TÍTULO
SEÇÃO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte
Ano 3 - n. 7 / DEZEMBRo DE 2016 / ISSn 2359-4705
Incertezas
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
1
SEÇÃO
TÍTULO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
2
TÍTULO
LABJOR - UNICAMP
Prédio V da Reitoria - Piso 3
CEP 13083-970
Email: climacom@unicamp.br
Fones: (19) 3521-2584 / 3521-2585 / 3521-2586 / 3521-2588
SEÇÃO
GRUPO dE PESqUISA qUE COORdENA O PROJEtO dA REvIStA:
multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências, educações e comunicações (CNPq)
EdItORAS CLIMACOM:
Profa. Dra. Susana Dias
Profa. Dra. Carolina Cantarino
EdItORES dOSSIê “INCERtEzAS”:
Susana Dias
Sebastian Wiedemann
EdItORES ExECUtIvOS dA SEÇÃO dE ARtE:
Susana Dias
Sebastian Wiedemann
dESIGNER GRÁFICO:
Fernanda Pestana
CAPA:
Susana Dias
CONSELhO CIENtíFICO:
Prof. Dra. Donna Haraway, University of California at Santa Cruz, Santa Cruz, EUA
Prof. Dra. Isabelle Stengers, Université libre de Bruxelles, Bruxelas, Bélgica
Prof. Dr. Martin W. Bauer, The London School of Economics and Political Sciences (LSE),
Londres, Reino Unido
Profa. Dra. Sandra Elena Murriello, Universidad de Río Negro, Bariloche, Argentina
Prof. Dr. Antonio Carlos Rodrigues de Amorim, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Campinas, SP, Brasil
Prof. Dr. Antonio Carlos Queiroz Filho, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Espírito
Santo, Brasil
Prof. Dr. Carlos Afonso Nobre, Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Brasília – DF, Brasil
Prof. Dr. Gabriel Cid Garcia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Profa. Dra. Isaltina Maria de Azevedo Mello Gomes, Universidade Federal de Pernambuco
(UFP), Pernambuco, Brasil
Prof. Dr. Leandro Belinaso Guimarães, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Santa
Catarina, Brasil
Prof. Dr. Marcel Bursztyn, Universidade de Brasília (UnB), Brasília – DF, Brasil
Prof. Dr. Renzo Romano Taddei, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, Brasil
Esta publicação é uma contribuição da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais
inanciado pelos projetos: “Mudanças climáticas em experimentos interativos: comunicação e cultura
cientíica” (CNPq No. 458257/2013-3); “A dimensão humana das mudanças climáticas em experimentações
interativas” (Faepex-Unicamp,Processo No. 534/14). Conta com o apoio do CNPq e MCTI; CNPq Processo
550022/2014-7; e FINEP Processo 01.13.0353.00
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
3
SEÇÃO
TÍTULO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
4
TÍTULO
SEÇÃO
Editorial
“Incertezas”
Abrir o humano à incerteza. Esse desaio,
que atravessa as mudanças climáticas de
modo sintomático, mas que sobretudo
é ahistórico e inerente ao homem como
operar acontecimental, é o que move os
artistas, ilósofos e pesquisadores que
contribuíram para este sétimo dossiê
da ClimaCom. Tal abertura aparece em
ilmes, esculturas, instalações, fotograias,
desenhos, animações, artigos, ensaios como
a condição de possibilidade para escaparmos
ao tristemente previsível, a tudo aquilo que
sufoca o luxo metamórico, frágil e incerto da
vida. Uma urgente necessidade de lidar com
uma incerteza que não é passageira, mas que
se efetua como nutriente indispensável de
vida e criação. Uma necessidade irrefutável
que exige a invenção permanente de modos
de combate e de composição com a incerteza
e não contra ela, forçando à variação
contínua dos modos de pensar e agir, cujos
(anti)-métodos justo habitam a incerteza
como plano primordial simpoiético, capaz de
impedir que a percepção se torne hábito, se
cristalize e que, pelo contrário, sempre seja
re-inventada e diferida em novas matrizes.
O dossiê apresenta os processos de produção
de consistência e singularização desses
encontros entre vida, tempo e incerteza
que abrem alegre e violentamente a novos
problemas e procedimentos que dão anima
a modos incertos de existir nos mais diversos
planos vitais. Planos-incertezas nos quais é
impossível ixar o modo de aparecer da vida.
Planos-incertezas orgânicos e inorgânicos,
especulativos
e
empíricos,
planos
meteorológicos que acolhem toda superfície
que não orienta um horizonte, mas cujo
único horizonte é se desorientar, desnortear
e incerto continuar.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
5
SEÇÃO
O que exploramos neste dossiê são os
funcionamentos menores da incerteza,
menores porque não se confundem com o
erro, o relativismo ou a imprecisão, logo
nada devem deles em modelos de verdade
que criam referências para julgamentos.
Menores, porque antes de errar, abrem
errâncias, derivas, divergências, desvios,
fugas, quedas… Menores, por serem capazes
de instaurar outras relações de força que
escapam às lógicas de poder dominantes:
tanto as ixadas nas identiicações entre
ciência e certeza, probabilidade e ignorância;
como as movidas por uma incerteza que
funciona como meio de aceleração da
exploração, desprezo e subserviência de
povos e civilizações; ou ainda as que investem
na produção e administração de riscos e
perigos, com suas incessantes operações de
cálculo, vigilância e antecipação.
Uma abertura airmativa às incertezas
cosmomóricas e não antropomóricas – que
suspendem as várias apostas negacionistas
que atravessam o funcionamento do
pensamento moderno demais relacionado
às mudanças climáticas -, e que passa por
experimentar a invenção de novas relações
entre conhecimentos, experiências, métodos,
práticas; por nos tornarmos dignos desses
encontros entre heterogêneos; de honrarmos
as divergências do mundo, de termos a
coragem de não conter, mas de fazer vazar
as multiplicidades de multiplicidades que
dão consistência ao mundo, ao cosmos, à
vida. Todo um reaprender a cuidar, a escutar,
a estar atento, a estar junto, que busca criar
inindavelmente novas conexões incertas.
Todo um reaprender de quem sempre está
em estado de infância, de quem intui que
a potência da vida é sua frágil incerteza,
que a deixa aberta a devires, a que ela
6
TÍTULO
TÍTULO
SEÇÃO
nunca saiba a priori o que ela pode. Abrir o
humano, sermos uma frágil disposição idiota,
arriscada, imprevista, improvável… Há algo
mais importante, logo sermos como um haicai
que se deixa povoar por essa frágil incerteza
que é a vida.
Incerto. Esqueço-me.
Homem aberto.
Vento, nuvens, vida. Lembro.
Por im, agradecemos fortemente a colaboração
de todos os artistas e pesquisadores que
participaram desta edição.
Susana Dias & Sebastian Wiedemann
Editores
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
7
SEÇÃO
TÍTULO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
8
TÍTULO
SEÇÃO
SUMÁRIO
PESqUISA
A revista ClimaCom Cultura Cientíica – pesquisa, jornalismo e arte lança, a cada dossiê
quadrimestral, uma chamada para artigos e resenhas de pesquisadores que desenvolvem estudos
relacionados ao tema proposto para a edição. Trata-se de uma revista interdisciplinar e são aceitas
contribuições de pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento, bem como estágios de
formação. Os artigos e resenhas podem ser submetidos em português, espanhol e inglês e são
avaliadas por peer review.
ARtIGOS
Injurious Forms of Interdependency: Toward a Decolonizing Resurgence of Indigenous
Peoples?
Irmgard Emmelhainz
Pág. 17
La incertidumbre como destino político
Fabián Ludueña
Pág. 29
Estudos multiespécies: cultivando artes de atentividade
Thom van Dooren, Eben Kirksey e Ursula Münster
(Tradução: Susana Dias)
Pág. 39
Figuras de la incerteza
Alejandra González
Pág. 67
Lo que se ve, lo que se toca. Por una poética de lo irregular, inestable y en metamorfosis
Adrián Cangi
Pág. 75
Revendo Nuvens
Luiz Orlandi
Pág. 91
RESENhA
Natimorto
Renato Salgado de Melo Oliveira
Pág. 121
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 6 / Agosto de 2016 / ISSN 2359-4705
9
SUMÁRIO
ENSAIOS
Como uma atmosfera: filosofia como um clima de conhecimento
Emanuele Coccia
(Tradução: Sebastian Wiedemann)
Pág. 127
A escala humana
Eduardo Pellejero
Pág. 131
Preservar o homem? Afectografia de Estamira
Waldirene de Jesus
Pág. 145
JORNALISMO
COLUNA ASSINAdA
Conhecendo (n)o Antropoceno
Renzo Taddei
Pág. 156
ARtE
ARtES vISUAIS
Nimbus
Elaine Pessoa
Pág. 169
Maré.02
Ernesto Bonato
Pág. 181
Entre Linhas
Edith Derdyk
Pág. 193
Nossa casa era a Lua
Edvan Lessa
Pág. 203
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
10
SUMÁRIO
Abismo
Sebastian Wiedemann
Pág. 209
Dauphin Island
Dionísio Gonzalez
Pág. 211
O estranho assimilado
Walmor Corrêa
Pág. 215
Navios: mapa de ocupação para criar heterotopias
Mariana Guzzo
Pág. 221
CINEMA
NoctilucaScreen Project - Incertezas
Sebastian Wiedemann
Pág. 229
Human Nature Series
Robert Todd
Pág. 233
Blade Runner – The Aquarelle Edition
Anders Ramsell
Pág. 237
FE
Juan Pablo Villegas
Pág. 239
OAXACA TOHOKU
Pablo Mazzolo
Pág. 241
Meer (Sea)
Wolfgang Lehmann
Pág. 243
Hinterlands
Scott Barley
Pág. 245
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
11
SUMÁRIO
LABORAtÓRIO-AtELIê
INTERVALAR – Indiscernibilidade, ou sobre o mínimo de real
Pág. 249
INTERVALAR – Imagens em diferenciação
Pág. 255
(In)visibilidades e poéticas indígenas
Pág. 259
Derivar
Pág. 269
Circulações vitais
Pág. 273
XAPIRIMUU
Pág. 281
Aliarse a las nubes para que el cielo no se caiga
Pág. 285
Flutuações persistentes
Pág. 289
Arquivo Nuvens
Pág. 299
SAtÉLItE
VII Seminário Conexões: Deleuze e Cosmopolíticas e Ecologias Radicais e Nova Terra…
Pág. 306
Clima em transe: a vulnerabilidade da agricultura familiar
Pág. 307
VI Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia tem inscrições abertas
Pág. 307
Geoengenharia, radiação solar e mudanças climáticas são tema de workshop
Pág. 308
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
12
TÍTULO
SEÇÃO
Pesquisa
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
13
SEÇÃO
TÍTULO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
14
TÍTULO
SEÇÃO
ARtIGOS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
15
ARtIGOS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
16
ARtIGOS
Injurious forms of dependency:
toward a decolonizing
resurgence of indigenous
peoples?*
Irmgard Emmelhainz[1]
Abstract: One of the consequences of the implementation of neoliberal policies worldwide has been
the creation of surplus populations, and the Israeli occupation could be said to be the forerunner of
the way in which such populations are being controlled, their lands transformed into sacriicial zones
sustaining the privileges of those living in wealthier, “developed” areas. The challenges posed by current
environmental mutations, which go in hand with current forms of neoliberal governance of redundant
populations, demand a politics grounded on decolonization, as we need to begin to underscore the
Western logic of technological progress as emancipation inherent to Modern narratives premised on
the domination of nature and society through technical reason. The long-term outcome of recent
experiments in indigenous autonomy and resurgence, which are the vanguard of the struggle against
the challenges posed by the Anthropocene and capitalist absolutism, remains tentative. Some instances
have been successful, others not, and others merely symbolic, yet they are becoming indispensable
to draw an imaginary of hope before the uncertainty brought by the impending collapse of Western
modernity.
Keywords: Anthropocene, decolonization, redundant populations, indigenous autonomy, fossil fuel
economy, development, environmental struggles, capitalist absolutism, neoliberal governance, Israeli
occupation, comunalidad.
Formas de dependencia injuriosa: ¿hacia el resurgimiento descolonizado de los
pueblos originarios?
Resumen: Una de las consecuencias de la implementación de las políticas neoliberales a nivel mundial
ha sido la creación de poblaciones redundantes. La ocupación israelí podría considerarse el modelo
en el que se basa la forma de controlar dichas poblaciones, de transformar sus tierras en zonas de
sacriicio que de facto sustentan los privilegios de aquellos que viven en zonas “desarrolladas”. Los
retos que enfrentamos a partir de las recientes mutaciones medioambientales, que van de la mano de la
[1] Irmgard Emmelhainz is an independent translator, writer and researcher based in Mexico City. In 2012, she published a
collection of essays about art, culture, cinema and geopolitics, Alotropías en la trinchera evanescente: estética y geopolítica
en la era de la guerra total (BUAP). Her work about ilm, the Palestine Question, art, culture and neoliberalism has been
translated to German, Italian, Norwegian, French, English, Arabic, Turkish, Hebrew and Serbian. She has presented it at an
array of international venues including the Graduate School of Design at Harvard in Cambridge, Massachusetts (2014) the
March Meeting at Sharjah, the Walter Benjamin in Palestine Conference (2015) the New School and Americas Society (2016).
She is member of the editorial board of Scapegoat Journal, and her book in Spanish: The Tyranny of Common Sense: Mexico’s
Neoliberal Conversion came out last March with a preface by Franco (Bifo) Berardi.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
17
ARtIGOS
INJURIOUS FORMS OF DEPENDENCY: TOWARD A DECOLONIZING ...
gobernancia neoliberal a las poblaciones redundantes, exigen una política basada en la decolonización,
ya que necesitamos socavar la lógica occidental de progreso y emancipación inherentes a las narrativas
modernas basadas en la dominación de la naturaleza y de la sociedad a través de la razón técnica. El
resultado a largo plazo de experimentos de autonomía y resurgimiento indígena, que son la vanguardia
de la lucha contra los retos planteados por el antropoceno y el absolutismo capitalista, sigue siendo
tentativo. Algunos ejemplos han sido exitosos, otros no y otros meramente simbólicos; sin embargo,
son indispensables para dibujar un imaginario de esperanza delante de la incertidumbre que nos trae el
inminente colapso de la modernidad occidental.
Palabras clave: Antropoceno, decolonización, poblaciones redundantes, autonomía indígena, economía
de combustibles fósiles, desarrollo, luchas medioambientales, absolutismo capitalista, governancia
neoliberal, ocupación israelí, comunalidad.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
18
INJURIOUS FORMS OF DEPENDENCY: TOWARD A DECOLONIZING ...
“We are no longer postcolonial creatures.”
Hamid Dabashi
One of the consequences of the implementation
of neoliberal policies worldwide has been the
predominance of capitalist absolutism, which
we must think of as inextricable from the
geological era in which we are currently living:
the Anthropocene, or the era in which man is
facing the extinction of the world as well as
his own, as a result of human intervention
and irreversible modiication of the earth’s
ecological systems. This is linked to the fact
that our current global order is grounded on a
romance with fossil fuel led modernity. Aside
from the environmental devastation that
characterizes the Anthropocene, the main
outcome of this global order has been the
creation of redundant or surplus populations,
also known as the underclass, governed by a
neoliberal logic. This logic could be described
as the differentiation of privileges and access of
populations to varying qualities of commodities,
jobs, education healthcare, etc. and by forms of
State control that translate to different degrees
of exclusion, dispossession, coercion, violence
and repression. This means that neoliberal
States are making themselves strategically
present by protecting and providing certain
territories and populations connecting them
to global processes through infrastructure,
merchandises and opportunities –of varying
qualities–, while dispossessing, neglecting,
repressing or putting other populations
under threat – appropriating, privatizing and
exploiting their commons – according to the
interests of global capital[2].
The Israeli occupation, which translates to
various forms of control over the Palestinian
ARtIGOS
population, could be said to be the forerunner
or blueprint of the way in which redundant
populations are being controlled, dispossessed
and displaced all over the world[3]. Following
Adam Hanieh, Israeli control is “designed to
facilitate the transfer of wealth and resources
from the Palestinian population, while ensuring
the ongoing settlement of a section of the
Israeli population in the West Bank and the
permanent subjugation of Palestinians.”[4]
Therefore, the Israeli dispossession of
Palestinians materializes in the way in which
Israel co-governs Palestinians as non-citizens,
or as citizens with different kinds of rights
than Israelis[5]. Israel’s differentiated form of
government expresses the essence of settler
colonialism, and is operating worldwide. One
of the paradoxes of the present is that while
the global imposition of neoliberal policies and
governance has brought about homogeneity
in the ways in which populations are being
governed, dispossessed and repressed all over
the world –with Israeli technologies of control
and repression at the forefront –, no sustained
or cohesive global struggle has emerged against
these new forms of power. Rather, we have seen
emerge sporadic and localized struggles, but
disconnected from one another proposing shortterm solutions, with medium and long-term
results remaining uncertain. This uncertainty is
inextricably linked to the precarious living and
working conditions of the peoples in struggle
and on the permanent threat under which they
live.
Israel’s differential form of government geared
at the transfer of wealth and resources from
Palestinians to Israelis, moreover, relects
the current division of the world between
privileged populations governed as citizens
with a set of rights –mostly concentrated in
urban areas, although exceptions abound
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
19
ARtIGOS
INJURIOUS FORMS OF DEPENDENCY: TOWARD A DECOLONIZING ...
–[6] and what Naomi Klein has denominated
zones of sacriice[7] in which populations are
governed under a different set of rights, as noncitizens (like Palestinians). Once the project of
development imposed worldwide through the
narrative of Modernity and progress failed to
modernize so-called “primitive” societies (or
they stagnated halfway toward modernization),
territories began to be more valuable to
capitalism as zones of pure extraction. These
sacriicial zones are not only communities
surviving with the toxic load of our systemic
need to consume fossil fuels (undergoing, as
Robert Nixon calls it, a form of slow violence)
[8], but communities whose commons and forms
of autonomous sustainability are not only being
destroyed in the name of modernization, but
are de facto sustaining the privileges of people
living in wealthier, “developed” areas –like the
creation of dams to provide water to cities
which destroys the communities around them
who are promised jobs, money or relocation.
The destruction in zones of sacriice is justiied
or denied under the logic of development.
Development is about growth, about
capital, about technology, about becoming
modern. Colombian Anthropologist Arturo
Escobar, however, compared the notion of
“development” to Edward Said’s notion of
“Orientalism.” For Escobar, just in the same
way that Orientalism is a Western style for
dominating, restructuring and having authority
of the Orient, development is a regime of
order and truth deepened by economics and
an apparatus for exercising power over the
Third World. Under this regime of truth, rich
countries are believed to have the inancial
and technological capacity to secure progress
over the world. According to this discourse,
the poor countries (and their indigenous
populations) would become rich sooner or
later, and the underdeveloped world would
be developed. Development also encompasses
the belief that industrialization, urbanization
and material advancement can lead to social,
cultural and political advancement. In this
frame, the belief in the role of modernization
as the only force capable of destroying archaic
superstitions and relations, at whatever social,
cultural and political cost, predominates.
And yet, as Hanieh has made evident, in the
case of the Israeli occupation, the neoliberal
model of development is aligned with the very
structures of dispossession of Palestinians. The
model manifests itself as a form of technocracy
based on the “aid industry,” conceived as a
neutral, technocratic process considered to be
lacking in power relations. This is because the
discourse of development maintains that the
“liberated market” is also apparently neutral,
and that economic development as an allegedly
objective and disinterested process above
relations of power.
If “development” is the excuse to dispossess
and control Palestinians in the West Bank, it is
naked dispossession that we see operating in
Gaza. A few years ago, Noam Chomsky noted
that the Naval siege that are has been steadily
tightening wince 2000, when the British Gas
Group discovered quite sizeable natural gas ields
in Gaza’s territorial waters. Industry journals
reported that Israel started appropriating
the Gazan resources for its own use as early
as 2006[9]. Similar forms of dispossession and
destruction are occurring across the world
like El Zapotillo, Mexico, or Belo Monte in
Brazil, where resistance against hydraulic
megaprojects has been going on for years; there
are also resource extraction (or dispossession of
the commons) projects like mining bauxite in
central India, lithium extraction in Afghanistan
and Canadian Mining projects throughout Latin
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
20
INJURIOUS FORMS OF DEPENDENCY: TOWARD A DECOLONIZING ...
America and Africa[10]. We can also consider
under this frame shale gas extraction across
North America, which is affecting communities
by polluting their waters and making their
lands unlivable. Justiied by the notions of
modernization and “development,” entire
populations are being left landless or their
lands destroyed. This is because in the current
world order, transnational companies are
stealing public resources and exploiting them
at the private level, while governments destroy
indigenous and peasant populations, which in
turn, are perceived as redundant as they remain
disconnected from global processes[11].
Arguably, the root of the normalization of
the neocolonial destruction of means and
forms of making a living of some for the sake
of the privilege of others, is premised on the
modern relationship of domination of societies
and nature. This relationship naturalized a
conception of social life as a technical problem,
as a matter of rational decision and management
to be entrusted to “development professionals.”
The rationalization or technocratization of life
and resources are precisely the grounds for the
siege of forms of life and of making a living;
and because LIFE ITSELF is at stake, political
struggles bifurcate and are disconnected,
crystallyzing in localized environmental
battles, transformed into identitarian, ethnic
or cultural struggles. “Nationalistic,” “ethnic”
or “cultural speciic” struggles as the basis to
protect the commons, oversee the fact that the
territories encompassed by these discourses
cannot be understood as self contained
economies separate from the ways in which
they are now intertwined with other spatial
scales, that is, the regional and the global,
integrally connected to the way in which
capitalism has manifested itself under the aegis
of Western domination. This is why it becomes
ARtIGOS
crucial to posit exploitation, dispossession
and destruction of peoples and their lives and
forms of making a living –the sacriicial zones–
as intolerable forms of injurious dependency
created by fossil fuel led modernity furthered
by neocolonial practices.
We must take into account that destructive
processes underwent by people living in zones
of sacriice lead to self-destruction of the social
tissue through various forms of individual,
social, transnational and State violence (Ciudad
Juárez in México, Alberta in Canada, the
communities surviving at the shores of Lake
Victoria in Tanzania[12], the Gaza Strip) but
also in epidemics of self-destruction as suicide
and mass murders followed by suicide[13].
These processes also need to be urgently
politicized within the context of the global
threat to life and forms of life by the neoliberal
siege on sustainability and reproduction. At
the same time, the low of resources that is
transported to international markets: from oil
and gas ields, reineries, lumber mills, mining
operations, hydroelectric facilities located on
the dispossessed lands of indigenous nations,
needs to be deied and disrupted.
Bearing this in mind, the challenges that current
environmental mutations are posing do not
only compel us to make ourselves responsible
for concrete ecological phenomena like
deforestation, infrastructure megaprojects,
mineral extraction, fossil fuel burning, shale
gas extraction, etc., but we need to begin to
underscore the Western bases of modernity and
modernism: the logics of technological progress
as emancipation inherent to Modern narratives,
the promise of happiness behind consumption
premised on the domination of nature and
society through technical reason that has led to
the apparatus of “development.” This latter as a
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
21
ARtIGOS
INJURIOUS FORMS OF DEPENDENCY: TOWARD A DECOLONIZING ...
paradigm needs to be rejected and understood
as self-destructing, as it has become obvious
that it continues to destroy people and nature.
More than anti-capitalism, which embodies the
dialectic of leftist common sense, condemning
capitalism without imagining anything else,
what are urgently needed are new forms of
collective autonomous organization. Aware of
the role culture plays in producing surplus value
insofar as capitalism produces cultural worlds,
appropriates the language of subcultures,
of activism, of communities and community
recuperation as it gets intermingled with
the cultural industries, what is needed is to
decolonize institutions –as Deleuze once said,
we cannot exist as societies without them –[14]
and to autonomously organize life in common
against neoliberal forms of social engineering.
contracted by the mall’s administration, the
invaders were able to break into the facility
at around 1:00 AM. The action was inspired
by the 2001 Mayday Parade takeover of the
Metropoli di Novate Mall in Milano, and by the
rolezinhos, in São Paulo and Rio de Janeiro
in 2014. In the rolezinhos (or “little strolls”)
teenagers from the urban periphery used social
media to organize excursions in malls. In these
non-politicized actions, the teenagers sought
to have fun and meet people. Causing terror
amongst the shop owners, mall administrators
and upper-class frequenters of these spaces,
the sudden appearance of hundreds of people
of color in shopping malls in Brazil immediately
brought to the table the issues of public space
and entitlement, life in the periphery and
privilege.
The long-term outcome of recent experiments
in indigenous autonomy and resurgence
(mostly disconnected from each other as
well as struggles to protect the commons),
and how “modernized” populations could
begin to decolonize their lives and forms of
living to counter the challenges posed by
the Anthropocene remains uncertain. Some
instances have been successful, others not,
and others merely symbolic. An instance from
an urban area is the express take over of the
Santa Fe Mall in Mexico City on November 20,
2017 when a group of about 4000 precarious
workers, representatives of displaced students,
activists, cultural producers, as well as people
from San Mateo Tlaltenango, Santa Rosa
Xochiac, San Bartolo Ameyalco, San Bernabé,
San Lorenzo Acopilco, La Magdalena, amongst
other communities and towns, took over the
Santa Fe Mall in the business district of the
same name located in the Western part of
Mexico City. With the complicity of personnel
working for the security company sub-
Along the same lines as the mall take over
in Milano and the rolezinhos, the group that
broke into the Santa Fe Mall did not only seek
to bring visibility to the precarization of labor,
economic crisis, massive dispossession and
displacement of campesinos and inhabitants of
urban peripheries. The action also shed light
to asymmetrical access to goods, infrastructure
and services, the devastation of forms of life
and ways of making a living within neoliberal
policies, and lack of working-class housing
throughout Mexico City. At the same time, the
group wanted to put alternatives to the current
corporate-capitalist system on the table, while
highlighting the fact that autonomy for the rich
is supported by the state (the Santa Fe ZEDEC
is a de facto self-governed legal territorial
igure since 1994), while autonomy for the poor
is systematically repressed. In an exercise of
translation of Zapatista autonomy exercises
to peripheral urban areas, they outlined their
struggle as one for human rights, justice and
dignity, communal economies, education
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
22
INJURIOUS FORMS OF DEPENDENCY: TOWARD A DECOLONIZING ...
for autonomy, food sovereignty, indigenous
and community communication all based on
horizontality, solidarity, self-management,
voluntary work, and consensus. They also
sought to represent localized struggles against
the government and national and transnational
corporations and their megaprojects by putting
to the forefront the defense of the land in San
Mateo Tlaltenango and of the water in San
Bartolo Ameyalco.
As soon as the Santa Fe group came inside
the mall, they got busy assembling a life-size
blueprint of the space inspired by the imperial
map in Jorge Luis Borges’ short story On the
Exactitude of Science. The model proposed a
de-colonized version of the shopping center,
reusing its architecture as the basis of a new
autonomous, communal economy. In the plan,
the children’s entertainment complex premised
on transforming kids into entrepreneurs and
consumers, “Kidzania,” is replaced by an
assembly hall; “Palacio de Hierro” becomes a
learning center and host for an archive of the
memories of the displaced indigenous peoples’
who have lived in the city for four generations
or more; “Liverpool” would be a health and
education center of traditional and alternative
medicine; “Sears,” an education and research
complex for recuperating aboriginal forms of
knowledge and knowledge transmission. Most
of the retail spaces are to be re-converted to
housing spaces and facilities for raising cattle
and chicken and for other subsistence needs
for about 600 families. A park replaces the
parking lot along with a barter market and
time bank. The roof is devoted to an enormous
urban garden and grasshopper farm, the
community’s main source of protein. A pirate
radio station is envisioned, and a memory
commission is assigned to write the history of
indigenous peoples from their perspective. The
ARtIGOS
same group of French-Algerian and GermanTurkish anthropologists that is now working on
the Acapulco-Diamante takeover project[15],
was involved in the design of the plan for the
Santa Fe mall, along with a team of experts in
sustainability and alternative energies.
The Santa Fe take over occurred while the
500 delegates of the National Indigenous
Congress (CNI) in Mexico debate within their
communities the possibility of entering the 2018
Mexican presidential race with an indigenous
woman candidate. The proposal furthered
to the CNI by the Zapatista movement seeks
to takeover the current political system to
dismantle it in the name of the defense of
collective life and to overcome the current
government’s systematic ignoring of indigenous
demands for autonomy and recognition. For
the past 18 years, the Zapatistas have been
working to reconstruct their own autonomy by
recovering traditional farming structures and
community police to oust organized crime and
narcotrafickers. They have done so by creating
community radio stations, by recuperating
territory that had been violently expropriated
by the government and large landowners, by
establishing bilingual indigenous schools and by
reviving their traditional medicine in order to
ight dependence on corporativized medicine.
But the whole time they have faced repression,
plunder and rights violations as well as seeing
their lands turned into zones of sacriice
through “death projects” or mega projects
of infrastructure and resource extraction
operated by foreign corporations who fail to
consult them before destroying their land and
their peoples. With the Zapatista’s proposition
to get involved in the elections, they see
the urgency in seeking to overturn irst, the
government’s systematic ignoring of their
needs and the ongoing privatization of the
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
23
ARtIGOS
INJURIOUS FORMS OF DEPENDENCY: TOWARD A DECOLONIZING ...
commons brought about by neoliberal policies,
and second, to stop the ongoing destruction
and death through the exercise of various
forms of State and narco violence manifested
in murder, disappearance, rape, kidnapping,
imprisonment and psychological warfare.
example that comes to mind is the failed
Favela Paciication Program by community
police that took place in Rio de Janeiro before
the Olympics and the World Cup established in
2009, which turned into yet a series of episodes
of State-backed violence.
But back to the efforts in the city to translate
to the urban realm some of the Zapatistas’
autonomy structures, once the Santa Fe
takeover group expediently set up the blueprint
along with signs and banners explaining how
their urban autonomous communal space
and economy would function, at around 2.30
AM they climbed up on the roof to have a
nocturnal picnic and dance. At around 2:45
AM police oficers landed on the mall’s rooftop
from helicopters and used tear gas and bullets
to disperse the crowd; although no arrests
occurred inside the shopping mall, some 20
people have been reported dead, about 150
wounded. Oficials have declared that in the
face of the threat posed by this attempted
takeover, a government program will be
instituted for the residual populations that
remain trapped in the periphery of privilege
and progress in the Santa Fe ZEDEC titled:
“Periphery as Cultural Patrimony.” A team
of social architects, experts in sustainable
building, and a historical urban landscape
manager will begin to work on speciic projects
to better these people’s lives with consensual
site-speciic interventions along with social
programs in housing, health and education.
The program will be generously funded by the
SoroSlim and Televisa Foundations. And yet, it
becomes clear that programs such this one are
being mobilized by neoliberal sensibility and
the promises of modernity which transpire in
discourses of development and betterment,
behind which are hidden agendas to manage
and control marginalized populations. An
Another instance of paciic take over in
progress is that of the Choquequirao Regional
Conservation Area by Quechua inhabitants of
the Peruvian Andes. In a communiqué, they
have stated that they are ighting against the
cultural death brought about by the tourism
industry that has been pillaging their sacred sites
transforming their traditions into entertainment
for foreigners. In an attempt also to end the
exploitation of their peoples and cultural
heritage by criollo and transnational tourism
agencies, they have adopted the strategy
furthered in 2015 by the Wampis Nation from
the Peruvian Amazon to create an autonomous
indigenous government within the State of
Peru. The Wampis’ autonomous territorial
government seeks to self-govern and to protect
the totality of their ancestral territory covering
1.3 million hectares of tropical forest. Their
claim is backed by the publication of the Statue
of the Autonomous Territorial Government of
the Wampis Nation, which establishes the legal
framework to govern the territory. The Statute
is supported by the United Nations’ Declaration
on the Rights of Indigenous Peoples from 2007,
in which the General Assembly of the UN
recognized the rights of indigenous peoples
and nations for free self-determination. The
Wampis and the Andean Quechuas are seeking
to be able to determine freely their political
condition revindicating their identity and
belonging to a people with its own language,
culture and citizenship. They also proclaim the
right to authorize foreign incursions in their
territories and free consultation, autonomous
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
24
INJURIOUS FORMS OF DEPENDENCY: TOWARD A DECOLONIZING ...
education services and to see for their own food
security. Following the model of integration
of indigenous and Western medicine in the
Argentinian intercultural hospital Ranguiñ
Kien in Ruca Chorroi (Aluminé -Neuquén), the
Quechuas are also planning to create a hospital
in the Inca Valley to recuperate their traditional
medicinal practices.
The Quechuas have adopted the Wampis’ statue
and have declared as autonomous indigenous
territory the Choquequirao Reserve, the Inca
Sacred Valley, Cusco Region, Urubamba Province
and the Machu Pichu District in Peru. In an
initial phase, they have decided to administer
the reserve in which the Inca Trail is located
and to take over the tourist infrastructure
as well as to create new tambos or traveller
lodges. They have also abolished the porter
system, disabled criollo or foreign tourism
agencies from promoting and operating tours
in their territory, and to restore the Inca road.
After its restoration, the trail will be free to all
Peruvians, and it will be administered through
the traditional mink’a system of collective
work with the goal of communal utility. In a
second phase of their self-government efforts,
they have planned the foundation of the Cusco
Resurgence Institute at the Casa de la Concha
in Cusco, partially funded by revenue from the
park. Another measure that they will take is
to uproot the holm oaks that were given to
the Peruvian government by Australia in the
1950s and which have been killing the soil; in
parallel, and engaging a team of international
experts, they will launch a reforestation
project of native plants and animals. In their
Statute, the Andean Quechuas reject Monsanto
and other transnational corporations seeking
to commercialize with seeds, they oppose
the Transpaciic Agreement. Furthermore, the
Archeological site of Moray –a terraced circular
ARtIGOS
depression with a highly sophisticated irrigation
system which has served as agricultural
laboratory for the Quechuas for centuries –,
has been declared bastion for the global ight
for food security. Like the Wampis, in their
Statute they are prioritizing their well-being
and food security and a vision for a healthy
and harmonious relationship with the natural
world.
#experimentsinradicalimagination
What seems to be key here, as Jaime Martínez
Luna suggests, is to plant the seeds for a new form
of political organization not through political
identiication or democratic participation, but as
a form of belonging: a concrete relationship that
supposes commitment, obligation, agreement.
Identity (or common interest, which give
cohesion to a political cause) is an abstraction
that mutates depending on the political
action executed; in turn, belonging is what is
concrete. Belonging as a site for identity, can
help us explain belonging to an assembly, based
on respect, work and reciprocity. In the context
of the assembly the relationships of a social cell
become concretized, and following Martínez
Luna, an assembly “exists to create life: that is
movement, action, realization, intervention”.
[16] Key concepts that would be useful here
would be “comunalidad,” a notion from Oaxaca,
Mexico that emerged in the 1980s which
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
25
ARtIGOS
INJURIOUS FORMS OF DEPENDENCY: TOWARD A DECOLONIZING ...
describes communal being in traditional ways of
organizing, opposing capitalism and colonialism
toward an ethical reconstruction of peoples.
Communality is a way of being in the world,
which neither revolves around the commons
(which would end up being administered by
bureaucrats), nor is it community as posited
after communism: transient, ephemeral and
non-binding. Rather, it is a pact that considers
the commons not as something that is owned in
common but as a common way of life. Without
forgetting that communality implies new forms
of inhabiting territories from the other side of
modernity. What remains absolutely uncertain
is the meaning and outcome of the practice of
inhabiting territories from the other side of
modernity, from a decolonizing perspective.
In this context, decolonization means the
resurgence of indigenous political thought as
well as the revitalization of sustainable local
indigenous economies. Resurgence does not
mean a pastoral, ethnographic idyllic return
to the pre-colonial past but to see indigenous
people begin to reconnect with their lands and
land-based practices of small-scale collective
basis. The notion of “resurgence” furthermore
implies a turn away from neoliberal recognition
and defense of human rights, and to build
liberation efforts based on the revitalization
of “traditional” political values and practices,
creating new realities for themselves and
for their people[17]. Finally, the eficacy of
decolonization hinges on its ability to address
the interrelated systems of dispossession that
give shape to the destruction of the life and
means of making a living of some, for the sake of
the privileges of others. That is to say, we must
base our efforts to survive in the environmental
conditions and challenges before which the
Anthropocene era has placed us, precisely
in the injurious forms of dependency both to
the commons and to peoples considered by
capitalist absolutism as exploitable resources
and as redundant populations. The latters’
struggles across the world, albeit disconnected
from each other, are the vanguard of the ight
against capitalist absolutism and neocolonial
rule; we should follow their lead although the
dangers, the road and the outcomes will remain
tentative for years to come
Received: 14/11/2016
Accepted: 17/11/2016
*
Part of this essay was delivered as a Skype lecture at the
Sakakini Cultural Center in Ramallah, Occupied Territories
within the frame of the Qalandiya International, the
Palestinian Biennale this year.
[2] Cf. ONG, A. Neoliberalism as exception: mutations
in sovereignty and citizenship. Durham: Duke University
Press, 2006. And EMMELHAINZ, I. La tiranía del sentido
común: la reconversión neoliberal de México. México D.F.:
Paradiso Editores, 2016.
[3] Not by chance in Latin America many private security
companies are either Israeli or sell Israeli technology and
the IDF provides training for militias across the world.
[4] HANIEH, A. Development as Struggle: Confronting the
Reality of Power in Palestine. Journal of Palestine Studies,
Vol. 45 No. 4, pp. 32-47, 2016.
[5] Cf. AZOULAY, A. the civil contract of photography. New
York: Zone Books, 2009.
[6] Such as the neocolonial land grab by corporations by the
Benettons in the Patagonia in Southern Argentina, displacing
hundreds of Mapuche Indians.
[7] Cf. KLEIN, N. this changes everything: capitalism
against the climate. New York: Simon & Shuster, 2014.
[8] Cf. NIXON, B. Slow violence and the environmentalism
of the poor. Boston: Harvard University Press, 2011.
[9] Cf. CHOMSKY, N. Eyeless in Gaza. tom dispatch, April
27, 2010. Available online: http://www.tomdispatch.com/
post/175239/
[10] Cf. BUTLER, P. Colonial extractions: race and Canadian
mining in contemporary Africa. Toronto: The University
Press, 2015.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
26
INJURIOUS FORMS OF DEPENDENCY: TOWARD A DECOLONIZING ...
ARtIGOS
[11] We must note that in the case of Palestinians, the theft
of lands to appropriate the commons is not taking place
in the name is covered by the ethnic-religious aspect of
the conlict that posits Palestinians as a threat to Israeli
“democracy.” Ethnic and religious differences serve the
function of an ideological mission covering the Israeli process
of primitive accumulation because what is at stake in the
occupation is the long-term ability of Israelis to survive in
the land. But also taking into account programs like the
Palestinian Recovery and Development Program, which has
served to introduce neoliberal policies and practices within
the Occupied Territories geared at “liberating the markets”,
“inviting foreign investment”, etc.
[12] As portrayed in Hubert Sauper’s documentary ilm
darwin’s Nightmare (2006).
[13] Cf. BERARDI, F. heroes: mass murder and suicide.
London and New York: Verso, 2015.
[14] DELEUZE, G. Instincts et institutions. In: textes et
documents philosophiques. Paris: Hachette, 1955. Available
online: https://deterritorium.wordpress.com/2012/07/04/
instincts-et-institutions-par-gilles-deleuze-1955/
[15] Cf. EMMELHAINZ, I. Decolonization as the Current
Horizon of Political Action. e-lux journal #77, Nov. 2016.
Available online: http://www.e-lux.com/journal/77/76637/
decolonization-as-the-horizon-of-political-action/
[16] MARTÍNEZ LUNA, J. Pertenencia Asamblearia.
edicionespatito.org, April, 2015. Available online: http://
compartencia.edicionespatito.org/?p=66
[17] Cf. COULTHARD, G. Red skin, white masks: rejecting
the colonial politics of recognition. Minneapolis: The
University of Minnesota Press, 2015.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
27
ARtIGOS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
28
ARtIGOS
La incertidumbre como destino
político
Fabián Ludueña Romandini [1]
Resumen: El presente texto aborda la posibilidad de considerar a la incertidumbre como la Stimmung
epocal de la Modernidad. Producto de una triple alianza entre mercado, evaluación y management, los
sistemas políticos contemporáneos colocan al mundo entero bajo el signo de diversas catástrofes que se
anuncian a diario. Ahora bien, ¿cuándo ha nacido el concepto de catástrofe en tanto forma suprema de
la incertidumbre? ¿Cuál es su contenido político? Y, inalmente, ¿cómo es posible pensar ilosóicamente
una metafísica de la catástrofe? Estos interrogantes constituyen el hilo conductor de una indagación de
una ecopolítica del mundo contemporáneo.
Palabras clave: Incertidumbre. Mercado. Catástrofe. Metafísica. Política.
A incerteza como destino político
Resumo: O presente texto aborda a possibilidade de considerar a incerteza como a Stimmung epocal
da Modernidade. Produto de uma tríplice aliança entre mercado, avaliação e management, os sistemas
políticos contemporâneos colocam o mundo inteiro sob o signo de diversas catástrofes que são
anunciadas diariamente. Mas, quando nasce o conceito de catástrofe como forma suprema da incerteza?
Qual é seu conteúdo político? E, inalmente, como é possível pensar ilosoicamente uma metafísica
da catástrofe? Estes interrogantes constituem o io condutor de uma indagação ecopolítica do mundo
contemporâneo.
Palavras-chave: Incerteza. Mercado. Catástrofe. Metafísica. Política.
[1] Doctor y magíster por la École des Hautes Études en Sciences Sociales de París, Francia. Investigador del Consejo
Nacional de Investigaciones Cientíicas y Técnicas (CONICET) y del Instituto de Investigaciones “Gino Germani”, Facultad de
Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires. Profesor titular de Filosofía en la UADE. Su último libro se titula Principios de
Espectrología (Madrid-Buenos Aires, Miño y Dávila Editores, 2016).
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
29
LA INCERTIDUMBRE COMO DESTINO POLÍTICO
ARtIGOS
I.
p. 385).
La incertidumbre, ciertamente, no es una recién
llegada en la arena de los afectos humanos. De
hecho, en cuanto tal, puede ser una pasión
política y cognoscitiva de primer orden. Sin
embargo, es sólo con la Modernidad que se ha
transformado una auténtica Stimmung epocal.
En el primer tercio del siglo pasado, Martin
Heidegger hablaba del “derrumbamiento
(Absturz)” que sufría el Dasein frente a un mundo
que se le tornaba incomprensible (HEIDEGGER,
1927, p. 178). Seguramente, el fenómeno
de la expansión de la forma-mercado como
intensidad rectora de las relaciones humanas
ha contribuido a dicho derrumbamiento. El
mercado no sólo es, como señalaba Marx, la
“biografía del capital (Lebensgeschichte des
Kapitals)” destinada a reemplazar cualquier
estructura política precedente (MARX, 1962, p.
161) sino que asimismo se trata de un elemento
que moldea la biografía individual de todos los
habitantes del orbe hasta en los rasgos más
íntimos de su aparecer.
Ante el rizoma aplanador del mercado (aún
con todas las desigualdades que genera), la
evaluación genera una jerarquía cuya función
es vacía y predeterminada a priori. Cualquier
sujeto la puede llenar. En este contexto,
mercado, management y evaluación constituyen
un tríptico ontológico con sus concomitantes
peligros: antipolítica, guerra y desubjetivación
masiva. Estos heraldos preanuncian el tono
fundamental de la política contemporánea:
la evidencia de la catástrofe como horizonte
epocal último al que se enfrenta el ilosofar.
No es una casualidad que una forma de
sofística contemporánea haya querido ver en el
“riesgo” una condición ontológica inalterable
que deine al humano en su naturaleza más
propia (EWALD-KESSLER, 2000, pp. 55-72). Si el
mercado es el auténtico operador pragmático
del tan proclamado “in del hombre”, no es
menos cierto que una sociedad de la evaluación
perpetua y del New Public Management como
formas de una inusitada ratio gubernatoria
están en condiciones de acarrear una de
las incertidumbres supremas: el temor a
la catástrofe que hoy ocupa el tenor de la
política y algunas relexiones de la ilosofía.
Nos detendremos, por tanto, en una breve
arqueología de la catástrofe como uno de los
destinos extremos de la incertidumbre con el
in de comprender la Stimmung que deine la
atmósfera política de vastos territorios en todo
el globo.
En este sentido, el mercado no constituye
tanto un relevo del contrato político clásico
que fue, por un tiempo, la piedra de toque del
orgullo moderno pues, inalmente, el adjetivo
“político” nunca pudo opacar por completo que
el sustantivo rector “contrato” ya escondía, en
sí mismo, la economización de las relaciones
político-sociales. Antes bien, resulta fructífero
concebir al mercado como un auténtico
operador metafísico que transforma a los
sujetos en cosas y, a estas últimas, les abre las
puertas de un mundo desubjetivado. En tanto
prolíico formador de mundos, el mercado
se transforma, mutatis mutandis, en un
desertiicador universal. No en vano Lenin veía
en el mercado una propensión irrefrenable a lo
ilimitado y Hegel encontraba en él la antesala
de las nuevas guerras por venir (HEGEL, 2002,
II.
Si habremos de considerar el fenómeno de la
catástrofe, entonces, se impone una relexión
sobre el término mismo. En griego antiguo,
katastrophé tiene una signiicación técnica muy
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
30
LA INCERTIDUMBRE COMO DESTINO POLÍTICO
precisa que no está en absoluto vinculada con los
desastres naturales (o civilizacionales) que son
connotados por el sentido moderno del vocablo.
Al contrario, su campo semántico recubre el
espacio del teatro y, más especíicamente,
designa la conclusión o el cierre dramático de
una pieza teatral. El comentario de Evantio
(así como el de Donatio) resulta de extrema
claridad al respecto (EUANTHIUS, 1899, p. 67).
La catástrofe, por lo tanto, como dispositivo
retórico de cierre de la pieza teatral tiene
la capacidad de ofrecer el sentido último
al conjunto dramático desarrollado en su
transcurso.
En otras connotaciones del término, será posible
hallar la mención de la “catástrofe” como el in
o conclusión de una vida, tal y como nos sirve
de testimonio la expresión katastrophé toû zên
(MENANDRO, 1997, p. 371). Desde luego, los
griegos tenían otros vocablos para designar lo
que hoy entendemos por catástrofes naturales,
preferencialmente el término “cataclismo
(kataklismós)” que, por ejemplo, podemos
encontrar en Platón asociado a la inundación
(PLATON, 2006, p. 679d). No obstante, la
historia lexicográica del término “catástrofe”
que tiene su origen en la esfera del teatro para
acabar designando el signiicante supremo
del desastre último merece atención porque
revela, precisamente, tanto una mutación
epistemológica de magnitud cuanto permite
entrever una genealogía de las formas y el
ejercicio del poder político.
Por otra parte, también es elocuente la
duplicidad del término “cataclismo” dentro del
ámbito del griego antiguo puesto que no sólo
hace referencia a los desastres naturales sino
que, progresivamente y del mismo modo que con
los siglos ocurrirá con el término “catástrofe”,
sufre un desplazamiento hacia la esfera de la
ARtIGOS
política. De este modo, cuando Demóstenes
pronuncia, en el 330 a.C. su alocución en
defensa de Ctesifonte, podemos ver una
utilización política del término cataclismo
cuando hace uso de la expresión “kataklismòn
tôn pragmáton” (DEMOSTENES, 1903, p. 214).
En este punto, Demóstenes ya anticipa los usos
que tendrá el “catastroismo” en los discursos
políticos de Occidente y que hoy se tornan
omnipresentes para hacer referencia a las
catástrofes tanto políticas como económicas.
El ideal ilosóico de la felicidad se ve, desde
el inicio mismo de la politicidad occidental,
sacudido desde sus bases por el cataclismo
de la praxis que no permite la articulación
armoniosa soñada por la tradición.
La Modernidad no utilizará inmediatamente
el término “catástrofe” para referirse a los
desastres naturales que han condicionado
durablemente los pliegues de la conciencia
europea a partir del siglo XIV en adelante. En
muchos casos suele citarse, como ejemplo y
punto de partida de la relexión ilosóica sobre
el desastre, al terremoto de Lisboa de 1755.
Sin embargo, resulta decisivo no olvidar un
antecedente primordial aunque menos conocido
que es el terremoto de Chile de 1647 que ya
había impactado sobre la relexión ilosóicoliteraria del continente europeo.
De todos modos, si llevamos nuestra atención
a la conceptualización del terremoto de Lisboa
por parte de algunos de los ilósofos más
importantes de la Era Moderna (HAMACHER,
1999, pp. 261-293), podremos constatar,
por ejemplo, que Voltaire tampoco utiliza el
vocabulario de la catástrofe sino el del desastre
natural pensado como mal moral y físico que
sólo puede ser concebido según los esquemas
de una sutil teología providencial (VOLTAIRE,
2003, pp. 219-220).
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
31
ARtIGOS
Esta herencia como marco conceptual estará
asimismo presente en la tratadística kantiana
sobre el terremoto de Lisboa aún si en el caso
del ilósofo alemán es posible entrever una
especulación digna de una proto-sismología
(KANT, 1902, pp. 429-462). En todos los casos,
el ecosistema en cuanto tal como acontecer de
una historia natural no es imaginable, en última
instancia, sino bajo el registro del mal teológico
y mediante una iguración antrópica donde el
destino del hombre (y no el del mundo natural)
es el verdadero objeto de la relexión ilosóica.
En este sentido, el terremoto de Lisboa, al
poner en entredicho la concepción de una
naturaleza benévola, refuerza paradójicamente
el principio antrópico que informa el panorama
ilosóico propio de la Modernidad.
Por lo tanto, la conceptualización del desastre
natural como “catástrofe” será mucho más
tardía en la ilosofía y, aún en una época donde
su uso estaba ya plenamente establecido,
podremos encontrar autores que no se sirven de
este vocablo para dar cuenta de los cataclismos
civilizacionales.
El espacio cientíico-especulativo propio
de la Modernidad francesa será decisivo
en la mutación de los sentidos del término
“catástrofe” y, por lo tanto, debemos ahora
circunscribirnos a este ámbito geográicocultural. En principio, podemos hallar en
este contexto una situación similar a la que
encontramos precedentemente en esta breve
pesquisa. Una aproximación fundamental nos
la brinda, una vez más, la lexicografía que se
cultiva en Francia hacia inales del siglo XVII.
Con este propósito como guía, más aún que a
la primera y deiciente edición del diccionario
de la Academia francesa de 1694, conviene
referirse a la obra maestra de la lexicografía
del período como es el Diccionario de Antoine
LA INCERTIDUMBRE COMO DESTINO POLÍTICO
Furetière. Allí podemos dar con la siguiente
deinición: “catástrofe: término de la poesía.
Son el cambio y la revolución que tienen lugar en
un poema dramático y que, de modo ordinario,
constituyen su término” (FURETIÈRE, 1690). Al
mismo tiempo, el término en su connotación
griega se extiende de modo igurado, por
ejemplo, para dar cuenta del inal funesto e
infeliz de una vida.
Sin embargo, la era moderna marcaría un
nuevo espesor del término. Una perspectiva
arqueológica muestra que el término comienza
en la paleobiología para trasladarse luego
al escenario de la política. En este pasaje
semántico que enmarca una auténtica mutación
epistemológica, la obra de Georges Cuvier
resulta un hito de la máxima trascendencia.
Para el naturalista,
La vida ha sido a menudo perturbada en
esta tierra por acontecimientos terribles;
calamidades que, en los inicios, han quizá
removido en gran escala, la apariencia
entera del planeta, pero que desde
entonces son siempre menos profundas
y menos generales. Innumerables seres
vivientes han sido víctimas de estas
catástrofes (CUVIER, 1812, p. 11).
El problema de la “discontinuidad de las formas
vivas” se plantea con Cuvier y presupone una
ontología propia de la época clásica que ha sido
analizada por Michel Foucault. En la obra de
Cuvier se inscribe de manera preferencial la
arqueología del cuasi-trascendental de la Vida
analizado en la arqueología foucaultiana y que
tomará simplemente otro nombre cuando sea
pronunciado con la cadencia distintiva de las
relaciones de poder: se trata de la biopolítica.
Sin embargo, aquel interés de Foucault por el
nacimiento de la biopolítica moderna que sus
analistas suelen situar erróneamente en la
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
32
LA INCERTIDUMBRE COMO DESTINO POLÍTICO
última enseñanza del ilósofo se encuentra ya
en la obra temprana aunque no comporte la
misma denominación.
Como prueba de ello, baste referirnos a la
caracterización que Foucault realiza del
problema de la vida, a partir de la obra de
Cuvier, en su arqueología de la episteme de la
época clásica: “[la vida] se revela mortífera
en el mismo movimiento que la destina a la
muerte. Ella mata porque vive. La naturaleza
ya no puede ser bondadosa […] la vida no puede
ya ser separada de la muerte, la naturaleza del
mal, ni los deseos de la contra-naturaleza”
(FOUCAULT, 1966, p. 290).
La paleontología de Cuvier eleva al rango de
teoría cientíica todo cuanto el terremoto de
Lisboa había colocado como incertidumbre
teológica. A partir de ese momento, la
naturaleza pasará a formar parte de un
medio hostil cuya existencia supera en una
temporalidad de millones de años la aparición
del hombre sobre la Tierra. La catástrofe
será entonces el lenguaje más propio en
que la naturaleza expresará su indiferencia
antropológica ante la presencia del hombre
en su seno. Sus movimientos geológicos, sus
alteraciones y sus catástrofes se producirán sin
que el hombre pueda evitarlas.
El nuevo escenario epistemológico, no
obstante, supondrá una lección para el nuevo
orden de los discursos y la praxis del poder
en la Modernidad. El “catastroismo” abre las
puertas a una nueva geohistoria de la Tierra y,
de modo concomitante, el biopoder hará suyo
una concepción en la cual el desastre no será
ya un acontecimiento que deba ser evitado
(puesto que se revela ineluctable) sino, al
contrario, gobernado en sus efectos una vez
éstos desencadenados.
ARtIGOS
III.
Las catástrofes pueden ser sopesadas según una
escala que supera, incluso, las eras geológicas
que determinaron el uso de este término
por Cuvier. Hannah Arendt ha sido una de las
teóricas que, durante el siglo XX, ha señalado
con más acuidad el problema de fondo de la
modernidad tardía en el momento en que el
ecosistema terrestre resultó verdaderamente
superado cuando el hombre logró salir de la
esfera terráquea y pisar el satélite lunar. Al
unísono con los descubrimientos de la física postnewtoniana, este ha sido el auténtico proceso
(ya presente, en ciernes, en la obra de Galileo)
que ha conducido a la crisis de la tradición y
a la alteración de la percepción conjunta del
pasado y del futuro de la humanidad. Arendt lo
consignará del siguiente modo:
Cuando el hilo de la tradición se rompió por
in, la brecha entre el pasado y el futuro
dejó de ser una condición peculiar sólo para
la actividad del pensamiento y se restringió
a una experiencia posible para aquellos
pocos que hicieron del pensamiento su
tarea fundamental. Se convirtió en una
realidad tangible y en perplejidad para
todos; es decir, se convirtió en un hecho de
relevancia política (ARENDT, 1961, p. 14).
Ante este panorama, no es extraño entonces
constatar que Bruno Latour subraye cómo
nuestra época actual ha entrado en un régimen
histórico comparable a la era de Cristóbal
Colón salvo que, esta vez, no se trata para los
europeos de percatarse de la existencia de un
Nuevo Mundo sino, para la humanidad toda,
se presenta el desafío de habitar no sólo el
“Viejo Mundo” (como escribe Latour) sino el
globo en su totalidad sobre bases enteramente
nuevas. Así Latour propondrá el camino teórico
hacia una teología política de la naturaleza
que, paradójicamente, hace del nombre
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
33
ARtIGOS
“Gaia” el operador que permite pensar, por
in, al ecosistema libre de toda determinación
teológica, emergiendo como la gran nueva
igura secular de la teoría política (LATOUR,
2015).
De este modo, es posible retomar el camino
de una geohistoria y allí resulta inevitable
reencontrarse con el “catastroismo” de Cuvier.
En efecto, el paleontólogo francés había
podido identiicar las épocas “catastróicas” de
la historia geológica de la Tierra al demostrar
cómo los huesos del mamut eran diferentes de
los del elefante moderno. La conclusión a la que
llegó Cuvier fue que la especie mamut había
sufrido una extinción. La escuela catastroista,
tenazmente combatida por Charles Lyell
y Charles Darwin, logró recuperar bríos y
demostrar cómo la historia de la Tierra está
marcada por convulsiones que ponen a la vida
al borde de la extinción. Los geopaleontólogos
hablan así de las cinco grandes crisis bióticas
en las que desaparecieron por lo menos el 65
por ciento de las especies en un lapso geológico
breve. Ahora bien, en la catástrofe masiva del
período pérmico, se calcula que desapareció
más del 95 por ciento de las especies animales
marinas.
De este modo, la perspectiva que considera una
Sexta Extinción como una próxima catástrofe
a considerar se torna de una urgencia
determinante. De hecho, es ineluctable que el
Homo sapiens concluya su existencia terrestre
según las leyes de la geohistoria como resultado
de una nueva catástrofe geológica: “si alguna
certeza podemos inferir del conocimiento del
lujo de la vida y de las fuerzas que lo forman
es que llegará el día en que pereceremos
todos, nosotros y nuestros descendientes”
(LEAKEY-LEWIN, 1995, p. 251). A partir de esta
constatación, una serie de observaciones se
LA INCERTIDUMBRE COMO DESTINO POLÍTICO
imponen acerca del propio desenvolvimiento
del Homo sapiens en el ecosistema terrestre.
Los paleo-biólogos han demostrado cómo, hace
aproximadamente 42.000 años, el Homo sapiens
migró desde su origen en el este de África hacia
la zona geográica que hoy conocemos como el
Asia. Cuando llegó allí, no obstante, encontró
que no estaba solo. El territorio se hallaba
ocupado por una comunidad, numéricamente
mayor, de los llamados hombres de Neandertal.
Hoy parece un hecho casi indiscutible para los
expertos que ambos géneros de mamíferos
hombres cohabitaron juntos durante milenios,
llegando incluso a producirse una hibridación
genética de la que somos aún herederos.
Sin embargo, en cierto momento, los hombres
de Neandertal desaparecieron de la faz de la
tierra. Los especialistas aún siguen debatiendo
la razón por la cual, hace 30.000 o 25.000 años
atrás, sus últimos especímenes abandonaron
toda presencia en el ecosistema terrestre sin
dejar rastro alguno. Aunque no existe ningún
acuerdo establecido al respecto (y muchos
piensan que, tal vez, el cambio climático fue la
causa de su desaparición, a pesar de la enorme
capacidad de resistencia de esta línea evolutiva
humana a las inclemencias de este tipo), una
de las teorías – tal vez la más inquietante –
sostiene que, sencillamente, los neandertales
fueron exterminados por los miembros del
género Homo sapiens.
El acceso al lenguaje no es, como la tradición
ilosóica muchas veces ha querido hacer creer,
un acontecimiento simplemente romántico a la
vera de una lumínica Lichtung que posibilita el
mundo humano. Cuando el lenguaje sobrevino
al hombre, trajo consigo formas más extremas
y reinadas de dominación antropotécnica que
condujeron a las mejoras de las perspectivas
bio-sociales del Homo sapiens frente a su rival
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
34
LA INCERTIDUMBRE COMO DESTINO POLÍTICO
neanderthalensis. Esto podría haber conducido
a una lucha por el territorio y el alimento
que concluyó con el Homo sapiens cazando
implacablemente al hombre de Neandertal
hasta causar su total exterminio. No existen
pruebas fehacientes en este sentido y, tal vez,
nunca las haya que sean del todo convincentes
en una u otra dirección. Sin embargo, aún si
este evento sólo fuera sino una especie de
mitomotor paleontológico, una vez más, se
muestra con toda claridad que el hombre
piensa su primer acto político fundacional de
toma de la tierra, como un acto eugenésico
de eliminación de los menos favorecidos. El
nómos de la tierra es también zoopolítico por
naturaleza (LUDUEÑA ROMANDINI, 2010).
En cualquier caso, haya sido o no, el Homo
sapiens el responsable de la eliminación de los
neandertales, lo cierto es que, una vez liberado
el espacio, el animal humano prevaleciente
conquistó enteramente el ecosistema hasta
causar la desaparición completa de muchas
de las especies de mamíferos de las que se
alimentaba como cazador-recolector. Esta
catástrofe ecosistémica – sin duda, primer acto
probado de exterminio de otras especies por
parte del hombre – condujo al desarrollo de
una primera técnica de intervención artiicial
sobre el espacio natural: la agricultura y, con
ella, al alba de los asentamientos humanos que
darían inicio a una historia que aún estamos
tratando de descifrar. Cuando el hombre se hizo
cazador, produjo la aniquilación de especies
enteras y, cuando se hizo agricultor, cambió
irreversiblemente el ecosistema planetario
hasta llegar, inexorablemente, por el aumento
exponencial de las antropotecnologías y de
la técnica tout court, al borde del abismo en
que la especie se encuentra hoy respecto de
su capacidad de arrasar completamente la
Lichtung que alguna vez le dio origen.
ARtIGOS
En 1955, Claude Lévi-Strauss publicó Tristes
Trópicos, acaso uno de sus libros más
lúcidamente nostálgicos y pesimistas. A lo
largo de laboriosas páginas, el antropólogo
va recordando sus viajes y constituyendo una
auténtica ilosofía del devenir de la especie
humana, y de la tarea misma del antropólogo. Sus
conclusiones no son precisamente alentadoras
para quienes reivindican las potencialidades de
la expansión indeinida del Homo sapiens: “el
mundo comenzó sin el hombre y terminará sin
él. Las instituciones, las costumbres y los usos,
que yo habré inventariado en el transcurso de
mi vida, son la elorescencia pasajera de una
creación en relación con la cual quizá no posean
otro sentido que el de permitir a la humanidad
cumplir allí su papel” (LEVI-STRAUSS, 1988, p.
466).
En este punto, Lévi-Strauss hace suya una
teoría histórica donde la física ecosistémica
penetra completamente dentro de los espacios
tradicionalmente deinidos como “culturales”:
Desde que comenzó a respirar y a
alimentarse hasta la invención de los
instrumentos termonucleares y atómicos,
pasando por el descubrimiento del fuego –
y salvo cuando se reproduce a sí mismo – el
hombre no ha hecho nada más que disociar
alegremente millares de estructuras para
reducirlas a un estado donde ya no son
susceptibles de integración (LÉVI-STRAUSS,
1988, p. 466).
Desde luego, esta ley gobierna todo el mundo
de las creaciones humanas:
Sin duda ha construido ciudades y ha
cultivado campos; pero, cuando se piensa
en ello, esas realizaciones son máquinas
destinadas a producir inercia a un ritmo
y en una proporción ininitamente más
elevados que la cantidad de organización
que implican. En cuanto a las creaciones
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
35
LA INCERTIDUMBRE COMO DESTINO POLÍTICO
ARtIGOS
del espíritu humano, su sentido sólo existe
en relación con éste y se confundirán en
el desorden cuando hayan desaparecido
(LÉVI-STRAUSS, 1988, p. 466).
Universo y mundo humano no son sino un
continuum asociado por la misma ley cósmica
de entropía irreversible. Al punto tal llega esta
convicción de Lévi-Strauss que en un momento
puede declarar: “antes que ‘antropología’ habría
que escribir ‘entropología’ como nombre de
una disciplina dedicada a estudiar este proceso
de desintegración en sus manifestaciones más
elevadas” (LÉVI-STRAUSS, 1988, p. 467).
Dicho en otros términos que no son los de LéviStrauss: la politicización de la vida que dio
origen al devenir histórico del animal humano,
con sus complejas antropotecnologías que se
extendieron hasta dominar completamente
el entorno, haciéndolo progresivamente cada
vez más técnico, inevitablemente artiicial y
humano, sólo puede conducir a una sola vía de
salida de la saturación biosistémica: la extinción
masiva del Homo sapiens con el consiguiente
desarrollo de un nuevo ecosistema de vida que
prescindirá completamente de él hasta que,
en los eones venideros, el universo mismo se
desintegre en su totalidad. En este sentido,
puede verse cuál sería el otro espesor y sentido
posible del mitologema del in de la historia y
del hombre, uno no previsto por los ilósofos
del optimismo metafísico hegeliano.
Los cambios técnico-biológicos, económicos y
socio-políticos que pueda sufrir la humanidad
en un futuro que contempla desde el cambio
de especie para sus individuos, hasta una
extinción exógena o endógena, condicionada
por la naturaleza o autoinducida, implicarán
siempre una multiplicación o, por lo menos,
una mutación sustancial de las tecnologías de
poder y, por lo tanto, la necesidad del ilosofar
y de la política como herramientas de acceso,
temporario y fragmentario, a algún tipo de
afuera del poder.
Aún si es posible pensar que la ilosofía no sea
sólo una actividad propia del hombre sino una
forma especial de direccionalidad de lo viviente
que tiene la potencialidad de transcender su
propio sustrato de origen y tener lugar allí
donde haya pensamiento, es una auténtica
tarea ilosóica (con todos los riesgos que esto
implica) el explorar sobre bases completamente
nuevas el espacio de lo viviente así como de lo
inerte, de lo orgánico como de lo inorgánico.
¿Será, tal vez, necesario abandonar también el
prejuicio último a favor de lo viviente? ¿Será,
acaso, lo viviente, el último refugio de la ontoteo-logía clásica?
En todo caso, el desafío que la catástrofe
como extinción masiva llega a la ilosofía
política por venir es pensar no sólo las causas y
consecuencias de las catástrofes que el hombre
está en condiciones de inducir a partir de la
tecnocracia hipermoderna sino también las
catástrofes de orden natural que pueden ir,
desde un punto de vista geológico, desde una
escala modesta hasta una masividad capaz de
provocar una extinción deinitiva de la vida.
Esto implica pensar sobre bases completamente
nuevas el ecosistema terrestre y su inserción
en un cosmos que no habrá de ser indulgente
con la vida presente en la Tierra. Por supuesto,
como condición de posibilidad de una ilosofía
política de este tipo, será necesario tomar en
cuenta la injerencia decisiva que los agentes
no-humanos y naturales tienen sobre las
sociedades humanas.
La catástrofe como horizonte último con el
cual debe medirse el viviente humano obliga a
considerar la necesidad de pensar, sobre nuevos
fundamentos, una ecopolítica del mundo
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
36
LA INCERTIDUMBRE COMO DESTINO POLÍTICO
abiótico. Se abre entonces la posibilidad de
concebir una ilosofía de la materialidad que
otorgue ciudadanía teórica a la politicidad
propia de los agentes materiales no humanos
antes de su ingreso a (y en una interacción a
posteriori con) la esfera de aquello que, desde
los antiguos griegos, se ha señalado como el
mundo nomotético de la cultura.
REFERêNCIAS
ARENDT, H. Between past and future.
London: Faber and Faber, 1961.
CUVIER, G. Recherches sur les ossemens
fossiles de quadrupèdes, où l’on rétablit les
caractères de plusieurs espèces d’animaux
que les révolutions du globe paroissent avoir
détruites. 4 volúmenes, Paris: Deterville,
1812.
EUANTHIUS. De fabula hoc est de comoedia.
In: KAIBEL, G. (org.) Comicorum Graecorum
Fragmenta, voluminis I, fasciculus prior.
Berlin: Weidmannos, 1899.
EWALD, F.; KESSLER, D. Les noces du risque et
de la politique. Le débat, n. 109, p. 55-72,
2000.
FOUCAULT, M. Les mots et les choses. Une
archéologie des sciences humaines. Paris:
Gallimard, 1966
FURETIÈRE, A. dictionaire universel
contenant generalement tous les mots
françois tant vieux que modernes & les
termes de toutes les Sciences et des Arts. La
Haye-Rotterdam: Arnout & Reinier, 1690.
HAMACHER, W. The Quaking of Presentation.
ARtIGOS
In: Premises. Essays on Philosophy and
Literature from Kant to Celan. Standford:
Standford University Press, 1999.
HEGEL, G. Grundlinien der Philosophie des
Rechts. Stuttgart: Reclam, 2002.
HEIDEGGER, M. Sein und zeit. Tübingen: Max
Niemeyer, 1927.
KANT, I. Geschichte und Naturbeschreibung
der merkwürdigsten Vorfälle des Erdbebens
welches an dem Ende des 1755sten Jahres
einen großen Theil der Erde erschüttert
hat. In: Kants Gesammelte Schriften. Ed.
Preussischen Akademie Wissenschaften, Berlin:
de Gruyter, v.1, p. 429-462, 1902.
LATOUR, B. Face à Gaïa : huit conférences
sur le nouveau régime climatique. Paris: La
Découverte, 2015.
LEAKEY, R.; LEWIN, R. The sixth extinction:
patterns of life and the future of
humankind. New York: Anchor Books, 1995.
LEVI-STRAUSS, C. tristes tropiques. Paris:
Plon, 1955.
LUDUEÑA ROMANDINI, F. La comunidad de los
espectros I. Antropotecnia. Buenos Aires –
Madrid: Miño y Dávila Editores, 2010.
MARX, K. Das Kapital. in: Werke, Band 23,
Berlin: Dietz-Verlag, 1962.
MENANDRO. heros. theophoroumene.
Karchedonios. Kitharistes. Kolax.
Koneiazomenai. Leukadia. Misoumenos.
Perikeiromene. Perinthia. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 1997.
PLATON. Oeuvres complètes. Tomo XI: Les
Lois. Texto y traducción de Edouard des
Places, Paris: Les Belles Lettres, 2006.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
37
ARtIGOS
LA INCERTIDUMBRE COMO DESTINO POLÍTICO
VOLTAIRE, F. Poème sur le désastre de
Lisbonne. In: Poésies, Paris: Les Belles
Lettres, 2003.
Recibido: 04/11/2016
Aceptado: 11/11/2016
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
38
ARtIGOS
Estudos multiespécies:
cultivando artes de
atentividade*
Thom van Dooren[1], Eben Kirskey[2], Ursula Münster[3], Tradução de Susana Dias [4]
Resumo: Estudiosos das ciências humanas e sociais estão experimentando novas maneiras de se
engajarem com mundos em torno de nós. Uma imersão apaixonada na vida dos fungos, microorganismos,
animais e plantas está abrindo novos entendimentos, relações e responsabilidades. Este artigo
oferece uma introdução a este campo emergente: estudos multiespécies. Perturbando certas noções
de espécie, explora um ampla gama de modos possíveis de classiicar, categorizar e prestar atenção
aos diversos “modos de vida” que constituem mundos. A partir de uma atenção detalhada dada a
entidades particulares, uma multiplicidade de conexões e compreensões possíveis se abre: espécies são
sempre múltiplas, multiplicando suas formas e associações. Essa reunião de questões sobre os tipos e
suas multiplicidades é que caracterizam os estudos multiespécies. Uma variedade de abordagens para
conhecer e compreender outros – modos de imersão – embasa e orienta estas pesquisas: engajamentos
e colaborações entre cientistas, agricultores, caçadores, povos indígenas, ativistas e artistas estão
catalisando novas formas de investigação etnográica e etológica. Este artigo também explora o contexto
teórico mais amplo dos estudos multiespécies, perguntando: o que está em jogo – epistemologicamente,
politicamente e eticamente – na aprendizagem de estar atento às diversas formas de vida? Seriam todas
as entidades vivas biológicas, ou talvez um tornado, uma pedra, ou um vulcão, passíveis de formas
semelhantes de imersão? O que signiica viver com os outros em mundos emaranhados da contingência
e da incerteza? Ou, mais precisamente, como podemos fazer bem o trabalho de habitar e co-constituir?
Ao propor essas questões, este artigo explora como cultivar “artes de atentividade”: modos de tanto
prestar atenção aos outros, como de elaborar uma resposta signiicativa.
Palavras-chave: multiespécies; métodos imersivos; atentividade; éticas mais-do-que-humanas; fazer[1] Thom van Dooren é professor sênior em humanidades Ambientais na Universidade de Nova Gales do Sul, Austrália, e coeditor da revista Humanidades Ambientais. Sua pesquisa focaliza primeiramente a ética nas dimensões ilosóicas e políticas
mais amplas da conservação, extinção e das relações do ser humano/animais selvagens. E seu livro mais recente é Flight
ways: life and loss at the Edge of Extinction (Columbia University Press, 2014).
[2] Eben Kirksey é autor de dois livros pela Duke University Press: Freedom in entangled worlds (2012) e Emergent ecologies
(2015) – bem como uma coleção editada: the Multispecies Salon (2014). Atualmente é professor visitante na Universidade
de Princeton (2015-2016) na cátedra Currie C. Thomas A. Barron e também é membro permanente do corpo docente no
programa Humanidades Ambientais da UNSW Austrália.
[3] Ursula Münster é pesquisadora pós-doutora no Centro Rachel Carson de Meio Ambiente e Sociedade e no Departamento
de Antropologia Social e Cultural da Universidade de Munique Ludwig Maximilians. Ela está escrevendo sobre os encontros
com a vida selvagem do sul da Índia em tempos de rápida extinção de espécies.
[4] Profa. Dra. Susana Dias é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
39
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
mundos; co-tornar-se; responsabilidade; vivacidade.
Multispecies studies: cultivating arts of attentiveness
Abstract: Scholars in the humanities and social sciences are experimenting with novel ways of engaging
with worlds around us. Passionate immersion in the lives of fungi, micro-organisms, animals, and plants is
opening up new understandings, relationships and accountabilities. This article offers an introduction to
this emerging ield: multispecies studies. Unsettling given notions of species, it explores a broad terrain
of possible modes of classifying, categorizing and paying attention to the diverse “ways of life” that
constitute worlds. From detailed attention to particular entities, a multiplicity of possible connection
and understanding opens up: species are always multiple, multiplying their forms and associations. It
is this coming together of questions of kinds and their multiplicities that characterizes multispecies
studies. A range of approaches to knowing and understanding others—modes of immersion—ground
and guide this research: engagements and collaborations with scientists, farmers, hunters, Indigenous
peoples, activists and artists are catalyzing new forms of ethnographic and ethological enquiry. This
article also explores the broader theoretical context of multispecies studies, asking what is at stake—
epistemologically, politically, ethically—in learning to be attentive to diverse ways of life? Are all lively
entities biological, or might a tornado, a stone, or a volcano be amenable to similar forms of immersion?
What does it mean to live with others in entangled worlds of contingency and uncertainty? Or, more
fundamentally, how can we do the work of inhabiting and co-constituting worlds well? In taking up these
questions this article explores how to cultivate “arts of attentiveness”: modes of both paying attention
to others and crafting meaningful response.
Keywords: multispecies; immersive methods; attentiveness; more-than-human ethics; world-making;
co-becoming; responsibility; liveliness.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
40
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
Todos os seres vivos emergem e fazem suas
vidas dentro de comunidades multiespécies.
Como Gregory Bateson coloca, a unidade
fundamental da sobrevivência é o organismoem-seu-ambiente[4]. A vida não pode surgir
e ser sustentada de forma isolada. Mas, as
relações têm histórias. Além de uma troca
ecológica equilibrada – como nos circuitos
ecológicos de energia mapeados pelos primeiros
ecologistas[5] – os organismos estão situados
dentro de profundas, e emaranhadas, histórias.
E assim, para além da mera sobrevivência,
formas particulares de vida, em toda a sua
diversidade resplandecente, emergem de
padrões entrelaçados de viver e morrer, de
ser e tornar-se, em um mundo maior. A íntima
relação entre uma lor e sua abelha polinizadora
é aquela em que ambas as formas de vida são
modeladas e se tornam possíveis através de um
patrimônio comum, um entrelaçamento que
Isabelle Stengers caracteriza como “captura
recíproca”[6]. Como tal, elas não simplesmente
se encontram – esta abelha e esta lor –, mas,
ao invés disso, a sua relação emerge a partir
de histórias co-evolutivas, a partir de ricos
processos de co-tornar-se. Este co-tornar-se
envolve o intercâmbio e o aparecimento de
signiicados, a imersão em teias de signiicação
que podem ser linguísticas, gestuais, bioquímicas
e muito mais[7]. A partir de marcadores visuais
e olfativos dirigidos, através dos quais uma
lor chama seus polinizadores para convites de
jogos canídeos com os seus modos complexos
de uma etiqueta responsiva, o mundo é uma
matriz comunicativa animada tecida através
de “sinais e maravilhas”[8]. A relacionalidade
multiespécies atenta aos registros temporais e
semióticos evidencia um mundo animado em
que o ser é sempre tornar-se, em que tornar-se
é sempre um tornar-se-com[9].
Os
estudos
multiespécies
tomam
esta
ARtIGOS
compreensão do nosso mundo, inspirandose nas ciências naturais e indo além,
trazendo diferentes corpos de conhecimento
para conversar e empurrando-os em novas
direções. Os estudiosos multiespécies estão se
perguntando como vidas humanas, modos de vida
e responsabilidades terminam se constituindo
nesses entrelaçamentos. Ao assumirem essas
questões, os estudiosos também se envolvem em
longas histórias de um pensamento de relações
e agências a partir dos povos indígenas[10]. Tal
como acontece com todos os organismos vivos,
vidas humanas e modos de vida não podem
acontecer e serem descritos de forma isolada.
Como Anna Tsing observa “a natureza humana
[em todas as suas miríades de formas] é uma
relação entre espécies”[11]. Histórias apenashumanas não servirão a ninguém em uma época
modelada pelo agravamento e fortalecimento
mútuo de processos de destruição biosocial – da
extinção em massa às mudanças climáticas, da
globalização ao terrorismo. Há muitos nomes
para a nossa atual condição Antropoceno,
Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno,
Cena-de-supremacia-branca, a lista continua
[12] –, mas seja lá como for chamada, o que
parece exigir são práticas minuciosas de
atentividade para as formas complexas que
nós, todos nós, nos tornamos numa relação
consequente com os outros. Levando a sério essa
provocação, os estudiosos multiespécies estão
explorando e reformulando questões políticas:
como é que o colonialismo, o capitalismo e
suas relações de poder desiguais associadas
acontecem dentro de uma “teia de vida” mais
ampla?[13] O que vai contar como conservação
em nosso mundo “pós-natural”?[14] Como
devemos repensar “o humano” após o estouro
da bolha antropocêntrica? Quais formas de
responsabilidade são necessárias e como
chegaremos a aprender a responder de outras
formas, talvez melhores, às comunidades que
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
41
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
estão se ganhando existência em “paisagens
destruídas”[15].
Estas questões complexas e vitais são
exploradas por estudiosos multiespécies de
uma maneira particular: através da imersão
na vida de fungos, microorganismos, animais e
plantas. Desta forma, tais estudos visam abrir
novos espaços para a pesquisa interdisciplinar
e colaborativa. Embora ambos “animal” e
“meio ambiente” tenham sido nas últimas
décadas objecto de novas abordagens de
pesquisas acadêmicas nas ciências humanas
e sociais, os estudos multiespécies prometem
algo um pouco diferente. Em contraste aos
animal studies, os estudiosos multiespécies se
ocupam de um escopo taxonômico mais amplo
de investigação. Não se trata de uma simples
substituição do foco em um animal por um foco
em uma planta ou bactéria. Muitos, mas não
todos, dos trabalhos em animal studies têm
se centrado nas relações das pessoas com um
determinado animal (um enfoque dialógico
que é facilmente perceptível no termo
“estudos humanos-animais”). Em vez disso,
uma abordagem multiespécies concentra-se
nas multidões de agentes animados que fazem
com que eles estejam em meio a relações
emaranhadas que incluem, mas sempre
também excedem, dinâmicas de predador e
presa, parasita e hospedeiro, pesquisador e
pesquisado[16], de parceiro simbiótico, ou
vizinho indiferente. Mas esses contextos maiores
não são meros “ambientes”, no sentido de um
fundo homogêneo, estático, para um sujeito
focalizado. Ao contrário, eles são complexas
“ecologias de seres”[17], meios dinâmicos
que estão continuamente em modelagem
e remodelagem; ativamente – mesmo que
nem sempre conscientemente – trabalhados
através da partilha de “signiicados, interesses
e afetos”[18], bem como de carne, minerais,
luidos, materiais genéticos e muito mais. Como
é discutido mais adiante, esta multiplicidade,
essa multiplicação de perspectivas e inluências,
é a chave para aquilo que fazem os estudos
multiespécies.
Além disso, como a coleção de textos da edição
especial “Multispecies Studies” da revista
Environmental Humanities ilustra[19], esta
abordagem imersiva tem sido cada vez mais
aplicada a formas de vivacidade que muitos
de nós, mas não todos, consideram seres nãovivos: desde pedras e sistemas meteorológicos
até inteligências artiiciais e espécies
químicas[20]. Por exemplo, em sua contribuição
para essa coleção, Vinciane Despret e Michel
Meuret articulam uma abordagem “cosmoecológica” que traz deuses, ancestrais e
espíritos para nossos relatos de formas de vida,
e assim para os modos de relacionamento e
conexão que constituem mundos[21]. Desta
forma, um grupo crescente de estudiosos
está desaiando os preconceitos bióticos dos
trabalhos multiespécies[22]. A partir desta
perspectiva, o “biocentrismo” muitas vezes não
é mais visto como um importante corretivo de
abordagens previamente “antropocêntricas”,
mas sim, ele mesmo, como uma tendência
injustiicável. Fundamentado em insights
importantes de uma gama de campos, incluindo
novos materialismos[23], geologia política[24]
e metafísicas indígenas[25] – a vivacidade do
abiótico está sendo trazida à tona. Muitas
entidades, de formações geológicas, aos rios e
até geleiras, podem ser pensadas como tendo
“modos de vida” distintos, histórias e padrões
de tornar-se e emaranhar-se; isto é, modos
de afetar e ser afetado, e assim eles também
podem se tornar assunto de “etologias”, no
sentido deleuziano do termo[26]. Se estas
abordagens multiespécies podem ser úteis,
e de que modos, para pensar a vivacidade
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
42
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
abiótica, e como eles podem lançar luz sobre o
trabalho consequente feito por várias maneiras
de criar fronteiras entre o vivo e o não-vivo,
são questões que permanecem em aberto nesta
fase.
O termo “espécies” nos “estudos multiespécies”
expressa “modos de vida” particulares e
qualquer reunião relevante de um conjunto
de parentes e/ou tipos (como Donna Haraway
argumenta apontando para os signiicados
históricos do termo “espécie”[27]). “Espécie”
aqui não pretende, de maneira alguma, sugerir
que os tipos são ixos ou homogêneos; nem
deve o termo ser levado a assumir um modo
de taxonomia especiicamente Ocidental e
cientíica (como discutido adiante[28]). Embora
alguns críticos culturais tenham sugerido
que a noção de espécie é uma imposição
antropocêntrica sobre o mundo[29], a atenção
mais cuidadosa a outros tipos de vida revela
que os seres humanos não são excepcionais em
nossa capacidade de classiicar e categorizar.
Para os nossos ouvidos, a noção de “espécie”
mantém abertas questões chave: como esses
agentes entrelaçados se torcem uns aos outros
com as suas próprias práticas de classiicação,
reconhecimento e diferenciação? Como
diferentes tipos de ser são promulgados e
sentidos, nesse luxo contínuo de ir e vir de
agências em mundos multiespécies?
Enquanto um termo guarda-chuva, a expressão
“estudos multiespécies” reúne diversos
enfoques disciplinares e interdisciplinares que
têm surgido nos últimos anos. Que incluem
“etnograias
multiespécies”[30],
“ethoetnologia”[31], “antropologia da vida”[32],
“antropologia além da humanidade”[33],
“estudos de extinção”[34] e “geograias maisque-humanas”[35]. Apesar de suas diferenças,
vemos todas essas abordagens como sendo
ARtIGOS
unidas por um interesse comum de melhor
compreensão do que está em jogo – eticamente,
politicamente e epistemologicamente – para
diferentes formas de vida lagradas em diversas
relações de conhecer e viver juntas. Em outras
palavras, cada um deles é um exemplo dos “new
science studies” que Anna Tsing apontou, e que
se baseiam em uma “imersão apaixonada na
vida dos não-humanos que são estudados”[36].
Há duas partes principais no artigo dela.
A primeira oferece uma visão geral, uma
miscelânea de tipos, do que consideramos ser
alguns dos modos dominantes de “imersão”
que fundamentam e guiam a pesquisa na ampla
área de estudos multiespécies. Cada uma
dessas abordagens pode ser entendida como
um método de cultivo que Tsing chamou de
“artes de perceber”[37]: desde compromissos
e colaborações com cientistas, agricultores,
caçadores, povos indígenas, ativistas e artistas,
até o desenvolvimento de novas formas de
investigação etnográica e etológica. A segunda
parte explora o contexto teórico mais amplo
das questões multiespécies, os tipos de
indagações e tópicos que estas abordagens
visam abrir e refazer. Transformando perceber
em atentividade – no cultivo de habilidades
tanto para prestar atenção aos outros como
para responder signiicativamente –, esta parte
do artigo está preocupada com a política e a
ética de como nós podemos vir a conhecer os
outros e assim (re)criar os modos de viver e
morrer num mundo ricamente variado, mas,
fundamentalmente, compartilhado – ou como
Bruno Latour diria, “comum”[38].
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
43
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
IMERSÃO APAIxONAdA
Uma imersão apaixonada pode assumir muitas
formas. Em seu âmago envolve atentas interações
com os diversos modos de vida. Além de ver as
outras criaturas como meros símbolos, recursos
ou fundo para a vida dos seres humanos, os
pesquisadores dos estudos multiespécies têm
por objetivo fornecer consistentes relatos de
distintos mundos experienciais, modos de ser
e ligações bioculturais de outras espécies[39].
Caminhos imersivos de conhecer e estar com
os outros envolvem uma cuidadosa atenção ao
que importa para eles – atenção para como eles
criam vidas e mundos partilhados. “Paixão”
não signiica aqui praticar um entusiasmo sem
reservas ou fundamento para o lorescimento
do outro. A imersão na vida do estranho, o
não amado, ou mesmo o odiado, é muito
possível[40]. Como tal, alguns dos estudiosos vão
contra as tendências das normas e sentimentos
dominantes,
cultivando
atentividade
com criaturas como carrapatos[41], vírus
patogénicos[42] e urubus[43]. Outros trabalhos
– como os companheiros caninos de Donna
Haraway[44] e as culturas microbianas pósPasteur de Heather Paxson[45] – tem orbitado
em torno de criaturas que são boas para
conviver com os seres humanos. Outros, ainda,
estão estudando assemblages multiespécies em
zonas selvagens que proliferam além das esferas
de inluência e controle humanos[46]. Uma
diversidade de focos é possível; nem todos eles
são agradáveis e airmadores-da-vida (embora
a questão a vida de quem é airmada é, em
si, de interesse central e crítico). Em resumo,
uma imersão apaixonada signiica tornar-se
curioso e então emaranhado, “aprendendo a
ser afetado”[47] e, assim, talvez, entender e
cuidar de maneira um pouco diferente.
Em seus esforços para compreender melhor
mundos multiespécies, alguns estudiosos
estão entrando profundamente nos arquivos
das ciências humanas e sociais para envolver
aliados intelectuais às vezes inesperados –
vários deles escrevendo em um período anterior
à consolidação das “duas culturas”[48]. Por
exemplo, The american beaver and his works
(1868) de Lewis Henry Morgan que é um estudo
realizado antes da biologia e da antropologia
serem
estabelecidas
como
disciplinas
distintas[49]. De maneira semelhante, na
disciplina que hoje chamamos de ilosoia, uma
série de pensadores primordiais e fundamentais
já praticavam formas de cuidadosa atenção
para os modos de vida de outras espécies,
mesmo que nem sempre fazendo a coisa
certa: podemos pensar The history of animals
de Aristóteles. The metamorphosis of plants
(1790) de Goethe se destaca como um dos
primeiros exemplos de rigor observacional
vindo junto com a imaginação teórica. Goethe
era um jardineiro apaixonado, cujo interesse
pelas plantas loresceu na primavera de 1776,
quando ele começou a plantar e cuidar de um
jardim que lhe foi dado pelo Duque Charles
Augustus em Weimar[50]. Michael Marder
trabalhou através dos arquivos da ilosoia
européia trazendo pensadores como Goethe,
que continuam a ser relevantes para conversas
contemporâneas sobre o “pensamento das
plantas” e os estudos multiespécies em
geral[51]. Gary Steiner fez algo semelhante
com o pensamento animal[52].
Leituras criativas e críticas da literatura das
ciências naturais contemporâneas também
permitiram aos estudiosos desconstruir e
reconstruir as reivindicações de verdade para
uma melhor compreensão dos mundos dos outros.
O trabalho de Donna Haraway sobre os primatas
se destaca como um dos primeiros exemplos
dessa abordagem na literatura anglófona[53].
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
44
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
Outros, como o da ilósofa belga Vinciane
Despret, desenvolveram extensos trabalhos
relacionados: desde o pássaro Arabian babbler,
até babuínos e ovelhas, Despret ofereceu
releituras críticas da literatura etológica e
biológica[54]. Essas releituras estão atentas
aos contextos históricos e as formas complexas
em que as práticas e conhecimentos cientíicos
são formados pela política, gênero e pelo
posicionamento do “observador”[55]. Nessa
mesma linha, Carla Hustak e Natasha Myers têm
explorado a inteligência e a agência de plantas,
repensando a centralidade do individualismo
competitivo nos relatos biológicos dominantes,
desde Darwin aos neo-darwinistas[56]. Além de
um envolvimento com a literatura cientíica
publicada, esses estudiosos têm também
passado um tempo em campo entrevistando e
observando os cientistas e as plantas, animais,
fungos e micróbios que interessam a eles[57].
Despret chama de praticar uma “etologia
dos etólogos”, interrogando ferramentas
de observação do comportamento animal
desenvolvidas por Konrad Lorenz (uma igura
complexa e problemática[58]) e, em seguida,
devolvendo formas modiicadas aos próprios
cientistas. Este espaço de intervenção crítica
também está vivo e dentro de comunidades
cientíicas fundamentalmente heterodoxas.
Biólogos comportamentais, como Jane Goodall,
Barbara Smuts, Thelma Rowell, Marc Bekoff,
Frans de Waal e muitos outros, há muitos anos se
empenham ativamente no desaio de reinventar
as práticas de conhecer e experimentar dentro
das suas áreas, reconhecendo a subjetividade e
individualidade de seus parceiros de pesquisa,
bem como o contexto próprio do pesquisador,
localmente incorporado e implicado com o que
é capaz de ser conhecido[59].
Estes biólogos mais criativos e generosos,
bem como invasores de outras disciplinas
ARtIGOS
que se aventuram no domínio das ciências
da vida, têm sido frequentemente acusados
de antropomorismo e de uso ilegítimo
de anedota (entre outras coisas). Mesmo
levando a sério o perigo de projetar normas e
sensibilidades “humanas” (?) em outros – cada
antropocentrismo é também um etnocentrismo,
como Dominique Lestel nos lembra – estudiosos
multiespécies também enfatizam a promessa
de escrever narrativas que são ricas em
anedotas, metáforas e igurações. A acusação
de antropomorismo encerra a discussão, de
acordo com Val Plumwood, ao invés de abrir
uma investigação crítica sobre a forma como os
elementos de uma determinada característica
podem ou não ser compartilhados por nãohumanos[60]. Ao mesmo tempo, como Eileen
Crist argumenta, os esforços para adotar
uma “linguagem neutra” foram muitas vezes
“mecanomóricos”, projetando características
de máquinas para as formas de vida, e
exibiram formas arraigadas daquilo que
Waal chamou de “Anthropodenial”[61]. Da
mesma forma, embora as observações de
campo, especialmente de indivíduos ou casos
isolados, carece da (suposta) repetição dos
experimentos de laboratório, eles também
criam novas oportunidades para apreciar a
personalidade, a inovação e a improvisação.
Como alguns etólogos observaram, a anedota
pode ser um recurso notável[62], permitindonos mover para fora de um espaço estreito
de “comportamentos típicos de espécie” para
reconhecer a diversidade individual ou social e
a capacidade criativa dentro de outros modos
de vida.
No entanto, as ciências naturais estão longe de
ser a única forma de conhecer e compreender
as vidas de outras espécies. Enquanto os saberes
e práticas das ciências têm desempenhado um
papel fundamental nos estudos multiespécies,
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
45
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
o campo também tem procurado uma série de
outras abordagens com o objetivo de “descolonizar”[63] e, mais amplamente, desaiar os
pressupostos dominantes sobre o conhecimento
e a expertise de quem está autorizado a
falar pela Natureza. Todos nós criamos vidas
compartilhadas em comunidades multiespécies.
Mas o fazemos de diversas maneiras, e com
mais ou menos atenção. Esta diversidade
biocultural tornou-se um tópico central dos
estudos multiespécies. Baseando-se tanto
em materiais escritos, quanto em pesquisa
etnográica, os estudiosos exploram as formas
que as comunidades indígenas, caçadores,
agricultores e muitos outros compreendem e
habitam mundos. Esses trabalhos vão desde os
sonhos de indígenas australianos que exaltam
as relações de polinização e lorescimento
mútuo[64],
aos
íntimos
conhecimentos
ecológicos de animais dos caçadores amazônicos
e circumpolares[65], até as culturas de
manutenção do gramado químicamentecarregadas nas perspectivas contemporâneas
estadunidenes[66]. Multiplicando perspectivas,
estas abordagens abalam a hegemonia de
relatos cientíicos da Natureza, destacando
os caminhos complexos e, muitas vezes,
contraditórios de conhecer, valorizar e viver
que estão sempre, inevitavelmente, em cena e
em jogo na formação dos mundos.
Artistas também se tornaram participantes
centrais em projetos acadêmicos que
questionam abordagens convencionais para
falar pela Natureza, explorando oportunidades
de imersão na vida dos outros[67]. Em vez
de se limitarem a produzir “a monograia”
ou “o ensaio” os artistas há muito tempo
geram instalações multimídia e intervenções
performativas para chamar a atenção para
os animais, plantas, fungos e outros seres da
periferia dos mundos antropocêntricos[68]. Em
sua contribuição para esta coleção, Cary Wolfe
e Maria Whiteman brincam com as convenções
do mundo acadêmico, atraindo-nos para os
modos de vida e paisagens dos besouros de
pinheiros das montanhas através de poesia,
imagem e som.
Experiências performativas também estão
sendo usadas por artistas e etnógrafos para
sondar dimensões especulativas de mundos
multiespécies, como Eben Kirksey e colegas
ilustram em sua contribuição para o dossiê
“Multispecies Studies” da revista Environmental
Humanities. Ao invés de simplesmente
descreverem como é a vida em determinadas
épocas e lugares, ou como uma vez foi, os
estudiosos multiespécies estão se envolvendo
com as pessoas em suas especulações sobre
o que a vida pode ou poderia ser[69]. A arte
performática com outros tipos de criaturas
remetem ao trabalho de Joseph Beuys, que
viveu com um coiote em uma galeria de arte
de Manhattan por três dias em 1974. Baseandose em mais de 40 anos de arte ecológica,
que começou a aparecer com Beuys, artistas
contemporâneos estão catalisando modos
alternativos de falar e pensar sobre como a
nossa própria sobrevivência é um enredamento
contingente de assemblages multiespécies[70].
Mostrando o material desagradável e as
conexões semióticas que ligam sua própria
carne e sangue com o domínio de vírus e plantas,
Caitlin Berrigan realizou o que ela chamou de
“gesto nutridor” no The Multispecies Salon.
Desenhando com seu próprio sangue, que está
infectado com o vírus da hepatite C, Berrigan
ofereceu um fertilizante rico em azoto para
um dente de leão. Encenando uma relação de
sofrimento compartilhado, de mútua ajuda
e violência, Berrigan disse às pessoas da
platéia que ela toma a raiz do dente de leão
como remédio para ajudar seu fígado a lidar
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
46
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
com as infecções virais[71]. Outros artistas
– como Miriam Simun, Kathy High e Natalie
Jeremijenko – aumentaram o sensório humano
para reconigurar os nossos compromissos
com mundos multiespécies. Ao invés de ingir
estar distante e afastado dos seus temas de
estudo, muitos pesquisadores dos estudos
multiespécies estão aceitando a sugestão dos
artistas de abraçar mais plenamente o trabalho
de observação como parte de uma performance
contínua no mundo.
Encontros pessoais com criaturas companheiras
– algumas delas comumente chamadas de
“animais de estimação” (pets) e “plantas
domésticas” – também deram origem a um rico
corpus de conhecimento empírico: dos cães de
Haraway e Sebastian Abrahamsson, assim como
das artes de vermicompostagem de Filippo
Bertoni, ao engajamento pegajoso de Franklin
Ginn com lesmas de jardim, até as “lores más”
de Jennifer Hamilton e os bolores limosos de
Tarsh Bates[72]. Nestes trabalhos, as práticas de
viver-com e observar permitiram aos estudiosos
repensar o “laboratório” e o “campo” para
criar locais de encontros para-etnográicos,
formando a base de novos conhecimentos
sobre outras espécies e nossas possibilidades
de elaboração de vidas compartilhadas[73].
No Centre for Feline Studies, Jeffrey Bussolini
e Ananya Mukherjea criaram um novo tipo de
laboratório com seis gatos em seu apartamento
em Manhattan[74]. Jogando com um ethos
tradicional experimental incorporado por
Lorenz e outros (que vivia com alguns dos
animais estudados), o laboratório de Bussolini
e Mukherjea oferece oportunidades para fazer
observações etho-etnográicas detalhadas
de gatos envolvidos em interações diárias
que um laboratório formal nunca poderia
proporcionar[75]. Ao mesmo tempo, este
espaço de experimentos “informais” mostra
ARtIGOS
que não apenas uma parte (os cientistas) está
decidindo quais são as perguntas interessantes
e impondo-as aos “sujeitos de pesquisa”. Em
vez disso, interações mais diplomáticas e
gentis emergem, tal como os gatos exploraram
uma ininidade de oportunidades de serem
inventivos, propositivos e demonstrarem
suas capacidades e interesses[76]. Além do
imediatismo de nossos próprios encontros,
os vídeos virais no YouTube e os meios de
comunicação sociais agora fornecem um luxo
ininterrupto de imagens e comentários sobre as
relações entre espécies. Se os documentários
de natureza da televisão do século 20
ajudaram a moldar como os cientistas pensam,
o trabalho emergente no campo de estudos
multiespécies está respondendo a estes meios
de comunicação do século 21 com projectos
que instalam câmeras-(em)-bichos, ou orbitam
em torno das páginas de fãs do Facebook e
Meetup Groups[77].
O mergulho em mundos multiespécies
necessita frequentemente da formação equipes
colaborativas para colocar junto habilidades e
expertises complementares. Enquanto áreas
como a antropologia cultural, a ilosoia e a
história privilegiam o manuscrito de uma única
autoria na produção do conhecimento acadêmico,
os estudiosos multiespécies estão explorando
práticas de escrita colaborativa dentro de certas
disciplinas[78] e, ao mesmo tempo, formando
novas
associações
multidisciplinares[79].
Associações colaborativas estão indo além de
abordagens anteriores dos estudos cientíicos
que colocavam os biólogos sob o microscópio,
para criar projetos com cientistas que possam
construir experimentos que abordam questões
e preocupações compartilhadas ou re-criam
os métodos empíricos existentes[80]. Biólogos
e ecologistas se tornaram “amigos críticos”
para estudos multiespécies[81], já que os
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
47
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
novos modos de colaboração e engajamento
permitem movimentos promíscuos através
dos limites que pareciam ixos, pelo menos
durante as Science Wars da década de 1990.
Não é surpreendente, portanto, que muitas
das contribuições para a coleção “Multispecies
Studies”, publicada na revista Environmental
Humanities, sejam de co-autorias. Algumas das
equipes são compostas por artistas, ilósofos
e etnógrafos: em um caso nós aprendemos a
usar rãs vivas para fazer experimentos com a
lacuna especulativa que emerge com a gravidez
humana, em outro caso nós encontramos
paisagens devastadas moldadas por complexas
assemblages multiespécies. Outras equipes
incluem ilósofos e biólogos, por exemplo,
na exploração de pastoreio na França; outro,
ainda, reúne etnógrafos com experiência de
trabalho com elefantes e mundos microbianos
para explorar seus encontros e remakes em
surtos de vírus dos elefantes.
Nada desse material empírico – desde
dados cientíicos até o trabalho de artistas –
pode simplesmente ser considerado como
conhecimento sem interferência. Os estudiosos
multiespécies
estão,
consequentemente,
explorando como estas abordagens diversas
pode ser empregadas de modo responsável.
Muitas vezes, a multiplicação de perspectivas
leva a conlitantes compreensões, valores,
prioridades e, inalmente, mundos. Neste
contexto, importa que perguntas fazemos[82],
que modos de investigação adotamos, que
práticas de mediação, de performance[83], de
tornar-se[84] e de tradução[85] empregamos
– bem como quais as histórias que contamos.
Multiplicar perspectivas não se trata apenas
da composição [assemblage] da diversidade,
nem da adoção de um relativismo fácil; em vez
disso, trata-se de “icar com o problema”[86],
em um esforço para navegar signiicativamente
através da complexidade dos mundos-emprocesso. Esta navegação é fundamentalmente
uma questão de ética e política. É para estas
questões que agora nos voltamos: como
as diferentes práticas de conhecimento –
diferentes modos de imersão atentiva – dão
existência a diferentes mundos?
CRIAÇõES dE MUNdOS MULtIESPÉCIES
[MultISpECIES woRlDIngS]
Recusando a escolha entre o realismo
ultrapassado e um fácil relativismo – entre um
mundo singular “lá fora” aguardando descrição
e um idealista “livre para todos” – a noção
de “worlding” insiste na co-constituição, na
interação material-semiótica, que modela o
que é[87]. Há uma variedade de “realismos”
– que Karen Barad chamou de “realismo
agencial”[88] – em jogo aqui: enquanto
tabelas, átomos e couves-lores são muito
reais, eles também são moldados por modos
de compreensão e engajamento. A partir desta
perspectiva, qualquer divisão absoluta entre
epistemologia e ontologia cai por terra enquanto
que mundos emergem e são continuamente
reformulados através de dinâmicas “intraações”[89]. Assim, os meios de conhecimento
e compreensão têm consequências profundas:
eles moldam mundos. Não sozinhos, não de
uma vez por todas, mas através do trabalho
confuso e colaborativo que alguns chamam de
“construção social”. Como Latour nos lembra,
o social não é a coisa ou material desta
construção, mas sim nomeia o processo de
assemblage em que diversas agências exercem
sua própria força na deinição de resultados[90].
Como Laura Ogden e seus colegas colocam, o
trabalho dos estudos multiespécies “procuram
compreender o mundo como materialmente
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
48
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
real, parcialmente cognoscível, multicultural e
multinatural”, surgindo no meio de “relações
contingentes de vários seres e entidades”[91].
Em suma, enquanto mundos são feitos, eles
não são “compostos”[92] ; eles são criados no
“múltiplo”, mais do que um, mas menos do que
muitos[93].
Fundamentada nestas ideias, a atenção
cuidadosa e crítica à especiicidade de mundos
de vida de outras espécies oferece uma via
importante para estudos em ciências humanas e
sociais, durante uma era de crescente mudança.
Partindo de um precedente, e muitas vezes
implacável, foco no anthropos, os trabalhos em
estudos multiespécies juntam outros estudos –
em curso sob nomes como “natureza-culturas”
e “pós-humanismo” – que visam reconigurar
criticamente “o ser humano” a medida que
problematiza e trabalha através dos dualismos
natureza/cultura e natureza/humano[94].
Este trabalho é mais forte onde o impulso não
é o de simplesmente dissolver as distinções
entre essas categorias e criar um nivelamento
amorfo. Como observa Mick Smith, fazendo
referência a Jacques Derrida, esse estudioso
“reconhece ‘a fragilidade e a porosidade do
limite entre natureza e cultura’, não para
colapsar essas categorias umas nas outras
(como, por exemplo, a sociobiologia faz), mas
para ‘multiplicar a atenção às diferenças’ em
todos os níveis”[95]. Ou seja, prestar atenção
às diferenças de todos os tipos, bem como
ao poderoso trabalho que diversos modos
de diferenciar e distinguir fazem ao moldar
mundos. Com isto em mente, as abordagens
multiespécies tratam, precisamente, da
multiplição de diferenças e modos de atenção,
e da especiicidade de emaranhados naturalcultural vividos em espessas zonas de contato,
com as suas próprias histórias e possibilidades
muito particulares[96].
ARtIGOS
Evitando a generalização e a abstração,
este tipo de imersão apaixonada na vida dos
outros abre uma série de possibilidades.
Criticamente, a atenção para o particular nos
obriga a perguntar como worldings especíicos
tornam-se importantes, e são importantes
diferentemente, para certos seres [97].
Para levar esta questão a sério, os estudos
multiespécies insistem na multiplicidade
biossocial que reside dentro de vários “tipos”.
Espécies envolvem danças intergeracionais
onde os agentes emaranhados torcem uns aos
outros em loops contínuos de multiespécies
intra-ação[98]. Emergindo no centro, um
meio a partir do qual ele cresce e desborda,
uma espécie jamais sossega quieta[99]. Esta
complexidade é confrontada com as ciências
biológicas e outras tradições taxonômicas de
varias maneiras, criando múltiplos conceitos
de espécies, ou “promíscuos” como John Dupre
chama, que são mais ou menos apropriados
para diferentes esferas da vida[100]. Além
disso, os modos de estabelecer distinções
entre o eu e o outro, entre o semelhante
e o diferente, estendem-se muito além do
humano. Por exemplo, as vespas polinizam
seletivamente e, portanto, constituem o
que poderia ser considerado uma espécie de
igueira em particular[101]. Enquanto alguns
ilósofos inluentes assumem que as espécies
não-humanas estão presas em bolhas[102],
os estudiosos do campo multiespécies estão
seguindo as vidas de “anfíbios ontológicos” que
desfazem a gaiola de suposições equivocadas
que prende os organismos-aos-ambientes[103].
Se prestarmos atenção, por toda parte
assemblages de multiespécies emergentes
estão minando essas visões de estagnação e
fechamento; como enxames virais, as multidões
de animais ferozes e outros agentes difíceis
de classiicar se juntam para formar novos
mundos[104], ao mesmo tempo que criam
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
49
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
reformulam performativamente o que contará
como seu “tipo”[105].
Ao mesmo tempo, prestando atenção aos
outros, não podemos deixar de obter uma
nova compreensão e apreciação do “humano”.
Em todos os níveis – desde o organismo
individual, através das diversas formas de vida
comunitária e coletiva, até a própria espécie
– a humanidade é co-constituída dentro de
densas redes de trocas vivas. Por exemplo,
dentro de nossos corpos e estendendo-se bem
além delas, descobertas emergentes sobre
o microbioma revelam que cada um de nós
é uma espécie múltipla; cada um de nossos
corpos está cheio de diversos tipos de formas
de vida parasíticas e simbióticas[106]. Este
trabalho dá uma nova perspectiva à airmação
de Annemarie Mol de que um corpo é “uma
multidão intricada e coordenada”[107]. Nas
palavras de Deleuze e Guattari, os corpos
tornam-se “multiplicidades de multiplicidades
que formam um mesmo agenciamento, que se
exercem no mesmo agenciamento: as matilhas
nas massas e inversamente”[108]. Rompendo
a separação entre o interior dos corpos e
ambientes externos, os estudiosos estão
analisando assemblages multiespécies onde os
organismos são co-presentes e estão conectados
heterogêneamente entre eles mesmos, sendo
puxados em diferentes direções, sempre em
processo de devires múltiplos e paralelos,
ao lado deles mesmos com dissoluções,
intermitentemente presentes a si próprias;
cada um deles um para-ser[109]. Em sua
contribuição a edição especial “Multispecies
Studies”, Jamie Lorimer conecta essas ecologias
“internas” e suas possibilidades emergentes
de “reabilitação microbiana” com processos
maiores de conhecimento, comunidade e
criação de riqueza.
Além do que poderíamos chamar de
funcionamento “biológico” dos corpos, os
contornos da experiência humana vivida
são moldados por enredamentos diversos e
consequentes. Não há humano em-isolamento,
nenhuma forma de vida humana que não tenha
surgido em diálogo com um mundo mais amplo.
Devemos entender “as origens animais da cultura
humana” ao longo de linhas relacionadas,
como Lestel argumentou. Desta perspectiva,
as culturas humanas não são desvios, ou
consequências, de uma natureza biológica mais
essencial, mas são uma outra expressão dessa
natureza: “os seres humanos não emergiram do
estado de natureza, mas exploraram um nicho
extremo dessa natureza”[110].
Embora isso seja certamente verdadeiro no
abstrato – “o humano” não é de modo algum o
que muitos de nós foram levados a acreditar[111]
– novamente, a atenção ao particular exige que
perguntemos como essa relacionalidade coformadora se torna importante diferentemente.
Tendo escapado da visão de túnel do anthropos
para o grande mundo além, pesquisadores
de estudos multiespécies também estão
trabalhando para cuidadosamente evitar uma
conceituação redutora, homogeneizadora, da
vida humana. Embora os seres humanos possam
todos estar ligados a outros, eles não estão
todos emaranhados da mesma maneira: “a
especiicidade e a proximidade das conexões
são importantes”[112]. Como tal, grande parte
deste trabalho procurou explorar, em ricos
detalhes históricos e etnográicos, o trabalho
desigual, os riscos, as posições e as exposições,
bem como as formas de ser e conhecer, de
diferentes indivíduos e comunidades[113].
Histórias de gênero e raça, de economia política
e colonização, estão distribuídas em camadas
dentro do desdobrar mundos multiespécies
– como não poderiam ser? – moldando
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
50
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
possibilidades para todos[114]. Vemos isso nas
realidades da gestão de resíduos neocoloniais
com os povos Inuit e uma variedade de animais
“indesejáveis” no norte canadense e, do outro
lado do mundo, os impactos desiguais sobre
os trabalhadores indígenas e os elefantes em
cativeiro que, a seu modo, “trabalham para a
loresta” no estado indiano de Kerela[115].
Essas realidades bagunçadas, incômodas,
perturbadoras e sempre desiguais exigem que
os estudos multiespécies sejam mais do que
mera descrição e celebração de comunidades
emaranhadas e processos de co-tornar-se.
Aproveitando uma sugestão de Haraway: “A
ideia é fazer uma diferença no mundo, e lançar
a nossa parte para alguns modos de vida [morte,
ser e tornar-se] e não outros. Para fazer isso,
é preciso estar na ação, ser inito e sujo, não
transcendente e limpo”[116]. A expressão “no
mundo” importa aqui. Os trabalhos em estudos
multiespécies partem da proposição de que não
há espaço fora da ação a partir do qual se possa
obter conhecimento absoluto ou universal; e
ainda assim devemos agir. Mas também importa
no sentido de que a participação em um mundo
de co-tornar-se necessariamente implica em
nós: na medida em que todos nós ajudamos
a moldar mundos, somos responsáveis por
como eles se tornam. Como diz Barad: “A
ética não é, portanto, uma resposta correta a
um outro radicalmente exterior/izado, mas a
responsabilidade e o comprometimento com as
vivas relacionalidades de tornar-se das quais
fazemos parte”[117]. Ou, como airma Beth
Carruthers: estamos “agindo como se tudo
fosse importante”[118].
Recusando a oposição desgastada entre três
exigências incomensuráveis – justiça social
em uma veia humanista; ética focada no bemestar de entidades individuais (geralmente
ARtIGOS
animais não-humanos, mas em menor grau
plantas, fungos, pedras e outros); e uma
ética ambiental preocupada principalmente
com a saúde dos ecossistemas e espécies –
trabalhos em estudos multiespécies abraçam
abordagens éticas relacionais para lidar com
diversas reivindicações concorrentes. Estes
trabalhos inspiram-se em ricas tradições de
pensamento ético em estudos de ciência e
tecnologia feministas, ilosoias feministas e
continentais e suas interseções. Permanecendo
com o problema, eles pretendem se manter em
obrigações éticas concorrentes, multiplicando
as perspectivas sobre o que conta como “o
bem”. Não há respostas claras e inais aqui, nem
há trunfos que encerram o processo político
através de apelos a incontestáveis princípios
ou expertises[119]. Tampouco são permitidos
relativismos fáceis. Esse tipo de relativismo
– “você tem a sua verdade e eu a minha”,
“você habita o seu mundo e eu habitarei o
meu” – é acomodado e perigoso. No inal do
dia precisam ser tomadas decisões sobre como
vamos conviver em um mundo que é, embora
múltiplo, também compartilhado, inito e (em
muitos aspectos) difícil. Os recursos devem
ser distribuídos, reivindicações de direitos e
justiça serão ouvidas ou ignoradas. Os moldes
de produção de sentido, de avaliação e de
veriicabilidade, sob os quais as deliberações
são feitas ou as respostas rotineiras executadas,
são importantes.
Lutar por mundos melhores requer aprender
a levar os outros a sério em sua alteridade,
encontrando modos de confundir que evitam
a fantasia da tradução universal ou de um
critério singular – geralmente “nosso” – de
avaliação ou veriicação. Também requer o
aprendizado de novos modos de levar em conta
outros enigmáticos que não podem ser – ou
talvez que não queiram ser – representados,
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
51
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
ou mesmo tornados cognoscíveis ou práticos
dentro de qualquer modo disponível de
compreensão[120]. E assim, como sugere
Hugo Reinert em sua contribuição em seu
para o dossiê sobre estudos multiespécies da
Environmental Humanities, para experimentar
mundos melhores o estudo também deve
manter aberta “a questão de quem – e o quê
– é levado a existir, e de como determinados
modos de existência são (e não são) feitos para
serem levados em conta”. Nada disto é simples,
e nem signiica que há certo ou errado; em vez
disso, signiica que o certo e o errado devem
ser cuidadosamente criados, repetidas vezes,
dentro de um processo maior de contestação.
Essa ética exige um questionamento contínuo,
um esforço para cultivar novos modos de
atentividade – “inovações narrativas nas
práticas de escutar como técnicas arriscadas de
cuidado cosmopolítico”[121] – que podem nos
ajudar a viver bem dentro de relacionamentos
que raramente podem ser resolvidos com a
satisfação de todos, e nunca de uma vez por
todas.
Nessa perspectiva, a ética está no cerne das
narrativas multiespécies – não algo adicionado,
anexado
lateralmente.
Abraçando
e
retrabalhando a noção deleuziana de que “a ética
é a etologia”[122], as abordagens multiespécies
estão fundamentadas no entendimento de que
a atenção cuidadosa às diversas formas de ser
e de tornar-se é inseparável do trabalho da
ética. Como van Dooren e Rose argumentam
em sua contribuição, a etologia/etograia é
um ato de testemunhar: a atenção aos outros
é vital para responder adequadamente,
enquanto a narração de suas histórias
também tem o potencial de atrair outros para
novos relacionamentos e responsabilidades.
Como todos os outros relatos, as histórias
multiespécies são tecnologias ativas de um
desdobrar mundos [worlding]: “As histórias são
meios de viver”[123]. Dessa forma, em vez de
simplesmente celebrar a mistura multiespécies
– um fato básico da vida – este trabalho também
envolve as questões mais analiticamente
interessantes e politicamente cobradas que
se seguem ao perguntar, cui bono?, quem se
beneicia quando as espécies se encontram?[124]
Ao fazer isso, os estudos multiespécies
preocupam-se com o cultivo do que chamamos
de artes de atentividade. Essa atentividade é
uma proposição de duas partes: uma prática de
conhecer o outro em sua particularidade íntima
– aplicando constantemente as faculdades
e energias observantes, como diz o Oxford
English Dictionary – e, ao mesmo tempo, uma
prática de aprender como se poderia melhor
responder ao outro, como se poderia trabalhar
para cultivar mundos de lorescimento mútuo
– isto é, na linguagem um pouco antiquada do
OED, como alguém poderia ser “assíduo em
oferecer conforto ou prazer aos outros, dando
cautelosa atenção aos seus desejos”. Em suma,
as artes da atentividade nos recordam que o
conhecimento e a vida estão profundamente
enredados; que prestar atenção pode e deve ser
a base para elaborar melhores possibilidades
de vida compartilhada.
A coleção de textos do dossiê “Multispecies
Studies”, publicada na revista Environmental
Humanities, é um esforço para reunir um pouco
da diversidade que delineamos acima. Enquanto
a fertilização cruzada já está ocorrendo
entre várias abordagens “multiespécies”, no
espírito deste dossiê estamos interessados no
que poderia ser obtido reunindo estudiosos
de perspectivas disciplinares distintas. Esta
coleção inclui principalmente contribuições de
ilósofos, antropólogos, geógrafos e artistas,
mas estudos culturais, estudos literários e
história são atraídos para a conversa também. A
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
52
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
coleção reunida no dossiê nos leva aos mundos
de ovelhas e pastores, de pedras, vermes,
salmões e besouros devoradores de lorestas,
de vírus e seus elefantes, de focas, corvos e
luxos de lava no Havai e, inalmente, aos
rãs-usadas-em-testes-de-gravidez e possíveis
agentes de propagação fúngica patogênica.
Cada uma das contribuições praticam modos
particulares de imersão, artes de atentividade
e, ao fazê-lo, convidam-nos a compreender o
mundo um pouco diferente; para perceber que
diferença poderia fazer uma atenção curiosa e
cuidadosa com os outros.
ARtIGOS
Baker, Steve. Artist/animal. Minneapolis:
University of Minnesota Press, 2012.
Barad, Karen. “Invertebrate visions:
diffractions of the brittlestar”. In: the
Multispecies Salon: Gleanings from a ParaSite, edited by Eben Kirksey. Durham and
London: Duke University Press, 2014.
———. Meeting the universe halfway:
quantum physics and the entanglement of
matter and meaning. Durham and London:
Duke University Press, 2007.
———. “Posthumanist performativity: toward
an understanding of how matter comes to
matter.” Signs: Journal of Women in Culture
and Society 28, no. 3 (2003).
AGRAdECIMENtOS
Este artigo se beneiciou do generoso feedback
fornecido por Celia Lowe, Jamie Lorimer, Veit
Braun, Jean Langford e Deborah Bird Rose. Os
autores puderam se reunir para redigir e revisar
este trabalho graças aos recursos de viagem e
bolsas concedidos pelo fundo Thomas A. Barron
à Universidade de Princeton, à Fundação
Humboldt e ao Australian Research Council
(DP150103232 e DE140100918).
Tradução de Susana Dias
Bates, Tarsh. “Cutting together-apart the
mould”. Antennae 32 (2015): 44–66.
Bateson, G.. Steps to an ecology of mind:
collected essays in anthropology, psychiatry,
evolution, and epistemology, 1972.
Bekoff, Marc. “Animal passions and beastly
virtues: cognitive ethology as the unifying
science for understanding the subjective,
emotional, empathic, and moral lives of
animals”. human Ecology Forum 13, no. 1
(2006): 39–59.
———. the emotional lives of animals.
Novato, CA: New World Library, 2007.
REFERêNCIAS
Abram, S.; Lien, M. E.. “Performing nature
at world’s ends”. Ethnos: Journal of
Anthropology 76, no. 1 (2011): 3–18.
Apffel-Marglin, Frédérique; Marglin,
Stephen A.. decolonizing knowledge: from
development to dialogue. Clarendon Press,
1996.
Bennet, Jane. vibrant matter: a political
ecology of things. Durham and London: Duke
University Press, 2010.
Berrigan, Caitlin. “The life cycle of a common
weed”. In: the Multispecies Salon: gleanings
from a Para-Site, edited by Eben Kirksey.
Durham and London: Duke University Press,
2014.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
53
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
Broglio, Ron. Surface encounters: thinking
with animals and art. Mineapolis: University of
Minnesota Press, 2011.
Buchanan, Brett. “Bear down: resilience in
multispecies cohabitation”. In: Routledge
Companion to the Environmental
humanities, edited by Ursula Heise, John
Christensen, and Michelle Niemann. London
and New York: Routledge, n.d.
———. Onto-ethologies: the animal
environments of Uexküll, Heidegger, MerleauPonty, and Deleuze. Albany, NY: SUNY Press,
2008.
Buchanan, Brett; Chrulew, Matthew; Bussolini,
Jeffrey. “Vinciane Despret”. Angelaki 20, no.
2 (2015): 1–3.
Bussolini, Jeffrey. “Toward cat
phenomenology: a search for animal being”.
Found Object 8, no. Spring (2000): 155–85.
Butler, Judith. Bodies that matter: on
the discursive limits of “sex”. New York:
Routledge, 1993.
Callon, Michel. “Some elements of a sociology
of translation: domestication of the scallops
and the isherman of St Burieuc Bay”. In:
Actor network theory and after, edited by
John Law and John Hassard. Oxford: Blackwell
Publishers, 1999.
Candea, Matei. “Habituating meerkats and
redescribing animal behaviour science”.
theory Culture Society 30, no. 7/8 (2013):
105–28.
2006.
Castree, Noel; Braun, Bruce. Social nature:
Theory, Practice, and Politics. Malden &
Oxford: Blackwell Publishers, 2001.
Chrulew, Matt. “Managing Love and Death at
the Zoo: The Biopolitics of Endangered Species
Preservation”. Australian humanities Review
50 (2011): 137–57.
Chrulew, Matthew. “Sacriicial reintroduction:
saving the golden lion tamarin”. In:
Extinction studies: stories of time, death and
generations, edited by Deborah Bird Rose,
Thom van Dooren, and Matthew Chrulew. New
York: Columbia University Press, n.d.
Clark, Nigel. Inhuman nature: sociable life on
a dynamic planet, Sage. London: Sage, 2011.
Clark, Nigel; Yusoff, Kathryn. “Combustion
and society: a ire-centred history of energy
use”. theory, Culture & Society, n.d.
Collard, Rosemary-Claire. “Putting animals
back together, taking commodities apart”.
Annals of the Association of American
Geographers 104, no. 1 (2014): 151–65.
Collard, Rosemary-Claire; Dempsey, Jessica;
Sundberg, Juanita. “A manifesto for abundant
futures”. Annals of the Association of
American Geographers, 2014.
Crist, Eileen. Images of animals:
anthropomorphism and animal mind.
Philadelphia: Temple University Press, 1999.
Capra, F. “The web of life: a new scientiic
understanding of living systems”. 1996.
da Costa, Beatriz; Philip, Kavita. tactical
biopolitics: art, activism, and technoscience.
Cambridge and London: MIT Press, 2010.
Carruthers, Beth. “Praxis: acting as if
everything matters.” Lancaster University,
de Waal, Frans B M. “Anthropomorphism and
Anthropodenial”. Philosophical topics 27, no.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
54
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
ARtIGOS
1 (1999): 255–80.
Cambridge (MA): MIT Press, 2006.
Deichmann, Ute. Biologists under hitler.
Cambridge, MA and London: Harvard
University Press, 1996.
———. “The body we care for: igures of
anthropo-zoo-genesis”. Body and Society 10,
no. 2/3 (2004): 111–34.
Deleuze, Gilles; Guattari, Felix. A thousand
plateaus: capitalism and schizophrenia. Trad.
Brian Massumi. Mineapolis: University of
Minessota Press, 1987.
———. What would animals say if we asked
the right questions? Trad. Brett Buchanan.
Mineapolis: University of Minnesota Press,
2016.
Dempsey, Jessica. “Tracking grizzly bears in
British Columbia’s environmental politics.”
Environment and Planning A 42, no. 5 (2010):
1138–56.
———. “Y is for YouTube: are animals the
new celebrities?”. In: What would animals
say if we asked the right questions?, Trad.
Brett Buchanan. Minneapolis: University of
Minnesota Press, 2016.
Derrida, Jacques. the beast and the
sovereign, Volume 1. Edited by Michel
Lisse; Marie-Louise Mallet; Ginette Michaud.
Trad. Geoffrey Bennington. the Seminars
of Jacques derrida. Chicago and London:
University of Chicago Press, 2009.
Descola, Philippe. Beyond nature and
culture. Chicago: University of Chicago Press,
2013.
Descola, Philippe; Scott, Nora. In the society
of nature: A Native Ecology in Amazonia.
Cambridge & New York: Cambridge University
Press, 1994.
Despret, Vinciane. “Domesticating practices:
the case of Arabian babblers”. In: Routledge
handbook of human-animal studies, edited
by Garry Marvin and Susan McHugh. London &
New York: Routledge, 2014.
———. “Responding bodies and partial afinities
in human−animal worlds”. theory, Culture &
Society 30, no. 7/8 (2013): 51–76.
———. “Sheep do have opinions”. In: Making
things public. Atmospheres of democracy,
edited by Bruno Latour and P Weibel.
Despret, Vinciane; Buchanan, Brett; Chrulew,
Matthew; Bussolini, Jeffrey. “On asking the
right questions”. Angelaki 20, no. 2 (2015):
165–78.
Dolphijn, Rick; van der Tuin, Iris. New
materialism: interviews & cartographies. Ann
Arbor: Open Humanities Press, 2012.
Dupre, John. “Species: theoretical contexts”.
In: Keywords in evolutionary biology, edited
by Evelyn Fox Keller; E.A. Lloyd, 312–17.
Cambridge, M.A.: Harvard University Press,
1992.
Feeley-Harnik, Gilian. “The Ethnography
of Creation: Lewis Henry Morgan and the
American Beaver”. In: Relative values:
reconiguring kinship studies, edited by Sarah
Franklin; Susan McKinnon, 54–84. Durham:
Duke University Press, 2001.
Fuentes, Agustin. “Ethnoprimatology and
the Anthropology of the Human-Primate
Interface.” Annual Review of Anthropology
41, no. 1 (October 21, 2012): 101–17.
Geertz, Clifford. “Thick description: toward
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
55
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
an interpretive theory of culture”. In: the
interpretation of cultures, 3–30. New York:
Basic Books, 1973.
Gilbert, Scott F. Developmental biology
(Eighth Edition). Sunderland, MA: Sinauer
Associates Inc., 2006.
Ginn, Franklin. “Jakob von Uexküll beyond
bubbles: on umwelt and biophilosophy”.
Science as Culture 23, no. 1 (2014): 129–34.
———. “Sticky lives: slugs, detachment and
more-than-human ethics in the garden.”
transactions of the Institute of British
Geographers 39, no. 4 (2014): 532–44.
Ginn, Franklin; Uli Beisel; Maan Barua.
“Living with awkward creatures: vulnerability,
togetherness, killing”. Environmental
humanities 4 (2014).
Goldberg-Hiller, Jonathan; Silva, Noenoe
K. “Sharks and pigs: animating hawaiian
sovereignty against the anthropological
machine”. the South Atlantic quarterly 110,
no. 2 (2011): 429–46.
———. Modest_witness@second_millenium.
femaleman©_meets_oncomousetM: feminism
and technoscience. New York and London:
Routledge, 1997.
———. Primate visions: Gender, race, and
nature in the world of modern science. New
York & London: Routledge, 1989.
———. “Situated knowledges: the science
question in feminism and the privilege of
partial perspective”. In: Simians, cyborgs,
and women: the reinvention of nature. New
York: Routledge, 1991.
———. the companion species manifesto:
dogs, people, and signiicant otherness.
Chicago: Prickly Paradigm Press, 2003.
———. When species meet. Minneapolis:
University of Minnesota Press, 2008.
Haraway, Donna; Nicholas Gane. “When we
have never been human, what is to be done?:
Interview with Donna Haraway”. theory,
Culture & Society 23, no. 7–8 (2006): 135–58.
Goodall, Jane. In the shadow of man. 1971.
London: Collins, n.d.
Haraway, Donna J. Staying with the trouble:
making kin in the Chthulucene. Durham and
London: Duke University Press, 2016.
Graham, Mary. “Some thoughts about the
philosophical underpinnings of aboriginal
worldviews.” 2008 45 (n.d.): 181–94.
Hatley, James. “Blood intimacies and
biodicy: keeping faith with ticks”. Australian
humanities Review 50 (2011): 63–75.
Hamilton, Jennifer. “Bad lowers: the
implications of a phytocentric deconstruction
of the western philosophical tradition for the
environmental humanities”. Environmental
humanities 7 (2015): 191–202.
Helmreich, Stefan. Sounding the limits of
life. Cambridge: MIT Press, 2015.
Haraway, Donna. “Anthropocene,
Capitalocene, Plantationocene, Chthulucene:
making kin.” Environmental humanities 6
(2015): 159–65.
Hoffmeyer, Jesper; J. Haveland, Barbara.
Signs of meaning in the universe.
Bloomington & Indianapolis: Indiana University
Press, 1996.
Hustak, Carla; Myers, Natasha. “Involutionary
momentum: affective ecologies and the
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
56
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
sciences of plant/insect encounters”.
differences 23, no. 3 (2012): 74–118.
Ingold, Tim. “Anthropology beyond humanity”.
Suomen Anthropologi 38, no. 3 (2013): 5–23.
———. Making: anthropology, archaeology,
art and architecture. London and New York:
Routledge, 2013.
———. the perception of the environment:
essays on livelihood, dwelling and Skill.
London & New York: Routledge, 2000.
———. “Toward an ecology of materials”.
Annual Review of Anthropology 41, no. 1
(2012): 427–42.
Instone, Lesley; Taylor, Affrica. “Thinking
about inheritance through the igure of the
Anthropocene, from the antipodes and in
the presence of others”. Environmental
humanities 7 (2015): 133–50.
Jablonka, Eva; Lamb, Marion J.. Evolution
in four dimensions: genetic, epigenetic,
behavioral, and symbolic variation in the
history of life. Cambridge, MA: MIT Press,
2005.
Kelly, A. H.; Lezaun, Javier. “Urban
mosquitoes, situational publics, and the
pursuit of interspecies separation in dar es
salaam”. American Ethnologist 41, no. 2
(2014): 368–83.
Kirksey, Eben. Emergent ecologies. Durham &
London: Duke University Press, 2015.
———. “Living with parasites in Palo Verde
National Park”. Environmental humanities 1
(2012): 23–55.
———. “Species: a praxiographic study”.
Journal of the Royal Anthropological
ARtIGOS
Institute 21, no. 4 (2015): 758–80.
———. the Multispecies Salon. Durham and
London: Duke University Press, 2014.
Kirksey, S. Eben; Helmreich, Stefan. “The
emergence of multispecies ethnography”.
Cultural Anthropology 25, no. 4 (2010).
Kirksey, S. Eben; Shapiro, Nick; Brodine, Maria.
“Hope in blasted landscapes”. Social Science
Information 52, no. 2 (2013): 228–56.
Kohn, Eduardo. how forests think: toward an
anthropology beyond the human. Berkeley:
University of California Press, 2013.
Latour, Bruno. “Telling friends from foes
in the time of the Anthropocene”. In: the
Anthropocene and the global environmental
crisis: rethinking modernity in a new epoch,
edited by Clive Hamilton, Christophe Bonneuil,
and Gemenne Gemenne. Taylor and Francis,
2015.
———. “The Promise of constructivism”.
In: Chasing technoscience: matrix for
materiality, edited by Evan Selinger.
Bloomington & Indianapolis: Indiana University
Press, 2003.
Latour, Bruno; Porter, Catherine. Politics
of nature: how to bring the sciences into
democracy. Cambridge & London: Harvard
University Press, 2004.
———. We have never been modern.
Cambridge, Massachusetts: Harvard University
Press, 1993.
Lestel, Dominique; Brunois, Florence; Gaunet
Florence. “Etho-ethnology and ethnoethology”. Social Science Information 45
(2006): 155–77.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
57
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
Lestel, Dominique, Jeffrey Bussolini, and
Matthew Chrulew. “The Phenomenology of
Animal Life”. Environmental humanities 5
(2014): 125–48.
Lestel, Dominique; Rugemer, Christine.
“Strategies of life”. Research EU: The
Magazine of the European Research Area
November (2008): 8–9.
Lorimer, Jamie. Wildlife in the Anthropocene:
conservation after nature. Mineapolis:
University of Minnesota Press, 2015.
Lorimer, Jamie; Driessen, Clemens. “Wild
experiments at the Oostvaardersplassen:
rethinking environmentalism in the
Anthropocene”. transactions of the Institute
of British Geographers 39, no. 2 (2014):
169–81. doi:10.1111/tran.12030.
Lowe, Celia. “Viral clouds: becoming H5N1 in
Indonesia”. Cultural Anthropology 25, no. 4
(2010): 625–49.
Malm, Andreas; Hornborg, Alf. “The geology
of mankind? A critique of the Anthropocene
narrative”. the Anthropocene Review 1, no.
1 (2014): 62–69.
Marcus, George E. Para-sites: a casebook
against cynical reason. Chicago: University of
Chicago Press, 2000.
Marder, Michael. Plant-thinking: a philosophy
of vegetal life. Columbia University Press,
2013.
Matsutake Worlds Research Group. “A new
form of collaboration in cultural anthropology:
Matsutake Worlds”. American Ethnologist 36,
no. 2 (2009): 380–403.
McFall-Ngai, Margaret; G. Hadield, Michael;
Bosch, Thomas C. G..; Carey, Hannah V;
Domazet-Lošo, Tomislav; Douglas, Angela E.;
Dubilier, Nicole et al. “Animals in a bacterial
world, a new imperative for the life sciences”.
Proceedings of the National Academy of
Sciences of the United States of America
110, no. 9 (2013): 3229–36.
Miller, Gordon. “Introduction”. In: the
metamorphosis of plants, edited by Johann
Wolfgang von Goethe. Cambridge: MIT Press,
2009.
Mirzoeff, N. “It’s Not The Anthropocene,
It’s The White Supremacy Scene, Or, The
Geological Color Line”. In: After extinction,
edited by R. Grusin. Minneapolis: University of
Minnesota Press, n.d.
Mol, A. the body multiple: ontology in
medical practice. Durham and London: Duke
University Press, 2002.
Moore, Jason W. Capitalism in the web of life:
ecology and the accumulation of capital. New
York and London: Verso Books, 2015.
———. “The Capitalocene: part 1: on the
nature and origins of our ecological crisis”.
Unpublished Paper, Fernand Braudel Center,
Binghamton University, 2014.
Mukherjea, Ananya; Bussolini, Jeffrey. “Lil
bub and friendz visit the Center for Feline
Studies”. In: After Biopolitics: SLSA. Rice
University, Houston, 2015.
Munoz, J. E.; Haritaworn, J.; Hird, M.;
Jackson, Z. I.; Puar, J. K.; Joy, E.; McMillan,
U. et al. “Theorizing queer inhumanisms”.
GLq: A Journal of Lesbian and Gay Studies 21,
no. 2–3 (2015): 209–48.
Münster, Ursula. “Working for the forest:
the ambivalent intimacies of human–
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
58
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
elephant collaboration in south indian
wildlife conservation”. Ethnos: Journal of
Anthropology, 2014.
Murphy, Michelle. Sick building syndrome and
the problem of uncertainty: environmental
politics, technoscience, and women workers.
Durham and London: Duke University Press,
2006.
ARtIGOS
united states.” Cultural Anthropology 23, no.
1 (2008): 15–47.
Paxson, Heather. Life of cheese: crafting food
and value in america. Berkeley, Los Angeles;
London: University of California Press, 2013.
Plumwood, Val. Feminism and the mastery of
nature. London & New York: Routledge, 1993.
Odum, Eugene P.. Fundamentals of ecology.
Philadelphia: W.B. Saunders, 1953.
———. “Nature in the active voice”. Australian
humanities Review 46 (2009): 113–29.
Ogden, Laura A.; Hall, Billy; Tanita, Kimiko.
“Animals, plants, people, and things: a review
of multispecies ethnography”. Environment
and Society: Advances in Research 4, no. 1
(2013): 5–24. doi:10.3167/ares.2013.040102.
Pratt, Mary Louise. Imperial eyes: travel
writing and transculturation. Taylor & Francis,
2003.
Oyama, Susan; Grifiths, Paul E.; Gray, Russell
D.. Cycles of contingency: developmental
systems and evolution. Cambridge, MA: MIT
Press, 2001.
Rafles, Hugh. the illustrated insectopedia:
insect love from AZ. New York: Pantheon/
Vintage, 2010.
Reinert, Hugo. “The care of migrants:
telemetry and the fragile wild”.
Environmental humanities 3 (2013).
Pacini-Ketchabaw, Veronica; Nxumalo, Fikile.
“Unruly raccoons and troubled educators :
nature/culture divides in a childcare centre”.
Environmental humanities 7 (2015): 151–68.
Robbins, Paul. Lawn people: how grasses,
weeds, and chemicals make us who we are.
Philadelphia: Temple University, 2007.
Papadopoulos, Dimitris. “Insurgent
posthumanism”. Ephemera: theory & politics
in organization 10, no. 2 (2010): 134–51.
Rose, Deborah Bird. dingo makes us human:
life and land in an aboriginal australian
culture. Cambridge: Cambridge University
Press, 1992.
———. “Generation M. matter, makers,
microbiomes: compost for Gaia”.
teknokultura 11, no. 3 (2014): 637–45.
Parreñas, Rheana Juno Salazar. “Producing
affect: transnational volunteerism in a
Malaysian Orangutan Rehabilitation Center”.
American Ethnologist 39, no. 4 (2012):
673–87.
Paxson, H. “Post-pasteurian cultures: the
microbiopolitics of raw-milk cheese in the
———. “Flying fox: kin, keystone,
kontaminant”. Australian humanities Review
50 (2011): 119–36.
———. “Val plumwood’s philosophical animism:
attentive inter-actions in the sentient world.”
Environmental humanities 3 (2013).
Rose, Deborah Bird; van Dooren, Thom.
“Encountering a more-than-human world:
ethos and the arts of witness”. In: Routledge
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
59
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
Companion to the Environmental
humanities, edited by Ursula Heise; Jon
Cristensen; Michelle Niemann. London:
Routledge, n.d.
———. “Unloved others: death of the
disregarded in the time of extinctions”.
Special issue of Australian humanities
Review, 2011.
Rose, Deborah Bird; van Dooren, Thom;
Chrulew, Matthew eds. Extinction studies:
stories of time, death and generations. New
York: Columbia University Press, n.d.
Rotman, Brian. Becoming beside ourselves:
the alphabet, ghosts, and distributed human
being. Durham and London: Duke University
Press, 2008.
Rowell, Thelma E. “The concept of social
dominance”. Behavioral Biology 11, no. 2
(1974): 131–54.
Sloterdijk, Peter. “Atmospheric politics”.
In: Making things public: atmospheres of
democracy, edited by Bruno Latour and P.
Weibel, 944–52. Cambridge and Karlsruhe: MIT
Press, 2005.
———. Spheres: volume 1 microspherology.
Cambridge: MIT Press, 2011.
Smith, Mick. “Ecological community, the
sense of the world, and senseless extinction.”
Environmental humanities 2 (2013): 21–41.
Smuts, Barbara. Sex and friendship in
baboons. New York: Aldine Pub. Co., 1985.
Arts Center, 2002.
Star, Susan Leigh. “Power, technology and
the phenomenology of conventions: on being
allergic to onions”. the Sociological Review
38, no. S1 (May 9, 1990): 26–56. doi:10.1111/
j.1467-954X.1990.tb03347.x.
Steiner, Gary. Anthropocentrism and its
discontents: the moral status of animals in
the history of Western Philosophy. Pittsburgh,
PA: University of Pittsburgh Press, 2005.
Sundberg, Juanita. “Decolonizing
posthumanist geographies”. Cultural
Geographies 21, no. 1 (2013): 33–47.
Swanson, Heather Anne. “Methods for
multispecies anthropology: thinking with
salmon otoliths and scales”. Social Analysis,
n.d.
TallBear, Kim. “Beyond the life/Not life
binary: a feminist-indigenous reading of
cryopreservation, interspecies thinking and
the new materialisms”. In: Cryopolitics:
frozen life in a melting world, edited by Emma
Kowal and Joanna Radin, n.d.
Todd, Zoe. “An indigenous feminist’s take on
the ontological turn: ‘ontology’ is just another
word for colonialism”. Journal of historical
Sociology, n.d.
———. “Fish pluralities: human-animal
relations and sites of engagement in
Paulatuuq, Arctic Canada”. Etudes/Inuit/
Studies 38, no. 1–2 (2014): 217–38.
Snow, Charles Percy. the two cultures.
London: Cambridge University Press, 1959.
Tsing, Anna. “Arts of inclusion, or, how to love
a mushroom”. Australian humanities Review
50 (2011): 5–22.
Spaid, Sue. Ecovention: current art to
transform ecologies. Cincinnati: Contemporary
———. “Blasted landscapes, and the gentle art
of mushroom picking”. In: the Multispecies
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
60
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
ARtIGOS
Salon: gleanings from a para-site, edited by
Eben Kirksey. Durham: Duke University Press,
n.d.
Domosh Mona, Steve Pile, and Nigel Thrift.
London, Thousand Oaks & New Delhi: Sage
Publications, 2003.
Tsing, Anna Lowenhaupt. the mushroom at
the end of the world: on the possibility of
life in capitalist ruins. Princeton: Princeton
University Press, 2015.
Wolfe, Cary. What is posthumanism?
Minneapolis: University of Minnesota Press,
2009.
———. “Unruly edges: mushrooms as companion
species”. Environmental humanities 1 (2012):
141–54.
van Dooren, Thom. “Authentic crows: identity,
captivity and emergent forms of life.” theory,
Culture and Society, fortcoming.
———. Flight ways: life and loss at the Edge
of Extinction. New York: Columbia University
Press, 2014.
———. “Pain of extinction: the death of a
vulture”. Cultural Studies Review 16, no. 2
(2010): 271–89.
von Uexküll, Jakob. “A stroll through the
worlds of animals and men,” n.d.
Watson, Matthew C. “Cosmopolitics and the
subaltern: problematizing latour’s idea of the
commons”. theory, Culture & Society 28, no.
3 (2011): 55–79.
Watson, Matthew. C. “Derrida, Stengers,
Latour, and subalternist cosmopolitics”.
theory, Culture & Society 31, no. 1 (2014):
75–98. doi:10.1177/0263276413495283.
Yusoff, Kathryn. “Geologic life: prehistory,
climate, futures in the Anthropocene”.
Environment and Planning d: Society and
Space 31, no. 5 (2013): 779–95.
Zahara, Alexander R. D.; Hird, Myra J..
“Raven, dog, human: inhuman colonialism
and unsettling cosmologies”. Environmental
humanities 7 (2015): 169–90.
Recebido em: 16/09/2016
Aceito em: 27/09/2016
* Permission is granted for non-exclusive world rights in
the Portuguese language for one edition of the ClimaCom
journal/Spring 2016. No other rights are granted. This
is for electronic/digital media only, of the following
described material: “Multispecies studies: cultivating arts of
attentiveness”, in Environmental humanities, Volume 8.1
Copyright, 2016, Duke University Press. All rights reserved.
Republished by permission of the copyright holder, Duke
University Press (www.dukeupress.edu).
Nossos mais sinceros agradecimentos a Thom van Dooren
pela gentileza e generosidade.
[4] Bateson, Steps to an ecology of mind: collected essays
in anthropology, psychiatry, evolution, and epistemology,
457.
Whatmore, Sarah. hybrid geographies:
natures, cultures, spaces. London, thousand
Oakes, New Delhi: SAGE Publications, 2002.
[5] Odum, Fundamentals of ecology. Ver também a discussão
sobre circuitos energéticos em Murphy, Sick building
syndrome and the problem of uncertainty: environmental
politics, technoscience, and women workers.
———. “Introduction: more than human
geographies”. In: handbook of cultural
geography, edited by Kay Anderson,
[6] Stengers, Cosmopolitics I, 35-36.
[7] Buchanan, Onto-ethologies; von Uexküll, “A stroll
through the worlds of animals and men”; Hoffmeyer and
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
61
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
Haveland, Signs of meaning in the universe.
conservation”.
[8] Haraway, Modest_witness, 8.
[15] Tsing, “Blasted landscapes, and the gentle art of
mushroom picking”; Kirksey, Shapiro e Brodine, “Hope in
blasted landscapes”.
[9] Nos últimos anos, essas ideias reconiguraram e quebraram
uma longa divisão entre as ciências da evolução e ontogenia,
exigindo que os cientistas e aliados repensem as heranças
(genética, epigenética, comportamental e cultural) como
parte de processos de desenvolvimento maiores. Veja, por
exemplo: Oyama, Grifiths; Gray, Cycles of contingency:
developmental systems and evolution; Jablonka; Lamb,
Evolution in four dimensions; Gilbert, developmental
biology (Eighth Edition). Este novo pensamento sobre a
herança é parte integrante da nossa compreensão do que
é e do que pode ser a vida; de como tomamos o passado e
somos moldados por ele.
[10] Descola e Scott, In the society of nature; Ingold,
the perception of the environment; Rose, dingo makes
us human: Life and land in an aboriginal australian
culture; Graham, “Some thoughts about the philosophical
underpinnings of aboriginal worldviews”.
[11] Tsing, “Unruly Edges”.
Pensar o humano desta
maneira requer o tipo de “abordagem de trans-saberes
expansível indeinidamente” que Donna Haraway chamou
de “EcoEvoDesenHistoEtnoTecnoPsi (Estudos Ecológicos
Evolutivos de Desenvolvimento Histórico Etnográico
Tecnológico e Psicológico)”. Haraway, Staying with the
trouble: making kin in the Chthulucene.
[16] Aliás, o “pesquisador” nem sempre precisa ser humano.
Para uma breve discussão sobre as formigas que realizam
pesquisas sobre pessoas dormindo, veja as opiniões de Steve
Meredith (um ancião aborígene australiano Ngiyampaa) em
Rose, “Val plumwood’s philosophical animism: attentive
inter-actions in the sentient world,” 99.
[17] Kohn, how forests think: toward an Anthropology
beyond the human.
[18] Lestel, Brunois e Gaunet “Etho-ethnology and ethnoethology”.
[19] Este artigo é uma apresentação do Dossiê “Multispecies
Studies” da revista Environmental humanities, Volume 8,
N. 1, maio de 2016, organizado por Thom van Dooren, Ursula
Münster, Eben Kirksey, Deborah Bird Rose, Matthew Chrulew
e Anna Tsing. Os artigos referenciados no decorrer do texto
estão disponíveis em: http://environmentalhumanities.
dukejournals.org/content/current
[12] Moore, “The Capitalocene: part 1: on the nature
and origins of our ecological crisis”; Malm; Hornborg,
“The geology of mankind? A critique of the Anthropocene
narrative”; Haraway, “Anthropocene, Capitalocene,
Plantationocene, Chthulucene: making kin”; Mirzoeff, “It’s
not the Anthropocene, it’s the white supremacy scene, or,
the geological color line”.
[20] the Multispecies Salon começou recentemente a
considerar as “espécies químicas” como um quadro para
explorar as possibilidades inesperadas e espectros obscuros
surpreendentes que emergem em encontros entre matéria
orgânica e matéria inorgânica – entre a água e a rocha,
entre organismos biológicos, metabólitos e toxinas. Forças
imperceptíveis trabalham ao redor, contra, ou apesar de
nossas tentativas de controlá-las e catalogá-las. As espécies
químicas, medidas pelos aparelhos técnicos e cientíicos,
são efêmeras – mudam rapidamente. Veja: http://www.
multispecies-salon.org/events.
[13] Capra, “The web of life: a new scientiic understanding
of living systems”; Moore, Capitalism in the web of life:
ecology and the accumulation of capital; Tsing, the
mushroom at the end of the world: on the possibility of
life in capitalist ruins.
[21] Em particular, no Dossiê “Multispecies Studies” da revista
Environmental humanities ver também as contribuições de
Reinert; van Dooren e Rose; Wolfe e Whiteman. Disponível
em:
http://environmentalhumanities.dukejournals.org/
content/current.
[14] Lorimer, Wildlife in the Anthropocene: conservation
after nature; Kirksey, Emergent ecologies; van Dooren,
Flight ways: life and loss at the Edge of Extinction;
Reinert, “The care of migrants: telemetry and the fragile
wild”; Chrulew, “Managing love and death at the zoo: the
biopolitics of endangered species preservation”; Collard,
“Putting animals back together, taking commodities apart”;
Collard, Dempsey; Sundberg, “A manifesto for abundant
futures”; Dempsey, “Tracking grizzly bears in British
Columbia’s environmental politics”; Candea, “Habituating
meerkats and redescribing animal behaviour science”;
Münster, “Working for the forest: the ambivalent intimacies
of human–elephant collaboration in south Indian wildlife
[22] TallBear, “Beyond the life/Not life binary: a feministindigenous reading of cryopreservation, interspecies
thinking and the new materialisms.” Ver também Reinert;
van Dooren and Rose, no dossiê “Multispecies Studies” da
revista Environmental Humanities, 8 (2016). Disponível
em:
http://environmentalhumanities.dukejournals.org/
content/current.
[23] Bennet, vibrant matter: a political ecology of things;
Barad, Meeting the universe halfway: quantum physics and
the entanglement of matter and meaning; Dolphijn e van
der Tuin, New materialism: interviews & cartographies;
Ingold, “Toward an ecology of materials”.
[24] Clark, Inhuman nature: sociable life on a dynamic
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
62
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
planet, Sage; Clark; Yusoff, “Combustion and society: a
ire-centred history of energy use”; Yusoff, “Geologic life:
prehistory, climate, futures in the Anthropocene”.
[25] TallBear, “Beyond the life/Not life binary: a feministindigenous reading of cryopreservation, interspecies
thinking and the new materialisms”. Os estudiosos estão,
cada vez mais, apontando a enorme dívida que os trabalhos
“pós-humanistas”, e outros relacionados, têm para com o
pensamento indígena; uma dívida que muitas vezes não é
reconhecida. Veja: Todd, “An indigenous feminist’s take
on the ontological turn: ‘ontology’ is just another word
for colonialism”; Sundberg, “Decolonizing posthumanist
geographies.”
[26] Ver Despret e Meuret, no dossiê “Multispecies Studies”
da revista Environmental humanities, 8 (2016). Disponível
em:
http://environmentalhumanities.dukejournals.org/
content/current.
[27] Haraway, Companion species manifesto.
[28] Kirksey, “Species: a praxiographic study”; Rose and van
Dooren, “Encountering a more-than-human world: ethos
and the arts of witness”.
[29] Ingold, “Anthropology beyond humanity,” 19.
[30] Kirksey e Helmreich, “The emergence of multispecies
ethnography”.
[31] Lestel, Brunois e Gaunet “Etho-ethnology and ethnoethology”.
[32] Kohn, how forests think: toward an Anthropology
beyond the human.
[33] Ingold, “Anthropology beyond humanity”.
[34] Rose e van Dooren, “Unloved others: death of the
disregarded in the time of extinctions”; Rose, van Dooren
e Chrulew, Extinction studies: stories of time, death and
generations.
ARtIGOS
um pouco diferente) ver Geertz, “Thick description:
toward an interpretive theory of culture”. Para uma
gentil reelaboração de Geertz neste tópico ver Van
Dooren e Rosa, no dossiê “Multispecies Studies” da
revista Environmental humanities, 8 (2016). Disponível
em:
http://environmentalhumanities.dukejournals.org/
content/current.
[40] Ginn, Beisel e Barua, “Living with awkward creatures:
vulnerability, togetherness, killing,” (edição especial da
Environmental Humanities); Rose e van Dooren, “Unloved
others: death of the disregarded in the time of extinctions”
(edição especial da Australian humanities Review); Rafles,
the illustrated insectopedia: insect love from AZ.
[41] Hatley, “Blood intimacies and biodicy: keeping faith
with ticks”.
[42] Lowe, “Viral clouds: becoming H5N1 in Indonesia”;
Berrigan, “The life cycle of a common weed”.
[43] van Dooren, “Pain of extinction: the death of a
vulture”.
[44] Haraway, When species meet.
[45] Paxson, “Post-pasteurian cultures: the microbiopolitics
of raw-milk cheese in the United States”.
[46] Kirksey, Emergent ecologies; Collard, “Putting Animals
Back Together, Taking Commodities Apart”; Lorimer, Wild
life in the Anthropocene.
[47] Despret, “The body we care for: igures of anthropozoo-genesis”, 131.
[48] Snow, the two cultures.
[49] Feeley-Harnik, “The ethnography of creation: Lewis
Henry Morgan and the American Beaver”; Kirksey e
Helmreich, “The emergence of multispecies ethnography.”
[50] Miller, “Introduction”, xvi.
[35] Lorimer and Driessen “Wild experiments at the
Oostvaardersplassen: rethinking environmentalism in the
Anthropocene”; Whatmore, “Introduction: more than
human geographies”.
[51] Marder, Plant-thinking: a philosophy of vegetal life.
[36] Tsing, “Arts of inclusion, or, how to love a mushroom”,
19.
[53] Haraway, Primate visions.
[37] Tsing, “Arts of inclusion, or, how to love a mushroom”.
[38] Latour, “Telling Friends from foes in the time of the
Anthropocene”. Para uma leitura generativa e crítica das
limitações da noção de Latour do comum ver Watson,
“Cosmopolitics and the Subaltern: Problematizing Latour’s
Idea of the Commons”.
[39] Sobre “consistentes relatos” (de uma variedade
[52] Steiner, Anthropocentrism and its discontents:
the moral status of animals in the history of western
philosophy.
[54] Buchanan, Chrulew e Bussolini, “Vinciane Despret”;
Despret, “The body we care for: igures of anthropo-zoogenesis”; Despret, “Sheep do have opinions”; Despret,
“Domesticating practices: the case of Arabian babblers.”
[55] Ver também Barad, “Invertebrate visions: diffractions
of the brittlestar”.
[56] Hustak e Myers, “Involutionary momentum: affective
ecologies and the sciences of plant/insect encounters”.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
63
ARtIGOS
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
[57] Despret et al., “On asking the right questions”; Despret,
What would animals say if we asked the right questions?
[58] Deichmann, Biologists under hitler. Enquanto
escrevemos esta introdução, a Universidade de Salzburgo
anunciou a sua decisão de tirar a Lorenz, um Prémio Nobel,
seu doutorado honoriico pelos seus laços com o Partido
Nacional Socialista e as suas ideologias.
[59] Rowell, “The concept of social dominance”; Bekoff, the
emotional lives of animals; de Waal, “Anthropomorphism
and Anthropodenial”; Goodall, In the shadow of man;
Smuts, Sex and friendship in baboons.
[60] Plumwood, “Nature in the active voice”, 127.
[61] Crist, Images of animals; de Waal, “Anthropomorphism
and Anthropodenial”.
[62] Bekoff, “Animal passions and beastly virtues”; Fuentes,
“Ethnoprimatology and the anthropology of the humanprimate interface”.
[63] Apffel-Marglin and Marglin, decolonizing knowledge:
from development to dialogue.
[64] rose, “lying fox: kin, keystone, kontaminant”.
[65] Kohn, how forests think: toward an anthropology
beyond the human; Ingold, the perception of the
environment; Descola, beyond nature and culture.
[66] Robbins, Lawn people.
[74] Bussolini, “Toward cat phenomenology: a search
for animal being”; Lestel, Bussolini e Chrulew, “The
phenomenology of animal life”.
[75] Sobre etho-ethnologia ver Lestel, Brunois, e Gaunet,
“Etho-ethnology and ethno-ethology.”
[76] Sobre modos reinados de pesquisa com outros ver
Despret, “Sheep do have opinions”; Despret, “Responding
bodies and partial afinities in human−animal worlds”.
[77] Despret, “Y is for YouTube: are animals the new
celebrities?”; Haraway, When species meet; Mukherjea and
Bussolini, “Lil bub and friendz visit the Center for Feline
Studies”.
[78] Matsutake Worlds Research Group, “A new form of
collaboration in cultural anthropology: matsutake worlds”;
Helmreich, Sounding the limits of life.
[79] Kirksey, The Multispecies Salon.
[80] Kelly e Lezaun, “Urban mosquitoes, situational publics,
and the pursuit of interspecies separation in Dar Es Salaam”;
Swanson, “Methods for multispecies anthropology: thinking
with salmon otoliths and scales”; Kirksey, Emergent
ecologies.
[81] O termo “amigos críticos” vem do trabalho colaborativo
de Jenny Reardon e do Grupo de Trabalho de Ciência e
Justiça da Universidade da Califórnia em Santa Cruz. http://
scijust.ucsc.edu/working-group/areas-of-inquiry-themes.
[67] da Costa and Philip, tactical biopolitics: art, activism,
and technoscience; Haraway, When species meet; Kirksey,
the Multispecies Salon.
[82] Despret, What would animals say if we asked the
right questions?
[68] Ver Kirksey et al. e Wolfe e Whiteman, no dossiê
“Multispecies Studies” da revista Environmental humanities,
8 (2016). Disponível em: http://environmentalhumanities.
dukejournals.org/content/current.
[84] Papadopoulos,
Microbiomes”.
[69] Ingold, Making: anthropology, archaeology, art and
architecture.
[86] Haraway, Staying with the trouble: making kin in the
Chthulucene.
[70] Spaid, Ecovention; Broglio, Surface encounters;
Baker, Artist/animal.
[87] Haraway, When species meet.
[71] Berrigan, “The life cycle of a common weed”.
[72] Haraway, Companion species manifesto; Abrahamsson
e Bertoni, “Compost politics: experimenting with
togetherness in vermicomposting”; Ginn, “Sticky lives: slugs,
detachment and more-than-human ethics in the garden”;
Hamilton, “Bad lowers: the implications of a phytocentric
deconstruction of the western philosophical tradition for
the environmental humanities”; Bates, “Cutting togetherapart the mould”.
[73] Marcus, Para-sites: a casebook against Cynical Reason;
Kirksey, the Multispecies Salon.
[83] Abram e Lien, “Performing nature at world’s ends”.
“Generation
M.
Matter,
Makers,
[85] Callon, “Some elements of a sociology of translation”.
[88] Barad, Meeting the universe halfway: quantum
physics and the entanglement of matter and meaning.
[89] Ibid.
[90] Latour, “The promise of constructivism.”
[91] Ogden, Hall e Tanita. “Animals, plants, people, and
things: a review of multispecies ethnography.”
[92] Haraway, Modest_witness, 129.
[93] Mol, the body multiple: ontology in medical practice.
O que está em jogo aqui, entre outras coisas, são formas de
responsabilidade nas quais os modos de conhecer nunca são
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
64
ESTUDOS MULTIESPÉCIES: CULTIVANDO ARTES DE ATENTIVIDADE
inocentes – nunca simplesmente relatam uma “realidade
externa” – mas são práticas situadas e históricas. Ver
Haraway, “Situated knowledges”.
[94] Wolfe, What is posthumanism?; Haraway, Modest_
witness; Whatmore, hybrid geographies; Castree e
Braun, Social Nature; Latour e Porter, We have never
been modern; Papadopoulos, “Insurgent posthumanism”;
Plumwood, Feminism and the mastery of nature.
[95] Smith, “Ecological community, the sense of the world,
and senseless extinction”; Derrida, the beast and the
sovereign, Volume 1.
[96] Sobre zonas de contato ver: Pratt, Imperial eyes:
travel writing and transculturation; Haraway, When species
meet.
[97] É importante ver Butler, Bodies that matter; Barad,
“Posthumanist performativity.”
[98] Kirksey, “Species: a praxiography in three acts”; van
Dooren, Flight ways, 21-43.
[99] Deleuze e Guattari, A thousand plateaus: capitalism
and schizophrenia, 21.
[100] Dupre, “Species: theoretical contexts”.
[101] Kirksey, “Species: a praxiography in three acts”.
[102] Sloterdijk, “Atmospheric politics”;
Spheres: volume 1 microspherology.
Sloterdijk,
ARtIGOS
[111] Haraway e Gane, “When we have never been
human”.
[112] van Dooren, Flight ways: life and loss at the Edge of
Extinction, 60.
[113] Münster, “Working for the forest: the ambivalent
intimacies of human–elephant collaboration in South
Indian Wildlife Conservation”; Parreñas, “Producing affect:
transnational volunteerism in a Malaysian Orangutan
Rehabilitation Center”; Kirksey, “Living with parasites in
Palo Verde National Park”; Tsing, the mushroom at the end
of the world: on the possibility of life in capitalist ruins.
[114] Munoz et al., “Theorizing queer inhumanisms”;
TallBear, “Beyond the life/Not life binary: A feministindigenous reading of cryopreservation, interspecies
thinking and the new materialisms”; Goldberg-Hiller e Silva,
“Sharks and pigs: animating hawaiian sovereignty against
the anthropological machine”; Instone e Taylor, “Thinking
about inheritance through the igure of the Anthropocene,
from the antipodes and in the presence of others”; PaciniKetchabaw e Nxumalo, “Unruly raccoons and troubled
educators: nature/culture divides in a childcare centre”;
Todd, “Fish pluralities: human-animal relations and sites of
engagement in Paulatuuq, Arctic Canada”.
[115] Zahara e Hird, “Raven, dog, human: inhuman
colonialism and unsettling cosmologies”; Münster, “Working
for the forest: the ambivalent intimacies of human–elephant
collaboration in south indian wildlife conservation.”
[103] Kirksey, Emergent ecologies, 18-23.
[116] Haraway, Modest_witness, 36.
[104] Lowe, “Viral clouds: becoming H5N1 in Indonesia”.
[117] Barad, Meeting the universe halfway: quantum
physics and the entanglement of matter and meaning, 393.
[105] Chrulew, “Sacriicial reintroduction: saving the
golden lion tamarin”; Buchanan, “Bear down: resilience in
multispecies cohabitation”; van Dooren, “Authentic crows:
identity, captivity and emergent forms of life.”
[106] Haraway, When species meet; Paxson, Life of
cheese: crafting food and value in america; McFall-Ngai et
al., “Animals in a bacterial world, a new imperative for the
life sciences”. Ver também Lorimer, no dossiê “Multispecies
Studies” da revista Environmental humanities, 8
(2016). Disponível em: http://environmentalhumanities.
dukejournals.org/content/current.
[107] Mol, the body multiple: ontology in medical practice,
viii.
[108] Deleuze e Guattari, A thousand plateaus: capitalism
and schizophrenia, 34.
[109] Rotman, Becoming beside ourselves: the alphabet,
ghosts, and distributed human being, 104.
[110] Lestel e Rugemer, “Strategies of life”.
[118] Carruthers, “Praxis: acting as if everything matters.”
[119] Latour e Porter, Politics of nature.
[120] Watson, “Cosmopolitics and the subaltern:
problematizing Latour’s idea of the commons.” Ver também
Lowe e Münster, no dossiê “Multispecies Studies” da
revista Environmental humanities, 8 (2016). Disponível
em:
http://environmentalhumanities.dukejournals.org/
content/current.
[121] Watson, “Derrida, Stengers, Latour, and subalternist
cosmopolitics”, 91.
[122] Ver Despret e Meuret, no dossiê “Multispecies Studies”
da revista Environmental humanities, 8 (2016). Disponível
em:
http://environmentalhumanities.dukejournals.org/
content/current.
[123] Haraway, Primate visions, 8.
[124] Star, “Power, technology and the phenomenology of
conventions: on being allergic to onions”; Haraway, When
species meet.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
65
ARtIGOS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
66
FIGURAS DE LA INCERTEZA
ARtIGOS
Figuras de la incerteza
Alejandra González [1]
Resumen: ¿Se podría hacer una arqueología teológica de las nubes? De una retórica de las iguras que
forman en el espacio público celeste se deriva en una jerarquía angélica de disciplinados acólitos de
los dioses. Al servicio de los coros angelicales, sus iguras se vuelven parte de la liturgia del poder en
una orgía beatíica. El orden organiza el espacio celeste a la medida de las articulaciones jerárquicas
eclesiales. Certidumbre de una trama férrea que se posiciona en torno al núcleo ardiente del poder y
que ordena la tierra a la medida del cielo. Retórica que nos persuade de la potencia de ese núcleo por
la proliferación de los artiicios. Basta con cambiar la taxonomía para que se devele el vacío que las
nubes rodean. Incertidumbre de las iguras, clasiicación anómala y luctuante, ángeles sin funciones,
revelan simplemente lo impredecible de un devenir.
Palabras claves: Arqueología teológica. Retórica. Poder. Liturgia.
Figuras da incerteza
Resumo: Seria possível fazer uma arqueologia teológica das nuvens? De uma retorica das iguras que
formam no espaço publico celeste deriva-se em uma jerarquia angélica de disciplinados acólitos dos
deuses. A serviço dos coros angelicais, suas iguras tornam-se parte da liturgia do poder em uma orgia
beatiica. A ordem organiza o espaço celeste à medida das articulações jerarquicas eclesiais. Certeza de
uma trama irme que se posiciona em torno do núcleo ardente do poder e que ordena a terra à medida
do céu. Retorica que nos persuade da potência desse núcleo pela proliferação dos artifícios. Basta com
mudar a taxonomia para que se revele o vazio que as nuvens rodeiam. Incerteza das iguras, classiicação
anômala e lutuante, anjos sem funções revelam simplesmente o imprevisível de um devir.
Palavras-chave: Arqueologia teológica. Retorica. Poder. Liturgia.
[1] Doctora en Filosofía de la Universidad del Salvador. Magister en Análisis del Discurso por la UBA. Docente e investigadora
de la UBA y en la Universidad del Salvador. Ha participado como expositora y/o profesora invitada en diversas universidades
extranjeras y recibido el Tercer Premio Nacional de Ensayo Filosóico en 2012 por su libro “Simone Weil y Etienne de La
Boétie: Ensayos sobre el deseo de libertad y la voluntad de servidumbre”.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
67
FIGURAS DE LA INCERTEZA
ARtIGOS
“El cielo que desciende sobre la tierra
eleva la tierra al cielo”
Simone Weil. [La gravedad y la gracia]
Nubes visibles como masas blanquecinas
portadoras de gotas de agua, o cristales de
nieve suspendidos en el aire. Cuanto más leves
más blancas, cuanto más densas, más grises o
negras. Dispersión de la luz visible. Nacen del
agua evaporada de los océanos; transparentes,
se vuelven rojizas al atardecer por obra del
sol. Mortales: se deshacen en lluvia, granizo
o nieve.
Nubes nunca rectas. Adoptan formas curvas.
Se aglomeran, se expanden. Aparecen en
el espacio público como cirros, estratos,
cúmulos o nimbos[2]. Taxonomías del imperio
inglés siempre pretendiendo clasiicar lo
impredecible para colocarlo bajo su dominio
administrativo. Tropos de una retórica de
imposible clasiicación.
¿De qué nos persuaden?
Agua, vuelta igura, vienen de los antiguos
libros como cabalgaduras de los dioses:
“¡Miren! Jehová va montado en una nube veloz
y entra en Egipto. Y los dioses de Egipto que
nada valen, ciertamente se estremecerán
a causa de él…” (Lucas 19.1) Son las nubes
pesadas las que guían al pueblo de Israel en
su lento exilio de cuarenta años a través del
desierto. En las noches las nubes se encienden
como “columnas de fuego” para iluminarlos.
“Entonces el ángel del Dios verdadero que iba
delante del campamento de Israel partió y se
puso detrás de ellos y la columna de nube partió
de la vanguardia de ellos y se situó detrás de
ellos.” (Éxodo 14.19)
Expresión que rodea el poder divino, las nubes
enmarcan su cólera:
“…durante la vigilia matutina aconteció
que Jehová empezó a mirar hacia el
campamento de los egipcios desde dentro
de la columna de fuego y nube, y empezó
a poner en confusión el campamento de
los egipcios. Y siguió quitándole ruedas
a sus carros, de modo que los conducían
con diicultad, y los egipcios comenzaron
a decir: Huyamos de todo contacto con
Israel, porque Jehová ciertamente pelea
por ellos contra los egipcios.”(Éxodo
14.24,25)
La nubes pesadas son las que acompañan la
ira de Dios, para los profetas, temor de los
enemigos pero también de ese pueblo elegido
que no termina nunca de romper con la alianza
“¡Mira! El nombre de Jehová viene de lejos,
ardiendo con su cólera y con nubes pesadas…”
(Isaías 30.27)
Nubes portadoras de dioses,
cargadas,
violentas. Nubes que toman partido por unos
pueblos contra otros, guías, carros, vengadoras.
No son frágiles en el relato del Éxodo. Pero
además rodean la gloria y el poder divinos del
Jehová desesperado y violento del Antiguo
Testamento.
En el Nuevo también operan: “… y verán al hijo
del hombre viniendo sobre las nubes del cielo
con poder y gran gloria.” (Mt 24.30)
La Palabra maniiesta que esta nube estaba
dirigida por un ángel y asociada a la gloria divina.
Al regreso triunfante de la omnipotencia.
“Entonces ocurrió que tan pronto como
hubo hablado Aarón a la entera asamblea
de los hijos de Israel, ellos se volvieron y
dirigieron sus rostros hacia el desierto, y
¡Mirad!, la gloria de Jehová apareció en
la nube.” (Ex 16.10) “Y la nube empezó a
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
68
FIGURAS DE LA INCERTEZA
cubrir la tienda de la reunión, y la gloria
de Jehová llenaba el tabernáculo.” (Ex
40.34)
¿Nubes monárquicas que deienden el poderío
de un Dios, señor de los ejércitos? ¿Nubes
imperiales que anuncian el triunfo de un pueblo
sobre otro?
Pero falta aún más en nuestra arqueología
teológica de las nubes:
“Inclinó los cielos, y descendió; y había
densas tinieblas debajo de sus pies.
Cabalgó sobre un querubín. Y voló; voló
sobre las alas del viento. Puso tinieblas por
su escondedero, por cortina suya alrededor
de sí; oscuridad de aguas, nubes de los
cielos. Por el resplandor de su presencia,
sus nubes pasaron…” (Sl 18.9-12)
Finalmente, las nubes se asocian desde siempre
con los ángeles: “ Quienes son estos que vienen
volando justamente como una nube, y como
palomas a los agujeros de su palomar?” (Is
60.8)
O en el libro de Ezequiel:
“Y empecé a ver, y ¡Mire!, había un viento
tempestuoso que venía del norte, una gran
masa de nube y fuego trémulo y tenía
un resplandor todo alrededor, y de en
medio de él había algo como la apariencia
del electro, de en medio del fuego. Y
en medio de él había la semejanza de
cuatro criaturas vivientes, y esto es lo que
parecían: tenían la semejanza del hombre
terrestre.” (Ez 1.4,5)
¿Nubes y querubines? De una retórica de las
nubes a una jerarquía angélica. En orden de
potencia decreciente los coros se organizan,
porque hay clasiicaciones para todos los entes,
incluso nubes y seres sin cuerpo:
ARtIGOS
Primera
tronos.
jerarquía:
seraines,
querubines,
Segunda jerarquía: dominaciones, virtudes,
potestades.
Tercera jerarquía: principados, arcángeles,
ángeles.
Nubes como montículos que esconden,
encubren, peor a la vez maniiestan la potestad
divina. Ángeles para incrementar la gloria
majestuosa y el triunfo…
“Y todas las tribus de la tierra, y verán al Hijo
del Hombre viniendo sobre las nubes del cielo,
con poder y gran gloria” (Mt. 24:30).
Nubes y ángeles clasiicados de acuerdo a su
lejanía de la tierra, a su acercamiento a Dios.
Los ciudadanos de la ciudad celeste reunidos
para realizar el culto. Si la Iglesia mantiene su
meta escatológica, entonces es a través del
culto que se relaciona con los habitantes del
reino de Dios. Los ángeles, como ciudadanos de
primera, nos enseñan los cánticos de alabanza
cuyo ejercicio constante nos permitiría la
legitimación de los que aún no tenemos
pasaporte para esos cúmulos de gloria.
Si el culto de la iglesia celeste por los ángeles y
la liturgia de la iglesia terrena por los hombres,
tiene una relación originaria con el mundo
político, nos encontramos nuevamente con
Agustín. Es allí donde plantea de modo luminoso
que la ciudad de Dios está constituida por
ángeles y beatos que ocuparán el lugar de los
ángeles caídos. Se trata de conservar el número,
claro los ángeles asexuados e inmateriales
no se reproducen. Si los endemoniados se
retiraron del culto, habrá que reemplazarlos
por los beatos que debidamente adoctrinados
podrán ocupar el lugar de los rebeldes. La
preservación, como en cualquier estado
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
69
ARtIGOS
moderno, es la del número. Claro que también
se cuida la calidad, por eso hay que practicar
la liturgia, volver a los viejos ceremoniales,
apegarse a la tradición. La soldadesca angélica
debe continuar como multitud ordenada, y los
caídos, serán reemplazados por sus similares.
Para gloria de Dios.
Si las nubes se ponen al servicio de los coros
angelicales, sus iguras
se vuelven parte
de la liturgia del poder. Ornato, iconos,
aclamaciones, todas tipiicadas y señalizadas
en una orgía beatíica. El concepto de orden
organiza la escala angélica, las iguras nubosas.
Las primeras como modelo del ordenamiento
político humano, las segundas como modelos
para la materialidad terrena. Y el detalle
obsesivo en la descripción del funcionamiento
de este ejército sólo se justiica porque su
cumplimiento determina la cercanía con
el centro ardiente del poder. La política
consistiría en la relación que el culto, a través
de la participación de los ángeles, instaura con
esta “publicidad celeste”: la relación entre la
asamblea cristiana y la polis uránica es una
relación política y por esta razón los ángeles,
como relejos del Señor de los cielos y las
nubes, deben participar de un modo rector en
los actos de la liturgia eclesiástica.
La única relación política[3] es la relación
angeológica – cultual entre la Iglesia y el reino
celeste –. La trascendencia escatológica que
nos orienta hacia ángeles y nubes, nos arrastra
en un canto de alabanza. Y así los ejércitos
angélicos, y los ángeles arcabuceros que
abundan en la iconografía del barroco indiano,
son los garantes de la relación originaria entre
la Iglesia y la esfera política y del carácter
público y político del ceremonial completo de
los signos y los gestos que celebran la gloria y
el poder. Aún más, la función de los ángeles
FIGURAS DE LA INCERTEZA
solo es alabar, como el de las nubes transportar
la gloria, y el de los hombres someterse al
monarca, emperador, estado en su versión
secularizada. Toda la asamblea terrena debe
encaminarse a la Iglesia celeste, cuyos cánticos
proclaman eternamente santo, santo, santo,
como los líctores romanos. Emblemas del
poderío militar de los reyes etruscos, adoptado
luego por los monarcas romanos y perviviendo
durante la república y parte del imperio.
Líctor como poder, unión del haz de varas que
lagela y el hacha que corta y castiga con la
muerte al solitario. Se deja vivir a quien se liga
y participa de la creencia. Fasces lictoriae,
transportados por los curules como símbolo
de la autoridad del imperium y de la justicia
humana (deiicada entonces como el imperator)
llevados al hombro por un número variable de
líctores, fasces lictoriae, que acompañaban
a los magistrados curules como símbolo de la
autoridad de su imperium.
¿Qué sentido tendría el purpurado manto, el
cetro de maril y la corona de oro que rodean a
ese rey, siempre desnudo para el ojo del niño,
circundado por los lictores con su boato y sus
varas entrelazadas con el hacha sino ocultar
la ausencia no de poder legítimo sino de todo
poder? ¿Qué hacen querubines y seraines sino
cantar la gloria de Dios oculto por una nube
que vela quizás no su inexistencia sino su
debilidad?
O eterno padre, toda la tierra te adora
A ti cantan los ángeles y todas las potencias
celestes
A ti los querubines y los seraines te proclaman
con voz incesante.
Ángeles y gobernantes
que dirigiéndose
a los humanos, los administran, y ángeles
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
70
FIGURAS DE LA INCERTEZA
ARtIGOS
superiores o líctores que asisten a Dios, al
César, contemplándolo en su beatitud. Dos
tareas diferenciadas que añaden a una función,
la naturaleza de un ser. Ángeles ministros
y ángeles ceremoniales. La liturgia se teje
con el juego de lo imaginario para garantizar
la eicacia de una simbólica del poder que
opere sobre lo real de los cuerpos. (¿O acaso
describe Kafka otra cosa que el juego de los
ángeles devenidos porteros de la Justicia,
carceleros o jueces de un orden absoluto?)
Jerarquía, ministerio y orden son las claves
de esta taxonomía, del funcionariato en que
el Reino de Gloria ha devenido. El cielo reina
sobre la tierra, las jerarquías celestes mueven
las marionetas de los príncipes cristianos. Y
sumisos y ciegos, obedecen los engranajes del
organismo social.
Ni hombres ni ángeles son una masa. Como
tampoco lo son las nubes. Rigurosamente
ordenados en una jerarquía, precisamente
porque son seres racionales, sin cuerpos y sin
pasiones, solo en la extática contemplación del
poder (Incluso cuando ya el apocalipsis haya
advenido, seguirán contemplando junto con
los beatos la gloria de Dios y el eterno castigo
de los condenados). ¿Continuidad entre el
cielo y la tierra? ¿Tierra a imagen y semejanza
del cielo? Del Misterio de la Gloria Eterna al
ministerio de la burocracia estatal, o al revés,
se trata, en todos los casos, de una línea única,
sin adentro ni afuera.
Desde la Santísima Trinidad se transita de lo
divino a lo humano por un descenso reglado. Es
ese cálculo el que permite el paso del puro éter
a la materialidad de los cuerpos tensionados
por la burocracia disciplinar. Sin jerarquía se
pierde la deiicación y también entonces la
salvación.
Toda la mística angélica está
destinada a
instaurar
la teologización de la política,
sacraliza las acciones de gobierno. Fundación
de una burocracia celeste que se perpetúa
en su duplicación terrestre[4], y la santiica.
Ángeles burócratas, y nubes gloriosas comulgan
en el culto del Señor de los ejércitos: santo,
santo, santo, todo honor y toda gloria, Señor
Presidente.
Pero hay dos puntos cruciales en la angeología
que nos detienen:
El primero, cuando llegue el in del mundo,
los cielos y la tierra devenidos uno, ¿qué
función tendrán los ángeles? Cesará el hacer
y la obra. ¿si no hay que organizar el mundo,
qué signiicará la alabanza de Dios? No habrá
que persuadir a nadie ¿para qué entonces
la retórica, la liturgia, el ceremonial? ¿Qué
funciones para las fuerzas armadas en tiempos
de paz?
Y el segundo, ¿cómo no caer en la trampa o
la confusión que implican no saber cuándo la
tierra se eleva al cielo y lo modela según sus
órdenes y jerarquías, y cuándo es el cielo el
que desciende e inviste los gobiernos terrenales
y los sacraliza en tanto imitatio del mundo
celeste ¿nuboso?).
La teoría de los ángeles es una teoría del
poder.
Desde Pablo de Tarso, el sentido inal, en el
tiempo en que se hayan cumplido todos los
tiempos, el Mesías triunfará sobre ángeles
y burócratas, no habrá mensajeros, porque
miraremos cara a cara lo que haya que ver. No
harán falta gobernantes porque no habrá acción
alguna a realizarse. El tiempo habrá acabado.
Y la única manera de no equivocar el rumbo
(¿será la tierra la que se impone, la carne en
términos paulinos, o el cielo?) es desconiar
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
71
ARtIGOS
de todas las instituciones: del imperio y de la
sinagoga, de la Iglesia y del estado moderno.
Mantenerse en el como si de la acción, en el
uso pero no en la apropiación.
Finalmente, volvamos a las nubes. Algunas
terminan en lluvias nutricias y otras son solo
fuente de temor y temblor portadoras de
relámpagos y truenos, prueba de la majestad
de lo absoluto. Esos cuerpos paradojales
que parecen vacíos pero están plenos, que
parecen frágiles y evanescentes y están
llenos de tensiones, que parecen pesados
y brumosos y guardan la fragilidad de los
dioses. Tan paradojales como los ángeles,
cuya única función, es entonar los cánticos
de alabanza al señor, para ocultar quizá no la
absoluta inexistencia de aquel a quien llaman
Dios nuestro señor, sino el absoluto vacío de
poder que esconde ese lugar desde donde la
burocracia trajina con los cuerpos. ¿No velan
ambos, nubes y ángeles,
las nubes con su
transparencia, el vacío absoluto, y los ángeles
con sus canticos el silencio inaudito de Dios?
Si las nubes son los símbolos que encubren a
Dios, los ángeles nos introducen en la ciencia
de esos signos, donde las nubes aparecen
como expresión privilegiada. Ellas son las
que transportan, las que muestran lo alto y lo
bajo, lo que parece cercano y lejano, lo leve
y lo pesado. Estructura interna de las nubes y
iguras expresivas de una comunidad que en su
máxima tensión son nada y todo, y encubren a
la vez lo que es todo y nada.
¿De qué nos persuaden los ángeles?
En su forma etérea, sin cuerpo, ni sexo, pura
alabanza, pura acción desmaterializada, en
su faz ambigua, nubosa, nos persuaden de la
diferencia entre dos hipótesis: la que niega
que de la nada, pueda surgir algo, y la que
FIGURAS DE LA INCERTEZA
proclama, airma que la omnipotencia divina es
capaz de hacer algo desde esa nada. Problemas
de inísimas exégesis teológicas, que tienen
nada en común. Solo la omnipotencia podría
hacer soportable esa nada. Y a ello se dedican
los ángeles, a proclamar la potencia absoluta
que vela esa nada de la que nada puede surgir.
Seguramente leer en las nubes las iguras
de una retórica, cada una de ellas con un
sentido igurado respeto de un sentido literal,
implicaría en algún lugar la correspondencia
de ese sentido con su referente, y quizás más
aún, en un arrebato idealista, dado un nombre
se desplegaría su existencia. ¿Pero después de
todo, en una forma mucho más sutil, los cantos
de alabanza al que se proclama santo, santo,
santo son otra cosa que el encubrimiento
imaginario del agujero de lo Real, o la nada
de Dios? ¿Acaso toda la escatología occidental
no está ligada a proclamar al emperador, a
los reyes, a los presidentes y sus caricaturas
secularizadas modernas como centros de
decisión, como formas de una política que da
por sentada la existencia de un poder, que se
dispute, reparte o en el mejor de los casos se
comparte entre unos pocos? Un poder amplio
que en su vacío solo puede aparecer velado
bajo las liturgias cada vez más complejas con
las que se recubre
¿Cómo volver a esas nubes un conjunto, no un
velo, pantalla que encubre la nada?. ¿Cómo
volverlas agua nutricia? ¿Qué otras iguras
que se disuelvan en agua, semilla húmeda y
crecimiento? Quizás las nubes no nos quieran
persuadir, y les atribuyamos esas iguras ijas
como un modo de volverlas guardianes de lo
indescifrable.
Pero quizás haya otra forma de pensar el modo
en que la tierra pueda elevarse al cielo, dada
la absoluta falta de respuesta de Dios, no
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
72
FIGURAS DE LA INCERTEZA
ARtIGOS
cayendo en un antropocentrismo, y saliendo
de la airmación narcisista de la tradición
occidental sin hundirse en las aporías de esa
omnipotencia que inalmente es un control
policial sobre los cuerpos. Descolonizar el
pensamiento, sería quizás pensar las nubes en
la estela de los hacedores de lluvias.
¿Y si abandonamos una retórica como la
organización de las iguras en relación a un
sentido desviado?, ¿Si queda abolido el sentido
literal, por ausencia del máximo referente
(Dios como supremo monarca, el Imperator, el
Cesar)? ¿Si nos atrevemos aún con la vieja bruja
de la gramática, si rompemos las atribuciones,
acabamos con los dispositivos sintácticos que
no dejan de engendrar dioses? ¿Si logramos
hacer de las nubes un juego de fuerzas
asubjetivas, no occidentales, ni modernas, ni
humanas, ni personales, ni menos objetos (de
estudio), simplemente un momento de esa
tierra cielo a la que cuidamos cuidándonos
cuando preservamos su absoluta singularidad
que no puede ser clasiicada, su unicidad que
no puede ser disuelta en universalidades? ¿Y si
nos entregamos a la incerteza de sus iguras y a
lo impredecible de su devenir?
Recibido: 14/11/2016
Aceptado: 15/11/2016
[2] Clasiicación de Luke Howard, químico y meteorólogo
inglés de principios del siglo XIX.
[3] Seguimos en este razonamiento a PETERSON, E. El
monoteísmo como problema político. Madrid: Trotta,
1999. Pero para discutir su posición.
[4] Seguimos aquí el concepto de Burocracia celeste que
despliega AGAMBEN, G. en El Reino y la gloria. Córdoba:
Adriana Hidalga editora, 2008.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
73
ARtIGOS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
74
ARtIGOS
Lo que se ve, lo que se toca.
Por una poética de lo irregular,
inestable y en metamorfosis.
Adrián Cangi [1]
Resumen: Las nubes son la insubordinación de la sustancia y la venganza de la física de los luidos.
Retornamos a una ciencia antigua de los luidos y las turbulencias tanto como a las fabulaciones míticas
y cosmológicas para comprender la atracción de las nubes que han oscilado en la tradición occidental
entre el fantasma y la idea. Del mundo antiguo al moderno las nubes orientaron en el pensamiento y
la iconografía las batallas entre las virtudes y excesos de la pasión, entre las micro-percepciones de
los fenómenos y su constitución atómica. Entre las tradiciones físicas y morales su igura ha tenido el
peso de la desconianza sobre la subjetividad que la contempla porque sus contexturas lábiles y sus
concavidades gaseosas, su formación móvil hecha de líquido y sólido y sus formas invadidas por lo
hueco, oscilan entre la condensación y la descomposición de la materia en polvo de gotas. Anaxímenes
las observó como aire condensado; Aristófanes como impasibles iguras de deidades; Ovidio fundió su
metamorfosis como un astrónomo; Lucrecio cinceló su poética como un físico especialista en trombas
y nimbos. Tradición que ha legado a monjes, pintores, historiadores, poetas, cientíicos y ilósofos la
enseñanza perceptiva que corre de la física antigua hasta Nietzsche, y en la que se sostiene que la
felicidad es de la especie de las formaciones móviles, inestables, irregulares y en metamorfosis.
Palabras clave: Estética. Poética. Física. Metamorfosis.
O que se vê, o que se toca. Por uma poética do irregular, instável e em
metamorfose.
Resumo: Se décadas atrás, Lyotard identiicou a crise de legitimação política e do conhecimento de então
como a crise dos grandes relatos, talvez se possa dizer que a crise atual é uma crise do grande Relator:
a crise das humanidades seria, assim, parte mais geral da crise do Humano. Diante do Antropoceno, as
ciências do homem (as antropologias) têm como um dos seus desaios converterem-se em humanidades,
isto é, especular sobre as deinições de homem e mundo, descobrindo outras humanidades e mundos.
Aqui, a literatura, entendida a partir de Juan José Saer como uma “antropologia especulativa”, pode
revelar-se uma linha de fuga: diante do contingenciamento econômico das humanidades, ela apresenta
a contingência ecológica desse modelo de mundo.
Palavras-chave: Antropologia. Literatura. Antropoceno. Catástrofe ambiental. Especulação.
[1] Ensayista. Dr. en Sociología y Dr. en Filosofía y Letras. Director de la Maestría en Estéticas Contemporáneas
Latinoamericanas (UNDAV). Autor de Gilles Deleuze. Una ilosofía de lo ilimitado en la naturaleza singular, QuadrataBiblioteca Nacional (2010); Linchamientos. La policía que llevamos dentro (en colaboración), Quadrata (2015); Imágenes del
Pueblo (en colaboración), Quadrata (2015); Naufragios. Imágenes de un siglo corto (en prensa) (2016).
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
75
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
ARtIGOS
1. ANtE LAS NUBES
Gerhard Richter, Atlas, 1970
Las nubes son la insubordinación de la sustancia
y la venganza de la física de los luidos. Decir
todo en una frase es parte del coraje de quien
escribe. Cada objeto tiene una ilosofía que
oscila entre gestos humanos. Ante las nubes,
en la tierra y en el mar, sólo nos guiamos por
los sentimientos. Esta forma de exploración no
nos envía a ningún criterio inequívoco porque
no conocemos la manera de distinguir las
emociones ni de cuantiicar su intensidad. La
ciencia distingue sus géneros, alturas y formas
tanto como sus cualidades, aspectos y modos
de formación; se expide sobre sus funciones
y extensión, pero nada dice sobre sus efectos
que los gestos humanos asumen y soportan.
Necesitamos retornar a una ciencia antigua de
los luidos y las turbulencias para comprender
la atracción de las nubes, su inestabilidad y
lexibilidad en los movimientos de la emoción.
Hay géneros de nubes para la ciencia como los
hay de ángeles para la teología. Como a los
ángeles, se las piensa por su jerarquía celeste y
se las simboliza por sus estados de cosa y por sus
efectos. La ilosofía hunde sus raíces en el mito
cuando se enfrenta a las nubes porque se dirige
al encuentro del exceso y de la donación de las
formas. En el mundo sagrado las jerarquías de
los ángeles organizan la lejanía o cercanía a
Dios; en el mundo físico las tipologías de las
nubes aluden a una estratigrafía de los cielos
según las leyes de la turbulencia atómica.
Como creía Parménides, los nombres son una
potencia como el fuego o el relámpago que
existen latentes en un fósforo o en las nubes.
Cirros, cirrocúmulos, cirrostratos, también
conocidas como nubes altas; altocúmulos,
altoestratos, nimbostratos, reconocidas como
nubes medias; estratocúmulos, estratos,
cúmulos, visualizadas como nubes bajas, forman
una topografía del cielo con su arqueología
correspondiente. Conviene reconocer a
los cumulonimbos como aquellas nubes de
desarrollo vertical a las cuales tememos desde
tiempos antiguos por ser densas y portadoras
de tormentas eléctricas. Sabemos que el
nombre que les fue dado es la expresión de la
familiaridad o el espanto que nos producen.
Si retiramos sus efectos sobre el cuerpo sólo
quedarán sus nombres vacantes.
Del mundo de los dioses con los que Aristófanes
juega en el siglo V a.C. al mundo de las batallas
entre superstición y física con las que Lucrecio
enfrenta a la teología en el siglo I d. C., el cielo
y las nubes han estado poblados de dioses y de
fuerzas, de iguras impasibles y de turbulencias
incomprensibles. Desde las iconografías
antiguas proyectadas al mundo moderno, por
las nubes enfrentamos a iguras que dictan el
destino mortal o a una física de los líquidos que
nos recuerdan que entre los saberes antiguos
olvidados insisten iguras inestables y vaporosas,
turbulentas y en variación continua.
Casi al borde de la leyenda se narra que Ovidio
antes de morir a la edad de 60 años en el 17
d.C., encerrado en las fronteras del imperio
en Tomis –actual ciudad de Constanza en
Rumania–, podía mirar el cielo bárbaro en la
costa oeste del Mar Muerto mientras escribía
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
76
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
Tristes y Cartas del Ponto. Por una ventana de
su prisión veía el cielo sembrado de mujeres,
hombres y bestias: Betelgeuse, Rigel, Hércules,
Orión, León, Escorpión, Capricornio… Partes y
gestos del cuerpo humano, de las bestias y las
quimeras poblaron los cielos, las nubes y las
estrellas cincelados a fuego por la imaginación
mítica grecorromana. Ovidio narra cómo las
tragedias mortales poblaron las constelaciones
celestes y las disposiciones de las nubes. Esas
metamorfosis sangrientas de la vida histórica
nos enseñaron por el cielo los caminos del
conocimiento del cuerpo a través de las
especies existentes y fantásticas. Ciervo y
lobo, golondrina y araña, león y escorpión, son
rivalidades humanas plasmadas por el cifrado de
la historia en las fábulas de Esopo hasta Ovidio,
y a través de él, a La Fontaine y a Nietzsche,
para indagar los dobles y transformaciones del
cuerpo proyectados a la astronomía celeste.
Las Metamorfosis del poeta latino son la
escritura del cuerpo encerrado que busca su
libertad por el mundo del mito fabulando las
transformaciones de las emociones humanas.
Sabe en su cuerpo, como aquellos que han
enfrentado al poder, que “El que ha naufragado
tiembla incluso ante olas tranquilas”. Si en El
arte de amar aconseja a los hombres sobre la
fascinación y la prudencia, en Las Metamorfosis
plasma una lexibilidad trascendental que lo
prepara para su encierro bajo el cielo bárbaro.
ARtIGOS
Correggio, Júpiter e Ío
Corregio recordará la frase de Ovidio “Las
causas están ocultas. Los efectos son visibles
para todos” mientras pinta en 1531/32 su
Júpiter e Ío para la sala Ovidio del Palazzo de
Mantua como un regalo al emperador Carlos V.
La pintura forma parte de una serie compuesta
por El rapto de Ganímides, Dánae, Leda y el
cisne y Júpiter e Ío. Las Metamorfosis fue el
texto central de la pintura manierista y barroca
para abordar los problemas del amor carnal a
través de iguras míticas. Ío es envuelta por
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
77
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
ARtIGOS
Zeus en forma de nube bajo la modalidad de un
abrazo. La mano y rostro de Zeus emergen de
una densa formación nubosa para poseer a Ío. Lo
inmaterial y evanescente, aunque turbulento y
en variación continua, posee a la sustancia del
cuerpo erótico de Ío que se encuentra perdido
en un rapto extático, anticipando toda la
tradición de Bernini y Rubens. Las densas nubes
oscuras y la blanca igura erótica retorcida por
la tromba transforman al cuerpo serpentino y
en turbulencia amorosa.
607-613) en el que Ovidio retrata el poder ante
la belleza. La pincelada libre y deshecha con la
que Tiziano presenta la materia de las nubes y
los cuerpos pretende alcanzar una variabilidad
lírica que prepara la percepción para una
pintura de atmósferas y no sólo de temas.
Esta pintura forma parte de la serie enviada
por Tiziano a Felipe II dedicada a repensar la
antigüedad en el mundo por venir.
Tiziano, Dánae
Mantegna, El triunfo de la virtud
Los amores clandestinos del cardenal Alessandro
Farnese con una cortesana adquieren la forma
de la pregunta por las pasiones secretas con la
que Tiziano pinta la primera Dánae en Roma en
1544/45, poniendo en escena el momento en el
que Júpiter la posee en forma de lluvia de oro.
Tiziano no sólo narra un tema como Corregio,
preciado para Ovidio, sino que libera la materia
lírica de la pincelada para dar cuenta de la
posesión y la avaricia mortal. La lluvia de oro
y la mirada gozosa de Dánae reúne el poder
de un cumulonimbo que avanza a fecundar a
la muchacha. Júpiter convertido en lluvia de
oro reiere al episodio de Las Metamorfosis (IV,
Tiziano habrá dejado atrás El triunfo de la virtud
de Mantegna, de 1502, dedicada a Isabella
d´Este para su gabinete del Palazzo de Mantua.
Mantenga había revisado junto a Isabella textos
de Ceresara, Equícola y Diego San Pedro, en
especial Cárcel de amor, para presentar la
idealización del cuerpo femenino. Cuerpo en
batalla observado por las virtudes de la Justicia,
Fortaleza y Templanza que contemplan desde
una nube plegada y maciza, como una espuma
pétrea, todo lo que está sucediendo en el
mundo de los vicios humanos. La cuarta virtud,
la Prudencia, no puede entrar a escena. Entre
los vicios se encuentran Ocio y Avaricia que
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
78
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
combinados con Ingratitud e Ignorancia ponen
en crisis las acciones de la virtud. La imagen
modélica de la virtud del Renacimiento es
puesta en tensión por los vicios bajo la mirada
de la razón y la forma de la idea (eidos) de la
que las nubes constituyen un plegado perfecto
propio de un cielo moral que reina sobre el
destino de hombres y mujeres. Tiziano preiere
abordar los mismos problemas en su Dánae
bajo la forma del fantasma (eidolon) en los
que se juega por la pincelada, las apariencias y
resplandores del mundo perceptivo a través del
saber de los mitos.
Del mundo antiguo al moderno las nubes
han orientado las batallas entre la idea y el
fantasma, entre las virtudes y los excesos de
la pasión. Pero del cielo, como sabía Pascal,
vienen preguntas y salidas. Cada pregunta que
una nube nos formula tiene por lo menos dos
salidas. Y en cada salida siempre encontramos
dos nuevas preguntas. Una buena salida es la que
comienza algo para la emoción, convirtiéndose
así en una entrada nueva a los cielos por otros
medios menos pensados.
2. IdEA O FANtASMA
Gerhard Richter, Atlas, 1970
Ante las nubes comprendemos que Demócrito
utilizó a la perfección el cálculo pre-integral,
ARtIGOS
que Arquímedes recobró y convirtió en una
matemática de manera análoga con la que
Leibniz modeló las micro-percepciones de los
fenómenos. Del mundo antiguo al moderno
hay insistencias, resistencias y desapariciones
de iguras y saberes. De la ciencia antigua a
la moderna persiste una física de los luidos y
de las micro-percepciones poéticas del cosmos.
En todos los casos, estos maestros de una
genealogía de los simulacros fueron seducidos
por las nubes, porque perciben y analizan las
formas más complejas y organizadas según sus
contornos de aparición en las fronteras limítrofes
de la constitución atómica y de las luctuaciones
del fenómeno. Para esta tradición, cada forma
está envuelta en una ininidad de adherencias
que se deslizan ininitamente de lo virtual a lo
actual. Ante las nubes, de Demócrito y Lucrecio
a Serres y Deleuze, enfrentamos los elementos
de las cosas, sus alianzas en torbellinos y las
condiciones de su conocimiento según su
proceso de formación.
Las nubes fueron tratadas por la ciencia
antigua por una matemática y cosmología
local, que más tarde la ciencia moderna llamó
geometría diferencial, para poder abordar
las luctuaciones atómicas indivisibles, en
declinación y en lexibilidad de sus contornos.
Demócrito y Lucrecio toman por objeto aquello
que de Pitágoras a Platón se consideraba un
accidente o un fracaso por presentar de los
fenómenos una identidad lexible e inestable.
La matemática local debate en la antigüedad
con la matemática universal: se enfrentan una
ciencia de los ídolos con una ciencia de las ideas.
Desde Homero el vocablo eidolon se opone a
eidos, porque a veces designa una imagen y
otras un fantasma. El eidolon es aquello que
produce las imágenes, las apariencias y los
resplandores del mundo perceptivo. Permite por
igual interrogar al agua, el aire y los espejos,
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
79
ARtIGOS
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
y de este modo abordar los mundos luidos
e inestables, las metamorfosis e imágenes
engañosas. Por ello las nubes han estado en el
centro del debate antiguo entre los simulacros
y las ideas; han sido ligadas al mundo de los
sueños que nos enfrentan con falsos dioses o
con verdades estables. Entre la estabilidad de
las ideas y la inestabilidad de los simulacros
se han discutido, a través de las iguras de
las nubes, la angustia sin in de los hombres
entre la vida y la muerte. El eidos inmortal,
invariable y verdadero desea controlar el
eidolon, siempre considerado desde Homero
como engañoso, fantasmal y muerto. Un mundo
sosegado pretende controlar a una naturaleza
emanativa de formas y iguras variables.
Una física de los cuerpos conjuntivos, que va
del átomo a los contornos de las formas en
variación continua, ha indagado en las nubes
como un fenómeno múltiple y como una
gnoseología cósmica. Demócrito se opone a
Pitágoras como Lucrecio a Platón: el eidolon
es falso para el eidos y viceversa. Las nubes
serán vistas así como simulacros para unos y
como formas estables de la idea para los otros.
Toda la iconografía renacentista, manierista y
barroca quedará sujeta a este debate. De este
modo una ciencia poética que insiste en la
matemática epicúrea que surge con Demócrito,
y se especializa con Arquímedes, culmina por in
de radicalizarse con Lucrecio, como una ciencia
poética de los ídolos y una genealogía de los
simulacros, como una teoría local de las formas
inestables conectadas con la experiencia, para
ser presentadas como formas de un universo
real que nos afectaría sin temores. Las nubes
pertenecen de Epicuro a Lucrecio a la teoría de
los simulacros, las envolventes, las túnicas y los
bordes que crean las atmósferas espaciales de
unos objetos a otros. El mundo de la distancia
a los cielos y las nubes para Platón se vuelve
cercano y tangible para los montañistas de
Lucrecio, quienes resultan afectados en la
vista, el olfato y el oído por ellas bajo la forma
del tacto.
La sensación de las nubes y los sentimientos
cósmicos son una experiencia del tacto, que se
desplaza de los lujos sutiles a la visión háptica
de lo cambiante. Ovidio y Lucrecio oscilan
entre la visión y el tacto de los fenómenos
porque saben que la física de Afrodita es una
ciencia de las caricias y un saber voluptuoso
que sólo se aprende en la cercanía del riesgo.
Conieso que he comenzado a comprender a
Lucrecio en el ascenso al monte Champaquí
cubierto por las nubes bajas que me han tocado
aislándome en el mundo del ascenso como si
me desplazara a una topografía de los cielos
en una continuidad ascensional de la tierra al
éter. Creo haber sentido a Ovidio en el modesto
encierro de mi estudio mirando las nubes
medias y altas plenas de iguras resbaladizas y
de metamorfosis sutiles.
Habrá que atender a Nietzsche cuando nos
recuerda en Así habló Zaratustra que “quienes
más saben de la felicidad son las mariposas y
las burbujas de jabón, y todo lo que entre los
hombres es de la misma especie”. Las nubes
son una experiencia real de espacios vacíos y
paredes sutiles. Una formación móvil hecha de
líquido y sólido que pierde su compacidad hasta
volverse una estructura esponjosa, que anima
las fábulas y los cuentos infantiles. Restos
terrestres unidos al agua y al aire producen unas
formas cercanas a la espuma luida, húmeda
y efímera. Espumas que no se materializan
como las burbujas de vidrio marítimo, aunque
conservan la misma unión a corto plazo de
líquidos y gases, que constituyen un modelo de
formas invadidas por lo hueco. Como la espuma,
las nubes permiten percibir la insubordinación
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
80
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
ARtIGOS
de las sustancias y la venganza de una física de
los luidos frente a una física de los sólidos. Las
contexturas lábiles y las concavidades gaseosas
parecen haber subvertido el orden natural de
la Naturaleza.
La forma más sólida de la atmósfera general
se descompone en polvo de gotas, como las
formas sólidas regresan a la espuma. Casi nada
se convierte en casi nada, y ésta, tal vez sea,
la más extraordinaria enseñanza de Nietzsche
sobre las burbujas de jabón felices aunque
impasibles. Seguir lo común desde Heráclito
no ha sido un buen camino para Occidente,
porque su exhortación requería mantenerse
alejado de lo ensoñado y espumoso. Las nubes,
la espuma y el sueño han sido ligados a los
oráculos, la magia y los saberes esotéricos.
Goethe, aún estudiante de Leipzig, censura a
las llamadas “cabezas de espuma que sueñan
sentencias-oráculos”. Las nubes y la espuma
son considerados parte del mundo del engaño
o del simulacro del ser, son entendidas como
alegorías de la falsedad primera, como
emblemas de la iniltración de la turbulencia
en la física de la estabilidad, como gases de los
pantanos habitados por cabezas de tormenta
y subjetividades sospechosas. La metafísica
clásica y la ontología popular han desconiado
por igual de las nubes y de la espuma como de
todo aquello demasiado ligero. Al soñador se le
recuerda que no construya castillos en el aire
mitad nube y mitad espuma como excedentes
del sueño.
Friedrich, El trotamundos sobre el mar de neblinas
Caspar David Friedrich, en las cúspides del
romanticismo alemán, buscó una atmósfera del
paisaje que pudiera tener correlación directa
con los estados de la psicología humana. Para el
pintor las nubes constituyen un estado emotivo
del espíritu expresado por fuerzas externas
impasibles que representa a la pequeñez
humana enfrentada con la desmesura de una
cosmología feroz. Su obra El trotamundo sobre
el mar de neblinas, de 1818, es un ejemplo
radical de la génesis de una atmósfera psíquica
emergente de una naturaleza que expresa la
interioridad, nacida en la igura del montañista
entre los cielos altos y bajos, de frente a los
cielos medios. Esto le permite a Friedrich
toda una modulación de la pincelada para
el tratamiento lumínico y cromático de una
topología del cielo. De Constable a Turner la
imaginación inglesa nos revela la potencia de la
pincelada que disolverá a las iguras en un plano
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
81
ARtIGOS
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
de expresión con una textura entre lo sólido
y lo líquido. Todas las amenazas modernas se
desplazan del paisaje bucólico de Constable
en su pintura La catedral de Salisbury vista a
través de los campos, de 1831, a Lluvia, vapor
y velocidad de Turner, de 1844, dominado por la
exploración técnica del mundo que ha cambiado
su matriz perceptiva por la velocidad.
Constable, La catedral de Salisbury…
Turner, Lluvia, vapor y velocidad
Los soñadores y agitadores de lo sólido siempre
han tenido mala prensa poético-política.
Aristóteles en la Física atribuyó la enfermedad
de los hombres al exceso de un espíritu sutil,
al que llamó “mal volátil”, del que creía que
podía producir melancolía. Hegel en la Lógica
atribuye a la fermentación de la initud antes de
convertirse en espuma, la capacidad de exhalar
el aroma del espíritu. Donde Aristóteles percibe
un riesgo, Hegel parece alcanzar un movimiento.
Sin embargo será Nietzsche quien enfrenta
el idealismo metafísico, porque sabe al igual
que Marx que todo lo sólido se desvanece en el
aire, y que las desviaciones y fallidos son nubes
y espumas de los síntomas y efervescencias
de las imágenes interiores de la subjetividad
moderna. La modernidad pende entre las nubes
y las pompas de jabón, porque el principio que
la sostiene oscila entre la entropía general y
la desintegración de cualquier principio de
estabilidad. Entre el perspectivismo de Husserl
acuñado en 1900 y la Teoría de las Catástrofes
concebida por René Thom a inales de la década
de 1950, todo el universo considerado sólido se
eleva a lo atmosférico irregular, inestable y en
metamorfosis.
Me pregunto porqué en la obra Atlas (19622011) de Gerhard Richter las nubes resultan
tan capitales como parte de su producción
entre 1970 y 1972, constituyendo un estudio
riguroso del cielo. Entre tantas otras series
abordadas por el Atlas, la correspondiente a
las nubes me afectó en el conjunto de su obra,
porque algo insistente parece llevarnos hacia
una composición vertical que culmina en su
obra September de 2005 dedicada a la caída
de las Torres Gemelas. Richter es un hijo de
la movilización total planetaria del mundo
moderno técnico. Forma parte de aquellos
que Sebald llamó, en su libro Sobre la historia
natural de la destrucción, las almas que han
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
82
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
visto caer bombas desde el cielo. Buena parte de
la obra de Richter entre 1964 y 2005 elabora un
mundo del cielo dominado por cazabombarderos
como si nunca olvidara la imagen de Dresden
destruida, vista desde el resto de una escultura
de un ángel de la catedral de la ciudad. Toda su
pintura indaga ese eje vertical que en el pasado
ocupan los cielos y las cruciixiones y, en el
siglo que pasó, la caída de las bombas. Entre
1970 y 1972 dedica un largo tiempo de registro
fotográico a observar todas las variaciones de
cielos y nubes posibles. Casi como si se tratara
de un momento de curación de lo visible en un
mundo condenado a desocultar la topografía
celeste por la caída de las bombas. Ya no hay
una lexibilidad trascendental al mirar los
cielos sino destrucción o curación en un espacio
determinado por la técnica moderna.
Siempre nos quedará la poética del encuadre
de observación como la llevada adelante por
el matemático y cineasta James Benning en su
obra Ten skies, de 2004, en la que no intenta
desocultar la naturaleza por la técnica sino
hacer sentir la duración del plano a través del
ojo mecánico. Las nubes se confunden con el
tiempo mismo de los largos planos sensoriales
mientras el ojo del espectador experimenta
micro-percepciones en sus mínimas variaciones
celestes, hasta los cortes abruptos de un
plano al otro y de un cielo al otro. La poética
de Benning nos enfrenta a nuestras matrices
perceptivas para devolvernos por la observación
a la insubordinación de la sustancia y a la
venganza de una física de los luidos. Lo que
se ve es lo que toca por una visión tan clara
como háptica que experimenta con lo irregular,
inestable y en metamorfosis.
ARtIGOS
3. dE LOS ALtOS CIELOS. EL MItO dE LOS
CIRROS
Gerhard Richter, Atlas, 1970
La ciencia llama cirros (cirrus) a las nubes
altas de aspecto ilamentoso que no provocan
precipitación. Poseen cualidades ibrosas, de
brillo sedoso y se las considera desde los mitos
antiguos como iguras de aspecto femenino.
Se distinguen de los cirrocúmulos porque éstos
tienen aspecto globular y de los cirrostratos
porque aquellos tienen aspecto de velo
provocando el halo solar y lunar. En todos los
casos de la mitología las nubes altas han tenido
que ver con el mundo de los dioses.
Aristófanes consideraba a Las nubes su obra
favorita porque condensaba un saber sobre la
realidad sin recurrir a explicaciones religiosas
ni cientíicas. Sabía como Anaxímenes de
Mileto, quien creía que todo procede del aire
por rarefacción y condensación, que hay un
régimen de lo alto y un régimen del mundo;
también sabía que sólo los muertos conservan
una pulsión simétrica, invisible y muda entre
ambos regímenes, animados éstos por un
elemento ininito como el aliento del cosmos.
Por ello Aristófanes no cesa de reír por igual
del régimen impasible de los dioses y del
obrar racional de los mortales. Intuyó como
pocos que la totalidad que une lo alto y el
mundo es sólo el espacio del espanto, porque
deidades monótonas juegan el juego perverso
sobre la herida repetible de los mortales. De
Aristófanes a Artaud habrá que aceptar que
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
83
ARtIGOS
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
aquello que asusta en el mundo son las cosas
consideradas insensibles: el sol, el viento, el
agua, el relámpago y las nubes.
la mirada impasible de las deidades sobre la
crianza de los hijos, la rebelión de los jóvenes y
la explícita negación de la existencia de Dios.
En su afán de poner a prueba el mundo
socrático de la justicia y la palabra mayéutica
como trama cultural democrática de la razón,
la comedia observa la ciudad de Atenas bajo la
mirada vigilante de Las nubes. Un verdadero
conjunto femenino impasible de apariencia
sedosa que habita los cielos altos haciéndonos
sentir que ningún argumento es tan acústico
como un verso ni tan visual como el lenguaje
versiicado, y que si el mundo no es el resultado
de una poética impasible de las fuerzas es
por culpa de la ley de las razones infecundas
de los hombres. Saber con rigor lo que Las
nubes saben es conocer mejor el mundo y ver
con escepticismo el mundo de los cielos es
reconocer mejor como poetizan los hombres.
El coro de las diosas idénticas describe la
escena donde los mortales juegan su tirada de
dados:
Si los hombres hablan la lengua de las apariencias
confundidas con la de la razón, las nubes riman
la música celeste. El mundo se divide entre los
ruidos del estómago y la escansión en susurros.
El coro de deidades se presenta con esa música
que evidencia la palabra de la fuerza:
Nubes imperecederas, alcémonos, visibles
en nuestra brillante apariencia húmeda,
desde nuestro padre Océano, de profundo
estruendo, hasta las cimas de altísimos
montes (…) Ea, sacudamos de nuestra
forma inmortal la lluviosa niebla, y
contemplemos, con mirada que mucho
abarca, la tierra.
El coro de la comedia está formado por
deidades femeninas que perciben los problemas
económicos y morales de los mortales bajo la
denuncia de la oposición de nuevas corrientes
de pensamiento por parte de las fuerzas
conservadoras familiares que llegan hasta la
violencia extrema para negarlas. La obra exhibe
Doncellas portadoras de la lluvia, vayamos
a la espléndida tierra de Palas, para
contemplar el muy deseable país de
Cécrope, rico en hombres valerosos; lugar
sagrado de ritos indecibles, donde un
santuario que acoge a los iniciados abre
sus puertas en los Sagrados Misterios.
Allí se brindan presentes a los dioses
celestiales, templos hay de elevado techo,
estatuas, proscenios sacratísimas de los
bienaventurados, sacriicios y iestas a
los dioses, con ornamento de coronas, en
las estaciones más diversas, y al llegar la
primavera, el don de Bromio la porfía de
los coros melodiosos y la música de las
lautas de grave sonido.
Conocemos bien el argumento desaiante
de la moral griega expuesto en Las nubes:
Estrepsíades es un rico agricultor de Atenas,
atormentado por deudas que ha contraído a
propósito de complacer los caros gustos de su
hijo Fidípedes, quien posee una aición por la
hípica rodeando el mundo de la casa familiar
de prestamistas como Pasías y Aminias. En su
búsqueda de una solución que le permita evadir
a sus acreedores, se le ocurre la idea de enviar
a su hijo a la escuela de Sócrates donde se
enseña el arte de la argumentación. El hijo se
niega a obedecer al padre. Éste lo expulsa de la
casa y decide él mismo convertirse en alumno
del famoso maestro. Su propósito conciente es
adquirir instrucción necesaria del arte de la
dialéctica con ines de poder litigar mejor con
los acreedores para no pagarles lo adeudado.
En la escuela es declarado viejo y torpe en las
artes de la gramática y de la argumentación.
Entonces, logra convencer a su hijo de que
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
84
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
estudie en la Academia de Sócrates.
Fidípedes le advierte a su padre que se
arrepentirá por tal decisión. El hijo debe
escoger una línea de enseñanza entre el
Argumento Justo y el Argumento Injusto,
decidiéndose por este último para desarrollar
una gran capacidad argumentativa para litigar.
Estrepsíades logra algunos éxitos enfrentando
a los prestamistas con lo aprendido y tiene la
ilusión de que su hijo le ayudará a resolver
sus problemas crediticios. Fidípedes regresa a
su casa, y después de una discusión golpea a
su padre. El joven argumenta que si los niños
soportan golpizas de sus progenitores, con
mayor razón deben aprender a soportarlas
los adultos. Encolerizado por lo sucedido, el
padre con la ayuda de su sirviente quema la
Academia de Sócrates, responsabilizando a sus
enseñanzas de confundirse con la de los soistas
por la conducta de su hijo.
Las nubes interrogan a Sócrates como “un
cazador de palabras artísticas” y como un
“sacerdote de las naderías más sutiles”, como
“el que camina arrogante por las calles” y
como “el que soporta descalzo muchas cosas
desagradables y presume a costa nuestra”.
Invocan a Zeus, Poseidón, Éter y Helios como
divinidades poderosas que los mortales ignoran
pero que sin embargo padecen por el trueno,
el rayo y la lluvia, por los fenómenos celestes
que desconocen los modos en los que los
hombres asienten o disienten en sus decisiones.
Impasibles cuestionan la autoridad de la palabra
de la razón humana por su fragilidad para la
verdad. Alcanza sólo con seguir los argumentos
de la comedia para dudar de tal razón en la
constitución de la ética, de la afectividad y de la
justa relación con los otros en la ciudad. Como
verdaderas antagonistas impasibles, el coro de
deidades percibe los traspiés, las cavilaciones y
ARtIGOS
la inspiración de los hombres sabiendo que los
mayores beneicios provienen de ellas y no de
la sabiduría.
Provocadoras, recuerdan el tiempo de lo
sagrado, ante hombres que dudan del poder de
los dioses:
¡Tú, que la excelsa sabiduría muy
renombrada cultivas, cuán dulcemente
en tus palabras se encuentra la lor de la
virtud! Dichosos en verdad eran, desde
luego, los que vivían entonces, en tiempo
de los antepasados. Frente a esto, tú, que
posees una reinada inspiración, preciso es
que digas algo novedoso, pues el hombre
se ha ganado el aplauso.
El coro de deidades da cuenta de las acciones de
Estrepsíades cuando sale de su casa perseguido
por su hijo, para presentar la cúspide de los
fracasos humanos que trazan estrategias entre
el interés y la razón. Los cirros de los altos
cielos mantienen su distancia con los traspiés
mortales:
¡Lo que es amar los asuntos ruines! Pues
el viejo este, enamorado de ellos, quiere
retener el dinero que pidió prestado. Y
no es posible que en el día de hoy no le
sobrevenga algún problema que haga a
este soista repentinamente de las vilezas
que se ha puesto a cometer. Pues creo que
él va a encontrar en seguida lo que hace
tiempo pedía, que su hijo sea hábil para
argumentar sentencias contrarias a lo que
es justo, de manera que salga victorioso
contra todos los que tengan trato con él,
aunque sus argumentos sean abominables;
y quizá, quizá va a desear que su hijo esté
mudo.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
85
ARtIGOS
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
Gerhard Richter, Atlas, 1970
4. dE LOS CIELOS BAJOS. LA CIENCIA dE
LOS CúMULOS.
Gerhard Richter, Atlas, 1970
Los cúmulos son para la ciencia nubes bajas
aisladas y densas, que pueden desarrollarse
verticalmente con protuberancias sin producir
lluvias. Se las consideró en la física antigua como
un tejido formado entre elementos ásperos
enlazados de manera loja que se mantienen
cohesionados entre sí, tocando la cima de los
montes y elevándose hasta el éter como una
respiración de la tierra. Se distinguen de los
estratocúmulos porque éstos son formaciones
cumuliformes que producen lluvias ligeras y
continuas y de los estratos porque aquellos
se presentan como un manto gris que pueden
provocar lloviznas al espesarse.
Lucrecio dedicó el libro VI de Sobre la
naturaleza de las cosas a comprender el
trueno, el relámpago, el rayo, las trombas, los
torbellinos, la formación de las nubes, la lluvia,
los fenómenos atmosféricos, los terremotos, las
magnitudes del mar, la potencia volcánica, los
avernos, los pozos, las fuentes, el magnetismo
y las pestes. A diferencia de los libros etruscos
que contenían la doctrina de la adivinación a
través de los fenómenos celestes, creencias
que pasaron de Etruria a Roma, desempeñando
un papel fundamental en la ciencia y política
de la primera mitad del siglo I, el poeta y físico
buscó demostrar que no hay señales divinas ni
ocultas intenciones, tampoco profecías tirrenas
ni signos que obran por adivinación en los
fenómenos de la naturaleza.
Creía como Anaxímenes que las aguas se
evaporan y exhalan hacia arriba para chocar con
el calor del éter hasta espesarse de distintos
modos por condensación, para extenderse
debajo del cielo azul en continuo movimiento
sin que nada limite al universo por fuera. En
esta poética lo que importa es la velocidad de
formación de los cuerpos de la materia siempre
entrelazados y aglomerados aunque de sólida
simplicidad y de velocidad variable en el vacío.
Las digresiones continuas que Lucrecio sostiene
contra el punto de vista teológico le permiten
exponer cómo los átomos con su movimiento,
composición y clinamen han creado el
mundo y todo lo que hay en él. La gravedad
y desviación de los átomos resultan centrales
para comprender el movimiento de la materia
en su variedad de formas.
El poeta percibe que los elementos primeros
de las cosas varían en un número inito de
iguras, como initas son las formas de las
nubes aunque nuestra percepción las vea
ininitas. Aquellos átomos que forman nubes
y nimbos volantes, de número innumerable y
de celeridad comprobada, suelen recorrer un
espacio indecible con formas limitadas. En el
pasaje sobre “La formación de las nubes” (VI,
451- 494) Lucrecio describe nubes altas, medias
y bajas, las del alto cielo, las de la estratigrafía
media y las que están al alcance del montañista.
También describe las formaciones verticales que
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
86
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
de improviso pueblan la tierra de nubarrones y
tinieblas, conectando las aguas con los poros
del éter en una respiración orgánica terrestre.
La física desciende de los altos cielos que cobijan
a las diosas de Aristófanes hacia el despliegue
de una topografía física en desarrollo vertical,
en la que livianas y suaves o densas y potentes
se producen las veladuras del sol y la luna o los
torrentes y tormentas eléctricas. La supericie
de las nubes son envolturas curvas como si fueran
una túnica ininitamente doblada. Literalmente
y sin metáforas, se trata de un espacio luente,
una desviación móvil dotada de una idelidad
formal estricta. Forman parte de la genealogía
de los simulacros, porque son ídolos móviles
que emanan de las supericies y de las fuerzas
atómicas que las componen. Los contornos de
las nubes se deben a su constitución atómica
y a las luctuaciones dinámicas del fenómeno.
Las vestiduras móviles de sus formas son los
bordes luctuantes en los que pensaba Lucrecio
y que culminaron deiniendo una larga tradición
de la iconografía al imaginar el cielo como un
sistema de pliegues entre sólidos y sutiles.
Lucrecio enseñó en el nacimiento de la física
a ligar la percepción de los simulacros a la
ininidad de envolturas que se desprenden
de lo que se ve. Cada forma se convierte en
fuente de ininidad de envolventes plegadas
y desplegadas al ininito, para sostener que
todo, y en especial las nubes, se ha producido a
partir de un torbellino o una espiral, porque es
la turbulencia como tal la que se convierte en
emisora de todas las envolventes formales en
variación continua.
Gerhard Richter, Atlas, 1970
ARtIGOS
5. dE LOS CIELOS MEdIOS. LA POÉtICA dE
LOS NIMBOStRAtOS
Gerhard Richter, Atlas, 1970
Gerhard Richter, Atlas, 1970
Los nimbostratos son capas nubosas que la
ciencia describe como mantos estables que
ocultan el sol y provocan las precipitaciones
continuas e intermitentes. Hölderlin las mira
y escribe que mantienen a los hombres en
“intimidad con los dioses sin verles la cara”.
Se distinguen de los altoestratos porque éstas
forman un manto que opaca el sol sin producir
lluvias provocando la corona solar y lunar y
de los altocúmulos que forman glóbulos sin
producir precipitaciones. Las nubes medias han
atrapado a pintores y poetas porque revelan
tanto como ocultan.
Mirar las nubes ha sido para mí un momento
de vida entre dos silencios. Cualquier narrativa
comienza por el medio de las cosas, más aún
cuando intento decir algo sobre las formaciones
celestes. Se trata de un instante de tiempo
que ya no rima con el tiempo cronológico de
las utilidades porque no tiene lugar la mirada
en ninguna trama trivial conforme al llamado
de la ley. La gramática para el lenguaje es tan
peligrosa como el agua para quien está a punto
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
87
ARtIGOS
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
de ahogarse. Los pensadores morales antiguos
saben que como el odio, el agua no tiene casa sino
que apenas fabrica movimiento. Los hombres
con miedo al agua están pre-ahogados, aquellos
con amor al movimiento luido se convertirán
en nadadores. Nunca accedí a las nubes sin el
agua que las forma, tal vez porque aprendí de
Wittgenstein que los asuntos radicales entre la
percepción y el lenguaje deben ser abordados
de modo lateral.
Creo haber leído, en algún pasaje de un libro
de fragmentos que no recuerdo, que “en la
historia del mundo la tragedia comenzó en el
momento en el que el metal pasó a tener mayor
importancia que el agua y los libros”. Es una
constatación técnica y por lo tanto una ilosofía.
En los tiempos antiguos solo se consideraban
“noticias”, a aquellos acontecimientos que los
ojos veían en directo y los dedos podían tocar.
Todo el resto eran mitos. En todos los pueblos
antiguos, pero en particular en los griegos,
hay una parte femenina, y curiosamente, era
asignada a las nubes. Podremos considerar que
la imaginación y la mentira no son defectos de
la realidad o de la verdad. La realidad, como
indica la radicalidad de un romántico en la voz
de Novalis, no es más que un accidente salido
de la imaginación y la verdad no pasa de otro
accidente nacido de mentiras.
Será por ello que la cultura disciplinaria escolar
que recuerdo me llamaba por mi nombre bajo el
imperativo “usted, está en las nubes”. Tal vez
este sea el momento de responder: comprendí
escapándome por la ventana del aula que la
forma de las diversas sustancias del mundo
es una y única aunque múltiple y diversa. La
infancia me enseñó aquella poética de René
Crevel al huir del aula por el cenit. Por las
nubes comprendí el mundo en su lexibilidad y
transiguración material. La luidez de las nubes
inundó mi infancia, la impregnó y aireó como
a mi cuerpo entero, porque al verlas todos los
órganos entran en trance, por esa lexibilidad
cercana a la transiguración tan necesaria para
acceder al acto de creación.
De los ángeles en la iconografía medieval
a los carnales querubines de la imaginería
barroca se produce una transformación en la
que persiste una imagen transparente, que
aparece y desaparece, bastante iel a un fuego
incandescente hasta transigurarse en un cuerpo
rollizo más sólido que volátil. Tal conversión de
los cuerpos angélicos se produce sobre nubes
que se desplazan de un suelo sólido pleno de
jerarquías a un torbellino vertiginoso de una
materia tan líquida como envolvente. Siempre
me ha parecido que la metamorfosis del cuerpo
de los ángeles va acompañada en la iconografía
de la transiguración de las nubes.
De este modo aprendí la lección a cielo abierto,
habrá que elegir entre la especie o el alma,
entre la pertenencia a la pulsión o la inteligencia
sutil. Parece no haber término medio, o bien una
metamorfosis móvil bajo un proceso lexible, o
bien una posición estable unida al destino de
sus avatares. Entre el cuerpo de articulaciones
blandas de la niñez y el cuerpo endurecido que
la muerte solidiica en el proceso vital, entre
el gesto lexible y la rigidez helada, las nubes
en la estratigrafía celeste narran tragedias
mortales escritas sobre su forma y disposición.
El arte de conocer por el cuerpo siempre ha
necesitado de fábulas talladas o pintadas en las
transformaciones celestes. Aristófanes escribió
la suya con la máscara de la comedia. Ovidio
fundió su metamorfosis como un astrónomo.
Lucrecio hizo la propia, como un especialista en
poéticas físicas de trombas y nimbos volantes.
Muchos han comenzado mirando las nubes:
el monje inspirado por la ley de su formación
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
88
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
divina; el pintor por las variaciones de sus
formas, colores y procedencias; el historiador
por el acontecimiento del que participaron
impasibles; el poeta por la cercana intimidad
con los dioses sin tener que verles la cara; el
cientíico por las funciones de un campo de
fuerzas energéticas que forman las tendencias
atmosféricas; el ilósofo porque siguiéndolas
persigue a través de ellas una distribución de
los tiempos. Nietzsche primero, y luego Artaud,
me convencieron que aquello que asusta en el
mundo son las fuerzas impasibles que obran de
manera invisible sobre los cuerpos, aquellas
fuerzas brutales con las formas de las furias
trágicas o de los coros de la comedia, como las
que se gestan entre el viento y las lluvias, entre
el rayo y los torbellinos.
Los cazatormentas adoran esas fuerzas
inhumanas que las nubes fabrican y portan.
Los tecnócratas viven pensando en nubes de
redes de información que insisten entramadas
en un sexto continente virtual. Algunos
ilósofos lejanos o cercanos creyeron que los
pensamientos no son frutos de la tierra sino de
las nubes, y a veces, que funcionan como éstas.
Acredito que los pensamientos tanto como
los cuerpos están a merced de empujones y
tirones a velocidad variable y son tan profundos
como supericiales, porque centro y supericie
son, para el pensamiento, de la misma clase.
Aristófanes vio diosas que perciben el obrar de
los mortales y Lyotard vio formas que proyectan
sombras variables según el ángulo desde el que
nos acerquemos a ellas. Entre ambos media la
larga tradición occidental de la transformación
de la geometría y de los juegos de lenguaje que
se forjó mirando las nubes.
ARtIGOS
Gerhard Richter, Atlas, 1970
6. EPíLOGO
Viola, No sé cómo es que soy
La violencia es más rápida que el límite de
velocidad de comprensión de la mirada. Así
percibí que el cielo nada tiene de protector
como creía Paul Bowles. No ignoramos que la
iluminación cuando entra en el agua se tuerce,
como la vara parece torcerse. Así lo he visto
cruzando los lagos helados de la Patagonia. Los
haces de luz se quiebran y las aguas que nado
no son distintas a un cielo líquido poblado de
nubes. Dylan Thomas me enseñó que la luz no
es un metal o que el metal tal vez es una luz
más lenta. Las nubes me han atrapado por su
velocidad y lentitud, por la diferencia entre
dos potenciales, entre el fulgor del trueno y el
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
89
ARtIGOS
LO QUE SE VE, LO QUE SE TOCA. POR UNA POÉTICA DE LO IRREGULAR...
haz del relámpago. Por aquel acontecimiento
miré el cielo como cualquiera y como todo el
mundo, y me rendí a sus fuerzas entre el temor
y la pregunta.
Gerhard Richter, Atlas, 1970
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
90
ARtIGOS
Revendo nuvens*
Luiz B. L. Orlandi [1]
Resumo: O texto pretende criar uma pequena superfície de contato entre uma risonha contemplação
das nuvens e o esforço de pensá-las a favor de um paradoxal modelo da luência, sempre buscado mas
quase sempre endurecido no uso de conceitos, no trato dos ilosofemas. Não é à toa, portanto, que
o texto recorre a exemplos tirados da arte. Ainal, foi um teatrólogo grego, Aristófanes (455-375),
que nos ensinou, com sua comédia “As Nuvens”, a rir de construções argumentativas que serviam
tanto a Soistas quanto a Sócrates. Sem entrar em detalhes dessa batalha grega, o texto se entrega ao
modesto desenho de linhas expressivas dispostas a se entreterem num construtivismo afeito à imanente
transmutatividade de tudo. O desenho começa com o problema fenomenológico da estranha relação entre
ver e dizer. Complica-se com o destaque de tensões nesses extremos. Com isso a transmutatividade se
impõe como paisagem das próprias linhas, sendo invocados, então, pensadores como Foucault, Deleuze,
Guattari, Bergson, Francisco Varela… Após ameaçado pela profundidade das coisas, o desenho valoriza
o desfundamento, o multirrelacional, pergunta pela potência interseccional com a ajuda de Hume e
Whitehead. Finalmente, entrelaçando linhas, problemático e problema devêm para o pensamento o que
os ventos são para as nuvens.
Palavras-chave: Transmutatividade, Multirrelacional, Problemático.
Seeing clouds again
Abstract: The text intends to create a small surface of contact between a smiling contemplation of
the clouds and the effort to think them in favor of a paradoxical model of luency, always sought but
almost always hardened in the use of concepts, in the treatment of the philosophemes. No wonder,
therefore, that the text uses examples taken from art. After all, it was a Greek playwright, Aristophanes
(455-375), who taught us, with his comedy “The Clouds,” laughing at argumentative constructions that
served both Sophists and Socrates. Without going into details of this Greek battle, the text surrenders
to the modest drawing of expressive lines willing to entertain themselves in a constructivism that is
affected by the immanent transmutativity of everything. The draft begins with the phenomenological
problem of the strange relationship between seeing and saying. Is complicated, with the highlight
of tensions in these extremes. With this, transmutativity imposes itself as a landscape of the lines
themselves, being invoked, then, thinkers like Foucault, Deleuze, Guattari, Bergson, Francisco Varela
… After threatened by the depth of things, the drawing values the ungrounding, the multi-relational,
asks for the intersectional power with the help of Hume and Whitehead. Finally, intertwining lines,
problematic and problem become for the thought what the winds are to the clouds.
Keywords: transmutativity, multi-relacional, problematic.
[1] Filósofo e professor do Instituto de Filosoia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp).
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
91
REVENDO NUVENS
ARtIGOS
Ao poeta Mário Quintana,
com quem aprendemos que
“as únicas coisas eternas
são as nuvens”
[Sapato lorido (1948)]
Essa eterna mobilidade das nuvens dá o que
pensar. E quando tocado por ela, o engenho
de alguns poetas repete criativamente o que é
essencial a eles mesmos: cuidar de sua própria
entrega a metamorfoses. Por exemplo: em O
Engenheiro, João Cabral de Melo Neto espalha
sua busca para dizer o que são as nuvens:
“As Nuvens”
as nuvens são cabelos
crescendo como rios;
são os gestos brancos
da cantora muda;
são estátuas em vôo
à beira de um mar;
a lora e a fauna leves
de países de vento;
são o olho pintado
escorrendo imóvel;
a mulher que se debruça
nas varandas do sono;
são a morte (a espera da)
atrás dos olhos fechados;
a medicina, branca!
nossos dias brancos.
Nuvens
Para descrever as nuvens
eu necessitaria ser muito rápida –
numa fração de segundo
deixam de ser estas, tornam-se outras.
É próprio delas
não se repetir nunca
nas formas, matizes, poses e composição.
Sem o peso de lembrança alguma
lutuam sem esforço sobre os fatos.
Elas lá podem ser testemunhas de alguma
coisa –
logo se dispersam para todos os lados.
Comparada com as nuvens
a vida parece muito sólida,
quase perene, praticamente eterna.
Perante as nuvens
até a pedra parece uma irmã
em quem se pode coniar,
já elas – são primas distantes e inconstantes.
Que as pessoas vivam, se quiserem,
e em sequência que cada uma morra,
as nuvens nada têm a ver
com toda essa coisa
muito estranha.
Sobre a tua vida inteira
e a minha, ainda incompleta,
elas passam pomposas como sempre passaram.
Não têm obrigação de conosco indar.
Não precisam ser vistas para navegar[2].
Em Poemas, Wislawa Szymborska enfrenta a
diiculdade de descrever nuvens:
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
92
REVENDO NUVENS
UM LUGAR
Quem nunca se deixou levar pela visão da
volubilidade das nuvens e pelo afã de nomear
as formas que elas adensam ou desibram
lá nas alturas? Mesmo na sua ingenuidade,
essa pergunta já efetua em certo nível a
complicação que envolve ver e dizer em
tantos e variados jogos, sendo o de mostrar
e esconder, ou aquele do visível-invisível, um
dos mais corriqueiros deles. Pode-se notar essa
complicação entre ver/dizer nesta misteriosa
e bela frase de Maurice Merleau-Ponty: “seja
mítico ou inteligível, há um lugar onde tudo o
que é ou que será prepara-se ao mesmo tempo
para ser dito”[3].
Digamos que esse lugar seja aquele a partir
do qual percebo as coisas, os outros, este ou
aquele mundo, partes de mim mesmo etc. E
é também a partir dele que digo o que vejo e
mesmo o que não vejo frontalmente. É graças
a esse lugar de entrosamento entre ver e dizer
que Merleau-Ponty pode adotar uma inspiração
heideggeriana e tomar a linguagem como
“dobra do ser”. Graças a esse lugar podemos
contemplar qualquer coisa numa transposição
que dela faz um ser dito. À primeira vista, isso
corresponde à nossa experiência comum de
ver/dizer, mesmo que sejam experiências de
ver obscuramente e de dizer confusamente isto
ou aquilo. Que lugar seria esse?
Ora, com o passar dos anos e das nuvens, com
exigências conceituais inspiradas por outras
leituras etc., o retorno àquela bela frase de
Merleau-Ponty já não se satisfaz com essa
pergunta. Por que? Porque o questionável vem
a ser também o modo de pensar que construiu a
própria frase. Esse questionamento pode tomar
como desencadeadora a seguinte airmação:
num indeterminável lugar, aquilo que é ou que
será acaba correndo o risco de ser dito.
ARtIGOS
Pois bem, vejamos no que vai dar esse
deslocamento. A redução desse lugar a um
centro de referências, como o corpo próprio,
acarreta uma dupla simpliicação: a da
complexidade relacional do próprio corpo e a
da complexidade relacional entre ver e dizer.
Essa dupla simpliicação limita excessivamente
as operações vertiginosas das dobras. Limita-as,
por exemplo, aos espetáculos que acontecem
em determinado centro entre percepções e
signiicações linguageiras. Será que o próprio
lugar do espetáculo não é, por sua vez,
trabalhado por dobras que desestabilizam
seu ar de há tranquilo, quase sedentário? E a
própria sensibilidade a esse lugar não seria, por
sua vez, perpassada por dobraduras outras.
É claro que não podemos ser indiferentes aos
sinais emitidos por Merleau-Ponty na direção
de um modo mais exigente de pensar a
sensibilidade. Com efeito, voltando a acolher
a inspiração já pós-fenomenológica presente
nas notas de trabalho de O visível e o invisível,
trata-se de reinar a atenção às operações que
perpassam a sensibilidade na sua complexa
imersão no sentir-e-dizer; trata-se de não
reduzi-las, por exemplo, a um jogo entre
percepções e sujeito falante, de um lado, e,
por outro lado, de não levar a ideia de um
misterioso lugar às limitações do trajeto curto
do arco intencional. (Para que não se pense o
corpo próprio como lugar tranquilo, é preciso,
primeiramente, retomá-lo em sua realidade
selvagem, múltipla, isto é, em sua imersão
numa quebradeira de sentidos, sentidos que
nascem, conforme o último Merleau-Ponty,
em desvios diferenciais e dimensionais, no vão
das percepções, no entremeio das palavras, no
intervalo das ações[4].
A noção de uma dobra do ser, que é a noção
dinâmica implicada naquela frase, exige que
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
93
REVENDO NUVENS
ARtIGOS
seus vários segmentos sejam pensados pelo
menos numa dupla variação. O segmento ser
dito, por exemplo, é um entroncamento de
variações que se pode reunir em leques de
vetores.
Um desses leques tem seus vetores distendidos
entre, de um lado, as vibrações, ecos,
transvasamentos, deformações e cintilações
materiais e, de outro lado, as regiões em que
a coisa borbulha nas eclosões de suas capturas
sensíveis. Esse leque lui entre materialidade
sensível e sensibilidade ao material. É nas
multiplicidades terminais ou semi-terminais que
se encontram essas aglutinações de dinamismos,
onde se condensa ou explode um faiscar de
partículas que se precipitam, deixando-se por
vezes capturar como emoções íntimas, dessas
tão caras, por exemplo, à ética-estética de
István Szabó, diretor do ilme Mephisto, ao
tratar da “sedução de um artista”[5]. Levando
em conta essa variabilidade do ser dito, o
próprio ser revira-se em coisa complexa, a coisa
redimensionada pelas galáxias da sensibilidade,
pela intensiicação das afecções, das sensações
etc., de modo que não se sabe muito bem de
qual coisa da coisa um tal de sujeito falante
está a falar.
O outro leque do ser dito tem seus vetores
distendidos entre o ver e o dizer, processos
estes também mergulhados em complexas
dobraduras. Em Foucault, Deleuze (como
já o izera com Guattari, em Mil platôs –
“Postulados da lingüística”, especialmente)
tematiza a relação de exterioridade e de
pressuposição recíproca entre as formas do
saber, justamente entre a forma-ver e a formadizer, formas que efetuam uma visibilidade e
uma dizibilidade que elas não esgotam, que
elas praticam de modo variável e irredutível
a uma forma comum totalizante, irredutível
a uma comunicabilidade subjacente ou a
uma relação biunívoca[6]. Em seus trajetos
de exposição terminal ou semiterminal, esses
vetores desembocam numa complexidade de
dizeres e outras interferências, de modo que o
ser aí está se complicando numa pluralidade de
linhas dotadas de outros recursos de variação,
como o são, por exemplo, as linhas de ciência,
de ilosoia, de arte etc., todo um universo
de disciplinas com seus traçados e ritmos
próprios.
A mera lembrança desses leques é suiciente
para levar-nos a constatar o seguinte: o lugar,
segundo o qual tudo o que é ou será vem a
ser dito, esse lugar mítico ou inteligível, deve
implicar mutabilidade e transbordamento.
Tratemos disso um pouco mais de perto.
tRANSMUtAtIvIdAdE
É como se fosse impossível conceber tais lugares
como sedentários, apesar da repetição idiota
praticada atualmente por inúmeras vítimas
de luxos televisivos dominados por besteiróis
religiosos e ou midiáticos. Radicalmente
pensados em suas potências de mobilidade,
esses lugares são como os penetráveis de
Jesús Soto, como sua “esfera virtual amarela”,
movimento e vibração. Implicam, digamos,
uma transmutatividade que não lhes é
exclusiva, que atua nos lugares, levando-os à
condição de transsedentários. É a partir dessa
condição que os lugares, enquanto dobras e
sobre dobras, se redobram e se desdobram. O
desdobramento de um lugar é inseparável de
encruzilhadas, de encontros, de imbricações,
de intersecções, com semeaduras de outros
lugares, esquinas potencializadoras, pois que
abertas a outros luxos e cortes de luxos.
Esses cruzamentos ou cortes criam os avessos
das inércias; fervilha neles uma agitação de
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
94
REVENDO NUVENS
ininitesimais, dos minima, de intensidades,
agitação porém sempre exposta a jogos de
formas; sim, sempre exposta, tanto a uma
sobreposição de formas co-determinadas por
condições conservadoras que cercam a
ocorrência dos luxos, quanto à emergência de
vibráteis formas membranosas que criam na
transmutatividade as vias de abertura às forças
de inovação, às metamorfoses cujos ios pululam
nos vincos das dobragens e rebrilham nos luxos
e cortes de luxos. Otimismo verborrágico,
diriam alguns. Não, de modo algum. Toda essa
agitação, toda essa “produção maquínica de
subjetividade”, como diria Guattari, “pode
trabalhar tanto para o melhor”, isto é, para “a
invenção de novos universos de referência”, ou
“para o pior”, ou seja, “a mass-midialização
embrutecedora”[7].
Com Bergson, pode-se dizer que, assim
pensados, esses lugares são como a vida, já que
esta “é a própria mobilidade”, de modo que o
“essencial” para ela é justamente “o movimento
que a transmite”, o que implica pensar o “o ser
vivo” como aquilo que “é sobretudo um lugar
de passagens”[8]. Ademais, o próprio lugar não
só implica a transmutatividade, pulsando agora
numa claustrofobia tornada intrínseca, como
imprime na transmutatividade o revestimento
dos sinais da recomposição local, levando-a a
uma consistência plural. Assim sendo, como
também varia na série de suas atuações, podese dizer que a transmutatividade é ela própria
um mutante. É por comodidade que nós a
tratamos no singular, visando pensar algumas
de suas propriedades.
Comportando essa dupla qualidade de
mutagênica e mutante, distribuindo-se nessa
dupla vertente do que faz mudar e do que muda,
a transmutatividade se espalha, iniltrandose nos vazios e nos plenos, disseminando
ARtIGOS
sua instabilidade básica. Ela não é agente
utópico nem atópico, mas dinamismo espaçotemporal transtópico. Poderia ser chamada
até mesmo de heterogênese, entendida
como multiprocessamento de alterações,
com o mesmo poder que Platão reconhece
no héteron, essa alteridade que penetra as
demais formas[9]. Mas esse heteromorismo
já não poderia funcionar aqui para valorizar o
modelo do “idêntico”. Sem a salvaguarda do
Ser, a transmutatividade é o pressuposto que
se repõe num universo não só de genesis, como
diria Platão[10], mas de devires, como quis
Nietzsche e quer Deleuze.
O
pensar
que
mais
corresponde
à
transmutatividade que o constitui não é,
obviamente, aquele que tende para o modelo ou
que procura o ponto arquimediano distribuidor
de certezas, mas é aquele que se deine como
que atraído pela imanência à distância variável
e ao incessante pluripercurso. Sua vertigem
está no movimento disparatado das partículas
constitutivas de constelações afetivas, enquanto
sua passageira segurança está na agitação das
linhas do seu disciplinado desdobramento em
ciências, ilosoias, artes etc.. Essas breves
referências estão aí para lembrar que há sempre
o risco de se pretender estagnar um trajeto de
transmutatividade por meio de interpretações
que ixem apressadamente seus limites e que
não tematizem a porosidade dos próprios
limites. Um campo qualquer de atuação, a
disputa de um jogo, por exemplo, não se limita
ao território do tabuleiro imediatamente
visível. As mais variadas vias de transmutação,
desde as subjetivas apreensões do jogo até suas
pesadas explorações econômicas, reinventam
a permeabilidade dos limites do território,
sem que possamos levar essas refundições dos
poros a um centro ixo ou dinâmico do resto, a
uma convergência, à unidade de um sentido,
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
95
ARtIGOS
à permanência das regras, pois também estas,
num momento ou noutro, podem ser também
mudadas e até mesmo sorteadas etc.. Entre
tudo aquilo que acontece e o seu fora próximo
ou longínquo emergem imbricações que nos
obrigam a perguntar pela transmutatividade que
se reinstala em cada ponto, que nos obrigam a
perguntar pelos mundos e entre-mundos, por
isto e por aquilo, pelo entre-dois, pelo entrevários, pelo entre-muitos, e tudo isto sendo
feito sem que possamos estagnar essa profusão
de desvios como se estes fossem meros desvios
de uma norma. Multiplicidade de roteiros.
Quando se fala em roteiro, surgem também
referências a partidas e chegadas, mas,
principalmente, a passagens e passeios ou
viagens. Em vez de se pensar coisas situadas
em lugares, o que acaba repondo o império
do eu-no-mundo, seja de modo centrípeto
ou centrífugo, é mais rápido pensar qualquer
coisa como sendo ela própria um lugar, desde
que nela se encontrem processos, passagens,
luxos rebeldes a frágeis determinações de
entradas e saídas. O eu, por exemplo, só para
retomarmos esse caso, comporta, além de
outros complicadores, uma dinâmica oscilatória
entre, de um lado, uma multiplicidade de
tais lugares entretidos num complicado
jogo de consonâncias e dissonâncias e, de
outro lado, um pipocar de mini e macroidentidades. Essas identidades exibem desde
uma presença apropriadora-expansiva até
uma presença inercial-reclusiva, presenças
que se cruzam num campo aberto ao assédio
ininterrupto de transmutatividades anárquicas
disseminadas por toda parte. É nesse campo
que essas identidades do eu vivem oscilando,
justamente porque elas próprias implicam
lugares-processos de insistência e resistência
combinados ou não com lugares-processos de
ativação, reativação e desdobramento, o que
REVENDO NUVENS
as faz variar desde uma reclusão inercial até
uma expansão apropriadora, o que as faz variar,
portanto, na composição de outros e estranhos
eus. Exemplar, a esse respeito, é esta ponte
de intimidade que um poeta do século XX d.C.
lança na direção de um ilósofo da luência, lá
do séc. VI a.C.: “tudo deu certo, meu velho
Heráclito, porque sempre consigo atravessar
esse teu outro rio com o meu eu eternamente
outro”[11].
A transmutatividade dinamiza o lugar que nos
chega de manso ou por invasão súbita, mas
também os lugares aos quais chegamos por
opção ou sem querer. Seja como for, é para
novas saídas que a transmutatividade nos
engrena nesses lugares que nos chegam ou aos
quais chegamos. Bálsamo doado ou imposto a
quem sofre de claustrofobia, estar neles ou a
eles servir de veículo é como ser passageiro de
uma instável rosa dos ventos multidimensional.
A transmutatividade torna efetivo o plano de
errâncias conigurado por esta outra frase que
o humor de Mário Quintana oferece ao leitor:
“um lugar só é bom quando a gente pode fugir
para outro lugar”[12].
A rigor, só ilusoriamente é que se pode
imobilizar lugares que carregamos ou aqueles
pelos quais passamos, ilusão tantas vezes
reanimada por não serem poucas as passagens
que nos entristecem ou nos aniquilam.
A transmutatividade é o imperativo das
passagens, muitas delas sendo trágicas. Isto
quer dizer que ela é todo e qualquer lugar
revirando-se na intensiicação das linhas de
sua dinâmica constituição e desdobramento.
Essas linhas constitutivas estão mergulhadas
numa multiplicidade de processos, como, por
exemplo, os de absorção de emergentes, os de
incorporação de imergentes e os de dispersão
de sequentes.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
96
REVENDO NUVENS
Essa ideia de transmutatividade é aqui
entendida como plano de imanência implicado
e variadamente recortado por todo e qualquer
lugar, reiterando-se, assim, a concepção que
subordina a identidade à multiplicidade de
diferenciações. Isso não airma, todavia, a
inexistência do que Francisco Varela, por
exemplo, nos seus trabalhos em neurobiologia,
chama de “invariância organizadora”. Com
efeito, a transmutatividade ocorre também
em processos que secretam “identidades
emergentes”, identidades que se coniguram por
enraizamento nas “múltiplas determinações”
do que ele chama de “clausura operacional”.
Seu conceito topológico, não mais topográico,
de “auto-referência”, de “auto-organização”,
de “enaction“, implica uma cuidadosa análise
dos processos de “imbricação”, de “mútua
interdependência do dentro e do fora”. Assim,
um “organismo”, diz ele, “não é uma coisa, mas
sim o locus onde ocorrem todas as emergências
de muitos selless selves” (identidades
resultantes de acoplamentos ocasionais), “em
muitos níveis, celular, imunitário, neuronal,
lingüístico, social; e todos estes ocorrem
simultaneamente sem que haja um lugar
preferencial”. E conclui: “logo, a experiência
de um sujeito humano não se situa em um lugar
preferencial, mas está em toda parte”[13].
A transmutatividade não é certamente uma
exclusividade deste ou daquele reino, sendo
encontrada ou de novo ativada com maior ou
menor facilidade desde o reino mineral até as
mais sutis atividades ou passividades do reino
animal. É agitação em cada ponto e no cosmo
inteiro. Porém, seu domínio por excelência é
o do vasto intercâmbio de acontecimentos
que ocorrem como intersecções de reinos.
Mas é possível também notar que qualquer
ponto do universo implica uma constelação de
transmutatividades, desde as tecnicamente
ARtIGOS
mais simples até as orgânica e socialmente mais
complexas: quando uma criança, por exemplo,
mira através de um caleidoscópio em giro, ela
faz sem dúvida sua pequena viagem com a
ajuda desse artefato transmutante de imagens
tecnicamente geometrizadas, mas não se pode
esquecer as linhas de transmutatividade já
atuantes no seu corpo e aquelas que já estão
agitando o nós no meio do qual sua individuação
e suas singularizações vão se maquinando.
O termo transmutatividade, aparentemente
excessivo (para não dizer ingenuamente
arraigado nos devaneios dos alquimistas
em torno da transmutação dos elementos),
quer justamente grifar a ideia de que as
atividades de mudança não estão fundadas
em identidades originárias de partida, e nem
convergem teleologicamente para uma unidade
de chegada, mas já são transpassagens, isto é,
mutabilidades ocorrendo através de uniicações
parciais, fragmentárias. As considerações feitas
acima talvez sejam suicientes para justiicar
provisoriamente o termo escolhido.
PROFUNdIdAdE
De que adiantaria dizer que a transmutatividade
não é privilégio de um lugar se, em
contrapartida, houvesse a intenção de ancorála num fundo, numa profundidade premiada
como sendo o mais profundo de todos os
lugares? Por outro lado, é preciso reconhecer
que a transmutatividade é também operante
em qualquer nível, seja supericial ou profundo.
Mais rigorosamente, ela provoca estiramentos
nesses níveis, desibrando-os, corroendo-os,
reversibilizando seus ritmos, componentes
etc., como ocorre na audição ou execução de
músicas, na gestualidade das danças, no domínio
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
97
REVENDO NUVENS
ARtIGOS
dos instrumentos de trabalho etc.. Porém, como
essa velha palavra, a profundidade, é aqui
retomada, impõe-se a pergunta: como seria
possível, sem desigurar o desfundamentalismo
da noção de transmutatividade, levá-la ao
encontro da velha exigência de se pensar a
profundidade das coisas?
“Adoraríamos penetrar mais profundamente
as coisas”, dizia, em 1924, um inovador dos
estudos históricos, Marc Bloch, em seu primeiro
grande livro. “Mas como conseguiríamos
isso?”, indaga ele, mergulhando, atento, no
vertiginoso de suas pesquisas. Suponhamos
essa coisa complexa pesquisada por ele, a “fé”
na capacidade milagrosa dos reis taumaturgos.
A “força de resistência” dessa fé implicava um
entrelaçamento entre “vontade individual” e
“tendências profundas da consciência coletiva”
ou “forças sociais profundas e obscuras”
ou “elementos psicológicos profundos” ou
“tendências mentais semi-inconscientes”.
Mas um historiador como ele, dotado da
exigência de sempre ir mais longe, não podia
circunscrever o profundo nesse território único,
o que o obrigava a ver “outros sustentáculos”
dessa fé[14].
Mas o que seria esse ir mais longe em relação
à ideia de profundidade? Prefaciando a edição
de 1983 desse livro de Marc Bloch, Jacques Le
Goff assim aproxima esses dois termos: “não
se deve esquecer que a ‘profundidade’ é uma
metáfora que, sem conduzir a história até a
psicanálise, tem sido já há meio século um
desses conceitos lexíveis que ajudaram essa
disciplina a transpor os limites e as barreiras,
a ir mais longe, mais ao âmago dos fenômenos,
dos homens e das sociedades históricas”[15].
Mas trocar profundidade por ir mais longe ou por
âmago das coisas amplia nossa inteligibilidade
do que seria esse mover-se no ambiente das
lonjuras? No âmago das coisas não haveria
outras distâncias, outros percursos e mais
coisas a fazer, a mudar, a produzir, a criar,
complicando sempre o ir mais longe?
O MULtIRELACIONAL
Respeitando o próprio processo de pesquisa,
o ir mais longe comporta, primeiramente,
uma dupla e paradoxal condição: de um lado,
não confundir o profundo com qualquer porto
seguro, seja uma ideia, seja uma impressão
ou conglomerado mítico, e, de outro, nunca
perder a vertigem criativa de profundidades
sucessivas ou repentinas, mas cuidar de sua
consistência, seja luindo numa tecedura
relacional, seja aventurando-se numa tessitura
sonora tradicional ou radicalmente moderna,
seja experimentando o que pode brotar ou ser
extraído dos materiais. É no cruzamento de
conjunções felizes que se singulariza a vertigem
do pesquisador como atenção arrepiada, em
suspense, a que sente em si própria o efeito
que mesmo a brisa chega a sofrer ao atravessar
um domínio de teias de aranha.
Como a superfície, o profundo é, em primeiro
lugar, tão-somente multiplicidade relacional
complicando-se. Merleau-Ponty dizia ser ele o
“onde há ainda um número indeterminado de
relações a serem consideradas”[16]. É próprio
do senso de aprofundamento reanimar-se na
estimulação de relações por outras relações.
Como se nota, sem apressado reducionismo de
uma noção à outra, aquele lugar, implicando
transmutatividades, aproxima-se desse onde
feito de ondas da pluralidade de liames que
se cruzam em acordos e desacordos das mais
variadas naturezas e dos mais distintos graus.
Assim, como viandante dos intervalos, como
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
98
REVENDO NUVENS
dobra que se desdobra ou se redobra nos
desdobramentos ou redobramentos a que é
forçado, o pensamento, levado a efetuar-se
nesta ou naquela de suas linhas, pode ou é
instigado a traçar grandes ou pequenos trajetos
pela profundidade, a rasgar veredas no meio
do emaranhado, a singrar um roteiro nas
fragmentadas convergências e divergências do
multirrelacional. Com as noções de território,
de reterritorialização e de desterritorialização,
Deleuze e Guattari, em Mil platôs, conseguiram
conceituar o caótico dinamismo dos lugares.
O multirrelacional, campo de reordenações e
revezamentos na superfície e na profundidade,
é o domínio em que a transmutatividade tem
sedimentadas suas nervuras, como se estas
fossem caminhos marcados pelas passagens.
Essas nervuras apresentam consistências as mais
variadas, indo do pesado ao leve, do duradouro
ao breve, do submerso ao lutuante, do mais ou
menos constante ao mais ou menos variável,
do ordinário ao extraordinário etc., extremos
esses sempre passíveis de recombinações que
vão do previsível ao casual. Nesse campo,
qualquer roteiro de pesquisa ou de interferência
pode tentar construir sua legitimidade, mas
ela acabará sendo vista como mais ou menos
relevante em face desta ou daquela indagação
ou em função de tal ou qual retomada.
Pois bem, tais iniciativas (pesquisas ou
interferências), atualizando indagações e
inalidades as mais variadas, provocam ranhuras
e coágulos de atenção no multirrelacional.
Elas acabam deixando visíveis alguns rastros
dos seus roteiros mais reiterados. Quando
seguimos esses rastros, percebemos que os
roteiros destacam e selecionam certas relações
(tornadas então típicas) que a iniciativa em
curso emprega na transformação de segmentos
(coisas-lugares) da transmutatividade em
ARtIGOS
objetos do seu interesse teórico ou prático.
Esse processamento de relações é duplamente
revelador: revela o regime relacional que a
iniciativa traça na transmutatividade e revela
o modo de inserção da iniciativa no próprio
multirrelacional.
Destaquemos, mesmo que precariamente, alguns
desses tipos de relações privilegiadas, algumas
dessas amplas delimitações ou determinações
da multiplicidade relacional: a) Quando se diz
que algo, uma língua, por exemplo, deve ser
objeto de um estudo que privilegie a conexão
interna dos seus elementos, temos aí a ideia
de que algo seria aquilo que dele fazem suas
intrarrelações; temos aí a nervura do regime
intrarrelacional praticada por iniciativas que
se inserem no multirrelacional de um modo
estritamente disciplinar. b) Quando elementos
de uma língua são comparativamente
aproximados a elementos de outras línguas,
ou quando duas línguas têm comparadas suas
estruturas, uma tal situação de pesquisa está
eminentemente interessada em estabelecer,
digamos, correlações, em praticar um regime
correlacional, em marcar sua inserção
como sendo codisciplinar. c) Mas podem ser
encontrados estudos que investigam alguma
coisa no campo de suas extrarrelações, como
quando se examina um discurso, para icarmos
nessa região de exemplos, num quadro dito
mais abrangente, sociológico, histórico etc.;
esse regime do extrarrelacional, por sua vez,
revela um modo de inserção paradisciplinar
na multiplicidade relacional. d) Como essas
nervuras não são encontradas apenas em
suas purezas exclusivistas, sendo comuns as
iniciativas que combinam relações enquadradas
em dois ou mais desses regimes, aperfeiçoaramse investigações interessadas em deslindar ou
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
99
ARtIGOS
ixar interrelações, de sorte que um regime
interrelacional foi cada vez mais sedimentando
um modo interdisciplinar de inserção das
iniciativas práticas e teóricas na multiplicidade
relacional.
E COMO FICA A POtêNCIA
INtERSECCIONAL?
Uma análise mais acurada poderia certamente
destacar
outras
nervuras
importantes
percorridas no multirrelacional. O que temos aí
são algumas determinações capazes de fornecer
uma caracterização, digamos, extensiva,
desse campo. Mas pode haver necessidade
de também perguntarmos por uma vibração,
digamos, intensiva, do multirrelacional. Assim
procedendo, talvez consigamos justiicar
a atenção a ser dada a um tipo distinto de
relações, que chamaremos de transrelações.
Estas podem, de um lado, desenhar um
regime transrelacional na transmutatividade
e, por outro, revelar um modo de inserção
transdisciplinar na multiplicidade relacional.
Mas que signiica isso, precisamente, e o que
tem a ver este último tipo de relações com o
que foi visto anteriormente?
Em primeiro lugar, em face daquelas
determinações gerais do multirrelacional
(itens a-d), poderíamos sublinhar uma ressalva
equivalente àquela estabelecida por Hume
ao tratar dos princípios de associação que
ele enuncia: os princípios de contiguidade,
semelhança e causalidade. Para ele, esses
princípios são a condição necessária de um certo
conjunto de relações ditas naturais, notáveis
em hábitos de pensar, na recorrência de ideias
que acabam sendo comuns a muitos pensantes
etc.. Ora, aqueles princípios, e aqui aparece
REVENDO NUVENS
a ressalva, conquanto necessários à explicação
de tais relações, são, todavia, insuicientes
para explicar algo muito importante, qual
seja, a “circunstância particular” graças
a qual “podemos pensar que é apropriado
comparar”, diz ele, “duas ideias”, mesmo
quando arbitrariamente unidas na fantasia.
Essa circunstância particular aí funciona na
efetivação do nosso julgamento, mas ela está
situada fora dos princípios de associação,
circunstância que pode ser a “ocasião”, o
“próprio instante” em que se tem a necessidade
ou a utilidade de ideias rapidamente
sugeridas pela “imaginação”, que pode ser a
“circunstância feliz que reaviva o todo”, no
caso de recordações, circunstâncias essas que
funcionam como variáveis de singularização
num campo em que já atuam princípios da
paixão e não apenas os de associação[17].
Essa passagem pela ressalva humeana, essa
passagem pelo circunstancial (que Deleuze
explora no sentido de uma das ideias mais
presentes em toda sua obra, a de exterioridades
das relações, sem a qual pouco se compreende
não só sua crítica à interiorização kantiana das
relações como sua noção de acontecimento, de
signo, de encontro etc.[18]) , essa passagem,
repito, corrobora uma constante impressão,
como aquela causada pelo quadro visto acima
(lista a-d): mesmo tendo ele discriminado
relações, regimes e modos de inserção, temse a impressão de que é necessário insistir em
algo mais; é que nenhuma listagem de relações,
por mais exaustiva que seja, consegue inibir o
questionamento imerso no multirrelacional,
imerso na própria complicação das relações.
Sem dúvida, é necessário percorrer ou
estabelecer relações para se deslindar trajetos
de transmutatividade, para se deslizar na
superfície ou mergulhar na profundidade das
coisas, ali onde aloram ou são produzidas
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
100
REVENDO NUVENS
mais e mais superfícies e, portanto, outras
tantas relações. Mas seria suiciente esse
quadro ou outro que novas relações viessem
a modiicar apenas em extensão? Conectado
aos mais variados conceitos imprescindíveis
a sua exposição, um quadro de relações mais
ou menos extenso, embora necessário, seria
suiciente para dizer a transmutatividade
atuante em cada caso de entroncamento
multirrelacional? Em outras palavras: além
de estar extensivamente engrenada no
multirrelacional, conforme atestam os tipos
de regimes relacionais apontados acima, a
transmutatividade não comportaria aquilo que
a singularizaria como diferenciação relacional
ocorrendo aqui e agora? Que outro regime
relacional e que outro modo de inserção, sem
eliminação dos já vistos, poderia radicalizar
a crítica ao nosso perspectivismo subjetivo
e nos abrir ao deslocamento objetivo do
próprio ponto de vista, de modo que se
evidenciasse por si mesma uma potência
interseccional atuante na transmutatividade
do multirrelacional? Perguntamos por algo que
não se esgote em nossa subjetividade e nem se
reduza a qualquer outro nódulo extensivo do
multirrelacional, embora haja imanência entre
essa potência e todos os domínios extensivos
que ela atravessa. A potência que buscamos
já não é somente a da estrutura relacionalextensiva, mas a que opera como estopim da
intensidade transmutante no aqui e agora. É
no multirrelacional que a transmutatividade
se envolve com disjunções e conjunções
que afetam sua velocidade, seu ritmo, sua
tonalidade, suas ressonâncias, seu timbre,
em suma, a variabilidade dos circuitos de sua
efetuação. Pois bem, que potência funciona aí
como detonador dessas conjunções, conexões
e disjunções? Já temos os nomes que apontam
a armadura dessa dimensão: as transrelações
irmando um regime transrelacional da
ARtIGOS
transmutatividade e um modo de inserção
transdisciplinar no multirrelacional. Mas o que
esses nomes querem exprimir?
Talvez possamos veriicar melhor o que
pretendem essas perguntas se conseguirmos
apontar sua pertinência em face do que
chamaríamos de mecanismo elementar
de articulação da transmutatividade no
multirrelacional. Para estabelecermos esse
mecanismo, retomemos a ideia de que todo
e qualquer lugar, compreendendo estrutura e
mudança, pode ter essa sua dupla face pensada
como efetuação de uma transmutatividade que,
passando por ele, nele pulsa como agitação
transmutante e sedimentação estrutural de
uma rede multirrelacional.
Pois bem, com Deleuze, poderíamos dar a esse
lugar pulsante o nome de acontecimento, mas
pensemo-lo aqui como “ocasião” ou “entidade
atual”. Alfred North Whitehead, transformando
a noção cartesiana de substância, chama de
actual entity tudo aquilo que “funciona com
respeito a sua própria determinação”, tudo
aquilo que “tem signiicação por si mesmo”,
aquilo que “combina a auto-identidade com
a auto-diversidade”; para ele, não há razão
no caso de não haver entidade atual, sendo
esta a súmula do seu princípio ontológico: “no
actual entity, then no reason“. Seja grande
ou pequena, a entidade atual é a complexa
potência articulatória de dois componentes:
um “genético” e um “morfológico” ou
“estrutural”. Pelo seu componente genético,
a entidade atual é constituída por uma dupla
abertura, por um duplo luxo, por um duplo
“devir” (becoming): primeiramente, temos um
devir de “concrescência” (concrescence), que
corresponde ao princípio supremo da ilosoia
de Whitehead, o princípio de “criatividade”;
esse devir consiste em atividades de “preensao”
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
101
REVENDO NUVENS
ARtIGOS
(prehension), por meio das quais a entidade
atual se constitui por captura dos “dados” do
seu mundo ambiente, por “apropriação” de
“elementos particulares”, o que faz dela a
“causa inal”, a “unidade individual” para esses
dados incorporados, para esses elementos do
universo; o componente genético comporta
ainda um devir de “transição” (transition),
aquele pelo qual, através de atividades de
“ingresso” (ingression), uma entidade atual
acaba ingressando noutra entidade atual que
está funcionando então como preensora; para
esta, a entidade ingressora funciona como
“causa eiciente”, função em que ela tem
realizada sua “potencialidade real”. Portanto,
o componente genético do mecanismo
que estamos resumindo implica esse duplo
processamento de concrescência e transição
das ocasiões atuais. Pois bem, articulado a esses
dois devires do componente genético, tem-se
a “cogrediência” (cogredience) da entidade
atual, isto é, sua “estrutura morfológica”,
sua “extensividade”, a “multiplicidade” de
coocorrentes, o campo das “relações extensas”
em que ela se enquadra com outras entidades
atuais[19].
Temos aí, certamente, um abusivo resumo
da complicação conceitual investida por
Whitehead na elaboração da ideia de entidade
atual. É possível até mesmo que tenhamos
forçado esse resumo (de resto facilitado por
um estudo de Jean-Claude Dumoncel[20])
para que ele tornasse ainda mais agudas as
perguntas que há pouco deixamos em suspenso.
Com efeito, a diiculdade de se articular
os componentes genético e estrutural das
entidades atuais equivale, guardadas as devidas
proporções, à pergunta que acima grifamos a
respeito da articulação da transmutatividade
no multirrelacional. Havíamos sugerido que
a resposta deveria ser procurada num certo
tipo de relações, chamadas transrelações
(irredutíveis de pronto à extensividade das
demais), capazes de desenhar um regime
transrelacional na transmutatividade e de
propiciar um modo de inserção transdisciplinar
no multirrelacional. Esses nomes querem dizer o
estopim, o detonador da articulação procurada
em sua vibração. Eles querem armar, revestir,
veicular uma potência irredutível à imediata
extensividade, irredutível tanto ao genético
quanto ao estrutural e que, ao mesmo tempo,
não se confunda com hipotética interioridade
subjetiva e nem com profundidades míticas ou
mistiicadas, mas que justiique até mesmo o
tremor dos mistérios, o relance das vertigens;
uma instância colada às conjunções, conexões
e disjunções da coocorrência de lugares que
pulsam na diversidade dos luxos que por eles
passam. Que potência é essa? Falamos em
potência interseccional. Qual é seu campo de
imanência?
O PROBLEMÁtICO
Aí está o nome do campo de encontros
que se erige a cada pulsação da potência
interseccional – o problemático. Ele é sem
dúvida decepcionante para quem esperava
encontrar uma denominação plenamente
representativa, capaz de indicar uma palpável
engrenagem articuladora da transmutatividade
no multirrelacional, uma engrenagem a tal
ponto evidente que o acesso a ela pudesse ter
como guia seguro um método simples e frutífero
na revelação dos meandros da articulação
pesquisada. Infelizmente, essa instância mostrase mais tortuosa, como um labirinto rizomático,
já visto como mais complexo do que o clássico
de Teseu ou aquele, maneirista, de Leibniz. É
fácil reconhecer que o problemático comporta
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
102
REVENDO NUVENS
desde questiúnculas factuais ou linguageiras
até questões pesadas, incontornáveis, como as
da “produção social da existência”, no dizer de
Marx[21] , ou como a questão do sucateamento
da humanidade promovido como sub-produto
da atual estratégia de produção dominante[22];
é fácil reconhecer ainda que ele inclui, como
efeito irônico de si próprio, perplexidades
ligadas, por exemplo, à destinação das almas
ou às profundidades inconscientes. Ora, como
não nos cabe a tarefa de patrulhar o advento
dos problemas (o que não signiica isentar-se
das batalhas de legitimação/falsiicação de
problemas), é delicada a situação de quem
pretende manter o pensamento em tensões de
estudo, o que o obriga, em face desse quadro
geral, a evitar duas tentações complementares:
de um lado, a de só levar em conta os problemas
suscetíveis de resolução e, por outro lado,
a de curtir e realimentar a irresolução dos
problemas. A primeira tentação determina
excessivamente a indeterminação que envolve
até mesmo as chamadas questiúnculas,
castrando recobrimentos, encurtando trajetos,
induzindo o pensamento a não veriicar sua
própria utilidade prática; a segunda insula
subjetivamente a indeterminação, alimentando
a atmosfera de uma ingida hesitação ou
indecisão, satisfazendo-se, no limite, com
uma inefável perenidade dos problemas.
Essas tentações são complementares porque
maltratam a própria indeterminação, que elas
castram por meio de um objetivismo de trajeto
curto ou estufam por meio de um subjetivismo
autocomplacente.
Para
veriicarmos
a
possibilidade de se pensar a ligação produtiva
do problemático com a indeterminação que
lhe diz respeito, tracemos, antes, um breve
lembrete de sua distribuição discursiva.
Um dos campos semânticos que mais reincide no
variado leque de registros discursivos, registros
ARtIGOS
que sublinham diversiicados trajetos no
multirrelacional, é o formado pelo vocabulário
em que se repetem as palavras questão,
problema, interrogação, pergunta, solução,
resposta e outras da mesma galáxia. Émile
Bréhier já havia notado, em 1948, essa “singular
frequência”, achando mesmo que o sucesso do
termo problema (no ano anterior, uma reunião
do Instituto Internacional de Filosoia adotara o
tema “o problema do problema”) poderia estar
“denotando” uma característica “importante
da orientação ilosóica atual”[23]. É claro que
essa palavra, lembra ele, já é importante entre
os gregos, sendo a dialética uma arte que lhe
dizia respeito; será mais tarde importante para
Tomás de Aquino, que constrói uma série de
“questões” na Suma Teológica; Descartes fará
dela um preciso uso metodológico; pode-se
dizer que, com Kant, a palavra, aparentemente
bem disciplinada como uma das modalidades do
juízo, ganha dramaticidade, dado que a razão
humana, por sua própria natureza, é como que
atormentada por problemas que ela mesma não
pode evitar. Não poucos ilósofos submetem
os problemas ao avanço teoremático de suas
teses, caso de Hegel, segundo Bréhier, enquanto
outros, Merleau-Ponty, por exemplo, sublinham
o caráter problemático de suas argumentações.
Num dos momentos em que se deixa ler como
ilósofo, Michel Foucault revela que não
quer fazer uma “história das soluções” e que
“gostaria”, isto sim, de “fazer a genealogia dos
problemas, das problematizações”, razão pela
qual o modo grego de viver não é, para ele, uma
“alternativa” em nossa espaço-temporalidade,
pois, acrescenta ele, “não se pode encontrar
a solução de um problema na solução de
um outro problema levantado num outro
momento por outras pessoas”[24]. Mas seja
como for, instrumentalizando o problemático,
metodologizando-o,
categorizando-o
ou
acolhendo-o numa estrutura dialética de
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
103
ARtIGOS
puros conceitos, pode-se dizer que a noção de
problema é geralmente determinada em função
das limitações do sujeito de conhecimento,
é comumente pensada, diz Deleuze, como
“categoria subjetiva do nosso conhecimento,
um momento empírico que só marcaria a
imperfeição da nossa conduta”[25].
Foge da competência deste trabalho assinalar
os textos que rompem com esse fechamento
do problemático numa falha do conhecimento.
O imperativo da transformação das práticas
sociais seria, para Marx, o campo de
consistência dos problemas. Pode-se encontrar
outros pontos dessa ruptura na variação a que
Nietzsche submete a questão socrática. Um
inconsciente de questões não é estranho a
especialistas da psicanálise e, menos ainda,
a estudiosos da esquizoanálise. Até mesmo
o instrumentalismo de Dewey provoca um
deslocamento que pensa o problemático como
qualidade de uma situação indeterminada, uma
situação que, por causas reais, é submetida
à indagação. Merleau-Ponty é pródigo em
frases relativas ao mundo entendido como
conjunto interrogativo, conjunto que interessa
a uma ilosoia pensada como interrogação
inexaurível. Por outro lado, ainda no campo
de suas imersões, o problemático é também
usado para diluir diiculdades conceituais numa
atmosfera de belas almas, visando-se com
isso não apenas protelar soluções e respostas
(embora tal sossego, mesmo quando febril,
seja também psico-solucionático a seu modo),
mas estancar a própria rebeldia e violência das
questões. Por exemplo: como suportar por mais
tempo o autoritarismo golpista, reacionário e
incompetente atualmente em voga no Brasil?
E assim por diante: seria inindável a lista de
ocorrências do vocabulário do problemático
nos mais variados planos discursivos, não só
REVENDO NUVENS
os que cuidam do eixo epistemológico, como
aqueles que tratam de linhas na política,
na estética etc., e até mesmo aqueles que
investem esse vocabulário na constituição de
uma ontologia, bastando recordar o estatuto
da questão em O ser e o tempo, de Heidegger.
Como o problemático, de que ele próprio é a
dicção, esse vocabulário está imerso em linhas
de dispersão, linhas que se impõem graças à
possibilidade de alternativas nos mais variados
planos, discursivos e não discursivos.
Quando Aristóteles[26] estabelece a diferença
entre problema e proposição, mostrando que
a frase enunciadora daquele abre alternativas,
enquanto esta conduz a uma assertiva, ele está
valorizando a demonstração das proposições,
visto ser ela o caminho seguro para a progressão
do saber, e desqualiicando o diálogo que
procede por perguntas e respostas, visto que
esta prática dos dialéticos é, para ele, incapaz
de justiicar os termos e a escolha de um deles em
face de alternativas do tipo: “animal pedestre
bípede é ou não a deinição do homem?”.
Pierre Aubenque, a propósito dessa passagem,
lembra que a dialética (platônica) terá seu
momento de desforra na ilosoia aristotélica:
é que, reconhecendo a impossibilidade de
serem demonstradas as primeiras proposições
da ciência, estas serão consideradas por
Aristóteles como “problemáticas, no sentido
próprio do termo”[27]. Mas essa desforra
não parece satisfazer Deleuze, pois, naquela
mesma passagem dos Tópicos, ele vê a retenção
da ideia de problema na forma da proposição;
ele vê aí um dos rastros da história da “longa
desnaturação” da dialética enquanto “arte dos
problemas e das questões”, desnaturação que
acabou levando à perda da natureza própria do
problemático, o que acontece, segundo ele,
toda vez que nos contentamos em “decalcar os
problemas sobre as proposições”[28].
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
104
REVENDO NUVENS
SINAPSE
Como reunir essas linhas de dispersão do
problemático sem desembocar numa base
a partir da qual o resto seja hierarquizado?
Essa pergunta quer evitar, por exemplo, as
cansativas discussões que procuram, de um
lado, dar substância a um conceito ilosóico
por meio de sua ancoragem numa função
de ciência, transformando a vizinhança em
instância de valoração, ou que procuram, por
outro lado, livrar a ilosoia de um contato com
a ciência, desvalorizando preconceituosamente
este campo de atividades. Tais discussões não
estariam mostrando que ambos os lados evitam
uma teoria capaz de pensar o problemático
numa complexa intersecção de relações e
acontecimentos, complexidade ela própria
animada pela transmutatividade dos seus
pontos e variadamente aberta às (ou instigante
das) mais distintas iniciativas disciplinares do
pensamento?
Essas perguntas pedem uma teoria do
problemático que também dê satisfação às
indagações feitas anteriormente a respeito
da articulação da transmutatividade no
multirrelacional. É claro que só poderemos
apresentar aqui algumas linhas gerais dessa
teoria, lembrando que alguns detalhes
já nos ocuparam em estudos dedicados à
ilosoia de Deleuze, um pensamento que,
sem modismos, saliente-se, desenvolve em
nossa contemporaneidade uma “teoria geral
do problema”, uma teoria deixada até agora
numa certa indiferença, mas que outros, como
Eric Alliez, por exemplo, chegam a reconhecer
como “fascinante”[29].
Evitando polemizar, digamos apenas que
uma tal teoria deve pensar o problemático
como um plano que comporta uma potência
interseccional que promove a articulação da
ARtIGOS
transmutatividade no multirrelacional. Para
dizê-lo com palavras diretas, embora não
suicientes, o problemático é potente para
promover o enlace da mudança e das relações.
Esse exercício articulatório se dá por vias
transversais às relações extensivas, porque
sua potência leva o problemático a funcionar
como um relampejar em rede sináptica,
oscilando entre esses componentes, variando
em centelhas que os colocam em estado de
pressuposição recíproca. Mais detalhadamente,
o problema em pauta no aqui e agora comporta
uma potência interseccional que vibra como
conector e disjuntor de luxos transmutantes e
relações estruturais; essa vibração conjuntiva,
conectiva e disjuntiva do problema em pauta
recombina segmentos de luxos e fragmentos
relacionais, singularizando cada seqüência
espaço-temporal do lugar-pulsante. Ele é a razão
suiciente que imanta as condições necessárias
ao desdobramento transmutante. É em função
do potente problema em pauta e das condições
da sua inscrição que as velocidades e ritmos
da transmutatividade, assim como as relações
e coágulos extensivos do multirrelacional, têm
modulado seu caráter mais ou menos relevante
ou mais ou menos ordinário, sua singularidade
ou sua regularidade.
Inversamente, um rastro de questão entra em
pauta, tem sua relevância reconhecida, sua
singularidade grifada, quando um certo estado
tensivo das relações arma uma erupção do
problema que essas relações revestem e que
nelas promove um desdobramento previsível
ou casual. Há ainda uma coocorrência de
problemas, podendo estes convergir ou entrar
em mútua concorrência. Nas lutas sociais e
políticas, grandes ou pequenas, é este um dos
aspectos mais interessantes do problemático:
a disputa pelos poderes implica as forças com
as quais os agrupamentos se mobilizam para
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
105
ARtIGOS
impor às outras partes o reconhecimento da
constelação de problemas nos quais eles próprios
ganham promoção.[30] No mundo universitário,
por exemplo, há disputas para se determinar
a famosa pertinência ou não deste ou daquele
problema, o que implica um patrulhamento
disciplinar, quando o mais produtivo seria
simplesmente a mudança de assunto, a
seleção e invenção de outros problemas. Como
salienta Paul Veyne, o enriquecimento da
inteligibilidade no campo da pesquisa histórica
está intimamente ligado à apreensão variável
da “casuística” dos acontecimentos, uma
apreensão que se enriquece no cruzamento da
experimentação conceitual com a “ampliação
do questionário”[31]. Mais ainda, o direito
de gritar seus próprios problemas é uma
árdua conquista, um passo importante, pois
continuaremos “escravos”, diz Deleuze,
“enquanto não dispusermos dos próprios
problemas, de uma participação nos problemas,
de um direito aos problemas, de uma gestão
dos problemas”, visto que estes se revestem
de uma “urgência” que chega a ser até mesmo
“independente de suas soluções”[32]. Tudo isso
mostra justamente o quanto o problemático não
é harmonioso. Nele acontecem dissonâncias
terríveis, como quando se descobre ser radical
a estranheza que nos separa de outrem e de
nós mesmos. Alianças e rupturas se armam e se
desarmam, com recomposições entre aliados e
adversários, conforme escolhas que se fazem
no cruzamento de problemas que vão desde
as diiculdades de relacionamento pessoal
até os que, de tão pesados, parecem brotar
da distinta inserção estrutural dos agentes.
Nesse quadro, a constância das ações e reações
é paradoxalmente provisória, por mais que o
dito agente tenha de mover-se nos problemas
a partir de um plano estrutural (o estar envolto
numa pele negra, por exemplo) que ele não
pode ou não quer demover, plano que acaba
REVENDO NUVENS
sendo a questão que se desdobra em outros
problemas ou que é neles investida, mas tudo
isso acontecendo diferenciadamente, ao ritmo
do problema em pauta no aqui e agora de suas
condições e intersecções. É claro, por outro
lado, que, tomada por luxos midiáticos de
idiotização, uma consciência individual pode,
a respeito de um problema, pegar uma via
solucionática que só vai piorar sua vidinha.
Isso quer dizer que um problema destacado e
posto em pauta num tipo de relação não esconde
totalmente sua impregnação transrelacional.
Na inserção transrelacional que o conecta às
condições de sua efetuação, um problema até
mesmo punctualizado encontra a revelação
da sua intrínseca dissonância, intrínseca, pois
ele próprio é, ao mesmo tempo, a intimidade
e a irradiação de uma disparação que lhe é
constitutiva, de uma “disparidade constituinte”,
própria da diferença-diferenciando-se[33].
Se um só problema já implica dissonâncias,
com mais razão é justo pensar o problemático
como instância neobarroca. Neo, porque,
aquém e além dos acordos leibnizianos[34],
o problemático implica a coexistência,
a coocorrência de incompossíveis, e isto
acontecendo em quaisquer dos seus pontos
cavernosos, em quaisquer das suas mônadas
tornadas agora porosas, como o são os lugares
pulsantes, com suas aberturas. Não apenas uma
brecha valorizando o Mesmo através do Outro,
mas um excedente de dobras entre uns e outros,
uns e outros provisoriamente estagnados para
serem logo relançados; e ocos que não mais
ocultam apenas o Diabo, pois que também este
se estilhaçou em mil e um demônios. Veja-se
o atual Congresso brasileiro e segmentos de
aplicadores da chamada Justiça.
Essas coisas acontecem até mesmo sem
dramatismo excessivo: ao fotografar mãos,
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
106
REVENDO NUVENS
Jorge Molder, por exemplo, tenta enfrentar
o “desaio” de enlear o que ele chama de
“dissonância” e “harmonia”, isto é, o desaio de
ligar com arte um “ato de singularidade” e um
“ato de universalidade”[35]. A diiculdade que
Gerald Thomas enfrentou em março-abril de
1994 não é menor e nem menos sutil: dirigindo
“O Sorriso do Gato de Alice”, sentiu-se ele
obrigado a preservar a “voz” de Gal Costa como
“personagem” principal da situação, mesmo
porque, segundo a própria cantora, “cantar é
o io principal da minha essência”, essência,
portanto, tão variável quanto as metamorfoses
desse tão belo io; e como precisou dar a essa
situação uma composição também teatral,
preservando esse mágico io, seu problema de
direção foi levar o espectador a reconhecer
naquela voz a complexidade de um lugar
luente, o lugar em que se “localiza”, diz ele,
“o drama, os conlitos do espetáculo”[36].
E não é de teor problematizante a arte
cinematográica de Júlio Bressane, cuja
complexidade desencadeia uma marginalidade
própria?[37] Literariamente, o problemático se
parece com algumas de suas eclosões, com o
universo-Borges, por exemplo, de que tanto já
se falou, com o quebra-linhas de Ricardo Piglia,
mais recente; ele se parece, em suma, com as
obras abertas tratadas por Umberto Eco, com
os “labirintos rizomáticos” sobre os quais ele
próprio falou[38], inspirando-se na teoria do
“rizoma” proposta por Deleuze e Guattari, isto
é, uma teoria da “multiplicidade substantiva”,
multiplicidade intensiva em que a diferença se
liga à diferença por meio da diferença[39] .
Mas uma tal caracterização, que chega a ser
banalizada nos resumos dessa ilosoia, não
diz imediatamente que o ser, como diferença,
trocou de par nos textos de Deleuze,
divorciando-se do negativo, separando-se do
não-ser, e passando a transar, a articular-se
ARtIGOS
ou a entrar em transe com o problemático,
seja de modo variadamente vertiginoso, seja
de modo variadamente disciplinado: todo e
qualquer lugar é como que uma “‘abertura’”,
diz Deleuze, “uma ‘fenda’, uma ‘dobra’
ontológica que reporta o ser e a questão um
ao outro”, sendo que, “nessa relação, o ser é
a própria Diferença”, uma diferença não mais
prisioneira do negativo, do “não-ser”, pois este
é agora o “ser do problemático”[40]. Assim,
a fórmula que resume essa transsedentária
ontologia
problemático-diferencial
(?#)
aponta para a agitação intensiva atuante em
qualquer multiplicidade. Como o problemático
e a diferenciação enrolam-se como elos nos
processos da diferença-diferenciando-se, a
fórmula pode ser assim reescrita …?#?#… O
que se destaca é o mútuo envolvimento do
problemático e da diferenciação complexa
como detonador de luxos no multirrelacional.
Em consequência, pode-se dizer que o
transrelacional é o regime que, por premência
variável do problema em pauta, dá um certo
tom à transmutatividade e estabelece uma
ressonância (seja consonântica ou dissonântica)
entre as séries de relações que distendem o
multirrelacional.
UM PRISMA
A esse respeito, poderíamos brincar com
uma teoria, por assim dizer, prismática do
problemático. Digamos, resumidamente, que
esse prisma se forma no mesmo instante em que
um problema recebe distintos investimentos
teóricos e práticos, investimentos que exploram
ou instituem nervuras no multirrelacional.
Com isso, o problema vai sendo lapidado,
disciplinado, em distintas faces, como
acontece com o problema-linguagem ao ser
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
107
ARtIGOS
tratado através do privilégio deste ou daquele
tipo de relações vistas anteriormente. Ou
ainda, determinada teoria física pode instaurar
uma face do problema-espaço, enquanto um
conceito kantiano de espaço, por mais que
ele se interesse por essa mesma teoria física,
acaba elaborando, por força das suas conexões
com outros conceitos dessa mesma ilosoia,
outra face de um problema-espaço já então
duplicado. Desse modo, o problema não é o
mesmo em cada uma das faces que, todavia,
podem ainda ser ditas dele. E podem ser ditas
dele porque, dissonantes umas em relação
às outras, não deixam, porém, de suscitar
encontros entre si, de entrar em ressonâncias
as mais inesperadas, as mais complexas. No
próprio momento em que artes se ligam e se
desligam de um problema, outros investimentos,
por exemplo conceituais, se interessam por
ele, como quando um estudioso pergunta: “o
que é que o cinema nos revela do espaço e do
tempo que as outras artes não nos revelam?”.
E para responder a essa pergunta, o estudioso
só poderá aplicar conceitos competentes na
lapidação da face espaço-cinematográico/
tempo-cinematográico,
categorias
que,
respeitando a “especiicidade”[41] do cinema,
não reduzindo-o, por exemplo, à ilustração
desta ou daquela tese deste ou daquele outro
campo disciplinar, estará elevando o problemaespaço ao brilho de outra face.
A pluri-atenção transdisciplinar não pode,
portanto, ser indiferente a essas linhas de
lapidação. Mais ainda, se o prisma comportasse
apenas a exterioridade de suas faces,
isto já seria suiciente para complicar sua
transparência. Esta, a rigor, é falsa, falsidade
já notável, aliás, na distorcida reciprocidade
das remissões supericiais que se dão entre os
mini-componentes inscritos na exterioridade
das faces, na extensividade das relações. É que
REVENDO NUVENS
os componentes de um plano, os ingredientes
de uma série relacional, são mais ou menos
capazes de capturar, dos componentes inscritos
em outras faces, uma miríade de sinais que serão
distintamente relançados conforme o regime
relacional e o modo disciplinar que imperam na
lapidação da face considerada. Assim, os sinais
serão retomados algumas vezes por relexão
direta, mas também por inlexões, delexões,
refrações, decomposições etc., conigurandose, nessa profusão de desvios diferenciais
ou dimensionais, a própria cintilação do
problemático. É por serem tomados em luxos
variados de emissão e recepção de sinais, sinais
por eles relançados, que os componentes, os
mini-lugares que surfam nas faces, começam
a ser signos, isto é, complexidades não
imediatamente transparentes umas às outras.
O que aqui se entende por signo é esse algoarmadilha que não se identiica com os sinais
que emite, seja na direção de um signiicado
seja na direção de um signiicante maior, de
modo que a chave de sua sempre insuiciente
exploração é uma retomada que não esgota suas
lancetadas e suas porosidades, mesmo porque
a retomada é mais uma dobra imiscuindo-se
com outras como dobra do problemático.
Foi dito que esses complexos componentes
começam a ser signos uns para os outros já
na mútua remissão de sinais observados na
exterioridade das faces. Por que começam?
Porque sua estranheza se agrava quando
consideramos que o prisma é mais complicado,
não havendo apenas suas faces e, nelas, as linhas
ao longo das quais o problema é transformado,
é disciplinado, é operatoriamente tratado e até
instrumentalizado em função de problemasoutros, como os de autoconstituição das
próprias disciplinas. Aquém das faces, o prisma
se redobra em cavernas, digamos, o que
acentua mais ainda sua falsa transparência.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
108
REVENDO NUVENS
São reentrâncias que se formam no encontro da
concavidade interna das faces, ali onde pulsa
uma densidade caótica. Quantos segredos não
foram ainda revelados e que operaram nas
tramas dos golpistas deste 2016 brasileiro?
Mas o que é precisamente essa interioridade
cavernosa do prisma? Sua densidade não é
simplesmente dizível como confusão, pois
esta palavra funde a rica diversidade numa
ideia de massa amorfa. Sua densidade é a
de um cruzamento excessivo de processos
em velocidades disparatadas. Essa espessa
densidade é a de labirintos de devires, no
sentido de Whitehead, labirintos em estado
de quase-determinação, o que impede a
diluição do problemático num subjetivo e
vago indeterminado. Ainda com o auxílio de
Whitehead, poderíamos dizer que temos aí
uma “indeterminação condicionada”, uma
indeterminação positiva que, para ele, “se
torna determinada na concrescência real”. É
este, precisamente, para ele, o signiicado de
“potencialidade real”[42], a potencialidade
que, como veremos, anima a vocação
interrogativa dos conceitos.
Enquanto as faces do prisma rebrilham na
falsa transparência das relações precisas
e disciplinadas do multirrelacional, sua
interioridade cavernosa é propícia a uma
plenitude de ressonâncias variando em
consonâncias e dissonâncias. Assim, a teoria
prismática se completa num apelo a uma
teoria ressonântica do problemático. Este se
contorce entre, de um lado, suas atualizações
no campo das determinações terminais
observadas nas faces do prisma, e, por outro
lado, suas potenciações virtuais no campo
de indeterminação positiva das cavernas
de ressonância, campo de indeterminação
positiva porque permanentemente aberto ao
ARtIGOS
real, isto é, à imanente complicatio, como
diria Giordano Bruno, aberto, portanto, a
um excedente caótico de determinações e
devires, lugar de vertigens e descaminhos,
germinação de mistérios até, o lugar em que
os elementos, que antes emitiam sinais nas
faces ditas transparentes, agora completam
sua transmutação em signos essencialmente
problemáticos.
POtêNCIAS ExPRESSIvAS E
INtERROGAtIvAS
A elaboração
conceitual
em
ilosoia
implica um esforço que pratica os mais
variados deslocamentos no problemático.
Primeiramente, convém irmar o seguinte: é
por estar traçando com seus conceitos uma
das faces de determinado problema que uma
ilosoia se airma, e não por sua ligação servil
a outro brilho do problema, seja este religioso,
cientíico, político ou estético etc.. Lapidar um
dos contornos do problema em pauta com seus
próprios recursos conceituais é o modo ativo
que tem uma ilosoia de participar do prisma,
mesmo que, por um efeito de óptica, ou defeito
ótico, ela às vezes se coloque a serviço de outra
face. Mas não será ela valorizada pelo eventual
bom desempenho do papel de coadjuvante, e
sim por sua capacidade de lapidação, isto é,
pela potência que seus conceitos demonstrarem
tanto em suas relações recíprocas quanto
na captura dos sinais dispersos nas outras
faces do prisma e emitidos pelos signos e
acontecimentos em que eles se adensam.
Nenhuma ilosoia abarca o prisma por cima,
como síntese superior, por baixo, como voz
do fundamento, ou pelo centro, como núcleo
visado ou de irradiação. As ilosoias estão
metidas no problemático, incapazes até mesmo
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
109
ARtIGOS
de concertos oligopólicos.
Mais especiicamente, no campo de problemas
que ela institui ou que a assolam, uma
ilosoia procura construir sua competência
na dedicação à tarefa que lhe advém da
interseção de pelo menos duas linhas de muito
difícil atuação, difícil porque, nessas linhas,
ela deve retrabalhar, em seu próprio plano
e com seus próprios recursos conceituais, a
dupla transpassagem dos signos que atiçam
determinado problema: a linha de atração pelos
sinais que se movimentam nas outras faces do
prisma e a linha dos complexignos, a linha que
pode levá-la às modulações da ressonância,
ao côncavo, ao cavernoso, ao que se dobra,
redobra e desdobra, ali onde a atenção máxima
aos luxos pode levar a vertigens, seja no
sombreado, seja no faiscar de mil luzes.
Pois bem, qual é o principal recurso com que
pode contar uma ilosoia em sua atração pelo
problemático? Deleuze sublinha que a ilosoia
não é uma Potência, como o são as religiões, os
partidos políticos, a televisão, a ciência etc..
Mas é preciso reconhecer que a elaboração
ilosóica não sobrevive sem suas potências
próprias, isto é, sem os conceitos. Em que
sentido os conceitos ilosóicos são potências?
Eles são potências de dupla face, de dois
gumes.
De um lado, os conceitos ilosóicos são
potências expressivas. Por implicarem uma
complexa criatividade, os conceitos têm sua
expressividade espalhada desde o sensível
(também eles são “‘sensibilia’”, dizem DeleuzeGuattari, não só as artes) até a singularidade da
invenção ilosóica que os cria, lugar-momento
em que o conceito é marcado como sendo deste
ou daquele ilósofo[43]. Sendo modulações de
“ideias”, os conceitos são inevitavelmente
expressivos como elas, pois o que as “constitui”,
REVENDO NUVENS
diz ainda Deleuze, “é a passagem da vida pela
linguagem”[44] . A vida em uma de suas vias
de transrelacionalidade, de transiguração,
de transmigração expressiva. E um vasto e
indeterminado questionamento vital estará
sempre acossando a ilosoia.
Em outra camada de expressividade, os
conceitos ilosóicos são potências expressivas
de um plano de “compreensão pré-conceitual”,
isto é, de um “plano de imanência” em que
eles cintilam como grãos de areia no deserto ou
como vagas no mar; são expressivos, pois, de
uma “imagem do pensamento” que os banha,
isto é, da imagem que o próprio pensamento
“dá a si do que signiica pensar”, do que é para
ele “fazer uso” de si mesmo, do que é para
ele “orientar-se” em seu próprio exercício[45].
Os conceitos são ainda expressivos da própria
galáxia em que gravitam, do “planômeno”,
em que se relacionam fragmentariamente,
entretendo aí uma narratividade expressiva
do “acontecimento” que eles “dizem” ou
“enunciam” ou até mesmo “fazem existir”. Já
nesses níveis de expressividade é que se pode
notar que os conceitos ilosóicos escapam de
curtas relações de referência, relações tão
importantes na atuação de linhas de ciência.
Essa expressividade relativa ao seu próprio
plano de constituição é a que também conhecem
as artes, dado que, como notam Deleuze
e Guattari, “a matéria se torna expressiva
‘justamente’ no plano de composição estética”
[46].
Do conceito como potência expressiva, podese dizer ainda o que Deleuze propõe quando
elucida a ideia de “outrem como expressão de
um mundo possível”: expressão, diz ele, é “essa
relação, que comporta essencialmente uma
torção, entre um expressante e um expresso,
de tal modo que o expresso não existe fora
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
110
REVENDO NUVENS
do expressante, se bem que o expressante
se relacione com ele como a alguma coisa
totalmente distinta”. O “possível”, nesse caso,
longe de ser uma igura da “semelhança”, vem
a ser “o estado do implicado, do envolvido,
em sua própria heterogeneidade em relação
àquilo que o envolve”, assim como “o rosto
aterrorizado não se assemelha àquilo que o
aterroriza, mas o envolve em estado de mundo
aterrorizante”[47] .
Sem que possamos aqui desenvolver esse ponto,
lembremos ainda a possibilidade de pensarmos
essa expressividade dos conceitos nos termos
com os quais Deleuze, estudando Espinosa (que
é o “Cristo dos ilósofos”, por ser a encarnaçäo
de um “mistério” eminentemente ilosóico,
o do “devir-ilósofo ininito”[48]), caracteriza
os “atributos” como “formas dinâmicas e
ativas”, de tal modo que a possibilidade das
ideias representarem o “encadeamento das
coisas” vem a ser como que o subproduto do
mútuo “encadeamento” das próprias “ideias”.
Em outras palavras, as ideias só obliquamente
“representam algo” porque “exprimem sua
própria causa”[49], isto é, em outro registro,
porque exprimem as condições imanentes à
sua própria enunciação. De um dos encontros
de Deleuze com Espinosa pode-se ainda pensar
a expressividade do conceito em relação a uma
complicação do seu “movimento” próprio,
a uma complicação do seu mover-se “em si
mesmo” (que é o da “compreensão ilosóica”);
esse movimento se complica porque o conceito
“se move também nas coisas e em nós”,
inspirando “novos perceptos e novos afectos”,
com o que se obtém uma “compreensão não
ilosóica da própria ilosoia”. Nesse nível, a
expressividade é a de um complexo movimento
que advém pela participação do conceito em
uma operística “trindade ilosóica”, aquela
em que ele, como portador de “novas maneiras
ARtIGOS
de pensar”, pratica um “estilo em ilosoia”
por unir-se a outros dois “pólos”, o pólo dos
“perceptos”, isto é, de “novas maneiras
de ver e ouvir”, e o pólo dos “afectos”, isto
é, de “novas maneiras de sentir”[50]. No
limite, portanto, os conceitos são potências
expressivas da nossa própria inserção no campo
problemático, no campo sem o qual o sentido
de um conceito seria tornado excessivamente
leve porque articulado apenas na rede formal
de estritas relações conceituais.
Por outro lado, os conceitos são potências
interrogativas, e o são numa dupla vertente:
aquela pela qual eles se engrenam na
atualização expressiva e operatória de
problemas de cuja enunciação e solução
participam numa face especíica do prisma; e
aquela pela qual, dosando sua própria vertigem,
eles se reativam na cavernosa interioridade do
prisma, lugar de cruzamento de devires, lugar
em que ressoam consonâncias e dissonâncias,
lugar da indeterminação condicionada, lugar
da potencialidade real, …?#?#… Recordando
mais uma vez Platão, Deleuze, em 1988,
numa entrevista a Claire Parnet, dizia que a
Ideia é a coisa em estado puro, acrescentando
que, assim concebida, a Ideia só não era
abstrata por corresponder a um problema que
devíamos procurar[51]. O sentido que rodopia,
imantando os componentes internos de um
conceito e adensando sua endo-consistência, é
justamente o problema a que ele corresponde:
“Um conceito está privado de sentido enquanto
não concorda com outros conceitos e enquanto
não está associado a um problema que resolve
ou contribui para resolver”[52]. Portanto,
mesmo em sua função resolutiva, o conceito
implica sua potência interrogativa, implica o
questionamento de sua participação com outros
no embate com problemas.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
111
REVENDO NUVENS
ARtIGOS
É claro que um conceito pode ter sua potência
interrogativa estagnada por dogmatismos,
adesões
impensadas,
instrumentalizações
safadas etc., emperrando-se em assertivas
e apoditicidades mortas. Nesse estado,
os emperrados componentes do conceito
só podem ser reagitados, transladados,
substituídos etc., quando um pensamento
estudioso, isto é, atingido pelo que se há
de pensar, libera a potência interrogativa:
incorporando-se ao conceito, essa potência
reativa-o, leva-o a reatar transrelações, isto
é, a reabrir-se ao problemático que adensa
o seu sentido, leva-o a precisar-se com o
problema a que ele corresponde, ao problema
que ele instaura, explicita, ou que por ele se
interessa ou passa. Marcuse, por exemplo,
gostava de reanimar potências interrogativas
institucionalmente desativadas, como quando
perguntava o que tinha sido feito dos conceitos
de socialismo, de soviet e de democracia nas
antigas siglas URSS e RDA (União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas e República Democrática
Alemã), siglas que, para ele, reiteravam a
imagem de uma concreção esmagadora do
pensamento[53]. Mas concreções desse tipo
não são depositadas apenas por macro poderes.
Mesmo alguém iniciado em ilosoia pode, em
seus momentos de descuido ou cansaço, em
seus ataques de prepotência ou idiotice, em
suas adesões ao mandonismo, desconectar
o conceito de sua declinação ou modulação
interrogativa e mantê-lo na estabilidade de
algo alheio às processualidades do seu campo.
Esse procedimento leva essa porção de ilosoia
à perda de suas potências moleculares e à
ilusão de participar do concerto das grandes
Potências, como quando algum professor de
ilosoia, por gostar de gritantes e confusas
proferições, por descuido de escrita ou
mesmo falha de caráter, chega a pensar que
a racionalidade tenha passado a hospedar-se
junto à cúpula de certo governo da inexistente
social-democracia brasileira, sem perguntar
pelo tipo de razão assim resguardada e pelo
custo de sua hospedagem.
Contudo, até mesmo textos que enveredam
por esse caminho de convivência prestigiosa
chegam a exibir, às vezes em demasia,
alguns sinais linguísticos de sobrevivência do
interrogativo. São alguns sinais linguageiros
mais ou menos frequentes no exercício do
pensamento estudioso, exercício por vezes
inseparável de uma reincidência até irritante
de partículas contrastivas, como o são as
chamadas conjunções adversativas do tipo
entretanto, mas, todavia, contudo, porém, no
entanto. Como diz Julia ao seu interlocutor,
que ela diz amar, por sinal, sem, no entanto,
aderir necessariamente às críticas que ele
espalha: “você é legal, mas vive carregado
de poréns”[54], ela própria sendo obrigada a
navegar nesse ardiloso mas, nesse operador de
contraste, nesse propulsor de distanciamento.
NUvENS
Mas por que nuvens?
A resposta pede, antes, um curtíssimo resumo
do que vimos. Quando é atingido pelas tensões
de sensibilidade e estudo, o pensamento pode
reconhecer que sua mais íntima associação
à distância e ao percurso é duplamente
articulada. De um lado, essa ligação declinase numa vertente operatória, porque, nela, o
pensamento se retesa ao ritmo das relações
extensivas que efetuam, que atualizam o
problema em pauta no multirrelacional. Por
outro lado, essa ligação modula-se numa
vertente transversal, vertiginosa, porque,
nela, o pensamento é transvasado pela
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
112
REVENDO NUVENS
potencialidade real e transmutante, pelos
devires anárquicos do problemático. Portanto,
temos aí uma complicada ativação mútua dessas
vertentes. Temos um intercâmbio quebradiço
entre perguntas operatórias e indagações
transrelacionais. Nesse intercâmbio, perguntas
operatórias oscilam desde as mais simples às
mais complexas; nesse mesmo intercâmbio
quebradiço, as indagações transrelacionais
também oscilam: desde as mais conscientes
capturas de ressonâncias mais ou menos
evidentes até o seu estar em inconsciente
correspondência com as mais difusas e até
mesmo etéreas ressonâncias que se propagam
no problemático. Finalmente, essas séries de
pressuposições recíprocas são promovidas,
como se viu, pela vibração mútua que liga
um problema em pauta e a vastidão do
problemático, deixando-nos como que à deriva
de uma tecedura de potências conceituais
expressivas e interrogativas, como se um io
de metamorfose guiasse nosso percurso por
veredas ao longo das quais um grande sertão
recompõe-se como inesgotável virtualidade
problemática[55].
E a pergunta retorna: por que nuvens?
Na série aberta dos seres dignos de
contemplação, as nuvens constituem um grupo
deveras privilegiado. É que elas comportam um
paradoxo atraente, mesmo que às vezes nos
ameacem com tempestades, um paradoxo que
apaixonou adultos e crianças ou que ainda os
apaixona quando podem ou têm tempo de olhar
demoradamente para um céu não poluído.
Esse paradoxo concentra-se na especial
metamorfose que elas muitas vezes exibem
de modo sereno e ininterrupto: o paradoxo de
um movimento real que nos prende no mútuo
envolvimento do percebido e do imaginado,
deixando-nos quase que inteiramente passivos.
ARtIGOS
Elas compõem visões que nos levam ao sabor de
múltiplas igurações barrocas que se fazem e se
desfazem, reaglutinando-se ou se despedindo,
vagando em composições volumosas ou tênues,
recortando-se em nítidos peris sobre um fundo
de azul febril em sua limpidez ou se deixando
embaçar sobre camadas de cinza que elas
próprias adensam.
É possível dizer que as nuvens elevam à enésima
potência o reino do pseudos, da falsidade, da
errância mentirosa; seriam má representação
das coisas que sabemos bem melhor representar
em nossa mente metodicamente conduzida
ou em desenhos realistas, em fotograias
bem comportadas etc.. É que os entes que
elas, as nuvens, estariam representando têm
suas imagens desmanchando-se nelas com
muita velocidade; elas são tomadas por um
excessivo devir que não nos deixa cativos nem
mesmo do representado; ao contemplar esse
espetáculo dos céus, icamos presos, isto sim,
ao movimento das recomposições, de modo que
somos induzidos ao erro de aplicarmos sobre
esses vapores sumidiços as formas que neles
mal se sustentam por alguns segundos.
Ora, essas preocupações dizem respeito
ao jogo de representações nascidas de um
imaginário induzido pelas formas que a
percepção esboça na sinuosidade das nuvens.
Na realidade, porém, essas formas que dobram
percepção e imaginação são efeitos de uma
transmutatividade molecular ininterrupta.
A dança das nuvens não é somente volúvel
suporte para o exercício mimético das formas da
percepção assaltada pelo imaginário. As nuvens
não podem ser julgadas a partir da exigência
de uma semelhança que elas não estariam
conseguindo sustentar na leveza do seu ser.
Se se pretende, a propósito das nuvens, falar
ainda em representação, é mais realista vê-las,
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
113
REVENDO NUVENS
ARtIGOS
não como um teatro de poses ébrias, mas como
um ilme, um documentário heracliteano da
diferença-diferenciando-se no céu, aos nossos
olhos, enlevando-nos ou assustando-nos.
Se se pretende uma analogia, a mais realista
que as nuvens nos impõem talvez seja esta:
os ventos estão para as nuvens-com-suasiguras assim como o problemático está para
o pensamento-com-suas-disciplinas. É como
se cada uma das nuvens cantasse com a voz
poética de Safo: “Eros me trespassa e agita,
como o vento”[56]. Mesmo com sua leveza, ou
levadas por outras forças, as nuvens aí estão
insinuando o que o problemático é capaz de
fazer até mesmo com as ideias mais ixas do
pensamento sedentário. O problemático das
forças deixa seu rastro nas metamorfoses do
esforço de pensar.
As nuvens, é sabido, sempre ameaçaram os
ilósofos, desde Sócrates. Como elas têm o
dom de superpor camadas de variada espessura
entre o nosso olhar e as luzes (sejam externas ou
internas), o ilósofo pode ser zombeteiramente
visto como aquele que, a exemplo delas, injeta
confusão ali onde os casos podem ser resolvidos
com reta opinião. Mas as nuvens também
propiciam armadilhas em defesa do ilósofo.
Vejamos como. Sabe-se que Aristófanes, numa
comédia dita inaugural, lançou mão delas,
embaralhando o prestígio de Sócrates. Mas as
nuvens, que ele tão bem convocou para o seu
riso de crítica ao ilósofo, não deixaram de
se vingar do próprio comediógrafo. Por que?
Porque não só lhe emprestaram o nome da peça,
como lhe serviram de modelo, um estranho
modelo da luência: ajudaram-no a ajuizar,
nessa mesma comédia, o seu próprio mérito
criativo, o mérito de quem se julga capaz de
apresentar ideias iccionais “sempre novas”,
ideias “nunca parecidas uma com a outra”[57].
Ideias que se inovam, assim como as nuvens,
em metamorfoses que jamais encontram seu
im. Inindáveis são as metamorfoses, pois o io
que as vai tecendo, o io de metamorfose, longe
de ser simples monopólio da arbitrariedade do
comediógrafo, é o próprio sentido do ser, aquele
pelo qual o ser se diz univocamente como
diferenciação complexa, a diferenciação cujas
linhas de virtualização e atualização aparecem
tematizadas nos escritos de Deleuze, este
quarto momento de uma ontologia do unívoco
iniciada com Duns Escoto no século XIII, elevada
à enésima potência por Espinosa no século XVII,
e cujo terceiro momento é ativado nas obras de
Nietzsche pelas leituras deleuzeanas.
Isso quer dizer, além de outras coisas, que não
somente ao artista cabe o direito de estar atento
às nuvens. Cientistas desenvolvem também
atenções especiais em relação a elas, é claro.
E o mais estranho dos amores volta-se também
a elas para marcar sua diiculdade de estar por
aqui, como quando, impregnado de alhures,
“O Estrangeiro” de Baudelaire, desviandose de pai, mãe, irmão, irmã, amigos, pátria,
ouro e até mesmo de uma inatingível beleza,
revela que acima de tudo ama “as nuvens… as
nuvens que passam… longe… lá muito longe…
as maravilhosas nuvens!”[58]. E por que não
poderiam também os ilósofos participar, em
condições menos desfavoráveis, do problema
da emergência do novo, ainda mais quando
o novo não se mostra apenas na novidade de
grandes formas?
[Texto corrigido neste novembro de 2016, mas
ainda carente de revisão mais atenta].
Recebido em: 8/11/2016
Aceito em: 12/11/2016
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
114
REVENDO NUVENS
*O texto aqui apresentado faz parte de uma série
denominada ‘estudos deleuzeanos’. Estudar é a inindável
tarefa de pensar variações com a ajuda de outros. E são
como simples ‘estudos’, portanto, que os textos dessa
série afastam de si uma dupla pretensão: a de explicar o
pensamento de Deleuze e Guattari e a de disciplinar esse
pensamento na forma de uma cartilha deleuze-guattariana.
Versão anterior do presente texto, intitulada “Nuvens” e
publicada na revista Idéias, Campinas, IFCH-Unicamp, Ano I,
n. 1, jan/jun de 1994, pp. 41-79, está recebendo aqui mais
uma provisória reformulação. Dedico o atual esforço ao bom
convívio propiciado a mim por Susana e Sebastian.
[2] Esse livro de Wislawa Szymborska, prêmio Nobel de
1996, é uma seleção de poemas selecionados e traduzidos
do polonês por Regina Przybycien e publicado em edição
bilíngue. São Paulo: C. das Letras, 2012. Agradeço a Julia
Zakia pela sua oportuna indicação.
[3] MERLEAU-PONTY, M. La prose du monde (1951). Texto
estabelecido por LEFORT, C. Paris: Gallimard, 1969, p.1011.
[4] Tentei dizer isso em ORLANDI, L. A voz do intervalo. São
Paulo: Ed. Ática, 1980.
[5] SZABÓ, I. Entrevista a Leon Cakoff, FSP, 24/02/1994,
p.5-4.
[6] Além de ser tratado no livro de Deleuze sobre Foucault,
o problema das relações entre ver e dizer é detalhado
em várias aulas dadas em Vincennes em 1985. Sempre
desperta, Editorial Cactus (Buenos Aires, 2013) publicou
esse detalhamento no volume El saber.
[7] GUATTARI, F. Caosmose. Trad. br. de Ana Lúcia de
Oliveira e Lúcia Claudia Leão. Rio de Janeiro: Ed. 34, p.
15-16.
[8] BERGSON, H. L’Évolution créatrice (1907). In: Oeuvres.
Paris: PUF, 1963, PP. 603-604 (127-130).
[9] PLATÃO. Soista, 255c-e.
[10] PLATÃO. timeu, 27d-28a ss.
[11] Frase de Mário quintana citada por ZILBERMAN, Regina.
Mário Quintana. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1988, p.178.
(Col. Literatura Comentada). Agradeço a Evelina Dagnino e
a Pedro Maia Soares a garimpagem dessa frase.
[12] QUINTANA, M. Agenda Poética Mário quintana – 1994.
São Paulo: Globo, 1993, p.31 de agosto. Agradeço a Luzia
Helena Lacerda e a Helena Quintana o esforço para a
localizaçäo do lugar de primeira incidência dessa frase.
[13] COSTA, R. da (Org.). Limiares do contemporâneo.
Entrevistas. São Paulo: Escuta, 1993. Entrevista com
FRANCISCO VARELA: pp.72-97.
ARtIGOS
[14] BLOCH, M. L. B. Os reis taumaturgos. Trad. de
Julia Mainardi. São Paulo: C. das Letras, 1993, pp.102103,87,107.
[15] LE GOFF, J. “Prefácio”. In: BLOCH, M. L. B. op. cit.,
p.29.
[16] MERLEAU-PONTY, M. Le visible et l’invisible, op. cit.,
p.291.
[17] HUME, D. A treatise of human nature. Selby-Bigge,
Reprinted. Oxford at the Clarendon Press (1888), I,I,IV,p.13;
I,I,VII,pp.23,24; tb.159; Apêndice (p.628) a I,III,V, p.85.
[18] DELEUZE, G. Empirisme et subjectivité. Paris: PUF,
1953, pp. 110 ss, entre outras. Cf. ZOURABICHVILI, F.
Deleuze – Une philosophie de l’événement. Paris: PUF,
1994, p. 23: “Quer se trate de pensar ou de viver, o que
sempre está em jogo é o encontro, o acontecimento, logo a
relação enquanto exterior aos seus termos”.
[19] WHITEHEAD, A. N. Process and realiy (1929). Correted
Edition, New York-London: The Free Press, 1979, pp. (pela
ordem das citações):18,25,19,219,22,23,211,52,219ss,
150,23,125,286.
[20] DUMONCEL, J.-C. “Whitehead ou le cosmos torrentiel –
Introduction critique à une lecture de Process and Reality.
In: Archives de Philosophie, n. 47, 1984, pp.569-589; n.
48, 1985, pp.59-78. Fora da órbita anglo-saxônica e alemã,
nota-se, depois dos antigos estudos em língua francesa
dedicados ao pensamento de Whitehead, como o de WAHL,
J. vers le concret. Paris: Vrin, 1932, uma retomada já agora
marcada por um tipo de impressão fortemente suscitada por
esse pensador inglês: a de uma “livre e selvagem criação
de conceitos”, como dizem DELEUZE, G.; GUATTARI, F. em
qu’est-ce que la philosophie? Paris: Minuit, 1991, p.101,
impressão já registrata por Deleuze desde différence et
répétition (ref. bibl. adiante) e desenvolvida em Le pli.
Leibniz et le baroque (ref. bibl. adiante). Sobre novos
aspectos dessa retomada do pensamento de Whitehead,
ver STENGERS, I. (Coord.). L’effet Whitehead. Paris: Vrin,
1994.
[21] MARX, K. Contribution à la critique de l`Economie
Politique (Préface – 1859). Trad. fr. de M. Husson. Paris: Éd.
Sociales, 1972, p.4.
[22] Questão que se repõe de maneira cada vez mais
dramática, envolvendo estudiosos das mais variadas áreas
e engajados nas mais diversas estratégias. A esse respeito,
ver, por exemplo, o forte livro de MARQUES, L. Capitalismo
e colapso ambiental. Campinas: Editora Unicamp, 2015.
[23] BREHIER, E. “La notion de problème en philosophie”,
theoria, vol.14,1948, pp.1-7.
[24] FOUCAULT, M. “Michel Foucault entrevistado por
Hubert L. Dreyfus e Paul Rabinow” (1983). In: RABINOW, P.;
DREYFUS, H. Uma trajetória ilosóica. Trad. br. de Vera
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
115
REVENDO NUVENS
ARtIGOS
Porto Carrero. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.256.
2015.
[25] DELEUZE, G. Logique du sens. Paris: Minuit, 1969,
p.70.
[38] ECO, U. Pós-Escrito a “O Nome da Rosa” (1984). Trad.
br. de Letizia Z. Antunes e Alvaro Lorencini. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2a. ed., 1985, pp.45-47.
[26] ARISTÓTELES. tópicos, I,4,1o1b,29ss.
[27] AUBENQUE, P.. Le problème de l`être chez Aristote.
Paris: PUF (1962), 1972, p.291,n.3.
[39] DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mille Plateux. Paris: Minui,
1980, pp.9-37. Rhizome já fora publicado pela Minuit em
1976.
[28] DELEUZE, G. différence et répétition. Paris: PUF
(1968), 1971, pp.203-205.
[40] DELEUZE, G. différence et répétition, op.cit., p.89.
[29] ALLIEZ, E. “Um empirismo fantástico“. 34 Letras, Rio
de Janeiro, n. 3, março de 1989, p.190. É com entusiasmo
que esperamos os resultados das pesquisas de inspiração
deleuzeana levadas a cabo por Tatiana Marins Roque a
propósito de ideias desenvolvidas por Albert Lautman em
seus estudos matemáticos, justamente o autor de uma
ideia muito importante para a compreensão da concepção
deleuzeana de plano de imanência: “o único elemento
a priori que concebíamos”, diz Lautmann, “é dado na
experiência desta urgência dos problemas, anterior à
descoberta de suas soluções” (registrada por Deleuze em
dR, 212, 213 n. e ainda 230 n., 232, 237 e 398). A respeito
da vizinhança Deleuze-Lautman, cf. também MARTIN,
J.-C., variations – La philosophie de Gilles deleuze. Paris:
Payot, 1993, pp. 22.
[30] É sugestiva nesse sentido a ideia deleuzeana de
“virtualização” tal como enunciada por Pierre Lévy: “a
atualização ia de um problema a uma solução. A virtualização
passa de uma solução dada a um (outro) problema”, isto
é, a virtualização “transforma a atualidade inicial em caso
particular de uma problemática mais geral, sobre a qual
incide doravante o acento ontológico”. qu’est-ce que le
virtuel? Paris: Éd. La Découverte, 1995. Melhor seria dizer:
desloca a atualidade inicial em componente de outras
intersecções do problemático.
[31] VEYNE, P. Comment on écrit l’histoire. Paris: Seuil,
1971, pp.253-278.
[32] DELEUZE, G. différence et répétition, op.cit., pp.205206, 214-215.
[33] DELEUZE, G. différence et répétition, op.cit., p.92.
[34] DELEUZE, G. Le Pli – Leibniz et le barroque. Paris:
Minuit, 1988, p.189.
[41] DELEUZE, G. Pourparlers. Paris: Minuit, 1990, p.83.
[42] WHITEHEAD, A. N. Process and reality, op.cit., p.23.
[43] DELEUZE, G.; GUATTARI, F. qu’est-ce que la
philosophie? Paris: Minuit, 1991, pp. 10,11.
[44] DELEUZE, G. Critique et clinique. Paris: Minuit, 1993,
p.16.
[45] DELEUZE, G.; GUATTARI, F. qu’est-ce que la
philosophie? op. cit. pp.39-40. A propósito do tema da
imagem do pensamento, além das pp. 38-59 de qph?,
ver de Gilles Deleuze: Nietzsche et la philosophie. Paris:
PUF, 1962, pp.118-126; La philosophie critique de Kant.
Paris: PUF, 1963, pp.33-36, 52-56, 70-80 etc.; Proust et
les signes (1964). Paris: PUF, 1976, pp.115-124; différence
et répétition, op. cit., pp.169-217; Logique du sens, op.
cit., pp.92-100; Mille plateaux (com F. Guattari), op. cit.
pp.9-37, 464-470; Le pli, op. cit., pp.199-205. E, ainda,
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. qu’est-ce que la philosophie?,
op. cit., pp. 26,27,185.
[46] DELEUZE, G.; GUATTARI, F. qu’est-ce que la
philosophie, op. cit., pp. 26,27,185.
[47] DELEUZE, G. différence et répétition, op. cit., p.
334.
[48] DELEUZE, G.; GUATTARI, F. qu’est-ce que la
philosophie?, op.cit., p.59.
[49] DELEUZE, G. Spinoza et le problème de l’expression.
Paris: Minuit, 1968, pp.36, 124. Sobre este ponto, cf.
ALLIEZ, E. La signature du monde, ou qu’est-ce que la
philosophie de deleuze et Guattari?, no prelo, p.13.
[50] DELEUZE, G. Pourparlers, op. cit., pp. 223-225.
[35] JORGE MOLDER, Entrevista a Daniel Piza, FSP,
3/4/1994, p.5-1.
[51] DELEUZE, G. “Abécédaire”, entrevista a Claire Parnet
realizada em 1988 e transmitida em série televisiva a partir
de novembro de 1995 pela TV-ARTE, Paris, Videocassete.
[36] GAL COSTA e GERALD THOMAS. Entrevista a João
Máximo, FSP, 3/4/1994, p.5-3.
[52] DELEUZE, G.; GUATTARI, F. qu’est-ce que la
philosophie, op. cit., p.76; 76-81.
[37] Há um livro que muito aprecio pela sua maneira de
destacar a transcriação na poética cinematográica de Júlio
Bressane. Ver SOUSA, A. C. A. e. Poética de Júlio Bressane:
Cinema (s) da transcriação. São Paulo: Educ e Fapesp,
[53] MARCUSE, H. Ideologia da sociedade industrial (1964).
Trad. br. de G. Rebuá. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p.100.
[54] JULIA Zakia Orlandi. Frase recolhida em novembro de
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
116
REVENDO NUVENS
ARtIGOS
1993 por Zilda Pinto Zakia, a quem agradeço.
[55] Por isso é sempre prazeroso reler a tese travessuras do
desejo em ‘Grande Sertão: veredas’ de Paulo Tarso Cabral
de Medeiros.
[56] SAFO DE LESBOS, Fragmento 17. Tr. de Joaquim Brasil
Fontes. In: FONTES, J. B. Eros, tecelão de Mitos – A Poesia
de Safo de Lesbos. São Paulo: Estação Liberdade,1991,
p.329.
[57] ARISTÓFANES. As nuvens. 546-547.
[58] BAUDELAIRE, C. “O Estrangeiro”, um dos “Pequenos
Poemas em Prosa”. Trad. de Aurélio Buarque de Holanda
Ferreira. In: BARROSO, I. (Org.). Poesia e prosa. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1995, p. 279.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
117
ARtIGOS
ANTROPOCENO, CAPITALOCENO, PLANTATIONOCENO, CHTHULUCENO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
118
RESENhA
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
119
RESENhA
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
120
RESENhA
XXIII – Natimorto
Renato Salgado de Melo Oliveira [1]
Natimorto. Direção: Paulo Machline. Produção: Paulo
Roberto Schmidt e Rodrigo Teixeira. Roteiro: Lourenço
Mutarelli (autor original) e André Pinho. [S.l.]: Brasil,
2009. (92 min), color.
(“A menina comendo pássaro”, Renne Magritte, 1927.
Óleo sobre tela, 74×97 cm, Alemanha)
Tudo começa com um convite impossível: o
Agente propõe à Voz para se trancarem em um
quarto de hotel para sempre. Ele diz que tem
algum recurso guardado que pode sustentá-los
por quatro ou cinco anos naquele lugar. Não
teriam com que se preocupar.
Essa proposta surge depois de um encontro
(talvez um desencontro) frustrado no qual o
Agente convidou a Voz para um jantar em sua
própria casa, na presença da Esposa (cônjuge do
Agente) que termina com uma discussão tensa
motivada pelo ciúme da Esposa. O casamento
acabou, de vez, naquele jantar. Ela o traía com
o Maestro – denunciou o Agente para a Voz, já
no quarto de hotel.
Depois de uma confusa e pouca acertada
negociação eles determinam os seus termos.
Ele, o Agente, icará no quarto para sempre,
não sairá para nada, enquanto que ela, a
Voz, dividirá com ele o aposento, terá sua
liberdade, sairá quando quiser, não suportaria
icar coninada, contrariando, assim, os avisos
dele de como o mundo, lá fora, é perigoso,
nocivo, e quer apenas destruí-la.
Voz diz o tempo todo se encantar com as
histórias contadas pelo Agente. Sempre após
uma pequena narrativa, ela retribui airmando
que ele deveria se tornar um escritor, ele
nega. É interessante esse mecanismo de
elogio e negação a partir do fato de que o
autor que faz o papel do Agente é o escritor
Lourenço Mutarelli, autor do livro O natimorto,
um musical silencioso, obra da qual o ilme
Natimorto é uma adaptação.
[1] Graduado em História, mestre em Divulgação Cientíica e Cultural, e doutor em Teoria e Crítica Literária, todos títulos
pela Universidade Estadual de Campinas. E-mail: renatosmo@gmail.com
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
121
RESENhA
Em uma dessas histórias o Agente conta à Voz
que tinha uma tia cartomante, que lhe ensinou,
em sua infância, a ler o Tarô. Depois, já adulto,
o Agente se tornou um fumante, consumindo
uma cartela de cigarros por dia. Foi quando
passou a observar os avisos antitabagistas
impressos no verso da embalagem dos maços
e começou a associá-las com as cartas de
Tarô. Como cada dia lhe trazia uma cartela de
cigarros nova e, portanto, uma imagem, passou
a interpretar a sorte (o destino) daquele dia
através da imagem, aproximando-a de um
arcano do Tarô. A forma que recebia cartela,
posicionando a imagem corretamente ou de
ponta cabeça também constituía um elemento
da interpretação, como no Tarô tradicional.
Seu objetivo era desenvolver essa relação,
inventado, inclusive, novos arcanos. A Voz
achou um tema fascinante para um livro,
ele respondeu negativamente, simulando
certo desdém, mas começou a mostrar como
funcionavam suas leituras.
A Voz ica instigada com a história e quer saber
como se faz essas leituras, pois as imagens são
tão terríveis, serão sempre leituras negativas.
O Agente diz que não necessariamente, que
é preciso estar atento aos símbolos em cada
imagem e faz a leitura do maço do dia: uma
cena de um homem no leito hospitalar com
dois proissionais de saúde, um de cada lado
no plano da imagem, dando-lhe assistência. O
Agente no papel de cartomante diz tratar-se do
arcano maior Diabo, com o diabo ao centro e os
dois monstrinhos aos seus lados. Essa carta não
tinha em si um bom presságio, trazia o signo da
corrupção e da destruição.
O cartomante passa da imagem para o contexto
dos dois personagens. O Agente é um caçador
de talentos e estava intermediando o encontro
entre a Voz e o Maestro, promovendo, assim,
XXIII – NATIMORTO
a carreira de cantora dela, circunstância essa
que fez com que a Voz se encontrasse na cidade
e naquele quarto de hotel. Rapidamente o
cartomante vincula o Diabo a esse contexto:
maldiz o encontro da Voz com o Maestro, airma
que ele não tem a sensibilidade necessária para
apreciar a beleza do canto dela e profetiza
que essa parceria acabará levando-a a ruína
e a destruição. A Voz contesta, diz ser falsa
essa leitura, na verdade o Diabo diz respeito
ao acordo entre ela e o Agente, a proposta
de recolherem ao hotel para sempre. Justo
no momento quando todos conhecerão a sua
voz, que irá brilhar e terá a grandiosidade
como destino, o Agente surge, como o Diabo, e
propõe um pacto da ruína, de se fechar, de se
prender e se isolar do mundo. Os dois discutem
e ela sai do quarto, ele ica. Um mal estar e a
sombra da ruína da instalam naquele quarto, a
partir de então.
Quando do retorno da Voz ao quarto os dois
personagens reatam o diálogo, ele quer se
justiicar. Admite seu erro de não ter percebido
um pequeno detalhe na imagem que muda
tudo. O médico da cena está tocando o peito
do paciente com as mãos, a partir dessa
constatação o cartomante desloca a maquinaria
simbólica para esse negligenciado detalhe.
Desse modo não se trata mais da temida carta
do Diabo com os seus negativos augúrios, mas
sim a carta dos Namorados (ou Enamorados),
invocando um novo sentido simbólico para a
nova relação que se estabelece no quarto. Com
essa mudança de constatação o cartomante
traz um conjunto novo de símbolos e sentidos
que ressigniicam o contexto e o destino. Se,
na hora do Diabo, emergiu a dependência, as
provações, a sedução, a luxúria; agora, na hora
dos Namorados, é invocado o afetivo, o livrearbítrio, a iniciação, a ligação e a castidade
(o Agente se declarou assexuado para a Voz
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
122
XXIII – NATIMORTO
anteriormente, e esse tema retorna com a
carta).
Esse movimento de interpretação da carta e
depois sua releitura traz questões interessantes.
Como se estabelece a relação entre os símbolos
e o Destino? As cartas e os símbolos anunciam
ou inventam o futuro? O Destino se manifesta
através dos símbolos, ou os símbolos agenciam
os encontros, os poderes, as potências, os
afetos, os acontecimentos a partir de um
sentido inventado? O Destino está no dia, na
narrativa toda, no mundo exterior ao hotel?
O que pode resistir às cartas que anunciam o
Destino?
Existem na imagem do verso do maço de cigarro
dois elementos interessantes apropriados pelo
ilme: a imagem e a mensagem escrita. As
imagens são fortes e violentas, como sabemos,
e o Agente as considera fora de seu contexto
de propaganda antitabagista. Já a mensagem
escrita (“O Ministério da Saúde adverte: fumar
causa aborto espontâneo”, por exemplo) é
ignorada nos dois momentos em que aparece.
No primeiro é quando o personagem está
diante do verso do maço, fazendo sua leitura
de cartomancia, na qual considera apenas a
imagem e descarta a mensagem escrita. Na
segunda vez a mensagem escrita aparece na
voz do narrador, neste momento, airmando a
indiferença diante dela: “Quem lhe dera ter a
sorte do Natimorto. Como não pode trancar o
peito dentro de si mesmo, e sabendo que em
gestantes o cigarro provoca o nascimento de
bebês com facilidade para contrair asma, ele
acende o cigarro”. O nascimento de bebês
com a facilidade para contrair asma é ignorado
diante das ações dos personagens guiadas
pelas construções simbólicas vinculadas ao
Tarô e do ato fumar constante deles, em um
quarto fechado com as sobras dos cigarros se
RESENhA
acumulando, e o funcionário do hotel trazendo
sempre mais cigarros e café, nunca comida ou
outras bebidas.
Essa diferença, entre a palavra e a imagem,
ajuda-nos a tentar esboçar um caminho entre
as questões levantadas acima. A relação entre
o Destino (o futuro) e o simbólico se dá pela
incerteza, e não pela adivinhação precisa ou
pela airmação certa. A palavra escrita no maço
traz um componente certeiro, institucional,
cientíico e de poder, é mais um aviso do que
uma profecia. O que está em funcionamento ali
é o poder de uma política, de uma medicina e
do consumo. Ele determina, através do medo,
o destino, fumar causa a morte. É direto, e
não tem espaço para negociação. Por isso
que se torna uma frase desconexa, que não
consegue se airmar nem no interior absoluto
do quarto (espécie de útero profano), nem na
exterioridade máxima do “lá fora” (um tipo de
realidade fora da caverna).
Já a imagem, como o Tarô, e talvez aí que
esteja a grande aproximação entre esses dois,
se faz pela incerteza, pela indeterminação.
A característica do futuro é o porvir, o
desconhecido. E talvez seja possível através
dessa incerteza pensar uma História do tempo
e do espaço. O espaço já foi marcado, para
os europeus, com o signo da indeterminação,
do indeinível. Os mapas da antiguidade e
medievais tinham a sua Terra incógnita ou
mesmo avisos fantásticos, fabulosos (DELEUZE,
1997), avisos de outra espécie, diferentes dos
encontrados em maços de cigarros, onde se
liam: hic sunt dracones (aqui há dragões) ou,
ainda mais comum, hic sunt leones (aqui há
leões). Mas sobre o espaço se estabeleceu uma
Geograia da certeza, e das linhas descritivas.
Contra essa Geograia o futuro resiste, mesmo
diante da Meteorologia (HOBSBAWM, 1998).
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
123
XXIII – NATIMORTO
RESENhA
Desse modo, o que faz funcionar, dentro do
ilme, as imagens proféticas, não é a capacidade
de anunciar o futuro, de airmá-lo, mas sim de
trazer a incerteza do futuro para os afetos,
para os sentidos, para as imagens e para as
palavras (diálogo entre os personagens). Por
esse caminho, o afeto se torna uma resistência
ao poder e é através dele que o narrador pode
dizer: “[…] e sabendo que em gestantes o
cigarro provoca o nascimento de bebês com
facilidade para contrair asma, ele acende o
cigarro”, pois passa existir uma possibilidade
de vida para além da normatização do poder.
materialidade da existência, que nunca sofreu
do indeinido. Que pode se trancar no quarto e
comer o passarinho vivo sem expressão no rosto.
Fazendo da vida como se faz com as mensagens
escritas antitabagistas: sendo indiferente a
ela. Trata-se de um arcano doente, fruto de
um útero profano, feito de sobras de cigarro,
fumaça e avisos de morte. É interessante notar
que o Natimorto, ilho do útero profano e do
cigarro, é o inverso do poema Tabacaria de
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa).
O Agente vai cada vez mais se afundando no
isolacionismo do quarto, operando uma gestação
diabólica (agora assim o Diabo da carta de
tarô) dentro do útero profano que é o quarto
do hotel. Em uma imagem forte, tomada de
cima da cama, com o Agente deitado e o lençol
enrolado em sua perna, faz com ele se converta
na carta de tarô Enforcado (ou O Pendurado),
um símbolo ligado à noção de gestação, de
aceitação do Destino e do Sacrifício. Mas que
começou sendo apresentada de ponta cabeça
(trazendo também a inversão do sentido) e
com o narrador dizendo: “Ninguém engana o
jogo, no tarô sempre perdemos, no olhar de
quem ele mais amava, ele viu o medo”, a sorte
se torna um jogo de azar.
Neste momento, torna-se impossível descobrir
o que resiste ao Destino, à incerteza, ao
indeinível. Pois o que emerge no limite entre
o simbólico e o porvir é a loucura devastadora
de uma fome sem expressão, sem “rosto”, sem
um corpo se contorcendo. Será justamente
o horror da loucura o que resiste ao Destino?
Depois de todo o ilme sem pedir comida, sem
se alimentar, o Natimorto tem uma fome sem
vida.
Ao longo do ilme não vão aparecendo apenas
os arcanos maiores tradicionais do tarô, mas os
inventados pela própria narrativa. O Agente, a
Voz, o Maestro e a Esposa, são eles também
arcanos maiores, que entrelaçam o simbólico
e o Destino. Porém, o que vai sendo criado
no interior do útero profano é o arcano que
signiica o sentido dessa história: Natimorto.
Aquele a quem foram poupadas as incertezas
da vida, que foi do útero direto para a
morte, e não precisou sofrer dos desejos e da
“Quanto você pesa?”
REFERêNCIAS
DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Trad. Peter
Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1997.
HOBSBAWM, Eric. Sobre história. Trad. Cid
Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
Recebido em: 1/11/2016
Aceito em: 10/11/2016
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
124
TÍTULO
RESENhA
O DESAPARECIMENTO NA OBRA DE BERNARDO CARVALHO
SEÇÃO
ENSAIOS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
125
OSEÇÃO
DESAPARECIMENTO NA OBRA DE BERNARDO CARVALHO
TÍTULO
RESENhA
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
126
ENSAIOS
Como uma atmosfera: ilosoia
como um clima de conhecimento*
Emanuele Coccia [1], Tradução de Sebastian Wiedemann [2]
Resumo: A ilosoia é uma espécie de condição atmosférica, que surge subitamente – o tempo todo e
em todos os lugares. Ela pode dominar o conhecimento humano por um certo período, mas também
pode desaparecer abruptamente, muitas vezes por razões desconhecidas, assim como o suave clima da
primavera ou uma tempestade podem se dissipar a qualquer momento.
Palavras-chave: Atmosfera. Clima. Filosoia.
Like an Atmosphere: Philosophy as a Climate of Knowledge
Abstract: Philosophy is a sort of atmospheric condition, arising suddenly – everywhere and at all times.
It can hold sway over human knowledge for a certain period, but also abruptly vanish, often for reasons
unknown, just as mild spring weather or a storm can dissipate at a moment’s notice.
Keywords: Atmosphere. Climate. Philosophy.
[1] Emanuele Coccia começou como estudioso da ilosoia do século XIII. Filósofo, escritor e professor associado na Ècole
des Hautes Ètudes en Sciences Sociales em Paris, ele dedica agora uma grande parte de seu trabalho à vida na cultura
contemporânea. Ele é notadamente o autor, em português, de “A vida sensível” (Cultura e Barbárie, 2010).
[2] Sebastian Wiedemann é cineasta-pesquisador, trabalha na intersecção entre arte e ilosoia acolhendo o problemático que
emerge da atual crise ambiental como potência de pensamento que se desdobra em processos de criação que leva adiante
com o grupo MultiTÃO (Unicamp) e o Orssarara Ateliê.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
127
ENSAIOS
COMO UMA ATMOSFERA: FILOSOFIA COMO UM CLIMA DE CONHECIMENTO
O surgimento da ilosoia não tem sido um
acontecimento histórico único e deinitivo.
Ao invés de uma disciplina notável por seus
propósitos ou métodos, ou por questões e
objetivos universais que atravessam o tempo e
o espaço, a ilosoia é uma espécie de condição
atmosférica, que surge subitamente – o tempo
todo e em todos os lugares. Ela pode dominar
o conhecimento humano por um certo período,
mas também pode desaparecer abruptamente,
muitas vezes por razões desconhecidas, assim
como o suave clima da primavera ou uma
tempestade podem se dissipar a qualquer
momento.
Nesse sentido, a noção de uma história
progressiva ou até mesmo não-linear do
pensamento é, como a existência ilusória de
um arquivo, um cânone ou um patrimônio
de obras ou textos ilosóicos. Existe apenas
uma meteorologia do pensamento no sentido
aristotélico original de uma ciência preocupada
com a longa lista de fenômenos “naturais”,
mas cuja “ordem é menos perfeita do que a dos
primeiros elementos dos corpos”, com “ventos
e terremotos”, “com a queda dos raios e com
os redemoinhos e os ventos de fogo”.
As ideias e os conceitos “ilosóicos” não são
pedaços especíicos do conhecimento a serem
compostos com outras formas de conhecimento
ou ideias, mas sim uma espécie de movimento
que põe em jogo o próprio elemento da
razão e do conhecimento, um certo clima,
uma instável, mas poderosa coniguração do
conhecimento atual – assim como o vento,
as nuvens e a chuva não são elementos
adicionados àqueles existentes no mundo,
mas apenas sua modiicação contingente, ou a
manifestação de seu poder e inluência sobre
nós. Assim como uma certa temperatura, uma
certa luz ou qualquer nova disposição dos
elementos naturais pode mudar a aparência
de um lugar e determinar sua habitabilidade,
qualquer acontecimento ilosóico modiicará a
disposição do conhecimento e da aprendizagem
de um contexto histórico e assim mudará
radicalmente o seu modo de existência.
Começamos,
então,
com
um
ponto
epistemológico óbvio: a ilosoia é atmosférica
porque a verdade sempre existe na forma de
uma atmosfera. Somente ao misturar com todos
os outros elementos, qualquer coisa encontra
sua identidade: a atmosfera é mais verdadeira
do que a essência. Inversamente, se a ilosoia
prefere a atmosfera à essência, é porque a
atmosfera é a totalidade dos elementos em
sua forma extrema. Nesse sentido, a natureza
atmosférica
do
conhecimento
ilosóico
manifesta-se especialmente em sua forma e
na impossibilidade de reduzi-la a um corpo de
conhecimento deinido por um objetivo, método
ou estilo especíicos, que exclua os outros.
Se, então, é impossível reduzir a ilosoia a um
objetivo especíico, a um campo de indagação
“homogêneo” e unívoco, a razão é que a ilosoia
está em toda parte. Longe de se opor a outras
formas de conhecimento – física, literatura,
ciência da computação, arte – ela coincide com
os limites do cognoscível e do nomeável. Nada
é eminentemente ilosóico, e qualquer objeto
– mesmo aquele que não existe e nunca poderia
existir – pode e deve ser matéria e assunto de
ilosoia.
Do mesmo modo, é estritamente impossível
discernir a mais mínima continuidade
estilística de um livro ilosóico para outro.
Ao longo de sua história, a ilosoia recorreu
a todos os gêneros literários disponíveis – do
romance ao poema, do tratado ao aforismo,
do conto à fórmula matemática. Por costume,
então, qualquer forma simbólica é ipso facto
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
128
COMO UMA ATMOSFERA: FILOSOFIA COMO UM CLIMA DE CONHECIMENTO
ilosóica, e nenhuma forma como tal pode
reivindicar uma maior capacidade de alcançar
a verdade; nenhum estilo de escrita é mais
apto para a ilosoia do que qualquer outro. O
fetiche acadêmico contemporâneo pelo incerto
Volapük[3] de ensaios preenchidos com notas
de rodapé tem, deste ponto de vista, nenhum
fundamento para ser. Um ilme, uma escultura
ou uma canção pop pode ser tão intensamente
ilosóico quanto um tratado geológico – a
Crítica da Razão Pura, ou um adágio proferido
com a falsa indiferença de um dândi.
ENSAIOS
* Versão original: COCCIA, E. Like an Atmosphere: Philosophy
as a Climate of Knowledge. The Brooklyn Rail. Set. 1, 2016.
Disponível online: http://www.brooklynrail.org/2016/09/
criticspage/like-an-atmosphere-philosophy-as-a-climate-ofknowledge Nossos mais sinceros agradecimentos a Emanuele
Coccia pela gentileza e generosidade que izeram possível
esta tradução e publicação.
[3] N. do. T. Volapük ou volapuque é uma língua artiicial
criada em 1880 por Johann Martin Schleyer. A palavra
Volapük signiica “língua mundial” (vol ‘mundo’, -a ‘de’,
pük ‘língua’).
É impossível, inalmente, destilar um
único método. O único método é um amor
extremamente intenso por aprender, uma
paixão selvagem, crua, indisciplinada pelo
conhecimento em todas as suas formas e
para todos os seus propósitos. Filosoia é
conhecimento sob o signo de Eros, o mais
grosseiro e indisciplinado de todos os deuses.
Nunca pode ser uma disciplina. É, pelo contrário,
a airmação de que o conhecimento humano
não pode tolerar nem disciplina, nem moral,
nem epistemologia. É por isso que nenhuma
ideia poderia ser encontrada em um arquivo:
a ilosoia encarna a fenda em toda tradição; o
clinâmen dentro de cada disciplina que permite
um corpo especíico de conhecimento tornar-se
um paradigma, para servir como um exemplo. É
o contra-ideal da atopia socrática: o pensamento
ilosóico não está em lugar nenhum, mas em
todo lugar. Como uma atmosfera.
Recebido em: 06/10/2016
Aceito em: 21/11/2016
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
129
ENSAIOS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
130
ENSAIOS
A escala humana (um fragmento de
O que vi – Diário de um espectador
comum)
Eduardo Pellejero [1]
Resumo: Entre fevereiro de 2015 e janeiro de 2016 dediquei o meu tempo e a minha atenção ao estudo
de umas quantas obras da coleção permanente do museu e centro de arte Reina Soia, em Madrid. O
resultado foi uma série de observações – quiçá nem sempre verdadeiras, mas sempre, sim, honestas –
nas quais se confundem, sem ordem nem precedência, questões que guardam relação com o poder das
imagens e o exercício do olhar, a intrínseca singularidade do visível e o comum da sua intelecção, o
tempo da arte e o espaço do museu – e, em última instância, com a minha vivência de tudo isso como
espectador. O fragmento que publico a seguir acata, na medida do possível, a forma e as alternativas do
diário que mantive durante os meses nos quais me consagrei a essa empresa (sem projeto), eliminando
apenas ênfases desnecessárias, repetições e redundâncias. Trata-se, para mim, de uma decisão
que excede as questões do estilo e aponta a uma forma de escrita crítica capaz de exceder a mera
apresentação de hipóteses, inscrevendo no próprio corpo do texto as alternativas da experiência que
lhe deu lugar, os seus impasses e as suas revelações, as suas inconsistências e as suas aberturas.
Palavras-chave: Olhar. Imagens. Relexão.
La escala humana (Un fragmento de Lo que vi – Diario de un espectador común)
Resumen: Entre febrero de 2015 y enero de 2016 dediqué mi tiempo y mi atención al estudio de unas
cuantas obras de la colección permanente del museo y centro de arte Reina Sofía, en Madrid. El resultado
fue una serie de observaciones – quizá no siempre verdaderas, pero siempre, sí, honestas – en las cuales
se confunden, sin orden ni precedencia, cuestiones que guardan relación con el poder de las imágenes y
el ejercicio de la mirada, la intrínseca singularidad de lo visible y lo común de su intelección, el tiempo
del arte y el espacio del museo – y, en última instancia, con mi vivencia de todo eso como espectador. El
fragmento que publico a seguir acata, en la medida de lo posible, la forma y las alternativas del diario
que mantuve durante los meses en los cuales me consagré a esa empresa (sin proyecto), eliminando
apenas énfasis desnecesarios, repeticiones y redundancias. Se trata, para mí, de una decisión que
excede las cuestiones de estilo y apunta a una forma de escritura crítica capaz de exceder la mera
presentación de hipótesis, inscribiendo en el propio cuerpo del texto las alternativas de la experiencia
que le dio lugar, sus impases y sus revelaciones, sus inconsistencias y sus aberturas.
Palabras-clave: Mirada. Imágenes. Relexión.
[1] Filósofo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bolsista Capes Pós-doc 2015/6.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
131
ENSAIOS
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
O qUE vI – dIÁRIO dE UM ESPECtAdOR
COMUM
(8 dE MAIO – 27 dE MAIO)
8 dE MAIO
É comovedora a beleza que pode ter, no meio
do longo inverno madrileno, um dia de sol.
Sentado num banco frente ao lago do Parque do
Retiro, vendo a gente que passeia sem presa,
me embarga um prazer sereno, mole, sem
arestas, que enleva o meu desejo e aquieta a
minha vontade, até deixar-me num estado de
quase perfeita beatitude.
Levanto a vista e contemplo durante um
momento as nuvens que se formam muito
alto no céu. Observar as nuvens é uma forma
inteligente económica de observar dentro da
própria cabeça. O segredo é não pensar em
nada. Pouco a pouco, da volúvel matéria das
nuvens, vão surgindo as iguras nas que se
reconhece a nossa mente quando carece de
qualquer intenção. É um espetáculo digno de
se ver. Agora é um dragão. Agora o rosto de uma
criança chorando. Agora um campo de trigo do
que levanta voo uma bandada de corvos.
9 dE MAIO
Outro dia dedicado a vagar pelos parques de
Madrid. Na Quinta dos moinhos, caminho em
círculos com os olhos entrefechados enquanto
escuto um tema de George Harrison que se
repete no meu walkman como um mantra. Por
momentos o sol me dá em cheio nos olhos e
ando literalmente às cegas. Seeing without
looking.
Quando era um adolescente tinha o hábito de
impor-me o passo que ditava o ritmo da música
que escutava. Com os fones de ouvido e a minha
ita cassete favorita a todo o volume, as coisas
ao meu redor pareciam adotar também essa
cadência, e inclusive responder poeticamente
à letra das canções, para o qual eu colaborava
com oportunos movimentos de cabeça, numa
espécie de edição ao vivo de um ilme que se
projetava dentro da minha mente – ou a partir da
minha mente, na rua – e que mimava os recursos
dos primeiros vídeo-clips que começavam a
ver-se na televisão. Não importava então o
tamanho da minha angústia: o mundo voltava
a ter sentido nesses momentos – mesmo que só
fosse o sentido da minha angústia.
Em Madrid, depois de semanas visitando
diariamente o museu, acabei desenvolvendo
uma espécie de deformação perceptiva similar,
que me surpreende nas situações mais diversas.
Não há nada que possa fazer para precaver-me.
Pode acontecer em qualquer parte, em qualquer
momento. Na rua, por exemplo, enquanto
espero que mude a luz do sinal para cruzar,
tudo se detém num instante que se prolonga
paradoxalmente no tempo, como se se tratasse
de um quadro. Evidentemente, os carros não se
detêm, as pessoas seguem o seu caminho, sou
apenas eu quem ica congelado – e a realidade
em mim (para mim). Ando preocupado com
esse fenómeno. Os nossos olhos não estão
feitos para a contemplação, estão feitos para
a sobrevivência. Ao mesmo tempo, não deixo
de experimentar uma íntima fascinação com
o resultado. As instantâneas fugazes nas que
me abstraio são capazes de suportar todas as
funções de uma imagem artística: chamar a
atenção sobre objetos cuja beleza nada deixava
prever, tornar incontornável o absurdo ou a
obscenidade de uma determinada situação,
e assim por diante. É um mistério, inclusive
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
132
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
para mim, o que acontece comigo nesses
momentos.
***
“Se não tivéssemos lido romances de amor,
jamais seríamos capazes de amar.”
11 dE MAIO
Continua o bom tempo. Passo a maior parte do
dia vagando pelos parques da cidade. Ontem
foi o Parque do Oeste. Hoje, o do Capricho. Nos
seus melhores momentos, a arquitetura desses
jardins se dissimula até desaparecer, dando a
impressão de que nos adentramos na natureza.
Trata-se de uma natureza à escala humana. Isto
é mais importante que o primeiro. O problema
das cidades modernas não é tanto a ruptura que
impõem entre nós e a natureza selvagem como
a escala inumana que adquirem como parte da
máquina de acumulação capitalista. Inclusive
quando não são completamente imunes a essa
lógica, os parques são espaços de suspensão.
sobre qualquer outros, os jardins que evitavam
na medida do possível qualquer forma de
regularidade (estilo inglês), propiciando o
livre devaneio da imaginação. Escreveu que
é frequente que a fantasia veja em todas as
partes, mesmo nas coisas inanimadas, uma
alma que nos fala através das suas formas. O
arranjo dos elementos que compõem um jardim
– a grama, as lores, os arbustos e as árvores, e
também as águas, as colina e os vales – satisfaz
esse impulso com generosidade. Entre eles
não nos sentimos nunca sozinhos, como se o
universo fosse o nosso lar. Ao mesmo tempo,
e de modo paradoxal, respondendo a essa
experiência irracional (não temos nenhuma
razão para pensar que o universo se encontra
feito à nossa medida), põe em jogo a totalidade
das faculdades humanas.
Sob uma falsa aparência de utilidade, em
nome da saúde pública ou das apostas do
mercado imobiliário, os parques continuam
oferecendo-se à nossa contemplação como uma
estranha pintura sem objeto, convidando-nos a
abandonar-nos aos transportes da experiência
estética.
***
Nesse gosto pelos parques não estou sozinho.
Tenho, de fato, alguns predecessores célebres.
Francis Bacon escreveu um ensaio sobre os
jardins, que considerava entre os mais puros
prazeres dados ao homem; e Goethe, apesar de
privilegiar, como a maior parte dos românticos,
o chamado da natureza, não era indiferente aos
grandes parques ingleses e italianos da sua época
(chegou inclusive a cultivar um extraordinário
jardim perto da sua casa de verão em Weimar).
Mas é seguramente no gosto de Kant pelos
parques em quem melhor me reconheço.
Kant era um entusiasta da jardinagem, que
colocava inclusive acima da pintura. Apreciava,
ENSAIOS
***
Decidi regressar ao museu, com a condição de
permanecer no jardim.
12 dE MAIO
Há, rodeada de árvores de folha perene e de
arbustos em lor, plantada irmemente sobre
a terra, uma pesada estrutura negra de mais
de sete metros de altura, composta de quatro
triângulos levemente côncavos soldados entre
si sobre o seu lado mais longo, formando
uma igura que lembra essas árvores de natal
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
133
ENSAIOS
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
esquemáticas que costumam ver-se agora nas
lojas de decoração. Sobre o vértice equilibrase, frágil, leve, vermelha, uma barra transversal
em arco, de cujas pontas pendem em cachos
instáveis as pás improváveis de um moinho
sem uso. A barra vermelha gira sobre si, as pás
(vermelhas ou amarelas de um lado, brancas
do outro) oscilam num complexo sistema de
suportes articulados.
Se se inclina demasiado para um dos lados, a
grande barra horizontal parece o iel de uma
balança inútil. Quando se detém por completo
tem ares de árvore pré-histórica. Sob a ação
da brisa, o conjunto evoluciona em lentos
movimentos elásticos, ora reletindo o sol, ora
ocultando-se nas sombras, como um veleiro
entrando no porto. Captura o teu olhar de
imediato. Põe a voar a tua imaginação. Que
forma adotará a seguir? O que foi dessa que
o vento desfez antes que conseguisses decifrála? Agora, por exemplo, gira em grandes
circunferências regulares. Sem medi-lo, faz
passar o tempo. Como se não lhe bastasse ser
moinho e barco, árvore e iel, quer também ser
relógio.
Apesar das suas dimensões, é quiçá o objeto
mais humano de todo o museu. Contemplando-o,
sentimo-nos em casa, como se o mundo,
cedendo à gravitação da beleza, se contivesse,
dando-se segundo uma medida adequada à nossa
sensibilidade. Como os brinquedos das crianças,
torna o universo manejável, remetendo o seu
mistério a um jogo sem riscos.
***
“A crueldade tem um coração humano e os
ciúmes um rosto humano; o terror tem a divina
forma humana e o mistério tem as vestes do
homem.”
***
Mas – observas – o universo é inumano. Não o
esqueças.
13 dE MAIO
Mesmo encontrando-se instalada ao ar livre, a
obra de Calder não está à intempérie. Dentro
do edifício se abre ao exterior, instala uma
paisagem. Pode até tratar-se de uma paisagem
lunar, mas não deixa de ser uma paisagem
humana. Como os colonos das crónicas
de Bradbury, vendo-nos reletidos na sua
superfície opaca acabamos por compreender
que nós somos os marcianos. A beleza é de
outro mundo. Nós a trouxemos aqui. Há outras
formas de lidar com o mistério do universo,
evidentemente, mas a beleza é sem dúvidas a
mais humana de todas.
***
Não se pode viver na beleza. Tampouco pode se
viver sem ela. Não vale a pena.
14 dE MAIO
Ontem pela noite assisti a um concerto num
dos auditórios do Edifício Nouvel. A Orquestra
Nacional de Espanha, sob a direção de Tim
Fain, ensaiava um novo arranjo de As quatro
estações, que é uma peça acessível para leigos,
como eu. O público era escasso e isso me
permitiu desfrutar do espetáculo sem ter que
por em causa o domínio da minha solidão.
Acontece-me algo particular cada vez que
me disponho a escutar uma orquestra. Os
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
134
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
movimentos compassados dos músicos, os gestos
mais ou menos teatrais do regente, essa cena
que se repete sem grandes variações apesar das
mudanças do repertório me abstrai totalmente
do que me rodeia, até que só resta a música,
não fora, mas dentro da minha cabeça. Tratase de uma espécie de efeito hipnótico, mas
não me deixa letárgico, porque na respeitosa
quietude que impõem em geral todas as salas
de concerto a minha mente se abandona a uma
atividade frenética – viajo!
***
Kant não gostava muito da música. De fato, o
chateava. Em Crítica da faculdade de julgar
– onde chega a considerar que, de um ponto
de vista estético, o canto dos pássaros é muito
superior ao dos homens – atribui à música o
lugar mais baixo entre as belas artes. Estava
convencido de que, como os jogos que levam
ao riso (bufonaria), a música era incapaz de
suscitar em nós qualquer tipo de pensamento.
ENSAIOS
Mrs. Ramsay, por quem estivera apaixonada.
Em vida, aspirava a vê-la por completo, não
apenas como Mrs. Ramsay se mostrava para ela,
mas tal e como se manifestava para cada uma
das pessoas às quais se entregava sem reservas
(Mr. Ramsay, Cam, Prue, James, Andrew etc.),
e, mais importante ainda, tal como se dava
quando se encontrava a sós, por exemplo, na
clausura do seu quarto, recolhida sobre si, como
numa noz. Morta, não podia deixar de fazer-se
perguntas que já não encontrariam resposta: O
que signiicava para Mrs. Ramsay que rompera
uma onda? O que signiicava o jardim para ela?
Alguma vez chegara a fantasiar com a possessão
de um sexto sentido, ino como o ar, com a
capacidade de passar pelo olho das fechaduras,
uma espécie de projeção fantasmática ou
emanação capaz de infundir o corpo dos outros
– o de Mrs. Ramsay, para começar. Já não um
olhar, mas toda uma nova sensibilidade.
Também acusava a música de incomodar os
vizinhos.
16 dE MAIO
15 dE MAIO
Cinquenta pares de olhos e pelo menos um
completamente cego à beleza. Quiçá toda a
aprendizagem, e não apenas no visível, tenha
por objeto esse olhar inumano: um olhar que
não veria as coisas como são para nós, mas
como são em si – as coisas mesmas.
Lily Briscoe, a quase secreta pintora de Ao
farol, o romance de Virginia Woolf, diz que
são necessários cinquenta pares de olhos
para ver, entre os quais pelo menos um devia
ser completamente cego à beleza, para
contemplar a realidade quando nada da ordem
mundana a perturba, na sua solidão essencial,
independentemente de qualquer determinação
social, de qualquer presença humana.
Cinquenta pares de olhos e, pelo menos, um
completamente cego à beleza. Lily pensa em
***
Uma visão completa do mundo, mesmo que
fosse intolerável.
17 dE MAIO
Tive este sonho:
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
135
ENSAIOS
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
Encontrava-me no meio da selva. Ao meu redor,
a paisagem fechava-se em paredões de verdura
compacta, mas não me sentia perdido. Com
grande facilidade, como se fosse um nativo,
conseguia orientar-me entre os hiatos que se
abriam na vegetação. Onde quer que olhasse
via sinais. Podia visualizar o manancial que se
ocultava detrás de uma frondosa barreira de
trepadeiras e adivinhar as aves que levantariam
voo, de um momento para o outro, no claro que
se insinuava à minha frente, da mesma forma
em que, no trânsito, qualquer condutor é capaz
de antecipar-se à manobra que fará o carro que
tem por diante, inclusive quando não coloque o
pisca-alerta. De tê-lo querido, poderia ter-lhes
dado caça sem diiculdade.
Apesar de saber-me a jornadas inteiras de
distância da população mais próxima, avançava
sem presas, com a segurança do animal que se
move no seu território. Podia sentir o áspero
contato das ramas arranhando suavemente
a pele dos meus braços e, de forma vívida,
cedendo sob a planta dos meus pés, o mole
colchão de folhas que cobria a terra. A luz
apenas rasgava o teto das árvores, confundindo
as diferentes tonalidades do verde numa
negrura cada vez mais profunda. Para não
impor-me ao rumor do circundante, quase
não levantava o facão em que se prolongava a
minha mão direita, deslizando-me sem fricção
entre as gretas da espessura. À medida que me
internava mais e mais na selva, essa atividade
acabou por concentrar toda a minha atenção.
Ignorava onde me dirigia, mas isso não me
preocupava.
Acordei desorientado. Esquecera de fechar a
janela do quarto e uma luz mortiça caía em
diagonal sobre a minha mesa de trabalho,
coberta de apontamentos e de garrafas vazias,
sem ordem nem mistério. Mesmo quando os
interroguei longamente com o meu olhar, não
souberam revelar-me onde estava indo.
18 dE MAIO
O segundo capítulo do romance de Woolf, um
dos capítulos mais extraordinários da história
da literatura, aquele que vem a seguir à
notícia intempestiva da inesperada morte de
Mrs. Ramsay, tenta lançar esse olhar impessoal
sobre o mundo, que segue o seu curso apesar
da ausência de Mrs. Ramsay, já sem o amparo
dos gestos delicados e subtis de Mrs. Ramsay,
do seu incansável esforço por manter as coisas
em harmonia.
São passagens de uma perturbadora intensidade,
mas não há beleza nelas. O fundo informe da
existência tomou a palavra e fala com a sua
língua de fogo e pedra. Deixa escutar apenas
um grunhido – o pulso arrítmico do universo.
A essa respiração entrecortada, que por
momentos nos embala e por momentos nos
sacode como uma gargalhada amarela, na que
tudo o que é humano se abisma na sua própria
contingência, os poetas dão um nome que só faz
sentido quando é capaz de impor-se ao rangido
dos deslocamentos tectónicos e ao estrondo das
explosões solares. Faz silêncio.
19 dE MAIO
Volto a procurar refúgio no pátio do museu.
Sopra uma brisa quase imperceptível, mas
Carmen move-se, não deixa de mover-se, está
sempre em movimento (é a sua natureza),
mesmo que por vezes lhe tome o seu tempo
manifestar a sua vida secreta. Por um momento
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
136
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
deteve-se num ângulo agudíssimo perante mim,
oferecendo-me o seu peril mais ino, uma
linha na que todas as iguras dissimulam a sua
superfície.
Quando regressa o vento, retoma a sua dança
com parcimônia. Avizinha-se uma tempestade.
As árvores começaram a agitar-se. Fazem-no,
primeiro, em breves tremores isolados e, a
seguir, de forma contínua, enlouquecidamente,
como se houvessem sido possuídos por um
demônio. Se olhasses tempo suiciente,
invadiría-te o terror.
Com a vista na obra de Calder, a tarde continua
aprazível apesar de tudo. Os fenómenos
meteorológicos se reduzem a meros estados
de ânimo entre as suas pás, que agora giram
a maior velocidade, mas sem perder o seu
aprumo, a sua elegância. Com isso podes
entender-te: está feito da mesma matéria que
o teu espírito.
***
Em As duas fontes da moral e da religião,
Henri Bergson postulava que não existe
sociedade sem algum tipo de mistiicação,
de representações coletivas mais ou menos
irracionais, mais ou menos absurdas, assentadas
nas instituições, na linguagem e nos costumes.
As sociedades humanas compreendem desde
a sua origem certa compreensão inteligente
das necessidades, assim como alguma espécie
de organização racional das atividades, mas
formam-se também e só subsistem por fatores
irracionais.
Bergson compreendia que o excesso de lucidez
pode ser uma tara. O reconhecimento intelectual
da initude, da margem de imprevisibilidade e
da contingência da existência, pode acabar por
tornar impossível a vida. É o que acontece com
ENSAIOS
Tomatis em O inapagável, um dos primeiros
romances de Juan José Saer. Incapaz de levantar
a vista da água negra em que tudo acabará por
afundar-se mais tarde ou mais cedo, se sente
a um tempo preso no seu corpo e exposto ao
despiedado luir do exterior. Possui apenas um
par de olhos, e é insensível à beleza.
O que paralisa a personagem de Saer é o mesmo
que paralisava os homens pré-históricos sobre
os quais escrevia Bergson: nasce da consciência
de que vivemos num universo regido por forças
formidáveis e cegas, que sem propósito nem
intenção, com total indiferença, poderiam
destruir-nos em qualquer momento. Para
compensar os efeitos nefastos que podem
resultar do monopólio da inteligência, a própria
natureza haveria desenvolvido no homem uma
espécie de instinto, que Bergson denomina
função fabuladora, a qual, em situações limite,
através da produção de icções adequadas,
envolve a inteligência numa espécie de sistema
de signos alternativos – como numa atmosfera
protetora.
A modo de exemplo, Bergson conta que, ante
a constatação de que o chão que pisamos é
instável e imprevisível como a superfície do
oceano, certas culturas dotam a terra de uma
personalidade, de atributos individuais, muitas
vezes malignos, e inclusive temíveis, mas
humanos, deste mundo – admitindo, portanto,
algum tipo de relação com os homens, como
o mito, o sacrifício, a festa. No fundo, não
impunham nada à realidade, apenas a si
(algumas obrigações, alguns sacrifícios), mas
isso bastava para dissipar o terror perante o
que não tem rosto nem consciência, e voltar
a viver sem pressentimentos na ladeira de um
vulcão, no fundo de um vale ou na costa de uma
ilha.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
137
ENSAIOS
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
***
***
Quanto, em realidade, nos afastámos do fogo
que ardia, mortiço e vacilante, na penumbra
das cavernas?
Revisitando as ideias de Kant sobre a experiência
estética, Terry Eagleton adverte que a deliciosa
sensação de adaptação da nossa mente à
realidade que experimentamos na beleza é
como a felicidade da criança que brinca no colo
da sua mãe, cativado por um objeto o bastante
plástico como para não opor nenhum tipo de
resistência às suas intenções. A comparação é
interessante mas é falaz, porque a experiência
estética não tem lugar apenas na mente, mas
involucra todas as nossas faculdades, o que
compreende, ao contrário do que pensava
Kant, a substância que a nossa alma partilha
com o mundo: o nosso corpo. Se se trata de
uma alucinação, observemos que pertence à
ordem das alucinações verdadeiras (Taine), não
à das fantasias – mesmo os fantasmas, como
bem sabia Marx, são fundamentais para a nossa
emancipação.
20 dE MAIO
No romance de Woolf, é Mrs. Ramsay quem
assegura que o mundo não transgrida os limites
do humano. Sempre atenta aos mais mínimos
gestos, tirando importância a tudo o que possa
ser motivo de inquietação, de alarme ou de
apreensão, o seu zelo por manter a vida nos
trilhos não admite comparação.
Notavelmente, aos olhos do resto das
personagens, o seu esforço se manifesta sob
a forma da beleza. Todas as personagens do
romance admiram a sua beleza. Isso poderia
estranhar o leitor, sendo que Mrs. Ramsay deu
a luz nada menos que a oito ilhos. No fundo, o
que todos admiram em Mrs. Ramsay não é o seu
aspecto, mas o aspecto que as coisas adquirem
na sua presença, a prazenteira harmonia que
impõe o seu constante cuidado, tornando a
vida um jogo que parece poder ser jogado sem
preocupação, sem intenção, sem inalidade.
Ao contrário do seu marido, que insiste em
ensinar os seus ilhos desde a infância que o
universo é inumano, pelo que é melhor não
tomar a vida com leviandade, e que ao olhar
as coisas só é capaz de dizer “coitadinho do
mundo” e suspirar a seguir, Mrs. Ramsay luta
constantemente para evitar que essa faceta
feroz da realidade se manifeste no seu reino e
coloque em perigo o frágil equilíbrio dessa casa
de praia onde, sem consciência da precariedade
da existência, família e amigos experimentam
ser felizes cada ano durante uma temporada.
O certo é que, enquanto na experiência
cotidiana a realidade se nos apresenta como
o conjunto de obstáculos que nos separam
de nós mesmos (do que projetamos ser), na
experiência estética o mundo se manifesta
como jogo, como um desaio lançado à nossa
liberdade.
Podemos senti-la, essa liberdade, trabalhando
com a imaginação e o intelecto aquilo que se
oferece através da nossa sensibilidade.
Podemos experimentar o prazer que se
desprende disso – ainda quando quiçá prazer não
seja a palavra mais adequada para caracterizar
a disposição anímica que nos ganha quando
fazemos uma experiência intensa da nossa
liberdade (quiçá seja, antes, a alegria).
Vítima da natureza indomada, ou acorrentado
às naturezas segundas às que os sistemas de
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
138
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
opressão não deixam de dar lugar, a liberdade
pode acabar por tornar-se uma palavra vazia e,
em última instância, a forma mais perversa da
ideologia, se o homem não encontra formas de
continuar tendo dela uma autêntica experiência
sensível.
Não acredites em nada do que não possas ter
uma experiência.
Atreve-te a perder-te nos teus jardins!
21 dE MAIO
Nem sempre um parque funciona como um
convite à experiência estética. Uma pessoa
pode ir a um parque para correr, para tomar
uma aula de ioga, para ter uma conversa
difícil. A paisagem que oferece está aberta
a uma multiplicidade de práticas, não
necessariamente compatíveis com os devaneios
da imaginação e o funcionamento desregrado
das nossas faculdades.
Como os parques, as bibliotecas também estão
abertas a uma pluralidade de usos diferentes.
É possível estudar numa biblioteca, pesquisar,
ilustrar-se, escrever uma dissertação, folhear
os jornais. Claro que também é possível ler
numa biblioteca, simplesmente ler, deixando
que a própria leitura nos conduza de um livro
para outro, sem objeto nem im, só pelo prazer
de ver esboçar-se iguras fugazes e variáveis
sobre a mesma superfície em que se dispõem
as palavras, e que pela sua vez novas palavras
virão a transformar, a confundir e inalmente
dissolver no ar, como o vento faz com as
nuvens no céu. Então a biblioteca é um jardim
e é uma aventura errar sem rumo pelos seus
corredores.
ENSAIOS
***
Hoje não vim à biblioteca para ler. Vim procurar
o homem que concebeu Carmen. A sua vida foi
longa e aprazível; viveu quase oitenta anos e
jamais sofreu de privações, dividindo os seus
dias com facilidade entre os Estados Unidos e a
França. Provinha de uma estirpe de artistas. O
seu pai, e antes o seu avô, foram escultores de
sucesso, e gozaram de um considerável renome
na América. A sua mãe exerceu o retrato
de forma proissional. Desde a infância, nos
ingentes atelieres familiares primeiro, e numa
pequena oicina que lhe ofereceram os seus
pais mais tarde, o mundo deve ter-lhe parecido
um pátio de jogos. A argila e o papel, o metal e
a madeira prestavam-se, oferecendo o mínimo
de resistência que deinem essas matérias, aos
caprichos da sua vontade.
Apesar de ter obtido um diploma de engenheiro
mecânico em 1919 e estudar belas artes entre
1923 e 1926, sempre se considerou um artesão.
As obras de Mondrian, Gabo, Arp, Miró e Leger
o marcaram profundamente, mas jamais se
sobrepuseram à sua visão primeira do mundo,
uma tarde de domingo no planetário de Nova
York, junto aos seus pais, quando o universo
se lhe revelara sob as formas familiares com
as que estava acostumado a trabalhar no seu
banco de marceneiro.
Soube usar a pinça e a buril, a lixa e o torno,
para capturar as forças cósmicas em ação –
a brisa, a luz, a gravidade. Nas suas obras o
universo devém mundo, mas não mundano. A
sua ostensiva inutilidade impede que, apesar
da domesticação do cosmos a que dão lugar,
atraiçoem o seu mais profundo ascendente –
que é, como ensinava Bataille, o dispêndio, o
gasto, a festa.
***
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
139
ENSAIOS
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
Não saciando de imediato a sede, entregandose às deliciosas dilações que compõem a
cerimónia do chá, os japoneses abrem espaço
para a beleza no mundo, que é como dizer
que dão mundo ao mundo. Não se trata de
algo acessório. Nas formas está em jogo a
humanidade do homem.
22 dE MAIO
Neste momento só há exposto no museu outro
móbil de Calder. Ocupa um pequeno lugar
numa sala claustrofóbica do quarto andar, onde
a brisa não correu jamais. Trata-se de uma
pequena constelação de 1944, feita de arame
e madeira, que mantém um precário equilíbrio
no alto de uma das paredes.
Entrei especialmente para observá-la. Vêse triste, presa nesse lugar. Em vão tentei
encontrar algum prazer na sua contemplação.
A Calder acontecera-lhe algo similar numa
exposição organizada na galeria de Pierre
Matisse, que partilhara com Yves Tanguy. Quiçá
julgando que não chamariam a atenção, as
suas obras foram colocadas na última das salas,
um pequeno quarto sem ventilação alguma.
Jamais concebera que pudessem existir sem
movimento.
Enquanto pensava nessas coisas, a guarda de
sala aproximou-se de mim sem que o notasse
e começou a agitar um desses grandes folhetos
plastiicados que se encontram à disposição
dos visitantes em todas as salas. Os planetas
oscilaram por um instante nas suas órbitas e
em seguida começaram a girar. Como me ri!
23 dE MAIO
Em Museum Hours, um belíssimo ilme realizado
por Jen Cohen, Johann, um dos guardas de sala
do Kunsthistorisches Art Museum, em Viena,
fala do seu silencioso ofício. Nem sempre foi
guarda de sala. Na sua juventude, acompanhara
algumas bandas de rock na estrada. Desses
tempos guarda um secreto gosto pelo heavy
metal.
O ritmo do seu novo emprego lhe deparou algo
de tranquilidade. Nas pinturas encontra cada
dia algo novo para ver. É um lugar comum, mas
não se trata de uma impostura. Agora repara
em coisas nas que antes quiçá não teria detido
a vista nem por um segundo: o relexo de uma
obra em construção no cristal de uma vitrine,
a decisão de uma idosa que se dispõe a subir
uma ladeira antes que comece a cair a neve,
uma pequena loja de antiguidades que só abre
duas horas por semana – às sextas, de 14 a 16.
Também observa com interesse as impressões
das pessoas. É possível apreender muito dessa
forma. O seu posto dota-o de uma espécie de
invisibilidade. Pode fazê-lo durante horas sem
que ninguém o note.
Certo dia, uma mulher se aproxima para fazerlhe uma pergunta. Não é pelo banheiro (a
pergunta mais comum que se dirige aos guardas
de sala), tampouco sobre nenhuma obra em
especial (ao que Johann responderia com
prodigalidade). Procura, apenas, um endereço.
O seu nome é Anne, e se encontra na cidade
para acompanhar uma prima que está em
coma. Necessita ir até o hospital. Johann lhe
dá as indicações necessárias e se oferece para
ajudá-la no caso de que necessite falar com os
médicos (ela não fala alemão).
Voltam a ver-se. Começam a fazê-lo quase
diariamente. Juntos, contemplam as pinturas
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
140
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
expostas no museu e conversam longamente
sobre elas, sobre a obscura atração de um
lírio numa pintura de Ambrosius Bosschaert ou
sobre a inocente nudez de Adão e Eva na obra
de Hans Memling.
Uma vez visitam juntos o hospital. Anne lhe
pede que descreva algumas dessas pinturas
para a prima, que continua em coma; acredita
que quiçá seja capaz de escutar e que isso possa
vir a ajudá-la na sua recuperação. Johann o
faz com simplicidade e sobriedade. Chamam a
sua atenção a honestidade de Rembrandt para
retratar a sua pobreza, o infantil engenho de
Arcimboldo, a assustadora severidade com que
Bruegel pintara o inverno.
Johann também conta histórias, como a do
jovem punk que frequentara o museu durante
uma temporada, fascinado pelas imagens e ao
mesmo tempo sublevado pelo que representavam
(esse jovem era quiçá John Berger), ou como a
do bêbado que fora confundido com uma vítima
da peste e acordara numa fossa comum, onde
essa noite escutou-se o som da sua gaita.
Curiosas personagens, os guardas de sala.
Recolhidos nos cantos, atentos às evoluções
dos visitantes ou abstraídos na contemplação
do vazio, são os olhos do museu. Quiçá nem
todos partilhem o entusiasmo de Johann, mas
todos guardam pelo menos uma história.
***
Alicia tinha a sua. Alicia era a guarda de sala
que pôs o móbil de Calder a dançar para mim.
Prometera-me que um dia iria contá-la para
mim e combinamos que passaria a visitá-la
quando encontrasse tempo[2].
ENSAIOS
24 dE MAIO
Em 1930, Calder conhece Mondrian, a quem
visita no seu estúdio da Rue de Départ. O que
observa o impressionará de forma decisiva.
Tinha 32 anos. Até então nunca considerara
seriamente a abstração. Mais tarde diria que
tudo, na verdade, começara aí. De todos os
modos, espirituoso, como era costume nele,
não se deixou intimidar e comentou a Mondrian
que seria divertido pôr a balançar todos aqueles
retângulos coloridos, ao que Mondrian, sem
perder a compostura, respondeu:
– Não é necessário. A minha pintura já é
suicientemente rápida.
***
Fernand Léger perguntava-se que espetáculos
poderia oferecer a arte às pessoas para permitir
que se emancipassem desse outro espetáculo
cotidiano em que pareciam aprisionadas –
apertadas nos meios de transporte para ir ao
trabalho, acorrentadas às máquinas como
animais de tiro, desmaiadas pela noite em
quartos sem ventilação. Estava convencido de
que existe no homem uma profunda necessidade
de beleza. Obcecava-o o fato de que muito
poucos tivessem a possibilidade de apreciar,
ver e compreender o admirável mundo em
que vivemos – admirável ou grotesco. Durante
boa parte da sua vida aspirou a pintar murais,
mas as paredes foram-lhe vedadas. Em 1924
produziu um ilme sem argumento – O ballet
mecânico – no qual as imagens sucedem-se sem
outro im que suscitar nos espetadores o livre
devaneio da imaginação, propiciando um olhar
poético sobre o prosaico.
O público já tinha visto antes essas coisas –
se tratava de imagens das máquinas às que
sacriicavam diariamente todas as suas energias
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
141
ENSAIOS
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
– mas nunca as tinham visto dessa forma
(como alguém baloiçando-se num parque ou
embriagado pelo perfume de uma rosa).
na ponta de cada um dos quais pendem, por
sua vez, a diferentes distâncias do chão, 1600
guizos de metal cromado.
Esse mesmo ano, Buster Keaton e Douglas
Fairbanks arrasavam nas bilheteiras.
Os ios se encontram distribuídos de acordo a
uma quadrícula rigorosa, que produz curiosos
efeitos óticos à medida que a pessoa se
desloca ao seu redor, dando lugar a corredores
transversais e surpreendentes passagens
em diagonal. A curta distância, com a vista
levemente desfocada, oferecem o aspecto
de uma superfície contínua, uma espécie de
cortina de cores vivas, ao mesmo tempo etérea
e infranqueável. Um pouco mais abaixo oscilam,
apenas movidos pelo ar que corre entre as duas
aberturas da sala, seguindo ritmos e amplitudes
diferentes, os guizos. Não produzem nenhum
som apreciável, mas de alguma forma, por
isso mesmo, tornam sensível o silêncio que os
envolve (e que em qualquer momento poderiam
interromper).
***
Quando a arte faz política, atua intuitivamente,
sem agenda. Por vezes pensa: “esta gente deve
ser vista”. Por vezes pensa: “esta gente deve
ver”. A experiência que nos propõe está sempre
por recomeçar.
Quiçá as instituições da política sejam o
verdadeiro fracasso da sua instituição. Sobre
esse assunto não tenho muito mais que agregar
– ao menos sem recair na impostura.
***
Como Arp, como Duchamp, como Miró, Léger
foi amigo de Calder. Enquanto que os primeiros
costumavam sugerir-lhe títulos para as suas
criações (Mobiles, Stabiles, Constelations),
Léger gostava de atribuir-lhe raros títulos de
nobreza: rei do arame, pai do movimento –
chamava-o.
***
– E tu? Sabes tu o que és?
– Pai dos piolhos, avô do nada.
25 dE MAIO
Há outras paisagens no museu. De todas, a
que mais me comove é uma singular instalação
composta por uma placa de acrílico de quatro
por quatro metros, preso ao teto, da qual
pendem 1600 ios de lã de 40 cores diferentes,
Se te acocoras e os observas com atenção,
suscitam uma sensação de ininitude em ato
que, contudo, não exige da tua mente esforço
nenhum de abstração. Mais abaixo, aos teus
pés, um formigueiro de sombras esboça iguras
efêmeras sobre o chão de cimento alisado.
Frágil, fugaz, imperturbável, persevera no
seu ser. O secreto trabalho dos restauradores
promete-lhe uma vida duradoura.
Juan Hidalgo projetara essa instalação para
uma festa de im de curso do Instituto Alemão
de Madrid que teve lugar no dia 30 de Maio de
1972. Então, claro, deve ter feito muito barulho.
A ideia original era que a gente a atravessara,
fazendo soar os guizos, enredando-se nos ios,
no espírito dos happenings que grupos como
Fluxus começavam a organizar na época.
Agora se oferece de modo mais circunspecto
à nossa contemplação, como as constelações
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
142
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
durante uma noite sem lua ou um campo de
trigo mexido por uma brisa suave. Basta darlhe um pouco de tempo para que exerça sobre
nós a sua virtude sedante e nos abandonemos,
sem objeto nem im, à relexão.
Mudou com o tempo. Acontece com todos
nós: à medida que envelhecemos, a memória
é o lugar no qual têm lugar as coisas mais
importantes. Da interação plástica e sonora
que a instação propunha nos anos setenta à
experiência estática à que nos convida agora,
há um longo percurso, mas a sua essência
continua a estar associada ao que é e signiica
um acontecimento. A quase impalpável rede
que tecem os seus ios captura sem encerrar
o que não pode senão existir no aberto. Um
instante puro. Um grilo na palma da mão.
26 dE MAIO
Os amigos chamavam-lhe Sandy. Vestia-se de
forma excêntrica para a época e era dado a
oferecer presentes tão difíceis de aceitar
como de recusar. Apesar de que quase todos se
lembram dele como um cara legal, era parco
nas entrevistas e arrevesado para as respostas
– dizia fazer as coisas o melhor que podia e que
preferia não pensar muito nisso.
Tampouco era fácil com os seus clientes.
Contam que, numa ocasião, uma pequena
cidade do Texas lhe encomendara um estabile
monumental para embelezar um dos seus
jardins. De preferência – insistiram – que
sugerisse um cavalo. Calder trabalhou durante
alguns meses na encomenda e se encarregou
de entregar o pedido pessoalmente. Quando
viram a obra terminada, os texanos disseramlhe que não parecia um cavalo; ao que Calder
respondeu:
ENSAIOS
– Bem, provavelmente não seja um cavalo.
Era democrático na sua indiferença. Noutra
ocasião, depois de ter escutado que trabalhava
num grande móbil negro para o Guggenheim,
Frank Lloyd Wright, que projetara o edifício,
lhe escreveu uma carta pedindo-lhe que o
izera de ouro. Calder respondeu-lhe que não
havia nenhum problema, que o faria de ouro,
mas o pintaria de negro.
Primeiro em 1948 e mais tarde em 1960 esteve
no Brasil. Alegrou-me saber que se demorou
durante algumas horas em Belém, onde estive
tantas vezes, e que aproveitou esse tempo
morto para percorrer os postos do mercado
de Ver-o-peso. No Rio de Janeiro ganhou o
gosto pela cachaça e pelo samba, que bailava
de forma desengonçada e excessiva. Na sua
segunda viagem esteve em Brasília, onde
conheceu Niemeyer, quem lhe encarregou
um monumental móbil para a praça dos três
poderes, que inalmente não viria a concretizarse (mas existe um modelo de aço, de quase
quatro metros de envergadura, que hoje ocupa
um lugar nos jardins do Rijksmuseum, na
Suíça).
27 dE MAIO
O jardim que acolhe Carmen está rodeado
de freixos e oliveiras, de magnólias e falsos
pimenteiros, de frondosas adelfas brancas e
rosadas. À esquerda e à direita, duas fontes
simétricas deixam ouvir o barulho da água
confundindo-se com a água. Apenas outra
escultura, uma obra de Miró, disputa a sua
atenção – Pássaro lunar (1966).
Sentado num dos quatro bancos que estão
dispostos em torno dela, acompanhando as suas
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
143
ENSAIOS
A ESCALA HUMANA (UM FRAGMENTO DE O QUE VI – DIÁRIO DE UM ESPECTADOR COMUM)
evoluções no ar, o universo revela-me um rosto
humano. Só turba o meu ânimo o estrondo que
produz um grupo de adolescentes que se agitam
sem descanso em torno de uma das fontes.
Trata-se, muito provavelmente, de parte de
uma excursão escolar. Estiveram visitando o
museu em silêncio e agora se desafogam como
podem. Estão contentes, mas por alguma razão
a sua alegria ofusca a minha alegria. É um dos
paradoxos da solidão, que nos abre ao que de
mais humano há em nós ao preço de tomar uma
distância dos outros.
[2] Anotação do dia 23 de Agosto: Não voltei ver Alicia
pelo museu. Acho que me contara que tinha apenas um
contrato temporário. Suponho que, como a muitos, não
terão renovado o seu contrato para evitar estabelecer
uma relação laboral que implicasse algum direito para ela.
Entristece-me pensar que nunca conhecerei a sua história.
O que será das obras que ela animava? O que será dela sem
o ânimo que lhe infundia a contemplação dessas mesmas
obras? O museu é mais pobre sem a sua presença.
Para não perder a minha incipiente fé no
mundo, decido voltar noutro momento.
***
Olhando-o como por última vez, Lily Bricoe
sente que o jardim dos Ramsays é o mundo.
Não é assim, por certo, mas não porque a
vida comece além dos muros de pedra que o
rodeiam.
As mesmas nuvens que nos devolvem o olhar
darão lugar à tempestade que pode colocar em
perigo a nossa vida. A música das esferas range
sob o peso do informe. Isso lui, não para.
Quanto mais um homem se sente à vontade
no seu ambiente, menos percebe as coisas
que ao seu redor manifestam essa inquietante
estranheza, mas pobre daquele cuja curiosidade
o leve a olhar fora e, além das paisagens que
tranquilizam a sua consciência, entreveja que
a realidade descansa, como dizia Nietzsche,
pendente dos seus sonhos sobre o dorso de um
tigre.
Recebido em: 11/10/2016
Aceito em: 13/12/2016
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
144
ENSAIOS
Preservar o homem? Afectograia
de Estamira
Waldirene de Jesus [1]
Resumo: Incertar passa a ser um verbo que corta, desvia certezas que não servem, sejam elas futuras ou
passadas. Com Estamira temos um novo homem não-comum conectado às forças cósmicas que incerta
e ultrapassa o homem como único condicional, descuidado e predatório. O homem transparente não
tenta deter a natureza, mas antes juntar-se a ela no movimento incessante de mudanças. O desvio se
dá no re-encontro. Sarapuí e o Capitão Gramacho. Novo contorno, escritas incertas, poetar com águas,
plantar futuros com palavras.
Palavras-chave: Estamira. Afeto.
To preserve the human? Estamira’s Affectography
Abstract: To uncertain becomes a verb that cuts, deviates certainties that are not useful, being they
future or past. With Estamira we have access to a new non-ordinary human connected to the cosmic
forces that uncertain and surpasses the human as the only conditional, careless and predatory. The
transparent human does not try to stop nature but rather to join it in the ceaseless movement of
change. The deviation occurs in the re-encounter. Sarapuí and Captain Gramacho. New outline, uncertain
writing, to poem with waters, planting futures with words.
Keywords: Estamira. Affect.
[1] Mestranda-Unicamp. E-mail: waldirenedejesus@gmail.com
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
145
ENSAIOS
Incertar passa a ser um verbo que corta, desvia
certezas que não servem, sejam elas futuras ou
passadas. Com Estamira temos um novo homem
não-comum conectado às forças cósmicas que
incerta e ultrapassa o homem como único
condicional, descuidado e predatório. O homem
transparente não tenta deter a natureza, mas
antes juntar-se a ela no movimento incessante
de mudanças. O desvio se dá no re-encontro.
Sarapuí e o Capitão Gramacho. Novo contorno,
escritas incertas, poetar com águas, plantar
futuros com palavras.
PRESERVAR O HOMEM? AFECTOGRAFIA DE ESTAMIRA
Estamira é desvio.
Incertar é desviar a vida para o que ela pode.
Estamira?
Encontrar o Capitão Gramacho?
Encontrar o consumo “descuidado”?
Encontrar o rio elétrico, o Sarapuí?
Incertar com Estamira.
Lixo, desigualdade e a doença apresentados
no documentário lançado em 2005 sob direção
de Marcos Prado e produção de José Padilha.
Estamira a-léns, alíens, além do próprio nome
incertando a existência humana. Na dis-cussão
forças cósmicas em-cenam a Terra.
Estamira interroga a preservação do homem
como único condicional, ações predatórias
e inabilidade na exploração da natureza.
Superação, homem não-comum com relações
cósmicas singulares.
Excessiva, Estamira traz o ininito, não cabe no
ilme. Visões dos trocadilos, dos canaviais e dos
Tupinambás ameaçados pelo Capitão. Estamirapar do Sarapuí.
Certezas passadas e futuros indiferentes.
Encontrar o mar?
Encontrar os peixes que comem frutas de
carandá nos cachos!
Estamira trata sobre a incerteza do humano.
Homem como único condicional, trocadilo
antropocêntrico, fome e miséria. Uma lei só
para o homem e para o homem entre outros
homens. Trocadilo do homem- querer-sersuperior.
Terra calada, terra e tantas outras carnes,
sangue. Mortos e indefesos enquanto carnes.
Astros, sobre-viventes cantam a lucidez inlúcida.
Afetograia, incertezas-devires e certezas
ilógicas, além do olho-cérebro-ciente. Transbordam passantes. Outros bordados, contornos
afectos.
Incertezas transbordam.
Estamira lança-se ao mar e ao in-visível
Sarapuí.
Restar algumas palavras e um pouco de carne.
Visionar além da imagem-indicação.
Estamira é Estamar, ilha marítima.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
146
PRESERVAR O HOMEM? AFECTOGRAFIA DE ESTAMIRA
Produzir in-certezas que trovejem sobre os
espaços-tempo de descuído, desbotando as
linhas tiranas e deixando novas marcas da
humanidade, ecosoias à beira do im de uma
era.
Conexão ambiental, social e da subjetividade
humana. Explosão dos espaços para a
diversidade humana e igualmente planetária.
Tempo-refúgio.
Comandante Cometa. Estrela com cabelos.
Estamira no formato cérebro não-cegado vê
pelos olhos do astro.
Estamira testemunha o lugar das coisas
desprotegidas e deicientes de utilidades.
Estamira vê o trocadilo meio-homem e meioastro negativo, meio-cientista. A mão que lança
a pedra e a quadrilha que a controla.
Ser muitos, viver com Estamira.
Ninguém pode viver sem Estamira, sem ser
muitos e proliferar incertezas.
Estamira é cada visão e afeto, abstrata como
água, peixe como água. Fogo.
Sentimentos inoxidáveis.O fogo queima e testa.
Estamira-astro não “vai ceder o ser à nada”.
Ser outro.
ENSAIOS
sentimentais.
Comunicação ano-luz.
Órgão de lucidar.
Ver os viciados que usam de estúpida luz para
cegar os homens e ailiá-los à linha de morte.
Subordinação. O sacro ofício e o ofício.
Remédios permanentes que servem, que nós
servos.
Homem climático.
Instabilidade.
Fluxos cósmicos.
Mutação. Re-conexões.
Fim do homem-ser-comum-opaco-ímpar.
Estamira-par existe num território-percebido,
se sente em casa entre astros e estrelas,
tem ilhas com o mar, comunica-se com
magnetares.
Fundo lixo, certeza visual desafeccionalizante.
Fim do ofício-suor alimentar escravocrata.
Estamira é rio que faz barulho. Sarapó.
Não há deiciência ou antes, apenas falta.
Intensamente perturbável, afetada por forças,
abalos e vibrações invisíveis, transparentes e
Estamira p-ar. Terra mãe.
Estamira par-ente. Estamar.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
147
PRESERVAR O HOMEM? AFECTOGRAFIA DE ESTAMIRA
ENSAIOS
Estamira parê-n-tese.
Im-paciente.
Estamira pa-rida. ”Visível quando nasce”.
Estamira parid-eira. Esposa do espaço.
Estamira par-alela. Estamira muitas.
Estamira particula-r. Molecular.
todo
mundo
não
paisagem
gosto de moralidade
não
Estamar
vou mudar
não
Preservar o homem?
Estamira par-trans. Invisível.
Trans-par-ente,
Imperceptível.
montanha
gosto de humilhação
e
ninguém.
Sobrenomes que vêm de muitos lugares.
Estamira ano-luz, com-tempo-rânea de Davi
Carvalhense, Jesus e da atmosfera anaeróbica.
Relexos de cometas. Linhas imaginárias.
Estamira é beira, além-contorno.Transbordo.
Carcaça em fúria libertadora de estratos
desininitantes. Nervos vibram. Forças cósmica.
Pertubação.
O capitão não é a última saída! Fujam todos!
Afetograia de Estamira
romântica
gosto de erros
não
monstro
gosto de suspeitas
não
morro
gosto de perversidade
não
serra
gosto de judiação
não
Importa que as incertezas nos sirvam de
alimento ao ponto de construirmos grandes
plantações de futuro, que nos tornemos outros
nos encontros com as diversidades geográicas,
biológicas e culturais.
Des-viar a vida?
Os poetas sabem bem cultivar incertezas,
mergulham nos sertões e nos pântanos e de
lá acompanham as mudanças incessantes,
com os pés molhados e rachados anivelados às
pequenas criaturas, misturando ao ar e como
peixes, fazem a-mar.
Mudanças. Novos apetrechos e uma canoa.
Estamar mergulha…
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
148
PRESERVAR O HOMEM? AFECTOGRAFIA DE ESTAMIRA
ENSAIOS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
149
ENSAIOS
PRESERVAR O HOMEM? AFECTOGRAFIA DE ESTAMIRA
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
150
PRESERVAR O HOMEM? AFECTOGRAFIA DE ESTAMIRA
ENSAIOS
Fotos extraídas dos últimos 5 minutos do ilme
documentário “Estamira”.
(PRADO, Marcos. Estamira. Documentário.
Brasil: Rio ilme/Zazem produções Audiovisuais,
2006. Duração 115 min. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=KFyYE9Cssuo)
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
151
SEÇÃO
TÍTULO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
152
TÍTULO
SEÇÃO
Jornalismo
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
153
SEÇÃO
TÍTULO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
154
TÍTULO
SEÇÃO
COLUNA
ASSINAdA
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
155
JORNALISMO
Conhecendo (n)o
Antropoceno
Renzo Taddei[1]
16/12/2016 | [1] Professor do Programa de PósGraduação em Ciências Sociais, e também do
Instituto do Mar, na Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp).
Praticamente todos os instrumentos técnicos,
sociais e políticos que dispomos para perceber e
organizar nosso mundo são produto do Holoceno
– época na qual um contexto excepcional de
estabilidade ambiental [2] nos permitiu pensar
a ação humana como variável, e o mundo como
palco inerte. Ao tirar o mundo da condição
passiva em que foi colocado pela modernidade
ocidental, o Antropoceno põe em questão o
arcabouço de recursos de pensamento e ação no
mundo que dispomos e aprendemos a valorizar.
O modelo republicano que inspira os sistemas
políticos dos estados-nação, que já não funciona
bem para a governança dos problemas humanos,
se mostra pequeno demais para a quantidade
de agentes não-humanos que o Antropoceno
trouxe para dentro da esfera política, além
de incompatível com a sua diversidade de
formas de estar no mundo. A grande ciência
garante que, através da ortodoxia dos seus
protocolos e formas de organização, a maior
parte destes mesmos agentes se mantenha fora
do seu radar, garantindo, assim a manutenção
de certa zona de conforto epistemológico.
Como resultado, nos mantemos incapazes
de perceber, entender e construir formas
de interação política signiicativa e eicaz
com grande parte dos atores não-humanos
instituídos de agência para alterar o mundo
(além dos muitos humanos em condição de
exclusão). Nos últimos mil anos, isso talvez não
tenha sido um grande problema. No entanto,
no momento em que as curvas de acumulação
de carbono na atmosfera, de temperatura,
e de frequência e intensidade dos desastres
naturais mostram-se todas ascendentes em
escalas assustadoras, a manutenção do status
quo político e epistemológico é praticamente
um suicídio.
É neste contexto que, entre os dias 11 e
22 de abril de 2016, a Casa das Culturas do
Mundo (Haus der Kulturen der Welt, ou HKW),
centro cultural sediado em Berlim, promoveu
a segunda edição do evento Anthropocene
Curriculum [3]. No programa desta edição,
cujo tema central foi a tecnosfera, uma
série de dez seminários de doze horas cada,
liderados por intelectuais, artistas e ativistas
que têm se destacado com seus trabalhos sobre
o Antropoceno – gente como Anna Tsing, Paul
N. Edwards e Karin Knorr Cetina, apenas para
citar os mais conhecidos entre nós. Dentre os
participantes havia sociólogos, antropólogos,
ilósofos, pedagogos, economistas, psicólogos,
arquitetos, urbanistas, advogados, geógrafos,
climatólogos, físicos, jornalistas, artistas
plásticos, fotógrafos, cineastas, dramaturgos,
músicos, youtubers, hackers, feministas,
ativistas queer, pós-identitários, animistas,
ciclistas, veganos, místicos e outras gentes
interessantes, totalizando mais de 150
pessoas. A ideia central do evento [4] , desde
a sua primeira edição, se funda no fato
de que formas tradicionais de organização
disciplinária do conhecimento, e de gestão
burocrática da educação superior, mostramse inadequadas frente aos desaios postos
pelo futuro. O evento foi então desenhado
de modo a promover interações inusitadas
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
156
CONHECENDO (N)O ANTROPOCENO
entre sujeitos com trajetórias proissionais e
pessoais diversas, de modo a produzir conexões
transdisciplinares visceralmente associadas à
ação transformadora no mundo.
Participei [5] de três seminários, todos
sensacionais. O primeiro, intitulado Axiomatic
Earth [6] , trabalhou com a ideia de que não
há medição, cálculo ou modelagem que não
seja, ao mesmo tempo, uma ação política no
mundo [7] , e promoveu intensos debates sobre
as decorrências deste fato. O segundo [8],
Knowing (in) the Anthropocene [9], provocou
os participantes a pensarem diferentes
tecnosferas, e que formas de conhecimento uma
tecnosfera diferente engendra. E o terceiro,
Whose? Reading the Anthropocene and the
Technosphere from Africa [10], desestabilizou
o debate ao propor que o conceito de
Antropoceno pode, ele mesmo – dependendo
de como e em quais esferas é trabalhado –,
reproduzir velhos colonialismos e criar novos,
ao invés de combate-los. A organização do
evento me convidou para ser o reporteur do
seminário Knowing (in) the Anthropocene; o
texto que preparei sumarizando as atividades
foi apresentado ao inal do seminário, e o
vídeo e o texto foram disponibilizados no site
do evento. O que o leitor lê a seguir é uma
tradução do texto publicado.
Este foi um seminário extremamente
rico, em muitas e diferentes dimensões –
conceitual, sensorial, metodológica –, de
modo que é impossível resumi-lo dentro
do curto tempo que tenho para esta
apresentação. Peço então aos meus colegas
que complementem esta apresentação
no tempo de discussão que teremos em
seguida, preenchendo as lacunas que
encontrem em meu relatório.
As atividades do seminário combinaram
JORNALISMO
uma série de métodos e estratégias para
engajamento com os temas a serem
discutidos:
métodos
como
práticas
meditativas; jogos interativos nos quais
os participantes puderam conhecer-se e
explorar o ambiente físico e natural da
sala na qual o seminário ocorreu, bem
como o jardim imediatamente adjacente
a ela; uma palestra sobre a poluição do
platô tibetano, na perspectiva das ciências
atmosféricas; uma análise do trabalho do
ilósofo Alfred North Whitehead e suas
implicações para a questão da tecnosfera;
uma discussão do projeto aeroceno, do
artista Tomás Saraceno – e contamos com
o privilégio e a honra de tê-lo conosco no
seminário –; e trabalhos em grupo seguidos
de debates com todos os participantes.
O programa do seminário anunciou que “um
número crescente de humanos e entidades
não-humanas estão sendo trancaiadas
dentro da tecnosfera, a qual está, ela
mesma, presa a uma exploração acelerada
de combustíveis fósseis e outros recursos
materiais, e depende de certas formas de
produção de conhecimento”. A tecnosfera
é aqui deinida como “uma composição de
entidades técnicas, bióticas e abióticas que
emergiu em determinado planeta e adquiriu
um grau de autonomia autopoiética em
relação a outros subsistemas planetários”.
Os objetivos principais do seminário
são, então, a discussão das questões: “é
possível a existência de uma tecnosfera
diferente? Que formas de conhecimento
podem uma tecnosfera distinta requerer
e engendrar?”. Uma premissa básica do
debate é a ideia de que “[a] emergência
desta esfera é baseada em um ‘imaginário
termodinâmico’ particular, e é solidiicada
por certos padrões de produção de
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
157
JORNALISMO
conhecimento, padrões estes que não são
permanentes nem inlexíveis”. O projeto
aeroceno de Saraceno foi escolhido pelos
organizadores do seminário para operar
como estímulo central do debate, e ao
mesmo tempo como plataforma para
desenvolvimento e experimentação de
conceitos. O projeto aeroceno consiste na
criação de esculturas em formas de balões
e esferas, usando materiais simples, como
bolsas plásticas e ita adesiva, e que são
capazes de lutuarem na atmosfera sem
qualquer forma de propulsor químico.
Em novembro de 2015, na localidade
de White Sand Dunes, no Novo México,
Estados Unidos, Saraceno produziu com seu
aeroceno o primeiro voo solar certiicado,
erguendo passageiros humanos por mais
de três horas, e sem qualquer forma de
combustível, apenas com a luz solar. O voo
do aeroceno é fundado no princípio físico do
empuxo, deinido como a força ascendente
exercida por um luido que se opõe ao peso
de um objeto nele imerso. À medida que
a radiação solar aquece a superfície do
aeroceno, a densidade do ar dentro dele
diminui, seu volume aumenta, e o empuxo
o propele para cima. O funcionamento
do aeroceno é similar ao dos balões de ar
quente, exceto pela ausência de qualquer
fonte de energia que não seja a radiação
solar.
CONHECENDO (N)O ANTROPOCENO
Lançamento do aeroceno em White Sands Dunes,
2015. Foto: Studio Tomás Saraceno.
O fato de que os raios do sol podem erguer
uma pessoa adulta é, por si só, incrível.
Saraceno, no entanto, tem explorado as
possibilidades de sua criação de muitas
formas criativas interessantes, indo do uso
dos balões em projetos de ciência cidadã de
monitoramento da atmosfera a conversas
com cientistas do Massachusetts Institute
of Technology (MIT), de modo a explorar as
possibilidades tecnológicas do aeroceno.
De acordo com Saraceno, um balão com 1,6
quilômetro de diâmetro é capaz de erguer
mais de seiscentas toneladas de peso, com
uma diferença de temperatura entre o
interior e o exterior do balão de apenas 1
grau Celsius. O simples fato de ter pessoas
respirando dentro de um balão como este
seria suiciente para fazê-lo voar.
Coisas pesadas podem voar, e de fato
voam, diz Saraceno. Uma nuvem do tipo
cúmulus pode pesar o equivalente a
sessenta elefantes. Este fato levou-o, nas
palavras de Sacha Engelmann, a “sonhar
com cidades nas nuvens”. Na opinião de
Saraceno, o “aeroceno encerra em si uma
mensagem de simplicidade, criatividade
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
158
CONHECENDO (N)O ANTROPOCENO
e cooperação para um mundo de relações
geopolíticas tumultuosas, lembrando-nos
de nossa relação simbiótica com a Terra e
todas as suas espécies”.
Durante o seminário, tivemos a possibilidade
de desarmar a simplicidade material do
aeroceno e revelar seu rico e complexo
potencial poético e ilosóico. Quatro
elementos
foram
sintagmaticamente
alinhados, trazendo à superfície, ainda
que não sem turbulência, a dimensão do
problema que os organizadores do seminário
chamaram de “imaginário termodinâmico”.
Estes quatro elementos foram:
1. A reencenação criativa, sob liderança
de Janot Mendler de Suarez, do ritual Tapa
Wanka Yap, ou Jogando a Bola, da nação
indígena norte-americana Lakota, como
primeira atividade do seminário. Neste
ritual, a relação entre as pessoas e o universo
é estabelecida simbolicamente através de
processos de dádiva e retribuição;
2. Uma discussão sobre aerossóis, poluição,
o platô tibetano, e padrões profundamente
enraizados de percepção da atmosfera,
liderada por Zoe Lucia Lüthi. Zoe,
adicionalmente, promoveu sessões curtas
de meditação ao longo do seminário;
JORNALISMO
estética” é parte da ginástica conceitual
empregada pelo coletivo na tentativa de
construir instrumentos para a constituição
de novas formas de corporiicação e
novos hábitos de pensamento, como dois
lados da mesma moeda existencial, mais
ainados com as exigências imaginativastermodinâmicas do trabalho na e com a
tecnosfera no contexto do Antropoceno.
É interessante que uma dimensão do
imaginário termodinâmico que estamos
tentando superar inesperadamente se
apresentou e frustrou o que seria, talvez,
a atividade mais excitante do seminário:
o lançamento de esculturas-aerocenos
no parque Tempelhofer, no nascer do dia
na segunda-feira, 18 de abril. Saraceno
e seu time haviam trazido dois balões ao
parque. As condições meteorológicas eram
ideais: céu claro e ausência de vento.
Depois de um pouco mais de uma hora e
meia de aquecimento sob os raios solares
da manhã, os aerocenos começaram a –
espetacularmente – erguer-se no ar. Pouco
minutos mais tarde, dois automóveis
da empresa de segurança privada que
cuida do parque apareceram, solicitando
“autorizações oiciais”. Com isso, o
lançamento foi encerrado.
3. Uma apresentação da crítica de Alfred
North Whitehead ao conceito de “bifurcação
da natureza” e o consequente divórcio entre
mente e matéria no pensamento cientíico
ocidental. Esta atividade foi liderada por
Melanie Sehgal;
4. A subvsersão onto-estética introduzida
pelo aeroceno, apresentada por Sacha
Engelmann e pelo próprio Tomás Saraceno.
O uso da expressão “subversão onto-
Lançamento do aeroceno no Tempelhofer. Foto:
Renzo Taddei.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
159
JORNALISMO
O aeroceno começa a erguer-se. Bronislaw Szerszynski
sob o balão. Foto: Renzo Taddei.
A burocracia arruinou o lançamento. Foto: Renzo
Taddei.
Na última atividade do seminário, o grupo de
participantes foi dividido em quatro, cada
um com a missão de elaborar estratégias
para a produção das transformações no
imaginário termodinâmico do presente que
acreditamos necessárias para a constituição
de um futuro melhor. Duas das palavraschave do seminário, corporiicação e hábitos
de pensamento, estiveram presentes, ainda
que de formas distintas, nas propostas dos
quatro grupos.
CONHECENDO (N)O ANTROPOCENO
O primeiro grupo propôs um exercício de
caminhada derivado de práticas teatrais
chamadas “andar o espaço”. Evitando
atuar de forma excessivamente diretiva ou
prescritiva, os proponentes do exercício
forneceram o mínimo de instruções sobre
como explorar o ambiente em que a
caminhada ocorreria (o jardim adjacente
à sala do seminário) – disseram apenas
que a caminhada duraria não mais do que
quatro minutos, e os participantes foram
incentivados a exercitar sua curiosidade,
capacidade de percepção de detalhes, de
consciência do espaço e de conexão com
os elementos da paisagem. O exercício foi
seguido de uma discussão sobre como os
participantes perceberam a emergência
de padrões espontâneos e não planejados
no caminhar, e as reações, igualmente
espontâneas, de aderência ou subversão a
tais padrões. A atividade foi inspirada, em
parte, pela prática de “escuta profunda”
de Pauline Olivero, e uma das conclusões
do grupo é que padrões de interação social
necessariamente respondem e incorporam
a arquitetura e as entidades do espaço. O
espaço, ou ar, existente entre os indivíduos
revelou-se como preenchido, ao invés de
vazio.
Andar o espaço. No primeiro plano, Davide Scarso,
professor de ilosoia da PUC do Paraná. Foto: HKW.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
160
CONHECENDO (N)O ANTROPOCENO
O segundo grupo executou uma atividade
em que o objetivo era o aumento da
consciência individual sobre o meio
circundante, através do engajamento
direto dos sentidos com o ambiente. Os
membros do grupo exploraram o parque
Tiergarten, onde o HKW está localizado;
aparentemente, alguns membros do grupo
comeram lores in natura. O grupo também
explorou a prática de geocaching [11],
que consiste na criação de redes de trocas
impessoais de bens e narrativas.
O terceiro grupo propôs a exploração de
novas formas de conceituação da morte
no contexto do Antropoceno, dentro de
um cenário de criação de relações de
responsabilidade e reciprocidade com
outras formas de vida. O grupo propôs
experimentos mentais como a criação
de uma base de dados de um mundo
em processo de morte; mecanismos de
visualização que permitam que cada
indivíduo veja quantos e quais seres
vivos têm que morrer para que cada um
de nós mantenha-se vivo; e a exploração
provocadora e subversiva de mecanismos
como o mercado de compensação de
carbono, substituindo este pela vida: um
mercado de compensação de vida, no qual
as relações jamais seriam perfeitamente
comensuráveis, e os participantes teriam
que acomodar e acomodar-se a isso.
O quarto grupo trabalhou na construção de
estratégias para a integração do aeroceno
a formas locais de conhecimento do meio
ambiente na Tanzânia e na Índia, através da
constituição do que Mikey Glantz chamou
de “conhecimento útil e utilizável”.
O público alvo na Índia, no esquema
imaginado, seriam crianças e estudantes
JORNALISMO
universitários. A percepção e a sensibilidade
seriam trabalhadas através da combinação
de conhecimento cientíico e gêneros
expressivos locais como a dança, a música,
projetos artísticos etc.. Na Tanzânia, o
aeroceno seria parte do treinamento de
jovens facilitadores que fazem a mediação
entre organizações internacionais de
desenvolvimento e comunidades locais. O
aeroceno seria também uma ferramenta
para a discussão do legado do colonialismo
na história da ciência.
Da esquerda para a direita: Renzo Taddei (Brasil),
Melanie Sehgal (Alemanha), Perrin Selcer (EUA),
François Bucher (Colômbia), Pierre du Plessis
(Botsuana), Zoe Lucia Lüthi (Alemanha), Thiago
Cardoso (Brasil), Davide Scarso (Brasil), participante
não identiicado e Virginia Garcia Acosta (México).
Foto: HKW.
Nas bonitas palavras inais de Bronislaw
Szerszynski, um dos organizadores do
seminário, o caudal constituído por nossas
discussões, jogos e experimentações
materiais e conceituais resultaram em um
delta, onde o engajamento e a energia do
grupo espraiou-se em distintas direções,
aumentando a fertilidade potencial dos
campos existenciais dos quais somos parte,
e onde as sementes depositadas por este
seminário certamente germinarão.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
161
JORNALISMO
CONHECENDO (N)O ANTROPOCENO
[2] Se comparada ao registro histórico das variações climáticas
evidenciado pelas pesquisas paleoclimatológicas.
[3] http://www.anthropocene-curriculum.org
[4] http://www.anthropocene-curriculum.org/pages/root/
idea/
[5] A participação no evento foi inanciada pelos projetos
de pesquisa CRN3035 e CRN3106, com fundos do Instituto
Interamericano para Pesquisas em Mudanças Globais (IAI).
[6] Organizado por Susana Caló, Adrian Lahoud, Godofredo
Pereira, Matteo Pasquinelli e Susan Schuppli.
[7] Ver materiais produzidos neste seminário no link https://
goo.gl/k4qF4c;
[8] https://goo.gl/1i2AKH;
[9] Coordenado por Sasha Engelmann, Zoe Lucia Lüthi,
Melanie Sehgal, Janot Mendler de Suarez, Bronislaw
Szerszynski, Mark Lawrence, Franz Mauelshagen, Tomás
Saraceno e Falk Schmidt.
[10] Coordenado por Clapperton C. Mavhunga, Shadreck
Chirkure, Gabrielle Hecht, D. A. Masolo e Chaz MaviyaneDavies. Ver https://goo.gl/V63Opu.
[11] Ver https://en.wikipedia.org/wiki/Geocaching.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
162
JORNALISMO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
163
SEÇÃO
TÍTULO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
164
TÍTULO
SEÇÃO
Arte
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
165
SEÇÃO
TÍTULO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
166
TÍTULO
SEÇÃO
ARtES vISUAIS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
167
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
168
ARtE
Nimbus
Elaine Pessoa
Nimbus é um ensaio que recombina extratos temporais de uma paisagem-afeto, gestada a partir
de uma experiência de rememoração. A constelação imagética é um composto de diversas matizes
que esculpem o apagamento, cuja latência da forma surge a meio caminho entre o visível e o
nebuloso. Uma atmosfera do fantástico, adornada pelo acúmulo cinzento da poeira do tempo.
Construída com altas e baixas luzes, a fotograia de Nimbus entra em conectividade com o
cosmo de um território demarcado pela opacidade de sombras silenciosas, densas e saturadas
de precipitações e sentidos. A qualidade experimental do trabalho está em provocar repetição
em deslocamento. O tempo é a elaboração do próprio experimento que joga com com a sobredeterminação dos grãos e da luz. Nimbus, enquanto procura pela divindade da matéria-memória
nos faz ver e sentir a evanescência do mistério (Fabiana Bruno e Eder Chiodetto).
Do ensaio fotográico Nimbus nasce o Fotolivro (publicado pela Fotô Editorial 2016 tiragem de 500
exemplares, assinados e numerados) com texto de Fabiana Bruno.
….
Nimbus, uma gestação de paisagens-afeto.
Uma insubordinação da leveza.
Gestada do ciclo alucinado do tempo,
de gotas quentes e frias, modela-se pelo
acúmulo cinzento da grisalha. Paisagens
adornadas pela poeira do tempo, alheias
à irreverência do nascer e morrer para
sobreviver ao eterno, Nimbus se adensa
em camadas matizadas e se aninha numa
atmosfera do fantástico….
(fragmento do texto publicado no Livro Nimbus)
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
169
ARtE
NIMBUS
Autor: Elaine Pessoa (1968)
Artista plástica, vive e trabalha em São Paulo, pós-graduada em Fotograia pela FAAP/SP e em Administração da
Produção pela Fundação Vanzolini Poli/USP-SP. Dedica-se à gravura e à fotograia desde 2001. Sua produção mais
recente é dirigida a pesquisa de um hibridismo entre linguagens visuais (gravura, pintura e fotograia) aplicado ao
imaginário da paisagem. Nimbus, sobre a gestação de paisagens-afeto, é o seu segundo fotolivro. Tempo Arenoso, o
seu primeiro livro, ganhou o Prêmio Miolo como melhor publicação de fotograia de 2015. Foi também inalista do
Prêmio Melhor Livro de Fotograia do PhotoEspaña. Participa assiduamente de salões, festivais e bienais de gravura
e fotograia, dentre as quais destacam-se as mais recentes: Zip’up Zipper Galeria, Arte Londrina 4, Photoespaña
na Biblioteca Nacional de Madri, VI Edição do Diário Contemporâneo na Casa das Onze Janelas, 47o SAC – Salão de
Arte contemporânea de Piracicaba, XV Bienal de Miniaturas Gráicas Luisa Palácios e a 5ª Mostra SP de Fotograia no
Espaço Revista Cult. Entre outros prêmios, foi contemplada também com o Prêmio Aquisitivo no Salão de Artes Visuais
de Vinhedo; Menção Especial (Prêmio Honoríico) 5ª Bienal Nacional de Gravura – Olho Latino; Menção Honrosa XI
Bienal de Miniaturas Gráicas Luisa Palácios.
E-mail: elaine@veredas-sp.com
Links: www.elainepessoa.com.br | www.fotoeditorial.com.br
FICHA TÉCNICA
Título: Nimbus
Livro: Nimbus
Vídeo referente ao livro produção Sheila Oliveira
Fotograia: Elaine Pessoa
Coordenação Editorial: Fabiana Bruno, Eder Chiodetto
Edição: Fabiana Bruno
Designer: Fabio Messias
Brasil
2016
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
170
NIMBUS
ARtE
Disponível em:
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=6085
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
171
ARtE
NIMBUS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
172
NIMBUS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
173
ARtE
NIMBUS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
174
NIMBUS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
175
ARtE
NIMBUS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
176
NIMBUS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
177
ARtE
NIMBUS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
178
NIMBUS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
179
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
180
ARtE
Maré.02
J.D Doria
– perceber o movimento permanente, as forças que nascem profundas, os ciclos da natureza, o
poder do silêncio, aquilo que viviica, a vida das águas, força e brandura, o murmúrio, chegar e
partir, a escuta do que pulsa –
A necessidade de se trabalhar na construção de referências simbólicas, signiicativas, que
requaliiquem a relação que o homem tem com a própria existência e com aquilo que considera
natureza, favorecendo um estado de percepção mais ina, parece ser de suma importância em
tempos de fragmentação, coisiicação e perda de sentido de si e do outro. O papel que a obra
de arte pode assumir na preparação das novas gerações, criando esse espaço para experiências
signiicativas, religadoras, pode vir a produzir uma impregnação sutil, mas perene, em nosso
contexto sociocultural, transformando-o.
A primeira proposta relacionada à maré começou em uma residência artística realizada por
Ernesto Bonato no Instituto de Artes da Unicamp, entre agosto de 2011 e julho de 2012. A principal
atividade foi a elaboração de uma grande xilogravura sobre a imagem da água, executada pelo
artista, com a participação de estudantes. Parte do resultado dessa experiência foi exibido na
Galeria do Instituto de Arte da Unicamp e na Estação Pinacoteca de São Paulo, em 2012. Após o
encerramento da residência o projeto foi ampliado, visando a interação de diferentes linguagens
artísticas e criadores, mantendo ainda o compromisso com a formação de estudantes de artes. A
resultante foi o projeto maré.02, uma instalação constituída por várias xilogravuras de grandes
dimensões, matrizes de madeira, cartazes, projeção de vídeo e música, composta para a instalação
pelo Âmago Trio, além de ações educativas e intervenções urbanas em parceria com o Xilomóvel
Ateliê Itinerante e 03 espaços institucionais de Campinas (Macc, Estação Cultura, Instituto de Artes
da Unicamp).
O projeto maré.02 aborda a impermanência dos grandes ciclos da natureza através da imagem
xilogravada da água, transformada por diferentes impressões e videoprojeções. Buscamos despertar
os sentidos para os processos internos da natureza que interferem e sofrem interferência do homem
e para o Tempo que se manifesta nesses processos. Além do claro viés ambiental e existencial,
o projeto busca ampliar a apreciação e relexão sobre a Gravura Contemporânea, revelando seu
aspecto mutante, a partir de elementos como escala, difusão, diálogo entre tecnologias modernas
e tradicionais, ocupação de espaço, relação entre fotograia e gravura, memória. O projeto ainda
explora as possibilidades de interação entre música, vídeo e imagem impressa e experimenta as
possibilidades de interferência mútua visitante-obra. Para isso, gerou pesquisa multidisciplinar
e criação de obras musicais, de vídeo, gravura e sistema de interfaces a partir da colaboração
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
181
ARtE
MARÉ.02
de músicos, artistas e estudantes. O projeto também discute as possibilidades de circulação e
fruição da obra de arte em diferentes contextos e formatos, a partir de um conjunto de ações que
aproximam diferentes equipamentos de cultura.
O conjunto de realizações denominado maré.02 ocorreu entre abril e maio de 2016 e recebeu
apoio do Programa de incentivo à Cultura do Estado de São Paulo (Proac) e da Secretaria da Cultura
do Estado de São Paulo.
Autor: Ernesto Bonato
Trabalha com desenho, gravura, fotograia, pintura, instalação e intervenção urbana e teve trabalhos expostos
em mais de 190 exposições individuais e coletivas no Brasil e em 28 países. Graduado e mestre pela Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Participou da criação do serviço educativo do Museu
de Arte de São Paulo (Masp) em 1997. Ensinou gravura em metal na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) e
desenho e gravura no Centro Universitário Senac até 2007, onde projetou o primeiro ateliê de gravura não-tóxica do
país. Membro fundador e coordenador do Atelier Piratininga, em São Paulo, de 1993 à 2013. Prêmio Unesco no 14o.
Salão Nacional. Participou da criação de vários projetos coletivos. Organizou e participou de diversos intercâmbios,
simpósios e palestras sobre arte. Curador de exposições no Brasil e exterior. Coordenou o livro Lugar, tempo, olhar:
arte brasileira na França Românica. Artista convidado para o Programa de artista residente na Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp), em 2011, quando teve início o projeto Maré, com a participação de estudantes do curso de
artes visuais. Mora e trabalha na cidade de Campinas, desde 2011.
E-mail: bonato.ernesto@gmail.com
Site: http://projetomare.wixsite.com/mare
Facebook: https://www.facebook.com/projetomare/
Vídeos no youtube: https://www.youtube.com/channel/UCTB11KfkKbWYwSIGVFykgrA/videos
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
182
MARÉ.02
ARtE
Detalhe de matriz da obra maré. Xilogravura, 94 x 194 cm, 2011-2015. Foto: Ernesto Bonato
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
183
MARÉ.02
ARtE
Linha d’água (maré.02). Fotograia digital, 45 x 60 cm, 2015.
Detalhe de impressão da obra maré. Xilogravura, 94 x 194 cm, 2011-2015. Foto: Ernesto Bonato.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
184
MARÉ.02
ARtE
Detalhe da obra maré. Xilogravura, 94 x 194 cm, 2011-2015. Foto: Ernesto Bonato.
Maré.02. Projeção digital sobre xilogravura, 282 x 388 cm, 2015. Foto: Ernesto Bonato e Vinícius Cruz.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
185
MARÉ.02
ARtE
Maré (módulo 05). Xilogravura, 94 x 194 cm, 2011-2015.
Foto: Sergio Guerini.
Maré (módulo 06). Xilogravura, 94 x 194 cm, 2011-2015.
Foto: Sergio Guerini.
Maré.02. Xilogravura, 282 x 388 cm, 2015. Foto: Sergio Guerini.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
186
MARÉ.02
ARtE
Maré.02. Vista da instalação no MAC de Campinas, em 2016. Foto: Vinícius Cruz.
Maré.02 (tríptico). Xilogravura montada em acrílico, 94 x 582 cm, 2015-2016. Foto: Sergio Guerini.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
187
MARÉ.02
ARtE
Esfera. Xilogravura, 60 x 60 cm, 2014. Foto: Sergio Guerini.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
188
MARÉ.02
ARtE
Maré.02. Xilogravura impressa em tecido, 282 x 388 cm, 2016. Foto: Ernesto Bonato.
Maré.02. Xilogravura impressa em tecido em cena de dança, 2016. Foto: Vinícius Cruz.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
189
MARÉ.02
ARtE
Maré.02. Vista da instalação no MAC de Campinas, em 2016. Foto: Vinícius Cruz.
Maré.02. Vista da instalação no MAC de Campinas, em 2016. Foto: Vinícius Cruz.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
190
MARÉ.02
ARtE
Maré.02. Vista da instalação no MAC de Campinas, em 2016. Foto: Vinícius Cruz.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
191
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
192
ARtE
Entre linhas
Edith Derdyk
Desde sempre, sempre desenhei.
O desenho é a matriz e a força motriz de meu traçado: ir e vir com o graite no espaço do papel
está tão calcado em meu sistema neurológico que a própria ação de desenhar se sobrepõe à força
da representação.
O desenho é feito de linhas.
A linha mede e potencializa a sutileza do limite: divisória incerta.
Ponto de partida e ponto de chegada, ao mesmo tempo. O meio é o lugar.
A linha possui uma natureza dupla: percurso mental e traço material.
É carne e ossatura.
A linha empresta o contorno do mundo e caminha pela superfície das coisas.
A linha desenha os espaços entre as coisas do mundo,
sem ser totalmente alguma delas.
A quem pertence a linha do horizonte: ao céu, ao mar, à terra?
Toda minha produção é permeada por investigações derivadas do território do desenho: seja na
gravura, na escultura, na fotograia, no livro-objeto, no vídeo, na palavra ou na instalação, existe
uma “costura” que atravessa, conecta e articula estas várias linguagens.
Desde 1997 realizo instalações efêmeras, que compreendo como “atos de espacialização”.
Utilizando centenas de metros de linha preta de algodão _ linha de costura _ que se estendem no
espaço, de um plano ao outro, as linhas enfatizam um movimento constante e repetitivo de ir e
vir, ininterruptamente, airmando uma vocação transitiva; ou instalações com folhas e mais folhas
de papel em branco que vão sendo empilhadas umas sobre as outras, construindo vazios e frestas
por entre as camadas de folhas, evocando uma outra natureza de linha.
As ações de acúmulo e repetição são procedimentos construtivos recorrentes no conjunto dos
meus trabalhos, mesmo quando realizados em diferentes suportes, materiais, linguagens e medias.
A utilização de materiais efêmeros, tais como a linha de algodão ou folha de papel em branco, a
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
193
ARtE
ENTRE LINHAS
partir do acúmulo e repetição, passam a emitir outros sinais e signiicados, tentando ultrapassar
sua condição usual.
Como extrair e atribuir sentidos provenientes de ações muito simples e repetitivas como costurar,
amarrar, empilhar, deslocar com materiais ordinários tais como linha de algodão ou folhas de papel
em branco?
Onde o desenho acontece?
Autor: Edith Derdyk tem realizado exposições coletivas e individuais desde 1981 no Brasil (Museu de Arte ModernaSP e RJ; Pinacoteca do Estado de São Paulo, Centro Cultural Banco do Brasil-RJ; Museu de Arte de São Paulo,
Centro Cultural São Paulo, Instituto Tomie Ohtake, entre outras) e no exterior (México, EUA, Alemanha, Dinamarca,
Colômbia, Espanha, França).
Prêmios. Bolsas. Residências: 2015.Edital PROAC_Incentivo à Literatura_Poesia; 2014. Edital PROAC_Livro de
Artista_2013. Residência_Can Serrat_Espanha; 2012_Prêmio Funarte Artes Visuais; 2007_ Residência_The Banff
Centre_Canadá; 2004_Prêmio Revelação Fotograia Porto Seguros;2002_Bolsa Vitae de Artes; 2002_Categoria
Tridimensional _APCA; 1999_The Rockefeller Foundation_artista pesquisadora_Bellagio Center, Itália; 1993_Artista
residente_MAC-USP/Vermont Studio Center_USA; 1990_ Bolsa Fiat_Artes Visuais.
Coleções Públicas: MAC-USP. Fundação Padre Anchieta. TV Cultura. São Paulo; Câmara Municipal de Piracicaba; Museu
de Arte de Brasília/MAB; Museu de Arte Moderna de São Paulo/MAM; Secretaria Municipal da Cultura – Santos; Museu
de Arte de Santa Catarina/MASC; Museu de Arte Moderna da Bahia; Casa das Onze Janelas – Belém/Pará; Pinacoteca
Municipal – Centro Cultural São Paulo; Pinacoteca do Estado de São Paulo;Casa de Cultura Judaica_Biblioteca José
Mindlin
Livros: Entre ser um e ser mil – o objeto livro e suas poéticas(organizadora)_Senac; Disegno.Desenho.
Desígnio(antologia)_Senac; Linhas de Horizonte_Ed.Escuta; Linha de Costura_C/Arte; Formas de pensar o desenho_
Ed.Zouk e O desenho da igura humana_Ed.Scipione. entre outros. Também atua como educadora (Instituto Tomie
Ohtake, Centro Cultural o_barco, Intermeios) e autora /ilustradora de vários livros infantis (Todo mundo tem, Rato,
coleção Folia de Papel, O colecionador de palavras e outros) e letrista de algumas canções do Palavra Cantada
(Pomar, Ora Bolas, Rato, O que é o que é, Trilhares e outras).
Aulas e palestras: Ministra aulas e palestras sobre desenho, livro de artista e processos poéticos em instituições,
tais como Instituto Tomie Ohtake, Centro Cultural o_barco, Casa Contemporânea e outros. Atualmente coordena o
projeto Bagagem: caminhada como prática poética, encontros imersivos envolvendo várias linguagens e medias:
desenho, escrita, fotograia, livro de artista, performance e outros. Para saber melhor deste projeto: http://
bagagem-caminhada.blogspot.com.br/
Para acessar o trabalho da artista:
http://cargocollective.com/edithderdyk
www.edithderdyk.com.br
http://issuu.com/otticaart/docs/ottica_art_magazine__out-nov
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
194
ENTRE LINHAS
ARtE
FRAGMENTO, Exposição coletiva Arquivo Vivo, 2013. Curadoria: Priscila Arantes. Detalhe, fotograia: Edith Derdyk.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
195
ARtE
ENTRE LINHAS
FRAGMENTO, Exposição coletiva Arquivo Vivo, 2013. Curadoria: Priscila Arantes. Fotograia: Fernanda Frazão.
FRAGMENTO, Exposição coletiva Arquivo Vivo, 2013. Curadoria: Priscila Arantes. Fotograia: Fernanda Frazão.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
196
ENTRE LINHAS
ARtE
FRAGMENTO, Exposição coletiva Arquivo Vivo, 2013. Curadoria: Priscila Arantes. Detalhe, fotograia: Edith Derdyk.
FRAGMENTO, Exposição coletiva Arquivo Vivo, 2013. Curadoria: Priscila Arantes. Detalhe, fotograia: Edith Derdyk.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
197
ENTRE LINHAS
ARtE
NA GAVETA, Central Galeria de Arte, São Paulo, 2014.
A mesa, 75x41x81, materiais diversos. Fotograia:
Guilherme Tavares.
NA GAVETA, Central Galeria de Arte, São Paulo,
2014. Detalhe, fotograia: Edith Derdyk.
NA GAVETA, Central Galeria de Arte, São Paulo, 2014. Fotograia: Guilherme Tavares.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
198
ENTRE LINHAS
ARtE
NA GAVETA, Central Galeria de Arte, São Paulo, 2014. Detalhe, fotograia: Edith Derdyk.
NA GAVETA, Central Galeria de Arte, São Paulo, 2014. Topográico, fotograia: Edith Derdyk.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
199
ENTRE LINHAS
ARtE
NA GAVETA, Central Galeria de Arte, São Paulo, 2014. Detalhe, fotograia: Edith Derdyk.
NA GAVETA, Central Galeria de Arte, São Paulo, 2014. Cifra, fotograia: Edith Derdyk.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
200
ENTRE LINHAS
ARtE
NA GAVETA, Central Galeria de Arte, São Paulo, 2014. Matriz, fotograia: Edith Derdyk.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
201
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
202
ARtE
Nossa casa era a Lua
Edvan Lessa
A não-casa forçava certa semelhança com a Lua. Poros imensos abertos nas paredes e chão e uma
gravidade que, ao contrário, nos puxava para os cômodos acima. Não havia nada de orgânico na
nossa espera. No máximo folhas secas, paredes abandonadas, frestas para outro tempo urgente.
Talvez o futuro, mas ninguém sabia quando retornaríamos para lá. Tudo era indicativo de que três
anos não chegariam a quatro; até a breve oicina de bicicleta montada pelos ilhos do meio e a
meia pegada dos pedreiros esquecida na escada. Aquela casa de verdade, mais tarde chamada de
mansão, dissimulava certo acolhimento para que sentíssemos como se nunca houvéssemos saído,
enquanto ela era reformada. A instalação fora trocada, mas ainda sobrava resto mortal de ita preta
isolante para que não nos machucássemos na primeira tentativa de abreviar a escuridão. Agora a
comunicação existe na vertical (através dos poços que ventilam frescas e vozes dos cômodos de
cima para baixo e vice versa). Meses escorrendo em imagens, avistamos o palácio ainda cinza: um
obelisco dilatado e sem ponta que erguemos a suor e sono. Aqui, na casa 22, caminhos abertos e
em mim uma urgência de que me conheçam não só pelo que eu não tive, mas pelo eco ininito nos
cômodos que eu tenho erguido.
Autor: Edvan Lessa, jornalista e professor. Mestrando em Divulgação Cientíica e Cultural na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor-Unicamp), e estudante de Biologia
da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
203
ARtE
NOSSA CASA ERA A LUA
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
204
NOSSA CASA ERA A LUA
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
205
ARtE
NOSSA CASA ERA A LUA
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
206
NOSSA CASA ERA A LUA
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
207
ARtE
NOSSA CASA ERA A LUA
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
208
ARtE
Abismo
Sebastian Wiedemann
Soltar dejarse caer en el abismo…
Drop drop into the abyss …
Autor: Sebastian Wiedemann é cineasta-pesquisador, trabalha na interseção entre cinema experimental e ilosoia,
defendendo a possibilidade de um pensamento-cinema que vaza superfícies de expressão entre escrita, curadoria
e realização. Seus ilmes já foram apresentados em galerias e mostras internacionais das Américas, Europa e Ásia.
Participou do 8 TalentCampus Buenos Aires e seu curta-metragem “Zugang” foi publicado pela Experiments in Cinema
– DVD Collection – EUA. Em 2015 seu ilme ‘Los (De)pendientes’ foi eleito um dos melhores ilmes do ano pela revista
Artforum.
Link: http://swiedemann.tumblr.com/
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
209
ARtE
ABISMO
Disponível em:
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=6197
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
210
ARtE
Dauphin Island
Dionísio Gonzalez
Autor: dionísio Gonzalez
Link: http://www.dionisiogonzalez.es
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
211
ARtE
DAUPHIN ISLAND
Título: Dauphin Island X. Descripción: Fotografía siliconada sobre metacrilato. Fecha: 2012.
Título: Dauphin Island II. Descripción: Fotografía siliconada sobre metacrilato. Fecha: 2011.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
212
DAUPHIN ISLAND
ARtE
Título: Dauphin Island XI. Descripción: Fotografía siliconada sobre metacrilato. Fecha: 2012.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
213
ARtE
DAUPHIN ISLAND
ítulo: Dauphin Island III. Descripción: Fotografía siliconada sobre metacrilato. Fecha: 2011.
Título: Dauphin Island V. Descripción: Fotografía siliconada sobre metacrilato. Fecha: 2011.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
214
ARtE
O estranho assimilado
Walmor Corrêa
Autor: Walmor Corrêa (Florianópolis, Brasil, 1962) pauta sua obra nos diálogos entre arte e ciência, realidade e
fantasia, mito e história natural. Desdobrando-se em desenhos, pinturas e taxidermia, seus híbridos surpreendem
nossos sentidos e pretensas certezas, a partir do mergulho histórico e interpretativo que oferecem. Walmor
frequentou o Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre no início dos anos 1980, construindo, a partir daí e de modo
solitário, sua trajetória artística. Em 2008, realizou residência artística em Mataró, Espanha, a convite da Fundação
Can Xalant e, em 2014, com Bolsa da Fundação Smithsonian, desenvolveu pesquisas em Washington, Estados Unidos.
Entre as dezenas de exposições individuais e coletivas das quais participou, destaque para XXVI Bienal de São Paulo
(São Paulo, Brasil, 2004), Cryptozoology (Lewinston, EUA, 2006), Os trópicos – visões a partir do centro do globo
(Brasília e Rio de Janeiro, Brasil; Berlin, Alemanha; Cape Town, África do Sul, todas em 2008), MAM – Projeto Parede
– Metamorfoses e Heterogonias (São Paulo, Brasil, 2015), além de diversas participações nas mostras apresentadas
no MAR, Museu de Arte do Rio, desde sua fundação, em 2014. Acaba de lançar o livro Walmor Corrêa: o estranho
assimilado, organizado por Paula Ramos, pela editora Dux Produções, Porto Alegre, 2016. Vive e trabalha em São
Paulo, Brasil.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
215
ARtE
O ESTRANHO ASSIMILADO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
216
O ESTRANHO ASSIMILADO
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
217
ARtE
O ESTRANHO ASSIMILADO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
218
O ESTRANHO ASSIMILADO
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
219
ARtE
O ESTRANHO ASSIMILADO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
220
ARtE
Navios – mapa de ocupação
para criar heterotopias
Marina Guzzo
Navios é um trabalho sobre o im do mundo nessa (e qualquer) cidade. Uma travessia para qualquer
lugar. Será que vai existir um oceano para gente fugir num navio? Ou uma nave espacial para gente
tentar a vida em Marte? Quando acabar a luz – depois ou antes da água – a gente vai conseguir
sobreviver? Você sabe caçar? Lutar? Correr? Sabe viver em bando?
Esta performance de dança busca criar cartograias dançadas em espaços abandonados, em
plataformas esquecidas, nos cantos, ali onde a memória e o sentido parecem ter sido arruinados.
Travessias de um lugar para qualquer lugar.
Na curva oblíqua da cidade e do mundo em transformação, em seus espaços sem fama ou fortuna.
Corpos que atravessam e buscam animalidade e desutopia numa outra arte dos encontros. Para
seguir rastros, sobreviver juntos e em comum desenvolver estratégias de bando.
Navios surgiu do desejo de continuidade da pesquisa em dança nos espaços públicos, iniciada com
o projeto 100 lugares para dançar (2011) em parceria com Vinícius Terra.
A idéia tomou forma a partir das danças efêmeras realizadas em não-lugares das cidades, e teve
como referência a obra Heterotopias de Michel Foucault.
Heterotopias são, para Foucault (2013), lugares que nasceram da cabeça dos homens, ou “no
interstício de suas palavras, na espessura de suas narrativas, ou ainda, no lugar sem lugar de seus
sonhos, no vazio de seus corações; numa palavra, é o doce gosto das utopias” (2013, p.19).
Um navio, seria uma heterotopia por excelência: se considerarmos que o barco, o grande barco
do século XIX, é um pedaço de espaço lutuante, lugar sem lugar, com vida própria, fechado
em si, livre em certo sentido, mas fatalmente ligado ao ininito do mar e que, de porto em
porto, de zona em zona, de costa a costa, vai até as colônias procurar o que de mais precioso
elas escondem naqueles jardins orientais que evocávamos há pouco, compreenderemos porque
o barco foi, para nossa civilização – pelo menos desde o século XVI – ao mesmo tempo, o maior
instrumento econômico e nossa maior reserva de imaginação. […] Civilizações sem barcos são
como crianças cujos pais não tivessem uma grande cama na qual pudessem brincar; seus sonhos
então se desvanecem, a espionagem substitui a aventura, e a truculência dos policiais, a beleza
ensolarada dos corsários (2013, p.30).
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
221
ARtE
NAVIOS – MAPA DE OCUPAÇÃO PARA CRIAR HETEROTOPIAS
FOUCAULT, Michel. 2013. O Corpo Utópico; As Heterotopias. São Paulo, n-1 Edições.
Autor: Marina Guzzo
Artista e pesquisadora das artes do corpo, docente da UNIFESP e coordenadora do Nid – Núcleo Indisciplinar de
Dança desta Universidade. Se interessa em dar visibilidade para os modos de produção da arte e da cultura por
meio das práticas corporais. Concentra suas criações na interface das linguagens artísticas, misturando a dança, a
performance e o circo para explorar os limites do corpo e da subjetividade na cidade contemporânea.
UNIFESP- Campus Baixada Santista
Laboratório Corpo e Arte
E-mail: marinaguzzo2@gmail.com
Link: http://naviosheterotopias.tumblr.com/
FICHA TÉCNICA
Direção, pesquisa e jogo-coreográico: Marina Guzzo
Paisagem sonora e danças brasileiras: João Simão
Criação de igurino: Lia Damasceno e Marina Guzzo
Intérpretes: Flávia Sá, Daniele Guedes, Leandro Soares, Gabriel Smaira, Natan Brith, Jonatan Elias
José, Bruna Labella, Rafael Palmieri, Fernanda Ianuzzi, Tamara Tanaka e João Simão.
Máscaras: Rita Vidal e Flora Rebollo
Colaboração teórica: Stéfanis Caiaffo
Fotograia: Vinícius Terra
Criação gráica: Renan Costa Lima
Produção: N(i)D- Núcleo Indisciplinar de dança da Unifesp- BS Plataforma de pesquisa: Laboratório
Corpo e Arte- Unifesp-BS
2016
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
222
NAVIOS – MAPA DE OCUPAÇÃO PARA CRIAR HETEROTOPIAS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
223
ARtE
NAVIOS – MAPA DE OCUPAÇÃO PARA CRIAR HETEROTOPIAS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
224
NAVIOS – MAPA DE OCUPAÇÃO PARA CRIAR HETEROTOPIAS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
225
SEÇÃO
TÍTULO
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
226
TÍTULO
SEÇÃO
CINEMA
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
227
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
228
ARtE
NocticulaScreen Project:
Incertezas
Por Hambre | espacio cine experimental + ClimaCom
Noctiluca scintillans são faíscas de mar, pequenos seres bioluminescentes que produzem o mareel
ou o Milky seas effect. Elas transformam o mar numa grande tela bioluminescente, numa grande
tela não-humana.
Fazer aparecer essa grande tela não-humana é o desaio de um cinema que abraça as incertezas e
tem a coragem de se abismar na aventura da criação de novas matrizes perceptivas. Um cinema que
não tem medo de delirar blocos sensíveis outros que abram o humano ao airmar que não podemos
controlar nosso olhar e muito menos nosso olhar pode controlar o mundo. O único que pode tornar
potente nosso olhar é fazer dele passagem de mundos, luxo de cosmos. Fazer dele a posição
relacional que faz brilhar o mar, que faz da tela a moradia de seres de luz, de bioluminescências
entre sonoridades e visualidades.
No entanto, talvez seja pertinente começar por diagnosticar esse nosso olhar humano demais
sobre o mundo. A série “Human Nature” de Robert Todd abre entre sonoridades e visualidades um
tempo de meditação e contemplação, um sutil vácuo perceptivo que apresenta, mas ao mesmo
tempo faz divergir a forma-homem que impomos sobre o mundo querendo domesticá-lo, querendo
controlá-lo… Um mundo antrópico nos é apresentado por Todd, um mundo que mesmo assim abre
fugas e acolhe a incerteza no paradoxo de não se adequar ao tempo do controle, do extracionismo
e consumismo que sufocam o cosmos e fazem do mundo um conjunto de commodities. A tela faz
escoar cintilâncias não humanas, pois mesmo estando num mundo antropomórico o tempo já é o
do cosmo.
A incerteza da vida, do estar vivo insiste no diferir pictórico e cromático que Anders Ramsell
propõe nas suas variações do clássico “Blade Runner”, como se a incerteza do vivente passasse por
um perder o contorno que nos faz sentir que a matéria é pura vibração.
Pura vibração e variação são modos como sentimos que um certo cinema pode apostar em fazer
aparecer novas matrizes perceptivas e onde a incerteza ganha consistência como procedimento
estilístico singular. Os trabalhos de Juan Pablo Villegas, Pablo Mazzolo, Wolfgang Lehmann e Scott
Barley, nos fazem sentir a vertigem de um olhar que já não reconhece mais um horizonte claro e
distinto, mas que é pura dissolução de mensurabilidades, onde as sonoridades e visualidades são
pura fuga rítmica. Não sabemos mais onde começa e onde termina o céu, a terra e o mar, eles se
encontram e confundem, eles airmam sua potência em ininitas direções. A matéria é reanimada,
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
229
ARtE
NOCTILUCASCREEN PROJECT: INCERTEZAS
ganha vivacidades novas, fazendo do mundo essa grande tela de luzes vivas onde o tempo do
cosmos pode proliferar, onde podemos co-habitar o mundo com e entre as bioluminescências.
Sebastian Wiedemann
Curator
Link: https://vimeo.com/nocticulascreen
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
230
NOCTILUCASCREEN PROJECT: INCERTEZAS
ARtE
Robert Todd’s Human Nature Series
Blade Runner – The Aquarelle Edition
FE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
231
NOCTILUCASCREEN PROJECT: INCERTEZAS
ARtE
OAXACA TOHOKU
Meer
Hinterlands
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
232
ARtE
Robert Todd’s Human Nature
Series
Robert Todd
“To err is human.” This phrase is used to describe a component of human nature. In the era of
the Anthropocene, it is abundantly clear that the error of our ways, of our nature, is the error of
nature at large, or rather “nature” as humanity continues to remake it. The laws in our design(s)
are at issue in this series of works that examine the interplay between Western ideas regarding the
“natural world” and our species’ inclinations and designs.
1. Emerald Necklace
A presentation of contiguous landscapes that wind around Boston and Brookline, MA, designed
during the Civil War by Frederick Law Olmsted to create an aesthetically pleasing environment
within the city. This monument-garden serves as an ostensibly permanent nineteenth-century
art exhibition promoting a romantic philosophy that positions “natural” elements as spiritual
commodities, and furthers the notion that nature exists in service to humanity, subject to its
aesthetic designs and principles. The ilm also suggests a philosophy jointly held by the landscape
architect and the cosmetologist.
2. Over Water
A ilm that connects scattered pieces of an archaic architecture of water-related infrastructure in
the Northeast, including piers, bridges, and canal locks; designs for mastery over water that was
once a hallmark of civil construction in past centuries, here conjoined with an archaic ideology
that drives Western commerce, an ideology that sees nature as inherently chaotic and in need of
our mastery, a mastery that typically centers on, if not requires, commodiication of nature as a
pool of “resources”.
3. Artiicial Atmospheres
Formulated in collaboration with artist and sibling Deb Todd Wheeler, this video displays a variety
of mediated representations of layers of atmospheric penumbra, with sources for these miasmas
ranging from plastic bags to power plants. These displays make reference to what makes up the
“atmosphere”, whether visible or not, that deines the world we continue to create. We used a
varied palette of cameras to construct the layers, creating separate levels of mediation that collide,
overlap and dissipate in artiicial rhythms as they meet within the digital imaging realm, with
digital compressions from cameras and computer forming their own atmospheric complications.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
233
ARtE
ROBERT TODD’S HUMAN NATURE SERIES
This artiice is met with a voice that describes terms for measurement and action suggestive of
cybernetic respiration, suggesting that our atmospheric machinery is perhaps another example of
our anthropocentric designs for regulating the world we live in.
4. The Hills
Distance is at issue in this inal chapter of the “Human Nature” series, which speaks of our postioning
of the landscape as a source for contemplation as being a form of consumption and thereby
invoking claims of ownership. These hills, found within the coal ranges of Eastern Pennsylvania,
are marked by our vision as both “nature” and “territory”, subject to varied forms of reverence
and exploitation. The ilm continues OVER WATER’s theme of controlling elements of nature, here
complicated (and obviated) by the use of the grid as a trope serving as a reference to not only
the literal introduction of powerlines (the energy grid), but more generally to the utility of image
in relation to function, the epistemological goals of mapping, and the aspects of control that are
intertwined with ownership and consumption.
Autor: Robert Todd (born 1963) is a Boston-based American ilmmaker, known primarily for his short poetic
experimental ilms. He teaches ilm production at Emerson College. His ilms have screened at international ilm
festivals including The Rotterdam International Film Festival, The New York Film Festival, The Ann Arbor Film Festival,
Media City Festival, and others.
Link: http://roberttoddilms.com/
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
234
ROBERT TODD’S HUMAN NATURE SERIES
ARtE
Disponível em:
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=6380
Emerald Necklace. (23:40, 2016, Color 16mm, sound, USA)
Over Water. (31:40, 2015, Color and Black & White 16mm,
sound, USA)
Artiicial Atmospheres. (19:30, 2016, Color Video, sound,
USA)
The Hills. (26:50, 2016, Color Video, sound, USA)
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
235
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
236
ARtE
Blade Runner – The Aquarelle
Edition
Anders Ramsell
This animation consists of 12 597 handmade aquarelle paintings, each painting is approximately
1,5*3cm in size. Together they form my 35 minute long paraphrase on the motion picture Blade
Runner (1982) by Ridley Scott. “Blade Runner – The Aquarelle Edition” follows the original movie´s
storyline but I have taken the liberty to change a lot of things. It was never my intent to make
an exact version of the movie, that would ill no purpose. Instead I wanted to create a something
different and never before seen — “The Aquarelle Edition”.
Autor: Anders Ramsell. Anders is currently doing his Master in Fine Art at Konstfack – University College of Arts, Crafts
and Design in Stockholm.
Link: http://www.andersramsell.com/
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
237
BLADE RUNNER – THE AQUARELLE EDITION
ARtE
Disponível em:
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=6238
Rachel
Rick Deckard
Roy Batty
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
238
ARtE
FE
Juan Pablo Villegas
Juan Pablo Villegas’s video “FE” — the chemical symbol for iron from the Latin ferratum, but also
the Spanish word for faith—proposes a twisted act of belief. Metal has no organic life, however
we assume that what we see and hear relates to a familiar realm. Unaware of the magnetic ield
that provokes the grated iron to move and thus generate sound, we project life into an inanimate
object that appears to crawl, to squeal.
Text by Maria del Carmen Carrion
Autor: Juan Pablo villegas
Link: vimeo.com/user12736941
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
239
ARtE
Disponível em:
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=6244
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
240
FE
ARtE
OAXACA TOHOKU
Pablo Mazzolo
El 11 de marzo de 2011 se produjo un terremoto en la región costera de Tohoku, Japón. La ruptura
de las placas tectónicas se expandió en un área de 100.000 Km2. En el otro extremo del Océano
Pacíico, la región costera de Oaxaca, México, recibe una alerta de tsunami. Primer premio del
Fondo Metropolitano de las Artes y Segundo premio en la Bienal de la Imagen en Movimiento.
Autor: Pablo Mazzolo (N. 1976, Buenos Aires; actualmente vive y trabaja en Buenos Aires). Estudió Diseño de Imagen
y Sonido en la Universidad de Buenos Aires. Actualmente se desempeña como realizador documental, montajista y
docente. Su trabajo explora la relación ontológica entre los seres humanos, la luz y el tiempo dentro de un soporte.
Ha participado en diversos festivales, entre ellos, el New York Film: Views from the Avant Garde, el Rotterdam
Film Festival, el Ann Arbor Film Festival y el Chicago Underground Film Festival. Ha sido distinguido con diversas
menciones, entre ellas, Conjeturas (2013) ganó el Primer Premio en el Media City Film Festival (Windsor, Canadá).
Oaxaca Tohoku (2012) fue premiada por el Fondo Nacional de las Artes y por la Bienal de la Imagen en Movimiento
(BIM, Buenos Aires).
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
241
ARtE
OAXACA TOHOKU
Disponível em:
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=6249
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
242
ARtE
Meer
Wolfgang Lehmann
Sea, variations, rhythm.
Autor: Wolfgang Lehmann. His irst cinematic efforts were made in 1989. Since 1994 Wolfgang Lehmann has realised
and produced his own ilms, many of which were invited for showings at festivals and museums in Europe, Japan,
Korea, India, Bangladesh, Israel, Australia, Canada, USA, Brazil and Latin America. Retrospectives were shown in
Berlin, Frankfurt/Main and Cagliari (Sardinia). In his ilms Wolfgang Lehmann makes use mostly of documentary
material; these include pictures of landscapes and themes from the urban space and from cities. His works can
be characterised by an exact and often rhythmic-like montage, as well as extremely short takes that result in
overlapping images.
Link: http://www.imagewolfganglehmann.de/
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
243
ARtE
MEER
Disponível em:
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=6254
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
244
ARtE
Hinterlands
Scott Barley
Through a structuralist and simultaneously ambiguous form, the image’s reality treads closer to
the abstract, leaving the sunset and trees behind. As we enter the image’s gloaming, it reveals its
true eye: reality’s pure haptic energy, where there is nothing but sonorous light, and the dregs of
the Unknown.
Autor: Scott studied Art & Design at Howard Gardens, Cardiff Metropolitan University, where he focused on themes
of existential angst, self-sabotage, isolation and metaphysics within nature. Scott Barley has been linked to both
the Remodernist Film Movement, and his work has often been compared with the ouevres of Stan Brakhage, Philippe
Grandrieux, Béla Tarr, and Jean Epstein. He is currently completing his irst feature-length work, Sleep Has Her House,
which will premiere on Tao Films VOD from 1st January, 2017, whilst studying a Masters degree in Experimental Film
at Kingston University.
Link: http://www.scottbarleyilm.com/
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
245
ARtE
HINTERLANDS
Disponível em:
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=6260
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
246
ARtE
LABORAtÓRIOAtELIê
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
247
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
248
ARtE
INTERVALAR – Indiscernibilidade,
ou sobre o mínimo do real
Murilo Salvador Collange (OLHO-FE-Unicamp)
A partir da criação de uma base de dados com artistas experimentais de diferentes partes do
mundo, em especial os do projeto Lowave, trabalhamos com uma produção que trazia o conceito
de “vídeo mapping”: tratava de relatos de refugiados sobrepostos a criação de uma espécie de
mapa, desenhados pelas pessoas que faziam o relato, do lugar onde viviam, de sua rotina, e sua
relação com o espaço. Nossa ideia foi a de coletar relatos de pessoas que vivem em situações
marginalizadas, de como elas se relacionam com o espaço da cidade, ao mesmo tempo em que
pedir a estas que, em uma folha em branco, representassem essa relação de alguma maneira.
Coube a mim fazer a transcrição do áudio do primeiro relato que nós tínhamos. E, inspirado
por algumas falas nesse áudio, decidi seguir por uma linha diferente. Em seu relato, o morador
de rua dizia se sentir como um fantasma que hora desaparece em um lugar para aparecer em
outro quando se movimenta pela cidade. Isso me inspirou a mergulhar na cidade, munido de uma
câmera fotográica, para procurar esses fantasmas, investigar o fenômeno dos aparecimentos e
desaparecimentos, procurar por vestígios e revelar as impressões deixadas no corpo da cidade.
E foi o que eu iz. Em uma manhã, levando minha câmera Zenit, saí pelo centro da cidade de
Campinas a procura das impressões deixadas por esses fantasmas na cidade. O que me chamou
atenção nessa busca não foi somente como essas impressões parecem estar em todo lugar (ainda
que pareçam revelar-se somente quando as procuramos), mas como todas essas impressões e as
relações que se dão entre todos os que compartilham aquele espaço (sejam os mais privilegiados
ou não) parecem criar uma voz própria da cidade. A cidade fala, a cidade grita, a cidade sorri.
Sinto que no im do dia (ou no im das 36 fotos disponíveis no ilme), foi isso que eu acabei passando
para as fotograias. Depois de reveladas as fotograias, e muita conversa, troca de ideias, leitura e
mais inspiração, resolvi trabalhar com elas de modo a trans-parecer melhor os sentimentos que eu
tive ao fotografar isso tudo. E ainda inspirado pelo trabalho da artista visual indiana NaliniMalani,
utilizei da técnica de glitch art para revelar formas, cores, distúrbios e realces escondidos nas
imagens, mas que se repetem e clamam, se distorcem e destacam. Mostrando o quão complexas
são as relações que se dão na cidade, fruto das vidas tão variadas daqueles que utilizam seu
espaço.
Autor: Murilo Salvador Collange. Projeto Intervalar. OLHO-FE-Unicamp
Coord. Prof. Dr. Antonio Carlos Rodrigues de Amorim
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
249
ARtE
INTERVALAR – INDISCERNIBILIDADE, OU SOBRE O MÍNIMO DO REAL
Intervalar
Quando a palavra escrita convidou as imagens para a acompanharem nos deslizamentos de
signiicados? Essa questão aglutina este projeto em rede de colaboração com universidades
brasileiras e estrangeiras, congregando sentidos propulsores de um movimento de ruptura e de
atravessamentos potentes da produção cientíica e sensível da educação e divulgação cientíica
e cultural. Neste projeto de pesquisa coletivo, buscam-se aproximações entre educação, arte
e divulgação cientíica e cultural e as teorizações de Gilles Deleuze pela via das visualidades,
particularmente as marcas da era das produções artísticas midiáticas contemporâneas em que
se salientam dois aspectos: a imersão no cotidiano, na qual as questões referentes às culturas de
massa, de mercado e de homogeneização são um dos pontos tensionadores e as possibilidades de
pensarmos as produções audiovisuais fora dos binômios: palavra e imagem; enunciável e visível;
signiicado e sentido. Como um conceito, a audiovisualidade é um espaço inabitado do paradoxo.
O paradoxo das diferenças e das disjunções entre o texto e a imagem, ou entre o enunciável e
o visível. Pensar a educação e a divulgação como signo no meio, num campo de forças e vetores
da arte (em especial pelas audiovisualidades), gerando um plano de composição, em diálogo com
os conceitos da ilosoia da diferença de Gilles Deleuze e com a imersão analítica em imagens de
produções audiovisuais contemporâneas denominadas cinematográicas, videoinstalações ou de
outras naturezas. No projeto, são inventados e criados artefatos visuais e audiovisuais destinados
à exposições em espaços públicos.
Integrantes: Antonio Carlos Rodrigues de Amorim – Coordenador / Erica Speglich / Elenise Cristina
Pires de Andrade / Carlos Eduardo Ferraço / Janete Magalhães Carvalho / Nilda Alves / Bia Porto /
Susana Oliveira Dias / Alda Regina Tognini Romaguera / Alik Wunder / Leandro Belinaso Guimarães
/ Pamela Zacharias Sanches / Juliana Aparecida Jonson Gonçalves / Davina Marques / Ana Godinho
/ Juliana Soares Bom Tempo / Marcus Pereira Novaes / Lilian Barbosa / Ian Buchanan / Pasi Väliaho
/ Barbara dos Santos/ Fernanda Nunes / Murilo Collange/ Waldirene de Jesus / Edvan Lessa /
Rodrigo Marcondes.
Financiador(es): Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo / Fundo de Apoio ao
Ensino, Pesquisa e Extensão da Unicamp / Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíico e
Tecnológico – Edital Universal N. 484908/2013-8.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
250
INTERVALAR – INDISCERNIBILIDADE, OU SOBRE O MÍNIMO DO REAL
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
251
ARtE
INTERVALAR – INDISCERNIBILIDADE, OU SOBRE O MÍNIMO DO REAL
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
252
INTERVALAR – INDISCERNIBILIDADE, OU SOBRE O MÍNIMO DO REAL
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
253
ARtE
INTERVALAR – INDISCERNIBILIDADE, OU SOBRE O MÍNIMO DO REAL
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
254
ARtE
INTERVALAR – Imagens em
diferenciação
Fernanda Nunes (OLHO-FE-Unicamp)
Não penetre mais em mim: idioma estrangeiro, e não digo em relação
a este que me chegou de herança com o ventre de minha mãe, se
não o de todos vocês que, antes de me dizerem respeito, apenas me
impedem de respirar, de pensar livremente.
A obra de Gilles Deleuze nos fornece a possibilidade de interpretar os signos da arte como redescoberta
do artista e de seu próprio tempo, a qual é consequência de seu processo de aprendizado enquanto
inventor do mundo. Tal relexão nos permite apreciar a obra de videoartistas mulheres enquanto
criadoras de imagens da diferença e, por assim dizer, de fraturas em um cenário anestesiado por
anacronismos. Tendo em vista que, segundo Deleuze, o artista em seu processo de apreensão
caminha de encontro a si mesmo enquanto participante de um mundo múltiplo, e, portanto, não
enquanto subjetividade subjugada a uma lógica da identidade, busquei me aprofundar em tal
relação com as imagens em diferenciação produzidas por algumas artistas mulheres selecionadas.
Dentro da linguagem, e do seu limite, surge a própria linguagem como veia liberta de uma veia
mastigada e sofrida pela limitação de suas correntes familiares e civilizatórias. É nesta mesma
linha que busco encontrar nas artistas mulheres do mundo das artes audiovisuais, os seus espectros
sensíveis de almas criadoras.
Autora: Fernanda Nunes. Projeto Intervalar. OLHO-FE-Unicamp
Orientador Prof. Dr. Antonio Carlos Rodrigues de Amorim
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
255
ARtE
INTERVALAR – IMAGENS EM DIFERENCIAÇÃO
Intervalar
Quando a palavra escrita convidou as imagens para a acompanharem nos deslizamentos de
signiicados? Essa questão aglutina este projeto em rede de colaboração com universidades
brasileiras e estrangeiras, congregando sentidos propulsores de um movimento de ruptura e de
atravessamentos potentes da produção cientíica e sensível da educação e divulgação cientíica
e cultural. Neste projeto de pesquisa coletivo, buscam-se aproximações entre educação, arte
e divulgação cientíica e cultural e as teorizações de Gilles Deleuze pela via das visualidades,
particularmente as marcas da era das produções artísticas midiáticas contemporâneas em que
se salientam dois aspectos: a imersão no cotidiano, na qual as questões referentes às culturas de
massa, de mercado e de homogeneização são um dos pontos tensionadores e as possibilidades de
pensarmos as produções audiovisuais fora dos binômios: palavra e imagem; enunciável e visível;
signiicado e sentido. Como um conceito, a audiovisualidade é um espaço inabitado do paradoxo.
O paradoxo das diferenças e das disjunções entre o texto e a imagem, ou entre o enunciável e
o visível. Pensar a educação e a divulgação como signo no meio, num campo de forças e vetores
da arte (em especial pelas audiovisualidades), gerando um plano de composição, em diálogo com
os conceitos da ilosoia da diferença de Gilles Deleuze e com a imersão analítica em imagens de
produções audiovisuais contemporâneas denominadas cinematográicas, videoinstalações ou de
outras naturezas. No projeto, são inventados e criados artefatos visuais e audiovisuais destinados
à exposições em espaços públicos.
Integrantes: Antonio Carlos Rodrigues de Amorim – Coordenador / Erica Speglich / Elenise Cristina
Pires de Andrade / Carlos Eduardo Ferraço / Janete Magalhães Carvalho / Nilda Alves / Bia Porto /
Susana Oliveira Dias / Alda Regina Tognini Romaguera / Alik Wunder / Leandro Belinaso Guimarães
/ Pamela Zacharias Sanches / Juliana Aparecida Jonson Gonçalves / Davina Marques / Ana Godinho
/ Juliana Soares Bom Tempo / Marcus Pereira Novaes / Lilian Barbosa / Ian Buchanan / Pasi Väliaho
/ Barbara dos Santos/ Fernanda Nunes / Murilo Collange/ Waldirene de Jesus / Edvan Lessa /
Rodrigo Marcondes.
Financiador(es): Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo / Fundo de Apoio ao
Ensino, Pesquisa e Extensão da Unicamp / Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíico e
Tecnológico – Edital Universal N. 484908/2013-8.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
256
INTERVALAR – IMAGENS EM DIFERENCIAÇÃO
ARtE
Disponível em:
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=6301
Re-amor.
Les temps de rêver.
[prévia] Domingo sem Deus na terra da solidão
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
257
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
258
ARtE
(In)visibilidades e poéticas
indígenas
Alik Wunder, Alice Villela, Márcia Soares, Marcello Guriam, Andressa Gonçalves dos Santos de
Andrade, Kerstin Cunha, Francisca Almeida, Daniela Marques Fernandes, Aurora Ferreira, Diego
Alexandre, Érika Bizari, Elaine Cristina, Simone Assunção,Waneska Oliveira,Suely Oliveira,Viviane
Valente, Narcleyre Dias e Fátima Bredariol.
“O índio é invisível, invisibilizado, perde a voz, perde o foco, perde a imagem, desaparece afogado
no mar da burocracia, afogado no mar das palavras, vai sumindo aos poucos. É como um grito
no silêncio da noite, ninguém sabe de onde veio, ninguém sabe onde encontrar”. As palavras de
Almires Martins (guarani) no vídeo Ymá Nhandehetama (Almires Martins, Armando Queiroz e Marcelo
Rodrigues) nos desaiaram a pensar em como se produz a invisibilidade dos indígenas nas escolas,
especialmente nas imagens que se proliferam em repetição nos livros didáticos, nos cartazes, nos
gibis, nas páginas da internet, nas ilustrações de livros infanto-juvenis… Suas palavras também nos
desaiaram a encontrar imagens outras: as poéticas visuais indígenas – graismos de pintura corporal
do povo Asuriní, desenhos de árvores e de seres da loresta do povo Tikuna (Livro das Árvores
do Povo Tikuna), desenhos e palavras de sonhos de xamãs Yanomami (Mitopoemas Yanomami de
Claudia Andujar), poemas de escritores e escritoras indígenas como Eliane Potiguara, Olívio Jekupé
entre outros (Revista LEETRA – Ufscar). Em um dos encontros do curso “Temática Indígena na
Escola” realizado com professores e monitores da Secretaria Municipal de Educação de Campinas
(2016) nos permitimos criar, com recortes e colagens, conexões improváveis entre as imagens e
palavras sobre os indígenas que percorrem a cultura escolar e pinturas, desenhos, poemas que
os diferentes artistas indígenas nos oferecem. Estas últimas nos levam a mundos inusitados, sem
signiicação, sem profundidade, sem referente… são puras imagens. Como nos encontrar com estas
imagens e palavras produzidas pelos diversos povos indígenas? Como nos abrir à incerteza diante
daquilo que não compreendemos e que possivelmente nunca compreenderemos? Como habitar
este mundo com muitos outros mundos possíveis pela arte do encontro na diferença?
Autores(as): Alik Wunder, Alice Villela, Márcia Soares, Marcello Guriam, Andressa Gonçalves dos Santos de Andrade, Kerstin
Cunha, Francisca Almeida, Daniela Marques Fernandes, Aurora Ferreira, Diego Alexandre, Érika Bizari, Elaine Cristina, Simone
Assunção,Waneska Oliveira,Suely Oliveira,Viviane Valente, Narcleyre Dias e Fátima Bredariol.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
259
ARtE
(IN)VISIBILIDADES E POÉTICAS INDÍGENAS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
260
(IN)VISIBILIDADES E POÉTICAS INDÍGENAS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
261
ARtE
(IN)VISIBILIDADES E POÉTICAS INDÍGENAS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
262
(IN)VISIBILIDADES E POÉTICAS INDÍGENAS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
263
ARtE
(IN)VISIBILIDADES E POÉTICAS INDÍGENAS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
264
(IN)VISIBILIDADES E POÉTICAS INDÍGENAS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
265
ARtE
(IN)VISIBILIDADES E POÉTICAS INDÍGENAS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
266
(IN)VISIBILIDADES E POÉTICAS INDÍGENAS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
267
ARtE
(IN)VISIBILIDADES E POÉTICAS INDÍGENAS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
268
ARtE
Derivar
Eliane de Barros, Marta Kanashiro, Ricarda Canozo, Tatiana Plens, Vivian Pontin.
Uma placa de rede – jangada em um clima atravessado por incertezas, ios, traços de conexão, de
constituição de superfícies. Vela de palavras ao vento que dão lugar a dúvidas, questões, sopram
para um outro tempo aquelas certezas da modernidade, do peso da fatalidade. O incerto em
traços, em rastros capturados cotidianamente nas comunicações, agora fragmentos para derivar
outros rumos.
Equipe: Eliane de Barros, Marta Kanashiro, Ricarda Canozo, Tatiana Plens, Vivian Pontin.
Este vídeo é resultado da oicina de animação ministrada por Ricarda Canozo no dia 20/10/2016
no Labjor-Unicamp como parte das ações do projeto “Arquivo Nuvens” – Grupo multiTÃO-LabjorUnicamp e Ateliê Orssarara.
Arquivo Nuvens
Nesta nova série de mesas de trabalho da ClimaCom – pensadas na relação com o Dossiê “Incerteza”
e iniciativa do grupo multiTÃO e Orssarara Ateliê – propomos encontros com as nuvens por sentilas e pensá-las como intercessores fundamentais diante das mudanças climáticas. O medo que
se instaura frequentemente diante de sua aparição tempestuosa (inundações) ou de seu sumiço
aterrador (secas), nos colocam diante da questão política urgente de estarmos preparados para
o que vem. E se a resposta surge rapidamente – “É preciso juntar forças para resistir ao que
vem” – talvez seja preciso enfrentar a desaceleração gerada por perguntas que retornam em
ondulações insistentes: “como?”, “o que pode vir a ser juntar forças?”, “o que vem?”. Nesta
proposta concebemos as nuvens como forças que, como o sol, uma montanha, os musgos, os
caranguejos e os corais, não podem ser excluídas de nossas buscas por inventar novos modos de
“juntar forças”, de “resistir” e de estar aberto ao “que vem”. Criar alianças do que vem de outros
reinos, de um reino diverso, e investir em campos de atração entre ciências, artes e ilosoias,
que abrem um entre-reinos. Não sabemos o que pode uma nuvem e, nesse sentido, é que nos
lançamos na criação de uma coleção de existências particulares delas. “Arquivo Nuvens” é feito
de taxonomias lutuantes e amostragens leves, recolhidas em nossos movimentos de segui-las,
tanto nos céus, quanto nos livros, de acompanhar seus processos de des-aparição nas notícias,
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
269
ARtE
DERIVAR
nos laboratórios, nos congressos cientíicos, nos ilmes, exposições etc. Um arquivo generativo
em morfogênese constante, cuja gravidez dá lugar a novas linhas de força gravitacional, e nos
coloca a pergunta: O que é gravitar sem centro? Talvez seja isso o que as nuvens possam nos
ensinar com sua gravidez pluri-vital e pluri-dimensional. Uma nuvem pode estar composta por
sensações como nas instalações “Lágrimas de São Pedro” de Vinicius S.A. <https://www.lickr.
com/photos/viniciussa/> e nos projetos “Cloud Cities” e “Cloud Cities/Flying Garden” de Tomás
Saraceno <http://tomassaraceno.com/projects/cloud-cities-lying-garden/>. Uma nuvem pode
ser a invenção de uma nova percepção, uma lutuante, gasosa e leve que desconhece coordenadas
ou ancoragens, como no ilme “La region centrale” de Michael Snow. Uma nuvem também pode
estar composta por dados e modelos matemáticos e nos colocar a pergunta pela mineração, pelo
cálculo e controle. Ou até mesmo estar composta por entidades ininitamente minúsculas e sutis
e nos lançar ao desaio de fazer delas uma força de um futuro incalculável, que pode ganhar
uma expressão precisa tanto estatisticamente, como num poema ou ensaio ilosóico. Uma nuvem
pode se formar e participar de ciclos e sistemas a partir de complexas teorias de povos indígenas
e dos cientistas que se dedicam a sua microfísica. Queremos gerar intercessões entre essas
nuvens e investir num arquivo vivo, que sai da caixa, da gaveta, e que se lança em performances
nas ruas, se transmuta em ensaios fotográicos, se verte em animação, se prolifera e condensa
em encontros com convidados das mais diversas áreas. Um arquivo como plano de errâncias e
heterogêneses, que se abre furioso como a caixa de Pandora, desatando as forças que fazem do
ser-nuvem, uma vibração impessoal, um acontecimento nutrido pelos mais diversos movimentos
de concrescência e preensão ou de devir e transição, onde tudo se torna causa eiciente para
atingir uma potencialidade real.
Concepção, organização e coordenação “Arquivo Nuvens”:
Susana Dias e Sebastian Wiedemann
Grupo multiTÃO e Orssarara Ateliê
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
270
DERIVAR
ARtE
Disponível em:
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=6337
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
271
DERIVAR
ARtE
Contemporaneidade
Coleciono contos pela metade,
amigos a quilômetros de distância,
memórias-vivas
da minha transformação cotidiana.
Arquivo amigos em partes,
encontros desmarcados, culpa materna,
lembranças-insistentes
da centralidade do trabalho.
Computo senhas, dívidas não pagas, fragmentos,
formação continuada, lutas efêmeras,
atividades-inindáveis-aceleradas
na minha presença no mundo
Consumo beleza inalcançável, saúde ininita
vida estendida sem limites: imortalidade;
amigos por toda parte, amores nunca vistos
informações-potência capturadas
do eu-código, de identidades fugidias
Identidade? Amores? Amigos?
Conceitos desmanchados.
Fluxos, luxos, luxos ….
Dividual eu?
Eu fogo fátuo
Marta Kanashiro (2010)
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
272
ARtE
Circulações vitais
Trinidad Caballero e Susana Dias
Uma análise dos ventos que circulam em manuscritos e revisões de obras literárias de Fernando
Pessoa, Guimarães Rosa, James Joyce, Eça de Queiroz, José Saramago e Moacyr Scliar.
Imagens: Trinidad Caballero e Susana Dias
Fotograias: Susana Dias
Local: Orssarara Ateliê
Datas: 15/11/2016
Arquivo Nuvens
Nesta nova série de mesas de trabalho da ClimaCom – pensadas na relação com o Dossiê “Incerteza”
e iniciativa do grupo multiTÃO e Orssarara Ateliê – propomos encontros com as nuvens por sentilas e pensá-las como intercessores fundamentais diante das mudanças climáticas. O medo que
se instaura frequentemente diante de sua aparição tempestuosa (inundações) ou de seu sumiço
aterrador (secas), nos colocam diante da questão política urgente de estarmos preparados para
o que vem. E se a resposta surge rapidamente – “É preciso juntar forças para resistir ao que
vem” – talvez seja preciso enfrentar a desaceleração gerada por perguntas que retornam em
ondulações insistentes: “como?”, “o que pode vir a ser juntar forças?”, “o que vem?”. Nesta
proposta concebemos as nuvens como forças que, como o sol, uma montanha, os musgos, os
caranguejos e os corais, não podem ser excluídas de nossas buscas por inventar novos modos de
“juntar forças”, de “resistir” e de estar aberto ao “que vem”. Criar alianças do que vem de outros
reinos, de um reino diverso, e investir em campos de atração entre ciências, artes e ilosoias,
que abrem um entre-reinos. Não sabemos o que pode uma nuvem e, nesse sentido, é que nos
lançamos na criação de uma coleção de existências particulares delas. “Arquivo Nuvens” é feito
de taxonomias lutuantes e amostragens leves, recolhidas em nossos movimentos de segui-las,
tanto nos céus, quanto nos livros, de acompanhar seus processos de des-aparição nas notícias,
nos laboratórios, nos congressos cientíicos, nos ilmes, exposições etc. Um arquivo generativo
em morfogênese constante, cuja gravidez dá lugar a novas linhas de força gravitacional, e nos
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
273
ARtE
CIRCULAÇÕES VITAIS
coloca a pergunta: O que é gravitar sem centro? Talvez seja isso o que as nuvens possam nos
ensinar com sua gravidez pluri-vital e pluri-dimensional. Uma nuvem pode estar composta por
sensações como nas instalações “Lágrimas de São Pedro” de Vinicius S.A. <https://www.lickr.
com/photos/viniciussa/> e nos projetos “Cloud Cities” e “Cloud Cities/Flying Garden” de Tomás
Saraceno <http://tomassaraceno.com/projects/cloud-cities-lying-garden/>. Uma nuvem pode
ser a invenção de uma nova percepção, uma lutuante, gasosa e leve que desconhece coordenadas
ou ancoragens, como no ilme “La region centrale” de Michael Snow. Uma nuvem também pode
estar composta por dados e modelos matemáticos e nos colocar a pergunta pela mineração, pelo
cálculo e controle. Ou até mesmo estar composta por entidades ininitamente minúsculas e sutis
e nos lançar ao desaio de fazer delas uma força de um futuro incalculável, que pode ganhar
uma expressão precisa tanto estatisticamente, como num poema ou ensaio ilosóico. Uma nuvem
pode se formar e participar de ciclos e sistemas a partir de complexas teorias de povos indígenas
e dos cientistas que se dedicam a sua microfísica. Queremos gerar intercessões entre essas
nuvens e investir num arquivo vivo, que sai da caixa, da gaveta, e que se lança em performances
nas ruas, se transmuta em ensaios fotográicos, se verte em animação, se prolifera e condensa
em encontros com convidados das mais diversas áreas. Um arquivo como plano de errâncias e
heterogêneses, que se abre furioso como a caixa de Pandora, desatando as forças que fazem do
ser-nuvem, uma vibração impessoal, um acontecimento nutrido pelos mais diversos movimentos
de concrescência e preensão ou de devir e transição, onde tudo se torna causa eiciente para
atingir uma potencialidade real.
Concepção, organização e coordenação “Arquivo Nuvens”:
Susana Dias e Sebastian Wiedemann
Grupo multiTÃO e Orssarara Ateliê
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
274
CIRCULAÇÕES VITAIS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
275
ARtE
CIRCULAÇÕES VITAIS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
276
CIRCULAÇÕES VITAIS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
277
ARtE
CIRCULAÇÕES VITAIS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
278
CIRCULAÇÕES VITAIS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
279
ARtE
CIRCULAÇÕES VITAIS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
280
ARtE
XAPIRIMUU
Susana Dias & Sebastian Wiedemann
Elas, as nuvens, como nosso campo crítico e problemático nos obrigam a ganhar uma leveza
que favoreça o encontro de heterogêneos. Encontros que ao mesmo tempo povoam e abrem um
arquivo, ou o conjunto de entradas por onde podemos ganhar uma maior intimidade com elas,
como sua força de transmutação.
Há algo mais importante que a tradição do cinema de animação, que saber que a impressão de
realidade acontece a 24 quadros por segundos, que… Há algo mais importante: a vida. Esse algo
mais importante nos dispõe em aprendizados corpo a corpo com a matéria. Sem saber, abrindo o
que há de humano em nós, começar a criar um pequeno cenário, começar a dobrar os arames e
sentir que não são só ios de metal, mas também ios de vida. Linhas que traçam cordas suspensas
entre as nuvens. Aprendizado de infância, onde não há relações dadas, nem metáforas, mas há
literalidades de encontros onde a matéria é modulada. Aprender a estar, estando já, ainda não
estando, dentro de uma nuvem entre linhas e arames. Asigniicante a matéria vai agindo, vai
abrindo trajetórias novas, vai se animando, ganhando alma, ganhando espírito.
O pequeno bloco audiovisual carregado mais de animas de metal e linha do que de animação ressoa
e se conecta como a potência de pensamento do povo Yanomami. A matéria em estado generativo
aberto e contínuo diverge e se conecta com a noção yanomami de Xapirimuu, em português,
agir em espírito. Começamos a habitar as nuvens dando ânima a modos de existência até então
silenciados, nos deixamos possuir por eles, pela voz do arame, da linha, que pedem ressoar mais.
Uma nova matriz perceptiva começa a emergir entre linhas, teias de aranha e arames, entre
cumulus e águas vivas, entre caracóis, sombras e capins. Toda uma nova ecologia ganhando
consistência na matéria-cinema, uma heterogênese em esvoaçar constante.
xAPIRIMUU
[agir em espírito]
[to act as a spirit]
6min28 | HD | 2016
Sonhar a terra entre nuvens
para que o céu não caia.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
281
ARtE
XAPIRIMUU
Dream the earth among clouds
so that the sky does not fall.
Composição audiovisual / Audiovisual composition:
Sebastian Wiedemann
Ideia, Conceito e Imagem / Idea, Concept and Image:
Susana Dias & Sebastian Wiedemann
Música / Music:
Terry Riley – Poppy Nogood
Este ilme faz parte do projeto “Arquivo Nuvens” concebido
pelo Orssarara Ateliê e o Grupo multiTÃO – Labjor – Unicamp.
This ilm is part of the project “Cloud Archive” conceived
by Orssarara Atelier and the multiTÃO Group – Labjor – Unicamp.
Orssarara Collective
CC BY-NC-SA
2016
A animação que integra este vídeo foi desenvolvida na oicina de animação ministrada por
Ricarda Canozo no dia 20/10/2016 no Labjor-Unicamp como parte das ações do projeto “Arquivo
Nuvens”.
Arquivo Nuvens
Nesta nova série de mesas de trabalho da ClimaCom – pensadas na relação com o Dossiê “Incerteza”
e iniciativa do grupo multiTÃO e Orssarara Ateliê – propomos encontros com as nuvens por sentilas e pensá-las como intercessores fundamentais diante das mudanças climáticas. O medo que
se instaura frequentemente diante de sua aparição tempestuosa (inundações) ou de seu sumiço
aterrador (secas), nos colocam diante da questão política urgente de estarmos preparados para
o que vem. E se a resposta surge rapidamente – “É preciso juntar forças para resistir ao que
vem” – talvez seja preciso enfrentar a desaceleração gerada por perguntas que retornam em
ondulações insistentes: “como?”, “o que pode vir a ser juntar forças?”, “o que vem?”. Nesta
proposta concebemos as nuvens como forças que, como o sol, uma montanha, os musgos, os
caranguejos e os corais, não podem ser excluídas de nossas buscas por inventar novos modos de
“juntar forças”, de “resistir” e de estar aberto ao “que vem”. Criar alianças do que vem de outros
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
282
XAPIRIMUU
ARtE
reinos, de um reino diverso, e investir em campos de atração entre ciências, artes e ilosoias,
que abrem um entre-reinos. Não sabemos o que pode uma nuvem e, nesse sentido, é que nos
lançamos na criação de uma coleção de existências particulares delas. “Arquivo Nuvens” é feito
de taxonomias lutuantes e amostragens leves, recolhidas em nossos movimentos de segui-las,
tanto nos céus, quanto nos livros, de acompanhar seus processos de des-aparição nas notícias,
nos laboratórios, nos congressos cientíicos, nos ilmes, exposições etc. Um arquivo generativo
em morfogênese constante, cuja gravidez dá lugar a novas linhas de força gravitacional, e nos
coloca a pergunta: O que é gravitar sem centro? Talvez seja isso o que as nuvens possam nos
ensinar com sua gravidez pluri-vital e pluri-dimensional. Uma nuvem pode estar composta por
sensações como nas instalações “Lágrimas de São Pedro” de Vinicius S.A. <https://www.lickr.
com/photos/viniciussa/> e nos projetos “Cloud Cities” e “Cloud Cities/Flying Garden” de Tomás
Saraceno <http://tomassaraceno.com/projects/cloud-cities-lying-garden/>. Uma nuvem pode
ser a invenção de uma nova percepção, uma lutuante, gasosa e leve que desconhece coordenadas
ou ancoragens, como no ilme “La region centrale” de Michael Snow. Uma nuvem também pode
estar composta por dados e modelos matemáticos e nos colocar a pergunta pela mineração, pelo
cálculo e controle. Ou até mesmo estar composta por entidades ininitamente minúsculas e sutis
e nos lançar ao desaio de fazer delas uma força de um futuro incalculável, que pode ganhar
uma expressão precisa tanto estatisticamente, como num poema ou ensaio ilosóico. Uma nuvem
pode se formar e participar de ciclos e sistemas a partir de complexas teorias de povos indígenas
e dos cientistas que se dedicam a sua microfísica. Queremos gerar intercessões entre essas
nuvens e investir num arquivo vivo, que sai da caixa, da gaveta, e que se lança em performances
nas ruas, se transmuta em ensaios fotográicos, se verte em animação, se prolifera e condensa
em encontros com convidados das mais diversas áreas. Um arquivo como plano de errâncias e
heterogêneses, que se abre furioso como a caixa de Pandora, desatando as forças que fazem do
ser-nuvem, uma vibração impessoal, um acontecimento nutrido pelos mais diversos movimentos
de concrescência e preensão ou de devir e transição, onde tudo se torna causa eiciente para
atingir uma potencialidade real.
Concepção, organização e coordenação “Arquivo Nuvens”:
Susana Dias e Sebastian Wiedemann
Grupo multiTÃO e Orssarara Ateliê
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
283
ARtE
XAPIRIMUU
Disponível em:
http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=6295
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
284
ARtE
Aliarse a las nubes para que el
cielo no se caiga.
Sebastian Wiedemann y Susana Dias – Orssarara Atelier y grupo multiTÃO – Labjor-Unicamp
Proyección de ilmes y conferencia.
Proponemos hacer una primera aproximación desde las imágenes en movimiento para pensar la
proposición que da nombre a este posible encuentro. Comenzar por los ilmes “A ilm, Reclaimed”
de Ana Vaz y Tristan Bera (2015, 19min) y “Entre-Vidas: Bruno Latour” de nuestra propia autoría
(2015, 7min). La proposición – deseo de alianza – que aquí nos convoca trae implícita la triste
herencia que nos ha dejado la modernidad, un habito por dividir como nos recuerda Stengers,
consecuencia de lo que Whitehead llama bifurcación de la naturaleza y que ha alimentado nuestra
creencia de que estamos solos en el mundo, de que el solipsismo es el único modo posible de
estar en el mundo. Queremos resistir a esta herencia de las luces con ecologías de prácticas que
airman que no estamos solos y que, antes que estar en el mundo, estos tiempos catastróicos
nos imponen estar con los mundos. Para quien nunca perdió una intimidad y conexión efectiva
con el mundo como el pueblo indígena Yanomani, el cielo se puede caer – como nos dice Davi
Kopenawa – justamente porque nosotros, los blancos, nos sentimos ajenos al cielo y a todas las
posibles relaciones que de él se desprenden. Ininitas líneas por donde la vida prolifera, fuerzas
anímicas que se agencian con las nubes, pero también con la lluvia, la selva, el rio, los cantos
y el propio pensamiento. Este aliarse con las nubes es un aliarse con todo aquello que no deja
caer lo vivo, disponiéndose como supericie de contacto e intersección para que lo vivo continúe
en movimiento. Una alianza que ocurre como posibilidad constructiva de los más impensados
encuentros multiespecies y de la emergencia de modos de existencia, donde lo humano se abre a
una cierta liviandad, transmutabilidad y multirelacionalidad, haciendo de la potencia de pensar un
gesto menor y pluri-ontologico – entre artes, ciencias y ilosofías –. Una invitación a estar a cielo
abierto, sin miedo a que el cielo se caiga.
Local: Universidad Nacional de Avellaneda (UNDAV), Buenos Aires, en el marco de la Maestría en Estéticas Contemporáneas
Latinoamericanas.
Curaduria y conferencia: Sebastian Wiedemann y Susana Dias – Orssarara Atelier y grupo multiTÃO – Labjor-Unicamp.
Fecha: 5 de noviembre de 2016
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
285
ARtE
ALIARSE A LAS NUBES PARA QUE EL CIELO NO SE CAIGA.
Esta presentación hace parte del proyecto “Arquivo Nuvens” concebido por Orssarara Atelier y
grupo multiTÃO – Labjor – Unicamp.
Arquivo Nuvens
Nesta nova série de mesas de trabalho da ClimaCom – pensadas na relação com o Dossiê “Incerteza”
e iniciativa do grupo multiTÃO e Orssarara Ateliê – propomos encontros com as nuvens por sentilas e pensá-las como intercessores fundamentais diante das mudanças climáticas. O medo que
se instaura frequentemente diante de sua aparição tempestuosa (inundações) ou de seu sumiço
aterrador (secas), nos colocam diante da questão política urgente de estarmos preparados para
o que vem. E se a resposta surge rapidamente – “É preciso juntar forças para resistir ao que
vem” – talvez seja preciso enfrentar a desaceleração gerada por perguntas que retornam em
ondulações insistentes: “como?”, “o que pode vir a ser juntar forças?”, “o que vem?”. Nesta
proposta concebemos as nuvens como forças que, como o sol, uma montanha, os musgos, os
caranguejos e os corais, não podem ser excluídas de nossas buscas por inventar novos modos de
“juntar forças”, de “resistir” e de estar aberto ao “que vem”. Criar alianças do que vem de outros
reinos, de um reino diverso, e investir em campos de atração entre ciências, artes e ilosoias,
que abrem um entre-reinos. Não sabemos o que pode uma nuvem e, nesse sentido, é que nos
lançamos na criação de uma coleção de existências particulares delas. “Arquivo Nuvens” é feito
de taxonomias lutuantes e amostragens leves, recolhidas em nossos movimentos de segui-las,
tanto nos céus, quanto nos livros, de acompanhar seus processos de des-aparição nas notícias,
nos laboratórios, nos congressos cientíicos, nos ilmes, exposições etc. Um arquivo generativo
em morfogênese constante, cuja gravidez dá lugar a novas linhas de força gravitacional, e nos
coloca a pergunta: O que é gravitar sem centro? Talvez seja isso o que as nuvens possam nos
ensinar com sua gravidez pluri-vital e pluri-dimensional. Uma nuvem pode estar composta por
sensações como nas instalações “Lágrimas de São Pedro” de Vinicius S.A. <https://www.lickr.
com/photos/viniciussa/> e nos projetos “Cloud Cities” e “Cloud Cities/Flying Garden” de Tomás
Saraceno <http://tomassaraceno.com/projects/cloud-cities-lying-garden/>. Uma nuvem pode
ser a invenção de uma nova percepção, uma lutuante, gasosa e leve que desconhece coordenadas
ou ancoragens, como no ilme “La region centrale” de Michael Snow. Uma nuvem também pode
estar composta por dados e modelos matemáticos e nos colocar a pergunta pela mineração, pelo
cálculo e controle. Ou até mesmo estar composta por entidades ininitamente minúsculas e sutis
e nos lançar ao desaio de fazer delas uma força de um futuro incalculável, que pode ganhar
uma expressão precisa tanto estatisticamente, como num poema ou ensaio ilosóico. Uma nuvem
pode se formar e participar de ciclos e sistemas a partir de complexas teorias de povos indígenas
e dos cientistas que se dedicam a sua microfísica. Queremos gerar intercessões entre essas
nuvens e investir num arquivo vivo, que sai da caixa, da gaveta, e que se lança em performances
nas ruas, se transmuta em ensaios fotográicos, se verte em animação, se prolifera e condensa
em encontros com convidados das mais diversas áreas. Um arquivo como plano de errâncias e
heterogêneses, que se abre furioso como a caixa de Pandora, desatando as forças que fazem do
ser-nuvem, uma vibração impessoal, um acontecimento nutrido pelos mais diversos movimentos
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
286
ALIARSE A LAS NUBES PARA QUE EL CIELO NO SE CAIGA.
ARtE
de concrescência e preensão ou de devir e transição, onde tudo se torna causa eiciente para
atingir uma potencialidade real.
Concepção, organização e coordenação “Arquivo Nuvens”:
Susana Dias e Sebastian Wiedemann
Grupo multiTÃO e Orssarara Ateliê
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
287
ARtE
ALIARSE A LAS NUBES PARA QUE EL CIELO NO SE CAIGA.
Programa:
1. A ilm, Reclaimed
de Ana Vaz y Tristan Bera
2015, 19min, HD
2. Entre-Vidas: Bruno Latour
de Sebastian Wiedemann y Susana Dias
2015, 7min, HD
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
288
ARtE
Flutuações Persistentes
Susana Dias, Tatiana Plens e Vivian Pontin
Nesta mesa de trabalho acolhemos o convite das nuvens para uma lutuação, para sobrevoar
a segurança do chão e agregar-se à consistência rarefeita dos encontros frágeis e potentes.
Deixando-se levar pelo movimento das nuvens, seguindo e recolhendo partículas diversas e
formando aglomerações imprevistas. Inluenciados por Ítalo Calvino, apostamos na leveza, em
resistir à inércia, à rigidez e ao pesadume de perspectivas e lógicas que se aderem e se ixam
facilmente ao solo do mundo. Para enfrentar a precariedade dessas óticas, nos aliamos também ao
ensinamento que nos trazem os xamãs: aliviar-se do peso do corpo e voar de encontro com outras
percepções, com outros reinos, que doem forças capazes de provocar mudanças em nossos modos
de existência. Escolhemos trilhar com o vento e nos dispormos às composições imprevisíveis: uma
folha, uma linha, um pedaço de algodão, arames, palavras, pedaços de cor. Experimentar viver na
consistência rarefeita das nuvens, nesse “campo de impulsos magnéticos” como nomeia Calvino,
onde as formas não se cristalizam, onde as coisas estão a todo tempo se movendo e adotando
novos contornos, alcançando outros níveis, nos impondo novas condições, que nos convocam a um
aprendizado contínuo de como estar junto diante das novas simetrias de cada encontro. O esforço
de Calvino por retirar o peso das coisas para tentar alcançar uma sintonia com o mundo, recolher
as belezas que nele se depositam aos poucos, sem, no entanto, recusar os pesos, apenas recusar
dar-lhes demasiada atenção. Esse também é um aprendizado pela vivacidade e mobilidade, pelas
mudanças de ponto de observação – livrar-se do pesadume que adere à vida é aprender a leveza
de tocar nas coisas, um modo de mover-se no mundo em busca de amostragens leves para, então,
criar com elas um modo de expressão que possa aliar-se à vida.
Resumo “Flutuações persistentes”: Tatiana Plens e Vivian Pontin
Participantes: Glauco Roberto, Tatiana Plens, Vivian Pontin e Susana Dias
Fotograias: Susana Dias
Locais: Orssarara Ateliê e Labjor-Unicamp
Datas: 22/09 e 06/10/2016
Arquivo Nuvens
Nesta nova série de mesas de trabalho da ClimaCom – pensadas na relação com o Dossiê “Incerteza”
e iniciativa do grupo multiTÃO e Orssarara Ateliê – propomos encontros com as nuvens por senti-
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
289
ARtE
FLUTUAÇÕES PERSISTENTES
las e pensá-las como intercessores fundamentais diante das mudanças climáticas. O medo que
se instaura frequentemente diante de sua aparição tempestuosa (inundações) ou de seu sumiço
aterrador (secas), nos colocam diante da questão política urgente de estarmos preparados para
o que vem. E se a resposta surge rapidamente – “É preciso juntar forças para resistir ao que
vem” – talvez seja preciso enfrentar a desaceleração gerada por perguntas que retornam em
ondulações insistentes: “como?”, “o que pode vir a ser juntar forças?”, “o que vem?”. Nesta
proposta concebemos as nuvens como forças que, como o sol, uma montanha, os musgos, os
caranguejos e os corais, não podem ser excluídas de nossas buscas por inventar novos modos de
“juntar forças”, de “resistir” e de estar aberto ao “que vem”. Criar alianças do que vem de outros
reinos, de um reino diverso, e investir em campos de atração entre ciências, artes e ilosoias,
que abrem um entre-reinos. Não sabemos o que pode uma nuvem e, nesse sentido, é que nos
lançamos na criação de uma coleção de existências particulares delas. “Arquivo Nuvens” é feito
de taxonomias lutuantes e amostragens leves, recolhidas em nossos movimentos de segui-las,
tanto nos céus, quanto nos livros, de acompanhar seus processos de des-aparição nas notícias,
nos laboratórios, nos congressos cientíicos, nos ilmes, exposições etc. Um arquivo generativo
em morfogênese constante, cuja gravidez dá lugar a novas linhas de força gravitacional, e nos
coloca a pergunta: O que é gravitar sem centro? Talvez seja isso o que as nuvens possam nos
ensinar com sua gravidez pluri-vital e pluri-dimensional. Uma nuvem pode estar composta por
sensações como nas instalações “Lágrimas de São Pedro” de Vinicius S.A. <https://www.lickr.
com/photos/viniciussa/> e nos projetos “Cloud Cities” e “Cloud Cities/Flying Garden” de Tomás
Saraceno <http://tomassaraceno.com/projects/cloud-cities-lying-garden/>. Uma nuvem pode
ser a invenção de uma nova percepção, uma lutuante, gasosa e leve que desconhece coordenadas
ou ancoragens, como no ilme “La region centrale” de Michael Snow. Uma nuvem também pode
estar composta por dados e modelos matemáticos e nos colocar a pergunta pela mineração, pelo
cálculo e controle. Ou até mesmo estar composta por entidades ininitamente minúsculas e sutis
e nos lançar ao desaio de fazer delas uma força de um futuro incalculável, que pode ganhar
uma expressão precisa tanto estatisticamente, como num poema ou ensaio ilosóico. Uma nuvem
pode se formar e participar de ciclos e sistemas a partir de complexas teorias de povos indígenas
e dos cientistas que se dedicam a sua microfísica. Queremos gerar intercessões entre essas
nuvens e investir num arquivo vivo, que sai da caixa, da gaveta, e que se lança em performances
nas ruas, se transmuta em ensaios fotográicos, se verte em animação, se prolifera e condensa
em encontros com convidados das mais diversas áreas. Um arquivo como plano de errâncias e
heterogêneses, que se abre furioso como a caixa de Pandora, desatando as forças que fazem do
ser-nuvem, uma vibração impessoal, um acontecimento nutrido pelos mais diversos movimentos
de concrescência e preensão ou de devir e transição, onde tudo se torna causa eiciente para
atingir uma potencialidade real.
Concepção, organização e coordenação “Arquivo Nuvens”: Susana Dias e Sebastian Wiedemann
Grupo multiTÃO e Orssarara Ateliê
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
290
FLUTUAÇÕES PERSISTENTES
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
291
ARtE
FLUTUAÇÕES PERSISTENTES
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
292
FLUTUAÇÕES PERSISTENTES
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
293
ARtE
FLUTUAÇÕES PERSISTENTES
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
294
FLUTUAÇÕES PERSISTENTES
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
295
ARtE
FLUTUAÇÕES PERSISTENTES
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
296
FLUTUAÇÕES PERSISTENTES
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
297
ARtE
FLUTUAÇÕES PERSISTENTES
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
298
ARtE
Arquivo Nuvens
Susana Dias e Sebastian Wiedemann
Nesta nova série de mesas de trabalho da ClimaCom – pensadas na relação com o Dossiê “Incerteza”
e iniciativa do grupo multiTÃO e Orssarara Ateliê – propomos encontros com as nuvens por sentilas e pensá-las como intercessores fundamentais diante das mudanças climáticas. O medo que
se instaura frequentemente diante de sua aparição tempestuosa (inundações) ou de seu sumiço
aterrador (secas), nos colocam diante da questão política urgente de estarmos preparados para
o que vem. E se a resposta surge rapidamente – “É preciso juntar forças para resistir ao que
vem” – talvez seja preciso enfrentar a desaceleração gerada por perguntas que retornam em
ondulações insistentes: “como?”, “o que pode vir a ser juntar forças?”, “o que vem?”. Nesta
proposta concebemos as nuvens como forças que, como o sol, uma montanha, os musgos, os
caranguejos e os corais, não podem ser excluídas de nossas buscas por inventar novos modos de
“juntar forças”, de “resistir” e de estar aberto ao “que vem”. Criar alianças do que vem de outros
reinos, de um reino diverso, e investir em campos de atração entre ciências, artes e ilosoias,
que abrem um entre-reinos. Não sabemos o que pode uma nuvem e, nesse sentido, é que nos
lançamos na criação de uma coleção de existências particulares delas. “Arquivo Nuvens” é feito
de taxonomias lutuantes e amostragens leves, recolhidas em nossos movimentos de segui-las,
tanto nos céus, quanto nos livros, de acompanhar seus processos de des-aparição nas notícias,
nos laboratórios, nos congressos cientíicos, nos ilmes, exposições etc. Um arquivo generativo
em morfogênese constante, cuja gravidez dá lugar a novas linhas de força gravitacional, e nos
coloca a pergunta: O que é gravitar sem centro? Talvez seja isso o que as nuvens possam nos
ensinar com sua gravidez pluri-vital e pluri-dimensional. Uma nuvem pode estar composta por
sensações como nas instalações “Lágrimas de São Pedro” de Vinicius S.A. <https://www.lickr.
com/photos/viniciussa/> e nos projetos “Cloud Cities” e “Cloud Cities/Flying Garden” de Tomás
Saraceno <http://tomassaraceno.com/projects/cloud-cities-lying-garden/>. Uma nuvem pode
ser a invenção de uma nova percepção, uma lutuante, gasosa e leve que desconhece coordenadas
ou ancoragens, como no ilme “La region centrale” de Michael Snow. Uma nuvem também pode
estar composta por dados e modelos matemáticos e nos colocar a pergunta pela mineração, pelo
cálculo e controle. Ou até mesmo estar composta por entidades ininitamente minúsculas e sutis
e nos lançar ao desaio de fazer delas uma força de um futuro incalculável, que pode ganhar
uma expressão precisa tanto estatisticamente, como num poema ou ensaio ilosóico. Uma nuvem
pode se formar e participar de ciclos e sistemas a partir de complexas teorias de povos indígenas
e dos cientistas que se dedicam a sua microfísica. Queremos gerar intercessões entre essas
nuvens e investir num arquivo vivo, que sai da caixa, da gaveta, e que se lança em performances
nas ruas, se transmuta em ensaios fotográicos, se verte em animação, se prolifera e condensa
em encontros com convidados das mais diversas áreas. Um arquivo como plano de errâncias e
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
299
ARtE
ARQUIVO NUVENS
heterogêneses, que se abre furioso como a caixa de Pandora, desatando as forças que fazem do
ser-nuvem, uma vibração impessoal, um acontecimento nutrido pelos mais diversos movimentos
de concrescência e preensão ou de devir e transição, onde tudo se torna causa eiciente para
atingir uma potencialidade real.
Concepção, organização e coordenação “Arquivo Nuvens”: Susana Dias e Sebastian Wiedemann
Participantes: Caue Nunes, Tatiana Plens, Vivian Pontin, Sebastian Wiedemann e Susana Dias
Fotograias: Tatiana Plens, Sebastian Wiedemann e Susana Dias
Local: Praça da Paz – Unicamp
Data: 25/08/2016
Grupo multiTÃO e Orssarara Ateliê
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
300
ARQUIVO NUVENS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
301
ARtE
ARQUIVO NUVENS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
302
ARQUIVO NUVENS
ARtE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
303
ARtE
ARQUIVO NUVENS
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
304
CENÁRIOS ESPECULATIVOS: FAZENDO DO TERRITÓRIO UMA MESA DE TRABALHO (OFICINA 4)
ARtE
SAtÉLItE
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
305
SAtÉLItE
VII Seminário
Conexões:
Deleuze e
Cosmopolíticas
e Ecologias
Radicais e Nova
Terra e…
de Avellaneda – Argentina, Déborah Danowski
da Pontifícia Universidade Católica – Rio de
Janeiro.
O VII Seminário é organizado pelos grupos de
pesquisa multiTÃO, do Laboratório de Estudos
Avançados em Jornalismo (Labjor-Unicamp) e
Humor Aquoso, da Faculdade de Educação (FEUnicamp) e é uma ação da Subrede de Divulgação
Cientíica da Rede Clima – Rede Brasileira de
Pesquisas sobre Mudanças Climáticas, que
conta com a participação de pesquisadores
de diversas instituições brasileiras ligados à
educação, comunicação, antropologia, história,
ilosoia, artes etc, e que tem feito acontecer o
projeto da Revista ClimaCom.
Saiba mais sobre o evento no site: https://
seminarioconexoes2017.hotglue.me/
O Seminário Conexões chega a sua sétima edição
ano que vem. Desde 2009 o evento propõe
proliferações com o pensamento do ilósofo
Gilles Deleuze em interseções as mais inusitadas,
em 2017 pretende propor experimentações a
partir do conceito de Deleuze e Guattari de
“Nova Terra” dando consistência a possíveis
e impensadas “Cosmopolíticas” e “Ecologias
Radicais”.
O evento acontecerá de 27 a 29 de novembro
de 2017 na Universidade Estadual de Campinas
e entre os convidados já conimados estão
Erin Manning da Universidade de Concórdia –
Canadá, e Brian Massumi da Universidade de
Montreal – Canadá, Adrián Cangi da Universidad
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
306
SAtÉLItE
Clima em transe:
a vulnerabilidade
da agricultura
familiar
Acaba de sair o livro O clima em transe:
a vulnerabilidade da agricultura familiar,
organizado por Marcel Bursztyn e Saulo
Rodrigues Filho, coordenadores da Subrede
de Desenvolvimento Regional da Rede Clima –
Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças
Climáticas. O livro apresenta os resultados
alcançados ao longo de sete anos de pesquisas
interdisciplinares sobre vulnerabilidade e
adaptação da agricultura familiar num contexto
de transição climática. A partir de um amplo
levantamento de dados e informações sobre
a dinâmica do clima, seus efeitos e o modo
como as populações percebem seus efeitos e
reagem a eles, esta obra pretende enriquecer
o debate cientíico e também contribuir para
a tomada de decisões de políticas públicas. O
livro foi publicado pela editora Garamond. Mais
informações e aquisição podem se encontrados
no link da editora e também no site da Rede
Clima. Lei aqui um trecho do livro.
VI Reunião de
Antropologia
da Ciência e da
Tecnologia tem
inscrições abertas
INSCRIÇÕES PRORROGADAS ATÉ DIA 18 DE
DEZEMBRO DE 2016!
Com o tema “Entreviver” a VI Reunião de
Antropologia da Ciência e da Tecnologia
(ReACT) abre inscrições até 15 de dezembro
para trabalhos nos vários Seminários Temáticos
propostos. Alguns deles, inclusive, abrem
diálogos diretos com temas e problemas que
têm sido tratados pelas ClimaCom. Por exemplo,
“A ecologia política das paisagens mais-quehumanas: etnograias, engajamentos e práticas
de conhecimento”; “Mudanças Climáticas:
Conhecimentos, Políticas e Intervenções” e
“Aliar-se às nuvens para que o céu não caia”. O
evento acontecerá ano que vem em São Paulo,
entre os dias 16 e 19 de maio de 2017, e é
promovido pelo Instituto de Estudos Brasileiros
(IEB) da Universidade de São Paulo (USP), e
pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP).
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
307
SAtÉLItE
Veja a lista completa dos Seminários temáticos
propostos e submeta o quanto antes seu
resumo!
Leia outras informações sobre a ReACT:
“A ReACT é resultado da articulação, no cenário
brasileiro das últimas décadas, entre diversos
grupos de pesquisa relacionados à Antropologia
da Ciência e da Tecnologia. Os simpósios,
realizados a cada dois anos, têm como intuito
promover um intenso e relexivo debate, que
discuta o potencial e as contribuições da
Antropologia na construção de perspectivas
acerca das ciências/conhecimentos/saberes,
das tecnologias/técnicas/inovações, e das
relações entre estas e as formas de constituição
da vida e do futuro. O evento, desde suas
edições anteriores, tem se convertido em um
importante fórum de discussão sobre pesquisas,
objetos, abordagens e perspectivas teóricas/
epistemológicas do campo da Antropologia da
Ciência e da Tecnologia (ACT), em interface
com outras matrizes disciplinares e campos de
atuação.
A VI ReACT tem como proposta promover
diálogos e vivências entre distintos agentes
implicados na produção de mundos e realidades
tecnocientiicamente mediados. Para tanto, o
evento buscará problematizar as relação entre
ciência, tecnologia, natureza, vida, e futuro,
bem como os modos de ver, deinir e intervir em
um mundo tecnocientiicamente constituído”.
Geoengenharia,
radiação solar
e mudanças
climáticas
são tema de
workshop
A geoengenharia de gerenciamento de radiação
solar (SRM em inglês) é uma proposta controversa
voltada à redução dos efeitos dos impactos das
mudanças climáticas. No dia 22 de novembro
o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), em São José dos Campos (SP), realizará
o “Workshop on Science and Governance of
Solar Radiation Management”, com o objetivo
de reunir especialistas de diversas áreas do
Brasil e exterior, tanto ligados às universidades,
institutos de pesquisa, como às ONGs etc., para
debaterem o tema. Inscrições poderão ser feitas
através de email enviado para Alessandra Costa
em alessandra.costa_bsservices@inpe.br até
hoje, 11 de novembro. Veja abaixo a proposta
completa do evento!
Workshop on Science and Governance of Solar
Radiation Management
Please save the date and join us for a
participatory workshop on the science and
governance of Solar Radiation Management
(SRM) geoengineering – a controversial proposal
for addressing some of the risks of climate
change.
The workshop will explore SRM and have a
particular focus on the most pressing current
challenge: the governance of research. It will
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
308
SAtÉLItE
review the climate threats faced by Brazil and
will provide an introduction to the science
of SRM, as well as the socio-political and
ethical issues it raises. Moving quickly from
presentations to group exercises, however,
it will emphasize discussion and interaction.
Participants will work together to explore
their hopes and concerns about SRM, and the
governance challenges that its development
raises.
This workshop will be hosted by Earth System
Science Center of the National Institute for
Space Research (CCST-INPE) and the Solar
Radiation Management Governance Initiative
(SRMGI), and is developed by the following
steering group: Prof. Paulo Artaxo, University of
São Paulo; Prof. Carlos Nobre, Brazil’s National
Institute of Science & Technology for Climate
Change; Dr. Jean Ometto, CCST-INPE; Mr.
Andy Parker, SRMGI; Prof. Roberto Schaeffer,
Federal University of Rio de Janeiro; Prof. John
Shepherd, University of Southampton; Prof.
Eduardo Viola, University of Brasilia
The event will take place on Tuesday, November
22, 2016 from 9:00 –18:00 at the National
Institute for Space Research (INPE) in São José
dos Campos, Brazil. Limited travel aid and
subsistence allowance may be provided by INCT,
SRMGI, or Rede CLIMA. To register for the event
please contact Alessandra Costa at alessandra.
costa_bsservices@inpe.br by November 11.
Attendance limited to 80 participants.
Background
Solar
radiation
management
(SRM)
geoengineering is a controversial proposal
for addressing some of the risks of climate
change by blocking a small fraction of inbound
sunlight. Its potential importance should not be
underestimated, as it is the only known method
for quickly slowing (or even reversing) rises in
global temperatures. This means that is has
the potential to be a helpful complement to
mitigation and adaptation in the ight against
climate change. However its environmental and
political effects are still poorly understood and
would not be restricted by national boundaries.
Therefore SRM also has the potential to be very
damaging.
While it is unclear whether SRM would be
helpful or harmful overall, one thing is clear:
many developing countries would stand to
gain or lose the most if SRM were ever used.
They are often less resilient to environmental
change, whether caused by global warming or
by any SRM geoengineering attempts to address
it. Despite this, most research and discussion
has taken place in developed countries.
Goals of this workshop
Brazil is one of the ten largest economies in
the world and consequently key to any effort
of building up global governance, but the
level of awareness about SRM geoengineering
issues is low amongst Brazil’s climate change
community. One main workshop goal is to raise
the level of awareness about geoengineering
issues in Brazil, appropriate to its importance
in the international system.
Additional goals include introducing the science
of SRM geoengineering and the numerous ethical
and governance issues that it raises, then to
encourage participants to share their opinions
and ideas on SRM and governance of research,
and how Brazil can become more involved in
global discussions. The ultimate goal is to start
a conversation and to develop the capacity of
Brazilian academics, NGO representatives and
policymakers to have their voices heard in
future international discussions.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
309
SAtÉLItE
Partner Background
CCST-INPE
generates
interdisciplinary
knowledge for national development with
equity and reduces environmental impacts
in Brazil and worldwide as well as provides
technical and scientiic information quality
to guide public policies for mitigation and
adaptation to global environmental changes.
SRMGI is an international NGO-driven initiative
launched in 2010. SRMGI does not take a
position on SRM geoengineering and seeks to
expand the global conversation around the
governance of SRM research, particularly to
developing countries.
ClimaCom Cultura Cientíica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 7 / Dezembro de 2016 / ISSN 2359-4705
310