolize a cultural cooperation between France and
Brazil, such as the French and Brazilian Intitutes of high
culture in Rio and San Paolo. At this regard, school competitions at the Ecole des beaux-arts could be analyzed in order
to see if they relect certain cultural and esthetical references
to Brazil.
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Several subjects have a direct reference to Gutton’s activity,
professional engagement and his role within the UIA. On this
regard we can mention the project of the Concours d’émulation of 1956, where he asks student to create “A panel18” or a
ictive exposition at the Ecole des beaux-arts for the Concours
International d’émulation in 1955 (ill. 3). We should remind
that Gutton is the conceiver of these competitions and that, as
he speciies in the call for competition, the ictive exposition
is organized by UIA under the tutelage of UNESCO. Others
proposed subjects are directly linked to the political and
cultural actuality and, sometimes, openly referred to Brazil. In
1956-1957, for the project of “A Stadium19”, Gutton refers to
the great examples of modern stadiums, such as the stadium
of Rio, which is mentioned among others (Helsinki, Lima,
Mexico, Montevideo, Berlin, Lisbonne, Lausanne). All these
examples are showed for their “strong audacity that satisies
the conditions of visibility, of orientation and of protection of
the public20”. In 1960, for the Concours du grand prix de Rome
titled “The business center of a capital city21”, the new town
of Brazilia is mentioned, among Ankara, Canerra, Chandigarh
and Nouakchott, as example of a capital that is built for
economic and political reasons. The fact that the program
is about the conception of a new capital for three million of
inhabitants represents a signiicant echo of the project of Le
Corbusier of 40 years earlier. For the Concours du grand prix
de Rome of 1964, a project of “A Museum of Three Arts
from Latin America22” is required. It can be considered the
expression of the attention focused on Latin America in that
Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts.
The teaching approach of André Gutton
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Figura 3 – "Une Afiche", Concours d’émulation, esquisse de première
classe, 04.11.1955. Ecole Nationale Supérieure des Beaux-Arts, s.d., Les
Figura 4 – Christian Ivaldi, "Un Stade", Concours Américain, 1956.
concours d’architecture de l’année scolaire 1955-1956, Paris : Vincent,
Fréal & Cie.
Ecole Nationale Supérieure des Beaux-Arts, s.d., Les concours d’archi-
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tecture de l’année scolaire 1956-1957, Paris : Vincent, Fréal & Cie.
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Figura 4 – Christian Cacaut, "Le Centre d’Affaires d’une Capitale",
Figura 6 – Guy Daher, "Une Salle des Congrès", Concours d’émulation,
Concours du grand prix de Rome, épreuve déinitive, 1960.
esquisse de première classe 27.10.1960.
Ecole Nationale Supérieure des Beaux-Arts, s.d., Les concours d’architecture de l’année scolaire 1959-1960, Paris : Vincent, Fréal & Cie.
Ecole Nationale Supérieure des Beaux-Arts, s.d., Les concours d’archi-
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tecture de l’année scolaire 1960-1961, Paris : Vincent, Fréal & Cie.
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
of Niemeyer and Le Corbusier.
period, attested by a “certain number of exposition in Paris23”
focused on Latin America, like Gutton writes in the call for
competition. According to Gutton, this potential Museum
could contribute to strength the relations between French and
Brazil, by exposing Pre-Columbian art, Conquistadores art,
and Baroque art of Brazil. Finally one of the subject of 1967
is “A world center for scientiic discovery24”. In the program it
is written that each country contributes to the progress of the
science and that it is necessary to put together the treasures
of civilization. Nevertheless Gutton writes also that France is
the most legitimate country to host this center, ahead of other
projects “conceived for San Francisco, Rio and Tokyo25” in the
same time.
Regarding the drawings, some of them are very attractive for
their graphics, their reference to modern architecture, maybe
Brazilian architecture. In 1956 for “A Stadium26”, Christian
Ivaldi (1934-) perhaps knows the project to the Olympic Stadium
of Rio de Janeiro conceived by Niemeyer, because its drawing
is similar with partially underground ovoid shaped volume and
sloping extremity which is slightly sur-elevated (ill. 4). In 1960
even if Brasilia was mentioned in the program of the competition focused on “The business center of a capital city27”, the
inluence of Brasilia does not seem to be perceptible neither
in at the big scale nor in the details. The white reversed half
dome proposed by Christian Cacaut (1932-) could remind the
Palace of Congress in the Three Powers place (ill. 5). For the
rest, the project is almost horizontal, marked by a low building
that highlights the horizontal development together with
the relexes of a water basin, except for the vertical line of a
monumental building that breaks this horizontality. In general,
even if the plan is traversed by a certain lack of symmetry,
it can be considered classical, dominated by an orthogonal,
equilibrated language. In the same year 1960, for the program
“A Conference Center28” we can ind the interesting project
from a graphical point of view of Guy Daher (1937-) (ill. 6).
It have a free composition, marked by luid and curved lines
and by light/shadow effects that reproduce almost inluences
To sum up, we can say that Gutton is fascinated by international projects. He opens up his course of Architectural Theory
beyond the traditional examples of Italian architecture, utilized
until that time as a model of classical architecture. Moreover,
Gutton starts valorizing contemporary architecture. Finally
he includes in the course of Theory not only architecture but
also urbanism. By doing that, he opens up the limits of disciplines as well as the role of the architect, that becomes also
an urbanist. On this subject, the travel of Gutton to Brasilia
is important because it reinforces its opinions on Urbanism,
already expressed in La Charte de l’Urbanisme (Gutton 1941)
published 15 years earlier and in the last Volume of Conversations (Gutton 1962) focused on urbanism which he was
writing in that period.
266
267
Regarding the integration of Brazilian examples of buildings
and urban plans in the Ecole des beaux-arts courses, it is
interesting to say that Brazilian projects Gutton published are
not necessary those that have marked Brazilian Architecture;
we can ind projects that are not so much mediatized (Klein
2005). About highly mediatized projects such as the one of
Brasilia, Gutton does not hesitate to express his doubts and
critics about. In the choice of the competition subjects made
by Gutton a certain overture to architectural most advanced
tendencies of the time and to Brazilian modernidad can be
observed. Nevertheless in the projects designed by students,
the Brazilian inluence is not so explicit. It must be said that
published drawings are just the rewarded ones. We cannot
state if rejected projects have a stronger overture. It could be
interesting to see if the production of the students changes
during their professional career, when they are not more
obliged to respect the codes of representation of the Ecole
des beaux-arts. At this subject, we can mention the example
of School of architecture of Bordeaux, designed by Claude
Ferret (1907-1993) in 1973. Its dispersed plan is inscribed in
the double iliation of modern movement and functionalism.
Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts.
The teaching approach of André Gutton
/ Amandine Diener
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Notas:
The reference to Niemeyer is clear, especially if we look at
the amphitheater whose eye shape reminds the one of Bello
Horizonte. Perhaps the presence in France of exiled Brazilian
professors during the Seventies, such as Joaquim Guedes (19322008) at the Strasbourg’s School (Halévy 2007) of architecture
and Rodrigo Lefebvre (1938-1984) at Grenoble, contributes to
the diffusion of the Brazilian architectural culture.
An anecdote for inishing. Maybe the title “From night to
dawn29” of Gutton autobiography has been inspired by the
presidential palace of Brasilia, named Palace of the Dawn.
That would mean that probably the travel to Brazil has marked
Gutton more than he thinks....
1
Architectural competition for students.
2
In french ”causeries-débats”.
3
In french ”L’homme de demain”
4
In french ”La Cité Moderne”.
5
In french ”Aspect économique, social et législatif de la réalisation des villes”.
6
Gutton, André, 1952, Conversations sur l’architecture, L’édiice dans la ville, Vol.
1, Paris : Vincent, Fréal & Cie, p287.
7
Gutton qualiies Levi as « the constructor of the best Brazilian skyscrapers”.
Refer to Gutton, André, 1952, Conversations sur l’architecture, L’édiice dans la ville, Vol.
1, Paris : Vincent, Fréal & Cie, p287.
8
Gutton, André, 1952, Conversations sur l’architecture, L’édiice dans la ville, Vol.
1, Paris : Vincent, Fréal & Cie, p287.
9
In french “L’édiice dans la ville”.
10
Un french ”La notion d’échelle vraie et le rapport «’’humain’’ de l’édiice sont
certains dans la première vue. Que sont-ils dans la seconde ? ”. Gutton, André, 1952,
Conversations sur l’architecture, L’édiice dans la ville, Vol. 1, Paris : Vincent, Fréal &
Cie, p238.
268
269
11
In french “La maison de l’homme”.
12
In french “Unité d’habitation”.
13
In french “L’église est toujours vivante- formes d’aujourd’hui et de demain”.
14
In french “Regardez les Azulejos”.
15
In french “La nature sera mise à la disposition de l’enfant. Le rapprochement
nature-enfant est non seulement nécessaire mais indispensable à son libre épanouissement […]“.
Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts.
The teaching approach of André Gutton
/ Amandine Diener
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
16
In french “L’urbanisme au service de l’homme”.
17
In french ”Données générales”.
18
In french ”Une Afiche”, Concours d’émulation, esquisse de première classe,
04.119155.
19
In french ”Un Stade”, Concours pour le prix de reconnaissance des architects
américains, 1956.
20
In french “Les moyens techniques dont nous disposons aujourd’hui ont permis
des réalisations d’une grande hardiesse où les conditions de visibilité, d’orientation,
de protection du public ont été pleinement satisfaisantes. “
21
In french, “Le Centre d’Affaires d’une Capitale”, Concours du grand prix de
Rome, épreuve deinitive, 14.09.1960.
22
In french, “Un Musée des Arts de l’Amérique Latine”, Concours du grand prix
de Rome, troisième essai, 22.06.1964.
23
In french ”l’attention s’est tournée depuis plusieurs années vers les arts de
l’Amérique latine, et de récentes expositions à Paris ont constitué pour le public une
veritable revelation de l’Art précolombien et de l’Art mexicain.”
24
In french ”Un centre mondial de la découverte scientiique”, Concours pour le
prix des anciens élèves américains de l’atelier Laloux, 03.05.1967 – 09.06.1967
25
In french ”C’est l’Europe qui se doit d’en prendre l’initiative, devançant les
projets qui sont à l’étude à San Fransisco, Rio ou Tokyo”.
26
In french ”Un Stade”
27
In french, “Le Centre d’Affaires d’une Capitale”, Concours du grand prix de
Rome, épreuve deinitive, 14.09.1960.
28
In french ”Une Salle des Congrès”, Concours d’émulation, esquisse de
première classe, 27.10.1960.
29
In french “De la nuit à l’aurore”.
270
271
Amandine Diener is an architect and a PhD student at the
University of Strasbourg (EA 3400 ARCHE). Her research
focuses on teaching architecture in the XXth century at the
Ecole des beaux-arts, especially the course of Architectural
Theory. Among her publications, she is co-editor with
Anne-Marie Châtelet et Franck Storne at Enseigner l’architecture à Strasbourg, des Beaux-Arts à l’Université. She is
one of the coordinators of the National research program
HEnsA20 (Histoire de l’Enseignement de l’architecture au
XXe siècle) supported by the Ministère de la Culture et de la
Communication.
Brazilian Architecture and the Ecole des Beaux-Arts.
The teaching approach of André Gutton
/ Amandine Diener
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Referências Bibliográicas:
L’Architecture d’Aujourd’hui, 33, 1950.
Aymone, Nicolas, 2007, L’apogée des concours d’architecture, l’action de l’UIA
1948-1975, Paris : Picard.
L’Architecture d’Aujourd’hui, 42-43, 1952.
L’Architecture d’Aujourd’hui, 90, 1960.
Klein, Richard, 2005, « Si loin, si proche… L’Architecture d’Aujourd’hui et le
Brésil», L’Architecture d’Aujourd’hui, 359 (july-august), 359 : 92-99
L’Architecture d’Aujourd’hui, 101, 1962.
Ragot, Gilles, 1990, « Pierre Vago et les débuts de L’Architecture d’Aujourd’hui
1930-1940. Entretiens avec Pierre Vago », Revue de l’Art, 89 : 77-81.
Sources
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l’année scolaire [1906-1967], Paris; Vincent, Fréal & Cie.
Guadet, Julien, [1901-1904], Éléments et théorie de l’architecture, 4 Vol., Paris :
Librairie de la Construction moderne.
Gromort, Georges, 1941, Essai sur la théorie de l’architecture, Paris : Vincent, Fréal
& Cie.
Gutton, André, 1941, La Charte de l’urbanisme, Paris: Dunod.
Gutton, André, 1952, Conversations sur l’architecture, L’édiice dans la ville, Vol. 1,
Paris: Vincent, Fréal & Cie.
Gutton, André, 1954, Conversations sur l’architecture, La maison de l’homme, Vol.
2, Paris: Vincent, Fréal & Cie.
Gutton, André, 1956, Conversations sur l’architecture, Les édiices religieux et
culturels, Vol. 3a, Paris: Vincent, Fréal & Cie.
Gutton, André, 1959, Conversations sur l’architecture, Les écoles, lycées, facultés et
universités, Vol. 3b, Paris: Vincent, Fréal & Cie.
Gutton, André, 1962, Conversations sur l’architecture, L’urbanisme au service de
l’homme, Vol. 6, Paris: Vincent, Fréal & Cie.
Gutton, André, 1985, Conversations sur l’architecture, De la nuit à l’aurore, 2 Vol.,
Saint-Léger-Vauban : Zodiaque.
Halévy, Jean-Pierre, « L’architecture et l’invention du Brésil », in Cardoso, Luiz
Claudio, Martinière, Guy, 1989, France-Brésil, 20 ans de coopération, Paris :
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Le Corbusier, 1933, Croisade ou le Crépuscule des académies, Paris : G. Crès & Cie,
coll. De L’Esprit Nouveau.
L’Architecture d’Aujourd’hui, 13-14, 1947.
L’Architecture d’Aujourd’hui, 21, 1948.
272
273
The acanthus
revisited:
Moritz Meurer’s
(1839–1916)
teaching model of
plant studies for
Prussian schools of
applied arts
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Angela Bösl
The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916)
teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts
/ Angela Bösl
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
From decorative painting to the study of plants: A proile of Moritz
Meurer
Moritz Meurer was born in Waldenburg, Saxony, in 1839. After
studying painting at the academies of Dresden and Munich,
from 1869 on, he taught decorative painting at the Unterrichtsanstalt, the school of applied arts, which was afiliated with
the newly founded Royal Museum of Applied Arts in Berlin.2
After 15 years of teaching and some commissions for interior
paintings,3 Meurer moved to Rome in 1884. There, he developed
his concept and curriculum of applied plant studies, which he irst
published in 1889. With the approval—and substantial funding—
of the Prussian ministries for trade and education in 1890,
Meurer plunged into further autodidactic botanical studies. He
elaborated his teaching system and started producing the teaching
aids. Four sketchers and later two additional modellers, one of
them being Karl Blossfeldt (1865–1932),4 supported him in his
so-called “Versuchsstation”5 in Rome, an atelier with adjacent
garden suited for plant growing and morphological studies
of living or dissected specimens mainly from Mediterranean
lora. The plants themselves were selected neither arbitrarily
nor according to iconographic traditions. Meurer chose them
partly in reference to earlier loral and ornamental templates,
like those of Frederick Edward Hulme (1841–1909) or Victor
Ruprich-Robert (1820–1887).6 The main criteria of selection,
however, were the tectonic properties of the plant organism and
“(…) all the supporting, linking, surrounding structures which
in plant anatomy and the consolidation of their organs fulilled
similar functions to certain structural elements in architecture
or structures in applied arts”7. In winter term 1891/92, Meurer
was able use the irst aids in his newly established class in plant
drawing at the Unterrichtsanstalt in Berlin. By 1896, Meurer’s
extensive manual for artisans, architects and artisan teachers,
meaningfully titled “Planzenformen”8 (Plant Forms) had been
published, and the corpus of the teaching aid collection had
been set up.
Walter Benjamin should be proved right when he secondguessed, that Karl Blossfeldt’s (1865–1932) photographs should
ind “innumerous beholders”1: Until today, the popularity of
Blossfeldt’s close-ups of extensively enlarged buds, seemingly
sculpted plant stems and ornamentally arranged lowers is
unbroken. His black and white icons of Neue Sachlichkeit
have long entered common visual memory and still and undoubtedly will attract public as well as scientiic interest. Quite
in contrast, the man who actually paved Blossfeldt’s way and
who may be labelled the initiator of the photographs, has fallen
behind his disciple: the decorative painter and artisan teacher
Moritz Meurer (1839–1916), who developed a teaching concept
of plant studies for artisanal education between 1887 and 1890.
Furthermore, little mention is usually made of the fact that
some of Blossfeldt’s photographs belonged to a comprehensive
set of two- and three-dimensional teaching aids that Meurer
had devised for implementing the aforementioned concept. This
paper will concentrate on this ensemble of theory and aids and
suggest regarding the latter as a new type of template because
they neither offered inal design solutions or simply naturalistic
plant images, nor were they just exercising gestures of drawing.
Rather, the aids will be discussed as interfaces in which botanical
and artisanal knowledge fused. Before testing this hypothesis,
a short introduction to Moritz Meurer’s life and work seems
insightful – by paying special attention to the period from 1890
to 1909, in which the teaching collection was manufactured.
276
277
After this irst period of production and collective artisanal-bo-
The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916)
teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts
/ Angela Bösl
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Figura 1: Otto Greiner, Portrait of Moritz Meurer, lithograph and pen,
24 x 20 cm, 1914, Staatliche Kunstsammlungen Dresden, Kupferstich-Kabinett, inv. 1916-145; Vogel 102; NIA 54/6994, credits: Sächsische Landes-
Figura 2. Moritz Meurer et al., Akanthus mollis, ink, water colour and
bibliothek-, Staats- und Universitätsbibliothek Dresden, Deutsche
Fotothek, Rudolph Kramer
pencil on paper, 35 x 27cm, around 1890.
278
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credits: Museum Waldenburg, Die Kulturgutscanner – Viola Rosenau
The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916)
teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts
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striking intersections and reciprocal amendments, it seems
fruitful to concentrate on one motif. The acanthus as one of the
most recurrent plants in Meurer’s teaching collection provides
such an example – not least, since Meurer dedicated a separate
publication to this plant and its adaptions in the ancient Greek
applied arts.11 Concentrating thus on this ‘model plant’ not only
exempliies the different ways in which Meurer revisited this
classic motif. It also allows pointing to the functions, instructive
properties and didactic potentials that Meurer assigned to the
different representations of nature.
tanical studies, the function of the atelier in Rome changed: On
Meurer’s initiative, it altered into a training lab for practising and
future artisan teachers. They spent three months with Meurer
who introduced them to basic morphology, his pedagogical
system and the right implementation or adaption of the teaching
aids. Additionally, his scholars helped to augment the teaching
collection and assisted to Meurer’s last project, a comparative
analysis of vegetal and artistic forms. In 1909, Meurer inalized
this applied morphology project with a compendium titled
“Vergleichende Formenlehre” (Comparative Formal Theory).
It consisted of 250 large format wall charts (70 cm x 100 cm)
and a manual to facilitate imparting the comparative study of
plants and their adaptions in architecture and the decorative
arts. The target group being artisan teachers, the companion
was widely distributed by the Prussian Ministry of Trade to
Prussian schools for applied arts and technical colleges.
Meurer’s multimedia plants: The collection of teaching aids
In the course of the preparations for the companion, Meurer’s
interest seems to have shifted: Since the irst decade of the 20th
century, he had worked on several essays dealing with rather
archaeological and ornament-historical topics. His late plan
to assemble and publish his indings and research material on
animal forms in the applied arts and architecture should however
not be realised anymore.
With the outbreak of World War I, Meurer and his wife moved
to Dresden, where Meurer died in 1916. His widow later sold his
estate to his hometown of Waldenburg and to the Museum of
Applied Arts in Dresden.9 The collection of his teaching aids is
yet to be found in the Archive of the University of Arts Berlin,10
the present-day successor institution of the former school of
applied arts. In the following, reference will be made to objects
mainly belonging to this collection, which regrettably has not
all survived. However, we do know from documents and photographs what the lost aids were like and how Meurer combined
them with other types of existing aids.
To illustrate the diversity of these teaching aids and their
280
281
Although Meurer dedicated almost 20 years to the production
of these aids, he kept emphasizing that none of them could or
should replace the living plant as the primordial object of study.
This is why he both propagated to study living specimens as
often as possible12 as well as he tried to preserve them. Thus,
dried, pressed and conserved plants in wax and grain alcohol
and even electroplatings were part of the teaching collection.13
Today, only herbaria14 and some electroplatings have survived.
Meurer was on the one side enthusiastic about these aids, since
they all prolonged the durability of the natural samples and could
– except the electroplatings – be produced with minor efforts
and expenses. On the other hand, some effects of priming also
damaged features that Meurer deemed crucial for the formal
analysis and structural understanding of the plants: Surface
characteristics of the organic material were distorted and small
structures deleted. But mainly, Meurer complained that some
preservatives and the copper coating “partly destroyed the
organic system of the linking between the components or made
it invisible”15 so that it subsequently had to be restored artiicially or that they diminished the three-dimensional appearance
of the plant—a property to which Meurer attached great
importance because it constituted one of the principal aspects
in his understanding of form.16 He deemed it crucial for the
task of conceiving ornaments and designing in general. It thus
recurs as a major topic of concern in his theory and his writings
The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916)
teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts
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on the teaching collection, as with the next group of aids, the
plant drawings in ink and pencil. They were useful for visualizing the botanical lectures17 accompanying Meurer’s drawing
classes—for explaining morphological terms or for highlighting
principles of growth. Since the translation from 3D to 2D had
already been completed, they were helpful tools for beginners,
too. Still, apart from diminishing all corporeality, Meurer feared
that students could take over the manner of drawing as their
personal style.18
Seen and drawn from various perspectives and with applied
lights and shading, the plants gain a three-dimensional, more
vivid appearance. Yet, they never turn into naturalistic copies. It
is the peculiar, which is again dominating, captured by precise
observation of structures and silhouette while often dismissing
natural colouring.
Later, Meurer had most of the drawings printed as lithographs,
photolithographs and heliotypes in his publications, in his
template series “Planzenbilder”20 (Plant images) and on separate
charts. Although these prints show the same motif, I propose to
acknowledge them as an autonomous group, not least because
of the various duplicating processes, the varying materials and
techniques involved and the subtle differences between original
drawing and print. All these aspects deserve to be factored in—
in terms of variation and of sharpening the visual sensorium,
two aspects, which are closely linked with Meurer’s teaching
collection and the functions of the aids.
This worry might not least have contributed to the result that
the drawings vary in the manners and modes of representation,
which were consciously chosen in correlation with the respective
plant sample and the didactic function of the drawn chart. In the
case of leaves, linear, almost geometrically constructed drawings
were created (ig 2).
Sharp contour, exact internal structures and accurate proportions
are the main aspects of these schematic illustrations. They
expose a seemingly underlying, almost symmetrical disposition
and preserve typical, not individual, plant features. The translation of the plant sample from 3D to 2D has reached maximum
extent. Any signs of naturalness of the organic material are
missing.
Another way of educating the eye could be conducted with the
plant photographs taken by Karl Blossfeldt (ig. 4).
Meurer was undoubtedly aware of the documentary status of
photography. Still, he seems not to have chosen this medium
programmatically, i.e., for its alleged objectivity and claim to
truth.21 According to one of his letters in 1892, he was far more
interested in photography as a tool for magniication,22 which
he deemed instructive in two ways: for drawing the students’
attention to the smallest and undetected details and for training
the cognitive skill of scaling while drawing.
This also pertains to drawings of lowers, fruit and seed forms:
Horizontal and vertical outlines as well as cross and longitudinal sections were constructed of precise lines by ruler and
dividers. It is not by chance that these projections remind us
of technical or architectural drawing techniques. Meurer was
rather explicitly using them to make the tectonic disposition of
the plant visible. Furthermore, it was the method of projection
itself that Meurer judged central for his applied morphology
and for the tasks of designing.19
Beside these two-dimensional media, Meurer’s collection
contained three-dimensional aids of plaster and bronze.23
Similar to the plaster casts of leaves kept at the Museu D. Joao
VI, Meurer had plaster reliefs of leaves and lowers (ig. 5) made
that again show clear intersections with drawings, prints and
photographs.
Finally, a third group can be distinguished, characterised by its
more realistic rendering of the specimen (ig. 3).
282
283
The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916)
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Figura 3: Heinrich Homolka (?) for Moritz Meurer, Acanthus mollis,
ink, red pen, white heightening on paper, mounted on black cardboard,
igura 4: Heliotype of a photograph by Karl Blossfeldt, Acanthus
25 x 33 cm, after 1891
credits: Museum Waldenburg, Die Kulturgutscanner – Viola Rosenau
leaves, published in Meurer‘s template series “Planzenbilder“, 24 x 30
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cm, 1896-1899, credits: Museum Waldenburg, Angela Bösl
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Because they were not fully adequate for realizing the plant
as a stereometric object, three-dimensional plaster casts were
manufactured, which mainly reproduced stems and buds.
Whereas merely photographs document this 38-partite plaster
cast collection,24 a set of 35 bronze casts has survived. They
were not as cheap as their equivalents in plaster (ig. 6), but also
not as fragile, and resembled the living plant more because of
the effects of light and shades.
Meurer’s concept of studying plants
Two aspects provide irst insight for that question: On the one
hand, Meurer himself fostered a clear scepticism about historicism and formal conditioning27 as a still-prevalent modus
operandi at schools of ine and applied arts. Still, in line with the
Aristotelian axiom that Natura non facit saltus, he was convinced
that the arts did not develop by radically breaking with former
traditions, but were always evolving organically from one stage
to the next. Thus, thinking of the education of future generations
of artisans and their abilities to develop their individual manner
of designing, Meurer deemed it essential to continue imparting
the history of styles as basic artisan knowledge.
In the case of plants that were too complex or simply too small
for casting, bronze models were sculpted by Karl Blossfeldt and
Louis Heitsch (1866–1921). These models enlarged details and
thereby “made it easier, to discern the lineament, the silhouette
and the bodily appearance of forms and to simultaneously
foreground the structural principles of the plants”25. Moreover,
the transformation of the organic into clearly sculptural material
subtly anticipated the transition of natural into artistic form
as one of the main tasks of crafting. Beside these individual
advantages, Meurer rated all the casts and particularly the
sculptural models as utmost instructive for designing: They
helped make the students realize how materials and techniques
determined the process of generating form and the inal form
itself.26
On the other hand, plants constituted the master teacher to
Meurer. Yet, he didn’t intend to educate future botanists, but
botanically informed artisans.28 Therefore, his education in plant
morphology highlighted speciic elements that were instructive
for any crafting branch: the constructive and static elements,
proportions and the connection between the separate organs
and the whole organisms, the linkages between components
and particularly the correlation of forms and their respective
functions. In other words, to Meurer, the study of nature held the
status of a means to the end of artistic production. This functionalist view actually matched the demand of the reformers of
the arts and crafts for aesthetically convincing and organically
crafted goods as well as the educational consensus at the Berlin
academy of ine arts.29
Finally, the ensemble included templates of outstanding
historical architecture and decorations after nature, originated
in Europe and North Africa and ranging from the early high
cultures to the Renaissance. Some were published as photos in
Meurer’s manuals; some were lithographed on the large wall
charts. Now, how do these classic samples relate to the botanical
aids? Moreover, are they not indicating that Meurer’s teaching
model was still caught in the much-criticised modus of historicist stylistics? To answer this, Meurer’s concept of applied
plant studies gives hints.
However, the signiicant role of art did not imply that Meurer
was following the idealist concept of art perfecting nature.
Instead, in Meurer’s prefaces, we ind the recurring plea to treat
the products of nature and of art as equivalents.30
286
287
This plea is mirrored in the leading principle of his teaching
concept, i.e., a comparative analysis of natural and artistic
forms.31 By opposing a natural original and its artistic adaptions,
the students irst were prompted to discover and relect on diffe-
The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916)
teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts
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and crafts, this motif was thus not appropriate any more, neither
to meet the demands of an up-to-date formal vocabulary nor
to contribute to a new conception of adequate decoration and
of the education future artisans. As a way of overcoming the
predominance of this classic motif in the late 19th century, it
was progressingly replaced by plant motifs stemming from the
explicitly local lora.
rences and analogies. Following this, they had to reconstruct the
different strategies applied for transforming the natural into an
artistic form. Finally, and accounting for the theory of Gottfried
Semper (1803–1879), they should learn to recognize how this
process of conversion was dependent on the respective function,
material and technique of the art works. Along with this process
of gaining insight, Meurer’s aim was to enable the students to
protrude to the laws of nature and to use the understanding of
the genesis of natural form for developing it into principles of
artistic production.
We can thus call it a methodological move of Meurer to enlist
plant morphology and to integrate stylistics as both reciprocally
controlled themselves: Thereby, a pure naturalism on the one
hand and the mere reproduction of historical styles on the other
were prohibited. Meurer’s concept systematized a dialectic
approach that modiied the ways of observing and analysing the
teaching aids. But did it also alter the ways of copying them? Let
us come back to the acanthus and question Meurer’s strategies
of revisiting it in the drawing classes.
Same same, but different? The acanthus revisited
The acanthus can rightly be categorized as one of the most
predominant ornamental motifs. From the 5th century B.C. to
the 19th century, it was widespread, modiied and adapted in
architecture and the applied arts. Due to this central and long
passed position in the classic formal repertoire, it naturally also
played a decisive part in the education of artisans and architects
as well as in the discourse on style and taste. After the extensive
use and variations of the acanthus, especially in the 17th and 18th
centuries, from 1850 on, the perception of this motif altered.32
Criticism was voiced on the almost rampant growth of acanthus
decorations, among others by Owen Jones (1809–1874).33
Linked with the reproach of its arbitrary adaption to any kind
of object and of historicist decorating methods, the acanthus
became an epitome of the techniques of mindless copying and
implementing of earlier styles.34 To the reformers of the arts
288
289
Thus, at irst sight, the dominance of the acanthus in Meurer’s
teaching aids and publications and its status as a template might
seem reactionary, at least conservative. However, with a closer
look, Meurer used the acanthus for reasons other than imposing
ixed drawing gestures, like in James Page’s “Guide for drawing
the Acanthus and every description of ornament foliage”35.
Nor was he trying to prolong and indoctrinate an out-dated
formal canon. Beside the pragmatic fact, that the acanthus was
a common plant in Meurer’s surroundings in Rome, it were irst
the signiicant features of this natural sample, that predestined
it for the analysis of its external shape and its corresponding
inward structure of the leaf veins. He furthermore referred
to this well-known but suspiciously eyed ornament since he
had, during his years as a teacher of decorative painting, been
confronted with the need to make the students of the applied
arts aware again of the original motifs, which underlay later
artistic adaptions – basic knowledge and a central creative
approach which had been lost in course of mechanically copying
normative ornaments, even in case of the acanthus. Due to this,
the students were exempt from relecting on the relation and
coherence of an initial and a future inal form, a skill which
Meurer deemed imperative for designing the shape of an object
which was consistent with its functions. By showcasing how
the different leaves, buds and lowers of the natural acanthus
had been transformed for decoration and architecture over the
centuries, Meurer did thus not present these classic adaptions to
his students and recipients as the ideal for being acquired as an
element of the personal formal repertoire. He rather consciously
recurred to former artistic transformations of the natural form
for the sake of extracting and differentiating possible methods of
The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916)
teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts
/ Angela Bösl
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Figura 5 Albert Frisch for Moritz Meurer, Heliotype of a photograph
Figura 6: Giovanni Nisini for Moritz Meurer, bronze cast of a leaf of
of a plaster relief (lower picture) with Acanthus leaves and lower,
Acanthus mollis, bronze, wood, 15 x 11 x 5 cm, 1891/92, Archive of the
published in Meurer‘s “Catalog der plastischen Planzenformen“, around
University of Arts Berlin, inv.: 321-001
1899, 24 x 30 cm (relief size 54 x 72 cm), credits: Museum Waldenburg,
Die Kulturgutscanner – Viola Rosenau
credits: Die Photographische Sammlung/SK Stiftung Kultur, Cologne:
290
291
Susanne Fern
The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916)
teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts
/ Angela Bösl
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
In the case of Meurer’s templates, it thus seems legitimate to
discuss copying as an epistemic method and creative technique
that exceeds mnemonics and to a greater degree resembles
the process of researching. In line with this argument, the
diversity of the aids gains signiicance, too: On a basic level,
the individual material characteristics of the aids, their intersections and deviations, their diverse levels of abstraction or
concretisation catered to Meurer’s intended “gymnastics of
independent thinking”38. Secondly, they promoted a differentiated analysis that again sharpened observation and reined
visual perception. Finally, neither the collection of the aids nor
the process of copying channelled a pre-formulated result such
as a normative manner of drawing or a standard strategy of
designing ornaments. Arguing more in the sense of Hans-Jörg
Rheinberger’s “experimental system”39, I would rather describe
the collection of aids as a quite open setting, which still gave
directions but also allowed for individual research interests and
results. In this reading, copying as a dynamic process of reproduction might be called an analytical and relective approach,
which is not so much aiming at producing identity, but instead
epistemically and aesthetically decisive differences.40 In consequence, copying as a method and process seems to follow the
principle of variation, not imitation.
adapting the vegetal motif. To meet this aim, the acanthus was,
as Meurer visualized in his same-named publication showing
numerous artistic variations of acanthus mollis and spinosus,
undoubtedly a fertile case example.
In doing so, Meurer’s methods of working on the natural and
the artistic acanthus motifs and his teaching model as such truly
aligned with the method of copying: Within Meurer’s curriculum,
students started with naturalistic copies after nature. From these
individualist features, they moved on to general ones by copying
the type drawings and projections. Progressing from simple
to complex conigurations, they subsequently reproduced the
conigurations of perspective drawings of the casts and models.
That Meurer’s understanding of this process of reproduction
and its aims was yet indeed different, is irst implicitly proven by
the criticism passed on his aids, which were alleged to be propagating formal schematism as a new style.36 What this reproach
reveals is the common understanding of the teaching aids as
stylistic samples, setting or spreading fashions and offering
motifs for direct application. Meurer’s templates were in fact
exactly not made for displaying prototype compositions ready to
reuse. Nor were they intended as trendsetters of a new artistic
style.37 Rather, they can be described as a means to developing
a new style of perceiving form and conceiving ornament. First
and foremost, however, they were objects of study for gaining
basic formal knowledge – by the method of reproducing.
With this determination, copying itself changed in its function:
It was not aimed at gathering further completed motifs. Instead,
it was employed as a technique to incorporate the constituent
elements of a sample coniguration to discover its implicit
organising principles. Conducted as a morphological examination, the process of copying also became a reconstruction
of the evolution of the natural specimen. In the course of this
examination, botanical information was not simply acquired in
the sense of the reception of expert knowledge. It was rather
cultivated, fused with each student’s practical knowledge,
related with art historical content and processed individually.
Transferring these considerations to the conference and its
objectives, it inally seems worthwhile to rethink the practice
of copying in 19th-century arts and crafts and its tools as an
epistemic practice and to develop a new approach to teaching
models and designing methods of that time. This would not
only contribute to a historiography of a research-based design
methodology before the wake of modernism. It could also
encourage a historical perspective on present-day strategies of
copying and pasting in design.
292
293
The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916)
teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts
/ Angela Bösl
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
8
Moritz Meurer, Planzenformen. Vorbildliche Beispiele zur Einführung in
das ornamentale Studium der Planze; zum Gebrauche für Kunstgewerbe- und
Bauschulen, Technische Hochschulen und höhere Unterrichtsanstalten sowie für
Architekten und Kunsthandwerker, Dresden 1895.
Notas:
9
After recent rearrangements of the exhibition display at the Kunstgewerbemuseum Dresden at Schloss Pillnitz, one room in the section on Art Nouveau is
dedicated to Moritz Meurer, plant studies at the school of applied arts Dresden around
1900 and objects adapting vegetal and zoological forms for decoration and shape.
Within this setting, also 19 bronze casts and sculpted bronzes of leaves, buds and
stalks by Karl Blossfeldt, Louis Heitsch and the Roman bronze founder Giovanni Nisini
are on display.
10
A part of the teaching aid collection including bronze casts and models as
well as herbaria and photographs made by Karl Blossfeldt can be searched online:
cf. http://www.universitaetssammlungen.de/modelle/suche/swp/ Design; http://www.
photographie-sk-kultur.de/karl-blossfeldt/werke/ (30.08.2016)
1
Benjamin, Walter: Neues über Blumen, in: id.: Gesammelte Schriften, vol. 3, ed.
by Hella Tiedemann-Bartels, 3rd edition, Frankfurt on the Main 1987, p.151-153, there p.
151.
11
Moritz Meurer, Die Ursprungsformen des griechischen Akanthusornamentes
und ihre natürlichen Vorbilder, Berlin 1896.
2
For a biographical overview on Moritz Meurer and the institutionalization of
his teaching model see also: Nancy Tanneberger, Von Waldenburg nach Rom. Der
Maler und Kunstschulreformer Moritz Meurer (1839–1916), http://www.photographie-sk
-kultur.de/ileadmin/user_upload/ download/Tanneberger_ 20090312.pdf, 10.08.2016.
12
To meet this aim, Meurer suggested to establish small gardens or green
houses at the schools of applied arts or to go on joint walks in nature during the
drawing classes. Cf. Meurer 1895, p. 42, 53.
3
Although the paintings themselves have not survived, some preparatory
sketches and inal designs have remained and are today part of Meurer’s estate kept
at Museum Waldenburg.
13
Cf. Meurer 1895, p. 54-56.
14
Most of the herbaria that have survived at the Archive of the University
of Arts in Berlin came to the Unterrichtsanstalt by 1911-1913 and are ascribed to
Karl Blossfeldt. It is however dificult to determine whether the latter originally
manufactured them for Meurer or if they were generated in Meurer’s atelier in Rome.
However, even if these remaining herbaria were not the ones used in the classes for
plant drawing but only in Blossfeldt’s own classes, it is yet certain, that Meurer as well
had dried plants preserved in similar boxes as teaching aids. See the photograph
taken in his Roman atelier, showing a group of herbaria in: Jürgen Wilde: Karl
Blossfeldt. Ein Lebensbild, in: Karl Blossfeldt. Fotograie, ed. by Ann und Jürgen Wilde,
exhibition catalogue, Kunstmuseum Bonn, Ostildern 1994, p. 7-12, here p. 8.
4
For publications on Blossfeldt related with his works for Meurer and with his
own classes in plant modelling at the School for applied arts of the Museum of Arts
and Crafts Berlin see among others: Rajka Knipper: Die Sammlung Karl Blossfeldt in
der Universität der Künste Berlin. Lehrmittel für den kunstgewerblichen Unterricht, hg.
von SK Stiftung Kultur, Die Photographische Sammlung 2009, http://www.photographie-sk-kultur.de/ileadmin/user_upload/download/Knipper_20090312.pdf, 10.08.2016.
5
Archive of the University of Arts Berlin, Acta Planzenzeichnenklasse 7, no. 7,
fol. 28 v.
6
Beside other contemporarily well-known authors like Karl Bötticher (1806–
1889) or Johann Eduard Jacobsthal (1839–1902) Meurer clearly labelled Frederick
Edward Hulme and Victor Ruprich-Robert as two of his sources of reference. However,
he partly critically reviewed them as–to his mind–they had not fully deployed the
didactic potential of the tectonic properties of plants for the arts and crafts. Cf. Edward
Hulme, Plants. Their natural growth and Ornamental Treatment, London 1874; Victor
Ruprich-Robert, Flore Ornementale. Essai sur la composition de l‘ornement. Éléments
tirés de la nature et principes de leurs application, Paris 1876.
15
Meurer 1895, p. 55.
16
Cf. ibd., pp. 40f, 54.
17
On the content of the lectures and their integration in the classes cf. ibd., p.
50-51.
18
Cf. Meurer, Moritz: Das Studium der Naturformen an kunstgewerblichen
Schulen. Vorschläge zur Einführung eines vergleichenden Unterrichts. Berlin 1889, p.
39
7
Moritz Meurer: Die Ziele und Bedingungen des Naturformenstudiums an
technischen Kunstschulen und meine Bestrebungen auf diesem Gebiete. Ein Vortrag
gehalten auf der Wanderversammlung Deutscher Gewerbeschulmänner in Cassel.
Dresden 1894, p. 30.
19
294
295
Cf. Meurer 1895, p. 44- 46.
20
Moritz Meurer (ed.): Meurer’s Planzenbilder, 20 parts (10 sheets each), Dresden
1896-1899.
The acanthus revisited: Moritz Meurer’s (1839–1916)
teaching model of plant studies for Prussian schools of applied arts
/ Angela Bösl
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
arts (2000), no. 459, pp. 25-31.
21
Indeed, the photos of Blossfeldt often are anything but showing nature as it is,
but manipulated and primed plants, staged for being photographed.
35
James Page, Guide for the drawing of acanthus, and every description of
ornamental foliage. Illustrated with upwards of two hundred wood-cuts, and sixty
etchings on steel, London 1843.
22
Moritz Meurer to Ernst Ewald, 17th July 1892, Archive of the University of Arts
Berlin, Acta Planzenzeichenklasse 7, no. 7, fol. 281-282.
23
Cf. Meurer’s comments on and his positive evaluation of the casts: Meurer
Planzenformen 1895, p. 56.
36
Cf. the most critical review of Meurer’s “Planzenformen“ by Paul F. Krell, Eine
Gefahr für den Zeichenunterricht in Deutschland, in: Münchner Neueste Nachrichten,
48. Jg (1895), no. 188, 24.04.1895, without pagination.
24
Some of these photographs were reprinted in Meurer’s series “Planzenbilder”.
As a compete collection, the photos of the cast reliefs and models were published–
with indications on measures and the sample plants–as parts of an order catalogue:
Moritz Meurer, Catalog der plastischen Planzenformen. Eine Sammlung von Modellen
nach der Natur in Relief- und Rundformen zum Gebrauche an technischen Kunstschulen, Dresden s. a. [1899].
37
Meurer himself irmly emphasized that he was not intending to nor believing
in the founding of a new style. To his mind, style evolved as a process. Therefore, even
the study of nature was not the directly operant force generating a new manner of
giving shape and designing. With regard to this conviction, it does not surprise at all
that Meurer distanced himself from the exuberant loral or zoological designs of Art
Nouveau. Cf. Meurer 1895, p. 33-35.
25
Meurer 1895, p. 56.
26
Cf. Meurer 1895, p. 47.
38
Archive of the University of Arts Berlin, Acta Planzenzeichnenklassen 7, no. 7,
fol. 26.
27
Cf. Meurer 1895, p. 39.
28
Ibd., pp. 43f, 51.
39
Cf. Hans-Jörg Rheinberger’s deinition in: Experimentalsysteme und epistemische Dinge, 2nd edit., Göttingen 2002; id.: Augenmerk, in: id.: Iterationen, Berlin
2005, p. 51-73, here pp. 57–59.
40
29
In the late 19th century, the study of nature not only played the primordial role
in the renewal of artisan production, education and the debate on ornament, but also
was present in the renewal of the education system at the Academy in Berlin under its
director Anton von Werner. Beside nature as a means he also relied on the didactic
effect of exemplary works of arts. Still, composition not imitation constituted the aim
of his approach – an aim, which can partly be correlated with Meurer’s intentions, who
also disqualiied mimetic approaches as strategies in crafting and decoration. On the
history of the Berlin Academy of ine arts see Ekkehard Mai, Die deutschen Kunstakademien im 19. Jahrhundert. Künstlerausbildung zwischen Tradition und Avantgarde,
Köln/Weimar/Wien 2010, p. 261-289.
30
Cf. Meurer 1895, pp. 38, 40.
31
Ibd., p. 38.
32
Bruce Tattersall/Eva Wilson, Acanthus, in: The Dictionary of Art, ed. By Jane
Turner, 34 vol., London 1996, vol. 1, pp. 109-112.
33
“The fatal facilities which the Roman system of decoration gives for manufacturing ornament, by applying acanthus leaves to any form and in any direction, is the
chief cause of the invasion of this ornament into most modern works. It requires so
little thought, and is so completely a manufacture, that it has encouraged architects
in an indolent neglect of one of their especial provinces, and the interior decorations
of buildings have fallen into hands most unitted to supply their place.“ Owen Jones,
Grammar of Ornament, London 1856, p. 44.
34
Cf. Tattersall/Wilson 1996, p. 111; cf. Sabine Thümmler, Sources of Jugendstil in
Germany. Facets of the renewal from nature, in: Apollo: The international magazine of
296
297
Cf. Rheinberger 2005, p. 68.
Angela Bösl, M.A. studied Art History and History at Ludwig-Maximilians-Universität Munich, at Sorbonne (IV) Paris
and the Freie Universität (FU) Berlin (2004-11). She worked,
amongst other places, at the German Forum for Art History
Paris and at the Max Planck Institute for the History of
Science Berlin (2006-09). At University Museum Tübingen
and within the graphic arts collections of the Louvre and
the British Museum, she acquired experience in the ields of
curating. After an academic traineeship at the City Museums
Wetzlar (2011-13) she has since worked as a research associate
at Cluster of Excellence “Image Knowledge Gestaltung“ at
Humboldt-Universität Berlin. Since August 2016, as a doctoral
researcher at the Center of Advanced Studies „BildEvidenz”
at FU Berlin, she has been working on her doctoral thesis on
Moritz Meurer and his teaching aid collection.
Artistas entre lores,
folhas e itinhas:
um olhar decorativo
na Academia de
Belas Artes do
Rio de Janeiro
e os modelos
ornamentais no
século XIX
298
299
Marize Malta
Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na
Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX
/ Marize Malta
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
lado, também é possível encontrar folhas de acanto, capitéis e
vasos, especialmente se as escolas ofertavam cursos de arquitetura nos seus currículos, ao lado da pintura, escultura e
gravura (neste caso, gravura de medalhas e pedras preciosas).
O conjunto de modelos que empreendeu, por meio das cópias,
diversos trânsitos, conigurava-se como um manancial de
referências clássicas (antiguidade e renascimento) que serviam
de paradigma para aprender a ver um certo padrão de beleza e
de tipo de representação.
Os escritos de história da arte diicilmente relacionam a
produção de um artista ou a grandeza e provocação da arte
com uma ação ornamental ou decorativa, por serem consideradas qualidades depreciativas no campo artístico, apesar
de fazerem parte dele, e com especial intensidade, em ins
do século XIX e início do XX. Como seria, então, pensar na
formação de artistas consagrados na história da arte no Brasil
e relacioná-los ao estudo e a trabalhos de lores, folhagens e
itinhas... É o que veremos aqui, na medida que iremos abordar
modelos de ensino que contemplam modelos de ornatos, que
implicaram desenvolvimento de habilidades visuais para tudo
aquilo que fosse decorativo, mostrando que nas escolas de artes,
especialmente na Academia do Rio de Janeiro, durante o século
XIX, desenvolveu-se um olhar decorativo (Malta, 2011).
Ao se tratar sobre os modelos de ensino nas academias/escolas
de Belas Artes ao longo de suas trajetórias, é comum encontrarmos referências a corpos humanos (narizes, bocas, mãos e
pés), estatuária clássica (bustos, iguras e grupos) ou elementos
arquitetônicos ligados às ordens greco-romanas, materializados
em moldagens de gesso. As chamadas acadêmias eram recursos
imprescindíveis até boa parte do século XX para o processo
de aquisição da habilidade de saber ver e representar arte. E
toda escola se esforçava para montar um conjunto signiicativo
de referência para seu alunado. Nos muitos acervos de escolas
de artes, com pelo menos mais de cem anos, espalhados pelo
mundo, podemos visualizar peças recorrentes, como Laocoonte,
o Discóbolo, o torso de Belvedere, Vênus de Milo, o Escravo
Rebelde e o Escravo Moribundo, de Michelangelo... Ao seu
O Museu D. João VI-EBA-UFRJ, legatário de obras de cunho
didático da Academia Imperial (AIBA) e Escola Nacional de
Belas Artes (ENBA) do Rio de Janeiro, possui uma coleção de
moldagens, gravuras e desenhos que, junto com as peças que
estão em regime de comodato no Museu Nacional de Belas
Artes (visíveis nas duas galerias de moldagens), dá conta das
referências com que os estudantes lidavam na sua formação
durante o século XIX, quando o método acadêmico estava
em voga (Pereira, 2003). É incontestável a maciça presença de
iguras humanas e dos elementos escultóricos e arquitetônicos
de linguagem clássica.
300
301
A reincidência não foi fenômeno brasileiro, mas em grande
parte do mundo europeu e pode ser observada por meio de
algumas representações de espaços de estudos que acolhiam as
moldagens em gesso, caso da tela de Johan Zoffany, de 1782, que
retrata Charles Townley e seus amigos na biblioteca (Zoffany,
Johann – Charles Towneley in his Sculpture Gallery – 1782.
Towneley Hall Art Gallery and Museum). As peças ali estão
como fontes de estudos, discussões, aprimoramento de gosto,
uma elegia ao clássico, ao mesmo tempo que o pintor comprova
sua competência em representar mimeticamente de uma só vez
tantos modelos. De modo similar, na gravura do museu de sir
John Soane, veiculada no Illlustrated London News (Sir John
Soane’s Museum in Lincoln’s Inn Fields: The Monks’ Parlour
- The Illustrated London News, 25 June 1864.), iguram muitos
modelos arquitetônicos em meio a rostos, modelos e emblemas.
Se as moldagens se faziam presentes em casas de particulares
Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na
Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX
/ Marize Malta
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
e colecionadores, seus destinos mais garantidos foram as salas
das academias, escolas de belas artes e de desenho. Cada instituição acabou por constituir conjuntos particulares, apontando
por certas preferências comandadas por seus administradores
e docentes de várias gerações
coisas existentes. Ornar não se faz por acaso, é algo que demanda
conhecimento. Também as coisas não são ornadas naturalmente,
é preciso arranjar, pôr em ordem. Signiica que a condição
ornamental não preexiste, não é dada pela natureza e, sim, fruto
da cultura.
No conjunto da Academia/Escola Nacional de Belas Artes
do Rio de Janeiro, além das iguras da estatuária e arquitetura clássicas, há uma série de modelos de lores, folhagens
e itinhas, chamados de ornatos e visíveis não só em forma de
relevo, mas também encontrados em desenhos e gravuras. Se
estes modelos são quantitativamente inferiores aos das iguras
humanas e de arquitetura, não signiica que foram menos
importantes. Contudo, a ausência de estudos sobre o repertório
ornamental aprendido na formação do artista e desenvolvido
na AIBA/ENBA acabou por reforçar uma ideia equivocada de
sua pouca participação no processo de ensino-aprendizagem
e de produção artística. Muito menos, encontramos estudos
sobre sua repercussão. No século XIX era inconcebível pensar
um mundo sem ornamento. Muitos artistas atuaram em
trabalhos de cunho decorativo, executando relevos arquitetônicos, projetando vinhetas e capas de revistas, frisos e painéis
decorativos para espaços interiores, diplomas e cartazes,
estampas para papéis e tecido, objetos utilitários, cujo aprendizado dos ornatos foi fundamental. Contudo, a historiograia
deu preferência a se aprofundar quase que exclusivamente na
produção pictórica ou escultórica, ou seja, na criação estritamente visual, por mais que alguns artistas tivessem atuado
em vários tipos de trabalhos artísticos.
Enfeitar, o signiicado mais disseminado de ornar, veio do
latim affactare, e expressa pôr adornos, arrebiques e enfeites;
adornar, ornamentar, tornar-se bonito, alindar, embelezar, dar
boa aparência (Moraes e Silva, 1877: 656; Moraes e Silva, 1949:
412; Aulete, 1881:611). É o vocábulo que assume constantemente o sentido de beleza, tornar-se belo. Quando ornar e,
por consequência, decorar, estão expressamente relacionados
à beleza, evidencia-se o objetivo da ação com os atributos da
aparência, da forma, ou melhor, da boa aparência, da bela
forma.
A atividade de decorar – saber escolher e aplicar os
ornamentos – estava ixada na formação dos artistas oitocentistas e transcorreu por várias gerações que aprenderam a
lidar com a decoração em detalhes (Viana, 2015). Desde os
primeiros tempos da Academia Imperial de Belas Artes,
Desenho de Ornamentos, Pintura de Ornamentos e Escultura
de Ornamentos estiveram presentes na oferta de disciplinas
(Fernandes, 2001), o que pode ser atestado pelos desenhos de
ornato em crayon de Henrique José da Silva, datados de 1827
(Fig. 1A e 1B), que deveriam ter sido usados como modelos
para os alunos poderem copiar.
Ornar
O verbo ornar, do latim ornare, signiicava inicialmente por em
ordem, arranjar. Depois passou a signiicar enfeitar. A ideia de
ornar originou-se de um sentido de intervir para colocar em ordem,
com objetivo de alcançar um estado de equilíbrio, uma beleza
ideal. Ornar faz parte de ações que preveem arrumar, colocar as
coisas em seus devidos lugares; intervenções conscientes sobre as
302
303
Das 126 pranchas de desenhos de Henrique José da Silva,
por volta de 15 são de ornatos, sendo quatro com cupidos em
diferentes conjugações, dois lorões e nove folhas de acanto.
Indiscutivelmente, a folhagem-símbolo das belas artes se
constituía como desaio de aprendizagem, com seus recortes e
volteios, suas dobras e variações, sendo representação recorrente
em termos de folhagem, despertando um processo de naturalização no imaginário de muitos artistas: – Se é artístico tem que
ter folha de acanto!
Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na
Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX
/ Marize Malta
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Afora as moldagens, os alunos contavam com gravuras e livros.
Os alunos de Pintura tinham a disciplina Desenho Figurado
cuja primeira etapa consistia em cópia de estampas (Fernandes,
2001/2002: 36). A obra Le guide de l’ornemaniste (1826), por
exemplo, já estava presente na listagem das obras constantes
na biblioteca da Academia, lista feita a partir de levantamento
de Félix Émile Taunay em 1850 (Fernandes, 2001: p.355-357).
Em seguida, a partir de 1831, o desenho passou a ser ofertado
pela disciplina Desenho de Moldagens (franqueado a todos os
cursos – Arquitetura, Pintura de Paisagem, Pintura Histórica
e Escultura), esclarecendo a partir de que suporte os olhares
em formação estavam sendo canalizados e evidenciando a
presença dos modelos em gesso para suporte didático. Ver
lores e folhagens em relevos aguçava a percepção para facilitar
criar com sutilezas os ornamentos internos e externos da arquitetura. E tudo poderia começar com uma folha de acanto. Daí
as muitas gravuras e desenhos dessa folhagem presentes no
acervo do Museu D. João VI-EBA-UFRJ.
No conjunto de gravuras do acervo do Museu D. João VI, há
estampas pertencentes às obras como: Études d’ornements
aux deux crayons, de Adolphe Bilordeaux (1ª edição de 1846);
Le portefeuille des ornemanistes, de J. Carot (sem data); ou
simplesmente Cour d’Ornements ou ainda L’Ornement. Muitas
gravuras vinham reunidas em forma de portfólios, em pranchas
soltas, algumas com apresentação do conteúdo, por vezes
fazendo-se referência da origem do ornato representado. Não
custa lembrar que as gravuras eram depositadas na biblioteca
da Academia e dialogavam com outras páginas de papéis, os
livros didáticos.
Com a reforma de 1855 e a abertura para o ensino industrial
e curso noturno, as disciplinas voltadas ao ornato ganharam
mais alunos nas décadas subsequentes. Para as disciplinas
Desenho de Ornatos e Desenho de Ornatos e Figura, esteve
à frente o professor João Maximiano Mafra (de 1856 a 1890),
e na cadeira de Escultura de Ornatos, Honorato Manoel de
Lima (de 1855 a 1863) e Antônio de Pádua e Castro (de 1863 a
1881). O desenho de ornatos era oferecido aos alunos do curso
de arquitetura, imperando os modelos de ornatos arquitetônicos. Já Escultura de Ornatos, em mãos de um dos maiores
entalhadores de sua época – Pádua e Castro, pôde se utilizar
das moldagens ornamentais de modo a instruir os futuros
escultores não só a aprender a ver, mas a fazer a decoração dos
edifícios. O olhar para o ornato naquele momento se desenvolvia pela e para a tridimensionalidade (ig.2A e 2B).
Os livros de repertório, como o de Owen Jones, de 1865, e de
Albert Racinet, o primeiro de 1869-73 e o segundo de 1885-87,
presentes na atual biblioteca de obras raras da EBA-UFRJ,
herdeira da biblioteca da Academia, tratavam os ornamentos
como categorias estilísticas e etnoculturais e eram dirigidos
para auxiliarem artistas a desenvolverem novas composições
baseadas na síntese ornamental que apresentavam. Mais do que
deinirem ornatos, os livros buscavam ensinar pelos exemplos.
Quantitativamente, gravuras e livros eram superiores às
moldagens, imperando as fontes de estudo em duas dimensões.
Do inventário das moldagens em gesso de 1858, constava a
estatuária greco-romana e renascentista, mas também os
ornatos, mencionados como 200 fragmentos, oriundos da
Coleção da École des Beaux-Arts de Paris (Fernandes, 2001:
360). Provavelmente parte desses ornatos havia sido adquirida
em compra de 1857 por Araújo Porto-Alegre, enquanto diretor
da AIBA, de uma coleção de ornatos para aulas de escultura
e desenho, como mencionava o documento (Fernandes, 2001:
361).
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305
Enquanto uns acreditavam no ornamento enquanto poder de
embelezamento de um objeto, proporcionando sensação de
prazer no observador-usuário (Dresser), outros apontavam
para seu caráter moral (“Educando o gosto se forma necessariamente o caráter” – Ruskin). Nas aulas adquiriam-se não
somente meios técnicos, mas habilidades e compartilhamento
de identidades, como a insistente folha de acanto, apropriada
Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na
Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX
/ Marize Malta
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
por muitas culturas e alvo de várias adaptações estilísticas
que, em face de sua repetição e cópias ao longo dos tempos,
transformou-se em motivo abstrato, capaz de se moldar a
outras realidades e tempos.
eram propostos por livros, muitos dos quais podem ser encontrados na biblioteca de obras raras da EBA-UFRJ. Porém,
junto a isso, os livros com métodos de repertórios tirados da
natureza funcionavam como contrapontos aos ornatos tradicionais e incentivavam os alunos a pensarem em criar seus
próprios repertórios ornamentais.
Flores, folhas e itinhas
Após a reforma de ensino que passou a vigorar na Escola
Nacional de Belas Artes, impulsionada pela reforma do sistema
de educação por Benjamin Constant, a cópia dos modelos seria
preterida em favor da valorização do método intuitivo, em que
o aprendizado se valia dos sentidos e da observação direta da
natureza (Dazzi, 2013). Para a formação geral dos cursos de
Arquitetura, Pintura, Escultura e Gravura era oferecida, no
terceiro ano, a cadeira de Elemento de Arquitetura Decorativa
e Desenho Elementar de Ornatos (que perde o “Elementar”
em 1911). Na fase do curso especial, somente para Escultura e
Gravura, era ofertada a matéria Escultura de Ornatos (Viana,
2015: 117).
Se as ordens arquitetônicas eram praticamente imutáveis, se as
esculturas greco-romanas não possuíam variações, eram quase
sempre as mesmas, variando em escalas, o mesmo não era
válido para os ornatos. Há diversas linguagens impressas nas
moldagens de ornatos constantes no Museu D. João VI (ig. 2).
Composições de gosto gótico, renascentista, barroco, rococó,
neoclássico e até mesmo arte nova. Desse modo, os estudantes
que conviviam com essa variedade, em ins do século XIX,
podiam desenvolver uma experiência visual mais diversiicada,
menos subjugada aos modelos clássicos, apta a perceber
pequenas diferenças entre as linguagens e escolas, além das
formas de composição com múltiplos elementos reunidos,
caso de frisos com candelabras e grotescos. O mesmo tema
encontra relexos na biblioteca de obras raras, com livros de
repertórios e gramática decorativa com motivos lorais, de itas
e concheados, expandindo-se para letras, cartelas, monogramas
e vinhetas.
Mesmo assim, os modelos tradicionais em gesso continuaram
a ser usados, o que pode ser observado por meio de fotograias
dos ateliês da Escola Nacional de Belas Artes. Há também no
acervo do MDJVI 14 moldagens de lores, folhas e itas provenientes da École Boule (igs. 2C e 2D), escola superior de arte
aplicada parisiense, que adotou esse nome a partir de 1891.
Embora não saibamos quando o conjunto foi adquirido pela
ENBA, tudo índica que tenha sido empregado nas aulas de ins
do XIX e primeiros anos do século XX. Apesar de ainda encontrarmos algumas folhas de acanto, visualizamos guirlandas,
itas, folhas de carvalho, igo, agrião, folha d’água, mamão, e
mais rosas, girassóis e peônias como motivos predominantes,
desprendendo-se do domínio da linguagem clássica e de seus
motivos decorativos.
Essa sistemática poderia ter sido uma facilitadora no processo
de criação de repertórios locais, que partiam da experiência do
natural para criar repertórios decorativos, cujos exercícios já
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As obras Exercices de Compositions Décoratives, d’après la
nature e Essais de Décoration d’Aprés la Nature, presentes
nas Obras Raras da EBA-UFRJ, que se propunham iniciar os
alunos à composição decorativa aplicada à indústria, ofereciam
vários modelos de lores, plantas e vegetais, desenvolvidos
a partir da observação direta da natureza. Cada prancha, de
autoria de M. Chevry, denominado artista-pintor, apresentava
o desenho do espécime botânico como se oferecia no momento
da lorescência, acompanhado de projetos criados por ele para
aplicação decorativa da estilização da planta, como frisos
para pirogravura, sanefas, capitéis, estamparia para tecidos,
azulejos, molduras para cartões, decoração para pratos, etc.
(ig. 3A).
Artistas entre lores, folhas e itinhas: um olhar decorativo na
Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
e simetria (uniformidade, repetição, declinação, variação,
unidade, variedade); ordem e disposição das formas (séries,
conjugação, disposições variadas, múltiplas, aglomerações);
disposições iguradas, coordenadas e construídas; desenvolvimentos (combinações, aplicações, partições, compartimentação e ajustes). Com essas habilidades adquiridas, seria
possível a criação de ornamentos totalmente novos.
Chevry seguiu os passos de Eugéne Grasset, que lecionou
entre 1890 e 1903 na École Guérin e desenvolveu em 1896 obra
intitulada La plante et sés apllications ornamentales (A Planta
e suas Aplicações Ornamentais), como L’Animal dans La
décoration (O animal na decoração) e Méthode de Composition
Ornamentale (Método de Composição Ornamental). Seu curso
e obra obtiveram reverberações no Brasil, com destaque para
Eliseu Visconti, Lucílio de Albuquerque e Theodoro Braga.
Em anotações de cadernos dos dois primeiros artistas são
apreciáveis os registros do processo de sintetização da forma e
os métodos para transformação do modelo, retirado a partir do
olhar para a natureza, para se conseguir o efeito decorativo do
ornato (Teixeira Leite et al, 1979). Em desenhos e aquarelas de
Henrique Bernardelli também se faz presente vários estudos de
lores e folhas a partir da natureza (ig. 3B).
Por outro lado, para se alcançar o domínio de criação
ornamental, haveria que se dar o desenvolvimento da
capacidade visual para o ornato, alcançado durante as aulas na
Academia/Escola Nacional de Belas Artes. Uma das funções
do ornamento seria iluminar a imaginação (Bloomer, 2000) e,
portanto, os exercícios de cópias de lores, folhagens e itinhas
tinham seu papel na formação do olhar para os detalhes e seus
usos decorativos. Para criar seu próprio ornato, seria necessário
primeiro compreender a natureza do ornamento.
Das leis de composição, Charles Blanc destacava: repetição,
alternância, simetria, progressão, confusão, consonância,
contraste, radiação, gradação, complicação (Blanc, 1881: 1-28).
Estas regras eram consideradas as bases nas quais o ensino da
criação das formas poderia se apoiar. Desenhos esquemáticos
exempliicavam várias regras, facilitando sua compreensão.
Segundo Henri Mayeux, as normas seriam baseadas na razão
e no bom senso, porque gosto, originalidade e imaginação não
eram ensinados (Mayeux, 1885: 8). Ele ditava regras da forma
isolada (proporção, do peril, contorno, da estabilidade); do
décor e motivos ornamentais (tipos de motivo: da natureza,
da invenção, da geometria); da aplicação do décor à forma (da
divisão das superfícies, os intervalos, do sentido dominante, dos
efeitos visuais, da escala decorativa, da variedade e similitude
de detalhes, da contiguidade de motivos, da verossimilhança,
da decoração como fundo); do conjunto (função, conveniência,
qualidades superiores).
Alguns autores ofereciam métodos para criar os ornamentos a
partir de exercícios geométricos. Na sua gramática elementar
para o ornamento (1881), Bourgoin apresentava a maneira de
lidar com essa nova linguagem – a visual – através da aprendizagem do alfabeto gráico. O livro era dividido em quatro
partes, do conhecimento mais elementar ao mais complexo:
1) alfabeto gráico e conjugação; 2) iguras; 3) partições; 4)
motivos e disposições. Em obra posterior (1883), Bourgoin
acrescentou noções pormenorizadas para compor ornamentos,
desenvolvendo noções de: fundamentos (número, grandeza,
quantidade, coordenadas, escalas); delineações (linhas retas,
curvas); formas fundamentais e formas corporais; regularidade
O conhecimento da composição parecia de tal modo difundido
e creditado como fundamental que até as obras ligadas à prática
inseriam noções de geometria aplicada. É o caso de Traité
d’ébenesterie et de marqueterie (Fourier, 1905) que, ademais
a tradicional descrição das características da madeira e modos
de trabalhá-la, oferecia noções sobre linhas, curvas, polígonos,
ângulos e concordâncias de curvas e noções de arquitetura, com
a apresentação das ordens clássicas. O mesmo se aplica a Traité
de peinture en bâtiment et de décoration (Chauvet), que traz os
princípios fundamentais da decoração, incluindo a teoria das
cores, antes de apresentar os exemplos e suas respectivas explicações.
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Figura 2 – Moldagens de ornato. Gesso. Acervo do Museu D. João
Figura 1 – Grupo de desenhos de ornatos. Acervo do Museu D. João
VI-EBA-UFRJ. Figura 2A- Ornato com rocalha e folha de acanto - 64,0
VI. 1a e 1b – Desenhos de folhas em crayon de Henrique José da Silva,
x 38,0 X 8,0. Reg.3418. Figura 2B – Rosas com hastes sobre placa - 44,5
1827. Figura 1c – Desenho de ornato em carvão de Antonio Bernardo do
x 27,0 x 4,0. Reg. 2233. Figura 2C – Fita sobre placa. École Boule - 40,5 x
Patrocinio, 1858. Figura 1d – Desenho de ornato em carvão e crayon de
José Alves das Neves, 1863.
25,5 x 8,0. Reg.2236. Figura 2D – Peônias (Pivoines). École Boule - 30,0 x
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41,0 x 10,0. Reg 2277.
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Em ins do século XIX, os artistas brasileiros passaram também
a criar seus próprios repertórios ornamentais, buscando desenvolver motivos de síntese da natureza, alguns com caráter nacionalista. Eliseu Visconti criou vasos com lores de maracujá,
Theodoro Braga criou seu álbum A planta brasileira (copiada
do natural) aplicada à ornamentação (1905), valendo-se de
plantas e animais recorrentes em território brasileiro como
café, cacau, vitória-régia, macacos, peixes, tendo adicionado
pranchas com repertório marajoara em 1914 (Coelho, 2012:
113).
retirados na reforma realizada em 1922, a qual acrescentou
galerias, ocupando parte da área do pátio interno. Labor, veritas,
contantia, nobilitas, gloria, vita, amor, ars (Fig. 4). Com cores
vibrantes e efeitos de vidro liso, iridescente e martelado, com
disposição dinâmica e harmonicamente inscrita nos círculos,
com variedade e unidade, o efeito decorativo é inegavelmente
alcançado, por olhos que foram devidamente treinados por
modelos de lores, folhas e itinhas.
Parte dos estudos para esses vitrais se encontra no acervo do
Museu Mariano Procópio e na Pinacoteca do Estado de São
Paulo, devidamente identiicados e assinados, permitindonos comprovar que se tratam de peças de autoria de Henrique
Bernardellli, cujas peças materiais estão salvaguardadas no
Museu D. João VI-EBA-UFRJ. O labor, representado por
colmeia com abelhas (Fig.5a); o amor, com grande buquê de
rosas (Fig. 6a); a arte, com pedestal e folhas de acanto (Fig.
7a). Do projeto inicial, algumas adaptações foram feitas para
o produto inal, subtraindo-se pedestais, colmeias e abelhas e
dando-se preferência representar apenas lores, folhas e itinhas
(Figs. 5b, 6b e 7b). Cada palavra escrita em latim assenta-se
sobre uma ita branca, cujas pontas se dobram em curvas que
desaparecem em meio a folhagens. Variadas lores e folhas,
cada uma delas se adequa ao círculo e à alegoria (rosas para
o amor, digitalis para o trabalho, oleandro para a nobreza),
emoldurada por faixas vermelhas e amarelas, com amarrações
e “X” em cor azul, criando uma união compositiva. Os vitrais
foram pensados para serem visualizados em conjunto (Fig. 4).
Modesto Brocos, em texto que discutia o ensino das belas artes e
a crítica da direção de Rodolfo Bernardelli, dizia:
As artes ornamentais são as que mais se precisa desenvolver
no atual momento; estas preparam os oiciais de todas as
proissões, (...). Isto trará outras vantagens: os produtos
manuais feitos com inteligência artística ao passarem as
nossas fronteiras, irão mostrar às nações vizinhas o bom
gosto que distinguirá nossos artefatos (Brocos, 1915,
p.16-17).
Em ins do século XIX muitos artistas se aventuraram no campo
das artes decorativas, criando ilustrações, capas de livros e revistas,
diplomas, projetos gráicos, de decoração e de pintura decorativa,
predominando ornatos em planaridade, mais de cunho gráico
e pictórico. Muitos desenhos projetivos de Rodolfo Amoedo e
Henrique Bernardelli podem ser vistos nos acervos do Museu
Nacional de Belas Artes, Pinacoteca do Estado de São Paulo e
Museu Mariano Procópio. Eram artistas que lidavam com lores,
folhagens e itinhas.
Para a decoração do novo prédio da Escola Nacional de
Belas Artes na avenida Central foram pintados personagens
célebres para a arte no Brasil e executados relevos remetendo
às civilizações antigas, presentes na fachada do prédio, e para
os interiores foram projetados vitrais que, pelo que tudo
indica, icavam voltados para o pátio interno do edifício, sendo
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A arte (Fig.7), da qual todas as alegorias partiram, manteve
como representação um dos ornatos mais presentes nos
modelos em desenho e gesso na Academia, a tradicional folha
de acanto. Proveniente dos gregos, considerados os ancestrais
da arte ocidental, a folha representada por Bernardelli se
conigura como uma síntese de todas as folhas de acanto que
ele e muitos de seus contemporâneos viram pelas paredes e
nas gravuras da biblioteca da Academia/Escola. Desde os
desenhos de Henrique José da Silva, passando por pranchas
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Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e os modelos ornamentais no século XIX
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de gravuras e manuais franceses e pelas variações do acanto
em moldagens em gesso, essa folhagem perpassou os olhos
atentos de gerações e gerações de aprendizes das belas artes,
sendo uma das folhagens mais representativas do ensino da
arte, uma genuína representante das belas artes. Bernardelli
provavelmente conhecia suas simbologias.
Diante de seus signiicados, “o acanto é algo poético que
lembra a pureza de caráter, perfeição moral e trabalho
honesto” (Chevalier; Gheerbrandt), bastante pertinente para
o percurso de um artista de entresséculos. Se suas folhas eram
fortemente decorativas, eram seus espinhos que lhe conferiam
a representação do triunfo, da vitória de quem soube vencer
os espinhos, as provações e percalços. Guiados pelo amor à
arte, os artistas bem sabiam o quanto de trabalho (labor)(Fig.
5) e perseverança (contantia) eram necessários para poder
representar tudo aquilo que a mente imaginasse ou estivesse
apresentado diante dos olhos, encontrando a sua verdade
(veritas)(Fig.8). O caminho da arte demandava um projeto de
vida (vita), ao mesmo tempo que podia transformar a vida das
pessoas com suas criações, enobrecendo-as (nobilitas)(Fig.9),
especialmente se fossem criações decorativas que, por sua
natureza, conviviam na trivialidade do dia a dia das pessoas. A
provação vencida se transformaria em glória (gloria)(Fig.10),
sonho de todo artista em ver seu trabalho reconhecido.
Hoje, Henrique Bernardelli teve seu trabalho decorativo
reconhecido – os vitrais. Alcançou o reconhecimento da
sua arte decorativa, auxiliando a reconhecê-la também na
Academia/Escola. Com todas essas alegorias e com tantos
modelos ornamentais, cheios de lores, folhas e itinhas, lá se
vão 200 anos de provação. É hora de reconhecer que a arte
decorativa também faz parte desses 200 anos. A arte também é
feita de lores, folhas e itinhas.
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Marize Malta é professora de história da arte/ artes decorativas/
ambiências interiores na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduada em Arquitetura
(USU), mestre em História da Arte (EBA-UFRJ) e doutora
em História (UFF). Seu domínio de investigação é em história
e teoria das ambiências, artes decorativas, arte doméstica,
objetos do mal, coleções e modos de exibição. É líder dos
grupos de pesquisa ENTRESSÉCULOS: mudanças e continuidades nas artes no Brasil nos séculos XIX e XX e MODOS
– História da arte: modos de ver, exibir e compreender.
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Figura 3 – Ornatos a partir da natureza. Figura 3A - Prancha do livro de
M. Chevry. A lor Phlox e sua aplicação ornamental. Acervo das Obras
Raras-EBA-UFRJ. Figura 3B - Desenho de lores a partir da natureza.
Figura 4 – Conjunto de oito vitrais circulares pertencentes ao acervo do
Henrique Bernardelli. Aquarela e graite sobre papel – 21,7 x 29, [s.d.].
Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Museu D. João VI-EBA-UFRJ, com representação do trabalho, verdade,
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constância, nobreza, glória, vida, amor e arte, escritos em latim.
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decorativa na
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Da École Guérin à Bauhaus
Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes
/ Marcele Linhares Viana
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de contratação na própria Escola, que investe na renovação
docente como forma de permitir a entrada de novas tendências
no sistema de ensino. Isto já se inicia com as encomendas
enviadas pelos pensionistas, mas efetua-se principalmente,
com as novidades acadêmicas – e extra-acadêmicas – que os
artistas compartilham com os alunos da instituição. Deste
modo, mostra-se importante a investigação acerca dessas instituições e da sua contribuição para o desenvolvimento das artes
decorativas no ensino no Brasil.
A inluência que o Brasil recebe, desde o século XIX, do sistema
de ensino francês pode ser notado já nas primeiras ações para a
criação da Academia Imperial de Belas Artes em 1816, com a
contratação da Missão Artística Francesa. Por conta desse laço
e pelo fato de Paris ser, depois de Roma, o destino artístico
de referência para o ensino na época, os alunos pensionistas
da Escola, em geral, complementam seus estudos acadêmicos
em algumas das principais escolas de arte da cidade. O relexo
do desenvolvimento da arte decorativa francesa começa a ser
percebido no ensino artístico no país após o retorno desses
pensionistas e da divulgação das ideias adotadas em suas
produções artísticas, como ocorre com Eliseu Visconti no
início do século XX.
Na França, o ensino artístico da Academie e da École des
Beaux-Arts não inclui o aprendizado de arte aplicada. A
instrução técnica ica a cargo de outras escolas, a mais antiga
delas é a École Royale Gratuite de Dessin, fundada em 1766 por
Jean-Jacques Bachelier, e que se mantém ao longo dos séculos
XVIII e XIX com diferentes nomes: École Royale de Dessin
et de Mathématiques en Faveur des Arts Mécaniques (1823)
e École Nationale des Arts Décoratifs (1877). Neste período,
alguns pensionistas da AIBA, alunos de arquitetura, estudam
temporariamente na instituição antes de ingressarem na École
des Beaux-Arts. A instituição muda novamente de nome, para
École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs (EnsAD), em
1925. (PEREIRA; 2001-2002; p123) A École Royale Gratuite
de Dessin aparece como modelo institucional na argumentação
de Lebreton em defesa do ensino casado entre artes e ofícios na
Escola Real de Artes, Ciências e Ofícios, no Brasil. O francês
destaca a iniciativa de Bachelier, ex-aluno da Academie, a qual
“se escandalizou porque um de seus membros se abaixava até
os operários, prostituindo assim a nobre arte do desenho.”
(BARATA, 1959, p301)
O processo de remodelação do ensino pelo qual passa a ENBA
após a Proclamação da República se estrutura com base em
modelos educacionais ingleses e norte-americanos, porém,
a formação do que podemos chamar de “pós-graduação” de
um grupo de alunos ocorre nos estudos fora do país. Este
período é fundamental para a complementação da formação
artística já que ocorre quando os artistas se encontram mais
amadurecidos e, geralmente, dispostos e encontrar ou deinir
uma identidade para seus trabalhos. Se considerarmos que a
virada do século conigura-se como um período de efervescência cultural e de uma especial diversidade de vanguardas
modernas na arte, compreendemos o ambiente cultural que os
alunos de excelência da ENBA encontram na capital francesa.
Esses ex-alunos retornam ao Brasil com grande possibilidade
324
325
Outra instituição francesa frequentemente citada nas biograias
de alunos pensionistas da ENBA, em Paris, é a École Guérin. A
École Normale d’Enseignement Du Dessin ica conhecida pelo
nome de seu idealizador, o arquiteto francês Alphonse Guérin,
que funda a instituição em 1881. A escola de iniciativa privada
oferece ensino artístico gratuito – de composição decorativa,
história da arte, anatomia, perspectiva etc – e conta com a
Da École Guérin à Bauhaus
Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes
/ Marcele Linhares Viana
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
contribuição de professores voluntários e com pequeno auxílio
governamental. A instituição ganha prestígio na França após
ter seus alunos como vencedores de importantes concursos
de arte e de composição decorativa entre os anos de 1891 e
1894. A École Guérin oferece diferentes cursos voltados para
diversas áreas artísticas, porém, o curso de arte decorativa,
que abre a primeira turma em 1890, contribui para a formação
nesta área do artista brasileiro Eliseu Visconti.
Após abandonar a École Des Beaux-Arts, Visconti se matricula
na École Guérin no curso de Arte Industrial e Composição
Decorativa, oferecido pelo artista suíço Eugène Grasset.
Experiente na área de arquitetura, decoração e gravura,
Grasset começa a lecionar na França na École “de la rue
Thévenot”, instituição do sindicado dos ourives, em 1875,
onde ministra um curso de princípios gerais da decoração.
Grasset inicia seu trabalho na École Guérin, em 1890, onde
permanece até 1903. Nos anos de 1903 e 1904, leciona na
École d’Art graphique “de la rue Madame” e, dá continuidade
ao mesmo trabalho na Académie de la Grande Chaumière, até
1913. A partir deste ano, Grasset passa a lecionar história do
desenho e de tipograia na École Estienne, onde permanece
até sua morte, em 1917. Grasset possui uma formação diversiicada, inluenciada pela obra de Viollet-le-Duc e pelo trabalho
de William Morris, graças à inluência direta de Walter Crane.
Filho de um decorador e escultor, ele estuda arquitetura em
Zurique e após se formar visita o Egito. A partir desta época,
passa a ser um admirador da arte não europeia, como a africana
e a japonesa. Trabalha como pintor e escultor em decorações de
teatros, e como decorador na fabricação de móveis, tapeçaria,
cerâmica, ourivesaria e relojoaria. O artista atua ainda como
ilustrador e na criação de estampas para papéis de parede,
mosaico, vitrais, litograia e gravura. O engajamento proissional de Grasset no apoio às artes decorativas é percebido
através de suas atividades junto a grupos e associações deste
ramo. O professor da École Guérin é autor dos livros La
Plante et Sés Aplications Ornamentales1 (1896), ilustrado por
nove de seus alunos, com 144 modelos vegetais decorativos,
organizado em dois volumes; L’Animal Dans La Décoration
(1897), ilustrado por Maurice Pillard-Verneuil; e Méthode de
Composition Ornamentale (1905). Nestas obras, registra o
seu conhecimento acerca do processo de estilização artística
e da composição ornamental, além de promover a estética art
nouveu.
Grasset é professor na École Guérin e na Académie de la
Grande Chaumière de alguns pensionistas da ENBA como
Eliseu Visconti, Theodoro Braga e Lucílio de Albuquerque.
Além de adotarem seu modelo de ensino em suas aulas e
cursos, os artistas fazem uso das publicações de Grasset
como inspiração para o processo de estilização de motivos
ornamentais inspirados na natureza brasileira, que encontramos em produções artísticas e em livros, como o editado
por Braga – A Planta Brasileira Copiada do Natural Aplicada à
Ornamentação – em 1905.2
As aulas de Grasset inluenciam a produção de arte decorativa
de Visconti que, ao retornar ao Brasil, promove uma exposição
intitulada “Pintura e Arte Decorativa”, em 1901. Após a
mostra, o artista investe na produção de cerâmicas e produz
trabalhos no campo das artes gráicas e de pintura decorativa.
Embora alegue que não recebe apoio em suas produções de
arte decorativa, nos anos 1930, Visconti coordena e leciona
em um curso de Extensão Universitária, promovido por Flexa
Ribeiro na Escola Politécnica da URJ.
326
327
Antes mesmo da criação de um curso de graduação de Arte
Decorativa pela ENBA, e um ano após o estabelecimento
da cadeira de Artes Aplicadas – Tecnologia e Composição
Decorativa é aberto um curso de extensão voltado para esta
área, dentro da Universidade do Rio de Janeiro. A extensão
universitária, coordenada pelo pintor Eliseu Visconti, funciona
na Escola Politécnica, a partir de 1934. Visconti contribui para
o início do ensino de Arte Decorativa baseado nos princípios
franceses, porém em busca de uma arte (decorativa) de caráter
nacional.
Da École Guérin à Bauhaus
Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
para procurar inspiração em motivos regionais, enchendo os
seus cadernos de composições estilizadas dos frutos e folhas
do cafeeiro e das ramadas do maracujá.” (BARATA, 1944,
p301) De fato, Visconti, desde 1901, já realiza obras com esta
temática, entretanto, a principal característica destacada pelo
professor no curso é o compromisso com a arte decorativa de
caráter nacional.
A estrutura do curso revela um conjunto de estudos e análises
que Visconti realiza, desde o início de sua carreira, e que são
anotadas em pequenos cadernos, onde podem ser encontrados
ainda diversos desenhos de selos, luminárias, cerâmicas ao
lado de frases como “trabalhar dez anos sem desfalecimento
e parecer um dia” ou “sem pesquisa, sem procura, não pode
existir nenhuma criação nova”. (ARESTIZABAL, 1983,
pp33-34) Nesses documentos, estão registros diversos, como: a
admiração que o pintor tem pela arte japonesa, suas cópias de
Leonardo, seus comentários sobre John Ruskin, suas comparações entre artistas etc. Também se encontram nos cadernos
algumas referências bibliográicas, como “Decoration
Ceramique na ferry de meufle.”, e recortes de jornal, como
“‘La peinture décorative est une convention greffée sur une
autre convention: Lei il ne s’agit plus donner l’illusion de la
vie réelle, mais de décorer une muraille qui doit malgré tout
conserver son aspect de solidité’, pour Victor Fulconis”. Dentre
as anotações, os temas “composição decorativa”, “decorativo”
e “decoração” são frequentes: “‘Composição’: lora e igura;
igura e arquitetura; igura e elementos geométricos; plano e
côncavo; redondo e chato; trabalho e não trabalho; vazio e
cheio-claro-escuro; ‘verdade, vida, observação’”.3
Além deste conteúdo, contribui para a composição do programa
do curso de extensão, informações extraídas do regulamento
da École des Arts Décoratifs de Paris, enviada à Visconti,
através de correspondência datada de 1934, por seu cunhado,
Jules Palombe. O artista, porém não está apenas interessado
nas novidades das escolas europeias, mas se compromete
com a criação de uma arte nova nacional. Dentre os motivos
decorativos utilizados por Visconti no curso e em suas produções
predominam os inspirados na lora brasileira, como o café, o
fumo, o maracujá, a begônia etc. A estilização da arte brasileira
através da criação da arte decorativa, frequente no discurso de
Visconti, torna-se um marco para o ensino de arte decorativa
no Rio de Janeiro. Segundo Frederico Barata, “em 1936 e 1937,
quando [Visconti está] lecionando nos Cursos de Extensão
Universitária, ele se afasta um pouco da tradição europeia
O curso de extensão começa a se concretizar em 1933,
iniciando suas atividades em 1934 e permanece até 1936 sob
comando do artista, porém há registros de que mesmo após
a saída de Visconti, o curso tem continuidade com outros
professores. Em 25 de maio de 1934, Visconti escreve uma
espécie de justiicativa do curso, onde airma que “a arte
decorativa é possuidora de um domínio inesgotável” do qual é
possível retirar ininitas composições: “Este curso vem suprir
as falhas das nossas indústrias nascentes: a educação de arte.”
(ARESTIZABAL, 1983, p33) Neste documento, o pintor
ainda ressalta que o estudo de uma “arte brasileira” deve
ser feito continuamente e não apenas em “algumas lições”.
Visconti apresenta as fontes da decoração em quatro itens: 1º
a geometria, 2º a lora, 3º a fauna e 4º a igura humana “e tudo
mais que nos rodeia na vida.” (ARESTIZABAL, 1983, p34)
Em seguida, apresenta a dupla inalidade do curso: a primeira,
para ins artístico-industrial, focado no estudo do desenho;
e a segunda, para o formar professores de desenho em artes
aplicadas e decorativa, como segue descrito no programa.4
Visconti adota na metodologia do curso um critério que
distingue a parte geométrica da inspiração naturalista. No
primeiro ano, apresenta a geometria e técnica; e no segundo,
lora, fauna e paisagem. O primeiro segmento é subdividido
em: ponto, linhas, letras, festões, triângulos, quadrados, curvas
harmônicas, hexágonos; e na parte técnica, o emprego do ferro
forjado, pratos, papéis pintados, “maqueterie”, vitral, capas
de livros, selos, monogramas, relógios, lampiões, leques etc.
(ARESTIZABAL, 1983, p116)
328
329
O curso de extensão de Visconti possui papel fundamental no
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
campo do ensino de arte decorativa no Rio de Janeiro, pois
serve como referencial para a cadeira de Arte Aplicada –
Tecnologia e Composição Decorativa que é criada na ENBA
na mesma época e norteia os primeiros programas do curso
de graduação de Arte Decorativa que é criado em 1948. A
disciplina voltada especialmente para o ensino da composição
artística para os meios industriais, da pintura decorativa, dos
estudos cenográicos e de interiores, contemplando sua aplicabilidade à diversos materiais é criada na ENBA a partir das
reformas documentadas pelo Regimento de 1931.
para as artes visuais e para a arquitetura. Cavalleiro atua em
praticamente quase todos os seguimentos relacionados na época
às artes decorativas: ilustração, caricatura, pintura decorativa,
publicidade e propaganda (cartaz) e teatro (indumentária/
cenograia). Em seu programa da cadeira de Arte Decorativa
são apresentados 11 temas de aulas:8
Neste Regulamento, a primeira disciplina voltada especialmente
para o ensino de arte decorativa é divida em duas partes.
A primeira parte “tratará da tecnologia das artes menores
(mobiliário, vitrais, cerâmica, etc) e composição decorativa
de todas essas modalidades de indústria”5, a segunda parte
não apresenta descrição. Em 1933, o título da matéria é
abreviado para Arte Aplicada e, em seguida, modiicado para
Arte Decorativa6. Ao longo das décadas de 1930 e 1940, a
matéria Arte Aplicada/Arte Decorativa tem dois professores.
O arquiteto Roberto Lacombe assume a disciplina em 19337 e
permanece até 1936, icando interinamente em 1937. O segundo
professor, que inicia no cargo em 1937, é o pintor e ex-aluno
da ENBA Henrique Cavalleiro (Rio de Janeiro, 1894 – 1975).
No programa de sua disciplina, na descrição da primeira parte
do curso, no item Composição é destacada a “importância da
cor na decoração. Valor. Tom. A teoria das complementares e
dos contrastes”9 e as Fontes de Inspiração são divididas em
“não igurativa (geometria)” e “igurativa (a natureza)”, esta
última “compreende o reino vegetal, o reino animal, a paisagem
e as invenções do homem”10. Em Ritmos da Composição,
são destacados no item Motivo: as conjugações, a repetição,
a simetria e a alternância. A seção Estilização é dividida em
itens: estilo; imaginação ou invenção; materiais; natureza
técnica do objeto; situação, proporção e singularidades das
superfícies a decorar. No item Aplicações à Indústria, são
indicados “técnica, história e exercícios especializados”11 em
onze temas: vidro; cerâmica; indumentária; metais; joalheria;
tapeçaria; bordado, ilet e renda; encadernação; desenho de
ilustração (iluminura); composição tipográica (o jornal e o
mestre) e madeira (mobiliário, marchetaria e entalhe).
A sua relação com as artes decorativas, no entanto, reside além
de sua formação na ENBA e em institutos de arte na França. O
artista, desde o início de sua carreira, destaca-se nos trabalhos
de pintura decorativa, inclusive premiadas nas Exposições
Gerais. Na época em que assume a vaga de professor de Arte
Decorativa, Cavalleiro já é casado com Yvonne Visconti, ilha
de Eliseu Visconti, que se torna referência na área ao ministrar
um curso de extensão universitária na Escola Politécnica da
URJ entre os anos de 1934 e 1936, no qual Yvonne e Cavalleiro
são seus alunos. Cavalleiro defende o conceito de arte decorativa
que, de certa forma, relete o pensamento dos teóricos europeus,
que airmam que a origem da arte está na arte decorativa e que
sua importância compositiva é fundamental para contribuir
O ensino se baseia na composição através do desenho e nos
estudos de forma e cor, processo fundamental para estilização
dos motivos decorativos. Na tese de concurso apresentada por
Cavalleiro, em 1952, para provimento da cadeira de Pintura, o
artista esclarece a importância para ele do desenho no ensino
artístico: “No sentido literal em que é tomada, a palavra
‘desenho’ possui bem mais ampla signiicação. Exprime volume,
proporção, fórma, claro-escuro, equilíbrio, rítmo, movimento.”
(CAVALLEIRO, 1952, p12) Em relação ao trabalho com as
cores, Cavalleiro especiica sua aplicabilidade diferenciada
para a pintura e para a arte decorativa. “O efeito do contraste,
em pintura é obtido por meio da oposição de um tom quente a
um tom frio, ou por meio do claro-escuro. Tais efeitos, em arte
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Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes
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Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
criação”, e outra de “demonstração em matéria deinitiva”.
As disciplinas que se destacam são Composição Decorativa,
Arquitetura Analítica e Decoração de Interior, ministradas por
professores catedráticos.14
decorativa, se tornam mais amplos, estendendo-se ao jogo dos
complementares.” (CAVALLEIRO, 1952, p30)
O programa da cadeira regido por Cavalleiro apresenta
elementos comuns ao currículo do curso de extensão universitária dirigido por Eliseu Visconti. Nele, as inluências da arte
decorativa francesa da virada do século, como do art nouveau,
adaptadas ao conceito de nacionalização da arte brasileira. Os
processos de estilização através do exercício compositivo de
diferentes tipos exercitam, sobretudo, a capacidade criativa do
aluno. É esta independência de que Cavalleiro fala em suas
citações e que parece ser qualidade fundamental para o artista
que pretende atuar no campo da arte decorativa.
Cavalleiro deixa a frente da cadeira de Arte Decorativa em 1949,
quando entra em vigor as reformas previstas pelo regulamento
de 1948. O Regimento Interno da Escola Nacional de Belas
Artes começa a ser gerido no ano de 1946, logo após a saída
do curso de Arquitetura da Escola.12 No documento, a instituição se (re)deine como Escola destinada ao “ensino de grau
superior, técnico e estético das artes que têm como fundamento
o desenho.”13 O ensino artístico pautado no desenho já está
presente na metodologia da Escola desde o século XIX, porém
sua reairmação neste momento parece funcionar como uma
âncora que marca a tradição da instituição mesmo com a
inserção de dois novos cursos e o deslocamento do ensino de
arquitetura para outra a Faculdade Nacional de Arquitetura.
O professor Quirino Campoiorito assume a cátedra já no
primeiro ano. A história do curso de graduação praticamente
se confunde com a trajetória do catedrático, pois Campoiorito se engaja na defesa das artes decorativas dentro da
Escola de forma intensa e promovendo atualizações fundamentais nesta área. No curso regular, Campoiorito ministra
a principal disciplina do curso, Composição Decorativa. A
partir do Regimento de 1948, o catedrático organiza o curso de
Arte Decorativa, com a colaboração de professores auxiliares,
para Composição Decorativa e, com apoio complementar de
docentes contratados, para as Especializações. Em relação ao
programa das disciplinas do curso de Arte Decorativa, pouco é
documentado nos arquivos. O programa da principal cadeira do
curso de Arte Decorativa, coordenada pelo catedrático Quirino
Campoiorito, Composição Decorativa, segue inicialmente
as diretrizes herdadas da antiga disciplina Arte Decorativa.
O programa do professor anterior, Henrique Cavalleiro, é
ampliado e gradativamente modiicado por Campoiorito. O
primeiro programa do catedrático que, em suas anotações, ele
próprio chama de “rascunho da cadeira quando comecei”15,
é composto por seis itens que se desdobram a partir dos 11
temas iniciais de Cavalleiro.
No documento é esclarecido que a formação teórica e prática
do ensino é voltado à habilitação de “proissionais que se
destinam à Pintura, à Escultura, à Gravura, à Decoração e
ao Professorado de Desenho” composto por cinco cursos, os
três primeiros com duração de cinco anos seriados, e os dois
últimos, com tempo mínimo de quatro anos para conclusão.
A graduação de Arte Decorativa é destinada a formação de
“proissionais-decoradores, visando conhecimento particular
da arte ornamental.” Os quatro anos do curso compreendem
uma parte de ensino teórico-prático, de “aprendizado de
A principal inovação do programa de Campoiorito é a
divisão do curso em uma parte introdutória inicial composta
por estudo e análise da forma, seguido pelos estudos de
composição e criação, para enim, sua aplicação na parte inal
através das técnicas. No programa de Cavalleiro as técnicas
e materiais estão mesclados com os estudos da forma. Outro
ponto importante é a inserção, no programa de Campoiorito,
do termo “artes industriais”, que não é citado por Cavalleiro,
e que se torna ponto fundamental do estudo de Composição
Decorativa a partir dos anos 1950. Quirino Campoiorito, mais
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Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
tarde, substitui o programa inicial por outro mais elaborado
e detalhado. No período entre 1952-1959, a disciplina de
Composição Decorativa apresenta três diferentes programas,
um para os cursos de Pintura, Escultura e Gravura, diferente
do oferecido para Professorado de Desenho, e outro exclusivo
para o curso de Arte Decorativa.
citou o folclore e as artes populares brasileiras como outros
pontos essenciais a serem integrados à nova realidade,
de forma a possibilitar aos jovens um desenvolvimento
dentro de uma tradição nacional. Conclui mencionando
inúmeras técnicas necessárias ao desenvolvimento das artes
decorativas, dentre elas o mosaico, o vitral, a serigraia e a
estamparia. (MACÊDO, 2000, p75)
Com o intuito de promover esta renovação através da sua
cátedra, Campoiorito realiza importantes viagens, uma delas,
em 1951, à Europa para pesquisar o ensino de arte decorativa
atual. O resultado desses levantamentos é registrado nos
artigos que o catedrático publica em O Jornal. Em dezembro de
1951 ele relata sua experiência na Escola de Artes Decorativas
de Paris, classiicando-a como referência neste segmento de
ensino e destacando a recente reforma feita após a Segunda
Guerra. Segundo o professor, ele tem boas experiências na
instituição de onde sai estimulado para “a luta neste ambiente
árido em que temos que desenvolver as nossas atividades de
professor de artes decorativas.” (MACÊDO, 2000, pp73-74)
A inluência do pensamento artístico alemão, tanto da Bauhaus
quanto da Escola de Ulm seguem presentes nos discursos de
Campoiorito. Para ele, a criação da forma constitui elemento
fundamental de aprendizado no qual a arte decorativa está
na base das artes visuais em geral, pensamento do qual
corroboram outros professores, principalmente, Fléxa Ribeiro,
que deixa evidente tal hipótese em seus livros de História da
Arte. E, de acordo com esse princípio, em uma escola de arte,
o ensino de arte decorativa deve constituir os programas de
todas as formações.19
Em 1957, ele retorna a Europa para nova atualização, com
objetivo de pesquisar o ensino de arte decorativa na Itália,
França, Inglaterra, Suíça, Holanda, Bélgica e Alemanha. Só
na Itália, Campoiorito permanece por um ano como membro
da Missão Cultural da UB, onde estuda Mosaico na Escola
de Belas Artes de Ravena.16 No sentido de se “reciclar”, o
catedrático visita ainda outras escolas europeias: “estive em
Ulm e encontrei uma Escola de Arte Decorativa em Londres17,
que era muito boa e, me lembro [de] que uma das vezes iquei
seis meses e, então deixei o Manoel Francisco Ferreira [seu
Assistente na época] em meu lugar e parte do meu ordenado
para ele se manter.”18
Na reportagem d’O Globo, Campoiorito também cita, como
o faz em outros artigos, a experiência da Bauhaus e sua
iniciativa de integrar a indústria com a arquitetura e o design.
O catedrático
334
335
A partir de ins dos anos 1950 novas ideias são defendidas
por Campoiorito acerca do curso de Arte Decorativa e que
contribuem para a Reforma Universitária dos anos 1960,
através da Lei de Diretrizes e Bases. Em documento sobre 146º
aniversário da ENBA, o então diretor Alfredo Galvão, expõe
“algumas ideias para um futuro próximo”, de acordo com o
seu pensamento “moderno” para a Universidade, constituída
de Institutos destinados ao ensino e à pesquisa. Dentre elas
encontramos a alteração do nome da cadeira Composição
Decorativa para Criação da Forma20, por inluência da Escola
de Ulm e a vinculação mais direta do ensino artístico com a
indústria, com a criação de um curso de Desenho Industrial,
também nos moldes alemães. Essas medidas fazem parte de
um conjunto de ações de Campoiorito na ENBA onde, em
1963, ele propõe à Congregação da Escola a mudança de nome
do departamento de Arte Decorativa para Arte Industrial. A
medida é aprovada e, em seguida, é feita a incorporação de
disciplinas de cunho industrial. “Foi aprovado também o curso
de Desenho Industrial. Contudo, o projeto não foi imple-
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Notas:
mentado [e] Campoiorito, em atividade intensa exercida em
diversas publicações, demonstrou profunda preocupação com
o destino [desta] Reforma Universitária.” (MACÊDO, 2000,
p110)
Estes ideais começam a se deinir a partir de 1968, com o
início de um Grupo de Trabalho de Arte Decorativa, liderado
pelo Catedrático, que propõe a abertura do Departamento
de Criação da Forma, composto pelos seguintes cursos:
Cenograia, Composição de Interior, Comunicação Visual
e Projeto Industrial; e das especializações em: Mosaico,
Cerâmica, Vestuário, Tapeçaria e Fotograia. Estes projetos,
porém, são interrompidos temporariamente dentro da Escola
por conta de determinações do Regime Militar e da saída
compulsória de Campoiorito da instituição, em 1969.
1
Edição on line – volume 1. Disponível em http://www.calameo.com/
read/000397731e60d2151af40. Acessado em 22/06/2014.
2
Ministério da Cultura da França. Disponível em: http://www.culture.gouv.fr/
LH/LH111/PG/FRDAFAN84_O19800035v0199422.htm. Acessado em: 20/05/2014 e Home
Page Eugene Grasset. Disponível em: http://eugene.grasset.perso.sfr.fr/EG/home.html.
Acessado em 20/05/2014.
Em seguida, a Reforma Universitária é feita, porém com
algumas modiicações em relação ao ensino no que tange a
Criação da Forma. O curso de Arte Decorativa é fragmentado,
dando origem aos seguintes cursos: Composição Paisagística,
Composição de Interiores, Comunicação Visual, Desenho
Industrial, Cenograia e Indumentária. Os alunos da graduação
em Arte Decorativa são então convidados a migrar para um
desses novos cursos e têm seus currículos reestruturados. A
graduação de Arte Decorativa, instituída a partir dos anos
1950, é responsável pela formação do “proissional-decorador”
pela ENBA por quase trinta anos. Em ins dos anos 1960 o
curso deixa de existir e suas habilitações se transformam nas
atuais graduações da Escola de Belas Artes (EBA).21
3
Caderno de anotações e recortes de Eliseu Visconti, ca 1874. Pasta Eliseu
Visconti. Arquivo Histórico do MNBA.
4
ARESTIZABAL, Irma (Org.). Eliseu Visconti e a Arte Decorativa. Rio de Janeiro:
PUC/FUNARTE, 1983, 160p, p34.
5
Atos do Governo Provisório Decreto nº19852 de 11/04/1931. Item 7 – Do ensino
artístico. A) Escola Nacional de Belas Artes. II Do curso de Arquitetura, p392.
6
GALVÃO, Alfredo. Subsídios para a história da Academia Imperial e da Escola
Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: 1954, p83.
7
Ofício de 18.02.1933. Para o diretor da Escola Nacional de Belas Artes da
Universidade do Rio de Janeiro. Avulsos 571-640. Arquivos do MDJVI da EBA-UFRJ.
(Agradeço à professora Ana Maria Tavares Cavalcanti por ceder gentilmente a cópia
deste documento).
8
O programa indicado de Henrique Cavalleiro faz parte do Arquivo Quirino
Campoiorito (Solar do Jambeiro – Niterói), em pasta de título “Henrique Cavalleiro”. O
documento anexo contém anotações de Campoiorito sobre o programa.
9
Programa da cadeira de Arte Decorativa – 1ª parte (professor interino Henrique
Cavalleiro). Pasta Henrique Cavalleiro. Arquivo Quirino Campoiorito (Solar do
Jambeiro), p1.
10
Programa da cadeira de Arte Decorativa – 1ª parte (professor interino Henrique
Cavalleiro). Pasta Henrique Cavalleiro. Arquivo Quirino Campoiorito (Solar do
Jambeiro), p1.
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11
Programa da cadeira de Arte Decorativa – 1ª parte (professor interino Henrique
Cavalleiro). Pasta Henrique Cavalleiro. Arquivo Quirino Campoiorito (Solar do
Jambeiro), p1.
12
A Faculdade Nacional de Arquitetura é criada pelo Decreto nº 7918, de 31 de
agosto de 1945. O Regimento é aprovado pelo Conselho Universitário em 17/08/1946
e publicado no Diário Oicial em 08/08/1947, entrando em vigor no ano de 1949.
Regimento Interno da ENBA da Universidade do Brasil – 1948.
13
Regimento Interno da ENBA, 1948, p1.
14
Regimento Interno da ENBA, 1948, p1.
15
Documento avulso. pasta Quirino Campoiorioto. Arquivo Quirino Campoiorito (Solar do Jambeiro).
16
Provavelmente este curso inluencia a criação da especialização em Mosaico
que passa a ser oferecida no curso de Arte Decorativa a partir do Regimento de 1957.
17
No artigo “Ensino das artes plásticas no Rio”, de Mario Barata, o historiador
da arte cita a Royal School of Art de Londres como “exemplo pioneiro de adaptação
de velhas instituições ao novo ensino artístico” IN Suplemento Comemorativo do IV
Centenário do Rio de Janeiro no 1º caderno de O Jornal. Rio de Janeiro: 19/03/1965,
p34.
18
Entrevista de Fabio Macêdo com Quirino Campoiorito, em junho de 1992, p8.
19
CAMPOFIORITO, Quirino. Não se pode falar em escola de arte que não ensine
a composição decorativa. Documento avulso. Arquivo Hilda e Quirino Campoiorito.
20
Campoiorito publica o artigo “Arte Decorativa ou Criação da Forma”, em
maio de 1967, em que explica este conceito e o defende como fenômeno da criação
artística.
21
Artes Cênicas (Cenograia e Indumentária), Composição de Interior,
Composição Paisagística e Desenho Industrial (Projeto de Produto e Programação
Visual); além de Licenciatura em Educação Artística (derivada da graduação de
Professorado de Desenho); e dos mais antigos Pintura, Gravura e Escultura Atualmente
somam-se aos cursos citados o de Restauração e Conservação e de História da Arte.
338
339
Marcele Linhares Viana é doutora em Artes Visuais – História
e Crítica da Arte pelo PPGAV – EBA – UFRJ. Atualmente é
docente no CEFET/RJ e professora colaboradora no Museu
D. João VI – EBA – UFRJ. Desenvolve pesquisas no campo da
História da Arte, História do Mobiliário e Arte Decorativa.
Integra o grupo de pesquisa Entresséculos.
Da École Guérin à Bauhaus
Os modelos de ensino de arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes
/ Marcele Linhares Viana
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
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nossos pintores, escultores, arquitetos e gravadores sobre as artes plásticas no Brasil.
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DELANEZE, Taís. As Reformas Educacionais de Benjamin Constant (1890-1891)
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Dissertação de Mestrado. São Carlos: UFSCar, 2007.
MACÊDO, Fábio Ricardo Reis de. Campoiorito e a questão da arte menor. 2000.
Orientador: José Maurício Alvarez. Dissertação. Pós-graduação em Ciência da Arte
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de Pesquisa Histórica. Rio de Janeiro: Anais da XXI Reunião da SBPH. Curitiba:
SBPH, 2001-2002, vol. 1.
133
340
341
Um “amplo
movimento de
educação estética”:
o projeto social
inscrito no Instituto
de Belas Artes desde sua criação até
sua extinção (RJ,
1950-1975)
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Danielle Rodrigues Amaro
Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
/ Danielle Rodrigues Amaro
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
MANHÃ [B], 1951, p.16). Nas semanas anteriores e posteriores à inauguração, foram publicados chamamentos nos
jornais para inscrições aos interessados e para o início das
aulas, conforme costume da época.
O início efetivo das aulas do IBA foi marcado pela publicação da
matéria intitulada “Amplo movimento de educação estética”,
no Correio da Manhã em 01 de abril de 1951 (CORREIO
DA MANHÃ [B], 1951, p.16), para a qual foi entrevistado o
primeiro diretor do IBA, Henrique Sálvio (?-?). O entrevistado
adverte que, no Rio de Janeiro de então, o ensino artístico era
ministrado, em grau superior e de forma exclusiva, pela Escola
Nacional de Belas Artes e, em nível elementar, por entidades
como o Liceu de Artes e Ofícios e algumas agremiações particulares. Sálvio airma assim a importância da criação do
Instituto pelo fato de oferecer o ensino de arte em nível intermediário. Prossegue informando que já eram quase 300 alunos
matriculados nos cursos que seriam ministrados por um corpo
docente composto por 25 professores, todos “portadores de
elevados prêmios no Salão Nacional de Belas Artes e com
larga experiência didática”. As aulas aconteceriam em vários
pontos da cidade, o que, segundo o diretor da instituição, os
tornavam mais acessíveis, evitando que os alunos realizassem
longos deslocamentos para comparecerem às aulas. A distribuição do curso em vários pontos (invés de concentrado
em uma sede) era assim coerente com o projeto de atingir
as massas, em um largo movimento de “educação estética”,
tendo como referência a experiência inglesa de William Morris
(1834-1896), considerado um dos principais fundadores do
Movimento das Artes e Ofícios britânico, e outros que “conseguiram reformar o gosto tradicional do povo”. Essas expectativas com relação aos efeitos esperados pela atuação do IBA
revelam-se na argumentação de Henrique Sálvio:
Criado em junho de 1950, durante a gestão do prefeito do antigo
Distrito Federal1, o general Ângelo Mendes de Moraes (18941990), o Instituto de Belas Artes (IBA)2 objetivava o ensino das
artes plásticas na cidade, “tendo como inalidade promover a
educação popular, a formação de quadros proissionais técnicos
e desenvolver, pela difusão, a cultura em todos os seus aspectos,
além de educar o gosto daqueles que manifestem apreciável
vocação artística” (CORREIO DA MANHÃ [A], 1950, p.2).
De acordo com o regulamento de funcionamento3, o Instituto
de Belas Artes oferecia cursos gratuitos de Pintura, Escultura,
Gravura, Artes da Prensa, Arte Decorativa e Cenograia com
duração de três anos. Ao concluir qualquer um dos cursos, o
aluno receberia um certiicado, no qual constariam “indicações
precisas sobre a natureza do Curso, sua duração, disciplinas
componentes e notas obtidas em exames inais” (CORREIO
DA MANHÃ [B], 1950, p.2).
A primeira sede provisória do IBA, cuja inauguração deu-se em
18 de janeiro de 1951, foi a Escola Minas Gerais (localizada na
Avenida Pasteur, nº433, Urca)4. Como parte da programação,
foi aberta uma exposição de trabalhos produzidos ao longo
do ano de 1950 nos Cursos Livres de Artes promovidos pela
prefeitura (CORREIO DA MANHÃ [A], 1951, p.6). De acordo
com periódicos da época, a iniciativa de criação do IBA adveio
da demanda gerada justamente por esses cursos. O elevado
número de alunos neles inscritos fez com que as autoridades
organizassem e transformassem a antiga estrutura em Instituto,
ampliando suas atividades (SÁLVIO apud CORREIO DA
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Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
/ Danielle Rodrigues Amaro
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Além dos cursos com duração de três anos em práticas artísticas
especíicas, o IBA promovia formações em história da arte para
os alunos da instituição e para outros interessados. Entre os
ministrantes das aulas, destacam-se Carlos Felinto Cavalcanti
(1909-s.d.), Carlos Otávio Flexa Ribeiro (1914-1991) e Flávio
de Aquino (1919-1987), nomes que retomaremos mais adiante.
Os cursos foram instituídos por meio da Resolução nº13 de 23
de junho de 19516, a qual estabelecia que o Instituto deveria
ministrar cursos de “História das artes em geral” e “História
das artes no Brasil”. Além disso, indica que os “professores
de técnica” deveriam promover “nas escolas primárias e secundárias, demonstrações de arte, para familiarizar os alunos com
os recursos e processos da pintura, da modelagem, da escultura,
da gravura e outras modalidades artísticas”.
Basta notar, por exemplo, a transformação no tipo do homem
inglês, quanto à maneira de vestir. Ramalho Ortigão5 assinala
que até o meio do século passado, o inglês era apresentado
como igura grotesca, muito ao sabor dos “musis-halls”,
com longas suíças cor de cenoura, face rubicunda, coberta
do indefectível barrete escocês de duas palas, embrulhado
num “cache-nez” quadriculado, prendendo nos dentes
enormes o cachimbo em forma de gancho. Pois bem:
alguns decênios de educação estética transformaram-no
num modelo de sobriedade e bom gosto, a ponto de servir
de igurino para os elegantes do mundo inteiro. A mesma
sobriedade se manifesta na decoração e no mobiliário, em
contraste com a bizarra do norte-americano, que possui o
mesmo sangue, mas não a mesma formação estética. [...]
O estudo das Belas Artes, ministrado pelo nosso Instituto,
visa formar proissionais, é verdade, mas não se limita a
isto. Procura, outrossim, difundir conhecimentos indispensáveis ao arremate da cultura geral, incluindo entre
outras, a cadeira de História da Arte, hoje considerada
complemento de estudo da História dos povos. [...] Deste
modo, segundo esperamos, nossos cursos icarão abertos
do comum das pessoas, espécie de boa sombra neste nosso
mundo escaldante de hoje... (SÁLVIO apud CORREIO DA
MANHÃ [B], 1951, p.16)
De modo geral, o levantamento de edições de jornais da época
aponta que as ações do IBA foram efusivamente elogiadas na
ocasião de sua inauguração. Algumas características institucionais sobressaem, como a majoritária presença feminina
nas listas de convocação para o início das primeiras turmas do
curso de pintura de paisagem em desproporção à baixíssima
ocorrência masculina entre discentes e a completa ausência
de professoras na instituição em seus primeiros meses de
atividade (DIÁRIO DE NOTÍCIAS [A], 1951, p.2). Ao que
parece, apenas homens lecionavam no IBA e, na maior parte
das vezes, não o faziam para outros homens7. Além disso,
durante os vinte e cinco anos de existência do IBA (de 1950
a 1975), a professora primária Zélia Maria Abdulmacih foi
a única mulher a ocupar a direção da instituição e por um
período muito breve: entre 05 de março e 08 de julho de 1961,
o que equivale a pouco mais de quatro meses8. Curiosamente,
há escassas referências sobre sua atuação à frente do IBA.
Como pode ser observado na supracitada fala do diretor, o
projeto de “educação estética” do IBA não objetivava somente
proporcionar cursos de formação técnica ou proissionalizante,
ou ainda restrita à educação artística: era um projeto social
nos moldes europeus, que pretendia substituir a experiência
do grotesco e do tórrido pela cultura da sobriedade, do bom
gosto, do ameno. Ao tornar “o estudo das artes acessível ao
comum das pessoas e não um privilégio daqueles que podem
cursar Academia”, a criação do Instituto Municipal de Belas
Artes e “a cultura das Artes Plásticas” resultariam ao Brasil
à “oportunidade para robustecer sua civilização” (REVISTA
DA SEMANA, 1951, p.12).
346
347
Advoga-se aqui que a questão da presença e participação das
mulheres no IBA possa ser melhor compreendida tendo em
vista que o campo de produções artísticas e historiográicas são
constituídos por disputas pelo poder perpassadas também por
discursos de gênero. Ainal, quantas mulheres se inscreveram
Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
/ Danielle Rodrigues Amaro
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
oicialmente na história do IBA e na grande narrativa histórica
da arte?9 Diante de tal quadro de constatações, mostra-se
oportuno reletir sobre alguns questionamentos de Vicente:
culturais, escolas de arte em suas diversas linguagens, etc.)
e conta com uma infraestrutura mais qualiicada que outras
regiões, resultado em parte de uma maior e qualitativa oferta
de serviços públicos e privados.
Porque é que as mulheres puderam ser objeto de criação,
mas não criadoras? Porque é que foram personagens de
quadros, de romances ou de fotograias, e não pintoras,
escritoras ou fotógrafas? Figuras em mármore ou em gesso,
mas não escultoras? Porque é que puderam ser “artefatos
culturais”, mas não participar na “produção de cultura”?
(VICENTE, 2012, pp.19-20)
Discorrendo ainda sobre a questão do acesso, mas a partir
de outra perspectiva, em entrevista concedida ao Diário de
Notícias em 15/16 de julho de 1951 (DIÁRIO DE NOTÍCIAS
[D], 1951, p.3), o diretor do IBA, Henrique Sálvio, ao tratar
do projeto do IBA de difusão do ensino artístico, airma que
é incompreensível que o último esteja coninado ao âmbito
universitário, mas que deveria ser popularizado, colocado ao
alcance de todos.
Outra particularidade presente nos discursos que envolve a
criação do IBA e merece destaque é o apreço pela dispersão
dos cursos pela cidade, justiicada reiteradamente como
uma forma de dar acesso ao ensino das Belas Artes para as
massas. Em breve matéria publicada no Correio da Manhã
em 27 de maio de 1951, na qual é divulgada a oferta de aulas
gratuitas de pintura de paisagem pelo IBA, é mais uma vez
dito que, “com o propósito de facilitar os interessados, essas
aulas são ministradas nos locais mais pitorescos da cidade”
(CORREIO DA MANHÃ [C], 1951, p.18). Os pontos de
realização das aulas recorrentemente citados durante o ano de
1951 são: Campo de Santana, Passeio Público, Parque Laranjeiras, Largo do Boticário, Praia Vermelha, Jardim Botânico
e Avenida Atlântica10. Percebe-se assim a concentração nas
Zonas Central e Sul, privilégio que beneiciava (em termos
geográicos) as populações que habitavam próximo a essa
regiões.
Não se airma e nem se desmente que populações de outras
áreas da cidade tenham participado de forma mais ou menos
expressiva dos cursos oferecidos pelo IBA, até porque não
há qualquer fonte ainda levantada que pudesse levar a uma
consideração tão enfática. No entanto, deve-se levar em
conta que o eixo Centro-Zona Sul da cidade é aquele que,
ainda hoje, é maior beneiciário de equipamentos oiciais de
atividades artístico-culturais (como museus, teatros, centros
348
349
Quando se objetiva o desenvolvimento artístico e cultural
de uma nação, não se pode ter em vista apenas a formação
de reduzidas elites. É, sobretudo, necessário popularizar os
conhecimentos, despertando, na coletividade, o interesse
pelas coisas da inteligência e do espírito [...]. Assim [...],
não se compreende que o ensino das artes ique coninado
ao âmbito da Universidade. Deve ser ministrado, também,
por instituições outras capazes de colocá-lo diretamente
ao alcance de quantos sintam uma vocação ou um simples
desejo de aperfeiçoamento, pois, quanto maior a massa
cultivada, mais expressivos e legítimos os seus expoentes.
[...] O Instituto visa provocar um amplo movimento popular
[...] e tem em vista não só o aperfeiçoamento dos iniciados,
mas, igualmente, despertar um mais vivo e geral interesse
pelas artes. Nos cursos que ora inauguramos, muitos
interessados encontrarão a oportunidade que não tiveram
na Universidade, fosse pela falta de diplomas ginasiais,
fosse por não poder cumprir os seus horários. O Instituto
Municipal de Belas Artes foi fundado com o objetivo de
tornar o estudo das artes acessível ao comum das pessoas,
descentralizados como são os seus cursos. [...] Esses cursos
[...] representam a mais popular das iniciativas do governo
no campo das artes. Com os mestres de que dispomos e
as facilidades que concedemos, abrem-se para elevado
Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
/ Danielle Rodrigues Amaro
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
cerca de dois anos (ou seja, praticamente desde o início das
atividades do IBA), era reivindicada a normalização da instituição. Segundo ele, apesar da qualidade dos professores e
dos bons salários com os quais eles seriam remunerados, o
IBA enfrentava uma situação de desleixo. Flutuava perdido,
“sem endereço, sem sede, sem quase nada”, em suma, “ao
Deus dará; em Copacabana, no Passeio Público, onde existir
um lugarzinho”. “Nem mesmo uma cadeira ou mesa possui
seu diretor...”, assim denunciou ironicamente os problemas de
ordem estrutural do IBA. Reconhece as tentativas de algumas
autoridades para normalização, mas indica-as como frustradas,
“como se existisse alguém muito poderoso interessado em
não dar casa ao Instituto”. Entretanto, a parte mais polêmica
da fala de Jayme Maurício é aquela na qual defende a necessidade não apenas de dar uma sede ao estabelecimento, “como,
também, rever seu programa, dinamizar suas atividades, dar-lhe
um diretor de categoria” (MAURÍCIO [A] in: CORREIO DA
MANHÃ, 1953).
número de interessados, horizontes que, de outra forma,
talvez jamais se descerrassem. (SÁLVIO apud DIÁRIO DE
NOTÍCIAS [D], 1951, p.3)
A partir das falas de Sálvio e da constatação da concentração
dos cursos oferecidos pelo IBA em regiões bastante especíicas
e estratégicas da cidade, uma conclusão possível é que a popularização dos conhecimentos talvez estivesse mais relacionada ao
fato do ensino das artes não ser exclusivo às universidades (ou
seja: à formação de “reduzidas elites”), do que comprometida
em contemplar de fato toda a população em sua complexidade
socioeconômica e cultural.
É possível ainda colocar em questão se o discurso da dispersão
dos cursos pela cidade não teria sido também uma estratégia
para persuadir o público do caráter mais acessível do IBA
e, ao mesmo tempo, desviar o foco de um problema central
que será retomado em vários momentos ao longo dos anos
subsequentes, sendo causa de descontentamentos e embates:
a ausência de uma sede permanente. A questão é levantada
como problema pela primeira vez em agosto de 1952, quando
matéria publicada pelo Correio da Manhã aponta que “a falta
de uma sede capaz de abrigar todo o corpo discente, faz com
que as atividades do Instituto, no momento, se limitem a
aulas de pintura ao ar livre e a auditórios de História da Arte”
(CORREIO DA MANHÃ, 1952, p.0). Ao mesmo tempo, é
retomado o argumento de que a descentralização dos cursos
tornava-os acessíveis a moradores de diversos bairros. No
entanto, não deixou de ser apontado que a falta de uma sede
ixa também era fator limitador.
Nos anos seguintes, o tema foi abordado repetidas vezes e
cada vez com mais força, transformando-se em um problema
de urgente solução, sendo motivo (ou – como não se deve
descartar – pretexto) de indisposição pública entre o ainda
diretor do IBA, o professor Henrique Sálvio, e o crítico de
arte Jayme Maurício (1927-1997). Em 04 novembro de 1953,
o crítico airma em sua coluna no Correio da Manha que, há
350
351
Poucos dias após, é publicada por Maurício na mesma coluna
uma carta do professor Henrique Sálvio em resposta ao artigo
do crítico de arte. Nela, o diretor reconhece “de bom grado”
a presença constante da situação do IBA na pauta de assuntos
do “Correio da Manhã”, particularmente o pleiteamento
de uma sede deinitiva para a instituição empreendido pelo
crítico. No entanto, julga as palavras tecidas com relação a sua
pessoa são injustas e descabidas. À reclamação de Maurício
de que seria necessário dar ao IBA “um diretor de categoria”,
Sálvio contra-argumenta, em sua defesa, apresentando dados
de sua formação: foi aluno da Escola Nacional de Belas Artes,
laureado no Salão Nacional, tendo sido um de seus quadros
adquirido pelo Museu Nacional de Belas Artes. Além disso,
teria atuado como presidente, durante seis anos, da Sociedade
Brasileira de Belas Artes. Relata ainda o respeito e o apoio
que recebera de autoridades políticas, que o nomearam e ainda
o mantinham como primeiro diretor do IBA. Cita ainda sua
participação em “várias comissões da Prefeitura, entre as quais
o Conselho Artístico do Departamento de Documentação”.
Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
/ Danielle Rodrigues Amaro
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Encerra sua réplica de forma bastante irônica:
de um programa e de diretrizes mais abstratas ainda. [...] O
jovem crítico poderá dar-lhe um feito mais dinâmico e ativo.
(MAURÍCIO in: CORREIO DA MANHÃ, 1954, p.10)
Não é muito, concordo, mas certamente bastante para me
conferir o direito de uma escola de arte. Se não consegui
fazer muito pelo IMBA, pode estar certo, é devido ao grande
número de problemas a resolver, mas que estimo sejam
em breve solucionados por mim ou por alguém de maior
categoria e capacidade. (SÁLVIO apud MAURÍCIO [B] in:
CORREIO DA MANHÃ, 1953, p.11)
O embate público entre Jayme Maurício e Henrique Sálvio
evidencia vários pontos de tensão. O mais evidente refere-se
à gestão do IBA. Contudo, é possível observar ainda um
desacordo sobre a orientação artística e pedagógica do IBA:
de um lado, Henrique Sálvio, próximo ao ensino das Belas
Artes; de outro, Jayme Maurício, mais ainado com a produção
artística a ele contemporânea. Dois lugares, duas diferentes e
complementares posições discursivas que se instituem a partir
de duas experiências proissionais. O choque entre o antigo
e o novo, entre a tradição e a vanguarda é um dos aspectos
que supomos como fundamentais na trajetória do Instituto de
Belas Artes. Retornará ao centro da discussão mais adiante, já
que este debate não se esgota aqui e envolverá outros atores.
Jayme Maurício se desculpa publicamente pela expressão
que, segundo ele, “saiu infeliz, escorregou involuntariamente
entre dois cochilos”. Reairma que lhe preocupa a necessidade
de uma “dinamização das atividades do Instituto e também
uma orientação artística mais em harmonia com as correntes
contemporâneas de arte” e expressa seu desejo de ver a
modernização do IBA. Maurício ainda alineta Sálvio: “não
sei se esse será também o seu ponto de vista, mas desconio
que não. E respeito”. Conclui assim sua tréplica: “digo,
porém, lutando pelos meus pontos de vista, e não contra o
senhor, homem educado e bem titulado. Porém, se para obter
a reforma do Instituto e sua conseqüente modernização for
necessário criticar, criticaremos. Mas por favor não coloque
isso em termos pessoais” (MAURÍCIO [B] in: CORREIO
DA MANHÃ, 1953, p.11).
Pouco depois de sua nomeação como diretor do IBA, em ins
de 1954, Flávio de Aquino é designado pela Secretaria Geral
de Educação e Cultura para compor a comissão incumbida de
rever a regulamentação do Instituto Municipal de Belas Artes,
juntamente com o historiador da arte Carlos Otávio Flexa
Ribeiro e o escultor Hildegardo Leão Velloso (1899-1966)11,
sendo presidida por Murilo Almeida dos Reis (?-?) (DIÁRIO
DE NOTÍCIAS, 1954, p.5).
Henrique Sálvio permaneceu à frente do IBA até 1954, quando
foi substituído pelo crítico e historiador da arte Flávio de
Aquino (1919-1987). Na ocasião da nomeação do novo diretor,
Jayme Maurício airma que a eleição de seu “confrade” foi
“uma boa escolha”. Pelo entusiástico discurso do colunista,
Aquino representava o inverso de Sálvio, seu antecessor,
impressão reforçada nos vários elogios vertidos por Maurício:
Elemento jovem, dinâmico e conhecedor de lastimável
realidade do ensino das artes no Distrito Federal, Flávio
de Aquino muito poderá fazer para digniicar esse estranho
IMBA, há anos em funcionamento na estratosfera, ao léu
352
353
Há ainda alguns hiatos em nosso levantamento de fontes.
No entanto, é provável que esse processo tenha culminado
na criação oicial do Instituto de Belas Artes pela Secretaria
Geral de Educação e Cultura do Distrito Federal por meio
do Artigo nº294 da Lei nº899 de 28 de novembro de 1957.
É indicado em parágrafo único: “o Secretário Geral de
Educação e Cultura submeterá à aprovação do Prefeito,
dentro de 30 dias, após a aprovação desta lei, o Regulamento
do Instituto de Belas Artes do Distrito Federal”12. Depois
disso, nova comissão foi constituída em meados de 1962 pelo
agora Secretário de Educação e Cultura Carlos Otávio Flexa
Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
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Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Ribeiro, que designou os professores Lamartine Oberg (19182003)13, Flávio de Aquino e Wladimir Alves de Souza (19081994) para “elaborar o plano de reestruturação do ensino no
Instituto de Belas Artes” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1962,
p.5). No início do ano seguinte, em 12 de fevereiro de 1963,
foi inalmente publicado o Decreto nº1.526 que objetivava a
reestruturação do ensino da instituição mediante a aprovação
do novo regulamento do IBA. Por meio dele, deiniu-se que
o Instituto ofereceria os seguintes cursos: Cursos Livres de
Pintura, Escultura, Gravura, Artes da Prensa e Cenograia,
Curso de Artes Decorativa, Curso de História da Arte14 e
Curso de Elementos de Arquitetura (Art.2º).
O prefeito Negrão de Lima, em ato de 25 de maio último,
aprovou a exposição de motivos do secretário-geral de
Educação e Cultura relativa à instalação deinitiva do
Instituto Municipal de Belas Artes. Aproveitando o próprio
municipal existente na praia Vermelha, onde até há pouco
funcionou uma casa de diversões, a “boite” Casablanca, o
prefeito determinou se izesse imediatamente a instalação do
Instituto, que há cinco anos tinha suas aulas em diferentes
locais da cidade (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1956, p.5).
Depois de ser abrigado provisoriamente na Escola Minas
Gerais (na Urca) e no Departamento de Educação de Adultos
da Prefeitura (no Centro da cidade), o Instituto seria instalado
no edifício da boate Casablanca, localizada na Praia Vermelha,
Urca. A expectativa era de que ali também passasse a ocorrer
o Salão Municipal de Belas Artes. É possível acompanhar a
situação a partir de notas informativas publicadas por Mário
Barata no Diário de Notícias, entre os meses de junho e julho
de 1956, na coluna “Vida das Artes” por ele assinada. Em
outubro do mesmo ano, foi noticiada a solicitação de crédito
para a mudança e instalação do Instituto de Belas Artes. O
prefeito Negrão de Lima teria assinado mensagem, que seria
enviada à Câmara dos Vereadores acompanhando anteprojeto
de lei, na qual o governador da cidade fazia “ampla exposição
sobre a inalidade do novo instituto e, por conseguinte, solicitava
abertura do necessário crédito destinado àquela inalidade”.
O novo regulamento do IBA foi amplamente divulgado pela
mídia, na maior parte das vezes em tom elogioso. Em matéria
publicada no Diário Carioca alguns meses depois de baixado
o novo regulamento do IBA, o crítico de arte Antônio Bento
(1902-1988) vê com bons olhos a reorganização dos serviços
culturais da Guanabara. Airma que a instituição estaria
emperrada desde sua criação, “que já nasceu com insaciáveis
taras acadêmicas, no velho estilo do ensino brasileiro do século
XIX” (BENTO in: DIÁRIO CARIOCA, 1963, p.8). A nova
orientação do IBA parece não ter sido tão bem recebida por
alunos e professores. O movimento de resistência recebe duras
críticas do crítico de arte José Roberto Teixeira Leite (1930-):
Não temos procuração de quem quer que seja para defender
a atual orientação do IBA, mas julgamos de nosso dever
aplaudir as boas iniciativas, e não podemos icar calados
ante a reforma, inédita em nossos meios, que atingiu a
tradicional instituição da Praia Vermelha. [...] Ninguém
se insurja contra o progresso. (LEITE in: DIÁRIO DE
NOTÍCIAS, 1963, p.3)
Retomando a questão da falta de uma sede do IBA, em uma
pequena nota publicada no Diário de Notícias em 17 de junho
de 1956, antes de todas as reformas aqui tratadas, é sinalizada
uma possível solução.
Segundo Carvalho, a ocupação do prédio na Praia Vermelha
pelo IBA teria ocorrido em 1958 (CARVALHO, 1998: p.69).
No entanto, a publicação da nota “Escola de Artes e Buate”
no Diário de Notícias, em 23 de outubro de 1959, demonstra
que, mesmo após sua instalação no novo espaço, a situação do
Instituto não era tão tranqüila. O tom da matéria é bastante
crítico, como se veriica nos trechos selecionados:
354
355
Esse diretor de Turismo descoberto pelo prefeito Sá Freire
Alvim [...] resolveu desalojar do prédio onde funcionou (e
fracassou) a “boite” Casablanca o Instituto Municipal de
Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
/ Danielle Rodrigues Amaro
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
entusiasmada dos seus representantes institucionais, o IBA
nunca gozou de uma infraestrutura confortável. Em 27 de
junho de 1968, é publicada no Jornal no Brasil a matéria “A
difícil arte de tornar-se artista”, dedicada ao ensino artístico
oferecido pela Escola Nacional de Belas Artes, Escola Superior
de Desenho Industrial e pelo Instituto de Belas Artes.
Belas Artes, para que nele seja instalada nova “boite”. Ou,
nas suas expressões, “um restaurante típico, com comida,
música e dança folclóricas brasileiras”, para servir de atração
turística. [...] O IMBA – decretou, ou pensa ter decretado
o estranho sr. Saladini – que procure algum barraco gigante
para instalar suas aulas de artes plásticas. Com isso pretende
despejar quatrocentos estudantes do próprio municipal
onde hoje aprendem arte, para dar lugar a um restaurante
turístico. A mais um restaurante-“boite”, entre tantos
outros já existentes por toda a cidade em número excessivo.
Todos sabem as diiculdades com que lutam os estabelecimentos de ensino artístico entre nós. [...] Contra esse inconcebível atentado à cultura artística da metrópole insurge-se
o diretor do IMBA, escultor Leão Veloso, bem como os
alunos do instituto. Uma reação que merece o apoio de
todos e que, de início, deveria merecer os dos superiores
desse extravagante diretor de Turismo, a rigor necessitado
de um exame psicotécnico para ser conirmado no exercício
do cargo. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1959, p.4)
Com relação ao IBA, é noticiado que o Instituto não contava
nem com uma “verba especial” e vivia praticamente de uma
contribuição anual espontânea que o aluno dava para o Caixa
Escolar e que era revertido em benefício do próprio aluno.
A alegada falta de recursos implicava em problemas estruturais graves: desde a iluminação deiciente do espaço e a
falta de modelos para as aulas de desenho, até o medíocre
número de recursos humanos. Segundo a coordenadora do
curso de Artes Decorativas, a professora Marli Bastos, os
alunos faziam até a limpeza. Outra reclamação era a falta
de divulgação, que nos nos pareceu bastante curiosa quando
pensamos na quantidade de material encontrado nos arquivos
da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional e que
a todo momento citamos aqui. No entanto, é novamente a
professora Marli Bastos quem esclarece melhor a questão: “a
divulgação também precisa funcionar, porque a Secretaria de
Turismo manda avisar a todas as escolas que tem concurso de
vitrinas, e nós que formamos vitrinistas somos ignorados”. A
mesma professora requenta outro velho problema: a ausência
do reconhecimento formal oicial dos cursos.
Ao que indicam algumas fontes, após alguns anos funcionando
no edifício da Praia Vermelha, o IBA ganhou nova sede em
1966, sendo instalado em deinitivo no Jardim Botânico, onde
encerrou suas atividades, sendo substituído pela Escola de
Artes Visuais do Parque Lage, em 1975. Em 09 de fevereiro
de 1966, o Jornal do Brasil noticia a mudança para o Parque
Lage, justiicando que, no novo endereço, o Instituto disporia
de “melhores e mais amplas instalações que lhe permitirão
aumentar suas atividades”. Indica que, embora não estivesse
em plenas condições para receber os alunos, o novo ano letivo
se iniciaria normalmente em março, “utilizando as salas em
melhor estado, mas com grande sacrifício”. Airma ainda que,
no prédio da Praia Vermelha passaria a funcionar “um grêmio
dos oiciais residentes na Praça General Tibúrcio” (JORNAL
DO BRASIL, 1966, p.10).
É possível constatar assim que, apesar da euforia com a qual
foi noticiada a sua criação por diversos periódicos e da fala
356
357
O nosso [curso de Artes Decorativas] deveria ser um curso de
encontro da proissão. Formamos cartazistas, ilustradores,
muralistas, especialistas em propagandas e joalheiros
(desenham e executam as jóias). Mas o nosso curso não
dá diplomas reconhecidos. Dizer que um papel não faz um
artista é muito bonito. A questão é que os artistas precisam
ganhar a vida, e quando não dispõem de meios objetivos para
isto, icam desestimulados. O 1º ano tem muito alunos, mas
no 2º muitos desistem para ser bancários. [...] Não adianta,
pois quando o aluno sai daqui e vai procurar emprego numa
Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
/ Danielle Rodrigues Amaro
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
projetos de Grisolli. Entretanto, uma carta enviada ao Diário
de Notícias mostrou-se singular por tratar de uma questão que
já apontamos aqui. A leitora Jacira Gonçalves, moradora de
Padre Miguel, bairro da Zona Oeste do município do Rio de
Janeiro, escreve ao jornal também relatando suas expectativas
com relação à gestão do novo diretor do Departamento de
Cultura:
irma particular, a primeira coisa que eles querem são só
títulos e credenciais. (BASTOS apud JORNAL DO BRASIL
[C], 1968, p.1)
Após o Golpe de 1964, muitas mudanças ocorreram no ensino
superior em função da mudança da nova legislação em vigor
no país. Se a situação já era particularmente delicada para
o IBA, a crise tendia a se agravar em virtude de um outro
episódio histórico: em 01º de julho de 1974 é sancionada pelo
general Ernesto Geisel a Lei Complementar nº20, que previa
a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro sob a
denominação de Estado do Rio de Janeiro, a partir de 15 de
março de 197515.
Li, nos jornais, que o Departamento de Cultura tem novo
Diretor – O Sr. Paulo Afonso Grisolli, um homem de criação,
como ele próprio se deiniu. E, já que ele está assumindo,
creio ser interessante sugerir àquela autoridade que talvez
seja fundamental dedicar parte de sua gestão a levar cultura
aos subúrbios do Rio de Janeiro. Lugares como Meyer,
Realengo, Nova Iguaçu, Campo Grande e Padre Miguel
são verdadeiras cidades em crescimento. Estamos ansiosos
por cultura em todos os matizes, mas nem sempre podemos
pagar. Dirijo um apelo ao novo Diretor do Departamento de
Cultura para que volte suas vistas para os subúrbios. Ainal,
também somos ilhos de Deus. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS
[B], 1975, p.4)
O ano de 1975 também seria marcado pela comemoração dos
25 anos de criação do IBA, o último de seus aniversários. Em
abril daquele ano, poucos meses antes do início das comemorações, o novo Diretor do Departamento de Cultura da
Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio de Janeiro,
Paulo Affonso Grisolli (1934-2004) narrou, em entrevista
coletiva à imprensa, suas expectativas com relação à sua gestão,
conforme o registrado pelo Diário de Notícias:
Apesar do discurso de popularização das artes a partir de um
“amplo movimento de educação estética”, a criação do IBA
não fugiu à regra. Em matéria publicada no Jornal do Brasil
em 23 de julho de 1975, Rangel relata a desproporção na oferta
de cultura na cidade do Rio de Janeiro.
Com “muitas idéias na cabeça e mais de mil e quinhentas
sobre a mesa”, o novo diretor [...] airmou ontem que está
tomando contato com a estrutura de funcionamento do
Departamento e com problemas de ordem operacional. Em
suas declarações, Paulo Afonso Grisolli disse que ainda
é cedo para se falar em planos, já que o Departamento
de Cultura está em fase de total organização, inclusive de
Regimento Interno, mas fará questão de dinamizar todos os
seus setores [...]. Acredita ter sido convidado para o cargo
como “um artista criador” e por isso pretende fazer da
cultura “um grande espetáculo”, ainda que não tenha idéia
no momento dos recursos que lhe serão liberados. (DIÁRIO
DE NOTÍCIAS [A], 1975, p.7)
Várias outras matérias foram publicadas a respeito dos
A cultura, em sentido erudito, como processo de informação
artística e cientíica e seus meios de expressão (principalmente artísticos), sempre foi, no Rio, um privilégio quase
exclusivo da Zona Sul. A Zona Norte, onde se concentram
mais de dois terços da população carioca, ainda permanece
marginalizada em termos culturais. (RANGEL in: JORNAL
DO BRASIL, 1975, p.1)
358
359
Rangel ironiza Grisolli, atribuindo-lhe uma fala na qual ele
trataria da descentralização da cultura: “vamos criar imedia-
Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
/ Danielle Rodrigues Amaro
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
diretamente nas atividades do IBA de tal maneira que foi
organizado um abaixo-assinado, no qual reivindicavam o direito
de opinar sobre os rumos que a instituição tomaria a partir de
tal decisão. Na nota, foram destacadas as conquistas da instituição sob a direção de Azevedo e, em conclusão, admitiu-se
ser “rotina em mudança de Governo o remanejamento de
pessoal” na tentativa da nova direção cercar-se de proissionais
“que melhor conhece, admira, respeita ou em última análise
ache mais capacitada para concluir um programa previamente
estruturado”. No entanto, a nota é encerrada com um recado:
“o corpo docente e discente do IBA acha que vale a pena
aproveitar 10 anos de experiência, numa programação que
deu certo” (JORNAL DO BRASIL, 1975, p.20). Apesar do
movimento de resistência que se levantou no IBA, Darcy Bove
de Azevedo é oicialmente substituído por Rubens Gerchman
(1942-2008) em setembro de 1975.
tamente uma escolinha de arte na Quinta da Boa Vista”. De
modo geral, no restante da matéria, há uma preocupação em
desconstruir a ideia de “descentralizar” a cultura da “Zona
Sul”, a partir da questão: “nessa integração, o que a Zona
Norte poderia oferecer à Zona Sul, em contrapartida?”,
levando assim a uma discussão sobre o reconhecimento de
outras culturas vivenciadas em outras regiões da cidade.
Não se pretende aqui entrar nessa longa discussão, nem
questionar se a gestão de Grisolli preocupou-se em atender
demandas regionais especíicas. Além disso, não acredita-se
que o IBA isoladamente teria algum poder de mudar a coniguração das políticas culturais do contexto onde foi criado.
Considera-se, contudo, como muito acertada a conclusão de
pesquisa recente sobre a percepção da população brasileira
a respeito das práticas e da oferta cultural16, que “o acesso à
cultura [...] não é apenas sintoma de outras desigualdades, ela
mesma produz distâncias sociais e culturais” (CODES et al. in:
SCHIAVINATTO, 2011, p.143).
A direção de Gerchman marca a extinção do Instituto de Belas
Artes e a fundação da Escola de Artes Visuais, a qual funciona
até os dias de hoje com mesmo nome e no mesmo lugar. A
mudança não foi apenas na denominação, mas evidencia o novo
caráter da instituição. O próprio Gerchman, em depoimento
sobre sua atuação à frente da EAV, esclarece o signiicado que
isso tinha para ele e para Grisolli:
Em maio de 1975, é veiculado em O Globo alguns do planos de
Grisolli. Entre eles, estava a criação do Instituto Estadual de
Educação Artística (INEART), constituído por “cinco escolas
de formação e informação artística”: Instituto de Belas Artes,
Escola de Teatro Martins Penna, Escola Villa Lobos, Escola
de Danças do Teatro Municipal e o Centro de Arte e Criatividade Infanto-Juvenil (O GLOBO, 1975, p.10). O órgão
tinha como projeto “a integração destas entidades num todo
orgânico de funcionamento interdisciplinar, visando a quebra
do isolamento nos diversos aspectos da criação artística”
(GERCHMAN, 1976)17.
Retornando assim ao IBA, semanas antes do início das
comemorações dos 25 anos da instituição, uma notícia agitou
os humores de alunos, professores e outros funcionários: o
professor Darcy Bove de Azevedo, que desde 1965 exercia
o cargo de diretor do Instituto, seria substituído. Segundo
nota do Jornal do Brasil, a situação comoveu os envolvidos
Então nós pensamos primeiro que o que a gente tinha
que mudar era o nome da escola. De Instituto passou
a ser Escola. De Belas Artes, que era uma coisa que
continha ranços do passado, inclusive lembrando a
antiga Escola de Belas Artes, da qual fui aluno. Então,
eu e Paulo Grisolli, que era Diretor do Departamento
de Cultura, resolvemos mudar para Artes Visuais, um
nome mais contemporâneo.18
360
361
Apesar do IBA se caracterizar como escola de cursos livres,
seu projeto de ensino ainava-se com o ensino artístico
acadêmico. O novo diretor revela em seu depoimento que esta
não seria uma opção em sua gestão. Ao contrário do estrito
Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
termo “Belas Artes”, Gerchman e Grisolli optaram pelo uso
de “Artes Visuais” para renomear a instituição, o qual aponta
para uma diversidade sem im de fenômenos artísticos, desde as
linguagens mais tradicionais (como pintura, desenho, escultura,
gravura), até outras mais recentes e híbridas como instalação,
videoarte, performance, etc. Ou seja, uma compreensão da arte
mais coerente inclusive com a produção artística do artistadiretor. Deve-se lembrar que, quando assumiu a direção da
instituição, Rubens Gerchman já gozava de certo prestígio
no meio artístico: além de ter a obra comentada por Mário
Pedrosa (1900-1981), já havia participado de mostras coletivas
como “Opinião 65” (1965), “Opinião 66” (1966) e “Nova
Objetividade Brasileira” (1967), realizadas no Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro; sido premiado, em 1967, pelo
Salão Nacional de Arte Moderna, que viabilizou sua mudança
para Nova York, onde permaneceu até 1972, participando à
distância da articulação contra a Bienal de 1969, a “Bienal do
Boicote”.
dos quais não conseguiram ainda sequer dispensar a
palheta, a boina e o foulard de sua faina igurativista.
A reação da parcela descontente se tem manifestado
de maneira bem menos ortodoxa e comportada do que
a sua pintura; diariamente as paredes da instituição
aparecem contestariamente pixadas com slogans e
declarações de protesto. (AMARAL in: JORNAL DO
BRASIL, 1975, p.3)
A matéria opõe o novo e inquieto diretor aos alunos, “os ventos
vanguardistas” personiicados no jovem e inquieto artista/
diretor resistente ao academicismo revelado em cavaletes
e palheta. Em seus exageros, a nota assemelha-se a uma
caricatura, por exemplo, ao citar o nome da EAV em inglês, o
que nos parece uma crítica a suposta inluência de modismos
estrangeiros na nova coniguração da instituição. O ponto
mais hilário da nota é a narrativa (ou seria uma parábola?) de
uma ação brutal, quase performática, da nova diretoria contra
cavaletes, triturando-os e afogando-os no lago do edifício
onde funciona a escola. Os alunos da escola descontentes são
descritos como idosos ociosos, vestidos de boina e foulard19.
A nova proposta, como é possível imaginar, não foi recebida
com unânime entusiasmo. As mudanças repercutiram em uma
nota lançada na coluna “Zózimo” do Jornal do Brasil de 03 de
dezembro de 1975, que narra com bastante ironia a agitação
que contagiava os corredores da instituição.
Anda conturbado o ambiente no antigo Instituto de
Belas-Artes, atual School of Visual Arts, na Rua 21,
digo, no Parque Lage, agora sob a direção do artista
plástico Rubens Gerchmann. As mudanças introduzidas no sistema de funcionamento da Escola pelo
seu novo e inquieto diretor não foram bem recebidas
por alguns alunos, sobretudo os mais idosos, descontentes com os ventos vanguardistas que passaram
a soprar. [...] A guerra ao academicismo levou o
jovem Gerchmann a investir contra os cavaletes,
que, depois de triturados, foram afogados no lago
próximo ao edifício da Escola. Também esta atitude
não mereceu o apoio unânime dos alunos, muitos
De forma a concluir esse artigo, retomaremos alguns pontos
que consideramos fundamentais para a compreensão do projeto
social inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até
sua extinção. O ensino artístico no IBA tinha como referência
o ensino acadêmico, as “Belas Artes” como o próprio nome
lhe confere. Pretendendo fomentar um “amplo movimento de
educação estética”, a criação do IBA objetivava promover o
reinamento do gosto por meio de um projeto artístico e cultural
que tinha como referência padrões europeus. O progresso
adviria a partir da substituição do grotesco pelo sóbrio, tal qual
na experiência inglesa evocada por Henrique Sálvio, na ocasião
da inauguração do IBA. Apesar do discurso de popularização
do ensino artístico, o que pode-se observa é a reiteração do
caráter exclusivo de tal proposta, já que continua a beneiciar
as mesmas regiões e, por consequência, populações.
362
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Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
/ Danielle Rodrigues Amaro
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Notas:
O novo projeto de ensino que se estabelece com a mudança para
“Escola de Artes Visuais” se relaciona com uma posição mais
ainada com a produção artística contemporânea. É possível
observar que a ideia de progresso estava relacionada com a
ruptura justamente daqueles paradigmas que fundamentaram
a criação do IBA. Havia assim um choque entre gerações,
entre compreensões divergentes a respeito do que era arte e,
por consequência, do ensino artístico que seria oferecido pela
instituição. Era uma disputa pela permanência ou substituição
de um projeto artístico, mas também social que tinha raízes
profundas cultivadas desde a criação do IBA.
1
Após 1960, com a transferência da capital federal para Brasília, o antigo
Distrito Federal transforma-se em Estado da Guanabara. Com a fusão dos Estados
da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975, corresponde hoje ao município do Rio de
Janeiro.
Por im, valendo-se da trajetória atribulada do IBA, vale
registrar a tentativa recente de extinção do Ministério da
Cultura empreendida pela presidência interina (ao menos, até
o im dessa redação...). Apesar de grandes avanços nas últimas
décadas, as políticas públicas de cultura pelejam ainda hoje
por condições profícuas para seu desenvolvimento e continuidade, sendo uma das primeiras áreas a sofrerem impactados
em situações de revisões orçamentárias. Que outras narrativas
sejam possíveis.
2
O Instituto de Belas Artes (IBA), dependendo da conjuntura, é também citado
como Instituto Municipal de Belas Artes (IMBA), Instituto de Belas Artes do Distrito
Federal, Instituto de Belas Artes do Estado da Guanabara (IBAEG). Aqui, preferiu-se
usar apenas o primeiro nome.
3
BRASIL. Instruções nº2 de 27 de outubro de 1950. Regulamenta o funcionamento do Instituto Municipal de Belas Artes. pp.9.200-9.201. Diário Oicial da União,
Rio de Janeiro, DF, ano XIII, nº249, 28 de outubro de 1950. Seção II. Disponível em:
<http://www.jusbrasil.com.br/diarios/DOU/1950/10/28>. Acesso em: 16 de agosto de
2015.
4
Pela forma como foi veiculado na imprensa de modo geral, acredita-se que
a Escola Minas Gerais tenha sido uma espécie de sede provisória para contemplar
questões de ordem administrativa (como, por exemplo, inscrições de alunos).
5
José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915), escritor português.
6
BRASIL. Resolução nº13 de 23 de junho de 1951. Institui no Departamento de
Educação de Adultos o Setor de Belas Artes. Diário Oicial da União, Rio de Janeiro,
DF, ano XIV, nº148, p.5.776, 25 de junho de 1951. Seção II. Disponível em: <http://www.
jusbrasil.com.br/diarios/DOU/1951/06/25>. Acesso em: 18 de agosto de 2015.
7
Na convocatória para o início das aulas do curso de pintura de paisagem,
são elencados os nomes dos seguintes professores: Armando Martins Viana (18971991), Oswaldo Teixeira (1905-1974), Orózio Herculano Belém (1903-1985), Manoel de
Assumpção Santiago (1897-1987), Edgar Walter Simmons (1917-1994), Salvador Fujals
Sabate (1898-1965). Como a lista de alunos é demasiadamente longa, considerou-se
por bem não transcrevê-la integralmente aqui. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS [A], 1951, p.2)
8
Segundo Carvalho, ao todo, o IBA teve nove diretores. Além de Zélia Maria
Abdulmacih, estiveram à frente da instituição: Henrique Sálvio (de 1950 a 1954), Flávio
364
365
Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
/ Danielle Rodrigues Amaro
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
1
Após 1960, com a transferência da capital federal para Brasília, o antigo
Distrito Federal transforma-se em Estado da Guanabara. Com a fusão dos Estados
da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975, corresponde hoje ao município do Rio de
Janeiro.
contemporâneas a cada artista, encontram-se as posteriores exclusões da própria
construção histórica, sobretudo durante os séculos XIX e XX. Sujeitas a um duplo
processo de exclusão – o da história vivida e o da história construída –, as mulheres
artistas tornaram-se num objeto arqueológico que só nas últimas décadas começou
a ser escavado de modo consistente pela historiograia da arte com uma abordagem
feminista.” (VICENTE, 2012, p.20)
2
O Instituto de Belas Artes (IBA), dependendo da conjuntura, é também citado
como Instituto Municipal de Belas Artes (IMBA), Instituto de Belas Artes do Distrito
Federal, Instituto de Belas Artes do Estado da Guanabara (IBAEG). Aqui, preferiu-se
usar apenas o primeiro nome.
10
Observa-se ainda que, em algumas raras vezes, são citados o Largo da Usina
e a Estrada Velha da Tijuca, o Largo do Humaitá, o Alto da Boa Vista, a Quinta da Boa
Vista.
3
BRASIL. Instruções nº2 de 27 de outubro de 1950. Regulamenta o funcionamento do Instituto Municipal de Belas Artes. pp.9.200-9.201. Diário Oicial da União,
Rio de Janeiro, DF, ano XIII, nº249, 28 de outubro de 1950. Seção II. Disponível em:
<http://www.jusbrasil.com.br/diarios/DOU/1950/10/28>. Acesso em: 16 de agosto de
2015.
11
Uma curiosidade: ambos eram professores do IBA. Além disso, Hildegardo
Leão Velloso viria a ser tornar diretor da instituição (1955-1960), substituindo Flávio de
Aquino. Já Carlos Otávio Flexa Ribeiro foi nomeado secretário da Educação e Cultura
(função que exerceu de 1961 até 1965) pelo governador do Estado da Guanabara, Carlos
Lacerda (1914-1977), cuja gestão deu-se entre 1960 e 1965.
4
Pela forma como foi veiculado na imprensa de modo geral, acredita-se que
a Escola Minas Gerais tenha sido uma espécie de sede provisória para contemplar
questões de ordem administrativa (como, por exemplo, inscrições de alunos).
5
12
BRASIL. Lei nº 899, Artigo nº 294, de 28 de novembro de 1957, Distrito Federal.
LEX Coletânea de Legislação. ANO XXI, 1957. Legislação do Distrito Federal. São Paulo:
LEX Ltda. Editora. p.170.
José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915), escritor português.
13
6
BRASIL. Resolução nº13 de 23 de junho de 1951. Institui no Departamento de
Educação de Adultos o Setor de Belas Artes. Diário Oicial da União, Rio de Janeiro,
DF, ano XIV, nº148, p.5.776, 25 de junho de 1951. Seção II. Disponível em: <http://www.
jusbrasil.com.br/diarios/DOU/1951/06/25>. Acesso em: 18 de agosto de 2015.
14
O curso Superior de História da Arte oferecido pelo Instituto de Belas Artes (RJ)
é o primeiro na área sobre o qual se tem notícia no Brasil. Criado oicialmente em 1963,
o curso originou aquele alocado no Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ) desde 1978 até os dias atuais. Além de ser tema de minha pesquisa
de doutorado, em desenvolvimento desde 2013, foi assunto central do artigo “Acerca de
‘almas penadas’: debates sobre criação e regulamentação do primeiro Curso Superior
de História da Arte (1961-1978)”, apresentado no 14º Seminário Nacional de História
da Ciência e Tecnologia e publicado nos anais eletrônicos do evento. Disponível em:
<http://www.14snhct.sbhc.org.br/arquivo/download?ID_ARQUIVO=1676>. Acesso em:
30 de agosto de 2016.
7
Na convocatória para o início das aulas do curso de pintura de paisagem,
são elencados os nomes dos seguintes professores: Armando Martins Viana (18971991), Oswaldo Teixeira (1905-1974), Orózio Herculano Belém (1903-1985), Manoel de
Assumpção Santiago (1897-1987), Edgar Walter Simmons (1917-1994), Salvador Fujals
Sabate (1898-1965). Como a lista de alunos é demasiadamente longa, considerou-se
por bem não transcrevê-la integralmente aqui. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS [A], 1951, p.2)
15
BRASIL. Lei Complementar nº20, de 1º de julho de 1974. Dispõe sobre a criação
de Estados e Territórios. p.7.253. Diário Oicial da União, Brasília, DF, 01º de julho de
1974. Seção I. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/leicom/1970-1979/
leicomplementar-20-1-julho-1974-372645-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em:
22 de agosto de 2015.
8
Segundo Carvalho, ao todo, o IBA teve nove diretores. Além de Zélia Maria
Abdulmacih, estiveram à frente da instituição: Henrique Sálvio (de 1950 a 1954), Flávio
de Aquino (de 1954 a 1955), Hildegardo Leão Velloso (de 1955 a 1960), Luiz Augusto de
Leão Castello (de 1960 a 1961), Lamartine Oberg (de 1961 a 1963), Luiz Carlos Palmeira (de
1963 a 1964), Alcídio Mafra de Souza (de 1964 a 1965), Darcy Bove de Azevedo (de 1965 a
1975). (CARVALHO, 1998, pp.69-70)
9
Em obra na qual relete e problematiza a escrita de uma história da arte que,
durante muito tempo, ignorou e desvalorizou a produção artística de mulheres, Vicente
argumenta que “as formas de marginalização da prática artística feminina” poderiam
ser deinidas em duas vertentes principais: “Em primeiro lugar, as condicionantes
sociais que afetaram, especiicamente, cada mulher artista. Independentemente dos
diferentes espaços geográicos e dos períodos cronológicos em que estas viveram, a
identidade de uma artista esteve sempre condicionada pela sua identidade enquanto
mulher. E, se alguns contextos geográicos ou domésticos foram mais favoráveis ao
seu desenvolvimento do que outros [...], ter nascido mulher foi sempre um entrave
ao ser artista: a falta de acesso ao ensino artístico ou às possibilidades de viajar, as
condicionantes sociais à proissionalização feminina, ou o peso das responsabilidades
domésticas. Em segundo lugar, e para lá das múltiplas exclusões socioculturais
Na época, diretor do IBA, cuja gestão deu-se entre 1961 e 1963.
16
Fazemos referência à pesquisa “SIPS Cultura: percepções e cultura”, que
integra o projeto SIPS (Sistema de Indicadores de Percepção Social). Concebido pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, teve “como objetivo principal implementar
um sistema de indicadores sociais que se mostrem de grande utilidade para o Estado
e a sociedade, possibilitando veriicar, por exemplo, como a população avalia os
serviços de utilidade pública disponíveis e seu grau de importância”. (SCHIAVINATTO,
2011, p.7)
17
Trecho retirado de texto assinado por Rubens Gerchman em folder de
divulgação da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, de 1976, em que são apresentadas
a instituição e a estrutura dos cursos. Disponível em: <http://acervo.memorialage.com.
br/xmlui/handle/123456789/1274>. Acesso em: 22 de agosto de 2015.
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Um “amplo movimento de educação estética”: o projeto social
inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
/ Danielle Rodrigues Amaro
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Referências Bibliográicas:
18
Em 08 de agosto de 2014, foi inaugurada na Casa Daros (Rio de Janeiro, RJ)
a mostra “Rubens Gerchman: com a demissão no bolso” realizada em parceria com
o Instituto Rubens Gerchman (Rio de Janeiro, RJ). Segundo informações disponíveis
no site da Casa Daros, “a mostra traz um levantamento histórico sobre o pensamento
pedagógico do artista Rubens Gerchman e sua contribuição para o ensino da arte no
país como diretor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (1975-1979)” [disponível
em: <http://www.casadaros.net/index_rio.php?q=1614>, acesso em 12 de agosto de
2014]. O depoimento de Gerchman, gravado poucos meses antes de sua morte em 29
de janeiro de 2008, encontra-se disponível em trecho de documentário (que, na íntegra,
compõe a mostra), vinculado em notícia sobre o evento publicada na seção Cultura do
jornal O Globo on line. A mostra esteve em exibição até o dia 08 de fevereiro de 2015.
Fonte: RUBIN, Nani. Exposição faz tributo à passagem de Rubens Gerchman pelo
Parque Lage. Publicado online em 09 de agosto de 2014. Disponível em: <http://
oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/exposicao-faz-tributo-passagem-de-rubensgerchman-pelo-parque-lage-13539278>. Acesso em 12 de agosto de 2014.
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Trabalho – Auto-realização, prazer e eicácia: o caso da Escola de Artes Visuais
do Parque Lage. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. Dissertação
de Mestrado. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/
handle/10438/3603/000085484.pdf ?sequence=1>. Acesso em: 16 de agosto de
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DocReader/DocReader.aspx?bib=089842_06&PagFis=7341>. Acesso em: 21 de
abril de 2014.
Danielle Rodrigues Amaro é graduada em História da Arte
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ, 2007),
mestre em Artes pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp, 2010), doutoranda em História Social pela Universidade de São Paulo (USP, atual) com o projeto de pesquisa
“A controversa institucionalização da História da Arte no
Brasil”. Desde 2004, trabalha em educativos de museus de
arte e história, em ações, projetos e programas temporários e
de longo prazo. Destacam-se as atuações no Museu de Arte
Contemporânea de Niterói (2004-2007) e na Pinacoteca do
Estado de São Paulo (2010-2016).
CORREIO DA MANHÃ [B]. Amplo movimento de educação estética. TERCEIRO
CADERNO, ANO L, Nº17.802, P.16. Rio de Janeiro, domingo, 1 de abril de
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Cultura. SEGUNDA SEÇÃO, ANO XXV, Nº 9.840, P.5. Rio de Janeiro, quarta-
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inscrito no Instituto de Belas Artes desde sua criação até sua extinção (RJ, 1950-1975)
/ Danielle Rodrigues Amaro
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“Enseñar en las
fábricas el amor a lo
bello”.
Artes industriales y
academia a
comienzos del siglo
XX en Argentina
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Giulia Murace
“Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”.
Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina
/ Larisa Mantovani & Giulia Murace
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Las Bellas Artes colaborarían así en la conformación de un
país que pudiera exportar no sólo materias primas sino
también aquello que llevara “el sello de la idea” (Schiafino
cit. en Malosetti Costa, 2001:45). Los principales referentes
y participantes de la Sociedad Estímulo a lo largo del tiempo
fueron reconocidos artistas, muchos destacados en la pintura
de grandes temas, que expusieron en salones nacionales e
internacionales y cuya formación se vio enriquecida debido a
sus viajes a Europa tanto costeados con ayuda familiar como
gracias a becas estatales.4
En este trabajo presentaremos cómo la reforma de la
enseñanza en la Academia de Bellas Artes argentina estuvo
vinculada a la asunción de Pío Collivadino como director,
cuya formación en Italia incidió en la realización de modiicaciones en la estructura educacional de la institución. En este
sentido, también abordaremos un aspecto poco indagado hasta
el momento en torno al lugar creciente que ocuparon las artes
decorativas y aplicadas en el plan de estudios.
En 1901, una revista de gran circulación para la época, Caras
y Caretas, presentaba una nota que hacía foco en las posibilidades que la Academia había brindado para formar profesionales que pudieran vivir de su arte. Pintores, músicos y
escultores que antes debían trabajar en la administración
pública o dedicarse a problemas “ajenos a su índole” podían
ahora dedicarse a aquello en lo que se habían formado, hecho
impensado varias décadas atrás.5
Las instituciones artísticas en Argentina desde ines del siglo XIX
Desde un principio la pintura y escultura recibieron particular
atención en la enseñanza que se impartía en la institución. No
obstante, no siempre se tuvo por inalidad educar únicamente
en estas producciones artísticas: la existencia de cursos
nocturnos para artesanos, yeseros y carpinteros revela un
interés en expandir los alcances de la formación que obtenían
los alumnos. Así se resaltaba durante la década de 1890 en una
nota de La Nación:
A lo largo de todo el siglo XIX en la Argentina se fomentó la
instauración de escuelas o academias para la enseñanza de las
artes1. Tardíamente respecto a otros países latinoamericanos,
como Brasil, México o Chile, en 1876 se creó por iniciativa
privada de un grupo de jóvenes artistas la Sociedad Estímulo
de Bellas Artes (SEBA) en Buenos Aires. Dos años después, en
1878, comenzó a funcionar bajo sus auspicios una Academia
de Bellas Artes y Escuela de artes decorativas e industriales2
que durante su fundación tuvo por inalidad hacer foco en el
estudio del dibujo y la escultura (Manzi, s/f: 14). Desde el
último decenio del siglo XIX hubo fuertes presiones por parte
de la comunidad artística para que la institución se nacionalizara, hecho que inalmente se llevó a cabo en 1905.
Con la formación de la SEBA, los artistas de la denominada
Generación del ‘803 intentaron impulsar una visión del arte
como “elemento fundamental de la cultura ‘civilizada’”
(Malosetti Costa, 2001:422), que tenía a Europa como modelo.
La parte más concurrida del curso de dibujo es la que
corresponde al ornamental, lo que se comprende por su
aplicación a diferentes objetos industriales (…) Y hay quienes
entre ellos ganan tres y cuatro pesos diarios en talleres industriales, pagando sólo dos pesos mensuales por la educación
artística que reciben (cit. en Manzi, s/f: 28).
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375
La propuesta de formación en artes aplicadas fue uno de los
modos de otorgar relevancia a las actividades que se realizaban
“Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”.
Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina
/ Larisa Mantovani & Giulia Murace
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
desacuerdos con la antigua gestión habían sido explicitados
en diversas ocasiones y se agudizaron cuando se pretendió
reformar el plan de estudios junto con el modelo de enseñanza
que se había propuesto hasta el momento.
en la Academia6. De este modo, la institución se presentaba
como un espacio de formación de artistas pero también de
trabajadores del ámbito industrial y artesanal o manufacturero: se sostenía que el arte, y sobre todo el dibujo, servía
en particular a los obreros y artesanos en su labor; a su vez, el
aprendizaje obtenido posibilitaba ampliar la salida laboral y
conseguir mejores ingresos.
A los pocos meses de asumir, Collivadino otorgó una entrevista
a la revista Athenas en donde se criticaba a la gestión anterior y
al atraso en que había quedado la institución. El nuevo director
aspiraba a que “el joven que ingrese á nuestra academia salga
siendo un artista ó un buen dibujante que pueda emplear sus
conocimientos para ser útil a sí mismo” y entre las reformas
propuestas se encontraba la incorporación de ciertos estudios
complementarios que hasta el momento no existían, como
también el establecimiento de clases mixtas “que facilitaran
la concurrencia de alumnas á las aulas…”.8 No obstante, la
cuestión que más inquietaba a Collivadino era que la Academia
formase únicamente artistas que luego no tuvieran una salida
laboral adecuada a su formación.9
Si el arte, como se mencionó, era el medidor de la civilización,
podemos decir que las artes aplicadas posibilitaban dar cuenta
del progreso vinculado a la industria local. De este modo,
las artes decorativas y aplicadas, la industria y la enseñanza
eran tres ejes que en conjunto se presentaban como un aporte
fundamental al desarrollo del país. No obstante, solo a ines
del siglo XIX se logró tener cursos dirigidos especialmente
a los oicios, mientras que fue en los primeros años del XX
que las artes decorativas e industriales adquirieron una mayor
atención en el marco de la educación artística. Esto también
fue producto de las contingencias económicas generadas por
la Primera Guerra Mundial que favorecieron en Argentina el
crecimiento de la industria (Rocchi, 2000:15-70).7
Tras la asunción de los nuevos directores se visualizan algunos
intentos por regularizar y formalizar la enseñanza en la institución, a partir de la incorporación de nuevos requisitos para
el ingreso: antes se aceptaban estudiantes desde los doce años
(Malosetti Costa, 2001: 102) mientras que ahora era necesario
tener catorce cumplidos, certiicado de buena conducta y
haber cursado hasta quinto grado inclusive de las escuelas
comunes o, en su defecto, rendir equivalencias. La inscripción
que debían realizar los estudiantes año a año para continuar
los cursos y el ordenamiento correlativo de las asignaturas
también evidenciaban una voluntad de control constante del
alumnado. A su vez, los estudios se organizaban en tres tramos
a través de cursos elementales, preparatorios y superiores;10
una vez inalizados los cursos elementales y preparatorios el
estudiante debía elegir si continuaría en los cursos superiores
de la sección de Bellas Artes o de Artes Decorativas.11
La Academia Nacional de Bellas Artes y su plan de estudios
La Academia Nacional de Bellas Artes (ANBA) heredó la
estructura que tenía cuando estaba a cargo de la SEBA, por lo
que la línea de enseñanza supuso cierta continuidad, manteniendo sus asignaturas y sus directivos: Ernesto de la Cárcova
fue el director y Eduardo Sívori el vicedirector. Ambos pertenecieron a la Generación del ‘80 y habían sido parte activa de la
SEBA. Mientras que Sívori había formado parte de la Sociedad
Estímulo desde sus inicios, de la Cárcova había estudiado en
ella y posteriormente en Turín y Roma. La decisión gubernamental tomada en 1908, de incluir la ANBA bajo las directivas
de la Comisión Nacional de Bellas Artes, causó la renuncia
de Cárcova, provocando un cambio de dirección. Los artistas
Pío Collivadino y Carlos Ripamonte pasaron a ocupar, no
sin polémicas, los lugares de director y vicedirector; sus
376
377
Desde 1910, gracias a Collivadino y su cuerpo docente la
Academia ratiicó la reforma del plan de estudios sistema-
“Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”.
Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina
/ Larisa Mantovani & Giulia Murace
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
tizando las orientaciones de Ornamentación Decorativa y
Plástica Ornamental en tres niveles y un curso superior a la par
de lo establecido para Pintura y Escultura. Al año siguiente se
agregaron talleres de aguafuerte (1911) y más tarde cursos de
escenografía (1919) y litografía (1920).
cantidad de artistas y docentes respecto de los cuales podía
peligrar su inserción laboral. Asimismo, el sector industrial
se veía descuidado siendo la capacitación en oicios una
demanda todavía por cubrir.13 Este tema hacía eco en la prensa
e incluso en Athinae, publicación del Centro de Estudiantes de
la Academia. Allí se destacaba que aquellos que no tuvieran
una inserción clara en el sistema artístico no eran más que un
gasto para el Estado. Se propugnaba una formación artística
pero con aplicación práctica en donde el obrero no fuera un
simple imitador de un modelo sino un “creador” que pudiera
“inspirarse” de la naturaleza que lo rodeaba; de este modo la
nota concluía “Así [se] desarrollaría en nuestras fábricas el amor
á lo bello y se iría creando paulatinamente el verdadero arte
nacional”.14 De modo que el arte aplicado a la industria podía
llegar a tener una condición de belleza y también colaborar en
la conformación de un arte argentino.
La institución brindaba tanto un turno diurno como nocturno.
Este último contaba con mayor cantidad de cursos, algunos de
ellos no disponibles a lo largo del día como Escultura, Ornamentación, Plástica Ornamental, los cuatro niveles de Arquitectura
(dentro de las materias prácticas) e Historia de la Arquitectura
y Ornato de la Arquitectura (dentro de las complementarias).
Posiblemente esto tuviera por inalidad brindar una oferta
variada a los trabajadores que también aspiraban a estudiar en
la Academia a la salida de la fábrica.
En las clases de Ornamentación Decorativa se destacaba el
aprendizaje de técnicas tales como acuarela, temple y óleo,
con un curso superior orientado a las artes gráicas y “demás
artes aplicadas”.12 La asignatura de Historia del arte, dictada
por Carlos Zuberbhüler y luego por Alejandro Ghigliani, era
una materia afín a todas las orientaciones y que en los casos
dedicados a la especialización ornamental se complementaba
con historia de las artes decorativas. A su vez, Ornamentación
Decorativa y Plástica Ornamental hacían foco en el “estudio de
la lora y de la fauna del natural”, mientras que la igura humana
no aparecía dentro de sus programas. De este modo, podemos
establecer que una de las diferencias que podían atribuirse a
las orientaciones ornamentales era el interés por el estudio de
la naturaleza en detrimento de la enseñanza de la anatomía
humana, característica esencial de pintura y escultura.
Con la nacionalización aloraron con más fuerza obligaciones
en relación al Estado. Pese a los esfuerzos dirigidos hacia
una orientación de la enseñanza que pudiera brindar una
formación más amplia, en estos años los directivos tuvieron
que enfrentarse a cuestionamientos y problemas. La ANBA
creaba una excesiva oferta de egresados, es decir una gran
Pio Collivadino y su formación en Roma
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El cuerpo docente de la nueva academia estaba formado por los
ya citados Collivadino y Ripamonte, pero también por Alberto
María Rossi, Arturo Dresco, Bernaldo de Quirós, Héctor
Nava, Manuel Julián Castilla y Gustavo Bacarisas, quienes
habían tejido lazos de amistad en los años de “bohemia” en
Roma15. Los primeros cinco junto a Fernando Fader y Justo
Lynch fundaron en 1907 el grupo Nexus. Estos artistas con
su labor buscaban mostrarse como una “generación nueva”,
lista para luchar contra las viejas instituciones y sus directivos.
Este grupo podía verse heterogéneo en términos artísticos
por las diferentes tendencias abordadas en sus obras, pero
estaba unido en el desacuerdo con el entero sistema artístico
argentino, desde la SEBA hasta el Museo Nacional de Bellas
Artes, especialmente con la dirección de Eduardo Schiafino;
a su vez, propugnaban la necesidad de un Salón Nacional
(Malosetti Costa, 2006:70-71), aún inexistente16. Entre las
primeras experiencias del grupo destacó la exposición Nexus
de Blanco y Negro, certamen donde se proponía exponer exclusivamente obras “no pictóricas”, principalmente dibujos y
“Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”.
Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina
/ Larisa Mantovani & Giulia Murace
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
grabados, hecho que daba cuenta de la particular sensibilidad
que tenía este grupo hacia las artes aplicadas17.
la cual durante siglos había sido el centro de la tradición
artística italiana y europea. En el RI los jóvenes eran orientados
en la “imitación inteligente del natural”, pero acompañados
por “estudios ornamentales, arquitectónicos e intelectuales”
(Damigella, 2010:30-31).21
Collivadino llegó a Buenos Aires como un artista con una
notable carrera en Italia y en menos de dos años pasó a tener
la responsabilidad de ser el artíice del cambio de rumbo de
la enseñanza artística en Argentina. Desde su asunción como
director de la Academia tuvo conciencia de que su propuesta
educativa iba a presentar una incisiva modiicación en la institución en relación a la gestión anterior. Los cambios que él
presentaba tenían un fuerte contenido ideológico: el aprendizaje del llamado “gran Arte” no podía garantizar la supervivencia de quienes quisieran desarrollarlo profesionalmente,
la condición social del alumnado era un aspecto fundamental
a tener en cuenta. El contingente estudiantil debía tener otras
opciones, especialmente si no contaba con el apoyo económico
que podía implicar provenir de una familia adinerada, la
formación de aplicación práctica y utilitaria era una salida
posible:
Collivadino empezó a cursar en 1891, cuando se ponía en
marcha el nuevo plan de estudio, donde se encuentran muchas
similitudes con el que implementó cuando se volvió director
de la ANBA. La formación se repartía en dos tramos, el
primero de “corso comune” (curso común) que funcionaba
como preparatorio con enseñanzas generales de tres años, y
el segundo de “corso speciale”, (curso especial o superior),
según la especialización que el alumno elegía: en Ornato
(Ornamentación), Figura, Escultura o Arquitectura.22 El RI se
complementaba con el MAI, en el cual funcionaban escuelas
profesionales dirigida por los mismos profesores; ambas instituciones tenían la intención de ampliar la sensibilidad artística
entre las clases obreras.23 A partir de la década de 1880 se
desarrolló un proyecto de gran alcance desde el Ministerio
de Agricultura, Industria y Comercio italiano que preveía un
fortalecimiento de la enseñanza de las artes aplicadas. En esta
instancia, el MAI fue designado como la sede de creación de
modelos de ornamento y de yesos que suplían las falencias de
muchas escuelas profesionales e industriales, como también
de muchas academias de bellas artes (Pesando 2009:125-130),
italianas y extranjeras, igurando entre ellas la Academia de
Bellas Artes en Argentina.24
Los profesores entre ellos Cárcova y Sivori no eran muy partidarios de que la enseñanza tuviese un carácter más práctico,
ellos no sabían de la necesidad de los alumnos y de su porvenir
práctico, ellos nacieron y crecieron con todas las comodidades,
no tuvieron que ganarse la vida pudieron estudiar y dedicarse al
gran Arte y claro está que ellos pensaran que yo quería rebajar
el nivel de la enseñanza en la Academia encarándola desde el
principio en la forma práctica y útil.18
Pio Collivadino volvía a la Argentina después de haber vivido
en la capital italiana durante dieciséis años y de haber participado activamente de los debates artísticos que allí se estaban
desarrollando.19 En Roma en este momento había dos instituciones artísticas que se encontraban conectadas, el Regio
Istituto di Belle Arti (RI) y el Museo Artistico Industriale
(MAI).20 El primero de estos había surgido en 1874 a partir de
un decreto estatal que quitaba la gestión de la enseñanza a la
pontiicia Accademia di San Luca, situada en la misma ciudad,
Consideraciones inales
380
381
La Academia de Bellas Artes, como habíamos dicho, se nacionalizó en 1905, cuando ya otros elementos esenciales para la
formación de un campo artístico habían sentado sus cimientos
y otros se encontraban en proceso. La apertura de nuevos
espacios de legitimación evidenciaba la necesidad de colmar
una laguna que a esta altura cronológica se sentía como un
retraso importante en relación a Europa y Estados Unidos. Si
“Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”.
Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina
/ Larisa Mantovani & Giulia Murace
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Notas:
bien el Museo Nacional de Bellas Artes ya había nacido en
1895, el Salón Nacional logró instaurarse de manera deinitiva
en 1911 y fue un eje fundamental para la consagración no
sólo de las instituciones artísticas sino también para brindar
posibilidades de crecimiento y visibilidad a artistas locales y
extranjeros, muchos formados en la Academia. Dicho salón se
inició con secciones para la pintura, escultura, arquitectura y
también artes decorativas que lentamente fueron adquiriendo
mayor independencia. Los salones de acuarelistas, pastelistas
y aguafuertistas (desde 1915) como también aquellos de artes
decorativas (desde 1918) incorporaron muchas de las áreas que
se venían fomentando desde la Academia (y desde distintas
escuelas de artes aplicadas). Este giro en los intereses de la
institución y del cual Collivadino fue pionero, debe ser tenido
en cuenta dentro de un desarrollo más amplio en consonancia
con otras áreas que se interesaron en las artes decorativas y
aplicadas a la industria de igual manera. Aunque existente
desde principios de siglo, años después de la reforma ya se
perilaba con mayor claridad una estructura institucional que
tenía una triple exigencia: artística, pedagógica y profesional
(para la formación de artistas, maestros y especialistas en
oicios) dando cuenta de que la Academia tenía una propuesta
de enseñanza más aianzada pero en constante proceso de transformación, lo cual continuará en los años treinta y cuarenta.
1
Entre ellas pueden mencionarse algunas a modo de ejemplo: en 1799 Juan
Manuel Belgrano había promovido la apertura de una escuela de dibujo al servicio de
la “industria” nacional; existió una academia de dibujo instituida por Fray Francisco de
Paula Castañeda, en 1815, que se integró a la naciente Universidad de Buenos Aires en
1821; como también una escuela de dibujo, creada en Mendoza en 1817 por indicación
del General San Martín; a su vez, en 1825 el padre Castañeda fundó en Santa Fe una
escuela de artes y oicios.
2
La escuela era una estructura para-académica para la enseñanza artística,
aunque hasta el momento la información sobre lo que se estudiaba en la academia y la
escuela no se encuentra diferenciado con especiicidad en las fuentes consultadas.
3
Éstos fueron actores del campo cultural argentino en la década de 1880,
cuando se instauró un coherente discurso relativo al progreso y a la civilización donde
el arte y la cultura tuvieron un papel protagónico. Para un panorama completo sobre el
proyecto de la Generación del ’80 y la fundación de la SEBA, cfr. Malosetti Costa, 2001:
83-114.
4
Entre ellos: Eduardo Schiafino, Eduardo Sívori, Ernesto de la Cárcova, Ángel
Della Valle, etc. Cfr. Malosetti Costa, 2001.
5
Caras y Caretas. “La Academia de Bellas Artes. Su origen y estado actual”, nº
137, 18 de mayo, 1901. Pp 29-36.
6
Malosetti Costa 2001:102, nos brinda el reglamento de la SEBA publicado en
1899 donde subraya no había distinciones jerárquicas entre las bellas artes y las artes
aplicadas.
7
Las mejores condiciones económicas para los sectores beneiciados incrementaron el consumo de productos, muchos de ellos de fabricación local como la
vestimenta. A su vez, la creciente preocupación por la alfabetización también beneició
a la industria gráica productora de libros escolares. Para un primer estado de la
cuestión sobre la situación de las artes aplicadas en Argentina cfr. Mantovani, 2016.
382
383
8
“Con el nuevo director de la Academia”. Athenas, año 1, núm. 3, 15 de
septiembre de 1908. PP 1 y 68. Archivo del Museo Pío Collivadino, documento 1666_
h28a1 y 1666_h28a2. Varios años después estos intereses seguían vigentes en su pensamiento, en sus notas se preguntaba sobre la posibilidad de crear un turno diurno mixto,
destacando que en Europa era posible porque las niñas eran menos, pero contemplándolo como un beneicio también en términos presupuestarios.
“Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”.
Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina
/ Larisa Mantovani & Giulia Murace
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
9
Frente a los cuarenta y siete alumnos de ambos sexos repartidos entre los
cursos de estampa, ornato de yeso y igura de estampa y yeso a cargo de Giúdice y
Ángel Della Valle (Manzi, s/f: 25) hacia 1908 la Academia contaba con 625 alumnos
comprendiendo los tres cursos que se dictaban en la Academia y en la Escuela (entendiendo por estos tres cursos Bellas Artes, Escuela de artes decorativas e industriales
y materias complementarias), aunque posteriormente en los exámenes de noviembre
y marzo de 1908 y 1909 fueron aprobados sólo 329. Memoria presentada al Congreso
Nacional de 1910 por el Ministro de Justicia e Instrucción Pública. Tomo III. Anexos de
Instrucción Pública 1908. Buenos Aires, Talleres Gráicos de la penitenciaría nacional,
1909. PP. 249-250.
la sede de sus becas, volviendo todos a la Argentina entre 1904 y 1905. Héctor Nava
y Alberto Rossi viajaron a la ciudad eterna con sus propios recursos, mientras que
Gustavo Bacarisas, sevillano, se encontraba estudiando en la Academia de España en
Roma cuando conoció a la colonia argentina y fue invitado por Collivadino, ya director
de la Academia en Buenos Aires, para ser profesor de dibujo en ella. Para un primer
estudio exploratorio de estas relaciones latinoamericanas en Roma cfr. Murace, 2016.
16
Un importante estudio sobre los salones nacionales de arte en Buenos Aires
es Penhos, Wechsler, 1999.
17
Si bien la variedad de obras que se iban a exponer estaba en los propósitos
del grupo Nexus, esto no se logró por completo durante la exposición, dato que resalta
aún más la situación difusa de las artes aplicadas en la Argentina de principios del
siglo XX. Cfr. La Nación, “Exposición Blanco y Negro”, 16 de abril de 1908.
10
Memoria presentada al Congreso Nacional de 1910 por el Ministro de Justicia
e Instrucción Pública. Tomo III. Anexos de Instrucción Pública 1908. Buenos Aires,
Talleres Gráicos de la penitenciaría nacional, 1909. PP. 373.
11
Las materias se dividían en “prácticas” y “complementarias”, estas últimas
probablemente tenían contenidos teóricos entre las que se encontraban Historia
del Arte, Anatomía Artística y Perspectiva. En aquellas previamente mencionadas se
proponía un método de evaluación con el sistema de “bolillas”, en donde el alumno
recibía azarosamente dos de ellas, cada una con un tema, de las cuales debía elegir
una para desarrollar lo estudiado. Asimismo, mientras el resto de las materias se regularizaba el examen con el sistema de aprobación, aplazo o reprobación, las asignaturas
mencionadas y Dibujo Lineal recibían una nota numérica que permitiría establecer un
orden de prioridad en las vacantes para el acceso a los cursos superiores. En cambio,
las materias prácticas contaban con la posibilidad de que el estudiante de las materias
de Dibujo, Modelado y Pintura contara con los “modelos” aproximadamente un mes
antes de los exámenes y cuando ya se encontraban inalizados los cursos, hecho
que les permitía tener un mes de práctica para la copia del claroscuro antes de la
evaluación formal. En este período los profesores no podrían asistir a la Academia dado
que debían abstenerse de hacer correcciones verbales y/o gráicas a los estudiantes.
Cfr. Memoria presentada al Congreso Nacional de 1910 por el Ministro de Justicia e
Instrucción Pública. Tomo III. Anexos de Instrucción Pública 1908. Buenos Aires, Talleres
Gráicos de la penitenciaría nacional, 1909. PP. 371-374.
18
19
Además de participar de la vida de la Associazione Artistica Internazionale y
de colaborar con varias revistas, participó de las Biennale di Venezia (1901;1903;1905).
Estableció contactos con muchos de los jóvenes artistas que transitaban por la capital
italiana en aquel momento (frecuentaba el círculo de Giacomo Balla con los protofuturistas: Adolfo De Carolis y Duilio Cambellotti, dos artistas cuya producción artística
estuvo particularmente atenta a las artes aplicadas).
20
La existencia de instituciones educativas vinculadas a museos y escuelas
tuvo su origen estuvo en el South Kensington Museum en Inglaterra, a partir de la
Exposición Universal de 1851, que funcionó como modelo para toda Europa con la
idea de crear un espacio donde exhibir los embellecidos productos de la industria y al
servicio de reinar el gusto (la mano y el ojo) de los trabajadores de las fábricas.
21
Esta fórmula que priorizaba la imitación de lo que es real (verdadero) quería
responder a exigencias derivadas de las teorías positivistas. Las enseñanzas no eran
cerradas en sí mas transversales: se impartían disciplinas de naturaleza objetiva,
indispensables para formar una base de conocimiento positivo a los jóvenes que se
iniciaban al arte del Dibujo, aboliendo el conocimiento de índole subjetivo.
12
Athinae, “Academia Nacional de Bellas Artes”. Febrero 1910. Año III, núm. 18.
Pp. 16-18. Para una relexión sobre la revista cfr. Baldasarre, 2009.
22
En los primeros años el alumno recibía conocimientos de ciencias
matemáticas, dibujo lineal, perspectiva, dibujo a claroscuro, literatura e historia del arte.
Los cursos especiales aunque tuvieran sus propias especiicidades, tenían todos en
cuenta el modelado del natural y del modelo en yeso, el uso de la perspectiva aplicada
y el seguimiento de la historia del arte. Cfr. Vagnetti, 1943
13
En 1902 se sancionó un decreto estableciendo que las cátedras de dibujo
de los establecimientos oiciales de enseñanza serían ocupadas por quienes fueran
graduados de la academia de la sociedad estímulo de bellas artes; otorgando la
posibilidad al año siguiente de que se otorgase a la Sociedad la facultad de expedir
diplomas de profesor de dibujo (Manzi, s/f:34). En 1912 en una nota de Caras y Caretas
se comenzaba a señalar un problema que tendrá larga data “Hay, como se ve, un buen
porcentaje de alumnos en los cursos de artes decorativas y de aplicación industrial,
futuros obreros que no toman como pasatiempo la tarea, que van a hacer su profesión y
que merecen las mismas atenciones que los estudiantes de otros institutos (…) Mientras
se aguarda la iniciativa que no llega, sigue la Academia exigiendo a su personal
docente un horario improbo, sigue rechazando más de doscientos inscriptos por año
y dando, sin embargo, en el mismo tiempo, alrededor de cuarenta profesores al país.”
Caras y Caretas. “La Academia Nacional de Bellas Artes”, n.° 740, 7 de diciembre de 1912.
P.108. El subrayado es nuestro.
14
23
La creación de la Commissione Centrale per l’insegnamento artistico e industriale, en 1884, nacionalizó y centralizó esta comunión de intenciones, difundiéndolas a
todas las escuelas profesionales y las academias de bellas artes italianas.
24
Los calcos en yeso del MAI se exportaban no solo a las academias italianas,
sino también al exterior, llegando incluso a Buenos Aires, como da a conocer la revista
“Arte italiana decorativa e industriale”, enero de 1898, p. 9
Athinae, “Escuela de artes industriales”, enero de 1910. Año III, núm. 17. Pp. 5-6.
15
Pio Collivadino estudió en Roma entre 1890 y 1896 (permaneciendo en la
ciudad hasta 1906); Carlos Ripamonte, Arturo Dresco, Cesáreo Bernaldo de Quirós,
Manuel Julián Castilla, ganaron en 1899 el Premio Europa y decidieron instalar en Roma
Archivo del Museo Pío Collivadino, documento 867_h1.
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“Enseñar en las fábricas el amor a lo bello”.
Artes industriales y academia a comienzos del siglo XX en Argentina
/ Larisa Mantovani & Giulia Murace
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Bibliografía de referencia citada en el texto:
BALDASARRE, María Isabel (2008) “La revista de los jóvenes: Athinae” en:
Artundo, Patricia (dir.) Arte en revistas: publicaciones culturales en la Argentina
1900-1950. Rosario, Beatriz Viterbo Editora.
DAMIGELLA, Anna Maria (2010) Vicende dell’Accademia di Belle Arti di Roma
dal 1874 agli anni Trenta. en: D’ACHILLE, Tiziana, DAMIGELLA, Anna Maria,
SIMONGINI, Gabriele (coord.) (2010), Romaccademia. Un secolo d’arte da Sartorio
a Scialoja, Roma, Gangemi editore.
MALOSETTI COSTA, Laura (2001) Los primeros modernos: Arte y sociedad en
Buenos Aires a ines del siglo XIX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica.
------------------------------------ (2006) Collivadino. Buenos Aires, El Ateneo.
MANZI, Ofelia (s/f ) Sociedad Estímulo de Bellas Artes. Desde su fundación hasta la
nacionalización de la academia. Buenos Aires, Atenas.
MANTOVANI, Larisa (2016) “Arte, oicio e industria. La institucionalización de las
artes decorativas y aplicadas en la historia del arte argentino a principios del siglo
XX” en 19&20, Rio de Janeiro, Año XI, número 1. URL: http://www.dezenovevinte.
net/arte%20decorativa/ad_argentina.htm
MURACE, Giulia (2016) “Network artísticos internacionales en la Roma inisecular.
Una lectura crítica a través de las imágenes de ateliers de los pintores latinoamericanos” en A. Valle, C. Dazzi, I. Portella, R. de J. Silva (coord.) Oitocentos - Tomo
IV: O Ateliê do Artista, Universidade Federal da Integração Latino-Americana: Foz
do Iguaçu/PR.
Larisa Mantovani es licenciada y profesora en artes por la
Universidad de Buenos Aires. Doctoranda en Historia con
mención en Historia del arte en el Instituto de Altos Estudios
Sociales de la Universidad Nacional de San Martín. Su tema
de investigación se centra en las artes decorativas, aplicadas e
industriales y las tensiones entre las Bellas Artes y la industria
en las primeras décadas del siglo XX en Argentina. Participa
y ha participado de eventos cientíicos y proyectos de investigación relacionados a las artes gráicas y cultura visual, como
también a la escultura y ornamentación.
Giulia Murace es licenciada en Historia del Arte por la
Università della Calabria y Especializada en Historia del Arte
por la Università degli Studi di Siena. Doctoranda en Historia
con mención en Historia del Arte en el Instituto de Altos
Estudios Sociales de la Universidad Nacional de San Martín.
Su tema de investigación concierne los viajes de estudio a
Roma de artistas sudamericanos entre el último cuarto del
siglo XIX y las primeras décadas del siglo XX y cómo esto
tuvo incidencia en la formación del arte sudamericano.
PENHOS, Marta y Diana WECHSLER (coord.) (1999) Tras los pasos de la norma.
Salones nacionales de Bellas Artes (1911-1989), Buenos Aires, Ediciones del
Jilguero.
PESANDO, Annalisa B. (2009) Opera vigorosa per il gusto artistico delle nostre
industrie. La Commissione Centrale per l’insegnamento artistico industriale e “il
sistema delle arti” (1884-1908), Milano, Franco Angeli.
ROCCHI, Fernando (2000) “El péndulo de la riqueza: la economía argentina en el
período 1880-1916 en Nueva Historia Argentina”, tomo 5, Lobato, M.Z. (ed.) El
progreso, la modernización y sus límites (1880-1916), Sudamericana, Buenos Aires.
VAGNETTI, Fausto (1943) La regia accademia di belle arti di Roma, Le Monnier,
Firenze.
386
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Modesto Brocos e
os modelos de
formação artística:
A defesa das artes
proissionais na
primeira república
(1890 – 1915)
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Heloisa Selma Fernandes Capel
Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes
Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915)
/ Heloisa Selma Fernandes Capel
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
pensamento de Brocos como algo que emerge de sua produção
como artista visual, escritor de icção e professor que nos legou
estudos sobre o ensino de artes. Utilizo aqui conceitos como
“republicano” e “liberal”, sem adentrar nas nuances que esses
termos vão adquirir a partir dos estudos contemporâneos
da ciência política, mas como um posicionamento que nasce
genericamente de posições contrárias ao Império e suas determinações no campo social.
O tema que explora o pensamento do pintor compostelano e
professor da Escola Nacional de Belas Artes Modesto Brocos y
Gomez (1852-1936) e sua perspectiva de ensino compõe parte
da pesquisa realizada em estágio pós-doutoral que contou
com o apoio da CAPES/FAPEG em 2011 e se estende desde
então, com a busca de aprofundamentos a respeito das ideias
defendidas pelo artista em sua expressão visual e escrita. No VI
Seminário do Museu Dom João VI, ocorrido em 2015, realizei
uma primeira aproximação ao tema do pensamento de Brocos
sobre A Questão do Ensino de Belas Artes, situando o livro em
uma perspectiva geral de compreensão de seus conteúdos e o
ambiente político e artístico que envolveu o momento de sua
escrita e publicação no ano de 1915. Evidenciei, especialmente,
o contexto pessoal e proissional de Brocos desde sua volta
ao Brasil após uma pequeno período em que permaneceu na
Espanha durante os anos de 1897 a 1900, com ênfase em suas
diiculdades para se recolocar como proissional e artista.
No presente texto, pretendo discutir as ideias de Brocos como
republicano, sua perspectiva de ensino para a Escola Nacional
de Belas Artes articulada à legislação do inal do século XIX
e início do século XX. A hipótese é que, como um adepto
da doutrina liberal, o pensamento de Brocos compreende
ainidades com três princípios: o da formação proissional
como meta para o ensino artístico, o da identiicação com
métodos de ensino relacionados à legislação higienista e
eugênica e, por im, o de defesa da nacionalidade ligada ao
ensino de artes com valorização do desenho de ornatos. A
discussão desses fundamentos só é possível na compreensão do
Há indícios diretos que nos apontam Brocos como um simpatizante de ideias republicanas. Na biograia de seu irmão,
Isidoro Brocos (1841-1914), encontra-se uma referência à
família Brocos caracterizada como modesta, composta por
artistas e republicanos:
Pasa su infancia en los bajos del antiguo palacio de los
condes de Altamira, demolido a inales del siglo XIX
para la construcción de la plaza de abastos compostelana,
donde miembros de su familia servían como campesinos y
criados. Su padre, Eugenio, era pintor y grabador, trabajó
como «pintor de coches y carruajes» y posteriormente
como portero para esta familia. En cuanto a su tío Juan,
era escultor; ambos eran socios del Liceo la Amistad de
Santiago de Compostela, liberales y republicanos. ABANCA
– COLECCIÓN DE ARTE.. BROCOS, Isidoro (Biograia).
Disponível em: http://coleccion.abanca.com/es/Coleccion-de-arte/Artistas/
Brocos deixou a Espanha ainda jovem sob a conjuntura de lutas
entre conservadores e liberais, e provavelmente foi inluenciado
por seu pai, o pintor e gravador Eugênio Brocos, além de seu
Tio Juan, escultor, ambos liberais e republicanos. Logo que se
matriculou como aluno na Academia Imperial de Belas Artes
do Rio de Janeiro, em 1875, há registros de ter contribuído com
xilograias no Jornal Republicano O Mequetrefe. Há, também,
indícios desse republicanismo em três referências presentes em
seus escritos: uma no livro sobre a Questão do Ensino de Bellas
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Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes
Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915)
/ Heloisa Selma Fernandes Capel
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Artes quando ao iniciar sua justiicação à crítica ao Diretor
Bernardelli, airma a barbárie da escravidão: “já se vão longos
annos que isto aconteceu (...); foi na época do Império, ainda
havia a escravidão, ainda existia aquele resto de barbaria”
(BROCOS, 1915, p.95). Outra, ao ser simpático às ideias de
mudança em sua utopia Viaje a Marte (BROCOS, 1930, p.11).
Nela defende reformas radicais e faz citações do comunista
belga Ernest Gilou ao constatar que os Estados haviam mantido
boas intenções, mas ineicazes, nada que pudesse remediar os
males do mundo (“Como dice un comunista belga: restée a
l'etat de bonnes intentións ineicaces”). Brocos ainda se mostra
simpático aos ideais da cultura republicana quando elege para
protagonista de sua icção, o ilustrado Benito Gerónimo Feijóo
(1676-1764), considerado um dos ensaístas mais destacados
da Primeira Ilustração Espanhola. Inspirado na literatura
de Feijóo o artista desenvolve ideias sobre as mulheres, a
organização do exército e uma série de mudanças exemplares
realizadas em Marte e que deveriam ser imitadas na terra.
substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho livre
envolveu a educação. É nesse ambiente que surgiu a Reforma
Benjamin Constant de 1890 que inspirou a Reforma da
Escola Nacional de Belas Artes. Nela, procurava-se conciliar
os estudos literários com os cientíicos. Essa mentalidade
positivista advogava a desoicialização do ensino e isso abriu
caminho para uma tendência que se acentuou desde a crise do
Império, a de acender o debate sobre as artes proissionais, o
que expressava a contradição entre a formação do artista para
a chamada “grande arte” e o “artista artíice” que conferia à
atividade um sentido utilitário. O mesmo que criou oposições
entre o Liceu de Artes e Ofícios (1856/1857) e a Academia de
Belas Artes.
A preocupação em instruir artíices e operários já existia na
Academia Imperial desde os Estatutos de 1855 sob a conjuntura
da Reforma Pedreira (1855) e foi tentada por seu Diretor,
Manuel Araújo Porto Alegre (1808-1879) sem sucesso devido
à conjuntura social brasileira e a diversas diiculdades internas
da própria academia (SQUEFF, 2000). De acordo com tal
perspectiva, em A Questão do Ensino de Bellas Artes Brocos
defende os cursos noturnos com livre frequência, a criação de
um professorado de desenho e a formação de um artista-artíice, que, segundo ele, poderia ser a fonte de um processo de
desenvolvimento das artes no Brasil e de melhoria do gosto
artístico nas classes ilustradas (BROCOS, 1915, p.49-59).
O professor ica bastante impressionado quando descobre a
iniciativa nos antigos Estatutos da Academia que encontrara
no Convento de Santo Antônio (BROCOS, 1915, p.65). Para
tanto, o estudo do desenho seria fundamental no exercício de
qualquer proissão, aspecto que não teria sido devidamente
enfatizado pelas Reformas de 1890. Como explica:
Brocos estava ainado com o pensamento liberal no Brasil, a
despeito de suas contradições. Sabe-se que ser liberal no Brasil
é uma deinição singular, que no período entre séculos vai da
perspectiva de se obter representatividade política e privilégios
econômicos, excluindo-se o trabalhador escravo mediante
coação jurídica (BOSI, 1992, pág.199-200). Na perspectiva do
ideário, a República nasceu sob a inluência do Positivismo,
propondo liberdade e laicidade e gratuidade na educação. Além
disso, desejava superar a tradição clássica das humanidades,
muitas vezes acusada de ser a responsável pelo academicismo
brasileiro. Todavia, em que pesem os fundamentos desse
ideário, as medidas educacionais esbarraram nas raízes de uma
sociedade excludente e escravista, o que valorizou os ginásios
e escolas superiores voltados para uma pequena parcela da
sociedade. Tal conjuntura reforçou a separação entre trabalho
manual e intelectual.
O estudo do desenho deve merecer a mais carinhosa proteção
por parte do governo, a im de espalhar e desenvolver o
gosto artístico tão necessário a todos que se dedicam, quer
às artes maiores, quer às artes menores, desenvolvimento
No contexto de transição para a República, o problema da
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Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915)
/ Heloisa Selma Fernandes Capel
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Brocos admite em seu livro a importância do Conselho
Superior, por ele avaliado como uma congregação que pudesse
se colocar como base decisória autônoma, todavia, reclama que
nos regulamentos de 1890, 1901 (Código Epitácio Pessoa) e na
Reforma de 1911 nada se encontrava sobre a indústria nacional
e as artes proissionais, fundamentais para o desenvolvimento
do País segundo o artista (BROCOS, 1915, p.60). Para Brocos,
a Escola Nacional de Belas Artes como centro irradiador da
cultura artística a ser difundida no País, deveria aperfeiçoar
o gosto artístico nas fábricas e oicinas e ser frequentado por
marmoristas, entalhadores, ourives e outros proissionais
que pudessem aplicar esse conhecimento em suas atividades
(BROCOS, 1915, p.62).
este que trará, fatalmente, o aperfeiçoamento das indústrias
nascentes no Brasil (BROCOS, 1915, p.48).
Para que se conseguisse estimular o desenho deveria se organizar
um curso especial e titular professores com formação no tema.
Nesse sentido, Brocos elogia a Lei Rivadávia Corrêa (1911)
que passou a exigir o concurso de habilitação para a obtenção
dos cursos de professorado, preenchendo lacunas em relação
ao assunto (BROCOS, 1915, p.50). Importante assinalar que
a Lei Rivadávia Corrêa (1911) é a mais radical no processo
de desoicialização desde a implantação da República. É a
lei que propõe a frequência não-obrigatória, a não exigência
da validação oicial de diplomas e a comprovação, vinculada
ao Estado, dos estudos secundários. Os institutos públicos
de ensino superior e de ensino fundamental, como o Colégio
Pedro II, não seriam mais referências para as escolas públicas
ou privadas, pois seus diplomas poderiam ser substituídos
por meros certiicados. A Reforma Rivadávia Corrêa reforçou
a tendência de estimular a liberdade de ensino e a desoicialização. As escolas públicas passariam a ter ampla autonomia
de gestão administrativa e pedagógica e se subordinariam a
um Conselho Superior de Ensino, formado pelos diretores das
seis escolas públicas federais (Medicina do Rio de Janeiro, da
Bahia, Direito de São Paulo e de Pernambuco, Politécnica do
Rio de Janeiro e Colégio Pedro II) e por um docente de cada
um desses estabelecimentos.
Além das ainidades de Brocos com os princípios liberais, é
possível identiicar sua concordância com fundamentos da
última legislação educacional do Império: a Reforma Leôncio
de Carvalho (1879), conhecida por seus princípios higienistas
e por estar de acordo com métodos de ensino declaradamente
defendidos por Brocos em seu livro sobre o Ensino de Belas
Artes. Esses princípios são o método intuitivo e a emulação.
Segundo Saviani (2008), a essência da Reforma Leôncio de
Carvalho (Decreto n.7247 de 19 de abril de 1879) é apresentada
logo no artigo primeiro ao proclamar que “é completamente
livre o ensino primário no município da Corte e o superior em
todo o Império, salva a inspeção necessária para garantir as
condições de moralidade e higiene” (SAVIANI, 2008, p.136).
Para o autor, o tema do higienismo ganhou força no ideário
pedagógico brasileiro na segunda metade do século XIX,
especialmente por causa da constituição da medicina como
campo disciplinar. Saviani cita o discurso do Dr. Luiz Correa
de Azevedo na Academia Imperial de Medicina em 1821 que,
em sua interpretação, considera como um discurso liberal
iluminista de fundo eugênico. Diz o Dr. Luiz Correa: “Ergamos
à maior altura a instrução e a educação; formemos legiões
lealmente civilizadas; façamos uma humanidade robusta, e
O decreto de 1911 provocou uma série de descontentamentos
e acabou por ser modiicado três anos depois pela Reforma
Carlos Maximiliano (1915) que o revogou, mas foi, talvez, a
Reforma mais liberal dos primeiros tempos republicanos, a
que ao valorizar a educação livre e a equiparação das instituições privadas às públicas, negou o princípio de garantir aos
indivíduos a educação como direito social a ser garantido pelo
Estado. Ao dar alguma autonomia às instituições, a Reforma
de 1915, por sua vez, estabeleceu as diretrizes do Conselho
Superior, considerado uma instância deliberativa e consultiva.
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Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes
Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915)
/ Heloisa Selma Fernandes Capel
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
propunham a oferecer ensino gratuito como o Imperial Liceu
de Artes e Ofícios, fundado pela Sociedade Protetora de Belas
Artes em 1858, da qual Brocos foi também professor.
conjuremos assim esse futuro medonho de debilidade e apatia”
(SAVIANI, 2008, p.137). O autor ainda enfatiza a recepção
desse discurso por José Gonçalves Gondra que o trata como
uma “pregação salvacionista, civilizatória e eugênica que, no
limite, se confunde com o próprio estatuto a que a ciência
médica queria ser elevada” (Idem).
Brocos é explícito ao defender esse princípio pedagógico, o do
método intuitivo que, embora seja oriundo das leis do Império,
estava de acordo com o objetivo de favorecer o aprendizado
prático, voltado para uma sociedade que se industrializava
e formava artistas-artíices. Como airma: “Não há dúvida,
o método de ensino, a seguir-se com os alunos que estudam
bellas artes deverá ser intuitivo, deve entrar pela vista e não
pelos ouvidos” (BROCOS 1915, p.53). E o autor explica com
detalhes como o professor deveria proceder com os elementos
concretos de seus instrumentos didáticos tanto para as aulas
de desenho, quanto para as de pintura e escultura:
Se a legislação das Escolas de Primeiras Letras equacionava
a didática pedagógica com o método do ensino mútuo e a
Reforma Pedreira (1854) pelo método do ensino simultâneo, a
Reforma Leôncio de Carvalho (1879) manifesta, ainda, explicitamente sua defesa do ensino intuitivo ou lições de coisas
(artigo 9º). O método intuitivo surgiu na Alemanha no inal
do século XVIII e foi divulgado pelos discípulos de Pestalozzi
(1746-1827) no decorrer do século XIX na Europa e nos
Estados Unidos. O método esteve nas propostas de reforma
da instrução pública no inal do Império e foi defendido por
Rui Barbosa (1849-1923). Ligado à conjuntura da ineiciência
do ensino frente às exigências da industrialização crescente,
fazia parte da pedagogia intuitiva viabilizar materiais didáticos
como suportes físicos do novo método de ensino. Esses
materiais foram expostos nas exposições universais realizadas
na segunda metade do século XIX com a participação de
diversos países, dentre eles o Brasil, e compreendiam peças
do mobiliário escolar, quadros negros parietais, gravuras,
objetos de madeira e diversos outros. Houve, também, uma
disseminação dos manuais, que se convertiam em materiais
essenciais de orientação didática para o professor. O método
intuitivo parte do princípio que o ensino deve envolver a
percepção sensível a partir de objetos, iguras ou qualquer
material que estimule a percepção a partir do concreto. O
método foi estimulado no ensino livre de Leôncio de Carvalho
(1879) e essa pedagogia se manteve como referência durante a
Primeira República e fez parte do processo de desoicialização
do ensino que vai culminar na Reforma Rivadávia de 1911. É
sob essa conjuntura que são estimuladas a abertura de escolas
por meio de entidades particulares de benemerência, que se
[...] não é possível que um rapaz entre para a aula de pintura
e o professor lhe entregue as tintas e diga: - pinte – sem nunca
ter ele pegado em um pincel. É necessário que o professor
dê previamente uma explicação da theoria das cores, do
emprego das tintas e, sobretudo, tome o pincel e pinte para
o alumno conhecer o processo de pintar (BROCOS, 1915,
p.52).
Ao lado da defesa de tal método de inspiração na ambiência
eugênica da legislação pedagógica do inal do Império, há,
ainda, o elogio de Brocos ao princípio da emulação. Para Brocos,
esse deveria ser uma das principais atribuições do Conselho
Superior aperfeiçoado pela Reforma Rivadávia (1911): “a de
conservar em constante estado de emulação professores e
alunos nas diversas aulas, além de tirá-los da apathia que por
ventura venha dominar em qualquer delas” (BROCOS, 1915,
p.32). E ainda completa:
a emulação é a uma das forças mais poderosas para o
progresso humano, dela resulta a nobre e esforçada luta, em
que cada um se empenha para conseguir a realização do seu
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Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes
Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915)
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
ideal, seja no campo das investigações scientíicas, seja no
utilitário das industrias ou no da imaginação artística. D’ahi
a necessidade de manter em constante alerta a emulação,
forte alavanca de progresso, se quisermos resultados eicazes
para o ensino na Escola Nacional de Bellas Artes (Brocos,
1915, p.32).
todas as consequências para averiguar a origem do homem.
Nós também deveremos estudar o estado embryonario das
artes e seguir o seu desenvolvimento, para depois tirar as
consequências e aplical-as ao nosso methodo de ensino. Antes,
porém, precisamos indagar como as artes se manifestaram na
humanidade (BROCOS, 1915, p.34).
Mas em que consistia a emulação? Oriundo do Ratio
Studiorum da pedagogia jesuítica, o método envolvia o
princípio da competição e não descartava os castigos físicos
como meio punitivo para se estimular resultados. A emulação
era considerada algo diferente da competição que “alimentava
as paixões viciosas, acendia a ira e instigava a vingança”,
mas se conigurava como a emulação que o Ratio Studiorum
chamava de honesta aemulatio, nobre emulação que estimula
a honra (RODRIGUES,1917,p.68). A ênfase nos resultados é
favorecida no método pela política de prêmios e castigos. A
recompensa era um mecanismo pedagógico muito característico do sistema jesuítico e cumpria essa função, a de emular
para a honra (BITTAR, 2011, p.240).
Brocos considera que os ornatos estão entre as primeiras
manifestações artísticas da humanidade e que os desenhos
encontrados nos índios do Amazonas são muito parecidos
com os tempos pré-históricos gregos e as expressões artísticas
de Micenas. Partindo dessa ideia, seria necessário começar
a ensinar o desenho pelos ornatos para instruir as classes
populares sobre educação artística e só mais tarde ampliar este
ensino. No livro Retórica dos Pintores (1933) assinala a importância dos vasos de Marajó como um ponto de partida para a
arte nacional e, quando discorre sobre a arquitetura, enfatiza a
necessidade de estilizar a lora brasileira, substituindo a “folha
de acantho pela folha do nosso mamoeiro”, ou mesmo o uso
da preguiça, do tatu e do tamanduá que deveriam ser adotados
em decorações arquitetônicas (BROCOS, 1933, pág.131-136).
No texto de 1915, o autor detalha como esse ensino deveria ser
realizado, com o professor e o aluno apropriando-se de maneira
prática do modelo e, a partir daí, realizando um esforço para
estimular a imaginação criadora. O aluno manipula o modelo
concreto, o professor o corrige com exemplos práticos e,
depois, eles retomam o trabalho criando em cima das formas.
Brocos critica os professores que não tocam nos trabalhos dos
alunos para fazê-los entender, na prática, o “sentimento de
uma linha” ou como “fazer cantar uma forma”. Os professores
que não faziam isso não deveriam premiar alunos (BROCOS,
1915, pág. 52). Portanto, a emulação precisa ser associada ao
ensino concreto, com estímulo de objetos e aulas práticas que
contribuíssem efetivamente para uma formação proissional.
Entretanto, na concepção do professor Brocos, para se ensinar
e difundir o gosto artístico no Brasil seria necessário, ainda,
partir do mais simples, do desenho de ornatos. Isso, de fato
criaria espaço para o desenvolvimento de uma arte genuinamente brasileira, tema a ser ampliado em seu livro Retórica
dos Pintores, de 1933. Como explica:
Darwin estuda o estado embryonario da criança e tira dele
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399
Brocos constata que por ser o Brasil um País novo criaram uma
Academia sem mais preparo com o intuito de ensinar pintura,
escultura, gravura e arquitetura. Todavia, as artes ornamentais
deveriam ser ensinadas em primeiro lugar, pois eram as únicas
que tinham cabimento na criação da Academia (BROCOS,
1915, p. 36). Acrescenta, ademais, que não se pode julgar uma
instituição, sem considerar o meio em que ela está inserida,
considerá-la em seu tempo e espaço, para concluir: “entre
nós, não devemos imitar servilmente o que se faz nos paizes
da Europa: as instituições que de lá importemos, deverão
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
ser primeiro estudadas, de modo que possam adoptar-se e
se amoldem em nosso meio” (Idem, p.36). É por essa razão
que além de um curso de desenho, propõe o reforço de uma
galeria de moldagens em gesso de ornatos, modelos que
seriam elementos de partida para a arte nacional (BROCOS,
1915, p.43). O curso do professorado de desenho seria suplementar, com dois anos de frequência e ali, na aula de ornatos,
se aprenderia a estilizar a lora e a fauna brasileira e a fazer
composições em todos os estilos.
d) Autoridade – A escola elabora um sistema de prêmios e
castigos, de sanções apropriadas de modo a garantir que a
organização pedagógica funde-se sempre na autoridade do
professor.
e) Emulação – A ideia de dever, a necessidade de aprovação
e o sentimento do mérito são desenvolvidos para manter a
atividade escolar, e completa, desse modo, o princípio da
autoridade.
f) Intuição – O ensino deve partir de uma percepção sensível.
O princípio da intuição exige o oferecimento de dados
sensíveis à observação e à percepção do aluno. Desenvolvemse, então, todos os processos de ilustração com objetos,
animais ou suas iguras (SAVIANI, 2006, p.26-27, grifos
meus).
A ideia de partir do mais simples, tendo como princípios a
emulação e a intuição (método intuitivo) defendidas explicitamente por Brocos, são bases de uma política pedagógica
adotada nos regulamentos da instrução pública do século XIX,
fundamentos que a Escola Nova vai denominar, no século
seguinte, como Pedagogia Tradicional. Contra a pedagogia
que considerava conservadora, a Escola Nova vai contrapor
a defesa da autonomia do aluno e advogar contra a tutela do
professor em um sistema de ensino público, livre e aberto que
garantisse a todos o direito à educação. Como detalha SAVIANI
(2006), os princípios da escola do século XIX podem ser assim
deinidos, associados à ideia do formalismo, da autoridade e
da memorização, a capacidade de repetir o que foi transmitido:
Do que foi exposto é possível inferir que Brocos era um professor-artista vigilante quanto às transformações e demandas de
seu tempo. Como republicano convicto, suas ideias sobre as
artes proissionais foram vivamente explicitadas e defendidas
em seus livros para instrução do ensino de Belas Artes. Com
empenho e argúcia, o artista-professor foi capaz de perceber as
tendências de valorização do ensino proissional e o estendeu
para o ensino das artes nos primeiros anos da República. Ele
estava atento às Reformas não apenas da Escola Nacional
de Belas Artes, mas à sua adequação às discussões sobre a
legislação e as políticas educacionais desde o inal do Império.
Brocos se ilia ao pensamento pedagógico eugênico e sua
metodologia intuitiva marcada por premiações e defesa do
artista artíice está de acordo com a conjuntura de despreparo
da população para lidar com uma sociedade livre: era preciso
valorizar a atividade produtiva e educar os indivíduos, dar-lhes
um sentido de sobrevivência em uma sociedade altamente
excludente e estratiicada, governada por uma pequena elite.
A concepção do trabalho como meio para conformar mentalidades mais ordeiras e civilizadas estava no ideário republicano.
a) Simplicidade, análise e progressividade – O ensino
deve começar pelos elementos mais simples. O esforço
pedagógico exige a análise da matéria ensinada, de modo
a decompô-la num certo número de elementos que serão
individualmente fáceis de assimilar. O espírito do aluno,
progressivamente, vai se enriquecendo à medida que adquire
os novos conhecimentos gradualmente dispostos.
b) Formalismo – O ensino chega ao encadeamento de
aspectos rigorosamente lógicos. O ensino esforça-se por ser
dedutivo.
c) Memorização – A decomposição do conteúdo do ensino
em elementos facilita a memorização. A capacidade de
repetir o que foi ensinado pelo professor.
Brocos ainda se ilia ao esforço de pensar uma arte nacional,
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Notas:
ideário da República nascente. Com a perspectiva que os
modelos europeus deveriam ser adaptados à conjuntura
brasileira, se empenha em exibir tipos nacionais, especialmente
negros, apresentando-os em atividades de trabalho, como em
Engenho de Mandioca (1892) ou discutindo o processo de
miscigenação, como em Redenção de Cã (1895), os exemplos
mais conhecidos. São maneiras de se colocar como proissional
e artista em uma sociedade que vivia um intenso processo de
transformação. Sua perspectiva europeia e eugênica, todavia,
icará evidenciada no livro publicado em Valência (Viaje a
Marte, 1930). Ali, em um esforço de imaginar a organização
ideal, Brocos vai propor a seleção de raças para um horizonte
de expectativas a ser alcançado, o da cultura branca e civilizada
que deveria se tornar a sociedade brasileira.
1
Ensino mútuo: Também conhecido como sistema monitoral, esse método
pregava, dentre outros princípios, que um aluno treinado ou mais adiantado
(decurião) deveria ensinar um grupo de dez alunos (decúria), sob a orientação e
supervisão de um inspetor. Ou seja, alunos mais adiantados deveriam ajudar o
professor na tarefa de ensino. Essa ideia resolveu, em parte, o problema da falta de
professores no início do século XIX no Brasil, pois a escola poderia ter apenas um
educador. O quaker inglês Joseph Lancaster (1778-1838), identiicado com o trabalho
pedagógico realizado em Madras, na Índia, pelo pastor anglicano Andrew Bell
(1753-1832), e com os ideais reformadores do jurista inglês Jéremy Bentham (17481792), autor do Panóptico, estabeleceu em 1798, uma escola para ilhos da classe
trabalhadora, também utilizando monitores para o encaminhamento das atividades
pedagógicas. Todavia, Lancaster amparou seu método no ensino oral, no uso reinado
e constante da repetição e, principalmente, na memorização, porque acreditava que
esta inibia a preguiça, a ociosidade, e aumentava o desejo pela quietude. Em face
desta opção metodológica ele não esperava que os alunos tivessem “originalidade
ou elucubração intelectual” na atividade pedagógica, mas disciplinarização mental
e física. História da Educação Brasileira. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS,
Thais Helena dos. Verbete ensino mútuo. Dicionário Interativo da Educação Brasileira
- Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.
br/ensino-mutuo/>. Acesso em: 08 de jul. 2016.
2
Ensino Simultâneo: Visa atender um grande número de alunos separados
em subgrupos conforme o grau de desenvolvimento. Segundo esse método, cada
professor deveria atender a três classes. Foi criado e sistematizado por São João
Batista de La Salle (1651-1719), que suavizou a disciplina escolar da sua época,
proibindo os castigos físicos. O método simultâneo superou o método individual de
ensino, em que o professor atende individualmente um aluno por alguns minutos.
Porém, trazia como consequência o tumulto em sala de aula, prejudicando o aproveitamento da disciplina. La Salle adotou o método simultâneo de ensinar quando
a maioria dos educadores de seu tempo ainda se utilizava do método individual.
MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete ensino mútuo.
Dicionário Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001.
Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/ensino-mutuo/>. Acesso em: 08 de jul.
2016.
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3
Conforme SAVIANI (2008, p.138) mais famoso desses manuais foi o do
americano Norman Allison Calkins, denominado Primeiras Lições de Coisas, cuja 1ª
Edição data de 1861. Foi traduzido por Rui Barbosa em 1881 e publicado no Brasil em
Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
1886.
4
O método Pestalozzi propunha partir do mais simples, para o mais complexo,
fundamento que dá base ao método intuitivo.
5
Brocos estava informado sobre tudo que ocorria na Europa no que se refere
ao campo artístico. Em seu livro, há observações sobre a 1ª Exposição Universal
ocorrida em Londres no ano de 1851. Para ele, a França havia suplantado a Roma e
Florença como centro irradiador da arte (BROCOS, 1915, p.40- 41).
6
Ratio Studiorum é o plano de estudos da Companhia de Jesus aprovado em
1599 para ser adotado em todos os Colégios jesuíticos estabelecendo regras a serem
seguidas por professores e alunos.
7
Escola Nova: um movimento de educadores europeus e norte-americanos,
organizado em ins do século XIX, que propunha uma nova compreensão das necessidades da infância e questionava a passividade na qual a criança estava condenada
pela escola tradicional. Também conhecida como Educação Nova, a Escola Nova
tem seus fundamentos ligados aos avanços cientíicos da Biologia e da Psicologia.
Pode-se airmar que, em termos gerais, é uma proposta que visa a renovação da
mentalidade dos educadores e das práticas pedagógicas. O pedagogo Célestin
Freinet foi um dos defensores dessa concepção de educação. Já o educador e
pensador Jean Piaget optou pela chamada Escola Ativa, uma corrente da Escola
Nova. [...] No Brasil, a Escola Nova buscava a modernização, a democratização, a
industrialização e urbanização da sociedade. Os educadores que apoiavam suas
idéias entendiam que a educação seria a responsável por inserir as pessoas na ordem
social. Também conhecido como escolanovismo, a Escola Nova chegou ao País na
década de 1920 com as Reformas do Ensino de vários Estados brasileiros.
Historicamente, os fatos marcantes da Escola Nova passam pela criação da
Associação Brasileira de Educação em 1924 e a dissidência ocorrida na IV Conferência Nacional de Educação em 1931, que dividiu o pensamento renovador em
dois grupos: liberais e católicos. Vale citar que o primeiro grupo, dos liberais, era
integrado por nomes conhecidos como Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Anísio
Teixeira e outros. Um marco importante foi o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, publicado em 1932, que apresentava as principais diretrizes políticas, sociais,
ilosóicas e educacionais do escolanovismo. MENEZES, Ebenezer Takuno de;
SANTOS, Thais Helena dos. Verbete Escola Nova. Dicionário Interativo da Educação
Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/escola-nova/>. Acesso em: 08 de jul. 2016.
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Heloisa Selma Fernandes Capel é professora do Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de
Goiás. Coordena o GEHIM – Grupo de Estudos de História e
Imagens/CNPq. Desenvolve pesquisa sobre Modesto Brocos
y Gomes (1852-1936) e possui vários artigos publicados em
revistas especializadas e capítulos de livro sobre o tema.
Modesto Brocos e os Modelos de Formação Artística: A Defesa Das Artes
Proissionais Na Primeira República (1890 – 1915)
/ Heloisa Selma Fernandes Capel
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Referências Bibliográicas
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Série Estudos - Periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB.
Campo Grande, n. 31, p.225-244, jan./jun. 2011.
BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BROCOS, Modesto. A Questão do Ensino de Bellas Artes, Seguido da Crítica sobre
a Direção Bernardelli e Justiicação do Autor. Rio de Janeiro, 1915.
BROCOS, Modesto. Viaje à Marte. Valência: Editorial Arte y Letras, 1930.
BROCOS, Modesto. Retórica dos Pintores. Rio de Janeiro: Typ. D’a Indústria do
Livro, 1933.
MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Dicionário Interativo
da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001.
MIRANDA, Margarida. Código pedagógico dos jesuítas: Ratio Studiorum da
Companhia de Jesus. Campo Grande: Esfera do Caos, 2009.
RODRIGUES, Francisco. A formação intellectual do jesuíta – leis e factos. Porto:
Magalhães & Moniz, 1917.
SAVIANI, Dermeval. O Legado Educacional do Século XX no Brasil. Campinas, SP:
Autores Associados, 2006.
SAVIANI, Dermeval. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. Campinas, SP:
Editores Associados, 2008.
SQUEFF, Letícia Coelho. A Reforma Pedreira na Academia de Belas Artes (18541857) e a Constituição do Espaço Social do Artista. In. Cadernos do Cedes, ano XX,
número 51, novembro/2000.
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A EBA
e o ensino
nas oicinas
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Patrícia Figueiredo Pedrosa
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A EBA e o ensino nas oicinas
/ Patrícia Figueiredo Pedrosa
singularidades de nossa história.
Para Duve, cada um desses modelos se apoia numa tríade
de conceitos: o modelo acadêmico apoia-se sobre a tríade
talento-métier-imitação, o modelo Bauhaus na tríade criatividade-meio-invenção, o modelo pós-moderno na tríade atitude-prática-desconstrução. Apesar de obsoletos, tanto o modelo
da Bauhaus quanto o modelo acadêmico estabeleceram pressupostos a respeito do ensino sobre as quais muitas escolas foram
construídas e que permanecem até hoje subjacentes na maioria
dos currículos. A seu ver “obter uma melhor compreensão do
declínio do modelo da Bauhaus” nos ajuda a entender a crise
do ensino atual de arte. A mudança do conceito da Bauhaus
de criatividade para o conceito pós-moderno de atitude foi
precedido pela invasão da teoria (comumente chamada Teoria
Francesa) nas escolas subvertendo a prática dos ateliês. Esse
processo iniciado em meados da década de 70 consolida-se até
a metade da década de 80, caracterizado pela ampla institucionalização do discurso vanguardista.
As escolas são instituições dentro do campo da arte. Instituição
complexa, de contornos sutis, local de concentração de seus
agentes - artistas, historiadores e críticos – que desempenham
seus papéis simultaneamente à docência. A peculiaridade dessa
situação que em si já demanda uma atenção especial, torna-se
ainda mais interessante quando se investiga a atuação do aluno,
sujeito do aprendizado, potência e devir, conluência entre
passado, presente e futuro. A atuação do aluno em suas possibilidades está, em variável proporção, vinculada aos currículos
formatados de acordo com linhas ilosóicas próprias a cada
instituição.
A Escola de Belas Artes da UFRJ originada da Academia de
Belas Artes do Rio de Janeiro completa 200 anos em 2016
como reconhecido espaço de desenvolvimento de pesquisa e
conhecimento, intercâmbio de informações e experiências.
Sua trajetória é parte constituinte da história da cultura e da
arte de nosso país tendo acompanhando seu desenvolvimento,
e em razão deste sofreu as consequentes mudanças no curso
do tempo. Dentre as inúmeras questões envolvidas em sua
história abordaremos a presença especíica das oicinas e ateliês
no corpo estrutural da escola e de seu ensino. Apoiaremos esta
relexão na análise feita por Thierry de Duve no artigo “Quando
a forma se tornou atitude e além” (2003) no qual examina as
instituições de ensino de arte da Europa e América investigando
as mudanças de paradigma ocorridas nos três grandes modelos
que a seu ver inluenciaram este ensino: o modelo acadêmico,
o modelo da Bauhaus e o modelo pós-moderno. Esses modelos
também inluenciaram o ensino no Brasil, resguardadas as
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Nossa escola insere-se na condição citada por Duve das
inúmeras que procuram encontrar um equilíbrio entre o tradicionalismo e a modernização de seus métodos. Os cursos
organizados como oicinas que são oferecidos à algumas
graduações (as licenciaturas, por exemplo) como disciplinas
obrigatórias, são também acessíveis como disciplinas eletivas
às demais graduações. Esse é um recurso que permite ao
aluno investigar diversas alternativas e vivenciar os meios no
questionamento de suas pesquisas, base fundamental na sua
formação. De acordo com o texto do site oicial da Escola
“oicinas são espaços equipados para produção do objeto que
já foi anteriormente projetado, enquanto que os ateliês são
espaços em que se cria e se produz o objeto, numa atividade
contínua.” Além dos ateliês de Pintura, Escultura, Gravura e
Restauração, “possui, também, oicinas como as de Cerâmica,
Têxteis, Estamparia, Maquete, Metal e Madeira, Plástico e
Serigraia cuja função é a de oferecer aos alunos a oportunidade
para a produção da peça, travando conhecimento com técnicas
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A EBA e o ensino nas oicinas
/ Patrícia Figueiredo Pedrosa
intituladas “A” e “B” - Pintura A, Aquarela A, Litograia A,
Gravura A e B, Estamparia A e B – para citar alguns exemplos,
são sempre muito concorridas, tornando as vagas oferecidas
insuicientes. São cursos já tradicionais são oferecidos há muito
tempo na Escola, cuja permanência se dá pela intensa demanda
dos alunos que se renova a cada período. A oicina citada de
Estamparia, ministrada pela professora Marina Magano, é
oferecida desde 1975. O interesse dos alunos se torna bem
patente no caso da “Fudido Silk”, oicina coordenada pelo
professor de Gravura Pedro Sanchez, que se organizou a partir
da solicitação dos alunos, como os entrevistados Yuji Pomar
e Clarissa Gonçalves quando visitaram os ateliês de gravura
levados pela Professora de Processos Gráicos Raquel Pontes.
Constituído como oicina que funciona em regime de cooperativa voltada para impressão de camisetas através da serigraia
e outros processos ains com a gravura, apresenta em seus
produtos o acento artesanal como marca distintiva, visando o
mercado extra universidade. Dentre seus participantes (o grupo
compõem-se de 10 integrantes ixos mais os que gravitam
em torno de atividades temporárias), encontramos alunos de
diversos cursos, como Comunicação Visual e Design, História
da Arte, e até de Gestão Pública para o Desenvolvimento
Econômico e Social, como Bárbara Rossi. Para os alunos de
Design, esta oportunidade veio suprir grande carência, pois
reportam que não têm oicinas na grade curricular, e por isso,
não conseguem vagas, tendo que ser aceitos como ouvintes.
alternativas de grande valor, que contribuem para a ampliação
de seu potencial proissional.”
De acordo com Duve as oicinas que no modelo acadêmico
serviram para a aquisição do métier na lapidação do talento
e no modelo Bauhaus serviram para as experimentações do
meio no exercício da criação do novo, no modelo pós-moderno
sofreram deslocamento e/ou substituição. Ainda que mal
assimilada a desconstrução se tornou um método para produzir
e ensinar arte, que apesar de interessante na produção de
obras se mostrou estéril para o ensino, tendo como resultado
“estudantes que não tiveram oportunidade de construir
qualquer espécie de cultura artística sendo orientados pela
noção desconstrutiva própria de nosso tempo”(DUVE, 2003,
p. 104). O autor sustenta que a tríade atitude-prática-desconstrução não se sustenta como paradigma da pós-modernidade
em substituição ao paradigma do modernismo por ser a continuação deste pensamento, não sua oposição.
Uma das principais críticas à universidade é que a pouca lexibilidade de sua estrutura curricular restringe a criação artística
ou que não está em consonância com os conceitos norteadores
da arte contemporânea. O que se nota é que o método em quer
se articula formação teórica à formação prática, encontrada
nas escolas que oferecem a estrutura de ateliês montados e
professores capacitados, proporciona uma área de liberdade
fundamentalmente necessária ao próprio exercício de criação.
Lamentavelmente, alguns ateliês em nossa escola (mosaico,
tecelagem, couro), assim como em outras instituições, foram
desmontados. Independente das causas, se a inluência do
pensamento francês, se por questões políticas ou inanceiras,
ou por ambas, o que se pretende ressaltar aqui é a importância
da sua preservação como recurso válido ao ensino contemporâneo.
O grande interesse dos alunos pelos cursos oferecidos como
oicinas foi conirmado, para efeito desta pesquisa, através de
uma pequena pesquisa entre discentes e docentes. As disciplinas
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413
Entendemos que o desmonte das oicinas em nome de uma
suposta atualização corresponde a um conceito modernista de
oposição ao passado, já obsoleto. Arthur Danto nos esclarece
que a arte contemporânea nada tem contra a arte do passado,
que deve estar disponível para qualquer uso que os artistas
queiram lhe dar. Desta forma, não devemos suprimir, mas no
mínimo conservar as possibilidades existentes. A preservação
das oicinas se conigura recurso válido ao ensino contemporâneo porque além de ampliar possibilidades artísticas e
potencialidades criativas, contribui para a conservação do
patrimônio cultural e a preservação de saberes.
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A EBA e o ensino nas oicinas
/ Patrícia Figueiredo Pedrosa
Figura 2 - Oicina de Cerâmica
Figura 1 - EBA – Prédio da Reitora da UFRJ. Foto Patrícia Pedrosa
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Foto Kátia Gorini
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A EBA e o ensino nas oicinas
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Figura 3 - Oicina de Estamparia
Foto Marina Magano
Figura 4 - Oicina de Estamparia
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Foto Marina Magano
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A EBA e o ensino nas oicinas
/ Patrícia Figueiredo Pedrosa
Figura 5 - Matriz serigráica e estêncil – Oicina Fudido Silk
Foto Patrícia Pedrosa
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Patrícia Figueiredo Pedrosa Possui graduação em Gravura
pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (1994), licenciatura em Educação Artística pela
Universidade Cândido Mendes (2006) e pós-graduação em
Arteterapia em Educação pela Universidade Cândido Mendes
(2010). Atualmente é Professor Docente I - Secretaria de
Estado de Educação - RJ. Mestranda em História e Crítica da
Arte pela EBA – UFRJ - PPGAV.
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A EBA e o ensino nas oicinas
/ Patrícia Figueiredo Pedrosa
Referências Bibliográicas:
DANTO, Arthur C. Introdução moderno, pós-moderno e contemporâneo. In: Após o
im da arte: a arte contemporânea e os limites da história. Tradução de Saulo Krieger.
São Paulo: Edusp: Odysseus, 2006 [1997], pp. 2-21.
DUVE, Thierry de. Quando a forma se transformou em atitude – e além. In: Arte
& Ensaios n. 10. Revista do PPGAV/EBA/UFRJ. Rio de Janeiro: UFRJ, dezembro
2003.
http://www.eba.ufrj.br/index.php/graduacao/oicinas
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Entre alegoria
nacional e tipo
brasileiro:
O lugar de
Derrubador
brasileiro no projeto
acadêmico de
construção da
nação
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Fernanda Pitta
Entre alegoria nacional e tipo brasileiro:
O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação
/ Fernanda Pitta
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Uma igura [FIG.1] de caboclo ocupa quase todo o espaço
da tela, fumando sossegadamente seu cigarro após cumprido
o trabalho de derrubar a mata virgem. Difícil saber de qual
tipo étnico exatamente se trata: caboclo, na segunda metade
do século XIX, é termo associado tanto à igura do indígena
“civilizado” como a do mestiço de indígena e branco
(BEAUPAIRE-ROHAN, 1889, p.23). Esse “caboclo manso”
jaz de torso nu e pés descalços, em pose grandiosa, construída
em pinceladas largas que ressaltam sua sensualidade carnal,
mas também seus pés sujos, mãos grossas, roupas rotas e
unhas encardidas. A igura tem monumentalidade escultórica. Sua gestualidade oscila entre um registro classicizante
– uma grande linha “serpentinata” organiza o seu corpo –; e
o realista - traduzido no conforto da personagem recostada
sobre a pedra, a perna direita semi-estendida, apoiada pelo
calcanhar, o contrapeso realizado pelo braço esquerdo, cuja
mão sensualmente envolve o machado, mas também no detalhe
da chama fumegante do cigarro. Na fatura também há algo de
indeciso. Pinceladas largas, untuosas e aparentes – uma pasta
“gorda, rica, possante e aplicada franca e largamente”, nas
palavras de Alfredo Galvão (1956, p.220) – estão presentes no
rosto, dorso e calças do modelo; efeitos de saliência em grossa
camada de tinta são visíveis na mata derrubada, na palha
de milho ao chão, e, é claro, na ponta lamejante do cigarro.
Esfregaços de tinta misturada com branco fazem a textura
rugosa das rochas e do limo que se deposita sobre elas. Mas há
também uma presença importante do desenho: contornos bem
delineados do corpo, minúcia na representação das folhagens,
além das veias salientes dos braços, mãos e pés do modelo.
Na coniguração geral da igura, há algo de um conjunto de
forças perfeitamente balanceado que sugeriu a alguns, como
Luciano Migliaccio, a sensação de pose forçada, por demais
devedora dos exercícios de Academia (MIGLIACCIO, 2000,
p.142). A outros, como Gilda de Mello e Souza, não obstante, a
representação da “dinâmica dos gestos”, uma complexa fusão
de relaxamentos e tensões musculares deveria ser associada ao
tipo brasileiro por excelência – uma gestualidade única e característica, eicazmente codiicada pelo artista, ainda que a partir
de um modelo italiano (MELLO E SOUZA, 1980, p.224).
Concordemos com um ou com outro, é necessário reconhecer
o quanto esse caboclo tem de impactante. A potência de sua
igura, e de seus atributos de virilidade assim tão evidentes,
quase nos faz esquecer do io de água leitoso, estranhamente
iluminado, que surge à esquerda da composição, e forma a
diminuta fonte vertente sobre a cabaça pousada a seus pés,
itada de esguelho pelo caboclo. Também mal notamos o cacto
do gênero opuntia, característico da vegetação americana, à
sua direita, os cipós e as folhagens, capturados que somos por
sua imagem, ou talvez apenas pela clareira que se abre com a
derrubada da mata e se escande no plano de fundo.
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Realizada durante o séjour do pintor paulista em Paris em 1879,
no ano seguinte ao seu ingresso na École des Beaux Arts como
aluno matriculado no atelier de Alexandre Cabanel, a obra foi
exposta no Salon de 1880, sob o título Défricheur Brésilien
(DUMAS, 1880, p.2), juntamente com outra tela do artista, Le
Remors de Judas [O Remorso de Judas]. Caboclo em Descanso,
Caboclo brasileiro, Caboclo no trabalho, Caboclo brasileiro em
repouso, Índio no repouso ou Lenhador brasileiro, variantes
de título que lhe foram atribuídas pela imprensa do período,
Derrubador Brasileiro é obra que desperta certa perplexidade
para a historiograia da arte no Brasil, ainda que tenhamos
sobre ela as belas páginas de Jorge Coli (2002, pp.23-30) e os
comentários perspicazes de Rafael Cardoso (2004, pp. 24-27).
Se a historiograia tem até hoje diiculdade de precisar o
gênero desta pintura, considerada por muitos mero estudo de
Entre alegoria nacional e tipo brasileiro:
O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação
/ Fernanda Pitta
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
igura humana, uma Academia, uma composição malsucedida,
algo postiça, indecisa ou mal-realizada, suas conclusões não
estão muito distantes daquelas emitidas pela crítica brasileira
contemporânea à obra.
parasitárias matérias que se vão grimpando livremente pelas
pedras, pelos galhos secos, pelas elevações da terra úmida.
Não se pode deixar de notar que a primeira impressão da obra,
para Gonzaga Duque, é positiva. Interessa-lhe a rudeza do tipo
e a galhardia de sua “vadiagem”:
Na primeira resenha de Felix Ferreira à tela, em 1882, quando
o artista a expõe em sua individual na Academia, o crítico
nota a “falsidade do colorido da epiderme” do derrubador,
imputando o resultado ao uso do modelo europeu e não “um
indígena puro ou mesmo mestiço do Brasil”. Ainda assim,
elogia suas feições, em que encontra “traços característicos dos
nossos íncolas”, considerando sua atitude “cheia de naturalidade” e a “de uma robustez belamente artística”, sem deixar
de colocar reparos na representação da paisagem ao fundo,
considerada carregada e árida (FERREIRA, 1882, p.1)1. No
comentário que faz à obra quando é novamente exposta na
exposição geral de 1884, Ferreira se limita a descrevê-la como
“um bom estudo de musculatura robusta e isionomia honesta
de homem trabalhador” (FERREIRA,1884, p.1). Julio Dast,
em resenha à exposição de 1882 na Revista Illustrada, interessase apenas por suas características formais, um “assunto de
desenho e de largura de toque” (DAST, 1882, p.2). O crítico X.,
na mesma revista, considera em 1884 o quadro “insigniicante
como composição porém bem executado” (X, 1884, p.3). Na
caricatura publicada pela revista na ocasião do salão de 1884,
a legenda também indica o pouco apreço de Angelo Agostini
pela pintura: “bom quadro mas que não diz nada. Verdade é
que o patrício está descansando e não precisa deitar discursos”
(AGOSTINI, 1884, p.4). Gonzaga Duque, escrevendo em 1882,
louva a liberdade do assunto, reparando que:
o título de Caboclo não vai de perfeito acordo com a igura
que é mais a de um mestiço do que de puro ilho de raça
guarani. A igura descansa sobre umas pedras com o cigarro
aceso entre os dedos e o machado à mão esquerda. Em
derredor a paisagem tem o aspecto feliz da calma e da luz.
Um pequenino córrego quebra, de pedra em pedra, a sua
água fresca e toniicante, aljofrando as folhas escuras de
O rude mestiço está, no meio desta magníica vegetação,
tão bem e tão cômodo, como se estivesse refestelado numa
macia esteira de palha trançada. Provoca a vontade de
imitá-lo, pedindo-se-lhe para chegar mais um pouco, a im
de dar-nos lugar, junto dele, o vadio.
Elogia ainda a correta representação anatômica e a franqueza
da pintura, associando sua técnica aos processos de um Jules
Breton:
Na igura o Sr. Almeida Júnior fez muito bom estudo de
anatomia. Musculatura rígida, hercúlea, tendões desenvolvidos, e largas veias entumecidas. A pintura é franca
como a do Remorso de Judas, o que me leva a crer que o
artista compreendeu nesses quadros o processo de Jules
Breton: uma vez produzida a comoção desejada, não há mais
que polir nem alisar, todo o trabalho verdadeiramente d’arte
cessa; o resto é ocupação de embutidor” (ESTRADA, 1882,
p.1).
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Em 1888, ao reescrever os trechos da crítica para incorporá-los
ao livro Arte Brasileira, Gonzaga Duque reitera o apreço pela
técnica do Derrubador, considerando, mais uma vez como no
Judas, “felizes os tons, o jogo da luz, o desenho e a expressão”.
Admira “a carnação, e sobretudo o tórax”, de “uma verdade
que lembram os estudos de Bonnat”, mas modera o apreço
declarado pelo quadro em 1882, ainda que o considere
original enquanto assunto: “acho-lhe, no entanto, com pouca
naturalidade; parece que foi propositalmente posado para ser
pintado” (ESTRADA, 1995, p. 183). Oscar Guanabarino, por
sua vez, expressa em 1884 todo o seu desdém pela obra, não
escondendo o quanto ela lhe desagrada: “o assunto do quadro
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e o tipo reproduzido exigiam uma composição valente, e não
aquilo” (GUANABARINO, 1884, p.1).
a aquisição das obras à Academia, e não à vontade da instituição.
Em Paris, a pintura tivera uma recepção discreta, porém digna
de nota para um artista proveniente de um país longínquo e
“selvagem” como o Brasil – o que o faz a imprensa paulista,
interessada em registrar o sucesso do conterrâneo. O crítico
conservador Alfred Wolff registra duas breves linhas no seu
contumaz salão para o Figaro: “Défricheur brésilien, grand
tableau que ne manque pas d’interêt” (WOLFF, 1880, p.71)2.
Theodore Véron por sua vez assinala:
Louis Énault, em La Presse, contenta-se com um “assez pittoresque”3 para descrever o quadro (ÉNAULT, 1880, p.2). A tela
foi também prestigiada com um poema - assaz medíocre - de
François Fertiault, publicado no Journal des Arts, chronique
hebdomadaire de l’Hôtel Drouot, de 28 de maio de 18804.
Ainda assim, seria possível compreender Derrubador Brasileiro
como uma obra destinada pelo artista a contribuir às temáticas
de assunto brasileiro? Para Rafael Cardoso, ela é “imagem
fundamental – e, talvez, fundadora – na consolidação de um
retrato imaginário do tipo nacional” (CARDOSO, 2004, p.24).
Se a interpretarmos segundo essa perspectiva, é necessário
indagar por que motivo uma obra digna de ser assimilada ao
projeto acadêmico de construção de uma visualidade brasileira
foi recebida com reticências pela crítica e talvez com certo
desinteresse por parte da Academia que aparentemente não
a inclui entre aquelas expostas como pertencentes à “Escola
Brasileira de Pintura Formando Galeria Nacional”, da
exposição geral de 1884, relegando-a à sessão dos expositores
da mostra, ainda que a tela já pertencesse ao acervo da instituição (DE WILDE, 1884, p.6). Na atualidade, a obra pode ser
lida como um elemento central da construção da visualidade
do tipo brasileiro. Ainda que esse aspecto não tenha sido
devidamente aprofundado por nossa historiograia, considero
possível mapear na reticência e perplexidade provocadas pela
obra a zona precisa em que o artista a situou: uma fronteira
movediça entre gêneros, temáticas e signiicados, que propunha
uma outra abordagem à questão da arte nacional desenvolvida
até então dentro do âmbito acadêmico da segunda metade do
século XIX.
Ainda assim, a crítica carioca não se comoveu com o tímido
caminho de consagração preparado pela inserção parisiense da
obra, evitando deitar os louros provavelmente esperados pelo
artista. Em razão desse desinteresse, permiti-me conjecturar,
em outra oportunidade5, que a compra da tela pela Academia em
1882 – juntamente com as outras produzidas durante a estada
em Paris e expostas ao inal de outubro daquele ano – pode
ter se devido sobretudo ao empurrão dado pelo conterrâneo
Joaquim Bento de Paula Souza, ex-ministro da marinha, junto
ao então Ministro do Império, Leão Velloso, quem recomenda
As incertezas na interpretação contemporânea da obra, esse
é o argumento desenvolvido aqui, são resultado da posição
oscilante em que o artista deliberadamente a colocou em
relação às tradições da academia brasileira, e por esse mesmo
motivo reveladoras de suas pretensões. Compreende-la,
portanto, requer ao mesmo tempo, inscreve-la nas determinadas tradições e modos de representação caros à arte
no Brasil de então, mas também atentar para o modo como
o artista os borra, desvia e ressigniica, em diálogo também
com o que via e aprendia no seu estágio parisiense. Fazendo
Almeida (José) – “Un Défricheur brésilien au repos”. Nu,
sauf un pantalon de toile, il se repose, assis sur un tertre et
appuyé sur sa hache. Une source coule auprès de lui, mais
il ne semble pas disposé à en proiter pour se laver les pied,
qui en auraient pourtant besoin. Son type bronze exprime
la force et l’energie. Une nature vierge l’environne. Assez
bonne étude qui gagnerai beaucoup si elle avait plus d’effet,
mais il y manque le foyer lumineux”. (VÉRON, 1880, pp.141142).
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
isto, procuro salientar o caráter consciente e deliberadamente
provocador do artista, e precisar a natureza de sua intervenção
no debate sobre o projeto acadêmico de construção da nação.
forma traduzidos. A clave, signo da fortaleza ou fortitude, no
machado; a pele de leão, na bolsa de pele animal presa à cinta.
Signos completados pela cabaça, o cipó, o cacto e a bromélia
como atributos do lugar, mas também das atividades próprias
desse caboclo, homem de fronteira, responsável por transformar em riqueza, pelo trabalho, aquilo que dá a natureza. Um
Marte e um Teseu, por sua vez, também forneciam modelos da
tarefa cumprida, aqui associada à imagem do triunfo não só
pela força, mas pela astúcia. Marte ainda carrega associações
eróticas, quando desarmado pelo amor de Vênus, ou até mesmo
melancólicas, na meditação contida do vencedor. Sendo assim,
seria possível ver no derrubador de Almeida Júnior uma
síntese de modelos clássicos, uma apropriação que mescla e
desloca os vários atributos a eles associados: de virilidade,
força física, trabalho, sensualidade ou repouso satisfeito. Do
ponto de vista da composição, o mais evidente é maneira como
o artista constrói o apoio do braço esquerdo da igura e o
gesto de segurar o machado remetendo à igura do Hercules
em repouso11. Entretanto, o reclinado do corpo para trás,
o olhar de esguelho que ita a cabaça, parecem prover mais
imediatamente do Teseu e o Minotauro de Canova12, obra de
juventude do artista, executada durante o seu pensionato em
Roma, e seu primeiro grande sucesso, obra que fazia referência
à política contemporânea, em defesa da liberdade contra a
tirania, aludindo ao papel de Veneza e da Áustria em relação à
Creta no inal do século XVIII13.
O primeiro ponto a notar, e o mais evidente, é a referência
clássica da composição. O aspecto de Academia na representação do torso nu do derrubador, o correto estudo
anatômico, ressoam obviamente as poses do abandono
erótico de um Fauno adormecido e do repouso satisfeito de
Hercules. As iguras do Marte Vitorioso e do Teseu destruidor
do Minotauro também fornecem exemplos dessa iconograia,
denotando a contenção nobre do triunfo. É corriqueira, no
contexto de sua formação brasileira e transnacional, a recorrência aos modelos clássicos, ensinados sobretudo através da
cópia da estatuária antiga, da cópia de gravuras, mas também
da observação de suas apropriações pela escultura europeia,
que tinham, por exemplo, o Hercule Galois (1661-1662), de
Pierre Puget6, o Teseu e o Minotauro (1781-83), de Antonio
Canova [FIG. 2]7, como referências para o estudo do modelo
nu. Que na década de 1880 o modelo clássico continuasse a
ser um elemento central da formação artística acadêmica de
um brasileiro não deve ser portanto motivo de surpresa, já que
encontramos a referência a ele em mais de uma tela de Almeida
Júnior do período8 e também em produções de colegas seus,
como Rodolpho Amoêdo, por exemplo, que faz igurar uma
pequena estatueta em gesso de um Prometeu Acorrentado ou
de um Cativo, na aquarela que representa seu ateliê parisiense
em 1883 [FIG.3].
Os modelos clássicos diretos ou interpretados contemporaneamente não eram somente fontes para o estudo da anatomia
do movimento e da pose. Eram também referências para a
construção de signiicados simbólicos e de atributos. A igura
de Hércules fornece, por exemplo, o modelo legitimador para
a representação de um tipo popular, a qual se associa uma
certa força, coragem, virilidade, e também não infrequentemente concupiscência9, irascibilidade e brutalidade10. No
derrubador, essa simbologia e atributos estão ali de alguma
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Não se deve esquecer tampouco da importância do nu
historiado, exercício de representação do nu inserido dentro
de uma temática, com atributos e cenário correspondentes,
visando exprimir a capacidade do estudante de superar o simples
estudo de modelo vivo para lançar-se aos temas históricos14.
Tal tipo de produção era fundamental para um aluno da École
e em especial de Cabanel, cuja prática pictórica frequentemente centrava-se na igura humana nua como elemento
de destaque em uma composição histórica ou alegórica.
Para recorrer a apenas um exemplo, basta lembrar que uma
década antes Cabanel trabalhara a igura monumental plena
Entre alegoria nacional e tipo brasileiro:
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
de sensual realismo “satânico” do Adão no Paraíso Perdido,
para Maximilien II da Baviera15, de quem talvez Almeida tenha
retido a oscilação entre o registro ao mesmo tempo realista e
classicizante de seu derrubador.
Como reelaboração de um modelo, a obra se inscreve em uma
tradição importante da produção artística, desta vez americana
– aquela das alegorias do Império e da Nação. Sem sombra
de dúvida, o indígena foi o tipo privilegiado dessa iconograia
alegórica. Herdeiras das alegorias da América, retomada por
Debret para a primeira alegoria do novo reino brasileiro, essas
representações tomaram o corpo do indígena como iguração
dos limites do território e de suas qualidades, idealizado ou
amparado por uma atenção mais realista. Assim o izeram,
como já analisou Alberto Chillón (2015), Ferdinand Pettrich
na obra, perdida, de índio representando o Brasil; João Duarte
Morais, Severo da Silva Quaresma e Quirino Antônio Vieira,
em O Gênio do Brasil e as Musas (1857); Louis Rochet na
Estátua equestre de Pedro I (1861), ladeada pelas igurações
dos rios Amazonas, Madeira, São Francisco e Paraná, Cândido
Almeida Reis, no Rio Paraíba do Sul16 (1866), ou Francisco
Manuel Chaves Pinheiro, em sua Alegoria do Império Brasileiro
(1871)17.
Ainda que a obra tenha evidente relação com essas alegorias,
como já notaram anteriormente Cardoso (2004) e Chiarelli
(2010), ela se afasta desses precedentes precisamente por
retratar não o indígena selvagem – fosse ele idealizado ou em
registro antropológico - , mas sim o aculturado, “integrado”
à sociedade nacional – o caboclo. Mesmo que o modelo não
tenha sido adequado, Almeida representa aquele que, além de
concreto, é reconhecível no cotidiano e seu contemporâneo
– o mestiço ou o caboclo, o indígena inserido na civilização
ocidental. O amendoado de seus olhos, a cor de sua tez, a
espessura ina de sua barba, a relativa nudez de pelos em todo
seu torso e braços aludem precisamente às características isiológicas capturadas pelo olhar cientiicista lançado à época para
a questão racial.
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Através de todas essas relações, Almeida Júnior desloca e
reconigura as referências legitimadoras tradição, seja europeia
ou brasileira, numa operação que se assemelha, por seu
caráter de paródia, aquelas feitas por artistas como Édouard
Manet e Gustave Courbet ao se referirem aos temas e composições consagrados pela tradição clássica, como acontecera
no Déjeneur sur l’herbe, referenciado em Giorgione, e na
Olympia18, que se remete a Tiziano, como é sabido, e mais
especialmente em uma obra de Courbet como La Source, de
1868 [FIG.4]19. Nela, o sentido do procedimento alegórico é
atualizado, porque utilizado com ins a incluir notas dissonantes
na totalidade da composição. A tradição do nu feminino, como
analisou Laurence de Cars (2009), é convocada e ao mesmo
tempo confrontada. O pintor se coloca em aberta polêmica
com os nus de Ingres, mas também com as vênus de Cabanel
e de Bouguereau. O nu ocultado pela posição, de costas para
o público, a associação entre a igura feminina e o elemento
clássico e imemorial da fonte são recursos tomados à tradição
a im de serem contraditos pelo tratamento realista da cena
e da nudez feminina. Os aspectos tácteis na representação da
natureza, da água, das rochas e da folhagem, bem como aqueles
do corpo feminino, marcado pelo corset contemporâneo,
pelas saliências e reentrâncias causadas pelo sedentarismo da
vida moderna, são dados que fazem uma espécie de “curtocircuito” quando infusos com aqueles oriundos da tradição20.
Na alegoria de Courbet opera-se um deslocamento propositado com relação ao gênero pictórico do nu mitológico. Ao
mesmo tempo que o atualiza, também o torna mais complexo
e opaco. Ao não mais corresponder às expectativas tradicionalmente estabelecidas pelo gênero, conforme a hierarquia e o
decoro, embaralham-se as associações, remetendo à questões
da ordem do dia, da atualidade política ou social. De maneira
semelhante, o mesmo ocorre na alegoria brasileira de Almeida
Júnior. Rafael Cardoso (op.cit.) e eu21 chegamos, por vias
independentes, a hipótese de que não seria despropositado
associar o caráter alegórico da igura do caboclo por Almeida
Júnior à categoria de “alegoria real” formulada por Courbet,
na tela L’Atelier du peintre, allégorie réelle déterminant une
Entre alegoria nacional e tipo brasileiro:
O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Figura 2 - Antonio Canova Theseus and the Minotaur, 1782-83 mármore,
Figura 1 - José Ferraz de Almeida Júnior Derrubador Brasileiro, 1879
óleo sobre tela, 228 x 183 cm. Museu Nacional de Belas Artes.
145,4 x 158,7 x 91,4 cm. Victoria and Albert Museum, Londres.
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© Victoria&Albert Museum, London
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
reunião”. Carioca de Pedro Américo intencionava produzir
uma alegoria do Brasil, representado pela igura portuguesa
e branca da mulher, uma náiade. Tema ediicante, correção no
desenho, proporcionalidade da composição, colorido distinto e
“bem posto”, poucos elementos acessórios, mas signiicativos,
à representação, modelado abstratizante, tudo contribuía
para que a obra carregasse consigo valores também elevados.
Calcava-se no repertório consagrado, mas nem por isso queria
com isso transmitir um ideário “ultrapassado”. Pelo contrário,
Pedro Américo acreditava no valor perene daquela gramática
para com ela veicular, em sua composição, noções “novas”: a
crença no caráter civilizado do povo brasileiro, representado
pela mulher branca - e não pela índia, nem pela negra ou
pela mestiça. Ainda assim, o Derrubador de Almeida Júnior
faz clara alusão à Carioca de Pedro Américo. Poderia se dizer
que ele é uma náiade “invertida”, se não fosse a presença do
machado e do cigarro, fazendo-se passar até por uma divindade
luvial, já que se assenta seminu ao lado de uma diminuta fonte.
A inversão, no entanto, não para por aí. Se para Pedro Américo
a referência clássica é fonte para uma fusão em busca do belo
ideal, para Almeida é um recurso para um complexo embaralhamento de referências. No corpo da carioca apagam-se todos
os traços de mestiçagem; naquele do derrubador, eles são
paradoxalmente domesticados e reforçados pelo recurso às
referências clássicas, potencializando a sobreposição entre a
referência alegórica e aquela da tipiicação.
phase de sept années de ma vie artistique. Uma alegoria diz
sempre de algo “que não está lá”. Inscreve uma tensão na
imagem e explicita suas descontinuidades e os anacronismos
na sua recepção. Para Linda Nochlin, a dissonância é a questão
chave para compreender o procedimento alegórico na pintura
realista de Courbet, que força a quebra de consenso, de decoro
e adequação, seja do ponto de vista temático, simbólico ou
formal (NOCHLIN, 2007, esp. p. 183). Entretanto, é preciso
reconhecer que Almeida Júnior marca uma certa distância
da perspectiva paródica diante da tradição de Manet ou de
Courbet, ao airmar explicitamente a associação com a questão
da identidade nacional.
Derrubador brasileiro traça também uma linha de distinção
no tratamento da temática indígena, marcada, até a década
de 1870, como já airmou David Treece para a literatura
(2008), pela visão romântica da política conciliatória do II
Reinado, que via igura do indígena longínquo e selvagem o
mito fundador da brasilidade. O caboclo de Almeida Júnior
não é personagem tal como as Moemas, Iracemas, Camorins,
Peris, Aimberês, Lindóias, Jaguarês, Paraguaçus, retirados das
narrativas históricas ou da icção para entrarem no universo da
pintura como representações dos valores de nobreza, sacrifício,
hierarquia e submissão desse indianismo. Esses personagens,
na sua maioria heróis - ou melhor, heroínas – trágicas, representavam, nos mais das vezes, os atributos da terra brasileira e
o penoso processo de sua dominação pela civilização branca,
concebido, em geral, como uma tragédia dramática ou um
drama trágico, que exigia deles o sacrifício daquilo que era
a essência de sua identidade. Mártires, como analisou Alex
Miyoshi (2010) a respeito de Moema, do nascimento da nacionalidade.
Outro artista havia proposto uma alegoria em chave oposta
àquelas do Império baseadas na igura do indígena. A Carioca,
de Pedro Américo, demonstra Fabio d’Almeida (2016), é
ancorada em modelos “elevados” e “ediicantes” da tradição
clássica e ocidental, um perfeito (ou quase perfeito) “belo de
436
437
O corpo indígena, claro, não era só motivo de debate artístico.
No mesmo ano em que a obra de Almeida Júnior é exposta,
realiza-se no Rio de Janeiro a Exposição Anthopológica, no
Museu Nacional, uma empreitada sem precedentes na ciência
brasileira até então, cujos principais objetivos eram, segundo
Andemann, “resgatar e revalorizar a iconograia indigenista
do Império” e fazer uma “celebração popular da ciência”,
entendida como “celebração da antropologia como conquista
de uma perspectiva imparcial e objetiva sobre um Outro interno
que havia até então fornecido ao Estado monárquico um de
seus principais ícones artísticos e literários” (ANDERMANN,
Entre alegoria nacional e tipo brasileiro:
O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação
/ Fernanda Pitta
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
acadêmica brasileira no Caçador e a Onça de Félix Emile
Taunay, entretanto, como coloca Luciano Migliaccio:
2004. p.130). Ainda era, segundo o autor, a oportunidade de
avaliar, dada a evidência material da vida indígena, de sua
existência concreta, a “utilidade do índio como representante
da nação moderna” (id.ibid.).
“O mameluco de Almeida Jr. não é um lutador, um matador
de feras. Cansado de abater troncos, de domar a loresta, ele
se apresenta sentado numa pedra, dando baforadas de seu
cigarro, com ar esperto e tranquilo de quem está gozando
de um prazer animal. É o primeiro de uma série de caboclos
pouco heroicos, lagrados em seus gestos diários ‘como il
ramarro sotto la gran fersa del dí canicolar’, naquele pouco
de sombra em que, sob um céu imóvel, busca refúgio da luz
incandescente do sol tropical” (MIGLIACCIO, op.cit., p.
143).
Se Derrubador brasileiro faz alusão à tradição da alegoria na
arte nacional, traça sua distância em relação a elas ao representar o trabalhador mestiço, livre e atual, não o índio da
literatura, nem o dos etnógrafos, presentes nas telas feitas
por Aurélio de Figueiredo e Décio Villares para a exposição22,
tampouco o tipo caucasiano requerido por Pedro Américo.
Almeida parece não preocupar-se com as teorias racialistas dos
antropólogos que debatiam o lugar do indígena “selvagem” na
escala evolutiva da espécie humana e na seleção natural. Muito
menos, como Américo, nega a presença real da mestiçagem.
Não recorre sequer à representação com escrutínio naturalista
do indígena em seus costumes exóticos, como izera Rodolfo
Bernardelli na escultura premiada na Filadélia, em 1876, À
espreita [FIG.5]. E ainda que esse escultor tenha trabalhado o
tema da aculturação, em Saudades da tribo (exposta na mesma
ocasião), Bernardelli insiste no aspecto da inadaptação à
civilização (SILVA, 2007), abordagem da qual veementemente
se afasta a construção imagética de Almeida.
Na airmação da mestiçagem, ou da aculturação, como característica do tipo brasileiro, Almeida Júnior se aina com o
novo momento do indianismo literário dos anos de 1870 que,
na crise do modelo heroico-trágico alencariano, constrói uma
imagem do indígena que explicita as contradições da visão
sobre esse tipo na sociedade brasileira de então, mesclando
princípios criativos e destrutivos, combinados na imagem do
mostro primitivo e do bom selvagem. Aproxima-se também
dos debates cientíicos travados entre aqueles que rechaçavam
a mestiçagem como “modelo biopolítico de integração
nacional”23, os que a defendiam, e aqueles que viam nos
indígenas objetos de estudo, preservação colecionista ou via
de acesso para um eldorado perdido. Ao evocar o tipo caboclo,
retoma a iguração do mateiro que havia aparecido na tradição
Seu “caboclo médio e preguiçoso” (“Um paulista”, 1888, p.1),
no dizer de um crítico da Gazeta de Campinas, alude aos trabalhadores nacionais livres que despertavam temor e preocupação
às classes dominantes cafeicultoras, preocupadas com a questão
premente da substituição da mão de obra escrava. Estes trabalhadores, como diria um membro da Assembléia Legislativa
Provincial de 1874:
agora estão pimpões porque já tem consciência da carestia
de braços. Fora da lavoura eles ganham um dia para o resto
da semana. E quando mesmo assim não fosse, eles querem
vadiar na segunda feira, pois no domingo passam a noite
no cateretê, e também querem vadiar no sábado por que é
dia de Nossa Senhora. Os quatro dias que restam, querem
passar bem, fazer cigarro no serviço e comer sossegado...
Qual pois, a utilidade que poderão prestar ao lavrador que
está com seus serviços atrasados? (Anais da Assembléia
Legislativa Provincial de São Paulo, Sessão de 12 de março
1874, apud KIRSCHNER, 1994, p.70)
438
439
Esse comentário é interessantíssimo pois sinaliza o ambiente
ideológico em que a obra foi concebida. A nota saborosa a
respeito do cigarro permite vislumbrar esse elemento como
um signiicante importante na obra de Almeida. Ela faz alusão
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ao trabalho de abertura de terrenos para o plantio, com a
derrubada das matas, trabalho este enormemente necessário
naquele período de ampliação das fronteiras agrícolas e que
era atribuído justamente àqueles tipos caboclos, indígenas
assimilados ou mestiços de indígenas e brancos, conhecedores
das terras e aptos a lidar com seus desaios. Esse contingente,
contratado sazonalmente para abertura de novas frentes,
consistia num grande temor e “problema” para os grandes
latifundiários, que deles dependiam mas não tinham o recurso
legal da violência para força-los ao ritmo de trabalho esperado.
O seu descanso, a interrupção de seu “serviço” para gozar do
prazer reconfortante do fumo, alude, portanto a um aspecto
caro da vida desses trabalhadores, que é o controle sobre o seu
próprio tempo de trabalho.
melhores serviços podem prestar nessas duas terças partes
do nosso território [as terras virgens], porque as indústrias
extrativas, únicas possíveis nessas regiões [...] só tem sido
e só podem ser exploradas pelo selvagem (MAGALHÃES,
1876, p.XXI).
Para Magalhães, somente o indígena, o caboclo, teria a constituição física e a índole capazes de enfrentar os desaios do
desbravamento das lorestas para a expansão das fronteiras
para a lavoura. Ainda que Magalhães tenha, como sustenta
Treece, aceitado sem questionar “a legitimidade de sua
sociedade querer explorar os recursos, sejam materiais ou
humanos, do interior brasileiro”, o que tornava suas opiniões
“tão modernas e progressistas em relação ao que viera antes
não era simplesmente a sua compreensão do papel decisivo
do índio em qualquer projeto econômico para região”, ou o
reconhecimento de seus saberes e tecnologias de exploração
equilibrada dos recursos naturais, mas sim “sua crença”
que o “potencial cultural do índio representava um avanço
importante relativo às noções [...] abstratas de ‘integração’
e ‘civilização’ [...] defendidas até ali pelos românticos indianistas” (TREECE, 2008, p.287-288).
O Caboclo em Repouso posiciona de modo propositalmente
ambíguo as visões acerca do tipo brasileiro caboclo. Se o
repouso é signo da falta de vontade, da preguiça, da inabilidade para o empenho no trabalho marcado pelas exigências
da agricultura exportadora, também é entendido como
um direito quase natural. A construção vigorosa do tipo de
Almeida Júnior ainava-se às posições de iguras como de um
Couto de Magalhães, general da guerra do Paraguai e um dos
principais intelectuais que, mostrando-se favorável ao emprego
dessa mão de obra, advogavam que se desse atenção à necessidade de incluir esses homens no “novo” modelo produtivo
que se instaurava no Brasil, e em especial na província de São
Paulo, tomando providências para que essa inclusão fosse bem
sucedida – isto é, que essa mão de obra torna-se “disponível”
para a expansão da fronteira agrícola. A postura desse político
era a de indicar ao Governo Imperial, o que fará na monograia
O Selvagem, escrita a pedido de Pedro II e apresentada na
Exposição Universal da Filadélia de 187624, a alternativa
de “civilização” dos índios feita por missões militares, a im
de utilizar seu potencial produtivo, já que, segundo Couto de
Magalhães, os
meio milhão de selvagens que possuímos são os que
Pode-se então compreender que a representação do tipo
mestiço, “trabalhador do presente”, aludia a aspectos considerados da maior urgência na pauta política brasileira, e
bastante problemáticos. “Trazê-lo” para a pintura era uma
estratégia de exposição da questão num fórum público – o
da “arte” – e uma tomada de posição com relação à questão
de sua “viabilidade” no processo civilizatório, mas também
sintoma do que Treece chama de “crise de identidade racial e
cultural” vivida no Brasil dos anos 1870, diante da eminência
da abolição e do aluxo migratório de estrangeiros (TREECE,
2008, p.289).
440
441
A operação da tela de Almeida veste-se portanto de uma
lógica articulada porém difusa, que situa seu Derrubador na
fronteira entre a alegoria e o tipo tocando um tema candente
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Figura 3 - Rodolpho Amoêdo Detalhe de Ateliê do artista em Paris, 1883,
Figura 4 - Gustave Courbet La Source, 1868 óleo sobre tela, 128 x 97 cm
Musée D’Orsay © RMN-Grand Palais (Musée d’Orsay) / Hervé Lewan-
aquarela sobre cartão, 56.8 × 77 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio
de Janeiro.
442
443
dowski.
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imagem do caboclo como anti-herói, cuja condição destribalizada faria surgir um novo tipo de marginal social, desinibido,
violento, sexualizado - em uma palavra “primitivo” - que seria
tema da literatura naturalista e regionalista25.
do contexto social e político de então. Ela fornecia elementos
para a construção de uma nova imagem do tipo brasileiro,
que se ancorava tanto nos debates acerca da viabilidade do
elemento indígena na construção da nação, quanto na própria
construção auto-imagética de parcela das elites, especialmente
as paulistas, que se identiicavam como fruto aprimorado do
“cruzamento” do elemento português com o indígena, “livre”
da inluência do “sangue” negro. A própria nomenclatura
francesa do quadro, Défricheur, pode ser compreendida como
sintoma desse processo. Ela signiica numa primeira acepção,
derrubador, roceiro, mas é também empregada para designar,
por derivação, o desbravador. Aquele que abre o território à
sua exploração. Ora, essa mesma noção está na gênese de um
mito que terá a maior importância naquela mesma autorrepresentação das elites. Desbravadores, ou, o termo posteriormente
consagrado, bandeirantes. O elogio ao trabalho, característico
da ideologia liberal que consagraria posteriormente o mito
bandeirante, carrega-se de tensão ao ser ladeado, no mesmo
patamar, ao elogio ao “descanso” do caboclo, aspecto que não
deixou de ser registrado no poema medíocre de Fertiault: se
quem foge ao trabalho é “frouxo”, o repouso é bem-vindo à
produtividade. Para melhor trabalhar, é preciso interromper
a tarefa, descansar, antes de retomar os afazeres com a força
revigorada.
A visão sobre o trabalho e o trabalhador nacional livre
indicava o nó da questão: o mestiço era o signo de um recalque
- tanto da repressão da violência com a qual era tratado pela
sociedade brasileira, quanto da expectativa angustiada das
elites por um novo arranjo social, político e econômico para
a nação. Não à toa, o meio intelectual, cientíico e político de
ins do oitocentos seguiria debatendo o estatuto da mestiçagem
nas décadas subsequentes, dividindo-se entre os que acreditariam na inexorabilidade do progresso em direção à brancura
e aqueles que abririam as vias para uma avaliação positiva do
papel da cultura sertaneja na formação do Brasil. Em meio
a esse contexto, brotariam imagens perpassadas pela mesma
ambiguidade identiicada no Derrubador, consolidando a
A via “cabocla”, entretanto, não tem aderência no meio
artístico da Academia de princípios da década de 1880. O índio
semicivilizado contemporâneo do sertão não se transforma em
iconograia corrente para a representação da nacionalidade
no contexto da Academia de então, tampouco após a reforma
da Escola em 1890. Raras serão as obras dedicadas nesse
contexto à iguração do tipo sertanejo26. A crítica ao indianismo
romântico realizada no âmbito da academia preferiria ainda
imagens que escancaravam, sem sombra de heroicidade, as
iguras demoníacas de uma Marabá ou ainda o próprio cadáver
do projeto indianista imperial na representação do último
Tamoio.
A perplexidade diante do Derrubador Brasileiro, o mal-entendido em relação à obra, a recusa em recebê-lo como um
ícone da nacionalidade por parte da arte brasileira de ins
do século XIX, guarda alguma semelhança com o que havia
passado, décadas antes, com o Habitante da Cordilheira do
Peru [FIG.5], pintado por Francisco Laso em Paris, no ano de
1855, analisado por Natalia Majluf. Um cosmopolita marginal
como Laso, Almeida Júnior faz uma obra não suicientemente
exótica para os olhos estrangeiros, e talvez perigosamente
ambivalente para merecer ser incluído no rol das grandes
obras de tema nacional. O indício mais evidente de que a tela
de Almeida Júnior tocava em um aspecto reprimido da nacionalidade –, brasileira, mas também americana e mestiça - é o
fato do atributo mais gritante de seu Derrubador, seu saliente
signo de virilidade, ter sido absolutamente evadido do discurso
da crítica, sequer mencionado e muito menos debatido, nem
mesmo em tom de escândalo ou piada.
444
445
Se o Derrubador de Almeida não consegue deixar marcas na
produção artística do sistema acadêmico de ins do XIX, sua
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Figura 5 - Rodolfo Bernardelli À Espreita, 1875 Gesso, medidas desconhecidas Cromolitograia reproduzida em: NORTON, Charles Benjamin.
Treasures of Art, Industry and Manufacture Represented in the American
Figura 6 Candido Portinari O Mestiço, 1934, óleo sobre tela, 81 x 65
Centennial Exhibition At Philadelphia 1876. Buffalo, N. Y., Philadelphia:
cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, Compra do Governo do Estado,
Cosack & co., 1877.
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1935.
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Notas:
imagem permanecerá pulsante, irredutivelmente ambígua,
capaz de ainda hoje provocar nosso olhar. Ele acabará por se
ixar como uma representação atuante no imaginário da nossa
“nacionalidade”, ou de sua miragem, que inscreve o trabalhador livre mestiço como tipo brasileiro. Aparecerá reconigurado, não mais como síntese racial do índio e do branco,
e sim também do negro, na imagem deinitiva do trabalhador
brasileiro criada por Portinari, em O Mestiço, de 1934 [FIG.6],
ou no Lavrador de Café, de 193927, ainda que, sintomaticamente, desapareçam aí os dados da indolência, do caráter
indômito, que faziam do Derrubador uma imagem duplamente
sedutora e perturbadora e, por que não, potencialmente mais
crítica.
1
A graia dos textos foi atualizada.
2
“Derrubador brasileiro, grande quadro ao qual não falta interesse”.
3
Bastante pitoresco.
4
“DÉFRICHEUR BRÉSILIEN / A J. de Almeida / Dur travailleur que rien ne fâche,
/ Ton corps se soude à se pencher: / Tu t’en vas fouillant, sans relâche, / L’herbe
que tu dois arracher. / Qui fuit la besogne est un lâche; / Mais le répit fait mieux
piocher. / Pour ‘piocher mieux’, suspends ta tâche... / Tout sol est lent à dèfricher – /
Dèjá reposé ? ... Tu tressailles; / Tu retournes à tes brussailles; / Par tes mains le pic
est repris ... / Courage ! En toi, vaillant manoeuvre, / On symbolise et voit à l’œuvre /
Ceux qui dèfrichent les esprits.” O poema foi republicado n’A Província de S. Paulo,
no artigo “Um brasileiro que promete”, 1880, p.1. A transcrição também aparece
em A Constituinte, na nota “Notícias - Refere A Província de hontem”, 1880, p.1, e
na Imprensa Ytuana, “Dois quadros”, 1880, p. 1. Em ANTONIO,1983, aparece uma
tradução do poema, por Aphrodisio Baptista dos Anjos: “Duro trabalhador que não
se descontenta/Teu corpo se une ao se inclinar; / Tu te vais embora escavando sem
descanso / A erva que deves arrancar. // Quem foge ao trabalho é um frouxo! / Porém
o repouso faz melhor trabalhar,/ Para ‘trabalhar melhor’ interrompe tua tarefa.../ todo
solo é lento a desbravar /// Já repousado?... Tu estremeças; / retornas a teus afazeres;
/ Por tuas mãos a picareta é retomada... /// Coragem! Em ti, valente manobrista, /
Simbolizaram-se e pressentem a obra. / Aqueles que desbravam os espíritos.”
5
PITTA, Fernanda. “O jabuti e a palheta”, trabalho apresentado no IV Colóquio
de estudos sobre a arte brasileira do século XIX. O ateliê do artista, Museu da
República, 8 a 10 de junho de 2015. Manuscrito.
6
Musée du Louvre.
7
No Victoria and Albert Museum. Que remete por sua vez, ao Mars Ludovisi,
séc II, do Palazzo Altemps, em Roma.
8
Faz-se notar a presença dos moldes de gesso para cópia no Ateliê parisiense,
de 1880, hoje em coleção particular, e do Écorché Combattant, modelo de igura
esfolada usado para o estudo de anatomia, no Ateliê do artista, de 1886(?) do MASP.
448
449
9
Para essa qualidade, é útil lembrar das gravuras hoje perdidas de I Modi ou
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De omnibus Veneris Schematibus, de Marcantonio Raimondi, retomadas por Agostino
Carracci (ou Camillo Proccacini), que incluem uma prancha representando o sexo
entre Hercules e Djanira.
10
23
24
Onde também foram exibidas coleções arqueológicas e etnográicas
indígenas. Para uma importante discussão dessa estratégia de exposição de uma
“antiguidade brasileira” centrada no indígena como passado nacional, ver SCHUSTER,
2015.
Lembre-se das igurações do Hercules Furens.
11
Ver, por exemplo, Figura de Hercules em repouso, estátua em bronze,
Ashmolean Museum, Oxford, Annibale Carracci, A escolha de Hercules, 1596, óleo
sobre tela, coleção Farnese do Museo Capodimonte, Nápoles, Paolo de Matteis, A
escolha de Hércules entre o Vício e a Virtude, c.1712, desenho sobre papel, Musée du
Louvre.
12
Agradeço a Alain Bonnet por chamar minha atenção para o Teseu de Canova.
13
Para esta discussão, ver JOHNS, 1998, especialmente o cap.2.
A expressão é de Jens Andermann, 2004, p.136.
25
Remeto novamente a Treece para a discussão da literatura.
26
Para a iconograia do sertanejo, ver VALLE, 2008. Para a discussão da representação do caipira, ver PITTA, 2013.
27
Comparação já assinalada por Gilda de Mello e Souza, op. cit. e precisamente
ponderada por Jorge Coli, op.cit.
14
Lembre-se por exemplo, da Academia de Almeida Júnior pertencente à
coleção da Pinacoteca de São Paulo, cujo modelo muito se assemelha ao empregado
por Léon Bonnat para o Job, exposto no mesmo salão de 1880.
15
Na França e na Alemanha, a tela de Cabanel foi rechaçada pela crítica
por seu excesso de realismo, sua falta de pudor. O pintor, considerado incapaz de
abordar satisfatoriamente um assunto tão grave e poético, e pretencioso, por tentar
se equiparar a Rafael e Michelangelo, as referências mais evidentes da obra, ver
NERLICH, 2010.
16
Como coloca Chillón (2015), a escultura é recebida pela crítica como uma
alegoria, ainda que o artista a entendesse como a representação de um tipo.
17
Cabe lembrar que a alegorização do indígena na escultura ainda seria
presente nos Indios representando os rios brasileiros, de 1889, feitos pelo ateliê de
François Ambroise Gilbert para o pavilhão do Brasil na exposição Universal de Paris
de 1889. Ver CHILLÓN, 2015 e SCHUSTER, 2015.
18
As duas obras de Manet se encontram no Musée d’Orsay, em Paris. Para uma
análise das relações entre Manet e a tradição, ver CLARK, 2004.
19
Musée d’ Orsay, Paris.
20
Para a análise dessa obra, ver De Cars, 2008, p.386.
21
2013.
Desenvolvi esta hipótese com mais vagar em minha tese de doutorado. PITTA,
22
Decio Villares e Aurélio de Figueiredo fazem certa de dezesseis retratos
tirados do vivo, de desenhos e fotograias, para as salas da exposição. Parte deles
se encontra no acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Cf. Guia da Exposição
Anthropológica Brazileira, 1882. Ao que tudo indica, o interesse de Ladislau Netto
pelas populacoes indígenas não-aculturadas vinha ao encontro de sua teoria da
degenerescência. O director do Museu Imperial acreditava que a América do Sul
havia sido berço de uma civilização antiga, mais elevada – tese para ele comprovada
pelos achados da cultura material marajoara – que havia degenerado nas populaces
remanescentes observadas no século XIX. Para essa discussão, ver SCHUSTER, 2015.
450
451
Fernanda Pitta é pesquisadora e curadora na Pinacoteca do
Estado de São Paulo. Realizou pós-doutorado pelo Museu
Paulista da Universidade de São Paulo. É doutora em Artes
Visuais pela ECA-USP e mestre em História pela Universidade
Estadual de Campinas. Tem experiência na área de História da
Arte, com ênfase em História da Arte no Brasil e Historiograia da Arte.
Entre alegoria nacional e tipo brasileiro:
O lugar de Derrubador brasileiro no projeto acadêmico de construção da nação
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
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XIX colombiano
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Carolina Vanegas Carrasco
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estéticos en el siglo XIX colombiano
/ Carolina Vanegas Carrasco
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de dibujo y la formación de escultores que por encargo oicial
impartió entre 1875 y 1882 el escultor italiano Mario Lambardi
(Porto Santo Stefano, Italia, 1852-San José, California, 1915) y
el inicio de las clases de dibujo y grabado en madera de Alberto
Urdaneta (Bogotá, 1845 - 1887) y Antonio Rodríguez (Sevilla
¿? - Bogotá, 1898) en Colegio de San Bartolomé iniciadas en
1881. Las escuelas de pintura, música y arquitectura fueron
formalizadas por decreto entre enero y julio de 1881 y se
unieron con las de grabado y dibujo en 1882 conformando
así la Escuela Nacional de Bellas Artes, que en 1884 fue
integrada a la Universidad Nacional4. La sección de “escultura
y ornamentación” se puso en marcha gracias a los contratos
con el escultor italiano Cesare Sighinoli (Módena, 1833 Suesca, 1903) en 1883 y con el ornatista suizo Luigi Ramelli
(Grancia, 1851- Suiza, 1931) en 1884 para hacerse cargo de
las obras que el gobierno les encomendara, así como de dar
clases (Cfr. Vanegas Carrasco, 2014). La actividad pedagógica,
sin embargo, tuvo que ser pospuesta debido al inicio de una
nueva guerra civil, que impidió la apertura de la escuela hasta
marzo de 1886, cuando inalmente se iniciaron las actividades
bajo la dirección de Alberto Urdaneta, quien en julio de ese
año organizó una gran exposición de inauguración.
I. Los reveses de la fundación de la Escuela (1873-1886)
La fundación de una Escuela de Bellas Artes en Bogotá, capital
de Colombia, fue un proyecto largamente postergado debido
a la inestabilidad política del país cuyos gobernantes, después
del proceso de Independencia inalizado en 1819, concentraron
su atención en la reorganización del país. La conlictividad
de este proceso se evidencia al considerar que entre 1830 y
1902 hubo ocho guerras civiles y se promulgaron seis constituciones1. Cuando se decretó la fundación la Academia Vásquez2
durante el segundo gobierno de Manuel Murillo Toro (18721874) habían pasado diez años desde la última guerra civil y su
consecuente constitución (1863), por lo tanto podría atribuirse
la creación de la institución a la conianza en la estabilidad de
la propuesta de organización federal, los Estados Unidos de
Colombia. Sin embargo la Escuela no entró en funcionamiento
dado que las prioridades del gobierno estaban más centradas
en los conlictos políticos producidos por las diferencias
ideológicas y las divisiones internas de los partidos que crecían
día a día.
Es así que la Escuela fue conformándose entre 1874 y 1886
como resultado de acciones fragmentarias, interrumpidas por
dos guerras civiles, la primera entre 1876-1877 y la segunda
en 1885. Entre estas acciones se encuentran la creación de
Sociedad de Fomento de las Bellas Artes (1874), las escuelas
de pintura para hombres y mujeres del pintor mexicano Felipe
Santiago Gutiérrez (Texcoco, México; 1824-1904) quien estuvo
en Bogotá entre 1873 y 18753, las clases nocturnas gratuitas
458
459
El intrincado y fragmentario proceso de formalización de la
escuela ha sido frecuentemente omitido por la historiografía
local especialmente en lo que se reiere a la formación en
escultura. Prueba de ello es que de los dos profesores extranjeros
que llegaron como consecuencia del decreto de creación de la
Escuela en 1873, sólo se reconoce el aporte del pintor mexicano
Felipe Santiago Gutiérrez, cercano de dos intelectuales conservadores como lo fueron Rafael Pombo y Alberto Urdaneta.
Sólo dos años después estuvo en Colombia Mario Lambardi
por intermediación del dirigente liberal Murillo Toro y es tan
clara su cercanía con los liberales -entre ellos el empresario
teatral Bruno Maldonado- que igura como capitán activo en
la guerra civil de 1876 (Cfr. Vanegas Carrasco, 2013). Antes
de que empezara la guerra, Felipe Santiago Gutiérrez salió del
país, pero sus colegas participaron activamente en favor del
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estéticos en el siglo XIX colombiano
/ Carolina Vanegas Carrasco
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ejército conservador: Pombo escribió un manual de reglas de
campaña, organización y administración de las tropas conservadoras (Cfr. Robledo, 2014) y Urdaneta participó en la acción
armada y llegó a ser General.
existía una Academia ni una Escuela de Bellas Artes, debió
constituir una verdadera revolución visual.
A pesar de las diicultades económicas a mediados de la década
de 1870, el gobierno liberal hizo un importante esfuerzo
para mitigar la presencia simbólica del ya famoso “Bolívar
de Tenerani”. Iniciaron por pedirle a Mario Lambardi que
rehiciera el pedestal aprovechando para cambiar el sentido de
la estatua, que dejó de mirar hacia la catedral para dirigirse
hacia el Capitolio, mermando con ello su vínculo ideológico
con la iglesia, caro a los conservadores. Por esos mismos
años se encargó al escultor italiano Pietro Costa una estatua
de Santander que fue inaugurada en 1878 –justo después de
la guerra civil que fue escenario del conlicto partidario. Los
ataques que cada una de estas obras sufrió desde su instalación
evidencian que los personajes representados en sus estatuas
cumplían sus funciones simbólicas respecto de los partidos
enfrentados. La reproducción del Bolívar de Tenerani en el
Papel Periódico Ilustrado no sólo en su portada (ver imagen
2) sino en otras ediciones -en donde se hacían reiteradas
referencias textuales a la belleza y perfección de la obrafortalecía su importancia. En oposición a ello, la estatua de
Santander fue apenas objeto de una escueta reseña en dicha
publicación.
Nos interesa pensar entonces cuáles fueron los modelos de
enseñanza para las artes en los lugares en los que se produjo,
en medio de este conlictivo contexto, dado que sin ninguna
duda para las élites de los dos partidos el fomento de las artes
era fundamental en sus proyectos “civilizatorios”. Dado que
hay pocos indicios de la actividad desarrollada en las instancias
de formación antes mencionadas, seguiremos principalmente
dos fuentes: la escultura conmemorativa instalada en Bogotá y
una selección de imágenes realizadas por los estudiantes de la
Escuela de dibujo y grabado publicadas en el Papel Periódico
Ilustrado (1881-1886), dirigido por Alberto Urdaneta, uno
de los más destacados proyectos editoriales de in de siglo
y principal órgano difusor de las novedades artísticas del
momento.
II. La “estatuomanía” bogotana y su difusión
Las diferencias ideológicas existentes entre “bolivarianos” y
“santanderistas” (partidarios de Francisco de Paula Santander,
principal opositor político de Bolívar en la Nueva Granada),
que luego se establecerían como los partidos conservador y
liberal respectivamente5, fueron extensivas a la recepción de sus
estatuas. Vale decir que la estatua de Simón Bolívar realizada
por Pietro Tenerani en 1846 –una de las primeras esculturas
públicas de América- fue la única estatua en el espacio público
bogotano durante más de veinte años (ver imagen 1). La presentación de la estatua estuvo acompañada de la impresión de un
libro en el que se incluyeron los grabados del monumento,
conformado por la estatua y cuatro bajorrelieves. Uno de estos,
junto con la estatua, fue hecho bajorrelieve de una medalla
conmemorativa. La introducción de este poderoso conjunto
de representaciones en un medio en el que no sólo no había
precedentes de estatuaria pública en bronce, sino que tampoco
460
461
La inescapable celebración del Centenario del nacimiento de
Bolívar en 1883 produjo la creación de un parque dedicado
al prócer, así como la creación de una nueva estatua que se
instalaría en un templete realizado por el arquitecto Pietro
Cantini. En ese mismo año los liberales inauguraron la estatua
de uno de sus más destacados líderes, Tomás Cipriano de
Mosquera (1798-1878)6, mostrando con ello su interés en
poblar el espacio público con eigies que hicieran contrapeso
simbólico a sus opositores políticos representados por Bolívar.
A pesar de la importancia de la estatua de Mosquera, realizada
por Ferdinand von Miller, director de la Real Casa de Fundición
de Munich y de haber sido acompañada por elogiosas reseñas
en la prensa –que fueron reproducidas en el Diario Oicial-7
La imagen de Bolívar en la coniguración de modelos
estéticos en el siglo XIX colombiano
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Imagen 1 - Pietro Tenerani/G. Marcucci (grab.) Simón Bolívar. 1845.
Grabado en cobre. Museo Nacional de Colombia, reg. 1823. / Anónimo.
Imagen 2 - Portada del Papel Periódico Ilustrado, año 1, n. 1, 6 de
Estatua y Plaza de Bolívar. Ca. 1856. Negativo de colodión húmedo
copiado en papel de gelatina. Museo Nacional de Colombia, reg. 2090.3.
agosto de 1881, p. 1. A la izquierda la silueta del “Bolívar de Tenerani” y a
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la derecha el peril de Roulin. Grabado de Antonio Rodríguez.
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La publicación difundió la labor de los estudiantes y los
resultados de los concursos internos. Llama la atención que
el estudio de “plegaduras” que se podría imaginar como un
desnudo con paños, en el grabado se veriica que se trata de un
“tipo campesino” y el estudio de paños obtenido a partir de la
copia de las ondulaciones de su ruana (denominación local de
una manta o poncho), facilitado por una especial iluminación:
la obra no fue reseñada ni reproducida en el Papel Periódico
Ilustrado.
III. El triunfo conservador: Bolívar como modelo estético de la
nación
Lo hasta aquí expuesto de manera sucinta nos muestra que
varios de los impulsores de la institucionalización de la
enseñanza participaron activamente de las confrontaciones
políticas del momento y por ende es preciso vincular sus
acciones en la vida política partidaria con las del desarrollo
artístico. En este sentido consideramos que la intensidad
con que Alberto Urdaneta reprodujo la imagen de Simón
Bolívar en el Papel Periódico Ilustrado conirma su propósito
de construir un ideal estético que coincidiera con el ideario
conservador sintetizado en la imagen idealizada del héroe. Esta
difusión, que como se señaló antes- fue inversamente proporcional a la que tuvieron las estatuas de Santander y Mosquera
que habían renovado los espacios públicos de Bogotá, es una
decisión que atribuimos sin duda a motivos políticos, si bien
de manera reiterada Urdaneta expresaba que su periódico era
“campo neutral”.
Una gran pantalla arroja luz que producen ocho picos de
gas, toda sobre el modelo, y lámparas particulares alumbran
solo el papel. La instalación para los acuarelistas es de 20,
y el mobiliario es completo, como el resto de la clase. Los
modelos de yeso, en número de más de 200, no pueden ser
mejores, y hoy puede asegurarse el porvenir artístico a los
perseverantes en el trabajo, que ojalá lo sean todos, tanto los
alumnos de acuarela, como los 120 que cursan en la clase de
dibujo y pintura al óleo8
Según los documentos textuales e iconográicos podemos
inferir que los 200 yesos referidos eran de sólidos y que los
estudiantes también hacían copia de grabados, fotografías,
cuadros de sus maestros (varios de Urdaneta), además de los
citados estudios del natural.
En la portada del primer número del Papel Periódico Ilustrado
se reprodujeron dos imágenes de Bolívar: el peril que
François-Désiré Roulin (1796-1874) hizo en 1828 y el Bolívar
de Tenerani. Los grabados fueron realizados por Antonio
Rodríguez, un artista sevillano que Urdaneta conoció en
París en donde éste se desempeñaba como ilustrador de Le
Monde Illustré. Fue invitado a Bogotá por Urdaneta y juntos
iniciaron los cursos de dibujo, acuarela y grabado en el Colegio
de San Bartolomé, que luego conformarían las correspondientes secciones de la Escuela. Desde el inicio el propósito
fue combinar la enseñanza con la producción de grabados para
el Papel Periódico Ilustrado, razón por la que su producción
resulta ser un documento imprescindible de la formación que
impartieron en ella.
464
465
En el número dedicado a Bolívar en el Centenario de su
nacimiento Urdaneta publicó un estudio iconográico del héroe
en el que describe y caliica un conjunto de 160 imágenes de
Bolívar que se encontraban en Bogotá, organizadas en cuatro
grupos: 1. “Última isonomía de Bolívar” en donde reunió
los retratos hechos por José María Espinosa y sus copias;2.
Periles, grupo constituido principalmente por el peril que
hizo François-Désiré Roulin y sus derivaciones; 3. el conjunto
de obras hechas por Tenerani y 4. “Fisonomías de la primera
época” en la que incluye a Gil de Castro y Figueroa. En este
estudio el autor dejó claro que su propósito es reunir todos los
retratos del Libertador pero a medida que los va presentando
va diferenciando entre las que tienen a su juicio más valores
históricos que artísticos por ejemplo, la pintura de Espinosa
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estéticos en el siglo XIX colombiano
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partir de la iconografía de Espinosa, pero después de haber sido
transformado en una litografía francesa. En estas elecciones
es evidente la preferencia por tomar como referente modelos
europeos o europeizados (en el caso de Espinosa).
de la que dice que “si bien tiene inconvenientes que afectan la
estética del arte, en cambio tiene cualidades para la historia,
y condiciones artísticas y etnográicas, que difícilmente
pudiéramos hallar en algún otro retrato del Libertador”
(Urdaneta, 1883: 404). Reiriéndose a Figueroa airma que
“su estilo era liso, sin efecto, no copiaba del natural, trabajaba
mucho de memoria y por consiguiente el resultado que producía
era amanerado” acusando entonces a su representación de no
tener ninguna animación y que: “difícilmente se reconocería
en esa cabeza la bellísima que idealizó más tarde Tenerani”
(Urdaneta, 1883: 422).
A pesar del reconocido magisterio de las obras de Tenerani,
Urdaneta resentía el gesto melancólico de la estatua que según
él respondía a que se realizó con base en el peril de Roulin,
quien retrató al héroe en 1828, “en el crepúsculo de su vida”.
Es notable en todo el estudio la atención que Urdaneta da a
la cabeza de cada una de las representaciones, mostrando con
ello su adhesión a la frenología y la isionomía que vinculaban
la forma del cráneo y los rasgos faciales con el carácter y la
personalidad.
Establece así a lo largo de su texto una jerarquización interna
de la retratística de Bolívar en donde aparece en primer lugar
todo el conjunto realizado por Tenerani, la estatua de la plaza,
dos bustos que se encontraban en colecciones privadas y el
mausoleo de Caracas. Urdaneta destaca el busto militar y lo
describe como
[…] Escasos y un tanto recios se presentan los cabellos, que
crespos, blondos y abundantes, encontramos en los retratos
de la primera época. La frente despoblada la acentúan tres
severas arrugas, y el pelo inclinado hacia adelante conserva
su movimiento primitivo. Hay en el sitio de la corona cuatro
pequeños rasgos que indican lo reacio del pelo en la parte
de atrás de la cabeza y que los isiólogos y los moralistas
pudieron traducir por el estado enfermizo de su alma y lo
marchito y fatigado de su cuerpo. La mirada hacia abajo,
forzando el párpado la ceja al arrugar la frente, el labio
inferior ligeramente adelantado sobre el superior; la perfecta
y bien trazada nariz acentuada por un pequeño gesto de mal
humor, la línea que marca la quijada al pie de la oreja, la
cabeza un tanto inclinada sobre el cuerpo, dejan conocer
que el héroe de América del Sur, agobiado por la gloria,
presentía su in prematuro […] (Urdaneta, 1883: 418).
magníico, espléndido, riquísimo por su forma, verdadera
belleza artística, rico en composición, espléndido en
modelado, supremamente delicado hasta el último pormenor,
preciosa joya, que en el más exigente de los museos pudiera
igurar en primera línea, único en su especie y único en
América (Urdaneta, 1883: 418).
Es por ello que declara que desde 1882 ha sido tomado como
modelo para los estudiantes de su clase de dibujo y a partir
del cual seguramente surgió la idea de hacer un concurso
entre los estudiantes para elegir las mejores reproducciones de
los modelos por él indicados. El hecho de haber iniciado la
enseñanza artística sin el recurso fundamental de las copias
en yeso de las obras de la antigüedad y los grabados de las
grandes “obras maestras”, así como la preferencia de Urdaneta
por establecer las representaciones de Bolívar como medida
y modelo de “perfección artística” explican este fenómeno.
Los grabados premiados muestran cuáles eran los modelos: la
estatua de Tenerani, el peril de Roulin, y un tercero realizado a
466
467
Urdaneta copia la estatua de espaldas en su álbum de dibujos9
probablemente evitando la representación del rostro de la
estatua cuyo gesto consideraba debía ser el que Tenerani dio
al busto. Al compararlo encontraba “diferencias capitales en la
forma, como son, la mirada de frente al espectador del busto,
y baja en la estatua; más dulce la expresión en éste que en
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aquélla” (Urdaneta, 1883: 418).
discurso de inauguración de la escuela señaló que además de la
buena voluntad del gobierno y al talento de los discípulos era
necesario “agregar una colección completa de modelos”*, cosa
que nunca logró pues éstas sólo serían adquiridas cuarenta
años después, en 1926. Es así que el “Bolívar de Tenerani”
siguió siendo el punto de referencia artístico más importante
del país, a pesar de nuevos intentos de crear estatuas más
“modernas e imponentes” como la que se proyectó para la
celebración Centenario de la Independencia en 1910, la cual
también fracasó estrepitosamente desde su misma instalación
(Cfr. Vanegas Carrasco, 2012). Con innumerables réplicas
–oiciales y populares- realizadas a lo largo del siglo XX en
todo el país, la estatua se consolidó como modelo estético al
igual que el modelo centralista, hispanista y católico que el
partido conservador estableció con la Constitución de 1886
cuya vigencia se mantuvo hasta 1991.
Es así que, con ayuda de uno de sus alumnos, Francisco
Camacho (activo entre 1878-1891), construyó un modelo
ideal para ser copiado por sus alumnos para lo cual sacaron
una copia en yeso de la cabeza del busto para luego ubicarla
“convenientemente sobre un maniquí para producir una igura
del Libertador de pie, de cuerpo entero […]” (Urdaneta, 1883:
418). La oportunidad de hacer la estatua que consideraba más
ajustada a su ideal se produjo, como dijimos, con el encargo
de la nueva estatua para el templete conmemorativo en donde
modiicaba la mirada y eliminaba la capa, según él, “para no
afectar ni la verdad ni la estética del arte” (Urdaneta, 1883:
412). Sin embargo la obra fue modiicada por los intermediarios por lo cual Urdaneta hizo una detallada y extensa queja
en la que se destaca el semblante triunfante que deseaba para
la estatua:
[..] a la cabeza levantada y arrogante se sustituyó otra
inclinada y relexiva que tiene el sabor de la estatua de
Tenerani; y no se conservó el volumen de la frente, que
determina y acentúa con claridad el medallón de David
D’Angers; en la boca hay un gesto de desagrado, y la línea
recta de la nariz y su volumen, se alteraron […] (Urdaneta,
1884: 388).
No obstante siguieron siendo los bustos y la estatua de Tenerani
los modelos que copiaron no sólo quienes asistían a los cursos
de dibujo y grabado, sino quienes seguían los estudios en
escultura, como fue el caso de Francisco Camacho, quien hizo
una nueva versión del busto en el que mezcló los dos bustos al
sobreponer el manto talar al traje militar, una obra con la que
ganó el primer premio del concurso de escultura que organizó
la gobernación del estado de Cundinamarca con motivo de la
celebración del Centenario del natalicio de Bolívar en 1883.
El titular de la cátedra de escultura Cesare Sighinoli –quien
también copió uno de los bustos de Tenerani-, desde en el
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Imagen 4 - José María Espinosa (dib) / Leveillé (lit). Simón Bolívar. Ca.
1840. Litografía sobre papel. Museo Nacional de Colombia, reg. 1813.
Imagen 3 - José María Espinosa, Simón Bolívar, Ca. 1828, Miniatura
sobre maril. Museo Nacional de Colombia, reg. 568. Foto: ©Museo
Nacional de Colombia/Juan Camilo Segura.
/ Alfredo Greñas. Simón Bolívar. Papel Periódico Ilustrado, año II, nos.
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46- 48, 24 de julio de 1883, p. 400.
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Notas:
1
En este periodo hubo ocho guerras civiles: 1839- 41, 1851, 1854, 1860-62,
1876-77, 1885, 1895, 1899-1902 y desde 1830, se promulgaron seis constituciones: 1832,
1843, 1853, 1858, 1863 y 1886.
2
Creada por ley 98 del 4 de junio de 1873. Fue nombrada en homenaje a
Gregorio Vásquez de Arce y Ceballos, el más destacado pintor neogranadino del siglo
XVII.
3
El poeta Rafael Pombo, uno de los principales impulsores de la creación
y formalización de una Academia de Bellas Artes en Bogotá conoció a Gutiérrez en
Nueva York y le pidió que viajara dada la posibilidad de ser nombrado como director
de la misma. Según lo que dice Gutiérrez en sus memorias, él no habría recibido un
contrato para viajar con antelación (Gutiérrez, 1883: 563)
4
Entre octubre y diciembre de 1884 se deinió la normativa que reintegraba a
la Universidad Nacional las escuelas de Ingeniería, Artes y Oicios y Bellas Artes. De
acuerdo con el reglamento orgánico de la UN, expedido en diciembre de 1884, la nueva
Escuela de Bellas Artes quedó formada por cinco secciones: 1. Arquitectura, 2. Pintura
y dibujo, 3. Escultura y ornamentación, 4. Grabado en madera y 5 Música. (Anales de la
Instrucción Pública en los Estados Unidos de Colombia, Bogotá, no. 46, tomo IX, enero
de 1885, pp. 3-5). Cfr. González Escobar, 2011, p. 541.
5
Después de la declaración deinitiva de la Independencia de la Nueva Granada
en 1819, Bolívar continuó en las campañas de liberación de los territorios del sur y el
vicepresidente, Francisco de Paula Santander, quedó a cargo de la presidencia. Sin
embargo las diferencias entre los dos dirigentes llegaron al punto de que Santander
hizo parte del intento de asesinato de Bolívar en 1828, por lo cual fue enviado al exilio.
Con la muerte de Bolívar en 1830 y la consiguiente separación de la Nueva Granada de
Venezuela y Ecuador, Santander fue nombrado presidente, cargo que ejerció entre 1832
y 1837. Murió en 1840. La muerte de los dos líderes agudizó los múltiples conlictos entre
los partidarios de uno y otro. A partir de dichas diferencias se formaron dos partidos
políticos (liberales y conservadores) que dominaron la escena política colombiana
hasta el siglo XX (González, 2010: 11).
6
Fue presidente de la Nueva Granada en cuatro periodos: 1845-1849, 1861-1863,
1863-1864, 1866-1867.
Imagen 5: Francisco Camacho. Simón Bolívar. 1883. Piedra. Museo
Nacional de Colombia, reg. 1140. Foto: ©Museo Nacional de Colombia /
Samuel Monsalve.
472
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7
“Estatua del Gran General Tomás C. de Mosquera” en Diario Oicial, año XVIII,
La imagen de Bolívar en la coniguración de modelos
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
no. 5495, 8 de octubre de 1882, pp. 11033-34.
Moreno de Ángel, Pilar. Dibujos y caricaturas de Alberto Urdaneta. Bogotá. Ediciones
Sol y Luna. 1976.
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Carolina Vanegas Carrasco. Doctora en Historia con especialización en Historia del Arte (Instituto de Altos Estudios Sociales,
Universidad Nacional de San Martín (IDAES-UNSAM) y
magíster en Historia del Arte Argentino y Latinoamericano,
de la misma casa de estudios. Es co-coordinadora del Grupo
de Estudio sobre Arte Público en Latinoamérica (GEAP-Latinoamérica, Universidad de Buenos Aires). Docente e investigadora del Instituto de Investigaciones sobre el Patrimonio
Cultural (IIPC/TAREA-UNSAM). http://unsam.academia.
edu/CarolinaVanegasCarrasco/Papers
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Chile, Universidad Adolfo Ibáñez de Chile y el Centro de Restauración y Estudios
Artísticos CREA, Chile. Valparaíso-Viña del Mar.
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das “viagens pitorescas” eram comuns na Europa. Na década
de 1780, por exemplo, saiu a conhecida obra, Voyage pittoresque, ou descriptions des royaumes de Naples et de Sicile
(Paris, 1781), do abade de Saint-Non. Em 1799, também em
Paris, foi a vez do álbum Voyage pittoresque de la Syrie, de
Plénicie, de la Palestine et de la Basse Égypte, e em 1802, o
Voyage pittoresque et historique de l’Italie et de la Dalmatie,
ambos de Louis François Cassas. Dedicadas ao espaço
americano, destacam-se as obras consagradas ao México e
ao Brasil, publicadas ao longo da década de 1830. É o caso
do Voyage pittoresque et archéologique dans la partie la plus
intéressante du Mexique (Paris, 1836), do desenhista alemão
Carl Nebel, e de Voyage pittoresque et archéologique dans la
province de Yucatán pendant les années 1834 et 1836 (Paris,
1838), do viajante boêmio Jean-Fréderic Waldeck, e o Voyage
pittoresque dans le Bresil (Paris, 1827/35), do desenhista
bávaro Johann Moritz Rugendas.
Entre os anos de 1834 e 1839, o pintor francês Jean-Baptiste
Debret (1768-1848) publicou em Paris os três volumes de
sua monumental obra, o Voyage pittoresque et historique
au Brésil, ou, em português, o “Viagem pitoresca e histórica
ao Brasil”. De caráter enciclopédico, e com um olhar retrospectivo para a história do país, o Viagem pitoresca de Debret
consistia em um belo livro-álbum in folio dedicado ao Brasil,
com 232 imagens distribuídas em 151 pranchas litográicas, em
que se apresentava um rico painel de motivos luso-brasileiros
em diferentes séries de estampas.
É, pois, dentro dessa tradição literária que Debret situa seu
álbum brasileiro. Construído com base em variadas fontes,
desde consultas a obras de viajantes aos empréstimos de
esboços de seus alunos, a coleta de informações no Museu
Imperial e notas de suas experiências pessoais no Rio de
Janeiro, o processo de composição do Viagem pitoresca seguiu
pautado pela observação de múltiplos canais de conhecimento,
uma prática comum para os exploradores estrangeiros, artistas
e/ou cientistas, que percorreram diversos territórios extraeuropeus. De fato, é inegável a contribuição dos viajantes para a
construção não apenas do álbum do pintor francês, mas para
a formatação de todo um pensamento a respeito do Brasil e
da América na primeira metade do século XIX. E o grande
responsável pela renovação e reorientação nos interesses pelos
assuntos americanos foi o naturalista alemão Alexander von
Humboldt (1769-1859).
Com efeito, ao longo do século XIX o termo “pitoresco” era
uma fórmula de uso corrente nos títulos de álbuns realizados
por artistas e viajantes que percorreram a América e o Oriente.
Enquanto gênero literário, esses trabalhos sustentavam uma
concepção pedagógica, cuja intenção era a de oferecer uma
visão abrangente dos espaços nacionais numa tentativa de
traçar identidades culturais. As imagens – com frequência
gravadas pelo processo da litograia – ocupavam um lugar
destacado nessas obras e seu sucesso provinha, em parte,
por se comunicar com um público maior de leigos, menos
especializado e igualmente curioso e, claro, amante das belas
-artes. Assim, as “viagens pitorescas” encerravam um amplo
conjunto temático, com motivos que iam desde a arquitetura e
arqueologia indígenas, história e mitologia, cenas do cotidiano,
retratos da população, até representações topográicas, de
elementos da natureza e construções da paisagem.
Já ao inal do século XVIII os relatos de viajantes e o modelo
Humboldt, Alexander Von
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Entre os anos de 1799 e 1804, acompanhado do médico e
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
zoólogo francês Aimé Bonpland, Humboldt realizou um longo
périplo pelo continente americano, atravessando as regiões
que hoje formam os países da Venezuela, Colômbia, Equador,
Peru, México, Cuba e Estados Unidos. De volta à Europa,
os dois pesquisadores levaram consigo uma extraordinária
coleção de objetos naturais e apontamentos cientíicos, que
incluíam desde observações da formação geológica dos territórios visitados, medições astronômicas, espécimes da lora e
da fauna, e estudos de história, economia e antropologia das
diversas sociedades – indígenas e mestiças – a que tiveram
contato. A viagem de Humboldt e Bonpland foi um marco de
importância sem igual para o desenvolvimento das ciências
no decorrer do século XIX, com contribuições fundamentais
em diversos ramos do saber, como a botânica, a geograia, a
geologia, a isiologia e a zoologia, entre muitas outras.
sensível” em meio às “zonas tropicais” e à natureza em geral,
o naturalista prussiano moldava o peril de um pesquisador
notadamente romântico, para quem as sensações e memórias
individuais contribuíam com igual valor para o conhecimento
objetivo do mundo.
No continente europeu, entre a França e a Alemanha, Humboldt
dedicou-se à sistematização e publicação dos resultados da
empresa americana.
Já em suas primeiras publicações, nomeadamente Essai sur
la Géographie des plantes (Paris, 1805) e Vue dês Cordillères
et monuments dês peuples indigènes de l’Amérique (Paris,
1810), Humboldt esclarecia a proposta de um reconhecimento
cientíico da natureza que levasse em conta a experiência
subjetiva e o gosto. Pois, para o pesquisador alemão, a pintura
de paisagem era o expediente ideal para a apresentação da
riqueza e variedade do mundo natural. Mas o tratamento
estético das coisas da natureza não era senão a constatação de
um entendimento da realidade mediada por um pensamento
de arte. Segundo Misch, “Parece evidente que Humboldt vê a
paisagem tropical com os olhos de um pintor” (MISCH 2008,
p. 282).
Com uma perspectiva integradora, em que dados individuais
eram analisados enquanto manifestações subjacentes da
unidade orgânica da natureza, ao longo de sua extensa obra
o sábio viajante estabeleceu um modelo de estudo do mundo
natural no qual se combinava a intuição artística com a objetividade racionalista das ciências. E seu projeto cientíico
incluía também um ideal estético. No prefácio da primeira
edição do seu conhecido Ansichten der Natur, “Quadros da
Natureza” (Stuttgart e Tübingen, 1807), Humboldt anunciava
que a orientação de seu trabalho era a de “fornecer uma
visão englobante da natureza, comprovar a existência de um
trabalho conjunto de energias, [e] renovar o prazer que é dado
ao homem sensível no contato direto com as zonas tropicais”
(HUMBOLDT 2007 [1807], p. 21). No parágrafo seguinte,
declarava que “apesar dos erros” em sua obra, esperava poder
“proporcionar ao leitor uma parte do prazer que o espírito
sensível encontra na contemplação direta da natureza” (idem,
ibidem). Ao evocar a experiência subjetiva do “homem
O cientista tinha familiaridade com álbuns de viajantes, em
particular, do tipo das “viagens pitorescas”. Seu auxílio possibilitou a publicação de diversas obras, de artistas e naturalistas,
e, também, a divulgação mais ampla de ideias e representações acerca dos países americanos nos diferentes espaços
do continente europeu. Sabe-se da amizade e da admiração
dedicada ao trabalho de Johann Moritz Rugendas, que o
naturalista conheceu em Paris em 1825 logo após o artista ter
deixado o recente império brasileiro e a expedição cientíica
para a qual fora contratado1. A profunda impressão causada
pelas aquarelas de Rugendas, de vistas e paisagens do Rio de
Janeiro, de Minas Gerais e da Bahia, levou o cientista alemão a
encomendar-lhe de imediato três desenhos para uma re-edição
de sua Géographie des Plantes (DIENER e COSTA 1999, p.
16). Dessa ainidade entre Humboldt e Rugendas resultaria o
belo livro-álbum, Voyage pittoresque dans Le Brésil. Anos mais
tarde, nos primeiros meses de 1835, o cientista fez circular em
Berlim um artigo de divulgação do projeto editorial do viajante
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alemão, Carl Nebel, em que airmava que o seu Voyage pittoresque et archéologique, dedicada às ruínas pré-hispânicas
mexicanas visitadas por Nebel no começo de 1830, assim que
publicada “satisfará todas as expectativas, tanto no arqueológico como no pitoresco” (HUMBOLDT apud DIENER
2006, p. 43). O próprio Humboldt, em seu Vues dês Cordillères,
tinha como proposta inicial a elaboração de um atlas pittoresque composto por imagens que complementasse o diário da
viagem americana (ETTE 2008, p. 304/305; PUIG-SAMPER e
REBOK 2010, p. 23).
ao Brasil a uma “Missão Artística”2. E foi vinculado a esse
projeto de ensino artístico que Debret mencionou novamente
o sábio prussiano, desta vez no terceiro volume do seu álbum.
Na prancha 40, Retratos dos ministros, o artista elaborou um
quadro com o busto de cinco personalidades políticas da corte
luso-brasileira, entre eles, o de Dom Pedro de Menezes, o
marquês de Marialva. No texto que acompanhou a litograia,
Debret descreveu Marialva associando-o a Humboldt e à
intenção de fundação da Academia de Belas-Artes no Brasil.
Ministro plenipotenciário junto à corte de França em Paris,
aí organizou um círculo íntimo de homens extremamente
notáveis pelos seus conhecimentos e cultura. Entre estes
se encontrava o Barão de Humboldt, um dos membros do
Instituto de França que, em 1815, lhe inspiraram o desejo de
fundar no Rio de Janeiro uma academia real de belas-artes
(DEBRET s/d, p. 612/13).
Humboldt, Debret e o Brasil
Ainda que jamais tenha cruzado os limites do país, traços
da “presença-ausente” de Humboldt no ambiente cientíicocultural brasileiro da época são inequívocos (COSTA 1999, p.
32).
Dentro do álbum de Debret, a primeira referência ao
pesquisador alemão está em sua folha de rosto. Na abertura
da obra, o artista francês agradeceu o Institut de France em
uma carta-dedicatória em que advertiu seus leitores que “o
Império do Brasil deve ao Instituto de França sua Academia
de Belas-Artes do Rio de Janeiro”. E lembrou que, “[...] o
Sr. de Marialva, embaixador português em Paris, cujo desejo
de criar, por sua vez, uma Academia Brasileira, nasceu das
persuasivas conversações do Sr. de Humboldt” (DEBRET s/d,
p. 09). Conforme o artista, o marquês de Marialva, ministro de
dom João em serviço na França, inspirado tanto pela academia
de belas-artes francesa como a de Nobles Artes mexicana,
consultou-se com Alexander von Humboldt para a construção
de instituição análoga no Rio de Janeiro. O naturalista, então,
indicou para coordenar o projeto a Joachim Lebreton.
O viagem pitoresca de Debret foi uma das fontes para a famosa
interpretação de Affonso D’Escragnolle Taunay, que em 1911
publicou estudo na Revista do Instituto Histórico e Geográico
Brasileiro, associando a trasladação de artistas franceses
Além de Marialva, outra personagem talvez ainda mais
importante para a empresa francesa, nas palavras de Debret,
foi Antônio de Araújo de Azevedo, o Conde da Barca.
O Sr. Marquês de Marialva, embaixador português na corte
de França, e residindo em Paris, entendeu-se, em 1815, com
o Sr. Conde da Barca, então ministro das Relações Exteriores
do Rio de Janeiro, no sentido de criar uma academia de
belas-artes, no modelo da de França (DEBRET s/d, p. 448).
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De acordo com Debret, o projeto inicial da Academia de Belas
-Artes no Brasil havia partido de Antonio de Araújo de Azevedo,
no Rio de Janeiro, que então se comunicou com Marialva,
em Paris. Homem de grande erudição e uma extraordinária
coleção bibliográica, Da Barca era um político habilidoso,
que exerceu importantes cargos na administração luso-brasileira. De formação e ideal cosmopolita, Azevedo mantinha
uma relação próxima com diversos naturalistas, tanto no Brasil
como na Europa, e gozava de prestígio no meio intelectual
luso-brasileiro. No Viagem pitoresca, Debret apresentou-o
Debret leitor de Humboldt
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como o “Cavaleiro Luís de Araújo”, que era “acima de tudo
amigo das ciências e das artes” (DEBRET s/d, p. 611). No
país americano, entre outras iniciativas suas, foi o responsável
pela instalação do primeiro laboratório de química do país,
abrigado em sua própria residência – que também funcionou
como sede da Impressão Régia – no Rio.
Azevedo, preocupado com um ideal de progresso e o desenvolvimento cientíico brasileiro, e, também, a posição inluente de
Alexander von Humboldt no âmbito intelectual europeu como
homem de ciência consagrado.
Em realidade, e com independência do caráter oicial ou não
do traslado de artistas franceses ao Brasil3, é evidente o papel
seminal de Alexander von Humboldt. Em 12 de junho de 1816,
quando o grupo francês já estava no Brasil, Joaquim Lebreton
elaborou uma carta-projeto destinada à Araújo de Azevedo em
que esclarecia seu plano de fundação da Academia de Belas
-Artes no país, cujo exemplo era a academia mexicana. No
texto, Lebreton usou como epígrafe uma citação de Humboldt,
onde se lia que, “Nenhuma cidade do Novo Continente, sem
excetuar as dos Estados Unidos, oferece estabelecimentos
cientíicos tão grandes, tão sólidos, quanto os da capital do
México” (HUMBOLDT apud LEBRETON 1816, p. 285). À
continuação, Lebreton confessava que “Foi reletindo sobre
este enunciado surpreendente de um viajante célebre [...] que eu
concebi o projeto de conceber para dar as mesmas vantagens ao
Brasil, com despesas ininitamente menores” (idem, ibidem).
Desta perspectiva, pode parecer plausível as indicações de
Debret que atribuíam à Araújo de Azevedo o papel de patrono
e idealizar da “Missão Artística”. Para Debret, Azevedo
constituía exemplo do “verdadeiro amigo do progresso do
Brasil”, que “realizou o projeto de criar uma academia de belas
-artes no Rio de Janeiro, mandando vir, a expensas do governo,
um grupo de artistas franceses” (DEBRET s/d, p. 611). E, de
fato, Azevedo manteve contato com Humboldt.
Existem ao menos duas cartas, publicadas na década de 1960,
que atestam a relação entre o diplomata português e o viajante
alemão. Escrevendo em quatro de agosto de 1813, Azevedo
pedia para que Humboldt intercedesse junto à Corte da Prússia
para que se permitisse o prolongamento da licença do mineralogista alemão Wilhelm Christian Gotthelf von Feldner (17721822), que desde 1803 atuava como diretor nas minas de carvão
em Portugal e em 1810 trasladou-se para o Brasil. Não se sabe
da reposta de Humboldt, já que nessa época o naturalista
residia em Paris, e, provavelmente, deve ter remetido o pedido
ao irmão, Wilhelm, na época ministro da Prússia em serviço na
Áustria (BEAU 1964, p. 95). Anos mais tarde, foi Humboldt
quem escreveu à Azevedo. Em missiva de primeiro de março
de 1816 – portanto, poucos dias antes do desembarque de
Debret no Rio de Janeiro –, o naturalista dirigiu-se ao Conde
da Barca solicitando proteção, em terras luso-brasileiras, para
dois discípulos seus, a saber, o botânico parisiense Auguste
de Saint-Hilaire e o mineralogista alemão pouco conhecido
Saint-Lambert; na correspondência, Humboldt também citou
o botânico Sellow (OBERACKER 1969, p. 85).
O teor de ambas as cartas demonstra o caráter ilustrado de
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Sem dúvida, o alcance universal de sua obra, a enorme
inluência enquanto homem de ciência e a extensa rede de
contatos e relações formada ao redor de sua igura garantiam
à Humboldt uma importância singular, que extrapolava os
limites da pesquisa cientíica. Desta forma, conforme Lilia
Schwarcz, “Talvez o autor mais importante para a ‘colônia
Lebreton’ [...] tenha sido não um francês, e sim o viajante
alemão Alexander von Humboldt” (SCHWARCZ 2008, p.
51). De fato, em Essai politique sur Le royaume de la nouvelle
Espagne (Paris, 1811), Humboldt havia descrito os benefícios
da Academia de los Nobles Artes – fundada no México em
1783 –, para a instrução da sociedade mexicana. Os escritos de
Humboldt eram uma importante referência para os assuntos
americanistas e documento de consulta indispensável para
muitos viajantes estrangeiros no interior ou de partida para a
América. Desta forma, supõe-se, junto com Lilia Schwarcz, que
Debret leitor de Humboldt
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
a “obra de Humboldt [...] inlamou ainda mais a imaginação
de nossos artistas”, já que era lida e “apreciada por muitos
daqueles que se dirigiam ao Brasil” à época (idem, p. 52).
mática neste sentido, isto é, no aproveitamento civilizado dos
artigos da lora e da fauna, é a prancha 19 do segundo volume,
Regresso de negros caçadores/Negros de um naturalista
(DEBRET s/d, p. 213). Aqui Debret aproximou-se do tema
de viajantes ao registrar não o guia de viagem – associado ao
indígena transculturado –, mas um ator social pouco abordado:
o homem escravizado que busca e recolhe, dentro das matas, o
objeto de investigação do naturalista em seu gabinete.
Debret, naturalista
As duas últimas referências à Humboldt dentro do Viagem
pitoresca de Debret correspondem mais propriamente ao
abrangente espectro dos estudos americanistas, campo em que
o naturalista representava a máxima autoridade.
Ao comentar as qualidades do cultivo da bananeira no Brasil,
e as “riquezas vegetais do Maranhão e do Pará”, Debret
argumentou que o “Sr. de Humboldt veriicou que uma jeira
[sic] de bananeira produz vinte vezes mais substância alimentar
do que o mesmo espaço semeado com cereais” (DEBRET
s/d, p. 340). Em sua obra, Debret fez frequentes incursões no
âmbito da história natural, com observações pontuais acerca
dos benefícios do cultivo agrícola e o uso diversiicado dos
abundantes produtos naturais brasileiros. Para o artista, com
exceção de poucas paisagens e alguns estudos botânicos, a
natureza tinha um caráter funcional: seja para o comércio, seja
para o uso medicinal (VANGELISTA 2008, p. 196/97). É o
que vemos, por exemplo, na prancha 24 do terceiro volume,
Frutas do Brasil, em que airmou: “A medicina brasileira, tão
rica em inúmeros especíicos indígenas extraídos do suco de
suas plantas, da casca e da resina de suas árvores, não negligencia tampouco o emprego de muitas espécies de frutas de
substâncias terapêuticas”. Frutas que eram, conforme Debret,
“quase todas aproveitadas pela ciência” (DEBRET s/d, p. 557).
Na prancha 17, Vendedores de Palmito, Debret descreveu a
extração, o manejo e o consumo da planta extraída de determinadas espécies de palmeiras (idem, p. 206). No primeiro
volume, Debret incluiu pranchas cujos títulos, Vegetais
empregados como cordas, Plantas alimentícias e Diferentes
vegetais utilizados nos colares, nas tatuagens e na alimentação
(DEBRET s/d, p. 112 e 101/03), demonstram a perspectiva
utilitária com que o pintor concebia a natureza do país. Emble-
Já na estampa, Inscrições do Rochedo dos Arvoredos, imagem
embutida na prancha 33, no terceiro volume, Vista do Castelo
Imperial de Santa Cruz, o artista assinalou a existência de
símbolos gráicos nas paredes de um grande penedo, “situado
a pequena distância da entrada da baía de Santa Catarina”
(idem, p. 592). Nesses desenhos rupestres, que alegou serem
pré-colombianos, o pintor identiicou aspectos de uma escrita
de origem oriental, similar as inscrições encontradas por
Humboldt na América espanhola.
O Rochedo dos Arvoredos comporta, segundo a tradição,
uma inscrição em caracteres fenícios e muito semelhante
a outras colhidas na América por Humboldt; apresentada
como as outras aos sábios orientalistas, foi considerada
um vestígio de uma língua morta, hoje indecifrável, consequência inevitável da confusão de línguas produzida pela
invasão dos povos na América (DEBRET s/d, p. 592).
Ao incorporar motivos arqueológicos em sua obra, Debret
alinhava-se à voga cientíica do período ao mesmo tempo em que
fornecia possibilidades de interpretação do passado brasileiro
numa perspectiva que se identiicava com o pensamento orientalista.
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Com efeito, à época de Debret e Humboldt as hipóteses que
sugeriam a ascendência oriental dos povos do continente
americano eram correntes. De acordo com Caroline Depetris,
desde ao menos o século XVII já havia teorias que vinculavam
os habitantes dos dois hemisférios em uma ancestralidade
Debret leitor de Humboldt
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
comum (DEPETRIS 2010, p. 12 e 14). Na década de 1780,
as descrições de viagem do Conde de Volney, as observações
lingüísticas de Claude-Étienne Savary – que em 1783 traduziu
o Corão ao francês –, bem como a análise dos idiomas indo-europeus feita, entre outros, pelo francês Abraham AntequilDuperron (1731-1805) e o inglês William Jones (1746-1794),
contribuíram para o desenvolvimento e maior difusão de representações sobre o Oriente. Também os resultados da expedição
militar de Napoleão ao Egito, entre 1798 e 1801, com destaque
para a monumental publicação, Description de l’Egypte (Paris,
1809/29), auxiliaram para a formatação da tradição do orientalismo, que tornou os assuntos do Leste ainda mais populares
no Ocidente.
Humboldt havia feito observações acerca dos diferentes
idiomas das sociedades indígenas a que teve contato, o que lhe
permitiu, mais tarde, elaborar uma espécie de teoria lingüística
dentro de sua narrativa de viagem. Em Vue dês Cordillères, o
viajante alemão analisou o vocabulário indígena aproximando-o
da estrutura gramatical do sânscrito, do persa, do grego e do
alemão. E, ainda, relacionou as inscrições pré-colombianas
com uma escrita “hieroglíica” (HUMBOLDT 1816 [1810], p.
175).
Para Humboldt, as similaridades encontradas nos monumentos
arquitetônicos, nas instituições políticas, e até nas cosmogonias, atestavam o vínculo do homem americano à uma
antiguidade de origem oriental-asiática (idem, ibidem). Para o
sábio alemão, era “impossível não icar impressionado com a
analogia existente entre as memórias antigas dos povos da Ásia
e os do novo continente” (HUMBOLDT 1816 [1810], p. 384). E
lembrou a existência de “tantos relatórios anunciando antigas
comunicações entre o Leste Asiático e o Novo Mudo” (idem,
p. 276). Em seu Ansichten der Natur4, Humboldt considerava
“[...] a existência de antigas conexões entre os habitantes da
América ocidental e da Ásia oriental como mais que provável,
mas por quais rotas, ou com quais nações asiáticas as comunicações aconteceram, não se pode determinar atualmente”
(HUMBOLDT 1849 [1807], p. 176)5. Com efeito, como
ressaltou Oliver Lubrich, o Oriente Antigo – em particular o
Egito – marcou o pensamento de Humboldt, em certa medida
modelando sua percepção da América ao longo de sua famosa
viagem (LUBRICH 2002, p. 6 e 9).
E os trabalhos de Humboldt eram uma das principais
referências para a interpretação que aproximava a América das
sociedades antigas, seja como ideologia e/ou como expediente
retórico (LUBRICH, 2002), e orientou parcela dos viajantes
que percorreram o interior americano no decurso do século
XIX. Uma das obras que – na esteira de Humboldt – vinculava
as sociedades ameríndias com os povos do Antigo Oriente foi
o Voyage pittoresque et archéologique dans la province de
Yucatán pendant les années 1834 et 1836 (Paris, 1838), de JeanFréderic Waldeck. Entre 1832 e 1836, Waldeck dedicou-se à
investigação dos monumentos arqueológicos encontrados no
México com o intuito de conirmar as hipóteses da ascendência
asiática dos povos americanos. Seus estudos deram origem à
numerosos diários de campo e ao seu Voyage pittoresque et
archéologique (DEPETRIS 2010, p. 10).
Na citação de Debret, a evocação à Humboldt ica mais evidente
pelo trecho em que o artista ressaltou a “confusão de línguas
produzida pela invasão dos povos na América” (DEBRET s/d,
p. 592). É, pois, também por meio do paradigma lingüístico
que Humboldt – cujo irmão, Wilhelm, foi um notável lingüista,
ainda mais conhecido na Alemanha da época que o próprio
Alexander – assinalou a iliação das sociedades ameríndias
com os povos do Oriente Antigo. Em sua expedição americana,
No Brasil de Debret, as associações com o Oriente e o mundo
Antigo aparecem já na introdução ao primeiro volume. Nesta
parte do Viagem pitoresca, Debret descreveu as características
das sociedades indígenas brasileiras (i.e., americanas) estabelecendo comparações e paralelos culturais com os povos gregos
e egípcios. Segundo o artista,
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cada espécie, desde a costa até os picos da serra dos Órgãos,
o texto de Descourtilz apresentava um painel sistemático
da localização da vegetação, articulando sua distribuição
geográica com os efeitos do clima, em uma síntese física na
qual se identiicava as regiões apropriadas para o desenvolvimento de certas espécies da lora tropical. Esse modo de
apreensão do mundo natural tinha como antecedente e marco
intelectual os “quadros da natureza” de Humboldt, em seu
Ansichten der Natur (COSTA 2015, p. 166).
Enquanto os egípcios e os gregos buscavam [...] a púrpura
de Tiro para ostentar o luxo da riqueza ou da aristocracia,
na América, na mesma época sem dúvida, o índio selvagem,
naturalmente sensível ao brilho imponente da cor vermelha
da arara, escolhia essa plumagem para sinal distintivo de
seus chefes (DEBRET, s/d, p. 16-17).
Neste trecho, Debret situou temporalmente o índio americano
no mesmo nível dos povos antigos da Grécia e do Egito. Na
prancha 04, Múmia de um chefe coroado, no primeiro volume
do álbum, o artista francês ilustrou inclusive uma “múmia”
indígena, segundo o autor, da sociedade dos Bororo Coroado
(DEBRET s/d, p. 36/37).
Conclusões
Alexander von Humboldt representava um paradigma cientíico,
vale dizer, um tipo de discurso de saber acerca do mundo
natural, cujo modelo Debret quis seguir em determinados
momento de sua obra. Neste caso, a referência à Humboldt
no Viagem Pitoresca aproxima-se daquilo que Michel Foucault
chamou, em conferência de 1969, de “função-autor”. Para
Foucault, a “função-autor” consistia na identidade que o
conjunto de uma obra conferia ao seu autor (FOUCAULT 2006
[1969], p. 274). Deste modo, pode-se sugerir que em seu álbum
Debret referia-se não à pessoa de Humboldt e, sim, à igura do
autor consagrado, um sujeito ictício construído a partir de seu
volumoso trabalho naturalista. Pois, segundo a deinição de
Foucault, a obra também produz seu autor, atribui uma identiicação, mais ou menos homogênea, de unidade e coerência.
Cria, assim, uma representação de autoria (FOUCAULT 2006
[1969], p. 280; CHARTIER 2012, p. 39 e 64).
Em muitas de suas imagens o artista empregou o modelo
neoclássico, cânone artístico pelo qual havia sido formado
por Jacques-Louis David em uma tumultuada Paris pré-revolucionária (COSTA 2013, p. 41). No entanto, as constantes
referências no interior do álbum demonstram que Debret estava
atento às teorias cientíicas da época e que tinha familiaridade
com a literatura de viagem, particularmente aquela dedicada
à América (COSTA 2015, p. 63). De modo que a presença de
Humboldt no Viagem pitoresca de Debret constata-se também
através de outros indícios.
Para a historiadora italiana Chiara Vangelista, a elaboração
da prancha 21, O Judas do Sábado de Aleluia, inserta no
terceiro volume do álbum (DEBRET s/d, p. 548), foi orientada
pelos textos de Humboldt em Voyage aux Regions Equinoxiales du Nouveau Continent, publicada em Paris em 1816
(VANGELISTA 2008, p. 180). Contudo, é nos quadros da
paisagem do Brasil que ica evidente o esforço de iliação
de Debret ao arquétipo conceitual apregoado pelo cientista
alemão. No primeiro volume do Viagem pitoresca, o pintor
francês incluiu dois cadernos anexos, de estudos botânicos e da
paisagem (DEBRET s/d, p. 105), com uma carta assinada pelo
ornitólogo francês Jean-Theodore Descourtilz (1796-1855).
Com o título de Golpe de vista sobre os lugares de adoção de
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491
Logo, as citações à Humboldt – e de outros naturalistas6 –
dentro do Viagem pitoresca de Debret não eram meros esforços
de reprodução de suas observações e/ou notas cientíicas.
A intenção do pintor francês não era senão a de formular
contextos teóricos que o próprio viajante alemão havia tornado
possível em sua incessante atividade naturalista. E a evocação
ao seu nome – isto é, à igura do autor – serviria para garantir
certa credibilidade ao álbum enquanto discurso de saber sobre
o mundo natural brasileiro.
Debret leitor de Humboldt
/ Thiago Costa
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Notas:
Não existem notícias de que Humboldt e Debret tenham se
conhecido pessoalmente. Desde o retorno de Humboldt à
Europa, em 1804, e a partida de Debret ao Brasil, em 1816,
ambos viveram em Paris, e podem ter freqüentado ambientes
comuns, como as reuniões no Institut de France e os Salões
de Arte napoleônicos. Também não há referências de que o
viajante alemão tenha tido acesso ao Viagem pitoresca de
Debret, publicada quando o cientista já estava em Berlim.
O que se pode airmar é que Debret, este sim, foi leitor de
Humboldt.
1
Para o conjunto da obra brasileira de Rugendas, ver: DIENER, Pablo e COSTA,
Maria de Fátima. Rugendas e o Brasil. São Paulo: Editora Capivara, 2012.
2
O texto teve algumas reedições ao longo do século XX, mas a primeira versão
foi o artigo de 1912, em: TAUNAY, Affonso D’Escragnolle. “A Missão Artística de 1816”.
Revista do Instituto Histórico e Geográico Brasileiro. Rio de Janeiro, 1912. E, em formato
de livro, em: TAUNAY, Affonso D’Escragnolle. A Missão Artística de 1816. Rio de Janeiro:
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1957.
3
Para o assunto existe uma boa bibliograia. Destaco, entre outros, o importante
artigo de DIAS, Elaine. “Correspondência entre Joachim Le Breton e a corte portuguesa
na Europa. O nascimento da Missão Artística de 1816”. Anais do Museu Paulista: História
e Cultura Material. São Paulo, v. 14, n. 2, jul.-dez. 2006; pp. 301-313.
4
Consultamos a edição em inglês, Aspects of nature, de 1849.
5
Tradução livre do autor, a partir da edição em inglês (Londres, 1849).
6
Para a relação de Debret com viajantes e naturalistas no Brasil à época, ver:
COSTA, Thiago. “Debret, viajante”. Revista Documento/Monumento. Cuiabá, vol. 14, nº 1;
pp. 30- 46.
492
493
Thiago Costa é mestre em história pela UFMT. Docente do
IFMT, campus Fronteira Oeste/Pontes e Lacerda, atua nas
áreas de história da arte e história das ciências. É pesquisador
do grupo “História, Arte, Ciência e Poder – HISARCIPO”
(UFMT/CNPq), e autor da obra, “O Brasil pitoresco de
Jean-Baptiste Debret ou Debret, artista-viajante” (Rio de
Janeiro, 2015).
Debret leitor de Humboldt
/ Thiago Costa
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Referências Bibliográicas:
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climates with scientiic elucidations. LONGMAN, BROWN, GREEN, AND
LONGMANS: Londres, 1849.
ANDRA, Helmut. “Alexander von Humboldt e suas relações com o Brasil”.
HUMBOLDT – Revista para o mundo luso-brasileiro. Ano 04, número 10, 1964; pp.
68-74.
HUMBOLDT. Alexander von. Vue dês Cordillères et monuments dês peuples
indigènes de l’Amérique. L. Bourgeois-Maze: Paris, 1816.
BEAU, Albin Eduard. Estudos Vol. II. Coimbra: UC Biblioteca Geral, 1964.
LEBRETON, Joachim. “Carta ao Conde da Barca, datada de 12/06/1816”. In:
BARATA, Mário. Manuscrito inédito de Lebreton sobre o estabelecimento de dupla
escola de artes no Rio de Janeiro em 1816. Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, n. 14,
1959; pp. 283-307.
COSTA, Maria de Fátima. “Humboldt y Brasil”. In: Amerística: La ciencia del
Nuevo Mundo. Ano 2, número 3. Segundo semestre de 1999; pp. 31-40.
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vol 4, nº 1, 2013; pp. 37-50.
LUBRICH, Oliver. “‘Egipcios por doquier’. Alejandro de Humboldt y su visión
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III, nº 5, 2002; pp. 03-28.
COSTA, Thiago. O Brasil pitoresco de Jean-Baptiste Debret ou Debret, artistaviajante. Rio de Janeiro: Luminária Acadêmica, 2015.
LUBRICH, Oliver. “‘Como Antigas Estátuas de Bronze’. Sobre a dissolução do
Classicismo no relato de Viagem pela América de Alexander Von Humboldt”.
Tradução Magali dos Santos Moura. Revista Floema. Ano VI, número 6, jan-jun
2010; pp. 73-92.
CHARTIER, Roger. “História intelectual do autor e da autoria”. Em: FALHABER,
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A formação
dos artistas
mexicanos e
brasileiros,
entre 1890 e 1920, na
ENBA/ México e na
ENBA/Brasil
através da produção
de desenhos
(“academias”)
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Taís Gonçalves Avancini
A formação dos artistas mexicanos e brasileiros, entre 1890 e 1920, na ENBA/ México
e na ENBA/Brasil através da produção de desenhos (“academias”)
/ Taís Gonçalves Avancini
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
por momentos de grandes mudanças sociais e econômicas, e
pela modernização das grandes cidades. O Rio de Janeiro e a
Cidade do México sofrem signiicativas mudanças urbanísticas
e passam a ser durante as seguintes décadas os cenários onde
se desenvolvera novos modos de vida nos grandes centros
urbanos.
A ENBA Brasil sofre uma reforma curricular em 1890 e a ENBA
México passa por duas reformas em 1897 e em 1903. As duas
instituições começam um caminho de ressigniicação do papel
do ensino acadêmico, que pode ser veriicável na produção dos
desenhos dos alunos. E isso se relete diretamente na produção
dos desenhos dos alunos O período estudado, sem dúvida,
apresenta um contexto de modernização e de renovação
artística quanto aos temas e de experimentações em relação às
formas.
O presente texto pretende apresentar pesquisa de doutorado e
as primeiras proposições sobre o objeto analisado. A pesquisa
tem o intuito de analisar os desenhos de alunos da Escola
Nacional de Belas Artes do México e da Escola Nacional de
Belas Artes do Brasil durante o período de 1890 a 1920.
A pesquisa se realiza no arquivo do Museu Dom João VI e no
arquivo da antiga Academia San Carlos. Foram fotografadas
por volta de 50 obras de cada arquivo. As mesmas foram
pesquisadas e organizadas por grupos temáticos, Nu masculino,
Jovens e Anciões, Nu feminino e Cópia de Esculturas.
Ressaltamos, entretanto, que para este texto analisaremos um
pequeno grupo de obras.
Para esta análise é preciso levar em conta que ambas as escolas
têm como modelo as academias europeias, a mexicana através
da academia espanhola e logo pela francesa e italiana, e a
brasileira pelas duas últimas.
Neste sentido, trabalharemos com a ideia de uma dinâmica de
persistências e desvios. Por persistências se entende o conjunto
de soluções formais e temáticas que tomem como base repertórios anteriores, aqui me reiro à tradição clássica. Do mesmo
modo que por desvios se compreendem as tentativas de
mudanças das soluções formais e temáticas em relação a estes
repertórios.
Para começar a analisar os desenhos deve-se considerar o
papel central do desenho no ensino acadêmico. Ao longo da
História da Arte o desenho sempre teve vital importância na
prática artística. Entretanto foi no Renascimento que encontramos abordagens sobre o desenho que impactaram o ensino
e a prática artística. O desenho, afora de ser o meio pelo qual
o artista estabelece os modelos de beleza, também adquire
caráter de atividade intelectual á medida em que o artista
deve planiicar, projetar seu conjunto compositivo através
do desenho. As obras que analisaremos estão relacionadas à
centralidade do desenho no ensino artístico, porém propondo
novos direcionamentos as práticas e experiências artísticas.
Para entendermos as obras estudadas mencionaremos sobre
o contexto histórico do período. O Brasil e o México passam
A análise pretende veriicar as persistências e os desvios
temático-formais em cada um dos grupos propostos. E tentar
responder a seguinte questão: A produção de desenhos de
ambas as academias pode apresentar aproximações quanto
à dinâmica de persistência e desvios partindo da ideia de
modelos acadêmicos comuns?
Analisaremos três grupos temáticos dos quatro a serem
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A formação dos artistas mexicanos e brasileiros, entre 1890 e 1920, na ENBA/ México
e na ENBA/Brasil através da produção de desenhos (“academias”)
/ Taís Gonçalves Avancini
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Figura 2 - Nu masculino de pé (academia). Data: 1894. Técnica/
Material: Crayon/papel. Dimensões: 61,5 x 47,2 cm. Autor: FREDERICO,
Figura 1 - Hombre Jóven sentado. Data: 1892. Autor: Anônimo.
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Rafael (1865-1934).
A formação dos artistas mexicanos e brasileiros, entre 1890 e 1920, na ENBA/ México
e na ENBA/Brasil através da produção de desenhos (“academias”)
/ Taís Gonçalves Avancini
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temático-formais muito signiicativas para o período. Uma
mulher semi-vestida, encostada na parede que olha para baixo,
sugerindo uma timidez. O contorno e o modelado são suaves
e ligeiros. As sombras do corpo na parede são linhas rápidas e
concisas.
estudados, nu de jovens, nu feminino e cópia de esculturas.
Devemos destacar que nossa análise está baseada em estudos
de Fausto Ramirez (2008) e Arthur Valle (2007). Valle propõe
que questões formais do contorno, do modelado e das formais
concisas adquirem problemáticas muito relevantes para se
entender as obras dos alunos neste período.
Estas soluções formais de linhas mais suaves, concisas e ligeiras
aportam para uma visão destas Vênus mundana, mulher do
cotidiano. Seu ar nos demonstra um sentimento particular,
uma solidão, tema também recorrente no entre séculos.
Primeiramente podemos observar dois nus masculinos de
jovens onde abordar-se a questão do novo, da novidade, do
novo versus o antigo. Assim como trabalhar com uma análise
das persistências ou dos desvios das questões apolíneas. No
caso do nu de 1892, um jovem sentado de lado parece segurar
um caderno de desenhos, observamos o uso de uma linha
suave e rápida, um desenho-esboço que nos dá uma sensação
de uma imagem espectral. As sombras são mínimas usadas na
parte das costas, cabelos e dobras do corpo. As linhas suaves
e a rapidez da feitura do desenho nos dão a sensação de uma
materialidade líquida. Destaca-se um desenho de formas
concisas, caracterizando um possível desvio em relação aos
modelos de desenho do corpo humano advindos da tradição
clássica.
Garduño escolheu trabalhar com uma Vênus mundana, marginalizada da sociedade, presente nas ruas das cidades. O ar do
rosto é de introspecção, tristeza, solidão e descaso talvez. Os
marginalizados, indígenas, prostitutas, anciões e crianças sem
teto são temas de atenção destes artistas.
Nas soluções formais vemos um sombreado que vai do cabelo
por toda as costas, a iluminação é dada pela parte direita da
composição. Por estar em posição lateral, quase não se vê seus
seios e suas partes íntimas dando uma conotação de pureza,
relacionada talvez a idealização da raça indígena.
No nu de Rafael Frederico de 1894 observa-se um jovem em
pé, em posição frontal, com o rosto inclinado e expressando-se
com sua mão direita. O desenho do corpo é muito bem detalho
em músculos e ossos. O rosto se vê escurecido em relação às
demais partes do corpo. Podemos observar, como uma possível
tentativa de desvio, a questão do jogo luz e sombra. Em especial
chama-se a atenção para este sombreado que é trabalhado ao
fundo da igura, se observa esta solução em diferentes obras de
ambos os países.
Nosso último grupo de obras são as cópias de escultura. Primeiramente a Venus de Medicis de Manuel Iturbide, de 1908. A
composição está organizada sobre um fundo preto e o corpo
em branco mesclado com um forte sombreado que confunde
corpo e espaço pictórico.
Esta cópia de escultura serve como experimentação do aluno
no jogo de tensões entre contorno e modelado. No trabalho
de análise dos desenhos produzidos na Academia San Carlos,
Fausto Ramírez argumenta que: “Sin duda, los dibujos más
innovadores e impactantes son aquellos en donde la igura queda
en blanco, contrastante sobre un fondo oscuro (RAMIREZ,
2008, p.247). O tratamento formal cumpre uma dupla função,
como experimento formal do contorno e do modelado e como
desmistiicação da Vênus na medida em que o tema se converte
Para as obras de Nu feminino podemos abordar sobre a
perspectiva da dualidade Vênus celestial versus Vênus
mundana, ou seja, destacar a persistência do tratamento do nu
feminino, pelo viés celestial e os desvios pelo viés mundano.
Nesta obra de Rafael Frederico podemos observar soluções
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e na ENBA/Brasil através da produção de desenhos (“academias”)
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Figura 3 - Nu feminino (academia) Data: 1893 Técnica/Material: Carvão/
papel Dimensões: 61,0 x 47,0 cm. Autor: FREDERICO, Rafael (1865-1934).
Figura 4 - Mujer sentada Data: sem data Tecnica/ material: Carvão
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sobre papel. Dimensões: 39.4 x 31 cm. Autor: Alberto Garduño.
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em uma abordagem formal e não em uma representação da
Vênus e seus ideais de beleza, assim demonstrando um desvio
temático e formal.
Nossa última obra é o Lançador de discos de Augusto Bracet.
Apresenta aspectos muito interessantes, sobre um fundo
escurecido, quase todo preto a cópia desta escultura sobressai
aos nossos olhos, por sua verossimilhança, dando a sensação
de que é uma fotograia. O desenho anatômico da igura é
feito com precisão de detalhes e respeitando a harmonia e o
equilíbrio da composição. Persistências e desvios caminham
juntos numa coexistência orgânica e própria da arte do período.
Para concluir cito Francisco Gomez (GOMEZ, 2005, P.80)
que comenta que estas dualidades, como a de persistências e
desvios eram um
enfrentamiento dialéctico no siempre se producía en
idénticas condiciones, ni concluía con similares resultados.
Porque si en ocasiones la dualidad tesis-antítesis quedaba
irresuelta, en otras se producía una síntesis más o menos
equilibrada, demostrando que su oposición era menos
marcada que lo que aparentaba.
A partir da problematização destas persistências e desvios
temático-formais nos grupos de ambos os países poderemos
determinar uma possível aproximação entre estas dinâmicas
mesmo que os processos e resultados obtidos tenham suas
particularidades.
Figura 5 - Vênus de Médici. Data: 1908, Técnica/Material: Carvão sobre
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papel. Dimensões: 55.5 x 36 cm. Autor: Manuel Iturbide.
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e na ENBA/Brasil através da produção de desenhos (“academias”)
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Figura 6 - Lançador de disco (cópia de escultura) Data: 1904 Técnica/
Material: Carvão/papel Dimensões: 63,1 x 48,0 cm Autor: BRACET,
Augusto (1881-1960).
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Taís Gonçalves Avancini é Doutoranda em História da
arte (desde 2015) pela Universidad Nacional Autónoma de
México (UNAM). Mestre em Artes Visuais do Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da
UFRJ (2011). Possui graduação em História pela Faculdade
de Filosoia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (2006). Tem experiência na
área de História da Arte, atuando principalmente em história
da arte de ins do século XIX e início do século XX do Brasil
e do México.
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Referências Bibliográicas:
GÓMEZ, Francisco Garcia. 2005. El Nacimento de la modernidad: conceptos de
arte del siglo XIX. Málaga: Universidad de Málaga.
RAMÍREZ, Fausto. 2008. Modernización y Modernismo en el arte mexicano.
,México D.F.: UNAM, IIE.
VALLE, Arthur. 2007. Desenhar uma academia: modernismo e autonomia formal
nos bastidores da escola nacional de belas artes durante a 1a república. In Anais do
III Encontro de Historia da Arte do IFCH / UNICAMP. Campinas.
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A tradução ilustrada
da arte em revista:
dentro e fora dos
modelos de atuação
da Academia
Imperial das Belas
Artes e da
Revista Illustrada
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Rogéria de Ipanema
A tradução ilustrada da arte em revista: dentro e fora dos modelos de atuação da
Academia Imperial das Belas Artes e da Revista Illustrada
/ Rogéria de Ipanema
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
recorridos pelos historiadores para se penetrar na visualidade
mais cotidianamente produzida no último segmento do regime
monárquico. Na verdade, não se pode perder o enquadramento
que se trata de uma visualidade construída por imagens daquela
história presente, a qual o projeto político do artista atravessou
todos os lápis litográicos em que a Revista Illustrada deiniu a
sua visão de realidade.
Se os assuntos do estado e a vida pública brasileira estavam em
revista na imprensa, estavam nas páginas da Revista Illustrada,
assim como se a arte e a Academia estavam em revista, eram
revistas pela Revista Illustrada. Abundante em imagens e farta
em numeração, a folha teve o traço exclusivo de Agostini desde
a primeira página, de 1º de janeiro de 1876 até outubro de 1888.
A Revista completaria 22 anos de periodicidade ininterrupta
até 1898.1 É o artista, que no tabloide hebdomadário de oito
páginas,2 saído aos sábados,3 analisava os contextos cotidianos
e extraordinários da vida da corte. Muito do que movia o campo
das artes visuais no Império protagonizado pela Academia
era noticiado em Revista. As duas instituições eram vizinhas
na Freguesia do Santíssimo Sacramento, cada qual com a sua
força e ação, cada qual em seu tempo e a seu tom: uma, na
Travessa das Belas Artes e a outra na Rua Gonçalves Dias, 66.4
Introdução
Em continuidade à problematização das relações externas
que envolviam a Academia, desejamos ampliar, neste especial
200 anos de aniversário, a pesquisa recortada na historicidade
da crítica jornalística, pela tradução da imprensa política,
satírica e ilustrada oitocentista. Nas décadas de 1870 e 1880,
a imprensa compreendeu, para além da informação, a tinta
litero-imagética artística instituída dentro e fora das ações
oiciais do Estado, como evidentemente àquelas constituídas
na representação maior da arte e seu ensino, as belas artes da
Academia. Mas, mais que isto, dentre estas duas dimensões
de diferentes formas de organização e sistema (Academia e
imprensa; oicial e independente), respondendo cada qual aos
seus objetivos - as práticas de dentro pelas representações de
fora, quer as práticas de fora pelas representações de dentro
-, abriam-se espaços de discussão de arte na corte do Rio de
Janeiro. Ver e ler a Revista Illustrada para a pesquisa da arte
no e do Segundo Reinado constitui uma fonte densa na escrita
de uma história contributiva para a compreensão e construção
dos modelos instituídos, dentro do grande universo da arte da
imagem impressa no Brasil dos Oitocentos.
A propósito dos 200: dois temas
Revista Illustrada e a Academia Imperial das Belas Artes
Problematizada pela imprensa de Angelo Agostini, a Academia
Imperial das Belas Artes, entre personagens – diretores,
discípulos e lentes -–, e entre – artes, artistas e exposições -,
tematizou as imagens e leituras de um dos periódicos mais
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Da relação contemporânea de convívio entre a Revista
Illustrada e a Academia Imperial das Belas Artes, trazemos
à discussão dois temas presentes na Escola hoje. Um relativo
ao seu espaço arquitetônico e geográico, destituída que foi a
instituição da sua segunda ediicação própria. E o outro tema
é relativo ao permanente debate do ensino de artes na constituição e formação do artista, do professor e do pesquisador,
quanto as atualizações estritas às políticas públicas gerais da
Educação e da Universidade. Isto atinge e abrange o ensino
universitário de artes e a Escola de Belas Artes, esta que foi
integralizada em 1937 ao corpus da então Universidade do
Brasil, hoje a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Portanto,
A tradução ilustrada da arte em revista: dentro e fora dos modelos de atuação da
Academia Imperial das Belas Artes e da Revista Illustrada
/ Rogéria de Ipanema
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
é na dimensão destes dois temas que nos incorporamos às
discussões de modelos do VII Seminário do Museu D. João
VI.
trução da referida parede dos fundos, em uma extensão
de mais de cinquenta metros, por não ter ela a espessura
indicada na antiga planta de Grandjean de Montigny, que
presidira a sua ediicação e pela qual se guiara a seção de
arquitetura no seu orçamento: esta parede, contra o que
estava indicado naquela planta, achou-se com menos de
cerca de 33 centímetros em sua espessura, e por isso, e
pela má qualidade da argamassa com que fora feita (como
se veriicou na demolição), não podia suportar a carga das
galerias laterais a construir. (Relatório do Ministério do
Império, anexo,1883).
Primeiramente, queremos o nosso prédio!
Depois, a Escola de Belas Artes em uma história de construção,
inauguração, ampliação, reinauguração, demolição, realocação...
(histórias de ontem e de hoje)
A igura 1 é uma pequena imagem, mas que bem expressa o
partido que a Revista, em sua igura-símbolo – o seu repórter
-, assumiu em relação à Academia, o ensino acadêmico e a
política do Estado para a instituição. Mesmo a imagem tendo
sido criada a partir de um contexto especíico, que dimensionaremos adiante, dela partimos para pensar como se deu este
convívio. Vemos a captura do olhar recuado do menino da
Revista, de braços cruzados, curvando-se para trás, equilibrado
e altivo, a medir de cima a baixo a estatura do prédio e/ou o
próprio estatuto da instituição? Uma cena que transparece o
Palácio da Academia construído no segundo pavimento dos
corpos laterais de toda a sua extensão.
O relator registrou, também, as questões que comprometiam
as atividades escolares durante o processo da reforma:
Matricularam-se 55 alunos no curso diurno, compreendidos
os das aulas de modelo-vivo, de história das belas-artes,
estética, e arqueologia, que funcionaram em horas do dia,
não tendo as outras do curso noturno tido exercício, não só
em consequência da falta de lugar por motivo das obras de
reconstrucção do edifício, como também pela ausência de
pretendentes à matrícula em algumas delas. (Idem, ibidem).
É sobre a ampliação do prédio, que irmemente encara o
menino. Analisando o conjunto da obra, reclamava a alta
quantia de realização em mais de 200 contos, que pelos dados
oiciais, eram precisamente, 218:625$050 réis.5 No entanto, no
texto da relatoria do ano de 1882 do então diretor da época
Nicolau Tolentino ao ministério do Império -- pasta a que a
instituição estava subordinada -, veriica-se que novas obras
haviam surgido, superando assim, o planejamento orçamentário
original, e dizia por que:
Nicolau Tolentino contava que a construção do sobrado
icasse concluída em 1883, conirmando que, “até o im do
corrente ano estarão terminadas todas as obras, e então se fará
a exposição geral das belas-artes, que por motivo delas não se
tem podido efetuar.” (Idem, ibidem).
De fato, a última edição das Exposições Gerais da Academia
Imperial das Belas Artes, aquelas coletivas e abertas à inscrição
geral de participantes extra-quadros acadêmicos, tinha sido em
1879, e a subsequente exibição aconteceria somente em 1884,
após o término da construção de ampliação do Palácio.
foi necessário afastar da parede dos fundos da Academia
pequenas ediicações no pátio do Tesouro que impediam
a iluminação e ventilação de algumas salas do pavimento
térreo, privadas agora das clarabóias que as iluminavam, pela
construção do sobrado; e bem assim a demolição e recons516
517
A crítica na Revista Illustrada, que acompanhou de perto, os
anos das obras na Academia, teve exemplo na seção Pequena
Crônica, de 12 de agosto de 1883.6 O jornalista assinado por
Ego, expõe o comprometimento da arquitetura grandjeana e
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Figura 1 - Legenda: “E o governo acaba de gastar mais 200 contos
Figura 2 - Legenda: “Apenas lançamos um olhar sobre os trabalhos,
com a tal Academia! À vista das botas que lá se pintam deveriam tratar
compreendemos o susto que se apoderou dos outros visitantes. Na
de transformá-la em fábrica de calçado.” Agostini, Angelo, Revista
verdade!...”. Agostini, Angelo, Revista Illustrada, Rio de Janeiro, ano 8,
Illustrada, Rio de Janeiro, ano 8, n. 365, 27 dez. 1883. p. 8.(Hemeroteca
Marcello e Cybelle de Ipanema; Imagem de Rogéria de Ipanema).
n. 365, 27 dez. 1883. p. 8. (Hemeroteca Marcello e Cybelle de Ipanema;
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Imagem de Rogéria de Ipanema).
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descreve o seu gosto e escolhas estéticas:
anos de 1882 e 1883. Ou seja, uma exposição dos trabalhos
escolares dos estudantes da Escola de Belas Artes no Império.
E era um dia a fachada da Academia de Belas Artes...
Por mais que a defenda o sr. Taunay, vencerá, parece, a
opinião demolidora. É isso porque, pelo novo plano de
engrandecimento, se precisa de mais alguns centímetros!
Cresceu então tanto assim o gosto artístico e aumentou o
número de preciosidades da Academia, que é forçosamente
preciso alargá-la?
Eu tenho pena realmente.
O Rio de Janeiro tem duas joias arquitetônicas: a Academia
de Belas Artes e a Igreja da Cruz dos Militares.
Uma consolava a outra, e as duas consolavam-nos de todos
esses aleijões de pedra e cal que fazem a cidade do Rio de
Janeiro.
Vai icar só a Cruz dos Militares, porque felizmente a
devoção não cresce.
Pelo contrário!
A exposição tomou destaque nas páginas da Revista de 23 de
dezembro de 1882. Compreendida em dura crítica, a qual expõe
o conservadorismo da Academia e a burocratização estatizada
da instituição, a matéria responsabiliza o sistema, arrolando
o dirigente, professores, os métodos para os exercícios dos
estudantes e os modelos de ensino e aprendizagem. Dizia o
colunista X, na coluna Belas Artes ao visitar a exposição, no
terceiro e último dia de exibição, em 17 de dezembro de 1882,7
“fui à Academia das Belas Artes, ver a exposição dos trabalhos
executados este ano [...] mais do que nunca iquei convencido de
que para aprender a desenhar ou pintar, é preciso nunca entrar
neste estabelecimento.” (Revista Illustrada, n.326, 23 dez.
1882, p.3). “O atraso de tudo aquilo e a apatia que se apossou
de quase todos os alunos que lá estão... é devido, não à falta
de modelos, como dizem, mas à falta de professores que sejam
professores.” (Idem, ibidem). E desaia, e neste momento, o
colunista X se revela no desenhista Angelo Agostini.
Se este desespero de engrandecimento da Academia
indicasse ao menos um aumento de artistas, uma produção
maior de telas, um progresso da arte, seria ainda perdoável:
mas aí! Confessa Grandjean, lá do alto do império, a tua
derradeira morada, que tu também não estás lá muito
contente dos inquilinos da tua bela casa. (Revista Illustrada,
n.311,12 ago. 1882, p.7).
Posso garantir, e desaio a que provem o contrário, que não
há entre os que ocupam as cadeiras de desenho igurado e de
pintura, um só que saiba desenhar.
Essa é a verdadeira razão do atraso em que se acham os
poucos alunos que lá estão a esforçarem-se para aprender
alguma coisa, mas que nunca o hão de conseguir, enquanto
forem dirigidos por pessoas inabilitadas como o sr. Medeiros,
por exemplo, que nem como aluno seria aceito em qualquer
academia da Europa. (Revista Illustrada, n.326, 23 dez.1882,
p.3)
A Revista está então contrariada, desqualiica a reestruturação
do prédio por uma desarmonia do partido arquitetônico
original de Montigny, e esta crítica constitui um daqueles
momentos que o periódico positivava as coisas da Academia,
mas, exatamente, em momento em que estas desapareciam...
Exposição de Alunos, a Bienal “imperial” da Escola de Belas Artes
Bem, se a reforma do prédio impediu a realização da edição
das Exposições Gerais de Belas Artes, o mesmo não aconteceu
com a Exposição de Alunos da Academia que ocorreram nos
520
521
O nome Medeiros, citado, é do açoriano José Maria de
Medeiros (1849-1925), professor de desenho igurado do Curso
de Pintura, que também contava com a disciplina de Paisagem,
lores e animais, com o professor João Zeferino da Costa. E,
ainda, neste período dos anos de 1880, o professor de História
da Arte, Estética e Arqueologia era o Dr. Pedro Américo de
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Figueiredo e Melo. A composição completa consta em nota.8
Tolentino (1810-1888) era um velho político, burocrata, conselheiro de Estado, funcionário do Tesouro, com 72 anos idade,
o que, apesar de ser muito para à época, não constitui um
problema em si, e sim, a sua origem e destino. E estas forças
políticas do estado sobre a Academia contribuíam, entre
outras, para um conservadorismo em sua matriz gestora e
orçamentária, com concursos de professores, aquisição de
obras, o que certamente delimitava e determinava também os
modelos de ensino, além dos mecanismos estatais de controle.
Estes, vivenciamos hoje, quando as determinações governamentais são impostas ao Ensino, à Educação e às universidades,
retirando-lhe a liberdade, a autonomia, a crítica, e consequentemente a criação.
Nota-se que à referência de Medeiros, outra questão é colocada
permanente no campo das artes e cultura, daquele e de posteriores tempos, que é o parâmetro da excelência dos modelos
estrangeiros europeus.
Em relação à qualidade dos trabalhos dos estudantes, o
Relatório de 1882 de Nicolau Tolentino justiicava-se pela
questão conjuntural, ao dizer: “o resultado escolar não foi
tão feliz como o tem sido em alguns outros anos, esse fato
encontrava a sua explicação natural no incômodo e restrições
disciplinares e administrativas causadas pela aglomeração
de todas as aulas em uma só ala do edifício.” (Relatório do
Ministério do Império, Anexo, 1883).9
Então, a mostra dos trabalhos escolares, que ocupara quatro
salas da Academia, teve para a crítica da ilustrada Revista,
somente “Uma pequena tela representando um estudante
dormindo revela grande talento da parte de seu autor, o sr.
Francisco Teixeira da Silva. Muita graça na composição, bom
desenho e bom colorido.” (Idem, ibidem). E continua,
A cobertura detalhada da exposição, também teve a assinatura
de outro jornalista/colunista, Julio Dast. Aqui, vemos algumas
questões incômodas sobre o que foi denominado, “o grande
acontecimento da semana”. Ou seja, a festa de distribuição dos
prêmios aos alunos da Academia, ocorrido no domingo dia 17
de dezembro, no terceiro e último dia da exibição, no grande
salão do Conservatório de Música. Aberta às 11 horas da
manhã, com a guarda de honra do 1º Batalhão de Infantaria e a
chegada do imperador, conigurando um cenário do espetáculo
oicial à qual a Academia estava subsumida. E pelo que a folha
transcreve com texto entre aspas, estas foram algumas das
palavras do diretor da Academia, as quais a Revista introduz
com o “Lede-o vós mesmos”: “Eu disso de belas artes,
devo dizer-vos, não pesco nenhum pires. Eu era um simples
empregado do contencioso, sem jamais ter reletido sobre os
efeitos do claro escuro”. (Idem, ibidem). E segue: “ia todo
o dia ao Tesouro (sabemos icava muito próximo), disseramme que passasse de vez em quando, por ali pela Academia.”
(Idem, ibidem).
A Revista reairmou o afastamento e pertencimento de
Tolentino às coisas da arte por várias vezes. Antonio Nicolau
Escusado é dizer que esse quadrinho foi pintado fora da
Academia. E bem avisado andou nisso o sr. Teixeira, pois
que no templo das artes ele teria sido aconselhado pelos
sábios professores que com certeza o teriam obrigado a
pintar uma... bota.
Esse quadrinho e as duas paisagens, são as únicas coisas que
prenderam a minha atenção; o mais... é melhor eu não falar.
Um conselho aos que se dedicam ao estudo das belas artes,
com exceção feita do curso de paisagem do sr. Grimm: fujam
da Academia, e para bem longe!
(Revista Illustrada, n.326, 23 dez.1882, p.3)
522
523
Os modelos acadêmicos de ensino da escola permaneciam e
permaneceram, assim como as críticas da Revista continuariam
atuais para a exposição dos seus alunos do ano seguinte, de
1883. São exatamente das imagens do ano seguinte que estão
estamos tratando, como numa colagem anacrônica, os comen-
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Figura 3 - Legenda: “Dirigíamo-nos para à Academia das Belas
Figura 4 - Legenda: “Mestre Grimm entendeu e muito bem que a
Artes, aim de examinar os trabalhos dos alunos, quando de lá vimos
verdadeira escola de paisagem é a natureza e não as paredes da
sair várias pessoas com o semblante alterado, lívido, assustador...”.
Academia, como julgaram até hoje os professores que lá ensinavam.”
Agostini, Angelo, Revista Illustrada, Rio de Janeiro, n.365, 27 dez.1883,
Agostini, Angelo. Revista Illustrada, Rio de Janeiro, ano 8, n. 365, 27 dez.
p.8. (Hemeroteca Marcello e Cybelle de Ipanema; Imagem, Rogéria de
Ipanema).
1883. p. 8. (Hemeroteca Marcello e Cybelle de Ipanema; Imagem de
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Rogéria de Ipanema).
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tários da exposição anterior. Pois, um ano depois, as matérias
transcritas e comentadas da exposição de 1882 continuam
numa correlação da reportagem visual de 27 de dezembro de
1883, assim, de forma ajustada e reveladora.
mestre o sr. J. Grimm...
Mas é que o sr. Grimm não faz parte da panelinha e só se
entende com os seus alunos que ele leva para ao campo e
lá lhes diz: Esta é a verdadeira Academia de Belas Artes.
Olhem para esta esplendida natureza e procurem senti-la,
impressionem com ela e transmitam sobre a tela essa mesma
impressão.
É assim que os srs. Vasques e Caron conseguiram fazer
nos seis meses, em que aprendem com o sr. Grimm, o que
nem em seis anos teriam feito com os outros professores da
Academia. (Revista Illustrada, n.326, 23 dez.1882, p.3-7)
A primeira parte da matéria registra o repórter-menino
“Dirigíamo-nos para à Academia das Belas Artes, aim de,
examinar os trabalhos dos alunos quando de lá vimos sair
várias pessoas com o semblante alterado, lívido, assustador...”
(Revista Illustrada, n.365, 1883, p.8).
Nos momentos subsequentes: “Estivemos quase a chamar os
bombeiros, supondo haver fogo...”; “Mas não havia fogo e lá
entramos.”; “Apenas lançamos um olhar sobre os trabalhos,
compreendemos o susto que se apoderou dos outros visitantes.”
(Revista Illustrada, n.365, 1883, p.8) (ig. 2).
Com a paisagem da Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar vista
de Niterói (ig.4.), provavelmente da Praia de Boa Viagem, a
Revista reforçaria a arte e os artistas da pintura ao ar livre, do
que foi posteriormente denominado o Grupo Grimm.
Na verdade não era a primeira vez que Angelo Agostini
desenhava as corridas do público visitante para fora das
exposições da Academia, por uma motivação de pudor e
moralista, parodia uma família a correr dos nus da Sala de
Modelos da Exposição Geral de 1879.
De fato a crítica é muito rasgada, e deve-se a uma pauta
antiga de discussões na ambiência artística da cidade, no
mínimo desde janeiro de 1876, protagonizada também fora da
Academia, quando 12 anos antes, o litógrafo Angelo Agostini
traduziu o debate polarizado, entre a escola realista e a escola
idealista, estabelecido entre dois portugueses na corte carioca:
o conservador de museus e crítico de arte, Alfredo Camarate,
pseudônimo, Julio Huelva, e o guachista e fotógrafo Joaquim
Insley Pacheco. E neste duelo, como a revista denominou a
discussão na imprensa, fez emergir em um desenho provocativo, com a inclusão forçada de participação da Academia no
fórum da imprensa, o que a Revista Illustrada pautava como
sendo debates que a Academia não considerasse seus.
São tão iguais as avaliações da folha sobre a exposição dos
alunos dos anos de 1882 e 1883, que para fechar este paralelo,
por nós criado, tanto da continuidade aos conteúdos dos
modelos de ensino da Academia como da crítica da Revista,
voltamos ao texto da exposição anterior relativo à questão da
pintura de paisagem. Um valor que sobressaiu em qualidade,
justiicada pela exterioridade do modelo adotado em contrário
à Academia, assim:
O concurso da aula de paisagem é a maior prova do avanço;
a tela dos alunos Domingos Garcia y Vasques e a do seu
competidor que o segue de perto, Hipólito Boaventura
Caron, são duas paisagens que agradam aos mais exigentes
e revelam dois futuros artistas que muito honrarão a nossa
Academia, assim como honram, atualmente, o distinto
Por im, desejo parabenizar os 200 anos da Escola de Belas
Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Parabéns!
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Notas:
1
De fato, um recorde para este gênero de imprensa que experimentou vários
títulos marcados pela efemeridade de baixíssimos números.
2
Quatro textuais e quatro com imagens que podiam se correlacionar ou não
com a redação das matérias.
3
Podendo variar de interregno entre uma edição ou outra.
4
A edição da Revista Illustrada encontrou-se em alguns poucos endereços, o
que signiicava uma estabilidade comercial em contraponto aos vários estabelecimentos da cidade que tiveram endereçamentos muito lutuantes. A Revista Illustrada
abriu na Rua da Assembleia, 44, na década de 1880 esteve na Rua Gonçalves Dias, 66
e na Rua Gonçalves Dias, 50 – Sobrado.
5
Relatórios Ministeriais sobre a Academia Imperial das Belas Artes - 1882,
Anexo, 19 & 20. http://www.dezenovevinte.net/documentos/relatorios_ministeriais/rltr_
mntr_1882anexo.htm (acesso 30 jun. 2016).
6
Revista Illustrada, ano 7, n.311, 12 ago. 1882.
7
A exposição foi realizada nos dias 15, 16 e 17 de dezembro de 1882.
8
A diretoria com um diretor, um vice-diretor e um secretario; a Seção de
arquitetura com 3 professores (desenho geométrico, desenho de ornato, arquitetura);
a Seção de escultura com 2 professores (escultura de ornato e estatuária); a cadeira
de gravura de medalhas e pedras preciosas estava vaga; a seção de pintura contava
com 3 professores titulares e dois honorários (Desenho igurado, Paisagem, lores e
animais e Pintura histórica) e porim, a Seção de Ciências Acessórias eram ofertadas
por três professores (Matemáticas aplicadas, Anatomia e isiologia das paixões,
História das artes, Estética e Arqueologia), esta última ministrada por Pedro Américo
de Figueiredo e Melo. A de matemáticas aplicadas e a disciplina de Anatomia e
Fisiologia das paixões era dada pelo conselheiro dr. Luiz Carlos da Fonseca, médico e
senador durante 30 anos (1857-1887).
9
“E para as do Conservatório de Música na aplicação das novas regras
pré-escritas nos Estatutos decretados era agosto de 1881, que estabeleceram normas
restritivas para a admissão à matricula, e para os exames inais e prêmios anuais.”
(Relatório do Ministério do Império, Anexo, 1883).
528
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Rogéria de Ipanema é Docente do Departamento de História
e Teoria da Arte, da Escola de Belas Artes, Universidade
Federal do Rio de Janeiro. É doutora em História pela Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora da imagem impressa
do Brasil dos Oitocentos, tem escrito artigos de periódicos e
anais de congresso, como capítulos de livro sobre a produção
gráica, a impressão e o poder político, tanto como estuda as
coleções de estampas em acervos do Museu Don João VI e a
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Atualmente exerce o
cargo da Assessoria Especial da Pró-Reitora de Extensão da
UFRJ.
A pintura de história
e seu papel na
legitimação do
Estado:
as encomendas
oiciais realizadas
pelo Senado
Imperial
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Bárbara Ferreira Fernandes
A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado:
as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial
/ Bárbara Ferreira Fernandes
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Relação com o senado
Após o im da Guerra do Paraguai, na década de 1870, o
Senado, bem como todo o governo Imperial, passava por um
clima um tanto turbulento, mesmo com o Brasil tendo sido
vencedor, observou-se diversas perdas para o país. Além disso,
o manifesto republicano fora assinado e as pressões internas
e externas em relação ao tema da escravidão só aumentavam.
As telas que foram encomendadas por Visconde de Abaeté,
reletiam as preocupações dos senadores e de seu presidente
com o futuro do Império. Não podemos nos esquecer
que arte e política muitas vezes se misturam ao longo dos
tempos, conforme airma T. J. Clark , “a arte, em muitos de
seus momentos mais altos nos séculos XIX e XX, extraiu da
política, sem transformá-la, em sua própria matéria prima. ”
(CLARK, 2007 p.105). As encomendas dessas obras podem
reletir uma preocupação do próprio Senado com o momento
de crise do país e também com a continuidade do Império na
igura da Princesa Isabel. Utilizadas como forma de persuasão,
legitimação e construção da nação, essas pinturas históricas
reletiam o desejo dos Senadores de garantir a continuidade do
Império que muitos deles ajudaram a criar e estabelecer.
Introdução
Na década de 70 do século XIX o Senado Imperial Brasileiro,
sob a presidência do Visconde de Abaeté, realizou a encomenda
de três obras de arte representando os monarcas brasileiros:
Dom Pedro I na Abertura da Assembleia Geral Legislativa em
18262, Fala do Trono e Juramento da Princesa Isabel3. Essas
obras apresentam a linha de sucessão do trono (Dom Pedro I,
Dom Pedro II e Princesa Isabel) em importantes cerimônias
oiciais do Império. O historiador Roger Chartier (CHARTIER,
1990, p.08) airma que as representações são sempre colocadas
em um campo de disputas cujos desaios demonstram-se em
forma de poder e dominação, além disso, continua o autor, as
representações são sempre determinadas pelos grupos que
as forjam. Nesse sentido, torna-se necessário reletir acerca
dessas encomendas pensando, não somente a partir de quem
as fez mas também nos artistas responsáveis por executá-las.
Airmo que essas encomendas são parte de um projeto político
gestado pelo Estado, principalmente a partir do reinado de
Dom Pedro II, de legitimação da monarquia e construção de
uma história da Nação através de pinturas e textos históricos. A
historiadora Maraliz Christo (CHRISTO, 2009 p. 1153) aponta
que os processos de construção das memórias nacionais são
complexos e exigem pesquisas constantes das maneiras pelas
quais ocorrem em cada situação concreta. Pretendo, portanto,
no presente artigo, estudar as três obras citadas acima de forma
a relacioná-las com esse projeto, dando enfoque nas escolhas
de representações feitas por Victor Meirelles e Pedro Américo
e percebendo os possíveis projetos dos artistas.
A lógica das encomendas
532
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As encomendas oiciais eram concretizadas através de cartas
ou ofícios enviados à Academia Imperial ou diretamente aos
artistas. Era comum encontrar a troca de correspondências
entre o pintor e o encomendante discutindo a respeito das
obras. Não localizei ainda o contrato de encomenda de todas as
telas citadas, no entanto, em relação ao “Juramento da Princesa
Isabel” há uma nota de jornal. No “Diário de Notícias” do
dia 28 de maio de 1871 está escrito: “Victor Meirelles, foi
convidado pelo sr. Visconde de Abaeté para pintar um quadro
representando o juramento da princeza imperial, como regente
do imperio. ”4 Tratando-se da obra Fala do Trono localizei no
arquivo do Senado o contrato da encomenda, transcrevo aqui
o documento:
A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado:
as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial
/ Bárbara Ferreira Fernandes
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
que Abaeté tenha pedido a mesma coisa ao Victor Meirelles na
ocasião do juramento da Princesa. O quadro de Américo é um
pouco maior do que o tamanho estabelecido pelo Visconde sem
trazer, no entanto, grandes diferenças. É interessante observar
que esse documento deixa espaço para a interpretação dos
artistas. Como ressalta Tomas Peres Vejo (VEJO, 1999), os
artistas, mesmo trabalhando para o Estado, possuíam certas
liberdades que eram expressas nas obras. Dessa maneira, é
possível que nestas encomendas oiciais estivessem expressas,
não somente o que os encomendantes pensavam, mas também,
as ideias e projetos dos pintores.
Contracto celebrado por Sua Excellencia o Senhor Visconde
de Abaeté, Presidente do Senado, e o Doutor Pedro
Américo de Figueirêdo e Melo, pintor historico e professor
de Historia, Esthetica e Archeologia da Academia Imperial
das Belas Artes.
Aos vinte e tres dias do mez de março do ano de nascimento
do Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e setenta
e dois compareceu no Paço do Senado o Doutor Pedro
Américo de Figueirêdo e Melo, e entre elle e o Senhor
Visconde de Abaeté, como Presidente do Senado, celebrouse o seguinte contracto: O referido Doutor Pedro Américo
de Figueirêdo e Melo obriga-se a fazer um quadro representando o Senhor Dom Pedro segundo, Imperador do
Brasil, tal qual deverá comparecer na abertura da sessão
da Assembleia Geral legislativa em (espaço em branco) de
Abril de mil oitocentos e setenta e dois, com as dimensões
de dois metros e oitenta e cinco centimetros de altura e dois
metros e dois centimetros de largura, pelo preço de cinco
contos de reis, Rs =5:000$000=, que lhe será satisfeito em
tres prestações, a saber:
A primeira de um conto de
reis, logo que for autorizado e dar começo ao trabalho. A
segunda de dois contos de reis, quando o trabalho estiver
esboçado. A terceira de dois contos de reis, na recepção e
entrega do quadro no Senado. E pelo Senhor Visconde de
Abaeté foi dito que aceitava, como Presidente do Senado,
as condições declaradas pelo doutor Pedro Americo de
Figueiredo e Mello, para o im de fazer o retrato de S. M.
o Imperador D. P. II., tal qual deverá o Mesmo Augusto
Senhor comparecer na Abertura da Sessão da Assembleia
Geral Legislativa em (espaço em branco) de março de mil
oitocentos e setenta e dois, e obriga-lhe na qualidade de
Presidente do Senado, ao pagamento do preço do mesmo
retrato nos termos estipulados, auctorizando desde já que
lhe dê principio. Do que foi lavrado e subscripto o presente
instrumento por mim. 5
Como observado, no contrato há a obrigação de Pedro Américo
o comparecimento na cerimônia que ele iria retratar, acredito
Maraliz Christo (CHRISTO, 2002) nos traz um estudo
interessante e que consegue explicar como se dava, algumas
vezes, as negociações em relação às obras encomendadas. O
trabalho é centrado nas correspondências de Taunay, diretor
do Museu Paulista, e os artistas à quem ele havia encomendado
telas para fazer parte do acervo do Museu. Bernardelli e Amoêdo
trocam diversas cartas com o diretor a respeito da composição
e representação das telas. Segundo a historiadora, se examinarmos somente as correspondências podemos deduzir que o
projeto de Taunay tenha se imposto. Porém, Christo airma,
que se considerarmos as obras, percebemos que Bernardelli e
Amoêdo não seguiram à risca as ideias de Taunay: os artistas
tinham um passado e um projeto que diferiam do diretor do
Museu. Neste artigo, portanto, a autora demonstra que sim, os
artistas também impõem suas próprias interpretações do fato
em suas obras encomendadas.
O olhar para as imagens
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O historiador da arte, Jorge Coli, aponta a importância de se
interrogar as imagens, de olhar para elas sem pré-conceitos
deinidos. Ressalta o autor: “Se me dirijo diretamente às telas,
de modo honesto e cuidadoso, percebo que elas escapam
continuamente àquilo que eu supunha ser a própria natureza
delas[...]”(COLLI, 2005 p.11) Dessa forma, me propus à
interrogar as imagens encomendadas pelo Senado Imperial,
A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado:
as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial
/ Bárbara Ferreira Fernandes
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Dom Pedro I com Portugal, mesmo ainda depois da Independência. O imperador utiliza, no entanto, em sua veste, uma
penugem amarela demonstrando a tentativa de se relacionar
com o recém independente império brasileiro. Com o cetro
na mão direita e a espada embainhada, Dom Pedro possui, na
mão esquerda, uma folha enrolada. Seria a representação da
Constituição recém aprovada? Na esquerda da tela, está em
destaque o trono dourado com as iniciais do Imperador (PI),
e no lado oposto encontra-se a plateia que parece se revelar
de uma “cortina”. Plateia essa que contava com importantes
nomes, como por exemplo, o presidente do senado no período:
Marquês de Santo Amaro. Mesmo com o corpo virado para o
espectador, o olhar do Imperador não nos encontra: Américo
confere ao proclamador da independência um ar distante, Dom
Pedro parece não se conectar com os presentes, talvez seus
olhos e pensamentos estivessem cruzando o oceano para o país
do qual ele havia acabado de “se desligar”? Ou o Imperador
estaria vislumbrando o futuro da nova nação?
tendo em mente a importância de colocar as questões adequadas.
Sendo as telas em questão, encomendas oiciais, é provável que
estas fossem utilizadas para legitimar o “Império”. Mas o que
seria o Império para estes artistas? Qual a visão deles a respeito
desses governantes? Não pretendo aqui esgotar as possiblidades e estabelecer verdades, procuro levantar questões e
respondê-las através do que as imagens me mostram.
Victor Meirelles e Pedro Américo são muitas vezes chamados
de “pintores oiciais” da monarquia. Na década de 70 ambos
foram escolhidos para representarem importantes quadros da
história brasileira, principalmente a militar e as que retratam
a família Imperial. Segundo Donato Mello Júnior: “gozava
a monarquia da euforia da década de 1870 (relativa, sobremaneira, à vitória na Guerra do Paraguai) que incentivava
semelhante tipo de gloriicação” (MELLO JÚNIOR, 1983:
35). Algumas vezes, ambos abordaram temas análogos, como
por exemplo, o casamento da princesa Isabel, e retratos de
Dom Pedro II (IBID: 58).
Na tela Fala do Trono (Figura 2), 1872 também de Pedro
Américo está representado o Imperador Dom Pedro II
realizando a Fala do Trono na abertura da Assembleia Legislativa de 1872. O monarca se apresentava pela primeira vez após
se ausentar do país por quase um ano e depois da aprovação da
chamada “lei do ventre livre de 1871”. Esse era um importante
discurso, visto que essa lei causou grande polêmica principalmente entre os senhores de escravos.
A tela Dom Pedro I na Abertura da Assembleia Geral Legislativa em 1826 (Figura 1), realizada em 1872 de Pedro Américo
retrata o Imperador Dom Pedro I proferindo a fala do trono na
abertura da Assembleia Geral em 1826, ou seja, o início dos
trabalhos da Câmara dos Deputados e do Senado Imperial,
pela primeira vez após a promulgação da Constituição em
1824. As Falas do Trono ocorriam duas vezes ao ano na sala
de sessões do Senado Imperial.
No quadro, o Imperador é representado de pé, de corpo
inteiro e portando seus trajes reais com suas habituais botas e
calças, denotando o ar do “rei explorador/guerreiro”. A coroa,
apoiada sobre uma almofada de pano verde à direta da tela,
demonstra a manutenção da tradição de representação dos reis
portugueses, que não eram coroados. Dessa forma, o pintor
faz uma escolha de representação diferente da de Debret, por
exemplo, que retrata o Imperador portando a coroa6. Com
isso, Américo poderia estar querendo ressaltar a ligação de
O pintor representa Dom Pedro II de corpo inteiro, portando
trajes majestáticos (só utilizados duas vezes ao ano), que
continha, assim como o de seu pai, elementos ligados às características brasileiras: o manto verde e amarelo e uma murça
feita de penas de tucano localizada ao redor do pescoço do
Imperador. Pedro II leva em sua mão direita o mesmo cetro
utilizado por seu pai (que possui o dragão alado na parte
superior) e segura, na mão esquerda, a espada. O trono, representado ao lado esquerdo da tela, segundo Ângela Brandão:
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A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado:
as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial
/ Bárbara Ferreira Fernandes
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
estão escutando sua fala no Senado, seu olhar, seguro e sereno,
parece dirigir-se para o futuro da nação, que estava, aos poucos,
se vendo livre do elemento escravo. Visto que, no contrato de
encomenda, não há nenhuma exigência em relação a quais
elementos deveriam estar presentes na tela, pode-se supor que
Pedro Américo teve liberdade de escolha no momento de representar o Imperador e quais elementos estariam no quadro.
parece recriado pelos olhos do pintor – que consegue dar
o sentido monumental, fazer ver o volume escultórico de
seus elementos decorativos, seu douramento. Mas é completamente reformulado se comparado ao trono do acervo do
Museu Histórico Nacional. Pedro Américo compôs um
trono sustentado por peixes e com putti acomodados nos
braços. (BRANDÃO, 2010: 12)
Há, na tela, uma predominância das cores dourada e vermelha
o que denota o poder e importância do monarca. Além disso,
Américo representa uma coluna próxima ao Imperador,
elemento esse, que, ao comparar-se com outras imagens que
representam a sala do Senado, não estava presente. Conclui-se,
portanto, que o pintor escolhe inserir a coluna dórica
envolvida por tecidos das cores predominantes do quadro e
que à conectam ao trono. Esse elemento, muito comum nos
clássicos retratos dos reis franceses, serve para, além de ser
um símbolo do poder, alongar a silhueta do monarca. Dom
Pedro II é retratado em um plano superior, maior e mais bem
iluminado do que as demais iguras presentes. Pedro Américo
escolhe representar Dom Pedro II coroado, diferindo em
relação à Dom Pedro I, é provável que para o pintor, com a
igura de Dom Pedro já consolidada, o Brasil estava deinitivamente desligado de Portugal. Essa escolha difere da de
Décio Villares7 e de Araújo de Souza Lobo8 que representam
o Imperador também em seus trajes majestáticos, no entanto,
sem a coroa.
É importante relembrar aqui que Dom Pedro II era um dos
maiores patronos dos artistas no Império, ele patrocinava
viagens, encomendava e comprava telas. Na época, Pedro
Américo estava trabalhando em seu famoso quadro Batalha
de Campo Grande9, ele estava planejando vender para família
imperial ou algum órgão oicial, dessa maneira, parecia ser
importante para ele agradar ao Imperador. Ao observar a
representação dos monarcas, é evidente que, mesmo os dois
tendo sido representados de forma soberana, com símbolos
que denotam poder, o pintor destaca de forma mais efusiva
Dom Pedro II. Além disso, parece que Américo procura dar
um tratamento e acabamento melhor à Fala do Trono que,
claramente, possui uma qualidade superior. Pedro Américo
realiza a tela de Dom Pedro I 45 anos após a celebração da
cerimonia, nesse momento, o pintor já saberia os rumos que
a história do país havia tomado após 1826. Dessa maneira,
ao valorizar mais o quadro do pai de Isabel, Américo estaria
ressaltando a importância de Dom Pedro II para o Brasil, em
contraposição à de Dom Pedro I.
Dom Pedro II é observado, na tela, por sua esposa, ilha, seu
genro Conde d’Eu, alguns senadores e o presidente do Senado
Visconde de Abaeté. É interessante observar que Américo
representa a princesa Isabel conversando com o Conde d’Eu
e não totalmente concentrada em seu pai. A plateia, nesta
tela, aparece de forma mais destacada do que na de Dom
Pedro I, talvez o pintor queira demonstrar um maior amadurecimento e importância do aparelho político do Império, no
caso especíico, o Senado. Dom Pedro II não está com o corpo
virado para o espectador do quadro, mas sim, para àqueles que
Os retratos realizados por Pedro Américo seguem a lógica
de representações de reis europeus que eram retratados,
geralmente, em um ambiente fechado, próximo a colunas,
com muito dourado nos trajes e nos tronos (também sempre
presentes). Os reis eram comumente pintados com as pernas
uma na frente da outra e, na maioria das vezes, itando o
espectador do quadro, não olhando para o “nada” como nas
telas de Américo. Ressalto aqui, por exemplo, os quadros que
representam Luis XVI de Antoine-François Callet10 e o que
retrata Luis XIV de Hyacinthe Rigaud11, por apresentarem
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as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial
/ Bárbara Ferreira Fernandes
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Figura 1 - Pedro Américo. Dom Pedro I na Abertura da Assembleia
Figura 2 - Pedro Américo. Dom Pedro II na Abertura da Assembleia
Legislativa em 1826,1872. Oléo s/ tela. 270x178 cm. Museu Nacional de
Belas Artes. Foto: Bárbara Fernandes.
Geral, 1872. Oléo s/ tela. 288x205 cm.
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nº26/2016
Museu Imperial/Ibram/MinC/
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
em que está apoiado, Isabel, não passa perto dele. Sabe-se pela
descrição da cerimônia que a princesa senta-se em uma cadeira
de espaldar que está localizada abaixo do trono, o pintor, no
entanto, não representa a cadeira: a princesa ajoelha-se em
uma pequena almofada que combina com o tom de seu manto.
composição semelhante à utilizada por Pedro Américo.
A tela Juramento da Princesa Isabel (Figura 3), feita em 1875,
de Victor Meirelles retrata o juramento à Constituição feito
por Isabel em 20 de maio de 1871. A cerimônia foi realizada
para que a princesa pudesse assumir o trono enquanto seu pai
viaja à Europa.
É importante ressaltar não haver unanimidade em Isabel
assumir o trono na ausência do Imperador, sua regência era
questionada; por ser, entre outros fatores, casada com um
estrangeiro e mulher. Meirelles poderia estar deixando transparecer essa disputa em torno da princesa ao retrata-la dessa
maneira e cercada por esses homens. Além disso, sabe-se da
importância de outras iguras presentes, como, por exemplo,
o Duque de Caxias, “herói” após a Guerra do Paraguai, e o
Visconde do Rio Branco, que leva seu nome na lei do ventre
livre assinada posteriormente por Isabel. Estaria Meirelles,
dessa forma, reconhecendo a importância do parlamento na
nossa monarquia? Ressalto também que o momento retratado é
aquele no qual a princesa estaria se submetendo à lei, à Constituição. O poder do monarca não vinha mais do “divino”, mas
era legitimado pelo livro Constitucional.
Victor Meirelles recebe o pedido da tela no mesmo período
em que Pedro Américo, no entanto, apesar de receber a
encomenda da obra em 1871, só apresenta o quadro em 1875.
No momento da encomenda, Meirelles, provavelmente, estava
envolvido na inalização de Batalha Naval do Riachuelo12 e
Passagem de Humaitá13 ambas expostas na Exposição Geral
de Belas Artes (EGBA) de 1872. O pintor também estava
preocupado com os estudos para Batalha dos Guararapes14
tendo passado três meses em Pernambuco em 1874. Apesar
de poucos autores citarem, Meirelles foi mestre de pintura da
Princesa Isabel, demonstrando sua proximidade com a família
imperial. (ARGON, Fátima, 2009:95)
No quadro, Isabel é representada ajoelhada, com a mão
direita sobre a constituição de capa vermelha. Ela utiliza
um vestido de chamalote branco, o tradicional manto verde
dos Bragança e uma tiara no alto da cabeça. A tela possui
uma visão “expandida” em relação àquela dos retratos do
Imperadores, ou seja, é possível ver e reconhecer os importantes nomes do corpo político imperial do período, dessa
forma, a pintura convida-nos a percorrer os olhos pelos outros
personagens representados no recinto. A regente, apesar de
encontrar-se destacada, mais iluminada no centro do quadro
e em um plano ligeiramente superior, pode muito bem se
perder entre as outras iguras do quadro. Por estar ajoelhada,
à primeira vista, a posição da princesa pode ser considerada
de fragilidade frente ao sisudo presidente do senado, Visconde
de Abaeté. Ao observar a imagem mais de perto, no entanto,
nota-se uma troca de olhares incisivos: não sei se de disputa ou
cumplicidade. O trono aparece quase que camulado à parede
Victor Meirelles faz uma escolha diferente à de Debret ao
representar um monarca diante do Senado, na obra Coroação
de Dom Pedro I15,; o Imperador, sentado no trono, recebe
homenagens do presidente do Senado Lúcio Soares Teixeira
de Gouveia, como aponta Elaine Dias: este último, ajoelhado,
presta as devidas homenagens ao novo imperador e confere a
leitura do juramento. Além do cenário religioso imposto pela
arquitetura barroca, a cena tem uma forte conotação religiosa.
(DIAS, op. Cit: 16).
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Gostaria de frisar que não acredito que o pintor catarinense
estaria apenas querendo enfraquecer a princesa em detrimento
do Senado e submete-la à Constituição, Meirelles era iel à
monarquia e à família imperial. O historiador Robert Daibert Jr.
aponta que a tela “buscava engrandecer o momento e construir
a trajetória da princesa rumo ao trono. Esse importante
A pintura de história e seu papel na legitimação do Estado:
as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial
/ Bárbara Ferreira Fernandes
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Conclusão
No quadro de Meirelles, a Princesa é representada de forma,
à primeira vista, fragilizada, já Américo, procura exaltar o
poder dos imperadores, destacando-os do restante do quadro:
ao olhar a tela, o espectador percebe a imponência de Dom
Pedro II e Dom Pedro I. Ressalta-se, no entanto, que o pai de
Isabel parece ainda mais grandioso que seu próprio pai. As
diferenças apresentadas nas telas encomendadas pelo senado:
Fala do Trono, Dom Pedro I e Juramento da Princesa Isabel
são importante alvo de relexão, devido ao fato de três importantes iguras da monarquia serem representadas de formas
diferente em celebrações oiciais do império.
A encomenda de três obras de grandes proporções representando a linha de sucessão do Império brasileiro pelo
presidente do Senado expõe uma preocupação em relação
à legitimação da monarquia. Ao observar de forma atenta e
detalhada as imagens, conclui-se não somente uma reairmação
dos Imperadores, mas também, do Parlamento brasileiro.
Torna-se claro, nas obras, a vontade dos pintores em representar os senadores e deputados presentes nas cerimônias
retratadas, com especial destaque para a tela do Juramento
da Princesa Isabel. Sabe-se da relação de proximidade de
Meirelles e Américo com a família Imperial, nesse sentido, as
obras demonstram, de certa forma, essa “lealdade”. Ressalto,
no entanto, alguns detalhes nos quais os pintores possam
destacar certas opiniões: a fragilidade da princesa frente ao
parlamento e à Constituição, e a não coroação e olhar distante
de Dom Pedro I. Dessa maneira, torna-se claro que, como
aponta Christo, embora os artistas sejam dependentes de
encomendas e compras do estado estes encontram oportunidades para expressar suas visões. (CHRISTO, 2009:1148).
Figura 3 - Victor Meirelles. Juramento da Princesa Isabel, 1875. Oléo
s/ tela. 1,770x2,600m Museu Imperial/Ibram/MinC/nº09/2016.
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as encomendas oiciais realizadas pelo Senado Imperial
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Notas:
momento precisava ser imortalizado” (DAIBERT JR, 2001:50).
Isabel ainda não havia assumido o trono de forma deinitiva,
por ainda ser regente, a princesa não poderia ser coroada, nem
utilizar o trono que pertencia ao seu pai. Ela, portanto, não
poderia encarnar o papel do Imperador, no entanto, deveria
mostrar-se preparada para assumir o trono futuramente. Nos
parece que Victor Meirelles procura resolver essa dicotomia na
confecção da tela.
A Princesa Isabel é conhecida hoje como “a redentora”, no
entanto, em 1871 essa imagem ainda não estava ligada à ela.
Conforme aponta Daibert Jr. “A partir da Primeira Regência
intensiicam-se as lutas de representações que buscam criar
um consenso em torno da imagem da herdeira do trono”
(IBIDEM:52). Com o passar dos anos percebe-se que esse
consenso vai sendo criado em torno da ideia da redenção, ou
seja, a princesa passa a ser cada vez mais relacionada com a
abolição – até então gradativa – da escravidão. O ápice dessa
associação chega à 1888 quando, enquanto regente do Império
pela terceira vez devido à doença de seu pai, Isabel aprova a
Lei Àurea abolindo de vez o trabalho escravo no país.
Victor Meirelles possui um quadro, que icou somente no
estudo, retratando a assinatura da abolição. Lei Áurea16,
possui composição semelhante à da pintura do Juramento, a
visão da tela está expandida, podendo-se observar os demais
presentes na sessão. A forma como Meirelles retrata Isabel,
no entanto, difere sobremaneira na tela de 1888. A princesa
está de pé, com sua igura mais iluminada, vestida de branco
em oposição aos que estão usando preto, a coluna próxima à
ela alonga sua silhueta deixando-lhe, de certa forma, maior
que os presentes. Isabel não encontra-se fragilizada frente
aos homens do recineto, pelo contrário, em 1888, o pintor
catarinense retrata o senador próximo à ela curvado, reverenciando a princesa. Isabel ainda era regente, não poderia utilizar
a coroa, nem sentar-se ao trono, no entanto, a simbologia de
seu poder e sua legitimação vinham através da sua bondade,
da sua “redenção”.
1
Mestranda no programa de Pós Graduação em história da Universidade
Federal de Juiz de Fora, sob orientação da professora Maraliz de Castro Vieira Christo.
2
Ambas as obras são do pintor Pedro Américo, a primeira, datada de 1872,
encontra-se no Museu Nacional de Belas Artes, a segunda, também de 1872, está no
Museu Imperial de Petrópolis.
3
De autoria de Victor Meirelles e datada de 1875, a obra está localizada no
Museu Imperial de Petrópolis.
4
Diário de Notícias, Rio de Janeiro: 28 de maio de 1871. Anno II, nº 248.p. 01
5
Arquivo do Senado Federal em Brasília (Serviço de Informação ao cidadão)
6
Para mais informações ver: DIAS, Elaine. A representação da realeza no Brasil:
uma análise dos retratos de D. João VI e D. Pedro I, de Jean- Baptist Debret. Anais do
Museu Paulista. São Paulo.N. Sér. v.14. n.1.p. 243-261. jan.- jun. 2006.
7
Décio Villares. Pedro II em Trajes Majestáticos. s/d. Óleo s/ tela.
8
Antônio Araújo de Souza Lobo. Retrato do Imperador Dom Pedro II. Óleo s/
tela, 240 x 158cm. Museu Nacional de Belas Artes.
9
Pedro Américo. Batalha de Campo Grande, 1871. Óleo s/ tela, 332x530 cm.
Museu Imperial de Petrópolis.
10
Antoine-François Callet. Louis XVI, rei da França e Navarro (1754-1793),
vestindo seus trajes reais em 1779, 1789. Óleo s/ tela, 196 x 278 cm.
11
Paris.
Hyacinthe Rigaud. Retrato de luís XIV, 1700. Óleo s/ tela, Museu do Louvre,
12
Victor Meirelles. Batalha Naval do Riachuelo, 1872. Óleo s/ tela.
13
Victor Meirelles. Batalha dos Guararapes, 1879. Óleo s/ tela, 494,5x923cm.
Museu Nacional de Belas Artes.
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14
Victor Meirelles. Passagem de Humaitá, 1868-72. Óleo s/ tela, 268x435 cm.
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Museu Nacional de Belas Artes.
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cm. Palácio do Itamaraty.
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TURAZZI, Maria Inês (org). Victor Meirelles. Novas Leituras. Florianópolis: São
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16
Victor Meirelles. Abolição da escravatura, 1888. Óleo s/ tela, 46x55 cm. Iara
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COLI, Jorge. Como estudar a arte brasileira no século XIX? São Paulo: Editora
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DAIBERT JUNIOR, Robert. Isabel, “a redentora de escravos”: um estudo das
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2001.
DIAS, Elaine. A representação da realeza no Brasil: uma análise dos retratos de
D. João VI e D. Pedro I, de Jean- Baptist Debret. Anais do Museu Paulista. São
Paulo.N. Sér. v.14. n.1.p. 243-261. jan.- jun. 2006.
Bárbara Ferreira Fernandes é Mestranda no programa de pós
graduação em história na UFJF sob orientação da Professora
Dra. Maraliz Christo, licenciada em história pela mesma universidade. Tem experiência de três anos com bolsas de iniciação
cientíica Cnpq-PIBIC/UFJF. Vencedora do prêmio de melhor
Comunicação Discente no XIX Encontro Regional de História
- ANPUH MG (2014) e 5º lugar no prêmio José Marques de
Melo de estímulo à memória da mídia, 9º Encontro Nacional
de História da Mídia – Alcar. Tem experiência na área de
História, com ênfase em História da arte e história do Brasil
Império.
MELLO JÚNIOR, Donato. Pedro Américo de Figueiredo e Melo: 1843-1905.
Algumas singularidades da sua vida e de sua obra. Rio de Janeiro: Edições
Pinakotheke, 1983.
VEJO, Tomas Perez. La pintura de historia e la invencion de las naciones. LOCUS:
Revista de História. Juiz de Fora, vol. 5 nº1, 1999, p. 139-159
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Entre a sala de aula
e o Salão:
a crítica de arte
e a importância
do desenho
nos anos 20
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Entre a sala de aula e o Salão:
a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20
/ João Victor Rossetti Brancato
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
agrária e escravista (AMARAL, 2011, p.78). Igualmente, nos
inais do século XIX, a AIBA sofria duras censuras por seu
modelo de ensino, tanto por parte dos artistas quanto dos
críticos. O Império caíra, a República se instalara e uma das
primeiras medidas do Governo Provisório foi a comissão para
uma reforma no ensino artístico oicial, implementada em 1890
pelo projeto Amoêdo-Bernardelli, desembocando na criação da
Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). O desejo por reformas
no sistema de ensino, contudo, não cessaria (DAZZI, 2011,
p.8-9).
Introdução
Diante de todo esse panorama, o papel da crítica de arte não
se restringiria a proposições estéticas ou aos comentários nos
Salões de Belas Artes. Em jornais e revistas, alguns críticos
denunciariam os problemas da Escola e proporiam soluções
à mesma. É o caso, por exemplo, das entrevistas de Angyone
Costa publicadas n’O Jornal - mais tarde reunidas no volume
A inquietação das abelhas (1926) -, em que se nota o recorrente
questionamento acerca da posição dos artistas sobre o júri das
Exposições ou da necessidade do pensionato no estrangeiro, etc.
O advento da República no Brasil aprofundou inúmeros debates
fundamentais para a estruturação do novo regime. Vencer as
limitações de uma raça medíocre, pensamento comum da época,
era um imperativo. Mais que meras decisões do campo político,
diversos intelectuais, literatos e polemistas estavam imbuídos de
um sentimento fortemente progressista, em busca da almejada
Modernidade. Construir um país moderno, nesse sentido, não
era apenas uma motivação por um desejo de ser dignamente
reconhecido no circuito internacional, mas necessário à própria
viabilização do país.
Através de uma imprensa cada vez mais presente na sociedade,
diferentes assuntos de relevância nacional emergiam à esfera
pública. Um campo de disputas, sem dúvida, em que muitas
personalidades militavam por seus projetos, ideologias e
interesses. A questão da educação republicana se inclui entre
estes.
Na realidade, ao menos desde o Império o debate acerca de uma
educação nacional estava posto. Rui Barbosa fora um dos que
mais atuaram na defesa de uma reforma educacional, sobretudo
no ensino primário. O ensino artístico também não escapara
desse debate. A fundação do Liceu de Artes e Ofícios, promovido
por Bethencourt da Silva, em 1856, já apontava para a incapacidade da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) de suprir
demandas especíicas, como a formação do operariado nacional
e de uma cultura do trabalho, inexistentes em uma sociedade
552
553
Neste trabalho, partimos do crítico Adalberto Mattos para pensar
algumas questões postas no ensino artístico, em seus diferentes
níveis. Mattos teceu comentários não apenas sobre mudanças
que julgava serem necessárias à modernização da ENBA, mas
também aquelas relativas às escolas de ensino técnico-artístico,
como o Liceu de Artes e Ofícios, e também às aulas de desenho
no ensino primário. Suas palavras não estão sozinhas, contudo.
Elas envolvem diferentes personalidades do campo político,
intelectual e artístico, tornando-se possível compreender quais
eram as suas leituras, quais exemplos seus contemporâneos
deveriam seguir, a quem se dirigia e quais as possibilidades
para o desenlace de algumas questões. Para empreender essa
pesquisa, analisaremos, portanto, alguns artigos de sua autoria
em diferentes revistas da década de 20, período em que mais
atua na imprensa carioca, e as relações estabelecidas com outros
autores no mesmo momento. Em alguns momentos, a im de
contextualizar o debate a horizontes temporais mais amplos,
Entre a sala de aula e o Salão:
a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20
/ João Victor Rossetti Brancato
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
faremos referências a conjunturas distintas.
pretativa da beleza, auscultou, com acuidade profunda, o sentido
alto da vida, o próprio pensamento das formas. Realizou, então,
a imortalidade individual da natureza, que, no meu conceito, é a
deinição da própria arte. (RIBEIRO, 1922a)
O ensino do artista
Em abril de 1922, na primeira página do jornal O Paiz, um
título em caixa alta chamava a atenção: O conselho de Renoir.
Tratava-se do primeiro de uma série de três artigos escritos pelo
crítico de arte Fléxa Ribeiro versando sobre o ensino artístico.
Partindo do desgosto dos novos artistas para com o desenho,
supondo-o desnecessário à formação, Fléxa observa como
alguns deles, portadores de grande sensibilidade, são incapazes
de criar o belo pela inabilidade na apreensão das formas a partir
da observação. Esse tipo de atitude com o desenho, diz ele, leva
a um artista que:
Reforçando essa ideia, no terceiro artigo da série, O modelo vivo,
Fléxa Ribeiro (1922c) exalta a obra de Jules Grandjouan, considerado por ele o mestre do desenho moderno. Essa alcunha nos
ajuda até mesmo a pensar quais os referenciais e expectativas
tinha Fléxa em relação aos artistas brasileiros. Destaca ainda,
particularmente, os desenhos feitos pelo artista na escola de
Darmstadt, de Elizabeth Duncan, “tirados do instantâneo”.
Grandjouan fez inúmeros desenhos de Isadora Duncan –
célebre norte-americana que revolucionou a dança no início
do século XX –, reunidos e publicados em 1912. A suavidade
de suas linhas elementares e sinuosas, marcando o corpo e as
vestes da dançarina e agradando o olhar mais despretensioso,
de fato captura a leveza da dança profundamente espiritual
reavivada por Duncan a partir da tradição grega [Imagens 1 e 2].
Grandjouan, parafraseando Fléxa, foi capaz de imortalizar uma
fração da natureza, a própria vida humana, na forma de Isadora.
só consegue operar um quadro de banal simetria, em que os
insultos e ultrajes à natureza, à anatomia, ao simples bom gosto,
se agrupam e disseminam, transformando a obra em humorada
de diabo coxo. (RIBEIRO, 1922a)
Posicionando Fléxa em um antigo debate, certamente ele não
se consideraria um poussinista. Aliás, vale lembrar sua paixão
por Rubens, que o inspirou, em 1917, a escrever a tese para a
cátedra de História da Arte da ENBA (AGUIAR, 2011). Em
O conselho de Renoir, o crítico sugere também a superioridade
de Delacroix sobre Ingres, já que “penetrou mais profundo no
mistério genesíaco do ser”, mas tampouco descarta a importância do desenho na formação do artista. Seu longo estudo
disciplina a mão, desvenda os segredos da forma e do modelado.
Há, contudo, uma ressalva sobre esse aprendizado, que o insere
em uma discussão sobre a modernização da Escola. Copiar
estampas e moldes de gesso não eram o bastante. Nem menos
produzir academias poderia ser o suiciente. Para uma exímia
formação, o desenho deveria ser feito a partir de modelos livres,
em movimento.
Já na estatuária, foi Rodin o que mais conferiu movimento às
esculturas. E se assim o fez, foi por sua própria recusa às poses
convencionais dos modelos. Do contrário, deixava-os livres
no ateliê, e capturava seus movimentos a partir da observação
arguta. A inluência de seu mestre no ensino de desenho, Lecoq
de Boisbaudran, é muito clara. Elaine Dias (2007), em estudo
sobre a história do modelo-vivo no século XIX, cita trecho
de Éducation de la mémoire pittoresque, de 1862, em que o
professor de Rodin destaca a importância de se desenhar os
modelos em ação no ateliê, guardando na memória as linhas
de movimento para colocá-las no papel. Assim, a modernização
proposta por Fléxa Ribeiro se insere no debate da escola francesa
que, conforme Elaine Dias, não seria implementado, ao menos
até o inal do século XIX.
Só assim ele [o artista] obterá a expressão individual e única do
“caráter”. E poderá dizer que escravizou uma modalidade inter554
555
Voltando ao artigo, Fléxa conclui que existem certas “ideias no
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desenho”, e essas são vocacionais, portanto incapazes de serem
ensinadas, mas que nenhum artista jamais tornara-se tal sem
antes conhecer a ciência do desenho. Daumier e Degas são casos
dessa impressionante habilidade, mas é a Pierre-Auguste Renoir
que devem seguir o exemplo. O pintor não era tão talentoso
quanto Degas no desenho, airma o crítico, porém mesmo em
sua velhice, já paralítico, com o pincel amarrado entre os dedos,
fora capaz de criar telas preciosas. A resposta para isso seria
dada pelo próprio Renoir em diálogo com um amigo, caso que
Fléxa transcreve:
revelar com intensidade, ela só, um total de beleza, - sem
corpo de mulher, nas suas curvas numerosas e perturbantes, ao passo que contornos, sem digniicação, superfícies mortas,
laboriosamente desenhados [sic], com excelências caligráicas,
nada exprimem além da cópia inerme e insigniicante; não
nos enlevam, não nos comovem. (RIBEIRO, 1922b)
Retomando o terceiro artigo, em que algumas conclusões icam
mais evidentes, o professor sugere como im do tirocínio escolar
a elaboração do croqui. A aproximação com Baudelaire e O
pintor da vida moderna, de 1863, torna-se então admirável,
relativamente ao que airma sobre o croqui de costumes, representações do presente em que a agilidade do pintor deve ser
semelhante à da vida em movimento, fugaz, efêmera. Infere
Fléxa:
- No seu estado ainda pinta com esse vigor; com essa
veracidade; imagine se tivesse as mãos. [...]
- Eu não pinto com a mão; pinto com o cérebro. Se me
amarrassem o pincel no pé, eu pintaria da mesma forma,
concluiu o artista, com leve emoção na voz. (RIBEIRO,
1922a)
Aliás, e mais modestamente um croquis se faz dando liberdade
aos modelos; ou melhor ainda, contemplando a rua, na sua
rica agitação, no inesperado de seu pitoresco. (RIBEIRO,
1922c)
Renoir subordina a habilidade manual à apreensão das formas
no cérebro. Abraçando esse conselho, os artistas estariam no
caminho certo, segundo Fléxa; contudo, para aplicar a lição do
pintor deveriam, em todo o caso, estudar as formas em ação.
É o que o crítico analisa mais detidamente no segundo artigo,
O desenho e o modelo. Sobre o ensino a partir de estampas,
diz ser “deplorável”. Os moldes em gesso, suportáveis, uma vez
que vê neles algumas qualidades para o ensino de aprendizes,
porém prejudiciais a longo prazo. Fléxa airma que no gesso não
há surpresas, e o artista assim se torna incapaz, no futuro, de
captar as linhas elementares a partir do movimento. O modelovivo, nesse sentido, é um avanço no ensino, contudo as poses
são artiiciais, imóveis, e portanto, contrárias à própria dinâmica
da vida. É como desenhar um cadáver, que pode ser prolongadamente estudado e corrigido até atingir um estado ideal. Por
outro lado:
A linha lançada com ímpeto, com fuga e inspiração, pode
Ser capaz de “kodakizar a vida”, eis, por im, a síntese daquilo
que Fléxa concebia como um moderno ensino de Belas Artes, a
exemplo das aulas de desenho do professor japonês Kanawabe
Kyosai, também citado, que levava seus alunos ao ar livre para
desenhar os animais soltos na natureza. Do contrário, o crítico
estabelece um cruel diagnóstico: reside no erro do ensino
artístico o atraso e a pobreza da arte brasileira.
556
557
Destacamos aqui algumas produções historiográicas sobre os
modelos-vivos no Brasil buscando relacionar às proposições de
Fléxa e Mattos. Ivan Coelho de Sá (2009) analisa as academias
de artistas e como ocorre um gradual processo de “desacademização” dos estudos de modelos-vivos entre os inais do
XIX e início do XX. Dentre as impregnações estilísticas que
repercutiriam no Brasil, destaca a impressionista, possível de
ser observada em trabalhos de Visconti, Cavalleiro ou do casal
Albuquerque. As poses não-clássicas, o interesse nas curvas e
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no movimento das iguras são as aproximações que julgamos
possíveis às aspirações dos críticos para a arte brasileira.
Contudo, o problema do movimento aqui é solucionado com o
modelo posado a partir do fazer pictórico, ou seja, das pinceladas
mais livres e marcadas na tela, e não pela apreensão das formas
a partir dos modelos em movimento.
e verdadeira? Quando por essa estrada chegamos mais
rapidamente à meta desejada? (MATTOS, 1922a)
O ensino da criança
Na edição seguinte de O Malho, Adalberto escreve O ensino
de desenho nas escolas primárias. Podemos somente imaginar
se fora a discussão levantada por Fléxa o motor para que se
debruçasse no assunto, mas seu próprio texto indica que já não
era a primeira vez que tratava sobre isso. Também é fundamental observar que Mattos, gravador de medalhas, ex-aluno da
ENBA, discípulo de Zeferino da Costa e Girardet, era professor
de desenho e gravura no Liceu de Artes e Ofícios à época, e
já possuía experiência enquanto docente de outras instituições,
como o Instituto La-Fayette e a Escola Remington (LEVY,2003).
Portanto, o assunto do qual trata não parte simplesmente do lugar
da crítica de arte ou do artista, mas simultaneamente daquele
que está dentro da sala de aula, e compreende as diiculdades e
implicações dos programas de ensino, da infraestrutura escolar,
da formação dos alunos e dos próprios professores.
A importância conferida ao movimento nos estudos de academias
durante a Primeira República é também objeto de exame de
Arthur Valle (2007). Segundo o autor, nos escritos de Cavalleiro
e Zeferino da Costa existe uma atenção à caracterização das
linhas gerais de movimentação das iguras que caminha no
sentido de dar naturalidade às poses dos modelos. A problemática do movimento nas teses novamente entra em choque
com a questão enunciada por Fléxa, já que se constituem apenas
como um primeiro passo à realização das academias, a qual
sucederiam os contornos lineares, os modelados, etc., enquanto
o crítico parece depreciar os passos seguintes, conferindo certa
autonomia às linhas.
Adalberto Mattos lera a coluna de Fléxa Ribeiro n’O Paiz
e comentara-a dias depois na revista O Malho. Seu tom é de
ampla concordância e felicidade para com as palavras do
professor, sugerindo ainda que fosse “estudado, lido, relido, e
decorado” por professores e alunos da ENBA. Mattos enfatiza
o prolongado tempo que o estudante permanece a copiar os
gessos, e quando inalmente avança aos modelos vivos, eles
são “estropiados de forma e proporção, sem cor, verdadeiros
autômatos, sem a menor expressão de vida ou sentimento”. O
ensino precário torna-se assim responsável pela falta de criatividade e fantasia dos artistas, fundamentais para o desenvolvimento da arte, contrapondo em seguida a tradição do ensino à
modernidade de uma nova experiência:
O que importam, porém os séculos, quando a experiência
nos aponta uma estrada mais verossímil, mais racional
Nesse artigo, o tom era diverso daquele em resposta à Fléxa.
Adalberto dirige-se às autoridades administrativas, que segundo
ele, entregam importantes responsabilidades às mãos de leigos.
Sobre o ensino qualquer um opina e pratica, sem conhecimento
e formação. Expondo o programa de desenho das escolas
primárias do Distrito Federal, critica-o ferrenhamente:
Não é preciso ser pedagogo ou proissional para compreender
e veriicar a quantidade de incoerências e absurdos que
depois de cento e seis anos de ensino artístico oicial, as
administrações municipais não tenham a exata compreensão
das coisas de arte e do verdadeiro critério para o ensino do
desenho. (MATTOS, 1922b)
558
559
O ensino de desenho às crianças do 1º ao 5º ano exigia dos alunos,
basicamente, que através da cópia, do ditado e da composição
por memória realizassem desde desenhos de sinais óticos de
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trânsito (1º ano) a temáticas da história do Brasil e da literatura
(5º ano). Segundo Adalberto Mattos, um programa tão exigente,
que chega a cobrar de uma criança de 12 anos um desenho
retratando o folclore brasileiro, algo que apenas um aluno do
3º ano da Escola Nacional de Belas Artes poderia fazer, não
apenas depõe contra a cultura pedagógica, como se torna um
engodo aos próprios professores municipais, cientes de que isso
é impossível. O problema resvala ainda na própria formação
destes, na Escola Normal, que apesar de terem docentes
brilhantes (alguns oriundos da ENBA), não dispõem de carga
horária de formação adequada para posteriormente ministrarem
aulas de desenho às crianças. Um problema estrutural que afeta
diferentes níveis de ensino e por isso multiplica a má formação
das crianças, fruto do descaso do poder público para com as
questões ligadas à arte no Brasil.
nas salas de aula. Acreditamos que Mattos se reira a Francisco
Ferreira da Rosa (1864-1952), escritor e docente de inúmeras
instituições ao longo de sua trajetória, dentre elas o Colégio
Militar do Rio de Janeiro e a Escola Normal (ARQUIVO,
2015). Em tal trabalho, o pedagogo faria referência às inúmeras
contribuições do desenho à formação dos indivíduos. Suas
razões são, sobretudo, por uma elevação mental e espiritual
capaz de despertar sentimentos estéticos positivos à vida
cotidiana, mas também à vida proissional, enquanto “pedra
angular” de todas as proissões, masculinas e femininas, em
uma educação chamada moderna. Nesse sentido, começamos
a perceber uma das questões de crucial importância à vida do
homem moderno no Brasil, prenunciadas no século XIX pelo
crítico Felix Ferreira, além de Rui Barbosa, o qual abordaremos
a seguir, também objeto de atenção de Dazzi (2011).
A importância do ensino de desenho para formação do
brasileiro é alvo de atenção própria em um artigo de Mattos
no mês seguinte na mesma revista, tomando como justiicativa
a aproximação dos eventos para o Centenário e a correria das
escolas no preparo de suas contribuições às comemorações. O
professor denuncia o que vai acontecer, a exemplo de exposições
anteriores, e reforça a culpa dos responsáveis:
No discurso O desenho e a arte industrial, de 1882, no Liceu de
Artes e Ofícios, Rui Barbosa elogiava a nobre função da instituição, que buscava favorecer o desenvolvimento da indústria
nacional. Na ocasião, relacionava-a ao fortalecimento do ensino
de desenho nas escolas primárias:
O dia em que o desenho e a modelação começarem a fazer
parte obrigatória do plano de estudos na vida do ensino
nacional datará o começo da história da indústria e da
arte no Brasil. [...] Semear o desenho imperativamente nas
escolas primárias, abrir-lhe escolas especiais, fundar para os
operários aulas noturnas desse gênero, assegurar-lhe vasto
espaço no programa das escolas normais [...] – eis o roteiro
dessa conquista, a que estão ligados os destinos da pátria.
Não é uma aspiração do futuro; é uma exigência da atualidade
mais atual, mais perfeitamente realizável, mais urgentemente
instante. Só o não compreenderão os incapazes de perceber
a importância suprema da educação popular. (BARBOSA,
p.16)
É comum ver-se objetos comprados, conservando muitas
vezes as etiquetas com preços e indicações das lojas de
arrabaldes. Quando não são comprados, são confeccionados
pelos professores habilidosos, tendo dos alunos unicamente
o nome!
Tudo isso se dá pela falta de critério, ignorância do desenho
e incompetência dos organizadores de programas escolares,
e pela desídia de politicagem dos que, pelas circunstâncias
de momento, se encontram à frente das administrações.
(MATTOS, 1922c)
Conforme o autor, dentre os muitos que falam sobre o ensino
primário, a maioria inadvertidamente, emerge o pedagogo
Ferreira da Rosa, que publicara um trabalho sobre o desenho
560
561
À enunciada urgência, clamada por Barbosa, segue o exemplo
inglês na Exposição de Londres de 1851, quando, a despeito
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de elevar o Brasil a um status de Nação moderna. As considerações de Theodoro Braga sobre o assunto serão, assim, de igual
importância a ele.
da participação francesa, incontestavelmente superior pelo
reinamento artístico de seus produtos, “o colosso recebeu
a mais severa das humilhações. A deformidade do ciclope foi
desbaratada por uma onipotência impalpável: a do ideal, transmitido à matéria pela mão hábil do artista” (BARBOSA, p.4)
A solução encontrada pela Inglaterra foi posta em prática
rapidamente, investindo massivamente no ensino de desenho
e encontrando resultados já na Exposição de 1862, conforme
airma em seguida Barbosa. O Brasil, como ica subentendido,
deveria seguir o exemplo inglês.
O ensino do operário
Na revista Illustração Brasileira de setembro de 1922, Theodoro
Braga tomava uma página para um assunto recorrente no campo
artístico: a nacionalização da arte brasileira. Sua tônica, todavia,
era diferente dos outros críticos. A grande Arte Nacional –
aquela dos Salões – já se encontraria no caminho correto,
“entregue à Mocidade Brasileira”. Restava a nacionalização das
Artes Aplicadas.
Adalberto Mattos, por sua vez, não apenas conhecia o discurso
de Rui Barbosa como o transcrevera parcialmente em texto
de sua autoria de 1925, publicado na revista A Educação. No
artigo, enaltecia o esforço do intelectual e frisava a ineiciência
das inúmeras reformas postas a cabo desde então. Sempre
propositivo, criticava novamente o programa de desenho nas
escolas primárias e citava pensadores que deveriam orientar as
novas diretrizes do ensino na área, como os argentinos Victor
Mercante e Martín Malharro. No inal da década de 20, em
artigo dedicado a Vicente Licínio Cardoso, então ocupando o
cargo de subdiretor técnico da Diretoria de Instrução Pública
do Distrito Federal, Mattos relacionava a Exposição Londrina
de 1851 a escritos de franceses sobre as artes industriais, como
Charles Dupin, Ferdinand de Lasteyrie e Charles Laboulaye
(MATTOS, 1928).
Nosso crítico e professor, conforme procurou-se demonstrar
até aqui, tinha conhecimento de autores que tratavam da
importância do ensino de desenho, tecendo fortes críticas aos
currículos escolares primários e propondo modiicações a partir
de novos referenciais teóricos, modernos. Uma boa educação
escolar infantil, calcada em “corretos métodos” de aprendizado
do desenho era crucial para a sua aplicabilidade posterior
no mundo do trabalho. Um mundo que se apresentava como
urbano, que se queria industrial, mas que ainda permanecia
predominantemente rural. Adalberto tinha em mente o mesmo
que Rui Barbosa no século anterior: a reforma do ensino a im
A chave da nacionalização na arte em Theodoro Braga retoma
uma das questões caras a Rui Barbosa: o ensino artístico nas
escolas técnicas. E não era a primeira vez que escrevia sobre isso.
No inal do ano anterior, o artista discorrera sobre a aplicação
de elementos ornamentais brasileiros na arte decorativa
(BRAGA,1921). Aliás, Braga despendeu consideráveis esforços
no assunto, fato este perceptível tanto nas obras expostas nos
Salões anuais quanto em seus manuscritos, estudados por
Patrícia Godoy (2012).
A Primeira Guerra permeia o parágrafo inicial do texto.
Passadas as batalhas que moveram o mundo na “retrógrada
Europa civilizada”, Braga propõe o aproveitamento do “delírio
patriótico” desperto nos brasileiros em um novo campo de ação
– a arte. E para nacionalizá-la é necessário que isso se inicie
pelo operariado, nas escolas de ensino artístico-técnico. Eis o
ponto central do autor, a proissionalização do operário, incentivando o domínio técnico e a capacidade criativa, como destaca
um pouco à frente:
Já é tempo de cuidar-se do operário nacional; educá-lo a im
de que um dia a sua inteligência esteja dentro de sua obra
e que esta represente alguma coisa de sua pátria; que ele
execute o que o seu espírito inventou e que a habilidade de
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Imaginamos que o crítico, ao comentar sobre o estrangeirismo,
referia-se à mesma questão posta por Theodoro Braga na Illustração Brasileira do ano anterior. Trata-se do uso dos catálogos
estrangeiros, “cabotinos e sem valor”. Em seu lugar, Mattos
recorreria aos álbuns do artista paraense. Theodoro ainda
voltaria à cena nas colunas de Adalberto Mattos algumas
vezes. Em uma delas, Ex-libris de Theodoro Braga, publicada
em agosto na seção Bellas Artes de O Malho, o crítico izera
menção a um nome no mínimo interessante:
suas mãos responda à delicadeza desse espírito criador. O
Instituto será uma escola de vida intensa de luta, de trabalho
e de preocupação espiritual, única forja onde se temperam a
alma, o cérebro e o corpo. (BRAGA,1922)
Theodoro Braga critica em seguida os moldes atuais em que se
ensinam os operários nas oicinas. Com pouca instrução, por
vezes sem saber ao menos ler ou pensar diferente, repetem os
modelos já consagrados, escravos dos catálogos estrangeiros,
atroiadores do cérebro, não tendo, consequentemente, o mínimo
valor artístico. A saída está na estilização de motivos nacionais:
Monteiro Lobato encontrou em Theodoro Braga o iel
tradutor do seu pensamento rebelado de brasileiro: “Coe-se
a arte colonial através de um temperamento profundamente
esteta, ilho da terra, produto do ambiente, alma aberta à
compreensão amorosa da nossa Natureza...”
Theodoro Braga assim fez; criou sem copiar o acanto, sem
decalcar as volutas caprichosas do Jônico nem os trevos do
gótico.
Bebeu a inspiração nos motivos brasileiros, na folhagem
poliforme, na linha caprichosa dos frutos e na “silhouette”
graciosa das aves. (MATTOS, 1923b)
[...] já era tempo de tê-la nossa, muito nossa, a arte brasílica,
inspirada na nossa lora esplendidamente bela e luxuriante e
na nossa fauna exótica e desconhecida, típica e extravagante,
sem precisar ir buscar, no ininito campo das combinações
geométricas, novidades inesgotáveis e originais. (BRAGA,
1922)
No Salão de Belas Artes de 1922, o artista expôs dois álbuns
sobre a fauna e a lora brasileiras aplicadas à decoração na
Seção de Artes Aplicadas, praticando aquilo que considerava
fundamental em seus textos. Nesse ano é também premiado
com a pequena medalha de ouro. A repercussão de suas obras
é notada pela crítica da época. Adalberto Mattos, comentando
a Exposição de 22, cita Braga e a relevância de sua empreitada:
A maior parte do seu tempo foi dedicada ao estudo de
estilização da nossa lora, conseguindo realizar uma obra
notável e patriótica, merecedora do apoio do governo, que
deve ser publicada para divulgação do que é possível fazer
unicamente com elementos nossos. [...]
Theodoro Braga é o elemento que as nossas escolas proissionais precisam para caminhar sem recorrer ao estrangeiro
na maior das vezes cabotino e sem valor...
Toda a coleção apresentada pelo artista é de um valor indiscutível sob todos os pontos de vista artísticos e didáticos.
(MATTOS, 1923a)
Na análise de Adalberto Mattos sobre o artista, a partir da
produção de Lobato, Theodoro Braga teria sido capaz de
resistir ao estrangeirismo, criando novos horizontes para uma
arte brasileira. Compreendeu e interpretou a sua natureza e seu
povo, dedicando-se tanto à fauna e lora típicas quanto à arte
indígena. O paralelo com a importância que Lobato dedicara
a Almeida Júnior é incontestável; o pintor ituano fora aquele
que compreendera e interpretara o interior de São Paulo, representando o caipira. Braga, o pintor paraense, voltara-se à própria
terra na busca da síntese de motivos ornamentais nacionais.
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Ao longo de toda a década de 20 e além, Theodoro Braga
investiria na questão do ornamento nas artes brasileiras. Patrícia
Godoy traça inúmeras publicações ao longo da década de 20 e 30
que dialogam com a obra de Braga em Carlos Hadler: apóstolo
de uma arte nacionalista, demonstrando como o assunto era
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de fato intenso e fora absorvido por outros artistas. Plínio
Cavalcanti, Flávio Brandt, Fléxa Ribeiro, Edgar Roquete-Pinto
e Frederico Carlos Hoehne são alguns dos citados por Godoy
(2004, p.22-27) que se enquadram nesse debate. A historiadora
também destaca a importância da crítica de Mário de Andrade
sobre as exposições da escola proissional de Carlos Hadler,
professor que aplicara os métodos de Theodoro Braga em Rio
Claro. Em publicação no Diário Nacional de 1928, Mário louva
as obras em exposição dos alunos de Hadler e aprofunda as
possibilidades de motivos nacionais a serem estilizados a im
de uma arte nacional. Para o crítico, seria necessário não apenas
expandir os motivos, mas também incluir os escassos processos
nacionais, como as rendas do nordeste. Concluindo, Mário
airma:
poderoso das Academias de Belas Artes, e ter como desfecho
Mário de Andrade, o grande expoente do Modernismo vitorioso,
pode parecer contraditório. Aproximar o moderno crítico da
Semana de 22 àqueles que entrariam para a História como os
passadistas, antimodernos, poderia ser considerado um ultraje.
Contudo, a mera possibilidade de enxergar horizontes comuns
entre ambos os grupos nos faz questionar até que ponto são tão
divergentes – ou ao menos em quais pontos são convergentes.
Existe algo mais nas entrelinhas de todas as discussões
apresentadas até aqui. Mais do que o lugar do desenho nas
escolas primárias, o ponto nevrálgico é a função da educação
escolar em uma sociedade em urbanização. Muito além de
motivos decorativos nacionais, discute-se especialização de
mão-de-obra, encorajamento do desenvolvimento fabril,
formação de consciência nacional. Como ignorar então todo
o potencial do debate que se trava nos derradeiros anos do
século XIX e se perpetua vigorosamente nas décadas seguintes
envolvendo políticos, artistas, críticos, em questões extremamente contemporâneas à própria noção de Modernidade?
Se nos casos estudados elas não são tratadas explicitamente é
porque permeiam um corpus mais amplo de relexões acerca
do desenvolvimento de um Brasil moderno. Ou, em síntese, nas
palavras de Annateresa Fabris (1994, p.18), “a questão moderna
é um dado fundamental na produção cultural dos primeiros
anos do nosso século e não uma súbita descoberta do grupo de
São Paulo por volta da década de 1920”.
Ora, duma concordância do motivo nacional com os
elementos tradicionais brasileiros ou indígenas de decoração
pode com rapidez se formar uma arte decorativa que se não
for inconscientemente nacional (coisa que leva séculos) é
necessariamente nacional. (ANDRADE, 1928)
Ainal, não havia grandes divergências entre as formulações de
Theodoro Braga, aplicadas por Carlos Hadler, e as aspirações
de Mário de Andrade, opinião que Godoy parece concordar
(2004, p.27-30) O modernista paulista propunha ao diretor da
escola de Rio Claro a ampliação dos motivos possíveis, mas
tinha um olhar profundamente positivo ao legado de Braga.
Por analogia, os críticos Adalberto Mattos e Mário de Andrade
também não parecem ter julgamentos tão díspares acerca da
importância da estilização de motivos nacionais aos ornatos.
Essas considerações podem ser entendidas no mesmo sentido
das semelhanças apontadas por Chiarelli (2007) entre o crítico
modernista e Monteiro Lobato.
Por im, vale ressaltar a atuação de sujeitos como Adalberto
Mattos. Inseridos no campo artístico, delinearam seus interesses
no espaço público, representado sobretudo pela imprensa,
aprofundando debates essenciais à vida moderna. Admitir
esse gênero de discursos no interior da História da Arte é
enriquecê-la com novas possibilidades de análise e expandir a
compreensão das relações estabelecidas pelo campo artístico
com outros espaços.
Conclusão
Principiar com algumas relexões de época que exaltavam a
importância do desenho, talvez o elemento mais simbólico e
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BARBOSA, Rui. O desenho e a arte industrial. Fundação Casa de Rui Barbosa, p.16.
Acesso em: 27/07/2016.
BRAGA, Theodoro. Estylisação nacional de arte decorativa applicada. Revista Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, ano IX, dez 1921.
______. Nacionalisação da arte brasileira. Revista Illustração Brasileira, Rio de
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MATTOS, Adalberto. O modelo vivo. O Malho. Rio de Janeiro. 6 mai 1922, ed.1025.
______. O ensino nas escolas primárias. O Malho. Rio de Janeiro. 13 mai 1922,
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AMARAL, Claudio Silveira. John Ruskin e o ensino de desenho no Brasil. São
Paulo: Unesp, 2011.
BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
João Victor Rossetti Brancato é bacharel e licenciado em
História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2015) e
atualmente aluno de Mestrado do Programa de Pós-Graduação
em História pela mesma instituição, sob orientação da Prof.ª
Dr.ª Maraliz de Castro Vieira Christo e apoio da CAPES.
ARQUIVO Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Coleção Particular Ferreira da
Rosa (Versão Pesquisador). RJ: 2015. Disponível < http://www.rio.rj.gov.br/
dlstatic/10112/4203403/4136028/GuiadefundosFerreiradaRosaP.pdf>
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Entre a sala de aula e o Salão:
a crítica de arte e a importância do desenho nos anos 20
/ João Victor Rossetti Brancato
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
CHIARELLI, Tadeu. Pintura não é só beleza: a crítica de arte de Mário de Andrade.
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DAZZI, Camila. “Pôr em prática a reforma da antiga Academia”: a concepção e a
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DIAS, Elaine. Um breve percurso pela história do Modelo Vivo no Século XIX Princípios do método, a importância de Viollet Le Duc e o uso da fotograia. 19&20,
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GODOY, Patrícia Bueno. Carlos Hadler: apóstolo de uma arte nacionalista.
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LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposições Gerais da Academia Imperial e da Escola
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RODRIGUES, José Augusto Fialho. Natureza e temperamento: Adalberto Mattos
(1888-1966) e Fléxa Ribeiro (1884-1971) – concepções de moderno no Rio de Janeiro
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bastidores da escola nacional de belas artes durante a 1a República. In: III Encontro
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Esquecimento de
Maria Pardos:
“o primeiro nu
do Salon”
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Valéria Mendes Fasolato
Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon”
/ Valéria Mendes Fasolato
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Um seminu feminino e um nu masculino inseridos em cenas de
gênero; um retrato de peril e uma paisagem. O que poderíamos
dizer do conjunto levado a EGBA? Qual o objetivo da pintora?
Talvez estivesse almejando evidenciar sua habilidade para
compor uma cena envolvendo nus, um retrato e uma paisagem.
Esquecimento (ig. 1) chamou a atenção da crítica e acabou
lhe rendendo reprodução em jornais, revistas e, até mesmo, na
publicação de Laudelino Freire, “Um século de Pintura” de
1916. No jornal “A Época”, apenas duas pinturas das EGBA
foram reproduzidas: Esquecimento de Maria Pardos e Paisagem
do Binqhen (Petrópolis) de Baptista da Costa, evidenciando
sua boa recepção.
D. Maria Pardos expõe diversos quadros bem interessantes,
especialmente ‘Esquecimento’, que reputamos o primeiro
nu do ‘Salon’. A igura está desenhada com muita arte,
pintada com muito vigor e admiravelmente modelada. De
uma tonalidade muito justa e feliz, dá-nos a impressão de
um trabalho de alto valor artístico.
A pintura também foi exposta na Galeria Jorge, no ano seguinte,
em 1916, juntamente com outra discípula de Rodolfo Amoedo,
Regina Veiga. Diversos periódicos noticiaram o evento. A
“Revista da Semana”, por exemplo, divulgou duas páginas
sobre a exposição, intituladas “Mulheres Artistas”. Na página
destinada à Maria Pardos, evidencia-se Esquecimento (ig. 1)
ao lado da fotograia em close do rosto da artista5.
Chiquinho é igualmente um quadro apreciável, evidenciando as mesmas qualidades de desenho e irmeza do
Esquecimento. Luizinha tem uma bela cabeça, de uma
frescura de colorido muito agradável, mas não deixa bem
compreensível a forma do ombro direito, que nos parece
defeituoso. (MARCONDES, 1915)1
Exposição e circulação
É necessário um pequeno retorno acerca da trajetória de
Maria Pardos. A pintora começou a expor no salon em 1913,
apresentada nos catálogos como aluna de Rodolfo Amoedo.
Teve um início promissor, fora notada em sua primeira participação. No seu primeiro ano, recebeu menção honrosa de 1º
grau; em 1914, conquistou a medalha de bronze pela pintura
Sem Pão, e, em 1915, ganhou seu maior prêmio2, a pequena
medalha de prata. Podemos considerar 1915 o auge da sua
breve carreira. Maria Pardos3 (Zaragoza4, Espanha, c. 1866Rio de Janeiro, Brasil, 1928) expôs Esquecimento (ig. 1) nas
Exposições Gerais de Belas Artes (EGBA), de 1915, juntamente
com três obras: Chiquinho, Luizinha e Jardim abandonado.
574
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Localizamos outra reprodução da pintura na revista “Careta”,
do dia 29 de outubro de 1916, também por ocasião da exposição
da Galeria Jorge. Abaixo da imagem, a seguinte descrição: “D.
Maria Pardos – quadro premiado com a pequena medalha de
prata no Salão de 1915.” O texto da página não tem ligação
alguma com as reproduções das obras de Regina Veiga e de
Maria Pardos. Mas a frase colocada abaixo da pintura Esquecimento (ig. 1) faz pensar em algo maior. Abre-se neste ponto
uma questão mais ampla do que o estudo particular de uma
obra e de uma artista. Consideremos o fato de Maria Pardos
não ter sido aluna da ENBA (Escola Nacional de Belas Artes)
e que a Galeria Jorge funcionava como espaço extraoicial de
apresentação de produção artística, voltado para atender os
colecionadores interessados em adquirir bons trabalhos. São
dois assuntos articulados entre si, que merecem uma investigação mais atenta para entender tal cenário e as mudanças
em curso.
Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon”
/ Valéria Mendes Fasolato
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A obra como imagem
O primeiro se liga à formação de artistas, seja de homens ou
de mulheres, fora da academia. Como se dava a formação
dos artistas a ponto de alunos, que não eram matriculados
na ENBA, conseguirem chegar a expor em espaço de atuação
oicial, nas EGBA? Maria Pardos, para usar o termo do catálogo,
“discípula” de Rodolfo Amoedo, participou das EGBA assim
como Regina Veiga, a outra “discípula” do mestre. Regina
começou seus estudos no Brasil e com apenas 16 anos, expôs
nas EGBA sem ser aluna da ENBA. Interessante comparar a
trajetória dessas artistas. Regina Veiga viajou para a Europa,
estudou na Academia Julian em Paris, e, em Munique, onde
teve por mestre Heilmann (RUBENS, 1941, p. 239). Viajou com
recursos próprios, ou seja, não contou com prêmio de viagem.
Mediante esses casos particulares, vale salientar a importância
de se investigar o grupo de artistas que se prepararam de formas
diversas, como elas, fora da instituição oicial de formação de
artistas brasileiros. Outros professores também atuavam em
ateliês particulares, e outros alunos também não frequentaram
a ENBA e participaram da EGBA.
Após abarcar a circulação da obra em ocasião da concepção
e exposição, evidencia-se a importância desta pintura para a
trajetória de Maria Pardos enquanto artista. A tela logrou o
maior prêmio da sua carreira, foi comentada e teve imagens
divulgadas nos periódicos da época e em uma publicação de
livro. Mas Esquecimento (ig. 1) como imagem, o que pode nos
dizer?
Uma mulher branca, de cabelos castanhos, deitada sob uma
superfície estampada, sobre a qual não sabemos ao certo
se é um tapete ou uma colcha, devido ao recorte do enquadramento. A pose sanfonada da modelo a espreme na tela,
transformando-a em uma gigante. O tronco está elevado por
uma almofada igualmente estampada, braços erguidos, e
pernas lexionadas e dobradas. Há um jarro no lado direto, ao
fundo, ocupando toda a altura da tela. A mulher, o vaso e as
estampas lembram a pintura orientalista (CHRISTO, 2012, p.
182). Um tecido dourado, brocado sobrepõe um lençol branco
que é notado apenas com a borda aparente em contato com
seu corpo, deixando à mostra apenas sua mama direita, braços,
cabeça e pés. O busto é bem trabalhado e seus pés têm uma
aparência suja.
O segundo assunto está ligado aos ambientes extraoiciais,
como o citado neste caso particular: o da Galeria Jorge.
Tarasantchi (2008, p. 56) fala sobre a importância do espaço
por ser o “único local onde o colecionador podia abastecer-se
de obras de arte, tanto estrangeiras como nacionais, sem ter
de esperar as individuais”. Para além da função de abastecer o
comércio de arte, abre-se a questão de interdependência entre
espaços, do oicial e do extraoicial. Voltando ao caso particular
de Maria Pardos, por exemplo, era importante para a Galeria
Jorge dizer que a artista e a obra exposta em suas paredes
haviam passado pelas EGBA e pelo julgamento oicial, necessitando divulgar o prêmio recebido: com Esquecimento (ig. 1)
aconteceu assim. Entendendo que essas questões faziam parte
engrenagem do mercado de arte, não é pretensão, deste estudo,
resolvê-las; contudo, pontuá-las tornou-se necessário.
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Essa pintura é considerada um seminu; das obras que
conhecemos da artista é, sem dúvida, a mais sensual,
apresentando um olhar, quase hipnótico de cansaço e cabelos
desgrenhados. A modelo está paralisada, sem a pretensão
de alguma ação, quase dormindo ou acordando. Seu braço
direito levantado deixa aparente uma mancha escura, representando possíveis pelos nas axilas, também determinantes de
sensualismo. A mulher não é foco de voyeurismo: o contrário
acontece, a personagem ita o observador. O olhar é calmo, a
mulher parece entorpecida como quem acaba de acordar ou
cansada pela energia despendida por alguma atividade que
não nos é dada a conhecer. O título Esquecimento (ig. 1) pode
gerar diversas interpretações, a gosto do observador.
Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon”
/ Valéria Mendes Fasolato
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Figura 1: Pardos, Maria. Esquecimento, c. 1915, óleo sobre tela, 76 x 105
cm, Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora – M.G.
Figura 2: Pardos, Maria. Zuleika, 1918, óleo sobre tela, 100 x 155 cm,
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Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora – MG.
Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon”
/ Valéria Mendes Fasolato
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
do Esquecimento (ig. 1) que, apesar do olhar entorpecido,
encara o espectador. Orientalizar ou tematizar uma academia
eram estratégias para legitimar um nu, mas não necessariamente para o voyerismo. Maria Pardos, em Esquecimento
(ig. 1) e em Zuleika (ig. 2), ao representar modelos encarando
o observador, impregna as telas da intenção de intimidade com
o espectador.
A almofada, o tapete e o grande jarro aparecem como álibis
para determinar que aquele não seja o espaço/tempo da
pintora, ligação direta com o orientalismo, assim como em
outra pintura sua, Zuleika (ig. 2). Maria Pardos não funda
nada novo, é possível encontrar referências orientais em nus
nas pinturas de artistas nacionais e internacionais. Um bom
exemplo é o Estudo de mulher6 (ig. 3) de seu mestre Rodolfo
Amoedo, exposto em 1884, há três décadas. Segue um trecho,
de Gonzaga Duque, em que descreve a academia: “A mulher,
nua, sobre um divã de seda escura, é vista de costas; tem
um dos braços caído para o chão, indolente, preguiçoso,
segurando uma ventarola chinesa.”7 Interessa para esta análise
as semelhanças de representações: ambas estão deitadas no
interior e possuem vários elementos orientais para situarem
as modelos para fora daquele tempo e lugar. Todo o ambiente
é pensado para a leitura do oriental, as estampas, os tecidos, a
ventarola, no caso de Rodolfo Amoedo, e o jarro, no caso de
Maria Pardos.
Ao compararmos com outras pinturas tematizadas, encontramos Danae (ig. 4), pintada por uma mulher importante
para a história da arte, Artemísia Gentileschi. O mito de Danae
consiste em que a ilha do rei de Argos é fecundada por Zeus, na
forma de uma cascata de ouro. Diversos artistas representaram
este tema desde a época clássica. Os tons avermelhados são
constantes na iconograia da princesa, como em Ticiano,
Fantin-Latour, Carolus-Duran, Comerre e Klimt. Danae (ig.
4) de Artemisia está com um dos braços erguidos e as pernas
estão articuladas e cruzadas como as da modelo de Esquecimento (ig. 1), de Maria Pardos. Quatro séculos separam as
representações, mas é inevitável o diálogo entre as mesmas. A
Danae (ig. 4) de Artemisia aparece com uma tensão corporal.
Enquanto o braço esquerdo erguido em direção a cabeça
apresenta uma sensualidade, o direito está abaixado com os
punhos cerrados, os membros inferiores se cruzam, em uma
recusa diante da possível fecundação por parte de Zeus, quase
um estupro. Prazer e repúdio se misturam. Outro exemplo da
pose de pernas articuladas e cruzadas é a Pietà de Delacroix.
Apesar do antagonismo apresentando uma história de dor da
mãe e do ilho, a pose sanfonada dialoga com Esquecimento.
Outra mulher adormecida é Baigneuse endormie près d’une
source, de 1850, de Chassériau, um artista francês. Apresenta
uma mulher adormecida perto de uma fonte sobre a relva
verde, uma banhista dormindo inserida na paisagem. Os
braços erguidos e cruzados sob sua cabeça fazem a vez de
um travesseiro. “As nádegas são protegidas por um drapeado,
da roupa que escondia a exuberância do corpo nu. A sexualidade alora de modo particular: a pele brilhosa é como que
suada e polida e os braços levantados deixam aparente os
pelos nas axilas.” (COSTA JR, 2014). Enquanto que a Ozy de
Chassériau dorme, o olhar da mulher de Esquecimento (ig.
1) é terno, calmo e entorpecido. Interessante notar a representação dos pelos nas axilas, semelhante à pintura de Maria
Pardos, ressalta-se a sensualidade incutida.
Le femme a la vague e Femme allongé nu sur le lit de Courbet,
também com braços erguidos, representações com grande
carga de sensualidade. As modelos aparecem com pelos nas
axilas, totalmente expostas ao voyeurismo. Nesse ponto difere
580
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Voltando à trajetória da artista, considerando seu período de
formação, é importante lembrar que se trata de uma discípula
de Rodolfo Amoedo. O professor atendia os alunos particulares, não matriculados na ENBA, em seu próprio atelier.
A evidência do fato é a nota dada em 1911: “No ‘atelier’,
onde tudo inspira franca simpatia, o visitante é idalgamente
acolhido, e sem que apareça o momento da cerimonia, alunos,
em número elevado, trocam ideias com o professor dedicado.”8
Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon”
/ Valéria Mendes Fasolato
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A entrevista a Amoedo fez parte de uma sequência apresentada
pelo periódico “A Imprensa”, que se ocupou de entrevistar
vários artistas em seu ambiente de trabalho. A coluna intitulada
“Em visita a arte” trouxe informações relevantes para entender
o processo de ensino do mestre. Por meio dessa entrevista
especíica, descobrimos que Rodolfo Amoedo se preocupava
com o conhecimento literário da arte e da estética, no que diz
respeito à idealização, à interpretação e à composição. Há pelo
menos um desenho de Maria Pardos que conirma o aprendizado do nu com o mestre; trata-se de desenhos de ambos,
professor e aluna, da mesma modelo.
mas Maria Pardos faz diferente: não dá a identidade para a sua
personagem, ao colocar o título, Esquecimento, está permitindo
interpretações diversas.
Esquecimento (ig. 1) aparece com força carnal assim como a
modelo de Un bain au sérail de Chassériau. Ambas estão no
interior, lançam seu olhar diretamente ao espectador e também
erguem os braços. Há duas criadas no quadro do francês, ela
está em pé, enquanto a mulher de Esquecimento (ig. 1) está
deitada e sozinha.
Podemos ver a concepção de Esquecimento (ig. 1) em seu
aspecto bem geral e esquemático, do corpo da igura feminina.
Há um trânsito entre o desejo de exibição das formas corporais,
que apesar de o tecido esconder grande parte de sua pele,
dá clara demarcação das curvas do corpo, com o domínio da
situação, mesmo entorpecida. A pose de braços estendidos
lembra algumas pinturas de Ingres, apesar de um tratamento
mais liso. Trata-se de Venus anadyomène e Odalisca com Escrava
Feminina. A pintura Odalisca com escrava feminina oferece um
diálogo direto com o que Maria Pardos faz em Esquecimento
(ig. 1); entretanto, são escolhas diferentes. Há uma cena mais
elaborada na pintura de Ingres, enquanto Maria Pardos escolhe
situar a academia no espaço oriental usando apenas o vaso. No
caso das estampas, Ingres é mais detalhista. Há um tecido rosado
delicado e transparente envolvendo suas pernas, quase uma
segunda pele, enquanto o panejamento em Esquecimento (ig.
1) é pesado e grosso. Os braços igualmente erguidos denotam
sensualidade. A Odalisca está em outro momento, o do descanso.
Quanto às referências para composições, o professor costumava
fazer pequenas digressões, pelas coleções nacionais e internacionais, por meio de estampas da Europa, levando seus alunos a
apreciar vários mestres. Amoedo acreditava em um aprendizado
prático. Sobre o desenho do nu, entendia que o aluno de pintura
não deveria aprender anatomia como um médico ou cirurgião,
bastava seguir os ensinamentos de seu mestre. A prática era
comum entre os artistas: idealizar uma nova composição com
referências em outras pinturas.
Clark é direto ao dizer que
“a tarefa do pintor era construir ou negociar uma relação
entre o corpo como fato particular e excessivo – aquela carne,
aquele contorno, aquelas marcas da mulher moderna – e o
corpo como signo, formal e generalizado, concebido como
emblema de serenidade e satisfação. O desejo aparecia no
nu, mas era mostrado deslocado, personiicado, não mais no
atributo da forma da mulher sem roupa.” (CLARK, 2004, p.
184)
O autor discute, de forma clara, as questões do corpo ao analisar
a obra Olympia de Manet, apresentando o que se esperava do
pintor e em que difere dos demais. Ao compararmos Esquecimento (ig. 1) com Olympia, encontramos semelhanças no
que diz respeito ao olhar, o cruzar das pernas e os pés sujos,
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Importante notar as diferenças entre as representações
apresentadas, os anseios que transparecem são próximos, o
corpo dado ao voyeurismo ou a intimidade conferida pelo olhar,
o orientalismo como álibi na composição. Maria Pardos não
funda uma nova maneira de representar o corpo feminino; para
usar uma expressão de Clark, transita em seu trabalho com o nu
entre o “decoro e o desejo”, dialogando com a pintura nacional
e estrangeira.
Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon”
/ Valéria Mendes Fasolato
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Figura 3: AMOEDO, Rodolpho. Estudo de Mulher, óleo sobre tela,
150,5 x 200 cm, 1884. Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro - RJ.
Figura 4: GENTILECHI, Artemisia. Danae, óleo sobre cobre,
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41,3 x 52,7 cm, 1612. Saint Louis Art Museum. Estados Unidos.
Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon”
/ Valéria Mendes Fasolato
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Notas:
7
(DUQUE apud ROSA, 2000, p. 77). Interessante o estudo da autora sobre
a pintura Estudo de nu, no qual, além de descortinar a crítica da época e a atual,
compara a composição com outras pinturas do próprio Amoedo, buscou elementos
que se repetem como o ambiente, o leque e a almofada. Ver ROSA, 2000, p. 77-89.
8
A IMPRENSA. Em visita arte. Rio de Janeiro, 10 de maio de 1911, ano VIII n.
1235, p. 1 e 2. Disponível em: < http://goo.gl/Trx7x4 > Acesso em: 03 maio 2014.
1
Esta nota foi corrigida dias depois de sua publicação, tirando a exaltação que
fazia ao nu de Maria Pardos. Segue a correção: “Onde se lê que D. Maria Pardos expõe
diversos quadros bem interessantes, especialmente “Esquecimento”, que “reputamos
o primeiro nu do “Salon” leia-se: “que reputamos um dos primeiros do Salon”
(MARCONDES, 1915a).
2
Conquistou a pequena medalha de prata com outros três artistas, a saber:
Sr. Henrique Cavalleiro, D. Sylvia Meyer e José Ferreira Dias Júnior. Ata da sessão do
Conselho Superior de Belas-Artes realizada em 21 de agosto de 1915, p. 51 (Acervo do
Museu D. João VI).
3
Este artigo trata da pintura Esquecimento; no entanto, havendo interesse pela
biograia de Maria Pardos ver o primeiro capítulo desenvolvido na dissertação de
mestrado (FASOLATO, 2014).
4
Certidão da escritura de Testamento, outorgante Maria Pardos.
Essa informação é inédita. Agradeço ao Douglas Fasolato a localização do testamento
de Maria Pardos, porque por meio dele sabemos hoje a origem da artista. “Disse ela
testadora chamar-se Maria Pardos, ser espanhola, natural de Zaragoza, ser solteira,
ser ilha legítima de Miguel Pardos e Rosalia Vicente Pardos.” (Testamento, 1939,
p.01-verso) Ainda agradeço à Sônia Garcia por ter guardado o documento e doado a
cópia do testamento, pedida ao cartório, pela família, datada de 1939.
5
Interessante notar, na mesma revista, a coluna feminista intitulada “Cartas de
Mulher”. A autora do texto, com o pseudônimo de Iracema, expõe toda sua admiração
enaltecendo a exposição “Pardos e Veiga” e o valor do trabalho ali apresentado para
o universo feminino. Coloca questões sobre a moral e o nu e lança a pergunta: “O
nu, em arte, é imoral? Um dado importante é que ela quantiica o nu levado pelas
duas pintoras: “A sra. Regina Veiga e também a Sra. Maria Pardos, como todo artista
pintor, estudaram a igura humana pelo modelo nu, e na exposição iguram bastantes
estudos desse gênero (sendo que dois da Sra. Maria Pardos e os restantes, uns
quinze, da sua ilustre companheira).” Revista da Semana. (Cartas de Mulher. Rio de
Janeiro, 04 de novembro de 1916; Ano XVII; n° 39; p. 18. MMP)
6
Essa obra chamou a atenção crítica no período em que foi exposta e ainda
hoje suscita debate. Estudos recentes buscam reletir sobre o possível escândalo
provocado pela obra. (MIGLIACCIO, 2007; ROSA, 2000)
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Valéria Mendes Fasolato é doutoranda em História (2015-2019)
- Instituto Ciências Humanas – Programa de Pós Graduação
em História da UFJF.
Esquecimento de Maria Pardos: “o primeiro nu do Salon”
/ Valéria Mendes Fasolato
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
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FREIRE, Laudelino. Um século de pintura – Apontamentos para a História da
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MARCONDES, Viriato. XXII Exposição da Escola de Belas Artes. A Época, Rio de
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______. XXII Exposição da E. N. de Belas-Artes. A Época, Rio de Janeiro, Ano IV, n.
1101, p. 1, segunda-feira, 30 de agosto de 1915(a).
______. XXII Exposição da E. N. de Belas-Artes. A Época, Rio de Janeiro, Ano IV, n.
1101, p. 1, segunda-feira, 30 de agosto de 1915(b).
MIGLIACCIO, Luciano. Rodolfo Amoedo. O mestre, deveríamos acrescentar.
19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 2, abr. 2007. Disponível em <http://www.dezenovevinte.net/artistas/ra_migliaccio.htm>.
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RUBENS, Carlos. Pequena História das artes plásticas no Brasil. São Paulo:
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TARASANTCHI, Ruth Sprung. Oscar Pereira da Silva. São Paulo: Empresa das
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588
589
A instituição da
ENBA e a coleção de
autógrafos no leque
da Viscondessa de
Cavalcanti:
escolhas pela
renovação
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Maraliz de Castro Vieira Christo
A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque
da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação
/ Maraliz de Castro Vieira Christo
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Viscondessa, convidando-a a recompô-las mentalmente.
Nesta comunicação analisaremos, em particular, a presença
dos quatro artistas brasileiros. Como grande parte dos
colecionadores brasileiros do inal do séc. XIX, a Viscondessa
dedicou-se à arte europeia, o que se relete igualmente nas
escolhas dos artistas signatários do leque. Quais relações se
pode estabelecer entre os artistas brasileiros e os europeus
presentes no leque? No momento em que o assinaram, que
papeis desempenhavam no sistema das artes plásticas no
Brasil? Que obras deixaram ixadas no leque e o que elas representavam na construção de suas memórias?
A Viscondessa de Cavalcanti reuniu, num leque, entre aproximadamente 1890 e 1945, mensagens e desenhos de 68 célebres
escritores, artistas, músicos, atores, cientistas, exploradores e
políticos de seu tempo.
Artistas brasileiros
Amélia Machado Cavalcanti (1852-1946), mulher culta,
nascida no Rio de Janeiro, casou-se jovem com Diogo Velho
Cavalcanti de Albuquerque (1829-1899), que fora deputado
geral, senador, presidente de várias províncias e ministro de
diversas pastas, enobrecido com o título de Visconde, em 1888.
O casal colecionava obras de arte e buscava conviver com o
meio intelectual, abrindo semanalmente as portas de suas
residências, no Rio de Janeiro ou em Paris, para animados
encontros.
Entre os signatários do leque destacam-se os artistas plásticos.
A Viscondessa privilegiou artistas consagrados nos salões
oiciais e requisitados pelo mercado artístico. Dezenove
deixaram suas mensagens, sendo doze franceses1 (Carolus
Duran, Charles Olivier de Penne, Eugène Guillaume, Jean
Beraud, Jean Léon Gérôme, Jules Worms, Léon Bonnat, Louis
Eugene Lambert, Louis Humbert, Louis Marie Schryver, Paul
Landowski, Rosa Bonheur), quatro brasileiros (Henrique
Bernardelli, João Zeferino da Costa, Pedro Weingartner e
Rodolpho Bernardelli) dois espanhóis (Raimundo Madrazo e
Salvador Sanchez-Barbudo Morales) e um português (Raphael
Bordallo Pinheiro). O fato de todos os pintores desenharem no
leque, tornou-o bastante singular. Os pintores reproduziram
detalhes das obras pelas quais gostariam de ser lembrados pela
A exemplo dos artistas franceses, os brasileiros signatários do
leque compõem uma unidade. Os irmãos Rodolpho (Guadalajara, México 1852 — Rio de Janeiro, 1931) e Henrique
Bernardelli (Valparaíso, Chile 1858 - Rio de Janeiro RJ 1936)
assim como, João Zeferino da Costa (Rio de Janeiro RJ 1840 idem 1915) e Pedro Weingartner (Porto Alegre, RS 1853 - idem
1929) estavam diretamente envolvidos na reestruturação da
antiga Academia Imperial de Belas Artes, transformada, com a
República, em Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Após
meses de intensos debates, onde se cogitou até o fechamento da
Academia (CAVALCANTI, 2007), em 8 de novembro de 1890
foram aprovados os estatutos da ENBA e do Conselho Superior
de Belas Artes, responsável pelo seu funcionamento. Em 14 do
mesmo mês, Rodolpho Bernardelli tornou-se diretor da ENBA
e, logo depois, também professor de Escultura. Igualmente,
João Zeferino da Costa fora nomeado vice-diretor e professor
de Modelo vivo. Em 30 de dezembro, Henrique Bernardelli
assumiria a Cadeira de Pintura e Pedro Weingartner ocuparia
a cadeira de Desenho Figurado, a partir de 28 de maio de 1891.
Camila Dazzi, em sua tese de doutoramento, caracteriza bem
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A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque
da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação
/ Maraliz de Castro Vieira Christo
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
valor artístico anteriormente ligados à corte, como Victor
Meirelles e Pedro Américo, mas preferiu os ditos novos, já
envolvidos com os projetos da República.
esse grupo:
(...) o grupo de professores selecionados para atuar nos
primeiros anos da Escola Nacional de Belas Artes possuía
uma deinição, uma unidade: artistas jovens cujos trabalhos
seguiam uma orientação que divergia das ‘velhas regras’ e
que eram tidos pela crítica como iniciadores da arte moderna
nacional – Henrique Bernardelli, Rodolpho Amoêdo, Pedro
Weingärtner, Modesto Brocos, Belmiro de Almeida e o
próprio [Rodolpho] Bernardelli.
Difícil precisar o contexto em que se deu o encontro entre a
Viscondessa e os artistas, mas Arthur de Azevedo, escrevendo
na A estação, jornal ilustrado para a família, sob o pseudônimo
de “Elóy, o herói”, em 30 de novembro, relata às leitoras ter
visto o leque no atelier dos irmãos Bernardelli, de que era
assíduo frequentador, e onde também estava morando Pedro
Weingärtner:
Era importante nos anos iniciais da Escola, de airmação
da instituição, conquistar críticas positivas. Até mesmo
a nomeação de Zeferino da Costa, professor que havia
lecionado na Academia, se justiicava plenamente. Embora
de uma geração mais velha, desde um primeiro momento,
Zeferino da Costa havia se colocado ao lado dos ‘novos’ e
contra os ‘velhos’ da Academia. (DAZZI, 2011, p. 249.)
Apesar de nomeados os professores, as atividades da Escola
Nacional de Belas Artes só começariam em junho; uma
epidemia de varíola na Capital Federal retardou o início das
aulas (DAZZI, 2011, p.228).
(...) reservo o espaço que ainda me sobra para fallar-lhes de
um objeto feminino, que tive occasião de apreciar no atelier
Bernardelli.
Trata-se de um leque de pergaminho, pertencente á Exma.
Sra. Viscondessa Cavalcanti, todo cheio de preciosos
autógrafos e desenhos.
Figuram alli os grandes artistas franceses Bonnat e Carolus
Duran; J. Berau e Raymundo de Madrazzo, Rodolpho,
Henrique Bernardelli e Pedro Weingartner..
Arthur de Azevedo revela as 26 assinaturas contidas no leque
até aquele momento e identiica as iguras desenhadas3.
Supondo-se que a dona acompanha o leque, entre junho
e agosto, a Viscondessa chegaria ao Brasil, encontrando a
reabertura da escola como a novidade do momento no mundo
artístico.
Num ano vazio de exposições, a imprensa do Rio de Janeiro
destacava o grande sucesso alcançado pelo Panorama da
Cidade do Rio de Janeiro, noticiando-o desde sua inauguração,
em 03 de janeiro.2 A reabertura da Escola, com seus professores
modernos, e a exposição na rotunda do Largo do Paço, do
Panorama de Victor Meirelles, professor jubilado da antiga
Academia Imperial de Belas Artes, marcam as possibilidades
de escolha da Viscondessa. Ao contrário do que a princípio se
poderia supor, dado o grau de amizade com a família imperial,
agora exilada, a Viscondessa não buscou artistas de grande
(...) Bonnat desenhou ligeiramente a sua própria cabeça;
Duran esboçou uma das suas appetitosas bacchantes; J.
Beraud, o illustre pintor moderno, fez o croquis de seu christo
e da sua adultera, vestida á moda de 1891, que iguraram
no ultimo Salon; Madrazzo o eminente pintor hespanhol,
deu uma idéa da sua celebre Pierrette; Rodolpho Bernardelli
desenhou a cabeça de seu Christo; Henrique Bernardelli uma
das iguras dos seus Bandeirantes; Weingartner contribuio
com a interessante silhouette da contadina do seu bello
quadro Ciumes.
Embora um pouco enfadonho, é necessário acompanharmos
cronologicamente os passos dos quatro artistas brasi594
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A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque
da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação
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Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
leiros, principalmente em 1891, para entendermos como se
aproximaram e o que escolheram para deixar como memória
no leque.
ensino tradicional da Academia. Em 1889, realiza o busto da
Imperatriz D. Teresa Cristina. Com a queda do Império, deixa
a cadeira de escultura em solidariedade à família imperial,
porém, é convidado por Benjamin Constant, Ministro da
Instrução Pública, a permanecer no cargo e integra a comissão
para a reforma do ensino artístico. Em 1890, foi nomeado
diretor da Escola Nacional de Belas Artes, dirigindo a instituição até 1916. Acolhido com entusiasmo por um grupo de
intelectuais ligado ao poder, Bernardelli irá se tornar o escultor
oicial da Primeira República.
Rodolpho Bernardelli
Talvez Arthur Azevedo tenha visto o leque durante uma
sessão de pose para a realização de seu busto por Rodolpho
Bernardelli4.
O escultor nascera em Guadalajara, México5. Viveu com sua
família por algum tempo em São Pedro e Porto Alegre, no Rio
Grande do Sul. A convite de D. Pedro II, passou a residir na
Corte, onde os seus pais se tornaram preceptores das princesas
imperiais. Em 1870, ingressou na Academia Imperial de Belas
Artes, tendo como professor de estatuária Francisco Manoel
Chaves Pinheiro (1822-1884). Em 1874, naturalizou-se
brasileiro. Dois anos depois, foi premiado na Exposição Internacional de Filadélia, com as esculturas Saudades da Tribo
(1874) e À Espreita (1875). Recebeu, no mesmo ano, o Prêmio
de Viagem ao Estrangeiro, com o relevo Príamo implorando o
corpo de Heitor a Aquiles. Permaneceu em Roma, de 1877 a
1885, onde estudou com o escultor Giulio Monteverde (18371917) e manteve contato com vários outros, dentre eles, Achille
D’Orsi (1845-1922) e Eugenio Maccagnani (1852-1930).
Na Itália, estabeleceu fortes laços de amizade com brasileiros ali presentes, como Pedro Américo (1843-1905), que em
Florença realizava a grande tela sobre a Batalha de Avay (1870),
e Zeferino da Costa, ainda no término de seu pensionato no
exterior.
Retornou ao Brasil, em 1885, assumindo o cargo de professor
de estatuária da Academia Imperial de Belas Artes e trabalhou
em vários projetos escultóricos. Em 1888, realiza os bustos da
Princesa Isabel, do Conde d’Eu e o mausoléu do José Bonifácio,
assim como recebe o título de Oicial da Ordem do Rosa. Com
Rodolfo Amoedo, seu irmão Henrique Bernardelli e Zeferino
da Costa, fundou o Atelier Livre, uma forma de protesto ao
Entre 1881 e 1884, em Roma, realizou o que a crítica considerara
sua obra-prima: Cristo e a mulher adúltera, hoje pertencente
ao Museu Nacional de Belas Artes. Ainda na Itália, em 1884,
o artista conseguiu apresentá-la na Exposição de Turim,
sendo homenageado com o Grau de Cavaleiro da Coroa da
Itália. Ao voltar ao Rio de Janeiro, a escultura integrou sua
grande exposição individual de 1885, muito comentada pelos
principais periódicos, como o Jornal do Commercio, Gazeta de
Notícias, Gazeta da Tarde, Revista Illustrada, O Mequetrefe,
entre outros. O debate principal girou em torno do realismo do
grupo escultórico. Gonzaga Duque, que conheceu Rodolpho em
1886, no atelier que Zeferino da Costa mantinha na Candelária
para a decoração da igreja, assim se referiu ao grupo, ao citá-lo
em seu livro Arte brasileira, de 1888:
596
597
(...) primoroso grupo do Cristo e a mulher adultera,
concebido fora de toda a preocupação clássica e animado
por estranho poder. (...) O Cristo de Bernardelli, é um tipo
judaico, humano, real; não relembra de forma alguma as
antigas criações da escultura, não é uma inspiração da fé
católica segundo a imposição dos dogmas, não é um transcendente tipo místico, tal como criara Leonardo de Vinci
ou o imaginara o beatíico Fiesole. Nisto vai o valor da sua
estátua. (...) A composição desse grupo é bela e moderna.
A igura do Cristo apresentada em grandeza superior ao
natural, tem bastante imponência e serenidade, a expressão
do seu rosto, os gestos de seus braços são verdadeiros e
A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque
da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação
/ Maraliz de Castro Vieira Christo
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
quando fora nomeado professor de pintura da Escola. Embora
ciente de sua nomeação, regressou provavelmente só em maio
de 18917.
denotam muita observação. (DUQUE, 1995, p.252.)
É exatamente a cabeça do Cristo, de forte expressão,
humanizado, sem auréola, a lá Ernest Renan (RENAN,1863),
considerada sua obra prima, que o escultor desenha no leque
da Viscondessa.
Diante do leque da Viscondessa, Henrique Bernardelli elegeu,
como obra mais signiicativa a representar naquele momento,
Os Bandeirantes.
Henrique Bernardelli
No quadro, em meio a uma escura loresta tropical, vê-se uma
descida de índios. No primeiro plano, à direita, dois bandeirantes, deitados no chão, saciam a sede sorvendo, diretamente,
água de uma poça. À esquerda, dois vigorosos índios, um em
pé, com as mãos amarradas, e outro sentado, os observam.
No segundo plano, um bandeirante anda com diiculdade. Por
último, índios carregam uma padiola, acompanhados por ileira
horizontal de iguras apenas esboçadas, fundidas à natureza.
Irmão de Rodolpho, nascido no Chile, Henrique Bernardelli
fora também aluno da AIBA6. Embora tenha perdido o prêmio
de viagem em polêmico concurso, com o apoio do irmão seguiu
para a Itália em 1879; em estadia que se estendeu por quase 10
anos, se estabelecendo a princípio em Roma, posteriormente
em Nápoles. Ainda na capital Italiana, Henrique colaborou
com Zeferino da Costa nos estudos para a Igreja da Candelária
(Igreja da Candelária. 1887, 373-381), auxiliando nos desenhos
preparatórios das pinturas da capela-mor, dos vitrais do coro e
para-vento (MACHADO, 1988, p. 6).
Os Bandeirantes, hoje pertencente ao Museu Nacional de
Belas Artes, apresenta uma visão inusitada dos aventureiros
paulistas: os representa bebendo água como animais. Apesar
de situar-se no gênero da pintura histórica, a tela esvazia o
personagem de seu heroísmo, mostrando-o em ação corriqueira. Mais: revela uma inversão iconográica, o vencedor é
representado aos pés do vencido.
Em 1886, enviou obras para a exposição organizada por
Rodolpho nas salas da Imprensa Nacional, da qual também
participou Nicolao Facchinetti. Foram cerca de 28 telas, mais
alguns estudos, entre pintura histórica, paisagens e pinturas de
gênero. As paisagens e as cenas do cotidiano italiano, tratadas
de forma realista, chamaram a atenção da crítica, principalmente de Gonzaga Duque e Oscar Guanabarino.
Henrique Bernardelli retornou da Itália somente em 1888,
embora ainda realize constantes viagens àquele país. Já em
1889, voltou à Europa, estando em Veneza e Roma, assim como
em Paris, onde recebeu a 3ª medalha na Exposição Universal,
com o quadro Os Bandeirantes. Regressou ao Brasil no mesmo
ano, integrando o Atelier moderno e, em 1890, participou
da EGBA, com obras como Cabeça de Estudo, Tarantella,
Paisagem de Roma, expostas em 1886, e algumas novidades,
como Os Bandeirantes. Em dezembro de 1890, quando
começaria a ser colocada em prática a reforma da Academia,
o artista partiu novamente para a Itália, ali se encontrando
598
599
O confronto entre o índio, em posição ereta, e os bandeirantes, ao chão, a beber água como animais, não parece
gratuito e esclarece, deinitivamente, o valor simbólico do
quadro. Lembra-nos a passagem bíblica, presente no “Livro
dos Juízes”, cap. VII, onde Deus, na época de Samuel, teria
suscitado alguns heróis, chamados juízes, a libertarem todo o
seu povo, ou parte dele, da opressão inimiga, conduzindo-o à
observância da lei. O Senhor manda Gedeão selecionar combatentes contra os Madianitas, estabelecendo como critério, além
da coragem, o fato de não tomarem água como animais: “...o
Senhor disse a Gedeão: Porás a um lado os que lamberam a
água com a língua, como os cães costumam lamber; e os que
beberam de joelhos, estarão noutra parte...” (Bíblia 1982, p.
A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque
da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação
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Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
pintor Delim da Câmara, parte para a Alemanha em 1878, sem
nenhum apoio oicial. Circula por Hamburgo, Baden e Berlim,
tornando-se aluno de Ernest Hildebrand, Ferdinand Keller e
Theodor Poech. Em 1882, se matricula na Académie Julian,
em Paris. Graças a uma carta elogiosa de Adolphe Bouguereau,
quanto ao seu desempenho acadêmico, consegue, no início
de 1884, aos 31 anos, uma bolsa do próprio Imperador D.
Pedro II, e volta à Alemanha, continuando sua formação. Em
1886, vai à Itália, ixando-se em Roma, na Villa Strohl-Fern,
espécie de pensão artística romana, onde conhece Henrique
Bernardelli (TARASANTCHI, 2009, p. 22-23). Após 9 anos
de sua partida, volta ao Brasil, e, em setembro de 1888, expõe
no Rio de Janeiro, no atelier fotográico de Insley Pacheco &
Cia, na Rua do Ouvidor, retornando no ano seguinte à Itália.
275)
Os bandeirantes, animalizados por lamberem a água como cães,
não podem ser combatentes de Gedeão. A tela condena-os,
sutilmente, sem nenhuma dramaticidade.
No texto de apresentação do quadro Os bandeirantes, para o
salão de 1893, Henrique Bernardelli, ao contrário da historiograia de seu tempo, expõe a difícil relação entre índios, bandeirantes e jesuítas, contrapondo heroísmo e culpa:
A téla celebra a audacia dos expedicionarios paulistas de
1600, que izeram a descoberta das mais inaccessiveis
regiões do sul do Brazil, tornando-se depois infelizmente,
por conselho da cobiça, verdadeiros, caçadores de indios
para a escravidão. A invasão das suas bandeiras que não
respeitavão mesmo os aldeiamentos sujeitos aos missionarios Jesuitas, que tinhão já por esses lugares adiantados
trabalhos de cathechese, moveu os Padres da Companhia a
reclamar providencias da Santa Sé e da côrte de Hespanha.
Mais de tresentos mil indios queixavão-se os emissarios dos
Jesuitas, dando ao mesmo tempo idéa de culpa e do heroismo
de taes emprezas forão entre 1614 e 1639, reduzidos a
escravidão por quatrocentos Paulistas, auxiliados por uns
dois mil indios amigos (...) (CATALOGO, 1893, p. 17-18.
Grifos nossos)
Como aponta Paulo Gomes, a trajetória do artista se consolida
precisamente em 1891, quando, em maio, participa do Salon da
Societé des Artistes Français8 e torna-se professor da ENBA.
Em setembro, realiza uma exposição na Escola, com os últimos
trabalhos produzidos na Itália: A mártir, Arrufos, Bacanal,
Cena de ciúmes, Debulha, Dissonância, Inverno, Rua de
Anticoli de Corrado, Triste notícia e Chegou tarde, esta última
adquirida pela ENBA (GOMES, 2008)9.
A personagem que desenhara no leque da Viscondessa, uma
contadina como já identiicara Arthur de Azevedo, fora retirada
do quadro Cena de ciúmes. Embora não tão festejado como
Bacanal e Cena de atelier10, ele foi particularmente comentado
por Adelina A. Lopes Vieira, em seu artigo para O tempo:
A representação do bandeirante ao solo marcou Henrique
Bernardelli e o público. Convidado a fazer um pequeno desenho
no leque da Viscondessa de Cavalcanti, em 1891, Henrique
irá reproduzir exatamente um dos bandeirantes a beber água
como animal (CHRISTO, 2002).
Lindíssimo – A Ciumenta – A olhar aquelle campo sente-se
como que o perpassar da aragem na mais serena das tardes
de verão e parece ouvir-se a respiração offegante daquella
mulher que ali está amparando-se ao carro, que momentos
antes conduzia, a seguir com o olhar a rival e o amante,
esmagada de baixo do peso atroz de um ciúme fundado.11
Pedro Weingärtner
Weingärtner foi nomeado Professor Desenho Figurado
da ENBA sem ter sido aluno da antiga Academia. Filho de
imigrantes alemães, após incipiente formação em Porto Alegre,
junto ao pai e irmãos, como também frequentando o atelier do
600
601
A camponesa amuada traja roupa típica da região de Anticoli
A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque
da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação
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Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
de sua visita ao atelier de Zeferino da Costa, montado no coro
da igreja, e de ali ter visto os projetos iniciais para a decoração
da nave central.
Corrado, próxima à Roma, onde o Weingärtner e vários outros
artistas costumavam pintar no verão. Figuras semelhantes
aparecem em alguns quadros do pintor como Fontanina chez
le Palais Branca à Rome ou O idílio12.
Em julho de 1889, Zeferino fora contratado novamente pela
Irmandade, para dar continuidade aos trabalhos de pintura
decorativa, ainda a executarem-se na Candelária, ou seja, os
painéis da nave central. Solicita à AIBA dispensa por tempo
indeterminado e parte, em setembro do mesmo ano, para
a Europa, objetivando realizar os estudos para a referida
decoração (GALVÃO, 1973).
Hoje, o destino do quadro encontra-se ignorado, tendo-se
apenas, além da descrição de Adelina, a reprodução encontrada
livro de Angelo Guido (GUIDO,1956) e o pequeno desenho
realizado no leque.
João Zeferino da Costa
A assinatura de João Zeferino da Costa é cinco anos posterior
às dos irmãos Bernardelli e de Pedro Weingärtner, datando de
1896/ Roma.
Mesmo ausente, suas críticas constantes às condições de
trabalho, encontradas na AIBA, ainda ecoavam entre os
jovens que exigiam mudanças. Com a transformação da AIBA
na ENBA, Zeferino fora nomeado vice-diretor e professor de
Desenho de modelo-vivo. O artista não pode ocupar o cargo de
vice-diretor, justiicando não ter mais idade (aos 51 anos) para
assumir dois compromissos ao mesmo tempo, e por dedicar-se
à decoração da Candelária. A cadeira de modelo vivo, ele só
assumirá em 1893, quando retorna ao Brasil13.
Nascido na corte, Zeferino fora aluno da AIBA, onde obteve o
prêmio viagem, em 1868. Estudou em Roma, na Academia de
São Lucas. Seu atelier tornou-se o centro agregador dos jovens
artistas brasileiros, que chegavam a Roma nesse período, como
Henrique Bernardelli (DAZZI, 2006).
Regressando em 1877, é nomeado professor da AIBA, atividade
que exerceu até o im da vida, tendo lecionado pintura histórica
e paisagem, ixando-se, posteriormente, na cadeira de desenho.
Em 1878, é indicado pelo imperador D. Pedro II (1825 - 1891)
à Irmandade do S.S. Sacramento de Nª Senhora da Candelária,
para elaborar as pinturas decorativas na Matriz da mesma
irmandade, no Rio de Janeiro, consideradas sua principal
obra. No teto da nave, haveria seis painéis relativos à história
inicial da igreja, desde a viagem dos fundadores até a primeira
sagração, enquanto que, na cúpula, as pinturas representariam
a Virgem, as virtudes e iguras do Velho Testamento (Jessé,
Isaías, David e Salomão). Ao que parece, volta à Itália em julho
de 1879, ali permanecendo até meados do ano seguinte. Nos
anos de 1880, dedica-se à decoração da candelária e à AIBA.
Em 16 de fevereiro de 1886, Eloy, o herói, ou seja, Arthur de
Azevedo, em coluna no Diário de Notícias, fala com entusiasmo
A igreja da Candelária é fruto da promessa contraída por um
navegador espanhol que, em apuros durante uma tempestade,
promete à Nossa Senhora da Candelária a construção de
uma capela devotada a essa invocação no primeiro porto a
que chegassem. No Rio de Janeiro, erigira uma capela como
cumprimento da promessa. A pequena capela daria lugar ao
grande templo que hoje conhecemos, construído entre 1775
e 1877, quando se iniciam os trabalhos de decoração interna.
Os seis painéis da nave central narram a própria história do
templo: as cenas da partida do porto de Palma, a tormenta
em alto-mar, a invocação de Nossa Senhora e a promessa da
construção da igreja votiva, a chegada à salvo ao porto do Rio
de Janeiro, a sagração em 1775 e, inalmente, a inauguração em
1870.
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Em Roma desde 1889, Zeferino da Costa desenvolvia os
A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque
da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
Como airmamos inicialmente, os quatro artistas brasileiros signatários do leque formam uma unidade. Rodolpho
e Henrique Bernardelli, assim como Pedro Weingärtner, em
1891, situavam-se entre 33 e 39 anos. Relativamente jovens,
eram reconhecidos pela crítica como artistas completos,
podendo compararem-se a João Zeferino da Costa, então com
51 anos.
estudos para as composições. Preocupado com a verossimilhança, viajou a Palma, estudou embarcações do século XVII
no Museu do Real Arsenal de Marinha de Veneza, pesquisou
indumentárias e objetos..., sobrepondo temática religiosa,
aspectos da história e costumes populares (TAVARES, 2003).
Retornou ao Brasil em julho de 1893, podendo ater-se também
aos elementos locais. Entretanto, voltou a Roma em 10 de
maio de 1895, para inalizar as composições, regressando
deinitivamente em meado de 1896. Embora desconheça-se o
destino da maioria dos esboços e desenhos para os painéis,
Arnaldo Machado identiicou desenhos para as composições
datados entre 1891 e 1895, assim como óleos sobre madeira,
que serviam de estudos de cor para os painéis, datados de 1895
a 1896 (MACHADO, 1984).
Todos se distinguiam pela competência técnica, fruto de longa
aprendizagem, que incluía indispensável estadia na Europa;
por participarem e conquistarem prêmios em importantes
exposições; assim como, por serem bem aceitos pelos críticos.
Naquele estrito momento, eram símbolo de modernidade e
abraçavam uma causa em comum: a reestruturação da antiga
Academia Imperial de Belas Artes.
Tomando-se como hipótese estar a Viscondessa de Cavalcanti
em Roma, no primeiro semestre de 1896, ela teria se encontrado
com Zeferino da Costa quando este inalizava o estudo de cor
do último painel, “O voto cumprido”, datado do mesmo ano.
Provavelmente, a Viscondessa teria tido o privilégio de ver en
avant-première os estudos, além dos cartões já na medida certa
dos painéis a executar. Cartões que seriam expostos ao público
na própria igreja, a partir de 20 de setembro de 1896, após o
retorno do artista ao Brasil.
Fortes laços de amizade os aproximavam, desenvolvidos a
partir de vivências em comum no exterior e no Brasil.
Elegeram, para desenharem no leque, uma produção relativamente recente: Cristo e a mulher adúltera, de 1884; Os Bandeirantes, de 1889; Cena de ciúmes, de 1890; e A tempestade, obra
ainda em esboço. Trabalhos realizados na Itália, marcados por
certo realismo e festejados pela crítica.
O interessante no leque da Viscondessa de Cavalcanti
é exatamente perceber sua construção. As escolhas não
demonstram serem aleatórias ou circunstanciais.
No leque, Zeferino representou o momento auge da narrativa,
o de maior tensão: em meio à tempestade, Antônio Martins da
Palma ampara no peito a esposa, quase desfalecida, e estende o
braço ao céu pedindo salvação, enquanto a dama de companhia,
ao fundo, ajoelhada, estreita a cabeça entre as mãos, em total
desespero. O painel da aludida cena será tomado por muitos
como referência ao trabalho do artista na Candelária, como
o fez Augusto Giorgio Girardet, ao reproduzi-lo no verso do
medalhão, gravado em homenagem a João Zeferino da Costa,
em 189814, quando a igreja foi inaugurada.
Pontos em comum
Dúvida
604
605
A Viscondessa permaneceu grande parte da vida na Europa.
Órfã de pai, passou a adolescência na Alemanha, de onde
retornou em 1868, após a morte de sua mãe, Mariana Barbosa
de Assis Machado, em Bremen (FAZOLATO, 2013, p. 9).
Depois do casamento, em 1871, foi para a França, lá nascendo,
em 1872, sua ilha Stella (COSTA, 2013). Entre 1875 a 1878,
permaneceu no Rio de Janeiro, tendo construído um palacete na
Rua Senador Vergueiro. De 1884 a 1888, é possível ter realizado
A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque
da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
um Grand Tour, partindo da França, percorrendo a Itália, a
Terra Santa, Egito, Índia e Sri Lanka (FIGUEIRA, 2014), e,
ao retornar, ixado-se em Paris, viajando com certa frequência
à Itália e Suíça, vindo esporadicamente ao Brasil, regressando
em deinitivo alguns anos antes de morrer. Examinando-se a
cronologia das assinaturas no leque, percebe-se que, em maio
de 1891, os escritores portugueses Oliveira Martins, Ramalho
Ortigão e Antero de Quental deixam-lhe mensagens, datando-as
e identiicando estarem em Lisboa. Em 27 de agosto de 1891,
por sua vez, Machado de Assis, fez o mesmo, já no Rio de
Janeiro. Em 30 de novembro, Arthur de Azevedo escreve ter
visto o leque no atelier dos irmãos Bernardelli.
ano. Na relação de passageiros aparece o nome Francisco
Manuel Ramalho Ortigão. Ainda não identiicamos o grau de
parentesco com José Duarte Ramalho Ortigão, signatário do
leque; é possível que seja um sobrinho. O escritor era o mais
velho de nove irmãos e dois se estabeleceram no Rio de Janeiro,
no ramo de comércio, Joaquim da Costa Ramalho Ortigão e
Francisco Duarte Ramalho Ortigão, “tornando-se homens de
posses, poderosos e inluentes” (GORBERG, 2013), podendo
atrair outros parentes. É tentador imaginar que José Duarte
Ramalho Ortigão, o escritor, tenha assinado o leque em 12
de maio, entregue a um parente, Francisco Manuel Ramalho
Ortigão, para que o levasse consigo ao Rio de Janeiro, uma
vez que estaria partindo para o Brasil em 15 do mesmo mês.
Aqui chegando, o suposto parente poderia tê-lo entregue a
Machado de Assis, que o assinou em 27 de agosto. Ramalho
Ortigão (1836-1915) e Machado de Assis (1839-1908) eram
velhos conhecidos, desde quando colaboraram com a Gazeta
de Notícias (ZAN, 2009).
A primeira questão que surge é se o leque veio acompanhado
ou não da Viscondessa. A dúvida se coloca por duas razões:
Consultando-se os registros de entrada no país, disponíveis
no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (Fundo/Coleção:
Associação : Porto do Rio de Janeiro), constatou-se não haver,
entre maio e agosto de 1891, registro de entrada da Viscondessa
no Brasil; por outro lado, segundo o Barão do Rio Branco, ela
estaria em Paris, quando do falecimento de D. Pedro II, tendo
comparecido as exéquias solenes do ex- imperador do Brasil,
celebradas em 9 de dezembro de 1891, na igreja de Santa
Maria Madalena15.
Machado de Assis e a Viscondessa de Cavalcanti se conheciam
de longa data. Em artigo publicado na revista Ilustração
Brasileira, de 15 de agosto de 1877, Machado de Assis comentou
sobre “as quintas-feiras no palacete do casal Cavalcanti”. O
contato entre eles parece ter sido estreito e duradouro. Em
1875, oferecera-lhe um exemplar de sua coletânea de poesias,
Americanas, escrevendo uma dedicatória; procedeu da mesma
maneira, quando lançou o romance Quincas Borba, em 1891.
Não seria a primeira vez que o leque se distanciaria de sua
proprietária. Ao assiná-lo, Pierre Loti (pseudônimo de Louis
Marie Julien Viaud, oicial da marinha francesa e escritor,
que desde 1879 transformou sua vida e viagens em temas de
romances) escreveu “À la dame inconnue dont on vient de me
montrer l’image charmante»16. Percebe-se na frase a possibilidade do escritor não conhecer a Viscondessa; sendo prática
relativamente recorrente, ao coletar-se autógrafos, a intermediação de conhecidos em comum (GUTIÉRREZ, 2008).
Os registros de entrada no país sugerem uma hipótese. Em
2 de junho de 1891, chegou ao porto do Rio de Janeiro o
paquete Malange, saído de Lisboa, em 15 de maio do mesmo
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607
Retornando a nossa narrativa imaginada, a partir da hipótese
da Viscondessa não ter vindo ao Brasil, Machado de Assis pode
ter recebido, junto com o leque, instruções para: a) recolher as
assinaturas dos irmãos Bernardelli e de Pedro Weingärtner; b)
deixar o leque no atelier dos Bernardelli e os mesmos incluíram
Weingärtner, que ali também residia; c) escolher ele mesmo
alguns pintores para comporem o leque. A última alternativa
não é de todo absurda, se observarmos alguns desdobramentos
da amizade entre Machado e a Viscondessa. Em 1899, a correspondência do escritor registra estar ele coletando assinaturas
A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque
da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação
/ Maraliz de Castro Vieira Christo
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
para um novo álbum de autógrafos, a pedido da Viscondessa.
“Ao Senhor Machado de Assis cumprimenta A Viscondessa de
Cavalcanti e pede a ineza de encetar a série de literatos cujos
autógrafos deseja nesse álbum”. Embora não esteja muito
claro, parece que ele mesmo selecionou os signatários:
“Acuso o recebimento de sua amável carta de 13 do corrente
[junho de 1900] e em resposta cabe-me dizer que aceito
agradecida o oferecimento de passar as folhas do álbum às
pessoas a quem já falou, assim como o de conservar em seu
poder as folhas já escritas para me serem entregues todas
juntas.
Desculpe-me abusar da sua bondade e queira aceitar as
seguranças de toda a minha consideração e estima
Viscondessa de Cavalcanti”
Em que esse novo contexto alteraria nossa visão sobre o leque?
Chama a atenção nos artistas plásticos signatários do leque
a unidade que expressavam na década de 1890, unidade
reconhecida e desejada pela Viscondessa para os representantes
da arte brasileira em seu leque. Todavia, admitindo-se a possibilidade de ter outra pessoa como intermediário entre ela e os
artistas, essa unidade expressaria a intenção da Viscondessa?
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A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque
da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação
/ Maraliz de Castro Vieira Christo
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
1898 (Roma).Óleo s/tela, 27 x 55 cm., Coleção Particular, Rio de Janeiro, RJ.
Notas:
13
Zeferino permaneceu apenas 21 dias no cargo, tendo pedido exoneração.
(GALVÃO, 1973).
14
A. G. GIRARDET, A tempestade, medalhão em bronze (214mm), reproduzindo
pintura mural de Zeferino da Costa no teto da nave central da Igreja da Candelária,
1898. Museu D. João VI, EBA-UFRJ.
15
Barão do Rio Branco, 2012 p. 396- . Publicado originalmente no Jornal do
Brasil, em 17 de janeiro de 1892.
16
1
2015.
“À dama desconhecida, cuja imagem encantadora acabo de ver”
A presença dos artistas franceses no leque foi analisada no texto CHRISTO,
2
A Gazeta de Notícias, por exemplo, manteve, durante todo o ano, uma coluna
intitulada “Panorama do Rio de Janeiro”, onde registrava as impressões deixadas pelo
público.
3
De um lado, D. Pedro II, Manuel de Oliveira Lima, Pedro Weingartner ,
Rodolpho Bernardelli; de outro, a Princesa Isabel, marido e os ilhos (Pedro, Luis
e Antônio), Eça de Queiroz, Raimundo Madrazo, Arthur Napoleón, Carlos Gomes,
Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Joaquim Nabuco, Carolus Duran , Jean Beraud,
Machado de Assis, Anthero de Quental, Alexandre Dumas Fils, Constant Coquelin,
Ramalho Ortigão, Henrique Bernardelli, Léon Bonnat, Victor Cherbuliz, Gabriel
Lippmann
4
BERNARDELLI , Rodolfo, Retrato de Arthur Azevedo, escultura em bronze, ass.
e dat. 1891 nas costas, 15 x 14 x 8,5 cm.
5
Sobre o artista nos baseamos em SILVA, 2005 e 2011.
6
Sobre Henrique Bernardelli nos baseamos em DAZZI, 2006.
7
Diário de notícias. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1891.
8
Há uma divergência entre as fontes concernente ao trabalho exposto no
Salon. Enquanto Angelo Guido (GUIDO,1956, p. 52) escreve ter Weingärtner exposto o
quadro Caombat de cocq, consta do catálogo, sob a autoria do artista, a obra de nº
1693, intitulada La leçon. (Société, 1891).
9
Ocupou a mesma sala onde Henrique Bernadelli, em agosto de 1891, izera a
sua exposição, contendo quatro telas, Revista Illustrada, agosto de 1891.
10
Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 31 de agosto de 1891, p. 1.
11
O tempo, Rio de Janeiro, 22 de setembro de 1891, p. 1
12
Pedro Weingartner, Fontanina chez le Palais Branca à Rome, 1889. Óleo s/
madeira, 50 x 36 cm., Coleção Jorge Yunes. São Paulo, SP. Pedro Weingartner, O idílio,
610
611
Maraliz de Castro Vieira Christo é Doutora em História pela
UNICAMP (2005). Bolsista da Foundation Getty junto ao
Institut National d’ Histoire de l’ Art de Paris (2003-2004).
Grande Prêmio Capes de Tese em 2006 (concedido à melhor
tese defendida em 2005 no conjunto das grandes áreas de
Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Lingüística,
Letras e Artes). Estágio pós-doutoral na Universitat Jaume I
de Castelló, Espanha, e na Escuela Nacional de Antropología
e Historia-INAH, México (2009). Professora Associada do
Programa de Pós-graduação em História da Universidade
Federal de Juiz de Fora, Bolsista de produtividade em pesquisa
do CNPq - Nível 2, e Bolsista de pesquisa da FAPEMIG.
Membro do Comitê Brasileiro de História da Arte.
A instituição da ENBA e a coleção de autógrafos no leque
da Viscondessa de Cavalcanti: escolhas pela renovação
/ Maraliz de Castro Vieira Christo
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
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II”. In: PEREIRA, Manoel Gomes (org.) Obras do barão do rio branco x artigos
de imprensa. Brasília: Ministério das Relações Exteriores Fundação Alexandre
de Gusmão, 2012 p. 396- . Publicado originalmente no Jornal do Brasil, em 17 de
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GALVÃO, Alfredo. João Zeferino da Costa. Rio de Janeiro, 1973.
612
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A Pinacoteca de
São Paulo e a
formação de suas
coleções
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Valeria Piccoli
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções
/ Valeria Piccoli
Decisivas para os acontecimentos que levariam à criação da
Pinacoteca seriam as inaugurações do Instituto Histórico
e Geográico de São Paulo (IHGSP, 1894) como também a
construção do edifício-monumento do Ipiranga, concluída
em 1890, onde seria instalado o Museu do Estado, ou Museu
Paulista, inalmente aberto ao público cinco anos depois. O
Monumento do Ipiranga foi um projeto acalentado desde o
período imperial, ganhando novo impulso ao ser designado
como o local a abrigar a tela de Pedro Américo, Independência
ou Morte, de 1888. A pintura celebrativa do fato histórico
ocorrido em solo paulista e decisivo para a história do país
independente tornou-se o mote tanto da coleção a ser reunida
naquela instituição, como da narrativa histórica a ser elaborada
conjuntamente entre o museu e pelo IHGSP: a história de São
Paulo como história do Brasil. Vale aqui propor um paralelo
entre o papel desempenhado pela Academia Imperial de
Belas Artes e pelo Instituto Histórico e Geográico Brasileiro
(IHGB, 1838) no projeto político de construção de uma
identidade cultural brasileira durante o Segundo Império e a
atuação das instituições paulistas correlatas na airmação de
uma identidade regional no período republicano.
A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções1
A constituição de uma coleção de arte pertencente ao Governo
do Estado de São Paulo nos primeiros anos do século XX
deve ser entendida como parte de um processo mais amplo
de aparelhamento da capital paulista com novos equipamentos voltados à pesquisa cientíica, à cultura e à instrução
pública, que fossem condizentes com a importância econômica
e política que a cidade adquire nesse momento no cenário
nacional. O vertiginoso crescimento populacional pelo qual a
cidade de São Paulo passa a partir do último quartel do século
XIX2 é certamente outro fator a pressionar o poder público no
sentido desse aparelhamento. Assim, é sintomática a criação
consecutiva de instituições como a Escola Politécnica em 1893,
ou a Biblioteca Pública de São Paulo em 1895, bem como o
Horto Florestal, instituição de pesquisa voltada ao incremento
da agricultura no estado, inaugurado em 1896. A abertura do
viaduto do Chá em 1892, permitindo o trânsito por sobre o
vale do Anhangabaú, facilitou a expansão da cidade na direção
da Praça da República, percurso em que surgiriam edifícios
públicos icônicos, como o Teatro Municipal – cuja construção
tem início em 1903 – e o Edifício Caetano de Campos, que
passa a abrigar a antiga Escola Normal em 1894. Essas e
outras iniciativas semelhantes reletiam os ideais republicanos
que versavam sobre as responsabilidades da atuação do Estado
para o progresso da sociedade.
Em sua conformação inicial, o Museu Paulista compreendia
um acervo enciclopédico, reunindo itens de zoologia, botânica
e etnograia, além de objetos e documentos históricos. Entre
essas muitas coleções, a instituição foi dotada desde o início
de suas atividades de uma galeria de belas artes, em que se
planejava reunir representações da história e dos costumes
locais e nacionais. E aqui se entrelaçam as histórias do Museu
Paulista e da Pinacoteca, uma vez que o acervo inicial desta
última era composto de 26 pinturas, sendo vinte delas transferidas da galeria artística do Museu Paulista. As demais
tinham sido aquisições do Governo do Estado especialmente
para compor o novo museu.
616
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Quando a Pinacoteca do Estado de São Paulo é criada em 25
de dezembro de 1905, ela se constitui numa galeria de pintura
junto ao Liceu de Artes e Ofícios, instituição que remonta à
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A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções
/ Valeria Piccoli
antiga Sociedade Propagadora da Instrução Popular, transformada em Liceu em 1882. As pinturas eram expostas em
uma das salas do segundo andar do edifício recém-construído
– embora nunca terminado – do Liceu junto ao Parque da Luz.
O edifício fora projetado pelo escritório de Francisco de Paula
Ramos de Azevedo, engenheiro e arquiteto responsável pela
ediicação de vários dos edifícios públicos mais importantes da
cidade de São Paulo. Ramos de Azevedo era também diretor
do Liceu e à frente da instituição, havia proposto uma reformulação do plano de ensino que apontava claramente para sua
intenção de fazer do Liceu o fundamento de uma futura escola
de belas artes em São Paulo. Esse intuito já se manifestava
aliás, na própria notícia veiculada no jornal Correio Paulistano
sobre a abertura da Pinacoteca, que anunciava já a “futura
Escola de Bellas Artes de São Paulo”3. O propósito da atuação
do governo estadual na criação da Pinacoteca foi, portanto,
o de reunir um conjunto de obras de excelência, que pudesse
servir como referência artística para os alunos do Liceu e, ao
mesmo tempo, incentivar o desenvolvimento do gosto pelas
artes no ambiente local. A Pinacoteca em seus primeiros anos
foi idealizada para ser um ponto de irradiação, que atuaria
concretamente na formação de um sistema de arte local,
sistema este que incluía, além galeria artística, a futura escola
de belas artes, a subvenção do Estado para o aperfeiçoamento
de artistas no exterior, bem como a realização de salões
periódicos. Obviamente, o modelo para a organização desse
sistema era o da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro.
As primeiras pinturas que constituíram a coleção da Pinacoteca
eram de autoria de oito artistas ativos no inal do século XIX,
entre os quais os paulistas José Ferraz de Almeida Júnior e
Pedro Alexandrino, mas também o luminense Oscar Pereira
da Silva e a francesa Berthe Worms. Fica evidente o esforço
do governo estadual em formar uma coleção valorizando os
artistas locais ou aqueles que, como Pereira da Silva e Worms,
tinham ixado residência em São Paulo e inluenciavam, como
professores de pintura e desenho, o restrito meio artístico da
cidade. A opção por separar, dentre o enciclopédico acervo
do Museu Paulista o que se considerava na época “acervo
artístico” evidencia o interesse por manter no Ipiranga obras
que se adequavam a um certo discurso histórico que se
pretendia instaurar no monumento, de que a tela de Pedro
Américo era o ponto central. Dessa forma, as cenas de gênero,
a natureza morta e a paisagem, assim como algumas pinturas
de história que não se encaixavam nessa premissa, vieram
integrar a coleção da Pinacoteca de São Paulo.
Essas relexões acerca da natureza do acervo abrigado em cada
instituição levariam a outras transferências de obras realizadas
posteriormente entre os dois museus. Em 1947, durante a
gestão de Sergio Buarque de Holanda no Museu Paulista,
outros 25 itens são encaminhados daquele museu à Pinacoteca.
Integravam este lote 19 obras de Almeida Júnior. Desde 1905,
a Pinacoteca já possuía em seu acervo o Caipira picando fumo
[FIG.1] e a Amolação interrompida. Com essas novas transferências, concentra-se no museu praticamente todo o ciclo
de pinturas caipiras do artista, que constitui hoje um dos
segmentos mais importantes da coleção, e, sobretudo, aquele
que o público mais identiica com a Pinacoteca. Se a presença
deste conjunto na coleção do Governo do Estado, por um lado,
é indicativa da valorização do primeiro artista que, a partir
de São Paulo, alcança projeção nacional, por outro, a desvinculação destas obras do acervo do Museu Paulista, responsável
por compor a narrativa oicial da história regional, indica uma
revisão da importância do mito do caipira paulista dentro
do museu, e a substituição deste pelo mito do bandeirante,
faceta que será privilegiada pelo diretor Afonso Taunay nas
celebrações do centenário da independência. Vale ressaltar
que houve também movimentos no sentido contrário, ou seja,
obras sendo transferidas da Pinacoteca para o Museu Paulista,
como é o caso da Partida da monção, de Almeida Júnior, já
estudada por Fernanda Pitta, requisitada em 1929 pelo diretor
Affonso Taunay para a composição da Sala das Monções.
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No ano seguinte, 1948, outros doze itens chegam à Pinacoteca
vindos do Ipiranga. Neste lote, cabe destacar a presença da
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A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções
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obra A Providência guia Cabral [FIG.2] pintura de Eliseu
Visconti alusiva aos 400 anos da chegada dos portugueses
ao Brasil. A composição de Visconti se organiza em torno
da igura alegórica da Providência Divina que, com uma das
mãos, toca a cabeça do navegador Pedro Álvares Cabral, e
com a outra segura uma tocha, que parece servir a iluminar
o caminho das naus portuguesas. É provável que a modernidade da composição de Visconti, que prescinde mesmo de
uma ambientação apropriada – a embarcação é sugerida pela
vela e pelo leme - e é dominada pela vibração dos vermelhos
e laranjas predominantes nas ondulações do panejamento
da personagem, não facilitasse a sua compreensão naquele
momento como uma pintura de história. É indício de que
interessava conservar no Ipiranga apenas as obras em que se
conirmasse a interpretação de uma história do Brasil narrada
a partir de São Paulo.
Até 1949, quando o programa do Pensionato Artístico deixou de
existir, o acervo da Pinacoteca foi acrescido de obras de artistas
como Lopes de Leão e Tulio Mugnaini, pintores formados no
círculo do Liceu de Artes e Ofícios e que viriam a ser, ambos,
diretores da Pinacoteca: Lopes de Leão foi o primeiro diretor do
museu, atuando a partir de 1939 e Mugnaini o sucedeu, permanecendo à frente da instituição entre 1944 e 1965. Também
foram contemplados artistas provenientes do interior paulista,
como é o caso de Campos Ayres, natural de Itapetininga, ou
Monteiro França, nascido em Pindamonhangaba. De modo
geral, a produção enviada pelos contemplados da premiação
era bastante aim aos padrões estabelecidos pelas academias
de belas artes. Despontam como importantes exceções, entre
os contemplados pelo Pensionato, a escolha do escultor Victor
Brecheret e da pintora Anita Malfatti como pensionistas do
Estado, agraciados respectivamente em 1921 e 1923. Por
um lado, por serem artistas já identiicados com linguagens
mais vanguardistas, tendo ambos passado anteriormente por
períodos de estudos no exterior. Mas também, e, especialmente
no caso de Malfatti, por já haverem ultrapassado os 25 anos
estipulados como idade limite para obtenção do prêmio. A
pintora, vinte anos depois de sua passagem pela Academia
de Berlim e pela Independent School of Arts em Nova York,
viaja para Paris, onde executa cópias de Eugène Delacroix e
Jean-François Millet, ambas enviadas para a Pinacoteca em
cumprimento à Lei do Pensionato. A doação da obra original
também não ocorreu como previa o regulamento do programa.
Em 1929, a artista opta por encaminhar ao museu a obra
Tropical, de 1917, e não uma obra executada durante o período
contemplado pela bolsa.
Com a regulamentação do programa de Pensionato Artístico
em 19124 a Pinacoteca passou a contar com entradas sistemáticas de obras para suas coleções. De modo semelhante ao
que ocorreu na Academia Imperial de Belas Artes no Rio de
Janeiro a partir da década de 1840, o Pensionato previa que
o Governo do Estado de São Paulo subvencionasse estudos
de aperfeiçoamento de artistas paulistas na Europa. O decreto
que instituiu o programa airmava que o Governo manteria
“em centros artísticos da Europa, moços paulistas dos que
maior vocação artística houverem demonstrado para o estudo
da pintura, escultura e da música ou canto...”5. Após um exame
de seleção, o vencedor era apontado por uma comissão, em que
desempenhava um papel bastante decisivo o senador José de
Freitas Valle. Ao Governo do Estado cabia garantir a permanência do estudante no exterior por cinco anos, período que
poderia ser prorrogado por mais dois anos. Em contrapartida
os artistas deveriam apresentar provas de seu processo de
aperfeiçoamento, doando para a Pinacoteca, em seu retorno,
cópias de quadros célebres de mestres europeus, bem como
trabalhos originais executados ao inal do período da bolsa.
620
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Paralelamente à expansão da coleção promovida pelo
programa do Pensionato Artístico, o Governo do Estado teve
uma atuação regular na compra de obras para o acervo da
Pinacoteca desde os primeiros anos da instituição. As compras
revelam uma atenção dos gestores públicos às oportunidades
surgidas, por exemplo, em exposições realizadas na cidade,
como é o caso da aquisição da pintura Praia de Fortaleza,
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções
/ Valeria Piccoli
Figura 1 - José Ferraz de Almeida Júnior Caipira picando fumo, 1893
Figura 2 - Eliseu Visconti A Providência guia Cabral, 1900 óleo sobre
óleo sobre tela, 202 x 141 cm. Acervo da Pinacoteca do Estado de São
Paulo, Brasil. Transferência do Museu Paulista, 1905.
tela, 180 x 108 cm. Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil.
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Transferência do Museu Paulista, 1948.
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções
/ Valeria Piccoli
y Ortiz, Moreno Carbonero, Luis Graner ou Cubells y Ruiz
tiveram suas obras adquiridas nos anos seguintes por ocasião
de exposições organizadas em São Paulo, uma delas no próprio
edifício do Liceu, pelo também artista e espécie de marchand
José Pinelo Llul7. Esses eventos, assim como outros semelhantes
promovidos por artistas de origem italiana e francesa, indicam
a intensa circulação de estrangeiros no meio paulista durante
os anos de 1910, cujo impacto se pode sentir também na
formação de muitas das coleções privadas da cidade. As notícias
de compras feitas por particulares por ocasião das exposições
de artistas estrangeiros são frequentes nos jornais da época e
muitas das obras adquiridas acabariam por ser direcionadas à
Pinacoteca décadas depois, quando se intensiicam os processos
de doação de lotes de obras provenientes de espólios familiares.
A coincidência das compras feitas contemporaneamente pelo
governo estadual e por colecionadores particulares é sintomática da proximidade entre as esferas de decisão pública e
privada especialmente naquele período.
do pintor paraibano Aurélio de Figueiredo, que expõe seus
trabalhos em São Paulo em 1912. É o caso também de Pedro
Weingärtner que, retornando de um período na França, realiza
uma mostra na cidade em 1911. Entre as obras expostas estava
A fazedora de anjos [FIG.3], executada em Paris em 1908,
adquirida pelo Governo do Estado e destinada ao acervo da
Pinacoteca. Sendo hoje uma das obras mais conhecidas da
coleção do museu, A fazedora de anjos não só é um tríptico
de grande porte, como também de forte conteúdo moral, que
concentra sua narrativa no embaraçoso tema do infanticídio de
crianças nascidas fora de uniões estáveis. Essa é uma escolha
que nos leva a considerar outros aspectos da função didática
que se pretendia para a coleção do museu: a obra parece indicar
não apenas um bom exemplo de prática artística e domínio
técnico do métier, como também chama a atenção para consequências funestas dos desvios da boa conduta moral. Grande
parte das obras da coleção inicial da Pinacoteca revelam preferência por temas moralizantes, pelo sentimentalismo das cenas
familiares ou composições com trabalhadores humildes, de
que são bons exemplos as pinturas de Berthe Worms e mesmo
a Criação da vovó, 1895, de Oscar Pereira da Silva. Contudo, o
fato de a pintura de Aurélio de Figueiredo, datada de 1910, ter
sido adquirida em 1912, bem como a de Weingärtner ter sido
comprada três anos após sua conclusão, reforçam o princípio
de que os gestores da Pinacoteca sempre se empenharam
em reunir exemplos importantes da produção artística mais
recente.
As compras realizadas pelo governo estadual para o museu
nesses primeiros anos não se limitavam a artistas brasileiros. A
regulamentação da Pinacoteca como instituição independente
do Liceu, que data de 1911, dispunha que o museu se dedicaria
a reunir igualmente autores nacionais e estrangeiros, desde
que observado o critério de qualidade das obras adquiridas. Já
se notava naquela data a presença na coleção do museu de ao
menos dois artistas de origem espanhola: os irmãos Agustín e
Pablo Salinas, pintores que expuseram com regularidade em
São Paulo entre 1910 e 19196. Outros nomes como Pradilla
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625
Entretanto, o momento em que se nota uma diversiicação
mais acentuada no peril das obras que compõem o acervo da
Pinacoteca ocorre a partir de três aquisições realizadas pelo
Governo do Estado no inal da década de 1920: em 1928 dá
entrada na coleção a pintura Bananal de Lasar Segall; no ano
seguinte, a São Paulo de Tarsila do Amaral; e em 1935, o Mestiço
de Candido Portinari. As duas primeiras foram adquiridas
diretamente dos artistas por iniciativa do então governador Julio
Prestes, com quem Segall e Tarsila mantinham laços de amizade.
Já Mestiço, a primeira pintura de Portinari a ser adquirida por
um museu público, é encaminhado à Pinacoteca por expressa
recomendação do escritor Mario de Andrade. Ao se reunirem à
escultura Carregadora de perfume, doada ao museu por Victor
Brecheret em 1927, e à já referida Tropical, de Anita Malfatti,
estas obras vieram a constituir o primeiro núcleo de caráter
modernista a ingressar no acervo de um museu brasileiro8.
Que esse museu tenha sido um museu em São Paulo, cidade
onde ocorreu a Semana de Arte Moderna de 1922, reforça a
hipótese de uma política deliberada de consagração inicial desse
movimento artístico. Há que se considerar ainda que a presença
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções
/ Valeria Piccoli
de Bananal, Mestiço e Tropical na coleção da Pinacoteca junto ao
ciclo de pinturas caipiras de Almeida Júnior, recoloca o debate
sobre um caráter nacional nas artes, apontando inalmente para
o reconhecimento do legado africano.
Pensionato Artístico continuaria ativo até 1949, embora, nesta
altura, fosse um modelo já um tanto desgastado de estímulo à
formação artística. Todas essas iniciativas colaboravam para que
a Pinacoteca fosse se tornando um museu mais e mais identiicado com certa elite paulista e vista como instituição de feição
bastante conservadora. Essa imagem só começaria a se alterar
no inal da década de 1970, quando da atuação de Aracy Amaral
na direção do museu, transformando-se deinitivamente durante
a gestão de Emanoel Araújo, que, entre 1992 e 2002, reposiciona
a Pinacoteca no cenário nacional, projetando-a também internacionalmente.
Por vários anos, esta coleção moderna permaneceria, no entanto,
como um conjunto excepcional no acervo da Pinacoteca. A
chegada de lotes de obras provenientes de espólios familiares,
que se intensiica a partir da década de 1940, viria a reforçar
o caráter mais conservador da coleção do museu. Entre esses
lotes, vale lembrar as doações feitas pelas famílias Azevedo
Marques, Silveira Cintra e Andrada Noronha, por exemplo,
que acrescentam ao acervo obras de artistas brasileiros, mas
também de vários dos estrangeiros que haviam exposto em
São Paulo na década de 1910, ou mesmo obras adquiridas em
viagens ao exterior. Por outro lado, a doação de 733 obras provenientes do espólio de Henrique Bernardelli em 1937, bem como
a aquisição do espólio de Pedro Alexandrino pelo Governo do
Estado em 1944 levariam à criação de salas monográicas no
circuito expositivo do museu em homenagem a esses artistas.
A reorganização das salas expositivas reforça a ideia do culto
à personalidade que parece ter sido, em meados do século XX,
um princípio orientador tanto da formação do acervo quanto da
maneira de mostrá-lo.
Apesar da consolidação da Pinacoteca como o único museu de
arte da cidade de São Paulo até a criação do MASP em 1947, é
notório que o plano de emulação do meio artístico no contexto
paulista não se concretizou como havia sido idealizado pelos
gestores públicos na década inal do século XIX. A Escola de
Belas Artes de São Paulo, tantas vezes anunciada, nunca se
realizaria como uma iniciativa do poder público, inaugurando
suas atividades em 1925 como escola privada e, portanto,
desligada do museu. O Salão Paulista de Belas Artes seria
criado por decreto apenas em 19339, tendo sua primeira edição
em janeiro do ano seguinte. Não manteria nenhuma relação
com a Escola de Belas Artes, ainda que já estivesse previsto
no regulamento que as premiações, se adquiridas, seriam
destinadas à coleção da Pinacoteca. Apenas o programa do
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções
/ Valeria Piccoli
Notas:
1
Este ensaio está fundamentado em estudos que tem sido desenvolvidos
nos últimos anos pela equipe de Pesquisa e Curadoria da Pinacoteca do Estado de
São Paulo, representando um importante avanço na relexão sobre a história desta
instituição centenária. Entre os pesquisadores que se dedicaram particularmente aos
anos iniciais da trajetória do museu, destaco os estudos realizados por Ana Paula
Nascimento, Fernanda Pitta e Pedro Nery, que recentemente inalizou sua dissertação
de mestrado, orientada pelo Prof. Dr. Paulo César Garcez Marins, do Museu Paulista da
USP, trazendo à tona uma série de novos documentos sobre as origens da coleção da
Pinacoteca. Ver NERY, 2015.
2
A população da cidade salta de 30.000 habitantes em 1872 para 240.000 em
1900, chegando ao primeiro milhão no inal da década de 1920, segundo dados disponíveis no portal da Prefeitura do Município de São Paulo. Ver smdu.prefeitura.sp.gov.br
3
Correio Paulistano, 24/12/1905, capa.
4
É importante ressaltar que 1912 é a data do decreto que regulamenta o
programa, embora já houvesse bolsistas enviados à Europa pelo governo estadual
desde a década de 1890, conforme aponta pesquisa desenvolvida pela curadora
Ana Paula Nascimento para a exposição “O Pensionato Artístico na República Velha”
(Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2 de março a 3 de novembro de 2013).
5
Decreto 2.234, de 22 de abril de 1912. Crea o Pensionato Artistico de S.Paulo
e lhe dá regulamento. Artigo 1º. Disponível em http://www.al.sp.gov.br/repositorio/
legislacao/decreto/1912/decreto-2234-22.04.1912.html
6
NASCIMENTO, 2010, tomo 2, p.74
7
Pinelo Llul organizou três exposições de arte espanhola em São Paulo,
mas atuava num circuito mais extenso que incluía, além do Rio de Janeiro, mostras
em Buenos Aires, Argentina e Montevidéu, Uruguai. A esse respeito, ver PITTA, 2014,
p.84-112.
8
Figura 3 - Pedro Weingärtner La faiseuse d’anges [A fazedora de
anjos], 1908, óleo sobre tela, 151 x 375 cm. Acervo da Pinacoteca do
Estado de São Paulo, Brasil. Compra do Governo do Estado de São
Paulo, 1911.
628
629
Sobre esse tema, ver ARAÚJO, 2002.
9
Decreto 6.111, de 4 de outubro de 1933. Aprova o Regulamento do Salão
Paulista de Belas Artes elaborado pelo Conselho de Orientação Artística. Disponível em
http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1933/decreto-6111-04.10.1933.
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A Pinacoteca de São Paulo e a formação de suas coleções
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Referências Bibliográicas:
100 anos da Pinacoteca: a formação de um acervo. Textos Ana Paula Nascimento,
Regina Teixeira de Barros [et al.]. São Paulo: FIESP e Pinacoteca do Estado, 2005.
ARAÚJO, Marcelo Mattos. Os modernistas na Pinacoteca: o Museu entre a
Vanguarda e a Tradição. São Paulo: FAU-USP, 2002. Tese de Doutorado.
Arte no Brasil: uma história na Pinacoteca de São Paulo. Textos Valéria Piccoli,
Giancarlo Hannud [et al.]. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2011.
NASCIMENTO, Ana Paula. “São Paulo: meio artístico e as exposições (18951929)”. In: Oitocentos – Arte Brasileira do Império à República. Rio de Janeiro:
EDUR-UFRRJ/ DezenoveVinte, 2010.
NASCIMENTO, Ana Paula. Espaços e a representação de uma nova cidade: São
Paulo 1895-1929). São Paulo: FAU-USP, 2009. Tese de Doutorado.
NERY, Pedro. Arte, pátria e civilização: a formação dos acervos artísticos do Museu
Paulista e da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1893-1912) [online]. São Paulo:
Museologia, Universidade de São Paulo, 2015. Dissertação de Mestrado. Disponível
em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/103/103131/tde-29102015-120926/
Pinacoteca do Estado de São Paulo: a história de um museu. Textos Marcelo Araújo
[et al.]. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2007.
PITTA, Fernanda. Um povo pacato e bucólico: costume e história na pintura de
Almeida Júnior. São Paulo: ECA-USP, 2013. Tese de Doutorado.
PITTA, Fernanda. “A paisagem naturalista estrangeira na coleção do Museu
Mariano Procópio, suas relações com a coleção da Pinacoteca e com o meio artístico
brasileiro”. In Coleções em diálogo: Museu Mariano Procópio e Pinacoteca de São
Paulo. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2014, pp. 84-112.
Valéria Piccoli é Doutora pela FAU-USP, desde 2007 integra
a equipe de curadores da Pinacoteca do Estado de São Paulo,
tendo se tornado Curadora Chefe em 2012. Foi coordenadora do
projeto de reformulação da exposição do acervo da Pinacoteca,
que resultou na exposição Arte no Brasil: uma história na
Pinacoteca de São Paulo (2011). Colaborou em projetos de
exposições internacionais, como Terra Brasilis, parte do festival
Europalia.Brésil ocorrido em Bruxelas em 2011 e foi uma das
curadoras do projeto Paisagem nas Américas: pinturas da
Terra do Fogo ao Ártico (2015-2016), em colaboração com a
Art Gallery of Ontario (Toronto, Canadá) e Terra Foundation
for American Art (Chicago, Estados Unidos). É membro do
CBHA e Membro Individual Regular do ICOM.
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A coleção do
Museu D. João VI:
arte, documentação
e exposição.
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Tatiana da Costa Martins
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A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição
/ Tatiana da Costa Martins
Nesta formulação, as ações de políticas de aquisição substituindo o termo colecionismo situa o acervo como ponto de
partida (fonte) e ponto de chegada (inalidade) inscrito no
processo cientíico, isto é, a pesquisa. Porém, Desvallées e
Mairesse apontam a limitação desta acepção que (2013, p.34):
não permite distinguir o museu da coleção privada, na
medida em que esta última pode ser reunida com um objetivo
perfeitamente cientíico, do mesmo modo que, por vezes, o
museu chega a adquirir coleções privadas desenvolvidas,
eventualmente, com uma intenção pouco cientíica.
Museu ÷ coleção
A coleção de um museu se difere de outros tipos de coleção. E
a missão do museu é: “a de adquirir, preservar e valorizar suas
coleções com o objetivo de contribuir para a salvaguarda do
patrimônio natural, cultural e cientíico” (Código de Ética do
ICOM, 2007). A dinâmica que oferece espaço para deinir uma
coleção como museológica reside em entendê-la como centro
vital das atividades circunscritas na musealização, tal como nos
esclarecem André Desvallées e François Mairesse (2013, p.34):
“De maneira geral, a coleção – ou as coleções – do museu se
apresenta(m) tanto como a fonte quanto como a inalidade das
atividades do museu percebido como instituição”. Pretendemos
reforçar a ligação entre os objetos da coleção e seu estatuto
de fonte através da deinição: “os objetos coletados do museu,
adquiridos e preservados em razão de seu valor de exemplaridade, de referência, ou como objetos de importância estética
ou educativa” (Burcaw, 1997 apud Desvallées; Mairesse, 2013,
p.35). A perspectiva apresentada pelo autor pode referi-se
também à dinâmica entre a coleção privada e sua institucionalização, de modo a implicar a associação entre poder público e
curadoria (em termos mais rigorosos certamente):
O museu deve normalmente desenvolver uma política de
aquisição – é o que sublinha o ICOM, que prevê o mesmo
para a política de coleta. Ele seleciona, compra, coleta, recebe
doações. O verbo “colecionar” é pouco utilizado, porque
está muito diretamente ligado ao gesto do colecionador
privado e seus derivados.
Jean Davallon considera que num museu “os objetos são
sempre elementos de sistemas ou de categorias” (1992, p.12).
Esta perspectiva permite que a coleção museológica seja tratada
pelo rigor metodológico do inventário e de normas de classiicação que sustentam os sistemas de catalogação que, por sua
vez, descrevem e localizam qualquer item entre os inúmeros
objetos que compõem uma coleção museológica:
Os usos modernos da classiicação foram amplamente
inluenciados pela informática, mas a documentação de
coleções permanece uma atividade que requer um saber
especíico e rigoroso, fundado na constituição de um
thesaurus capaz de descrever as relações entre diversas
categorias de objetos (Desvallées; Mairesse, 2013, p.35).
634
635
A propósito da apresentação do quadro da musealização
das coleções no ambiente comunicacional especíico à
documentação e pesquisa inalizamos com uma última deinição
de coleção que parte da sua materialidade, isto quer dizer,
que se trata especiicamente de objetos materiais. O ilósofo
polonês Krysztof Pomian deine coleção como “todo conjunto
de objetos naturais ou artiiciais, mantidos temporariamente
ou deinitivamente fora do circuito de atividades econômicas,
submetido a uma proteção especial em um lugar fechado,
mantido com este propósito, e exposto ao olhar” (1987, p.12).
Esta acepção fundamenta-se no seu conteúdo simbólico já que
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A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição
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implicitamente funciona como portador de sentido ou signiicado. “Deiniu-se a coleção como um conjunto de objetos
expostos ao olhar. Mas, ao olhar de quem?” (1984, p.63) Com
essa pergunta Pomian prepara o leitor para que se reconheça
no elo entre espectadores e o invisível habitado nos objetos.
O trânsito entre o visível e o invisível não prescinde do nexo
mediador que é o objeto, pois há nele um aspecto comunicacional, o que signiica dizer que este objeto é atravessado
pela linguagem. Pomian trata dessas categorias de objetos
aplicando o termo semióforo expresso na seguinte airmação:
a comunicação possui uma instância invisível. Os critérios
observáveis que deinem uma coleção, segundo o autor, dizem
respeito à especiicidade do:
determinadas no campo das especialidades museologia,
história da arte e ensino artístico. Dito desse modo, levamos
em consideração a natureza peculiar da formação das coleções
do Museu, indissociável da criação do ensino artístico no
Brasil e determinada pelo ambiente das políticas públicas que
orientam sua caracterização.
Coleção + documentação
Duas determinações pontuais orientam nossa associação
entre coleção e documentação. A primeira circunscreve a
declaração do Comitê Internacional para Documentação do
ICOM (CIDOC – ICOM): “A documentação é uma aspecto
indispensável de todas as atividades do museu. Uma coleção
sem documentação adequada não é uma ‘coleção de museu’”.
A segunda determinação encontra-se no Código de Ética do
ICOM na seção 2, no item 20, da Documentação dos acervos:
[...] local em que se acumulam, do estado da sociedade,
das suas técnicas, e do modo de vida, da sua capacidade
de produzir e acumular o excedente, da importância que
se atribui à comunicação entre o visível e o invisível por
intermédio dos objetos. (1984, p. 67).
Os acervos dos museus devem ser documentados de acordo
com normas proissionais reconhecidas. Esta documentação
deve permitir a identiicação e a descrição completa de cada
item, dos elementos a ele associados, de sua procedência, de
seu estado de conservação, dos tratamentos a que já foram
submetidos e de sua localização. Estes dados devem ser
mantidos em ambiente seguro e estar apoiados por sistemas
de recuperação da informação que permitam o acesso
aos dados por proissionais do museu e outros usuários
autorizados.
Independente da coleção possuir uma natureza material ou
imaterial, cabe reletir sobre a possibilidade de documentar,
registrar e difundir (inserção comunicativa e informacional)
os objetos que formam esse conjunto como modo de produzir
conhecimento e consequentemente preservar. Com Desvallées
e Mairesse (2013, p.35), entendemos que:
A coleção do museu sempre teve de ser deinida em relação
à documentação que a acompanha e pelo trabalho que
resultou dela, para ter a sua relevância reconhecida. Esta
evolução levou a uma acepção mais ampla da coleção, como
uma reunião de objetos que conservam sua individualidade
e reunidos de maneira intencional, segundo uma lógica
especíica.
E atribuímos que a vinculação entre documentação e coleção;
pesquisa e acervo e exposição do Museu D. João VI (MDJVI)
dependem das relações sistêmicas, conceituais e materiais
Ainda que o MDJVI não apresente sua missão em seu endereço
eletrônico, podemos extraí-la do Catálogo do Novo Museu D.
João VI, de autoria concepção da professora da Escola de Belas
Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ)
e museóloga Sonia Gomes Pereira, que reúne os processos de
modernização e transferência do espaço físico. As ações de
musealização - incluindo a caracterização das coleções (fonte
e inalidade), documentação, exposição - pelas quais passou o
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição
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Museu foram embasadas nos ditames estabelecidos no Código
de Ética e no Estatuto dos Museus supracitados (PEREIRA,
2008, p.25, grifo nosso):
Escola Nacional de Belas Artes (ENBA - 1890), transpondo
sua deinitiva incorporação à UFRJ até nossos dias contamos
200 anos.
Inicialmente, os objetos da coleção são identiicados aos
produtos do ensino artístico no Brasil. Há ampla discussão,
em diversos campos do conhecimento1, sobre a natureza do
objeto do museu na qual se destacam premissas da descontextualização e do esvaziamento do seu uso, isto é, a retirada
ou extração do circuito econômico e da função utilitária, do
lugar originário e a validade de tais ações. Se por um lado, a
extração do objeto serve de embasamento para a deinição de
musealização, por outro, discute-se o valor negativo correspondente a uma espécie de ‘decretação’ de morte do objeto.
Sem nos aprofundarmos nessa polêmica, consideramos que a
extração do objeto e seu acolhimento por um museu signiica
sua repotencialização.
O Museu D. João VI é essencialmente um museu universitário, voltado para uso de professores e alunos da instituição e para os pesquisadores, que têm interesse direto
em suas fontes primárias. Mais do que isso, o Museu
atende a uma escola de artes e o seu acervo deve servir ao
seu propósito original – aquele que promoveu a própria
constituição da coleção: servir de instrumento de estudo
e observação dos alunos para a compreensão da tradição
artística que embasou a trajetória da arte ocidental e também
para a discussão sobre os métodos de formação do artista –
questões ainda polêmicas na cena contemporânea.
Através da vinculação coleção de arte e de ensino às especiicidades prático-teórica da musealização, compreendemos os
processos técnicos da documentação e seus desdobramentos.
Em número, o acervo do MDJVI compreende cinco coleções,
a saber, Arquivo, Didática, Obras Raras, Ferreira das Neves,
Renato Miguez, somando aproximadamente 4.900 peças
museológicas e 6.221 documentos.
Os objetos da coleção do ensino artístico (Didática) do
MDJVI, no momento de sua formação, foram extraídos do seu
contexto? Respondemos que, por muito tempo, não. O conjunto
de objetos da EBA relativo ao ensino (Coleção Didática e
Arquivo do Museu) permaneceu nos ambientes da Escola2 e,
posteriormente, na Universidade divido entre as salas de aula,
corredores e ateliers, com a presença de alunos, professores e
funcionários das Instituições:
Começamos, então, o relato da sua formação.
O Museu possui uma trajetória singular que nos permite
associá-lo ao ambiente acadêmico, tipiicado como museu
universitário e relacionado ao ensino das Belas Artes no Brasil.
A formação inicial da coleção está marcada pela da criação
da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, por Decreto Real
irmado em 1816, e sua institucionalização ocorre somente
em 1979, por iniciativa do então diretor da EBA/UFRJ, prof.
Almir Paredes.
Durante esses quase duzentos anos o museu existiu apenas
na possibilidade de ser, no devir de um acervo que foi se
constituindo por doações, mas, principalmente, pelo próprio
ensino artístico no Brasil. As obras enviadas pelos pensionistas, as pinturas de mestres que serviam de exemplo
nas paredes dos ateliês, os documentos que registravam a
memória de todos esses anos e as diversas doações foram
dando corpo às coleções (LUZ, 2008, p.9).
Do início do colecionismo na Escola Real de Ciências, Artes
e Ofícios, passando pela efetivação da Academia Imperial de
Belas Artes (AIBA - 1826), sua consequente transformação em
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A Coleção Didática e o Arquivo do Museu formam o núcleo
central do acervo do MDJVI. A tipiicação Museu do ensino
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A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição
/ Tatiana da Costa Martins
(desenho, gravura, escultura e pintura) identiicadas com as
normas clássicas. A história que os objetos contam relete o
contexto geral da memória artística como projeto epistemológico e campo de especialidade. Nesse sentido, apresentamos
a abordagem de Maria Teresa Marín Torres (2004, p.272):
artístico deve-se à muselização dos objetos de sala de aula,
exercícios, práticas, prêmios, todo e qualquer objeto que
confere unidade àquele ambiente. Sonia Gomes Pereira (2010,
p.13) indica o movimento (inerente às instituições) que deu
origem à coleção principal do MDJVI: “Em 1937, esse acervo
foi dividido em dois conjuntos. Outra parte, em geral de caráter
mais didático, continuou nas salas de aulas e nos ateliês da
ENBA”.
A memória artística está formada principalmente pelas
obras de arte assim como pela informação e documentação
que estas geram. A consciência de seu aparecimento, assim
como a necessidade do seu estudo, controle e difusão
ocorrem, sobretudo, durante os séculos XVII e XIX com o
nascimento da História da Arte e os movimentos artísticos
e sua descontextualização, tanto pela importância que o
mercado artístico recebe quanto pelos episódios revolucionários que impulsionam o surgimento do museu público.
A coleção Jeronymo Ferreira das Neves foi doada à ENBA
em 1947. A coleção, caracterizada por objetos da atmosfera
doméstica do casal Ferreira das Neves e pelos objetos
colecionados por eles, coletados preferencialmente em
Portugal durante o século XIX, “[...] forma um conjunto
eclético, pois reúne pinturas, esculturas, gravuras, tecidos,
móveis, imaginária, porcelana, prataria, numismática e livros
raros, em sua maioria de origem europeia” (PEREIRA, 2010,
p.14).
Os aspectos estético, histórico, artístico e sua recepção
alinham-se à feição comunicacional natural e necessária aos
objetos que conservam a memória artística. O ambiente da
preservação desses objetos destina-se preferencialmente ao
museu. Em especial, o MDJVI reúne objetos cujos signiicados
apregoam certa adesão teórica e adequação da práxis referentes
ao ambiente do ensino artístico e sua musealização. Os objetos
reletem a mentalidade artística da época da Academia/
Escola, referenciados pela tradição artística, a partir da qual
se deinem os processos: estabelece hierarquia entre os tipos e
materiais, temas e problemas; evidencia as etapas práticas para
se alcançar o resultado máximo de objeto tipiicado; adota
escala de valores rigorosa pautada no exercício da cópia. Sonia
Gomes Pereira sintetiza a seguir a lógica do nosso ensino
Acadêmico:
Já incorporadas à EBA/UFRJ, as coleções passam a integrar
um museu a partir de 1979 com a criação do MDJVI. A importância da consolidação das coleções através da musealização
do acervo na criação do MDJVI incide sobre o signiicado da
memória artística no Brasil.
A unidade constitutiva da Coleção Didática se expressa através
da metodologia do ensino artístico tradicional. Remontando à
Missão Artística Francesa (origem e mentalidade da pedagogia
da Academia), passando pelas formulações artísticas tradicionais e consolidando a linguagem plástica no Brasil, o acervo
do MDJVI documenta, conserva e comunica o patrimônio
artístico no Brasil.
As peças originadas das práticas do ensino artístico explicitam
o pensamento, a ideologia, os métodos e os resultados obtidos
pelo sistema pedagógico que se constituía na Academia/
Escola. No sistema de arte oitocentista, a prática artística
tinha como objetivo o aprimoramento das técnicas tradicionais
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Todo esse sistema pedagógico continha certamente um
caráter teórico e ideológico, que manteve sempre sua adesão
às diretrizes dominantes da tradição artística ocidental,
mas o ensino propriamente dito caracterizava-se pelo
pragmatismo, em que importavam, sobretudo, a relação
direta mestre⁄aluno e a experiência prática no ateliê (2010,
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição
/ Tatiana da Costa Martins
As informações dos objetos do MDJVI - rediscutidas por
ocasião do Projeto Integrado na comemoração dos 180 anos
da Escola de Belas Artes coordenado por Sonia Gomes Pereira
e pela professora da EBA Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira
– são direcionadas para a uniformização das classiicações. Os
descritores não foram alterados substancialmente em relação
às informações fornecidas na época da incorporação à EBA/
UFRJ. Na realidade, eles conferem a possibilidade de acrescentar a vida da peça na instituição, seus trânsitos e deslocamentos, caracterizando o processo de musealização da coleção.
Sobre o processo de informatização, Sonia Gomes Pereira
relata:
p.14).
A prática do ensino acadêmico no Brasil resulta em inúmeros
objetos, à primeira vista sem o valor artístico do objeto
consagrado, tais como desenho, gravura, molde em gesso,
escultura, pintura solicitados em salas de aula. A orientação
era temática, seguindo os gêneros de pintura: “Durante grande
parte do século XIX predominaram as obras e temas históricos
ou retratos. No entanto, a partir da passagem do XIX para o XX,
outros gêneros tornaram-se importantes, como as paisagens, as
naturezas-mortas e as cenas do cotidiano” (PEREIRA, 2010,
p.14). Além das peças produzidas nos ateliês da academia, os
documentos gerados na vivência cotidiana e burocrática do
ensino também indicam o funcionamento da tradição artística
vinculada à Academia/Escola. Por exemplo, a documentação
regular da AIBA e da ENBA, tal como atas das reuniões da
diretoria, caderneta de estudantes, programas de curso, regulamentos de concursos (23.600 páginas) e os documentação
avulsa, representada por correspondências, certidões, recorte
de jornal, trânsito de professores entre instituições, etc (118.000
páginas)3.
A base de desenvolvimento do projeto foi a realização de um
inventário cientíico e sistemático dos acervos museológico
e arquivístico. Criou-se um padrão de registro único, com a
subsequente organização de um Banco de Dados Informatizados4, que permitiu agilizar a identiicação e a localização
das peças do acervo, além de possibilitar o cruzamento
de informações entre diversas categorias – autoria, título,
datação, técnica e material, - otimizando o acesso do
pesquisador às fontes primárias. (PEREIRA, 2010, p.15)
Objetos e papéis transformam-se em acervo museológico e arquivístico. Disso resulta nossa memória artística
compreendida no quadro de musealização do MDJVI.
A informatização dos acervos museológico e arquivístico
dependia da especiicidade das coleções e do seu estado de
conservação. Como metodologia, estabelece-se um diagnóstico
profundo da situação das coleções no sentido do processamento museológico recebido até então, a partir do qual foi
identiicada a heterogeneidade nas descrições dos objetos da
coleção. A etapa seguinte previa a uniicação das informações
com a reformulação das ichas catalográicas, construindo
um arcabouço informacional correspondente à museologia –
deinido por critérios técnico-cientíico desse campo de conhecimento.
O MDJVI adota icha catalográica que contém descritores
relevantes para o campo da arte. Sem dúvida, tal icha poderia
ser mais elaborada do ponto de vista da museologia e da arte.
A icha que foi produzida por ocasião da incorporação das
coleções oriundas da ENBA era básica, cumprindo a função
imediata da etiqueta de identiicação da peça. Seus descritores
eram: categoria, número, autor, título, técnica, dimensões,
localização, observação, data e assinatura. Com critérios de
identiicação extremamente simpliicados, algumas informações foram ignoradas, diicultando muitas vezes a caracterização completa da peça.
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643
Atualmente, o MDJVI trabalha com a icha catalográica que
contém os seguintes descritores: registro (numeração sequencial
que respeita o sistema numérico do Livro de Tombo); classe
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição
/ Tatiana da Costa Martins
Didática, conferindo, no universo heterogêneo de uma coleção,
seu caráter identitário. Da avaliação em sala de aula ao
julgamento do cobiçado Prêmio de viagem, existe uma lógica
relativa à estrutura do ensino artístico e à circulação do objeto
de arte fundadora do nosso Sistema de Arte.
e subclasse (informação pautada no Thesaurus para acervos
museológicos, editado pela Fundação Pró-memória em 1987);
autor e coautor; datação, local e assinatura (segue as normas
do Manual de Catalogação de Pinturas, Esculturas, Desenhos
e Gravuras, publicado pelo Museu Nacional de Belas Artes
em 1995); título, técnica-material e dimensões (informação
orientada pelo Sistema de Informação do Museu Nacional
de Belas Artes de 1995); aquisição, modo, ano, conservação;
concursos, exposições, premiações e pensionistas; tema,
localização, observação, movimentação.
Nesse sentido, entendemos que da sua formação inicial à
consolidação do acervo museológico e arquivológico, devemos
caracterizar os aspectos da musealização pertinentes às práticas
e sistemas de informação das coleções do Museu: critérios de
seleção dos objetos, sistematização das coleções, histórico e
localização; além de apresentarmos os elementos para a fundamentação do discurso museológico contido na exposição do
acervo do Museu.
Convém destacar as informações relevantes que comunicam
o acervo do Museu ao seu usuário (acervos arquivístico e
museológico). Assinalamos a especiicidade do campo título,
que à primeira vista não se reveste de excepcionalidade, mas
analisando a informação contida, percebemos a especiicidade
da identiicação ou da atribuição do título pela natureza do
objeto. Por exemplo, os objetos da Coleção Didática consistem
da prática de aula, por esta razão muitas vezes não foram
intitulados, restando como procedimento de identiicação
a atribuição, esta, por sua vez, é decorrente do tema ou da
imagem. As informações complementares ao título são constitutivas do sistema de ensino artístico, próprio e restrito à
Academia/Escola.
Ainda nos termos da musealização da coleção Didática,
observamos que o ensino artístico na AIBA e na ENBA era
orientado pela relação entre mestre e discípulo de natureza
marcadamente hierárquica da qual extraímos um rígido
princípio de aferição. Contemplando o sistema de avaliação
do aluno, buscamos no campo descritor concursos, exposições,
premiações e pensionistas, o aprofundamento da informação
contida no objeto da coleção, isto é, seu pertencimento à
lógica do ensino artístico que fundamenta (por adesão ou
por oposição) a produção artística no Brasil. A sequência
relativamente extensa e detalhada (aproximadamente 45
referências) das várias premiações – podendo ser relativas ou
não à Academia/Escola - indica a especiicidade da Coleção
Documentação = exposição
As exposições guardam vários sentidos: das obras expostas
ao lugar da exposição. A polissemia indica complexo tema. A
expressão exposição aplica-se (DESVALLÉS; MAIRESSE,
2010, p.42) “[...] tanto ao conjunto de coisas de natureza variadas
e formas distintas, expostas ao público, quanto às próprias
coisas expostas e ao lugar onde acontece essa manifestação.”
Como uma atribuição do museu, a exposição amplia ainda
mais seu uso. O museu reletido no espaço expositivo, leva em
consideração o conteúdo e seus suportes – galeria de arte, site
speciic, sítio arqueológico e histórico, etc – e, ainda, seu público,
os usuários que participam da experiência proposta, indicando
a dimensão comunicacional do lugar. Retomamos, portanto, a
deinição proissional de museu, de atribuição recente, que se
encontra nos estatutos do Internacional Council of Museums
- Conselho Internacional de Museus (ICOM):
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O museu é uma instituição permanente sem ins lucrativos,
ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta
ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e
expõe o património material e imaterial da humanidade e do
seu meio envolvente com ins de educação, estudo e deleite
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição
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(ICOM, 2007, grifo nosso).
como matéria-prima desta informação cultural especializada
(2000, p.20).
A deinição do ICOM é pertinente à discussão, pois evidencia
a função exposição do ponto de vista qualitativo e entrelaçada
às outras competências do museu. De acordo com Desvallés e
Mairesse (2010, p.43): “[...] a exposição faz parte da função mais
geral de comunicação do museu, que compreende igualmente
as políticas educativas e de publicação”. Deparamos-nos então
com uma função fundamental do Museu, que é constituída
para a visualização dos objetos de sua coleção, ou seja, a
apresentação sensível dos objetos.
“O discurso museológico que a exposição do acervo expressa”
recorre fundamentalmente às informações geradas no processo
de documentação do objeto da coleção do Museu (no qual deve
conter além das informações técnicas, seu histórico antes de
pertencer ao acervo, sua movimentação e vida na instituição,
referências que auxiliam na sua caracterização, entre outras
informações). O modo de expor pode contribuir para reforçar
a identidade da peça incidindo sobre sua natureza de objeto de
coleção especíica.
Em geral, a exposição do acervo de um museu é o ponto de
chegada do processo que se inicia com a identiicação do objeto,
seu registro, o diagnóstico da conservação sobre seu estado
físico e sua catalogação. A musealização do objeto é marcada
por diversas etapas indicadas pela natureza técnica de cada
processo pelos quais um objeto acolhido no museu deve passar
para se constituir num objeto de museu. A função informacional-comunicacional que culmina na exposição, explicitada
pela museóloga Diana Farjalla Correia Lima, é consequência
de uma cadeia de práticas direcionadas para o objeto do acervo
do museu com o objetivo de conservá-lo e identiicá-lo, para,
por im, oferecê-lo ao público na forma de exposição:
A tarefa primordial do Museu da categoria tradicional está
alicerçada na atividade de conhecer/estudar seu acervo
e todas as implicações teóricas e práticas decorrentes,
(tarefa da qual depende a ‘vida’ da Instituição Cultural),
no contato que estabelece com seu usuário, o público
visitante ou o público consulente, nas iguras dos visitantes
de breve passagem ou do pesquisador e demais usuários, na
constância das interrogações. Qualquer motivo que estimule
e leve o público ao Museu – lazer ou estudo – terá o efeito de
colocá-lo frente ao discurso museológico que a exposição do
acervo expressa, elaborado tomando os objetos das coleções
A exposição de longa duração da coleção do MDJVI,
inaugurada em 2008, torna visível os diversos aspectos de sua
musealização, pois coloca em evidência a sobreposição das
funções do Museu: trata-se de expor a reserva técnica. Nos
interessa pensar no conjunto das atividades do Museu segundo
tal coniguração.
A necessidade de repensar o conceito museológico da Instituição foi impulsionada por uma circunstância: a mudança
do espaço do Museu5 (2006). Anteriormente localizado no 2º
andar do Prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
UFRJ6, o MDJVI foi realocado no 7º andar do mesmo prédio.
A mudança implicou a redução drástica do espaço físico do
Museu. Em paralelo à nova realidade, foi premente reconsiderar profundamente os processos técnicos para o Museu.
De acordo com as circunstâncias relativas ao prédio da FAU/
UFRJ, Sonia Gomes Pereira põe em prática a nova concepção
museológica do MDJVI:
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647
O conceito norteador no novo Museu D. João VI repousa
sobre a ideia da Reserva Técnica disponibilizada ao público,
resguardados, naturalmente, aos cuidados necessários com
a conservação e a vigilância do acervo. Com a compra dos
trainéis, estantes e mapotecas para armazenamento do
acervo e dos equipamentos para controle climático e de
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição
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segurança (2010, p.18).
da arte no Brasil foram balizares para chegar à fundamentação do projeto museográico (2010, p.22).
A partir do conceito museológico planejado por Sonia Gomes
Pereira, faz-se necessário repensar a museograia do MDJV. A
museograia tem a assinatura de Marize Malta, professora da
Escola de Belas Artes e arquiteta, e podemos pensá-la como a
expressão máxima da reconiguração dos setores do museu que
busca agregar à Instituição outro plano artístico-museológico.
Nesse sentido, a museograia sinaliza a mudança conceitual do
Museu ao dispor as coleções em estado de tratamento técnico,
seccionadas por temas, em consonância com a divisão estabelecida no ambiente do ensino acadêmico no Brasil. Desde a
criação do Museu em 1979 até sua transformação conceitual,
o discurso museológico apresentado na exposição possuía
o claro propósito de oferecer uma tipologia diacrônica das
obras do acervo. A mudança do status expositivo que reverte
o sentido cronológico para a visualização do acervo reunido
em coleções, caracteriza nova forma de comunicar consoante
a nossa atualidade, cuja aposta reside em opor e contrastar
modos de experiência espácio-temporal.
Os espaços que abrigavam separadamente sala de exposição e
reserva técnica passam a exercer a dupla função. Para as salas
do atual espaço do Museu, foi concebida a “reserva técnica
exibida” (MALTA, 2010, p.20), solução adequada em relação à
redução do espaço, mas que assegura coerência no tratamento
das coleções do MDJVI. O novo conceito museológico do
MDJV parte de projetos integrados e complementares que
circunscrevem a informatização do acervo (1994-1998),
revitalização da reserva técnica (2005-2011) e a mudança do
espaço (2006-2008). Esta nova concepção retrata a percepção
do público e usuários do Museu, deinidos pela ênfase no
peril universitário que acentua as funções ensino e pesquisa,
imiscuídas na inalidade educação e estudo em acordo com as
prerrogativas do ICOM. A nova curadoria do MDJVI repensa
ainda as coleções que constituem o seu acervo do ponto de
vista da sua distribuição física e funcional no novo espaço. A
centralidade da coleção Didática – em número de peças e na
tipiicação do próprio Museu - apoia-se na proximidade física
entre o Arquivo e a Biblioteca de Obras Raras constituindo
assim seu núcleo de estudo e pesquisa.
A ideia de coleções implicava ação de reunir peças sob determinado critério, tanto de escolha das peças quanto maneira
de agrupá-las, distinto de uma sequência cronológica ou da
eleição de determinado artista para ser destacado. Vê-las em
conjunto signiicava tratá-las como coleção de estudo (study
collections), locando-as de modo a provocar indagações e
problematizações capazes de incitarem novas pesquisas
ou, pelo menos, de fazer com que o público revisse suas
premissas em relação ao tom pejorativo que ainda persiste
frente à categoria arte acadêmica (MALTA, 2010, p. 23)
Indiscutivelmente, a proposição da curadoria considera o
quadro das coleções para dinamizar as etapas processuais da
musealização. Para o projeto museográico da exposição de
longa duração do MDJVI, Marize Malta pontua:
As discussões acerca das coleções, da importância do acervo
para o entendimento da formação artística, da história da
Escola, da potencialidade das obras para a escrita da história
648
649
A museograia do MDJVI explicita o funcionamento da
reserva técnica, na qual o processamento do acervo é realizado.
O visitante escolhe um caderno referente a um determinado
espaço da reserva técnica ou especiicação da peça ou coleção
(por exemplo: acervo do corredor, acervo de esculturas, acervo
Ferreira das Neves, acervo de pintura). Em posse desse caderno
de referência, o visitante pode apreciar a peça independente
das informações técnicas (numeração das peças e dados correspondentes à etiqueta de informação), imerso no do conjunto
colecionado. O percurso linear associado à disposição de peças
em ordem cronológica não assegura totalmente a potência
Modelos na Arte / Anais eletrônicos do VII SMDJVI
200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição
/ Tatiana da Costa Martins
artísticas e seus modos de expor. A autora revela um apreço
pelo pensamento pós-moderno no que tange os postulados
teóricos da arqueologia de Michel Foucault:
da coleção. Atravessar o olhar pelos espaços povoados pelos
objetos da coleção, que reunidos sob alguma tutela (coleção,
tema, tipo), expande suas possibilidades discursivas. A
disposição de um objeto do MDJVI interfere necessariamente
em outro, formando camadas de leituras reveladas por
diversas perspectivas para além da composição diacrônica de
certo tipo de história. Outro aspecto relevante da experiência
dessa composição reside na vivência do visitante no universo
colecionista que cada vez mais retorna para as relexões acerca
da disposição do sujeito colecionador de inspiração benjaminiana.
Na pós-modernidade não haveria parâmetros ixos, de
acordo com o ilósofo francês [Foucault] ante ao desaparecimento da história progressista e teleológica, assim só nos
restaria a realização de uma arqueologia. Na atualidade,
a memória artística não se ordena por critérios cronológicos, a exemplo do MoMA, onde as coleções aparecem
de acordo com parâmetros temáticos. […] A ilosoia
estruturalista da história de Foucault se transforma em
arqueologia; o historiador em colecionista que tenta obter
sucesso com fragmentos que podem parecer insigniicantes;
os documentos são constituídos como monumentos; e suas
classiicações, que podem ser muito subjetivas, ocorrem no
espaço do heterotópico por excelência da pós-modernidade
(2004, p.279).
O efeito da museograia revela um duplo exposto: a prática
museológica e a apreciação do objeto disposto aos olhos se
confundem e se repotencializam.
O museu se transformou em uma grande reserva técnica e todas
as suas salas e circulações foram consideradas como espaço
para guarda⁄exibição do acervo. [...] Por esse viés, chamei
esse partido projetual de ‘reserva técnica exibida’ de modo a
relativizar a ideia de guarda fechada e inacessível das reservas
técnicas e da exibição espetacularizada de peças nos salões
de exposição. A intenção era de guardar e exibir, preservar e
mostrar, proteger e expor. Em vez de tratar esses conceitos
como oposições, a opção foi de encará-los como diferenças
capazes de conviverem e se sensibilizarem (MALTA, 2010,
p.24, grifo nosso).
Se a exposição expressa o discurso do museu, cabe reletir
sobre o modo dialógico que a museograia do MDJVI propõe
ao restituir as conjunções, grifadas por nós, entre as assertivas
dessa fala. As disjunções características do discurso museológico centrado nas excessivas especializações do tempo
cronológico são relativizadas em benefício da materialidade
imanente das coleções do acervo e em respeito à formação
da nossa memória artística. Como ordenação da memória
artística, a museograia do MDJVI relete a dimensão
discursiva da atualidade. Torres retraça a problemática dos
parâmetros dos dispositivos da memória referentes às coleções
A orientação temporal relacionada à pós-modernidade recai
sobre o discurso museológico oferecido pela museograia do
MDJVI. A partir dele, compreendemos as práticas oriundas da
área do conhecimento da museologia que, ofertadas aos olhos
dos visitantes, atestam seu campo de competência. Para além
do aspecto técnico, a museograia revela o lugar misterioso e
quase sempre vedado ao visitante, espaço íntimo do museu, sua
faceta menos pública. Acentuamos a singularidade da sobreposição de funções dos espaços do MDJVI envolvida no modo
heterotópico cuja dinâmica deixa transparecer sua condição de
objeto em metamorfose, lembrando-nos aqui da fórmula do
André Malraux em seu Museu Imaginário.
O mistério revelado no tratamento do objeto de museu, sua
potencialidade frente à nova condição e a apresentação do
universo da recontextualização no seu novo ambiente de uso são
o resultado do partido projetual da “reserva técnica exibida”.
A premissa de tornar visível e comunicável aquilo que, constitutivo do objeto de coleção, permanece intangível acompanha
a experiência do visitante condicionada pelo novo conceito
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição
/ Tatiana da Costa Martins
Notas:
museológico do MDJVI. A concepção museológica do MDJVI
expõe sua dimensão colecionável – disposição afetiva do sujeito-institucional - que não se resume ao tratamento técnico dos
objetos. Ao dispor seu acervo a partir da perspectiva das suas
coleções, realiza uma dupla experiência do espaço: como visualização e como musealização e assim revela sua potencialidade
artística e museológica.
O museu se divide em coleções; às coleções, são somados os
documentos; os documentos materializam a exposição.
1
Museologia, Artes, Antropologia, História, Sociologia, por exemplo.
2
O acervo do atual MDJVI icava espalhado nos ateliês e salas de aula,
corredores e administração do prédio do Museu Nacional de Belas Artes, onde a ENBA
esteve localizada até 1975.
3
De acordo com estimativa de Sonia Gomes Pereira.
4
Elaborado pelo professor Pedro Manoel da Silveira do Núcleo de Computação
Eletrônica – UFRJ.
5
A constante iniltração e as inúmeras goteiras no espaço do Mezzanino no
prédio colocaram em risco o acervo do Museu.
6
O prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo foi projetado pelo
arquiteto Jorge Moreira e ganhou o prêmio da Bienal de São Paulo em 1957.
652
653
Tatiana da Costa Martins
Museóloga: graduação: Museologia Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro UNIRIO (1997); mestrado: História
Social da Cultura, PUC-Rio (2002); doutorado: História Social
da Cultura (2009); pós-doutorado: Programa de Pós-graduação
em Museologia e Patrimônio PPG PMUS UNIRIO/MAST
(2014)
Professora: Departamento de História e Teoria da Arte, UFRJ,
e Professora convidada do Programa de Pós-Graduação em
Artes Visuais PPGAV/UFRJ.
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200 anos da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
A coleção do Museu D. João VI: arte, documentação e exposição
/ Tatiana da Costa Martins
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