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DAS ANTİGAS ESTRADAS RURAİS AO RODOVİARİSMO: ATLAS DA EVOLUÇÃO URBANA DO SUBÚRBIO CARIOCA EIXO TEMÁTICO: CONCEİTOS, OBRAS DE REFERÊNCİA E HİSTORİOGRAFİA RESUMO /RESUMEN Inspirado nos trabalhos de Mauricio Abreu (2010), Eduardo Canabrava Barreiros (1965) e Alberto Ribeiro Lamego (1948), o presente texto apresenta a evolução do Subúrbio Carioca por meio de mapas sucessivos com a configuração dos seus principais eixos viários, apresentados em diferentes cenários históricos, constituindo um atlas histórico. O Atlas, um dos produtos da pesquisa realizada para a dissertação de mestrado do autor, objetiva registrar o processo de ocupação rural e posterior urbanização do Subúrbio Carioca, especificamente na região a noroeste do centro da cidade do Rio de Janeiro, correspondente à antiga Freguesia de Inhaúma, uma região delimitada naturalmente pelo Maciço da Tijuca, pelas serras do Engenho Novo e da Misericórdia, e pela Baía de Guanabara. O trabalho identifica, classifica e descreve as principais vias de circulação do Subúrbio do Rio de Janeiro, desde a implantação da Cidade Real de São Sebastião, em 1565, até o início do século XXI, reconstruindo cenários que permitem visualizar os processos de formação e consolidação dos diferentes logradouros e bairros. É uma síntese da evolução urbana na região estudada através das vias de circulação, considerando as rotas indígenas pré-históricas e a conquista paulatina do território pelos europeus, com a implantação sucessiva de portos, estradas e equipamentos produtivos. Na construção dessa síntese, e na impossibilidade de incluir todas as áreas urbanas do Rio de Janeiro com origem rural, foram considerados os diferentes períodos que caracterizaram a evolução da ocupação territorial na região correspondente, do ponto de vista geomorfológico, à macrobacia dos rios Faria, Timbó e Jacaré. Os produtos desses procedimentos foram organizados de forma a constituir o Atlas por meio de imagens geradas através da base digital cadastral municipal e da base georeferenciada do aplicativo geoespacial Google Earth, o que permite também a utilização online dos resultados alcançados, possibilitando maior interação com o leitor e multiplicando as experiências para melhor compreensão do espaço urbano do Subúrbio Carioca. PALAVRAS-CHAVE/ PALABRAS CLAVE: Subúrbio Carioca; Estradas Reais; cartografia histórica; geografia histórica; engenhos; urbanismo; caminhos. FROM THE OLD RURAL ROADS TO HIGHWAYS: URBAN EVOLUTION ATLAS OF RIO DE JANEIRO’S SUBURBS ABSTRACT Inspired by the works of Mauricio Abreu (2010), Eduardo Canabrava Barreiros (1965) and Alberto Ribeiro Lamego (1948), this article presents the evolution of the Rio de Janeiro's suburbs through sequential maps showing the configuration of its main road networks, registered in different historical times, to constitute an historical road atlas. The mentioned Historical Rio de Janeiro Suburb's Road Atlas was one of the byproducts derived from the author's master degree dissertation and seeks to analyse the process of rural occupation and subsequent urbanization of Rio de Janeiro's old suburbs. Specifically in the northwest area of the city, corresponding to the former Town of Inhaúma, wich is a region naturally bounded by the Tijuca Massif, the mountains of Engenho Novo and Misericordia, and the Guanabara Bay. The work aims to identify, classify and describe the main roads in the suburb of Rio de Janeiro, since the implementation of the colonial city of São Sebastião, in 1565, until the beginning of XXI century, reconstructing cartographical scenarios that allow the reader to view the building processes and consolidation of the different public streets and neighborhoods. Besides that, it is a synthesis of urban evolution in the region through the study of its routes and roadways, considering the prehistoric indigenous tracks and the gradual conquest of the territory by the Europeans, with the successive introduction of ports, roadways and production equipment. In this cartographic research process, as it was impossible to include all urban areas of Rio de Janeiro with rural origin, priority was given to the different periods that characterized the evolution of land occupation, specifically in the region of the hydrographic basin of rivers Faria, Timbo and Jacaré. The Atlas was then organized using the images generated by the municipality digital database and by the georeferenced database of geospatial Google Earth application, which also allows online use of the results achieved, enabling greater interaction with the reader and multiplying experiences to better understanding the urban space of Carioca Suburbs. KEY-WORDS: Suburbs; Royal Roadways; historical cartography; historical geography; sugar cane mills; routes; urbanism. 2 INTRODUÇÃO A pesquisa partiu do princípio de que há uma estreita relação entre qualquer estrutura viária e o território natural que a contém, cujo relevo condiciona tanto a forma da rede hidrográfica quanto das rotas de circulação. No caso do Rio de Janeiro, a rede formada pelos antigos caminhos e estradas rurais surgiu tendo como referência os rios e as trilhas de deslocamento utilizadas pelos indígenas antes da chegada dos europeus. Esse conjunto de rotas serviu de base para a fixação da rede de circulação de mercadorias no período colonial, que por sua vez, originou a atual estrutura urbana e viária a noroeste da cidade do Rio de Janeiro, propiciando a formação e articulação das diferentes localidades do Subúrbio Carioca1, e condicionando o surgimento de centros locais de comércio que redundaram nos bairros do Rio de Janeiro. A configuração espacial dessa rede surgiu espontaneamente, sem projeto formal, como resultado dos deslocamentos sucessivos dos habitantes locais e seus veículos de transporte, prevalecendo na paisagem os trajetos mais utilizados, que foram se consolidando de acordo com os ciclos econômicos pelos quais passou o país. Ao contrário do que ocorreu na área central do Rio de Janeiro, o território ocupado pelos portugueses, desde o início da colonização, para plantio de cana e produção de açúcar visando exportação, foi conformado sob a responsabilidade dos sesmeiros, não contando com a interferência direta da administração colonial. Esta se limitou a aparelhar a cidade para as funções administrativas relativas à defesa e à implantação da estrutura portuária (armazéns, áreas para atracamento, manobra dos navios etc.) para embarque da produção à metrópole portuguesa, enquanto empreendedores privados tratavam de estabelecer uma infraestrutura de pequenos portos e vias de circulação, além de engenhos para processamento da cana. Essa divisão de funções entre a ação pública, ou do Estado Monárquico Português (através dos donatários que concediam as sesmarias), e a ação privada, marcaria a forma das vias de circulação nos arrabaldes da cidade, origem dos bairros do Subúrbio Carioca. Segundo Mauricio Abreu (2005:snp), a questão da irregularidade dos traçados viários tradicionais portugueses já vem sendo debatida há muito tempo (quase 80 anos atrás), desde que Sergio Buarque de Holanda afirmou: “(...) A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra ‘desleixo’(...).” (Holanda, 1984 [1936]: 76) 1 Entendemos como ‘subúrbios’ as áreas proto-urbanas ou semiurbanas surgidas pela densificação do entorno das cidades, sobretudo a partir da implantação de ferrovias, e por ‘arrabalde’ toda área situada dentro do Termo da Cidade (seis léguas), diretamente dependente do núcleo urbano original. Segundo Houaiss (2009), arrabalde vem do árabe ar-rabad, arredores da cidade; e subúrbio vem do latim suburbium, entorno da cidade. 3 Se a afirmação não é totalmente verdadeira2 para a forma que a cidade do Rio de Janeiro propriamente dita adquiriu, isto é, seu centro administrativo e portuário, o mesmo não se pode afirmar em relação ao traçado das antigas estradas rurais nos seus arrabaldes, surgidas/construídas no dia-a-dia da labuta dos colonizadores e pautadas pelas necessidades objetivas de escoamento da produção. Nesses locais, a ausência de profissionais qualificados, que tivessem conhecimentos matemáticos e geométricos adequados às tarefas de ‘arruação’, previstas nas ordenações Manuelinas e Filipinas (que pautaram a criação de novas cidades no período inicial da colonização), acabou por condicionar uma disposição viária irregular. Essa disposição ‘se enlaça na linha da paisagem’, como afirmou Holanda, seguindo seu relevo e contornando os acidentes geográficos, em busca dos trajetos mais propícios para o transporte da produção agrícola e dos engenhos. Essa postura dos colonizadores permaneceu até o início do século XVIII, quando a descoberta do ouro no interior do Brasil alterou os fluxos até então prevalecentes, afetando a produção açucareira e agrícola em geral, pela retirada de parte da mão de obra escrava para o trabalho nas minas e pela intensificação da circulação nos seus arrabaldes. O Estado português passou a exercer maior controle sobre as áreas de produção aurífera, oficializando os principais caminhos através da figura das Estradas Reais3, vias que passaram a ser obrigatórias para a circulação do ouro, permitindo a fiscalização através de ‘registros’, locais onde o metal era pesado e cobrado o quinto. Ao mesmo tempo, buscava-se conferir maior segurança aos transeuntes pela presença de ‘guardas’, pequenos destacamentos armados, mantidos pela administração colonial, que patrulhavam essas estradas e que se aquartelavam em locais criados especificamente para este fim. A Capitania do Rio de Janeiro passaria paulatinamente a concentrar as atividades de embarque do ouro para a Metrópole, principalmente a partir do segundo quartel do século XVIII, quando se intensifica a circulação no Caminho Novo. Daí em diante a Monarquia passaria a investir na infraestrutura necessária para ampliação da arrecadação na agora principal colônia do Império Português, contratando serviços especializados de engenheiros topógrafos, para o levantamento e mapeamento das áreas sob sua responsabilidade, como foi o caso de Manuel Vieira Leão, contratado pelo Conde da Cunha após a transferência da capital colonial para o Rio. (Figura 1) 2 Sobre essa discussão, ver a argumentação de Mauricio Abreu na obra “Reencontrando a primitiva cidade de São Sebastião - mapas conjecturais do Rio de Janeiro do século XVI”. Rio de Janeiro: CIDADES - Revista Científica, Vol. 2, No 4, 2005:snp). 3 O Estado português proíbe a partir do início do século XVIII a abertura de novas estradas pelos colonizadores, como forma de combater o contrabando do ouro. 4 ÁREA DE ESTUDO CIDADE Figura 1 – “Planta em q’ se mostram todas as Guardas e Registros q’há na Capitania do Rio de Janeiro em o anno de 1767”. Fonte: Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Essa maior presença do Estado nas áreas situadas fora das cidades e vilas se traduzirá, sob o ponto de vista da forma, em uma maior regularidade no alinhamento e no calçamento das vias de circulação; na locação e construção das edificações, que passam a ter uma relação mais nítida com as vias de circulação; e no parcelamento da terra, pois as propriedades começam a sofrer retalhamentos e a ter limites definidos mais rigidamente. Da mesma maneira, a partir daquele momento, as formas urbanas (ou semiurbanas) passaram a se amoldar a uma concepção de espaço mais regular e alinhada, lançando mão de recursos ‘cenográficos’ para destaque de determinadas construções como é o caso das capelas e sedes de fazendas no ambiente rural, o que nos permitiu centrar nessas referências da paisagem a análise da organização territorial e local, e fazer conjecturas visando diferenciar as principais ligações viárias de acordo com seu tempo de implantação. As avaliações sucessivas das diferentes morfologias nos permitiram estudar as transformações ocorridas nas principais localidades, através de um processo comparativo que alterna os tempos de análise, em um movimento do presente ao passado e vice-versa, para recompor tanto quanto possível as configurações mais primitivas das vias e núcleos habitados e as alterações da paisagem. 5 Foram utilizadas análises empíricas que seguiram métodos de pesquisa qualitativos e correlacionais, seguindo uma linha histórico-interpretativa4. Os fenômenos estudados que condicionaram a formação do espaço urbano na Zona Norte5 do Rio de Janeiro foram selecionados e analisados dentro de uma perspectiva que considerou a evolução da estrutura viária desde suas formas mais primitivas, cuja origem localizamos na pré-história, até as mais desenvolvidas (vias regulares e pavimentadas), resultado de transformações sucessivas promovidas pelos colonizadores. Buscou-se uma síntese da evolução urbana na região estudada (Figs. 2 e 3) através das vias de circulação, considerando a conquista paulatina do território e a implantação sucessiva de portos, estradas e equipamentos produtivos, tais como engenhos, engenhocas, trapiches, currais, vendas e locais de pouso. Considerou-se também a criação, pelas ordens religiosas, de capelas, paróquias, igrejas, colégios e outros equipamentos coletivos, conforme era usual em Portugal, onde a Igreja participava ativamente da administração pública, realizando as tarefas de cunho social e controle. Essa região foi escolhida por constituir um território emblemático, situado próximo ao núcleo principal e com ele umbilicalmente relacionado, já que por ali passavam as principais ligações viárias com o interior do país. Estas últimas são representadas pelos antigos caminhos criados para acesso à região das minas, o Caminho Velho (Estrada de Santa Cruz) e o Caminho Novo (Estrada Velha da Pavuna), que se ramificam justamente no centro da área considerada no estudo e que ainda hoje em dia estruturam a circulação na região. Figura 2 – Área de estudo no atual contexto urbano e regional. Fonte: anotações do autor sobre ortofoto Google 2013 perspectivada. 4 Groat, Linda; Wang, David, “Architectural Research Methods”, New York: John Wiley & Sons, 2002, p.135. 5 Sobre a utilização e a dualidade dos termos Zona Norte-Zona Sul no Rio, que surgiram na década de 1920 expressando a segregação social na cidade, ver Dezouzart (2010). 6 Figura 3 – Rede hidrográfica e delimitação da região estudada, com a reconstituição do litoral original, na altura da Enseada de Inhaúma, hoje totalmente aterrada. Além disso, por ser uma região geograficamente bem definida, foi possível estabelecer uma escala de análise mais abrangente, mas com limites claros, compatível com a escala de ação dos colonizadores, que enxergaram o território do recôncavo como um ambiente rural extensivo, a ser explorado para fins agrícolas e não urbanos. Para ilustrar o processo de ocupação e suburbanização, foi elaborada uma base cartográfica perpectivada, que realiza uma síntese das referências edificadas estudadas, e que permite a visualização da progressão da colonização do território. Isso foi possível dividindo-se as referências por períodos históricos, definidos de acordo com os ciclos econômicos (açúcar, ouro, café e industrialização), que pautaram a vida dos cariocas até meados do século XX, e daí ao presente, quando se impôs um processo de terciarização da economia municipal, constituindo-se a atual metrópole de serviços. REFERÊNCIAS CONCEITUAIS A base cartográfica desenvolvida foi construída de forma a permitir a visualização da passagem do tempo, mostrando a evolução da intercomunicação entre as vias, que acabaram formando uma estrutura de circulação em rede, consolidada na primeira metade do século XVIII. A trama formada por essa rede se completou na altura do Engenho Novo, equipamento produtivo implantado pelos jesuítas no início daquele período6, tendo também o Engenho de Dentro, o Engenho Inhaúma e a Matriz de São Thiago como referências. Estes dois últimos locais compõem o atual centro de comércio e serviços do bairro de Inhaúma, ou simplesmente o Centro do Bairro de Inhaúma. 6 Brasil, Gerson. “História das ruas do Rio”, Rio de Janeiro: Livraria Brasiliana Editora, 1965, p. 545. 7 Essa base conjectural, ou hipotética, foi desenvolvida inspirada pelo trabalho de Eduardo Canabrava Barreiros, o “Atlas da evolução urbana da Cidade do Rio de Janeiro (1565-1965)” (Fig. 4), no qual o autor realiza uma ‘análise conjectural’ do desenvolvimento da cidade, buscando identificar e mapear os acidentes geográficos já desaparecidos pela ação do homem (lagoas, morros, pontas etc.), e resgatar o processo secular de formação do espaço urbano carioca. Os critérios utilizados pelo autor naquele trabalho foram estabelecidos tendo como base a cartografia histórica, mas apelando “para os informes da historiografia, na esperança de reconstituir, pelo menos em suas linhas gerais, os acidentes geográficos desaparecidos e as primeiras ligações viárias” (Barreiros; 1965:5). O resultado permitiu entender a formação da cidade e a visualização de nuances que até então não eram levadas em conta. No entanto, Barreiros se limitou a mapear as áreas do centro da cidade propriamente dito, omitindo as regiões rurais do município, que seriam transformadas em bairros, paulatinamente, a partir do último quartel do século XIX, isto é, convertidas em áreas urbanas situadas fora do núcleo principal da antiga capital brasileira. Figura 4 – planta conjectural da cidade em 1565. Fonte: Atlas da Evolução Urbana do Rio de Janeiro (Barreiros; 1965: 5). 8 Outro trabalho tomado como referência foi o de Mauricio Abreu, “Reencontrando a Primitiva Cidade de São Sebastião - Mapas Conjecturais do Rio de Janeiro do Século XVI”, no qual o autor visou “resgatar do esquecimento o processo de implantação da Cidade Real de São Sebastião do Rio de Janeiro” e discutir as questões referentes ao urbanismo português a partir do estudo de caso da Cidade do Rio de Janeiro. Nesse estudo, Abreu produziu ‘mapas conjecturais’ da cidade quinhentista, construídos a partir das bases documentais existentes, visando preencher, assim, a ‘imensa lacuna’ existente no que se refere às representações cartográficas urbanas dos primeiros tempos da colonização. Da mesma forma que Barreiros, se limitou ao Centro da Cidade, especificamente se preocupando em reconstituir o core desaparecido e o processo da transformação urbana gerada pelo arrasamento do Morro do Castelo ocorrido na década de 1920. Em outra pesquisa7, o mesmo autor resgatou a localização das diversas sesmarias concedidas até o século XVII, visando entender a estrutura da produção canavieira do recôncavo Guanabarino, agora utilizando uma escala regional (figura 5). No esforço de “representar cartograficamente um espaço do passado a partir do conhecimento que temos dele em outros momentos do tempo”(Abreu, 2005:snp), Abreu utilizou dois métodos principais: o método genético, que segue a linha do tempo cronológico; e o método regressivo, que deduz o processo de construção do espaço urbano através de informações tomadas posteriormente ao período estudado, utilizando dados tanto do presente quanto de momentos históricos ocorridos depois dos fenômenos pesquisados. ÁREA DE ESTUDO 7 Abreu, Mauricio de Almeida. “Um quebra-cabeças (quase) resolvido: os engenhos da Capitania do Rio de Janeiro - séculos XVI e XVII”; trabalho realizado com apoio do CNPQ e da Fundação Carlos Chagas Filho do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). RJ: s/d, snp. 9 Figura 5 – Mapa conjectural da localização das primeiras sesmarias, mostrando o conflito entre as áreas concedidas aos jesuítas e à Câmara. Fonte: Abreu, 2005: snp. Também foi tomado como referência o trabalho desenvolvido por Alberto Ribeiro Lamego e publicado em 1948 (Fig. 6), em que o autor resgata o processo brasileiro de interiorização e o papel das estradas na consolidação da posição da cidade do Rio de Janeiro no contexto colonial. Lamego dá destaque para a posição geográfica do Rio de Janeiro, demonstrando, através da configuração dos caminhos e estradas, a centralidade da cidade na macrorregião da metrópole carioca, composta pela conurbação dos diferentes núcleos de origem rural do recôncavo guanabarino. O trabalho realiza um impressionante levantamento das estradas mais significativas, esquadrinhando o território estadual e relacionando-as aos ciclos econômicos que balizaram os percursos estudados. Lamego trabalhou a escala da Província/Estado do Rio de Janeiro, o que nos motivou a realizar trabalho semelhante na Zona Norte carioca, em uma escala intermediária entre a estudada por ele e as usadas por Abreu. Ao mesmo tempo, buscou-se uma escala mais detalhada para as localidades rurais que hoje se tornaram centros de comércio de bairro: Inhaúma, Engenho Novo, Engenho de Dentro e Cascadura. Figura 6 – “Mapa dos caminhos de penetração no desbravamento da serra fluminense”, (em vermelho, as estradas da Pavuna e de Santa Cruz, principais vias dos ‘arrabaldes’ do Rio). Fonte: Lamego, Alberto Ribeiro, ‘O Homem e a Serra’, Rio de Janeiro: IHGB, Biblioteca Geográfica Brasileira, 1963. [1948]. PREENCHENDO AS LACUNAS Se para o atual centro da cidade as lacunas são significativas, problemas maiores são encontrados quando um pesquisador busca resgatar o processo de formação dos diferentes bairros da cidade, que surgiram no final do século XIX 10 tendo como estrutura de circulação as antigas estradas e caminhos dos ‘arrabaldes’ cariocas. A cartografia histórica do Rio de Janeiro é rica, tanto em número quanto em qualidade técnica, apresentando informações fundamentais para o entendimento de como se deu a apropriação do território. Mas sofreu, em primeiro lugar, com perdas importantes, principalmente de peças dos séculos XVI e XVII, como as plantas de Michel Lescolles de 1649; e, em segundo lugar, com as restrições políticas à divulgação de informações estratégicas quanto ao território, o que certamente condenou ao desaparecimento muitos dos registros realizados. As plantas e mapas antigos, principalmente os produzidos nos dois primeiros séculos da colonização, “registravam as ocorrências de maneira imperfeita, valorizando umas, subestimando outras e até mesmo omitindo algumas”(Barreiros, 1965: 5). Além disso, essa cartografia contava com escalas reduzidas de representação, principalmente quando o autor buscava representar grandes porções do território, funcionando mais como ilustrações esquemáticas da organização espacial da colônia, sem compromisso com as distâncias reais, com a topografia e com o registro de todos os elementos existentes. Mesmo as que posteriormente agregaram maiores informações e rigor técnico do ponto de vista cartográfico, apresentando escalas que permitem maior detalhamento do território, podendo ser analisadas através de sobreposições e comparações com a forma urbana atual, muitas vezes apresentam omissões ou informações incompletas, que necessitam o apoio de outras fontes para a construção de um quadro aproximado da realidade estudada. Considerando as referências e observações citadas, buscamos realizar um processo análogo de construção de uma base cartográfica conjectural para as antigas áreas rurais cariocas, que hoje constituem os subúrbios. Essa base permitiu a visualização dos processos de apropriação do território (mais do que a recomposição da forma exata), ainda que o material de consulta disponível seja ainda mais escasso ou menos detalhado que o existente para a área central do Rio de Janeiro. Por mapas conjecturais podemos entender a produção de mapas que reconstituem a conformação do território no passado a partir da documentação existente, “competentemente manipulada pelo pesquisador” (Barreiros, 1965: 5). Não são representações fiéis, mas uma aproximação desses espaços do passado e apoiam-se tanto na cartografia histórica quanto na documentação escrita, representada pela historiografia e pela literatura, de uma maneira geral, e por fontes primárias tais como ilustrações, cartas, relatórios dos gestores públicos e religiosos, descrições de viajantes e outros documentos equivalentes utilizados no passado para controle e registro de ocorrências ou simplesmente para orientação ou lazer. (Abreu, 2005:snp) Além disso, agregamos algumas considerações quanto ao papel do relevo na conformação das vias de circulação suburbanas, já que os colonos, não dispondo de informações prévias quanto ao território, o foi explorando segundo os percursos mais fáceis e diretos, contornando os obstáculos eventuais da 11 geografia local e aproveitando para a agricultura as áreas mais planas de fundo de vale. Muitos geógrafos entendem que o relevo é determinante na disposição da forma urbana, especialmente se referindo ao caso dos bairros do Rio de Janeiro, cidade onde o território é particularmente multifacetado pela presença dos Maciços Litorâneos. Jean Tricart afırmava que “um bairro é caracterizado, ao mesmo tempo, por certa paisagem urbana, por um certo conteúdo social e por sua função” (Tricart, 1958: 147)8. A paisagem urbana engloba o conjunto das características e referências físicas do ambiente urbano, os tipos de edificações que predominam, as características das construções (idade, estado de conservação, estilo, porte), a disposição dos logradouros, a presença de conjuntos arquitetônicos etc. Por conteúdo social podemos entender todo o conjunto de habitantes que age sobre o espaço e o transforma para desenvolvimento de suas atividades ou apenas para circulação. Como nenhum espaço urbano pode ser caracterizado apenas por sua estrutura física, pois a cidade é um organismo vivo, seu funcionamento depende do modo de vida de seus habitantes, da sua história e da sua composição sociocultural, que constroem o ‘senso de lugar’, isto é, a consciência de existência de um conjunto de características comuns em um determinado espaço urbano, reconhecidas por certa parcela da população. Do mesmo jeito, a função ou funções predominantes exercidas dentro do organismo urbano também caracterizam um determinado espaço habitado, diferenciando-o de outras áreas contíguas. São os três fatores associados, segundo Tricart, que conferem originalidade a cada um dos espaços ocupados em uma cidade, diferenciando-os entre si e promovendo sua individualidade. Além desses três elementos de caracterização, Tricart descreve a existência de um quarto elemento presente nas cidades ou subúrbios, o sítio, conforme destacado por Bernardes e Segadas Soares (1968): “No Rio de Janeiro, cidade tão compartimentada pelo relevo, é grande o número de bairros que têm no fator sítio uma das razões principais de sua unidade. Que é Santa Teresa senão um espigão do Maciço da Carioca que se destaca da planície circunvizinha? Que é Laranjeiras senão a parte média e de declividade suave do vale do Rio Carioca? ‘O relevo, às vezes, tem importância, pois fragmenta a cidade em elementos, separados uns dos outros, que adquirem assim uma individualidade de bairro’”.(Bernardes & Segadas Soares (org.), 1968: 106) Para utilizarmos os conceitos contidos na afirmação acima, consideramos os compartimentos geomorfológicos existentes, os tais “elementos separados uns dos outros” citados, que são os espaços naturais resultantes da fragmentação do território proporcionada pelo relevo, cujo acesso inicial se deu através das antigas estradas e caminhos rurais existentes antes da sua conversão em área urbana. 8 Tricart, Jean. “L’habitat Urbain”. Cours de Geographie Humaine, fascicle II, 1958, pág. 147. Apud Bernardes, L. & Segadas Soares, M.T (org.). “Rio de Janeiro: Cidade e Região”. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura/DGDI, 1987. p. 106. 12 Essas vias puderam ser identificadas e classificadas por seu desenho irregular, que é diferenciado das demais vias urbanas criadas mais recentemente, justamente porque se adaptaram ao suporte físico-ambiental que as contêm, como veremos a seguir. IDENTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS VIAS Na identificação das vias que pertenciam à rede colonial carioca de estradas vicinais ou rurais procedeu-se preliminarmente uma avaliação do traçado dos logradouros atuais, que foram divididos inicialmente em dois grupos. O primeiro é o grupo dos eixos viários que não foram planejados, ou que apresentam desenho ‘espontâneo’ ou, pode-se dizer, que possuem formas ‘vernaculares’, identificados assim por apresentarem uma disposição que se amoldou “em traçados desenvolvidos em estreita relação com as características físicas dos locais de implantação, e que tendiam a ser menos regulares do ponto de vista geométrico”9, como afirma o urbanista-historiador português Manoel Teixeira. O segundo grupo é o dos que foram implantados a partir de um projeto, resultando em vias regulares (largura contínua) e alinhadas (formas retilíneas), de caráter ‘mais urbano’ que as do primeiro grupo. Em seguida, o primeiro grupo foi analisado procedendo-se à seleção das vias que, de acordo com a documentação estudada, compunham o que chamamos a ‘rede pioneira’ (Figura 7), que pode ser entendida como o conjunto de vias interconectadas que ligavam as diferentes localidades rurais formando circuitos, e que passaram a ser reconhecidas pelos habitantes (que para tanto as nomearam) como faixas para circulação pública, ainda que as terras objetivamente pertencessem a particulares. 9 Teixeira, Manuel C. “A construção da cidade brasileira”; Lisboa: Livros Horizonte, 2004, pág.25. 13 Figura 7 – A ‘rede pioneira’ consolidada durante o século XVIII. Fonte: Atlas da Evolução Urbana do Subúrbio Carioca, imagem elaborada oelo autor sobre ortofoto Google perspectivada, 2014. Essa ‘rede pioneira’ se formou durante a primeira metade do século XVIII, quando a região em estudo passou por um processo de transformação que se iniciou com o período de decadência da economia açucareira ocorrido mais ou menos entre 1630 e 169010. Como consequência, houve diversificação da produção agrícola e modificações fundiárias e viárias na região, já que muitas áreas deixaram de ser utilizadas para o plantio, enquanto outras passaram a ser utilizadas para produção de hortigranjeiros visando o abastecimento da cidade ou se viram convertidas em chácaras. Como fontes primárias, foram estudadas a cartografia histórica e outros documentos (escrituras de concessão de sesmarias e/ou de compra e venda de propriedades, relatos dos jesuítas, relatórios dos governantes, projetos de alinhamento ou urbanização etc.), visando classificar os diferentes logradouros segundo sua importância no contexto colonial e seu período de implantação. Essas fontes foram utilizadas nas avaliações e relatos relativos a cada período, tendo como apoio os dados contidos na cartografia histórica. Essas fontes foram analisadas conjuntamente para a construção da base conjectural proposta. À medida que o material referente aos diferentes períodos foi analisado e descrito, foi possível entender o processo de consolidação de cada um dos eixos 10 Abreu, Mauricio de Almeida. “Um quebra-cabeças (quase) resolvido: os engenhos da Capitania do Rio de Janeiro - séculos XVI e XVII”; trabalho realizado com apoio do CNPQ e da Fundação Carlos Chagas Filho do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). RJ: s/d, pág. 3. 14 estudados e selecionados. realizar sua classificação segundo os cenários históricos A principal fonte utilizada nesse estágio da pesquisa foi o trabalho elaborado pelo sargento-mór Manoel Vieira Leão (governador da fortaleza do Castelo de São Sebastião do Rio de Janeiro): as “Cartas Topográficas da Capitania do Rio de Janeiro”, de 1767, que, superposto à base cadastral mais recente do Município11, permitiu localizar o traçado ‘original’ da Estrada de Santa Cruz, da Estrada Velha da Pavuna e de outros logradouros e localidades, apontados no documento. Foi possível também locar com relativa precisão na cartografia digital, senão todos, a maior parte dos engenhos, portos, igrejas e capelas representados por Vieira Leão, bem como outras edificações e locais cuja propriedade ou uso não foram identificados objetivamente pelo engenheiro militar português. (Figura 8) A seguir, foram pesquisadas referências aos diferentes logradouros selecionados na historiografia, na literatura e em outras fontes secundárias, visando estabelecer uma cronologia de implantação/consolidação das principais ligações identificadas e a indicação de centralidades e localidades que motivaram ou participaram dessas conexões, que também foram dispostas cronologicamente, segundo seu aparecimento na cartografia disponível ou de acordo com as citações mais antigas encontradas em fontes primárias ou secundárias. Figura 8 – Estrutura viária atual, segundo a Planta Cadastral (1997), superposta à carta referente à área de estudo (detalhe), uma das ‘Cartas Topográficas da Capitania do Rio de Janeiro’, de Manoel Vieira Leão, 1767. 11 PCRJ, SMU/IPP, Levantamento Aerofotogramétrico Digital, 1997/2000. 15 RECONSTITUIÇÃO DOS CENÁRIOS SELECIONADOS Os cenários dos diferentes períodos históricos foram reconstituídos sobre uma base geográfica unificada e realizam uma síntese das referências edificadas estudadas, permitindo a visualização da progressão da colonização na região de Inhaúma. Fpara tanto, foi utilizado o programa Google Earth, um aplicativo geoespacial (uma combinação de programa de computador e base de dados geográficos)12 disponível na internet gratuitamente a qualquer pesquisador, onde foi possível marcar com nível de precisão satisfatório, o traçado das vias, a localização de capelas, engenhos e outros marcos da paisagem, de acordo com informações colhidas na historiografia e em outras fontes, tendo como referência a cartografia histórica e a base digital de 1997. O programa permitiu também a geração de imagens perspectivadas, o que nos abriu a possibilidade de explorar o poder de comunicação de ilustrações que agregam a terceira dimensão, tornando a compreensão do imenso território estudado mais fácil e realçando o relevo acidentado que caracteriza a região recortada e que condicionou o traçado das principais vias. Além disso, o programa permite a transmissão digital das informações por nós geradas, através do formato kmz, possibilitando a navegação do leitor diretamente na base digital, o que multiplica os pontos de vista e torna a experiência mais amigável e instigante. A utilização desta ferramenta permitiu também a avaliação simultânea da situação atual dos logradouros estudados no plano e em terceira dimensão, através do GoogleStreetView, um aplicativo derivado do programa citado anteriormente que permite visualização de fotos locais em 360º, o que ajudou muito o trabalho de campo, pois nos possibilitou checar diversas situações sem que fosse necessário voltar aos locais levantados. Além do GoogleEarth, foi utilizado, na construçao do mapeamento, o levantamento aerofotogramétrico digital do Município do Rio de Janeiro (1997/2000), cujas pranchas foram montadas em uma base única já com a seleção das camadas (layers) a serem trabalhadas (Figura 9). Nesta base unificada foram marcadas as vias principais através de seu eixo (camada eixo_logradouros) para que fosse estudada a relação destas com o relevo e com a morfologia das demais vias, selecionando-se aquelas que apresentavam traçado estreitamente relacionado com a geografia local. O levantamento foi usado também para superposições e estudos comparativos entre a cartografia histórica e a estrutura urbana atual (Figura 8). A base final desenvolvida foi construída de forma a permitir a visualização da passagem do tempo, mostrando a progressão da ocupação e a construção progressiva da intercomunicação entre as vias, que acabaram por constituir um sistema em rede. 12 Brotton,Jerry. “Uma história do mundo em doze mapas”; Rio de Janeiro: Zahar, 2014; p.447. 16 Figura 9 - Caminhos da região de Inhaúma organizados por períodos históricos. Fonte: Anotações do autor sobre base cadastral da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro de 1997/2000. Optamos por construir cenários históricos sucessivos, de acordo com espaços de tempo de cerca de 50 anos entre eles, de maneira a permitir a percepção de um conjunto de modificações nas formas da paisagem antrópica, e ao mesmo tempo fazer a correspondência dessas modificações com os fluxos de mercadorias e pessoas que conformaram a rede viária existente. Nesse resgate foi importante também considerar os registros cartográficos mais significativos, dentre a documentação primária consultada, e que confirmam a progressão da ocupação do território, motivo pelo qual foram realizadas análises mais detalhadas de algumas peças da cartografia histórica disponível (relacionadas ao final do texto), que serviram de base para a reconstituição da evolução do sistema viário do Subúrbio Carioca. Considerando que a cartografia histórica não foi suficiente para esclarecer diversas situações, principalmente nos dois primeiros séculos de colonização, recorreu-se à historiografia, à toponímia e a avaliações geográficas e urbanísticas, deduzindo-se, através do cruzamento com as informações geomorfológicas coletadas e analisadas, a ordem e a forma como as vias foram introduzidas e/ou consolidadas no território carioca. Cada período estudado apresenta reconstituições correspondentes, que compõem o Atlas. Como não seria possível a inclusão de todos os mapas no presente trabalho, optamos por apresentar um mapa síntese, em que todos os períodos se superpõem, cabendo a cada período histórico uma cor diferente.(Figuras 9 e 10). Foram considerados os seguintes períodos históricos: 17 Início da colonização e primeiros caminhos Espaço de tempo que vai dos primeiros anos depois da fundação da cidade até o final do século XVI, quando a infraestrutura ‘urbana’ primitiva foi implantada no Morro de São Januário (depois Castelo), assim como a aldeia de Gebiracica, e a capela/igreja de São Cristóvão (c. 1570/1627). Nesse período os portugueses consolidam seu domínio sobre o território, subjugando os indígenas aliados e lıquıdando os inimigos através da chamada ‘Guerra Justa’. Buscavam progressivamente uma maior abrangência e segurança do empreendimento colonial açucareiro, ao ocupar praticamente todos os espaços do recôncavo guanabarino e garantir a hegemonia dos europeus sobre o território. No final desse período os três primeiros engenhos se encontravam em funcionamento e a cidade inicia a descida para a várzea, sinal de que o período de insegurança começava a ser superado e a colonização se consolidava. Caminhos do açúcar: primeira metade do século XVII Período em que houve um aprofundamento do movimento de interiorização para ampliação da área de cultivo, se consolidando os caminhos com origem em rotas indígenas como o Caminho de Capueruçu, o do Andarahy, o da Tijuca e o Caminho de Pindobussu/da Aldeia do Pindelo, na região de Inhaúma. Ali se instalam na década de 1630 os engenhos da Pedra e Inhaúma, além de pequenos portos (Benfica, Praia de Inhaúma, Ponta da Pedra) para o transporte das mercadorias até a cidade e vice-versa. 18 Caminhos do açúcar: segunda metade do século XVII; Momento histórico em que se consolidam os caminhos transversais à Estrada de Santa Cruz, que seguem em direção ao Maciço da Tijuca e à Serra da Misericórdia. Esses caminhos geraram as primeiras estradas vicinais e correspondem à expansão da área cultivada pelos partidistas (arrendatários dos sesmeiros), que ocupam praticamente todos os fundos de vale e baixadas disponíveis na região. Caminhos do ouro: século XVIII Quando se intensificou o Ciclo do Ouro, nas primeiras décadas do século, foram estabelecidas as Estradas Reais, conectando a região das Minas ao porto do Rio de Janeiro, entre elas a Estrada Real de Santa Cruz (Caminho Velho), e a Estrada [Velha] da Pavuna, que passou a conectar por terra (a partir do segundo quartel), a região de Inhaúma a Irajá e às Minas (Caminho Novo por terra ou Caminho de Santana). Na segunda metade do século XVIII começa a declinar a produção aurífera e se intensificam as conexões com Jacarepaguá, através do Maciço da Tijuca, e entre as localidades rurais da freguesia de Inhaúma, o que determina a consolidação da ‘rede pioneira’ de circulação na região (Figura 7). No seu final, começa a se desenvolver o cultivo do café na fazenda do Capão do Bispo, uma das pioneiras, ao mesmo tempo em que se inicia a exploração do Maciço da Tijuca para produção da rubiácea. Caminhos do café: século XIX Nesse intervalo de tempo, o café passa a ser o principal produto brasileiro de exportação, com a ampliação do plantio nas áreas suburbanas e a multiplicação das fazendas no Maciço da Tijuca, surgindo novas localidades tanto na planície quanto na serra. Na segunda metade deste período foram introduzidas as ferrovias e os bondes na cidade do Rio de Janeiro, reorientando os eixos de deslocamento no Município, e propiciando o surgimento de novas centralidades e localidades. O processo de suburbanização se inicia com o grande crescimento demográfico das cidades, sofrido após a abolição da escravatura e início da industrialização brasileira. Caminhos da indústria: primeira metade do século XX Foi quando o processo de suburbanização, iniciado no período anterior, se aprofundou, consequência das grandes obras urbanísticas realizadas no centro da cidade no início do século; do processo de industrialização brasileira, aprofundado a partir da revolução de 1930; e das migrações regionais, resultado da maior mobilidade da população após a crise do café em 1929. Caminhos da metrópole: 1950-2010 Representa o momento atual, em que predomina a estrutura viária da metrópole terciária, já incorporando as grandes vias de circulação expressa, implantadas desde as décadas de 1940-50 pelo urbanismo rodoviarista moderno, como a Avenida Presidente Vargas, os corredores binários (ex.: corredor Avenida Marechal Rondon/ Av. 24 de maio), a Estrada Rio-São Paulo, a Estrada Rio-Petrópolis, a Avenida Brasil, a Av. Automóvel Clube, a Linha Lilás, a Linha Verde, a Linha Vermelha e a Linha Amarela, entre outras. 19 Figura 10 – Síntese da evolução do sistema viário do Subúrbio Carioca. Fonte: Anotações do autor sobre base perspectivada do GoogleEarth. FERROVIAS METRÔ LINHA 2 20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ABREU, Capistrano de. ‘Os Guaianases de Piratininga’. In: “Os caminhos antigos e o povoamento do Brasil”, Brasília – DF: Ed. Universidade de Brasília, 1982. [Artigo publicado originalmente no Jornal do Comércio, de 25/01/1917]. 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