ENSINO DE FILOSOFIA NAS ESCOLAS
PERSPECTIVAS, REFORMA E
INCÓGNITAS
CLEBER DUARTE COELHO
EVANDRO OLIVEIRA DE BRITO
JASON DE LIMA E SILVA
(ORGS.)
ENSINO DE FILOSOFIA NAS ESCOLAS
Perspectivas, Reformas e Incógnitas
APOLODORO VIRTUAL EDIÇÕES
SÉRIE “FILOSOFIA, ARTE E EDUCAÇÃO”
Editor da série: Jason de Lima e Silva (UFSC/Brasil)
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Comitê Editorial
Aline Medeiros Ramos (UQAM e UQTR/Canadá)
Alexandre Lima (IFC/Brasil)
Arthur Meucci (UFV/Brasil)
Caroline Izidoro Marim (UFPE/Brasil)
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Cleber Duarte Coelho
Evandro Oliveira de Brito
Jason de Lima e Silva
(Orgs.)
ENSINO DE FILOSOFIA NAS ESCOLAS
Perspectivas, Reformas e Incógnitas
Apolodoro Virtual Edições
2017
APOLODORO VIRTUAL EDIÇÕES
Direção Editorial: Charles Feldhaus
Direção Administrativa: Simone Gonçales
Diagramação: Apolodoro Virtual Edições
Revisão: Ruth Leonhardt
Capa
―Equality (Money)‖ de Frantisek Kupka, 1902.
[www.wikiart.org.]
Concepção da Série
Grupo de Pesquisa “Filosofia. Arte e Educação” MEN/UFSC
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
E598
Ensino de filosofia nas escolas: perspectivas, reformas e
incógnitas / Cleber Duarte Coelho, Evandro Oliveira de
Brito, Jason de Lima e Silva – 1 ed. – Guarapuava:
Apolodoro Virtual Edições, 2017.
203 p.
Bibliografia
ISBN 978-85-93565-03-8 (e-book)
ISBN 978-85-93565-02-1 (papel)
1. Filosofia – Estudo e ensino. 2. Estágios
supervisionados. 3. Prática de ensino. I. Coelho, Cleber
Duarte. II. Brito, Evandro O. II. Silva, Jason L. IV.
Título.
CDD 100
Atribuição - Uso Não-Comercial
Vedada a Criação de Obras Derivadas
APOLODORO VIRTUAL EDIÇÕES
editora@apolodorovirtual.com.br
Rua Coronel Luís Lustosa, 1996 Batel, Guarapuava/PR
85015-344
POSFÁCIO A UMA DÉCADA ILUMINADA:
FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO (☆2008 – ✝2016)
Evandro O. Brito
Primeiras palavras
Este não é apenas um simples posfácio ao presente
livro, mas um posfácio ao encerramento de um projeto educacional que vigora por quase uma década no Brasil. Instituído em 2008, após anos de luta política pela redemocratização do conhecimento, o projeto chamado ensino de filosofia no ensino médio sucumbe diante da força antidemocrática da, assim chamada, Medida Provisória do Ensino Médio de 2016. Certamente não sem resistência, principalmente
por parte dos estudantes secundaristas (Os Ocupas) que
ocuparam escolas em todo o Brasil, mas de fato sem força
suficiente para vencer o debate político e a campanha midiática.
As palavras que compõem este posfácio resultam
de uma oportuna apresentação sobre o telos do ensino de
filosofia no ensino médio e na apresentação da sua relação
com o ensino das demais ciências, realizada no Colóquio
Civilização 2016 (UDESC), no contexto da publicação da
Medida Provisória n° 746, de 22 de setembro de 2016, que
estabelece, arbitrariamente, a reformulação da educação
básica anunciada no Caput:
Institui a Política de Fomento à Implementação
de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral,
altera a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação
Evandro O. Brito
nacional, e a Lei n° 11.494 de 20 de junho 2007,
que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências.
O que interessa, especificamente, são as outras providências referidas. Entre elas está, primeiramente, o fato de
que esta Medida Provisória anula o modus operandi de construção do Plano Nacional de Educação estabelecido pela Emenda Constitucional n° 59 de 2009, que
[...] incluiu no art. 214 da Carta a previsão de
duração decenal do PNE e o objetivo expresso
de articular o sistema nacional de educação em
regime de colaboração entre os entes federados.
(BRITTO, 2015, p. 19).
Além disso, está o fato de que essa Medida Provisória
também revoga a Lei n° 11.684, de 02 de junho de 2008, denominada Lei Haddad, cujo Caput anuncia a obrigatoriedade das disciplinas Filosofia e Sociologia no ensino médio
do seguinte modo:
Altera o art. 36 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional, para incluir a Filosofia e a
Sociologia como disciplinas obrigatórias nos
currículos do ensino médio.
Ao se considerar, então, o período de quase uma
década em que vigora a Lei Haddad, há que reconhecer a
seguinte implicação. Se em 20 de dezembro de 1996 nasce,
para todos os estudantes do ensino médio, o direito ao conhecimento filosófico disponível na cultura ocidental, e o
190
Posfácio a uma década iluminada
dever do Estado em garanti-lo em todo o território nacional, em 22 de setembro de 2016 morre a garantia legal positivada pela Lei Haddad.
Descanse em Paz?
1. Aonde se queria chegar e já não se pode mais
Os argumentos apresentados no Colóquio Civilização 2016 são retomados aqui, em linhas gerais, com o intuito
de garantir o registro de algumas características específicas
do ensino de filosofia que possam servem de fonte documental para as futuras pesquisas históricas. Neste sentido,
este texto integra duas contribuições às reflexões acerca dos
primeiros passos na docência, apresentadas neste livro por
cada um dos (agora) professores de filosofia.
A primeira contribuição é teórica e consiste numa
breve exposição sistemática do atual consenso acerca da
emancipação própria de todo ato de ensinar e aprender
filosofia e sua relação com as ciências, no contexto do ensino médio. Neste sentido, trata-se de apresentar tanto o pano de fundo teórico, a discrepância entre o telos do ensino
de filosofia no ensino médio e as diretrizes do MEC vigentes até 2016, como o principal ponto de convergência defendido pelos estudiosos dos métodos de ensino de filosofia
no ensino médio (a curiosidade pelo conhecimento científico), que dá sustentação à formação dos novos docentes que
contribuem para esta obra.
A segunda contribuição é política e consiste em
explicitar o fato histórico, ou seja, o objeto de estudo das
futuras investigações científicas sociais, chamado desestruturação do projeto de emancipação instituído pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio191
Evandro O. Brito
nal de 1996. Deste modo, esta segunda contribuição encerra-se no papel histórico que a primeira contribuição pretende assumir com publicação deste trabalho.
Recupera-se também, daquela apresentação, aquilo
que se consider ser um ponto consensual imaginário entre
as perspectivas de ensino de filosofia presente nos principais trabalhos publicados no Brasil após a reintrodução da
disciplina filosofia na educação básica, que também inspiraram a formação dos (agora) professores autores deste
livro. Trata-se, por exemplo, das perspectivas adotadas nos
trabalhos publicados por Ronai Rocha, Walter Kohan, Silvio
Gallo, Elisete Tomazetti, entre outros. Do mesmo modo, e
ainda que não tenha sido escrito com orientação para o ensino de filosofia no ensino médio, o trabalho de Mário Porta
é concebido na mesma perspectiva, uma vez que se define
como uma análise sobre a didática e a metodologia do estudo filosófico. Em suma, tomados em conjunto, esses estudos sobre o ensino de filosofia tratam de conceber o ensino
e o aprendizado da filosofia por meio da apresentação e da
apropriação do problema/problematizar, da questão/
questionar, da pergunta/perguntar ou, como formula Rocha, da curiosidade pelo conhecimento disponível no discurso filosófico e, também, científico.
Finalmente, é destaca-se que essas perspectivas
adotadas pelos estudiosos dos modelos de ensino de filosofia atendem à perspectiva do projeto de educação interdisciplinar (ou de transversalidade) reivindicada pelo projeto
de educação básica do MEC, embora a recíproca não seja
verdadeira, como se coloca a seguir. Em outras palavras, os
anos que sucedem a inclusão da disciplina filosofia no currículo da educação básica servem, não apenas para formação do consenso acerca dos métodos compatíveis com sua
especificidade de ensino filosofia, mas também para a concepção de um modo de ensino de filosofia essencialmente
interdisciplinar.
192
Posfácio a uma década iluminada
2. O problema que impedia ir aonde se queria e
sua solução
Todos os problemas metodológicos estavam resolvidos e a filosofia, no ensino médio, nadava no mar da
tranquilidade até 2016? Claro que não! Além da clássica
discussão quanto aos conteúdos a serem ministrados em
cada um dos três anos do Ensino Médio (história da filosofia, temas filosóficos ou problemas filosóficos), uma dificuldade na própria concepção curricular do Ensino Médio se
impunha radicalmente. Em outras palavras, se para a perspectiva do projeto do MEC a relação entre a disciplina filosofia e as disciplinas das demais ciências é harmônica, para
a perspectiva dos estudiosos do ensino de filosofia o projeto
do MEC é equivocado em alguns pontos. Deste modo, os
estudiosos do ensino de filosofia demandam uma correção
na própria concepção de currículo do ensino médio. Em
resumo, é exatamente por isso que se luta, a saber, por uma
reclassificação dos tipos de ciências e suas tecnologias (ciências da natureza, ciências humanas e linguagens) que se
orientasse pelos tipos de curiosidades próprias do ser humano. Veja-se os detalhes desta demanda.
Em seu livro Ensino de filosofia e currículo, no capítulo em que analisa a possibilidade interdisciplinar do exercício da filosofia no ensino médio, intitulado ―Por uma
transversalidade pedestre‖, Rocha (2008) problematiza, de
modo sistemático, a comparação (quadro 1) entre a classificação das ciências estabelecidas pelo MEC e aquilo que ele
denomina curiosidades humanas fundamentais, que compõem o intrínseco desejo humano de conhecer.
193
Evandro O. Brito
Quadro 1
Classificação do MEC
Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias: Física, Química, Biologia, Matemática.
Ciências Humanas e suas
tecnologias: Filosofia, Geografia, História, Sociologia.
Linguagem, códigos e suas
tecnologias: Língua Portuguesa, Literatura, Línguas
Estrangeiras,
Espanhol,
Artes Educação Física.
Curiosidades humanas
Como é o ‗mundo‘ sem as
gentes? Curiosidade sobre a
natureza.
Como é o mundo com as
gentes? Curiosidades sobre
o mundo enquanto habitado por gentes.
Curiosidades sobre nossas
capacidades compreensivas
e expressivas: Exploração
de si-mesmo, enquanto
mente e corpo.
Curiosidades sobre os as?
pectos formais da realidade.
Matemática, uma ciência sui
generis.
?
Curiosidades sobre todas as
curiosidades
Fonte: Rocha, 2008, p. 32.
A análise de Rocha, enriquecedora em muitos aspectos, demarca dois pontos fundamentais, a saber, um
problema e sua solução.
No que se refere ao problema, Rocha indica que o
projeto educacional, em vigor até 2016, pressupõe a existência de cinco tipos característicos de curiosidade humana
frente a um grupamento menor composto por três tipos de
ciências ou discursos científicos. Em outras palavras, a análise de Rocha, muito bem desenvolvida no livro, demostra
que é uma falha estrutural, encontrada na relação entre
organização dos conhecimentos científicos e tipos de curio194
Posfácio a uma década iluminada
sidades próprias dos estudantes, que dificulta não apenas a
organização, mas também o processo do ensino e do
aprendizado em todas as disciplinas do ensino médio.
Em relação à solução, Rocha sustenta a tese de que
é preciso reconhecer o lugar e o modo como se dá essa curiosidade humana, para, então, reorientar a apropriação dos
discursos científicos. Em outras palavras, trata-se de uma
reorientação do tipo de discurso científico em função do
tipo específico de curiosidade devidamente correspondente, pois esta reorientação é conditio sine qua non do processo
do ensino e do aprendizado em todas as áreas científicas
disponíveis no currículo do ensino médio.
Tendo em vista o problema e o fato de que a proposta de solução está orientada, fundamentalmente, pela
curiosidade humana, Rocha sustenta que a filosofia assume
dois papéis fundamentais no ensino médio, a saber:
Caracterização do aspecto filosófico da interdisciplinaridade, por meio da delimitação do objeto no universo dos
discursos científicos que compõem o currículo: trata-se
de reconhecer os conteúdos filosóficos (temas, problemas e teses histórico-filosóficas) nos próprios discursos
científicos, ou disciplinas, do currículo do ensino médio.
Caracterização do aspecto filosófico da interdisciplinaridade, por meio da delimitação das condições de possibilidade de compreensão por parte do sujeito: reagrupamento desses discursos científicos, ou disciplinas, em
função da correspondência para com o tipo específico de
curiosidade humana.
A análise desta dupla caracterização da interdisciplinaridade filosófica, tal como pensada no contexto do
ensino médio, explicita a dimensão mais radical da natureza do conhecimento em questão. Em outras palavras, rea195
Evandro O. Brito
grupar os discursos científicos em função dos tipos de curiosidade permite uma reclassificação deles a partir da fundamentação última do conhecimento (sintático, semântico e
pragmático). Do mesmo modo, a reorganização também
permite uma reflexão sobre a própria experiência filosófica
fundamental a partir do lugar do qual esta distinção epistemológica se impõe, a saber, de uma experiência estética
(vivência) do sentido.
A análise de Rocha (2008), portanto, sugere resumidamente a seguinte classificação:
Quadro 2 - Eixo sintático ciências formais
Eixo do
conhecimento
Eixo sintático do conhecimento
humano
Relação com o
mundo
Ciências Formais
Matemática e lógica (dedutivas): não
precisam dar conta
de referência e veSINTÁTIC rificação de enunA
ciados no mundo
(o cientista investiga a relação entre
signos).
Fonte: Rocha, 2008, p. 180.
Relação conosco
mesmos
Estas ciências valemse do léxico, regras de
inferência,
axiomas
etc. A dimensão semântica do conhecimento (‗verdadeiro‘ e
‗falso) aqui diz respeito à validade do uso
de regras de inferência etc.
Quadro 3 - Eixo semântico ciências materiais
Eixo do conhecimento
Eixo semântico do conhecimento hu196
Relação com o
Relação conosco
mundo
mesmos
Ciências Materiais Além de preserFísica,
Química, var a dimensão
Biologia (induti- ―sintática‖
do
Posfácio a uma década iluminada
mano.
SEMÂNTICA
vas): os enunciados são objetos de
verificação ou validação empírica, a
partir de esquemas
conceituas.
conhecimento, a
dimensão semântica do conhecimento (‗verdadeiro‘e ‗falso‘) precisa da adequação
dos
enunciados
aos estados de
coisas descritos.
Fonte: Rocha, 2008, p. 180.
Quadro 4 - Eixo pragmático ciências humanas
Eixo do conhecimento
Eixo pragmático do conhecimento humano.
PRAGMÁTIC
A
Relação com o
mundo
Ciências Humanas
Psicologia, História,
Economia,
Antropologia etc.
(têm por objeto o
ser humano tomado como ser de
sentido): O ‗sujeito‘ investiga ‗objetos-sujeitos‘. Tanto
o sujeito quanto
‗os objetos‘ possuem uma dimensão
histórica, cultural,
social, valorativa
etc.: as ações e os
eventos são revestidos de sentido,
não-
Relação conosco
mesmos
Preserva-se
as
dimensões sintática (relação entre
signos) e semântica (‗verdadeiro‘ e
‗falso‘) do conhecimento,
tendo
presente que esse
esquema conceitual investiga um
‗sistema de sentido‘, assim exige
mecanismo adicionais de segurança e validação
daquilo que afirma.
197
Evandro O. Brito
compreensíveis
apenas como naturais.
Fonte: Rocha, 2008, p. 185.
Esta esquematização das três possíveis relações interdisciplinares entre os três grupos de disciplinas científicas e a filosofia, tomadas sob uma perspectiva epistemológica (sintática, semântica e pragmática), oferece um ótimo
exemplo do alcance do trabalho filosófico desenvolvido
pelos estudiosos do ensino de filosofia, após a inclusão da
disciplina filosofia no ensino médio. Em suma, seja com
base na investigação sobre o papel da disciplina filosofia no
currículo, como faz Ronai, ou sobre o método de ensino a
partir de problemas, como faz Gallo, por exemplo, essas
investigações apontam para o que há de mais fundamental:
a própria experiência filosófica. É, portanto, reconhecer a
relação fundamental, entre a curiosidade do sujeito e natureza da ciência propriamente correspondente a ela, fundada
na própria atividade existencial do ensino e do aprendizado
de filosofia no ensino médio. Em outras palavras, refere-se
a apontar para o problema ontológico de uma experiência
estética do sentido.
Para concluir, faz-se algumas considerações sobre
o problema do sentido e sua experiência estética do ensino
e do aprendizado sem qualquer pretensão de sustentar uma
tese forte. Quer-se, apenas, reafirmar que há um caminho
definido a percorrer e dizer qual é ele.
3. A partir de onde tudo isso faz sentido
O ponto de vista da interdisciplinaridade, apresentado por Rocha, está epistemologicamente orientado por
198
Posfácio a uma década iluminada
uma convergência de perspectivas que indicam a possibilidade de pensar a filosofia contemporânea a partir de um
núcleo comum, a saber, o sentido. Certamente não se trata
de uma definição, mas da indicação de um problema comum que explicita um aspecto central dos fundamentos
das grandes áreas da filosofia contemporânea, que são distinguidas, geralmente, como radicalmente opostas (filosofia
analítica versus filosofia hermenêutico-fenomenológica).
Do mesmo modo, não se trata, aqui, de desenvolver a sustentação teórico-filosófica para a manutenção dessa interpretação, que se reconhece ser amplamente questionável
sob a ótica das divergentes perspectivas filosóficas (principalmente da filosofia analítica). De modo contrário, considera-se algumas bases recentemente assumidas pelos teóricos do ensino de filosofia, que apontam um aspecto possível para caracterizar e vincular a unidade da filosofia e sua
relação com os três grupos de discursos científicos, ainda
que não descartem as divergências e as particularidades
das áreas específicas.
Uma versão desta proposta encontra-se detalhadamente apresentada no livro de Mário Porta (2002), intitulado A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo de filosofia. A sustentação da tese central,
que reconhece suas limitações, está no terceiro capítulo,
intitulado ―A unidade da filosofia contemporânea do ponto
de vista da história da filosofia‖. Não se reproduz essa tese1, mas se demarca que ela pode ser concebida na base das
Porta diz, acerca da possibilidade de indicar a unidade da filosofia contemporânea a partir do sentido tomado como o problema
fundamental pela filosofia analítica, pela filosofia hermenêutica e
pela fenomenologia (e, obviamente, por todas as linhas filosóficas
contemporâneas que se desenvolvem a partir dessas bases): ―O
sentido em questão na reflexão analítica é aquele próprio dos
enunciados linguísticos e possui caráter proposicional. Importan1
199
Evandro O. Brito
investigações que norteiam os estudos sobre o ensino e o
aprendizado da filosofia. Em outras palavras, esta tese central de Porta mantém uma relação harmônica e coerente
com as perspectivas metodológicas de ensino de filosofia
desenvolvidas por outros pesquisadores da área (como
Walter Kohan, Silvio Gallo, Ronai Rocha etc.), não apenas
porque expõe o problema do sentido como questão fundamental da filosofia contemporânea, mas fundamentalmente
porque permite remeter o problema do aprendizado da
filosofia a uma vivência que leva à compreensão do sentido
pressuposto por todo conceito científico e filosófico.
Veja-se a seguinte esquematização.
Quadro 5 – Dimensões do conhecimento
te vantagem do sentido linguístico-proposicional é permitir uma
tematização precisa, tanto no caso concreto quanto da conceitualidade geral necessária para pensá-lo, ele é, contudo, claro está,
limitado. O conceito hermenêutico de sentido é, sem dúvida, mais
amplo. Trata-se ‗também‘ do sentido do enunciado linguístico e
estruturas proposicionais, não obstante, assim mesmo, de atos,
personalidades, fatos históricos, objetos culturais de todo tipo e,
em geral, de ‗totalidades1 e ‗estruturas‘. A referida amplitude o
compromete, em princípio, com uma imprecisão. Ora, se esta é
inegável, não se pode esquecer o explícito intento de Dilthey de
delimitar e articular de modo unitário os diversos modos de significação em uma teoria universal da significação, na qual o sentido lógico-proposicional representa tão-só um aspecto. No caso
da fenomenologia, vale em princípio algo similar ao exposto a
propósito da hermenêutica. Seu próprio desenvolvimento a leva a
focalizar-se em duas questões de decisiva importância, não só
para ela mesma, senão também para as duas tradições restantes:
1) É todo sentido suscetível de uma formulação linguística ou há
sentidos que são intrinsecamente extralinguísticos? 2) É todo sentido proposicional ou proposicionável? Uma forma ‗técnica‘ que
assume esta importante discussão (porém, não a única possível)
se refere à interpretação do noema husserliano.‖ (2002, p. 172-3).
200
Posfácio a uma década iluminada
Dimensão sintática do conhecimento
Matemática (inclui a lógica):
Dimensão semântica do conhecimento
Ciências Naturais: Física, Química,
Biologia etc.
Dimensão pragmática do conhecimento
Ciências Sociais: História, Geografia,
Psicologia etc.
Mundo da Vida
Onde se encontram situados os nativos falantes de uma língua natural;
âmbito histórico, social, político, econômico, cultural, técnico etc.
Fonte: Rocha, 2008, p. 185.
No esquema acima, proposto por Rocha como
uma alternativa ao modelo de Newton da Costa, o lugar do
sentido se torna evidente a partir do mundo da vida, pois
consiste no âmbito mais amplo, que sustenta significativamente todas as dimensões epistemológicas.
Diante deste quadro comparativo, portanto, a sistematização proposta neste trabalho destaca, fundamentalmente, que o caminho da formação docente para o ensino
de filosofia no ensino médio, bem como as reflexões sobre a
docência, reconhece uma vivência capaz de abrir ou desvelar, não apenas o sentido dos conceitos filosóficos que sustentam os discursos científicos (próprios das disciplinas do
currículo do ensino médio), mas essencialmente o jogo vi201
Evandro O. Brito
vencial no qual está inserida a possiblidade de compreensão (e incompreensão) de todo e qualquer conceito.
Esse é o caminho que, agora, se perde no crepúsculo,
no apagar das luzes.
Referências
BRASIL.
Emenda
Constitucional
n°
59/2009.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emen
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2008/lei/l11684.htm. Acesso em: 12 nov 2016.
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Medida
Provisória
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https://www25.senado.leg.br/web. Acesso em: 10 nov
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BRITTO, T. F. Passo a passo no Legislativo: os caminhos do
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GALLO, S. Filosofia experiência do pensamento. São Paulo:
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KOHAN, W. O. Infância entre educação e filosofia. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
PORTA, M. A. G. A filosofia a partir de seus problemas. São
Paulo: Loyola, 2002.
202
Posfácio a uma década iluminada
ROCHA, R. P. da. Ensino de filosofia e currículo. Petrópolis:
Vozes, 2008.
203