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ENSINO DE FILOSOFIA NAS ESCOLAS PERSPECTIVAS, REFORMA E INCÓGNITAS CLEBER DUARTE COELHO EVANDRO OLIVEIRA DE BRITO JASON DE LIMA E SILVA (ORGS.) ENSINO DE FILOSOFIA NAS ESCOLAS Perspectivas, Reformas e Incógnitas APOLODORO VIRTUAL EDIÇÕES SÉRIE “FILOSOFIA, ARTE E EDUCAÇÃO” Editor da série: Jason de Lima e Silva (UFSC/Brasil) • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Comitê Editorial Aline Medeiros Ramos (UQAM e UQTR/Canadá) Alexandre Lima (IFC/Brasil) Arthur Meucci (UFV/Brasil) Caroline Izidoro Marim (UFPE/Brasil) Charles Feldhaus (UEL/Brasil) Cleber Duarte Coelho (UFSC/Brasil) Elizia Cristina Ferreira (UNILAB/Brasil) Ernesto Maria Giusti (UNICENTRO/Brasil) Evandro Oliveira de Brito (UNICENTRO/Brasil) Fernando Mauricio da Silva (FMP/Brasil) Flávio Miguel de Oliveira Zimmermann (UFFS/Brasil) Gilmar Evandro Szczepanik (UNICENTRO/Brasil) Gislene Vale dos Santos (UFBA/Brasil) Gilson Luís Voloski (UFFS/Brasil) Halina Macedo Leal (FSL-FURB/Brasil) Héctor Oscar Arrese Igor (CONICET/Argentina) Jean Rodrigues Siqueira (UNIFAI/Brasil) Joedson Marcos Silva (UFMA/Brasil) Joelma Marques de Carvalho (UFC/Brasil) José Cláudio Morelli Matos (UDESC/Brasil) Leandro Marcelo Cisneros (UNIFEBE/Brasil) Lucio Lourenço Prado (UNESP/Brasil) Luís Felipe Bellintani Ribeiro (UFF/Brasil) Maicon Reus Engler (UNICENTRO/Brasil) Marciano Adílio Spica (UNICENTRO/Brasil) Marilia Mello Pisani (UFABC/Brasil) Noeli Ramme (UERJ/Brasil) Paulo Roberto Monteiro de Araujo (Mackenzie/Brasil) Renato Duarte Fonseca (UFSM/Brasil) Renzo Llorente (Saint Louis University/Espanha) Rogério Fabianne Saucedo Corrêa (UFSM/Brasil) Vanessa Furtado Fontana (UNIOESTE/Brasil) Cleber Duarte Coelho Evandro Oliveira de Brito Jason de Lima e Silva (Orgs.) ENSINO DE FILOSOFIA NAS ESCOLAS Perspectivas, Reformas e Incógnitas Apolodoro Virtual Edições 2017 APOLODORO VIRTUAL EDIÇÕES Direção Editorial: Charles Feldhaus Direção Administrativa: Simone Gonçales Diagramação: Apolodoro Virtual Edições Revisão: Ruth Leonhardt Capa ―Equality (Money)‖ de Frantisek Kupka, 1902. [www.wikiart.org.] Concepção da Série Grupo de Pesquisa “Filosofia. Arte e Educação” MEN/UFSC Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) E598 Ensino de filosofia nas escolas: perspectivas, reformas e incógnitas / Cleber Duarte Coelho, Evandro Oliveira de Brito, Jason de Lima e Silva – 1 ed. – Guarapuava: Apolodoro Virtual Edições, 2017. 203 p. Bibliografia ISBN 978-85-93565-03-8 (e-book) ISBN 978-85-93565-02-1 (papel) 1. Filosofia – Estudo e ensino. 2. Estágios supervisionados. 3. Prática de ensino. I. Coelho, Cleber Duarte. II. Brito, Evandro O. II. Silva, Jason L. IV. Título. CDD 100 Atribuição - Uso Não-Comercial Vedada a Criação de Obras Derivadas APOLODORO VIRTUAL EDIÇÕES editora@apolodorovirtual.com.br Rua Coronel Luís Lustosa, 1996 Batel, Guarapuava/PR 85015-344 POSFÁCIO A UMA DÉCADA ILUMINADA: FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO (☆2008 – ✝2016) Evandro O. Brito Primeiras palavras Este não é apenas um simples posfácio ao presente livro, mas um posfácio ao encerramento de um projeto educacional que vigora por quase uma década no Brasil. Instituído em 2008, após anos de luta política pela redemocratização do conhecimento, o projeto chamado ensino de filosofia no ensino médio sucumbe diante da força antidemocrática da, assim chamada, Medida Provisória do Ensino Médio de 2016. Certamente não sem resistência, principalmente por parte dos estudantes secundaristas (Os Ocupas) que ocuparam escolas em todo o Brasil, mas de fato sem força suficiente para vencer o debate político e a campanha midiática. As palavras que compõem este posfácio resultam de uma oportuna apresentação sobre o telos do ensino de filosofia no ensino médio e na apresentação da sua relação com o ensino das demais ciências, realizada no Colóquio Civilização 2016 (UDESC), no contexto da publicação da Medida Provisória n° 746, de 22 de setembro de 2016, que estabelece, arbitrariamente, a reformulação da educação básica anunciada no Caput: Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação Evandro O. Brito nacional, e a Lei n° 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências. O que interessa, especificamente, são as outras providências referidas. Entre elas está, primeiramente, o fato de que esta Medida Provisória anula o modus operandi de construção do Plano Nacional de Educação estabelecido pela Emenda Constitucional n° 59 de 2009, que [...] incluiu no art. 214 da Carta a previsão de duração decenal do PNE e o objetivo expresso de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração entre os entes federados. (BRITTO, 2015, p. 19). Além disso, está o fato de que essa Medida Provisória também revoga a Lei n° 11.684, de 02 de junho de 2008, denominada Lei Haddad, cujo Caput anuncia a obrigatoriedade das disciplinas Filosofia e Sociologia no ensino médio do seguinte modo: Altera o art. 36 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. Ao se considerar, então, o período de quase uma década em que vigora a Lei Haddad, há que reconhecer a seguinte implicação. Se em 20 de dezembro de 1996 nasce, para todos os estudantes do ensino médio, o direito ao conhecimento filosófico disponível na cultura ocidental, e o 190 Posfácio a uma década iluminada dever do Estado em garanti-lo em todo o território nacional, em 22 de setembro de 2016 morre a garantia legal positivada pela Lei Haddad. Descanse em Paz? 1. Aonde se queria chegar e já não se pode mais Os argumentos apresentados no Colóquio Civilização 2016 são retomados aqui, em linhas gerais, com o intuito de garantir o registro de algumas características específicas do ensino de filosofia que possam servem de fonte documental para as futuras pesquisas históricas. Neste sentido, este texto integra duas contribuições às reflexões acerca dos primeiros passos na docência, apresentadas neste livro por cada um dos (agora) professores de filosofia. A primeira contribuição é teórica e consiste numa breve exposição sistemática do atual consenso acerca da emancipação própria de todo ato de ensinar e aprender filosofia e sua relação com as ciências, no contexto do ensino médio. Neste sentido, trata-se de apresentar tanto o pano de fundo teórico, a discrepância entre o telos do ensino de filosofia no ensino médio e as diretrizes do MEC vigentes até 2016, como o principal ponto de convergência defendido pelos estudiosos dos métodos de ensino de filosofia no ensino médio (a curiosidade pelo conhecimento científico), que dá sustentação à formação dos novos docentes que contribuem para esta obra. A segunda contribuição é política e consiste em explicitar o fato histórico, ou seja, o objeto de estudo das futuras investigações científicas sociais, chamado desestruturação do projeto de emancipação instituído pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio191 Evandro O. Brito nal de 1996. Deste modo, esta segunda contribuição encerra-se no papel histórico que a primeira contribuição pretende assumir com publicação deste trabalho. Recupera-se também, daquela apresentação, aquilo que se consider ser um ponto consensual imaginário entre as perspectivas de ensino de filosofia presente nos principais trabalhos publicados no Brasil após a reintrodução da disciplina filosofia na educação básica, que também inspiraram a formação dos (agora) professores autores deste livro. Trata-se, por exemplo, das perspectivas adotadas nos trabalhos publicados por Ronai Rocha, Walter Kohan, Silvio Gallo, Elisete Tomazetti, entre outros. Do mesmo modo, e ainda que não tenha sido escrito com orientação para o ensino de filosofia no ensino médio, o trabalho de Mário Porta é concebido na mesma perspectiva, uma vez que se define como uma análise sobre a didática e a metodologia do estudo filosófico. Em suma, tomados em conjunto, esses estudos sobre o ensino de filosofia tratam de conceber o ensino e o aprendizado da filosofia por meio da apresentação e da apropriação do problema/problematizar, da questão/ questionar, da pergunta/perguntar ou, como formula Rocha, da curiosidade pelo conhecimento disponível no discurso filosófico e, também, científico. Finalmente, é destaca-se que essas perspectivas adotadas pelos estudiosos dos modelos de ensino de filosofia atendem à perspectiva do projeto de educação interdisciplinar (ou de transversalidade) reivindicada pelo projeto de educação básica do MEC, embora a recíproca não seja verdadeira, como se coloca a seguir. Em outras palavras, os anos que sucedem a inclusão da disciplina filosofia no currículo da educação básica servem, não apenas para formação do consenso acerca dos métodos compatíveis com sua especificidade de ensino filosofia, mas também para a concepção de um modo de ensino de filosofia essencialmente interdisciplinar. 192 Posfácio a uma década iluminada 2. O problema que impedia ir aonde se queria e sua solução Todos os problemas metodológicos estavam resolvidos e a filosofia, no ensino médio, nadava no mar da tranquilidade até 2016? Claro que não! Além da clássica discussão quanto aos conteúdos a serem ministrados em cada um dos três anos do Ensino Médio (história da filosofia, temas filosóficos ou problemas filosóficos), uma dificuldade na própria concepção curricular do Ensino Médio se impunha radicalmente. Em outras palavras, se para a perspectiva do projeto do MEC a relação entre a disciplina filosofia e as disciplinas das demais ciências é harmônica, para a perspectiva dos estudiosos do ensino de filosofia o projeto do MEC é equivocado em alguns pontos. Deste modo, os estudiosos do ensino de filosofia demandam uma correção na própria concepção de currículo do ensino médio. Em resumo, é exatamente por isso que se luta, a saber, por uma reclassificação dos tipos de ciências e suas tecnologias (ciências da natureza, ciências humanas e linguagens) que se orientasse pelos tipos de curiosidades próprias do ser humano. Veja-se os detalhes desta demanda. Em seu livro Ensino de filosofia e currículo, no capítulo em que analisa a possibilidade interdisciplinar do exercício da filosofia no ensino médio, intitulado ―Por uma transversalidade pedestre‖, Rocha (2008) problematiza, de modo sistemático, a comparação (quadro 1) entre a classificação das ciências estabelecidas pelo MEC e aquilo que ele denomina curiosidades humanas fundamentais, que compõem o intrínseco desejo humano de conhecer. 193 Evandro O. Brito Quadro 1 Classificação do MEC Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias: Física, Química, Biologia, Matemática. Ciências Humanas e suas tecnologias: Filosofia, Geografia, História, Sociologia. Linguagem, códigos e suas tecnologias: Língua Portuguesa, Literatura, Línguas Estrangeiras, Espanhol, Artes Educação Física. Curiosidades humanas Como é o ‗mundo‘ sem as gentes? Curiosidade sobre a natureza. Como é o mundo com as gentes? Curiosidades sobre o mundo enquanto habitado por gentes. Curiosidades sobre nossas capacidades compreensivas e expressivas: Exploração de si-mesmo, enquanto mente e corpo. Curiosidades sobre os as? pectos formais da realidade. Matemática, uma ciência sui generis. ? Curiosidades sobre todas as curiosidades Fonte: Rocha, 2008, p. 32. A análise de Rocha, enriquecedora em muitos aspectos, demarca dois pontos fundamentais, a saber, um problema e sua solução. No que se refere ao problema, Rocha indica que o projeto educacional, em vigor até 2016, pressupõe a existência de cinco tipos característicos de curiosidade humana frente a um grupamento menor composto por três tipos de ciências ou discursos científicos. Em outras palavras, a análise de Rocha, muito bem desenvolvida no livro, demostra que é uma falha estrutural, encontrada na relação entre organização dos conhecimentos científicos e tipos de curio194 Posfácio a uma década iluminada sidades próprias dos estudantes, que dificulta não apenas a organização, mas também o processo do ensino e do aprendizado em todas as disciplinas do ensino médio. Em relação à solução, Rocha sustenta a tese de que é preciso reconhecer o lugar e o modo como se dá essa curiosidade humana, para, então, reorientar a apropriação dos discursos científicos. Em outras palavras, trata-se de uma reorientação do tipo de discurso científico em função do tipo específico de curiosidade devidamente correspondente, pois esta reorientação é conditio sine qua non do processo do ensino e do aprendizado em todas as áreas científicas disponíveis no currículo do ensino médio. Tendo em vista o problema e o fato de que a proposta de solução está orientada, fundamentalmente, pela curiosidade humana, Rocha sustenta que a filosofia assume dois papéis fundamentais no ensino médio, a saber:  Caracterização do aspecto filosófico da interdisciplinaridade, por meio da delimitação do objeto no universo dos discursos científicos que compõem o currículo: trata-se de reconhecer os conteúdos filosóficos (temas, problemas e teses histórico-filosóficas) nos próprios discursos científicos, ou disciplinas, do currículo do ensino médio.  Caracterização do aspecto filosófico da interdisciplinaridade, por meio da delimitação das condições de possibilidade de compreensão por parte do sujeito: reagrupamento desses discursos científicos, ou disciplinas, em função da correspondência para com o tipo específico de curiosidade humana. A análise desta dupla caracterização da interdisciplinaridade filosófica, tal como pensada no contexto do ensino médio, explicita a dimensão mais radical da natureza do conhecimento em questão. Em outras palavras, rea195 Evandro O. Brito grupar os discursos científicos em função dos tipos de curiosidade permite uma reclassificação deles a partir da fundamentação última do conhecimento (sintático, semântico e pragmático). Do mesmo modo, a reorganização também permite uma reflexão sobre a própria experiência filosófica fundamental a partir do lugar do qual esta distinção epistemológica se impõe, a saber, de uma experiência estética (vivência) do sentido. A análise de Rocha (2008), portanto, sugere resumidamente a seguinte classificação: Quadro 2 - Eixo sintático  ciências formais Eixo do conhecimento Eixo sintático do conhecimento humano Relação com o mundo Ciências Formais Matemática e lógica (dedutivas): não precisam dar conta de referência e veSINTÁTIC rificação de enunA ciados no mundo (o cientista investiga a relação entre signos). Fonte: Rocha, 2008, p. 180. Relação conosco mesmos Estas ciências valemse do léxico, regras de inferência, axiomas etc. A dimensão semântica do conhecimento (‗verdadeiro‘ e ‗falso) aqui diz respeito à validade do uso de regras de inferência etc. Quadro 3 - Eixo semântico  ciências materiais Eixo do conhecimento Eixo semântico do conhecimento hu196 Relação com o Relação conosco mundo mesmos Ciências Materiais Além de preserFísica, Química, var a dimensão Biologia (induti- ―sintática‖ do Posfácio a uma década iluminada mano. SEMÂNTICA vas): os enunciados são objetos de verificação ou validação empírica, a partir de esquemas conceituas. conhecimento, a dimensão semântica do conhecimento (‗verdadeiro‘e ‗falso‘) precisa da adequação dos enunciados aos estados de coisas descritos. Fonte: Rocha, 2008, p. 180. Quadro 4 - Eixo pragmático  ciências humanas Eixo do conhecimento Eixo pragmático do conhecimento humano. PRAGMÁTIC A Relação com o mundo Ciências Humanas Psicologia, História, Economia, Antropologia etc. (têm por objeto o ser humano tomado como ser de sentido): O ‗sujeito‘ investiga ‗objetos-sujeitos‘. Tanto o sujeito quanto ‗os objetos‘ possuem uma dimensão histórica, cultural, social, valorativa etc.: as ações e os eventos são revestidos de sentido, não- Relação conosco mesmos Preserva-se as dimensões sintática (relação entre signos) e semântica (‗verdadeiro‘ e ‗falso‘) do conhecimento, tendo presente que esse esquema conceitual investiga um ‗sistema de sentido‘, assim exige mecanismo adicionais de segurança e validação daquilo que afirma. 197 Evandro O. Brito compreensíveis apenas como naturais. Fonte: Rocha, 2008, p. 185. Esta esquematização das três possíveis relações interdisciplinares entre os três grupos de disciplinas científicas e a filosofia, tomadas sob uma perspectiva epistemológica (sintática, semântica e pragmática), oferece um ótimo exemplo do alcance do trabalho filosófico desenvolvido pelos estudiosos do ensino de filosofia, após a inclusão da disciplina filosofia no ensino médio. Em suma, seja com base na investigação sobre o papel da disciplina filosofia no currículo, como faz Ronai, ou sobre o método de ensino a partir de problemas, como faz Gallo, por exemplo, essas investigações apontam para o que há de mais fundamental: a própria experiência filosófica. É, portanto, reconhecer a relação fundamental, entre a curiosidade do sujeito e natureza da ciência propriamente correspondente a ela, fundada na própria atividade existencial do ensino e do aprendizado de filosofia no ensino médio. Em outras palavras, refere-se a apontar para o problema ontológico de uma experiência estética do sentido. Para concluir, faz-se algumas considerações sobre o problema do sentido e sua experiência estética do ensino e do aprendizado sem qualquer pretensão de sustentar uma tese forte. Quer-se, apenas, reafirmar que há um caminho definido a percorrer e dizer qual é ele. 3. A partir de onde tudo isso faz sentido O ponto de vista da interdisciplinaridade, apresentado por Rocha, está epistemologicamente orientado por 198 Posfácio a uma década iluminada uma convergência de perspectivas que indicam a possibilidade de pensar a filosofia contemporânea a partir de um núcleo comum, a saber, o sentido. Certamente não se trata de uma definição, mas da indicação de um problema comum que explicita um aspecto central dos fundamentos das grandes áreas da filosofia contemporânea, que são distinguidas, geralmente, como radicalmente opostas (filosofia analítica versus filosofia hermenêutico-fenomenológica). Do mesmo modo, não se trata, aqui, de desenvolver a sustentação teórico-filosófica para a manutenção dessa interpretação, que se reconhece ser amplamente questionável sob a ótica das divergentes perspectivas filosóficas (principalmente da filosofia analítica). De modo contrário, considera-se algumas bases recentemente assumidas pelos teóricos do ensino de filosofia, que apontam um aspecto possível para caracterizar e vincular a unidade da filosofia e sua relação com os três grupos de discursos científicos, ainda que não descartem as divergências e as particularidades das áreas específicas. Uma versão desta proposta encontra-se detalhadamente apresentada no livro de Mário Porta (2002), intitulado A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo de filosofia. A sustentação da tese central, que reconhece suas limitações, está no terceiro capítulo, intitulado ―A unidade da filosofia contemporânea do ponto de vista da história da filosofia‖. Não se reproduz essa tese1, mas se demarca que ela pode ser concebida na base das Porta diz, acerca da possibilidade de indicar a unidade da filosofia contemporânea a partir do sentido tomado como o problema fundamental pela filosofia analítica, pela filosofia hermenêutica e pela fenomenologia (e, obviamente, por todas as linhas filosóficas contemporâneas que se desenvolvem a partir dessas bases): ―O sentido em questão na reflexão analítica é aquele próprio dos enunciados linguísticos e possui caráter proposicional. Importan1 199 Evandro O. Brito investigações que norteiam os estudos sobre o ensino e o aprendizado da filosofia. Em outras palavras, esta tese central de Porta mantém uma relação harmônica e coerente com as perspectivas metodológicas de ensino de filosofia desenvolvidas por outros pesquisadores da área (como Walter Kohan, Silvio Gallo, Ronai Rocha etc.), não apenas porque expõe o problema do sentido como questão fundamental da filosofia contemporânea, mas fundamentalmente porque permite remeter o problema do aprendizado da filosofia a uma vivência que leva à compreensão do sentido pressuposto por todo conceito científico e filosófico. Veja-se a seguinte esquematização. Quadro 5 – Dimensões do conhecimento te vantagem do sentido linguístico-proposicional é permitir uma tematização precisa, tanto no caso concreto quanto da conceitualidade geral necessária para pensá-lo, ele é, contudo, claro está, limitado. O conceito hermenêutico de sentido é, sem dúvida, mais amplo. Trata-se ‗também‘ do sentido do enunciado linguístico e estruturas proposicionais, não obstante, assim mesmo, de atos, personalidades, fatos históricos, objetos culturais de todo tipo e, em geral, de ‗totalidades1 e ‗estruturas‘. A referida amplitude o compromete, em princípio, com uma imprecisão. Ora, se esta é inegável, não se pode esquecer o explícito intento de Dilthey de delimitar e articular de modo unitário os diversos modos de significação em uma teoria universal da significação, na qual o sentido lógico-proposicional representa tão-só um aspecto. No caso da fenomenologia, vale em princípio algo similar ao exposto a propósito da hermenêutica. Seu próprio desenvolvimento a leva a focalizar-se em duas questões de decisiva importância, não só para ela mesma, senão também para as duas tradições restantes: 1) É todo sentido suscetível de uma formulação linguística ou há sentidos que são intrinsecamente extralinguísticos? 2) É todo sentido proposicional ou proposicionável? Uma forma ‗técnica‘ que assume esta importante discussão (porém, não a única possível) se refere à interpretação do noema husserliano.‖ (2002, p. 172-3). 200 Posfácio a uma década iluminada Dimensão sintática do conhecimento Matemática (inclui a lógica): Dimensão semântica do conhecimento Ciências Naturais: Física, Química, Biologia etc. Dimensão pragmática do conhecimento Ciências Sociais: História, Geografia, Psicologia etc. Mundo da Vida Onde se encontram situados os nativos falantes de uma língua natural; âmbito histórico, social, político, econômico, cultural, técnico etc. Fonte: Rocha, 2008, p. 185. No esquema acima, proposto por Rocha como uma alternativa ao modelo de Newton da Costa, o lugar do sentido se torna evidente a partir do mundo da vida, pois consiste no âmbito mais amplo, que sustenta significativamente todas as dimensões epistemológicas. Diante deste quadro comparativo, portanto, a sistematização proposta neste trabalho destaca, fundamentalmente, que o caminho da formação docente para o ensino de filosofia no ensino médio, bem como as reflexões sobre a docência, reconhece uma vivência capaz de abrir ou desvelar, não apenas o sentido dos conceitos filosóficos que sustentam os discursos científicos (próprios das disciplinas do currículo do ensino médio), mas essencialmente o jogo vi201 Evandro O. Brito vencial no qual está inserida a possiblidade de compreensão (e incompreensão) de todo e qualquer conceito. Esse é o caminho que, agora, se perde no crepúsculo, no apagar das luzes. Referências BRASIL. Emenda Constitucional n° 59/2009. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emen das/emc/emc59.htm. Acesso em: 5 nov 2016. ______. Lei n° 11.684/2008. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2008/lei/l11684.htm. Acesso em: 12 nov 2016. ______. Medida Provisória n°746/2016. https://www25.senado.leg.br/web. Acesso em: 10 nov 2016. BRITTO, T. F. Passo a passo no Legislativo: os caminhos do Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional. In: GOMES, A. V. A.; BRITTO, T. F. de (org). Plano Nacional de Educação [recurso eletrônico]: construção e perspectivas. Brasília: Câmara dos Deputados, Câmara: Senado Federal, Edições Técnicas, 2015. GALLO, S. Filosofia experiência do pensamento. São Paulo: Scipione, 2014. KOHAN, W. O. Infância entre educação e filosofia. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. PORTA, M. A. G. A filosofia a partir de seus problemas. São Paulo: Loyola, 2002. 202 Posfácio a uma década iluminada ROCHA, R. P. da. Ensino de filosofia e currículo. Petrópolis: Vozes, 2008. 203