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A SAÚDE NA PINTURA Quadros Médicos: Egas Moniz, por José Malhoa Medical Paintings: Egas Moniz, by José Malhoa Victor OLIVEIRA1 Acta Med Port 2014 Sep-Oct;27(5):669-671 9- 4 201 os an icas méd bio TA 197 s 35 over as ciên om cia pr AC Revista Cientíica da Ordem dos Médicos 669 www.actamedicaportuguesa.com 35 a no s A ES a 1. Regente da Cadeira de História da Medicina. Faculdade de Medicina. Universidade de Lisboa. Lisboa. Portugal. Recebido: 22 de Agosto de 2014 - Aceite: 25 de Agosto de 2014 | Copyright © Ordem dos Médicos 2014 DICA PORTU GU MÉ Figura 1 - “Retrato do Prof. Egas Moniz”, José Malhoa, 1932, Pastel sobre papel, 60 x 51 cm. Hospital de Santa Maria. Fotógrafo José Ângelo (FotoMatriz). Oliveira V. Quadros médicos: Egas Moniz, por José Malhoa, Acta Med Port 2014 Sep-Oct;27(5):669-671 A SAÚDE NA PINTURA Palavras-chave: History, 20th Century; Famous Persons; Paint; Neurology/history; Portugal; Psychosurgery/history. Keywords: História, Século XX; Neurologia/história; Pessoas Famosas; Pintura; Portugal; Psicocirurgia/história. O retrato do Professor Egas Moniz foi desenhado por José Malhoa, começando a ser esboçado em 1930 e concluído em Março de 1932, conforme data inscrita junto à assinatura do pintor. Mestre Malhoa viria a falecer no ano seguinte, a 26 de Outubro de 1933, sendo um dos seus últimos trabalhos numa linha dedicada a iguras notáveis de diversas áreas da vida portuguesa da época. Egas Moniz, retratado nos seus 58 anos, vivia um período áureo da sua carreira, pois acabara de publicar em Paris o primeiro livro dedicado à angiograia focado no diagnóstico dos tumores cerebrais1 e preparava já para o prelo o segundo, que seria publicado em 1934, sobre o estudo da circulação cerebral.2 José Malhoa retrata-o em meio corpo, presume-se que sentado, a ¾, envergando o traje de Professor da Universidade de Coimbra. Ressaltam aqui as cores luminosas tão características do Mestre: o amarelo dourado da samarra sobre o negro da beca, segurando nas mãos deformadas pela gota, a borla e o capelo que completam o traje académico. Alora ainda uma estola grenat com franja branca de arminho. No quinto dedo da mão esquerda, o pintor esboça o anel de licenciatura com a pedra amarela, símbolo da Medicina. O rosto rosado e cordial de Egas Moniz sobressai do fundo indiferente em nuances de verde. Fita o observador com olhar brilhante reforçado pelas pregas das pálpebras esboçando nos lábios um ténue sorriso com os cantos da boca retraídos. A coroar o contraste de cores, o seu bem penteado e lustroso capachinho negro. No canto superior esquerdo distingue-se a assinatura do Mestre, datada de 1932 (Fig. 2). Facto curioso é o traje de Catedrático da Universidade de Coimbra, envergado por Egas Moniz: este lograra a transferência para a capital em 1910, seria pois de esperar que se apresentasse com o traje académico de Lisboa. No entanto, o Professor manteve sempre uma forte dedicação à Universidade de Coimbra, várias vezes reiterada e é sempre neste traje que se apresenta, em fotos, ao longo da vida. Segundo o próprio Malhoa, o trabalho terá agradado ao retratado pois, em carta de 1/4/1932 escreve: “… julgo que lhe fez boa impressão: O Egas e família estão malucos com o retrato”.3 A amizade entre o Professor e o Mestre pintor vinha de longa data. Em 1927 Malhoa enviara a Egas Moniz um desenho cumprimentando-o pelo sucesso da apresentação da angiograia à comunidade cientíica internacional que tivera lugar na Societé Neurologique em Paris, cinco dias antes, a 7de Julho (Fig. 3). Nele se lia em desenho de um cartão preso a um foguete: “Ao Exmo. Sr. Dr. Egas Moniz mil felicitações pelo seu triunfo em Paris, José Malhoa, 12 de Julho de 1927”.4 Por sua vez, em 19 de Junho de 1929, Egas Moniz discursara num banquete de homenagem a Malhoa e a cuja comissão organizadora presidira. A alocução foi posteriormente publicada em opúsculo sob o título “Ao Mestre José Malhoa”.5 Nele, Egas Moniz icciona uma viagem pelo País, de braço dado com o pintor, passando sucessivamente pelas cenas representadas nos seus principais quadros e enaltecendo as virtudes do povo português rural. Muito mais tarde, em 1955, ano da sua morte, Egas Moniz voltaria a recordar o Mestre em “A folia e a dor na obra de José Malhoa”.6 Independentemente dos circunstancialismos do início da amizade, às razões de fundo não terá sido estranho Figura 2 – Pormenor do retrato de Egas Moniz: assinatura de José Malhoa. (Foto do autor) Figura 3 – Desenho enviado por José Malhoa ao Prof. Egas Moniz, felicitando-o pela apresentação da angiograia em Paris (1927). Revista Cientíica da Ordem dos Médicos 670 www.actamedicaportuguesa.com o estilo naturalista da obra de Malhoa com a representação realista de iguras e ambientes do povo simples das aldeias, envolvidos em cenas rurais do quotidiano, traduzidas em pinceladas fortes de cores vivas, fazem jus ao lugar de igura cimeira do naturalismo português. A temática naturalista rural era cara a Egas Moniz já que este sentia um verdadeiro enleio pelos temas que lhe lembrassem as paisagens marinhoas da sua querida Avanca-natal. No acervo da sua moradia em Avanca, hoje Casa-Museu, podem ver-se, nessa linha, obras de Silva Porto, Henrique Medina, Eduarda Lapa, Henrique Pousão, Falcão Trigoso e, claro, do próprio Malhoa. Do pintor José Malhoa ao escritor Júlio Diniz A sensibilidade de Egas Moniz pelo naturalismo era forte, não só na pintura, como também na escrita, consubstanciada no lirismo romântico de Júlio Diniz. Para mais, o escritor inspirara-se em personagens reais da então vila de Ovar, povoação vizinha de Avanca. Certamente por isso, Egas Moniz viria a escrever em 1924, um espesso volume de cerca de 500 páginas intitulado “Júlio Diniz e a sua obra”7 da qual foram publicadas 6 edições. Do entrosamento do naturalismo pictórico com o romantismo da escrita é exemplo o facto do pintor José Malhoa ter ido buscar ao escritor Júlio Diniz alguns personagens para os seus quadros, como o médico João Semana (1897) e Clara (1903), a lavadeira minhota de “As Pupilas do Sr. Reitor”. As preferências estéticas de Egas Moniz icam claramente deinidas nestas suas palavras publicadas no volume “Ao Lado da Medicina”8 a propósito da obra de Silva Porto: “As iguras que perpassam nas suas telas vêm dos campos, com a alma limpa de asperezas. Quando muito trazem o rosto tisnado pelas canículas, temperados pelas fainas salutares das lavouras e na conivência querida dos animais amigos. Nunca, nenhum dos discípulos do Mes- REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. Moniz E. Diagnostic des tumeurs cérébrales et épreuve de l’encephalographie artérielle. Paris: Masson & Cie;1931. Moniz E. L’Angiographie Cérébrale. Ses applications et résultats en Anatomie, Physiologie et Clinique. Paris: Masson & Cie; 1934. Catálogo: Malhoa e Bordalo - Conluência de uma geração. Caldas da Rainha: Edição do Museu Malhoa; 2005. Moniz E. Conidencias de um investigador cientíico. Lisboa: Edições Ática; 1949. tre, se sentiu arrastado para a pintura dos reptos shakespearianos da desgraça, ou das catadupas frementes das convulsões sociais. As grandes paixões que dilaceram e gangrenam o espírito, mesmo aquelas que silenciosamente mirram a alacridade da vida sem exteriorizações violentas, não se adivinham nas obras dos artistas continuadores da orientação de Silva Porto”. A obra a pastel (60 x 51 cm) ocupou um lugar destacado na sala de estar da moradia do Professor, na Avenida 5 de Outubro, sua última residência em Lisboa e foi cedido, mais tarde, pela viúva, ao pequeno museu do Centro de Estudos Egas Moniz - Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria – piso 6, onde hoje se encontra, integrando um repositório evocativo da vida e obra do laureado com o Prémio Nobel da Medicina de 1949, organizado em 1957 pelo Prof. Almeida Lima com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.9 AGRADECIMENTOS A Macieira Coelho, sobrinho-neto do Prof. Egas Moniz, pelas informações sobre o percurso do retrato. A Lurdes Osório Gama Franco, funcionária administrativa que acompanhou o Serviço de Neurologia, sob a direcção do Prof. Almeida Lima, na transição do Hospital de Santa Marta para o Hospital de Santa Maria, pelas suas memórias sobre a criação do Museu. A Acta Médica Portuguesa e a Ordem dos Médicos agradecem à Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa a gentil cedência dos direitos de reprodução deste quadro e a oportunidade de o divulgar. CONFLITOS DE INTERESSE O autor declara a inexistência de conlitos de interesse na realização do presente trabalho. FONTES DE FINANCIAMENTO Não existiram fontes externas. 5. 6. 7. 8. 9. Moniz E. Ao Mestre Malhoa. Lisboa: Imprensa Libânio Silva; 1929. Moniz E. A folia e a dor na obra de José Malhoa. Lisboa: Sep. Seara Nova;1955. p. 1305-6. Moniz E. Júlio Diniz e a sua obra. Lisboa: Casa Ventura Abrantes; 1924. Moniz E. Ao lado da Medicina. Lisboa: Bertrand; 1940. Azeredo Perdigão J. Centenário de Egas Moniz. 2º Volume. Lisboa: Ed. Comissão executiva das comemorações do centenário do nascimento do Prof. Egas Moniz; 1978. Revista Cientíica da Ordem dos Médicos 671 www.actamedicaportuguesa.com A SAÚDE NA PINTURA Oliveira V. Quadros médicos: Egas Moniz, por José Malhoa, Acta Med Port 2014 Sep-Oct;27(5):669-671 Victor OLIVEIRA Quadros Médicos: Egas Moniz, por José Malhoa Acta Med Port 2014:27:669-671 Publicado pela Acta Médica Portuguesa, a Revista Cientíica da Ordem dos Médicos Av. Almirante Gago Coutinho, 151 1749-084 Lisboa, Portugal. Tel: +351 218 428 215 E-mail: submissao@actamedicaportuguesa.com www.actamedicaportuguesa.com ISSN:0870-399X | e-ISSN: 1646-0758